Réplica - Ministério Público Federal
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Réplica - Ministério Público Federal
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE Processo nº 2003.30.00.002600-0 Classe : 7100 – Ação Civil Pública Autor : Ministério Público Federal Réu : TV Globo Ltda e Outros O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu Procurador da República infra-assinado, ciente da documentação juntada pelas rés, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, em atenção ao despacho de fl.240, manifestar-se acerca das contestações apresentadas pela RÁDIO E TV DO AMAZONAS LTDA., REDE GLOBO LTDA. e pela UNIÃO, insertas às fls. 88/117, 147/175 e 226/230, respectivamente, com espeque nas razões fáticas e jurídicas que passa a expender : I. DOS FATOS : Em 12 de novembro de 2003 este Órgão Ministerial ajuizou a presente Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada, colimando, precipuamente, a condenação das Emissoras TV GLOBO LTDA. e RÁDIO TV DO AMAZONAS LTDA. a adequarem a sua grade de programação diária aos termos da Portaria nº 796/2000 do Ministério da Justiça, para que o Programa “ZORRA TOTAL” fosse efetivamente exibido neste Estado a partir das 21h(vinte e uma horas), bem assim a condenação da UNIÃO, através do Departamento de Classificação Indicativa, vinculado à Coordenação-Geral de Justiça do Ministério da Endereço: Av. Epaminondas Jácome, nº 3.017 - Bairro Centro - CEP: 69.908-420 - Fones: (0xx68) 224-4781 / 0321 Fax: (0xx68)224-0673 E-mail : [email protected] - Rio Branco - Acre. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre Justiça, a promover um efetivo controle e fiscalização sobre os programas transmitidos pelas Demandadas. Em contestação de fls. 88/117, a RÁDIO TV DO AMAZONAS LTDA. alegou, em síntese, que este Órgão Ministerial, arrogando-se na função de censor, requereu a mudança de horário da programação da Emissora em comento em função do programa “ZORRA TOTAL” sem, no entanto, examinar o conteúdo de suas apresentações futuras, o que, a seu ver, caracteriza censura prévia. Outrossim, assere a RÁDIO E TV DO AMAZONAS LTDA. que, para que pudesse cumprir a determinação judicial de fls. 40/43, teria que gravar toda programação diária e apresentá-la no horário local ou sair do ar no horário em que o programa “ZORRA TOTAL” é gerado, pois a transmissora/geradora REDE GLOBO LTDA. apresenta sua programação ininterruptamente. Aduz ainda a RÁDIO E TV DO AMAZONAS LTDA. que o pedido do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL teve fulcro, unicamente, na Portaria nº 796/2000, do Ministério da Justiça, cujo efeito de seu artigo 2º - que regulamenta as disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, no que tange à classificação indicativa dos programas televisivos - foi suspenso pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ nos autos do Mandado de Segurança nº 7.282/DF, impetrado pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão-ABERT, da qual são associadas a rés RÁDIO E TV DO AMAZONAS LTDA. e a REDE GLOBO LTDA. Destaca a RÁDIO E TV DO AMAZONAS LTDA., outrossim, que a disposição constitucional inserta no artigo 21, inciso XVI, não determina nenhuma conduta por parte das Emissoras, alegando que a finalidade da norma é tão-somente fornecer informação ao telespectador, entendendo que, do contrário, seria ela obrigatória, aduzindo ainda ser plena e irrestrita a liberdade de expressão, representando-lhe censura o Estado se imiscuir na decisão de exibir qualquer obra ou programa. Trouxe à colação a RÁDIO E TV DO AMAZONAS LTDA. cópia de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ nos autos do Mandado de Segurança acima referido, bem assim cópia de 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre outras decisões proferidas em processos que tinham por objeto matéria similar a destes autos, insertas às fls. 125/145. Por seu turno, a Demandada REDE GLOBO LTDA. argüiu, em preliminares, a perda do objeto da presente Ação Civil Pública em razão do término do horário de verão, bem como do tempo de transcurso normal do processo, requerendo a extinção do feito sem julgamento do mérito. No mérito, a REDE GLOBO LTDA., corroborando as alegações da RÁDIO E TV DO AMAZONAS LTDA., asseverou ainda a impossibilidade de condenação por danos morais coletivos em virtude da ausência de prova do dano, de culpa e de nexo de causalidade, aduzindo ainda ter agido no exercício regular de direito. Em preliminares de fls. 226/230, a UNIÃO alegou a sua ilegitimidade passiva ad causam, asserindo, por outro lado, ter legitimidade ativa, pois é parte interessada em que as emissoras de televisão cumpram a Portaria nº 796/2000 do Ministério da Justiça. No mérito, aduziu a UNIÃO estar cumprindo fielmente o seu dever de fiscalizar a atividade das Demandadas, o que se pode verificar dos documentos de fls. 231 e 232. É o breve relatório. II. FUNDAMENTAÇÃO : 1. Das preliminares argüidas : Suscitou a UNIÃO, em preliminares, como se viu alhures, a sua ilegitimidade passiva ad causam, aduzindo em sua defesa ter editado a Portaria nº 796/2000 a fim de estabelecer a adequação das características de cada programa televisivo ao horário em que são eles apresentados, portanto, na medida em que se verifica o descumprimento de seu ato normativo, há violação a bem jurídico seu. Sob os mesmos argumentos, sustenta a UNIÃO possuir legitimidade ativa ad causam, tendo demonstrado, outrossim, mediante 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre os documentos de fls. 231 e 232, ter diligenciado no sentido de recomendar às emissoras de televisão que adequassem a sua programação aos termos da Portaria susomencionada. Com efeito, tendo demonstrado a UNIÃO, mediante os documentos referidos, ter buscado o cumprimento do ato normativo em comento, não se opõe o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL à transposição da UNIÃO do pólo passivo para o pólo ativo da presente lide. No que diz com a preliminar suscitada pela REDE GLOBO LTDA., segundo a qual houve a perda do objeto da presente Ação Civil Pública em razão do término do horário de verão, não merece ela prosperar. Isto porque o programa “ZORRA TOTAL”, classificado pelo Ministério da Justiça como recomendado para depois das 21h, estava sendo exibido neste Estado às 19h05min enquanto vigia o horário de verão. Ora, é cediço que, como o Estado do Acre não adota o horário de verão, a diferença a menor em relação ao horário de Brasília resulta em 03h(três horas), agravando, assim, a situação. Ocorre que mesmo com o término do horário de verão o Estado do Acre continua com 02h(duas horas) de diferença a menor em relação ao horário de Brasília, sendo, logo, o programa referido apresentado atualmente às 20h05min, ou seja, cerca de 01h antes do horário recomendado pelo Ministério da Justiça. Nesse passo, persistem as Emissoras-Rés descumprindo a recomendação do Ministério da Justiça, e, o que é mais grave, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo necessário, pois, o julgamento do mérito da presente lide. 2. Do mérito : Melhor sorte não assiste às Emissoras-Demandadas quanto às questões meritórias sob controvérsia, como a seguir se verá. A Carta Política da República, ao regular o direito à liberdade de expressão das emissoras de rádio e televisão, impôs claros 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre e principiológicos critérios ao seu exercício, consoante se observa da prescrição de seu artigo 221, ad litteram : “Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios : I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive a sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família” (grifei). Tais critérios são de observância obrigatória, não podendo, assim, se escusarem as emissoras de televisão de cumpri-los sob qualquer argumento que seja, tampouco sob o pálio de estarem no exercício regular do direito à liberdade de expressão, pois são princípios específicos que regem a liberdade de expressão dos meios de comunicação social. Nesse eito, é dever das emissoras de televisão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família, dentre outros, quando da organização de sua grade de programação, até mesmo quando da produção do conteúdo de seus programas, pelo que o descumprimento da referida norma constitucional enseja a reprimenda judicial. Não há que se dizer, assim, que o fato da classificação realizada pelo Ministério da Justiça, mediante a Portaria nº 796/2000, ser apenas indicativa, permite o ordenamento jurídico que se deixe de observar os princípios constitucionais atinentes à matéria. Ora, sustentar a tese de que, por ser a classificação aludida apenas indicativa, não têm as Rés o dever de lhes dar cumprimento, é negar a força normativa da Constituição, é pôr em descrédito sua efetividade e, em conseqüência, é desrespeitar todo o 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre ordenamento jurídico pátrio, uma vez que a Carta Magna é a Lex Fundamentalis, a base de todo o sistema jurídico brasileiro. E mais : deixar de cumprir o princípio que orienta os meios de comunicação social a observarem os valores éticos e sociais da pessoa e da família, em virtude da classificação dos programas televisivos ser apenas indicativa, demonstra má-fé, irresponsabilidade e ânimo de ferir o direito tutelado pela norma respectiva por parte das emissoras de televisão, que abusam, assim, do direito à liberdade de expressão, garantido com nobreza pela Carta da República. No que tange ao respeito aos princípios constitucionais, observa CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELO, in verbis : “Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”1 (grifei) Verifica-se, assim, que os maiores inimigos do direito à liberdade de expressão não são senão as Rés, que o descaracterizam ao retirar a responsabilidade que permeia o seu exercício, tornando-o ilegítimo. Destarte, o direito à liberdade de expressão não pode estar dissociado da responsabilidade, do dever de observar a ética e os princípios constitucionais a ela inerentes, constituindo-se eles como verdadeiros elementos caracterizadores da legítima liberdade de expressão. LUIS GUSTAVO DE CARVALHO, que rememora o dever constitucionalmente previsto dos órgãos de informação, leciona ipsis verbis, que : “(...) A mesma tênue linha entre público e privado impõe ao órgão informador, muito especialmente, mais uma tarefa, consistente em obedecer a uma pauta ética. Desbordar esta pauta é desonrar a missão que lhe é atribuída. Como já se assinalou ‘los 1 MELO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 12 edição, revista, atualizada e ampliada. Malheiros, São Paulo : 2000. 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre mayores enemigos de la libertad no son quienes la oprimem, sino quienes la desonran’” 2 (grifei). Não merece prosperar, pois, qualquer alegação no sentido de que o ordenamento jurídico não impõe nenhuma determinação às emissoras de televisão, haja vista que a Constituição Federal estabeleceu critérios e princípios claros quanto ao exercício da liberdade de expressão, que, no entanto, não têm sido respeitados pelas Emissoras Demandadas. No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/90 -, garante aos menores o direito à programação sadia, que respeite a sua condição de pessoas em desenvolvimento, bem assim de seres humanos com direito à dignidade, como se vê, in verbis : “Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”. Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (grifei). “Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis. (...) Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor” (grifei). 2 Idem nota 1. 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre “Art. 70. É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente". Particularmente quanto à informação, cultura e espetáculos públicos, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que : “Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. (...) Art. 76. As emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Parágrafo único. Nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado sem aviso de sua classificação, antes de sua transmissão, apresentação ou exibição.” (grifei) No que diz com o disposto no artigo 76, acima transcrito, tem-se que, apesar de haver apenas recomendação quanto aos horários de exibição dos programas, há ordem expressa na norma citada para que as emissoras de televisão somente exibam nesses horários programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e não se deva deixar de observar tal regra. Em que pese, portanto, esteja o artigo 2º da Portaria nº 796/2000 do Ministério da Justiça com a eficácia suspensa por medida judicial, o próprio bom senso nos indica que tipo de programação não é adequada para o horário em que diversas crianças - no caso, as acreanas -, ainda se encontram acordadas, visto que todos nós temos a capacidade de julgar, com esteio nos artigos 71 e 76 da Lei nº 8.069/90, se o conteúdo de determinado programa possui finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, enfim, em que se respeite a condição peculiar de crianças e adolescentes de pessoas em desenvolvimento. Assim sendo, dessume-se que as Emissoras Demandadas não estão apenas a ferir a Portaria 796/2000, mas também o Estatuto da Criança e do Adolescente e, principalmente, o que é mais grave, a Constituição Federal, na medida em apresentam, em horário 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre ainda destinado a menores, programas que não respeitam a condição peculiar de crianças e adolescentes como pessoas em desenvolvimento, tampouco com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, não atendem aos valores éticos e sociais da pessoa de da família. Irrazoável é dizer, portanto, que o pedido deste Órgão Ministerial, bem como a decisão do Juízo a quo, teve fundamento apenas na Portaria nº 796/2000, porque ela mesma se fundamenta na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente e, conforme se demonstrou, as Emissoras Demandadas não deixaram de observar somente a referida Portaria, mas também, e notadamente, a Carta da República e o Diploma Legal citado. Ora, o que conduziu o Juízo a quo em sua decisão foi a demonstração cabal dos abusos cometidos em detrimento do direito das crianças e adolescentes acreanos a uma programação que respeite os seus direitos consagrados constitucionalmente, bem como aqueles estampados no Estatuto da Criança e do Adolescente, nos quais se ampara a Portaria 796/2000 do Ministério da Justiça, que estabelece a classificação indicativa dos programas televisivos. Daí se dessume a constitucionalidade e a legitimidade da decisão recorrida, que, fundamentada no princípio da isonomia, declarou, ipsis verbis : “(...) naquela parte da Nação, é observada a classificação realizada pelo Ministério da Justiça, com força na Portaria já citada. Mas aqui, neste pedaço de chão tão brasileiro quanto, parece não importar que o horário de veiculação do programa seja qualquer outro, ainda que o não recomendado pelo Ministério da Justiça. Claro o tratamento desigual dispensado pelas Requeridas a pessoas da mesma nacionalidade, que gozam dos mesmos direitos constitucionais e legais. E isso porque considera ‘intocável’ a grade de sua programação diária” (grifei). Outrossim, ainda que reste o que se argumentar em contrário, diga-se de passagem que em se tratando de direitos natureza fundamental, como os destes autos, deve sempre prevalecer o que melhor garantir a dignidade humana, como um verdadeiro sobreprincípio do ordenamento jurídico. 9 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre Não há que se dizer, portanto, que em nome de ilegítima liberdade de expressão, visto que agressiva a direito alheio, se possa transmitir qualquer tipo de programa, qualquer que seja o horário. Do contrário, de que espécie de liberdade de expressão se está a falar? Desconheço-a como direito, haja vista inexistir no ordenamento jurídico brasileiro algum que não possua limites, ou que desrespeite direito de outrem, ou que não se paute pelo bom senso o seu exercício - de se dizer, pela própria razoabilidade. A nobre magistrada FLÁVIA DE ALMEIDA VIVEIROS DE CASTRO, em artigo entitulado “A liberdade de expressão no contexto dos Direitos Fundamentais, a responsabilidade de Imprensa e os Tribunais”, destaca, ipsis verbis, o seguinte : “(...) O limite da liberdade está no limite do próprio direito. Não há censura. O que há é o empecilho ao abuso de direito. (...) Adotar-se-á sempre uma fórmula que compatibilize os direitos correntes, de maneira a respeitar os respectivos núcleos ou conteúdos essenciais de cada qual. Este núcleo irredutível será composto do conjunto de motivos que fundaram a proteção jurídica do direito e que, em última análise, vão referenciar a questão da dignidade humana. (...) Um critério que pode ser utilizado para resolver litígios desta natureza é o da concordância prática e otimização dos valores constitucionalmente protegidos. Traduz-se em fiel reflexo da necessária compreensão sistemática da Carta Fundamental e do princípio constitucional da mesma” (grifei). Dessume-se do excerto acima transcrito que, havendo conflito entre direitos fundamentais, se faz necessário aplicar os critérios da concordância prática e da otimização dos valores constitucionais, o que fez este Órgão Ministerial ao requerer tão-somente que as Emissoras Demandadas adequassem a sua programação aos princípios constitucionais e às normas legais atinentes à matéria, em prol do direito dos menores telespectadores. No que diz com as alegações das Emissoras Demandadas no sentido de impor dificuldades para dar cumprimento à medida requerida, é de se ressaltar que tivessem elas cumprido seu dever constitucional e legal, atentando para a ética e os valores sociais da pessoa e da família, não necessitariam arcar com o ônus da reparação e da prevenção dos danos que causaram e continuam 10 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre causando.Não obstante, tendo as Emissoras Rés desonrado a liberdade de expressão que lhes foi garantida pela Constituição Federal, desrespeitando os princípios a ela atinentes e ferindo direito difuso dos menores telespectadores, se sujeitam à reprimenda judicial. Particularmente quanto à tutela preventiva dos direitos que se visa proteger com a presente Ação Civil Pública, é ela perfeitamente congruente com o ordenamento jurídico pátrio, uma vez que a Carta Magna da República assegura em seu artigo 5º, inciso XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Nesse eito, o Poder Judiciário somente não poderia ser utilizado como garantia à tutela preventiva dos direitos que se colima assegurar com esta Ação Civil Pública se o direito à liberdade de expressão fosse absoluto. Entretanto, como é cediço de todos, não existem direitos absolutos na Constituição da República Federativa do Brasil. Não há como se sustentar ainda a alegação das Rés no sentido de que a medida pleiteada por este Órgão Ministerial caracteriza censura prévia, pois os programas televisivos, como é de conhecimento da RÁDIO TV DO AMAZONAS LTDA. e da REDE GLOBO LTDA, são submetidos à apreciação do Ministério da Justiça mediante sinopse produzida pelas Emissoras de Televisão. Assim, a classificação dos programas é anterior à sua exibição. Já no que tange à possibilidade de condenação por danos morais em função da ausência de provas, culpa das emissorasdemandadas e nexo de causalidade, a simples violação do princípio previsto no artigo 221, inciso IV, da Carta Política, bem como do direito de menores garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, está a indicar a existência de dano moral causado à coletividade, cuja base legal específica para a condenação se encontra na Lei nº 7.347/85, bem como no Código de Defesa do Consumidor. Outrossim, é de se rememorar o que preceitua o artigo 334 do Código de Processo Civil, segundo o qual “não dependem de provas os fatos notórios”, como no caso dos autos. A propósito, “para efeito de indenização, em regra, não se exige a prova do dano moral, mas sim a prova da prática ilícita donde resulta a dor e o sofrimento, que 11 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre o ensejam” (STJ – Resp. 204.786 – SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 7/12/1999), estando a prática ilícita perpetrada pelas Emissoras Demandadas cabalmente demonstrada nos autos. Do mesmo modo, a culpa das Emissoras Rés é objetiva, porque na qualidade de prestadoras de serviço público federal estão sujeitas à regra inserta no artigo 37, parágrafo 6º, da Carta Magna, não merecendo maiores debates esta questão. O nexo causal tampouco há que ser contestado. Infere-se o dano causado da inobservância pelas emissoras-rés do princípio atinente aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, e estando devidamente provada a prática ilícita resta demonstrado, portanto, o nexo causal entre o dano e o ato lesivo. Assim sendo, resta inconteste que as Emissoras Demandadas estão a ferir o sistema jurídico pátrio, em cuja norma fundamental se encontram os fundamentos da presente Ação Civil Pública, merecendo, assim, sejam condenadas a adequar a sua programação aos princípios constitucionais referentes à matéria, em favor dos menores acreanos, acatando a Recomendação do Ministério da Justiça quanto ao horário de veiculação do programa “ZORRA TOTAL”. III. DO PEDIDO : Isso posto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL a transposição da UNIÃO para o pólo ativo da Ação Civil Pública epigrafada - e, conseqüentemente, a desistência do pedido formulado em seu desfavor - , bem como o prosseguimento regular do pleito até sentença final, a fim de se condenar as rés RÁDIO E TV DO AMAZONAS LTDA. e REDE GLOBO LTDA. ao cumprimento das medidas previstas na exordial. Rio Branco-AC, 30 de março de 2004. 12 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Acre Marcus Vinicius Aguiar Macedo PROCURADOR DA REPÚBLICA 13
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