REFORMATAÇÕES FRONTEIRIÇAS NO PLATÔ DAS GUIANAS: (re
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REFORMATAÇÕES FRONTEIRIÇAS NO PLATÔ DAS GUIANAS: (re
Jadson Luís Rebelo Porto Eleneide Doff Sotta (Orgs.) REFORMATAÇÕES FRONTEIRIÇAS NO PLATÔ DAS GUIANAS: (re)territorialidades de cooperações em construção Copyright © Jadson Luís Rebelo Porto. Título Original: Reformatações Fronteríças no Platô das Guianas: (re)territorialidades de cooperações em construção. Direitos desta edição reservados aos autores. A reprodução total ou parcial desta obra está autorizada somente com a sua citação e créditos aos autores. Editor André Lima Figueiredo Projeto gráfico, editoração eletrônica Ana Paula Cunha capa Bibliotecária Naucirene Correa Coutinho Figueredo, Mara Patricia Correa Garcia P853 Porto, Jadson Luís Rebelo. Reformatações fronteiriças no Platô das Guianas: (re)territorialidades de cooperações em construção / Jadson Luís Rebelo Porto, Eleneide Doff Sotta. — Rio de Janeiro : Publit, 2011. 224 p. : il. mapas ; 21 cm. ISBN : 978-85-7773-503-7 Inclui Bibliografia 1. Brasil - Fronteiras - Guianas. 2. Geopolitica - Amazônia - Discursos, ensaios, conferências. 3. Amapá - Fronteira. I. Sotta, Eleneide Doff. II. Título. CDU 338.1(81-0AMA) CDD 918.11 Jadson Luís Rebelo Porto Universidade Federal do Amapá Campus Universitário de Santana - Curso de Arquitetura e Urbanismo Rod. Duque de Caxias, 1233 - Fonte Nova - Santana - AP CEP. 68.950 – 000 Fone: 096- 32821154 Home Page: http://jadsonporto.blogspot.com Publit Soluções Editoriais Rua Miguel Lemos, 41 sala 605 Copacabana - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 22.071-000 Telefone: (21) 2525-3936 E-mail: [email protected] Endereço Eletrônico: www.publit.com.br PREFÁCIO 1. Globlização e cooperação transfronteiriça Mais do que nunca as economias do mundo inteiro vivem um processo acelerado de globalização, num quadro de concorrência sem tréguas entre empresas, entre regiões e entre países. É neste contexto exigente e implacável que tem origem também uma enorme interdependência entre os países o que os torna, para o bem e par o mal, solidariamente dependentes uns dos outros como se tem verificado, por exemplo, na crise que tem vindo a afectar os países europeus e os USA. Por isso, pode parecer paradoxal falar de cooperação transfronteiriça neste contexto e sobretudo verificar que a vontade de cooperar territorialmente concita em seu favor, um pouco por todo o lado, os esforços de muitos actores políticos económicos e sociais o que consitui, por si só, a melhor prova dos efeitos benéficos que a cooperação territorial induz nos territórios que a promovem. Na realidade, globalização e cooperação transfronteiriça são fenómenos que acabam por estar indissociavelmente ligados pois, entre outros aspectos, a cooperação territorial é um instrumento poderoso para criar condições para uma melhor utilização e gestão racional dos recursos dos territórios envolvidos, para melhorar o seu acesso ao mercado global, para robustecer o seu tecido produtivo e retirar vantagens de complementaridades existentes. A força com que emergem e proliferam as iniciativas de cooperação territorial nasce, como é sabio, de as fronteiras serem obstáculos artificiais que condicionam o desenvolvimento dos territórios. Não sendo possível eliminar as fronteiras, cabe à cooperação minimizar os efeitos dessas barreiras, de acordo com os modelos e as circunstâncias específicas que cada território exigir, sem que isso dispense os seus promotores do dever de estar atentos aos ensinamentos que as experiências seguidas em outros lugares e porventura em outros continentes lhes podem trazer. 2. Cooperação territorial e desenvolvimento: o exemplo da UE Nessa perspectiva, não pode deixar de nos vir ao espírito o caso da União Europeia, zona onde a cooperação territorial atingiu uma expressão ímpar à escala do planeta, pelos meios que tem mobilizado, pelos resultados alcançados e pelo numero de pessoas, regiões e países envolvidos. Isso bastaria para que valesse a pena referir as grandes linhas que caracterizam as políticas de cooperação territorial em curso na Europa, mas duas razões adicionais reforçam o interesse de invocar aqui a experiência da União Europeia: Em primerio lugar, porque em alguns espaços transfronteiriços de países da União Europeia, sobretudo para aqueles que apresentam baixos índices de desenvolvimento e são territórios de baixa densidade, é possível detectar um conjunto de questões e problemas que na sua essência são semelhantes aos que se deparam na Fronteira da Amazônia Setentrional. Também aqui, questões como a valorização conjunta dos recursos naturais e o funcionamento da rede urbana na zona de fronteira estão na primeira linha dos trabalhos a desenvolver. Em segundo lugar, porque uma boa parte das questões presentes nos artigos reunidos neste livro implicam directamente a Guiana francesa, região europeia na América do Sul e portanto sob a administração e as regras que regem generericamente a UE. Esta circunstância não pode nem é ignorada nesta obra. Invocando, pois, alguns aspectos da experiência da UE, importa começar por salientar que a cooperação territorial está presente na política de coesão europeia há mais de duas décadas, mas só a partir do actual período de programação (2006-2013), é que Objectivo da Cooperação Territorial Europeia passou a constituir um dos três objectivos da política de coesão a par do Objectivo da Convergência (das regiões e dos Estados-membros menos desenvolvidos) e do Objectivo da Competitividade Regional e do Emprego (visa reforçar a competitividade das regiões, a sua capacidade de atracção e o emprego). É claro que na origem de tudo está a diversidade territorial da União Europeia e o desafio que esta situação coloca em termos de coesão e de desenvolvimento equilibrado das regiões e países que a compõem. É preciso não esquecer também que a população das zonas transfronteiriças ascende a 181,7 milhões de habitantes (37,5% da população total da UE). Daí que a cooperação territorial surja como um instrumento difusor da inovação e um factor de redução das disparidades de desenvolvimento entre regiões. Poder-se-ia pensar que a cooperação territorial se tem concentrado mais em iniciativas de promoção do conhecimento mútuo dos actores das regiões envolvidas e menos em projectos com efeitos directos no tecido económico ou na construção de infraestruturas servindo as zonas de fronteira. Esta ideia não é confirmada por uma avaliação ex-post às realizações do INTERREG III. Assim, durante o período 20002006, os dados disponíveis mostram que a iniciativa INTERREG contribuiu, nomeadamente, para a criação ou manutenção de cerca de 115.000 empregos, para a criação de 5.800 novas empresas e promoveu a cooperação territorial através, nomeadamente, do apoio a mais de 25.000 iniciativas locais. No mesmo período foram construídas ou melhoradas 18.000 km de estradas e outras vias de comunicação em zonas de fronteira. Em termos financeiros, os montantes afectos à cooperação territorial no actual período de programação (2006-2013), são muito modestos quando comparados aos recursos mobilizados para os outros dois objectivos da política de coesão. No entanto, os 8,7 mil milhões de euros (2,5% do orçamento total) orçamentados pela UE para este objectivo, são, em termos absolutos, um montante muito significativo que tem vindo a ser aplicado num alargado número de programas de cooperação (66 no total). À semelhança do último período de programação (20002006), o actual período de programação contempla três vertentes de cooperação: Cooperação transfronteiriça entre autoridades vizinhas, ao longo das fronteiras terrestres internas e externas da União Europeia. No essencial, o objectivo neste tipo de cooperação é preencher os vazios que as fronteiras criam ao romper as relações económicas, sociais e culturais entre territórios vizinhos. A cooperação transfronteiriça compreende 52 programas com um financiamento total de 5,6 mil milhões de euros. Os programas cobrem uma variado leque de temas e iniciativas, por exemplo, o incentivo ao empreendorismo e apoio ao desenvolvimento de pequenas e médas empresas, apoio à gestão de recursos naturais, desenvolvimento de infra-estruturas comuns, rede de transportes e comunicações. Também são contempladas questões como as relações das áreas urbanas com as áreas rurais, o emprego e igualdade de oportunidades. Cooperação transnacional, entre grandes grupos de regiões europeias, com o objectivo de alcançar um desenvolvimento sustentável e equilibrado da União Europeia. Os 13 programas que compõem esta vertente têm uma dotação global de 1,83 mil milhões de euros, cobrindo cada um deles uma área determinada da UE, por exemplo, o mar Báltico. Os temas financiados no quadro desta vertenta da cooperação são, nomeadamente, a inovação (em particular redes de universidades e de organismos de investigação), ambiente (especialmente os recursos de água, rios, lagos, mar) e o desenvolvimento urbano sustentável, especialmente o desenvolvimento policêntrico. Cooperação interregional, tem uma dotação de 445 milhões de euros e inclui um programa global (INTERREG IV C) e 3 programas de redes (Urbact II, Interact II e ESPON). O principal objectivo é a constituição de redes em todo a União Europeia, para melhorar a eficácia das políticas e dos instrumentos de desenvolvimento regional e coesão. 3. Cooperações territoriais no Platô das Guianas O sucesso que os processos de cooperação territorial têm assumido na UE, da qual, lembremos, a Guiana francesa faz parte integrante, é um motivo adicional para nos regozijarmos e saudarmos a publicação da obra “Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas: (re)territorialidades de cooperações em construção”, pelo aprofundamento e discussão de questões que interessam aos terrritórios do Platô e à causa da cooperação transfronteiriça. Na sua diversidade e complementaridade, o mosaico de artigos reunidos nesta obra proporciona uma análise informada, por vezes polémica, mas sempre estimulante que permite ao leitor formar uma ideia clara sobre os vazios, condicionantes e distorções económicas, culturais e outras que estão associadas à existência de fronteira no Platô das Guianas. Permite também compreender de que modo a cooperação transfronteiriça permitiria, em grande parte, pôr fim a esses problemas. Na diversidade de artigos presentes nesta obra, as questões fronteiriças são abordadas de acordo com perspectivas diferentes. Por exemplo, vários artigos têm em comum olhar para a fronteira enquanto território de importância estratégica geo-política, quer em termos de defesa quer em termos de processos de integração económica. Mas, sem surpresas, é a floresta que surje como pano de fundo da maior parte dos artigos, não apenas pelas pressões a que está sujeita ao nível de grupos de expansão económica (madeireiros, exploração mineira, agricultura), mas também pelo facto de representar, nomeadamente na fronteira setentrional brasileira, uma elevada proporção das áreas protegidas nacionais. Um alerta é dado: a protecção da floresta prende-se essencialmente com questões ambientais em que as pressões internacionais são relevantes, mas tem a ver também com questões ligadas à preservação de territórios indígenas. Para além de eventuais perspectivas comuns a dois ou mais artigos, é claro que cada artigo se diferencia dos restantes nomeadamente pelo tema escolhido por cada um: Assim, no artigo “A reformatação da fronteira amapaense : das políticas públicas aos planos diretores e ambientais”, os autores abordam o tema das regiões de fronteira do estado de Amapá, descrevendo-as enquanto territórios periféricos mas sublinhando sobretudo a posição estratégica que podem assumir nos processos de integração das economias sul-americanas e nas relações internacionais. Nessa perspectiva a fronteira com a Guiana Francesa representa uma “interação com a zona do Euro, conexão imediata com o espaço da OTAN, proximidade com a área científica de ponta, pela estação espacial de Kouru…”. Acresce que as dinâmicas económicas que se estabelecem em torno da exploração de recursos e da revitalização da indústria mineira no estado do Amapá, conferem-lhe ainda mais essa posição estratégica. Por seu lado, o artigo “Guiana francesa, da colonização à continentalização” apresenta a questão da fronteira do ponto de vista da Guiana francesa. Os autores chamam a atenção para o isolamento desta região europeia na América do Sul em relação aos restantes estados sul-americanos, situação que se reflecte na estrutura das suas trocas comerciais: 51,2% com França, 21% com a Suíça e 16,4% com outros países europeus. As trocas com o Brasil representam apenas 0,8% do total do comércio da Guiana e este resultado deve-se não só aos conhecidos problemas de acessibilidade por via terrestre ou aérea mas também às condicionantes administrativas inerentes às trocas com países da União Europeia . Para além das questões económicas, os autores consideram que a cooperação da Guiana com o Brasil é relevante no controlo de doenças e parasitas como o dengue e a malária, e, é claro, na protecção da floresta amazónia. O artigo “Venezuela y guyana: bilateralidad y fronteras”, descreve as relações potencialmente geradores de conflitos naquela região fronteiriça, na medida em que a Venezuela reclama parte do território da Guiana como sua. Apesar disso, as relações económicas bilaterais intensificaram-se a partir da década de 70, situação que decorreu de uma alteração da posição venezuela- na relativamente aos projectos implementados nos territórios de “reclamation” e que coincidiu com uma nova posição estratégica assumida pelo país relativamente ao Caribe O artigo “Os royalties minerais como instrumento de sustentabilidade no estado do amapá – amazônia” analisa a importante questão do impacto da CFEM – Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Mineirais nos recursos de municípios mineiros da fronteira brasileira, concluindo que apesar dos recursos do CFEM serem muito relevantes no total de recursos municipais, a sua existência não se traduz na melhoria efectiva das condições de vida das suas populações. O artigo “Du manioc et un pont : un observatoire hommes/ milieux sur la frontière franco-bresilienne” analisa os impactes que poderá ter a construção da nova ponte internacional sobre a actividade agrícola de subsistência, nomeadamente o cultivo de mandioca, praticada por populações em que cerca de metade das pessoas em idade activa não tem trabalho e que por isso verá alteradas as suas condições de vida. É ainda a agricultura das regiões fronteiriças que está no cerne do artigo “A vulnerabilidade da faixa de fronteira do brasil à introdução de espécies exóticas” no qual os autores mostram que a intensificação das relações transfronteiriças comporta um risco acrescido de aumento de fluxos biológicos. Por exemplo, ao nível da agro-pecuária, a introdução de espécies com o estatuto de pragas podem originar a imposição de medidas restritivas por motivos sanitários contribuindo para a deterioração da balança comercial, aumento dos custos com controlo de pragas e perda efectiva de produções e mercados. As populações indígenas e a preservação dos seus territórios é um problema central em todos os páises que fazem fronteira com o Brasil e é discutida no artigo “A política indigenista brasileira e venezuelana aplicada à situação fronteiriça” . Os autores abordam questões que têm a sua origem no facto dos territórios indígenas corresponderem a espaços geográficos com características étnico-culturais próprias, cujas fronteiras não correspondem necessariamente às fronteiras políticas das nações. Assim, as questões respeitantes à circulação de pessoas e mercadorias e também relativas à propriedade da terra são questões potencialmente conflituosas nomeadamente quando não existe coordenação na forma de encarar e proteger os territórios indígenas, as suas populações e as práticas tradicionais. Na medida em que na actualidade as populações indígenas estão em muito casos ligadas à internet e têm acesso a a informação online, a sua inclusão em processos de decisão quanto à gestão de territórios protegidos e de fronteira pode ser fundamental para ultrapassar situações potencialmente conflituosas. As populações indígenas e a preservação dos seus territórios também está presente no artigo “O indígena nas constituições da amazônia continental: da visibilidade legal à invisibilidade social”. Os autores lembram que historicamente os países colonizadores na América do Sul assumiram sempre uma lógica assimilassionista e integracionista ignorando as realidades dos povos indígenas e que só na segunda metade do Séc. XX os diferentes países passam a reconhecer os direitos destas populações. No entanto, este reconhecimento difere muito de país para país, indo desde uma tolerância pacífica mas em que as medidas direccionadas para as questões indígenas são praticamente inexistentes, até aos casos em que os govenos assumem políticas que levam à implementação de territórios indígenas que são objecto de legislação específicas tanto ao nível de circulação de pessoas e mercadorias como o reconhecimento dos dialectos como língua oficial. Em conclusão, não restam dúvidas sobre a oportunidade da publicação desta obra e o interesse que certamente despertará no público a quem as questões da cooperação transfronteiriça no Platô da Guiana mais dizem respeito, sejam eles governantes, académicos ou o cidadão comum. Esperemos, sobretudo, que esta publicação constitua uma leitura inspiradora para aqueles que detêm o poder de fazer avançar a cooperação transfronteiriça no Platô da Guiana. Henrique Albergaria (Professor da Universidade de Coimbra) Agradecimentos Aos colaboradores desta obra, que concordaram em participar desta provocação em estudar a fronteira amazônica; A CAPES/Min. da Defesa, pelo financiamento de pesquisas sobre a fronteira amazônica, como o edital Pró-Defesa; Ao Prof. Durbens Nascimento, pela parceria do Observatório de Estudos de Defesa da Amazônia (OBED) pelas constantes discussões sobre a defesa, Fronteira e Amazônia. Ao Grupo de Pesquisa Percepções do Amapá, pelas reflexões alcançadas em níveis de graduação, iniciação científica, mestrado e doutorado. Ao Mestrado em Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal do Amapá, pelo seu envolvimento nas pesquisas sobre a fronteira da Amazônia setentrional. SOBRE OS AUTORES Alan Cavalcanti da Cunha - Professor Adjunto II – Curso de Ciências Ambientais, dos Programas de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical e Direito Ambiental e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá. Doutor em Hidráulica e Saneamento – USP Alberto Luiz Marsaro Júnior – Engenheiro Agrônomo (1997) e Mestre em Entomologia (2000) pela Universidade Federal de Viçosa. Doutor em Ciências Biológicas (2004), área de concentração em Entomologia, pela Universidade Federal do Paraná (2004). Atua principalmente na área Manejo Integrado de Pragas. Pesquisador da Embrapa Roraima, Boa Vista-RR, de dez./2004 a dez./2010. É pesquisador do Núcleo de Proteção de Plantas do Centro Nacional de Pesquisas de Trigo, embrapa Trigo, na área de Entomologia Agrícola, desde janeiro de 2011. Ana Zuleide Barroso da Silva: Doutora em Relações Internacionais e Desenvolvimento Regional no âmbito do Programa Dinter - Universidade de Brasília, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e Universidade Federal de Roraima, é professora da Universidade Federal de Roraima e pesquisadora do Núcleo de Estudos Comparados da Amazônia e do Caribe – NECAR/UFRR. Damien Davy - Doutor em antropologia; Pesquisador do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS); Inte- grante do Observatorio Homem /Ambiente Oiapoque, CNRS, Cayenne; Especialista em etnoecologia ameríndia. Edson Damas da Silveira: Doutor em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, é professor da Universidade do Estado do Amazonas e pesquisador do Núcleo de Estudos Comparados da Amazônia e do Caribe – NECAR/UFRR. Eleneide Doff Sotta - Engenheira Florestal, mestrado em Ciências de Florestas Tropicais pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e doutorado em Forestry and Forest Ecology - Universitat Goettingen; é pesquisadora na Embrapa Amapá na área de Mudanças Climáticas e Serviços Ambientais, e professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Tropical da Universidade Federal do Amapá. Eliane Superti - Doutora em Ciências Sociais, Professora no Curso de Ciências Sociais e do Mestrado em Direito Ambiental e Políticas Públicas de Universidade Federal do Amapá; Pós-doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense/Escola Superior de Guerra. Françoise Grenand – Doutora em Antropologia; Diretora e Pesquisadora Emérita do Centre National de la Recherche Scientifique - CNRS) ; Integrante do Observatorio Homem /Ambiente Oiapoque, CNRS, Cayenne. Diretora da coleção "Encyclopédie des Amérindiens de Guyane"; co-autora com Pierre Grenand e Jean Hurault, da obra Indiens de Guyane, Wayana & Wayampi de la forêt". Haroldo Eurico Amoras dos Santos: Doutorando em Relações Internacionais e Desenvolvimento Regional no âmbito do Programa Dinter - Universidade de Brasília, Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e Universidade Federal de Roraima, é professor da Universidade Federal de Roraima e pesquisador do Núcleo de Estudos Comparados da Amazônia e do Caribe – NECAR/UFRR. Helena Cristina Guimarães Queiroz Simões - Bacharel em Direito, Professora de Direito Internacional Público e Direitos Humanos no Curso de Direito da Universidade Federal do Amapá. Mestre em Biodiversidade Tropical pela UNIFAP. Helenilza Ferreira Albuquerque Cunha - Graduada em Serviço Social, mestre em Ciências Sociais e doutora em Ciências da Engenharia Ambiental. Professora Adjunta IV da Universidade Federal do Amapá e Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Tropical (mestrado e doutorado). Jadson Luis Rebelo Porto - Geógrafo; Doutor em Economia; Docente do Curso de Arquitetura e Urbanismo e Mestrado Integrado em Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Amapá; autor dos livros “Amapá: Principais Transformações Econômicos e Institucionais (1943-2000)” (2003), “Interações fronteiriças no Platô das Guianas: Novos usos, novas territorialidades” (2010); Coordenador do Projeto Percepções do Amapá. José Alberto Tostes - Doutor em Ciências sobre Arte, Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo e do Mestrado em Desenvolvimento Regional e de Planejamento Regional e Urbano da Universidade Federal do Amapá; Pós-doutorando em Estudos Urbanos e Regionais, pela Universidade de Coimbra (Portugal). Júlia Daniela Braga Pereira - Graduada em Agronomia (2006) pela Universidade Federal Rural da Amazônia e Mestre em Desenvolvimento Regional (2009) pela Universidade Federal do Amapá. Atua na Agência de Defesa e Inspeção Agropecuária do Estado do Amapá (DIAGRO).. Lailson do Nascimento Lemos - Biólogo (2005), Mestre em Desenvolvimento Regional (2008) e Doutorando (2010) pela Universidade Federal do Amapá. Professor efetivo na rede pública de ensino do Estado do Amapá. Coordenador Científico e Tecnológico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amapá - Fundação Tumucumaque. Colaborador na Rede Amazônica de Pesquisa sobre moscas-das-frutas, liderada pela Embrapa-Amapá. Madeleine Boudoux D’Hautefeuille – Doutoranda em Geografia pela Universidade das Antilhas e da Guiana; Integrante do Observatorio Homem /Ambiente Oiapoque, CNRS, Cayenne. Mário Valero Martinez - Professor Titular da Universidad de Los Andes (Venezuela). Doutor em Geografia e História. Docente de Geografia Humana: Território e Sociedade (UCM Espanha); Mestre em Ciências Políticas (CEPSAL – ULA – Venezuela). Mauro Luiz Schmitz Ferreira – Doutor em Medicina pela Universidade Federal do Paraná, é professor titular da Universidade Federal de Roraima e pesquisador do Núcleo de Estudos Comparados da Amazônia e do Caribe – NECAR/UFRR. Ricardo Adaime da Silva - Engenheiro Agrônomo (1998) e Mestre em Fitotecnia (2000) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Doutor em Agronomia (2002) pela Universidade Estadual Paulista, Pesquisador da Embrapa Amapá na área de Entomologia Agrícola, Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical e do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional, da Universidade Federal do Amapá. É Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, nível 2. Romanul de Souza Bispo – Doutorando em Ciência Política no âmbito do Programa Dinter - Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Federal de Roraima, é professor da Universidade Federal de Roraima e pesquisador do Núcleo de Estudos Comparados da Amazônia e do Caribe – NECAR/ UFRR. Sandra Nicole - Engenheira Florestal; Doutoranda em Ciências e Gestão Ambiental Universidade de Montpellier ; Integrante do Observatorio Homem /Ambiente Oiapoque, CNRS, Cayenne. Stéphane Granger - Doutorando em Geografia no IHEAL/ Universidade Paris 3; Professor de História e Geografia rm Caiena; Professor convidado no Instituto de Estudos Superiores da Guiana/Universidade das Antilhas e da Guiana, Caiena, Guiana Francesa. Sumário A REFORMATAÇÃO DA FRONTEIRA AMAPAENSE: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AOS PLANOS DIRETORES E AMBIENTAIS Jadson Luís Rebelo Porto, Eliane Superti, José Alberto Tostes, Eleneide Doff Sotta ...................................................................................21 OS ROYALTIES MINERAIS COMO INSTRUMENTO DE SUSTENTABILIDADE NO ESTADO DO AMAPÁ - AMAZÔNIA Helena Cristina Guimarães Queiroz Simões, Helenilza Ferreira Albuquerque Cunha, Alan Cavalcanti da Cunha........................51 GUIANA FRANCESA ENTRE FRANÇA E BRASIL: DA COLONIZAÇÃO À CONTINENTALIZAÇÃO Stéphane Granger.........................................................................71 DU MANIOC ET UN PONT : UN OBSERVATOIRE HOMMES/MILIEUX SUR LA FRONTIERE FRANCO-BRESILIENNE Damien Davy, Madeleine Boudoux D’Hautefeuille, Sandra Nicole Françoise Grenand ......................................................................93 VULNERABILIDADE DA FAIXA DE FRONTEIRA DO BRASIL À INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES INVASORAS EXÓTICAS Lailson do Nascimento Lemos, Júlia Daniela Braga Pereira, Ricardo Adaime da Silva, Alberto Luiz Marsaro Júnior............................121 VENEZUELA Y GUYANA: BILATERALIDAD Y FRONTERAS Mario Valero Martínez..............................................................145 A POLÍTICA INDIGENISTA BRASILEIRA E VENEZUELANA APLICADA À SITUAÇÃO FRONTEI3RIÇA Ana Zuleide Barroso da Silva, Haroldo Eurico Amoras dos Santos Romanul de Souza Bispo............................................................165 O INDÍGENA NAS CONSTITUIÇÕES DA AMAZÔNIA CONTINENTAL: DA VISIBILIDADE LEGAL À INVISIBILIDADE SOCIAL Edson Damas da Silveira, Mauro Luiz Schmitz Ferreira...............197 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) A REFORMATAÇÃO DA FRONTEIRA AMAPAENSE: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS AOS PLANOS DIRETORES E AMBIENTAIS Jadson Luís Rebelo Porto Eliane Superti José Alberto Tostes Eleneide Doff Sotta INTRODUÇÃO A fronteira amapaense tem sido organizada por gestões institucionais do Governo Federal, inicialmente visando a defesa da soberania, criando estruturas políticas, econômicas, sociais e administrativas internas (a exemplo dos ex-Territórios Federais) e, à medida que suas articulações e conexões foram ampliadas no cenário internacional, reorganizando seu espaço e redefinindo novos usos do território (PORTO, 2010). Enquanto Território Federal, essas Unidades Federativas localizadas na fronteira foram “Estados em embrião” (FERREIRA FILHO, 1975; PORTO, 2003); (re)formataram novas interações espaciais com os países vizinhos, estimulando a relação multiescalar inerente de espaços lindeiros; e estimularam a revisão de fronteira de separação para fronteira de cooperação, à medida que novas articulações foram construídas (seja em infra-estrutura, seja em relações socioeconômicas. Para o caso amapaense, as suas relações políticas, econômicas e sociais sofreram profundas transformações na formação de pactos, nas novas estruturas políticas, notadamente após a sua estadualização (1988) e que estão sendo revistos no primeiro decênio do século XXI, decorrente dos novos usos da fronteira e estimulados pela construção da 21 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas ponte binacional entre Brasil e Guiana Francesa (ultraperiferia da França). As transformações ocorridas nesta Unidade Federativa contribuíram para inserir o Amapá na rede global e refletir sobre a relação inversa das interações fronteiriças entre Brasil e França, comparadas às demais fronteiras do Brasil com a América do Sul. Objetiva-se, com isso, analisar as novas construções dos usos lindeiros franco-brasileiro suas retransformações políticas e econômicas, a fim de responder a seguinte questão orientadora: como se comportou a reformatação da fronteira amapaense mediante aos novos usos de seu espaço lindeiro? Este trabalho está dividido em três tópicos. O primeiro discute os Territórios Federais no Brasil e a reformatação da fronteira setentrional; o segundo analisa as políticas públicas destinadas à fronteira amapaense no primeiro decênio do século XXI; o terceiro aborda a importância dos planos diretores para a fronteira, ressaltando o caso do município do Oiapoque (Amapá-Brasil). 1. OS TERRITÓRIOS FEDERAIS NO BRASIL E A REFORMATAÇÃO DA FRONTEIRA SETENTRIONAL A origem espacial dos Territórios no Brasil está no desmembramento de Unidades Federativas existentes (com exceção do Acre, que foi por anexação), que apresentavam grandes extensões, inclusas no contexto do discurso de "vazio demográfico" e em áreas fronteiriças que correspondiam àquelas que outrora foram conflituosas ou de posicionamento estratégico1. Apesar da ideia da criação dessas entidades no Brasil ter sido discutida desde a Constituinte do Império, com 3 anteprojetos Sobre os Territórios Federais, vide Medeiros (1946); Mortara (1944); Temer (1975); Freitas (1991) e Porto (2003). 1 22 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) para sua criação e uma emenda constitucional (REIS, 1963), foram efetivadas somente a partir do início do século XX. Até a Constituição de 1937, o Território Federal caracterizavase como uma adição ao espaço nacional, submetido diretamente à União, com a vocação de se converter em Estado-membro da Federação, cuja única experiência de estrutura administrativa fora o Acre (MAYER, 1976, p. 24). A novidade dessa Carta Magna reside na sua substancial mudança na concepção política e jurídica deste ente federativo por três motivos: 1) por definir o Brasil como um Estado Federal, constituído pela União indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios Federais; 2) porque foi a primeira e a única que os implantou efetivamente, sob a orientação de um processo legal; e 3) por apresentar melhores justificativas e diretrizes que a anterior, assim expressas no seu artigo 6o: a) apresentou uma justificativa para a sua criação, “no interesse da defesa nacional”; b) determinou que as suas áreas seriam oriundas de “partes desmembradas dos Estados”; c) a sua administração seria regulada por Lei Especial. Os Territórios Federais criados foram Fernando de Noronha (1942) (arquipélago desmembrado do Estado de Pernambuco), Amapá, Rio Branco (hoje se constitui no Estado de Roraima), Guaporé (atualmente é conhecido como Estado de Rondônia), Ponta Porã e Iguaçu (1943). Segundo Jacques (1977, p. 188) a expectativa dos Territórios Federais "como núcleos de civilização nesses recantos longínquos do território nacional era prestar grandes serviços ao país não só em assunto de defesa nacional, como também em matéria econômica e social". Essas Unidades Federativas, contudo, não se resumiram somente às suas experiências administrativas. Há também outros fatores de análise que devem ser considerados para o melhor entendimento de suas participações nos cenários nacional e regional, são eles: - A reduzida ou nenhuma representatividade nos legislativos e na forma de nomeação dos seus dirigentes (Governadores e 23 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Prefeitos), mudadas com a introdução das eleições para escolha de seus representantes e aprofundadas com a estadualização. - A pactuação política entre Estado e as elites locais. - A sua territorialidade, cuja delimitação juridicamente definida e construção socioespacial foram alvos de constantes (re)pactuações, (re)definições, e (re)territorrializações de suas relações sociais, econômicas e políticas pré-existentes, bem como de novas relações à medida que novos atores são inseridos. - As transformações realizadas após a entrada de novos elementos e categorias econômicas e políticas ao seu cotidiano, modificando o seu espaço e suas relações tradicionais, seja na ampliação da sua urbanização e da sua infraestrutura, seja aumentando a exploração de seus recursos naturais. - As novas dinâmicas socioeconômicas com a inserção de infraestrutura, com destaque à oferta de energia elétrica, a construção de rodovias e a ampliação dos setores da Saúde e da Educação, embora seja consenso de que muito há ainda a ser feito nessas áreas. Por mais que esses entes tivessem existido por 84 anos na realidade brasileira, não conseguiram estabelecer uma visão clara sobre o que significou essa experiência na organização espacial da região e muito menos sobre as suas atuações no federalismo brasileiro. Mas as efetivações deixadas nesses espaços, visando o fim das precariedades política, econômica, institucional e político-administrativo para que se tornassem autônomas, estimulou o crescimento e o desenvolvimento dessas novas entidades federativas. Foi a partir desses “Estados em embrião” que os investimentos foram estimulados e orientados para a reestruturação da fronteira setentrional. A região lindeira deixa de ser isolada, para ser articulada, organizada e conectada a novas redes sociais e econômicas. Para a política pública, os Territórios Federais poderiam ser “entidades precárias” (MEDEIROS, 1946), “indefinições jurídicas” (TEMER, 1975), ou “experiências” (PORTO, 2003), mas as relações sociais e econômicas ali instaladas funcionaram muito 24 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) bem, principalmente quando são analisadas as explorações das matérias primas existentes em seus espaços. Gradativamente a fronteira se torna mais articulada e mais dinâmica; deixa de ser periférica para se tornar estratégica (PORTO, 2010b), embora não tenha perdido aquela condição fronteiriça de periferia. Neste sentido, dependendo do foco de análise da fronteira da Amazônia, esta pode ser considerada ora como periférico/estratégica, ora como estratégico/periférica. Esta apresenta suas orientações embasadas nas ações propostas, em execuções, em articulações e investimentos do capital neste espaço. Aquela apresenta forte reprodução de elites tradicionais e políticas que não querem mudar o status quo. Por outro lado, para o caso amapaense, a fronteira setentrional não se refere somente à fronteira continental. Pois a articulação efetiva que ocorre com a Guiana Francesa vai além da sua articulação física via infraestrutura (estimulada após meados da década de 1990). Esta conexão representa: interação com a zona do Euro; conexão imediata com o espaço da OTAN; proximidade com área científica de ponta, pela estação espacial de Kouru (estação esta que é integrante de estratégias científicas da União Européia). Acrescente-se, nesta reflexão acima, que o Amapá é um espaço litorâneo, com um sistema portuário capaz de receber embarcações de 11 metros de calado (semelhante aos principais portos da América do Sul). Considerando que a partir dos portos o mundo é o limite, as relações entre os espaços transcontinentais ocorrem sem que haja a conectividade imediata, ou seja, há uma conectividade relacional. Seja qual for a construção da configuração da fronteira da Amazônia setentrional, as ações de políticas de investimentos e de planejamento executadas pelo Estado foram e são fundamentais para as (re)construções deste espaço lindeiro. Contudo, a atuação do Estado nesses espaços tem se caracterizado por possuir uma magnitude grande, embora se apresentem frágeis (CHELALA, 2008). 25 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 2. POLÍTICAS PÚBLICAS E A FRONTEIRA AMAPAENSE NO PRIMEIRO DECÊNIO DO SÉCULO XXI Quais foram os motivos que contribuíram para a criação do Território Federal do Amapá? De acordo com Porto (2006, p. 19-21) a sua origem vai além das condições políticas. Também se baseia nos seguintes aspectos: Questões geopolíticas; Extração mineral; Influência de políticos locais; A criação do Território Federal do Acre; Características regionais norte do Pará; A proposta pela Comissão Nacional de Redivisão Territorial; Justificativa militar; Defesa nacional; e jurídica. Segundo Porto (2003), após a criação deste Território, três períodos econômicos indicam as ações dos setores privados e públicos na aplicação de investimentos, repercutindo no aumento do movimento migratório, na sua urbanização e nas suas reorganizações espacial e econômica. Esses períodos são: gênese, estruturação produtiva e organização espacial (1943-1974); planejamento estatal e diversificação produtiva (1975-1987); estadualização e sustentabilidade econômica (após 1988). Esses períodos garantiram intensas transformações nos âmbitos político, econômico e político-administrativo no Amapá, os quais foram fortemente influenciados por políticas públicas decorrentes da magnitude do estado neste ente federativo (CHELALA, 2008). Com a estadualização, as expectativas criadas pelas novas relações deste novo Estado com o federalismo brasileiro estimularam reflexões sobre sua nova realidade em um período de crise federativa, buscando ainda alternativas econômicas para seu sustento, preocupando-se com a proteção ao seu patrimônio natural e com sua comunidade autóctone. Com isso, passou a apresentar novas características, trazendo a tona duas discussões, que dependendo do enfoque podem ser conflituosas, ei-las: 26 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) - A preocupação com a questão ambiental, com criação e instalação de políticas, legislações e movimentos ambientais, buscando uma racionalidade ambiental e a sua inserção e impactos na sociedade; - A ampliação da inserção da fronteira no mundo globalizado, cada vez mais articulado em rede, estimulando a busca de novas fontes de matéria prima decorrente do aumento do consumo. Essas reflexões tem trazido novas expectativas para novos usos do território lindeiro, principalmente (para o caso amapaense) mediante à recuperação da economia mineira; a inserção de novas empresas para a exploração mineral e do açaí; a inclusão de obras infraestruturantes2 e a inserção do platô das Guianas em planejamentos internacionais (IIRSA, INTERREG/UE). Tais possibilidades e expectativas de novas configurações políticas e sociais da fronteira no Amapá estão fortemente marcadas pela ação do Estado Nacional através das intervenções estratégicas para promoção de processos de reestruturação produtiva, espacial, exploração de novos mercados, e integração nacional e internacional da Amazônia. Presentes nos Planos Plurianuais (PPA) (2000/2003 e 2004/2007), e no Programa de Aceleração do Crescimento (2007/2010), as estratégias nacionais de intervenção no espaço regional baseiam-se em grandes projetos de políticas publicas nas áreas de infraestrutura, transporte e comunicação. O que não se configura em uma novidade na dinâmica regional, pois a Amazônia sempre contou com a intervenção do Estado no núcleo de seus processos sócio-econômicos e políticas de crescimento e desenvolvimento regional. De acordo com Gomes e Vergolino (1997), o crescimento e a dinâmica da economia amazônica se deu em grande medida através dos investimentos direPavimentação de Rodovias (BR-156 ; Brasil/Venezuela), construção de pontes binacionais (Brasil/Guiana; Brasil/França – pela Guaina Francesa), integração energética Brasil/Venezuela, dentre outras. 2 27 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas tos e indiretos proporcionados por meio dos bancos oficiais de fomento, empresas estatais, ou, ainda, através das agências federais de planejamento regional. O que muda é o enfoque da integração nacional para a integração de mercados internacionais, formando a ponte de ligação entre a globalização e regionalização e, também, a forma de articulação das ações que passa a se dar por meio dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENID). Estruturados no governo FHC e servindo, atualmente, como matriz de intervenção do governo federal, os ENID apontam as oportunidades de investimento e as possibilidades de inversões do capital nacional e internacional e delimitam regiões de planejamento que não respeitam necessariamente o recorte político-administrativo. Construídos, resumidamente, a partir dos critérios: malha multimodal de transportes; hierarquia funcional das cidades; identificação dos centros dinâmicos e os ecossistemas existentes, os eixos totalizam em nove grandes cortes espaciais: Arco Norte; Araguaia – Tocantins; Madeira – Amazonas; Oeste Rede Sudeste; Sudoeste; Sul; São Francisco e Transnordestino. Dos nove eixos, dois são amazônicos e representam corredores logísticos de integração nacional e internacional da região. O Madeira – Amazonas, como saída para o Atlântico, e o Arco Norte, como saída para o Caribe e elo de intercâmbio regional com a Guiana Francesa, o Suriname e a Guiana. Ambos têm o transporte como elemento central. No caso do eixo Madeira – Amazonas é a vertebração principal é a Hidrovia. Já no Arco Norte, a BR –174 em Roraima e a BR-156 no Amapá. (SANTANA, 2009). O estado do Amapá, embora apresente uma zona de tríplice fronteira (Brasil/Guiana/Suriname), efetivamente há somente uma iniciativa de integração, com a Guiana Francesa, pois inexiste qualquer ligação rodoviária com o Suriname. Para que produtos brasileiros possam chegar a este país via rodoviária, obrigatoriamente devem passar por Guiana ou pela Guiana Francesa. Tal contexto tem engendrado novas dinâmicas econômicas e políticas decor28 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) rentes do aprofundamento de sua vinculação ao mercado internacional induzido por políticas públicas federais que se completam com a conclusão da construção da ponte binacional Brasil/França. Prevista para concluir em 2012, a ponte sobre o rio Oiapoque liga definitivamente a fronteira setentrional da Amazônia brasileira a Guiana Francesa e visa fortalecer e consolidar as relações internacionais franco/brasileiras no platô das Guianas. Essa nova dinâmica tende a acentuar a já forte presença do capital internacional na exploração de produtos e insumos locais, acirrar o mercado de terras e impor novo ritmo das relações comerciais. Tende, também, a impor ao estado e aos municípios - administrativamente frágeis e empobrecidos - a necessidade de promoverem outras reestruturações infraestruturais e logísticas para assegurar sua efetiva participação nesse movimento do capital, tais como: o asfaltamento, construção e recuperação de outras vias de comunicação (ferrovias e rodovias), ampliação e modernização do porto de Santana, o enfrentamento do problema energético, apenas para citar alguns dos mais prementes. Ao se concretizar os corredores logísticos da Amazônia brasileira serão 8.272 km de fronteiras internacionais com sete dos oito países do Tratado de Cooperação Amazônica e com o departamento ultramarino francês. Isso aponta que a discussão e a formulação de políticas públicas para as fronteiras internacionais ampliaram o foco, abandonando debate prioritariamente político e de segurança nacional para a inclusão da dimensão econômica de desenvolvimento e integração de mercados nacionais e supranacionais. Exemplo claro é a reorientação do Programa Calha Norte (PCN) que mantendo os objetivos de defender, proteger e garantir a integridade do território nacional, assume, de forma enfática, a finalidade de alavancar o desenvolvimento da Amazônia e da Faixa de fronteira em particular (DURBENS, 2010). O PCN se consolida como uma política pública de segurança, defesa e desenvolvimento regional. E, em consonância com o 29 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas projeto nacional, financia basicamente projetos de infraestrutura em atuação conjunta com os municípios. O Programa representa para algumas das cidades amazônicas, especialmente para os municípios amapaenses, o único meio de realizar importantes obras, inviabilizadas pela insuficiência de recursos advindos da cota de transferência do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal fonte de receita dos municípios (FERREIRA, 2010). O movimento de integração dos mercados internacionais sul americanos estimulado pela globalização do capital e a necessidade de fortalecimento das economias regionais tem transformado as regiões fronteiriças periféricas em zonas importantes de cooperação e sinergia e provocado um novo tipo de atuação dos Estados Nacionais nas regiões de fronteira pela criação de mecanismos legais e administrativos considerando a importância assumida e atribuída às cidades e regiões de fronteira para o processo de integração econômica. Regiões fronteiriças como o Amapá passam a ganhar relevância, mantidas isoladas dos centros nacionais, pela ausência de redes de transporte e de comunicação e pelo seu menor peso político e econômico, começam a ser foco de políticas públicas de infraestrutura econômica. Tal situação é estimulada pelo novo contorno de atuação do Estado Nacional nas regiões fronteiriças que ocorre, também, pela articulação da política dos países da América do Sul para a implantação do projeto Integração das Infra-estruturas Regionais Sul-Americanas (IIRSA). A IIRSA é um projeto pan-americano de doze países da América do Sul, que projeta a integração da região para formar uma unidade. A estrutura sistêmica e logística para essa integração é o desenvolvimento da telecomunicação, do transporte e energia com objetivo de criar condições para sua integração econômica. O conjunto dos projetos de investimento da IIRSA foi organizado a partir de dez eixos de integração3 e desenvolvimento e demonstram clara sintonia com as políticas e os programas brasileiros de desenvolvimento e integração. O IIRSA, tendo vários 30 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) eixos de desenvolvimento na Amazônia, coloca esta região, até então periférica do ponto de vista da integração nacional pelos países que a compõe, em uma posição central e estratégica. Principalmente no caso do Brasil, pois dos 10 países da América do Sul com os quais faz fronteira, 7 estão geograficamente na Amazônia (CASTRO, 2008). Tanto o IIRSA, quanto as políticas internas no primeiro decênio do século XXI foram construídos com a mesma orientação, qual seja; promover a integração competitiva a partir de volumosos investimentos em infra-estrutura organizados em eixos de integração e desenvolvimento. O IIRSA em nível sul-americano, como bloco regional, e os PPA’s e o PAC em nível nacional brasileiro, vem acelerando a economia e colocando o país em situação vantajosa em relação às outras nações. A dinâmica empreendida a partir da elaboração e aplicação de políticas públicas estatais nas áreas de fronteiras coloca a problemática dessas políticas como chave para o debate sobre a mudança de cenário político das regiões de fronteiras até então consideradas periféricas. Sob esse prisma, importa compreender, sua lógica de elaboração e implementação, seus limites e potencialidades sociais. Essa discussão perpassa, ainda, a redefinição do papel do Estado nas últimas décadas, que alterou substancialmente o curso de suas políticas públicas, determinando estratégias que estão no limiar das transformações do capitalismo contemporâneo. A atual fase do processo de globalização impôs mudanças na relação 3 Os 10 eixos são: Eixo Andino (Bolívia, Colombia, Equador, Peru e Venezuela); Eixo Peru-Brasil-Bolítiva; Eixo de Capricórnio (Argentina, Brasil, Chile e Paraguai); Eixo Mercosul – Chile, Eixo Andino do Sul; Eixo do Escudo das Guianas (Brasil - através do Amapá, Guiana, Suriname e Venezuela); Eixo do Amazonas (Brasil, Colômbia, Equador e Peru); Eixo Inter-ocêanico Central (Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Peru); Eixo da Hidrovia Paraguai-Paraná; e Eixo do Sul (Argentina e Chile). 31 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas entre Estado e mercado que afetam de maneira direta a dinâmica da regulação social e o padrão de intervenção do Estado em sua relação com a sociedade. No âmbito da região Amazônica e do Amapá em particular as políticas de desenvolvimento predominam a construção de infraestrutura. Um breve olhar sobre o plano de governo plurianual de 2000 a 2003 já denunciava esta situação com a gritante disparidade de investimentos na ordem de 35 bilhões de reais para programas de infraestrutura econômica; enquanto outras áreas, como a social e ambiental, não chegam a um bilhão de reais. Essa disparidade se mantém com pequenas oscilações nos planos seguintes. A implementação de políticas públicas de desenvolvimento econômico na região amazônica brasileira traz como um de seus objetivos principais a redução das desigualdades sócio-econômicas, inserindo e aprofundando sua participação no circuito acumulativo do capital. De acordo com Castro (2008, 28),"(...) a Amazônia, para além do interesse ambiental e preservação da floresta, é um mercado de produto e insumos muito concreto, conectado a redes internacionais sofisticadas". Como no caso da mineração no Amapá, cujas empresas exploradoras situam-se no rol das 100 maiores do setor no cenário nacional, segundo Porto (2010a). Contudo, tais políticas não induzem a uma ação diferenciada do capital na região, pelo contrário reafirmam a forma historicamente consolidada, qual seja, sem respeitar estruturas econômicas pré-existentes, sem estabelecer laços concretos com a realidade regional, sem realizar re-inversões significativas na estrutura produtiva local, sem investir na qualificação de recursos humanos. A lógica conservadora do desenvolvimento proposto se sustenta sobre uma concepção dualista da realidade social que a dicotomiza entre o “atrasado” e o “desenvolvido” promovendo a substituição dos fatores de produção tradicionais pelos modernos. Isso implica em que o processo de transformação de um sistema tradicional de produção em um sistema moderno não se dá sob o efeito de acomodação ou de absorção, mas, gera, também, 32 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) um processo de exclusão e de eliminação. Isso porque, além da conjugação de interesses políticos e econômicos, a modernização determina a supremacia dos fatores tecnológicos de produção sobre os tradicionais, eliminando a possibilidades de convivência entre ambos (BONETI, 2003). A política pública de desenvolvimento econômico sobre essa lógica, que mobiliza, sobretudo, fatores tecnológicos e meios financeiros, produz, nas regiões periféricas, a exclusão, do processo produtivo, de alguns elementos do sistema tradicional de produção, como é o caso das práticas culturais, do meio natural e do trabalho manual, e determina, como consequência, a exclusão do próprio homem do seu meio e do processo produtivo. O impacto, portanto, dessas políticas públicas na região é dicotômico, pois, induz ao desenvolvimento econômico promovendo a inclusão de novos agentes e novas dinâmicas sociais, ao mesmo tempo em que conduz também a exclusão de parte dos agentes tradicionais. Esse processo de exclusão poderia ser minimizado pela incorporação do modo de vida, da concepção de mundo e dos sistemas de classificação do ambiente natural as demandas sociais e econômicas peculiares da formação cultural das comunidades amazônicas. Seria preciso proporcionar às comunidades da região uma maior participação no processo de planejamento (governamental, territorial, urbano), implantação e avaliação de políticas públicas. Isto representaria o reconhecimento das aspirações de autonomia, liberdade e identidade; como também, a garantia de que a agenda pública coadunaria com as necessidades e anseios advindos da sua realidade cultural peculiar da região. No entanto, esses anseios não necessariamente coincidem com as necessidades do capital. 33 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 3. PLANEJAMENTO E (RE)USOS DO TERRITÓRIO: A IMPORTÂNCIA DOS PLANOS DIRETORES PARA A FRONTEIRA A fronteira vem se tornando cada vez mais urbanizada, mais articulada e mais dinâmica. Com isso, Planos Diretores em municípios lindeiros tem se tornado as maiores ferramentas que o município tem para organizar e traçar a estratégia de desenvolvimento urbano, social e econômico. A tomada das decisões, baseada em aspectos técnicos, é fundamental para uma gestão municipal eficiente. Assim, os municípios têm cumprido o papel de ente mais ativo na melhoria das condições de vida das comunidades, investindo mais, por exemplo, em educação e saúde do que as esferas superiores. O controle sobre os municípios também é maior do que o sobre os outros entes federados, e o Plano Diretor vem auxiliando no planejamento e no aporte de recursos para manter a gestão pública municipal mais responsiva a ele (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS, 2007). Ziulkoski (2007) caracteriza que historicamente, os municípios da Faixa de Fronteira não foram privilegiados nas prioridades das políticas públicas nacionais, tendo apresentado ao longo dos últimos anos um quadro de relativo abandono. Surge daí a necessidade de se colocar a questão fronteiriça no centro das discussões nacionais, utilizando essa região como vetor de integração e cooperação entre os países da América do Sul. A elevação dos temas de fronteiras pode auxiliar tanto na melhoria real das condições de vida das populações fronteiriças, como também fortalecer os laços de amizade e de trabalho conjunto do continente sul-americano. Sobre o que se refere Ziulkoski (2007), a mesma situação se aplica com maior rigor a cidade que faz a fronteira diretamente. Rolnik (2007) analisa que há um grande desafio de implementar planos diretores em municípios fronteiriços. Para ela, o grande 34 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) diferencial está no fato de essas cidades manterem um cotidiano integrado e comum com cidades de outros países, com realidades de planejamento urbano muito diferente. Brasil / Argentina / Paraguai possuem uma tríplice fronteira, mas o que diferencia para o caso existente na fronteira amapaense é o diferencial do grau de urbanização da fronteira meridional ser bem maior que o amazônico, ao passo que no caso amapaense, há grandes espaços de restrição de uso do território (Unidades de conservação, reservas indígenas, Florestal Estadual de Produção). A autora reflete sobre "Como trabalhar isso em cidades vizinhas de países e legislações distintas é o grande desafio". O Brasil tem cerca de 15 mil Km de fronteiras com dez países e 42 cidades. "Essas cidades são atreladas comercial e socialmente com as do país vizinho sem que haja uma política de entendimentos sobre conjunção das suas malhas urbanas". Os temas relacionados de acordo com o Relatório Final da Conferência Nacional dos Municípios de fronteiras são quase coincidentes com as diretrizes estabelecidas pelo Ministério das Cidades e pelo Estatuto da Cidade, que apesar de se referir à cidade, tem a abrangência sobre o território como segurança; Infraestrutura, Tráfego e Transporte; Educação, Saúde e Migrações; Legislação; Meio Ambiente e Recursos Hídricos; e Desenvolvimento Econômico Local. A situação das cidades nos municípios da Faixa de Fronteira e os problemas enfrentados nas fronteiras não são isolados e tampouco possuem impactos localizados, apresentam um universo de 10% dos municípios brasileiros e 27% do território nacional e, portanto, necessitam de mobilização e de troca de informação entre si. (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS MUNICÍPIOS, 2007). É exatamente nas cidades da fronteira que reside à maior necessidade de observar as inúmeras experiências vividas e aplicadas para definir mais claramente as diretrizes previstas no Plano Diretor. 35 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Pensar e planejar nossas cidades além de seus limites administrativos pressupõe a necessidade de uma nova práxis de atuação dos planejadores. O universo do território e seu alcance regional devem ser à base de futuros planos articulados entre as escalas urbana e regional. A intenção dos urbanistas europeus na busca da consolidação do paradigma da sustentabilidade para as cidades europeias do século XXI demonstra que ainda se encontra ativa a proposta ideológica de um possível planejamento urbano “universalizado”. Trata-se, de um debate ainda incipiente no âmbito científico brasileiro, sobretudo pelo momento vivido em grande parte das cidades brasileiras (VILLAÇA, 1998). A cidade também é formada basicamente de estruturas morfológicas de espaços edificados e espaços vazios, que mantêm entre si uma relação dialética, um constrói o outro, sobre um determinado suporte físico. A paisagem urbana, por sua vez, não é configurada apenas por esses elementos. Como estrutura antropizada contém elementos sócio-culturais repletos de funções e significações. A cidade caracteriza-se também pelas relações de uso e apropriação dos espaços construídos, estabelecidos pelos usuários desse cenário urbano, mesmo em circunstâncias peculiares introduzidas pela dinâmica da fronteira (ANTUNES, 2009). As cidades, em especial aquelas localizadas na fronteira, devem ser vistas cada vez mais como espaços de fluxos e não mais como espaço de lugar. A ideologia do planejamento urbano se apoiou historicamente em conceitos e práticas que somente contribuíram para manter o “status quo” social e econômico. Sobre isso, é válida a abrangência da proposta do Estatuto da Cidade, apesar da distância de certos princípios da realidade amazônica, abre a discussão para ver a totalidade do planejamento sobre o espaço do território e não mais das áreas urbanas. As práticas urbanísticas difundidas como soluções “alternativas” para o planejamento urbano de nossas cidades, agora incluem o município, estabelecendo fronteiras entre o urbano e o rural. Esse debate, que chega de forma tardia, permite ampliar os 36 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) limites e possibilidades da adoção de uma nova prática para as cidades e municípios brasileiros (VILLAÇA, 1998). Alguns planos foram idealizados sem, no entanto, terem êxitos na aplicação. Essa questão deve ser amplamente debatida e também no âmbito do poder público, principalmente no momento onde “novos” Planos Diretores surgem exclusivamente por uma exigência legal e não da necessidade do instrumento do planejamento das cidades ou do território municipal. 3.1. PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE OIAPOQUE E A INTEGRAÇÃO NA FRONTEIRA. Para Antunes e Tostes (2007), a cidade de Oiapoque (BR) forma com Saint Georges (FR) um par de cidades gêmeas. Oiapoque é um modelo híbrido de inserção regional, associado tanto ao rio, quanto à rodovia BR-156. Sua dinamicidade ligada principalmente ao comércio contrasta com a inércia característica da maioria das outras cidades regionais de porte semelhante. A distância de 600 km da capital amapaense sempre foi uma adversidade em função das condições daquela rodovia. O Plano Diretor do Município de Oiapoque foi iniciado em 2005 com a tentativa de inovação de planejamento. Tentou-se praticar um planejamento participativo com a adoção de mecanismos e instrumentos jurídicos e urbanísticos, não apenas para atender a cidade, mas todo o território municipal, nesta etapa não houve a inclusão do lado guianense no processo de discussão (TOSTES, 2006; 2009). Todo o planejamento previsto para o município de Oiapoque encontrou obstáculos. As causas estão diretamente relacionadas aos inúmeros problemas já diagnosticados no Relatório Final da Confederação Nacional dos Municípios (2007). Pode-se dizer que, no caso do Oiapoque, as intervenções sobre o território sempre ocorreram de maneira institucionalizada e por decreto, 37 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas o município é cercado de áreas protegidas e reservas indígenas, limitando o planejamento. Constatou-se durante o II Seminário do Plano Diretor do Município do Oiapoque (TOSTES, 2009) que o zoneamento existente foi completamente espontâneo e a expansão urbana da cidade foi sendo induzida pela dinâmica da fronteira, pelo eixo rodoviário da BR-156, pela perspectiva que se formou ao longo dos anos pela sua pavimentação, pela construção da Ponte Binacional, e pelas expectativas decorrentes dessas obras (integração com o platô das Guianas e com um representante da União Europeia). Isso tem implicado em uma diversidade de situações para a cidade, para o município, e para o Estado do Amapá. Tal fato tem evidenciado os inúmeros problemas em relação à definição fundiária do território e as limitações expostas pelos entraves de novos investimentos. Outro fator constatado é o vetor da BR 156 que determinou um eixo longitudinal em relação às margens da rodovia, tal concepção foi decisiva para o aumento de todo o processo de especulação imobiliária, ocasionando grandes dificuldades de novos investimentos em um planejamento urbano que atendesse a este novo cenário. O planejamento do território municipal, no caso de Oiapoque foi cercado de fragmentações e fragilidades institucionais que contribuíram para o fracionamento da ideia do território. Os estudos do Plano Diretor evidenciam que o município foi dividido por um mosaico que demonstra a concepção pensada em décadas passadas; não há uma integração entre o conjunto que forma este mosaico: áreas protegidas, reservas indígenas, áreas rurais, áreas urbanas e a fronteira. Os projetos para o município de Oiapoque foram idealizados, mais pela pressão social e econômica, do que de fato, por uma visão institucional estruturada e organizada. Neste caso, o território segue a vertente de uma lógica espontânea, induzida por 38 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) novos investimentos da BR-156 e a Ponte Binacional. Segundo Antunes (2009), associada à ideia da fragmentação está a maneira como as diversas esferas de poder visualizaram a fronteira, ei-las: à União, ligada à defesa; ao estado do Amapá, à integração com o lado francês; ao município, por sua vez, cabe ser a base para os investimentos, os assentamentos rurais e urbanos; e as mazelas sociais. O Plano Diretor para a área de fronteira é uma das alternativas, mas, não é a única, conforme os documentos oficiais já produzidos nacionalmente. As ações do Governo do Estado do Amapá nos últimos anos para o município de Oiapoque não vem obtendo resultados esperados de planejamento na área de fronteira. São inúmeros os novos usos do território e alternativas econômicas que estão em debate ou propostos em projeto para os municípios fronteiriços, porém as dificuldades para um maior envolvimento institucional são grandes por não conseguirem acompanhar a velocidade das dinâmicas sociais ocorridas especialmente após o último decênio do século XX. Na questão de fronteiras, ainda, soma-se a necessidade de desenvolver Planos Diretores Integrados entre as cidades-gêmeas, a fim de garantir os benefícios de sua formulação e execução, além da efetividade aos municípios vizinhos transfronteiriços; como também aproximar os gestores de Oiapoque e Saint George, a fim de integrar as propostas já existentes. Isso tem sido possível em função da existência de uma proposta que iniciou no ano de 2005, e que reúne um amplo diagnóstico sobre as diretrizes necessárias para promover o desenvolvimento do município de Oiapoque e a efetiva integração na fronteira. Um outro aspecto a ser considerado sobre o planejamento se refere à inserçao da questão ambiental na gestão do território. Neste contexto, se insere a criação de um outro modelo de gestão, a Floresta Estadual do Amapá 39 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 4. A FLORESTA ESTADUAL DO AMAPÁ E A INSERÇÃO DA FRONTEIRA NO MUNDO GLOBALIZADO A perda da cobertura florestal dos países tropicais, nas últimas décadas tem causado um grande impacto sobre a biodiversidade e a integridade ecológica dos ecossistemas e consequentemente uma redução da oferta de seus serviços ambientais. Apesar de sua grande importância na vida das populações, as funções destes serviços na vida de todos os seres vivos são sub-valorados na criação de políticas de desenvolvimento. Para mudar o cenário atual será necessário dar o devido valor a estas florestas, não somente pelo papel na mitigação dos efeitos negativos da mudança climática, mas também pelos efeitos na economia local e global, com a produção e comercialização de seus produtos sob parâmetros de sustentabilidade e valoração dos serviços ambientais fornecidos por estas. O estado do Amapá é considerado um dos estados mais preservados do Brasil, com mais de 70% de suas áreas sob algum tipo de proteção à biodiversidade (DRUMMOND, et. al. 2008). Entretanto, esta condição de estado-referência para a política de conservação ambiental contrapõe-se com a necessidade de potencializar sua economia de modo a oferecer melhores oportunidades de vida a sua população. Visando garantir o uso racional dos recursos florestais e o suprimento de matéria-prima e aumentar o controle e o retorno social da atividade florestal o estado do Amapá criou em 12 de julho de 2006, pela lei estadual nº 1.028, uma floresta pública estadual. Atualmente, a implantação da Floresta Estadual do Amapá (FLOTA/AP) constitui um dos principais eixos da política de desenvolvimento do estado a qual tem como objetivo oferecer a melhor destinação possível do seu território florestal, que se encontrava a mercê de usos especulativos e predatórios (GEA, 2009). A FLOTA/AP possui uma área de 2.369.400 hectares e está dividida em quatro módulos que se distribuem em áreas descontínuas da região de Porto Grande, no centro sul do estado, ao 40 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Oiapoque, no extremo norte. A destinação dos módulos foi definida em função das condições de infra-estrutura e vias de acesso existentes nesta região, bem como da necessidade de dinamizar os pólos de desenvolvimento produtivo do estado que se localizam nas áreas de influência destes módulos. Os módulos 1, 2 e 3 deverão ser destinados à concessão florestal, enquanto o módulo 4 devido sua grande extensão, sua localização na faixa de fronteira com a Guiana Francesa, sua sobreposição com unidade de proteção integral e terras indígenas e por ser considerado importante zona de amortecimento na região - compondo com o Parque Nacional do Tucumucumaque quase 46% de áreas protegidas do estado, deverá ser direcionado ao seu grande potencial para fornecer produtos e serviços ambientais no mercado interno e externo. Apesar desta Floresta Estadual constituir um dos principais eixos da política de desenvolvimento do estado, seus recursos naturais, em especial no módulo 4, estão totalmente suceptíveis à grande influência da política de ampliação da inserção da fronteira no mundo globalizado, direcionada ao movimento desenvolvimentista na divisa com a Guiana Francesa. A criação da Universidade Binacional da Biodiversidade na fronteira entre os dois países, do Centro Franco-brasileiro de Biodiversidade Amazônica, o asfaltamento da BR-156 e a interligação do Estado do Amapá com a Guiana Francesa através da ponte sobre o rio Oiapoque podem ser fatores de pressão sobre a área do módulo 4 da FLOTA que ainda é uma das áreas mais preservadas e com maior área de floresta, dentre os outros módulos que fazem parte desta Unidade de Conservação (UC). Por outro lado, a localização em região que permite uma ligação com a Europa e consequentemente com os estados europeus, propiciado pela maior movimentação de produtos e criação dos novos acessos pode trazer muitas oportunidades, como propiciar uma política de pagamento pelos serviços ambientais e valorização dos produtos da floresta em território nacional que facil41 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas mente poderão ser acessados por outros países, fortalecendo um cenário de desenvolvimento sustentável. A conservação dos produtos e serviços prestados pelo módulo 4 da FLOTA/AP depende da valoração da floresta em pé. No entanto, ainda não haviam sido feitos estudos na região valorando os recursos naturais ou os serviços ambientais que podem ser prestados pela área. Desde 2008 o Governo do Estado tem realizado iniciativas no que diz respeito ao uso da área para implementação de um projeto de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD). O REDD oferece o potencial de incentivos econômicos para apoiar os países em desenvolvimento em valorizar as suas florestas em pé evitando emissões de gases do efeito estufa provenientes da destruição e degradação de suas florestas, o governo do Amapá tem se preocupado com estar pronto para gerir o REDD e tem investido na preparação do estado para receber os benefícios que a preservação deste pode significar para o mundo. O processo de desenvolvimento de capacidades para gerir REDD a nível nacional se tornou conhecido como “Readiness for REDD” (Estar pronto para o REDD). Como este conceito abrange diversas ações e o desenvolvimento de condições necessárias para fazer o REDD funcionar, se preparar para REDD envolve uma série de ações em diversos níveis geográficos. A fim de alcançar essa meta, é essencial que se obtenha um número suficiente de estudos fáticos sobre as opções para reduzir efetivamente as emissões do desmatamento e da degradação florestal e os impactos de um mecanismo de REDD acordado internacionalmente. Com o intuito de avançar nesta direção o Instituto Estadual de Florestas do Amapá (IEF/AP) em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA), o Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá (IEPA) e a Embrapa Amapá executou o Projeto Carbono Amapá que teve como objetivo avaliar o estoque de carbono da FLOTA/AP visando a 42 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) elaboração de um projeto de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD). No entanto, havia a necessidade de avaliação das ações que modificarão o cenário atual de pressão sob os recursos naturais da região, principalmente nas áreas com melhoria da infra-estrutura viária. A falta de disponibilidade dessas informações para a região do módulo 4 da FLOTA/AP deu origem ao projeto “Estudo da potencial contribuição dos serviços ambientais no módulo 4 da Floresta Estadual de Amapá – FLOTA/AP para o desenvolvimento sustentável local e regional” (REDD+FLOTA), que, desde julho de 2010, vem buscando estabelecer o estado atual da área (background) e analisar as dinâmicas de transformações nos recursos naturais (carbono, água e biodiversidade) do módulo 4 da FLOTA/AP. Este projeto tem como finalidade construir cenários de desenvolvimento sustentável para os próximos 20 anos para esta área de fronteira. Um dos principais produtos do projeto será o fortalecimento e ampliação de parcerias para o estudo dos serviços ambientais prestados pelos recursos naturais na região amazônica. Além disso, contribuirá para a construção de metodologias para análise de serviços ambientais na região amazônica, a elaboração e disponibilização de uma base de dados espaciais sobre o módulo 4 da FLOTA/AP, o diagnóstico das condições socioambientais (sócio, econômico, politica, ambiental) atuais da área de estudo e a geração de informações essenciais para subsidiar políticas públicas que promovam a conservação e uso sustentável dos recursos naturais na Amazônia. O projeto pretende aplicar e ajustar metodologias para o diagnóstico e valoração dos serviços ambientais no estado do Amapá tendo como exemplo o módulo 4 da FLOTA/AP e atender a necessidade de indicar alternativas econômicas para o uso da terra, adequando-se às realidades locais. 43 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas CONSIDERAÇÕES FINAIS As gestões institucionais da fronteira amapaense que garantiram as criações e construções de estruturas políticas, econômicas, sociais e administrativas neste espaço permitiram que suas articulações e conexões fossem ampliadas no cenário internacional, reorganizando seu espaço, redefinindo e reformatando novos usos do território. Desde o último decênio do século XX, uma série de ações têm estimulado a reformatação da fronteira amapaense mediante aos novos usos de seu espaço, notadamente assentada nas expectativas que a integração com o platô das Guianas e o maior envolvimento desta unidade da federação brasileira em políticas ambientais, com a criação de novas Unidades de Conservação. Com acesso de investimentos públicos e privados após a década de 1940, houve a reestruturação da fronteira setentrional, ou seja, a região lindeira deixa de ser isolada, para ser articulada, organizada e conectada a novas redes sociais e econômicas. Gradativamente a fronteira se torna mais articulada e mais dinâmica; deixa de ser periférica para se tornar estratégica, embora não tenha perdido aquela condição fronteiriça de periferia. Contudo, mesmo que as ações de políticas de investimentos e de planejamento por parte do Estado possuam uma magnitude grande, ainda se apresentam frágeis. Essa nova dinâmica tende a acentuar a já forte presença do capital internacional na exploração de produtos e insumos locais, acirrar o mercado de terras e impor novo ritmo das relações comerciais. Tende, também, a impor ao estado e aos municípios a necessidade de promoverem outras reestruturações infraestruturais e logísticas para assegurar sua efetiva participação nesse movimento do capital. Quanto ao movimento de integração dos mercados internacionais sul americanos e a necessidade de fortalecimento das economias regionais, tem transformado as regiões fronteiriças 44 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) periféricas em zonas importantes de cooperação e sinergia e provocado um novo tipo de atuação dos Estados Nacionais nas regiões de fronteira pela criação de mecanismos legais e administrativos capazes de estimular a importância assumida e atribuída às cidades e regiões de fronteira para o processo de integração econômica. Embora seja percebido que o impacto dessas políticas públicas na região é dicotômico. Tanto induz ao desenvolvimento econômico, quanto conduz também a exclusão de parte dos agentes tradicionais. A fronteira vem se tornando cada vez mais urbanizada, mais articulada e mais dinâmica. Por outro lado, tem se criado modelos e propostas de gestão do território mediante a instalação de unidades de conservação com os mais variados tipos de restrição do território, seja por orientação legal sobre meio ambiente, terras indígenas, seja pela sua posição geográfica no interior da faixa de fronteira. A FLOTA/AP possui terras tanto dentro, como fora da faixa de fronteira. Neste sentido, o uso deste território necessita de maiores atenções e estudos, iniciados pelo projeto “Estudo da potencial contribuição dos serviços ambientais no módulo 4 da Floresta Estadual de Amapá – FLOTA/AP para o desenvolvimento sustentável local e regional” Com isso, busca-se: organizar e traçar a estratégia de desenvolvimento da fronteira, envolvendo os mais variados temas (urbano, social e econômico equilibrados); a melhoria real das con¬dições de vida das populações fronteiriças; fortalecer os laços de amizade e de trabalho conjunto do continente sul-americano; e visualizar a fronteira cada vez mais como espaços de fluxos e não mais como espaço de lugar. Enfim, para o caso amapaense, a sua fronteira tem sido induzida por novos investimentos da BR-156 e a Ponte Binacional, associada à ideia da fragmentação territorial onde à União, cabe a defesa da soberania e as suas relações diplomáticas; ao estado, a consolidação da integração com o platô das Guianas e as suas redes via oceano; ao município, por sua vez, cabe ser a base para os investimentos, os assentamentos rurais e urbanos; e as mazelas sociais. 45 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTUNES, Oscarito. Implicações do contexto da zona de fronteira/BR 156/Ponte Binacional na configuração da paisagem urbana de Oiapoque. Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Regional. Macapá, 2009. ANTUNES, Oscarito; TOSTES, José Alberto. Oiapoque – “Aqui começa o Brasil”: as perspectivas de desenvolvimento a partir da BR-156 e da Ponte Binacional entre o Amapá e a Guiana Francesa. ANPPAS. Brasília, 2008. BONETI, Lindomar W. 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Neste contexto, encontramos a exploração de recursos minerais que, pelos significativos impactos negativos ao meio ambiente e à comunidade local, necessitou se adequar às novas exigências “sustentáveis” onde os empreendimentos minerários passaram obrigatoriamente a internalizar o equilíbrio entre o uso de recursos naturais e os malefícios causados à população diretamente afetada. Professora Assistente I – Curso de Direito da Universidade Federal do Amapá. Mestre em Biodiversidade Tropical pelo PPGBIO da UNIFAP. E-mail: [email protected]. 2 Professora Adjunta IV – Curso de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Amapá. Doutora em Ciências da Engenharia Ambiental - USP e Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical (mestrado e doutorado). E-mail: [email protected] 3 Professor Adjunto II – Curso de Ciências Ambientais, dos Programas de Pós-Graduação em Biodiversidade Tropical e Direito Ambiental e Políticas Públicas da Universidade Federal do Amapá. Doutor em Hidráulica e Saneamento – USP. E-mail: [email protected] 1 51 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Para Esteves (2008) um dos pontos fundamentais para o sucesso dos empreendimentos de mineração é o “investimento estratégico social” na comunidade onde ocorre a operação minerária. Há um consenso de que as empresas mineradoras devem incluir como uma de suas prioridades a minimização dos efeitos negativos, que fragilizam os ecossistemas, e a maximização dos benefícios à sociedade local, que eleva os padrões de desenvolvimento social (BANCO MUNDIAL, 2002; HILSON E MURCK, 2000). No Brasil, apesar de tramitar projeto de lei para um novo Código de Mineração, que prevê a desburocratização dos trâmites para o setor e a imposição de novas obrigações ambientais, a legislação em vigor, responsável pelas diretrizes do Direito Minerário, data de 1967 (Decreto-Lei nº 227/67), sem a influência dos dilemas contemporâneos. Após esse período houve uma significativa mudança no modelo das atuais concessões para exploração dos recursos naturais não-renováveis, especialmente com a promulgação da Constituição Federal Brasileira (CF) em 1988. Neste aspecto, a CF inovou no tratamento da mineração ao disciplinar instrumentos que minimizassem a degradação do meio ambiente e promovessem melhorias na qualidade de vida da população residente no território explorado. Eggert (2008) faz uma retrospectiva das principais discussões sobre economia mineral, entre 1980 e 2000, classificando os temas e demonstrando que a incorporação da sustentabilidade das atividades de mineração não acompanhou o início do debate mundial (Tabela 1). Na análise do referido autor a tendência de longo prazo é a estagnação de demanda, o excesso de produção e a inevitável queda dos preços dos minerais. Mas antes disso, o boom mineral deste início de século ainda exigirá o aprimoramento e revisão dos códigos minerários, no sentido de elevar os valores dos impostos e dos royalties com o objetivo de suprir a mínima qualidade de vida das comunidades onde ocorre a exploração. 52 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Tabela 1. Principais temas da mineração no âmbito internacional (1980-2000) baseado em Eggert (2008). Período 1980 -1990 Temas - Declínio do setor mineral. - Estados Unidos e Europa como principais consumidores. 1990 -1995 - Transição da economia, com modificação na produção e consumo de minérios, incluindo a União Soviética, a China, os países da América Latina, a África e a Ásia. - Em 1993, o “Desenvolvimento Sustentável” e a “dimensão ambiental” aparecem pela primeira vez na literatura mineral internacional, a despeito da discussão ter surgido na década de 1970. 1995–2000 - A mineração sustentável passou a ser considerada pelos seus diversos atores (stakeholders) e a dimensão social e ambiental teve importância global, denominada pelo autor de “contabilidade verde”. - Paralelo a esta concepção nascem os estudos sobre a relação entre economias mineiras e desenvolvimento humano. Indagavam-se por quê os países ricos em minérios não se desenvolviam, igualando-se aos países pobres em recursos e em desenvolvimento, denominado pelo autor de “desenvolvimento adormecido”. Após 2000 - Caracterizaram-se pela ideia de valorar no presente o potencial financeiro dos depósitos minerais para o futuro (option valuation). Segundo Costa (2000) a busca pela mineração sustentável requer alterações no paradigma de abastecimento, vigorante no passado, para o da sustentabilidade, necessitando para isso que as empresas desenvolvam uma estratégia baseada em três pilares, que são a eficiência, a consistência e a parcimônia. O fator determinante na alteração do antigo modelo de extração mineral, caracterizado pela poluição do ar, rios, solo, migração e miséria populacional é a intervenção política severa (ALTVATER, 1995) além da rigidez jurídica. Além disso, Mikesell (1994) afirma que a chave para sustentabilidade mineral seria encontrar substitutos para as substâncias exploradas. O objetivo do novo ordenamento legal era mudar o quadro negativo e mundialmente conhecido dos efeitos ecológicos e sociais desta atividade e criar meios sustentáveis para o setor (SIROTHEAU 1996), beneficiando tanto a geração atual como a futura, cumprindo o desejo do Relatório Brudtland editado pelas Nações Unidas em 1987. 53 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas De acordo com Enríquez (2007) uma das formas de criar uma mineração sustentável seria a eficiente utilização dos royalties minerais, denominado no Brasil de “Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais”- CFEM (Brasil, 1989; Brasil, 2000), que se traduziria na diversificação produtiva ou em fundos para o desenvolvimento que beneficiariam a comunidade após o esgotamento dos recursos extraídos. A CFEM foi criada pela Constituição Federal e é considerada uma receita patrimonial paga pelas mineradoras aos entes federativos brasileiros pela lavra de bens minerais utilizada para promover a sustentabilidade e a otimização de gastos financeiros, os quais se caracterizam como benefícios atuais e futuros para as gerações durante e após a exaustão de minas. A proposta de criação de Fundos Especiais destinados a receber esta receita já é realidade em alguns países do mundo, como Alaska e Noruega, e em alguns municípios mineradores brasileiros, a exemplo de Itabira em Minas Gerais e Forquilhinha em Santa Catarina. Esses modelos já foram testados e o resultado foi bastante positivo na melhoria na qualidade de vida da população (ENRÍQUEZ 2006). Partindo desse entendimento, o principal objetivo do presente estudo foi avaliar o quantum arrecadado com a CFEM no Amapá e qual a sua destinação. Para isto, foram identificados os municípios empreendedores e minérios explorados, a aplicação da receita e a comparação da dinâmica de desenvolvimento dos municípios arrecadadores com aqueles que não recebem ou recebem valores inexpressivos de CFEM. Além disso, objetivou-se avaliar como se desenvolve a disposição dos atores sociais envolvidos na minimização dos impactos ambientais provenientes desta atividade segundo a ótica da mineração mais sustentável. 54 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) 1. A ARRECADAÇÃO DA COMPENSAÇÃO FINANCEIRA NO ESTADO DO AMAPÁ O estudo foi realizado no Estado do Amapá, localizado no extremo norte do Brasil, à nordeste da região amazônica. É reconhecidamente farto em recursos naturais não-renováveis e pioneiro na exploração mineral, tais como ferro, ouro, caulim e cromo. O Estado do Amapá foi o pioneiro na produção industrial de minérios na Amazônia em função da qualidade do minério e da posição geográfica estratégica em relação aos grandes centros consumidores, em especial os EUA. Como resultado mais importante, observa-se que a extração do minério de manganês no município de Serra do Navio foi realizada durante quase quarenta anos, o que resultou na receita mais expressiva da história da mineração local. No entanto, na medida em que o sistema de exploração se esgotou em 1997, verificou-se que não houve uma preocupação com o futuro desse município. Tal falta de visão estratégica produziu sérios reflexos sócio-econômicos na cidade, que acabaram por distanciá-la do modelo apresentado nos tempos áureos da arrecadação. Atualmente, Serra do Navio se assemelha a uma “cidade abandonada” e sem expressão econômica. O peso relativo propiciado pelos royalties, pagos pela empresa exploradora de manganês foi substancial em relação às demais receitas do Estado (DRUMMOND E PEREIRA, 2007). Os números dos registros oficiais quantificam que a empresa pagou ao governo amapaense, a título de royalties, um total de 131,6 milhões de dólares (valores convertidos em 1994), correspondendo a uma média anual de 3,46 milhões de dólares durante a vigência do projeto. Os recentes empreendimentos minerários pesquisados no Estado do Amapá contam com quatro empresas mineradoras localizadas em três municípios (Figura 1): 1) Anglo Ferrous Brazil 55 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas (precedida pela MMX) e 2) Mineração Pedra Branca do Amapari, ambas no município de Pedra Branca do Amapari; 3) Caulim da Amazônia, no município de Vitória do Jarí; e 4) Mineração Vila Nova, no município de Mazagão. O período escolhido para a coleta de dados no Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM no Amapá, compreendeu os anos fiscais de 2003 a agosto de 2008, com atualização até 2010. De acordo com as informações prestadas pelos técnicos do DNPM, foi a partir de 2003 que as informações passaram a ser consolidadas e, portanto, possuem maior confiabilidade nas análises (SIMÕES, 2008). Foi a partir de 2005 que o Amapá passou a sediar novos empreendimentos de exploração mineral, envolvendo capital estrangeiro, cujo modelo de implantação, apesar de contestado, foi diferente dos antigos em cumprimento à nova legislação. Em pouco tempo os valores auferidos com o início das atividades de exploração resultou no aumento de até 50% da receita dos municípios onde ocorrem a extração. Figura 1. Empresas e Municípios mineradores do Estado do Amapá – Brasil (Simões, 2008). 56 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Os municípios que se destacam no conjunto de maiores arrecadadores de CFEM são: Vitória do Jarí, com exploração de caulim pela Caulim da Amazônia – CADAM iniciada em 1977; Mazagão, com exploração de cromo pela Mineração Vila Nova – MVN que iniciou em 1988 (MONTEIRO, 2005) e Pedra Branca do Amapari, com exploração de ouro e ferro pela Mineração Pedra Branca do Amapari - MPBA e Anglo Ferrous Brazil (precedida pela MMX) iniciadas respectivamente em 2005 e 2007. Tabela 2. Cota-parte da arrecadação de CFEM (R$) por município no Amapá (2003/2010) MUNICÍPIOS ANO Vitória do Jarí Mazagão Pedra Branca do Amapari 2003 1.564.632,72 537.066,23 - 2004 3.041.793,15 31.664,10 - 2005 2.290.551,71 - 1.693,96 2006 2.254.796,16 - 686.020,90 2007 2.362.231,70 - 846.389,29 2008 3.765.234,40 613.023,53 2.973.713,09 2009 2.785.276,36 3.020,06 4.874.567,12 2010 2.117.696,61 163.954,07 9.507.873,68 Fonte: adaptado a partir de dados do DNPM, 2008 e 2011. De acordo com a lei brasileira os valores arrecadados a título de Compensação Financeira devem ser repassados mensalmente, quando há comercialização do minério, na percentagem de: 23% ao Estado, 65% ao município de onde se explora o minério e os 12% restantes ficam com a União, que deve repassar 8% ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), 2% aos órgãos ambientais e 2% ao Fundo de Ciência e Tecnologia. No Amapá, considerando os valores encontrados (Tabela 2), percebeu-se uma tendência de aumento na arrecadação dos royalties 57 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas minerais a uma taxa relativamente elevada, especialmente a partir de 2004, em virtude da implantação de novas mineradoras no Estado. As previsões indicam uma tendência positiva e bastante razoável de crescimento relativo da arrecadação global no tempo. Contudo, a taxa de crescimento não é indefinidamente garantida, em termos de desenvolvimento socioeconômico sustentável de longo prazo na região, porque depende fortemente do ciclo de vida individual de cada projeto mineral que, segundo as empresas estudadas nesta pesquisa, compreende um intervalo temporal entre oito e vinte anos. Neste aspecto, sempre haverá uma urgente necessidade de elaboração de planos de gestão para o uso eficiente da receita mineral no curto e médio prazos, sob pena de ver-se esvair as reais possibilidades de organização infraestrutural hoje e evitar as severas consequências ambientais e sociais desta atividade, em especial aos municípios que mais arrecadam a CFEM. 2. OS ROYALTIES E O FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS MUNICÍPIOS A partir de informações sobre o montante do valor recebido pelos municípios a título de royalties, foi realizada a relação destes com a principal receita municipal, qual seja, o Fundo de Participação dos Municípios – FPM, em que a transferência de recursos do governo federal ocorre segundo a distribuição do número de habitantes. Esse resultado foi útil para avaliar a expressividade relativa do primeiro, em relação às demais arrecadações dos municípios e se a CFEM apresenta-se como um diferencial para os municípios arrecadadores. Na análise específica do Fundo de Participação dos Municípios do Amapá, foi observado no último decênio, que em média, esses valores eram muito próximos entre si (com exceção de Macapá e Santana) cujos repasses têm sido similares para quase todos os municípios do Amapá. A figura 3 apresenta valores 58 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) de FPM recebidos por todos os municípios e valores de CFEM recebidos somente por municípios mineradores. Verifica-se que Vitória do Jari, Pedra Branca do Amapari e Mazagão possuem receitas extras razoáveis, se comparadas aos valores do FPM, que são provenientes da extração mineral e que outros municípios não recebem. Figura 3. FPM e CFEM recebidos pelos municípios do Amapá entre 2003-2010 (exceção Macapá e Santana). Fonte: Dados do FPM (Banco do Brasil e Tesouro Nacional) e de Compensação Financeira (DNPM). Portanto, se a maioria dos entes federativos municipais recebem valores próximos de FPM, excetuando-se os dois maiores – Macapá e Santana – e, somente os municípios mineradores recebem o percentual de CFEM, que em alguns casos são valores que ultrapassam o próprio Fundo de Participação, era de se esperar que estes demonstrassem melhores índices de desenvolvimento humano por auferirem renda extra. Mas como veremos a seguir, não foi o que as pesquisam revelaram. 59 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 3. OS ROYALTIES E OS INDICADORES DE DESENVOLVIMENTO HUMANO MUNICIPAL Em outra análise se considerou a CFEM recebida e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal - IFDM. Estes índices foram obtidos na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro no período entre 2000 e 2007 e publicados em 2006 e 2010, respectivamente, o qual considera emprego, renda, educação e saúde. O valor do IFDM pode variar de 0 a 1 e quanto mais próximo de 1, maior o grau de desenvolvimento avaliado. No Brasil a média municipal deste índice é de 0,6182 e, municípios mineradores como Itabira (MG) e Parauapebas (PA) apresentaram índices altos (0,8512 e 0,7825, respectivamente). O IFDM pode ser considerado como um indicador de efetividade do modelo sustentável na sociedade, útil para quantificar o nível de desenvolvimento dos municípios mineradores em relação aos demais que não recebem a CFEM. Assim, poderíamos esperar que os municípios que auferem uma receita maior, teriam o IFDM superior àqueles que não a recebem. A despeito dos significativos valores arrecadados com a CFEM nos três municípios estudados, não houve um reflexo proporcional em relação ao aumento dos índices de desenvolvimento humano (Tabela 3). Verifica-se que em Pedra Branca do Amapari, apesar da evolução da arrecadação de CFEM nos últimos cinco anos, o IFDM sofreu uma queda entre 2005 e 2007. Vitória do Jarí manteve-se em patamares próximos e, Mazagão evoluiu positivamente, mas não justificado pela utilização dos royalties, que sofreu uma queda neste período. 60 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Tabela 3. Ranking do Índice Firjan de Desenvolvimento Humano Municipal - IFDM para os três municípios estudados. IFDM IFDM IFDM Ano 2000 Ano 2005 Ano 2007 Pedra Branca do Amapari 0,4151 0,6475 0,5721 Vitória do Jarí 0,5559 0,5468 0,5480 Mazagão 0,5240 0,4871 0,5544 Municípios Fonte: adaptado a partir de dados do sistema Firjan. A pesquisa revela que o aumento da receita nos principais arrecadadores de Compensação Financeira no Amapá não se reflete num salto em qualidade de vida. A contradição se apresenta em números. Enquanto o Estado do Amapá (que como ente federativo recebe 23% do total da receita dos royalties) aparece em 10ª posição no ranking de maior arrecadador de CFEM dentre os 27 Estados da Federação (ano-base 2010), mantêm-se em 26º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (DNPM e Sistema Firjan). 4. OS ROYALTIES E SUA DESTINAÇÃO NOS MUNICÍPIOS MINERADORES DO AMAPÁ A lei não disciplina de que forma os entes federativos devem gastar a Compensação Financeira, apenas proíbe o pagamento de dívidas ou de funcionários. Entretanto, a doutrina sugere que a destinação deverá contribuir para a melhoria da saúde, educação, infraestrutura e qualidade ambiental. Considerando a aplicação recomendada, verifica-se que no Estado do Amapá, a utilização dos royalties não é planejada e não atende aos princípios mais básicos da sustentabilidade da mineração. A razão disso é que, apesar dos gestores municipais entrevistados informarem que os gastos ocorreram com saúde, educação e infraestrutura, os dados parecem não refletir em significativa 61 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas melhoria da qualidade de vida esperada para as populações diretamente afetadas pelos empreendimentos nos municípios. Os valores recebidos a título de royalties são substanciais e significativos na receita do Amapá. A pesquisa revelou que a cota-parte de 23% de CFEM recebida pelo Estado, entre 2004 e 2007, representa cerca de 60% do orçamento gasto com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, órgão estadual responsável por promover a gestão e conservação dos ecossistemas e a defesa do meio ambiente. Foi constatado que houve municípios que arrecadaram em renda mineral, por ano, mais do que o orçamento total recebido nas demais receitas. Por outro lado, a distribuição legal dos royalties não parece justa. A regulamentação no que se refere aos 2% da União destinados aos órgãos ambientais, acabou por beneficiar somente uma parcela do território brasileiro, independente dos que mais ou menos arrecadam a Compensação Financeira. Apesar do Estado do Amapá ser o segundo maior arrecadador de royalties minerais da região norte brasileira (Amazônia), não é contemplado pela proteção ambiental de seus respectivos municípios mineradores, uma vez que esta percentagem é administrada exclusivamente pela União, a qual determina o destino final desta cota-parte dos recursos. Trata-se de uma distorção legal e econômica que prejudica, em certo nível, todo o sistema territorial no Estado do Amapá. Os dados revelaram quão significativos são os valores arrecadados de CFEM pelo Estado. Entretanto, percebe-se que falta ao Poder Público uma efetiva política estratégica para o setor mineral. Talvez a superação desta limitação institucional possibilite adequar de forma mais eficiente a prática de modelos sustentáveis no uso do recurso financeiro. Observa-se que o planejamento e a fiscalização são praticamente inexistentes neste setor específico, principalmente na aplicação justa desta receita segundo a recomendação vigente. Sem planejamento, não há como conciliar o descompasso entre a perda de patrimônio ambiental, principalmente após a extração irreversível do minério, e o desenvolvimento almejado. 62 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) No curto espaço de tempo em que o Amapá voltou a sediar grandes empreendimentos minerários, logo após o ciclo do manganês, até o momento, não são claramente conhecidas as verdadeiras intenções governamentais para o segmento. O que se percebe é a manutenção da prática de solicitações assistencialistas dos municípios. Neste sentido, a ausência de uma política mineral a longo prazo pode ser identificada na relação inversamente proporcional entre os municípios que mais recebem a Compensação Financeira e o seu Índice de Desenvolvimento Humano. Deduz-se que, apesar dos impactos positivos da receita extra, a sua ineficiente utilização pode acarretar a criação de quadros contraditórios entre a abundância de recursos naturais e a baixa qualidade de vida da população. A literatura que retrata o contraponto entre locais com farta produção mineral e pouco desenvolvimento denomina esta atividade de “doença holandesa” (Dutch Disease) ou “maldição dos recursos” (Resource Course), devido a atividade de mineração tender a inibir investimentos em outros setores da economia como agricultura, manufatura, além da dificuldade de bem utilizar as receitas provenientes da exploração mineral (AUTY e WARHURST, 2002). Infere-se que não há melhoria no perfil de desenvolvimento dos municípios de base mineira no Amapá. Ao contrário, os números mostram que em Pedra Branca do Amapari houve uma queda nos seus índices de desenvolvimento municipal, a despeito do progressivo aumento da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais – CFEM. 4.1. Município de Vitória do Jarí O município de Vitória do Jarí é considerado um dos maiores beneficiário de royalties minerais no Estado do Amapá e fixa entre os quinze principais arrecadadores do Brasil (DNPM, 2008). Naquele território é explorado o caulim pela empresa CADAM. 63 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Apesar disso, a cidade apresenta um índice de desenvolvimento humano baixo, e sua situação ambiental e social é visivelmente preocupante. O gestores do município reconheceram que sem os valores recebidos a título de CFEM, a administração seria quase inviável. A principal razão é que, com este repasse financeiro, são pagos custeio com saúde, educação e até funcionários. Relatou ainda que, apesar de receber legalmente a receita mineral, seus gastos são maiores que dos outros municípios devido aos problemas sociais que a mineração causa. Dentre os principais problemas sociais encontra-se a migração populacional de outras regiões. Segundo seu entendimento, a lei deveria ser modificada quanto à distribuição da CFEM, excluindo o Estado como beneficiário ou determinando que este investisse sua cota-parte de CFEM, obrigatoriamente, nos municípios impactados. 4.2. Município de Mazagão Dentre os municípios mineradores estudados, Mazagão possui uma situação diferenciada. A empresa Mineração Vila Nova Ltda., que detém a concessão de lavra de cromo no referido município, havia suspendido o pagamento relativo à Compensação Financeira desde 2004. O montante do débito já se aproximava de R$ 29 milhões. Apesar de ser um potencial arrecadador de CFEM não pôde usufruir desta receita pela falta do pagamento e omissão do poder competente em cobrar os royalties devidos. Por interferência governamental, a partir de 2008, os valores passaram a ser pagos pela mineradora. Pelos números avaliados, Mazagão é o município, dentre os estudados, que menos recebe a CFEM. Entretanto, é válido ressaltar que o local onde ocorre a extração do minério é muito distante da sede municipal e, por conseguinte, dos efeitos negativos da explo- 64 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) ração. Assim, a cidade tem uma renda extra que se utilizada em infraestrutura, poderia incentivar, por exemplo, o turismo. 4.3. Município de Pedra Branca do Amapari No município de Pedra Branca do Amapari os empreendimentos minerários são de grande porte e foram instalados em 2005, com a Mineração Pedra Branca do Amapari - MPBA para exploração de ouro e em 2007, quando foi instalada a MMX, substituída pela Anglo Ferrous Brazil, para lavra do minério de ferro. A arrecadação de CFEM destinada a esse município alcançou aproximadamente dez milhões de reais em 2010, colocando o município em 17º lugar no ranking de maior arrecadador de CFEM no Brasil, dentre os 2.091 municípios mineradores que receberam esta receita (DNPM, 2011). Neste contexto, o município de Pedra Branca necessitou se estruturar rapidamente para sediar os empreendimentos de extração mineral. E não há dúvida de que problemas diversos têm surgido com a mesma rapidez. Dentre os mais significativos são observados: o aumento populacional, os danos ambientais (muito significativos – solos e rios principalmente), e aumento da dificuldade de acesso aos serviços públicos. A dúvida que Enriquez (2007) levanta sobre se a mineração é uma “maldição ou uma dádiva”, é uma realidade contundente nesse município. Alguns representantes do poder público municipal ainda se perguntam se os benefícios superam os problemas com a chegada das mineradoras, uma vez que serviços públicos e danos ambientes passaram a ser frequentes na situação atual. Por outro lado, os valores vultosos da renda mineral, em especial aqueles arrecadados com os royalties, já fazem parte do cotidiano orçamentário do município, sendo possível transformá-lo em modelo de desenvolvimento sustentável na região, apesar das distorções gerenciais detectadas na sua aplicação. Sob a ótica legal, pode ser considerado um modelo. Mas pela ótica gerencial, apresenta sérias limitações de uso dos recursos. 65 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas CONCLUSÃO Em resumo, é possível sugerir que os valores de renda mineral recebidos pelos municípios mineradores são substanciais. Mas também é imprescindível que a gestão seja melhor planejada e aplicada, sob pena de tornar todo o sistema de arrecadação ineficiente, tanto do ponto de vista legal quanto econômico. Neste contexto, acreditamos que a CFEM pode se tornar um importante instrumento para uma gestão ambiental mais sustentável no setor mineral, mas ainda carece de mecanismos e estratégias econômicas efetivas e ordenadas, de forma que possa reverter-se em benefícios à sociedade. Os municípios estudados possuem as mesmas características em relação à gestão e aplicação da CFEM. Todos esperam os valores auferidos com a exploração mineral, sem planos para o futuro. É fato que, a regulamentação da CFEM não vincula a aplicação desta receita a nenhuma despesa. Apenas proíbe expressamente o gasto com pagamento de dívida e funcionários. Contudo, o Departamento Nacional de Produção Mineral recomenda que seus valores sejam utilizados em infraestrutura, saúde, educação e qualidade ambiental, o que na prática é difícil de ser aferido ou fiscalizado. Os prefeitos entrevistados reconhecem a importância estratégica da CFEM para o seu orçamento, normalmente informando a destinação de recursos em infraestrutura, saúde e educação locais. A qualidade ambiental não é citada. Em se considerando o lucro obtido pelas empresas e os recursos naturais extraídos para alcançar estes dividendos, é imprescindível pôr em prática uma política estatal mais eficiente, de sorte que se mostre um maior retorno sócio-ambiental. 66 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Essas demandas são reais e urgentes e necessitam ser direcionadas por uma gestão mais compartilhada entre as esferas governamentais. É importante que a qualidade do gasto dos recursos financeiros da CFEM, associado a uma governança mais participativa que envolva os atores locais, empresa e o poder público, possam contribuir com a melhoria do desenvolvimento econômico, evitando-se o abandono futuro das cidades hoje exploradas. Finalmente, ao se considerar o limitado ciclo de vida da maioria das atividades minerais no Estado do Amapá, observa-se que os mecanismos de compensação apresentam graves falhas de gestão e de execução financeira concernentes à CFEM, principalmente em relação ao insuficiente nível de influência desta, em relação à promoção de alternativas econômicas no decorrer da exploração mineral e após sua exaustão. Apesar dos avanços legais e econômicos, indicado pela própria existência da CFEM, há sérias limitações para a ação municipal na condução do desenvolvimento local que precisam ser vencidas, a fim de se alcançar uma mineração sustentável. 67 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas BIBLIOGRAFIA AUTY, R.; WARHURST, A. Sustainable Development in mineral exporting economies. Resources Policy. UK, Elsevier, vol. 19, p. 14-29, 1993. ALTVATER, E. O Preço da Riqueza: pilhagem ambiental e a nova (des)ordem mundial. Tradução: Wolfgang Leo Maar. 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Seriamos assim assistindo a um processo de continentalização, isto é, à “sul-americanização” de um território tradicionalmente, politicamente e economicamente ligado ao continente europeu, e, de uma certa forma, ao mundo caribenho insular? Essa noção de “continentalização” como integração regional de territórios isolados foi conceitualizada pelo geógrafo canadense Dorval Brunelle (1989) e seus seguidores a partir do caso da província francófona canadense de Quebec dentro do NAFTA4, e aplicada pela primeira vez ao caso das Guianas pelo jurista francês Jean-Michel Blanquer (2005). Desejo das autoridades locais da Guiana francesa, este processo provoca um certo interesse por parte da França e do Brasil, que tem um papel muito importante nessa aproximação. Ainda que tarde, as duas potências descobrem a utilidade dessa fronteira remota que permite uma parceria mais estreita após séculos de ignorância, mas que está deixando de lado a personalidade dessa região francesa da Amazônia. Tratado norte-americano de Livre Comércio, assinado em 1991 entre EUA, México e Canadá. 4 71 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 1. A DIFÍCIL DETERMINAÇÃO DAS FRONTEIRAS 1.1. OS LITÍGIOS FRONTEIRIÇOS A atual Guiana francesa decorre da instalação de franceses depois do fracasso de tentativa de colônia de “França equinoxial” no Maranhão. O navegador Daniel de La Touche, senhor de La Ravardière, havia reconhecido em 1604 a região da “ilha” de Caiena e a foz do rio Oiapoque. Mas os franceses nunca tinham desistido de conquistar o Brasil, e o mesmo La Ravardière, por ordem do rei da França D. Henrique IV fundou no Maranhão uma efêmera colônia de França Equinoxial a partir do núcleo de S. Luis, em 1612. Expulsos do Maranhão três anos depois, os franceses estabeleceram-se definitivamente entre Maroni e Oiapoque, na parte da Guiana descoberta por La Ravardière, onde criaram uma nova companhia de França Equinoxial, com atribuições “do Orinoco até o Amazonas”, enquanto os portugueses fundavam a capitania do Cabo do Norte, cujo limite teórico era o rio Oiapoque. Havia, portanto, uma confusão das soberanias europeias nessa parte das Guianas. Se a vizinhança com os holandeses ao oeste também trouxe problemas fronteiriços, só resolvidos em 1891 no rio Maroni a favor da Holanda, foi com o Brasil que a França teve as maiores dificuldades devido à proximidade do estratégico e cobiçado rio Amazonas. Em 1713, depois de uma primeira neutralização do espaço entre Oiapoque e Amazonas, o tratado de Utrecht, pondo fim a uma longa guerra entre as principais potências da Europa, estabeleceu definitivamente a fronteira entre Guiana francesa e Brasil português num rio “Japoc ou Vicente Pinçon” nunca localizado com precisão: enquanto ficava claro para os portugueses que só podia se tratar do Oiapoque, por evidentes razões fonéticas, e também porque a antiga capitania do Cabo Norte o atingia, os franceses alegavam que era o rio Araguari, cuja foz permitia o ingresso no rio Amazonas, impensável para os portugueses. Após 72 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) vários tratados devidos ao contexto das guerras revolucionárias na Europa, e até uma ocupação luso-brasileira da Guiana francesa entre 1809 e 1817, o problema continuou depois da independência do Brasil: D. Pedro II, em frente a movimentos separatistas inclusive no Pará, aceitou em 1841 a neutralização da parte pedida pela França: ninguém podia conquistá-la antes que sejam feitas negociações entre as duas potências. O problema só foi resolvido em 1900, depois de uma mortífera intervenção militar francesa em Mapá em 1895, que provocou uma grave crise diplomática. França e Brasil resolveram então solicitar uma arbitragem internacional, e a Suíça foi aceita por ambas as partes. Os debates ocorreram em Berna entre 1899 e 1900. 1.2. O TRATADO DE BERNA (“LAUDO SUÍÇO”), FRUTO DE UMA VISÃO GEOPOLÍTICA BRASILEIRA A importância deste problema não era igual na França e no Brasil. A primeira era na verdade mais preocupada com as conquistas coloniais na África e na Indochina, enquanto a nova república no Brasil se encontrava em busca de legitimidade e de afirmação territorial. Isso se verificou com o cuidado dos argumentos para convencer os juízes suíços. O famoso geógrafo francês Paul Vidal de La Blache preparou para as negociações um corpus de mapas pretendendo mostrar que o rio “Japoc ou Vincente-Pinçon” era mesmo o Araguari, já que no século 17, com uma orientação mais atlântica, podia ter sido escolhido como fronteira pelos portugueses. Alegava isso com a presença em vários mapas de uma baía de VincentePinzon à proximidade desse rio (LÉZY, 1998). Mas a delegação francesa era composta com diplomatas pouco envolvidos. Essa visão científica de um rio mudando de orientação opôsse à visão mais demográfica, humana e econômica, digamos mais geopolítica, do barão de Rio Branco, que encabeçava a 73 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas delegação brasileira. Forte de um sucesso precedente obtido contra a Argentina na questão de Palmas, Rio Branco mostrou, com um número impressionante de mapas e escritos, a inanidade das pretensões francesas numa região que sempre foi ocupada na sua maior parte por súditos brasileiros, com redes comerciais mais ligadas a Belém do que a Caiena. Rio Branco aplicava ao problema do Contestado os mesmos argumentos do uti possidetis, que tinha permitido ao Brasil apoderar-se da maior parte da Amazônia espanhola pelo tratado de Madrid em 1760. Além disso, ressaltou o apoio inglês a Portugal, que assim nunca teria permitido deixar os franceses tão perto do rio Amazonas, aniquilando a hipótese do Araguari (RIO BRANCO, 1899). E deu certo. A lógica do povoamento brasileiro, suas redes e o apoio inglês convenceram mais os suíços, perdidos nessa abundância de mapas e topônimos, do que os argumentos estritamente científicos de Vidal de La Blache, facilmente combatidos por Rio Branco devido à imprecisão e às contradições da cartografia da época (OLIVEIRA, 1997). Na Guiana francesa (a França sendo totalmente indiferente), o Brasil foi acusado de expansionismo, já que os guiananenses consideravam, de boa fé, o Contestado como parte integrante da sua colônia. Pior ainda, a parte ocidental do Contestado, entre os rios Oiapoque e Calçoene, era povoada em maioria de “crioulos” franceses e incorporada aos circuitos comerciais de Caiena (Goeldi, in Gomez/Queiroz/Coelho, 1999). Mas os diplomatas franceses, inclusive Vidal de La Blache que se recusou em utilizar argumentos demográficos, não souberam desfrutar desse fato admitido até pelos brasileiros, para pedir pelo menos a fronteira no rio Calçoene: na verdade o que interessava a França não era o alargamento do pouco produtivo território guianense, mas sim o acesso ao Amazonas que permitia o limite até o Araguari (GRANGER, 2011). Os brasileiros viram assim a decisão de Berna não como uma extensão do território (como foi a compra do Acre em 1903), 74 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) mas sim como uma decisão de justiça face às pretensões de franceses que tiraram durante décadas da sua soberania um território para eles obviamente brasileiro. Assim, a decisão arbitral de Berna é qualificada pelo Brasil de laudo [suíço] enquanto a historiografia francesa fala em traité (tratado) de Berne. Rio Branco, depois deste sucesso, foi nomeado ministro dos Assuntos exteriores, onde continuou com sucesso essa política de retificações territoriais na Amazônia a favor do Brasil. Mas Vidal de La Blache entendeu a lição de Rio Branco: quando escreveu La France de l’Est em 1917 para convencer o presidente estadosunidense Wilson de que a região ex-francesa, mas de fala germânica, da Alsácia devia retornar a França depois de ter sido anexada pela Alemanha em 1871 (um dos motivos da 1ª Guerra mundial), ele utilizou, 17 anos depois do barão, os mesmos argumentos de territorialidade, povoamento, estradas e redes comerciais ligando Alsácia à França há séculos, fundando assim, segundo Yves Lacoste (1976), a geopolítica francesa. 2. A GUIANA FRANCESA NOS CONFLITOS INTERNACIONAIS DO SÉCULO XX: PREOCUPAÇÃO DO BRASIL 2.1. A CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO FEDERAL DO AMAPÁ, CONSEQUÊNCIA DA PRESENÇA FRANCESA A resolução do tratado e a fuga dos franceses do ex-Contestado para a Guiana provocaram uma desconfiança mútua: guianenses temendo um avanço do Brasil na Guiana, aproveitando a fraca defesa da França, e os brasileiros temendo no ex-Contestado e no Pará uma obsessão francesa de avançar até o Amazonas, que mostrava a falta de envolvimento francês para delimitação da fronteira (BACKHEUSER, 1952). Isso na verdade se devia à falta de verba para uma região que nunca foi prioritária na política colonial francesa. 75 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Esse medo, do lado brasileiro, sempre apareceu entre os políticos e geopolíticos brasileiros, de Backheuser ao general Golbery, as fronteiras amazônicas sendo espaços que se tinha de povoar e desenvolver para afirmar a presença e a soberania brasileira. Temos de lembrar que tanto a cidade de Belém como a fortaleza de Macapá, devem sua existência à presença ameaçadora dos franceses à proximidade imediata do rio Amazonas nos séculos XVII e XVIII. Por isso, depois do discurso de Manaus do presidente Vargas anunciando a criação dos territórios federais em algumas zonas fronteiriças, o ex-Contestado (mais a margem esquerda do rio Amazonas com Macapá) foi separado do Pará em 1943 para se tornar Território Federal do Amapá, direitamente dirigido pelo governo federal. Assim, as decisões em relação àquele território não se tomavam mais em Belém, mas na remota capital federal do Rio de Janeiro, através de um governador nomeado pelo poder central. O motivo era que o Brasil acabava de declarar a guerra à Alemanha e essa, ocupando a França, podia, segundo Vargas, utilizar a Guiana contra ele. Guiana francesa portanto representava para o Brasil um perigo por sua remota implicação num conflito mundial, mais do que um alvo para cobiças territoriais eventuais, que Vargas precisamente considerava satisfeitas graças à ação do barão do Rio Branco. Porém, no começo da guerra, quando a Guiana francesa foi isolada da metrópole pelo bloqueio alemão, houve intercâmbios inéditos: a Guiana comprava carne e bois paraenses com seu ouro, mostrando que, com ligações cortadas com Europa, fazia mesmo parte do mundo sul-americano. 2.2. A “DEPARTAMENTALIZAÇÃO” DA GUIANA FRANCESA, ANCORAGEM RESFORÇADA À FRANÇA E À EUROPA Pouco depois, foi a vez da Guiana francesa de também conhecer uma mudança institucional. Em 1946, devido a um voto unânime do parlamento francês e satisfazendo uma velha reivin76 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) dicação das elites locais, as “velhas colônias” francesas da Guiana, Martinica, Guadalupe (no Caribe) e Reunião (no oceano Índico) tornaram-se departamentos (distritos administrativos da França) de ultra-mar, isto é, parte integrante da República francesa e prolongamento territorial da metrópole pela assimilação legislativa e socio-econômica. Representava, de jure, mais que de fato no começo, o fim do estatuto colonial. Uma descolonização sem independência, admitida pela ONU, dando à Guiana francesa uma situação semelhante à do Havaí, nos Estados Unidos, permitindo aos novos départements franceses de desfrutar das leis trabalhistas, previdência social e altos salários da França. O governador colonial foi substituído por um préfet, um tipo de procônsul das colônias romanas, como em qualquer département da metrópole. Mas desfrutava de menos iniciativa e poder, tomando ordens na capital, Paris e aproximando a Guiana do centro francês, ao detrimento das relações com os países e territórios vizinhos. Leis, decretos, programas escolares e funcionários públicos de alto escalão provêm quase todos da remota capital francesa, o que deu aos guianenses um certo sentimento de dominação e até de alienação para parte da classe política (MAM LAM FOUCK, 1997). Foi assim sem concertação que a França implantou a base espacial em 1964, como o Parque nacional amazônico em 1992. Assim, apesar do desenvolvimento social, mais que econômico, a Guiana se tornou totalmente periférica tanto em relação à França como ao mundo sul-americano. Esses novos estatutos contribuíram para o afastamento mútuo que sofreram Amapá e Guiana francesa após a segunda Guerra mundial. Porém, apesar da desconfiança, o Brasil não contestava a presença da França à sua fronteira: na constituição da Organização dos Estados da América em Bogotá em 1948, Brasil foi o único país (com República Dominicana e os Estados Unidos) a não votar a favor da moção denunciando a presença europeia no Caribe e nas Guianas. A lógica da Guerra fria já tinha superado o tradicional 77 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas anticolonialismo brasileiro: apesar das declarações informais de alguns políticos brasileiros, nunca o Brasil contestou oficialmente a presença francesa na Guiana, afinal de contas positiva já que a França se encontrava no campo dos aliados ocidentais na Guerra fria. Assim a situação francesa da Guiana tornava-a motivo de segurança depois de ter sido ameaçadora durante a 2ª Guerra mundial. 2.3. A GUIANA FRANCESA NA GUERRA FRIA Depois de um longo período de indiferença, Brasil só começou a perceber o interesse das Guianas a partir dos anos 60, depois dos distúrbios políticos no Caribe, que se tornou um teatro da Guerra fria com a revolução cubana. A geopolítica brasileira muito tempo desprezara esses pequenos territórios fora da bacia amazônica, e controlados por potências europeias. Mas após as independências, nos anos 70 tornaram-se motivo de preocupação para o governo militar brasileiro. Este, aliado aos Estados Unidos, temia que o vazio demográfico da Amazônia setentrional fosse usado para tentativas de desestabilização subversiva. Realizava assim que as fronteiras mais sensíveis do Brasil deixavam de ser como antigamente com Argentina, Bolívia e Paraguai, para ficarem com o Caribe, através das Guianas que o botavam em contato direto com os conflitos da Guerra fria: após a independência em 1966 a República da Guiana (ex-Guiana inglesa) se dirigiu num caminho nitidamente socialista, e o Suriname, depois do golpe de 1982, olhou do lado de Cuba e da Líbia do coronel Kadhafi. Percebendo o perigo, obcecado pelo sentimento de ser cercado pelos países hispanófonos, e a procura de novas vizinhanças, o Brasil conseguiu a admissão da República da Guiana e do Suriname no Tratado de Cooperação Amazônico em 1978, com os demais países de ecossistema amazônico. Mais tarde, nos anos 80, satelizou-os com vantajosos acordos militares e econômicos, a fim de substituir uma influência castrista inaceitável, e que tinha menos a oferecer a esses países. Porém, mais virados pelo ocea78 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) no e culturalmente mais próximos dos países caribenhos que se emancipavam progressivamente, República da Guiana e Suriname pertencem desde os anos 1990 e o fim da Guerra fria à Associação dos Estados Caribenhos (AEC), aos Países ACP5 e à CARICOM6, cuja sede inclusive fica em Georgetown, capital da República da Guiana, fazendo-os escapar parcialmente de uma demasiada forte dependência em relação ao Brasil (BLANQUER, 2005). Ao grande alívio do Brasil, a fronteira sul da Guiana francesa foi demarcada com sete bornas de betão em 1962, por uma comissão mista franco-brasileira liderada pelo famoso Jean Hurault. Além disso, o departamento francês pelo menos não apresentava tal risco de um regime pró-cubano ou até pró-soviético, graças à presença francesa, mas Fidel Castro apoiou abertamente o movimento independentista que apareceu nos anos 70, sem nunca se desenvolver significativamente. Uma das poucas referências diplomáticas brasileiras à Guiana francesa foi o reconhecimento como “extensão territorial da França” pelo presidente Figueiredo num encontro oficial com a França em 1981. A presença do exército francês na Guiana francesa permite efetivamente ao Brasil de poupar soldados nessa fronteira segurada para colocálos em fronteiras mais sensíveis, com a Colômbia ou Venezuela por exemplo. Forças francesas na Guiana e forças brasileiras participam, aliás, há muito tempo, de operações conjuntas. Assim desprezada pela diplomacia brasileira e mal ligada a seu grande vizinho, Guiana francesa exerceu um papel de tampão para um Brasil que até há pouco não percebia as potencialidades dessa vizinhança original. Mas o alto nível de vida fez do “département” francês um destino para migrações, planejadas, toleradas ou clandestinas, e tráficos tanto caribenhos como, cada vez mais, Países da África, Caribe e Pacífico que fecharam acordos comerciais preferenciais com a União Européia. 6 Mercado comum do Caribe, incluíndo Antilhas e Guiana ex-inglesas, Suriname e Haiti. 5 79 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas sul-americanos (do Brasil ao Peru, passando por Colômbia), provocando, assim, um começo de integração regional pelo ilícito! (GRANGER, 2011) [Fig. 1] Figura 1 - A continentalização da Guiana pelo ilícito 2.4 O ISOLAMENTO REGIONAL: UMA REGIÃO EUROPEIA NA AMÉRICA DO SUL Sendo parte integrante da França como o Amapá do Brasil, a Guiana francesa seguiu o caminho da França até uma integração cada vez mais forte na União Europeia, enquanto os vizinhos integravam a CARICOM ou o MERCOSUL. Isso explica que, num território situado geograficamente na América do sul, os parceiros econômicos fiquem na União Europeia, e que de lá provenham a maior parte dos produtos vendidos, inclusive os sucos de frutas tropicais! [Fig. 2] O isolamento comercial decorrendo do “exclusivo colonial” dos séculos XVII e XVIII, consagrado pelo tratado de Utrecht de 1713 que proibia qualquer comércio entre a Guiana francesa e o Brasil, foi assim prorrogado por sua integração dentro da Comunidade Europeia. Outra consequência desse estatuto europeu: o isolamento físico dentro do continente sul-americano, situação própria, aliás, 80 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) às outras Guianas. Além da fronteira com o Suriname, Caiena só é ligada à cidade de Saint-Georges, na fronteira com o Brasil, desde final de 2003. E por via aérea, as únicas ligações são dois voos semanais até Belém, enquanto existia há poucos anos uma ligação cotidiana com Macapá e Belém, graças a uma companhia brasileira que faliu. Desapareceram as ligações com Macapá e Paramaribo apesar dos acordos de cooperação regional. Mas a Guiana francesa ainda conhece dois voos cotidianos para Paris, e também dois para as Antilhas francesas, o voo proseguindo até Haiti e Miami [Fig. 3]. Figura 2 - Exportações econômicas da Guiana francesa 81 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Figura 3 - O isolamento físico da Guiana francesa Nos anos 1950, no entanto, Caiena era uma escala dos voos da PAN-AM ligando Nova-Iorque a Buenos-Aires e nos anos 70 até 80, da Air France ligando Paris a Manaus, Bogotá, Lima ou Quito. Mas a fraca importância da Guiana francesa e a crescente autonomia dos aviões acabaram com essa situação de Caiena como ponte entre a Europa e a América do sul, agravando seu isolamento regional por falta de interesse. Como as vizinhas surinamenses e guinaneses, a Guiana francesa assim mais parece um território caribenho do que sulamericano, enquanto fala-se nesses territórios línguas (inglês, holandês, crioulo e francês) presentes no Caribe, mas não no resto da América do sul. Mas essa “caribização” foi cada vez negada por alguns políticos guianenses, a favor por motivos identitários de uma “sul-americanização” da Guiana francesa: queriam assim se aliviar de uma pressão e dominação do Estado nacional francês e até das Antilhas francesas (por motivos administrativos) que 82 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) achavam demasiadas fortes e alienadoras, sem necessariamente rejeitar o estatuto francês. 3. RUMO À INTEGRAÇÃO SUL-AMERICANA DA GUIANA FRANCESA 3.1. DOS ACORDOS COM O AMAPÁ AO PROGRAMA AMAZÔNIA: GUIANA FRANCESA EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE PERDIDA As mudanças institucionais da Guiana francesa (o presidente eleito do Conselho regional substituindo o préfet como poder executivo com as leis de descentralização administrativa de 1982) e do Amapá (tornando-se estado em 1988) permitiram a aproximação de dois territórios vizinhos em pleno questionamento identitário. Assim, o presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso, em visita oficial na França em 1996, assinou com o presidente francês Jacques Chirac um acordo bilateral de cooperação, cujo artigo 6 mencionava, a pedido das autoridades políticas locais, a cooperação transfronteiriça entre Guiana francesa e Amapá, permitida pelos novos estatutos. Assumindo concretamente pela primeira vez a existência de uma fronteira comum, os dois presidentes encontraram-se novamente, o ano seguinte, na Guiana francesa; tratava-se, aliás, da primeira visita de um presidente brasileiro neste território francês. Lá, acedendo ao pedido das autoridades locais7, decidiram da construção da ponte no rio fronteiriço Oiapoque, ligando Guiana francesa e Amapá, e simbolicamente França e Brasil, como também União O governador do Amapá João Capiberibe e o presidente do conselho regional da Guiana francesa Antoine Karam, fizeram essa proposta num encontro transfronteiriço precedendo o dos chefes de Estado. 7 83 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Européia e Mercosul. Além disso, permitirá uma abertura do norte do Brasil até o Caribe, e a junção das duas pontas do Brasil (Amapá e Roraima), concretizando o projeto Arco Norte. Os brasileiros entenderam que além da França, é a União Européia que assim se tornava vizinha do Brasil. Com efeito, se a Guiana francesa com apenas 220.000 habitantes constitui um fraco mercado, permite, no entanto, uma abertura em direção ao Caribe e principalmente à União Européia, constituindo uma “porta de entrada” pela qual o Brasil está querendo introduzir exportações amazônicas, “europeanizadas” numa zona franca na Guiana. O alvo migratório para populações carentes do norte se transformou num alvo de parceria oficial, também provocado pela “europeanidade” da Guiana francesa. Todos os assuntos diplomáticos em relação à Guiana francesa estão tratados pelo departamento “Europa” do Itamaraty! Essa cooperação passou a um escalão superior com o fechamento em julho 2008 dos acordos do Programa Operacional Amazônia da União Europeia pela Guiana francesa, os estados amazônicos do norte do Brasil (Amapá, Pará e Amazonas) e o Suriname. No quadro da sua política de cooperação transfronteiriça para diminuir as diferenças entre regiões vizinhas de cada lado das fronteiras comunitárias, a União Europeia encarregou a Guiana francesa de distribuir uma verba de 17 milhões de euros em diferentes projetos de desenvolvimento sustentável transfronteiriços, tornando-a intermediário obrigatório entre Europa e os estados amazônicos do Brasil. Esses agora vêem na vizinhança com União Europeia outras oportunidades de parceria, enquanto a Europa bem percebeu o interesse ecolôgico e estratégico da Guiana francesa para afirmar sua política de desenvolvimento sustentável: é lá que fica o maior parque natural da Europa. Guiana francesa assim podia assumir essa identidade sul-americana, negada durante muito tempo, com a benção da União Europeia e da França. 84 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Esse começo de integração também se concretizou com a inclusão da Guiana francesa no programa IIRSA8 , devido à presença de uma estrada, e daqui a pouco de uma ponte, permitindo ligar pela Guiana o Brasil ao norte do continente sul-americano. Assim foi reconhecido que fazia mesmo parte do continente sulamericano. 3.2. UMA INTEGRAÇÃO POLÍTICA QUASE IMPOSSÍVEL O paradoxo, assim, é que a afiliação europeia da Guiana Francesa está agora tornando-a atrativa para o Brasil, depois de tê-la afastada. É o que mostrou, em 2004, o desejo dos países integrantes da OTCA de associá-la como membro observador, através da França. No começo, havia essa mesma OTCA, em 1978, excluída a Guiana francesa como “anomalia colonial” devido a seu estatuto de território francês. Mas os tempos estão mudando, e agora sua parceria se torna procurada: com respostas científicas europeias (Instituto Pasteur, IRD9, CIRAD10) à problemas comuns como a luta contra alguns parasitas ou doenças tal a dengue ou a malária, com orçamentos e competências que nem sempre se encontram em outros países amazônicos, Guiana francesa tem uma experiência da qual os Estados da região gostariam de desfrutar. Também esperam assim aproximar-se da União Europeia como alternativa à demasiada forte influência estados-unidense. Era o sentimento do ministro das relações exteriores do Brasil, Celso Amorim, quando declarou que a França tinha que participar do desenvolvimento da região amazônica11. De fato, não Iniciativa para a Integração Regional Sul-Americana, projeto da BID e da UNASUL para a integração das infraestruturas de transporte na América do sul. 9 Instituto francês de pesquisa para o desenvolvimento. 10 Equivalente ao EMBRAPA no Brasil. 11 La Presse de Guyane, 15 septembre 2004. 8 85 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas é a própria Guiana francesa que interessa o Brasil, mas sim sua situação de região da França, potência tutelar economicamente estratégica. Mas, também por causa deste estatuto europeu, não pode participar dos votos dentro da OTCA, e sua inserção continental ficará incompleta. Aliás, os limites apareceram na 1ª cúpula à qual foi convidada a França: em Iquitos, em 2005, esta foi representada por diplomatas franceses e não, como inicialmente previsto, pelas autoridades regionais da Guiana francesa, o que constrangeu algumas delegações, por ser ela a única não chefiada por um chefe de estado ou de governo. Pior, em dezembro de 2006, a Comunidade Sul-Americana das Nações (CSAN, UNASUL, União das Nações Sul-Americanas, desde 2008), organização que como a OTCA se deve em grande parte à iniciativa do Brasil, afastou a Guiana francesa, e só ela, das disposições para suprimir a necessidade do passaporte e do visto entre países do sub-continente. A importância dos fluxos migratórios e a nacionalidade francesa dos franco-guianenses tornara impossível a reciprocidade. Enquanto a mesma UNASUL, graças aos esforços do presidente Lula, permitiu a integração de uma República da Guiana e de um Suriname ainda ignorados do resto do continente, fazendo desses países obviamente caribenhos uma interface maior entre América do sul e Caribe. 3.3. A GUIANA FRANCESA ENTRE AFIRMAÇÃO REGIONAL E ESTRATÉGIAS DAS GRANDES POTÊNCIAS Então, conseguiu a Guiana francesa “continentalizar-se” através dessas políticas de cooperação? Na verdade, se a cooperação científica e cultural teve êxito, a cooperação econômica decepcionou: fluxos migratórios cresceram pelo menos até 2008 (operações mais sucedidas da Gendarmerie francesa), poucos produtos brasileiros atravessam legalmente a fronteira, aqueles consumidos na Guiana ainda vêm na sua maior parte da Europa, e a zona franca prevista na fronteira nunca apareceu. As lógicas protecio86 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) nistas dos grandes conjuntos econômicos ainda prevalecem, enquanto sempre é mais fácil para um brasileiro viajar para Paris do que para Caiena, onde, além disso, terá que apresentar um visto com um passaporte biométrico! Mas o Brasil começa a perceber o interesse dessa fronteira atípica à sua fronteira norte. Novamente se encontraram em Saint-Georges os presidentes francês e brasileiro, desta vez Sarkozy e Lula da Silva, em 2008, mas sem as autoridades políticas locais, quase marginalizadas. Além dos projetos locais de universidade da biodiversidade no Oiapoque, a diplomacia parece ter sido o motivo principal do encontro: a França se comprometeu em apoiar o pedido brasileiro de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, e de transferir tecnologia militar ao Brasil caso ele comprar os aviões de caça Rafale (BRASIL/ FRANÇA, 2008). Assim tornava-se mais estratégica para o Brasil a parceria com a França, e isso valia talvez a pena de reconhecêla como país vizinho, e portanto amazônico, pela presença da Guiana francesa. Mas foi a França, e não a Guiana, que assim o Brasil reconheceu como vizinho. Não se tem de esquecer que entre as novas potências emergentes, Brasil ao contrário da China e da Índia tem uma velha tradição francófila, até se isso nunca se viu na fronteira comum. Esse reconhecimento da Guiana francesa como interface, porém, não teve grande êxito. A cúpula da OTCA em Manaus de 2009, da qual participou pela 1ª vez o presidente francês Sarkozy a convite do presidente Lula, para preparar o encontro ambiental de Copenhague, se viu quase boicotada pelos outros chefes de estado, alegando agenda supercarregada: além do presidente brasileiro só participou o presidente da República da Guiana Bharrat Jagdeo. A França tinha tentado assim, graças ao esforços do Brasil precisando de uma parceria a alto nível para seu novo papel de grande potência, um esboço de integração amazônica através da Guiana francesa, mas acabou quase vetada pelos outros países da região. O desejo do Estado francês de se impor como tal na 87 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas OTCA no lugar das autoridades eleitas da Guiana francesa e seu fracasso estão por enquanto impedindo à região francesa de participar de verdade aos trabalhos da organização, paralisando suas afirmação regional e integração dentro de um organismo internacional sul-americano. Tanto a necessidade do passaporte e de visto devido à exclusão da UNASUL como a preeminência do Estado francês dentro do OTCA estão mostrando que a Guiana francesa só é, ainda, um distrito francês e europeu dentro da América do sul, mais do que o território sul-americano que também gostaria de ser . CONCLUSÃO: ENTRE AMÉRICA DO SUL E EUROPA, A CONTINENTALIZAÇÃO INCOMPLETA A ponte sobre o rio Oiapoque, ligando uma região francesa e europeia da Amazônia e um estado da Federação brasileira, deveria ser inaugurada em fevereiro ou março de 2012. Mas ao contrário de uma promessa feita ao presidente Lula, o presidente Sarkozy ainda estaria hesitando em participar do evento12, alegando, também ele, uma agenda sobrecarregada. Será que com o interesse menor da nova presidente brasileira Dilma Rousseff pelos aviões franceses, a Guiana francesa e sua fronteira com o Brasil deixaram de ser estratégicas para o presidente francês? A “continentalização” da Guiana francesa assim controlada pelo Estado francês se tornou incompleta, movida tanto por vontade política das autoridades políticas guianenses como por interesse próprio do governo francês, que nem sempre concordam: o Conselho regional da Guiana francesa gostaria de desfrutar de maiores poderes internacionais, enquanto o Estado francês está Fontes locais evocam agora a inauguração da ponte junta com a da base espacial russa Soiuz em Sinnamary perto de Kourou, justificando melhor uma viagem do presidente francês. 12 88 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) querendo agora utilizar a situação geográfica da Guiana francesa para renovar uma parceria nova com o Brasil, que acaba de descobrir e perceber como vizinho. Mas em apenas 20 anos o progresso foi espetacular. A Guiana francesa está agora integrada em projetos regionais, reconhecida como interface entre Europa e América do sul, e daqui alguns meses vai ser ligada fisicamente à maior potência da região. Mas sua fraqueza tanto institucional como demográfica e econômica, sua dependência até desejada pelos próprios guianenses13, impedirão por muito tempo uma verdadeira integração dentro de um continente pelo qual o interesse principal deste território ainda reside na sua situação francesa e europeia. [fig. 4]. Figura 4: A Guiana francesa nos esquemas de integração regional. Pela votação de janeiro de 2010 os guianenses rejeitaram o alargamento dos poderes locais, temendo uma proteção reduzida do Estado francês. 13 89 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas BIBLIOGRAFIA ANDRADE Manuel Correia de. Geopolítica do Brasil. São Paulo, Ática, 1989. BACKHEUSER Everardo. Geopolítica geral e do Brasil. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1952 BLANQUER Jean-Michel. Les Guyanes et les Amériques entre continentalisation et « océanisation », Etudes de la documentation française. Paris : Amérique latine, Paris, 2005. BRASIL/FRANÇA, MRE. Plano de ação franco-brasileiro. 2008. 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Afin de mieux comprendre les enjeux autour de ce pont, un Observatoire Hommes/Milieux (OHM) a été créé par le Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) français. Nous nous proposons ici de retracer la naissance de cet OHM en le resituant dans sa problématique scientifique, puis de montrer et d’expliquer la complexité du peuplement de cette zone frontalière en insistant sur les relations liant les hommes à leurs milieux. Enfin, en passant à une échelle plus petite, nous présenterons une réflexion sur les emboîtements d’échelles du local à l’international en prenant le cas des politiques environnementales. 93 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Figure 1- Le pont transfrontalier sur l'Oyapock, juin 2011. Cliché Antonia Cristinoi. 1) UN OHM SUR UNE FRONTIERE AMAZONIENNE La décision de construction d’un pont sur le fleuve Oyapock, qui fait frontière entre la France et le Brésil, via la Guyane, département-région d’outre-mer, et l’Amapá, État fédéré, est prise en novembre 1997. Elle est annoncée par les présidents français et brésilien, MM. Jacques Chirac et Fernando Henrique Cardoso, lors d’une rencontre à Saint-Georges de l’Oyapock, sur la rive française du bas cours du fleuve. C’est à la hauteur de ce bourg et de celui qui lui fait face sur la rive brésilienne, Oiapoque, que son implantation est prévue, dans le prolongement de la route fédérale brésilienne BR156 et de la route nationale française RN2, alors toutes deux en construction. Le projet trouve sa première concrétisation dans la signature d’un accord bilatéral spécifique le 5 avril 2001 à Brasília. Un second accord, signé le 15 juillet 2005 à Paris, donne une feuille de route très claire aux partenaires impliqués en instituant les modalités pratiques de sa 94 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) construction. À la suite des études techniques qui déterminent le choix du tracé et optent pour un pont à haubans de 378 mètres et à deux voies, un appel d’offres international est lancé. Il est remporté en 2009 par le groupement brésilien EGESA/CMT qui débute les travaux la même année, sous la maîtrise d’ouvrage du Brésil. Son ouverture à la circulation devrait s’effectuer dans le courant de l’année 2012. C’est dans ce contexte que fin 2007, la présidente du CNRS de l’époque, Mme Catherine Bréchignac, a l’idée de lancer la création du second Observatoire Hommes/Milieux (OHM) du CNRS. À cette date, les travaux du pont sont à peine initiés. Du côté français, les services de l’archéologie préventive mettent à jour de magnifiques urnes funéraires de la période Aristé, Xe siècle de notre ère (Mestre & Hildebrand, 2010). Cette découverte confirme l’importance et l’ancienneté d’occupation de la région. Créé en juin 2008, l’Observatoire Hommes/Milieux Oyapock est, comme tous les autres OHM, un outil de l'Institut Écologie et Environnement (INEE) du CNRS. Il s'attache à l'observation globale des conséquences d'un fait anthropique majeur, ici la construction du pont transfrontalier enjambant l’Oyapock entre le Brésil et la France, sur la société et le milieu. Ainsi, ce sont les interactions hommes-milieux qui constituent le cœur des études de l’OHM, dans le but avoué d'aide à la décision pour les décideurs locaux, régionaux et nationaux. L’impact du pont, activité structurante (mais peut-être également déstructurante…), est ainsi étudié de façon globale par de nombreux chercheurs et étudiants, chacun depuis son cœur de discipline. Nous avons choisi de décliner les dynamiques régionales selon quatre axes : • Dynamique des peuplements humains: visant à reconstituer les phases successives du peuplement de la région et à modéliser son évolution, cet axe fait surtout appel aux historiens, aux archéologues et aux ethno-historiens pour le passé, auxquels 95 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas s’ajoutent démographes, anthropologues et géographes pour le présent et l'avenir. • Dynamiques identitaires : leur étude cherche à caractériser les cultures en place, en particulier leur organisation sociale et leurs relations au milieu naturel; les rapports entre populations locales et nouveaux migrants font l'objet d'une attention particulière. Géographes, sociologues et anthropologues sont ici particulièrement sollicités. • Dynamiques environnementales : après avoir caractérisé les milieux, nous tentons, à partir d'un bon bilan, d'anticiper les atteintes futures dans différents domaines : chasse et pêche, possibilités d'expansion agricole, qualité de l'eau, modification du couvert forestier. Les compétences des pédologues, écologues, hydrologues, agronomes et géographes sont requises. Pour ce qui est des aires indigènes et des aires protégées, il est prévu de faire appel à des juristes spécialisés dans le droit environnemental et dans le droit des communautés. Des études en sciences de gestion de l'environnement sont d'ores et déjà lancées. • Dynamiques économiques : la région est particulièrement intéressante en ce sens qu'on peut y observer une véritable superposition des activités, allant de l’économie de subsistance à la petite industrie. Nous nous attacherons à dégager les indicateurs pertinents, et économistes et modélisateurs seront ici à leur affaire. Notre observatoire est un instrument pérenne qui se décline en deux temps, avant et après la construction du pont (Grenand, 2011). Chacune comporte son lot d'études pluridisciplinaires et transdisciplinaires, allant de la socio-écologie des espaces anthropisés à la prospective éco-touristique, en passant par l'économie des ressources naturelles, l’histoire du peuplement ou la dynamique des paysages... Certaines sont courtes, d'autres demandent un investissement plus conséquent et sont vouées à se dérouler sur plusieurs années. Nos études sont loin d'être terminées. Un exemple : on ne saurait s'intéresser à la population dans son milieu sans développer un volet santé. Ont ainsi été lancés deux axes sur les maladies émergentes (une adaptation 96 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) à la population amérindienne des tests de dépistage de la maladie d'Alzheimer) ou les pathologies sociales (une étude sur l'alcoolisme à Camopi). 2) LE MANIOC ET L’OYAPOCK : POPULATIONS ET MILIEUX SUR LA FRONTIERE Le Brésil est le pays avec lequel la France partage sa plus longue frontière : 700 km. D'abord courant d'ouest en est à l'extrême sud de la Guyane, la ligne collinaire de partage des eaux, aujourd'hui déserte ; puis dévalant du sud au nord sur près de 400 km avant de se jeter dans l'Océan Atlantique, le fleuve Oyapock. Sa rive brésilienne est occupée par le município d’Oiapoque, tandis que rive gauche, on rencontre d'amont en aval trois communes françaises : Camopi, Saint-Georges de l’Oyapock et Ouanary. Des populations très diversifiées peuplent ces communes puisque l’on y rencontre divers peuples amérindiens (Palikur, Wayãpi, Teko, Karipuna, Galibi-Marworno et Kali’na), des créoles guyanais, des Noirs-Marrons saramaka, des caboclos amapaenses et paraenses, des migrants du Nordeste ou d’autres régions du Brésil, des métropolitains, quelques Chinois… Tous vivant de part et d’autre de la frontière se côtoient depuis plus ou moins longtemps: certains sont là depuis des centaines d’années, ou depuis quelques dizaines seulement; d'autres viennent tout juste d’arriver de France métropolitaine ou de l’État brésilien du Maranhão. Cette mosaïque se repartit inégalement le long de cette frontière. En effet, sur les 22 625 km² du município d’Oiapoque, le dernier recensement de l’IBGE (2010) a comptabilisé 20 426 personnes, y compris les Amérindiens vivant dans les Terras indígenas (T.I.) du nord-est de l’État d’Amapá (T.I. Uaçá, T.I. Juminã et T.I. Galibi). Côté français, vivent seulement environ 5 500 personnes sur une superficie de 13 430 km². Ce qui fait une densité moyenne de 0,9 habitant au km² sur la rive brésilienne et de 0,4 habitant au km² pour les trois communes françaises. 97 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Précisons tout de même que ces chiffres ne prennent pas en compte les populations en situation illégale, dont les garimpeiros vivant notamment dans les écarts brésiliens comme Vila Brasil ou Ilha Bela sur le moyen cours du fleuve. Tous ces peuples partagent cet espace de vie qu’est la vallée de l’Oyapock. Depuis longtemps les échanges matrimoniaux, culturels ou commerciaux se jouent de cette frontière dite naturelle qui n’en n’est pas une. Un fleuve a toujours été un bassin de vie partagée. Intéressons-nous à la vie des différentes populations de la rive française du fleuve afin de mieux en appréhender le contexte particulier. En partant de l’amont, dans la commune française de Camopi, nous rencontrons tout d’abord des Wayãpi vivant sur le haut cours du fleuve. Arrivés dans la région des sources à la fin du XVIIIe siècle, ils occupèrent un vaste territoire que les épidémies les contraignirent à rétrécir. Leurs villages contemporains, rassemblés sous le nom de Trois Sauts, ont été fondés il y a un peu plus d'une quarantaine d’années (Grenand, 1982 ; Grenand et al., 2000). D’après le recensement que nous avons mené en 2010 (Davy & Grenand, à paraître), les Wayãpi du haut Oyapock constituent une population de 554 personnes répartie dans 13 lieux de vie. Ceuxci sont pour certains de véritables villages, d’autres des villages en devenir occupés par une seule famille pionnière. Tous ces lieux ne sont accessibles que par pirogue et deux à trois jours de voyage sont nécessaires pour rallier le bourg de Saint-Georges de l’Oyapock. C’est dans les magasins de Saint-Georges, Oiapoque ou ceux de Camopi et Vila Brasil (à une journée de pirogue) que les Wayãpi achètent les produits manufacturés qu’ils ne produisent pas comme l’essence, le canot et son moteur, le fusil et ses cartouches, du sel, du sucre, des tissus, des perles, les sabres d’abattis, les hameçons ou divers aliments… Mais ne nous y trompons pas, les Wayãpi du haut Oyapock produisent encore la grande majorité de leurs ressources alimentaires. 98 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Tous les couples possèdent plusieurs abattis afin de produire le manioc (Manihot esculenta) indispensable pour confectionner leur base alimentaire sous forme de galette (cassave), semoule (couac), amidon (tacaca) ou boisson (cachiri). Comme chez de nombreux peuples amazoniens, le manioc et la bière qui en est tirée constituent un véritable ciment social (Grenand, 1996). Pour accompagner ce manioc, premier apport alimentaire venant du règne végétal loin devant les fruits de wassey (Euterpe oleracea), le maïs (Zea mais), la patate douce (Ipomoea batata), l’igname violet (Dioscorea trifida) ou les bananes (Musa spp.), viennent la viande de chasse et le poisson. Jusqu’à aujourd’hui, les produits de la chasse et de la pêche constituent la grande majorité des repas pris par les Wayãpi du haut Oyapock. Une étude est d’ailleurs en cours dans le cadre d’une convention de recherche entre le PAG (Parc Amazonien de Guyane), le CNRS et l’ONCFS (Office National de la Chasse et de la Faune Sauvage), afin de mieux évaluer l’impact des pratiques cynégétiques en les comparant avec des travaux antérieurs (Grenand, 1980; Ouhoud-Renoux, 1998). Ces travaux montrent qu’entre la période 1976-1977 et celle 1994-1995, la quantité moyenne journalière de protéines par habitant provenant de la chasse, de la pêche et de la cueillette, non seulement n’a pas baissé, mais a légèrement augmenté. La cause essentielle est l’augmentation de l’activité de pêche (Ouhoud-Renoux, 1998). Les activités de prédation se font de nos jours grâce à la pirogue à moteur, le fusil de chasse, les filets ainsi que les hameçons. Mais les Wayãpi continuent d’utiliser l'arc et la flèche pour la pêche et à « enivrer » les poissons grâce à des plantes ichtyotoxiques lors de la saison sèche. Du côté de la vie sociale et matérielle, demeurent de nombreuses pratiques matrimoniales, chamaniques, artisanales, musicales… (Davy, 2010; Beaudet, 2010). La transmission des savoirs et savoir-faire est certes perturbée par la scolarisation des jeunes et la perte de certains usages, mais elle n’en demeure pas moins celle qui se porte le mieux comparativement aux autres 99 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas peuples amérindiens de Guyane française (Davy, 2007). Nous constatons ainsi l’importance toujours centrale du milieu chez les habitants des villages du haut Oyapock. Ils demeurent d'immenses connaisseurs de leur environnement. Si nous amorçons la descente du fleuve, à une journée de pirogue nous arrivons au confluent de l’Oyapock et de la rivière Camopi, dans des villages habités par des Teko et des Wayãpi. Y vivent, répartis dans 32 lieux de vie, 401 Teko, 619 Wayãpi et quelque 32 Amérindiens venant d’autres communautés comme des Palikur, des Karipuna ou des Wayana. Établi en 2010, ce recensement n’a dénombré en détail ni les instituteurs, ni les gendarmes, ni les légionnaires, ni les divers métropolitains de passage. Nous pouvons cependant estimer à une petite centaine les non-Amérindiens vivant à Camopi. Comme pour les villages de Trois-Sauts, des classes allant de la maternelle au primaire, avec en outre une annexe du collège de Saint-Georges de l’Oyapock, permettent de scolariser au bourg toute cette jeunesse, où les moins de 18 ans rassemblent 54 % de la population. Un centre de santé avec médecin et infirmiers est présent à Camopi ainsi que dans le village Zidock du haut Oyapock. Seuls certains lieux de vie du moyen Oyapock bénéficient de l’électricité et de l’eau potable. Dans les villages de Trois-Sauts, l’électricité est produite par groupes électrogènes. Certes, la présence d’une épicerie, d’un bureau de poste et surtout du bourg brésilien de Vila Brasil, véritable comptoir commercial à destination avérée des Amérindiens français, entraîne une plus grande proximité au monde consumériste occidental. Il n’en reste pas moins que les activités de prédation et d’agriculture demeurent encore aujourd’hui centrales dans le mode de vie des Amérindiens de Camopi. Une doctorante, Isabelle Tritsch, est d’ailleurs en train d'étudier l’importance persistante de l’agriculture itinérante sur brûlis dans le mode de vie de ces populations. Elle montre en outre comment certains traits de la modernité permettent de 100 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) mieux répartir l’impact environnemental d’une population en pleine croissance démographique. L'usage du canot à moteur, par exemple, en permettant l’éclatement de l’habitat artificiellement concentré au bourg durant les quarante dernières années, offre la possibilité d’augmenter le terroir agricole et d’agrandir le territoire de prédation, diminuant d'autant la pression sur certaines zones (Tritsch et al., 2011). Cette reprise en main d'un territoire plus vaste, en permettant de fractionner les lieux de vie et de restaurer le dialogue entre générations, devient du même coup une piste possible pour l'apaisement des tensions sociales. Ainsi, malgré leur francisation et la monétarisation de leur société depuis maintenant une quarantaine d’années, leur culture reste vivante et les Wayãpi et les Teko de l’Oyapock connaissent et pratiquent encore pleinement leur milieu. Il est important de noter que les sources d’argent ne proviennent pas uniquement, comme il est toujours avancé sans preuve, des aides sociales de l'État français puisque nos études ont évalué le nombre de salariés amérindiens à 13 % de la population active (18-65 ans). En poursuivant notre descente du fleuve, après avoir franchi le fameux Saut Maripa, nous arrivons, rive gauche, au bourg de Saint-Georges de l’Oyapock. Commune sur laquelle le pont sur l’Oyapock s’arc-boute, elle est la plus peuplée de la rive française avec ses 3 605 habitants en 2007, chiffre INSEE. Cette petite bourgade est peuplée d’une grande diversité de population. À l’origine créole, 35 % de sa population sont aujourd’hui brésiliens, environ 30 % amérindiens (Palikur et Karipuna majoritairement). Les Créoles ne représentent plus qu’une minorité de moins de 30 % auxquels s’ajoute un nombre grandissant de métropolitains. Un petit nombre de Noirs-Marrons saramaka vivant au lieu-dit Tampac ajoute à la diversité de cette commune. Si officiellement (d’après les critères de l’INSEE), il n’existe aucun agriculteur à Saint-Georges de l’Oyapock, une étude initiée par l’OHM a cependant montré l’importance de cette pratique (Koné, 2010). Tchansia Koné a ainsi permis de mieux 101 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas appréhender la complexité foncière de cette commune mais également de démontrer que l’agriculture vivrière, encore largement pratiquée par les Amérindiens, est en pleine mutation. Les durées de jachère, centrale dans la pratique de la culture itinérante sur brûlis, ont tendance à diminuer, engendrant de facto une baisse de la fertilité. Outre ces agriculteurs amérindiens pluriactifs, l’AMEXA, l'assurance maladie des agriculteurs, recense quand même 32 agriculteurs. La pêche, la chasse et la cueillette se pratiquent encore régulièrement même si ce n’est pas comparable avec ce qui existe dans la commune de Camopi. Par exemple, Pauline Sévelin-Radiguet (2011) montre que plus de la moitié des habitants pratique encore la chasse et qu'environ 40 % continuent à aller en forêt pour collecter des produits forestiers non ligneux. Quant à Pauline Laval (2011), elle montre dans une étude très fouillée que la collecte des fruits du palmier wassey (Euterpe oleracea, açai) participe d’une filière commerciale et artisanale particulièrement importante et bien structurée, même dans l'informel. Ainsi, le domaine forestier de Saint-Georges de l’Oyapock constitue un intérêt majeur pour le maintien de pratiques liées au milieu naturel mais également pour impulser un développement économique (Sévelin-Radiguet, 2011). Ce domaine forestier possède une grande richesse en essences commerciales, par exemple l'angélique (Dycorynia guianensis) et a été choisi comme la forêt d’exploitation d’avenir par les gestionnaires de l’ONF (Office National de la Forêt). Le pont transfrontalier va-t-il engendrer le développement économique tant attendu pour Saint-Georges qui, selon les chiffres, compte 55 % de sa population active au chômage ? Bien entendu, cela ne signifie nullement qu’il y ait 55 % d’inactifs… Encore une fois, les catégories officielles françaises ne sont pas adaptées aux réalités de la vie de cette zone rurale équatoriale, puisque de nombreuses personnes continuent à pratiquer une pluriactivité non prise en compte par l’administration. Il n’en 102 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) reste pas moins que le fort taux de chômage reste préoccupant pour l’avenir de la jeunesse oyapockoise. Enfin, à l’embouchure de l’Oyapock, nous parvenons à Ouanary, localité qui tire son nom de l’affluent se jetant dans l'océan dans la même baie. Contrairement aux autres communes, ce petit village uniquement accessible par pirogue, est en nette régression démographique: il compte 85 habitants encore majoritairement créoles et, selon une étude menée par Stanislas Ayangma (2011) pour le compte de l'OHM, sa population est vieillissante. Si le taux de chômage y est particulièrement bas (18 %), c'est que la majorité des personnes adultes est embauchée dans la fonction publique, première source d’emploi dans toute la Guyane… L’agriculture vivrière et la pêche artisanale demeurent. En actualisant sa carte communale, ce village espère s’appuyer sur son potentiel environnemental riche et varié pour lui assurer un développement économique lié à l’écotourisme. Ce rapide tour d’horizon des populations vivant sur la rive française de l’Oyapock nous permet de nous rendre compte de l’importance du milieu dans leur mode de vie. De Trois Sauts à Ouanary, les communautés continuent à tirer une grande partie de leurs ressources alimentaires ou économiques de la forêt et du fleuve. Il existe encore une large palette de pratiques rurales ou forestières et une profonde connaissance des différents écosystèmes présents tout le long de ce fleuve partagé. Nous nous proposons maintenant de prendre quelque peu de hauteur et d’aborder les politiques environnementales de ces deux pays, la France et le Brésil. 103 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 3) LOCAL, NATIONAL, INTERNATIONAL : LES EFFETS D’UNE FRONTIERE SUR LES POLITIQUES PUBLIQUES Le pont sur l’Oyapock est un ouvrage d'art transfrontalier, transcendant de ce fait une limite de souveraineté nationale pour la France et le Brésil. Dans ce cadre, l’Observatoire Hommes/ Milieux Oyapock a toute légitimité et tout intérêt à mettre en relation la perspective locale et fluviale avec les points de vue national, transnational et international. On ne peut pas expliquer ses effets sur les territoires, les hommes et les milieux sans faire référence à la manière dont les États français et brésilien s'y projettent, en particulier par le biais de leurs politiques publiques. Ces politiques sont nationales, mais leur application se fait sur des espaces soumis à des rapports de pouvoir réputés spécifiques car frontaliers et, en l'espèce, amazoniens. Les dimensions frontalière et amazonienne de la Guyane et de l’Amapá modulent donc l’ensemble de ces politiques. On se propose d’en exposer le contexte général avant de développer le cas des politiques environnementales. L’intervention de l’État en Guyane et en Amapá se traduit depuis le milieu du XXe siècle par une forte imbrication d’enjeux de géopolitique interne et de géopolitique externe, instituant une dialectique de marge et d’interface pour ces deux espaces. La place de l’Amapá au Brésil doit être repensée dans le cadre amazonien. Entre les années 1940 et 2010, l’Amazonie brésilienne passe du statut d’espace à intégrer nationalement à celui d’espace à interconnecter au continent sud-américain. Avant les années 1990, l’État y intervient sur trois plans liés les uns aux autres : celui de l’incitation au peuplement, celui de l’encouragement à l’exploitation des ressources et enfin celui de la sécurisation et du contrôle militaire. À la suite de ces politiques incitatives, l’Amazonie est devenue une région à part entière du Brésil, autrement dit un espace dont l’organisation dépend avant tout de dynamiques internes et non plus externes. Les migrations sont 104 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) devenues intra-régionales, les fronts se sont en grande partie stabilisés, ce qui a conduit Berta Becker à proposer de renommer l’« arc de déforestation » en « arc de peuplement consolidé »14. Depuis la fin des années 1990, les politiques publiques brésiliennes qui s’expriment par des Plans pluriannuels (PPA) confèrent aussi à l’Amazonie un rôle d’interface pour le Brésil. Récemment, le PPA 2008-2011 initié par le gouvernement du président Luiz Inácio Lula da Silva se positionne encore plus clairement que ses prédécesseurs sur cette question (Lessa et al., 2009: 102-104). Parmi les dix objectifs de gouvernement qu’il liste, le septième concerne littéralement le « renforcement de l’insertion souveraine internationale et l’intégration sud-américaine »15. Le cadre de ce changement de perspective est aussi sud-américain : la mise en place de l’Initiative pour l’intégration de l’infrastructure régionale sud-américaine (IIRSA) et de l’Union des nations sudaméricaines (UNASUL) se fait dans le même temps. Dans ce cadre général amazonien, l’Amapá continue d'occuper une place spécifique, notamment parce qu’à l’échelle du Brésil et de l’Amazonie, il se présente en espace frontalier. Avant les années 1990, les politiques publiques qui lui sont adossées ont vocation à exploiter son potentiel minéral et forestier. Institutionnellement, de 1943 à 1988, il a le statut de Territoire fédéral, ce qui le place sous administration directe de l’État fédéral. Lorsqu’ensuite l’Amapá devient un État à part entière de la fédération, en plus de sa vocation minérale et forestière ancienne, il s'en voit conférer trois nouvelles par l’État central. La première s’accentue après le sommet de Rio: elle est environnementale et le rattache à ce 14 15 « arco de povoamento consolidado » (Becker, 2009 : 86-94). « Fortalecer a inserção soberana internacional e a integração sul-americana » 105 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas que l'on peut appeler soit « frontière de préservation »16 (Becker, 2009 : 152), soit « espace de réserve »17 (Théry, 2005 : 43). La seconde l’intègre dans un « arc de l’embouchure »18 (Becker, 2009: 148) de l’Amazone, au niveau du bi-pôle de MacapáSantana. Dynamisé par Belém, cet arc est caractérisé par de forts indices de développement (PIB par habitant, IDH) ; avec Manaus et Santarém, il polarise la « vieille Amazonie des fleuves […] ignorée des politiques publiques »19 (Théry, 2005: 43). Pour finir, dans le cadre de l’intégration continentale de l’Amazonie brésilienne, sa position frontalière avec la Guyane française met l’Amapá en position d’interface à l’échelle amazonienne et l’Amazone, le Rio Mar, pourrait bien offrir des compensations à son enclavement par rapport au reste du Brésil. On évoque là le projet d’« Arc nord » (« Arco norte ») visant à renforcer les liens (dans un premier temps infrastructurels) du Roraima et de l’Amapá avec le Plateau des Guyanes, et au-delà avec l’ensemble caribéen (Van Dijck, 2003; Théry, 2003 et 2005). On a déjà évoqué le cadrage sud-américain de cette initiative; il faut aussi mentionner, dans les années 1990, le contexte de relance des relations bilatérales franco-brésiliennes qui adopte un volet transfrontalier inédit, dont l’une des concrétisations est ce pont sur l’Oyapock (Boudoux d’Hautefeuille, 2011). Au contraire du Brésil, le territoire national français est fondamentalement fragmenté et discontinu, puisqu’il est constitué pour près de 18 % de sa superficie d’un « outre-mer », héritage de l’époque coloniale. Dans ce cadre, la Guyane est depuis 1946 un département d’outre-mer (DOM) et depuis les lois de décentralisation de 1982, un département-région d’outre-mer « Fronteira de Preservação » (Becker, 2009 : 152). « um espaço de reserva » (Théry, 2005 : 43). 18 « Arco da embocadura » (Becker, 2009 : 148). 19 « A velha Amazônia dos rios [...] ignorada pelas políticas públicas » (Théry, 2005 : 43). 16 17 106 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) (DROM). L’assimilation législative à la métropole prévaut dans les DROM, au contraire du reste de l’outre-mer français, ce qui garantit une application presque littérale des politiques publiques nationales. On ne peut néanmoins pas faire abstraction, tout comme pour l’Amapá, de la localisation de la Guyane pour expliquer leur application et leurs effets. La discontinuité géographique existant avec la métropole, et plus récemment la prise en compte de la dimension amazonienne et frontalière de l’espace guyanais, expliquent en effet en grande partie les choix de ces politiques depuis la départementalisation. Dans un premier temps, la dimension continentale de la Guyane n’est effectivement pas réellement intégrée à l’action de l’État central. Cette action prend deux formes successives diamétralement opposées, dont le géographe Frédéric Piantoni (2009: 93-125) a bien illustré le chevauchement dans les années 1960 à 1980. La première est celle de l’incitation au développement du secteur productif dès le début des années 1950, sur la base de l’exploitation des ressources locales, agricoles, mais aussi minières, forestières ou piscicoles, avec apport de main d’œuvre exogène. Suite à son échec, une politique interventionniste sur le plan social, supposée garantir le standard métropolitain au niveau et au cadre de vie guyanais, s’est amorcée depuis les années 1960 et prend définitivement le relais dans les années 1980. Elle s’appuie sur des transferts calqués sur le modèle métropolitain (allocations familiales, aide au logement, Revenu Minimum d'Insertion…), sur des incitations fiscales, ou encore sur des sur-rémunérations des fonctionnaires publics et territoriaux, qui ont pour effet de développer une économie de consommation. La géopolitique externe n’impacte les politiques publiques appliquées à la Guyane qu’à partir des années 1960, avec la construction du Centre spatial guyanais (Miévilly, 2002: 185201). Paradoxalement, ce n’est qu’à la marge qu’elle prend en compte la continentalité de la Guyane, grâce à la main d’œuvre qui provient de la sous-région (Brésil, Colombie, Antilles…), et 107 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas qui initie durablement une dynamique migratoire vers la Guyane. Mais le CSG reste une enclave européenne sur le continent. Ce n’est qu’à partir des années 1990 que l’État central confère à la Guyane deux autres vocations qui l’ancrent au continent. Tout comme l’Amapá, la première est résolument environnementale (ibid. : 209-229). Tout comme l’Amapá également, la seconde intègre la frontière franco-brésilienne, suite à la relance des relations bilatérales entre les deux pays à partir de l’Accord-cadre de coopération de 1996. Elle se traduit par l’accélération des travaux de construction de la RN2 entre Régina et Saint-Georges. Il semble important de rappeler néanmoins combien sur le plan de la géopolitique externe, l’État a fait de l’outre-mer une « réserve de symboles » (Lemaire, 2000: 257) manipulés à l’échelle internationale. La thématique de la frontièreinterface et du pont sur l’Oyapock est l’un de ces symboles qui permettent aux autorités françaises et brésiliennes d’appuyer leurs relations de manière générale, alors que le contexte routier et les échanges économiques entre Amapá et Guyane ne peuvent à eux seuls justifier l’implantation de cette infrastructure transfrontalière (Boudoux d’Hautefeuille, 2010). Voyons maintenant en quoi la symbolique de la préservation de la biodiversité amazonienne induit également la mise en place de politiques publiques environnementales spécifiques. Les années 1970 ont vu l’émergence d’une prise de conscience internationale de la nécessité de gérer l’environnement. Les conférences internationales de Stockholm (1972) puis de Rio (1992) au cours desquelles les États se sont engagés en faveur de la biodiversité, ont été des jalons de cette évolution. En France, cela s’est traduit notamment par la création d’un large panel de dispositifs de préservation des espaces ou des espèces, décliné différemment à chaque niveau institutionnel (Barbault & Génot, 2004). Mais ce sont les forêts tropicales qui cristallisent les débats. Au Brésil, l’Amazonie légale (60 % du pays, sur 10 de ses États, soit 5 millions de km²) est un des points de mire de la 108 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) communauté internationale. Zone de déforestation intense (138 470 km² en 8 ans selon l’INPE ,2009) aux causes diverses et multiscalaires (Pasquis & Boumrane, 2002), elle fait l’objet d’une forte médiatisation dès la fin des années 1970. Face à cette pression, la réponse principalement mobilisée est la création d’espaces protégés. À l’échelle nationale, cela se traduit par une restructuration profonde du système d’aires protégées pour une plus grande visibilité via la loi SNUC (2002) et par la mise en place de programmes de large envergure pour la préservation de la biodiversité en Amazonie, tel le programme ARPA20 (Drummond et al., 2005). Les actions menées dans ce domaine ne se font pas sans à-coups ni controverses: où installer les aires protégées, selon quelles modalités, avec ou sans populations? Chaque question est un dilemme, renforcé par des affrontements politiques sous-jacents (Fearnside, 2003; Pasquis, 2006). C’est dans ce contexte que la faible anthropisation et la moindre fragmentation des écosystèmes naturels de l’Amapá lui confèrent une forte valeur symbolique. Celle-ci est largement valorisée à différentes échelles et conduit à la mise en place d’espaces protégés sur plus de 70 % du territoire. On notera par exemple la mise en place très rapide du Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque impulsée au niveau fédéral en réponse à l’annonce lors du sommet de Rio de la création du Parc Amazonien de Guyane, dont la gestation fut longue et controversée. Au niveau étatique, la dynamique est fortement dépendante de la sensibilité environnementale du gouvernement en place, mais elle peut également être corrélée à l’international: c’est au congrès mondial des Parcs tenu à Durban (Afrique du Sud) en Programme Áreas protegidas da Amazônia (2003-2009 puis 2010-2013) dont l’objectif est de créer des aires protégées, de consolider celles qui existent et d’assurer leur viabilité au niveau économique. Entre 2003 et 2009, le programme a appuyé la création de 63 aires protégées. 20 109 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 2003 que le gouverneur d’Amapá s’est engagé à créer le corridor de la Biodiversité (Chagas, 2008), soutenu financièrement et techniquement par des ONGs internationales. Pour sa part, c’est seulement à partir de la conférence de Rio que la France prend conscience des responsabilités que lui impose la Guyane française en tant que plus grand département du territoire, couvert à 96 % par une forêt tropicale humide encore très peu fragmentée (UICN, 2003). Tout comme en Amapá, cela se traduit par la mise en place d’espaces protégés très vastes par rapport ceux du territoire métropolitain. On le voit, Guyane et Amapá deviennent les vitrines des engagements pris par la France et le Brésil au niveau international, qui se traduisent par des stratégies similaires : une sécurisation du foncier à des fins de protection. Leur position de symbole, leur marginalité par rapport à la capitale décisionnelle ainsi que les particularités liées au contexte amazonien induisent ainsi des profils semblables : la Guyane française présente une organisation spatiale de la conservation plus proche de celle de l’Amapá que des autres départements d’outre-mer ou que du territoire métropolitain21 . Il est important de mettre nettement en évidence certaines corrélations entre la dynamique internationale et la création locale d’aires protégées22 : 2. La conférence de Rio a été un déclic d’importance du côté guyanais pour la création d’aires protégées. En réalité, des propositions existaient depuis la fin des années 70, sans avoir été suivies d’effet au niveau national. Espaces protégés de grande taille, très faible superposition spatiale des statuts, espaces majoritairement gérés par des instances nationales. 22 Les surfaces de chaque aire protégée ont été trouvées sur les sites : 21 110 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) 3. En Amapá, la ratification de la convention 169 de l’Organisation Internationale du Travail sur les populations autochtones a été immédiatement suivie de l’implantation de Terres Indigènes. 4. D’autres réponses sont visibles de façon moins évidente, comme les effets du programme Áreas Protegidas da Amazônia qui découle directement de la conférence de Rio mais dont le pic d’activité se situe entre 2003 et 2006 (Anonyme, 2011). 5. De même, la création des deux parcs nationaux géants, Montanhas do Tumucumaque en Amapá et Parc amazonien de Guyane en est directement issue23 (Lochon & Linarès, 2003). 6. Par contre, en Guyane, la création française des ZDUC (Zones de Droit d'Usage Collective) réservées aux populations tirant leur subsistance de la forêt (1987), c'est-à-dire majoritairement Amérindiens et Noirs-Marrons, est une réponse de l'État qui, ne reconnaissant qu'une catégorie de Français, tous citoyens à part entière, voulait tout de même leur garantir l'exploitation de leurs terres ancestrales. Cette astuce juridique, sans contrevenir à la Constitution française, s'inscrit en réponse à la fois 1)- au mouvement amérindien de revendication territoriale, 2)- à la pression des anthropologues et 3)- à l'élan international qui, en Amérique du Sud, voyait nombre d'États accorder des terres à leurs autochtones (Grenand et al., 2006). http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstru tura=119&idConteudo=9677&idMenu=11809 et http://inpn.mnhn.fr/ isb/espace/protege/recherche/36, consultés en juin 2011. La classification a été réalisée en se basant sur les catégories de la loi SNUC brésilienne. Pour la Guyane, les ZDU (zones de droit d’usage) destinées aux activités traditionnelles des populations « autochtones » ont été comptabilisées en tant que terres indigènes, même si les juridictions associées sont extrêmement différentes. 23 Mais avec un délai important en Guyane compte tenu des négociations locales. 111 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Les spécificités des politiques publiques nationales du Brésil et de la France ont une influence non négligeable sur la mise en œuvre locale de la gestion des espaces. Par exemple, le Système national des unités de conservation (SNUC), la loi brésilienne définissant l’ensemble des espaces protégés, implique une spécialisation forte des espaces qui peuvent difficilement cumuler les vocations. Au contraire, la France, pays disposant de beaucoup moins d’espace, ne peut pas se permettre une telle spécialisation des espaces et favorise largement leur multifonctionnalité : les vocations des catégories d’espaces protégés sont ainsi moins précisément définies. Cela justifie une flexibilité plus grande des instruments de gestion (une réserve naturelle sera gérée avec des objectifs différents selon qu’elle sera habitée ou non). Enfin, une des grandes différences dans la mise en œuvre de la gestion environnementale de part et d’autre de la frontière concerne les moyens humains et financiers. L’exemple le plus flagrant touche aux deux immenses parcs nationaux : plus de 100 personnes employées par le Parc Amazonien de Guyane, soutenu par des fonds européens, contre une équipe de 5 agents et des moyens nettement plus réduits pour le parc Montanhas do Tumucumaque24 . Au bilan, le paysage local de la préservation de l’environnement est le résultat du croisement des différentes échelles internationale, nationale et locale: l’échelon international impulse des dynamiques via les traités ratifiés par les États et les engagements qu’ils prennent. L’échelon national traduit ces engagements en fonction des outils législatifs existant dans le pays. C’est là que l’on observe les plus grandes divergences d’interprétation. Cela est également lié aux objectifs poursuivis de part et d'autre : développement et intégration des communautés locales à la politique du parc côté français ; préservation et tourisme uniquement de l’autre. 24 112 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) L’adaptation de ces politiques au niveau local suit un double mouvement: pour certains points, liés au contexte géographique local ainsi qu’à la situation de marge des régions concernées, on a un rapprochement des stratégies de gestion et une organisation spatiale des espaces assez semblable. D’un autre côté, les divergences socio-économiques et les différences de perception de la gestion du territoire liées à l’histoire et à la taille des pays concernés induisent des différences assez marquées de mise en œuvre des stratégies. Il est ainsi particulièrement pertinent pour un Observatoire Hommes/ Milieux d’étudier les interactions existant entre ces différentes échelles, et leurs impacts concrets sur le territoire. CONCLUSION : QUELS ENJEUX AUTOUR DU PONT ? Jusqu'à présent, les études de notre OHM se sont surtout, quoique non exclusivement, concentrées sur la rive française. Il est temps désormais d'entamer une seconde phase et de développer la collaboration avec nos collègues brésiliens. En effet ceux-ci, dans des structures et selon des modalités différentes, se sont eux aussi penchés ces dernières années sur la même problématique que nous, rencontrant les mêmes écueils, faisant les mêmes constats et recueillant des témoignages similaires. On l'aura compris, le politique, en ses sphères les plus internationales, impacte la vie quotidienne des riverains. En quoi un bout du monde oublié de tous il y a encore quelques années, peut-il, par décision diplomatique totalement extérieure aux réalités de terrain, se muer en centre stratégico-économique? Et surtout, comment? Quels enjeux, quels paradoxes se font jour? Comment les gestionnaires de chaque État, à quelque niveau que ce soit, communiquent-ils? Quelles cartes ont-ils en main? Selon quels circuits circule l'information? Et comment communique- 113 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas t-on entre les deux rives? Les rêves et les fantasmes, les espoirs et les peurs se regardent en chien de faïence par-dessus les flots tranquilles de l'Oyapock. Nous avons plusieurs fois eu l'occasion de constater qu'une compétition, aussi vaine que dérisoire, s'était fait jour, par exemple au sujet des classes internationales de haut niveau, de l'hébergement des futurs touristes, de la commercialisation de produits à forte valeur ajoutée. Et la licence de passer d'une rive à l'autre, tant attendue par des riverains épuisés de devoir jouer à cache-cache avec la Police de l'Air et des Frontières (PAF), sous quelle forme va-t-on lui donner vie? Lorsque l'on sait que la France et le Brésil ont supprimé leur visa d'entrée respectif, mais que la France continue de l'exiger pour les Brésiliens entrant en Guyane, lorsque l'on sait que les reconduites à la frontière sont pluri-quotidiennes, que la France va installer des contrôles douaniers à la sortie du pont mais que le Brésil a décidé de s'en passer, on comprend que la vie des familles bi-nationales va devenir de plus en plus difficile à gérer. Lorsque l'on sait que le Brésil a décidé, pour les années qui viennent, de "s'occuper de sa frontière nord", on se doute que la présence militaire y sera renforcée et les points sporadiques de présence humaine confortés, même si cela exige d'obvier la si contraignante réglementation de leur Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Lorsque enfin enfle la rumeur que la circulation fluviale, actuellement si dense et si facile entre les deux rives, sera entravée par une obligation de passage routier par le pont, on ne peut que faire l'amer constat d'un malheureux paradoxe: ce bel ouvrage d'art élégamment haubané, dont les politiques des deux États avaient rêvé qu'il devînt le trait d'union hautement symbolique entre l'Amérique du Sud et l'Europe, risque de n'être rien d'autre que la matérialisation d'une frontière qui n'existait pas avant lui. 114 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) BIBLIOGRAPHIE AYANGMA, S. Développement local et transformation foncière dans la commune de Ouanary, rapport pour le compte de l'OHM Oyapock. Cayenne, 2011. 26 p. BARBAULT, R.; GENOT, J.-C. « Quelle politique de conservation? », In : BARBAULT, R ; CHEVASSUS AU LOUIS, B. (éds) Biodiversité et changements globaux. Enjeux de société et défis pour la recherche. ADPF, Ministère des Affaires étrangères. p. 162–191. 2004. BEAUDET, J.-M. 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O propósito para qual a fronteira foi criada, sabidamente a defesa da soberania e o controle do espaço geográfico pelo estado nacional, conduz a uma série de outras funções, dentre as quais, Guichonnet e Raffestin (1974) atribuem, além da função legítima, função fiscal, de controle, militar e ideológica. Dentre essas diversas funções, chama-se atenção para a função de controle, em que a fronteira deve atuar como filtro, administrando o acesso de pessoas, mercadorias e demais circulações entre países. A aceleração na globalização da economia, meios de transporte, trânsito de pessoas, produtos, serviços, comunicações e diversas tecnologias têm potencializado a introdução de espécies exóticas, devido às pressões econômicas exercidas pelas novas redes fluxos nas regiões fronteiriças para o escoamento de produtos e serviços entre as diferentes nações. Esses fatores têm causado 121 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas impactos negativos sobre a diversidade biológica (DI CASTRI, 1996; SANTOS, 1996; OLIVEIRA, 2008). A segurança biológica na faixa de fronteira visa instrumentalizar a gestão dessas áreas com atividades preventivas e coercitivas relacionadas aos riscos da introdução e dispersão de toxinas, enfermidades e pragas de animais e vegetais que possam provocar a erosão da biodiversidade, conduzindo a perdas de recursos genéticos e/ou biológicos, tais como o mal da vaca louca, febre aftosa, gripe aviária, besouro asiático, listeríase, dentre outras (FAO, 2006; FURTADO; COUTINHO, 2008; OLIVEIRA, 2008). Uma das questões críticas relacionada à segurança biológica é o movimento de organismos nocivos e/ou espécies invasoras exóticas, de uma região para outra, em função do comércio, transporte, trânsito e turismo. Pode-se considerar como organismos invasores exóticos, não-nativos, estrangeiros, introduzidos, não-silvestres, aqueles que ocorrem artificialmente fora de seu habitat, proveniente de outros continentes, regiões, ecossistemas e mesmo de outros habitats, cuja introdução e/ou dispersão pode ameaçar a diversidade biológica de uma região (OLIVEIRA, 2008). O aumento da dinâmica das interações espaciais existentes entre fronteiras internacionais permite a fluidez das relações sociais de ambos os lados. Essa fluidez caracteriza a porosidade da faixa de fronteira, fato que a torna vulnerável à introdução de Espécies Invasoras Exóticas (EIE’s). Diversos problemas sanitários na agropecuária são resultantes dessas interações, principalmente se há conectividade terrestre. Assim sendo, o deslocamento de espécies pode ocorrer inadvertidamente ou intencionalmente, devido à falta de controle oficial na circulação de produtos e serviços. Isso pode acarretar prejuízos incalculáveis no campo ambiental, econômico, social e cultural (FURTADO; COUTINHO, 2008; MENDONÇA; PORTO, 2009). Nesse sentido, torna-se necessário ampliar o debate sobre temas relacionados à segurança nacional, em especial à segurança biológica. 122 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) IMPACTOS DAS ESPÉCIES INVASORAS EXÓTICAS A magnitude geográfica da fronteira brasileira torna o país vulnerável à invasão por espécies exóticas, principalmente devido às dificuldades do estabelecimento de barreiras de fiscalização pelos órgãos competentes. Com exceção do Chile e Equador, todos os países da América do Sul fazem fronteira com o Brasil (BRASIL, 2005) (Figura 1). O estabelecimento e a expansão da produção agropecuária em regiões localizadas dentro da faixa de fronteira podem ser totalmente comprometidos devido à introdução de EIE’s. Figura 1. Faixa de fronteira brasileira. Fonte: BRASIL. MINISTÉRIO DA INTEGRAÇÃO, 2005. 123 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Há necessidade de maior proteção do setor produtivo contra essas invasões, porque algumas das espécies invasoras exóticas possuem status de praga, algumas inclusive com expressão quarentenária. A introdução de uma espécie-praga pode causar prejuízos econômicos e sociais incalculáveis devido à imposição de barreiras sanitárias por países importadores, desestabilizando a balança comercial nacional, com redução dos mercados de exportação. Assim, o impacto negativo da introdução de pragas em áreas onde não ocorrem deve ser analisado do ponto de vista socioeconômico e ambiental. No campo socioeconômico, os impactos provocados pelas EIE’s podem variar desde danos e perdas no cultivo; perda de mercados de exportação pela presença de pragas; aumento de gastos com controle sanitário e fitossanitário de enfermidades ou pragas em execução ou em desenvolvimento; custos sociais, como desemprego, pela eliminação ou domínio de um determinado cultivo ou produto em uma região e/ou redução de fontes de alimentos importantes para a população (KOGAN, 1997; OLIVEIRA, 2001; OLIVEIRA, 2008). Na área ambiental os impactos negativos são gerados em decorrência da utilização de produtos agrotóxicos para o controle de espécies introduzidas. Ocorre que na maioria dos casos essas substâncias são empregadas frequentemente e sem nenhum tipo de critério, o que pode agravar a situação. Assim, medidas adotadas para o controle de novos organismos também podem afetar os recursos naturais existentes, impactando negativamente nas espécies nativas (MALAVASI, 2001; OLIVEIRA et al., 2001; OLIVEIRA, 2008). Além disso, pode haver competição das EIE’s com as espécies nativas podendo alterar diretamente a composição e a estrutura das comunidades presentes nos ecossistemas devido à repressão ou exclusão de espécies indígenas, alterando o modo de circulação de nutrientes dentro do sistema ameaçado (KOGAN, 1997; OLIVEIRA, 2001; OLIVEIRA et al., 2001; OLIVEIRA, 2008). 124 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) No Brasil, é muito comum o deslocamento de organismos vivos de uma região para outra. Esse transporte, intencional ou não, em função do comércio, trânsito, turismo ou biopirataria pode agravar as questões de segurança biológica, principalmente quando se trata de espécies invasoras exóticas. EXEMPLOS DE INVASÕES BIOLÓGICAS NO BRASIL São diversos os casos de introdução de espécies invasoras exóticas, particularmente danosas à agropecuária brasileira. A seguir, serão ilustrados alguns exemplos de espécies introduzidas no Brasil. CARAMUJO-GIGANTE-AFRICANO O caramujo-gigante-africano (Achatina fulica) (Stylommatophora: Achatinidae) é uma espécie de molusco terrestre considerada uma das mais nocivas do mundo. Esta espécie foi introduzida na década de 1980 no Brasil, por produtores comerciais, como alternativa ao escargot para ser utilizado na alimentação humana. Apresenta alto poder de dispersão e está se espalhando rapidamente para várias regiões (COLLEY; FISCHER, 2009). As fêmeas são capazes de colocar aproximadamente 1.200 ovos por ano. A média de vida de um indivíduo adulto varia de 6 a 9 anos. Em seu habitat natural, esse caramujo alimenta-se de matéria orgânica animal e vegetal em decomposição, algas, liquens e fungos. Fora de seu ambiente natural, seu potencial como praga é visível por atacar mais de 500 espécies vegetais, dentre as quais, mandioca, mamão, feijão, ervilha, seringueira, fruta-pão, amendoim, pepino, abóbora, repolho, alface, batata, cebola, girassol, eucalipto, citros, plantas ornamentais e outras (BIOSECURITY NEW ZEALAND, 2011). Do ponto de vista sanitário, o Ministério da Saúde adverte que o caramujo-gigante-africano representa risco por ser hospedeiro de 125 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas duas espécies de organismos causadores de verminoses que acometem seres humanos: Angiostrongylus cantonensis e Angiostrongylus costaricensis, que provocam respectivamente angiostrongilíase meningoencefálica e angiostrongilíase abdominal. Embora essas parasitoses não ocorram no Brasil, é possível que indivíduos infectados possam entrar no país e o parasito encontrar o hospedeiro, agravando os problemas na saúde da população brasileira (TELES; FONTES, 1998; VASCONCELOS; PILE, 2001). MOSCA-DA-CARAMBOLA A mosca-da-carambola (Bactrocera carambolae) (Diptera: Tephritidae) é uma espécie exótica de moscas-das-frutas de importância quarentenária. Originária da Indonésia, Malásia e Tailândia, foi introduzida na América do Sul provavelmente via Suriname, em 1975 (SAUERS-MÜLLER, 1991). O relato da detecção inicial desta praga na Guiana Francesa ocorreu em 1989. No Brasil, após o levantamento de verificação no estado do Amapá, efetuado pela área de sanidade vegetal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), foram capturados exemplares da mosca-da-carambola em março de 1996, na Vila de Clevelândia do Norte, município de Oiapoque (GODOY et al., 2011). Desde a sua introdução no Brasil, o MAPA começou a executar um plano de erradicação da praga (MALAVASI, 2001). Tais ações de controle possibilitaram que B. carambolae ficasse restrita ao estado do Amapá. De acordo com a Instrução Normativa nº 52 de 2007, do MAPA, esta espécie é classificada como praga quarentenária presente no Brasil (antigamente denominada A2) e está sob controle oficial. Apesar de ser conhecida vulgarmente como mosca-da-carambola, na sua região de origem a praga pode atacar mais de 100 espécies de fruteiras. Considerada praga de grande expressão econômica para países exportadores de frutas, especialmente em virtude de restrições quarentenárias impostas por países impor126 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) tadores que não possuem a praga em seus territórios, a moscada-carambola constitui-se em problema fitossanitário de extrema relevância, já que sua simples presença em áreas de produção pode levar a perda de importantes mercados importadores, ocasionando prejuízos de grande monta para o país (SILVA; SUMAN; SILVA,1997; MALAVASI, 2001). A introdução da mosca-da-carambola em outras regiões do país, como a região do Submédio São Francisco, onde há produção de frutas tipo exportação, poderá impactar negativamente, causando perdas significativas, com consequências desastrosas (SILVA; SUMAN; SILVA, 1997; DUARTE; MALAVASI, 2000). Os danos econômicos estão estimados em cerca de US$ 30,8 milhões no primeiro ano e aproximadamente US$ 92,4 milhões no terceiro ano, caso a mosca-da-carambola se disperse pelo Brasil. Existe ainda a possibilidade de danos ambientais relacionados, por exemplo, ao ataque da praga a espécies vegetais nativas (GODOY; PACHECO; MALAVASI, 2011). Também devem ser considerados os efeitos de medidas de controle, especialmente químicas, sobre os recursos naturais e organismos não-alvo, interferência nas interações biológicas com espécies nativas e adaptação a outras espécies comerciais ainda não consideradas hospedeiras (SILVA; SUMAN; SILVA, 1997; NASCIMENTO; CARVALHO, 2000; CARVALHO, 2003). Outro fator relevante é a implicação social que a dispersão da mosca-da-carambola pode causar em regiões de produção comercial de frutíferas. É evidente que a provável redução na produção e na produtividade, associada à perda de mercados importadores, acarretará em consideráveis efeitos negativos nos níveis de emprego gerados pelo segmento da fruticultura (MALAVASI, 2001). 127 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas MOSCA-DO-MEDITERRÂNEO Ceratitis capitata (Diptera: Tephritidae), a mosca-do-mediterrâneo, é a espécie que causa mais danos à fruticultura em nível mundial, sendo considerada a mais cosmopolita e invasora. Originária de países do Mediterrâneo, no Brasil foi detectada pela primeira vez em 1901, no estado de São Paulo (IHERING, 1901). Atualmente C. capitata ocorre em 22 estados brasileiros, inexistindo registros nos estados do Acre, Amapá, Amazonas e Roraima, localizados na região Norte, e em Sergipe, na região Nordeste (SILVA; LEMOS; ZUCCHI, 2011). A constatação de C. capitata no território brasileiro é um dos mais antigos registros de uma espécie exótica no Brasil (ZUCCHI, 2001). Dentre as espécies de moscas-das-frutas, somente a moscado-mediterrâneo ocorre em todas as regiões biogeográficas, estando amplamente distribuída nas regiões tropicais e temperadas em âmbito mundial (MALAVASI; ZUCCHI; SUGAYAMA, 2000). Possui grande capacidade de adaptação, infestando tanto hospedeiros nativos, como frutos e hortaliças, quanto espécies introduzidas, como por exemplo, diversas frutíferas cultivadas nas regiões Sul e Sudeste. Os hospedeiros preferenciais de C. capitata no Brasil são exóticos, pertencentes às famílias Rutaceae, Rubiaceae, Rosaceae e Combretaceae, como por exemplo, laranja, tangerina, café, pêssego, ameixa, chapéu-de-sol, dentre outras (MALAVASI, 2009). De acordo com dados publicados por diferentes autores, C. capitata ataca 58 espécies de hospedeiros no país, dos quais 20 são espécies nativas (ZUCCHI, 2001). Na Amazônia brasileira, a espécie está associada a dois hospedeiros exóticos (acerola e carambola) e um nativo (goiaba) (SILVA; LEMOS; ZUCCHI, 2011). Os danos ocasionados pela mosca-do-mediterrâneo iniciamse na fase de oviposição das fêmeas. Elas realizam puncturas, perfurações, na casca dos frutos para depositarem seus ovos. Esses danos deixam os frutos mais vulneráveis a ação de bactérias e 128 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) micro-organismos. Ao emergirem, as larvas se alimentarão da polpa dos frutos, abrindo galerias em seu interior, acarretando no apodrecimento precoce deles. Além dos danos diretos nos frutos, existem os indiretos, ocasionados pelas restrições de exportações de frutos in natura, de países com ocorrência da praga, para mercados importadores, países livres da praga. BICUDO-DO-ALGODOEIRO Anthonomus grandis (Coleoptera: Curculionidae), o bicudodo-algodoeiro, é considerado a principal praga dos algodoeiros nas Américas. É um dos exemplos que melhor ilustram o potencial que uma praga introduzida pode gerar em um ecossistema, neste caso o Brasil, grande produtor mundial de algodão, cultura relevante do ponto de vista socioeconômico no país (GALLO et al., 2002). No início da década de 1980, espécimes de A. grandis foram detectados inicialmente no país no estado de São Paulo e, posteriormente, na Paraíba. Provavelmente, as infestações ocorreram pela introdução dos insetos no Brasil, possivelmente por via aérea e não através da expansão natural de suas populações. Após a introdução da praga, na região meridional, onde mais de 90% da área foi infestada no período de 1983 a 1993, a espécie se disseminou pelo país, alcançando a região setentrional, infestando algodoais na Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas, Bahia, Piauí, Maranhão, finalmente alcançando o Pará, em 1990. No entanto, os níveis tecnológicos dos produtores das regiões diferiam significativamente, tendo sido a região setentrional severamente castigada. A área colhida, produção e produtividade declinaram de 1983 a 1990, causando perdas diretas e indiretas na estrutura social, financeira e econômica de praticamente toda a região (RAMALHO; MEDEIROS; LEMOS, 2001). O ataque do bicudo na lavoura do algodão provoca queda de botões florais e flores, impedindo a abertura normal de maçãs, destruindo-as internamente, pois uma única estrutura pode abrigar 129 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas várias larvas. Devido ao ataque, a lavoura perde a carga, apresentando grande desenvolvimento vegetativo, ficando muito enfolhada, mas sem produção (GALLO et al., 2002). Anthonomus grandis pode causar danos de até 100% na produção, caso sua infestação não seja controlada satisfatoriamente (MIRANDA, 2005). VESPA-DA-MADEIRA A vespa-da-madeira, Sirex noctilio (Hymenoptera: Siricidae), foi introduzida no Brasil em 1988. É uma espécie exótica originária do Hemisfério Norte, de rápido estabelecimento, colonização e dispersão. Caracteriza-se por ser uma praga secundária e séria ameaça às plantações de Pinus na Nova Zelândia, Austrália, Uruguai, Argentina, África do Sul e Brasil, países onde foi introduzida acidentalmente. Sirex noctilio tem potencial natural de dispersão de 30 a 50 km por ano. No entanto, acredita-se que provavelmente tenha sido introduzida no Brasil através do transporte de madeira atacada (o que aumenta a probabilidade de dispersão) vinda do Uruguai. Ocorre nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná (IEDE; PENTEADO, 2001). O estabelecimento e dispersão da praga na região Sul foi facilitado pela presença abundante de hospedeiros do gênero Pinus, condições precárias do manejo florestal (principalmente desbastes atrasados) e ausência de inimigos naturais. Devido às condições favoráveis de estresse dos plantios e por ter sido a primeira praga exótica de importância, a introdução da vespa-da-madeira significou uma mudança de paradigma na silvicultura de Pinus spp. no Brasil (AGROSOFT, 2009). Este inseto é atraído para árvores estressadas que apresentam condições ideais para o desenvolvimento das suas larvas. As preferidas são as árvores de menor diâmetro e as dominadas. O dano principal é provocado na ocasião da postura. O fungo e muco injetados desencadeiam várias reações nas árvores, culminando 130 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) com a sua morte. A madeira das árvores atacadas torna-se imprópria para uso (PENTEADO; IEDE; REIS FILHO, 2005). O impacto da introdução de uma praga exótica pode gerar consequências econômicas, biológicas e sociais. Cerca de 350 mil ha de Pinus encontram-se atacados por S. noctilio no Brasil atualmente, no entanto, os níveis de mortalidade das árvores ainda encontram-se baixos, em virtude principalmente da adoção de medidas de monitoramento e controle, o que tem retardado o avanço da praga para outras regiões (IEDE; PENTEADO, 2001; PENTEADO; IEDE; REIS FILHO, 2005). ÁCARO-HINDUSTÂNICO-DOS-CITRUS O ácaro hindustânico-dos-citrus, Schizotetranychus hindustanicus (Acari: Tetranychidae), foi descrito na Índia, em 1924, e posteriormente relatado na Venezuela, em 2002. Esse ácaro era considerado exótico, praga ausente no Brasil. Entretanto, no primeiro semestre de 2008, S. hindustanicus foi detectado em Boa Vista, Roraima, ocasionando sintomas em folhas e frutos de limão Tahiti e galeguinho (NAVIA; MARSARO JÚNIOR, 2010). As infestações desse ácaro causam manchas esbranquiçadas circulares nas folhas e nos frutos de citros, acarretando redução do valor estético dos frutos in natura, consequentemente redução significativa em seu valor comercial. Ainda não há informações sobre reduções na produção provocadas por infestações desse ácaro nos citros no Brasil, mas na Venezuela S. hindustanicus tem sido observado causando danos severos em folhas e frutos de citros, em jardins e pomares comerciais (QUIRÓS; GERAUDPONEY, 2002). Logo após a comunicação oficial da detecção do ácaro-hindustânico-dos-citrus no Brasil ao MAPA, este órgão, visando impedir a disseminação desta praga e proteger a citricultura nacional, determinou a proibição do trânsito de material vegetal 131 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas dos hospedeiros de S. hindustanicus do estado de Roraima para os demais estados brasileiros. Por causa disso, os citricultores roraimenses tiveram elevados prejuízos econômicos, visto que grande parte da produção de citros, principalmente limão Tahiti, é destinada ao estado do Amazonas (MARSARO JÚNIOR; NAVIA; SATO, 2011). Baseado nos estudos conduzidos pela Embrapa Roraima e pelo Instituto Biológico, que demonstraram a eficiência do equipamento de beneficiamento de frutos cítricos na remoção de ovos e ácaros, o MAPA, por meio da Instrução Normativa n° 34, de 08/09/09, autorizou a liberação do trânsito de frutos de Citrus spp., provenientes de Unidades da Federação com ocorrência de S. hindustanicus, para outros estados da Federação, desde que os frutos passem por máquina de beneficiamento, seguido de inspeção (MARSARO JÚNIOR; NAVIA; SATO, 2011). São relatados como hospedeiros de S. hindustanicus os citros (Citrus spp.), coqueiro (Cocos nucifera), neem (Azadirachta indica), cinamomo (Melia azedarach), sorgo (Sorghum vulgare) e Acacia sp. No Brasil, no estado de Roraima, esta praga foi encontrada infestando folhas e frutos de citros: limão Tahiti, Citrus latifolia; limão galeguinho, Citrus limon; limão-cravo, Citrus limonia; tangerina murcote, Citrus reticulata x Citrus sinensis; laranja, C. sinensis, e tangerina ponkan, C. reticulata (MARSARO JÚNIOR et al., 2010a). Os principais inimigos naturais associados ao ácaro-hindustânico-dos-citrus, coletados em áreas de produção de limão Tahiti infestadas pela praga, são os ácaros predadores das famílias Phytoseiidae (Galendromus annectens, Euseius concordis e Iphiseiodes zuluagai), Stigmaeidae (Agistemus sp.) e Bdellidae (Bdella sp.) (MARSARO JÚNIOR et al., 2009). Embora haja alguns avanços no conhecimento de S. hindustanicus no Brasil, há ainda diversos estudos que precisam ser realizados para que se possa manejar de maneira mais eficiente este ácaro, destacando-se: biologia em diferentes hospedeiros, 132 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) quantificação do dano em diferentes espécies de Citrus, potencial de distribuição geográfica e avaliação do potencial de controle biológico das espécies nativas de ácaros predadores encontradas no Brasil (MARSARO JÚNIOR; NAVIA; SATO, 2011). ÁCARO-VERMELHO-DAS-PALMEIRAS O ácaro-vermelho-das-palmeiras, Raoiella indica, foi registrado pela primeira vez em 1924, infestando coqueiros no Sul da Índia. Posteriormente, foi relatado em países da África e do Oriente Médio. Em 2004, foi registrado no Caribe, em Martinica, disseminando-se por várias outras ilhas da região. Em 2006, foi relatado em Trinidad e Tobago, em 2007, nos Estados Unidos e, em 2008, na Venezuela. Essa praga era considerada exótica, praga ausente no Brasil, até o primeiro semestre de 2009, mas no início do segundo semestre, julho de 2009, ele foi detectado no município de Boa Vista/RR, infestando folhas de coqueiro e bananeira (NAVIA et al., 2011). Recentemente, no início do segundo semestre deste ano, em agosto de 2011, R. indica foi detectado na área urbana de Manaus/AM (UEA, 2011; BAND, 2011). As infestações desse ácaro podem causar o amarelecimento e o ressecamento completo das folhas e, quando as populações são altas, podem causar a morte de plantas jovens. Embora ainda não haja informações sobre perdas qualitativas e/ou quantitativas das infestações desse ácaro nas culturas da banana e coco, no Brasil, há relatos na literatura de que essa praga causou reduções nas produções de coqueiros estimadas em até 75%, em Trinidad e Tobago (CASTILLO, 2008 citado por NAVIA et al., 2011). Logo após a comunicação oficial da detecção do ácaro-vermelho-das-palmeiras no Brasil, ao MAPA, este órgão, visando impedir a disseminação desta praga e proteger a fruticultura nacional, determinou a proibição do trânsito de material vegetal dos hospedeiros de R. indica, inclusive frutos de banana, do estado de Roraima para os demais estados brasileiros. Por causa disso, os banani133 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas cultores roraimenses tiveram elevados prejuízos econômicos, visto que a maior parte da produção de bananas é destinada ao estado do Amazonas (A. L. Marsaro Júnior, comunicação pessoal). A restrição de trânsito foi suspensa, após levantamentos realizados por técnicos da Agência de Defesa Agropecuária do Estado de Roraima (ADERR), que constataram a ausência desta praga nos municípios do sul do estado, principal região produtora de banana. Atualmente, o trânsito é permitido desde que a Unidade de Produção (UP) seja inspecionada e a partida seja acompanhada de Certificado Fitossanitário de Origem (CFO), atestando que a UP está livre da praga. Porém, a restrição permanece para as UPs que apresentem bananeiras infestadas pelo ácaro (A. L. Marsaro Júnior, comunicação pessoal). São relatados como hospedeiros de R. indica diversas espécies vegetais pertencentes às famílias Arecaceae, Musaceae, Heliconiaceae, Strelitziaceae e Zingiberaceae. No Brasil, no estado de Roraima, esta praga foi encontrada infestando folhas dos seguintes hospedeiros: Arecaceae – Cocos nucifera, Bactris gasipaes, Caryota urens, Dypsis lutescens, Elaeis guineensis, Euterpe oleracea, E. precatoria, Mauritia flexuosa, Phoenix roebelenii, Pritchardia pacifica, Rhapis excelsa, Veitchia merrillii; Musaceae – Musa sp.; Cannaceae - Canna indica; Heliconiaceae - Heliconia bihai cv. Napi, H. psittacorum cv. Golden Torch e Heliconia sp. Baixas infestações foram observadas em C. indica, B. gasipaes, D. lutescens e E. guineensis, sugerindo que essas plantas sejam menos favoráveis como hospedeiros para R. indica do que outras plantas (MARSARO JÚNIOR et al., 2010b). Os principais inimigos naturais de R. indica citados na literatura são os ácaros predadores da família Phytoseiidae, os besouros das famílias Coccinellidae e Staphylinidae e, também, os crisopídeos. No Brasil, os estudos com os inimigos naturais, principalmente ácaros predadores, visando o controle biológico da praga, já estão sendo realizados, mas, por enquanto, ainda não há resultados disponíveis (A. L. Marsaro Júnior, comunicação pessoal). 134 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Embora já existam algumas informações a respeito do comportamento de R. indica no Brasil, muitos estudos ainda precisam ser realizados, destacando-se: biologia desta praga nos diversos hospedeiros, quantificação dos danos, potencial de distribuição geográfica, métodos de controle (químico, biológico, ...), etc. ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO À INTRODUÇÃO E DISSEMINAÇÃO Espécies invasoras exóticas geram prejuízos ao ambiente natural e também a outros setores como economia, saúde, podendo ainda provocar impactos sociais e culturais. A introdução de determinados organismos pode acontecer de forma acidental ou intencional. Medidas de prevenção como a análise de risco da espécie antes de sua introdução e identificação de rotas de dispersão, são tidas como as mais importantes a serem adotadas (CADERNOS..., 2010). No Brasil, foi instituída a Câmara Técnica Permanente sobre Espécies Exóticas Invasoras pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio) através da Deliberação Conabio nº 49, de 30 de agosto de 2006, visando integrar os diversos setores públicos e privados para propor as estratégias para prevenção, controle, monitoramento e erradicação de espécies exóticas invasoras e a mitigação dos seus impactos (CADERNOS..., 2010). Para determinadas espécies de pragas introduzidas no Brasil, classificadas como potencialmente danosas à agropecuária brasileira, existem normas oficiais de prevenção e controle bem estabelecidas e publicadas pelo Ministério da Agricultura, através dos Departamentos de Defesa e Inspeção Animal e Vegetal (BRASIL, 2006). Métodos que objetivam evitar a entrada e disseminação de pragas exóticas no território, baseados nas legislações federais e estaduais, são conhecidos como métodos legislativos. Este tipo de controle é executado pelo Serviço de Defesa Sanitária Vegetal 135 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas do Ministério da Agricultura. Como exemplo, podemos citar o serviço quarentenário, que consiste na inspeção de portos, aeroportos e áreas de fronteira, com o objetivo de desinfestar, destruir e até mesmo impedir que vegetais atacados por pragas entrem no território, mantendo esses organismos em quarentena (GALLO et al., 2002). O Ministério do Meio Ambiente, por meio do Informe Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, registra 155 espécies exóticas invasoras que afetam os sistemas produtivos. O MAPA alerta que existem outras 490 espécies de pragas de importância quarentenária que tem grande potencial de serem introduzidas no país (BRASIL, 2008). Uma das principais medidas para prevenir a introdução de pragas é através do controle do trânsito de seus hospedeiros. No Brasil, a implementação do controle do trânsito, tanto interno quanto externo, de material hospedeiro de pragas está fundamentado em princípios do Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio, publicado pelo Decreto Legislativo nº 030, de 15 de dezembro de 1994, mas, principalmente nos artigos do Decreto nº 24.114, de 12 de abril de 1934 (SILVA, 2000). O controle do trânsito em nível internacional é executado por Fiscais Federais Agropecuários nas Unidades do Serviço de Vigilância Agropecuária, do Ministério da Agricultura, localizadas em portos, aeroportos e postos de fronteira. O MAPA atua em 26 aeroportos, 28 portos organizados, 28 postos de fronteira e 24 Estações Aduaneiras do Interior (GODOY; PACHECO; MALAVASI, 2011). Cabe ressaltar que além das medidas legislativas, a conscientização da população através das ações de educação sanitária e fitossanitária contribui na prevenção à introdução de espécies exóticas. Nesse sentido, a sociedade como um todo, inclusive pesquisadores, devem ser alertados quanto ao risco do transporte de material vegetal ou animal, pela probabilidade ou pela possibilidade desse material conter pragas. As campanhas educativas têm sempre efeito positivo na prevenção (SILVA, 2000). 136 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) CONSIDERAÇÕES FINAIS A disseminação e os impactos provocados pelas espécies exóticas invasoras vão além das fronteiras políticas ou administrativas, sendo necessários acordos internacionais para o enfrentamento do problema em escala mundial. Como exemplo, o Brasil, que possui dimensões continentais e cuja maior parte de suas áreas fronteiriças encontra-se praticamente desprotegida, portanto, altamente vulnerável. A vulnerabilidade das fronteiras brasileiras configura-se como uma ameaça ao bom desenvolvimento e segurança do cenário agrícola, visto que, juntamente com o avanço da globalização e suas consequências no fluxo de pessoas e mercadorias, o risco de introdução e dispersão de espécies invasoras exóticas aumenta significativamente. Nas regiões dentro da faixa de fronteira do Brasil onde existem pontos de ingresso ao país, tanto de animais quanto de vegetais, as questões da segurança biológica devem ser tratadas com atenção especial, uma vez que as relações bilaterais entre os países fronteiriços estão aumentando em função de novos acordos de mercados. Assim, as atividades ligadas às áreas de defesa e inspeção agropecuária precisam ser fortalecidas, como por exemplo o aumento de barreiras sanitárias em regiões estratégicas como a Amazônia, cujas dimensões territoriais e características geográficas peculiares dificultam as ações de fiscalização, para que se possa garantir a segurança do meio ambiente, das florestas, da agricultura e da pecuária. A pesquisa científica nessas áreas estratégicas deve subsidiar o setor agropecuário com informações sobre a ocorrência de espécies invasoras exóticas visando à elaboração de políticas públicas para prevenção e controle dos impactos da introdução dessas espécies sobre a biodiversidade, cuja presença pode acarretar, não somente perdas financeiras na adoção das medidas de controle, mas a perda de mercados importantes e exigentes, além de que, futuramente pode ocorrer a perda de recursos biológicos e genéticos. 137 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas REFERÊNCIAS AGROSOFT BRASIL. 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No es un tema menor ni de fácil abordaje pues trasciende al reclamo jurídico venezolano sobre una vasta porción territorial administrada por Guyana, al englobar un complicado entretejimiento de factores económicos, culturales e incluso de intereses geopolíticos. No se pretende en estas páginas analizar la reivindicación limítrofe demandada por Venezuela, tema sobre el que se ha escrito densamente y existe a disposición de los interesados numerosas compilaciones y trabajos con argumentos desde diferentes ópticas26. Interesa examinar otros aspectos de estos espacios de fronteras que, sin embargo, tienen como trasfondo las indefiniciones limítrofes existentes o para ser más preciso, la reclamación venezolana. La imagen cartográfica de Venezuela se difunde invariablemente con un anexo en el flanco oriental que representa en sus dimensiones reales un área equivalente a 159.500 km2 y tiene como etiqueta un Las fuentes consultadas en este trabajo han sido fundamentalmente: El Ministerio Popular de Relaciones Exteriores de Venezuela. www.mre. go.ve Notas de Prensa. la Sección dedicada al Esequibo. La Sección Los derechos Venezolanos de Soberanía El Esequibo-Crónica del Proceso de Reclamación (1648-2001). Así como la página web www.historiaolvidada. com que aloja una vasta compilación de Documentos relacionados con el Esequibo. 26 Ver Bibliografía consultada 25 145 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas escrito que indica Zona e Reclamación27 . Sujeto al Acuerdo de Ginebra del 17 de febrero de 1966 (Ver Figura 1). Esa simbología territorial, tal como lo reseña Sureda (2009) se originó28 en 1965 y argumenta que ese “…nuevo mapa buscaba dirigir el sentimiento nacional hacia el despojo territorial que había causado 66 antes por la sentencia o Laudo Arbitral del 3 de octubre de 1899, y de esa manera unificar a la población en una sola voluntad para acompañar al Ejecutivo en un proceso diplomático que buscaba la recuperación del espacio usurpado”. Figura 1.- Mapa de la Republica de Venezuela Desde entonces y más allá de la intencionalidad nacionalista, se instaló en los venezolanos la silueta de un mapa incompleto, un territorio inconcluso en su forma y significado, pero también También recibe el calificativo de Territorio Esequibo, que con el mismo significado se utilizará en este trabajo. 28 Nos referimos al período presidencial del Dr. Raúl Leoni (1964-1969) que divulgó el nuevo mapa oficial de Venezuela. 27 146 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) una porción territorial lejana e inaccesible. En el lado opuesto la otra representación cartográfica en competencia, el mapa de la República Cooperativa de Guyana exhibiendo el territorio nacional correspondiente a una extensión de 215.093 km2 y organizado en 10 regiones geográficas (Ver Figura 2). Lo geopolíticamente destacable es que el 74,15%, de este territorio que abraca casi seis regiones29, forma parte del Territorio Esequibo, aunque paradójicamente todas están bajo dominio de Guyana. Figura 2.- Mapa de la Republica Cooperativa de Guyana Con estas referencias cartográficas se pretende exponer una de las dimensiones de la compleja problemática limítrofe/fronteriza, Barima-Waini, Pomerron-Supenaam, Cuyuní-Mazaruni, Potaro-Siparuni, Upper Takutu-Upper Essequibo y parte de la Essequibo Islands-West Demerara. 29 147 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas extendida, además, a las delimitaciones marítimas en el Océano Atlántico que generan las costas del territorio en litigio, objeto también de controversias binacionales. El complicado cuadro fronterizo venezolano-guyanés se podría sintetizar en las posturas gubernamentales que han predominado en los escenarios nacionales expresadas al menos en dos polémicas y paradójicas tendencias. Por una parte, recurrentemente se declara el firme propósito de buscar soluciones pacíficas a la controversia limítrofe firmando acuerdos, protocolos o acudiendo a la figura del Buen Oficiante, admitiendo de esta manera la existencia de la problemática territorial que se busca resolver en mutuo beneficio y dejando entrever la disposición de ambas partes de ceder en sus aspiraciones originarias. Paralelamente y en vía contraria a este ambiente de concertación, desde las altas esferas gubernamentales de cada ámbito nacional, se insiste frecuentemente en reafirmar a través de comunicados oficiales y declaraciones institucionales los legítimos e irrenunciables derechos territoriales que se representan en sus cartografías. Y, aunque se podría señalar que esta última postura obedece al necesario juego geopolítico binacional en la resolución del conflicto, también se puede concluir que ha sido una estrategia contradictoria que poco ha contribuido al avance negociador, convirtiéndose en argumento atizador de los sectores que persisten en reclamar los territorios originarios. Este panorama controversial se complementa con las permanentes protestas de los sucesivos gobiernos venezolanos, unos con mayor intensidad que otros, por los planes y programas emprendidos por los gobiernos guyaneses y las empresas privadas transnacionales para la explotación de los recursos existentes en la Zona en Reclamación. Pero en sentido contrario también se ha reclamado a Venezuela los proyectos de explotación de recursos en las aguas marinas y submarinas del Atlántico en las costas del estado Delta Amacuro. 148 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) En ambos casos se invocado como sustento de la protesta el Artículo 5º de Acuerdo de Ginebra que en su numeral dos30 (2) señala lo siguiente: “Ningún acto o actividad que se lleve a cabo mientras halle en vigencia este Acuerdo constituirá fundamento para hacer valer, apoyar o negar una reclamación de soberanía territorial en los Territorios de Venezuela o La Guyana Británica, ni para crear derechos de soberanía en dichos Territorios excepto en cuanto a tales actos o actividades sean resultado de cualquier convenio logrado por la Comisión Mixta y aceptado por escrito por el Gobierno de Venezuela y el de Guyana…” Aunque el contenido de este numeral está claramente definido en su propósito, la intencionalidad diplomática se ha centrado en utilizarlo para el desconocimiento de cualquier iniciativa que derive en la adquisición de derechos sobre el territorio en cuestión o en las áreas marinas y submarinas adyacentes. Evidentemente el tema de la vecindad fronteriza se desarrolla en torno a estas posiciones bipolares, es decir, en esa especie de juego insincero que evita afrontar los riesgos de una solución definitiva al conflicto limítrofe. Si bien es cierto que la propuesta de resolución en la actualidad recae sobre el Buen Oficiante, también es verdad que las presiones de los sectores nacionalistas han obstaculizado cualquier solución. Desde la perspectiva venezolana algunos sectores han asumido una política realista frente al diferendo limítrofe. Venezuela es el país que reclama territorio, Guyana el que tiene posesión del territorio reclamado y más allá de las demostraciones El numeral uno indica que “Con el fin de facilitar la mayor medida posible de cooperación y mutuo entendimiento, nada de lo contenido en este Acuerdo será interpretado como una renuncia o disminución por parte de Venezuela o Guyana Británica o de cualquiera derecho que se hubiesen hecho valer previamente o de reclamaciones de tal soberanía territorial o como prejuzgando su posición con respecto a su reconocimiento o no reconocimiento de un derecho o reclamo o base de reclamo por cualquiera de ellos sobre la soberanía territorial”. 30 149 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas histórico-documentales presentadas por Venezuela, hay una realidad objetiva contemporánea que debe ser considerara en beneficio de ambas partes. Ya lo planteaba el Ex -Canciller Isidro Morales Paul (1983) “Yo creo que por ejemplo, no es posible, pensar que nosotros vamos a recuperar la totalidad del territorio hasta el río Esequibo, porque eso implica la desmembración del otro Estado; yo creo que eso no lo vamos a obtener ni por la fuerza, señores. Vamos a ser sinceros…” y esa argumentación ha sido compartida en determinados ámbitos de la sociedad venezolana, que aún cuando ratifican las razones y derechos históricos de Venezuela en la reclamación, también admiten la necesaria sensatez que debe privar en la búsqueda de salidas concertadas a la delimitación territorial en beneficio de las partes. Como ocurre con los sensibles temas fronterizos esta posición también estimula las voces que en ambos lados cuestionan cualquier salida concertada argumentando el reclamo integro del territorio. 1. PRIMER BALANCE BILATERAL Aparatando el tema del litigio territorial y salvo algunos momentos de pequeñas escaramuzas y actos belicistas magnificados en ocasiones en los fragores de los sectarismos nacionalistas de algunos sectores venezolanos y guyaneses debido a incidentes fronterizos menores, las relaciones bilaterales globales incluso entre gobiernos de distintas tendencias político-ideológicas, se han sustentado en el reconocimiento, la cooperación y los intercambios. Esta es quizá una línea casi consecuente de la política exterior venezolana que se mantuvo en la misma dirección hasta principios del siglo XXI y tiene como hito relevante el reconocimiento en 1996 de Guyana como Estado Independiente y posteriormente en la disponibilidad de los diferentes gobiernos venezolanos en cooperar con Guyana en las áreas financieras, el científico-técnicas y culturales que se remonta a ejemplos específicos como fue la apertura del Centro Cultural venezolano150 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) guyanés Rómulo Gallegos inaugurado en Georgetown en 1968. Especial atención merece la expansión de las interrelaciones en la década de los 70 a raíz de la firma del Protocolo de Puerto España, mecanismo de negociación que congeló por 12 años la controversia sobre el territorio Esequibo. En esta década se intensificaron las relaciones bilaterales con la exploración de planes de cooperación política, económica y cultural y se establecieron las posibles creaciones de empresas mixtas venezolano-guyanesas para la explotación de bauxita y otros minerales. A finales de esta década se avanzó en la aprobación de esquemas de crédito a Guyana para la dotación de energía hidroeléctrica, así como la creación de rutas áreas y la compra de madera y bauxita por parte de Venezuela. Dos temas destacan en las reuniones bilaterales de esa época: el ofrecimiento de apoyo financiero al Proyecto de construcción de la represa el Alto Mazaruni en la Zona en Reclamación y la cooperación petrolera. Aunque muchos proyectos no se concretaron, se abrió y se privilegió a escala binacional un espacio de cooperación, sin descartar en ningún momento la solución al tema limítrofe. No obstante, esta apertura tuvo un importante giro, una inflexión en los primeros años de la década de los 80 con la instauración de un nuevo gobierno en Venezuela31. Para entonces, se retomó una tendencia que privilegió el reclamo territorial y se ratificó la decisión de reiniciar las negociaciones sobre el territorio Esequibo. En 1981 se publicó una nota del Ministerio de Relaciones Exteriores de Venezuela comunicando formalmente al gobierno Guyanés y al Secretario General de Naciones Unidas que no se prolongará la aplicación de del Protocolo de puerto España más allá del 18 de junio de 1982. Un intenso debate se generó en Venezuela en torno al problema limítrofe y después de intercambios de comunicaciones diplomáticas y búsquedas de Nos referimos al Gobierno presidido por el Dr. Luis Herrera Campins, periodo 1979-1984. 31 151 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas alternativas, los gobiernos de los dos países acordaron elevar al Secretario General de Naciones Unidas la escogencia del medio de solución pacífica para abordar la controversia territorial, en consonancia con lo pautado en el Artículo IV (2) del Acuerdo de Ginebra. Asimismo se produjo un viraje con relación a la posición venezolana sobre los proyectos y planes guyaneses en el Territorio Esequibo. En ese contexto tuvo un enorme significado en la orientación geopolítica venezolana el rechazo al Proyecto Hidroeléctrico del Alto Mazaruni, en abierta contraposición a lo acordado a finales de la década de los 70 cuando el Gobierno venezolano ofreció apoyo financiero a dicho proyecto, tal como citamos en el párrafo anterior. En la segunda mitad de la década de los años 80 se emprendió de nuevo un período de distensión e intensificación de las relaciones venezolano-guyanesas en las que se analizó la cooperación en las áreas agrícolas, educacional-cultural, salud, ciencia y tecnología, comercio de bauxita, dragado de ríos y convenios de pesca entre otros. Otros dos aspectos destacaron en este contexto bilateral: desde el punto de vista de la problemática limítrofe se aceptó el método del Buenos Oficios como mecanismo exploratorio a la solución del conflicto y paralelamente se creó la Comisión Mixta venezolanoguyanesa para abordar los temas comerciales y de cooperación que incorporó la propuesta venezolana de establecer un mecanismo de coordinación, negociación, consulta y evaluación continua de las relaciones bilaterales en el campo económico, comercial, financiero, agrícola, científico y tecnológico, cultural, transporte y cooperación técnica y cualquier otro sector de naturaleza similar de común interés para los dos países. Otro aspecto relevante lo constituyó la firma del Acuerdo de financiamiento entre el Banco de Guyana y el Fondo de Inversiones de Venezuela, así como el convenio para suministro de petróleo y venta de bauxita. La empresa petrolera MARAVEN financiaba el 45% de la venta de petróleo y Guyana pagaba una parte del préstamo con la entrega 152 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) de bauxita. En el amplio espectro de cooperación se suscribieron acuerdos de prevención, control y represión del consumo y tráfico ilícito de sustancias psicotrópicas. En los primeros años de la década de los 90 se estrecharon los vínculos binacionales en el marco de una política exterior venezolana expansiva a Centroamérica y el Caribe, auspiciada por el gobierno socialdemócrata presidido por Carlos Andrés Pérez. Se firmaron protocolos de intensión sobre proyectos de interconexión eléctrica, se otorgaron nuevas líneas de créditos a Guyana y se colaboró en hechos tan puntuales como las construcciones de un gimnasio múltiple y las instalaciones de la Facultad de Medicina de la Universidad de Georgetown. En suma, la Comisión Mixta Venezolano-Guyanés se reunió periódicamente para aprobar planes de actividades conjuntas en diversas áreas para el estimulo de comercio, así como para elaborar programas de cooperación en áreas de la minería, medio ambiente, hidrología, ciencia y tecnología, turismo, salud, planificación, cultura, educación. Interesante resultó la creación de la Comisión Mixta Venezolano-Guyanesa sobre Prevención, control y Represión del consumo y de tráfico Ilícito de Estupefacientes y Sustancias Psicotrópicas, acordando establecer grupos de interdisciplinarias para abordar este delicado tema en las fronteras. En el ámbito regional caribeño y americano se asumieron propuestas de apoyo mutuo, así Guyana apoyó a Venezuela para su ingreso en el esquema de integración CARICOM y este a Guyana en su ingreso a la OEA. La activa presencia e influencia de la política exterior venezolana se sustenta en la expansión del comercio petrolero en Centroamérica y el Caribe. Poco antes de la crisis política venezolana generada por los intentos de golpe militar en 1992 y la posterior condena del Presidente Pérez acusado de malversación de los dineros públicos, el acercamiento entre los gobiernos de ambos países habían alcanzado estrechas relaciones colaboración e incluso se llegó a insinuar, aunque no oficialmente, que existía una propuesta para 153 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas solución al conflicto limítrofe, lo que evidentemente generó todo tipo de especulación sobre el tipo de acuerdo. Esa posibilidad no resulto ser tan incierta y el propio ex -presidente Pérez32 años más tarde confesaría en un entrevista a una televisión venezolana y reproducida por algunos periódicos nacionales, que “la insistencia de reclamar una porción del territorio no lleva a ninguna parte. Lo que hay que hacer es cambiar territorio por mar, y por ahí iban dirigidas las negociaciones cuando fui presidente”. Aunque no es la primera vez que se insinúan posibles acuerdos secretos, es tal vez la única vez que asume abiertamente los criterios concertados para un acuerdo sobre el territorio fronterizo en discusión A partir de la segunda mitad de la década de los 90 aunque se mantuvo el perfil geopolítico de la cooperación bilateral, no faltaron las notas de protestas diplomáticas sobre algún proyecto específico para la Zona en Reclamación o en sus adyacentes espacios marítimos. Cabe destacar el cuestionamiento del gobierno Guyanés al otorgamiento de concesiones petroleras realizadas por su homologo venezolano a la Empresa Mobil en 1993 y más tarde a las empresas Century GY y Exxon en las costas afuera frente a las áreas marina y submarinas frente a la Zona en Reclamación y la fachada marítima del estado Delta Amacuro. Por su parte el gobierno venezolano expreso insistentemente sobre su preocupación por las consecuencias ambientales de los desechos tóxicos vertidos en ríos, así como la desforestación generada en el Territorio Esequibo. Entrevista a Carlos Andrés Pérez, Presidente de Venezuela. Diario El Nacional, Internacional y diplomacia. Pág. A72m 08.septiembre de 2000. 32 154 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) 1.1. MÁS CONCESIONES, MAYOR CONTAMINACIÓN En esta década el gobierno guyanés acentuó y amplió la política de otorgamiento de concesiones a empresas transnacionales y locales para explotar recursos forestales y minerales, básicamente de oro y diamantes, con el consabido incremento de la contaminación medio-ambiental. Esto generó no sólo cuestionamientos diplomáticos venezolanos, también se desató una reacción internacional denunciando la destrucción de bosques, la contaminación de los ríos y la afectación de las comunidades aborígenes en la subregión del Alto Mazaruni. Las protestas surgieron al interior de Guyana, al extremo que el Secretario de Gobierno de la República Cooperativa de Guyana, Roger Luncheon, en conferencia de prensa publicada el 3 el octubre de 1999 por el Diario Starbroek News reconoció que la Comisión de Geología y Minas de Guyana habría otorgado licencias de exploración en forma negligente o descuidada. Pero se obviaría parte del problema si no se registra como factor contaminante incontrolado la exploración indiscriminada realizada a pequeña escala por mineros, buscadores de oro y diamantes que con técnicas rudimentarias contribuyendo a generar graves daños ambientales, una práctica que se expandió por los espacios fronterizos de Venezuela y Guyana. La preocupación ambiental alcanzó niveles de alarma, tomando en cuenta que el “75% del territorio guyanés está cubierto de diversos tipos de bosques (Montaña, tropicales húmedos de temporada y pluvisilvas o bosques lluviosos, bosques secos de hoja perenne, bosques de marismas de tierras bajas y bosques e manglares; como una importante red hidrográfica que atraviesa el territorio guyanés, especialmente en la Zona en Reclamación. 155 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 1.2. FIN DE SIGLO El Siglo XX venezolano-guyanés cerró con tres aspectos importantes que marcaron la pauta de los vínculos binacionales. En primer lugar, el encuentro presidencial entre Janet Jagan y Rafael Caldera, en Caracas en julio de 1998, donde se exploró la posibilidad de establecer acuerdos sobre cooperación ambiental, con lo cual se reconoció abiertamente la grave situación ambiental en la zona fronteriza en reclamación. El propósito fundamental era abordar de manera conjunta la colaboración ecológica venezolana para la preservación de los recursos naturales en el Territorio Esequibo y constituyó una propuesta de concertación novedosa en materia fronteriza. Lamentablemente esta iniciativa no prosperó pues tuvo una fuerte presión de la opinión pública guyanesa en oposición a la intencionalidad del acuerdo en materia ambiental. Nótese que en el año 1999 el Gobierno de Guyana concedió cuatro concesiones para la explotación de madera y cuatro para la ampliación de minerales, concretamente oro y diamantes, las ocho concesiones se otorgaron en la Zona en Reclamación venezolana, espacio geográfico donde se localiza la mayor cantidad de recursos mineros, lo cual evidenció los intereses geoeconómicos de las empresas transnacionales, locales y del gobierno guyanés en esta zona. El segundo aspecto destacado se definió en la propuesta de asumir un esquema global e integral para abordar las políticas y acuerdos bilaterales y en ese contexto se establecieron las pautas para crear una Comisión Nacional de Alto Nivel (COBAN) y tratar temas relacionados con la política, el ambiente, el comercio y cooperación económica, cultura, salud, agricultura y agroindustria, transportes y asuntos consulares. Con esta iniciativa se buscó sistematizar y renovar acuerdos diversificados de cooperación. 156 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Cierra este siglo cumpliendo el 3 de octubre de 1999, cien (100) años de la firma de Laudo de Paris de 1899 en que se impusieron los primeros límites/fronterizos entre Venezuela y Guyana. Este acontecimiento que fue “celebrado” con un cruce de notas diplomáticas en las que cada parte ratificó su posición respecto al contencioso limítrofe existente. El Ministerio de Relaciones Exteriores de Venezuela reafirmó en esa ocasión la invariable posición pública de denunciar el desalojo ilícitamente del territorio en cuestión y ratificó el carácter nulo e írrito del Laudo y la aspiración nacional de obtener la reparación de la grave injusticia cometida. Este comunicado fue emitido por el nuevo gobierno venezolano33, que mantuvo en esa ocasión la continuidad de la política exterior en torno al tema. El mismo día el Ministerio de Relaciones Exteriores de Guyana difundió un comunicado reiterando la validez del Laudo, señalando que la región del Esequibo es parte integral del territorio de Guyana. En ambos casos se ratificó el compromiso de pautado para la solución pacifica del diferendo avalado por los auspicios del Secretario General de las Naciones Unidas a través del Buen Oficiante. Aunque se percibió positivamente el avance bilateral alcanzado en los dos primeros aspectos, no tuvo la misma calificación los comunicados citados en el párrafo anterior, pues evidenciaron las estacionarias y contradictorias posiciones en la controversia limítrofe, y dejaron entrever el complicado escenario geopolítico fronterizo en el que, además, entraron en juego las presiones de las opiniones públicas en cada país, los factores culturales en la ocupación del territorio y la importancia geoeconómica de la zona en discusión. Este último aspecto geoeconómico ha tenido siempre una notable influencia en el complejo entramado fronterizo, puesto 33 Presidido el Teniente Coronel Hugo Chávez Frías desde 1989. 157 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas que en la Zona en Reclamación se concentra la localización de la mayor cantidad de recursos minerales, especialmente oro, diamantes, Bauxita, columbita y tantalita especialmente en las regiones del Cuyuní-Mazaruni, Potaro-Siparuni y Upper TakutuUpper Essequibo. Asimismo es el ámbito territorial por donde drenan una importante red hidrográfica integrada por los ríos Esequibo, Cuyuni, Rupunui, Barima, Gunai, entre otros. Es el territorio donde el gobierno Guyanés ha realizado las mayores inversiones y otorgado las concesiones para la explotación de maderas, minerales y ha proyectado la construcción de las represas hidroeléctricas. Es, en suma, la visual de un panorama limítrofe/fronterizo con muchas aristas e intereses asociados a la geografía política de los territorios vecinos. 2. GUYANA Y VENEZUELA: SIGLO XXI En el examen de las relaciones bilaterales desde la perspectiva venezolana en esta primera década del siglo XXI se distingue una primera etapa continuista que conllevó a la reafirmación del reclamo territorial, tal como se ha reflejó en diversos niveles del gobierno nacional y simultáneamente en el cuestionamiento de la política geoeconómica del gobierno guyanés sustentada en las diversas concesiones y proyectos adelantados para la zona en reclamación. Emblemática fue la oposición del gobierno venezolano al proyecto guyanés negociado con la empresa norteamericana Beal Aeropace Technologies para la construcción de una plataforma de lanzamiento de satélites que se pretendía localizar en la región: Barima-Waini, que por cierto, tuvo una fuerte oposición interna en partidos políticos como el Congreso Nacional del Pueblo (PN), el Partido Alianza Popular Trabajadora, así como diversos sectores de la sociedad guyanesa, sobre todo las provenientes de los residentes de la región objeto de localización del proyecto, afirmando el negativo impacto ambiental que podría causar. 158 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) La posición venezolana se puede sintetizar en la siguiente declaración del Presidente venezolano,34 el rechazo del gobierno a la instalación de la Plataforma de Lanzamiento de Cohetes en el Territorio Esequibo al señalar que “…el asunto lo estamos gestionando ante la administración de los Estados Unidos, pues no podemos aceptarlo porque ese territorio está en reclamación” y posteriormente en otro escenario señalo con relación a dicha Plataforma “…que no permitirá que se instale en ese territorio, que es venezolano, una base de lanzamiento de cohetes… eso no lo toleraremos. El Esequibo es nuestro desde que el mundo es mundo y ejerceremos nuestra soberanía…” Esta declaratoria, de marcado acento nacionalista, sirvió de fundamento para rechazar cualquier propuesta de explotación de los recursos en el Territorio Esequibo. En ese marco institucional también se preservó la formalidad discursiva de apoyo del Acuerdo de Ginebra y al trabajo del Buen Oficiante encargado de concertar la propuesta consensuada a la solución pacífica de la controversia limítrofe. En su conjunto la postura gubernamental reafirmó la tradicional política exterior venezolana con relación al histórico reclamo territorial. En ese contexto se dio continuidad a las decisiones bilaterales concertadas por el anterior gobierno al activar la Comisión Binacional de Alto Nivel Venezolano-Guyanesa ratificando la orientación, así como las áreas de cooperación concertadas en su texto de creación. El trabajo desplegado por la Comisión mantuvo una constancia y periodicidad en sus reuniones en la que se exploraron y aprobaron intencionales acuerdos en los tradicionales sectores que han marcado la pauta en las relaciones binacionales. Pero quizá el aspecto más importante desde el punto de vista fronterizo fue la incorporación del análisis del proyecto de in- Programa Radial Aló Presidente. Reproducido por el Diario El Nacional, sección política. 20 marzo 2000. 34 159 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas terconexión vial para enlazar a las localidades de Tumeremo, El Bochinche y San Martin de Tumbarang (Venezuela) con Georgetown, Capital de Guyana, elaborado bajo el auspicio de la Iniciativa de Integración de la Infraestructura Regional de América del Sur (IIRSA) Aunque la tónica vislumbraba la prolongación de la histórica posición venezolana frente a Guyana, en febrero de 2004 se le dio un inesperado viraje. En esa fecha, en ocasión de la visita del Presidente de Venezuela a Guyana y en el contexto de su propuesta promocional del esquema de integración denominado Alternativa Bolivariana para las Américas (ALBA) trazó de manera sorpresiva para la sociedad venezolana otros criterios geopolíticos que quebrantaron las históricas argumentaciones venezolanas sobre el diferendo limítrofe con Guyana. Sustentado en sus posturas anti-imperialistas y anticapitalistas, el Presidente venezolano propuso al Gobierno del vecino país “…poner en marcha toda nuestra capacidad creadora, toda nuestra capacidad articuladora, inventora para unirnos de verdad, dejando atrás viejos complejos, herencias de los viejos imperios…” y posteriormente en otro escenario declaró su compromiso “…con el Presidente Bharrat Jgdeo a que el gobierno venezolano no va a oponerse a ningún proyecto en la región que vaya en beneficio de los habitantes, en beneficio directo… ante el surgimiento de cualquier proyecto más sensible inmediatamente nos activaremos para revisarlos en la Comisión de Alto Nivel y buscarle salidas… Venezuela no se opondrá a que empresas extranjeras exploren yacimientos petroleros y gasíferos en el disputado territorio de Guyana… abordar las relaciones con Guyana con un perfil bajo distinto, colocando el reclamo por el Territorio Esequibo a un lado de los vínculos económicos y políticos… años atrás el gobierno venezolano bloqueó proyectos de desarrollo en el Esequibo. Hemos estado Guyana y Venezuela durante mucho tiempo perturbados por el problema fronterizo heredado de los tiempos coloniales…” 160 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Ese giro radical desató en su momento una alta preocupación en importantes sectores de la sociedad venezolana sobre el futuro de las negociaciones de la Zona en Reclamación, entre las cuales destaca la posición de la Academia Nacional de la Historia que solicitó a través de una comunicación a la cancillería venezolana una explicación sobre la declarativa gubernamental. Aunque no se tiene con certeza el verdadero fundamento del cambio de postura del Gobierno Venezolano, la especulación podría conducir a afirmar que obedece a sus objetivos de influencia en el Caribe en busca de apoyo a su proyecto de Revolución Bolivariana concentrada en la Alternativa Bolivariana para la Américas y en ese contexto Guyana es visto como un factor clave para su interconexión con el Caribe. El gobierno de Guyana no sólo recibió con beneplácito la postura gubernamental venezolana, también visualizó despejado el panorama de la reclamación sobre el Territorio Esequibo y un paisaje sin obstáculos para su explotación. El acercamiento intergubernamental y los intercambios bilaterales también se han desarrollado bajo otros parámetros, sustentados, como en el pasado, en el petróleo. En el Acuerdo de Cooperación Energética Petrocaribe entre el Gobierno de la República Bolivariana de Venezuela y el Gobierno de la República Cooperativa de Guyana en 2005, se ha estableció el suministro de 5.200 barriles de petróleo diarios a Guyana y en su articulado establece, además, condiciones de pago del 60% en efectivo y el resto se concede a crédito en condiciones concesionales, a un interés de 2% a un plazo de 18 meses, también se otorgó un periodo de gracia de dos años para empezar a pagar. El acuerdo tiene una vigencia de 20 años. En ese contexto el Presidente venezolano ha sugerido que como Guyana actualmente no tiene potencial para intercambiar con Venezuela sugirió intercambiar servicios y productos como azúcar y plátanos por combustible… pero también podría intercambiar bauxita por combustible. En ese esquema la Cancillería guyanesa emitió una 161 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas nota que se estaría dispuesto a considerar con Venezuela un mecanismo de intercambio de petróleo por arroz en condiciones similares a los arreglos establecidos por la República Bolivariana de Venezuela con otros países de la región, en el marco del Acuerdo de Petrocaribe, del cual Guyana es signatario. Como puede apreciarse el uso y aprovechamiento de la política petrolera revestida en una retórica de hermandad latinoamericana y caribeña. Detrás, un proyecto geopolítico que busca expandirse a costos inimaginables. En un nuevo encuentro presidencial venezolano-guyanés realizado en Caracas el julio de 201035 se ratificó la decisión de retomar el mecanismo del Buen Oficiante, promovido por las Naciones Unidas, para buscar la salida a la disputa territorial. En esta ocasión se aborda en medio de la firma de acuerdos de cooperación en materia de energía, agricultura y otros sectores comerciales. En dicho encuentro el Presidente de Guyana “manifestó su voluntad de participar como país observador de la Alianza Bolivariana para los pueblos de Nuestra América (ALBA)”. En este contexto, la problemática limítrofe parece minimizarse pues se abordó como un aspecto menor en el encuentro presidencial, lo cual podría suponer la ratificación en esencia de la postura del gobierno venezolano frente a la histórica controversia territorial. Otros ámbitos de la cooperación se han firmado bajo el auspicio de la Comisión Binacional de Alto Nivel pero han quedado sólo para la grandilocuencia discursiva institucional. El fracaso de esta comisión ha sido tan evidente que en varias ocasiones se ha cuestionado su efectividad en el funcionamiento y en la consecución de lo acordado, en este sentido ha sido elocuente las apreciaciones del Encargado de Negocios de Venezuela en Guyana, Ministro Consejero Fernando Rincón, al informar en el Ministerio Popular para la Relaciones Exteriores de Venezuela. www. mre.gov.ve Caracas, 21 de Julio de 2010. (Prensa MPPRE). 35 162 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Balance Estratégico de la Cooperación de Venezuela…lo siguiente: “La cooperación ofrecida por Venezuela no siempre se ha cumplido lo que crea desconfianza. …. La COBAN, la cual solo se ha reunido en tres oportunidades (…) abarca a través de sus Sub-Comisiones los diferentes temas que engloban la agenda bilateral. Este instrumento de relacionamiento bilateral debería reunirse de una manera más ordenada cumpliendo en la medida de lo posible los cronogramas indicados ya que en varias oportunidades no se le ha dado la continuidad y seguimiento necesario”. Esta situación forma parte de ese marco institucional venezolano que trabaja entre la incertidumbre, la improvisación y la retorica discursiva del personalismo y el caudillaje que apunta constantemente a la influencia ideológica y geopolítica, en este caso en Guyana y el Caribe. 3. ¿A QUE FRONTERA NO REFERIMOS LOS VENEZOLANOS? Las relaciones binacionales enmarcadas en una confusa retórica integracionista y bolivariana han relegado a segundo plano las políticas de fronteras y con ello, en muchos casos, a sus habitantes. ¿A qué fronteras nos referimos en Venezuela? En el caso de la vecindad con Guyana y en vista de estos últimos acontecimientos registrados en párrafos anteriores la respuesta, de momento, es incierta. Observando el mapa actual y rememorando los recorridos por los estados Bolívar y Delta Amacuro en el límite de la Zona en Reclamación, la imagen recordada es un inmenso paisaje con una extraordinaria biodiversidad y algunas pequeñas poblados come El bochinche, San Martin de Turumbang, tan sólo para mencionar las más conocidas con graves problemas de servicios básicos, infraestructura vial, servicios médico-asistenciales entre otros. 163 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Pero también con un proceso de deterioro ambiental por la explotación indiscriminada de oro y diamantes en los entornos fronterizos, tan solo por citar algunos ejemplos. Con certeza afirmamos que el gobierno venezolano no tiene políticas para desarrollo fronterizo, a esto se suma la consolidación de un Estado centralista que pretende controlar estados y regiones en detrimento del proceso de descentralización alcanzado desde hace décadas. BIBLIOGRAFÍA CABRERA SIFONTES, Horacio. La verdad sobre nuestra Guayana Esequiba. Monte Ávila Editores. Caracas. 1970.GONZALEZ OROPEZA, Hernann; DONIS RÍOS, Manuel. Historia de las fronteras de Venezuela. Edición Cuadernos Lagoven. Caracas. 1989 MORALES PAÚL, Isidro. Análisis crítico del problema Fronterizo “Venezuela Gran Bretaña). In: La Reclamación Venezolana sobre la Guyana Esequiba. Ciclo de Conferencias de las Academias Nacional de la Historia y Ciencias Políticas y Sociales. Serie Eventos. Caracas. 1983. NARINE SINGH, Jai. Diplomacia o Guerra. Análisis de la Controversia Fronteriza entre Venezuela y Colombia. Eduven, Barcelona, España. 1982. SUREDA DELGADO, Rafael. Venezuela y la Guyana Esequiba. In: Geovenezuela nº 9. Fundación Empresas Polar. Caracas. 2009. YEPEZ DAZA, Jacobo. La Guyana Esequiba. In: Geovenezuela. nº 7. Fundación Empresas Polar, Caracas. 2009. 164 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) A POLÍTICA INDIGENISTA BRASILEIRA E VENEZUELANA APLICADA À SITUAÇÃO FRONTEIRIÇA Ana Zuleide Barroso da Silva Haroldo Eurico Amoras dos Santos Romanul de Souza Bispo INTRODUÇÃO Do ponto de vista histórico, as origens do conceito do EstadoNação residem nos princípios do Tratado de Westfalia, de 1648, estabelecidos depois que o Sacro Império Romano-Germânico foi derrotado, na Guerra dos Trinta Anos. Esse Tratado provocou mudanças territoriais (definindo fronteiras dos Estados partícipes), reconheceu a soberania dos Estados envolvidos (controle absoluto sobre os seus territórios), que resultaram no reconhecimento do direito de liberdade de escolha de religião por parte dos Estados e de suas minorias, infligindo duro golpe no poder da igreja. A definição do território como construção política sobre uma base física determinada nos traz o conceito de fronteira territorial, fundamentos da organização política do Estado Nação. Mas o conceito de Soberania, ou suprema potestas supriorem nonrecognoscens36 , é anterior à Westfalia, nasceu com Bodin (1576), o iniciador da teoria moderna do Estado, Châtelet e Duhamel (1985, p. 46) “... pela definição que ele apresenta do poder político como forma necessária da existência social” e que a existência de um poder público unificado e unificante é um dado de fato de toda sociedade história, sendo que a essência desse poder reside na 36 Poder supremo que não reconhece outro acima de si 165 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas “potência soberana”, a que se exerce por meio de “um reto governo de vários lares e do que lhes é comum”, que, na essência, é o Estado (idem, p. 46). Esse é o conceito de Soberania que passa a incidir na teoria das formas de governo (BOBBIO, 1980, p. 96): “... é o poder absoluto e perpétuo que é próprio do Estado”37. Bodin (apud XAVIER, 2008) advoga que somente o Estado possui o monopólio do poder, ou seja, não admite a divisão do poder soberano e não aceita a existência de qualquer outro poder semelhante dentro do Estado. Se Bodin deduzia que a ordem política não pode ser senão o produto de uma decisão coletiva que engendrará um artefato (CHÂTELET; DUHAMEL, 1985), Hobbes (1979, p. 53) sustentava que “o maior dos poderes humanos é aquele que é composto pelos poderes de vários homens, unidos por consentimento numa só pessoa, natural ou civil, que tem o uso de todos os seus poderes na dependência de sua vontade: é o caso do poder de um Estado”. Esse poder é essencial para nossa paz e nossa defesa. É que para Hobbes, os homens viviam em estado da natureza, num caos onde todos brigavam entre si, não existindo direitos em face da total prevalência da força e da astúcia, situação em que o homem é o lobo do homem (Leviatã), onde a ordem natural é a “lei dos lobos”. Para pôr fim à violência e à insegurança decorrente dessa natureza violenta, Hobbes argumentava que, ao grande mal, devese responder com o grande remédio: uma potência que não conheça limites, originada do comum acordo dos cidadãos, que se despojam de sua potência individual e a transferem para a autoridade pública (CHÂTELET; DUHAMEL, 1985, p. 51). Assim, para Hobbes (1979), a Soberania una e indivisível do Estado é ilimitada: o contrato que a estabelece não a sujeita a nenhuma obrigação, salvo a de assegurar a tranquilidade e o bem-estar dos contratantes. Dessa forma, Hobbes nos apresenta o Leviatã, esse 37 Livro I, cap. VIII. 166 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) monstro da lenda fenícia que é evocado pela Bíblia para dar a imagem de uma força corporal à qual nada resiste; deus mortal, mas laico (CHÂTELET; DUHAMEL, 1985, p. 53). Em síntese, Hobbes (1979) entende que a formação da vida em sociedade é semelhante à guerra civil, que só pode ser contida por um pacto, no qual as pessoas entregam parte de sua liberdade em troca da proteção contra a violência dos seus próximos. Assentado o conceito por Hobbes (1979, p. 105) de que o Estado é a essência do poder político, uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum38. Recorremos à conhecida concepção realista da definição weberiana de Estado: “monopólio da força legítima” (BOBBIO, 2000, p. 133), onde por Estado deve-se entender uma empresa institucional de caráter político na qual – e na medida em que – o aparato administrativo leva adiante com sucesso uma pretensão de monopólio da coerção física legítima, tendo em vista a aplicação das disposições (Op. cit., p.165). A própria concepção de Estado moderno nos remete à questão da nacionalidade dos atores internacionais. Segundo Seitenfus (2004), o Estado é o detentor inconteste, portanto soberano, de um espaço territorial delimitado, ocupado de forma permanente por indivíduos que se vinculam a ele pelo liame da nacionalidade. Essa interpretação traz à análise o conceito de território. Para uns, território é o espaço físico, dado da natureza física. Para ou- 38 Leviatã, cap. XVII. 167 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas tros, o espaço físico, expressão da natureza, no sentido de fenômeno físico, é um dado. Quando sobre esse espaço físico ocorre a intervenção do homem, presença antrópica, e acontecem sobre esse espaço físico as relações humanas, falamos da construção do território, o espaço socialmente construído. Significa que haverá tantos territórios quantos forem os recortes dados nas relações humanas que ocorrem nesse espaço, que por sua vez dependerão da visão ideológica do pesquisador: político, econômico, social, simbólico e outros. Para a Ciência Política, por exemplo, o território político corresponde ao espaço construído pelas relações de poder político, associado geralmente ao espaço estatal, aquele sobre o qual a Soberania é absoluta. “A Antropologia destaca sua dimensão simbólica, principalmente no estudo das sociedades ditas tradicionais (mas também no tratamento do “neotribalismo” contemporâneo)” (HAESBAERT, 2004, p. 36). Nessa linha de raciocínio, Haesbaert (2004, p. 37) destaca que “espaço” é tratado como categoria geral de análise e “território” como conceito. Nesse sentido, território nacional corresponde ao espaço físico onde se localiza uma nação; um espaço onde se delimita uma ordem jurídica e política; um espaço medido e marcado pela projeção do trabalho humano com suas linhas, limites e fronteiras, onde se exerce determinada Soberania (Estado-Nação). Para Raffestin (1993, p. 144), quando determinado ator se apropria de um espaço, concreta ou abstratamente, há a territorialização desse espaço. Isto é, território é o espaço produzido pelas relações humanas, [...] um espaço onde se projetou um trabalho, seja energia e informação, e que, por conseqüência, revela relações marcadas pelo poder. (...) o território se apóia no espaço, mas não é o espaço. É uma produção a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder [...].(Idem). Nessa concepção de território político, a fronteira política é o espaço que estabelece o limite do território nacional, o espaço que delimita e aparta territórios nacionais, espaço a partir do 168 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) qual a Soberania deixa de existir. Mas existem outras possibilidades de territorialização do espaço político da fronteira. Espaço de encontro e de trocas diversas de outros atores que não os Estados, que produzem outros territórios e outras identidades, como, por exemplo, o étnico-cultural e o econômico. O território indígena, por exemplo, é construção social de determinada(s) etnia(s) que interage com o território político, no sentido de território nacional. Seus limites não são obrigatoriamente coincidentes. De todo modo essa abordagem abre diversas possibilidades de análise no campo das relações internacionais. Por exemplo, uma mesma etnia ocupa territórios nacionais distintos. Nesse caso, embora a territorialidade indígena, étnica-cultural seja una, correspondendo a uma etnia, um mesmo território indígena, embora envolvendo dois ou mais territórios nacionais, temos situação que envolve fluxos de pessoas, de mercadorias e de outros interesses circulando, se locomovendo sobre territórios nacionais distintos. A situação abre a possibilidade de conflito de interesses entre os Estados envolvidos. Como resolver o problema? Erguendo muros ao longo da linha de fronteira? Estabelecendo programas de cooperação para enfrentar os problemas que surgem nessa situação: prostituição, tráfico, desvio de comércio e outros ilícitos? Estimulando a criação de instituições que possibilitem o encaminhamento e equacionamento dos problemas? Uma importante vertente das relações internacionais aposta nas possibilidades de equacionamento desses problemas através do estabelecimento de regimes de cooperação, partindo da premissa de que o mundo é repleto de interdependências. A interdependência global não se resume à unificação de mercados; ela envolve também a interconexão das arenas políticas nacionais e internacionais rompendo, ou pelo menos diluindo, as dicotomias direção-coerção, direito internacional, faces interna/externa da soberania. Young (1996, p. 12) observou: A efetividade das instituições internacionais varia diretamente com o nível de interdependência dos participantes. A interdependência 169 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas no campo das relações internacionais é um conceito muito discutido e notoriamente fugidio, mas o que ele tem de essencial é bastante claro. Há interdependência quando as ações dos membros individuais de um sistema social influenciam (objetiva ou perceptivamente) o bem-estar dos outros membros do sistema. Sob muitos aspectos, os governos ainda funcionam e retêm sua soberania. No entanto, a título de exemplo, no caso da fronteira Brasil e Venezuela, as coletividades subnacionais, através dos estados federados (Roraima-BR e Bolívar-VE), são atores proativos, embora não protagônicos. Trabalham em parceria no equacionamento de diversos aspectos de suas relações políticas através de memorandos de entendimentos, de termos de cooperação que, embora careçam de sustentação jurídica, à luz do princípio da soberania, ajudam no encaminhamento de soluções de problemas. Em outras palavras, nesta fronteira, especificamente, certas funções da governança39 estão sendo executadas mediante atividades que não tiveram origem nos governos centrais e sim nos governos locais e mesmo por organizações não governamentais. A geopolítica está se fortalecendo no contexto da globalização, embora seu exercício se expresse sob novas formas e técnicas, principalmente em termos de comunicação, em face do poderio das chamadas redes sociais. Os Yanomami vivem nus nas suas comunidades, a grande maioria não fala português, mas suas lideranças são articuladas, seus jovens estão plugados, via satélite, à rede mundial de computadores. Sabem o que ocorre no planeta, online, em tempo real. A maloca da Serra do Sol, localizada no limite da fronteira com a Venezuela, a mais distante de Boa Vista (RR), tem telefone comunitário e fala com qualquer parte do mundo. Os indígenas da Serra do Sol, então, que interagem há mais tempo com a sociedade não-indígena, organizam sua De acordo com Rosenau (2000, p. 16) “a governança é identificada com o surgimento de sistemas de regras e recursos para a solução de problemas”. 39 170 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) produção através de cooperativas e vendem sua produção para Manaus. A mudança de hábitos dos povos nômades que paulatinamente abandonaram a caça e, por consequência, reduziram a necessidade dos sucessivos deslocamentos em busca de sustento, está associada, portanto, ao ganho de eficiência propiciada pela evolução tecnológica da produção de alimentos – como a criação da agricultura e o controle da criação de animais. A divisão do trabalho introduziu o sedentarismo no processo de interação social com o espaço físico, mas também se observa a valorização e o aumento da importância do território simbólico para esses povos, embora, esclareça-se, isso não signifique que essas comunidades tenham adotado o princípio da propriedade privada, como eixo central de sua organização econômica. Não se trata, portanto, da conquista dos territórios, mas sim da acentuação de múltiplas formas de pressão visando influenciar a tomada de decisão sobre o uso dos territórios dos Estados Soberanos. Ou seja, por enquanto está relacionado ainda ao direito de uso do patrimônio físico e da biodiversidade do território indígena, mas existem evidentes conflitos que o Estado brasileiro terá que enfrentar de forma conclusiva, mesmo que em médio prazo. Por exemplo, na questão do acesso ao financiamento bancário, as regras atuais para a concessão do crédito exigem garantias, fidejussórias ou reais. No caso de garantias reais, hipotecárias, é evidente que a comunidade indígena não pode oferecer a terra como garantia real, pois dela não tem a titularidade. Trata-se de patrimônio da União, sob gestão de sua autarquia, a FUNAI. O quadro de hipóteses daí decorrente sugere possíveis ações reivindicatórias na direção da criação de linhas de financiamento específicas e adequadas para atender as necessidades das comunidades indígenas, tipo um Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar Indígena (PRONAFI), que leve em conta as restrições legais retro mencionadas; ou possíveis e crescentes reivindicações das comunidades indígenas por direitos de 171 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas propriedade mais extensos e até de maior verticalidade, na luta por acesso aos benefícios da civilização não-indígena, bem além dos serviços de telefonia e internet, sem que isso implique, necessariamente, na perda dos territórios simbólicos e dos traços culturais centrais de suas existências: a língua, a religião, costumes e suas manifestações artísticas principais expressas pela música, dança, artesanato, culinária e pintura. 1. CONTEXTUALIZAÇÃO ESPACIAL A fronteira40 Brasil-Venezuela no sentido de demarcação física fica em parte caracterizada na fala do Secretário do Ministro da Defesa, General Barros Moreira, Nos 11 mil quilômetros de fronteiras internacionais na Amazônia, o vazio da presença do Estado vem sendo ocupado pelo Exército. A missão se torna mais espinhosa na ausência de povoados civis inviabilizados pela demarcação de terras indígenas. O Exército Brasileiro defende os pontos mais importantes a par do trabalho realizado pela Aeronáutica com o Sindacta 4. É impossível eliminar a possibilidade de alguém atravessar a fronteira, mas os pelotões de fronteira têm uma tarefa decisiva nesse processo. (EXÉRCITO, 2007, p. 3) E complementada no discurso do Comandante Militar do CMA General Mattos41, ... nós realizamos reconhecimento de fronteira, com nossas tropas, os nossos pelotões de fronteira tem uma missão de reconhe- Apesar de serem historicamente utilizadas como expressões de mesmo significado, limite territorial e fronteira apresentam distinção, especialmente no campo jurídico, pois “limite é a linha que separa o território entre dois Estados. A fronteira é a região ao redor do limite”, de acordo com Mello (1976, p. 580). 41 Entrevista realizada em 03 de fevereiro de 2011. 40 172 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) cimento, vocês não podem imaginar defender como agente ver em filme de guerra, defender o território próprio que são 11 mil quilômetros. Eu sempre nas minhas palestras faço uma comparação e mostro que os Estados Unidos tem 3.141 quilômetros de fronteira com o México, e é uma fronteira vivificada, murada em muitos lugares, com estradas, sem selvas e eles não conseguem controlar... com aparato tecnológico do País mais avançado do mundo. Imagine nessa nossa fronteira. Então eu sempre faço então essas demandas... É realmente uma preocupação porque ‘ nossa missão constitucional é a defesa da Soberania. Quanto à possibilidade de confronto na fronteira Brasil/ Venezuela por conta de divergências entre países vizinhos, o General Barros Moreira diz que “o Exército está atento, tanto que trouxe para o lado brasileiro a 1ª Brigada de Infantaria de Selva, dentro da visão antecipada da importância que a vivificação da fronteira traria” (EXÉRCITO, 2007, p. 3). A política indigenista nacional e venezuelana aplicada à situação fronteiriça repercute na vida das populações tradicionais, incluindo as mudanças sofridas em suas formas de organização social, nas percepções que eles têm de suas condições de existência em seu território tradicional dividido, além das perspectivas que elaboram sobre seu próprio futuro. Valores e direitos profundamente influenciados pela sociedade internacional. 2. POLÍTICA INDIGENISTA BRASILEIRA No caso brasileiro, os indígenas têm assegurada a posse das suas terras desde o Estatuto do Índio (1973), direito que foi ampliado após a promulgação da Constituição de 1988, a qual define terras tradicionalmente ocupadas pelos índios em seus §§ 1º 2º do artigo 231 da Constituição Federal: § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambien- 173 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas tais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Os trechos acima reproduzem os principais pontos necessários para se compreender os critérios para a demarcação de todas as terras indígenas no Brasil. Entretanto, como qualquer lei, o artigo 231 está sujeito a diferentes interpretações e argumentações, sendo alvo de questionamentos, principalmente no que se refere à questão do estabelecimento de terra indígena em faixa de fronteira, tema que já foi alvo de inúmeros processos e laudos jurídicos42. Com relação à Política Indigenista43 no Brasil, as diversas mudanças assistidas no campo do indigenismo, no entanto, exigem que se estabeleça uma definição mais precisa e menos ambígua do que seja a política indigenista. O amadurecimento progressivo do movimento indígena e o consequente crescimento no número e diversidade de organizações nativas, dirigidas pelos próprios índios, sugere-se uma primeira distinção no universo indigenista: a política indígena, aquela protagonizada pelos próprios índios não se confunde com a política indigenista e nem a ela está submetida. Na política indigenista, tem-se a presença central do Estado nacional brasileiro. O Estado atribui a si próprio o papel de responsável pela proteção da integridade física e cultural dos diversos De acordo com o artigo 20, § 2°, da Constituição Federal de 1988: “A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designa como faixa de fronteira, é considerada fundamental para a defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”. 43 A expressão "política indigenista" foi utilizada por muito tempo como sinônimo de toda e qualquer ação política, governamental ou não, que tivesse as populações indígenas como objeto. 42 174 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) povos indígenas que vivem em seu território. Orientado a partir da noção de tutela, que define os índios como relativamente incapazes de exercerem os direitos civis, o Estado monopolizou, por décadas, a quase totalidade dos serviços e cuidados para com os índios. Entre as inúmeras tarefas contidas no âmbito de sua responsabilidade, deve-se citar: o processo de reconhecimento e regulamentação jurídica das Terras Indígenas; a organização do atendimento à saúde dos índios; a formulação de políticas educacionais específicas e diferenciadas; a proteção e defesa de grupos ameaçados por frentes de expansão econômica, como madeireiros, posseiros e garimpeiros. A Fundação Nacional do Índio é o órgão do governo brasileiro que estabelece e executa a política indigenista no Brasil, dando cumprimento ao que determina a Constituição de 1988. Fundada em 1967, a FUNAI veio substituir o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), criado em 1910 e extinto em decorrência de uma série de denúncias de corrupção. A estrutura institucional da FUNAI, além da sede em Brasília, compreende 46 Administrações Regionais, cinco Núcleos de Apoio Indígena, dez Postos de Vigilância e 344 Postos Indígenas, distribuídos em diferentes pontos do país. Na prática isso significa que compete a FUNAI a proteção das sociedades indígenas, tanto territorialmente quanto culturalmente, despertando o interesse da sociedade dominante pelos índios e sua causa, bem como fiscalizar as suas terras, impedindo as ações predatórias que possam ocorrer e que representem risco a vida e preservação desses povos. Isto é um resumo é um resumo daquilo que estabelece a constituição brasileira de 1988, e que estabelece também a legislação infraconstitucional, o Estatuto do Índio, que é a lei 6001 de 1973. De maneira sucinta, pode-se dizer que o teor geral dos questionamentos que se faz à ação do Estado junto aos índios salienta a sua incompetência e inoperância diante da pauta de ações que está sob sua responsabilidade, 175 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas como também diante das demandas dos índios. O atual momento reserva mudanças importantes para a política indigenista oficial. Há uma grande discussão em torno do novo Estatuto dos Povos Indígenas, que trataria, entre outras medidas, de implementar e regulamentar modificações já definidas na Constituição de 1988. Um dos temas que alimenta o acalorado debate em torno do novo estatuto é a questão do fim da tutela dos índios pelo Estado. Esta decisão terá certamente implicações importantes para o destino dos índios e seus parceiros. Já ocorre, por outro lado, um progressivo processo de descentralização das atribuições da FUNAI. Cada vez mais, o órgão indigenista oficial se vê obrigado a partilhar as suas responsabilidades com outras agências governamentais e com instituições da sociedade civil. O cenário descrito acima no sentido de Governança44 é baseado em arranjos institucionais que permitem dotar as instituições estatais de mecanismos que garantam a inclusão de dimensões sociais e políticas, a definição e caracterização dos agentes e atores, aceitos (não a mera convergência de interesses que possam ser consensuados) para a participação não só na formulação, mas que indiquem os mecanismos institucionais e modus do processo de implementação de políticas estatais e as demais condições necessárias para a otimização dos resultados pretendidos com as políticas estatais. A governança é um termo de amplas acepções e de aplicabilidade em diversos campos do saber: governança corporativa. (GRÜN, 2003), governança organizacional (FONTES FILHO, 2003), governança global. (PIERIK, 2003), governança sem governo (ROSENAU, 2000) e governança eletrônica (RUEDIGER, 2002), governança operacional (BRESSER-PEREIRA, 2004), é aplicada no sentido que agrega os avanços conceituais necessários ao famoso texto Governance and development, do Banco Mundial (WORLD BANK, 1992). O conceito não se restringe, portanto, aos aspectos meramente administrativos e operacionais na gestão e na busca do Estado eficiente. 44 176 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) 3. POLÍTICA INDIGENISTA VENEZUELANA Na Venezuela, a primeira Constituição de 1811 não apenas reconheceu a cidadania dos indígenas como índios ou naturais, como ainda consagrou de forma expressa o direito de propriedade sobre as terras por eles ocupadas, outorgando-lhes a capacidade de disposição das mesmas, de acordo com a legislação.45 No entanto, na Constituição de 1864 ocorreu retrocesso neste tema, pois há somente referência indireta aos indígenas quando se relativa o direito sobre seus territórios, ficando dependentes do juízo administrativo e discricionário do Executivo Nacional.46 Em 1909, a carta magna continuou tratando de forma indireta povos indígenas, quando assinalou artigo 80 a possibilidade que tinha o governo de contratar missionários para civilizar os indígenas47. Na Constituição de 1947, pequeno avanço se percebeu com a referência, pela primeira vez, ao princípio da incorporação dos indígenas na vida da nação, malgrados se ter preconizado uma política integracionista com respeito às características culturais e as condições econômicas da população indígena48. A Constituição de 1961, após o período de ditadura, inicia na Venezuela um período democrático, fazendo-se referências aos indígenas dentro do capítulo dos direitos sócias e como subgrupo ou espécie de campesinos. No artigo 77, único daquela constituição que menciona os indígenas, se estabeleceu um regime de exceção para a proteção das suas comunidades e consequente incorporação na vida da nação49. Observa-se, de acordo com que foi descrito nos parágrafos acima, que até a promulgação da Constituição República Bolivariana Direitos estabelecidos pelo artigo 200 e devidamente lembrado por Bello (1996, p. 223). 46 Artigo 43, 22. Analisado por Bello (1996, p. 224). 47 Artigo 80, comentado por Bello (1996, p. 224). 48 Artigo 72, comentado por Bello (1996, p.225). 49 Artigo 77, comentado por Bello (1996, p.225). 45 177 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas da Venezuela de 1999, eram poucos os direitos das populações indígenas. Com a Constituição de 1999, a população indígena passou a ter assegurada uma representação parlamentar50; o reconhecimento de suas línguas e a figura jurídica da “Terra Indígena”51. Com a referida Constituição, a Venezuela deu um salto qualitativo importante, sua definição de terra indígena é uma das mais avançadas da América Latina. De acordo com a Constituição venezuelana, promulgada em 1999, no seu artigo 119, El Estado reconocerá la existencia de los pueblos y comunidades indígenas, su organización social, política y económica, sus culturas, usos y costumbres, idiomas y religiones, así como su hábitat y derechos originarios sobre las tierras que ancestral y tradicionalmente ocupan y que son necesarias para desarrollar y garantizar sus formas de vida. Corresponderá al Ejecutivo Nacional, con la participación de los pueblos indígenas, demarcar y garantizar el derecho a la propiedad colectiva de sus tierras, las cuales serán inalienables, imprescriptibles, inembargables e intransferibles de acuerdo con lo establecido en esta Constitución y la ley. Porém, se por um lado há este reconhecimento por parte da Constituição venezuelana, por outro, há uma ressalva que o limita: o artigo 126 da referida Constituição é concluído com as seguintes palavras: “El término pueblo no podrá interpretarse en esta Constitución en el sentido que se le da en el derecho internacional”52. Ressaltando que a demarcação de terras indígenas e dos habitats é apoiada pela Constituição promulgada em 1999, pela Neste novo cenário constitucional foi reconhecida a representação indígena na Assembleia Nacional, que consta de três deputados indígenas oriundos das três macro regiões do país, o que representa uma situação inédita no país. 51 A “Ley de Demarcación y Garantía del Habitat y Tierras de los Pueblos Indígenas” foi promulgada pelo Presidente Hugo Chávez em 12 de janeiro de 2001. 52 Constituição da República Bolivariana da Venezuela, 1999. 50 178 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) a Lei da Demarcação e Garantia do Habitat e Terras dos Povos Indígenas promulgada em 2001 e pela Lei Orgânica dos Povos Indígenas e Comunidades – LOPCI, promulgada em 2005. Tendo a Venezuela ratificado a Convenção 169 da OIT, em 2001, a qual é também um instrumento jurídico que exige a demarcação de terras indígenas e dos habitats. Antes de continuar esta análise é importante diferenciar os conceitos de "Habitats" e "Terras Indígenas". Na Constituição de 1999, esses conceitos não são definidos. No entanto, A Lei Orgânica dos Povos Indígenas e Comunidades - LOPCI fornece as principais diferenças: Tierras Indígenas: Son aquellas en las cuales los pueblos y comunidades indígenas de manera individual o colectiva ejercen sus derechos originarios y han desarrollado tradicional y ancestralmente su vida física, cultural, espiritual, social, económica y política. Comprenden los espacios terrestres, las áreas de cultivo, caza, pesca, recolección, pastoreo, asentamientos, caminos tradicionales, lugares sagrados e históricos y otras áreas que hayan ocupado ancestral o tradicionalmente y que son necesarias para garantizar y desarrollar sus formas específicas de vida. Hábitat indígena: Es el conjunto de elementos físicos, químicos, biológicos y socioculturales, que constituyen el entorno en el cual los pueblos y comunidades indígenas se desenvuelven y permiten el desarrollo de sus formas tradicionales de vida. Comprende el suelo, el agua, el aire, la flora, la fauna y en general todos aquellos recursos materiales e inmateriales necesarios para garantizar la vida y desarrollo de los pueblos y comunidades indígenas. O elemento comum é que ambos os conceitos referem-se a todos os aspectos - físico, social, cultural, espiritual, econômico e político - necessário para o desenvolvimento pleno de vida das comunidades indígenas. Os conceitos diferentes na medida em que "Terra" se refere estritamente ao espaço terrestre, enquanto o "habitat" inclui todos os recursos naturais, contida em uma área geográfica. 179 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Por conseguinte, em janeiro de 2007, se criou o Ministério para os Povos Indígenas que mesmo sendo uma grande conquista não deixa de apresentar uma série de ambiguidades. Não se sabe ao certo o papel que cabe a este Ministério, se um representante do governo e, portanto, um ente executor de suas políticas ou um Ministério que represente os povos indígenas nos níveis mais altos de decisões. Uma medida de iniciativa do Ministério visando mudança na Lei Orgânica dos Povos Indígenas (LOPCI) acabou gerando enorme descontentamento entre setores indígenas do país. Trata-se da mudança proposta pela Ministra Indígena visando substituir o termo “terras” e “habitats” indígenas por “territorios comunales” associando as terras indígenas aos “Consejos Comunales”. São instâncias de participação popular criadas pelo governo para a interlocução entre as bases e o poder central. Possuindo limites territoriais definidos, estes conselhos são responsáveis pelo controle social direto das comunidades em termos de políticas públicas, recebem financiamento direto do governo federal e estão dentro da proposta de construção de uma “ética socialista”. Se realmente aprovado, o que não aconteceu ainda, esta mudança pode acarretar consequências drásticas sobre os povos indígenas. Primeiro sobre a integridade territorial das comunidades e segundo pela tentativa de aproximação do modelo ancestral indígena a um projeto coletivo socialista. Esta posição tem sua contrapartida na visão de certos especialistas que temem que esta política se torne “... una reedición de la política civilizadora de las sociedades aborígenes, mediante la reanudación de la práctica colonial de la reducción a poblado y del adoctrinamiento” (PROVEA, 2007, p. 151). Outro aspecto fundamental nesse contexto é o Projeto Nacional Simón Bolívar que compõe o Primeiro Plano Socialista do Desenvolvimento Econômico e Social da Nação (PPS, 20072013) que se orienta para a construção do socialismo bolivariano do século XXI. O PPS se propõe organizar o território venezuelano em eixos de desenvolvimento e integração, dentre os quais o Eixo 180 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Orinoco-Apure, que destina a maior parte do sul do Orinoco, na fronteira com o Brasil e a Colômbia, à formação de unidades de conservação ambiental e hidrológica. O PPS recepciona ainda o “Plan Caura” que tem por área-programa o cinturão da franja direita do Orinoco, destinado ao fortalecimento dos mecanismos e instrumentos de defesa nacional na região sul, orientados para eliminar e controlar a garimpagem ilegal, efetuada principalmente por brasileiros e colombianos; e para combater contingentes paramilitares e guerrilheiros colombianos. Por enquanto em relação aos direitos humanos dos indígenas à saúde, educação e cidadania tem se investido muito pouco. Por isso há ainda a expectativa de que os princípios até agora formulados sejam realmente efetivados, pois: A pesar del humanismo expreso en esta expansión estatal y de los avances en materia de legislación indigenista, no sabemos si la balanza de esta expansión se inclinará hacia una neocolonización o hacia la inclusión social respetuosa del derecho a la diferencia y la autodeterminación. (KELLY, 2007, p. 80). Por fim, quando da aprovação da Constituição e do reconhecimento aos direitos permanentes dos povos indígenas, o Presidente Hugo Chávez conduziu ao Panteão Nacional, onde estão os restos mortais dos grandes heróis nacionais como Bolívar, por exemplo, a urna funerária indígena representando o Cacique Guaicaipuro, grande líder Caribe que conduziu a resistência aos conquistadores espanhóis por mais de vinte anos no início de século XVI. Este gesto simbólico pode ser interpretado como uma conquista por parte dos povos indígenas venezuelanos depois de tantos séculos de massacres e desmando por parte dos setores dominantes da sociedade, mas isto não significa que seus problemas serão resolvidos apenas por decreto, a mobilização e a organização ainda são fundamentais para conquistarem seus direitos históricos. 181 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 4. A FRONTEIRA BRASIL E VENEZUELA É consensual na literatura especializada que a presença de um limite internacional provoca uma série de efeitos sobre a sua área imediata, cuja extensão é difícil determinar. Cientes desses efeitos, alguns Estados criaram territórios fronteiriços sobre os quais incidem regras diversas de uso do solo, circulação de pessoas e mercadorias e composição do capital de indústrias e empresas ligadas ao setor primário. A maioria dos países do mundo não utiliza a figura jurídica faixa de fronteira do modo que historicamente se fez no Brasil. Entretanto, dispõem de outros mecanismos legais que possibilitam ao Estado intervir nas áreas próximas aos seus limites territoriais, valendo-se de legislação especial53. Dependendo das características históricas e geográficas e das políticas vigentes, as leis específicas dispõem que, mesmo em tempo de paz, os órgãos de defesa podem estabelecer critérios e acessar dados que interessam à segurança nacional para a fundamentação de seus planos de campanha. A título de exemplo, o Uruguai discute uma legislação que estabelece uma faixa de 50 km apenas para fins fundiários e de controle ambiental. No entanto, o Paraguai adotou recentemente uma legislação restritiva à aquisição de imóveis rurais por estrangeiros em uma faixa de 50 km, afetando diretamente os “brasiguaios” instalados, ainda que o dispositivo preserve, em princípio, Os Estados Unidos trabalham com o conceito de “fronteira avançada” com bases estabelecidas em outros países. Dispõem de normas rígidas quanto à aquisição de terras por estrangeiros com finalidade agrícola na maioria dos estados federados, além de dispositivos que permitem ao Estado intervir em qualquer parte do território sem maiores entraves em caso de necessidade. A faixa de fronteira da China é variável, conforme acordo bi-lateral com o país vizinho. A África do Sul não utiliza o conceito, mas tem rígida legislação ambiental para estrangeiros. A Alemanha, a Espanha e a França deixaram de usar o conceito, estando atualmente sob a égide de normas da União Europeia (UE) para fins de segurança coletiva. 53 182 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) aquisições anteriores. A Bolívia, por sua vez, mantém uma faixa de 50 km, na qual empresas estrangeiras e nacionais cujo capital seja de maioria estrangeiro não podem adquirir nem possuir solo ou subsolo e águas. Também o Peru tem 50 km de faixa com restrições para estrangeiros. Contudo, a Colômbia não estabelece dimensão de faixa, e tampouco regras para a aquisição de terras na fronteira, sendo esta uma questão menor diante da guerrilha de décadas amplamente desdobrada na fronteira. A Venezuela não estabelece faixa de fronteira. Mas a Constituição Bolivariana de 1999 prevê a promulgação da Ley Orgánica de Fronteras e da Política Fronteriza de Estado, para tentar solucionar problemas históricos graves que ocasionaram perdas territoriais e danos ambientais. 5. A FAIXA DE FRONTEIRA INTERNA DO BRASIL A Faixa de Fronteira interna do Brasil com os países vizinhos foi estabelecida em 150 km de largura (Lei 6.634, de 2/5/1979), paralela à linha divisória terrestre do território nacional. A largura da Faixa foi sendo modificada desde o Segundo Império (60 km) por sucessivas Constituições Federais (1934; 1937; 1946) até a atual, que ratificou sua largura em 150 km. Portando, é uma zona juridicamente distinta, com regulamentos especiais. O jurista roraimense Montanari Júnior (2005, p. 99) afirma: Um dos fundamentos propulsores da formação da faixa de fronteira foi a necessidade de garantir a segurança do Estado, porque a faixa de fronteira representa uma primeira linha - reputada mais vulnerável - onde as forças armadas do Estado se apresentam para reprimir qualquer tentativa de agressão ou invasão, e assim defender seu território e, por conseguinte, a sua soberania. Procópio (2005, p. 121) complementa: As faixas de fronteiras, mais escoadouro que nascedouro das atividades ilícitas, servem como terreiro do crime multinacional, por natureza oportunista e apátrida. Raríssimas, hoje em dia, 183 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas as atividades criminalizadas de envergadura, operando isoladas áreas limítrofes. Se a contravenção tonifica-se nas várias tríplices fronteiras espalhadas pela Amazônia Continental, isso se debita menos na conta da logística do que nos gargalos jurídicos e na falta de políticas combinadas multilateralmente. A proposta de reestruturação do Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira- PDFF54 , do ponto de vista das relações internacionais, enfatiza a ideia da fronteira como peça fundamental da defesa nacional, mediante promoção das ações de redução das desigualdades intra e interregionais por meio do aproveitamento das especificidades locais com perspectiva de consolidação das relações comerciais e culturais com os países vizinhos. Na verdade, as leis em vigor, medidas provisórias, decretosleis e decretos referentes à fronteira e à Faixa de Fronteira apontam para temas relacionados à segurança, proteção e controle de fronteiras, e não para os temas ligados à integração e à cidadania. Em outras palavras a faixa de fronteira recebe tratamento diferenciado no sentido da imposição de restrições à circulação de pessoas e mercadorias, com o objetivo de dificultar e não o de acelerar o processo de cooperação fronteiriça. Mesmo com o PDFF enfatizando a importância do marco legal nacional enquanto base institucional dos acordos bi e multilaterais, visto que esses estabelecem as bases jurídicas e legais para o aperfeiçoamento das relações interfronteiriças com os países vizinhos, no rumo da promoção de maior integração econômica e social como estratégia para o desenvolvimento regional, do ponto de vista operacional a eficácia dessas ações se situa muito abaixo das expectativas das populações locais. Por exemplo, até hoje se exige passaporte para as pessoas locais transitarem na faixa de fronteira, quando bastaria a carteira de identidade. Ministério da Integração Nacional, Secretaria de Programas Regionais, Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira – Brasília: Ministério da Integração Nacional, 2005. 54 184 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) O planejamento feito pelo PDFF no campo das interações transfronteiriças considera cinco tipos diferentes de situações de fronteira ao longo do limite internacional do país, seja em razão das diferenças geográficas, seja pelo tratamento diferenciado que recebe dos órgãos de Estado ou do tipo de relação estabelecida com as populações vizinhas: A-1 Margem; A-2 Zona-tampão; A-3 Frentes; A-4 Capilar; A-5 Sinapse. O exame da destinação institucional de parte significativa das áreas dos municípios que fazem limites com a Venezuela (Pacaraima; Uiramutã; Amajarí; Alto Alegre; Caracaraí e Iracema no Estado de Roraima e os municípios de Barcelos, Santa Izabel do Rio Negro e São Gabiel da Cachoeira no Estado do Amazonas) mostra que elas formam áreas protegidas, como são os casos das terras indígenas (Raposa-Serra do Sol, Yanomami, São Marcos) e das unidades federais de conservação sob as formas de Florestas Nacionais, Estações Ecológicas e Parques Nacionais. Dentro da tipologia do PDFF, esses territórios formam fronteiras do tipo A-2 Zona-tampão. Significa que são zonas estratégicas para efeito de segurança ambiental ou de direitos humanos dos indígenas, isto é, são territórios em que o Estado central restringe ou interdita o acesso à faixa e à zona de fronteira da sociedade não-indígena. Resta nessa situação a possibilidade da dupla afetação, um problema institucional representado pela superposição de território de conservação integral, como é o caso da área do Parque Nacional do Monte Roraima, com a terra indígena Raposa-Serra do Sol. Mesmo sendo legítima a criação desses espaços protegidos, não tem sido acompanhada de política pública sistemática que atenda às especificidades regionais, principalmente nas questões ambientais, indigenistas e de segurança. Motivos para isso não faltaram até o passado recente, como a baixa densidade demográfica, a vocação “atlântica” do país, as grandes distâncias e às dificuldades de comunicação com os principais centros decisórios, entre outros. De todo modo, apenas criar as unidades de conservação, deixando-as abandonadas, sem a presença do Estado, equivale a 185 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas convite à devastação, pois convenhamos, o que é de todos, por ser bem público, mas que ninguém toma conta, não é de ninguém. E, sendo terra de ninguém, sempre haverá desbravadores ou audaciosos dispostos a explorar os recursos existentes. 6. A ZONA DE FRONTEIRA INTERNA DA VENEZUELA A Constituição da Venezuela de 1999 reconhece a zona de fronteira como uma área de regime especial, cujas normas de povoamento e utilização deveriam ser previstas, prioritariamente, por lei orgânica em dois anos. Foi uma iniciativa significativa, se considerar que a palavra fronteira sequer constava da Constituição da Venezuela de 1967, nem mesmo após as reformas de 1983, embora a criação de uma Lei Orgânica de Fronteiras seja pendência um pouco mais antiga e ainda não resolvida. Em agosto de 1996, o jornal El Universal, de Caracas, anunciava a apresentação de um projeto de lei de fronteiras em um seminário sobre temas fronteiriços e declarava que o projeto estava sendo minuciosamente estudado por uma Comissão Bicameral da Assembleia Nacional. Em novembro de 2001, no entanto, o mesmo jornal traz uma série especial sobre insegurança na fronteira. Um dos principais assuntos discutidos é a entrada de 3.000 colombianos no país, que ocuparam propriedades privadas na zona fronteiriça. Como solução do problema, uma Comissão de Segurança e Defesa da Assembleia foi convocada para trabalhar em um novo projeto de lei de fronteiras que, entre outras coisas, esclarece a situação legal de estrangeiros na fronteira, ao mesmo tempo em que restringe seu direito de propriedade. Até o momento, o projeto não foi concluído. 7. A FRONTEIRA DO BRASIL COM A VENEZUELA O Tratado de 1859 e o Protocolo de 1928 delimitaram a fronteira do Brasil com a Venezuela, tendo extensão de 2.199,0 km, 186 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) sendo 958 km através do Estado de Roraima e 1.241 km através do Estado do Amazonas. As faces transfronteiriças dos dois países são com os estados de Bolívar e do Amazonas, por parte da Venezuela, e os estados de Roraima e do Amazonas, pelo lado brasileiro, são as unidades federativas. O trecho que constitui os "corredores" na fronteira é o formado pelos estados de Bolívar/VE e Amazonas/VE e Roraima/BR e Amazonas/BR. Segundo Santos (2008), a história das relações internacionais de Brasil e Venezuela mostra que a apropriação desse território transfronteiriço foi pacífica. Não ocorreu, por exemplo, na faixa de fronteira de Roraima o extermínio do indígena, como aconteceu na fronteira Sul (Rio Grande do Sul/BR - Uruguai) e nem as divergências relacionadas com a definição, da fronteira com a ex-Guiana Inglesa, atual República Cooperativista da Guiana, na região do Essequibo. De acordo com Santos (2008), a ausência de conflitos entre os Estados Nacionais brasileiro e venezuelano no passado não garante que eles não venham a existir no futuro. E tampouco assegura fronteira pacífica. Pois, os conflitos no lado brasileiro já existem: arrozeiros versus indígenas; garimpeiros versus indígenas55; ribeirinhos (caboclos) versus indígenas; indígenas pródemarcação em áreas contínuas versus indígenas pró-demarcação em extensas ilhas conectadas. A zona de fronteira entre o Brasil e a Venezuela se caracteriza por áreas de fronteira isoladas e pouco povoadas e áreas com muO garimpo foi um complicador das relações de fronteira nos anos 1990. O garimpo feito de forma ilegal e com grande impacto sobre o meio ambiente. O governo Collor havia iniciado o processo que levaria à demarcação da reserva indígena no norte do Estado de Roraima (a Venezuela já havia consolidado a reserva para a mesma etnia Yanomami do outro lado da fronteira. O que colocou na ilegalidade total a atividade de garimpo. No entanto, o governo federal não havia conseguido ainda deter o garimpo, ainda mais que as lideranças locais (Boa Vista) se opunham á determinação de Brasília em frear o garimpo e proteger a terra indígena). 55 187 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas nicípios um pouco mais povoados, integradas aos principais circuitos econômicos, regionais, nacionais e internacionais. Principalmente nestas últimas, as fronteiras mais povoadas, observa-se a ocorrência mais elevada de populações flutuantes com alta mobilidade (caminhoneiros, militares, turistas, comerciantes etc.). Esta fronteira é basicamente composta por espaços protegidos e ambos os lados da fronteira são ocupados por comunidades indígenas. Do lado do Brasil, existem os Yanomami, os Ye’kuana, os Macuxi, os Wapichana e os Ingaricó. Na fronteira venezuelana, os Yanomami, os Ye’kuana e os Pemón. Essas comunidades interagem nessa faixa de fronteira há séculos, independentemente das normas dos respectivos estados e apesar dos choques que tiveram com as frentes de expansão: militares e funcionários públicos civis (Forte São Joaquim), criadores de gado (Fazendas Nacionais e criatórios particulares), pequenos agricultores e ultimamente os arrozeiros no lado brasileiro. Contudo, até em razão da escassa presença do Estado, as comunidades Yanomami e Ye’kuana, a título de exemplo, têm convivido com a presença sistemática do garimpo. Esta situação se torna crítica considerando que ambos os Estados nacionais não tem conseguido com eficácia lidar com a situação. Por um lado, existe o fluxo constante de garimpeiros do Brasil para a Venezuela, o que agrava o quadro epidemiológico do país; por outro, tem o fluxo contrário de Yanomami da Venezuela para o Brasil em busca de tratamento de saúde adequado. Isso sem fazer referência ao fluxo de indígenas da República da Guiana, principalmente patamonas, que se deslocam para Roraima, em busca de empregos e de apoio, concentrando-se em Boa Vista (RR). Assim, diante da ausência completa de medidas por parte de ambos os Estados, se forma um ciclo perverso, proveniente da falta de controle das autoridades brasileiras em relação aos garimpeiros e seus financiadores e pela falta de cobertura mínima na área de saúde por parte das autoridades venezuelanas. 188 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) A estratégia de defesa do Brasil procura combinar o incentivo à ocupação econômica de sua fronteira, ao mesmo tempo em que reforça o seu contingente militar na região, os Pelotões de Fronteira do Exército brasileiro, na fronteira entre Brasil e Venezuela, estão distribuídos conforme figura 1 abaixo: Figura 1: Comando Militar da Amazônia Fonte: Comando Militar da Amazônia – CMA A Venezuela vem reforçando o seu contingente de segurança militar na zona de fronteira, a partir da fronteira em Roraima, nos 500 km da rodovia que dá acesso a Caracas, capital da Venezuela, existem oito postos de fiscalização (alcabalas) do Exército venezuelano, que incluem escritório e alojamento, onde pelo menos cinco militares, armados de fuzis, revistam carros e checam a documentação de cada passageiro – passaporte principalmente. Do lado brasileiro, após sair da Venezuela, pela rodovia BR-174, rumo a Boa Vista, capital do estado de Roraima, não há qualquer barreira militar. E, para encontrar um posto de gasolina, são necessários percorrer 110 km. 189 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Para o Comando Militar da Amazônia (CMA), a amplitude do território brasileiro torna mais difícil a concentração de organizações militares em uma parte da fronteira, que tem capacidade de mobilização estratégica, com tropas aptas a se fazerem presentes em qualquer parte do território nacional. Ao longo da fronteira com a Venezuela, há aproximadamente 400 militares, servindo em oito PEF (Pelotões Especiais de Fronteira), sendo que dois pertencem à 2ª Brigada de Infantaria de Selva e os outros seis são subordinados à 1ª Brigada de Infantaria de Selva, contendo entre 40 e 60 militares por Pelotão. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar dos acordos bilaterais em vigor entre Brasil – Venezuela, no tocante ao meio ambiente e à segurança, e os acordos entre o Estado de Roraima-Brasil e Bolívar-Venezuela, a proteção de espaços protegidos na zona de fronteira, habitados por população indígena ou não, permanecem no aguardo de medidas mais efetivas por parte dos estados brasileiro e venezuelano. E de acordo com Bensusan (2006), o estabelecimento de unidades de conservação nas florestas tropicais tem sido historicamente marcado pelo conflito com as comunidades locais e povos indígenas. A Amazônia não é exceção: unidades criadas à revelia das populações que habitam o local, sobreposição com terras indígenas e realocações forçadas são a regra. Em 26 de maio de 2009, na cidade de Salvador, Bahia, no comunicado conjunto por ocasião da visita ao Brasil do Presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi ressaltado os trabalhos desenvolvidos no GTDF, na execução de projetos baseados em um modelo de integração que leva em consideração a conservação do meio ambiente e o respeito às comunidades indígenas de ambos os países; nesse sentido, ficou acordado o compromisso de celebrar no Brasil, em setembro de 2009, a X Reunião do GTDF. 190 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Conclui-se, portanto, que as faixas contíguas dos países fronteiriços, Brasil e Venezuela, apresentam interesses multifacetados e, em boa parte, contraditórios. Enfeixam questões de segurança ambiental, de segurança energética, de salvaguarda de direitos humanos dos indígenas e de segurança alimentar. Além disso, apresenta-se a questão da disputa por territórios, tanto no sentido da geografia física, quanto no sentido do território como espaço sócio-econômico, politicamente construído. Trata-se, portanto, de relações de poder, onde os Estados nacionais da Venezuela e do Brasil exercem a mediação dos conflitos existentes. Criaram imenso arcabouço legal, que tem demonstrado baixa eficácia. É que, exceto pela presença do Exército, há claro e grande vazio de poder estatal em termos de prestação de serviços públicos, seja de segurança em termos da presença de forças policiais e de fiscalização; de saúde, de logística e de promoção do desenvolvimento humano dessas comunidades. Existem demandas concretas de integração de estruturas produtivas e de cooperação nas diversas áreas das relações humanas. Nesse sentido, os Estados Nacionais têm se mostrado reticentes na direção do aprofundamento desse processo. Parece que o conceito de soberania nacional, no seu significado clássico, ainda é suficientemente forte, amplamente dominante, recusando-se a ceder espaço para a evidência da complementaridade, da interdependência e das vastas possibilidades oferecidas pela cooperação internacional construída a partir das convergências dos interesses nacionais, locais e regionais. Nessa direção ainda há muito a caminhar. E esse caminho é longo e árduo, principalmente à luz das nossas histórias que insistem em nos manter distantes, apesar de a geografia nos ter mantidos vizinhos. Somos espaços transfronteiriços, de construção de territorialidades, a partir das nossas identidades nacionais. Daí decorrem as nossas dificuldades. Temos problemas comuns. Mas eles são enfrentados isoladamente pelos Estados nacionais. Já os atores 191 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas locais sabem que o caminho é o da cooperação. Pleiteiam e trabalham pela interdependência, interagem em regime de cooperação, e exigem dos Estados Nacionais o desenvolvimento de um sistema de governança que derrube barreiras e que construa relações vantajosas para os dois lados. 192 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) BIBLIOGRAFIA BELLO, Luis Jesús. La reforma constitucional venezolana y los derechos de los pueblos indígenas. In: SANCHEZ, Enrique (comp.). Derecho de los Pueblos Indígenas em las Constituciones de América Latina. Colombia: Disloque, 1996. BENSUSAN, Nurit. Situação das unidades de conservação na Amazônia brasileira. In: Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: FGV, 2006. 176 p. BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1980. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos. Org. Michelangelo Bovero. 9ª impressão. Rio de Janeiro, Elsevier, 2000. BRASIL. 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O INDÍGENA NAS CONSTITUIÇÕES DA AMAZÔNIA CONTINENTAL: DA VISIBILIDADE LEGAL À INVISIBILIDADE SOCIAL Edson Damas da Silveira Mauro Luiz Schmitz Ferreira INTRODUÇÃO Não podemos olvidar que todo esse debate sobre os direitos dos povos indígenas na América Latina remonta à colonização entabulada a partir do século XVI, destacando-se o firme posicionamento do Frei Bartolomé de Las Casas contra as atrocidades cometidas pelos espanhóis durante o processo de ocupação iniciado pela América Central56. Naquela época, e diante do quadro de genocídio testemunhado pelo próprio Las Casas, tentava ele fazer vingar uma teoria pacifista e de reconhecimento da diversidade cultural, denunciando que o discurso acerca da inferioridade dos índios seria um mero artifício viabilizador dos interesses de conquista espanhola. Assim, e desde que não violassem a lei divina e natural, os usos e costumes indígenas deveriam ser permitidos pelo mundo do ocidente (LAS CASAS, 1998, pp. 463-465). As cartas de Las Casas (2001, p. 11-13) são um testemunho vivo do autêntico genocídio patrocinado pelos conquistadores, uma vez que participou na condição de encomiendero durante as incursões espanholas pelo território americano. Bartolomé de Las Casas se revoltou com aquilo que assistiu, ou seja, um deliberado extermínio de milhares de indígenas, tornando-se mais tarde apóstolos dos índios, procurador e protetor universal de todos os povos indígenas, como gostava de se autoproclamar. 56 197 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Como que se tolerando esses povos nos territórios nacionais agora dominados, distribuídos e delimitados, os estados que se formaram na modernidade da América Latina passaram praticamente à margem dos direitos indígenas até a década de noventa. Essa época se revelou como um tempo histórico rico em possibilidades e complexo em sua interpretação, em cujo interior se deu à eclosão de novos movimentos sociais, entre eles, os movimentos indígenas que restaram constitucionalizados como sujeitos políticos de direito (DÁVALOS, 2005, p. 17; 27). A seu turno, seguem na forma de brevíssimas considerações das principais e constitucionais normas de alcance dos direitos indígenas dentro do amplo e transfronteiriço território amazônico. Bolívia Com 10.031.000 habitantes, a Bolívia é proporcionalmente o estado mais indígena da América do Sul, tendo 65% da sua população que se declara índia, enquanto outros 35% são mestiços e um insignificante 1% pertence à raça negra, descendentes de escravos57. Por força das oligarquias locais, todas as constituições políticas anteriores à década de noventa – com exceção das de 1938 e 1945 que reconheciam legislação e sistema educativo especiais para as comunidades indígenas – ignoraram por completo a realidade desses povos, uma vez que nelas se impuseram uma concepção assimilacionista e integracionista em função da construção de uma suposta e única nação boliviana (BADILLO, 1996, p. 29). População estimada pela ONU para o ano de 2010 (http://unstats. un.org/unsd/demographic/products/socind, acessado em 20 de julho de 2011) e percentuais disponíveis no site http://www.portalbrasil.net, acessado também em 20 de julho de 2011. 57 198 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Ao final da década de oitenta, o Estado Boliviano aceitou somente o movimento campesino como representante dos povos indígenas, ficando a construção e reconhecimento da identidade desses últimos para o desenrolar da próxima década, como consequência involuntária da legislação boliviana e da reforma constitucional de 1994, após incorporação dos discursos internacionais cada vez mais incisivos em matéria de direitos indígenas. Finalmente, e com a reforma agrária de 1996, a Bolívia se declarou internacionalmente um estado democrático e multicultural (ANDOLINA; RADCLIFFE; LAURIE (2005, p. 147-149). Dito reconhecimento destas raízes principalmente nas profundas reformas de 1994 e 2004 operadas na Constituição Boliviana de 1967, em que novos e significativos avanços se registraram no que diz respeito à visibilidade dos povos indígenas naquele país. Primeiro a Bolívia rompe definitivamente com a tradição integracionista e se define um estado multiétnico e pluricultural58, conferindo expressamente personalidade jurídica às comunidades indígenas59, equiparando esses povos aos partidos políticos para efeito de representação popular60, podendo inclusive eles postular diretamente candidatos a Presidente, Vice-presidente, Senadores, Deputados, Alcaides e Agentes Municipais, em igualdade de condições e na forma da lei61. A mesma constituição lhes reconheceu ainda direitos sociais, econômicos e culturais, especialmente os relativos às suas terras de origem, garantindo não apenas o uso como ainda o aproveitamento sustentável dos recursos naturais; reconhecendo também suas respectivas identidades, valores, línguas, costumes e instituições, bem como respeitando as autoridades naturais das comu- Art. 1º. Art. 171, II. 60 Art. 222. 61 Art. 224. 58 59 199 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas nidades indígenas que poderão exercer funções de administração e aplicação de normas próprias como solução alternativa de conflitos, em conformidade com seus costumes e procedimentos, sempre que não sejam contrários à própria constituição e às leis do país, ficando a cargo de lei especial a compatibilização dessas funções com as atribuições dos poderes do estado62. Mas a constituição da modernidade, outorgante aos povos indígenas dos direitos que mais avançam e interferem no funcionamento do atual modelo de estado nacional, restou promulgada pelo Presidente Evo Morales em 07 de fevereiro de 2009, cujo texto destacou mais de 80 (oitenta) dos seus 411 (quatrocentos e onze) artigos para abordar especificamente questões indígenas63. Alguns desses importantes e estruturais dispositivos dizem principalmente respeito às bases fundamentais do Estado Boliviano, agora autoproclamado Unitário Social de Direito Plurinacional Comunitário, refundado que foi na diversidade política, econômica, jurídica, cultural e linguística64. A língua de cada um dos povos indígenas daquele país também se tornou idioma oficial65, configurando-os na expressa condição de nação, em capítulo próprio e com destaque para o direito à livre determinação e territorialidade; instituições típicas como parte da estrutura geral do estado; propriedade intelectual coletiva dos seus saberes, ciências e conhecimentos; de ser consultados cada vez que se prevejam medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los; gestão territorial autônoma para o uso; e aproveitamento exclusivo dos recursos naturais, assim como participação nos órgãos e instituições do estado66. Art. 171, I e III. Notícia veiculada no site http://www.correiobraziliense.com.br, sob o título “Nova constituição da Bolívia é promulgada com festa popular” e acessado em 21 de jun. 2011. 64 Art. 1º. 65 Art. 5º., I. 66 Art. 30, II, itens 4, 5, 11, 15, 17 e 18. 62 63 200 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Especificamente a esse último direito, a recente constituição Boliviana assegurou aos povos indígenas oportunidade de participarem proporcionalmente na eleição da Assembleia Legislativa Plurinacional67 e de comporem paritariamente o Tribunal Constitucional Plurinacional68, reafirmando a condição de igual hierarquia que deve prevalecer entre a jurisdição ordinária e a jurisdição indígena originária campesina69. Essa especial jurisdição, também disposta no segundo título como capítulo próprio, se pautará pelos princípios, valores culturais, normas e procedimentos próprios das comunidades indígenas, respeitado o direito à vida e àqueles outros estabelecidos na Constituição de 200970. Com autonomia reconhecida, os indígenas na Bolívia têm direito ao autogoverno como exercício inerente à autodeterminação típica de nações71, exercido de acordo com suas normas, instituições, autoridades e procedimentos, conforme as atribuições e competências próprias, em harmonia com a constituição e as leis72. Brasil Segundo projeção da Organização das Nações Unidas para 2010, o Brasil conta com 195.423.00073, representando os indígenas cerca de 0,25 % deste total, ou seja, 734.000 (setecentos e trinta e quatro mil) pessoas que se auto identificam genericamente como indígenas, 67 Art. 149, I. 68 Arts. 198, I; e 200, II. Art. 180, II. Capítulo IV, art. 191, I e II. 71 Art. 290. 72 Art. 291, I. 73 Estimativa populacional constante do site http://unstats.un.org/unsd/ demographic/products/socind, acessado em 20 de julho de 2011. 69 70 201 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas distribuídos entre 225 (duzentos e vinte e cinco) etnias que falam aproximadamente 180 (cento e oitenta) línguas diferentes74. Carlos Frederico Marés de Souza Filho, por ocasião do Seminário Internacional de Experts sobre Regime Constitucional e Povos Indígenas nos Países da América Latina – realizado na Colômbia de 17 a 22 de julho de 1996 – conduziu sua exposição sobre os índios no Brasil partindo das seguintes considerações prévias (SANCHEZ, 1996, p. 37-38), naquilo que interessa para o nosso estudo: - que nos últimos quinhentos anos ocorreu um aniquilamento físico da população indígena, cuja quantificação é quase impossível. A rica diversidade é uma pequena amostra do que existia. A que sobrou de cada povo é um exemplo da tenacidade das culturas resistentes à opressão e assimilação obrigatória; e - que é muito pequena a população indígena no Brasil, e ainda mais, se a compararmos com a sua população total. A constatação de que os povos indígenas em nosso país – após longo processo de dizimação e integração – permaneceram na invisibilidade oficial por muito tempo, ressai cristalina do próprio ordenamento constitucional montado pelo Estado Brasileiro. Nascido com a constituição imperial de 1824, o Brasil herdou da colônia uma silente legislação acerca dos povos indígenas que se encaminhou para a mais completa omissão por parte da constituição republicana de 1891 (SOUZA FILHO, 1998, p. 87-88). Foi somente com a constituição de 1934, ou seja, passado mais de um século de existência é que o Estado Brasileiro resolveu tratar dos direitos indígenas, qualificando os seus titulares como silvícolas e enfrentando de pronto a delicada questão dos seus territórios, assegurando aos índios a posse sobre eles e Números revelados Ricardo e Ricardo (2006, p. 7-9), tendo por base levantamentos realizados pelo censo/IBGE/2000 e Instituo Socioambiental entre os anos de 2001 e 2005. 74 202 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) atribuindo à União responsabilidade pela promoção da política indigenista nacional75, sendo nesses pontos acompanhados mais tarde pelo estatuto da república de 1937, conforme se lê da previsão estampada no art. 154 da “constituição polaca” (SANTOS FILHO, 2006, p. 40-41). Com a magna carta de 1946, a posse indígena sobre a terra continuou merecendo respeito e com a condição de não transferência deles para outra localidade76. Na linha do asseguramento desses territórios, seguiu-se o texto de 1967, agora reconhecendo aos silvícolas o direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais e de todas as utilidades nelas existentes77. Ao cabo do regime militar, esclarece Marés que o Brasil foi chamado a elaborar para 1988 uma nova constituição e nela restou introduzido um capítulo inteiro referente especialmente aos índios, considerados como tais e não mais identificados por silvícolas. No âmbito da atual constituição, aconteceu verdadeira revolução na relação entre o estado e os povos indígenas, porque pela primeira vez se reconheceu neste país o direito de eles permanecerem para sempre como índios (SOUZA FILHO, 1998, p. 90). Apenas para registrar os avanços, porque muitos desses pontos serão retomados com mais vagar na segunda parte deste trabalho, quando iremos concretamente ponderá-los com outros direitos fundamentais, segue o reconhecimento constitucional da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos indígenas; assim como o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, isto é, anterior à lei ou ato que assim o declare78. Art. 129. Art. 216. 77 Art. 186. 78 Art. 231, caput. 75 76 203 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas A constituição de 1988 teve por mérito conceituar terra indígena na sua ampla concepção, incluindo não só aquelas necessárias à habitação, mas à produção, preservação do meio ambiente e as necessárias à sua reprodução física e cultural79. Ademais, e pela primeira vez em nível constitucional, admitiu-se no Brasil que existem direitos indígenas coletivos, seja reconhecendo a organização social indígena, seja concedendo à comunidade o direito de opinar sobre o aproveitamento dos recursos naturais e o de postular em juízo, tratando ainda com mais detalhes as garantias para melhor exploração desses recursos naturais, especialmente os minerais para o que se exige prévia anuência do Congresso Nacional80. Essa mesma constituição proibiu a remoção de grupos indígenas de suas terras, dando novamente ao Congresso Nacional a possibilidade de estudo das eventuais e estabelecidas exceções, declarando finalmente nulos e extintos os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse sobre suas terras, sem direito à indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé81. Colômbia A Colômbia é o segundo país mais populoso da América do Sul, o terceiro da América Latina e o quarto mais de toda a América, estimando a Organização das Nações Unidas que tenha chegado em 2010 com uma população de 46.300.000 de habitantes82. Entretanto, conta com apenas 700.000 (setecentos Art. 231, § 1º. Normas constantes dos arts. 231, § 3º, e 232, ambos considerados nos comentários de SOUZA FILHO (1998, p. 90-91). 81 Art. 231, §§ 5º e 6º. 82 Dados fornecido no site http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/socind, acessado em 20/07/2011. 79 80 204 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) mil) índios, representando cerca de 1,5% da sua população total PINTO (2008, p. 10). Sem embargo dessa baixa proporcionalidade, a Colômbia (juntamente com Bolívia e Equador) conseguiu aprovar um dos textos constitucionais mais bem elaborados em matéria de direitos indígenas de toda a América Latina, ainda que sua plena aplicação não esteja de fato acontecendo. É que a Constituição Colombiana de 1991, aperfeiçoada por 11 (onze) emendas que se estenderam até 2005, teve por inspiração um transparente movimento civil encabeçado por jovens e que, em seus enunciados e antecedentes, procurava adotar um ordenamento supremo que abrisse espaços à tolerância e ao entendimento das diversas facções reinantes num país completamente dividido pelo ódio e pelas lutas largamente difundidas (ROLDÁN, 1996, p. 68). O atual caderno político responde em boa medida a essas expectativas, talvez representando os direitos constitucionais indígenas, o caso mais claro de justiça nesse processo de pacificação em face do papel assumido pelos dirigentes daqueles povos em favor do respeito mútuo e da convivência harmônica (Ibid, p. 68). Ciro Angarita Barón analisa que foi fiel à vontade do constituinte originário na Colômbia que a carta de 1991 consagrou diversos instrumentos protetores dos direitos indígenas (SANCHEZ, 1996, p. 80), que se traduzem não somente no reconhecimento da autonomia territorial daqueles povos83, mas, sobretudo, nas prerrogativas específicas para autogoverno84, línguas 85, história86, eleição especial de dois senadores diretamente pelas comunidades indígenas87 e mecanismos próprios de justiça88. Art. 287. Art. 330. 85 Art. 10. 86 Art. 246. 87 Art. 171. 88 Art. 246. 83 84 205 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Tanto que na Colômbia os territórios indígenas estão equiparados constitucionalmente aos departamentos, distritos e municípios, gozando de igual status político dessas outras entidades territoriais89. Finalmente, são considerados nacionais colombianos por adoção os membros dos povos indígenas que compartilhem territórios fronteiriços, com aplicação do princípio da reciprocidade segundo tratados públicos internacionais90. Equador O Equador conta até 2010 com 13.775.000 de habitantes, sendo que cerca de 732.000 deste total são de origem indígena91. Ramón Torres Galarza esclarece que os colonizadores daquele país pretenderam unificar os índios num projeto de construção de estado nacional que passava necessariamente por alguns processos de massificação, tais como obtenção forçada da cidadania, imposição do cristianismo, escolarização obrigatória, adoção do espanhol como língua oficial e até unificação das vestimentas. (GALARZA, 1996, p. 99). Historicamente os povos indígenas resistiram bravamente a esse intento até meados do século XVIII, quando quedaram vencidos pelas armas e sob o argumento de que Equador se tornara num estado que expressava uma única nação, justamente mestiça em razão das raízes indígenas e coloniais hispânicas. Desde então, a consolidação da nação se lograria com a integração dos indígenas à sociedade dominante (Ibid. p. 100). Art. 286. Art. 96, 2, “c”. 91 Estimativa divulgada no site http://unstats.un.org/unsd/demographic/ products/socind, acessado em 20/07/2011. 89 90 206 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) O processo de integração e de negação da diversidade étnica no Equador passou pelas constituições de 1830, 1929, 1945, 1946, 1978 até chegar ao texto de 1998, considerado por Simone Rodrigues Pinto um dos mais bem elaborados em matéria de direitos indígenas de toda América Latina (PINTO, 2008, p. 10), devido em grande parte aos esforços do Partido Socialista Equatoriano que em 1986 logrou êxito em propor ao Congresso Nacional um projeto de lei sobre as nacionalidades indígenas, definindo-os como aqueles que de fato se assentam no território equatoriano, vivendo a continuidade social de pensamento e organização das comunidades que povoam as Américas antes mesmo da conquista europeia (GALARZA, 1996, p. 104). Recentemente, e por determinação do Presidente Rafael Correa, a Assembleia Constituinte aprovou nova constituição para o Equador92. Muitos dispositivos dos 444 artigos referendados dizem respeito aos direitos indígenas que avançaram ainda mais em relação à carta política de 1998, tornando essa constituição um marco histórico no enfileiramento daqueles direitos por parte do estado nacional em todo o mundo. Para não se alongar, nela o Equador se declara um estado intercultural e plurinacional93, reconhecendo os direitos dos distintos povos que coexistem inclusive dentro de outros estados nacionais94, chamando para si o dever primordial de fortalecer a unidade sempre em respeito à diversidade95, comprometendo-se ainda em promover o diálogo intercultural entre todos os povos que o compõem96. Na quinta-feira do dia 24 de julho de 2008, a AssembleiaAssembleia Constituinte aprovou por 94 votos contra 32 a nova Constituição Equatoriana. http://noticias.terra.com.br/mundo/interna, acessado em 27 de junho de 2011. Em 28 de setembro do mesmo ano, o projeto governista da nova constituição recebeu 64% dos votos em referendo convocado para tal finalidade. http://noticias.uol.com.br/ultnot, acessado em 29 de setembro de 2011. 93 Art. 1º. 94 Art. 418. 95 Art. 3º e 57. 96 Art. 28. 92 207 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas O novo texto constitucional confere regime especial aos territórios indígenas97, lhes assegurando a eles a propriedade coletiva e imprescritível da terra, que será também inalienável, inimbargável e indivisível98, podendo os respectivos povos constituir sobre ela circunscrições territoriais para fins de preservação de sua cultura, nos termos da lei99. Como direito coletivo, a par de outros arrolados no próprio texto e também constantes de pactos, convênios, declarações e demais instrumentos internacionais de direitos humanos firmados pelo Equador100, garante aos indígenas participação no uso, usufruto, administração e conservação dos recursos naturais renováveis que se achem em suas terras101; bem como limitação das atividades militares em seus territórios102. O idioma ancestral foi alçado à condição de língua oficial e patrimônio cultural103, garantindo-se um sistema de educação bilíngue para todos os povos e que será integrado por uma visão intercultural e multiétnica104. A Constituição Equatoriana de 2008 também outorgou jurisdição própria para o âmbito territorial de cada povo, respeitando suas normas de resolução de conflitos internos, desde que não sejam contrárias à constituição e aos direitos humanos estabelecidos em instrumentos internacionais. Entretanto, ressalta que ditas decisões estarão sujeitas ao controle oficial de constitucionalidade, ficando a cargo de lei especial o estabelecimento dos mecanismos de coordenação e cooperação entre a jurisdição indígena e a jurisdição ordinária105. Art. 243. Art. 58, 4; 61. 99 Art. 61. 100 Art. 59. 101 Art. 58, 5. 102 Art. 58, 21. 103 Art. 2º. 104 Art. 342 e 346, 9. 105 Art.173. 97 98 208 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) Além de reforçar o respeito à interculturalidade e à diversidade catalogando uma série de outros direitos vinculados à cultura106, a mesma carta magna tipificou como crime de genocídio e etnocídio o atentado contra os direitos coletivos, vida e autodeterminação dos povos indígenas107, promovendo-o de forma inédita ao menos em sede constitucional. Guiana A República Cooperativista da Guiana é o único país de colonização britânica na América do Sul, apresentando por isso mesmo contrastes ímpares na formação da sua população, estimada no ano de 2010 em 740.000.000 de habitantes. Destes, 49,49% são indianos, 35,63% afro-americanos, 7,05% mestiços e 6,81% índios, ocupantes esses últimos de 16% do território nacional108. Mas a Guiana não destoa do restante da América relativamente ao tratamento dispensado aos povos indígenas, cuja história é também repleta de injustiças e perseguições, chegando quase à dizimação completa em decorrência das guerras travadas pelos nativos com os europeus, conflitos com os escravos e surgimento de doenças que até então lhes eram estranhas (JAMES, 2003). Interessante observar que o destino desses povos se tornou uma das condições para a independência da Guiana no ano de 1966, que se comprometeu com os seus colonizadores a reconhecer os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupavam. E no desiderato de cumprir com essa obrigação, o governo do recém criado estado nacional formou imediatamente uma comissão especial para tratar do assunto (Ibid.). Arts. 379, 380, 381 e 382. Art. 58, 22. 108 O levantamento populacional consta do site oficial da Organização das Nações Unidas (http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/socind), acessado em 20 de julho de 2011, e os índices foram estabelecidos por Baines (2004). 106 107 209 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Ocorre que somente três anos mais tarde é que sobredita comissão conseguiu fechar o seu relatório, demonstrando que os indígenas da Guiana reivindicavam 43.000 milhas quadradas de terra. No entanto, concluiu que esse montante era excessivo, além de duvidar das habilidades dos residentes para torná-las administráveis, recomendando ao final que as 128 comunidades indígenas recebessem a título de propriedade coletiva apenas 24.000 milhas quadradas, incluindo aí os direitos de exploração mineral a uma profundidade de 50 pés (Ibid.). A recomendação daquela comissão não saiu do papel até 1976, quando se edita a atual Lei dos Povos Indígenas da Guiana com a disposição de executar as sugestões constantes no documento de 1969, mediante a transferência titulada de terras às respectivas comunidades, conforme descrito no levantamento originário (Ibid.). Em razão de uma série de entraves burocráticos que não competem a este ensaio discutir, acompanhado ainda pela má vontade das autoridades constituídas naquele país, atualmente na Guiana apenas 75 comunidades indígenas conseguiram o reconhecimento provisório e documental das suas terras, com o direito de propriedade restrito a tão-somente 4.500 milhas quadradas de terra(Ibid.). Insiste-se na qualidade provisória porque a lei que trata dos direitos indígenas na Guiana não fornece praticamente nenhuma proteção para aquelas comunidades que possuam título jurídico sobre suas terras, prevendo-se na mesma legislação que tais títulos podem ser revogados ou modificados pelas seguintes razões: interesse público; interesse da defesa, da segurança pública ou da ordem pública; e venda ou transferência das terras por parte dos indígenas sem a devida compensação (Ibid.). Em que pese já se ter reconhecimento por parte das autoridades guianenses de que a desconstituição daqueles direitos in- 210 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) dígenas fere alguns tratados internacionais de direitos humanos assinados pelo país109, o mesmo governo houve por bem conceder em 1991 à Companhia Barama – multinacional asiática – o direito de exploração mineral em terra indígena sem sequer ouvir as comunidades diretamente atingidas (JAMES, 2003.). Toda essa fragilidade apresentada pela ordem jurídica da Guiana se deve ao fato de que a sua atual constituição, datada de 20 de fevereiro de 1980, foi muito pródiga em relação aos direitos indígenas, conferindo-lhes visibilidade somente na redação do art. 149, 6, “c”, quando veda expressamente a edição de lei que venha a discriminar os indígenas, devendo a legislação nacional se voltar para sua proteção, bem-estar e progresso. Com arrimo nessa vedação discriminatória é que os teóricos da causa indígena na Guiana vêm tentando construir uma rede de proteção contra o estado nacional, uma vez que na própria constituição se conceitua discriminação como qualquer ato que ofereça um tratamento diferenciado em virtude da raça, local e origem, entre outros110. Peru A República do Peru conta com uma população de 29.496.000 de habitantes, sendo que 45% são indígenas111, cuja existência no pós-colonialismo se deu sob a hegemonia das burguesias criou109 Por ter adotado o sistema inglês tipicamente dualista, em que um ato do parlamento ou uma regra da common law prevalecem sobre o direito internacional incorporado, a ordem jurídica guianense considera os tratados de direitos humanos assinados e ratificados pela Guiana apenas como lei aprovada pelo parlamento, em grau de heirarquia semelhante aos outros atos legislativos ordinários (SILVEIRA, 2005, p. 38). 110 Art. 149, 2. 111 População reconhecida pela Organização das Nações Unidas em 20 de julho de 2011 (http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/socind) e percentual estimado no site: www.portalbrasil.net, acessado em 20 de julho de 2011. 211 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas las, estabelecidas constitucionalmente num monismo cultural, linguístico, religioso e legal. (FAJARDO, 2002, p. 230). Diferentemente da história constitucional de outros estados latino-americanos, no Peru as constituições nacionais sempre incorporaram alguma disposição sobre os povos indígenas, referindo-se a eles ora como pessoas, ora como comunidades (AGUIRRE, 1996, p. 211). Em revista pelas prescrições constitucionais de todas as cartas políticas Peruanas, Francico Ballén Aguirre notou que elas invariavelmente giravam em torno da proteção da propriedade da terra afeta às respectivas comunidades, esgotando nelas a capacidade legal formalmente reconhecida para os povos indígenas no Peru (Op. cit., p. 211). Na última constituição promulgada em 1993, e depois das reformas de 1995, 2000, 2002, 2004 e 2005, um artifício neoliberal restou sutilmente incorporado mas que não passou despercebido ao olhar atento de Raquel Yrigoyen Fajardo. Trata-se do abandono da antiga noção de território – constante em todas as constituições que vieram depois de 1920 – para eliminar a cláusula de inalienabilidade das terras comunais e permitir que fossem vendidas às empresas transnacionais exploradoras de recursos naturais, assim como supostamente favorecer o acesso ao crédito pela hipoteca do solo indígena (Op. cit., p. 233). O estratagema ressai cristalino no texto do art. 88 da magna carta quando o Estado Peruano se compromete a garantir o direito de propriedade sobre a terra, na forma privada, comunal ou em qualquer outra forma associativa, combinado com o dispositivo seguinte que confere às comunidades nativas daquele país existência legal, tipificando-as como pessoas jurídicas de direito privado, ou seja, preparando e lançando-as para dentro do sistema capitalista a fim de que pudessem negociar a propriedade de suas terras, agora não mais entendidas como territórios 212 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) originários e devidamente desembaraçadas do impedimento da inalienabilidade112. Não obstante esse ardiloso reenquadramento agrário, a carta de 1993 é festejada como a primeira Constituição que reconheceu o Peru como um estado multicultural e multiétnico113, estando nela registrado o respeito que se deverá dar à identidade cultural dos nativos, à sua autonomia, organização e trabalho comunal, desde que dentro do marco estabelecido em lei114. A par do castelhano, as demais línguas aborígenes são também admitidas como idioma oficial115, ficando a cargo do Estado fomentar a educação bilíngue e intercultural, segundo as características de cada zona e para o escopo da integração regional116. Por fim, não se deixa de registrar o respeito que o Peru confere à jusdiversidade indígena, podendo aqueles povos exercer as funções jurisdicionais dentro do seu âmbito territorial, sempre que não violem os direitos fundamentais da pessoa humana e nos termos das normas de coordenação entre dita jurisdição especial com as demais instâncias do poder judiciário estatal117. Suriname A República do Suriname, antiga Guiana Holandesa, independente desde 1975, dispunha até 2010 de uma população pequena e bastante variada, que gira em torno de 524.000 habitantes, sendo indianos e paquistaneses 37%, euro-fricanos 31%, javaneses Art. 89. Lembrado por Raquel Yrigoyen Fajardo e constante do art. 2º, 19, da Constituição de 1993. Op. cit., p. 233. 114 Art. 89. 115 Art. 48. 116 Art. 17. 117 Art. 149. 112 113 213 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas 15%, afro-americanos 10%, indígenas 3%, chineses 2% e outros 2%118. Talvez essa diversidade reinante, mormente entre colonizadores e os antagônicos interesses que não conseguem uni-los, explique o mais completo abandono da problemática indígena nas constituições Surinamesas, percebendo-se também poucas referências em legislações secundárias, seguindo uma tradição mais anglosaxônica de organização legal (PINTO, 2008, p. 9). A constituição promulgada em 1987, mesmo com as reformas de 1992, não contém um dispositivo sequer que contemple ou mencione direitos indígenas, limitando-se a dar ênfase à herança cultural do Suriname, criando obrigação para o estado conservá-la e protegêla119, porquanto se impõe naquele caderno político o dever de promover sua democratização por meio de organizações culturais120. Não é de estranhar então que as terras indígenas pertençam ao estado, sobre as quais os índios não tenham qualquer título legal e sejam tratados pelo governo como meros posseiros de fato121. Decorrente dessa grave omissão, aliada ao descaso por parte de suas autoridades, é que o Suriname vem sendo constantemente deman- População estabelecida pelos critérios da Organização das Nações Unidas (http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/socind) e percentuais estimados no site: www.portalbrasil.net, ambos acessados em acessado em 20 de julho de 2011. 119 Art. 47. 120 Art. 38. 121 PLOTKIN, Mark j. Entrevista. Disponível em: http://pt.mongabay. com/news. Acesso em 29 de junho de 2011. 118 214 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) dado nos foros internacionais, principalmente envolvido com a liberação indiscriminada de mineração dentro de terra indígena122. Venezuela A República Bolivariana da Venezuela tem, computado pela Organização das Nações Unidas até 2010, uma população de 29.044.000 habitantes123, sendo que aproximadamente 316.000 se declaram indígenas (PINTO, 2008, p. 11), cuja história constitucional é marcada por avanços e retrocessos sucessivos, a depender muito do clima político interno. A primeira constituição de 1811 não apenas reconheceu a cidadania dos indígenas como índios ou naturais, como ainda consagrou de forma expressa o direito de propriedade sobre as terras por eles ocupadas, outorgando-lhes a capacidade de disposição das mesmas, de acordo com a legislação do momento124. Com a constituição de 1864 ocorre substancial retrocesso nessa matéria, havendo somente referência indireta aos indígenas A Associação de Líderes de Aldeias Indígenas do Suriname e outras organizações não-governamentais apresentaram em agosto de 2006 quatro relatórios conjuntos para o Comitê de Eliminação da Discriminação Racial nas Nações Unidas, denunciando que no Suriname foram outorgadas concessões a BHP/Billiton e Suralco/Alcoa, que planejam construir uma represa hidrelétrica que obrigará algumas comunidades indígenas a abandonar suas terras, bem como inundará o território de pelos menos outras quatro comunidades. Relatam ainda que no leste, o estado outorgou concessões auríferas à Auralco/Alcoa e Newmont Mining nas terras tradicionalmente do povo paramake maroon, sem oitiva das respectivas comunidades. Suriname: índios contra mineração. Disponível em: http:// www.adital.com.br/site/noticia2. Acesso em 20 de julho 2011. 123 Fonte: http://unstats.un.org/unsd/demographic/products/socind, acessado em 20 de julho de 2011. 124 Direitos estabelecidos pelo art. 200 e devidamente lembrado por Bello (1996, p. 223). 122 215 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas quanto se relativa o direito sobre seus territórios, agora dependentes do juízo administrativo e discricionário do Executivo Nacional125. Em 1909, a magna carta continuou tratando de forma indireta aqueles povos, quando assinalou no art. 80 a possibilidade que tinha o governo de contratar missionários para civilizar os indígenas (BELLO, 1996, p. 224). Já na constituição de 1947, pequeno avanço se percebeu com a referência, pela primeira vez, ao princípio da incorporação dos indígenas na vida da nação, malgrado se ter preconizado uma política integracionista com respeito às características culturais e às condições econômicas da população indígena126. Depois de alguns anos de ditadura militar, inicia-se na Venezuela um período democrático com a constituição de 1961, fazendo-se referência aos indígenas dentro do capítulo dos direitos sociais e como subgrupo ou espécie de campesinos. No art. 77, único daquela constituição que menciona os indígenas, se estabeleceu um regime de exceção para a proteção das suas comunidades e conseqüente incorporação na vida da nação (BELLO, 1996, p. 224). Avalia Pinto (2008) que a Venezuela deu um salto qualitativo importante com o texto da atual constituição de 1999, em que se ampliou muito o leque dos direitos indígenas, principalmente com a ampla definição de terra indígena, considerada uma das mais avançadas da América Latina. Os povos indígenas que formam parte da nação, do povo e do estado Venezuelano127 – que agora se autodenomina multiétnico e pluricultural128 - têm reconhecidos os direitos originários sobre as terras que ancestral e tradicionalmente ocupam, e que são necessárias para desenvolver e garantir suas formas de vida, ficando incumbido o executivo nacional, com a participação desConstituição de 1811, Art. 43, 22 ; Bello (1996, p. 224). Art. 72. ; Bello (1996, p. 225). 127 Art. 126. 128 Preâmbulo. 125 126 216 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) ses mesmos povos, de demarcar e garantir o direito à propriedade coletiva de suas terras, as quais serão inalienáveis, imprescritíveis, inimbargáveis e intransferíveis, de acordo com o estabelecido na própria constituição e na lei129. Em complemento à ampla extensão da propriedade coletiva da terra conferida aos indígenas, a constituição venezuelana também outorga o direito de aproveitar seus recursos naturais sem lesionar a integridade cultural, social e econômica daqueles povos, devendo eles ser previamente consultados e informados sobre os benefícios deste aproveitamento130. Ao reconhecer a existência dos povos e comunidades indígenas, sua organização social, política e econômica, suas culturas, usos e costumes, idiomas e religiões131, o estado nacional ganhou o encargo de tutelar o direito à manutenção e desenvolvimento das identidades étnicas e culturais - cosmovisões, valores, espiritualidades e seus lugares sagrados de culto - não medindo esforços para fomentar a valorização e difusão dessas manifestações, tendo ainda os indígenas direito a uma educação própria e a um regime educativo de caráter intercultural e bilíngue, atendidas suas particularidades socioculturais, valores e tradições132. Notadamente à saúde, aqueles povos têm direito a uma tutela integral que considere suas práticas e culturas, reconhecendo o estado sua medicina tradicional e as terapias complementares, com sujeição a princípios bioéticos133. Os povos indígenas têm direito ainda de manter e promover suas próprias práticas econômicas baseadas na reciprocidade, solidariedade e intercâmbio, respeitadas as suas atividades produtivas tradicionais sem prejuízo do direito aos serviços de formação Art. 119. Art. 120. 131 Art. 119. 132 Art. 121. 133 Art. 122. 129 130 217 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas profissional e à participação na elaboração, execução e gestão de programas específicos de capacitação, serviços de assistência técnica e financeira que fortaleçam suas atividades econômicas no marco do desenvolvimento local sustentável134. A propriedade intelectual coletiva dos conhecimentos, tecnologias e inovações dos povos indígenas é protegida pelo art. 124, distribuindo-se coletivamente os seus benefícios e proibindo-se o registro de patentes sobre tais recursos e conhecimentos ancestrais135. Para garantir a participação política efetiva dos povos indígenas nos desígnios da Venezuela, o estado garantirá a representação indígena na Assembleia Nacional e nos corpos deliberativos das entidades federais e locais que trabalhem com a referida população, nos termos da lei136. Por fim, poderão as legítimas autoridades indígenas aplicar em seu habitat instâncias de justiça baseadas em suas tradições ancestrais e que somente afetem os seus integrantes, segundo suas próprias normas e procedimentos, sempre que não sejam contrários à vigente constituição, à lei e à ordem pública na Venezuela, ficando a cargo de lei especial determinar a forma de coordenação desta jurisdição especial com o sistema judicial nacional137. Art. 123. Art. 124. 136 Art. 125. 137 Art. 260. 134 135 218 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) CONCLUSÃO Em termos gerais, pontuamos estados nacionais que formam o amplo mosaico amazônico com inestimável avanço na tipificação dos direitos indígenas, assim como observamos outros ainda tímidos na sua capitulação, mas não se pode negar que nos últimos trinta anos houve um significativo avanço no reconhecimento constitucional desses povos, principalmente no âmbito latino-americano. Nesta perspectiva, apontamos ao menos duas tendências bem definidas nos ordenamentos constitucionais de que tratamos, quais sejam, a dos estados que abrem espaços para os povos indígenas manterem suas identidades e direitos especiais como uma opção à perpetuidade e, por outro flanco, a dos estados que exibem sua relação com os indígenas como um simples regime de tolerância, definindo ou tratando os modelos de vida daqueles povos como um fator limitante ou negativo da unidade nacional. Tivemos a oportunidade de ainda relatar neste ensaio que somente a partir do primeiro terço do século XX é que os povos indígenas da América Latina começaram a deixar a bizarra condição de invisibilidade para despertarem como entes coletivos aos olhos dos estados nacionais. Apesar das inúmeras dificuldades e da heterogeneidade das situações de cada um dos estados signatários do Pacto Amazônico, em síntese, os resultados obtidos pelo movimento indígena nas últimas décadas são surpreendentes enquanto sujeitos coletivos de direito. No entanto, outros e novos desafios para o indígena emergem no alvorecer deste novo século, quais sejam, o despertar enquanto indivíduo de direitos como qualquer outro cidadão nacional, mas considerado em sua diferença, a demandar um tratamento especializado e conforme a sua cultura, sempre respeitoso às respectivas tradições, costumes e crenças. 219 Reformatações Fronteiriças no Platô das Guianas Vencida a invisibilidade social dos povos indígenas enquanto sujeitos coletivos de direito - notadamente ligados à questão da terra - a demanda que se instaura presentemente no seio dos estados nacionais será reconhecê-los como indivíduos que demandam políticas públicas afirmativas e diferenciadas nas áreas da saúde, educação e assistência social, principalmente no âmbito dos centros urbanos, onde acabaram se refugiando grande parte da população indígena da Amazônia Brasileira. E nesta seara a invisibilidade social se revela muito nítida, estando todos nós em débito com esse grupo de brasileiros. A luta pela terra foi à primeira reivindicação dos povos indígenas e talvez seja em relação às questões territoriais que podemos avaliar com mais segurança os avanços realizados pelo movimento indígena regional. Na revitalização de suas culturas, finalmente conseguiram eles arrancar dos estados nacionais o reconhecimento de parte de seus territórios ancestrais e se afirmaram como verdadeiros sujeitos políticos, desejosos de decidir sobre seu próprio futuro. 220 Jadson Porto e Eleneide Doff Sotta (Orgs.) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIRRE, Francisco Ballén. El derecho de los pueblos indígenas y el derecho estatal. Derecho de los pueblos indígenas en las constituciones de América Latina. SANCHEZ, Enrique (comp.). Colombia: Disloque, 1996, p. 211. ANDOLINA, Robert; RADCLIFFE, Sarah; LAURIE, Nina. Gobernabilidad e identidad: indigeneidades transnacionales en Bolívia. 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