Saúde ou doença: em qual lado você está - Polícia Civil
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Saúde ou doença: em qual lado você está - Polícia Civil
Racismo e Discriminação: é preciso combatê-los! INTRODUÇÃO O Racismo, que está vinculado à idéia da existência de raças puras ou “superiores” e raças “inferiores”, bem como as ações discriminatórias, fruto da intolerância que causam constrangimentos desumanos e segregam cidadãos social e economicamente desfavorecidos, estão presentes de forma incontestável e incômoda no Brasil. É indiscutível que participamos de uma sociedade em desenvolvimento, com suas dificuldades relacionadas à educação, à saúde, justiça social, segurança pública, entre outras. E, nesse estágio, nítido se constata o desequilíbrio social, fomentado por condutas contrárias aos ditames constitucionais que pregam a igualdade entre os homens. Os comportamentos motivados por condutas discriminatórias que afastam, segregam e em nada contribuem para que avancemos no processo de desenvolvimento sócio-político-cultural, estão presentes e em determinadas camadas sociais são impostas aos desfavorecidos que, desinformados de seus direitos, passam a suportar o pesado fardo de integrar o grupo da minoria segregada. Distante desse quadro, constatamos o avanço de um “apartheid social”, criando barreiras não apenas sociais, mas também morais e éticas. É necessário preservar o objetivo republicano, consagrado em nossa constituição federal: a promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 2 1. Preconceito, Discriminação e Racismo (Definições) 1.1 - Preconceito Para Ferreira (2000. p. 578) “é o conceito ou opinião formados antecipadamente, sem se levar em conta o fato que os conteste, se de intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões etc. “ Vincula-se a uma opinião pessoal, decorrente de critérios assimilados ao longo do tempo, seja através de um conhecimento prático ou teórico. Pode ser bom ou mau e as pessoas estão passíveis de mantê-los consigo. Essa é também a opinião de Silva (1994), que empresta de Marie Jahoda o significado de preconceito, esclarecendo que este “é (...) um sentimento, e mesmo uma atitude em relação a uma raça ou a um povo, decorrente da internalização de crenças racistas”. 1.2 - Discriminação É a exteriorização do preconceito ou, como quer Silva, Genofre e Lavoreti (2004, p.286), “Discriminação é o preconceito em ação”. No seu artigo 1º, a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1966, trás o conceito de discriminação: ...qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor descendência ou origem nacional ou étnica que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública. 3 As ações discriminatórias ocorrem a todo momento e, entre algumas causas, podemos citar a falta de respeito às diferenças entre pessoas. Segundo Ianni (1978) os índios e os negros foram as grandes vítimas (dessa falta de respeito) na fase de formação do povo brasileiro. Guimarães (1975, p. 3) ressalta que esses “eram considerados coisas e podiam ser vendidos, como parte da terra, e os judeus, segregados, por leis que tinham até o respaldo divino”. Perdurando em pleno século XXI em nosso país, qual a justificativa? O brasilíndio como o afro-brasileiro existiam numa terra de ninguém, etnicamente falando, e é a partir dessa carência essencial, para livrar-se na ninguendade de não-índios, nãoeuropeus e não-negros, que eles se vêm forçados a criar a sua própria identidade étnica: a brasileira (RIBEIRO, 2004, p. 131). 1.3 – Racismo Em entrevista concedida ao “Portal do Voluntariado”, o jornalista e advogado, criador da ONG ABC SEM RACISMO e a AFROPRESS, ao ser questionado sobre o significado do termo, assim o definiu: O racismo do mesmo modo que o anti-semitismo, a xenofobia e o chauvinismo, é um fenômeno histórico que hierarquiza os grupos humanos. As diferenças culturais e/ ou de cor da pele são usadas para justificar e atribuir desníveis intelectuais e morais aos seres humanos (VIERA, 2006) Num país em que o povo é o resultado de uma miscigenação, predominando a cor negra e parda, chega a ser uma contradição que os brasileiros de pele branca ocupem os melhores patamares na escala social. As manifestações racistas são dissimuladas e há uma freqüente negação a elas quando, ao contrário, deveriam ser aceitas como realidade para que se 4 chegasse a melhor forma de combatê-las e dissipá-las. Um exemplo dessa dominação pode ser observada no fato de que o Brasil jamais teve um diplomata negro e no atual Governo (Inácio Lula) o seu ministério conta com apenas um representante da nossa afro descendência, de pele negra. O racismo não é uma teoria científica, mas um conjunto de opiniões pré concebidas onde a principal função é valorizar as diferenças biológicas entre os seres humanos, em que alguns acreditam ser superiores aos outros de acordo com sua matriz racial. (Wikipedia. 2006). Já para Soares (1990, p.125), “Racismo é uma teoria que estabelece que certos povos ou nações sejam dotados de qualidades psíquicas e biológicas que os tornam superiores a outros seres humanos”. Concluímos que as concepções racistas são utilizadas para justificar a exploração de determinados grupos, muitas vezes minorias, sobre outros, impondo-lhes um julgo desigual e a subserviência é parte de um equívoco que dificulta a conquista de atingirmos o nível de uma sociedade evoluída e igualitária, considerando a inexistência de raças puras ou superiores no mundo. 2. GARANTIA CONSTITUCIONAL E A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS IREITOS HUMANOS A Constituição Federal de 1988, denominada “Cidadã”, consagrou os princípios de igualdade, liberdade e fraternidade. No artigo 5.º, encontramos: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade... 5 O artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos preconiza: Todos nascem livres e iguais em direitos e dignidade e que sendo dotados de consciência e razão devem agir de forma fraterna em relação aos outros. Quando o assunto converge para Racismo e Discriminação, imediatamente relacionamos à questão de cor. No entanto, o campo é mais amplo, incluindo etnia, raça, religião e procedência nacional. Somos uma nação de inegável mistura de raças. A população brasileira formou-se a partir de três grupos étnicos básicos: o índio, o branco e o negro e esses grupos trouxeram para o Brasil suas histórias, culturas, costumes e religiões. Segundo os historiadores, a miscigenação ocorreu inicialmente entre índios e portugueses. Ampliando-se com a chegada dos africanos, italianos, espanhóis, alemães, holandeses poloneses e japoneses. No censo de 2000, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD/IBGE, mais de 45,3% da população nacional era constituída por negros e pardos, ou por afro-brasileiros, em uma população de 179 milhões de habitantes, no entanto, o caminho rumo a uma sociedade livre, justa, igualitária e cidadã, ainda é tortuoso e indefinido, fazendo-se necessário um processo de correção de valores. 3. A EDIÇÃO DA LEI DE PROTEÇÃO ÀS MINORIAS DISCRIMINADAS 3.1. A Lei 7.716/89 – “Lei Anti-Racismo” Considerando que a Constituição Federal vigente, chamada de “redentora”, definiu em seu artigo 5º, XLII que também 6 “A prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, em 5 de janeiro de 1989, foi editada a Lei 7.716 definindo os crimes resultantes de preconceito (entendemos que o termo mais apropriado seria “discriminação”) de raça ou de cor. Ficou conhecida como “Lei Anti-Racismo”. Mal redigida, deixou margem para que seus artigos tivessem as mais diversas interpretações e fez referência apenas àquelas condutas praticadas em razão da raça ou da cor do cidadão. Assim foi redigido seu artigo 1º: Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor. 3.2 – Alterações na lei 7.716/89 De 1989 até 1997, por força de reivindicações e necessidade de melhor adequação do diploma legal à realidade social, foram editadas as leis: • Lei nº 8.081, em 21 de setembro de 1990 A alteração consistiu no acréscimo do artigo 20 na lei 7.716/87, cuja redação tornou criminosa ação de quem: “Praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, por religião, etnia ou procedência nacional”. • Lei nº 8.882, em 3 de junho de 1994 Com o objetivo de reprimir as manifestações anti-semitas, esta lei acrescentou o parágrafo 1º ao mesmo artigo 20, penalizando condutas assim definidas: 7 “Incorre na mesma pena quem fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”. • Lei nº 9.459, de 13 de maio de 1997. Nesta lei foram realizadas alterações nos artigos 1º e 20 da lei 7.716/89 e acréscimo de parágrafo no art. 140 do Código Penal Brasileiro, revogando-se o artigo 1º da lei 8.081/90 e totalmente a lei 8.882/94, passando a vigorar com a seguinte redação: Artigo 1º: Serão punidos, na forma desta Lei os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Artigo 20: Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. § 1º: Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fim de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 2º: Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:Pena reclusão de dois a cinco anos e multa. Quanto ao artigo 140 d0 Código Penal Brasileiro, que descreve o crime de Injúria, nessa nova edição de lei o parágrafo incluído passou a definir um novo tipo penal : a Injuria Qualificada: § 3º: Se a injúria consiste na utilização de elementos 8 referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem.Pena: reclusão de um a três anos e multa." 3.3 - Indivíduos ou grupos previstos na lei específica Após o descobrimento do Brasil uma diversidade lingüística, cultural e religiosa, compôs um novo tipo de habitante na vasta terra e hoje fazemos parte de uma sociedade com contrastes de todo gênero e natureza. Movido por essa consciência,(do amplo leque de discriminações que se instalou e perdura século após século) o legislador procurou revestir de proteção uma cidadania discriminada, que recebe tratamento diferenciado independente de sua capacidade produtiva. em todo lugar e a todo momento, atitudes de preconceito e de discriminação acontecem. Mas as pessoas fingem não ver e preferem não discutir esse fato. As conversas sobre o assunto são evitadas. No Brasil é comum ouvir-se: Aqui não temos esse tipo de problema! Brancos, índios e negros vivem na mais perfeita harmonia! (Valente. 1994, p.07). Assim, é importante ressaltar que a lei anti-racismo, com suas alterações, trata de grupos específicos, discriminados em razão de sua: • Raça, • Cor, • Etnia, • Procedência nacional e • Opção religiosa. Quanto aos homossexuais, os portadores de deformidade física e doenças contagiosas ou os desfavorecidos na escala social, são alguns grupos que, quando discriminados, não terão ao seu alcance esta lei para ampará-los. 9 Já as discriminações contra idosos, deficientes físicos e a mulher, são tratadas em leis específicas, não se aplicando a lei “antiracismo” 4. Comentários sobre os grupos discriminados É importante observar que cada grupo definido na lei em análise apresenta suas peculiaridades, que devem ser observadas para melhor compreensão dos objetivos da lei. São eles: 4.1 - Discriminados em razão da Cor Apesar da nossa mistura de raças, são perceptíveis as desigualdades social e econômica existentes entre o cidadão brasileiro de cor negra e aquele de cor branca, segundo dados inseridos no último Censo de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). No Censo de 1980, os brasileiros não-brancos, recusando a aceitar a cor de sua pele, atribuíram-se 136 definições de cor, como por exemplo: azul marinho, branca queimada, morena bem chegada, tostada, morena trigueira etc, constatando-se a existência do sentimento de exclusão social e o racismo anti-negros. Na década de 80, uma fotografia estampada na capa do "Jornal do Brasil", em sua edição de 29/09/82, mostrou a presença forte dessa discriminação. Em uma “batida” em um dos Morros da cidade do Rio de Janeiro, sete negros detidos pela policia, foram amarrados com cordas atadas ao pescoço, como nos velhos tempos da escravidão, quando homens eram tratados como coisas ou animais. Na fotografia de Luis Morier, é inegável a 10 forte rejeição à nossa afro-descendência. A fotografia impressiona também pela condição do policial que subjuga os negros: trata-se de um mestiço! Disponível em: www.facom.ufba.br/etnomidia/acor.html Duas décadas mais tarde, já em vigor a lei Anti-Racismo, causou polêmica e protestos de ONG’s e das outras entidades de proteção aos direitos do negro, campanhas publicitárias de uma empresa de confecções, produzidas pelo fotógrafo Olivero Toscani, que se justificou dizendo que suas mensagens teriam apenas o propósito de abordar temas controvertidos, como o preconceito de cor. Na foto 1 duas crianças de cor branca e negra aparecem juntas. O detalhe que chamou atenção é o penteado da menina negra, que se assemelha a um par de “chifres”, induzindo a um simbolismo do mal. Na foto 2 uma mulher de pele negra, com os seios a mostra, alimenta uma bebê de pele branca. Para aqueles que protestaram, o significado era relembrar o papel que a mulher negra desempenhou por muito tempo na sociedade escravagista: a de “mucama”. 11 Foto 1 Foto 2 Disponíveis em: http: www.google.com.br/imagens racismo É importante ressaltar que a discriminação em razão da cor ocorre com maior freqüência contra àquelas pessoas de cor negra, no entanto, não é exclusividade, considerando que qualquer cidadão de pele branca ou amarela, também pode vir a ser vítima de condutas discriminatórias, que tenham o propósito de impedir que estes sejam tratados com igualdade no meio social. 4.2 - Discriminados em razão da raça O conceito de raças humanas foi usado pelos regimes coloniais e pelo apartheid (na África do Sul), para perpetuar a submissão dos colonizados (ou da maioria negra, mas sem recursos); actualmente, só nos Estados Unidos se usa uma classificação da sua população em raças, alegadamente para proteger os direitos das minorias (wikipedia) Autores que afirmam que não há um significado exato para a palavra “Raça” e nem está relacionada diretamente ao significado de “Racismo”. 12 Mitchell e Jord (2006) chamam atenção para o fato de que “Raça não pode ser confundida com nacionalidade (lugar de nascimento), herança lingüística e religião”. Para outro autor, a definição mais adequada para o assunto consistiria no seguinte: Preconceito racial é uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência que se lhes atribui ou reconhece (NOGUEIRA, 1955, p. 78-79). A lei tem como objetivo tornar passível de censura penal todas as manifestações discriminatórias que atentem contra o tratamento distinto a determinados grupos de pessoas, entendido como grupo racial. Em 1989, o brasileiro, escritor e editor de livros Siegfried Ellweanger, sócio diretor da Revisão Editora Ltda., localizada em Porto Alegre, editou, distribuiu e vendeu diversas obras de autores estrangeiros e nacionais, com conteúdo nitidamente anti-semita. Seguindo a mesma linha, também escreveu um livro com o título “Holocausto Judeu ou Alemão- Nos bastidores da mentira do Século”. O Movimento Popular Anti-Racismo (Mopar), integrado pelo “Movimento Negro”, “Movimento Judeu Independente” e “Movimento de Justiça e Direitos Humanos”, encaminhou ao Ministério Público peça processual para que Ellweanger fosse processado por crime previsto na Lei Anti-Racismo. Condenado, o acusado recorreu judicialmente e em uma das últimas decisões contrárias ao pedido de inocência, assim se manifestou o Ministro Jorge Scartezzini: Em uma linguagem técnica - científico - jurídica, o legislador constituinte teve a intenção de não só punir o 13 preconceito decorrente das diferenças de raça, mas também aqueles oriundos das desigualdades relacionadas à etnia ou a grupos nacionais. (STJ: 2000/0131351-7-HC 15155). 4.3 Discriminados em razão da Etnia Etnia na definição de Ferreira, “é um grupo biológico e culturalmente homogêneo”, ou seja, características e valores culturais e sociais tornam um grupo de pessoas distinto de outros, como por exemplo, os índios. Seria, em vão, identificar um grupo étnico, se recorrêssemos aos traços culturais que ele exibe: língua, religião, instituições, técnicas e etc. Nem sequer poderíamos afirmar que um povo qualquer é o mesmo grupo que seus antepassados. Vivemos num processo de constantes mudanças, causadas pelas circunstâncias naturais e pela interação social com outros grupos. A cultura, nestas condições passa a ser o produto de determinado grupo e não o contrário (CUNHA, 1986, p. 15) As minorias mais atingidas pela discriminação em razão de sua formação étnica são os índios. Irônico, considerando que estes foram os primeiros habitante de uma terra posteriormente chamada Brasil. Os silvícolas viviam em sociedade organizada segundo suas tradições e costumes. Com a invasão portuguesa, inicialmente os historiadores descrevem o violento processo de desestruturação de sua identidade étnica. Além de verem suas terras ocupadas por povos desconhecidos, passaram a ser usados como instrumento de trabalho, tratados como “coisas” e marcados a ferro e fogo com as siglas SJ, que significavam “sem direito”. As mulheres eram tomadas para servir à lascívia dos “novos donos da terra” e contaminadas por doenças sexualmente transmissíveis, além das outras doenças para as quais se encontravam vulneráveis como: gripe, tuberculose, e sarampo. 14 Na segunda metade do séc. XX, foi nascendo um movimento indigenista, reposta à revolta indígena contra toda sorte de invasões... Tal movimento prega o reconhecimento das terras, tradição, educação de resgate, saúde sem discriminação... uma resposta aos índios que desejam demarcação e desintrusão das terras, proteção contra as invasões, e indenizações pelas arbitrariedades já cometidas. (TEIXEIRA, 2006). Em 1973 foi editado o Estatuto do Índio – Lei 6.001 – como meio de proteção e preservação da cultura indígena. Em 1988 a Constituição Federal dedicou um capitulo específico sobre o direito dos índios, reconheceu seus direitos e o pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos consagrou em seu artigo 27 que: Nos Estados em que haja minorias étnicas, religiosas ou lingüísticas, as pessoas pertencentes a essas minorias não poderão ser privadas do direito de ter, conjuntamente com outros membros de seu grupo, sua própria vida cultural, de professar e praticar sua própria religião e usar sua própria língua. No entanto, essas medidas não têm impedido a segregação desses irmãos, considerando as constantes formas de discriminação, entre as quais citamos a questão de sua cidadania: para ter capacidade plena e exercer seus direitos políticos, ao índio é exigido passar por um processo de civilização, caso contrario, não poderá, por exemplo, assumir um cargo no serviço público. 4.4 - Discriminados em Razão de opção Religiosa Como parte do processo de civilização e colonização, os jesuítas trouxeram para o Brasil os dogmas do catolicismo, instituindo-o como religião oficial. Com a chegada dos africanos e de outros povos, credos e 15 cultos passaram a ser professados, mantendo-se até os dias atuais como o protestantismo, o candomblé, o budismo, entre outras. Em 1824, publicada a primeira Constituição brasileira, a religião católica apostólica romana veio instituída como a religião oficial do Estado. As demais religiões poderiam ser professadas, desde que suas reuniões ocorressem em forma de cultos domésticos ou particular, não se permitindo a realização em templos especialmente destinados para esse fim. Com o advento da República, a Constituição de 1891, em respeito a preservação de crenças e cultos, assegurou que as religiões passariam a ser livremente cultuadas, considerando o valor que cada cidadão confere a sua fé. Em 1988, A Constituição Federal, em seu artigo 5º, VI manteve a liberdade de culto, dando nova redação a essa garantia: é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; É claro que por motivos de crença religiosa, ninguém poderá eximir-se do cumprimento de uma obrigação prevista em lei, mas poderá optar por uma prestação alternativa. É o caso do cidadão que professa a religião adventista que preserva os sábados. Ocorrendo, por exemplo, eleições nesse dia, ele não estará obrigado a votar, no entanto, deverá justificar essa situação ou pagar a multa devida nesses casos. Em 2005, a imprensa divulgou a condenação da TV Record e Rede Mulher por discriminação contra religiões afro-brasileiras. A decisão da juíza Marisa Cláudia Gonçalves Cucio, da 5ª Vara Federal Cível de São Paulo, alcançou a União Federal - como concedente dos canais televisivos. Para a magistrada, em seu parecer, “houve ataque às religiões de origem africana e às pessoas que as praticam ou que delas são adeptas... 16 Foram identificados ataques à religião com o intuito de menosprezar quem as pratica (referidos como bruxos, feiticeiros, pais de encosto)” 4.5 - Discriminados em Razão Procedência Nacional Segundo Accioli (1980, p. 70-71) “Nacionais são as pessoas submetidas à direta autoridade de um Estado que lhes reconhece os direitos civis e políticos, ofertando-lhes proteção, inclusiva para além de suas fronteiras”. O texto da lei maior, em seu artigo 5º assim define: Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O texto constitucional não deixa margens para qualquer dúvida de que o Brasil aderiu ao Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos, incluindo a proteção de Refugiados, que é referida logo nos Princípios das Relações Internacionais brasileiras, no Art. 4º, onde se insere o Asilo (X) e a prevalência dos Direitos Humanos (II). Em cada região do extenso território brasileiro, são ostensivas as posições preconceituosas entre cidadãos brasileiros, assim como contra o estrangeiro ou seus descendentes. Recentemente um comercial de um tipo de sandália de borracha fabricada no Brasil, foi ao ar. A situação ocorre da seguinte forma: em um aeroporto internacional um casal tenta obter informações sobre locação de veículos e têm como ponto de referência pessoas 17 que usavam esse tipo de sandália. O casal tem dificuldades de se comunicar na língua portuguesa. Finalmente uma moça responde na mesma língua ao cumprimento, no entanto, ao ser-lhe solicitada a informação, com forte sotaque nordestino responde: “Sei não!”. Eis uma imagem que revela toda uma carga de preconceito. Outro exemplo (publicado em edição de “pedra da gazeta” ) foi o caso do escritor brasileiro Ulisses Iarochinski, residente no Sul do Brasil, que recebeu severas críticas e foi vítima de agressão física na sua noite de autógrafos no lançamento do seu livro “Saga dos Polacos – A História da Polônia e seus emigrantes no Brasil” . O termo “Polaco” nessa região, na qual há uma grande concentração de brasileiros descendentes de imigrantes da Polônia, sofre há pelo menos 85 anos, campanha sistemática pela sua eliminação da língua falada no país. E ainda contamos com a reportagem de Gusmão (2006) publicada na edição de 29.01.2006, do jornal paraense “O Diário do Pará” que reproduziu matéria publicada pelos periódicos “A Crítica” e “Diário do Amazonas”, sobre um homicídio motivado por questões preconceituosas: uma brincadeira de mau gosto há anos se instalou em Manaus: chamar, de forma pejorativa, um amazonense de “paraense” é um insulto. Por esse motivo, o pedreiro Aldemir Picanço matou com quatro tiros Gilson Marques Sales, de 25 anos (ambos amazonenses), como reação a “agressão verbal” proferida de seu colega. 5. A injúria Qualificada Diferente da lei anti-racismo, o crime de “Injúria qualificada” acrescentada em um parágrafo do artigo 140 do Código Penal, é identificado quando a pessoa vê sua honra e dignidade ultrajadas pela discriminação. Atinge a honra subjetiva do indivíduo que, em julgado de alçada criminal de S.P., assim foi definida: “a honra subjetiva, objeto da injúria, é o sentimento próprio sobre os atributos físicos, morais e intelectuais de cada pessoa” 18 Prevê pena de reclusão de um a três anos e multa "se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem". 6. Racismo e Injúria Qual a diferença entre o crime previsto na lei anti-racismo e o crime de Injuria Qualificada prevista no Código Penal Brasileiro? É simples! Ambos têm em comum ofensas relacionadas à raça, cor, etnia, religião, origem ou procedência nacional, mas no 1º caso (crime previsto na lei 7.716/89) a conduta discriminatória é realizada com a intenção de segregar, apartar um grupo social (previsto nessa lei), sem individualizar A ou B. Ex: Tramita na Justiça de Brasília um processo contra o estudante MVSM, denunciado pelo Ministério Público por ter postado mensagens ofensivas e agressivas aos negros no site de relacionamentos Orkut, em uma comunidade que debatia as cotas para negros nas universidades federais. Na comunidade, em três mensagens, o estudante chama os negros de "macacos burros", "subdesenvolvidos", "urubus" e "ladrões” (matéria sob o título “Racismo na internet chega à Justiça”, publicada no jornal “O Estadão”. Fev. 2006) No 2º caso, ocorrerá o crime de Injúria qualificada quando a ofensa chega com o propósito de atacar a honra de pessoa determinada, causando-lhe desrespeito aos seus atributos físicos, morais ou intelectuais. São utilizando termos pejorativos, insultos ou qualquer outra forma de expressar o desprezo a uma pessoa em razão de sua raça, cor, etnia, religião, origem. 19 Um dos casos mais marcantes e que serve para exemplificar esse tipo penal, foi protagonizado na noite de 13 de abril de 2005. Durante uma partida de futebol o jogador argentino Desábato, dirigiu-se a um jogador brasileiro negro, de codinome “Grafite”, chamando-o de “negro” e, conforme amplamente divulgado nas manchetes de jornais, completou a ofensa com um termo chulo. Houve a prisão em flagrante delito e só após o recolhimento da fiança arbitrada pelo juiz, o ofensor pode deixar a Delegacia para a qual foi conduzido. Fotos:http://multimidia.terra.com.br/esportes/esportestv/interna/0,,OI53026EI1038,00.html Para melhor visualização das distinções entre essas condutas delituosas, demonstramos no quadro abaixo: Lei Anti-Racismo Injuria Qualificada Pena: Reclusão de 2 a 5 anos Pena: Reclusão de 1 a 3anos Inafiançável e Imprescritível Afiançável e Prescritível Importa numa segregação de direitos. Importa numa qualificação negativa, um adjetivo negativo. Ex impedir uma pessoa de freqüentar clube, igreja ou outros lugares públicos ou abertos ao público por ser negra, branca, judia, árabe etc Ex: com dolo de injuriar, chamar a pessoa negra de "macaco". 20 “Assim, chamar alguém de ‘negro’, ‘preto’, ‘pretão’, ‘negrão’, ‘turco’, ‘africano’, ‘judeu’, ‘baiano’, ‘japa’ etc., desde que com vontade de lhe ofender a honra subjetiva relacionada com cor, religião, raça, etnia ou origem, sujeita o autor a uma pena mínima de um ano de reclusão, além de multa" (Código Penal anotado, p. 437) 7. Algumas condutas previstas como criminosas Os crimes previstos na lei anti-racismo ocorrem quando um cidadão, brasileiro ou estrangeiro, é impedido de fazer, de estar ou realizar algo devido à cor de sua pele, sua raça, etnia, opção religiosa ou procedência nacional. Nos vinte artigos da lei 7.716/87 (com suas alterações), encontramos na maioria os verbos IMPEDIR, OBSTAR E NEGAR, exceto naqueles artigos específicos como o contido no Art 20. § 1º (ver Cap. II, item 1.2 ). Alguns exemplos: em razão da procedência nacional, impedir o acesso de nordestinos pelas entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores. Impedir o casamento ou convivência familiar e social de pessoas que professem religiões diferentes. Impedir ou recusar a hospedagem a uma pessoa, por essa pertencer a uma tribo indígena. Negar emprego em empresa privada, dispondo de vaga, a um cidadão de cor negra. Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de um aluno, filho de judeus, pelo entendimento de que se trata de uma raça impura, em estabelecimento de ensino público ou privado de qualquer grau. 21 • CONCLUSÃO Faz-se necessário despertar a consciência ética e moral do cidadão, principalmente aquele que optou em participar diretamente do Sistema de Segurança Pública e Defesa Social, corrigido valores e criando condições para que esse servidor possa agir com eficiência, através do conhecimento, em defesa dos direitos humanos e acatamento às leis de repressão às manifestações racistas e discriminatórias, para que transformações profundas ocorram no seio de uma sociedade democrática. 22 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACCIOLI, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 1980. BRASIL. Constituição, 1988. BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. BRASIL. Lei nº 8.081, em 21 de setembro de 1990. BRASIL. Lei nº 8.882, em 3 de junho de 1994. BRASIL. 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