Revista Visão Acadêmica
Transcrição
Revista Visão Acadêmica
Universidade Estadual de Goiás UnU - Goiás Revista Visão Acadêmica Revista Eletrônica Ano 2 - nº 5 Novembro de 2012 ISSN 2177 7276 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Dados da Publicação Revista Visão Acadêmica Ano 2 - nº 5 - Novembro de 2012 Revista Eletrônica - Periodicidade Semestral ISSN 2177 7276 Contato e Acesso Principal: [email protected] Alternativo: [email protected] Acesso via sítio http//:www.coracoralina.ueg.br Expediente Universidade Estadual de Goiás ( UEG) Reitor: Haroldo Reimer Unidade Universitária de Goiás Diretor da Unidade: Flávio Antônio dos Santos Av. Deusdete Ferreira de Moura S/N Centro Cidade de Goiás- GO - CEP 76.600 Conselho Editorial Auristela Afonso da Costa - UEG Goiás Clovis Carvalho Britto - UEG Goiás Eleone Ferraz de Assis - UEG-Goiás Itelvides José de Morais - UEG Goiás Luciano Feliciano de Lima - UNESP/SP - UEG Goiás Raquel Miranda Barbosa - UEG Goiás Conselho Consultivo Ademar Azevedo Soares Júnior (UEG - Goiânia/ESEFFEGO) Carla Rosane Mendanha da Cunha (FMB - GO) Célia Sebastiana Silva (UFG - Goiânia) Cristina Helou Gomide (UFG - Goiás) 2 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Deis Elucy Siqueira (Universidade de Brasília - UnB) Ebe Maria de Lima Siqueira (UFG - Goiânia /UEG) Eduardo Gonçalves Rocha (UFG - Goiás) Eduardo José Reinato (PUC - GO) Francisco Alberto Severo de Almeida (UEG - Ensino a Distância) Hamilton Barbosa Napolitano (UEG - Anápolis/UnUCET) Jackeline Silva Alves (UEG - Morrinhos) Marta de Paiva Macêdo (UEG - Morrinhos) Ricardo Trevisan (UnB - FAU) Rogéria Luzia Wolpp Gonçalves (UEG - Itaberaí) Sheila Luciano Alves (PUC - GO) Valdeniza Maria Lopes da Barra (UFG - Goiânia) Membros do Conselho Consultivo Convidados Para a Edição Rubens de Freitas Benevides (UFG - Catalão) Paula Reis de Miranda (Instituto de Educação Ciência e Tecnologia - MG) Maria Eugênia Curado (UEG - cidade de Goiás) Robson Rodrigues Gomes Filho (UEG - Unidade de Morrinhos) Paula Roberta Chagas (UEG - Unidade de Morrinhos) Administração Alair Di Silva Peres (UEG - cidade de Goiás) Correção Gramatical e Ortográfica Pelos Graduandos Lívia Rodrigues Barbosa (UEG - Letras - cidade de Goiás) Ivani Peixoto dos Santos (UEG - Letras - cidade de Goiás) Juliana de Fátima Ananias de Jesus (UEG - Letras - cidade de Goiás) Formatação e Diagramação Guido de Oliveira Carvalho (UEG - cidade de Goiás). Itelvides José de Morais (UEG - cidade de Goiás) 3 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Informações Gerais A revista é especializada na publicação de artigos científicos escritos com participação direta de graduandos. Sendo que as referências de autoria são da época em que o artigo foi enviado para apreciação. O conteúdo dos artigos não necessariamente representa os pontos de vista dos organizadores do periódico Editorial Meio de divulgação da produção científica de graduandos dos diferentes ramos é o principal motivo da organização da Revista Visão Acadêmica. De fato não faltam revistas científicas dispostas a abrir algum espaço para publicações de graduandos. Porém, frente ao volume das produções este espaço é aquém do necessário e nem sempre trabalhos de boa qualidade escritos por graduandos conseguem ser divulgados com rapidez. Por isso é intenção da Visão Acadêmica se voltar principalmente para este segmento de pesquisadores. Contribuindo para que as universidades continuem a ser local de formação e divulgação de ideias de pensadores com senso crítico. Crítico em relação às suas próprias crenças e as dos demais membros das sociedades. Cidade de Goiás, Novembro de 2012, Conselho Editorial 4 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A Paleografia e os registros de batismo de Morrinhos Goiás, de 1876 a 1881 ... 6 Wesley Ribeiro Alves Gabriela Alves Toledo Maria Luíza Cruvinel de Menêzes A Função do pedagógico-moralista da literatura em o “Demônio Familiar” de José de Alencar ... 19 Renato Garcia Cardoso Educação ambiental como instrumento para preservação e proteção do meio ambiente: aspectos pedagógicos e jurídicos ... 32 Willian Flügge Carvalho A Matemática e o currículo integrado no Curso Técnico em Agropecuária ... 43 Thais Aparecida Pacheco Josislei de Passos Vieira Paula Reis de Miranda Práticas escolares no ensino de Língua materna: um olhar sobre a metodologia do professor ... 55 André Fernandes Maia de Medeiros Incluso pela Lei: analisando as políticas públicas Na/Para/Sobre a educação inclusiva ... 63 Addan Tritty Rezende de Souza A Música Independente no Brasil: Constituição, Festivais e Expressões ... 86 Isabella Cecília do Nascimento Riscos ocupacionais de uma amostra dos profissionais da beleza do município de GoiâniaGO ... 102 Karla Alaíde Pereira Garcia Cleonice Fernandes Bento Kleber França Costa A Imigração italiana, séculos XIX-XX, em Nova Veneza-GO: contribuições para a cultura ... 116 Iraci Garbim de Souza 5 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A Paleografia e os registros de batismo de Morrinhos Goiás, de 1876 a 1881 1 Wesley Ribeiro Alves Gabriela Alves Toledo Maria Luíza Cruvinel de Menêzes Resumo A Paleografia é uma ciência que surgiu na Idade Moderna, durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), em que a Europa estava imersa numa profunda crise relativa às propriedades privadas, sendo esta ferramenta usada como forma de se comprovar a autenticidade dos documentos que comprovavam tais propriedades. No Brasil, a partir de 1950, encontramos a Paleografia sendo ministrada como disciplina do curso de História, na USP, evidenciando o fato de que em nosso país, a Paleografia é, basicamente, uma atividade própria da Ciência Histórica. Este artigo discute a relação da História com os documentos escritos, discutindo a importância do documento escrito e da Paleografia para as Ciências Humanas e Sociais na atualidade, apontando os desafios e as possibilidades desta linha de pesquisa. Em seguida, analisamos o Livro 01 de Batismo da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, com assentamentos de 1876 a 1881 que trazem informações acerca da dinâmica populacional de Morrinhos no final do Século XIX. Para tanto, descrevemos o processo de reconhecimento, escolha, digitalização e transcrição do Livro de Batismo da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, discutindo sobre as dificuldades encontradas neste processo. Palavras Chave: Paleografia. Transcrição. Morrinhos. Livro de Batismo. Introdução Surgida na Idade Moderna, a Paleografia é uma ciência que tem ajudado, de maneira especial, as Ciências Humanas e Sociais a produzirem conhecimento, sobretudo, possibilitando que estas acessem tempos mais remotos, uma vez que os documentos escritos constituem uma importante fonte de informação, ao lado das descobertas arqueológicas e da História Cultural. Localizada no Sul de Goiás, Morrinhos é uma das mais antigas cidades da região, sendo uma das primeiras a serem povoadas na região e exercendo no início do Século XX grande influência na política e cultura do Estado de Goiás. Este artigo, por sua vez, visa apontar as características dos documentos manuscritos de Morrinhos, do final do século XIX. Especificamente, analisa o Livro 01 de Batismo da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, que traz assentamentos de 1876 a 1881. Para tanto, digitalizamos o referido livro e o transcrevemos, com o auxílio de uma planilha eletrônica. 1 Wesley Ribeiro Alves, Gabriela Alves Toledo e Maria Luíza Cruvinel de Menêzes são graduandos do curso de História da UEG na Unidade de Morrinhos. A indicação para a publicação deste artigo assim como as orientações para sua confecção, são do professor Mestre Robson Rodrigues Gomes Filho e professora doutoranda Paula Roberta Chagas da UEG, Unidade de Morrinhos. 6 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br O Documento escrito e a produção do conhecimento Vários fatores influenciam o historiador na escolha dos métodos de pesquisa que adotará, dos documentos históricos que analisará, das etapas a serem empreendidas para apreensão das fontes de pesquisa. Neste sentido, o posicionamento teórico do pesquisador é muito importante, bem como o próprio objeto de pesquisa e os problemas que ele suscita são pontos importantes que influenciam seu trabalho. As Ciências Sociais também valorizam o documento escrito na produção do conhecimento: [...] o documento escrito constitui uma fonte extremamente preciosa para todo pesquisador nas ciências sociais. Ele é, evidentemente, insubstituível em qualquer reconstituição referente a um passado relativamente distante, pois não é raro que ele represente a quase totalidade dos vestígios da atividade humana em determinadas épocas. Além disso, muito frequentemente, ele permanece como o único testemunho de atividades particulares ocorridas num passado recente (CELLARD apud SÁ-SILVA, et al. 2009: 02). Assim, quanto mais antigo é o objeto de pesquisa em Ciências Sociais, tanto mais importante será o documento escrito na produção do conhecimento. E mesmo nas pesquisas com objetos mais recentes o documento escrito tem sua importância consagrada neste ramo do saber, o que no entanto não simplifica a tarefa de classificar o trabalho com documentos escritos: Não é uma categoria distinta e bem reconhecida, como a pesquisa survey e a observação participante. Dificilmente pode ser considerada como considerada como constituindo um método, uma vez que dizer que se utilizará documentos é não dizer nada sobre como eles serão utilizados (SÁ-SILVA, et al. 2009: 03). Apesar da dificuldade narrada por alguns pesquisadores em nomear esta forma de lidar com os documentos escritos, o termo Pesquisa Documental parece ser o mais utilizado na definição desta forma de produção do conhecimento. Desta forma, entendemos que o documento escrito ainda tem papel forte na produção do conhecimento das Ciências Sociais, seja por seu uso quase obrigatório para tempos mais remotos. Seja porque a cada dia uma maior quantidade de documentos fica disponível a inúmeros pesquisadores, diante do avanço da internet e de outros meios de comunicação. 7 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Por sua vez, Samara e Tupy (2007) se dedicam a analisar o uso do documento escrito na Ciência Histórica. Segundo elas, durante a primeira metade do século XX o conhecimento histórico era dependente do documento escrito, a ponto de alguns historiadores afirmarem: A História se faz com documentos. Documentos são os traços que deixaram os pensamentos e os atos dos homens do passado. Entre os pensamentos e os atos dos homens, poucos há que deixam traços visíveis... [...] Por falta de documentos, a História de enormes períodos do passado da humanidade ficará sempre desconhecida. Porque nada supre os documentos: onde não há documentos não há História (LANGLOIS; SEIGNOBOS apud SAMARA; TUPY, 2007: 17). Assim, durante anos a produção do conhecimento histórico esteve atrelada aos documentos escritos, sendo estes condição indispensável para o conhecimento das sociedades antigas. Samara e Tupy (2007) entendem que tal perspectiva começou a mudar a partir do momento no qual se percebeu que não apenas a História busca a explicação dos fatos sociais, o que levou os historiadores a valorizarem a interdisciplinaridade, os métodos e técnicas de outras áreas, como forma de apreensão do passado. Assim, a noção de documento histórico foi transformada, incluindo outras fontes como as arqueológicas, objetos e materiais, e mais recentemente, a própria memória dos indivíduos (através de linhas de pesquisa, como a História Oral) tem sido passível de análise histórica. No entanto, o documento escrito sempre teve um papel importante na História: Independentemente de seu propósito original, do sentido essencial de sua elaboração, os documentos impressos e/ou manuscritos vinham sendo considerados, por excelência, as fontes principais de estudos e de pesquisas históricas. Sujeitos à identificação e à análise de diferentes olhares, sob diversas abordagens, em temporalidades distintas, permitiam aos historiadores uma ininterrupta reinvenção do passado, o constante refazer da busca de sentido para o mundo em que viviam. Como origem fundamental da narrativa histórica, os documentos deviam ser apreendidos como resultado de um trabalho humano que, ao registrar mensagens emitidas por quem o criava, podia traduzir, embora de modo fragmentado, uma aproximação parcial – os vestígios – de um fato, de um acontecimento, de uma experiência vivida, de objetos ou, até mesmo, de impressões e de sensações (SAMARA; TUPY, 2007: 18). Desta forma, os documentos escritos (como toda forma de documento histórico) são registros do passado, no entanto, por si só não traz muitas informações sobre o passado, a menos que o historiador saiba fazer as perguntas corretas e utilizar os métodos apropriados no desenvolvimento de sua pesquisa. Neste sentido, a Paleografia e a Diplomática se revelam ferramentas importantes para o desenvolvimento do conhecimento histórico: 8 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Uma ênfase maior foi dada à Paleografia e à Diplomática cujas metodologias e técnicas científicas garantiram a busca, a coleta e a recuperação de registros manuscritos, pois a leitura, a decifração de seu conteúdo e a autenticidade dos documentos constituiria, a primeira tarefa do historiador. [...] A primeira delas – a Paleografia – pode ser associada à leitura, à transcrição e à interpretação de formas gráficas antigas; e a segunda – a Diplomática – detém-se, por sua vez, na veracidade e na autenticidade de um manuscrito, analisando onde o mesmo foi produzido, quais os indivíduos que o redigiram e em que momento isso ocorreu (SAMARA, TUPY, 2007: 25). Assim, a História pode se valer dos métodos da Paleografia e da Diplomática para transcrever, garantir a autenticidade dos documentos analisados, e assim produzir o conhecimento histórico. Portanto, o documento escrito tem um papel inestimável na História, sendo uma das principais fontes de informações do passado. A Edição de manuscritos no Brasil Segundo Cambraia (apud TONIAZZO et al. 2009), há diversas formas de tornar acessível ao público um texto, sendo importante, para tanto, a escolha do tipo adequado de edição a ser utilizado, pois cada um tem características próprias, desde a edição fac-similar, em que o grau de intervenção do editor é nulo, até a interpretativa, marcada por forte intervenção deste. Editando um manuscrito de 1885 e outro de 1895, do Arquivo Público Municipal de Cáceres-MT, Toniazzo et al. (2009) optam pelo método fac-similar e pelo método semidiplomática. A edição fac-similar ou foto-mecânica é entendida como a fotografia do texto, reproduzindo com fidelidade as características do texto original, uma vez que a semidiplomática representa uma tentativa de melhoramento do texto, com a divisão das palavras, o desdobramento das abreviaturas, buscando eliminar as dificuldades de natureza paleográfica suscitadas pela escritura. Toniazzo et al. (2009) aponta algumas orientações para a edição semidiplomática de documentos: manter-se a ortografia, a acentuação, as maiúsculas e as minúsculas devem ser mantidas conforme grafados no original, as abreviaturas devem ser desdobradas e as letras omitidas marcadas em itálico. Eles ainda afirmam que a análise paleográfica, minuciosa por natureza, requer dedicação e muitas horas de trabalho, por parte do pesquisador, exigindo um olhar atento para cada palavra do texto. 9 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A tarefa da paleografia se inicia com a coleta de documento, tarefa que requer paciência, uma vez que devem ser consultados bibliotecas, mosteiros, paróquias, observando cada característica das letras e da forma de escrita. Historicamente, Toniazzo et al. (2009) situam a consolidação da Paleografia como fruto da necessidade criada pela Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), durante a qual começou a surgir uma série de dúvidas acerca da propriedade de terras e castelos. Os juízes para se livrarem dos documentos falsos, passaram a analisar minuciosamente os documentos de propriedade. Assim, a Paleografia surge com o objetivo de determinar o auto, o tempo e o lugar em que dado documento foi escrito, fornecendo ao perito as ferramentas indispensáveis para se distinguir os documentos verdadeiros e autênticos, dos falsos, deturpados, apócrifos. Como cátedra, a Paleografia surge primeiro na Alemanha, nas escolas de Filosofia e Letras. No Brasil, os estudos paleográficos surgiram no final do século XIX e início do XX, os estudos paleográficos desenvolveram-se inicialmente graças à iniciativa particular dos historiadores. Apenas em 1952, na Universidade de São Paulo – USP, a Paleografia surge como disciplina do curso de História. Segundo Blanco (apud TONIAZZO, 2009), são finalidades da Paleografia: Ensinar a ler corretamente e sem erros todo tipo de documento, tanto antigo, quanto moderno; Dar a conhecer a evolução da escrita através dos tempos, das nações e dos indivíduos; Determinar o autor, o tempo e o lugar em que o documento foi escrito; Fornecer ao perito os conhecimentos indispensáveis para saber distinguir os documentos verdadeiros e autênticos dos falsos, deturpados, adulterados, etc.; Descrever as letras (forma, traçado, ângulo, módulo, peso); Descrever os sinais braquigráficos (abreviaturas) atribuindo-lhes significado exato e completo; Descrever os sinais etigmológicos (pontuação). Atualmente, o Arquivo Público de São Paulo é um dos principais divulgadores da paleografia, bem como uma das instituições que mais busca coletar e organizar documentos escritos no Brasil. Em geral, a maior parte dos locais que possuem documentos passíveis de análise paleográfica tem ligação com Igrejas ou aos órgãos da Justiça, como fóruns. A maior parte destes lugares não oferece condições mínimas de conservação dos documentos históricos, além de carecerem de maior sistematização e organização. 10 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A Questão das Abreviaturas na Paleografia Brasileira Uma das maiores preocupações dos paleógrafos diz respeito à questão das abreviaturas. Flexor (2010), afirma que em sua experiência de contato com manuscritos dos séculos XVI a XIX, as abreviaturas se mostraram uma grande dificuldade para quem se dispõe a ler e extrair dados para suas pesquisas. Neste sentido, a pesquisadora, empreendeu, em parceria com outros pesquisadores, um trabalho com vistas a elaborar uma lista das abreviaturas mais comumente usadas nos documentos históricos do Brasil, num projeto iniciado em 1963. Em 1990, esta lista já contava com cerca de 20 mil abreviaturas simples, além de um grande número de expressões abreviadas, como aquelas constantes nos protocolos de saudações nomes de instituições, expressões jurídicas, cargos públicos, civis, militares ou eclesiásticos. Em 2004, uma terceira edição da lista de abreviaturas contava com 25 mil abreviaturas, sem contar as expressões de endereçamento, subscrição, topônimos, entre outros. Tanto a segunda como a terceira edição são frutos de consultas aos arquivos públicos do Arquivo do Estado de São Paulo, Arquivo da Prefeitura Municipal de São Paulo, Arquivo Público do Estado da Bahia, Divisão de Arquivo da Prefeitura Municipal do Salvador (Fundação Gregório de Mattos), Arquivo da cidade de Cachoeira/Bahia e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Biblioteca e Arquivo Nacional, do Rio de Janeiro, Arquivo da Santa Casa da Misericórdia, Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, Arquivo Público do Estado e Casa da Memória de Curitiba, do Paraná, documentação manuscrita de propriedade da Universidade Católica de Goiás, Instituto de Estudos Brasileiros, da USP, diversos arquivos de instituições religiosas de Salvador, etc., segundo Flexor (2010). Basicamente, existem três tipos de abreviaturas, segundo Flexor (2010): as siglas simples (quando indicadas apenas por letras como, por exemplo, ONU – Organização das Nações Unidas, CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), siglas reduplicadas ( nas quais a letra é repetida para significar o plural das palavras representadas, ou quando, na palavra, a letra é encontrada pelo menos duas vezes – como em SS – santíssimo, RR – reverendíssimo), além de siglas compostas (quando são formadas pelas duas ou três 11 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br primeiras letras da palavra, por palavras dominantes do vocábulo ou expressão, como exemplo MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização e PETROBRAS – Petróleo do Brasil, cujo uso é mais recente). O Livro de Batismo da Paróquia Nossa Senhora do Carmo de Morrinhos Sérgio Nadalin (2004) entende que a Igreja Católica Romana, seguida posteriormente pelas denominações protestantes, anunciou precocemente uma das características da modernidade. Desde o Concílio de Trento (1545-1563) instituiu formas de controle da sua população, definindo normas para padronizar os registros dos principais sacramentos que marcam os momentos da vida dos católicos. Dessa maneira, os padres foram ensinados como registrar os Batismos (e mais tarde a Crisma), os Matrimônios e os Sepultamentos. Tais normas foram completadas no século XVIII, por ocasião da instituição do Rituale Romanum que, além de definir como fazer tais assentamentos, ensinava a fazer contagens periódicas dos paroquianos (NADALIN, 2004: 40). Desta forma, a Igreja tinha a preocupação de garantir que os registros da vida de seus fiéis seguissem um mesmo padrão. No Brasil - colônia, a Arquidiocese de Salvador da Bahia exercia a jurisdição sobre toda a Igreja da América portuguesa, definindo as regras a serem adotadas nos assentamentos paroquiais. O sacramento do batismo esteve ligado à saúde do corpo e da alma dos fiéis, por isso, a preocupação de se batizar o mais rápido possível as crianças, de preferência até o oitavo dia. O batismo devia ser ministrado na igreja, ainda que o batismo em casa fosse permitido, em caso de “necessidade” segundo Nadalin (2004). Passado o risco de morte da criança, a mesma deveria ser levada para a igreja, a fim de receber os Santos Óleos. Assim, o batismo é uma etapa importante da vida dos indivíduos católicos e durante o Brasil - colônia e o Brasil Império, a Igreja Católica era a religião oficial e a única instituição a realizar os registros de nascimento, matrimônio e falecimento dos brasileiros. Localizada na cidade de Morrinhos, na região Sul de Goiás, a Paróquia Nossa Senhora do Carmo foi fundada em 30 de julho de 1845, sendo este o ano em que se comemora a fundação da cidade de Morrinhos (no entanto, celebra-se a data em 16 de julho, dia da Padroeira da cidade, Nossa Senhora do Carmo). 12 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br No Arquivo Paroquial, encontram-se documentos de casamento mais antigos a partir de 1836, e de Batismo a partir de 1876. O livro Tombo mais antigo da Paróquia traz informações a partir de 1916. Escolhemos analisar o Livro 1 de Batismo, com documentos de 1876 a 1881, por este ser o livro mais antigo que encontramos no arquivo paroquial. Optamos por fotografar as páginas do referido livro e por transcrever as informações nele contidas com o auxílio de um software de planilha eletrônica, uma vez que se trata de uma documentação seriada com diversas informações, como o nome da pessoa que foi batizada, nome dos pais e padrinhos, data da celebração, o padre que ministrou este sacramento, em alguns casos, a igreja, a data e local de nascimento do batizando, bem como o nome dos avôs. O livro traz assentamentos de batismo realizados por dois padres, Pe. Antonio Francisco do Nascimento, nos registros que vão de 1876 a 25 de agosto de 1878, e do Cônego José Olyntho da Silva, a partir de 15 de fevereiro de 1880. Ao todo, foram transcritos os 396 assentamentos de batismo contidos nas 71 folhas do Livro de Batismo analisado. Características dos Assentamentos do Pe. Antonio Francisco do Nascimento Para exemplificar, transcrevemos o assentamento de batismo de Pedro, realizado em 20 de agosto de 1876: Aos vinte dias do mez de Agosto de mil e oitocentos e setenta e seis, Baptizei solemnemente e puz os santos olios ao inocente Pedro, filho legitimo de Alexandre Antonio de Oliveira e Francisca Maria de Menezes, neto pela parte paterna de Francisco Antonio de Olveira e Maria Perpetua de Santa Ritta, e pela parte materna de Luis Antonio de Castilho, Maria Luiza de Menezes, foram padrinhos, Francisco Luis de Castilho e Anna Maria da Conceição. Doque para constar mandei fazer este assento. o O Vig Col. P. Antonio Francisco do Nascimento (F007-V). Normalmente, o padre Antonio Francisco do Nascimento, descreve o nome dos pais, dos padrinhos, e em alguns casos informa o nome dos avós dos catecúmenos. Os assentamentos informam se o catecúmeno é filho de pais casados, se filho apenas da mãe (filiação maternal) ou se filho de casais que não contraíram matrimônio (filiação natural). Enquanto os assentamentos são grafados com tinta escura, a assinatura do Pe. Antonio Francisco do Nascimento é feita com tinta mais clara e as letras maiúsculas são menos desenhadas que as usadas no corpo do assentamento. 13 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Durante o processo de transcrição, apenas três nomes de batizados foram marcados como ilegíveis, porque uma vez que a grafia utilizada pelo padre estava com alguns borrões, ao passo que em dez nomes ficamos com dúvidas acerca da grafia correta dos nomes. Características dos assentados do Conêgo José Olyntho da Silva Segue a transcrição de um dos assentamentos de Batismo do Conêgo José O. Silva: Aos vinte e nove dias do mez d’Agosto, do anno do Senhor de mil oitocentos e oitenta, baptizei e pûs os Santos Olios a inocente Francisca, filha legitima de Lazaro Gonsalves da Roza e de sua mulher Delfina Roza de São José, nascida á nove de julho deste anno, na fazenda da Santa Roza, desta Freguesia de Morrinhos, foram padrinhos Jaú Luiz de Souza e Roza Anna Silveira da Conceição e para constar fiz este assento. Conego José Olyntho da Silva (F059-F). Ao contrário do Pe. Antônio Francisco do Nascimento, o Cônego José Olyntho da Silva preocupa-se com dados mais detalhados do catecúmeno, como o local e a data de nascimento. No entanto, apenas nos primeiros registros do ano de 1881 é que o cônego José Olyntho deixa explícito no Livro que os batizados ocorreram na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Carmo, ficando a maior parte dos registros sem tal informação (ao contrário dos registros do Pe. Antônio Francisco, em que esta informação está presente na maior parte dos registros). Além disso, o cônego José Olyntho não faz menções a nomes dos avós dos catecúmenos, prática comum (apesar de não estar presente em todos os registros) nos documentos do Pe. Antônio Francisco. A mesma tinta usada na escrita do assentamento é usada na assinatura, bem como a mesma inclinação e traçados das letras, o que nos leva a imaginar que, enquanto Pe. Antônio Francisco escrevia todos os termos e só então os assinava, o Cônego José Olyntho pareceu escrever cada termo e assiná-los logo em seguida. A Transcrição do Livro de Batismo da Paróquia Nossa Senhora do Carmo No dia 15 de agosto de 2012 visitamos a Paróquia Nossa Senhora do Carmo a fim de conhecermos o arquivo paroquial. Na oportunidade, foi-nos apresentado o mesmo e nos deram livre acesso à documentação. O arquivo paroquial fica no andar superior do Escritório 14 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Paroquial, num armário de aço. A documentação a partir de 1900 está bem organizada e conservada, todos organizados em seus respectivos livros, ao passo que a documentação mais antiga ainda carece de organização mais sistêmica, e muitos documentos apresentam sinais de corrosão e da ação do tempo, tornando sua análise extremamente complicada. Nesta primeira visita tomamos conhecimento do Livro que está sendo analisado e traçamos a partir dali nosso plano de trabalho. Uma semana depois, no dia 22 de agosto de 2012, munidos de uma câmera digital de 14 megapixels, de máscaras e luvas cirúrgicas para a proteção dos documentos e dos pesquisadores, retornamos aos arquivos paroquiais, onde fotografamos as páginas do Livro 1 de Batismo. Em seguida, como dito, com o auxílio de um software de edição de planilhas eletrônicas, transcrevemos os dados dos assentamentos de batismo, perfazendo um total de 396 linhas e 21 colunas. Á medida que nos acostumamos com a grafia dos padres, a transcrição foi se tornando mais fácil, motivo pelo qual após uma primeira transcrição, realizamos uma revisão geral na planilha, a fim de identificarmos palavras que no primeiro momento foram consideradas dúbias ou de grafia ilegível. As primeiras páginas do livro encontram-se muito corroídas, ao passo que a capa do livro é uma pasta de adição bem posterior à redação dos assentamentos, não sendo, no entanto, possível determinar em que ano ela foi anexada às páginas do livro. Nesta capa improvisada, encontra-se coladas, na parte interna, folhas do jornal da arquidiocese de Goiás, do ano de 1940, o que talvez indique a pasta que serve como capa deste livro tenha sido afixada após este ano. A primeira página manuscrita (que fala do encerramento do livro), no entanto traz uma informação contraditória em relação à natureza do livro: Autorizado pelo Exmo. e Revmo. Snr. Bispo Diocesano, encerro este livro que servira para o registro dos casamentos d’esta frequezia de Nossa Senhora das Dores de Caldas Novas. Contem 200 folhas por mim numeradas e rubricadas com o sobre nome que uso “P. Calzada”. Caldas Novas 6 de Maio de 1907 O Vigario P. Julião Calzada (F001-F) Assim, o livro que analisamos traz uma parte que pertence a um livro de casamento da Paróquia Nossa Senhora das Dores, do município vizinho a Morrinhos, Caldas Novas e que 15 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br fizera até o ano de 1911, parte do município de Morrinhos. Uma posterior pesquisa nos demais livros e folhas do arquivo pode nos ajudar a entender o motivo desta página intrigante estar neste livro de batismo. Outra página, esta sim, escrita pelo Padre Antônio Francisco do Nascimento parece ser a primeira página do livro de Batismos: Livro de Assentamentos de Batizados Parochia de N. Sra do Carmo de 1876-1880 (F003-F). Esta inscrição, por sua vez, nos leva a crer que o livro de batismo, da maneira como chegou às nossas mãos é, como já nos sugere a capa, uma montagem feita, ao menos, sessenta anos depois dos assentamentos. Dificuldades na Transcrição do Livro de Batismos A primeira dificuldade que notamos no processo de transcrição do livro de Batismo foi nos adaptar à ortografia da época em que o documento foi escrito, uma vez que há em nós uma tendência natural a grafarmos os nomes e expressões de acordo com as normas gramaticais atualmente vigentes. Neste sentido, incorríamos no risco de transcrevermos “Ana”, tal qual escrevemos hoje, e não “Anna”, como era grafada no final do século XIX no Brasil. Neste mesmo sentido, palavras que atualmente têm acento gráfico e que antigamente não o tinham também mereceram especial cuidado, como o nome Antônio, que nos vem grafado “Antonio”. Ambos os padres não usam muitas abreviações, o que facilitou nossa tarefa de transcrever o Livro de Batismos. Além das abreviações para vigário (Vigº), padre (P.), a abreviatura para dona (D.) também foi usada nos assentamentos de batismo. Quanto à transcrição de nomes, não houve grandes dificuldades, uma vez que a maioria dos nomes é de uso recorrente ainda hoje. O nome que mais nos chamou a atenção, no entanto, foi Messias, que aparece em registros de 01 de abril de 1877 (F017-F), 02 de outubro de 1877 (F031-F) e em 06 de janeiro de 1881 (F065-F) em ambos os casos usados como nome feminino. O nome Messias ainda aparece num assentamento de 16 de maio de 1878 (F040-F), no entanto como nome masculino. A existência deste nome nos mostrou que Messias é um nome feminino de uso comum na região de Goiás, neste período. 16 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Algumas páginas do Livro de Batismo encontravam-se com a tinta mais fraca, como é o caso das páginas F041-F, F041-V, F044-F, o que também dificultou nosso trabalho de transcrição. O uso da letra “y” em palavras como Olyntho, também exigiu de nós uma maior atenção no processo de transcrição. Em paralelo, a existência de alguns sobrenomes de uso muito difundido em Morrinhos, como os sobrenomes do Carmo, de Jesus, das Dores, Ritta, facilitou não somente o processo de transcrição, como também a identificação de outras letras e palavras similares. Conclusão Através da experiência da transcrição do Livro de Batismos da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, referente aos anos de 1876 a 1881 nós percebemos que a paleografia é uma arte de difícil e exigente, que no entanto, nos oferece preciosas informações acerca da sociedade e da cultura em que o documento foi produzido. Se por um lado, o advento da datilografia e, mais recentemente, da informática diminuíram a importância dos documentos manuscritos, por outro lado, estes são uma importante ferramenta que tem ajudado os pesquisadores a melhor sistematizar e compartilhar informações e arquivos de diferentes períodos e regiões, assim como já o faz o Arquivo Público de São Paulo. Nossa experiência com os documentos de batismo da Paróquia de Nossa Senhora do Carmo nos fez evidenciar a importância do estabelecimento, com urgência, de um Centro de Documentação que trate os documentos desta que é uma das mais antigas e importantes cidades do Sul do Estado de Goiás. Garantindo à ciência histórica a possibilidade de analisar documentos nunca antes analisados, preservando o patrimônio histórico-cultural de Morrinhos, bem como contribuindo para a preservação da memória morrinhense. Referências FLEXOR, M. Abreviaturas de Manuscritos dos Século XVI ao XIX. Vitória: IV Congresso Nacional de Arquivologia, 2010. NADALIN, S. História e Demografia – Elementos para um Diálogo. Campinas: Associação Brasileira de Estudos Populacionais – ABEP, 2004. 17 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br SÁ-SILVA, J; ALMEIDA, C; GUINDANI, J. Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Ano I, Número I – Julho de 2009. SAMARA, E; TUPY, I. História & Documento e metodologia de pesquisa. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. TONIAZZO, C; ANDRADE, E; KRAUSE, M. Edição de Manuscritos: Características Paleográficas. Cuiabá: Polifonia, Nº 19, 2009, p. 43-58. 18 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A Função do pedagógico-moralista da literatura em o “Demônio Familiar” de José de Alencar Renato Garcia Cardoso 2 Palavra puxa palavra, uma ideia traz outra, e assim se faz um livro, um governo, ou uma revolução. Machado de Assis Resumo No sentido de que: Silva (1973) aponta à literatura diversas funcionalidades, como a pedagógico-moralista, que tem o intuito de “moldar” o caráter do leitor e defende ainda que o drama seja uma arte de comunicação; o Romantismo manifesta um ideal de reforma social e tem como grande representante José de Alencar; analisamos sua peça teatral O demônio familiar, por meio de pesquisa bibliográfica e aplicação na obra, investigando a presença da função pedagógico-moralista da literatura na mesma. E uma vez que fica evidente a intenção ética do escritor ao redigir a comédia, pudemos verificar que essa função se faz autêntica na narrativa. Palavras-chave: José de Alencar. Pedagógico-moralista. Literatura – conceito polêmico A tarefa de definir literatura é complexa, várias têm sido as tentativas por diversos estudiosos, sem chegar ao consenso. Portanto, o presente trabalho, apresenta um breve esboço sobre o estudo da definição da Literatura, e sobre as funções literárias, com foco na função pedagógico-moralista. Eagleton (2006) salienta que muitas são as tentativas em definir literatura, cita a possibilidade de defini-la como escrita “imaginativa”, no sentido de ficção, porém se refletirmos acerca de toda literatura, veremos que tal definição não procede. A distinção entre fato e ficção, portanto, não é muito suficiente. Os romances e as notícias não eram claramente factuais, nem claramente fictícios, a distinção feita a elas não se aplica. Lembra o Gênese obra lida como fato por alguns e como ficção por outros, que a literatura inclui muito da leitura fatual, e as histórias em quadrinhos e os romances são obras fictícias, porém nem sempre consideradas como literárias. De acordo com Eagleton (2006), podemos pensar na literatura menos como uma qualidade inerente, ou como um conjunto de qualidades evidenciadas por certos tipos de escritos. Não existe uma “essência” da literatura. Qualquer fragmento de escrita pode ser lido “não - pragmaticamente”. 2 Renato Garcia Cardoso é acadêmico do Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Estadual de Goiás, Unidade de Goiás. Professora indicadora do artigo Doutora Maria Eugênia Curado, do curso de Letras da UEG, UnU cidade de Goiás. 19 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Eagleton (2006) defende que se não é possível ver a literatura como uma categoria “objetiva”, descritiva, também não é possível dizer que a literatura é apenas aquilo que, caprichosamente, queremos chamar de literatura. Isso porque não há nada de caprichoso nesses tipos de juízos de valor: eles têm suas raízes em estrutura mais profundas de crenças, tão evidentes e inabaláveis quanto o edifício do Empire State. Portanto, o que descobrimos até agora não é apenas que a literatura não existe da mesma maneira que os insetos, e que os juízos de valor que a constituem são historicamente variáveis, mas que esses juízos têm, eles próprios, uma estreita relação com as ideologias sociais. Souza (2007) salienta que se a pergunta: “o que é literatura?” for feita a uma pessoa que, mesmo que seja interessada por livros e não seja da área de Letras, causará embaraço ao destinatário da pergunta. A resposta será no sentido de que a literatura é uma obra escrita, um romance, livros de poesias, livros de contos e outros. A mesma pergunta, se feita aos que se ocupam profissionalmente com a literatura, também seria embaraçosa. Não por ser impertinente ou sem sentido, nem porque sua resposta seja óbvia; ao contrário, a perturbação do interrogado derivará de sua familiaridade com o caráter complexo da questão proposta. As Funções da Literatura: função Pedagógico-Moralista Silva (1973) confere à literatura função político-social, a literatura com a função pedagógico-moralista, aquela que “molda” quem lê. Seriam por exemplo, as fábulas. Critica a literatura entendida segundo critérios de valor de Sartre. Destaca a Literatura Comprometida, em defesa de determinados valores morais, políticos e sociais, nasce de uma decisão livre do escritor; a Literatura Planificada ou Dirigida, os valores a defender são impostos; Platão, em seu moralismo estético busca em Sócrates suas reflexões. Sócrates reduz o conceito de beleza à utilidade. As coisas belas se identificam com as coisas de boa utilidade. Neste sentido, a literatura se direciona em algo pedagógico. O estudioso defende que o problema das relações da literatura com a moral insere-se logicamente no quadro mais amplo das relações da literatura com a utilidade, conclui pela impossibilidade de associar os valores literários a valores morais. Gautier, citado por Silva (1973) observa que este afã moralizante não possui qualquer dimensão universalista. 20 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Os românticos tinham oposto, às exigências moralizantes de recorte tradicionalista, uma moral baseada na intensidade da paixão e dos sentimentos e nos direitos e deveres daí decorrentes: os defensores da arte pela arte adotam antes uma atitude de cabal amoralismo. No movimento literário que na segunda metade do século XVI se desenvolveu em torno da Poética, encontramos duas representações da catarse: uma interpretação moralista e uma interpretação mitridática. Gêneros Literários: drama e romantismo Silva (1973) salienta que a lírica, com efeito, não representa o mundo exterior o objetivo, nem a interação do homem e deste mesmo mundo, assim se distinguindo fundamentalmente da narrativa e do drama. A poesia lírica não nasce do anseio ou da necessidade de descrever o real que se estende perante o eu, nem do desejo de criar sujeitos independentes do eu do poeta lírico. A lírica enraíza-se na revelação e no aprofundamento do próprio eu, na imposição do ritmo, da tonalidade, das dimensões, enfim, desse mesmo eu, a toda a realidade. Tanto o romance como o drama apresentam personagens situadas num determinado contexto, em certo lugar e em certa época, mantendo entre si mútuas relações de harmonia, de conflito, etc. Estas personagens revelam-se através de uma série de acontecimentos, podendo contar-se a “história” de um romance ou de um drama, mas nunca de um poema lírico. O drama, por sua vez, procura representar também a totalidade da vida, mas através de ações humanas que se opõem, de forma que o fulcro daquela totalidade reside na colisão dramática. A verdadeira unidade de sentido dramática não pode derivar senão do movimento total, o que significa que o conflito deve encontrar a sua explicação exaustiva nas circunstâncias em que se produz. Deste modo, a profusão de figuras, de incidentes e de coisas que caracterizam o romance, não existe no drama, onde tudo se subordina às exigências da dinâmica do conflito, a atmosfera do drama é rarefeita, as figuras supérfluas são eliminadas, os episódios laterais abolidos, defrontando-se as personagens necessárias e desenvolvendo-se entre elas 21 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br uma ação que conduz sem desvios ao conflito. O gênero dramático que se manifesta através do trágico e do cômico, representa o conflito do homem em seu mundo. Segundo Aristóteles citado por Moura (2009), a comédia é a imitação de maus costumes, não, contudo de toda sorte de vícios, mas só daquela parte do ignominioso que é o ridículo. O riso é a sua energia e deve ser combinado com a intriga ou com a observação moral. Romantismo O Romantismo se originou na Alemanha e Inglaterra em fins do século XVIII e se desenvolveu no Brasil no século XIX, constituindo o verdadeiro período de nossa literatura, a poesia enriqueceu-se admiravelmente, criaram-se o romance e o teatro nacionais e formouse pela primeira vez, um razoável público leitor. A marca principal da poesia romântica é a expressão plena dos sentimentos pessoais, com autores voltados para seu mundo interior e fazendo da literatura um meio de desabafo e confissão. Essa ânsia de libertação, que nasce no interior do poeta, em determinado momento alcança também o nível social, com o artista romântico colocando-se como portavoz dos oprimidos e usando seu talento para protestar contra as injustiças sociais, ao mesmo tempo em que valoriza a pátria. De acordo com Abdala Júnior (1986), o projeto nacional do Romantismo incluía a criação de um teatro brasileiro. O autor destaca as principais peças do teatro romântico: Antônio José ou o poeta e a Inquisição, primeira tragédia de assunto nacional, de Gonçalves de Magalhães; O juiz de paz da roça, O Judas em sábado de Aleluia, O Noviço, de Martins Pena; Camões e o jau, de Casimiro de Abreu; Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias, escrita na juventude do escritor; e O demônio familiar, de José de Alencar. José de Alencar José Martiniano de Alencar nasce a 1º de março de 1829, em Mecejana, Ceará. Filho de José Martiniano de Alencar (ex-padre) e Ana Josefina. O pai, por amor de sua mãe, abandonou o sacerdócio quando conheceu sua prima para se casarem. 22 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Em 1832, o pai é eleito senador, e, dois anos depois, em 1834, torna-se presidente da província do Ceará, cargo que deixa em 1837, dirigindo-se no ano seguinte, em 1838, ao Rio de Janeiro. Alencar viaja com o pai. Em 1840, Alencar completa sua instrução primária, e em 1844, aos 15 anos, inscrevese nos cursos preparatórios à Faculdade de Direito de São Paulo. Datam de seus anos de faculdade as primeiras publicações de Alencar. Com outros primeiranistas da faculdade funda uma revista semanal Ensaios Literários. Em 1848, aos 18 anos, transfere-se para a Faculdade de Direito de Olinda. Nessa época começa a redigir dois romances históricos: A Alma de Lázaro e O Ermitão da Glória. Em fins deste mesmo ano, manifestam-se os primeiros sinais de tuberculose que acabariam por matá-lo. É obrigado a voltar a São Paulo, onde se forma em 1850. Em 1851, aos 22 anos, Alencar inicia-se na profissão de advogado, que exercerá até o fim da vida, com raras interrupções. Instalado no Rio de Janeiro, Alencar é convidado por seu ex-colega de faculdade, Francisco Otaviano, a colaborar no jornal Correio Mercantil. Alencar estréia como jornalista aos 25 anos, em 1854, e faz muito sucesso. Tanto, que no ano seguinte, é gerente e redator-chefe de outro jornal, O Diário do Rio de Janeiro, onde publica folhetins sobre fatos variados e uma série de críticas ao poema sob o pseudônimo de Ig. Várias. Em 1857, o sucesso de O Guarani leva Alencar a tentar o mesmo sucesso no teatro. Escreve uma opereta, Noite de São João e duas comédias, Verso e Reverso e O demônio familiar. Em 1860, estréia o drama Mãe. A seguir, Alencar viaja para o Ceará, candidata-se a deputado pelo Partido Conservador e é eleito. Começa então a carreira política. Em 1861, estreia na tribuna parlamentar. Em 1862, escreve Lucíola e o primeiro volume de As Minas de Prata. Em 1864, casa-se com Ana Cochrane, filha de um médico homeopata inglês, da mesma família do Almirante Cochrane, herói da luta pela Independência. Em 1868, aos 39 anos, Alencar torna-se Ministro da Justiça. No ano seguinte, candidata-se ao Senado e obtém o primeiro lugar. Deixa o Ministério e volta à Câmara em oposição ao Imperador, que veta seu nome ao Senado. O veto do Imperador encerra sua carreira política e desencantado, se volta para a literatura. 23 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Em 1877, Alencar viaja à Europa em tratamento de saúde, mas não consegue se recuperar. Volta ao Rio, onde morre a 12 de setembro do mesmo ano, aos 48 anos. Relembrando Alencar, escreve Machado de Assis: “Tinha-lhe afeto, conhecia-o desde o tempo em que ele ria, não me podia acostumar à ideia de que a trivialidade da morte houvesse desfeito esse artista fadado para distribuir a vida”. Beraldo (1980) destaca a literatura e sua função social, os escritores daquele tempo sentiam-se no dever de exaltar a terra e conscientizar os leitores da realidade em que viviam. Ora, Alencar, como nenhum outro, tinha consciência desse papel da literatura. Alencar idealizou a realidade, embora em menor grau. As personagens principais dos romances históricos, indianistas e regionalistas, têm um porte heróico: são personagens inteiriças, sem vacilação ou hesitação, possuem todas as características dos heróis; encarnam todas as virtudes físicas e morais; o mal não os atinge. Abdala Júnior (1986) destaca José de Alencar como maior ficcionista romântico brasileiro, que pretendia formar uma literatura autenticamente brasileira, e de certa forma, conseguiu realizar seu objetivo, uma vez que seu conjunto de obras de ficção constitui o panorama histórico do Brasil. Ressalta que o escritor destacou-se entre os intelectuais de seu tempo, acreditou na função literária como criadora de uma consciência. Não só teve muito presente essa função, como trabalhou no sentido de revelá-la. Abdala Júnior (1986) cita que sua vasta obra, composta de 21 romances e mais 8 peças teatrais, alguns ensaios crítico-literários e escritos políticos, atesta um escritor esforçado em retratar o país, ou ainda compreendê-lo em sua diversidade. Como romântico, Alencar não poderia deixar de visitar a História e dela haurir temas para sua obra. Segundo Tufano (1983), José de Alencar é o mais importante prosador do Romantismo, tendo inclusive lutado pela criação de uma língua literária mais próxima do falar brasileiro. Salienta que sua obra romanesca é vasta, abrangendo todas as tendências desenvolvidas na época. Em seu conjunto de obras, merecem destaque os romances sociais, em que o autor faz uma representação bastante crítica das relações humanas na sociedade carioca da época. 24 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br E apesar dos ingredientes sentimentais e dos arranjos para que tudo termine com um final feliz, Alencar põe a nu a hipocrisia e a corrupção das classes altas, que se mostram preocupadas apenas com a ostentação do luxo e a manutenção de seus privilégios. O Demônio familiar O demônio familiar é uma peça teatral do escritor brasileiro José de Alencar escrita em 1857, uma comédia em quatro atos, é um drama de costumes leve. O moleque escravo doméstico Pedro tece uma série de armações sem medir consequências, a fim de casar seus patrões com pessoas abastadas e realizar seu sonho de ser cocheiro de um rico senhor. Segundo Bosi (1994) caberia a José de Alencar insistir na dose de “brasilidade” que esse drama de costumes deveria conter. Para tanto, compôs Verso e Reverso, peça ligeira de ambientação carioca, e O demônio familiar, comédia em que os vaivens da intriga são obra de um escravo, moleque enredador e ambicioso. Embora o mau caráter de Pedro, o “demônio familiar”, seja o pivô dos embaraços de uma família “de bem”, não se pode, na análise desta comédia, forçar a nota do preconceito, ao menos enquanto consciente. No último ato, o moleque é alforriado para que, fora da irresponsabilidade em que vivera como escravo possa escolher honradamente seu caminho: Toma: é a tua carta de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante, porque as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma conta severa de tuas ações. Livre, sentirás a necessidade do trabalho honesto e apreciarás os nobres sentimentos que hoje não compreendes. (PEDRO beija-lhe a mão.). (ALENCAR, 2003, p. 90-91) Para Bosi (1994), essa, naturalmente, é a intenção ética de Alencar ao redigir a comédia. O que ficou, porém, foi a figura do moleque irrecuperável: Pedro apenas mudará de senhor, realizando seu sonho dourado – ser cocheiro de um rico major, função que permitirá zombar com desprezo os cocheiros de aluguel. Ficou o estereótipo, vivo na cultura escravocrata brasileira, do negrinho maroto, astuto, no fundo cínico por incapacidade de coerência moral: imagem que deixa entrever um preconceito mais tenaz, porque latente. De acordo com Beraldo (1980) é nos romances urbanos que Alencar consegue criar os seus melhores personagens, extremamente complexas, em que o bem e o mal se entrelaçam. E destaca a peça O demônio familiar, o “demônio” é Pedro, moleque escravo 25 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br que provoca os acontecimentos da história, enreda os brancos. Ao final, Pedro é alforriado, e a peça termina com o antigo senhor de Pedro falando em liberdade e responsabilidade. Moura (2009) cita que era costume que as famílias mantivessem em seu seio familiar um moleque escravo com entrada e saída franqueada em casa. Este moleque geralmente participava da intimidade familiar, transitava pela casa, alimentava-se das refeições dos senhores, partilhava das brincadeiras das crianças da casa. No caso da peça de Alencar, este moleque é Pedro, ambicioso e estrategista. Esta “incapacidade de coerência moral” transforma Pedro num ser inconsequente que só pensa em seu projeto: ser cocheiro de um rico senhor: PEDRO - Oh! Trata muito bem, mas Pedro queria que senhor tivesse muito dinheiro e comprasse carro bem bonito para... EDUARDO - Para... Dize! PEDRO - Para Pedro ser cocheiro de senhor! EDUARDO - Então a razão única de tudo isto é o desejo que tens de ser cocheiro? PEDRO - Sim, senhor! EDUARDO (rindo-se) - Muito bem! Assim, pouco te importava que eu ficasse mal com uma pessoa que estimava; que me casasse com uma velha ridícula, contanto que governasses dois cavalos em um carro! Tens razão!... E eu ainda devo dar-me por muito feliz, que fosse esse o motivo que te obrigasse a trair a minha confiança. (ALENCAR, 2003, p. 35-36) Para atingir seu objetivo, Pedro promove uma série de mal-entendidos: enreda uns contra os outros; troca os versos destinados a Henriqueta com os da viúva e viceversa; tenta aproximar Eduardo e a viúva; induz Carlotinha a mandar uma flor a Alfredo; mente a Azevedo a respeito de Henriqueta; entre outras. Para Moura (2009), o autor leva o receptor a refletir sobre valores morais e humanos daquela sociedade. Com esta intenção, até certo ponto moralizadora, faz Eduardo dar a carta de Alforria a Pedro: EDUARDO - Por que, minha irmã? Todos devemos perdoar-nos mutuamente; todos somos culpados por havermos acreditado ou consentido no fato primeiro, que é a causa de tudo isto. O único inocente é aquele que não tem imputação, e que fez apenas uma travessura de criança, levado pelo instinto da amizade. Eu o corrijo, fazendo do autômato um homem; restituo-o à sociedade, porém expulso-o do seio de minha família e fecho-lhe para sempre a porta de minha casa. (A PEDRO) Toma: é a tua carta de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante, porque as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma conta severa de tuas ações. Livre, sentirás a necessidade do trabalho honesto e apreciarás os nobres sentimentos que hoje não compreendes. (PEDRO beija-lhe a mão.) (ALENCAR, 2003, p. 90-91) 26 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br De acordo Moura (2009) se observarmos mais atentamente a peça O demônio familiar, poderemos verificar que alguns detalhes se encaixam nas características do teatro romântico moderno. Um importante aspecto a ser observado são os valores sociais e humanos que norteiam a sociedade, em especial uma “família de bem”. Estas mensagens vêm através das palavras de Eduardo nas várias situações criadas. Por exemplo, quando fala à sua irmã sobre o papel do irmão no seio familiar, deixa implícita a condição da mulher frágil que necessita da proteção do homem numa sociedade patriarcal: EDUARDO - Mais um motivo. Um irmão, Carlotinha, é para sua irmã menos do que uma mãe, porém mais do que um pai; tem menos ternura do que uma, e inspira menos respeito do que o outro. Quando Deus o colocou na família a par dessas almas puras e inocentes como a tua, deu-lhe uma missão bem delicada; ordenoulhe que moderasse para sua irmã a excessiva austeridade de seu pai e a ternura muitas vezes exagerada de sua mãe; ele é homem e moço,conhece o mundo, porém também compreende o coração de uma menina, que é sempre um mito para os velhos já esquecidos de sua mocidade. Portanto, a quem melhor podes contar um segredo do que a mim? CARLOTINHA - É verdade, suas palavras me decidem. Você é meu irmão, e o chefe da nossa família, desde que perdemos nosso pai. Devo dizer-lhe tudo; tem o direito de repreender-me! (ALENCAR, 2003, p. 38-39) Moura (2009) salienta que valores morais também são veiculados pelas palavras de Eduardo quando discute a questão do casamento com Azevedo, que se revela um sujeito mau caráter: AZEVEDO - Decerto!... Uma mulher é indispensável, e uma mulher bonita!... É o meio pelo qual um homem se distingue no grand monde!... Um círculo de adoradores cerca imediatamente a senhora elegante, espirituosa, que fez a sua aparição nos salões de uma maneira deslumbrante! Os elogios, a admiração, a consideração social acompanharão na sua ascensão esse astro luminoso, cuja cauda é uma crinolina, e cujo brilho vem da casa do Valais ou da Berat, à custa de alguns contos de réis! Ora, como no matrimônio existe a comunhão de corpo e de bens, os apaixonados da mulher tornam-se amigos do marido, e vice-versa; o triunfo que tem a beleza de uma, lança um reflexo sobre a posição do outro. E assim consegue-se tudo! EDUARDO - Tu gracejas, Azevedo; não é possível que um homem aceite dignamente esse papel. A mulher não é, nem deve ser, um objeto de ostentação que se traga como um alfinete de brilhante ou uma jóia qualquer para chamar a atenção! (ALENCAR, 2003, p. 23-24) 27 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Segundo Moura (2009), contata-se durante o desenrolar da trama, que através das palavras de Eduardo, no papel de bom moço, o autor manda seus “recadinhos” aos espectadores ou leitores. As falas desta personagem são geralmente longas e recheadas de “lições”. Estas lições versam sobre os costumes de então, como a família ser vista com um templo, “o templo da felicidade doméstica”; a manutenção dos costumes que fazem manter a família unida, o respeito à palavra dada e escolha dos filhos em relação ao matrimônio; a confiança no poder da educação oferecida pelos pais aos filhos; a paz estabelecida no seio familiar. Eduardo é o porta-voz das mensagens do autor, mas com o cuidado de não melindrar espectadores ou leitores com suas reflexões morais. Uemori (2004) cita que José de Alencar, abordou o tema da escravidão em sua peça O demônio familiar. Tentou mostrar a relação de escravos e senhores no âmbito familiar. Surpreende a presença de um escravo, no caso o menino Pedro, nessa obra, já que os negros estiveram praticamente ausentes nos outros trabalhos do autor. Quando apareciam eram personagens secundários, de pouquíssima relevância para a trama. Compreende-se essa ausência quando se sabe que escravos e escravidão eram termos “proibidos” nos textos oficiais e nas obras literárias durante o Romantismo. O estudioso defende que na obra de Alencar a família ocupa um lugar importante, bem como os que querem desagregá-la. Em O demônio familiar o “inimigo” não é um invasor, mas está dentro da família e é escravo. O moleque Pedro não é a personagem típica do escravo fiel e resignado e nem o escravo vingativo e cruel, dois estereótipos da época; nem é o serviçal autômato cumpridor de ordens. Ele é malandro, intrigueiro, alcoviteiro, egoísta, interesseiro, mentiroso que manipula o seu senhor (Eduardo) e as outras personagens brancas. Eduardo, cansado das diabruras do moleque, aplica-lhe um castigo: liberta-o. Visava, mediante esse ato, estabelecer a hierarquia e expulsar o demônio familiar; portanto, não é a palmatória que corrigirá Pedro. A alforria tinha dois objetivos: punir e educar. A expulsão salva a família e transforma Pedro de escravo em cidadão. A mudança na ordem jurídica o obrigará a ser responsável pelos seus atos, “dando-lhe o sentido de obrigação moral”. De acordo com Uemori (2004), na obra literária de Alencar existem vários 28 “demônios” ameaçando a família e o caráter nacional brasileiro. O casamento por interesse, Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br a influência estrangeira e a corrupção moral introduzida pelos escravos. Alencar queria salvar a família patriarcal pela alforria. O Demônio Familiar: uma análise Pedagógico-Moralista Uma breve análise se faz pertinente no sentido de estabelecer um diálogo entre o estudo da obra e das teorias mencionadas. Destacaremos algumas ideias importantes: Silva (1973) confere à literatura função político-social, a literatura com a função pedagógica moralista, que molda quem lê. Seriam por exemplo, as fábulas. Critica a literatura entendida segundo critérios de valor de Sartre. Salienta a Literatura Comprometida, em defesa de determinados valores morais, políticos e sociais, nasce de uma decisão livre do escritor; Literatura Planificada ou Dirigida, os valores a defender são impostos; Platão, em seu moralismo estético busca em Sócrates suas reflexões. Sócrates reduz o conceito de beleza à utilidade. As coisas belas se identificam com as coisas de boa utilidade. Romantismo, movimento que expressa um forte engajamento na reforma social e ao qual José de Alencar se destaca como representante. Neste sentido, Tufano (1983) salienta que sua obra romanesca é vasta, abrangendo diferentes tendências desenvolvidas na época. Em seu conjunto de obras, merecem destaque os romances sociais, em que o autor faz uma representação bastante crítica das relações humanas na sociedade carioca da época. Apesar dos ingredientes sentimentais e dos arranjos para que tudo termine com um final feliz, Alencar põe a nu a hipocrisia e a corrupção das classes altas, que se mostram preocupadas apenas com a ostentação do luxo e a manutenção de seus privilégios. De acordo Moura (2009), contata-se durante o desenrolar da trama, que através das palavras de Eduardo, no papel de bom moço, José de Alencar manda seus “recadinhos” aos espectadores ou leitores. As falas desta personagem são geralmente longas e recheadas de “lições”. Uemori (2004) defende que na obra de Alencar a família ocupa um lugar importante, bem como os que querem desagregá-la. Em O demônio familiar o “inimigo” não é um invasor, mas está dentro da família e é escravo. 29 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Bosi (1994) destaca no último ato, o momento em que o moleque é alforriado para que, fora da irresponsabilidade em que vivera como escravo possa escolher honradamente seu caminho: Toma: é a tua carta de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante, porque as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma conta severa de tuas ações. Livre, sentirás a necessidade do trabalho honesto e apreciarás os nobres sentimentos que hoje não compreendes. (PEDRO beija-lhe a mão.). (ALENCAR, 2003, p. 90-91) Defende que essa, naturalmente, era a intenção ética de Alencar ao redigir a comédia. E Para Uemori (2004), a alforria tinha dois objetivos: punir e educar. A expulsão salva a família e transforma Pedro de escravo em cidadão. A mudança na ordem jurídica o obrigará a ser responsável pelos seus atos, dando-lhe o sentido de obrigação moral. Conclusão Na perspectiva de que o resultado deste estudo possa contribuir para ampliação e aprofundamento aos estudos literários. Analisamos a peça teatral “O demônio familiar”, uma das obras do grande representante do Romantismo, José de Alencar. Investigando a presença de uma das funções da literatura apontadas por Silva (1973), esta, a função pedagógico-moralista. O estudo da obra em questão foi desenvolvido de forma gradativa, a realização desta pesquisa é de caráter teórico, por meio de pesquisa bibliográfica, com cotejamento da teoria e aplicação na obra em questão. Neste sentido, uma vez que, segundo Silva (1973), as coisas belas se identificam com as coisas de boa utilidade, a literatura se direciona em algo pedagógico. Confere à literatura função político-social, a literatura com a função pedagógico-moralista, aquela que “molda” quem lê. Moura (2009) defende que na trama, através das palavras de Eduardo, no papel de bom moço, o autor manda seus “recadinhos” aos espectadores ou leitores. As falas desta personagem são geralmente longas e recheadas de “lições”. Para Uemori (2004), a alforria tinha dois objetivos: punir e educar. A expulsão salva a família e transforma Pedro de escravo em cidadão. A mudança na ordem jurídica o obrigará a ser responsável pelos seus atos, “dando-lhe o sentido de obrigação moral”. 30 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br E Bosi (1994) destaca no último ato, o momento em que o moleque é alforriado para que, fora da irresponsabilidade em que vivera como escravo possa escolher honradamente seu caminho: Toma: é a tua carta de liberdade, ela será a tua punição de hoje em diante, porque as tuas faltas recairão unicamente sobre ti; porque a moral e a lei te pedirão uma conta severa de tuas ações. Livre, sentirás a necessidade do trabalho honesto e apreciarás os nobres sentimentos que hoje não compreendes. (PEDRO beija-lhe a mão.). (ALENCAR, 2003, p. 90-91) Defendendo que essa, naturalmente, era a intenção ética de José de Alencar ao redigir a comédia. Assim, com esta pesquisa, através do cotejamento teórico e aplicação na obra, embasados nas teorias mencionadas, podemos verificar que a função pedagógico-moralista da literatura se faz autêntica em “O demônio familiar”, de José de Alencar. Referências ABDALA JUNIOR, B. Tempos da literatura brasileira. 2. ed. Ática, 1986. ALENCAR, J. O demônio familiar. 2. ed. Campinas, SP: Pontes, Editora Kelps, 2003. BERALDO, J. Literatura comentada. São Paulo: Educação Abril, 1980. BOSI, A. História Concisa da Literatura Brasileira. 32. ed. São Paulo: Cultrix, 1994. CALDIN, C. A leitura como função pedagógica: o literário na escola. Rev. ACB: Biblioteconomia em Santa Catarina, v. 7, n. 1, p. 22-33, 2002. EAGLETON, T. Teoria da Literatura. Uma introdução. Trad. Waltensir Dutra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. PLATÃO. A República: [ou sobre a justiça, diálogo político]. Tradução Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. SILVA, V. Teoria da Literatura. 3. ed. Coimbra: Livraria Almeida, 1973. SOUZA, R. Teoria da Literatura. 10. ed. São Paulo, Ática: 2007. TUFANO, D. Estudos de literatura brasileira. 3. ed. Moderna, 1983. UEMORI, C. Escravidão, nacionalidade e “mestiços políticos”. Lutas Sociais, n. 11/12, p. 8597, 2004. 31 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Educação ambiental como instrumento para preservação e proteção do meio ambiente: aspectos pedagógicos e jurídicos Willian Flügge Carvalho 3 Resumo O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a relevância da educação ambiental como instrumento positivo e eficaz para a preservação e proteção do meio ambiente. Através de pesquisas bibliográficas apresentam-se alguns dos principais pontos que auxiliam para o estudo e compreensão do tema, tais como: movimentos internacionais propulsores da tutela ambiental no mundo, a legislação nacional como mecanismo para se difundir e inserir a educação ambiental no âmbito escolar, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) exibindo o meio ambiente como tema transversal para a educação pátria, a interdisciplinaridade integrando diversos saberes e melhorando o entendimento sobre a problemática das questões ambientais e, a educação ambiental como utensílio para a tutela natural. No mais, sublinha-se a essencialidade da educação voltada aos temas ecológicos como pilar para educar e conscientizar cidadãos sobre a imprescindibilidade do meio ambiente. Palavras-chave: Educação Ambiental. Meio Ambiente. Tutela. Escola. Introdução Fora pela realização de movimentos internacionais relacionados ao meio ambiente que se percebeu, face à difusividade planetária que obtiveram, a necessidade de um método que, antes de tudo, conscientizasse e oferecesse aos indivíduos informações sobre problemas ambientais. Haja vista estarem as atividades antrópicas em um contexto global ocasionando desde priscas eras o extermínio de recursos naturais em diversas regiões do planeta. Nessa senda, elaboram-se continuamente inúmeros mecanismos de tutela ao meio ecológico visando frear o processo de degradação do meio ambiente. Dentre os instrumentos criados para preservar e proteger o referido meio, encontra-se a educação ambiental, que progressivamente tem ganhando força e espaço no Brasil com a edição de leis e outras regras governamentais ao âmbito educacional. Nesse palco, a educação ambiental insere-se como tipo de “educação política, no sentido de que ela reivindica e prepara os cidadãos para exigir justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza” (REIGOTA, 1996, p. 10). 3 Willian Flügge Carvalho é graduando do 10º período do curso de Direito da Faculdade de Jussara – FAJ, da cidade de Jussara, Goiás. Professor indicador doutor Clovis Carvalho Britto, Universidade de Brasília – UNB/UEG. 32 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A maioria destes trabalhos aponta primordialmente fatos externos, notadamente intergovernamentais realizados pelas Nações Unidas que cooperaram para a construção da educação em comento, derribando a ideia de uma educação ambiental nacional destituída de influências alienígenas. No mais, enfatiza-se o avanço legislativo vernáculo, bem como as políticas públicas em geral relevantes à formação e inserção desse tipo de educação nas escolas e no meio social. Também, observa-se que a educação ambiental deve ligar-se à transversalidade e interdisciplinaridade, levando em conta serem diretrizes adotadas pelo sistema de ensino que a permitem disseminar e ser aplicada à sociedade em geral. Salientase ainda que a efetividade da citada educação se sujeita à participação de diversos atores sociais, como escola e comunidade, o que promove o roto paulatino do arcaico modelo formal de ensino. Desta feita, é com o propósito de elucidar o tema educação ambiental e expor a proeminência da questão face aos problemas ambientais vividos pelo mundo, particularmente por nosso país, que este trabalho direciona-se ao esclarecimento da temática, a fim de propiciar estudo e conhecimento. Educação ambiental: alguns passos para a universalidade Os movimentos ecologistas estrearam no mundo em épocas que não muito se distam dessa. Tiveram “origem em um momento da história recente em que a utopia e as energias para transformação da sociedade estavam em alta” (CARVALHO, 2011, p. 46). Na Europa, especialmente em Paris – França, e nos Estados Unidos, nos anos de 1960, clamava-se por “um planeta mais azul” (CASCINO, 1999, p. 31). As manifestações ideológicas e as reivindicações por direitos diferenciados no continente europeu e americano cooperaram para a edificação de uma preocupação ambiental que logo se ramificaria pelo mundo. No Brasil, não muito diferente, até a segunda metade do período novecentista (1960), prevalecia “a convicção de que seriam infinitas as fontes de recursos naturais e de que o livre mercado maximizaria o bem-estar social” (TACHIZAWA, 2006, p. 44). Hodiernamente, com a disseminação de pesquisas e estudos científicos cada vez mais acessíveis às pessoas de todo mundo, a mentalidade arcaica alimentada até 1960 vem sendo dirimida, e, por consequência, instituindo-se gradativamente um novo modelo de 33 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br conscientização. Os movimentos internacionais realizados pela Organização das Nações Unidas – ONU em beneplácito do meio ambiente constituem mecanismos importantes que contribuem para o influxo de novos métodos de tutela ao meio natural. Em 1972, em Estocolmo – Suécia realizou-se o primeiro grande movimento internacional em prol do meio ambiente. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, conhecida como Conferência de Estocolmo, “contribuiu de maneira importante para gerar um novo entendimento sobre os problemas ambientais e a maneira como a sociedade prevê sua subsistência” (CAMPOS; NETO; SHIGUNOV, 2009, p. 60). Destaca-se, entretanto, que durante a constância de Estocolmo, elaborou-se o documento intitulado: Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, o qual trouxe expressamente 26 (vinte e seis) princípios. Enquanto o princípio 19 (dezenove) do citado documento fomentou a necessidade da inserção da educação ambiental como instrumento a incentivar e fortalecer a proteção do meio ambiente, devendo ser exercida por todos os integrantes da sociedade. Em 1975, a United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization – UNESCO, órgão da ONU incumbido de promover e divulgar questões educacionais através de reuniões e seminários internacionais, organizou na Iugoslávia, em Belgrado, “a reunião de especialistas em educação, biologia, geografia e história, e entre outros” (REIGOTA, 1996, p. 16), com o intuito de se definir pressupostos norteadores para a educação ambiental no mundo. Através da “Carta de Belgrado” (CASCINO, 1999, p. 55), fixaram-se alguns objetivos que colocaram a educação ambiental como meio de conhecimento e solução para diversos problemas ambientais. Em 1982, “a partir da avaliação dos dez anos pós-Estocolmo, orientada pelo PNUMA, foi constituída, em Nairóbi, no Quênia, a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento *...+” (MASCARENHAS, 2008, p. 25), a qual foi implementada no ano seguinte pela ONU e teve como meta estabelecer discussões e metas entre os Estados para a proteção climática, enaltecendo a preocupação com o meio ambiente e com estudos à sua tutela em todo planeta. Anote-se que em 1987, como fator categórico de sua realização, fora criado o Relatório Brundtland, alcunhado como Nosso Futuro Comum, publicado em 1988 para propagar o entendimento do “*...+ desenvolvimento sustentável como o que 34 realiza as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das futuras gerações de Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br as satisfazerem, prioriza as camadas mais pobres da população e estabelece condições básicas para o desenvolvimento e a conservação dos ecossistemas” (MASCARENHAS, 2008, p. 26). No ano de 1992, a Assembleia Geral da ONU realizou no Rio de Janeiro – Brasil, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida também como Rio-92, ECO-92 ou Cúpula da Terra. Pelo encontro dos Estados, houve a criação de “*...+ importantes documentos como a Agenda 21 [...+” (MASCARENHAS, 2008, p. 29). A Agenda 21 traçou estratégias e metas globais para a criação de mecanismos de desenvolvimento sustentável e ao estabelecimento de políticas para sua efetivação. Sobreleva mencionar, entretanto, que apesar da paulatina pulverização de iniciativas em prol do meio ambiente ocorridas mundialmente desde a década de 1960, a Educação Ambiental (EA) somente ganhou prestígio e começou a efetivamente propagar-se e se tornar mecanismo hábil à proteção ecológica no estrado interno dos Estados, com o advento da Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental em 1977, realizada em Tbilisi, Geórgia (ex-URSS). [...] inicia-se um amplo processo em nível global orientado para criar as condições que formem uma nova consciência sobre o valor da natureza e para reorientar a produção de conhecimento baseada nos métodos da interdisciplinaridade e nos princípios da complexidade. Esse campo educativo tem sido fertilizado transversalmente, e isso tem possibilitado a realização de experiências concretas de educação ambiental de forma criativa e inovadora por diversos segmentos da população e em diversos níveis de formação (JACOBI, 2003, p. 190). De fato, as bases da educação ambiental encontram-se nos eventos internacionais produzidos pela Organização das Nações Unidas, especialmente pelos movimentos supramencionados, os quais criaram inúmeras diretrizes para a construção de um modelo social que levasse em conta o bem-estar humano, alcançando “uma situação ideal de justiça social, para a humanidade, na qual o desenvolvimento sócio-econômico, em bases eqüitativas, estaria em harmonia com os sistemas de suporte da vida na Terra” (CORDANI, 1995, p. 14). Inobstante, as normas decorrentes dos eventos serviram para a mundialização da proteção e preservação ambiental, já que muitos Estados, como o Brasil, tornaram-se pactuantes dos tratados instituídos pelas ações intergovernamentais. 35 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Legislação brasileira e diretrizes governamentais para a inserção da educação ambiental nas escolas No âmbito nacional, a influência dos movimentos externos, como os já mencionados, contribuíram para a produção de políticas públicas e eventos não governamentais sobre educação ambiental. A legislação pátria, grande modelo da inserção de parâmetros internacionais no ordenamento interno, vem se desenvolvendo concomitante aos novos paradigmas da educação, criando mecanismos para a implementação da educação ambiental nas escolas. Em 1981, a Lei n° 6.938 – Política Nacional do Meio Ambiente –, de maneira inédita, através de seu artigo 2°, inciso X, incluiu a educação ambiental em todos os níveis de ensino, compreendendo também a comunidade na participação ativa para a defesa do meio ambiente. Todavia, foi com a promulgação da Lex Magna em 1988 que a educação ambiental ganhou relevância e alicerce constitucional para se desenvolver nacionalmente. A Constituição vigente buscou “trazer a consciência ecológica ao povo, titular do direito ao meio ambiente, permitindo a efetivação do princípio da participação na salvaguarda desse direito” (FIORILLO, 2011, p. 126). Por meio do artigo 225, parágrafo §1°, e inciso VI, do referido diploma, admitiu-se que a educação ambiental fosse utilizada como instrumento de tutela ao meio natural. Ademais, a nova ordem de leis superiores fundou o Estado Democrático de Direito baseado na cidadania e dignidade da pessoa humana (artigo 1°, incisos II e III, da CF), por onde a educação tornou-se meio indispensável para resguardálas e promovê-las, visto ser um direito de todos e dever do Estado e da família, conforme preconiza o artigo 205, da Carta da República, in verbis: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988). Desse modo, com o vigor da Carta Política de 1988 inúmeros projetos, eventos e leis multiplicaram-se pelo país, unindo preservação e proteção ambiental à necessidade de uma educação que considerasse o meio ecológico parte intrínseca para a formação de indivíduos, ou seja, um tipo de ensino que alimentasse o ideal “de sujeito ecológico *...+, contribuindo para uma cidadania ambientalmente sustentável” (CARVALHO, 2011, p. 69 e 106). 36 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Em 1992, por exemplo, durante a realização da ECO-92, surgiu com objetivos específicos o evento não governamental conhecido como Fórum Global, o qual reuniu diversas Organizações não Governamentais – ONGs, e vários movimentos sociais ligados ao meio ambiente. Como fruto significativo do evento, elaborou-se o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, “o qual pretendeu abarcar os princípios estabelecidos em Tbilisi – 1977” (CASCINO, 1999, p. 45). Em verdade, o documento causou efeitos positivos no campo educacional e pedagógico brasileiro. Sobre o assunto, Carvalho (2011) aponta o seguinte: Esse tratado está na base da formação da Rede Brasileira de Educação Ambiental, bem como das diversas redes estaduais, que formam grande articulação de entidades não governamentais, escolas, universidades, e pessoas que querem fortalecer as diferentes ações, atividades, programas e políticas em EA. Essa aposta na formação de novas atitudes e posturas ambientais como algo que deveria integrar a educação de todos os cidadãos passou a fazer parte do campo educacional propriamente dito e das preocupações das políticas públicas. Essa compreensão foi ratificada pela Política Nacional da Educação Ambiental [...] (CARVALHO, 2011, p. 54). A Política Nacional da Educação Ambiental – Lei n° 9.795/99 –, regulamentada pelo Decreto 4.281/02, veio reforçar e estabelecer metas concretas à educação ambiental no Brasil. Tal lei foi “instituída como obrigatória em todos os níveis de ensino e considerada componente urgente e essencial no Ensino Fundamental” (BOER; MORAES, 2006, p. 293). Definida como o conjunto de “processos pelos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes contemporâneas voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo” (FIORILLO, 2011, p. 127). Transversalidade e interdisciplinaridade como meio de se efetivar a educação ambiental Vede que o legislador nacional, algumas entidades do terceiro setor como as ONGs, e ainda a população civil em geral, encontram-se trabalhando para introduzir valores e atitudes lastreados pela ética, cidadania e dignidade no plano estudantil brasileiro. Entrementes, para colocar a educação ambiental de maneira efetiva e propícia para gerar resultados nas escolas, especialmente nos graus fundamentais e médios, mais do que políticas públicas ou eventos desprovidos de qualquer vínculo político devem ser obrados. Nessa direção, Boer e Moraes (2006) apontam a transversalidade e a interdisciplinaridade como métodos primordiais para se erguer uma educação ambiental eficiente. 37 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A transversalidade da educação brasileira opera-se com a inserção de questões sociais relevantes no plano escolar. Desde a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), pelo Governo Federal, os denominados Temas Transversais tem moldado a educação pátria. De acordo com Peres (2008), os Temas Transversais escolhidos pelo poder público no Brasil foram divididos em seis grupos, fazendo referência à: “Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo” (PERES, 2008, p. 39). Em 1997, a Secretaria de Educação Fundamental publicou uma cartilha contendo a versão definitiva dos PCNs para as primeiras séries do ensino básico, da 1ª à 4ª séries. Em 1998, o mesmo órgão apresentou a versão definitiva dos PCNs para a 5ª e 8ª séries. Do documento de 1997, acentua-se o seguinte trecho sobre o tema meio ambiente: O trabalho de Educação ambiental deve ser desenvolvido a fim de ajudar os alunos a construírem uma consciência global das questões relativas ao meio para que possam assumir posições afinadas com os valores referentes à sua proteção e melhoria. [...] Os conteúdos de Meio Ambiente serão integrados ao currículo através da transversalidade, pois serão tratados nas diversas áreas do conhecimento, de modo a impregnar toda a prática educativa e, ao mesmo tempo, criar uma visão global e abrangente da questão ambiental (SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL, 1997, p. 35-36). Assim, os “PCNs apresentam o meio ambiente como um dos Temas Transversais, cujos conteúdos devem ser trabalhados pela Educação Ambiental, de forma sistemática, abrangente, interdisciplinar e transversal nas disciplinas” (BOER; MORAES, 2006, p. 293). A interdisciplinaridade, por sua vez, nasce com a missão de relacionar diferentes áreas do conhecimento à complexidade das questões ambientais; carregando o objetivo de gerar um melhor entendimento sobre as realidades difíceis e delicadas àqueles envolvidos no circuito escolar e também fora dele. É sabido que o meio ambiente é tudo que nos envolve e com o que interagimos, por isso, a educação comprometida com temas ecológicos deve instigar novos métodos de ensino e aprendizagem, cingindo diversos campos do conhecimento, levando em conta a grandiosidade do objeto de estudo. Frise-se que a interdisciplinaridade não busca “unificar as disciplinas, mas estabelecer conexões entre elas, na construção de novos referenciais conceituais e metodológicos consensuais, promovendo a troca entre os conhecimentos disciplinares” (CARVALHO, 2011, p. 121). 38 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Normalmente, o método interdisciplinar “é empregado quando professores de diferentes disciplinas realizam atividades comuns, sobre um mesmo tema” (REIGOTA, 1996, p. 39). No entanto, esse modelo que se orienta por um nexo entre distintos saberes não deve limitar-se ao entrecruzamento de matérias afins. Posicionar a educação ambiental sob o molde interdisciplinar é também “construir um conhecimento dialógico, ouvir os diferentes saberes, tantos os científicos quanto os outros saberes sociais (locais, tradicionais, das gerações, artísticos, poéticos, etc.)” (CARVALHO, 2011, p. 130). Os professores, nesse cenário, conscientes “de seu importante papel na formação das futuras gerações, assumem a tarefa de rever sua educação, em um rico diálogo [...] consigo próprio, no sentido de reeducar-se” (CASCINO, 1999, p. 95), adaptando-se as novas práticas pedagógicas nesse volúvel palco socioeducativo. Assim, claro está que a transversalidade e a interdisciplinaridade devem integrar a educação ambiental como requisitos básicos para efetivá-la e vinculá-la ao ensino educacional nacional. Contudo, deve-se aluminar que, para que a educação ambiental esteja apta a promover a proteção e preservação natural, escola e comunidade devem trabalhar em conjunto. Práticas para a efetividade da educação ambiental fora da escola A informalidade da educação ambiental, isto é, as práticas educacionais exercidas fora dos muros escolares por diversas pessoas da comunidade, são tão relevantes quanto as realizadas intramuros. Enquanto internalizadas, as atividades voltadas à educação ambiental comumente limitam-se a um grupo de indivíduos, com idades aproximadas, conhecimentos parecidos e, muitas vezes, orientados por um mesmo processo cognitivo. Se externas, “incluem não só crianças e jovens, mas também adultos, agentes locais, moradores e líderes comunitários” (CARVALHO, 2011, p. 157). Logo, os efeitos e resultados da educação ambiental à benevolência do meio ecológico somente podem ser concretos e positivos se, antes de tudo, este desafio for vencido, o qual sumariamente consiste em “formular uma educação ambiental que seja crítica e inovadora, em dois níveis: formal e não formal” (JACOBI, 2003, p. 196). Portanto, 39 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br pode-se dizer que “as instituições de ensino estão comprometidas com a educação ambiental tanto no ensino formal como não formal” (FIORILLO, 2011, p. 128). Chegando aqui, é forçoso explicar que “a educação ambiental por si só não resolverá os complexos problemas ambientais planetários” (REIGOTA, 1996, p. 12), ou seja, ela jamais pode ser vista como único meio para combater o gradativo falecimento do meio ecológico, cujas causas ligam-se diretamente às atividades do homem na natureza em um contexto mundial. A educação ambiental deve ser usada como um utensílio para tutelar o meio ambiente, sendo, entanto, questão primordial na formação do caráter e atitudes de todos os cidadãos. Deve estar presente em todos os graus de formação, oferecendo aos indivíduos informações sobre seus direitos e deveres, além de levá-los à consciência dos problemas ambientais, orientando-os às práticas para combatê-los e/ou minimizá-los, ou até interrompê-los. Considerações finais O mundo capitalista, envolto pelo materialismo exacerbado, requer dia a dia soluções efetivas para os problemas socais e naturais que ocorrem pelo esgotamento dos recursos naturais. Nessa direção, vimos que a educação ambiental tem se tornado objeto propício para promover a educação social quanto ao meio ecológico. Ao atuar através do ensino nas escolas e por práticas individuais e coletivas, pode gerar bons resultados locais e globais. No caminho comum, se agir como formadora e reformadora de opinião, pode auxiliar na conscientização sobre a importância do meio finito que estamos condenados a depender ou sucumbir sem sua utilização, leia-se: meio ambiente. Assim, observamos que a introdução de questões de sustentabilidade no âmbito escolar é meio direito de proteção e preservação ambiental, além de enaltecer a cidadania e os valores éticos e humanos. Igualmente, as políticas públicas nacionais e internacionais seguidamente realizam papel importante e de prestígio para o processo de implementação da educação ambiental no mundo inteiro. No Brasil, a legislação, por exemplo, é medida necessária para a difusão da educação ambiental nas escolas e na comunidade, já que valora, protege e dissemina os temas ecológicos nesses meios. Destarte, ante a necessidade da proteção e preservação do meio ambiente, necessário se torna primeiramente educar e reeducar a população em geral, utilizando-se 40 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br diversos instrumentos, dentre eles, a educação ambiental inserida nas escolas, nas políticas governamentais e não governamentais. Referências: BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2010. ______. Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999, Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9795.htm Acesso em: 02 set. 2012. ______. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm Acesso em: 05 set. 2012. BOER, N; MORAES, E. Políticas educacionais, visões de mundo e a articulação em processos educativos. Ciênc. educ., Bauru, v. 12, n. 3, Dec. 2006 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151673132006000300004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20 set. 2012. CAMPOS, L; NETO, A; SHIGUNOV, T. Fundamentos da Gestão Ambiental. 1. ed. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2009. CARVALHO, I. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011. CASCINO, F. Educação Ambiental: princípios, história, formação de professores. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 1999. CORDANI, U. As Ciências da Terra e a mundialização das sociedades. Estud. av., São Paulo, v. 9, n. 25, Dec. 1995 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010340141995000300003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 21 set. 2012. FIORILLO, C. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. JACOBI, P. Educação ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cad. Pesqui., São Paulo, n. 118, Mar. 2003 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010015742003000100008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 01 out. 2012. MASCARENHAS, É. Gestão Ambiental Urbana: uma análise da ação do projeto vila-bairro na vila Santa Maria da Codipi, zona norte de Teresina, Piauí. 2008. 162 p. Dissertação (Mestrado em Ambiente) – Universidade Federal do Piauí, 2008. PERES, P. Educação: Instrumento para a cidadania, ética e dignidade humana. Monografia. Universidade do Legislativo Brasileiro Unilegis. Brasília – DF. 2008. REIGOTA, M. O que é Educação Ambiental. 1. ed. 1996. São Paulo: Brasiliense, 1996. 41 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL - MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais, Temas Transversais. 1ª a 4ª séries. Brasília. 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12640:paramet ros-curriculares-nacionais1o-a-4o-series&catid=195:seb-educacao-basica>. Acesso em: 01 out. 2012. TACHIZAWA, T. Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2006. 42 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A Matemática e o currículo integrado no Curso Técnico em Agropecuária Thais Aparecida Pacheco Josislei de Passos Vieira Paula Reis de Miranda 4 Resumo Este trabalho faz parte da Pesquisa do Programa Institucional de Iniciação Científica e Inovação Tecnológica do IF Sudeste de Minas – campus Rio Pomba intitulada “A Matemática na formação do técnico em agropecuária: a efetivação do currículo integrado” que tem como objetivo elaborar um material didático interdisciplinar para o ensino da Matemática no Curso Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio do IF do Sudeste de Minas - Campus Rio Pomba. Neste recorte apresentam-se as visões do coordenador, dos docentes, dos discentes e do ex – aluno do curso Técnico em Agropecuária sobre a Matemática na formação do profissional e do cidadão envolvido nesse curso. Nesse sentido são destacadas orientações para os professores de Matemática, quanto a seu papel na formação do educando e o currículo que contribuirá para o mundo que o cerca e a importância da Matemática nessa formação. Palavras chave: Currículo. Interdisciplinaridade. Matemática. Curso Técnico em Agropecuária. Educação profissional técnica integrada ao Ensino Médio Os cursos técnicos regularmente oferecidos pelos IF podem ser de articulação concomitante, subsequente ou integrado. A articulação no formato concomitante é oferecida a quem já concluiu o Ensino Fundamental ou esteja cursando o Ensino Médio, permitindo ao estudante ter duas matrículas distintas: uma no Ensino Médio regular e outra no Ensino Técnico. Já o curso subsequente, destina-se apenas a quem já tenha concluído o Ensino Médio, pois concede ao estudante a matrícula e a certificação no curso técnico. A partir do Decreto 5.154/04 (BRASIL, 2004) as instituições de educação profissional e tecnológicas retomaram ampliaram a oferta na modalidade integrada. O curso técnico integrado ao ensino médio, por sua vez, é oferecido a quem já tenha concluído o Ensino Fundamental, contando com uma matrícula única para o aluno que obterá, ao final do mesmo, a habilitação profissional técnica de nível médio emitida pela instituição federal e a certificação de nível médio. 4 Thais Aparecida Pacheco e Josislei de Passos Vieira são graduandas do curso de Licenciatura em Matemática pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais- Campus Rio Pomba e bolsistas de Iniciação à Docência. Paula Reis de Miranda é doutoranda da Faculdade de Educação da UFMG e professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste de Minas Gerais - Campus Rio Pomba. 43 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Mas quando se fala em integração curricular não se trata exclusivamente da modalidade integrada e sim da manifestação da integração. O princípio da integração tem que ser observado em qualquer modalidade. Defende-se a integração pelo princípio, e reconhecem-se demandas e pertinências sociais das outras modalidades. O princípio da educação integrada é o trabalho que, como tal, deve nortear a educação profissional e o ensino médio. Nesse sentido, ressalta-se a definição de integração de Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005), quando afirmam que: Remetemos o termo [integrar] ao seu sentido de completude, de compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso, de tratar a educação como uma totalidade social, isto é, nas múltiplas mediações históricas que concretizam os processos educativos [...]. Significa que buscamos enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos. (Frigotto, Ciavatta e Ramos, 2005, P.117). De acordo com Moura (2006), a característica marcante dos cursos integrados é a capacidade de proporcionar um vínculo estreito entre a formação básica e a formação profissional. O Caminho da pesquisa No Ensino Médio, etapa final da escolaridade básica, como mostra (BRASIL, 2002) a Matemática deve ser compreendida como uma parcela do conhecimento humano essencial para a formação de todos os jovens, contribuindo na construção da “visão de mundo”, na interpretação da realidade e no desenvolvimento das capacidades exigidas ao longo da vida social e profissional. A questão proposta neste artigo é: Quais relações podem ser estabelecidas entre a Matemática e o curso Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio? Consequentemente, amplia-se olhar desta questão para uma ação concreta: é possível elaborar um material didático interdisciplinar para o ensino de Matemática no Curso Técnico em Agropecuária? Como forma de identificar as relações entre a Matemática e a Agropecuária foi realizado um estudo da matriz curricular do curso e dos documentos que o regem. 44 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Para a elaboração do material didático, primeiramente seria necessária a organização dos conteúdos matemáticos e dos temas diretamente relacionados à vida social, política e profissional do aluno do curso, tendo em vista a construção de um material contextualizado e interdisciplinar. Para esta organização foram executadas três entrevistas com sujeitos diretamente relacionados com o curso Técnico em Agropecuária: a primeira com o coordenador, a segunda com seis alunos e a terceira com um ex-aluno que atua como Técnico em Agropecuária. As colocações do coordenador, dos alunos e do ex-aluno do curso foram gravadas em áudio, sendo posteriormente transcritas e analisadas. Também foi realizada a aplicação de um questionário aos professores da área técnica na perspectiva de explanar saberes e conteúdos matemáticos importantes para a formação profissional de um Técnico em Agropecuária e para sua atuação em qualquer região. Após a realização das entrevistas e a aplicação do questionário, percebemos a necessidade de analisarmos as gravações e o detalhamento das respostas obtidas. Para facilitar a compreensão das respostas, mantivemos a colocação dos professores, do coordenador de curso, e dos alunos e ex-alunos que atuam como técnicos em agropecuária. A Matriz Curricular e a matemática existente neste currículo Ao investigar a estrutura curricular do curso Técnico em Agropecuária do IF Sudeste de Minas-Campus Rio Pomba encontramos uma matriz curricular condizente com o Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos (BRASIL, 2011) e a LDB 9394/96 (BRASIL, 1996), tendo carga horária total de 4090 horas, referente à carga horária das disciplinas da Base Nacional Comum (2603h e 20 min), disciplinas da Formação específica (1246h e 40 min) e Estágio (240 h), divididos em três anos. Segundo o Projeto Político Pedagógico do curso, o processo educativo é desenvolvido sob orientação de coordenação pedagógica, professores e técnicos, por meio de atividades teóricas e práticas. A área experimental de manejo de culturas e criações funciona como uma grande área de pesquisa experimental, sendo a prática pedagógica complementada nos demais laboratórios e espaços de convivência. Ademais, a participação do corpo discente em congressos, seminários, workshops, visitas técnicas, atividades em equipe, defesa de estágio, 45 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br dentre outros, contribui para a formação cidadã dos discentes. Como complementação do curso, os alunos devem cumprir, 80 horas de atividades complementares e o estágio. Foram procuradas nos documentos do Ministério da Educação (MEC) informações a respeito do campo de atuação do Técnico em Agropecuária, a fim de estabelecer ligação entre a matemática a ser ensinada e aprendida em sala de aula àquela vivenciada no ambiente de trabalho dos estudantes. Segundo o Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (BRASIL, 2011),O curso Técnico em Agropecuária planeja, executa, acompanha e fiscaliza todas as fases dos projetos agropecuários; administra propriedades rurais, elabora, aplica e monitora programas preventivos de sanitização na produção animal, vegetal e agroindustrial; fiscalizam produtos de origem vegetal, animal e agroindustrial; realiza medição, demarcação e levantamentos topográficos rurais; atua em programas de assistência técnica, extensão rural e pesquisa. Após esta análise inicial, voltou-se para a análise da disciplina de Matemática desenvolvida durante o curso. Com relação à matriz curricular, observa-se que a Matemática é estudada em todos os semestres do curso e possui uma carga horária de 440 horas, distribuídas igualmente pelos três anos (4 aulas semanais). Visão do coordenador do Curso Técnico em Agropecuária No primeiro momento da entrevista o coordenador do curso articulou sobre os níveis de oferta e a reformulação da matriz curricular do curso Técnico em Agropecuária. Ele afirmou que o aluno do técnico agropecuário está fazendo o curso técnico integrado ao ensino médio, por sua vez, é oferecido a quem já tenha concluído o Ensino Fundamental. O curso conta com uma matrícula única para o aluno que obterá, ao final do mesmo, a habilitação profissional técnica de nível médio emitida pela instituição federal. A articulação no formato concomitante é oferecida a quem já concluiu o Ensino Fundamental ou esteja cursando o Ensino Médio, permitindo ao estudante ter duas matrículas distintas: uma no Ensino Médio regular e outra no Ensino Técnico. Já o curso subsequente, destina-se apenas a quem já tenha concluído o Ensino Médio, pois concede ao estudante a matrícula e a certificação no curso técnico. Na instituição, a partir de do ano de 2008, o curso Técnico em Agropecuária é ofertado apenas na modalidade integrada. 46 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Em um segundo momento o coordenador foi questionado sobre o perfil do aluno e a presença da interdisciplinaridade no curso Técnico em Agropecuária. O coordenador destacou que o curso Técnico em Agropecuária está passando por um processo de reformulação da matriz curricular, por que: “há uma diretriz, uma solicitação da reitoria do campus para que haja uma padronização mínima de70% das matrizes de todos os cursos técnicos entre os Campus do instituto, Muriaé, Juiz de Fora, São João Del Rei, Barbacena, Santos Dumont e Rio Pomba, sendo o curso Técnico em Agropecuária ofertado apenas no campus Rio Pomba e Barbacena.” Foi inquirido ao coordenador sobre o perfil do aluno do curso Técnico em Agropecuária. A esse respeito ele respondeu que o perfil socioeconômico é quase homogêneo: “a maioria dos alunos do curso Técnico em Agropecuária vem do meio rural e por consequência eles acabam não tendo acesso a escola de melhor desenvolvimento, acaba estudando pelo meio rural e quando muito o ensino fundamental. Acabam tendo que ajudar na lida em casa e vai somando uma série de motivos que faz com que ele não tenha aquele fundamento de português, matemática que deveriam ter para a idade, e por isso quando chegam ao ensino médio apresentam grande dificuldade. Por consequência da escolaridade e a grande dificuldade que esses alunos chegam ao ensino médio o que irá acontecer é que boa parte deles não vão querer ou de alguma forma não vão ter base suficiente para ingressar no ensino superior”. Inicialmente, ao analisar de forma isolada esta afirmação podemos pensar que as expectativas do coordenador de curso não estão de acordo com os objetivos que direcionam os Institutos Federais. De acordo com a Lei Nº 11.882, de 29 de dezembro de 2008 que cria os Institutos Federais de Educação podemos observar no Artigo 7º que um dos principais objetivos dos institutos Federais é: “Ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos” (BRASIL, 2008, p.4). Porém, em sua fala seguinte ele explicita sua real expectativa para os alunos do curso Técnico em Agropecuária: “Então o que queremos que esses meninos façam?.... (silêncio)... Que eles estudem, mas de acordo com o perfil socioeconômico o fato de ele fazer o curso técnico integrado de agropecuária no caso abre uma possibilidade dele trabalhar, na 47 iniciativa privada ou em fazer um concurso para a iniciativa pública como técnico, quantos Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br concursos não tem por aí em prefeituras, EMATER, EPAMIG, EMBRAPA, IEF, etc. Quando falo do perfil para o mercado de trabalho essa são as possibilidades que eu vejo: a iniciativa privada, os concursos pra essas instituições públicas ou ele (o aluno) vai tentar avançar na escolaridade.” Posteriormente foi questionado ao coordenador sobre a interdisciplinaridade no curso: “Hoje na prática o que está acontecendo nessa integração de ensino médio e técnico é simplesmente um embaralhamento das disciplinas nos setores. Inclusive propositalmente pela Coordenação Geral do Ensino Técnico (CGET) no sentido de que haja o envolvimento de professores da área do ensino médio nos setores, então propositalmente marca-se as aulas de algumas disciplinas do ensino médio no setor, então vem o professor de português ou eventualmente um de geografia aqui e nós também do ensino técnico exatamente acabamos por ir lá ao prédio central. O maior desafio hoje, se é que agente pensa em um ensino integrado seria de alguma forma fazer que haja um envolvimento nosso (de nós docentes) e por que não dos técnicos administrativos na questão da educação de forma integrada. A interdisciplinaridade e a prática são fundamentais no curso técnico, quando você consegue juntar a teoria com a prática é muito proveitoso para o aluno, por que ele sabe fazer e sabe o porquê ele está fazendo, não faz só por fazer. Também só estudar teoria fica muito distante da realidade que vai ser enfrentada pelo aluno. O ideal é que se distribuam os conteúdos teóricos e práticos de forma bem equitativa pra que o aluno faça ação, reflexão e ação – ele faz, discute e pensa o que ele está fazendo na teoria, volta a fazer – resultando na solidificação do conhecimento”. Analisando a fala acima podemos verificar um desconhecimento sobre a definição de interdisciplinaridade, visto que ele remete interdisciplinaridade à teoria e a prática. Nesse sentido, destacamos a necessidade de conhecimento voltado para a interdisciplinaridade: “A interdisciplinaridade pode ser tomada numa concepção bem ampla, entendida como qualquer forma de combinação entre duas ou mais disciplinas com vista à compreensão de um objeto a partir da confluência de pontos de vista diferentes e tendo como objetivo comum.” POMBO (1994, p.13) apud TOMAZ e DAVID (2008, p.17). Outro ponto a ser destacado é a preocupação do coordenador em relação à teoria e a prática utilizando a metodologia investigativa: ação reflexão ação. Segundo Ponte (2003) investigar pressupõe, sobretudo uma atitude, uma vontade de perceber, uma capacidade 48 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br para interrogar, uma disponibilidade para ver as coisas de outro modo e para pôr em causa aquilo que pareça certo. Investigar, envolve sobre tudo três atividades: estudar, conversar e escrever. Nesse sentido e segundo o mesmo autor, cada situação a teoria e a prática, foram uma condição fundamental para a compreensão dos problemas e um passo essencial para a sua resolução. Isso se consegue muito melhor no plano coletivo do que no plano individual, ressaltamos aqui a importância do trabalho e do planejamento coletivo no curso técnico em agropecuária. As falas do coordenador do curso e a análise desta entrevista apontaram para a preocupação e o envolvimento na efetivação de um currículo integrado, porém apresentando carências de material, de formação pedagógica e interdisciplinaridade. Consequentemente essas percepções impulsionaram os objetivos desta pesquisa: elaborar um caderno de atividades interdisciplinares com foco na formação matemática de um técnico em agropecuária. Podendo assim selecionar tópicos mais próximos à formação e articulá-los com os conteúdos de formação técnica, permitindo assim a interdisciplinaridade e a formação integral do sujeito, bem como o oferecimento de um material paradidático interdisciplinar para o professor. A Matemática sob a visão dos alunos do Curso Técnico em Agropecuária Nesta etapa da pesquisa, foi realizada uma entrevista com seis alunos do curso Técnico em Agropecuária, sendo dois alunos de cada série do ensino médio integrado. Como primeira pergunta, questionamos aos estudantes quais seriam os conteúdos matemáticos mais importantes na formação de um Técnico em Agropecuária. Os alunos responderam: razão e proporção, operações básicas, áreas e geometria espacial. A partir desta resposta, foi solicitado que eles comentassem sobre os conteúdos citados, dando exemplo dessa aplicação. Aluno I: “Cálculo de ração, de área de instalações rurais, calculo na mecanização: a gente calcula o tanto de semente que a gente vai utilizar por hectares e muita coisa que a gente usa”. Aluno II: “Principalmente quando se pega a área de trigonometria que geralmente a gente trabalha com cálculo de área que a gente mais usa para determinar uma área de uma propriedade, propriedades rurais no dia-a-dia”. 49 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Os alunos apontaram também que os conteúdos Matemática aparecem em várias disciplinas da área técnica, como por exemplo: Instalações rurais, Irrigação, Agricultura e Mecanização Rural. A partir desta resposta, surgiu a possibilidade de coletar dados com os professores das disciplinas de formação técnica por meio da aplicação de um questionário, a ser apresentada em outra seção deste artigo. Ao serem abordados sobre as aulas de Matemática, eles afirmam que há professores que utilizam alguns problemas que desenvolvem a matemática escolar em situações do cotidiano dos alunos. Mas ao mesmo tempo há professores que não desenvolvem nenhum tipo de atividade interdisciplinar ou contextualizada resultando em uma aula de matemática focada na transmissão de conteúdos, como se pode verificar por meio da seguinte diálogo: Pesquisadores: O que vocês acham das aulas de matemática? Os professores trazem problemas relacionados ao cotidiano do técnico em agropecuária? Quando é ensinado um conteúdo o professor dá exemplos voltados para sua área? Aluno I: “Ano passado trazia mais, o professor dava muita coisa que a gente comparava, a gente ia precisar lá com a matemática. Certo que o professor desse ano é bom mais ele não compara, ele só passa a matemática do ensino médio”. Aluno II: “Eu também acho que o professor traz bastante comparação com o que está acontecendo dentro de sala de aula com o campo que envolve a aula”. Aluno III: “Eu acho, tem algumas coisas que ele fala que talvez a gente está até fazendo em outra matéria articulada”. Aluno IV: “Eu não acho não, o professor é bem retórico, só traz os conteúdos do ensino médio”. As afirmações sobre a preocupação do professor com a matemática do ensino médio pode estar diretamente ligada com a abordagem dos livros didáticos utilizados nas instituições de educação profissional tecnológica. Então, uma possível solução para uma abordagem interdisciplinar seria a utilização de um material didático que trabalhasse a matemática e à área técnica e ao cotidiano dos alunos que estão cursando o Técnico em Agropecuária, contendo uma orientação pedagógica para o professor, pois este não está adaptado às diversas situações do cotidiano dos alunos, situações que estão diretamente ligadas à matemática. 50 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A Matemática sob a visão do Técnico em Agropecuária Nesta etapa da pesquisa, foi realizada uma entrevista com um técnico em agropecuária, ex-aluno da instituição, que atua como técnico no CPT cursos presenciais que faz parte do grupo CPT da cidade de Viçosa e também tem como sede a fazenda CPT em São Geraldo em Minas Gerais. A primeira pergunta se voltou para os conteúdos matemáticos mais importantes na formação de um Técnico em Agropecuária. O Técnico respondeu: operações básicas, áreas, razão e proporção e volume. A partir desta resposta ele comentou sua relação com a Matemática nos dias atuais: “Hoje nós temos muita relação com a matemática principalmente nos cálculos de 5volumosos, dieta para formulação de rações para os animais. A gente trabalha o 6escore corporal do animal, a preparação do animal pra ele entrar com um bom escore corporal no início das águas. Temos trabalhado muito com a questão de volume, área, espaço geográfico, temos usado isso muito na instituição, tempo também tem sido muito calculado para fazer o máximo em menor tempo. A irrigação é uma das áreas que mais a gente tem trabalhado e que depende muito de cálculo. A gente tem tido muitos profissionais que atuam nessa área, também na área de produção animal em questão de produção de volumosos, produção de rações agente tem trabalhado muito com essa área também”. Como último questionamento, foi perguntado se o currículo integrado entre o ensino médio e a matemática é importante na formação do técnico em agropecuária, ele afirmou que: “Sim, totalmente eu acho isso porque tem muitos profissionais hoje tem baseado no curso técnico isolado e o curso técnico não é separado, você depende muito do ensino médio, nós temos hoje o maior problema de pessoas que saíram sem cursar corretamente o ensino médio que hoje não são bons profissionais”. A Matemática sob a visão dos docentes da área técnica Nesta última etapa foi realizada a aplicação de questionário aos dez professores da área técnica que atuam no curso, obtendo o retorno de seis professores questionários, na 5 Volumosos: Alimentação do rebanho em confinamento. Escore corporal: é uma maneira de o produtor avaliar sua criação e definir se seus planos de engorda/reprodução estão com seu resultado definitivo. (Fonte: www.infoescola.com/zootecnia) 6 51 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br perspectiva de explanar saberes e conteúdos matemáticos importantes para a formação profissional de um Técnico em Agropecuária. Ao serem questionados se para o desenvolvimento satisfatório da sua disciplina é importante que o estudante desenvolva competências e habilidades matemáticas, os professores afirmaram que sim, e podemos observar pelas seguintes respostas: Professor I: “Sim, pois é necessário para o desenvolvimento das habilidades e competências da disciplina, a utilização de cálculos e raciocínios matemático. Professor II: “Sim, pois o mesmo necessita desenvolver vários cálculos e relações matemáticas”. Professor III: “Sim, pois no desenvolvimento dos conteúdos exige operações matemáticas básicas para que ele possa desenvolver e construir o conhecimento na disciplina”. A pergunta seguinte se voltou para as principais competências e habilidades matemáticas fundamentais à formação deste profissional. As respostas dos professores, dos alunos e do técnico em agropecuária foram semelhantes e, portanto, a partir dessas respostas, foi possível a organização de uma listagem de conteúdos matemáticos fundamentais ao trabalho do Técnico em Agropecuária, como pode ser visualizado na tabela a seguir: Conteúdos matemáticos essenciais à formação do técnico em agropecuária segundo os professores, alunos e ex-alunos inseridos no mercado de trabalho. Professores de área técnica Operações básicas Áreas Razão e Proporção Volume Porcentagem Potenciação Leitura e interpretação de gráficos Regra de três Função Alunos Operações Básicas Áreas Razão e Proporção Geometria espacial Técnico em Agropecuária Operações básicas Áreas Razão e Proporção Volume Fonte: Acervo dos pesquisadores Analisando a tabela, podemos perceber que os dois, dos três grupos destacaram a essencialidade dos conteúdos de: operações básicas, cálculo de áreas e volume e razão e 52 proporção. No entanto, os professores destacaram a necessidade de outros conhecimentos: Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br de porcentagem, potenciação, leitura e interpretação de gráficos, regra de três e função. Os professores relataram que os conteúdos citados estão diretamente relacionados ao dimensionamento e manejo na irrigação, nos cálculos de adubação de culturas, de calagem em solos, estimativas de custos de produção agrícolas, espaçamento entre plantas, do volume de substrato a ser utilizado na produção de mudas e cálculo de calibragem de pulverizador agrícola. Também questionamos se os alunos possuem dificuldades quando relaciona a Matemática com a disciplina, os professores contestaram que sim e podemos observar pelas seguintes respostas: Professor I: “Sim, muitos têm dificuldades com as operações básicas e não sabem montar uma regra de três”. Professor II: “Sim, boa parte apresenta dificuldade em diferentes graus, com relação ao uso da matemática aplicada, simplesmente não conseguem responder exercícios ou questões de prova por não saberem utilizar estas operações”. Professor III: “Sim, observa-se em alguns casos a falta de fundamentos matemáticos”. Professor IV: “Sim, como por exemplo, dificuldades de raciocinar quando ocorre modificação no enunciado das questões”. A partir dessas análises pretende-se elaborar atividades de caráter interdisciplinar que possam contribuir para a formação integral do técnico em agropecuária. Resultados parciais Os dados coletados confirmam as possibilidades de integração entre a Matemática e as disciplinas da área de formação técnica do profissional da agropecuária. Pela análise da entrevista com o coordenador e dos questionários aos professores, vê-se a necessidade de uma formação pedagógica com os professores dos cursos integrados sobre os conceitos e possibilidades da interdisciplinaridade e do currículo integrado para a consolidação deste modelo de ensino. É evidenciada, na fala dos alunos, a importância dada à disciplina de Matemática, valorizando, mais uma vez, a formação do profissional e, acima de tudo, do cidadão em formação pelo curso técnico integrado. Consequentemente, essa valorização continua após a certificação, pois na atuação do técnico em agropecuária foi ressaltada pelo ex-aluno a 53 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br relevância dos conteúdos, habilidades e competências matemáticas. Sendo assim as entrevistas com o coordenador do curso, os alunos, ex-aluno que atua como técnico em agropecuária e o questionário com os professores, diante do divulgado, indicaram possibilidades e perspectivas para a construção de um material contextualizado para o curso Técnico em Agropecuária. Portanto, a partir destas análises, pensamos em material didático com formato interdisciplinar para o curso, pois, como indicam Tomaz e David (2008), Essa abordagem ajudaria a construir novos instrumentos cognitivos e novos significados, constituindo novos saberes escolares pela interação das disciplinas. Referências BRASIL, Lei 11.892. In: SILVA, C (Org). Institutos Federais lei 11.892 de 29/11/2008: comentários e reflexões. Natal: IFRN, 2009a. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. LDB. Lei 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: 20 de dezembro de 1996. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamente o§ 2º do Art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1196, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF: 23 de julho de 2004b. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. Brasília: MEC/SETEC, julho de 2008a. Disponível em: http://catalogonct.mec.gov.br/introducao.php. Acesso em:16 JUN. 2012. BRASIL. MEC. Anais e deliberações da I Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica. - Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Profissional Tecnológica. 2007. 380p.: il. FRIGOTTO, G; CIAVATTA, M; Marise, N. (Org). Ensino Médio Integrado: concepções e contradições. São Paulo: Cortez, 2005. MOURA, D. EJA: Formação Técnica integrada ao Ensino Médio. In: Salto Para o Futuro/Boletim 16. TV Escola, 2006. PONTE, J. Investigar, ensinar e aprender, actos do professor de matemática (CD-ROM, pp.2539), Lisboa: APM, 2003. Disponível em: www.educ.fc.ul.pt/docentes/jponte/artigos-portemas.htm. Acesso em: 03 Julho. 2012. TOMAZ, V. e DAVID, M. Interdisciplinaridade e aprendizagem matemática em sala de aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 54 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Práticas escolares no ensino de Língua materna: um olhar sobre a metodologia do professor André Fernandes Maia de Medeiros 7 Resumo O trabalho que ora apresentamos tem como objetivo propor uma reflexão acerca das práticas escolares do ensino de língua materna. Para tanto, observamos algumas aulas de língua portuguesa, realizadas em uma escola particular no município de Caraúbas, para identificarmos, entre outras questões, que concepção de linguagem pode ser identificada nesse processo de ensino/aprendizagem da língua materna. Com isso, buscamos compreender de que maneira o professor, na condição de indivíduo detentor de suas ações e como parte fundamental do fazer ensinar/aprender, posiciona-se diante do processo de ensino/aprendizagem de Língua Portuguesa em sala de aula. À luz dos estudos de alguns autores, como Possenti (2002), Gomes (2009), Marcuschi (2010) e outros que versaram sobre o ensino de língua materna, procuramos produzir uma discussão que contextualize aspectos do cenário que situa este tema na atualidade. Neste sentido, entendemos que se trata de um tema complexo, pois todo e qualquer ensino de língua ultrapassa os limites da sala de aula e dialoga com a diversidade social que envolve alunos e professores. Palavras-chave: Ensino. Língua Materna. Práticas Escolares. Introdução O estudo e o acompanhamento da evolução do ensino de língua materna têm se mostrado em constante processo de transformação no meio social. Desse modo, a escola, como um espaço de transformação das mudanças ocasionadas pela sociedade, aparece nesse cenário com a proposta de revisar certas realidades linguísticas interligadas ao contexto do ensino e da aprendizagem em sala de aula. Nesse sentido, para refletir sobre que concepções de linguagem são trabalhadas em sala de aula, observamos cinco aulas de língua portuguesa, ministradas no 7° Ano do Ensino Fundamental de uma escola particular, no município de Caraúbas – RN. Sabemos que existe um conjunto de fatores que ainda precisam se concatenar e servir de auxílio para o alcance de alguns dos objetivos traçados pela escola quanto ao ensino de língua materna. Há uma realidade que se apresenta ainda resistente a alguns métodos trabalhados. Possenti (2002, p. 16) exemplifica essa realidade dizendo que [...] frequentemente, pesquisadores são chamados para falar a professores, na esperança de que aqueles apresentem a estes um programa de ensino que funcione. Em certas circunstâncias, espera-se que tal programa funcione sem qualquer outra mudança na escola e nos professores. Espera-se que os especialistas tragam propostas “práticas”. Em geral, um pesquisador não fornece 7 Graduando do 3° ano do curso de Letras da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). 55 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br tais programas. Nem adiantaria fazê-lo. É que, para que o ensino mude, não basta remendar alguns aspectos. É necessária uma revolução. No caso específico do ensino de português, nada será resolvido se não mudar a concepção de língua na escola (o que já acontece em muitos lugares, embora ás vezes haja discursos novos e uma prática antiga). Quando nos vemos diante do dever de ensinar aquilo que julgamos ser importante para os nossos alunos, diversas dúvidas relacionadas à prática de sala de aula vêm colocar em pauta a postura do professor perante a disciplina que ele leciona. Uma dessas dúvidas, talvez a principal de todas elas, seria, por exemplo, se os quesitos que correspondem à escrita, oralidade e leitura de textos estão sendo contemplados igualmente nas aulas de Língua Portuguesa. E, se sim, de que maneira, pois uma vez vendo o professor de Língua Portuguesa como agente das ações que acompanham as transformações sociais da língua, é justo e necessário saber se o conhecimento da disciplina está sendo construído de forma satisfatória e plena. Assim, conforme dissemos inicialmente, realizarmos esse estudo, optando por observar cinco aulas de Língua Portuguesa de um professor formado em Letras, com habilitação em Língua Espanhola e em Língua Portuguesa, de uma escola de ensino fundamental da rede privada, na perspectiva de observarmos algumas considerações teóricas que estão na base dessa discussão, principalmente no que concerne à concepção de linguagem trabalhada pelo professor em sala de aula. Os bancos escolares e o ensino de língua materna: teorização das práticas escolares quanto ao ensino de língua materna e de língua padrão Alguns dos direcionamentos atribuídos ao ensino de língua materna advêm de alguns dos objetivos contemplados pelos PCN (Parâmetros Curriculares Nacional). Desse modo, no que diz respeito às aulas de Língua Portuguesa, o ensino fundamental é visto como um dos espaços propícios para o desenvolvimento educacional e linguístico do aluno. É nesse espaço, onde ele manterá contato com os gêneros textuais e conseguirá desenvolver melhor suas habilidades comunicativas, sejam elas no âmbito da escrita, da leitura, da interpretação de textos, da oralidade ou do censo crítico. Gomes (2009, p. 95), citando os PCN, considera que [...] no processo de ensino-aprendizagem dos diferentes ciclos do ensino fundamental, espera-se que o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de uso da 56 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br linguagem, de modo a possibilitar sua interação efetiva no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de participação social no exercício da cidadania. A partir dessa preocupação de como formar bons interlocutores no meio social, Silva e Martins (2010, p. 28) apresentam algumas concepções de ensino e de linguagem dizendo que o texto é a porta de entrada para muitas das vertentes que englobam a leitura e a estruturação da língua. Segundo os autores, [...] é preciso garantir um tipo de trabalho que requer grande esforço: o exercício do silêncio (uma primeira leitura para nos aproximarmos dos núcleos conceituais presentes no texto), o convite à curiosidade (as perguntas iniciais que fazemos ao texto desconhecido), a possibilidade de levantar hipóteses (as noções primeiras para as quais o texto nos move), a prática da reflexão (a tentativa de recuperarmos as marcas, as âncoras que estão impressas no texto e que não nos permitem devaneios absolutos), o exercício de transformação (a necessidade de submetermos as ideias do texto à instância da experiência, dos acervos criados pelos sujeitos leitores). (SILVA e MARTINS, 2010, p. 28). Tais métodos de trabalho e de constituição da linguagem têm por base a aquisição da norma padrão. Nesse sentido, não caberia compreender a língua como um conjunto de signos linguísticos estanques e de caráter descritivo, pois o mesmo se permanece em constante processo de transformação. Desse modo, no que tange as considerações do ensino de língua materna em relação ao ensino de gramática, não seria pertinente compreender o estudo da língua como sendo descritivo e tampouco funcional do ambiente social pelo qual o aluno faz parte. Ao propor uma discussão sobre essa temática, Geraldi (2010, p. 183) assinala que [...] apesar desta crença ser tão difundida entre nós, sabemos que a proficiência em língua resulta muito mais do convívio com o padrão – na leitura, na escuta, na produção – do que do conhecimento de normas. E entenda-se: o padrão é mutável e nem sempre é desejável, e por isso quando se fala no ensino da língua padrão, não se está definindo um padrão específico, fixo, estabilizado. Ao contrário, pensar o padrão de uma língua é pensar sua vitalidade e movimento. Para muitos, o padrão pode ser precisamente aquele que os guardiões da língua destacam. Neste embate, pelo qual a língua tem passado, constantes transformações em volta dessa temática, como o ressurgimento e a revisão de alguns dos parâmetros sobre o ensino de língua, reforçam um redirecionamento sobre o comportamento linguístico social dos seus usuários. O esclarecimento e a reformulação, por parte de alguns estudiosos, sobre o ensino de língua materna e os conhecimentos pertinentes à construção da disciplina de língua portuguesa pautaram três concepções de linguagem, que são: a linguagem é a expressão do 57 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br pensamento, a linguagem é um instrumento de comunicação e a linguagem é um processo de interação. No caso, não optamos por valorizar uma concepção de linguagem do que a outra, mas sim de esclarecer que os estudos de uma servem de complemento para os estudos da outra. Da mesma forma, Geraldi (2000, p. 46) afirma que para o ensino de primeiro grau, as atividades devem girar em torno do ensino da língua e apenas subsidiariamente se deverá apelar para a metalinguagem, quando a descrição da língua se impõe como meio para alcançar o objetivo final de domínio da língua, em sua variedade padrão. Nesse sentido, é preciso contemplar o estudo da linguagem enquanto processo de interação entre os sujeitos. É, a partir dessa concepção, que podemos compreender que ensinar a língua, pura e simplesmente, com uma explanação metalinguística, ou seja, a língua pela língua, o código pelo código, as regras pelas regras, limitaria, de alguma forma, a aprendizagem da língua materna como um processo de interação entre os sujeitos e o seu mundo, entre os sujeitos e o cotidiano diversificado da sociedade como um todo. É pela inovação que essa concepção sugere que buscamos entender as práticas de sala de aula observadas neste estudo. Observação das aulas: uma análise de dados Para levantarmos os dados a serem analisados neste trabalho, observamos cinco aulas de português, ministradas por uma professora de Língua Portuguesa, que denominaremos aqui de Professora “A”, no 7° ano do Ensino Fundamental de uma escola particular do município de Caraúbas. As observações das aulas da professora “A” e das atividades desenvolvidas por ela tiveram início no dia 16 de fevereiro até o dia 23 do referido mês. No primeiro dia de observação, algumas das atividades que foram trabalhadas na semana anterior, pela professora, foram retomadas na aula. No caso, a professora “A” tinha selecionado dez contos para dez duplas da sala e pediu aos alunos que montassem uma pequena peça teatral baseada no conto que ela própria tinha repassado. Já no momento da apresentação, uma semana depois, alguns alunos, talvez, por se sentirem “inibidos” ou “nervosos” na hora de falar, apresentaram dificuldades de se expressar ou de explicar o 58 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br contexto da trama que envolvia suas histórias, pois a apresentação, o conteúdo e as características da narrativa não fluíram, nem ficaram claros. No total, apenas três grupos, na visão da professora, não obtiveram êxito em suas apresentações. Isso, talvez, se deva ao fato de alguns alunos não terem se preparado ou estudado o suficiente para a realização deste exercício. Em seguida, a aula continuou com a correção de algumas questões de interpretação de texto do livro didático de Língua Portuguesa. Essas questões tinham sido repassadas também como “dever de casa”, sendo que, as explicações destas foram feitas com a utilização de Data Show, pois a professora quis mostrar, além do livro didático, os conceitos pertinentes aos gêneros textuais e ressaltar a funcionalidade desses contos populares para cultura local dos alunos. Como resposta, todos os alunos, na visão da professora “A” conseguiram atingir um percentual de satisfação nas apresentações dos contos e das respostas escritas nas questões do livro de língua portuguesa. Encerrado esse primeiro momento, a professora “A”, ainda passou como dever para casa uma atividade que consistia na pesquisa de três a quatro dizeres populares. Os alunos tinham que transformar estes em dizeres padronizados pela norma culta da Língua Portuguesa. Para tal atividade, ela advertiu que seria necessária a utilização do dicionário para fazer as substituições das palavras comumente utilizadas no sentido popular para o sentido literal. Encerrada a aula, os alunos tiveram vários dias para responder essa atividade, pois o período que interligava a resolução desta para sua entrega correspondeu justamente ao recesso do carnaval. Desse modo, acreditou-se que todos responderiam a essa questão para a aula seguinte. Entretanto, quando chegado o dia, o que se percebeu no resultado das respostas dos alunos foi justamente a falta de compreensão “total” da proposta dessa atividade. Enquanto muitos só tinham feito a pesquisa, outros nem se ocuparam em fazê-la. A principal reclamação que surgiu no momento da aula foi que não souberam transformar ou construir um novo dizer para os ditados populares. Assim, a professora “A” sugeriu que todos acompanhassem novamente a explicação, sendo que, no momento dessa explicação, ela oportunizou a classificação morfológica das palavras que compuseram um ditado colocado no quadro. Assim, ela sorteou entre os alunos as significações dessas 59 palavras no dicionário, foi quando, numa espécie de “jogo de perguntas e respostas”, que Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br “A”, ao construir um novo dizer, com outras palavras mais adequadas à norma padrão da língua, conseguiu com que os alunos entendessem a proposta da atividade. Após todos terem entendido o modo de fazer o exercício, a professora disse que tentassem novamente fazê-la em casa. Depois, em uma pequena pausa feita por “A”, uma dinâmica foi realizada em sala de aula com os alunos. A brincadeira constituía em dar respostas “criativas” a perguntas intrigantes de um questionário. Dependendo da criatividade da resposta dos alunos, é que eles poderiam ir acertando ou errando as perguntas. Infelizmente, devido à complexidade das questões, quase todos não souberam responder, porém, todos se divertiram e conseguiram aprender mais uma brincadeira a ser aplicada em momentos de descontração. Após esse momento de recreação, um retroprojetor foi montado na sala de aula para dar continuidade aos assuntos que estavam sendo ministrados. O nome do assunto era “linguagem falada e escrita”, e este, por sua vez, deu continuação às explicações dos temas e atividades trabalhados até aqui. O material confeccionado pela professora disponibilizava uma variedade de fatores que exemplificavam as influências e as transformações da linguagem no campo do discurso e das interações humanas. Com isso, ela pode oportunizar, no momento de sua aula, a participação dos alunos quanto ao compartilhamento de exemplos. Desse modo, quando chegada a conclusão da aula e das observações, ela, a professora “A”, passou como atividade para casa, além da outra repassada antes do carnaval, um exercício sobre linguagem falada e escrita. As questões chamavam a atenção para a interpretação de alguns dos textos colocados em aula ou para a reformulação de algumas sentenças, do linguajar coloquial para a norma culta. Infelizmente, por questões de tempo e oportunidade não podemos obter os resultados dessa atividade. Porém, acreditamos que seus resultados devem ter se firmado positivamente nas expectativas montadas pela professora “A”. Diante de todo o contexto de aula observado, dos métodos trabalhados pela professora “A”, das atividades realizadas, entre problemas quanto à compreensão dessas atividades ou soluções quanto ao seu entendimento, precisamos considerar o dinamismo com que a professora trabalhou com o estudo da linguagem em sala de aula. O trabalho em 60 dupla, as representações dos contos na forma de peça teatral, o envolvimento dos alunos Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br com os conteúdos ministrados traduziram, de certo modo, uma concepção interacionista no trabalho com o ensino de língua materna. Todas as atividades observadas envolveram, predominantemente, muitos aspectos da concepção de linguagem enquanto processo de interação. Interação que se realizou entre os alunos e a professora, entre eles e o conteúdo e, principalmente, entre os alunos e o seu conhecimento de mundo. Considerações finais Sabemos que a formação do professor vai além da aprendizagem durante o período de tempo do curso de licenciatura, uma vez que não podemos pensar que o aluno está pronto, pois soube o que deveria saber para desempenhar a profissão de ser professor. Na verdade, neste tempo, muitos estão legalmente e institucionalmente habilitados para lecionar. Porém, nem sempre essa questão se faz eminente no atual contexto escolar, pois distanciam ou deslocamentos necessários para formação contínua e crítica do professor. No que corresponde à introdução deste trabalho, ao respaldo teórico e à análise das aulas, optamos por desenvolver uma discussão sobre a temática das práticas escolares do ensino de língua materna e das questões de ensino-aprendizagem dos alunos. Isso, em termos práticos, significa dizer que teríamos uma materialidade a ser analisada, um exemplo a ser observado e interpretado no universo do ensino de língua materna em sala de aula. Assim, compreendemos, ao final de nossas considerações, que a professora “A” se manteve flexível na proposta e na resolução das atividades em sala de aula, pois conseguiu contextualizar o ensino de gêneros textuais com o estudo de gramática, e este, por sua vez, foi trabalhado a partir de exemplos extraídos de textos e de recapitulações de outros assuntos estudados pelos alunos, como, por exemplo: substantivo, verbo, adjetivo, estrutura de alguns gêneros textuais, figuras de linguagem etc. No que diz respeito ao referencial teórico, vários autores, com visões que se complementam, foram basilares a nossa discussão e na comprobação dos dados analisados. Silva e Martins (2010) observam que é preciso considerar os movimentos da língua, tendo como base a maneira de se interagir com o meio social, o que traz a lume a essência do que se deve trabalhar e enaltecer na disciplina de Língua Portuguesa. [...] O que e por que razão deveríamos ler na escola? Leríamos na escola, espaço de produção cultural, para ocuparmos o lugar de sujeitos, para questionarmos os 61 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br sentidos colhidos nas configurações textuais e propor-lhes outros sentidos. Nunca para nos acharmos diante dos textos partidos, às previsíveis respostas. Como, então, deveríamos ler na escola? Leríamos estabelecendo relações com as experiências herdadas da vida em sociedade, arriscando alcançar além do nosso conhecimento de mundo. E, por ultimo, para quem deveríamos ler senão para interlocutores atentos, curiosos, capazes de contrapor suas ideias àquelas sugeridas pelo tecido de palavras, pelo trabalho prévio exercido por um determinado autor? (SILVA e MARTINS, 2010, p. 29). Tais questões nos possibilitam refletir sobre o que envolve todo o processo de ensino-aprendizagem de língua materna. É preciso considerar o aluno enquanto sujeito socialmente situado em um contexto que, antes de qualquer conteúdo, antes de qualquer método aplicado, o tem como cidadão que interage com uma realidade que antecede a escola. Essa reflexão sobre o ensino de língua materna provoca-nos a valorizar o trabalho com a linguagem de modo a considerar o lado social e funcional da língua, pois, com ele, além de se respeitar as possíveis diferenças entre usuários de um mesmo sistema linguístico, conseguiríamos aprimorar nosso conhecimento de mundo em relação ao outro. Referências GERALDI, W. A aula como acontecimento. São Carlos, SP: Pedro e João Editores, 2010. GOMES, M. Metodologia do ensino de língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 2009. MARCUSCHI, B. Escrevendo na escola para a vida. In: RANGEL, E; ROJO, R. (Orgs.). Língua Portuguesa: ensino fundamental. V. 19. Coleção Explorando o Ensino. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2010. p. 65-84. POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. 8. ed. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2002. SILVA, M; MARTINS, M. Experiências de leitura no contexto escolar. In: PAIVA, A; MACIEL, F; COSSON, R. (Orgs.). Literatura: ensino fundamental. V. 20. Coleção Explorando o Ensino. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2010. p. 23-40. 62 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Incluso pela Lei: analisando as políticas públicas Na/Para/Sobre a educação inclusiva Addan Tritty Rezende de Souza 8 Ao falarmos de política educacional referimo-nos prioritariamente ao conjunto de medidas afetas à área da educação [...] queremos significar não só as relações da escola com o Estado – mantenedor, mas a existência e às evidências de uma política que se expressa em relação a determinadas relações educacionais. (MACHADO E LABEGALINI, 2007, p.10) Resumo Este trabalho faz parte de uma Trilogia de artigos a ser publicada na Revista Visão Acadêmica. Nessa segunda parte dessa trilogia se fará um apanhado das legislações que se voltam para a educação inclusiva. Legislações que em teoria procuram atender a maioria das questões relacionadas ao tema. Porém, apesar desse intento, conclui-se que há excessivo distanciamento entre legislação e práticas da educação inclusiva. Sendo que na próxima edição da Revista, no terceiro e último artigo dessa série de publicações, além do fechamento de questões ligadas aos três artigos e não passíveis de fechamento antes do término do trabalho, também será apresentado um método alternativo de ensino voltado para a chamada educação inclusiva. Palavras-chave: Educação Inclusiva. Políticas públicas. Inclusão. Ensino. Escola. Introdução Sendo enquanto agente transformador de sua realidade o homem conforme o primeiro artigo alterou a sociedade de cada época em que viveu, reivindicando não somente respeito, mas visando garantir direitos plenos e legais através de planos e ações tomados ao longo do tempo, objetivando a transformação da ideologia social sobre a inclusão. A análise acerca da esfera legal da educação aqui desenrolada tem ligação com as observações de Lima (2006), Machado e Labegalini (2007), além de um rol de decretos, leis, e emendas constitucionais, além de vultosas declarações de âmbito nacional e internacional, desenvolvendo em seus conteúdos os misteres da educação inclusiva desde o início do século XX até os dias correntes do XXI. Iniciamos a análise em uma escala hierárquica desde a Carta Magna às leis complementares, conforme preconizam Machado e Labegalini (2007). A inclusão e o direito, prevendo a equidade entre os cidadãos, advieram de três séculos atrás com a Revolução na França, em 1789. A Declaração dos Direitos Humanos (FRANÇA, 1789) admite em seu artigo III que Todos os homens são iguais por natureza e diante da lei. Visto que doravante a esta data a sociedade transmutou-se às luzes da Inclusão 8 À época do envio do artigo, Addan Tritty era aluno do quarto ano do curso de Matemática da UEG na Unidade da cidade de Goiás. Sendo este artigo o segundo de uma série de três artigos que serão publicados pela revista, com o intento de demonstrar uma “nova possibilidade” de se pensar o ensino para portadores de necessidades especiais. 63 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Social, surgiram diversas leis preconizando os direitos e deveres desta temática até mesmo garantir o crescimento das escolas especiais e das políticas públicas de educação nacional, voltadas para as pessoas cegas. Passados os séculos do Iluminismo, a Constituição Federal Brasileira de 1934 (BRASIL, 1934) sutilmente em seu texto, delimitava o registro acerca da educação para todos. Afirmava a Carta Magna da terceira década do XX que ... a educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana (BRASIL – C.F., art. 149. 1934) Essa forma de pensar é presente até a promulgação da Constituição de 1988. Analisando agora as ações mais significativas, remontemos ao Brasil dos anos 50, precisamente em 1958, onde encabeçada pelo Instituto Benjamin Constant é enviada ao governo federal a proposta de uma Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos Deficientes Visuais, sendo aprovada mediante o Decreto nº 44.236 (BRASIL, 1958). Campanha cujo objetivo era permitir a melhor integração dos deficientes visuais de ambos os sexos, em idade pré-escolar, infantil e adulta, de modo a lhes assegurar condições físicas, psicológicas, morais e éticas para a integração sócio-educativa e o pleno desempenho das atividades educativas cabíveis para a cegueira e para os portadores de baixa-visão. Além disso, essa campanha pública nacional propunha legalmente a realização de outras medidas importantes, tais como O cadastro individual dos cegos e amblíopes necessitados de assistência e tratamentos; A alfabetização geral dos cegos e amblíopes em estabelecimentos escolares. Nos domicílios e por correspondência; A integração de Cegos e amblíopes em atividades comerciais, industriais, científicas, artísticas e educativas tanto em entidades oficiais como em firmas, organizações, empresas ou entidades privadas (BRASIL- 1958, p. 33) Em 1959, aos 20 dias de novembro, a ONU assina a Declaração Universal dos Direitos da Criança (ONU, 1959), que conta com apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); toda essa política com atenção voltada à infância conta com pleno apoio social e faz com que no ano de 1960 haja no Brasil uma Segunda Campanha Nacional de Educação e Reabilitação dos Deficientes Visuais, similar à primeira, todavia com mais exigências e maior 64 divulgação pela mídia. Um fato deve ser levado: a evolução do sistema legal no Brasil se deu Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br a passos lentos, tal como o interesse público pelo avanço de uma educação gratuita de qualidade. Diversas foram as propostas levantadas e discutidas por décadas a fio, desde o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, bandeira erguida na década de 30 para defender os interesses públicos educacionais e criar uma lei que garanta que a educação pública nacional ocorra de maneira segura, gratuita, até a década de 80. Xavier apud Filho (2006) complementa esta perspectiva ao afirmar que os assinantes do manifesto defendiam a ideia de que para o Brasil alçar os níveis esperados de progresso já alcançados pela Europa e EUA deveria solidificar seu sistema educacional, além de reformar as estruturas educacionais brasileiras. Entendiam eles que a educação era uma ferramenta para a melhor estruturação da sociedade, quebrando assim seu atraso econômico, político e social. Era mister a concepção coletiva acerca construção de um novo sistema de educação nacional. Naquela época, diversas foram as iniciativas das instituições públicas para que a educação especial viesse à tona e mesmo estando em sintonia com a garantia “geral” de direitos na educação havia a necessidade de expressar em texto uma lei que “focasse” os deficientes. Não poderia se afirmar que uma mesma lei “para todos” abrangeria condições como atendimento educacional especializado a alunos deficientes, regulamentação e fiscalização de materiais didáticos (no caso dos cegos o método Braille para escrita e leitura) tal como a fomentação a produção dos mesmos, apoio pedagógico e psicológico, etc. Afirmam Silva, Burnier e Ferreira (2001) que havia uma necessidade de a escola rever o seu papel frente aos novos desafios da educação para alunos deficientes, pois ela não poderia mais se restringir às tentativas de consolidar uma educação para cegos que não fosse resguardada legal e psicopedagogicamente. É nesse contexto que surge formalmente a expressão “educação especial”, pois como foi reiterado, haveria a necessidade de uma educação especial para deficientes. O Brasil em 60, não tinha condições para dar continuidade às expectativas geradas pelas campanhas dos anos derradeiros da década de 50 e a educação se mostrava com uma defasagem imensa em relação ao contexto inclusivo. Com o golpe militar deflagrado em 1964, havia urgência nas modificações fundamentais do sistema educacional de modo geral. Era necessário realizar uma substituição dos aspectos políticos educacionais em vigor até então. Além de modificar a educação a partir das propostas educacionais enviadas ao 65 governo, desde a formação de profissionais à alfabetização. Ocorriam intensas discussões Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br entre a parcela da população interessada nas mudanças e os blocos políticos antagônicos a ela. Essa movimentação propiciou a formação de uma consciência nacional sobre a educação, que em suma era a de garantir não só uma escolarização regular de qualidade, mas uma modernização e uma adequação de profissionais e unidades escolares para atender as exigências sociais cada vez mais crescentes. Em 20 de dezembro de 1961 é promulgada a Lei nº. 4.024 (BRASIL, 1961) que preconiza as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/61), cujas propostas não são nem um pouco parecidas com o documento original entregue ao governo e elaborado por professores e afins desde o Manifesto de 1932. Aos 30 de novembro de 1965, uma assembleia internacional preocupada com a grande pobreza e com a situação educacional na Ásia cria a Southeast Asian Ministers of Education Organization – SEAMEO (Organização das Secretarias de Educação do Sudeste Asiático), visando discutir medidas de inclusão para aqueles países; 1967 se inicia, e neste ano no Brasil é votada, aprovada e promulgada uma nova Constituição Federal (BRASIL, 1967). Nessa edição, segundo afirmam Silva, Burnier e Ferreira (2001, p. 12), fica clara a ideia da educação inclusiva, uma vez que a nova constituição “contempla a educação das crianças e adolescentes com necessidades especiais, no artigo 168, quando diz que a educação ‘é um direito de todos, assegurando-se a igualdade de oportunidades’”. Os autores continuam: A Emenda Constitucional de 1969, que foi considerada um ‘enorme remendo’ na Constituição, retira a igualdade de oportunidades, conforme se vê no Art. 176 ‘A educação, inspirada no princípio de unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humana, é direito de todos e dever do Estado e será dada no lar e na escola”, mas evidencia a responsabilidade com a Educação Especial determinando que lei específica definiria, entre outros aspectos, a assistência educacional dos ‘excepcionais’’. *...+ No entanto foi a primeira vez que se viu o registro da Educação Especial numa Constituição Brasileira. (SILVA, BURNIER E FERREIRA 2001, p. 12) Apesar das leis e decretos, o que está previsto na lei e o que se vê na prática implica em diferenças estruturais consideráveis. Com o início dos anos 70, começa uma série de medidas em escala global pertinentes a discutir a inclusão. Mendes (2006) apresenta algumas, como, por exemplo, as medidas políticas nos Estados Unidos em 1977, devido a aprovação de leis que asseguram uma educação pública apropriada para todas as crianças com deficiências, instituindo oficialmente, em âmbito nacional, o processo de mainstreaming, que no Brasil entende-se como integração. Com similar posicionamento, a Europa também inicia seu processo de integração mediante aos deficientes, no Reino Unido. 66 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Alí, é encaminhado ao parlamento o Relatório Warnock documento elaborado por um comitê presidido por Mary Warnock, filósofa, educadora e escritora britânica, que propunha uma série de revisões acerca do atendimento aos indivíduos deficientes na Inglaterra, País de Gales e Escócia; tal relatório foi um documento clássico na área da inclusão, afirma Mendes (2006, p. 390), destacando dentre outras questões, por ter introduzido o conceito de “necessidades educacionais especiais”, que seria verdadeiramente compreendido por poucos e utilizado por muitos para promoção política. Enquanto isso, no início dos anos 70, o Brasil aprova outra LDBEN em 1971 (BRASIL, 1971), que inclui os deficientes em seu texto e expõe em seu Capítulo I - Art. IX, que trata do Ensino de 1º e 2º graus, que os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamento especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes Conselhos de Educação. (BRASIL, LDBEN - Art. 9, 1971) Conforme aborda Nunes (2010), logo após a promulgação da 2ª LDBEN, veio a criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), órgão responsável pela educação especial no país tal como o estimulo a atividades voltadas a portadores de deficiência e pessoas superdotadas. Jannuzzi apud Nunes (2010), todavia, chama a atenção para tais medidas federais, que assumiam muito mais caráter de campanhas assistenciais e poucas iniciativas do governo. A criação deste órgão tem como intuito a definição de metas governamentais especificas para a educação especial, oficializando, uma ação política efetiva, que pudesse organizar o que estava sendo realizado de forma precária: escolas, instituições para ensino especializado, formação profissional integrado a educação regular.(JANNUZZI apud NUNES, 2010) Sassaki (2004) comenta que a década de 80 torna-se internacionalmente a década em que os meios legais voltados à educação inclusiva ganham impulso; os Estados Unidos, segundo Mendes (2006), iniciam em 1980 uma reforma que visa a excelência das escolas e os tópicos de discussão remetiam à inclusão, em razão do grande número de deficientes no país e a preocupação quanto à manutenção do status americano como potência educativa. Sailor, Gee e Karasoff apud Mendes (2006, p. 392) apontam que alguns elementos-chave dessa reforma, tais como a revisão curricular, a avaliação baseada no desempenho, a descentralização da instrução, a autonomia organizacional da escola, a gestão e o financiamento centrados na escola, a tomada de decisão compartilhada, a fusão e coordenação dos recursos educacionais e o envolvimento da comunidade, trouxeram implicações para a educação das crianças com necessidades educacionais especiais, na medida em que tais mudanças 67 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br resultaram em maior flexibilidade para as escolas, que puderam, a partir de então, romper com as práticas tradicionais e aceitar novos desafios. Mendes (2006) ressalta que expressões formais tais como “educação regular” “processo inclusivo”, “integração”, “necessidades educacionais especiais” ganharam força e corpo nesse período das reformas americanas, deixaram de ser simplesmente clichês das reuniões, simpósios e conferencias e passaram do papel à ação. Em 1981, a Assembleia das Nações Unidas reunida em Málaga, na Espanha, realizava a Conferência Mundial sobre Ações e Estratégias para Educação, Prevenção e Integração como uma das propostas interventivas para a rápida e emergente transformação educacional inclusiva. No tocante à educação inclusiva é proclamada a Declaração de Sundberg (ONU, 1981), em homenagem a Nils-Ivar Sundberg, educador de renome internacional, responsável pelo Programa da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) para educação especial, entre 1968 e 1981. Nesse documento, a UNESCO e a ONU empenham-se em promover uma campanha internacional apelativa onde propõem que “Artigo 4º - Os programas educacionais, culturais e econômicos, nos quais as pessoas com deficiência irão participar, devem ser concebidos e implementados dentro de uma estrutura global de educação permanente. Neste sentido, mais atenção deve ser dada aos aspectos educacionais da reabilitação profissional e do treinamento profissional. [...] Artigo 9º - Os educadores e outros profissionais responsáveis pelos programas educacionais, culturais e informacionais devem também ser qualificados para lidar com as situações e necessidades específicas das pessoas com deficiência. O treinamento destes profissionais deve, em conseqüência, levar estes requisitos em consideração e ser regularmente atualizados. [...] Artigo 16º - Os governos são responsáveis pela implementação da presente Declaração; para este fim, eles devem tomar todas as medidas legislativas, técnicas e fiscais possíveis e assegurar que as pessoas com deficiência, suas associações e as organizações não-governamentais especializadas participem na elaboração de tais medidas. (ONU, 1981, pp. 1 – 10) 1983 chega trazendo a implementação da Política de Ação Mundial para as Políticas Públicas voltadas aos deficientes, instituindo inclusive a Década das Nações Unidas para os Portadores de Deficiências em vigor até o término de 1992. O que podemos perceber é que houve inúmeros momentos de discussão e neste quadro um país se mostrou como o foco destas reuniões, a Espanha. Os educadores espanhóis, preocupados com a situação de seu país perante outros europeus como a Suécia, França, Reino Unido, motivaram-se no campo 68 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br inclusivo e cederam à ONU suas cidades para sediarem essas discussões. A educação inclusiva, nesse momento, nos termos da lei brasileira, era uma questão que estava em um gradativo e lento desenrolar, todavia a aceitação legal, pública e a cobrança social começaram a acelerar, em consequência das intervenções políticas internacionais. Em 1986, já de volta a democracia no Brasil, é criada a Coordenadoria para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE). Sá (2002) elenca outras ações de âmbito nacional na educação especial, como a Portaria nº 69/86, fruto da parceria do CENESP e do MEC, que estabelecia normas para a prestação de apoio técnico e financeiro a instituições públicas e privadas. Em 1988, um dos marcos maiores da conquista democrática ocorre: é promulgada a oitava Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, C.F. ,1988). No texto, ao que se refere à educação e ao desporto mostra que a partir daquela data fica estabelecido que Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. [...] Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; [...] V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; (BRASIL, C.F. art. 205, art. 208 §3º e §5º - 1988) § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: [...] II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. (BRASIL, C.F. art. 227 §1º - 1988) A Lei nº 7.853 (BRASIL, LEI º 7.853,1989), publicada em Diário Oficial de 24 de outubro de 1989, declara a obrigatoriedade da inclusão de questões específicas sobre a população portadora de deficiências na realização de censos nacionais. O seu texto também 69 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua perfeita integração social e atribui responsabilidades ao instituir a tutela jurisdicional sobre interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, tais como a disciplina e a atuação do Ministério Público sobre as mesmas, ao definir crimes e outras providências legais correlacionadas penalmente. Essa política especial começa a ser tratada como condição de extrema importância para se tomar conhecimento da realidade brasileira em questões especiais e torna-se também indispensável para sustentar a definição de políticas públicas coerentes com a necessidade de portadores de deficiência no país. Pela primeira vez, com base nessa lei, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) integra ao Censo Demográfico Brasileiro de 1991, dois anos depois, questões referentes à população especial. Os dados do instituto atestam a presença de 2.198.988 deficientes, o que representa 1,49% numa população total de 146. 815. 750 habitantes. Nesse censo, o Estado de Goiás apresenta, conforme dados abaixo, grande número de portadores de cegueira. TABELA 01 – Números dos cegos no Estado de Goiás Censo Demográfico do Brasil de 1991 Faixas Etárias HOMENS(% do total) MULHERES(% do total) 0-1 5 (0,01) 8 (0,02) 2-4 ----- (------) 11 (0,02) 5-9 59 (0,12) 20 (0,04) 10-14 58 (0,12) 43 (0,09) 15-17 58 (0,11) 47 (0,09) 18-24 143 (0,29) 64 (0,13) 25-29 92 (0,18) 46 (0,09) 30-39 175 (0,35) 69 (0,14) 40-49 211 (0,42) 143(0,28) 50-59 190 (0,38) 140(0,28) > 60 591 (1,18 ) 631(1,26) TOTAL 1.582(3,15) 1.222(2,44) AUTOR: IBGE – 1991 A década de 90 chega e é a que mais se preocupa com a temática da inclusão e com a educação em si. O Brasil vive momentos de crise na esfera federal e o mundo se transforma ideologicamente, mergulhado desde a década de 80 na ideologia da globalização e da tecnologia. A terceira revolução industrial, a chamada Revolução Técnico-Científica, revela 70 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br um boom de novas ideologias de mercado e sociais. A dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a queda do Muro de Berlim e a expansão das tecnologias trazem a preocupação com o futuro, com a educação e com a juventude. Essa década apresenta um panorama diferente para a educação inclusiva. Até o momento, os resultados apresentados após as reuniões realizadas na década de 80 mostraram alterações no cenário educacional e significativa mudança para a execução de ações inclusivas. No entanto, a ONU e a UNESCO pedem mais. Muito ainda há que ser feito e ambas articulam políticas diplomáticas para que mais países participem das reuniões. No tocante a essa temática Lima (2006), Machado e Labegalini (2007) e Batista Júnior (2011) relatam sobre os acontecimentos da década de 90, analisando os pontos principais, os princípios que norteiam cada acontecimento e sua repercussão no cenário mundial. O Brasil, como signatário das declarações culminantes de cada reunião é influenciado diretamente com os princípios resultantes. É baseado nos autores acima que analisamos os anos 90. As iniciativas começam, nessa década, com a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em março de 1990, em Jomtien, Tailândia, onde é assinada a Declaração Mundial sobre Educação para Todos – Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem (UNESCO, 1990). Documento que é muito importante para a educação inclusiva mundial, pois apontou diretrizes para a educação especial e estabeleceu metas que iam do aumento do número de crianças deficientes frequentando as escolas regulares ao compromisso em torno do desenvolvimento de políticas contextualizadas. Propôs medidas que providenciassem e assegurassem a permanência das crianças na escola por um período longo, possibilitando assim o real beneficio da escolarização. Impôs uma adaptação curricular que correspondesse às necessidades dos alunos, dos pais e das comunidades. Machado e Labegalini (2007, p. 37) assinalam que o encontro de 1990 apontou “três grandes níveis de ação internacional conjunta, que seriam a ação direta em cada país, a cooperação entre grupos de países que compartilham certas características e interesses e a cooperação multilateral e bilateral na comunidade mundial”. Esses níveis deveriam compreender desde as ações inclusivas de cada país até o apoio às ações em outros países. Em 1991, o Equador sedia um seminário, promovido pela ONU, que discute as novas tendências na educação especial e também os novos rumos para as campanhas de incentivo 71 internacional, prevendo o término da década da inclusão dentro de um ano. Dentre as Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br recomendações resultantes desse seminário destacam-se: a ideologia de que as pessoas deficientes não podem ser transformadas nem consideradas impedimentos sociais em decorrência de sua condição. Não deve ser negada atenção à sua circunstância ou apelo, pois serão passíveis de responsabilidade criminal os crimes por negligencia. Também foi discutida a melhoria da qualidade dos serviços oferecidos por meio de capacitação de recursos humanos e avaliação dos planos educacionais. Em comemoração ao término da década da pessoa com deficiência, a 37ª Sessão Plenária Especial sobre Deficiência da Assembleia Geral da ONU, em 14 de outubro de 1992, por meio da resolução A/RES/47/3 (ONU, 1992), adota o dia 3 de dezembro como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. O dia escolhido coincide com o mesmo dia em que, há dez anos, foi promulgada a ideia da Década da Inclusão. Por meio desse ato, a ONU conclui que ainda falta muito para se resolver os problemas dos deficientes e que isso não pode ser deixado de lado pelos países membros das Nações Unidas. Junho de 1993, o Chile sedia a V Reunião do Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal de Educação na América Latina e Caribe, promovido pela UNESCO e que teve como tema principal a universalização da educação básica. Nesse evento foram propostas a elevação da qualidade da aprendizagem dos alunos especiais e a fomentação de ações para a redução das desigualdades, de acordo com o critério da discriminação, diminuindo a educação dualista no mundo. O Brasil, nessa ocasião, enviou representantes do MEC para adequar sua política pública às novas propostas internacionais de educação especial; o ano seguinte, 1994, tornar-se-ia o ano apoteótico da educação inclusiva. Salamanca, cidade de província espanhola homônima, sedia em junho daquele ano, um dos mais importantes eventos da educação especial; representantes de 88 países e de 25 organizações internacionais reafirmam o compromisso assumido em 1990 com a Declaração da Educação para Todos e redigem o que seria denominado “Regra Padrão sobre e Equalização de Oportunidades para pessoas com Deficiências”, no qual declaram que reconhecendo a necessidade e urgência do providenciamento de educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro do sistema regular de ensino e reendossamos a Estrutura de Ação em Educação Especial, em que, pelo espírito de cujas provisões e recomendações governo e organizações sejam guiados. [...] Proclamamos que: 72 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br - toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem, [...] - aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades, - escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria das crianças e aprimora a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional. (UNESCO, 1994, p. 1) Marco para as políticas públicas inclusivas, Salamanca mobiliza o mundo, até então engessado sob um calhamaço de declarações desprovidas de ações que iam ao encontro com suas preconizações, afirmação esta corroborada por Lima (2006), Mendes (2006), Machado e Labegalini (2007), Batista Júnior (2011). Grosso modo Salamanca é uma profilaxia à praga da procrastinação que vigorava às diversas ações destinadas a educação inclusiva mundial supracitadas. Na Ásia, de acordo com os dados da SEAMEO (2003), é criado em Brunei Darassulam a Unidade de Ensino Especial que prestará assistência à educação especial de crianças no país e que contará com psicólogos e professores especializados para o referido ensino. A partir da década de 80 foi possível perceber o quanto fervilharam e proliferaram reuniões e estudos sobre inclusão, porém muitos deles não saíam do papel e muitas ações, não condiziam com a realidade. O Brasil, por exemplo, na década de 90, muda seu plano econômico e a educação sofre uma alteração no cenário político. A “nova LBDEN”, a Lei nº 9.394/96 (BRASIL, 1996) é promulgada e traz “boas novas” ao citar em seu texto disposições específicas sobre a educação especial, tratadas no Capítulo V – Da Educação Especial: Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial. § 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular 73 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br [...] Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades; [...] III - professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; [...] V - acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. (BRASIL, LDBEN, 1996) Com base em Mendes (2006), afirmamos que Salamanca fez com que a educação inclusiva ganhasse terreno e influenciasse inúmeras ações inclusivas mundo afora. A sociedade, porém não se acostuma facilmente com a integração de deficientes na rede regular de ensino, a partir dessa situação, surgem preocupações dos profissionais quanto ao andamento das aulas e com a qualidade do ensino, além do preconceito visível na sociedade brasileira. Em 1999, redigiu-se no Reino Unido a “Carta para o Terceiro Milênio”, documento que apelava em nome dos direitos humanos à luta pelos direitos dos deficientes e uma convocação a nível global para que esse movimento se estenda pelos anos vindouros do novo século. Nós entramos no Terceiro Milênio determinados a que os direitos humanos de cada pessoa em qualquer sociedade devam ser reconhecidos e protegidos. [..]. Cada pessoa com deficiência e cada família que tenha uma pessoa deficiente devem receber os serviços de reabilitação necessários à otimização do seu bemestar mental, físico e funcional, assim assegurando a capacidade dessas pessoas para administrarem sua vida com independência, como o fazem quaisquer outros cidadãos. Pessoas com deficiência devem ter um papel central no planejamento de programas de apoio à sua reabilitação; e as organizações de pessoas com deficiência devem ser empoderadas com os recursos necessários para compartilhar a responsabilidade no planejamento nacional voltado à reabilitação e à vida independente.” (CARTA PARA O TERCEIRO MILÊNIO, 1999) Século XXI. O mundo se mobiliza, desde a Ásia às Américas. No ano 2000 é realizado o novo Censo Demográfico pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em que constam dados importantes; “O Censo 2000 revelou que 14,5% da população brasileira era portadora de, pelo 74 menos, uma das deficiências investigadas pela pesquisa. A maior proporção se Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br encontrava no Nordeste (16,8%) e a menor, no Sudeste (13,1%). A nova publicação traz o número absoluto de cegos e surdos no País. Em 2000, existiam 148 mil pessoas cegas e 2,4 milhões com grande dificuldade de enxergar. Do total de cegos, 77.900 eram mulheres e 70.100, homens. A região Nordeste, apesar de ter população inferior ao Sudeste, concentrava o maior número de pessoas cegas: 57.400 cegos no Nordeste contra 54.600 no Sudeste. (IBGE, 2000, p. 01) Com base no aumento da população com deficiência, cresce a preocupação com a educação. É promulgada a Resolução CNE/CEB n°2/20019 que dispõe das Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica, porém elas acabam se voltando com maior força para o atendimento educacional especializado, a ser tratado posteriormente, e não abordam uma política de educação inclusiva no ensino regular. O Plano Nacional de Educação (PNE), elaborado no mesmo ano, expõe em seu texto uma preocupação em se trabalhar com a diversidade humana no âmbito escolar sob a perspectiva de inclusão, atendendo aos alunos com deficiência. Aponta também o déficit referente à oferta de matrículas de deficientes nas classes do ensino regular, questiona o descaso com a formação dos docentes e trata da acessibilidade ao atendimento educacional especializado. Enquanto isto, na Ásia, segundo os dados expostos por Nakata (2002, p.1), em 2001, no Japão, há uma elevação do número de escolas que admitem alunos cegos, “71 escolas, totalizando 1.168 alunos” devidamente matriculados. No Brasil, a Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE/ CP nº. 1/2002) estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores da educação básica e também define que as instituições de ensino superior devem prever em sua organização curricular formação docente voltada para a atenção à diversidade e ao conhecimento sobre as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais, pois deve haver profissionais preparados para lidar com esses alunos em sala de aula. Na prática ocorre uma contradição, pois em muitas unidades universitárias que possuem Licenciatura em Matemática, somente vieram a oferecer uma instrução na Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) cerca de oito anos após a sua deliberação. 9 Texto alterado pela Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010. Cf. (BRASIL, CNE/CEB 4/2010) 75 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Uma preocupação muito grande, segundo Nunes (2010), é que haja definitivo acesso e permanência desses alunos nas escolas. Outro ponto primordial é o acesso à comunicação e por isso a Portaria n°2678/02 garantiu a difusão do método Braille e a produção de materiais didáticos nessa linguagem, uma vez que o Braille é o sistema padrão internacional adotado para a leitura de textos pelos cegos, garantindo de forma legal a comunicação desses alunos. Em 18 de outubro de 2002, mais de 3.000 pessoas, em sua maioria deficientes, representantes de mais de 109 países, reúnem-se em Sapporo, no Japão, para a Sexta Assembléia da Organização Mundial das Pessoas com Deficiência (Disabled People’ International – DPI), que discute temáticas e propõe no seu texto temas como diversidade interna, direitos humanos, bioética, educação inclusiva, desenvolvimento internacional, paz, conscientização do público, conhecimento e empoderamento. Em 2003, o MEC cria o Programa Educação Inclusiva, que visava a implementação de propostas inclusivas nas escolas públicas, propostas estas que iam desde a adequação dos espaços físicos, formação continuada de gestores e professores, salas de Atendimento Educacional Especializado, materiais didáticos adequados, etc. Todas garantindo assim não somente a Integração, mas a Inclusão dos alunos deficientes, sendo responsável igualmente pela organização do AEE e a promoção da acessibilidade. Este momento do século XXI passa a ser uma nova era na educação que, segundo Nunes (2010), começou com o Plano Nacional e foi se concretizando com essas últimas medidas. A autora afirma que essas medidas legais citadas “ainda preveem que as instituições escolares terão que se adequar às pessoas com deficiência, dando-lhes acesso e fazendo com as mesmas permaneçam, neste caso, no ambiente escolar de forma igualitária”. Em 2004, o Programa de Educação e Inovação para o Desenvolvimento da Ásia e do Pacífico (APEID) e o Instituto Nacional de Educação Especial (NISE) organizam o Primeiro Seminário sobre Educação Especial, discutem os rumos que os países asiáticos e do Pacífico devem tomar, que medidas devem adotar relacionadas à educação especial e mostram estudos e pesquisas sobre o tema. Dentre os estudos discutidos destaca-se a palestra do Dr. Nicholas Jude, especialista em Neuropsicologia Clínica, que apresentou seus estudos sobre “surdocegueira”, em parceria com o Centro de Recursos vinculados à Universidade Haukeland da Noruega, além de apresentar ainda pesquisa sobre as reações emocionais e cognitivas para o aprendizado frente a esta deficiência. 76 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Sabe-se que são inúmeras as instituições que oferecem apoio aos deficientes, porém, segundo estudos como o de Nunes (2010), uma das possibilidades é investir com bastante convicção em estudos os quais garantam a capacitação dos profissionais, para que possam lidar com a deficiência, e nesse caso em especial, o cego. Investir também, conforme recomendação da Carta para o Terceiro Milênio, em pesquisas sobre materiais didáticos adequados para cada tipo de deficiência, pois há necessidade de estudos sobre a didática adequada para lidar com o aluno deficiente nas várias situações em sala de aula. Não se pode esquecer, como já foi citado, dos cursos de preparação e formação de professores. As leis apoiam cada um destes alunos, porém o professor deve sim estar apto para o exercício da educação inclusiva, auxiliando o aluno com cegueira na aprendizagem de sua língua (que é oficialmente o código Braille), lidando com materiais didáticos ou dinâmicas que facilitem seu aprendizado. Numerosas foram, e são até hoje, as Campanhas que promovem a equidade da sociedade frente à temática inclusiva10, incentivada pelas Nações Unidas desde meados desta primeira década do século XXI. Em 2005, Coreia do Sul, China, Japão e Malásia se reúnem no Seminário sobre Educação Especial e fundam a Revista de Educação Especial da Ásia e do Pacífico11, onde, ano após ano, os quatro países se revezam em publicações de estudos destinados aos portadores de deficiência. Enquanto isso, no Brasil, o Congresso Nacional traz um grande auxílio aos cegos e portadores de baixa-visão. Através da aprovação da Lei nº 11. 126 de 27 de junho daquele ano (BRASIL, 2005), fica estabelecido o direito dos deficientes visuais de ingressarem e permanecerem em ambientes de uso coletivo e vias públicas na companhia de cães-guias. Segundo a lei o Art. 1 É assegurado à pessoa portadora de deficiência visual usuária de cão-guia o direito de ingressar e permanecer com o animal nos veículos e nos estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo, desde que observadas as condições impostas por esta Lei. o § 1 A deficiência visual referida no caput deste artigo restringe-se à cegueira e à baixa visão. o § 2 O disposto no caput deste artigo aplica-se a todas as modalidades de transporte interestadual e internacional com origem no território brasileiro. [...] 10 11 V.R: PERRI (2009) Disponível em: http://www.nise.go.jp/en/journal_of_spec.html 77 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br o Art. 3 Constitui ato de discriminação, a ser apenado com interdição e multa, qualquer tentativa voltada a impedir ou dificultar o gozo do direito previsto no art. o 1 desta Lei. (BRASIL. Lei nº 11.126, 2005) Essa medida incentiva os cegos à mobilidade em público, tal como segurança aos que frequentam escolas do ensino regulares, principalmente depois de campanha em cadeia nacional para a adoção de cães-guias por cegos. O ano de 2006 foi de intensa movimentação na esfera legal e político-social. Foi lançado o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, em parceria com a UNESCO, com o MEC e com o Ministério da Justiça, que tinham por objetivo a elaboração de um currículo para a educação básica que fosse ao encontro às temáticas referentes às pessoas deficientes e possibilitasse o desenvolvimento de ações de inclusão, acesso e permanência no ensino superior. Em 2006, também foi lançado pela segunda vez em cadeia mundial uma Campanha em prol das pessoas com deficiência, em reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA) na República Dominicana. Segundo a OEA (2006), o decênio 2006 – 2016, foi eleito como o Decênio das Américas para as Pessoas com Deficiência, proposta aprovada mediante a resolução CP/RES. 926 (1625/08) de 23 de janeiro de 2008, constante na Declaração da Década das Américas pelos Direitos e pela Dignidade das Pessoas Deficientes 2006 – 2016, cujas principais propostas ao longo destes dez anos se referem à sensibilização social, saúde, educação, emprego, acessibilidade, participação política, participação em atividades culturais, artísticas, esportivas e recreativas, bem-estar e assistência social, e cooperação internacional No ano de 2007 foi lançado o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Ele vem apenas reafirmar a inclusão das pessoas com deficiências na educação, tendo com eixo central a acessibilidade e as alterações arquitetônicas nos prédios escolares, além da implementação de salas de recursos e da formação docente para o atendimento educacional especializado, inclusive citando os professores de apoio. O que se pode constatar é o avanço em relação ao que está na legislação nesse século XXI, por causa da pressão internacional e da população brasileira, pois o país passa por um momento em que as leis internacionais e decretos saem do papel para a ação, indo ao encontro da integração das pessoas deficientes. A instituição da Década Americana voltada aos deficientes colaborou muito para 78 esse avanço significativo, antes influenciado apenas por Salamanca e pela Carta para o Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Terceiro Milênio. Em seguida pode-se afirmar, com base nos dados e observações do Ministério da Cultura (MEC, 2007), que a inclusão fora estabelecida de forma legal, mostrando com isso uma preocupação do país com os aspectos constitucionais, seguindo assim modelos já adotados por países norte-americanos e europeus. Ainda em 2007, segundo Batista Júnior (2011) O decreto nº 6.571 dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado (AEE), bem como estabelece que os estudantes público alvo da educação especial serão contabilizados duplamente no FUNDEB, quando tiverem a matrícula em classe comum de ensino regular da rede pública e matrícula no AEE. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) é uma oferta da educação especial, complementar à formação do ensino regular, destinado aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades e/ou superdotação, levando em conta suas NEE, a participação e a interação nas atividades escolares. O AEE perpassa todas as modalidades e níveis de ensino, sendo um direito de todas as crianças e jovens especiais e é realizado sempre no contra – turno do horário de aula regular do aluno. No ano de 2008, o Japão realiza a segunda edição do Seminário para Educação Especial. Baseando-se em pesquisas e levantamento de dados mostra estudos que mapeiam a cegueira na região da Ásia e do Pacífico, onde se constata que havia “71 escolas especializadas em cegos, que contavam com um total de 3.882 alunos e em formação, nos 12 países representantes presentes, 34.429 professores para o atendimento de pessoas cegas” (UNESCO, 2008, p. 2). Já em 2009, a CORDE, por meio da Lei 11.958, aprovada em 26 de junho de 2009 e pelo Decreto nº 6.980 promulgado em 13 de outubro de 2009, passa a se chamar Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência (SNPD) e a partir dessa data passa a ser um órgão da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). E cabe a ela a responsabilidade acerca da articulação e coordenação das políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência. A nova subsecretaria galgou degraus no cenário político nacional e internacional no momento em que o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e concordou com os termos de seu Protocolo Facultativo, ambos assinados na sede da ONU, em Nova York em março de 2007. O documento citado ganhou status de Emenda Constitucional ao ser aprovado pelo 79 Congresso Nacional no Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, igualmente Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br legalizado com base no Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009. Hoje, com base nessas leis específicas, a emenda dá suporte à política nacional para a inclusão da pessoa com deficiência. A SNPD também tem como sua responsabilidade coordenar e supervisionar o Programa Nacional de Acessibilidade e o Programa de Promoção e Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Ambos os programas têm o objetivo de estimular todos os setores, públicos e privados, para que as políticas públicas e programas que contemplem a promoção, a proteção e a defesa dos direitos da pessoa com deficiência sejam de fato realizados. Cabe à Subsecretaria a emissão de pareceres técnicos sobre projetos de lei pertinentes a essa área, quer estejam em tramitação nas casas do Congresso ou não. Também é de sua responsabilidade realizar audiências, consultas públicas técnicas, envolvendo as pessoas com deficiência diretamente e indiretamente nos assuntos que as dizem respeito; também a realização de campanhas de conscientização pública, em busca de respeito pela autonomia, igualdade de oportunidades e em prol da inclusão social da pessoa com deficiência. No cenário internacional, deve a subsecretaria promover a iniciativa de projetos e de acordos de cooperação com organismos internacionais no que tange à área da deficiência. Em 05 de maio de 2010, o Decreto de nº 7.166, institui a criação do Comitê Organizador para a alteração nacional do Registro de Identificação Civil e adoção de novo sistema de registro do cidadão brasileiro, alterando o antigo Registro Geral (RG). O novo modelo passa a conter além do identificador eletrônico as informações cadastrais da pessoa, desde o número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) até a alteração de nome em razões matrimoniais. O projeto de substituição dos registros antigos pelos atuais, cuja estimativa é de 150 milhões de cartões munidos de chips e certificação digital, está orçado em 800 milhões de dólares, a serem gastos ao longo de nove anos, segundo informações do secretário-executivo do Comitê Gestor do RIC do Ministério da Justiça, Paulo Airan. Em 15 de dezembro de 2010 foi apresentada ao Senado Federal a proposta da Deputada Maria do Rosário, do Estado do Rio Grande do Sul, em regime de tramitação prioritária da Lei nº 8.016, que dispõe sobre a cédula de identidade para deficientes visuais, uma vez que está em vigor a proposta de alteração da cédula de identidade em todo o país. 80 A ementa propõe um modelo de Registro de Identidade Civil do deficiente visual que Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br conterá informações sobre a sua deficiência e trará as informações em Braille. A proposta está sujeita à apreciação do plenário em regime de tramitação desde 05 de janeiro de 2011, conforme citação do Senado Federal. A proposta ressalta ainda em seu texto que para que esses deficientes possam exercer seus direitos plenamente, é necessário que se garanta o documento de identificação com validade nacional, contendo os dados relativos à deficiência e as informações também em Braille. Desse modo, a fim de garantir que tais pessoas possam usufruir dos direitos garantidos pela legislação relativa às pessoas portadoras de deficiência, devemos fornecer os instrumentos legais necessários para a execução desses preceitos legais. O Registro de Identidade Civil é o documento com validade nacional hábil à identificação dos cidadãos. Assim, se, neste documento, forem inseridas as informações relativas à deficiência visual de seu portador, inclusive em braile, permitiremos que o exercício dos direitos seja garantido nacionalmente, por um documento de caráter permanente. (BRASIL, Proposta de Lei 8.016, 2010) Em 2011 foi realizado em todas as unidades escolares, o Censo Escolar, mas com um diferencial, continha um informativo detalhado sobre tipo de turmas, atividades complementares, detalhes sobre o Atendimento Educacional Especializado, como horário de início e término do mesmo, modalidade, etapa, detalhes sobre laudos, acompanhamentos pedagógicos, entre outros. Uma ação que permitirá que as esferas legislativas e executivas, além dos próprios professores, tomem conhecimento da realidade das escolas públicas brasileiras. A realização do Censo Escolar (MEC, 2011) tem por objetivo fazer um amplo levantamento sobre as escolas de educação básica no país, cuja assessoria foi realizada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão, por meio da Diretoria de Política de Educação Especial (SECADI/ DPEE). As unidades escolares são orientadas pelo MEC a informarem qual o atendimento realizado para cada tipo de deficiência, cujas opções primárias são Surdez, Cegueira, Baixa-visão, Deficiência Física, Deficiência Intelectual, Surdocegueira, Transtornos Globais do Desenvolvimento, Altas Habilidades/Superdotação. No tocante à cegueira é necessário informar, por exemplo, se o aluno possui conhecimento do Sistema Braille; orientação e mobilidade no contexto escolar; o uso de tecnologias de informação e comunicação acessíveis; disponibilização de materiais didáticos e pedagógicos acessíveis: áudio-livro, livro digital acessível, textos em formato digital e materiais táteis; o ensino da técnica de Soroban; a transcrição de material em tinta para o Braille, entre outros. (MEC, 2011, p. 01) 81 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Além das especificações de atendimento acima citadas, os estudantes podem ser caracterizados, quando apresentam laudos específicos, como tendo Atraso no Desenvolvimento Neuropsicomotor (ADNPM), Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID), Déficit no Pensamento Auditivo Central (DPAC) ou mesmo Déficit Intelectual, Hidrocefalia, ou Déficit Cognitivo, Transtorno Funcionais subdivididos em Transtorno de Déficit de Atenção (TDA), Transtorno de Déficit de Atenção – Hiperatividade (TDAH), Dislexia, etc. Enfim, para concluir este apanhado acerca da legislação especial desde seus primórdios, ressaltamos que ela sempre foi cercada de textos muito bem elaborados, iniciativas em cenários tanto nacionais quanto internacionais, com diretrizes bem focadas que resguardam os diretos dos alunos da educação inclusiva. Percebemos, porém, através da intensidade e da periodicidade das reuniões, que não há total cumprimento dessas medidas no plano da realidade. A política e a educação são foram influenciadas por circunstâncias sócio-educativas e quando esbarram em uma lacuna necessitam que novas medidas, declaradas com base em acordos e reuniões, surjam para incentivar ações que ajudem a preencher tais lacunas. Tema que será abordado no próximo dessa trilogia de artigos, e que será publicado na próxima edição da Revista. Bibliografia BATISTA JÚNIOR, José Ribamar Lopes. Atendimento educacional à pessoa deficiente: discursos e letramento. In: Anais do VII Congresso Internacional da ABRALIN. Curitiba – PR, pp. 2106 – 2117. 2011. Disponível em: <http://www.abralin.org/abralin11_cdrom /artigos/Jose_Ribamar_Batista_Junior.PDF>.Acesso em: 31 jul. 2011. BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial [dos] Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo. Rio de Janeiro, DF, de 16 de julho de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34. htm>. Acesso em 08 fev. 2011. BRASIL. Decreto nº 44.236. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 01 out. 1958. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/2907886/dou-secao-1-01-10-1958-pg-33>. Acesso em 07 fev. 2011. BRASIL. Lei nº 5.692. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 11 ago. 1961. Disponível em: < http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/l5692_71.htm>. Acesso em: 08 fev. 2011 82 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br BRASIL. Lei nº4024. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 27 dez. 1961. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/6_Nacional_ Desenvolvimento/ldb%20lei%20no%204.024,%20de%2020%20de%20dezembro%20de%201 961.htm>. Acesso em: 08 fev. 2011 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 24 jan. 1967. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao67.htm>. Acesso em: 08 fev. 2011 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 20 out. 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 08 fev. 2011 BRASIL, Lei nº 7.853. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 24 out. 1989. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/ seesp/arquivos/pdf/dec3298.pdf>. Acesso em 07 fev. 2011. BRASIL. Lei nº 8.069. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 14 jul. 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em 08 fev. 2011. BRASIL. Lei nº 9.394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 08 fev. 2011 BRASIL. Decreto nº 3.298. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 20 dez. 1999. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/dec 3298.pdf>. Acesso em 07 fev. 2011. BRASIL. Resolução CNE/CP 1, Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, 18 fev. 2002. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ rcp01_02.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2011 BRASIL. Lei nº 11. 126, de 27 de junho de 2005. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 28 de jun. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/Lei/ L11126.htm>. Acesso em: 09 fev. 2011. BRASIL, Decreto nº 6.949. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 25 ago. 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2009/decreto/d6949.htm>. Acesso em: 05 mar. 2011 BRASIL. Decreto nº 7.166. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 05 mai. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2010/Decreto/ D7166.htm>. Acesso em: 09 fev. 2011. BRASIL. Resolução CNE/CEB 4/2010. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 14 jul. 2010, Seção 1, p. 824. Disponível em: < 83 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br http://www.ceepi.pro.br/Norma%20CNE%20MEC/2010%20Res%20CNE%20CEB%2004%20%20Diretrizes%20curriculares%20gerais%20para%20EB.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2011 BRASIL. Proposta da Lei nº 8.016. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Poder Executivo. Brasília, DF, 15 dez. 2010. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=489800>. Acesso em: 09 fev. 2011. BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica/ Secretaria de Educação Especial – MEC; SEESP, 2011. 79p. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/diretrizes.pdf>. Acesso em: 05 mar. 2011 BRASIL. Ministério da Educação. Educacenso. 2011. Disponível <http://sitio.educacenso.inep.gov.br/situacao-do-aluno>. Acesso em: 01 ago. 2011. em: BRASIL. Ministério da Educação e Cultura – MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. 1999. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro03.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2011 FILHO, O. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932: Memória e Imagens do manifesto nos livros didáticos de história da educação. In: Anais do VI Congresso LusoBrasileiro de História da Educação. Uberlândia – MG. Brasil. 2006. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/apresentacao.htm>. Acesso em: 08 fev. 2011. FRANÇA. Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. 1793. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthist/dec1793.htm>. Acesso em: 08 fev. 2011. IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. Censo Demográfico 2000. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/27062003censo.shtm>. Acesso em: 09 fev. 2011. LIMA, P. Educação Inclusiva e Igualdade Social. Editora AVE – AVERCAMP. 1ª ed. 176 p., São Paulo, 2006. MACHADO, L; LABEGALINI, A. A educação inclusiva na legislação de ensino. Marília: Edições M3T Tecnologia e Educação, 2007 MEC. Ministério da Educação e Cultura. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/politica.pdf>. Acesso em : 09 fev. 2011 MENDES, E. A radicalização do debate sobre inclusão escolar no Brasil. In: Revista Brasileira de Educação v. 11 n. 33 set./dez. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n33/a02v1133.pdf>. Acesso em: 03 mar. 2011. NUNES, P. História Educacional do Cego e seus Aspectos Legais. 2010. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/43846/1/-Historia-Educacional-do-Cego-e-seusAspectos-Legais-/pagina1.html#ixzz1DmEqWhUF>. Acesso em 08 fev. 2011. OEA. Organização dos Estados Americanos. Instalação no Panamá da Secretaria Técnica para o desenvolvimento do Programa de Ação para a Década das Américas pelos direitos e pela Dignidade das Pessoas Deficientes. Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos. República 84 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Dominicana. 2006. Aprovada na 36ª Assembléia da OEA – Panamá – 2008. Original: Espanhol. Disponível em: < http://www.oas.org/consejo/pr/cajp/ Decada%20das%20Pessoas%20Portadoras%20de%20Defiencia.asp>. Acesso em: 09 fev. 2011. ONU. Assembléia Geral das Nações Unidas de 07 de Novembro de 1981. Declaração de Sundberg. Disponível em: < http://app.crea-rj.org.br/portalcreav2midia/documentos/ declaracao sundberg.pdf>. Acesso em: 09 fev. 2011 ONU. Assembléia Geral das Nações Unidas de 20 de Novembro de 1959. Declaração Universal dos Direitos da Criança. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/ sip/onu/c_a/lex41.htm>. Acesso em: 08 fev. 2011 ONU. Assembléia Geral das Nações Unidas. A/RES/47/3. 1992. Disponível em:<http://www.un.org/documents/ga/res/47/a47r003.htm>. Acesso em: 08 fev. 2011. REHABILITATION INTERNATIONAL. Carta para o Terceiro Milênio. Londres. 1999. Disponível em: <http://www.cedipod.org.br/carta3m.htm>. Acesso em: 09 fev. 2011 SÁ, Elizabet Dias; SIMÃO V. Os alunos com deficiência visual, baixa visão e cegueira In: DOMINGUES, C. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar / v. 3. – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial; [Fortaleza]: Universidade Federal do Ceará, 2010. SASSAKI, R. Comentários sobre a Conferência Mundial sobre Ações e Estratégias para Educação, Prevenção e Integração – 1981. Disponível em: <http://saci.org.br/?modulo=akemi¶metro=13312>. Acesso em: 01 mar. 2011 SASSAKI, R. Terminologia sobre deficiência na era da inclusão. 2004. Disponível em: <http://200.238.92.118/uploads/zEEORSTek4V-xJeWR9XnLw/ 9H3ICd6NYXHKTHBY7N9MdQ/terminologia1pra_imprensa.PDF>. Acesso em: 01 mar. 2011 SEAMEO. Southeast Asian Ministers of Education Organization. Special Education in Southeast Asia: General Characteristics, Legal Framework, Basic Information, Issues and Challenges. 2003. Disponível em: < http://www.seameo-innotech.org/resources/seameo_ country/SpEd_in_sea.htm >. Acesso em 10 fev. 2011. SILVA, M; BURNIER, S; FERREIRA, G. Legislação da Educação Especial no Brasil na década de 60. In: Anais do V Congresso de Ciências Humanas, Letras e Artes - Ouro Preto – MG. Brasil. 2001. Disponível em: < http://www.ichs.ufop.br/conifes/>. Acesso em: 08 fev. 2011 UNESCO, Declaração de Salamanca. Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade. Salamanca, Espanha. 1994. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>. Acesso em 09 fev. 2011. UNESCO, Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem. In: Conferência Mundial sobre Educação para Todos, Jomtien, Tailândia, 1990. Publicação - UNESCO - 1998. Disponível em: < http://unesdoc.unesco.org/ images/0008/000862/086291por.pdf>. Acesso em 09 fev. 2011. 85 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A Música Independente no Brasil: Constituição, Festivais e Expressões Isabella Cecília do Nascimento 12 Resumo: Há poucas produções científicas que se voltam para os cenários musicais independentes no Brasil com enfoque na rede de organização, planejamento, processos de identificação, economia solidária, e é dentro desses movimentos que nascem os festivais. A cena independente tanto de redes locais como nacionais são pouco conhecidas pelo grande público e pela comunidade acadêmica, mesmo havendo movimentação cultural em todos os estados brasileiros com recursos simbólicos e materiais muitos significativos. São os festivais que constituem a forma principal de disseminação dessas dinâmicas nas cenas independentes. Este trabalho investigou o festival ‘Grito do Rock’, um grande evento integrado que ocorre em todo Brasil e em países da América Latina, organizado pela rede Fora do Eixo. Palavras Chave: Música Independente, Festivais, Movimentação Cultural. Introdução Geração coca-cola (Legião Urbana) Composição: Dados Villa Lobos, Renato Russo “Quando nascemos fomos programados A receber o que vocês Nos empurraram com os enlatados Dos U.S.A., de nove as seis. Desde pequenos nós comemos lixo Comercial e industrial Mas agora chegou nossa vez Vamos cuspir de volta o lixo em cima de vocês Somos os filhos da revolução Somos burgueses sem religião Somos o futuro da nação Geração Coca-Cola Depois de 20 anos na escola Não é difícil aprender Todas as manhas do seu jogo sujo Não é assim que tem que ser Vamos fazer nosso dever de casa E aí então vocês vão ver 12 Isabela Cecília do Nascimento é graduanda do quarto ano do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, da cidade de Catalão. Professor indicador Doutor Rubens de Freitas Benevides do curso de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás Campus de Catalão 86 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Suas crianças derrubando reis Fazer comédia no cinema com as suas leis Somos os filhos da revolução Somos burgueses sem religião Somos o futuro da nação Geração Coca-Cola Geração Coca-Cola Geração Coca-Cola Geração Coca-Cola [...] 1 Essa música da banda Legião Urbana escrita nos anos 80 é um crítica ao modelo de vida americano que era exaltada pelos jovens do mundo todo, de roupas a tipos de comportamento e principalmente do consumismo exacerbado dos Estados Unidos, e a marca ‘Coca-Cola’ é o símbolo mais famoso do capitalismo americano, é o produto mais consumido no mundo e que está presente nos quatro cantos do planeta, por isso a referência (de Luciano Martins) ‘geração Coca-Cola’. Isso nos faz refletir como o sistema capitalista possui mecanismos de controle como a opressão, exploração e através da constante produção nas fábricas ele mantêm sua força. O consumir é a energia motriz desse sistema capitalista, é um dos responsáveis pela sua manutenção. O consumismo é uma constante na vida humana, algo que se tornou naturalizado, já que criou novas necessidades para a “sobrevivência” no mundo globalizado (necessidades que antes não existiam). Com a economia globalizada, o acesso a produtos tornou-se cada vez mais fácil e rápida, milhares de opções criadas pelas indústrias para conquistar consumidores. É intenso o ciclo fabricação - venda - compra, e é neste meio que surgem as formas de pagamento: crediário, cheque, cartão de credito, empréstimo, financiamento etc. A mercadoria tem que ser vendida de qualquer maneira, e as corporações manejam as sociedades para isso, através do que Marx define como fetichismo da mercadoria¹. As estratégias de marketing inteligente conhecem e estudam os gostos e desejos dos consumidores, utilizam publicidades cada vez mais atraentes que predominam na decisão de escolha de algum produto. A mídia exerce forte influência sobre as pessoas; são símbolos, cores, ícones de beleza, músicas que motivam emocionalmente o consumo de determinada marca, é o feitichismo presente nos produtos que lhes proporciona um caráter de ‘vida própria’, culminando uma necessidade constante de obtê-lo e o quão é útil na sua vida. 87 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Levando muitas vezes ao endividamento e ocultando uma de suas essências, a exploração do trabalho. As intensificações dos meios de produção geram sociedades voltadas ao consumo, e isso é consequência das relações comerciais do sistema capitalista, que simbolicamente atendem as necessidades dos indivíduos através das mercadorias. E mais do que isso, elas reproduzem a desigualdade social, ou seja, o fetichismo é uma relação social entre as pessoas e os bens que elas adquirem. Habermas (1968) faz a análise da difusão do modo de produção e das ideologias através do desenvolvimento científico-tecnológico da sociedade moderna (que gira em torno do capitalismo). A técnica e a ciência transformaram as antigas legitimações dos setores institucionais da sociedade, com uma racionalidade progressiva, ou seja, para que houvesse o desenvolvimento técnico e científico foi necessário derrubar antigos mecanismos sociais de funcionamento para instaurar um novo modelo de sociedade que funciona agilmente com as técnicas desenvolvidas para as indústrias. Logo, as relações sociais se modificam a favor desse progresso e, por conseguinte, o Estado se apropria deste novo modelo econômico, criando novos instrumentos de dominação política, por meio de uma nova racionalidade instituída. Isso acontece porque ela se desenvolve de acordo com o uso que se faz da ciência e da técnica na sociedade, é o resultado desse progresso técnico-científico, que cria novas necessidades na vida das pessoas (o fetichismo da mercadoria) produzindo o consumo em massa que atende as necessidades da população. Isso ocorre na medida em que as pessoas se deixaram controlar/aceitar/instituir por essa nova racionalidade manejada pela produtividade do desenvolvimento técnico-científico. Boaventura de Souza Santos (2011) nos faz refletir que o processo de desenvolvimento da ciência culminou cada vez mais rápido da dominação da natureza pelo homem. Isso legitimou a regulação da hegemonia burguesa sobre a sociedade. Esse princípio de regulação parte da necessidade de controle dessa camada da sociedade sobre as demais classes legitimando a ordem através de mecanismos desenvolvidos pelo progresso científico. O progresso levou a competitividade entre os indivíduos uma relação instituída pelo sistema que se tornou naturalizada. O consumismo faz com que o objeto ganhe o caráter de sujeito, por exemplo, o uso do celular, computador, comida enlatada e congelada passam a ter um lugar central na vida das pessoas, em um ponto que não se vive mais sem esses objetos e é ai que eles adquirem esse novo sentido. 88 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A ciência é a forma de conhecimento dominante na modernidade, e ao mesmo tempo é a força do desenvolvimento econômico, que se iniciou desde o século XVIII para o progresso tecnológico que, por conseguinte tinha como princípio eliminar a miséria com todo esse desenvolvimento. Mas não foi e não é assim, a transição da modernidade para a pós-modernidade está ligada a crise da ciência, foi absorvida pelo mercado e por isso se tornou inviável acabar com a miséria através do progresso tecno-científico. Ernest Mendel elaborou um conceito acerca do desenvolvimento capitalista que está dividido em três fases, a última delas o “capitalismo tardio” na qual estamos vivendo, é a globalização dos mercados, crescimento de empresas multinacionais, intensificação do trabalho, consumo de massa e a intensificação do capital. Tudo isso aliada ao desenvolvimento tecnológico que cada vez mais inova em técnicas ágeis para aumentar a produção e gerar mais capital para a economia mundial. Essa fase seria a crise da intensificação dos meios de produção (aumento do consumo) que é desproporcional a sustentabilidade dos recursos naturais, que estão se esgotando cada dia mais com a exploração contínua. Nesse sentido pensar a pós-modernidade é importante. O termo foi utilizado pela primeira vez em 1950, e se refere além da literatura e cultura, a condição sociocultural que predomina no capitalismo. A arte (em todas as suas formas) é um dos seus contrastes mais fortes. O campo de produção cultural analisada por Bourdieu enfatiza que há um elemento cultural na produção das desigualdades sociais. O sistema capitalista gera diferenças econômicas e também culturais, isso se dá pela origem social, escolaridade e o caráter formativo da cultura que o indivíduo vive. No campo de produção cultural há duas divisões: o campo de produção erudita (que é a alta cultura, literatura), onde os artistas têm autonomia no campo artístico, já que sua origem social é da classe dominante e isso posiciona o artista nesse meio, de modo que as instâncias de consagração tornem suas obras renomadas. Nesse tipo de produção os próprios intelectuais são consumidores de produtos produzidos por outros intelectuais. O outro campo é da indústria cultural, que ressignifica as obras, dotando-as de um caráter de mercadoria, que tem um grande público, e a produção é em massa e tem que atender aos gostos deste público alvo. A indústria então estipula padrões de produção que 89 geram lucro e assim retira da obra sua originalidade. A tendência é a arte ser remodelada e 3 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br dotar-se de um aspecto mercadológico, sendo produzida/reproduzida como um mero objeto essencialmente igual aos outros, para ser vendido em grande escala e atingir novos públicos. A produção erudita é restrita e consagra apenas os artistas e obras que fazem parte deste ciclo. A hierarquia desse campo é feita por eles próprios e através de críticas é atribuído valor simbólico ao artefato cultural em questão. Segundo Bourdieu (2005), é a singularidade da obra pronta das características específicas como gênero, estilo que o artista se apropria para produzir sua obra. O campo erudito exige um conhecimento de regras e técnicas artísticas, um refinamento para apontar estilo, gênero, época, estética da obra, que possui características específicas criadas pelo autor que legitima sua arte pela singularidade e por meio das instituições consagradas. A lei cultural dessa hierarquia de produção cultural (entre indústria cultural e erudita) é que no campo erudito, os próprios autores são das classes dominantes. Os cursos universitários de arte têm como público a elite, é a técnica de arte refinada passada de classe dominante para classe dominante. Sua produção é direcionada a um público restrito, onde muitos desses grupos estão nas instâncias de consagração. O caráter singular da arte perde espaço para o caráter de mercadoria e isso retira a legitimidade do artefato cultural em sua essência original, já que tem que agradar o público e ser reproduzida massivamente. A questão do gosto seja ele qual for não é um elemento natural, pois depende da posição que ocupamos no sistema de produção de bens simbólicos disponíveis para nós. A hierarquia cultural acentua a distinção entre o que é erudito e popular. As instituições de ensino têm um papel de grande influência nessa hierarquia, elas praticam uma violência simbólica reforçando as distinções sociais. Vivência na Casa Fora do Eixo São Paulo No mês de Julho de 2011, o grupo de pesquisa fez uma imersão na Casa Fora do Eixo SP em São Paulo (eixo matriz do circuito), foram três dias de intensas atividades para conhecer a dinamicidade do funcionamento do circuito na rede e como a casa é um ponto de encontro entre produtores, artistas, gestores culturais, parceiros, estudiosos e colaboradores. Existem outras casas Fora do Eixo no país, que representam as regiões (ex.: Casa Fora do Eixo Nordeste). As Casas surgem com uma tecnologia denominada Fora do Eixo 2.0 que 90 4 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br são zonas autônomas, e rotativas em relação as pessoas que circulam nessas casas, é um fluxo temporário. O programa de imersões e vivência na casa é chamado de Universidade Fora do Eixo, onde coletivos, estudiosos e pessoas que estejam interessadas no Fora do Eixo possam conhecer e ter contato com suas ações, através do agendamento de reuniões com as equipes gestoras (música, cinema, palco, planejamento, FDE Letras, teatro, multimídia entre outras) que as moldam de acordo com as demandas de quem chega na casa. É uma troca constante de experiências trazidas das diversas localidades e vice-versa. São várias turmas de trabalho, de extensões, refeições, organizações que organizam o funcionamento da casa. Nessa época, Julho de 2011, esse espaço onde a casa ficava, era recente, estava com seis meses de ocupação (que fica na Rua Scuvero, n°282, Liberdade). Tudo é muito dinâmico, com muitas pessoas chegando, passando, e ao mesmo tempo em que é casa, já se torna um ambiente de trabalho, reuniões. Os custos de alimentação para quem visita a casa são de cinco reais por dia (incluindo todas as refeições) em média, mas podem ser feitas de forma livre, como por exemplo, utilizar o card (moeda solidária que circula na rede) ou com a força de trabalho, executando tarefas domésticas (como lavar e secar a louça) para fazer a manutenção do espaço. 5 São em escritórios montados em vários cômodos da casa, os ambientes de concentração e reuniões constantes. Os moradores da Casa FDE estão à frente de gestões (planejamento da equipe de comunicação FDE; centro multimídia FDE; Universidade FDE; Pcult; Nós Ambiente (equipe de planejamento socioambiental FDE); Linguagens FDE (poesia, cinema, música, poéticas visuais, letras, palco e hip-hop); Banco FDE (moedas do circuito, o card); Hospedagem Solidária), que são mutáveis, de tempo em tempo, eles vão trocando para que todos passem por outras frentes de trabalho, em um processo de adaptação, de acordo com as demandas da casa. A rede possui oitenta pontos espalhados pelo país (com espaços fixos), e há a possibilidade de migrar para esses diferentes pontos, através de editais de vivência, chamado de Universidade de Vivência Fora do Eixo - UNIVFDE, onde se passa um determinado período fazendo intercâmbio de conhecimento e de tecnologias. Tudo isso é transmitido online para que todos possam participar, possibilitando uma organicidade maior entre as pessoas, tanto das que fazem parte dos coletivos do circuito, como das que 91 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br não fazem. Isso atinge vários tipos de público e mais pessoas se interessam em conhecer e até de participar do circuito, através desses laboratórios socioculturais. Há também o setor de coberturas colaborativas, que incentiva o compartilhamento de fotos, vídeos e dados dos eventos e festivais, o compartilhar é a chave-mestra mais extensa e influente dentro do programa de cobertura colaborativa, que é uma ação construtiva onde o público compartilha sua própria produção, para ser tornar um cidadão multimídia. Nesse processo de compartilhamento, existem colaboradores que vem de diversas regiões do país, fotógrafos que vão registrando, por exemplo, o festival 'Grito do Rock', eles recebem 'card' para utilizar no circuito e ganham uma credencial que os identifica nos eventos como a equipe de transmissão. Que após a cobertura já descarregam as fotos/vídeos, que vão sendo disponibilizadas na internet. Esse processo motiva o projeto de mídias integradas, que nasceu em Cuiabá, dentro do laboratório de mídias integradas Cuiabana e também em Minas Gerais, na cidade de Uberlândia. As mídias integradas uberlandenses e em Bauru chamam-se “Incoleve”, iniciativas que experimentam comunicação colaborativa criando para a cidade um sistema de mídia independente. O objetivo é agrupar esse veículo alternativo para criar uma rede de circulação de informações, através da produção colaborativa com conteúdos diversos. A partir disso são feitas ações conjuntas, por exemplo, um site divulgando a ação do outro, é uma troca constante via web, que tem a participação colaborativa de várias pessoas do circuito. As imersões são a principal ferramenta de sustentabilidade econômica do circuito, pois produzem muito estimulo através de reuniões, atividades elaboradas para que os coletivos trabalharem em suas localidades, com mais ideias, planejamento. Em suma, é um espaço de condução política, cultural, social, ambiental dentro do circuito FDE. Uma das primeiras coisas a se compreender quando se entra na rede é o que eles chamam de ‘contaminar’, que é um lastro no qual você utiliza o seu poder de contaminação na rede. Quem chega não tem conhecimento total do processo, e influenciar a rede ainda é difícil, para que isso aconteça é necessário fazer essa influência de maneira humilde, compreendendo o processo, colaborando dentro das frentes de trabalho, se informando sobre o que já foi pensado, fortificando e ir conquistando seu lastro, seu poder de contaminação para conseguir imprimir a sua digital na rede. 92 6 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Trabalhar a questão dos valores é essencial, é uma ação diária, quase que o tempo todo. Fala-se muito do lastro, um conceito básico criado pelo FDE para mostrar que não há hierarquia e sim um lastro, o qual se liga a outros, em um fluxo vertical, que a pessoa vai conquistando na rede através do poder de contaminação, que conforme vai aumentando, faz crescer também o seu lastro dentro da rede. Com o tempo, seu contato poderá estar nas mais variadas listas de discussões, concentrando responsabilidades maiores na rede, sem deixar que isso suba à cabeça, algo que eles não almejam. Por isso é importante ter muita pré-disposição, e respeito, para crescer junto com todo mundo da rede através das ações conjuntas. O circuito Fora do Eixo conforme vai se expandindo, têm o intuito de ir conquistando os setores da sociedade, conquistar o setor da cultura e promover mudanças, depois partem para o cinema e do cinema para o palco, do palco para o esporte, do esporte para a educação e assim sucessivamente, para causar um impacto de fato na sociedade. Mas essa ação é gradual, vai se constituir com o tempo, de acordo com a dinâmica e o empenho de todos os componentes da rede. IV Congresso Fora do Eixo O IV Congresso Fora do Eixo ocorreu de 11 a 18 de Dezembro de 2011 em São Paulo – SP. Cerca de duas mil pessoas de várias regiões do país e de outros países da América Latina participaram do evento que agregou discussões intensas na área da cultura independente, com convidados de diferentes segmentos sociais e culturais, que contribuíram com os debates e conferências, que ocorreram de maneira livre onde todos os participantes puderam fazer perguntas e questionar a temática em questão. A programação contou com plenárias, de onde saíram propostas e encaminhamentos do circuito Fora do Eixo. Foram abordados: centro multimídia FDE; planejamento da equipe de comunicação FDE; Universidade FDE; Nós Ambiente (equipe de planejamento socioambiental FDE); Banco FDE (moedas do circuito, o card); Linguagens FDE (poesia, cinema, música, poéticas visuais, letras, palco e hip-hop) e as regionais com os coletivos FDE. Fui a uma conferência (dia 13/12) sobre “Captação de Recursos” na qual foram abordados os seguintes pontos: Como atrair a atenção do segundo setor? 93 7 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br - Interconexão com pensamento coletivo, micro revoluções cotidianas para transformar sua realidade; - Conscientização é a ação da vez; - Sonhos ligados a sua realidade, influenciando e mobilizando sua comunidade através de projetos; - Sempre pensar em rede, uma pessoa influencia a outra; - É uma troca entre ação coletiva e a empresa (a empresa pergunta o que ela ganha com esse patrocínio); - É preciso saber o pensamento/discurso da empresa (o que eles têm interesse em investir). Através do discurso atrai-se clientes; - Estudar a marca é fundamental; - Exemplo de empresa: Vale – extração de minérios = a destruição ambiental da sociedade na qual está instalada. Ela é uma empresa grande, afastada das pessoas. Ser uma grande empresa é a imagem a ser construída - Ligar os discursos da empresa privada com as leis de incentivo; - Para vender a ideia para a empresa é preciso mostrar números (estatística, ex.: IBGE) Houve também feiras com exposição, distribuição, troca e comercialização de produtos culturais. Sessões de cinema e vídeos foram exibidas a partir da indicação dos próprios participantes. Além disso, reuniões livres com temáticas diversas e sem mediador; e também vivências na cidade de São Paulo. Participei de uma vivência no Capão Redondo, comunidade da periferia de São Paulo, onde conhecemos um projeto de economia solidária implantado pelos próprios moradores, o ‘Banco Comunitário União Sampaio’ que é um empréstimo de crédito de consumo que oferece serviços bancários e financeiros com uma taxa de juros de 0% a comunidade, e também faz acompanhamento a empreendedores e gerenciamento de fundos populares. Para ter acesso ao crédito é necessário fazer solicitação no banco que após faz uma visita residencial para o preenchimento de um formulário socioeconômico para analise de crédito. O banco comunitário é uma forte ferramenta popular na constituição de uma economia equilibrada, pois é uma alternativa econômica que faz crescer o comércio local e ajuda os moradores com dificuldades financeiras. 94 8 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br O seminário da música ocorreu durante três dias do congresso e contou com uma porção de temas que foram sugeridos de maneira colaborativa pelos participantes. Temas nos quais nortearam as discussões com os convidados que promoveram o debate sobre o que é a música brasileira atualmente; os rumos da gestão cultural no Brasil; análise do circuito independente; a importância dos festivais na circulação de bandas; mostraram que a captação de recursos junto ao poder público é essencial; o que vem a ser de fato o Fora do Eixo entre uma série de outros temas. Os debatedores presentes eram gestores culturais, estudiosos, cantores, jornalistas, colaboradores, tais como: Emicida, Miranda; Alex Antunes; Talles Lopes; Gaby Amarantos; Ale Youssef; Lala Dehzelein (Entusiasmo Cultural); Felipe Altenfelder (FDE); Tata Aeroplano (Cérebro Eletrônico); Pedro Alexandre Sanches (Farofafa); Cláudio Jorge (Petrobras); Ganjaman (Instituto); Fabrício Nobre (A Construtora); Pena Schidmit (Auditório Ibirapuera); Lu Araújo (MIMO); George Yudice (Universidade de Miami); Marcelo Damaso (Se Rasgum), Atílio Alencar (FDE); Diana Glusberg (Niceto Club); Fioti (Laboratório Fantasma); Eduardo Nuomura (Farofafa). A ida do grupo de pesquisa ao IV Congresso Fora do Eixo contribuiu bastante com a pesquisa em questão, pois tivemos contato com pessoas de coletivos de diversas regiões do país que debateram conosco como a cena independente se constitui no circuito, se é efetivo ou não a forma como é estruturada; também se teve contato com bandas que estavam presentes no evento, onde dialogamos sobre a importância dos festivais para a circulação das mesmas; através da vivência, seminários e conferencias compreendemos mais claramente como essa rede é extensa e agrega tantas ações conjuntas; com as entrevistas direcionadas (cada um com o seu foco da pesquisa) coletamos dados para a produção de artigos. Grito do Rock No início de 2011 foi feito uma inserção em um dos principais festivais do circuito independente Fora do Eixo, o ‘Grito do Rock’, iniciativa que partiu do Instituto Espaço Cubo em 2003 (e que se efetivou em 2006 na região cuiabana, e em 2007 nacionalmente) um grupo de articulação multicultural cuiabano, que idealizou o festival com autogestão, e o intuito de revelar novos talentos artísticos. Fazendo circular a cena independente de vários municípios por meio de um circuito de shows interligados. 9 95 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br É um festival integrado que aconteceu em todos os estados do país e atualmente em países da América Latina (Bolívia, Chile, Argentina, Venezuela, Costa Rica, Honduras, Panamá, El Salvador e Nova Iorque) promovidos por essa rede que tem coletivos culturais espalhados nessas localidades. 2011 foi a sua nona edição sendo realizado em 132 cidades desse circuito, chegando a um crescimento de 65% em relação à edição anterior. Fomos ao Grito do Rock de Uberlândia – MG que ocorreu no mês de Março, lá foram feitas observações, analisando o ambiente, a estrutura utilizada nos dias do evento, a circulação de bandas, ponto de distribuição de produtos, o estilo das pessoas que frequentam o circuito, além de conversar com os produtores, artistas e o público presente. Esse festival é o meu foco no projeto e desta inserção foi feito um artigo científico que foi apresentando em um evento de porte nacional, no III Simpósio de Ciências Sociais da UFG/CAC e outro evento de porte internacional, no XXVIII ALAS ( Associação LatinoAmericana de Sociologia). O Grito do Rock é a ação mais extensa da rede Fora do Eixo, porque foi a primeira a ser feita em todo o circuito (acontece desde 2007), e associada a organizações culturais como a Associação Brasileira dos Festivais Independentes - ABRAFIN, que reúne em seu calendário anual, 32 festivais de todo Brasil fazendo circular mais de 600 bandas nacionais e internacionais por ano, garantem o sucesso do Grito do Rock. E é por meio da produção desse festival que se treina pessoas para trabalhar nos moldes do circuito FDE, com as suas ferramentas/tecnologias desenvolvidas (centro multimídia FDE, Universidade FDE, Nós Ambiente, Banco FDE, Linguagens FDE). Geralmente é por esse festival que se faz o primeiro contato do ano com toda a rede. Levy nos mostra, que nas sociedades contemporâneas, a cibercultura é um movimento crescente e de impacto constante no dia a dia das pessoas, pois são influenciadas pelas novas tecnologias que se desenvolvem a todo o momento para tornar a vida mais prática e rápida, através de uma comunicação cada vez mais ágil que atinja o maior número de pessoas possíveis. Nesse sentido, a internet, ganha seu papel de destaque, ela é um exemplo de inteligência coletiva, já que conecta usuários de diversas localidades em um mesmo espaço, desenvolve cooperativamente programas que prestam serviços a comunidade virtual e incentivam a criação de iniciativas locais (com projetos de cunho social/cultural/econômico/político) e o Grito do Rock é fruto disso. 96 10 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Essa agilidade comunicacional, onde tudo está conectado a tudo (informações e entretenimentos enviados e recebidos em frações de segundos) estão dentro do ciberespaço, que de acordo com Pierre Levy: [...] permite a combinação de vários modos de comunicação. Encontramos em graus de complexidade crescente: o correio eletrônico, as conferências eletrônicas, o hiperdocumento compartilhado, os sistemas avançados de aprendizagem ou de trabalho cooperativo e, enfim, os mundos virtuais multiusuários [...] (LEVY, 1999, pág. 107. O Grito do Rock é a primeira ação que se trabalha em rede na rede, coletivamente, e é por meio dessa ação que se apresenta uma série de ferramentas disponíveis. Para isso acontecer, é fundamental trabalhar a comunicação em rede que é a responsável por apresentar e disponibilizar o acesso as tecnologias do circuito. Em todos esses locais se tem arquivos de comunicação externa para mediar a comunicação entre todos os produtores do evento. O Grito do Rock é o festival primordial do circuito, ele é realizado em todos os mais de 72 pontos da rede espalhados pelo Brasil e em alguns países da América Latina, em uma grande ação coletiva. É realizado durante o carnaval, em um período estabelecido, e todos os coletivos FDE o realizam seguindo um regulamento bem básico, que consiste em: receber banda de outras cidades; ter um ponto de distribuição (de CDs, camisetas, adesivos, revistas produzidos no circuito) ter um ponto de mídia (filmagem, fotografia, rádio web, divulgação etc.); sistematizar alguns dados e compartilhar com a produção nacional. O conceito chave é a campanha dentro do Grito Rock que é a democratização em laboratório dos trabalhos da rede. Uma das diretrizes dessa comunicação é a produção da campanha local do festival Grito do Rock, que tem o papel de formação de agentes culturais, principalmente para quem é novo na rede FDE. Há uma lista de discussão específica do festival no G-Talk (ferramenta de bate-papo do Google), em que todos os integrantes de coletivos FDE e colaboradores têm acesso, é uma troca constante de experiências e de aprendizagem, e para quem é recémchegado é ensinado passo a passo às atividades a serem executadas colaborativamente. Dentro da comunicação do festival há vários tipos de campanhas. Uma delas é a campanha de rádio, um tutorial que ensina o usuário a transmitir rádio, por meio de um kit composto de instruções de transmissão, links dos programas para se fazer isso e as atualizações de 97 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br agendamento da rádio dentro da web e da Rádio Fora do Eixo que é o canal oficial de acesso a essas transmissões, que divulgam e compartilham informações. Outra campanha é a de hospedagem solidária, um tutorial voltado para o necessário para ter hospedagem solidária, o que precisa cuidar e como motivar as pessoas a utilizarem o card, receberem os artistas em circulação e como esses artistas devem programar suas viagens. Para se inscrever como hospedagem solidária em sua localidade, é necessário responder um formulário do circuito para sistematizar e se tornar um ponto de hospedagem cadastrado. Além dessas, há a campanha da identidade visual do festival, que é a primeira a ser convocada no ano. São chamados designers por meio de um edital de participação, que inscritos, elaboram marcas que são lançadas na rede FDE para eleição, ao ser selecionada a campeã, ela se torna a logo oficial do festival. Após isso, tem a campanha de aplicação da marca no maior número de mídias possíveis, cada coletivo que realiza o evento utiliza a mesma marca, sejam em redes sociais, camisetas, rádios, adesivos, banners, outdoors entre outros. Outra campanha é a de cobertura colaborativa, onde as pessoas (tanto as que organizam como as que participam do evento) registram o festival, através de fotografias, vídeos, reportagens, entrevistas que são divulgadas em redes sociais, blogs, sites. A captação de recursos para a realização do festival é feita com a busca de patrocínio dos produtores locais, através do poder público local ou empresas privadas. Para estabelecer os valores, são feitas planilhas de gasto, com orçamentos diferentes, contendo, por exemplo, o preço de palco, luz, som, local, publicidade impressa, transporte entre outros. O acesso ao festival no geral é gratuito, sem cobrar entrada, já que depende do patrocínio estabelecido, mas quando é cobrado ingresso é um preço bem acessível. Observei um aspecto marcante nas pessoas que vão aos festivais, a camiseta, que o público utilizava. As estampas são em sua maioria desenhos cômicos e de cunho crítico a sociedade, figuras com elementos culturais nos quais se identificam e o xadrez muito utilizado para compor os estilos. A moda é um forte fator de identificação dos que frequentam os festivais. Segundo Diana Crane (2006), o vestuário além de ser uma maneira de consumo, é também um fator de construção social da identidade. Ela evidencia status 98 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br social e de gênero, e determina como as pessoas de diferentes épocas viam sua posição na estratificação social. O vestuário indica uma das principais formas das pessoas se identificarem no espaço público, expressando comportamentos, ideologias, culturas. As diversificações do como se vestir variam de acordo com a sociedade em que se vive, a posição social dentro da mesma e em grupos culturais. As roupas exercem influência no comportamento, pois se afirma através delas atitudes sociais de identidade. A camiseta é uma peça de forte significação, e começou a ser decorada com desenhos e dizeres impressos na década de 40. No final da década de 40 começam a colocar outros tipos de informações, propagandas de cunho político com slogans e rostos estampados, e na década de 60 propagandas comerciais e desenhos. Os elementos impressos nas camisetas representam como o usuário se identifica com algum grupo social, organização, movimentos, ideologias. E há também muitas pessoas que se incorporam a propagandas mercadológicas gratuitas para ser associada a alguma marca, como uma forma de ganhar status social. As camisetas também são um forte meio de expressar resistência em relação ao governo, ao sistema capitalista, a cultura dominante, violência, preconceitos sociais e raciais entre outros. É um instrumento de declarações no meio público que expressam os sentimentos, anseios, opiniões de quem as utilizam. O festival Grito do Rock é um meio de divulgar a música independente elaborada pelos próprios integrantes das bandas alternativas, que buscam recursos próprios para gravar e produzir CD’S, que serão vendidos a preço acessível e também para serem distribuídos em algumas ocasiões na qual se divulga o trabalho. O cenário musical independente produz a si mesmo enquanto arte e se articula de forma coletiva com grupos de diversas regiões do país, e por isso não tem tanta visibilidade como as bandas que estão na mídia nacional que são produzidas pelas grandes gravadoras (majors). Mas mesmo não sendo tão valorizada como as bandas de mídia nacional pelo grande público, há um grande prestígio por aqueles que gostam e vivenciam a música independente. O objetivo de se realizar um festival desse porte é o de fomentar cultura nas cidades de uma forma descentralizada, garantindo o acesso da comunidade, fazendo circular de 99 maneira plural as aspirações artísticas locais, regionais e nacionais em um só lugar. O Grito 12 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br do Rock não promove apenas música, há também atividades culturais paralelas como teatro, poesia, cinema e debates, atraindo vários tipos de público. O festival é um exemplo de como a cibercultura ativa a diversidade de forma expansiva e dinâmica em um curto espaço de tempo, com práticas bem elaboradas e resultados efetivos. A internet atua eficazmente na rede de trabalho cooperativo Fora do Eixo, pois viabiliza a produção de festivais de qualidade como o Grito do Rock que articula bandas independentes em turnês pelo Brasil e América Latina sem estarem ligadas as grandes gravadoras. Um intercâmbio cultural entre artistas, produtores, público e formando novos gestores culturais através de tutoriais de aprendizado criados pelo FDE para expandir a ação do circuito em cada vez mais cidades. O Fora do Eixo é uma rede de trabalho recente, mas já se tornou representativa na área de produção de festivais, por essa forma diferenciada de fazer cultura e de possuir coletivos culturais em diferentes regiões do Brasil, mas não é a única organização que se dedica a música independente no país. Em 2012, o festival Grito do Rock chega a 200 13 cidades, um aumento de 55% em relação à edição anterior, mostrando que os festivais são meios de impacto consideráveis na disseminação e integração no circuito nacional de música independente. Bibliografia ADORNO, T. A Indústria Cultural e Sociedade. In: ADORNO, T. A indústria cultural – o iluminismo como mistificação das massas. São Paulo: Ed. Paz e Terra S/A, 2009. ADORNO, T. O fetichismo da música e a regressão na audição. In: Adorno (col. Os Pensadores). São Paulo: Ed. Nova Cultural, 2000. BOURDIEU, P. A Economia das Trocas Simbólicas. In: BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2005. CRANE, D. A Moda e Seu Papel Social Classe, Gênero e Identidade das roupas. São Paulo: Ed. Senac, 2006. DAPIEVE, A. Brock - o Rock Brasileiro dos Anos 80.São Paulo: Editora 34, 2000. HABERMAS, J. Técnica e Ciência Como Ideologia. Lisboa: Edições 70, 1968. HARDT, M. Multidão. Tradução Clovis Marquez. – Rio de Janeiro: Record, 2005. LÉVY, P. Cibercultura. Tradução de Carlos Irieneu da Costa. – São Paulo: Ed.34, 1999. MARX, K. O Capital. Vol. 1. In: MARX, K. A Mercadoria. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1985. 100 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br SANTOS, B. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. - 8.ed. - São Paulo: Cortez, 2011. VILLASANTE, T. Redes e Alternativas – Estratégias e estilos criativos na complexidade social. Tradução de Carlos Alberto Silveira Netto Soares. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. JAMESON, F. Pós-Modernismo: A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo, Ática, 2000. MORELLI, R. Indústria Fonográfica: um estudo antropológico. 2° Ed.. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009. 101 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Riscos ocupacionais de uma amostra dos profissionais da beleza do município de Goiânia Karla Alaíde Pereira Garcia Cleonice Fernandes Bento Kleber França Costa 13 Resumo O profissional da Beleza é um especialista em cuidados corporais. Recentemente, tem se observado um aumento da demanda de serviços prestados por esse profissional. O objetivo do presente pretendeu desenvolver uma pesquisa sobre os riscos ocupacionais dos profissionais da Beleza do município de Goiânia. Foram entrevistados cabeleireiros, esteticistas, manicures, podólogos e tintureiros. Foi realizada uma pesquisa social com cento e seis participantes. Foram obtidos resultados significativos. Por exemplo, quanto à origem dos instrumentos profissionais utilizados - tesouras para corte de cabelo e pelos, aparelhos de barbear e de depilação, pentes, escovas-, cerca de 100% de cabeleireiros entrevistados afirmaram que utilizam material próprio. Por outro lado, somente 60% de Manicures e podólogos responderam afirmativamente. O restante relatou que utiliza material não descartável de clientes, o que se constitui um importante risco, visto que esses utensílios costumam não serem esterilizados. E, ainda, cerca de 63% dos cabeleireiros e tinturistas entrevistados apontaram que realizam substituição de material descartável e não descartável. Somente 46% deles afirmaram que realizam assepsia regular e frequente das mãos. Em torno de seis por cento dessa mesma categoria realizam esterilização dos instrumentos utilizados. Na categoria de manicures e podólogos entrevistados, os dados obtidos chamaram a atenção: somente cerca de 27% dos entrevistados relataram que substituem material descartável e não descartável, e apenas 20%, aproximadamente, fazem procedimentos adequados de esterilização dos instrumentos de trabalho. Esses dados mostram o elevado risco potencial de doenças infecciosas (Hepatites, AIDS, Influenzas, Micoses, Escabiose, Pediculose) a que estão expostos e que expõem seus clientes. Esses dados mostram que muito há o que ser feito na área da Beleza para que haja o devido cumprimento legal da profissão, quanto às normas de saúde pública. Palavras-chave: Beleza. Riscos Ocupacionais. Goiânia. Introdução O aumento da renda, vivenciado nos últimos anos por parcela significativa da população brasileira, tem fomentado os indivíduos a se preocuparem com a qualidade de vida, sobretudo, quanto aos cuidados com o corpo. Isto faz com que homens e mulheres dediquem mais tempo, recursos e esforços para melhorar aparência ao longo de sua vida. Concomitantemente, nos últimos anos tem sido observado o crescimento do quantitativo de profissionais que possam atender essa necessidade do mercado. Apesar disso, esse 13 Karla Alaíde e Cleonice Fernandes são acadêmicas de Tecnologia da Gestão da Beleza, UEG- Laranjeiras, Goiânia (GO). Kleber França Costa é Professor do Curso de Tecnologia da Gestão da Beleza, e do Curso de Tecnologia em Estética e Cosmética, UEG-Laranjeiras, Goiânia (GO), e mestre em Ecologia e Conservação da Biodiversidade. 102 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br crescimento não tem sido acompanhado da devida qualificação profissional, o que expõe o trabalhador e a clientela atendida por ele (GERSON, 2011; HALAL, 2011). Os principais riscos ocupacionais a que os profissionais da Beleza estão submetidos incluem: as doenças infectocontagiosas e as doenças degenerativas. Nas primeiras estão viroses como a Hepatite B, a AIDS, além das micoses oportunísticas. Dentre às degenerativas estão os carcinomas (ALAM et al., 2010; KEDE e SABATOVICH, 2009; MURRAY et al., 2009). Conforme Murray et al. (2009), as doenças infectocontagiosas podem ser classificadas em transmissíveis com tendência declinante, transmissíveis com quadro de persistência, emergentes e reemergentes. Dentre as primeiras, poderia supor que por está em tendência de diminuição é de que ela não seja importante. Isto, porém, é uma idéia equivocada. O tétano, por exemplo, ter sido reduzido bastante nos últimos anos, ainda é tem levado milhares de pessoas a óbito. Quanto às doenças transmissíveis com persistência destacam-se: Hepatites virais do tipo B e C, em função das altas prevalências, da ampla distribuição geográfica e do potencial evolutivo para doenças graves com risco de óbito. Além da implantação da vacinação contra a Hepatite B, são necessárias outras medidas que visem à prevenção da doença. Segundo estimativas da OMS (2008), cerca de 50% da população mundial já foi contaminada pelo vírus da hepatite B, existem cerca de 350 milhões de portadores crônicos e surgem 50 milhões de novos casos a cada ano. Estimativas do Ministério da Saúde (2008), no Brasil, 15% da população já foi contaminada e um por cento é portadora crônica (ANVISA, 2012; BRASIL, 2004). Esses portadores crônicos de hepatite B apresentam um risco maior de morte, devido à possibilidade de desenvolvimento de outras doenças: cirrose hepática e carcinoma hepatocelular. A hepatite B é causada pelo vírus DNA, transmitido por sangue, transfusões sanguíneas inadequadas, uso de agulhas contaminadas, intercursos sexuais desprotegidos, instrumentos perfuro-cortantes, inclusive aqueles utilizados pelos profissionais da Beleza. O vírus da hepatite B é resistente, podendo sobreviver até sete dias no ambiente externo em condições normais e com o risco de infectar uma pessoa saudável, caso ela entre em contato com o vírus através de picada de agulha, corte ou ferimentos (KEDE e SABATOVICH, 2009; MURRAY et al., 2009). Outro tipo de doenças transmissíveis são as denominadas emergentes – pode-se citar 103 a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Desde a detecção inicial dos primeiros Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br casos da AIDS em 1980, observou-se um crescimento acelerado da doença até os dias atuais. Conquanto haja disponibilidade de novas drogas que propiciam um aumento na sobrevida para os soropositivos do HIV, sabe-se que é uma patologia incurável e cuja disseminação ainda continua com índices muito preocupantes. Por isso, medidas que visem promover a Educação para obtenção da Saúde e procedimentos de prevenção são importantes para o controle da doença (MURRAY et al., 2009). Além dessas, pode-se destacar uma das de doenças que ameaçam os profissionais da estética são as micoses oportunísticas. As micoses podem ser classificadas em superficiais ou profundas. As superficiais podem ser as: tineas, onicomicoses, pitiríases, dentre outras. As Tineas são infecções causadas por fungos que atingem a pele e os cabelos. A onicomicoses são aquelas infecções das unhas. Os agentes etiológicos das micoses, frequentemente, sobrevivem sobre a epiderme, nutrindo-se da queratina, quando há condições favoráveis para a proliferação e infecção: temperatura e umidades adequada, baixa imunidade, etc. (KEDE e SABATOVICH, 2009; ALAM et al. 2010). Justificativa O profissional da Beleza é um especialista nos cuidados corporais - em especial o cabelo, o rosto e o corpo, visando à manutenção da saúde, da beleza e do bem estar. Através do uso de cosméticos e procedimentos adequados, esse profissional promove o melhoramento do aspecto da pele e de suas estruturas anexas. Dentre esses procedimentos destaca-se: a depilação, os cortes capilares, o tingimento de cabelos e de pelos, a aplicação de cosméticos, as massagens corporais, os processos esfoliativos de pele, a maquiagem, dentre outros. Seus principais locais de trabalho incluem clínicas estéticas, salões de beleza, hospitais, hotéis, domicílios, etc. Não obstante, a demanda por esses serviços não tem sido acompanhado com a devida qualificação profissional. Desse modo, o profissional da Beleza fica exposto e pode expor clientes a diferentes tipos de riscos quanto ao uso inadequado de cosméticos e procedimentos não recomendados pelos órgãos regulamentadores da profissão da Estética e de Saúde Pública (GERSON, 2011; GOMES & DAMAZIO, 2009; HALAL, 2011). 104 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Objetivos O objetivo geral do presente trabalho foi desenvolver uma pesquisa sobre os riscos ocupacionais dos profissionais da Beleza de uma amostra populacional desse grupo do município de Goiânia. Os entrevistados foram: cabeleireiros, tinturistas, esteticistas, manicures e podólogos. Tal ação se mostrou de fundamental relevância, visto que no estado de Goiás há mais de 35.000 profissionais cadastrados, alguns deles sem a adequada formação e qualificação. Os principais objetivos específicos foram: Conhecer os principais riscos ocupacionais dos profissionais da área da Beleza, a partir de amostra populacional de Goiânia; Analisar e tentar compreender a dinâmica que envolve esses riscos ocupacionais, a fim de propor ações que permitam a qualificação profissional, se necessário, bem como a realização de atividades que contribuam com a prevenção de patologias e a promoção da saúde dos profissionais e de sua clientela; Divulgar em eventos científicos e em eventos específicos da área, assim como junto às entidades representativas da classe, como o Sindicato dos Proprietários de Barbearias, Institutos de Beleza e Afins do Estado de Goiás (SINDIBELEZA), os principais riscos ocupacionais detectados bem como ações diminuir esses perigos. Metodologia O presente trabalho foi desenvolvido através da aplicação de questionário social a fim de obter informações sobre os principais riscos ocupacionais da área da Beleza, dos profissionais cabeleireiros, tinturistas, manicures, esteticistas, podólogos. Foram entrevistados cento e seis profissionais. O questionário conteve questões abertas e fechadas a fim de obter dados fidedignos sobre o exercício profissional e seus riscos patológicos associados. Os resultados obtidos foram organizados e discutidos conforme literatura específica sobre o assunto, bem como de acordo com as orientações das normas de vigilância sanitária, em especial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – a ANVISA. Resultados e discussão Do grupo de profissionais cabeleireiros e tinturistas entrevistados, aproximadamente 36% deles possuem mais de 10 anos de profissão e 30% entre 5 e 10 anos de exercício profissional. Quarenta por cento de manicures e podólogos entrevistados afirmaram que 105 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br possuem entre cinco e 10 anos de tempo de exercício profissional e cerca de 33% com mais de 10 anos de profissão. Dos esteticistas, quase todos eles possuem até 5 anos de profissão. Portanto, a maioria dos profissionais entrevistados já está no mercado de trabalho, exercendo a sua profissão com a habilidade e o conhecimento consolidado que possuem (Figura 1). Percentual de tempo de exercício por experiência profissional Percentual dos entrevistados em relação ao seu tempo de exercício profissional 60% 50% 40% 30% Cabeleireiro - Tinturista Manicure - Podólogo 20% Esteticista 10% 0% Até 1 ano Entre 1 a 5 anos Entre 5 a 10 anos Acima de 10 anos Figura 1. Tempo de exercício profissional dos entrevistados Quanto ao nível de instrução educacional dos entrevistados, 20% dos cabeleireiros afirmaram terem o ensino fundamental escolar, 61% possuem o nível médio e aproximadamente 19% têm o nível superior de ensino. Na categoria de manicures e podólogos, os dados obtidos foram: 30% nível fundamental, 60% nível médio e 10% têm nível superior. (Figura 2). Na categoria de Esteticistas, os resultados foram: cerca de 17% dos entrevistados que possuem o nível médio e aproximadamente 83% possuem o nível superior completo. Tal fato é relevante, visto que a profissão foi regulamentada recentemente pela Lei 12.792 de 2012 e não há a obrigatoriedade dos níveis superior, médio ou fundamental. Porém, há exigência que os profissionais obedeçam “às normas sanitárias específicas determinadas pela legislação específicas envolvendo a Saúde Humana”. Portanto, projetos, cursos, palestras educativas contribuem para orientar e contribuir com a qualificação dos profissionais da Beleza, quanto à observância da determinação legal. 106 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Escolaridade dos profissionais entrevistados por categoria profissional 90% Nível de escolaridade dos entrevistados 80% 70% 60% 50% 40% Fundamental 30% Médio ou Técnico Superior 20% 10% 0% Cabeleireiro Tinturista Manicure - Podólogo Esteticista Figura 2. Nível de instrução educacional dos entrevistados por categoria profissional. Sobre a origem dos instrumentos profissionais utilizados - tesouras para corte de cabelo e pelos, aparelhos de barbear e de depilação, pentes, escovas -, 100% de cabeleireiros e tinturistas afirmaram que utiliza material próprio. Por outro lado, na categoria de manicures e podólogos, o índice de profissionais que afirmaram utilizar material próprio foi de 60%, enquanto 40% desses profissionais utilizam instrumento de clientes. Quanto aos esteticistas entrevistados, 83% deles só utilizavam material próprio (conforme dados da Figura 3). Porém, o fato de utilizar material próprio não garante o cumprimento de todas as determinações e orientações da Agência de Vigilância Sanitária. Pois embora a maioria dos entrevistados tenha afirmado que utilize material próprio, é imprescindível que os profissionais possuam instrumentos e utensílios em quantidades suficientes e proporcionais à sua clientela, conforme determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 107 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Origem de instrumentos de trabalho utilizados por categoria profissional Percentual das respostas positivas por categoria profissional 120% 100% 80% 60% Próprio 40% De Clientes 20% 0% Cabeleireiro - Manicure - Podólogo Esteticista Tinturista Figura 3. Origem dos instrumentos profissionais utilizados. Sobre os procedimentos de biossegurança e proteção individual adotados no exercício profissional, cerca de 63% dos cabeleireiros e tinturistas entrevistados apontaram que realizam substituição de material descartável e não descartável. De acordo com a figura quatro, cerca de 46% deles afirmaram que realizam assepsia frequente das mãos; 29%, aproximadamente, fazem higienização do ambiente de trabalho e um número próximo a seis por cento deles afirmou realizar com frequência e de maneira adequada a esterilização dos instrumentos utilizados. Ainda conforme essa mesma figura, 70% de manicures e podólogos entrevistados afirmaram que no exercício profissional realizam assepsia regular das mãos. Por outro lado, somente cerca de 27% dos entrevistados relataram que substituem material descartável e não descartável, e apenas 20% fazem procedimentos adequados de esterilização dos instrumentos de trabalho. Todos os esteticistas entrevistados afirmaram que fazem assepsia regular das mãos, porém apenas cerca de 67% deles afirmaram que substituem, de modo regular e frequente, material descartável e não descartável, além de fazerem esterilização de instrumentos de trabalho. 108 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Principais procedimentos de proteção individual e de Biossegurança adotados por categoria profissional 120% Percentual das respostas positivas por categoria profissional 100% Assepsia das mãos 80% 60% Substituição de material descartável 40% Substituição de material não descartável Esterilização de utensílios 20% Higienização do ambiente de trabalho 0% Cabeleireiro Tinturista Manicure Podólogo Esteticista Figura 4. Principais cuidados profissionais utilizados, segundo opinião dos entrevistados. Assim, os resultados obtidos e apresentados na figura 4 apontam para o risco elevado de obtenção de patologias oriundas do exercício laboral. Além disso, aponta para a probabilidade acentuada à exposição de clientes. Conforme determinação da Lei 12.792 de 2012 (que regulamenta a profissão da área da Beleza), os agentes devem obedecer “às normas sanitárias, efetuando a esterilização de materiais e utensílios utilizados no atendimento a seus clientes”. Conforme a ANVISA, deve-se entender por esterilização a eliminação de qualquer forma de microorganismos (vírus, bactérias, esporos, protozoários, fungos) de instrumentos de trabalho, pela via Calor Seco (em estufa, com temperatura a 170ºC por uma hora) ou pela via Calor úmido (em autoclave, com temperatura de 121ºC a 140 ºC, durante 15 a 30 minutos). Em ambos os procedimentos é necessária à formação de kits, para uso individual por cliente, de alicates, tesouras, pinças, lâminas e similares perfurocortantes. Além disso, é recomendável o uso de materiais protetores plásticos descartáveis em bacias de manicures e pedicures, sendo que essas devem ser higienizadas com o uso de água, sabão e solução de hipoclorito de sódio a um por cento. E ainda é imprescindível o uso de coletores especiais para resíduos de materiais perfuro-cortantes. As espátulas de 109 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br madeiras, bem como as lixas para pés e unhas são de uso individual descartável (BRASIL, 1999; BRASIL, 2005). Além disso, considerando que esses dados refletem uma amostra populacional, eles permitem inferir que há a necessidade de orientação sobre os procedimentos que possam colaborar quanto ao cumprimento de normas vigentes da ANVISA e de legislação específicas. Os procedimentos recomendáveis para cabeleireiros e tinturistas é a remoção de pelos e fios de cabelos após cada uso de escovas, pentes e pinceis, com assepsia utilizando água e detergente, para a remoção de impurezas grosseiras, como sangue ou ainda secreções. E, ainda, para a desinfecção o recomendável pelos órgãos competentes é a desinfecção como um modo de redução de taxas de microorganismos nesses materiais, bem como do ambiente (bancadas, macas, cadeiras, etc.) com o uso de soluções de álcool saneante a 70% ou solução de Hipoclorito de sódio a um por cento com os instrumentos em imersão por tempo superior a trinta minutos. Quanto ao uso de toalhas elas estão no grupo dos materiais de uso individual, não descartáveis e reaproveitáveis, desde que devidamente lavadas com água e sabão, e imersas em solução de hipoclorito de sódio a um por cento. Apesar disso, conforme informações obtidas no presente trabalho, a maioria das atividades laborais exercidas não segue essas orientações e determinações, ocorrência que sugere a necessidade de elaboração de projetos que visem contribuir com a qualificação continuada dos profissionais da área da Beleza, para que estes se tornem conscientes da necessidade dessa ação. Conforme a figura 5, 80% dos cabeleireiros e tinturistas entrevistados afirmaram que utilizam luvas e jaleco regularmente. Somente 30% dessa categoria relataram que fazem uso frequente de máscaras. Tal fato se explica pela baixa frequência de procedimentos de tratamento químicos realizados diariamente. Na categoria de manicures e podólogos, 40% afirmaram que fazem uso regular de máscaras e 70% relataram que fazem uso frequente de jaleco e luvas. Isso é um dado alarmante, porquanto 30% dos profissionais ainda resistem em não utilizarem luvas. Para eles, a possibilidade de contágio de patologias pelo contato direto com fluidos corporais se torna eminente. 110 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Equipamentos de Proteção Individual utilizados por categoria profissional 120% Percentual das respostas positivas por categoria profissional 100% 80% 60% Jaleco Luva 40% Máscara 20% 0% Cabeleireiro/Tinturista Manicure/podólogo Esteticista Figura 5. Principais equipamentos de proteção individual citados pelos entrevistados. De acordo com a figura 6, os profissionais cabeleireiros entrevistados afirmaram que as principais patologias a que estão expostos compreendem: Micoses de cabelo e Onicomicoses (cerca de 53% dos entrevistados afirmaram positivamente que estão expostos), Micoses de pele (cerca de 46%), Hepatite (46%, aproximadamente), AIDS (cerca de 46%), Gripe (30%), Hanseníase (27%), Escabiose (27%), Pediculose (27%). Na categoria de manicures e podólogos, as principais patologias apontadas foram: Hepatite (80% dos entrevistados), AIDS (70%), Micoses de unha (90%), Micoses superficiais de pele (60%), Gripe (60%), Escabiose (20%) e Pediculose (20%). Quando foi perguntado aos profissionais Esteticistas, quais as principais patologias apontadas como de risco ocupacional, estes mostraram preocupação com: Hepatite (cerca de 67% deles afirmaram positivamente), AIDS (cerca de 67%), Escabiose (50%), Pediculose (50%), Onicomicoses (33%), dentre outras. 111 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Principais patologias apontadas como de risco pelo exercício profissional Percentual das respostas positivas por categoria profissional 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% Cabeleireiro - Tinturista 20% Manicure - Podólogo 10% Esteticista 0% Figura 6. Percentual das principais patologias apontadas pelos entrevistados quanto ao risco de contágio pelo exercício profissional. No exercício laboral desses profissionais, de fato, compreendem riscos ocupacionais, visto que as micoses podem ser transmitidas pelo uso de toalhas, de lenços, de protetores de cadeira e de macas, bem como outros instrumentos. A Hepatite viral é causada pelos Hepatitis vírus e provocam danos no fígado, podendo levar até 30 anos para se manifestar, podendo levar a disfunções hepáticas irreversíveis. Sabe-se que esses vírus podem estar sob a forma infectante em até 72 horas em materiais com sangue ou secreções corpóreas contaminados (BRASIL, 2005; CDC, 2010; FERREIRA, 2000). Outra patologia que oferece risco ocupacional dos profissionais da Beleza é a AIDS, causada pelo HIV e transmitidas por instrumentos perfuro-cortantes, embora a contaminação pelo exercício profissional em salões de beleza seja pouco frequente. Apesar disso, também deve ser considerada por se tratar de uma patologia incurável. E ainda outro risco a ser considerado é o tétano, causado pela bactéria Clostridium tetani, que é extremamente resistente sob a forma de esporo no ambiente e que pode ser transmitido por instrumentos perfuro-cortantes como os alicates e as tesouras contaminadas. Portanto, é recomendável que os cabeleireiros que ao fazerem uso de instrumentos perfuro-cortantes utilizem também luvas descartáveis, bem como 112 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br substituam lâminas cortantes descartáveis e esterilizem outros tipos de instrumentais importantes. Além disso, que utilizem recipiente próprio e adequado para descarte de lâminas utilizadas. E ainda recomenda-se a higienização adequada das mãos e de cada material de trabalho necessário (SILVA, 2010). Outras patologias a que os cabeleireiros estão expostos, pode-se citar a escabiose e a pediculose. A primeira é conhecida popularmente como sarna é causa por uma espécie de ácaro Sarcoptes scabei. É considerada altamente infecciosa e transmissível. Costuma provocar lesões cutâneas. A pediculose é causa pelo Pediculus humanus capitis. Ambas as patologias podem ser transmitidas pelo uso compartilhado de toalhas, de lençóis, de protetores de cadeiras e de macas que não foram devidamente higienizados ou então que não foram substituídos. Vale ressaltar ainda que essas patologias constituem riscos não só para os profissionais da Beleza, mas também para a sua clientela atendida, além de outros indivíduos. Percentual das respostas positivas por categoria profissional Vacinas recebidas recentemente pelos entrevistados 50% 45% 40% 35% 30% Vacina Hepatite B (Grupos vulneráveis) 25% Vacina Tétano 20% Vacina Influenza H1N1 15% 10% Vacina Rubéola 5% 0% Cabeleireiro Tinturista Manicure Podólogo Esteticista Figura 7. Principais vacinas recebidas recentemente pelos entrevistados. Conforme a figura 7 pode-se perceber que menos da metade dos profissionais entrevistados receberam vacinas contra Hepatite B, Tétano, Influenza e Rubéola. A 113 antitetânica é um tipo de vacina que deve ser aplicada, no mínimo, a cada dez anos; Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br antigripais são necessárias anualmente, em especial pelos recentes surtos de Gripe H1N1, não raro, letais. A vacina para Hepatite B deveria ser utilizada por todos os profissionais da área da Beleza, em virtude do elevado de transmissão da patologia, devido ao contato com fluídos corporais de clientes. Desse modo, essas são patologias graves e que podem ser prevenidas com o uso de vacinas, que deveriam estar acessíveis e disponíveis para os profissionais da área da beleza. Conclusões No presente trabalho, percebeu-se que os profissionais da área da Beleza estão expostos a relevantes riscos patológicos à sua saúde. Isso também se estende a sua clientela atendida. As principais doenças a que podem estar expostos incluem Hepatites virais, Micoses superficiais, Influenza, AIDS, Pediculose. A infecção a tais patologias está relacionada com a falta de utilização ou com a utilização insuficiente e indevida de equipamentos de proteção individual (EPI). E ainda, verificou-se que o uso de procedimentos de desinfecção ou esterilização tem sido pouco e mal empregado. Além disso, vale destacar a falta de orientação adequada quanto à necessidade de utilização de vacinas, como meio de prevenção de graves doenças relacionadas à exposição no exercício profissional. Desse modo, vale ressaltar a necessidade urgente de ações de qualificação, quanto aos aspectos de saúde coletiva, dos profissionais envolvidos. Ainda há muito a ser feito. Espera-se que as autoridades competentes possam colaborar na prevenção dessas doenças, em especial em ações que visem à vacinação dos mesmos, sobretudo, em eventos científicos e profissionais. Referências: ALAM, M; GLADSTONE, H. & TUNG, R. Dermatologia Cosmética – Requisitos em Dermatologia. Rio de janeiro: Elsevier, 2010. ANVISA - Associação Nacional de Vigilância Sanitária. Listagem dos cosméticos aprovados formulados no Brasil e outras informações importantes sobre segurança e sobre a qualidade dos produtos cosméticos. Disponível em http:www.anvisa.gov.br/cosmeticos/inci.htm, acesso em 15 de abril de 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº. 481, de 23 de setembro de 1999. Estabelece os parâmetros de controle microbiológico para os produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes conforme o anexo desta resolução, Brasília, 1999. 114 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br BRASIL. Ministério da Saúde – Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias. 4ª ed., Brasília: Ministério da Saúde, 2004. BRASIL, Ministério da Saúde. Boletim Informativo do Ministério da Saúde. Programa de Controle de Infecção Hospitalar. Lavar as mãos: Informações para profissionais de saúde. Brasília, 2005. BRASIL. Ministério da Saúde – Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. Hepatites virais. 2ª ed., Brasília: Ministério da Saúde, 2005. CDC - Centers for Disease Control and Prevention. Department of Health & Human Services. Division of Viral Hepatitis. Publication No. 21-1073. New York, 2010. FERREIRA, M. Diagnóstico e tratamento da Hepatite B. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 33 (4):389-400, jul-ago, 2000. GERSON, J. Fundamentos de Estética - Ciências da Pele. 10ª ed., São Paulo: Cengage Learning, 2011. GERSON, J. Fundamentos de Estética – Estética. 10ª ed., São Paulo: Cengage Learning, 2011. GOMES, R. & DAMAZIO, M. Cosmetologia – Descomplicando os principais ativos. 3ª ed., São Paulo: LMP Editora, 2009. HALAL, J. Tricologia e a Química Cosmética Capilar. 5ª ed., São Paulo: Cengage Learning, 2011. KEDE, M. & SABATOVICH, O. Dermatologia Estética. 2ª ed., São Paulo: Atheneu, 2009. MURRAY, P; ROSENTHAL, K. & PFALLER, M. Microbiologia Médica. 6ª ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. SILVA, A. Manual de Vigilância Epidemiológica e Sanitária. 1ª ed., Goiânia: AB Editora, 2010. Agradecimentos Agradecemos a Universidade Estadual de Goiás, em especial a Pró-reitoria de Pesquisa da UEG pelo financiamento e a Unidade Universitária de Goiânia Laranjeiras pela viabilização para realização da presente pesquisa científica. Agradecemos também aos profissionais entrevistados. Agradecemos ao Corpo Editorial da Revista Visão Acadêmica pela oportunidade concedida. 115 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br A Imigração italiana, séculos XIX-XX, em Nova Veneza-GO: contribuições para a cultura Iraci Garbim de Souza14 Resumo Com o fim da mão-de-obra escrava no Brasil veio à necessidade de supri-la por outra melhor e superior à existente devido à chegada do sistema capitalista no país. O Brasil então passa a necessitar de mão-de-obra para a lavoura de café, iniciando assim a introdução do imigrante para substituir a mão-de-obra escrava, e para colonizar as extensas terras devolutas existentes. Para o Governo, era também a oportunidade de povoar o país por pessoas brancas, portanto, iniciam-se as políticas públicas para trazer os imigrantes europeus, voltando à atenção para um país: a Itália. Foi ele quem mais se destacou em quantidade de pessoas que imigraram para o Brasil, devido a problemas políticos e financeiros que a Itália vinha atravessando. Diversos grupos imigraram para o Brasil, especialmente para as regiões Sul e Sudeste e posteriormente um pequeno grupo chegou à região Centro-Oeste do país. Esse pequeno grupo ajudou na construção do Estado de Goiás, fundando a cidade de Nova Veneza, no contingente de pessoas, que irá marcar profundamente a formação social e cultural regional, com repercussão nacional, sendo esta cidade, hoje, conhecida como um pedaço da Itália em Goiás, com a criação do Festival Italiano Gastronômico Cultural, realizado anualmente na cidade. Palavras-chave: Imigração Italiana. Processo imigratório. A fundação de Nova Veneza. Movimento Cultural. Introdução Esta pesquisa versa sobre um grupo de italianos que imigraram para Nova Veneza no estado de Goiás, em 1912. Serão analisados os motivos pelo qual houve, por parte dos políticos e das políticas públicas brasileiras, o incentivo da imigração para o Brasil. Com destaque para a imigração europeia. Destina-se a buscar elementos que auxiliem na compreensão das contribuições dos imigrantes italianos, em torno da colonização do Brasil, sua participação nas transformações ocorridas no país e principalmente no Estado de Goiás nesse período e na contemporaneidade. Desde a agricultura cafeeira até o crescimento econômico social e cultural com a mão-de-obra assalariada no nosso sistema capitalista agrário. Sendo o processo de unificação da Itália, um processo relativamente tardio quando comparado a boa parcela dos países da Europa um dos fatores que nos auxiliará a compreender este processo de imigração. Sobre a unificação da Itália, um dos fatores a dificultá-la foi a força das regionalidades dentro do que hoje se denomina Itália, que por séculos foi uma região dividida em territórios autônomos conforme se verá no mapa a seguir. 14 Iraci Garbim de Souza é graduanda do quarto ano do curso de História da UEG, UnU cidade de Goiás. Professor indicador do trabalho: Luiz Antônio Lopes Gomes, do curso de História da UnU cidade de Goiás. 116 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Figura 1 A Península Itálica antes http://sandrabergantini.com/portuguese/curiosidades.php da unificação. Fonte: Na figura 1.2, observe que os territórios estão unidos, formando a nação Italiana. Figura 2 Mapa da Itália após a unificação. Fonte: http://1.bp.blogspot.com /mapa_italia.jpeg.gif. 117 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Um dos elementos que demonstram a relativa fragilidade da noção de pertencimento à nação Itália por parte da população das classes menos abastadas é o pouco interesse e pouca participação efetiva desses segmentos no processo de unificação da Itália. Estes não se sentiam italianos, mas sim Toscanos, Vênetos e Sicilianos. Segundo Bertonha um número inferior a quatro por cento dos habitantes do novo território falavam italiano, portanto, o idioma não era falado no dia-a-dia nem mesmo pela maioria das pessoas dos segmentos com rendimentos mais substanciais. Todos os outros falavam dialeto Napolitano, Vêneto, Piemontês e outros e tão incompreensíveis entre si que alguns professores piemonteses, enviados à escola da Sicília em fins do Século XIX, foram tomados por ingleses pela população local. (BERTONHA, 2008, p. 56) Segundo Bertazzo (1992), os camponeses Sicilianos que assistiram ao Exército de Garibaldi invadir a ilha aos gritos “Viva Garibaldi! Viva a Itália! ˝ perguntaram aos vizinhos se Itália seria a sua esposa, pois tão distante era para eles a ideia de Itália, que em pleno século XIX, era mais adequado falar em várias Itálias, dependendo da região e aos grupos sociais aos quais se fazia referência. ˝Fizemos a Itália, agora precisamos fazer o italiano˝ (D’AZEGLIO, 1866 apud BERTONHA, 2008, p. 56). Assim, nos anos seguintes surgia à necessidade de construir ou criar uma Nação, uma língua, uma cultura e uma história, com uma nova padronização, uma Nação italiana reformulada. Um dos locais em que esta diferença se mostraria seria na relação entre Norte e Sul da Itália Causas do êxodo Italiano As causas da saída dos italianos de seu país de origem se deram pelas razões já apresentadas mostrando que uma das principais causas são o fator econômico e crescimento vegetativo da população na Europa. As pessoas que saiam estavam à procura do mínimo necessário para a sobrevivência (B7ertazzo, 1992). Para Bertonha (2008) o crescimento rápido da população trouxe dificuldades, pois se tornou difícil conseguir trabalho. Muitas pessoas ficaram sem opção de emprego, e para não morrerem de fome, o jeito foi trabalhar nas fábricas como operários, ou saírem para tentar a vida em outros lugares, e foi isso que a maioria das pessoas preferiu. 118 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Principais Países de emigração e imigração - 1846 a 1932 Países de emigração (em milhões de emigrantes) Escandinávia 2,1 Polônia e Império Russo 2,9 Alemanha 4,9 Império Austro – húngaro 6,2 Espanha e Portugal 6,5 Itália 11,1 Grã - Bretanha e Irlanda 16,0 Países de Imigração (em milhões de imigrantes) Estados Unidos 32,4 Argentina e Uruguai 7,1 Canadá 5,2 Brasil 4,4 Austrália e Nova Zelândia 3,5 Fonte: Bertonha, 2008, p.83. Italianos no Brasil A imigração italiana no Brasil teve o seu auge entre 1880 e 1930. Esses dados são da embaixada italiana no Brasil. Cerca de 25 milhões de descendentes de imigrantes italianos vivem no país, conhecidos como ítalo-brasileiros, e estão espalhados por todo o país, sendo predominantes em algumas regiões, tais como: região sul e sudeste, em grande quantidade em São Paulo. A maioria dessas pessoas que deixaram esta região da Itália era camponesa e passavam por um período de dificuldade financeira em seus locais de origem. Com isso, vieram tentar a sorte no Brasil, viajando ao lado de artesãos e pequenos comerciantes que se dirigiram para o chamado Novo Mundo. “Na Europa, muitos aliciadores ainda davam sua colaboração, prometendo condições paradisíacas na Nova Terra”. (CAMILO; BARBOSA; SANTOS, 2001, p. 11). 119 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Figura 3 Panfleto usado para chamar atenção dos italianos. Fonte: http://www.projetoimigrante.com.br Os motivos foram variados, mas o Novo Mundo atraía muitas pessoas com propagandas de políticas públicas. Este povo embarcava em navios com o sonho de conseguirem fazer fortuna no Brasil. Os governos sul-americanos, o brasileiro e a classe dominante, sejam os políticos, os grandes latifundiários e/ou os barões do café estimularam a imigração porque seria um bom negócio. “O sistema de imigração contava quase sempre com a preferência dos grandes proprietários de São Paulo, que necessitavam de braços para a lavoura cafeeira”. (BRITO, 1992, p. 20). Portanto, os imigrados tinham muita esperança de melhorar de vida, mesmo que muitos não conseguissem isso na proporção desejada. Porém, mesmo com dificuldades, os imigrantes conseguiram um lugar de destaque no mercado de trabalho rural, pois eram os preferidos pelos brasileiros, ao invés dos caboclos, mulatos e negros que tinham intenção de permanecer como mão-de-obra temporária. A situação dos trabalhadores rurais imigrados chegou a ser objeto de decisão judicial dos governos estrangeiros, em especial da Itália, 120 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br chegando a registrar a criação de instituições de proteção, os “Instituti di Patronato”, e também outro órgão, o “Patronato Agrícola”, que tinham a finalidade de observar a aplicação das leis regulamentadoras dos acordos de trabalho e favorecer a fiscalização e as atividades das cooperativas dos imigrantes e dos trabalhadores agrícolas: os socorros médico e farmacêutico, assistência educacional e também promover o auxilio jurídico, de graça, aos colonos. Mesmo com os agraves, o Governo de São Paulo incentivava na Europa, em especial por meio de propagandas, a divulgação da condição dos imigrantes aqui já alojados e as condições oferecidas aos novos, de maneira a beneficiar a continuidade da corrente imigratória europeia, e em especial a italiana. A consolidação do trabalho livre, assalariado, decorrente da imigração fortaleceu o mercado interno brasileiro, criando condições para a posterior expansão industrial do país. O governo de São Paulo começou a financiar suas passagens destes a construção da hospedaria do Brás (1888), que conseguia abrigar até quatro mil pessoas de uma vez. Assim o imigrante chegava ao Brasil sem dever a ninguém, instalavam-se na hospedaria até que se conseguisse uma fazenda para trabalhar. (CAMILO; BARBOSA; SANTOS, 2001, p. 13). A Hospedaria dos Imigrantes, hoje Memorial dos Imigrantes, tem arquivos em que constam os dados de todos os imigrantes, conforme Anexos um e dois. Figura 4 Memorial do Imigrante, http://www.projetoimigrante.com.br antiga Hospedaria do Imigrante. Fonte: 121 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Assim, os imigrantes conseguiram chamar a atenção, tanto do Governo Imperial quanto dos cafeicultores, sobre sua importância como mão-de-obra livre assalariada. Embora ainda não seja como o Governo Imperial prometeu, por meio das propagandas que estimularam o italiano a deixar seu país, aos poucos eles vão se destacando. A Imigração em Goiás Em Goiás, segundo os professores e historiadores, Adaguimar Antônia Pacheco Camilo, Elizabeth Fernandes Silva Barbosa, Marcondes Rodrigues dos Santos (2001), o grande estimulador da imigração foi o governador Jerônimo Coimbra Bueno, que notava a ignorância do lavrador quanto à necessidade da implantação e uso de novas técnicas na agricultura e a dispersão das pessoas em diversas direções pelos campos, e logo viu na imigração uma alternativa para resolver esses problemas. Goiás era um Estado pobre e estava com dívidas, não podendo tomar sozinho a iniciativa de uma imigração. Portanto, recebeu o apoio de Eurico Gaspar Dutra, que era Presidente da República, e do Conselho de imigração e da colonização, o que equivaleria falar com certeza de dinheiro federal. O governo federal exerceu importante papel no movimento de interiorização nas décadas de 1940 e 1950 com a marcha para o oeste, no Estado de Goiás. O desenvolvimento do Estado não pode ser analisado somente pelo prisma da estrada de ferro e sim como a conjugação de vários fatores estratégicos, políticos e econômicos criados pela ascensão do capitalismo em expansão (CAMILO; BARBOSA; SANTOS, 2001, p. 17). Segundo Brito (1992), enquanto passava da integração parcial ao Comércio Econômico Internacional, o Estado de Goiás, localizado no centro do Brasil, longe das regiões litorâneas pouco foi atingido pelos acontecimentos que vieram do exterior, entretanto, o Estado que se localizava no subúrbio deste sistema agrário exportador, não ficou alheio à causa imigratória. Em Goiás houve a inquietação com a importação da mão-de-obra estrangeira e estabelecida devido dificuldades internas do desenvolvimento na agricultura da região. Em síntese, a agricultura goiana mostrava a seguinte aparência nessa época: tinha uma pequena produção para a própria despesa interna; não existia motivação para o trabalho agrícola; tinha também a falta de gêneros alimentícios nesta localidade, e os políticos já estavam preocupados com esta situação. 122 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Para a autora, a caída da mineração e o não aparecimento de outra atividade lucrativa, bem como a localização geográfica de Goiás, foram os motivos da falta de imigrantes em Goiás, no início de sua chegada ao Brasil, em 1808. Com tudo isso, mesmo antes da libertação dos escravos, muitas vozes se ergueram em Goiás defendendo a vinda de imigrantes para resolver o problema do fornecimento interno, que era frágil desde a época colonial. Porém, a política estimulante da imigração estrangeira no Brasil foi intensificada em 1870, em consequência da expansão cafeeira, mas em Goiás, apenas em 1871 é que foram divulgadas duas propostas. A primeira tratava do modelo dos contratos para introdução dos imigrantes europeus nas fazendas agrícolas de São Paulo, e como seria a divulgação dos proveitos que o governo central oferecia aos fazendeiros, agricultores e suas propriedades. A segunda era um recado enviado para o presidente da província fazendo conhecer a existência em Portugal de uma pessoa responsável pelo Serviço de Imigração Europeia exclusiva para os Portugueses. Indicando, portanto, aos imigrantes portugueses que viessem para a Região CentroOeste, que nada lhes seria exigido. As propostas foram publicadas pelo Correio Oficial, mas não despertaram interesse. Com a libertação dos escravos, em 1888, surge um despertar pela causa imigratória devido à falta de braços para a lavoura e isso teria como consequência a crise na agricultura. Mesmo assim, a causa não estava defendida. Iniciou-se a crise com a escassez de quase todos os gêneros de alimentação pela falta de trabalhadores nas lavouras, mas surgiram algumas formas para solucionar o problema da introdução de trabalhadores estrangeiros nas lavouras, aumentando o controle produtivo da terra com a cultura científica e a diminuição do homem nas lavouras. Substituindo-os pelas máquinas, melhorando as linhas de comunicação existentes e organizando outras melhorias, como a criação de bancos para o povo, pequenas associações de créditos, que proporcionariam aos lavradores o dinheiro necessário para os mantimentos de suas fazendas, e a implantação de institutos e escolas de agronomia que orientassem na exploração científica da terra. Contudo, ainda no final do século, não havia nenhum movimento imigratório chegando ao Estado de Goiás. Era visível nesse período o problema da falta da mão-de-obra na região central e a vontade dos produtores em adquirir braços estrangeiros para as suas 123 lavouras. O exemplo desta espera estava o senhor Joaquim de Araújo, proprietário de uma Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br boa plantação de café, porém, com a abolição dos escravos, o dono batalhava com muito ardor por não haver mão-de-obra disponível, e dizia não poder contar com os braços estrangeiros no Estado de Goiás. Os resultados e reflexos da política imigratória nacional chegaram ao Estado de Goiás, com suas ofertas concretas, somente na segunda metade do século XIX. Porém, o Estado encontrava-se com a situação econômica desfavorável em relação às regiões litorâneas do país. Devido ao tipo de agricultura, Goiás não despertou demanda de mão-de-obra, como nas lavouras cafeeiras. Conclui-se que devido à falta de vias de comunicação, e também de linhas férreas ou fluviais, o tráfego tornava-se difícil, dificultando a integração e a comercialização com outros lugares. Em relação aos demais estados, Goiás permanecia atrasado devido à baixa densidade populacional e aos baixos índices de produtividade da terra, a ausência de meios de transporte e comunicação modernos e no inexpressivo desenvolvimento urbano. (CAMILO; BARBOSA; SANTOS, 2001, p. 16). Os fluxos imigratórios que se dirigiram para o Estado de Goiás cooperaram para que fossem fundados os núcleos dos estrangeiros na região goiana, e alguns conseguiram crescer, chegando a prosperar, levados pelas ajudas oferecidas e também devido às ótimas qualidades do solo e pelo êxito do cultivo do café. O número de habitantes estrangeiros em Goiás até o ano de 1920 era uma quantidade insignificante. Os dados estatísticos evidenciam a pouca influência dos estrangeiros na formação populacional de Goiás. “A integração do Estado à economia nacional aconteceu a partir de 1915, quando o conflito mundial fez aumentar a demanda de produtos agropecuários nas áreas cafeicultoras”. (CAMILO; BARBOSA; SANTOS, 2001, p. 16). A Chegada em Goiás Em Goiás, os primeiros grupos de italianos eram constituídos por sete famílias todas consangüíneas ou formadas por matrimônio. Ao desembarcarem, um proprietário de terras empregava as famílias, falava que havia uma casa e tudo o que necessitassem. Ao chegar à propriedade, colocava-os em um depósito ou paiol de café, sentindo justo fazer-se aceitar tal hospedagem. O manifesto dos recém-chegados foi pegar suas malas e seus pertences e sair da fazenda. O proprietário chamou a polícia, que saiu a procura dos imigrantes, estes 124 foram presos e ficaram na delegacia até o representante do consulado italiano tirá-los de lá. Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Acontecimento como esse era contínuo, chegando a tal ponto da amizade entre a Itália oficial e o Brasil se irritar, tanto que o governo italiano baixou o chamado “Decreto Prinetti” que impedia a passagem de graça dos italianos para o Brasil, desta forma faria perder o estímulo às viagens. Figura 5 “Decreto Prinetti” Fonte: http://www.projetoimigrante.com.br Essas famílias que vieram não permitiram que se afastassem pelo novo meio social e pela nova situação. O novo imigrante inseriu-se, se adaptaram - um período de acomodação e esperança – à nova vida em Goiás. “As sete famílias que labutavam juntas, na realidade formavam uma só família, uma grande e única família, ou uma “família extensa”. Saindo da Itália, os filhos trouxeram consigo também os velhos pais, Santo e Elena”. (BERTAZZO, 1992, p. 67). Já de idade e sem a clareza, o velho Santo Stival, repentinamente colocava-se em pé e começava a caminhar em direção a porta, dizendo ele determinado: “vago in Itália; ciapo sta strada e vago in Itália”. Antes de viajar para o Brasil, ele já tinha vindo à América Latina, fiscalizado o Uruguai, a Argentina e o Brasil. Veio a mando na dianteira para investigar e tomar conhecimento das condições e ver as possibilidades de mudar com a família. De volta à Itália, casou-se com dona Pásqua Fachin e trouxe a família. Mesmo sendo analfabeto - um fato comum naquele tempo na 125 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Itália - seu João Stival, andou o mundo e gostava de aproximar-se das pessoas. É recordado como uma pessoa falante, desembaraçada de muitas iniciativas e ousada, diferente do irmão Césare que era visto como uma pessoa controlada, mas muito laboriosa e não tinha as efusões que as características lhes concederam, com tamanha bondade a todos os Italianos. Portanto, era normal que João tivesse amplo poder do grupo, cumprido as obrigações jurídicas, usando o seu nome e sua pessoa, então quem adquiria as terras era o ofertante da área na qual se construiu a cidade de Nova Veneza. Após ele, porém, existia todo o centro familiar. Em Goiás, em Nova Veneza, as condições de estabilização foram diferentes, das quais foram introduzidas na região Sul do Brasil, em que os imigrantes foram colocados no meio da selva. Para o autor, era de regra que eles criassem de novo o ambiente que deixara na Itália. Já em São Paulo, o imigrante submeteu-se a uma organização social e econômica autoritária, e aos fazendeiros cafeicultores. Portanto, as organizações brasileiras prosseguiram a dominar, mesmo com as grandes contribuições que os imigrantes adicionaram à cultura e aos costumes paulistas. Ao chegarem a Goiás, o principal objetivo dos imigrantes era arrumar acomodações, e de início foram tomadas as providências para a construção de uma casa grande, com muitos cômodos para que todos pudessem se acomodar. Já instalados, nos primeiros dias na lavoura, plantaram o básico para o sustento diário se preocupando com o arroz, o feijão, a mandioca e com a horta. Em suas mesas a verdura não podia faltar, a mesma recordava os tempos de jejum de alimentos na Itália, e bons italianos que eram diante da esquivança dos goianos que se orgulhavam de “não comer mato”. Conforme a situação foi se ajeitando, a prioridade foi para as lavouras de comércio e depois para a lavoura de sustento, um lugar que não desse para o alimento, seria inconcebível, com o mundo cultural de quem já tinha visto lugares e situações adversas. Viajar tanto, para ficar na mesma situação, não era justo. “A primeira devastação de mata colocou aos chãos cinco alqueires de mata”, recordava o senhor Tite. “Está doido?” falavam as pessoas do local, deslumbrado e cético. Não se via naqueles lugares tantas roças de uma só vez. 126 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Costumes e Tradições Para os filhos, a vida era aqui e para os pais a vida prosseguia pela metade lá. A mesa com fartura de comida que todos comiam e sobrava, era indício de sonhos concretizados. Alimentar-se muito era um orgulho. Em dias de comemorações havia até disputa para ver quem comia mais. Essa grande quantidade dos sobejos e até o esbanjamento parecia quase uma desforra contra o passado de carência, miséria e de privação do necessário. Segundo Bertazzo (1992), sem hesitação, é da fome “psíquica” que falava o senhor Antônio Cândido, esta era a “vontade permanente de associações queridas”, unido ao desejo de fartura, depois de um tempo de fome, escassez de víveres; mesa farta depois da penúria. Os pratos quase sempre com carne de porco e frango, já assados no jeito bem apresentados para serem comidos. O senhor Tite afirmava que “os velhos falavam que o estado de Goiás era o Jardim do mundo”. O senhor Augusto Peixoto fala com exatidão que os velhos consideravam aqui um “paraíso”. No íntimo do coração, sinônimos do “paese dela cuccagna”, deram forma aos sonhos dos pobres para os quais certamente, “pátria é onde se come” declara um provérbio Vêneto. Esta propensão para festa percebe-se claramente numa prática usual própria de Nova Veneza: a treição. O nome é uma corruptela lugar da palavra traição, para simbolizar o inesperado, a estranheza, o espanto de alguém que, de repente, é surpreendido no meio da noite por um grupo de violeiros e sanfoneiros, e por cantorias que os chamavam, os intimava a ir para o trabalho. Preparava-se tudo com muito cuidado, pois era uma forma de levar socorro a quem estava com os trabalhos da lavoura atrasados, e para evitar uma situação pior, sem medir a precisão de quem necessitava ou estava em dificuldade. Outro fator que contribuiu para o enraizamento dos italianos em Goiás foi o catolicismo. O imigrante trouxe em sua bagagem ferramentas, sementes e pouquíssimos objetos que o permitiria começar a sua vida, não faltando na bagagem os livros com suas rezas, quando sabiam ler, e as estátuas dos santos padroeiros de sua igreja de devoção. Na falta de padres para a celebração das cerimônias litúrgicas e das devoções, alguém mais capacitado era escolhido para presidir as rezas e as reuniões e benzer os doentes e os mortos. Em alguns lugares era chamado de “padre do mato”. (BERTAZZO, 1992, p. 107). 127 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Segundo Bertazzo (1992), quem conhece as regiões mais afastadas do Brasil onde existiam os grandes proprietários de terras, sabe que o “coronel”, além de proprietário da terra, tomava posse dos trabalhos, dos votos políticos e até das decisões religiosas dos funcionários. Portanto, a igreja da propriedade ficava aos cuidados da mulher do coronel, e era o principal local religioso, onde o vigário era chamado, acomodava-se na casa do fazendeiro, e era uma grande ajuda na imposição das ideias do fazendeiro. A proteção exagerada aos subordinados fazia com que o coronel fosse o padrinho de batismo dos filhos, concluindo as relações entre os dois, somadas à proteção, o fazendeiro unia os laços de humildade e fidelidade toda ao dependente. Figura 6 Atual Igreja Nossa Senhora do Carmo. Fonte: Iraci Garbim de Souza (2011) No dia 16 de junho havia as comemorações da santa padroeira Nossa Senhora do Carmo, trazida da Itália em 1912, que neste próximo ano (2012) estará completando cem (100) anos da sua chegada à cidade Nova Veneza. As festividades tradicionais de comemorações, onde a língua, os costumes, as comidas típicas, e as tradições religiosas, estão presentes, mostra um forte sentimento à terra natal. 128 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br “Os italianos que chegaram a Goiás tinham uma trajetória um pouco diferente da dos imigrantes que se estabeleceram no Sul brasileiro, embora conservassem características parecidas e comungassem da mesma cultura”. (BERTAZZO, 1992, p. 107) Segundo Bertonha (2004), os laços entre os italianos e brasileiros eram unidos em vários costumes dos imigrantes por serem feitos como seus pelos brasileiros, exclusivamente em São Paulo e no Sul. No começo do século XX, por exemplo, ouvia-se nas avenidas de São Paulo e, em particular, nos bairros populares italianos como Brás, Bexiga e Barra Funda, mais dialetos italianos que o português. Muitas das pessoas que visitaram São Paulo, nesses anos, impressionaram-se com o grau de influência da cultura, da culinária e do estilo de vida italiano na cidade. Com o passar do tempo iniciou-se outra cultura, a mistura brasileira com a italiana, ou seja, a mais adequada: ítalo-brasileira. Portanto, esta nova cultura, não só com costumes, músicas e características peculiares, mas também com um dialeto próprio construído pela junção do português e do italiano, bem desempenhada pela música de Adoniran Barbosa, descendente de italiano. Essa cultura ítalo-brasileira, com o passar do tempo, se tornou pouca ativa em São Paulo, mas ainda se mantém presente em comemorações de San Genaro, na Mooca, e de Nossa Senhora Acheropita, no bairro da Bexiga. Ao chegar à cidade, o primeiro impulso do italiano era tentar reconstituir a comunidade rural de origem; recompor um ambiente familiar no qual a língua, os conterrâneos e os alimentos conhecidos lhe devolvessem os sentimentos de segurança e de unidade que haviam ficado para trás, além do Atlântico. (MACHADO, 1993, p. 07) Para os imigrantes e seus descendentes, os encontros funcionavam como um conforto para as suas saudades, vindo posteriormente a fazer parte também da cultura do Brasil, logicamente passando por modificações e aculturações, que foram muito bem condicionadas pelos descendentes de ambas as regiões. Tanto no Sul como no Centro-Oeste em Goiás, em Nova Veneza não foi diferente, vindo a dar início ao Festival Italiano Gastronômico e Cultural. Para que este festival acontecesse foi preciso unir forças e culturas entre o Sul e Goiás, abrir mão do individualismo e olhar para o bem que eles estariam fazendo com essa união. Foi como se a Itália, e a Europa de alguma forma se aproximassem de Goiás a ponto de permitir que as diferenças assumissem características positivas. O Festival Italiano 129 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Gastronômico é um festival inspirado na Itália, mas com características da região na qual os descendentes dos imigrantes agora estão. O curioso é que a partir das inovações trazidas para o festival, pode ser que este seja mais um festival Italiano-Brasileiro de gastronomia do que um festival essencialmente voltado para as tradições ainda presentes ou algum dia presentes na Itália. Figura 7 Caravana de Nova Veneza de GO, em Nova Veneza, Santa Catarina no RS. Fonte:http://www.festivalitaliano.net/2009/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&i d=48&Itemid=75 Assim, essa herança se tornou realidade, sem perder a essência, mantendo os traços deixados pelos seus pioneiros. Ao mesmo tempo foram acrescentadas, mas também preservadas as características dos alimentos, das rezas e danças. Como normalmente acontece no encontro de culturas, houve conflitos, assimilações e doações. Sendo que no caso dos imigrantes italianos aqui analisados, as assimilações e doações foram fortes o bastante para reduzir a força dos conflitos, permitindo que Nova Veneza e os imigrantes de certa forma se sentissem em casa em Goiás. Não mais como italianos, mas como brasileiros que de alguma forma tem suas raízes reconhecidas não apenas pelos descendentes das famílias dos imigrantes, mas também por boa parte das pessoas já anteriormente residentes em Goiás. 130 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Figura 8 Baile de máscaras. Fonte: Iraci Garbim de Souza (2011) Em meio a essas riquezas, é possível degustar durante os dias de festa: lombo de porco, macarronadas, pizzas, carnes cozidas conservadas em latas, queijos, frutas e outras iguarias da cozinha italiana. Os descendentes italianos de Nova Veneza, juntamente com os amigos da região Sul, mantêm intercâmbios durante as comemorações das duas localidades. Figura 9 Ponte demonstrando a continuidade da tradição Italiana Fonte:http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://mw2.google.com/mw Nova Veneza, buscando manter as tradições da cultura italiana, e buscando resgatar as tradições culinárias dos fundadores, em 2003, iniciou este festival. Sua primeira edição, contou com o apoio do prefeito: Osvaldo Stival, filho de João Stival, um dos fundadores da cidade. O evento tem superado as expectativas em público, como na última edição. 131 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br Figura 10 Dança típica italiana Fonte: http://www.festivalitaliano.net/2009/index.php?option=com_content&view &id=70&Itemid=82 =article A cidade se veste de vermelho, verde e branco para recordar a velha pátria, com várias atrações que vão desde o baile dos mascarados, como outros eventos na praça central onde sua ornamentação e arquitetura também lembram a Itália. O público é recebido em volta dela, tendo tendas com mesas e cadeiras, onde são vendidos os pratos típicos e as bebidas da Itália. Nova Veneza também adotou a língua italiana nas escolas de iniciação infantil, assim, as crianças aprendem desde pequenas a falar italiano. Figura 11 Coral infantil apresentando músicas Italianas. Fonte: Iraci Garbim de Souza (2011) 132 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br O Festival Gastronômico, atualmente, vem ocupando grande destaque durante sua realização, tendo espaço na mídia e nos jornais devido ao grande número de visitantes, de diferentes lugares. Um dos fatos que chama a atenção dos visitantes e turistas é o público, juntamente com o ambiente que é todo voltado para a família, pois como bons italianos prezam pela união familiar. A organização, a preparação dos alimentos e a limpeza deixam um ar de asseio. Outro fator presente é o sistema de policiamento dando segurança aos visitantes, todos esses detalhes são cuidadosamente tomados para que realmente cada Festival Italiano Gastronômico Cultural, seja uma festa para ficar na história da preservação dos costumes e tradições trazidos pelos patriarcas da Itália. Parabéns aos idealizadores e administradores deste evento, pela preocupação e o selo em manter viva essa rica cultura, que muito contribui para a construção do conhecimento e respeito às diferenças culturais. Figura 12 Festival Gastronômico de Nova Veneza. Fonte: Iraci Garbim de Souza Na confecção deste trabalho destaco as dificuldades encontradas devido à carência bibliográfica do assunto. Espero então, que este possa vir auxiliar futuros acadêmicos que desejem fazer suas pesquisas nesta linha. PARABÉNS AOS 100 ANOS DE IMIGRAÇÃO 1912-2012! Referências 133 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br BARBOSA, E. F. S.; CAMILO, A. A. P.; SANTOS, M. R. Contribuição econômica do imigrante, estrangeiro no município de Inhumas-GO. 1ª ed. Goiás: Planalto, 2001. BERTAZZO, Giuseppe. De Veneza a Nova Veneza, imigração italiana em Goiás. 1ª ed. Goiânia: UFG, 1992. BERTONHA, João Fábio. A imigração italiana no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004. ____________________. Os Italianos. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2008. BRITO, Maria Helena de Oliveira. A colônia alemã do Uva. 1ª ed. Goiânia: Centro Editorial e Gráfico da UFG, 1992. MACHADO, Alcântara. Testemunho da imigração. In: Revista Estudos Avançados 7(18). São Paulo: USP, 1993. Dossiê italiano no Brasil, 09/2011. MEMORIAL DO IMIGRANTE. Documentos Requeridos. São Paulo, 24/09/2008. NUNES, Heliane Prudente. A imigração árabe em Goiás. 1ª ed. Goiânia: Editora da UFG, 2002. Fontes eletrônicas: http://www.google.com.br/image$Search/?*imigration_#Italian Fonte:http://www.festivalitaliano.net/2009/index.php?option=com_content&view=article&i d=6 9&Itemid=73 http://sandrabergantini.com/portuguese/curiosidades.php http://1.bp.blogspot.com/mapa_italia.jpeg.gif. http://www.festivalitaliano.net/2009/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog &id=48&Itemid=75 http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://mw2.google.com/mwpanoramio/photos/medium/ 46501458.jpg&imgrefurl=http://pt.dbcity.com/Brasil/Goi%25C3%25A1s&usg=__pFWhwGRPVK8H0_ dUVb9bnGbO9v4=&h=375&w=500&sz=63&hl=ptBR&start=132&zoom=1&tbnid=TXDWNdIkJYJt4M:& tbnh=98&tbnw=130&ei=0_kJTvAJIWJgwf10ZEF&prev=/search%3Fq%3Dfotos%2Bde%2BNova%2BVe neza%2BGo%26start%3D120%26hl%3DptBR%26sa%3DN%26biw%3D1366%26bih%3D667%26tbm%3 Disch%26prmd%3Dimvns&itbs=1 http://www.festivalitaliano.net/2009/index.php?option=com_content&view=article&id=70&Itemid= 82 Fonte:http://www.festivalitaliano.net/2009/index.php?option=com_content&view=article&id=6 9&Itemid=73 ANEXOS 134 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br 135 Revista Visão Acadêmica; Universidade Estadual de Goiás; Novembro de 2012; ISSN 21777276; Cidade de Goiás; www.coracoralina.ueg.br 136