a imprensa amazonense: dos preparativos do golpe - PPGH
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a imprensa amazonense: dos preparativos do golpe - PPGH
11 Considerações Iniciais O inicial interesse pela atuação da imprensa amazonense durante o golpe civil-militar de 1964 no Brasil ocorreu nos anos de graduação no curso de História da Universidade Federal do Amazonas, já que disciplinas que envolviam discussões de história recente me despertavam grande apreço. Portanto os primeiros contatos que tive com os referenciais teóricos se sucederam na época de graduando, entre 2001 e 2004. Textos como A Modernização Autoritária: Do Golpe Militar à Redemocratização 1964-1984, de Francisco Carlos Teixeira da Silva, encontrado em História Geral do Brasil, sob organização de Maria Yedda Linhares1; e livros como O Brasil Republicano, especialmente os volumes 3 e 4, organizados por Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado2 me permitiu a compreensão do período estudado. Visões do Golpe: A Memória Militar de 19643, organizado por Maria Celina D’Araújo; Gláucio Ary Dillon Soares; e Celso Castro traz um conjunto de entrevistas protagonizadas por até então, em sua maioria, tenentes, tenentes-coronéis e coronéis. São doze militares que deram depoimentos defendendo o posicionamento das Forças Armadas naquele período. Portanto, já possuía um alvo para ser pesquisado, porém ainda me deparava com o problema da delimitação. No entanto essa dúvida chegou ao fim ao ter entrado em contato com o texto de Marialva Barbosa, Imprensa e Poder, que se situava em sua 1 LINHARES, Maria Yedda (Org). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1990. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Orgs). O Brasil Republicano: O Tempo da Experiência Democrática – Da Democratização de 1945 ao Golpe Civil-Militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 (Vol. 3). FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (Orgs). O Brasil Republicano: O Tempo da Ditadura – Regime Militar e Movimentos Sociais em Fins do Século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003 (Vol. 4). 3 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio Ary Dillon; CASTRO, Celso. Visões do Golpe: A Memória Militar de 1964. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. 2 12 belíssima obra Os Donos do Rio: Imprensa, Poder e Público 4, onde a autora trabalha as relações de poder entre a imprensa carioca e os governos estabelecidos no Rio de Janeiro, nos cenários federal e estadual. A pesquisadora faz um estudo detalhado dos agrados logísticos que donos de jornais recebiam dos governantes em ação, desde os primeiros anos da república, onde demonstraremos com mais dados no decorrer da redação. Daí percebi que analisar o golpe civil-militar de 1964 sob a ótica dos jornais seria um trabalho interessante. História Através da Imprensa: Algumas Considerações Metodológicas, de Reneé Barata Zicman5, procura demonstrar ao leitor que há uma grande diferença entre história da imprensa, direcionada para um estudo mais narrativo e história através da imprensa, importante objeto da pesquisa historiográfica. A autora identifica a importância do instrumento comunicativo na evolução das sociedades, pois, em alguns momentos da história, é a única fonte de reconstituição de determinados períodos. Imprensa e História do Brasil6 faz um breve mapeamento da atuação dos principais periódicos nas nuances políticas da república brasileira. A estudiosa salienta a importância de investigar a fundo esse instrumento, percebendo os interesses de seus proprietários e editores, além do público que quer conquistar. Marco Antônio Villa escreveu uma biografia interessante a respeito do presidente denominada “Jango: Um Perfil (1945-1964)” 7. Deixando de lado as curiosidades pessoais, o autor traz importantes relatos como a influência política de Vargas sobre João Goulart, além da luta para a retomada do presidencialismo. Villa salienta que em 1964 o 4 BARBOSA, Marialva. Os Donos do Rio: Imprensa, Poder e Público. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2000. 5 ZICMAN, Renée Barata. História Através da Imprensa: Algumas Considerações Metodológicas. Projeto História, n˚ 4. São Paulo: Educ, 1985. 6 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994. 7 VILLA, Marco Antonio. Jango: Um Perfil (1945-1964). São Paulo: Globo, 2004. 13 PCB era um aliado “inconteste” de Jango, já que as reformas de base era o principal meio de acelerar o “processo revolucionário”. A tortura e a repressão eram geralmente vistas pela ótica das vítimas, porém em “Brasil: Nunca Mais” 8 as visões dessas violências eram advindas do Regime Militar, pois os documentos estudados foram produzidos pelos próprios militares, já que reuniu processos políticos presentes na Justiça Militar entre 1964 e 1979. O livro nos brinda com excelente material para desvendar os malefícios das práticas torturantes no país. O Regime Militar é caracterizado por fases, na qual as atividades repressivas iam se avolumando conforme a necessidade da ala radical se prolongar no poder. O trabalho a seguir é uma análise do golpe e não especificamente dos governos militares. Delimitei minha pesquisa entre 1961, ano em que Jango sobe ao poder, mesmo sob o regime parlamentarista, no qual muitas discussões vão se dar através da imprensa entre àqueles que defendem o presidente e os que o combatem; e 1968, ano da outorgação do AI-5 (Ato Institucional n ̊ 5), percebendo que adentrar num período posterior a essa data iria analisar um outro momento da época, com novas características, onde a censura se mostrou mais violenta. Analisar o aspecto discursivo do Jornal do Commercio e A Crítica entre 1961 e 1968 é uma das metas dessa atividade, preocupando-se apenas com o aspecto narrativo dos dois periódicos, ou seja, as maneiras como esses instrumentos se situaram perante os principais acontecimentos políticos do país. 8 Brasil Nunca Mais. 34ª ed. Petrópolis: Vozes, 2005. 14 O trabalho de José D’Assunção Barros, O Campo da História: Especialidades e Abordagens9 estuda os diversos campos, modelos e abordagens historiográficas, trazendo considerável contribuição aos pesquisadores. Conforme Barros o enfoque no poder é que classifica um trabalho historiográfico em história política, porém este poder, como bem indica Foucault, não está imóvel, encontrando-o em diversos setores da sociedade. Será este micro-poder, exercido pelos periódicos, que analisaremos. De acordo com o pesquisador, a história política não se preocupa apenas com a organização e relações de poder no Estado, mas também com as relações políticas entre grupos sociais diversos, tornando-se um espaço propício para uma história vista de baixo. Interessante discussão promovida pelo autor são as abordagens que se referem à história oral e história do discurso, afirmando que tanto o espaço oral como o escrito é passível de manipulação, pois os universos ocultos encontram-se nas duas vertentes. Promove um estudo sobre a história do discurso, fazendo o pesquisador perceber certos detalhes que antes passariam despercebidos. Segundo Barros, analisar as contradições presentes no texto e o apego aos pequenos detalhes são essenciais para quem trabalha sob a abordagem discursiva. Sendo a dissertação apresentada um estudo de história através da imprensa, trabalharei bastante com essa abordagem, onde falseamentos e posicionamentos referentes aos interesses desse ou daquele grupo podem estar presentes nas fontes. O Jornal do Commercio demonstrando seu posicionamento frente às articulações em torno do golpe publicava uma manchete no dia 20 de março de 1964 intitulada “Luta 9 BARROS, José D’Assunção. O Campo da História: Especialidades e Abordagens. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 2004. 15 Pela Liberdade Democrática”, que ressaltava que “As investidas do presidente da república contra o Congresso Nacional, com a realização dos últimos comícios esquerdistas, vem promovendo a unificação de todas as forças democráticas do país, em apoio ao Congresso Nacional para respeito às Instituições vigentes” 10 . Percebe-se, ao analisar o texto, o posicionamento político do jornal frente àquele fato. A retomada da história política é trabalhada por diversos autores, dentre eles René Rémond11 que trata da nova roupagem desse campo na literatura historiográfica. Indica os erros cometidos por essa abordagem e exalta que a mudança estrutural da história política ocorre, principalmente, devido ao contato com as ciências sociais e outras disciplinas. A ciência política, para o francês, vai ser responsável por provocar novos questionamentos, antes desprezados, como por exemplo, a participação eleitoral da sociedade. Vavy Pacheco Borges12, seguindo a mesma linha teórica de Rémond, reconhece também a mudança de postura dos historiadores políticos. Conforme a historiadora a história política que sofreu preconceito por parte da historiografia, hoje presencia um outro momento. Devido a essa mudança metodológica, o campo ganhou espaço e adeptos, além do diálogo com outras disciplinas. O início da década de 1960 representa para o Brasil momentos de grandes transformações políticas e sociais. A acelerada urbanização sem um projeto organizado de urbanismo acarretou intensas modificações na sociedade brasileira. Segundo o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva. No período entre 1950 e 1980, ocorre o mais intenso processo de modernização pelo qual o país passou, alterando em profundidade a fisionomia social, econômica e política do Brasil. Transformações aceleradas verificam-se 10 Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Março de 1964. RÉMOND, René. Por uma História Política. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996. 12 BORGES, Vavy Pacheco. História e Política: Laços Permanentes. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v 12, n˚ 23/24, set 91/ ago 92. 11 16 em todos os setores da vida brasileira, com alterações estruturais importantes, e definitivas, como a relação campo/cidade e a reafirmação de estruturas já implantadas antes de 1950 a industrialização no conjunto econômico capitalista mundial 13. No âmbito político a ascensão ao poder central de João Goulart gerava descontentamentos internos e externos, prejudicando o alinhamento ideológico histórico do Brasil com os Estados Unidos, já que a forma de governar do então presidente se chocava com os objetivos econômicos norte-americanos no país. Não quero levantar a tese de que o golpe civil-militar de 1964 foi produto exclusivamente da Guerra Fria, sob a liderança do bloco capitalista, mesmo com a participação direta dos Estados Unidos na deposição de governos que contrariavam seus objetivos e de estudos que mostram a maciça penetração norte-americana no Brasil. Parto do pressuposto de que as disputas políticas locais foram as que arregimentaram e arquitetaram tal episódio. Maria Helena Simões Paes analisa a década de 1960 como um momento de rebeldia e contestação, que representava inconformismos com a atual situação imposta pelo sistema capitalista. O cinema, o teatro e a literatura rejeitavam os padrões do modelo conservador. Em seu trabalho sobre o período, a autora o caracteriza como a “longa prosperidade do pós-guerra”, que atinge não só os sistemas capitalistas, como também o regime socialista, contestando todas as arbitrariedades cometidas por Stálin14. Para a historiografia da época, o golpe civil-militar foi deferido em um momento de turbulência política em nosso país no qual, para as Forças Armadas, a ameaça de um governo comunista estava presente entre os políticos daquele período. Porém Daniel 13 SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. A Modernização Autoritária: Do Golpe Militar à Redemocratização. In LINHARES, op. cit, p. 301. 14 PAES, Maria Helena Simões. A Década de 60: Rebeldia, Contestação e Repressão Política. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2002. 17 Aarão Reis Filho em A Revolução Faltou ao Encontro, Jacob Gorender em Combate nas Trevas e Leandro Konder em sua A Derrota da Dialética nos ajudará a compreender a crise por qual passavam as organizações esquerdistas15. Conforme Nadine Habert, o golpe foi uma reação das classes dominantes ao crescimento dos movimentos sociais, mesmo tendo estes um caráter predominantemente nacional-reformista16. É justamente dentro deste conflito político interno que vão se dar as principais divergências. Políticos ligados ao liberalismo não aceitavam uma política de cunho nacionalista e grupos conservadores internos, afastados do poder por Jango, resolveram aderir ao movimento golpista. Veja o que escreve Thomas Skidmore sobre a questão. Em fins de março de 1964 as tensões políticas haviam atingido um grau sem precedentes, com o presidente participando de uma série de comícios ruidosos em cada um dos quais anunciava novos decretos. Enquanto isso, a conspiração militar-civil aumentava de intensidade17. Entretanto, o objetivo central deste trabalho é fazer um passeio pela história do Brasil e do Amazonas na década de 1960, além de observar os motivos do golpe e analisar o posicionamento da Imprensa Amazonense, entre os anos de 1961 até a imposição do Ato Institucional nº. 5, no final de 1968. O período que ocorreu o golpe civil-militar de 1964 tornou-se objeto de estudo não só de historiadores, mas também de sociólogos, cientistas políticos e jornalistas. No entanto, a investigação deste fato na cidade de Manaus é praticamente inexistente. Poucos são os 15 Veja o assunto com mais precisão no primeiro capítulo. HABERT, Nadine. A Década de 70: Apogeu e Crise da Ditadura Militar Brasileira. 3ª ed. São Paulo: Ática, 2001. 17 SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 43. 16 18 pesquisadores que se preocupam com a análise deste tema entre os amazonenses, transformando-se num incentivo extra para a conclusão da pesquisa. Muitas são as ferramentas auxiliares do historiador. A análise e a crítica a um documento (jornal) são indispensáveis. Os jornais amazonenses já citados são os principais objetos desta pesquisa, onde nas datas marcantes do período estudado os fatos retratados nos periódicos mencionados serão analisados. Os jornais pesquisados demonstravam sua ideologia nas articulações que antecederam o golpe. As notícias classificando Jango como conspirador foram intensas. “Adhemar é Favorável ao Impeachment Contra JG” noticiava o Jornal do Commercio de 17 de Março de 1964. “Aquele espetáculo deprimente encheu de inquietude o Brasil, pois durante o comício o próprio presidente da república pediu o cerceamento do Congresso, tentou contra a constituição e deixou claro ainda que as reformas vão ser impostas ao Brasil de qualquer maneira”, enfatizava o governador paulista, no jornal da mesma data, referindo-se às reformas de base propostas pelo governo Jango. Nem Jango, nem nenhum governo populista tiveram aspirações socialistas, contudo o simples choque de interesses com os grupos conservadores liberais suscitou esta ideia no seio da sociedade brasileira. Com a imprensa amazonense tendente a este grupo político compromissado com as instituições vigentes, o governo janguista foi deposto do poder com todo o respaldo dos principais veículos de comunicações. Durante todo o período que vai do golpe à implantação do AI-5, a imprensa serviu de alicerce aos governos militares. Apenas com o endurecimento da repressão, alguns desses veículos de comunicações terão uma postura mais crítica, porém não foi o que ocorreram com os jornais amazonenses em questão. As suas posições reacionárias continuaram. O 19 cerne da pesquisa é provar o alinhamento de tais veículos com os conservadores, através da análise do discurso dos jornais estudados. Outra meta deste trabalho é contribuir para uma formação consciente deste período. Manter vivo no âmbito acadêmico a memória da censura e da opressão daquela época. Na história da república o Exército sempre esteve presente atuando de forma arbitrária e intolerante, seja nos primeiros anos da república, ou nos quinze anos de governo Vargas. O poderio militar foi uma base para esses governos autoritários. Contudo a ditadura militar de 1964 conseguiu criar mecanismos legais de tortura e repressão (AI-5, suspensão do hábeas corpus, etc.) que se configurou numa época de grande violência e falta de liberdade. Outra característica desta fase que a diferencia dos demais períodos ditatoriais foi que os militares logravam afastar do cenário político o maior número de grupos civis, deixando-os à margem das principais decisões políticas e econômicas do país. Durante o período militar os valores democráticos foram postos à margem da sociedade, onde não só as classes populares foram prejudicadas, como também uma parcela das classes conservadoras que não concordavam com o autoritarismo dos militares. A agressão à democracia ocorreu com o aval do Estado Autoritário, no qual havia muitas vozes que eram caladas pelas torturas e pelo medo. Hoje essas vozes foram silenciadas por um grupo político que transformou a mídia num aparelho unilateral, cujas discussões que põem em cheque este Brasil neoliberal são tiradas do ar em prol da imagem de um país que não existe. 20 As relações de poder, onde a camuflagem de notícias podia mexer com as estruturas das Forças Armadas e com as opiniões dos que articularam o golpe, assim como os que sofreram a repressão estarão presentes neste trabalho. Sempre se preocupando, principalmente, com o posicionamento dos periódicos. Posicionamento este que retratou as articulações conservadoras entre civis e militares para derrubarem um governo eleito “democraticamente” em prol da manutenção das estruturas sociais e políticas vigentes. Assim como Flávio Aguiar afirma que “a censura à imprensa imposta pelo regime de 1964 começou na verdade um pouco antes de 1954, quando o jornalista Carlos Lacerda pôs seu jornal Tribuna da Imprensa completamente a serviço da derrubada de Getúlio Vargas” 18 , procurarei mapear esta pesquisa, analisando o posicionamento da imprensa amazonense desde a crise entre trabalhistas e liberais, ainda na década de 1950. [...] o aspecto pró-ativo da censura era bem mais complexo. Seu mote inspirador pode ser descrito como o de criar uma imagem do “Brasil que dava certo”. Num extremo da criatividade ditatorial esse Brasil que dava certo associou-se ao “Brasil Grande”, ao Brasil das obras faraônicas como a Transamazônica, ao Brasil Tri-campeão do mundo, ao Brasil do “milagre” econômico19. As relações de poder entre imprensa e governos estabelecidos no Brasil já vem de longa data, principalmente após a segunda metade do século XX, onde a imprensa brasileira ganhou características de empresa capitalista. A imprensa tem como objetivo atuar como voz do povo, porém na democracia burguesa na qual vivemos a informação é expropriada pela classe dominante. Obtemos a notícia que convém aos poderosos, daí o interesse de investigar a posição dos jornais 18 AGUIAR, Flávio. A Tesoura e o Quadro: Uma Visão Sobre a Censura à Imprensa Durante o Regime de 1964. Margem Esquerda: Ensaios Marxistas, São Paulo: Boitempo, 2004, p. 43. 19 Ibidem, p. 46. 21 amazonenses naquele período. Veja o que afirma Francisco Falcon sobre a análise das relações de poder. História e poder são como irmãos siameses – separá-los é difícil; olhar para um sem perceber a presença do outro é quase impossível. A história da humanidade deve neste caso ter presentes estas duas maneiras de ver a questão das relações entre a história e o poder: há um olhar que busca detectar e analisar as muitas formas que revelam a presença do poder na própria história; mas existe um outro olhar que indaga dos inúmeros mecanismos e artimanhas através das quais o poder se manifesta na produção do conhecimento histórico20. É dentro deste segundo olhar proposto por Falcon que se pautará este trabalho. Detectar e analisar uma notícia, manchete ou reportagem, percebendo sua posição ideológica para demonstrar que linha política segue aquele jornal. Segundo Marialva Barbosa. [...] Todo documento é também um monumento de memória, na medida em que é produzido e utilizado com fins específicos pelo poder. O documento não é algo que revela um dado do passado ou presente, sendo antes produto da sociedade que o fabricou, segundo as relações de força dos que detém o poder21. Por fim, essa dissertação está estruturada em três capítulos, além de um pequeno resumo sobre a Imprensa no Amazonas. O primeiro capítulo intitulado Um Golpe Mais que Ensaiado retrata a maturidade política que as Forças Armadas adquiriram a partir das tentativas frustradas de golpe nos anos de 1954, 1955 e 1961. Além de apresentar a reação dos grupos de esquerda perante aos golpistas, o capítulo procura demonstrar o posicionamento do Jornal do Commercio e A Crítica diante das articulações que envolveram o golpe civil-militar de 1964. 20 FALCON, Francisco. História e Poder. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 61. 21 BARBOSA, op. cit, p. 118. 22 O segundo capítulo, sob o título O Golpe e seus Posicionamentos, trata das visões sobre o golpe civil-militar de 1964. A opinião de seus principais articuladores, justificando o movimento anticonstitucional. Além de trabalhar o aspecto narrativo dos periódicos citados após o golpe, o capítulo descreve as lutas travadas entre trabalhistas e liberais no período. O terceiro e último capítulo, que tem como título A Legitimação da Ditadura nos Jornais Amazonenses, descreve as crises envolvendo os principais articuladores do golpe civil-militar, demonstrando como o Jornal do Commercio e A Crítica narraram a outorgação do Ato Institucional n ͦ 2, que cassou os direitos políticos de muitos envolvidos no movimento golpista. O capítulo demonstra o posicionamento dos periódicos estudados até dezembro de 1968, ano do AI-5, além de retratar o panorama da sociedade amazonense no período. Além dos três capítulos, a dissertação traz um breve histórico da imprensa no Amazonas, que iniciou suas atividades no país a partir da chegada da Família Real ao Brasil no início do século XIX. No Amazonas o jornalismo foi inaugurado com a publicação do Cinco de Setembro em 1851. Uma Breve História da Imprensa no Amazonas 23 O Bloqueio Continental (1805) imposto por Napoleão Bonaparte, impedindo qualquer país europeu de fazer comércio com a Inglaterra teve inúmeras conseqüências na até então colônia brasileira. A fuga da Família Real Portuguesa para o Brasil (1808) ocasionou muitas mudanças na situação política da região. A assinatura dos tratados comerciais abrindo os portos tupiniquins às outras nações iniciou o processo emancipador que se concretizou em 1822. Juntamente com a Família Real apareceu a imprensa (1808). Com um enorme índice de analfabetismo e sem universidades, as impressões de jornais eram difíceis. Entretanto, antes mesmo da chegada da Imprensa Régia ao Brasil já circulavam vários panfletos e matutinos efêmeros, incitando a luta pela independência. A imprensa no Amazonas surgiu muitos anos depois da chegada da nobreza portuguesa ao Brasil. Apenas em 1851, com a publicação do Cinco de Setembro, iniciouse a atividade jornalística na província amazonense. Este jornal, no ano seguinte, passou a se chamar Estrella do Amazonas. Foi o principal jornal a surgir no Estado do Amazonas. Seu primeiro número circulou a 3 de maio de 1851, tendo por diretor proprietário o tenente Manoel da Silva Ramos, tipógrafo, natural do Pará, que foi convidado por Tenreiro Aranha para montar a primeira oficina tipográfica de Manaus, onde foi composto e impresso o Cinco de Setembro [...] Após 8 meses de circulação, já tendo sido instaurada a província do Amazonas, mudou o nome para Estrella do Amazonas. Em dezembro foi publicado o último número com o título de 5 de Setembro22. Conforme Geraldo dos Anjos, até 1870, a imprensa não apresentava uma forma gráfica agradável e os problemas econômicos tinham maior espaço no informativo. Depois era destacado o cenário político com o uso de uma linguagem violenta. “Foi 22 FREIRE, José Ribamar Bessa; et al (Orgs). Cem Anos de Imprensa no Amazonas (1851-1950): Catálogo de Jornais. Manaus: Editora Calderado, 1990, p. 57. 24 depois disso que a imprensa começou a melhorar, apresentando uma visão mais globalizada dos problemas sociais e políticos, com sensível melhoria no aspecto gráfico”23, relatava Geraldo. Eram folhas antiestéticas, nada interessantes e que seguiam o primitivismo da época devido às condições que cercam qualquer atividade pioneira [...] alguns anos depois os informativos tomaram formas mais elaboradas, observando a inclinação por esse ou aquele partido24. De acordo com Loredana Kotinski, somente no final do século XIX os jornais amazonenses se posicionarão perante as divergências políticas no Estado. O Jornal Amazonas e Commercio do Amazonas serão os primeiros periódicos a abolirem as ideias da escravatura. Geraldo dos Anjos afirmava que os jornais mencionados acima deixaram de publicar anúncios de compra e venda de escravos negros, demonstrando os seus anseios abolicionistas25. Os periódicos citados circularam na cidade de 1866 a 1921 e de 1869 a 1904, respectivamente26. O jornal do Commercio do Amazonas [...] Caracterizou-se por ser um jornal aberto às diversas correntes de opinião. De grande circulação, foi responsável pela criação do sistema telegráfico e de ilustração (vista da cidade e foto clichês de pessoas de destaque, confeccionadas pelo xilógrafo, Necphoro) a serviço da imprensa amazonense27. 23 KOTINSKI, Loredana. Imprensa Amazonense: Uma História de Muitas Lutas. A Crítica, Manaus, 06 de Janeiro de 2002, p. C3. 24 Ibidem. 25 Ibidem. 26 O Jornal do Amazonas passou a circular diariamente a partir de 1890, pois nos períodos anteriores a circulação variava entre 3 vezes por semana. Outra característica do periódico era a oposição às facções Nery e Pedrosa na década de 1910. In: FREIRE, op. cit. 27 Ibidem, p. 63. 25 A imprensa e o leitor foram se modificando com o passar dos anos. Nos períodos ditatoriais a censura se mostrou mais eficaz. Os jornalistas tiveram que criar novas maneiras de noticiar. Ilustrações, charges e outros meios criativos contribuíram para este processo. Neste aspecto, cabe também lembrar a astúcia de Alberto Dines no JB. Impedido de noticiar, em manchete, a morte de Salvador Allende (12/09/1973), apresentou a primeira página sem manchetes e sem fotos, ludibriando a censura e denunciando-a de maneira surpreendente28. Durante o governo Vargas inúmeros jornais e revistas foram fechados com o aval do Executivo. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) fazia o controle dos veículos de comunicações, onde serviam à ditadura ou agiam na clandestinidade. Passada a década de 1950, a falta de liberdade de expressão voltaria a fazer parte do cotidiano do povo brasileiro no Estado Autoritário de 1964. A empresa jornalística foi habitada por censores, contudo jornalistas combativos atuavam denunciando os abusos de poder exercido pelos militares, principalmente agindo na chamada imprensa nanica. O pesquisador, ao investigar um jornal, procura saber quem são seus proprietários e editores, a quem se dirige e quem quer conquistar29. Mapeando esses dados, conseguirá um perfil provisório do periódico, pois atualmente os historiadores reconhecem que os fatos são fabricados e não doados. Não abandonaram a busca pela verdade, porém reconhecem que possuem muitas versões. O Jornal do Commercio fundado em 1904 foi incorporado em 1943 por Assis Chateaubriand, fazendo parte dos Diários Associados. Durante o golpe civil-militar de 1964 tinha como diretores João de Medeiros Calmon e Epaminondas Barahuna. Durante 28 29 CAPELATO, op. cit, p. 17. Ibidem. 26 um bom tempo foi o periódico de maior prestígio em Manaus, principalmente na década de 193030. A Crítica foi fundado em 1949, cujo diretor-proprietário era o Sr. Umberto Calderado Filho. Foi o primeiro jornal a usar fotos coloridas na primeira página. Destacou-se pela oposição ao governador Leopoldo Neves, entre 1947 e 1951. Atualmente a Sr ͣ Rita de Araújo Calderado dirige o jornal. Ocupa hoje um lugar de destaque no cenário jornalístico, pois além do periódico, atua na Rádio e na Televisão31. CAPÍTULO I Se o poder só tivesse a função de reprimir, se agisse apenas por meio da censura, da exclusão, do 30 CIDADE, Maria Tereza Pinheiro. Sensacionalismo nos Jornais de Manaus: Um Estudo Comparativo. Manaus: Editora da Universidade do Amazonas, 1996, p. 27-30. 31 Ibidem, p. 36-40. 27 impedimento, do recalcamento, à maneira de um super-ego, se apenas se exercesse de um modo negativo, ele seria muito frágil. Michel Foucault UM GOLPE MAIS QUE ENSAIADO 1. A POLITIZAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS O capítulo a seguir tem como objetivo discutir as articulações que envolveram o golpe civil-militar, assim como demonstrar que a atividade política dos militares sempre esteve presente em nossa história. Percebe-se que as forças políticas civis subestimaram as Forças Armadas, já que a preparação para a tomada de poder promovida pelos golpistas já se sucedia havia dez anos antes do golpe. Debateremos os motivos que impossibilitavam a unidade que ocorreu em 1964. Outra meta do capítulo é mostrar o posicionamento dos periódicos já citados durante os antecedentes que envolveram o golpe civil-militar. Como o Jornal do Commercio e A Crítica divulgaram as notícias que preenchiam o cenário político do Brasil para o resto da sociedade. Para Alfred Stepan32, até 1964 os militares aceitavam, espontaneamente, um posicionamento de meros coadjuvantes no cenário político nacional. Para o estudioso, os modelos políticos de relações onde civis tentam envolver os militares na política contradiz com o modelo liberal que defende a apolitização das Forças Armadas. 32 STEPAN, Alfred. Os Militares na Política. Estados Unidos: Universidade de Princeton, 1971. 28 [...] Os Militares na Política, livro em que Alfred Stepan propõe um novo modelo de relações civis-militares, adicionando-o à clássica lista elaborada na década de 1950 por Samuel Huntington. Para Stepan, quando se trata da América Latina, nem o modelo liberal dos pequenos exércitos, nem o profissional dos exércitos fortes, mas sob controle civil, parecem adequados para entender a vida política. Em vez disso, seria necessário distinguir um novo padrão capaz de dar conta da efetiva relação entre políticos e militares em países como o Brasil33. Conforme Stepan, a função dos militares é a manutenção do sistema em funcionamento, desempenhando papel unicamente conservador, já que aceitam esta situação por confiarem na política parlamentar dos civis e por se considerarem inferiores, aos civis, no momento de administrarem. Como o próprio Stepan afirmou, “os militares têm alta legitimidade para intervir, mas baixa legitimidade para governar” 34. Ao analisar as ideias de Hannah Arendt sobre a América Latina, Márcia Mansor D’Alessio afirmou que o continente americano tinha o destino pré-determinado e estava bastante suscetível a golpes militares. Nos anos 1980 dois terços da população do continente era governada pelas Forças Armadas, pois para a pesquisadora “as respostas autoritárias pretenderam conter e controlar os então chamados de subversivos, que não se conformavam com a situação de pobreza e de injustiça social do continente” 35. A explicação mais comum, ao visitar o passado histórico, começa por identificar nas características da colonização ibérica o pecado original da situação presente. Depois da independência, o advento do caudilhismo – entendido como um “bando” de homens armados que seguiam um líder – reafirmava a “índole” autoritária da região. Este fenômeno, ainda na mesma linha de raciocínio, teria se transformado em militarismo no século XX. Estas são apontadas como as prováveis “causas” das ditaduras e da ausência da “vocação” democrática na América Latina36. 33 STEPAN, Alfred apud FILHO, João Roberto Martins. Forças Armadas e Política, 1945-1964: A AnteSala do Golpe. In: FERREIRA; DELGADO, op. cit, p. 101. 34 Ibidem, p. 102. 35 D’ALESSIO, Márcia Mansor apud PRADO, Maria Lígia Coelho. Democracia e Autoritarismo na América Latina do Século XIX. In: OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles; PRADO, Maria Lígia Coelho; JANOTTI, Maria de Lourdes Monaco. A História na Política, a Política na História. São Paulo: Alameda, 2006, p. 34. 36 Ibidem. 29 No entanto de acordo com Maria Lígia Coelho Prado, essa visão de continuidade encabeçada pelos caudilhos se mostrou equivocada, pois o caudilhismo foi um fenômeno particular presente em alguns países. No Brasil não apareceram caudilhos, no Chile também não, mesmo assim, os dois países foram sacudidos por golpes militares. Na Argentina, passaram-se 70 anos para eclodir o primeiro golpe militar, após a derrota do caudilhismo em 1860. Portanto, esta justificativa se mostrou limitada. As ditaduras não são invenções dos latino-americanos. No século XIX os europeus já preconizavam a necessidade de governos ditadores para manterem a ordem. Esta observação inicial sobre a questão da ditadura se faz necessário para que não se atribua o recurso autoritário como nascido “das entranhas da barbárie latino-americana”. Uma segunda lembrança no mesmo sentido: os positivistas, como se sabe, na segunda metade do século XIX, também preconizavam soluções políticas autoritárias (e mesmo ditatoriais) para fazer avançar “a evolução natural” das sociedades em direção ao “progresso” e ao “estado positivo” 37. As elites dirigentes, tanto na Europa, quanto na América Latina estabeleciam limites para conter a ação das classes populares, com o intuito de não perderem seus benefícios políticos e econômicos. Os publicistas entendiam que as condições sociais e políticas de seus países não permitiam que a democracia fosse posta em prática. Da mesma forma que na Europa, pensavam que fosse necessário esperar e educar o povo para que as instituições democráticas entrassem em vigência38. 37 38 Ibidem, p. 35. Ibidem, p. 36. 30 Educar o povo significava limitar sua participação política na sociedade. Portanto, percebe-se que a análise das formações dessas sociedades no passado serviu para conhecer as estruturas do presente. Conforme Márcia Mansor D’Alessio. Os anos 1980 conheceram uma experiência importante e, de certa forma, única na política brasileira: uma mobilização operária propôs, com sua prática, uma nova forma de fazer política e mudou, com esta prática, a correlação de forças no País. Uma mudança que se mostrou estrutural posto que as forças em luta não estavam dentro dos muros dos palácios, mas esparramadas pelo social e lideradas pelas classes trabalhadoras39. Alguns historiadores posicionam o importante papel político que o Exército exerceu na História do Brasil até mesmo durante o Império. Em 1884, por exemplo, Benjamin Constant apoiou um general que homenageou um líder abolicionista. Contudo, somente na segunda metade do século XX, os militares conduzirão o processo. Enquanto antes de 1964 atuavam apenas como árbitros políticos, aparecendo para a manutenção das Instituições conservadoras e conduzindo o poder aos civis; após 1964, as Forças Armadas serão os atores protagonistas, não transferindo o poder aos civis e afastando-os do panorama político nacional. Os movimentos de 1955, que garantiram a posse de Juscelino Kubitcheck, e de 1961, que pretendiam a não investidura no cargo de presidente de Goulart, são, no entender de teóricos da ciência política, manifestações do aparelho militar como poder moderador, tendo em vista que o papel assumido pelas Forças Armadas nesses episódios não se caracterizara pela ação direta, mas pela força dissimulada. Ao contrário, os movimentos anteriores a 1945 caracterizaram-se pela intervenção ostensiva da instituição40. Em contrapartida, Oliveiros Ferreira compreende que o atraso e a corrupção aniquilaram o sistema político brasileiro, onde a saída seria uma aliança entre civis e 39 D’ALESSIO, Márcia Mansor. A Dimensão Política da História. In: Ibidem, p. 13. BORGES, Nilson. A Doutrina de Segurança Nacional e os Governos Militares. In: FERREIRA; DELGADO, op. cit, p. 19. 40 31 militares. Segundo o autor não há outra força organizada no país capaz de enfrentar o sistema senão as Forças Armadas 41. Alfred Stepan usa a Escola Superior de Guerra (ESG) para indicar a ineficiência em liderar dos militares. De acordo com ele, a escola mostra o quanto as Forças Armadas estavam despreparadas para enfrentarem as anomalias do país, pois a mesma foi criada devido a necessidade que possuíam em entender certos assuntos civis, principalmente no âmbito econômico. Por um lado, as Forças Armadas constituíam parte integrante e indissociável do poder político desde 1930 e, principalmente, depois de 1937. Por outro, a propalada timidez militar – ou auto-imagem de inferioridade – não parece passar de um mito. Como veremos, o fracasso das intervenções castrenses de 1954 e 1961 associa-se não à falta de ousadia dos militares, mas às suas debilidades internas, que se constituíram em obstáculo para a tomada de poder em condições históricas concretas. Não é tanto no plano subjetivo – da auto-imagem militar – mas no plano objetivo das relações de forças que se fez a história das intervenções militares das décadas de 1950 e 1960. Quando, finalmente, em 1964, as Forças Armadas se viram optar a tomar o poder, o fizeram sem grandes hesitações, arrastando consigo todos os planos civis42 . Entretanto, percebe-se que a ascensão política dos militares já havia ocorrido desde o golpe de 1937. Nas palavras de João Roberto Martins Filho “após a repressão das forças da esquerda, do movimento integralista e das oligarquias regionais, Estado e Forças Armadas tornaram-se difíceis de distinguir” 43 . Para o sociólogo, o papel do Exército contrastava com aquela visão da “página em branco”, exposta por Stepan, que os taxavam de inseguros e ineficientes. Já após o desfecho golpista, os militares percebiam a necessidade que possuíam de se organizarem politicamente. Com manchete sob o título “Chefes Militares Preconizam 41 FERREIRA, Oliveiros. As Forças Armadas e o Desafio da Revolução. São Paulo: GRD, 1964. FILHO, op. cit, p. 103. 43 Ibidem, p. 105. 42 32 Formação de um Novo Partido” 44 , o Jornal A Crítica divulgava a ideologia dessa agremiação. Abaixo segue a reportagem na íntegra. O sr. Magalhães Pinto é o verdadeiro artífice da ideia da criação de um novo partido que congregaria as forças que se uniram em torno do movimento vitorioso em 1 ͦ de abril no campo político civil. Na realidade, foram os chefes militares que preconizaram a formação de uma agremiação partidária englobando os participantes do movimento, em sua hora decisiva. Consideram esses homens que na área militar, apesar de algumas divergências de pontos de vista em determinados grupos, há uma solene união quanto aos objetivos que a ação revolucionária tem necessidade de alcançar para se justificar amplamente perante o povo, por haver interrompido a legalidade constitucional. Ao mesmo tempo, são todos concordes no antagonismo ao comunismo e ao peleguismo que querem banidos para sempre da vida brasileira. Têm, pois ideias comuns, a despeito das divergências que, eventualmente tenham quanto à maneira de atacar esses males. Queres esses chefes que os líderes civis do movimento revolucionário e as forças a que estão ligadas mantenham unidade idêntica45. A matéria do periódico apontava para a necessidade que os militares possuíam de organizarem uma entidade partidária. Perceba que a reportagem conclamava a união entre àqueles que tinham o mesmo objetivo, que eram a luta contra o comunismo e a unidade política conseguida em 1964. Entre os militares46, é comum afirmarem que a Escola Superior de Guerra foi importante para essa unidade política das Forças Armadas. A Escola Superior de Guerra (ESG) funcionava mais como um departamento de estudos sociais, políticos e econômicos, do que propriamente uma escola voltada para a guerra. O campo militar conservador estava dividido entre aqueles militantes ativos e os membros da ESG, mais interessados nos bastidores da política. Em certos momentos, os dois grupos aliavam-se graças às suas ideias em comum que possuíam: o anticomunismo e o antinacionalismo. 44 A Crítica, Manaus, 28 de Julho de 1964. A Crítica, Manaus, 28 de Julho de 1964. 46 Ver capítulo 2. 45 33 No início da década de 1960, o agravamento da crise social e política contribuíram para consolidar no meio militar a ideia de que a guerra revolucionária já começara no país. Apesar das perplexidades, as Forças Armadas não dependeram dos civis para redefinir suas doutrinas. Ao contrário, o mais breve exame do debate que se desenvolveu no interior da ESG parece evidenciar uma corporação que tratava de expandir seu papel ativa e dinamicamente, desde o final da década de 1940. Diante de tantas ideias militares, a imagem antes citada da “página em branco” parece cada vez mais inadequada. No entanto, é bom lembrar que a ideologia aqui examinada era hegemônica, mas não exclusiva, no campo militar. [...] o Clube Militar tornouse, nessa fase, em tempos de guerra fria, palco de intensa disputa entre os anticomunistas e uma corrente militar nacionalista, que criticava o alinhamento do Brasil com os Estados Unidos e via no imperialismo e não no comunismo o principal inimigo do país47. Conforme a interpretação de Martins Filho, os militares só não tomaram o poder anteriormente por falta de unidade entre as corporações. Em vista disso, a ideia de que as Forças Armadas eram inferiores politicamente não se sustenta ao analisar a evolução da Instituição no cenário político brasileiro. Seus líderes não foram capazes de tornar vitoriosas as tentativas de golpe de 1954 e 1961, não porque os militares temessem a intervenção autônoma na política, mas porque as condições objetivas impediram uma maior união e eficácia do campo afinal vitorioso em 1964. Por tudo isso, não parece possível apresentar as Forças Armadas brasileiras no período em questão como uma página em branco, à espera de um grupo que escrevesse em suas linhas um programa político48. Para Jorge Ferreira49, dois projetos ocupavam o cenário político do país. O primeiro chamado de getulismo ou trabalhismo combatia o liberalismo, defendendo o setor estatal, propondo um capitalismo nacionalista, que conflitava com os planos estrangeiros na Nação. O projeto ganhou a adesão dos comunistas, em virtude de suas propostas trabalhistas. Mais tarde o getulismo ficaria conhecido como nacional-estatismo. 47 FILHO, op. cit, p. 111. Ibidem, p. 121-122. 49 FERREIRA, Jorge. As Crises da República: 1954, 1955 e 1961. In: FERREIRA; DELGADO, op. cit. 48 34 Já o segundo defendia o liberalismo e a não-intervenção do Estado na economia, alinhando-se aos Estados Unidos. O projeto seduzia os empresários e as elites, assim como militares, onde o maior divulgador de seus ideais seria a União Democrática Nacional (UDN), conhecidos como liberais-conservadores. Conforme as questões levantadas até o momento, nota-se que a ideia, defendida por Stepan, da “página em branco” se revelou inadequada. As divergências políticas em torno dos civis eram inúmeras, numa disputa ideológica que envolvia os partidos trabalhistas e os liberais50. Dentro das Forças Armadas os conflitos também estavam presentes. Veja o que afirmava Martins Filho sobre a situação. [...] é preciso ter em mente as diferenças dentro das Forças Armadas. Desde 1954, a Aeronáutica era terreno praticamente exclusivo dos anticomunistas. Na Marinha, conhecida por seu elitismo, também havia pouco espaço para dissidências, e o quadro se agravou sobremaneira com a eclosão das revoltas de marinheiros, no início dos anos 60. Assim, quando se fala de polarização militar, pensa-se principalmente no Exército51. Segundo Maria Celina D’Araújo as seguidas derrotas impostas à UDN amadurecia um golpe que aconteceria em 1964. As conspirações golpistas avolumaram-se e intensificaram-se com o Atentado da Rua Toneleros, onde os adversários de Vargas usaram o episódio para responsabilizá-lo. Agindo, sincronicamente, a imprensa diariamente, divulgava ataques ao presidente. As pressões vindas das Forças Armadas propunham o impeachment do chefe da Nação. Com grande espaço em toda a imprensa, a oposição difundia e manejava imagens que procuravam, ao mesmo tempo, desqualificar o governo e indignar e mobilizar contra ele a população. Caudilho, corrupto, ambicioso, desonesto, 50 51 Ver Capítulo 2. FILHO, op. cit, p. 116. 35 violento, imoral, entre outras imagens extremamente negativas. Assim os conservadores se esforçaram para desmerecer o presidente52. O assassinato do Major Rubens Vaz e a tentativa de morte do jornalista Carlos Lacerda criou uma situação de tensão no Brasil. A Crítica divulgava “Clima para Golpe: Atentado Contra a Ordem e a Integridade do País” 53 e ressaltava “Infiltração dos Vermelhos na Política: Documentos em Poder de um Comunista Brasileiro Revelam um Plano de Subversão” 54. Vargas aceitou licenciar-se do cargo até que o crime fosse esclarecido, no entanto seus opositores exigiam a renúncia. Ao suicidar-se, a tentativa de golpe civil-militar é frustrada, já que as manifestações contrárias aos inimigos de Getúlio se espalharam pelo país. Jornais antigetulistas tiveram suas sedes depredadas e seus exemplares incendiados; bases de partidos adversários do presidente, especialmente a UDN, foram invadidas e apedrejadas, assim como a fachada da Embaixada dos Estados Unidos e da Standard Oil, no Rio de Janeiro. Iniciou-se intensa pressão para que o presidente renunciasse o poder. A Crítica salientava “A Vargas Só Resta uma Atitude Digna: Renúncia” 55 . Pressionando diariamente através da grande imprensa, o mesmo periódico anunciava “Proposta a Renúncia do Presidente Getúlio Vargas” 56. Um dia antes do suicídio do presidente, altas patentes da Aeronáutica exigiam a renúncia de Vargas57, entretanto o chefe do poder executivo resistia. No dia seguinte a 52 FERREIRA, op. cit, p. 307. A Crítica, Manaus, 06 de Agosto de 1954. 54 A Crítica, Manaus, 07 de Agosto de 1954. 55 A Crítica, Manaus, 14 de Agosto de 1954. 56 A Crítica, Manaus, 16 de Agosto de 1954. 57 “O Brasil Caminha para o Caos”. A Crítica, Manaus, 23 de Agosto de 1954. 53 36 situação ficou insustentável. A Crítica noticiava “Caiu Getúlio Vargas” 58 , onde conforme a reportagem, as Forças Armadas organizavam-se para tomar o poder. Horas depois, o presidente cometia suicídio, mudando o curso da história. A Crítica estampava “Grandes Emoções Agitam a Nação” 59 e “Verdadeira Consagração: O Embarque dos Despojos do Ex-Presidente Getúlio Vargas” 60. Se, num primeiro momento, as agressões voltaram-se para aqueles considerados pela cultura política popular como inimigos “internos” do presidente, como partidos, rádios e jornais, agora a revolta dirigia-se para aqueles vistos como os inimigos “externos”, referidos, inclusive, na cartatestamento: o imperialismo e suas representações oficiais e comerciais. A primeira vítima foi a representação diplomática norte-americana, invadida, saqueada e totalmente destruída. O National City Bank, símbolo do capital estrangeiro, foi atacado por outros grupos. O sentimento anti-norteamericano da população pôde ser percebido não apenas pelas agressões ao consulado e ao banco, mas também pelo ataque a algumas empresas, como a Importadora Americana S.A., loja de importação de automóveis dos EUA, e a Importadora de Máquinas Agrícolas e Rodoviárias. Até mesmo uma casa noturna, a American Boite, foi tomada à força pelos manifestantes: centenas de vitrinas e letreiros luminosos foram quebrados61. Os motins citados acima ocorreram no Rio Grande do Sul, onde seu governador, general Ernesto Dornelles, primo de Getúlio Vargas, conteve as revoltas sem a repressão extremada existente na capital da República. Lá, a violenta reprimenda, deixou um saldo de dois mortos e dezenas de manifestantes feridos. Em Manaus, estivadores do Porto da cidade revoltaram-se contra os inimigos de Vargas, promovendo quebradeiras62 pela cidade. Foram presos e soltos por correligionários do PTB, entre eles Plínio Coelho. Manifestantes planejavam depredar a 58 A Crítica, Manaus, 24 de Agosto de 1954. A Crítica, Manaus, 25 de Agosto de 1954. 60 A Crítica, Manaus, 26 de Agosto de 1954. 61 FERREIRA, op. cit, p. 312. 62 “Distúrbios Causados por Estivadores”. A Crítica, Manaus, 26 de Agosto de 1954. 59 37 sede do Jornal A Crítica, pois o periódico era considerado inimigo do ex-presidente, conforme o posicionamento de suas matérias. Veja reportagem abaixo. Diante da notícia revoltante de que capachos do PTB, ébrios, tentariam em grupos invadir e atacar a nossa redação, insuflados pelos falsos líderes do povo, mais parecidos cangaceiros e ameaçadores da ordem pública, viemos a público, acostumados a estar com o povo e interpretar os sentimentos populares, dar uma resposta a todos esses desordeiros sociais. Senhores arruaceiros, atentem para o que vamos dizer: Estamos em nosso jornal a qualquer hora, como sempre ao lado do povo e defendendo o povo, e saberemos responder a altura aos ataques dos assaltantes e se preciso for Responderemos à Bala a qualquer atentado ao nosso matutino e ao seu honesto pessoal. Não somos covardes e jamais fugiremos à luta. Lamentamos sim, que elementos que se dizem amigos do falecido presidente, estejam denegrindo a memória do sr. Getúlio Vargas com arruaças e autênticas badernas que outro objetivo não tem senão provocar distúrbios e confusões, grosseiramente, o acontecimento fúnebre em proveito de propaganda eleitoreira. Estamos aqui. Podem Vir!63 Percebam que a população do país detectava, não só os inimigos internos do presidente (partidos liberais); como também os opositores externos (instituições estrangeiras). A ideologia dos veículos de comunicações também era identificada pelos manifestantes, como demonstrou a reportagem acima. Apesar da situação, as Forças Armadas estavam de prontidão para a deflagração do golpe, restando somente o sinal dos políticos civis. Porém, as pressões populares a esses políticos se espalharam por todo o país. Partidários da UDN e antigetulistas tiveram que se esconder ou serem escoltados por seguranças particulares, tornando o movimento golpista inviável, já que a justificativa da intervenção militar de preservar a ordem já não existia, pois ocorreria, caso houvesse o desfecho golpista, intensa desordem. Na capital mineira, a primeira reação dos populares foi a de arrancarem dos postes e marquises faixas e cartazes dos candidatos da oposição, em particular da UDN, para queimá-los em seguida, da mesma maneira que no Rio de Janeiro. 63 A Crítica, Manaus, 25 de Agosto de 1954. 38 Operários de várias fábricas e da construção civil abandonaram seus postos de trabalho e se concentraram no centro da cidade. Após acerto entre eles, rumaram para o Instituto Brasil - Estados Unidos, cuja sede ficou totalmente destruída. Outro grupo invadiu o consulado norte-americano quebrando móveis, armários, vidraças e rasgando livros e documentos [...] Manifestantes revoltados tentaram ainda empastelar o jornal Correio da Manhã, órgão da UDN, mas a polícia, chamada a tempo, impediu a invasão64. Na verdade, existia um grande temor pairando entre os udenistas. Depois de duas derrotas eleitorais e reconhecendo a força política que possuía a aliança PTB-PSD, os liberais já visualizavam novo malogro, pois Juscelino Kubitcheck, reeditando a união petebista e pessedista, transformava-se num favorito à presidência. Apesar da pressão civil-militar para o andamento do golpe, setores da sociedade se posicionaram favoráveis à legalidade. Alguns jornais, como o Correio da Manhã, mesmo alinhados aos liberais, criticavam as confabulações dos udenistas. Sindicalistas, trabalhadores, intelectuais e estudantes manifestavam-se contrários aos golpistas. Até mesmo empresários afirmavam que aquele clima político de insegurança prejudicava o ritmo dos negócios. Sendo assim, Kubitcheck saiu-se vitorioso nas urnas, contudo uma nova crise se iniciava, agora pelo impedimento de sua posse. Os valores democráticos não faziam parte da história política brasileira. Antes do golpe de 1964 inúmeras crises haviam sido gestadas no país com a intensa participação dos militares. Portanto, o golpe não foi nenhuma novidade. As articulações para sua consolidação já estavam em andamento desde a década de 1950. Após o golpe, a imprensa despejava adjetivos agradáveis aos golpistas e depreciativos aos seus opositores. A Crítica divulgava a seguinte manchete alertando para o perigo comunista no país “Integralista Afirma que Comunistas Estão Ativos” reportagem. 64 65 FERREIRA, op. cit, p. 313. A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964. 65 . Segue a 39 O Deputado Abel Rafael (PRP - Minas) desmentiu as notícias que o apresentaram como vítima de um atentado, ocorrido em Juiz de Fora no último dia 29, mas assegurou que “agitadores comunistas haviam tramado fazer explodir algumas bombas no recinto onde deveria pronunciar uma conferência”. Acrescentou o deputado integralista que a Polícia prendeu três comunistas uma hora antes, e os encaminhou ao quartel do Exército. Observou que isto demonstra que os comunistas “pretendem deixar patente que não estão inativos, mas se organizam para uma possível reação” 66. A reportagem indicava que os comunistas eram agitadores dispostos a tramar atos terroristas. O deputado finalizava afirmando que “essa reação virá naturalmente com a implantação de uma suposta ditadura projetada e fortalecida por elementos militares e outros desgostosos com a Revolução” 67 . Apesar da falta de unidade dentro das Forças Armadas, a instituição era praticamente coesa na sua aversão aos “agitadores comunistas”. No entanto ainda não havia uma unidade na Instituição Militar, já que, enquanto a Aeronáutica possuía um histórico anticomunista e liberal, o Exército era formado, em sua maioria, por legalistas. Existia um grupo, chamado por José Murilo de Carvalho68 de nacionalistas de esquerda, que defendiam o trabalhismo, sem se chocar com questões anticomunistas. Um segundo grupo era conhecido por nacionalistas de direita, que possuíam os mesmos ideais dos primeiros, porém repudiavam o comunismo. E o terceiro grupo, que era composto pelos defensores do liberalismo, eram chamados de “cosmopolitas de direita”. Estes combatiam o comunismo e o trabalhismo. 66 A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964. A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964. 68 CARVALHO apud FERREIRA, op. cit. 67 40 Ganhar a oficialidade para a causa trabalhista tornou-se, assim, uma das vias de ação do PTB. O proselitismo nos quartéis incluía, também, os subalternos das Forças Armadas, como sargentos do Exército e da Aeronáutica, bem como marinheiros e fuzileiros navais, que, mais adiante, integrariam a Frente de Mobilização Popular, a facção mais radical do trabalhismo liderada por Leonel Brizola. A revolta dos marinheiros, em março de 1964, portanto, não se dissocia do movimento iniciado em novembro de 1955, surgindo como a expressão mais extremada da aliança entre militares, esquerdas e sindicalistas69. De acordo com Jorge Ferreira a penetração dos trabalhistas e esquerdistas nas Instituições Militares feriu crenças históricas, resultando em rivalidades que transformou João Goulart e os comunistas em grandes inimigos dos conservadores das Forças Armadas. A imprensa se posicionava conforme a conveniência. Veja a visão que divulgava A Crítica sobre os comunistas, numa manchete denominada “Lacerda Prega Invasão de Cuba” 70. O governador Carlos Lacerda exigiu, discursando no Maracanãzinho, o apoio do Governo brasileiro a um movimento continental para invasão de Cuba, “libertando-a do comunismo e preservando os países latino-americanos da invasão pela mente”. O governador falou por uma hora no clímax de uma reunião promovida pela Resistência Democrática dos Trabalhadores Livres, de caráter anticomunista. O Sr. Lacerda citou as “Atas de Santiago e Bogotá”, que, segundo afirma, ajudou a redigir e assinou71. Percebe-se o tom agressivo com que o jornal tratava da questão, propalando a visão do governador guanabarino que conclamava o país a participar de um movimento antidemocrático, considerando que Cuba é um perigo para os países latino-americanos, pois é regida pelo ideal comunista. Em todas as partes do país surgiam manifestações de apoio à posse de Goulart, sobretudo por meio de greves de trabalhadores. Além de lideranças políticas e sindicais, outros setores sociais, como a Igreja, estudantes, intelectuais, associações comerciais e profissionais, repudiavam a atitude dos ministros militares [...] Dentro e fora do Congresso formou-se uma ampla 69 Ibidem, p. 326. A Crítica, Manaus, 17 de Maio de 1961. 71 A Crítica, Manaus, 17 de Maio de 1961. 70 41 coalizão visando a preservação da legalidade e da ordem democrática, incluindo tanto grupos de esquerda e nacionalistas quanto conservadores72. A matéria de capa do Jornal A Crítica do dia 1° de Janeiro de 1963 estampava “Opção aos Democratas: União ou Sovietização”, demonstrando ao leitor que se a sociedade não se unisse em torno dos objetivos conservadores, o país, inevitavelmente, se curvaria ao comunismo. No jornal de mesma data, havia a seguinte manchete “Chegou a Hora dos Democratas Enfrentarem a Luta ou Dentro de Pouco Estaremos na Órbita Soviética”. Perceba o conceito de democracia do periódico, atentando para o que ele considerava ser democrata. Em evento que homenageava o Dr. João Calmon, vice-diretor do Condomínio Acionário dos Diários, Rádios e Televisões Associados e Deputado Federal pelo Espírito Santo, com ampla presença de autoridades conservadoras e jornalistas, o homenageado falou para os amazonenses ali presentes, mostrando seu posicionamento político frente aos acontecimentos do momento. Disse o dr. João Calmon que o Brasil está entregue ao governo mais inepto, mais incapaz e ineficiente de toda a sua história. Relembrou as circunstâncias em que o atual presidente subiu ao poder, quando o sr. Jânio Quadros, num repente emocional desertou do posto renegando os 6 milhões de votos recebidos [...] Os comunistas pregam a reforma agrária e não a querem. A reforma principal é a reforma da mentalidade [...] Percam os homens de empresa o amor ao conforto e se dispunham à luta porque senão, dentro de um prazo muito curto estaremos dentro da órbita soviética. Que não se dividam os homens no Brasil em esquerda, direita ou centro. O que há são comunistas e democratas, e estes têm necessidade de afirmar-se para defender a sua casa, a sua fábrica, a sua sociedade contra a horda da desordem e da anarquia social [...] 73 72 73 FERREIRA, op. cit, p. 334. A Crítica, Manaus, 01 de Janeiro de 1963. 42 O golpe foi uma correlação de forças de vários segmentos da sociedade cujo pretexto era evitar a comunização do país. Apesar de consciente das tramas que circulavam o seu governo, Goulart foi incapaz de desbaratá-la, seja pela ineficiência de seus assessores, seja por confiar demais no apoio popular, que iria se opor a qualquer tentativa de golpe. Brizola, desde a luta pela posse de Goulart, em 1961, já defendia uma postura mais dura e fiscalizadora do governo. Defendia o desfecho de um golpe, antes que este fosse dado, porém o presidente nunca pretendeu golpear o Estado. A Crítica estampava sua opinião sobre os comunistas com a seguinte manchete “Luta Continuará até que Cuba seja Livre” 74, considerando a ilha caribenha uma prisão, pois estava sob a gestão de ideais contrários aos conservadores do período. O pretexto usado pelos golpistas se mostrou eficaz. Na homenagem, oferecida pelos sargentos, no Automóvel Clube do Brasil ao presidente Goulart, poucos compareceram, demonstrando que, na verdade, o grande objetivo daquele episódio era criar uma crise entre militares e Governo. Segundo reportagem do jornal A Crítica, os comunistas planejavam golpear o Estado pouco mais de quatro meses após a vitória “revolucionária”, através da manchete intitulada “Plano Anti-Revolucionário Descoberto pela Polícia Gaúcha” 75. O periódico, com essa notícia, demonstrava que os comunistas planejavam ataques “terroristas”. O governador Ildo Menegheti, deverá viajar esta semana para Brasília, a fim de se avistar com o Presidente Castelo Branco, com o qual tratará de importantes assuntos ligados a vida de seu Estado. Foi noticiado também, que o chefe do Executivo gaúcho, informará ao Presidente da República o plano antirevolucionário descoberto pela Polícia Secreta de seu Estado76. 74 A Crítica, Manaus, 26 de Abril de 1961. A Crítica, Manaus, 06 de Agosto de 1964. 76 A Crítica, Manaus, 06 de Agosto de 1964. 75 43 Os golpistas usaram a justificativa do comunismo para que os diversos exércitos aderissem ao golpe. Na verdade, o comunismo era a sindicalização urbana e rural, que feria os interesses de industriais e latifundiários. Era a reforma agrária. Era a lei que limitava as remessas de dinheiro para o exterior. Era a encampação de empresas privadas, que afetavam os interesses imperialistas dos Estados Unidos. A Crítica estampava manchete associando os petebistas aos comunistas “PTB: Demagogos e Comunistas” 77. Depois de quinze anos de vida partidária, o sr. João Machado, desligou-se do PTB, dizendo em carta ao deputado Lutero Vargas que os líderes atuais do partido “só se preocupam com as posições, com os cargos e com seus próprios interesses, para não falar nas vantagens conseguidas através do culto à vaidade”. O ex-vereador, deputado e secretário de saúde, fala, também, dos “pelegos e demagogos audaciosos”, aludindo, depois, ao falso nacionalismo, “máscara com a qual os comunistas conseguiram fincar pé na agremiação idealizada por Getúlio Vargas e da qual, decepcionados, tantos homens da melhor qualidade já se afastaram”. A carta ao presidente do Diretório Regional do PTB menciona os atos de hostilidade e as desconsiderações que foram feitas ao antigo militante do partido. E termina o sr. João Machado frisando que seu desligamento será “um brado a mais que se levanta contra a situação e os processos dominantes nessa agremiação partidária”78. Os conspiradores propalaram o terror comunista, como mostrava A Crítica ao divulgar as opiniões dos conservadores João Calmon e João Machado, porém Goulart não era um marxista e sim um reformista, que visava o desenvolvimento das instituições burguesas no país. Mesmo sabendo das articulações para um golpe não agiu de forma beligerante e não aceitou o abandono de suas convicções. Juscelino Kubitschek propôs substituir o Ministério por outro mais conservador e o lançamento de um manifesto repudiando os comunistas, assim como a aplicação de uma 77 78 A Crítica, Manaus, 17 de Março de 1961. A Crítica, Manaus, 17 de Março de 1961. 44 punição aos marinheiros, para servir de exemplo. Para Jango, aceitar essas e outras exigências o colocaria numa situação pior que a do parlamentarismo. Kruel, comandante do II Exército, telefonou para o presidente exigindo a intervenção nos sindicatos e o afastamento de membros do governo considerados comunistas. Goulart respondeu: “General, eu não abandono os meus amigos. Se essas são as suas condições eu não as examino. Prefiro ficar com as minhas origens. O senhor que fique com as suas convicções. Ponha as tropas na rua e traia abertamente. E desligou o telefone” 79. A participação da CIA no desfecho do golpe é evidente, no entanto o que proporcionou o sucesso do movimento foram as forças políticas locais que não se contentaram em visualizar a perda de seus benefícios políticos e econômicos, caso as reformas se concretizassem. Nas crises de 1954, 1955 e 1961, a bandeira da democracia e da legalidade estava nas mãos dos trabalhistas e das esquerdas. Não se tratava de lutar por reformas, mas, sim, de garantir os preceitos constitucionais. Daí as vitórias que obtiveram diante das investidas da extrema-direita golpista. Somente na última crise da República inaugurada em 1946, em março de 1964, o quadro político seria diverso. Preocupadas em implementar as reformas a qualquer preço, na “lei ou na marra”, as esquerdas passaram a denunciar o regime democrático, sobretudo o conservadorismo do Congresso Nacional, como um empecilho para viabilizar o conjunto de mudanças que exigiam, sobretudo a reforma agrária. Nesse sentido, a bandeira da legalidade mudou de mãos. Em defesa da Constituição, da ordem legal e da democracia, os conservadores e a extremadireita conseguiram arregimentar as tropas e mobilizar grandes contingentes sociais. Diversamente das crises anteriores, as direitas defenderam, pelo menos em termos retóricos, a ordem democrática. O resultado foi a vitória, relativamente fácil, nos primeiros dias de abril de 196480. Para alguns analistas um dos principais motivos que proporcionou a vitória dos golpistas foi a questão da legalidade. Enquanto que nas outras crises políticas que o país se envolveu não se chocou com a hierarquia militar e não visou ferir as Instituições 79 BANDEIRA, Moniz. O Governo João Goulart: As Lutas Sociais no Brasil (1961 – 1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 180. 80 FERREIRA, op. cit, p. 338-339. 45 democráticas, boa parte das Forças Armadas se posicionou a favor da ordem legal. Porém, as divergências em 1964 eram diferentes. A partir do momento que o presidente resolveu impor as Reformas sem o apoio do Congresso Nacional, na “lei ou na marra”, Jango fez com que a unidade, tão distante dos militares, se fizesse presente, trazendo mais adesões à causa golpista. O conceito moderno de Segurança Nacional ocorreu após a Segunda Guerra, portanto esta ideia já fazia parte da mentalidade dos militares brasileiros, que viam a necessidade de se “formar uma mentalidade que sobrepunha a tudo os interesses da pátria”. Segundo o general Góes Monteiro o objetivo principal era disciplinar o povo conforme os princípios da organização militar. A ditadura soberana se caracteriza não somente pela usurpação do poder (golpe militar), mas também pela concentração em suas mãos de todos os poderes e funções do Estado (a manutenção do regime). Ela supõe, evidentemente, uma forma extremamente autoritária do exercício do poder. Nesse sentido, o autoritarismo da Doutrina de Segurança Nacional integra entre seus elementos característicos os aparelhos de segurança e informações81. Nos anos 1960 já havia nas Escolas de Comando de Estado-Maior a ideia de luta antisubversiva, sendo assim, para os militares o golpe de 1964 foi um contragolpe contra uma tentativa de golpe protagonizada pelos comunistas e trabalhistas, sob a liderança de João Goulart. O jornal A Crítica estampava o depoimento do Marechal Taurino que ressaltava em manchete do periódico “No Brasil não Há Comunismo, mas Sim Falta de Caráter e de Vergonha” 82. 81 82 BORGES, op. cit, p. 27. A Crítica, Manaus, 30 de Junho de 1964. 46 Depois de afirmar que “não há comunismo no Brasil, mas falta de caráter e de vergonha” o Presidente da CGI advertiu que a revolução será frustrada, “se os corruptos e negocistas que a estas horas zombam de nós, não forem para a cadeia” 83. A Doutrina de Segurança Nacional criou um sentimento corporativista dentro das Forças Armadas, no qual os militares eram uma espécie de salvadores da pátria, tanto que, para se isentarem dos excessos do período, os golpistas afirmavam que o país foi tomado por diversos grupos e não pelas Forças Armadas unilateralmente. Dentro do espectro ideológico dos militares brasileiros, a Doutrina de Segurança Nacional serviu para abolir dois dos princípios fundamentais do regime democrático liberal: a subordinação dos militares ao poder civil e a nãointervenção no processo político. Ora, a Doutrina propõe uma mudança radical no papel da profissão militar, em que defesa externa implica a defesa interna, isto é, o velho profissionalismo da segurança interna e do desenvolvimento nacional. Este profissionalismo, como foi praticado no Brasil durante o regime militar pós-64, exige dos seus adeptos, de maneira inelutável, esta mudança de característica que define a personalidade autoritária e que supõe uma tendência intrínseca a aceitar a ideologia antidemocrática. No entender dos militares brasileiros, a partir do momento em que as decisões de política interna foram subordinadas à questão de segurança nacional, a prática política se converteu em uma coisa muito séria para ser deixada nas mãos dos civis. De acordo com os postulados da Doutrina, para o exercício da política, os militares devem ser conduzidos a adquirir conhecimentos sobre matéria de segurança interna e descobrir todos os aspectos da vida social, econômica e política84. A Escola Superior de Guerra foi criada para ser um órgão defensor do livre comércio e bastião do anticomunismo. Tinha o objetivo de fornecer, para o Estado, mecanismos a fim de combaterem o inimigo externo e interno. O instrumento servia para angariar informações que ajudassem os aparelhos repressivos na luta contra seus opositores. 83 84 A Crítica, Manaus, 30 de Junho de 1964. BORGES, op. cit, p. 33-34. 47 2. O Poder dos Periódicos Durante o Golpe A imprensa se posicionava frente às crises políticas na qual o país estava envolvido. O Jornal do Commercio publicava “Pedido de Impeachment de JG Marcará a Abertura da Câmara” 85. Outras atitudes demonstravam a posição do periódico frente aos fatos. Veja o conteúdo da matéria abaixo intitulada “Comício pela Democracia com Velas e Orações em Minas Gerais” 86. 85 86 Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964. Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964. 48 Vinte e quatro horas antes da realização do comício na Guanabara o povo de Manchester concentrou-se no parque Ralfelo, reafirmando o seu propósito de luta em defesa da democracia e em repúdio ao comunismo, ou qualquer regime em exceção. Tochas e velas levadas pela população formaram um quadro diferente e muita gente chorou emocionada, surpreendida com tanta demonstração de cristianismo e de democracia [...] A poetiza Geralda Pereira Armon Marques defendeu a integridade dos lares e dos laços de família ameaçados pelo Comunismo que ronda o país. Em nome das classes produtoras falou o sr. Francisco Malateta, que acentuou que ninguém é contra a evolução social, desde que seja ela pautada pelos princípios cristãos e democráticos [...]87 Perceba a incessante intenção do periódico em classificar os articuladores do golpe de democratas, associando-os aos preceitos da religião cristã e os oposicionistas são considerados comunistas antidemocráticos. Os ataques de golpistas através da imprensa eram freqüentes, propiciando uma visão interessante àquele grupo, já que os periódicos, demonstrando poder, influenciavam diversas opiniões, pois conforme Marialva Barbosa “os jornais cumprem a ‘missão’ não apenas de disseminar ideias, mas ao transportar o relato da narrativa para o nível do real, são responsáveis pela criação de uma outra realidade” 88. Aliando o sensacional ao entretenimento e colocando-se como mediadores, os diários lançam as estratégias fundamentais para a conquista do público. Participando desse jogo, aliam-se, cada vez mais, aos grupos dominantes, referendando o seu papel e conquistando benesses, ao mesmo tempo em que aumentam a sua participação no próprio jogo do poder89. Para a autora os jornais se auto-constroem como legitimadores do poder, onde serão os grandes aliados da construção dessa estrutura, pois priorizam um conteúdo e relegam outros ao esquecimento. Esses periódicos estão construindo memórias de uma sociedade sob determinada ótica. Essa função de intermediários dos leitores com o poder público dá a esses veículos popularidade e poder, onde, geralmente são procurados pela elite dirigente para agirem conforme seus interesses. 87 Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964. BARBOSA, op. cit, p. 116. 89 Ibidem, p. 148. 88 49 No entanto esta conivência não era gratuita. Já no governo Prudente de Morais a troca de favores com os periódicos era intensa. Havia distribuição de verbas a jornais de confiança do presidente. A Gazeta de Notícias recebia mil réis por matéria encomendada90. João Lage, de O Paiz, afirmou que a subvenção é uma atividade própria do jornalismo. Entre 1903 e 1905, o empresário obtém, do Banco da República, empréstimos no valor de 1250 contos. Em 1911, o Jornal do Brasil conseguiu empréstimos junto ao Banco do Brasil. Campos Sales afirmou que distribuiu, no período, um milhão de contos de réis à grande imprensa carioca91. De acordo com Alberto Dines, “a imprensa está praticamente fechada, amarrada em acordos visíveis ou invisíveis, que dão à imprensa essa uniformidade em uníssono” 92 . Conforme o jornalista, os veículos de comunicações no Brasil sempre estiveram vinculados ao poder e aos benefícios que ele proporciona. Daí o problema de sua dependência. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso a aliança do governo com a grande imprensa também foi denunciada por estudiosos93, que relata os benefícios recebidos pelas emissoras de televisão. Percebe-se que o caminho de poder e imprensa se entrecruzam. Para Francisco Falcon história e poder são como irmãos gêmeos, no qual um não vive sem a presença do outro. O poder manifestado nos veículos de comunicações é um poder persuasivo, onde o 90 Ibidem. Ibidem. Atentar, principalmente, para o capítulo Imprensa e Poder. 92 DINES, Alberto. Imprensa e Poder Militar. In: PEREIRA, Moacir. A Imprensa em Debate. Florianópolis: Lunardelli, 1981, p. 14. 93 LESBAUPIN, Ivo (Org). O Desmonte da Nação: Balanço do Governo FHC. Petrópolis: Vozes, 1999. Atentar, principalmente, para o artigo A Mídia de FHC e o Fim da Razão, na qual Bernardo Kucinski expõe as estratégias do governo para transformar a imprensa num veículo unilateral a seu serviço. 91 50 convencimento se mostra mais eficaz que a violência. Durante as articulações para o golpe de 1964, o convencimento para tal ato estava presente em muitos periódicos, porém junto à persuasão veio a violência. Conforme Foucault, a dominação capitalista não conseguiria tanto êxito se fosse apenas baseada na repressão94. Nelson Werneck Sodré, em análise semelhante, afirmou que um grande jornal, hoje, é uma empresa capitalista de grandes proporções. “A dominação se exerce dispensando o uso de força militar, e sim pelo uso da propaganda e do convencimento [...] Quem controla a imprensa e os meios de massa não precisa mais de golpes militares” 95. O filósofo francês, precursor nesta análise referente às relações de poder, transformou o assunto em unanimidade. Hoje, é praticamente inexistente a negação das relações de poder nas diversas esferas da sociedade. [...] enquanto a Nova História Política do século XIX mostrava uma preocupação praticamente exclusiva com a política dos grandes Estados (conduzida ou interferida pelos “grandes homens”), já a Nova História Política que começa a se consolidar a partir dos anos 1980 passa a se interessar também pelo “poder” nas suas outras modalidades (que incluem também os micropoderes presentes na vida cotidiana, o uso político dos sistemas de representações, e assim por diante) 96. René Rémond trabalha a retomada da história política na literatura historiográfica97. Indica os erros cometidos por esse campo, que antes era vinculado ao “interesse pelas minorias privilegiadas” e desinteresse pelas massas. Para o autor esses historiadores, 94 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. 4º ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1999, p. 12-13. 96 BARROS, op. cit, p. 107. 97 RÉMOND, René (Org). Por uma História Política. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996. 95 51 influenciados pelo “Antigo Regime”, preocupavam-se apenas com a macro história. Eram retardatários, pois demoraram a revolucionar esse campo historiográfico. Ao persistir em atribuir aos protagonistas, tão bem chamados de figuras de proa, um papel que acreditavam determinantes, os paladinos da história política tardaram em fazer sua revolução: perpetuaram os reflexos adquiridos no Antigo Regime. Uma história elitista, aristocrática, condenada pelo ímpeto das massas e o advento da democracia98. Para Rémond o estudo único e exclusivo do Estado é limitador, já que ele não é independente e nem imparcial. Limitar-se ao estudo das relações de poder dentro dos governos é “deter-se na aparência das coisas”. Portanto, de acordo com o francês, “as decisões dos governos são apenas a expressão da relação de forças” 99. Pierre Rosanvallon100 procura construir a noção de uma história política, estabelecendo diferenças entre a história conceitual tradicional e a história das ideias. De acordo com o estudioso a decadência da história política tradicional foi acompanhada pelo desenvolvimento da história das mentalidades políticas e da sociologia política. No entanto, o historiador acrescenta que a história das ideias é marcada por fraquezas metodológicas, como a tentação ao dicionário, onde o autor analisa várias obras que as classificam como manuais de doutrinas políticas. São livros que não precisam ser lidos, apenas consultados para pequenas contribuições. A história política depois de ser hegemônica durante o século XIX, passa a ser questionada, principalmente pelos Annales, que visavam uma abordagem mais ampla, no qual o econômico e o social ocupavam lugar de destaque. O curioso é que a história 98 Ibidem, p. 18. Ibidem, p. 20. 100 ROSANVALLON, Pierre. Por uma História Conceitual do Político. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v 15, n˚ 30, 1995. 99 52 política, tão criticada, quando ressurge, reaparece com novas metodologias semelhantes a dos franceses, especialmente no que diz respeito ao diálogo com outras disciplinas. A nova história política, segundo Rémond, preenche todos os requisitos necessários para ser reabilitada. Ao se ocupar do estudo da participação na vida política e dos processos eleitorais, integra todos os atores, mesmo os mais modestos, no jogo político, perdendo assim seu caráter elitista e individualista e elegendo as massas como seu objeto central. Seu interesse não está voltado para a curta duração, mas para uma pluralidade de ritmos que combina o instantâneo e o extremamente lento. Para Rémond, há um conjunto de fatos que se sucedem em um ritmo rápido e aos quais correspondem datas precisas, mas outros fatos se inscrevem em uma duração mais longa – é a história das formações políticas e das ideologias, em que o estudo da cultura política ocupa um lugar importante para a reflexão e explicação dos fenômenos políticos, permitindo detectar as continuidades no tempo de longa duração. Finalmente, segundo o autor, a história também pode dispor de grandes massas documentais passíveis de quantificação, tais como dados eleitorais e partidários, para citar os mais expressivos101. Ciro Flamarion102 distingue vários tipos de história política. Em primeiro lugar, a história política como história narrativa, que se assemelha à tradicional; em seguida, a história política como um sistema explicativo, no qual o cenário político é o principal campo de ação dos atores sociais; depois a história política vista como uma sociologia histórica do poder, sendo bastante influenciada pela Sociologia e pela Ciência Política; e por último, a história política na longa duração, que se trata de uma associação à Cultura Política. Para o pesquisador a cultura faz a diferença diante de estruturas sociais e econômicas comparáveis. Ângela de Castro103 se aproxima daquilo que queremos retratar neste trabalho ao trabalhar a questão da Cultura Política. Para a pesquisadora essas revisões 101 FERREIRA, Marieta de Moraes. A Nova “Velha História”: O Retorno da História Política. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v 5, n˚ 10, 1992. 102 CARDOSO, Ciro Flamarion. História do Poder, História Política. In: Estudos Íbero-Americanos. PUCRS, v 23, n˚ 1, jun-1997. 103 GOMES, Ângela de Castro. História, Historiografia e Cultura Política no Brasil: Algumas Reflexões. In: SOIHET, Rachel; BICALHO, Maria Fernanda Baptista; GOUVÊA, Maria de Fátima Silva (Orgs). Culturas Políticas: Ensaios de História Cultural, História Política e Ensino de História. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. 53 historiográficas, já citadas dentro deste campo, sofreram muitas resistências, já que interpretações consolidadas há muito tempo são contestadas e reavaliadas. Ao contrário do que aconteceu na Ciência Política, nos anos 1990 a história passou a se aproximar do conceito de cultura política. A partir daí, a historiografia se apropriou de certas questões antes trabalhadas pelos cientistas políticos. Nesse sentido, o que se estava recusando eram explicações que se construíam fundamentadas em variáveis “externas” aos próprios processos históricos, isto é, que recorriam a fatores definidos a priori e de “fora” dos casos que estavam sendo estudados104. Esta visão serve para conter aquelas explicações simplistas que indicam que o golpe civil-militar de 1964 no Brasil é fruto da ação externa dos Estados Unidos. Moniz Bandeira105, apesar de elucidar muitas questões referentes às nuances políticas que ocorriam no país naquele período, concede grande ênfase à atuação norte-americana no acontecimento. A importância da Cultura Política é que possibilita analisar comportamentos políticos segundo suas vivências, conforme suas orientações culturais. De acordo com Ângela de Castro as relações de poder extrapolam o âmbito institucional do Estado, pois as relações de poder são inerentes às relações sociais. De uma maneira muito esquemática, pode-se dizer que as culturas políticas têm formas pelas quais se manifestam e se evidenciam mais frequentemente: um projeto de sociedade, de Estado ou uma leitura compartilhada de um passado comum, por exemplo. Têm igualmente algumas instituições-chave – como família, partidos, sindicatos, igrejas, escolas etc. - , fundamentais para sua transmissão e recepção. Por outro lado, culturas políticas exercem papel 104 105 Ibidem, p. 24. BANDEIRA, op. cit. 54 fundamental na legitimação de regimes, sendo seus usos extremamente eficientes106. Francisco Falcon também salienta essa mudança de atitude dos historiadores políticos que ocorre por volta da década de 1970, pois antes a historiografia política estava vinculada à memória de filósofos e grandes estadistas. O autor destaca a divergência entre pesquisadores deste campo e os Annales. Se a noção de declínio da história política remete basicamente à historiografia dos Annales do pós-guerra, convém então tentar perceber-lhe os traços mais incisivos. A Escola dos Anais, no que toca à questão do político, foi palco de tendências tão diversas como o marxismo, o estruturalismo, o quantitativismo e, mais recentemente, o weberianismo. Do marxismo os Annales incorporaram alguns termos e conceitos gerais, mas se viram em dificuldades cada vez maiores, sobretudo na “era braudeliana”, para justificar uma produção histórica hostil ou, no mínimo, omissa em relação ao político – a começar pelo conceito de luta de classes. Decorreu certamente desse problema a posição algo marginal ou excêntrica (em relação aos Annales) de historiadores como Vilar, Soboul e Vovelle, entre outros107. A partir das influências foucaultianas, a história política deixa de se preocupar apenas com a organização e relações de poder no Estado, para analisar também as relações políticas entre grupos sociais diversos. São essas relações presentes na imprensa, cujos interesses se voltam para analisar uma classe dominante. É interessante notar que a análise política do discurso tal como é proposta por Foucault sugere que o historiador deva buscar a percepção das relações de poder nos lugares menos previsíveis, menos formalizados, menos anunciados. Este método genealógico, que busca o poder em todos os pontos da sociedade e não mais nos lugares congelados pelo aparato estatal, vai ao encontro, também, das abordagens que exigirão do historiador que este desenvolva uma meticulosidade, que passe a cultivar os detalhes, o acidental, aquilo que aparentemente é insignificante mas que pode, precisamente, compor com outros elementos a chave para a compreensão das relações sociais examinadas108. 106 GOMES, op. cit, p. 32. FALCON, op. cit, p. 70. 108 BARROS, op. cit, p. 142. 107 55 Conforme Foucault não existe uma teoria geral do poder. Tal poder não é algo que tenha natureza ou essência com características universais. O poder não é global e unitário, e sim uma prática social em constante transformação. Esse poder é caracterizado como micro-poder, pois apesar de não ser o poder estatal, penetra na vida cotidiana do indivíduo, intervindo diretamente e materialmente. O autor não considera o poder uma mercadoria, rejeitando assim o modelo econômico, pois para ele é uma relação de força, onde não há uma disputa que se ganha e se perde, mas uma relação de dominadores e dominados. O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, de quem tomar o lugar daqueles que as utilizam, de quem se disfarçar para pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles que as tinham imposto; de quem, se introduzindo no aparelho complexo, o fizer funcionar de tal modo que os dominadores encontrar-se-ão dominados por suas próprias regras109. Capelato indicou Foucault como um dos que revolucionou a análise do documentojornal como fonte de pesquisa, pois transformou este veículo numa importante fonte para os pesquisadores. Com Michel Foucault a reflexão sobre o documento intensificou-se. Questioná-lo é o problema fundamental da história, afirma o autor. O documento é resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da sociedade que o produziu e também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver esquecido ou manipulado. Esse produto resulta de relações de forças conflitantes e do empenho de seus produtores para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente – determinada imagem da sociedade110. As relações de poder entre imprensa e governos estabelecidos no Brasil já vem de longa data, principalmente após a segunda metade do século XX, onde a imprensa 109 110 FOUCAULT, op. cit, p. 25-26. CAPELATO, op. cit, p. 24. 56 brasileira ganha contornos de empresa capitalista. Com relação ao período pesquisado, Nelson Werneck Sodré o caracteriza da seguinte forma. [...] o jornal será, daí por diante, empresa capitalista, de maior ou menor porte. O jornal como empreendimento individual, como aventura isolada, desaparece nas grandes cidades. [...] Uma das conseqüências imediatas dessa transição é a redução no número de periódicos111. A imprensa e seus representantes tiveram participação efetiva no golpe civil-militar de 1964. Ruy Mesquita (O Estado de São Paulo) afirmou que o objetivo era conter o perigo comunista. Relatou que no período havia reuniões periódicas para organizar a preparação para o golpe. Grupos civis, entre eles empresários e militares agrupavam-se e defendiam a derrubada do governo. A Crítica publicava um manifesto inglês em fevereiro de 1961 expondo sua opinião sobre o comunismo. O conde de Dundonald, descendente do famoso lord Thomas Cochrane, pronunciou na Câmara dos Lordes um importante discurso a nove de fevereiro último sobre a América Latina. Falando no debate sobre relações exteriores, especialmente sobre a infiltração comunista, lord Dundonald frisou que com freqüência, particularmente desde a última guerra, quando se concentra a atenção sobre uma determinada zona, os comunistas inesperadamente fazem seu aparecimento em outra. Citou alguns exemplos: “Quando na Grã-Bretanha estávamos preocupados com a situação da Grécia, em 1946, a cena mudou rapidamente e desencadeou-se a luta entre a França e as forças vietnamitas que atacavam Hanói. Quando nos preocupava o estado de emergência em Malaca, os russos passaram cautelosamente para o problema de Berlim. E mais recentemente, quando nossa atenção estava convergindo para os numerosos problemas do Extremo-Oriente. Cuba saltou para o primeiro plano”. “Por esse motivo quero falar da América Latina. É um grande equívoco pensar que se pode tratar de um Continente como unidade. As diferenças entre os países europeus e os latino-americanos são igualmente grandes” 112. Existia um grande desprezo pela imprensa, principalmente devido a dois fatores. Primeiro, a imprensa era considerada um recipiente de informações, onde, o pesquisador 111 112 SODRÉ, op. cit, p. 275. A Crítica, Manaus, 24 de Fevereiro de 1961. 57 as usava sem uma análise minuciosa. Depois, a imprensa era vista como uma instância das classes dominantes, na qual interesses diversos sempre estariam presentes, daí o desinteresse pelo órgão. Apesar disso, o interesse por esse veículo foi crescendo e hoje é um instrumento com farta fonte documental. 3. A Chegada de Arthur Reis ao Governo Para Marialva Barbosa um documento ao ser utilizado com finalidades que visam o poder se torna um monumento da memória, pois é produto da sociedade que o produziu, atendendo a interesses específicos conforme as forças políticas que possui tal poder113. A Revolução faz ressurgir um Brasil mais autêntico e liberto114, enfatizava Plínio Coelho no Amazonas, ao se pronunciar sobre o golpe. “Exército consolida a revolução democrática”, exaltava o mesmo jornal115. 113 BARBOSA, op. cit. Jornal do Commercio, Manaus, 10 de Abril de 1964. 115 Jornal do Commercio, 03 de Abril de 1964. 114 58 No flagrante apanhado em Copacabana, soldados do primeiro exército se postam no telhado de um estabelecimento com suas metralhadoras prontas para ação. Felizmente, com a vitória da revolução democrática, não foi necessário fazer uso das armas. Fuzileiros Navais implantaram, desde as primeiras notícias da revolução em Minas, ninhos de metralhadoras junto à igreja do Largo do Machado, para o bloqueio da zona do Palácio onde se localizava o ex-presidente JG116. Nota-se que o jornal usava, insistentemente, o termo revolução, a fim de caracterizar o ato anticonstitucional como democrático, assim como demonstrar para o leitor que aquele episódio era inevitável para a construção de um país livre e democrático. Em manchete A Crítica expõe seu posicionamento com relação à administração no Estado do Amazonas, afirmando que o governo de Plínio é corrupto, assim como o seu governador segue a orientações comunistas. Veja a reportagem na íntegra. Tudo começou quando Plínio elegeu Mestrinho. Este, por sua vez, tratou de reeleger seu sócio e benfeitor, constituindo a “tabelinha” da corrupção no maior Estado do País. Uma fortuna fabulosa feita em 10 anos – Plínio se elegeu, depois botou Mestrinho em seu lugar, substituiu-o e já preparava outra vez a eleição do sócio contrabandista – AMAZONAS: Estado infeliz governado por uma quadrilha – Principal atividade de Plínio e Mestrinho: contrabando (até cocaína) e superfaturamento – Punir Mestrinho e deixar Plínio intocado é uma das grandes injustiças desta Revolução117. Percebe-se o modo hostil com que o jornal encarava aqueles políticos que não participaram do movimento golpista ou que mudaram de opinião, classificando-os como contrabandistas de cocaína e líderes de uma quadrilha responsáveis pela corrupção no Estado, ressaltando que o periódico considerava o movimento um ato revolucionário. Prossegue a reportagem fazendo um mapeamento dos envolvidos na “quadrilha”. Moacir Bessa era fiscal de rendas, considerado comunista, capanga de Mestrinho e Plínio, além de ser sócio dos dois políticos no contrabando de armas no rio Solimões. 116 117 Jornal do Commercio, 03 de Abril de 1964. “Retrato do Governo Corrupto de Plínio Coelho”. A Crítica, Manaus, 17 de Junho de 1964. 59 Miranda Braga era um testa-de-ferro de Plínio e comunista, em um ano deixou de ser um homem pobre para se transformar num rico empresário, ressaltava o jornal. E por fim, Aldévio Praia, que era diretor do Departamento de Propaganda, além de ser testa-de-ferro de várias empresas que forneciam gêneros alimentícios e remédios para o Estado118. Persistentemente o jornal procurava denegrir a imagem de seus opositores chamandoos até de contrabandistas. Não discutiremos a veracidade das informações no que se referem às suas negociatas políticas, porém é interessante perceber que, naquele período, comunista era sinônimo de terrorista e desordeiro, daí a necessidade de classificar seu inimigo como tal, mesmo se não o fosse, a fim de manchar o seu caráter. Ao se referir ao novo governador do Amazonas tutelado pela ditadura, a imprensa local tratou de ovacioná-lo. A Crítica estampava a seguinte manchete “Arthur César Ferreira Reis Será o Novo Chefe do Poder Executivo” 119 , no qual prosseguia a matéria cheia de adjetivos agradáveis. “O prof. Arthur César Ferreira Reis é renomado sociólogo e profundo conhecedor dos problemas sócio-econômicos da Amazônia. Suas atividades culturais ultrapassam as fronteiras brasileiras dando-lhe projeção internacional” 120. Arthur Reis, apesar de ser manauara, foi formado em Direito pela Universidade do Brasil, antiga Universidade do Rio de Janeiro. Foi redator-chefe do Jornal do Commercio, professor do Colégio Estadual do Amazonas, Colégio Salesiano e Sólon de Lucena lecionando História do Brasil e Sociologia. Ocupou o cargo de Superintendente 118 A Crítica, Manaus, 17 de Junho de 1964. A Crítica, Manaus, 16 de Junho de 1964. 120 A Crítica, Manaus, 16 de Junho de 1964. 119 60 da Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA) e diretor do INPA121. Os veículos de comunicações possuíam tal poder, pois divulgavam suas notícias conforme os interesses dos golpistas. “Arthur Chegou e com Ele Novos Horizontes para o Amazonas” 122, exaltava o Jornal A Crítica, ao se referir ao governador indicado pelos militares. Seguindo a mesma linha o Jornal do Commercio publicava “Com a Posse de Arthur Reis Integra-se o Amazonas no Espírito da Revolução” 123. O governador nomeado Arthur Reis foi recebido no Aeroporto Ponta Pelada pelas mais altas autoridades do Estado. Afirmou que chegou para agir de acordo com os objetivos da “revolução”. Salientou ainda que “economia, finanças, saúde e educação” eram os pilares da administração. Sobre o secretariado, estabeleceu que fosse todo reformulado, pois o país passava por um processo revolucionário. O governador escolhido pelos militares nomeava seus primeiros auxiliares. José Lindoso na Educação, Newton Vieiralves nas Finanças, Alberto Rocha na Justiça, Theomário Pinto da Costa na Saúde, Paulo Nery na Polícia Civil e Aderson Dutra na presidência do Banco do Estado eram os principais. Os dois periódicos tratavam o golpe como revolução, assim como boa parte das Forças Armadas, além de elevarem os feitos dos ditadores. O Jornal do Commercio prosseguia sua reportagem elogiando o caráter de Arthur Reis, pois o novo governante varreria a corrupção, enumerando suas principais metas “Lisura com os Dinheiros 121 “Vida e Obra de Arthur Reis”. No Jornal do Commercio foi redator-chefe entre 1928 e 1938, superintendente do SPVEA entre 1953 e 1955, diretor do INPA entre 1956 e 1958. Foi professor também de Economia e Direito Internacional Público na Faculdade de Direito do Amazonas. A Crítica, Manaus, 17 de Junho de 1964. 122 A Crítica, Manaus, 27 de Junho de 1964. 123 Jornal do Commercio, Manaus, 28 de Junho de 1964. 61 Públicos, Municipalismo Sem Falsas Unidades, Saúde e Educação: Ponto de Honra, Servir a Coletividade Sem Engodo, Governo de Labor Sem Promessas” 124. O Jornal do Commercio continuava com suas críticas a Plínio Coelho, antecessor de Arthur Reis. Perceba a manchete “Ataques Rebatidos com Perdão de uns e Afirmativa de que Revolução Livrou-nos de mais um Corrupto” 125 , na qual tratava o golpe como um ato revolucionário e seus opositores como corruptos, com isso o periódico divulgava sua visão dos fatos. Novas denúncias contra o ex-governador apareciam nas páginas dos jornais. A Crítica publicava “Vandalismo: Último Ato do Ex-Governador” 126 , que retratava, de acordo com o periódico, a situação de descaso que se encontrava o Palácio Rio Negro após a saída de Plínio Coelho. Conforme a reportagem, o então governador do Estado percorreu as dependências do Palácio Rio Negro, onde junto a membros da imprensa se deparou com uma situação de completo abandono àquele prédio público. Arthur Reis discursou afirmando que Plínio Coelho e seus aliados eram inimigos da população, por deixarem o local em situação deplorável. Poltronas rasgadas, sujeira e banheiros sem condições de uso foram algumas das “irresponsabilidades” cometidas pelo ex-governador. Nota-se o caráter impactante das notícias e o poder que a imprensa possuía e possui para a construção da memória coletiva de uma dada sociedade. Conforme Gérard Lebrun “a força não significa necessariamente a posse de meios violentos de coerção, mas de meios que permitam influir no comportamento de outra pessoa” 127. 124 Jornal do Commercio, Manaus, 28 de Junho de 1964. Jornal do Commercio, Manaus, 16 de Junho de 1964. 126 A Crítica, Manaus, 30 de Junho de 1964. 127 LEBRUN, Gérard. O que é Poder. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 11-12. 125 62 É ai que reside a força da imprensa, onde, para Sodré, antes era inevitável o uso das Forças Armadas para a manutenção do status quo da sociedade vigente, hoje essa força é dispensada, pois o uso da propaganda e do convencimento são mais eficazes, deixando a instituição em disponibilidade128. Já no século XIX, Gilberto Freyre estudava diversos anúncios de jornais para compreender certos aspectos da sociedade. Maria Helena Capelato e Maria Lígia Prado, no livro O Bravo Matutino (1980), analisava O Estado de São Paulo como um veículo de comunicação alvo de intensos jogos de interesses129. Na década de 1970, Vavy Pacheco Borges investigou as relações entre Getúlio Vargas e a oligarquia paulista através dos jornais O Estado de São Paulo, Correio Paulistano e Diário Nacional. Entre as décadas de 1970 e 1990, a história do movimento operário encontrava grande espaço no âmbito acadêmico, no qual a imprensa lhe proporcionava importante fonte documental130. A face mais evidente do processo de alargamento do campo de preocupação dos historiadores foi a renovação temática, imediatamente perceptível pelo título das pesquisas, que incluíam o inconsciente, o mito, as mentalidades, as práticas culinárias, o corpo, as festas, os filmes, os jovens e as crianças, as mulheres, aspectos do cotidiano, enfim, uma miríade de questões antes ausentes do território da História131. Os jornais pesquisados possuíam um alvo, um receptor, com o objetivo de educá-los e persuadi-los com a ideia de que aquela situação era inevitável, pois estavam lutando contra o inimigo terrorista. 128 SODRÉ, op. cit. LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos Periódicos. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org). Fontes Históricas. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006. 130 Ibidem. 131 Ibidem, p. 113. 129 63 As crises existentes no país até 1964, com intensa participação militar, tinham em comum o respeito à Constituição, fato que não ocorreu durante o golpe. Para muitos estudiosos, o principal empecilho dos golpistas era a falta de união dentro das Forças Armadas132 e o essencial para sua união foi a aproximação do presidente com os comunistas. 4. Resistência e Opressão Apesar de toda estrutura organizada pelos militares com o intuito de cooptar inimigos políticos ou frear suas ações, movimentos de resistência eram apreciados em diversos segmentos da sociedade. Uma boa parte da intelectualidade, incluindo professores, músicos, artistas e cineastas participaram deste processo. 132 FILHO, op. cit. 64 Na área teatral, o Teatro Paulista do Estudante (TPE), o Teatro do Sesc – Am, os Centros Populares de Cultura (CPC), o Teatro Opinião, o Teatro de Arena, o Teatro Oficina, dentre outros revolucionaram a arte dramática brasileira trazendo para o palco discussões pouco refletidas pela ditadura. No TPE atuavam Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha), Vera Gertel, Gianfrancesco Guarnieri, entre outros [...] O que no início parecia ser apenas uma tarefa política logo se tornou uma paixão pela arte do teatro, que levaria os integrantes do TPE, a partir de 1956, a associar-se a um teatro até então pouco destacado, o Arena, que funcionava desde 1953, tendo como responsável o diretor José Renato. Essa associação gerou uma renovação da dramaturgia nacional, especialmente a partir de fevereiro de 1958, com a estréia da peça de Gianfrancesco Guarnieri Eles Não Usam Black-Tie, pioneira em colocar no palco o cotidiano de trabalhadores, buscando um teatro participante e autenticamente brasileiro133. Além das discussões políticas, especialmente sobre a reforma agrária e as péssimas condições de vida dos trabalhadores, esse novo teatro serviu para se criar um sentimento nacionalista na arte. As exportações de peças estrangeiras diminuíram e os trabalhadores nativos lotavam os palcos teatrais. Eles Não Usam Black-Tie, escrito por Gianfrancesco Guarnieri, era dirigido por Zé Renato e no seu elenco atuavam Flávio Migliaccio, Nelson Xavier, Milton Gonçalves, além de Guarnieri. “Foi a primeira peça teatral a abordar o tema da vida dos operários em greve e trabalhar a linguagem da maneira mais coloquial possível. O teatro Arena passa então a assinalar os problemas socioeconômicos do país”134. Guarnieri revelava sua opinião com relação ao governo João Goulart. 133 RIDENTI, Marcelo. Cultura Política: Os Anos 1960-1970 e sua Herança. In: FERREIRA; DELGADO, op. cit, p. 138. 134 Caros Amigos. São Paulo: Casa Amarela, Março de 2004, n ͦ 19, p. 30. 65 Confiávamos na luta democrática e reconhecíamos na cultura uma forma superior de atuação política. Pensávamos fazer parte de corredeiras democráticas e populares, as quais, acreditávamos, nenhum obstáculo impediria de chegar ao mar [...] As minhas expectativas em relação ao governo Jango eram pessimistas. Reconhecia sua precária base política, tanto no âmbito das elites quanto no dos movimentos populares, além da preocupação quanto à forte presença política dos militares retrógrados que nutriam antigas hostilidades à figura de Jango. Não acreditei nunca em compromisso de Jango com os interesses populares [...]135 Além dos teatrólogos, outra importante vertente cultural que não se calou frente às arbitrariedades dos militares foram os músicos. Caetano Veloso, Chico Buarque, Geraldo Vandré, Raul Seixas, apenas para citar alguns, são exemplos de artistas que foram banidos do país. Entretanto nem só de protestos viveu a música brasileira nesta época. A Jovem Guarda, composta por Vanderléia, Erasmo Carlos e Roberto Carlos serviu para anestesiar a população, afastando-as das discussões políticas referentes ao país. Essa indústria musical objetivava vender a imagem do capitalismo como sistema econômico vitorioso, exaltando o consumo e os bens materiais. Distante da canção de protestos, da contestação e do debate que envolviam a esquerda cultural, o iê-iê-iê, por um lado falava do amor, do beijo e do desejo sexual, sem contudo contestar os valores estabelecidos. Por outro lado, expressava o desejo de ascensão social cujo símbolo era o automóvel (O Calhambeque) e o elogio ingênuo da sociedade de consumo136. As artes cinematográficas brasileiras eram representadas pelo Cinema Novo. Politizado e engajado, o estilo ganhava destaque nas televisões do país, em oposição às pornochanchadas, que não traziam discussões políticas, pois se preocupavam apenas em divertir o público, abusando das cenas de sexo. Em Manaus o cinema apareceu em 1962, onde foi criado o Grupo de Estudos Cinematográficos (GEC). 135 136 Ibidem, p. 31. PAES, op. cit, p. 78. 66 Naquela época Joaquim Marinho enfrentou os “meganhas” para realizar o I Festival Norte de Cinema. A censura aos longas-metragens, segundo Marinho, provocou episódios hilários e inesquecíveis. “A maioria dos filmes passou no resto do país com cortes, menos em Manaus. Eles chegavam aqui sem cortes e o censor, um dia, procurou-me pedindo conselhos de como fazer para censurar uma cena de nudez da Dina Sfat no “Macunaíma”, de Joaquim Pedro de Andrade. Disse a ele para não cortar o filme, mas simplesmente colocar a mão no projetor na hora da cena. Foi hilário, porque, na hora, ele colocou o dedo no projetor e a sombra na tela ‘apontou’ para o traseiro da Dina Sfat” 137. Na década de 1960 a censura estava voltada para certo tipo de produção cultural, pois objetivava controlar aquele grupo que visava se opor ao Brasil orquestrado pelos ditadores. A política de controle da criação artística alastrou-se sobre Manaus chamuscando as produções dos membros do Clube da Madrugada, visíveis nas publicações de 1967, que demonstravam certa inquietude acerca do estado de repressão que estavam vivendo. Em O Muro, Aníbal Beça clama para que se mudem as cores, o muro cansado cansou-se do verde, é preciso uma cor com sabor alegre e livre. Isso nos sugere que o verde não correspondia à liberdade nem à alegria [...] O padre L. Ruas, com sua criação Apocalipse, destaca a figura dos meteoros, representantes das armas bélicas, como ameaças aos jardins, aos campos, aos rios, aos homens. Por fim, Versos de Antiga Circunstância, de Jorge Tufic, clamam por nova aurora138. Portanto, a opressão se intensificava. O major Freddie Perdigão, torturador declarado, revelava como funcionava a “máquina de torturar e matar da repressão nos anos da guerra suja” 139. [...] Perdigão afirma que as esquerdas teriam optado pela luta armada em 1967, “fortemente influenciadas pelas reuniões da Organização Latino Americana de Solidariedade (OLAS), em Cuba” [...] A missão do DOI era “desmontar toda a estrutura de pessoal e de material destas organizações, bem como impedir a sua reorganização”. Como norma de segurança, para o trabalho diário, eram obrigatórios o traje civil, codinome e cabelo grande, como “normalmente é 137 ABRAL, Trícia; GUSMÃO, Dilce. A Arte de Chumbo no Canto Norte. O Estado do Amazonas, Manaus, 31 de Março de 2004, p. 16. 138 AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: Praça, Café, Colégio e Cinema nos Anos 50 e 60. Manaus: Editora Valer, 2002, p. 90. 139 OCTÁVIO, Chico. O DOI na Descrição de um Torturador. O Estado do Amazonas, Manaus, 31 de Março de 2004. 67 usado pela maioria da população, sendo proibido o cabelo com o corte do tipo militar [...] Perdigão afirma que o terrorismo no Brasil foi praticamente aniquilado, “fruto principalmente do trabalho anônimo e incansável dos DOI”140. A revista Veja foi precursora ao mostrar uma reportagem que divulgava depoimentos de alguns torturados e torturadores, que relatavam como eram feitas as pressões físicas e psicológicas para obterem informações e quais as nefastas conseqüências desses atos para quem as sofreu. Marcelo Paixão de Araújo, um dos líderes nas torturas, relatava. Eu poderia alegar questões de consciência e não participar. Fiz porque achava que era necessário. É evidente que eu cumpria ordens. Mas aceitei ordens. Não quero passar a ideia que era um bitolado. Recebi ordens, mas eu estava pronto para aceitá-las e cumpri-las. Não pense que eu fui forçado ou envolvido. Nada disso. Se deixássemos VPR, POLOP (organizações terroristas) ou o que fosse tomar o poder ou entregá-lo a alguém, quem se aproveitaria disso seriam os comunistas. Não queríamos que o Brasil virasse o Chile de Salvador Allende. Nessa época, eu tinha 21 anos, mas não era nenhum menino ingênuo. O pau comia mesmo. Quem falar que não havia tortura é um idiota141. Algumas das vítimas de Marcelo o situavam como um dos mais cruéis torturadores. Pau-de-arara, choques elétricos, queimaduras com cigarros e afogamentos eram apenas alguns dos métodos usados pelo tenente. “O pau-de-arara não é vantagem. Primeiro, porque deixa marcas. Depois, porque é trabalhoso. Tem de montar a estrutura. Em terceiro, é necessário tomar conta do indivíduo porque ele pode passar mal” 142, recordava o militar. O engenheiro Leovi Carísio foi uma das vítimas de tortura do ex-tenente. Era militante do grupo Colina / VAR-Palmares. Ficou mais de três anos preso e sofreu as investidas do torturador. Ele explicava: “Marcelo me obrigava a deitar de costas numa mesa. Aí, ele 140 Ibidem. VEJA, São Paulo: Abril, n ͦ 49, ano 31, 09 de Dezembro de 1998, p. 45. 142 Ibidem, p. 46. 141 68 amarrava meus punhos e tornozelos aos pés da mesa e puxava de um lado ao outro até envergar meu tronco. Era horrível” 143. O ex-sargento paranaense Antônio Benedito Balbinotti foi mais um dos acusados de maus tratos por ex-militantes de esquerda. Arrependido, o militar justifica-se pedindo perdão por algo que só quer esquecer. Era apenas um soldado de plantão no quartel [...] Se alguém foi preso naquela época e se sentiu melindrado, eu peço desculpas. Foram erros, circunstâncias, coisas que aconteceram há trinta anos. Tudo isso aconteceu por causa da euforia da cidade e da contingência em que eu vivia144. Entre 1964 e 1979 o Superior Tribunal Militar examinou 707 processos abertos contra os militantes de esquerda, onde os organizadores do livro Brasil: Nunca Mais conseguiram as cópias de todos os processos. Veja os examinou, anotando quantas vezes cada acusado aparecia, chegando a uma lista dos principais torturadores do Regime Militar. Veja o ranking da tortura145. Torturadores Marcelo Paixão de Araújo Sérgio Paranhos Fleury Hilton Paulo da Cunha Portela Pedro Ivo dos Santos Vasconcelos Ailton Joaquim Benoni de Arruda Albernaz Luiz Martins de Miranda Filho João Câmara Gomes Carneiro Antônio Benedito Balbinotti Maurício Lopes Lima Luiz Timóteo de Lima Solimar Adilson Aragão Léo Machado 143 Acusações 22 19 18 17 15 15 14 14 12 12 12 10 10 Ibidem. Ibidem, p. 51. 145 Lista produzida pela reportagem da revista Veja, que consultou as fontes que foram torturadas entre 1964 e 1979. Nessa listagem poderia haver outros nomes com mais acusações, porém, muitos deles, usavam codinomes e apelidos em cada seção de tortura, sendo difícil identificá-los. Ibidem, p. 52. 144 69 Mário Borges João Luiz de Souza Fernandes Antônio de Pádua Alves Ferreira Thacir Omar Menezes Sai Jesú do Nascimento Rocha Carlos Alberto de Menezzi 9 9 9 9 9 8 5. O Insucesso das Esquerdas As explicações para entender a fácil e rápida vitória dos golpistas são ainda inconsistentes. Para Flávia Biroli a imagem de liberdade e democracia era evidente no governo Kubitschek, já que foi um período que ficou espremido entre as duas ditaduras. Conforme Lucília de Almeida Neves Delgado havia uma forte capacidade de ação humana entre os anos de 1945 e 1964, no qual existia um projeto comprometido com o desenvolvimento social146. Após o estado de sítio de 1955, a imprensa deveria exercer uma espécie de colaboração com o governo federal. A censura seria de responsabilidade dos diretores dos jornais, porém é instituída a “censura prévia”, na qual cada página, antes de ser fechada, seria encaminhada ao Ministério da Guerra, no entanto semanas depois havia a presença de um censor nas redações. O “projeto rolha” ou “lei do arrocho”, como ficou conhecido nos jornais, restringia a liberdade de imprensa. O objetivo era filtrar as notícias conforme os interesses das 146 BIROLI, Flávia. Liberdade de Imprensa: Margens e Definições para a Democracia Durante o Governo Juscelino Kubitschek (1956-1960). Revista Brasileira de História, vol. 24, n◦ 47, 2004. 70 instituições estabelecidas, no qual o alvo principal eram os veículos considerados “subversivos”. O comunismo era um dos grandes inimigos desses veículos de comunicações. As ações dos revolucionários cubanos eram intensamente denegridas pela imprensa brasileira. A Crítica noticiava “Johnson quer de Fidel Castro Atos e não Palavras” 147. O Presidente Johnson declarou que está “mais interessado nos atos do que nas palavras” do Primeiro Ministro Cubano Fidel Castro. Foi essa a reação do Presidente Johnson às notícias de imprensa de que o ditador cubano teria afirmado que estava disposto a fazer um acordo diante do qual poria fim à subversão em outros países americanos148. Ao se analisar as motivações do golpe, chegaremos a interessantes discussões. Na década de 1950, por exemplo, várias manifestações se intensificaram. A população saía às ruas reivindicando melhores condições de trabalho, greves eram organizadas não só por necessidades econômicas, mas também por motivos políticos. Durante o suicídio de Vargas, praticamente, todos sabiam quem eram os inimigos dos trabalhistas, já que atacavam sedes de partidos liberais e entidades estrangeiras. Portanto, é, no mínimo, perturbador perceber como os golpistas tomaram o país com tanta facilidade. Os ataques aos comunistas se avolumavam nos periódicos. A fim de demonstrar que Fidel estava se isolando na ilha caribenha, A Crítica divulgava conflitos ideológicos entre o revolucionário e a própria irmã. 147 148 A Crítica, Manaus, 22 de Julho de 1964. A Crítica, Manaus, 22 de Julho de 1964. 71 Acusado por sua própria irmã de trair a Revolução Cubana e de entregar o país ao comunismo russo, será muito difícil para Fidel negar tais acusações. A srta. Juanita Castro, que anunciou haver rompido com o regime comunista de Cuba e solicitado asilo político no México, incluiu assim, o seu nome na longa lista de revolucionários que se separaram de um movimento político que tinha por finalidade eliminar o regime de Batista, mas não estabelecer o Estado comunista no Caribe. Com sua decisão, Juanita Castro segue o caminho de eminentes revolucionários, inclusive o ex-Presidente Manuel Urrutia, o ex-Primeiro Ministro José Miró Cordina e quase todos os membros do primeiro gabinete. Ao triunfar a revolução contra Batista, Urrutia foi designado Presidente provisório de Cuba. Opondo-se às manobras comunistas de Fidel Castro, nos primeiros meses de seu regime, o Presidente Urrutia foi obrigado a renunciar. Permaneceu preso em casa durante quase dois anos até que pôde fugir e asilar-se com sua família numa Embaixada em Havana. Finalmente, conseguiu sair de Cuba, seguindo para o exílio. O ex-Primeiro Ministro Miró Cordina, que desempenhou o cargo de Embaixador na Espanha, em 1959, também procurou asilo numa Embaixada em Havana, indo depois para o exílio. Inúmeros funcionários do governo, professores e intelectuais também abandonaram o regime, por não concordarem com a tendência comunista que lhe dera Fidel Castro149. Perceba que a reportagem do periódico visava demonstrar que boa parte dos participantes da Revolução Cubana não se alinhava ideologicamente a Fidel, destacando que o revolucionário perdeu o apoio de sua própria irmã, devido à maneira como estava conduzindo o processo, além de perseguir antigos aliados, ao ponto de mantê-los isolados por dois anos. Para Leandro Konder as organizações esquerdistas fizeram uma interpretação equivocada das ideias marxistas, ideias essas já vindas para o Brasil com uma roupagem stalinista. Entretanto, não só de comunistas vivia o cenário político brasileiro. A população em geral, que antes se mobilizava por menos, fechou-se diante de um golpe de Estado. Os grupos de esquerda, tardiamente, movimentaram-se. Em Combate nas Trevas, de Jacob Gorender, há uma investigação minuciosa da luta armada no país, onde o autor, ex-militante do PCB e fundador do PCBR, buscava 149 A Crítica, Manaus, 22 de Julho de 1964. 72 compreender porque a esquerda saiu derrotada nas duas vezes que pegou em armas (1935 e 1968-74). O atraso com que a luta foi desencadeada explica o insucesso da segunda oportunidade. Conforme o estudioso naquele momento tardio as condições eram desfavoráveis, pois a esquerda radical já havia se distanciado da classe operária, do campesinato e das classes médias urbanas150. Por um lado, a tese, até então comumente admitida, que explicaria as opções das esquerdas brasileiras em função de orientações internacionais, é rompida. Suas opções teriam sido “reforçadas”, mas não decididas pelo movimento internacional. Por outro, acaba por confirmar a interpretação que as esquerdas armadas fizeram anos antes, responsabilizando o PCB pela derrota. Se é verdade que o início da década de 1960 assistiu ao “maior movimento de massas da história nacional”, atribuir ao partido a responsabilidade da não-resistência ao golpe é manter a concepção que supervaloriza o papel do partido no processo social. Em outras palavras, mantém a interpretação das esquerdas revolucionárias da época, que defendiam o papel decisivo do partido na condução da revolução. Neste sentido, as “condições revolucionárias” não se realizaram diante do imobilismo do PCB, desarticulado em função da política de alianças. Ou, em outras palavras, Jacob Gorender, desloca as “condições revolucionárias” da dinâmica social para a vanguarda151. A Revolução Faltou ao Encontro, de Daniel Aarão Reis Filho defende a autonomia das esquerdas brasileiras e atribui pouco peso ao movimento comunista internacional. Para Aarão a derrota não pode ser explicada pela debilidade das organizações comunistas, na qual a situação revolucionária não dependia do pensamento dos esquerdistas. O maior problema foi o isolamento encontrado na sociedade. De acordo com o pesquisador, a luta armada foi derrotada por falta de identidade entre o projeto revolucionário e os movimentos sociais. [...] Daniel Aarão Reis Filho rompeu com uma interpretação que permanecia verdade inquestionável [...] Não haveria um caminho a seguir determinado por leis históricas; a revolução não era inevitável, aconteceria ou não diante das 150 ROLLEMBERG, Denise. Esquerdas Revolucionárias e Luta Armada. In: FERREIRA; DELGADO, op. cit. 151 Ibidem, p. 50-51. 73 circunstâncias e da disponibilidade dos movimentos sociais nesta direção, e o partido não teria o poder de intervir decisivamente neste processo nem de conduzi-lo: os estudos históricos confirmariam que os movimentos sociais muitas vezes surpreenderam os dirigentes organizados, revelando sua autonomia [...] Em outras palavras, haveria uma independência entre a ação dos revolucionários organizados em suas vanguardas e o processo que culmina na “situação revolucionária” e na revolução152. O Fantasma da Revolução Brasileira, de Marcelo Ridenti, também busca compreender os motivos da derrota da revolução. Segundo o sociólogo, o isolamento das vanguardas impossibilitou a identificação com a classe trabalhadora. Ao contrário de Aarão, Ridenti eleva a importância das classes sociais, afirmando que resistir aos governos autoritários era preponderante para os objetivos da luta armada. A rápida vitória da repressão pode ser explicada por dois fatores: a ausência de identidade entre a sociedade e o projeto revolucionário, que levou ao seu isolamento; a tortura como recurso amplamente usado pelos órgãos oficiais para a eliminação dos militantes. O aperfeiçoamento dos aparelhos de repressão tem sido apontado para explicar o êxito da repressão. Entretanto, este apenas foi sistemático da tortura153. Para Denise Rollemberg a derrota da luta armada não era algo inevitável, porém o que não se podia evitar era a derrota de uma luta isolada, na qual a sociedade não enxergava a luta armada como um meio de mudar o país. Assim, conclui-se que a luta armada não teve o mesmo êxito das estratégias conservadoras. Nos anos que antecederam a tomada do poder (1954-1964), mesmo não conseguindo desfechar o golpe, os grupos civis-militares criaram mecanismos para suprimir a ação dos trabalhistas, a fim de conter as ações de João Goulart. 152 153 Ibidem, p. 52. Ibidem, p. 66. 74 Os periódicos tratavam de denegrir a imagem de João Goulart, através de matérias ofensivas, onde punha em cheque sua credibilidade. A Crítica publicava “Jango Culpado” 154 , destacando que a atual situação do país é culpa do presidente. Veja o conteúdo – “O deputado Adolfo Oliveira da UDN do Estado do Rio criticou esta tarde em Brasília o Governo, pela situação de intranqüilidade reinante no país” 155. Acuado pelos norte-americanos nas questões financeiras do país, avolumando a crise econômica e o descontentamento popular, Goulart possuía poucas saídas para essa situação. Uma delas seria se fechar, deixando o país mergulhado nessa crise econômica até o fim do governo. A outra, divergia de seus ideais trabalhistas e nacionalistas, pois a aliança com o PSD e a UDN obrigaria o presidente a aceitar as imposições do FMI, promovendo um governo conservador e repressor dos trabalhistas. Depois existia a alternativa de se aliar à Frente Progressista, liderada por San Tiago Dantas, que obrigaria Jango a se afastar das esquerdas radicais, pois as imposições feitas pelos udenistas e pessedistas tinham que ser admitidas. Por último, a alternativa seria se unir à esquerda radical. A escolha desta opção afastou legalistas de seu partido e aproximou-os dos golpistas. Para muitos analistas, a escolha pela via radical decretou o destino final do presidente, pois a bandeira de defesa da Constituição, tão divulgada pelos militares legalistas, estava sendo posta em cheque pelos governistas. A opção em aprovar as reformas a qualquer preço trouxe para o lado golpista grupos antes apenas preocupados em manter a legalidade constitucional. Novos ataques aos comunistas apareciam através da imprensa. 154 155 A Crítica, Manaus, 01 de Outubro de 1963. A Crítica, Manaus, 01 de Outubro de 1963. 75 O sr. Adolf Berle Júnior, assessor do presidente Kennedy em questões latinoamericanas, declarou, hoje, que a luta cubana contra o primeiro-ministro Fidel Castro continuará até que Cuba volte a ser livre, acrescentando que “a luta em Cuba não é mais que uma parte da guerra fria que se trava em toda a América Latina”. Ao mesmo tempo o sr. Berle, que falou ante a organização nacional feminina do Partido Democrata, disse que os cubanos não aceitam a “tradição” de Castro e, “em que pese a trágica derrota de alguns dias, a luta continuará até que Cuba volte a ser livre”. Adiantou o sr. Berle que “no heróico drama dos últimos dez dias não deve perder-se de vista uma grande questão de transcendência histórica: se a América Latina crescerá e florescerá na liberdade, ou como província dos impérios comunistas de ultramar: a resposta em parte depende de nós”156. O periódico fazia exposição de sua postura perante aos grupos de esquerda. Exaltava a necessidade da América Latina não se curvar aos impérios “comunistas”, a fim de crescer e florescer na liberdade. Adjetivos pejorativos atacando Goulart e os opositores dos golpistas eram freqüentes nos jornais estudados. De acordo com Goulart, o direito de propriedade era uma forma de expandir o capitalismo no Brasil, trazendo bem estar a um número maior de indivíduos, portanto era inviável para a economia a manutenção de terras improdutivas. O governo poderia desapropriar todas as terras não exploradas, incitando o desenvolvimento do mercado interno, já que a produção de gêneros alimentícios teria prioridade no emprego da terra, havendo certa proporção mínima no cultivo de alimentos em todo o país, assim fortaleceria o mercado agrícola nacional e promoveria a reforma agrária. Esse planejamento constituía outro dado explosivo no projeto de reforma agrária. A tentativa de reorientar a produção agrícola para o abastecimento do mercado interno, combatendo fatores de inflação, liquidaria o remanescente caráter colonial da lavoura brasileira, voltada predominantemente para a exportação, e afetaria os interesses tanto dos latifundiários como da grande burguesia comercial e do próprio imperialismo norte-americano. Não se tratava de demagogia. Ninguém faz populismo às custas do direito de propriedade, o único direito inviolável para as classes dominantes. E Goulart o ferira. Mostrara sua disposição de promover a reforma agrária, de qualquer maneira, ao decretar, juntamente com a encampação das refinarias, a desapropriação das terras 156 A Crítica, Manaus, 26 de Abril de 1961. 76 situadas às margens das rodovias e dos açudes públicos federais. Para tanto saíra à praça, levara o Governo às ruas, ao encontro dos trabalhadores. Não fora outra a significação do comício de 13 de março. E as classes dominantes recearam que a democracia burguesa desbordasse e as massas, em ascensão, aprofundassem o processo de reformas157. Diante da situação econômica do país, no qual os norte-americanos e o FMI fecharam as portas para os créditos ao Brasil, a crise se agravava, a dívida externa e os juros cresciam aceleradamente. A única saída seria uma política ditatorial de arrocho salarial para sanar os problemas financeiros e atender às exigências dos banqueiros. No entanto, devido à sua trajetória nacionalista e trabalhista, Goulart não aceitou tal imposição. Em matéria intitulada “Juscelino Diz que a Crise Econômica Constitui a Maior Ameaça de Revolução” 158, o ex-presidente defendia João Goulart. Despacho de Boston informa que o ex-Presidente Juscelino Kubitschek, que ali se encontra, ouvido pela reportagem, declarara que a crise econômica do Brasil constitui a maior ameaça de revolução que pesa sobre o país. Segundo o mesmo despacho, o ex-Presidente diz que a ameaça não é tanto de Fidel Castro como pessoa, mas o exemplo de Cuba como Nação. JK declarou-se favorável ao Presidente Jango, acrescentando que este tem prestígio pessoal necessário a dar solução a crise econômica que ameaça o país brasileiro159. Os atos nacionalistas cresciam. Em 24 de dezembro de 1963, o presidente assinou medida que dava à Petrobrás a exclusividade na importação de petróleo e derivados, satisfazendo os interesses das esquerdas. Em 17 de janeiro do ano seguinte, o governo atendeu a outra reivindicação dos radicais ao assinar lei que regulamentava as remessas de lucros para o exterior. Todas essas medidas não foram bem aceitas pela ala conservadora e por investidores internacionais. O Jornal do Commercio publicava a visão de Lacerda sobre as reformas, 157 BANDEIRA, op. cit, p. 165. Jornal do Commercio, Manaus, 09 de Março de 1962. 159 Jornal do Commercio, Manaus, 09 de Março de 1962. 158 77 intitulada “Carlos Lacerda: Luto Pela Reforma de Verdade Contra a Reforma de Mentira” 160. As reformas que o governador da Guanabara considerava de verdade eram as reformas que não interferiam nos interesses imperialistas e da elite conservadora local. Os golpistas, especialmente Castelo Branco, apenas tinham o receio de violar a legalidade e ficarem sem cobertura política. Era preciso um pretexto, portanto os grupos que organizavam o golpe, juntamente com a CIA, trataram de providenciá-lo. Os norteamericanos já preparavam uma substancial ajuda no caso de uma guerra civil. Uma operação de tamanha magnitude, como a Brother Sam, não se realizaria, certamente, sem a conivência e o conhecimento, pelo menos em suas linhas gerais, de alguns brasileiros. Havia a necessidade de coordená-la com a sublevação interna, que, sem o apoio imediato dos Estados Unidos, Goulart poderia reprimir. Por isso e não por dedução, como alegaria, Walters soube que a sedição de Minas Gerais ocorreria em 31 de março. A CIA colaborara com as diversas correntes de oposição a Goulart e seus agentes se reuniram, algumas vezes, com o Marechal Denis, em casa do advogado Antônio Neder161. Para Flávio Aguiar a grande lição que os golpistas tiveram após o episódio de 1961, era que dessa vez tinham que neutralizar qualquer tipo de oposição na imprensa, para que se divulgasse o ideal de Brasil que lhes fosse interessante. Daí os inúmeros mecanismos criados pelos militares para controlarem os veículos de comunicações. Controlando a notícia, dominava também a memória da população civil, penetrando e impondo um ideal. No caso de 1964 já é lugar comum dizer que a censura começou nas próprias redações de jornais, através da autocensura, do controle dos jornalistas de esquerda ou não alinhados com o golpe, e através da participação dos jornais, de seus proprietários, articulistas e outros na conspiração. De fato houve tudo isso, 160 161 Jornal do Commercio, Manaus, 21 de Março de 1964. BANDEIRA, op. cit, p. 175-176. 78 mas essa parte da conspiração e de seus desdobramentos posteriores não se limitou a “suprimir” determinado Brasil ou aspectos deste dos noticiários; ajudou na verdade a “construir” um outro Brasil, de que talvez, no fundo, ainda não tenhamos conseguido nos libertar até hoje, em que pese o fim da ditadura162. Segundo Maria Helena Rolim Capelato “desde os seus primórdios, a imprensa se impôs como uma força política. Os governos e os poderosos sempre utilizam e temem; por isso adulam, vigiam, controlam e punem os jornais” 163. O desprezo ao jornal como documento, atualmente, é coisa do passado, pois, apesar de não ser um depósito da verdade, é espaço para inúmeras versões. Conforme Capelato, até mesmo um documento falso é histórico, pois existiram interesses para produzi-lo daquela forma. O jornal é uma das principais fontes de informação histórica, merecedor, portanto, de consideração dos historiadores, afirma José Honório Rodrigues. Ao discutir, porém, o problema da credibilidade das fontes, considera o periódico como documento suspeito e adverte. “O editorial é a parte menos digna de fé, a notícia e o anúncio devem ser usados com cautela, pois contêm erros [...]”. Aconselha que se determine os interesses econômicos e políticos; que se distinga a imprensa oficial da oficiosa; que se diferencie imprensa e opinião pública164. Para Samuel Wainer165 a imprensa brasileira não só é parte do poder, como também é o próprio poder, que é prepotente e corrupto, por isso não tem credibilidade. A Crítica, mostrando-se alinhado aos “revolucionários militares”, enchia suas páginas de exaltação ao Regime. “Revolução não Parou: Corruptos Devolverão Fortuna ao País”, estampava a manchete de 27 de Maio de 1964. Veja o conteúdo da reportagem. 162 AGUIAR, op. cit, p. 45. Em Manaus o A Notícia era um dos jornais que sofriam a censura prévia por parte do governo. Ver FICO, Carlos. Espionagem, Polícia Política, Censura e Propaganda: Os Pilares Básicos da Repressão. In: FERREIRA; DELGADO (Org), op. cit. 163 CAPELATO, op. cit, p. 13. 164 Ibidem, p. 20. 165 Ibidem. 79 Durante mais de uma hora e meia, o ministro da Guerra, general Artur Costa e Silva, perante uma cadeia de rádio e Televisão, conforme amplamente divulgado, fez o seu pronunciamento ao país, analisando a atual situação brasileira, com a vitória da revolução democrática. O Ministro da Guerra, exibiu fotografias e documentos, sobre a concentração do dia 13 com a participação do sr. João Goulart, do Movimento do Sindicato dos Metalúrgicos, tendo à frente o cabo Anselmo, assim como atos de subversão que ameaçavam eclodir no país. Falou também a respeito da Marcha da Família com Deus pela Liberdade [...] Dizendo também que homens e mulheres delirantemente aplaudiram o presidente da República [...] Adiantou que a Revolução de agora foi feita para colocar o Brasil na ordem e na paz que tanto esperam seus filhos. Os corruptos vão devolver dinheiros roubados ao país166. A reportagem do Jornal A Crítica demonstrava o lado que defendia, considerando o movimento golpista uma revolução democrática, exaltando que o golpe serviu para trazer a ordem e a paz ao país. O general faz uma alusão à aliança entre Jango, os metalúrgicos e o cabo Anselmo, líder do motim dos marinheiros. Porém, através de fontes da própria CIA, descobriu-se que o militar não passava de um agente, disfarçado, cujo objetivo era criar um clima de tensão no Governo. O comandante Ivo Acioly Corseuil, subchefe da Casa Militar da Presidência, avisou a Goulart e ao Almirante Mota que o líder do movimento, José Anselmo dos Santos, marinheiro de 1ª classe e não cabo como se celebrizou, era agente do serviço secreto, provocador, trabalhando para a CIA. Não se tratava de conjetura e sim de informação, oriunda da própria Marinha167. Após Goulart ser deposto, cabo Anselmo asilou-se no México. Posteriormente foi integrar-se à Ação Popular onde, rapidamente, foi capturado pelo Regime. Ao ser libertado, mudou-se para Cuba a fim de participar do treinamento de luta armada, retornando ao Brasil em 1970, sob o apelido de Jadiel. Em São Paulo, o marinheiro era conhecido como Jônatas, onde foi preso um ano depois. Sabe-se que, antes disso, o militar já possuía regalias nas prisões da qual passava, 166 167 A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964. BANDEIRA, op. cit, p. 169-170. 80 podendo sair ou visitar amigos168. A partir daí, Jadiel ou Jônatas sumiu, pois se transformou num policial do DOPS (Departamento de Ordem Política Social), no qual poucas pessoas sabiam. Nos dois depoimentos em que narrou seu pulo, Anselmo insistiu na sinceridade e na convicção de sua escolha. É certo que adquiriu essa convicção depois de pelo menos uma sessão de tortura. Como ele mesmo esclareceria: “Concederam-me a oportunidade de sobreviver”. Sobreviveu simulando-se livre, restabelecendo contatos, cobrindo “pontos” e levando aquilo que se poderia chamar de a vida normal de um clandestino169. Anselmo, agora cujo pseudônimo era Kimble, agia como um espião, onde servia de isca para atrair integrantes dos grupos da esquerda armada. Estabelecendo contatos, o exmarinheiro transformara-se num importante agente a serviço da ditadura. Uma de suas principais missões foi organizar uma rede da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) no Recife, onde Kimble infiltrou um investigador do DOPS na organização170. A ação foi responsável pelo assassinato brutal de seis membros da VPR e Anselmo desapareceu, onde só retornou na década seguinte para contar tal história. A transmigração de Anselmo foi um fato traumático e custoso para a esquerda armada, mas isso se deveu mais à inépcia dos seus aliados do que à competência dos novos patrões [...] Um psiquiatra que militava na organização surpreendera-se ao ver que a polícia lhe perguntava segredos que compartilhara com Anselmo. Os torturadores de uma dirigente da VPR contaram-lhe que Anselmo estava preso, “trabalhando para nós”. Em agosto, internada num hospital de Belo Horizonte, ela conseguira comunicar a amigos que Jônatas era policial. Em setembro a informação chegou ao Chile, mas a denunciante foi dada por doida. A essa altura, Kimble já se tornara um policial convicto e audacioso. Desembarcou em Santiago, para reencontrar o amigo Onofre Pinto. O fundador da VPR lhe mostrou um informe vindo do Brasil em que se assegurava: “O Cabo Anselmo se entregou à repressão”. Prevaleceu a amizade171. 168 Ver mais detalhes em GASPARI, Elio. A Ditadura Escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 337-358. 169 Ibidem, p. 346. 170 Ibidem. 171 Conforme Gorender o psicanalista e a dirigente eram, respectivamente, Carlos Alberto do Carmo e Inês Etiene Romeu. Já Anselmo, quando confrontado com a acusação, pôs seu revólver sobre a mesa e sugeriu que o assassinassem. Ibidem. 81 A imprensa contribuía para a imagem das organizações de esquerda, propalando uma visão nefasta desses grupos, classificando-os como terroristas, subversivos, comunistas e outros adjetivos pejorativos. A Crítica, mais uma vez, demonstrava seu posicionamento com manchete intitulada “Era Tenebroso Plano Comunista” 172. Segue a reportagem. O deputado Arnaldo Nogueira, disse hoje que estava traçado o plano pelos agitadores para levar o Brasil ao Comunismo. Adiantou o parlamentar que a subversão teria características e aspectos tenebrosos. Incêndios, invasões de prefeituras e delegacias, ataque em residências de luxos, conforme provam documentos inconfessáveis. Finalizou o sr. Arnaldo Nogueira, afirmando que todos reconhecem que um verdadeiro milagre ocorreu no dia 31 de março173. Percebam como são qualificados os golpistas. Enquanto para um lado são reservados os piores adjetivos, o outro é taxado de democrático, ressaltando que o golpe representou um milagre para o país, já que o livrou das garras das lideranças comunistas e subversivas. No próximo capítulo discutiremos os variados posicionamentos referentes ao golpe, percebendo a visão das Forças Armadas, exaltando suas principais motivações, analisando depoimentos, principalmente daqueles militares que participaram da conspiração. Ressaltaremos também os discursos promovidos pelos jornais estudados, examinando a disputa de poder entre liberais e trabalhistas. 172 173 A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964. A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964. 82 CAPÍTULO II O GOLPE E SEUS POSICIONAMENTOS 1. A REVOLUÇÃO PARA OS MILITARES O capítulo adiante promove uma discussão no que se refere aos diferentes posicionamentos sobre o golpe civil-militar de 1964 no Brasil. Além da análise literária com relação à historiografia do período, as linhas a seguir demonstram a visão dos periódicos amazonenses, Jornal do Commercio e A Crítica, frente aos acontecimentos que se sucederam após o desfecho de 31 de março. Debates e disputas entre liberais e nacionalistas alimentam as manchetes dos jornais estudados. Conforme José D’Assunção Barros “o que autoriza classificar um trabalho historiográfico dentro da História Política é naturalmente o enfoque no ‘Poder’” 174 . Poder este não mais limitado ao âmbito estatal, como bem esclarece Foucault 175, mas também preocupado com sua presença nas diversas esferas da sociedade. Este poder, durante o golpe, sempre foi alimentado nas manchetes e reportagens dos periódicos pesquisados. 174 175 BARROS, op. cit, p. 106-107. FOUCAULT, op. cit. 83 O Jornal do Commercio salientava “Arthur Reis Governará com a Revolução” 176 , considerando o então governador um revolucionário, alinhado aos objetivos dos golpistas. O mesmo periódico destacava que aliados de Jango estavam aliançados aos comunistas, através da manchete “Brizola Recebia Dólares de Fidel para Subversão” 177. O Serviço Secreto do Exército por intermédio de um agente especial enviado ao exterior apurou a seguinte denúncia: No mês de março o embaixador de Cuba, no Brasil, foi ao seu País para conseguir de Fidel Castro ajuda financeira vultosa para o senhor Leonel Brizola custear um amplo movimento armado subversivo que deveria ser iniciado em futuro próximo, pelas forças das esquerdas brasileiras para a implantação de uma ditadura popular no País178. Perceba a importância dos veículos de comunicações como instrumento doutrinador a serviço da ditadura. Sempre classificando os inimigos dos golpistas de comunistas e subversivos, esses periódicos influenciavam, diariamente, a opinião pública, através de reportagens que denegriam a imagem de Cuba e seus aliados. No mesmo periódico os ataques ofensivos aos comunistas continuavam, assim como a incessante necessidade de considerar o golpe um ato revolucionário, a serviço da democracia. O Jornal do Commercio publicava “Movimento Revolucionário Brasileiro Foi um Golpe de Morte Contra Fidel” 179. “Este é o momento psicológico para as Américas se unirem e banirem o comunismo. E o Brasil poderia e deveria ser o líder de tão importante movimento”. As declarações feitas a nossa reportagem pela professora Nelida Garmendia, exilada cubana residente no Rio e pertencente ao Diretório Magisterial de Cuba no Exílio, com sede em Miami, que veio a esta capital fazer uma série de conferências180. 176 Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964. Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964. 178 Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964. 179 Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964. 180 Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Junho de 1964. 177 84 A reportagem afirmava que o golpe civil-militar no Brasil prejudicou os planos cubanos na América Latina, destacando que a conjuntura propiciava o banimento do comunismo do continente, sob a liderança dos golpistas brasileiros. Em Visões do Golpe: A Memória Militar de 1964181, os depoimentos são praticamente unânimes quando se referem à conspiração civil-militar. Os motivos secundários variam entre greves e alta inflação, porém o temor do comunismo, já que, para os militares, uma marcha destes se aproximava do país, é a principal justificativa dos golpistas. Além do clima de guerra fria, os militares nutriam um sentimento de disputa com os comunistas desde a tentativa frustrada de golpe de Estado em 1935, no qual os consideravam traiçoeiros e perigosos, capazes de invadir quartéis e desrespeitar a hierarquia, tão reverenciada pelas Forças Armadas. A opinião militar dominante define o golpe como o resultado de ações dispersas e isoladas, embaladas, no entanto, pelo clima de inquietação e incertezas que invadiu a corporação. Esta visão se contrapõe à interpretação predominante entre os analistas que até agora examinaram o episódio. Para estes, o golpe teria sido produto de um amplo e bem-elaborado plano conspiratório que envolveu não apenas o empresariado nacional e os militares, mas também forças econômicas multinacionais182. De acordo com Gustavo Moraes Rego Reis, que no ano do golpe era tenente-coronel, o desfecho foi resultado das ações de João Goulart. Caso não tivesse comparecido ao comício da Central do Brasil ou fizesse um discurso anticomunista, os acontecimentos poderiam ser diferentes. Para o militar a incompetência administrativa de Goulart contribuiu para sua queda, no entanto não foi preponderante. O desrespeito à hierarquia e a penetração comunista em 181 182 D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit. Ibidem, p. 16. 85 seu governo foram os principais motivos das movimentações golpistas, criando um clima de insegurança no meio empresarial e na classe média. A grande falha, que desencadeou o processo e colocou a instituição militar mobilizada, foi quando o Jango mexeu com os sargentos [...] Castelo disse: “Isso será a gota d’água. A imagem que os civis vão ter dessa reunião vai ser a gota d’água. A opinião pública vai ver o risco que está correndo”. Como de fato foi. Naquele instante, nossa união foi para preservar a instituição. Foi também o que tirou a força dos melhores e mais importantes comandos, que estavam todos com Jango183. Luiz Helvécio da Silveira Leite184, que na época era capitão do Exército, também exaltou a possibilidade do Brasil se comunizar, especialmente após a homenagem feita por Jânio Quadros a Che Guevara. O militar afirmou que foi a capacidade militar e industrial dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial que inspirou os militares brasileiros a criarem a Doutrina de Segurança Nacional. Conforme o capitão a conspiração estava em andamento desde a década de 1950. Quando eu vi o sr. Jânio Quadros condecorando o Che Guevara, pensei: isso para mim é demais. Antes, ele já tinha tentado umas tiradas assim [...] pois condecorou o Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Fui conversar com um coronel da Aeronáutica, presidente da comissão, um sujeito muito sério. Eu disse: “Coronel, o Jânio Quadros sempre foi atacado pelos comunistas. Hoje está recebendo dinheiro, condecorando o Che Guevara que é comunista [...] então, em função disso, eu acho que não há mais motivação para ficar aqui”. Ele tentou me convencer: “Não [...] Eu vou embora! Discordo. Não posso mais continuar trabalhando aqui, sabendo que o governo está abrindo as pernas para os comunistas. Eu vou embora” 185. Octávio Costa, que durante o golpe civil-militar era tenente-coronel, afirmou que o anticomunismo exacerbado não é uma invenção de 1964 e sim surgiu desde a tentativa da 183 Depoimento do então tenente-coronel do exército Gustavo Moraes Rego Reis. Ibidem, p. 41-42. Depoimento do então capitão do exército Luiz Helvécio da Silveira Leite. In: ARGOLO, José Amaral; FORTUNATO, Luiz Alberto. Dos Quartéis à Espionagem: Caminhos e Desvios do Poder Militar. Rio de Janeiro: Mauad, 2004, p. 71-174. 185 Ibidem, p. 115. 184 86 Revolução Comunista de 1935. De acordo com o militar as Forças Armadas, em sua maioria, tinha ideologia liberal, pois grande parte de seus integrantes era antivarguista. Além disso, O Diário de Notícias era um periódico udenista que publicava informações referentes aos militares, influenciando-os ideologicamente. Octávio Costa não considerava o episódio estudado um golpe, mas sim um contragolpe contra os comunistas. Episódio este que já era para ter ocorrido em 1961. “Basicamente, a Revolução se fundamentava no anticomunismo exacerbado, que vinha de 1935. Partia-se da convicção de que estava em marcha uma tentativa de socialização e que o agente dessa socialização era o presidente Goulart” 186. O então coronel Carlos de Meira Mattos confessou que conspirou contra a posse de Jango, já que o presidente era instrumento do comunismo internacional. Era a favor de sitiar o Rio Grande do Sul, a fim de evitar a resistência liderada por Leonel Brizola. De acordo com o militar o que proporcionou a polarização das Forças Armadas foi a entrada de Castelo Branco no movimento golpista. O tenente-coronel Leônidas Pires Gonçalves salientava que Castelo nunca foi um revolucionário, onde só aderiu à conspiração devido ao sentimento anticomunista presente em muitas alas do Exército. [...] há cinqüenta anos nós descobrimos que o comunismo era um embuste. Que esse Lênin é outro embusteiro. Essa é a maior mentira do século XX. Descobrimos isso há muitos anos e sempre obstamos os passos dessa gente no Brasil. Tenho a impressão que naquela hora em que eles buscavam fazer uma república sindicalista, esse sentimento que estava arraigado no espírito do soldado brasileiro espocou no Castelo. Foi por isso que o Castelo se rendeu a participar de uma revolução. Ele viu que a república sindicalista não era apenas uma revolução política. Era uma revolução que tinha uma ideologia mesclada, e uma ideologia contra a qual nós do Exército sempre nos batemos187. 186 187 D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit, p. 91. Depoimento do então tenente-coronel Leônidas Pires Gonçalves. Ibidem, p. 126. 87 De acordo com o tenente-coronel Ivan de Souza Mendes o motivo principal da deposição de João Goulart foi a incitação à indisciplina. Os episódios dos sargentos e marinheiros, além do comício da Central do Brasil foram os estopins para a conspiração deflagrar. Nota-se que são praticamente unânimes as opiniões entre os entrevistados quanto ao projeto “revolucionário”. Para o tenente-coronel Adyr Fiúza de Castro não havia, entre os militares, um projeto para o Brasil. A única situação que os uniam era a necessidade de afastar Goulart. Os empresários, segundo o militar, ajudavam muito as tropas através de doações de jipes. Ao contrário da maioria dos envolvidos no golpe, o entrevistado não considerava o episódio de 1964 um ato revolucionário 188. Não gosto de chamar de revolução, porque não foi uma revolução na acepção da palavra. Não foi porque não mudou as elites. Afastou parte da elite política, que aos poucos retornou e ora domina o país. Mas a elite econômica e jurídica, toda ela permaneceu. Não houve de fato uma revolução. O movimento militar revolucionário que eclodiu em Minas foi uma surpresa para todo mundo189. Segundo o tenente-coronel Enio dos Santos Pinheiro, que foi nomeado governador de Rondônia por duas vezes (1950-54 e 1961), a origem do golpe se deu devido à renúncia de Jânio Quadros. O militar salientava que o então presidente foi traído por seu chefe de gabinete, pois o mesmo não deveria entregar a carta de renúncia a um dos inimigos de Jânio, Auro de Moura Andrade. O entrevistado finalizou reconhecendo que João Goulart nunca foi um radical. No máximo era visto como um esquerdista devido à sua proximidade com Brizola, porém não era um comunista radicalista190. 188 Depoimento do então tenente-coronel Adyr Fiúza de Castro. Ibidem. Ibidem, p. 160. 190 Ibidem. 189 88 Suas medidas extremas descontentavam a maioria, como salientava a manchete do Jornal do Commercio “Encampadas Todas as Refinarias Particulares, Inclusive a Copam” 191. Anunciada como a grande surpresa do comício em defesa das reformas de base, no Rio, o decreto encampando as refinarias particulares do país. Foram atingidas pela medida presidencial, as Refinarias de Capuava (SP), Ipiranga (RS), Manguinhos (Guanabara) e Copam (AMA). [...] Cerca de 5 mil soldados do exército, marinha e aeronáutica garantem a realização dessa manifestação192. Conforme o coronel Carlos Alberto da Fontoura não houve revolução e sim um contragolpe, já que um golpe estava sendo preparado pelas esquerdas, a fim de conduzir o país ao comunismo193. O tenente-coronel Antônio Bandeira, que combateu no Araguaia, também salientava a comunização não só do país, como também a penetração das ideias comunistas dentro das Instituições Militares. Os elementos de esquerda que cercavam o governo procuravam, realmente, transformar o quadro institucional por pressões e mudar o regime. Esse é o convencimento de todos nós militares. A insubordinação dentro do Exército já estava num ponto inegável. Alguns sargentos e alguns oficiais subalternos pregavam abertamente a esquerdização do nosso regime194. O coronel Deoclecio Lima de Siqueira exaltava a necessidade de um golpe devido ao perigo comunista, destacando a habilidade de persuasão dos soviéticos. Segundo o coronel o acontecimento foi resultado da guerra fria, no qual o Brasil estava prestes a se comunizar. 191 Jornal do Commercio, Manaus, 13 de Março de 1964. Jornal do Commercio, Manaus, 13 de Março de 1964. 193 D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit. 194 Depoimento do então tenente-coronel Antônio Bandeira. Ibidem, p. 214. 192 89 [...] sabia-se perfeitamente que a maioria dos sargentos não era comunista. Eles eram manipulados. É impressionante. A técnica soviética era muito interessante, muito bem executada [...] Por todas essas razões, 64 foi tipicamente um episódio da guerra fria. Foi a contrapartida de uma ofensiva comunista na guerra fria então em marcha195. Portanto, os motivos elencados pelos militares estão de acordo com a historiografia que estuda o assunto. Quebra de hierarquia, comunização do governo e das Forças Armadas e Guerra Fria são os principais. O grande líder esquerdista, pelo menos entre os que possuíam um cargo eletivo, era Leonel Brizola, que com medidas ousadas no governo do Rio Grande do Sul, como a encampação de empresas estrangeiras, arregimentou trabalhistas em torno de seu nome. Goulart, compromissado com o nacionalismo, via sua atuação prejudicada pelo parlamentarismo. O presidente então resolveu desfazer o “gabinete de conciliação” e aproximar-se dos grupos de esquerda, promovendo uma campanha de retorno ao presidencialismo, onde o governador gaúcho seria seu principal porta-voz. Segundo Moniz Bandeira várias eram as organizações de direita que se concentravam em todos os Estados como forças policiais paralelas ou milícias fascistas. Ação de Vigilantes do Brasil196, Grupo de Ação Patriótica, Patrulha da Democracia, Mobilização Democrática Mineira são alguns exemplos dessas organizações. Quando houve a invasão, pela polícia do exército, em uma das sedes da Ação de Vigilantes do Brasil, no Rio de Janeiro, foi encontrado armas e munições. Nas paredes do escritório havia vários retratos de personalidades norte-americanas e mapas dos Estados Unidos, dando a entender que, ali, seria um reduto da CIA. 195 Depoimento do então coronel Deoclecio Lima de Siqueira. Ibidem, p. 229. Conforme Moniz Bandeira a organização Ação de Vigilantes do Brasil era dirigida por Paulo de Sales Galvão, indivíduo ligado a Lacerda. BANDEIRA, op. cit. 196 90 Moniz Bandeira cita Alberto Byington Júnior como patrocinador do contrabando de armas dos Estados Unidos para o Brasil, a fim de abastecer a rebelião de São Paulo, em 1932. Apesar de consciente das tramas que circulavam o seu governo, Goulart foi incapaz de desbaratá-la, seja pela ineficiência de seus assessores, seja por confiar demais no apoio popular, que iria se opor a qualquer tentativa de golpe197. A CIA organizou, indubitavelmente, uma vasta operação especial, com suportes militares dentro e fora do país. Havia em Teresina (PI) um campo de pouso para helicópteros, clandestino, [...] A operação especial não se limitou, porém, ao contrabando de material bélico para armar as forças de reação [...] Ela envolveu também a participação pessoal de militares norte-americanos, que entravam no Brasil sob os mais diferentes disfarces (religiosos, jornalistas, comerciantes, Corpos da Paz, etc.), dirigindo-se a maioria para as regiões do nordeste198. De acordo com o pesquisador, no ano de 1962, 4968 norte-americanos entraram no Brasil, batendo todos os recordes de migração. No ano seguinte este número caiu para 2463, porém continuou acima da média. No ano de 1964 este número baixou para 764, demonstrando que estava havendo uma invasão silenciosa de estrangeiros no território brasileiro199. Na verdade, a maioria daqueles norte-americanos integravam uma espécie de exército secreto dos Estados Unidos, que já atuava em cerca de 50 países, inclusive no Brasil. Eram os boinas verdes (green berets), uma unidade de elite, treinada e especializada na tarefa de combater movimentos de esquerda e reprimir intentos de insurreição200. A presença norte-americana no Brasil era um fato explícito, basta pesquisar o número acentuado de estrangeiros que entraram no país. Segundo Skidmore o Departamento de 197 Ibidem. Ibidem, p. 136. 199 Ibidem. 200 Ibidem, p. 138. 198 91 Estado sabia da evolução da conspiração, onde a Embaixada dos Estados Unidos estava pronta para intervir201. Uma das defesas dos golpistas era que os comunistas estavam penetrando em postos do Governo, no entanto não era bem assim. Com o impedimento de funcionamento do PCB e sua aproximação com o PTB houve um contágio reformista e nacionalista entre os trabalhistas, mas o próprio Partido Trabalhista impedia uma ação mais eficaz do Partido Comunista, atrelando as políticas sindicais às políticas burguesas. Goulart não queria comunizar o país e sim executar as reformas, principalmente a agrária. Aliás, devido ao alinhamento do PSD com os latifundiários e a pressão da direita conservadora, o presidente isolou-se mais ainda. Em entrevista a um jornal alemão, Luiz Carlos Prestes demonstrava apoio a Jango, engrossando a ideia de que petebistas e comunistas estavam aliançados. [...] Luiz Carlos Prestes afirma que o melhor candidato a presidência do Brasil é o próprio João Goulart, e que dentro de certas condições seria excelente a dissolução do atual Congresso brasileiro. Prestes faz restrições a João Goulart, mas o considera aliado dos comunistas, conforme consta da seguinte declaração textual: “Certamente faz Goulart concessão ao imperialismo e ao latifúndio. Nós as combatemos. Ao mesmo tempo, porém, apoiamos aspectos positivos de seu governo. Quero lembrar a sua atitude durante a crise quando o Brasil se bateu contra uma intervenção militar em Cuba. Goulart apoiou também frequentemente as exigências sociais dos trabalhadores. Efetivamente Goulart é um aliado na sua qualidade de presidente. Consideramos este último como partido mais próximo pelo menos no que se refere à sua base: porque exige reformas de base para o território nacional e liberdade para todos os partidos”202. Essa disputa partidária e ideológica era protagonizada, principalmente por três partidos políticos. De um lado estava a aliança petebista-pessedista (PTB-PSD), e de 201 202 SKIDMORE, op. cit. “Prestes Prega a Reeleição de Goulart”. Jornal do Commercio, Manaus, 19 de Março de 1964. 92 outro os liberais da UDN, transformando o panorama político do país numa luta bipolar entre nacionalistas e antinacionalistas. 93 2. Trabalhistas versus Liberais Para Lucília de Almeida Neves Delgado a pouca experiência democrática junto às ações antidemocráticas de Vargas durante o Estado Novo contribuíram para a má formação de partidos políticos, na qual sua existência era efêmera e seus projetos mal definidos. [...] entre as diferentes agremiações que se organizaram a partir da Lei Agamenon, três se destacaram e ocuparam o espaço da cena política: a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Esses partidos formaram uma estrutura triangular de poder e de disputa pelo poder. Todavia, durante os treze primeiros anos de sua existência, representaram duas forças nítidas e opostas que atuavam no cenário da vida nacional: o getulismo, incorporado e defendido principalmente pelo PTB, mas também apoiado pelo PSD, embora com menor ênfase e com estratégia peculiar; e o antigetulismo, que fez da UDN seu principal ancoradouro e baluarte203. O PSD, mesmo aliado do PTB, possuía bases sociais distintas, composto, em sua maioria, pelas classes médias urbanas e por integrantes das oligarquias estaduais. Era uma agremiação pragmática, cujo objetivo era se manter no poder. O partido era composto também por membros do Estado Novo, o que facilitou seu sucesso nas urnas, pois já estavam inseridos na estrutura administrativa dos Estados. O PSD, partido que deixou como principais marcas de seu perfil o pragmatismo, a habilidade e a força eleitoral, foi fundado dentro da perspectiva getulista de continuísmo na transformação. Sua habilidade e capacidade de alcançar e se manter no poder marcaram época. Como resultado dessa prática, seus principais integrantes, que foram grandes mestres da negociação, ficaram conhecidos como “raposas” da política brasileira204. 203 DELGADO, Lucília de Almeida Neves. Partidos Políticos e Frentes Parlamentares: Projetos, Desafios e Conflitos na Democracia. In: FERREIRA; DELGADO, op. cit, p. 135. 204 Ibidem, p. 138. 94 Os udenistas, mesmo aliando-se aos pessedistas quando fosse conveniente, principalmente a fim de conter as reformas de Goulart, faziam ampla oposição aos trabalhistas. Defendiam o liberalismo econômico e a autonomia para o capital estrangeiro investir no país; e combatiam o nacionalismo e as medidas trabalhistas. A principal linha de ação da UDN consistia em fazer das agremiações prógetulistas seu principal alvo de oposição, tanto no parlamento, como através das críticas publicadas pelos principais jornais que circulavam no Brasil. [...] Objetivavam, a curto prazo, romper com a cadeia de sustentação do Estado Novo e, a longo prazo, eliminar da vida política nacional a força pragmática e mítica do getulismo e também do trabalhismo205. Já o PTB possuía entre seus correligionários operários, trabalhadores sindicalizados e funcionários públicos. Foi o partido mais sólido e organizado entre os anos de 1945 e 1964. Com um programa voltado a questões sociais, os petebistas diferenciavam-se das outras agremiações. O Trabalhista e A Gazeta206 foram dois periódicos amazonenses que logo sofreram com a intervenção militar. Por serem jornais vinculados ao PTB e ao governo de Plínio Coelho, em setembro de 1964 foram fechados. Ambos eram dirigidos por Miranda Braga. De acordo com o editorialista Frânio Lima, o governador Arthur Reis ordenou o fechamento das redações dos periódicos. Preso pelos policiais do DOPS, o jornalista afirmava. Aos 21 anos assumi o cargo de secretário do jornal e simultaneamente a função de editorialista de O Trabalhista, matutino a cuja organização A Gazeta passara a pertencer. Prosseguiu em ambas as atividades até 04 de setembro de 1964, quando a Polícia do governador Arthur Reis fechou a redação dos dois jornais, levando presos para o DOPS eu e meus companheiros, inclusive os das 205 Ibidem, p. 137. Jornais que circulavam em Manaus na década de 1960. A Gazeta era propriedade do senador Artur Virgílio Filho. FREIRE, op. cit. 206 95 oficinas, sendo todos soltos horas depois. O diretor Miranda Braga e o redator M. J. Antunes, presos dias mais tarde, permaneceram no quartel-general da Polícia Militar por vários meses207. Os jornais se destacaram por fazerem pesadas críticas ao governo de Arthur Reis e se mostravam alinhados a Plínio Coelho. Logo após o golpe A Gazeta publicava “Plínio Levou ao Novo Presidente Mensagens de Confiança do Amazonas” 208 , demonstrando a ideologia do periódico petebista. [...] a trajetória e o crescimento do PTB não ocorreram livres de atribulações e dificuldades. Como alvo privilegiado da UDN, por simbolizar no universo partidário a principal força getulista, o Partido Trabalhista Brasileiro, incluindo seus principais líderes, foi perseguido pela crítica contundente dos udenistas, que divulgavam constantemente através da grande imprensa acusações que relacionavam o petebismo ao peronismo, à perspectiva de implantação de uma República sindicalista no Brasil, quando não ao “perigo do comunismo” 209. Portanto, pode-se dizer que desde a década de 1950, o conflito ideológico entre nacionalistas e liberais estava presente no panorama político do país. Paralelamente a este embate situavam-se os comunistas, que constantemente postos na ilegalidade, alinhavamse aos trabalhistas devido à simpatia que tinham pelas reformas. Em Manaus, o jornalista e ex-deputado estadual Arlindo Porto foi preso por 128 dias e teve seu mandato cassado, simplesmente por ter um histórico com o PCB e ser filiado do PTB. Outras lideranças também foram encarceradas como o padre Luís Ruas, Geraldo Campelo e Fábio Lucena210. 207 Entrevista concedida à Roseane Pinheiro. In: PINHEIRO, Roseane Arcanjo. Corações e Mentes Amordaçados: Jornalismo e Censura em Manaus-AM (1960-1970). In: Jornal da Rede Alcar, São Paulo, ano 6, n ͦ 67, Julho de 2006. 208 A Gazeta, Manaus, 14 de Abril de 1964. 209 DELGADO, op. cit, p. 143. 210 PINHEIRO, op. cit. 96 A aproximação dos trabalhistas com os comunistas foi um elemento diferenciador no cenário político brasileiro e acabou sendo usada como uma das justificativas para a intervenção militar em 1964. Em plena era da guerra fria e da bipolaridade, o conjunto dos articuladores da deposição do presidente trabalhista, João Goulart, consideraram que o avanço do trabalhismo era um caminho aberto para a penetração comunista no Brasil. Por isso, não hesitaram em intervir no processo político através de uma ação que podemos definir como golpe preventivo211. Para muitos estudiosos essa aproximação motivou a união das Forças Armadas, pois nas tentativas anteriores de golpe o principal problema era a falta de unidade das Instituições Militares, devido à necessidade de manter a ordem constitucional. Entretanto com a proximidade dos comunistas com os trabalhistas, o temor de socializarem o Brasil ganhou corpo dentro dos quartéis. Assim, os ataques aos comunistas na imprensa eram visíveis. O Jornal do Commercio publicava a seguinte manchete “Cuba Pagava Alto Preço a Figurões da República pela Comunização do Brasil” 212. A partir daí, a histórica aliança entre PTB-PSD começou a ruir no início da década de 1960, quando os petebistas se aproximaram dos comunistas. Ao defenderem a necessidade de uma reforma agrária no país, PTB e PCB chocaram-se com interesses dos integrantes do PSD. Formado pelas oligarquias estaduais, os pessedistas não vislumbravam perder os seus benefícios rurais, daí a aproximação pragmática com os udenistas, principalmente no poder legislativo. Analisando-se a composição das forças que atuaram naquela conjuntura, podemos dividi-las em dois blocos bem definidos, que absorviam nos seus quadros diferentes organizações e segmentos da sociedade brasileira. De um lado, postavam-se grupos reformistas e nacionalistas e, de outro, em contraposição aos primeiros, segmentos que defendiam uma maior internacionalização da economia nacional, um alinhamento efetivo aos EUA e ao bloco capitalista e a não implementação pelo governo federal das reformas de base, principalmente da reforma agrária213. 211 DELGADO, op. cit, p. 144. Jornal do Commercio, Manaus, 18 de Abril de 1964. 213 DELGADO, op. cit, p. 147. 212 97 Percebam que esses grupos estavam polarizados entre o PTB e a UDN 214, que possuíam ideais bem definidos. Enquanto o primeiro defendia um capitalismo nacionalista, com ampla participação sindical, o segundo era adepto de um capitalismo fiel às instituições internacionais. Na imprensa as notícias denegrindo a imagem dos trabalhistas continuavam. Segundo as autoridades do DOPS, o material apreendido na residência utilizada por Brizola para encontros com líderes da subversão é suficiente para enquadrar Brizola na lei de SN. Há um documento em fotocópia espécie organograma, indicando áreas da Guanabara que seria atacada no dia da eclosão do golpe esquerdista [...] E há ainda listas com nomes de oficiais das 3 Armas e autoridades civis a serem eliminados uns, neutralizados outros, e os restantes expurgados. De acordo com o documento, cerca de 2000 pessoas foram consideradas aptas para formar os chamados grupos de 11[...]215 A notícia do periódico legitimava a justificativa dos golpistas que defendiam uma necessidade de contragolpear os trabalhistas e comunistas. Segundo a reportagem, Brizola e seus seguidores planejavam assassinar autoridades, demonstrando, para o público leitor, que os adversários dos conservadores eram terroristas que a qualquer momento podiam romper a ordem constitucional do país. A exaltação ao golpe de Estado era presença garantida na grande imprensa. O conflito entre udenistas e partidários do presidente se avolumava, especialmente devido à sua aproximação com os comunistas. Com a seguinte manchete “Lacerda Propõe União com Adhemar e JK” 216 , o Jornal do Commercio estampava a reportagem a seguir. 214 O PSD, como bem explica Delgado, era um partido pragmático, sem um programa político definido. Sua grande meta era estar sempre próximo ao poder, ora com os udenistas, ora com os trabalhistas. Ibidem. 215 “Sangue de Brasileiros Iriam Correr em Matança”. Jornal do Commercio, Manaus, 18 de Abril de 1964. 216 Jornal do Commercio, Manaus, 17 de Março de 1964. 98 “Em face dos acontecimentos provocados pela ação comunista com a cumplicidade do presidente da república, entendo indispensável colocar, mais do que nunca, a defesa da liberdade acima de qualquer interesse político eleitoral. A usurpação do poder, a guerra revolucionária, a agitação oficializada, a influência decisiva dos comunistas no governo, ferem diretamente a lei e a ordem, e destroem virtualmente a liberdade e a paz interna do Brasil. Proponho, por isso, aos demais candidatos à presidência da república, um entendimento imediato para a defesa das instituições, do Congresso, da Constituição e, acima de tudo, da segurança nacional diretamente visada. O governador Ademar de Barros já se tem pronunciado neste sentido. O senador Juscelino Kubitshek, que em 1955 se colocou, em defesa própria, contra a minha tese de um pronunciamento do Congresso, pelo adiamento, por curto prazo, das eleições para desintoxicar o país, não entrará, espero, em contradição consigo mesmo, neste momento, que é muito mais grave. A sua aliança política, naquela época, gerou o monstro que, agora quer devorar o Brasil. Não há de ele faltar, espero, ao dever de todos nós, que é o de colocar a pátria, suas instituições, seu futuro de nação livre, acima de nossas querelas, prevenções e interesses políticos. Apelo, também, aos que, ainda, por qualquer motivo, julgam possível permanecer neutros ou eqüidistantes. Não há mais contemporização possível. Ou se luta agora para conter a marcha da usurpação e reduzir o usurpador à impotência ou não haverá paz e, muito menos, eleições neste país, ultrajado e traído. Apelo ao Congresso para que não se deixe isolar pelos dispositivos de guerra revolucionária. Apelo às Forças Armadas para que respeitem a lei e não os caudilhos, defendam a democracia e não os demagogos, garantam a paz com liberdade e a honra, não a paz do medo e da coação. Rogo a Deus que inspire os brasileiros a defenderem, no presente, enquanto é possível, com energia e determinação, o que, dentro de poucos dias, talvez, só pelo martírio e a tragédia, seja possível salvar” (governador da Guanabara, Carlos Lacerda)217. O conteúdo da reportagem é bem direto. Exaltava a necessidade dos políticos conservadores se unirem para conter o “monstro” comunista. Convocava não só os políticos, mas também toda a sociedade que prezava a democracia conservadora, a fim de preservar a paz, caso contrário o poder seria usurpado pelo presidente e seu exército comunista. O governador da Guanabara, abertamente, demonstrava sua aversão ao presidente, afirmando que o mesmo estava aliançado aos comunistas, onde defendia um golpe, pois seria a maneira mais eficaz de preservar a liberdade e a democracia. Percebe-se que, constantemente, os golpistas evocavam a necessidade da manutenção das liberdades democráticas. 217 Jornal do Commercio, Manaus, 17 de Março de 1964. 99 Um dia após a declaração de Lacerda, o mesmo jornal publicava novos ataques à Goulart, onde o líder udenista no senado alertava para uma possível conspiração dos governistas. “Falando ao senado o senador udenista João Agripino afirmou que o presidente da república está conspirando – O que quer o presidente da república ao reclamar uma emenda, logo após ter sido ela repelida pelo Congresso [...]” 218 Carlos Lacerda, junto a seus seguidores continuava conspirando. O Jornal do Commercio divulgava encontro que o governador guanabarino teria com seus aliados, cujo intuito era conspirar contra o governo Goulart. O governador Carlos Lacerda embarcará na próxima segunda-feira para Porto Alegre, a fim de participar de um encontro com diversos governadores para a formação de uma frente única em defesa do regime. Estarão reunidos os governadores do RS, sr. Ildo Meneghetti, da Guanabara , sr. Carlos Lacerda, de SP, sr. Adhemar de Barros, de MG, sr. Magalhães Pinto, e possivelmente o do PR, sr. Nei Braga219. Percebam que o encontro entre os governadores acima citados tem como objetivo, segundo os participantes, preservar o regime, mesmo defendendo a necessidade de golpear a Constituição e um presidente eleito de forma democrática. 218 “Líder da UDN no Senado diz que Jango Está Conspirando”. Jornal do Commercio, Manaus, 18 de Março de 1964. 219 “Amanhã o Encontro Lacerda, Ildo, Adhemar e Magalhães”. Jornal do Commercio, Manaus, 29 de Março de 1964. 100 3. Crescimento da Censura Já anos antes do golpe, muitos veículos de comunicações faziam ampla campanha contra João Goulart, como demonstrava os conteúdos do Jornal do Commercio e A Crítica. Após o desfecho golpista, as poucas notícias que botavam em cheque esse Brasil antidemocrático e violento sumiram das páginas dos periódicos. Como os jornais recebiam “bilhetinhos” ou telefonemas sobre os temas que deveriam ser evitados, propagou-se a ideia de que a atividade censória se desse em conformidade com o censor do momento. Sabemos hoje, porém, que toda uma sistemática ordenava a pauta de “proibições determinadas”, baseada na vontade de censura de um assunto específico por parte dos órgãos do governo (notadamente os ministérios, a Presidência da República e as comunidades de segurança e informações) 220. Esses temas tinham o objetivo de manter a ordem criada pelos golpistas, evitando certos assuntos que polemizassem, criando apenas notícias simpáticas aos militares. Segundo Carlos Fico, os assaltos a bancos eram publicados nas últimas páginas dos jornais e algumas expressões como “fontes bem informadas” e “fontes autorizadas” eram proibidas de aparecer nas linhas dos periódicos. Outra técnica da repressão era macular a imagem de seus opositores, tentando associálos ao comunismo ou culpá-los de subversão. Quando não existiam indícios para considerarem alguém suspeito, eram fantasiados. Uma das atividades mais corriqueiras desses órgãos era a produção do “levantamento de dados biográficos”, uma ficha que indicava o perfil ideológico e as atividades políticas das pessoas, indispensável à nomeação de alguém para um cargo público [...] Não é difícil imaginar a que vilanias não serviram esses documentos, pois são conhecidos os casos de pessoas impedidas de tomar posse de cargos públicos em função de perseguições políticas impelidas através da 220 FICO, op. cit, p. 190. 101 comunidade de informações. Um simples chefe de repartição, por exemplo, que não desejasse a ascensão funcional de um seu desafeto, poderia acusá-lo de “agitador” ou “contrário à Revolução” 221. O endurecimento dos militares só ocorre após o AI-5, no entanto a repressão já se fazia presente bem antes, bastando, para isso, uma investigação mais precisa. Estudos indicam que as prisões arbitrárias e as torturas já aconteciam logo após o golpe, principalmente no nordeste, na qual foi criada uma crença de que a luta armada engendrou ou motivou o Ato Institucional. Para a memória oposicionista foi o AI-5 que motivou a opção mais radical. Outra forma corriqueira de inculpar alguém era desqualificá-lo com a acusação de algum desvio moral (do ponto de vista da comunidade de informações). Padres e bispos eram acusados de romper o celibato eclesiástico; políticos de oposição, de serem homossexuais; professores universitários de esquerda teriam amantes. Nessa linha, uma das formas de o “movimento comunista internacional” propagar-se seria pelo incentivo do uso de drogas e pela valorização da ideia de “amor livre” 222. Uma das principais motivações do AI-5 foi a necessidade que os militares tinham de punir sem esbarrar em questões legais. Antes do AI-5 possuía o hábeas corpus, que tardavam os processos. Com a outorgação do Ato Institucional, aumentaram as arbitrariedades, já que prisões e julgamentos eram feitos, de forma despótica, numa referência à Doutrina de Segurança Nacional. [...] é certo que entre a “luta armada” e a atividade repressiva da ditadura estabeleceu-se uma espécie de inter-relacionamento que se expressava num mecanismo de confirmação recíproca: é justamente o reflexo dessa interação o que se vê, ainda hoje, no conflito de memórias mencionado. Para os militares da linha dura, a opção de setores da esquerda pela “luta armada” confirmou a necessidade de implantação do “Sistema de Segurança Interna” (Sissegin); para estes setores da esquerda, o AI-5 confirmou a tese da impossibilidade de luta no 221 222 Ibidem, p. 179. Ibidem, p. 180. 102 terreno legal. Assim, o AI-5 pode ser visto como o resultado do processo de maturação da linha-dura: ela usou os episódios de radicalização de 1968 apenas como justificativa para sua constituição em “comunidade”, isto é, para sua “institucionalização” como “sistema” oficial do governo. Aliás, não se deve perder de vista que alguns desses episódios de radicalização foram provocados pela linha-dura – como a violenta invasão da Universidade de Brasília, em agosto de 1968 -, precisamente com o propósito de justificar a necessidade de endurecimento do regime223. Sobre as manifestações que cresciam no país nas vésperas do anúncio do AI-5, as manchetes dos periódicos tranqüilizavam a população apesar do clima de grande tensão. Depois de alguns dias de conflitos entre policiais e estudantes, o Jornal do Commercio estampava em suas páginas “Polícia Domina a Situação em Toda a Guanabara” 224 ,e finalizava a informação com a afirmação de que os culpados são os integrantes do movimento comunista internacional. Segurança Aponta a Linha Chinesa das Manifestações - “A secretaria de segurança [...] Faz parte de um movimento internacional ditado pela linha comunista chinesa, discordante dos princípios filosóficos russos, que pretende a comunização internacional por meios violentos [...]” 225 Portanto, apesar da violenta reprimenda policial durante as manifestações, o Jornal do Commercio preferiu publicar em suas páginas o perigo que a linha comunista chinesa traria à sociedade, pois pretendiam, conforme a reportagem, comunizar o mundo todo. De acordo com Carlos Fico, sempre foi fácil censurar no Brasil, pois o Governo Federal controla verbas publicitárias, acordos, financiamentos e ainda tem o poder de impedir a distribuição de uma tiragem. Então, voltar-se contra os ditadores não era tarefa das mais interessantes, porém alguns adentraram nesta empreitada. 223 Ibidem, p. 182-183. Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Junho de 1968. 225 Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Junho de 1968. 224 103 Ainda é comum ver-se destacado o papel dos órgãos que sofreram com a censura ou a atuação de profissionais que procuraram negaceá-la. Esta é uma dimensão verdadeiramente importante, pois chama a atenção para o trabalho de órgãos e de jornalistas de oposição que combateram, criticaram ou ridicularizaram a ditadura, como Movimento, Opinião, O Pasquim, a Folha da Tarde de certa época ou O Estado de S. Paulo. Porém, milhares de veículos, por todo o Brasil, assumiram posturas pragmáticas ou de apoio ostensivo ao regime, o que tem sido por vezes chamado, genericamente, de “autocensura”, expressão que não revela todos os matizes do problema. Afinal, “autocensura” denota um comportamento de colaboracionismo, algo distinto dos procedimentos pragmáticos dos que pretendiam “evitar problemas” ou dos que seguiam as ordens da censura por receios diversos226. Percebe-se que os jornais pesquisados evitavam esses problemas, pois suas notícias, desde as articulações que envolviam o golpe ainda no início da década de 1960, alinhavam-se aos conservadores. Veja o conteúdo da matéria do Jornal A Crítica quando o AI-5 foi baixado. A crise político-militar iniciada com o pedido de licença para processar o deputado federal do MDB carioca, Márcio Moreira Alves, chegou ontem ao seu ponto culminante, após ter a Câmara dos Deputados negado o pedido do governo [...] resolveu baixar o AI 5, e o Ato Complementar n° 38, no qual decretou o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado227. Nota-se que o periódico divulgava a notícia sem informar à sociedade as limitações que este novo ato traria a seu dia-a-dia. Numa espécie de lavagem cerebral, os jornais passavam a imagem que nada daquilo era anormal, nem feriam os preceitos democráticos, tão defendidos pelos golpistas. Os analistas que se debruçaram sobre o tema tiveram a impressão de que o regime militar delineou, de maneira integrada, um sistema de propaganda política que amparava ideologicamente a repressão e buscava encobri-la. Isso de fato se deu, mas hoje podemos saber que setores militares diversos tinham ideias diferentes sobre o perfil da “comunicação social” da ditadura. Assim, a 226 227 FICO, op. cit, p. 189-190. “Baixado o Ato Institucional 5”. A Crítica, Manaus, 14 de Dezembro de 1968. 104 pretensão de Otávio Costa e de Toledo Camargo era “educar o povo”; para setores do Exército, havia que “demonstrar força” 228. Educar o povo, para os militares, representava penetrar na opinião pública, sendo necessário o controle dos veículos de comunicações. Junto dessa coação veio a demonstração de força, através da violência e da tortura praticada pelos departamentos responsáveis pelas informações. Dias antes do golpe o Jornal do Commercio influenciava o público leitor sobre as ações do presidente Jango, cuja manchete dizia “Parlamentares Sugerem a Mudança do Congresso para o Estado da Guanabara” 229. Repercutiram com grande intensidade nos meios parlamentares as medidas ontem decretadas pelo presidente da república [...] variando as reações, todas violentas, desde a renovação da ideia do “impeachment” até a proposta de anulação legislativa de seus decretos. A bancada udenista mantinha-se em reunião informal na casa do deputado Bilac Pinto, à espera da distribuição do texto integral dos decretos assinados na Guanabara [...] Os rebeldes do PSD e do PSP estavam prontos para acompanhar os udenistas na reação parlamentar às providências adotadas pelo sr. João Goulart, que deverá estourar nas primeiras reuniões da próxima sessão legislativa, que será instalada domingo, às 15 horas230. As reações contra as atitudes de João Goulart demonstravam o isolamento que se encontrava o presidente. Perceba na reportagem do periódico o pragmatismo dos pessedistas, que se uniram com os udenistas no poder legislativo. A grande imprensa se posicionava a favor dos golpistas por todo o Brasil. No dia que o golpe foi deflagrado o Correio da Manhã publicava a seguinte manchete “O Brasil já sofreu demais com o governo atual. Agora: chega” 231. A Tribuna da Imprensa, seguindo 228 FICO, op. cit, p. 198. Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964. 230 Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964. 231 CAPELATO, op. cit, p. 53. 229 105 a mesma linha, noticiava “Os democratas assumem os comandos militares. Rio festeja a demissão” 232. No dia seguinte os noticiários favoreciam aos golpistas. O Estado de São Paulo exaltava que paulistas e mineiros levantavam-se pela lei. “Democratas dominam toda a nação” 233 e “A página que o Brasil escreveu para a história” 234 publicava o jornal na semana que o golpe foi deflagrado. Conforme Capelato as organizações Globo também se favoreceram com o Golpe de Estado. “Houve jornais que se beneficiaram com o novo regime. Em troca do apoio ao governo conseguiram expandir suas empresas. O caso mais expressivo é o do jornal O Globo, hoje fazendo parte do maior grupo brasileiro no setor da comunicação” 235. As notícias na manhã seguinte ao golpe demonstravam que o país estava caminhando para o comunismo daí a “revolução”, onde tratavam o golpe civil-militar como um ato de defesa da democracia. Veja o que escrevia o Jornal do Commercio após o episódio. Quando um contingente de fuzileiros navais cercaram o palácio da Guanabara para prender o governador Carlos Lacerda, de ordem do presidente João Goulart, o chefe do executivo guanabarino, disse aos fuzileiros navais: “Nós não estamos brigando com vocês. Nós lutamos contra o comunismo que o presidente JG quer implantar no Brasil”. Os fuzileiros, ao ouvirem o pronunciamento de Carlos Lacerda, permaneceram nas proximidades do Palácio da Guanabara, mas deixaram CL em paz236. Outras atitudes demonstravam o posicionamento político dos dois jornais retratados. Sobre o assassinato de Edson Luís de Lima, os periódicos pouco publicaram. Apenas durante o enterro do estudante, o Jornal A Crítica se posicionou com a manchete 232 Ibidem. Ibidem. 234 Ibidem. 235 Ibidem, p. 55-56. 236 Jornal do Commercio, Manaus, 02 de Abril de 1964. 233 106 “Enterro do Estudante Foi Passeata Monstro” 237 , onde o mesmo veículo exaltava a presença de mais de 20 mil pessoas no funeral. Estudantes amazonenses organizaram uma missa na igreja de São Sebastião, em homenagem a Edson Luís de Lima Souto, assassinado por policiais no Estado da Guanabara. Após o evento religioso, uma passeata pelas ruas de Manaus estava prevista238. Enquanto em Manaus, a classe estudantil se restringe a comentar os acontecimentos pelo Brasil afora, as Forças Armadas enfrentam dificuldades em sair às ruas para comemorar os festejos revolucionários. Nos bastidores das lideranças estudantis do Amazonas se estrutura uma solidariedade simbólica, cujo desfecho prevê a celebração de uma missa de Réquiem. No entanto, nem dia, hora e local estão ainda definidos239. O senador Artur Virgílio protestou contra a ação da polícia guanabarina, ressaltando que o incidente foi fruto da “desunião entre as classes estudantis e o governo”, na qual predominava a falta de diálogo e compreensão. O parlamentar criticou a falta de liberdade dos estudantes, afirmando que o país estava se transformando na “Alemanha de Hitler” 240. A Crítica ressaltava que a passeata organizada pela classe estudantil amazonense ocorreu em clima de paz. Houve sincronia entre os estudantes e as Forças Armadas, além da polícia estadual ter contornado qualquer foco de violência com eficácia e segurança. O estudante amazonense deu exemplo eloqüente de serenidade e equilíbrio. Tomou posição sensata diante do assassinato de seu colega Edson Luís de Lima Souto e dentro das tradições cristãs mostrou que não está alheio a solidariedade nacional que os acontecimentos fatídicos despertaram em todo o país. 237 A Crítica, Manaus, 30 de Março de 1968. “Missa por Edson Poderá Culminar com Passeata”. A Crítica, Manaus, 04 de Abril de 1968. 239 “Governo Enfrenta com Rigor as Manifestações Estudantis”. A Crítica, Manaus, 02 de Abril de 1968. 240 “Artur Virgílio Protesta Contra a Ação da Polícia”. A Crítica, Manaus, 30 de Março de 1968. 238 107 Sobretudo ficou patente a índole pacífica dos nossos moços que se preocupam em estudar e preparar o futuro promissor que está guardado para o imenso vale amazônico. Por outro lado as autoridades constituídas souberam compreender e aceitar a posição estudantil, embora se mantivessem em rigorosa vigilância. O Exército, por exemplo, que teve atuação decisiva na prevenção a possíveis perturbações da ordem, preveniu-se para reprimir a infiltração de agitadores, que, desta vez, não lograram fazer os estudantes perder as estribeiras. O movimento foi espontâneo e severo. Autoridades ligadas ao comando das Forças Armadas, acompanharam a mobilização dos jovens e agindo com firmeza, na hora precisa, demonstraram rigidez no cumprimento do dever e intransigência na manutenção da paz social. Foi um exemplo da implantação de um clima liberal em que vive o povo amazonense, sentindo-se de perto a fonte democrática em que o governo pauta suas atitudes. Era vidente que se houvesse excessos por parte dos moços a repressão se faria sentir de imediato. Entretanto, isto não aconteceu e a tranqüilidade social foi mantida dando condições a que cada cidadão continue exercendo normalmente suas atividades diárias trabalhando pelo progresso da terra241. A matéria exaltava o comportamento pacífico e “liberal” do estudante amazonense, preocupado apenas em estudar, desconsiderando as ações contestatórias existentes na capital amazonense contra os ditadores. Após o AI-5 as poucas notícias sobre as arbitrariedades do governo desapareceram. Em dezembro de 1968, a imprensa amazonense deu uma grande ênfase à “Façanha dos EUA”, como publicou o Jornal do Commercio, em seu vôo espacial. Pouco menos de um ano após tal proeza, sobre a morte de Carlos Marighela, tanto A Crítica quanto o Jornal do Commercio, taxavam-no de líder subversivo. Carlos Marighela, que havia sido deputado federal pelo PC teve seus direitos políticos cassados pela revolução de 1964, após o que passou a agir clandestinamente. Em um violento tiroteio travado com a polícia na noite de ontem, em SP, foi morto o líder comunista e ex-deputado federal CM. O fato ocorreu nas proximidades do n° 206 da Alameda Casa Branca [...] A polícia havia recebido informações de que o líder terrorista tinha um encontro marcado com um elemento desconhecido, naquele local, e destacou para lá um delegado e vários agentes que ficaram escondidos à espera de Marighela. [...] O chefe terrorista reagiu à voz de prisão, sacando de um revólver e iniciando o tiroteio contra a polícia, que o matou com uma rajada de metralhadora. No 241 “O Protesto dos Jovens”. A Crítica, Manaus, 06 de Abril de 1968. 108 tiroteio foram feridos os dois companheiros de Marighela e policiais, entre eles uma investigadora que recebeu um tiro na cabeça. [...] Comentando o fato, o general Sílvio Corrêa de Andrade, chefe da polícia federal em SP, afirmou: “A morte de Marighela foi um duro golpe no terrorismo no Brasil” 242. Perceba que o inimigo dos militares é retratado como um líder subversivo, cuja morte representou uma derrota para o terrorismo. O Jornal do Commercio estampava a manchete “Marighela Teve o Fim Que Procurou” 243 , demonstrando o alinhamento opinativo dos dois jornais estudados. O governador Abreu Sodré comentando a morte de Carlos Marighela, disse que, ele teve o fim que procurou. Por outro lado, Estela Borges Morato; policial vitimada no choque da polícia com o bando de Marighela, no qual morreu o líder comunista, continua em estado grave e dificilmente escapará da morte, pois levou um tiro na cabeça244. O poder que a imprensa exerce junto à sociedade e a parceria entre empresários jornalistas e governos estabelecidos foram visivelmente demonstrados na história da república brasileira. Na manhã do dia 1º de Abril de 1964, nem Jornal do Commercio, nem A Crítica criticaram ou pelo menos debateram o acontecimento. O governo de João Goulart era noticiado como comunista e as Forças Armadas como o movimento anticomunista que lutaria pela democracia. A imprensa foi habitada por censores que filtravam as informações que seriam lidas pela população. “A Revolução Está Viva e não Retrocede, afirma Castello”, escrevia o Jornal A Crítica do dia 28 de outubro de 1965. “Felizmente, com a vitória da revolução 242 A Crítica, Manaus, 05 de Novembro de 1969. Jornal do Commercio, 06 de Novembro de 1969. 244 Jornal do Commercio, 06 de Novembro de 1969. 243 109 democrática, não foi necessário fazer uso das armas” 245 , ressaltava o Jornal do Commercio. Veja a reportagem na íntegra. [...] o presidente da república dirigiu-se à nação através de uma cadeia de rádio e televisão. Disse o chefe da nação: Neste momento, a nação brasileira, a revolução, como desenvolvimento nacional está sujeita a contingências até mesmo a situações várias [...] No preâmbulo do ato que iniciou a institucionalização do movimento de 31 de março de 1964 eu digo logo que houve e continuará a haver não foi do espírito e do comportamento das classes armadas, mas também na opinião pública é uma autêntica revolução e frizou que ela resistiu em outros movimentos armados pelo fato de que teve não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da nação246. Segundo Maria Helena Capelato a sociedade classifica a imprensa de “boa ou má” conforme os objetivos conservadores. “Os jornais políticos, questionadores da ordem burguesa, sempre foram os mais visados. Essa má imprensa (anarquista, comunista, socialista, etc) em raros momentos gozou de liberdade” 247. 245 Jornal do Commercio, Manaus, 03 de Abril de 1964. A Crítica, Manaus, 28 de Outubro de 1965. 247 CAPELATO, op. cit, p. 30. 246 110 4. Imprensa Alternativa Em Os Donos do Rio, Marialva Barbosa pesquisou a relação da imprensa carioca com o poder estabelecido, onde as estratégias para estabelecerem troca de favores eram intensas. Matérias encomendadas e “agrados logísticos” que os donos dos jornais recebiam dos governos vigentes eram comuns. Emitindo mensagens dos grupos dominantes, os matutinos elaboram verdadeiras estratégias para transformar o uso das letras em mito social, tornando possível, assim, a sua inserção num lugar privilegiado. A criação de identidades próprias como opositores ou defensores dos que ocupam os lugares chaves na política também faz parte dessa estratégia dos jornais se autoconstruírem como legitimadores do poder248. Várias foram as artimanhas criadas pelo Estado para cooptarem todos aqueles que estavam contrários à ditadura. A imprensa taxava os comunistas de subversivos terroristas e os militares eram tidos como as forças democráticas. Os assassinatos nos porões dos exércitos249 eram noticiados como suicídio, portanto qualquer situação de oposição aos militares era rapidamente denegrida pela imprensa. Entretanto, os jornais alternativos250 foram as grandes vozes que destoavam os discursos estabelecidos, que balançavam as bases do governo. A sua existência era o que de mais democrático existia na imprensa brasileira. A imprensa alternativa nesse período discricionário acusa um rigor da censura ainda maior que a grande e média imprensa. Não há qualquer tolerância 248 BARBOSA, op. cit, p. 115. D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit. É praticamente unânime entre os militares, em seus depoimentos, que as torturas eram necessárias para conter o “terrorismo”. A maioria afirma que, caso Jango não estivesse próximo aos comunistas e sindicalistas, inevitavelmente o presidente terminaria seu mandato. O golpe foi fruto da incitação ao desrespeito à hierarquia e da ameaça comunista, segundo os entrevistados. 250 O Pasquim, um dos principais jornais desta característica, circulou de 1969 a 1988. PAES, op. cit. 249 111 da ditadura com os pequenos jornais semanários ou mensários e com pequenas revistas políticas ou de humor que são enquadrados como focos da propaganda subversiva ou força auxiliar de terrorismo251. De acordo com Flávio Aguiar252, a imprensa alternativa existe desde quando a palavra impressa chegou ao Brasil. O Correio Brasiliense253, que foi criado para defender a independência do país; e A Manhã, periódico do Partido Comunista são jornais que atuaram no período regencial. Na república, o Última Hora, que apesar de ter sido criado para interceder pelo governo Vargas, tinha as características da chamada imprensa nanica. Mas se sua presença na vida brasileira data de longe, com as seqüelas do golpe de 1964 que eles ganharam um fôlego surpreendente, multiplicando-se por todo o país e gerando continuamente novas experiências a partir das antigas, fosse por secessão, ruptura, rachas, ou outro meio qualquer de reprodução, como aconteceu com Opinião, Movimento e Em Tempo. Mas logo depois desse apogeu, a produção de alternativos encontrou seu Waterloo. Com a redemocratização, a partir da década de 1980, eles desapareceram quase por completo da cena nacional. Só vão reaparecer no novo milênio, sobretudo com a internet254. De acordo com Bernardo Kucinski entre 1964 e 1980, 150 jornais alternativos apareceram e desapareceram no cenário jornalístico. Em oposição à grande imprensa, denunciavam as torturas e a violação dos direitos humanos. O aparelho militar distinguia os jornais alternativos dos demais, perseguindoos e submetendo os que julgava mais importantes a um regime especial, draconiano, de censura prévia. Editores d’o Pasquim permaneceram 251 BAHIA, Juarez. Jornal, História e Técnica: História da Imprensa Brasileira. São Paulo: Ática, 1990, p. 314. 252 AGUIAR, Flávio. Imprensa Alternativa: Opinião, Movimento e Em Tempo. In: MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina de (Orgs). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. 253 O Correio Brasiliense era um jornal oposicionista, publicado em Londres, mas circulava na colônia brasileira. Nas palavras de Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca, o periódico “estava longe de ser um beija-mão dos poderosos”. MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina de. Introdução: Pelos Caminhos da Imprensa no Brasil. In: Ibidem, p. 07. 254 Ibidem, p. 236. 112 encarcerados por dois meses logo após o AI-5. Editores do Resistência, do Coojornal, do Opinião, foram presos em ocasiões diversas. Algumas edições eram apreendidas, mesmo depois de filtradas pela censura prévia. A partir do projeto de distensão política do governo Geisel (1974-1978), combatido pela linha-dura militar, os jornais alternativos tornaram-se o pivô das lutas intestinas do regime. Após as greves do ABC e da campanha pela anistia, quando a articulação na sociedade civil atingiu um novo patamar, a imprensa alternativa esteve entre os alvos principais da tentativa da linha dura de romper os nódulos dessa articulação por métodos terroristas255. No Amazonas dois jornais da década de 1970 podem ser enquadrados na categoria de imprensa alternativa. O Jornal da Amazônia (1975) e o Porantim (1978), que foram criados com a participação de professores e jornalistas, como José Ribamar Bessa Freire, Serafim Corrêa, Márcio Souza, Aldísio Figueiras, Ricardo Parente, dentre outros256. O Jornal da Amazônia surgiu dentro de um grupo de teatro do SESC-AM, onde existia um movimento visando a defesa da questão indígena e da ecologia da região. De acordo com Aldísio Figueiras “nós precisávamos canalizar um pensamento sobre a ecologia, a questão indígena, que não estava acontecendo. Resolvemos fazer esse jornal da Amazônia [...] Era ambicioso, mas era o nosso ideal atingir tudo e todos. Essas questões que estão sendo discutidas hoje estavam no jornal” 257. O jornal se considerava independente, devido às suas matérias críticas e por ser impresso no Rio de Janeiro, pois nenhuma gráfica queria imprimi-lo em Manaus. O alternativo logo deixou de circular, em virtude de divergências internas. Segundo seu exdiretor Aldísio Figueiras. “Nós agüentamos 24 números [...] Foi tão breve e tão sacrificado. Mas tinha uma coisa, não compactuou um minuto. O jornal era impresso no Rio de Janeiro, no jornal do Hélio Fernandes, porque em Manaus ninguém queria imprimi-lo 255 KUCINSKI, Bernardo. Jornalistas e Revolucionários: Nos Tempos da Imprensa Alternativa. São Paulo: Scritta, 1991, p. 14. 256 PINHEIRO, op. cit. 257 Entrevista concedida à Roseane Arcanjo Pinheiro. Ibidem. 113 [...] O Jornal da Amazônia era ambicioso porque era do tamanho da nossa juventude” 258. Outro alternativo que circulou em Manaus na década de 1970 foi o Porantim. Jornal lançado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Era ligado à Igreja Católica, sob a influência da Teologia da Libertação. Transformou-se num veículo de oposição ao Regime Militar. Conforme Roseane Arcanjo Pinheiro, o Porantim foi criado como um espaço de lutas pelos interesses indígenas, fazendo duras críticas à política governamental e ao posicionamento da mídia local a respeito da causa indígena. O CIMI sofreu, em função do jornal, pressões internas e foi ameaçado através de processos judiciais em seus primeiros números. “O CIMI, a partir principalmente de 1974 e 1975, pela sua postura radical em termos de apoio aos índios e denúncias das atuações do Estado e dos interesses econômicos, sofreu pressão da ala mais conservadora da Igreja Católica [...] Nos primeiros números houve tentativas de processos porque o informativo publicava matérias que envolviam personalidades em massacres, isso ocorreu através de cartas e ameaças”, afirmou o ex-colaborador Egon Dionísio, em entrevista à autora. De acordo com o depoimento do ex-redator, Ricardo Parente, a causa indígena era um tabu para a imprensa local. “Isso não repercutia na mídia, mas aos poucos foi se rompendo essa barreira com o avanço da democratização, criando-se as bases para uma mudança de mentalidade” 259. Porém, não só a imprensa nanica sofreu restrições dos governos militares. Com a imposição do AI-5, muitas redações são invadidas e fechadas. O Última Hora, de Samuel Wainer, perdura até 1971 e A Tribuna da Imprensa sofreu repetidos atos de violência. Em Manaus, como já foi citado anteriormente, O Trabalhista e A Gazeta, jornais ligados aos trabalhistas, sofreram as imposições dos golpistas. O Correio da Manhã e o Jornal do Brasil, entre os grandes da imprensa, deixam de circular, têm diretores seus presos, são ocupados por forças policiais 258 259 Ibidem. Ibidem. 114 e militares. O Correio da Manhã, dentre todos - jornais, revistas e emissoras de rádio é o mais atingido pela violência instituída – é o que paga mais alto preço por resistir à ditadura, desaparecendo de circulação. O Estado de São Paulo e o Jornal da Tarde têm suas edições apreendidas. Em todo país os atentados à liberdade de informação atingem grandes, médios e pequenos veículos que ousam desafiar com a notícia a censura militar. Diretores de revistas, jornalistas e escritores são presos ou intimados a depor em unidades militares260. O Jornal A Crítica divulgava divergências entre membros do partido do presidente Jango. A manchete intitulada “Deputado do PTB do Paraná Contra JG” 261 expõe as contradições entre Goulart e um parlamentar de sua base aliada. Manifestando-se contrário à encampação da Refinaria Capuava, “para que não se crie nova autarquia empreguista e mais uma unidade burocrática”, o deputado Marino Pereira do PTB, pronunciou na Assembléia Legislativa do Estado um discurso que vem tendo a maior repercussão em todo o Estado. Elementos do PTB, tendo prévio conhecimento da disposição dos seus correligionários, pressionaram no sentido de que o mesmo desistisse e depois tentaram impedir que ele discursasse pedindo inicialmente verificação de quorum à sessão, tentando tumultuar a sessão com apartes obstrucionistas. O que não impediu que o senhor Marino Pereira prosseguisse, acentuando mais a burocratização dos serviços que interessam ao povo brasileiro, frizando que num país onde a produção diminuiu dia a dia e onde, sem exceção em todos os ramos da indústria ou do comércio onde o governo federal interveio, o fracasso é total, com a Encampação da Refinaria da Capuava - acentuou – iríamos então, acrescentar mais uma unidade a esse fracasso262. As reformas nacionalistas, promovidas pelos trabalhistas, incomodavam aos conservadores liberais. A matéria do periódico divulgava a opinião de um petebista que não concordava com as ações do partido, afirmando que a encampação seria mais um ônus para o Estado. O Jornal do Commercio publicava “Dutra Rompe o Silêncio de 13 Anos e Pede a União dos Democratas no País” 260 263 , convocando os golpistas a se unirem contra o BAHIA, op. cit, p. 313. Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964. 262 Jornal do Commercio, Manaus, 15 de Março de 1964. 263 Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Março de 1964. 261 115 governo trabalhista. O ex-presidente continuava com seus ataques ao pronunciar “Meu Próximo Pronunciamento Será de Fuzil na Mão” 264, deixando evidente o que estava por vir. Conforme Alzira Alves de Abreu, antes do golpe de 1964, os grandes jornais se preocupavam com a estatização da economia, condenando as imposições ao capital externo, já que a maioria dos donos dos periódicos possuía ideal liberal e identificavamse com as ideias da UDN. Após 1964, a crença da liberdade individual deu lugar à centralização do poder nas mãos dos militares, “para impedir a subversão, ou a ascensão dos grupos de esquerda ao comando do país” 265 . A autora afirmava que, entre os grandes jornais, poucos se opuseram aos governos militares. 5. Imprensa Pragmática 264 Jornal do Commercio, Manaus, 21 de Março de 1964. ABREU, Alzira Alves de. A Modernização da Imprensa (1970-200). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002, p. 13. 265 116 Tanto a sociedade de hoje quanto a sociedade da década de 1960 vivia em um regime antidemocrático. Analisando a imprensa, esta pseudodemocracia é ainda mais problemática. Como pode ser democrático um país onde grandes empresas controlam grandes jornais ou canais de televisão, criando certas notícias que atuam conforme seus interesses? Veja o que escreve Reneé Zicman sobre a questão. [...] devemos lembrar que na imprensa a apresentação de notícias não é uma mera repetição de ocorrências e registros, mas antes uma causa direta dos acontecimentos, onde as informações não são dadas ao azar, mas ao contrário denotam as atitudes próprias de cada veículo de informação. Todo jornal organiza os acontecimentos e informações segundo seu próprio filtro266. Conforme Nadine Habert, o golpe foi uma reação das classes dominantes ao crescimento dos movimentos sociais, mesmo tendo estes um caráter predominantemente nacional-reformista267. É justamente dentro deste conflito político interno que se darão as principais divergências. Políticos ligados ao liberalismo não aceitavam uma política de cunho nacionalista, já que tinham interesses externos e há também aqueles grupos que estavam alijados do poder, daí resolverem aderir ao golpe. Portanto, os veículos de comunicações mostraram-se grandes aliados dos golpistas, principalmente na divulgação de ideologias favoráveis e visões unilaterais, com o intuito de disseminar uma imagem sempre negativa de seus opositores, pois segundo Capelato. A imprensa constitui um instrumento de manipulação de interesses e intervenção na vida social. Partindo desse pressuposto, o historiador procura estudá-lo como agente da história e captar o movimento vivo das ideias e personagens que circulam pelas páginas dos jornais 268. 266 ZICMAN, op. cit, p. 90. HABERT, op. cit. 268 CAPELATO, op. cit, p. 21. 267 117 Ao se tornarem vitoriosos, os golpistas trataram de divulgar imagens agradáveis do país, assim como criar um clima de otimismo entre os brasileiros, daí os veículos de comunicações agiram quase que sincronicamente. A Crítica noticiava “Posse de Castelo Inspira Confiança” 269. Um jornal novaiorquino diz hoje, que a posse do presidente Castelo Branco no governo brasileiro, restabeleceu a confiança norte-americana no setor da economia. O jornal acentua que o novo governo procurará restabelecer as reformas e adotará medidas para combater o problema da inflação. Finaliza aquele órgão afirmando que o presidente Castelo Branco já eliminou os subsídios para a importação do trigo, papel de imprensa e derivados do petróleo, para possibilitar aos exportadores inclusive os do café, a operar no câmbio livre270. As reformas de base, tão reverenciadas por João Goulart, perderam o foco. Com o primeiro governo ditatorial, as reformas pretendidas visavam tranqüilizar o empresariado. A Crítica exaltava “Castelo Não Vai Desistir das Reformas Sociais” 271 , deixando evidente que o objetivo era se alinhar aos investidores internacionais. O Presidente Castelo Branco afirmou ontem – pronunciamento transmitido por uma cadeia nacional de rádio e televisão, no qual não bordou nenhuma vez a tese da prorrogação do seu mandato – que “o Governo não pretende pagar pela sua política anti-inflacionária o preço da parada do desenvolvimento do País”. Ao contrário – disse o Marechal Castelo Branco – o ritmo de desenvolvimento do Brasil está sendo incrementado pela restauração da confiança empresarial; pela volta aos entendimentos, à base da seriedade com os organismos internacionais de financiamento inclusive a Aliança para o Progresso. Referindo-se aos debates sobre as reformas que encaminhou ao Congresso afirmou que “elas se impõem ao Governo por muitos motivos” salientando entre eles “o fato de eles estarem, desde 1945, no debate de toda a Nação” e as afirmativas de muitos e muitos que impulsionaram a revolução de que também o das reformas272. 269 A Crítica, Manaus, 20 de Junho de 1964. A Crítica, Manaus, 20 de Junho de 1964. 271 A Crítica, Manaus, 17 de Julho de 1964. 272 A Crítica, Manaus, 17 de Julho de 1964. 270 118 A matéria visava, principalmente, restaurar a confiança dos empresários e multinacionais, que não se entendiam com o Governo anterior, já que os interesses se chocavam, inevitavelmente. Os jornais eram usados para divulgarem esses planejamentos. Veja o que escreve Marialva Barbosa sobre essa relação com os periódicos. A extensa correspondência dos redatores chefes, literatos e jornalistas, que ocupam as primeiras posições na hierarquia das redações, mostra não apenas a importância da verba oficial para a manutenção dos jornais, mas os acordos políticos que são realizados entre os grupos dominantes dessas publicações para a divulgação de feitos particulares ou para dar início a campanhas ferrenhas contra quem fosse contrário aos interesses do momento273. Nas articulações que envolveram o golpe, esta conivência entre imprensa e governos estabelecidos estiveram presentes, como denunciava Ruy Mesquita (O Estado de São Paulo)274. Os jornais amazonenses também tiveram atuação ativa nessas confabulações, ao divulgarem notícias que interessavam aos golpistas. O Jornal do Commercio salientava “CL e JK Atentos” 275. O governador Carlos Lacerda enviou carta aos governadores de todos os Estados convocando-os para a tomada de uma posição conjunta em defesa do sentimento comum de liberdade, e afirmou em declarações à imprensa carioca que o sr. JG é hoje “um presidente fora da lei”. Enquanto isso, o senador JK afirmou na televisão o seu apoio ao Congresso Nacional, dizendo que “o Congresso Nacional deve ser respeitado pelo que tem feito pela Nação, pois os representantes do povo saberão resolver sem justas e confusões o problema da reforma agrária”. Na convenção do PSD, serão lançadas as bases para a formação da Frente de Defesa da Constituição do Congresso e da Democracia276. 273 BARBOSA, op. cit, p. 148. CAPELATO, op. cit. 275 Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Março de 1964. 276 Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Março de 1964. 274 119 Perceba que o governador udenista convocava todos os governadores a se posicionarem contrários às reformas de base de João Goulart, considerando sua atitude um meio de defenderem a liberdade. O PSD, pragmaticamente, posicionava-se a favor dos golpistas, a fim de não ferirem seus interesses latifundiários. Nota-se que esses jornais são controlados por interesses políticos. Conforme o jornalista Jorge Pinheiro “A Imprensa Brasileira dança ao som do Planalto” 277 e finaliza afirmando que “o governo é dono das melhores verbas publicitárias, controla a economia, a lei e a ordem com mão de ferro. Assim, não é surpresa que seja também o dono da informação e a principal notícia do país” 278 . Bernardo Kucinski, em trabalho que analisa o aspecto unilateral da imprensa Brasileira, com o intuito de agir conforme o interesse de Fernando Henrique Cardoso, destaca. Como ficaríamos sabendo pela Veja só depois de assegurada a vitória de FHC no primeiro turno, ou seja, cinco meses depois, “[...] Fernando Henrique convocou para conversas um grupo de pessoas muitíssimo influentes [...] os barões da elite brasileira [...] queixou-se das televisões, que no seu entender, vinham maltratando o governo com ênfase exagerada em notícias ruins, que acabavam azedando a avaliação popular do governo. Procurou os donos da Rede Globo, reclamou que o Jornal Nacional tinha ampliado a cobertura de temas como a seca no Nordeste, os saques e o arrocho de salários, o incêndio de Roraima [...] depois dessas conversas em que agitou o fantasma da renúncia, teve apoio imediato. A seca desapareceu do noticiário, o aumento do salário mínimo foi esquecido e os pajés apareceram para apagar o incêndio de Roraima [...]” Neste encontro, impensável em democracias do Primeiro Mundo em tempos de paz, acenando com o fantasma de Lula, ameaçando renunciar sua candidatura à reeleição, Fernando Henrique reenquadrou a mídia e restabeleceu o caráter sistêmico de seu suporte ao governo279. Para Alberto Dines a censura acabou, porém as estruturas da ditadura permaneceram. Aponta o elitismo e a concentração como grandes males da imprensa, resultado da conjuntura econômica que reduz o número de jornais, enquanto poucos dominam o 277 CAPELATO, op. cit, p. 63. Ibidem. 279 KUCINSKI, op. cit, p. 192. 278 120 cenário jornalístico. A saída, para o jornalista, é a crítica da imprensa a ser feita numa atitude conjunta. Os ataques aos comunistas através da imprensa se tornaram mais intensos após o golpe. O Jornal do Commercio publicava “Perda de Mandatos para Todos os Parlamentares Comunistas” 280. Segue a reportagem abaixo. Pouco mais de 24 horas após haver sido deflagrado em Minas o movimento pela democracia e pela libertação do país da ameaça comunista, já a esta altura é considerado plenamente vitorioso, com adesão dos I e IV Exércitos, sediados, respectivamente, na Guanabara e em PE. Enquanto isso, são as mais desencontradas as versões sobre o destino do ex-presidente JG que fugido do Rio, refugiou-se em Brasília, onde, após a adesão da tropa ali sediada ao movimento revolucionário, tomou destino ignorado, a bordo de um Coronado da Varig que deixou o aeroporto da Capital Federal ontem, cerca das 22 horas. O Congresso, em face da fuga do sr. JG, deverá votar, ainda hoje, seu impedimento legal. Em PE, o sr. Miguel Arraes foi deposto e, como medida de prevenção adotada pelas autoridades do IV Exército, preso, tendo assumido o governo o vice-governador Paulo Guerra, enquanto a Assembléia Legislativa do Estado deverá votar o impedimento legal do ex-governador. Também o sr. Badger Silveira foi ontem deposto e preso por tropas da Marinha e recolhido ao Arsenal de Niterói tendo assumido o governo temporariamente o presidente da AL [...] No Rio foram presos ao ex-ministro da justiça Abelardo Jurema em companhia do Contra Almirante Cândido Aragão [...] quando tentavam fugir indo ao encontro do sr. JG [...] apenas um foco de resistência era assinalado e este no RS onde o sr. Leonel Brizola, praticamente no comando do III exército, tendo sob seu controle o gal Ladario proclama através de algumas emissoras de rádio ter em seu poder a cidade de Porto Alegre [...] Simultaneamente ao esfacelamento total de todo o esquema do governo deposto em todo o país, exceção apenas de parte do território gaúcho, as autoridades estaduais e as tropas federais, iniciaram “operação limpeza”, prendendo a todos os componentes do CGT na Guanabara, menos o deputado Hércules Correia, que se refugiou no Estado do Rio ou no Espírito Santo, juntamente com o presidente da UNE, cuja sede foi ontem incendiada e destruída por populares [...] Finalmente, o quadro geral da situação no país é o seguinte: domínio total da situação militar pelas tropas revolucionárias com volta dentro das próximas horas, da normalidade a todos os setores paralisados pelas greves [...]281 A estratégia que visava denegrir a imagem dos comunistas foi intensamente usada pelos golpistas, no qual os veículos de comunicações eram seus maiores divulgadores. O 280 281 Jornal do Commercio, Manaus, 03 de Abril de 1964. Jornal do Commercio, Manaus, 03 de Abril de 1964. 121 Jornal do Commercio publicava “Exército da Revolução Não Admite que os Comunistas Possam Ser Recuperados” 282 , demonstrando para o leitor que os inimigos dos golpistas eram meliantes que precisavam ser reabilitados. O mesmo periódico ressaltava “Aragão Deu Armas para Comunistas” 283. Fonte absolutamente fidedigna da Marinha informou que o almirante Cândido Aragão, ex-comandante do corpo de fuzileiros Navais e que ontem foi preso em movimentada ação dos fuzileiros, conseguiu, antes da queda do esquema militar do governo, subtrair 1000 metralhadoras “Ina”, calibre 45 do corpo de fuzileiros Navais, entregando as armas a líderes comunistas e presidentes de Sindicatos esquerdistas. As armas conforme essas fontes estariam em Caxias, no Estado do Rio Grande (onde esses elementos totalitários mantêm um quartel-general, cuja destruição se impõe com a máxima brevidade). [...] informou-se que o governador Badger Silveira foi plenamente avisado sobre essas armas, não tomando qualquer atitude [...] Essa foi a causa de sua prisão [...]284 A reportagem é taxativa ao classificarem esses líderes de “elementos totalitários”, associando-os aos ideais fascistas, assim influenciavam a visão do público leitor. O jornal continuava com suas matérias considerando o movimento golpista uma revolução, através da manchete “Kruel Narra em Entrevista os Antecedentes Militares da Revolução Democrática do País” 285. A seguir o comandante do II Exército explicava os objetivos do golpe e as razões para o militar mudar de lado. [...] neutralização da ação comunista que se fazia sentir, de forma acentuada, na quase totalidade dos setores governamentais [...] crises artificiais, promovidas por elementos nitidamente comunistas, vinham conturbando a tranqüilidade e a segurança do país [...] [...] Apelei, com veemência, e em tom incisivo, para que reconsiderasse sua ação política de estímulo a movimentos reivindicatórios [...]286 282 Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964. Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964. 284 Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964. 285 Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964. 286 Jornal do Commercio, Manaus, 05 de Abril de 1964. 283 122 Perceba como já foi exposto nas entrevistas concedidas à Maria Celina D’Araújo, Gláucio Soares e Celso Castro287, que o terror da possibilidade do Brasil se comunizar uniram as Forças Armadas. A imprensa fazia seu papel, que visava manchar a imagem de comunistas e trabalhistas. O Jornal do Commercio anunciava “Contra o Revanchismo e o Reacionismo: Institucionalizada a Revolução” 288 , onde novamente o periódico considerava o golpe civil-militar um ato revolucionário. O mesmo periódico vaticinava “Os Objetivos da Revolução Serão Atingidos a Qualquer Preço” 289. De acordo com Marialva Barbosa os produtores de discursos públicos selecionam o que deve ser fixado e o que deve permanecer no silêncio, no qual reter certos acontecimentos e exagerar na repetição de outros demonstrava o poder que a memória exercia dentro de uma sociedade. Vendo o relato não como a expressão do que ocorreu, mas percebendo porque apresentado daquela forma, pode-se captar o olhar lançado pelos construtores do acontecimento sobre o próprio fato e, por extensão, sobre as estruturas sociais. O relato retira, no presente, algo do esquecimento para a memória290. Os relatos presentes nos periódicos refletiam o olhar desses instrumentos sobre o acontecimento em questão, transformando o golpe numa memória positiva para a sociedade da época. A Crítica visando manchar a imagem do ex-presidente trabalhista revelava “Enfarte: Simulação de Jango” 291. 287 D’ARAÚJO; SOARES; CASTRO, op. cit. Jornal do Commercio, Manaus, 28 de Outubro de 1965. 289 Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1965. 290 BARBOSA, op. cit, p. 127. 291 A Crítica, Manaus, 13 de Julho de 1964. 288 123 A verdade sobre o acidente cardíaco que teve, na semana passada, o sr João Goulart em Montevidéu está entre as notícias que o deram como vítima de um enfarte e as que o apontavam querendo promover-se a custa de uma simulação de doença. O ex-presidente teve – informam pessoas que lhe são íntimas e que regressaram da capital uruguaia – um distúrbio circulatório que poderia ser melhor definido em linguagem popular como ameaça de infarto292. Posicionarem-se contrários aos ditadores não era tarefa das mais simples. Vários jornalistas foram acusados de crimes contra o Regime Militar, quando esses periodistas estavam apenas exercendo suas funções profissionais. A justificativa encontrada era a “incitação ao ódio entre as classes e a animosidade contra as Forças Armadas” 293. Já se viu que, entre as inúmeras ferramentas legais utilizadas pelo Regime para complementar o campo de repressão garantido pela LSN, ocupou papel de destaque a Lei de Imprensa, de fevereiro de 1967, que cerceava gravemente o direito de informar. Apesar da existência dessa lei específica, regularmente aplicada contra profissionais de imprensa que divulgavam críticas ou notícias incômodas às autoridades, foi muito freqüente a exacerbação do procedimento acusatório, que deixava de lado a Lei de Imprensa para invocar a Lei de Segurança Nacional294. No Amazonas o jornal A Notícia foi o que mais sofreu com as investidas dos censores, por fazer oposição ao governador João Walter (1971-1975). Em entrevista à Roseane Pinheiro, Arlindo Porto relatou as arbitrariedades do período. Todos aqueles que foram presos em 1964, sem nenhuma exceção, foram presos sob a acusação de atividades subversivas. Ninguém foi preso por corrupção nem por comportamentos condenáveis que não fosse o pensamento político. Todos aqueles que estavam presos tiveram ligações com as áreas da esquerda. Não havia nada contra nós como ficou comprovado depois pelo Tribunal Militar, nenhuma acusação completa das atividades que pudessem prejudicar o país, por isso fomos absolvidos295. A crítica à situação vigente no país era praticamente inexistente através da grande imprensa, devido ao medo de retaliações, assim como à pressão exercida pelo governo 292 A Crítica, Manaus, 13 de Julho de 1964. Brasil Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 2005. 294 Ibidem, p. 144. 295 Entrevista de Arlindo Porto concedida à Roseane Arcanjo Pinheiro. In: PINHEIRO, op. cit. 293 124 federal, que controlava verbas publicitárias, concessões, além de financiamentos e empréstimos. O Jornal do Commercio mostrou-se alinhado aos golpistas conforme demonstrava suas matérias. O periódico anunciava “Militar para Consolidar o Governo Revolucionário e Vitória Não Foi do Exército, Foi do Povo” 296 , demonstrando o que estava defendendo ao tratar o golpe como uma revolução e afirmar que o povo é o maior vitorioso com tal ato anticonstitucional. Os dados levantados por “Brasil: Nunca Mais” 297 indicam quinze processos contra jornalistas que se levantaram contrários à ditadura. Desses processos, apenas um é anterior à adoção do AI-5, mostrando que o Ato Institucional de 13 de dezembro de 1968 representou uma mordaça ainda maior nos meios de comunicações. Dois jornalistas da “Folha da Tarde”, de Porto Alegre, e o delegado de polícia de Camaquã foram também levados a tribunal militar, respondendo por crime contra a Segurança Nacional, por terem publicado, em junho de 1972, matérias relatando que um preso da cadeia pública de Camaquã ali permanecia detido há 18 anos por ter dado um tapa na esposa. Os jornalistas divulgaram a notícia na referida “Folha da Tarde”, e o delegado no jornal local, “O Camaquã”298. O jornal A Notícia teve seu diretor e secretário arrolados na Lei de Segurança Nacional, por terem publicado artigo em 18 de março de 1971, onde o periódico criticava a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, que anulou um ato do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas, no qual havia cassado o mandato de cinco políticos por corrupção no Estado. Todos que se posicionassem contrários aos generais golpistas sofriam represália de alguma forma. Os instrumentos tinham o objetivo de infamar a imagem daquele opositor, 296 Jornal do Commercio, Manaus, 04 de Abril de 1964. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 2005. 298 Ibidem, p. 146. 297 125 associando-o ao comunismo, ao terrorismo e à corrupção. Um simples livro vermelho na estante de um cidadão transformava-se num motivo para prender e torturar. Sem qualquer preocupação em apresentar declarações do próprio réu sobre suas convicções políticas e ideológicas, era rotineiro que as denúncias se referissem a tais cidadãos como “comunistas”, “cripto-comunistas”, simpatizantes ou aliados do comunismo. Toda a movimentação política ocorrida nessas áreas era apresentada como planejada por um “Partido Comunista” fantasmagórico, centenas de vezes mais poderoso que o PCB existente no período, somado que fosse aos dois ou três outros agrupamentos de esquerda que começavam a existir naquela época299. A grande imprensa, sincronicamente, agia a fim de exaltar os “revolucionários militares” e macular a imagem dos comunistas, sempre os associando ao governo anterior. A Crítica estampava “A Revolução Brasileira Salvou: Mundo Livre” 300. Elogiando o povo brasileiro por haver agido a tempo para expulsar de seu seio o comunismo, “o único imperialismo dos dias de hoje”, o “Miami Heralo” disse que a queda do “colosso do sul” nas mãos dos comunistas teria significado “uma calamidade sem limites para os homens livres”. Em editorial intitulado “O Fim do Comunismo”, declarou o jornal que “é provável que os historiadores se refiram a 1̊ de abril de 1964 como a data em que começou o fim do comunismo mundial”. “Cremos nisto” – acrescentou o jornal – “porque esse foi o dia em que os brasileiros se levantaram contra os vermelhos e os expulsaram de seu seio”. Declarando que o levante brasileiro foi uma “rebelião popular contra o duplo mal da corrupção e infiltração comunista” [...] 301 É visível na manchete do jornal A Crítica seu lado ideológico, ao considerar que o feito de 31 de março de 1964 foi uma “revolução que salvou o mundo livre”, além de divulgar para o leitor amazonense a visão nefasta que o periódico norte-americano tem dos comunistas, afirmando que a ideologia é uma calamidade para os homens livres. 299 Ibidem, p. 156-157. A Crítica, Manaus, 16 de Junho de 1964. 301 A Crítica, Manaus, 16 de Junho de 1964. 300 126 Outras esferas da sociedade sofreram com as repressões dos golpistas. Um simples ato que não os agradassem era considerado uma propaganda subversiva, daí o enorme controle que as Forças Armadas exerceram dentro das redações dos jornais. Em outubro de 1967, foi formado inquérito que redundou em processo, na Justiça Militar de São Paulo, contra o historiador, editor e professor universitário, Caio Prado Júnior. Foram co-réus outros dois estudantes da Faculdade de Filosofia da USP. O crime de propaganda subversiva, aqui, teria sido a publicação de uma revista de debate teórico, naquela Faculdade, com o título “Revisão”, sob responsabilidade do grêmio estudantil. Caio Prado Júnior foi condenado na 2 ͣ Auditoria a 4 anos e seis meses de reclusão por ter dado uma entrevista num dos números da revista302. A Universidade Federal do Amazonas foi outro foco de resistência aos ditadores. A Questão (1978), O Grão (1978) e o Gen (1978) eram os informativos presentes nos centros acadêmicos de Filosofia, Agronomia e Medicina, respectivamente. Debatiam a situação na instituição, porém faziam amplas críticas aos governos militares303. Então, as perseguições eram intensas por todos os lados. Jornalistas, estudantes, sindicalistas, cineastas, intelectuais, dentre outros sofriam retaliações caso não estivessem de acordo com os desmandos dos golpistas. A imprensa, instrumento importantíssimo na propagação dos ideais do regime, despejava agressões aos comunistas. A Crítica noticiava “Brasileiro quer Toda a América Contra Castro” 304 , tratando o dirigente da ilha caribenha um inimigo dos brasileiros. O deputado brasileiro Everardo Magalhães (UDN - GB) sugeriu sábado à noite, numa homenagem que recebeu em nome do Brasil pelo seu rompimento com Fidel Castro, que se crie uma força expedicionária integrada por latino302 Brasil: Nunca Mais, op. cit, p.160. PINHEIRO, op. cit. 304 A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964. 303 127 americanos, “para libertar Cuba do castro-comunismo”. Milhares de cubanos presenciaram a homenagem celebrada no Bayfront Park quando crianças cubanas ofertaram uma bandeira de Cuba ao parlamentar brasileiro. Everardo Magalhães, que se ofereceu como “voluntário das forças expedicionárias, que libertarão Cuba” ficou conhecido pelos cubanos por fotografar uma capela de Belém onde a imagem de Fidel Castro ocupa os painéis Litúrgicos305. As reportagens envolvendo os revolucionários cubanos, persistentemente, comparam a ilha a uma prisão, destacando a necessidade de libertá-la da maléfica influência comunista e alinhá-la às doutrinas democráticas da qual o Brasil estava inserido. Quando a meta era demonstrar que Fidel representava um perigo aos brasileiros, a imprensa fazia sua parte. A Crítica denunciava “Inglaterra Adverte que Meta de Fidel é Brasil Via Guiana” 306. Fontes ligadas ao Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha informam que o secretário das Colônias Britânicas Duncan Sandy, recebeu um relatório sobre os recentes acontecimentos na Guiana Inglesa. O documento revela que os distúrbios políticos que vem ocorrendo fazem parte do plano cubano de infiltração na região norte da América do Sul e especialmente no Brasil307. Perceba que, constantemente, os jornais pesquisados despejavam notícias associando o governo deposto ao comunismo, além de divulgarem sempre uma visão negativa dos revolucionários cubanos. A Crítica publicava a matéria abaixo demonstrando o isolamento de Fidel Castro. Revelou-se hoje que os Estados Unidos está disposto a dar prosseguimento à política de isolamento econômico do governo castrista [...] consideram inegociáveis tanto o papel de Cuba como agente do comunismo, como subversão contra os países americanos308. 305 A Crítica, Manaus, 27 de Maio de 1964. A Crítica, Manaus, 08 de Julho de 1964. 307 A Crítica, Manaus, 08 de Julho de 1964. 308 “América Isolada de F. Castro”. A Crítica, Manaus, 28 de Julho de 1964. 306 128 A reportagem situava a ilha caribenha como a principal responsável pela contaminação comunista na América Latina, além de considerarem os cubanos agentes a serviço da subversão. Outra estratégia dos golpistas era difamar a imagem daqueles vinculados ao governo Jango e simpatizantes do trabalhismo. A Crítica estampava a reportagem “Abril e Maio foram dois meses decisivos para os traficantes: a Revolução venceu, e os aproveitadores [...] entenderam bem que os ventos, decididamente, mudaram” 309. Mais uma vez o periódico classificava os golpistas de revolucionários, considerando seus opositores corruptos, aproveitadores e até traficantes. O período posterior ao golpe serviu para seus articuladores se prolongarem no poder, afastando do cenário político qualquer ameaça de contragolpe. Dentro do período estudado existiram dois momentos em que os políticos civis foram expurgados das suas atividades públicas. Primeiro, os processos atingiam àqueles indivíduos vinculados ao governo deposto ou ao comunismo. Depois, após o AI-2, que transformou a organização partidária do país em um sistema bipartidário, os expurgos giravam em torno daqueles políticos ligados ao MDB (Movimento Democrático Brasileiro) ou àqueles que não aceitavam a condição de meros coadjuvantes no Regime Militar. Acima de tudo, esses processos põem a nu a encenação montada pelos governantes, em todos aqueles anos, para aparentar a sobrevivência do jogo democrático. Ao contrário de outras ditaduras, o Regime Militar brasileiro em nenhum momento proibiu a existência de partidos políticos. Até outubro de 1965, tolerou a existência de vários, inclusive das agremiações vinculadas ao governo derrubado. De 1966 para a frente, impôs a existência de apenas dois, mas assegurando hipocritamente a existência de um oposicionista. Era uma democracia meramente de fachada [...] Ultrapassado um só milímetro do limite de crítica que se permitia, limite variável conforme a conjuntura de cada fase, a 309 “A Revolução Corta a Fonte Monetária dos Corruptos”. A Crítica, Manaus, 27 de Junho de 1964. 129 punição caminhava rápido, seja na forma das centenas de cassações de mandatos [...] seja mediante processos judiciais contra os oposicionistas310. Os ditadores tiveram a capacidade de afastar do cenário político qualquer ameaça oposicionista. Aliados aos atos institucionais, que legitimavam mais ainda o poder dos militares, estavam os periódicos, que quase que unilateralmente, agiam em conformidade com as Forças Armadas. O afastamento dos políticos civis, não alinhados às Forças Armadas, estava sendo preparado. O Jornal do Commercio divulgava “Generais Propõem em Documento: Dissolução do Congresso e Novo AI” 311. Em reunião realizada no gabinete do general Ururai, presentes mais de 30 generais e coronéis foi examinado um documento propondo a adoção de novo AI, estabelecendo a suspensão das garantias constitucionais: dissolução do Congresso e das Assembléias Legislativas; instalação de um governo revolucionário que nomearia interventores para os Estados [...]312 O novo ato institucional deixou muitos políticos civis, que ajudaram a arquitetar o golpe, descontentes. A Crítica divulgava inquietação de Lacerda em artigo intitulado “Carlos Lacerda Caminha para Crítica e Oposição ao Governo” 313. Os dirigentes udenistas que estiveram recentemente com o Sr. Carlos Lacerda colheram a impressão de que o Governador está determinado no seu propósito de avançar no caminho da crítica e da oposição ao Governo revolucionário. Em conseqüência, seriam muito reduzidas as chances de se chegar, na atual emergência, a uma convivência razoável entre a cúpula partidária e o Sr. Lacerda. A direção do partido, interessada em apoiar o Governo e em consolidar a Revolução, ainda que pressentindo o provável acerto de algumas instituições do Governador da Guanabara, não está tranqüila, quanto à atitude que tomariam as chamadas bases partidárias no caso de uma consulta, em convenção nacional, sobre o comportamento a seguir em relação ao Governo Federal314. 310 Brasil Nunca Mais, op. cit, p. 138-139. Jornal do Commercio, Manaus, 08 de Outubro de 1965. 312 Jornal do Commercio, Manaus, 08 de Outubro de 1965. 313 A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964. 314 A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964. 311 130 As inquietações do governador guanabarino se avolumavam. A Crítica estampava “Carlos Lacerda: Estou Farto de Ser Boi-de-Piranha, Hoje Provável Rompimento com o Governo Federal” 315 , demonstrando que o racha com os militares era iminente. Outro participante do golpe se preocupava com os desmandos dos generais. Ademar de Barros, governador paulista, fazia exposição de sua inquietude, através da manchete do Jornal A Crítica “Revolução Preocupa Ademar” 316. O governador Ademar de Barros manteve hoje contato telefônico com seus correligionários da capital federal, mostrando-se muito preocupado. Essas preocupações foram reforçadas com a afirmação da prisão do Secretário do Governador paulista. Também o deputado Abílio Câmara está sob ameaça de prisão, tendo inclusive deixado de atender a convocação do presidente da Comissão e Inquérito317. Novas divergências apareciam. A Crítica publicava “Exército Não Quer Carlos Lacerda” 318 , demonstrando, que desta vez, os militares estavam dispostos a serem os atores principais deste acontecimento político. Os veículos de comunicações atuavam conforme seus interesses. Veja o que escreve Nelson Werneck Sodré sobre esta relação entre imprensa e governos estabelecidos. Batizar de democracia um quadro como o que é apresentado pela grande imprensa brasileira, atualmente, é, sem dúvida, levar muito longe uma farsa que, pelo seu uso e abuso, se transformou em norma. Quando a imprensa, como aqui e agora, modula um coro repetitivo de louvação ao liberalismo, está claro e evidente que perdeu a sua característica antiga de refletir a realidade319. 315 A Crítica, Manaus, 03 de Agosto de 1964. A Crítica, Manaus, 01 de Agosto de 1964. 317 A Crítica, Manaus, 01 de Agosto de 1964. 318 A Crítica, Manaus, 23 de Julho de 1964. 319 SODRÉ, op. cit, p. 17. 316 131 Portanto, analisar um acontecimento histórico sob a ótica dos jornais, é investigar inúmeros interesses envolvidos. Interesses políticos e econômicos que influenciam a memória da sociedade em questão. As notícias simpáticas ao golpe foram diárias, enquanto que seus opositores eram qualificados da pior maneira, a fim de desqualificá-lo e transformá-lo num agente a serviço do comunismo e da subversão. Os ataques aos cubanos, aos comunistas brasileiros e trabalhistas foram intensos nos jornais pesquisados, além da louvação aos governos militares. A Crítica divulgava “Expansão Comunista no Sudeste da Ásia é Causa da Agitação Mundial” 320. A caça aos corruptos foi semanalmente salientada nos periódicos “Castelo Cumpriu Sua Principal Finalidade: Desmantelar Máquina da Corrupção” 321 , associando o governo deposto à desonestidade. Linha Dura Contra Corrupção: Inquéritos Começam Hoje322, publicava o periódico. No Amazonas, os opositores dos golpistas também sofreram perseguições. A Crítica noticiava “Amazonas na Mira da Revolução: Serão Presos Implicados na Corrupção”323, manifestando as intenções dos golpistas, que era denegrir a imagem de seus inimigos políticos e afastá-los da vida pública. No capítulo seguinte analisaremos o posicionamento do Jornal do Commercio e A Crítica num período que se iniciam as divergências entre os golpistas, principalmente após o Ato Institucional número 2, que coloca ainda mais os militares no centro das decisões políticas do país. 320 A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964. A Crítica, Manaus, 12 de Agosto de 1964. 322 A Crítica, Manaus, 15 de Julho de 1964. 323 A Crítica, Manaus, 14 de Agosto de 1964. 321 132 Capítulo III A Legitimação da Ditadura Através dos Jornais Amazonenses 1. As Divergências entre os Golpistas As linhas abaixo demonstram como o Jornal do Commercio e A Crítica se posicionaram perante os conflitos que estavam ocorrendo entre os golpistas, especialmente após o AI-2, que afastará da vida política boa parte dos civis envolvidos no golpe. O capítulo traça também um perfil do Estado amazonense durante a década de 1960, falando das articulações entre os golpistas para escolherem o interventor no Governo, das obras que “embelezaram” o Amazonas e da Zona Franca de Manaus. 133 Apesar da maciça contribuição dos grupos políticos civis no golpe, percebe-se que os militares já planejavam expurgá-los da vida pública do país. Segundo reportagem do Jornal A Crítica, o Ato Institucional de número 2 já estava preparado havia alguns dias. Veja o conteúdo da matéria. Confirma-se que o ato institucional n° 2 estava sendo preparado há vários dias. Seu grande orientador foi o jurista Carlos Medeiros da Silva, mas houve a cooperação do ex-ministro Francisco Campos da Silva e também dos ministros da guerra e justiça [...] 324 Portanto, essa união entre civis e militares para deflagrarem o golpe foi uma sincronia pragmática, pois as Forças Armadas se mostraram capazes de tomar as rédeas políticas do país, opondo-se àquela visão de que eram inseguros e incompetentes para administrarem, como já foi exposto no primeiro capítulo. A necessidade de ovacionar a atitude dos golpistas e depreciar seus opositores foi constante nos periódicos pesquisados. A Crítica estampava “Dominada a ContraRevolução” 325 , insinuando que os golpistas tinham o controle da situação. Veja o conteúdo da reportagem abaixo. Agentes especializados do Serviço Secreto da Marinha e do DOPS conseguiram recapturar, ontem, em qualquer ponto do Rio, o periculoso elemento que havia escapado quando o estouro das células de Copacabana, onde os agitadores se reuniam para tramar a contra-revolução. Apesar do natural sigilo em torno das diligências, em que se vem estendendo a outras cidades e, em sua maioria, oferecendo resultados os mais positivos, apuramos que o fugitivo ontem recapturado, um ex-fuzileiro pertencente à extinta associação da classe, foi agarrado, juntamente com outros agitadores, quando participava de nova reunião em outra célula comunista. Pela rapidez com que agiram as autoridades e pelo número de prisões, que se sabe elevado, mas não declarado oficialmente, podemos adiantar que o movimento contra-revolucionário está totalmente dominado, com os seus principais articuladores presos e apreendido todo o material bélico e subversivo 324 325 “Novo Ato Institucional Há Vários Dias Estava Preparado”. A Crítica, Manaus, 28 de Outubro de 1965. A Crítica, Manaus, 31 de Julho de 1964. 134 de que dispunham. As prisões subseqüentes, que ainda agora estão sendo efetuadas em vários pontos do Rio e cidades vizinhas, na complementação do total desmantelamento do movimento, resultam dos interrogatórios dos elementos já capturados. As pistas se sucedem e os agentes desdobram-se para segui-las. Uma prova do completo domínio da situação, quer pela capacidade de seus homens, quer pela coordenação das investigações, foi a recapturação, ontem, em qualquer parte do Rio, do agitador que havia logrado escapar, de forma sensacional, durante as primeiras prisões por parte das autoridades. Esse elemento que se sabe ser um ex-fuzileiro ligado ao “cabo” José Anselmo dos Santos, no encaminhamento do programa subversivo da extinta associação da classe, era considerado de grande importância para o desmantelamento do movimento e sua fuga foi, sobremodo, lamentada pelas forças democráticas. Agora, com a recapturação, dispõem as autoridades de meios para chegar aos poucos agitadores ainda em liberdade, e liquidar, no nascedouro, o movimento contra-revolucionário integrado por militares já desligados da tropa e civis vinculados à administração do governo deposto326. A matéria classificava os inimigos da ditadura de agitadores perigosos e subversivos, enquanto que os golpistas eram considerados eficientes agentes revolucionários capazes de desestruturar um movimento anti-revolucionário, com prisões que serviram para desmantelar as forças “antidemocráticas”. De acordo com José D’Assunção Barros todo texto possui um destino, onde esse receptor ajuda a escrever as palavras, consciente ou inconscientemente, pois o escritor do texto antecipa as expectativas de quem irá recebê-lo, aceitando-as ou afrontando-as327. “É verdade que, em alguns casos, o texto não é produzido originalmente com vistas propriamente a um receptor, mas sim para contemplar determinada finalidade” 328. As reportagens analisadas pelo Jornal do Commercio e A Crítica atendiam à finalidade de legitimar um golpe antidemocrático, divulgando notícias simpáticas aos militares e produzindo matérias que maculavam os opositores dos golpistas. No entanto 326 A Crítica, Manaus, 31 de Julho de 1964. BARROS, op. cit. 328 Ibidem, p. 138. 327 135 as tensões após o 31 de março se avolumavam. A Crítica noticiava “Goulart Tenciona Tumultuar o País” 329. Para o deputado Aliomar Baleeiro o manifesto do sr. J. Goulart tem a intenção de tumultuar o país. Disse aquele parlamentar que o ponto de vista de seu partido a respeito do manifesto do ex-presidente será exposto na Câmara, pelo Deputado Antônio Carlos. O plenário da Câmara Federal viveu hoje momento de tumulto, quando a bancada pessedista foi advertida pelo deputado Antônio Carlos Magalhães, da UDN baiana. O Deputado Doutel de Andrade tentava defender o sr. João Goulart das acusações do Deputado catarinense Domício Freitas de que os sindicatos eram depósitos de armas no tempo do ex-Presidente. Segundo várias correntes políticas o manifesto do ex-presidente Goulart, somente encontrou o repúdio popular, não passando o referido manifesto de uma autêntica palhaçada. O deputado Pedro Aleixo, falando aos jornalistas nos dias de hoje, disse que não responderá em nome do Governo, ao manifesto do exPresidente330. A matéria salientava que o ex-presidente era aliado dos sindicatos, onde estas entidades serviam para ser um alicerce dos comunistas, pois eram depósitos de armas. O periódico finalizava a reportagem frizando que a população em geral repudiou a atitude de Jango, pois não passou de uma “palhaçada”. No dia seguinte Carlos Lacerda tratou de expor sua posição, através de manchete “Lacerda Nega Importância ao Manifesto de Goulart” 331. O governador Carlos Lacerda informou, ontem, à sua saída do Palácio das Laranjeiras, que havia examinado com o presidente Castelo Branco o manifesto lançado pelo ex-Presidente João Goulart, tendo ambos chegado à conclusão de que se trata de um documento sem maior importância. Disse o governador Carlos Lacerda que o manifesto do ex-Presidente João Goulart, no entanto, prestou um serviço ao País: mostrou que o líder do PTB, Sr. Doutel de Andrade, que o leu da tribuna da Câmara, está na linha da subversão332. 329 A Crítica, Manaus, 27 de Agosto de 1964. A Crítica, Manaus, 27 de Agosto de 1964. 331 A Crítica, Manaus, 28 de Agosto de 1964. 332 A Crítica, Manaus, 28 de Agosto de 1964. 330 136 Perceba que a reportagem desqualificava a ação de Goulart, já que segundo o governador guanabarino, o documento produzido pelo presidente deposto é sem valor, assim como os petebistas são associados à subversão. O jornal, mostrando-se tendente a um lado, não expõe a visão contrária aos golpistas. A fim de associar os trabalhistas ao terrorismo A Crítica noticiava “Terroristas Apontam Leonel Brizola como Chefe” 333. O ex-Governador Leonel Brizola foi apontado como chefe e mentor do grupo terrorista desbaratado domingo, em Porto Alegre, e que visava lançar bombas nas sedes de dois jornais, em um laboratório estrangeiro e na residência do Comandante do III Exército. Seu nome foi mencionado por duas das 15 pessoas presas, segundo trechos de depoimentos divulgados pela Polícia. A situação no Rio Grande do Sul, no entanto, é de perfeita calma e as autoridades policiais e militares mantêm absoluto controle do Estado. O Comandante da 5 ͣ Zona Aérea, para impedir vôos não autorizados pelas autoridades militares, baixou rigorosas instruções sobre o uso de táxis aéreos e de aparelhos de aeroclubes334. O periódico em questão expõe, diariamente, uma enxurrada de notícias favoráveis à ditadura, associando Brizola ao terrorismo, no qual planejava bombardear jornais inimigos e até a residência de um militar. As divergências entre os golpistas aumentavam como bem demonstrava a manchete do Jornal A Crítica “Impeachment Contra Ademar” 335 , manifestando as fissuras ideológicas dentro do governo ditador. Outro civil golpista sofria perseguições “Lacerda Foi Proibido de Ocupar Televisões” 336. Enquanto o gabinete do Ministro da Guerra desmentia as versões segundo as quais haveria certa inquietação dos efetivos do III Exército, o gabinete do Ministro reiterava outra nota informando que Eduardo Gomes continuava ocupando a pasta emprestando absoluta solidariedade ao Governo Castelo Branco. Por outro lado divulga-se que oficiais da Marinha pretendem assinar um 333 A Crítica, Manaus, 28 de Agosto de 1964. A Crítica, Manaus, 28 de Agosto de 1964. 335 A Crítica, Manaus, 29 de Agosto de 1964. 336 A Crítica, Manaus, 12 de Outubro de 1965. 334 137 memorial pedindo a convocação de uma assembléia no Clube Naval. O Ministério da Guerra anunciou a disposição do Ministro Costa e Silva de impedir, mesmo que seja forçado a fazer algumas prisões, a realização da assembléia que é exigida por cerca de 500 oficiais de terra, mar e ar; espera-se do Ministro da Marinha idêntica atitude com relação a pretendida reunião no Clube Naval. Confirma-se que o Governador Carlos Lacerda não poderá mais ocupar estações de rádio e televisão para combater o Presidente da República. Carlos Lacerda, que se mostra agora quase desinteressado pela administração estadual, estuda perspectiva de sobrevivência da sua candidatura à Presidência da República para depois da data em que deixará o Governo da República337. Lacerda e Ademar, assim como todos aqueles políticos civis que almejavam o poder durante o governo autoritário, estavam sendo alijados do cenário político, demonstrando a atuação da chamada linha dura no período em questão. A Crítica salientava “Passarinho Silencia Sobre Ação de Lacerda Apontando Estado do Rio como Foco Comunista” 338 . Perceba que o governador guanabarino, liberal convicto e adversário declarado dos comunistas estava sendo associado aos seus inimigos políticos históricos. Veja a reportagem abaixo. O governador paraense Jarbas Passarinho, sem optar sobre os últimos pronunciamentos do Governador Carlos Lacerda, manifestou-se favorável, ontem, a maior interferência do Governo Federal nos Estados, principalmente na Guanabara, “onde a infiltração comunista é um fato incontestável”. Pouco depois de desembarcar no aeroporto Santos Dumont e antes de ser convidado, pelo telefone, para jantar, com o Presidente da República, o Governador Jarbas Passarinho declarou que a Revolução só foi julgada, de fato, pelo voto popular, no Pará e Paraná, “Estados de Governos autenticamente revolucionários” 339. O Estado da Guanabara, historicamente administrado por um governador anticomunista, naquele instante começava a ser considerado um “foco” de seus antigos inimigos, evidenciando o choque entre Carlos Lacerda e a cúpula das Forças Armadas. Os conflitos com os militares continuavam. 337 A Crítica, Manaus, 12 de Outubro de 1965. A Crítica, Manaus, 13 de Outubro de 1965. 339 A Crítica, Manaus, 13 de Outubro de 1965. 338 138 “Lacerda quer o pior, mas o Presidente Castelo Branco não se dará ao trabalho a responder aos seus ataques pessoais”, declarou, hoje, fonte categorizada do Palácio do Planalto que acrescentou “as últimas atitudes de Lacerda serviram apenas para afastá-lo ainda mais do convívio das forças armadas”. Outra fonte do Governo comentava hoje que o grande objetivo do Governador neste momento é fracionar o dispositivo militar que cerca o Presidente da República. Entretanto, o Governador, pela falta de originalidade, foi ao ataque pessoal ao Presidente, numa repetição de atitudes anteriores, esbarrando na coesão das F. Armadas dispostas a tudo para salvaguardar os ideais revolucionários. Comentou a mesma fonte que “as Forças Armadas pensam nos termos da revolução e sabem que a coesão é própria essência da revolução; quebra dessa unidade será a formação de bandos armados, cada qual brigando por interesses diferentes”. Ao criticar, pessoalmente, o Presidente Castelo, o Governador da Guanabara demonstrou que não conhece nossa gente340. A reportagem anterior finalizava afirmando que o governo federal iria intervir nos Estados a fim de preservarem as metas da “revolução”. Era o acirramento do conflito entre os dois grupos que arregimentaram o golpe civil-militar de 1964, onde as cassações ganhavam volume. Veja o que noticiava o Jornal A Crítica. Começaram a surgir nesta capital, a exemplo da edição do Ato Institucional n ͦ 1 em abril de 1964, os “listões” com os prováveis novos cassados pela revolução. Segundo informações extra-oficiais, divulgadas às primeiras horas da noite, o Senado Federal e o Supremo Tribunal que, de vez anterior, haviam ficado à margem das punições, ocorrido apenas uma cassação, a do senador Amaury Silva, Ministro do Trabalho do Governo Goulart, desta vez será duramente atingido. O senador Arthur Virgílio Filho, que já estava na mira da “linha dura”, teria entrado definitivamente, no “roll” dos novos cassados, em virtude do violento discurso, pronunciado da tribuna do senado, afirmando que havia se “sobreposto ao medo para arrostar as conseqüências, sejam elas quais forem”. O Dep. Doutel Andrade, líder do extinto PTB e a deputada Ivete Vargas, segundo se informa, encabeçarão a lista dos cassados. O Dep. Oswaldo Lima Filho, ex-ministro da Agricultura do Governo deposto, não escapará à suspensão dos direitos políticos pelo novo Ato. Entre os Ministros do STF, estariam incluídos os drs. Evandro Lins e Hermes Lima. Também se comenta o nome do senador Ermírio de Morais e de mais de duas dezenas de deputados federais, alcançando também, as Assembléias Legislativas nos Estados341. 340 341 “Carlos Lacerda Fora do Convívio das Forças Armadas”. A Crítica, Manaus, 14 de Dezembro de 1965. “Revolução: 6 Nomes nos Pelourinhos das Cassações”. A Crítica, Manaus, 28 de Outubro de 1965. 139 As ações mais radicais dos golpistas se intensificavam como bem demonstrava a reportagem, afastando do palanque político antigos aliados da ditadura. A Crítica noticiava a perda de mandato de Lacerda342, enquanto parte da imprensa européia se posicionava de forma negativa perante a situação. Os principais jornais europeus dedicaram seus editoriais de anteontem à transformação política ocorrida no Brasil, e em sua maioria analisaram o Ato Institucional n ͦ 2 como a implantação de uma virtual ditadura no país. Muitos deles acreditam, inclusive, que os acontecimentos deverão agravar-se nos próximos dias. Todos esses jornais estão de acordo em interpretar o segundo Ato Institucional como conseqüência direta das eleições de 3 de outubro, realçando a vitória do PSD e ao PTB e analisam a institucionalização da República brasileira como pressão da oficialidade, que não admite o ressurgimento dos políticos depostos343. Novas divergências entre imprensa e governo ditatorial eram expostas. A Crítica noticiava “Estadão Rompe com Castelo Reafirmando Apoio a Lacerda” 344 , mostrando que não havia unilateralidade nesta relação, apesar dos inúmeros mecanismos usados pelos golpistas para cooptá-los. Veja a reportagem abaixo. Falando na Televisão, o jornalista Júlio Mesquita Filho, diretor do jornal “Estado de São Paulo”, rompeu definitivamente com o Presidente Castelo Branco, reafirmando seu apoio a Lacerda. Disse o diretor do “Estadão”: “O terreno político do Presidente da República falhou totalmente” e criticou a orientação que vem sendo seguida por Castelo e Juracy. Para o sr. Mesquita Filho, o pleito de 3 de outubro foi o atestado de óbito da revolução. Disse que “o próprio Governo não descansou enquanto não destruiu as bases políticas de Lacerda”. O candidato lacerdista ao Governo da Guanabara foi derrotado em conseqüência do que se concluiu entre o Governo Federal e a oposição345. 342 “Lacerda Deixa Amanhã o Governo da Guanabara”. A Crítica, Manaus, 03 de Novembro de 1965. “Jornais Europeus Vêem o Ato como Início de uma Ditadura”. A Crítica, Manaus, 03 de Novembro de 1965. 344 A Crítica, Manaus, 07 de Dezembro de 1965. 345 A Crítica, Manaus, 07 de Dezembro de 1965. 343 140 Perceba que os veículos de comunicações divulgavam que o insucesso nas urnas nas eleições estaduais era o motivo da postura repressora do Governo perante aos políticos da oposição. No entanto alguns desses antigos caciques ganhavam espaço na grande imprensa. A Crítica publicava a manchete “Lacerda Faz Críticas à Política do Governo”346. O ex-governador Carlos Lacerda afirmou, ontem, em entrevista “não crê que o problema se resolva apenas trocando de general”, e desmentiu categoricamente as notícias de que tenha procurado, em vão, contato com o Ministro da Guerra General Artur da Costa e Silva. O sr. Carlos Lacerda considera “que o problema consiste em conciliar a Revolução com o povo, dar um sentido nacional e popular à Revolução brasileira, através de uma corajosa, firme e leal política de reforma democrática do Brasil347. Os conflitos ideológicos se avolumavam também dentro das Forças Armadas. A Crítica anunciava “Governo não Quer Costa e Silva como Candidato Único” 348 . Dois meses depois, o mesmo periódico divulgava “Costa e Silva Articula-se Agora nos Meios Políticos” 349, afirmando que a candidatura do general já era vitoriosa. Já Existem Manobras Contra Costa e Silva350, vaticinava o jornal, mostrando o acirramento das divergências entre os militares. O general Justino Alves Bastos, comandante do III Exército e aliado do Ministro da Guerra, afirmava “Castelo Está Marchando para uma Ditadura” 351. As discordâncias entre os militares eram intensas. A Crítica publicava “Costa e Silva: Cassações é Problema só de Castelo” 346 A Crítica, Manaus, 28 de Fevereiro de 1966. A Crítica, Manaus, 28 de Fevereiro de 1966. 348 A Crítica, Manaus, 25 de Janeiro de 1966. 349 A Crítica, Manaus, 25 de Março de 1966. 350 A Crítica, Manaus, 08 de Março de 1966. 351 A Crítica, Manaus, 23 de Maio de 1966. 352 A Crítica, Manaus, 09 de Novembro de 1966. 347 352 , pretendendo se inocentar dos processos. O 141 mesmo periódico revelava “Costa e Silva: Revolução Não é Banir Incapazes e Depois Devolver-lhes o Poder” 353 , ressaltando a necessidade de manter os valores morais e políticos alcançados, “pouco importando os enganos cometidos, os quais num balanço com os acertos são desprezíveis”354. Os expurgos se intensificaram nos meios civis. Depois de Lacerda, o próximo estadista a cair seria o governador paulista. A Crítica salientava “Chefes Militares: Ademar Está no Fim de sua Carreira” 355 , no qual tal ação recebeu amplas críticas de algumas alas das Forças Armadas. O Almirante Sílvio Heck condenou o gesto do Governo Federal afirmando que “o objetivo da medida é tumultuar o processo eleitoral buscando criar dificuldades para a candidatura de Costa e Silva” 356. O novo ato que afastou da vida pública figuras proeminentes no golpe foi defendido pelo ministro Juracy, justificando a ação do governo federal. A Crítica publicava “Min. Juracy Magalhães Diz que o Ato-2 Evitou a Guerra Civil” 357 . Abaixo a justificativa do militar. Para o ministro “Há uma infiltração comunista em toda a imprensa mundial. Não é só no Brasil que isto acontece. É um setor em que eles são sempre vitoriosos. Não recebo a vitória comunista como tecnologia econômica, nem mesmo no progresso social. No meio levam uma vantagem inicial. Mas, depois, a verdade se restabelece e um dia aqueles que acusam o Brasil, por causa do Ato Institucional número dois, hão de sentir que foi graças a esse Ato que o Brasil pode realizar uma etapa decisiva na sua marcha para a democracia” 358. 353 A Crítica, Manaus, 29 de Setembro de 1966. A Crítica, Manaus, 29 de Setembro de 1966. 355 A Crítica, Manaus, 14 de Março de 1966. 356 “Heck: Cassação de Ademar Foi Manobra Contra Costa e Silva”. A Crítica, Manaus, 07 de Junho de 1966. 357 A Crítica, Manaus, 02 de Dezembro de 1965. 358 A Crítica, Manaus, 02 de Dezembro de 1965. 354 142 O Jornal do Commercio, seguindo a mesma ideologia do Jornal A Crítica, publicava que os “objetivos da revolução serão atingidos a qualquer preço” 359, salientando que as cassações são necessárias para o país alcançar a “verdadeira democracia”. O periódico divulgava “Cassações Serão Reiniciadas: Arthur Virgílio Encabeça a Lista” 360 , antecipando o futuro político do senador amazonense. O grupo liderado pelo presidente Castelo Branco objetivava lançar como candidato à sua sucessão Roberto Campos ou Nei Braga, porém o Ministro da Guerra saiu-se vitorioso nesta batalha, já que foi confirmado como pretendente e favorito a ocupar o cargo. Costa e Silva destacava que apenas a união dos militares possibilitaria a continuidade do processo revolucionário. Em manchete intitulada “CS: União dos Militares Será a Única Salvação” 361 , o futuro presidente concluiu que “se for eleito Presidente da República, levará para o cargo a mesma fé na revolução de que estava imbuído quando assumiu o Ministério da Guerra” 362. 359 Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1965. Jornal do Commercio, Manaus, 28 de Outubro de 1965. 361 A Crítica, Manaus, 01 de Julho de 1966. 362 A Crítica, Manaus, 01 de Julho de 1966. 360 143 2. O Amazonas Durante a Década de 1960 Estudos da Fundação Getúlio Vargas363 indicavam que o Amazonas ocupava o 3 ͦ lugar, entre os Estados do país, em progresso econômico. Conforme o governador Gilberto Mestrinho essa situação demonstrava o desejo de progresso que dominava todos os corações dos amazonenses. No entanto, este salto econômico não era sentido pelas classes trabalhadoras da cidade. Inúmeros sindicatos se reuniam para discutirem melhores salários e condições de trabalho. O Sindicato dos Estivadores, bastante ativo no período, tratava de reajuste salarial e benefícios como auxílio doença e pensão364. Durante o golpe, as ações de trabalhistas e sindicalistas foram desaparecendo das páginas dos jornais. Jornal do Commercio e A Crítica brindavam as confabulações civismilitares através de reportagens agradáveis aos golpistas. 363 364 “Amazonas em Terceiro Lugar em Progresso Econômico”. A Crítica, Manaus, 17 de Março de 1961. “Estivadores Vão Reunir”. A Crítica, Manaus, 11 de Março de 1961. 144 As cassações ganhavam celeridade. No Amazonas os cassados foram os deputados estaduais Abdalla Sahdo e Gregório Dias, ambos do extinto PTB365. Além de perderem seus mandatos, o primeiro foi afastado do cargo de Juiz do Tribunal de Contas e o segundo perdeu a chefia geral da administração do Palácio Rodoviário. Os expurgos ocorriam por todo o país, principalmente direcionados àqueles políticos ligados ao trabalhismo. A Crítica estampava “Novas Cassações Deverão Atingir Deputados Federais” 366 , no qual a reportagem explicava que a medida visava estudar a perda dos direitos políticos de mais ou menos cem parlamentares, com o intuito de consolidar o movimento revolucionário. A instalação da Aliança Renovadora Nacional (ARENA) no Amazonas foi presidida pelo governador Arthur Reis com a presença dos deputados Homero de Miranda Leão, Leopoldo Peres Sobrinho, Abrahão Sabbá, além do senador Vivaldo Lima, no qual formavam a vanguarda política que estavam ao lado dos militares. O governador do Estado do Amazonas se mostrava favorável à prorrogação do mandato do presidente Castelo Branco, alegando que tal medida evitaria o tumulto e despesas com novas eleições. De acordo com o chefe do Executivo do Amazonas, a prorrogação “assegura a plenitude da Revolução Democrática” 367 , chegando a admitir que se a “prorrogação tornasse um imperativo constitucional, o Marechal Castelo Branco deve aceitá-la” 368. Devido ao aumento do subsídio dos deputados do Amazonas, nova crise se instalava entre o Executivo e o Legislativo do Estado. Arthur Reis contestava afirmando que seria nocivo aos cofres públicos, resultando na interdição das ações parlamentares. 365 A Crítica, Manaus, 05 de Julho de 1966. A Crítica, Manaus, 07 de Julho de 1966. 367 “Arthur É Pela Prorrogação”. A Crítica, Manaus, 14 de Julho de 1964. 368 A Crítica, Manaus, 14 de Julho de 1964. 366 145 Em “solidariedade” aos deputados, vereadores de Manaus planejavam aumentar seus salários também. A reportagem do A Crítica criticou atitude dos parlamentares municipais, que estavam inclinados a aumentarem seus subsídios, assim como fizeram os parlamentares estaduais. Conforme os parlamentares, o aumento era necessário devido aos gastos efetuados com seus eleitores, que os procuravam para fazerem inúmeras solicitações, já que depositaram seus votos naquele político. Segundo os vereadores “As justificativas devem ser as mesmas apresentadas pelos integrantes da Assembléia Legislativa, para manter o eleitorado fazendo face às facadas e aos pedidos que recebem dos que afirmam haver sufragado aos seus nomes” 369. O deputado Adão Medeiros criticou a justiça e as ações da Assembléia Legislativa, ressaltando que suas posições eram contraditórias, pois no passado sempre foi conivente com os governos corruptos de Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho. Afirmou que Plínio já chamou o Tribunal de Justiça do Amazonas de venal e salientou que o ex-governador havia comprado a justiça para colocar seu compadre Mestrinho no governo370. Devido à pressão do governador amazonense e da opinião pública, a revogação do aumento dos deputados era iminente. A crise se instalou na Assembléia, assistindo a embates entre a bancada governista e a oposição. À hora regimental, reuniu-se ontem, em sessão ordinária, a Assembléia Legislativa. Durante o Grande Expediente falaram os seguintes deputados. João Valério: reconhecendo o término da crise com o Executivo, e a necessidade de se retornar à tranqüilidade capaz de repor o Estado no ambiente de trabalho. A sua oração não foi concluída, face alguns apartes inconvenientes de dois deputados, os quais, talvez inconscientes, frustraram o sentido que o sr. Valério tentou imprimir ao discurso. A seguir usou da palavra o Dep. Homero de 369 “Vereadores Não Querem Ficar por Baixo: Vão Também Aumentar seus Subsídios”. A Crítica, Manaus, 15 de Junho de 1964. 370 “Deputado Solidário a Arthur Ataca Assembléia e Justiça”. A Crítica, Manaus, 17 de Agosto de 1964. 146 Miranda Leão, que se congratulou com a investidura do Desembargador André Araújo no cargo de Secretário de Educação [...] O último orador do Expediente foi o sr. Francisco Queiróz, que voltou a abordar os incidentes ocorridos durante a crise referindo-se aos telegramas enviados ao Governador Arthur Reis [...] 371 Contra os votos dos deputados Francisco Queiróz, Abdalla Sahdo, Joel Ferreira e João Valério, a Assembléia Legislativa recompôs-se com a opinião pública ao revogar o aumento de seus subsídios. O episódio trouxe um clima de tensão entre o Executivo e o Legislativo do Estado durante vários dias. A crise foi amenizada com a mudança de postura dos parlamentares. As ações dos golpistas visavam afastar da vida pública políticos ligados ao PTB e opositores dos governos militares. O ex-governador Plínio Ramos Coelho foi preso por determinação da Comissão Estadual de Investigações, que detectou o recebimento de 5 milhões de cruzeiros por intermédio do ex-secretário de Economia e Finanças, sr. Aldo Moraes372. Em represália ao governador Arthur Reis que não aprovou o aumento salarial dos deputados, os parlamentares reuniram-se na Assembléia a fim de orquestrarem uma hostilização aos golpistas. O governador se defendeu afirmando que estava evitando o saqueamento do Estado373. As articulações para a substituição de Arthur Reis na administração estadual ganhavam espaço. Danilo Areosa e o deputado Ruy Araújo encabeçavam a chapa para ocupar o lugar do até então governador. O Jornal A Crítica exaltava a atuação de Areosa na pasta da Fazenda do Estado onde “Repudiou as práticas obscuras da evasiva, do subterfúgio, da conformação, e não se limitou a constatar a existência dos problemas, 371 “Na Assembléia Legislativa: Ainda Incidentes da Crise”. A Crítica, Manaus, 19 de Agosto de 1964. “Interditada Assembléia: Preso Plínio Coelho”. A Crítica, Manaus, 11 de Agosto de 1964. 373 “Deputados Contra Revolução”. A Crítica, Manaus, 05 de Agosto de 1964. 372 147 acertando as suas conseqüências e a estas adotando a filosofia da administração pública” 374 . Ao candidato a vice, os adjetivos eram favoráveis, no qual o periódico destacava a “independência e liberdade deste parlamentar” 375. O governador Arthur Reis dirigiu o Estado do Amazonas entre 27 de Junho de 1964 e 12 de Setembro de 1966, enquanto que seu substituto Danilo Duarte de Matos Areosa permaneceu no poder até 15 de Março de 1971376, ambos interventores a serviço dos ditadores. A Crítica salientava “ARENA Escolheu Danilo e Ruy para a Sucessão” 377. A vida política amazonense, para os próximos 4 anos, foi praticamente definida ontem à tarde, durante a Convenção Estadual da ARENA, partido majoritário, que, pelo voto indireto, elegerá o sucessor do Governador Arthur Reis e o vice-Governador do Estado. Como se esperava, o Sr. Danilo de Matos Areosa e o Deputado Ruy Araújo foram homologados pelos convencionais arenistas, em uma votação tranqüila que durou 75 minutos [...]378 Arthur Reis afirmou que o presidente Castelo Branco deu ampla autonomia para os correligionários arenistas do Amazonas escolherem o sucessor do governo estadual. De acordo com o governador, o general disse “Governador quem chefia a política no Brasil sou eu e no Amazonas é o senhor” 379 . Segue abaixo a justificativa para a escolha de Danilo Areosa e Ruy Araújo. “Vou fazer uma revelação aos senhores”, disse o Governador Arthur Reis aos convencionais, no Palácio Rio Negro, “os senhores só podiam escolher esses dois nomes e eu não podia admitir que a decisão da ARENA do Amazonas fosse outra, pois ela foi submetida ao Presidente Castelo Branco, porque o Sr. Danilo de Matos Areosa não é um revolucionário posterior a 31 de março de 1964. 374 “Nomes de Danilo Areosa e Ruy Araújo Significam Segurança para o Amazonas”. A Crítica, Manaus, 07 de Julho de 1966. 375 A Crítica, Manaus, 07 de Julho de 1966. 376 Bittencourt, Agnello. Dicionário Amazonense de Biografias: Vultos do Passado. Rio de Janeiro: Conquista, 1973. 377 A Crítica, Manaus, 11 de Julho de 1966. 378 A Crítica, Manaus, 11 de Julho de 1966. 379 A Crítica, Manaus, 11 de Julho de 1966. 148 Posso dizer-lhes que ele foi um dos poucos agentes que conspiraram no Estado do Amazonas e criaram o clima para a deflagração do Movimento revolucionário” 380. Escândalos envolvendo o governo golpista também ocupavam as páginas dos jornais. Sobre o desfalque ocorrido na Secretaria de Fazenda no período em questão, Areosa acusava os opositores de fazerem revelações infundadas e sensacionalistas. O governador afirmava “Entendo que o dinheiro do povo é sagrado, e em seu benefício deve ser aplicado, correto e honestamente” 381. Os debates em torno dos benefícios que os nortistas adquiriram com a Zona Franca ganharam destaque. O Jornal do Commercio estampava “Inimigos do Amazonas Voltam à Carga” 382 , referindo-se à tentativa de extinção dos incentivos fiscais em Manaus, promovida por parlamentares do sudeste, já que tramitava um projeto visando revogar os principais artigos do documento que criou a Suframa. O mesmo periódico salientava “Nova Ameaça Paira Sobre Zona Franca” 383, onde o governador do Amazonas alertava que o feito é a “única conquista que efetivamente poderá compensar as desvantagens que impedem o desenvolvimento da Amazônia Ocidental” 384. Em reportagem intitulada “Inimigos do Amazonas” 385, o Jornal do Commercio expõe as divergências em torno da consolidação da Zona Franca de Manaus, que feriam os interesses de empresários do sul e sudeste. 380 “Arthur Reis, aos Convencionais: Os Nomes (Danilo e Ruy) Eram Esses e Vocês Não Podiam Escolher Outros”. A Crítica, Manaus, 11 de Julho de 1966. 381 “Danilo Responde à Oposição: Governo quer Fatos, Boatos Não”. Jornal do Commercio, Manaus, 13 de Outubro de 1967. 382 Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1967. 383 Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1967. 384 Jornal do Commercio, Manaus, 20 de Outubro de 1967. 385 Jornal do Commercio, Manaus, 21 de Outubro de 1967. 149 Nova ameaça, desta vez ao que tudo indica a mais séria de todas, volta a pairar sobre a Zona Franca de Manaus. Conforme denúncia do próprio líder do Governo na Assembléia Legislativa está correndo no Ministério da Fazenda, sob os olhares complacentes do senhor Delfim Neto, um projeto de revogação de vários artigos do Decreto-Lei número 288, que deu nova estrutura àquela autarquia e que, mutilado na forma de como vem sendo programado, perderá a sua eficácia estimuladora do desenvolvimento da região a que visa servir, ou seja, à nossa Amazônia Ocidental386. O ministro da Fazenda, Delfim Neto, defende-se das acusações, em conversa com o superintendente da Suframa, Coronel Floriano Pacheco, afirmando que não havia nada contra a Zona Franca de Manaus e que a população manauara podia ficar tranqüila, pois o órgão continuaria “o seu papel como fator de desenvolvimento de nossa região” 387. Neste período, a Amazônia era um grande vazio demográfico, portanto o Governo Federal pretendia conter este problema da região. Os projetos da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) visavam a construção de rodovias e a exploração dos recursos naturais. Em entrevista à Roseane Pinheiro, Phelipe Daou, que era editorialista do Diário da Tarde e O Jornal, relembrava. A Empresa Archer Pinto teve realmente um dos papéis mais preponderantes que se poderia imaginar. Os jornais ficaram, quando D. Lourdes já estava no comando, acompanhando tudo passo a passo. Eu participei de várias reuniões ministeriais que decidiram o decreto 288 (criação da Zona Franca de Manaus). O noticiário naquele tempo era constante mesmo. D. Lourdes chegou a mandar uma carta ao general Castelo Branco, que dizia “se o senhor pode dar um presente à população de Manaus, dê a Zona Franca”. D. Lourdes pessoalmente se empenhou na aprovação deste projeto, que foi editado em 27 de março de 1967388. 386 Jornal do Commercio, Manaus, 21 de Outubro de 1967. “Delfim a Floriano: Nada Há Contra a Zona Franca”. Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Outubro de 1967. 388 Entrevista concedida à Roseane Arcanjo Pinheiro. PINHEIRO, op. cit. 387 150 A imprensa amazonense demonstrava apoio aos projetos militares na região. Desenvolvimento, progresso, integração eram apenas algumas das palavras sempre presentes nas matérias. De acordo com o governador Danilo Areosa, esses projetos serviam para “integrar o Estado aos centros civilizados” 389. Após muita pressão dos parlamentares do sudeste, o Governo Federal revogou benefícios conquistados pela Zona Franca de Manaus, porém voltou atrás meses depois. O Jornal do Commercio publicava “Governo Repara Lei da Zona Franca de Manaus”390. O Diário Oficial da União está publicando a alteração do artigo 14, que retirava os benefícios fiscais para as mercadorias constantes da lista negativa do Decreto-Lei n ͦ 288, mesmo que fossem produzidas e consumidas em Manaus, e também dá à publicação oficial outras modificações na legislação da Zona Franca, de acordo com as sugestões encaminhadas pelo Coronel Floriano Pacheco ao Ministro Afonso Albuquerque Lima391. A tentativa de extinção dos benefícios que trouxeram a Zona Franca de Manaus já vem desde essa época. A censura contra as ações dos veículos de comunicações se intensificava. A Crítica denunciava “Lei de Imprensa Poderá Abrir Grave Crise Política no País” 392 . No dia seguinte, o mesmo jornal publicava “Lei Viria como um Novo DIP Contra a Imprensa” 393. Em manchete intitulada “Comandante Militar da Amazônia Fala dos Benefícios da Revolução” 389 394 , o general Edmundo da Costa Neves afirmava que enquanto o governo Diário da Tarde, Manaus, 07 de Março de 1968. Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Fevereiro de 1968. 391 Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Fevereiro de 1968. 392 A Crítica, Manaus, 27 de Dezembro de 1966. 393 A Crítica, Manaus, 28 de Dezembro de 1966. 394 A Crítica, Manaus, 01 de Abril de 1968. 390 151 revolucionário se preocupava com a integração e colonização da região, as benfeitorias advindas da Zona Franca seriam resguardadas. Delfim Neto, ministro da Fazenda, salientava que as benesses promovidas pela Zona Franca eram irreversíveis395. O deputado José Lindoso, juntamente com o governador Danilo Areosa articulavam-se a fim de estenderem os benefícios fiscais. De acordo com o parlamentar, “a ideia da organização de uma relação de mercadorias, com isenção plena de imposto, para o interior, foi ardorosamente defendida pelo Governador Danilo Areosa junto ao Presidente da República” 396. A capital do Amazonas, mesmo se vangloriando por ter sido a segunda cidade do Brasil a receber energia elétrica, acumulava problemas. A iluminação na cidade de Manaus era oriunda da administração Eduardo Ribeiro, fornecida pela extinta Manaos Tramways, que foi se sucateando a ponto de inúmeras casas ainda usarem lamparinas. Já a Companhia de Eletricidade de Manaus, criada por lei federal, gerou, momentaneamente, certa tranqüilidade para a população, porém com o crescimento demográfico, havia a necessidade de ampliação do sistema, tão debatido por políticos do período397. A Companhia de Eletricidade de Manaus era considerada um marco na economia do Amazonas, pois amenizou os problemas diários sofridos pela população da cidade. O Jornal A Crítica expõe os nomes das autoridades que transformaram o projeto em realidade. O Dr. Paulo Nery, que apresentou o projeto na Câmara; o Dr. Alberto de Rezende Rocha, intenso defensor da criação da Companhia; o Prof. Aderson Pereira Dutra, 395 “Povo Tranqüilo: Delfim Admite ZFM Irreversível”. A Crítica, Manaus, 09 de Agosto de 1968. “Lindoso Debaterá com Danilo o Programa Estratégico e Extensão da Zona Franca”. Jornal do Commercio, Manaus, 06 de Julho de 1968. 397 “Manaus e o Problema da Energia Elétrica”. Jornal do Commercio, Manaus, 22 de Setembro de 1968. 396 152 presidente até então da Empresa; e o Prof. Arthur Reis, governador, que quando era titular da Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia (SPVEA), em 1954, firmou acordo que resultou na constituição da Empresa Estatal398. O prefeito Josué Cláudio de Souza, juntamente com o diretor-presidente da Companhia de Eletricidade de Manaus, Aderson Dutra, reuniam-se a fim de discutirem a expansão da iluminação da cidade, que no período já era precária. Manaus passava por mudanças estruturais, devido ao crescimento populacional, impulsionadas pela Zona Franca. O prefeito Josué Cláudio de Souza encontrava-se com o governador Gilberto Mestrinho, mostrando planos de obras para embelezar a cidade. O projeto previa a ligação dos bairros de São Francisco ao Adrianópolis, assim como o asfaltamento de suas ruas399. Outro problema de infra-estrutura era o abastecimento de água, que era insuficiente. A vazante do período prejudicou o fornecimento nos reservatórios de Castelhana, que abastecia a Joaquim Sarmento, Aparecida, Luís Antoni e João Coelho; e do Mocó, que fornecia para a Sete de Setembro, Eduardo Ribeiro, Remédios, Joaquim Nabuco e Marquês de Santa Cruz. O diretor do Departamento de Águas, Antônio Oliveira, falava à população manauara para que economizasse o máximo que pudesse400. A Crítica enaltecia “Suplício da Água Continua e Não se Sabe Até Quando” 401 , demonstrando o histórico problema de abastecimento de água no Estado que possui o maior rio em volume de água doce do mundo. 398 A Crítica, Manaus, 17 de Maio de 1961. “Josué Planeja Embelezar Manaus”. A Crítica, Manaus, 22 de Maio de 1964. 400 “Água Continua Sendo Problema”. A Crítica, Manaus, 26 de Outubro de 1963. 401 A Crítica, Manaus, 28 de Outubro de 1963. 399 153 O vereador João Bosco, líder da maioria na Câmara Municipal de Manaus, afirmava à reportagem do A Crítica402 que o prefeito Josué Cláudio de Souza sempre se preocupou com a questão da iluminação na cidade, ressaltando que o problema era prioridade na prefeitura, portanto, enfatizava o parlamentar, a responsabilidade é da Companhia de Eletricidade. O prefeito Paulo Nery assumiu a administração municipal em 24 de novembro de 1965, nomeado pelo governador Arthur Reis. A urbanização e modernização da cidade passaram a se intensificar, devido ao projeto dos militares de ocuparem a região. O Jornal do Commercio salientava “Realizações de Paulo Nery Assinalam Triênio da PMM” 403, onde o periódico destacava a abertura oficial da rodovia do Contorno (ligando Aleixo ao Aeroporto). Novas obras são divulgadas pela imprensa. O Jornal do Commercio, através da matéria “A Nova Face da Manaus de Paulo Nery” 404 , destacou as obras do prefeito e expôs artigos dos acadêmicos Genesino Braga e Mário Ypiranga Monteiro, ovacionando o trabalho de Paulo Nery. Além da pavimentação asfáltica de inúmeras ruas, como Tarumã, Saldanha Marinho, 24 de Maio, José Clemente, Lobo D’Almada, Joaquim Sarmento e Getúlio Vargas, a prefeitura promoveu a total reforma de sua sede, o Paço da Liberdade. Vários mercados foram construídos ou recuperados com o intuito de dinamizar os serviços na cidade405. 402 “Prefeito Josué Sempre Esteve Interessado na Iluminação”. A Crítica, Manaus, 18 de Setembro de 1964. Jornal do Commercio, Manaus, 23 de Novembro de 1968. 404 Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968. 405 Os mercados construídos foram Araújo Lima (São Francisco), Maximino Corrêa (Praça 14), Carneiro da Mota (Morro da Liberdade) e a conclusão do Araújo Lima (Glória), além da recuperação total do Mercado Central. “Dinamização de Todos os Órgãos Deu Nova Prefeitura Municipal a Manaus”. Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968. 403 154 De acordo com Mário Ypiranga Monteiro Manaus urbanizava-se na conquista de novos padrões de cultura, pois para ele o urbanismo representava a marca da influência européia na cidade. A Europa invadiu de chofre a civilização do vale, impondo uma configuração de que o foco já quase não se percebe, de velho e inútil algumas vezes. O transplante não obedeceu por isso mesmo a nenhum sentido estético ou dependente de necessidades dirigidas. Criou-se a indústria rendosa da prostituição com fêmeas internacionais e ruas de duvidosa circulação, proibidas pelo decoro. O equilíbrio restabeleceu-se com outras ruas animadas pelo espetáculo atraente das montras cintilantes de jóias, de utilidades e de futilidades [...] Antes do colapso econômico, Manaus encheu-se de ruas e de avenidas e estas de estilos arquitetônicos curiosos, as mais de vezes compósitos, num insolente e apressado arremedo do isabelino, do árabe, do bizantino, do greco-romano, do espanhol-alcazaresco [...]406 O crescimento populacional incentivou a reestruturação da cidade, modernizando bairros e avenidas. A Zona Franca atraía novos habitantes em Manaus. O Jornal do Commercio publicava “Manaus mais Moderna com os Três Anos de Paulo Nery” 407 . Abaixo segue a reportagem. E não foi por acaso que a Administração Paulo Nery concretizou a mudança de que se fala. Não bastaram o ato nomeatório assinado pelo governador Arthur Reis e a presença, no vetusto Paço da Liberdade, do homem que com ação e inteligência, com inteligência e ação, vem mostrando quão inconseqüentes e falsos eram seus antigos adversários políticos. Ele teve que trabalhar, e trabalhou mesmo. Sua primeira grande obra foi a constituição de sua equipe. E acertou. E, depois, começaram a surgir os planos, racionais, técnicos, e sua conseqüente execução. E, por fim, a Manaus de hoje, a Manaus cuja diferença de anos antes é mais sentida quando se passa nas ruas das antigas e infectas feiras, onde agora são encontrados modernos mercados; nas artérias que receberam asfaltamento; na av. Castelo Branco, cortando o bairro da Cachoeirinha de extremo a extremo; no Boulevard Amazonas, vendo de perto seus fabulosos jardins; na Estrada do Contorno, ligando vários bairros e antecipando não só a incorporação de nova e extensa área ao todo urbano, mas a Manaus industrial que virá com a Zona Franca408. 406 MONTEIRO, Mário Ypiranga. A Rua e a Cidade: Mudança e Aculturação em Manaus. In: Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968. 407 Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968. 408 Jornal do Commercio, Manaus, 24 de Novembro de 1968. 155 A reportagem engrandecia o trabalho do prefeito manauara, ressaltando que a cidade recebeu um salto de modernidade, com ruas asfaltadas e mercados diferentes das feiras infectadas das administrações passadas. Os conteúdos dessa dissertação demonstraram o posicionamento da imprensa amazonense, mais precisamente do Jornal do Commercio e A Crítica, durante o golpe civil-militar de 1964. O período percorreu as primeiras tentativas frustradas de deferirem o golpe, ainda na década de 1950. No entanto, o trabalho se pautou na análise da atuação da imprensa amazonense entre 1961 até o surgimento do Ato Institucional número 5 em dezembro de 1968. Além do posicionamento dos periódicos no período descrito, a redação analisou a formação política das Forças Armadas, o poder da imprensa, a inércia das organizações de esquerda, a visão dos militares sobre o golpe, os conflitos entre trabalhistas e liberais, as divergências entre os golpistas, assim como o panorama político do Amazonas na década de 1960. 156 Considerações Finais A relação da imprensa amazonense com os governos militares foi tumultuada. Houve a parceria entre o Jornal do Commercio e o A Crítica, pelo menos ao se analisar os discursos dos periódicos, no entanto tiveram os embates com O Trabalhista e A Gazeta, veículos ligados aos getulistas. No Amazonas O Porantim e o Jornal da Amazônia foram dois jornais com o formato de alternativo, pois discutiam os projetos econômicos e políticos da região e as causas indígenas. Os periódicos faziam intensa oposição ao governo Arthur Reis e aos projetos dos militares. Os informativos dos Centros Acadêmicos da Universidade Federal do Amazonas A Questão (filosofia), O Grão (agronomia) e O Gen (medicina) criticavam os governos militares, debatendo a ausência de eleições, as torturas e a corrupção no Regime. A imprensa transformou-se numa importante fonte de pesquisa historiográfica. Conforme Reneé Barata Zicman409 o objeto engatinhava devido à falta de fontes estatísticas e limitação de dados. No entanto, hoje aparece repleta de trabalhos com farta fonte documental. 409 ZICMAN, op. cit. 157 Foi demonstrada na dissertação a constante aliança entre imprensa e poder público, através dos discursos estabelecidos pelos periódicos amazonenses. Os jornais insistiam em certos assuntos e esqueciam ou desprezavam outros. Havia a persistência em divulgar os feitos dos golpistas, considerando-os revolucionários, defensores da democracia e infamando as ações de seus opositores, onde eram chamados de terroristas e subversivos. A Crítica demonstrava o seu posicionamento ideológico ao declarar que está “Banida Corrupção: Austeridade e Honradez no Poder” 410 , referindo-se à chegada de Arthur Reis ao governo do Amazonas, que tinha como objetivo defender os interesses dos golpistas e manchar os feitos trabalhistas. Os projetos dos governos militares e de seus aliados foram defendidos pelos jornais amazonenses. As obras de Arthur Reis, Danilo Areosa, Josué Cláudio de Souza e Paulo Nery eram exaltadas nas páginas dos periódicos. A SUDAM promovia ações que eram associadas ao desenvolvimento e à integração. Frente aos fatos políticos e suas repercussões no Amazonas, os veículos impressos sinalizam com momentos de acomodação ou resistência em relação aos atos das forças políticas responsáveis pelo golpe militar. Segmentos da imprensa, principalmente os jornais, apóiam os projetos do governo autoritário, embora tenham sofrido com a ação da censura nas redações e a prisão de jornalistas e lideranças políticas411. A cidade de Manaus passou por um processo de embelezamento, onde as edificações de seus governantes eram engrandecidas por A Crítica e Jornal do Commercio. No entanto, os problemas estruturais também apareceram nas matérias dos periódicos. O 410 411 A Crítica, Manaus, 17 de Junho de 1964. PINHEIRO, op. cit. 158 tormento da água e o problema da falta de energia elétrica causavam conflitos políticos muito discutidos no Legislativo. O golpe forneceu momentos impactantes para as redações dos jornais, pois tinham de atuarem sincronizadas com os ditadores, caso contrário sofreriam sérias represálias, como prisão, exílio ou empastelamento do periódico. Em Manaus, A Gazeta, jornal de propriedade do senador trabalhista Artur Virgílio, passou a circular apenas com um caderno de esportes e outro que tinha como sub-título “o máximo de notícias no mínimo de espaço”412, atribuindo a frase ao momento de exacerbação da censura, que limitavam as matérias jornalísticas. O poder que a imprensa possui na sociedade foi demonstrado pela preocupação dos governos ditadores em se associarem aos periódicos em momentos de crise, com o intuito de divulgarem a imagem de uma realidade interessante àquele grupo político. Além disso, o jabaculê413 servia para exercerem a troca de favores, onde as duas partes se beneficiavam com os agrados. De acordo com Ana Maria de Abreu Laurenza, “era comum Chateaubriand conseguir emprego público para aquele redator ou repórter que reclamasse dos baixos salários que ele pagava, quase sempre, atrasados” 414. Chateaubriand apoiou o golpe militar. Tanto que, ao lado do governador de São Paulo, Ademar de Barros, organizou a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” em 19 de março de 1964, prenúncio do golpe. Em 13 de junho de 1964, já na Ditadura Militar e sob o governo do marechal Castelo Branco (19641967), iniciou a campanha “Legionários da Democracia” 415. 412 FREIRE, op. cit Dinheiro por baixo do pano para promover produtos, empresas e pessoas nas páginas editoriais. LAURENZA, Ana Maria de Abreu. Batalhas em Letra de Forma: Chato, Wainer e Lacerda. In: MARTINS; LUCA, op. cit. 414 Ibidem, p. 182. 415 Ibidem, p. 180. 413 159 Segundo o jornalista José Trajano, que na época era repórter do Jornal do Brasil, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi a imagem mais terrível de sua vida, pois “eles estavam contra tudo em que a gente acreditava”416. Após o golpe, boa parte da imprensa, agiu de forma sincronizada, classificando os golpistas de democráticos e seus opositores eram taxados de terroristas comunistas. A Crítica estampava manchete ovacionando o presidente Castelo Branco numa visita feita a Salvador. Apoteótica foi a recepção oferecida ao Presidente Castelo Branco durante sua chegada hoje. O aeroporto 2 de julho apresentava-se repleto de pessoas que foram homenagear o chefe do Governo. No longo percurso, cerca de 18 quilômetros que separa o aeroporto baiano e a cidade, o Presidente foi constantemente ovacionado pela multidão que se acotovelava nas imediações. O Presidente da República foi recebido no Palácio do Governo, pelo governador Lomanto Júnior. As classes produtoras, o comércio, a indústria também prestaram solidariedade ao chefe da Nação. No palácio governamental, o presidente Castelo Branco se dirigiu ao povo baiano com um pronunciamento que foi transmitido por uma cadeia de rádio e Televisão, dizendo da sua satisfação em visitar a “Boa Terra”. O Governador Lomanto Júnior dirigiu ao Presidente um discurso colocando ao mesmo tempo o chefe do Governo a par da situação difícil em que se encontra a Bahia, fazendo uma longa exposição. “O governo procura do modo mais objetivo seguir um programa de trabalho, dentro do espírito da Revolução. O Governo está animado por uma vida mais produtiva e que lhe cabe realizar uma obra revolucionária, capaz de atender aos anseios do nosso povo”. “A revolução é o estímulo na pobre massa falida. O objetivo do Governo é assegurar a todos os brasileiros uma vida melhor e mais produtiva” 417. A reportagem ovacionava a presença do presidente no Estado baiano, destacando a empolgação do povo, que se acotovelava, apenas para ver Castelo Branco. O militar finalizava afirmando que a revolução traria uma vida melhor aos brasileiros, além de ressaltar que o governador da Bahia alinhou o seu Estado aos objetivos da “revolução”. 416 417 Caros Amigos, op. cit, p. 34. “Bahia: Castelo Recebido Apoteoticamente”. A Crítica, Manaus, 08 de Agosto de 1964. 160 De acordo com Gérard Lebrun “ter o poder não é, basicamente, estar em condições de impor a própria vontade contra qualquer resistência. É, antes, dispor de um capital de confiança tal que o grupo delegue aos detentores do poder a realização dos fins coletivos”418. Reportagens muito divulgadas pelo Jornal do Commercio e A Crítica infamavam os trabalhistas, desde as articulações que envolviam o golpe, depreciando os projetos de João Goulart, considerando-o comunista e aplaudindo os feitos dos políticos liberais. As Forças Armadas, principais articuladores do golpe, demonstravam independência política, contrapondo-se à visão de que eram inaptos para governarem, pois acreditavam na política dos civis. Conforme os militares a “revolução” foi resultado da ação comunista no Brasil, pois penetravam nos postos do governo Goulart e arregimentavam um golpe de esquerda no país. A imprensa alimentava essa ideia. Os jornais associavam os comunistas aos terroristas, Cuba era comparada a uma prisão e os grupos de esquerda no Brasil eram taxados de subversivos, enquanto que os militares eram classificados de democratas. O poder que a imprensa exerceu na sociedade foi confirmado nessa dissertação, onde noticiavam matérias com o intuito de defenderem interesses de grupos políticos e econômicos, porém, percebeu-se que outros veículos não se curvaram aos desmandos dos militares. O jornal é uma importante fonte de pesquisa, no entanto ainda necessita de trabalhos que mapeiem as características da imprensa amazonense nos diversos períodos da história republicana, pois em nossa história os veículos de comunicações sempre estiveram 418 LEBRUN, op. cit, p. 14. 161 presentes influenciando as diversas nuances políticas e econômicas do país cheio de peculiaridades. 162 Referências Bibliográficas ABREU, Alzira Alves de. A Modernização da Imprensa (1970-2000). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. AGUIAR, Flávio. A Tesoura e o Quadro: Uma Visão Sobre a Censura à Imprensa Durante o Regime de 1964. Margem Esquerda: Ensaios Marxistas, São Paulo: Boitempo, 2004. AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: Praça, Café, Colégio e Cinema nos Anos 50 e 60. Manaus: Editora Valer, 2002. ARGOLO, José; FORTUNATO, Luiz Alberto. Dos Quartéis à Espionagem: Caminhos e Desvios do Poder Militar. Rio de Janeiro: Mauad, 2004. BAHIA, Juarez. 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JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 24 de Novembro de 1968. JORNAL DO COMMERCIO, Manaus, 06 de Novembro de 1969. O ESTADO DO AMAZONAS, Manaus, 31 de Março de 2004. 175 Anexos O atentado contra o jornalista Carlos Lacerda agitou o país. A Crítica, 06 de Agosto de 1954. Mais ataques a Getúlio Vargas. A Crítica, 14 de Agosto de 1954. A Crítica, 07 de Agosto de 1954. 176 O Jornal atacava o Governo Vargas. No dia seguinte mudariam de postura. A Crítica, 24 de Agosto de 1954. Após o suicídio. A Crítica, 25 de Agosto de 1954. A Crítica, 26 de Agosto de 1954. 177 A Crítica, 23 de Maio de 1964. A Crítica, 17 de Junho de 1964. O historiador Arthur Reis nomeado governador pelos militares. A Crítica, 27 de Junho de 1964. 178 Ataques ao ex-governador petebista. A Crítica, 17 de Junho de 1964. Jornal do Commercio, 28 de Junho de 1964. Crise envolvendo Executivo e Legislativo do Amazonas. A Crítica, 28 de Julho de 1964. 179 A Crítica, 05 de Julho de 1966. Os militares escolhiam o sucessor de Arthur Reis. A Crítica, 11 de Julho de 1966. Suposto desfalque ocorrido na Secretaria da Fazenda do Amazonas. Jornal Commercio, 13 de Outubro de 1967. do 180 Jornal do Commercio, 06 de Julho de 1968. Os jornais destacavam o embelezamento de Manaus na época de Paulo Nery. Jornal do Commercio, 24 de Novembro de 1968. Jornal do Commercio, 24 de Novembro de 1968. 181 Jornal do Commercio, 24 de Novembro de 1968.