A experiência religiosa como alternativa de fuga no - Susipe
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A experiência religiosa como alternativa de fuga no - Susipe
Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Curso de Licenciatura Plena em Ciências da Religião Elaine Cristina de Sousa Cardoso A experiência religiosa como alternativa de fuga no mundo da prisão Belém 2010 Universidade do Estado do Pará Centro de Ciências Sociais e Educação Travessa Djalma Dutra, s/n – Telégrafo 66113-200 Belém-PA www.uepa.br Elaine Cristina de Sousa Cardoso A experiência religiosa como alternativa de fuga no mundo da prisão Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade do Estado do Pará como requisito avaliativo para a obtenção do título de Professor em Licenciatura Plena em Ciências da Religião, sob a orientação do Prof. Dr. Mario Jorge Brasil Xavier. Belém 2010 Elaine Cristina de Sousa Cardoso A experiência religiosa como alternativa de fuga no mundo da prisão Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade do Estado do Pará como requisito avaliativo para a obtenção do título de Professor em Licenciatura Plena em Ciências da Religião, sob a orientação do Prof. Dr. Mario Jorge Brasil Xavier. Data de Aprovação: ____/____/______ Nota:____________ Banca Examinadora: ____________________________________ Prof. Dr. Mario Jorge Brasil Xavier Universidade do Estado do Pará ____________________________________ Prof. Dr. Douglas Rodrigues da Conceição Universidade do Estado do Pará ____________________________________ Prof. Dr. Saulo de Tarso Cerqueira Baptista Universidade do Estado do Pará Belém 2010 A Deus, autor e consumador da minha fé, que me conduziu no caminho da sabedoria me fortalecendo diante das dificuldades e adversidades de todo meu processo acadêmico. fortaleza me mantive Graças à serena sua para vivenciar todas as oportunidades com amor que a vida me proporcionou no decorrer destes. Dedico também o meu carinho aos meus muitos amados meu pai Evandro Cardoso, minha mãe Conceição Cardoso meu irmão Evandro Filho e minha tia Maria de Belém, que mais do que ninguém fizeram e fazem parte dessa história. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter dirigido minha vida nesses quatro anos, sendo o centro da minha existência, suprindo todos os meus anseios nos momentos de fraquezas. Agradeço infinitamente aos meus genitores Evandro Cardoso e Conceição Cardoso que dentro de suas possibilidades lutaram incansavelmente se doando para me proporcionar uma boa educação a qual lhes retribuo orgulhosamente com o titulo de graduada. A minha gratidão vai também ao meu orientador Mario Brasil pelo auxílio e dedicação na elaboração das pesquisas e compilação do trabalho. É com muito carinho que agradeço toda equipe pedagógica do curso: Ana Cláudia, Tâmara Duarte e Fernanda (que não se encontra mais no estabelecimento da UEPA), Dona Rosa Maria, e em particular, a Professora Rosilene Quaresma, Coordenadora do Curso, por toda dedicação e empenho aqui meu muito obrigado. Aos meus estimados professores da UEPA: Dr. Douglas Conceição, por seu exemplo de sabedoria e humildade com a qual de fato exerce o “ser” professor, também volto a minha admiração, ao Mestre Mangoni que com seu jeito meigo e educado e transmite amor e respeito por seus alunos, vale ressaltar ainda o exemplo de vida do Professor Iracildo Castro que me mostrou que é possível sonhar para alcançar os objetivos desejados, sem esquecer a rica contribuição do querido e insubstituível Geovanni Tuveri, incluo também todos os demais professores que contribuíram com riquíssimas discussões dando suporte para o meu desenvolvimento acadêmico e entre eles destaco o Professor Leonel e o Dr. Saulo Baptista, que contribuiu imensamente para as mudanças necessárias para a melhoria deste trabalho. Ainda destaco meus agradecimentos a equipe de professores responsável, pelo Projeto Sócio Pedagógico e financeiro para estudantes de origem popular, o qual tive a oportunidade de ser integrante durante o ano de 2010. Na pessoa da Professora Kátia dos Santos Melo, que com todo carinho me acolheu, agradeço todos que compõe a equipe, sempre me lembrarei de vocês. Aos meus eternos amigos da UEPA, que alegraram a minha vida fazendo parte dessa bela história, Claudinete Sales, pela grande força e orientação o qual dividimos momentos diversos ao longo dessa jornada. William Santos pelo companheirismo com a qual me acolheu no primeiro dia de aula na UEPA: ao Willblhison, pelo apoio e ideias que somaram na composição do meu trabalho; ao Bruno Lobo pelo carinho, respeito, atenção com a qual sou infinitamente grata. Sem esquecer a rica contribuição de outros colaboradores que direta ou indiretamente me apoiaram nesse momento minha grande amiga Paty Fabiana, Jânio Sóstenes, Fabricia, Walmira, minha segunda mãe e a pequenina Ana Luiza que fizeram parte dessa história e minha alegria divido também com elas. Valeu família Terra. Quero também agradecer ao meu irmão Evandro filho pela companhia e carinho, também a minha querida cunhada Nayara Cardoso pelo amor e carinho, e sem esquecer a minha grande amiga Josilene Cunha que contribuiu com carinho para o desenvolvimento deste trabalho. Agradeço também à minha amada tia Edna Arruda, e aos queridos amigos Augusto e Melquesedeque leão pelo incentivo e dedicação. Meu agradecimento vai também a minha igreja do campo do Maguari em especial a equipe de missões SIMADEM na pessoa do irmão Gierre, Secretário de Missões, que me ajudou facilitando as minhas idas ao campo de pesquisa e orando por mim. Agradeço ao Diretor do Centro de Recuperação Penitenciário do Pará I, Major Marcos Valério, que me recebeu de braços abertos sem medir esforço na liberação das informações que desencadearam e enriqueceram a minha pesquisa disponibilizando a Casa Penal para tal, sendo assim, sou imensamente grata. Meu muito obrigado vai também aos internos que também foram de suma importância na fundamentação da pesquisa, e incluo aqui a direção da Casa Penal CRPP I que me receberam gentilmente, e também sem esquecer os amigos que se dispuseram na coleta de material para pesquisa: Roberto Cardoso, Edelfrance Soares, Davi Neves e Rolando da Silva, meus sinceros agradecimentos e que Deus os ilumine. No geral, agradeço as informações fornecidas pela Superintendência do Sistema Penitenciário – SUSIPE, em especial, a Kelen Rocha da Escola de Administração Penitenciária – EAP, pelo carinho e esforço em disponibilizar o acesso a informações de departamentos diversos. Deus seja louvado. . . JESUS: esperança que emana do túmulo vazio. Evandro Cardoso RESUMO CARDOSO, Elaine Cristina de Sousa. A experiência religiosa como alternativa de fuga no mundo da prisão. 2010. 64 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências da Religião). Universidade do Estado do Pará, Belém, 2010. Este trabalho pretende observar a experiência religiosa dentro do presídio, mas especificamente, como se dar o encontro da religião na vida do detento, sendo assim será analisada a experiência religiosa como alternativa de fuga no mundo da prisão, levando em conta que a vida no cárcere é cercada de fuga, sendo elas físicas, psicológicas, ou por meio dos entorpecentes, suicídio, homicídio etc., mas esse trabalho se restringe a fuga para religião ou transcendente, onde por meio dela o detento consegue encontrar alívio para a vida de caos, pois inserido naquele submundo, o detento precisa arrumar formas de sobrevivências. Nesse sentido que a religião entra na vida do detento como alternativa de fuga. O qual através dela será moldado seu comportamento ao ponto de não, mas tentar fugas, não matar, não se drogar, contribuindo assim para o bom funcionamento e sociabilidade dentro da casa penal. Sendo assim, o presente estudo está pautado na correlação dos apenados para com a religião, para isso foi utilizado entrevistas com dois internos e um ex-detento do CRPP I o qual foi relatado como aconteceram seus encontros com a religião, também foi entrevistado o diretor da casa penal, onde disponibilizou todas as informações concernentes ao funcionamento do Centro de Recuperação penitenciário do Pará I e ainda para a obtenção dos dados foi coletado alguns dados fornecidos pela superintendência do sistema penitenciário no geral este trabalho foi norteado nessas questões para sua realização. Palavras-chaves: Religião. Fuga Transcendental. Reintegração. CRPP I. ABSTRACT CARDOSO, Elaine Cristina de Sousa. A experiência religiosa como alternativa de fuga no mundo da prisão. 2010. 64 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Ciências da Religião). Universidade do Estado do Pará, Belém, 2010. This work intend to explain about an religion experience in the prison specifically the meet of the religion in the actvit’s life and so an religion experience will be analyzed as alternative of escape in the prison’s world. Considering that the life in the prison is surrounded of escape, in other words kind of escape like physique, physiologic or through the narcotics, suicide, murder etc. but this work restrict it selves the escape to the religion or other plane where through her the prisoner get to find out the relief for life of chaos. So entered in that world of crimes, the prisoner need to looking for other way of survive on this sensible that the religion come in the life of the prisoner as a alternative of escape what through her will be changed their behavior to point of no try escapes, no murder, no drugs, contributing for operation of the society into the prison. The present ideology is relation to union of the prisoner to the religion, for this was utilized interviews with two prisoners and one ex-prisoner from the CRPP I what was related like happen their meet with the religion the director of the prison was interviewed too. Where was available all information about operation of the “Centro de Recuperação do Estado do Pará”. And for obtain the information was collected some information gave from by higher system of the prison in general this work was fixed in that conditions for its fulfillment. Keyswords: Religion. Escape. Unite. CRPP I. LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1. Faixa etária dos detentos (masculino)...................................................... 38 GRÁFICO 2. Faixa etária das detentas (feminino)....................................................... 39 LISTA DE TABELAS TABELA 1. lista de grupos religiosos........................................................................... 41 SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................11 CAPÍTULO 1. A RELIGIÃO E SEUS ASPECTOS.................................................... 13 1.1. A RELIGIÃO SEGUNDO A CONCEPÇÃO DE ALGUNS TEÓRICOS................13 1.2. A RELIGIÃO SOB UMA CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA............................ 17 1.3. VERTENTES DA RELIGIÃO............................................................................... 22 1.3.1. Vertente de alienação.....................................................................................22 1.3.2. Vertente de neurose....................................................................................... 23 CAPÍTULO 2. CÁRCERE, CRIME E PRISÃO...........................................................26 2.1. O CRIME............................................................................................................. 26 2.2. O CRIME NA VISÃO SOCIOLÓGICA................................................................. 28 2.3. EFEITOS E FORMAS DE PUNIÇÕES................................................................30 2.4. DO PANÓPTICO ÀS PRISÕES.......................................................................... 33 CAPÍTULO 3. A RELIGIÃO E O SISTEMA PENITENCIÁRIO..................................38 3.1. O SISTEMA PENITENCIÁRIO NA REGIÃO METROPOLITANA....................... 38 3.2. A RELIGIÃO E SUA RELAÇÃO COM OS APENADOS......................................42 CAPÍTULO 4. A RELIGIÃO E A REINTEGRAÇÃO.................................................. 45 4.1. A METODOLOGIA EMPREGADA PARA A PESQUISA.....................................45 4.2. BREVE HISTÓRICO SOBRE O CRPP I............................................................. 45 4.3. A RELIGIÃO NO CRPP I.....................................................................................47 4.4. VALORES APREENDIDOS NA RELIGIÃO.........................................................52 4.5. RELIGIÃO E REINTEGRAÇÃO...........................................................................54 4.6. CRÍTICAS DA RELIGIÃO DENTRO DO CRPP I................................................ 56 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 60 REFERÊNCIAS..........................................................................................................63 APÊNDICES...............................................................................................................65 ANEXOS.....................................................................................................................68 11 INTRODUÇÃO Este trabalho discute sobre o funcionamento da religião dentro do presídio, mas precisamente, como acontece essa experiência religiosa dentro do cárcere e analisar porque que os apenados se apegam a religião. Nesse sentido, a experiência religiosa é entendida como uma alternativa de fuga no mundo da prisão, ou seja, a fuga aqui está relacionada ao transcendente, pois, na verdade, o detento se encontra inserido naquele submundo, a beira do caos, precisando arrumar formas de sobrevivências, o qual se chama aqui de fuga. Sendo evidente, então, perceber que a vida no cárcere é cercada de fuga, seja ela física, psicológica, ou para os entorpecentes, suicídio, homicídio, etc., mas a fuga que este trabalho se restringe é justamente para uma fuga religiosa ou transcendental, fazendo com que a religião seja um antídoto para o transtorno do cárcere que ajuda o detento a viver melhor dentro da casa penal e também a se relacionar melhor com os demais, pois muitas atitudes são mudadas a partir da religião, até mesmo mortes e brigas serão minimizadas, pois como “nova criatura” o apenado não matará seu companheiro, não se entregará às drogas, obedecerá as ordens do cárcere, contribuindo então para a melhoria da casa penal, e para as demais ordens, seja ela policial ou judiciária, nas suas tarefas em fazer leis e reformas necessárias. Dessa forma, o presente estudo se intitula de “A experiência religiosa como alternativa de fuga no mundo da prisão”, com o intuito principal de investigar a realidade religiosa vivenciada dentro do Centro de Recuperação Penitenciário do Pará I – CRPP I. Portanto, observar acerca dessa realidade requer muito cuidado por se tratar de um assunto delicado, no sentido de discutir a religião no ambiente do cárcere, e com isso, esta análise se estabelece como seguinte problema de investigação: “como a religião é vivenciada dentro do cárcere funcionando como fuga transcendental?”. Dentro desse contexto, o detento mesmo preso se sente livre por meio da religião, o qual segundo eles já estão perdoados pelo transcendente embora ainda precisem cumprir as leis dos homens da justiça, dando assim um novo significado para vida de caos, pois por meio da religião o detento encontra conforto e reencanto pela vida ao ponto de considerar a prisão não como o fim, mas como um início, uma chance do transcendente para recomeçar. 12 Diante dessa realidade, o objetivo geral deste trabalho é o de analisar a experiência religiosa dentro do centro de recuperação CRPP I, agindo como suporte de reintegração na vida do apenado para com a sociedade, ou seja, essa relação de apenado e religião contribuindo para a recuperação do preso. Embora muito se pense que a religião não recupera ninguém por ser um disfarce, e o presídio seja uma escola de crime a fomentar mais ódio, não se pode ignorar a ideia de que a religião pode funcionar como estratégia de fuga dentro do cárcere. Contudo, como objetivos específicos foram definidos: Observar a experiência religiosa como mecanismo de fuga do interno para com o transcendente; Verificar como a religião contribui para o bom funcionamento e sociabilidade dentro da casa penal; Abordar acerca da valorização individual presente na religião, e como esta atua na melhoria do comportamento do detento. Sendo assim, esse trabalho se divide em quatro capítulos, onde o primeiro, fala sob “A religião e seus aspectos”, abordando assim a religião conforme alguns teóricos, sendo que, o segundo capítulo aborda sob o “Cárcere crime e prisão”, como é entendido e conceituado o desenvolvimento da prisão, como o crime ocorre. O capítulo três é focado mais para as questões da “Religião e o sistema penitenciário”, ou seja, como se dar essa relação, como os grupos religiosos adentram ao cárcere, quais os regulamentos que favorecem essa inserção. Já no quarto capítulo e ressaltada a “Religião e reintegração”, ou seja, como a religião entra na vida do detento moldando seus comportamentos e o que exatamente leva o preso a querer se inserir na mesma. No geral, são essas as vertentes que esta monografia trabalha, o qual a proposta é entender com funciona essa experiência de fuga para o transcendente no cárcere, levando em consideração que este trabalho é apenas um dos vieses, que se pode entender dessa correlação apenado e religião, que não se fecha aqui, mas pretende trazer mais propostas para ampliação da pesquisa. 13 CAPÍTULO 1. A RELIGIÃO E SEUS ASPECTOS 1.1. A RELIGIÃO SEGUNDO A CONCEPÇÃO DE ALGUNS TEÓRICOS Este subtópico aborda a religião segundo alguns teóricos, mas antes de descrever determinadas teorias é importante observar como é que os teóricos analisam a religião, e porque chegaram a tal conclusão. Sabe-se que a religião constrói experiências de amplo sentido ao estabelecer padrões de comportamentos. A religião acaba possibilitando uma relação entre a ordem imanente e a ordem transcendente, no que tange a vida dos adeptos, a religião estabelece ligações de coesão social, através de regras de comportamento. Sendo assim, é de fundamental importância destacar os conceitos que Quintaneiro (2007) destaca de acordo com Durkheim, pois em sua coletânea um toque de clássicos acerca da religião, onde ressalta a ideia de que muito da conduta que o homem apresenta resulta justamente de convicções religiosas, sendo assim já se mostra o poder que a religião tem em estabelecer padrões de comportamentos. A partir desse contexto visa focar em seus estudos com as comunidades mais simples, onde é menor o desenvolvimento das individualidades e das diferenças o fato religioso ainda trás visível o sinal de suas origens, mostrando também elementos comuns a todas as sociedades, nesse sentido pelo fato do homem estar vinculado a essa sociedade mecânica ou simples sua ligação com a religião vai se estreitando, possuindo assim vínculos de condutas, é importante entender que nas sociedades simples a dominação da consciência coletiva limita a esfera da ação individual, essa situação é transformada pelo processo de desenvolvimento social. É importante perceber que Durkheim (1990) reconhece que as várias atividades coletivas forjam um ambiente próprio para o surgimento de sentimento e de ideias religiosas, levando em consideração a diferença entre ao sagrado e o profano que é com que o sociólogo se preocupa, pois para ele a relação com as coisas sagradas exige um despojamento da vida profana que tal abstinência manterá os laços sociais do homem para com o transcendente e assim também com a sociedade, para que os laços se firmem, o homem precisa então cultivar seus rituais suas práticas religiosas para renovar o presente com o transcendente sendo que o ritual é instrumento de renovação das forças religiosas (consciência coletiva) o 14 ritual então põe a coletividade em movimento, indicando a periodicidade do rito e o ritmo da vida social. Sendo assim, todo comportamento do homem é regido não pelas suas escolhas, mas pelo que realmente será benéfico à sociedade. Dentro dessa ideia, o conceito de religião acima citado é constituído por um sistema solidário de crenças e práticas relativo às coisas sagradas, isto é, separadas, interditas, crenças comuns a todos aqueles que se unem numa mesma comunidade, aonde o que vai realmente fazer sentido é o bem estar comum, onde através da religião estabelece sua forma de conduta, a ponto de não pensar em si próprio, de não violar certas normas para que mediante a concepção religiosa tais atitudes não sejam reprovadas com isso o indivíduo acaba contribuindo com os códigos de normatização para com a sociedade. Logo, a religião é entendida aqui como a expressão da consciência coletiva (projeção da sociedade) no estado de perfeição, a religião reflete na sociedade fazendo o culto da consciência coletiva, nesse sentido a partir do comportamento grupal, percebe-se que essas atividades coletivas é que vão construir o sentimento religioso isso indica que a vida de grupo será a fonte geradora ou causa eficiente da religião, então que as práticas religiosas referem-se ao grupo social ou o simbolizam e que a distinção entre sagrado e profano é universalmente encontrada e tem consequências importantes para a vida social como um todo. No geral, tanto as categorias do sagrado e profano, quanto àquilo que é material e espiritual do céu e da terra funciona como base para a construção da experiência do homem, pois é através dos símbolos religiosos que o homem se aproxima do outro plano, ou seja, esses símbolos serão os intermediários entre o céu e a terra a fim de vivificar e aprofundar tal experiência. Nesse sentido, não existe religião sem símbolos assim como não existe leis religiosas que sejam contra as leis sociais, portanto, o indivíduo que se sente dependente de algum poder moral externo não é, pois, uma vítima de alucinação, mas um indivíduo que compõe a sociedade e que atende a ela, e a religião como parte do homem não pode agir fora do mesmo, pois enquanto existir sociedade, existe também religião, e é ela que sustenta os laços sociais e reprime falha de conduta e contribui para o desenvolvimento da sociedade. Assim como Durkheim (1990), de acordo com Teixeira (2007), Cecília Mariz acredita que Weber também se posiciona acerca do pensamento religioso, sendo 15 assim, trabalhando com o poder agregador que a religião tem na vida do ser humano. O pensamento de Weber se inspira em uma filosofia existencialista, a ciência weberiana se define como um esforço destinado a compreender e a explicar valores as quais os homens aderiram, enquanto que a religião para Weber será entendida como sistema modelador no comportamento humano, ou seja, a religião na concepção weberiana trabalhada de forma positiva e científica a influências de valores e das crenças na conduta humana. Partindo desse contexto, Weber faz um estudo fundamental sobre as religiões e a influencia dos seus seguidores onde é possível notar que as formas culturais, como a religião, por exemplo, podem ter sobre a própria estrutura econômica, na verdade a intenção mesmo é examinar as implicações das orientações religiosas nas condutas econômicas dos homens, ou seja, como a religião influencia o comportamento, as atitudes e a própria conduta de relação econômica, tanto que o êxito econômico será visto como benção divina ao homem, ganhando assim um novo significado, pois para instituição católica o capitalismo estava associado às práticas mundanas, usuras etc., mas para a concepção protestante em especial o calvinismo deram então uma ressignificação a religião porque agora o trabalho, o lucro fazia parte de uma dádiva de Deus. Teixeira (2007) afirma que segundo Weber nasce então uma fase de emancipação da magia, o que o sociólogo chama de desencantamento do mundo, ou racionalização, ou seja, dentro desse aspecto o homem não está mais ligado a magia, mística ou fantasia para resolução de problemas sociais. Dentre alguns teóricos da sociologia, Weber foi o que mais se preocupou com o fenômeno religioso, pois de acordo com o pensamento de Teixeira (2007), o interesse de Weber pela religião, desta forma, não se explica assim por uma preocupação ou curiosidade específica pelo fenômeno religioso. A religião interessa a Weber na medida em que ela é capaz de formar atitudes e disposições para aceitar ou rejeitar determinados estilos de vida ou para criar novos, nesse sentido, a religião é quem dará víeis para determinados comportamentos humanos, por isso que Weber dá tanta importância a subjetividade e intencionalidades dos atores sociais sendo que essa posição esclarece seus estudo da religião. Dentro desse contexto se percebe que Weber se dedicou em aprofundar as questões do capitalismo, trabalhando com toda uma concepção religiosa, tanto que em sua obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, nesse trabalho ele tem 16 a intenção de examinar as implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos homens procurando avaliar a contribuição da ética protestante (calvinismo) na promoção do moderno sistema econômico, nesse sentido, para o Mariz, segundo Teixeira (2007), o sucesso do capitalismo depende em parte da disposição dos homens em adotar certos tipos de conduta racional, logo, a religião tem esse poder de agregar, tais ideais sendo então em certa medida possível compreendê-la, ou seja, através dela conhecer os motivos e intenções de um conjunto de ações sociais. Portanto, o protestantismo assim teria criado um estilo de vida no homem, um ethos 1 que teria uma afinidade eletiva com o modo de produção capitalista, segundo Weber, os fieis, nesse contexto, são levados através da religião de forma ascética 2 a dedicar-se ao trabalho secular, antes mesmo do sistema capitalista gerar sua própria motivação, embora a disciplina para o trabalho em si não fosse uma inovação do protestantismo até porque já existia na tradição católica muitos homens que viviam em mosteiro com alta dedicação mas o que chama mesmo atenção é o poder que a religião tem em modificar condutas, dentro dessa concepção em contraste com a vida eterna a vida terrena recebeu um significado espiritual, moral e positivo onde atribuía-se as habilidades humanas (o trabalho) como dádiva divina. Nesse sentido, a religião tem capacidade de estimular o indivíduo a seguir papeis estipulado por ela, ou seja, a religião tem esse poder de controlar e direcionar muitas atitudes ao ponto de os calvinistas se absterem de muitas coisas como bebidas, festas, luxos mesmo em nome das práticas religiosas onde através de tal abstenção eram os que detinham maiores poderes aquisitivos, nesse sentido, viviam 1 A noção primitiva do ethos remete, assim, à ideia de um espaço constituído e ordenado pelo homem segundo sua razão. O ethos indicará, nesta primeira expressão, um espaço construído e permanentemente reconstruído pelo homem, espaço no qual serão inscritos os costumes, hábitos, valores, normas e ações. Esta ordem geral à qual se refere o ethos é denominada costume, maneira de ser habitual, comum a um determinado grupo humano. Fonte: http://www.webartigos.com/articles/ 28870/1/Etica----O-que-significa-Ethos/pagina1.html#ixzz19hk22GJ1. 2 A palavra “ascético” é derivada do termo “asceticismo”, que é filosofia de vida na qual são refreados os prazeres mundanos, onde se propõem a austeridade. Aquelas que praticam um estilo de vida austero definem suas praticas como virtuosa e perseguem o objetivo de adquirir uma grande espiritualidade. Muitos ascéticos acreditam que a purificação do corpo ajuda a purificação da alma, e de fato a obter a compreensão de uma divindade ou encontrar a paz interior. Isto também pode ser obtido com a automortificação, rituais, ou uma severa renuncia ao prazer. Entretanto, ascéticos defendem que essas restrições auto impostas trazem grande liberdade em varias áreas de suas vidas, tais como aumento das habilidades de pensar limpidamente e resistir potencialmente a impulsos destrutivos. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ascetismo_(filosofia). 17 como peregrinos intramundanos 3 apenas de passagem. Logo, se percebe a força que a religião tem segundo as ideias weberianas, pois ela conduz o indivíduo a adaptar estilos diferenciados de vida, que em muitos aspectos reintegram o homem ao contexto social. 1.2. A RELIGIÃO SOB UMA CONCEPÇÃO CONTEMPORÂNEA Neste item está sendo trabalhado o significado de religião, mas antes de mostrar determinado conceito é preciso entender que a mesma se encontra presente nos indícios mais remoto da vida, como no período paleolítico 4, onde já existia um sistema religioso complexo e rico em mitos e rituais. Na verdade, a religião está entrelaçada a existência humana, conforme os estudos de Passos (2006) a religião começa com a espécie humana, sendo que tal organização religiosa advém do contato direto da sociedade, lembrando que a mesma também faz parte das organizações econômicas e culturais. Nesse sentido, a religião não pode ser vista como um fenômeno isolado, mas é necessário reconhecê-la como parte integrante da vida do homem, fazendo parte do leque de suas dimensões. Pode-se dizer que a religião é algo inerente ao homem, a ideia de vazio, solidão e dependência faz com que o homem se volte para as práticas religiosas. Sendo assim, é de fundamental importância destacar o conceito de alguns pesquisadores acerca da religião, cabe aqui salientar os escritos de Rubem Alves (2000) que de uma forma bastante clara, afirma que a religião está mais próxima de nossa experiência pessoal do que desejamos admitir, logo, ignorar tal existência é fechar os olhos para o contexto que a humanidade se insere. Conforme Alves (2000), o homem um dia, querendo ou não, pode se deparar com a religião pelo fato da própria condição de ser limitado e sujeito ao temível 3 O homem ao existir na compreensão do ser, se autocompreende como ser-no-mundo que é, e assim torna possível a manifestação dos entes subsistentes. Fonte: http://revistaseletronicas.pucr s.br/ojs/index.php/famecos/article/view/5906. 4 Paleolítico ou idade da pedra lascada é um termo criado no século XIX para definir um período da História do homem e foi considerado o período mais longo da História da humanidade, é caracterizado pelo uso de utensílios elaborados a partir da pedra lascada. Nesse momento, o ser humano era nômade, subsistindo a partir da coleta, da caça e da pesca. Constituía comunidades onde predominava a propriedade coletiva dos meios de produção. Fonte: http://professorjosimar.blogspot.com/2010/01/historia-da-pre-historia.html. 18 mistério da morte, onde, intrinsecamente, se especulará acerca das tais perguntas que podem ser consideradas primárias, como o sentido da vida, de onde veio e para onde vai. Partindo desse ponto, ao contrário da ciência que não encontra solução a essas questões, a religião é a única que terá uma resposta, e com isso, não pretendendo afirmar que ela é verdadeira, nem desconsiderando tal discurso religioso, mas apenas dizendo que a religião em sua essência traz respostas para essas questões, e a humanidade caminha em busca destas respostas. Partindo desse ponto, Croatto (2001) acrescenta que o ser humano em tudo o que deseja ou faz manifesta que não é um ser pleno em si, pois ele deve crescer biologicamente, aprender intelectualmente, e preparar-se para tudo buscando metas, e que ainda na véspera da morte, sente que tem que fazer algo para ser o que ainda não foi, ou seja, um ser que sempre está em busca. Essa é uma característica fundamental do ser humano, por isso que se diz que o homem é um ser de desejo e tende à totalidade ao se deparar com as limitações, pois as coisas que deseja só poderá tê-las de forma fragmentada ou parcial como o dinheiro, o bem, felicidade, descanso na verdade, conforme Croatto (2001), o ser humano é na realidade “menos” do que deseja ser, mas é sempre no desejo um “mais” que não chega a se concretizar por inteiro. A religião deve ser considerada como um processo dinâmico, que toma diversas formas, aonde vai a cada período histórico se ressignificando ao contexto social, e como parte integrante da humanidade nunca fica ultrapassada, mas acompanha esse processo contínuo de alterações. Partindo desse contexto, já se começa a compreender como funciona a mentalidade da humanidade em relação à religião, quando na verdade, o homem se aproxima da mesma por meio de seu próprio desejo, onde na visão de Alves (2000), esse desejo diz respeito ao seu estado de privação e de sintoma de ausência, que levam o indivíduo a desejar determinada coisa. Dessa forma, os homens fazem culturas a partir de seus objetos desejados, onde a situações com as quais se depara e aparentemente pode ser solucionado, até aí, o homem se posiciona, mas há situações de que foge a seu alcance, mostrando sua impotência nas resoluções, e que somente por meio da magia da imaginação e do poder milagroso é que se podem obter tais respostas, sendo que o desejo de seu amor só existe por meio do transcendente, criando certa dependência no homem. 19 E nesse contexto juntam-se desejo, amor, imaginação, símbolos etc., justamente para criar um mundo que faça sentido, estando em harmonia com os valores que os homens constroem uma realização concreta desses objetos de desejos. Em relação aos atos culturais é possível descrevê-los e evidenciar sua intenção, mas a sua realização muitas vezes escapa daquilo que é possível, pois o corpo que busca amor e prazer se defronta com a solidão, desamor, rejeição, crueldade, mortes prisões, etc., sendo assim, a cultura parece sofrer da mesma forma como os rituais mágicos, e sobra apenas esperança de que a realidade se harmonize com o desejo, e enquanto o desejo não se realiza os homens através da cultura transferem esse desejo para a esfera dos símbolos. Esses símbolos servem como forma de referência, ou horizontes indicando a direção, e dentro desse contexto, surge a religião, que, conforme Alves (2000), é uma “teia de símbolos, rede de desejos, confissão da espera, horizontes dos horizontes, a mais fantástica e pretensiosa tentativa de transubstanciar a natureza”. (p. 24) Nota-se que é exatamente dentro do universo religioso que o homem vai se refugiar (estruturar), construindo elementos simbólicos, que façam sentido para sua própria existência, para isso se vale das coisas concretas e comuns para dar novo ressignificado, por isso que Alves (2000) enfatiza o termo transubstanciar 5 que são justamente as tentativas de transformação, do homem para com a natureza, sendo que o indivíduo se apropria do próprio espaço da própria natureza. Partindo dessa ideia, o homem religioso considera, pelas vertentes sagradas, uma simples pedra como um altar e terá reverencia com aquele altar, pois não são somente pedras, pois agora, simbolicamente representa um altar de culto, respeito reverencia etc., da mesma forma se dará como o vinho, pão, as plantas, a natureza, o homem religioso sempre está buscando formas de se conectar, unir, ligar, utilizando coisas e ambientalizando espaço, justamente para proporcionar tal experiência. Dessa mesma ideia, Eliade (1992) também compartilha, pois afirma que é difícil a compreensão de que o sagrado possa se manifestar em pedras, ou em árvores, sendo assim o autor descreve que “o ocidental moderno experimenta certo mal-estar diante de inúmeras formas de manifestação do sagrado; é lhe difícil 5 v. t. Mudar a substância de. Realizar a transubstanciação de. Transformar. (De trans... + substância). Fonte: http://www.dicio.com.br/transubstanciar/. 20 aceitar, que, para certos seres humanos, o sagrado possa manifestar-se em pedras, ou em árvores”. (p. 26) Mediante a citação do autor, percebe-se que não se trata de uma veneração a pedra nem tão pouco a árvore ou qualquer outro objeto. Mas trata-se de uma manifestação do sagrado, o qual será denominada como hierofania, 6 que é justamente essa aparição ou porque mostram aquilo que já não é pedra nem árvore mas o sagrado ou “gansandere”, que é a personificação. Nesse sentido já se começa compreender o significado de religião, sendo uma palavra que vem do latim: religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de novo) e o verbo ligare (ligar, vincular) segundo Chauí (2003), a religião é um vinculo cujas partes vinculadas são o mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a natureza, água, fogo, ar, animais, plantas, astros, etc., e as divindades que habitam a natureza ou um lugar separado da natureza. Em relação a essa ligação conforme Chauí (2003) mostra, nas várias culturas, determinada ligação é simbolizada no momento da fundação de uma aldeia, vila ou cidade, onde o guia religioso traça a figura no chão (círculo, quadrado, triângulo) e repete o mesmo gesto no ar, na direção do céu, do mar ou da floresta ou do deserto, simbolizando uma forma de elo entre um espaço novo sagrado (no ar) e consagrado (no solo) nesse sentido através da sacralização e consagração, a religião cria a ideia de espaço sagrado, nesses espaços vivem os deuses e são feitas as cerimônias ritualísticas para manter tal ligação. Chauí (2003) apresenta algumas finalidades que podem ser consideradas na religião, nesse sentido cabe aqui ressaltar a questão do cuidado que a religião tem para com os seres humanos, protegendo então contra o medo da natureza, nela encontrando forças benéficas, contrapostas às maléficas e destruidoras, também se destacam as explicações sobre o sentido da origem do mundo, da vida, da morte, de todos os seres e dos próprios humanos, oferecendo consolo aos aflitos dando uma explicação para a dor, seja ela física ou psíquica, e abrangendo também os valores da moralidade, garantindo o respeito às normas, às regras e aos padrões de conduta estabelecidos pela sociedade. 6 Seria a manifestação do sagado- manifestações que tornam uma forma profana, em sagrada. As hierofanias podem vir das mais diversas origens, desde pedras e árvores, até dos profetas e de Jesus Cristo. Fonte: http://www.achando.info/index.php?query=hierofania&action=search. 21 A religião, nesse sentido, se torna então compatível com as normas sociais que moldam no homem as maneiras de comportamento, logo, a religião estabelece regras sob a forma de mandamentos transcendentais garantindo a “obrigatoriedade” da obediência a elas, embora algumas religiões apresentem a questão do livre arbítrio, mas determinada atitude boa ou ruim terá certa consequência na visão religiosa sob a pena de sanções sobrenaturais. Nesse sentido, é de fundamental importância não esquecer tal fato, pois assim como a religião molda comportamentos sociais também em alguns casos gera comportamento antissocial, pode nesse contexto ser citado o próprio fundamentalismo religioso, onde em nome da religião também se faz guerras, se destrói vida. Dentro desse contexto, é que se abrem diversas análises para a questão da religião, surgindo perguntas até onde esta poderá ser benéfica? A religião por se tratar de uma invenção humana e dinâmica é extremamente complexo seu próprio conceito e que não é objetivo desse trabalho aprofundar o comportamento da religião em si, mas sim trabalhar especificamente suas ações fenomenológicas dentro da existência do homem, ou seja, como ocorrem as manifestações da religião para isso. Cabe aqui enfocar as ideias do historiador das religiões e fenomenólogo Micea Eliade (1992), onde sua obra centrar-se nos povos sem escrituras, pois eles mantêm, segundo o autor, as formas mais arcaicas do pensamento religioso, sendo assim Eliade (1992) afirma que o fenômeno religioso é algo irredutível e deve ser compreendido em sua modalidade própria que é a do “sagrado”, e não a partir da Psicologia, da Sociologia, da Filosofia, ou da Teologia, cujos objetos de estudo são manipuláveis. O objeto da fenomenologia da religião é o próprio sujeito da experiência religiosa, ou seja, todo fato religioso constitui uma vivencia especifica vindo do encontro que o ser humano tem com o sagrado. Nesse sentido, se torna importante entender que cada comportamento que o indivíduo apresentar será o espelho de sua experiência com o sagrado onde tal comportamento se manifestará em símbolos, mitos e ritos que tem relação com sua vida concreta e histórica. Para o sociólogo Durkheim (1990), religião será designada como um sistema de crenças e de práticas relativa às coisas sagradas e como já foi mencionado o termo vem do latim, mas conforme Croatto (2001), sua provável etimologia dá a ideia de atadura (re-ligare) do ser humano com o transcendente 22 nesse sentido conclui-se que a religião não poderá existir fora do homem, pois ambos estão totalmente ligados. 1.3. VERTENTES DA RELIGIÃO 1.3.1. Vertente de alienação A religião, numa concepção crítica, salienta os conceitos de Marx que conforme Urbano Zilles (1991) descreve de forma bastante objetiva, pois para Marx a religião é uma invenção humana, logo, a crítica de Marx se constrói sobre o eixo das alienações do homem, que deve ser esclarecida a partir da situação históricosocial concreta. Sendo que a religião é exatamente o suporte que o indivíduo encontra para expressar toda sua alienação. Com isso, não quer dizer que a alienação seja o fundamento da religião, mas sim a forma que o homem encontra de dar resposta para o caos econômico em que se encontra. Na verdade, o homem projeta a religião e atribui suas necessidades naturais ao transcendente sendo que seus problemas são problemas sociais, mas o homem precisa viver nesse engano, nessa alienação talvez essa insistência seja pelo fato de tentar dar respostas as coisas, partindo desse contexto a essência da alienação do homem que se encontra no contexto econômico no tipo de relações de produções geradas no mundo capitalista. Surgem, então, duas classes sociais que são justamente os proprietários de meio de produção e os não proprietários sendo que destruindo essa estrutura econômica se destrói então a religião que é seu produto. Sendo assim, Zilles (1991) explica que Marx descreve que são as estruturas econômicas as geradoras de falsa consciência, que é a religião, nesse sentido entende-se que a religião é apenas uma espécie de calmante o que Marx vai chamar de ópio do povo para que o homem não veja sua realidade, ou talvez até veja, mas internaliza como permissão transcendental, quando na verdade são problemas sociais que precisam ser enfrentados, mas prefere ficar preso as amarras ilusória da religião. Com base nessas ideias, a religião apenas oferece a libertação espiritual do homem à libertação imaginária e ilusória, mas somente a práxis revolucionária é capaz de emancipar radicalmente o proletariado industrial, e com isso, para Marx a 23 religião é uma consciência errônea do mundo, pois desvia a atenção deste mundo, para outro plano hipnotizando os homens com falsas superações da miséria, deixando totalmente apáticos, passivo e sem voz ativa de revolta. Nesse ponto, o homem projeta, de acordo com Marx, para fora de si de maneira vã e inútil seu ser essencial e perde-se na ilusão de um mundo transcendente, a religião é uma ilusão criada pelo homem para suprir suas misérias sociais, ou seja, a religião nasce dessa convivência social e política perturbadora dos homens e a forma que eles encontram para preencher essas misérias está na religião. Só assim conseguem esquecer suas desgraças presentes. Sendo assim para libertar o proletariado e a humanidade da miséria, é preciso destruir o mundo que gera a religião. Cabe aqui trabalhar a religião também como uma fuga das misérias, ou seja, uma forma de se camuflar a exploração econômica é o que Marx, de acordo com Zilles (1991), critica a impotência diante dos problemas sociais que a religião cria na vida do homem, ao ponto de olhar se fixar somente nas coisas do além ignorando a situação de crise econômica, e propõe que esse indivíduo deveria lutar em prol da sociedade. Essa seria a superação do homem para com a religião, a mobilização diante dos fatos, ou seja, o que Marx vai denominar de práxis. Lembrando que a religião também se faz importante não só para os proletariados, mas também para os exploradores burgueses, pois para eles a religião serve realmente como uma droga que gera insensibilidade, desconectando de tal situação. Portanto, dentro desse contexto é que se solidificam as críticas de Marx, a religião é como um grito dos problemas sociais só que de forma passiva e conservadora, reflexo das misérias, sendo assim Marx afirma que ela se posiciona como superestrutura e só pode ser submergida se for mudada a infraestrutura econômica, então a contradição fundamental, segundo Marx, não está, pois, na religião e sim no nível do modo de produção dos bens matérias. Portanto, a crítica religiosa de Marx, deve ser vista como crítica ideológica do cristianismo burguês de sua época, mostrando assim não engano intencionado, mas sim o estado de consciência de uma época do século XIX. 1.3.2. Vertente de neurose Este item trata da religião por uma vertente de neurose, sendo então importantes os enfoques teóricos de Sigmund Freud que foi o fundador da moderna 24 psicanálise. Segundo Zilles (1991), diferente de Marx, o ateísmo para Freud já não se restringe ao proletariado, mas ao ateísmo psicanalítico, sendo assim, seu objetivo é penetrar amplamente na burguesia ocidental através da psicanálise. Zilles (1991) descreve que para Freud, o que mais o deixava preocupado não era a existência de Deus, até porque, para ele não existe e sequer foi problema existencial, mas a grande questão é justamente porque existem religião e fé, ou seja, o que realmente motiva o homem a crer em poderes sobrenaturais que até então não existem. Dentro desse contexto é importante perceber que a psicanálise freudiana tem pressuposto antropológico, o qual assim sendo Freud visa defender o homem através da tentativa de descobrir a gênese psicológica da religião e da ideia de Deus. É importante ressaltar que a psicanálise freudiana nasceu da diagnose e terapia de indivíduos onde o objetivo era o de libertar o homem de suas doenças psíquicas, por isso, de acordo com Zilles (1991), Freud reduz a religião como problema psicológico que precisavam ser superados, ou seja, uma doença neurótica o qual tinham que se libertar. Partindo desses pressupostos, Freud afirma que todo homem nasce aparelhado com as mais variadas disposições instintuais cujo curso definitivo é determinado pelas experiências da primeira infância. Com isso, Freud quer dizer que é exatamente nos períodos iniciais em que o homem se mostra aberto a absolvição de tais sentimentos. Cabe aqui ressaltar que Freud vivenciou tais experiências, e conforme Zilles (1991), Freud veio de uma família Judaica ortodoxa e como tal foi educado, por isso Freud detalha com tanta precisão essas questões, e coloca a religião como uma neurose infantil que durante a infância cria seus medos e dependência que até então são supridas pela figura do pai para depois ser transferida para a submissão da religião. Dentro desses conceitos o homem para defender-se dos açoites ameaçadores da natureza o indivíduo a humaniza, logo é também para Freud outra forma da condição infantil, ou seja, da própria atitude da criança diante do pai. Nesse sentido transporta para a natureza, pois ao mesmo tempo em que teme a mesma sabe também que pode contar com sua força protetora, o qual denomina de Deus ou deuses, por isso a religião para Freud nada mais é que a perpetuação do infantilismo na vida do homem. Freud também discute que pelo fato de muitos desejos ou impulsos serem reprimidos na criança, justamente por ainda serem considerados como tabus na sociedade, ou forma de regulamentar a mesma 25 podendo ser nominadas como superestrutura moral e social na vida de cada indivíduo que acaba, então, internalizando e acumulando tais sensações na vida infantil que Freud chama de subconsciente, então a forma que o indivíduo encontra para expressar e expor tais sentimentos reprimidos, será nos próprios sonhos, pois é onde ele se liberta de qualquer repressão, e na verdade, o que Freud está querendo dizer é que o ser humano é um ser de desejos e impulsos, que seu comportamento será ajustado aos parâmetros da sociedade, e tudo aquilo que fugir dessa vertente social será vista como diferente, não aceitável e logo reprimida. Conforme descreve Zilles (1991), baseado em Freud, a parte primária na vida do indivíduo é o inconsciente, e por sua vez a secundária é o consciente, por isso que o medo, a impotência, a fragilidade ou qualquer pensamento maléfico é submergido para o inconsciente. Dentro desse contexto se identifica a questão da religião, pois o indivíduo, temendo aos poderes da natureza, ou a qualquer tipo de males, seu próprio inconsciente criará um Deus para que o proteja das adversidades, e Freud diz que tal atitude é uma neurose, sendo assim a neurose é justamente a fuga do adulto ao mundo infantil, ficando claro que determinados conflitos que não foram resolvidos na infância se mostram, ressurgem, nessa ideia que Freud, segundo Zilles (1991, p. 145) vê a religião como regressão do adulto ao mundo infantil, pois, “na religião o homem foge da dura realidade escondendo-se num mundo ideal da infância”. Nota-se, então, a fuga da realidade, que ocorre devido, o estado de carência, medo, desamparo, e a religião é uma das formas de esconderijo, ou válvula de segurança para o homem. Sendo assim, se observa que a religião foi um dos temas mais contundentes de Freud, o qual está repleto de críticas onde tenta apresentar uma concepção científica do mundo para substituir a religião, substituindo a ideia de Deus pela ciência o homem se desenvolverá racionalmente e intelectualmente. Para isso, o homem precisa se desvincular, da neurose religiosa, pois este não nasceu para viver na infantilidade, e procurar fundamentar sua vida na razão. 26 CAPÍTULO 2. CÁRCERE, CRIME E PRISÃO 2.1. O CRIME Com base nas opiniões em torno do conceito de crime, inicia-se antes de discutir ou de conceituá-lo, é preciso primeiro entender porque o crime ocorre? Na verdade não existe um modelo singular para a expansão deste fenômeno, mas se pode dizer que isso advém de diversos fatores, como por exemplo, a má distribuição de renda, discriminação, desemprego, a falta da educação familiar, também a ausência ou inadequação de educação escolar que são ferramentas fundamentais para formação do caráter e para tornar o indivíduo apto para atuar na sociedade, que não são como deveriam ser, o que acaba levando os indivíduos para a criminalidade. Mas como já foi citado, não são apenas essas questões que foram colocadas que desencadeiam a criminalidade. Nesse sentido, cabe aqui também ressaltar alguns casos de homicídios realizados por parricidas, que consiste no ato de uma pessoa matar o próprio pai ou qualquer outro ascendente legítimo, em que a ação criminosa pode ser praticada e executada friamente. O certo mesmo é que tais atitudes são repulsivas, chegando ao ponto de liquidar a existência dos pais, ignorando regras, valores e principalmente, respeito a quem lhe concebeu. É algo que realmente não dá para entender, deixando claro que tais atitudes ocorrem, não apenas onde o nível de pobreza é bastante elevado, mas esse fenômeno também se faz presente nas classes sociais altas. Então, a pobreza contribui para proliferação do crime sim, mas não é fator determinante, pois independente de classe baixa ou de classe alta, o crime pode sim vir a ocorrer. Na verdade, o crime parte de um desejo individual da conduta humana, que tenta o homem a violar o que é lícito, onde se encontra desde pequenas banalidades até uma trágica fatalidade. Pois o crime se trata de rupturas da normalidade, da estabilidade, do equilíbrio, enfim, que vão além dos limites e escapam de previsões que se fossem discutidas a fundo, fugiriam da temática central desse trabalho. Enfim, pode-se dizer que existe séries de derivações para nomear tal ato. Conforme Buoro (1999, p. 25-26), hoje se fala muito sobre crimes de corrupção e de roubo ao patrimônio público, e acrescenta ainda que esta atenção está muito voltada para os roubos seguidos de assassinatos e para os dados estatísticos que indicam o 27 aumento do número de homicídio em determinados bairros. Estes últimos têm sido os crimes por excelência, ou os que mais ocupam espaço do debate público. Sendo assim, a concepção de crime está ligada à ideia de algo que é contra a lei, isso desde a época da Revolução Industrial que consolidou o trabalho e o dinheiro como pré-requisitos para julgamento do perfil de um bom cidadão. Ou seja, colocando o trabalho e o dinheiro como sendo a definição de crime, sendo que, a sociedade organizada segundo os parâmetros do dinheiro e do trabalho, ao mesmo tempo em que cria a figura do trabalhador, cria também a figura do vagabundo, do delinquente, do trabalhador que não deu certo e que possivelmente “esbarra” na lei do criminoso em potencial sendo assim essas são as pessoas que estarão mais sujeitas a perseguição e punição. Para se discutir as questões da criminalidade no Brasil é preciso diferenciar os alvos dos delitos, como por exemplo, a palavra assalto é empregada para definir dois tipos de delitos. Para Buoro (1999), roubo é um ato de subtrair dinheiro, ou valores exercendo a violência, enquanto o furto trata-se de um ato de subtrair dinheiro ou valores sem violência, onde o furto de carteira e objetos de valor dos pedestres é muito diferente do roubo de veículos, cargas de caminhão, cofres de banco, etc. Se os furtos são ações individuais, os roubos, em geral, envolvem uma rede bem montada da qual participa muitas vezes setores da polícia e agente do Estado como funcionários do governo e até eleitos pela população, é o chamado “crime organizado” que funciona como uma empresa com chefes e subordinados, assim, um setor especializado no roubo e no furto de carros outros em assaltos de caminhão, sem falar no tráfico de armas e drogas, lembrando que a mesma organização pode lidar com todas essas áreas ou se especializar estabelecendo relações com outras organizações criminosas. Portanto, colocar o exército ou as tropas de choque nas ruas para combater organizações criminosas como o narcotráfico é uma ação, no mínimo, duvidosa, pois as teias segundo a autora, desse tipo de organização estão ramificadas por diversos setores da sociedade. Portanto, “o problema não está no criminoso e sim na criminalidade, assim como se combate as enfermidades e não aos enfermos” (PETRA, 1999, p. 02). São esses aspectos que se precisa avaliar trabalhando as formas de se combater a criminalidade de modo geral. 28 2.2. O CRIME NA VISÃO SOCIOLÓGICA Na leitura sociológica, o crime é reconhecido não apenas como “mal”, pois tem por função ser utilitário. Afinal, o crime é o indicador da sanidade do sistema de valores que constitui a consciência coletiva. Na verdade, o crime só será tido como tal dependendo da sociedade, como por exemplo, o aborto tem países que não o considera como crime, enquanto em outros será tido como um delito e uma ação totalmente abominável. Neste contexto percebe-se que não existe crime apenas em si mesmo, por mais grave que sejam os danos que ele possa causar o seu autor só será considerado criminoso se a opinião comum da respectiva sociedade o considerar como tal. Para o sociólogo Paulo Sergio do Carmo (2007), um ato é “criminoso” quando e precisamente porque é praticado em oposição aos sentimentos coletivos, na verdade tudo aquilo que abala a consciência comum é crime. É importante entender que em todo tipo de crime há um componente individual e um componente social e suas semelhanças se constituem justamente quando se transgride crenças morais. No pensamento durkheimiano um crime é a quebra de um código, e quem vai dizer ou conceituar determinada ação será a sociedade. Sendo assim quando se pratica um crime, o fundamental não é o castigo, mas sim a restauração dos interesses lesados, na verdade aquele que provocou uma ruptura dos elos de solidariedade do corpo social deve ser punido a fim de que a coesão seja protegida. Assim, a pena não serve apenas para corrigir o culpado, serve também, e, sobretudo, para intimidar seus possíveis imitadores, por isso é que as leis deverão ser cumpridas a rigor justamente para que haja equilíbrio na sociedade. É importante enfatizar que os conflitos servem para estreitar os laços sociais, e para que as coisas funcionem, ou se encaminhem é necessário acontecer certos tipos de conflitos, pois são eles que dão suportes para dignidades sociais. Visto que o papel reparador da agressão e do conflito consiste no fato de ajudarem a reforçar a integração social graças à reação de indignação moral que provoca. Não se pode negar a ocorrência do conflito, deve-se considerá-lo como uma interferência no funcionamento natural do sistema social. Segundo Carmo (2007), com base nos escritos de Durkheim, para que se reconheça uma instituição social basta que alguém se choque contra seus valores, e dentro desse contexto, cabe aqui ressaltar certas atitudes ou ações que se ferirem a 29 sociedade poderão ser consideradas como crime, pois para o sociólogo, não existe força moral individual superior à força coletiva. Logo, nesse sentido, na força coletiva será desencadeada a fúria da coletividade. Então, se constata que crime é aquilo que a sociedade define como tal, é um atentado que fere os sentimentos coletivos, podendo ameaçar a solidariedade ou até mesmo a própria existência da sociedade. É importante entender que na visão sociológica durkheimiana o crime é entendido como grande abalo à unidade do corpo social, sua reprovação confirma e vivifica valores e sentimentos comuns. Embora se considere o crime vindo da natureza, aparentemente patológico dentro dessa concepção, ele será trabalhado ou tido como fenômeno normal, já que sua ocorrência esta disseminada em todas as sociedades, deixando claro que o fato de ser considerado “normal‟ não isenta determinado indivíduo de tal punição, pois, vale lembrar que o castigo serve para restaurar e constituir laços sociais, levando em consideração que uma transgressão que não sofra castigo debilita no mesmo grau a unidade social. Para Carmo (2007), Durkheim em parte não valoriza as questões das lutas de classe, mas buscou em se deter mesmo na questão da totalidade, onde para ele, algo só fazia jus a sua função se beneficiasse o corpo social em geral. Nesse sentido, o indivíduo está totalmente submerso num grupo social, que por sua vez se subordina a sociedade. Por isso, então cabe aos homens a tarefa de se ajustarem as leis sociais para convivência harmônica, mas se ocorrer tensão entre o indivíduo e sociedade a resolução deve estar a favor da coletividade social. Entendendo que não se trata de uma exposição explícita ou até mesmo injusta da sociedade sobre os indivíduos, pois eles têm em si a submissão introjetada. Portanto, sempre a voz da coletividade é o que será o divisor de águas, pois não existiriam organizações se não houvessem normas partilhadas coletivamente, e ao tentar desviar-se do comportamento coletivo, a pessoa sofre o que chamamos de “sansão social”, nesse sentido, Durkheim enfatiza, de acordo com Carmo (2007), o seguinte: [...] Se não me submeto às convenções do mundo, se, ao vestir-me, não levo em conta os usos seguidos no meu País e na minha classe, o riso que provoco e o afastamento a que me submeto produzem, ainda que de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos de uma pena propriamente dita. (CARMO, 2007, p. 02) 30 Nota-se nesta exemplificação que tudo será ditado pela sociedade e aquele que não se enquadra a seu sistema, as suas ordens, modas etc. serão penalizados, ou no caso da vestimenta, tido como “engraçado ou louco”. Que também é um castigo, no caso o riso que provoca, por não se enquadrar ao modelo supostamente “normal”. Percebe-se a sanção social como punição que o grupo impõe a quem desobedece às normas sociais, ou a recompensa a quem as obedece, se tratando de um meio de controle pelo qual a sociedade obtém respeito às normas, pode ser traduzidas em leis ou forma simbólica de reprovação (ridículo, desprezo, vaias, multas, prisões, xingamentos, censuras, risos, etc.) ou aprovação (medalhas, diplomas, prestígios, prêmios, etc.). No geral quanto mais forem os laços que unem os membros de uma sociedade ou de um grupo num todo social, menores serão as probabilidades de que se venha a violar os costumes, as convenções ou as leis. 2.3. EFEITOS E FORMAS DE PUNIÇÕES Conforme os argumentos citados acerca das questões da criminalidade, este item busca enfocar acerca das punições. De acordo com os delitos, é correto que haja punição. Dentro desse contexto, é importante ressaltar a história das punições em formas de suplícios nas praças públicas como meros espetáculos de torturas. Sendo assim cabe aqui trabalhar com as contribuições do autor Michel Foucault (2009). Foucault (2009) descreve a história da violência nas prisões, mostrando a criminalidade e formas de punições ocorridas desde os tempos passados até os tempos modernos. Foucault (2009) apresenta exemplos de suplícios, torturas onde cada crime por sua vez tem certo estilo penal. Em meados do século XVII a XVIII época em que foi redistribuída, na Europa e nos Estados Unidos, toda a economia do castigo, época em que, segundo Foucault (2009), houveram grandes “escândalos” para a justiça tradicional, nova teoria da lei e do crime, e também a abolição das antigas ordenanças. Dentre tantas modificações, Foucault (2009) enfatiza o desenvolvimento dos suplícios advindo da Idade Média, baseado apenas na ostentação das punições puramente físicas que ocorreram durante o século XVII até o fim do século XVIII, sendo estigmatizadas com grandes torturas e tormentos do corpo. Pena totalmente 31 corporal, puro terrorismo, corpo supliciado e esquartejado como se fossem animais, na verdade, pode-se dizer que todos os crimes eram viabilizados e as penas físicas tinham, portanto, uma parte considerável aos costumes e à natureza dos crimes, onde o status dos condenados as faziam variar ainda mais. Foucault (2009) apresenta: [...] a pena de morte natural compreende todos os tipos de morte, uns, podem ser condenados á forca, outros a ter a mão ou a língua cortada, ou furada e ser enforcada em seguida; outros, por crime mais graves, a ser arrebentados vivos e expirar na roda depois de ter os membros arrebentados até a morte natural, outros a serem estrangulados e em seguida arrebentados até a morte natural, outros a serem queimados vivos outros a ser estrangulados depois queimados; outros a ter a língua cortada ou furada e em seguida queimados vivos, outros a ser puxados por quatro cavalos, outros a ter a cabeça cortada, outros, enfim, a ter a cabeça quebrada. (p. 34) Percebe-se que não era apenas essa punição, Foucault (2009), também acrescenta que existiam aquelas penas mais leves, de que a ordenação não fala: satisfação à pessoa ofendida, admoestação, repreensão, prisão temporária, abstenção de um lugar, e enfim as penas pecuniárias – muitas confiscações. Mas afinal o que realmente significava os suplícios? Era simplesmente uma pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz, era um fenômeno inexplicável, a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade. Nesse sentido, o suplício não provinha somente da intensa vontade dos indivíduos exterminarem os delinquentes, mas é importante que se destaque que o suplício é uma técnica e não deve ser equiparado aos extremos de uma raiva sem lei, pois uma pena para ser um suplício, deve obedecer á três critérios principais: em primeiro lugar, produzir certa quantidade de sofrimento, em segundo trabalhar o suplício como verdadeira arte ou técnica, onde cada tortura deverá ser cumprida passo a passo, já o ultimo critério do suplício é fazer correlacionar o tipo de ferimento físico, qualidade, intensidade, o tempo de sofrimento com a gravidade do crime, pessoa do criminoso e o nível social de suas vítimas. Existe também um código jurídico da dor que funciona a partir do momento em que a pena for supliciante, que não se abate sobre o corpo ao acaso ou em bloco onde se calcula de acordo com as regras detalhadas. Partindo desse contexto, vale lembrar que não era um momento de loucura da justiça, mas estava em jogo toda a economia do poder. A maior parte das 32 condenações no século XVII e XVIII, era o banimento ou multa numa jurisprudência como a do Chatelet, o que segundo Foucault (2009), só conhecia delitos relativamente graves o banimento representou entre 1755 e 1785, mais da metade das penas aplicadas. Sendo assim, o banimento era muitas vezes precedido pela exposição e pela marcação com ferrete até a multa às vezes era acompanhada de açoites, não só nas grandes e solenes execuções, mas também nessas formas anexas é que o suplício manifestava a parte significativa que tinha na penalidade no geral qualquer pena um pouco séria devia incluir alguma coisa do suplício. Cabe aqui ressaltar que todo processo criminal se desenrolava de forma secreta tanto para o público quanto para o acusado. Pois a justiça temia que algo de extraordinário pudesse acontecer. De acordo com a ordenação de 1670 reforçava a severidade da época precedente onde determinavam ser impossível ao acusado ter acesso as peças do processo e apenas uma única vez o acusado era interrogado antes da sentença isso geralmente acontecia porque o Rei queria mostrar sua força soberana e confirmar que o direito de punir não cabe a multidão. Toda essa tradição remonta ao meio ambiente medieval, mas que os juristas da Renascença prescreviam o que devia ser a natureza e a eficácia das provas na verdade todo esse bojo de suplício tinha como objetivo central a auto condenação do réu. Lembrando que deveria haver certo tipo de cuidado nas averiguações, pois existia a possibilidade do criminoso se declarar culpado de crime que não havia cometido. Portanto, retomando as contribuições que Durkheim (1990), coloca que as punições tem por objetivo reintegrar, restituir os laços sociais. Segundo os estudos foucaultiano esses são os efeitos, embora radicais, mas de acordo com a economia do castigo válidos para intimidar os imitadores. Para Durkheim (1990), esse era o método utilizado na sociedade dita primitiva ou tradicional, onde o castigo é expiatório e vingativo as leis tendem a ser repressivas e punitivas. Visto que tal atitude advém de uma reação apaixonada da sociedade contra aqueles que tenham ousado violar suas regras básicas. Sendo assim os sentimentos coletivos estão fortemente gravados em todas as consciências quando são violadas crenças, tradições, práticas coletivas. Sendo que determinada reação não se trata de mera crueldade, mas, é uma forma de manter vínculos evitando que a coesão social se fragilize. 33 2.4. DO PANÓPTICO ÀS PRISÕES Falando-se acerca do surgimento das prisões, é importante que se retome aos processos que levaram ao surgimento das prisões, sendo que as prisões não surgiram por acaso, mas tal existência sobreveio em reação ao crime. Partindo dessa ideia, se faz necessário retomar o fim do século XVIII onde aconteceram diversas mudanças, como já foi citado, mas o que chama a atenção é o desaparecimento dos suplícios, que hoje a tendência é desconsiderá-lo ou tratá-lo com superficialidade pelo fato de se considerar como um processo de humanização que a sociedade vem sofrendo até então. Sendo assim, no final do século XVIII já se começa a perceber a extinção do processo de punição, desaparecendo o corpo como alvo principal da repressão penal. Nessas transformações, para Foucault (2009), misturam-se dois processos, de um lado, a supressão dos espetáculos punitivos, e passando a ser apenas um novo ato de procedimento ou de administração, como por exemplo, na França, a confissão pública foi abolida pela primeira vez em 1791, a Inglaterra aboliu em 1837 etc. Aos poucos a punição deixava de ser uma cena, onde os espectadores já estavam acostumados a uma selvageria, fazendo os carrascos se parecer com criminosos, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, chegando a fazer do supliciado um objeto de piedade e de admiração. Nesse sentido, a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro, o que realmente deve está em jogo é o processo de recuperação do condenado. Por essa razão a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada ao seu exercício. O fato da justiça punir, ferir, e até mesmo matar não é mais motivo de espetáculo ou algum tipo de glorificação de sua força, mas um elemento intrínseco a ela, que por sua vez é obrigada a tolerar. E se muito lhe custa ter que impor da mesma forma lhe custa mais ainda ter que não punir. Foucault (2009) explica o processo do panoptismo 7 onde baseia suas ideias no teórico Benthan, sendo que o panóptico trata-se de uma forma de ordens das prisões, na verdade pode-se dizer que a gênese da prisão começa no panoptismo. 7 O panoptismo é uma estrutura organizacional de controle de ações em que o sujeito, sentindo-se vigiado, acaba por instituir a disciplina institucional. Fonte: http://www.achando.info/index.php?ac tion=viewentry&id=63118. 34 O panóptico tem por base a inspeção como único meio de estabelecer uma ordem e observá-la. Sendo assim, o panóptico serve para instaurar a ordem da disciplina, pois para Foucault (2009) a disciplina exige um local, onde todos possam se fechar em si mesmo, sendo que esse local poderia até ser cercado por muralhas rodeando todos os pavilhões, também apresenta a ideia de que pelo fato das prisões privarem o indivíduo de toda a liberdade serve de exemplo aos demais. Nisso, se torna evidente para Foucault (2009) que o panóptico não se resume somente às prisões, mas está presente nos quartéis, nas escolas, na sociedade, enfim. Sua estrutura diz respeito a um círculo cujo centro saia à luz iluminando presos, pacientes, médicos cuja finalidade é ser visto sem ver. Segundo Foucault o ser humano acaba sendo objeto de informação, mas não sujeito de comunicação. Nesse sentido o que Bentham, segundo Foucault (2009), traz é uma forma de se aplicar o sistema disciplinar dentro das prisões, estabelecendo regras e parâmetros para que este funcionasse de forma adequada. E a partir daí Foucault (2009) vê o panóptico como mecanismo e dispositivo de vigilância capaz de interiorizar a culpa causando no indivíduo remorsos pelos seus atos. No geral, o panoptismo corresponde à observação total, é a tomada integral por parte do poder disciplinador da vida de um indivíduo. Ele é vigiado durante todo o tempo, sem que veja o seu observador, nem que saiba em que momento está a ser vigiado. Aí está a finalidade do panóptico. Sendo assim, como sistema de visibilidade, e também como processo de reeducação de cada indivíduo, onde se pode considerar como sistema de controle, método que o indivíduo via sem ser visto, isso era justamente para que houvesse desindividualização de poder, proporcionando somente o poder visível e inverificável, também tinha por objetivo favorecer a própria homogeneidade de poder, pois qualquer um poderia assumir o centro da torre, na falta do dirigente, o que é pior, pois a qualquer momento o detento poderia ser surpreendido, mas por outro lado esse sistema deixava os fatos bastantes à mercê, pois se qualquer um poderia assumir o pódio da torre logo corria o perigo de acontecer fatos alterados, já que não tinha certo rigor ou norma de quem observava. Bentham, de acordo com Foucault (2009) se maravilha de sua obra, pois com o sistema panóptico cessavam-se as correntes, as grades e os suplícios de forma em geral, assumindo então uma forma mais leve de punição. Portanto, o panóptico trata-se de uma máquina de fazer experiência, treinar ou retreinar indivíduos. 35 Segundo o autor, a ideia do panóptico surgiu de um projeto no zoológico, onde prendia animais para estudar comportamento, sendo então o animal substituído pelo homem, não somente como instrumento de informação mais também de punição. Neste sentido, vale relembrar que o panóptico veio substituir as torturas, suplícios e as prisões, que por sua vez, vieram substituir o panóptico. O certo é que as punições nunca deixaram de existir, só que em cada época, teve suas sentenças por formas de torturas exageradas, humilhações em plena praça, depois, pelo sistema do panóptico, enfim, visto que sempre teve punições. Da mesma forma, as prisões entram também nesse palco de punições, com o objetivo de ressocializar o indivíduo para a sociedade, tornando-se um espaço entendido como mais um mecanismo de reprimir o crime. A prisão, enquanto lugar de cumprimento de pena restritiva de liberdade, constitui-se de edificação construída com meios os mais diversos para evitar sua fuga ou evasão tais como: paredes grossas e reforçadas, isolamento do meio urbano, grades, cercas, vigilância constante, rigidez de disciplina interna, divisão em celas, etc. E em relação aos tipos, tem-se: a detenção, mais leve; e a reclusão, mais grave. No primeiro caso, é aplicada a delitos de menor gravidade, a perda da liberdade é cumprida em estabelecimentos de reclusão temporária, com menor grau de vigilância e cuidado. Para o segundo, aplicável aos crimes de maior impacto, o cerceamento deve ser feito em locais mais seguros e isolados, como os presídios. Segundo Foucault (2009), a prisão preexiste a sua utilização nas leis penais, se constituindo fora do aparelho juduciário quando se elaboraram por todo o corpo social, pois se percebe que toda essa necessidade de visibilidade, observação, anotações, registros, sem lacunas de forma justa, criam a instituição prisão, mas, na verdade, como já foi explicado foram diversas as tentativas para que se chegasse a este denominador. Vale lembrar que as punições já existiam e o panoptismo serviu como a gênese da prisão. Nota-se que a nova mentalidade do século XIX aboliu toda as outras punições que os reformadores do século XVIII haviam imaginado, valendo ressaltar que esse novo sistema se abriu a outras formas da efetuação da justiça, podendo-se dizer que essa mentalidade atual saiu das amarras da ignorância e humilhante forma de punição, para algo mais palpável, mais humano e mais leal, fomentando o poder central da justiça e não mais uma sequência de espetáculo de terror. 36 Nesse sentido, a prisão foi resultado de diversos conhecimentos, e dessa forma não sendo uma privação de liberdade, sendo desde o início uma detenção legal onde através da clausura o indivíduo pudesse refletir, na sua situação, as prisões foram criadas para a ressocialização do criminoso, mas, infelizmente, não se deve fechar os olhos para realidade que se mostra, as críticas em relação a prisão se desencadeiam, desgovernadamente, pois as prisões em vez de servir como casa de recuperação em sua forma plena, acaba servindo de ambiente de revolta e estimulando mais crimes. Conforme Petra (2008, p. 08), essa revolta surge justamente porque não basta apenas castigar o indivíduo, mas orientá-lo dentro da prisão para que ele possa ser reintegrado à sociedade de maneira efetiva, evitando com isso a reincidência. Embora não seja isso que acontece, pois na mentalidade da sociedade ele nunca vai se recuperar, além do desprezo da sociedade total, encontra dentro da cadeia um ambiente que fomenta essa sede de vingança, fica complicado tal criminoso se recuperar. Embora os agentes penitenciários se reponsabilizem para o desenvolvimento da reintegração, sabe-se que isso ainda não se dá de forma plena. De acordo com Petra (2008), há muitos anos a pena privativa de liberdade foi considerada como um avanço contra a pena de morte e para as penas de correção físicas, então, a prisão tinha função de evitar que o acusado fugisse antes do julgamento. Dentro desse contexto, Petra (2008) acrescenta que a prisão sugiu no ano de 1550 em Londres, com o objetivo de reter o acusado até provar se ele era culpado ou não, e para isso deveria ser preso para não fugir, e somente após o julgamento em que era provada a culpabilidade, a modalidade passava de detenção para execução penal, quando o condenado iria pagar sua pena no tempo determinado pelo sentenciador, sendo que esse modelo espalhou-se por todo o mundo desenvolvendo seu caráter desumano. Era o abuso de poder sobre a vida do outro justificado pelo interesse coletivo. Nessa época, grandes pensadores se levantaram trazendo suas contribuições para as possíveis reformas nesse sistema. De acordo com Petra (2008), apesar de muita coisa já ter melhorado, o sistema penal é considerado, infelizmente, como um sistema em declínio, pois o papel judiciáro também tem importância nessa questão junto com o poder legislativo. Necessita-se de uma reforma profunda na política criminal, pois só assim se conseguirá equilibrar o sistema, e, segundo a autora Petra (2008), mesmo que ele se 37 regularize, a prisão não resolve o problema da violência assim como não recupera ninguém, logo, o fato de existir ou não prisão não faz diferença. Na visão da autora, ao invés de se construir mais presídios, deveriam ser construídos hospitais e escolas. 38 CAPÍTULO 3. A RELIGIÃO E O SISTEMA PENITENCIÁRIO DE BELÉM Neste capítulo será desenvolvido a relação entre a religião e o sistema penitenciário, mais precisamente como se dá o funcionamento da religião dentro do cárcere, sendo assim antes é preciso iniciar com alguns dados coletados pela Superintendência do Sistema Penitenciário – SUSIPE e pela Escola de Administração Penitenciária – EAP, que contribuíram bastante para o desenvolvimento dessa pesquisa no fornecimento de dados referentes aos detentos. 3.1. O SISTEMA PENITENCIÁRIO NA REGIÃO METROPOLITANA DE BELÉM O Sistema Penitenciário na Região Metropolitana de Belém apresentou em 2010 um levantamento acerca de alguns números ligados à população carcerária, sendo que, dentre os dados, encontram-se disponíveis os de faixa etária masculina e feminina, reincidências, entre outros, assim como dados sobre os grupos religiosos existentes. Dentro desse contexto para a exemplificação dessa pesquisa, se faz importante citar a faixa etária dos presidiários que se mostra no gráfico abaixo, concernente apenas a Região Metropolitana de Belém. GRÁFICO 1 – Faixa etária dos detentos (masculino) Fonte: SUSIPE, 2010 No gráfico acima relaciona-se aos dados obtidos por um levantamento feito pela SUSIPE em 2010, onde é perceptível que em relação a faixa etária masculina, 39 o número frequente de internos são de jovens e adultos entre 16 e 24 anos, cuja quantidade equivale a quase 35% dos presos. Pode-se dizer que logo em seguida, fica a elevação entre os 25 e 29 anos de idade, cuja quantidade corresponde a pouco mais de 24% dos detentos. As demais faixas etárias aparecem com valores quase proporcionais, com exceção dos idosos com idade igual ou maior que 60 anos, que aparecem com menos de 1%, totalizando 76 apenados. GRÁFICO 2 – Faixa etária das detentas (feminino) Fonte: SUSIPE, 2010 Em relação ao público feminino, a situação de sua faixa etária se mostra um pouco parecida referente aos homens, pois também a margem com maior evidência é a que compreende entre os 16 e 24 anos de idade, com 25,7%. Em segundo lugar está a faixa entre 35 e 45 anos com uma representação de pouco mais de 22%, quase igualado ao valor correspondente à margem entre os 25 e 29 anos, que aparece com 21,91%. O demais valores possuem menos expressão, principalmente em relação às detentas idosas com 60 anos ou mais, que são apenas 5, equivalente a menos de 1% das percentuais. Lembrando que o item NÃO INFORMADO, que se apresenta nos gráficos é concernente a existência de internos e internas em que não foi possível obter data de nascimento até o momento do levantamento. Enfoca-se ainda a respeito dos grupos religiosos, onde os acessos de cada grupo dentro dos cárceres provêm da portaria nº 583/2010 do Gabinete da SUSIPE, onde, a partir deste, os religiosos podem adentrar nas penitenciárias, se cumprirem todos os regulamentos, segundo a portaria do Gabinete da SUSIPE. Sendo assim, é 40 evidente a importância de estabelecer normas para o serviço de assistência de grupos religiosos e de grupos de apoio de recuperação a pessoas portadoras de dependência química. Portanto, no regulamento do serviço de assistência de grupos religiosos ou de apoio percebe-se que no capítulo I deste regulamento irar falar a respeito das disposições gerais, que é justamente os dias de visitas, que é apenas uma vez por semana, sendo autorizados os dias pela administração das unidades penitenciárias, com acompanhamento e informe da DAI – Divisão de Assistência Integrada, sendo que a atividade dos grupos religiosos não ocorrerá nos dias de visitas dos familiares dos presos. A visita de determinados grupos religiosos tem por intuito promover a evangelização espiritual, doar, prestar ajuda material e apoiar na recuperação dos detentos, bem como facilitar o acompanhamento dos familiares dos mesmos, sendo que tal visita é assim acompanhada por um técnico do serviço social da casa penal que supervisiona e dá apoio à ação juntamente com o membro da direção para resolver qualquer problema se vier a ocorrer. No capítulo II falará da questão dos credenciamentos que ocorre da seguinte forma, primeiro para efeito do regulamento só será considerado grupo religioso o conjunto de pessoas que comprovadamente estejam representando determinada religião ou manifestação religiosa, para assim passar pelos procedimentos do credenciamento, o qual por sua vez deverá ser feito pela SUSIPE e DAI, mediante ofício da entidade interessada, com CNPJ e endereço da entidade assinado pelo responsável da SUSIPE contendo a relação nominal dos membros, contendo alguns requisitos como, por exemplo, ser maior de 18 anos, ter a cópia da carteira de identidade, CPF, comprovante e endereço atualizado foto 3x4 apresentar certidão de antecedente criminal. Após a apresentação dos documentos exigidos, e feitas protocolações necessárias, o interessado receberá uma carteira de identificação assinada pelo diretor do núcleo de reinserção social e pelo gerente da DAI. Cada entidade poderá credenciar 12 pessoas para cada casa penal sendo permitida a entrada de apenas seis por culto ou reunião. O credenciamento de familiares de preso será analisado pelo Núcleo de Administração Penitenciária e pela Divisão de Assistência Integrada, assim como pela Assessoria de Segurança Institucional – ASI. A portaria também apresenta os regulamentos voltados para aqueles que transgredirem as normas, como as discussões entre membros religiosos, a entrada 41 sem credenciamento, o descumprimento de horário, prejudicando o horário de outro grupo, condutas que burlem os preceitos estabelecidos nesse regulamento, a prática de atos que comprometam a segurança das pessoas e do estabelecimento penal e da saúde de todos, os visitantes flagrados cometendo atos considerados como crime serão encaminhados para a lavratura do competente inquérito policial, e terão o direito de visita suspenso definitivamente. A entrada de pessoas integrantes de grupo religiosos e de apoio sem credenciamento só será permitida nos dias festivos, sendo limitada apenas a pessoas que irão desenvolver atividades culturais pertinentes à programação festiva com autorização prévia da SUSIPE. Fica vedada a entrada de pessoas trajando shorts, bermudas, camisetas, saias curtas, etc. Aos integrantes de grupos religiosos que estiverem com alguma parte do corpo engessada ou lesões que impliquem no uso de curativos, próteses e pinos ou metais na parte interna do organismo, será permitido o acesso somente com o laudo médico e parecer social da unidade penitenciária, análise do NAP, e gerência da DAI. Também não será permitida a entrada de pessoas que apresentem alguma doença contagiosa como gripe, conjuntivite, catapora, sarampo, caxumba e outras doenças dessa classificação. Mediante a descrição da portaria nº 583/2010 do Gabinete da SUSIPE verifica-se ainda a relação dos grupos religiosos nos presídios em Belém, que são: TABELA 1 – lista de grupos religiosos ASSEMBLEIA DE DEUS COMUNIDADE CATÓLICA IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS IGREJA BATISTA NOVA ESPERANÇA IGREJA QUADRANGULAR IGREJA DEUS É AMOR IGREJA PENTECOSTAL ARCA DO CONCERTO SOCIEDADE BÍBLICA DO BRASIL A FAMÍLIA INTERNACIONAL MISSÃO ÁGAPE Fonte: SUSIPE, 2010 42 Forma-se então um total de 10 grupos religiosos, lembrando que neste quadro está exposto apenas, o nome geral dos grupos, mas cada denominação tem sua localidade. Sendo assim, cabe também ressaltar que o número não se restringe apenas a essa quantidade de igrejas, pois no Centro de Recuperação Feminino – CRF, existe a Seicho-no-ei, e no PEM III a presença da religião Espírita, mas o número de grupos religiosos informado pela SUSIPE foi apenas este que o quadro mostra. 3.2. A RELIGIÃO E SUA RELAÇÃO COM OS APENADOS A partir daqui, é desenvolvida a relação entre religião e internos, como ambos se apresentam. Na verdade, a religião dentro da penitenciária é uma relação de conforto, de auxilio na vida do detido, pois quando este chega até o cárcere, chega transtornado, pois foi capturado, e se depara com o estado de clausura pelo crime que cometeu, e começa a viver em um lugar que realmente não é vida a ninguém, e pelo fato de ter que conviver com diversas pessoas fica até mesmo à mercê de doenças. Vale citar a questão de higienização, exposto aos ratos e dejetos, que chega a pensar que realmente a vida não vale mais a pena, lembrando que não se pode esquecer que está ali pelo fato de ter violado as regras e cometido um crime. Diante dessas questões de crime, e pena, que o detento terá que enfrentar, e muitas vezes até abandonado pela família e discriminado pela sociedade, o apenado se apegará a religião como válvula de escape, mediante o caos. Buscando assim formas de sobrevivência, ou refúgio para se aliviar do tormento do cárcere, encontrando então diversos vieses, como por exemplo, o suicídio, homicídio, as drogas, a religião etc., o qual serve como alternativa de fuga e é justamente o que este item pretende enfocar, essa tal fuga para o transcendente, Sendo assim essa fuga para a religião faz com que o detento não se coloque contra o sistema carcerário, pois não matará seus companheiros, não se destruirá, mas sim começa então a olhar as coisas, pela vontade do transcendente, e aceita sua situação reconhecendo que deve pagar pelo que cometeu, e ver o cárcere até como um escape do transcendente para “salvar” sua vida. Isso se mostra no relato do Detento 1. 43 A vida pra mim dentro do cárcere foi Um grande livramento de Deus, porque Sou o único que continua vivo e ter sido preso foi um plano de Deus. Me lembro do povo de Israel [Is: 40,2] Que foram levados ao cativeiro, mas foi também plano de Deus, porque se estivessem livres muitos teriam morrido no deserto e a prisão foi um escape de vida pra eles. (DETENTO 1) Nota-se que neste relato a prisão é um plano transcendental, pois se estivesse livre no mundo da criminalidade talvez não se encontrasse mais vivo, e para exemplificação o apenado utiliza comparações bíblicas. Partindo dessa ideia de reconhecer através da religião o cárcere como um suposto livramento, acaba ajudando e contribuindo com as leis penitenciárias e, nesse sentido, contribui também direta ou indiretamente com as autoridades legislativas, judiciárias, policiais e penitenciárias nas suas tarefas em fazer reformas e leis necessárias, pois a religião no cárcere ajudará a regular o comportamento dos detidos, servindo como um auxílio para a casa penal, que este por sua vez obedece às ordens propostas, aconselhará também aos demais, sendo assim uma via de mão dupla, religião e sistema penitenciário, no processo de conversão e reinserção na sociedade, fortalecendo assim o sistema penitenciário, onde até se pensa e conceituam como sistema defasado que fomenta mais ódio, uma escola de crime que não recupera ninguém. A religião no cárcere surge então e tenta dar um novo significado, sendo que isso pode não se dar de forma plena, pois, de maneira geral, ainda tem muitas coisas que devem ser vistas, e pensar que a religião poderá abarcar tal situação é engano, mas falar que a religião dá um novo significado, é apenas no sentido da religião ter a possibilidade de prestar ajuda ao sistema e contribuir de forma parcial para a melhoria da casa penal. A relação da religião na vida dos detentos tem amenizado muitos problemas dentro do cárcere tem servido de acréscimo, pois de acordo com relatos de agente penitenciário até mortes têm sido evitadas, pois os apenados não se suicidam e nem tiram a vida do outro, porque, segundo eles, são novas criaturas, e como tal criatura “as coisas velhas já se passaram e tudo se fez novo” e acrescentam citando o mandamento bíblico “não matarás”. Sendo assim, cita-se ainda a contribuição de Giddens (1978, p. 60) ao descrever as ideias de Durkheim: Rejeita-se a ideia de que a religião pode ser definida como necessariamente relacionada com seres sobrenaturais ou com deuses. Sugere-se que as crenças religiosas expressam um caráter da totalidade social; que a religião 44 é a fonte original de todas as formas de pensamento, que subsequente se secularizaram; e, finalmente, que, embora, o domínio da religião sobre a vida do dia a dia decline no curso da diferenciação social e a velhas divindades desapareçam, os novos ideais de individualismo moral ainda preservam um caráter intrinsecamente religioso. Conforme Giddens (1978), percebe-se que a sociedade ela não é estática, mas sim dinâmica, contudo isso Durkheim afirmava independentemente de qualquer variação social. A religião jamais teria a possibilidade de ser anulada, lembrando que a preocupação de Durkheim consistia no novo modelo de solidariedade organizada através da divisão do trabalho, e que, mesmo assim, a religião resistiria tal mudança no sentido de perpetuação de valores. 45 CAPÍTULO 4. A RELIGIÃO E A REINTEGRAÇÃO 4.1. A METODOLOGIA EMPREGADA PARA A PESQUISA Inicialmente essa pesquisa se deu a partir de diversas visitas no início de 2009, com o grupo religioso SIMADEM – Secretaria Internacional de Missões da Assembleia de Deus, no Maguari, pois devido o contato com a casa penal e até mesmo com os detentos durante os cultos, o desejo de pesquisar como funciona a religiosidade dos detentos partiu do contato com a aquela realidade que levou a pesquisar a religião no cárcere, mais especificamente a própria experiência religiosa no cárcere, e a partir desse momento, começou-se a coletar informações aleatoriamente, onde, no início de 2010, já se tinha em mãos diversos suportes para iniciar a pesquisa. Sendo assim, foram elaborados questionários diferenciados, pois essas perguntas se dirigiam aos detentos e ao diretor do CRPP I – Centro de Recuperação Penitenciário do Pará I. Foram feitas em torno de 15 a 16 perguntas, para obtenção dos dados, fora as conversas com agentes penitenciários e apenados, durante o momento dos cultos, no qual esses relatos apurados me facilitaram o aprofundamento da pesquisa. Partindo desse contexto, desde o mês de agosto ate o mês de novembro de 2010, foram coletados dados tanto na casa penal, como na SUSIPE. Essa pesquisa tem cunho qualitativo, sendo os sujeitos dessa pesquisa dois internos e um exdetentos, e o Diretor do CRPP I. 4.2. BREVE HISTÓRICO SOBRE O CRPP I Neste subtópico será descrito de uma maneira breve a respeito do Centro de Recuperação Penitenciário do Pará, CRPP I antigo Centro de Recuperação Americano I – CRA I, essa modificação dos nomes aconteceu em janeiro de 2010. O CRPP I foi fundado no ano de 1977, e nesse período era o governo de Aloysio C. Chaves e do Secretário do Interior de Justiça Alberto Seguim Dias, também como Secretário de Obras, Pedro Paulo L. Dourado, e do então Presidente da República Ernesto Geisel. 46 O complexo do Centro de Recuperação Penitenciário do Pará se localiza na BR 316, Km 50, Vila de Americano, Distrito de Santa Isabel, se dividindo em seis polos de recuperação (CRPP I, CRPP II, CRPP III, Hospital de Custódia, Centro de Recuperação Especial e Colônia Agrícola, de regime semiaberto). O CRPP I, lócus da pesquisa de campo, é composto por 8 pavilhões totalizando 390 celas, o qual atualmente conta com 2.022 presos. Existe, ainda, um centro de triagem onde são feitas as documentações dos presos, os dados e os códigos penais. O centro de triagem serve para organizar os documentos, identificar se algum detento possui algum tipo de doença como tuberculose, hanseníase, etc. Na triagem também ocorre avaliação psicológica para verificar se eles têm algum transtorno mental. A triagem cuida da chegada dos presos das seccionais, lembrando que os presidiários ficam na triagem no máximo uma semana. O CRPP I conta com o Hospital de Custódia de Tratamento Psiquiátrico – HCTP. No hospital estão internadas as pessoas que têm transtornos mentais e psicológicos, chegando a somar 155 detentos vindos também de outras penitenciárias que não têm um hospital. Vale lembrar que no total de presos já está incluído o número de pessoas que sofrem de transtorno. Em relação aos trabalhos, atualmente são 136 detentos que já cumpriram 1/3 da pena e que desenvolvem trabalhos laborativos na cozinha, padaria, manutenção, serviços gerais, sendo que todos assinam folhas o qual redime a pena, que a cada três dias de trabalho, redime um dia da pena, também eles recebem valores que são divididos, ou seja, parte desse dinheiro fica com os detentos e a outra parte fica depositada para quando o preso sair da cadeia, sendo importante ressaltar que esse dinheiro vem do Governo, justamente para cumprir a exigência legal da lei de execução penal o qual incentiva o trabalho. Cabe ainda ressaltar alguns projetos desenvolvidos pelo Governo Federal e Estadual que são o Projovem prisional, e o EJA – Educação de Jovens e adultos. Fazia parte do Projovem cerca de 80 presos, mas devido a evasão esse número foi reduzido para 40 alunos, e nesse projeto os presos também ganham bolsa do governo com o valor de 100 reais, lembrando também que existe ainda um laboratório de informática que faz parte do Projovem, e também os presidiários desenvolvem trabalhos extras, como por exemplo, as produções artesanais, de reciclagem, utilizando assim jornal, pauzinho de picolé, palito de dente, caixa de 47 fósforo, sacola, tudo isso para a produção de bolsas, ursos, quadros e outros, se tornando verdadeiros profissionais nessa área. Sendo então o trabalho um dos meios através do qual os detentos também conseguem se reintegrar. 4.3. A RELIGIÃO NO CRPP I Ainda na sequência é de extrema necessidade descrever o funcionamento da religião dentro do Centro de Recuperação Penitenciário do Pará I – CRPP I, pois é exatamente assim que se pode entender como os apenados vivenciam essa experiência. Sendo assim, a religião dentro do cárcere é bastante benéfica, pois acalma os ânimos, fomenta esperança, dando para a vida do apenado novo sentido de existência, pois por meio da religião o detento se sentirá uma criatura renovada, e que mesmo cumprindo pena, se sente perdoado pelo transcendente, pois segundo eles “as coisas velhas já passaram e tudo já se fez novo”. Sendo assim, vale ressaltar o que relata o diretor da Casa Penal em relação à religião lá dentro: Nós temos hoje a religião no cárcere. Ela é organizada. E como que funciona? A religião dentro da Casa Penal, os próprios presos, eles tem uma certa liderança. Já, então começa a surgir liderança, líderes e eles mesmos vão se organizando, vão organizando os atendimentos, as reuniões, isso no decorrer da semana, os dias, os horários, sendo assim eles mesmos organizam com a aquiescência com a concordância da direção da casa penal de segunda a segunda, até domingo tem atendimento religioso. No geral são eles que organizam os cultos e quem fica a frente são os presos mais antigos, ou seja, há mais tempo no cárcere, mas tudo passa pela segurança da casa. (DIRETOR DO CRPP I) Nota-se nas palavras do diretor da casa penal, a autonomia que eles concedem ao preso no desenvolvimento das atividades religiosas, sendo que passa primeiro por uma vistoria da Casa. Nesse sentido o que se apresenta dentro do CRPP I é uma religião totalmente voltada para o contexto cheio de restrições, a ponto dos detentos monitorarem uns aos outros, para que não haja nem um tipo de transgressão e se por acaso acontecer algum tipo de falha ou pecado o detento automaticamente será disciplinado, sendo que essa disciplina funciona como uma forma de punição, castigo, para que este não venha a falhar novamente, tendo esta disciplina a duração de um a três meses dependendo do caso. Por exemplo, se for a fornicação, 48 tem a duração de 90 dias, já a masturbação tem a duração 60 dias, o uso de drogas 30 dias e assim sucessivamente, sendo que a disciplina se insere na ausência das práticas religiosas gerando vergonha. Aquele que não consegue cumprir essas regras eles acabam sendo disciplinado ou a ser chamado atenção. Muitos aqui são disciplinados já que eles não aceitam a disciplina eles não podem mais conviver no meio da congregação porque essa que é a regra dos presos... Olha, a disciplina ela não tem tempo determinado depende do esforço do interno que está na Assembleia de Deus, buscando a Deus não tem tempo determinado porque a disciplina ela é pra aquele causador dos problemas que tipo ele causa um problema e a gente disciplina ele quinze dez dias depende da gravidade, a gravidade que ele for cometendo a gente vai disciplinando ele e se ele for se humilhando a gente tira. (DETENTO 2) É importante destacar que essa punição além de servir como autodisciplina serve também para intimidar aos demais, havendo temor para não praticarem tais atos, pois o dirigente do cárcere explica porque tal detento foi disciplinado, o interessante é perceber que às vezes são erros pequenos como, por exemplo, passar do horário do termino o culto, dormir na cela apenas com roupas intimas, e isso já se torna motivo de disciplina, então se mostra aqui uma religião totalmente radical, para homens que já cometeram diversos tipos de crimes, dormir de peças intimas ou passar do horário do término do culto não parece um erro tão grave. Dentro desse contexto é que se solidifica a religião, pois assim como esses homens antes de serem capturados eram perversos criminosos, buscam na religião formas de se redimirem, é como se nascessem de novo, onde querem agora fazer com bastante rigor aquilo que na religião acham certo, serve também como auto defesa contra as transgressões ou pecado, pois o detento precisa se apegar a essa forma de doutrina, para demonstrar ao transcendente que eles são pecadores que já se redimiram e que mesmo errando reconhece seu erro, sendo severos consigo mesmo como forma de resistência ao pecado, criando assim uma religião ortodoxa, chegando ao fanatismo. Na verdade, essa ortodoxia é uma forma de refúgio ou resistência aos pecados do mundo, dessa forma, há uma intolerância a toda ação ou atitude que possa ser entendida como um princípio de pecado, que possam ganhar consistência maiores, sendo um pequeno erro que precisa ser punido e evitado. 49 Vale ressaltar que os cultos são bastante eloquentes, fazem vigília uma vez por mês, jejuam incessantemente, para alcançar seus objetivos com o transcendente, a religião para eles é uma segunda chance que a “divindade” deu a eles, e o estar no cárcere foi permissão do transcendente para que acontecesse esse encontro com a religião, por isso são devotos fanáticos e reconhecem que a existência deles é um favor imerecido da divindade, e como gratidão a esse favor, se entregam a religião primando principalmente por uma vida de santificação. Nós somos muito rígidos em santificação nós levamos a santidade do Espírito Santo ao conversamos um com o outro todos os dias com o culto, doutrina, pra que venham aprender pra que eles venham ficar é... justamente, renovado pelo Espírito Santo cada dia mais. (DETENTO 2) Veja que a questão da santificação, nesse fragmento, se mostra de maneira bem clara, e além do apenado se manter em santificação ele ainda ensina aos demais a praticarem a santificação, lembrando que essa santificação está inserida, na própria abstenção do apenado as drogas, prostituição, brigas etc. A luta de fazer o que é certo, resulta numa vida de santificação no caso, as práticas religiosas, conduz a vida de santidade. No geral são 160 detentos religiosos, sendo que o dirigente é um detento nomeado pelos próprios internos, pois selecionam a partir do bom exemplo, sendo que lá no cárcere fora o dirigente tem também cinco obreiros internos que ajudam no trabalho religioso e em relação aos grupos religiosos de fora os detidos tem bastante respeito, pois se espelham muito na postura dos grupos de fora, lembrando que o contato com os outros religiosos é para eles um reforço espiritual, onde também contribui bastante no trabalho de evangelização, que se desenvolve com o número de três equipes de interno para assim pregar a palavra, sendo que eles vão até aos outros pavilhões, e em cada cela começam a pregar a palavra, e aqueles que se convertem à religião ficam em observação durante algum tempo dentro do pavilhão 6 na “cela de triagem” – expressão que eles mesmos adotaram para distinguir o espaço de observação. Na verdade, existem as celas de triagem no CRPP I que ficam logo na entrada do presídio, pois é onde os presos ocupam logo que chegam no cárcere, esperando desocupar outras celas e também é o lugar onde são organizados seus dados e feita as verificações quanto as doenças e segundo os detentos se esses novatos tiverem um bom comportamento ficam por menos tempo 50 na triagem, mas no próprio pavilhão seis que é justamente o pavilhão dos religiosos, foi criada uma cela só para observar aqueles que se convertem, para ver se realmente mudaram, e sendo assim, o detento convertido através da sua atitude vai demonstrar se realmente é ali que deseja ficar, lembrando que tem alguns que desistem, devido não conseguirem resistir algumas coisa que gostam de fazer. Devido não conseguir largar a droga não conseguir lagar os seus desejos seus próprios desejos daí acabam voltando lá pra baixo pro mundo, mas eles não criam nem um problema eles falam, não a gente não quer, mas ficar aqui porque até mesmo a gente não conseguiu a gente tentou mas não conseguiu, agora agente “ta” querendo voltar retornar e ai eu venho até a direção e a direção mandam eles de volta onde eles “tavam”, “né”, a gente nem precisa dizer pra eles sair o próprio Deus tira eles porque ele não consegue permanecer no meio das pessoas que tão buscando a Deus. (DETENTO 2) Nota-se que tem muitos que se retiram do pavilhão dos religiosos, para continuar a vida que tinha, em outros pavilhões, segundo o Detento 2 são bem poucos que pede pra voltar, porque a maioria aceita a religião e começa a viver a experiência religiosa ao ponto de renunciarem a vida que viviam em outro pavilhão. A partir da religião o detento deixa as práticas que antes tinha, como por exemplo, o uso de celular sem permissão, a utilização de drogas brigas etc., pois vê na religião, seu principal estilo de vida, sendo assim Croatto (2001, p. 45) descreve que “as necessidades são saciadas, na instância religiosa, por realidades de ordem transcendente”. Croatto (2001) mostra que o homem é composto de várias necessidades, sendo que a necessidade psíquica será suprida com a paz, o gozo da “glória” ou a visão de Deus, estados místicos, amor plenificante, na verdade o homem aqui passa de um estado de fragmentação para o totalizante, e é quando descobre que é limitado, mas que sua necessidade acredita que poderão serem supridas por meio do transcendente. A religião no CRPP I é marcada por grande sofrimento devido ao estado de clausura e abandono, mas através do transcendente a religião acaba sendo uma alternativa de fuga em meio aos sofrimentos até porque tem muito preso que não sabem nem se chegarão a sair, pois os anos que terão que passar ali, devido o número de pena ser tão alto, nesse sentido a religião é tudo que vai preencher a vida de sofrimento, como relata o Dirigente do CRPP I: “foi muito sofrimento muita 51 angustia muita dor, e ai veio a me levar a trabalhar na obra do nosso senhor Jesus desde então eu continuei a fazer a obra até hoje”. Na citação confirma-se que o que leva o detento a se aproximar da religião é justamente essa carência, o interessante é perceber que após o encontro do apenado com a religião, este terá agora que ajudar os seus companheiros a se encontrar com a mesma, mas o fato de ser uma referência religiosa o fará ser respeitado. [...] todos somos respeitados tanto pelos detentos quanto pela direção e até mesmo nós somos mais respeitados ainda porque a gente leva a palavra do nosso senhor Jesus, levamos pra ele dentro do cárcere das cadeias não somente nessa cadeia onde me encontro mais como nas demais cadeias nós levamos a palavra de Deus e o evangélico de Deus está cada vez mais se expandindo dentro das penitenciárias do polo. (DETENTO 2) A incumbência de levar a palavra faz do indivíduo um ser respeitado, por isso o aceitam como um líder pela palavra que professa, lembrando que esse indivíduo se põe numa postura realmente de líder para ajudar aos outros detentos, lembrando que ele se encontra na mesma situação de presidiário, mas a religião o colocará como um representante espiritual na vida daqueles apenados, tanto que em suas conversas se dirigem ao apenado como uma autoridade constituída pelo transcendente. Percebe-se que as religiões que adentram o cárcere com mais frequência são as religiões do cristianismo, lembrando que a religião espírita há muito tempo atrás já chegou a frequentar, mas depois desapareceu do CRPP I. Nós temos hoje um grupo forte no Americano I dentro do presídio nós temos ai a evangélica que “ta” muito consolidada dentro da casa penal a Igreja Católica ela tem dado a participação dela. Nós tivemos aqui na penitenciária até um tempo atrás o espiritismo, mas não vieram mais ficaram quase dois meses trabalhando o lado do espiritismo não sei por que motivo deixaram de vir a Casa Penal. (DIRETOR DO CRPP I) O que se percebe na citação é a grande frequência do cristianismo, no CRPP I, embora outras religiões já tenham frequentado, mas a presença forte mesmo é do cristianismo, isso fica bastante claro na entrevista com o diretor, segundo 52 comentários dos agentes penitenciários, a religião ganhou espaço no cárcere por intermédio do atual diretor o qual já está em seu exercício há cinco anos. 4.4. VALORES APREENDIDOS NA RELIGIÃO Neste subtópico serão desenvolvidos os valores apreendido na religião, ou seja, como a religião é capaz de influenciar, e até mesmo modificar comportamentos, onde ela se apropria de tal forma que o indivíduo vai incorporar as crenças para o dia a dia. Na verdade, a religião tende a agregar valores que conduzirão o homem à tomada de decisões, e nisto forja então a cada dia um caráter pautado na religião. Dentro desse contexto a religião chega à vida do detento como meio de libertação, os quais começam a relatar que mesmo preso sentem-se livres, pois através dela consegue se reencontrar, e perceber que existe solução mesmo que esteja encarcerado, isso se torna fundamental nessa pesquisa, pois não pesa mais a pena, pois já estão livres, a alma liberta, para o preso que adere a religião é como se novamente ressurgisse para a vida, pode-se dizer que a religião no cárcere é a forma que o detido encontrou para se reencantar ao mundo. Dentro desse contexto isso nos remete aos escritos de Weber já citado nesse trabalho, que ao contrário do desencanto descrito no capítulo primeiro, o detento encontra na religião o reencantamento pelo mundo, sendo assim precisa viver nas amarras da magia, do encanto que é até mesmo do ritual que religião tende a oferecer como alternativa de fuga simbólica para o transcendente, pois o detido até então se encontra numa situação de caos. e misérias e na religião poderá desfrutar dessa fuga transcendental, logo seus comportamentos serão moldados a partir da religião. Sendo assim, o detento estará mais aberto às novas descobertas, as aprendizagens que até mesmo o ódio fomentado pela prisão que trouxe se transformará em bem, e por meio da evangelização se tornará um fanático para que seus companheiros também possam desfrutar do sentimento de paz o qual sente, renunciando assim o crime, e todas as mazelas que o colocarão em estado deprimente, vendo a prisão não como um fim, mas como o início de grandes valores. Cabe aqui ressaltar que a religião estimula a própria questão do trabalho, pois o apenado já não trabalhará somente para a redução de sua pena, mas também 53 para ajudar seus companheiros religiosos, que muitas vezes não tem o que vestir, ou dispõe de algum tipo de carência material que com a ajuda de outros apenados poderá assim estar sendo suprida, segundo eles, além de cumprir a lei dos homens ainda fazem caridade, um dos valores também apreendido pela religião é a própria questão da educação, pois quando estes apenados se encontram com a religião, é importante entender que muitos deles são analfabetos e a vontade de saber o que contem na Bíblia os leva a se desprenderem de suas dificuldades e aprenderem a ler, muitos se hoje sabem ler afirmam que aprenderam na Bíblia, ou seja, a Bíblia acaba sendo um instrumento de educação. A religião dentro do cárcere é um divisor de águas para que o apenado se desprenda do comodismo e tenha novamente força de vontade para se recuperar não só como um homem religioso, mas como um cidadão que interage com a sociedade, mostrando assim que mesmo encarcerado consegue se desenvolver mobilizar-se até mesmo intelectualmente, vale aqui citar que muitos fazem cursos teológicos para obter os conhecimentos ministrados pela Igreja Batista Equatorial, sendo assim ativamente a religião está cooperando para o desenvolvimento do detido, sendo que esse desenvolvimento não se insere só na ajuda para Casa Penal, mas para projetos do governo, como o EJA, o Projovem, e assim sucessivamente. Cabe aqui citar como Mello (2007, p. 09) identifica a religião no cárcere, sendo que nessa pesquisa a autora desenvolveu na Agência Goiana do Sistema Prisional na Região Metropolitana de Goiânia, na qual busca relatar que “na relação com outros detentos, incrementa seu status social porque fala ao microfone, canta, dá testemunhos, dá conselho aos outros se redefinindo a frente dos outros como um ser transformado e não mais moralmente marginalizado”. Isso garante o sentimento familiar uns com os outros, substituindo assim os laços familiares perdidos, em que se chamam uns aos outros de irmãos e abraçamse, oram juntos garantindo assim por meio do transcendente um cuidado da sua estada no presídio, dando conforto e coragem para superar as situações difíceis, sendo assim o apenado que se insere na religião, o seu comportamento modifica bastante. [...] esse pouco tempo que eu tenho na casa penal 5 anos eu tenho já presenciado que a atividade religiosa a religião ela altera o comportamento muitos tinham o comportamento alterado disciplina 54 desobediência as ordens da Casa ofendiam os funcionários davam problema para os funcionários pra direção da casa pra segurança tentavam fugas, mas a partir do momento que se aproximaram começaram até a trabalhar, a partir da atividade religiosa na casa eles tiveram outro comportamento e mudaram pra melhor tinha dificuldades de se aproximarem e com as atividades na casa muitos mudaram. (DIRETOR DO CRPP I) Percebe-se que a religião trás melhorias não só para a vida dos detentos, mas para a ordem na Casa Penal, pois a partir da religião os presos obedecerão os agentes, e isso facilitará o convívio tanto dos presos quanto do próprio sistema penal dentro do CRPP I. Dentro desse contexto os detentos a partir da religião começam a trabalhar dentro do cárcere, não só nas atividades religiosas, mas nos trabalhos laborativos que são os trabalhos na cozinha, serviços gerais, capina, etc., o qual tem por finalidade estabelecer segundo a lei de execução penal considera “o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana que terá finalidade educativa e produtiva (art. 28). 4.5. RELIGIÃO E REINTEGRAÇÃO Neste item será enfatizada a religião agindo como processo de reintegração, ou seja, a religião aqui será entendida como forma de restabelecer o detento, que por mais que este esteja estigmatizado pelas manchas do crime, a religião vai se apossar dessa criatura para incutir valores morais que favoreçam sua reintegração na casa penal e posteriormente na sociedade. Com isso a religião dará ao detento uma nova identidade, segundo os presidiários “identidade de Cristo”, que através dela o detido terá um novo reconhecimento, nasce ai a valorização da religião dada a ele, ou seja, a religião investe na vida do apenado ajudando a curar as feridas do crime, a religião então tratará dessa enfermidade chamada crime afim de obter tal recuperação,cabe aqui citar o escrito de Oliveira (1978, p. 194): Entendo que a religião atua de forma importantíssima no processo de recuperação do delinquente, sendo um detalhe de valor transcendental que não pode de forma alguma ser descuidado. Penso ser de mais alta importância. 55 Oliveira (1978) descreve com exatidão a importância que a religião tem na vida do delinquente. Por isso, por piores que sejam a formação de uma pessoa, as suas tendências ou até os crimes que tenha cometido, não cabe à religião condenar e sim tratá-lo para que venha ser recuperado e posteriormente venha a praticar o bem e ser útil a si próprio e a sociedade. Então, na concepção de Oliveira (1978), a religião é indispensável na vida do delinquente. Dentro desse contexto, após o detento ser aceito pela religião da forma que se encontra passará por um processo de mudanças, experiências religiosas, pois o que atrai o preso e encanta-o é justamente esse contato com o sagrado. Partindo desse ponto, é na experiência religiosa que o detento vai se reintegrar a sociedade, pois, para a concepção religiosa não se trata mais de um delinquente, e sim uma pessoa “transformada” pela religião, proporcionando assim sua relação com outras pessoas e até mesmo sua relação com a própria sociedade, que lhe verá como um criminoso, mas que se arrependeu, sendo então uma outra pessoa e esse reconhecimento, ou seja, essa forma de se reintegrar à sociedade, facilitará totalmente seu convívio para com os demais, a ponto de se sentir um ser considerado, como afirma o ex-detento do CRPP I: “confesso que eu não quero mais ser um ladrão considerado, mas eu quero ser um cristão considerado e grande pregador da palavra de Deus”. Nessa entrevista, este detento em seu relato havia dito que durante a sua vida na criminalidade, por ser muito mau era um “ladrão” considerado, temido, hoje quer mudar seu perfil de vida, ou seja, de ladrão para cristão e assim anunciar a palavra que uma vez o libertou. Dentro desse contexto, a valorização na vida dos apenados é por meio da religião, mas ao mesmo tempo este é grato à extrema compaixão do transcendente em aceitá-lo e por isso se vê como um nada diante do grande poder do transcendente. Verifica-se então como Otto (1992, p. 19) se apropria do estado de dependência quando diz “procuro um nome para este algo, mas chamo-lhe o sentimento do estado de criatura que se abisma no seu próprio nada e desaparece perante o que está acima de toda criatura”. Dentro desse contexto Otto (1992) expõe que tal explicação não passa de exposição conceitual disto mesmo, ou seja, Otto (1992) quer mostrar o aniquilamento da criatura perante o poder soberano, então nesse sentido é na religião que o detento mesmo sendo um criminoso “um nada”, mas o transcendente 56 o aceita mesmo assim, dando nova vida para tal criatura. O qual, para estes detentos, o nada já é alguma coisa, já é um valor, então eles se acham valorizados, pois segundo eles eram menos que nada perante o transcendental. No geral, a religião aqui é entendida como esse “bem” que o detento ao se encontrar com a mesma se apega com todas as suas forças, submetendo seu próprio corpo em nome da religião para obter alívio trancendental e muitas vezes se priva das práticas do dia a dia como sacrifícios, pois o detento jejuará ou fará propósitos para se conectar com o outro plano, e até mesmo se submeterá a batismo nas águas como sinal de sepultamento de pecado. Vale ressaltar que o detento também, segundo ele, será tomado pelo Espírito Santo, que através desse êxtase fala em novas líguas o que se denomina por glossolalia, realizando seus cultos incessantemente, suas campanhas e vigílias para que essa emoção nunca se esgote. 4.6. CRÍTICAS DA RELIGIÃO DENTRO DO CRPP I Este item aborda a religião e suas críticas dentro do CRPP I, que se tornou fundamental para o desfecho desse trabalho. Durante a pesquisa de campo, em uma entrevista, um apenado começou a traçar o perfil dos detentos que são religiosos, na verdade, esse entrevistado demonstrou sua insatisfação para com a religião no cárcere. Sendo assim, as críticas do preso denominado de “Detento 3”, se baseiam em vários aspectos que a princípio se focam no fato de não concordar com o funcionamento da religião no cárcere, valendo então ressaltar que quando este detento chegou ao cárcere já tinha tido um encontro com a religião fora de lá, mas se deixou levar pelo viéis da criminalidade, por fim baixando presídio, e durante os períodos iniciais de sua estadia, o detento voltou novamente a fazer parte da religião, mas só durante alguns meses, pois houve acontecimentos que não concordava e por não se achar enquadrado preferiu se abster da mesma. Infelizmente eu deixei levar por meus impulsos animais de achar que eu que tinha razão que eu que era o certo que eu que estava correto, o Pastor que estava errado, por causa dessa discussão acabou acontecendo o que não era pra acontecer, que foi o afastamento da igreja, devido as coisas da vida, o dia a dia, a gente acaba perdendo o 57 caminho, mas se tiver naquele viver naquele objetivo original só a primeira vez quando você se converte, você se converte e... pensa em Deus... ir pro céu e alcançar o paraíso por herança só que devido o tempo na sua caminhada aqui na terra você acaba tendo pequenos percalços E este se você não for suficientemente forte, se você não estiver bem enraizado você acaba desviando do caminho, quando eu cheguei no cárcere, cheguei a entrar na igreja novamente, mas infelizmente por não concordar com certas diretrizes, de quem chefia a igreja aqui dentro do cárcere, novamente tornei a me afastar. (DETENTO 3) Nota-se que o Detento 3 já havia tido um encontro com a religião, e quando chegou ao cárcere resolveu se inserir na mesma mas segundo seus relatos por não concordar com certas diretrizes preferiu se afastar, ou seja, as normas da religião no cárcere não lhe agradavam, pois, segundo ele, aqueles apenados não se convertiam de coração, não havia neles uma sinceridade, ou seja, se chegavam à religião porque estavam preocupados com seus processos, com suas causas, com até mesmo seus próprios interesses, camuflando aquilo que realmente são, e através da religião conseguem disfarçar seus interesses. Sendo assim, na conversão dos detentos não havia nenhuma vontade de se encontrar com o transcendente, na verdade, aos olhos do Detento 3, nunca foram tocados pela religião e sim pelos seus próprios privilégios, privilégios esses de ganhar as coisas, alcançar destaque, espaço, ser visto como “recuperado”, não ser perseguido, enfim, são séries de fatores que levam o apenado a fingir que foi tocado pela religião, quando na verdade é só de fachada. Isso se mostra com bastante evidencia nos comentários do Detento 3: [...] eu pensei que a igreja aqui dentro era igual a fora, até cheguei a me agradar por ver a separação, esses homens aqui estão separados, estão buscando a Deus,foi quando eu observei que muitos por causa da perseguição que é menos, o espaço é melhor, então isso tudo agrega com que ele raciocine: “ eu aqui sobreviverei melhor por isso aceitarei Jesus eu não aceitarei Jesus no intuito de conhecer quem é Deus, quem é Jesus”. Nota-se que a realidade em que os detentos se encontram leva a aproximação para com a religião, o Detento 3 também comentou que muitos estão na verdade preocupados com seus processos,com o tempo em que vai passar preso. 58 Pode-se dizer que são misturas de sensações, como o medo, terror, hipocrisia abandono, privilégios, muitos segundo o Detento 3 se aproximam da religião querendo até mesmo que aconteça algo por meio da religião para serem absolvidos. Mello (2007, p. 07) acrescenta que “a vida no presídio oferece o mínimo possível de proteção e conforto, como resultado disso os detentos experimentam uma crescente situação de incerteza em relação ao futuro. e é dentro desse aspecto que a religião se mostra como uma saída para quem está preso”. Lembrando que os apenados não poderão esquecer que cometeram um crime, o qual terá que pagar por isso independente de qualquer vínculo religioso. Então, se apegar a religião com o intuito de encontrar alívio para preencher tal vazio deve fazer certo sentido, mas querer que a religião o tire dali é ilusão. Dentro desse contexto, a insatisfação do Detento 3 não é só para com os detentos mas também para com os grupos religiosos de fora que não cuidam do trabalho como deveriam cuidar, na verdade, o detento até elogia que os grupos religiosos de fora tem potencial para fazer um bom trabalho, mas diz que, às vezes, deixam a desejar justamente porque deveriam se preocupar com suas causas, levando em consideração que, segundo ele, os cultos que os grupos religiosos executam são „bonitos”, trazem edificações para a vida dos apenados, mas depois que vão embora os problemas continuam. Esta afirmação reconhece que os detentos estão ali devido a seus crimes, mas existem aqueles que não deveriam estar mais ali, inclusive, que já até passaram do tempo por problemas pequenos, e que se obtivessem algum tipo de recurso, já teriam saído. Partindo desse ponto, o Detento 3 queria que tivesse alguma mobilização dos grupos religiosos para advogar tais situações, e que muitos processos dependem apenas de uma assinatura de papel. O certo é que são detalhes que os grupos religiosos não fazem nada para reverter este quadro, e sendo assim, a resposta que o interno encontra para tal imobilidade é a seguinte: No convertimento dentro do cárcere há um ponto de interrogação muito grande: será que eu acredito no convertimento desse ser humano que está ai dentro? Se eu acredito no convertimento dele porque eu não faço uma junta de advogado para tirar ele daqui, e junto muitas pessoas que estão ai com crimes banais coisas bobas que já passaram do tempo de ir embora então se estou lá fora e sou líder da religião e implementei a religião dentro do cárcere porque eu não faço isso, será que é porque ele não é nada de convertido? Ele está tirando uma onda de crente porque eu 59 deveria acreditar nele. Já que eu venho pregar evangelizar fazer uma obra de redenção obra de mudança espiritual dentro daquele que está dentro do cárcere eu deveria acreditar que ele tinha se convertido e agir de uma forma que ajudasse ele tiraria do cárcere e quando sair do cárcere a igreja a qual está responsável por ele por esse convertimento deveria se responsabilizar particularmente em dar uma profissão um emprego uma renda para que ele não transgredisse novamente e ele visse realmente que o povo de Deus é diferente do povo do diabo. (DETENTO 3) Percebe-se que para o Detento 3, as igrejas descartam essa possibilidade de remove-lo do cárcere certamente porque não acreditam em seu convertimento, por isso afirma que é muito fácil chegar no cárcere, diz ele: “fazer culto, bater palma, fotografar os prisioneiros mostrar que estão fazendo um trabalho de ressocialização divulgar o nome da igreja mas na prática não acontecer nada”. No geral são essas críticas que o Detento 3 levanta, onde, por um lado, os grupos religiosos não investem nos seus apenados, e por outro, eles mesmos se voltam para religião afim de obter privilégios para facilitar tal sobrevivência. 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de tudo que já foi ponderado, cabe aqui destacar que a religião tem este poder de estabelecer padrões de conduta, moldar o caráter humano, na verdade, a religião não pode existir fora do homem por mais que se queira afastá-la, mas é algo intrínseco ao ser humano, justamente pelo fato de tender a totalidade, e perceber sua finitude, como já foi colocado a própria questão da morte, ainda é um incógnita, o medo das coisas futuras, misérias, criminalidade, o fato de estar no mundo cercado de tanta promiscuidade, que muitas vezes são tantos fatores que deixa o homem sem saber o que fazer, assim como também o deixa insensível diante de tanto caos. A religião, no entanto, é como um bálsamo a aliviar as contusões causadas pelos problemas sociais, que foge de nossas possibilidades de resoluções, com isso não se pretende afirmar que a religião seja a solucionadora dessas adversidades porque em nome da religião também se faz guerra, também se mata por diversos interesses. A questão mesmo está nas atitudes dos homens em querer ser moldados por formas de condutas, que não venham denegrir e nem ferir a si e aos outros, porque as leis existem para serem cumpridas, vai do indivíduo respeitá-las. A vida no cárcere reflete tudo o que foi citado acima, pois o apenado quando chega a baixar presídio é porque já violou e denegriu as leis, e por certo tem que pagar por elas no intuito de se reintegrar a sociedade, e como se reintegrar? Se o cárcere é um lugar de punição, onde se alojam diversas pessoas da mesma natureza que estão ali, sem direito a liberdade que possuíam, ou seja, privado de muitas coisas, que em vez de reabilitar o detento fomenta mais o ódio, nesse sentido é que entra a religião como alternativa de fuga transcendental no mundo da prisão. Partindo desse contexto, a experiência que o apenado vai obter por meio da religião muda sua forma de comportamento, onde não mais vê o cárcere como um lugar de ódio e nem como o final de tudo, mas como uma forma de recomeçar novamente, sendo assim, são apaziguadas as rebeliões, pois através da religião não atinge mais seu companheiro; pelo contrário, ajuda o seu próximo aconselhando-os a mudarem de atitudes erradas, obedecendo então à Casa Penal, contribuindo assim para o sistema penitenciário, então, a religião no cárcere se torna esta via de mão dupla com o presídio. 61 Através dos valores apreendidos na religião o detento agradece ao transcendente pelo escape de vida, pois se ainda tivesse submergido lá fora no mundo da criminalidade talvez, não estivesse vivo. Nesse sentido, o cárcere aqui é entendido como meio de escape para o apenado, é importante destacar que o detento até reconhece que precisa cumprir as leis judiciárias e ao mesmo tempo se sente livre de suas transgressões, ou seja, mesmo interno, porém livre espiritualmente. Enfoca-se ainda que a religião no cárcere, além de proporcionar um bom convívio com a Casa Penal, serve também como auto disciplina a ponto dos indivíduos realizarem sacrifícios para estar sempre conectado com o amparo do transcendente, sendo esses sacrifícios por meio de jejuns, orações, campanhas, vigílias, e dessa forma, muitas vezes são considerados como fanáticos ou loucos, lembrando que essas são formas de resistências ao mal, por isso, buscam incessantemente a presença do transcendente, quando na verdade, a obtenção desses sacrifícios por meio do jejum tem por objetivo enfraquecer e sacrificar suas carnes,se abster de muitas coisas e buscar apenas sua religiosidade, e por isso, são rígidos consigo mesmos e ortodoxos, criando suas leis que não podem ser violadas, e se tais regras não forem cumpridas, os detentos são logo disciplinados. Nesse sentido, os detentos são monitorados em seus comportamentos, pois o que eles querem mesmo é dar novo significado para suas vidas, pois assim como lá fora muitos deles matavam, roubavam, viviam para o crime, e hoje, segundo eles como “nova criatura”, querem fazer diferente a vida que antes viviam, e por isso dão o máximo de si para a crença, e assim, como eram pessoas perversas, querem agora ser pessoas justas, que primem pelas coisas certas que criam suas leis de punição, para que haja norma na religião. A valorização é outro fator a ser mencionado, pois o detento ao aderir à religião, ele comanda os demais, se tornando líder religioso, onde usa a função de ministro religioso dentro do cárcere, que além de disciplinar, exorta também, consola os detentos, ou seja, mesmo na condição de interno consegue ser respeitado como líder e muitos se espelham na sua maneira de agir. No geral, são esses pontos positivos que a religião no cárcere apresenta, embora alguns detentos estejam mascarando tal conduta e outros estejam apenas inseridos no intuito de obter privilégios, ou possuindo certos interesses que até então se desconhece não se pode ignorar o fato de que no CRPP I, a religião tem surtido grandes efeitos de 62 melhorias, pois de acordo com os agentes penitenciários, através da religião o número de mortos diminuiu e as brigas são vedadas, ou seja, por mais que alguns apenados estejam apenas disfarçando, não cabe aqui generalizar, pois a religião no CRPP I tem ajudado muito o convívio tanto para os detentos quanto para os funcionários da unidade, então, isso significa que assim como tem detentos que apenas estão visando seus interesses, tem também aqueles que de fato estão vivendo essa experiência religiosa no cárcere com grande significado ou exemplo de mudança, pelo menos lá dentro do cárcere, segundo afirmações do diretor da Casa Penal, tem sido benéfica e isso se comprova nos seus comportamentos. E em relação às máscaras, a hipocrisia sempre vai existir tanto dentro quanto fora do cárcere. Sendo assim, a religião dentro do cárcere foi a forma que o apenado encontrou para se reencontrar, e por mais que teóricos clássicos afirmem que a religião é uma alienação, uma neurose, etc., dentro do cárcere ela de fato tem funcionado. Diante dessas questões, a pretensão desse trabalho não é se opor quanto a tais argumentos, mas a de afirmar que a religião é uma das formas de sobrevivência no cárcere, sendo um lugar que o detento vai precisar cultivar seus ritos, símbolos, magia, precisando entrelaçar a crença às formas de reencantamento pelo mundo. Portanto, a religião no cárcere é produtiva no comportamento dos apenados, porém, não se pode afirmar que ela recupera, pois para falar em recuperação, teria que antes de tudo ser feito um profundo acompanhamento com aqueles religiosos que já saíram da Casa Penal, e através da obtenção de tais dados se perceberia se a religião de fato alcança o estado de recuperação, pois, a vida na prisão é o lugar onde o interno fica vulnerável a muitas situações com o envolvimento de drogas, doenças, suicídio, homicídio, e transtornos mentais. A religião tende, então, a trazer melhorias não só para os detentos, mas para a Casa Penal como um todo, mas não se pode generalizar essa melhoria por não se obter dados concretos daqueles religiosos que já saíram da Casa Penal, e por isso fica difícil dizer se a religião realmente recupera os detentos, o que deixa a proposta aberta para futuras pesquisas. 63 REFERÊNCIAS ALVES, Rubem. O que é religião. São Paulo: Edições Loyola, 2000. BUORO, Andréa. 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Por quê? 10 – Como ocorre a disciplina nos grupos religiosos quando algum apenado erra? 11 – Dentro do presídio existe uma área para a prática religiosa? Explique. 12 – Existe um trabalho de evangelização dentro do presídio? Como ele acontece? 13 – Acontecem alguns rituais religiosos dentro do presídio? Quais? 14 – Como os presos religiosos agem para contribuir para a ordem no presídio? 15 – Como os presos religiosos relacionam-se entre si e com os demais? 16 – Quais são as principais mudanças observadas nas pessoas que aceitam a religião dentro do presídio? 67 APÊNDICE 2 ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA OS DETENTOS DO CRPP I 1 – Como foi o seu encontro com a religião? 2 – O que levou você a querer se inserir na religião? 3 – O que é religião para você? Qual você segue? A quanto tempo? 4 – O que você sente quando está no culto, missa, etc.? 5 – O que sua família pensa a respeito de sua religiosidade no cárcere? 6 – O que os detentos acham de sua religiosidade? Você é respeitado por isso? 7 – Como atua os dirigentes religiosos no presídio, na sua opinião? 8 – Dentro da religião no cárcere, o que pode e o que não pode fazer, ou seja, o que é certo e errado? 9 – Já houve algum caso de disciplina ou punição por algum erro cometido entre os adeptos? Qual? 10 – Quais são os erros ou pecados mais frequentes no cárcere? 11 – Já aconteceu algum fato inesquecível em sua experiência religiosa? 12 – Quais mudanças que a religião trouxe para a sua vida? 13 – Você acredita que a religião apaga os erros do passado? Por quê? 14 – Mesmo como uma “nova criatura”, você se sente perdoado pelos erros do passado? Por quê? 15 – Quando você sair da prisão, ainda pretende continuar na religião? Por quê? 68 ANEXOS 69 ANEXO 1 FOTOS DO CRPP I E DOS RITOS E CULTOS RELIGIOSOS FOTO 1: CRPP I, antigo CRA I FOTO 2: Celebração da ceia no CRPP I pelos evangélicos da Assembleia de Deus 70 FOTO 3: Batismo feito no riacho aos fundos do CRPP I FOTO 4: Momento da ceia e do êxtase religioso no CRPP I 71 ANEXO 2 RELAÇÃO DOS DIAS E HORÁRIOS DE EVANGELIZAÇÃO NO CRPP I 72 ANEXO 3 PORTARIA Nº 583/2010 DO GABINETE DA SUSIPE