[primeiro - 48] primeiro/país 07-06-08

Transcrição

[primeiro - 48] primeiro/país 07-06-08
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Expresso, 07 de Junho de 2008
PRIMEIRO CADERNO
MEDITERRÂNEO
Regresso O nosso país está cada vez mais
presente no Norte de África. Mas os povos
continuam de costas voltadas. No Magrebe,
conhece-se o futebol português e pouco mais
Portugal
ruma a
SUL
Texto Margarida Mota
Ilustração Helder Oliveira/Who
s portugueses não
hesitam em ir de férias a Marrocos ou
à Tunísia, sabem
que a Líbia tem um
Presidente um pouco excêntrico e que
foi por causa de
um ataque terrorista na Mauritânia que o Lisboa-Dakar
foi cancelado. E partilham do fascínio universal de, um dia, avistarem
as Pirâmides de Gizé. No Estreito de
Gibraltar, escassos 14,4 quilómetros
de mar impedem que o Sul da Europa e o Norte de África se toquem.
Mas, nas duas margens do Mediterrâneo, a imagem que os povos projectam do ‘outro’ permanece refém de
estereótipos e de ideias feitas.
Amanhã e segunda-feira, decorre
em Argel a II Cimeira Luso-Argelina.
Em paralelo, será inaugurada a Feira
Internacional de Argel que em 2007
recebeu mais de 1,5 milhões de visitantes e que, este ano, tem como convidado de honra Portugal. “Sempre
tivemos uma relação excelente do
ponto de vista político e diplomático.
A Argélia desempenhou um papel
muito importante na formação da
nossa revolução”, recorda o embaixador português em Argel, Luís de Almeida Sampaio. “Aquilo que não existia, como agora, era o aprofundamento da dimensão económica”, diz.
Cerca de metade do gás natural consumido pelos portugueses é importado da Argélia. Por força dessa dependência energética, a balança comercial é altamente deficitária para Portugal, mas, aos poucos, empresas portuguesas vão cunhando a paisagem
local. Foi à Parque Expo, por exemplo, que foi adjudicada a elaboração
do Plano Director do Reordenamento Urbano de Argel, até 2010.
Geograficamente, Argel está mais
próxima de Lisboa do que Paris ou
Bruxelas — uma constatação ainda
mais válida para Rabat. “Neste momento, há mais de 130 PME portu-
O
guesas em Marrocos, que dão trabalho a 30 mil pessoas”, refere o embaixador em Rabat, João Rosa Lã. Um
dos logotipos de Marrocos no estrangeiro, o Hotel La Mamounia (Marraquexe), está a ser recuperado pela
empresa Casais, de Braga.
Hoje, 58% do total de exportações
portuguesas para o Norte de África
vão para Marrocos e 90% do mercado das parabólicas é português. “Estamos dependentes da situação que
se viver no Magrebe. Se houver um
surto terrorista ou problemas relacionados com a imigração clandestina,
Portugal e Espanha serão os primeiros a sofrer”, alerta Rosa Lã.
O que nos une
Durante a ocupação islâmica
da Península Ibérica, entre os
séculos VIII e XV, o território
recebeu o nome de Al-Andalus.
Situado em Granada, o palácio
de Alhambra é o expoente
máximo desse legado. Mas mais
do que um património comum,
hoje, os países da Península
partilham com a orla árabe
fóruns de diálogo que visam a
aproximação entre as margens
do Mediterrâneo: o Diálogo 5+5
(os cinco países da UMA, da
Mauritânia à Líbia, e cinco do
Sul da Europa) e o Processo de
Barcelona da União Europeia
(37 membros). A União para o
Mediterrâneo, de Nicolas
Sarkozy, será a próxima ‘ponte’
sobre o ‘Mare Nostrum’.
Na corrida das empresas lusas ao
mercado magrebino, o Egipto — ficou claramente para trás. Ainda assim, a Cimpor, por exemplo, controla 10% do mercado do cimento. É o
mais longínquo dos países da orla Sul
e tem uma vocação diferente do ponto de vista geopolítico — é um palco,
por excelência, do diálogo israelo-árabe. “Uma das funções da embaixada é seguir os trabalhos da Liga
Árabe. Em 2007, Portugal assinou
um Memorando de Entendimento
com a organização que nos permite
assistir às reuniões. Poucos países da
União Europeia têm-no”, refere Paulo Martins Santos, cônsul no Cairo.
A funcionar há pouco mais de um
ano, a embaixada em Tripoli já constatou o potencial de um país com dimensão para ‘engolir’ a Península
Ibérica. Só no primeiro trimestre de
2008, foram assinados contratos que
rondam os 1000 milhões de euros.
Mas para o diplomata Rui Lopes Aleixo, “a nossa imagem não pode ser só
a das empresas que chegam aqui. Há
que mostrar a cultura portuguesa e
aquilo que somos capazes de fazer
noutros domínios”, diz. Recentemente, três investigadores das Universidades de Coimbra, Porto e do Centro
de Mértola visitaram a Líbia e receberam luz-verde das autoridades para
apresentarem um projecto de elaboração do mapa arqueológico do país.
No término das conversas que o Expresso manteve com representantes
de quatro das cinco missões diplomáticas portuguesas no Norte de África,
é impossível iludir o forte contributo
do futebol na imagem que os povos
do Sul têm dos portugueses. No Cairo, Manuel José, que treina o Al-Ahly
— um clube com 50 milhões de adeptos... — é um ídolo. Já em Argel, é o
embaixador Almeida Sampaio que
não passa despercebido na rua... “As
cores de um dos principais clubes de
Argel — o Mouloudia — são o verde e
o vermelho. Quando fico parado no
trânsito, os miúdos vêm dar beijos à
flâmula (pequena bandeira) que tenho no carro. Apanho banhos de multidão por causa das nossas cores”.
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MAURITÂNIA
MARROCOS
ARGÉLIA
TUNÍSIA
LÍBIA
EGIPTO
Aprendeu a falar português a
bordo dos barcos de pesca
luso-mauritanos, ao largo do
Sara. Hoje, Yussuf, um
mauritano de 37 anos imigrado
há oito em Portugal, tem no
português a sua língua de
trabalho, num posto de
combustível de Portimão.
“Integrei-me bem. Há pessoas
que não gostam de imigrantes,
mas não ligo”. Nas férias, vai à
Mauritânia de carro. “O trajecto
é fácil, há sempre estrada até
lá”, durante 4000 quilómetros.
Quando chegou a Portugal há
nove anos, para fazer
investigação, Omar, de 35 anos,
teve de fazer “uma grande
ginástica” para evitar a carne de
porco e “adaptar-se à comida
portuguesa”. Hoje, este
professor de Estudos Árabes diz
apreciar “a capacidade de
desenrascar” dos portugueses. E
critica a “falta de pontualidade
e o ‘deixa andar’”, atitudes,
confessa, também marroquinas.
Em Portugal há 24 anos, Farida
tem um sonho: “Criar uma
associação de amizade
luso-argelina. Temos uma
história comum que deve ser
publicada”, diz esta consultora
internacional na área alimentar,
de 58 anos. “Temos uma
geração de casamentos mistos.
O que vai ser feito dela? Não há
uma escola de língua árabe, não
temos onde praticar e mostrar
a nossa cultura”. Preocupa-a o
futuro do neto luso-argelino.
A vida de Amel deu uma volta
de 180 graus desde que chegou
a Portugal, há 10 anos. Então,
seguira o marido até um novo
posto profissional; hoje,
administra o Santarém Hotel e
gere o operador turístico
‘Beauty Village’. “Gostamos
muito do país, não é muito
diferente da Tunísia, desde logo
no clima. E o contacto entre as
pessoas é muito caloroso”.
O bigode escuro faz Saud,
muitas vezes, passar na rua por
português. Nascido há 48 anos,
a 60 quilómetros de Tripoli, veio
para Portugal como bolseiro e
por cá ficou. “Gostei do país e
da forma como fui tratado”. As
duas filhas apreciam ir à Líbia
de férias, mas “falam pouca
coisa” de árabe. Gostava que os
portugueses fossem “mais
ambiciosos” e que “não
dramatizassem tanto”. Faz de
tudo um pouco na embaixada
líbia. E torce pelo Sporting.
“Nós, orientais, acreditamos
muito no destino”, diz Badr. E o
destino quis que este egípcio de
46 anos viesse a Portugal há 12
estudar a língua de Camões.
“Gosto de fado e conheço todas
as casas no Bairro Alto. É um
tipo de música muito próxima
da música árabe. Fala de pátria,
saudade e amor”. Se dependesse
de si, os portugueses não seriam
tão passivos: “Recentemente, no
Egipto, aumentou o preço do
pão e houve logo protestos”.