As Feromonas da Drosophila Melanogaster

Transcrição

As Feromonas da Drosophila Melanogaster
Feromonas e a Comunicação por Meios Químicos – As Feromonas da
Drosophila Melanogaster
André Filipe Pinheiro de Andrade
Engenharia do Ambiente
Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Fernando Pessoa
[email protected]
Victor M. Balcão
Professor Associado
Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Fernando Pessoa
Membro Integrado do IBB – Instituto para a Biotecnologia e a Bioengenharia
(Laboratório Associado)
[email protected]
Resumo
O principal objectivo deste artigo foi efectuar a descrição e caracterização das principais
feromonas existentes na Drosophila Melanogaster, a feromona masculina de agregação (Z)11-Octadecenil Acetato, a feromona feminina sexual (Z,Z)-7,11-Heptacosadieno e a
recentemente descoberta feromona CH503. Foram enunciadas as principais funções que
estas feromonas desempenham e a forma como estas são detectadas pela Drosophila
Melanogaster. Neste artigo, foi ainda realizada uma pequena descrição da D.Melanogaster,
assim como uma descrição dos dois principais tipos de feromonas nela presentes.
Abstract
The main propose of this article was to realize the description and characterization of the
principals existing pheromones on the Drosophila Melanogaster, the aggregation masculine
pheromone (Z)-11-Octadecenyl Acetate, the sexual feminine pheromone (Z,Z)-7,11Heptacosadiene and the recently found CH503 pheromone. There was been enunciated the
principals functions that these pheromones perform and how they are detected by the
Drosophila Melanogaster. In this article, has already taken place a short description of
D.Melanogaster, as well a description of the two main types of pheromones presents in her.
Palavras-chave: Mosca da Fruta, Drosophila Melanogaster, feromonas.
Keywords: Fruit Fly, Drosophila Melanogaster, pheromones.
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1. Introdução
Há relativamente poucos anos atrás descobriu-se que a actividade, comunicação e
comportamento de muitas espécies é influenciado não só pelas hormonas que estes seres
vivos libertam no seu meio interno, exercendo estas uma influência sobre o metabolismo do
indivíduo, mas também pelas denominadas feromonas.
As feromonas são moléculas produzidas e libertadas no meio ambiente por organismos
vivos que, mesmo em pequenas quantidades, modificam o comportamento e a fisiologia de
outros indivíduos da mesma espécie (Symonds e Elgar,2008). Do ponto de vista químico, as
feromonas são moléculas orgânicas, geralmente hidrofóbicas e voláteis, podendo ser desde
simples hidrocarbonetos ou estruturas mais complexas, que podem incluir grupos
funcionais como álcoois, aldeídos, cetonas, entre outros (Ferreira et al, s/d; Brenhas e Silva,
2008).
A produção de feromonas é um fenómeno quase universal, abrangendo praticamente todas
as espécies do mundo animal, mas são os insectos que utilizam estes mensageiros químicos
como principal forma de comunicação, provavelmente devido às limitações físicas impostas
pelo seu pequeno tamanho e por estes organismos possuírem uma visão e audição
rudimentares (Ferreira et al, s/d; Symonds e Elgar,2008).
2. Tipos de Feromonas
De acordo com as reacções que as feromonas induzem numa espécie, estas podem ser
divididas em vários grupos, que vão desde feromonas de agregação, de alarme, de território,
sexuais, de trilho, de organização hierárquica, entre outras (Brenhas e Silva, 2008; Symonds
e Elgar,2008). Visto que as feromonas da Drosophila Melanogaster são feromonas de
agregação e feromonas sexuais, são apenas abordados com maior pormenor neste artigo
estes dois tipos de feromonas.
As feromonas de agregação, como o próprio nome indica, são substâncias químicas
produzidas por um dos sexos (geralmente um organismo do sexo masculino), que faz com
que se congreguem no mesmo local indivíduos de ambos os sexos da espécie (Ferveur,
2005). Esta feromona pode ter como principal finalidade a defesa contra predadores, o
acasalamento ou a procura de alimentos por parte de uma colónia. Este tipo de feromonas,
mas também as feromonas sexuais, têm sido muito utilizadas nas últimas décadas no
combate de pragas na agricultura, sendo considerados métodos de eliminação
ecologicamente correctos, devido a não serem utilizados produtos tóxicos e a serem
eficazes mesmo quando utilizados em baixas concentrações (Ebbs e Amrein, 2007).
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As feromonas sexuais são geralmente produzidas e libertadas pelas fêmeas (como no caso
da Drosophila Melanogaster) para promover a atracção de parceiros sexuais, com o
propósito de reprodução, ou então para provocar a situação contrária, evitar que os machos
tentem acasalar com a fêmea em causa (Marcillac e Ferveur, 2004).
As feromonas podem ainda ser classificadas em função da resposta ao estimulo químico por
elas produzido, em feromonas libertadoras (releaser) ou feromonas indutoras (primer). As
feromonas libertadoras provocam uma resposta rápida e reversível, incluindo as que exigem
acção imediata mas não muito duradoura, como as feromonas sexuais, de alarme, de
agregação e de trilho As feromonas indutoras, incluem todas as feromonas que provocam
uma alteração fisiológica no sistema endócrino ou reprodutor da espécie. (Ferreira et al, s/d)
Um exemplo muito conhecido de uma feromona indutora é o caso da “substância real”
produzida pela abelha mestra Appis mellifera, cujo ácido 9-ceto-(E)-2-decenóico é ingerido
pelas abelhas obreiras impedindo o seu desenvolvimento ovárico e, consequentemente, o
aparecimento de novas abelhas rainha (Ferreira et al, s/d).
3. Descrição do insecto em estudo, a Drosophila Melanogaster
A espécie de nome científico Drosophila Melanogaster, vulgarmente conhecida como
mosca da fruta ou mosca do vinagre é um insecto díptero, que na sua estirpe selvagem
apresenta geralmente olhos cor de tijolo e que possui uma tonalidade acastanhada e anéis
pretos transversais no seu abdómen (Bhattacharya, s/d). A Drosophila Melanogaster é um
insecto de pequenas dimensões, cerca de 3 milímetros de comprimento e que exibe
dimorfismo sexual, sendo as fêmeas cerca de 2,5 milímetros mais longas do que os machos.
Por outro lado, os machos possuem uma zona pilosa denominada de “pente sexual”, situada
no primeiro par de patas junto à sua cabeça, que não existe nas fêmeas. As moscas da fruta
são também um dos mais importantes organismos utilizados em estudos de análise genética,
essencialmente devido ao facto de possuírem uma elevada taxa de fecundidade (até 100
ovos por dia) e um tempo de geração curto, cerca de 10 dias (Reeve, 2001).
Legenda: Macho na
esquerda e Fêmea na
direita
Figura 1 – Aspecto físico da Drosophila Melanogaster e exibição do seu dimorfismo sexual
(Fonte: http://www.eurasnet.info/eurasnet/files/images/images/Drosophila-melanogaster.jpg)
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4. Comunicação por meios químicos na Drosophila Melanogaster
4.1. Feromona de agregação da Drosophila Melanogaster: (Z)-11-Octadecenil Acetato
Figura 2 – Estrutura do (Z)-11-Octadecenil Acetato
(Fonte:http://www.pherobase.com/database/compound/compounds-detail-Z11-18Ac.php)
A feromona (Z)-11-Octadecenil Acetato ou conhecida também como cis-Vaccenil Acetato
(cVa), é uma feromona de agregação da D. Melanogaster e que está presente em grande
parte das espécies do género Drosophila. A sua fórmula molecular é C₂₀ H₃₈O₂.
A feromona cVa existe apenas nos machos da D. Melanogaster (Ejima et al, 2007) e é
sintetizada no seu bulbo ejaculatório (Wicker e Jallon, 1995) podendo assumir diversas
funções no comportamento, actividade e comunicação da espécie. A feromona cVa
desempenha um papel essencial em todo o processo de corte do macho de D. Melanogaster,
e por corte entenda-se o acto de cortejar a fêmea com o propósito final de acasalar e
consequentemente originar descendência. Após o macho de D. Melanogaster ser bem
sucedido no acto de cortejamento da fêmea, e de esta ter ficado receptiva a acasalar, o
macho durante a cópula (acto sexual) transfere a maioria da feromona cVa para a fêmea,
que a emite conjuntamente com os seus ovos e a deposita no seu organismo, nas seis horas
seguintes após o acasalamento (Bartelt et al, 1985). Vários estudos indicam a possibilidade
de a transferência de cVa para as fêmeas durante a cópula, por parte dos machos, ser parte
da sua estratégia para reprimir o acasalamento de outros machos competidores (Ejima et al,
2007).
Outro dos papéis que a feromona cVa desempenha no comportamento da D. Melanogaster é
a inibição do cortejamento de moscas macho a outras moscas macho e a moscas fêmea já
acasaladas (Ferveur, 2005). Isto deve-se ao facto de os machos de D. Melanogaster
conseguirem detectar a presença de cVa noutros organismos. Em contacto com outros
machos, e por estes possuírem a feromona cVa intrinsecamente no seu organismo, é evitado
o acasalamento homossexual. No contexto feminino, como é transferido cVa para o
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organismo das fêmeas durante a cópula, estas emitem cVa para o exterior desenvolvendo
nos machos uma repressão ao acasalamento com estas fêmeas (Ejima et al, 2007).
Por fim, é importante referir qual a principal razão para que a feromona cVa não seja
considerada uma feromona sexual, mas sim uma feromona de agregação. Deve-se
essencialmente ao facto desta feromona quando emitida em conjunto com os ovos
depositados por uma fêmea de D. Melanogaster, ou quando é colocada sinteticamente
(experiência laboratorial) sobre os alimentos, aumentar a atractividade dos odores emitidos,
agregando no mesmo local vários organismos desta espécie (Ferveur, 2005).
4.2. Feromona sexual da Drosophila Melanogaster: (Z,Z)-7,11-Heptacosadieno
Figura 2 – Estrutura do (Z,Z)-7,11-Heptacosadieno
(Fonte: http://www.pherobase.com/database/compound/compounds-detail-Z7Z11-27Hy.php)
A feromona (Z,Z)-7,11-Heptacosadieno (7,11-HD) é uma feromona sexual específica da D.
Melanogaster, ao contrário da feromona (Z)-11-Octadecenil Acetato que está presente em
grande parte das espécies do género Drosophila. A sua fórmula molecular é C₂₇ H₅₂.
Pelo facto de só estar presente na D. Melanogaster, esta feromona actua como inibidora do
acasalamento entre espécies diferentes, facilitando o reconhecimento das fêmeas de D.
Melanogaster pela parte dos machos e desempenhando desta forma um papel importante no
isolamento sexual entre espécies (Savarit et al, 1999).
A feromona 7,11-HD é também unicamente produzida pelas fêmeas de D. Melanogaster,
preferindo os machos de D. Melanogaster fêmeas que produzam grandes quantidades desta
feromona (Grillet et al, 2005), e estando a presença de grandes quantidades desta feromona
directamente associada a um menor número de descendentes por parte da fêmea (Marcillac
et al, 2005).
Como feromona sexual que é, a 7,11-HD tem como função primordial a atracção de
parceiros sexuais, com o propósito de reprodução, mas no entanto, após a divulgação de
vários artigos acerca deste assunto (Marcillac et al, 2005; Ferveur, 2005; Savarit et al,
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1999) pode tirar-se a conclusão de que esta feromona feminina não é condição essencial
para que o acasalamento entre machos e fêmeas da espécie D. Melanogaster ocorra, porque
experiências com moscas mutantes que não possuem esta feromona demonstraram que estas
também se acasalavam com moscas macho de D. Melanogaster.
Sabe-se também que geralmente as fêmeas de D. Melanogaster emitem mais 7,11-HD do
que o necessário para estimular o acasalamento com os machos (Marcillac e Ferveur, 2004),
apesar de nunca ter sido encontrada nenhuma relação dose-dependente, isto é, a dose de
feromona 7,11-HD emitida não interfere na escolha do parceiro da fêmea nem na
velocidade de acasalamento (Marcillac et al, 2005; Marcillac e Ferveur, 2004).
Por fim, também é importante referir que sendo esta feromona uma feromona sexual, esta
pode também provocar o efeito contrário à situação de atracção de parceiros sexuais, isto é,
a feromona pode evitar que os machos tentem acasalar com a fêmea em causa (Marcillac e
Ferveur, 2004) e existem também estudos que apontam para que a feromona 7,11-HD seja
responsável por evitar a desidratação quer dos embriões da D. Melanogaster, quer da
própria mosca no estado adulto, em ambientes mais quentes ou secos. (Ferveur, 2005;
Marcillac e Ferveur, 2004)
4.3. A nova Feromona masculina da Drosophila Melanogaster: CH503
Muito recentemente, mais concretamente em Julho de 2009 foi publicado um artigo pela
Faculdade de Medicina de Harvard, do seu departamento de Neurobiologia, intitulado de
“A New Male Sex Pheromone and Novel Cuticular Cues for Chemical Communication in
Drosophila”, em que utilizando um novo aparelho de espectrometria de massa, com um
laser de alta resolução, descobriram uma nova feromona na D. Melanogaster, a CH503
(Yew et al, 2009).
Esta nova feromona veio explicar um comportamento que até agora era observável na
fêmea de D. Melanogaster, mas que não possuía qualquer explicação. Era observável que as
fêmeas de D. Melanogaster rejeitavam o acasalamento com as moscas machos, depois de
terem sido acasaladas, durante 10 dias, mas sabia-se que o cVa que era transferido para a
fêmea durante a cópula só permanecia activo nas primeiras 24 horas ( Yew et al, 2009).
Desta forma, os cientistas que elaboraram esta experiência descobriram que também a
feromona CH503 era transferida do macho para a fêmea durante a cópula e que esta
feromona permanece na superfície da fêmea acasalada durante 10 dias, funcionando como
um anti-afrodisíaco (Yew et al, 2009).
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5. Percepção das feromonas pela Drosophila Melanogaster
A percepção das feromonas nos insectos, e neste caso mais especifico na D. Melanogaster,
verifica-se usualmente por um processo olfactivo, a curta distância, embora em alguns casos
se transmita pelo sistema gustativo (Ferveur, 2005). Estas feromonas são produzidas nos
oenócitos (Thomas e Hamann, 2008), que são células epidérmicas especializadas na síntese
de feromonas (Thomas et al, 2009), e posteriormente são transportadas para o exterior por
canais especializados, depositando-se geralmente na cutícula da mosca, sendo por isso que
muitas vezes se designam estas feromonas por hidrocarbonetos cuticulares (Ferveur, 2005).
No que diz respeito à detecção das feromonas pela D. Melanogaster, estão envolvidos
receptores olfactivos especializados, localizados geralmente na cabeça do insecto (antenas,
palpos maxilares) (Ferveur, 2005), constituídos por milhares de estruturas altamente
enervadas, denominadas de “sensilhas”, que através de numerosos poros permitem com
grande facilidade a passagem das feromonas e o seu consequente contacto com as células
nervosas (Ferreira et al, s/; Ha e Smith, 2006). Estas células nervosas ao serem estimuladas,
transformam os sinais químicos (feromonas) em impulsos eléctricos que são transmitidos ao
cérebro, surgindo deste modo e de imediato uma resposta por parte da D. Melanogaster
receptora da feromona (Ferreira et al, s/d)
Porém, a detecção e a produção das feromonas da D. Melanogaster está sujeita à quantidade
presente de determinadas substâncias existentes no seu organismo. Por exemplo, a
proporção de feromonas existentes na fêmea e no macho de D. Melanogaster é controlada
pelo gene desat1 (Marcillac e Ferveur, 2004; Marcillac et al, 2005), e qualquer mutação
existente neste gene origina uma diminuição da produção das feromonas cVa e 7,11-HD
existentes respectivamente no macho e fêmea da D. Melanogaster, alterando a percepção
destas feromonas por parte desta espécie (Marcillac et al, 2005).
Mais especificamente, a Dopamina, uma amina biogénica, que desempenha um papel
importante como neurotransmissor na D. Melanogaster, controla a biosíntese da feromona
feminina 7,11-HD (Thomas e Hamann, 2008) e um défice desta amina no seu organismo
leva a uma diminuição da quantidade desta feromona sexual femenina (Marican et al, 2004;
Thomas e Hamann, 2008).
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6. Conclusão
Após a realização deste artigo pode constatar-se que as feromonas da Drosophila
Melanogaster já foram alvo de muito estudo por parte de vários cientistas, estando o
conhecimento sofre estas feromonas bastante aprofundado. Apesar disso, não se deve pôr de
parte a hipótese de que sejam descobertas novas feromonas nesta espécie, como o
demonstra a recente descoberta da feromona CH503 pelo departamento de Neurobiologia
da Faculdade de Medicina de Harvard.
Pode também concluir-se que as feromonas da Drosophila Melanogaster desempenham um
papel decisivo no acasalamento entre machos e fêmeas desta espécie, ou que por outro lado,
podem evitar este acasalamento se efectue, ou até mesmo evitar o acasalamento entre
machos desta espécie possa ocorrer. Mas não são apenas estas as funções que as feromonas
da Drosophila Melanogaster podem desempenhar. Estas também podem servir para agregar
no mesmo local vários organismos desta espécie, evitar a desidratação quer dos embriões da
D. Melanogaster, quer da própria mosca no estado adulto, em ambientes mais quentes ou
secos, entre outras funções.
Por fim, é importante referir-se que com a evolução dos meios tecnológicos e surgindo
novos métodos instrumentais de análise, no futuro a compreensão por parte do ser humano
do papel que as feromonas possuem no mundo animal será seguramente muito mais
avançado do que nos dias actuais. O campo de estudo das feromonas é portanto um campo
de estudo que além de muito interessante, pode ter muito por onde evoluir.
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