Quando foram feitas as fotografias do Fabio e do Lucas
Transcrição
Quando foram feitas as fotografias do Fabio e do Lucas
“Por políticos eu entendo os espaços e estruturas projetados para impor ou preservar ordem e unidade sobre a terra ou assegurar algum plano de larga escala. Essa denominação inclui as represas hidrelétricas, as rodovias interestaduais, os aeroportos e as linhas de eletrificação, pareçam elas importantes para nós ou não. Sob estes símbolos permanentes do poder político estende-se uma paisagem vernacular – ou, antes, milhares de pequenas e empobrecidas paisagens vernaculares, organizando e utilizando espaços em suas formas tradicionais, vivendo em comunidades governadas pelo hábito e mantidas pelas relações pessoais. Podemos aprender algo sobre elas investigando os fatores topográficos, tecnológicos e sociais que determinam sua economia e sua forma de vida – mas suspeito que nenhuma paisagem, vernacular ou não, pode ser compreendida senão como organização de espaço (…)”. J.B. Jackson “By political I mean those spaces and structures designed to impose or preserve a unity and order on the land, or in keeping with a long-range, large-scale plan. Under that heading we should include such modern features as the interstate highway, the hydroelectric dam, the airport and power transmission lines, whether we happen to care for them or not. (...) underneath those symbols of permanent political power there lay a vernacular landscape – or rather thousands of small and impoverished vernacular landscapes, organizing and using spaces in their traditional way and living in communities governed by custom, held together by personal relationships. We learn something about them by investigating the topographical and technological and social factors which determined their economy and their way of life, but in the long run I suspect no landscape, vernacular or otherwise, can be comprehended unless we perceive it as an organization of space (...) “ Acho que a gênese deste novo livro do João está na publicação A Represa e os Colonos, de 1986, editada pela Coordenadoria do Patrimônio Cultural do Estado do Paraná. Tentava preservar, pelo uso da fotografia, o rico patrimônio cultural e paisagístico que desapareceria com a construção de uma barragem no rio Passaúna e o conseqüente alagamento de uma extensa área que incluía a colônia de Tomás Coelho, fundada em 1876 por imigrantes poloneses. Mas, é claro, a gênese de TU I TAM não está em A Represa e os Colonos: está muito antes, nas raízes polacas do próprio João (que me apresentaram inesquecíveis pratos de pierogis e bigus) e na sua visão da fotografia como linguagem capaz de traduzir, visual e plasticamente, as preocupações sociais de seu autor. TU I TAM nasceu, também, da compreensão de que a paisagem molda as pessoas e as mesmas pessoas moldam a paisagem, para alcançar conceitos e visões encravadas em sua memória cultural, recriando um ambiente que, elas intuem, vai realimentá-las, num movimento contínuo de interação. A recriação da paisagem se dá – nos conta o trabalho do João – através de coisas muito diversas: nas roupas, na casa, no pátio, no galpão, nos campos. As árvores que organizam o espaço da lavoura, o desenho das casas de troncos, a simplicidade e riqueza e dos interiores, os travesseiros e lenços de cabeça, o próprio desenho urbano: tudo faz a paisagem, tudo é parte dela. Até mesmo a religião e suas igrejas compõem o desenho que, lá, na Polônia, há séculos, se instalou na memória ancestral da gente que veio bater por aqui, no Paraná. “A definição corrente para a palavra paisagem é velha de mais de 300 anos. Desde então, aprendemos a ver a paisagem como algo mais do que um belo cenário. Aprendemos que ela pode ser projetada ou criada integralmente, que ela pode envelhecer e entrar em decadência. Deixamos de pensar nela como algo distante da vida cotidiana: acreditamos, agora, que ser parte de uma paisagem, derivar dela nossa identidade é uma pré-condição essencial do nosso estar-no-mundo, no sentido mais solene da frase”. J.B. Jackson “I have mentioned more than once how unsatisfatory we all find the current dictionary definition of the word [landscape]: “A view or vista of scenery on the land, or a painting depicting such a scene.” The formula dates back more than three hundred years. But since then we have learned to see a landscape as something more than beautiful scenery. We have learned that it can be designed or created from scratch, that it can grow old and fall into decay. We have ceased to think of it as remote from our daily lives, and indeed we now believe that to be part of a landscape, to derive our identity from it is an essencial precondition of our being-in-the-world, in the most solemn meaning of the phrase”. Essas idéias do excelente J.B. Jackson podem ser úteis para enriquecer a leitura desse livro. Mas há uma outra, que fala mais de perto a nós fotógrafos e que, mesmo sem saber, refere-se a TU I TAM: “Nunca vamos a lugares desconhecidos. Talvez, com o preço das passagens tão alto, após uma viagem muito cara imaginemos estar em alguma terra exótica. Mas, se nos sentimos ao menos um pouco confortáveis ao chegar, é porque estamos reencontrando uma parte de nós mesmos. Do ponto de vista do fotógrafo, esta é uma pista importante: somos incapazes de ver qualquer coisa nova. Sempre que algo nos convida a fotografar é porque parte dele já vive dentro de nós”. Frederick Sommer “We never go to strange places. Maybe the fare is expensive, and so, after some kind of expensive travel, we think we’re in a exotic country. But, if we are somewhat confortable there, it’s because we took a chunk of ourselves and found something of ourselves again. This, from a photographer’s standpoint, is an important clue. (...) we are incapable of ever seeing anything new. Consequently, we would never photograph amything unlesswe have become attentive to it because we already have a part of it within ourselves”. Tudo o que o João fotografou, lá e cá, ele já conhecia. Por ter produzido as imagens de A Represa e os Colonos, por viver no Paraná, por suas raízes polacas, também carregadas de memórias de coisas que ele nunca viu. Tudo tem fontes e antecedentes, e quase sempre a fotografia trabalha sobre memórias. Às vezes, muito raramente, alguma invenção acontece. Mas isso é pouco importante e, com freqüência, ilusório – só se encontra o que se procura. A organização visual das idéias do João? Sobre elas já falei, anos atrás, no prefácio a Bóias-Frias. Ainda que toda essa história de polacos, e paisagem, e memória, seja interessante, acho que o importante, mesmo, é a capacidade e o talento que o autorfotógrafo revela ao organizar suas idéias num desenho rico e coerente. Isto, como eu já disse e todos nós veremos aqui, o João sabe fazer. Mesmo quando pretende registrar e comentar fatos, a fotografia não pode se limitar a repetir o evento que registra. Ela tem de comportar-se como ficção, o que é, e como realização de um desenho pressentido pelo fotógrafo, o que ela tenta ser em seus melhores momentos. Do contrário, não interessa. O João (Urban, caso alguém não tenha percebido) situa-se no lado dos melhores momentos. Luiz Carlos Felizardo Caxias do Sul, janeiro de 2004 FONTES John Brinckerhoff Jackson: The Necessity for Ruin and other topics, University of Massachusetts Press, 1980 Frederick Sommer: Sommer Words, Center for Creative Photography, University of Arizona Press, 1984 (texto reelaborado)