1 – INTRODUÇÃO

Transcrição

1 – INTRODUÇÃO
RELATÓRIO LÍBIA
EPPG
Escola de Políticas
Públicas e Governo
IUPERJ
Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro
UCAM
Universidade Candido Mendes
Rio de Janeiro, junho/julho de 2007
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
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1 – INTRODUÇÃO ............................................................................................. 3
1.1 - O Risco líbio...................................................................................................... 3
1.2 – Apresentação ................................................................................................... 6
2 - PANORAMA POLÍTICO ............................................................................. 16
2.1- Introdução ........................................................................................................ 16
2.2- Breve História da Líbia.................................................................................... 21
2.3 - Desafios Contemporâneos do Sistema Político Líbio ................................ 33
2.4 - O Componente Internacional da Política Líbia ............................................ 35
2.5- Conclusões ...................................................................................................... 43
3. PANORAMA ECONÔMICO......................................................................... 45
3.1 Breve história econômica ................................................................................ 45
3.2 Produção, investimento e emprego................................................................ 51
3.3 Inflação, Câmbio, Juro, Crédito e Finanças Públicas ................................... 55
3.4 Setor externo..................................................................................................... 58
3.5 Previsões e incertezas críticas........................................................................ 61
3.6 O Ambiente de Negócios ................................................................................. 62
4 – PANORAMA ENERGÉTICO...................................................................... 67
4.1- Introdução e Pequeno Histórico da Indústria ............................................... 67
4.2- Geologia do Petróleo ...................................................................................... 76
4.3 – Petróleo .......................................................................................................... 79
4.3.1 – Pequena História da Indústria do Petróleo............................................................. 79
4.3.2 – Produção e Reservas ............................................................................................. 90
4.3.3 – Evolução Prevista da Oferta................................................................................... 93
4.3.4 – Presença da PETROBRAS na Líbia ...................................................................... 94
4.3.5 – Downstream............................................................................................................ 95
4.4. -Gás Natural ..................................................................................................... 98
4.5 Energia elétrica na Líbia ................................................................................ 105
5 – PANORAMA MILITAR-ESTRATÉGICO.................................................. 115
5.1-Questões Gerais de Defesa Nacional ........................................................... 115
5.2- O Exército....................................................................................................... 117
5.3- A Força Aérea ................................................................................................ 119
5.4- Marinha........................................................................................................... 120
5.5- A Milícia Popular............................................................................................ 121
5.6 – Mulheres nas Forças Armadas................................................................... 122
5.7- Conclusões .................................................................................................... 123
6. EQUIPE...................................................................................................... 126
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1 – INTRODUÇÃO
1.1 - O RISCO LÍBIO
A Líbia coloca em questão a utilidade das avaliações de risco político
como fator determinante para a indústria do petróleo em suas decisões de
alocação de investimentos. Apesar de tudo indicar que o atual ciclo político —
iniciado há longos 38 anos, sob o comando inconteste de Muammar Gadhafi —
já iniciou seu ocaso, ninguém é capaz de prever com segurança como será seu
desdobramento no futuro a médio prazo (por exemplo, daqui a cinco anos). A
despeito de Gadhafi não ser tão velho assim, de acordo com os rumores e
especulações correntes, seu estado de saúde não é bom, conjecturando-se a
partir de suas raras aparições, em público e na TV, qual tipo de enfermidade
lhe acometeu.
O fato é que já se discute abertamente quem será o sucessor do Líder,
não obstante não existirem regras claras e constitucionalizadas sobre como se
deve dar sua substituição? Certamente não será por qualquer tipo de eleição
com participação popular. Se Gadhafi não indicar claramente seu preferido,
provavelmente será ouvido um subconjunto da Comissão Geral, do Congresso
Geral do Povo, máxima instância política do Estado líbio, mas as regras de
decisão a serem seguidas são desconhecidas. Além disso, há uma
complicação: Gadhafi há muito tempo não ocupa qualquer cargo no Executivo
ou no comando de um partido hegemônico. Exerce uma espécie de liderança
“virtual” que, algum dia, terá de ser substituída por uma liderança de fato,
institucionalizada ou não. Mas quem tem credenciais para assumir tal posição
de comando do país?
Os quadros das Forças Armadas já sofreram vários processos de
“limpeza” de suspeitos de envolvimento em tentativas de golpe de Estado e de
atentados contra a vida do Líder, promovendo-se assim, em paralelo, uma
renovação constante dos comandos militares. Por conseguinte, não há
liderança castrense com projeção suficiente para se postular como candidato à
sucessão. Por outro lado, a sociedade civil — onde os partidos políticos são
proibidos e os sindicatos e associações profissionais não têm a função
tradicional de conduzir a luta econômica dos trabalhadores organizados — é
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débil e desarticulada. Dela provavelmente não emergirá nenhum pretendente
competitivo para a sucessão do Líder. Em outra chave, os integrantes da
burguesia líbia sabem que só conseguem prosperar se seus negócios
estiverem articulados 1 com — ou tiverem a participação nos resultados de —
algum membro da família Gadhafi, ou com os pouquíssimos membros do
Executivo que têm real acesso ao Líder para encaminhar decisões de interesse
empresarial, como Shukri Ghanem, atual presidente da NOC. Por conseguinte,
dos meios empresariais quase que certamente também não surgirão nomes de
postulantes ao comando do país. A tecno-burocracia líbia também não seria
fonte de nomes credenciados para aspirar ao comando do país, tendo em vista
a postura subalterna e com baixa autonomia que marca seu comportamento
em geral. Como se sabe, a religião islâmica não tem uma Igreja, com estrutura
hierárquica como a católica. Cada sacerdote (shaykh, ou mullah, ou iman) de
uma mesquita tem plena autoridade religiosa na sua jurisdição ou comunidade,
respeitando as recomendações dos doutores em estudos islâmicos (ulemas ou
ayatollahs) quanto às questões de doutrina e interpretação do Corão. Esta falta
de hierarquia religiosa associado ao fato de que o Líder é fiel seguidor e
obrigou o Estado líbio a observar com rigor os preceitos corânicos — proibindo
o comércio e o consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo —, mantêm o
clero sem oposição ao regime e sem pretensões de participar do processo
político.
Resta a opção da escolha de um dentre os familiares de Gadhafi,
particularmente de um de seus filhos, inaugurando assim uma nova “dinastia”,
a exemplo do que tem ocorrido em outras repúblicas árabes (Síria e tudo indica
que vai ocorrer também no Egito).
Ainda que o nome mais cotado nas apostas dos líbios seja o de seu filho
Seif Al-Islam, isso não garante que os princípios institucionais contidos no Livro
Verde de Gadhafi e suas idiossincrasias simultâneas contra o capitalismo e o
socialismo
serão
mantidos
como
base
do
regime.
Seif
tem
dado
demonstrações continuadas de que é a favor de reformas liberalizantes na
A profissão dos sonhos de quase todo líbio que fala línguas e tem alguma projeção social é
ser intermediário entre potenciais investidores estrangeiros e os familiares ou colaboradores
próximos de Gadhafi para superar o cipoal burocrático e viabilizar negócios. Apresentam-se
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Líbia e de que suas posições de política externa não são antiocidentais, como
as de seu genitor. No entanto, quando se manifestou nestas direções
recentemente, em longa entrevista à TV, o Líder também foi à TV para
contestar o filho e reafirmar os valores da “revolução” de 1969. Ninguém sabe
ao certo se os outros filhos e filhas também postulam a herança política de
Gadhafi, ou se ficariam conformados com as participações que têm em
meganegócios nos
ramos mais importantes da economia, como as
telecomunicações e o petróleo, por exemplo. Se houver disputa no seio da
família, certamente esta hipótese de desdobramento do ciclo político atual se
complica ainda mais, enfraquecendo o pretenso reformista Seif.
De qualquer forma, só se deve apostar na manutenção das “regras”
atuais, ainda bastante discricionárias, para obtenção de licenças de exploração
ou concessões de produção por falta de meios para prever se haverá
mudanças no futuro pós-Gadhafi e quais serão elas.
Diante desse quadro, porém, a PETROBRAS não poderia obviamente
recair numa posição ingênua e deixar de participar com pragmatismo do
movimento geral das petroleiras de todo o mundo interessadas em produzir
óleo e gás na Líbia, fazendo este país retornar à posição de destaque que teve
nos anos 60 e início dos 70 do século passado, como grande fornecedor de
petróleo. Potencial para isso a Líbia tem e oferece muitas oportunidades. Se há
elevado risco político e um ambiente de negócios inconvencional, é preciso ter
em conta que estas são ameaças comuns para todas as companhias operando
naquele país.
O problema de Análise de Risco que se põe é: como ponderar as
componentes risco político e comercial, de um lado, e risco geológico, de
outro? A REISE ainda não aprendeu como equacionar tal questão, mas ela é
instigante e merece esforço de pesquisa continuado e reiterado.
De qualquer forma, se o risco geológico é convidativo, é razoável fazer
uma aposta imaginando que a Líbia caminhará, ainda que de forma não
retilínea e no longo prazo, na direção de padrões legais e regulatórios
conforme como os praticados nas grandes áreas produtoras do mundo. Que
como candidatos a “padrinhos” ou protetores dos negócios das empresas, inclusive das
operadoras da indústria do petróleo e do gás.
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haverá um mínimo de segurança jurídica, hoje inexistente, nem para as
empresas nem para os cidadãos líbios. O governo pode decidir intervir e mudar
as regras de um negócio, sem contemplar o pagamento de indenização ou
compensação à parte prejudicada.
1.2 – APRESENTAÇÃO
O Capítulo 2, do Panorama Político, apresenta uma breve história da
Líbia, em cujo passado independente de pouco mais de meio século só há dois
períodos: o curto reinado de Idriss I e o regime implantado pelo golpe militar
comandado por Muammar Gadhafi. Este último é marcado por várias tentativas
de união com outros países vizinhos (Egito, Sudão, Síria,Tunísia, Chade,
Argélia, Marrocos e Mauritânia), todas afinal frustradas, por várias experiências
de institucionalização da “revolução” de 1969 e por um longo isolamento
internacional resultante do intenso protagonismo líbio na cena política mundial,
financiando grupos insurgentes e a luta contra Israel e o imperialismo das
potências ocidentais, notadamente o estadunidense.
O Panorama Político analisa ainda os desafios contemporâneos que a
Líbia enfrenta, ressaltando que houve uma mudança de atitude na sua política
internacional desde que o Líder decidiu por fim à crise desencadeada pelo
lamentável episódio de Lockerbie, nas vésperas do Natal de 1988, quando um
avião da PanAm foi abatido no espaço aéreo escocês matando seus 270
passageiros. O atentado foi atribuído aos líbios e isso custou ao país um
doloroso embargo comercial e diplomático, decretado pelas Nações Unidas,
cujas implicações se refletem até hoje. De 2002 para cá, a Líbia fez várias
concessões, inclusive pagando pesada indenização às famílias das vítimas do
fatídico vôo, renunciando ao seu programa nuclear e de armas químicas, etc.
No presente, a Líbia mantém um perfil baixo em matéria de política
internacional,
aparentemente
mais
preocupada
em
aparecer
para
a
comunidade das empresas de petróleo como um país que deixou para trás o
status de apoiador do terrorismo internacional que lhe foi atribuído pelo
governo dos EUA.
Apesar da precariedade da literatura existente e da pouca profundidade
das entrevistas no trabalho de campo da REISE, em função do retraimento dos
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interlocutores líbios — perfeitamente compreensível num Estado policial como
é o regime atual — tenta-se neste Capítulo 2 interpretar o fenômeno da
liderança “virtual” de Gadhafi, que domina o país sem ocupar qualquer cargo
executivo ou de chefia de uma organização política de comando. Os líbios
explicam o fenômeno em função da "legitimidade revolucionária" de Gadhafi,
não obstante os ingredientes revolucionários do golpe de Estado de 1º. de
setembro serem bastante questionáveis. O golpe de 1969 foi dado contra uma
monarquia tão jovem quanto decrépita em função da corrupção e do egoísmo
de sua elite, que não permitia o acesso da população aos frutos de sua
principal riqueza natural. Não havia um ideário político revolucionário, nem
articulação das forças golpistas com a sociedade líbia. O rei Idriss I caiu porque
não havia quem quisesse defendê-lo. Mas os anos que se seguiram a sua
chegada ao poder mostraram que Gadhafi não tinha um projeto de sociedade
bem definido a desenvolver, nem revolucionário nem conservador.
Seus vários experimentos sociais e econômicos, se bem catalogados
são capazes de configurar a Líbia como um imenso laboratório de testes de
idéias marcadas pela negação das instituições utilizadas no mundo civilizado.
A explicação da liderança de Gadhafi com base na chamada
legitimidade revolucionária é menos convincente que a capacidade de aplicar
métodos violentos de repressão sobre os adversários políticos.
Os escritos de Gadhafi representam a referência essencial para o
funcionamento das instituições do país. Em casos de impasse, é o Líder quem
arbitra e faz as grandes opções. Por isso mesmo, sua eventual saída da cena
política representa grandes riscos para a estabilidade do país. A Líbia pode
deixar de ser o Estado policial e repressor, mas relativamente estável, que é,
para tornar-se um país política e economicamente instável.
Isto significa que a Líbia pode estar à beira de um momento de
incertezas e riscos quanto a seu funcionamento e quanto a seu futuro, por não
contar com instituições capazes de dar previsibilidade ao processo político.
No Capítulo 3, do Panorama Econômico, mostra que o privilégio da
existência abundante de hidrocarbonetos em seu subsolo e na plataforma
continental torna a Líbia o país mais rico da África em termos de renda per
capita ─ cerca de US$ 12,000.00/hab/ano em termos de PPP. Assinala
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também, por outro lado, que a economia da Líbia é altamente dependente do
petróleo, que responde por mais da metade da renda agregada do país, 97%
da receita de exportação e 93% da receita fiscal do Estado. Em 2006, o valor
das exportações de hidrocarbonetos chegou a US$ 38 bilhões, o que
representou 76,1% do PIB. Vale notar, ainda, que neste ano a receita fiscal
relativa aos hidrocarbonetos foi de 43,6 bilhões de dinares, ou seja, 66% do
PIB do país.
Como tem uma base material muito modesta (tanto em termos de
indústria, como no setor primário), a economia líbia é extremamente vulnerável
às variações dos preços de suas commodities: o petróleo e o gás.
A Líbia é um país de marcada orientação anticapitalista, que se
assemelha mais aos pequenos países exportadores de petróleo do Golfo
Pérsico do que aos demais países do Magreb ou a qualquer outro país
africano, incluído o vizinho Egito.
Em sua evolução pós-independência, a economia líbia sofreu muito com
o embargo norte-americano, estendido depois a todos os países pelas
resoluções da ONU. Desde a suspensão do embargo e a normalização das
relações com os EUA, impulsionada pela elevação dos preços internacionais
do petróleo, a economia vem crescendo à taxa média de 6% a.a., não sendo
maior possivelmente por sua incapacidade de aumentar a produção e
exportação de petróleo e gás. Esta indústria contribuía em 2005, em função
dos preços elevados dos hidrocarbonetos, com nada menos que 75% do PIB.
O setor público é fornecedor de muitos serviços e, portanto, o governo
retém instrumento importante de controle da inflação através dos preços
administrados. Ademais, o Estado subsidia a produção e o consumo de
inúmeros segmentos, principalmente, alimentos (farinha, óleos vegetais, arroz,
etc). Em 2005 estes subsídios atingiram 839 milhões de dinares (US$ 650
milhões), ou seja, cerca de 2,0% do PIB.
Nos últimos quatro anos, a variação do nível geral de preços oscilou da
deflação de 2,2% em 2004 para a inflação de 3,4% em 2006,
A despesa fiscal representou 32,3% do PIB em 2006, enquanto a receita
chegou a 71,2% do PIB. Aproximadamente 60% dos gastos públicos referemse a gastos de capital em projetos de desenvolvimento. Como proporção do
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PIB, os gastos de capital do governo chegaram a 16,8% em 2006. Estes
indicadores a respeito das finanças públicas somente são viáveis em função do
comportamento dos preços dos hidrocarbonetos e do elevado grau de
intervenção do Estado na economia líbia.
A dívida pública interna e externa representam menos de 5% do PIB.
Considerando o megasuperávit fiscal (39% em 2006) e o volume de reservas
internacionais (1,5 vezes o PIB em 2006), estas dívidas são desprezíveis.
A Líbia tem elevado grau de abertura externa. Em 2006 a relação entre
as exportações de bens e serviços e o PIB foi de 77,2%. Na atual conjuntura
favorável da economia mundial e com preços de petróleo elevados, as contas
externas da Líbia têm apresentado resultados excepcionais. O superávit global
do balanço de pagamentos cresceu continuamente, de pouco mais de US$ 3
bilhões em 2003 para mais de US$ 18 bilhões em 2006. Como proporção do
PIB, também há tendência de aumento. Este desempenho das contas externas
é explicado, principalmente, pelo aumento dos preços internacionais do
petróleo. Este preço mais do que duplicou nos últimos quatro anos.
Após longo período de embargo comercial, as importações também têm
crescido significativamente. O crescimento econômico, o elevado grau de
abertura comercial e o baixo grau de industrialização e de desenvolvimento do
setor produtivo não-petróleo têm sido as causas do crescimento das
importações. A relação entre a importação de bens e o PIB foi de 25,7% em
2006. Vale notar que a tarifa aduaneira é zero, com exceção de tabaco que é
de 10%. No capítulo 3 detalha-se as origens das importações e os destinos
das exportações líbias.
No que se refere ao ambiente de negócios, o marco jurídico-institucional
líbio é determinado pela natureza autoritária do Estado e pelo alto grau de sua
intervenção na economia. O Judiciário é controlado diretamente pelo poder
Executivo e há restrições aos direitos políticos e civis. Os controles na
economia estendem-se aos preços de bens e serviços, comércio interno e
externo, crédito e mercado cambial.
Desde o final dos anos 1990 o governo tem adotado medidas
liberalizantes e estímulos para o ingresso de IED. A partir de 2003 novas
medidas na mesma direção têm sido implementadas de forma gradual: redução
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dos subsídios, planos de privatização, pedido de acesso à OMC e reformas de
mercado para regular as transações entre pessoas.
Por outro lado, empresas transnacionais, principalmente, no setor de
hidrocarbonetos, estão voltando a operar na Líbia. E, o governo tem também
estimulado o turismo, que antes era impossível e hoje é ainda precário.
O governo planeja duplicar a produção de petróleo até 2015. As
estimativas apontam para a necessidade de investimentos da ordem de US$
30
bilhões.
Empresas
estadunidenses
(sobretudo
ExxonMobil
e
ChevronTexaco, que estão voltando), européias e de outros países (China,
Índia e Indonésia) já estão realizando investimentos no E&P.
O Capítulo 4 se estende por muitas páginas porque faz uma descrição
bem ilustrada por mapas e diagramas de importantes aspectos históricos da
Líbia, interessantes para o entendimento da evolução da indústria do petróleo e
do gás no país. Além de detalhada análise das prolíferas bacias sedimentares
líbias, o Panorama Energético mostra como evoluíram os contratos utilizados
pela NOC- National Oil Company, até a nova versão dos DPSA (Development
& Production Sharing Agreement) e os PSC (Production Service Contracts),
que estão em vias de serem adotados nas relações com as operadoras
estrangeiras.
No final de 2006, a área total sob contratos na Líbia era de 730.211 km²,
contra 472.231 km² no fim de 2004 (+55% nesses três anos de preços
elevados). Os contratos se estendem por todas as seis bacias petrolíferas e, da
área total, 579.544 km² (79%) se localizam em terra e 150.667 km² (21%), no
mar.
No momento a quota líbia na OPEP é 1,6 de MMBPD. Ela também
almeja aumentar sua quota em função da esperada expansão das reservas
provadas do país. As reservas provadas de petróleo da Líbia são hoje de
39,126 bilhões de barris colocando este país em oitavo lugar na classificação
internacional (para efeito de comparação, o Brasil se situa em 15º lugar com
reservas provadas de petróleo de 11.350 bilhões de barris). Tais reservas
concentram-se na Bacia de Sirte (80%), responsável também por 90% da
produção atual. De acordo com a Wood Mackenzie Consultants, a Líbia
continua “altamente inexplorada” possuindo um “excelente” potencial para
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novas descobertas, uma vez que somente 25% de sua área prospectiva está
hoje coberta por acordos com as companhias internacionais de petróleo. A
produção de petróleo em 2005 foi de 1.728.000 BPD, colocando a Líbia em 17º
lugar na classificação internacional (pouco atrás do Brasil, que ocupava o 14º
lugar, com uma produção de 1.985.000 BPD). A atual relação reserva/produção
(R/P) da Líbia é 62. O consumo de petróleo da Líbia ainda é relativamente
baixo: 278.000 BPD.
De acordo com as previsões da ENERGYFILES, um tanto pessimistas,
depois de atingir o pico da ordem de dois milhões de barris por dia, por volta de
2010, ocorreria um natural declínio de produção líbia até 2050. Por outro lado,
esta previsão antecipa uma grande produção de gás natural, o que deve ser
examinado em maior profundidade pelos estrategistas da PETROBRAS, tendo
em vista a possibilidade de se encontrar aí oportunidades de suprimento para
as plantas de regaseificação de GNL costeiras já anunciadas.
As reservas provadas de gás natural em janeiro de 2006 eram da ordem
de 53 Tcf.
Entretanto, o potencial remanescente de gás natural ainda por
descobrir na Líbia é geralmente considerado muito alto, pois suas bacias
gasprone ainda são pouco conhecidas, por inexploradas. De acordo com
especialistas locais, as reservas de gás poderão atingir algo em torno de 70 a
100 Tcf. A relação reserva/produção é muito elevada, aparentemente superior
a 100.
Para expandir sua produção de gás, assim como comercializá-lo, a Líbia
está procurando a participação e o investimento de companhias estrangeiras.
Em anos recentes, novas e importantes descobertas têm sido feitas nos
campos de Ghadames e El-Bouri, além de muitos outros na Bacia de Sirte.
Existem hoje na Líbia muitos projetos de desenvolvimento de gás natural que
incluem: As-Sarah, Nahoora, Faregh, Wafa, o bloco offshore NC-41, AbuAttifel, Intisar e bloco NC-98.
Em 2006, a produção de gás natural da Líbia se elevou para 2,1 Bcf por
dia, ou 765 Bcf por ano. Esses volumes correspondem, grosso modo, à atual
produção do Brasil e equivalem a 58,8 MMMCPD. Desse total, 415 Bcf (54%)
eram de gás associado e os restantes 349 BCF (46%) de gás não associado.
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Quanto à distribuição geográfica, 563 Bcf (73,5%) eram produzidos em
terra e o restante 203 Bcf (26,5%) no mar. De acordo com a IHS, a exploração
e a explotação de gás natural na Líbia se encontrariam quase na infância.
Apenas seis campos da Bacia de Sirte alimentam a planta de GNL construída
no terminal de Marsa El Brega. A Shell e a NOC têm planos para expandir a
capacidade dessa planta a médio e longo prazo. Durante 2006, cerca de 65 Bcf
de gás se originaram dos campos de gás da Sirte Oil Company, no Bloco 6 da
Bacia de Sirte, e foram convertidos em GNL.
O potencial para gás natural é muito elevado e continua praticamente
inexplorado. Somente 10 Tcf (21,5%) do total de reservas provadas são
consideradas desenvolvidas, 16 Tcf (34%) são consideradas subdesenvolvidas
e os restantes 20 Tcf são consideradas não desenvolvidas.
A produção de gás natural praticamente dobrou em 2005, quando a ENI
iniciou a operação do West Libya Gas Project (WLGP). Dois grandes campos
alimentam o vasto projeto: em terra, o campo de gás e condensado de AlWafa, localizado na Bacia de Ghadames, e no mar o campo de Bahr Essalam,
localizado na Bacia Pelagiana.
O gás natural é transportado para a Itália pelo gasoduto denominado
Greenstream que passa debaixo do Mediterrâneo, da cidade líbia de Mellitah
para a cidade de Gela, na Sicília, com uma extensão de 520 km e o diâmetro
de 32 polegadas. O gás transportado origina-se do campo de Wafa, situado em
terra, e do campo de Bahr Essalam, situado no mar. No projeto, a ENI atua
como operadora com 50% dos interesses, seu sócio é a NOC, com a outra
metade dos interesses.
A ENI está promovendo a interligação das reservas do Egito com as da
Líbia para exportar gás de ambas, em conjunto, para a Itália. Um primeiro
acordo entre Egito e a Líbia foi alcançado em 1997, depois da visita à Líbia do
presidente egípcio Mubarak. Em 2001 um acordo de associação foi assinado
entre a NOC e a estatal egípcia EGPC para construção de um gasoduto e
planta de tratamento do gás. A joint venture para essa finalidade assumiu o
nome de Arab Company for Oil and Gas Pipelines (ACOG).
Existe ainda uma outra proposta para construir um novo gasoduto de
900 milhas do Norte da África para o Sul da Europa, que transportaria gás
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natural do Egito, da Líbia, da Tunísia e da Argélia, via Marrocos, para a
Espanha (note-se que já existe uma linha entre a Espanha e o Marrocos).
Também a Tunísia e a Líbia acordaram, em 1997, associar-se para construir
um gasoduto da área de Mellitah, na Líbia, para uma zona urbana industrial de
Gabes, no Sul da Tunísia. Em 1998, a Tunísia e a Líbia assinaram um acordo
para fornecimento de gás.
Em 1971, a Líbia tornou-se o segundo país do mundo, depois da Argélia
(1964), a exportar GNL. No entanto, desde então o programa de exportação de
GNL ficou em segundo plano, tendo sua capacidade reduzida em função de
limitações técnicas.
A planta de GNL no local chamado Marsa El Brega foi construída pela
Esso com uma capacidade nominal de 125 Bcf por ano. Entretanto, em função
das sanções comerciais a Líbia não conseguiu obter equipamento para separar
os líquidos do seu gás natural. Dessa forma a planta de GNL, que exporta para
a Espanha, está hoje com a sua capacidade reduzida a 15% da original.
Depois do fim das sanções muitas companhias estão analisando o
potencial da Líbia com vistas a instalação de plantas de GNL, inclusive a Shell
a partir de maio de 2005. A Shell pretende modernizar as instalações de Marsa
El Brega e/ou possivelmente construir novas instalações com investimentos
que poderão variar entre 105 e 450 milhões de dólares.
Quanto à energia elétrica, a atual capacidade de produção da Líbia é de
aproximadamente 4,7 GW. Praticamente toda essa geração deriva de plantas
termelétricas. No momento a maioria das velhas usinas termelétricas existentes
está sendo convertida de derivados de petróleo, sobretudo diesel, para gás
natural.
Todas as novas plantas de geração termelétrica estão sendo projetadas
para uso de gás natural. Secundariamente, a Líbia está empenhada também
num estudo de fontes alternativas de energia elétrica para utilização em
pequena escala em locais remotos que dificilmente poderiam ser interligados à
rede elétrica. Nesses projetos incluem-se alguns de geração eólica e outros de
geração solar.
Os planos hoje em curso prevêem dobrar a capacidade de geração até
2012. Durante o verão de 2004 a Líbia foi vítima de grandes “apagões” em
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função da incapacidade do parque gerador de atender à demanda. Para
prevenir esse tipo de “apagões” e para atender satisfatoriamente ao grande
aumento do consumo a companhia estatal do governo da Líbia, GECOL
(General Electricity Company), está construindo cinco plantas novas. Uma das
principais razões do aumento elevado e constante do consumo reside na
política de preços subsidiados para energia elétrica no país. A eletricidade na
Líbia custa apenas cerca de um terço do preço que corresponderia aos custos,
se a energia primária fosse valorada no nível do mercado internacional.
O Capítulo 5 trata do Panorama Militar-Estratégico e começa por
assinalar que a Líbia enfrenta relativamente poucas ameaças dos vizinhos com
que tem fronteiras. No entanto, desde a chegada de Gadhafi ao poder, o país
tem feito grande esforço de armamento e equipamento das suas Forças
Armadas.
Discute-se, então, o esforço armamentista líbio, suas diferentes
vertentes e limitações, para em seguida avaliar a evolução recente das
eventuais ameaças externas e vulnerabilidades líbias no cenário estratégico
regional e global.
Apesar de ser um país relativamente muito bem armado, existem
problemas sérios de escassez de pessoal apto a empregá-las. Na Força Aérea,
por exemplo, há pilotos mercenários estrangeiros contratados para operar as
esquadrilhas de MIG-25 e Mirages. Nas três Armas, há instrutores dos países
fornecedores de equipamento para treinar os militares líbios. Há problemas de
manutenção causados por falta de estoques adequados de partes e peças,
bem como situações de incompatibilidade de uso de materiais bélicos de
origens diversas, decorrentes da grande variedade de fornecedores dos
mesmos. Uma seção é dedicada às chamadas Milícias Populares e outra à
participação das mulheres no serviço militar.
Como a Líbia, por conta do fim da crise provocada pelo episódio de
Lockerbie, condenou todas as formas de terrorismo, aderiu à Convenção
Internacional de Armas Químicas, aderiu ao Segundo Protocolo do TNP,
entregou todos os materiais relativos a seu programa nuclear aos EUA e tem
adotado uma política de low profile nas grandes crises que se referem ao
mundo árabe e muçulmano, reduziu-se consideravelmente o potencial de atrito
com os parceiros internacionais e, portanto, em menores ameaças para a
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estabilidade do próprio país. A Líbia hoje tem menos protagonismo na cena
internacional do que no passado, mas também menos tensões e riscos
internos. Com isso reduziu sua vulnerabilidade militar internacional.
No entanto, alguns observadores líbios e estrangeiros se preocupam
com a vulnerabilidade da Líbia perante o terrorismo internacional, e em
particular perante a Al Qaeda e seus associados. Tais analistas percebem que
a existência de uma região desértica, de extensa área e sem controle dos
Estados nacionais, representa para os grupos terroristas uma grande
possibilidade para treinar militantes, refugiar-se e reagrupar-se eventualmente.
Esta circunstância tem sido enfatizada pelas autoridades norte-americanas,
assim como pelas autoridades nacionais da região, como sendo a principal
fonte de ameaça para a estabilidade coletiva e tem ensejado um crescente
nível de cooperação entre os EUA e os países da região.
A Líbia possui, de fato, alguns fatores de vulnerabilidade quanto às
ameaças terroristas: trata-se de um país com grande superfície, esparsamente
povoado, com importantes instalações de produção petrolífera, longas
extensões de dutos desde as regiões produtoras até os portos de exportação,
alvos ideais para operações de impacto.
Apesar de tudo, pode-se afirmar que a Líbia tem vulnerabilidade
bastante baixa perante o terrorismo do tipo Al Qaeda, sobretudo quando
comparada aos demais países da região, por conta de suas políticas e atitudes
pró-Islã e antiimperialistas, que a colocam em uma categoria diferente. Porém,
como qualquer país com instalações petrolíferas, apresenta alvos evidentes e
vulneráveis, como a Nigéria, propícias para a prática da chantagem.
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15
2 - PANORAMA POLÍTICO
2.1- INTRODUÇÃO
A Líbia é um país de grandes contrastes. Por um lado, trata-se de um
dos maiores países do continente africano em termos de sua superfície, com
1.775.500 km2, mas, por outro, trata-se de um dos países menos povoados do
continente, com apenas cerca de 6 milhões de habitantes e,
conseqüentemente, com uma das mais baixas densidades populacionais da
África. O território líbio é extremamente rico em petróleo de alta qualidade. O
país tem um líder com fama de revolucionário, que abraçou várias causas tidas
como antiimperialistas através do mundo, desde sua chegada ao poder em 1º.
de setembro de 1969, através de um golpe de Estado. Por fim, trata-se de um
país árabe, mas com uma dimensão africana muito importante na sua
diplomacia, desde o início do atual regime há 38 anos. Estas seis
características — país grande, esparsamente povoado, rico em petróleo, com
um regime com fama de revolucionário, árabe e cada vez mais voltado para a
África — são elementos constitutivos-chave para entender o quadro político
contemporâneo da Líbia.
O fato da Líbia ser muito rica em petróleo, mas com uma população
muito pequena, disponibiliza recursos de sobra para aturar no plano
internacional em geral, árabe e africano, em particular. Um regime fundado
num golpe militar sem derramamento de sangue, que continua, durante este
longo período de quase quatro décadas, a cantar louvores ao seu momento
constitutivo e supostamente revolucionário, produz efeitos e conseqüências
importantes sobre os contextos interno e externo da política Líbia. Por fim, o
fato de ser simultaneamente um país árabe e africano define os círculos
concêntricos das prioridades da atuação da Líbia no contexto internacional.
Para resumir um longo argumento em uma frase, a Líbia de Gadhafi é
um país que procura exportar seu regime revolucionário desde o golpe de
1969, tentando fazer isto em primeira instância no mundo árabe e em seguida
em direção da África. O regime liderado pelo Coronel Gadhafi desde 1969 — a
chamada revolução de 1º. de setembro — só pode ser entendido no contexto
daquele momento, mas vem marcando a evolução política e social do país de
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16
maneira profunda até o presente. Para entender este longo processo é
fundamental analisar o caráter árabe e muçulmano da Líbia.
Quando se faz referência ao mundo árabe e a uma identidade árabe,
está-se referindo à existência de um projeto específico e concreto de reconstrução de uma "nação árabe", projeto que teve o período entre-guerras
(1919-1939) como momento inicial. Afirmar a existência de uma nação árabe
significa reconhecer uma construção social específica e particular, isto é, um
projeto político e social concreto que sequer é consensual no espaço
geográfico do mundo árabe.
Quando o discurso político faz menção a algo chamado "nação árabe",
em árabe Umma, emprega-se um conceito que é também usado para referir-se
a uma nação ainda mais ampla, a nação Muçulmana. Nesta circunstância,
está-se afirmando uma construção social baseada em leituras particulares, com
referenciais na história, na etnia, na língua e na religião, reivindicadas como
sendo comuns. Tais fatores fizeram a proximidade geográfica, assim como a
durabilidade e a intensidade dos contatos entre os povos árabes configurarem
uma "identidade árabe" comum. Os movimentos político-culturais — primeiro
do partido Baat na Síria e depois, de maneira menos profunda, do Nasserismo
no Egito, isto é, dos seguidores do ex-presidente Gamal Abdel Nasser — não
foram nada mais do que versões específicas de pan-arabismo misturado com
socialismo, na forma de justiça social e econômica, tudo com tempero árabe,
ou seja, respeitando as tradições e o papel central da religião na organização e
funcionamento da sociedade. Aliás, como observa o grande historiador do
mundo árabe Albert Hourani, o projeto pessoal de Gadhafi, desde sua chegada
ao poder em 1969 até o final da década de 1990, era impor-se como o
substituto do projeto de Abdel Nasser e perpetuador do seu projeto de
unificação árabe. No entanto, enquanto lhe sobrava o que mais fazia falta a
Abdel Nasser — recursos financeiros —, lhe faltava o que aquele tinha de
sobra, isto é, um projeto verdadeiro e um carisma forte, além de uma estrutura
política organizada 2 e uma ideologia minimamente consistente e séria.
O partido Baat — fundado originalmente na Síria na década de 40 por
Michel Aflaq e Salah Al-Din Al Bitar, onde ainda é o partido governante — tem
2
Um partido, no sentido gramsciano.
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17
um projeto essencialmente pan-árabe, no qual se fundem nacionalismo árabe e
ideologia socialista. É notável que os dois fundadores do partido Baat seguiam
religiões diferentes. Michel Aflaq era greco-ortodoxo, enquanto Salah Al-Din Al
Bitar, era muçulmano sunita. Isto indica não apenas que a religião não tinha um
papel fundamental no movimento, mas também que diferenças religiosas não
interferiam no processo político na região. O projeto de poder do partido Baat
tem alcance que não se pode limitar aos contornos territoriais e políticos de
apenas um país e, menos ainda, foi pensado de maneira isolada.
Mas a idéia de uma "nação árabe" não é consensual sequer dentro do
mundo árabe, onde há questionamentos desta "identidade árabe"
principalmente de parte de minorias religiosas e étnicas. A referência aqui é às
expressivas e numerosas minorias cristãs e judaicas, porquanto ambas não se
reconhecem no legado religioso do Islã. A referência é também aos curdos, na
região do Golfo, que não se identificam sequer na comunidade cultural e
lingüística árabe.
Por outro lado, os Estados árabes são diversos de várias formas. Vários
deles (Egito, Sudão, Líbano, Iraque, Síria) têm minorias cristãs expressivas —
o que diminui a homogeneidade religiosa acima mencionada. Outros têm
comunidades judaicas de certa projeção (Iêmen, Tunísia e Marrocos). Tais
grupos étnico-religiosos não negam necessariamente a identidade árabe, mas
não deixam de afirmar estas outras identidades alternativas ou competitivas.
Entre os próprios muçulmanos, que constituem a maioria dos árabes, há uma
variedade não apenas em termos das duas grandes famílias religiosas, sunitas
e xiitas, mas também em termos de escolas religiosas diferentes dentro do
Sunismo, a saber: Hanafi, Hanbali, Maliki, e Shafi´i. Existe também uma grande
diversidade étnica e cultural, principalmente na África do Norte onde existe uma
forte minoria berbere nos países do Magreb — Marrocos, Argélia, Tunísia e
Líbia — e no Iraque, onde existe uma minoria curda.
Além destes questionamentos que vêm de baixo, há também um
questionamento "por cima" da identidade árabe. Os ativistas islâmicos
questionam o caráter limitado da identidade árabe e contrapõem a ela uma
identidade mais ampla: a identidade muçulmana. Este último grupo se recusa a
restringir a comunidade de identitária somente aos árabes e defende o que se
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chama de pan-islamismo, para incluir todos os muçulmanos, notadamente os
de fora do Oriente Médio e da África do Norte. Isto amplia enormemente a
comunidade para amplos territórios da África subsaariana, da Ásia e de outras
regiões do mundo, mas em contrapartida amplia os fatores de diversidade
política e cultural.
A
reivindicação
do
pan-islamismo
acaba
dando
espaço
aos
questionamentos externos da identidade árabe. A iniciativa dos EUA, chamada
originalmente de “Grande Oriente Médio”, que visava lançar junto com os
demais países industrializados, os alicerces da democracia numa região que se
estenderia da África do Norte ao Afeganistão, incluindo a Turquia, o Paquistão
e o Irã, foi lida por líderes árabes, como o Presidente Mubarak do Egito, como
tentativa de diluir a identidade árabe no seio de uma comunidade muçulmana
muito maior. A iniciativa da União Européia, lançada em Barcelona em 1995,
chamada de iniciativa Euro-Mediterrânea, também acabou destacando a
identidade mediterrânea de alguns países árabes em detrimento de sua
identidade de Umma, ou seja, de seu arabismo.
Em paralelo, a identidade árabe tem sido construída em função da
negação de dois outros referentes: Israel, de forma particular, e o Ocidente, de
maneira mais geral. A este respeito, vale mencionar que a criação da Liga dos
Estados Árabes ocorreu em 1945, antes da criação do Estado de Israel, e pode
ser considerada um momento altamente simbólico, pois ocorreu no auge dos
movimentos de libertação nacional nos diferentes países árabes.
A criação do Estado de Israel, em maio de 1948, teve importância crucial
na formação da identidade árabe. Desde quando judeus da Diáspora, no seio
do movimento sionista, tomaram a decisão formal de voltar ao que
consideravam sua Terra Santa (ou prometida) com o apoio da comunidade
internacional, sobretudo dos países ocidentais vencedores da II Grande
Guerra, os árabes — tanto aqueles que habitavam a antiga Palestina quanto os
demais — têm estado em antagonismo permanente com o Estado judeu. Mas
se a criação do Estado de Israel significou um momento de derrota política e
militar para os árabes — que chamam estes eventos de Nakba, ou tragédia —,
a auto-vitimização e a percepção de uma conspiração ocidental contra eles só
passaram a fazer parte do imaginário árabe com a crise do Sinai em 1956. A
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crise do Sinai foi simbólica por ter juntado Israel com as duas principais
potências coloniais na região: a França e o Reino Unido. De fato, a França, que
ainda ocupava vários países árabes na África do Norte, e a Grã Bretanha,
acusada de ter aberto o caminho para o estabelecimento do Estado de Israel,
eram tidas como inimigas dos árabes. Portanto, se a identidade árabe se
sobrepunha a outras (os curdos no Golfo, os berberes no Magreb, os cristãos,
judeus e muçulmanos, xiitas ou sunitas, em várias partes da região), um dos
elementos que fundamentava esta possibilidade era o antagonismo com o
Ocidente em geral, e com Israel em particular.
Esta trajetória de desenvolvimento da identidade árabe no decorrer do
século XX deixa clara a importância do Outro na sua formação e a
relativamente pouca importância das características ditas comuns. A
reconstrução da identidade árabe desembocou mais em dinâmicas de conflito
entre os diferentes Estados árabes do que em dinâmicas de cooperação e
harmonia entre eles. Isto sem mencionar as diferenças sub-regionais no seio
do mundo árabe.
De fato, entre as distinções que marcam os diversos povos árabes
destacam-se aquelas existentes entre os que pertencem ao Masreq e ao
Magreb, que se manifestam em termos históricos, de distintos dialetos falados
e religiões seguidas. A colonização francesa no Magreb e a influência cultural
da grande minoria berbere tiveram um impacto significativo sobre a formação
dos Estados nesta sub-região, suas relações internacionais e seus dilemas de
segurança. A França continua sendo o principal parceiro econômico e político
dos Estados magrebinos e o berbere é reconhecido como língua nacional no
Marrocos, tendo passado em 2003 a ter estatuto de língua regional na Argélia.
No Masreq, a influência do Reino Unido como antiga metrópole colonial sobre
os Estados que foram suas antigas colônias é muito menor que a influência da
França no Magreb. Mais que isto, o Reino Unido tem sido paulatinamente
substituído por uma influência cada vez mais nítida dos EUA na região.
Este contexto de construção de uma identidade árabe comum, de
estabelecimento de uma causa comum (a causa palestina) e da rejeição de um
inimigo comum (o Estado de Israel), representa elemento fundamental para
entender a evolução da Líbia desde o golpe de 1969. De fato, desde a
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20
Revolução do 1º. de setembro — assim é chamado o golpe de Estado contra a
monarquia Snoussi — até o final da década de 1990, o Líder — assim é
chamado Muamar Gadhafi, que não tem cargo no Executivo, nem em um
partido hegemônico — considerou a libertação da Palestina e a união dos
árabes como sua prioridade mais alta.
Conseqüentemente, o antiocidentalismo, o antiimperialismo e o antisemitismo tornaram-se valores muito importantes e fontes de aglutinação da
vontade nacional e de orgulho para a Líbia e seu regime. Uma segunda
característica altamente valorizada, desde 1969, tem sido o caráter permanente
da revolução. Depois da consolidação das idéias de Gadhafi no chamado Livro
Verde — sobretudo no que tange ao princípio da democracia direta, como
negação da democracia representativa, que o Líder qualifica de farsa — a Líbia
tem sido marcada por uma insistente louvação das vantagens da Revolução,
do seu regime político sui generis e de suas instituições típicas, de maneira a
convencer os cidadãos nacionais da superioridade do modelo líbio perante os
demais modelos: o capitalismo e o socialismo. Revelador a este respeito é o
país estar repleto de outdoors com frases do Livro Verde, que sintetizam a
doutrina de governo em vigor, mensagens que são repetidas o tempo todo,
inclusive pelos cidadãos mais simples.
Para apresentar os diferentes aspectos da política contemporânea líbia,
a estratégia seguida foi traçar uma breve evolução histórica do país,
explorando em particular a importância do século XX, quando o país passou a
forjar sua identidade nacional e autônoma em relação aos demais países da
África do Norte, para em seguida abordar a revolução de 1969 e as instituições
que dela resultaram e que moldam o governo do país até hoje. Duas
discussões concluem o capítulo: uma relativa a pouco transparente conjuntura
política do país, marcada pelas incertezas quanto ao futuro pós-Gadhafi, e
outra quanto a sua política externa nos diferentes círculos: na região do
Magreb, no mundo árabe, na África e no mundo.
2.2- BREVE HISTÓRIA DA LÍBIA
A Líbia tem dois momentos marcantes e nitidamente distintivos da sua
história como entidade autônoma e homogênea. O primeiro, a presença fenícia
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no seu território, por volta de 400 D.C. e que se estendeu por cerca de 500
anos, deixando marcos concretos dos fenícios junto aos dos romanos nesta
região do Mediterrâneo. O segundo, situa-se já no século XX, com a luta contra
a ocupação italiana, e o surgimento de um líder que se tornou uma referência
nacional, Omar Al Mukhtar.
Entre estes dois marcos históricos importantes mas distantes, o território
e a população da atual Líbia esteve sob o domínio de várias entidades e
estruturas políticas, ora baseadas em Damasco, ora baseadas em Bagdá, ora
baseadas em Istambul e, em alguns períodos, até baseados em outras grandes
cidades da África do Norte, como Cairo, Tunis e mais brevemente Fés. Cairo
costumava dominar a região leste do país, a chamada de Cirenáica, vizinha ao
Egito, enquanto Tunis costumava dominar a região ocidental, chamada de
Tripolitana.
Na Líbia antiga, estas regiões tiveram desenvolvimentos históricos
separados. Na parte ocidental, é possível afirmar que os primeiros
assentamentos fenícios foram erguidos por volta do Século V D.C., em torno do
que é hoje chamado de Trípoli. Naquela época, os fenícios, exímios
navegadores, precisavam de portos e referências continentais para seu
comércio de um lado do Mediterrâneo para o outro, principalmente após o
estabelecimento de Cartago. Estabeleceram-se, então, no que é conhecido
hoje como Sabratha. Após as Guerras Púnicas, a região Tripolitana passou ao
controle do Império Romano, servindo de base de apoio para o comércio entre
Roma e a África. Nesta ocasião, o Império Romano tornou este porto, e a
vizinha Leptis Magna, em grandes centros urbanos, de cujas ruínas há ainda
testemunho magnífico. A região era grande produtora de azeitonas e seu óleo
de oliva exportado para todas as partes do Império. Passaram a constituir pólo
seguro para sua civilização no lado oposto do Mediterrâneo, tanto assim que
Leptis Magna deu até imperadores a Roma.
Na Cirenáica, a primeira colonização tinha sido grega por vários séculos,
até passar também para o controle do Império Romano. Esta região
desenvolveu-se em torno de cinco pólos urbanos, um dos quais sendo a atual
cidade de Benghazi, que devido à alta fertilidade de seus solos serviu por muito
tempo como área agrícola.
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Estes séculos foram períodos de glória e prestígio para o que hoje é
conhecido como Líbia, sendo os monumentos históricos remanescentes
relevantes e de tal importância que foram dos primeiros a ser reconhecidos
pela UNESCO como patrimônio da Humanidade em 1982 (Leptis Magna e
Sabratha).
É importante salientar o destaque que este momento histórico inicial
recebe por parte das autoridades, numa clara tentativa de reinterpretar a
história da região e utilizar este patrimônio para realçar as raízes milenares e
profundas do povo líbio.
No “longo interlúdio” de quase 16 séculos entre o primeiro e o segundo
momento gloriosos — de acordo com a narrativa oficial do atual regime líbio —,
pode-se destacar alguns momentos-chave, como a chegada do Islã ao país, as
sucessivas monarquias que governaram este território e que eram na sua
grande maioria oriundas do Masreq, até o início da decadência do Império
Otomano e o surgimento de lógicas políticas locais. Estas eram baseadas no
que havia sido estabelecido desde as invasões árabes e muçulmanas, e
referidas por alguns, de maneira pejorativa e coletiva, como a "lógica tribal".
Em 639 D.C., a conquista árabe levou o Islã à Líbia, através de Abdulah
Ibn Saad, encarregado por Uqba Ibn Nafi de conquistar o Norte da África. Era o
Império Omíada, baseado em Damasco, que liderava os árabes e suas jihads
(conquistas e expansões territoriais). A substituição, em 750, do Império
Omíada pelo Império Abassida, este baseado em Bagdá, mudou o domínio
sobre a Líbia. O Califa Harun Al Rachid nomeou, como Emir da Líbia, Ibrahim
Ibn Al Aghlab, que iniciou importantes reformas no território, entre as quais a
reativação do sistema de irrigação herdado de Roma. Mas por mais poderoso,
duradouro e dominante que fosse — principalmente quando comparado à
dinastia Omíada anterior —, o Império Abassida foi continuamente desafiado,
tanto no seu flanco oriental, quanto no ocidental. Um desafio relevante foi de
natureza xiita, mais especificamente de uma parte chamada de Ismaelita,
representado pelos Fatimidas. De fato, por volta de 910, os Fatimidas
constituíram-se em Estado na Tunísia e conquistaram o norte da África e, rumo
ao leste, o que hoje é conhecido como Líbia. Em 969, eles já haviam
conquistado e dominado o Egito — são, aliás, os fundadores da cidade de
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Cairo —, e partiram para a conquista de outras partes do Oriente, como a parte
ocidental da Península Arábica, a Síria, embora tenham acabado perdendo o
controle da Tunísia, seu ponto de partida original. Com isso, nos séculos X e
XI, a Líbia era dominada pelos Fatimidas, já então estabelecidos em Cairo.
Uma primeira exceção a estas dominações por parte de dinastias
oriundas de outras partes do mundo árabe é o estabelecimento da dinastia
Bann Ammar em 1321, dinastia esta que estabeleceu um Estado independente
na região de Tripoli. No entanto, em 1401, esta experiência independente
chegou ao fim com a volta da dominação da Líbia, mais uma vez por parte da
Tunísia, então dominada desde 1228 pela dinastia Hafsi. No final do século XV
e início do século XVI, a Líbia começou — como muitas outras partes do
mundo — a estar em contato com os conquistadores espanhóis. A primeira
ocupação temporária pelos espanhóis da Líbia ocorreu em 1509, mas durou
muito pouco, devido à ocupação da Líbia e do resto da África do Norte, exceto
o Marrocos, pelo Império Otomano, baseado em Istambul. Vale ressaltar que
os Otomanos chegaram à Líbia pela primeira vez em 1517 e em 1551
estabeleceram-se de maneira definitiva. Governaram o país até o início do
século XX, embora sua dominação tenha tido uma interrupção entre 1715 e
1833, quando foi proclamado — e esta representa a segunda exceção a
sucessão de dominações estrangeiras da Líbia — um Estado independente na
Líbia, por Ahmad Karamanli, um dignatário local de confiança dos próprios
Otomanos, assim como seus sucessores.
No século XX, com o declínio do Império Otomano, houve a invasão e
ocupação italianas da Líbia em 1911, a qual teve três conseqüências distintas
para o país. A primeira conseqüência direta foi a expulsão definitiva dos
Otomanos da Líbia. A segunda, embora após uma invasão marítima e um
bombardeio de Trípoli que durou 3 dias, foi que os italianos reataram os elos
entre os dois lados do Mediterrâneo que haviam sido a base do primeiro
momento de glória da história do que é hoje conhecido como a Líbia, quando
fazia parte do Império Romano. Como resultado indireto desta ocupação,
houve a definição das fronteiras territoriais do país. Embora tenha sido feita
pela lógica das sobras entre as ocupações britânicas, a leste, e francesa, a
oeste, tais fronteiras permaneceram intactas até hoje. A Líbia, ao contrário dos
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demais países do chamado Grande Magreb (Mauritânia, Marrocos, Argélia e
Tunísia), foi o único país da região a não ser colônia francesa. Com isso, tanto
as lutas comuns do passado contra o colonizador, quanto a influência
desempenhada pela França nas atuais economias e políticas dos demais
países do Magreb estão ausentes da realidade específica líbia. A terceira
conseqüência foi que a ocupação italiana teve também o condão de excitar a
fibra nacionalista entre os líbios, que adotaram as fronteiras definidas pelo
colonizador como sendo suas fronteiras naturais e nacionais, mas rejeitaram o
domínio italiano, considerado estranho e invasor.
Uma das figuras dominantes daquele período foi sem dúvida Omar Al
Mukhtar, originalmente um professor de escola primária, que acabou liderando
por quase 20 anos a mais valente e duradoura luta das populações locais
contra o colonizador italiano, da mesma forma que o Sheikh Abdelkader havia
feito na Argélia contra a colonização francesa, e Abdelkrim Khatabi estava
fazendo, no mesmo momento, no Rif, contra a colonização espanhola na parte
norte do Marrocos. Sua luta foi pioneira no uso de táticas de guerrilha, valendose do perfeito conhecimento do deserto para fazer ataques-relâmpago contra o
exército italiano e esconder-se de volta nas dunas do Saara. Al Mukthar
acabou preso e condenado à morte pelo governo colonial, sendo enforcado em
16 de setembro de 1931. Foi reconhecido como o grande líder da luta nacional
contra o colonizador italiano e em prol de uma identidade líbia, independente,
muçulmana e árabe, mas ao mesmo tempo unida e atuante. A luta de Omar Al
Mukhtar plantou sementes fundamentais para a descolonização da Líbia e seu
posterior estabelecimento como país soberano e independente quase logo
após a derrota italiana na II Guerra Mundial, após um curto período de seis
anos (entre 1945 e 1951) durante o qual o norte do país foi administrado
temporariamente pelos britânicos, enquanto o sul foi administrado pela França.
O filme de 1981, de Moustapha Akkad, intitulado “O Leão do Deserto”, com
Anthony Quinn no papel de Omar Al Mukhtar, representa uma excelente
introdução ao personagem e a sua luta pela independência.
A Casa dos Snoussi, uma das mais importantes e respeitadas da Líbia
devido a suas raízes religiosas e seu apelo espiritual, que, além disso, havia
participado ativamente da luta armada anticolonial, inclusive articulada com o
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25
próprio
Omar
Al-Mukhtar,
afirmou-se
como
principal
interlocutor
dos
administradores britânicos e franceses para negociar a independência do país.
De fato, após a derrota italiana, a ex-colônia italiana, dividida em duas
administrações diferentes — as duas províncias do norte, Tripolitana e
Cirenáica, sob os britânicos, enquanto a província de Fezzan, ao sul, sob os
franceses — precisava ser reunificada. Finalmente, a Líbia tornou-se
independente em 24 de dezembro de 1951 e Mohamed Idriss Snussi (ou
Senussi), ou Idriss Primeiro, foi declarado Rei da Líbia no mesmo ano.
Governou o país até ser derrubado pelo golpe de Estado do coronel Muamar
Gadhafi em 1969.
Seu reino de 18 anos foi marcado por três características: uma
crescente e claramente estabelecida aliança com as potências ocidentais, e em
particular a Grã Bretanha, a França e os EUA, que receberam privilégios
militares, políticos e comerciais, estabeleceram bases militares, e apoiaram a
Líbia nas suas negociações com a antiga metrópole, para receber
compensações coloniais. A segunda característica do reino de Idriss Primeiro
foi o descobrimento do petróleo no país em 1958-1959, transformando o país
em um importante produtor e exportador do combustível para os EUA. A
terceira característica decorre de certa forma da segunda, e foi o alto nível de
corrupção da elite líbia em geral e da dinastia Snoussi em particular. A
descoberta do petróleo agravou as disparidades e as tensões entre a elite e o
resto da população, de modo que os últimos anos do regime Snoussi foram
marcados
por
sucessivos
tumultos,
revoltas
e
distúrbios
populares,
violentamente reprimidas pelas forças policiais. Merece destaque também os
distúrbios antiisraelenses ocorridos no país durante a Guerra dos Seis Dias,
entre israelenses e árabes, nos quais a população demonstrou seu
inconformismo com o alinhamento da Líbia com o Ocidente, principal apoio de
Israel na guerra contra os países árabes.
O golpe liderado pelo coronel Muamar Gadhafi se deu no meio de uma
grande crise política e moral. A monarquia e seus aliados desfrutavam de
forma nababesca e exclusiva da renda do petróleo recém-descoberto no país,
enquanto a população não recebia quaisquer benefícios desta nova riqueza.
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Enquanto a elite dilapidava os recursos do país em futilidades, a população
vivia na mais absoluta pobreza.
O líder revolucionário Gadhafi circulava pela capital Trípoli em um fusca
— preservado até hoje no Museu Nacional —, em claro contraste com a
opulência da frota de Mercedes Benz dos Snoussi. Após o 1º. de setembro de
1969, o coronel Gadhafi passou a presidir o Conselho de Comando da
Revolução (CCR) e já em dezembro firmou seu primeiro ato de união com dois
outros países: o Egito e o Sudão. Este tipo de iniciativa seria repetida inúmeras
vezes a seguir. No decorrer do primeiro ano do novo regime, a Líbia endureceu
suas relações com o Ocidente, rompeu acordos e expulsou 15.000 soldados
italianos que ainda estavam em seu território por acordo do Rei Idriss I com a
ex-metrópole. Em novembro de 1970, a Síria se juntou à União, mas como esta
nunca se concretizou de fato, Líbia, Síria e Egito fundaram em abril de 1971 a
chamada República Árabe Unida (RAU), que foi aprovada pela população líbia
em 1º. de setembro do mesmo ano, por referendo, comemorando
simbolicamente o segundo ano da "revolução". Como a RAU não funcionou
satisfatoriamente, Egito e Líbia estabeleceram sua própria união, separada da
Síria, em 2 de agosto de 1972. No quarto aniversário do golpe, mais uma vez
aproveitando os símbolos da revolução, a Líbia nacionalizou 51% das
empresas petrolíferas estrangeiras.
Porém, por não ter sido envolvida no ataque conjunto da Síria e do Egito
contra Israel, que deflagrou a Guerra do Yom Kippur, em primeiro de dezembro
de 1973, a Líbia rompeu sua união com o Egito.
Em janeiro de 1974, foi a vez da Tunísia estabelecer uma união com a
Líbia de Gadhafi, que também não durou muito tempo. Em 6 de janeiro de
1981, foi a vez do Chade ser objeto de nova tentativa de união com a Líbia.
Com isso, foram proclamados os Estados islâmicos do Sahel, mas, em
novembro do mesmo ano, tal união foi dissolvida. Em agosto de 1984, foi a vez
do Marrocos. No tratado de Ujda, criou-se a União Árabe-Africana entre a Líbia
e o Marrocos, que nunca foi efetiva e que o próprio Gadhafi declarou caduca
após a visita do primeiro-ministro israelense Shimon Peres ao Marrocos em
agosto de 1986.
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Em 16 de fevereiro de 1989, a Líbia passou a fazer parte do Tratado de
Marrakech, que criou a União do Magreb Árabe (UMA), junto com a Tunísia, a
Argélia, o Marrocos e a Mauritânia. Este tratado, que ainda está em vigor, tem
sido pouco efetivo no fomento ao comércio entre seus membros e no
incremento da integração entre eles. Embora tenha uma sede, um secretáriogeral e um secretariado permanente, a UMA não funciona e sequer seus
líderes se encontram regularmente. Um dos principais motivos para a baixa
efetividade é sem dúvida a espinhosa questão do Saara Ocidental, que opõe a
Argélia ao Marrocos, mas também o fato dos membros da UMA terem
observado as sanções da ONU contra a Líbia no decorrer da década de 1990
(episódio que será explorado logo a seguir) teve também um impacto negativo
sobre as perspectivas do relacionamento entre os países magrebinos. A mágoa
líbia se deve ao fato de que a Tunísia foi um dos primeiros países a aplicar as
sanções da ONU e o conjunto dos membros da UMA de certa forma se
beneficiaram do bloqueio econômico imposto às exportações da Líbia.
Deve-se assinalar que em abril de 1974, Gadhafi abriu mão de suas
funções político-administrativas em favor do primeiro-ministro Abdessalam
Jalloud. No ano seguinte, ocorreu uma das múltiplas tentativas de golpe de
Estado contra o violento e repressor regime implantado por Gadhafi na Líbia,
liderada por El Mechichi, um integrante do CCR que contava com o apoio de
metade dos demais conselheiros do Comando. Foram todos eliminados.
Em 2 de março de 1977 houve uma virada que constitui marco
fundamental na evolução do regime líbio. Sob a liderança de Gadhafi, o CCR
foi dissolvido e foram criados os Congressos Populares de Base, que são os
elementos essenciais da democracia direta preconizada no Livro Verde. Logo a
seguir, os Congressos Populares de Base, reunidos, decretaram um novo
nome para o país: Jamahiria Árabe Popular e Socialista. Há uma importante
sutileza neste nome: a tradução de "república" para o árabe é Jomhuria. Ao
optar por Jamahiria, Gadhafi procurou distinguir-se dos Estados democráticos
tradicionais e suas instituições representativas, usando o conceito de Jamahiria
— que tem origem nas palavras popular e massa, na língua árabe — para
traduzir suas idéias diferenciadas sobre as instituições que deveriam governar
a Líbia, conforme o Livro Verde.
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Esta reforma dentro da revolução foi completada simbolicamente dois
anos depois, no décimo aniversário da "revolução” (1979), quando o Líder
proclamou a separação oficial e completa entre o Estado e a revolução e
anunciou a criação dos comitês revolucionários.
Outro marco importante se deu em 31 de agosto de 1988, quando o
Exército e a Polícia, como instituições, foram dissolvidos e substituídos por
milícias populares, mantidas muitas estruturas anteriores e seu caráter
repressor da oposição e o emprego de métodos violentos (prisões arbitrárias,
ausência de julgamentos, desaparecimentos etc.). Logo a seguir, Gadhafi
acusou os comitês revolucionários de estarem por trás de vários assassinatos
de oponentes políticos e os dissolveu. Mas eles foram recriados adiante,
apartados do Estado, mas envolvidos com a segurança interna. Em outubro de
1992, foram postos em prática novos experimentos político-administrativos: a
Líbia foi dividida em 1500 comunas de autogestão e em fevereiro de 1994, o
calendário lunar foi adotado como oficial e o único aceito no país. Mais
significativo ainda, a Lei Islâmica, ou Sharia, foi adotada formalmente e
reconhecida como a lei básica para o Direito de Família. É importante salientar,
no entanto, que o resto das leis, inclusive do Direito Comercial, tem inspiração
nos códigos franceses e italianos e, em menor proporção, na legislação
anacrônica do Império Otomano.
A revolução de setembro de 1969 foi-se radicalizando ao longo do
tempo e teve também um importante componente cultural na Líbia, traduzido
pela ruptura com os valores e costumes do Ocidente e a reafirmação dos
traços da identidade árabe. Livros considerados representativos da cultura
ocidental foram banidos do país, e as bibliotecas e livrarias tornaram-se
notavelmente empobrecidas, resumindo-se à bibliografia em torno do Livro
Verde: ele próprio em várias edições diferentes, suas explicações e
comentários enaltecedores. A imprensa ocidentalizada foi silenciada. Em julho
de 1985, milhares de instrumentos musicais considerados ocidentais foram
queimados e destruídos em praça pública por significar símbolos do
colonialismo cultural, enquanto bens culturais e instrumentos musicais
tradicionais árabes, inclusive de outros países, foram reafirmados e
resgatados. A posse ou importação de instrumentos musicais considerados
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ocidentais foi proibida na Líbia até recentemente e a transgressão destas
proibições era considerada um sinal de desafio cultural aos princípios da
revolução.
No Livro Verde, Gadhafi estabeleceu as bases e princípios da
democracia direta e participativa, sem intermediários de representação política,
tais como partidos políticos, deputados eleitos etc. O sistema montado pelo
Líder articula-se em três níveis:
● na base, onde existem os Congressos Populares de Base (CPB), que
têm jurisdição regional. Os 468 CPBs existentes são instituições consultivas,
que propõem leis e apresentam requisitos orçamentários, e sua região ou
distrito de abrangência chama-se Mahalat. É aberto a todos os indivíduos que
simplesmente vivem em uma região ou distrito específico. Os CPBs estão
reunidos de maneira permanente. A presença e participação dos moradores
nos CPBs são muito baixas. Os Congressos Populares são dirigidos por
Comitês Populares, uma espécie de comissão executiva, cujos membros são
designados pela assembléia dos CPBs — informalmente, há indicações feitas
pelos integrantes dos comitês revolucionários, conforme apresentado mais
adiante. É importante ressaltar que tanto neste nível de base, quanto nos níveis
superiores, a representação tribal está refletida nestes comitês de modo que os
membros das tribos mais importantes estejam incluídos e que a postulação de
suas demandas seja assegurada. Ao passo que a autonomia destes CPBs
pode ser questionada, é importante salientar que o regime efetivamente os
utiliza como câmaras de reverberação, seja para avaliar a popularidade de
suas medidas, seja para legitimar outras. A este respeito, vale mencionar que
no decorrer dos últimos anos os CPBs rejeitaram duas medidas propostas pelo
próprio Gadhafi: a possibilidade de educação das crianças em casa, ao invés
de na escola, e a abolição da pena de morte. Em ambas situações, as CPBs se
posicionaram de maneira contrária a projetos apresentados pelo Líder
supremo.
● o segundo nível do sistema político líbio articula-se em torno dos
Conselhos Municipais, ou Shaâbia, que eram 26, e que são constituídos dos
membros dos Comitês Populares, de órgãos especializados que administram
as empresas estatais e de organizações profissionais ou sindicais. Aliás, todas
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as companhias públicas são dirigidas pelo que é chamado também de Comitês
Populares, encabeçados por secretários. Os vários Comitês Populares da
Shaâbia indicam os membros dos Comitês Gerais do Povo (CGP). Existem
CGPs para cada grande área sócio-econômica do país. Cada Shaâbia é
liderada por um secretário, cujo mandato é de quatro anos, mas que, na
essência, é flexível, pois este pode tanto ser reconduzido várias vezes, quanto
ser cassado no meio do mandato. Ele tem responsabilidades políticoadministrativas equivalentes a de um prefeito.
● o topo da pirâmide do sistema político é ocupado pelo Congresso
Geral do Povo (CGP), que se encontra ordinariamente em março de cada ano
e que seria o equivalente ao parlamento em uma democracia ocidental. Neste
nível também, a identidade tribal desempenha um papel importante, tanto na
proporção da representação quanto na formação de alianças. O CGP é
constituído de representantes dos CPBs e dos secretários das associações
profissionais e empresariais. Há também um Comitê diretor do CGP, cuja
autoridade máxima possui responsabilidades equivalentes às de um primeiroministro no sistema parlamentarista. São os membros do CGP, e somente eles,
que deliberam sobre questões de segurança nacional, de política externa, de
orçamento nacional e do petróleo. O equivalente do Poder Executivo,
encarregado de executar aquilo que os congressos populares decidem é
chamado de comissões ou comitês populares. No nível do CGP, há a
Comissão Popular Geral, que era constituída de 20 secretários, mas que a
partir de 2000 foi reduzida a 7 membros com o intuito de transferir para as
Shaâbias as responsabilidades das demais secretarias. Tal Comissão Popular
do CGP desempenha as funções que se costuma atribuir ao Gabinete
Ministerial nos regimes tradicionais, ou seja, é o Poder Executivo de fato no
nível nacional.
Além da estrutura acima apoiada nos Congressos Populares de Base,
de caráter estatal, há também uma estrutura paralela, de caráter político,
totalmente independente e autônoma daquela concebida para gerir o Estado
em suas várias instâncias: a dos Comitês Revolucionários (CR), que possuem
funções específicas nas áreas de inteligência e policiamento, e que são um
instrumento de recrutamento de elites em todos os níveis. Os CRs são abertos
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a todos que acreditam no Livro Verde e servem para mobilizar as massas,
difundir as mensagens da liderança e defender o regime contra todos os tipos
de inimigos, principalmente os grupos internos de oposição.
As reformas do regime revolucionário não ocorreram dentro da grande
harmonia e do consenso que o governo líbio afirma existir. No decorrer dos
últimos anos, vários atentados e tentativas de assassinato de Gadhafi
ocorreram, resultando em cada vez mais freqüentes violações dos direitos
humanos por parte da repressão aos suspeitos praticada pelas autoridades. O
regime tem convicção que muitas das tentativas foram praticadas com apoio
externo, sobretudo o patrocínio de órgãos de segurança dos EUA.
Como exemplo da oposição radicalizada contra o regime, no ano de
1980, 10 opositores de Gadhafi que viviam no exílio foram executados e essas
execuções de líbios no exterior continuaram por vários anos. Um dos
opositores assassinados mais famoso foi o coronel Hassan Eskhal, cunhado de
Gadhafi, morto em 1985. Em outubro do ano seguinte, Gadhafi anunciou que
todos os oponentes do regime que estivessem fora do país deveriam voltar à
Líbia, mas sem garantir uma anistia nem qualquer processo de abertura política
que pudesse representar salvaguardar para os exilados.
As ONGs estrangeiras de defesa dos direitos humanos afirmam que
prisões líbias estão cheias de opositores, principalmente militares, que de
alguma forma acabaram acusados de atentar contra a vida e o regime de
Gadhafi. Mais de 2.000 militares foram presos após as rebeliões militares de
Tobruq, em agosto de 1980. Em outro episódio significativo, em maio de 1984,
a Frente Nacional para a Salvação da Líbia atacou a caserna de Bab Azizyya e
experimentou violenta reação. Seus integrantes foram presos. Em seguida,
houve uma grande onda de prisões de suspeitos de oposição. Em outubro do
mesmo ano, uma nova tentativa de ataque contra a vida de Gadhafi foi
desmantelada, além de um outro atentado com carro-bomba em Misurata, que
fracassou no mesmo mês.
Em outra articulação política contra o regime, em junho de 1995, houve
importantes confrontos entre a polícia e militantes islâmicos em Benghazi, que
resultaram na morte de 10 pessoas e na prisão de centenas de outros. Em
setembro do mesmo ano, tais confrontos se repetiram, desta vez com a morte
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de 10 policiais e 20 militantes islâmicos. Em julho e agosto de 1996,
aconteceram novos e prolongados distúrbios na região de Benghazi, liderados
pela guerrilha islamita.
Nestes longos episódios de violência política e repressão policial, uma
das maiores tragédias humanitárias ocorreu em 28 de junho de 1996, quando
um motim na prisão de Abu Salim resultou na morte de centenas de presos —
algumas fontes estimam que morreram até 1.200 presos, embora as
autoridades reconhecessem apenas 8. Esta mesma prisão foi marcada, quase
10 anos depois, por novo motim e outra dura repressão, que resultou na morte
de pelo menos um preso e pelo menos 9 feridos.
Em setembro de 1996, num jogo de futebol em Trípoli, Al Saadi, um dos
filhos de Gadhafi, foi vaiado pelo público, o que levou seus guardas a atirarem
contra as arquibancadas, matando 20 pessoas e ferindo mais de 40. Em
setembro, nova tentativa de golpe de Estado, com mais de 50 oficiais
envolvidos, foi abortada no último momento e resultou em numerosas prisões
de militares e civis suspeitos de colaboração na fracassada iniciativa golpista.
Em janeiro de 1997, 8 líbios, entre os quais 6 militares, foram executados por
espionagem a favor dos EUA.
Além disso, de acordo com a organização Human Rights Watch,
centenas de indivíduos povoam as prisões líbias por participação em atividades
políticas totalmente pacíficas. A maioria deles foi condenada com base na Lei
no. 71, que proíbe categoricamente qualquer atividade individual ou de grupo
cuja ideologia se oponha de alguma forma aos princípios da chamada
revolução de 1969. Aqueles que infringem a Lei 71 correm o risco de serem
condenados inclusive à pena de morte nela prevista. Atividades tais como
simplesmente encontrar representantes de governos considerados inimigos
podem levar à pena capital. Human Rights Watch fala também de
aproximadamente 250 políticos desaparecidos.
2.3 - DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS DO SISTEMA POLÍTICO LÍBIO
O regime líbio deve-se confrontar com vários desafios no decorrer dos
próximos anos. Apesar do Líder não ter idade avançada, rumores sobre a
fragilidade de seu estado de saúde dominam Tripoli, inclusive nos meios
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diplomáticos
e
empresariais
transnacionais.
Com
isso,
especula-se
abertamente sobre o processo sucessório e a pergunta essencial é: quem vai
ser o sucessor?
Os líderes tradicionais da revolução, que ajudaram Gadhafi a chegar ao
poder, estão todos mortos, presos, exilados no exterior ou sem poder de
influência nenhum, numa espécie de exílio interno.
Shukri Ghanem, que era um dos indivíduos mais fortes do regime e que
até 2006 era o todo poderoso primeiro-ministro, acabou precipitando-se no
sentido de realizar as reformas necessárias e foi deslocado do principal cargo
do país para um outro, ainda bastante significativo: o de presidente da NOC, a
companhia petrolífera estatal. Ainda tem muito poder, mas sem a centralidade
e a importância política do cargo anterior.
Nas Forças Armadas, Gadhafi tem sido bastante habilidoso para não
permitir a nenhuma liderança se afirmar no seu seio, tornando-se significativa.
Assim, as limpezas sistemáticas que sucederam as diferentes tentativas de
golpe de Estado ou de assassinato de Gadhafi resultaram em uma renovação
permanente do corpo de oficiais das Forças Armadas. Isto não significa, de
forma alguma, que não haja risco de intervenção militar, como ficará claro no
quinto capítulo deste Relatório. No entanto, sua probabilidade não é alta.
Com isso, muitos analistas apostam nos filhos de Gadhafi como seus
futuros sucessores. Estas sucessões hereditárias têm-se tornado normais no
mundo árabe, com uma "quase dinastia" já estabelecida na Síria e outras se
perfilando no Egito e na Líbia. No caso disto se confirmar, o filho mais atuante
e mais cotado de Gadhafi é Seif Al-Islam, que dirige a quase oficial
organização não governamental Fundação Gadhafi para o Desenvolvimento
(FGD). A FGD tem tido uma atuação importante tanto na Líbia quanto fora do
país nos últimos anos. No plano internacional, a FGD teve um papel importante
na mediação e resolução de uma crise de reféns ocidentais nas Filipinas.
Desempenhou também um papel moderador importante na resolução da crise
de Lockerbie e no estabelecimento de uma solução conciliatória e aceitável
para todos. No plano nacional, a FGD foi muito importante na libertação de 132
presos por crime de opinião em março de 2006, contribuindo com isso para a
distensão e a normalização da vida política no país. Com isso, Seif acaba
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ocupando uma posição muito peculiar: ele é, de certa forma, intocável por ser
filho de Gadhafi; ao mesmo tempo, aproveita-se desta posição para moderar
algumas atitudes do regime do pai e é considerado por muitos como um duro
crítico do governo.
Com isso, ele pode estar adquirindo as credenciais necessárias para
impor-se como um legítimo líder do país após a morte do pai. Em agosto de
2006, Seif fez um discurso extremamente liberal na televisão e criticou a
corrupção, a falta de democracia e de liberdade de expressão, defendendo ao
final a adoção de uma nova constituição. O discurso levantou esperanças e
perplexidade entre a população e os observadores da cena política líbia. Então,
Gadhafi fez questão de se dirigir à nação através da televisão para criticar o
discurso do filho e reafirmar os valores da revolução de 1969. Como resultado,
Seif enfadou-se com o pai e deixou o país durante vários meses, indicando
com isso seu afastamento em relação a Gadhafi e sua posição crítica dentro do
regime. Tudo isso dá a Seif credenciais substantivas para suceder ao pai caso
seja aberta a sucessão dentro de breve e Gadhafi não o faça a indicação de
um nome diferente para ocupar a liderança.
Outros filhos de Gadhafi são cogitados nas especulações, mas sempre
como hipóteses mais remotas do que Seif.
Por fim, outra possibilidade de evolução do sistema político líbio
teoricamente possível seria a chegada ao poder de um dos inúmeros grupos de
oposição. De fato, existem muitos grupos de oposição clandestina ao regime.
Alguns atuam dentro de país e outros estão no exílio. Mas a eficiência do
aparelho policial e de segurança interna, associada à existência de recursos
financeiros abundantes nas mãos do regime para subornar e premiar
denunciantes tornam esta possibilidade inviável no futuro próximo.
2.4 - O COMPONENTE INTERNACIONAL DA POLÍTICA LÍBIA
A dimensão internacional faz parte da revolução de Gadhafi. O Livro
Verde tem como terceiro componente o internacional e, desde os momentos
iniciais do regime atual, o Líder tem-se empenhado nas lutas de diferentes
povos oprimidos no mundo, e da África em particular, assumindo com isso
posições claras de enfrentamento das nações hegemônicas no cenário
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internacional, que lhe causaram bastantes problemas na região e no mundo.
No Livro Verde, assim como no seu Comentário do Livro Verde e no seu
Discursos Políticos — compêndio onde todos os discursos do Líder são
reunidos — Gadhafi deixa claro que o molde de seu pensamento é o
nacionalismo árabe, cujo núcleo central problemático é a questão palestina.
Conseqüentemente, o anti-sionismo e o antiimperialismo são componentes
fundamentais da política externa líbia pós-golpe de 1969.
Esta nova fase corresponde a um grande protagonismo por parte do
país nos planos regional, árabe, africano e internacional. Assim, como já visto
anteriormente, o novo regime da Líbia engajou-se em várias iniciativas de
união com outros países árabes que também tinham projetos "revolucionários".
Estas uniões tinham sempre como propósito estabelecer o núcleo inicial do que
seria mais tarde a nação árabe unificada.
Na questão palestina, por exemplo, a Líbia passou a fazer parte da
“Frente de Resistência e Desafio”, junto com a OLP, a Argélia, a Síria e o
Iêmen. Junto com estes parceiros, Gadhafi foi contra o reconhecimento de
Israel e, conseqüentemente, contra qualquer negociação com aquele país, isto
apesar de seu rompimento com Yasser Arafat em 1980. Foi sem surpresa,
então, que ele não apoiou os acordos de Oslo de 1994 entre Israel e os
palestinos. Na África, a luta da ANC na África do Sul, do MPLA em Angola e
outros movimentos independentistas e de libertação nacional tidos como
progressistas e lutando contra o Ocidente e seus aliados no continente,
receberam o apoio material e financeiro da Líbia. A terceira frente de atuação
da Líbia eram os movimentos de oposição a diferentes regimes no mundo
árabe — mas não apenas naquela região — considerados reacionários ou tidos
como alinhados com o Ocidente. Líderes destes movimentos oposicionistas
que queriam derrubar os governos conservadores receberam não apenas asilo
e apoio institucional, mas também recursos financeiros da Líbia: na África do
Sul do apartheid, na América do Sul dos regimes militares alinhados com os
EUA, na luta contra o que Gadhafi considerava as monarquias corruptas do
Golfo Pérsico. Não era raro ver soldados da Líbia junto com soldados de Cuba
nas mesmas lutas, contra os mesmos inimigos. Outras iniciativas denotativas
deste engajamento do regime de Gadhafi ao redor do mundo era seu apoio aos
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muçulmanos da Frente Moro, nas Filipinas, assim como seu apoio, até 1983, à
Frente Polisário, no conflito do Saara Ocidental, opondo o Marrocos aos
independentistas da frente.
A política africana de Gadhafi teve duas facetas, aliás, parecidas com as
facetas do relacionamento de Gadhafi com o mundo árabe: por um lado, a
Líbia apoiou vários movimentos de libertação nacional na África, mas, por outro
lado, a Líbia teve também uma política intervencionista no continente. Em
1979, 1980 e em 1983-84 a Líbia interveio no Chade. Mas em 1987, houve
uma intervenção no sentido contrário, quando o Chade atacou e ocupou a faixa
de Auzu na Líbia. No entanto, a Líbia rapidamente expulsou o Exército do
Chade daquela região e restabeleceu seu controle sobre ela. Em 30 de agosto
de 1989, a Líbia e o Chade firmaram finalmente um acordo de paz, nos termos
do qual resolveram de maneira definitiva o contencioso territorial. Com Uganda,
houve também uma tentativa de intervenção líbia em 1979, mas com a queda
do regime do Idi Amin Dada, as tentações cessaram em relação aquele país.
Tudo isso indica a importância da África para a política externa líbia. Por
outro lado, quando as sanções da ONU foram impostas à Líbia, os países
árabes em geral e a UMA, em particular, não se solidarizaram com a Líbia. Mas
os países africanos demonstraram grande solidariedade com o regime de
Gadhafi: a Organização da Unidade Africana (OUA), na sua Cúpula de
Uagadugu (Burkina Faso), lançou um ultimato à comunidade internacional no
sentido de suspender o boicote aéreo em relação à Líbia, gesto que nenhum
país árabe jamais tomou. Além do mais, os analistas líbios perceberam um
desprezo e um desdém por parte dos países árabes do Oriente Médio que os
países africanos nunca demonstram em relação às iniciativas diplomáticas
líbias.
Acrescente-se a isso as sucessivas decepções com os países árabes do
Oriente Médio, inclusive os palestinos, quando os mesmos iniciaram um
processo de normalização das suas relações com Israel, no decorrer da
década de 1990.
Estes fatores e a evolução dos fatos acabaram levando a Líbia a
reavaliar suas opções de política externa e a eleger o cenário africano como
sendo sua mais alta prioridade. Foi neste sentido que o país desempenhou um
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papel fundamental na dissolução da OUA e sua substituição pela União
Africana (UA), muito mais atuante e institucionalizada que a organização
multilateral anterior. Recentemente, para reforçar suas posições na entidade,
antes da Cúpula da UA, em final de junho/início de julho de 2007, Gadhafi
visitou vários países africanos e defendeu a criação dos Estados Unidos da
África.
Mas esta tendência na direção de ocupar-se da África como um todo,
não significa o total abandono da via árabe pela política externa líbia. Em abril
de 2007, recentemente portanto, Gadhafi lançou a idéia de constituição de uma
segunda dinastia Fatimida, isto é, de uma estrutura estatal abrangente,
organizada e dirigida a partir do centro do Magreb, e que se expandiria rumo ao
Oriente Médio com o objetivo de constituir uma nação árabe unida, forte e
conquistadora.
Mas nem só de uniões e alianças são feitas as relações da Líbia com
seus vizinhos. Há seqüelas de vários episódios como o ocorrido em setembro
de 1985, quando 100.000 estrangeiros, entre os quais 30.000 tunisinos, foram
expulsos sumariamente do país. Em novembro de 1995, milhares de imigrantes
ilegais foram expulsos do país. Particularmente visados foram os sudaneses
(30.000 a 40.000), os egípcios (em torno de 7.000) e os palestinos (em torno
de 5.000). Estes últimos foram visados em virtude da assinatura dos acordos
de Oslo entre e OLP e o Estado de Israel, acordos que eram vistos por Gadhafi
como uma traição de Yasser Arafat e uma capitulação dos palestinos diante
dos israelenses.
As relações mais tumultuadas da Líbia de Gadhafi têm sido com os
EUA. Já nos primeiros meses da revolução de setembro de 1969, o novo
regime tratou de cancelar algumas vantagens que o reinado de Idriss I dera
aos cidadãos e empresas ocidentais, em geral, e aos do EUA, em particular.
Em dezembro de 1979, a embaixada americana em Trípoli foi apedrejada pela
população civil, e o mesmo ocorreu com a embaixada francesa em fevereiro de
1980. Em 1984, as relações diplomáticas da Líbia com o Reino Unido foram
rompidas após tiros partidos da embaixada líbia em Londres terem matado
uma policial britânica e ferido vários transeuntes. E em 1985, vários ataques
terroristas que ocorreram em torno do Mediterrâneo, em particular a crise dos
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reféns do navio Achille Lauro em novembro de 1985, na qual um refém foi
executado pelos seqüestradores da embarcação, o que levou vários países
ocidentais a acusarem o regime de Gadhafi de estar por trás do terrorismo
internacional.
Em conseqüência destes eventos e da estridência do discurso de
Gadhafi contra os EUA, em 7 de janeiro de 1986, o governo estadunidense
rompeu relações econômicas com a Líbia. Em março de 1986, cresceu o nível
de tensão com os EUA, por conta das manobras da Marinha americana no
Golfo de Sirte. Para mostrar sua capacidade de resistência, a Líbia respondeu
com fogo de mísseis Scud, e alguns destes caíram na Itália, perto de uma base
americana naquele país. A conseqüência direta desta escalada militar foi que
em 15 de abril, houve um ataque aéreo americano contra Benghazi e Tripoli,
em total violação ao direito internacional, sem que os dois Estados tenham
declarado guerra, e visando não apenas destruir pontos nevrálgicos da infraestrutura
da
Líbia,
como
atingir
pessoalmente
o
próprio
Gadhafi,
bombardeando sua casa. Trinta e sete pessoas morreram, entre os quais uma
filha adotiva do Líder. Em 1989, os EUA acusaram a Líbia de construir uma
usina de armas químicas em Rabta, usina esta que um incêndio queimou em
14 de março de 1990. Em abril de 1996, os EUA acusaram a Líbia, mais uma
vez, de estar construindo uma usina de armas químicas de destruição em
massa, só que desta vez em Tarjunah.
Mas se o bombardeio norte-americano de 1986 parecia o pior ponto da
crise, a chamada crise de Lockerbie mostrou que tudo poderia ser bem pior
ainda. As investigações relativas à queda de um Boeing da PanAm — ocorrida
em 21 de dezembro de 1988, em Lockerbie, na Escócia, no vôo que ligava
Londres a Nova Iorque, matando todos seus 270 passageiros — levou os
governos britânico e norte- americano em novembro de 1991 a acusar o regime
líbio de estar por trás do atentado. Isto resultou num quase completo
isolamento internacional da Líbia, inclusive com resoluções do Conselho de
Segurança da ONU contra o país, que não foram contestadas sequer pelos
membros da UMA, como foi antes mencionado.
Em agosto de 1990, a França acrescentou mais uma acusação contra a
Líbia, desta vez era por ter fomentado o atentado contra o DC-10 da
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companhia aérea UTA em 10 de setembro de 1989, que caiu no Niger e matou
170 passageiros. Em abril de 1992, o Conselho de Segurança da ONU acabou
impondo um embargo aéreo e militar contra a Líbia. Em resposta a estas
acusações e ao crescente isolamento do país, na sua reunião de março de
1992, o Congresso Geral do Povo condenou todas as formas de terrorismo
internacional e interrompeu o uso de vários fundos de apoio a grupos
estrangeiros, inclusive palestinos. Apesar disso, em agosto de 1993, EUA, Grã
Bretanha e França lançaram um ultimato à Líbia para entregar os dois líbios
acusados dos atentados de Lockerbie antes de primeiro de outubro. Em vez de
aceitar o ultimato, em setembro, a Líbia anunciou aceitar que os dois líbios
fossem levados diante de uma corte escocesa, abrindo a porta para uma
solução intermediária e negociada para a chamada crise de Lockerbie. Apesar
dessa abertura líbia, em dezembro de 1993, o CS da ONU votou o
congelamento dos vôos dos aviões líbios fora do país. Em março de 1997, a
Líbia, em nova tentativa de se aproximar e melhorar suas relações com o
Ocidente estabeleceu relações diplomáticas com o Vaticano. As arrastadas
negociações com as autoridades norte-americanas e britânicas levaram a uma
solução intermediária, que se concretizou no estabelecimento de uma corte
escocesa em um território considerado neutro — a Holanda, mais
especificamente, em Camp Zeist — e na entrega dos dois cidadãos líbios
formalmente acusados do atentado, Abdel Basset Ali Al Megrahi e Lamin
Khalifa Fhima, às autoridades holandesas em abril de 1999.
Em junho de 2001, Megrahi foi condenado a 27 anos de prisão enquanto
Fhima foi inocentado pela Corte composta por três juizes escoceses. Desde
então, Megrahi recorreu da sentença em várias instâncias, inclusive européias,
e em junho de 2007 uma comissão especial escocesa para a verificação e o
controle dos processos judiciários acabou dando-lhe ganho de causa e
exigindo que seu caso fosse remetido para a Corte Suprema escocesa.
Mas o processo judiciário representou apenas uma parte da resolução
da chamada crise de Lockerbie. De fato, em paralelo à via judiciária, os EUA e
a Líbia engajaram-se numa negociação política concluída em maio de 2002,
através da qual a Líbia ofereceu US$ 2,7 bilhões de indenização para as
famílias das vítimas, ou o equivalente a US$ 10 milhões por família, para
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
40
resolver o contencioso jurídico. Nestes termos, 40% do montante seriam
desembolsado pela Líbia quando as sanções da ONU contra o país fossem
canceladas, 40% seriam desembolsados quando as sanções comerciais norteamericanas também fossem canceladas, enquanto os 20% restantes seriam
desembolsados quando o Departamento de Estado Norte Americano retirasse
a Líbia da sua lista de Estados que apóiam o terrorismo. Mas as
compensações para as famílias eram apenas uma parte da negociação
política: a Líbia também se comprometeu a não apoiar o terrorismo de qualquer
origem e reconheceu a responsabilidade de seus serviços de inteligência pelo
atentado de Lockerbie. Todas as condições já foram preenchidas, inclusive
aquelas relativas ao processo bilateral entre a Líbia e os EUA.
Em 2003, a Líbia renunciou às Armas de Destruição em Massa e tem
cooperado com as potências ocidentais no combate ao chamado terrorismo
internacional. A Líbia também assinou o Protocolo Adicional do Tratado de Não
Proliferação Nuclear (TNP), mediante o qual a Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA), pode monitorar as centrais nucleares do país e pode
efetuar visitas-surpresas a qualquer local suspeito de abrigar atividades
nucleares, com um aviso prévio de apenas 24 horas. Na ocasião, a Líbia
entregou às autoridades norte-americanas todos os tipos de material ligados
direta ou indiretamente ao seu antigo programa nuclear. A Líbia tornou-se
também um Estado signatário da Convenção Internacional das Armas
Químicas.
Como resultado disso tudo, em maio de 2006, a Líbia e os EUA
restabeleceram relações diplomáticas completas e se comprometeram a
nomear embaixadores para dirigirem suas respectivas missões diplomáticas.
Em 30 de junho do mesmo ano, os EUA deixaram de considerar a Líbia como
um Estado que protege o terrorismo, gesto que abre várias portas de
cooperação da Líbia com os EUA.
Uma crise atual com a União Européia refere-se ao chamado caso das
crianças contaminadas com HIV em Benghazi. Cinco enfermeiras búlgaras e
um médico palestino estão presos pelas autoridades líbias desde 1999 e
condenados à morte por terem supostamente contaminado 426 crianças líbias
com o vírus do HIV. As autoridades líbias afirmam ter confissões dos seis
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
41
acusados enquanto a União Européia e algumas organizações de defesa dos
direitos humanos como a Human Rights Watch afirmam que as confissões não
são válidas por terem sido extraídas sob tortura dos acusados. Esta
impugnação das confissões sob tortura parece ter algum fundamento, uma vez
que em 2005 a própria Corte Suprema da Líbia mandou o processo de volta
aos tribunais inferiores para novo julgamento. No último mês de maio, um
acordo parece ter sido alcançado pelas autoridades líbias e as autoridades da
União Européia mediante o qual as enfermeiras búlgaras seriam libertadas e o
caso arquivado, mediante o pagamento de uma indenização pelos europeus,
mas, até agora, este acordo ainda não foi firmado.
Por fim, a Líbia tem tentado desempenhar um papel de mediador na
crise do Darfur, principalmente no que se refere às relações entre o Sudão e o
Chade. Como mencionado anteriormente, a Líbia de Gadhafi interveio em
diferentes momentos na recente história do Chade, seja durante os regimes de
Hissein Habrem, de Gokuni Uedei ou, ainda, sob o atual presidente Driss Deby.
No entanto, hoje, Gadhafi é aliado tanto de Deby quanto de Omar al Bashir, do
Sudão. A solução do conflito do Darfur, porém, não é simples. Ambos os
governos têm atuado reciprocamente no sentido de derrubar o outro via apoio,
inclusive financiamento, de rebeldes contra o regime oponente. Em março de
2007, Gadhafi conseguiu convencer os dois governos a suspenderem as
hostilidades mútuas e a resolverem suas diferenças pela via pacífica. No
entanto, o fato das tensões entre os dois regimes se originarem na crise do
Darfur tem dificultado a missão de Gadhafi. Este dá total apoio ao governo
sudanês de Al Bashir na sua recusa a uma intervenção da ONU no Darfur.
Oferece como alternativa uma missão de intervenção militar de paz com
soldados dos países da União Africana. Simultaneamente, o Chade tem sido
pressionado — e aceito as pressões — de várias potências ocidentais, e da
França de Sarkozy em particular, para receber uma força de intervenção
internacional com objetivos simultaneamente humanitários e de proteção dos
campos de refugiados darfurianos no Chade. Com isso, as mediações de
Gadhafi e da Arábia Saudita, que vão no mesmo sentido, têm poucas
possibilidades de sucesso.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
42
Muitos consideram que no fundo da disputa por Darfur está a suposição
geológica de que seu subsolo abrigue jazidas de petróleo ou gás. A hipótese
não é ratificada por especialistas.
2.5- CONCLUSÕES
O sistema político líbio é dominado pela figura do Líder, Muammar
Gadhafi. Sua onipresença é total, apesar de não ocupar nenhum cargo oficial
no Estado nem liderar um partido hegemônico, inexistente no panorama
político líbio. É um fenômeno, que os líbios explicam em função de sua
"legitimidade revolucionária" que poucos no país ousam questionar. Isto, não
obstante os ingredientes revolucionários do golpe de Estado de 1º. de
setembro serem bastante questionáveis. O golpe de Gadhafi foi dado contra
uma monarquia tão jovem quanto decrépita em função da corrupção, do
esbanjamento da renda do petróleo e da privação da população que não tinha
acesso aos frutos da extração de sua principal riqueza natural. Não havia um
ideário político revolucionário, nem articulação das forças golpistas com
grupos, ou mesmo tribos, da sociedade líbia. O rei Idriss I caiu porque não
havia quem quisesse defendê-lo. Mas os anos que se seguiram a sua chegada
ao poder mostraram que Gadhafi não tinha um projeto de sociedade bem
definido a desenvolver, nem revolucionário nem conservador.
Seus vários experimentos sociais e econômicos — já estatizou os meios
de produção, tornou as empresas cooperativas, para posteriormente devolvêlos à iniciativa privada; já encampou o controle das transnacionais do petróleo
e agora está buscando atraí-las de novo; já fechou o país ao turismo, por pura
xenofobia aos não árabes e agora quer reabri-lo — se bem catalogados são
capazes de configurar a Líbia como um imenso laboratório de testes de idéias
pessoais, mal fundamentadas teoricamente e marcadas pela negação das
instituições utilizadas no mundo civilizado, sejam por sedimentação histórica
daquelas que deram bons resultados, seja por invenção do gênio humano.
A explicação usual dos líbios que estão na Líbia, da legitimidade
revolucionária, é pouco convincente. Ou é menos convincente que a
capacidade de aplicar métodos violentos de repressão sobre os adversários
políticos.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
43
Os escritos de Gadhafi representam a referência essencial para o
funcionamento das instituições do país. Suas idéias estão na base do sistema
político nacional. Em casos de impasse, é o Líder quem decide e faz as
grandes opções. Por isso mesmo, sua eventual saída da cena política pode
representar grandes riscos para a estabilidade do país. A Líbia pode deixar de
ser o Estado policial e repressor, mas relativamente estável, que é, para tornarse um país política e economicamente instável.
Isto significa que a Líbia pode estar à beira de um momento de
incertezas e riscos quanto a seu funcionamento e quanto a seu futuro, por não
contar com instituições capazes de dar previsibilidade ao processo político.
Não se quer dizer que o pós-Gadhafi será necessariamente instável,
mas sim que se trata de uma fase de incertezas e riscos. Afinal, a Síria, com
um regime tão repressor e tão personalista quanto o líbio, com o
desaparecimento de Hafez Assad, o país passou por uma transição, não
preparada, de maneira relativamente tranqüila. Enquanto a Costa de Marfim,
com um Estado mais aberto e menos repressor, onde o ex-presidente Felix
Houphouet Boingny preparou com cuidado sua sucessão, passa por uma grave
e profunda crise que necessitou inclusive uma intervenção de forças
internacionais para garantir a manutenção da paz.
Conclui-se, portanto, que a questão sucessória na Líbia pode, mas não
deve necessariamente, levar o país à instabilidade política e social.
Infelizmente, com a inexistência de uma imprensa livre, a falta de uma
produção acadêmica com diversidade de opiniões e com as dificuldades
observadas nas entrevistas da missão de campo da REISE — onde se pode
sentir o peso do que é o Estado policial líbio na própria universidade — não se
pode objetivar melhor uma avaliação dos riscos políticos presentes na atual
conjuntura Líbia. Mas que os há, não resta dúvida.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
44
3. PANORAMA ECONÔMICO
Por não participar da maioria das agências e organizações multilaterais
(FMI, BIRD, OMC, etc.) e adotar um regime econômico sui generis, inclusive na
estruturação do seu setor público, conseqüente com os princípios do Livro
Verde de Muamar Gadhafi, a Líbia não oferece boas estatísticas econômicas
aos analistas.
Como se sabe, praticamente não há atividade editorial e livreira na Líbia.
Os jornais seguem linhas de opinião oficiais. Além do Livro Verde e do Corão,
as poucas livrarias oferecem apenas livros estrangeiros de culinária, de turismo
e de fotografias. Deste modo, há pouca ou nenhuma informação econômica
circulando e nada de cunho crítico ao governo pode ser publicado.
Grande parte das informações utilizadas nesta parte do Relatório foi,
portanto, colhida em fontes secundárias. A missão incumbida do trabalho de
campo também não teve acesso a publicações especializadas ou a
funcionários que detivessem dados transparentes sobre a economia líbia.
Transparência, aliás, não constitui um valor para as autoridades líbias.
O país tem economia mista, com orientação predominantemente
estatista — o Livro Verde rejeita simultânea e igualmente o Socialismo e o
Capitalismo com argumentos religiosos e políticos —, não obstante existirem
também atividades exploradas segundo o sistema capitalista e em regime
cooperativista. A propriedade privada chegou a ser abolida, mas foi restaurada.
O grau de proteção dos direitos de propriedade é muito baixo, inclusive no que
tange aos imóveis, podendo um proprietário ser expropriado sem indenização,
sem possibilidade de recurso à Justiça e sem maiores justificativas.
Se
protestar pode ser preso.
A família Ghadafi é veladamente considerada envolvida nos grandes
negócios, como por exemplo, nas telecomunicações, além, naturalmente, dos
relativos aos hidrocarbonetos.
3.1 BREVE HISTÓRIA ECONÔMICA
A Líbia tem território de 1,8 milhões km2, população de 5,9 milhões de
habitantes e é, em tese, o quarto maior país da África, como mostra o Quadro
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
45
3.1-I seguinte. Entretanto, as áreas desérticas ou quase desérticas são 90% do
território. Estima-se que a terra arável não ultrapasse a 1% da área total do
país. A população, por seu turno, está concentrada nas áreas urbanas (85% da
população total) próximas ao Mar Mediterrâneo e, mais especificamente, nas
duas maiores cidades: Trípoli e Benghazi. O país tem pequena população
nômade e semi-nômade no sul do país, no deserto do Saara. Em conseqüência
das condições desfavoráveis de clima e solo, o país importa 75% dos alimentos
consumidos.
O Produto Interno Bruto da Líbia, de US$ 73 bilhões (PPP), é 0,11% do
PIB mundial. A renda per capita do país (PPP), de US$ 12,204 , é a mais
elevada da África. Em termos comparativos, vale notar que as rendas per
capita (PPP) da Argentina e do Brasil são de US$ 15,936 e US$ 9,108,
respectivamente.
A economia da Líbia é altamente dependente do petróleo, que responde
por mais da metade 3 da renda agregada do país, 97% da receita de exportação
e 93% da receita fiscal do Estado. Em 2006, o valor das exportações de
hidrocarbonetos chegou a US$ 38 bilhões, o que representou 76,1% do PIB.
Vale notar, ainda, que neste ano a receita fiscal relativa aos hidrocarbonetos foi
de 43,6 bilhões de dinares, ou seja, 66% do PIB do país.
Os indicadores sociais são relativamente altos pelos padrões africanos e
de países em desenvolvimento. O IDH da Líbia é de 0,798, ou seja, o país
ocupa a 58ª posição no ranking mundial (total 177 países). O nível de pobreza
é relativamente baixo e o nível de educação é elevado. As condições de saúde
e habitação também são favoráveis. A expectativa de vida é de 74 anos e a
taxa de alfabetização de 88%, bastante altas para os padrões africanos.
A base material do país é peculiar visto que, de um lado, há expressivas
reversas de hidrocarbonetos (40% das reservas de petróleo da África) e, de
outro, há grave problema de abastecimento de água. Descontado o fato de que
a Líbia é país de marcada orientação anticapitalista, pode-se argumentar que
se assemelha mais aos pequenos países exportadores de petróleo do Golfo
3
Como se demonstrará adiante, as estimativas do FMI para a participação do setor petróleo e gás na
economia líbia variam de 27% a 74%, conforme o critério de apuração, se a preços constantes de 1997
(quando os preços do petróleo estavam em patamares muito baixos) ou a preços correntes.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
46
Pérsico do que aos demais países do Magreb ou a qualquer outro país
africano, incluído o vizinho Egito.
QUADRO 3.1-I
DADOS BÁSICOS – 2006
Território, mil km2
População, milhões
PIB preços correntes US$ bilhões
PIB per capita preços correntes US$
PIB PPP US$ bilhões
PIB per capita PPP US$
PIB PPP, participação mundial %
Expectativa de vida (2000-05) (anos)
Taxa de alfabetização (2005) (%)
Fontes: IMF, World Economic Outlook Database. Abril 2007.
World Bank, World Development Indicators Online.
2006
1760
5,9
50,3
8430
72,9
12204
0,11
74
88,0
Os territórios que atualmente compõem a Líbia foram conquistados
pelos romanos no primeiro século da Era Cristã e tornaram-se parte do Império
Bizantino. As cidades mediterrâneas do norte do país, nas regiões da
Tripolitania e da Cirenaica, tornaram-se ativos entrepostos comerciais. No
século VII, os territórios foram invadidos pelos árabes que deram os
fundamentos culturais e religiosos vigentes até hoje no país, através da difusão
do islamismo e do seu idioma. No século XVI, houve o apogeu do Império
Otomano, ocasião em que os turcos ocuparam áreas que iam do estreito de
Gibraltar até o Golfo Pérsico, incluindo todo o norte da áfrica. Foi sob os turcos
que as principais regiões da atual Líbia foram reunidas sob uma única
administração.
Quando da decadência do Império Otomano, a Líbia beneficiou-se de
relativa autonomia. No início do século XX, as rivalidades internacionais dos
países europeus e a incapacidade dos otomanos de controlar o território foram
determinantes para a invasão da Líbia pela Itália em 1911. Iniciou-se, então, a
fase de Colônia, em que as cidades costeiras continuavam fundamentalmente
como entrepostos para o comércio marítimo no Mediterrâneo.
Porém, contrariamente aos demais países africanos — tanto da costa
oriental quanto ocidental —, a frágil base material da Líbia não permitiu sua
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
47
integração ao antigo sistema colonial. As populações do interior, boa parte
constituída de nômades, viviam da economia de subsistência.
Há registro de que a imigração italiana chegou a 100 mil pessoas neste
período. A influência italiana é ainda remanescente no país, sobretudo no
comércio exterior, na arquitetura belle époque, art nouveau e déco das cidades
costeiras, como Trípoli, na hoje escassa presença da língua italiana e na
desproporcionalmente grande quantidade de pizzarias existentes.
Este período termina ao final da II Grande Guerra Mundial, com a
derrota da Itália e o movimento de independência dos países africanos. A Líbia
é ocupada por tropas francesas e britânicas de 1945 até 1951.
Em 1951, ocorreu a independência e o país adotou o regime
monárquico. No período pós-independência, a história econômica líbia é
marcada por trajetória que muda de curso significativamente, conforme
subperíodo considerado. O primeiro vai da independência, em 1951, até a
descoberta e produção de petróleo no final dos 50s/início dos 60s. Nesta
época, a Líbia tem um dos mais baixos níveis de renda per capita do mundo,
que reflete a fragilidade da sua base material e uma formação histórica de país
colonial.
Conforme descrito em detalhes no Capítulo 4, do Panorama Energético,
a descoberta do petróleo em Zelten em 1959 é o marco inaugural do processo
determinante da moderna história econômica da Líbia. Inaugurou-se, então, o
ciclo de expansão da economia do país que vai até o final dos anos 1970.
Neste período houve acelerado crescimento da renda (14,2% a.a.), graças à
expansão extraordinária da quantidade produzida e exportada de petróleo,
tornando a Líbia um dos mais importantes fornecedores mundiais deste
energético. As crises do petróleo de 1973 e 1979, com brutal elevação de seu
preço internacional, foram choque positivo que também impulsionou a
economia líbia. O Gráfico 3.1-I seguinte mostra que taxas de crescimento de
dois dígitos foram freqüentes nas décadas de 60 e 70.
No entanto, a
extraordinária expansão econômica dos anos 1960 não reduziu o nível de
pobreza da grande maioria da população, pois se manteve a enorme
concentração da riqueza e da renda.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
48
GRÁFICO 3.1-I
PIB, TAXA DE VARIAÇÃO REAL ANUAL
1961-2006 (%)
50,0
40,0
30,0
20,0
10,0
0,0
19
61
19
64
19
67
19
70
19
73
19
76
19
79
19
82
19
85
19
88
19
91
19
94
19
97
20
00
20
03
20
06
-10,0
-20,0
-30,0
Gross domestic product, constant prices, var. %
PIB, var. %, média móvel 3 anos
Fonte: IMF, World Economic Outlook Database. Abril 2007.
No meio deste ciclo de expansão ocorreu o golpe militar de 1969,
liderado pelo coronel Gadhafi que depôs o rei Ídris, estabeleceu um regime que
se pretende original, marcado por forte autoritarismo e pelo culto à
personalidade do “Líder”, o qual se mantém até os dias de hoje. Como
constatou a missão REISE para o trabalho de campo em Trípoli, há três tipos
de outdoor na cidade: os que portam fotografias do Líder em diversas poses,
os alusivos ao 37º aniversário da Revolução e os que ostentam mensagens de
propaganda do regime, sobretudo afirmando que “sem segurança interna não
pode haver liberdade”.
Os novos grupos dirigentes deram inicialmente orientação socialista à
economia do país, abolindo a propriedade privada dos meios de produção —
hoje restabelecida em certos setores —, criando novas empresas estatais e
nacionalizando propriedades estrangeiras, com destaque para as empresas de
petróleo. Em 1972 os partidos políticos foram proscritos.
A riqueza gerada pelas exportações de petróleo foi o instrumento
econômico que permitiu a Líbia assumir posições radicais na arena
internacional, principalmente, quando se tratava de assuntos próprios ao
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
49
mercado internacional de petróleo e aos processos políticos no mundo árabe. A
Líbia tornou-se um dos mais pró-ativos membros da OPEP.
Em conseqüência, na década dos 80 houve uma escalada de atitudes
radicais e de confronto com os EUA e o mundo desenvolvido que resultaram no
isolamento do país, conforme descrito em detalhes nos Capítulos 2 e 4 deste
Relatório.
Como se observa no Gráfico 3.1-I anterior, um novo ciclo econômico
doméstico tem início em 1980 e se estende até 2002, determinado em grande
medida pela longa “anemia” dos preços do petróleo, como mostra o Gráfico
3.1-II seguinte. Este ciclo é de estagnação e, até mesmo, de retrocesso da
economia líbia, excluída do comércio internacional de sua principal commodity
pelo embargo ditado primeiro pelos EUA e depois adotado também pelas
Nações Unidas. A taxa média anual de crescimento real do PIB no período é
negativa (-0,66%).
Ademais, a estratégia de diversificação da estrutura
produtiva, intentada ao longo das últimas três décadas, fracassou.
GRÁFICO 3.1-II
PIB E PREÇO DO PETRÓLEO
1961-2006
70,00
50,0
60,00
40,0
50,00
30,0
20,0
40,00
10,0
30,00
0,0
20,00
-10,0
-20,0
0,00
-30,0
19
60
19
63
19
66
19
69
19
72
19
75
19
78
19
81
19
84
19
87
19
90
19
93
19
96
19
99
20
02
20
05
10,00
Petróleo cru, média simples Dubai/Brent/Texas (US$/barril)
PIB real, var. %
Fonte: IMF, World Economic Outlook Database. Abril 2007.
No final dos anos 90 aparecem os primeiros indícios de mudanças na
orientação econômica do país. Em 1997, o governo estabelece novo quadro
jurídico-institucional para regulamentar o IED no país, como o objetivo de atrair
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
50
capitais para o setor de hidrocarbonetos e sinalizar mudanças de estratégia no
sentido de maior abertura econômica do país.
O último ciclo econômico, que perdura até o momento, tem como marco
determinante a sustentada elevação do preço do petróleo a partir de 2003. Nos
últimos quatro anos a economia líbia cresceu à taxa média anual de 5,7%,
ligeiramente inferior à taxa média de longo prazo (1961-2006) de 6,1%, e maior
que as taxas médias de crescimento dos países desenvolvidos e do conjunto
da economia mundial, como mostra o Quadro 3.1-II seguinte. Em relação ao
conjunto dos países africanos, a Líbia tem desempenho superior ao da média
regional.
No entanto, comparativamente ao conjunto dos países em
desenvolvimento, a Líbia tem desempenho inferior à média, influenciada pela
China, Índia e outros emergentes.
Vale destacar que, segundo projeções demográficas para os próximos
anos, a taxa de crescimento populacional da Líbia (1,8%) é maior do que a taxa
média mundial (1,0%), mas inferior à projetada para o conjunto dos países
muçulmanos.
QUADRO 3.1-II
CRESCIMENTO DO PIB REAL
2003-06 (%)
2003
2004
2005
2006
Média
Mundo
4,0
5,3
4,9
5,4
4,9
Países desenvolvidos
1.9
3.3
2.5
3.1
2,7
Países em desenvolvimento
6,7
7,7
7,5
7,9
7,5
África
4,7
5,8
5,6
5,5
5,4
Líbia
5,9
5,0
6,3
5,6
5,7
Fonte: IMF, World Economic Outlook Database. Abril 2007.
3.2 PRODUÇÃO, INVESTIMENTO E EMPREGO
O setor de hidrocarbonetos é predominante na economia da Líbia.
Representa 27,7% do PIB, como mostra o Quadro 3.2-I seguinte. Como o setor
é pouco intensivo em mão-de-obra, sua participação no emprego total é
modesta (2,7%). Tendo em vista a orientação ideológica exótica da economia
líbia, bastante estatizada, não é surpresa que os serviços públicos, inclusive de
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
51
saúde e educação, respondam pela maior geração de emprego (51,0%) no
país. Os serviços públicos também são responsáveis pelos maiores
investimentos na formação bruta de capital fixo.
QUADRO 3.2-I
IMPORTÂNCIA RELATIVA DOS SETORES %
Produção (PIB) Investimento (FBCF) Emprego
2005
2005
2004
Petróleo e gás
27,7
12,5
2,7
Serviços públicos, incl. saúde e educação
17,0
17,6
51,0
Comércio, hotéis e restaurantes
12,6
0,5
11,1
Transporte, comun. e armaz.
10,0
10,6
3,8
Agricultura, pesca e extr. vegetal
8,6
9,2
7,1
Indústria de transformação
4,1
3,6
11,8
Outros
20,0
46,1
12,6
Total
100,0
100,0
100,0
Fonte: IMF Country Report No. 07/148, May 2007, p. 5-7.
Nota: Distribuição do PIB a preços constantes de1997. Distribuição do investimento a preços
correntes.
A frágil base material da Líbia está expressa, também, na pequena
importância relativa da indústria de transformação no conjunto das atividades
econômicas. Este setor responde por cerca de 4% da geração de renda e dos
investimentos.
Dentre os principais ramos industriais, os destaques são
petroquímica, ferro, aço, alumínio, alimentos, têxteis e cimento.
Destaca-se o papel protagônico do setor de hidrocarbonetos. A
contribuição do setor para a formação bruta de capital fixo no ano de referência
do Quadro anterior foi relativamente modesta porque em 2005 ainda não se
faziam
sentir
os
novos
investimentos
programados
em
exploração,
desenvolvimento e produção de petróleo e gás — parte dos quais não é retida
no país, pois parcela expressiva da renda paga aos fatores aí empregados vai
para o exterior — e, sobretudo, aqueles previstos para a infra-estrutura
(dutovias, tancagem, etc.), refino, plantas de processamento de gás,
termelétricas, etc. A geração de emprego e renda deste setor também dará
contribuição mais significativa do que a observada em 2004, em função da
intensificação das atividades em geral (construção, E&P, etc.) do setor de
hidrocarbonetos.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
52
Outra observação importante é que o peso relativo do setor de petróleo
e gás está muito subestimado no Quadro 3.2-I anterior, porque os dados sobre
distribuição do PIB estão valorados “a preços constantes de 1997” (próximo,
portanto, do vale dos preços de hidrocarbonetos, ocorrido em 1998). Houve
fortes mudanças de preços relativos nos últimos dez anos, principalmente,
entre os preços do setor de hidrocarbonetos e o resto da economia, como
discutido mais adiante. Portanto, quando se consideram estas mudanças, ou
seja, quando se calculam as participações relativas com valores “a preços
correntes”, chega-se a resultados muito distintos.
A preços correntes, a participação do setor de hidrocarbonetos no PIB
aumenta de 56% em 2002 para 74% em 2005, como mostra o relatório recente
(p.4) do FMI.
No ciclo recente de expansão, o setor de hidrocarbonetos tem crescido a
taxas maiores do que as taxas de crescimento do PIB do setor não-petróleo,
como mostra o Gráfico 3.2-I a seguir. Com exceção de 2006, em todos os
anos, o setor de hidrocarbonetos tem sido mais dinâmico que os demais
setores da economia Líbia.
GRÁFICO 3.2-I
CRESCIMENTO REAL DA PRODUÇÃO SEGUNDO O SETOR
(%) 2004-06
20,0
17,7
15,0
10,0
5,0
5,9
2,2
9,3
7,4
5,0
4,1
8,3
6,3
5,5
6,1
5,6
4,4
2004
2005
2006
5,7
4,5
0,0
2003
PIB
Hidrocarbonetos
Média
Não hidrocarbonetos
Fonte: IMF Country Report No. 07/149, May 2007, p. 5-7.
Nota: Estimativas preliminares para 2006.
Os dados disponíveis não permitem analisar a evolução econômica da
Líbia segundo a ótica dos gastos. No entanto, há evidências a respeito da taxa
de investimento. De acordo com o órgão líbio, equivalente ao ministério de
planejamento, citado pelo FMI, em 2005, o volume total de investimentos
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
53
(formação bruta de capital fixo) foi de 4807 milhões de dinares (US$ 3.7
bilhões), enquanto o PIB foi de 54540 milhões de dinares (US$ 42 bilhões), o
que apontaria para uma taxa de investimento de apenas 8,8% (FMI, op. cit., p.
4 e 6), valor que se supõe subestimado.
Examinando as contas públicas, verifica-se que os gastos de capital do
governo chegaram a 16,8% do PIB em 2006, a maior parte dos quais devem
corresponder à formação bruta de capital fixo tendo em vista que o Estado líbio
não faz grandes inversões financeiras nem tem de efetuar grandes reduções
de passivos. Além disso, numa economia em que o setor privado é bastante
modesto, cabe ao Estado uma grande responsabilidade pelos investimentos
fixos, como os grandes projetos de infra-estrutura em curso: estradas,
ferrovias, telecomunicações, irrigação e abastecimento de água.
Na economia líbia, a demanda externa líquida (exportação menos
importação de bens e serviços) é o fator mais dinâmico de expansão da
demanda agregada. A este propósito, dois fatos são relevantes: (i) elevado
grau de abertura, visto que em 2006 as exportações de bens responderam por
78% do PIB, enquanto as importações de bens e serviços representaram 31%
do PIB; e, (ii) elevado superávit da balança comercial de bens (US$ 25,9
bilhões em 2006) e déficit relativamente pequeno da balança de serviços (US$
2,2 bilhões em 2006).
Como percentagem do PIB, a demanda externa líquida (valores
correntes) tem crescido continuamente desde 2003, como mostra o Gráfico
3.2-II seguinte, com uma média no período situada em 37,4%. Obviamente, a
exportação de petróleo desempenha o papel de motor do crescimento no atual
ciclo de expansão.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
54
GRÁFICO 3.2-II
PARTICIPAÇÃO DA DEMANDA EXTERNA LÍQUIDA NO PIB
(%) 2003-06
50,0
43,6
40,0
30,0
47,1
37,4
33,1
25,8
20,0
10,0
0,0
2003
2004
2005
2006
Média
Fonte: Elaboração própria com base em IMF Country Report No. 07/149, May 2007, p. 22.
Cálculo com valores correntes.
Nota: Estimativas preliminares para 2006.
A receita fiscal do governo central é superior a 70% do PIB. A produção
e a exportação de petróleo e gás são praticamente as únicas bases de
tributação utilizadas na Líbia. O setor público responde pela maioria dos gastos
na economia e é através do Estado que funciona predominantemente o
esquema de apropriação do excedente econômico.
3.3 INFLAÇÃO, CÂMBIO, JURO, CRÉDITO E FINANÇAS PÚBLICAS
A total dependência da economia da Líbia ao petróleo implica enorme
vulnerabilidade externa estrutural. Nos ciclos de forte demanda de petróleo,
como o atual, a Líbia se beneficia do aumento das exportações e da melhora
dos termos de troca, em função da elevação dos preços internacionais do
petróleo.
A atual conjuntura internacional tem sido particularmente favorável à
Líbia. Os indicadores macroeconômicos de curto prazo indicam claramente a
situação de estabilidade com crescimento econômico do país.
Como dito anteriormente, o setor público é fornecedor de muitos
serviços e, portanto, o governo retém instrumento importante de controle da
inflação através dos preços administrados. Ademais, o Estado subsidia a
produção e o consumo de inúmeros setores, principalmente, alimentos (farinha,
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
55
óleos vegetais, arroz, etc). Em 2005 estes subsídios atingiram 839 milhões de
dinares (US$ 650 milhões), ou seja, cerca de 2,0% do PIB.
Nos últimos quatro anos, a variação do nível geral de preços oscilou da
deflação de 2,2% em 2004 para a inflação de 3,4% em 2006, como mostra o
Quadro 3.3-I seguinte. Em grande parte isso se deve à estabilidade da taxa de
câmbio nos últimos anos (1,30 dinares por US$), garantida pelo elevado
superávit do balanço de pagamentos. A estabilidade cambial funciona como
instrumento de controle da inflação, principalmente, em economias com
elevado grau de penetração das importações como é o caso em questão. O
resultado é que praticamente não há pressão inflacionária.
QUADRO 3.3-I
INDICADORES MONETÁRIOS
(em %) 2004-06
2003
2004
2005
2006
Taxa de inflação (IPC) %
-2,1
-2,2
2,0
3,4
Taxa de juro, depósito um ano, %
5,5
4,5
4,5
..
Petróleo líbio (preço US$/bbl)
28,2
36,9
51,9
62,5
Taxa de câmbio (dinares / US$)
1,28
1,30
1,31
1,31
Meios de pagamento, var. %
8,1
9,2
29,2
20,2
Crédito para a economia, var. %
6,6
-0,7
4,5
6,2
Crédito para o setor privado, var. %
-1,1
1,1
0,8
1,6
Fonte: Elaboração própria com base em IMF Country Report No. 07/149, May 2007, p. 19.
Nota: Estimativas preliminares para 2006.
A política monetária é moderada. A taxa de juro nominal em 2005
(depósito de um ano) foi de 4,5% frente à inflação de 2,0% naquele ano, taxa
de juro essa que tem-se mantido relativamente estável. Tendo em vista a
fragilidade e falta de sofisticação do mercado financeiro líbio, a questão
monetária mais relevante é a expansão dos meios de pagamento. Em 2005-06
esta expansão foi entre 3 a 4 vezes superior ao crescimento do PIB nominal.
Por outro lado, os créditos para o conjunto da economia e para o setor privado
têm- se expandido a taxas relativamente baixas.
A situação fiscal é extraordinariamente confortável tendo em vista o
mega-superávit do setor público, como mostra o Quadro 3.3-II a seguir. Este
superávit tem crescido continuamente nos últimos anos, atingindo 38,6% do
PIB em 2006. Esta tendência tem dois fatores explicativos. De um lado, há o
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
56
crescimento da receita fiscal em decorrência da elevação dos preços do
petróleo. De outro, há aumento do valor absoluto das despesas totais, mas
redução destas despesas como proporção do PIB. Para ilustrar, em 2006 a
receita fiscal aumentou 25,9% e a despesa aumentou apenas 12,2%.
QUADRO 3.3-II
FINANÇAS PÚBLICAS - Setor Público Consolidado
2004-06 (% do PIB)
2003
2004
2005
2006
53,9
Receita total
58,5
68,6
71,2
47,1
Setor petróleo e gás
50,6
63,7
65,9
6,8
Setor não-petróleo
7,9
4,9
5,3
43,4
Despesa
43,3
34,9
32,3
14,8
Saldo
17,4
30,0
38,6
Fonte: Elaboração própria com base em IMF Country Report No. 07/149, May 2007, p. 19.
Nota: Estimativas preliminares para 2006.
A despesa fiscal representou 32,3% do PIB em 2006, enquanto a receita
chegou a 71,2% do PIB. Aproximadamente 60% dos gastos públicos referemse a gastos de capital em projetos de desenvolvimento. Como proporção do
PIB, os gastos de capital do governo chegaram a 16,8% em 2006. Estes
indicadores a respeito das finanças públicas somente são viáveis em função do
comportamento dos preços dos hidrocarbonetos e do elevado grau de
intervenção do Estado na economia líbia.
O ponto central é o papel protagônico dos hidrocarbonetos para as
finanças públicas. Em 2006, o government take sobre petróleo e gás
representou 92,6% da receita fiscal total. Por outro lado, isto evidencia a
enorme fragilidade estrutural da economia líbia e de suas contas públicas em
relação ao preço internacional do petróleo.
A Líbia não tem desequilíbrios de estoque associados à dívida pública
interna e externa. Ambas representam menos de 5% do PIB. Considerando o
mega-superávit fiscal (39% em 2006) e o volume de reservas internacionais
(1,5 vezes o PIB em 2006), estas dívidas são desprezíveis.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
57
3.4 SETOR EXTERNO
A Líbia tem elevado grau de abertura externa. Em 2006 a relação entre
as exportações de bens e serviços e o PIB foi de 77,2%. Portanto, a evolução
econômica do país depende sobremaneira das suas contas externas.
Na atual conjuntura favorável da economia mundial e com preços de
petróleo elevados, as contas externas da Líbia têm apresentado resultados
excepcionais, como mostra o Quadro 3.4-I seguinte. O superávit global do
balanço de pagamentos cresceu continuamente, de pouco mais de US$ 3
bilhões em 2003 para mais de US$ 18 bilhões em 2006. Como proporção do
PIB, também há tendência de aumento. Este desempenho das contas externas
é explicado, pela elevação da quantidade exportada de petróleo e,
principalmente, pelo aumento dos preços internacionais do petróleo. Este preço
mais do que duplicou nos últimos quatro anos.
QUADRO 3.4-I
EXPORTAÇÕES DE PETRÓLEO E BALANÇO DE PAGAMENTOS
2003
2004
2005
2006
3,1
Saldo balanço de pagamentos US$ bilhões
4,6
15,4
18,7
13,0
Saldo balanço de pagamentos % PIB
15,2
37,0
37,1
14,2
Hidrocarbonetos, exportações, FOB, US$
19,5
30,4
38,3
1,53
Petróleo cru, produção, milhões de barris, diário
1,62
1,69
1,75
28,2
Petróleo, preço (US$/bbl)
36,9
51,9
62,5
Fonte: Elaboração própria com base em IMF Country Report No. 07/149, May 2007, p. 19.
Nota: Estimativas preliminares para 2006.
Conforme
assinalado
anteriormente,
o
padrão
de
comércio
extremamente concentrado no petróleo também evidencia a vulnerabilidade
das contas externas. Em 2006, a Líbia exportou US$ 38,831 milhões em bens,
sendo que os hidrocarbonetos responderam por US$ 38,251 milhões, ou seja,
98,5% do total, como mostra o Quadro 3.4-II seguinte.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
58
QUADRO 3.4-II
CONTAS EXTERNAS
2003-06 (US$ milhões)
2003
2004
2005
2006
5158
Conta corrente, saldo
7410
17325
24419
6292
Balança comercial, bens e serviços
10165
18240
23728
7447
Balança comercial de bens
11642
20072
25905
14647
Exportações de bens
20410
30948
38831
14159
Petróleo e gás
19533
30448
38251
-7200
Importações de bens
-8768 -10875 -12925
-1155
Serviços
-1477
-1832
-2177
540
Renda (líq.)
-246
-281
45
-1673
Transferências (líq.)
-2509
-634
646
-316
Conta de capital e financeira
-1830
72
-4544
-1720
Erros e omissões
-944
-1975
-1188
3122
Saldo
4637
15422
18687
Fonte: Elaboração própria com base em IMF Country Report No. 07/149, May 2007, p. 22.
Nota: Estimativas preliminares para 2006.
Após longo período de embargo comercial, as importações também têm
crescido significativamente. O crescimento econômico, o elevado grau de
abertura comercial e o baixo grau de industrialização e de desenvolvimento do
setor produtivo não-petróleo têm sido as causas do crescimento das
importações. A relação entre a importação de bens e o PIB foi de 25,7% em
2006. Vale notar que a tarifa aduaneira é zero, com exceção de tabaco que é
de 10%. Os principais itens de importação são máquinas e equipamento de
transporte, insumos e produtos alimentícios. Ou seja, a fragilidade estrutural da
economia da Líbia evidencia-se na importação tanto de bens de capital, quanto
de bens de consumo duráveis. Como já mencionado, a Líbia importa 75% dos
produtos alimentícios consumidos no país. As bebidas alcoólicas são proibidas.
A conta de serviços é deficitária. No entanto, este déficit é pouco
expressivo frente ao superávit da balança comercial.
A conta de renda de fatores tem dois elementos principais: as despesas
referentes às remessas de lucros e dividendos por empresas estrangeiras
atuando no país e a receita de juro decorrente da aplicação das reservas
internacionais do país. O saldo da conta de renda tende a ser pequeno, ora
positivo, ora negativo. As remessas de lucros são, principalmente, de empresas
que atuam no setor de hidrocarbonetos. Este valor tem crescido continuamente
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
59
nos últimos anos em decorrência do aumento da produção e da receita. Em
2006, chegou a US$ 2,3 bilhões.
A conta financeira tem comportamento irregular. Houve superávit de
US$ 72 milhões em 2005 e déficit de US$ 4,5 bilhões em 2006. Em 2005-06, o
principal item de receita foi o investimento externo direto que aumentou de US$
1,5 bilhões em 2005 para US$ 1,9 bilhões em 2006.
Os saldos globais positivos e crescentes têm permitido o aumento
contínuo das reservas internacionais nos últimos quatro anos: de US$ 19,5
bilhões em dezembro de 2003, para US$ 75,6 bilhões em dezembro de 2006. A
relação entre as reservas e as importações também aumentou continuamente
no período 2003-06. Houve, portanto, redução da vulnerabilidade financeira
externa do país.
A maior parte do comércio exterior da Líbia é com países da Europa
Ocidental, sobretudo os da bacia do Mediterrâneo. Por estar tão próxima, a
Itália é o principal país comprador do petróleo e do gás líbios, e contribui com
aproximadamente 40% das receitas de exportação da Líbia. Outros dois países
europeus, Espanha e Alemanha, são destinos, cada um deles, de 10% das
exportações da Líbia.
No que se refere às importações, os principais países de origem das
compras externas líbias também são europeus, ainda que haja maior
diversificação geográfica. Itália e Alemanha responderam por 11,9% e 9,3%,
respectivamente, do valor importado de bens em 2005. Nos últimos anos, os
países europeus têm perdido posição como fornecedores de produtos para a
Líbia em favor de exportadores dos países do Sudeste da Ásia.
Em 2005 os Estados Unidos responderam por apenas 3,0% do valor
total importado pela Líbia, mostrando que os efeitos da suspensão do embargo
não são imediatos.
A situação das contas externas da Líbia reproduz o mesmo padrão
observado em vários países em desenvolvimento, sobretudo da América Latina
e da África, no passado recente. A elevação do preço das commodities a partir
de 2003 tem permitido a melhora significativa das contas externas, das
finanças públicas e da situação macroeconômica da Líbia, sem, no entanto,
reduzir sua extraordinária vulnerabilidade externa. O resultado é que as contas
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
60
externas, as finanças públicas e o desempenho econômico dependem,
fundamentalmente, do preço internacional do petróleo. Portanto, restam para a
Líbia algumas perguntas fundamentais: até quando durará a era do petróleo e
do gás como principal fonte de energia primária consumida no mundo?
Preocupações sérias com o efeito-estufa e o surgimento de combustíveis
líquidos substitutos podem abreviar este prazo? Os patamares de preços do
petróleo e do gás permanecerão elevados no futuro?
3.5 PREVISÕES E INCERTEZAS CRÍTICAS
Tendo em vista a total dependência da Líbia em relação ao preço
internacional do petróleo, os cenários de longo prazo são condicionados,
fundamentalmente, por esta variável exógena. O cenário de base do FMI para
a Líbia supõe a estabilidade do preço do petróleo exportado pelo país em nível
próximo de US$ 62 o barril para o período 2007-11, como mostra o Quadro 3.5I seguinte.
QUADRO 3.5-I
PROJEÇÕES PARA 2007-09
2007
7,9
7,2
25,6
24,6
-33,5
75,6
2008 2009 2010 2011
8,1
6,9
6,4
6,8
8,5
2,8
2,1
1,9
25,7 25,6 24,9 24,1
27,6 26,7 26,5 24,9
-31,0 -31,7 -31,9 -33,6
95,1 117,2 141,3 167,8
PIB, var. %
Inflação, deflator do PIB %
Saldo conta corrente do balanço de pagamentos (% PIB)
Saldo setor público (% PIB)
Saldo primário setor público não-petróleo (% PIB)
Reservas internacionais (US$ bilhões)
Reservas internacionais
30,0 33,5 36,4 38,6
(meses de importações bens e serviços)
Preço do petróleo líbio (US$ por barril)
59,1 62,9 62,7 62,5
Petróleo cru, produção milhões barris/dia
1,89 2,13 2,36 2,60
Exportação de petróleo, US$ bilhões
39,1 46,9 52,0 57,1
Fontes:
Fonte: Elaboração própria com base em IMF Country Report No. 07/149, May 2007, p. 22.
Nota: Estimativas preliminares para 2006.
40,3
62,0
2,88
63,0
A desaceleração moderada da economia mundial e a estabilidade do
preço internacional do petróleo não devem provocar redução da taxa de
crescimento econômico da Líbia a partir de 2007. A expectativa é que as
reformas liberalizantes na esfera produtivo-real, com maior atração de
empresas estrangeiras e privatização, resultem em aumento dos investimentos.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
61
O quadro de estabilização macroeconômica deve continuar com taxas
de inflação baixas e decrescentes, contas externas confortáveis e finanças
públicas superavitárias.
O superávit do balanço de pagamentos deverá manter-se relativamente
estável em torno de 25% do PIB. A estabilidade do preço internacional do
petróleo e o aumento da quantidade vendida ao exterior permitirão receitas
crescentes de exportação. Neste sentido, vale notar que a intenção do governo
é duplicar a produção de petróleo até 2015. Para isto, estima-se que serão
necessários investimentos da ordem de US$ 30 bilhões. A expectativa é que
parte destes investimentos seja proveniente do exterior na forma de
investimento externo direto por meio de joint ventures.
A incerteza crítica está, naturalmente, no front externo e refere-se à
evolução do preço internacional do petróleo. No entanto, vale destacar que há
fatores endógenos importantes que afetam a qualidade do ambiente de
negócios na Líbia. Estes fatores relacionam-se não somente à evolução
econômica como também ao processo político e às condições institucionais do
país.
3.6 O AMBIENTE DE NEGÓCIOS
O marco jurídico-institucional que baliza o ambiente de negócios na Líbia
é determinado pela natureza autoritária do Estado e pelo alto grau de sua
intervenção na economia. O Judiciário é controlado diretamente pelo poder
Executivo e há restrições aos direitos políticos e civis. Os controles na
economia estendem-se aos preços de bens e serviços, comércio interno e
externo, crédito e mercado cambial.
Desde o final dos anos 1990 o governo tem adotado medidas
liberalizantes e estímulos para o ingresso de IED. A partir de 2003 novas
medidas na mesma direção têm sido implementadas de forma gradual: redução
dos subsídios, planos de privatização, pedido de acesso à OMC e reformas
focadas na expansão do mecanismo de mercado para regular as transações
entre pessoas.
É bem verdade que o processo de privatização não parece ter avançado
desde seu anúncio em 2003. Por outro lado, empresas transnacionais,
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
62
principalmente, no setor de hidrocarbonetos, estão voltando a operar na Líbia.
E, o governo tem também estimulado o turismo, que antes era impossível e
hoje é ainda precário.
No conjunto de medidas recentes podem ser destacadas as seguintes:
•
restrição ao monopólio estatal da importação para produtos petrolíferos
e armamentos
•
proibições de importação de bens foram limitadas a um conjunto de 10
produtos
•
fortalecimento da supervisão bancária e modernização do sistema de
pagamentos
•
modernização do sistema de arrecadação de impostos
•
redução dos impostos sobre o consumo
•
expansão do sistema de juntas comerciais orientadas para facilitar a
abertura de negócios
•
redução do preço da energia elétrica
•
redução do limite mínimo para investimento externo direto (IED) no setor
não-petróleo de US$ 50 milhões para US$ 1,5 milhão
•
controles mais seletivos quanto ao IED em setores de comércio e
importação
•
IED no setor não-petróleo deve ser feito por meio de joint ventures com
um mínimo de 35% de participação local
O governo planeja duplicar a produção de petróleo até 2015. As
estimativas apontam para a necessidade de investimentos da ordem de US$
30
bilhões.
Empresas
estadunidenses
(sobretudo
ExxonMobil
e
ChevronTexaco, que estão voltando), européias e de outros países (China,
Índia e Indonésia) já estão realizando investimentos no E&P.
No que se refere aos fundamentos macroeconômicos, o quadro é
favorável tendo em vista as perspectivas de crescimento da renda, o controle
da inflação, as finanças públicas superavitárias e as contas externas robustas.
No geral, a Líbia apresenta condições macroeconômicas favoráveis e bem
superiores às de muitos países em desenvolvimento da África e da América
Latina.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
63
A análise do ambiente de negócios na Líbia é dificultada pelo fato de que
dados não existem ou não estão disponíveis. Assim, para ilustrar, a Líbia não
consta do painel de 175 países que são examinados pelo Banco Mundial na
publicação Doing Business. O mesmo acontece com a publicação do Fórum
Econômico Mundial de Davos, Global Competitiveness Report, que abrange
125 países.
Não obstante, vale mencionar que a infra-estrutura é certamente uma
das principais restrições existentes na Líbia. Não é por outra razão que o
governo tem promovido investimentos nesta área. No que se refere à
institucionalidade, a própria transição para um sistema de mercado mais livre
envolve riscos e incertezas derivados do processo de learning by doing. A
fragilidade do aparelho de estado da Líbia para lidar com as mudanças
institucionais em curso também aparece como incerteza crítica.
O único indicador abrangente a respeito do ambiente de negócios da
Líbia é o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, que abarca
157 países. O índice médio mundial é 60,6 e o da Líbia é de 34,5 como mostra
o Quadro 3.6-I seguinte. A situação da Líbia é menos favorável do que a do
Brasil quando se consideram todas as condições que afetam o ambiente de
negócios, com exceção da questão monetária e da inflação. Entretanto, o ponto
a destacar é que no conjunto de 157 países do painel, Líbia está na
antepenúltima posição, ou seja, somente outros dois países (Cuba e Coréia do
Norte) têm índices de liberdade econômica inferiores ao da Líbia.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
64
QUADRO 3.6-I
ÍNDICE DE LIBERDADE ECONÔMICA
2007
Líbia
34,5
20,0
29,6
87,8
23,5
78,9
30,0
20,0
10,0
25,0
20,0
Índice geral
Liberdade para negócios
Comércio exterior
Tributação
Gastos do governo
Questão monetária e inflação
Investimento externo
Setor financeiro
Direitos de propriedade
Corrupção
Mercado de trabalho
Brasil
60,9
53,3
64,8
88,6
88,8
72,6
50,0
40,0
50,0
37,0
63,8
Fonte: The Heritage Foundation, Index of Economic Freedom
Nota: Painel = 157 países.
O ambiente de negócios também é particularmente desfavorável devido
à corrupção. O Relatório Anual da organização Transparência Internacional de
2006 coloca a Líbia na 122ª posição em um painel de 159 países, no mesmo
bloco em que se encontram Bolívia e Equador.
Segundo o Índice de Liberdade Econômica do Heritage Foundation tem
havido melhora gradual do ambiente de negócios na Líbia nos últimos três
anos, como mostra o Gráfico 3.6-I seguinte. Esta melhora reflete não somente
a confortável situação macroeconômica como também as reformas que estão
sendo implementadas gradualmente pelo governo.
GRÁFICO 3.6-I
LIBERDADE ECONÔMICA, EVOLUÇÃO DO ÍNDICE
1998-07
20
07
20
06
20
05
20
04
20
03
20
02
20
01
20
00
19
99
19
98
19
97
19
96
40
35
30
25
20
15
10
5
0
Fonte: The Heritage Foundation
Nota: O ano refere-se à data de publicação do relatório.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
65
As deficiências institucionais e o regime político fazem com que para
navegar no ambiente de negócios do país seja recomendável — poder-se-ia
dizer, necessário — ter um parceiro líbio, seja um sócio ou, como se autointitulam, um “padrinho”. Este parceiro deve ser capaz de circular com
desenvoltura nos círculos de poder, particularmente junto à família do Líder
Ghadafi, cujos filhos e parentes também participam das decisões tanto “a favor”
quanto “contra” os negócios, podendo viabilizá-los ou torná-los inexeqüíveis.
Evidentemente há uma escala de cobrança de comissões que depende do tipo
e tamanho do negócio. Os candidatos a “padrinho” visitam as empresas
transnacionais oferecendo-se para intermediar contatos e relações. Em muitos
negócios a presença de um sócio local é exigida, mas sua participação nos
resultados não tem correlação com o investimento que teria (ou não teria) que
fazer.
As mudanças estruturais estão sendo implementadas de forma gradual,
ao mesmo tempo em que permanecem as deficiências da infra-estrutura, a
fragilidade das instituições e a inoperância do mecanismo de mercado.
Ademais, a vulnerabilidade externa estrutural do país não deve alterarse significativamente no horizonte de médio e longo prazo tendo em vista a
ênfase na duplicação da produção de petróleo e as dificuldades quanto à
diversificação da economia. Além das incertezas críticas, vale notar que a Líbia
tem duas sérias restrições para a diversificação da estrutura produtiva: o
reduzido tamanho do mercado interno e a pobre dotação de fatores (recursos
naturais, exceto hidrocarbonetos).
Por fim, não se deve descartar a questão da instabilidade política, tendo
em vista a natureza do regime político. A sucessão de Ghadaffi pode criar a
“janela de oportunidades” para mudanças no bloco dirigente e, com isso, gerar
tensões no processo político interno. Estas tensões podem desdobrar-se em
mudanças abruptas nas condições econômicas do país.
Deve-se frisar que após 37 anos no poder, não exercendo nenhum
cargo executivo no governo, o Líder Ghadafi não desgastou sua autoridade.
Imagina-se que será sucedido por algum de seus filhos, mas não se sabe
exatamente qual.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
66
4 – PANORAMA ENERGÉTICO
4.1- INTRODUÇÃO E PEQUENO HISTÓRICO DA INDÚSTRIA
No início da Segunda Guerra Mundial, o Eixo (Alemanha–Itália)
planejara assumir o controle do Oriente Médio, para cortar o suprimento de
petróleo para os aliados. Nesta determinação estratégica, os alemães
invadiram o Cáucaso enquanto as tropas italianas, sob o comando do General
Graziani, depois reforçadas pelas tropas alemãs sob o comando do General
Rommel, saíram da Líbia, então colônia italiana, também em direção ao
Oriente Médio, como ilustra o Mapa 4.1-I seguinte.
Mais tarde, as tropas do Cáucaso acabaram sendo aniquiladas pela
União Soviética e as do norte da África foram definitivamente detidas, já dentro
do Egito, perto da fronteira com a Líbia, pelos contingentes britânicos, sob o
comando do General Montgomery, na histórica batalha de El-Alamein, cujos
detalhes podem ser vistos nos hiperlinks (The Battle of al-Alamein e
El
Alamein.
Boa parte dos tanques alemães e italianos teria sido imobilizada, não por
Montgomery, e sim, paradoxal e ironicamentemente, por falta de combustível.
Este episódio trouxe alguns ensinamentos. Em primeiro lugar, reforçou o fato
da fundamental importância estratégica do petróleo em qualquer conflito bélico
do passado, do presente e do futuro. Depois, há que se refletir sobre a omissão
italiana de não explorar conveniente e competentemente o petróleo das bacias
sedimentares de suas poucas colônias.
De fato, os tanques de Graziani e Rommel acabaram ficando sem
combustível quase em cima dos prolíficos campos petrolíferos da Líbia, que
viriam a ser descobertos a partir da década de 50, principalmente pelas
empresas americanas, transformando esta região numa das mais importantes
províncias produtoras de petróleo do mundo.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
67
MAPA 4.1-I
FRENTES DE INVASÃO DAS TROPAS DO EIXO NA 2a. GUERRA
A Líbia é um país de dimensões médias, ocupando em sua parte emersa
cerca de 1.750.000 km², situado na parte central do norte da África, entre o
Egito e a Tunísia, conforme ilustra o Mapa 4.1-II seguinte. Sua costa no Mar
Mediterrâneo estende-se por 1.800 km. A Líbia é o quarto país em área entre
os países da África e o 15º entre os países do mundo. Porém, mais de 90% do
território líbio constitui-se de terras semidesérticas e desérticas que compõem o
eco-sistema do Sahara. A parte mais habitada é a estreita faixa litorânea, a
beira do Mar Mediterrâneo, entre as cidades de Trípoli, a capital, e Tobruk, no
oriente, já quase na fronteira com o Egito.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
68
MAPA 4.2-II
LOCALIZAÇÃO DA LÍBIA NO NORTE DA ÁFRICA
A população líbia é de pouco menos de 6.000.000 de habitantes (menor
que
à
população
do
Município
do
Rio
de
Janeiro),
constituída
fundamentalmente por Árabes e Berberes. Além do petróleo e do gás natural, o
país produz escassos recursos minerais e agrícolas. Devido ao processo de
desertificação, os líbios enfrentam sérios problemas para manter-se autosuficiente em alimentos e em água.
A Líbia ocupa uma posição geográfica estratégica, na parte central do
Mar Mediterrâneo, muito próxima dos países europeus, principalmente os do
sul da Europa, dos países africanos e dos países do Oriente Médio, conforme
ilustra o Mapa 4.1-III a seguir. Desfruta, assim, localização altamente favorável
do ponto de vista logístico e de acesso aos mercados europeus para os quais
exporta petróleo e gás natural em condições bem mais vantajosas do que
aquelas do Oriente Médio.
A partir dos anos 50, no sul da Líbia, através dos poços perfurados no
deserto pelas companhias de petróleo norte-americanas, descobriram-se
grandes reservatórios de água doce fóssil, proveniente de aqüíferos profundos.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
69
MAPA 4.1-III
BACIA DO MEDITERRÂNEO
POSIÇÃO ESTRATÉGICA DA LÍBIA
Fonte: National Geographic
Através de datações por isótopos, determinaram-se idades para estas
águas variando entre 7.000 e 38.000 anos atrás, quando aparentemente o
clima do Sahara era completamente diferente.
Existem quatro áreas, em bacias sedimentares, com interesse para
extrair água subterrânea. Na Bacia de Kufra que fica no sudoeste da Líbia,
ocupando uma área de 350.000 km², foi descoberto um aqüífero a 2.000 m de
profundidade com reservas da ordem de 20.000 km³ de água doce. Nas bacias
de Sirte e de Murzuk também existem reservas significativas de água doce,
sem contar com outras áreas menores.
Em função disso e das extremas dificuldades para irrigar terras
agrícolas, a Líbia desenvolveu o Projeto GMR (Great Man-Made River), orçado
em mais de trinta bilhões de dólares e programado para ser desenvolvido em
cinco fases ao longo do tempo. No momento, está sendo completada a Fase
III.
O projeto inclui a perfuração de numerosos poços profundos para a
produção de água doce no deserto, a construção de estações de
armazenamento e recalque, bem como a construção de uma rede de canais,
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
70
em boa parte constituída por grandes dutos enterrados, para levar água doce à
toda faixa costeira, de Trípoli a Tobruk.
O líder político, Muamar Gadhafi (ou Al-Qadhafi) costuma dizer que o
Projeto GMR será a “Oitava Maravilha do Mundo” e deverá resolver por longo
tempo a questão da irrigação da faixa costeira, como mostrado no Mapa 4.1-IV
seguinte.
MAPA 4.1-IV
PROJETO GMR DE ADUÇÃO DE ÁGUA
Fonte: The Man Made River - Libya
Para se ter uma idéia das dimensões das adutoras do Projeto GMR, é
apresentada a seguir a Fotografia 4.1-I, onde seções de uma delas são
transportadas por carretas que caberiam perfeitamente em seu círculo.
Durante os anos 80, a BRASOIL, subsidiária da PETROBRAS, se
envolveu com a possibilidade de participar desse projeto através da execução
de algumas fases como, por exemplo, a perfuração dos poços no deserto. De
sua participação resultou um contencioso de alto valor, só recentemente
resolvido, com ônus financeiro relativamente modesto para a PETROBRAS em
relação ao que era demandado, mas com perdas para a imagem da
Companhia.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
71
Quanto às fontes de energia, a Líbia conta apenas com o petróleo e o
gás natural. Até o momento não se conhece jazida de carvão nem de urânio.
Não existem potenciais hidroelétricos e sua capacidade de cultivar oleginosas e
produzir biocombustíveis em escala comercial é também inexistente.
FOTOGRAFIA 4.1-I
SEGMENTOS DE ADUTORA DO GMR
A Líbia guarda marcos de diversas civilizações que floresceram em seu
território desde eras remotas, destacando-se, desde a Antiguidade até o
presente, os fenícios, gregos, romanos e mais recentemente os otomanos. Já
em 1911, os italianos derrotaram os otomanos, em Trípoli, ficando a colônia
Líbia sob o controle de Roma até 1943, com a derrota na Segunda Guerra
Mundial.
A Líbia passou, então, ao controle da ONU até atingir a independência
em 1951, com a monarquia restaurada numa sociedade pobre, que tinha como
única atividade econômica uma agricultura de subsistência na região costeira.
Em 1969, através de um golpe militar, o coronel Gadhafi assume o
governo da Líbia, instalando posteriormente um sistema político baseado nas
doutrinas do Livro Verde, resultantes da combinação do socialismo com as leis
sociais e políticas do Islã e com a chamada Terceira Teoria Universal, descritas
no Panorama Político (Capítulo 2).
A exploração de petróleo na Líbia intensificou-se no final dos anos 50,
depois das descobertas efetuadas na Argélia. Conforme detalhado na seção
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
72
4.3, as importantes descobertas feitas a partir de 1957, tornaram a Líbia
extremamente
atraente
para
investimentos
das
principais
companhias
petrolíferas multinacionais, até os movimentos de nacionalização dos anos 70 e
as sanções impostas à Líbia pelas Nações Unidas nos anos seguintes. Nesta
época, a PETROBRAS, através da BRASPETRO, também operou durante
algum tempo na Líbia, explorando blocos na Bacia Paleozóica de Murzuk e na
Bacia Mesozóica de Sirte, com resultados decepcionantes.
A história da indústria do petróleo na Líbia, conforme detalhado na seção
4.3 adiante, abrange quatro fases: (1) a das grandes descobertas e dos
regimes de concessões altamente vantajosas, entre as décadas de 50 e 60; (2)
a das tentativas de nacionalização, restrição da ação das multinacionais e
estabelecimento dos EPSA (Exploration and Production Sharing Agreement)
entre 70 e 80; (3) das sanções norte-americanas e depois internacionais, com a
retirada de muitas empresas estrangeiras nos anos 80 e 90 e (4) a atual fase,
com o estabelecimento dos EPSA IV.
O forte protagonismo político do líder Gadhafi, contrário aos EUA, que
segundo a imprensa internacional envolvia também o financiamento de ações
terroristas — como os atentandos comandados pelo venezuelano Carlos “o
Chacal” — levaram aquele país a romper relações diplomáticas e comerciais
com a Líbia. Depois, em 1988, com o lamentável atentado de Lockerbie, na
Escócia, quando a explosão de um avião da Pan Am — cuja autoria foi
atribuída a terroristas líbios — causou a morte de 270 pessoas, foram impostas
sanções drásticas pelas Nações Unidas, por pressão norte-americana e
britânica, que afetaram toda a economia da Líbia, incluindo a indústria do
petróleo, durante muito tempo. A Líbia penou um longo isolamento pela
comunidade internacional.
Em 5 de abril de 1999 4 , mais de dez anos após a explosão do avião da
Pan Am, a Líbia extraditou dois homens 5 , suspeitos do ataque terrorista. Como
resposta, as Nações Unidas suspenderam em parte as sanções impostas
desde abril de 1992. Em abril de 2003, o Ministro do Exterior da Líbia anunciou
4
Country Analysis Brief, Libya - Energy Information Administration - DOE, de março de 2006.
Há versões de que na verdade foram escolhidos dois líbios inocentes, como bodes
expiatórios, um dos quais já teria sido libertado por falta de provas, para “salvar a face”. Tais
5
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
73
que o país aceitara a responsabilidade civil pela ação de seus nacionais, na
ação de Lockerbie. Em setembro de 2003, o Conselho de Segurança da ONU
suspendeu completamente as sanções, mas os EUA mantiveram-nas. Em
fevereiro de 2004, após a declaração da Líbia que iria abandonar seus
programas de Armas de Destruição em Massa (Weapons of Mass Distruction –
WMD) e firmar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (Nuclear NonProliferation Treaty – NNPT), os Estados Unidos finalmente suspenderam a
proibição de seus cidadãos de viajar para a Líbia e autorizaram as companhias
petrolíferas norte-americanas — com interesses antecedentes às sanções — a
negociar seu retorno ao país. No dia 23 de abril de 2004, os Estados Unidos
cessaram suas sanções econômicas contra a Líbia com uma declaração do
Secretário de Imprensa da Casa Branca que dizia:
“As empresas norte-americanas estão autorizadas a comprar ou a
investir no petróleo e outros produtos da Líbia. Os bancos comerciais e os
serviços financeiros norte-americanos também estão autorizados a participar e
apoiar estas transações.”
No mesmo dia, a companhia petrolífera estatal da Líbia, NOC - National
Oil Corporation, anunciou sua primeira remessa de uma carga de petróleo para
os Estados Unidos, em mais de vinte anos. No dia 28 de junho de 2004, os
Estados Unidos e a Líbia reataram formalmente suas relações diplomáticas,
interrompidas desde maio de 1981. Finalmente, em 20 de setembro de 2004, o
Presidente Bush assinou a Ordem de Serviço 12543, eliminando todas as
restrições restantes e abrindo caminho para que as companhias americanas de
petróleo voltassem a negociar seus antigos contratos e eventuais direitos sobre
reservas na Líbia. A ordem também revogou qualquer tipo de impedimento
para a importação de produtos refinados.
É difícil ignorar as coincidências entre as mudanças de posição política
em relação à Líbia do mundo ocidental, e dos Estados Unidos em particular, e
os interesses estratégicos das empresas petrolíferas transnacionais, sobretudo
as baseadas nos EUA.
versões aventam a hipótese, inclusive, de que a Líbia de fato nada tinha a ver com o atentado.
O governo da Síria, sim.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
74
O levantamento destas sanções coincidiu com a forte elevação do preço
do petróleo no mercado internacional, fazendo com que a Líbia passasse a
receber muitas divisas, principalmente com a exportação de petróleo, sua
maior e principal riqueza. O país está produzindo atualmente cerca de 1,7
MMBPD de petróleo, em grande parte exportado (85%). Considerando o valor
do barril da ordem de US$60.00, isso corresponde a cerca de US$ 2,7 bilhões
ao mês, ou cerca de US$ 32 bilhões ao ano. Em conseqüência, a Líbia está
acumulando reservas cambiais e crescendo a taxas superiores a 6% a.a nos
últimos anos. Apesar deste crescimento, a taxa de desemprego continua muito
elevada.
Não existe estabilidade jurídica na Líbia — à boca pequena, o povo diz
que quem faz a lei e a muda é Gadhafi —, com freqüentes decisões arbitrárias
do governo em relação aos contratos firmados, e há situações de rigidez
burocrática que representam dificuldades para atrair mais investimentos
estrangeiros e promover o crescimento econômico.
Existem alguns sinais de que a Líbia gostaria de efetuar reformas
econômicas liberalizantes, com redução da atuação do estado na economia.
Em 2003, o Presidente Gadhafi disse que o setor público deveria ser abolido,
falando em privatização do petróleo e de outros setores da economia. Mas não
se falou mais disso, sendo provável que lançou a idéia da abertura da
economia do petróleo, naquele então, para facilitar as decisões relativas à
suspensão das sanções.
A Líbia está investindo na diversificação de sua economia para reduzir
sua extrema dependência do petróleo, quase que a única fonte de renda fiscal.
Os investimentos estão sendo feitos principalmente na agricultura, turismo,
indústria da pesca, mineração e gás natural, além naturalmente do Projeto
GMR, com investimentos de bilhões de dólares. Também busca oportunidades
de investimentos no exterior, inclusive no Brasil.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
75
4.2- GEOLOGIA DO PETRÓLEO
Esta seção está baseada no excelente artigo sobre a geologia de
petróleo da Líbia: Libya: petroleum potential of the underexplored basin
counters – a twenty-first-century challenge 6 , de autoria do consultor D. C. Rusk.
Um volume recuperável de mais de 50 bilhões de barris de petróleo e de
40 Tcf de gás já foi localizado em cerca de 320 campos descobertos na Líbia
nas bacias de Sirte (também chamada de Sirt ou de Sírtica), Ghadames,
Murzuk e Tripolitânia. Cerca de 80% desses volumes foram descobertos entre
o final dos anos 50 e o final dos anos 70. Desde então, por uma série de
razões ligadas ao bloqueio econômico do país, a exploração tem-se mantido
em níveis de intensidade e de tecnologia inferiores.
Em função disso, certamente ainda restam importantes objetivos
exploratórios
relacionados
a
trapas
profundas,
sutis
e
complexas.
Conseqüentemente, Rusk considera que ainda restam elevados potenciais de
descobertas na Líbia. Potenciais que poderiam ser localizados através do
aprofundamento de estudos geológicos e geofísicos, inovação e uso de
tecnologia de ponta. Recomenda, finalmente, concentrar esforços em grandes
áreas das bacias produtoras, onde objetivos mais profundos ainda não foram
testados.
Os esforços exploratórios da Líbia, que se iniciaram na segunda metade
dos anos 50, foram excepcionalmente bem sucedidos na Bacia de Sirte, onde
com a perfuração de 1.600 poços pioneiros descobriram-se cerca de 250
campos, com reservas originais da ordem de 45 bilhões de barris de óleo e 33
Tcf de gás. Nesses números incluem-se 18 dos 21 campos gigantes
descobertos na Líbia possuindo reservas originais da ordem de 37 bilhões de
barris de óleo.
Na Bacia de Ghadames, com a perfuração de 260 poços pioneiros,
descobriram-se 35 campos com cerca de três bilhões de barris de petróleo
recuperável de reservas originais. Com os 62 poços pioneiros perfurados em
In Memória nº 74 da AAPG, intitulada “Petroleum provinces of the twenty-first century”, págs.
429 a 452.
6
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
76
Murzuk encontraram-se 11 campos, incluindo dois gigantes, com reservas
originais da ordem de dois bilhões de barris.
Os esforços exploratórios na Bacia offshore de Tripolitânia, também
foram bem recompensados. Quatorze novos campos de óleo, gás e
condensado foram descobertos com a perfuração de 50 pioneiros. As reservas
originais são estimadas em dois bilhões de barris de óleo recuperável e oito
trilhões de pés cúbicos de gás.
A localização dessas bacias acha-se indicada nos Mapas 4.2-I e II
seguintes. O primeiro é uma figura meramente esquemática, enquanto o
segundo corresponde a um mapa geológico mostrando as bacias sedimentares
da Líbia.
MAPA 4.2-I
BACIAS SEDIMENTARES DA LÍBIA - I
Fonte: Warlick International: Libya Upstream Oil & Gas Market Report 2007
Observe-se que os nomes das bacias e a grafia dos mesmos podem
variar de autor para autor.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
77
Rusk comenta também que:
“apesar dos grandes esforços exploratórios, as quatro bacias produtoras
ainda se encontram em estágio apenas emergente quanto à sua maturidade
exploratória. Dois aspectos indicam os vastos potenciais ainda existentes na
exploração de oportunidades na Líbia: (1) a existência de numerosas áreas nos
alinhamentos produtores ainda com baixa densidade de poços; e (2) grandes
áreas, principalmente no centro das bacias onde os objetivos mais profundos
foram atingidos por apenas poucos poços.”
MAPA 4.2-II
ARCABOUÇO ESTRUTURAL E PRINCIPAIS BACIAS
De acordo com as observações da NPA Satellite Mapping, a Líbia fica
bem no centro da Margem Continental Norte-Africana e desenvolveu uma
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
78
história tectono-estratigráfica multifásica controlada pelos processos da
tectônica de placas dessa margem desde a Orogenia Pan-Africana. As
principais bacias são as paleozóicas de Ghadames, Murzuk e Kufra na região
central e meridional da Líbia, e as bacias mesozóicas e cenozóicas de Sirte, da
Tripolitânea e da Plataforma da Cirenaica, localizadas na porção setentrional e
litorânea.
Detalhes extremamente importantes para o melhor conhecimento da
geologia da Líbia e de seu potencial para a produção de hidrocarbonetos estão
apresentados em Anexo 2-I, ao final deste capítulo.
4.3 – PETRÓLEO
4.3.1 – PEQUENA HISTÓRIA DA INDÚSTRIA DO PETRÓLEO
A história da indústria do petróleo na Líbia tem aspectos diferentes
daquelas de outros países. Em primeiro lugar, há que se considerar o relativo
atraso das primeiras descobertas. Boa parte do petróleo do Oriente Médio foi
descoberta entre as duas grandes guerras, enquanto o da Líbia somente foi
descoberto no final dos anos 50, bem mais recentemente. As grandes
descobertas da Argélia ocorreram a partir de 1953 e praticamente ocorreram
na fronteira com a Líbia.
Os primeiros esforços exploratórios somente foram efetuados na Líbia a
partir de 1956, sendo o primeiro campo descoberto em 1957 pela Esso. Em
1961, a Esso já estava exportando petróleo através de um oleoduto e de
facilidades portuárias adequadas.
A euforia das descobertas de petróleo na Líbia, no entanto, foi
provocada pela descoberta, logo depois, por várias companhias multinacionais,
de grandes campos na Bacia de Sirte.
Em pouquíssimo tempo a Líbia se tornou um grande produtor de
petróleo destinado à exportação. Ressalte-se que o petróleo líbio é de
excelente qualidade, produzido a custos baixíssimos em campos terrestres e
que a Líbia fica bem mais próxima dos países europeus do que o Oriente
Médio. Em 1967, com a guerra entre Israel e o Egito, e o fechamento do Canal
de Suez, os petroleiros carregados com petróleo do Oriente Médio tinham que
fazer a circunavegação da África para chegar à Europa, enquanto a Líbia
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
79
exportava diretamente de seus portos situados a curta distância dos terminais
europeus do Mediterrâneo. Os anos 60 foram anos de euforia para a indústria
de petróleo líbia.
O golpe de 1969 levou Ghadafi ao poder, mas pouco afetou a indústria
de petróleo nos primeiros momentos. A partir da criação da OPEP ainda nos
anos 60, porém, — com o reforço das tendências de nacionalização que
surgiram em todos os países árabes produtores de petróleo — os anos 70
seriam marcados por iniciativas unilaterais por parte do governo líbio em
relação às petroleiras multinacionais, para aumentar o government take,
consideradas arbitrárias e estatizantes.
Em torno de 1977, a Líbia era o 7º maior produtor de petróleo do mundo.
Entretanto, sua posição declinou a partir do início dos anos 80, em parte em
função das cotas de produção estabelecidas pela OPEP, em parte devido aos
movimentos de nacionalização e em parte devido às sanções norte-americanas
e depois também internacionais, que implicavam na suspensão de contratos de
fornecimento a países consumidores e na interrupção de investimentos nos
campos produtores. Por volta de 1986, a Líbia era somente o 15º maior
produtor de óleo.
O governo, através do Ministério do Petróleo, mostrava-se interessado
em oferecer concessões a um número grande de companhias diferentes, para
induzir elevados níveis de produção e de exportação. De fato, porém, os
contratos de concessão conduziriam para uma progressiva nacionalização das
operações e ao esfriamento das companhias estrangeiras.
Em menos de 10 anos, o government take da Líbia passou de apenas
um quarto do valor da produção para nada menos que três quartos. O governo
da Líbia obtinha essa compensação na forma de compartilhamento da
produção (na conhecida fórmula do PSA - Production Sharing Agreement).
Nos primeiros contratos, a Esso conseguira condições bastante
favoráveis. Em 1969, nada menos do que 33 companhias estrangeiras
operavam com relativo conforto na Líbia. Nos anos 70, no entanto, os termos
dos contratos foram endurecendo e consolidou-se a NOC - National Oil
Corporation que, em 1970, formou a empresa LIPETCO - Libian Petroleum
Corporation.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
80
Nesse mesmo ano, a jurisdição da NOC foi expandida pela legislação
nacionalizante, pois as operações das companhias estrangeiras subsidiárias da
Esso, da Shell e da ENI foram transferidas para o controle da NOC. As
operações estatizadas incluíam: o gerenciamento da exportação e importação,
da operação dos ativos, da distribuição e venda de produtos brutos e
derivados, e dos subsídios dos preços na Líbia. Em 1971, essas operações se
fundiram numa única companhia, chamada Brega Company, que também
comercializava petróleo e gás no exterior por conta do governo da Líbia.
Uma nova campanha estatizante começou em dezembro de 1971,
quando a Líbia nacionalizou a participação da British Petroleum num
empreendimento no Campo de Sarir, denominando British Petroleum-Bunker
Hunt Sarir, em retaliação ao governo inglês pela falta de ação num problema
que estava ocorrendo no distante Oriente Médio. Essa ação do governo
Gadhafi, considerada abusiva, levou a uma querela jurídica entre a British
Petroleum e o governo da Líbia. Somente por volta de 1974 alcançou-se um
acordo entre as partes, acabando a British Petroleum por receber uma
compensação financeira e o governo da Líbia por nacionalizar definitivamente o
empreendimento.
Em 1972, o governo conseguiu uma participação de 50% nos
empreendimentos do grupo italiano ENI-AGIP e, em 1973, iniciaram-se
conversações semelhantes com a companhia Occidental. No mesmo ano, a
NOC foi autorizada a comprar 51% dos empreendimentos da Occidental.
O grupo Oásis, constituído pela Continental Oil Company (1/3 do
capital), pela Marathom Petroleum (1/3 do capital) e pela Amerada Petroleum
Company junto com Shell (cada qual com 1/6 do capital), era, à época, um dos
maiores produtores da Líbia. O grupo Oásis também concordou em ceder 51%
de seu capital ao controle acionário da Líbia em agosto de 1973. No dia
primeiro de setembro de 1973, comemorativo do quarto ano da Revolução, a
Líbia anunciou unilateralmente que assumiria 51% de todas as companhias
remanescentes, com exceção de alguns pequenos operadores 7 .
7
É inevitável a comparação das ações de Muhamad Gadhafi, há 30 anos, com as recentes medidas de
Hugo Chávez e Evo Morales, aumentando o government take e criando empresas mistas, inclusive quanto
ao uso de datas simbólicas para a adoção de atos nacionalizantes.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
81
Algumas companhias estrangeiras tentaram fazer frente ao governo
líbio, contestando essas medidas, mas logo descobriram que as mesmas
faziam parte de uma política pública muito determinada e que não haveria
como não submeter-se àquela fase de nacionalização.
A Shell foi uma das empresas que se recusou a aceitar a participação de
controle da Líbia no grupo Oásis. Em conseqüência, suas operações foram
totalmente nacionalizadas, em março de 1974.
Pouco
depois,
outras
companhias
relutantes
foram
também
nacionalizadas, entre elas: Texaco, Califórnia-Asiatic Company e LibyanAmerican Oil Company. Estas companhias somente receberiam compensações
financeiras parciais pela perda dos respectivos patrimônios em 1977.
Essa seqüência de eventos, juntamente com o boicote econômico
estadunidense e o rompimento de relações, convenceu muitas companhias
estrangeiras a tomar a decisão de abandonar a Líbia nos anos 80.
Em 1981, saiu a Esso, seguida pela Mobil em 1982. Outra rodada de
nacionalização ocorreu em 1986, quando o presidente dos Estados Unidos,
Ronald Reagan, anunciou sua intenção de pedir às companhias norteamericanas para cessar suas operações na Líbia. Naquele tempo não ficou
claro se as companhias restantes venderiam seus patrimônios à NOC, com
grandes prejuízos, ou simplesmente transfeririam seus interesses para
companhias européias, não afetadas pelas sanções do presidente norteamericano.
Até meados dos anos 80, a NOC permanecera formalmente subordinada
ao Ministério do Petróleo. No entanto, o papel do Ministério era meramente
burocrático, concentrando-se todo o poder sobre a indústria na mão da direção
da NOC, exercida por gente de toda a confiança do líder Gadhafi. Finalmente,
em 1986, ocorreu a dissolução do Ministério do Petróleo ficando a NOC
vinculada diretamente ao gabinete governamental, com grande autonomia
operacional. A atual estrutura organizacional do setor de hidrocarbonetos do
governo da Líbia é ilustrada no Gráfico 4.3-I seguinte.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
82
GRÁFICO 4.3-I
ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DO SETOR HIDROCARBONETOS
Fonte: Secretariat of Energy
Desde 1974, todos os contratos negociados com a Líbia eram feitos em
termos de compartilhamento da produção (production sharing). Esses contratos
eram negociados e gerenciados pela NOC, e destinavam a esta nada menos
do que 81% da produção dos campos marítimos e 85% da produção nos
campos terrestres.
Quanto a descobertas de óleo, destaca-se primeiramente aquela de ElBouri, um campo localizado offshore na costa oeste da Líbia, com uma
produção inicial estimada em torno de 60MBPD. O megacampo foi descoberto
e desenvolvido pela ENI em 1976, à profundidade de 8.700 pés, e estima-se
que contenha dois bilhões de barris de óleo recuperável. A primeira fase de
desenvolvimento do campo, que custou dois bilhões de dólares, foi completada
em 1990, com o campo produzindo 150.000 BPD até meados de 1995, quando
se seguiu um declínio relativamente acentuado da produção. Esse declínio foi
atribuído em parte à impossibilidade de importar equipamentos para o
desenvolvimento complementar do campo, por causa das sanções da ONU.
Reporta-se também que em El-Bouri existam grandes volumes de gás natural
associado.
Após a descoberta do campo de El-Bouri, ocorreram descobertas em
vários blocos da Líbia. De uma maneira geral as mais significativas foram
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
83
aquelas efetuadas na região de Murzuk, bacia paleozóica situada em pleno
Deserto do Saara, algumas centenas de quilômetros ao sul de Trípoli,
conforme indicado no Mapa 4.3-I seguinte.
É digno de menção o fato da PETROBRAS já ter explorado blocos
nessa bacia sem resultados positivos. Hoje o campo de El Sharara, localizado
nesta bacia, por exemplo, está produzindo cerca de 200.000 BPD. A Repsol
YPF lidera um consórcio europeu, junto com a OMV, a TOTAL e Norsk Hydro,
que opera e gerencia esse campo. Inicialmente esperava-se que El Sharara
produzisse por volta de 1998 cerca de 200.000 BPD de óleo muito leve (44°
API) e doce (menos de 0,6% de enxofre), mas, por vários problemas, incluindo
dificuldades no oleoduto que levava o óleo até o terminal no Mediterrâneo, tal
meta só foi atingida mais tarde.
MAPA 4.3-I
LOCALIZACAO DA BACIA MURZUK E DO CAMPO EL SHARARA
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
84
Em outubro de 1997, um consórcio internacional liderado pela britânica
LASMO, junto com a ENI e um grupo de cinco companhias sul-coreanas,
anunciaram uma grande descoberta de petróleo (com volumes recuperáveis
em torno de 700 MMB), no bloco NC-174, 465 milhas ao sul de Trípoli, também
na bacia paleozóica de Murzuk. A LASMO, que acabou sendo comprada pela
ENI, em 2001, estimava que a produção desse campo — denominado Elefante
— custaria em torno de um dólar por barril. O famoso campo de Elefante
deveria ter entrado em produção no ano 2000, com cerca de 50.000 BPD,
utilizando um oleoduto de 30 polegadas para transportar o óleo para o norte.
No entanto, o início da produção atrasou devido a obstáculos
burocráticos e somente se iniciou em 2004, com cerca de apenas 10 MBPD. A
plena capacidade do campo de Elefante, de 150 MBPD deve ter sido atingida
no final de 2006.
Em agosto de 2003, a TOTAL anunciou o início da produção do campo
de Al Jurf, situado offshore no bloco 137, estimando-se uma produção em torno
de 40.000 BPD. A TOTAL possui 37,5% dos interesses nesse campo, junto
com a NOC (50%) e a companhia alemã Wintershall (com 12,5%). Em outubro
de 2004, a Wintershall disse que investiria cerca de 400 milhões de dólares na
Líbia para explorar novos campos de óleo e gás.
A NOC comanda um grupo de companhias subsidiárias menores que,
em conjunto, dão conta de cerca da metade da produção atual de petróleo
líbio.
A maior delas é a Waha Oil Company (WOC), criada em 1986 para
controlar as operações do que fora antes o grupo Oásis (Conoco, Marathom,
Shell e Amerada Hess). A produção da WOC foi profundamente afetada pelas
sanções, pois os equipamentos utilizados nos campos de petróleo eram todos
de
fabricação
norte-americana
e
a
operadora
não
podia
adquirir
sobressalentes. Como resultado, a produção dos campos caiu de cerca de 1
MMBPD em seu pico, nos anos 80, para em torno de 350 MBPD no presente.
Depois da Waha, a mais importante subsidiária da NOC é a Arabian Gulf
Oil Company (AGOCO), com sua produção se originando principalmente dos
campos de Sarir, Nafoora/Augila e Messla. A produção da AGOCO em 2003
era superior a 400.000 b/d.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
85
Duas outras grandes subsidiárias da NOC são a Zuetina Oil Company
(ZOC) que opera os cinco campos de Intisar, no bloco 103 da Bacia de Sirte, e
a Sirte Oil Company (SOC), originalmente criada em 1981 para tomar conta
dos empreendimentos da Esso na Líbia. Em 1986 a SOC assumiu também os
empreendimentos da Grace Petroleum, uma das cinco companhias americanas
obrigadas a deixar a Líbia. A SOC opera o campo de Raguba na parte central
da Bacia de Sirte.
Na ausência das companhias americanas, a Líbia passou a depender
fortemente das companhias européias como a espanhola Repsol-YPF; a
italiana AGIP; a austríaca OMV; a alemã Wintershall e a francesa TOTAL, além
da canadense Petro-Canada. Em julho de 2003, receberam autorização para
trabalhar na Líbia a companhia indiana ONCG, uma companhia turca e uma
companhia da Ucrânia.
A exploração e a produção de petróleo na Líbia ainda são regidas pela
Lei nº 25, de 1955, que foi revista e emendada em 1961, 1965 e 1971, além
dos regulamentos decorrentes. Até o fim dos anos 60 existia um sistema de
concessões sem participação direta do Estado. Como dito anteriormente, a
partir de 1973 foram incorporados decretos estabelecendo a participação do
estado através dos Exploration and Production Sharing Agreements (EPSAs)
que viriam substituir as concessões.
Em agosto de 1979, através da Decisão nº 10, a NOC foi autorizada a
negociar e gerenciar os EPSAs com companhias privadas de petróleo ou a
realizar a exploração por sua própria conta. Os EPSAs permanecem como
base para o licenciamento atual e estão sujeitos à aprovação do Comitê Geral
do Povo, uma mera formalidade.
O EPSA I, primeira versão, foi lançado em 1974 e promove o
compartilhamento da produção bruta entre as partes. Foi substituído pelo
EPSA II, em 1981, que melhora os termos contratuais a favor da NOC. O EPSA
III foi introduzido em 1988, com termos contratuais mais flexíveis e introduzindo
uma fórmula de recuperação dos custos. Mesmo assim, a produção bruta
continua sendo compartilhada entre as partes. Em 2004, a NOC introduziu o
EPSA IV que vem sendo utilizado com sucesso nas últimas três rodadas de
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
86
licitação efetuadas na Líbia. O EPSA IV prevê detalhes como bônus de
assinatura, programa mínimo de trabalho e compartilhamento da produção.
Em 2005, as companhias do grupo Oásis e a Occidental conseguiram
recuperar seus velhos interesses na Líbia depois de 20 anos de sanções
econômicas.
Também em 2005, o Sr. Shokri Ghanen — ex-ocupante de cargo
equivalente ao de primeiro-ministro e, no passado, muito envolvido nas
negociações que conduziram ao fim das sanções; portanto, alguém muito
ligado ao líder Gadhafi — foi nomeado presidente da NOC e vem sendo muito
ativo na introdução de reformas estruturais do setor. Exerce seu poder com
grande autoridade e distância dos operadores.
A primeira das últimas três rodadas, regidas pelo EPSA IV, foi realizada
em janeiro de 2005, quando foram alocadas 15 áreas e muitos blocos isolados
para várias companhias internacionais de petróleo, inclusive a PETROBRAS,
conforme descrito em detalhes na seção 4.3.4, adiante. O compromisso total
de investimento em exploração foi da ordem de 298 milhões de dólares e os
bônus de assinatura, somados, atingiram 133 milhões de dólares, com uma
média de 8,9 milhões de dólares por bloco. O grupo vencedor assumiu
compromissos para perfurar 24 poços exploratórios e efetuar a aquisição de
3.000 km² de sísmica 3D e 24.000 km de sísmica 2D. As companhias
concordaram em dar à NOC percentagens sobre a produção bruta variando
entre 61% e 89%. Os blocos mais concorridos foram os da porção offshore da
Bacia de Sirte.
A segunda rodada de licitação, sob a égide do EPSA IV foi encerrada
em novembro de 2005. A NOC conseguiu assinar contratos relativos a 23
pacotes de blocos. Atraiu 51 companhias internacionais. O total de bônus de
assinatura foi de 103 milhões de dólares, com programas mínimos envolvendo
grandes levantamentos geofísicos e a perfuração de numerosos poços.
A terceira rodada foi encerrada em dezembro de 2006. A NOC
conseguiu 10 contratos adicionais. Os bônus de assinatura se elevaram para
88 milhões de dólares, com extensos programas exploratórios mínimos.
Enquanto as rodadas do EPSA IV têm sido muito boas para a NOC —
em matéria de arrecadação de bônus de assinatura, compromissos de
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
87
investimentos e de participações — a maioria dos “vencedores” das rodadas
está com dificuldades para transformar esses contratos em centros de lucros
efetivos, ainda que considerando o elevado preço atual do petróleo. Somente
grandes descobertas nesses blocos tornarão a empreitada economicamente
rentável a posteriori. Os melhores blocos estariam localizados no mar e
algumas companhias como a Hess, a Repsol e a Woodside planejam iniciar
seus testes offshore ainda em 2007 (Libya - Land of Emerging Opportunities)
Hoje, muitas companhias internacionais de petróleo estão engajadas em
contratos de produção e exploração, associadas com a NOC ou suas
subsidiárias, dentre as quais: AGIP, BG, Chevron, ENI, ExxonMobil, Gazprom,
Hellenic Petroleum, Hydro, Impex, Joint Oil, Mitsubish, Mitsui Oil, Liwa Energy,
Nimir Petroleum, Nipon, OMV, OVL, Oil Search, Occidental Petroleum,
Pertamina, PETROBRAS, Petro-Canada, Repsol, RWE-Dea, Sonatrach, Shell,
Statoil, Tatneft, Tikoku, Total, Veba, Veremex, Woodside and Wintershall.
A NOC está realizando, com alguma lentidão, estudos para o
lançamento dos DPSAs (Development & Production Sharing Agreement) que
seriam fundamentalmente contratos para o desenvolvimento complementar
e/ou a revitalização de velhos campos de petróleo. Os planos têm sido
atrasados porque o comitê de negociação dos DPSAs ainda está debatendo os
critérios
para
escolher
os
campos
maduros
para
novas
fases
de
desenvolvimento. Também estão sendo considerados os PSCs (Production
Service Contracts), muito utilizados no México. Essas fórmulas estão sendo
adaptadas e serão lançadas em breve, devendo ser disputadas pelas
empresas estrangeiras.
No final de 2006, a área total sob contratos na Líbia era de 730.211 km²,
contra 472.231 km² no fim de 2004 (+55% nesses três anos de preços
elevados). Os contratos se estendem por todas as seis bacias petrolíferas e, da
área total, 579.544 km² (79%) se localizam em terra e 150.667 km² (21%), no
mar. O Mapa 4.3-I seguinte, mostra a atual distribuição dos blocos objeto de
contratos firmados anteriormente, bem como os licitados nas últimas três
rodadas.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
88
MAPA 4.3-II
LOCALIZACAO DOS BLOCOS CONCEDIDOS NA LIBIA
Fonte: IHS
Quanto ao presente, a empresa de consultoria IHS, em fevereiro de
2007, afirmava que a Líbia está emergindo depois de quase 20 anos de
sanções comerciais como um dos países mais atrativos para investir em
exploração e produção, o que está evidenciado pela feroz competição para
obtenção de blocos nas mais recentes rodadas de licitação. A E&P de petróleo
e gás natural, o refino e a distribuição do petróleo e do gás, bem como o GNL
são os elementos mais fortes da economia da Líbia, respondem por 95% de
sua receita cambial e 70% dos recursos fiscais. Em 2006, a Líbia gerou cerca
de 30 bilhões de dólares somente com a exportação de petróleo e de gás
natural.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
89
A política de preços e de produção de óleo praticada pela Líbia, que em
1962 se juntou à OPEP, está alinhada com a política daquela organização. A
produção de petróleo, 80% do total destinado à exportação, declinou durante a
primeira metade dos anos 70 em função da ação da OPEP e da política do
governo da Líbia. Depois subiu ligeiramente, mas caiu em 1980 quando a
OPEP reduziu as quotas dos países membros. Em março de 83, a Líbia
aceitou a quota da OPEP de 1,1 MMBPD. Em 1984 a quota ficou em 990
MBPD e em 1986 chegou a 1,137 MMBPD. No momento a quota líbia é 1,6 de
MMBPD.
4.3.2 – PRODUÇÃO E RESERVAS
Comparando-se os dados sobre a indústria de petróleo da Líbia
procedentes de várias fontes — EIA, BP-Statistical Review e ENI-WOGR —
encontram-se freqüentes discrepâncias. Decidiu-se, neste trabalho, adotar
como fonte principal a WOGR-ENI, complementadas por outras, quando
necessário 8 .
As reservas provadas de petróleo da Líbia são de 39,126 bilhões de
barris colocando este país em oitavo lugar na classificação internacional, logo
atrás da Arábia Saudita, Iran, Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos,
Venezuela e Rússia. Nesta mesma classificação, o Brasil se situa em 15º lugar
com reservas provadas de petróleo de 11.350 bilhões de barris. Isto significa
que a Líbia possui reservas de petróleo cerca de 4 vezes maior que as do
Brasil. A evolução das reservas de petróleo da Líbia acha-se indicada no
Gráfico 4.3-II seguinte.
8
Os dados aqui apresentados foram obtidos da World Oil and Gás Review 2006 e referem-se à
situação da Líbia no ano de 2005.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
90
GRÁFICO 4.3-II
EVOLUÇÃO DAS RESERVAS LÍBIAS DE PETRÓLEO
Como detalhadamente descrito na seção 4.2 anterior e no Anexo ao final
deste capítulo, tais reservas concentram-se na Bacia de Sirte (80%),
responsável também por 90% da produção atual. De acordo com a Wood
Mackenzie Consultants, a Líbia continua “altamente inexplorada” possuindo um
“excelente” potencial para novas descobertas, uma vez que somente 25% de
sua área prospectiva está hoje coberta por acordos com as companhias
internacionais de petróleo.
A produção de petróleo em 2005 foi de 1.728.000 BPD, colocando a
Líbia em 17º lugar na classificação internacional, pouco atrás do Brasil, que
ocupava o 14º lugar, com uma produção de 1.985.000 BPD. Ou seja, a Líbia
produz menos que o Brasil — apesar de suas reservas bem maiores — abaixo,
portanto, de suas reais possibilidades, por falta de investimentos no setor.
O Gráfico 4.3-III seguinte apresenta a evolução da produção e do
consumo de petróleo da Líbia. Observe-se que em 1980 a produção de
petróleo líbio era praticamente a mesma que a atual, reduzindo-se para cerca
de 1 MMBPD em decorrência das sanções e da retirada das companhias de
petróleo internacionais na segunda metade dos anos 80. Nos anos 90, a
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
91
produção se manteve no patamar de 1,5 MMBPD, voltando a crescer, já na
presente década, com o fim das sanções e o retorno dos investimentos
estrangeiros. O consumo mostra um crescimento contínuo à taxa mais ou
menos constante.
GRÁFICO 4.3-I
A atual relação reserva/produção (R/P) da Líbia é 62, situando o país
em sétimo lugar numa classificação internacional segundo este indicador, logo
após o Iraque, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Iran, Venezuela e Arábia
Saudita. O Brasil, com uma R/P de 15, aparece em 12º lugar nesta mesma
classificação.
O consumo de petróleo da Líbia ainda é relativamente baixo: 278.000
BPD, colocando o país em 43º lugar, numa classificação de consumo. Nesta
mesma classificação o Brasil se situa em 8º lugar, com um consumo de mais
de dois milhões de barris por dia. Entretanto, o consumo per capita da Líbia —
de mais de 17 barris pos habitante ao ano — é dos mais elevados do mundo,
colocando este país em quinto lugar, logo após Arábia Saudita, Estados
Unidos, Canadá e Holanda, e bem à frente de países como Coréia do Sul,
Taiwan, Japão, Espanha, França e Alemanha.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
92
Recorde-se que o consumo per capita no Brasil é de apenas 4,4 barris
por habitante ao ano.
4.3.3 – EVOLUÇÃO PREVISTA DA OFERTA
O Gráfico 4.3-III contem as previsões da Energyfiles quanto à produção
futura de petróleo na Líbia.
De acordo com essas previsões um tanto pessimistas, depois de atingir
o pico da ordem de dois milhões de barris por dia, por volta de 2010, ocorreria
um natural declínio de produção líbia até 2050. Por outro lado, esta previsão
antecipa uma grande produção de gás natural, o que deve ser examinado em
maior profundidade pelos estrategistas da PETROBRAS, tendo em vista a
possibilidade de se encontrar aí oportunidades de suprimento para as plantas
de regaseificação de GNL costeiras já anunciadas.
GRÁFICO 4.3-III
PROJEÇÕES DA PRODUÇÃO DE PETRÓLEO E GÁS DA LÍBIA
Fonte: Energyfiles
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
93
4.3.4 – PRESENÇA DA PETROBRAS NA LÍBIA
A PETROBRAS já operou contratos de exploração na Líbia, logo após a
criação da BRASPETRO nos anos 70. Para conseguir seu objetivo de obter
blocos para exploração na Bacia de Sirte, a BRASPETRO concordou em
explorar também blocos na então desconhecida, improdutiva e distante Bacia
de Murzuk, onde chegou inclusive a perfurar poços secos. Isso tudo ocorreu
em plena fase de nacionalização das firmas multinacionais na Líbia
A BRASPETRO também se envolveu com o projeto do Grande Rio feito
pelo Homem (GMR) na fase de perfuração dos poços para a produção de
água. Havia à época graves deficiências de logística para se trabalhar e viver
na Líbia (fornecimento de alimentos e outros bens essenciais para o pessoal de
campo), além dos conhecidos e crônicos problemas para obtenção dos vistos e
para a passagem pelas barreiras na entrada da Líbia.
Passada aquela fase, a PETROBRAS se afastou da Líbia, só retornando
em fins de 2004/início de 2005. Na primeira rodada com utilização do EPSA IV,
realizada no início de 2005 a PETROBRAS venceu e obteve contrato para
exploração de um bloco localizado offshore, próximo de outros campos
produtores. A PETROBRAS e a Oil Search Limited, empresa com sede em
Papua-Nova Guiné, estabeleceram uma joint venture para explorar blocos
oferecidos pelo governo da Líbia e investirão ao menos 21 milhões de dólares
nesta fase, que deverá estender-se por cinco anos 9 .
A PETROBRAS deverá ser a líder e operadora do negócio, ficando com
70% dos investimentos e dos resultados, contra 30% de seu sócio. A área
conseguida pela PETROBRAS denomina-se Área 18, é constituída por quatro
blocos totalizando 10.307 km², localizados na costa noroeste da Líbia, em
águas que variam de 200 a 700 metros de profundidade. Sua localização pode
ser visualizada no Mapa 4.3-II anteriormente apresentado.
Essa área conseguida pela PETROBRAS é considerada favorável, pois
já existem grandes campos produtores de petróleo e de gás na vizinhança on
shore, como, por exemplo, El-Bouri, Al-Jure e Bahr-Essalam, entre outros.
Existe possibilidade, portanto, da área 18 conter reservas de hidrocarbonetos
9
Comunicado da PETROBRAS, divulgado no dia 2 de janeiro de 2005.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
94
economicamente viáveis. Se for declarada a comercialidade, a NOC concederá
um período de mais 25 anos para produção.
Assim, a partir de 2005, a PETROBRAS ampliou sua atuação na África e
marcou seu retorno à Líbia. No entanto, para consolidar sua presença ainda
incipiente na Líbia — ampliando-a numa região de reconhecido potencial ainda
inexplorado — a PETROBRAS deve examinar a possibilidade de participar,
direta ou indiretamente, de outros empreendimentos de infra-estrutura de que o
país é carente: construção de habitações populares, construção de estradas,
conversão de termelétricas a diesel para gás natural, novas termelétricas a
gás, plantas de GNL, entre outros. Não se deve olvidar, também, que a Líbia
talvez tenha interesse em remodelar e repotenciar carros de combate
adquiridos do Brasil no passado e que se encontram fora de serviço. É outra
“chave” com que a PETROBRAS pode “abrir portas”, sobretudo se operar com
o apoio da Presidência da República e do Ministério de Relações Exteriores.
4.3.5 – DOWNSTREAM
Em 1986, os campos produtores da Líbia já tinham seus petróleos
escoados através de uma complexa rede de dutos que conduziam aos cinco
principais portos exportadores no Mediterrâneo: Marsa al Burayqah, Aas Sidra,
Ras al Unuf, Marsa al Hariqah e Az Zuwaytinah, conforme ilustrado no Mapa
4.3-II seguinte.
O terminal de Sidra ainda é o maior exportador, com cerca de 30% do
total. Os dutos para esses terminais servem a mais de uma companhia e o
petróleo assim chega aos terminais já em forma de misturas.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
95
MAPA 4.3-II
SISTEMA DE OLEODUTOS DA LÍBIA
De acordo com a EIA e a Citac Libya 10 , existem no país cinco refinarias
com
capacidade
nominal
total
de
aproximadamente
380.000
BPD
significativamente maior do que o consumo interno de petróleo (da ordem de
280.000 BPD). São elas:
(1) a refinaria Ras Lanuf, de exportação, construída em 1984 e
localizada no Golfo de Sirte, com capacidade de refinar 220 MBPD;
(2) a refinaria de Az Zawiya, construída em 1974, localizada no noroeste
da Líbia, com capacidade de processar 120 MBPD;
(3) a refinaria de Tobruk, com a capacidade de 20 MBPD;
(4) a refinaria Brega, a mais velha, localizada perto de Tobruk, com
capacidade de 10 MBPD; e
(5) a refinaria de Saril, com capacidade de 10 MBPD.
10
MBendi Profile: Libya – Oil and Gas: Oil Refining – Overview
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
96
Aparentemente, essas plantas são em parte obsoletas,
pouco
sofisticadas em matéria de extração de derivados de qualidade e estão
consumindo energia em excesso quando comparados seus rendimentos com
os de refinarias modernas. Algumas das refinarias líbias produzem derivados
aquém das especificações requeridas por muitos países consumidores. Por
exemplo: gasolina sem chumbo tetra-etila, gasolinas reformuladas e derivados
de baixo teor de enxofre não podem ser obtidos nestas plantas. As refinarias
mais antigas ressentem-se seriamente das limitações tecnológicas, que não
puderam ser superadas no período das sanções, em que era vedada a
importação de equipamentos. Algumas unidades apresentam problemas sérios
de manutenção e necessitam de reparos.
Além das refinarias domésticas, a Líbia participa em refinarias
localizadas na Europa. A companhia Oilinvest, braço internacional da NOC,
possui uma rede de refino na Europa com 300 MBPD de capacidade, a partir
da qual produz e distribui derivados na Itália, Alemanha, Suíça e, desde 1998,
no Egito. A companhia Tamoil Itália, baseada em Milão, controla cerca de 7,5%
do mercado italiano de postos de gasolina e vendas de lubrificantes através de
uma rede de 2.200 postos de serviços Tamoil. É interessante observar que
essa estratégia de garantir mercado e agregar valor ao cru nacional foi utilizada
pela Venezuela e, possivelmente, também por outros paises produtores.
Em 1995 novas unidades entraram em operação na refinaria Ras Lanuf.
Uma é de reforma catalítica, com capacidade de 3.300 BPD. Outra é de
hidrotratamento de nafta com a capacidade de 5.666 BPD. A Líbia está
realizando esforços para modernizar e aperfeiçoar seu sistema de refino, além
de estar interessada no aumento de sua produção de gasolina e outros
produtos leves.
Aparentemente, a Líbia estaria planejando a construção de uma nova
refinaria com a capacidade de 20.000 BPD na localidade de Sebha, para
processar petróleo bruto da Bacia de Murzuk. O perfil de produção dessa
refinaria já estaria estabelecido. A Líbia também estaria planejando a
construção de mais uma refinaria para exportação com a capacidade de 200
MBPD, que seria localizada em Misurata.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
97
São projetos em que a PETROBRAS seria bem-vinda como parceira,
seja no investimento, seja na comercialização da produção, com a
possibilidade de um swap na área de E&P, pois é hábito dos líbios conceder
blocos em contrapartida de investimentos em infra-estrutura.
4.4. -GÁS NATURAL
A expansão contínua da produção de gás natural continua com elevada
prioridade para a Líbia por duas razões principais:
● pretende-se, com sucesso limitado até aqui, utilizar mais o gás natural
no lugar do petróleo — por exemplo, para geração de energia elétrica ou GNV,
liberando mais petróleo e derivados para exportação— e,
● deseja-se monetizar as grandes reservas de gás natural, expandindo
suas exportações, particularmente para a Europa, onde tem vantagens
comparativas, como faz a Argélia.
As reservas provadas de gás natural em janeiro de 2006 eram da ordem
de 53 Tcf. Os Gráficos 4.4-I e II seguintes mostram, respectivamente, a
evolução das reservas e da produção de gás natural na Líbia. Entretanto, o
potencial remanescente de gás natural ainda por descobrir na Líbia é
geralmente considerado muito alto, pois suas bacias gasprone ainda são pouco
conhecidas, por inexploradas. De acordo com especialistas locais, as reservas
de gás poderão atingir algo em torno de 70 a 100 Tcf.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
98
GRÁFICO 4.4-I
EVOLUÇÃO DAS RESERVAS DE GÁS NA LÍBIA (Tcm)
A reserva provada líbia, de aproximadamente 1,5 TMC, se comparada,
na mesma unidade de volume, com as do Brasil (reserva de 320 BMC, 5 vezes
menor) e a Bolívia (reservas de 757 BMC, cerca de metade), deixa clara a
importância de suas dimensões. Ainda assim, a Líbia não se situa entre os
primeiros vinte países, nem quanto às reservas, nem quanto à produção de
gás, porque este ramo da indústria é muito incipiente no país.
A relação reserva/produção é muito elevada, aparentemente superior a
100, o que colocaria a Líbia entre os primeiros lugares logo atrás do Qatar, do
Iran e da Nigéria. Mas isto se deve ao pequeno denominador. Para expandir
sua produção de gás, assim como comercializá-lo, a Líbia está procurando a
participação e o investimento de companhias estrangeiras. Em anos recentes,
novas e importantes descobertas têm sido feitas nos campos de Ghadames e
El-Bouri, além de muitos outros na Bacia de Sirte. Existem hoje na Líbia muitos
projetos de desenvolvimento de gás natural que incluem: As-Sarah, Nahoora,
Faregh, Wafa, o bloco offshore NC-41, Abu-Attifel, Intisar e bloco NC-98.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
99
GRÁFICO 4.4 – II
EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE GÁS NATURAL NA LÍBIA (Bcm)
Em 2006, a produção de gás natural da Líbia se elevou para 2,1 Bcf
11
por dia, ou 765 Bcf por ano. Esses volumes correspondem, grosso modo, à
atual produção do Brasil e equivalem a 58,8 MMMCPD. Desse total, 415 Bcf
(54%) eram de gás associado e os restantes 349 BCF (46%) de gás não
associado.
Quanto à distribuição geográfica, 563 Bcf (73,5%) eram produzidos em
terra e o restante 203 Bcf (26,5%) no mar.
De acordo com a IHS, a exploração e a explotação de gás natural na
Líbia se encontrariam quase na infância. Apenas seis campos da Bacia de Sirte
alimentam a planta de GNL construída no terminal de Marsa El Brega. A Shell
e a NOC têm planos para expandir a capacidade dessa planta a médio e longo
prazo. Durante 2006, cerca de 65 Bcf de gás se originaram dos campos de gás
da Sirte Oil Company, no Bloco 6 da Bacia de Sirte, e foram convertidos em
GNL.
11
Tendo em vista algumas incongruências dos dados de produção fornecidos pela WOGR-ENI
adotou-se o conjunto de informações sobre produção oferecidos pela IHS, agora em pés
cúbicos.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
100
O potencial para gás natural é muito elevado e continua praticamente
inexplorado. Somente 10 Tcf (21,5%) do total de reservas provadas são
consideradas desenvolvidas, 16 Tcf (34%) são consideradas subdesenvolvidas
e os restantes 20 Tcf são consideradas não desenvolvidas.
A produção de gás natural praticamente dobrou em 2005, quando a ENI
iniciou a operação do West Libya Gas Project (WLGP). Dois grandes campos
alimentam o vasto projeto: em terra, o campo de gás e condensado de AlWafa, localizado na Bacia de Ghadames, e no mar o campo de Bahr Essalam,
localizado na Bacia Pelagiana.
O gás natural é transportado para a Itália pelo gasoduto denominado
Greenstream que passa debaixo do Mediterrâneo, da cidade líbia de Mellitah
para a cidade de Gela, na Sicília, com uma extensão de 520 km e o diâmetro
de 32 polegadas. O gás transportado origina-se do campo de Wafa, situado em
terra, e do campo de Bahr Essalam, situado no mar. No projeto, a ENI atua
como operadora com 50% dos interesses, seu sócio é a NOC, com a outra
metade dos interesses. O Mapa 4.4-I esquemático ilustra a localização dos
pontos mais importantes do projeto. As Fotografias 4.4-I e II mostram a
plataforma de lançamento do gasoduto e a instalação portuária do projeto.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
101
MAPA 4.4-I
PROJETO WLGP E O GREENSTREAM
Fonte: ENI Worldwide
FOTOGRAFIA 4.4-I
PLATAFORMA DE LANÇAMENTO DO GASODUTO
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
102
.FOTOGRAFIA 4.4-II
TERMINAL PORTUÁRIO DE MELLITAH
O Mapa 4.4-II, esquemático, e o Gráfico 4.4-III seguintes ilustram o perfil
batimétrico do gasoduto submarino
MAPA 4.4-II
PERFIL BATÍMÉTRICO DO GREENSTREAM
GRÁFICO 4.4-III
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
103
O WLGP adicionou 1 BCFPD na produção líbia de gás natural e durante
2006 o WLGP produziu o equivalente a 300.000 BPD de petróleo. Os custos do
desenvolvimento do projeto foram de 5,6 bilhões de dólares. O gás e os
líquidos produzidos dos dois campos são transportados até as instalações de
Mellitah para o processamento. Existem planos de ampliar o sistema do
Greenstream de 445 para 740 MMcf/d a curto prazo.
A companhia italiana Edison Gas se comprometeu num contrato take-orpay a comprar boa parte do gás proveniente da Greenstream para a geração
de energia elétrica na Itália. Antes da Edison, a companhia italiana Energia Gas
e a francesa Gaz de France também se haviam comprometido com a compra
do gás da Líbia. Por causa do projeto WLGP a ENI se envolveu no
desenvolvimento de outras jazidas.
A ENI está promovendo a interligação das reservas do Egito com as da
Líbia para exportar gás de ambas, em conjunto, para a Itália. Um primeiro
acordo entre Egito e a Líbia foi alcançado em 1997, depois da visita à Líbia do
presidente egípcio Mubarak. Em 2001 um acordo de associação foi assinado
entre a NOC e a estatal egípcia EGPC para construção de um gasoduto e
planta de tratamento do gás. A joint venture para essa finalidade assumiu o
nome de Arab Company for Oil and Gas Pipelines (ACOG).
Existe ainda uma outra proposta para construir um novo gasoduto de
900 milhas do Norte da África para o Sul da Europa, que transportaria gás
natural do Egito, da Líbia, da Tunísia e da Argélia, via Marrocos, para a
Espanha (note-se que já existe uma linha entre a Espanha e o Marrocos).
Também a Tunísia e a Líbia acordaram, em 1997, associar-se para construir
um gasoduto da área de Mellitah, na Líbia, para uma zona urbana industrial de
Gabes, no Sul da Tunísia. Em 1998, a Tunísia e a Líbia assinaram um acordo
para fornecimento de gás.
Em 1971, a Líbia tornou-se o segundo país do mundo, depois da Argélia
(1964), a exportar GNL. No entanto, desde então o programa de exportação de
GNL ficou em segundo plano, tendo sua capacidade reduzida em função de
limitações técnicas.
A planta de GNL no local chamado Marsa El Brega foi construída pela
Esso com uma capacidade nominal de 125 Bcf por ano. Entretanto, em função
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
104
das sanções comerciais a Líbia não conseguiu obter equipamento para separar
os líquidos do seu gás natural. Dessa forma a planta de GNL, que exporta para
a Espanha, está hoje com a sua capacidade reduzida a 15% da original.
Depois do fim das sanções muitas companhias estão analisando o
potencial da Líbia com vistas a instalação de plantas de GNL, inclusive a Shell
a partir de maio de 2005. A Shell pretende modernizar as instalações de Marsa
El Brega e/ou possivelmente construir novas instalações com investimentos
que poderão variar entre 105 e 450 milhões de dólares.
4.5 ENERGIA ELÉTRICA NA LÍBIA
De acordo com as informações da EIA a demanda de eletricidade da
Líbia deverá aumentar nos próximos anos o que implicará um investimento de
bilhões de dólares em nova capacidade de geração.
A atual capacidade de produção da Líbia é de aproximadamente 4,7 GW
(gigawatts). Praticamente toda essa geração deriva de plantas termelétricas.
No momento a maioria das velhas estações termelétricas existentes está sendo
convertida de derivados de petróleo, sobretudo diesel para gás natural.
Todas as novas plantas de geração termelétrica estão sendo projetadas
para uso de gás natural. Tudo isso ocorre dentro do plano de aumentar as
exportações de petróleo através do incremento do uso do gás no mercado
interno. Secundariamente, a Líbia está empenhada também num estudo de
fontes alternativas de energia elétrica para utilização em pequena escala em
locais remotos que dificilmente poderiam ser interligados à rede elétrica.
Nesses projetos incluem-se alguns de geração eólica e outros de geração
solar.
Os planos hoje em curso prevêem dobrar a capacidade de geração até
2012. Durante o verão de 2004 a Líbia foi vítima de grandes “apagões” em
função da incapacidade do parque gerador de atender à demanda. Para
prevenir esse tipo de “apagões” e para atender satisfatoriamente ao grande
aumento do consumo a companhia estatal do governo da Líbia GECOL
(General Electricity Company) está construindo várias plantas novas, a saber:
(1) The Western Mountain Gas Turbine Power Plant; (2) The Zawiya Power
Plant Gas Turbine Extension; (3) The North Benghazi Combined Cycle Power
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
105
Plant; (4) The Zawiya Combined Cycle Power Plant; e (5) The West Trípoli
Power Plant Extension.
Uma das principais razões do aumento elevado e constante do consumo
reside na política de preços subsidiados para energia elétrica no país. A
eletricidade na Líbia custa apenas cerca de um terço do preço que
corresponderia aos custos, se a energia primária fosse valorada no nível do
mercado internacional.
A GECOL aceita participação estrangeira nos grandes projetos de
geração. Em 2001 o grupo italiano ENEL foi considerado como vencedor de
uma concorrência para o projeto Western Mountain, mas aparentemente não
chegou a acordo com o governo líbio. Alguns grupos russos também se
prontificaram a participar de algumas plantas térmicas, como a de West Trípoli.
Em 2003 alguns grupos coreanos também iniciaram negociação nesse sentido.
Deve-se esperar para breve, entendimentos com os chineses que estão muito
ativos na África como um todo, buscando acesso ao suprimento de petróleo e
gás através de financiamentos generosos de projetos de infra-estrutura,
inclusive de energia elétrica.
Além do grande incremento previsto para a capacidade de produção da
GECOL — que controla toda a cadeia produtiva do setor de energia elétrica da
Líbia — existe também um programa orçado em mais de um bilhão de dólares
para melhorar e expandir a rede de transmissão em todo o país. Alguns grupos
estrangeiros, principalmente espanhóis, estão sendo contratados para
participar desses trabalhos.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
106
ANEXO 2-I
INFORMAÇÕES SOBRE A GEOLOGIA DA LÍBIA
AS BACIAS SEDIMENTARES E SEU POTENCIAL
A Bacia de Sirte é considerada uma província petrolífera de destacada
importância mundial (world-class petroleum province), junto com a Bacia
Offshore da Tripolitânia (também denominada Plataforma Pelágica), que se
estende próximo à fronteira da Líbia com a Tunísia, formando um importante
componente na prospectividade da região. Esse sistema mesozóico-cenozóico
recebe carga de hidrocarbonetos de folhelhos geradores extremamente ricos
do Cretáceo Superior e, possivelmente, do Oligoceno, alimentando todo tipo de
reservatório,
desde
um
embasamento
fraturado
até
os
reservatórios
siliciclásticos e carbonáticos mesozóicos e cenozóicos, em trapas formadas por
blocos basculados, dobras horst e até recifes.
Além disso, existem também prospectos paleozóicos particularmente
importantes, após as recentes descobertas nas bacias de Ghadamis e Murzuk.
Nessas bacias, os geradores são silurianos preenchendo reservatórios que vão
do Cambriano ao Permo-triássico, em trapas formadas por anticlinais falhados,
blocos falhados e acunhamentos estratigráficos na borda das bacias. A Bacia
de Kufra no sudeste da Líbia é atualmente considerada como de alto risco
assim como a Plataforma de Cirenaica com sedimentos paleozóicos e
cenozóicos.
A Bacia de Sirte é uma bacia extensional, aparentemente controlada por
falhas transcorrentes, que teriam se formado no fim do Jurássico. As principais
descobertas se relacionam a blocos basculados e dobramentos associados
principalmente na borda leste do rifte. Bancos de carbonatos e recifes se
relacionam a dobramentos de pequena amplitude principalmente sobre a parte
central e oeste do rifte.
A bacia sedimentar mais importante da Líbia é sem dúvida a Bacia de
Sirte, ocupando uma grande área na porção central e setentrional do país 12 .
12
Esta bacia é detalhadamente descrita no trabalho The Sirte Basin Province of Libya – SirteZelten Total Petroleum System, de autoria de T. S. Ahlbrandt, publicado no Boletim 2002-F do
Serviço Geológico dos Estados Unidos
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
107
Esta Bacia ocupa o 13º lugar entre as principais províncias petrolíferas do
mundo e nela já foram encontrados mais de 36 bilhões de barris de óleo
recuperável e mais de 37 Tcf de gás. A bacia possui uma área
aproximadamente do mesmo tamanho da Bacia de Williston (com cerca de 490
mil quilômetros quadrados).
De acordo com os dados geoquímicos existentes, esta Bacia contém um
único sistema petrolífero dominante: o Sistema Sirte-Zelten. Os folhelhos
cretáceos da Formação Sirte constituem a principal rocha geradora da bacia.
Os reservatórios constituem-se de diversos tipos de rocha de diferentes idades,
desde rochas pré-cambrianas fraturadas — os reservatórios clásticos cambroordovicianos (Arenito Gargaf) —, arenitos do Cretáceo Inferior (Arenito Sarir),
arenitos paleocênicos da Formação Zelten, até os recifes carbonáticos
eocênicos. Foram encontrados na bacia mais de 23 grandes campos de
petróleo e 16 campos gigantes.
A produção, tanto dos reservatórios clásticos quanto nos carbonáticos, é
geralmente associada à estruturas falhadas (horsts) relacionadas à junção
tríplice dos três braços da bacia: o braço de Sarir, a Leste; o braço de Sirte, ao
Norte e o braço de Tibesti, a Sudoeste. Combinação de trapeamentos
estratigráficos em combinação com esses blocos altos formam campos
gigantes, como, por exemplo, o de Messla e Sarir. O Mapa A2-I seguinte
mostra, esquematicamente, a situação dos principais campos de óleo e de gás
(bolinhas verdes assinalam os centros geográficos dos campos) relacionados
ao sistema petrolífero Sirte Basin 2043.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
108
MAPA A.2-I
CAMPOS DE ÓLEO E GÁS – BACIA SIRTE
Fonte: USGS Assessment Data. Extraído de T. S. Ahlbrandt, op. cit
A Bacia de Sirte reflete as deformações decorrentes de um processo de
refteamento desenvolvido no Cretáceo Inferior e o preenchimento por espessas
camadas sedimentares sin-rifte durante o Cretáceo até o Eoceno. Existem
também depósitos pós-rifte de idade Oligocênica e Miocênica.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
109
Os hidrocarbonetos atingiram toda a gama de reservatórios, geralmente
através de migração vertical ou subvertical ao longo das grandes falhas.
Evaporitos do Eoceno Médio, depositados em condições pós-rifte, forneceram
um excelente selo para o sistema petrolífero Sirte-Zelten.
Na porção offshore da Bacia de Sirte, já no Mediterrâneo, ocorre
subdução no Nordeste do limite da província em águas de 2.000m de
profundidade, conforme ilustram os Mapas A.2-II e III seguintes.
MAPA A.2-II
ARCABOUÇO TECTÔNICO DA PORÇÃO OFFSHORE DA BACIA SIRTE
Fonte: T.S. Ahlbrandt, op. cit.
OBS: o arcabouço tectônico da porção offshore se estende entre a Líbia e o sul da
Europa (Itália e Grécia), debaixo do Mar Mediterrâneo. Em vermelho as ocorrências de
rochas ígneas. O Perfil geológico assinalado AA¹ consta da Figura 4.11 da obra de
Ahlbrandt.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
110
MAPA A.2-III
PERFIL GEOLÓGICO AA¹,
Fonte: T. S. Ahlbrandt , op. cit.
OBS: ver locação do perfil AA´no Mapa anterior. Perfil, construído a partir da
interpretação de uma linha sísmica, mostrando uma colisão de placas, com subdução,
depois da Planície Abissal Iônica, ao sul d Grécia, antes do Arco Helênico.
O sistema de blocos falhados típico da Bacia de Sirte é bem visualizado
na seção geológica, aproximadamente Leste-Oeste indicada no Gráfico A.2-I
seguinte. Esta seção na porção ocidental da Bacia mostra o estilo estrutural
com horsts e grabens limitados por falhas normais, semelhante ao do
Recôncavo Baiano.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
111
GRÁFICO A.2-I
ESTILO ESTRUTURAL DE UMA SEÇÃO GEOLÓGICA
BACIA DE SIRTE
Fonte: T. S. Ahlbrandt, op. cit.
O Diagrama A.2-I seguinte mostra a coluna estratigráfica na parte central
da Bacia de Sirte, correspondente aos braços de Sirte e Tibesti. Observe-se a
posição dos geradores da Formação Sirte no Cretáceo Superior, próximos ao
topo do Senoniano (Sirte Shales).
Os complexos trapeamentos estruturais e estratigráficos típicos da Bacia
de Sirte são assinalados na seção geológica esquemática do Diagrama A.2-II
seguinte. Nela estão indicadas acumulações de petróleo múltiplas, ás vezes
complexas, na Bacia de Sirte.
A distribuição e a qualidade dos reservatórios na Bacia de Sirte estão
diretamente relacionadas aos eventos tectônicos que se estabeleceram na
região e se associam a três seqüências respectivamente pré-rifte, sin-rifte e
pós-rifte. Na atual configuração de Bacia de Sirte, que se aprofunda do Oeste
para Leste e também na direção offshore, as características dos reservatórios
podem variar significativamente de acordo com a profundidade.
A distribuição e a qualidade dos reservatórios na Bacia de Sirte estão
diretamente relacionadas aos eventos tectônicos que se estabeleceram na
região e se associam a três seqüências respectivamente pré-rifte, sin-rifte e
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
112
pós-rifte. Na atual configuração de Bacia de Sirte, que se aprofunda do Oeste
para Leste e também na direção offshore, as características dos reservatórios
podem variar significativamente de acordo com a profundidade.
DIAGRAMA A.2-I
Fonte: T. S. Ahlbrandt, op. cit.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
113
DIAGRAMA A.2-II
Fonte: T. S. Ahlbrandt, op. cit.
O único gerador da Formação Sirte fornece óleo para uma série de
reservatórios que vão desde o embasamento fraturado até o CambrianoOrdoviciano, o Triássico, o Cretáceo Inferior, o Paleoceno e o Eoceno. O
petróleo atinge todos estes reservatórios migrando através das falhas que
limitam os horsts. Os reservatórios carbonáticos, principalmente de idade
Terciária, contêm 42% do petróleo da bacia e os reservatórios clásticos, de
idade principalmente pré-Terciária contêm 58% do petróleo. Os carbonatos do
Grupo Zelten contêm 33% do petróleo até hoje descoberto. Os clásticos do
Cretáceo Inferior (arenitos Nubian ou Sarir) contêm 28% e os clásticos
Cambro-Ordovicianos dos Grupos Gargaf, Hofra ou Amal contêm 29% do
petróleo até hoje descoberto.
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
114
5 – PANORAMA MILITAR-ESTRATÉGICO
A Líbia enfrenta relativamente poucas ameaças dos vizinhos com que
tem fronteiras. Embora tenha experimentado situações de conflito armado com
o Chade, o Egito e — em condições ainda menos claras — com a Tunísia, os
dois ataques mais sérios contra o país no século XX vieram de potências
ocidentais. O primeiro foi em 1911, quando a Itália afirmou-se como potência
colonial, o segundo em abril de 1986, quando os EUA bombardearam, sem
declaração de guerra e em clara violação ao direito internacional, as cidades de
Trípoli e Benghazi. Com Israel, inimigo por eleição de seu governo, a Líbia
nunca teve embate direto. Não há, no momento, qualquer ameaça externa
latente contra a Líbia.
No entanto, desde a chegada de Gadhafi ao poder, o país tem feito
grande esforço de armamento e equipamento das suas Forças Armadas.
Neste capítulo, discute-se o esforço armamentista líbio, suas diferentes
vertentes e limitações, para em seguida avaliar a evolução recente das
eventuais ameaças externas e vulnerabilidades líbias no cenário estratégico
regional e global.
5.1-QUESTÕES GERAIS DE DEFESA NACIONAL
Antes do golpe de Estado que levou Gadhafi ao poder em 1969, falar de
segurança nacional na Líbia referia-se essencialmente à proteção do Rei Idriss,
seu regime e suas prioridades. A proteção contra as ameaças externas não era
de forças armadas próprias, preparadas e dotadas de recursos bélicos
adequados, mas sim através de alianças e pactos firmados com as potências
ocidentais. Vale a pena mencionar o Tratado de Amizade Líbio-Britânico de
1953, que garantiu aos britânicos o uso da base aérea de Al Adem, perto de
Tobruq, que havia sido por eles utilizada durante a Segunda Guerra Mundial.
Tratado similar, assinado em 1954, deu o mesmo direito aos EUA na base
aérea de Wheelus, agora chamada de Uqba Ibn Nafi, perto de Tripoli. Ambos
tratados permitiam às duas potências ocidentais manter contingentes armados
e operacionais na Líbia. Com isso, o monarca podia se dar ao luxo de reservar
seus recursos e suas energias para lidar com as ameaças internas à
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
115
estabilidade, principalmente aquelas oriundas das profundamente divididas
forças armadas nacionais.
Por isso, uma das primeiras iniciativas de Gadhafi quando chegou ao
poder foi a ab-rogação dos tratados do antigo regime com britânicos e norteamericanos. Mais do que isso, houve uma mudança de prioridades e a Líbia
passou a mobilizar forças e capacidades não só para sua própria defesa como
também para apoiar os demais países árabes na luta contra Israel. O tamanho
das forças armadas foi duplicado, mas de maneira razoável e levando em
consideração que os vizinhos da Líbia não eram hostis. A partir de 1973, isto
mudou, primeiro devido à frustração de Gadhafi por não ter sido consultado
pelo Egito e pela Síria sobre a Guerra do Yom Kippur, e aos sucessivos
fracassos das suas tentativas de união com vários países árabes, conforme
detalhado no Capítulo 2- Panorama Político. Além disso, duas mudanças
ocorreram em 1973: por um lado, o aumento do preço do petróleo colocou
novos e substanciais recursos nas mãos de Gadhafi; por outro lado, a União
Soviética estava preparada a vender as armas que o Ocidente se recusava a
entregar.
Com o objetivo de contribuir para a luta dos países árabes contra Israel,
participando de maneira direta e concreta — situação que nunca ocorreu até
hoje —, a Líbia começou a acrescentar aviões-caça MIG-25, de fabricação
soviética, à sua força aérea até então constituída de aviões Mirage, de
fabricação francesa. Também passou a comprar muito mais tanques do que
seu Exército poderia operar e a equipar sua Marinha não apenas com
embarcações eficientes de patrulhamento, mas também com submarinos.
Assim, entre 1973 e 1983, a Líbia gastou o equivalente a US$ 28 bilhões em
compras de material bélico, dos quais nada menos do que US$ 20 bilhões junto
à extinta União Soviética e seus aliados do Leste Europeu. Mas, apesar da
retórica oficial, o máximo que a Líbia fez em termos concretos de luta contra
Israel foi entregar partes de seu considerável arsenal bélico a movimentos e
forças não regulares de sua escolha, que lutam diretamente contra Israel. No
entanto, estas novas relações comerciais com Moscou, em torno de material
bélico, nunca se traduziram em uma aliança militar entre os dois países e
menos ainda na existência de bases militares soviéticas no país. Cabe
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
116
registrar, quanto a este ponto, que o Livro Verde refuga tanto os regimes
capitalistas, quanto os comunistas e socialistas.
As suspeitas de vários serviços secretos ocidentais de que a Líbia
serviria para armazenar armas que seriam eventualmente usadas pela União
Soviética em operações na África, também revelaram-se totalmente infundada.
O serviço militar obrigatório, necessário para expandir os contingentes
necessários para manipular tantas armas, só foi imposto na Líbia em 1978.
Apesar da existência de inúmeros técnicos e instrutores soviéticos para ensinar
o uso destas armas, a Líbia continuou tendo problemas para utilizar todo seu
arsenal de maneira adequada. Além disso, devido às múltiplas fontes de
importação de armas e de problemas de manutenção e de munições, havia
severas limitações para tornar operacional o enorme potencial das armas
adquiridas.
De maneira geral, os 20 primeiros anos de Gadhafi no poder foram
marcados por um aumento das tensões com seus principais vizinhos. Houve o
que os militares chamam de guerras de baixa intensidade com a Tunísia e o
Chade — com este em vários períodos —, e no final da década de 1970, as
forças armadas líbias permaneceram por muito tempo em estado de alerta
devido a uma iminente guerra contra o Egito, apenas uma vez concretizada,
em 1977. Outro foco de atenção eram os Estados do Sahel que, devido as
suas pobreza e fraqueza, representaram por muito tempo um alvo fácil da
cobiça por parte dos líbios. No entanto, os interesses de ex-potências coloniais
ocidentais impediram consistentemente que tais projetos de expansão
prosperassem.
O Ministério de Defesa deixou de existir na Líbia em 1991.
Posteriormente, outros 12 ministérios também foram extintos na reforma de
2000.
5.2- O EXÉRCITO
Em 2002, o exército líbio tinha 45.000 soldados, dos quais 25.000 eram
temporários por serem conscritos. Os reservistas chegam a 40.000 e são
organizados no seio de uma milícia popular. Sua missão essencial é a defesa
das fronteiras nacionais, mas serve também de força de desdobramento
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
117
rápido. Sua doutrina é uma mistura de influência egípcia, adotada após o golpe
de 1969, quando o Egito de Nasser representava um modelo para o
nacionalismo árabe, e de conceitos de exército popular, do tipo o chinês. Tanto
o embargo de armas imposto pela ONU, devido à crise de Lockerbie, quanto o
crescimento da Guarda Revolucionária têm prejudicado o crescimento e o
fortalecimento do Exército.
A força terrestre líbia é composta de 7 distritos militares e 5 guardas
presidenciais, sendo que estas foram criadas em uma importante
reestruturação das Forças Armadas ocorrida entre 1994 e 1995. A estrutura do
Exército é a seguinte: 21 batalhões de infantaria, 10 batalhões blindados, 22
batalhões de artilharia, 15 batalhões de forças especiais e 8 batalhões de
defesa aérea. Mas até então, o Exército líbio tinha uma estrutura tradicional
que separava os batalhões de tanques dos batalhões mecanizados, e os
batalhões da artilharia, da infantaria e da defesa aérea. Isto fazia com que as
unidades fossem juntadas de maneira ad hoc, e dificultava a operacionalização
do Exército quando isto era necessário. No entanto, a antiga estrutura era mais
adequada para as operações no deserto.
Até o golpe de 1969, a maior parte dos oficiais líbios — inclusive o
próprio Gadhafi — era formada na academia militar de Benghazi, que havia
sido criada com a colaboração e assistência dos britânicos. Após o golpe, a
academia de Benghazi foi desmantelada e uma nova academia foi criada em
Tripoli, nos mesmos moldes, mas refletindo as novas prioridades,
Os batalhões do Exército líbio são presentes principalmente na Costa do
Mediterrâneo, em locais ativos desde a Segunda Guerra Mundial, assim como
nas fronteiras com a Tunísia e mais concentradas nos limites com o Egito.
Outras presenças notáveis são em pontos rumo ao sul, em particular em Sabha
e no extremo sul, em Al Kufra.
Até 1987, a Líbia possuía em termos estatísticos, um dos exércitos mais
modernos do mundo. Sua mobilidade era considerável em função da alta
capacidade de transporte. Com 3.000 tanques, a Líbia tinha a décima força de
blindados do mundo. No entanto, e apesar dessas importantes vantagens, o
Exército apresentava graves deficiências. Uma das principais era a
incapacidade dos soldados líbios de fazer uso adequado das armas modernas,
R.E.I.S.E – Rede Externa de Inteligência Sobre Energia
118
apesar dos inúmeros técnicos e assistentes estrangeiros. Outra, em função do
grande número de fornecedores de armas, inclusive o próprio Brasil, de manter
estoques adequados de peças, do que resultaram sérios problemas de
manutenção e eventualmente até de incompatibilidades entre as diferentes
armas.
5.3- A FORÇA AÉREA
A Força Aérea (FAL) foi a última força a ser implantada. A Líbia possui
uma Força Aérea, em termos de equipamentos e sistemas, extremamente
moderna e sofisticada. No entanto, sua capacidade de usá-la é muito variável.
Enquanto em termos de combate aéreo, a FAL não tem demonstrado grande
eficiência e efetividade nas poucas oportunidades que teve de atuar — tendo
inclusive dificuldades para interceptar aviões, voar de noite e enfrentar o
inimigo —, em termos de capacidade de transporte, a Força Aérea demonstrou
altos padrões de desempenho nas oportunidades em que foi necessária,
notadamente na campanha contra o Chade.
A FAL é composta de 22.000 soldados, incluindo 15.000 conscritos, o
que representa um enorme contraste com o período anterior ao golpe de 1969,
quando tinha apenas 400 oficiais e soldados. Possui 426 aviões de combate e
52 helicópteros armados efetivos, assim como uma grande capacidade ociosa
em termos de infra-estrutura militar aérea. É dividida em: um Comando de
Defesa Aérea e um batalhão de Apoio em Batalha. Um esquadrão de
bombardeio médio, três esquadrões de interceptação e combate, 5 esquadrões
de apoio terrestre, um esquadrão de contra-insurgência, nove esquadrões de
helicópteros e três brigadas de defesa aérea. Sua principal base é a de Uqba
Ibn Nafi (antiga base americana de Wheelus) perto de Tripoli, nas quais estão
localizados a maioria dos caças MIG e os bombardeiros TU-22. Outras bases
aéreas, com alguns aviões MIG e outros Mirage, estão em Benghazi, na
fronteira com o Egito.
Existem dois níveis de academias militares da FAL. Por um lado, a
academia de Zauia, criada em 1975, providenciava uma formação completa.
Por outro, existem os chamados colégios militares, que dão uma formação
básica de piloto e a qual precisa ser complementada em Zauia, ou na base
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aérea Uqba Ibn Nafi, ou ainda no exterior. Durante a Guerra Fria, a maioria dos
instrutores nestas academias era do Leste Europeu, principalmente da
Iugoslávia. Os contratos de compra de aviões incluíam cláusulas de
treinamento de pessoal para o uso adequado do material bélico adquirido. Por
fim, alguns aviões militares líbios são pilotados por pilotos profissionais
(mercenários) de outras nacionalidades, particularmente da África do Sul, da
Rússia, da Coréia do Norte e do Paquistão.
5.4- MARINHA
Observadores de assuntos militares afirmam que a Marinha líbia é vista
como o “patinho feio” das Forças Armadas do país, apesar de seu material
moderno, principalmente seus submarinos e navios de combate sofisticados,
que lhe permitiriam, na teoria, uma atuação mais do que honrosa em situações
de combate marítimo.
Quando Gadhafi chegou ao poder, em 1969, a Marinha consistia de um
corpo de 200 oficiais e soldados, enquanto as estimativas para o início da
década de 2000 eram de mais de 9.000 soldados e oficiais. Além da sua
missão tradicional de defender e patrulhar as costas do país, a partir de 1970, a
Marinha passou também a combater o contrabando e aplicar as leis
alfandegárias.
Para Gadhafi, a Líbia precisava de uma Marinha forte para defender sua
soberania no Golfo de Sirte, considerado um ecossistema excepcionalmente
rico tanto em termos de fauna e flora, quanto em termos de recursos minerais e
energéticos. Além disso, o Líder considerava importante seu país ter
capacidade de desembarque anfíbio, tanto em termos defensivos (para
defender suas instalações em alto mar), quanto ofensivos (perante a Tunísia e
principalmente o Egito).
Como em relação às duas outras Armas, após o golpe de 1969, a Líbia
foi substituindo a Grã Bretanha como principal fornecedor de seu material naval
bélico por outros parceiros. Imediatamente após a chegada de Gadhafi ao
poder, os primeiros fornecedores de material naval da Líbia foram a Grécia e o
Egito, que foram logo substituídos pela União Soviética. No entanto, outros
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países — como o próprio Reino Unido, a França e a Itália —, continuaram a
fornecer armas para a Marinha líbia.
As poucas informações disponíveis sobre a Marinha líbia atestam que
Tripoli é sua principal base, ao lado de Benghazi. Uma base de reparos de
navios foi estabelecida em Al Khums, enquanto em Ras Al Hilal, estabeleceuse uma base para submarinos. Mas todos estes esforços não conseguem
superar a falta de pessoal qualificado para lidar com as características
sofisticadas das embarcações, nalguns casos consideradas desnecessárias.
Da mesma forma, os problemas enfrentados pelas outras Armas, no que se
refere à manutenção e compatibilidade de materiais de diferentes origens, se
colocam também para a Marinha.
5.5- A MILÍCIA POPULAR
Na reunião do Congresso Geral do Povo de março de 1984,
estabeleceu-se o serviço militar obrigatório para todos os líbios de uma certa
idade, homens e mulheres, condicionado apenas a que sejam fisicamente
capacitados. Este novo estatuto não cancelou o estatuto de 1978, que
estabeleceu o serviço militar obrigatório para os homens entre 17 e 35 anos,
com duração de três anos no Exército e 4 anos na Marinha e na Força Aérea.
Assuntos militares passaram a fazer parte dos programas educacionais nas
instituições de ensino de todos os níveis, embora o treinamento especializado
em estratégias de guerra deveria ser restrito às elites das Forças Armadas.
Os estatutos aprovados em 1984 dividiram o país em regiões de defesa
e estipularam que os habitantes de cada região seriam responsáveis por
defendê-la. Cada escola pública passou a depender de uma unidade militar
específica e cada aluno era suposto passar dois dias por mês treinando e
especializando-se em questões de defesa, desde a manipulação de armas até
o uso de granadas e do material de comunicação das Forças Armadas. Além
disso, cada aluno é suposto passar um mês por ano na unidade militar
correspondente à sua escola. Estas mesmas regras se aplicam a todos os
funcionários públicos e das empresas estatais, assim como aos trabalhadores
das fábricas. O objetivo dessas regras era garantir a mobilização contínua da
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população além de mantê-la em estado de alerta permanentemente, ciente da
vulnerabilidade do país e das ameaças que o cercam.
Não há estimativa do contingente das milícias populares, mas em tese
toda a população adulta, em condições físicas adequadas, deveria estar apta a
entrar em operação em caso de necessidade.
5.6 – MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS
Desde seus primeiros dias no poder, Gadhafi tem insistido na
necessidade da participação das mulheres na defesa nacional, também como
uma operação simbólica de afirmação de sua importância na sociedade líbia.
Gadhafi acreditava que as mulheres líbias eram injustiçadas e subjugadas na
sociedade, numa atitude conservadora, reacionária e em oposição aos
preceitos do Corão.
Tal posição tem sido combatida tanto pelos setores mais tradicionalistas
e conservadores da sociedade líbia quanto por muitas das próprias mulheres.
De fato, uma instituição militar que tinha sido aberta em 1979 em Tripoli
destinada exclusivamente para a formação de mulheres teve que ser fechada
em 1983, após a fuga de várias alunas e sua revolta por estarem naquela
instituição. Neste sentido, o estatuto aprovado pelo CGP em março de 1984,
que estabeleceu explicitamente o serviço militar também para mulheres,
representa um caso interessante: foi o próprio Gadhafi que apresentou o
projeto de resolução à reunião do CGP, mas seu projeto acabou sendo
rejeitado. Gadhafi, inconformado com a posição conservadora do CGP,
incentivou “manifestações espontâneas” de mulheres contra aquela decisão, e
acabou revertendo a posição do CGP, que finalmente deliberou instituir o
serviço militar obrigatório para mulheres. No entanto, tal serviço obrigatório
para mulheres não é rigorosamente aplicado e representa mais uma norma de
princípio da qual as mulheres podem se beneficiar. O fato é que o próprio
Gadhafi tem usado, há muito tempo, mulheres especialmente treinadas na sua
guarda pessoal, sendo que num certo período a mesma foi composta quase
que exclusivamente por mulheres, durante alguns anos.
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Aliás, está é uma tradição encontrada em muitos países africanos,
sobretudo até o século XIX, onde os obás e reis preferiam confiar em soldados.
Mulheres.
5.7- CONCLUSÕES
Nos últimos anos, a Líbia tem tentado modificar sua inserção no cenário
político internacional. O ponto de inflexão pode ser a crise que decorreu do
atentado de Lockerbie e que levou o país a um grande isolamento no cenário
internacional, em função das resoluções da ONU, que foram zelosamente
observadas por seus vizinhos mais próximos, isto é, pelos países da Magreb.
Isto significa, sobretudo, maior conformismo aos acontecimentos no
plano internacional, que antes eram enfrentados segundo uma lógica prédefinida autônomamente e pouco pragmática. Assim, como foi assinalado em
detalhes no Capítulo 2, do Panorama Político, além de ter feito concessões
importantes na questão de Lockerbie, a Líbia condenou todas as formas de
terrorismo, aderiu à Convenção Internacional de Armas Químicas, aderiu ao
Segundo Protocolo do TNP, entregou todos os materiais relativos a seu
programa nuclear aos EUA e tem adotado uma política de low profile nas
grandes crises que se referem ao mundo árabe e muçulmano, quando não
desempenha um papel mediador entre as partes. Foi assim na crise dos reféns
ocidentais nas Filipinas e na tentativa de aproximar as posições dos governos
do Chade e do Sudão, no que se refere à crise do Darfur, no Leste do Sudão.
Em termos estratégicos militares, isto se traduz em menos áreas de
atrito com os parceiros internacionais e, portanto, em menores ameaças para a
estabilidade do próprio país. Com isso, a Líbia hoje tem menos protagonismo
na cena internacional do que no passado, mas menos tensões e riscos
internos.
Em suma, pode-se afirmar que a Líbia hoje conseguiu reduzir sua
vulnerabilidade militar internacional, graças à moderação da sua política
externa e não em função do poder de aparelho militar e de defesa.
No entanto, alguns observadores líbios e estrangeiros se preocupam
com a vulnerabilidade da Líbia perante o terrorismo internacional, e em
particular perante a Al Qaeda e seus associados. Para eles, o fato de todos os
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vizinhos da Líbia terem sido vítimas de atentados da Al Qaeda e seus
associados nos últimos anos, põe a Líbia em foco como uma eventual próxima
vítima, o que representa situação de grande vulnerabilidade a esta ameaça.
Tal preocupação líbia é ratificada pelas políticas norte-americanas para
a região, no que se refere ao combate ao terrorismo. De fato, as sucessivas
manobras militares conjuntas das forças armadas norte-americanas com as
dos Estados da África, tanto árabes quanto africanos, visam dar poder às
forças armadas da região para lidar com o que é considerado uma grande
ameaça por parte dos EUA: a existência de uma grande região desértica, de
extensa área e sem controle dos Estados nacionais, e que representam para
os grupos terroristas uma grande possibilidade para treinar militantes, refugiarse e reagrupar-se eventualmente. Esta ameaça tem sido enfatizada pelas
autoridades norte-americanas, assim como pelas autoridades nacionais da
região, como sendo a principal fonte de ameaça para a estabilidade coletiva e
tem ensejado um crescente nível de cooperação entre os EUA e os países da
região.
O conseqüente projeto de estabelecimento de um comando norteamericano para a África subsaariana — rumores crescentes indicam a
Mauritânia como o local escolhido para a base deste novo comando —
demonstram claramente o grau de relevância que tal ameaça representa na
perspectiva do governo Bush.
Tal posição norte-americana reforça a percepção líbia da eventual
existência de uma ameaça terrorista contra ela, embora uma presença
reforçada e institucionalizada dos EUA na região do novo foco de predileção da
política externa da Líbia, a África, não deixa também de constituir um novo fator
de perturbação.
A Líbia possui, de fato, alguns fatores de vulnerabilidade quanto às
ameaças terroristas: trata-se de um país com grande superfície, esparsamente
povoado, com importantes instalações de produção petrolífera, longas
extensões de dutos desde as regiões produtoras até os portos de exportação,
alvos ideais para operações de impacto.
Tal avaliação sobre a vulnerabilidade líbia ao terrorismo internacional
não leva em consideração o fato de o país ter claras posições antiimperialistas
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e de certa forma antinorte-americanas, que até hoje ainda não ativou sua
representação diplomática em Washington, nem aceitou os acordos de paz de
Oslo entre palestinos e israelenses, o que é bastante distintivo em relação a
seus vizinhos norte-africanos. Além disso, a Líbia é muito mais ortodoxa com
respeito à prática da religião muçulmana. Por mais aleatórios que sejam os
movimentos terroristas, eles não atacam todo e qualquer alvo, tendo
preferências por países com costumes ocidentalizados e que são vistos como
aliados dos EUA, ainda quando estes países são muçulmanos (Marrocos,
Argélia, Tunisia e Egito). A Líbia não se encaixa absolutamente dentro desta
definição.
É verdade que o regime de Gadhafi tem tido, desde a segunda metade
da década de 1990, vários confrontos com grupos islâmicos radicais,
principalmente na região de Benghazi, o que indica que aos olhos dos mais
radicais, todas as políticas e atos do governo líbio não são suficientes para
torná-lo totalmente aceitável.
Apesar de tudo, pode-se afirmar que a Líbia tem vulnerabilidade
bastante baixa perante o terrorismo do tipo Al Qaeda, sobretudo quando
comparada aos demais países da região, por conta de suas políticas e atitudes,
que a colocam em uma categoria diferente. Porém, como qualquer país com
instalações petrolíferas, apresenta alvos evidentes e vulneráveis, como a
Nigéria, propícias para a prática da chantagem.
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