Estudo metodológico da experiência brasileira em Avaliação
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2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto Estudo metodológico da experiência brasileira em Avaliação Ambiental Estratégica VÍTOR MARGATO Graduando em Engenharia Civil Escola Politécnica da Universidade de São Paulo [email protected] LUIS ENRIQUE SÁNCHEZ Professor Titular do Departamento de Engenharia de Minas e de Petróleo Escola Politécnica da Universidade de São Paulo [email protected] Resumo Este trabalho aborda a experiência brasileira em Avaliação Ambiental Estratégica, instrumento que tem tomado destaque em virtude de seu potencial para superar importantes deficiências da Avaliação de Impacto Ambiental e, ao mesmo tempo, promover a efetiva integração das questões ambientais aos processos decisórios. A experiência brasileira nesse campo é estudada por meio da técnica de estudo de caso. O Programa Brasília Integrada, o Programa Intermodal e Logístico Porto Sul e a Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral Paulista são analisados de acordo com recomendações internacionais de boas práticas e submetidos a um questionário de exame da qualidade elaborado por Sadler e Dalal-Clayton (2010). Esse questionário considera três aspectos essenciais das avaliações: o cumprimento das exigências formais e legais; a qualidade técnica, relacionada à adequação ao processo decisório; e o alcance de benefícios ambientais duradouros. Percebe-se assim que os estudos em questão, embora mantenham diferenças significativas em termos das finalidades com que foram feitos, também mantêm semelhanças importantes e negativas: a ausência de comparação de opções abrangentes, a promoção falha de uma participação social efetiva e seu caráter estratégico bastante enfraquecido. Tais observações não indicam que a AAE seja essencialmente impraticável; pelo contrário, reforçam a necessidade da afirmação de seu caráter amplo e integrado à tomada de decisão. Abstract This paper handles the Brazilian experience on Strategic Environmental Assessment, a planning tool which has attracted notoriety due to its potential to overcome major deficiencies of Environmental Impact Assessment, and also to promote an effective integration between environmental issues and decision-making. Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto The Brazilian experience on that field is studied through the case study technique. Programa Brasília Integrada, Programa Intermodal e Logístico Porto Sul and Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral Paulista are analyzed according to international good practice guidance and submitted to a quality review checklist by Sadler and Dalal-Clayton (2010). Such checklist considers three essential points of the SEA studies: legal and procedural compliance; technical quality, associated with adequacy to decision-making processes; achievement of sound and enduring environmental benefits. It becomes clear that, although those studies are significantly different in terms of their purposes, they actually have several – and negative – similarities: the absence of comparison of wide alternatives, the failed promotion of an effective social participation and their weakened strategic nature. These remarks do not mean SEA is virtually unfeasible; instead, they reinforce the need to affirm its essential character – comprehensive and connected to decision-making. Introdução O tema deste trabalho é um instrumento de planejamento cuja ascensão nos últimos anos, em todo o mundo, apresenta um potencial bastante significativo de transformar o modo como as questões relativas à sustentabilidade são inseridas nos processos decisórios governamentais. Trata-se da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), que, por seu caráter amplo e – desejavelmente – adaptável a contextos gerenciais diversos, já recebeu uma série de definições. Adota-se, desse modo, aquela presente em Therivel et al. (1992): O processo formal, sistemático e abrangente de avaliar os efeitos ambientais de uma política, um plano ou um programa, bem como de suas alternativas, que inclua a preparação de um relatório escrito sobre os resultados de tal avaliação, e utilize os resultados em uma tomada de decisão publicamente aferível. Por mais vaga que possa parecer, a um olhar desatento, a definição supracitada, ela contém aspectos essenciais à correta compreensão da AAE e, portanto, à sua adequada aplicação. Em primeiro lugar, está o fato de que o objeto da avaliação não é propriamente um projeto, mas aquilo que se situa em um plano superior (e supostamente em um momento anterior) aos empreendimentos individuais na ação governamental: as políticas, os planos e os programas. Em segundo lugar, a comparação de uma proposta com suas alternativas em estágio preliminar integra a essência desse instrumento – nesse sentido constituindo uma diferença prática em relação à Avaliação de Impacto Ambiental, como será discutido adiante. Por fim, está expressa a noção de que não se pode conceber a AAE sem conectá-la efetivamente a um processo decisório que seja responsável e participativo. Não faltam motivos à busca vigorosa de que esse tipo de ferramenta se desenvolva, tanto em termos de robustez conceitual e metodológica, quanto em relação à ampliação de sua prática. Essas tantas razões podem ser dispostas em dois grandes grupos: as limitações inerentes à Avaliação de Impacto Ambiental e a necessidade urgente de reformulação dos processos decisórios governamentais em geral. No primeiro conjunto, o das limitações da AIA, está, por exemplo, o fato de que esta se encontra no extremo inferior do planejamento, em que as possibilidades de atuação Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto sobre os impactos ambientais são consideravelmente restritas por decisões hierarquicamente superiores. Ou seja, é preciso que tais impactos sejam considerados em instâncias mais elevadas e anteriores do planejamento, nas quais se pode agir de forma mais proativa e menos reativa. Isso apenas pode ser realizado por meio de um instrumento adaptado ao grande nível de incerteza e à amplitude associados àquelas decisões – incompatíveis com a natureza detalhada da Avaliação de Impacto Ambiental. Além disso, Egler (2001) e Sánchez (2008) observam que a AIA não tem se mostrado capaz de lidar de forma satisfatória com impactos de caráter cumulativo, sinérgico e indireto, ou que se deem em escala geográfica macrorregional e global. Passando ao segundo conjunto de fatores motivadores para a Avaliação Ambiental Estratégica, o aperfeiçoamento de processos decisórios governamentais – ou mesmo sua reformulação – está no cerne de diversas questões cruciais para um desenvolvimento sustentável que ultrapasse a mera formalidade, o clichê e o greenwashing. Abramovay (2012) demonstra que, para tanto, é preciso um questionamento profundo dos modelos de desenvolvimento adotados consciente ou inconscientemente. Além disso, se no Brasil as desigualdades sociais têm sido atenuadas em termos de renda, permanecem intactas – ou quase isso – em inúmeros outros campos, entre os quais a oportunidade de existir como sujeito político ativo, e não vítima ou espectador do desenvolvimento. De fato, principalmente em comparação com alguns países desenvolvidos, o ordenamento político brasileiro nem promove um nível satisfatório de participação social, nem considera adequada e oportunamente as questões ambientais na sua tomada de decisão. Por fim, cabe destacar que uma avaliação ambiental que anteceda os empreendimentos individuais pode, especialmente em países em desenvolvimento, levar a uma significativa economia de tempo e recursos financeiros – por exemplo, em relação a medidas remediadoras de saúde pública (UNDP/REC apud Dalal-Clayton e Sadler, 2005). Metodologia e organização do trabalho O estabelecimento prévio do contexto em que se insere a Avaliação Ambiental Estratégica é essencial para o entendimento de como este trabalho e a pesquisa que lhe deu origem se relacionam com esse instrumento. No Brasil, não há sustentação jurídica para o uso sistematizado dessa avaliação. Mesmo assim, um levantamento feito para esta pesquisa conta vinte e quatro casos em que a AAE foi aplicada. Não tendo sido por obrigação legal, esses vários estudos foram realizados por motivos distintos, entre os quais três se destacam: (i) como tentativa de facilitar o licenciamento de empreendimentos específicos; (ii) como condição imposta por uma agência multilateral de desenvolvimento – notadamente, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – para o financiamento de um programa público; (iii) como iniciativa de planejamento propriamente dita, antecipando um fenômeno iminente de alto potencial transformador de uma região. Naturalmente, a diversidade de situações e circunstâncias sob as quais os estudos de AAE vêm sendo realizados gera correspondente variabilidade na forma e no conteúdo de tais estudos. Disso vem a necessidade de uma análise metodológica comparativa, que mostre em que se aproximam ou se afastam os exemplos selecionados entre si, em que se aproximam ou se afastam do modelo da AIA, como são tratados no Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto processo decisório, entre outras questões; enfim, um diagnóstico de como é praticada a Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil. Quanto à escolha da técnica de pesquisa a ser empregada, a literatura normalmente a condiciona ao tipo de questão enfrentada, ao controle do pesquisador sobre os fenômenos e ao contexto temporal do objeto de estudo (Yin, 2010). No presente caso, a questão é do tipo “como”, ou seja, trata-se de analisar a maneira como se dá um processo; o controle do pesquisador sobre os eventos, no caso os estudos de AAE, é obviamente nulo; e esses estudos estão inseridos na realidade presente, e seu marco inicial é de menos de duas décadas atrás. Retomando Yin (2010), a escolha mais apropriada é, portanto, o uso da técnica de estudo de caso, que assume neste trabalho um caráter descritivo. A definição do número de casos a serem comparados e a sua seleção não são tarefas simples. O número deveria ser tal que compusesse uma amostra relativamente representativa, permitindo uma comparação ampla e rigorosa; ao mesmo tempo, o prazo de um ano definido para o trabalho em que se baseia este texto limitava essa quantidade. Desse modo, chegou-se a três como número desejável para a realização deste estudo. A seleção desses três exemplos partiu do intuito de maximizar a representatividade desse conjunto, tomando casos que exibissem em conjunto a variedade característica da prática da AAE no Brasil. Como indicadores dessa diversidade, foram adotados os propósitos aos quais a execução da AAE tivesse servido – facilitação de licenciamento, obtenção de financiamento externo, iniciativa de planejamento – e a autoria – uma vez que se constatou que esse é um fator de influência notável na forma como os estudos são conduzidos. Há ainda a dificuldade adicional de que nem todos os casos levantados possuem documentação eletronicamente disponível, algo que sem dúvida restringe o universo de escolhas viáveis. Do processo descrito no parágrafo anterior, veio a definição dos seguintes casos a serem analisados: 1 Programa Brasília Integrada1 (2005), iniciativa do Governo do Distrito Federal para promover melhorias no acesso e nos padrões de qualidade do transporte coletivo na capital federal; Programa Intermodal e Logístico Porto Sul2 (2008), conjunto de empreendimentos logísticos que tem seu carro-chefe na construção de um porto, nos arredores da cidade de Ilhéus (BA), para o escoamento da produção mineral baiana; Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral Paulista3 (2010), um olhar regional sobre os desdobramentos de dois iminentes e importantes Relatório disponível em: <http://www.st.df.gov.br/sites/100/167/00000390.PDF>. Acesso em 10/01/2012. Relatório disponível em: <http://www.inema.ba.gov.br/download/293/>, <http://www.inema.ba.gov.br/download/294/>, <http://www.inema.ba.gov.br/download/295/>. Acesso em 10/01/2012. 3 Relatório disponível em: <http://www.energia.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/231.pdf>, <http://www.energia.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/232.pdf>, <http://www.energia.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/233.pdf>, <http://www.energia.sp.gov.br/a2sitebox/arquivos/documentos/234.pdf>. Acesso em 10/01/2012. Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto drivers de transformação econômica – a produção de petróleo na Bacia de Santos e a expansão dos portos de Santos e São Sebastião. Mas como é feita a análise desses estudos, individual e comparativamente? Não existe a ideia clara de adequação às regras dada a ausência de sustentação jurídica da Avaliação Ambiental Estratégica. Assim, é imperativo recorrer à literatura internacional em busca de orientações de boas práticas que balizem o trabalho. Como base essencial, tomam destaque obras como as de Therivel (2004), Fischer (2007) e, especialmente, Partidário (2007) – além de inúmeros artigos sobre aspectos específicos. Já para o exame da qualidade dos estudos e sua posterior comparação – isto é, o núcleo desta pesquisa – emprega-se uma versão ligeiramente adaptada de um questionário extraído do documento Generic SEA quality review methodology, de Sadler e Dalal-Clayton (2010). Trata-se de um guia que, fracionando o exame em três partes, progressivamente mais complexas e mais sujeitas a incertezas, torna-o mais claro, preciso e útil. Além disso, vale comentar a também muito oportuna divisão de critérios que Jones et al (2005) estabeleceram para julgar a qualidade de estudos de AAE e que consiste em três grupos: os critérios de sistema, relativos ao contexto institucional em que a AAE se apoia; os critérios de processo, relacionados ao que se poderia chamar de “qualidade técnica” da avaliação; e os critérios de resultados, que procuram identificar a influência no processo decisório e no alcance de benefícios ambientais efetivos. A metodologia deste trabalho, que emprega a documentação produzida em cada um dos estudos como fonte essencial de informação, é especialmente adequada ao exame dos critérios de processo. A busca de informação adicional em meios variados e a comunicação com pessoas envolvidas em cada um dos casos4 estende até certo ponto a capacidade de opinar sobre os critérios de processo e de resultados. Assim, o presente estudo procura unir os detalhes técnicos e metodológicos às suas causas e efeitos processuais. Antes de passar às observações sobre cada caso e à sua análise comparativa, o questionário de Sadler e Dalal-Clayton (2010) merece uma explicação mais detalhada. Os três módulos de perguntas estão relacionados cada um a um conceito: o primeiro serve a verificar o cumprimento de requisitos formais e exigências legais, seja em termos de acordos internacionais, seja em termos da jurisdição local; o segundo avalia a qualidade técnica, a relevância no tratamento das questões, a adequação ao processo decisório, examinando componentes mais específicas da AAE (a definição do escopo, a elaboração de cenários alternativos, a análise ambiental detalhada, a participação pública, etc.); por fim, o terceiro módulo de questões compreende a contribuição da Avaliação, em curto, médio e longo prazo, para a tomada de decisão e para o alcance de benefícios ambientais significativos. É sempre importante ressaltar que o termo “ambiental” deve ser entendido, nesta situação, em sentido amplo, envolvendo tanto efeitos sobre o meio biofísico quanto sobre as relações humanas, isto é, o que seria possivelmente chamado de impacto social. Afinal, não poderia ser assumir caráter dito “estratégico” um processo que não levasse em conta pontos econômicos e sociais na comparação de cenários. 4 Umberto Filho (1), Heliana Vilela (2), Madalena Los e Claudia Paley (3). Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto Análise dos casos selecionados Passando à própria análise dos casos, pode-se fazê-la segundo uma ordem cronológica relacionada ao início de cada processo; por esse único motivo, a sequência de observações é: Programa Brasília Integrada; Programa Intermodal e Logístico Porto Sul; Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral Paulista. A AAE do Programa Brasília Integrada tem características que são mais bem compreendidas de posse do contexto em que se inseriu um estudo. Tratou-se de condição imposta pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento ao financiamento desse programa de modernização do transporte coletivo da capital federal e das cidades adjacentes. Em outras palavras, o programa foi inicialmente concebido, proposto e apenas então a avaliação ambiental foi incorporada. Por isso mesmo, embora tenha sido produzida uma série de documentos, o Plano de Gestão Ambiental e Social é o que de mais relevante há sobre esse caso, reunindo propostas que abrangem desde medidas mitigadoras e de controle de poluição até rearranjos organizacionais e capacitação profissional. De certa forma, o PGAS se baseia nos moldes do Plano Básico Ambiental exigido no licenciamento de projetos; seu caráter mais amplo vem da própria amplitude do programa que se refere. Tem-se nesse caso uma dualidade: por um lado, o contexto em que a AAE se insere e a forma como é feita aproximam-na da Avaliação de Impacto Ambiental; por outro, inclui propostas institucionais, planeja a alocação de recursos e assim acaba tornando-se quase “centrada em instituições” (institution-centered, na denominação de Sadler e DalalClayton (2010)), algo inovador no planejamento ambiental brasileiro. Quanto à participação social, a identificação dos principais grupos afetados – cobradores de ônibus e vendedores ambulantes – acompanhada do delineamento de medidas a eles destinadas não trouxe consigo a inclusão dessas classes em um processo participativo de deliberação, ou pelo menos não há nenhum indício de que o tenha feito. O Programa Intermodal e Logístico Porto Sul tem outras circunstâncias envolvendo sua AAE. Em primeiro lugar, note-se que o estudo foi encomendado ao Laboratório Interdisciplinar de Meio Ambiente do COPPE/UFRJ – instituição responsável por diversos trabalhos notáveis, e que reúne pesquisadores que são referência internacional – com a aparente finalidade de viabilizar o licenciamento de um grande empreendimento (mais que um “programa” propriamente dito. A primeira tentativa foi malograda, e o licenciamento, negado, mas a intenção de construir essa via de escoamento da produção mineral baiana persiste5. O que isso indica é algo que transparece na submissão do estudo ao questionário de Sadler e Dalal-Clayton (2010): a qualidade e o rigor técnico – empregando uma metodologia que se assemelha a uma versão sofisticada daquela descrita em Partidário (2007) – não compensam a absoluta falta de caráter estratégico e a imposição prévia e inquestionável de pontos fundamentais dos projetos. O resultado é a construção de um cenário que contorne ou atenue os efeitos danosos que o programa teria se fosse feito como originalmente concebido. A falta de “sustentabilidade” vem ainda da completa falta de participação 5 No momento de redação deste texto (agosto de 2012), novo pedido de licenciamento, prevendo outra localização para o porto, encontrava-se em análise no Ibama, já tendo sido realizadas audiências públicas. Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto social na construção do programa, e na aparente confusão entre interesses de uma empresa privada e os do governo do Estado. Já a Dimensão Portuária, Industrial, Naval e Offshore do Litoral Paulista representa algo diferente. Se André, Delisle e Revéret (2003) assumiam a existência de avaliações de caráter setorial e regional, sem dúvida esse caso está mais próximo do segundo grupo, ainda que as transformações relatadas venham essencialmente de dois drivers setoriais – a produção de petróleo na Bacia de Santos e a expansão física dos portos de Santos e São Sebastião. Trata-se verdadeiramente de uma iniciativa de planejamento, que, inclusive por empregar uma metodologia explicitamente baseada em Partidário (2007), poderia ser bastante bem-sucedida se pudesse ser adequadamente integrada a outros instrumentos empregados no Estado de São Paulo, como o Zoneamento Ecológico Econômico e os planos setoriais, aos quais o relatório final faz referência. Isso não ocorre, e o resultado é um conjunto de informações bastante relevante, mas sem qualquer conexão bem estabelecida com os processos decisórios. A participação social foi inevitavelmente fraca: resumiu-se à coleta de contribuições via e-mail de sugestões do “público” sobre o relatório final já pronto. Feitas essas observações sobre cada um dos exemplos estudados – observações essas corroboradas direta ou indiretamente pela aplicação do questionário de Sadler e Dalal-Clayton (2010) – é oportuno tecer considerações sobre o que os une e em que eles diferem uns dos outros. Em primeiro lugar, o estudo dos casos indica que, enquanto a finalidade, a forma e a metodologia são pontos em que se distinguem, o conceito metodológico é um ponto de convergência. Isso porque, embora em dois casos – Porto Sul e Litoral Paulista – haja constante referência ao modelo de Partidário (2007), especialmente aos seus Fatores Críticos para a Decisão, é visível que o seu caráter estratégico resta enfraquecido e os três casos estão entre a previsão de impactos e a elaboração de medidas mitigadoras, o que a mesma autora denomina conceito controle (Partidário, 2010). No mais, as duas fraquezas fundamentais que os exemplos tomados partilham são: a ausência de comparação de opções estratégicas abrangentes e a falta de participação social organizada e efetiva. A elas seriam somados os deficientes – para não dizer praticamente inexistentes – procedimentos de acompanhamento, o “pós-AAE”, se o Programa Brasília Integrada não tivesse lidado explícita e cautelosamente com essa questão. Conclusão O apontamento das dificuldades e mesmo das deficiências nos estudos de Avaliação Ambiental Estratégica selecionados deve situá-los cada qual no seu contexto processual, que em todos os casos influenciou de maneira significativa a sua eficácia. Além disso, todos os casos – e não apenas aqueles ora estudados – possuem, individualmente e em conjunto, a virtude de promover um olhar mais amplo sobre as questões ambientais do que é a praxe no planejamento, e trabalhar na proposição de ações que as levem em conta nesse âmbito, nesse porte. O otimismo que por vezes permeia o discurso em relação às potencialidades da AAE no Brasil, de que a prática se “acertará” com o tempo, não encontra respaldo neste trabalho. Pelo contrário, observa-se a frequente distorção dos conceitos originais que definem a Avaliação Ambiental Estratégica, como se pode depreender das análises. Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto Entretanto, em um mundo que enfrenta desafios cruciais em termos de crise ambiental e desigualdade social e no qual as fronteiras entre governo, mercado e sociedade se tornam menos nítidas, (Abramovay, 2012), há a urgente necessidade do reforço desse caráter “estratégico” negligenciado, que apenas virá com a afirmação contundente desse instrumento que pode trazer avanços notáveis ao planejamento ambiental e aos processos decisórios – especialmente, embora não apenas – governamentais. Este trabalho foi recebido pela Comissão Cientifica e pertence aos anais do Congresso. O conteúdo do trabalho é de inteira responsabilidade do autor. 2ª Conferência da REDE de Língua Portuguesa de Avaliação de Impactos 1° Congresso Brasileiro de Avaliação de Impacto cccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Associação Brasileira de Avaliação de Impacto Referências ABRAMOVAY, R. Muito além da economia verde. São Paulo: Abril, 2012. ANDRÉ, P.; DELISLE, C.; REVÉRET, J. L’évaluation des impacts sur l’environnement: processus, acteurs et pratique pour un développement durable. Québec: École Polytchnique de Montréal, 2003. DALAL-CLAYTON, B.; SADLER, B. Strategic Environmental Assessment: a sourcebook and reference book to international experience. Londres: Earthscan, 2005. EGLER, P. C. G. Perspectivas de uso no Brasil do processo de avaliação ambiental estratégica. Parcerias Estratégicas, nº 11, p. 175-190, 2001. FISCHER, T. B. The theory and practice of Strategic Environmental Assessment: towards a more systematic approach. Londres: Earthscan, 2007. 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