problematizações sobre como as mulheres são representadas em
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PROBLEMATIZAÇÕES SOBRE COMO AS MULHERES SÃO REPRESENTADAS EM REVISTAS MASCULINAS Marcela Pastana1 Ana Cláudia Bortolozzi Maia INTRODUÇÃO O aprendizado sobre a sexualidade é um processo contínuo que se dá desde a infância por meio das mais diversas instâncias como a família, a escola, o círculo social, os meios de comunicação. Neste processo está envolvido o aprendizado sobre o corpo, o desejo, o prazer, os relacionamentos, a masculinidade, a feminilidade; aprendizagem permeada por regras, modelos e padrões, transmitidos e incorporados, tanto de forma explícita, quanto implícita e sutil (LOURO, 2003; MAIA, 2010; MEYER, 2009). Chauí, Kehl e Werebe (1981) discutem a idéia comum de que atualmente há mais “liberdade sexual”, principalmente pelo fato de que conteúdos, imagens, mensagens sobre sexo, corpo e erotismo permeiam o nosso cotidiano, principalmente por meio da constante exposição nas diversas mídias. O fato de que atualmente sexo é um assunto muito falado, mostrado, discutido, escrito, exposto através de imagens, dicas, conselhos, notícias, depoimentos, polêmicas, pode muitas vezes ocultar os elementos repressivos da nossa compreensão da sexualidade hoje. Falar tanto sobre o assunto não significa necessariamente uma compreensão mais ampla e abrangente da sexualidade em sua diversidade, em seus aspectos múltiplos e plurais. A forma como o assunto é abordado, pode, muitas vezes, restringir as possibilidades de reflexão, do pensamento crítico, de escolhas feitas com autonomia no campo 1 Universidade Estadual Paulista- UNESP- Campus de Araraquara. Programa de Pós Graduação em Educação Escolar na Linha Sexualidade, Cultura e Educação Sexual. Grupo de Estudos e Pesquisa em Sexualidade, Educação e Cultura- GEPSEC. Financiamento: Bolsa CNPQ. Email: [email protected] 1 da sexualidade. Para pensar a sexualidade é importante considerarmos como a compreensão desta é atravessada pelos padrões de gênero. Uma representação predominante atualmente que é importante ser desconstruída é a do desejo sexual masculino como naturalmente impulsivo, forte, intenso, que resiste a ser contido e controlado. Esta compreensão, frequente no senso comum, mas também presente em discursos científicos, inclusive em campanhas preventivas (MEYER et. al., 2004), tem como um dos efeitos a atribuição às meninas e mulheres da responsabilidade pelo cuidado com a prevenção, já que os parceiros teriam “essencialmente” um impulso incontrolável. Outro padrão presente nessa representação que é necessário questionar é a pressuposição heteronormativa de que a prática sexual envolve, sempre, um parceiro e uma parceira (ALTMANN, 2005, CASTAÑEDA, 2006; MONTARDO, 2008; NOLASCO, 1993; WOLF, 1996). O aprendizado da heterossexualidade enquanto norma, enquanto a única forma positiva, valorizada, saudável e normal de se viver a sexualidade, também se dá desde muito cedo, por meio das mais diversas instâncias. Entre os meninos, desde a infância, é continuamente transmitido, através de elementos como repreensões, piadas, apelidos depreciativos, xingamentos etc., a associação entre qualquer característica relacionada culturalmente com a feminilidade e a homossexualidade como algo negativo e reprovável (CASTAÑEDA, 2006; FACCO, 2009; LOURO, 2009; NOLASCO, 1993). Neste contexto social, que coloca a masculinidade como sinônimo de heterossexualidade e de um desejo sexual sempre forte e presente, ocorre, muitas vezes, o incentivo para que os homens, incluindo os adolescentes (ou principalmente eles), entrem em contato com materiais como fotos, imagens e vídeos que envolvam a exposição do corpo e da nudez feminina, compreendidos como “didáticos” para que eles demonstrem e atestem o desejo heterossexual, e, consequentemente, a masculinidade (CÂMARA, 2007; DORAIS, 1996; NOLASCO, 1993; WOLF, 1992). Ainda que a constante abordagem do tema sexo e a frequente 2 exposição de imagens de nudez possam remeter a ideia de uma maior liberdade sexual, é necessário questionar o quanto essa "liberdade" se dá às custas de uma forte assimetria entre os gêneros. A forma como o desejo, a excitação e o prazer sexuais masculinos são o centro enquanto as mulheres são posicionadas enquanto objeto deste desejo, desta excitação e deste prazer reflete o quanto as revistas reiteram o padrão do masculino enquanto dominante. As imagens das mulheres são construídas em nome da satisfação masculina, de modo que, longe de serem representadas como iguais e ativas, como sujeitos que também desejam, que também fantasiam, que também buscam liberdade e prazer, a representação mais frequente é a do corpo feminino enquanto mercadoria para o consumo masculino, legitimando e naturalizando a compreensão da sexualidade feminina como marcada pela passividade e submissão. (CÂMARA, 2007; FRATERRIGO, 2009; OSGERBY, 2001; WOLF, 1992). Os artefatos midiáticos podem ser compreendidos enquanto pedagogias culturais (CÂMARA, 2007; LOURO, 2004; MEYER, 2009) já que estes têm se revelado como processos educativos potentes quando se trata de instituir relações entre corpo, gênero e sexualidade. Por eles é estabelecida uma relação pedagógica de ensino-aprendizagem, ainda que disfarçada e permeada por entretenimento, diversões e humor, o que os torna ainda mais atrativos e eficazes. Desta forma, torna-se importante a problematização sobre os padrões de gênero presentes em artefatos midiáticos. Câmara (2007) discute como as revistas podem ser consideradas enquanto um roteiro para os desejos e prazeres masculinos, apoiado nos padrões de masculinidade que circulam em nossa cultura. A autora aponta como as imagens de nudez não apenas reproduzem, mas produzem os desejos masculinos. O contato com materiais eróticos e pornográficos é compreendido como parte da educação sexual masculina, e através deste contato ocorre o aprendizado sobre qual é a beleza valorizada, o que nas mulheres é tido como desejável de acordo com os padrões vigentes, em que são consideradas como belas, no geral, mulheres jovens, magras e brancas. 3 A exposição do corpo feminino com o objetivo de despertar o desejo e a excitação masculinos não ocorre apenas em materiais eróticos e pornográficos, mas sim, nos mais diversos artefatos midiáticos, como anúncios publicitários, programas de televisão, filmes etc. Os próprios produtos e mensagens voltados para as mulheres muitas vezes representam um ideal feminino prioritariamente voltado ao cuidado com o corpo e a beleza, com o estímulo para que as mulheres busquem continuamente tornarem-se atraentes, agradarem e conquistarem o olhar masculino, com o desejo masculino sendo representado como um sinônimo de realização feminina (CASTAÑEDA, 2006; WOLF, 1992) Na elaboração de um projeto de Educação Sexual é importante buscar conhecer de que forma os alunos buscam informações e quais são as principais representações presentes de sexualidade nos materiais aos quais eles têm acesso. Realizamos um levantamento com 100 adolescentes entre 11 e 16 anos do Ensino Fundamental de uma Escola Pública de uma cidade no interior paulista, 50 garotas e 50 garotos, sobre quais são os materiais através dos quais eles se informam sobre sexualidade, corpo, relacionamentos e adolescência. Neste levantamento, os principais materiais mencionados pelos meninos foram a revista masculina Playboy e os sites de conteúdo erótico e pornográfico, enquanto, para as meninas, os principais materiais mencionados foram as revistas femininas para adolescentes como Capricho e Todateen. Perguntamos também sobre quais os assuntos de maior interesse para eles nesses materiais, em que o tema mais mencionado pelas meninas foi “dicas de cuidado com a aparência”, e, para os meninos “fotos atraentes”, o que também exemplifica o padrão assimétrico em que o masculino é representado como desejante e a feminilidade associada à busca por agradar. Esses dados foram importantes para sinalizar que seria relevante conhecer melhor os materiais utilizados pelos adolescentes para se informarem sobre sexualidade, bem como identificar os padrões que permeiam a transmissão de informações. É nesse sentido que buscaremos, neste trabalho, problematizar como as mulheres são representadas nas revistas masculinas. 4 OBJETIVO Identificar como as mulheres são representadas nas revistas masculinas e discutir quais são os padrões relacionados à sexualidade e ao gênero presentes nestas representações. MÉTODO Este trabalho é parte de uma pesquisa de mestrado em andamento, “Repressão às Avessas: Sexualidade, gênero e prazer em revistas masculinas e femininas”.2 Trata-se de uma pesquisa qualitativa-descritiva em que foi realizada a análise de conteúdo (BARDIN, 1977) de edições de 12 diferentes revistas femininas e masculinas publicadas em fevereiro de 2012. Neste trabalho apresentaremos resultados identificados na análise de quatro revistas masculinas voltadas ao público heterossexual: Playboy, Sexy, Vip e Men’s Health. Os resultados foram organizados nas seguintes categorias temáticas: 1) Redução da mulher ao corpo e apagamento da mulher enquanto sujeito; 2) Centralidade do prazer masculino de olhar, julgar e avaliar; 3) Compreensão funcionalista e instrumental do prazer sexual feminino. 4) A possibilidade de sentir prazer associada ao fato de corresponder aos padrões estéticos vigentes e 5) Naturalização da violência. RESULTADOS E DISCUSSÃO 1) Redução da mulher ao corpo e apagamento da mulher enquanto sujeito A presença das mulheres nas revistas masculinas, como objeto de desejo e de prazer, diz respeito principalmente à exposição do corpo, em poses sensuais com nudez total ou parcial. Mesmo que sejam feitas perguntas, isso 2 Dissertação de Mestrado em andamento da primeira autora, sob orientação da segunda autora. Programa de Mestrado em Educação Escolar, bolsa CNPQ. 5 não corresponde a um interesse sobre o que elas têm a dizer sobre si mesmas, mas sim, na maioria das vezes, o foco das questões feitas também é o corpo e/ou a disponibilidade em realizar os desejos sexuais masculinos (CÂMARA, 2007; CASALI, 2006; FRATERRIGO, 2009; OSGERBY, 2001; WINESKI, 2007). Exemplos: "Qual a parte do seu corpo que eles mais apreciam? O bumbum." (SEXY, fevereiro de 2012, p. 40, Ensaio fotográfico) "Qual é a parte do seu corpo que você mais gosta? No meu corpo? Ah, eu adoro o meu bumbum". (VIP, fevereiro de 2012, p. 27, Presentão para o Namorado) "E por que acha que seu bumbum merece tanta atenção? Sendo bem sincera, sem modéstia, acho que é porque ele é todo natural. Eu sempre considerei a melhor parte do meu corpo." (PLAYBOY, fevereiro de 2012, p. 84, Bumbum de Ouro). A importância de problematizar como há a redução da representação das mulheres à representação do corpo feminino pode ser evidenciada pelo fato de que, enquanto nas entrevistas com homens eles são interrogados sobre suas experiências, histórias de vida, trajetórias pessoais e profissionais, realizações e conquistas, nas entrevistas com mulheres as perguntas, no geral, focam nas questões da beleza e da sexualidade (CÂMARA, 2007; CASALLI, 2007; FRATERRIGO, 2009; WINESKI, 2007). No trecho a seguir de uma entrevista da Revista Playboy com a apresentadora de um programa televisivo sobre esportes, Renata Fan, podemos ver como, mesmo quando há o movimento da entrevistada justamente de contrariar a ênfase no corpo, a revista, após apresentar a resposta, enfatiza novamente o corpo: “No Sul, as mulheres, além de bonitas, são inteligentes. E acho que essa é uma das minhas qualidades também”, disse ela à Playboy. O que nos faz lembrar de uma frase que não cansamos de citar por aqui “Dá gosto de ver tanta inteligência se movendo em um corpinho como esse...” (PLAYBOY, fevereiro de 2012, p. 52, Entrevista com Renata 6 Fan) Muitas vezes a companhia feminina, a convivência e os relacionamentos com as mulheres são desvalorizados, como se a única coisa nas mulheres que interessasse aos homens fosse o corpo, de modo que as mulheres enquanto sujeitos são apagadas, fragmentadas e reduzidas às partes do corpo que despertam o interesse e a excitação masculina, como no trecho a seguir: "Bunda boa é... Aquela que você olha e esquece o resto do corpo." (PLAYBOY, fevereiro de 2012, p. 16, Caro Playboy). Podemos notar, neste exemplo, como mesmo o corpo é apagado, já que a bunda é considerada boa quando o prazer de olhá-la faz com que haja o esquecimento do corpo como um todo. A forma como há uma compreensão coisificada do corpo feminino pode ser exemplificada pelo modo como na seção "Sex machine", da Revista Sexy, o anúncio de um carro destaca que o desenho deste lembra o bumbum feminino: "Se um carro pode ser considerado sensual, talvez a novidade da Peugeot seja a sensualidade em forma de carro. Ou melhor, um carro com formas sensuais. Eu explico: o design da Peugeot RCZ ostenta uma dupla ondulação no teto e no vidro traseiro que lembra a preferência nacional, o bumbum." (SEXY, fevereiro de 2012, p. 94, Sexy Machine) A forma como a redução das mulheres ao corpo é muitas vezes naturalizada e legitimada por meio do humor pode ser exemplificada pela resposta dada a um leitor na seção "Testosterona" da Revista Sexy: "Não entendo por que grupos feministas fazem protestos nuas. Você não acha isso muito contraditório? Já desisti de tentar entender a cabeça de feminista. Mas o que fica claro é que, como toda mulher, elas só querem chamar atenção, e a única forma de prestarmos atenção numa mulher é quando elas estão peladas. Já que o forte delas não é o raciocínio e a lógica, elas fazem esses protestos nuas e acham que estão sendo coerentes." (SEXY, 7 fevereiro de 2012, p. 18, Testosterona) A afirmação "a única forma de prestarmos atenção numa mulher é quando elas estão peladas" evidencia a importância de problematizarmos o quanto pode ser violento o processo de construção da imagem das mulheres nas revistas masculinas. 2) Centralidade do Prazer Masculino de Olhar, Julgar e Avaliar Nas revistas, há a centralidade do prazer de olhar masculino e, muitas vezes, além do prazer de olhar, a presença das mulheres nas revistas também está relacionada com o prazer masculino de julgar, avaliar e selecionar. Por exemplo, na Revista Playboy de fevereiro, o tema principal da edição é o resultado do concurso "Preferência Nacional", que teve como proposta eleger a bunda mais bonita do Brasil. A mulher cuja bunda foi vencedora foi a capa da revista desta edição, com um ensaio fotográfico de 15 páginas e um pôster, com o título "Bumbum de Ouro". Neste concurso, que começou em outubro do ano anterior, as mulheres enviavam fotos para se candidatar ao prêmio de "melhor bunda". No editorial é relatado esse processo, com o título "Talento Abundante": "Recebemos centenas de inscrições e depois tivemos de observar cuidadosamente cada uma das candidatas para selecionar as bundinhas mais redondas, durinhas e gostosas." (PLAYBOY, fevereiro de 2012, p. 8, Entre Nós) Este trecho ilustra um movimento frequente nas revistas masculinas, o movimento em que os homens são posicionados na função de olhar, julgar, avaliar, classificar, selecionar as mulheres segundo seus critérios, principalmente com relação à beleza. Neste caso, os critérios diziam respeito à escolha das "bundinhas mais redondas, durinhas e gostosas". Este movimento pode ser também exemplificado pela seção "Coelhinhas", publicada todos os meses, em que são apresentadas em cada edição fotos de três mulheres que concorrem ao concurso "Coelhinha do Ano", que tem como prêmio ser capa da Playboy. As fotos são enviadas pelas 8 próprias candidatas e, em cada edição, os leitores da revista devem avaliá-las, selecionarem quais preferem para votarem por meio do site da revista. Nesta seção é reforçada a posição do homem enquanto quem observa, avalia, julga de acordo com o próprio desejo, enquanto as mulheres são posicionadas como objetos deste desejo. O desejo da mulher é colocado como o desejo de ser desejada: em busca da aprovação, de serem a selecionadas, as candidatas respondem perguntas onde contam um pouco sobre si mesmas, destacando características do corpo, fantasias e práticas sexuais que já realizaram ou estão dispostas a realizar e que podem provocar os leitores. É possível comparar esta seção com uma vitrine, uma prateleira, em que diferentes produtos são oferecidos para serem consumidos, com um correspondente apelo publicitário de cada uma para vencer a concorrência. Há também concursos e seções fixas para as mulheres serem votadas nas outras revistas, como na seção “Pimentinhas”, da Revista Sexy. 3) Compreensão funcionalista e instrumental do prazer sexual feminino As matérias que abordam o prazer feminino não se referem à importância das mulheres serem ouvidas e reconhecidas como sujeitos de desejo, mas sim, ao oferecimento de dicas e prescrições que descrevem uma espécie de “modo de funcionamento” do corpo feminino, com recomendações sobre como, quando, onde tocar e estimular, como se o corpo fosse um instrumento, uma máquina a ser manuseada. O trecho a seguir, da Revista Men’s Health, exemplifica esta forma de representar o prazer feminino: "Aqui, você tem um dossiê completo de truques e técnicas para ter mais sexo que transformaram essas mulheres comuns em sedutoras máquinas de amor. Divirta-se. E inspire-se." (MEN'S HEALTH, fevereiro de 2012, p. 47) 4) A possibilidade de sentir prazer associada ao fato de corresponder aos padrões estéticos vigentes Como discutem Câmara (2007), Casalli (2007), Fraterrigo (2009), 9 Wineski(2007), a exposição de corpos femininos que reproduzem os padrões de beleza culturalmente valorizado não apenas correspondem aos desejos masculinos, mas sim, educam e constroem estes desejos. Além da representação dos corpos que correspondem aos padrões vigentes como os únicos valorizados e desejáveis, é possível também notar que as revistas associam a possibilidade da mulher sentir prazer com o fato de estarem ou não de acordo com os modelos de beleza. Este movimento pode ser exemplificado pela matéria "Derrape nas Curvas", da Revista Men's Health. A matéria é como uma espécie de "manual de instruções" do corpo da mulher, em que as formas do corpo feminino são categorizadas em 4 tipos: Retangular, pera, triângulo invertido e violão. Com o subtítulo "Acerte no Shape", cada tipo é descrito e ilustrado, e, a partir de medidas genéricas do ombro, da cintura e do quadril, é definido o que elas gostam de fazer nas relações sexuais, que posições preferem e se sentem desinibidas ou não sexualmente, como pode ser notado no trecho a seguir: "A mulher violão é o tipo considerado mais feminino e atraente por apresentar curvas bem desenhadas e proporcionais” (...). Isso tende a significar que não existirão muitos “não me toques” na hora da transa. (...)A mulher que se sente bem com a autoimagem não tem restrições no sexo " (MEN’S HEALTH, fevereiro de 2012, p. 89, Derrape nas curvas) Aqui o nível de "feminilidade" e de "atratividade" também é mensurado a partir do formato do corpo, como se esses elementos fossem definidos por atributos naturais. Wolf (1992) discute sobre a relação entre a forma como as mulheres são representadas e a forma predominante atualmente de como as mulheres aprendem sobre o próprio desejo, a própria sexualidade e o desejo e a sexualidade masculinas. Desde cedo a mulher aprende a se enxergar não como sujeito do desejo, mas a olhar para o próprio corpo pensando em como este será refletido no olhar dos homens. Não é incentivada a reconhecer o próprio desejo, mas sim, o que levaria os homens a desejá-la. Todo o corpo da mulher é erotizado, não para as mulheres, mas para os homens, a partir de 10 padrões ideais inalcançáveis. Só são erotizados o corpo da mulher e o desejo do homem, de forma que a mulher se torna excessivamente dependente da excitação masculina para o próprio prazer e o homem insensível à excitação feminina. 5. Naturalização da Violência Quando temas como estupro, assédio, violência sexual e doméstica são abordados em revistas, muitas vezes eles são amenizados, tratados como menos importantes, ou mesmo colocados como motivos de piadas, naturalizando e legitimando a violência de gênero. Esta é uma questão muito importante de ser discutida e combatida, com problematizações sobre como, mesmo quando as afirmações agressivas e depreciativas se dão em tom de humor, é preciso considerar com seriedade a necessidade de se desnaturalizar a violência. Um exemplo de como a violência é representada pelas revistas pode ser identificado na piada a seguir, publicada na seção “Gozadas”, da Revista Vip: "Remédio caseiro. A mulher vai ao médico:- Doutor, eu não sei o que fazer. Toda vez que meu marido chega em casa bêbado, ele me enche de porrada. - Eu tenho um remédio muito bom para isso. Quando seu marido chegar em casa embriagado, basta que você o espere com um copo de chá de camomila, fazendo bochecho com o chá. Apenas faça bochecho e gargareje, sem parar. Duas semanas depois, ela retorna ao médico e parece ter nascido de novo:- Doutor, sua ideia foi brilhante! Sempre que meu marido chega em casa bêbado, eu gargarejo e faço bochechos com o chá de camomila e as agressões não aconteceram mais! - Viu como manter a boca fechada ajuda?" (VIP, fevereiro de 2012, p. 12, Gozadas) As agressões do marido, que chega em casa bêbado e "enche de porrada" a esposa, é justificada, a partir do "remédio" receitado pelo médico, 11 pelo fato da mulher falar demais. Assim, a mulher é culpabilizada pela violência sofrida, e este movimento ainda é colocado como engraçado, como uma piada. CONSIDERAÇÕES FINAIS Um dos principais desafios para projetos de Educação Sexual é a discussão e a problematização de padrões normativos e repressivos, de preconceitos, de divisões que geram hierarquias, exclusões e estigmatizações. Nesse sentido, é muito importante considerar a influência exercida pelos meios de comunicação. Por meio de uma linguagem repleta de diversão, sedução e enetretenimento, a mídia contribui de forma intensa para a reprodução e a naturalização destes elementos. (CÂMARA, 2007; LOURO, 2004; MEYER, 2009) A naturalização de padrões normativos e da desigualdade de gênero não ocorre apenas nos meios de comunicação, mas nas mais diversas situações e contextos do cotidiano, inclusive na escola. Mas a busca pelo desenvolvimento de uma visão crítica dos meios de comunicação se revela também importante porque, ao desenvolver uma postura de questionamento e problematização do que é transmitido nos discursos midiáticos, esta postura também pode se estender para outros momentos em que os padrões são reproduzidos e reforçados. É importante considerar como as revistas masculinas cumprem o papel de educar os desejos e olhares masculinos através da construção de cenários para a masculinidade coerentes com os padrões vigentes, principalmente no que diz respeito às representações das mulheres e das práticas sexuais heterossexuais. Dessa forma, as revistas são um exemplo de como a masculinidade é alvo de constantes e reiterados investimentos, vigilâncias e normalização, ainda que tantas vezes seja afirmada como algo "natural", fruto da "essência" e dos "impulsos" masculinos. (CÂMARA, 2007; FRATERRIGO, 2009; LOURO, 2009; MEYER, 2009; NOLASCO, 1993; WINESKI, 2007; WOLF, 1996) 12 Os resultados identificados demonstram como a forma como as mulheres são representadas nas revistas masculinas evidencia a importância da discussão sobre padrões normativos de sexualidade e gênero. É preciso problematizar, questionar e buscar estabelecer um olhar crítico para representações como: - a heterossexualidade enquanto norma, enquanto a única forma válida de se viver a sexualidade; - a compreensão da masculinidade como sinônimo de um desejo sexual sempre forte e presente; -a representação de que uma mulher precisa corresponder aos padrões estéticos vigentes para ser desejada e para sentir prazer; - a compreensão do corpo como uma máquina a ser manuseada, com a associação do prazer ao cumprimento de regras e técnicas; - a representação do homem enquanto sujeito do olhar, do desejo, em posição de avaliar, julgar e selecionar as mulheres e da mulher enquanto submissa e passiva ao desejo e ao olhar masculino, e não como sujeito de desejo. Consideramos o espaço dos projetos de Educação Sexual como importante para que haja a problematização destes padrões. REFERÊNCIAS ALTMANN, H. Verdades e pedagogias na educação sexual em uma escola. 226 f. 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'Mulher sem-vergonha' e 'traidor responsável': problematizando representações de gênero em anúncios televisivos oficiais de prevenção ao HIV/AIDS. Revista Estudos Feministas Florianópolis, v. 12, n. 2, Agosto. 2004. NOGUEIRA, R. Revistas masculinas ou de macho? Em: Macho, Masculino, Homem: A sexualidade, o machismo e a crise de identidade do homem brasileiro. São Paulo: Editora L&PM, 1986. NOLASCO, S. O Mito da Masculinidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1993. OSGERBY, B. Playboys in Paradise: Masculinity, Youth and Leisure-style in Modern America. Berg, New York, 2001. WINESKI, K. Maximizing Masculinity: A Textual Analysis of Maxim Magazine. Massachusetts: University of Massachusetts, 2007. WOLF, N. O mito da beleza. Rio de Janeiro: Rocco, 1992. 14 WOLF, N. Promiscuidades: A luta secreta para ser mulher. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. Revistas Analisadas REVISTA MEN’S HEALTH. São Paulo: Editora Abril, fevereiro de 2012. REVISTA PLAYBOY. São Paulo: Editora Abril, fevereiro de 2012. REVISTA SEXY. São Paulo: Editora Rickdan, fevereiro de 2012. REVISTA VIP. São Paulo: Editora Abril, fevereiro de 2012. 15
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