Volume XXVII Completo - primeira versão

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Volume XXVII Completo - primeira versão
UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA (UFRO)
CENTRO DE HERMENÊUTICA DO PRESENTE
ISSN 1517-5421
lathé biosa
Volume XXVII jan/abr -2010
Volume XXVII jan/abr - 2010
ISSN 1517-5421
EDITORES
NILSON SANTOS
CONSELHO EDITORIAL
ALBERTO LINS CALDAS - História
ARNEIDE CEMIN - Antropologia
FABÍOLA HOLANDA - História
JOSÉ JANUÁRIO DO AMARAL - Geografia
MIGUEL NENEVÉ - Letras
VALDEMIR MIOTELLO - Filosofia
EDITORAÇÃO GRÁFICA
ELIAQUIM DA CUNHA & SHEILA CASTRO
Os textos devem conter no mínimo 3 laudas, tamanho de folha
A4, fonte Times New Roman 11, espaço 1.5, formatados em
“Word for Windows” deverão ser encaminhados para e-mail:
[email protected]
CAIXA POSTAL 775
CEP: 78.900-970
PORTO VELHO-RO
EDITORA UNIVERSIDADE FEDERAL DE RONDÔNIA
SUMÁRIO
MEMÓRIA, ESPAÇO E CARTOGRAFIA: POR UMA CARTOGRAFIA DA MEMÓRIA...................................................3
XÊNIA DE CASTRO BARBOSA
COTIDIANO FAMILIAR NO PROCESSO DE COLONIZAÇÃO EM RONDÔNIA: PIC OURO PRETO ............................8
ELIAQUIM T. DA CUNHA
APONTAMENTOS SOBRE MEMÓRIA................................................................................................... 17
XÊNIA DE CASTRO BARBOSA
MÁQUINA TRIBAL ESPINOSA .......................................................................................................... 21
ALBERTO LINS CALDAS
DOCENTE/DISCENTE: O CAMINHO DO ENSINO/APRENDIZAGEM ............................................................... 35
SHEILA CASTRO DOS SANTOS
ISSN 1517 - 5421
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MEMÓRIA, ESPAÇO E CARTOGRAFIA: POR UMA CARTOGRAFIA DA MEMÓRIA.
Xênia de Castro Barbosa1 .
RESUMO: Durante a Segunda Guerra Mundial o fornecimento de látex aos Estados Unidos foi suspenso pelos produtores asiáticos posicionados a favor do Eixo. Esse episódio,
somado ao posicionamento do Brasil ao lado dos Aliados e à seca e carestia que assolavam o nordeste brasileiro na década de 1940, deu origem à Batalha da Borracha, que
incentivou a migração de cerca de 60 mil nordestinos para a Amazônia, a fim de trabalharem na produção de borracha. . Este artigo procurou compreender, por meio de entrevistas de história oral
realizadas com sobreviventes dessa Batalha, o modo como percebem, se relacionam e atuam na construção do espaço amazônico.
PALAVRA-CHAVE: memória; espaço, cartografia.
ABSTRACT: During World War II the supply of latex to the United States was suspended for the located Asian producers in favor of the Axle. This episode, added to the
positioning of Brazil to the side of the Allies and to dries and high prices that devastated the Brazilian northeast in the decade of 1940, gave origin to the Battle of the Rubber, that it
stimulated the migration of about 60 a thousand northeasterns for the Amazônia, in order to work in the rubber production. This article looked for to understand, by means of carried
through interviews of verbal history with survivors of this Battle, the way as they perceive, if relates and acts in the construction of the Amazonian space.
KEYWORDS: memory, space, cartography.
O presente artigo é fruto da pesquisa de iniciação científica intitulada “Espaço e Memória”, realizada sob a orientação do professor Dr. Alberto Lins Caldas a quem registro sincero
agradecimento.
“Espaço e Memória” foi desdobramento de um projeto anterior: “Nordestinos na Amazônia – história oral com soldados da borracha: a experiência de dois mundos”, que
por meia década envolveu professores, pesquisadores e bolsistas do Centro de Hermenêutica do Presente da Universidade Federal de Rondônia. Tal projeto objetivou compreender
por meio da história oral (MEIHY, 1996), a experiência de vida de dois grupos sociais distintos: migrantes nordestinos que se deslocaram para a região amazônica no contexto da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a fim de trabalhar na produção de borracha, e os trabalhadores que já viviam naquela região, fossem eles nativos ou migrantes de períodos
anteriores.
1
Mestre em História Social pela Universidade de São Paulo.
Pesquisadora do Centro de Hermenêutica do Presente – UNIR.
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Posterior ao registro de dezenas de histórias de vida desses soldados da borracha e de uma reflexão sobre os dois mundos que elas revelaram: a Amazônia e o Nordeste,
sentiu-se necessidade de ampliar o campo de reflexão e analisar questões como a situação das mulheres e a construção e relação desses trabalhadores com o espaço – o que levou-nos
ao projeto “Espaço e Memória”.
A pesquisa desenvolvida sob a égide do projeto “Espaço e Memória” teve como fontes primárias as entrevistas realizadas no projeto “Nordestino na Amazônia”, que vieram
a constituir o núcleo documental do presente estudo, e em fontes secundárias como panfletos da propaganda governamental incitando a migração para a Amazônia, a fim de se
“lutar” na Batalha da Borracha.
A partir da leitura de nosso corpus documental pode-se concluir que, a despeito de tentativas de colonização e construção de um espaço social 2 nas terras onde hoje se
localiza o Estado de Rondônia, tentativas essas que vem desde o século XVII, com as missões jesuíticas, foi somente a partir da década de 1940, com a aceitação pelos nordestinos
dos discursos de convencimento veiculados pelo Governo Federal – na época Getúlio Vargas -, que esse antigo desejo de construção de um espaço social, humanizado, político foi
possível. Não é meta deste artigo discutir as razões dessa possibilidade, a história dessa “idéia”, a conjuntura nacional e internacional daquele momento e os conflitos a cerca desta
questão3, mas enfatizar que nossos colaboradores, os soldados da borracha que entrevistamos expressaram de modo enfático em suas narrativas, seus trabalhos de construção do
espaço, de dominação e sobreposição ao que entendiam ser “selvagem”, “deserto”, “desagregador”, manifestando a necessidade de “pôr ordem ao caos”, de “construir estradas”, de
“abrir a BR”, a fim de que as pessoas possam se deslocar, ir e vir e ter contato com o mundo.
Necessidades, desejos, ideologias, políticas, imaginários, arquétipos de cidades, estradas, habitações são alguns dos complexos elementos constituintes do que chamamos
hoje de Rondônia. Os textos resultantes das entrevistas de história oral de vida constituíram a nossa via de acesso a esses elementos, ou pelo menos, a parte deles, reafirmando a
noção de que a “natureza e o espaço nascem do lugar, da perspectiva cotidiana, das relações sociais, da social disposição de indivíduos e coisas, da satisfação das necessidades
tornadas conhecimento, da vida inteira em comunidade” (CALDAS, 1997: 14). Diante do exposto, entende-se que o diferencial da pesquisa Espaço e Memória foi reatualizar a
experiência do imaginário, percebendo-o na configuração do Espaço de Rondônia. Enquanto a maioria das pesquisas sobre o assunto mostrou-se menos atenta à história e à
subjetividade dos atores sociais, privilegiando conceitos ou expressando uma visão “determinista”, na qual Espaço e Natureza são apresentados como fenômenos existentes por si
próprios, anteriores à presença humana, em Espaço e Memória analisou-se como o espaço atualmente denominado Rondônia foi percebido, constituído e ordenado socialmente,
levando em conta a memória e a experiência de sujeitos que atuaram na sua produção.
Ao propor um estudo sobre um espaço social, tal qual dimensionado pelas histórias de vida de nossos entrevistados, foi possível notar o processo de produção desse espaço,
ou seja, desnaturalizar o que acabou por se tornar “natural”, problematizar a dinâmica desse processo, historicizar os discursos. Dentre os discursos que nos chamaram a atenção está
o da cartografia, e é sobre ele que passamos agora a esboçar algumas das reflexões que realizamos nesta pesquisa.
UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO, UMA NOVA MANEIRA DE DESENHÁ- LO
2
3
Trabalha-se com o conceito de Espaço Social de Milton, espaço que une e separa os homens.
Algumas destas questões foram discutidas no relatório final do Projeto Espaço e Memória, que pode se consultado no Centro de Hermenêutica do Presente – UNIR.
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No período que compreende os século IV a XIV a forma de vida e de organização produtiva da Eurapa tinha por base a terra e o trabalho rural. Praticamente não havia
cidades, o comércio era reduzido e a influência da religião na vida, no pensamento e no comportamento das pessoas era quase total. Mas a partir de 1300 teve início uma série de
transformações que deram ao mundo uma nova configuração. Lembrando que nessa época, o mundo era o Mediterrâneo, os reinos europeus, Constantinopla e o que se imaginava
sobre o Oriente.
As transformações que geraram nova configuração e imagem do mundo foram de quatro ordens, precisando ser analisadas conjuntamente, visto serem dialéticas: econômica,
política, imaginária e científica.
Como nenhuma sociedade é estática, as estruturas, os modelos de explicação/organização do mundo e da produção, sofreram simultaneamente grandes alterações.
Dos sólidos estamentos sociais da Europa nasceu um novo grupo social ligado ao comércio e artesanato, sem vínculos com atividades agárias. Foram eles que deram o
primeiro passo àquilo que futuramente seria chamado de Indústria: aperfeiçoaram as manufaturas e em pequena escala organizaram a “divisão social do trabalho” para que houvesse
melhoras na produção.
Isso só foi possível porque em algum momento o Imaginário dessas pessoas foi reatualizado, reestruturado. À medida que uma nova mentalidade impulsionou o
Capitalismo, este, por sua vez, gerou outras mentalidades e práticas, tais como progresso, enriquecimento, previdência, individualismo, competitividade e mesmo a idéia de
revolução proletária.
Para manter o sistema capitalista, agilizar a produção e escoamento das mercadorias, objetificar e consolidar o domínio humano sobre a “natureza”, as matérias-primas, ele
próprio inventou a Ciência, a “Técnica” e até uma nova arte (consumível). A Cartografia nasceu dentro desse processo.
A partir do momento em que foram alargados os horizontes imaginários das pessoas, que a curiosidade e indagações em relação ao mundo foram sistematizadas e os
desenvolvimentos tecnológicos permitiram a essas pessoas saírem de seu mundo e viajar, velejar, voar para lugares antes nunca ou apenas imaginados, foi necessário o
desenvolvimento de uma técnica/arte melhor elaborada a fim de dar conta da comunicação e representação desse novo mundo, desses novos espaços.
O conceito amplo de Cartografia, que a atendia como toda forma de representação do mundo que envolvesse algum tipo de mapa, deixou de ser aceito e esta passou a ser
“mais precisa”, mais específica.
Cartografia é esse conjunto de Técnicas capazes de propor uma “representação” do mundo, de determinada parte dele, ou de representar diversos mundos (os constantes nos
imaginários, nas narrativas, nas histórias de vida), através de Mapas, Plantas e Cartas, incluindo-se neste rol os mapas mentais.
Cartografia é Técnica por ser uma maneira de representar o espaço através de um processo de atividades materiais e simbólicas própria.
Embora tenha sido constituída a partir da assimilação de elementos de diversas áreas das ciências, ela não reproduziu esses elementos tal qual recebera, mas num amálgama,
numa colagem de tudo, numa sintetização total, criou algo novo e muito próprio. Um estilo. Uma forma de fazer que se cristalizou em sua própria forma de ser. “Se não for assim”,
não utilizar determinados métodos e recursos “sempre usados” (porque a origem se torna esquecimento: novo discurso), não é considerado Cartografia.
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Cartografia é sedução e poder, com todos os perigos, danos e paixões que esses despertam. Essa sedução, esse deixar-se seduzir tem impedido de se compreender que os
espaços, locais, objetos, formas, representados cartograficamente (Plantas, Cartas, Mapas), são pretensas representações e não a “coisa em si”. São formas discursivas, sígnicas,
simbólicas, que só passam a ter sentido, a significar, quando existe alguém que o interprete, que o leia, e que esses símbolos e signos, pré-existam em seu Imaginário, entendido aqui
como conjunto de valores, imagens e crenças políticas, religiosas, estéticas, constituído desde o nascimento por um intenso processo sócio-histórico.
Por propiciar uma visão “total” de um determinado espaço, ainda que de forma reduzida, projetiva, representativa e por um prisma que não é desvinculado de interesses, a
Cartografia tornou-se um importante instrumento de poder. Mapas, Plantas e Cartas são fontes de poder.
Quem conhece o espaço pode dominá-lo, junto com tudo o que o constitui e o mantém como tal. Isso se torna mais evidente em tempos de guerra, onde conhecer o espaço
territorial do inimigo é fundamental para se definir a ação bélica: os pontos que devem sofrer ataques mais intensos, os que oferecem menos perigo, os que são de maior interesse
econômico, os “inofensivos” espaços civis nunca respeitados em uma guerra.
Foi em tempo de guerra que a Cartografia sofreu maiores avanços, que suas técnicas foram aperfeiçoadas e que os mapas atingiram maior precisão, o que não poderia ter
sido diferente visto que os interesses em relação a eles eram bastante precisos, exatos.
Com a primeira e segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, os interesses dos Estados beligerantes voltaram-se para o desenvolvimento de novas tecnologias que
proporcionassem o resultado mais satisfatório possível nesses conflitos. Nesses períodos houve o aperfeiçoamento da Aviação e quando esta não foi mais possível, quando não se
podia mais sobrevoar territórios inimigos devido a retaliações e acirradas guerras aéreas, desenvolveu-se satélites que atuavam com muito mais precisão em suas informações sobre
esses territórios, Sensoriamento Remoto, Informática, Geomática, entre outras.
O Mapa, enquanto fonte de poder, tem como função básica favorecer o Conhecimento/Domínio do Lugar, do Espaço, contudo, há que se destacar também que possui função
ilustrativa ou comunicativa, mas que não “atinge”, não dialoga com todos. Embora sua linguagem (Convenção), se proponha “universalmente” aceita, há tipos de informações nos
mapas que são compreendidas apenas por profissionais da área e de áreas afins. Isso se dá porque o Universal, assim como o “Real”, o “Natural” e o “Verdadeiro”, são construções
ideológicas do Ocidente, criadas no mesmo processo capitalista que tem exterminado a alteridade, a pluralidade de diferenças radicais existentes nas diversas “tribos” desse espaço
chamado Terra.
Por mais simples que pareça ser um conjunto de linhas e sua “função” de “indicar” fenômenos “lineares”, como por exemplo rodovias, ferrovias ou rios, ela só terá essa
significação para as sociedades que os percebem como tal. Uma cultura que tem como deus aquilo que chamamos generalizadamente de rio, jamais poderá aceitar que ele seja um
traçado de linhas.
É devido a essa visão “universalizante”, objetiva e objetificadora das coisas que propomos repensar a Cartografia de forma historicisada e apresentar uma Cartografia da
Memória. Esta consiste numa exteriorização simbólica dos espaços vividos/sonhados/desejados/habitados, que não se apagam da Memória (BOSI, 1994). Foi desenvolvida
especialmente para “colorir” os espaços recorrentes nas histórias de vida dos soldados da borracha que têm colaborado em nossas pesquisas no Centro de Hermenêutica e possibilitar,
a nós mesmos, uma maior compreensão de suas abrangências e sentidos.
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São mapas subjetivos, mapas da memória, dos espaços lembrados, constantes nos textos obtidos através de uma História Oral específica (MEIHY, 1998). Esses espaços
“representados” cartograficamente só têm existência enquanto Memória, enquanto texto. O único lugar onde eles podem ser localizados é no texto. Apesar de existirem espaços
“reais” com o mesmo nome e características semelhantes, os da Cartografia da Memória não são e jamais poderão ser ou representar os anteriores, pertencem a campos ideológicos
diferentes, exercem “funções” diferentes, abrigam pessoas diferentes - no caso dos mapas da Memória, pessoas que muitas vezes nem existem mais.
Esse tipo de Cartografia que propomos, a Cartografia da Memória, não serve para o exercício do poder, para domínio e controle estratégicos do espaço, nem é natural, real
ou universal ou como tal se pretende. Serve apenas para dizer os “lugares interiores”, lugares de saudades, de sofrimentos, alegrias, desejos, conquistas. Lugares onde se viveu.
Cartografar nossos espaços lembrados, é, de acordo com Bachelard, um salutar exercício: “Cada pessoa deveria fazer o cadastro de seus campos perdidos, pois abrangemos assim, o
universo de nossos desenhos vividos e esses desenhos não precisam ser exatos. Basta que sejam tonalizados no mesmo modo do nosso espaço interior.” (BACHELARD, 1993: 31).
Cadastrar esses campos, registrar os lugares da Memória de acordo com sua própria virtualidade é um exercício fascinante de conhecimento, intimidade e devaneio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACHELARD, Gaston. A POÉTICA DO ESPAÇO. São Paulo, Martins Fontes, 1993.
BOSI, Ecléa. MEMÓRIA E SOCIEDADE: LEMBRANÇAS DE VELHOS. São Paulo: Cia das Letras, 1994.
CALDAS, Alberto Lins. INTERPRETAÇÃO E REALIDADE. Porto Velho: Caderno de Criação v.13, ano IV, setembro, 1997.
MEIHY, José Carlos Sebe. MANUAL DE HISTÓRIA ORAL. São Paulo: Loyola, 2006
SANTOS, Milton. PENSANDO O ESPAÇO DO HOMEM. São Paulo, Hucitec, 1997.
__________, Milton. METAMORFOSES DO ESPAÇO HABITADO. São Paulo, Hucitec, 2000.
OLSON, David R.. O MUNDO NO PAPEL. São Paulo, Ática, 1997.
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Cotidiano Familiar no Processo de Colonização em Rondônia: PIC Ouro Preto
4
Eliaquim T. da Cunha5
Orientadora: Dra. Lílian Maria Moser6
RESUMO:
Nos anos 70 o Governo Federal incentiva a colonização na região norte do país através dos Projetos de Integração e Colonização (PIC) e dos Projetos de
Assentamento Dirigido (PAD), tais iniciativas tem como foco fixar famílias na região e fazer com que a região integre-se as outras áreas do país. Diante do exposto
apresentamos algumas abordagens da pesquisa realizada que tem como escopo geral estudar e detalhar o Cotidiano e Trabalho das Famílias que chegaram aos
PIC’s (1970 - 1990), especificamente - PIC Ouro Preto - RO, para ocuparem lote de terra e poderem fixar-se na região. As fontes usadas são orais, relatórios
elaborados pelo INCRA7 e bibliográficas.
PALAVRA-CHAVE: Memória; Cotidiano; Trabalho; História Oral, Colonização e História.
O presente artigo é um dos resultados da pesquisa A (RE) Construção da História em Rondônia no Processo da Colonização Recente: A Trajetória das
Famílias do PIC Ouro Preto – RO 1970-1990. Apresentado ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC /UNIR 2008/20009.
Fez-se necessário, na etapa (2007-2009), estudar e detalhar o cotidiano das famílias que chegaram no início do programa de colonização, especificamente
durante a implantação do Projeto de Integração e Colonização - PIC Ouro Preto – RO, para ocupar um lote de terra, se fixar com suas famílias e dar início,
primeiramente, à produção agrícola de subsistência, também conhecida como lavoura branca.
Buscamos interpretar o processo da colonização recente do atual estado de Rondônia tendo como fontes os relatórios do INCRA e relatos de migrantes, que
vivem na região de Ouro Preto, apreendidas por meio da História Oral. Mediante estes relatos podemos dizer que acessamos as experiências de vida desses
primeiros migrantes, seus enfrentamentos na mata, na abertura do lote, na construção do primeiro barraco e os desafios para lidar com as doenças tropicais como
a malária, diante da precária assistência médico-hospitalar.
Objetivos
4
Artigo apresentado ao Pr o gr a ma In st i t uci on al de B ol sas d e In i ci a ção Ci ent í fi c a 20 08 / 20 09 -P IB IC/ UN IR/ CNPq .
Discente do Departamento de História e Colaborador PIBIC/UNIR.
6
Docente do Departamento de História.
7
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
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Na busca de novos horizontes e de melhores condições de vida à família, houve um contínuo e intenso fluxo migratório voltados tradicionalmente para a
região norte, principalmente para Rondônia. Neste contexto procuramos interpretar a flexibilidade institucional familiar do migrante, sua estrutura, aptidão e
características sociais, culturais e econômicas, para tanto, destacamos como eixos temáticos da pesquisa: cotidiano do enfrentamento da mata na “abertura do
lote”, a construção do primeiro “barraco” e os desafios das doenças tropicais; as relações estabelecidas na família no que diz respeito das divisões das tarefas
domésticas e no lote.
Métodos e Teoria
Esse trabalho consiste em interpretar Histórias de Vida, através do método da História Oral segundo Antonio Torres Montenegro8 com depoimentos
glosados com base em leituras bibliográficas em textos relacionados à História, Memória, Trabalho e Cotidiano e também referente às formas de Colonização e
Migração, dialogando com relatórios elaborados pelo INCRA entre os anos de 1971 a 1986.
Buscamos apoio para as interpretações dos relatos dos colaboradores9, nos relatórios do INCRA e na tese de Lílian Maria Moser10. Nossas observações
estão apoiadas, também, em teóricos como A. Heller (2000); A. T. Montenegro (1994); M. Halbwachs (2006); K. Jenkins (2004); L. Muscimessi (1998); F. A. Costa
(2002); H. Bergson (1990); L. Boff (1986), que muitos nos auxiliam na compreensão dos fenômenos contemplados por este estudo.
M. Certeau11 chama a atenção para observar a construção dos documentos, isto quer dizer, indagar quem o elaborou, para quem foi elaborado, em que
época. Estes pontos levam às perspectivas dos dados contidos nos documentos.
“… O inconveniente de todo método e condição do seu sucesso é extrair os documentos de seu contexto histórico e eliminar as operações
dos locutores em circunstâncias particulares de tempo, de lugar e competição. É, necessário que se apaguem as práticas lingüísticas e o
espaço de suas táticas, para que as práticas científicas sejam exercidas no seu campo próprio …” (CERTEAU, 2005, p.81)
Cotidiano
No que diz respeito ao cotidiano, temos como referencial teórico A. Heller12, que conceitua o cotidiano como algo que não é simplesmente o vivido
diariamente, de modo repetitivo; não quer dizer que aconteçam as mesmas coisas todos os dias, a cada momento o indivíduo se depara com acontecimentos que
são únicos e que faz com que ele busque interpretações e atitudes únicas de cada momento:
8
MONTENEGRO, Antônio Torres. História Oral e Memória: A Cultura Popular Revisada. São Paulo: Contexto, 1994.
Utilizamos o termo colaborador quando se refere aos entrevistados, devido as suas contribuições. MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Manual de História Oral. São Paulo: Loyola,
2005.
10
MOSER, Lílian Maria. Formação de Capital Social e o Ideário do Desenvolvimento Sustentável no Mundo Rural Rondoniense: A Organização dos Sistemas Alternativos de
Produção dos Produtores de Ouro Preto D’oeste – RO. Tese NAEA. UFPA/ 2006.
11
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Rio de Janeiro: Vozes, (Vol.: 1- 2), 2005.
9
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9
“… A vida cotidiana é a vida do inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua
personalidade... A vida cotidiana é, em grande medida, heterogenia; e isso sob vários aspectos, sobretudo no que refere ao conteúdo e à
significação ou importância de nossos tipos de atividade. São partes orgânicas da vida cotidiana: a organização do trabalho e da vida
privada, os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação”. (HELLER, 2000, p.17-18).
A obra de L. Boff13 apresenta os significados da matéria presente no cotidiano do indivíduo como único, para cada indivíduo seus objetos possuem
importância e sentido próprio e sinais que contêm, exibem, rememoram, visualizam e comunicam outra realidade diferente deles, ou seja, a estima de um
determinado objeto terá sentido somente a quem o tem como referência de alguma experiência:
“… Toda vez que uma realidade do mundo, sem deixar o mundo, evoca uma realidade diferente dela, ela assume uma função sacramental.
Deixa de ser coisa para se tornar um sinal ou um símbolo. Todo sinal é sinal de alguma coisa de algum valor para alguém …” (BOFF, 1984,
p.23).
Trabalho
No que concerne à questão do trabalho encontramos relações próximas ao exposto por F. A. Costa14
“… A empresa familiar camponesa, diferente da empresa capitalista, não se relaciona com o trabalhador apenas como portador de uma
jornada de trabalho, que se renova a cada contrato – ou deixa de existir por um ato unilateral de vontade. Aqui o trabalhador é por inteiro,
seu componente e sua potência de trabalho …” (COSTA, 2000a, p.280).
Essa base teórica e metodológica, somadas às observações realizadas durante o trabalho de campo muito favoreceram nossa pesquisa, especialmente o ida
à campo, que nos possibilitou ampliar nosso espaço de interpretação, perceber sutilezas que em certos pontos estão além do que foi gravado, nas emoções não
captadas pelo gravador de áudio, no que foi percebido ao lermos nas suas narrações, nos gestos e expressões corporais.
Algumas mulheres tiveram que assumir os trabalhos da casa e da lavoura, devido doenças ou morte dos esposos, como a Sra. Nemerinda:
[…] Quando meu marido adoeceu tive que trabalhar na roça, rocei uma terra que o barro dificultava o trabalho, tive que trabalhar
com as mãos, pedi pra um vizinho meu me ajudar a lê como fazer para da tudo certinho e eu consegui, tudo que eu plantei vingo
foram cinco alqueire. Depois ele sarou e continuou a trabalhar imagine uma mãe de dez filhos trabalhando na roça, e levar comida,
subir serra com menino de doze anos, porque não tinha quem cuidasse ele nunca gostou de cuidar de menino, tinha hora que eu
chegava um pingo de sangue eu me sentava e caia […] (Sra. Nemerinda).
Vinda para Rondônia
12
HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
BOFF, Leonardo. Os Sacramentos de Vida e a Vida dos Sacramentos. Petrópolis: Vozes, 1984.
14
COSTA, Francisco de Assis. (Org); Vânia Regina Vieira de Carvalho. Agricultura Familiar em Transformação: No Nordeste Paraense: O caso de Capitão Poço. Belém: UFPA.
NAEA, 2000a.
13
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10
Conceituamos o período da chegada das primeiras famílias, 1970, à região de Ouro Preto D`oeste, como “momento de adaptação”, período este em que os
colaboradores descrevem como os mais difíceis. Nas narrativas observamos a falta de estradas, alguns acidentes de caça e no processo de desmatamento, muitos
desses acidentes causaram mortes; observamos também a escassez de assistência por parte do Estado, especialmente no que tange ao tratamento e prevenção de
doenças tropicais.
“… A maior dificuldade que tivemos no início foi a falta de estrada, ainda hoje tem o bueiro que a gente colocou nessa estrada, serve de
passagem pra todos nós... Trouxemos uma camionete, apesar de velha era boa e conseguimos trazer as mudanças, construímos barraco
fizemos dezessete viagens foi muito sofrimento, mas valeu a pena... Trabalhávamos em conjunto bem organizado, em mutirão. Começava
com um barraco de repente terminava. Trabalhávamos em conjunto pra pagar as despesas, por isso só eu fazia as compras. Cada um me
dava a relação do que precisava e eu comprava …” (Sr. Nivaldo).
A família se faz presente nos afazeres tanto domésticos quanto da lavoura, a cada tarefa é atribuído um valor, não somente pelo seu resultado material,
mas também por seu sentido simbólico, sacramental. A Família toda é envolvida nas questões do trabalho, política e religião. Faz parte de cada membro da família
ser responsável por uma tarefa, que está presente em seu interior. São palavras, ações e memórias que formam esse contexto:
“… Meus pais sempre ensinaram a gente trabalhar nós somos três irmãos… meus pais sempre ensinou a gente dividir as tarefas… eu não
plantava de máquina a minha irmã já plantava de máquina então na época de capinar eu ia pra roça e ela ficava em casa e ia eu e meu
irmão pra roça quando chegava em casa um trazia lenha outro trazia o mamão… então agente foi criado assim sabendo dividir as tarefas...
hora de estudar é estudar, a hora de assistir televisão assiste televisão, a hora de trabalhar é trabalhar… então eu tento passar isso para
os meus filhos tanto o menino quanto a menina sabe lavar uma louça, sabe cozinhar, sabe lavar roupa, e se for pra roça também até o
pequeninho vai com a inchada desde pequenos agente leva eles pro café na colheita do arroz, do feijão colocava eles na carroça e levava
então agente tenta passar o que agente aprendeu só que meus pais cobravam mais da gente …” (Sr.ª Elielma)
Nas falas podem ser encontradas críticas às dicotomias do cotidiano urbano com o cotidiano rural, essa linguagem crítica encontrada nos depoimentos
obtidos, mostram uma consciência de um papel e uma prática social.
“… O que faz a diferença da convivência da cidade e do sítio, é porque no sítio por ter essa diversidade… tem também à televisão,
tem o rádio, mas por você ter ali próximo o local de trabalho as crianças já vão pegando esse ritmo do pai e da mãe… diferente da
cidade o pai sai pro lado à mãe sai pro outro não da conta de cuidar… o filho desde pequeno não da conta de cuidar da casa, então
o que acontece tem que arrumar uma empregada quando o filho chega da escola ele já vai pra frente da televisão e aí pronto e o
pessoal fala ah, mas a televisão é a perdição das famílias entendendo nesse sentido acaba sendo, mas a culpa não está a televisão
está na chefia da casa… por que a cidade empurra pra isso na área rural você tem essa vantagem… você consegui dividir as
tarefas… aqui são todas divididas fulano vai lavar as vasilhas outro vai colocar água na geladeira chora…, mas tem que fazer a outra
vai varrer a casa todo dia é isso vai buscar o leite … (Sr. Manoel).
Vendas e Abandonos das Terras
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Um dos relatórios do INCRA (1986) analisados neste estudo aponta como motivos das transferências, vendas ou abandonos das terras, fatores de ordem
institucional como:

A deficiência infra-estrutural interna (vias de acesso, habitação, eletrificação rural) constatada na maioria das parcelas dos imóveis dos PIC`s e PAD`s, tem
como conseqüência as freqüentes desistências de migrantes.
Na fase de parcelamento, algumas parcelas não ficaram beneficiadas por infra-estrutura mínima, como conseqüências não atenderam os índices de

produção e rentabilidade que o migrante poderia alcançar.

A falta de serviços de educação, saúde, lazer, comunicação, transporte, armazenamento e nutrição, refletiram sobremaneira na permanência do migrante
em sua terra.

A questão de pouca assistência médica foi determinante para identificar a venda e abandono de parcelas nos Projetos de Assentamentos.
Esses são alguns aspectos da pouca assistência dada aos migrantes. Contudo, apesar do insuficiente auxílio governamental, muitos migrantes
permaneceram nas terras e com recursos próprios formaram suas propriedades.
Habitação
O tipo de habitação construída pelos migrantes no momento imediatamente posterior à sua chegada revla um caráter provisório. São casas de estrutura
“simples”, cobertas de madeira (tabuínha) ou palha e piso de chão batido. Estas casas são chamadas de Tapiri, Tapera ou Barraco.
“… Com o dinheiro dava até pra nós comprarmos um sítio lá na BR… nós não precisávamos ter vindo pra cá se enfiar aqui… meu
sentimento é esse, nós gastamos todo o dinheiro com o povo lá na linha 20… e acabou rapidinho e não compramos nada, e não
tínhamos nem a casa… fiz casa depois de cinco anos de estar aqui ficamos morando em barraco durante esses cinco anos e resultou
em pouca terra…” (Sr.ª Dovina)
“… Naquele tempo dava muita formiga a noite quando dava temporal, e as formigas andavam pelas paredes do barraco se
escondendo da chuva, uma noite caindo um temporal, e se sentia o vento porque os barracos tinham cada brecha na parede que
dava pra ver tudo o que tinha do lado de dentro e de fora, ninguém tinha móvel, não se tinha nada…” (Sr.ª Eva)
Com o passar do tempo e com a obtenção de recursos financeiros resultantes das primeiras colheitas, os migrantes vão substituindo sua moradia por uma
casa, na maioria das vezes de madeira serrada, com piso de madeira ou cimento e cobertura de telha de barro.
Doenças
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Na fala dos nossos entrevistados é latente o caso das doenças, principalmente a malária e muitas vezes não sabiam como lidar com os casos das doenças
por falta de assistência médica ou mesmo por falta de um Posto de Saúde próximo aos lotes dos migrantes. Era comum a malária:
[…] A malária pegou de um por um não ficou uma família, nem pessoa da família sem pegar malária, e tinha gente que ficava mal
demais que chegava a desmaiar, eu fui a ultima a pegar, então socorria os outros aplicavam injeção no músculo, na veia daquele
povo e nunca tinha feito um treinamento pra nada […] Meu Deus todo mundo magro de, tanto pegar malária, e em mim só deu uma
vez porque logo a SUCAM veio e trouxe os comprimidos de clorofila […] Então agente tomava um por semana, estávamos até
amargos de tanto tomar remédio amargo, mas antes de chegar esses comprimidos dava malária no povo e com vinte dias repetia de
novo […] Depois que chegamos aqui a SUCAM veio e deixou uma maleta daquelas pro meu tio pra fazer a lamina, ai meu tio foi
embora e deixou essa maleta comigo, eu que colhia a lamina dos outros e dava os comprimidos na hora depois os homens da
SUCAM vinham e levavam aquela lamina pra poder ter o resultado, que saia em trinta ou quarenta dias só que eles já tinham
tomado os remédios, mas dava muita malária, ainda assim mesmo dava malária […] (Sr.ª Dolvina).
Em um dos relatórios do INCRA conta a carência à assistência médica, sob responsabilidade dos órgãos governamentais, resume-se em grau ineficaz,
surgido em contrapartida, o prevalecimento dos hospitais particulares, igualmente das farmácias que se instalam a cada dia nos núcleos, conduzidas por leigos,
inexperientes e até ignorantes, fator gerador de extrema insegurança na comunidade, com reflexos visíveis no tocante ao setor agrícola:
[…] Era muita malária, muita malária mesmo. Eu com malária, minha mãe com malária, meu esposo com malária só no meu pai que
não deu malária... Meu irmão quase morreu de malária, eu acho que ele ficou meio deprimido com tudo aquilo que se deu lá, que
deu uma parada cardíaca, ai ele faleceu […] (Sr.ª Eva).
Rixas
Boliches15 onde em função da venda e alto consumo de bebidas alcoólicas, com práticas de jogos como dominó, baralho, bozó e sinuca onde surgem brigas,
morte, casos que acarretam em muitas desistências e abandonos de parcelas.
Encontramos nos relatórios algumas situações que não encontramos nas narrativas, dos colaboradores, por exemplo, a criminalidade com ocorrência de
assassinatos por diversos problemas como adultério, desentendimentos pessoais provocados por questões de limites das parcelas, atritos entre os migrantes
decorrentes da presença de animais domésticos que danificam as lavouras, violação de propriedade utilizando indevidamente a retirada e venda de madeiras-de-lei,
abuso à caça e pesca em propriedade de outrem, a abertura de estradas vicinais quando desviadas (Relatório, 1986).
Considerações Finais
15
Pequeno comércio.
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A história produzida pelos historiadores traz elementos identificáveis do universo social e cultural e esses elementos foram expostos e identificados em
nossas fontes. Logo os fatores epistemológicos, metodológicos e ideológicos voltam a entrar no cenário, inter-relacionando-se com as práticas cotidianas do
migrante, tendo como alicerce a família onde podia apoiar-se. Desse modo durante todas as etapas da pesquisa conseguimos observar, tomar nota e gravar
algumas das relações vividas.
Reescrevendo o cotidiano do enfrentamento da mata na abertura do lote e a construção do primeiro barraco, é o que torna de fundamental importância a
utilização dos métodos da História Oral. Os relatos obtidos foram de quem enfrentou e recriou espaços físicos, sociais, econômicos e culturais. A respeito dos
procedimentos metodológicos buscamos sempre respeitar os colaboradores no que se refere a sua privacidade e opiniões sociais e políticas, com este tratamento o
“entrevistado” deixa de ser entrevistado e passa a colaborar com a pesquisa e acrescenta experiências além das que são perguntadas e indica outras pessoas que
também puderam colaborar.
Na ida a campo um ponto que pode ser nitidamente notado foi a união familiar tanto no que envolve o trabalho quanto o lazer.
Esperamos que o estudo da trajetória das famílias do PIC Ouro Preto-Ro nas décadas de 1970 a 1990 proporcione maior conhecimento sobre as formas de
migração realizadas por famílias oriundas de várias regiões do país. Objetivamos também através dos registros das Histórias de Vida e depoimentos dos migrantes,
estabelecendo em maior aprofundamento na reconstrução histórica da região.
Na trajetória da colonização recente em meio ao trabalho árduo em condições precárias e em meio às propagandas sensacionalistas, foi a família na sua
unidade quem conseguiu exercer papel social importante na construção do estado de Rondônia, antigo Território Federal. E foi durante essa transição em 1970 que
cresceu o número de famílias vindas para a consolidação dos projetos instituídos pelo Governo.
A colonização recente em Rondônia foi realizada através de projetos de colonização, incentivados pelo Governo Federal, a partir dos anos de 1970, todavia
não houve sucesso total nas implantações do mesmo.
A propaganda realizada pela UNIÃO e pelos relatos dos amigos causou interesses de muitas famílias, como conseqüência acarretou em uma forte migração
de famílias que em sua grande maioria não tinha a garantia de adquirir um lote, a esperança de ter um lugar para trabalhar e manter a família era maior. Esse
processo migratório é caracterizado pela presença familiar, isto quer dizer, que chegavam muitas famílias e o INCRA não possuía pessoal para assentar devidamente
as famílias.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA foi criado através do decreto lei n° 1.110 de 09 de julho de 1970 como autarquia vinculada
ao Ministério da Agricultura, passando desde então a ser o órgão federal executor, por excelência tanto da política de desenvolvimento como a reforma agrária do
país.
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Em Rondônia, os Projetos Integrado de Colonização PIC e Projetos de Assentamentos Dirigidos PAD, INCRA assumiu responsabilidades de organização
territorial implantação da infra-estrutura, seleção e assentamento dos beneficiários, os migrantes desses projetos, foram responsáveis também por promover a
assistência técnica, o ensino, a saúde e a previdência social, a habitação rural, a empresa cooperativa, o crédito e a comercialização.
Essas responsabilidades na grande maioria não foram realizadas muitas famílias tiveram que abrir picadas, fizeram derrubadas, em fim prepararam a
propriedade por conta própria. Um dos pontos que o INCRA deixou a desejar foi a falta de pessoal qualificado para o gerenciamento das aplicações dos
assentamentos. Apesar destas tantas dificuldades encontramos nas narrativas a satisfação das famílias o sentimento de vitória por todas as dificuldades superadas.
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APONTAMENTOS SOBRE MEMÓRIA
Xênia de Castro Barbosa.
RESUMO: Este artigo compõe-se de reflexões acerca da memória social, coletiva e suas relações com a História. Tais reflexões nasceram apartir dos
problemas constatados na pesquisa Espaço e Memória, que analisou 12 textos resultantes de trabalho de história oral anterior (Nordestinos na Amazônia – a
experiência de dois mundos), a fim de perceber, por meio dessas narrativas, como se deu a contrução do espaço social de Rondônia.
PALAVRAS-CHAVE: memória; espaço; Batalha da Borracha.
ABSTRACT: This article composes in reflections concerning the social, collective memory and its relations with History. Such reflections had been born of the
problems evidenced in the research Space and Memory, that analyzed 12 resultant texts of work of previous oral history (Northeasterns in the Amazônia - the
experience of two worlds), in order to perceive, by means of these narratives, as the contruccion of the social space of Rondônia was given.
KEYWORDS: memory, space, Battle of the Rubber.
“Quando as palavras se derramam em cascata e transbordam no vigor do existente, invocam o que, até então, era passado.
(Estrella Bohadana).
Este artigo traz alguns apontamentos sobre a memória, entendida em seu sentido social (BOSI, 1995; 2003), (HALBWACHS, 1990). Tais reflexões foram
produzidas por ocasião de minha pesquisa de iniciação científica, denominada Espaço e Memória, na qual contei com a atenciosa orientação do professor Dr. Alberto
Lins Caldas e com auxílio financeiro da CAPES.
Ao trabalhar com uma documentação composta por textos resultantes de entrevistas de história oral, nas quais a memória e a experiência são elementos
centrais e, mais do que isso, possibilitadores daquele tipo de material, uma atenção especial a questões como memória e identidade é imprescindível. Entende-se
que é impossível fazer um trabalho de pesquisa sério, seja ele historiográfico ou não, sem discutir o modo como os documentos foram produzidos e conservados.
Iniciou-se, então, um estudo teórico sobre a memória, a fim de lançar luzes sobre o complexo conjunto de experiências vivenciadas, recordadas e expressas em
narrativa pelos soldados da borracha entrevistados a logo da pesquisa “Nordestinos na Amazônia: a experiência de dois mundos” – do qual Espaço e Memória foi
um desdobramento.
Entende-se por Memória o conjunto de impressões, imagens, lembranças e experiências que se reatualizam no tempo presente através da linguagem. Desse
modo, o ato de recordar ocorre a partir de um olhar do presente, de consciência, discursos, ponderações e juízos atuais. A memória que possuímos das coisas e dos
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acontecimentos é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência
atual.(BOSI, 1995).
O “relembrante”(KOTRE, 1997), aquele que recorda e narra sua vida é antes de tudo um ser social, que constrói suas experiências dentro de uma
coletividade. Ao narrar, deixa transparecer uma Memória que não é apenas sua, é Coletiva, sem contudo extinguir sua singularidade e subjetividade, pois é ele
quem atribui valor aos acontecimentos coletivos: algo que lhe é grandioso e fundamental, para outros do grupo pode ser tão irrelevante a ponto de nem constar na
narrativa, ou de simplesmente aparecer “de.passagem”, não lhe sendo atribuído nenhum sentido especial.
A fronteira entre a Memória Coletiva, também dita Histórica e a “Memória pessoal”, caracterizada pela singularidade do sujeito, é bastante tênue. Em geral
elas se interpõem, se misturam como em um esfumato. De acordo com Bosi “há um modo de viver os fatos da História, um modo de sofrê-los na carne que os
torna indeléveis e os misturam com o cotidiano, a tal ponto que já não seria fácil distinguir a Memória Histórica da Memória Familiar e Pessoal”(1995: 464).
Como exemplo dessa tênue fronteira entre memórias, percebemos nas narrativas dos soldados da borracha constantes na pesquisa Espaço e Memória, o
freqüente mito do “submarino alemão”, onde apesar de o comandante do navio dizer que “não é nada”, alguns colaboradores enfatizam esse momento de “ataque
inimigo” pois afinal, o Brasil havia definido oficialmente sua posição na Segunda Guerra e eles haviam acabado de ser recrutados no Nordeste para virem para a
Amazônia, trabalhar na Batalha da Borracha. Percebeu-se, nesse elemento enunciado, o entrelaçamento das memórias pessoais, histórias de vida, ao discurso
Nacional e Internacional. Também é de se notar que ao mesmo tempo em que as narrativas refletem as ideologias do Estado, criticam-nas ao denunciar o descaso
sofrido pelo trabalhador, os entraves burocráticos, as promessas não cumpridas, como pode se constatar na leitura dos textos resultantes das entrevistas16.
A Memória é algo em constante construção. Inacabada, indefinitiva, aberta e de certa forma, livre. Apesar de todo o “controle” sobre o pensamento das
pessoas através de instância reguladoras/formadoras e preservadoras da Memória tais como: Mídia, Religiões, Estado e a própria sociedade, com seus discursos,
mímesis e rituais a fim de preservar aquilo que lhes é interessante ser lembrado, existem experiências íntimas singulares e profundamente marcantes, que se
sobrepõem a esse controle. Estas geram uma nova paisagem na memória, um novo quadro, um novo discurso repleto de “pessoalidade” que nem de longe toca
aquilo que as instâncias formadoras/mantenedoras da memória e conseqüentemente reguladoras de discursos, considera digno de ser lembrado.
O horror presenciado numa guerra, um filho assassinado por policiais, a leitura de um livro, um aroma ou sabor conhecidos na infância ou, até mesmo, a
necessidade afetiva de ser considerado no presente, de ser reconhecido, são vivências capazes não apenas de reatualizar a memória, mas de desencadear toda
uma narrativa, como demonstrou o senhor Manoel Patrício, soldado da borracha aposentado:
16
Estes textos podem ser encontrados no Centro de Hermenêutica do Presente, na Universidade Federal de Rondônia e espera-se em breve publicá-los no site daquele centro de
pesquisa.
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“(...) papai levou dois pão e uma lata de leite condensado. Isso me lembro! Aí abriu aquela lata de leite condensado,
mamãe fez um leite, nós comemos com pão, que coisa gostosa! Nós nunca tinha visto. Nós nunca tinha comido pão nem
leite condensado.” (Manuel Patrício)
A partir dessa doce lembrança Manoel Patrício narra sua vida e cartografa seu mundo, compreendido, enxergado, imaginado por ele, o menino de doze
anos, que desde muito cedo conheceu os dissabores da vida.
As lembranças que vêm à tona construídas pelas experiências dos sentidos, constituem-se numa Memória Sinestésica, onde, por relações subjetivas,
elementos/sentidos/interpretações diferentes, compostas por um outro sentido, se antevêem e se sobrepõem criando novas relações/sensações. Esse efeito
sinestésico ao contrário do que muitos pensam, não acontece apenas com pessoas que possuem diagnóstico clínico e Sinestesia, que produzem em seu cérebro
associações diferentes do comum. Poetas, crianças e pessoas que se colocam a recordar sua vida, podem desenvolve-la em sua linguagem.
A Memória Sinestésica é “ativada” pelo contato de um sentido corporal com determinado “objeto”. Esse objeto que desperta a atenção do sentido é
denominado por Kotre de objeto simbólico, pois “inicia uma corrente de associações que podem fazê-lo (o relembrante) falar durante horas.” (1997:107). Como a
cor laranja que uma criança ou um poeta relacionam a bolo de cenoura e até sentem seu sabor através do paladar, muitas vezes nos deixando também com “água
na boca”, um cheiro que “representa” um determinado dia da semana, a textura de um tecido que faz com que se recorde da suavidade da pele da mulher ou do
homem amado e consequentemente, de toda uma história de amor e outros sentimentos.
Outro ponto importante a ser compreendido quando tratamos de Memória e nesse caso especial, de Memória Cinestésica é o da forma de “existência dos
sentidos”. Eles são criados e educados por uma cultura, refletem e servem-na. Devem realizar suas necessidades e interesses, perpetuá-la. No caso do Ocidente, os
sentidos foram produzidos, e é esse o termo exato, por um longo processo capitalista a fim de ser sustentado em toda a sua produção mercadológica (essa
sustentação se dá através da reprodução da força de trabalho e do consumo). Para que eles passassem a existir
“foi preciso que antes se destacassem do corpo (...) se separassem da alma, significando algo longe da presença de deus,
ingressando no mundo e no corpo do mundo, mergulhando na metafísica objetiva da indústria e da ciência, corporificando-se
nas mercadorias (...) Sem objetificação não há os sentidos.” (CALDAS, 1999: 25).
A verdade que os sentidos dizem é apenas a verdade do nosso mundo: tribal, “interior”, ou o que gostaríamos que fosse. Essa verdade, assim como a
memória, é algo transitório. Puramente discursivo e que se reconstrói a cada “ocasião”. Acentua-se, portanto, que a Memória é compreendida nesse estudo não
como algo sólido e mecânico, arquivo compartimentado do cérebro onde “está tudo guardado lá dentro”, mas sim como algo líquido, fluido, como Texto e
Hipertexto, conforme teorizou Caldas:
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“Camadas de textos de todas as épocas e lugares se sobrepondo uma às outras num sincretismo total e abrindo espaço para
a confecção de outros, feitos por nós, com nosso olhar, criação e hiperleituras, pois o hipertexto “é a própria hiperleitura em
seu movimento, em seu momento; o resíduo é mecânica hipertextual: aquilo que fica no caminho é a rede e sua visibilidade
textual [sempre pronta para iniciar percursos]” (Caldas, 2001).
Se a memória é fluida, os textos que a refletem, as Biografias, as Histórias de Vida, são líquidas como o caminho de um rio: inusitado por mais que nos seja
conhecido, lugar de sons, cores, encantos, surpresas. Mas se esta fluidez tem seus encantos, também traz consigo o tormento do esquecimento, que em tempos
atuais tem se manifestado em uma “crise da memória”. Diante do temor constante de esquecer, de “perder a memória”, povos das mais variadas culturas têm
desenvolvido ao longo do tempo, artefatos auxiliares do trabalho memorativo, muitas vezes olvidando que o esquecimento é também constituinte da memória.
Dentre os artefatos e técnicas de auxílio à memória pode-se enumerar as sonorizações, que possibilitavam os gregos recitarem de cór a Odisseia inteira, os
mitos, que ao serem transmitidose ritualizam justificando e conservando a ordem social estabelecida; a escrita, que é auge desse processo, sem sem falar nas
modernas tecnologias: gravadores, filmadoras, blogs na internet, que registram as mais diversas atividades e acontecimentos do cotidiano, ainda que se trate de
coisa irrelevantes. É certo que a conservação do “conteúdo a ser lembrado”, apesar de todos esses artefatos de preservação da Memória, passam por reatualizações
de pessoa para pessoa, de tempo para tempo, embora mantendo, muitas vezes, a “essência” daquilo que é importante ser lembrado.
A Memória continua sendo um tema atual que catalisa pesquisas das mais diversas áreas do saber, isto porque é o elemento primordial para se ter acesso à
experiência humana de tempos anteriores, seja de um passado remoto ou recente. Essas experiências de tempos anteriores, embora não determinante, também
são partes constituinte do que somos hoje, formam identidades, contribuem para a coesão ou não coesão social. Desse modo, os estudos relativos a essa temática
mostram-se pertinentes, ainda mais em um país como o Brasil, que viveu décadas de uma política sistematizada de silenciamento e ocultação da veradade. Mais do
que nuca, é preciso recordar!
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MÁQUINA TRIBAL ESPINOSA
Alberto Lins Caldas
Universidade Federal de Alagoas-UFAL
Departamento de História
www.albertolinscaldas.unir.br
[email protected]
Resumo: Este artigo é o primeiro de uma séria de textos sobre o conceito de “máquina tribal”. Aqui temos a introdução, a abertura, a instauração do ponto de
vista e o ponto de partida que tem na ‘Ética” de Espinosa sua matéria prima. Aqui a máquina tribal, pelos olhos de Espinosa, se vê, pois ela ainda é substância. O
conceito inteiro de máquina tribal tem como horizontes, em seus desenvolvimentos, autores como Espinosa, Nietzsche, Foucault, Deleuze.
Palavras-chave: Máquina Tribal, Espinosa, Realidade, Método.
Abstract: This article is the first of a series of texts about the concept of “tribal machine”. Here we have the introduction, the opening, the implementation of the
point of view and the start point that has on “ethic” of Spinoza your prime mater. Here the tribal machine, by the eyes of Spinoza, look herself, because she still is
substance. The hole concept of tribal machine has for horizons, in your development, authors like Spinoza, Nietzsche, Foucault, Deleuze.
Key-Words: Tribal Machine, Spinoza, Reality, Method.
abertura
incipit: conceitos, nomes, qualificações, imagens, juízos, valores, opiniões, noções, idéias, palavras, motivos, filosofias, alegorias da máquina tribal:
pleroma, totalidade, absoluto, uno, multiplicidade, todo, universo, natureza, máquina, orbe, planeta, céu, terra, gaia, mundo, vida, colméia,
formigueiro, alcatéia, cardume, rebanho, manada, espécie, civilização, cultura, população, povo, massa, sociedade, tribo, clã, família, linguagem,
multidão, leviatã, bando, etnia, estado, nação, coletividade, comunidade, horror, existência, cristandade, europeu, ocidente, ocidentalidade,
antroposfera, sociosfera, humanidade, homem, humano, ser humano, entrenós, realidade, substância, ser, senhor, deus, essência, deuses, matéria,
energia, modo de produção, formação social, burguesia, capitalismo, estrutura, sistema, sistema social, inconsciente, inconsciente coletivo, isso, devir,
vontade, vontade de poder, força, tempo, criação, espírito, idéia, logos, história, corpo, alma, matrix, mistério, enigma, destino, máquina tribal.
i
vários artifícios impossibilitam ou dificultam o enfrentamento da máquina tribal: ciências, filosofias, “sensos comuns”, experiências, práticas (inescapavelmente
metafísicas, escolásticas e platônicas): ao não enfrentarem os círculos viciosos, as contradições sem mediações, as tautologias cancerígenas, os conceitos sempre
transcendentes, as teorias funcionais pra própria máquina tribal, o “caráter” paradoxal da sua “forma de existência” [existência invertida e inversora], isto é, não ter
forma, mas infinidade de redes vivas, transversais em movimentos múltiplos, imaginários de forças em relações e jogos complexos e profundamente simples em
suas regras, onde um “dentro” e um “fora” atuam com todas as potências, por essa inexistência radical, num se-pôr teórico sempre integrado, as ciências [por
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gestarem basicamente “funcionais” q se esgotam no “mercado” e nos imaginários intumescidos] e filosofias [por gestarem “conceitos” q não conseguem nem
podem conseguir escapar das tradições, lógicas e crenças q lhe dão suporte e sentido] apenas tocam em aspectos soltos, enquanto místicos, metafísicos, profetas,
loucos, videntes, gritam ou sussurram alegorias explícitas monstruosas da máquina tribal, chamando-as desde deus, substância, ser, espírito, força, enigma,
tradição, passando por humanidade, universo, natureza, até economia, sociedade, história, e isso se dá por eles enfrentarem as formas sem formas das “forças
misteriosas”, das potências indefinidas, incalculáveis, incertas, o “mistério”, o “infinito”, o “absoluto”, o segredo disso “que nos faz e mantêm”, isso q viscosamente
nos faz fazer e continuar fazendo, essa “vaga que os invade”, experiência mística do “poder de deus” q não passa dos “poderes infinitos” da máquina tribal: como
não conhecemos nem poderemos jamais conhecer ou dominar essas forças e como temos como “única certeza” o imediato, podemos sentir nos ossos, na carne, na
pele, nos sonhos, no corpo inteiro, vibrando como cordas, pressentir em delírios, pensamentos, sistemas, filosofias, religiões aquilo q chamo máquina tribal, sempre
com outros nomes o mesmo horror o mesmo sublime cru e cozido, mesmo dentro do monstro, é possível compreender nossa situação e falar dela.
a forma desse “existente” não é uma nem única, não é forma ou figura, mas formatações, forças em jogos q produzem as individualidades [máquinas contratuais: q
produzem as produções e são sem ser a própria máquina tribal: produtores produzidos], suas relações, crenças, temporalidades, poderes, possibilidades, lugares,
funções, reencaminhando tudo novamente na, pra e pela máquina tribal: es-feras de forças.
essa multiplicidade [abundância, variedade, maioria, multidão, pluralidade, superioridade: a mesma das mercadorias e das produções] líquida, gasosa e vítrea, ao
não ser apreendida pelo mundo teórico q advém do mundo das mercadorias, servindo apenas de “ideologia”, “metafísica” ou “delírio”, torna-se cada vez mais
transparente (mais mercadoria, mais dinheiro), cada vez mais científica, filosófica, religiosa, midiática – totalitária: a máquina tribal (podemos chamá-la também de
“cristandade”, “capitalismo”, “ocidente”, sem o “oriente” como invenção da própria máquina tribal) chega a um momento crucial em sua hegemonia: inda pode ser
“apreendida” por um desvio, um olhar loxográfico [uma loxografia inda é possível quando todo os desvios inda não foram reencaminhados ao mesmo, quando o
mesmo inda não gestou todos os desvios: loxografia como um “... pequeno gesto que consiste em deslocar o olhar, ele torna visível o que é visível, faz aparecer o
que é próximo, tão imediato, tão intimamente ligado a nós que, por esta razão, nós não o vemos.”]. as condições pra isso inda existem, atuando, gerando forças,
formas, anomalias [nascendo da máquina tribal, sendo reaproveitada por ela, mas se movendo transversalmente]: a transparência inda não tomou conta de tudo.
se houve um “momento sólido” da máquina tribal, se tamos num “momento gasoso” dito desde o “manifesto comunista” [“Dissolvem-se todas as relações sociais
antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias secularmente veneradas, as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes mesmo de
ossificar-se. Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas
condições de existência e suas relações recíprocas. Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo. Necessita estabelecerse em toda parte, explorar em toda parte, criar vínculos em toda parte.”], já tamos há bastante tempo entrando numa zona totalitária transparente, duma coligação
vítrea e, ao mesmo tempo, constitutivamente gasosa (porisso, talvez, a evidência da “máquina tribal”).
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e voltamos aos fragmentos como estilo, forma, reflexão: a máquina tribal não pode ser tocada, vislumbrada, pressentida, por estruturas, modelos, sistemas, teses,
escrituras duras, mas por iluminações, desvios, perturbações, contradições, torções, intuições, pulverizações, estilhaços: a compreensão da máquina tribal continua,
cada vez mais, a pertencer aos poetas, místicos, loucos, videntes: só eles percebem, sentem o monstro imóvel, o monstro gasoso, o monstro viscoso e podem
vislumbrar com horror o monstro vítreo, principalmente porq tudo q se diz torna-se caduco, incerto, inocente, inócuo, inoperante à medida em q é pronunciado.
temos aqui os fragmentos rizomáticos resultantes da leitura intensa e extensa de nietzsche, espinosa, foucault e deleuze: esses fragmentos foram gerados dos
choques entre a hermenêutica do presente (hobbes, rousseau, kant, hegel, stirner, marx, freud, heidegger, lukacs, jung, popper, sartre, merleau-ponty,
wittgenstein, eliade, bachelard, barthes, durand, baudrillard, bauman), uma literatura enquanto “enfrentamento do horror” (“ulisses”, “crime e castigo”, “viagem ao
fim da noite”, “morte a crédito”, “a metamorfose”, “o processo”, “o castelo”, “extinção”, “o náufrago”, “esperando godot”, “molloy”, “o rinoceronte”, “as brasas”, “o
coração das trevas”, “juventude”, “lord jim”, “woyzek”, “a morte de danton”, “moby dick”, “auto-de-fé”, “a morte de virgílio”, “o deserto dos tártaros”: com meus
próprios livros de literatura), uma atividade acadêmica e a vida vivida num estado autoritário travestido de democrático, com um “povo” servil advindo duma massa
de escravos, agregados, afilhados, letrados, funcionários públicos e sobreviventes sabidos de todos os tipos: tudo isso com uma vivência geral q funde e difunde
esses fragmentos numa vida específica. os fragmentos trazem nitidamente as cicatrizes desses choques, desses encontros, bons e maus, e essas cicatrizes se
chama, agora, “máquina tribal”.
ii
“(...) este livro é uma brincadeira, ele é uma brincadeira contra mim mesmo. Eu sou o homem que com a máxima ousadia descobriu o que já
fora descoberto. (...) ele relata minhas obtusas aventuras em busca do óbvio. Ninguém pode considerar o meu caso mais ridículo do que eu
mesmo o considero; nenhum leitor pode aqui acusar-me de tentar fazê-lo de bobo: o bobo desta história sou eu, e nenhum rebelde pode
roubar-me o trono.”
Ortodoxia, Chesterton
inda sou parte dos fragmentos daquelas defuntas “gerações iluministas” q se alimentava da “singularidade” enquanto anomalia autônoma, pensando-se livre pra
criar, pensar, “modificar o mundo”, restos duma volição doente confiante demais ante a ânsia do monstro, donde as forças principais partiam de certa razão,
mesmo destroçada, mas mesmo assim inda elemento de suporte: forças imensas postas e dispostas pela máquina tribal pra realizar suas últimas configurações
(burguesas, capitalistas). gerações q sobre-viveram a colonialismos, genocídios, guerras mundiais, campos de concentração de todas as democracias, liberalismos,
fascismos, socialismos; a bombas nucleares, fomes, revoluções, explorações constitutivas em nome da liberdade e da igualdade q não passavam de movimentos
totalitários da própria máquina tribal, regimes autoritários, ditaduras e redemocratizações mentirosas, subserviência, dormência e servidão voluntária das “massas”,
do “povo”, “dos oprimidos”. “tempo histórico sócio-econômico” onde sumiram objetivamente todas as “condições reais”, políticas, duma mudança advinda não
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apenas da sua necessidade, mas do poder autônomo do indivíduo, dos grupos: onde a idéia de revolução tomou seu verdadeiro sentido, q é o de mudança de
mercadorias em sentido amplo e hegemônico. onde e quando os partidos políticos, as leis, os “movimentos populares” perderam sua aura de “vanguarda” ou poder
explícito capazes de realizar sonhos, utopias, programas libertários ou igualitários [já não eram nem são necessárias essas crenças: o principal se realizou há muito
tempo: a máquina tribal funciona independente dos delírios e com os delírios]. tempo onde a razão, a intuição, a criação, a educação, as idéias, a inspiração, o
engenho, a revolta, a resistência tomaram seu legítimo lugar como estimulantes nas produções: foram pra isso q foram gestados.
porisso uma parte velha, caduca, anacrônica, esquizóide de mim mesmo, concorda muito pouco com o q escrevi sobre máquina tribal, ou concorda tanto q não quer
concordar, intuir, sentir, perceber, aceitar. tento, por vários modos, ex-por algo q experimento, q vivencio, q faz parte do “meu mundo”, mas ao mesmo tempo,
essa parte velha (forças empanzinadas q recusam vomitar), entende como “totalitarismo”, “autoritarismo”, “imperialismo”, “fascismo”, “horror”, além da medida,
jaula monstruosa, ventre pegajoso e descomunal, e deseja q seja apenas “exercício intelectual”, erro de concepção, “desvio pessimista”, não alegoria do monstro
onde eu mesmo taria como parte constitutiva, juntamente com o todos-nós no entrenós, sempre, num desmedido estômago intestino, com a boca e o ânus
invertidos, construído por nós mesmos, principalmente porq isso entristece essa parte anacrônica, nos põe no campo espinosiano da tristeza, das forças reativas de
nietzsche ou no q sempre chamamos “campo dos reacionários”, lugar desconfortável das ilusões autonomistas.
?“hipótese de trabalho”: ?exercício acadêmico: ?construção duma outra perspectiva, dum lugar de pensamento e ação: ?intuição: ?medo: ?momento de marasmo e
desconfiança: ?ou alegoria grotesca de nós mesmos. ?alegoria sempre exposta por todas as metafísicas e físicas, por todos os conhecimentos e percepções. até as
perguntas se in-dispõem em dúvida. discutir certas coisas parece nos carregar com elas, como nadar em águas q recuam violentamente. talvez ao “tudo dizer”
devêssemos seguir o “nem tudo saber”, ou q algo deva mesmo ficar sem enfrentamentos: se olhamos o abismo perto demais ele também nos olhará fixamente e
teremos q nos haver com dois abismos, dois cones invertidos esmagando um ponto, o quase isso q somos nós.
o ensaio “máquina tribal” são minhas redes de exercício onde desenvolvo conceitos, saberes, leituras, faço se chocarem noções, levo as últimas conseqüências
idéias, sonhos, desejos, medos, ansiedades, conhecimentos: é como fui aprendendo a pensar, a ler, a escrever sobre a existência, os saberes, a política, o corpo, os
desejos, os sentimentos, as paixões, as utopias: a “máquina tribal” é ensaio e motivo, chave, alegoria em exercício, unindo e separando minha própria atividade e
pensamento, minha política e minha ética, meu pathos e minha hybris, meu pensamento e meu corpo, sendo descoberto por uma literatura pruma literatura.
“uma parte de mim” não quer q sejam reais ou verdadeiras nem as idéias, nem as imagens, nem os conceitos, mas a “realidade” da máquina tribal é, agora, forte
demais, palpável demais pra não se tentar formular, em suas variantes e possibilidades, o horror. ?mas como saber. duma maneira ou doutra, crendo ou não [o q
jamais importa pro q é escrito], escrevo, penso, articulo imediatamente, diretamente, quase cruamente, espinosa, nietzsche, foucault, deleuze e mais um monte de
plagiados sem nome enquanto outros entram como vidraças, como fantasmas, como pedras. literatura e filosofia, política e vida, meu corpo, meu tempo, meu
pensamento. !coisas da máquina tribal.
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preposição
ponto de partida: máquina tribal: idéia simples: não o saber, o poder, a subjetividade, a sociedade, a história, a natureza: não podemos começar de nenhuma
“espécie de novelo”, de “conjunto multilinear”, nenhum “sistema homogêneo” nem “sistema heterogêneo”: nem objeto, nem sujeito, nem linguagem: linhas q se
aproximam e se afastam, em equilíbrio e desequilíbrio não fazem parte do ponto de partida: no ponto de partida não há forquilhas, enforquilhamentos, forcas, o q
seria se entregar a um ponto de partida enquanto totalidade, enquanto poder, o q fende sendo não fendido, caindo no totalitarismo da totalidade, crendo num
todo: todos os elementos, todas as dimensões, todas as fontes, idéias, torções estão no ponto de partida e só dele e com ele podem conquistar sentido: o simples é
a totalidade camuflada, o nódulo imaginário de todas as forças, a torcida de todas as crenças: as crises, as “cadeias variáveis”, os “fatos históricos”, as idéias, as
experiências, as crenças só podem ser pensadas depois do ponto de partida “máquina tribal”, ou se deve acreditar q o conceito “existe”, lateja no imediato: o
inverso é deformação dos saberes diante e dentro dos poderes crus e funcionais da máquina tribal: começar da máquina tribal é poder ver a máquina tribal sem se
abismar nos delírios da própria máquina tribal: as “linhas móveis”, as “linhas de fratura”, as fissuras da linha só permitem entrever e se vemos nos perdemos nos
saberes da fratura, nas fraturas dos saberes, fraturas dos poderes, nas funções das fragmentações longe de onde elas podem atingir: o loxográfico é apenas
momento de “intuição”, entrevista, mas o ponto de partida não pode continuar sendo loxográfico, fragmentário, fendido, bifurcado: entrevisto, posto como simples,
se basta, basta pra iniciar a seqüência: ao contrário, se continua sendo presa da fragmentação de poderes em saberes, em vez da potência de poder, instaurar uma
idéia simples: o ponto de partida não é cartográfico, geográfico, não é espacial ou temporal, não é histórico: o histórico não pode dar conta do ponto de partida
porq o histórico é dimensão necessária, funcional da máquina tribal, isto é, maneira de compreender a partir de determinado momento, invenção da máquina tribal:
o espacial não pode dar conta da máquina tribal porq todos os lugares, todos os espaços decorrem da máquina tribal: produções de produções fora dos terrenos
subjetivos q se dizem objetivos, concretos, científicos: reificações conceituais, fetichismos das idéias, ideologias, imaginações delirantes q tomam o lugar do corpo
no imediato numa atuação reflexiva q parte da máquina tribal, não das suas projeções, justificações, funcionalidades, loquazes pontos cegos, todas aparecendo
como ciência, filosofia, saberes bem encalacrados em seus poderes: porisso também não é econômico, político ou antropológico: os saberes e suas proliferações
advém das produções imaginárias da máquina tribal, advém dos seus pontos de partida estrategicamente distantes demais da máquina tribal: a lógica de saber q
instauram parte de seu isolamento, não da sua funcionalidade, isto é, da sua inserção na máquina tribal: não podem enfrentar sua cruel existência: a política, a
politização, são legítimas atuações da máquina tribal: fazem parte do seu funcionamento, jamais da reflexão da sua presença: a politicidade é a cidadania dos
conceitos, sua normalidade, não sua compreensão: no ponto de partida não há “curvas de visibilidade”, q são dadas por saberes, nem “curvas de enunciação”, q se
dão dentro pensando q se dão fora da enunciação dos saberes por não saberem a máquina tribal: são ingênuos por se pensarem poderosos, quando esse poder
advém não duma “potência”, mas dos poderes de saberes bem estabelecidos, de posições de saber bem protegidas: o ponto de partida não advém nem das
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“máquinas de fazer ver” nem das “máquinas de fazer falar”: ver e falar advém da máquina tribal: não podem nem ver nem falar a máquina tribal sem a máquina
tribal: a máquina tribal não pode ser iluminada: daí sua “forma de existência” anti-iluminista, medieval, cristã, corporal: nada pode iluminar a máquina tribal: os
iluminismos são platônicos: a máquina tribal não é caverna, não é o povo q precisa ser iluminado, não são “instituições públicas” q precisam ser sanadas, não é
universo q precisa ser transformado em matéria prima: a máquina tribal não são escravos q alimentam a fogueira e alimentam os senhores amarrados na caverna
platônica, muito menos os senhores amarrados a espera do iluminista, dum eletricista, dum revolucionário, dum pastor, dum burocrata, dum consumista ávido de
luzes: muito menos a luz da razão: luz q vê e faz ver o q se projeta como luz e sombra: luz das igrejas, luz das prisões, dos asilos, das salas de aula, luz dos
campos de concentração e seus “regimes de luz”, com suas chegadas e partidas, seus aparecimentos e desaparecimentos, suas arquiteturas, seus planos, suas
idéias, suas políticas, suas estéticas, suas éticas e morais, seus desesperos, angústias, solidões: a luz da razão é a mesma q pende dos lugares da tortura: a
máquina tribal não se denuncia pelas luzes q ela mesma cria e descria nas suas produções: porisso mesmo os “regimes de enunciação” não enunciam a máquina
tribal, mas é a máquina tribal q enuncia ou cala, define, gera, faz funcionar ou destrói os “regimes”: instaura sujeito e objeto, relações, derivações, comanda o
visível e o invisível, os dentros e os foras, os tempos, os vazios pra gestarem as mutações, as crises pra forçarem limpezas étnicas, econômicas, sociais, políticas, as
formas da paz e as guerras: a máquina tribal não é “causa primeira” apenas no sentido de não ser um ser, uma causa, uma substância, uma central, uma entidade,
mas devires em jogos formatados formatadores, o entrenós em rituais, em programas q funcionam como totalidade em redes, em ondas, dando unidades
provisórias e imediata às máquinas contratuais q em suas práticas criam a sensação de totalidade, de deus, de matéria, de natureza, de sociedade, de humanidade,
de ocidentalidade, de máquina tribal, o “espírito da colméia”, o “espírito do povo”, a “nação”: e cada manifestação tem um corpo, uma vida, uma interioridade, um
sistema de crenças, uma série ativa q atravessa de cima abaixo a máquina tribal: o vespeiro sente, o formigueiro é alérgico, a manada percebe, a colméia
pressente, o cardume age e sobrevive: a máquina tribal são redes finas de forças de todos os tipos, potências em ação, virtualidades em gomos rituais, torções
rítmicas q dirigem tudo pra reprodução do mesmo com as devidas diferenças, funcionais sempre, sempre interessadas em serem mais, melhores, se perpetuar, se
reproduzir, se expandir com mais e mais potência: tudo se toca, tudo cria tudo, tudo é violentamente afetuoso: forças gerando forças, retificando forças, impondo
forças, aumentando, diminuindo, destroçando forças, sem cessar se interpenetrando, inscrevendo em carne, em atividade, em relações, em vida: no imediato do
presente as forças rolando em programas de potência criam o real, tocam uma nas outras, chamam, clamam em rimas todos os pontos imaginários do passado e
do futuro pra sua realização, efetivação ativa, guerrilha virtual gestando o concreto sem antes e sem depois: toda essa guerra de produções da efetividade é a
máquina tribal: máquina imaginária, dispersa, real, invisível, evidente, indivisível, múltipla, objetiva, potente, una, inescapável, identitária, efetiva e monstruosa
máquina de sobrevivência, de ampliação de poderes, das produções da vida q é ela mesma também: acreditamos sempre já haver chegado ao porto, deitados
numa cama quente num hotel de terceira, mas estamos sempre amarrados sobre “moby dick” segundos antes de mais um profundo mergulho no abismo: nenhuma
ciência ou filosofia, muito menos religião, pode nos dar esse porto, esse hotel, esse quarto, um sono tranqüilo: a máquina tribal moby dick permite apenas
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momentos de respiração filosófica, e depois novamente o precipício, o q se precipita: o horror q é a máquina tribal, tão vista, tão pressentida, mas nunca levada em
consideração: não há o fora, o dentro, o antes nem o depois da máquina tribal: é com ela q temos q nos haver pra compreender a existência, a nossa existência:
não podemos transpor a máquina tribal e suas redes vivas de forças, de programas, de rituais: é a partir dela, não dos seus delírios de proteção, reprodução,
reforço e produção, isso antes q ela rapte isso pra ela mesma (e quem faz tudo não é “ela”, mas alguém, uma máquina contratual q sente, percebe, individualiza, é
forçado a fazer por “si mesmo” a inclusão).
máquina tribal espinosa
i
um sistema como o de espinosa na “Ética” [q articula e desenvolve “todos os elementos da existência e da essência”, um “ethos”, um “pathos”, um “logos” (?fora
da retórica), da extensão e do pensamento, deus, sociedade, corpo, conhecimento, sentimentos, crenças, políticas] não pode nem ser aleatório nem apenas mais
uma subjetividade delirante criando uma densa “visão de mundo” [há muitas do tipo, mas nenhuma tão compacta, minuciosa, extensa e profunda]. porisso se torna
apta a ser raptada, infestada desde dentro [esse rapto é apenas parcial, mas deve ser total pra se ter uma idéia de quanto a “Ética” (1983) é o campo ideal pruma
compreensão, com “espírito de finura”, do “espírito geométrico” da máquina tribal, das suas pretensões, da sua “psicologia sociodemonazifascistacristã”, dos seus
imaginários adoecidos, da sua “vocação imperialista”, totalitária, genocida, esquizóide], pra se tornar e expor uma alegoria radical como a da máquina tribal: a
“Ética” se torna um corpo onde substituímos deus, substância, natureza, conforme a conveniência, por “máquina tribal” pra ver o q surge, quais efeitos, quais
iluminações, quais transversais, quais delicadezas, quais deslizamentos, quais sutilezas, quais compreensões, quais articulações reveladoras “antes do começo”.
na “Ética” espinosa costurou [num momento e num lugar cruciais, num cruzamento filosófico e científico, político e social cruciantes] todos os existentes, todas as
existências, essências, sentimentos, paixões, idéias, conceitos, políticas, corpos, almas, tempos, liberdades, movimentos, formas, visões num mesmo tecido
chamado deus, onde todo o resto seriam atributos e suas “afecções”: tal intuição, tal magnitude de propósito deve se fundar, como todas as outras sensações e
intuições de totalidade, em “algo”, no caso, àquilo q chamo máquina tribal.
ii
*. a máquina tribal “existe por si” e “por si é concebida”: é conceito q “não carece do conceito de outra coisa”.
*. “Por atributo [pensamento/extensão] entendo o que o intelecto percebe da” máquina tribal “como constituindo a essência dela”.
*. “Por modo entendo as afecções da” máquina tribal.
*. por máquina tribal entendo o “ente” q existe como “absolutamente infinito”, isto é, uma “substância que consta de infinitos atributos”.
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*. a máquina tribal é “livre”, isto é, “existe exclusivamente pela necessidade da sua natureza e por si só é determinada a agir”: “existe livremente embora exista
necessariamente, porque existe pela única necessidade da sua natureza”: a liberdade consiste na “livre necessidade”, não na “decisão livre”: a liberdade não é
“propriedade do sujeito”, mas “estado” da máquina tribal, logo, de cada ente por ela formatado.
*. pro conhecimento da máquina tribal é preciso conhecer as causas e entender q o conhecimento dos efeitos depende desse conhecimento: como todo
conhecimento advém da máquina tribal, tanto a ciência quanto a filosofia, como qualquer outra maneira de conhecer, são maneiras de conhecer determinadas pela
máquina tribal: não é por ser científico ou filosófico, religioso ou senso comum q uma idéia é verdadeira ou falsa, q uma coisa seja real ou irreal: todas são partes
da máquina tribal e aquilo q dá estatuto de verdade ou realidade é a operacionalidade na máquina tribal.
*. a máquina tribal tem “precedência produtora em relação à coisa produzida”: a máquina tribal é “por natureza anterior às suas afecções”, as suas modificações,
as suas forças formatadoras, produtivas, reprodutivas, protetoras, circuladoras: não “anterioridade no tempo ou prioridade lógica, mas como precedência da
atividade produtora em relação à coisa produzida”.
*. pra máquina tribal não há outra máquina tribal: ela é a “única substância”: e tudo aquilo q possa se parecer com outra máquina tribal deve ser incorporado ou
destruído, demonstrando objetiva e teoricamente q só deve haver uma e como uma “substância não pode ser produzida por outra substância”, a máquina tribal só
surge quando já é e passa a produzir não apenas suas “origens”, mas a existência e os existentes: quando ela afirma sua identidade, suas forças, seus elementos
como constitutivos de si mesma.
*. a máquina tribal é infinita: não apenas seus imaginários são sempre infinitos, como exigem sempre a infinitude, são sempre totais e totalitários, mas sua ação
vital expansiva, virótica, é objetivamente a duma máquina sem fim, circular, única, devoradora de todas as diferenças como erros, deformações, barbarismos,
simplismos: é “pela própria natureza” da máquina tribal q ela é assim, se transforma assim: não pode ser verdade pra máquina tribal, não pode ser possível, logo
não é, q a máquina tribal queira ou possa se autolimitar ou aceitar outras máquinas tribais, ou diferenças equivalentes a si mesma: suas limitações se devem a sua
própria natureza e não são limites, mas o inda não envolvido.
*. a máquina tribal não pode ser considerada como um indivíduo com seus afetos: tudo q diz respeito aos “homens” advém da máquina tribal, logo, não desvenda a
máquina tribal, mas o contrário é verdadeiro: as causas pela qual alguém existe tão contidas na máquina tribal, não nele, q expressa apenas as forças formativas
im-postas na sua existência.
*. nada é mais evidente do q a máquina tribal.
*. “Atributo é o que o entendimento percebe” da máquina tribal. todos os atributos q a máquina tribal “possui sempre nela existiram simultaneamente, nenhum
podia ser produzido por outro e cada um deles exprime a realidade, ou, por outras palavras, o ser” da máquina tribal.
*. é forçoso “definir o ente” máquina tribal “como o ente que consta de infinitos atributos”.
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*. “Se alguém agora perguntar por que sinal é possível discriminar a diversidade das” máquinas tribais, deve compreender q “existe uma única” máquina tribal e
que, “portanto, debalde se procurará tal sinal”.
*. a máquina tribal “... que consta de infinitos atributos, existe necessariamente. ... Existe necessariamente aquilo de que não é dada qualquer razão ou causa que
lhe impeça a existência. Se não pode ser dada qualquer razão ou causa que impeça que” a máquina tribal “exista ou que lhe iniba a existência, é absolutamente
forçoso concluir que existe necessariamente. ... A razão ou causa que iniba a existência” da máquina tribal “não pode existir fora da mesma” máquina tribal, “é
forçoso concluir que essa causa se dá na própria” máquina tribal. nem na máquina tribal, nem fora da máquina tribal, “não é dada a causa ou razão alguma que lhe
iniba a existência, pelo que” a máquina tribal “existe necessariamente”.
*. “Não ter poder para existir é impotência ... ser capaz de existir é potência”. existimos enquanto entes finitos “noutra coisa que existe necessariamente”, um “ente
absolutamente infinito, isto é”, a máquina tribal. “Se o poder existir é potência, segue-se que quanto mais realidade é própria da natureza de alguma coisa tanto
mais potencialidade ela tem em si mesma para existir; por isso, o ente absolutamente infinito, isto é”, a máquina tribal, “tem em si mesma o poder absolutamente
infinito de existir, pelo que ela existe absolutamente”.
*. a máquina tribal “não pode ser produzida por nenhuma causa externa. ... As coisas que são feitas por causas externas ... devem tudo o que tenham de realidade
ou de perfeição à eficácia (virtus) da causa externa, e conseqüentemente a existência delas tem origem exclusivamente na perfeição da causa externa e não na que
lhes é própria”. a existência da máquina tribal resulta “exclusivamente da natureza que lhe é própria, a qual não é mais do que a própria essência dela. ... Não pode
haver para nós existência alguma de que sejamos mais certos do que a” da máquina tribal.
*. “Não pode conceber-se, verdadeiramente, qualquer atributo” da máquina tribal “do qual resulte que a” máquina tribal “pode ser dividida”.
*. “coisa pensante” (pensamento) e “coisa extensa” (extensão) são atributos da máquina tribal, ou afecções dos atributos da máquina tribal.
*. “Afora” a máquina tribal, “não pode ser dada nem ser concebida nenhuma” outra máquina tribal. a máquina tribal é única. “Tudo o que existe, existe” na
máquina tribal, e “sem” a máquina tribal “nada pode existir nem ser concebido”. a máquina tribal é “causa eficiente de todas as coisas”, porisso, a máquina tribal “é
causa de si, e não por acidente”.
*. a máquina tribal “age somente segundo as leis da sua natureza, sem ser constrangido por ninguém”. “... fora dela não pode existir coisa alguma”. só a máquina
tribal “é causa livre”. “Há quem julgue que” a máquina tribal “é causa livre porque ... pode fazer que as coisas que ... resultam da sua natureza ... se não façam ...
não sejam produzidas por ele”. isso “É um absurdo”.
*. a máquina tribal “é causa da essência e da existência do nosso intelecto”.
*. a máquina tribal “é causa imanente de todas as coisas, e não causa transitiva”. “Tudo o que existe” na máquina tribal “deve ser concebido” pela máquina tribal.
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*. “A existência” da máquina tribal “e a sua essência são uma e a mesma coisa. ... cada uma dos seus atributos exprime a existência. ... aquilo que constitui a
essência” da máquina tribal “constitui ao mesmo tempo a sua existência”.
*. “De uma dada causa determinada segue-se necessariamente um efeito; se não existe qualquer causa determinada, é impossível seguir-se um efeito. ... O
conhecimento do efeito depende do conhecimento da causa e envolve-o”.
*. a máquina tribal “não só é causa por que as coisas começam a existir, senão também de que perseverem na existência”.
*. “... quer as coisas existam, quer não existam, todas as vezes que lhe considerarmos a respectiva essência reconheceremos que esta não envolve a existência
nem a duração; ... a essência delas não pode ser causa nem da sua existência nem da sua duração, mas somente” a máquina tribal, “à natureza do qual pertence o
existir”.
*. a máquina tribal “não é somente causa eficiente da existência das coisas, mas também da essência delas. ... As coisas particulares não são mais que afecções
dos atributos” da máquina tribal, “modos pelos quais os atributos” da máquina tribal “se exprimem de maneira certa e determinada. ... Uma coisa que é
determinada a qualquer ação foi necessariamente determinada a isso” pela máquina tribal.
*. “Qualquer coisa singular, ... não pode existir nem ser determinada à ação se não é determinada a existir e a agir por outra causa, a qual é também finita e tem
existência determinada. ... Tudo o que é determinado a existir e a operar é como tal determinado” pela máquina tribal, “... pois nada existe além da” máquina tribal
“e dos modos, e os modos não são senão afecções dos atributos” da máquina tribal.
*. a máquina tribal “é causa próxima, absolutamente, das coisas produzidas imediatamente por” ela. “... tudo o que existe existe” na máquina tribal “e depende” da
máquina tribal.
*. na máquina tribal “nada existe de contingente; antes, tudo é determinado pela necessidade da natureza” da máquina tribal “a existir e a agir de modo certo. ...
Tudo o que existe existe” na máquina tribal. “... não se pode dizer que” a máquina tribal “é coisa contingente, visto existir necessariamente e não de maneira
contingente. Além disso, os modos da natureza” da máquina tribal “são também conseqüência necessária e não contingente, da própria natureza” da máquina
tribal. a máquina tribal também é causa dos modos “enquanto eles são considerados como determinados a produzir seja o que for”.
*. “ ... não existem quaisquer outras afecções além das que existem” na máquina tribal.
*. “A vontade, assim como o intelecto, é somente um certo modo de pensar; ... cada volição não pode existir nem ser determinada a agir se não for determinada
por outra causa, esta por uma outra, e assim sucessivamente, ao infinito. Se se supuser que a vontade é infinita, ela deve também ser determinada” pela máquina
tribal “a existir e a agir”, não podemos chamá-la “causa livre, mas somente causa necessária ou forçosa”. ... a máquina tribal “não efetua coisa alguma por
liberdade da vontade”. Não “se pode dizer que” a máquina tribal “age pela liberdade da sua vontade”.
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*. “As coisas não podiam ter sido produzidas” pela máquina tribal “de maneira diversa e noutra ordem do que a que têm. ... todas as coisas são resultante
necessária da dada natureza” da máquina tribal “e são determinadas pela necessidade da natureza” da máquina tribal “a existir e a agir de certo modo. ... se as
coisas tivessem podido ser de outra natureza ou determinadas a agir de modo diverso, ...” a máquina tribal “... também poderia ser ... de natureza diferente do que
é presentemente, o que é absurdo”.
*. a máquina tribal “nunca teve nem jamais pode ter decisões diferentes, ... a máquina tribal “não existe anteriormente às suas decisões nem sem elas pode existir.
... as coisas não podiam ter sido produzidas” pela máquina tribal “de outro modo nem noutra ordem”.
*. “A potência” da máquina tribal “é a sua própria essência. ... Tudo o que existe exprime de modo certo e determinado a natureza ou essência” da máquina tribal.
*. “... as noções com que o vulgo costuma explicar” a máquina tribal “são somente modos de imaginar, as quais nada dão a saber acerca da natureza do que quer
que seja, apenas sobre a constituição da imaginação. ... as leis da natureza” da máquina tribal “foram assaz amplas para bastarem à produção de tudo o que pode
ser concebido”.
iii
*. “Por corpo entendo um modo que exprime, de uma maneira certa e determinada, a essência” da máquina tribal.
*. “Por realidade e por perfeição entendo a mesma coisa”.
*. “... um determinado corpo é afetado de muitas maneiras”.
*. “O pensamento é um atributo” da máquina tribal; “por outras palavras,” a máquina tribal “é uma coisa pensante. ... Os pensamentos singulares, isto é, este ou
aquele pensamento, são modos que exprimem a natureza” da máquina tribal “de uma maneira certa e determinada”.
*. a máquina tribal “é uma coisa pensante ... um ser infinito pensante”. Também “... a extensão é um atributo” da máquina tribal; “por outras palavras,” a máquina
tribal “é uma coisa extensa”.
*. a máquina tribal “pode pensar coisas infinitas em infinitos modos”.
*. “... o que está na potência” da máquina tribal “existe necessariamente”.
*. a máquina tribal “age em virtude da mesma necessidade pela qual se compreende a si mesma, que do mesmo modo que se segue da necessidade da natureza”
da máquina tribal que a máquina tribal “se compreende a si mesma, ... segue-se igualmente, com a mesma necessidade, que” a máquina tribal “produza coisas
infinitas, numa infinidade de modos ... a potência” da máquina tribal “não é senão a essência ativa” da máquina tribal.
*. “A ordem e a conexão das idéias é a mesma que a ordem e a conexão das coisas”. a máquina tribal “pensante e a” máquina tribal “extensa são uma e a mesma”
máquina tribal, “compreendida ora sob um atributo, ora sob outro. ... quer concebamos a” máquina tribal “sob o atributo da extensão, quer sob o atributo do
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pensamento, quer sob outro atributo qualquer, encontraremos sempre uma só e a mesma ordem, ... uma só e a mesma conexão de causas, ... encontraremos
sempre as mesmas coisas seguindo-se umas das outras”.
*. “... as coisas singulares não existem, a não ser enquanto compreendidas nos atributos” da máquina tribal.
*. “À essência do homem não pertence o ser da” máquina tribal; a máquina tribal “não constitui a forma do homem. ... Efetivamente, o ser da” máquina tribal
“envolve a existência necessária; portanto, se o ser” da máquina tribal “pertencesse à essência do homem, dada a” máquina tribal, “também o homem seria
necessariamente dado e, conseqüentemente, o homem existiria necessariamente, o que é absurdo. ... não há duas” máquinas tribais “da mesma natureza. Ora,
uma vez que podem existir vários homens, o que constitui a forma do homem não é, portanto, o ser da” máquina tribal. “... a essência do homem é constituída por
certos modos dos atributos” da máquina tribal [os “homens” são afecções: marcas, sintomas, lesões, alterações, impressões, sinais, senhas, indícios, forças, rituais,
ações, manifestações, modificações, increspações, in-fecções, ondas, denúncias, revelações da máquina tribal]. “Ela é, portanto, qualquer coisa que existe” na
máquina tribal “e que, sem” a máquina tribal, “não pode nem existir nem ser concebida, ou seja, uma afecção ou um modo que exprime a natureza” da máquina
tribal “de uma maneira certa e determinada”.
*. “... tudo o que acontece no objeto de uma idéia qualquer existe necessariamente conhecimento na” máquina tribal, “enquanto ela é considerada como afetada
pela idéia desse objeto, enquanto ela constitui a alma de qualquer coisa. Portanto, de tudo o que acontece no objeto da idéia que constitui a alma humana existe
necessariamente conhecimento” na máquina tribal, “enquanto ela constitui a natureza da alma humana”.
*. “O objeto da idéia que constitui a alma humana é o corpo, ou seja, um modo determinado da extensão, existente em ato, e não outra coisa. Se o corpo não
fosse o objeto da alma humana, as idéias das afecções do corpo não existiriam” na máquina tribal “enquanto ela constitui a nossa alma, mas enquanto ela
constituísse a alma de uma outra coisa. ... temos as idéias das afecções do corpo”.
*. “... um indivíduo composto pode ser afetado de muitas maneiras. ... cada uma das suas partes é composta de vários corpos”.
*. a máquina tribal “inteira é um só indivíduo cujas partes, isto é, todos os corpos, variam de infinitas maneiras”.
*. “... o corpo humano é composto de um grande número de indivíduos (de natureza diversa), cada um dos quais é também muito composto. ... os indivíduos que
compõem o corpo humano e, conseqüentemente, o próprio corpo humano, são afetados de numerosas maneiras pelos exteriores. ... há necessariamente” na
máquina tribal “a idéia de cada um dos indivíduos que compõem o corpo”.
*. “... a alma humana percebe a natureza de um grande número de corpos ao mesmo tempo que a do seu próprio corpo”. segue-se q “as idéias que nós temos dos
corpos exteriores indica mais a constituição do nosso corpo do que a natureza dos corpos exteriores”.
*. “Se o corpo humano foi, uma vez, afetado por corpos exteriores, a alma humana poderá considerar esses corpos como presentes, embora eles já não existam
nem estejam presentes”.
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*. “... a verdade é norma de si mesma. ... nossa alma, enquanto percebe as coisas verdadeiramente, é uma parte da inteligência infinita” da máquina tribal; “por
conseqüência, é tão necessário que as idéias claras e distintas da alma sejam verdadeiras, como as idéias” da máquina tribal.
*. “É da natureza da Razão considerar as coisas não como contingentes, mas como necessárias. ... depende apenas da imaginação que representemos as coisas
como contingentes, quer em relação ao passado, quer em relação ao futuro. ... essa necessidade das coisas é a necessidade mesma da natureza eterna” da
máquina tribal.
*. “... as coisas singulares não podem ser concebidas sem” a máquina tribal. “... embora cada uma seja determinada por outra coisa singular a existir de uma certa
maneira, no entanto, a força pela qual cada uma persevera na existência resulta da necessidade eterna da natureza” da máquina tribal.
*. “... quer se considere uma coisa como parte ou como um todo, a sua idéia, seja ela a do todo ou da parte, envolverá a essência eterna e infinita” da máquina
tribal. “Portanto, o que dá conhecimento da essência eterna e infinita” da máquina tribal “é comum a todos e existe igualmente em cada parte e no todo, e, por
conseqüência, esse conhecimento será adequado”.
*. “Na alma não existe vontade absoluta ou livre; mas a alma é determinada a querer isto ou aquilo por uma causa que também é determinada por outra ... assim
até o infinito”.
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Docente/Discente: O caminho do ensino/aprendizagem
Sheila Castro dos Santos
RESUMO
Este artigo foi elaborado a partir de minha experiência no estágio da licenciatura em História e tem por objetivo tratar da aplicabilidade didática e da alteridade que
estão no cotidiano da vida do educador, e a reflexão de qual a melhor maneira de dialogar com os alunos para a exposição do assunto, de maneira que o discente
possa compreender durante a fala o que o professor deseja transmitir-lhe através de sua explicação. A linguagem deve tocar o outro a ponto dele participar do
diálogo para que a aula não se torne monólogo e torturante para o educando e frustre o educador.
PALAVRAS-CHAVE: Alteridade, Caminho, Docência, Aprendizagem.
A aplicabilidade dos diversos assuntos que são ministrados pelo professor em diversas turmas não ocorre da mesma maneira. Ao mudar de sala o
educador não muda de assunto, as vezes tem que enfrentar diversas salas da mesma série, é óbvio que o assunto torna-se estafante e algumas vezes angustiante
para um profissional que não possui em sua categoria programas de reciclagem com dinâmica na aprendizagem com novos métodos de ensino, política salarial
digna de quem tem por profissão a docência. Mesmo com todas adversidades o docente deve mudar sempre sua técnica de ensino, esta mudança deve advir de sua
consciência de educador. Algumas vezes o cansaço torna desestimulante e maçante para o docente que já fadigado acaba sucumbindo pela mesmice e a aula
torna-se desinteressante para ele próprio quanto mais para os alunos que necessitam de estímulos para a aprendizagem. A necessidade do conhecimento dos
arquétipos do Caminho, da Alteridade, da Grande Mãe e do Pai, são necessários para o docente lidar com as diversas situações que encontram em sala de aula.
É necessário da parte do professor ter a consciência que o saber não tem como ser linear a quem é aplicado, o ensinar possui curvas acintosas que não
são fixas, pelo contrário estas se movem na fala do professor no diálogo, no modo como ele expõem o assunto. Nas escolas, sejam elas de ensino fundamental ou
médio a multiformidade e a aplicabilidade do ensino devem ser diversificada, mas isso não que dizer que esta prática seja realizada nas escolas públicas.
A escola por ser um espaço indicado para o aprendizado e a inclusão do indivíduo à sociedade, deve possuir espaço físico adequado para que possa
propiciar ao professor e aluno um ambiente de educação e desporto. Concordo com Nunes17 (2006) quando se refere à escola se constituindo em lócus privilegiado
de acesso, aos bens culturais produzidos e valorizados pela humanidade, mesmo que outros espaços sociais e comunitários contribuam para a formação dos
sujeitos, mas é dentro do lócus escolar (lugar onde possa proporcionar ao docente e ao discente veículo para as relações educacionais de ensino e aprendizagem)
que o indivíduo adquire conhecimentos de como ser cidadão.
17
NUNES, Lina Cardoso. Escola Pública: Espaço de Autonomia e Democracia? Rio de Janeiro: http://www.abcdigital.org.br/educacao/publicacoes_educador.asp,2006
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Os processos de urbanização parecem ter confinado a escola, cada vez mais a função de formação dos sujeitos, o que a transformou em espaço social
privilegiado de convivência e em ponto de referência fundamental para a constituição das identidades de seus alunos, e é devido a função de formador de cidadão
que a escola necessita ser este lócus educacional. Se a ela foi delegada a função das novas gerações como afirma Bueno18, novas gerações em termos de acesso à
cultura de sua sociedade e de outras, de formação do cidadão e de constituição do sujeito social. Se, em determinados momentos históricos a escola se constituiu
lócus privilegiados de acesso ao cinema, ao teatro produzido e valorizado pela sociedade em que estão inseridos, já que outros espaços sociais e comunitários
(como a “família” ou “vizinhança”) contribuem para a formação dos sujeitos no decorrer de sua existência.
Dentro e fora da escola o educador pode intervir de forma construtiva no aluno, mostrando a necessidade de participação crítica e de análise da
sociedade em que vive. Formar cidadão é dever do corpo educacional que está inserido na escola de acordo com Fonseca para que a consciência crítica seja
formada na comunidade estudantil a:
metodologia deve se sustentar sob bases dialógicas, ensejadas pela animação docente, e na atividade de pesquisa e investigação, identificada com o
progresso de aprendizagem. O objetivo deve ser a construção de conceitos, possibilitadores da produção de uma leitura de mundo.
Dentro dessa orientação, a construção do conhecimento histórico se sustenta no processo indutivo de conhecimento – partindo do nível do particular e
do sensível para alcançar a conceituação e a problematização abrangente. (2007:34)
Se a escola não for capaz de constituir com valores humanitários a identidade do alunado ela não estará cumprindo seu papel, é neste momento em que
a comunidade perde, pois o indivíduo sem formação critica dos acontecimentos que estão ocorrendo em sua comunidade não tem como participar criticamente dela.
As escolas viraram depósitos de sujeitos que devido falta de espaço, falta de pessoal capacitado para o ensino, melhorias na própria condição da
efetivação do ensino, ela deixa de exerce a função de formar cidadãos e inseri-los na sociedade, não consegue concluir o propósito para que foi criada como afirma
Bueno,
… apesar de todo o discurso e da quantidade crescente de estudos sobre o fracasso escolar, o fato é que de forma geral ele tem permanecido
encoberto, muitas vezes por formas que são pouco percebidas pelos próprios agentes educacionais. Embora possamos considerar que a escola pública anterior à
sua massificação, se apoiava em processos altamente seletivos de oferta de vagas, foi se construindo, no decorrer de sua ampliação, nas últimas décadas, no Brasil,
uma tradição de ensino de qualidade que foi se deteriorando com o advento da escola de massas. Se, em épocas passadas, os processos de seletividade escolar
eram mais visíveis, como, por exemplo, a não oferta de vagas a todos ou os processos de reprovação nas séries iniciais, com a pressão dos órgãos centrais para a
18
BUENO, José Geraldo Silveira. Função Social da Escola e Organização do Trabalho Pedagógico.Curitiba: UFPR, 2001.
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diminuição da reprovação e conseqüente repetência escolar, hoje uma parcela significativa do alunado tem permanecido na escola sem que dela tenha usufruído,
ou melhor, de forma ainda mais explicita… (2001: 49)
Até mesmo as normas que administram atualmente o sistema de educação brasileira (LDB) e que deveriam abranger todos os processos de formação do
indivíduo não o faz. É claro, que há outras concepções de educação como as do trabalho, nos movimentos sociais, na própria família, mas estas são diferentes, pois
educação familiar é voltada para os bons modos, boas maneiras de se portar diante de outros.
Dentro das instituições de ensino e pesquisa, percebe-se desse modo que há várias maneiras de compreendermos educação, e um deles é de que a
escola vem sendo usada pelo Estado como instrumento organizacional com o dever de instruir e introduzir os cidadãos ao mercado de trabalho formando sempre
nova mão-de-obra (não que formar mão de obra seja errado, mas que seja formação de cidadãos que ao serem inseridos como trabalhadores sejam conscientes e
que possam reconhecer em quais processos estão incluídos) e os deixando alienados dos seus direitos e deveres para Gramsci19 as escolas possuem por formação o
ingresso do indivíduo e as noções dos direitos de deveres para que possa ser introduzido na vida estatal
Nas escolas elementares, dois elementos participavam na educação e na formação das crianças: as primeiras noções de ciências naturais e as noções
dos direitos e deveres dos cidadãos. As noções cientificas deviam servir para introduzir o menino na societas rerum, ao passo que os direitos e deveres para
introduzi-lo na vida estatal e na sociedade civil (1989 p.129)
E, dessa maneira a escola deixa sua função principal que é a de ser o lócus educacional, para se tornar adestradora de trabalhadores surdos e mudos.
Para Bueno (2001), a escola tem sido tratada, grande parte das vezes, pela literatura especializada, como uma instituição abstrata, na medida em que muito tem
sido escrito sobre uma escola genérica, que parece cumprir suas funções de forma homogênea, independente de sua origem e história. A escola não é abstrata ela
possui prédio ou seja está localizada em determinado lugar, e dentro dela possui administradores que na maioria das vezes estão envolvidos politicamente, e que
são indicados a dedo para agirem tal qual feitores, policiando as falas, envolvendo-se com as notas, o professor já não tem autonomia de reprovar, a escola está
amarrada como fantoche, nas mãos dos políticos, ela virou lugar de voto de manipulação, diante disso o educador não encontra ambiente onde possa preocupar-se
com sua função que é a de educar.
A função de educar para quem se gradua em licenciatura e pretende exerce-la deve ser vivida desde o início de sua vida letiva, não digo que o
graduando dê aula mais sim perceba a grandiosidade da práxis educacional, sua função, ainda como aluno deve ser de adquirir habilidades de educar, essas
habilidades que surgem na academia onde passamos pela alguns anos na graduação, aprendendo com as disciplinas, com leituras, discussões, pesquisas em como
lidar com situações impostas ao educador.
19
GRAMSCI, Antonio. Os Intelectuais e a Organização da Cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
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É também na academia dentro da graduação onde aprendemos a levar os alunos a refletirem pensarem, creio que seja uma questão de amor à
profissão. O professor deve buscar a melhor maneira de falar com seus alunos expondo o assunto de maneira que o discente possa compreender durante sua fala a
explicação, a linguagem deve tocar o outro a ponto dele participar do diálogo e não ser um monólogo torturante para o aluno e que frustre o professor, devemos
manter sempre vivo na memória que já fomos alunos desse modo saberemos nos afastar do monólogo torturante.
Algumas vezes o cansaço torna desestimulante e maçante para o docente que já fadigado acaba sucumbindo pela mesmice e a aula torna-se
desinteressante para ele próprio quanto mais para os alunos que necessitam de estímulos para a aprendizagem.
Questionamentos me foram surgindo. De que maneira o educador que não pode contar nem com o material didático pode envolver o aluno? E, se ele
conseguir mesmo sem material didático apreender a atenção do aluno como fazer com que o aluno possa colocar em prática seus ensinos para que no final do ano
letivo tudo não seja esquecido? É assustador ao adentrarmos as escolas e vermos quando chegamos às salas não ter estrutura para receber alunos e professor,
com espaço reduzido para o desporto, sem material pedagógico apropriado, os professores incapacitados de discussão crítica a respeito de sua realidade, pois o
diretor ou supervisor sempre estão próximos. Esses questionamentos não serão respondidos o que pretendo é lhes fornecer reflexão a respeito do assunto.
Mesmo com tantas mudanças ocorrendo nas escolas e no ensino ainda não temos uma educação de qualidade, porém faz-se necessário que o educador
tenha por ideologia o pressuposto do ensino. O ato de ensinar é exercido e manifestado pelo verdadeiro educador amante do ensino por quem consegue fazê-lo
com amor, paixão e emoção. Em uma palestra que assistir o professor Dr. Byington20 enfatizou em vários momentos que o educador não deve fazer separação
entre emoção e a razão, pois quando há separação entre as duas a aprendizagem não é atingida ela fica simplesmente em nível de informação e o aluno esquece
quase tudo o que foi ensinado.
O ensino com prazer deve ser realizado por todos educadores não importando área em que atuam o domínio de sua disciplina torna-se primordial.
Entendo que os educadores em História como afirma Fonseca21 (2007) devem ter a História como disciplina escolar é constituída de saberes considerados
fundamentais no processo de formação da consciência dos jovens. Nesse sentido, ela passou por mudanças significativas no que se refere aos métodos, conteúdos
e finalidades, configurados nos currículos prescrito e vividos na sala de aula. Isso nos faz pensar a História como uma disciplina, fundamentalmente, formativa.
Contudo a História, como disciplina escolar, possibilita ampliar os estudos sobre as problemáticas contemporâneas, situando-as nas diversas temporalidades,
servindo como arcabouço para reflexões sobre as possibilidades, necessidades, mudanças e / ou continuidades. O ensino de História, pautado no caráter humanista,
que impede a constituição de uma visão apenas utilitária e profissional da disciplina. Contudo é importante considerar a pluralidade de sujeitos, homens e mulheres
que fizeram e fazem parte da história.
20
21
BYINGTON, Carlos B.(Pedagogia Simbólica – Centro de Vivência em Psicologia - palestra realizada no ministério público de Porto Velho)
FONSECA, Selva Guimarães. Currículos, Saberes e Culturas Escolares. São Paulo; Alínea, 2007.
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O professor de história tem por função ensinar o aluno a ser crítico, ser conhecedor dos seus direitos, deverá buscar alcançar a plena educação mesmo
com dificuldades ele deve galgar caminho que leve o aluno ao aprendizado e a reflexão, conduzir o aluno a fazer amalgamas com as outras disciplinas
contextualizar com a realidade vivida, são algumas das funções do educador, ele deve agir de acordo para que seus alunos possam gozar de uma aprendizagem
com acesso a criatividade, análises criticas e diálogos para que haja uma troca de conhecimento, para Perrenoud 22 a perspectiva de uma escola mais eficaz para
todos, organizar e dirigir situações de aprendizagem deixou de ser uma maneira ao mesmo tampo banal e complicada de designar o que fazem espontaneamente
todos os professores. Essa linguagem acentua a vontade de conceber situações didáticas ótimas, inclusive e principalmente para os alunos que não aprendem
ouvindo lições(…) Organizar e dirigir situações de aprendizagem é manter um espaço justo para tais procedimentos. É, sobretudo, despender energia e tempo e
dispor das competências profissionais necessárias para imaginar e criar outros tipos de situações de aprendizagem, que as didáticas contemporâneas encaram como
situações amplas, abertas, carregadas de sentido e de regulação, as quais requerem um método de pesquisa, de identificação e de resolução de problemas.(2000
p.25)
A argumentação a ser evidenciada na prática da docência é especifica a cada sala, e, é particular a cada professor e aluno. Com isso as explanações
devem tocar o discente no contexto social em que estão inseridos, pois não adianta usar determinado tipo de linguagem que não faça sentido ao aluno, o
conhecimento só poderá ser interligado no contexto em que ele for realizado, isto de acordo com a realidade simbólica, de cada aluno na busca de compreender o
conhecimento da diferença de cada aluno e a possibilidade de que o educador continue a exercer sua profissão com o mesmo entusiasmo do início de sua carreira.
Fiz breve explanação sobre a escola, ensino e aprendizagem, deste modo agora apresentarei os arquétipos que acompanham o educador em sua
jornada diária, a “Alteridade” como tratar a diferença de cada aluno, o arquétipo da “Grande Mãe” como proporcionar a educação com alegria e amor, o arquétipo
do “Grande Pai” saber que o ensino também deve ser ministrado com seriedade e respeito e o arquétipo do “Caminho” que está presente desde o momento de sua
escolha pela profissão, seja qual profissão for, tem-se um caminho a seguir, condicionado a escolhas e exclusões. Para Baptista23 o arquétipo do caminho é uma
dimensão humana em constante movimento em que se constrói a cada instante processos de individuação, é um infindável gerúndio, ou seja, não tem fim
enquanto estivermos vivos ele nos acompanhará. Logo quando escolhemos o caminho da docência, temos que saber que a regência da sala de aula virá, devemos
estar preparados. Para Baptista o conhecimento de si mesmo é o anseio de todo ser humano; quando adoece é como se tivesse se perdido de seu caminho natural.
Buscar a própria identidade, retomar o caminho para se atualizar como indivíduo são reclamos da natureza. Adoecimento indica que o indivíduo distanciou-se de si
mesmo. Sair do seu caminho leva ao adoecimento; do corpo, da alma, ou de ambos. (2008 p. 24)
22
23
PERRENOUD, Philippe. Dez Novas Competências para ensinar. Porto Alegre; Artes Médicas Sul, 2000.
BAPTISTA, Sylvia Mello Silva. O Arquétipo do Caminho: Guilgamesh e Parsifal de mãos dadas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.
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Será que os docentes estão deixando o caminho escolhido devido as dificuldades e com isso adoecendo, deixar o caminho devido as más estruturas que
lhes são fornecidas, a falta de material, a própria direção ditando as regras para que os professores aprovem alunos que não tem capacidade. Os alunos sem
interesse, desmotivados e sem intuito, a necessidade que os pais possam procurar saber o que acontece com seus filhos. Para o professor resta cumprir seu destino
de educador e fazer seu melhor com seus métodos de ensino para Galiás24 (1989) o professor, ao ensinar, estará tão estruturado na sua personalidade, quanto o
aluno ao aprender, pelos símbolos dos mesmos arquétipos
Por ser um padrão pós-parental, é no exercício da alteridade que os educadores poderão dar o devido espaço para os dinamismos parentais, que aqui,
então poderão estabelecer entre si uma relação dialética. É deste enfoque que o educador poderá perceber a igual importância para o aprendizado tanto da
brincadeira, descontração, riso, afetividade, liberdade e contato corporal, imitação, espontaneidade emocional etc. (símbolos frequentes do dinamismo da GrandeMãe) como da concentração, atenção, repetição, memorização, disciplina, discriminação, obediência, etc. (símbolos tão frequentes do dinamismo do arquétipo do
pai).
Não somente a relação professor-aluno, mas também a relação educador-família do aluno e a relação dos membros entre si de uma instituição de
ensino, serão fatores relevantes para o aprendizado.
Se o educador não tiver em sua personalidade as possibilidades dadas pelo dinamismo do animus e anima, dificilmente ele poderá atender às
dificuldades inerentes a essas complexas relações intra-institucionais (escola) e interinstitucionais (escola-família). (1989 p.91-93)
A difícil e útil tarefa de poder e saber ouvir o que o outro tem a nos dizer, não só quando concordamos com ele, mas principalmente quando dele
discordamos nos traz o desenvolvimento do padrão da alteridade que os educadores devem possuir, para Byington25 ao falarmos dos arquétipos da grande mãe e
do pai devemos equipara-los para que não haja uma rispidez na educação.
O estudo e a compreensão do dinamismo material têm sofrido intensamente com o viés patriarcal dominante no Ocidente. A austeridade do dinamismo
patriarcal dominante, reduziu, historicamente, na psicologia, o dinamismo matriarcal ao princípio do prazer, ao feminino, ao infantil, ao “bom selvagem” e ao
narcisismo matriarcal ao princípio primário. Ao mesmo tempo que reduzia o dinamismo matriarcal ao principio do prazer a dinâmica patriarcal de nossa tradição
histórica se identificava com o principio da realidade. Nada mais redutivo e preconceituoso. O dinamismo matriarcal é fundamental na vida desde o nascimento até
a morte e abrange igualmente o homem e a mulher, os idosos e as crianças. O Arquétipo da Grande Mãe, que rege o dinamismo matriarcal, se expressa na
mitologia pelas imagens das deusas e dos deuses da fertilidade, geralmente representativos das forças da natureza. Na personalidade, o dinamismo matriarcal se
24
GALIÁS, Iraci. Ensinar – Aprender: Uma Polaridade no Desenvolvimento Simbólico. In: Junguiana. Revista da sociedade brasileira de psicologia analítica. Nº. 7 ISSN
01308251989 Rio do Janeiro, 1989. p.p: 89-99.
25
BYINGTON, Carlos B. A Democracia e o Arquétipo da Alteridade. In: Junguiana. Revista da sociedade brasileira de psicologia analítica. Nº. 10 ISSN 01308251989 Rio do
Janeiro, setembro 1992. p.p: 92-103
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40
expressa pela grande intimidade emocional, pela sensualidade, pela expressividade exuberante das emoções em grupos e das funções corporais, cultivando o
preparo de comidas e bebidas, a dança e o canto, a sexualidade, o sentimento e a intuição. O padrão de consciência que caracteriza o dinamismo matriarcal é uma
grande proximidade da relação Eu-Outro (1992 p.100)
De modo, que para Byington ao ser ativado para a busca do encontro o arquétipo da alteridade tem uma relação muito especial com os dinamismos
matriarcal e patriarcal. Por outro lado, ele luta pela interação livre e igualitária, destes dois dinamismos, junto com todas as demais polaridades psíquicas. E, por
outro lado, ele se esforça para vivenciar a sensibilidade matriarcal e a organização patriarcal, sem se identificar ou ser dominado por elas, ele busca fazer
balanceamento destes arquétipos para que possamos usá-los, na docência isto pode ser entendido pela voz do professor ao saber o momento de educar, o
momento de descontrair, o momento corrigir, o educador ao vivenciar as experiências em sala de aula deve ter consciência de que ele será o primeiro a ser visto e
em algumas ocasiões citado e imitado.
O educador não é o dono do saber apenas detém uma parte dele e técnicas para ensina-lo, e o saber não é mercadoria para ser vendido e consumido
ele deve ser buscado, conquistado e explorado, o educador deve conhecer o máximo possível de formas para ensinar, pois o sistema educacional não o ajudará a
trilhar seu caminho. O caminho do educador na maioria das vezes é solitário se resume a ele e seu ideal para o ensino, logo ele deve esta sempre buscar novos
métodos, novas parcerias para trilhar seu caminho.
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