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REVISTA DO MESTRADO EM EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL Intermeio, R. Mestrado Ed., Campo Grande,MS, v.3 n.5 p. 1-68 1997 INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL Jorge João Chacha Reitor Amaury de Souza Vice-reitor Sônia da Cunha Urt Coordenadora do Curso de Mestrado em Educação Jesus Eurico Miranda Regina Diretor do Centro de Ciências Humanas e Sociais REVISTA DO MESTRADO EM EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL Caixa Postal 649 - Fone (067)787.3311 - Ramal 2311 CEP 79.070-900 - Campo Grande-MS Câmara Editorial Ana Lúcia Farah Valente Ana Maria Gomes Elcia Esnarriaga de Arruda Sandino Hoff Conselho Científico José Luiz Sanfelice - UNICAMP Mirian J. Warde - PUC/SP Antônio Penalves Rocha - USP Márzia Terenzi Vicentini - UFPR Gilberto Luiz Alves - UFMS Projeto Gráfico, Editoração Eletrônica e Produção Gráfica Rua 9 de Julho, 1992 CEP 79.081-050 - Campo Grande-MS Fone: (067)787.1335 - Fax: (067) 787.7642 e-mail:[email protected] Revisão A revisão lingüística e ortográfica é de responsabilidade dos autores Impressão e Acabamento Editora UFMS 2 INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 4 Tendências de Privatização na Educação Brasileira Uma tentativa de mapeamento Romualdo Portela de Oliveira 12 A Realidade da Educação Infantil no Brasil sob a Égide da Lesgislação Educacional Vigente Gisele Cristina Martins Real 24 A Educação Especial na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira Alexandra Ayach Anache 32 As Políticas Educacionais do Estado na Determinação das Funções Sociais da Escola Elisângela Alves da Silva 42 A Reforma Educacional no Espaço Local O Projeto Pedagógico da Escola Dirce Nei Teixeira de Freitas 54 Educação Pública em Mato Grosso do Sul na Década de 80 Questões Globais e Locais Ester Senna 64 74 Política Educacional A Gestão Democrática na Rede Estadual de Ensino em Mato Grosso do Sul (1991 a 1994) Maria Dilnéia Espíndola Fernandes O "Novo" Reordenamento do Capitalismo Mundial e a Política Educacional em Mato Grosso do Sul Kátia Cristina Nascimento Figueira 84 Escola e Empresa: 95 Dissertações Defendidas no Mestrado em Educação Parceria de Futuro? Sandra M. Zákia L. Sousa ENCARTE ESPECIAL Apresentação Coerente com a preocupação do Curso de Mestrado em Educação - UFMS em estabelecer um canal de intercâmbio entre os pesquisadores para divulgar suas pesquisas em Educação, bem como considerando a necessidade de colocar na ordem do dia reflexões que contribuam para a materialização de uma escola que responda aos desafios da Sociedade Contemporânea, a Revista Intermeio lança o primeiro número monotemático que expressa as preocupações e temas que têm sido eleitos pela linha de pesquisa Políticas Públicas de Educação. Contribuíram para a constituição deste número docentes, mestrandos e mestres do Curso de Mestrado em Educação e doutorandos em outras instituições que integram a linha de pesquisa. Contamos ainda com a participação de docentes de outras instituições que acolheram o convite para enriquecer nosso debate. Colocamos a Revista Intermeio à disposição dos colegas e renovamos nossas expectativas de que ela possa se concretizar como veículo dos esforços mobilizados por educadores para compreensão da sociedade. DESC ARTES DESCARTES Campo Grande, novembro de 1999 A Procura da Verdade por Meio da Luz Natural Drª Elcia Esnarriaga de Arruda Diretora INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 3 Este artigo procura discutir como as modificações sociais, econômicas e políticas decorrentes da Revolução Informacional e da Globalização da Economia têm alterado as demandas por educação, tentando realizar um mapeamento sucinto das iniciativas de política educacional implementadas nos últimos anos que procuram se adequar a estas novas demandas. Conclui observando que estas, de uma forma ou de outra, têm como característica um menor comprometimento do Estado com a garantia da educação para todos e um entendimento, ainda que não explicitado, que os mecanismos de mercado têm um forte poder de induzir aperfeiçoamentos. Apesar destas iniciativas poderem ser consideradas como tendentes a facilitar a privatização da educação, elas não caracterizam uma alteração nas formas de propriedade, apenas tornam mais plausível tal modificação no futuro. Palavras-chave: Política Educacional, Reforma Educacional, Globalização e Educação, Neo-liberalismo e educação, Privatização. Tendencies of Privatization in Brazilian Education: trying a survey This paper address how the social, economic and political changes that came with Informational Revolution and Economic Globalization have modified educational policies in the last years ant tries to make a survey of these new policies. Concludes that these policies, have as characteristics lesser State support and lesser compromise with education for all and understand that market mechanisms can induce progress in school system. Although these initiatives can be considered as pro-privatization, they still do not represent a change in property of school system, but only make it easy in the further. 4 Key words: Educational Policy, School Reform, Globalization and Education, Neoliberalism and Education, Privatization INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Tendências de Privatização na Educação Brasileira Romualdo Portela de Oliveira (FE-USP) Versão revista e ampliada de comunicação apresentada à 41ª Reunião Anual da Comparative and International Education Society (CIES), Mexico City - 19 a 23 de março de 1997, intitulada “Neoliberalism and Educational Policy in Brazil: Pressures on the State to abandon support for Public Schools” e trabalho apresentado à XX Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), Caxambu (MG), 20 a 25 de setembro de 1997, sob o título “Novas Tecnologias, Neoliberalismo, e Política Educacional no Brasil”. * ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Uma tentativa de mapeamento * O transistor e posteriormente os microchips produziram impactos tão significativos na sociedade contemporânea que economistas e historiadores comparam-nas com a primeira e segunda Revoluções Industriais dos séculos XVIII e XIX. Tais modificações caracterizam uma Revolução que tem operado significativas mudanças na vida social, política e econômica. O recurso à metáfora da Revolução Industrial, se aplicável nos primeiros tempos, tornou-se insuficiente para explicar os fenômenos hoje observáveis. Parece mais adequada a idéia de Revolução Informacional, desenvolvida por Lojkine. (Cf. Mandel, 1982; Lojkine, 1995; Rifkin,1995 e Santos, 1995) Na vida social, as novas tecnologias ocupam crescente espaço e tempo na vida das pessoas através da utilização de produtos eletrônicos que automatizam praticamente tudo, das atividades domésticas às atividades públicas em serviços, bancos, comércio etc. em uma escala inimaginável trinta anos atrás. Estas mudanças tecnológicas afetam as relações entre as pessoas, do processo de socialização das crianças, ao dos adultos, tornando possível até mesmo relações “virtuais” através de artefatos tecnológicos como telefone, computador etc1. As novas tecnologias afetam a economia, pelo menos, de duas maneiras: a) redução do número total de empregos no setor produtivo; b) crescente complexidade do posto de trabalho. 1 No filme canadense “Denise está chamando” (Denise Calls Up), há uma crítica desse processo. Mais recentemente, o mesmo pode ser observado em “Mens@gem para você” (You’ve got a mail). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 5 A redução do número global de empregos no setor produtivo pode ser observada pelos dados sobre desemprego em muitos setores industriais, sem a correspondente diminuição da produção. Ao contrário, em certos casos, a produção aumenta como conseqüência dos ganhos de produtividade gerados pelas novas tecnologias. As conclusões de Jeremy Rifkin (1995), para quem as modificações no processo de trabalho causam uma diminuição do número total de empregos na economia, permanecem como um importante perigo social. No entanto, até o momento, pelo menos nas economias com maiores taxas de introdução de novas tecnologias, a Norte-Americana e a Japonesa, a diminuição do emprego no setor produtivo tem sido compensada pelo aumento do emprego no setor terciário, em serviços de segurança, assistência social etc. Ainda não está claro se, no longo prazo, a diminuição do emprego em um setor poderá ser compensada pelo aumento no outro. Ao mesmo tempo que a revolução tecnológica diminui o número total de empregos no setor produtivo, os empregos restantes se tornam mais complexos, demandando do trabalhador crescente capacidade de tomada de decisões. (Cf. Kreuger, 1993) Na vida política a diminuição do número total de empregos, mesmo temporariamente, tem duas importantes conseqüências: as quais a mais conhecida é a “Front National” Francesa. Isto ocorre também nos Estados Unidos, o que pode ser percebido pelo discurso de grupos como a “Nação do Islã”, a “Coalizão Cristã”, os “Homens Livres” e outras organizações. Do outro, complementarmente, a concepção neoliberal de gestão do Estado, que defende o fim do Estado de Bem-Estar Social e acredita que o equilíbrio econômico pode ser alcançado apenas pela livre ação do mercado, torna-se uma opção plausível. (Cf. Gustafson, 1994; Santos, 1995) No Brasil, apesar de nunca termos tido um Estado de Bem-Estar Social típico (Cf. Cignoli, 1985), o Estado suportou certos serviços sociais, como saúde, seguridade social e educação. O país sempre teve uma parte importante de sua população economicamente ativa fora do mercado formal de trabalho. Isso comprimiu a remuneração da força de trabalho, mesmo em relação a outros países em desenvolvimento. Assim, o efeito das políticas que procuram reduzir o tamanho do Estado na economia é mais perverso no caso brasileiro, pois a ação equalizadora do Estado já é menor do que nos Estados Unidos e Europa Ocidental, o que apenas agrava seu quadro de aguda desigualdade. O presente trabalho situa as modificações ocorridas nas políticas educacionais nesse contexto de aceleradas mudanças sociais, políticas e econômicas, que alteram os objetivos a ser perseguidos pelas políticas educacionais face às modificações decorrentes da Revolução Tecnológica, procurando responder à seguinte questão: Que políticas educacionais, implementadas ou em discussão no Brasil nos últimos anos, se enquadram dentro das demandas oriundas das novas condições de produção, e quais suas características? O efeito das políticas que procuram reduzir o tamanho do Estado na economia é mais perverso no caso brasileiro. 6 a) transforma o emprego, ou o desemprego, em um problema político, além de econômico. Isto é percebido pelas taxas de desemprego na Europa Ocidental, com uma taxa média de 12%, e em alguns países, como Espanha (16%) e Alemanha, (12,5%) atingindo o maior índice nos últimos trinta anos. (Cf. OECD, 1995) b) Aumenta a crise do Estado de Bem-Estar social, pois aumenta a demanda por serviços públicos em um ritmo que o orçamento público não pode suportar. (Cf. Pierson, 1991) Dois fenômenos políticos decorrem desse processo. De um lado, propostas políticas que atribuem o desemprego a certa etnia, nacionalidade, classe ou gênero, especialmente imigrantes, ganham espaço. Na Europa, particularmente na França e Alemanha, este discurso tem fortalecido alternativas políticas neonazistas, entre INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS As Novas TTecnologias ecnologias e a Educação Para a educação, as novas tecnologias significam a demanda por trabalhadores com mais qualificação. A combinação de redução do emprego no setor produtivo, derrota da concepção do Estado de Bem-Estar Social, e a demanda por uma força de trabalho com mais qualificação, tem condicionado as políticas educacionais desde os anos 80. A idéia de “igualdade de oportunidades” através da educação, objetivo clássico da educação no pensamento liberal vem sendo substituída pela da “excelência” ou da “qualidade”. (Cf. Gentili, 1995) Nos Estados Unidos, o ponto de partida desta mudança foi a publicação, em 1983, do ‘report’: “A Nation at Risk: The Imperative for Educational Reform”, que condicionou o debate educacional nos anos seguintes. Desde sua publicação, o objetivo da melhoria da performance dos estudantes em testes padronizados tornou-se a principal forma de legitimação e avaliação de políticas educacionais. No Brasil, a temática da qualidade também está rapidamente se tornando a central. Entretanto, esta questão emerge de maneira diferente nos dois países, o que pode ser compreendido pelas diferentes características dos respectivos sistemas educacionais. Nos Estados Unidos, a conclusão de que o sistema escolar não satisfazia os novos requerimentos do processo industrial veio da análise da performance dos estudantes em testes padronizados, tais como o NAEP (National Assessment of Educational Progress), SAT (Students Aptitude Tests), e das comparações internacionais propiciadas por exames tipo IMSS (International Math and Science Study). No Brasil, este diagnóstico veio da análise do fluxo dos estudantes dentro do sistema escolar, particularmente durante o período de escolarização compulsória. Os principais problemas decorriam das altas taxas de evasão e repetência2. Nos últimos anos da década de oitenta, generalizou-se a idéia de que o acesso estava garantido, e o problema era a “perda” dentro do sistema através de reprovações sucessivas. Dessa forma, o principal objetivo da política educacional transferiu-se da busca da “equidade”, partindo da oportunidade de acesso para todos, para a “qualidade” que pode comportar o sentido de melhora do fluxo, mas também o de melhora de performance. (Cf. Ribeiro, 1991; Helene, 1991) crático, permitiu uma ofensiva ideológica muito mais ampla, que rejeita todas as formas de socialismo, o marxismo e, até mesmo, a tentativa de uma compreensão racional do mundo. Os debates sobre o “Fim da História” (Fukuyama, O principal objetivo da política educacional transferiu-se da busca da "equidade" para a "qualidade". A marcha em direção à privatização A queda do Muro de Berlim, para além de representar uma rejeição do socialismo buro2 1992; Anderson, 1992) e o pós-modernismo (Lyotard, 1984; Jameson, 1991) são bons exemplos desse processo. Esta ofensiva tem um objetivo prático no curto prazo, a erosão dos fundamentos do Estado de Bem-Estar Social. Procura-se criar na opinião pública uma imagem negativa das diferentes formas de ação do Estado. Tal ação seria “ineficiente”, “corrupta”, “burocrática”, ao mesmo tempo em que a iniciativa privada poderia administrar qualquer organização com menor custo social, sem burocracia e sem desperdício de recursos. No setor educacional, esta ofensiva associa as escolas privadas à melhor qualidade de ensino e à flexibilidade de estratégias educacionais, não propiciadas pelas escolas públicas. Apesar da privatização ser um componente essencial da concepção neoliberal de gestão do Estado, na educação brasileira esta não é a principal proposta, ao menos se entendermos por “privatização” a transferência da propriedade das escolas do setor estatal para o privado. O debate concentra-se em questões como a concepção de gestão do sistema escolar, a distribuição de responsabilidades entre os diferentes níveis da administração pública, e a transformação das escolas públicas em unidades autônomas que, no longo prazo, podem ter o sentido de privatização, mas que, no curto prazo, apresentam como característica mais importante, a redução do suporte estatal e o fortalecimento de formas privadas de financiamento e gestão do sistema educacional. Estas formas de Política Educacional no Brasil podem ser classificadas, segundo suas características, em quatro tipos: 1) importação de mecanismos de gestão da empresa privada; 2) concentração de recursos, 3) transferência Esta afirmação se assenta por exemplo nos índices de ingressantes no ensino fundamental que atingem a 5ª série (39%) e dos que concluem a escola fundamental de oito anos (22%). (CF. UNICEF, 1998). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 7 de responsabilidades e 4) O Estado “abdica” da gestão. Vejamos cada uma delas. Importação de mecanismos de gestão da empresa privada Este tipo de política pode ser observado através de três diferentes tipos de ações. A primeira é a proposta de introdução da cobrança de anuidades nas escolas públicas, principalmente nas de ensino superior. Esta proposição, apesar de não estar na “ordem do dia”, permanece como parte da agenda educacional do atual governo. Várias vezes o atual Ministro da Educação afirmou “não ser o momento para se discutir a questão”, deixando em aberto a possibilidade de que possa chegar o momento em que tal proposta se torne viável. É sempre bom lembrar que ela faz parte, há anos, das recomendações de organismos internacionais para a educação, tais como o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento3 (BID). (Cf. World Bank, 1995; Birdsall & Sabot, 1996) A segunda é a difusão das concepções da qualidade total no sistema escolar, sem uma diferenciação entre “qualidade de processo” e “qualidade de produto”. Como a ênfase é colocada na redução de custos, este procedimento não significa, necessariamente, melhor performance. Nos últimos anos, várias administrações públicas têm implantado projetos de “qualidade total em educação”, tais como a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais (1991-1997) e a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1993-1996). (Cf. Ramos, 1992, Drug & Ortiz, 1994) quisadores para complementá-los com ganhos externos. Isto faz com que as atividades na universidade se tornem orientadas pelo mercado, sem que se preserve qualquer tipo de incentivo para importantes atividades como ensino. Isto significa que o “mercado” - expresso pelas demandas externas - é que regula a priorização das atividades a serem desenvolvidas4. Concentração de Recursos Este tipo de política emerge da pressuposição que o setor educacional é politicamente importante como elemento de legitimação. Se alguém se notabiliza como administrador, ao ocupar um posto político-administrativo na área de educação, pode impulsionar sua carreira política. Consequentemente, é necessário obter resultados rápidos durante um único período de governo. Esta situação induz tentativas de “ações exemplares” que, eventualmente, podem se mostrar adequadas para pequenas partes do sistema, mas que são de difícil generalização para o sistema como um todo. O problema é que como a generalização tem limitações objetivas, ou estas limitações não são confrontadas pela política, o resultado é a exclusão das populações não atingidas pelos programas. Como exemplos deste procedimento podemos citar as experiências dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs.) - a escola de oito horas durante o primeiro governo Leonal Brizolla no Estado do Rio de Janeiro5 (1983-1986) e a “Escola Padrão” em São Paulo, durante o governo Luiz Antônio Fleury Filho (1991-1994). (Cf. Paro et alli, 1988) Estas políticas não são, necessariamente, concebidas segundo uma ótica neoliberal, como no caso dos CIEPs. É até plausível a idéia, dentro de uma ação equalizadora por parte do Poder Público, de atendimento diferenciado, privilegiando-se áreas mais necessitadas. O problema da definição dos possíveis beneficiários de políticas diferenciadoras é complexo, mas justificável dentro de uma ótica de equalização. Entretanto, a concepção de concentração de recursos, ou da construção de “ilhas de excelência”, O "mercado" - expresso pelas demandas externas é que regula a priorização das atividades educacionais a serem desenvolvidas. A terceira é a adoção de conceitos e práticas reguladoras do mercado no interior das escolas públicas. Este processo é mais observável nas universidades públicas pela combinação da limitação nos salários e pela indução aos pes3 4 8 5 Na mesma perspectiva podem ser citados os trabalhos de Plank (1996) e Barros & Mendonça, (1996). Um efeito complementar a este processo é a migração de profissionais qualificados da rede pública de ensino superior para universidades privadas, “estimulados” pelos baixos salários na rede pública e a ameaça permanente de modificação na legislação previdenciária. E seus correspondentes nacionais, os CIACs., do Governo Collor e os CAICs., do Governo Itamar. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS pode, também, ser fundamentada segundo a ótica neoliberal que assume, como inevitável conseqüência, que uma parcela não será atendida pela política social. (Cf. Moraes, 1994) Transferência de Responsabilidades Neste caso, a típica iniciativa é a “descentralização”, entendida como a transferência da gestão das escolas do nível estadual para o nível local, a municipalização do ensino. Aqui, opera-se uma confusão conceitual, pois assume-se que “municipalização” seja sinônimo de “descentralização6”. Tentativas de transferência da administração das escolas para o nível local não são novas no Brasil, mas a mais ambiciosa iniciativa nesse sentido está sendo implementada pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Em 1996, o governo aprovou a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Apesar da importância de se aumentar a equalização dos salários dos professores do país, a proposta significa uma redução do gasto do Governo Federal na educação elementar, induzindo a transferência do suporte deste nível de ensino para Estados e Municípios e, ao mesmo tempo, permitindo que o Governo Federal se desobrigue da suplementacão financeira com este nível de ensino prevista na legislação que foi substituída pelo Fundo7. (Cf. Lei 9424/96) Transformação da escola em cooperativa A experiência de Maringá (PR), em 199192, consistiu em transformar as escolas municipais em cooperativas, nas quais os professores eram os “cotistas”. O Governo Municipal transferia recursos para a cooperativa com base no número de alunos atendidos e em um custoaluno estipulado previamente. Após um certo tempo, a lógica das cooperativas tornou-se reduzir os custos e, consequentemente, a qualidade, para obter maiores lucros. A experiência fracassou porque para obter maiores lucros as cooperativas não observaram sequer as leis trabalhistas e foram acionadas judicialmente pelo sindicato dos professores, sendo abando- O Estado "abdicar" da gestão é a mais ambiciosa proposta para reduzir o suporte público para a educação e a que é mais explícita na perspectiva da privatização. O Estado “abdica” da gestão Esta é a mais ambiciosa proposta para reduzir o suporte público para a educação e a que é mais explícita na perspectiva da privatização. A idéia é dar condições de cada escola captar recursos de outras fontes que não o Estado. Isto tem sido buscado de três formas: nada pela administração municipal seguinte. (Cf. Perez, 1993; Azevedo, 1995) Transformação da APM8 em organização de direito privado Esta é a principal idéia do processo de reforma educacional implementada no Estado de Minas Gerais. O governo transfere recursos diretamente para a Associação de Pais e Mestres (Caixa Escolar), transformada em entidade de direito privado, que o administra. O processo não foi levado às últimas consequências, pois partes importantes do projeto não foram implementadas, como por exemplo a autonomia para a escola contratar e demitir professores, devido à resistência do Sindicatos dos Professores. Entretanto, conseguiu-se implantar a concepção de que o mecanismo de repasse de recursos para as escolas seria condicionado por dois elementos, o número de alunos atendidos e o desempenho destes em testes padronizados. Estímulo para cada escola obter recursos diretamente A idéia é estimular cada escola a obter recursos de empresas e da comunidade em geral para auxiliar no seu suporte. Este processo é 6 Pode-se ter um processo de “municipalização” e ao mesmo tempo não ocorrer nenhuma “descentralização”. (Cf. Oliveira, 1997) 7 Nos termos em que foi aprovado o Fundo, o governo poderá aplicar recursos do Salário-Educação, que são vinculados ao ensino fundamental, desobrigando-se, ou diminuindo significativamente a aplicação de recursos orçamentários. 8 APM é sigla da Associação de Pais e Mestres, em alguns estados chamada de Caixa Escolar. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 9 relativamente comum em escolas inseridas em comunidades mais ricas ou onde a escola encontra alguma empresa com disposição para dar-lhe dinheiro. Conclusão As iniciativas aqui mencionadas trabalham com dois “approachs”, que às vezes aparecem combinados: De um lado, buscam diminuir o suporte do Poder Público para a educação, seja utilizando mecanismos de redistribuição de competências, como no caso do FUNDEF e das Políticas de Municipalização em geral, possibilitando a desobrigação de um nível administrativo das responsabilidades educacionais, seja através do recurso a fontes de financiamento privadas, em substituição a recursos públicos que passam a ser investidos em outras áreas, que não a educação9. Como conseqüência desse tipo de política, aquelas escolas que desenvolverem mecanismos de captação de recursos terão vantagens relativas quando comparadas às demais. seletividade no atendimento, como as políticas de concentração de recursos. Com este breve sumário das políticas, podemos ver que a concepção neoliberal de gestão do Estado aparece no Brasil de diferentes formas, mas com a característica comum de reduzir o papel do Estado no suporte da educação pública e aumentar o papel da sociedade ou legitimando e incorporando, na gestão das escolas públicas, práticas típicas do mercado capitalista. Isto significa que o objetivo da “equidade” educacional está sendo abandonado por algumas políticas aqui analisadas, se nem sempre em termos de objetivo declarado, mas de fato. Retomando-se a questão formulada no início, com a Revolução Tecnológica e a Globalização há uma demanda por trabalhadores mais qualificados, o que explica o fato da educação ter voltado a ocupar espaço importante no debate político mais geral. Ao mesmo tempo, a diminuição da demanda por empregos no setor produtivo possibilita a mudança de objetivos nas políticas educacionais, da “equidade” para a “qualidade”. Esta mesma mudança possibilita ao Poder Público diminuir o suporte ao ensino público e expandirem-se práticas orientadas e legitimadas pelos critérios do mercado. Dessa forma, apesar do “programa” típico do neoliberalismo - a privatização - não estar na “ordem do dia”, pode-se afirmar que as políticas educacionais aqui descritas criam melhores condições para que isso venha a ocorrer. Neste sentido, elas seriam uma “preparação de terreno”. Resta verificar se, de fato, tais políticas têm induzido a maiores ou menores níveis de desigualdade educacional. Há uma demanda por trabalhadores mais qualificados, o que explica o fato da educação ter voltado a ocupar espaço importante no debate político mais geral. Ao mesmo tempo o Estado, principalmente nos níveis federal e estadual, diminui ou abandona o suporte da rede de ensino público fundamental, transferindo esta responsabilidade aos Municípios10. De outro, temos as políticas que buscam incorporar a lógica do mercado, através de propostas como o ensino pago e a gestão de qualidade total, ou implantar procedimentos de 9 Um mecanismo importante de operar esta transferência de recursos do setor educacional para outras áreas, tem sido o Fundo Social de Emergência e seu sucedâneo, Fundo de Estabilização Fiscal. 10 Esta municipalização “induzida” pelo FUNDEF tende a ter um limite, determinado, a meu ver, pelo ponto em que o município (ou Estado em alguns casos) deixa de “perder” recursos para o Fundo. BIBLIOGRAFIA ANDERSON, Perry. (1992), O Fim da História: de Hegel a Fukuyama. [Trad. Álvaro Cabral]. Rio de Janeiro, Zahar. AZEVEDO, Mário Luiz Neves de. (1995), Neoliberalismo e Educação: Novo Conflito entre o Público e o Privado. São Carlos, Dissertação de Mestrado - Universidade Federal de São Carlos. 10 BARROS, Ricardo Paes de & MENDONÇA, Rosane Silva Pinto de. 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UNICEF. (1998). A Situação Mundial da Infância. WORLD BANK. (1995), Priorities and Strategies for Education - A World Bank Review. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 11 O artigo estuda a temática da educação infantil – política e realidade – dando ênfase às determinações sócio-políticoeconômicas, bem como à relação entre políticas globais nacionais e diretrizes internacionais.Toma como referência a legislação educacional vigente, abarcando o período de 1988 a 1996.Verifica-se que o Estado tem se limitado a uma atuação focalizada, não respondendo aos requerimentos de educadores da área, ficando a educação infantil preterida em relação aos outros níveis educacionias. Palavras-chave: Educação infantil; Políticas públicas; Creches; Política educacional. The article is about child education in so far as governamental and real (effective) policies, considering our social economical and political determinations, according to current educational legislation, embrancing the period from 1988 to 1996. Il verifies that state has limited its area of attention, no replying to the requests of the region educators, leaving child education behind related to other educatonal levls. 12 Key words: Child education; Publics policies; Child care; Education policies. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS A Realidade da Educação Infantil no Brasil sob a Égide da Legislação Educacional Vigente Gisele Cristina Martins Real A autora é mestranda do Programa de Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/UFMS, e professora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul/UEMS. * Trabalho realizado sob a orientação da Drª Ester Senna ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ * Este texto exterioriza algumas reflexões acerca da Política Pública da Educação Infantil contemporânea no Brasil. O objetivo central do texto é identificar como a educação infantil está contemplada na legislação educacional vigente, bem como indicar os embates importantes que foram travados no processo de sua elaboração. Toma-se o período de 1988 a 1996 como um ponto referencial que abrange toda a legislação recente que trata desta etapa da Educação Básica. Cumpre esclarecer ainda, que se optou por uma análise da legislação por se tratar de uma das formas como se materializa a política estatal em sua caracterização expressa. Selecionou-se os seguintes documentos legais para o presente estudo: 1. A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, na qual vinculou-se o atendimento institucional em creches e pré-escolas ao capítulo da Educação; 2. O Estatuto da criança e do adolescente, Lei nº 8.069/90, que atribuiu ao Poder Público absoluta prioridade na efetivação dos direitos da criança1; 3. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/96 que define o termo Educação Infantil; 4. a Lei nº 9.424/96 – Lei do “Fundão” – que se omite em relação à Educação Infantil, o 1 Parágrafo único e “caput” do art. 4º da lei n. 8.069/90. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 13 que permitiu a propositura das questões presentes neste texto. A análise da educação infantil proposta neste texto, fundamenta-se em dois pressupostos centrais. O primeiro, refere-se à importância da educação infantil no desenvolvimento intelectual, afetivo e motor da criança, principalmente na faixa etária de 0 a 3 anos, como já ças abandonadas que eram atendidas por particulares sob a forma de “caridade”3. Em virtude do número crescente destas crianças, o movimento jesuítico-católico – respaldado no modelo português – com custeio financeiro de doações da monarquia ou de terceiros, criou a primeira instituição de atendimento infantil no Brasil – a “Roda de Expostos” – no ano de 1726, sendo a primeira na cidade de Salvador, e depois se estendendo para outras localidades (Marcílio, 1997). Durante todo o Império a “Roda de Expostos” foi a principal instituição com a finalidade de assistência à infância, chegando a se expandir para dezoito municípios. Nos municípios onde não havia a regulamentação da “Roda de Expostos” as Câmaras Municipais eram as responsáveis por este atendimento, mas alegando falta de recursos um número ínfimo de crianças foi atendido (Ibid.). No período que antecedeu à instalação da Primeira República, alguns acontecimentos internos e externos contribuíram para engendrar um novo contexto na construção da concepção de educação infantil brasileira. Estes acontecimentos possibilitaram modificações de várias ordens sobretudo nos aspectos sociais, políticos e culturais ocasionados pelo iluminismo europeu que proporcionou a disseminação da importância da ciência e da técnica; pelos ideais da revolução francesa de liberdade, igualdade e fraternidade que já se faziam ressoar, e pelo modelo emergente de estado liberal, que se efetivou com o advento da República. O discurso estatal neste momento apregoava o jargão da criança herdeira do novo Brasil. A educação infantil é a mais importante etapa da educação pois ela é a estrutura sobre a qual se sedimentará toda ação educativa posterior. comprovado cientificamente pela neurobiologia2, o que permite considerar a educação infantil não apenas como a primeira etapa da educação, mas sim como a etapa mais importante. Como corolário deste primeiro pressuposto focaliza-se a democratização da educação infantil, o que equivale ao atendimento institucional a todas as crianças pois, conforme já mencionado, a educação infantil é a estrutura sobre a qual se sedimentará toda ação educativa posterior. Breve história da Educação Infantil Para compreender a Política Pública da educação infantil contemporânea e suas implicações legais é interessante retomar a história, observando a função do Estado brasileiro e da sociedade em relação a esta etapa da educação. Com o processo de colonização brasileira iniciou-se as primeiras medidas de cuidado com a infância das classes mais pobres. Estas medidas se materializavam em relação às crian- 14 2 Os resultados dessas pesquisas já estão sendo divulgados. Por exemplo: “O que essas pesquisas dizem é que o cérebro se forma na relação da criança com o ambiente, e que isso ocorre principalmente dos 0 aos 10 anos – e de forma ainda mais acentuada dos 0 aos 3 anos” (Folha de S. Paulo, 21.04.97, caderno cotidiano, p. 10). “Embora a maioria das ligações neuronais que determinarão o futuro intelectual e emocional da criança se formem do zero aos três anos, algumas conexões ainda estão sendo estabelecidas até os dez.” (Folha de S. Paulo, 03.02.98, caderno cotidiano, p. 08). 3 Maria Luiza Marcílio (1997) menciona ainda o interesse em utilizar estas crianças como mão de obra doméstica gratuita. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Este contexto histórico delineou o processo de extinção da “Roda de Expostos” que foi impulsionado por um grupo de médicos, juristas e higienistas empenhados em conter os altos índices de mortalidade infantil e criminalidade. O ideário de educação passou a exigir mais do que a caridade. Assim, a assistência caritativa, intencionada pela “Roda de Expostos” passou a ser assistência “científica”, pautada sobretudo nos aspectos de higiene, saúde e socialização (enquanto uma função modeladora), prevalecendo o intuito da educação do pobre para a proteção do rico (Kuhlmann Jr, 1991). Ainda, neste contexto, há a influência americana e européia dos “Kindergärten” de concepção froebeliana, os quais, no Brasil, vieram atender os filhos da elite, inclusive nas iniciativas públicas, como é o caso, por exemplo, do primeiro Jardim de Infância público instalado anexo à Escola Caetano de Campos, em São Paulo, no ano de 1896. (Kishimoto, 1990). Estes fatos engendraram a efetivação de um processo que estabeleceu a dicotomização da educação das crianças de 0 a 6 anos em, basicamente, duas formas de atendimento: as creches e salas de asilo para atender os filhos de alguns operários, de empregadas domésticas, crianças carentes e abandonadas, com fins predominantemente assistenciais4; os jardins de infância para atender os filhos da elite com uma metodologia froebelina. Assim, é possível afirmar que os jardins de infância contribuíram para reforçar uma forma de discriminação social: educação do “pobre” diferenciada da educação do rico. No aspecto político-jurídico havia muita controvérsia acerca da necessidade e da importância desta forma de atendimento educacio- nal, inclusive por predominar no país o modo de produção agrícola, que não exigia mão de obra feminina, que se ocupava dos afazeres domésticos e do cuidado com os filhos, diferindo dos países de capitalismo avançado onde as mulheres eram incorporadas em grande escala pela indústria. Até 1930 este foi o quadro da Educação Infantil no país5. A modificação deste contexto ocorreu, entre outras causas, em virtude da crescente urbanização, conseqüência da industrialização e do êxodo rural, o que por sua vez contribuiu com um relativo empobrecimento das condições de vida do trabalhador, que passou a exigir medidas assistenciais. A creche, desta forma, fez parte de uma série de medidas implantadas pelo Estado dentre as quais pautava-se: saneamento básico, transporte rodoviário urbano, habitação, saúde pública e educação. Contudo, em relação às creches o Estado ainda se omitiu da responsabilidade de sua manutenção. As medidas estatais se limitaram a atribuir às indústrias esta tarefa, o que se configurou na Consolidação das Leis Trabalhis- É possível afirmar que os jardins de infância contribuíram para reforçar uma forma de discriminação: educação do "pobre" diferenciada da do rico. tas (CLT) e na criação de várias entidades e organismos públicos e não-governamentais destinados à assistência infantil, com ações muitas vezes descontínuas, sobrepostas e desarticuladas (Kramer, 1992). Na década de 50 instalaram-se no Brasil organismos internacionais como a OMEP (Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar) e o UNICEF6 (Fundo das Nações Unidas 4 Este atendimento se fazia revestido de um caráter filantrópico com vistas a diminuir os problemas sociais, mas não eram tidos como direitos legalmente constituídos. 5 Interessante é o dado apresentado por Kishimoto (1990) que de 1896 a 1930 o único Jardim de Infância mantido pelo poder público em São Paulo foi o anexo à Escola Caetano de Campos. 6 A primeira representação do UNICEF no Brasil foi em 1950 em João Pessoa e, a OMEP se constituiu em 1953, segundo dados fornecidos pelos próprios institutos citados. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 15 para a Infância) que passaram a influenciar e a direcionar a educação infantil, pois até aquele momento inexistia uma política de educação infantil de caráter nacional7. A implantação e a permanência destes organismos supra-governamentais no país fazia Embora, o Projeto Casulo, tenha partido de uma medida estatal que pretendia um atendimento global, reforçou a dicotomia entre as creches como instituição destinada aos pobres – em virtude da precariedade de seu atendimento – e os jardins de infância que continuavam a atender as crianças ricas. Nos anos 80 instalou-se no país um processo de transição democrática proporcionado pelo fim do governo militar. Esta transição ficou conhecida como a Nova República que, embora não tendo realizado transformações político-econômicas, uma vez que as medidas de tendência liberal já eram sinalizadas desde o governo Geisel, promoveu reorganizações nestas esferas, cujos reflexos se evidenciaram através da participação popular organizada em movimentos sociais, e ainda modificações na estrutura familiar ocasionada pela aceleração e, principalmente, a generalização do processo de urbanização, já evidenciadas desde os anos 70. As modificações na estrutura familiar brasileira foram proporcionadas pelo número crescente de separações dos casais e o aumento de mulheres como “chefes de família” (Neves, 1994), que passaram a integrar em larga escala o mercado de trabalho, competindo diretamente com os homens. Estes fatores passaram a delinear um novo quadro para a educação infantil. Com as mulheres competindo no mercado de trabalho, evidenciou-se a necessidade de espaços para atender às suas crianças, o que equivale a dizer que a mobilização social, e principalmente a feminina, passou a exigir escolas e creches do poder público. O que desta forma estaria contribuindo para reforçar a produtividade do trabalho pretendida pela sociedade capitalista ao viabilizar condições de permanência das mulheres no trabalho. Portanto, é compreensível o grande interesse que a educação infantil passou a ter duran- A participação popular organizada em movimentos sociais e modificada na estrutura familiar passou a delinear um novo quadro para a educação infantil. parte de uma estratégia mais ampla de reordenação geo-política mundial dos países, de uma forma geral, implementada como parte do processo de reestruturação do pós-guerra. Neste sentido, também houve a configuração do modelo de estado keynesiano de promoção do bem-estar social que se impôs como alternativa para o próprio desenvolvimento capitalista, através de investimento nas áreas sociais como educação, saúde, habitação e alimentação. Outra forte influência internacional sentida no Brasil foi a divisão dos países nos blocos capitalista e socialista, engendrada pela guerra fria, que levou o Brasil a adotar uma política respaldada no modelo americano. No âmbito interno as medidas estatais visavam adequar o país ao padrão internacional de modernização, o que contribuiu para viabilizar a concepção compensatória da educação infantil, implementada como uma medida de promoção social que visasse suprir as deficiências sociais, econômicas e culturais das crianças “carentes”, o que revela nexo com os interesses dos organismos supra-governamentais presentes no Brasil. Neste contexto foi planejado e implementado o primeiro programa infantil de massa no Brasil, o Projeto Casulo, que se estendeu por todo território nacional através da LBA (Legião Brasileira de Assistência). De acordo com Rosemberg (1997), a tônica deste projeto era de custo baixo, de aproveitamento de recursos da comunidade, de informalidade. 7 16 Quando se mencionou a inexistência de uma política para a Educação Infantil, referiu-se a uma política expressa e formalizada, pois sabe-se da existência de uma política tácita que vinha sendo implementada de forma fragmentária como já explicitado. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS te este período. Há alguns fatos que ilustram esta afirmação, como por exemplo o aumento do número de pesquisas nesta área, a criação do GT de educação infantil na ANPED, os textos legais da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, e ainda os dados sobre a expansão do número de crianças atendidas em salas de educação infantil no Brasil, todos fomentados na década de 80.8 Realizada esta breve história da educação infantil, questiona-se: e hoje, qual é a concepção de educação infantil da sociedade brasileira? Quais as perspectivas da educação infantil para o novo milênio? Sem pretensões de uma resposta conclusiva, mas procurando posicionar a educação infantil dentro de um contexto social mais amplo, cumpre esclarecer que a concepção de educação infantil vem sendo construída paulatinamente na mediação e na ação histórica do homem. Não se pode estabelecê-la, nem mesmo determiná-la “ex oficio” em documento próprio, pois esta concepção vem desde a Roda de Expostos, de Froebel, da LBA etc, e se materializa no pensar e no fazer dos profissionais da educação infantil. Toma-se agora a realidade da educação infantil constante nas estatísticas, como uma forma de visualização da situação atual. Neste sentido, apresenta-se a tabela 1 (veja na coluna ao lado). Contudo, observa-se que os dados apresentados se referem à préescola e não sobre a educação infantil como um todo, mas optou-se por utilizar estes números como forma ilustrativa, em razão de duas causas centrais: a primeira se refere à precariedade das estatísticas concernentes à educação infantil, fato este já assumido pelo MEC no documento “Edu- Tabela 1 - Evolução da matrícula por grau de ensino (em mil) Fonte Fonte: MEC/SEDIAE/SEEC, 1996, p. 11 cação Infantil no Brasil: situação atual”, e ainda, a divergência de denominações empregadas ao atendimento aos menores de sete anos, o que só foi propriamente estabelecido com a Emenda Constitucional n.º 14 de 13.09.96 e a LDB sancionada em 20.12.96. Assim, observando atentamente os dados estatísticos apresentados, é possível constatar que em 1970 o menor número de matrículas se referia à pré-escola, comparado inclusive com o ensino superior. De 1975 a 1980 houve um aumento na ordem de 135,9%, de 1980 a 1985 o salto quantitativo foi de 85,9% o que coincide com o período de transição do governo militar, em que a pré-escola era vista como a redentora dos problemas de evasão e repetência do A educação infantil vem sendo construída paulatinamente na mediação e na ação histórica do homem. ensino fundamental. E ainda, um outro crescimento9 é sentido no período de 1985 a 1991, o período da Nova República, perfazendo um percentual de 112,9%. Embora os dados não retratem de fato a realidade da Educação Infantil, pois sabe-se 8 Segundo dados constantes no documento “Educação Infantil no Brasil: Situação atual” publicado pelo MEC em 1994, no ano de 1979 era atendido no Brasil 5,5% da população de 0 a 6, sendo este número crescente, a ponto de em 1991 ser registrado um aumento no percentual de 15,5%, o que equivale a um atendimento triplicado numa mesma década. 9 Não foi usada a palavra expansão, pois na verdade não é possível falar nestes termos, pois estando os dados em números absolutos, não é verificável a quantidade de crianças fora da pré-escola, sabendo que a população desta faixa etária teve crescimento demográfico de ordem diferente. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 17 que a população desta faixa etária também aumentou, os números apresentados revelam algumas “aparentes” incoerências, que não podem passar desapercebidas. Assim, é interessante se observar que de 1991 a 1994 o crescimento foi na casa de 7,6%, contra uma média de crescimento na década anterior de 111,6%. Assim, pela primeira vez na história brasileira uma Constituição Federal atribuiu ao Estado o dever do atendimento institucional aos menores de 7 anos (art. 208,IV), bem como vinculou o atendimento em creches e pré-escolas ao capítulo da educação e, ainda, determinou aos municípios a atuação prioritária no ensino fundamental e pré-escolar (art. 211, § 2º), o que foi considerado um avanço para os profissionais da área. Contudo nem todas as reivindicações dos profissionais da área foram contempladas em virtude do embate dos interesses divergentes presentes durante o processo de sua elaboração. Estas reivindicações que não foram contempladas no texto final se referem a uma denominação mais ampla e única que envolvesse tanto a pré-escola como a creche, capaz de dirimir a confusão semântica causada pelo termo Pré (antes da) escola, e assim prevalecer a função pedagógica própria desta etapa de ensino, e ainda, evitar as diferentes denominações existentes o que acabava por reforçar preconceitos sociais. Outro aspecto não presente no texto constitucional se refere à não previsão de formas de financiamento específico ao atendimento infantil de 0 a 6 anos. Ainda, permanece a destinação de verbas públicas para entidades que “comprovem finalidade não-lucrativa” (art. 213, I e II) quer sejam comunitárias, confessionais ou filantrópicas, persistindo com a divisão no encaminhamento das verbas públicas estatais. Também não se especificou regulamentação e acompanhamento oficiais pelo Poder Público às instituições de atendimento aos menores de sete anos suficientes para garantir a qualidade pretendida a esta etapa da educação. Desta forma continuaram com previsão de “cursos livres”. Persiste, ainda, a atribuição do cuidado à infância em várias instâncias como: MEC, Ministério do Trabalho, Ministério da Previdência e Promoção Social, Ministério da Saúde e Ministério da Justiça, o que dificultava a sistematização de todas estas ações no fazer do profissional de educação infantil. A Carta Magna foi promulgada em um período democrático marcado pela transição político-administrativa e, neste contexto, a criança passa a ser proclamada como cidadã. O que isto significa? O que está subjacente a este dado? Estes números ilustram o que vem ocorrendo com a Educação Infantil nos anos 90. É a leitura já explícita do próprio número, ou seja que de 1991 a 1994 houve um retrocesso em termos quantitativos no que se refere à educação infantil. E, a pergunta que se faz é: por que a partir de 1991 os números apontam uma queda da taxa de crescimento quantitativo da educação infantil? Qual é a política estatal vigente neste momento? A Constituição Federal e a educação infantil 18 Para subsidiar estas reflexões retoma-se a Constituição Federal. Ressalta-se, mais uma vez, que a Carta Magna que rege este país foi processada e promulgada na vigência de um período democrático marcado pela transição políticoadministrativa brasileira, gestacionado no fim do governo militar. Assim, durante todo o seu processo houve a participação dos movimentos sociais das diversas ordens. Houve a luta pela ampliação dos direitos e das garantias individuais dos cidadãos (art. 5º da CF), e neste contexto a criança passa a ser proclamada como cidadã, não mais como a futura cidadã, mas como a cidadã que já é, desde o momento em que é gerada (art. 227 da CF). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS A discussão dos educadores passou a se mobilizar em torno do processo de elaboração do texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Algumas expectativas foram geradas, principalmente em torno da elaboração da Política Nacional de Educação Infantil até então inexistente sob a forma de documento formalizado. Neste sentido, algumas propostas foram viabilizadas, por exemplo, a denominação que passou a ser definida por “Educação Infantil”, o que pretendia com o único critério de diferenciação adotado - idade cronológica - evidenciar o caráter educativo do atendimento, sem outras formas de discriminação, assim de 0 a 3 anos o atendimento se daria em creches, e de 4 a 6 anos em pré-escolas (Campos, Rosemberg, Ferreira, 1993). Além desta proposta, estudos e discussões ocorreram acerca da Educação Infantil. Portanto, uma análise da Lei nº 9.394/96 e do momento político-social de sua elaboração e aprovação se faz necessária no intuito de apontar hipóteses para a questão anteriormente formulada, ou seja, de se determinar as razões, a partir de 1991, da queda da taxa de crescimento quantitativo da educação infantil. A LDB e a educação infantil No momento posterior à promulgação da Constituição Federal, iniciou-se o processo de formulação da LDB. Constata-se, que embora o texto constitucional tenha procurado garantir medidas de bemestar social, o governo de Fernando Collor de Melo, eleito pelo sufrágio popular em 1989, adotou medidas de caráter liberal, que já vinham sendo apontadas de forma tênue nas gestões anteriores. Estas medidas, também, já estavam sendo adotadas por outros países como Inglaterra e EUA, e ainda países da América Latina como Chile e México, tendo em vista a crise que o capitalismo enfrentava, sobretudo na América Latina, onde o Estado não conseguia manter o “Bem-Estar Social”, e a crise financeira determinava altas taxas de desemprego. A adoção do ideário neoliberal 10 passou a ser implementado de forma mais incisiva a partir de Collor e continuam no governo FHC, podendo ser evidenciadas nas privatizações de algumas empresas estatais, nas demissões (PDV) do funcionalismo público, na redução do déficit fiscal e do gasto público, entre outras. Ainda, havia as determinações externas do Banco Mundial e FMI propiciando a reordenação da interferência estatal na consecução das medidas de assistência social, entre as quais se encontram a educação e mais especificamente as instituições de educação infantil. Esta nova configuração do Estado brasileiro pode ser evidenciada na legislação e nas medidas implementadas. Assim, o primeiro projeto de LDB apresentado à Câmara dos Deputados foi o de nº 1.258A/88 pelo deputado Octávio Elísio. Neste projeto a educação infantil foi denominada como “Da educação anterior ao primeiro grau”, havendo uma priorização da faixa etária de 4 a 6 anos (art. 27), o que denota a dúvida sobre o caráter pedagógico que se pretendia atribuir às creches, em outros aspectos não evidenciou avanços em relação ao texto constitucional, mas atribuiu aos Conselhos Estaduais de Educação medidas de fiscalização às instituições de atendi- A denominação "Educação Infantil", com a idade cronológica como único critério de diferenciação, pretendia evidenciar o caráter educativo do atendimento. 10 mento aos menores de 7 anos (art. 31). No título sobre os recursos para a educação aponta a prioridade para o “ensino de 1º grau”, e O termo neoliberal vem sendo amplamente utilizado pela literatura recente para definir as ações que visam a diminuição do intervencionismo estatal na economia e a valorização dos mecanismos de regulação do mercado INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 19 não menciona a educação anterior ao “1º grau”11. Dentre as várias sugestões de alterações ao projeto inicial e anexação de outros 7 projetos completos (Saviani, 1997), em junho de 1990, houve a apresentação de um substutivo (em duas versões) ao projeto de LDB n.º 1.258/ 88, conhecido como Subsititutivo Jorge Hage, que se referiu à Educação Infantil de forma a atender várias das questões propostas pelos profissionais e estudiosos da educação infantil. Estas questões se referem: a criação de um sistema de financiamento próprio, o salário-creche (art. 118); a utilização da denominação “Educação Infantil”, e a respectiva conceituação como primeira etapa da educação básica, além da diferenciação entre creche e pré-escola pelo critério único da idade (arts. 43 e 44 caput); também extinguiu as outras formas de denominações que passariam a ser todas definidas como “Centros de Educação Infantil” (art. 44,§1º). Previa a participação e colaboração de forma específica - dos sistemas de saúde e assistência social (art. 44, §§ 4º, 5º e 6º). Atribuia aos municípios prioridade no atendimento à educação infantil (art. 45). Ainda, exigia a formação escolar em nível médio ou superior do profissional da área (art. 44 §9º). Con- etapa da educação a qual o projeto não mencionou. Outro projeto de LDB que merece ser destacado é o apresentado pelo Senador Darcy Ribeiro à Comissão de Educação do Senado Federal (PL n.º 67/92), que embora utilizasse o termo Educação Infantil, previa a diversidade de designações, e ainda, não relevava o aspecto educacional do atendimento infantil de 0 a 3 anos, conforme se pode constatar pela leitura do art. 71 que exigia formação preferencial em nível superior para o docente da pré-escola, do ensino fundamental, médio, regular ou especial, não mencionando a educação infantil, ou nenhuma outra designação utilizada no art. 22. Desta forma, pela análise de alguns dos projetos da LDB ficaram evidenciadas as divergências de tratamento dado à Educação Infantil, e por outro lado evidenciou-se a uniformidade na priorização ao ensino fundamental. Por quê? Como ficou o texto sancionado12? Em três artigos a LDB define a Educação Infantil, condicionando-a como a primeira etapa da Educação Básica, e distinguindo creche e pré-escola pelo critério de faixa etária, mas no que se refere às formas designativas, embora tenha adotado os termos creche e pré-escola utilizou a expressão “ou entidades equivalentes” abrindo precedentes para outras designações de diversas ordens. Outro aspecto a ressaltar é a inclusão da comunidade como uma co-responsável pela educação infantil, o que não se configurava nos textos anteriores.13 Ainda, no art. 89 estipulou o prazo de 3 anos para que as instituições de educação in- Um aspecto a ressaltar no texto da LDB é a inclusão da comunidade como co-responsável pela educação infantil. tudo, as discussões dos educadores visavam uma formação que contemplasse em seu currículo a específicidade da criança de 0 a 6 anos, qualificando o profissional para atuar junto a esta 20 11 Manteve-se, neste momento, a nomenclatura “ensino de 1º grau” por ser esta a denominação utilizada no Projeto de Lei n. 1.258-A/88. 12 Antes da sanção da LDB o MEC publicou em 1994 o documento “Política Nacional de Educação Infantil”, texto já divulgado em 1993 sob o nome de “Política de Educação Infantil: proposta”. 13 Trecho de texto da LDB (lei nº 9.394/96): “Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;” INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS fantil passassem a integrar os sistemas de ensino, pois a grande maioria das creches brasileiras são vinculadas às instituições de promoção social. Um outro aspecto que recebeu novo tratamento no texto da LDB se refere à omissão da prioridade do atendimento institucional à criança de 0 a 6 anos que passa a ser ressaltado apenas para o ensino fundamental (art. 11, V), o que diverge do texto constitucional que previa a prioridade de atendimento tanto à educação infantil quanto para o ensino fundamental (art. 211,§ 2º, de acordo com a emenda constitucional nº 14)14 Neste sentido, é possível afirmar que a expectativa dos profissionais da educação infantil em relação ao texto da LDB ficou aquém do esperado. A questão não é apenas ter retirado – ou melhor ter colocado entre vírgulas – a expressão “prioritariamente” atribuindo este caráter apenas ao ensino fundamental, na verdade as próprias ações e medidas estatais apontam esta prioridade para o ensino fundamental, em detrimento das demais etapas da educação. O exemplo mais evidente é a Lei nº 9.424/ 96 que focaliza o ensino fundamental ao estabelecer um Fundo próprio para o seu financiamento. O que aconteceu entre 1988 a 1996 para que a educação infantil deixasse de ser prioritária? Este fato já foi evidenciado nos textos das leis citadas e nas estatísticas de atendimento já mostradas. As hipóteses aqui apresentadas apontam para uma configuração estatal cuja centralidade está na adoção de reformas político-econômicas que têm por base as políticas neoliberais, que vêm sendo implementadas pelas gestões atuais, respaldadas nas diretrizes de organis- mos supra-governamentais, como o Banco Mundial e que, por sua vez, se apoiam na globalização das medidas de reestruturação do capitalismo mundial. Assim, a atuação do Banco Mundial (BM) na América Latina prescreve a focalização das medidas sociais nos mais “pobres”, com A educação infantil, na concepção do Banco Mundial, é um alicerce para o Ensino Fundamental e a pré-escola é uma forma de "preparação". 14 o intuito de prevenção das “situações politicamente críticas” (Coraggio, 1996 a), procurando casar projetos focalizados e de baixo custo. Portanto é possível compreender a centralização dos recursos na Educação Básica, no âmbito educacional, e mais especificamente no ensino fundamental, pois numa análise econômica adotada pelo BM a relação custo X benefício é facilmente verificável, o que não acontece nas demais etapas da educação. Ressalta-se ainda, que embora o Banco Mundial empregue o binômio Educação Básica, a intenção se projeta de forma quase restritiva ao Ensino Fundamental, o que fere o conceito de educação básica proposto na Conferência de Jomtien (Torres, 1996). A educação infantil, na concepção do Banco Mundial, é um alicerce para o Ensino Fundamental, predominando a pré-escola como uma forma de “preparação” para o ensino fundamental, e as creches se resumem ao aspecto assistencial, sobretudo à saúde e à nutrição. Contudo, esta concepção presente nos anos 70 emerge aos 90 com o título de “educação” infantil. Interessante notar que quando o atendimento institucional aos menores de sete anos conquista para si o Trecho de texto da LDB (lei nº 9.394/96): “Art. 11. Os municípios incumbir-se-ão de: (...) V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente...” Trecho de texto da Constituição Federal. Art. 211, § 2º a partir da Emenda Constitucional nº 14 de 112.09.96: “Os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil (grifos meu). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 21 “status” de educação, a prioridade dos recursos está no “ensino”. As creches neste sentido deixam de ser prioritárias no texto da LDB, no texto constitucional é “letra morta”, confirmando a política educacional que vem sendo implementada pelo estado brasileiro cujo centro incide na focalização do ensino fundamental dentre as demais etapas da Educação Básica. Estes dados de análise da legislação educacional vigente possibilitam identificar a fundamentação da política educacional brasileira nas questões de caráter econômico, respaldadas nas prescrições dos organismos internacionais como Banco Mundial, CEPAL, PNUD e UNICEF – dentre os principais – os quais optam por medidas focalizadoras nas questões educacionais partindo do nexo na relação “custo-benefício”, ou em outras palavras, na lógica do desenvolvimento econômico gerado pelo desenvolvimento humano (Coraggio, 1996 b). Ainda, de forma incipiente, no aspecto cultural, tem-se observado um movimento presente nos meios de comunicação de massa que ressalta formas de trabalho informal, e ainda de valorização da mulher com os cuidados domésticos. Estas questões apontam para uma retirada gradual da mulher do mercado de trabalho, o que se configura como uma forma alternativa de estabilização dos índices de desemprego15. Este movimento gira no sentido contrário àquele verificado no final dos anos 70, quando se viabilizava a entrada das mulheres no mercado de trabalho. Caso se efetive esta tendência a expansão das creches passará por uma estabilização, ou até por uma diminuição. Considerações finais Procurando estabelecer o lugar e o papel da educação infantil na sociedade contemporânea, tendo como ponto referencial a legislação educacional brasileira, é possível tecer algumas afirmações. 15 22 A educação infantil na legislação vigente assume o caráter educacional, mas não com o intuito de ensino, e sim, em grande parte, como uma alternativa de adequação da criança à escola, à sociedade e à vida. Esta tendência sinaliza para uma problemática estrutural da Educação Infantil, e não apenas conjuntural, uma vez que a História do atendimento institucional à criança de 0 a 6 anos, retratada brevemente na primeira sessão deste artigo, confirma este fato. A centralidade que a criança passou a ter nos anos 80 se configura num contexto em que o Estado brasileiro se encontra num momento de crise de múltiplas dimensões. Esta crise é sentida, sobretudo, na forma de financiamento do modelo de industrialização ainda fundamentado no referencial fordista e taylorista, implicando entre outros fatores na caracterização da criança enquanto um consumidor em potencial de produtos industrializados, sendo a partir de então explorada pela mídia, através de propagandas e programas televisivos. O Estado ainda não assumiu o dever de efetivar a garantia de atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos, pois quando atribuiu a prioridade para o ensino fundamental, resumiu a destinação das verbas públicas para esta etapa da educação básica. A garantia de creches e pré-escolas passaria necessariamente por uma previsão e dotação orçamentárias previstas em lei, o que não ocorreu. A adequação terminológica realizada pela legislação educacional não dirimiu a questão conceitual da educação infantil, pois esta é uma questão de abordagem mais ampla. A indefinição de nomenclatura reflete a contradição e a complexidade do atendimento institucional na sociedade capitalista vigente, que ainda persiste, mas agora de forma mais sutil. No Brasil esta tendência do retorno da mulher ao trabalho doméstico e ao cuidado com os filhos ainda não é percebida, mas em países de capitalismo avançado já tem se configurado sob um ponto de vista conjuntural. Neste sentido há o estudo de Silvio Scanagatta, da universidade de Pádua (Itália) apresentado na 20ª Reunião da ANPED sob o título “o trabalho em transformação e as tendências culturais dos jovens”. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS A educação infantil ainda não se efetivou como uma ação concreta, apenas faz parte do discurso político, o que se reflete na legislação citada. Neste sentido, o compromisso brasileiro com a educação básica é parcial. Anuncia uma amplitude negada com a prioridade ao ensino fundamental. Entretanto, esta prioridade é anunciada como política para a Dé- cada da Educação (art. 87 de LDB, Lei n.º 9.394). As perspectivas para a educação infantil não apontam para uma efetivação desta etapa da educação como foi idealizada nas discussões e mobilizações dos anos 80, pois estão faltando as bases materiais que a viabilizem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Janete M. Lins de. A educação como política pública. Campinas: Autores Associados, 1997. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil - 1988. São Paulo: Saraiva, 1988. ______. Política nacional de educação infantil. Brasília: MEC, 1994. ______. Educação infantil no Brasil: situação atual. Brasília: MEC, 1994. ______. Desenvolvimento da Educação no Brasil. Brasília: MEC, 1996. ______. Lei nº 9.394/96. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Documentação e Informação, 1997. Brasília: Centro de ______. Lei nº 9.424/96. 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Palavras-chave: Educação Especial, Lei de Diretrizes e Bases ‘‘The present article presents a number of considerations concerning the space given to Exceptional Education in the Brazilian Law of Procedures and Directives for Education with a view to observing whether the modifications to Law 9.394 of 1996, attend the necessities of those considered as excepcional students’’. 24 Key words: Excepcional Education, Law of Produceres and Directives for Education INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Alexandra Ayach Anache Professora Adjunta do Departamento de Ciências Humanas do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A Educação Especial na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira A Educação Especial inscreve-se no contexto da Educação geral, cujo objetivo principal é garantir o acesso e a permanência na escola de pessoas que apresentam características físicas, sensoriais e mentais na escola. Esse direito tem sido assegurado por Lei desde 1961, quando foi sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 4.024, conforme consta o texto que se segue, “Da Educação de Excepcionais art. 88 - A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade. art. 89 - Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções” 1 Essa Lei previa a integração de Excepcionais2 no ensino regular e assegurou o apoio financeiro às instituições particulares de atendimento a estas pessoas. No entanto, essa integração não ocorreu de fato, pois o Estado não viabilizou tal proposta. Seu apoio foi sempre no sentido de oferecer bolsas de estudos, empréstimos, subvenções e convênios. Isso significa que o Estado continuava mascarando sua atuação, transferindo responsabilidades para instituições especializadas. Embora essa Lei tenha tido a pretensão de garantir o direito à escolarização ao excepcional, a mesma não esclarece a quem 1 BRASIL. Lei 4.024/61 de 21 de abril de 1961. 2 O termo excepcional está sendo empregado nesse texto para ser fiel à legislação oficial da época. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 25 compete a Educação dos mesmos. Além disso, quando entrou em vigor, não atendia mais às exigências sociais e políticas da época, uma vez que o processo de industrialização solicitava o oferecimento de cursos de nível médio profissionalizante. Em 1971, foi aprovada a Lei de Diretrizes e Bases nº 5692/71, elaborada com a finalidade 12 de 1978, que assegurava a melhoria de condição social ao excepcional. Neste mesmo ano foi baixada a Portaria Interministerial 186, regulamentando a Portaria 477 de 1977, que visava a integrar os Ministérios da Educação, Previdência Social e Assistência Social, objetivando o atendimento especializado (médico, psicossocial e educacional) para essas pessoas, assim como prevenção e garantia da qualidade e continuidade desses atendimentos. Embora o CENESP tenha somado esforços para oferecer atendimentos especializados, visando à integração de excepcionais no ensino regular, enfrentou alguns problemas, dentre eles, ausência de dados censitários; desequilíbrio entre demanda e oferta; desigualdade na proporção de atendimento às diferentes categorias de excepcionais; concentração do atendimento na faixa de 7 a 14 anos; inadequação de metodologias instrucionais, associada à carência de estudos e pesquisas; insuficiência de recursos humanos; escassez de recursos financeiros; desentrosamento entre os setores público e particular; limitada participação da sociedade em geral. O CENESP, sem autonomia suficiente para resolver tais questões, tinha seus objetivos esvaziados, pois era necessário um órgão que tivesse maior mobilidade institucional junto ao poder executivo. Assim, o Estado reestruturou, no nível federal, órgãos responsáveis pela política ligada ao excepcional, e criou em 1986, a Coordenadoria para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, vinculada ao gabinete da Presidência da República, visando a coordenar “assuntos, atividades e medidas que se refiram às pessoas com deficiências.”5 Nesse mesmo ano, foi criada a Secretaria de Educação Especial (SESPE)6 em substituição ao CENESP. Este novo órgão tem como objetivo conseguir maior mobilidade institucional junto às fontes de decisão, como o executivo, e ainda maior poder de negociação com as secretarias de educação das unidades federadas, além de uma ampla capacidade de articulação com os órgãos públicos e privados, envolvidos com atendimento aos intitulados excepcionais. Em 1988, o artigo 208 da Constituição Brasileira atribuiu ao Estado o dever de oferecer,”...o Embora a LDB tenha tido a pretensão de garantir o direito à escolarização ao excepcional, ela não esclarece a quem compete a Educação dos mesmos. de “corrigir as inadequações do ensino médio anterior, face a uma nova realidade (antes de mais nada econômica), mas também, como decorrência da necessária reformulação do ensino superior, a fim de ajustar ideológica, estrutural e funcionalmente os três níveis de ensino.”3 Em relação à educação do excepcional podese dizer que houve mudanças face à lei anterior (4.024/61). As alterações afetaram mais diretamente as disposições que tratam do Direito de Educação no Ensino Regular. “Art. 9º - Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação.” 4 Segundo Ferreira (1989) a Lei 5692/71 representa avanços em relação à anterior à medida que é mais afirmativa em relação aos direitos à escolarização do excepcional e remete tal responsabilidade para o ensino regular. Para garantir esse direito, foi criado, em 1973, o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), que ficou responsável pela expansão e melhoria do atendimento à pessoa com deficiência. Esse órgão concentrou todas as atividades relacionadas à educação do deficiente mental, visual, auditivo, múltiplos e superdotados, em todos os níveis (pré-escolar, 1º e 2º graus, superior e supletivo), visando à integração dessas pessoas na sociedade. A partir da criação do CENESP, algumas conquistas legais foram efetivadas, sendo importante destacar a emenda constitucional nº 26 3 FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 4 BRASIL. Lei 5.692/71. Diário Oficial, 12/08/71. p.15. 5 BRASIL. Decreto-lei nº 93.481, de 20 de outubro de 1986. 6 BRASIL. Decreto-lei nº 93.613 de 21 de novembro de 1986. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 6ª ed. São Paulo: Morais. 1986. p. 93-94. atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência na rede regular de ensino” Visando cumprir ao proposto por essa Constituição, em 1990, a SESPE foi incorporada à Secretaria Nacional de Educação Básica - SENEB. Suas atribuições projetos e programas foram delegados à Coordenadoria de Educação Especial. Tais modificações colocam a educação do excepcional como parte integrante da estrutura educacional brasileira. As mudanças da postura administrativa do Ministério da Educação, visando à descentralização e ampliação de seu alunado, como tentativa de assegurar oficialmente o direito à educação a todos os cidadãos indiscriminadamente, foram contempladas na atual Lei de Diretrizes e Bases 9.394, de 1996, as quais pretendemos direcionar a nossa atenção. Desse modo, num primeiro momento apresentaremos o discurso oficial7 , que servirá de norte para as reflexões sobre as mudanças asseguradas na Lei em questão. Essa Lei traz algumas modificações em relação à Lei 5692/71, no que se refere ao termo empregado para designar o seu alunado especial, denominado agora, Portador de Necessidades Especiais, em substituição ao termo excepcional. Sabemos que as palavras foram criadas para designar idéias, conceitos, e além disso representam a expressão do pensamento de um povo em determinado momento da história. Nesse sentido, consideramos pertinente observar se as mudanças de nomenclatura para designar a pessoa que apresenta deficiência física, sensorial, mental e outras características que exijam atenção especializada, conseguiram amenizar os efeitos do termo excepcional. A Lei 5692/71, em seu artigo 9º considera como excepcional todas as pessoas que apresentam deficiências físicas, mentais, atraso no desenvolvimento e superdotados. Alguns autores, dentre eles Kirk e Gallagher (1987) ampliam um pouco mais esse conceito: 1. desvios mentais, incluindo crianças que são: (a) intelectualmente superiores e (b) lentas quanto à capacidade de aprendizado mentalmente retardadas; 2. deficiências sensoriais, incluindo as crianças com (a) deficiências auditivas e (b) deficiências visuais; 3. desordens de comunicação, incluindo as crianças com (a) distúrbios de aprendizagem e (b) deficiências de fala e da linguagem; 4. desordens do comportamento, incluindo: (a) distúrbio emocional e (b) distúrbio social; 5. deficiências múltiplas e graves, incluindo várias combinações: paralisia cerebral e retardamento mental, surdez e cegueira, deficiências físicas e intelectuais graves, etc.” (p.5) Embora a Lei 9.034/96, tenha tido a intenção de diminuir o peso do rótulo, sua abrangência conceitual, causou inúmeras confusões, como, por exemplo, de considerar toda pessoa com deficiência como sendo deficiente mental. Tal definição será explicitada um pouco melhor na Política Nacional de Educação Especial (1993), que define como Portador de Necessidades Especiais, o aluno “(...) que por apresentar, em caráter permanente ou temporário alguma deficiência física, sensorial, cognitiva, múltipla, condutas típicas ou ainda altas habilidades, necessita de recursos especializados para desenvolver mais plenamente o seu potencial e/ou superar ou minimizar suas dificuldades” Mazzotta (1996) ao analisar a Política Nacional de Educação Especial acredita que essa mudança de nomenclatura surgiu mais como uma tentativa de suavizar a expressão aluno Mais do que uma nova reflexão sobre sua clientela, a nomenclatura "Educação Especial" teria surgido para suavizar a expressão "aluno excepcional". 7 excepcional do que uma nova reflexão sobre o alunado da educação especial. Além disso, em pesquisa realizada recentemente, pudemos observar que a abrangência do termo Portador de Necessidades Especiais tem contribuído para que o sentido da deficiência e de suas especificidades sejam negados, comprometendo a qualidade dos serviços especiais prestados. Acrescente-se ainda sobre a imprecisão conceitual, que Mazzotta (1996) não considera apropriado o uso do termo Pessoa Portadora de Necessidades Especiais, porque as pessoas não portam necessidades, mas apresentam necessidades dependendo da situação em que se encontram. Nesse sentido o mais ade- Por discurso oficial entende-se aquele expresso através de Leis e documentos básicos das políticas oficiais. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 27 quado seria o termo educandos com necessidade educativas especiais, uma vez que a “necessidade especial” não é inerente à pessoa, mas se concretiza na sua relação com o ambiente, e nesse caso específico, ambiente educacional. Desse modo, é pertinente esclarecer a quem se destina a Educação Especial segundo a Legislação oficial. Tais esclarecimentos serão realizados de forma sucinta, lembrando ao leitor que os conceitos apresentados são os mais utilizados atualmente, o que não exclui a possibilidades de serem questionados ou mesmo revisados. São consideradas Pessoas com Necessidades Educativas Especiais aquelas que apresentam: def iciência mental: Termo empregado para deficiência fazer referência ao sujeito que apresenta potencial intelectual qualitativamente diferente, cuja apropriação de fenômenos, objetos, conhecimentos, etc, também se diferencia em decorrência de um defeito dos processos naturais do desenvolvimento do sujeito. def iciência visual: Termo empregado para deficiência designar pessoas que apresentam perda total ou parcial da acuidade visual do melhor olho ou após a correção ótica. Essa deficiência manifesta-se como cegueira e como visão reduzida. A cegueira é a perda da visão em ambos os olhos, e após a melhor correção ótica, necessitando do sistema Braille, como meio de leitura e escrita e/ou outros métodos, recursos didáticos e equipamentos especiais para a sua educação. A visão reduzida, segundo o enfoque médico-oftalmológico, refere-se à acuidade visual entre 6/20 e 6/60 no melhor olho, após correção óptica. Para efeito educacional, é considerado aluno de visão reduzida aquele que apresenta visão residual em grau que lhe permita bem como de perceber a voz humana, com ou sem a utilização de aparelho. A surdez severa/profunda é a perda auditiva acima de 70 decibéis que impede a pessoa de entender, como ou sem aparelho auditivo, a voz humana, através do ouvido, bem como de adquirir, naturalmente, o código da língua oral. (Política Nacional de Educação Especial, 1993, p. 9) deficiência física: caracteriza-se por uma variedade de condições relacionadas à mobilidade, coordenação motora geral ou da fala, decorrente de lesões, neurológicas, neuromusculares, ortopédicas, ou ainda más formações congênitas ou adquiridas. deficiência múltipla: é associação de duas ou mais deficiências primária (mental / visual auditiva / física) comprometendo o desenvolvimento global da pessoa. alta habilidade: desempenho notável, com elevada potencialidade em qualquer um dos aspectos isolados ou combinados: intelectual, aptidão acadêmica específica, pensamento criativo ou produtivo, capacidade de liderança, talento especial para artes e psicomotor. condutas típicas: manifestações comportamentais típicas de pessoas com síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos que ocasionam atrasos no desenvolvimento e prejuízos no relacionamento social. crianças de alto risco: são as que apresentam condições de vulnerabilidade que ameaçam seu desenvolvimento, em decorrência de fatores de natureza somática, como determinadas doenças adquiridas durante a gestação, de alimentação inadequada, tanto na gestante quanto na criança, ou ainda como conseqüência do nascimento prematuro (Organização dos Estados Americanos, 1978). Ainda com relação à abrangência conceitual, vale ressaltar que encontramos crianças com problemas de comportamento diagnosticadas como deficientes mentais e, portanto, matriculados em classes especiais. O mesmo equívoco ocorre com o alunado considerado grupo de risco, uma vez que o texto da Política Nacional de Educação Especial não explicita quais são as condições de vulnerabilidade que a pessoa possa estar exposta, oferecendo margem para que sejam considerados especiais, por exemplo crianças pertencentes à classe pobre, cuja renda familiar limita-se a manter o mínimo necessário para a sobrevivência de seus membros. As pessoas não portam necessidades especiais mas as apresentam dependendo da situação em que se encontram. 28 ler impressos a tinta, desde que se empreguem recursos didáticos e equipamentos especiais para a sua educação. deficiência auditiva: é a perda total ou parcial, congênita ou adquirida, da capacidade de compreender a fala através do ouvido. Ela manifesta-se como: surdez leve/moderada e surdez severa/profunda. A surdez leve/moderada é a perda auditiva até 70 decibéis, que dificulta a expressão oral, INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Sobre os serviços especiais prestados, a Lei 9.394/71, em seu Artigo 58, ao assegurar o direito à educação especial às Pessoas com Necessidades Especiais, não esclarece o que se designa como modalidade especial, conforme consta no texto: Art. 58. Entende-se por Educação Especial, para efeitos desta lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. O esclarecimento sobre o conceito de Educação Especial só será fornecido pelo texto da Política Nacional de Educação Especial, (1994) como “(...)um processo que visa promover o desenvolvimento das potencialidades de pessoas portadoras de deficiências, condutas típicas ou de altas habilidades, e que abrange os diferentes níveis e graus do sistema de ensino. Fundamenta-se em referenciais teóricos e práticos compatíveis com as necessidades específicas de seu alunado. O processo deve ser integral, fluindo desde a estimulação essencial até os graus superiores de ensino.” (p. 11) Entende-se por modalidades de atendimento educacional, procedimentos didáticos alternativos e adequados às necessidades educativas do alunado da educação especial e que implicam em espaços físicos, recursos humanos e materiais diferenciados. Atualmente, as modalidades de atendimento especial são: Atendimento Domiciliar: Quando o aluno especial, impossibilitado de ir à escola, recebe atendimento educacional em sua residência; Classe Especial: Sala de aula em escolas do ensino regular que são organizadas com recursos humanos e técnicos especializados, propiciando ao educando com necessidades especiais, condições para que possa escolarizar-se. Existem no país classes especiais para deficiente mental auditivo e visual; Classe Hospitalar: Classes organizadas nos hospitais destinadas à escolarização das pessoas que estejam realizando tratamento mais intensivo e prolongado. Ensino Itinerante: É realizado por um professor especializado, que tem a função de desenvolver um trabalho educativo, tanto com o aluno com Necessidades Educativas Especiais como com o seu professor. O professor atende várias escolas que prestam esses serviços. Escolas Especiais: Instituições especializadas que prestam atendimento psicope- dagógico aos educando com deficiências e condutas típicas. Of icina P eda gógica: Ambiente destinado Oficina Peda edagógica: ao desenvolvimento de atividades relacionadas ao desempenho profissional. Esses ambientes são equipados com recursos humanos e especiais. É mais comum encontrarmos essa modalidade de atendimento em Escolas Especiais. Sala de Estimulação Essencial: Espaço apropriado ao atendimento de crianças de 0 a Cabe aos profissionais envolvidos procurar conhecer as necessidades especiais de cada aluno, para que possam encaminhá-lo adequadamente. 3 anos diagnosticadas como deficientes e àquelas consideradas de alto-risco, onde são desenvolvidas atividades terapêuticas e educacionais voltadas para o desenvolvimento da criança. Centro Integrado de Educação Especial: Trata-se de um local que possui uma equipe interdisciplinar, que se utiliza de equipamentos e recursos didáticos específico, prestando serviços de diagnóstico, estimulação essencial, escolarização e preparação para o trabalho. Sala de Recursos: Ambiente localizado no ensino regular, que possui materiais e recursos pedagógicos específicos e visa a atender às necessidades de cada educando, implementando os trabalhos educativos realizados pelos alunos com necessidades educativas especiais no ensino regular. Assim, cabe aos profissionais envolvidos nessa área, procurar conhecer as necessidades educativas especiais de cada aluno, para que possam encaminhá-lo adequadamente, possibilitando-lhe o desenvolvimento de suas potencialidades, visando a sua integração social. A legislação atual, em seu Artigo 59 coloca em evidência que as pessoas que apresentam necessidades educativas especiais sejam atendidas preferencialmente nas escolas de ensino regular, e que estas ofereçam-lhes todas as condições necessárias para que seja possível o acesso, a matrícula e a permanência das mesmas. Para que isso se viabilize, procura assegurar “currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades” e (...) “ professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimentos especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para integração desses educandos nas classes comuns;” (LDB, 1996, p. 23). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 29 Embora se tente assegurar que aluno com necessidades educativas especiais, o direito à escolarizar-se, preferencialmente no ensino regular, o que tem sido viabilizado é o ensino especial, nas suas diferentes modalidades. Vale lembrar que, Mazzotta (1996) realizou um estudo sobre as Políticas de Educação Especial no Brasil, analisando-as sob dois vértices: Ainda com relação ao citado artigo, vale ressaltar as dificuldades de se especializar o corpo docente para a Educação Especial, uma vez que os cursos para esse fim são escassos, e, só recentemente o Conselho Federal de Educação assegurou a inclusão de disciplinas e conteúdos dessa área nos diversos cursos de nível médio e superior do país. Desse modo, coloca-se como fundamental que as Universidades brasileiras se esforcem para atender às exigências legais. Embora a Legislação oficial vise a minimizar os efeitos da segregação, assegurando direitos à escolarização no sistema de ensino brasileiro, ainda encontramos dificuldades para a efetivação desses direitos, como ilustram as situações a seguir: 1. apenas 2,3% da população de pessoas com deficiência estão freqüentando o ensino regular. Ilustra tal situação o fato de serem diagnosticados como deficientes mentais alunos que não conseguem obter sucesso no processo ensino - aprendizagem. Questão essa que nos remete à confusão conceitual a respeito da deficiência mental e ao uso inadequado de instrumentos que visam a classificar e a encaminhar crianças para a classe especial. 2. as classes especiais e instituições especializadas apresentam dificuldades para garantir a qualidade dos serviços prestados. Essas modalidades de atendimento têm seus objetivos esvaziados, à medida em que acabam sendo o depositário dos problemas de aprendizagem das escolas de ensino regular, demonstrando total desconhecimento dos profissionais a respeito das funções do ensino especial; 3. faltam profissionais qualificados para o exercício da função de professor tanto no ensino regular como no especial. Situação que se agrava com as precárias condições de trabalho da carreira do magistério; 4. os educadores, bem como as autoridades educacionais, não possuem informações suficientes sobre a educação de pessoas com necessidades educativas especiais; 5. as Classes Especiais e as Salas de Recursos não fazem parte do projeto pedagógico da escola, dificultando o processo de integração dos alunos. 6. emprego inadequado de recursos financeiros, prejudicam algumas medidas que poderiam melhorar a qualificação dos profissionais que atuam diretamente com os alunos nas escolas. Interpretações equivocadas sobre o conceito e importância da Educação Especial fazem Embora a Legislação oficial vise a minimizar os efeitos da segregação, ainda encontramos dificuldades para a efetivação desses direitos. 30 • uma visão estática, vinculando o educando que apresenta necessidades educativas especiais, com a educação especial por oposição a sua participação na educação comum; • uma visão dinâmica, que entende ser a educação escolar um direito de todo e qualquer cidadão, incluindo em educação escolar o oferecimento de espaços adequados para sujeitos com necessidades educacionais especiais, quando assim tornar-se indispensável. Para esse autor, é o segundo vértice aquele que melhor atende às necessidades dos educando especiais, porém é preciso ter cuidado para que não se entenda que toda pessoa definida como especial tenha que necessariamente freqüentar uma das modalidades de atendimento oferecidas pela educação especial, ou ainda, colocá-lo no ensino regular, sem que tenha condições para estar lá. Tal prática é também segregadora, porque nega o direito dessas pessoas receberem atendimentos adequados. Diante disso, é preciso que sejam observadas as reais necessidades especiais desse alunado, para que o seu direito à educação não seja cerceado. Cabe, ainda, salientar que a nova LDB, ao considerar a Educação Especial como parte integrante da Educação geral, deveria contemplála nos diferentes níveis de ensino e não apenas destacá-la num capítulo. Sobre isso Mazzotta (1996)contribui afirmando que “Uma tal política Nacional não se define necessariamente por um documento oficial específico, a não ser que se entenda a educação especial como à parte da política educacional geral. Subsídios relevantes podem e devem compor um documento oficial de educação especial. Entretanto, mais importante que um documento técnico específico, é a coerência entre princípios gerais definidos nos textos legais e técnicos oficiais e os planos e propostas para a implementação de tais princípios.” (p. 201) INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS parte do cenário educacional, uma vez que alguns profissionais a identificam como o “depósito” de alunos que não conseguiram obter sucesso no processo ensino aprendizagem. Tratase de um recurso educacional que viabiliza, aos educandos com necessidades especiais, o direito à educação. Os recursos educativos especiais destinam-se aos alunos que, em alguns casos, possam necessitar, temporariamente, ou de forma permanente, da mediação de terceiros para equacionar suas dificuldades e possibilitar desenvolvimento de suas potencialidades. Sobre isso, vale ressaltar que a Lei atual tem tentado romper com o caráter asssitencialista e terapêutico atribuído à Educação Especial até 1990. A partir dessa data, ela tem sido interpretada como modalidade de ensino, que implica em adoção de metodologias e recursos didáticos especiais. Entendê-la dessa forma é também reduzi-la a uma simples instância, que prepara o aluno para ingressar no ensino comum. Sabemos que a concretização do sucesso escolar necessita ser estimulada através da construção de uma escola comprometida politicamente com seus alunos, rompendo com a visão estática de que criança com necessidades educativas especiais devam receber escolarização apenas no ensino especial. Para isso, é fundamental que se invista na formação de profissionais da educação, oferecendo-lhes oportunidades de estudos, com o objetivo de rom- per com preconceitos que já foram cristalizados no cotidiano escolar em relação a essas pessoas. A aceitação e integração das Pessoas com Necessidades Educativas Especiais é ainda objeto de discursos e racionalizações. A tese de que “somos todos iguais” serve mais para ocultar o preconceito e justificar a exclusão do que para reconhecer a diferença. A imposição e exposição da deficiência / eficiência retrata dicotomias e ambigüidades de ações e atitudes. As intenções parecem claras e as melhores possíveis. Obscuros são os afetos e desejos que forjam uma imagem social negativa em torno dessas pessoas, produzindo estereótipos e rotulações. Neste sentido, acreditamos que o processo de integração precisa ser repensado, para que não se incorra no erro de oferecer um trabalho educativo ortopédico, ou seja, voltado apenas para a correção das deficiências, ou ao aumento de eficiência dos alunos com altas habilidades em espaços diferenciados. É preciso construir junto com as Pessoas com Necessidades Educativas Especiais e demais envolvidos em sua escolarização propostas de trabalho que venham garantir que suas necessidades especiais sejam atendidas tanto pela Educação Geral quanto pela Especial. Isso exige que as mudanças não fiquem restritas apenas aos termos, implica sim, em mudanças de atitudes. BIBLIOGRAFIA ANACHE, A. A. Discurso e Prática: a educação do deficiente visual em Mato Grosso do Sul. Campo Grande, 1991. 133p. Dissertação (Mestrado)- Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. ________. Diagnóstico ou Inquisição: o uso do diagnóstico psicológico na escola. São Paulo Tese (Doutorado), 321p. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. BRASIL. Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 4.024/61 de 21 de abril de 1961. BRASIL. Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 5.692/71. Diário Oficial, 12/08/71. BRASIL. Decreto-lei n° 93.481, de 20 de outubro de 1986. BRASIL. Decreto-lei n° 93.613 de 21 de novembro de 1986. BRASIL. Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394, de 1996. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília, 1993. BUENO, J. G. S. Educação Especial Brasileira. São Paulo, EDUC, 1993. FERREIRA, J. R. . A exclusão da diferença. Piracicaba: Editora UNIMEP, 1993. FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade. 6ª ed. São Paulo: Morais. 1986. HELLER, A. O cotidiano e a história. São Paulo, Paz e Terra. 1992. JANNUZZI, M. G. A luta pela educação do deficiente mental no Brasil. São Paulo, Cortez, 1985. KIRK & GALLAGHER. Educação da criança excepcional. 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Demonstra que tem sido atribuída à escola a função de capacitar a força de trabalho para se adaptar as constantes mudanças no mundo do trabalho, contribuindo para a redução de conflitos na sociedade, além de revelar aspectos contraditórios que evidenciam a possibilidade de luta no contexto do movimento da sociedade. Palavras-chave: Política Educacional, Parâmetros Curriculares, Funções da Escola. This study intend to analyse the National Curricular Parameters - PCNs in their version released in 1996, with the objective of identify the role of the educational politics of the State in the determination of the social functions of the school. Through this analysis we seek to expose to what extend the functions imputed to be the school’s, nowadays, relate to the needs of the work reality. This studies show that it has imputed to the school the function of preparing the work force to adapt itself to the constant changes of the work reality, contributing to the reduction of society conflict, besides reveal contradictory aspects which show the possibility of clashes in the context of the social movement. 32 Key words: Educational Politics, Curricular Parameters, School Functions. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Elisângela Alves da Silva Aluna do Curso de Mestrado em Educação/UFMS - Bolsista de Demanda Social da Capes. * Artigo elaborado a partir dos estudos desenvolvidos no Curso de Mestrado em Educação/UFMS ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ As Políticas Educacionais do Estado na Determinação das Funções Sociais da Escola * Introdução Este estudo se propõe a analisar o papel das políticas educacionais do Estado na determinação das funções sociais da escola, procurando identificar quais as funções que o capital tem atribuído à escola hoje, e em que medida essas funções se relacionam com o mundo do trabalho. Parte-se do pressuposto de que o mundo do trabalho, na sociedade contemporânea, tem passado por significativas transformações, ocasionadas pelo desenvolvimento tecnológico, pelo crescente processo de desindustrialização e pela movimentação do capital fictício. Todos esses aspectos têm influenciado na forma como se organizam as relações de trabalho e até mesmo no questionamento da centralidade da categoria trabalho para o trabalhador. Observando-se esses aspectos, procura-se abordar as políticas educacionais do Estado no sentido de apreender sua relação com as novas exigências do mundo do trabalho. Inicialmente desenvolve-se uma análise das relações entre escola e trabalho, procurando identificar as principais funções que a escola desempenha no sentido de atender necessidades do mundo do trabalho. As determinações sociais implícitas nas políticas educacionais do Estado são contempladas na tentativa de desvelar o papel dessas políticas na determinação das funções da escola. Com base nessa discussão se segue a abordagem dos “Parâmetros Curriculares Nacionais” - PCNs, na sua versão lançada no ano de 1996, com vistas a identificar as funções da escola que se encontram explícitas ou subjacentes ao mesmo. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 33 Relações entre a escola e o mundo do trabalho O trabalho da escola é analisado por Offe (1989) como uma atividade constitutiva do setor de serviços. Segundo ele, as atividades desenvolvidas pelo setor de serviços têm uma função específica no contexto das relações capita- sulta do fato de ele ser um ‘corpo estranho indispensável’. Ele assegura e padroniza as precondições e os limites de um tipo de trabalho ao qual ele próprio não pertence” (Ibid.: 181). Quanto às funções que a escola vem assumindo na sociedade capitalista, Offe trata especificamente desta questão em um artigo, publicado em 1990. Nessa obra, ele afirma que uma das funções objetivas da escola, assumida por ela de forma reflexa, é a redução de conflitos, sejam eles relativos a infração de normas e virtudes estabelecidas pelo capital ou relativos a inutilização de grande quantidade da força de trabalho devido às transformações tecnológicas e econômicas (Offe, 1990: 34). Dessa forma, seria uma função da escola capacitar a força de trabalho de forma que possua facilidade para se adaptar às transformações do mundo do trabalho, além de “formar disposições de comportamento que correspondam aos interesses das instâncias dominantes do sistema ocupacional” (Ibid.: 34). Esse posicionamento de Offe pode ser referendado pela seguinte citação de Marx: O verdadeiro significado da educação, para os economistas filantropos, é a formação de cada operário no maior número possível de actividades industriais possíveis, de tal forma que, se é afastado de um ramo pelo emprego de uma nova máquina ou por uma mudança na divisão do trabalho, possa instalar-se noutro lado o mais facilmente possível (Marx & Engels, 1978: 74). O trecho citado demonstra que Marx percebeu a função que a escola desempenhava para o capital em seu tempo: oferecer ao trabalhador uma formação que possibilite maior facilidade para se adaptar às constantes mudanças acarretadas pelo desenvolvimento das forças produtivas. E qual seria essa formação? Partindo do pressuposto de que a escola nunca possibilitou a formação de habilidades para o trabalhador manusear máquinas, até porque essas habilidades podem ser adquiridas através de um treinamento muito simples no próprio processo de produção, pode-se inferir que essa formação do operário se constituía, e se constitui até hoje, como mostra Offe, na aquisição de hábitos e comportamentos que o preparem para se adaptar ao mercado de trabalho com o mínimo conflito possível. Dian- A educação, como parte constitutiva do setor de serviços possui o caráter "mediador, regulador, ordenador e normalizante". 34 listas de produção: “são sempre orientadas para a manutenção das ‘condições normais’ em uma sociedade ou entre suas partes, isto é, para a tarefa de defender e preservar os elementos diferenciados da estrutura social, e para mediálos” (Offe, 1989: 136). A educação, como parte constitutiva do setor de serviços possui o caráter “mediador, regulador, ordenador e normalizante” (Ibid.: 180). Essa característica do trabalho da escola, bem como de outras atividades desenvolvidas no setor de serviços, é perpassada pelo que Offe (Ibid.: 138-9) chama de “duplo dilema”. Para ele essa incumbência de originar um estado das coisas que esteja de acordo com certas regras e valores gerais entra em conflito com a necessidade de reconhecimento da particularidade, a individualidade, a contingência e a variabilidade das situações e necessidades particulares de cada cliente, estudante, paciente, passageiro, etc. O reconhecimento das particularidades individuais gera a necessidade de uma certa autonomia e flexibilidade, as quais são inconciliáveis com os critérios de racionalidade e organização (eficácia, eficiência, controle, padronização de relações, etc.), que são implícitas na forma de organização do setor de serviços enquanto trabalho abstrato. A análise de Offe evidencia o caráter contraditório das atividades desenvolvidas no âmbito do setor de serviços, no qual se localiza a escola. Esse caráter ambivalente e ao mesmo tempo independente desse tipo de trabalho resulta do fato de que apesar de não ser considerado produtivo, ele assegura as condições necessárias à sobrevivência do trabalho produtivo. Offe considera que “a ambivalência e a independência desse tipo de trabalho social reINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS te dessa constatação, uma questão ainda permanece: frente às constantes transformações no mundo do trabalho que novas funções vêm sendo atribuídas à escola? As novas funções da escola frente às transformações no mundo do trabalho Entre os teóricos que abordam as mudanças que vêm ocorrendo nas relações de trabalho hoje, destaca-se Jean Lojkine (1990/1995), que compara essas mudanças ao momento da Revolução Industrial, denominando-as de “Revolução Informacional”. Para este autor, se as máquinas-ferramentas, impostas pela grande industria, foram consideradas como o “melhor método para dispensar o trabalho humano ou reduzir seu preço”, as novas tecnologias, hoje, são vistas como “métodos ideais para reduzir os custos da mão-de-obra e controlar o trabalho dos operadores” (Lojkine, 1995: 308). Acrescenta, ainda, que enquanto a máquinaferramenta marcava uma divisão entre produção e serviços, a Revolução Informacional exige a superação dessa divisão. Dessa maneira, o autor aponta para uma nova interpenetração entre informação e produção, permitindo o rompimento efetivo com as divisões do trabalho e com a estrutura hierárquica do capital. Alerta, contudo, que, A revolução informacional (...) está em seus primórdios. Ela é, primeiramente, uma revolução tecnológica de conjunto, que se segue à revolução industrial em vias de terminar. Mas é muito mais que isto: constitui o anúncio e a potencialidade de uma nova civilização, pós-mercantil (Ibid.: 11). Tendo em vista o caráter embrionário disso que Lojkine chama de revolução informacional, há que se considerar que enquanto essa revolução não se realiza completamente, a “revolução tecnológica de conjunto”, que vem se instituindo na sociedade, tem deixado suas marcas na medida em que se reflete em um alto nível de desemprego. Tomando como exemplo a Alemanha, observa-se que as taxas de desemprego aumentaram de 0,6% em 1970 para 2,9% em 1980, subindo para 6,4% em 1993. No Brasil, a última pesquisa mensal de emprego do IBGE, rela- tiva ao mês de junho de 1998, demonstra que a taxa de desemprego, nas regiões metropolitanas do país, se encontra numa média de 8,71%. A esse respeito, Paul Singer (1998) afirma que a Terceira Revolução Industrial afeta profundamente as relações de trabalho, expulsando do emprego milhões de pessoas que cumprem tarefas rotineiras. Porém, ao mesmo tempo, as implicações da microeletrônica criam novos postos de trabalho, os quais, certamente, são em menor número. Lojkine (1990), por sua vez, afirma que a automação não dispensa, em absoluto, a intervenção humana. Se no capitalismo industrial o homem foi reduzido a um apêndice das máquinas, passa agora a exercer funções muito mais “abstratas”, muito mais “intelectuais”, controlando a máquina, prevenindo defeitos e otimizando o seu funcionamento. Considerando-se que o trabalhador passa apenas a regular o autômato, questiona-se, então: como fica aquela grande massa de trabalhadores que atuava no processo produtivo como “apêndice” das máquinas? De fato, as indústrias de alta tecnologia têm um número de trabalhadores muito reduzido, tendo em vista a automação instalada na sua produção. Segundo Apple, “As indústrias de alta tecnologia, que manufaturam instrumentos técnicos, tais como computadores, componentes eletrônicos e similares empregam atualmente menos de 15% da força de trabalho remunerada dos Estados Unidos e de outras nações industrializadas” (Apple, 1995: 154). Mészáros (1989: 83), analisando as mudanças que perpassam o mundo do trabalho hoje, coloca que os avanços científicos vêm sendo cada vez mais incorporados ao processo produtivo. A atividade científica é orientada “em O reconhecimento das particularidades individuais gera a necessidade de autonomia e flexibilidade, inconciliável com critérios de racionalidade e organização. consonância com sua posição dentro da estrutura da divisão capitalista de trabalho”. Segundo Mészáros, a utilização da ciência no processo produtivo visa uma dupla tarefa, a saber: inventar maior quantidade de maquinaria produtiva, levando à redução de trabalho e delinear métodos e processos adequados para a produção lucrativa de mercadorias em massa. Os resultados dessa utilização se mostram INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 35 nas altas taxas de desemprego, na superprodução/subutilização das mercadorias, bem como no uso cada vez mais dissipador da maquinaria produtiva. As considerações de Mészáros revelam que na medida em que a ciência passa a ter uma participação maior na produção, aumentam as taxas de desemprego, tendo em vista que o processo produtivo passa a ser, cada vez mais, automatizado. Tendo em vista essa redução das oportunidades de emprego, Singer (1998) considera que a denominação mais adequada para o “desemprego”, nesse momento, seria “precarização do trabalho”, posto que, Os novos postos de trabalho, que estão surgindo em função das tecnologias e da divisão internacional do trabalho, não oferecem, em sua maioria, ao seu eventual ocupante as compensações usuais que as leis e contratos coletivos vinham garantindo. Para começar, muitos destes postos são ocupações por conta própria, reais ou apenas formais (Singer, 1998: 24). Para o autor, o que é necessário é a ocupação - “atividade que proporciona sustento a quem a exerce” - e não simplesmente emprego. “Emprego assalariado é um tipo de ocupação - nos países capitalistas o mais freqüente, mas não o único” (Ibid.: 14). A esse respeito, pode-se destacar o posicionamento de Offe (1989), o qual enfatiza que o mercado de trabalho é apenas um princípio de alocação da força de trabalho, e acrescenta, “No futuro, uma proporção crescente da população em idade produtiva terá de receber renda por meio de formas diferentes de venda de sua força de trabalho” (Offe, 1989: 87). Para ele, a chance em completar e ampliar o repertório de mecanismos alocativos está na instituição de modos “informais” de atividade útil. cresceu de 15,59% em março de 1989 para 20,21% no mesmo período de 1996. Esses dados evidenciam o aumento das ocupações informais e autônomas em detrimento do trabalho assalariado formal e apontam para uma procura por novas alternativas de inserção no mundo do trabalho, que pode ser interpretada como resultado do aumento das taxas de desemprego. Entre as novas alternativas de alocação da força de trabalho, Offe (1989) destaca o crescimento do setor terciário, ou de serviços. Para ele, esse setor vem crescendo continuamente nas sociedades industriais, a partir da década de 30. Mattoso e Pochmann (1995), apresentam dados que demonstram o crescimento da indústria, em detrimento da agricultura, até a década de 60. Observe-se que na Alemanha a ocupação agrícola caiu de 33,5% em 1920 para 13,8% em 1960, chegando a 3,0% em 1993, enquanto que o setor industrial, no período correspondente, teve um aumento de 38,9% para 48,2%, decaindo posteriormente para 37,0%, momento em que se evidencia o aumento do setor de serviços, o qual teve um crescimento de 38,0% em 1960 para 60,0% em 1993. É importante ressaltar, porém, que o aumento da oferta de trabalho em outros setores não chega a satisfazer as necessidades da demanda de desempregados. Dessa maneira, fazse necessária a intervenção do Estado no sentido de gerir os conflitos ocasionados pelos desequilíbrios do mercado. Frente às mudanças que vêm perpassando as relações de trabalho na sociedade contemporânea, Offe identifica algumas novas funções que vêm sendo atribuídas ao sistema educacional, as quais denomina “tarefas substitutivas”, pois visam substituir subsistemas que foram deixando de exercêlas devido às mudanças nas relações de trabalho na sociedade. Um desses subsistemas que vem sofrendo mudanças e deixando de exercer funções que antes lhe eram peculiares é a família. O fato do Estado assumir algumas funções desse subsistema origina a tendência da escola de tempo integral e, ao mesmo tempo, contribui para a manutenção do modo de produção capitalista, criando condições para manter um grande número de força de trabalho feminina no mercado. Essa questão da manutenção da força de trabalho feminina no mercado de trabalho como Uma das funções da escola é capacitar a força de trabalho de forma que possua facilidade para se adaptar às transformações do mundo do trabalho. 36 Singer (1998) fornece dados relativos à região metropolitana de São Paulo, demonstrando que a porcentagem de assalariados diminuiu de 72,06% em março de 1989 para 63,21% em março de 1996, enquanto que as ocupações assalariadas informais cresceram de 9,14% para 11,37% no mesmo período. No que se refere aos trabalhadores autônomos, o autor demonstra que esse tipo de ocupação INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS uma forma de contribuir com o modo de produção capitalista tem sido repensada frente às mudanças que vem ocorrendo na sociedade capitalista. Com o aumento do desemprego estrutural, causado, entre outros motivos, pelo alto desenvolvimento tecnológico, há estudos que apontam para uma volta da mulher ao exercício das atividades domésticas, com vistas a reduzir a demanda pelo mercado de trabalho. Outra tarefa que vem sendo atribuída à escola refere-se à educação profissional, que vinha se tornando dispendiosa e ineficiente para os empresários. Nas mãos do Estado, a educação profissional requer uma terceira função substitutiva, que é a de “socialização momentânea”, ou seja, a organização institucional da força de trabalho que não foi assimilada pelo sistema ocupacional. A análise desenvolvida aqui possibilita verificar que com as mudanças que vêm sendo instituídas no mundo do trabalho na sociedade capitalista, novas funções vem sendo atribuídas à escola, contudo, ela não perde uma de suas principais características: a contribuição para a redução de conflitos na sociedade. Vale ressaltar, porém, que o interesse de uma determinada classe em controlar as demais evidencia que existe luta de classes em potencial. A escola, enquanto instituição inserida nas relações sociais capitalistas é um espaço de luta, de contradições que se evidenciam ou se ocultam de acordo com o movimento histórico da sociedade. uma sociedade que constantemente dissolve e desacredita suas próprias premissas igualitárias” (Ibid.: 41). Para ele, a política da educação poderia ter a função de “tornar temporalmente contingentes as privações e frustrações experimentadas por indivíduos numa determinada situação social num determinado momento” (Ibid.: 41). Como exemplo ele cita instituições A "revolução tecnológica de conjunto" que vem se instituindo na sociedade tem deixado suas marcas na medida em que se reflete em um alto nível de desemprego. As determinações implícitas nas políticas educacionais do Estado. Para Offe, (1990), a política educacional é um dos exemplos mais patentes de como o Estado procura manter a aparência de igualdade de oportunidades entre os indivíduos, com vistas a preservar sua própria legitimidade, prevenindo-se, assim, contra o desmascaramento da sua aparência de neutralidade, “ou seja, que ele seja identificado e combatido como parte da classe dominante” (Offe, 1990: 40). Baseado nessa premissa o autor levanta algumas hipóteses a respeito dos motivos pelos quais essas políticas se apresentam como “reação a problemas estruturais de legitimação de que logram estabelecer a permanente possibilidade de revisão do caráter não definitivo do status social como realidade subjetiva (reciclagem, educação de adultos e educação continuada). Uma segunda função que poderia ser atribuída à política educacional refere-se ao fato de colocar o esforço de aprendizagem individual no lugar da discussão política coletiva e organizada. A absorção de conflitos seria uma terceira função dessas políticas, na medida em que colocam a participação individual como estratégia para a transformação da situação social, utilizando referências escolares e correspondentes motivos e capacidades para interpretar o insucesso dos indivíduos na situação social. A quarta função atribuída às políticas educacionais refere-se à “segurança da base de legitimação do sistema político, porque os encargos por ela impostos não podem ser considerados específicos de classes ou grupos”, tendo em vista a multifuncionalidade com que são interpretadas. Apesar de reconhecer a função de “formação ideológica” de estruturação da consciência social das políticas educacionais do Estado, Offe procura identificar suas contradições, considerando que: É preciso perceber que os esforços empreendidos pelas escolas, as universidades e suas instâncias de controle no plano da política educacional no sentido de tomar como tema e dar conta dos problemas estruturais do desenvolvimento social acima indicados, liberam uma dinâmica que permite levantar a suposição de que ‘uma política educacional conseqüente pode conduzir a conflitos desestabilizadores para o sistema’ (Ibid.: 50). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 37 O autor, na medida em que procura entender as funções para as quais as políticas educacionais do Estado são formuladas, deixa claro as contradições implícitas nas mesmas, chegando a expor sua suposição de que, “...uma outra função do sistema e das políticas educacionais consiste em infringir as próprias intenções, ou seja, em criar condições de conflito onde elas as queiram evitar” (Ibid.: 51). O estudo do caráter determinante das políticas educacionais passa pela análise de sua inserção no contexto das políticas sociais, enquanto parte constitutiva das políticas públicas instituídas pelo Estado. admitir (...) que, de um modo geral, o ritmo e a direção do desenvolvimento das políticas educacionais, em determinada formação social concreta capitalista na atualidade, estão relacionados tanto com a consolidação dos níveis de participação popular alcançados como também com o nível de desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção (Neves, 1994: 16). O reconhecimento da política educacional como uma fração da política social implica em admitir que ela assume determinadas funções, que são implícitas às políticas públicas como um todo. Considerando-se sua inserção no contexto das políticas financiadas pelo Fundo Público, se faz necessário ressaltar a importância do momento contemporâneo, tendo em vista que, “completado o ciclo intervencionista [do Estado], (...) esgota-se seu papel de agente central desse processo” (Vieira, 1995: 32). Frente a essas dúvidas a respeito da necessidade da presença do Estado no setor produtivo, Vieira questiona se as premissas que sustentam os argumentos a favor da retirada de cena do Estadoempresário valeriam para o Estado-provedorde-bens-públicos. Segundo a autora, Quaisquer que sejam as críticas que se possam fazer ao Estado no exercício de suas atribuições sociais, é imperioso reconhecer que, nas circunstâncias concretas do mundo contemporâneo, não se sustenta a concepção de uma sociedade sem Estado. De um lado, há que se considerar os requerimentos de uma sociedade subdesenvolvida à qual o Estado deve prover certos serviços essenciais, até mesmo como regulador do processo de redistribuição de renda. De outro, o próprio sentido da democratização implica um redirecionamento do aparelho estatal no sentido de promover serviços que, pela sua própria natureza, não se subordinam às leis do mercado em sentido estrito (Vieira, 1995: 37). Diante da necessidade ressaltada por Vieira, o Estado realiza sua intervenção, criando o que Offe denomina de “nichos”, “áreas livres” e “zonas amortecedoras”. O autor cita como exemplo a família, onde vivem pessoas que não são proprietários nem assalariados e são socialmente estabelecidos através de normas culturais e políticas. Para o autor, essas “normas culturais e políticas” determinam quais pessoas, vivendo em que condições, não Frente às mudanças que vêm perpassando as relações de trabalho, novas funções são atribuídas ao sistema educacional, as quais denomina "tarefas substitutivas". 38 Algumas medidas sociais começam a ser implantadas no Brasil a partir dos anos 30 e vêm se intensificando nas últimas décadas. Segundo Neves (1994), a complexificação crescente das relações intra e interclasses no capitalismo monopolista exigiu do Estado uma intervenção mais direta tanto no que se refere à valorizaçào do capital quanto a adoção de mediação política como estratégia de dominação. Para atender a essas necessidades instituiu-se o Fundo Público como financiador das políticas públicas. Como uma fração das políticas públicas, as políticas sociais visam responder a essa dupla determinação. Para Neves (1994: 15), essas políticas resultam tanto das necessidades estruturais de produção e reprodução da força de trabalho como da ampliação dos mecanismos de controle social das decisões estatais. Guimarães (1993) pondera que, no início de sua implantação, as políticas sociais se restringiam à política previdenciária, desenvolvida como instrumento de controle dos segmentos assalariados. Já no período autoritário (1964-1973), a política social é percebida como um apêndice do desenvolvimento econômico. A autora considera que só no governo Geisel (1974-1979), a política social começa a ser assumida não mais como um subproduto da economia, mas como resultado das articulações entre o Estado e a sociedade. Tendo em vista essas características da política social, vale ressaltar o posicionamento de Neves (1994), que coloca: Situar a educação como política social do Estado capitalista significa, antes de tudo, INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS se requer (ou permite) que ofereçam sua força de trabalho nos mercados de trabalho (Offe, 1989: 38). Tendo em vista essas considerações, é imperativo reconhecer que a escola, na medida em que se localiza no contexto das políticas educacionais, está inserida num rol mais amplo de políticas sociais, as quais se constituem em produto das relações entre o Estado, as classes trabalhadoras e os interesses do capital, constituindo-se em mecanismo legitimador da ordem, na medida em que contribui para o barateamento da força de trabalho por meio da socialização dos custos de sua produção (Pastorini, 1997). Mais do que mecanismo de controle social, contudo, essas políticas se constituem, também, na consolidação de níveis de participação popular revelando o caráter contraditório e conflituoso desse processo. Uma análise das políticas educacionais do Estado e suas determinações se faz necessária tendo em vista que a escola, seja ela pública ou privada, está sujeita às implicações dessas políticas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a determinação das funções da escola Tendo em vista o posicionamento de Offe sobre as políticas educacionais, e suas hipóteses a respeito das funções que vêm sido atribuídas à escola e às políticas educacionais, este trabalho se propõe a analisar o documento dos “Parâmetros Curriculares Nacionais” - PCNs (1996), com vistas a identificar como o Estado é configurado nesse documento e quais as funções que, implícita ou explicitamente, atribui à escola. A opção pelos PCNs se deve ao fato de que são postulados como “referência nacional” para a revisão curricular de estados e municípios. Foram formulados com vistas a atender à solicitação do Plano Decenal de Educação para Todos (19932003), coordenado pelo Ministério da Educação e do Desporto (MEC), o qual defende que, ...em consonância com o que estabelece a Constituição de 1998, afirma a necessidade e a obrigação do Estado elaborar parâmetros claros no campo curricular, capazes de orientar as ações educativas do ensino obrigatório, de forma a adequá-lo aos ideais democráticos e à busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras. (Brasil, 1990: 21). Dessa maneira, os PCNs se propõem a atender a necessidade de “...oferecer a toda a população brasileira, independente de etnia, credo, gênero, região de origem ou classe social, o domínio de recursos culturais imprescindíveis ao exercício da cidadania democrática” (Ibid.: 21-2). Definem-se como o primeiro nível de concretização curricular, como uma referência nacional destinada a ...subsidiar a elaboração ou a revisão curricular dos estados e municípios, dialogando com as propostas e experiências já existentes, incentivando a discussão pedagógica interna às escolas e a elaboração de projetos educativos, assim como servir de material de reflexão para a prática de professores. (Ibid.: 24). O trecho citado evidencia uma tentativa de escamotear o caráter de determinação do trabalho do professor subjacente ao documento, tendo em vista que postula “subsidiar a revisão curricular de estados e municípios” através de um diálogo com as propostas já existentes, servindo como material para reflexão do professor. Entretanto, o que se evidencia ao longo do documento é a falta de abertura para um possível diálogo, apresentando conceitos fechados, embasados teoricamente, sem mostrar as contradições. Dessa maneira, o documento se apresenta como um referencial para a formulação do currículo de Estados e Municípios, que pode servir como instrumento para um maior controle do Uma das tarefas que vem sendo atribuída à escola refere-se à educação profissional, que vinha se tornando dispendiosa e ineficiente para os empresários. trabalho docente, tendo em vista que apresenta toda uma visão de sociedade e de escola, embasadas por um aparato teórico consistente que dificilmente será questionado pelo professor, o qual, mesmo que realize alguma interferência, incentivado pela “ilusão” de que está “participando criativamente” do processo, não encontra possibilidade de fazer qualquer alteração estrutural no projeto. O incentivo à participação do professor no processo de planejamento evidencia a tentatiINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 39 va do Estado em manter sua aparência de neutralidade. Esse aspecto pode ser identificado na seguinte citação: ...na atual realidade brasileira, a profunda segmentação social, decorrente da iníqua distribuição de renda, tem funcionado como um entrave para que uma parte considerável da população possa fazer valer os seus direitos e interesses fundamentais. Cabe ao governo o papel de assegurar que o processo democrático se desenvolva sem entraves (Ibid.: 04). A citação acima mostra o esforço do Estado em manter sua aparência de neutralidade, o que, para Offe, é imprescindível para que preserve sua legitimidade. Ele destaca a política educacional como um dos exemplos mais patentes de como o Estado procura produzir uma “aparência de igualdade de oportunidades” (Offe, 1990: 41). Nos PCNs essa questão se evidencia claramente quando enfatiza: “É papel do Estado democrático investir na escola, para que esta instrumentalize e prepare crianças e jovens para o processo democrático , forçando a equalização do acesso à educação e às possibilidades de participação social” (Brasil, 1996: 04). na verdade não poderá ocorrer nos limites da sociedade capitalista. Para Senna (1994: 167), a questão da democracia não se enquadra “nos limites do requerimento do capitalismo e da administração estatal”. Dessa maneira, a proposta de escola democrática apresentada pelos PCNs não é viável e não expressa, verdadeiramente, os reais interesses do Estado. Os PCNs postulam como função social da escola a socialização, sem deixar de considerar a importância do desenvolvimento individual, mas enfatizando a impossibilidade de um “desenvolvimento individual à margem da sociedade, da cultura”. (Brasil, 1996: 32). A partir dessa consideração é possível identificar os interesses de classe que perpassam o documento, pois, apesar de reconhecer a diversidade cultural que caracteriza o país, identifica uma cultura como dominante, sem a qual seria impossível ao indivíduo adaptar-se à vida na sociedade. A questão da cultura é também enfatizada por Carnoy (1992: 65), quando afirma que “A educação básica é uma atividade cultural e um elemento fundamental no processo de transformação cultural”. Essa consideração demonstra a subordinação do desenvolvimento individual à assimilação de uma cultura, ora, se postula uma necessidade de “transformação cultural” realizada pela escola, deve possuir uma concepção de cultura preestabelecida e diferente daquela que o aluno possui. Dessa maneira, a escola teria a função de socialização do indivíduo, transmitindo “os valores e as normas da sociedade industrializada e moderna” (Carnoy, 1992: 66), com vistas à redução de conflitos na sociedade, como aparece no seguinte trecho dos PCNs: Cabe ao campo educacional propiciar aos alunos modos de vivenciar as diferenças de inscrição sócio-político-cultural entre os cidadãos, questão particularmente relevante num país como o nosso, marcado por uma notável diversidade cultural, produto, inclusive, da extensão territorial e das peculiaridades históricas, étnicas e antropológicas de cada região (Ibid.: 07). Essa citação permite desvelar o caráter de redutor de conflitos que se atribui à educação, delegando a ela o papel de proporcionar aos alunos modos de lidar com as diferenças sóciopolíticas-culturais, e atribuindo essas diferen- O estudo do caráter determinante das políticas educacionais passa pela análise de sua inserção no contexto das políticas sociais. 40 Essa questão do Estado democrático tem sido discutida com maior ênfase a partir da década de 80, com o fim da ditadura militar. Tratando particularmente da escola, Senna (1994) postula que esse é um tema que se faz presente com mais intensidade em 1983, devido a um momento da vida brasileira de grande significação histórica, ou seja, a presença no executivo de diversos Estados e Municípios do país de partidos que representavam a oposição ao regime instaurado em 1964 (Senna, 1994: 108). Mais de uma década depois observamos nos PCNs a questão da democracia sendo destacada, evidenciando o caráter utópico da escola proposta, tendo em vista que postula formar os alunos para o “processo democrático”, um processo que vem sendo discutido desde a década de 80 como uma meta a ser alcançada, o que, INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS ças às diversidades peculiares ao país e a cada região. Deixa de considerar, entretanto, as gritantes diferenças entre as classes sociais, marcadas por uma distribuição de renda desigual e pelo movimento de uma economia regulada pelos interesses do capital. Outra função atribuída à escola, que é destacada por Offe, é explicitada nos PCNs nos seguintes termos: A escola busca a inserção dos jovens no mundo do trabalho, da cultura, das relações sociais e políticas, através do desenvolvimento de capacidades que possibilitem adaptações às complexas condições e alternativas de trabalho que temos hoje e a lidar com rapidez na produção e na circulação de novos conhecimentos e informações, que têm sido avassaladores e crescentes (Ibid.: 33). O trecho citado demonstra o papel que tem sido atribuído à educação no sentido de preparar o indivíduo para se adaptar, com maior agilidade, às transformações pelas quais passa o mundo do trabalho; além de incorporar gradativamente novas funções que vêm atender as mais recentes necessidades impostas por essas mudanças, contribuindo, assim, para a redução dos conflitos advindos desse processo. Essa constatação permite concluir que os PCNs, como documento elaborado por um órgão governamental (MEC), demonstram a atuação do Estado no sentido de determinar as funções que devem ser assumidas pela escola. Entretanto, cabe enfatizar que, enquanto instituição localizada no cerne da sociedade capitalista, a escola é permeada pelos mesmos conflitos de classe que perpassam essa sociedade. Esses conflitos são revelados nos PCNs na medida em que se identifica as contradições implícitas em seu conteúdo, permitindo aventar que, na tentativa de explicitar sua aparente neutralidade, através desse documento, o Estado acaba deixando lacunas que podem ser utilizadas num sentido diferente do que aquele para o qual foi formulado. BIBLIOGRAFIA. APPLE, Michel W. Trabalho docente e textos: economia política das relações de classe e de gênero em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais. Versão agosto, 1996. 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INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 41 O texto discute a reforma educacional brasileira/ anos 90 no espaço local, visualizando o projeto pedagógico da escola como seu instrumento estratégico. Considerando as relações entre a reforma educacional e a reforma do Estado, busca explicitar a concepção de projeto pedagógico presente na atual política educacional e apontar possibilidades de apropriação desse instrumento de gestão pela instituição escolar. Palavras-chave: Reforma educacional, Projeto pedagógico, Projeto institucional. This study discusses the Brazilian Educational Reform in the nineties and the different Brazilian states have do adapt themselves to the present pedagogic project as a strategic instrument in conformity to their interest and necessities. Key words: Reforms educational, Project pedagogic, Project institucional. 42 INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS A Reforma Educacional no Espaço Local Dirce Nei Teixeira de Freitas Mestre em Educação - Departamento de Educação/UFMS - Campus de Dourados. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O Projeto Pedagógico da Escola Anunciando o propósito de ruptura do paradigma educacional vigente — porque anacrônico e ineficiente — o Estado brasileiro vem perseguindo a construção de um novo modelo de educação escolar, para o que segue promovendo um amplo processo de reforma. Esta reforma, tendo o projeto pedagógico da escola como um de seus principais instrumentos estratégicos de realização no espaço local, é o que se discute neste trabalho. O propósito é o de explicitar como o mesmo é concebido, o seu caráter, os seus propósitos e razão de ser, no âmbito de políticas do Estado brasileiro e de diretrizes produzidas para o contexto latino-americano. A abordagem deste assunto parte do reconhecimento de sua imbricação com o conjunto das políticas do Estado, centrando na relação da reforma educacional brasileira dos anos 90 com as problemáticas da crise e reconstrução do Estado (Cardoso, 1994 e 1998; Bresser Pereira, 1997). Para tanto, examina documentos oficiais brasileiros. Como instrumento da reforma educacional, o projeto pedagógico deverá desencadear modificações na, da e pela instituição escolar, favorecendo a construção da autonomia desta mediante a promoção do engajamento responsável, dinâmico, contínuo, criativo e auto-regulável dos atores escolares, bem como da mobilização da comunidade beneficiária do serviço público educacional para a co-participação e co-responsabilização nesse processo. Trata-se de um empreendimento cujo horizonte é, de um lado, a efetividade da reforma do Estado brasileiro — segundo o projeINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 43 to federal em implantação (Mare, 1997) – no que ela implica ao pólo executor da política educacional. De outro lado, o desafio da realização de um “ajuste funcional” da educação escolar a requerimentos sociais contemporâneos (Ottone, 1993, Paiva e Warde, 1993; Mello, 1994), segundo uma visão que associa educa- retrizes da reforma estatal. Assim, importa considerar as linhas gerais desta última. Segundo Bresser Pereira (1997), a reforma estatal inclui: (a) a delimitação do tamanho do Estado; (b) a redefinição do seu papel regulador; (c) a recuperação da governança – entendida como capacidade financeira e administrativa de implementar as decisões políticas tomadas pelo governo; (d) o aumento da governabilidade – tomada como a capacidade política do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade e governar. No tocante à reforma do aparelho de Estado, ela prevê “mudança nas leis, na organização, nas rotinas de trabalho e na cultura e comportamento da administração pública, visando a melhoria da eficiência e do atendimento às necessidades da sociedade” (Ibid.,p. 15). Assim, abrange as dimensões institucional-legal, cultural e de gestão. Um aspecto destacado na reforma do Estado é a chamada reforma gerencial, cujo intento seria o de eliminar a administração burocrática. Isto porque esta tendo como características a centralização das decisões, a adoção de estruturas piramidais de poder, a rigidez e impessoalidade das rotinas e a crescente falta de flexibilidade administrativa estaria, segundo Pimenta (1998, p. 12 e 14), gerando o “afastamento das necessidades gerenciais inerentes aos novos papéis do estado”, que de produtor direto de bens e serviços teria passado a indutor e regulador do desenvolvimento, com participação mais direta dos cidadãos. Nesse sentido, segundo Modesto (1997), os serviços sociais devem ser financiados e assegurados pelo Estado, mas não necessariamente realizados pelo aparato estatal. O objetivo mais ambicioso da reforma estatal, segundo Azevedo e Andrade (1997), diz respeito à “separação das políticas regulatórias – que continuariam centralizadas – das atividades de execução e prestação de serviços que passariam a ser descentralizadas” (p. 67). Para Como instrumento da reforma educacional, o projeto pedagógico deverá desencadear modificações na, da e pela instituição escolar. ção a desenvolvimento humano, porém, entendendo-o como fundamentalmente econômico, ainda que reconheça o imperativo da eqüidade e da democracia (Coraggio, 1996). Esta visão, nos últimos anos, a propósito do paradigma econômico de desenvolvimento sustentável, contempla as questões ambiental (Agenda 21), cultural e de coesão social, acolhendo formulações do paradigma de educação permanente (Delors, 1995). Tais diretrizes políticas, assim como análises teóricas conservadoras,1 têm na base um raciocínio de cunho econômico segundo o qual as reformas são óbvias e indispensáveis, de modo que o que se refere a elas está no centro das atenções. “Bem menos se discute acerca da natureza destas reformas e, principalmente, de suas alternativas possíveis” (Costa,1996, p. 44). 1. Reforma do Estado e Reforma Educacional Basicamente, é o movimento na direção da reforma do Estado brasileiro, intensificado nos anos pós-1994, que fomenta e molda o processo de reforma educacional no país. A análise da legislação, planos e programas da área educacional em confronto com documentos do Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE evidenciou que a reforma educacional brasileira vem sendo orientada nos marcos das prioridades, objetivos, princípios e di- 44 1 Costa (1996) coloca entre essas análises conservadoras os trabalhos de Paiva (1990), Tedesco (1990), Barreto (1990), Mello (1993). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS tanto, o Estado se propõe a empreender as reformas administrativa e gerencial. A reforma gerencial tem como principais campos: a desburocratização para a flexibilidade de gestão; a descentralização com coordenação estratégica centralizada; a transparência e controle social mediante disseminação de informações; a avaliação de resultados, que supõe o estabelecimento de indicadores de desempenho e metas pactuadas; a ética, mediante comportamento ético do funcionário público e da redução de privilégios; o profissionalismo que compreende capacitações específicas, mudanças de valores culturais e motivação para o trabalho; a competitividade que prevê a competição administrada e um quase-mercado; o enfoque no cidadão, o que significa conhecer e ouvir os “clientes” internos e externos, estabelecendo mecanismos de parceria e satisfação de expectativas. Esses campos são claramente contemplados na reforma educacional em curso. É, pois, dentro desse quadro que se pode compreender por que a atual reforma educacional tem como eixos principais a reordenação da gestão educacional, a ampliação do espaço político e o ajuste funcional do projeto educacional. É, também, nesse contexto que adquire significado a relevância atribuída ao projeto pedagógico na mesma. No eixo da reordenação da gestão educacional, a reforma educacional busca a construção de um novo padrão de gestão na atuação dos sistemas e das instituições escolares. Esse novo padrão objetiva concorrer para a governança, o que significaria assegurar a eficiência na implantação das medidas educacionais mediante o desenvolvimento das capacidades administrativa e financeira do espaço local. Para tanto, propõe a renovação e a inovação institucional, a distribuição de competências entre as esferas administrativas, uma forte regulação pela esfera federal do Estado2, a flexibilização de modelos e normas, a racionalização administrativa, a focalização em questões prioritárias e emergenciais, a adoção de mecanismos de otimização da gestão financeira e de estratégias de promoção da produtividade dos sistemas (Freitas, 1997). A construção de um novo padrão de gestão pública deve ser, segundo Diniz (1997), um dos principais desafios da reforma do Estado, porém esse padrão deve estar em conexão com a dinâmica dos interesses sociais para que possa gerar capacidade de implementação de políticas, já que esta capacidade é um aspecto crucial da eficácia do Estado. Para tanto, há necessidade de ruptura com o enfoque tecnocrático que “conduz a uma despolitização artificial dos processos de formulação e execução de políticas”. Supõe, também, ruptura com a postura neoliberal que “ignora a estreita relação entre a revitalização do aparelho estatal e o êxito de suas políticas” (p. 44). No eixo da ampliação do espaço político, o objetivo em vista é o da governabilidade, o que significa desenvolver competência política, assegurando a legitimidade e a capacidade de governo dos sistemas e instituições. Para isso, a reforma inclui a organização de espaços políticos de negociação, de parcerias e de elaboração de consensos; o envolvimento da sociedade com a problemática educacional; o incremento da participação comunitária; a gestão democrática e o estímulo a redes promotoras de articulação, interação e trocas entre instituições e atores sociais. Segundo Lechner (1996), tanto a revisão crítica do Estado desenvolvimentista como a É o movimento na direção da reforma do Estado brasileiro, intensificada nos anos pós-1994, que fomenta e molda o processo de reforma educacioonal no país. 2 própria reforma do Estado na América Latina sinalizam novas formas de regulação estatal no sentido de um Estado “... autônomo com respeito às pressões sociais e simultaneamente inserido na estrutura social mediante múltiplas redes de interação”(p.37). Isto estaria se tornando possível com a emergência de uma “nova Através de legislação, planos, formas de financiamento, programas, sistemas e processos avaliativos. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 45 consciência de cidadania” – ainda confusa – que permite recriar a idéia de Estado com vistas ao desafio de integrar os planos: (a) da complexa articulação de subsistemas internos e externos e os planos macro e micro; (b) da rearticulação dos atores sociais de modo a reconstruir padrões de integração social compatíveis com a eficiência econômica, concordantes com critérios de eqüidade social e politicamente viáveis; (c) da efetivação da democracia tanto na arena política quanto no governo. Isto porque o próprio desenvolvimento capitalista exige um Estado que “ ... defenda a ordem coletiva contra as tendências à exclusão e fragmentação” (p.42). Seria mediante “uma trama de vínculos entre instâncias estatais e atores sociais” possível compartilhar capacidades e responsabilidades da condução necessária dentro de um projeto de país. No entanto, o autor alerta para o risco de que o Estado “operando na penumbra” assegure a tomada de decisões segundo critérios técnicos. De outro lado, as redes políticas podem conformar uma “subestrutura institucional” (Estado oculto) fora do alcance dos cidadãos. Em ambos os casos ocorreria uma cisão entre Estado e democracia, que aprofundaria a rejeição das políticas públicas e da própria política. Fiori (1998), por sua vez, alerta para o fato de que há uma ausência de projeto de país, já que se persegue “... a manutenção do status quo do ponto de vista dos interesses fundamentais das classes conservadoras e do nosso status internacinal de associado norte-americano leal, de alinhamento No eixo do ajuste funcional do projeto educacional, frente ao novo paradigma do conhecimento que orienta as políticas educacionais latino-americanas (Miranda, 1996), a reforma brasileira – dentro da lógica de regulação – delineia o novo paradigma curricular, estabelecendo um conjunto de definições doutrinárias (princípios, fundamentos e procedimentos) para orientar a organização, a articulação, o desenvolvimento e a avaliação da proposta pedagógica escolar (Brasil, 1998b e 1998c). Esses eixos da reforma educacional explicitam os compromissos que o projeto pedagógico deverá considerar, se tomado como instrumento estratégico de efetivação dessa reforma, na instituição escolar. Revelam o nexo entre as reformas da educação e do Estado. Esse modelo de reforma parte de uma compreensão sobre o quadro caótico dos sistemas escolares e de toda a máquina voltada para políticas sociais que ignora as coalizões que o produziram, o peso das opções realizadas e da condução histórica dos processos. Assim, concentrando-se numa visão ahistórica de Estado, “... não consegue vislumbrar possibilidades de que novas orientações sobre ele emanadas produzam resultados substantivamente diferentes daqueles que vem repetindo” (Costa, 1996, p. 70). 2. Reforma Educacional e Diretrizes do Espaço Regional Em 1993, na V Reunião do Comitê Intergovernamental do Projeto Principal de Educação para a América Latina e o Caribe, os Ministros de Educação e Chefes de Delegação, tendo analisado documentos internacionais dos anos 90 referentes à educação, firmaram a Declaração de Santiago cuja proposta central é a de profissionalizar a ação educativa para alcançar os objetivos pretendidos de renovação educacional. Nessa ocasião, o objetivo geral consensual fixado foi o de “melhorar os níveis globais de qualidade das aprendizagens” e os objetivos específicos de assegurar a qualidade das políti- A transparência e controle social, a ética, o profissionalismo e a competitividade são alguns dos campos contemplados na reforma educacional. 46 automático em tudo” (p. 85). Nesse sentido, vale lembrar que a reforma do Estado brasileiro “toma como referência valores como eficiência, competição, qualidade e custo tirados de tríplice matriz: do setor privado, da economia e das novas tendências da administração pública norte-americana” (Azevedo e Andrade, 1997, p. 73). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS cas, processos e resultados, dentre os quais o de “desenvolver uma gestão responsável”. (Promedlac V, 1993, p. 13-16). Elegeu-se como uma das prioridades do eixo institucional a profissionalização da ação da escola. Prioridade essa fundada no reconhecimento de que a “capacidade das escolas para decidir sobre seus projetos de desenvolvimento pedagógico e institucional é um dos processos mais significativos que se iniciam na transformação dos sistemas educacionais”. Frente a isso, o Comitê entende que profissionalizar a ação da escola é “promover, nos estabelecimentos, maiores capacidades para regular seu funcionamento e fortalecer as funções técnicas e administrativas dos agentes para levar a cabo o processo educativo, no marco das orientações e das políticas nacionais” (Ibid., p. 15). Com esse propósito, o Comitê estabeleceu o desenvolvimento de uma nova gestão dos estabelecimentos como uma das diretrizes de política educacional. Esta deveria engendrar uma nova cultura organizacional na escola, que consista no desenvolvimento de práticas de gestão caracterizadas por: (a) objetivos de aprendizagem compartilhados, por meio de um processo de participação dos docentes e dos demais segmentos da comunidade escolar; (b) definição de indicadores de resultados que fundamentem as decisões pedagógicas e de destinação de recursos; (c) incentivo de uma cultura que valorize o desempenho acadêmico e o desenvolvimento de expectativas positivas para o êxito dos alunos; (d) articulação dos objetivos compartilhados a este novo ‘ethos’, em um plano de desenvolvimento institucional, dentro do qual se explicite o projeto pedagógico da escola (Promedlac V, p. 20). Em síntese, a reforma educacional não prescinde de que o estabelecimento de ensino leve a cabo o processo educativo “com todas as condições de uma atividade profissional”, o que significa se tornar “capaz de tomar decisões e de estar disposto a assumir responsabilidades pelos resultados” (Ibid., p. 32). Vê-se que, na perspectiva do acordo regional oficial, o projeto pedagógico é estratégico para a concretização da reforma educacional no espaço local, na medida em que concorra para a produção de identidades escolares calcadas numa cultura institucional favorável à construção da autonomia institucional. O exame dessas e de outras diretrizes de reforma educacional evidenciam políticas e es- Profissionalizar a ação educativa é a proposta central para alcançar os objetivos pretendidos de renovação educacional. tratégias comuns às formulações regionais e nacionais indicando que, na configuração dessa reforma, entram em jogo constrangimentos internos e externos. Estes condicionam o próprio nexo entre reforma educacional e reforma do Estado. E, segundo Azevedo e Andrade (1997) , “um dos desafios nesta passagem de século é a formação de um novo marco de regulação por parte do Estado” capaz de “dar conta da profunda complexidade e idiossincrasias das sociedades contemporâneas”. 3. Reforma Educacional e Projeto Pedagógico 3.1 - Institucionalização do Projeto Pedagógico A institucionalização do projeto pedagógico, pela Lei nº 9.394/96 (Brasil, 1996) e Plano Nacional de Educação/98 (Brasil, 1998a), tem como conseqüente a inclusão desta matéria na pauta de prioridades dos sistemas e das instituições escolares. Embora se trate de um imperativo formulado num contexto externo à escola, não se pode dizer que a necessidade do mesmo já não tenha sido assinalada a partir desta. Desde os anos 80 a problemática do projeto pedagógico tem comparecido na pauta de discussão dos educadores, contrapondo-se ao planejamento centralizado e tecnicista da década de 70 e orientado-se para a institucionalização, na educação, de espaços políticos formais. Como proposição do Estado integrou, em 1993, as INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 47 formulações do Plano Decenal de Educação para Todos e, em 1996, com a Lei nº 9.394/96 ganhou caráter compulsório e função estratégica na convergência das reformas educacional e do Estado. A citada Lei determina aos sistemas a incumbência de integrar os órgãos e instituições oficiais de seu sistema “... às políticas e planos jetos pedagógicos (Brasil, 1998a, p. 32). É interessante observar que, neste Plano, o projeto pedagógico não está incluído entre as metas de gestão educacional, mas sim entre as do ensino fundamental. Isto, de certa forma, confirma a relevância do expediente estratégico da reforma, já que inserido no âmbito prioritário da atual política educacional: o ensino fundamental. Este nível de ensino consiste na educação básica que se pretende assegurar aos brasileiros, como resposta “possível” às demandas do mundo de hoje (Freitas, 1998). A decisão das escolas sobre seus projetos pedagógico e institucional é um dos processos mais significativos na transformação dos sistemas educacionais. educacionais da União e dos Estados” (Artigo 11, Inciso I). Ao estabelecer as incumbências dos estabelecimentos de ensino, menciona diretamente a obrigatoriedade de que estes elaborem e executem sua proposta pedagógica (Art. 12, caput e Inciso I). Determina, ainda, aos docentes a incumbência de “participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino” e “elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino” (Art. 13, Inciso I e II). Dispondo sobre a gestão democrática estabelece, como um de seus princípios, a “participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” (Art. 14, Inciso I). Por fim, determina aos sistemas de ensino assegurar “... às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira...” (Art. 15). No Plano Nacional de Educação, a meta 18 do ensino fundamental menciona o compromisso de “assegurar autonomia das escolas tanto no que diz respeito ao projeto pedagógico como em termos de recursos financeiros públicos suficientes para a manutenção do cotidiano escolar” (Brasil, 1998b, p. 33). O caráter compulsório do projeto pedagógico se evidencia, ainda, no Plano Nacional de Educação quando, na meta 05 do ensino fundamental, fica previsto que, em 3 anos, os sistemas deverão assegurar que todas as instituições escolares tenham elaborado os seus pro- 48 3 3. 2 - Propósitos e Opções Possíveis De acordo com a lógica da reforma educacional brasileira, a existência de um projeto educacional institucional seria condição para a eliminação de problemas que geram um quadro de baixa qualidade da gestão e da aprendizagem, entre os quais: o corporativismo, o particularismo, o clientelismo, o burocratismo, o autoritarismo, a fragmentação, a descontinuidade das ações e a falta de compromisso quanto aos resultados. De outro lado, pode vir a ser condição promotora de uma cultura institucional aberta à direção de setores hegemônicos, o que permitiria contemplar interesses, necessidades e urgências que imperem nos diferentes espaços. Segundo Jamil Cury (1997)3, trata-se de conseguir instituições escolares que tenham sua “marca registrada” em resposta a demandas da sociedade e como resultante de um desempenho institucional produzido mediante a convergência e a conjugação de esforços e recursos dos sistemas, dos atores escolares e da comunidade (especialmente a beneficiária do serviço educacional). Neste sentido, o Plano Nacional de Educação / 1998 estabelece a meta de “valorizar a participação da comunidade na gestão, manutenção física e melhoria do funcionamento das escolas, incentivando o trabalho voluntário, sem eximir o Poder Público de suas obrigações constitucionais” (Brasil, 1998b, p. 33). Então presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Tendo o projeto pedagógico como instrumento estratégico da reforma educacional no espaço local, o Estado brasileiro visa conseguir: a mobilização dos atores; a participação das famílias e da comunidade para o que estimula a gestão democrática; a autonomia da escola de modo a promover a iniciativa e a criatividade de seus atores; o compromisso com a instituição e com o projeto educacional nacional; a responsabilização dos atores pelos resultados obtidos, para o que prevê a avaliação do desempenho da instituição, dos docentes e dos alunos; uma significativa mudança curricular, para o que formula Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais; a eficiência na gestão escolar, mediante a racionalização e a produtividade; a construção da identidade institucional, o que implica diferenciação interescolar e heterogeneidade intra-sistema em razão do surgimento de diversos tipos de escolas. No entanto, na ótica dos educadores o projeto pedagógico é instrumento estratégico da construção da escola pública democrática, cuja qualidade tem como horizonte a cidadania plena. Como fonte de valores, esse horizonte referencia uma cultura institucional comprometida com o homem (pessoa - cidadão - trabalhador) sujeito de sua história e orienta para a busca da qualidade humano-social. Com esse entendimento, o projeto pedagógico pode ser encaminhado de modo que as dimensões política e educativa do fazer pedagógico se encontrem e se redefinam. As proposições do Fórum em Defesa da Escola Pública, no documento “Plano Nacional de Educação - Uma proposta da sociedade brasileira / 1998” (formulado como alternativa ao Plano Nacional de Educação elaborado pelo MEC), acenam nessa direção. Vê-se que o projeto pedagógico pode ser estratégico tanto para a reforma conduzida pelo Estado como para a democratização efetiva da escola. Cabe optar por uma ou outra possibilidade ou, ainda, fazer desse instituto uma mera formalidade técnico-burocrática. Fazer uma opção consciente supõe clareza sobre o que pode vir a ser um projeto pedagógico. Primeiramente, o projeto pedagógico pode delinear o novo que se pretende construir no e pelo coletivo escolar. Neste sentido é intenção e requer o assumir de um compromisso coletivo e institucional que se explicite mediante uma proposta de ação educativa. Intenção, compromisso e proposta comuns aos envolvidos no processo educativo definem a própria identidade institucional. A opção a fazer diz respeito a que identidade se vai construir. Em segundo lugar, pode vir a ser um referencial institucional sinalizador da tarefa social da escola. Como tal, se constitui em instrumento de orientação no tocante ao caráter/ propósito/ conteúdo/ forma do processo educativo que, através de um conjunto de princípios, indica permanentemente o rumo da ação escolar. Esses princípios – referidos a valores – vão indicar a direção que se vai imprimindo à prática, orientando o caminhar coletivo no tocante: (a) à organização e racionalização do trabalho escolar, tanto em termos de modelo organizacional formal como em termos de sua forma de operar; (b) à organização do ensino, em termos da forma dada a este (seriada, em ciclos, modular ou outras); (c) à definição/ operacionalização/ avaliação do currículo; (d) ao planejamento/ realização/ avaliação da gestão escolar, do ensino e da aprendizagem; (e) à regulação da ação a partir da avaliação interna e externa. O processo de seleção dos valores que serão assumidos pela escola passa pela compreensão: (a) do caráter da sociedade contempo- O projeto educacional institucional seria condição para eliminação de problemas que geram a baixa qualidade de gestão e aprendizagem. rânea e de quais são os imperativos e necessidades históricas que despontam como urgências para os âmbitos mundial, regional, nacional e local ; (b) da função social da educação (em especial, da educação escolar) nessa sociedade, suas possibilidades e limites; (c) das necessidades educacionais do homem visto como pessoa/trabalhador/ cidadão sujeito de sua história; (d) dos projetos educacionais dos diversos INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 49 atores: família, escola, Estado, comunidade e sociedade. Esse referencial institucional além de instrumento de orientação pode vir a ser, também, um instrumento integrador da ação educativa e da gestão escolar, na medida em que assegure: (a) a articulação dos setores (administrativo, burocrático, pedagógico); (b) a propriedade e articulação das estruturas organizacional e de ensino; (c) a unidade das propostas institucionais (planos, currículo, normas e regulamentos); (d) a ação coletiva, cooperativa e solidária nos âmbitos de decisão, execução, controle e avaliação; (e) a coesão do conjunto, mediante definição do significado do mesmo. Neste caso, a opção possível à escola diz respeito a que lógica presidirá esse referencial institucional, determinando seu papel instrumental de orientação e integração da ação educacional dessa instituição. O projeto pedagógico pode vir a ser , também, um instrumento de descentralização interna e de produção da autonomia institucional quer seja esta compreendida segundo a ótica econômico-política da atual reforma educacional, ou segundo a ótica que a defende como meio de democratização do poder, com vistas à promoção da cidadania emancipada. Como instrumento de descentralização interna, o projeto pedagógico intenta a revisão e o aperfeiçoamento dos processos de trabalho escolar, mediante a participação de todos na programação e controle das atividades escolares. Como instrumento gerador da autonomia institucional , se constitui em eixo de instituição, orientando-a para a eficiência e efetividade, segundo a lógica econômica da atual reforma educacional. O projeto pedagógico compreende basicamente três propostas. A proposta pedagógica da escola que explicita intenção e plano do desenvolvimento educacional. A proposta de desenvolvimento institucional, que estabelece a estrutura político-administrativa e o modo operacional da instituição, explicitando o modelo organizacional, a organização do ensino, o padrão de gestão e as formas de planejamento e avaliação. A proposta de inserção social que, a partir da integração intra-escolar, prevê formas de articulação intra-sistema educacional e de coordenação com outros espaços educativos da sociedade. Mediante tais propostas o projeto pedagógico ordena, articula, dirige e regula a concepção, a execução e a avaliação do planejamento escolar, do currículo e da própria organização da instituição. Ao concorrer para a efetividade destes, poderá suprimir o cunho autoritário e meramente burocrático que os tem caracterizado na prática escolar. 3.3 - Regulação e Autonomia Se de um lado o projeto pedagógico favorece a pluralidade de modelos institucionais, a diferenciação interescolar e a heterogeneidade intra-sistemas, de outro lado a regulação federal promove certa homogeneidade e estabelece claros limites à autonomia da instituição escolar. Isto ocorre na medida em que “molda” as escolas através do delineamento de diretrizes e políticas nacionais, da regulamentação da legislação, do planejamento educacional a partir do centro, da definição de parâmetros curriculares, do controle direto de programas e da realização de avaliação. Ao estabelecer os limites da autonomia escolar, a Lei nº 9.394/96 determinou que, além das incumbências próprias, os estabelecimentos de ensino respeitem “as normas comuns e as do seu sistema de ensino” (Art. 12, caput). Ao tratar especificamente dos currículos do Na ótica dos educadores, o projeto pedagógico é instrumento estratégico para a construção da escola pública democrática cuja qualidade busca a cidadania. 50 criatividade, de controle, de responsabilização e de convergência na atuação dos atores educacionais internos e externos, em torno de intenção comum (Cury, 1997). Na construção da autonomia, revestido de caráter político-administrativo, pode vir a ser instrumento catalisador de esforços, iniciativas, recursos e, ainda, disciplinador dos rumos da INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS ensino fundamental e médio – e esta é uma questão central no projeto pedagógico da escola – a “autonomia pedagógica” fica delimitada com o dispositivo sobre a obrigatoriedade de “uma base comum nacional” (Art. 26, caput). Essa base comum tem nas Diretrizes Curriculares (Resolução 02/98 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação) sua concepção doutrinária e nos Parâmetros Curriculares Nacionais do MEC os indicativos operacionais, sendo este último reconhecido, pelo referido Conselho, como os conteúdos mínimos a que faz menção o Art. 207 da Constituição Federal/ 88. Outros limites da autonomia escolar ficaram implícitos nos princípios, fins, objetivos, organização do tempo e das estruturas dessa Lei. Essa regulação estende-se ao projeto pedagógico da escola. Exemplo disso são as diretrizes inscritas nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino fundamental/ 1998 que, se levadas a sério pelas escolas, condicionarão a definição de sua proposta pedagógica. Tais diretrizes assinalam a urgência de que a educação (escolar) brasileira: (a) “esteja na linha de frente da luta contra a exclusão”, o que significa a centralidade do combate ao “fracasso escolar”; (b) “esteja voltada para a construção de uma cidadania consciente e ativa não como meta (...) mas como prática ...”; (c) “forneça aos alunos bases culturais” associando “as ações educativas às tecnologias da comunicação”; (d) contribua para com o “desenvolvimento do ‘querer viver juntos’, elemento de base da coesão social e da identidade nacional [ mediante a ] cooperação entre comunidade e escola”; (e) suscite “o respeito ao pluralismo”; (f) atue nos planos “ético e cultural, científico e tecnológico, econômico e social” (Brasil, 1998, p. 7). Os Parâmetros propõem que o processo educativo, voltado para o atendimento dessas urgências, tenha o aprender a conhecer, a fazer, a viver com os outros e a ser como pilares de sustentação, visando instrumentalizar os indivíduos para a autodeterminação e para sua atuação na esfera da produção. A seguir, delineiam o perfil da escola comprometida com a prioridade do ensino fun- damental, enumerando requisitos que, se levados a sério pela mesma, condicionarão a sua proposta de desenvolvimento institucional e a sua proposta de inserção social. Esse perfil institucional visado supõe: (a) uma escola que não exclua e “cujo primeiro Instaurar um processo de construção de novo tipo de relações no âmbito escolar e no seu entorno social é função do projeto pedagógico objetivo é o de reduzir a vulnerabilidade social de crianças oriundas de meios desfavorecidos, marginalizados”; (b) uma escola enraizada na comunidade e que interaja com outras agências educativas sendo mais mobilizadora, organizadora e integradora dos espaços educacionais existentes na sociedade; (c) uma escola que promova (integralmente) as pessoas mediante ajuda intencional, sistemática, planejada e continuada; (d) uma escola que intervenha, efetivamente, na socialização de seus alunos, desenvolvendo atitudes e valores adequados aos novos tempos; (e) uma escola inserida no mundo do trabalho, que capacite os educandos para a aquisição e o desenvolvimento de novas competências em função de novos saberes e novo tipo de profissional necessário, o que significa preparo para a educação permanente; (f) uma escola inserida no mundo das culturas, mediante aprendizagens essenciais (referidas ao momento histórico) e desenvolvimento da capacidade crítica e criadora; uma escola que ensine a aprender, imbuindo os educandos de motivação e disciplina para o aprendizado permanente. Na seqüência, o documento afirma que, na elaboração do seu projeto educativo, “a escola discute e explicita, de forma clara, valores coletivos, delimita suas prioridades, define os resultados desejados e incorpora a auto-avaliação ao seu trabalho” (Ibid., p. 74). Logicamente, espera-se que isto se dê nos marcos já estabelecidos. Os Parâmetros mencionam, ainda, os aspectos que se destacam no processo de elaboração e desenvolvimento do projeto pedagógico: (a) “reINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 51 52 pensar o papel e a função da educação escolar, seu foco, sua finalidade, seus valores” considerando a comunidade e a sociedade em que esta se insere; (b) fazer “antecipações sobre as formas de inserção dos alunos no mundo do trabalho e das relações sociais, no mundo da cultura”; (c) definir metas que assegurem a continuidade das propostas, prever recursos necessários, definir acompanhamento e avaliação sistemáticos; (d) assegurar a contribuição e o comprometimento de toda a comunidade escolar, com vistas a garantir um projeto articulado, coerente e eficaz; (e) levantar dados, garantir a participação e organizar a escola como espaço de exercício efetivo da cidadania; (g) ter contato com outras experiências e bibliografia especializada “em especial, referências curriculares oficiais”; (h) identificar nestas princípios referentes à “interação e cooperação, respeito à diversidade, desenvolvimento da autonomia, disponibilidade para a aprendizagem, organização do tempo e do espaço escolar, seleção de material e avaliação” (Ibid., p. 75 - 89). Como se vê, o documento Parâmetros Curriculares Nacionais apresenta o molde dentro do qual a instituição escolar irá, por meio do projeto pedagógico, forjar a sua própria identidade institucional. Essa regulação fica ainda mais contundente no delineamento de metas do Plano Nacional de Educação do MEC (Brasil, 1998b). No ensino fundamental, são alguns exemplos: redução anual de 5% nas taxas de repetência e evasão; regularização do fluxo escolar via programas de aceleração da aprendizagem; apoio da comunidade para prover padrão mínimo de infraestrutura; participação da comunidade na gestão, manutenção física e melhoramento do funcionamento da escola, incluindo o trabalho voluntário; reorganização curricular e gradativa eliminação do ensino noturno, substituindo-o por aceleração e educação de jovens e adultos; integração das funções de supervisão e inspeção ao sistema de avaliação e auto-avaliação institucional. A instância federal do Estado, buscando regular a ação da escola, pretende pôr sob seu controle o pólo executor do processo de reforma: o espaço local. Com isto, revela-se o caráter da descentralização educacional e da autonomia da escola intencionadas e desencadeadas a partir dessa instância, cujo instrumento estratégico principal é o projeto pedagógico. Através deste, essa INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS instância intenta fomentar, no espaço local, avanços na direção da governança e da governabilidade pretendidas pela reforma do Estado. 4. Finalizando Em síntese, como instrumento estratégico da reforma educacional no interior da escola, o projeto pedagógico tem a função de instaurar um processo de construção de relações de novo tipo no âmbito escolar e no âmbito da relação escola e entorno social. Função que se orienta pela lógica da reforma do Estado, cujo intento é estabelecer nova relação entre Estado e sociedade. Pretende provocar o surgimento de uma cultura institucional segundo a qual a autonomia coletiva implica em ética assumida por todos, em consciência e compromisso com os objetivos maiores da educação, e em mobilização coletiva para a atuação voluntária e engajada, superando a postura de espera e dependência da intervenção do Estado. Isto significa avançar na construção de um novo modelo de escola, nos marcos da “publicização”. Fica, assim, contemplada a reforma do Estado em suas linhas mais gerais. Entretanto, será a natureza da apropriação desse instrumento pela instituição escolar que definirá, em grande parte, os desdobramentos da reforma educacional no espaço local e, conseqüentemente, o grau de efetivação da reforma estatal no que ela diz respeito à esfera da educação escolar pública. De todo modo, no tocante ao processo de reformas, há que se considerar dois pontos importantes. O primeiro, refere-se a um “total descasamento entre as causas da crise e as reformas em curso...” de modo que, segundo Fiori (1997) estas não “darão conta das verdadeiras raízes da nossa crise de Estado” ( p. 152). O segundo diz respeito a um modelo de reformas no qual não se objetiva a intervenção estatal no problema maior e possível raiz de muitas mazelas: a profunda desigualdade. Isto porque, segundo Costa (1996) “a lógica instrumental, típica do economicismo, tem dificuldade de lidar com a educação como um direito substantivo e não como meio para se atingir algum objetivo de engenharia social”. Frente a isso, tem razão este autor: “... é doloroso que não consigamos pensar distribuição (de riqueza e de direitos) como algo autônomo do crescimento (p. 68). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, Sérgio de e ANDRADE, Luiz Aureliano G. de. A reforma do Estado e a questão federalista – reflexões sobre a proposta Bresser Pereira. In : DINIZ, Eli e AVEVEDO, Sérgio de (Org.). 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INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 53 O artigo discute as políticas educacionais do Estado de Mato Grosso do Sul nos anos 80, em um momento em que a sociedade brasileira reagia aos problemas de crise econômica e social. Assim, o Estado prioriza nos Planos a gestão democrática da escola, mas contraditoriamente, ao enfatizar os projetos econômicos, termina por dissolver e desacreditar sua política de gerir o conflito social através da participação comunitária de características “eminentemente democráticas”. Palavras-chave: Educação pública, Plano governamental, Democracia. The article discusses Mato Grosso do Sul state educational policies in the 80’s at a moment in which Brazilian society reacted to problems of economical and social crisis. In this way, the State gives priority in the Plans to the school democratic management but, contradictorily, as it emphasises the economic projects it ends up dissolving and discrediting its policy of managing the social conflict through comunity participation with “eminently democratic” characteristics. 54 Key words: Public education, Governmental plan, Democracy. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Educação Pública em Mato Grosso do Sul na Década de 80 Questões Globais e Locais Ester Senna Professora do Curso de Pedagogia e do Mestrado em Educação da UFMS *Versão resumida do trabalho apresentado ao GT – Influencia del Estado en El Desarrollo Educativo –, no IV Congresso Iberoamericano de História de la Educacion Latinoamericana, realizado em Santiago de Chile, no período de 24 al 29 de mayo de 1998. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ * Introdução Este artigo traz uma breve análise da situação do Estado de Mato Grosso do Sul quanto à gestão dos serviços públicos na área social, dando centralidade às políticas de intervenção na área de educação realizadas nos anos 80. Assim, pretende-se discutir como em Mato Grosso do Sul a educação pública, uma das instituições estruturadoras das relações sociais, se desenvolveu num momento em que o governo central assinalava para a construção de uma esfera pública democrática. No Brasil, nos anos 80, a política social passou a ser considerada pelos governos não mais como subproduto da economia, mas como resultado das novas relações entre Estado e sociedade. Esta perspectiva, pelo menos no âmbito do discurso oficial, procurava seguir a tendência internacional em curso, que considerava o bem-estar social como parte integrante e constitutiva das sociedades contemporâneas, voltado para a produção e distribuição de bens e serviços sociais “extramercado”. Neste contexto, percebe-se no Estado de Mato Grosso do Sul, a necessidade governamental de se articular educação e desenvolvimento econômico e social, por meio de uma proposta de gestão racional e eficiente. Em conseqüência, no campo educacional, defende-se a necessidade de um planejamento educacional realista e eficaz, segundo a concepção dos organismos internacionais que debatiam as questões educacionais da América Latina. O Estado de Mato Grosso do Sul, tendo como parâmetro a política do governo central, tentou implementar a proposta de construção de uma política educacional para uma sociedade deINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 55 mocrática. Porém, a socialização do poder político e o movimento contraditório do capital foram dois fatores difíceis de conciliar. Considerando-se esta questão primordial, tem-se aqui como pressuposto que o processo democrático não poderia seguir seu curso realizando apenas alguns “acertos” na economia deveriam considerar a “espetacular explosão educacional” que vinha acontecendo. Segundo a avaliação da UNESCO, os responsáveis pela política econômica deveriam considerar a educação não apenas como um serviço social desejável, mas como elemento essencial para o desenvolvimento nacional. Nesse sentido, recomendou-se um plano nacional de educação, subdividido em programas particulares criteriosamente concebidos, adaptados às diversas atividades e regiões geográficas, coerentes com o plano geral e a partir da base, mas circunscritos pelos limites dos recursos, pelos objetivos e prioridades (UNESCO, 1975:9). A educação, no documento da UNESCO, foi concebida como um pré-investimento indispensável à globalização do desenvolvimento econômico e social. Os governos, conforme esta política, passaram a utilizar o planejamento como instrumento para assegurar a rentabilidade e a adaptação em um mundo em permanente mudança. Na Conferência Internacional sobre Planejamento educacional, realizada no período de 6 a 14 de agosto de 1968 em Paris2, aparece em primeiro plano a preocupação com o “futuro próximo” e a ênfase na necessidade do planejamento educacional, tendo-se em vista as seguintes prospectivas: 1. A demanda social por educação aumentaria rapidamente, sem que os sistemas educacionais estivessem em condições de formar e empregar um número de jovens que aumentaria mais de 10% ao ano; 2. A pressão econômica sobre os sistemas educacionais aumentaria em razão do decréscimo provável dos recursos disponíveis para educação e o aumento dos custos unitários; 3. Os sistemas educacionais tornar-se-iam incompatíveis com as mudanças no mercado de trabalho; 4. Nos países em desenvolvimento, as pessoas instruídas enfrentariam o desemprego devido ao sistema econômico insuficiente e aos profissionais Nos anos 80 a política social passou a ser considerada não mais como subproduto da economia mas como resultado das novas relações entre Estado e sociedade. e na administração estatal. No campo da educação, a sociedade civil organizada desconsiderou a tensão entre capitalismo e democracia , dando prioridade à reivindicação de universalização da educação básica e gestão democrática da escola. Como resultado desse posicionamento, não se realizou uma oposição efetiva ao caráter conservador da proposta de democratização da educação brasileira. Este texto procura enfocar, inicialmente, as discussões da UNESCO1 que contribuíram para delinear a política econômica e social do Estado brasileiro, num momento em que este enfrentava uma estagnação econômica e aceleração inflacionária recorrente. Em seguida, discute-se a situação da política social, especialmente a política educacional, que foi forjada em Mato Grosso do Sul, tendo em vista legitimar as ações estatais, mas que contraditoriamente, pelo seu caráter residual , não contribuiu para esvaziar as tensões sociais. Política educacional brasileira e os parâmetros da UNESCO No final dos anos 60 já se discutia a necessidade de articular educação e desenvolvimento econômico e social, por meio de uma gestão racional e eficiente. Nesta direção, os governos 56 1 Considerou-se neste artigo as contribuições da UNESCO em razão da ênfase dessa instituição internacional no Planejamento educacional nos anos 70. Esta ênfase no campo educacional tem a marca do processo de reestruturação tecnológica e produtiva desencadeados nos países industrializados, bem como a emergência do processo de globalização que se intensificaria nas décadas seguintes, exigindo dos países em desenvolvimento, políticas de inserção neste processo. Em termos de investimento para a área social, outros organismos multilaterais contribuiram com os programas de ajuste do Estado brasileiro. No início do regime militar, “o Banco Mundial foi progressivamente ampliando seus empréstimos para o país, e o Brasil tornou-se, nos anos 70, o maior tomador de recursos do BIRD (Tommasi, Warde e Haddad (org.) 1996:32). Entretanto, nos anos 80, “o Brasil teve uma relação difícil com o Banco Mundial, cedendo e recuando parcialmente às suas pressões e às do FMI para adotar as políticas de ajuste” (Ibid:33). 2 Desta Conferência Internacional, participaram noventa e cinco países, oito organismos internacionais, oito organizações intergovernamentais. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS despreparados, entre outros problemas (Senna e Hamdan, 1996:4). Em resumo, o planejamento sob a égide da racionalidade seria o instrumento mais adequado e eficaz para adequar os países “em desenvolvimento” às mudanças gestadas no âmbito do capitalismo internacional. Nessa direção, os sistemas educacionais deveriam considerar, além da expansão quantitativa, as inovações de qualidade. A próxima [década] deverá ser colocada sob o signo de um crescimento seletivo, acompanhado de adaptações, modificações e inovações mais amplas - tudo isto fortalecido por uma cooperação ainda maior. Assim, parece indispensável, paralelamente às estratégias nacionais, uma estratégia mundial que oriente os países nos esforços comuns para o desenvolvimento da educação (UNESCO:30). Verificou-se então, que a partir do final dos anos 60, foram gestadas as transformações radicais no âmbito do capitalismo internacional. Observou-se assim, na década de 80, verdadeira revolução nas bases tecnológica, produtiva, comercial e financeira do capitalismo. Nessa direção, a meta da educação para a democracia entra no bojo do processo de globalização, cujo movimento de integração dos mercados de bens, de serviços e de capitais tem confirmado a tese de que os sistemas educacionais, no capitalismo contemporâneo, respondem de modo específico às necessidades de valorização do capital e ao mesmo tempo se concretizam numa demanda popular efetiva de acesso ao saber socialmente produzido (cf. Neves, 1994). Tendo em vista as modificações globais iniciadas nos finais dos anos 60, o governo brasileiro delineou uma política econômica e social no II Plano Nacional de Desenvolvimento de 1975 a 1979 (IIPND), que teve por finalidade promover profundas mudanças estruturais na economia. A prioridade do Plano era enfrentar o atraso nos setores de bens de produção e alimentos, a dependência do petróleo e uma tendência a um elevado desequilíbrio externo. O II PND situava as regiões periféricas no centro do novo projeto de expansão da economia. Outro destaque importante do Plano diz respeito à política social, que foi considerada como decisiva ao processo de racionalização. Segundo o governo de Ernesto Geisel, a política a ser executada deveria assegurar: Aumento substancial de renda real para todas as classes. É importante que as classes trabalhadora e média sejam amplamente atendidas no processo de expansão, inclusive pela ampla abertura de oportunidades econômicas e sociais (que, inclusive, determinam também o nível de renda futura). Assim se poderá estabelecer uma sociedade em que, econômica e socialmente, as bases se estejam sempre movendo para cima. Redução substancial da ‘pobreza absoluta’, ou seja, do contingente de famílias com nível de renda abaixo do mínimo admissível quanto a alimentação, saúde, educação, habitação. Para atender esses objetivos, será executada, no próximo estágio, política social articulada, que não se constitua simples conseqüência da política econômica, mas objetivo próprio (Brasil, 1974:71, grifo nosso). Dando continuidade a estas metas importantes, mas insuficientes, pois não superaram a destinação preferencial dos recursos públicos ao desenvolvimento econômico, o III PND (1980-1985) destacou a meta de redistribuição de renda como uma das medidas de reestruturação interna para enfrentar os estrangulamentos externos. Contudo, segundo alguns analistas, estes Planos não reverteram a posição tecnológica atrasada do Brasil. Ou seja, o Estado brasileiro, com um padrão de financiamento vulnerável, não foi capaz de ampliar suas políticas públicas de corte social (habitação, educação, saúde, seguridade social e outras), não realizando, portanto, o desejado equilíbrio entre capital e trabalho. Na tentativa de mudar o retrato da situação, a Constituição de 1988 acenou para a construção de um sistema de proteção social universalizante e desmercantilizado. No campo educacional, seus dispositivos sinalizaram um considerável adensamento do direito à educação básica. Nesse sentido, estabeleceu a oferta Em Mato Grosso do Sul, a socialização do poder político e o movimento contraditório do capital foram dois fatores difíceis de conciliar. de creche e pré-escola como um direito de cidadania da criança de zero a seis anos; o ensino fundamental gratuito e obrigatório, não limitado a uma faixa etária específica; a extensão gradativa da obrigatoriedade do ensino básico ao nível médio; a destinação de 50% dos recurINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 57 sos públicos da área educacional para o ensino fundamental e para a eliminação do analfabetismo e, ainda, a gratuidade do ensino público em todos os níveis (Senna e Freitas, 1997:7). No entanto, estas disposições constitucionais teriam como limites objetivos as realidades social, econômica, política e cultural engendradas pelo desenvolvimento brasileiro nos últimos 50 anos, bem como pela crise econômica No III Plano Setorial de Educação, Cultura e Desporto - 1980/1985 (III PSECD) aparece definido que as ações nacionais e regionais, que seriam implementadas no período de 1980/ 85, nas áreas de Educação, Cultura e Desporto, teriam como diretriz fundamental “a integração das atividades deste Ministério com as atividades correlatas de outros Ministérios, numa perspectiva de inter-relacionamento entre os diferentes setores sociais e econômicos” (Brasil, 1983:9). Analisando esta diretriz , percebe-se uma mudança que atingiria diretamente a organização do fundo público , que nos países desenvolvidos, se distribui entre as necessidades do capital e as necessidades de reprodução da força de trabalho. Assim, com relação ao setor educacional o Plano diz: Nesta perspectiva, o esforço educacional faz parte de um esforço geral, não somente dentro da área social, mas também dentro da área econômica, porque não há solução satisfatória dos problemas, se não houver suficiente convergência entre as áreas sociais e as áreas econômicas (Idem:11, grifo nosso). Quer dizer, pretendia-se superar as políticas que atendem à reprodução apenas da subsistência da força de trabalho. Segundo o Plano, o problema do aproveitamento escolar depende do atendimento a outras necessidades dos trabalhadores: renda adequada, nutrição, saúde, higiene, saneamento, transporte e outras. Enfim, tem-se aqui, pelo menos em termos de Plano, a compreensão da política social em seu sentido estrito. Antes de apresentar as metas regionais o Plano discute as Linhas Prioritárias Nacionais. Com relação à educação no meio rural , a ênfase foi dada visando alcançar focos mais acentuados de pobreza no País. A educação formal constituia-se em um problema de grandes dimensões. Necessitava-se aumentar as taxas de escolarização, diminuir os índices de evasão e repetência, adequar a educação às particularidades da clientela e da região (Ibid:12). Em 1990, os resultados dessa política evidenciam que as necessidades da educação rural constatadas no III PSECD, ainda precisariam ser consideradas com atenção (ver gráfico 1), pois as taxas de escolarização de 5 a 17 anos, no período de 1981-1990, além de reduzidas, apresentam uma “involução” em 1990. Os sistemas educacionais deveriam considerar, além da expansão quantitativa, as inovações de qualidade. mundial, pelo acelerado processo de globalização econômico-financeira, pelo avanço tecnológico e pela hegemonização do ideário neoliberal (Idem:7). A tensão entre capitalismo e democracia é evidenciada, indicando que, ao traçar suas políticas públicas o Estado, em sua agenda democrática de reforma dos programas sociais, tem dificuldades de lidar com os interesses, exigências e necessidades políticas da classe trabalhadora e também com os interesses do capital e suas necessidades de pacificar os conflitos. Fiori (1995:xviii) diz que a batalha pela democratização encobriu um longo período de luta e incerteza, e que na verdade o Estato estaria definindo as regras da gestão política e econômica de um novo ciclo de crescimento industrial que ocorreria inevitavelmente, aproveitando as fronteiras abertas pelos novos horizontes tecnológicos. A partir dessas transformações, que políticas educacionais o Estado de Mato Grosso do Sul definiu e priorizou na agenda política de democratização? Política educacional dos anos 80 para a Região Centro-Oeste, e, em especial, a situação de Mato Grosso do Sul 58 Antes de discutir a situação da educação em Mato Grosso do Sul, faz-se necessário, como elemento de análise, discutir o III PSECD (19801985) e o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República – 1986-89, do governo de José Sarney. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Gráfico 1 – TAXAS DE ESCOLARIZAÇÃO DE 5 A 17 ANOS 1981–1990 R Z U O R N A A L 1990 1981 0% 25% 50% 75% 100% Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1994 No que diz respeito à educação nas periferias urbanas, o Plano chama atenção para o aspecto economicamente seletivo dos serviços educacionais. Considerou-se importante, no sentido de atender a população urbana mais carente, investir em educação pré-escolar e educação supletiva (Ibid:12). Quanto às taxas de escolarização da zona urbana, em 1991, observa-se uma melhoria, ainda que de forma não expressiva, conforme o gráfico 2. Gráfico 2 – TAXAS DE ESCOLARIZAÇÃO DE 5 A 17 ANOS 1980–1991 Z O N A U R B A N A 1980 1991 0% 25% 50% 75% 100% Fonte: IBGE, Anuário Estatístico do Brasil, 1994 Na seqüência, outro aspecto importante discutido no Plano diz respeito ao desenvolvimento cultural. Propunha-se a ampliação do acesso à cultura, bem como a promoção das diferentes manifestações culturais, sob a ótica da identidade nacional (Ibid:12). Na realidade, nesse momento histórico, a ênfase na identidade nacional no III PSECD, tem por finalidade a organização e disciplina dos indivíduos, como uma forma de dar coesão ao todo social, tão fundamental para se promover a liberalização política. Segundo Lúcia Lippi Oliveira, A consciência da questão nacional foi sempre expressa por grupos de elite, por lideran- ças intelectuais que assumem a aventura de pensar em termos nacionais. Cosmopolitismo e localismo têm funcionado alternativamente como guias das propostas de construção de identidades nacionais (1990:50). Quanto à meta da qualidade do ensino, outra prioridade foi a valorização dos recursos humanos ligados à educação, à cultura e ao desporto, particularmente daqueles engajados na educação básica. Tinha-se presente, que não se tratava apenas de precariedade na formação do professor. Devia-se, segundo o Plano, considerar as condições sociais, econômicas e políticas dos profissionais em educação. Contudo, a situação dos professores não tem se alterado ao longo da década. Carnoy em um documento apresentado à UNICEF diz: É impressionante como os governos prestam pouco atenção na seleção, preparação e situação social dos professores responsáveis pela educação básica, quando tanto depende de suas aptidões como mensageiros da cultura e administradores da transformação cultural. Nos países onde os sistemas educacionais são considerados excelentes - no Japão, na Alemanha e na Escandinávia, por exemplo -, os professores que ministram educação básica são altamente respeitados, treinados em nível universitário e com cursos de especialização e têm elevada posição social. A qualidade da educação melhora na mesma proporção em que os professores responsáveis pela educação básica são valorizados pelo papel crucial que desempenham como administrador da transformação cultural (1992:74). A avaliação realizada por Carnoy, sobre a condição social do professor é pertinente, mas a ênfase no papel do professor como agente de mudança faz parte de um discurso governamental que vem sendo retomado nos anos 90 e que considera a educação como uma “via privi- O Estado, em sua agenda democrática de reforma, tem dificuldades de conciliar os interesses e exigências da classe trabalhadora com as do capital. legiada de construção da própria pessoa, das relações entre indivíduos, grupos e nações” (UNESCO, 1998:12). A educação é a “utopia necessária” na concepção da UNESCO. Voltando à análise III PSECD, verifica-se que, no discurso, as políticas públicas de educação INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 59 60 são formuladas, segundo Offe, “como reação a problemas estruturais de legitimação de uma sociedade que constantemente dissolve e desacredita suas próprias premissas igualitárias” (1990:41). Registre-se que, para concretizar a Política Nacional de Educação, Cultura e Desporto, o Plano delineou as estratégias regionais. Para a Região Centro-Oeste, a estratégia específica para a Educação na Área Rural teve preocupação com a população de 7 a 14 anos, mais especificamente com a oferta de oportunidades a adolescentes e adultos, apelando para a utilização de tecnologia educacional acessível e para a assistência efetiva do educando (Brasil 1983:21). Para as Periferias Urbanas, esta Região de acordo com o Plano apresenta como necessidades a integração do ensino regular com o supletivo, objetivando propiciar um melhor atendimento e regularização do fluxo escolar e a reorganização da rede física. As estratégias específicas para o Desenvolvimento Cultural da Região Centro-Oeste tinham como meta integrar as propostas fundamentais de educação no meio rural e nas periferias urbanas com as características culturais locais da comunidade e da região. “A Região Centro-Oeste propõe incrementar estudos, diagnósticos e pesquisas da realidade regional cultural, fundamentando tais iniciativas numa ação institucional e comunitária, que leve em conta a organização do acervo cultural” (Idem, 1983:22). O III PSECD, ainda em suas prioridades regionais para o Centro-Oeste, destacou o papel da Universidade, “comprometida com a problemática, as potencialidades, as perspectivas e as características da realidade circundante, e preocupada com o homem que tenta viver, produzir e evoluir nas sub-regiões” (Idem:25). Em resumo, o Estado brasileiro se pauta no planejamento, na modernização técnico-administrativa e no sistema de captação e alocação de recursos. Quanto à política social, no Plano, esta tem por base o modelo universalizante, mas as concretizações dessa política dar-se-iam de forma descentralizada. Para a administração da educação se propõe o planejamento participativo, acrescentando: “é dever do estado oferecê-la a todos, em igualdade de condições e com padrão qualitativo defensável” (Ibid:14). No I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República - 1986-89, do governo de José Sarney, admite-se que o Estado deveria tomar como meta a garantia dos direitos sociais. Essa garantia resultaria em benefícios, em primeiro lugar, em termos de renda e emprego e em segundo lugar, estabelecer-se-ia forte correlação INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS entre investimentos em setores sociais básicos, como educação, saúde e saneamento, e acréscimos de produtividade e rendimento da mão-deobra (Brasil, 1896:52). Avaliando a implementação das políticas sociais no Brasil Draibe constata que o Estado atua, através das políticas sociais para de um lado, ampliar as oportunidades básicas (educação e saúde) e, de outro, corrigir parcialmente as ações do mercado. O resultado é que o gasto social público sustentado por recursos fiscais assumiu caráter residual. As distorções na organização do sistema de proteção social que se verificam em todos os Estados brasileiros, inclusive em Mato Grosso do Sul, podem ser assim registradas: 1. ênfase na centralização política e financeira no nível federal, tanto dos recursos como do poder decisório; 2. grande fragmentação institucional em razão de práticas decisórias corporativistas, clientelistas e particularistas; 3. permanência de práticas decisórias autoritárias, inibindo os mecanismos de participação e controle; 4. forte privatização, tanto pela crescente presença do setor privado produtor dos serviços sociais (muito alavancado pelo investimento público) quanto pela introdução da lógica e dos interesses privados e particularistas nas arenas decisórias (Draibe, 1995:203). Constata-se portanto, retrocedendo ao início dos anos 80, que o governo central tinha como objetivo incluir o Estado de Mato Grosso do Sul no projeto de modernização da sociedade e realinhamento do capital, como forma de enfrentar o esgotamento do “milagre econômico” brasileiro. Nesse contexto, a política social do governo atende de forma emergencial e pontual tanto as necessidades do setor econômico de Mato Grosso do Sul, visto que o governo central havia lhe reservado papel fundamental no II PND, como também, as necessidades de controle e legitimação das decisões estatais. A educação, como parte desse projeto de governo, enfrentou uma política de desmando e arrocho salarial, demonstrando-se que a prioridade do fundo público para Mato Grosso do Sul era o setor agropecuário, visto como capaz de se constituir em uma das alternativas para a saída da crise brasileira. A situação mais grave, no início dos anos 80, para a educação foi o arrocho salarial, conforme constata Fernandes, devido à política do governo Pedro Pedrossian (1980-1983) que priorizou investimentos em grandes obras. Esta política levou o magistério, através das associações municipais de professores e especialistas em educação, a reagir, organizando grandes greves no período para denunciar os problemas com o ensino público do Estado (1996:86). Contudo, o governo continua com as distorções em termos de investimentos, desviando-se da política do governo central que investia nas políticas sociais como mecanismo de esvaziamento das tensões sociais. Esse estilo de governo desmantelou o projeto de Estado modelo reservado para Mato Grosso do Sul, e que havia sido estruturado de forma sistêmica conforme os ditames da tecnocracia (Idem:89). Ainda com relação aos governos, no período de 1982 a 1990, os governadores Wilson Barbosa Martins, Ramez Tebet e Marcelo Miranda, pertenciam ao PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que se caracterizava como o maior partido de oposição e que no momento tinha como objetivo a luta pela democracia (Oliveira, 1997:40). Entretanto, entre hesitações políticas e desacertos econômicos, estes governos terminaram por aprofundar os problemas na área da educação, saúde e segurança, entre outras. A situação geral do sistema educacional brasileiro também apresentava-se problemática. O I PND da Nova República apontou, em 1986, baixo índice de escolarização, serviços educacionais que não correspondiam às necessidades da população, dificuldades de acesso ao sistema escolar , queda da qualidade do ensino, desvalorização dos profissionais da educação e um contingente significativo de analfabetos (Brasil,1986:59). Estes problemas demonstravam que o Estado continuava intervindo na educação de forma residual, desacreditando na própria premissa de que o investimento em educação resultaria em cidadãos capazes de concorrer no mercado global. Neste caso, o fundo público não realiza totalmente a socialização do excedente, nem se torna espaço de gestão do conflito social, tendo em vista que atua com prioridade na reprodução do capital, mais especificamente no financiamento do capital privado (cf. Oliveira, F. 1989 e Cipolla,1997). Os governos de Mato Grosso do Sul não fogem à regra, transformando a população carente em “clientes” de uma política social residual.3 No final dos anos 80, os serviços sociais 3 continuavam sendo oferecidos de forma fragmentada, aprofundando a dicotomia existente entre política econômica e política social. Assim, a situação dos serviços sociais indica que, neste Estado, a política social não ganhou centralidade na agenda política de reformas democráticas , colidindo com a proposta governamental divulgada amplamente. Este acontecimento reafirma a tese da incompatibilidade entre capitalismo e democracia. Para exemplificar, pode-se sinteticamente, verificar já na metade da década de 80, a situação da educação e dos principais serviços sociais do Estado de Mato Grosso do Sul, conforme quadro da página seguinte. A educação, como se depreende deste quadro, assim como os outros serviços sociais básicos, dada a precariedade, está longe do projeto do governo central de contribuir com a desejada racionalidade e produtividade. Percebe-se que o Estado optou por uma política que manteve a presença mínima dos fundos públicos na reprodução da força de trabalho, reproduzindo como consequência, na educação, os problemas de acesso, repetência, evasão, formação deficiente de professores e condições materiais inadequadas; na saúde, problemas de atendimento, instalações, distribuição de remédios e recursos humanos; no setor de habitação, ainda é grande o número de pessoas de renda baixa excluídas do benefício da casa própria; no setor de saneamento básico, destacam-se altos índices de doenças infecciosas, bem como as precárias condições de esgotamento sanitário e da coleta de lixos. Registre-se que, no Brasil, as informações oriundas do Censo Demográfico de 1991 mostram que havia no País, um expressivo número de crianças menores de 5 anos de idade vivendo em domicílios urbanos sem saneamento adequado (IBGE, 1991:51); no setor de segurança pública, os problemas oriundos do crescimento urbano, e, ainda os problemas de fronteira, necessitavam de adequação quantitativa e qualitativa; por fim, no setor de assistência social, chama atenção que, além de crianças e adolescentes, os idosos têm sido excluídos da sociedade. Resulta, pois, importante, verificar quanto ao setor educacional, como o Estado lidou com os problemas apontados. Tudo indica que, a “parti- No período de 1979-1982, o Estado de Mato Grosso do Sul apresenta-se atrasado em seu desenvolvimento econômico, limitando-se basicamente a fornecer matéria-prima. Somente em 1981, o Estado começa a dar os primeiros passos na direção da industrialização. De 1983-1986, contata-se o crescimento de demandas produtivas e sociais, fato que levou o governo a planejar medidas de melhoria do aparelho arrecadador. Em consequência, o Estado procurou o aprimoramento da estrutura fisco-arrecadadora, justificando esta ação no sentido de elevar os níveis da receita estadual a patamares mais condizentes com o estágio alcançado pela economia do Estado (governo do Estado de Mato Grosso do Sul, 1984:117). De 1986-1990, o Estado deu prioridade ao crescimento e modernização da economia. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 61 62 cipação da comunidade” nas resolu- Quadro 1 - Educação e Serviços Sociais em Mato Grosso do ções dos problemas educacionais, foi Sul/1985 o que norteou as ações do governo. Assim, no II Plano Estadual de Educação Para a Democracia (19851987), do governo de Wilson Barbosa Martins do PMDB, a participação comunitária de características “eminentemente democráticas” e voltadas para a gestão racional dos negócios públicos, sustentou a política do governo. Convém aqui, ressaltar o equívoco de compreender a democracia como um projeto que se esgota na “normalização” das instituições políticas. As contradições do processo de acumulação, os problemas entre capital e trabalho, bem como os conflitos sociais que emergem desse processo são questões de fundo, mas que foram reduzidas a problemas de governabilidade e eficácia administrativa (Senna, 1994). Compreende-se, então, que o planejamento participativo adquiriu relevância para o Poder Executivo estadual num momento de transformações econômicas e de concentração urbana que punham em evidência a precariedade dos serviços sociais (Freitas, 1997:107). Esta forma de administrar não resolve a contradição entre Fonte: Adaptado a partir das informações da SEPLAN/FLIPAN/MS apud MATO GROSSO DO SUL democracia política e autocracia eco1988/91:65-84. nômica. Diante disso, o planejamento mocratização’ e de ‘modernização’ da sociparticipativo, no campo educacional, legitimou a política dos governos, sem contudo, possibilitar a edade brasileira (1997:107). participação da sociedade civil em questões funPortanto, constata-se nesse processo que os diferentes interesses da sociedade estão damentais, visto que a meta era a construção de permeados de contradições, dando ao Estado estratégias de estabilização econômica. Verifica-se que, mesmo com a proposta de uma face ambígua. Assim, os governos do Esinclusão, nas escolas estaduais de Mato Grosso tado de Mato Grosso do Sul, da década de 80, do Sul as condições básicas de ensino eram ao tentarem interlocução com as demandas desfavoráveis, destacando-se a precariedade na sociais, atuavam no sentido de regular a dinâformação de professores e nos programas de mica geral da sociedade. No campo educacioassistência ao educando. Quanto à gestão da nal, o Estado procurou dar garantia de escola, não se verifica um acompanhamento e concretização do processo democrático. Assim, avaliação dos projetos implantados. Em no período de 1982-1986 se implantou a políara a Democracia consequência, constata-se o desvio apontado por tica de Educação P Para Democracia. EmFreitas, bora os dois últimos Planos Estaduais de EduTrata-se menos de uma intencionalidade de cação da década de 80, contemplassem a nedemocratização política, de inclusão da pocessidade urgente de participação, o governo pulação em processos de gestão da coisa de Marcelo Miranda, governador eleito em pública, do que dos velhos artifícios de bus1986, não deu continuidade à política educaara a Democracia ca de consenso e de contemporização das cional Educação P Para Democracia, ainda demandas populares, assim como a adesão que defendesse a democracia na escola. Os edua um discurso que esteve presente desde o cadores que defendiam a democratização da momento da abertura política, no Regime educação, a melhoria da qualidade de ensino Militar, sendo retomado em termos de ‘dee participação sindical perceberam e denunciINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS aram a quebra da política educacional proposta (cf. Fernandes, 1996). Não se tratava, é claro, simplesmente de traduzir e articular as demandas por democracia na escola.Tudo indica que, esperava-se que o Estado representasse o conjunto da sociedade, e, diante dessa “coletividade ilusória” verificou-se que as desigualdades sociais não poderiam ser resolvidas com a “fórmula da democracia”, sob a égide de uma administração racional. A não compreensão das relações históricas entre capital e trabalho, principalmente pela intelectualidade progressista, acabou por inviabilizar um aprofundamento mais global das questões educacionais. Este dilema ainda persiste nos anos 90. Concluindo, convém lembrar, que a articulação das políticas governamentais, especialmente as políticas educativas, aos parâmetros internacionais, não é recente. Hoje, estas políticas têm encontrado limites para sua concretização. Segundo Kurz (1997), na era do One World, o que propriamente foi internacionalizado e globalizado, foram única e exclusivamente as formas econômicas de circulação do dinheiro e do mercado. Na medida, contudo, em que o nível civilizatório da modernidade está associado ao Estado, esse padrão permaneceu limitado aos Estados nacionais, ou melhor, aos blocos econômicos. Só o ‘burguês’ (o sujeito econômico ou mercantil puro) se tornou um cidadão do mundo, ao passo que o ‘cidadão’ (o sujeito estatal ou jurídico) se ateve à esfera nacional dos Estados e, por sua própria natureza, não pode se globalizar (p.59). Sabe-se que no Brasil, na década de 80, a ênfase na luta pela democratização, não permitiu que se discutisse com mais profundidade os limites da democracia em uma situação de crise econômica mundial. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República: 1986-1989, Brasília, 1986. BRASIL. II Plano Nacional de Desenvolvimento: 1975-1979. 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INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 63 O trabalho analisa, à luz de um referencial teórico, a articulação entre educação e democracia e de como a mesma vem se transformando em políticas educcionais no que concerne à gestão da escola pública, a partir do caso específico no Estado de Mato Grosso do Sul, quando foi instituído pelo governo Pedro Pedrossian na rede estadual de ensino o programa Uma Proposta de Educação para Mato Grosso do Sul - Escola Pública Democrática - Gratuita - no período de 1991 a 1994. Palavras-chave: gestão da escola pública, gestão democrática, política educacional. This paper analyses, under a theoretical approach, the articulation between education and democracy and how this articulation generates educational policies concerning the public school management, particularly the case of Mato Grosso do Sul State, where Pedro Pedrossian governement has created the program ‘‘An Educational Proposal For Mato Grosso do Sul Free, Democratic Public School’’, at 1991 to 1994. Key words: Public School Management, Democratic Management, Educational Policy. 64 INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Política Educacional A Gestão Democrática na Rede Estadual de Ensino em Mato Grosso do Sul (1991 A 1994) Maria Dilnéia Espíndola F ernandes Professora-assistente da UFMS/CEUD/DED e doutoranda da UNICAMP/FE/DASE. * Trabalho integrante da dissertação de mestrado intitulada Políticas públicas de educação: a gestão democrática na rede estadual de ensino em Mato Grosso do Sul (19911994), UFMS/CCHS, 1996 e apresentado na 20ª Reunião Anual da ANPED em CaxambuMG, no período de 21 a 25 de setembro de 1997, no Grupo de Trabalho nº 05 - Estado e Política Educacional, com alterações de forma, mas não de conteúdo. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ * Introdução Este estudo tem como objeto de investigação o ponto um do Programa I - Democratização das Escolas - 1. Eleição de Diretor e Colegiado Escolar - 2. Autonomia da Escola 1 - considerado pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso do Sul como o programa central de sua política educacional para o período de 1991 a 1994. Este programa decretado2 foi realizado no Estado de Mato Grosso do Sul no mandato de Pedro Pedrossian, governador eleito no período citado acima. Na prática escolar, culminou com a eleição para diretor de escola e a eleição do colegiado escolar como órgão consultor e executor do processo administrativo e pedagógico da escola, e ainda desconcentrou3 os órgãos inter1 ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Uma proposta de educação para Mato Grosso do Sul. Relatório Final. Campo Grande: Secretaria de Estado de Educação, 1991-1994, p. 07. 2 ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Decreto 5.868 de 17 de abril de 1991 - Dispõe sobre a estrutura básica das Unidades Escolares e dá outras providências. 3 O termo desconcentrar é utilizado aqui já como resultado da pesquisa, em substituição ao termo descentralizar colocado pela Secretaria de Estado de Educação. Nessa perspectiva, o termo desconcentrar reflete o que definiu Casassus. Segundo este autor: a desconcentração, reflete processos cujo objetivo é assegurar a eficiência do poder central enquanto que o outro, a descentralização, é um processo que procura assegurar a eficiência do poder local (Caetano et.al., 1988). Assim, a desconcentração refletiria um movimento ‘de cima para baixo’ e a descentralização um movimento ‘de baixo para cima’. Nesta perspectiva, salvo poucas exceções, hoje praticamente todos os processos de descentralização na América Latina, são processos de desconcentração. (1990:17). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 65 mediários da Secretaria de Estado de Educação quando criou os Núcleos Educacionais em substituição às Agencias Regionais de Educação. Segundo a Secretaria de Estado de Educação, a criação dos Núcleos Educacionais teriam como objetivo: tornar as decisões mais próximas, facilitar o acesso às informações e agilizar o fluxo da tramitação burocrática, oferecendo maior presteza de atendimento às comunidades escolares {...} Vale registrar que essas representações municipais da Secretaria de Estado de Educação, (sic) favorecem a integração com os municípios, o acompanhamento das atividades pedagógicas, administrativas e financeiras realizadas pelas Escolas, e representam, ainda, uma divisão de trabalho que racionaliza o número de servidores para o atendimento à comunidade 4 . Para a construção deste objeto buscou-se em um primeiro momento a análise teórica de categorias tais como democracia e estado via fontes bibliográficas; em seguida, a análise dos documentos da política educacional produzida pela Secretaria de Estado de Educação e, por último, entrevistas com os diretores eleitos, preferencialmente aqueles que eram professores antes da eleição, em uma escola de cada Núcleo Educacional, considerando a divisão geográficoespacial criada pela própria Secretaria de Estado de Educação, quando da desconcentração de seus órgãos intermediários. A decisão pela entrevista com diretores, preferencialmente aqueles que eram professores antes da eleição, justificou-se pela representação social que, historicamente, este cargo tem produzido nas relações de poder do aparato educacional. E por se entender que estes foram o sujeito principal no processo de gestão democrática em Mato Grosso do Sul. Ainda neste Programa, os diretores eleitos passaram a ser, em um primeiro momento, Secretário-Nato e depois Secretário-Executivo do Colegiado Escolar cuja função: além de representante oficial da Unidade Escolar, deve ser entendida como a de coordenador do funcionamento geral da unidade e de executor das deliberações coletivas do Colegiado Escolar, respeitados os dispositivos contidos no Decreto 5.868.5 66 O território geográfico eleito para campo de investigação foi a cidade de Campo Grande, capital e maior cidade do Estado que, pelo grau de desenvolvimento de suas forças produtivas e sociais, apresenta totalidades e peculiaridades nas tensões de seu tecido social que perpassam por todo o Estado de Mato Grosso do Sul. Sendo assim, Campo Grande possui onze Núcleos Educacionais6 , sendo que cada um deles comporta determinado número de escolas em uma determinada região da cidade. A decisão pela escolha da escola obedeceu ao mesmo critério válido para a cidade de Campo Grande, qual seja, as tensões geradas no tecido social em seu interior. Nessa perspectiva, o estudo em questão objetivou, a partir dos documentos oficiais publicados pela Secretaria de Estado de Educação e pelas entrevistas com os diretores eleitos, analisar como o programa central da política educacional do período efetivou-se na escola, local da realização da democracia na educação. O pressuposto foi de que a Secretaria de Estado de Educação, se, por um lado, colocou em prática uma das principais reivindicações da categoria do magistério na década de 80, isto é, a democratização da escola via eleição para diretor e colegiado escolar, por outro, efetivou algo que vem sendo questionado e combatido pelos pesquisadores em educação e pela comunidade educacional em geral: a centralização no planejamento de programas, políticas e recursos enquanto, na prática, desconcentra a gestão e a execução dos mesmos para a comunidade alvo. 1. Democracia e Educação: qual seu conteúdo? Em se tratando da questão da democracia, necessita-se atualmente colocá-la em seu referencial histórico, desvelando suas relações com as práticas sociais dadas no capitalismo, e permitindo demonstrar suas concepções que tem sustentado projetos políticos de sociedade, calcadas nas matrizes ideológicas dos governos. Sendo assim, um dos eixos para compreensão da historicidade da democracia pode ser encontrado no caráter conotativo/valorativo da palavra, que ganha espaço em vários contex- 4 MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Educação. Uma proposta de educação para MS - relatório final, p. 14. 5 MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Educação. Uma proposta de educação para Mato Grosso do Sul educação pública e democrática - direção colegiada - gerenciamento escolar, p. 25. 6 No Estado todo foram criados oitenta e cinco Núcleos Educacionais, onze em Campo Grande, três em Dourados, e o restante, um em cada município. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS tos econômicos, políticos, sociais e culturais, principalmente após a 2ª guerra mundial, quando a corrida em torno da palavra democracia, ao mesmo tempo que legitima regimes de governos, os escamoteia. Nessa perspectiva, pode-se entender por que a democracia, enquanto projeto político de sociedade na atualidade, é realizado sob processos de exclusão de contingentes populacionais, sendo ainda objeto de disputa por setores organizados da sociedade, cuja correlação de força sustenta a viabilidade do mesmo. É essa análise que permite compreender a articulação entre educação e democracia na sociedade capitalista, particularmente no Brasil, cuja demanda na década de 80 marca significativamente a sociedade, pois esta (a democracia) é absorvida por vários governos municipais e estaduais enquanto forma prioritária de governo. De fato, no caso brasileiro, a articulação mais recente entre educação e democracia tem sua matriz nos Planos Nacionais de Desenvolvimento 7 do Governo Federal durante os períodos de distensão e de transição do regime militar e também no movimento dos educadores na década de 80. O que diferenciava um e outro projeto era que, para o Governo Federal, democratizar a educação significava dar saída às tensões sociais produzidas no período pela exaustão do milagre econômico brasileiro (Senna, 1995), cuja dívida social estava insuportável para o conjunto da população. As políticas sociais, neste projeto, entendidas como subproduto da política econômica, seriam o mecanismo de frear resistências da sociedade. Já para o movimento dos educadores, democratizar a educação significava escola pública de qualidade, mais verbas para a escola pública, verbas públicas para a escola pública, gestão democrática nas escolas, garantindo o acesso e a permanência do aluno na escola. (Sposito, 1994). Assim, o movimento dos educadores e grande parte de sua produção teórica no período, bem como os regimes e partidos políticos, apropriaram-se do termo democracia. Para a grande maioria dos educadores e sua produção essa apropriação trouxe mais um agravante além do valor conotativo da palavra; a apropriação do termo deu-se somente pelo seu conteúdo político (Senna, 1995). Essa apropriação histórica do termo democracia em finais da década de 90, traz novos elementos para o debate: o surto democrático que chegou à América Latina em meados da década de 80, paradoxalmente, foi ajustado pelo projeto neoconservador na onda do neoliberalismo, em que se trava até o momento duas lutas: a primeira pela consolidação da democracia; a segunda, envolvendo a esfera pública, frágil ainda, busca garantir as parcas conquistas oriundas das politícas sociais que, em muitos casos, antes de serem conquistas, foram/são tutelas de governos em claro processo de cooptação de classe. 2. Educação e Democracia em Mato Grosso do Sul 2. 1 A consolidação do Estado de Mato Grosso do Sul e suas elites políticas e econômicas Mato Grosso do Sul, Estado há pouco tempo consolidado8 , coloca em prática a articulação entre educação e democracia, a partir do ponto um do Programa I - Democratização das Escolas - 1. Eleição de Diretor e Colegiado Escolar - 2. Autonomia da Escola - o que se chamou de gestão democrática, instituída pela política educacional no mandato de governador eleito de Pedro Pedrossian, no período de 1991 a 1994. Compreender, entretanto, o que foi a gestão democrática enquanto programa central da política educacional do período no Estado de Mato Grosso do Sul, requer antes a compreensão do projeto político de sua sociedade combinado à gênese da formação desse Estado e sua consolidação, assim como a história de suas elites políticas9 e a influência dos educadores do Estado no processo de democratização da escola pública. De fato, o movimento dos educadores em Mato Grosso do Sul, na tentativa de responder 7 BRASIL. Secretaria de Planejamento. II Plano Nacional de Desenvolvimento(1975-1979). BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. II Plano Setorial de Educação e Cultura (1975-1979). BRASIL. Secretaria de Planejamento. III Plano Nacional de Desenvolvimento - 1980/85. 8 O Estado de Mato Grosso do Sul foi criado pela Lei Complementar nº 31 de 11 de outubro de 1977. 9 O termo elites política foi utilizado por Maria Manoela R. de Novis NEVES em seu trabalho: Elites Políticas: competição e dinâmica partidário-eleitoral (caso de Mato Grosso). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 67 aos desafios colocados pela conjuntura estadual, tem demonstrado uma organização via seus sindicatos e federação articulados com o movimento nacional dos educadores. Assim, os educadores do Estado, principalmente na década de 80, se somaram ao movimento mais geral dos educadores, quando, entre outras reivindicações, se exigia uma escola democrática10 . Este movimento, entretanto, deve ser compreendido no processo de consolidação do Estado de Mato Grosso do Sul, como se coloca a seguir. O Estado de Mato Grosso do Sul, em que pesem as tensões separatistas no seu interior, desde o final do século passado, é criado no contexto de distensão e transição do regime militar, momento em que a democracia deveria ser lenta, gradual e controlada para que não ferisse interesses já consolidados, período em que, pelo projeto do Governo Federal, se reservava um papel fundamental para o setor agro, sendo este o responsável pelo equilíbrio da balança de pagamento, bem como gerador de divisas, o que justificou na época o slogan cunhado para o Estado de Celeiro do CentroOeste. Para tanto, segundo Rocha11, o modelo para o Poder Executivo do Estado de Mato Grosso do Sul deveria obedecer às seguintes diretrizes: planejamento participativo e sistêmico, fortalecimento do setor privado, descentralização e, ainda, modernização permanente dos órgãos, das entidades dos instrumentos e dos procedimentos da administração pública. Para consolidar esta estrutura sistêmica de estado, o Governo Federal nomeou governador o Engenheiro Civil gaúcho Harry Amorim Costa, portanto, alguém de fora do Estado, fato que provocou descontentamento entre as elites políticas do Estado, pois estas se preparavam e disputavam entre si o novo aparato estatal, apesar de naquele momento estarem aglutinados na mesma sigla partidária, qual seja, a ARENA - Aliança Renovadora Nacional. Ainda conforme Rocha (1992), as elites políticas 68 do Estado se dividiam em dois grupos: a ala ortodoxa, assim chamada por ser fiel aos objetivos de 1964, ligada ao setor da pecuária extensiva e comandada por Mendes Canale, José Fragelli e Rachid Saldanha Derzi; a ala dos independentes , representada por Pedro Pedrossian, que defendia transformações na agropecuária, tais como racionalidade e uso de tecnologias. Mas, de fato, o que acirrou a disputa no Estado muito mais que um governador de fora, foi o modelo que se implantava pelo Governo Federal, pois a proposta de descentralização das ações do poder executivo, implementadas por Harry Amorim Costa, chocavam-se com a prática clientelista e personalista das elites políticas que perdiam o controle de seus aparatos eleitorais, à medida que a nova forma de gestão deste poder negociava diretamente com os prefeitos e comunidade local. Esse quadro levou o Estado a uma situação de ascensão e queda de governadores, sempre articuladas por Pedro Pedrossian, quando este exercia, no período, o cargo de Senador do Estado. De 1979 a 1982, portanto, o Estado teve três governadores, sendo o último o próprio Pedro Pedrossian. Este marca seu governo pelo estilo das grandes obras, arrocho salarial12 e descaso para com o setor público, cujas políticas sociais deram-se em caráter emergencial13 . Em 1982 é eleito Wilson Barbosa Martins, candidato da oposição, pelo MDB - Movimento Democrático Brasileiro. Embora o MDB fosse a oposição no Estado e estudos14 apontem o quanto foi inusitado o mesmo ganhar as eleições e reeleger novamente o governo em 1986, o fato é que o MDB, depois PMDB - Partido do Movimento Democrático Brasileiro - não alterou as condições de vida da população que se agravavam a cada dia. Isso fortaleceu a conjuntura para que voltasse à cena em 1991, desta vez eleito pela coligação encabeçada pelo PTB - Partido Trabalhista Brasileiro - já no primeiro turno com 68% dos votos válidos, Pedro Pedrossian. 10 Conforme Wilson BIASOTTO & Laerte TETILA. O movimento reivindicatório da magistério público estadual de Mato Grosso do Sul. 11 As diretrizes citadas por Rocha (1992) foram extraídas de BRASIL, Decreto-Lei nº 8 de 1º de janeiro de 1979, que dispõe sobre o Sistema Executivo para o Desenvolvimento de Recursos Humanos. O Decreto autoriza a criação das entidades que menciona e dá outras providências. Ver Dorothy ROCHA. A gestão da educação pública em Mato Grosso do Sul - práticas racionalizadoras e clientelismo. 12 Quando Pedro Pedrossian chega ao governo em 1981, o piso salarial do magistério era de 2.9 salários mínimos; quando deixa o governo, este piso era de 0.8 salário mínimo. Ver Wilson BIASOTTO & Laerte TETILA. O movimento reivindicatório do magistério público estadual de Mato Grosso do Sul. 13 As políticas sociais desse período eram estabelecidas e executadas por programas, cuja existência se resumia ao Panelão, programa destinado ao subsídio da cesta básica para a população de baixa renda na periferia de Campo Grande e o Guatambu, programa que visava assistir ao homem do campo. 14 Marisa BITTAR. Estado e política educacional em Mato Grosso do Sul (1983-1986): limites de uma proposta democrática. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Nesse mesmo ano, Pedro Pedrossian, de forma inusitada15 , convida para comandar a Secretaria de Estado de Educação, um grupo de professores identificado com as bandeiras de lutas do magistério, de caráter progressista16 e com inserção no movimento sindical. É esse grupo que, a partir de então, vai instituir na rede estadual de ensino a gestão democrática via eleição de diretor e colegiado escolar. 2. 2 Gestão Democrática : o programa central da política educacional do período. Para entender o que foi o programa central da política educacional, gestão democrática, realizada no período de 1991 a 1994 no mandato de Pedro Pedrossian como governador eleito, foi necessário, além do exame dos materiais produzidos pela Secretaria de Estado de Educação que nortearam o programa, a verificação nas escolas através de entrevistas com os diretores, locus privilegiado do exercício das políticas educacionais, receptora e executora, nem sempre (ou nunca) idealizadora e planejadora das mesmas. Em se tratando da especificidade da educação, procurou-se saber em que medida o programa central da política educacional do período atingira concretamente suas finalidades, dando autonomia para que as escolas implementassem um projeto pedagógico que desse conta de resolver os graves problemas que as assolavam no que tange a um ensino de qualidade. De fato, a análise do programa central da política educacional do período, a gestão democrática, demonstrou pelos documentos produzidos pela Secretaria de Estado de Educação e pela fala dos atores envolvidos nas unidades escolares, que a mesma veio revestida de um discurso inovador, no sentido de que se propunha mudar a estrutura organizacional tanto dos órgãos intermediários da Secretaria de Estado de Educação quanto das escolas, via gestão desses órgãos. A implementação do programa, todavia, provocou olhares diferenciados entre Secretaria de Estado de Educação e Unidades Escolares. Para a Secretaria de Estado de Educação, o programa se sustentava por ser uma reivindicação do movimento dos educadores e como tal, deveria ser balizado pela escola à medida que cabia a esta sua consolidação uma vez que estava no gerenciamento democrático a resolução dos problemas da escola. Para a escola, a implementação do programa ocasionou aumento da jornada de trabalho: o diretor deveria permanecer nela em todos os seus períodos de funcionamento e, ainda, o colegiado escolar só poderia se reunir fora do período de aula. Outro dado do olhar depreendido pela escola foi que esta, a partir do programa, poderia levar a efeito seus projetos pensados no seu interior. Estes entendimentos diferenciados entre um e outro acabaram gerando providências e atitudes também diferenciadas. A Secretaria de Estado de Educação trabalhava as diferenças através de resoluções e normas via CGE Coordenadoria de Gerenciamento Escolar - enquanto a escola questionava se era aquela a democracia da educação que tanto havia lutado e reivindicado. Na realidade, o paradoxo era a partilha da gestão escolar com a comunidade, mas de forma tutelada pelo Estado. O exemplo mais significativo da tutela dava-se quando os colegiados escolares tentavam mudar a legislação, preferencialmente quando esta emperrava a busca e a liberação de verbas e esbarravam na intervenção da Secretaria de Estado de Educação. Das onze escolas em que foram feitas entrevistas, nove confirmaram que, na busca imediata de manter a escola com um nível mínimo de funcionamento, acabavam pedindo socorro à comunidade, através de festas, bingos, rifas, entre outras promoções. O estudo apontou que essa forma de tratar as questões de verba para a escola pública faz parte de uma estratégia deliberada na elaboração das políticas sociais, em particular, a política educacional, muito a gosto do atual momento de reforma do Estado na pauta neoliberal, que planeja/intervém e deixa para a população o saldo da conta. Sendo assim, a gestão democrática não fugiu à regra. Como as entrevistas evidenciaram, o exercício de uma prática mais comprometida com a população no interior da escola requer tempo de aprendizado, e a eleição poderia tornar-se um elemento fundamental do processo. Nesse sentido, a escola, enquanto simples executora de políticas educacionais, poderia passar a ser também planejadora. Planejar na escola, entretanto, poderia significar fugir à tutela do Estado. 15 Conforme o documento ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Uma proposta de educação para Mato Grosso do Sul. Relatório Final. 16 O termo progressista aqui se refere a professores identificados e atuantes no movimento dos educadores que defenderam a escola pública, democracia na educação, entre outras. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 69 2. 3 A primeira eleição Em 22.06.91, aconteceu a primeira eleição para diretor com voto secreto. Em 03.07.91, foram eleitos os membros do colegiado escolar cujo voto poderia ser secreto ou por aclamação em assembléia. Caberia à escola decidir qual a melhor forma. Segundo as entrevistas realizadas, o período que antecedeu às eleições foi marcado inicialmente pela surpresa. O que se perguntava nas escolas era se deveriam ou não apostar na proposta e articular-se para a eleição. Passado esse momento e a inevitabilidade das eleições decretada, o clima estabelecido nas escolas revelou grupos de caráter fisiológico, ideológico e quebrou tabus como o do mito da comunidade17 que clamava a democratização e a participação como algo inerente; assim, a comunidade era vista como algo homogêneo e livre de disputas, de forma que se fosse garantido o exercício da democracia, todos os problemas estariam resolvidos. Desmistificando, a eleição para diretor e colegiado escolar no interior da escola, trouxe à tona muito mais a disputa pelos cargos do que a disputa por uma concepção de educação, embora esta estivesse presente. Sobre este aspecto é esclarecedora a fala de uma diretora: Democracia e educação são coisas inseparáveis. Só podemos pensar em educação hoje se ela estiver de acordo com um projeto de democracia e para isso a escola tem que se preparar tanto como a Secretaria de Educação. Temos que ser mais abertos e menos rançosos com nossos alunos, principalmente na avaliação. Você vê: a Secretaria quer democracia, só que aplicou uns provões nos alunos para avaliar o que eles sabem, e não discutiu com a escola os resultados dessa prova. Ou será que democracia é só eleição? Ainda na avaliação da Secretaria de Estado de Educação18 o momento da eleição lembrou as tradicionais campanhas políticas para o parlamento e o executivo, pois as propostas dos candidatos a diretor priorizavam as grandes obras ou obras que aparecem na escola. As propostas dos candidatos a diretor, todavia, se por um lado revelaram o conteúdo ideológico inculcado pela forma tradicional de se fazer política na sociedade, quando o bom 17 18 70 19 político é confundido com as obras de vulto que faz, por outro, revelaram o descaso com que o poder público, historicamente, tem tratado a educação; a má condição física dos prédios escolares em Mato Grosso do Sul tem sido objeto constante de reclamações e reivindicações da população do Estado. Entender as propostas dos candidatos a diretor para a educação demonstra que o dia-adia vivido no local de trabalho faz com que o imediato das condições deste se sobreponha a uma concepção de educação mais elaborada. Passado o impacto da primeira eleição, as escolas partiram rumo à concretude de suas propostas e, segundo os entrevistados sinalizaram, pôde-se perceber o ponto de estrangulamento dos colegiados escolares e a mão amarrada do diretor. Da esperança de ver a escola democratizada e com isso seus problemas resolvidos, adveio a percepção do significado da impossibilidade do novo gerenciamento escolar ser de fato eficiente. Essa percepção, porém, não se deu de forma imediata e nem com a clareza merecida. Paira ainda sobre a escola a crença de que existe uma incompetência inerente a ela e da qual não consegue se desvincular. É comum que as escolas atribuam a elas mesmas seu insucesso, sem conseguir chegar à essência do problema qual seja, a democratização da gestão não leva necessariamente à democratização dos recursos públicos. A falta de percepção da realidade dos recursos públicos na educação levou a comunidade escolar a centrar os limites de sua ação nela própria, gerando visões do tipo o colegiado não funciona porque as pessoas não participam como deveriam19 . Considera-se ainda nesta análise que a concepção de gestão democrática da Secretaria de Estado de Educação, vislumbrada em seus documentos, ficou restrita a uma sociedade participativa que se encerrou nos limites do muro da escola, cuja participação se reduziu a devolver para a comunidade o financiamento da escola. 2. 4 A segunda eleição A segunda eleição para diretores e colegiados escolares ocorreu em 03.07.93. Conforme os dados coletados mostraram, a experiência adquirida nos dois anos anteriores pelos embates Ver Inah PASSOS et alii. Uma experiência de gestão colegiada. in: Cadernos de Pesquisa, p. 66:86. Conforme palestra proferida pela Coordenadora de Gerenciamento Escolar da Secretaria de Estado de Educação em Seminário de Extensão promovido em outubro de 1994 pela UFMS/CEUD/DED. ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Educação. Colegiado escolar, 5º boletim. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS travados tanto interno quanto externamente na e pela escola, deixou como saldo um desgaste que incidiu diretamente no pleito eleitoral. Se na primeira eleição pairava sobre a comunidade escolar a oportunidade de resolver seus problemas via democratização da gestão, na segunda, o que se vivenciou estava fortemente marcado pela paralisia inerente à burocracia técnico-administrativa e às relações de poder estabelecidas pela Secretaria de Estado de Educação. Nesse sentido, é esclarecedor o estudo de Sposito quando analisa em São Paulo a luta dos movimentos sociais por educação na década de 80, o que pode corresponder aos resultados do programa central da política educacional em Mato Grosso do Sul no início da década de 90: No decorrer da análise foi possível perceber que as formas participativas propostas pelo poder público {...} não contribuíram para que ocorresse, de modo substantivo, qualquer processo de democratização das unidades escolares ou da educação pública como um todo. Ao conviverem com orientações burocratizantes e centralizadoras do sistema de ensino, retiraram qualquer possibilidade de autonomia por parte das escolas. (1993:249). Nesse sentido, o desgaste da gestão democrática em Mato Grosso do Sul é computado principalmente à articulação entre educação e democracia, exatamente por não se ter o entendimento de que a democracia não é somente um fator de igualdade política em que todos participam, mas antes de tudo, um estado que permite a igualdade econômica e política. De fato, para a gestão democrática na rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul, o elemento que mais demarcou a sua existência foi a participação tanto do segmento interno quanto do externo da escola20 , demonstrada na diminuição de votantes da primeira para a segunda eleição, assim como no nível de participação e substituição entre os membros dos colegiados escolares21. Conclusões Compreender a lógica da articulação entre sociedade, educação e democracia e sua viabilidade na gestão democrática na rede estadual de ensino em Mato Grosso do Sul fez com que se pudesse aproximar dos reais problemas vi20 21 vidos pelas escolas onde a gestão é problemática porque é ela que coloca em disputa projetos distintos de educação no seu dia-a-dia, e a luta interna revela o corporativismo dos segmentos principalmente os do interior da escola; por sua vez, a tutela do Estado impõe mecanismos de controle via legislação deixando-a de mão amarrada e sem conhecimento de causa no que concerne ao seu financiamento. Nesse sentido, para a rede estadual de ensino de Mato Grosso do Sul, depois de decretada a democracia para geri-la, evidenciou-se o que vem ocorrendo de forma geral com as políticas públicas e, em particular, com a educação: democratizar e desconcentrar sistemas estão sendo fórmulas habituais de se planejar nos gabinetes governamentais e jogar para a população-alvo a execução e o financiamento de tais sistemas. Da luta por uma escola democrática reivindicada na década de 80, construiu-se uma política educacional que deixou para as escolas e suas comunidades o saldo de gerenciá-las de forma controlada e financiá-las duplamente em uma clara demonstração de que a cidadania, a representatividade, a participação e a democracia na sociedade capitalista ainda são ônus para a população. Minto e Muranaka registraram a respeito do financiamento da educação no Brasil: Comparando os percentuais gastos só com educação pelo Brasil e pelos demais países da América do Sul e Caribe (dados do UNICEF) veremos que todos destinam no mínimo 10% de seus gastos totais para com o setor, com exceção de Nicarágua (9%) e Uruguai (7%), bem maiores que os nossos 3%; boa parte destes países chega a destinar perto de 20%. Entender nossa realidade educacional exige pertinácia e cuidado. As dificuldades iniciam-se com a obtenção de dados confiáveis; os oficiais, quando a eles se tem acesso, são incompletos, pulverizados e/ou divulgados tempos após serem colhidos. (1995:65-6). Assim, a democratização da educação, enquanto instrumento político de descentralização de poder e decisões no interior da escola, configura-se como um elemento que não consegue ultrapassar as barreiras impostas pelo financiamento da educação, estipulado e decidido além da escola. Comunidade interna: professores, coordenadores pedagógicos, diretores e funcionários técnico-administrativos da escola. Comunidade externa: pais, alunos ou os responsáveis pelo aluno na escola. Conforme ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL. Decreto nº 7.227 de 26 de maio de 1993 - Altera dispositivos do Decreto 5.868, de 17 de abril de 1991, e dá outras providências. Ver José Carlos PESENTE. O colegiado escolar: avanço e limites na construção de uma escola democrática. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 71 No que concerne ao aspecto gestor da escola em Mato Grosso do Sul, o elemento central da política educacional em curso tentou superar a divisão do trabalho no interior da escola quando mudou o quadro funcional desta substituindo o especialista em educação pelo coordenador pedagógico; o que se obteve, entretanto, foi apenas uma mudança de nomenclatura no plano funcional, pois o trabalhador continuou o mesmo, com os mesmos valores, práticas e idéia de educação, o que deu motivo para o corporativismo da categoria manifestar-se, pois mostraram-se agredidos e destituídos de seu exercício. Poder-se-ia argumentar, todavia, que pelo modelo em que se tentou superar a divisão do trabalho no interior da escola, este esteve coerente com o novo paradigma da globalização e da internacionalização da economia que busca um novo trabalhador capaz de dominar o processo de seu trabalho, em uma visão saudosista do velho artesão. As condições concretas, portanto, de se pensar uma política educacional para Mato Grosso do Sul não podem deixar de levar em consideração a função do Estado na atual fase transnacional do capital, a educação cunhada na contradição capital versus trabalho e a escola, enquanto prática social, inserida em uma sociedade de classes, sob pena de se cair em uma concepção romântica da educação e da escola que por si só se bastam. Nesse sentido, o estado que se vislumbra no país e consequentemente em Mato Grosso do Sul é um Estado do Bem-estar incompleto, truncado (Oliveira, 1991:80), cujas políticas educacionais remetem ao equacionamento das políticas sociais quando estas se dão como procedimentos governamentais de emergências acontecendo de formas descontinuas, pulverizadas, conforme se apresenta a situação social e econômica da população. BIBLIOGRAFIA 72 ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. in: SADER, E. & GENTILI, P. (Orgs.) 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Secretaria de Estado de Educação - Uma Proposta de Educação Para Mato Grosso do Sul - Educação Pública e Democrática. Campo Grande: 1992. _______. Secretaria de Estado de Educação - Colegiado Escolar, 5º Boletim, s.d. _______. Decreto nº 5.868 de 17 de abril de l991 - Dispõe sobre a estrutura básica das unidade Escolares da Rede Estadual de Ensino e dá outras providências. _______. Resolução da Secretaria de Estado de Educação de 30 de abril de 1991 - regulamenta a gestão democrática na rede estadual de ensino. _______. Decreto nº 7.227 de 26 de maio de 1993 - Altera dispositivos do Decreto 5.868, de 17 de abril de 1991, e dá outras providências. _______. Secretaria de Estado de Educação - Uma Proposta de Educação para Mato Grosso do Sul - Relatório Final, Campo Grande, 1994 _______. Secretaria de Estado de Educação - Programa de Avaliação Educacional - Resultado da Avaliação do Rendimento Escolar dos Alunos da 5ª Série do 1º Grau e da 4ª Série do Magistério da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, setembro de 1994. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 73 Este artigo analisa a política educacional de Mato Grosso do Sul, no período compreendido entre 1991 – 1994, relacionando-a com as mudanças em curso no capitalismo mundial. Palavras-chave: Educação, Globalização. This article analyzes the educational politics of Mato Grosso of the South, in the period understood among 1991 - 1994, relating it with the changes in course in the world capitalism. 74 Key words: Education, Globalization. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Kátia Cristina Nascimento Figueira Professora na graduação e na pós-graduação da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal. Coordenadora do Arquivo Público Estadual - MS. * Reflexão apresentada na dissertação de mestrado em Educação - UFMS. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O ‘‘Novo’’ Reordenamento do Capitalismo Mundial e a Política Educacional * em Mato Grosso do Sul Procuraremos, ao longo deste trabalho, identificar como se deu no Estado de Mato Grosso do Sul a proposta de educação no ano de 1991 - 1994, articulando-a com as mudanças que vêm ocorrendo no modo de produção capitalista. Antes de adentrarmos na análise sobre o processo conhecido como globalização, convém explicarmos a origem deste adjetivo que qualifica a atual fase do capitalismo. O termo “globalização” foi cunhado no começo dos anos 80 nas “business management school”, as escolas americanas de administração de empresas, e difundiu-se através de obras e artigos dos consultores formados nessas escolas, publicados na imprensa econômica e financeira e, posteriormente, tomou conta dos discursos políticos e econômicos. Com produção literária destinada inicialmente aos grandes grupos empresariais, os autores apontavam que a revolução tecnológica e informacional possibilitava maior eficiência no controle e na comunicação. Afirmavam, ainda, que a erradicação dos obstáculos, graças às políticas de liberalização e desregulamentação adotadas, principalmente na era Reagan e Tatcher, indicavam necessidades de redefinição nas estratégias internacionais das empresas. Estes novos liberais foram caracterizados por N. Schneider (1990) como liberais pragmáticos, pois difundiam idéias práticas, se propunham a ser solucionadores de problemas e depositavam grande fé em dois princípios: crescimento econômico e educação. Desta forma, os problemas seriam resolvidos por técnicos com formação e informação necessárias para resolvê-los. Por esta razão, considerando que o termo “globalização” não possui neutralidade, François Chesnais (1996) propõe a utilização de “mundialização”, por ser esta a palavra que introduziria a idéia de que a economia se mundializou e INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 75 romperia, de certa forma, com o veículo linguístico por excelência do capitalismo. Deixando de lado as discussões semânticas, pode-se dizer que as tendências principais da globalização foram apontadas no primeiro terço do século XX quando o capitalismo atingiu a sua fase monopólica ou imperialista. Contudo, uma nova configuração histórico-social deste modo de produção foi impulsionada a partir da Segunda Guerra Mundial (1939 - 45), acelerando-se o Centro Internacional para Resolução de Disputas sobre Investimentos (ICSID) e a Agência de Garantia de Investimentos Multilaterais (MIGA). O Banco Mundial exerce, ainda, a função de principal gestor dos recursos para o meio ambiente através do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF). É, portanto, tomando os países desenvolvidos como referencial a ser alcançado pelos países que não atingiram este patamar, que algumas medidas de ajustes estruturais são propostas. As reformas implementadas desde 1987 incluem questões relativas à proteção ao meio ambiente e, a partir de 1990, o reforço ao combate à pobreza. A redução da pobreza dar-se-ia através do chamado “uso produtivo do trabalho”, alcançado por meio de incentivos de mercado, infra-estrutura física e inovações tecnológicas e, uma outra estratégia, o oferecimento aos pobres de alguns serviços sociais essenciais, principalmente nas áreas de saúde, planejamento familiar e educação básica. As propostas focalizadas para a escola de primeiro grau como forma de reduzir a pobreza datam de 1973, na gestão de Robert McNamara, e o reforço a esta ênfase sobre a educação, que se traduz em apoio na concessão de empréstimos para o nível básico, veio com a Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em Jontiem, Tailândia, em março de 1990. Desta forma, os sistemas educativos deverão, na ótica do Banco Mundial, melhorar o acesso, garantir a eqüidade e a qualidade. Para melhor compreendermos porque os organismos multilaterais atualmente possuem este enfoque em sua análise da realidade, convém deter-nos no processo de consolidação dos Estados de Bem-Estar Social. Ao final da Segunda Guerra Mundial as décadas seguintes passaram por um intenso desenvolvimento da economia capitalista. Entre 1950 e 1970 as taxas médias de crescimento anual nos países desenvolvidos estava na ordem de 5,3% e a elevação do comércio mundial deu-se de 60 para 300 bilhões de dólares. Neste período, o Estado desempenhou papel fundamental, através da intervenção em larga escala na economia, garantindo com o fundo público o financiamento da reprodução da força de trabalho e a continuidade da acumulação do capital. Ao lado desses fatores, a generalização do contrato coletivo de trabalho, estabelecendo uma estreita ar- Tomando os países desenvolvidos como referencial, a redução da pobreza dar-se-ia através do "uso produtivo do trabalho" e da oferta de serviços sociais essenciais. 76 com a Guerra Fria (1946 - 89) e aumentando sobremaneira após o término desta. François Chesnais (1997: 4) aponta que a atual hegemonia do capital financeiro está próxima do imperialismo clássico, ou seja, alguns aspectos “novos” caminham na direção do aprofundamento desses traços. Para este autor, o capital financeiro “vive das retiradas sobre a riqueza criada na produção, transferidas por meio de circuitos que podem ser diretos (dividendos sobre os lucros de empresas) ou indiretos (juros de obrigações públicas e empréstimos aos Estados, que por sua vez representam retiradas sobre a renda primária circulando no sistema de impostos).” Assim, há nesta configuração um alto grau de concentração do capital financeiro, p r i n c i p a l m e n t e a t r av é s d e a t i v i d a d e s especulativas que dão rendimentos maiores do que os investimentos produtivos, bem como a permanência da relação de parasitismo. Este autor identifica que os apologistas deste regime encontram-se nos mais diversos setores da sociedade civil, seja em universidades, bancos ou grandes organismos econômicos e financeiros. Um desses organismos pode ser identificado como o Banco Mundial. Definido por Maria Clara Couto Soares (1996), como uma organização que exerce grande influência nos países que hoje procuram reestruturar-se ao moldes do neoliberalismo, atualmente é composto por um conjunto de instituições sob liderança do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) que, por sua vez, abrange as seguintes agências: a Associação Financeira Internacional de Desenvolvimento (IDA), a Corporação Financeira Internacional (IFC), INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS ticulação entre Estado e sindicatos, também foi responsável pela elevação dos padrões de consumo. O Welfare State é melhor compreendido a partir da teoria de John M. Keynes que defendia, em linhas gerais, a intervenção do Estado na economia a fim de que se adotasse políticas de estímulo ao consumo, controle da produção e dos juros, bem como de criação de empregos através de obras públicas e manutenção da igualdade através da construção de uma estrutura de serviços sociais, que serviriam como fatores de moderação das desigualdades sociais. Integrado ao Keynesianismo, o Fordismo estabelecia a participação empresarial diretamente na esfera sócio-política. A ampliação do mercado era vista por Ford como uma incumbência direta do empresariado, o que resultava na adoção de política salarial que garantiria aquisição de bens de consumo e, por conseguinte, exigiria maior produção para atender a esta demanda. No período da Guerra Fria, em que os Estados Unidos e países europeus participavam dessa política econômica, a América Latina ingressava no processo de decolagem industrial ligado tanto aos fluxos internacionais de investimento, quanto aos esforços industrializantes internos. Também ali verificava-se a forte presença do Estado na economia. O keynesianismo só foi possível até os anos 60, uma vez que a partir desse período apresentou uma série de problemas, conforme identifica Chesnais os dois fatores na origem da crise fordista: O primeiro foi a reaparição, em 1974-75, da primeira crise “clássica” de superacumulação depois da Segunda Guerra Mundial. O segundo foi a reconstituição das bases econômicas e sociais de um capital financeiro poderoso, a quem pareceu intolerável a força dos trabalhadores assalariados e de seus sindicatos, o nível de gastos com o “Welfare State” e a taxação sobre o capital e as altas rendas pessoais. (CHESNAIS, 02.11.1997 : 4). A crise recessiva iniciada na década de 70, simbolizada na elevação dos preços dos barris de petróleo (1973 e 1979), prenunciava transformações estruturais no modelo industrial das décadas anteriores. A década de 80 foi marcada, nos países latino-americanos, pelo crescente endividamento externo e processo inflacionário resultantes da elevação das taxas de juros no mercado internacional, queda dos preços dos produtos agrícolas e minerais, bem como, redução dos investimentos das empresas transnacionais e crescimento da riqueza inferior ao crescimento demográfico. Diante da crise do Estado de Bem-Estar Social e, ainda, da crise vivida na América Latina na década de 80, definiu-se nos países desenvolvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), o chamado Consenso de Washington sobre a crise da América Latina, com as recomendações necessárias para superá-la. Este Consenso apontava que as causas da crise seriam: 1. O excessivo crescimento do Estado, traduzido em protecionismo (o modelo de substituição de importações), excesso de regulação e empresas estatais ineficientes e em número excessivo; e 2. O populismo econômico, definido pela incapacidade de se controlar as demandas salariais tanto do setor privado quanto do setor público. (PEREIRA, 1992:15). A resposta a este diagnóstico seria apontada na redução do papel do Estado através, den- Face às inovações tecnológicas, à educação caberia a função de instruir e desenvolver a capacidade para compreender os mecanismos de gestão e de produção. 1 tre outras, da política de privatizações 1 , liberalização do comércio internacional e na promoção de exportações. O mercado desempenharia, assim, papel fundamental na condução da economia. Concepções sobre privatizações: “ a) Transferência (incluindo a venda) para a propriedade privada de estabelecimentos públicos; b) Cessação de programas públicos e o desengajamento do governo de algumas responsabilidades específicas (privatização implícita); c) Reduções (em volume, capacidade, qualidade) de serviços publicamente produzidos conduzindo a demanda para o setor privado (privatização por atribuição); d) Financiamento público do consumo de serviços privados - através de contratação e terceirização - reembolso ou “indenização” dos consumidores, ticketes, vales com pagamento direto aos provisores privados; e) Formas de desregulação ou desregulamentação que permitem a entrada de firmas privadas em setores antes monopolizados pelo governo.” (STARR. Apud DRAIBE, Sônia, 1993: 98). INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 77 A década de 80, portanto, reflexo da crise estrutural dos anos 70, indicava o esgotamento do padrão de financiamento que não dava respostas a problemas, tais como a crescente inflação, endividamento e redução da capacidade de investimento do Estado, aumento dos gastos sociais e redução das taxas de crescimentos setoriais. A crise estrutural assinalada acima implicou em profunda ruptura do modo taylorista-fordista de desenvolvimento nos países industrialmente avançados2. Paralelo ao esgotamento do modelo taylorista-fordista de produção, alterou-se o padrão de industrialização. Este processo conhecido como toyotismo foi desenvolvido, inicialmente, no ano de 1955, na fábrica da Toyota, no Japão. Empreendido pelo governo, empresas e trabalhadores, o referido processo destinava-se a acelerar a recuperação do país após a Segunda Guerra Mundial. Utilizava, para tanto, algumas inovações, tais como a focalização da produção, isto é, as empresas não mais utilizavam a política de verticalização que reunia na mesma empresa todo o ciclo da produção, antes, concentravam seus esforços na atividade-foco e contratavam outras empresas para a execução de serviços e fornecimento de componentes. Este mecanismo poderia ser feito através do sistema de parcerias ou de terceirização. Aliado a esta alteração gerencial, estabelecia a participação de todos trabalhadores tanto nas mudanças organizacionais, quanto nas tecnológicas, contrapondo-se àquela divisão existente entre trabalho intelectual e manual. Desta forma, a exigência de mão-de-obra especializada seria, sob sua ótica, obtida através de investimentos governamentais, principalmente nos setores de educação e saúde. Essas mudanças, entretanto, produziram alterações no mundo do trabalho que se viu às voltas com o desemprego estrutural. Segundo ça do que foi os Estados Unidos da América após a Segunda Guerra Mundial, bem como pela obsolescência dos organismos econômicos internacionais. A este movimento de intensas transformações econômicas e sociais, o autor denominou de “modernização conservadora”, pois “resultou em mudanças estruturais, tecnológicas e organizacionais em meio ao colapso da velha ordem econômica internacional e das instituições que articulavam os diferentes Estados e interesses nacionais”. (idem: 3). Estas mudanças, portanto, produziram um alargamento dos problemas relativos ao mundo do trabalho, agravados pelos efeitos da concorrência desregulada. Assim, de acordo com esse autor, a transformação tecno-científica em curso nos países desenvolvidos dá nova configuração ao mercado mundial, reduzindo a necessidade de mão-de-obra, ampliando sua capacidade produtiva. Disso resulta a concentração e a centralização de capitais, mais notadamente através de fusões e integrações de empresas transnacionais, voltadas para a competição no mercado global através da utilização de tecnologia de ponta. Outros efeitos podem ser contabilizados, tais como a diminuição do emprego e alteração nos modelos de gestão empresarial dos recursos humanos, tanto pela eliminação de alguns quadros e terceirização de serviços, quanto pela mobilidade no exercício de funções, o que pressupõe maior especialização dos funcionários. A partir desse momento histórico, identificamos que a tese da “necessidade de qualificação” do trabalhador repercute grandemente no trabalho de vários autores, que apontam como causa desta exigência a configuração contemporânea do capitalismo e seus novos requisitos. A argumentação corrente é construída a partir da constatação das mudanças no processo produtivo que tem como matéria-prima fundamental a informação. Desta forma, para estes autores, neste rol de prescrições, à educação caberia importante papel, uma vez que face às inovações tecnológicas, organizacionais e financeiras nos países de economia mais avançada, a ela caberia a função de instruir e desenvolver a capacidade lógico-abstrata para compreender os mecanismos de aproximação de gestão e controle de fluxos de produção. Ou seja, a A noção da qualidade do ensino subjaz à noção de qualidade total, amplamente apontada como necessária ao aumento da produtividade. Jorge Mattoso (1995 : 2-9), a Terceira Revolução Industrial trouxe problemas ao mercado de trabalho, agravados pela ausência de uma “máquina global de crescimento” à semelhan- 78 2 Surgindo inicialmente nos Estados Unidos, com Henry Ford, o fordismo expandiu-se para os países europeus e Japão no período pós-guerra. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS mão-de-obra deveria ter capacidade de assimilar rapidamente as inovações tecnológicas e, para tanto, deveria ser educada para este fim. Esta formação que a ordem econômica exige, implica relações com o ensino básico e secundário, com a saúde, enfim, com a erradicação de entraves que impossibilitam o pleno funcionamento e reorganização do mundo do trabalho. A necessidade de formação de mão-deobra voltada para as condições exigidas pela introdução das modernizações gerenciais e técnicas, reforçariam as atribuições do Estado. Assim, a política educacional assentada nesta orientação parte do pressuposto de que as condições históricas “estão dadas” e se constituem em inclinações inexoráveis no quadro contemporâneo. Isto significa que para existir em um mundo onde o avanço da tecnologia está presente no cotidiano e nas operações simples que as tarefas do dia-a-dia exigem, faz-se necessário possuir capacidades gerais que permitirão o uso das informações e instruções disponíveis para a utilização de equipamentos os mais diversos com rapidez e eficiência. Assim, a tendência que desloca a ênfase da qualidade para o ensino básico está presente nas discussões intelectuais, no discurso político e nas estratégias educacionais. A noção da qualidade do ensino subjaz à noção de qualidade total, amplamente apontada como necessária ao aumento da produtividade. Esta proposição, que não é neutra, possui codificações que se relacionam com as exigências impostas pela nova ordem econômica mundial, indicando mudanças nas relações de trabalho, inovações tecnológicas e gerenciais. Implica, também, preparar o trabalhador, não mais para a estrutura rigidamente hierarquizada e centralizada das empresas, onde os processos decisórios ficavam restritos aos ocupantes dos altos cargos da diretoria, mas prepará-lo para adaptar-se às crescentes mudanças tecnológicas, desenvolvendo habilidades que caracterizam uma especialização flexível. Neste sentido, a preparação para a qualidade total é dirigida ao desenvolvimento de capacidades cognitivas com vistas à resolução de problemas e tomadas de decisões, uso da criatividade, bem como, do espírito de iniciativa. Para atingir esses pressupostos, a educação básica universal com qualidade de ensino seria primordial. Nesses discursos, a “qualificação”, portanto, seria determinada pela exigência de setores mais dinâmicos da economia que, para alcançar melhores índices de produtividade, redefinem o perfil da força de trabalho rumo à polivalência e multifuncionalidade: O que se verifica é que apesar de refutarem a hipótese da visão redentora da educação, o que se espera do papel que a educa- Ao Estado caberia a função de coordenador e formulador do processo educativo, tendo por interlocutores entidades como o Consed e a Undime. ção viria a desempenhar é certamente permeado por um certo “otimismo”. Apesar de existir a preocupação com as parcelas mais desfavorecidas da sociedade, os autores ao associarem educação e desenvolvimento econômico, caem no engodo de que o progresso técnico implica a necessidade de qualificação sem considerar que o capital, ao simplificar o trabalho, prescinde desta propagada qualificação. Esta problemática remete ao conceito de qualificação que possui, para vário autores, diversos sentidos: treinamento, escolarização, despertar de subjetividades inerentes à personalidade, etc. Explicitando o uso errôneo desta expressão entre os educadores, Alves (1998: 64-8) afirma que a qualificação era imanente ao trabalho artesanal em que se possuía o domínio de todo o processo de trabalho. Após a especialização ocorrida no interior do processo de trabalho, este ruma, na realidade, à desqualificação do trabalhador, na medida em que a especialização é provocada pela divisão, simplificação e objetivação do trab a l h o. Po r t a n t o, a s t r a n s fo r m a ç õ e s provocadas pela Terceira Revolução Industrial, tendem a especialização aguda do trabalhador. Assim, o capitalismo contemporâneo, ao estabelecer novos parâmetros para a estrutura ocupacional, acaba por atingir a centralidade nos discursos educacionais. No Brasil, isto tem início em dois programas de governo elaborados na gestão de Fernando Collor de Mello. O primeiro documento oficial, lançado em dezembro de 1990, “Programa Setorial de Ação do Governo Collor para o Período 1991/1995”, diagnosticava a situação atual do país e enfatizava como principal problema da educação brasileira a baixa qualidade do ensino oferecido, bem como apontava como pontos crítiINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 79 cos a evasão escolar e a repetência. Situava, também, a educação como elemento fundamental que permitiria a entrada do país no desenvolvimento tecnológico. Apesar de realizar este diagnóstico, o programa não definia claramente as prioridades em que seriam concentradas as ações do governo. O segundo programa lançado em fevereiro de 1991 denominava-se “Brasil, um Projeto de Reconstrução Nacional” e, além de identificar a necessidade de atingir a modernidade atra- o preço das mensalidades e melhoraria sua qualidade do ensino. Esses princípios e proposições também seriam contemplados, mais tarde, no Plano Decenal de Educação para Todos, lançado em 1993, e reafirmado em 1994 pela Conferência Nacional de Educação Para Todos no documento-síntese “Acordo Nacional de Educação para Todos”. Estas são questões que também estavam postas na proposta educacional para o Mato Grosso do Sul, no período de 1990 - 1994. À frente da Pasta, a Secretária de Educação, Leocádia P. Leme, buscou implementar a proposta da equipe tendo como eixo principal a gestão democrática, entendida como eleições diretas para os diretores escolares e constituição dos Colegiados, como mecanismo possibilitador de maior participação da comunidade nas questões relativas à escola. Entretanto, na prática, a autonomia pretendida não se efetivou totalmente, pois o governo adotava medidas que sinalizavam em direção contrária, como a centralização de recursos financeiros através da criação do Sistema de CaixaÚnico. Este fato é mais facilmente compreendido se o entendermos enquanto estratégia do Estado que, em uma relação dialética, por um lado apropria-se de reivindicações de organizações da sociedade civil, mas, também, por outro, possibilita a esta sociedade civil a conquista de posições no bloco histórico. Assim, a demanda por eleições diretas nas escolas foi atendida, significando um ganho para a categoria, porém a democracia almejada não se concretizou em sua plenitude, haja vista que a participação foi limitada pela centralização de recursos, o que relativizava a autonomia dos educadores à frente da Secretaria de Educação. Fundamentando a proposta educacional sulmato-grossense nos princípios da “integração, descentralização e participação” , os conceitos que lhes davam suporte faziam eco aos mesmos conceitos apontados e advogados por organismos como o Banco Mundial e que tomaram corpo, no governo brasileiro, com as discussões acerca do novo papel pensado para a educação, presentes quando da formulação do “Plano Decenal de Educação Para Todos”. Este Plano criado pelo Fórum Permanente do Magistério do qual o CONSED era membro, serve como indicativo da participação do Estado de Mato Grosso do Sul nas discussões que se travavam. O Plano Decenal incorpora- Estabelecendo correlação entre os sistemas educacional e de mercado, a função do Estado se redefine e a educação pode ser considerada um bem semi-público. 80 vés de avanços tecnológicos, reconhecia que estes avanços deveriam ser seguidos de justiça social, liberdade política e distribuição igualitária de renda. Avaliava que o Estado deveria ser reformulado e voltado apenas às áreas essenciais - saúde, educação e infra-estrutura - e, ainda, para apoiar a transformação da estrutura produtiva e corrigir os desequilíbrios sociais e regionais. Para desempenhar esta função, o Estado deveria ser reduzido em tamanho e possuir mais agilidade, o que aumentaria sua capacidade de articulação e flexibilização para ajustar as políticas e, assim, atingir a modernização da economia tendo como elemento principal o setor privado. O documento analisa a crise do Brasil como decorrente das transformações e do reordenamento do mercado mundial, enfatizando a educação como mola propulsora na formação e preparação do indivíduo para a competitividade da economia. Dito de outro modo, a educação desloca-se do quadro de instrumentos de resgate das políticas sociais e passa a ser considerada como área estratégica, inserindo-se no amplo programa de reformas estruturais necessárias para, na ótica do Planalto, atingir a elevação da competitividade. Com este preceitos, ao Estado caberia a função de coordenador e formulador do processo educativo, tendo por interlocutores entidades como o Conselho dos Secretários de Educação (CONSED) e a União dos Dirigentes Municipais de Ensino (UNDIME). Ao mesmo tempo em que reconhecia como fundamental a presença do Estado no oferecimento da educação à população, defendia a liberdade para o setor privado que, competindo entre si, acabaria por reduzir INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS va vários elementos presentes na “Conferência de Educação Para Todos”, realizada em 1990 em Jontiem, e patrocinada por vários organismos mundiais, tais como UNESCO, UNICEF, PNUD e Banco Mundial. Daí infere-se que na Conferência Mundial definiam-se novos critérios para a educação que se relacionavam com as mudanças em curso no processo conhecido como globalização ou mundialização, a partir da constatação de necessidade de mudanças no sistema educacional e no estabelecimento de conceitos economicistas, como forma de adequação do referido sistema às exigências de mercado. Estes mesmos critérios desembocavam no Brasil e foram presentificados no Plano Nacional. Mato Grosso do Sul também incorporava em seus programas alguns desses conceitos como, dentre outros, a defesa por novos padrões de gestão: Em essência, o Plano ao traçar o ramo da Educação Nacional, traça o rumo da Educação Sul-Mato-Grossense. Para felicidade de nosso Estado, os programas viabilizados pela proposta de Educação Para MS estão amplamente contemplados no Plano Decenal de Educação para Todos. Implementá-los tornou-se ordem do dia e compromisso oficialmente firmado em nome da qualidade do padrão educacional que o Brasil deverá atingir na próxima década. (RELATÓRIO FINAL, 1994 : 40). A proposta educacional de Mato Grosso do Sul incorporava alguns dos elementos do Plano Decenal ao pensar em novos padrões de gestão. Enfatizava a descentralização administrativa e dos serviços através dos Programas de Descentralização das Agências de Educação e Descentralização e Fortalecimento do Ensino de 1º Grau. O primeiro previa a transformação da estrutura administrativa anterior, com a transformação de Agências de Educação em Núcleos Educacionais: O sistema existente, então, composto por 13 Agências de Educação, às quais cabia executar o assessoramento a 389 unidades escolares, não possibilitava a gerência democrática e descentralizada que se pretendia. Com o objetivo de tornar as decisões mais próximas, facilitar o acesso às informações e agilizar o fluxo da tramitação burocrática, oferecendo maior presteza de atendimento às comunidades escolares, executou-se o Programa de Descentralização das Agências Regionais de Educação. Para promover um atendimento linear de qualidade a todos os Municípios do Estado, foram criados 85 núcleos Educacionais: onze desses Núcleos atendem à cidade de Campo Grande, três, à cidade de Dourados e os demais, aos Municípios em que se localizam. (RELATÓRIO FINAL, 1994: 14). Com esta iniciativa, a Secretaria de Educação se propunha a “uma divisão de trabalho que racionaliza o número de servidores para o atendimento à comunidade” (id., ibid.: 14). No Estado de Mato Grosso do Sul, partindo do pressuposto de que o ensino profissionalizante seria caracterizado “pelo descompasso entre a qualificação profissional oferecida nas Escolas e as atuais exigências do avanço tecnológico do mercado de trabalho” (Relatório Final, 1994: 27), esta proposta foi posta em prática através da progressiva redução dos cursos profissionalizantes de segundo grau e envolvimento dos que existiam em parcerias com órgãos de serviços, tais como o Serviço Nacional da Indústria (SENAI), o Serviço Nacional do Comércio (SENAC), e o Serviço Nacional Rural (SENAR). A estas instituições caberia o oferecimento do conteúdo específico e ao Estado o conteúdo comum. Portanto, as ações consorciadas com Municípios e órgãos de serviços responderia à diretriz proposta de integração entre escola e outros setores da sociedade civil. Na ótica da Secretaria de Educação “para a escola engajar-se no processo de implementação dos cursos profissionalizantes conveniados, torna-se indispensável a articulação com o sistema produtivo da região em que está inserida.”(Relatório Final, 1994:28). Cabe pontuar, entretanto, que ao se tentar esta integração, a Secretaria de Educação voltavase para órgãos de treinamento que, historicamente, têm a finalidade de adequar o trabalhador ao mercado de trabalho havendo, desta forma, um descompasso entre o que informava o atual estágio do capitalismo e o singular. Como já foi dito, o reordenamento do modo de produção capitalista implicou mudanças nas propostas para as políticas sociais, mais notadamente a educação. Ao analisar as propostas do Banco Mundial para a educação, Luís Coraggio (1996) aponta que a expressão “para todos” é a característica das novas proposições para as políticas sociais. Assim, deveriam ser destinados saúde, saneamento e educação para todos sem que, entretanto, incluíssem emprego nem renda. Ou seja, caberia ao Estado a função de focalizar os recursos públicos assegurando serviços básicos (ou “para todos”) àqueles que não teriam condições de obter esses serviços no mercado. Isto provocaria uma segmentação da sociedade em dois setores: 1) Os que só disporiam dos serviços básicos subsidiados de baixa qualidade e 2) Os que, atraINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 81 82 vés do mercado, obteriam serviços amplos e básicos de melhor qualidade. Para o autor este deslocamento desvelaria o dualismo existente: Nesse caso, a aparência do “para todos” esvai-se, e torna-se evidente a dualização do modelo, em que um direito pretendidamente universal é exercido de um modo por um cidadão de primeira (se obtido via renda) e de outro por um cidadão de segunda (se alcançado via ação pública). (CORAGGIO, 1996: 90). Assim, com as propostas para a educação fundamentadas no princípio econômico da competitividade, reacende-se a teoria do investimento no capital humano. O viés economicista seria traduzido em algumas medidas, tais como descentralização dos sistemas educacionais, oferta do ensino básico com vistas ao desenvolvimento cognitivo necessário à polivalência e flexibilização; saneamento imediato de carências através de merenda escolar; capacitação do corpo docente com programas paliativos, como aula à distância, etc. É, portanto, estabelecendo correlação entre sistema educacional e sistema de mercado que a função do Estado se redefine. Nessa perspectiva, o Banco Mundial orienta as políticas educacionais considerando-as um bem semi-público. Isto significa admitir que ao Estado caberia o papel de garantir a educação a todos, porém, tendo por parâmetro que alguns mecanismos de alocação de recursos públicos deveriam seguir as normas de mercado como, por exemplo, concessão de empréstimos aos estudantes, substituindo as bolsas de estudo, a focalização precisa de subsídios como forma de minimizar a gratuidade. Estes mecanismos responderiam às necessidades do novo modelo por força de trabalho flexível, uma vez que as incertezas do curso da economia não permitem previsibilidades a longo prazo. Assim, o investimento seguro dar-se-ia na educação básica entendida “tanto à sua posição lógica de base de conhecimentos (leitura, escrita, matemática, solução de problemas) como à sua identificação com os primeiros anos da educação, nos quais não é preciso ainda definir orientações mais específicas”(CORAGGIO, 1996: 105). Com esta assertiva, conclui-se que o investimento principal se daria na escola primária a fim de obter a formação de um “trabalhador polivalente”. Para Coraggio, a falácia conceitual de quem possuir melhor educação terá mais oportunidades, identifica-se na composição do macro a partir do micro, pois grande parte da população estará concorrendo entre si e os salários resultarão antes de uma negociação sob condições desfavoráveis do que devido à produtividade: INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS ...não podemos deduzir que um investimento massivo na educação básica irá melhorar as oportunidades dos setores populares em seu conjunto. As pessoas logo concorreriam entre si, especialmente em um mercado cuja demanda por força de trabalho tende a se reduzir em relação a outros fatores (conhecimento científico, informação). Os trabalhadores terão de competir não só com seus compatriotas como também com os milhões de trabalhadores de outras regiões do mercado de trabalho global. (CORAGGIO, 1996: 112). Assim, para este autor, o discurso tecnoeconomicista revela que os excluídos continuarão excluídos. Concordando com esta constatação e procurando compreendê-la no processo da globalização, Ana Lúcia Valente (no prelo) parte do pressuposto de que as mudanças em curso agudizam tendências apontadas na fase monopólica do capitalismo. Para a autora, em que pesem as constatações dos teóricos sobre as trasformações ocorridas no modo de produção capitalista, estas mudanças relacionar-se-iam com a fase monopólica do capitalismo, pois é nessa fase que se consolida a hegemonia do capital financeiro e o controle da economia mundial pelos bancos, bem como a concentração da produção, resultando em associações empresariais monopólicas (cartéis, trusts) que controlam as fontes de matériasprimas e repartem o mercado entre si. O monopólio é, neste sentido, o resultado da concentração em grau elevado da produção e do capital. Na fase monopólica, a produção de excedentes como resultado do desenvolvimento tecnológico, conduz ao crescimento do exército industrial de reserva, que engrossará as fileiras de ociosos, formado por mão-de-obra liberada pelas empresas. Estes, apesar de não estarem diretamente ligados ao processo produtivo, consumirão as mercadorias necessárias à sua sobrevivência, o que levará ao estabelecimento de uma relação de parasitismo com os trabalhadores geradores de riqueza social. Controlando esta relação, o Estado organiza o parasitismo através dos ganhos dos capitalistas aos que não exercem atividades produtivas. Para a autora, o crescente desemprego provocado, hoje, pela Terceira Revolução Industrial e o parcelamento do processo produtivo provocado pela terceirização de serviços se, por um lado, dificultam a compreensão do todo no processo de produção, por outro, indicam a intensificação das tendências apontadas na fase monopólica. Assim, as reformas propostas ser- viriam como fator de acomodação das tensões existentes. Seguindo esta linha de raciocínio, poderíamos pensar na contradição que se coloca em relação ao Estado, porque se a ele cabe organizar e controlar o parasitismo, o que o receituário neoliberal advoga é a tese da redução de seu papel. Em relação à educação, esta contraditoriedade poderia ser explicada ao voltarmos à análise de Coraggio sobre as propostas do Banco Mundial para a educação: o autor constata que se o modelo proposto não guardar correspondência com a realidade, uma das causas detectadas pelo referido Banco estaria nas imperfeições do “mercado” educativo. Como forma de corrigí-las, além da instituição de mecanismos como privatização e descentralização, deveriam ser realizadas reformas, a partir do Estado, para que os novos padrões de comportamento fossem introduzidos aos agentes educativos e que se aproximassem do modelo de concorrência vista como perfeita, ou seja, responsabiliza-se a educação e não se admite a não correspondência proposta com a realidade. Assim, conforme vimos, considerando a educação um bem público, a intervenção estatal é admitida por ser este um setor ao qual o mercado não poderá dar todas as respostas. Desse modo, se ao Estado ainda é admitido intervir na educação e as mudanças do processo de globalização agudizam as tendências apontadas na fase do capitalismo monopolista, é de se supor que a análise de Gilberto Luiz Alves sobre as funções improdutivas da escola continuariam a ter validade. Partindo do pressuposto, já enunciado, que o parasitismo é controlado pelo Estado, Alves vê, nesse contexto, a educação como atividade improdutiva que se manifesta também nas camadas médias. Isto se dá pelo aproveitamento de significativa parcela dos próprios contingentes que produz, ou seja, a escola forma e mantém no seu interior os filhos de seus integrantes. Assim, a escola “é um mecanismo cujo funcionamento viabiliza a realocação de trabalhadores produtivos para as camadas médias, assim como a permanência de seus descendentes no interior dessas mesmas camadas” (ALVES, s/d: 106). Desta forma, absorvendo esse contingente através da criação de novos empregos, minimizaria, em parte, a crescente onda de desemprego, bem como a permanência do oferecimento de merenda escolar serviria como resposta às políticas focalizadas e imediatas para suprir as necessidades dos mais pobres. O Estado, assim, estaria acomodando as tensões conforme a análise de Valente. A “multiqualificação” seria um ajustamento do aparato escolar frente às exigências do capital por uma força de trabalho necessária ao modelo “informacional” que ora se desenvolve. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIC AS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Gilberto Luiz. As funções contemporâneas da escola pública de educação geral sob o imperialismo. Revista Novos Rumos. Ano 5, n.16, 1990. ______. Universal e singular : em discussão a abordagem científica do regional. No prelo. ______. A Produção da Escola Pública Contemporânea. Campinas:UNICAMP, 1998. CORAGGIO, José Luís. Propostas do banco mundial para a educação: sentido oculto ou problemas de concepção?. In: O banco mundial e as políticas educacionais. São Paulo : Cortez Editora, p.75 – 121, 1996. CHESNAIS, François. A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. ________. A emergência de um regime de acumulação financeira. Praga. São Paulo: Ed. Hucitec, n.3, p. 19- 46, setembro de 1997. DRAIBE, Sônia Miriam. 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Palavras-chave: Parceria escola - empresa - Política educacional Relação público-privado This work attempts at focussing on possible implications of patnerships between schools and enterprises within the government school circuit. Printed material and articles, especially those divulged in the press that treat this theme were explored as were proposals elaborated by the governments of the State of São Paulo (Brazil) that deal with school-enterprise partnerships. 84 Key words: School-enterprise partnerships Educational policy Public/private relatiuonship. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Escola e Empresa Sandra M. Zákia L. Sousa Professora da Faculdade de Educação da USP ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Parceria de Futuro? A partir do suposto de que o Poder Público é incapaz de gerenciar e financiar a educação e em nome da busca de maior eficiência e produtividade do sistema educacional, assistimos, nos anos 90, a propostas governamentais que, pretensamente, visam o aprimoramento da gestão. Uma dessas iniciativas diz respeito a mobilizar a sociedade para participar da construção de um sistema público de melhor qualidade. Tal participação tem se traduzido, por um lado, na implantação de mecanismos de gestão colegiada nos sistemas de ensino e nas unidades escolares e, por outro lado, na solicitação de provisão direta ou indireta de recursos financeiros, materiais e/ou humanos. A sociedade e particularmente o empresariado vêm sendo convocados pelo Estado para contribuirem na melhoria do sistema público de ensino, como condição para viabilizar o seu ajustamento à globalização da economia e às novas formas de organização da produção e dos processos de trabalho. À educação é atribuído papel estratégico, constituindo-se como fator produtivo. No Brasil, assim como em outros países da América Latina, os governantes têm estimulado, diversas formas de colaboração das empresas com a educação, que vão desde a oferta de escolaridade inicial ou complementar aos empregados e/ou aos seus filhos, até o desenvolvimento de ações, esporádicas ou não, no sistema público de ensino. Também os empresários vêm expressando um crescente interesse pela educação, o que pode ser notado em manifestações na imprensa ou mesmo em propostas mais estruturadas que são divulgadas por meio de documentos especificamente voltaINTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 85 dos para a questão educacional, como o elaborado pelo Instituto Herbert Levy, da Gazeta Mercantil, com o apoio da Fundação Bradesco, intitulado “Educação Fundamental e Competitividade Empresarial - uma proposta para a ação do governo. A constatação desse movimento, tanto por parte dos governos federal e estaduais, quanto do empresariado, estimulou o desenvolvimento de uma investigação, no âmbito do estado de São Paulo, com o objetivo de mapear e caracte- cação escolar, que têm tido maior visibilidade junto aos educadores e àqueles que têm acesso à imprensa escrita, retomando algumas matérias e artigos divulgados em anos recentes. Estes têm, em geral, como foco o clamor ao empresariado para ser co-responsável pela viabilização da qualidade do ensino, bem como a divulgação de experiências em realização. Embora de modo sucinto, as matérias mencionadas a seguir são ilustrativas. Em novembro de 1993, a Folha de S.Paulo publica duas extensas matérias sob os títulos “Investir em educação alavanca lucros” e “Projeto mostra como ‘adotar’ escola”. A primeira afirma, no início, que “um punhado de empresas brasileiras decidiu aderir ao credo que já orienta corporações do Primeiro Mundo, segundo o qual cada dólar aplicado em educação reverte em US$100 de lucro quando se qualifica a mão-de-obra”. No decorrer do texto argumenta-se que “investir em educação é estratégico porque o país hoje enfrenta a concorrência internacional”. A partir de considerações dessa natureza, descrevem-se ações já em desenvolvimento por algumas empresas, e os resultados considerados positivos. A segunda matéria destaca a iniciativa de Oscar Motomura, sócio de uma empresa de consultoria, que decidiu, em 1988, “levar à prática suas idéias de como consertar as mazelas da educação”. Informa sobre como o empresário procedeu para adotar uma escola municipal de São Paulo e divulga um quadro, elaborado pela empresa de consultoria, com recomendações aos empresários sobre “como adotar uma escola”. (F.S.P., 14 nov./93, p.1-16 e 1-17). Em artigo intitulado “Educação: exigência da economia contemporânea” o deputado federal Aloisio Mercadante (PT/SP) destaca, no parágrafo final, que “precisamos de uma revolução na educação, novos instrumentos de financiamento do ensino público, onde as empresas privadas assumam com maior responsabilidade o desafio histórico de universalizar A sociedade e particularmente o empresariado vêm sendo convocados pelo Estado para contribuirem na melhoria do sistema público de ensino. rizar parcerias entre escolas públicas estaduais e empresas1. Além do levantamento das experiências de parceria ocorridas em 1996 e 1997, também foram identificadas iniciativas desencadeadas pelo governo estadual, a partir de 1987, quando constatamos uma proposta sistematizada de chamamento do empresariado a realizar ações voltadas para a melhoria do sistema público de ensino. O propósito deste texto é explorar alguns argumentos que têm tido maior visibilidade junto aos educadores e àqueles que têm acesso à imprensa escrita, quanto à participação do empresariado na educação escolar. Matérias e artigos divulgados em anos recentes são retomados, bem como faz-se uma caracterização das propostas governamentais, que vêm sendo elaboradas no âmbito estadual, voltadas para o incentivo da parceria escola-empresa. Alguns argumentos sobre possíveis implicações desta prática para o sistema público de ensino são apresentados.2 O Empresariado e a Educação: Manifestações Recentes Procuramos identificar os argumentos, relativos à participação do empresariado na edu1 2 86 Esta pesquisa contou com o apoio financeiro da FAPESP. Considerando os limites deste texto, não exploramos todos resultados obtidos com o mapeamento e caracterização das parcerias escola-empresa no estado de São Paulo. O Relatório desse estudo encontra-se disponível na biblioteca da FEUSP. Trabalho apresentado na ANPEd/98 contempla alguns desses resultados. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS o ensino fundamental” (Folha de S.Paulo, 25 ago./93, p.1-3). Carlos Estevam Martins, em março de 1994, então Secretário de Educação do Estado de São Paulo, divulga o artigo “Três idéias para a escola pública”, no qual destaca a parceria empresa-escola, afirmando: “A consciência de que a crise do ensino público não nasceu nem se resolverá exclusivamente no âmbito do Estado fundamenta o conceito de parceria com o setor privado - que já vem despertando o interesse, quando não iniciativas espontâneas, de empresários preocupados com o reerguimento da educação pública”(Folha de S.Paulo. 24 mar./94, p.1-3). “Empresas ‘adotam’ escolas públicas” é o título de reportagem que divulga resultados obtidos com a parceria entre empresas privadas e escolas públicas do Estado de São Paulo, apontadas como “excelente opção para salvar o ensino público da falência”(Folha de S.Paulo,12 jul./94, Especial p.A1). Na mesma reportagem, matéria intitulada “PNBE orienta interessados” informa que o “grupo de Educação do PNBE (Pensamento Nacional de Bases Empresariais) criou um projeto de parceria entre empresas e escolas públicas para orientar os empresários interessados em adotar uma escola”. Integrando matéria sobre educação, a Revista Veja, em fevereiro de 1995, apresenta considerações sobre formas de financiamento e gestão da escola implementadas por poderes públicos, dentre as quais a parceria empresa-escola, apresentada com o subtítulo “Privatização Branca”. Embora este subtítulo sugira uma abordagem da parceria empresa-escola divergente da até aqui evidenciada, isto não se concretizou no texto, que procurou destacar quão “longe da escola” estão os empresários, relatando iniciativa do governo de São Paulo, desencadeada há quatro anos, por meio da Secretaria de Educação. Na ocasião, a Secretaria “estabeleceu um cardápio com vinte propostas de parceria”, distribuído a 5.000 empresários com uma ficha para que assinassem a proposta que lhes parecesse mais conveniente: o “nível de adesão dos empresários paulistas foi zero”. Após tal informação, há referências a “bons exemplos isolados” de empresas que desenvolveram ações em parceria com o poder público (Veja, 15 fev./1995,p.23-4). Gilberto Dimenstein, a partir do entendimento de que “só o governo não vai conseguir elevar o nível de ensino”, afirma que “a grande missão do empresariado, hoje, é montar esquemas de adoção de escolas em parceria com o poder público. Isso se quiser ter bons trabalhadores e aumentar seus lucros” (Folha de S. Paulo, 29/mar./95). Sobre a parceria da Câmara Americana do Comércio e escolas públicas, Cristiane Barbieri, destaca no Jornal O Globo (13/mar./95, p.12) que a parceria de escolas com a iniciativa privada é um meio para melhorar a qualidade de ensino, observando que nas escolas onde se desenvolvia o projeto da Câmara as reprovações diminuíram. Ainda sobre as ações da Câmara Americana, matéria da Gazeta Mercantil (06/jan./95), sobre “Um programa pela qualidade no ensino”, informa que o custo-aluno neste programa era cerca de “12% do que o Estado gasta por aluno ao ano”. A atuação da Câmara Americana tem grande divulgação na imprensa,3 tendo sido inclusive citada em entrevista de Paulo Renato Souza, Ministro da Educação, em que afirma: “há escolas quebradas, mas há experiências em que a própria sociedade ensina que se pode melhorar”. Cita como exemplos a “adoção” de esco- Várias empresas brasileiras aderiram ao credo de que cada dólar aplicado em educação reverte em US$100 de lucro quando se qualifica a mão-de-obra. 3 las pela Câmara, com envolvimento de grandes empresas, e a adoção de escolas pelo comércio local -padeiro, dono de oficina mecânica, pelo supermercado- referindo-se a uma escola de Campinas/SP (O Estado de S. Paulo, 05/fev./ Localizamos mais de quarenta artigos, em jornais e revistas de circulação nacional, que fazem referência à atuação da Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 87 95,p.A-19). Vale lembrar que a proposta de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso prevê, dentre as medidas anunciadas para a educação, uma atuação “junto ao Congresso Nacional para que a legislação educacional possa prever mecanismos flexíveis, que permitam (...) a criação de canais de participação e formação de parcerias e alianças em torno de compromissos efetivos da sociedade civil com a gestão de um ensino de qualidade” (p.117). Embora não se referindo exclusivamente à educação, cabe mencionar o artigo “Empresa pública e cidadã”, de Herbert de Souza, publicado na Folha de S.Paulo (26/mar./ 97,p.2-2), por sua repercussão, provocando, inclusive, a reação de empresários. Herbert de Souza chama a atenção das empresas brasileiras para sua “dimensão social”, propondo que passem a publicar um balanço social, entendido como “um instrumento colocado na mão de empresários para que possam refletir, medir, sentir como vai tal empresa, o seu empreendimento no campo social”. Embora registre o fato de várias empresas no Brasil já desenvolverem programas sócio-culturais, observa que “para a grande maioria dos empresários (...) o conceito de balanço social ainda é novo. Comentando tal proposta, neste mesmo dia, o jornal informa sobre encomenda de estudos visando um balanço sobre a filantropia empresarial, feita pelo programa Comunidade Solidá- nal e regional divididos por temas como saúde, educação e meio ambiente” (Folha de S. Paulo, p.2-16). Dois artigos foram escritos, no mesmo jornal, em reação à proposta de criação do “balanço social”. O primeiro, em 29 de março/97, de Ricardo Young, empresário e coordenador do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais)4 , cobra “transparência do governo”, observando que “a iniciativa privada, obrigada pelo governo, já está contribuindo compulsoriamente com uma série de ações das quais, infelizmente, não vem recebendo a mínima satisfação”. Acrescenta que não se pode colocar o empresariado como “bode expiatório da omissão de ações sociais que não são de sua responsabilidade”. O outro artigo, publicado em 01 de abril/ 97, p.1-3, é de Evelyn Berg Ioschpe, diretora da Fundação Iochpe e presidente do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), que reúne quarenta “empresas-cidadãs”5 . Comenta que a importância de propor o balanço social das empresas “está em reconhecer esse novo ordenamento do processo social, em que o Estado se encolhe e abre espaço para que os cidadãos tomem parte da construção social”. Observa, no entanto: “claro está que, se o Estado reconhecesse esse encolhimento e criasse as necessárias facilidades para transferir o ônus à sociedade civil, estaríamos diante de uma forte decisão pelo desenvolvimento social sustentado”. Alega que os empresários vêm sendo duplamente taxados e informa sobre investimentos que as empresas têm feito em educação, saúde, moradia, cultura e meio ambiente. Diz, ainda: “Estamos tateando nesse know-how específico, que é como transferir capacitação empresarial para a realidade social, mas avançamos - e muito rapidamente”. Empresários expressam já estar contribuindo compulsoriamente para viabilizar ações no âmbitro social que são de responsabilidade do governo. ria, do governo federal. Seu objetivo “é publicar essa base de dados na Internet”, informações essas que “podem evoluir para a formação de um balanço anual e daí para rankings nacio- 88 4 O PNBE foi criado em 1987, por um grupo de empresários que se colocavam como oposição à orientação assumida pela FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), como expressão “de uma nova consciência do empresariado”, tendo como vocação básica “a luta pelo desenvolvimento econômico, social e cultural do país” (Documento PNBE/1995).É hoje uma associação de abrangência nacional. 5 Integram o Gife: Fundação Abrinq, Acesita, Bradesco, Brascan, Cargill, Clemente Mariani, Educar, Esquel, Ford, Feac, Iochpe, Jaime Câmara, José Elias Tajra, José Silveira, Kellogg, Macarthur, Maurício Sirotsky Sobrinho, Santista, O Boticário, Orsa, Odebrecht, Patrícia Buildner, Projeto Pescar, Roberto Marinho, Romi, Rômulo Maiorana, Varga, Victor Civita, Instituto Abrasso, Alfa-Real, Ayrton Senna, Alcoa, Ashoca, C&A, Equatorial, Herbert Lewy, Itaú, Vitae, IBM, Xerox. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Procuramos registrar, mesmo que de modo resumido, a polêmica criada a partir da proposta do “balanço social” porque entendemos que, no limite, ela sugere um embate quanto ao papel do Estado no atendimento dos direitos sociais, e, mais nitidamente, expressa como os empresários tendem a ver sua atuação nesta área. As manifestações dos empresários mostram o entendimento de já estar contribuindo, compulsoriamente, e em alguns casos por iniciativa própria, para viabilizar ações no âmbito social, que são de responsabilidade do governo. Ao que parece, a perspectiva é não intensificar os investimentos nesta área, mas transferir a lógica da economia privada para a realidade social, como sugere Ioschpe. Os aspectos evidenciados, por meio das matérias destacadas, explicitam posições tais como: investir em educação básica gera maior produtividade, educação é exigência da economia contemporânea, ineficácia e ineficiência das ações governamentais, necessidade de novas fontes de financiamento do ensino público, transferência de critérios de eficiência da economia privada para a gestão da área social. Alguns desses aspectos constam do documento elaborado pelo Instituto Herbert Levy, “Ensino Fundamental & Competitividade Empresarial: uma proposta para a ação do governo” (1993), no qual há um capítulo intitulado “As empresas que ajudam as escolas e a educação”. São três as razões apontadas para a participação do empresário no trato das questões da educação e da escola fundamental: a) “familiarizar o empresário com essa importante questão”, b)“no estado atual da educação brasileira, é importante complementar a ação do governo, criar formas alternativas de solução e experimentar novas idéias”; c) “é a empresa quem mais ganha quando a sociedade em geral e a comunidade onde se insere melhoram o seu padrão educacional (...) é, ao mesmo tempo, filantropia e defesa dos seus próprios interesses econômicos”. Tal documento inclui também uma série de proposições relativas à gestão educacional, com vistas a um “sistema de controle de qualidade das escola”, que se traduz em medidas como: sistema nacional de avaliação, testes de avaliação das competências básicas dos alunos, garantia de um padrão mínimo de recursos e insumos às escolas. A aproximação empresa e escola vem gradualmente se fortalecendo em âmbito internacional, podendo significar "um prenúncio de coisas por vir". 6 Manifestações do empresariado quanto a questões educacionais, em especial sobre o ensino básico, aqui mencionadas de modo ilustrativo, podem ser compreendidas como expressão de um movimento internacional. Particularmente nos anos 90, a educação tem sido considerada central nas proposições de organismos internacionais, como o Banco Mundial, UNESCO, UNICEF, a partir do reconhecimento do caráter nuclear da educação e da produção de conhecimento no processo de desenvolvimento, em um contexto de competitividade internacional. Expressão desse movimento, na América Latina, é a proposta da CEPAL e UNESCO para o continente, “Transformação Produtiva com Eqüidade”6 , onde são delineados os “contornos da ação política e institucional capaz de favorecer o vínculo sistêmico entre educação, conhecimento e desenvolvimento”. Dentre as diversas ações elencadas para implementação da estratégia e políticas propostas, destacamos uma: “compromisso financeiro da sociedade com a educação”, pois aí se expressa de modo claro a perspectiva de mobilização de fontes privadas para financiamento do ensino. Veja-se esta afirmação: “Uma solução para aumentar, de uma só vez, o montante e a estabilidade do financiamento da educação é a diversificação de fontes. Na América Latina e Caribe os recursos públicos são responsáveis pela maior parte do financiamento da educação e capacitação técnico-profissional, O documento CEPAL / UNESCO, Equidad y transformación productiva: um enfoque integrado, Santiago do Chile, 1992, foi traduzido e publicado pelo IPEA/INEP em 1995. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 89 havendo portanto espaço para que cresça a contribuição do setor privado (famílias e empresas)”.(p.302). Observando que, embora “a educação básica e média continuará sendo realizada com recursos públicos”, constata a existência de exemplos, em vários países, de contribuições do setor produtivo. É reproduzido no documento em questão um Projeto de Lei do Uruguai, sistirão às emissões por 90% do tempo previsto. Os dez minutos de ‘notícias’ e os dois minutos de comerciais deverão ser assistidos todos os dias letivos, por três a cinco anos, como parte do contrato” - estes selecionados pelos critérios da empresa “Forma-se uma parceria empresa/escola, na qual as empresas alcançam lucro e legitimidade, enquanto as escolas conseguem equipamento e os alunos/as se tornam ‘cidadãos infomados’”(Apple, 1997, p.144/168). Esta iniciativa evidencia que, para além da possibilidade de obtenção de isenção de impostos, é possível ao empresariado investir no sistema escolar como espaço lucrativo. Reconhecendo que no Brasil as parcerias escola-empresa tendem a ganhar importância no âmbito das políticas educacionais, entendemos ser necessário o desenvolvimento de estudos que possibilitem compreender como vêm se delineando as propostas governamentais e que tipo de respostas vêm sendo dadas pelo empresariado, buscando apreender se estas se configuram como uma das estratégias capazes de redefinir o público e o privado na educação. Nessa direção, caracterizamos a seguir iniciativas desencadeadas por governos do estado de São Paulo, com vistas a incentivar a aproximação escola-empresa. Além da possibilidade de obtenção de isenção de impostos, é possível ao empresariado investir no sistema escolar como espaço lucrativo. que dispõe sobre mecanismos de estímulo às empresas para “patrocinarem escolas públicas da áreas pobres, mediante doações passíveis de dedução de determinados impostos” (p.303). Também no Chile há uma lei que permite aos empresários realizarem descontos tributários caso financiem projetos educativos7 . Comentando o seu impacto, após dois anos e meio de sua promulgação, Martinic (1996,p.13) observa que esta lei permitiu um fluxo importante de recursos, no entanto menor que o esperado. Em realidade, a aproximação entre empresa e escola é um movimento que vem gradualmente se fortalecendo em âmbito internacional, podendo significar “um prenúncio de coisas por vir”, como a “ ‘ética’ da privatização e da educação redirecionada para o lucro”(Apple, 1997, p.26). Apple faz este comentário ao analisar como vem se dando nos Estados Unidos a “cooperação” entre a escola e a indústria, quando relata um programa de notícias de televisão, produzido comercialmente, que está sendo veiculado em milhares de escolas. A Whittle Communications, assina um contrato com sistemas escolares que “assegura às escolas o recebimento ‘grátis’ de equipamento - uma antena parabólica, dois aparelhos de videocassete e em média um televisor colorido para cada sala de aula - que lhes possibilitará receber os programas veiculados. Ao mesmo tempo as escolas devem garantir que 90% dos alunos as- 90 7 Propostas Governamentais de Estímulo à Parceria no Estado de São Paulo A partir do final da década de 80, os governos estimularam as parcerias entre as escolas da rede estadual e empresas. Inicialmente, a idéia era a de “adoção de escolas”, posteriormente a de parceria, sugerindo uma relação mais igualitária entre as partes. Durante o governo Quércia /PMDB (19871990), foi lançado o Programa “Adote uma Escola”, destinado a incentivar empresas a apoiar financeiramente escolas públicas, contribu- Lei nº19.247, publicada no Diário Oficial (Chile), de 15 de setembro de 1993. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS indo com recursos materiais para reparos e manutenção do prédio escolar, com complementação do quadro de funcionários e, até mesmo, complementação salarial de professores. Em 1994, no governo Fleury /PMDB (19911994), é divulgado o documento “Programa de Parceria Empresa-Escola Pública”, que apresenta objetivos e premissas dessa parceria, sugere formas de atuação e divulga quatro experiências existentes, na época, de parcerias entre empresas e escolas. Os objetivos expressos indicam que um caminho a ser fortalecido, na busca da melhoria da qualidade de ensino, é a parceria, visando a: • “Facilitar e ampliar a participação de empresários e agentes da comunidade na gestão do ensino público. • Captar recursos financeiros e aprimorar seu gerenciamento em benefício da Escola Pública. • Regionalizar ações e desenvolver mecanismos que facilitem a interação Escola-Comunidade”. As premissas que orientaram a organização desse Programa foram: a necessidade de descentralização da gestão educacional, frente ao gigantismo da Secretaria da Educação; a busca de um modelo de gestão mais adequado às necessidades do país e o estímulo à participação da comunidade na gestão dos recursos alocados na educação. Também no governo Covas /PSDB (19951998, com continuidade a partir de 99) há iniciativas na direção do fortalecimento de ações de parceria empresa-escola. Um documento informativo registra as proposições sobre o Programa, posteriormente normatizado na Resolução SE-234, publicada em 02/10/95, no Diário Oficial do Estado. Os motivos que levaram à Resolução SE234/95, que dispõe sobre “Escola em Parceria”, são apresentados a seguir: “a responsabilidade do Estado em definir formas para mobilizar parceiros com o objetivo de desencadear um processo efetivo de recuperação da qualidade de ensino; • a importância da educação para o desenvolvimento social e econômico do Estado; a importância da participação da sociedade no processo de recuperação e melhoria da qualidade do ensino público paulista; • a necessidade de descentralizar e desconcentrar ações de forma a propiciar a autonomia da gestão a nível local.” Tal Resolução define também parâmetros e uma sistemática para a formalização da parceria, indicando: - quem são os interlocutores na escola: Associação de Pais e Mestres (APM) e Conselho de Escola; - natureza de ações que poderão ser desencadeadas, que vão desde a conservação do prédio e equipamentos escolares até programa de capacitação da equipe escolar; - previsão de coordenação do Programa pela ATPCE (Assessoria Técnica de Planejamento e Controle Educacional); - competências das entidades da sociedade civil que firmarem parceria. Acompanha a Resolução um modelo de Protocolo de Intenções para formalizar a Parceria entre a APM e a entidade parceira. Antecedendo a publicação da Resolução SE 234/95, a Secretaria de Educação divulgou, em setembro de 1995, um documento sobre o Programa “Escola em Parceria” que informa seus objetivos, descreve as competências da Secretaria da Educação e dos Parceiros, sugere formas de atuação, registra alguns exemplos de parcerias e indica os passos para a realização Gradualmente vem se explicitando uma perspectiva de delegar, a cada escola, a responsabilidade de viabilizar recursos para melhoria de suas condições. da parceria. Este documento expressa os pressupostos e a sistemática do Programa, o que foi posteriormente normatizado na Resolução SE 234/95. Considerando as iniciativas desses governos paulistas, observa-se a tendência de estimular o fortalecimento de ações em parceria com entidades da sociedade civil para o provimento de recursos e a participação da gestão INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 91 do sistema público de ensino, como forma de construção de uma escola de qualidade. Comparando-se as proposições elaboradas, observa-se que a perspectiva de parceria, por parte do governo, vem sendo ampliada e articulada, por meio de um discurso sobre a necessidade de autonomia da escola. No governo Quércia a proposição era direcionada para empresas, com o objetivo de angariar recursos financeiros para melhorar educação que enfatizam a importância da autonomia administrativa e financeira da escola. É o empresariado o segmento social mais diretamente convocado para prover auxílios financeiros, com o agravante de abrir, também, a possibilidade de virem a trazer para as instituições educacionais os critérios de organização empresariais, visando torná-las mais eficientes e produtivas. Veja-se que a privatização se coloca, ao menos no caso do ensino fundamental, não na perspectiva de retirada do financiamento público e transferência para o âmbito privado mas sim na de complementação de recursos. Além desta, também fica evidente a perspectiva de adoção de uma lógica privada na gestão educacional; por um lado, ao pretender a apropriação dos critérios de organização empresariais pela escola, por outro, ao prever um mecanismo de gestão do sistema que potencialmente gerador de uma diferenciação entre as escolas, fragmentando o sistema de ensino e acirrando as desigualdades. A proposta de parceria por parte do governo, enquanto linha de política educacional, assentada no propósito de descentralização do ensino, é expressão de uma nova concepção sobre o papel do Estado na educação. Sob o argumento da necessidade de “autonomia da escola” esta é estimulada a buscar recursos que possibilitem uma alteração em suas condições de funcionamento. Se olharmos esta proposta simultaneamente com a sistemática de avaliação do ensino público, em implementação no Estado de São Paulo, potencialmente estimuladora da competição entre as escolas, notamos que elas se articulam para responsabilizar individualmente as escolas pelo sucesso ou fracasso que se constate. Outro aspecto a observar é o destaque dado pela Resolução SE- 234/95 à importância da educação para o desenvolvimento social e econômico da sociedade. Também no discurso do empresariado fica evidente a valorização da educação básica como meio de preparação do trabalhador frente aos atuais requisitos do processo produtivo. Sem dúvida, as transformações no proces- A proposição da parceria por parte do governo, assentada na propósito de descentralização, é expressão de uma nova concepção sobre o papel do Estado na educação. 92 as condições do prédio escolar, ou mesmo, salariais dos professores. Esta linha de atuação apontava para a adoção da escola pela empresa, visando o suprimento de recursos financeiros, colocando para a escola a necessidade de tomar iniciativas com vistas a buscar recursos para melhorar suas condições de funcionamento. O programa de parceria empresa-escola pública, no governo Fleury, mantém a finalidade de captação de recursos junto a empresas, mas amplia o escopo desta parceria. Apresentado como uma das estratégias de descentralização da gestão educacional, aponta para a possibilidade da participação de empresários na gestão do ensino público, abrindose assim a possibilidade de virem a intervir na organização do trabalho escolar. As proposições divulgadas no governo Covas direcionam-se não especificamente ao empresariado mas à sociedade, embora os exemplos citados no documento “Escolas em Parceria” centrem-se em ações de empresas. Assim como no documento do governo Fleury, esta iniciativa é justificada pela necessidade de descentralizar ações, acrescida da intenção de “propiciar autonomia da gestão a nível local”, bem como do destaque à “importância da educação para o desenvolvimento social e econômico do Estado”. Nota-se que, gradualmente, vem se explicitando uma perspectiva de delegar, a cada escola, a responsabilidade de viabilizar recursos junto à sociedade para a melhoria de suas condições, apoiada em padrões de gestão da INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS so produtivo, que decorrem das mudanças tecnológicas e organizacionais no trabalho, no contexto de uma nova ordem mundial caracterizada sobretudo pela globalização da economia, refletem-se na qualificação exigida do trabalhador para sua inserção no mercado de trabalho. No entanto, este mercado de trabalho está cada vez mais excludente e certamente demanda uma educação de qualidade para parcela reduzida de trabalhadores, comportando, portanto, a idéia de diferenciação da qualidade de ensino a ser oferecida pelas escolas de um mesmo sistema de ensino. Resta saber se é essa “parceria de futuro” que a sociedade brasileira necessita e almeja. Quer nos parecer o contrário. BIBLIOGRAFIA APPLE, M. 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XAVIER, A., SOBRINHO,J.A. & MARRA, F. (orgs.) Gestão Escolar: desafios e tendências. IPEA, Brasília, 1994. 94 INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS RESUMO DAS DISSERTAÇÕES DEFENDIDAS SETEMBRO DE 1995 A ABRIL DE 1997 Autora MICHELENI MÁRCIA DE SOUZA Data da Defesa 04/98 Orientadora Profª. Dr.ª Sônia da Cunha Urt (UFMS) Banca Examinadora Prof. Dr. Sebastião Jorge Chammé (UNESP) Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro (UFMS) Prof. Dr. Antônio Carlos do Nascimento Osório (UFMS) “O cotidiano das crianças do Assentamento Taquaral - Corumbá-MS: As representações acerca da Escola e do Trabalho” Resumo Este trabalho investiga as práticas cotidianas das crianças do Assentamento Taquaral - Corumbá - MS, para compreender as suas representações sobre a escola e o trabalho. A concepção de infância que permeia as investigações está baseada na concepção da criança como um ser que está em constante trocas com o seu meio social, uma criança histórica, social e, que participa das produções culturais. Parte-se do pressuposto que trabalho é o elemento fundamental para o desenvolvimento do psiquismo humano, é através dele que os homens agem sobre a natureza, realizando neste processo uma transformação de si e do mundo. Foram utilizados como instrumentos de investigação, a observação e a entrevista, como referencial teórico, a Psicologia Sócio-Histórica. As representações das crianças do Assentamento Taquaral são extraídas de suas próprias condições de vida e marcam a existência de dois mundos distintos: o mundo da educação e o mundo do trabalho. O trabalho para elas é a negação de sua infância, estando relacionado à dor, ao sofrimento, enquanto que a escola é o espaço segundo elas, para aquisição do conhecimento que as auxiliarão a superarem suas condições de vida. Há que se repensar numa política de formação de professores em que a fundamentação teórica e a prática pedagógica esteja voltada para a população rural, com cursos de atualização profissional, que lhes possam instrumentalizá-los com conhecimentos teórico-metodólogicos para a reflexão-ação, contribuindo para a busca de novas formas de superação da sua condição de oprimido, transmitindo-as para os seus alunos. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 95 Autora ANA LÚCIA FERRA FINOCCHIO Data da Defesa 04/98 Orientadora Profª. Dr.ª Sônia da Cunha Urt (UFMS) Banca Examinadora Profª. Dr.ª Mériti de Souza (UNESP) Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro (UFMS) Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves (UFMS) “O processo de constituição da identidade: As apreensões e mediações sociais e o ato educativo: Um estudo do homem do Paiaguás no Pantanal mato-grossense” Resumo O presente estudo teve como objetivo compreender e verificar o processo de constituição da Identidade do homem, mais especificamente de homens e mulheres que vivem ou viveram na sub-região do Paiaguás, no Pantanal matogrossense, sob o referencial da Psicologia Sócio-Histórica. Nessa perspectiva a identidade é vista como uma construção dinâmica, constituída nas relações sociais à partir do processo educativo, ou seja, das apreensões e mediações feitas ao longo da trajetória de vida de um indivíduo. O trabalho baseouse em uma análise bibliográfica e documental da região. O meio utilizado para atingir o nosso objetivo, foi a realização de entrevistas semi-estruturadas, gravadas, transcritas e, posteriormente, analisadas. Estabeleceu-se um roteiro, fundamental no referencial teórico, observando-se as concepções e significações sobre o homem do Paiaguás, articuladas nos seus discursos. A análise foi feita em duas dimensões: a externa (Grupo l), composta por indivíduos que estabeleceram um íntimo relacionamento na região e, a interna (Grupo II), composta pelos próprios paiaguenses que lá vivem ou viveram. Nessa análise constatou-se que o processo de constituição identitária do homem do Paiaguás não é um processo individualizado, mas sim um processo que se constrói a partir de referenciais criados e estabelecidos segundo as necessidades e os interesses do grupo ou sociedade no qual o indivíduo está inserido, variando conforme o momento histórico e a posição que o indivíduo ocupa nessa sociedade. “Festa - Lugar de Educação: O Divino na Pontinha do Cocho” Autora MARLEI SIGRIST Data da Defesa 04/98 Orientadora Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro (UFMS) Banca Examinadora Prof. Dr. Eron Brum (UFMS) Prof. Dr. José Maria Paiva (UNIMEP) 96 Resumo A presente dissertação é produto da pesquisa intitulada, Festa - Lugar de Educação: O Divino na Pontinha do Cocho, desenvolvida no quadro do Mestrado em Educação UFMS. A tradição da Festa do Divino foi investigada em todo o seu ritual, com o propósito de explicitar a dimensão alcançada pela Festa em âmbito cultural e educativo. A pesquisa inclui uma reflexão sobre os conceitos de cultura e sua abrangência enquanto processo de socialização, e como tal, processo educativo. A cultura, criada pela sociedade e tecida na rede simbólica do imaginário social, é um processo de construção, no qual a sociedade estabelece seu próprio mundo, sua maneira de ser, institui a linguagem, as normas, os valores, os instrumentos e métodos. O imaginário presente na religião, e no caso estudado, na religiosidade popular, interelaciona-se com o imaginário social, criando a tradição cultural da Festa do Divino. Na interpretação do processo socializador da Festa e da legitimação do imaginário social da comunidade, a educação, transmitida através das gerações, aparece como elemento necessário para ordenar a ação social e torná-la comunicável, a partir de sua própria lógica. Descobre-se uma transmissão de conhecimentos através de gestos, falas, expressões artísticas e ações carregadas de significações, implícitas nas diversas linguagens utilizadas durante a festa. Concluímos então, que a Festa do Divino é um dos canais privilegiados de transmissão de significados e de expressão da forma de ser/viver/ conhecer em sociedade. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Autor CONSTANTINA XAVIER FILHA Data da Defesa 10/98 Orientadora Profª. Dr.ª Ana Maria Gomes (UFMS) Banca Examinadora Profª. Dr.ª Ana Maria Gomes (UFMS) Profª. Dr.ª Sônia da Cunha Urt (UFMS) Profª. Dr.ª Isaura Rocha F. Guimarães (UNICAMP) Autora KÁTIA CRISTINA NASCIMENTO FIGUEIRA Data da Defesa 10/98 Orientadora Profª. Dr.ª Ana Lúcia Eduardo Farah Valente Banca Examinadora Profª. Dr.ª Ana Lúcia Eduardo Farah Valente (UFMS) Profª. Dr.ª Valeska Maria Fortes de Oliveira (UFSM) Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves (UFMS) “Educação Sexual na Escola: O dito e o não-dito na relação cotidiana” Resumo Esta dissertação analisa a educação sexual tal como ocorre no currículo em ação das escolas. A pesquisa empírica esteve centrada nas ações de educadores/as que atuam no ensino fundamental. O olhar investigativo foi o das Relações de Gênero, através do qual analisamos o impacto da educação sexual para alunos e alunas. Para desvendar as tramas da educação sexual, imbuída de papéis diferenciados para meninos e meninas, utilizamos os estudos da Representação Social, que possibilitaram um melhor entendimento dos discursos dos/as educadores/as e também dos/as adolescentes das escolas pesquisadas. Através da apreensão das representações de sexualidade, que os/as educadores/as possuem, pudemos compreender melhor as ações educativas no cotidiano escolar. O currículo em ação permite-nos desvendar a educação sexual que ocorre nas escolas, naquilo que extrapola os conteúdos curriculares. A educação se processa de inúmeras maneiras através de silêncios, omissões e ações de todos/as os/as profissionais da escola (que chamamos de educadores/as), educando em suas respectivas funções. Foi nessa trama de interações e troca que procuramos desvelar a educação sexual em duas escolas do município de Campo Grande (MS). “A Política Educacional de Mato Grosso do Sul (1991 - 1994) e os novos paradigmas de produção”. Resumo O presente trabalho analisa a política educacional de Mato Grosso do Sul, no período compreendido entre 1991 - 1994, relacionando-a com as mudanças em curso no capitalismo mundial. Privilegia, como foco, as mudanças adotadas pelo governo estadual na condução da política educacional, que tinha como eixos norteadores a democratização para o cargo de diretores escolares, a descentralização do sistema escolar e a busca pela qualidade. Este são pressupostos que são analisados à luz das mudanças no capitalismo, pois esta nova configuração faz com que a educação seja entendida pelo viés economicista, em que a educação é pensada como investimento em que devem ser adotados vários conceitos, tais como, a qualidade total, multiqualificação, descentralização, dentre outros. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 97 Autora MARA ALINE RIBEIRO GALÍCIA Data da Defesa 10/98 Orientadora Prof. Dr. Sandino Hoff Banca Examinadora Prof. Dr. Sandino Hoff (UFMS) Profª. Dr.ª Maria de Lourdes Barreto de Oliveira (UEPB) Profª. Dr.ª Alda Maria Quadros do Couto (UFMS) Autor JÚLIO DA COSTA FELIZ Data da Defesa 10/98 Orientadora Profª. Dr.ª Eurize Caldas Pessanha Banca Examinadora Profª. Dr.ª Eurize Caldas Pessanha (UFMS) Profª. Dr.ª Mirian Jorge Warde (PUC/SP) Prof. Dr. Sandino Hoff (UFMS) 98 “O Som da Educação” Resumo Esta dissertação tem por objeto de estudo a origem e o desenvolvimento do Instituto Musical de Aquidauna- IMA. Os personagens deste itinerário são os alunos e professores do IMA, componentes relevantes para a compreensão da música como um fenômeno educacional. A ciência da história contribuiu no resgate da historicidade da educação musical que permeou sociedade brasileira e aquidauanense nas décadas de 70 e 80. Um mergulho na Antigüidade, no Renascimento e no Iluminismo foi de suma importância para o desenvolvimento da pesquisa, que, também, se embasou na arte grega por obter uma explicação imediata do fenômeno artístico e nas concepções marxistas que explicavam as artes a partir do desenvolvimento das forças produtivas. Evidenciam-se nesse processo, em primeiro plano, os conflitos entre as propostas da Escola Nova e o ensino que ocorria no interior dos conservatórios de música que insistiam em manter-se calcados numa educação tradicional e classista. Busca-se também em Comte a explicação para a feminização do ensino que, consequentemente, trazia moralidade e sentimento à educação. Analisando-se a educação musical como um fenômeno histórico, investigou-se, por meio de três aspectos - o ontológico, o ético e o estético - a importância da música no desenvolvimento do ser humano. “Consonâncias e Dissonâncias de um canto coletivo: A história da disciplina Canto Orfeônico no Brasil” Resumo O objetivo deste trabalho foi analisar como nos manuais de Canto Orfeônico a função dessa disciplina como disciplina “estratégica” no Brasil dos anos 30 e 40. Para alcançar este objetivo, foram analisados três manuais da disciplina Canto Orfeônico publicados nas décadas de 30 e 40, observando se esses manuais contêm interiormente, elementos que os caracterizam como uma das formas de controle social durante o período Vargas (1930-1945). Foram analisados dois manuais de Heitor Villa-Lobos, encarregado oficial do governo federal pela implantação, coordenação e difusão da disciplina Canto Orfeônico no Rio de Janeiro e, posteriormente, em todo o Brasil, e um manual de Ceição de Barros Barreto, professora de música e Canto Orfeônico do Instituto de Educação do Rio de Janeiro durante a década de 30 e que não ocupava cargo ligado ao governo central. O resultado dessa análise mostrou que os manuais de Villa-Lobos podem ser considerados como “manuais oficiais” por evidenciarem a utilização da música como “controle social”, enquanto o manual de Ceição Barros Barreto mostra que havia uma outra concepção da disciplina: mais musical e menos “estratégica”, deixando claro que embora fosse hegemônica e imposta um visão da disciplina, havia, na sociedade brasileira da época, concepções opostas não só de música como de sociedade. As duas posições mostram as “faces” que essas disciplina assumiu no período estudado. Visto de frente, o rosto mostra algumas características que são observadas de perfil, mas não há dúvida de que é o mesmo rosto. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS Autora TAIANA BRANCHER COELHO Data da Defesa 10/98 Orientador Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro Banca Examinadora Prof. Dr. David VictorEmmanuel Tauro (UFMS) Prof. Dr. Antônio Quinet (UFRJ) Profª. Dr.ª Márcia Simões Corrêa Neder Bacha (UFMS) Autora MARIA DE FÁTIMA VIEGAS JOSGRILBERT Data da Defesa 10/98 Orientadora Profª. Dr.ª Eurize Caldas Pessanha Banca Examinadora Profª. Dr.ª Eurize Caldas Pessanha (UFMS) Prof. Dr. José Silvério Bahia Horta (UFF) Profª. Dr.ª Ester Senna (UFMS) “Psicanálise e Educação no Contexto da Formação do Psicanalista” Resumo Este trabalho pretende discutir a formação do psicanalista visando verificar a possibilidade de interseção entre os campos da psicanálise e da educação. Para este fim, realizamos uma pesquisa bibliográfica, destacando as obras de Freud e Lacan referentes a formação, e comparado-as com texto institucionais acerca de sua regulamentação até 1967. Nossa hipótese inicial é que a possível oposição entre psicanálise e educação não abarca a complexidade da questão quando confunde educação com pedagogia moderna e desconsidera o âmbito institucional na formação do psicanalista. A partir de um histórico que situa as principais idéias de Freud sobre a formação paralelamente ao que foi instituído sob a égide da Associação Psicanalística Internacional, pudemos compreender a crítica lacaniana à esta formação, no contexto do movimento de Retorno à Freud. Coerente com sua leitura dos conceitos freudianos e da ética da psicanálise, Lacan propôs novos parâmetros para a formação do psicanalista, aonde destaca-se a Escola, o cartel e o passe. Nossa conclusão aponta que a formação do psicanalista a partir de Lacan, abre uma nova via de compreensão da formação do psicanalista como um processo educativo. “A História da Educação Moral e Cívica: Um Álbum de fotografias da Sociedade Brasileira” Resumo O objetivo dessa dissertação é verificar como a Educação Moral e Cívica efetivou sua função de disciplina estratégica dos governos militares pós-64, nas escolas brasileiras de primeiro grau. A disciplina apresentou duas características divergentes: ao mesmo tempo que era controladora, era também controlada pelo CNMC - Comissão Nacional de Moral e Civismo que, entre várias funções, aprovava os livros didáticos que deveriam ser utilizados pela escola. Para atingir os objetivos propostos, esta pesquisa seguiu os seguintes passos: primeiramente, foram analisados os decretos e pareceres pertinentes à disciplina, além de discursos e palestras dos militares; 23 manuais didáticos, dos quais apenas 1 não apresentou o carimbo de aprovação da CNMC; e 12 diários de classe. Após a coleta deste dados, foi feita uma análise comparativa, separando-os por décadas, para verificar o que a disciplina tinha a revelar. Os manuais didáticos demonstraram conter ricas informações sobre a sociedade brasileira do período em questão e os diários de classe demonstraram que o professor não interfiria no processo repetindo as mensagem do livro didático que estava em consonância com a legislação, permitindo a entrada na escola do discurso do governo. Concluindo, percebeu-se que, através da história da disciplina Educação Moral e Cívica , foi possível reconstruir um álbum de fotografias da sociedade brasileira no período de sua existência. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS 99 Autora REGINA APARECIDA MARQUES DE SOUZA Data da Defesa 02/99 Orientadora Prof. Dr. Jesus Eurico Miranda Regina Banca Examinadora Prof. Dr. Jesus Eurico Miranda Regina (UFMS) Prof. Dr. Sírio Lopes Velasco (FURG) Profª Drª Helena Faria de Barros (UCDB) Autora EUNICE BRANDÃO DA SILVA Data da Defesa 02/99 Orientadora Prof. Dr. Dercir Pedro de Oliveira Banca Examinadora Prof. Dr. Dercir Pedro de Oliveira (UFMS) Prof. Dr. Kanavillil Rajagopalan (UNICAMP) Profª Drª Élcia Esnarriaga de Arruda (UFMS) 100 100 “A Relação professor/aluno diante do erro: a visão dos professores das séries iniciais do ensino fundamental” Resumo Este estudo como objetivo desvendar as facetas do fenômeno pedagógico da relação professor/aluno diante do “erro” no processo ensino-aprendizagem das séries iniciais do ensino fundamental, norteado pelos pressupostos teóricos histórico-cultural e da educação libertadora que evidenciam a importância da dialogicidade como vínculo indissociável para a construção do conhecimento. Este trabalho surgiu das experências acumuladas ao longo de nossa trajetória acadêmica e profissional, observando os “erros” cometidos pelos alunos na construção de seus conhecimento e as tentativas de implementação de novos modelos educacionais no trabalho pedagógicos. A pesquisa qualitativa foi norteadora do processo metodológico, onde ultilizei entrevistas com roteiro como instrumento necessário para mais adiante realizar as análises destas entrevistas feitas com professores das primeiras séries do ensino fundamental de uma escola municipal, focalizando o discurso do professor que retrata a visão da relação professor/aluno diante do “erro” na construção social do conhecimento no cotidiano da sala de aula, que possibilitou o repensar dos processos de formação e aperfeiçoamento docente, no sentido de aproximar cada vez mais a teoria da prática pedagógica. Os dados permitiram identificar que a relação professor/aluno diante do “erro” ainda continua sendo praticada pelos professores sob uma postura definida na educação bancária, priorizadas na formas vigentes da correção e no tratamento do “erro”, relevando em última instância, que para se chegar a uma prática construtiva-liberadora deve-se conceder uma nova postura de educador sob a luz da teorias estudadas requerendo uma maior profundidade e melhor ultilização dos espaços de formação continuada dos professores em busca das inovações para a melhoria do processo ensino-aprendizagem. “A Formação do Professor do Ensino fundamental: Uma visão histórico-descritiva” Resumo O presente trabalho teve por objetivo de apresentar um histórico da profissão docente, em nível de ensino fundamental, no que concerne a formação; descrever o projeto CEFAM, observando as transformações político-educacionais e, por fim, valendo-se de alguns dados verificar o conceito que tinham os educandos de um bom professor. Para atingir nossos propósitos, embasamonos em leituras que dessem informações sobre as diferentes fases por que passou a profissão de professor do ensino fundamental; em documentos fornecidos pela Agência Regional de Educação sobre o projeto CEFAM e, finalmente, entrevistas com alunos do magistério sobre o desempenho do professor na sala de aula. Em termos concludentes, fizemos um estudo históricodescritivo sobre a fomação do professor do ensino fundamental, para tentar a valiar um dos percalços por que passa a educação no país. INTERMEIO 5 - Revista do Mestrado em Educação - UFMS