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Revista Brasileira de Direito Civil ISSN 2358-6974 VOLUME 1 JUL / SET 2014 Doutrina Nacional / Gustavo Tepedino / Luiz Edson Fachin / Paulo Lôbo / Anderson Schreiber / Paulo Nalin / Rodrigo Toscano de Brito Doutrina Estrangeira / Gerardo Villanacci Jurisprudência Comentada / Marília Pedroso Xavier Pareceres / Judith Martins-Costa Atualidades / Bruno Lewicki Resenha / Carlos Nelson Konder Vídeos e Áudios / Caio Mário da Silva Pereira APRESENTAÇÃO A Revista Brasileira de Direito Civil que valorize a abordagem histórica, social e cultural dos institutos jurídicos. A RBDCivil é composta das seguintes seções: Editorial; Doutrina: (i) doutrina nacional; (ii) doutrina estrangeira; (iii) jurisprudência comentada; e (iv) pareceres; Atualidades; Vídeos e áudios. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 2 EXPEDIENTE Diretor Gustavo Tepedino Conselho Editorial Francisco Infante Ruiz Gustavo Tepedino Luiz Edson Fachin Paulo Lôbo Pietro Perlingieri Coordenador Editorial Aline de Miranda Valverde Terra Carlos Nelson de Paula Konder Conselho Assessor Fabiano Pinto de Magalhães Louise Vago Matieli Paula Moura Francesconi de Lemos Tatiana Quintela Bastos Vivianne da Silveira Abílio Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 3 SUMÁRIO Editorial Um novo Instituto de Direito Civil? – Gustavo Tepedino 6 Doutrina nacional Esboço de uma classificação funcional dos atos jurídicos – Gustavo Tepedino 8 O corpo do registro no registro do corpo; mudança de nome e sexo sem cirurgia de redesignação – Luiz Edson Fachin 39 Direitos e conflitos de vizinhança - Paulo Lôbo 66 Contratos eletrônicos e consumo - Anderson Schreiber 95 A força obrigatória dos contratos no brasil: uma visão contemporânea e aplicada à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em vista dos princípios sociais dos contratos - Paulo Nalin 120 O ambiente da nova contratualidade e a tendência da jurisprudência do STJ em matéria contratual - Rodrigo Toscano de Brito 145 Doutrina estrangeira L‟ ambientale - Gerardo Villanacci 172 Jurisprudência Comentada AGRG NO RESP 827.143/DF: PRECEDENTE OU DECISÃO JUDICIAL? Marília Pedroso Xavier 223 Pareceres Contrato de de seguro. Suicídio do segurado. Art. 798, código civil. Interpretação. Diretrizes e princípios do código civil. Proteção ao consumidor. - Judith Martins-Costa Atualidades Metodologia do direito civil constitucional: futuros possíveis e armadilhas Bruno Lewicki Resenhas O segundo passo: do consumidor à pessoa humana - Carlos Nelson Konder Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 237 288 294 4 SUMÁRIO Submissão de artigos Saiba como fazer a submissão do seu artigo para a Revista Brasileira de Direito Civil - RBDCivil Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 299 5 EDITORIAL Um novo Instituto de Direito Civil? O surgimento do Instituto Brasileiro de Direito Civil –IBDCivil coincide com cenário paradoxal. De um lado, proliferam-se nas últimas décadas organizações não governamentais, em movimento associativo que, desde o retorno ao regime democrático, parece se espraiar por todos os domínios, de norte a sul do Brasil. Por outro lado, contudo, talvez como sequela renitente de nossas raízes históricas, a agenda associativa revela-se, as mais das vezes, corporativista, expressão ampliada de individualismo coronelista que contraria a função primordial da organização coletiva da sociedade. No caso do Direito, em que acentuado individualismo tem sido justificado, tradicionalmente, pela atividade solitária do profissional ou do estudioso, algumas importantíssimas associações, como o nosso fraterno IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, o Brasilcon – Instituto Brasileiro de Direito e Política do Consumidor, e o Conpedi - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito, revelaram-se experiências estimulantes e vitoriosas, exemplos a serem seguidos. O caminho associativo, contudo, encontra resistências cuja superação depende de alteração cultural significativa, destinada a rejeitar modelos organizacionais em que a pauta de reivindicações não é acompanhada de compromisso para com as próprias instituições e com a sociedade. Há que se cultivar o voluntariado, o altruísmo e a preocupação a longo prazo com as estruturas institucionais. Nos últimos anos, usou-se e abusou-se de entidades com propósitos desviantes de suas finalidades institucionais, banalizando, maculando e por vezes estigmatizando o conceito de organização social. Daí a necessidade de se revisitar a prática associativa, tendo-se em mente não somente os propósitos estatutários imediatos, mas o repensar do papel e do comportamento de cada associado, com vistas a, extrapolando os confins internos de cada organismo, impregnar os centros de pesquisa e as Instituições Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 6 Universitárias, com seu potente efeito multiplicador, em busca de verdadeira e renovada cultura associativa. Nessa esteira, pretende-se com o IBDCivil congregar os estudiosos do direito civil contemporâneo, promovendo espaço, até então inexistente, de diálogo e construção coletiva da dogmática e da pesquisa jurídica. Ao lado e além, portanto, de indispensável fórum de discussão e difusão do conhecimento, papel desempenhado por essa Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, e da rede de professores e profissionais que poderão interagir positivamente no panorama editorial e acadêmico brasileiros, há em nosso novo IBDCivil o propósito de semear consciência organizacional ainda não sedimentada na sociedade brasileira. A vida institucional sólida substitui, assim, o individualismo em todos os níveis, afastando-se as exageradas pressões corporativas voltadas a privilégios setoriais abençoados pelo Poder Público. Na área jurídica, onde a carência de pesquisa coletiva ainda predomina, deve-se apostar urgentemente na vida institucional e na construção de modelos de convivência social participativos, democráticos e igualitários. No âmbito do direito civil, especialmente, pela amplitude de seu campo de conhecimento, o impacto dessa mudança de paradigma há de repercutir de maneira decisiva nas profissões jurídicas, contribuindo para aproximar as construções teóricas da práxis judiciária e do direito vivo. Alexis de Tocqueville, em seu clássico De la démocratie en Amérique, escrito em 1835, assinalou que o sucesso da democracia americana decorreria, mais do que da organização do próprio Estado, da habilidade, herdada dos ingleses, da arte de se associar. Esse predicado talvez seja a carência lancinante de nossa sociedade, e seu desenvolvimento se mostra impostergável para a construção de instituições democráticas. Trata-se de consolidar a percepção de que o fortalecimento institucional é indispensável ao crescimento civilizatório, permitindo o aperfeiçoamento da democracia, da solidariedade social e da igualdade de oportunidades no exercício das liberdades fundamentais. GT Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 7 SEÇÃO DE DOUTRINA: Doutrina Nacional Esboço de uma classificação funcional dos atos jurídicos* Gustavo Tepedino** RESUMO: A alteração da noção de autonomia repercute profundamente na teoria da interpretação. Na medida em que o espectro e os limites (das categorias e institutos jurídicos, e especialmente) da autonomia atribuída aos particulares não são mais uniformes e abstratos (vontade individual submetida unicamente ao limite negativo da ilicitude), mas dependem dos valores que lhes servem de fundamento (para promoção de interesses socialmente relevantes), verifica-se a funcionalização dos institutos de direito civil. Nessa direção, propõem-se a classificação dos atos e negócios jurídicos a partir de sua análise funcional, tendo-se me conta a atividade concretamente desenvolvida e os limites positivos impostos pelos valores e princípios constitucionais (legalidade constitucional). PALAVRAS-CHAVE: 1. Autonomia privada; 2. Ato jurídico; 3. Negócio jurídico; 4. Atividade contratual sem negócio. ABSTRACT: The mutation of the notion of private autonomy has deep repercussions in the theory of interpretation. As the range and the limits (of juridical categories and institutions, and specially) of private autonomy attributed to individuals are no longer uniform and abstract (individual will submitted solely to the negative limit of the illicit), but also depend on the values that serve as their foundation (for the promotion of socially relevant interests), one can verify the functionalization of private law institutions. Thus, O presente trabalho decorre de pesquisa realizada na extraordinária biblioteca do Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Internacional Privado, Hamburgo, Alemanha, que gentilmente recebeu o autor como Visiting Fellow nos meses de julho de 2009 e de 2011. ** Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. * Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 8 this article proposes the classification of juridical acts based on their functional analysis, taking into account the activity that has been concretely developed and the positive limits imposed by constitutional values and principles (constitutional legality). KEYWORDS: 1. Private autonomy; 2. Juridical act; 3. Juridical transaction; 4. Contractual activity without juridical act. SUMÁRIO: 1. Autonomia privada e perspectiva funcional da atividade jurídica (fatos, atos e negócios); 2. Fato social e fato jurídico: superação da distinção; 3. Classificação dos fatos jurídicos: fato, ato e negócio jurídico – os chamados atosfatos; 4. A noção de negócio jurídico; 5. Ato jurídico stricto sensu, ato-fato e negócio jurídico em uma perspectiva funcional; 6. Negócio jurídico no Código Civil e seus três planos de análise: elementos, requisitos, fatores de eficácia; 7. Classificação dos negócios jurídicos; 8. Atividade contratual sem negócio jurídico. 1. Autonomia privada e perspectiva funcional da atividade jurídica (fatos, atos e negócios) As liberdades fundamentais, asseguradas pela ordem constitucional, permitem a livre atuação das pessoas na sociedade. Expressão de tais liberdades no âmbito das relações privadas é a autonomia privada, como poder de autoregulamentação e de auto-gestão conferido aos particulares em suas atividades. Tal poder constitui-se em princípio fundamental do direito civil, com particular inserção tanto no plano das relações patrimoniais, na teoria contratual, por legitimar a regulamentação da iniciativa econômica pelos próprios interessados, quanto no campo das relações existenciais, por coroar a livre afirmação dos valores da personalidade inerentes à pessoa humana. O principio da autonomia privada, entretanto, não é absoluto, inserindose no tecido axiológico do ordenamento, no âmbito do qual se pode extrair seu verdadeiro significado.1 Encontra-se informado pelo valor social da livre Conforme leciona JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, não há antecedência cronológica da relação çã í ; é “ D é forma da vida social. Ele vive nas relações sociais, que muitas vezes seriam inteiramente impensáveis sem a norma que as unifica (...). A z çã ” (Direito Civil – Teoria Geral. Volume III. Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p. 42). A liberdade e, especificamente, a 1 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 9 iniciativa, que se constitui em fundamento da República (art. 1º, IV, C.R.), 2 corroborado por numerosas garantias fundamentais às liberdades, que têm sede constitucional em diversos preceitos, com conteúdo negativo e positivo. Assume conteúdo negativo no princípio da legalidade, que reserva ao legislador o poder de restrição a liberdades, tornando lícito tudo o que não for legalmente proibido. Assim o art. 5º, II, da Constituição da República, em cuja linguagem :“ é z ou deixar de fazer alguma coisa senão em ”. Na mesma direção, dotado de conteúdo meramente negativo, situa-se o art. 170, parágrafo único, do Texto Maior, o qual, ao fixar os princípios gerais da ô õ : “É a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, ”. Tal conteúdo não esgota o sentido constitucional do princípio da autonomia privada, que corporifica as liberdades nas relações jurídicas de direito privado. Segundo o Texto Constitucional, a liberdade de agir, objeto das garantias fundamentais insculpidas no art. 5º, associa-se intimamente aos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1, III), fundamento da República, da solidariedade social (art. 3º, I) e da igualdade substancial (art. 3º, III), objetivos fundamentais da República. Significa dizer que a livre iniciativa, além dos limites fixados por lei, para reprimir atuação ilícita, deve perseguir a justiça social, com a diminuição das desigualdades sociais e regionais e com a promoção da dignidade humana.3 A autonomia privada adquire assim conteúdo positivo, impondo deveres à autoregulamentação dos interesses individuais, de autonomia privada, assim, não correspondem a noções anteriores ao Direito, mas são construídas juridicamente, no âmbito da axiologia do ordenamento. 2 Destaca a proteção constitucional da livre iniciativa como princípio informador da autonomia privada, FRANCISCO AMARAL, Direito Civil: Introdução, Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 359: “A ô é constitucional, como princípio básico da ordem econômica e social. São conceitos correlatos, mas não coincidentes, na medida em que a primeira focaliza o aspecto econômico, e a segunda, í ô h çã ”. N sentido, ORLANDO GOMES, Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 240. 3 Na lição de PIETRO PERLINGIERI, “A C çã q quantitativa na ordem normativa. Os chamados limites à autonomia, postos à tutela dos contratantes vulneráveis, não são mais externos e excepcionais, mas, sim, internos, enquanto ã ” (O Direito Civil na Legalidade Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 358). Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 10 tal modo a vincular, já em sua definição conceitual, liberdade à responsabilidade.4 Essa perspectiva caracteriza o princípio da autonomia privada no direito contemporâneo, desde a promulgação, em diversos países da Europa Continental, ao longo do Século XX, de Constituições intervencionistas, como o Texto Constitucional brasileiro de 1988, que estabeleceram metas a serem alcançadas pelos particulares ao lado da liberdade de contratar e circular riquezas. Anteriormente, por conta de conhecido processo histórico que serve de moldura para as construções dogmáticas dos Séculos XVIII e XIX, o poder dos particulares de gerir seus interesses era designado como autonomia da vontade, a enfatizar, já em sua definição, o viés voluntarista mediante a qual se pretendia afastar a ingerência dos Estados nos espaços jurídicos privados.5 Essa concepção, embora ainda presente na manualística, não se mostra consentânea com o sistema civil-constitucional. A ordem pública constitucional valoriza a liberdade na solidariedade, impondo que a autonomia privada seja vista como poder de regulamentação não necessariamente vinculada à vontade subjetiva, já que o interesse público sobrepõe ao poder de agir dos particulares a tutela de valores socialmente relevantes. Alude-se, nesta direção, à autonomia negocial, como noção substitutiva do conceito de autonomia privada, por melhor traduzir o poder conferido aos particulares para deflagrarem negócios, não necessariamente definindo os próprios regulamentos de interesse, dependendo dos interesses em jogo.6 A autonomia privada, assim analisada, embora assegurada constitucionalmente, se reduz, em algumas hipóteses normativas, à mera liberdade de iniciativa. Nesta direção, leciona FEDERICO CASTRO Y BRAVO, El Negocio Juridico, Instituto Nacional de Estudios Politicos, Madrid, 1967, p. 29, segundo o qual, na dinâmica dos negócios jurídicos, a çã ç “no sopone disminuir el alcance de la autonomía de la volontad, sino pó el contrario tenerla em cuenta em su doble aspecto de libertad y de responsabilitad”. 5 Assim define a autonomia da vontade FRANCISCO AMARAL, diferenciando-a da autonomia : “A çã direito, e autonomia privada, como poder de criar, nos limites da lei, normas jurídicas, vale dizer, o poder de alguém dar a si próprio um ordenamento jurídico e, objetivamente, o caráter próprio desse ordenamento, constituído pelo agente, diversa mas complementarmente ao ” (Direito Civil: Introdução, cit., p. 347). 6 O conceito de autonomia negocial é desenvolvido por PIETRO PERLINGIERI, O Direito Civil na Legalidade Constitucional, cit., p. 338. 4 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 11 Nessa vertente, de acordo com o setor da economia, há maior ou menor compressão do espaço de autonomia em favor de fontes heterônomas de integração dos modelos de regulamentação do direito civil. 7 Basta pensar nos contratos de locação residencial ou nas relações de consumo para verificar que a debacle do império da vontade, ostensivamente conduzida pelo legislador, permite compatibilizar interesses patrimoniais com valores existenciais em potencial colisão. A autonomia privada convive, assim, com a intervenção legislativa destinada a promover o direito à moradia, a solidariedade, a dignidade da pessoa humana e a igualdade substancial, reduzindo-se situações de vulnerabilidade. A alteração da noção de autonomia repercute profundamente na teoria da interpretação. Tradicionalmente, a dogmática se restringia ao aspecto estrutural das categorias jurídicas, ou seja, seus elementos constitutivos e os poderes atribuídos aos titulares. Na medida em que o espectro e os limites (das categorias e institutos jurídicos, e especialmente) da autonomia atribuída aos particulares não são mais uniformes e abstratos (vontade individual submetida unicamente ao limite negativo da ilicitude), mas dependem dos valores que lhes servem de fundamento (para promoção de interesses socialmente relevantes), alude-se à funcionalização dos institutos de direito civil. Assim, as relações jurídicas estruturadas para a proteção de interesses patrimoniais e individuais tornam-se vetores de interesses existenciais. Em última análise, o espaço de autonomia privada (a estrutura dos poderes conferidos para exercício de direitos dela decorrentes) é determinado pela função que desempenha na relação jurídica.8 Tal reflexão interfere diretamente na teoria dos atos e negócios jurídicos, no sentido de superar a abordagem meramente estática de seus elementos estruturais – forma e conteúdo –, para se alcançar a função – o porquê e para Sobre a referida intervenção heterônoma nos contratos, afirma STEFANO RODOTÀ que o contrato, embora decorrente da vontade das partes, uma vez formado, sujeita-se à intervenção h : “è evidente, allora, che le diverse fonti si ispirano ciascuna a peculiari valutazioni: ma qui interessa rilevare soltanto che tutte convergono nella finalità comune della costruzione del regolamento contrattuale; rispetto a quest‟ultimo la particolare ratio delle singole fonti non viene in questione, riguardando esclusivamente il modo in cui ciascuna di esse, in sé considerata, opera” (Le fonti di integrazione del contrato, Milano, Giuffrè, 2004, p. 87). 8 A respeito do conceito de função, cf. NORBERTO BOBBIO, Em direção a uma teoria funcionalista do direito. Da estrutura à função. São Paulo, Manole, 2007, p. 53. 7 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 12 quê –, em modo a se identificar a legitimidade objetiva da alteração propiciada pela autonomia privada nas relações jurídicas pré-existentes.9 2. Fato social e fato jurídico: superação da distinção Se a atuação do direito depende visceralmente dos fatos, em recíproco condicionamento, a conceituação analítica das diversas espécies de fatos (jurídicos) mostra-se indispensável para a definição da disciplina normativa correspondente. Fato social é o acontecimento que, submetido à incidência do direito, torna-se, tecnicamente, fato jurídico. Afirma-se, por isso mesmo, que um fato qualquer – pré-jurídico –, a partir do momento em que deixa de ser indiferente ao direito, adquire aptidão para gerar efeitos jurídicos. Em consequência, segundo lição clássica, fatos jurídicos são os eventos mediante o quais as relações jurídicas nascem, se modificam e se extinguem.10 Ou, em í “ q relevância jurídica no sentido de alterar as situações a eles pré-existentes, e de configurar situações q q çõ í ”.11 A construção, contudo, deve ser analisada com reservas, por duas razões fundamentais. Em primeiro lugar, se é verdade que o dado social – como elemento da realidade fática – não se confunde com o dado normativo – a norma jurídica –, parece arbitrário considerar alguns fatos simplesmente alheios ao direito, ou despidos de relevância ou pressupostos de eficácia, já que Sobre o ponto, magistralmente, EMILIO BETTI, Teoria generale del negozio giuridico, Torino, UTET, 1952, 2a ed., p. 170 e ss. 10 Assim o afirma, citando SAVIGNY, CLOVIS BEVILAQUA. Teoria geral do direito civil. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1976, p. 210. No mesmo sentido: ROBERTO DE RUGGIERO, Instituições de direito civil, vol. 1, Campinas, Bookseller, 2005, p. 310; MIGUEL REALE, Lições preliminares de direito, São Paulo, Saraiva, 2012, p. 203. Do mesmo modo, afirma FRANCISCO AMARAL, Direito Civil: Introdução, cit., p. 379. Conforme lembra, oportunamente, ALBERTO TRABUCCHI: “A ‟ z èq q z h confermare una situazione esistente eliminando dubbi sulla sua consistenza concreta. Si parla in tal caso di negozio di accertamento q ‟è h í q z ” (Istituzioni di diritto civile, Padova, CEDAM, 1993, p. 124). 11 EMILIO BETTI, Teoria generale del negozio giuridico, cit., p. 3. No original, o texto em sua : “F q z giuridica nel senso di mutare le situazioni ad essi preesistenti e di configurare situazioni nuove, cui corrispondono nuove qualificazioni giuridiche. Lo schema logico del fatto giuridico, ridotto alla espressione più semplice, si ottiene prospettandolo come un fatto dotato di certi requisiti presupposti dalla norma, i il quale incide in una situazione preesistente (iniziale) e la trasforma in una situazione nuova (finale), per modo da costituire, da modificare o da estinguere poteri e q h z h ”. 9 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 13 a experiência normativa alcança integralmente a vida social, mesmo os espaços de liberdade que o direito, valorando-os, preserva deliberadamente contra qualquer tipo de regulamentação. Diante de tal circunstância, afirma-se que todo fato social interessa ao direito, já que potencialmente interfere na convivência social e, portanto, ingressa no espectro de incidência do ordenamento jurídico.12 Na doutrina brasileira, argutamente assinalou- : “ ã há fato indiferente ao Direito, pois é o próprio Direito, através da norma positiva que, não regulando uma conduta ou uma circunstância, chancela tal ”.13 Em segundo lugar, qualquer fato social é percebido de acordo com a compreensão cultural da sociedade em determinado momento histórico, e assim também é valorado pelo direito. Imagine-se o interesse pelo meio ambiente equilibrado; as interferências consideradas normais de vizinhança; ou a crescente exposição da imagem das pessoas (como comparar a repercussão de alguém na praia, há 50 anos, em sucintos trajes de banho e nos dias de hoje).14 O direito traduz a realidade fática, a qual, em contrapartida, reflete a valoração da ordem jurídica (como apreendida pelo grupo social).15 Há, portanto, íntima comunicação entre fato e norma, de tal modo que não se pode conceber um desses elementos sem o outro. Supera-se, desse modo, a distinção entre fato ‟ ã é ú : „ ‟ ã é „ ‟ ( ) para a qual o fato é todo evento que invoque a ideia de convivência (ou do caráte )” (O direito civil na legalidade constitucional, Rio de Janeiro, Renovar, 2009, p. 640). 13 LUIZ EDSON FACHIN, Novo Conceito de Ato e Negócio Jurídico: consequências práticas, Curitiba, PUC/PR, 1988, p. 1. Com efeito, a afirmativa de que toda liberdade humana é juridicamente relevante (porque garantida pelo Direito) não implica a negação de que existam liberdades não regulamentadas por lei, como registra STEFANO RODOTÀ: “Ora ci troviamo di fronte a situazioni in cui l‟indicare il fatto e dire il diritto appartengono alla stessa persona, nel senso almeno che esiste un potere di scelta tra risposte giuridiche diversificate o, più radicalmente, di entrata in uno spazio vuoto di diritto. Si può, dunque, uscire dal diritto e rientrare nella vita” (La vita e le regole: tra diritto e non diritto. Milano: Feltrinelli, 2006, p. 62). Para uma perspectiva civil-constitucional da questão, v. também SAMIR NAMUR, A inexistência de espaços de não direito e o princípio da liberdade, Revista Trimestral de Direito Civil, Vol. 42, abr.-jun./2010; PAULA GRECO BANDEIRA, Espaços de não direito e as liberdades privadas, Revista Trimestral de Direito Civil, Volume 52, out.-dez./2012. 14 O exemplo é configurado por Eros Grau, Técnica Legislativa e Hermenêutica Contemporânea, in Gustavo Tepedino (org.), Direito Civil Contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional, São Paulo, Atlas, 2008, p. 286. 15 A conclusão de LUIZ EDSON FACHIN, ob. loc cit., é :“ í fatos valorados pela norma. Tais são os fatos jurídicos, que assim se constituem sem deixar o campo fático, uma vez que este e aquele (o normativo) se interpenetram. Esse agasalho da norma é a guardiã ao suporte fático, sem suprimi-lo. Exsurge, aí, a juridicidade que é por conseguinte um componente do binômio fato”. 12 Afirma PIETRO PERLINGIERI: “„F Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 14 social e fato jurídico. Todo fato social – porque potencialmente relevante para o direito, e porque moldado pela valoração (social decorrente) do elemento normativo (o qual, ao mesmo tempo, é construído na historicidade evolutiva da sociedade), é fato jurídico. Compreende-se, assim, o vetusto brocardo latino ex facto oritur ius. Do fato provém o direito. Vale dizer, sem se confundirem norma e fato, estes reciprocamente se condicionam.16 A hipótese fática de incidência da norma (suporte fático, que equivaleria à expressão italiana fattispecie ou à alemã Tatbestand) identifica-se com a descrição normativa, ou seja, é construída pela valoração que lhe atribui o direito. Tenha-se como exemplo um contrato de locação. As regras sobre ele incidentes dependerão das circunstâncias fáticas – valor do aluguel, estado do imóvel, pontualidade no cumprimento das obrigações –, todas elas capazes de produzir efeitos modificativos da relação jurídica, gerando novos fatos jurídicos, que alteram o direito pré-existente e se amoldam, contemporaneamente, à previsão normativa pré-existente. Por isso mesmo, considera- “ q í fattispecie como qualquer coisa de puro fato, despida de qualificações jurídicas, ou como qualquer coisa materialmente separada ou cronologicamente destacada da nova situação jurídica correspondente. Em realidade, esta não é senão um desenvolvimento daquela, uma situação nova na qual se converte a situação preexistente com a í ”.17 Em definitivo e afinal, como registrado em (esquecida) lição introdutória q “ D -se, portanto, não no momento em que estes ocorrem, senão já antes, quando aquele EMILIO BETTI, Teoria generale del negozio giuridico, cit., p. 5, sobre a máxima romana : “si vuol dire con essa che la legge di per sé sola non dà mais vita a nuove situazioni giuridiche se non si avverano taluni fatti da essa previsti: non già che il fatto si trasformi in diritto, bensì una situazione giuridiche nuova”. Em direção análoga, MIGUEL REALE, Lições preliminares de direito . . 200: “D q D ina do fato, porque, sem que haja um acontecimento ou evento, não há base para que se estabeleça um vínculo de significação jurídica. Isto, porém, não implica a redução do Direito ao fato, tampouco em pensar que o fato seja mero fato bruto, pois os fatos, dos quais se origina o Direito, são fatos h çõ h ”. 17 EMILIO BETTI, . . .N 1950: “Appare già dalla proposta definizione del fatto giuridico che sarebbe un errore concepire la fattispecie come qualcosa di puro fatto, scevra di qualificazioni giuridiche, o come qualcosa di materialmente separato o di cronologicamente staccato dalla nuova situazione giuridica che vi corrisponde. In verità questa non è che uno svolgimento di quella, una situazione nuova in c si converte la situazione preesistente col sopravvenire del fatto giuridico”. 16 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 15 lhes infunde potencialidade jusgenética. Logo, o fato e o fato jurídico não são categorias ontológicas distintas, mas atitudes axiologicamente diversas diante ”.18 3. Classificação dos fatos jurídicos: fato, ato e negócio jurídico – os chamados atos-fatos Afirma-se que os fatos (jurídicos) podem provir espontaneamente da natureza (fatos naturais) ou da atuação humana (fatos humanos). Os primeiros são também chamados de fatos jurídicos stricto sensu. Distinguem-se os fatos naturais em ordinários (o nascimento, a morte, o curso dos rios) e extraordinários (fortuitos, imprevisíveis ou inevitáveis). Já os fatos humanos, atribuíveis ao homem, traduzem-se em fatos lícitos (valorados positivamente pela ordem jurídica) e fatos ilícitos lato sensu (reprovados pelo direito), que, a seu turno, se distinguem em atos ilícitos (stricto sensu), dos quais decorrem o dever de reparar, e atos antijurídicos, contrários ao direito e com eficácia distinta da reparação.19 Os fatos lícitos, ou seja, atribuídos à atividade humana e não reprovados pelo direito, compreendem os negócios jurídicos, os atos jurídicos stricto sensu, também designados atos lícitos de conduta, e os chamados atos-fatos, reconhecidos por parte da doutrina.20 JOÃO BAPTISTA VILLELA, Do Fato ao Negócio: em busca da precisão conceitual, in Estudos em Homenagem ao Professor Washington de Barros Monteiro, São Paulo, Saraiva, 1982, p. 256. O z: “ ã é í propriedade que o Direito lhes acrescenta, com base em puras razões de conveniência ou oportunidade. Logo é equivocado pretender-se fundar uma tipologia dos fatos jurídicos a partir de uma angulação estática. Não há fatos jurídicos a priori. É no dinamismo da sua apropriação axiológica que os fatos adquirem ou não o atributo, eminentemente extrínseco, de serem í ”. 19 A classificação é adotada por ROSE VENCELAU MEIRELES. O negócio jurídico e suas modalidades, in Gustavo Tepedino (coord.), A Parte Geral do Novo Código Civil: estudos na perspectiva civilR J :R 2003 . 183: “O í e distinguem dos atos ilícitos (art. 186), sendo atos que, por estarem em desconformidade com a í ã ã ”. 20 A çã “ í stricto sensu” CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de Direito Civil: Volume I, Rio de Janeiro, Forense, 2011, p. 397 e MIGUEL REALE, Lições Preliminares de Direito, cit., p. 209. Designando o ato jurídico stricto sensu como ato lícito de conduta, SAN TIAGO DANTAS, Programa de Direito Civil: Teoria Geral, Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 211. No que tange à classe dos atos-fatos jurídicos, seu maior é P M q : “O atos-fatos são fatos humanos, em que não houve vontade, ou dos quais se não leva em conta o ú ã í ” (Tratado de 18 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 16 Em imagem gráfica pode-se melhor perceber a classificação: Fatos naturais (fatos jurídicos stricto sensu) Fatos jurídicos lato sensu i) Ato ilícito Fatos humanos (atos jurídicos lato sensu) Fatos ilícitos ii) Ato antijurídico i) Negócio jurídico ii) Ato-fato jurídico iii) Ato jurídico stricto sensu Fatos lícitos Muito se disputa acerca da terminologia empregada, especialmente no que concerne à inclusão dos atos ilícitos no âmbito dos atos jurídicos. Como bem destacado em doutrina, embora terminologicamente fosse preferível afastar a ilicitude da qualidade jurídica, consolidou-se, na linguagem corrente, a qualificação de jurídico não como atributo de legitimidade, senão como gênero, a traduzir simplesmente a eficácia jurígena independentemente de valoração : “q í q em vista é a relevância do acontecimento para o Direito, não a sua conformidade ao D ”.21 4. A noção de negócio jurídico A categoria dos atos jurídicos associa-se ao agir humano e suas consequências – e divergências – decorrem do papel atribuído, nessa atuação, à vontade humana, em maior ou menor grau, daí decorrendo consequências diversas. Chama-se negócio jurídico o regulamento de interesses estipulado pela autonomia privada, ou autoregulamento ou ato jurídico apto a regular Direito Privado, Parte Geral, Tomo I: Pessoas Físicas e Jurídicas, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012, p. 158). 21 JOÃO BAPTISTA VILLELA, Do Fato ao Negócio: em busca da precisão conceitual, cit., p. 259, o q : “E ó é çã í D (...) A bem da estabilidade terminológica conviria, pois, não insistir no outro uso, cuja correção, entretanto, não pode ser contestada. Ocorre que a língua não é apenas um fato da razão, mas é ”. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 17 interesses. Constitui-se no principal instrumento engendrado pelo direito civil para o exercício da autonomia privada. Formulação teórica do final do Século XVIII, a noção de negócio traduz o esplendor do voluntarismo, procurando assegurar o mais amplo espaço para a autonomia privada regular seus interesses.22 “ Daí sua definição çã tradicionalmente estabelecida como q constituição, modificação ou extinção de uma situação juridicamente ”.23 Por ter sido concebido como instrumento de consagração da vontade individual, a noção de negócio jurídico avoca acirradas disputas ideológicas a partir do final do Século XIX e por todo o Século XX, ao longo das diversas fases e graus de intervenção do Estado na economia de países de tradição romanogermânica. Os reflexos dessa controvérsia ainda se fazem sentir nos dias de hoje, com significativas consequências práticas na aferição do papel da vontade em tema de invalidade dos negócios. Em síntese estreita, podem-se dividir as diversas posições doutrinárias em dois grupos conhecidos como teorias subjetivista e objetivista. Pela primeira, o negócio jurídico é definido como ato de vontade dirigido à produção de efeitos jurídicos. Concebida pelos fautores do modelo voluntarista, tal concepção, em suas múltipas vertentes, a partir da construção de Savigny, encontra-se amplamente divulgada na doutrina brasileira.24 A partir de tal formulação, cumpre ao intérprete buscar a intenção do agente para aferir a legitimidade do negócio, já que é o vetor volitivo, isto é, a vontade real, o elemento essencial dessa categoria jurídica. Em contrapartida, posicionaram-se os fautores da teoria objetivista, para os quais a essência do negócio jurídico é a declaração como tal percebida, reconhecida e considerada legítima pelo ordenamento, independentemente da Assim destaca FRANCISCO AMARAL, Direito Civil: . . 389: “A ó í surge, assim, como produto de uma filosofia político-jurídica que, a partir de uma teoria do sujeito, com base na liberdade e igualdade formal, constrói uma figura unitária capaz de englobar, reunir, todos os fenômenos jurídicos decorrentes das manifestações de vontade dos sujeitos no campo da sua atividade jurídico”. 23 ALBERTO TRABUCCHI, Istituzioni di diritto civile, Padova, CEDAM, 1993, p. 124. 24 V. SAVIGNY, Traité de Droit Romain, Tome 3ème, Paris, Firmin Didot Frères, 1856, p. 3 e ss. Sobre as diversas correntes, ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Negócio Jurídico: Existência, Validade e Eficácia, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 4 e ss. 22 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 18 intenção que possa ter tido o emissor. O negócio, portanto, embora resulte de manifestação de vontade, desprende-se dela, produzindo os efeitos autorizados pela ordem jurídica sem que se deva, portanto, por irrelevante, perquirir a intenção do agente emissor da vontade. Ambas as posições doutrinárias refletem períodos históricos antagônicos, de coroamento do voluntarismo (individualismo iluminista que perdura do Século XVIII ao XIX), e de sua rejeição (perspectiva socializante e intervencionista do final do Século XIX e primeira metade do Século XX). 25 Levadas aos extremos, tais teorias não logram resolver a preocupação, de ordem eminentemente prática, de conciliar o respeito ao alvedrio individual com a segurança atribuída à manifestação de vontade, tal qual declarada. Nesta linha de preocupação, desenvolveram-se, no âmbito das construções objetivas, posições menos radicais e mais sofisticadas, admitindo a importância da vontade, embora considerada como anterior ao negócio, em relação ao qual é a declaração, como manifestação exterior, e não o ato volitivo em si considerado, elemento essencial. A vontade, por sua vez, não decorre do simples querer individual, senão da autonomia privada como poder autorizado e temperado, por balizas valorativas, pelo ordenamento jurídico. 26 O principal artífice de tais posições é Emilio Betti, formulador da teoria preceptiva. Segundo tal orientação, o reconhecimento social da vontade tem por referência não elementos subjetivos internos ao agente, senão a declaração, na forma como exteriorizada, que se constitui, assim, em preceito vinculativo. A vinculação do sujeito emissor da vontade à declaração é corroborada por ulteriores elaborações doutrinárias, em especial as teorias da autoresponsabilidade e da confiança. Pela primeira, embora o elemento subjetivo seja o vetor do ato de vontade, a vinculação à declaração decorre da responsabilidade pessoal do seu emissor pela respectiva exteriorização. Pela teoria da confiança, o preceito emanado pelo negócio, em virtude da declaração, vincula o seu emissor em virtude da expectativa despertada no corpo social Abordando essa passagem do Estado liberal do Século XIX para o Estado intervencionista, v. FRANCISCO AMARAL, Direito Civil: Introdução, cit., p. 363. 26 Tratando da limitação da autonomia privada pelas balizas do ordenamento jurídico, expõe ORLANDO GOMES, Introdução ao Direito Civil . . 242: “M í çã decorre, precisamente, do ordenamento jurídico que lhe reconhece o poder de regular, pela ”. 25 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 19 quanto à correpondência entre a manifestação de vontade e a intenção do agente. Cabe ao direito, portanto, prestigiar quem confiou na higidez da declaração volitiva. A teoria da confiança ganha destaque no direito positivo pátrio, com intensa repercussão em diversos dispositivos, pelos quais se considera o emissor responsável por suas declarações, na forma como exteriorizadas, mesmo em situações de invalidade de negócios, em face de terceiros de boa-fé, ou seja, que desconheciam a causa da invalidade e que, por isso mesmo, confiaram e agiram em conformidade com a expectativa gerada pela declaração.27 Com a redução do papel da vontade no direito contemporâneo (paralela ao crescimento do papel do Estado na relações econômicas) e a consequente remodelação do conceito de autonomia privada (como poder atribuído aos particulares associados a deveres negativos e positivos), funcionalizada a valores constitucionalmente tutelados, mostra-se mais consentânea com o sistema a definição de negócio jurídico como regulamento de interesses que agrega fontes heterônomas ao autoregulamento. Com efeito, pareceria ingênuo reduzir o autoregulamento preceptivo, em que se constitui o negócio, em ato de vontade, pressuposto nem sempre íntegro da declaração. Como melhor se verá adiante, a vontade, em si mesma considerada, não é elemento do negócio jurídico, senão a declaração de vontade, conforme é manifestada e percebida no mundo social.28 5. Ato jurídico stricto sensu, ato-fato e negócio jurídico em uma perspectiva funcional Percebe-se, assim, como a noção subjetiva de boa-fé pode influenciar a figura da boa-fé objetiva, embora se trate de noções diferentes, conforme explica JUDITH MARTINS-COSTA: “ fé subjetiva tem o sentido de uma condição psicológica que normalmente se concretiza no convencimento do próprio direito, ou na ignorância de se estar lesando direito alheio, ou na çã „ í ‟ .D mente, ao conceito de boa-fé objetiva estão subjacentes as ideias e ideais que animaram a boa-fé germânica: a boa-fé como regra de conduta fundada na honestidade, na retidão, na lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses do alter, visto como um membro do conjunto social que é juridicamente ” (A boa-fé no direito privado, São Paulo: RT. 1999, p. 412). 28 Nesse sentido, ensina ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Negócio Jurídico . . 82: “A ver, a vontade não é elemento do negócio jurídico; o negócio é somente a declaração de vontade. Cronologicamente, ele surge, nasce, por ocasião da declaração; sua existência começa nesse momento; todo o processo volitivo anterior não faz parte dele; o negócio todo consiste na çã ”. 27 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 20 Ao lado dos negócios jurídicos, situam-se os atos jurídicos stricto sensu, assim considerados os atos jurídicos que não se destinam a regulamentar, autonomamente, interesses privados. Limitam-se a executar preceitos previamente estabelecidos por lei ou por negócio jurídico antecedente, reduzindo-se, portanto, em sua ontologia, o espaço de atuação (e de controle) da autonomia privada. Afirma-se, por isso mesmo, que nos atos jurídicos stricto sensu ou atos lícitos de conduta, a vontade tem papel menos relevante, já que se limita a dar eficácia a interesses jurídicos previamente regulados por lei ou por negócio jurídico anterior. O agente, ao praticá-los, submete-se às consequências jurídicas que lhes estão previamente reservadas.29 Como acima destacado, a aptidão a regular interesses confere ao negócio jurídico atributo objetivo de produção de efeitos, independentemente da intencionalidade subjetiva, voltando-se o ordenamento para o controle da higidez da declaração da vontade. Já os atos lícitos de conduta, posto decorrentes da atividade humana, não contêm germe criador de preceitos, já que a atuação se dá aqui em conformidade com disposição normativa antecedente. Em face de tal distinção, afirma-se que, se os efeitos produzidos decorrem do regulamento definido pelo próprio ato, tem-se negócio jurídico, como na celebração de um contrato de compra e venda. Se, ao reverso, a eficácia (finalidade) independe do ato do agente, ainda que a escolha do meio empregado lhe seja assegurada, está-se diante de ato lícito em sentido estrito, para qual se exige tão somente consciência de sua prática, 30 não sendo decisivo ANTONIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO ó “ ato cercado de circunstâncias que fazem com que socialmente ele seja visto como destinado a z í ”. S “ entre os efeitos atribuídos pelo direito (efeitos jurídicos) e os efeitos manifestados como queridos (efeitos manifestados), existe, porque a regra jurídica de atribuição procura seguir a visão social e liga efeitos ao negócio em virtude da existência de çã ” (Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia, cit., p. 19). 30 JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, O Negócio Jurídico no Anteprojeto de Código Civil Brasileiro, Arquivos do Ministério da Justiça, Rio de Janeiro, vol. 13, p. 3, set. 1974. V., também, em perspectiva crítica, JOÃO BAPTISTA VILLELA, Do Fato ao Negócio, cit., p. 263, que procura distinguir as noções de negócio e de ato jurídico stricto sensu “q ” vontade emitida. No primeiro caso, ter-se-ia liberdade criadora de regulamento. No segundo, comportamento adstrito a regulamento imposto ao agente. 29 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 21 o papel da vontade31 – é o que ocorre, por exemplo, na fixação de domicílio ou no reconhecimento de paternidade, cujo exercício deflagra consequências atribuídas por lei, e no pagamento ou na quitação, que importam a incidência das regras fixadas por negócio jurídico antecedente. O Código Civil, no art. 185, prevê a figura dos atos jurídicos lícitos, distintos do negócio jurídico, determinando-lhes a incidência, no que couber, das normas atinentes aos atos negociais.32 Procurou o legislador, desta forma, abranger as duas espécies de atos atribuíveis à vontade humana, sem regular, por considerar provavelmente desnecessário, a terceira categoria de atos, designados como atos-fatos. Adotados de maneira bissexta pela doutrina brasileira, são imputáveis ao agir humano embora desprovidos de elemento volitivo, associando-se à atuação subjetiva tão somente por relação de causalidade, despida de qualquer exigência de intencionalidade ou mesmo consciência de sua prática.33 Os atos-fatos foram concebidos por juristas alemães na primeira metade do Século passado, adotados por parte da doutrina italiana e desenvolvida no Brasil por Pontes de Miranda, que os divide em: (i) atos reais; (ii) indenização sem culpa; (iii) caducidades.34 Segundo PONTES DE MIRANDA, o ato jurídico em sentido estrito pode, residualmente, apresentar algum elemento volitivo, mas este não constitui requisito seu, nem se volta à çã í í :“ ú q h ã é fático do fato jurídico e, pois, não alcança a eficácia jurídica como eficácia do que o fato jurídico manteve de tal conteúdo. (...) Quem interpelou não precisa ter querido determinado efeito, e só é q çã ” (Tratado de Direito Privado, Parte Geral, cit., p. 159). 32 “A . 185. A í í q ã ó í -se, no que çõ Tí ”. 33 SANTORO-PASSARELLI, FRANCESCO, Dottrine generali del diritto civile, Napoli, Jovene, 1966, p. 106-107 : “S fatti della natura extraumani, ma anche quei fatti che sono, ma potrebbero non essere, ‟ h ”. N h ‟ z gente. Non se ne può dedurre che essi siano da considerare atti in senso stretto, perché il riferimento soggettivo degli effetti non discende dalla natura di quei fatti, ma dal nesso di causalità fra gli ”. “S osi come rientrino in questa categoria, ad esempio, non solo le accessioni h q h ‟ q ‟ z ì z „ z ose ‟ ‟ (articoli 927 ss., 934 ss). Dire che si tratta di fatti in senso stretto significa dire che non viene in q é ‟ é ‟ h z ‟ z ”. 34 PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, vol. 2, Rio de Janeiro, Borsoi, 1954, p. 372 e ss. A conclusão é confirmada por JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, A Parte Geral do Projeto de 31 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 22 Por meio dos atos-fatos procura-se explicar a produção de efeitos jurídicos decorrentes de atos humanos, materialmente considerados, independentemente de controle quanto à formação da vontade que o originou – e por isso chamado de atos-fatos – como ocorre na responsabilidade por dano causado por incapaz (art. 932, I e II, do Código Civil), em que o dever de reparar deriva do dano causado por alguém independentemente de ter tido este sequer consciência de sua prática. O ordenamento jurídico brasileiro, portanto, admite regime diferenciado para os atos atribuíveis ao agir humano. Prevê explicitamente a categoria dos atos jurídicos, em sentido lato, compreendendo os negócios jurídicos e os atos jurídicos stricto sensu. A partir daí, impõe controle rigoroso ao negócio jurídico, submetendo-o à extensa disciplina do Título I do Livro III (arts. 104 a 184, do Código Civil), além das regras incidentes em cada espécie negocial, quando tipificada (pensa-se no contrato de empreitada, que avocará os dispositivos dos arts. 610 e ss., do Código Civil). Menos rigoroso, por não importar autoregulamento de interesses, mostra-se o controle dos atos não negociais, já que o art. 185 se limita a autorizar a aplicação, no que couber, dos dispositivos atinentes ao negócio jurídico, cabendo ao intérprete definir o espectro de abrangência da remissão e o critério de incidência. Finalmente, no que tange aos atos-fatos, sua disciplina não se encontra prevista na Parte Geral do Código Civil, que regula difusamente sua incidência nos eventos humanos específicos dos quais decorrem efeitos jurídicos para cuja produção não se cogita de qualquer elemento volitivo na conduta do agente. A classificação, contudo, a despeito de sua importância didática, mostrase estabelecida por critérios abstratos e estruturais (maior ou menor vinculação da conduta à vontade humana, daí decorrendo gradação qualitativa da atuação humana), revelando-se insuficiente para as finalidade propostas. Por isso, provavelmente, apresenta-se tão controvertida a matéria, já que não soluciona Código Civil Brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2003, 2ª ed. atualizada, p. 103, que assim justifica o dispositivo do art. 185 do C.C., inspirado em disposição semelhante do art. 295º do Código civil :“ ções humanas que, por força do direito objetivo, produzem efeitos jurídicos em consideração à vontade do agente, e não simplesmente çã ”. “Q ú h ó ã q ato jurídico, mas sim – e é dessa forma que o considera o direito – em fato jurídico em sentido estrito (são os atosí )”. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 23 com nitidez, na dinâmica das relações jurídicas, a disciplina a ser aplicada. 35 Somente a interpretação funcional, ao fotografar o regulamento de interesses em seu todo, de modo a compreender o ato e suas circunstâncias, inserido na atividade a ser analisada, permitirá qualificá-lo e estabelecer a disciplina aplicável. No âmbito dos atos jurídicos não negociais, por exemplo, ex vi do art. 185, a entrega de coisa determinável em uma compra e venda (art. 487, do Código Civil) invoca a incidência das normas do negócio jurídico que lhe serve de título, incluindo o controle quanto à validade do ato de entrega (nulidade ou anulabilidade do pagamento). Não se poderia tolerar o pagamento praticado sob coação, por exemplo, ou a quebra da boa-fé objetiva no cumprimento da prestação. Assim também deve-se exigir de quem reconheceu o filho (não capacidade mas) a plena consciência do ato praticado. Por outro lado, reduzidíssima importância terá o papel da construção da declaração de vontade na hipótese prescrita pelo art. 1.280 do Código Civil, em que o proprietário ou possuidor exige do vizinho demolição ou reparação diante de iminente ruína (ato jurídico stricto sensu mandamental, para Pontes de Miranda).36 Nesse caso, pouco importa a consciência da declaração, fixando o legislador no fato objetivo suscitado pelo possuidor. Em posição contraposta, a consciência do comportamento mostra-se prudentemente exigida para atos materiais classificados como atos-fatos, como na ocupação de coisa sem dono (res nullius ou res derelicta), na lavragem de pedaço de madeira alheio por parte do escultor ou no apossamento pelo exercício possessório. Dispensa-se nestas hipóteses a capacidade de fato, mas não se poderia deixar de exigir a consciência do próprio comportamento por parte de quem ocupa, especifica ou adquire a posse.37 Tal discrepância serve de Sobre o ponto, observa ORLANDO GOMES, Introdução . . 289: “O í „ ‟ ã egoria homogênea. Da dificuldade de sistematizá-los, resulta hesitação quanto à possibilidade de submetêçã ”. 36 PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, vol. 2, cit., p. 461 e ss. A classificação é minuciosamente resumida por MARCOS BERNARDES DE MELLO, Teoria do fato jurídico, São Paulo: Saraiva, 2011, p. 200-201. 37 Conforme relatado por MOREIRA ALVES, trata“ q çã seja, o Besitzbegründungswille ou, mais simplificadamente, Besitzwille”. E :“ não precisar essa vontade de ser determinada, torna-se alguém possuidor daquilo a que se destina a receber sua caixa postal ou sua máquina automática de venda (não, porém das cartas que não lhe são endereçadas ou das coisas para os quais o receptáculo não se destina), e, por não 35 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 24 arrimo para a designação de tais eventos como atos jurídicos stricto sensu e a rejeição da categoria dos atos-fatos por grande parte dos autores brasileiros.38 Aduza-se, ainda, que a sucessão de atos que compõem a atividade humana pode ser heterogênea, ou por vezes desprovida de negócio inaugural, devendo ser examinada a atividade em sua integralidade para a definição da disciplina aplicável. Neste caso, a função desempenhada pela atividade determinará a disciplina aplicável, o que terá grande serventia nas chamadas relações contratuais de fato. Além disso, embora o negócio jurídico ofereça espaço exuberante de atuação para a autonomia privada, é errôneo concluir que o ato jurídico não negocial deva escapar ao controle de merecimento de tutela, por ausência de liberdade para autoregulamento do próprio interesse. Mesmo circunscritos a regras cogentes, esses atos traduzem também atuação humana e, por isso, submetem-se, por conta do art. 185, ao crivo do direito.39 Imagine-se a fixação do domicílio, considerado ato jurídico stricto sensu. Não se pode afirmar que haja déficit de liberdade no momento da escolha, que muitas vezes abrange uma série de decisões pessoais e profissionais, as quais, por outro lado, se tomadas ao longo do tempo, na sucessão de atos que definem a atividade profissional e pessoal, por vez com repercussão em toda a família, devem ser examinadas e valoradas em seu todo, e não como eventos isoladamente considerados. ser ela juridicamente qualificada, pode o incapaz adquirir a posse desde que tenha consciência do que quer, como o que, tendo sido curado de doença mental, ainda não deixou de estar interditado, ou criança com alguns anos de vida (não, todavia, o recém-nascido, o louco, o que )” (O ó Revista do Tribunal Regional Federal, vol. 8, out-dez/1996, p. 22). 38 Dentre muitos outros, não reconhecem a categoria do ato-fato: CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de direito civil, vol. I, Rio de Janeiro, GEN, 2009, p. 408; ARNOLDO WALD, Direito Civil: Introdução e Parte Geral São Paulo: Saraiva, 2009, p. 217; SILVIO RODRIGUES, Direito Civil: Parte Geral, Volume I, São Paulo, Saraiva, 2006, 158; SAN TIAGO DANTAS, Programa de Direito Civil, cit., p. 211. 39 Esta parece ser a posição de JOÃO BAPTISTA VILLELA, Do Fato ao Negócio, cit., p. 264, para q “ ó q q é çã çã ”. O : “P -se fazer ou não a doação de um bem, ainda ciente do mau uso que terá, emitir ou não disposições testamentárias, pactuar este ou aquele regime de bens no casamento etc., mas não se pode deixar de restituir a soma mutuada, de recolher os alugueres convencionados, de despachar um processo ou proferir uma sentença. Praticadas as ações, já no primeiro grupo de casos, negócios. No segundo, atos. Nos negócios pergunta-se pelo quod placet. Nos atos, pelo quod oportet”. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 25 A percepção do conjunto dessas circunstâncias auxilia a compreensão da disciplina aplicável aos atos não negociais e aos atos-fatos, e do âmbito de incidência do art. 185 do Código Civil. O dispositivo permite superar a discussão doutrinária, levada a cabo alhures, acerca da aplicação analógica das normas do negócio jurídico. No caso brasileiro, o Código Civil autoriza a utilização direta, no que couber, dos dispositivos pertinentes contidos em todo o Título II. A pertinência de tal utilização dependerá da função concreta que desempenha a atividade no âmbito da qual se situam os atos considerados. Por outro lado, o afastamento de qualquer relevância subjetiva para certos atos humanos, justificando a invocação dos atos-fatos, mostra-se útil, no direito brasileiro, não por peculiaridade ontológica da noção, importada do direito alienígena, mas tão somente nas hipóteses em que os efeitos atribuídos pelo legislador pátrio independam do comportamento do agente, como parece ser exemplo típico a conduta do incapaz que causa dano indenizável (art. 932, II, do Código Civil). 6. Negócio jurídico no Código Civil e seus três planos de análise: elementos de existência, requisitos de validade, fatores de eficácia O Código Civil, na esteira das codificações dos países de tradição romanogermânica, dedica ao negócio jurídico, significativamente, 80 artigos (arts. 104 a 184), que compõem o Título I do Livro III, do Código Civil. A doutrina separa a análise do negócio jurídico em três planos, de modo a verificar, em etapas sucessivas, os pressupostos de existência (plano de existência), os requisitos de validade (plano de validade) e as condições para produção de efeitos (plano de eficácia).40 Significa dizer que negócio há de ser, antes de mais nada, existente, ou seja, conter os pressupostos para o seu surgimento do mundo jurídico. 41 Em seguida, uma vez estabelecida a existência jurídica do negócio, examinam-se seus requisitos de validade, isto é, os atributos considerados essenciais, sem os A difusão dos três planos de análise do negócio jurídico no Brasil costuma ser atribuída sobretudo à obra de PONTES DE MIRANDA. A respeito, v. Tratado de direito privado, t. 4. Rio de Janeiro: Borsoi, 1970, pp. 6 e ss. 41 Explica ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO: “Q do acontece, no mundo real, aquilo que estava previsto na norma, esta cai sobre o fato, qualificando-o como jurídico; tem ele, então, existência í ” (Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, São Paulo, Saraiva, 2002, p. 23). 40 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 26 quais o negócio será considerado nulo ou se sujeitará à anulação.42 Se os dois primeiros planos forem superados pelo intérprete, ou seja, estabelecidas a existência e a validade do negócio, passa-se à última etapa, a saber, investiga-se se o negócio, plenamente válido, mostra-se apto à produção de efeitos jurídicos.43 Em resumo, pode-se afirmar que os elementos do negócio jurídico são as partes integrantes do ato, ao passo que os requisitos do negócio são as suas qualidades e os pressupostos são os fatos jurídicos que lhe são anteriores. Reputa-se, assim, existente o negócio que contém os seus elementos essenciais. Com efeito, faz-se alusão na doutrina a ao menos três espécies de elementos: a) elementos essenciais (essencialia negotti): são os elementos fundamentais para o ingresso do ato no mundo jurídico. Trata-se da vontade declarada, do objeto, da forma e da causa do negócio;44 b) naturais (naturalia negotti): são os elementos que, fixados supletivamente pela lei para o negócio, por isso mesmo, comporão o regulamento de interesses se não forem afastados pela autonomia privada.45 Pense-se, por exemplo, no lugar do pagamento, quando não convencionado (art. 327 do Código Civil).46 Não se confunde a invalidade com a simples ineficácia, conforme assevera EMILIO BETTI: “A invalidade é o tratamento que corresponde a uma carência intrínseca do negócio, no seu conteúdo preceptivo; a ineficácia, pelo contrário, apresenta-se como a resposta mais adequada a um impedimento do caráter extrínseco, que incida sobre o projetado regulamento de interesses, z çã ” (Teoria geral do negócio jurídico, cit., pp. 655-656). 43 Conforme explica CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, “ stricto sensu, é a recusa de efeitos quando, observados embora os requisitos legais, intercorre obstáculo extrínseco, que impede se complete o ciclo de perfeição do ato. Pode ser originária ou superveniente, conforme o fato impeditivo de produção de efeitos, seja simultâneo à constituição do ato ou ocorra ” (Instituições de direito civil, vol. I, cit., p. 539). 44 Segundo ANTÔNIO JUNQUEIRA DE AZEVEDO, os elementos essenciais podem ser gerais (subdividindo-se entre intrínsecos ou constitutivos – forma, objeto e circunstâncias negociais – e extrínsecos ou pressupostos – agente, lugar e tempo do negócio) ou, ainda, categoriais (referentes a determinados tipos negociais, sendo que os elementos categoriais inderrogáveis seriam espécies de essencialia negotii e os derrogáveis, de naturalia negotii) (Negócio jurídico, cit., p. 40). 45 Afirma ROBERTO DE RUGGIERO: “N ã [ ]q z típica do negócio, os que são conforme com a sua índole, os que o próprio ordenamento refere e exige, ainda quando as partes não os tenham incluído, como, por exemplo na venda, a garantia da evicção, pela qual responde qualquer vendedor. Permite-se, porém, às partes excluir ou modificar à vontade esse elemento, visto não ser requisito nem da existência, nem da validade ó ” (Instituições de direito civil, cit., p. 321). 46 Có C : “A . 327. E -se-á o pagamento no domicílio do devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da natureza da obrigação ou das 42 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 27 c) acidentais (accidentalia negotti): podem figurar no negócio desde que expressamente previstos pelas partes. São responsáveis por modificar apenas a eficácia do ato, constituindo, principalmente, as chamadas modalidades dos negócios: condição, termo e encargo.47 Embora a doutrina brasileira nem sempre o admita, a causa é elemento essencial do negócio jurídico, ao lado dos elementos subjetivo, objetivo e formal. Não se confunda causa com motivo, de natureza subjetiva ou psicológica. Do ponto de vista técnico, a causa consiste na mínima unidade de efeitos essenciais que caracteriza determinado negócio, sua função jurídica, diferenciando-o dos demais. Somente a identificação da causa pode determinar a qualificação contratual, a invalidade ou ineficácia de certas relações jurídicas para as quais o exame dos demais elementos mostra-se insuficiente. Bastaria lembrar os contratos, como a compra e venda de coisa futura e a empreitada, que se diferenciam exclusivamente em virtude da função ou causa que lhes é peculiar; ou a compra e venda de objeto lícito (uma arma, por exemplo), mas cuja invalidade decorre da ilicitude do objeto no contexto causal (a arma destinada à prática de certo crime).48 Existente o negócio jurídico, parte-se para a análise de sua validade, vale dizer, para a verificação do cumprimento dos requisitos negociais previstos pelo art. 104 do Código Civil. Trata-se das qualidades exigidas para os elementos essenciais: capacidade do agente que declara a vontade, licitude do objeto negocial e legalidade da forma escolhida para o ato (ou seja a sua correspondência à previsão ou não vedação legal). Superadas as duas primeiras etapas, a produção de efeitos pelo negócio jurídico depende ainda da análise de sua eficácia propriamente dita, que pode ser obstada pela aposição de cláusula acessória ao negócio jurídico. A hipótese, a circunstâncias. Parágrafo único. Designados dois ou mais lugares, cabe ao credor escolher entre ”. 47 Segundo ROBERTO DE RUGGIERO, “A ã q [ ] q ã z pela vontade das partes (visto o negócio ser suscetível disso) e que tendem a modificar o tipo abstrato na espécie concreta a que se dá vida. São em número infinito, mas há três que têm [...]: çã ” (Instituições de direito civil, cit., p. 321). 48 GUSTAVO TEPEDINO. A responsabilidade civil nos contratos de turismo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, pp. 254-255. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 28 que se costuma denominar modalidade do negócio, será objeto de capítulo específico. 7. Classificação dos negócios jurídicos Classificam-se usualmente os negócios jurídicos em diversas categorias, cuja identificação tem por escopo permitir ao intérprete a determinação de certos aspectos de sua disciplina legal. Uma primeira classificação divide os negócios jurídicos entre unilaterais, bilaterais ou plurilaterais, conforme o número de partes que deles participem.49 Vale notar que não se trata de classificação meramente quantitativa, mas também qualitativa, uma vez que o mesmo centro de interesses na relação negocial pode ser ocupado por inúmeros indivíduos e, ú “ ” q classificação.50 Contam-se, assim, a rigor não propriamente os sujeitos que tomam parte do negócio, mas o número de centro de interesses contrapostos, o que permite tanto cogitar de negócios unilaterais (como o testamento, reputado válido pela simples emissão de vontade do testador e antes que qualquer outra pessoa tome conhecimento de seu conteúdo, ou o ato de renúncia a um direito), quanto de negócios bilaterais (talvez a modalidade mais comum, como em um contrato simples de compra e venda) ou mesmo plurilaterais (pense-se em atos mais complexos, como o contrato de sociedade). Os negócios jurídicos reputam-se ainda típicos ou atípicos, conforme sua estrutura elementar tenha sido ou não prevista, junto à respectiva disciplina, pelo legislador. A doação e a empreitada constituem negócios jurídicos típicos, ORLANDO GOMES, Introdução ao direito civil, cit., p. 277. Assim observa PIETRO PERLINGIERI a respeito das relações jurídicas (inclusive aquelas de ): “ çã é q interesses. O sujeito é somente um elemento externo à relação jurídica porque externo à situação: é somente o titular, às vezes ocasional, de uma ou de ambas as situações que compõem a relação jurídica; de maneira que não é indispensável referir-se à noção de sujeito para individuar o núcleo da relação jurídica. O que é essencial é a ligação entre um interesse e um çã ” (O direito civil na legalidade constitucional, cit., p. 734). No mesmo sentido, ORLANDO GOMES: “ que constituem uma parte agem em bloco unificadas pelo mesmo interesse. Por isso, a relação jurídica constituída não se desdobra em tantas relações quantas sejam as pessoas componentes ” (Introdução ao direito civil, cit., p. 277). V., ainda, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: “ onceito exato de parte pode-se dizer direcional, e traduz o sentido da declaração de ” (Instituições de direito civil, vol. I, cit., p. 427). 49 50 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 29 uma vez que sua qualificação remete ao modelo legal desses contratos previsto pelo Código Civil. No que tange aos negócios atípicos, trata-se, não raro, de contratos complexos que combinam elementos de diversos tipos legais; ilustrativamente, o contrato celebrado entre um viajante a agência de turismo, a envolver serviços de transporte, hospedagem e diversos outros. Alude-se por z “ ó ” h ó q congregam elementos de diversos tipos legais – terminologia de todo criticável, vez que pressupõe a possibilidade de um meio termo entre a tipicidade e a atipicidade, o que, ao menos à luz da doutrina causalista, resultaria impossível. 51 Dizem-se gratuitos os negócios que envolvem sacrifício patrimonial de apenas uma das partes, ao passo que onerosos são os negócios que importam em diminuição patrimonial para ambas.52 Tal conceituação, amplamente difundida pela doutrina, exige certa cautela; de fato, não é propriamente o decréscimo patrimonial que caracteriza a onerosidade, pois pode acontecer que a equação econômica do negócio não pressuponha o sacrifício do patrimônio da parte onerada.53 Melhor, assim, compreender que será gratuito o negócio que importe a obtenção de vantagem por apenas uma das partes, reputando-se oneroso o negócio em que ambas as partes buscam obter vantagens patrimoniais.54 Conforme já se afirmou em outra sede, os negócios atípicos não se confundem com os contratos coligados, n çã “ ó ”: “O q z contrato atípico é precisamente sua autonomia causal em relação aos tipos contratuais prédispostos pelo legislador. Nos contratos coligados, ao contrário, malgrado a interdependência negocial que os vincula, normalmente com caráter de acessoriedade, cada qual mantém sua própria função técnico-jurídica. Já os chamados contratos mistos, a doutrina os caracteriza pela presença de elementos peculiares a dois tipos contratuais (com a predominância de um deles, de modo que se possa defini-lo ou classifica-lo em um ou outro tipo legal). A conceituação, contudo, parece suscetível de objeção evidente, ao menos para os fautores de doutrinas causalistas, já que a síntese dos efeitos essenciais fará de cada contrato – lógica e ontologicamente –, ou bem típicos ou simplesmente atípicos, esvaecendo o valor dessa categoria ” (GUSTAVO TEPEDINO, A responsabilidade civil nos contratos de turismo, cit., p. 258). 52 Cf., por exemplo, uma das definições citadas por ORLANDO GOMES: “N ó í é o que implica mútua transmissão de bens. Gratuito, o que se realiza com vantagem exclusiva çã ô ” (Introdução ao direito civil, cit., p. 311). 53 Registra ORLANDO GOMES que a busca de um nexo causal entre duas atribuições patrimoniais contrapostas acabaria por equiparar o negócio oneroso ao negócio bilateral sinalagmático, tornando inútil a primeira classificação (Introdução ao direito civil, cit., p. 312). 54 Assim, por exemplo, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: “É q uma vantagem econômica, à qual corresponde uma prestação correspectiva, e gratuito aquele no qual uma pessoa proporciona a outra um enriquecimento, sem contraprestação por parte do ” (Instituições de direito civil, vol. I, cit., p. 426). 51 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 30 São inter vivos os negócios cuja eficácia se inicia durante a vida dos negociantes, e causa mortis os que têm seus efeitos dependentes da morte de ao menos uma das partes, sendo o exemplo clássico deste último tipo o testamento.55 Consideram-se solenes ou formais os negócios que apresentam exigências de forma previstas em lei (tais como os negócios envolvendo imóveis cujo valor supere o piso estabelecido pelo art. 108 do Código Civil), 56 por oposição aos negócios não solenes ou consensuais, que têm forma livre. Faz-se alusão, ainda, aos negócios jurídicos puros e aos negócios com modalidades, conforme os negócios apresentem ou não os elementos acidentais do termo, da condição ou do encargo. 8. Atividade contratual sem negócio jurídico A despeito da prevalência, até os dias de hoje, da dogmática voluntarista, a evolução política e econômica da sociedade, desde o final do Século XIX, exigiu a interferência do Estado nas relações privadas, mitigando-se a força vinculante da vontade negocial. Especialmente diante de situações específicas de vulnerabilidade, arrefeceu-se a tutela concedida ao interesse individual em favor de outros interesses jurídicos socialmente protegidos. Por conta da eclosão de movimentos sociais, no Brasil e alhures, a intervenção nas atividades contratuais incidiu primeiramente nas relações laborais, tendo sido o direito do trabalho precursor do que se convencionou chamar de dirigismo contratual, destinado a proteger a parte mais desfavorecida – técnica e economicamente – do contrato de trabalho. O desconforto do direito privado clássico com a intervenção heteronímica57 na deliberação das partes levou à autonomia do direito do trabalho, afastando-se do direito civil tudo o que se considerava CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, Instituições de direito civil, vol. I, cit., p. 426. Có C : “A . 108. Nã ú é sencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente P í ”. 57 Sobre a referida intervenção heterônoma nos contratos, afirma STEFANO RODOTÀ que o contrato, embora decorrente da vontade das partes, uma vez formado, sujeita-se à intervenção h : “è h ispirano ciascuna a peculiari valutazioni: ma qui interessa rilevare soltanto che tutte convergono z ; q ‟ particolare ratio delle singole fonti non viene in questione, riguardando esclusivamente il modo é ” (Le fonti di integrazione del contrato, Giuffrè, Milano, 2004, p. 87). 55 56 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 31 destinado a reduzir o papel da vontade como fonte soberana de vínculos obrigacionais.58 Esse processo de intervenção legislativa, que muitos julgavam contingências momentâneas de crises econômicas, mostrou-se inevitável e irreversível, acirrando-se na primeira metade do Século XX como mecanismo de equilíbrio do mercado e do próprio regime capitalista. Nessa esteira, as locações também foram objeto de forte intervenção legislativa, com o intuito de gerir a escassez de imóveis e as crescentes demandas locatícias. Ao longo do tempo, tem-se tutelado de modo imperativo tanto o direito à moradia quanto o fundo de comércio, assegurando-se desde os anos 30 do Século passado a renovação do contrato de locação para fins comerciais (Decreto 24.150, de 20 de abril de 1934). O legislador interveio também intensamente na economia popular, combatendo os juros extorsivos, o curso de moeda estrangeira e assim por diante.59 O incremento da intervenção estatal, que se acirrou na Europa a partir da Segunda Grande Guerra, destinado à tutela de direitos fundamentais alcançados pela iniciativa econômica privada e que, no Brasil, culminou com a Constituição da República de 1988, acaba por colocar em crise a noção de autonomia privada e a teoria do negócio jurídico, incapazes de abranger a variedade de modelos e interesses mediante os quais a atividade privada se estabelece e é socialmente reconhecida. C : “C movimento teórico de sustentação do direito de trabalho com construções antiformalistas surgidas no final dos anos 60 do século passado, que se opunham aos princípios dogmáticos do direito privado, inflexíveis no assegurar a vontade do proprietário e do contratante. Em certa medida, o crescimento do direito do trabalho, na segunda metade do século XX, coincide com a legitimação política do Welfare State e se aproxima a formulações teóricas que, na tentativa de romperem com a lógica da igualdade formal, notabilizaram-se como o uso alternativo do direito. A afirmação de direitos subjetivos extraproprietários, capazes de vergar as forças hegemônicas e de fazer prevalecer direitos sociais, afigurava-se sediciosa, sendo significativa a alusão, por parte de conceituado teórico do direito francês, à criação de contradireitos” (GUSTAVO TEPEDINO, “D h : ” I G Tepedino et al. (coords.), Diálogos entre o direito civil e o direito do trabalho, São Paulo: RT, 2013, pp. 14-15). S ã “ ” -se MICHEL MIAILLE: “T políticas e sociais dos séculos XIX e XX se desenrolaram sob esta palavra de ordem; todas as leis liberais que foram, assim, arrancadas à ordem burguesa se justificam pelos direitos subjetivos, do direito à instrução ao direito de defesa, passando pelo direito de associação. Neste sentido, como toda a ideologia de combate, a afirmação dos direitos subjetivos faz parte de uma luta viva, z [...] É „ ‟” (Uma introducao critica ao direito, Lisboa: Moraes, 1919, p. 143‑144). 59 Cfr., dentre outras normas, o Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933; Lei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951. 58 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 32 Anotem-se, nesse longo itinerário histórico, ao menos duas relevantes consequências para a teoria dos contratos. De um lado, o aparecimento de princípios mitigadores da obrigatoriedade e da relatividade dos pactos, notadamente a boa-fé objetiva, o equilíbrio econômico e a função social, que desde o início do Século XX foram incorporados gradualmente às legislações nacionais, dando margem ao surgimento de numerosos instrumentos de controle da justiça contratual (como a lesão, a revisão e a resolução por excessiva onerosidade, o adimplemento substancial, a vinculação a deveres anexos, o dever de mitigar danos, a proibição de comportamento contraditório, o abuso de direito). Essas e tantas outras figuras, na experiência brasileira, foram absorvidas pela doutrina, legislação e jurisprudência somente no final do Século XX, especialmente a partir da Constituição da República de 1988 e do Código de Defesa do Consumidor, de 1990. De outra parte, como espécie de válvula de escape para o rigor técnico imposto pelo excessivo controle de validade dos negócios jurídicos, desenvolveu-se, a partir do final da primeira metade do Século XX, a teoria das relações contratuais de fato, a qual, ao confrontar a realidade jurídica à realidade fática, teve o mérito de alargar a admissibilidade, pelo direito, de relações admitidas socialmente embora sem a proteção conferida pelo Direito ao negócio. De maneira geral, os países da família romano-germânica que adotam, de forma direta ou indireta, a doutrina do negócio jurídico, encontram dificuldade semelhante: o excessivo controle de validade do negócio acaba por excluir de seu espectro de incidência certas atividades que, em sua substância, despidas do aparato negocial, são admitidas como socialmente úteis e legítimas pelo corpo social. Diante do contraste entre a legitimidade da atividade desenvolvida e a invalidação do ato negocial que a constitui, autores de renome sustentaram a preservação dos efeitos de tais atos a despeito de sua invalidade. No início do Século XX, Haupt construiu teoria pioneira nesta direção. 60 Com resultados semelhantes, Larenz produziu trabalho importantíssimo no qual concebeu a categoria dos comportamentos socialmente típicos.61 De outra parte, na GÜNTHER HAUPT, Über faktische Vertragsverhältnisse, 1941. KARL LARENZ, O estabelecimento de relações obrigacionais por meio de comportamento social típico (1956), in Revista Direito GV, vol. 2, n. 1, jan-jun/2006. 60 61 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 33 doutrina italiana, Ascarelli62 e inúmeros outros conceituados autores desenvolveram, em diversos campos da autonomia privada, o que seria a teoria das relações jurídicas de fato, a qual atingiu o seu apogeu nos anos 60 e 70, com o seu reconhecimento pela Corte Suprema Alemã – BGH (Bundesgerichtshof).63 Paradoxalmente, o principal motor da teoria do comportamento socialmente típico, consubstanciado na crítica à exasperação da vontade negocial como fonte primordial das obrigações, transformou-se em sua maior vulnerabilidade. Associada ao processo histórico de crítica ao poder impositivo das forças econômicas nos regulamentos contratuais, no âmbito da massificação da economia e do fortalecimento dos mercados consumidores, a teoria do comportamento típico passa a ser admitida a prescindir do elemento volitivo. Buscava-se proteger a vontade do vulnerável, estigmatizando-se o poder da vontade como inevitável imposição das forças econômicos na celebração dos negócios jurídicos. Em última análise, da crítica ao voluntarismo opressor decorreu a hostilidade à vontade e a rejeição de seu papel como motor da livre iniciativa. Tal perspectiva não resistiria à retomada dos movimentos liberais que, ao lado do declínio do Welfare State, acabaram por sepultar a doutrina do comportamento socialmente típico. Com efeito, a partir dos anos 70 do Século passado, assistiu-se, tanto na Alemanha quanto na Itália e em Portugal, à progressiva substituição dessa Ao propósito, a obra de TULLIO ASCARELLI mostra-se particularmente importante. Cfr. Lezioni di diritto commerciale - Introduzione,1955, Milano, Giuffrè, pp. 102 a 108, onde se lê: “L‟ è z singoli atti, singolarmente considerati. Indipendentemente dalla disciplina dei singoli atti può essere illecito (o sottopo ) ‟ z ‟ ” ( . 103). S v. também o verbete fundamental de Giuseppe Auletta (Attività (dir. priv.), in Enciclopedia del diritto . III M G è 1958 . 982) q “q me di atti di diritto z ”. 63 Na doutrina italiana, CARLO ANGELICI analisa o caso julgado em 28 de Janeiro de 1976 pelo Bundesgerichtshof em que uma criança se acidentou no supermercado enquanto a mãe comprava, e estava pagando no caixa. Discutiu-se se a responsabilidade era contratual ou extracontratual e se haveria responsabilidade pré-contratual. Exclui-se a responsabilidade préconratual já que a autora, sendo criança, não efetuaria compra alguma, ou seja, não teria nada a comprar, o que a impediria de intentar a ação contra o supermercado (Responsabilità precontrattuale e protezioine dei terzi in uma recente sentenza del Bundesgerichtshof, in Rivista del diritto commerciale e del diritto generale delle obbligazioni, I, ano LXXV, 1977, pp. 23-30). Segundo observa o autor, o dever de boa-fé serve de fundamento para a relação de proteção em face de terceiros, aplicando-se a teoria designada como Vertrag mit Schutzwirkung sugunsten Dritter, de modo a proteger terceiros alcancados pela atividade contratual q q í : “ Bundesgerischtshof accentua il profilo del rapporto di protezione che deve intercorrere tra il contraente ed il terzo danneggiato e riconduce z ‟ ” ( . 25). 62 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 34 construção por uma ampliação da categoria do negócio jurídico, cuja abrangência o tornaria apto a compreender numerosas atividades socialmente típicas, ora mediante a invocação de vontade presumida dos seus agentes (a ampliar o conceito de negócio jurídico), ora por meio da ratificação de atos inválidos, ora mediante a mera admissão de efeitos patrimoniais ressarcitórios decorrentes de negócios inválidos – cuja fonte, portanto, seria o ato ilícito, não já o contrato. Do ponto de vista dogmático, não parece convincente a legitimação de efeitos obrigacionais com base na técnica da vontade presumida ou, por outro lado, como mera liquidação de danos. Basta lembrar a hipótese do incapaz que compra e vende artigos de suas necessidades pessoais, faz-se transportar e assim por diante. Não seria razoável admitir como válidos tais negócios com fundamento em suposta vontade presumida de seus responsáveis, já que, por vez, as atividades desenvolvidas são levadas a cabo contra a vontade expressa de quem deveria autorizá-las. Também em outras hipóteses de atividades desenvolvidas por pessoas capazes, mostra-se insustentável cogitar-se de vontade presumida pelo simples fato de que o agente se recusa a celebrar o negócio. E tampouco se sustentaria a explicação circunscrita à liquidação de danos quando se pensa na execução específica de certos contratos fundados em negócio nulo, na esteira de tendência progressiva do direito obrigacional. Daí ser plausível a suspeita de que a rejeição à doutrina do comportamento social típico se associe mais ao contexto histórico e ideológico em que se insere do que aos seus fundamentos teóricos. Por ter sido germinada em oposição à Teoria do Negócio Jurídico, aquela doutrina acabou sendo desenvolvida como construção crítica ao papel da vontade na teoria contratual, associando-se a orientações que, por diversos matizes, enalteceram, ao longo do Século XX, o papel do Estado intervencionista, seja em regimes autoritários de diversos países, seja no dirigismo contratual.64 Bastaria, para comprovar tal percepção, a crítica de DIETER MEDICUS à expressão “ í ” (Il ruolo centrale delle disposizioni relative al negozio giuridico, in I Cento anni del codice civile tedesco in Germania e nella cultura giuridica italiana – Atti del convegno di Ferrara, 26-28 settembre 1996, Padova, Cedam, 2002, pp. 155 a 176). O autor critica (p.165) especialmente a decisão da Corte alemã (sentenza de 1966, Landgericht di Brema, in NJW 1966, p. 2360) que obrigou o pagamento de bilhete de trem em face de um menino de 8 anos que havia realizado o trajeto, imputando-lhe também a multa. Invoca o festejadíssimo Flume (civilista liberal que se transformou em uma lenda viva na 64 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 35 As duas últimas décadas do Século passado, por outro lado, coincidem, em diversos países europeus e da América Latina, com a densificação do neoliberalismo e, especificamente na esfera jurídica, com a retomada entusiasmada do prestígio da autonomia privada, reduzindo-se, em diversos setores – mercado de locação, relações de trabalho, setores da economia privatizados – o grau de intervenção do Estado, que adquire feição regulamentar, com suas agências e instrumentos que enaltecem o papel da livre contratação, ainda que sob rígido controle do Estado. A Europa, neste particular, diferencia-se da América Latina, onde, talvez pelas contradições sociais ainda muito evidentes, e por não se terem alcançado níveis médios satisfatórios na promoção dos direitos sociais, é compreensível que se propugne por um grau de intervenção e de promoção de políticas públicas maior, capaz de favorecer a distribuição de rendas e diminuir a desigualdade social. Tal diferença, superficialmente percebida, explica, em certa medida, intensificação mais visível, na doutrina europeia, da retomada do papel da vontade nas atividades privadas. A preocupação com a preservação da vontade como elemento relevante da iniciativa privada, associada à reação liberal ao dirigismo contratual, mostram-se eloquentes para a compreensão do alargamento das doutrinas do negócio jurídico e da rejeição da doutrina do comportamento social típico. Entretanto, a análise dos comportamentos socialmente típicos, especialmente na perspectiva ascarelliana de atividade contratual sem negócio, não renega o papel da vontade, limitando-se a considerar secundária, para determinadas atividades socialmente típicas, a vontade negocial, ou seja, a existência de negócio jurídico que inaugure a atividade já existente de fato. Considerando-se a insuficiência do negócio jurídico – e da vontade presumida – para justificar a Alemanha, por sua posição de resistência ao regime nazista, quando se exonerou da Cátedra), que reduz a construção à retroatividade de efeitos para relações obrigacionais inválidas. Afirma . 166: “I „ ‟h periodo in cui era stata ad essi data esecuzione, contratti di lavoro subordinato e contratti di società conclusi sulla base di (…). I h ‟ ‟ ex tunc (Rücktritt), con una causa di scioglimento del rapporto non pienamente retroattiva, assimilabile al recesso operante ex nunc (Kündigung)”. E : “I conclusione, si può dire che, nel complesso, il diritto classico dei contratti, imperniato sulla volontà negoziale, ha saputo difendersi dagli attacchi che gli sono stati portati: i tentativi operati q q h F h „giurisprudenza della corsa in tram‟ (Jurisprudenz der Straßenbahnfahrt)”. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 36 presença de atividades admitidas pelo grupo social, que produzem efeitos jurídicos carecedores de qualificação, ainda que desprovidas de negócio fundante, torna-se oportuno revisitar a doutrina dos comportamentos socialmente típicos. Do ponto de vista metodológico, a atividade contratual sem negócio exige qualificação da concreta relação jurídica a partir da sucessão de atos funcionalmente interligados, sem prévia tipificação e reconhecimento jurídico do negócio. Corrobora-se o ocaso da subsunção, como técnica hermenêutica a reclamar premissa legal abstrata, correspondente a suporte negocial determinado, em favor da verificação em concreto da disciplina aplicável ao conjunto de atos de natureza diversa. Amplia-se, dessa forma, o controle da atividade privada, permitindo-se proteger efeitos socialmente relevantes decorrentes de negócios nulos ou inexistentes, sem que a presença de negócio válido seja um pressuposto para a tutela jurídica. O que se pretende propor, para a reflexão contemporânea, é a necessidade de se reler a doutrina dos comportamentos socialmente típicos, a partir, não já do afastamento do elemento volitivo como motor da livre iniciativa, mas da distinção entre a vontade negocial e a vontade contratual. O negócio jurídico mantém-se vinculado ao controle estabelecido pelo Código Civil. Ao seu lado, contudo, uma série de atividades socialmente típicas, decorrentes de atos não negociais, é valorada positivamente e a ordem jurídica reconhece, como jurígenos, seus efeitos. Enquanto no negócio jurídico a declaração de vontade hígida é um prius para a sua validade (elemento essencial), nas atividades socialmente típicas a vontade suscita verificação in posterius, a partir dos efeitos por elas produzidos, independentemente de declaração destinada à instauração do vínculo, conferindo-se juridicidade a situações jurídicas que, de outra forma, não poderiam ser admitidas. A rigor, a admissão da relação contratual sem negócio permite atribuir juridicidade a efeitos socialmente reconhecidos, a partir de qualificação a posteriori da função da atividade realizada, estabelecendo-se, dessa forma, controle de merecimento de tutela, à luz da legalidade constitucional, acerca de atos praticados sem negócio jurídico de instauração (mas que, nem por isso, podem ser considerados fora da lei), cuja eficácia, de ordinário, é mais restrita do que a gama de efeitos almejados pelo negócio. Basta lembrar as hipóteses do Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 37 funcionário público cujo acesso à carreira não se deu por concurso público;65 ou do vínculo empregatício do apontador de jogo do bicho;66 ou do policial militar em empresa de segurança privada, a despeito de vedação legal expressa; 67 ou do menor que adquire, por si mesmo, produtos ou serviços; ou ainda o exemplo dos sócios de sociedade irregular ou da pessoa que integra modalidade de família inadmitida pelo direito.68 Em todos esses casos, a invalidade dos negócios não exclui a admissibilidade, para certos fins, de eficácia jurídica à atividade desenvolvida. E somente graças a artificialismo retórico se poderia afirmar que se pretendeu, em tais hipóteses, celebrar ou extinguir uma série de negócios, alçando-se o mesmo efeito rejeitado ora pela vontade expressa do declarante, ora pela lei. Torna-se, assim, incongruente, nesses casos, falar-se em negócio jurídico, cuja admissão colidiria com matéria de ordem pública, que pauta a teoria das capacidades, das formas ad substantiam e da licitude dos bens passíveis de circulação. A . E º 363 Sú TST: “C . Efeitos (nova redação) Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos ó FGTS”. 66 A respeito, v. a O.J. nº 199 da SDI-1: “J h .C h .N .O ilícito (título alterado e inserido dispositivo) - DEJT divulgado em 16, 17 e 18.11.2010. É nulo o contrato de trabalho celebrado para o desempenho de atividade inerente à prática do jogo do bicho, ante a ilicitude de seu objeto, o que subtrai o requisito de validade para a formação do ato í ”. 67 A hipótese é disciplinada pelo art. 22 do Decreto.º 667/1969: “A . 22. A Polícias Militares, em serviço ativo, é vedado fazer parte de firmas comerciais de empresas industriais de qualque z çã ”. 68 Em interessante precedente, o Superior Tribunal de Justiça, baseado no princípio da monogamia (compreendido pela Egrégia Corte como essencial ao regime das famílias no ordenamento brasileiro), decidiu, ao analisar pretensões sucessórias das partes, pela impossibilidade de reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas do de cuius – que, após se divorciar, manteve união estável com a própria ex-esposa, bem como com segunda mulher. In casu, foi privilegiada a união estável com a companheira com a qual não foi casado, em detrimento da união com a ex-esposa (iniciada após o divórcio), reputada concubinato diante da pré-existência da outra união (STJ, REsp. 1.157.273, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 18.5.2010). 65 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 38 O CORPO DO REGISTRO NO REGISTRO DO CORPO; MUDANÇA DE NOME E SEXO SEM CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO Luiz Edson Fachin69 Resumo: Os direitos de personalidade se apresentam como essenciais para o paradigma do Estado Democrático de Direito. Dentre eles, o direito ao nome e o direito ao próprio corpo assumem importante papel na criação da identidade do ser humano e em sua autodeterminação. Na temática das pessoas transexuais, a garantia do livre exercício do direito ao nome e ao corpo se torna ainda mais fulcral. Cada vez mais a jurisprudência vem admitindo a possibilidade de alteração de prenome e sexo no registro civil de transexuais após a cirurgia de transgenitalização. Quando não há a cirurgia, contudo, a jurisprudência torna a não permitir a alteração. Considerando-se que a categoria de gênero ultrapassa a ideia de sexo biológico, e levando-se em conta o princípio da dignidade da pessoa humana, torna-se essencial a defesa da possibilidade de alteração do registro civil mesmo sem a cirurgia de redesignação sexual, como forma de garantia da dignidade. Palavras-chave: Direito ao nome; direito ao corpo; dignidade da pessoa humana; identidade de gênero; transexuais; cirurgia de transgenitalização. Abstract: Personality rights are presented as essential to the paradigm of the Democratic State of Right. Among them, the right to a name and the right to own body play an important function in creating the identity of human beings and their self-determination. In the theme of the transgender people, the guarantee to free exercise of the right to the name and the body becomes even more crucial. Incrisingly, the jurisprudence has acknowledged the possibility of change of the first name and sex in the civil registry of the transgender person y. Wh h ‟ h y however, the Professor Titular de Direito Civil na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. Pós-Doutor. Pesquisador convidado do Instituto Max Planck, de Hamburg (DE). Professor V K ‟ C L . A ; r agradece a percuciente pesquisa acadêmica sobre o tema de Mauricio Wosniaki Serenato. 69 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 39 jurisprudence returns to not allow de changing. Considering that the gender category beyond the idea of biological sex, and taking into account the principle of human dignity, it is essential defense the possibility of changing in the civil registry, even without reassignment surgery, as a way to guarantee the dignity. Key-words: Right to a name; right to the body, human being dignity; gender identity; transgender; reassignment surgery Sumário: 1. Introdução – 2. Direitos da Personalidade em passant – 2.1 Direito fundamental ao nome – 2.2 Direito fundamental ao corpo – 3. Transexualidade – 3.1 O Direito à mudança de nome e sexo no Registro Civil – 3.2 O direito à mudança de nome e sexo sem a cirurgia de redesignação sexual – 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4275 – 5. Conclusões. 1. Introdução Há íngremes desafios nas relações sociais contemporâneas; ao Direito Civil brasileiro prospectivo, à luz da dimensão substancial da constitucionalização dos direitos, impende arrostar as questões que demandam novas respostas, em homenagem ao Direito, à segurança jurídica material e à liberdade. Uma hermenêutica de respeito à sociedade plural70 se impõe. A autodeterminação das pessoas configura-se como elemento fundamental para a garantia de qualidade de vida. Autodeterminar-se não significa agir irresponsavelmente, mas sim, exercer as liberdades pessoais do modo mais amplo possível, seja produzindo escolhas, seja criando uma identidade própria ou mesmo tomando decisões quanto ao próprio corpo. Essas temáticas todas serão tratadas no decorrer desse artigo, cujas reflexões principiam elementos para embrenhar-se, mais adiante, nesse debate, e intentam contribuir nessa vereda. Exemplo lúcido dessa perspectiva encontra assento na importante obra Código Civil Interpretação conforme a Constituição da República: “(...) N , portanto, í çã E ã í ” (In: TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; BODIN DE MORAES, Maria Celina. Vol. IV. Rio de Janeiro : Renovar, 2014. p. 4). 70 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 40 Principiemos pela instalação do tema, pretendendo guiar-se pela sensibilidade que tal horizonte suscita, sem negligenciar do mandatório baldrame da dogmática jurídica. Justiça é conceito que em sua concretude não se aparta da segurança jurídica. A questão posta à controvérsia beneplacita tema central na vida do Direito, qual seja, o da identidade. A identidade pessoal, isto é, o direito ao ser, bem como o direito ao corpo, se encapsulam como direitos de personalidade. A identidade, em termos gerais e na cronologia da biografia jurídica do sujeito, tem como função a individualização e a identificação da pessoa na sociedade71, de modo que o nome ganha especial relevo na construção identitária. Mesmo diante da importância que o nome assume, a identidade vai além da mera nomeação, encontrando eco nas experiências sociais, culturais, políticas e ideológicas das quais a pessoa toma parte. Identidade, portanto, parte do pressuposto de como o indivíduo se reconhece e como é reconhecido pela sociedade, e esse reconhecimento é muito mais complexo que os rótulos simplistas que costumam se apresentar no campo das relações sociais. Tal reconhecimento logo se deu no Direito Civil com os apelidos, no sentido menos técnicos da palavra, ou alcunhas. Ao mesmo tempo, o direito ao corpo é também prerrogativa da personalidade, na medida em que não é apenas a exteriorização da essência humana, pelo contrário, é também parte integrante dela. Nele se apresentam, no palco da existência, o ser e o estar. A transexualidade tem o condão de relacionar de modo imbricado o direito à identidade com o direito ao corpo, de modo que a efetividade do direito à identidade só é possível com o livre exercício do direito ao corpo. A relação de transgêneros72 com seu corpo é essencial para a constituição de sua identidade, isto é, na forma em que se reconhecem e são distinguidos. Nesse sentido, portanto, o direito ao corpo como formador de identidade deve ser exercido em liberdade, por parte do transexual, de modo que a há que se questionar a CHOERI, Raul Cleber da Silva. O direito à identidade na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 226. 72 Existe discussão científica acerca de diferenciação entre transexuais, travestis e transgêneros. Neste trabalho, adotar-se-á, apenas para este fim, a corrente que trata as expressões como unívocas. 71 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 41 essencialidade da cirurgia de redesignação sexual para a mudança de nome civil e de sexo. O presente trabalho, portanto, procurará explorar essa temática, ciente de que não sustentará verdades absolutas ou dogmas. De início serão explorados os pressupostos dos direitos da personalidade, em especial atenção ao direito fundamental ao nome e ao corpo como conformadores de um direito à identidade; aqui será apenas uma retomada sucinta de conceitos já espraiados na teoria jurídica, a fim de sistematizá-los. Em seguida, procurar-se-á perscrutar as novas concepções acerca da transexualidade e os debates jurídicos que se aderem à temática, como o direito à mudança de nome civil e sexo. Neste ponto entrará o questionamento fundamental da necessidade da cirurgia de redesignação sexual como pressuposto para a alteração de nome e sexo no registro civil. Além da análise doutrinária da área jurídica e das modernas teorias de gênero e sexualidade, será esquadrinhada a jurisprudência pátria concernente ao assunto, bem como a proposta de ADI impetrada pelo Ministério Público Federal que procura justamente afastar o requisito da cirurgia. Em suma, para arrematar esta nota introdutória: parece-nos, que a busca da felicidade não pode ser barrada por preconceitos. Aqui não se subscreve, nem de longe, o desvario individualista do consumo de tudo e a própria reificação do ser. Dignidade e responsabilidade se conjugam com a liberdade. O coevo trabalho, portanto, arreia a felicidade dos transexuais à sua realização pessoal no que tange a suas identidades e corpos, de modo que nas páginas no decorrer deste artigo se elucidará essa relação fundamental. É no respeito que se funda este caminhar. 2. Direitos da Personalidade en passant A fim de prosseguir, cumpre, por ora, apenas de forma sumário, reincorporar aqui conceitos e elementos já debatidos, úteis ao desenvolvimento da temática em exame. Os direitos da personalidade, como se sabe, surgem em sua dimensão substancial como corolários daquilo que se denominou Estado Democrático de Direito. Com base teórica jusnaturalista, os direitos da personalidade se Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 42 estruturam a partir da ideia de essencialidade e inerência à própria condição humana. Logo após a Segunda Guerra Mundial, procurou-se proteger o indivíduo contra os arbítrios provenientes do Estado, entrelaçando os direitos da personalidade à ideia de dignidade da pessoa humana, e os alçando à proteção constitucional e internacional. Anderson Schreiber bem versa sobre os “ h q proteção no campo das relações privadas, ou seja, na interação entre particulares, sem embargo de encontrarem também fundamento constitucional çã .”73 Os direitos da personalidade, portanto, dizem respeito aos mais essencial do sujeito e seus prolongamentos ou projeções, de maneira que merecem especial atenção do ordenamento jurídico, e, não por acaso, encontram eco na Constituição Federal. Na definição de Euclides de Oliveira, “ -se por personalidade o conjunto de caracteres físicos, psíquicos e morais que compõem o ser humano. Daí decorrem os direitos concernentes à h q ã çõ .” 74 Desta definição já se percebe a amplitude dessa categoria de direitos, ao mesmo tempo em que se dá conta de sua essencialidade. Nesta senda, para a análise que se pretende fazer no presente trabalho, uma reflexão mais detida acerca do direito ao nome e do direito ao corpo será feita, de modo a conformar uma ideia de direito à identidade. É o que segue. 2.1. Direito fundamental ao nome O direito ao nome é um dos direitos de personalidade positivados no Código Civil de 2002. Exerce função essencial na individualização do sujeito e em seu reconhecimento, de modo que recebe ampla proteção jurídica. Versando sobre a temática do nome, José Roberto Neves Amorim apresenta uma definição para o instituto: A melhor doutrina atribui ao nome a natureza jurídica de direito de personalidade, na medida em que, como sinal verbal ou mesmo marca do indivíduo, o identifica dentro da sociedade e da própria família e é SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 13 OLIVEIRA, Euclides de. Direito ao nome. In: DELGADO, M. L; ALVES, J. F. Questões controvertidas no novo Código Civil, Vol. 2. São Paulo: Método, 2004. 73 74 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 43 capaz de ser tutelado erga omnes. A lei assegura o direito ao nome, assim como seu registro em local adequado, obedecidas as formalidades, criando a particularização da pessoa, no mundo jurídico. Ele faz, pois, parte integrante da personalidade.75 Sendo um direito da personalidade, a doutrina apresenta características inerentes ao direito ao nome, pelo que se segue a classificação feita por José Roberto Neves Amorim76, entre as quais se podem citar a obrigatoriedade, a indisponibilidade, a exclusividade, a imprescritibilidade, a inalienabilidade, a não-cessibilidade, a extracomercialidade, a inexpropriabilidade, a intransmissibilidade , a irrenunciabilidade e a imutabilidade, neste caso, relativa. Sem adentrar a esse âmago, impende singelo rememorar de tais atributos. A obrigatoriedade diz respeito, como sugere o qualificação, a obrigação de se ter um nome e de registrá-lo oficialmente perante Cartório de Registro Civil. Também se entende a obrigatoriedade como a obrigação de usar o nome, sem embargo de eventuais alcunhas. A indisponibilidade, por sua vez, diz respeito a incapacidade de dispor do nome, aqui se tendo disposição em uma acepção ampla, como o poder de determinar o destino do direito subjetivo. A exclusividade se baseia na ideia do nome pertencer a uma única pessoa. Por evidente que se admite a existência de homônimos, de modo que a exclusividade resta relativizada, sob tais limites e sentidos. A imprescritibilidade se refere ao fato de o titular desse direito da personalidade jamais perder o direito ao nome por ação ou inação. A inalienabilidade, por seu turno, abrange a ideia que o nome, pelo menos da pessoa física, não pode ser alienado, trocado por dinheiro, ou por qualquer outro mecanismo. De forma semelhante, a característica de incessibilidade aduz que o nome não pode ser cedido, visto que impossibilitaria de exercer a individualização que é sua função primordial. Ainda nesse sentido, a extracomercialidade indica que o nome não é comerciável, sendo essa característica corolário da incessibilidade e da inalienabilidade. O nome é também inexpropriável. Embora o termo ensaie a equivocada ideia de que seria o direito ao nome um direito patrimonial, a essência dessa característica é, em 75 8. 76 AMORIM, José Roberto Neves. Direito ao nome da pessoa física. São Paulo: Saraiva, 2003, p. Ibidem. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 44 verdade, proteger o nome do indivíduo contra sua mudança arbitrária, ainda que por parte do Estado em alegado interesse público. Também é intransmissível; não pode ser transferido, justamente porque, sendo um direito da personalidade, deriva da ideia de inerência ao ser humano, como outrora apontado. Ainda, há que se ponderar a irrenunciabilidade: o titular do nome não pode dele renunciar, em função da própria de ideia de indisponibilidade sobre os direitos da personalidade. Por fim, entretanto não menos importante, há a imutabilidade, que, em verdade, é predicado de máximo interesse para a presente análise. A imutabilidade, a rigor, é mesmo relativa, como se reconhece em doutrina, pois “ é consideradas as exceções legais, retirando-se o caráter absoluto desse princípio.”77 Muito mais que uma limitação por meio de critérios hermenêuticos, a imutabilidade do nome já se encontra relativizada na própria legislação, haja vista o próprio Código Civil, na matéria de direito de família, ou ainda a Lei de Registros Públicos, que prevê possibilidade de mudança de nome nas hipóteses de prenome ridículo, ou de integração de apelido notório, por exemplo. A grande ingente questão que se coloca, portanto, é o fato do nome ser elemento constitutivo de magna importância para a formação da identidade pessoal. Isso significa dizer que ao ser individualizado por um nome, a pessoa deve se sentir confortável em relação a isso, e, a nomenclatura deve refletir a forma como a pessoa se sente sobre si mesma e como é reconhecida pela comunidade. Direito fundamental ao nome, dessa forma, deve levar em conta não apenas a existência de um nome em si, mas a sua função social na criação da identidade do ser humano. Cada vez mais se admite, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a possibilidade de alteração do registro civil no caso de transexuais. O tema será mais bem versado adiante, contudo, a título de se dar concretude ao argumento supra, a mudança de nome no caso de transexuais é vital para a configuração de uma identidade que, de fato, represente o imo do indivíduo. Negar essa possibilidade ao transexual é violar um direito fundamental, visto que o nome, 77 Idem, p. 38. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 45 conforme já defendido, não se resume a uma nomenclatura, apresenta uma função social importantíssima na construção identitária do ser humano e mesmo em sua qualidade de vida. Nesse sentido, comunga-se com a teorização de Patrícia Corrêa Sanches: Isso porque uma pessoa com aspecto representativo social do gênero feminino e que contenha documento de identificação com prenome masculino sofre enorme constrangimento em suas relações sociais, haja vista o nome não corresponder à identidade da pessoa, assim como a própria sociedade passa a não conseguir êxito na identificação do sujeito.78 Sendo um direito fundamental de tamanha importância, é impensável que o nome possa trazer sofrimento à pessoa. Se assim se sucede, por evidente, que tal direito não cumpre função e é incoerente com a sistemática constitucional vigente a impossibilidade a alteração do prenome. Adiante haverá maior aprofundamento nesta temática. 2.2. Direito fundamental ao corpo O ordenamento jurídico brasileiro consagra o princípio da autonomia privada em vários campos do direito privado, desde a autonomia para contratar, até a autonomia sobre a própria vida. É dentro desse contexto de autonomia e liberdade que se insere a discussão do direito ao corpo. Por certo que a tutela jurídica que se destina a autonomia privada no campo dos contratos em muito diverge da autonomia privada que se traduz no campo dos direitos da personalidade. No entanto, cabe resgatar a nova concepção de autonomia privada, que ultrapassou um modelo altamente liberal de autonomia da vontade, para encontrar dentro do âmbito do ordenamento limites e restrições. Isso significa dizer que se assegura aos indivíduos ampla margem de liberdade, contudo, restrita a uma ideia de funcionalização do direito e, igualmente, dos parâmetros constitucionais de proteção à dignidade humana. Na ambiência do direito ao corpo, portanto, o paradigma da autonomia privada deve ser analisada em sua essencialidade, isto é, respeitando-se a liberdade que se deve SANCHES, Patrícia Corrêa. Mudança de nome e da identidade de gênero. In: DIAS, M. B. (Coord.). Diversidade sexual e Direito Homoafetivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 426-427. 78 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 46 conferir ao indivíduos, ao mesmo tempo em que se emprega atenção, e no caso do direito ao corpo, especial atenção, aos limites provenientes do ordenamento jurídico. Os limites de que tratamos são os limites do ordenamento, vale dizer, campo e o horizonte das limitações decorrem objetivamente da racionalidade sistemática do Direito, logo não se confundem com limites de cunho moral e religioso. Pleno há de ser, por certo, a liberdade de crença e de vivenciar a respectiva religiosidade numa sociedade democrática e plural; por igual, pleno há de ser, no espaço social regulado pelo Estado democrático, o respeito à diversidade. Nesse sentido, Anderson Schreiber apresenta uma elucidativa síntese: O tratamento jurídico reservado ao corpo humano sofreu, ao longo da história, profunda influência do pensamento religioso. Visto, por muitos séculos, como uma dádiva divina, o corpo humano era considerado como merecedor de uma proteção superior aos desígnios individuais. O pensamento moderno rompeu com essa perspectiva, recolocando gradativamente a integridade corporal no campo da autonomia do sujeito. Nesse sentido, passou„ ó ‟ ã q z q rpo deve atender à realização da própria pessoa, e não aos interesses de qualquer entidade abstrata, como a Igreja, a família ou o Estado.79 Tal como na discussão do direito ao nome, portanto, o corpo também cumpre uma função social importante na conformação de uma identidade do sujeito e mesmo de sua própria felicidade. Incontestável que no mundo contemporâneo há uma supervalorização da estética, e, por conseguinte, do corpo humano, de modo que constitui elemento relevante na qualidade de vida dos indivíduos. Sem embargo da proteção jurídica que deve se destinar ao corpo, é fulcral que seja garantido ao sujeito a autodeterminação sobre si mesmo, não sendo lícito que a guarida que se procure dar a esse direito de personalidade configure restrição desmedida e arbitrária da liberdade de dispor sobre a . “A çã h çã ú .”80 O direito ao corpo encontra-se positivado no artigo 13 do Código Civil de 2002; ali, se proíbe a disposição sobre o corpo quando importar em SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. Op. cit., p. 32. CORRÊA, Adriana Espíndola. Consentimento livre e esclarecido: o corpo objeto de relações jurídicas. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 77. 79 80 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 47 diminuição permanente da integridade física ou contrariar os bons costumes, salvo por exigência médica. A dicção da lei quando analisada sob exegese literal lógico-dedutiva importaria em se proibir cirurgias de natureza meramente estética, ou mesmo aplicações de tatuagens ou piercings no corpo humano. Entende-se que o objetivo do legislador era vedar atos de violência contra o próprio corpo, sendo outro o campo da liberdade e da autodeterminação oriundas da autonomia corporal. Atente-se ainda para o relevante vocábulo “ ” í q para as mais infundadas restrições. No caso que pretende se analisar, ou seja, a transexualidade, o artigo 13 poderia, ser, como já foi, utilizado para barrar a disposição dos transexuais ao seu próprio corpo e a formação de sua identidade e dignidade, na medida em que se veda(va) a possibilidade de realização de cirurgia para redesignação de sexo. Atualmente, tendo em vista que a transexualidade ainda vem sendo considerada no rol de doenças psíquicas, admite-se a cirurgia sob o argumento da recomendação médica. Se por um lado é interessante que a cirurgia se afaste do campo da estrita ilegalidade, por outro, tal discurso encontra eco em um tradicionalismo por tratar uma dissonância entre identidade de gênero e sexo biológico como uma doença. Não se está a defender que a/o transexual não tenha o devido acompanhamento psicológico e médico, contudo, soa como um anacronismo histórico assentar que discussões de gênero e sexualidade ainda sejam tratadas no rol de doenças. Schreiber, mais uma vez, apresenta ideia luminosa sobre a temática: Examinando a Resolução CFM 1.955/2010 em conjunto com o artigo 13 do Código Civil, o leitor poderá facilmente perceber que a cirurgia de mudança de sexo é lícita no Brasil, desde que um médico ateste o estado patológico do seu paciente. Com isso, atende-se ao requisito da exigência médica, pois, nas palavras do Conselho Federal de Medicina, a cirurgia de mudança de sexo consiste em tratamento idôneo aos casos de transexualismo. O resultado pode parecer progressista, já que se permite, ao menos nessas circunstâncias, a realização da cirurgia. A abordagem, contudo, é a mais retrógrada possível. A opção sexual (sic) vem tratada como doença. E o promissor debate jurídico e ético em torno da autonomia corporal fica reduzido a uma discussão supostamente técnica, em que o elemento determinante passa a ser um atestado médico.81 81 SCHREIBER, Anderson. Direitos da Personalidade. Op. cit., p. 44 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 48 A autonomia corporal em relação ao desejo do transexual realizar a cirurgia de redesignação sexual, ou de não realizá-la, será ferida em breve. Por ora, resta frisar que o direito fundamental ao próprio corpo, assim como todos os direitos, admite restrições atinentes à própria Constituição. No caso dos transexuais, agressão à dignidade está em não permitir que o indivíduo modifique seu corpo para se adaptar a sua identidade de gênero. Constitui igual agressão determinar que o transexual realize a cirurgia de redesignação sexual para que só então possa ter sua identidade de gênero reconhecida. De todo o modo, impende em preservar o poder de autodeterminação sobre o próprio corpo em qualquer das situações. 3. Transexualidade; alguns apontamentos relevantes para o tema em desate jurídico Para que se possa adentrar na discussão da mudança de nome e sexo no registro civil, com ou sem a cirurgia de redesignação sexual, faz-se mister analisar, ainda que brevemente e de modo não aprofundado, o fenômeno da transexualidade. Aqui serão descortinados apenas alguns elementos que à guisa de apontamentos preambulares auxiliam no exame jurídico da matéria. Antes mesmo de perquirir a transexualidade, contudo, impende realizar uma sintética definição de alguns conceitos fundamentais na temática dos estudos de gênero e sexualidade, quais sejam, sexo biológico, gênero, orientação sexual e identidade de gênero. Sexo biológico pode ser definido como o conjunto de características fisiológicas, nas quais se encontram as informações cromossômicas, os órgãos genitais e os caracteres secundários capazes de diferenciar machos e fêmeas. Sexo, portanto, teria essa matriz biológica. Sem embargo disso, muitos autores questionam essa pré-determinação que o sexo biológico impõe. Judith Butler questiona o lugar pré-discursivo que se dá ao sexo biológico, colocando-o como uma verdade imutável e conformadora de um modo de ser e agir82. Juridicamente, há a determinação legal de designação de um sexo (masculino BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 82 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 49 ou feminino) ao indivíduo quando de seu nascimento, de modo que tal classificação toma como base apenas o sexo biológico, por meio da observância da genitália. O conceito de gênero, por sua vez, visa a suplantar as limitações do sexo biológico, levando em consideração que não apenas características biológicas e anatômicas determinam a identidade de cada sujeito. Trata-se de um conceito deveras complexo. O conceito de gênero é formulado, numa certa perspectiva, a partir de discussões dos movimentos feministas, justamente para contrapor a noção de sexo biológico. Não se trata de negar totalmente a biologia dos corpos, mas enfatizar que existe uma construção social e histórica sobre as características biológicas. Sendo assim, a categoria de homem e a categoria de mulher se dariam em decorrência de uma construção da realidade social e não meramente de uma diferenciação anatômica. Interessante analisar a definição da historiadora norte-americana Joan Scott sobre essa terminologia: Ademais, o gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as explicações biológicas, como aquelas que encontram um denominador comum para várias formas de subordinação no fato de que as mulheres têm filhos e que os homens têm uma força muscular superior. O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as construções sociais: a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado.83 Percebe-se, portanto, que a categoria gênero é muito mais ampla que a ideia de sexo biológico. Mais uma vez ressalta-se que não se desconsidera os elementos biológicos do corpo, pelo contrário, tal qual os elementos sociais, culturais, históricos e psicológicos, os elementos anatômicos também são constitutivos do gênero, mas não há uma decorrência lógica entre sexo e gênero. Importante fazer menção que as modernas teorias de gênero, principalmente aquelas ligadas à Teoria Queer84 não restringem o gênero ao binarismo masculino/feminino, admitindo, dessa forma, um gênero neutro. SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórico. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, p. 71-99. 84 A Teoria Queer tem base sociológica no pós-estruturalismo, principalmente a partir das teorizações de Michel Foucault. A ideia dessa corrente sociológica é desconstruir a classificação dos sujeitos prela aparência de seus corpos, bem como problematiza comportamentos atribuídos a cada um dos gêneros. A Teoria Queer também questiona a classificação dos gêneros 83 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 50 Orientação sexual, ao seu turno, pode se referir ao sexo das pessoas que o sujeito elege para se relacionar afetivamente e sexualmente. Importante frisar que não se trata de uma opção sexual, visto que o indivíduo não escolhe deliberadamente por qual sexo sentirá atração afetiva e sexual. Os estudos atuais sobre a temática, portanto, apontam para o inatismo da orientação q irresponsável e Tradicionalmente ã “ ” preconceituosamente alguns se tipos conformam três setores de da orientação sociedade. sexual, a heterossexualidade, que se trata do desejo afetivo e sexual por pessoas do sexo oposto, a homossexualidade, que se refere à atração afetiva e sexual por pessoas do mesmo sexo, e a bissexualidade, que é a atração afetiva e sexual por pessoas de ambos os sexos. A orientação sexual independe do gênero e da identidade de gênero do sujeito, conforme se verá a seguir. A identidade de gênero figura como conceito fundamental para compreender a transexualidade. Trata-se da forma como o sujeito se sente e se apresenta para si e para a comunidade na condição de homem ou de mulher, ou de ambos, sem que haja uma relação direta com o sexo biológico. A identidade de gênero, portanto, diz respeito ao gênero com o qual o sujeito se identifica, retomando a ideia de gênero como uma categoria ampla que vai além da mera determinação biológica. Dessa forma é então, nessa linha, possível que o sujeito que tenha nascido com órgãos genitais masculinos se identifique com o gênero masculino, ao mesmo tempo em que também é totalmente possível que se identifique com o gênero feminino. Para Judith Butler, identidade de gênero é um processo de se fazer o corpo feminino ou masculino, de acordo com características que são tidas como diferenças e sobre as quais se atribuem significados culturais85. Impende ainda notar que a identidade de gênero independe da orientação sexual, de modo que o sujeito pode ter nascido com em apenas masculino ou feminino, defendendo padrões de gênero que não se enquadram nesse . “A queer aposta na superação dos binarismos (masculino/feminino, heterossexual/homossexual) por meio de uma desconstrução crítica, desafiando os conhecimentos que se constroem os sujeitos como sexuados e marcados pelo gênero, e que assumem a heterossexualidade ou a homossexualidade como categorias que definiriam a .” . . GORSDORF L F k .D LGBT constitucional: um caminho para além do arco-íris. In: CLÈVE, C. M. (coord.). Direito Constitucional Brasileiro: teoria da constituição e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 691. 85 BUTLER, Judith. Op. cit. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 51 órgãos genitais masculinos, se identificar com o gênero feminino, e apresentar orientação sexual heterossexual, homossexual ou bissexual. Não há, portanto, qualquer decorrência lógica necessária entre a identidade de gênero e a orientação sexual. Compreendidos esses pressupostos teóricos, o entendimento da transexualidade torna-se mais simples. Transexual, dessa forma, é o sujeito que possui uma identidade de gênero diferente do sexo designado no nascimento, ou seja, há discrepância entre os atributos físicos do sexo biológico e a forma como o indivíduo se reconhece em questão de gênero. Trata-se do sujeito que nasce com genitálias correspondentes ao sexo masculino ou feminino, mas que se identifica com o gênero oposto. Nas palavras de Paulo Roberto Iotti Vecchiatti, “ é q h çã biológico e sua identidade de gênero (ou seja, entre o seu sexo físico e seu sexo psíquico).”86 A pessoa transexual pode externar o desejo de passar por cirurgias para adequar seu corpo ao gênero com a qual se identifica, inclusive buscando a cirurgia de redesignação sexual. Importante ressaltar, contudo, e conforme se verá adiante, que o transexual pode não desejar a cirurgia de readequação sexual e isso não significa que não haja dissociação entre seu sexo biológico e sua identidade de gênero. O “ ” q 1923 sob tal perspectiva; registros históricos já demonstravam a ocorrência do fenômeno. A partir da medicalização da vida e da própria existência social, no século XX especialmente o campo médico busca uma definição para a transexualidade, no rol de patologias. Essa visão da transexualidade permanece até hoje no campo médico, a que se comprova pela Resolução nº 1.955/10 do C h F M q : “desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição do fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoex í .” T z R V z aponta para o fato de existirem correntes que pregam pela despatologização da transexualidade, conforme se observa: VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da homoafetividade: da possibilidade jurídica do casamento civil, da união estável e da adoção por casais homoafetivos. 2 ed. Rio de Janeiro, Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 88. 86 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 52 Há uma corrente que prega a não exigência do Diagnóstico psiquiátrico como condição de acesso ao tratamento, visto que a certeza quanto ao pertencimento ao gênero oposto, a qual às vezes se expressa pela crença numa identidade fixa, se repete no cotidiano do atendimento a pacientes transexuais. Porém, afirmam que a transexualidade não necessariamente fixa uma posição subjetiva, e destacam a importância de deslocar a manifestação social da transexualidade da necessidade de traduzi-la imediatamente numa patologia, numa estrutura ou num modo de funcionamento específico, o que nos permitiria escapar da sua psiquiatrização. A experiência transexual, neste sentido, comportaria várias formas singulares de subjetivização. Além disso, discute-se também que não existe um processo específico de construção das identidades de gênero nos transexuais, e desta forma não se deve esperar de transexuais um comportamento fixo, rígido, adequado às normas da feminilidade ou de masculinidade.87 Parece-nos coerente que a transexualidade também deixe de constar entre o rol de doenças, por todo o estigma que isso acarreta aos transexuais. Isso não significa dizer que não se deve destinar todo o apoio psicológico e mesmo médico aos transexuais, no entanto, busca-se apenas tratar esse fenômeno de gênero de forma mais humanizada, em um âmbito social, e não exclusivamente patológico. Em qualquer situação, no entanto, o transexual deve ser tratado com dignidade e com respeito. Isso significa que deve-se coibir qualquer forma de violência aos transexuais, seja violência explícita, aqui considerando os altos índices de homicídios contra pessoas transexuais, em virtude de um preconceito irracional, chamado transfobia, seja violência simbólica. Neste sentido, é o que deflui quando se nega ao transexual o direito de mudança de nome e mudança de sexo no Registro Civil. Da mesma forma, estabelecer a cirurgia de redesignação sexual para que haja a mudança no registro Civil exige uma mutilação para o reconhecimento de um direito. Esses temas serão versados a seguir. 3.1. O direito à mudança de nome e sexo no Registro Civil Conforme já repassado, o direito ao nome é essencial na instauração da identidade do sujeito, aqui se observando a identidade como a necessidade de afirmar a própria individualidade, tendo, pois, o nome um lugar privilegiado em VIEIRA, Tereza Rodrigues. Transexualidadade. In: DIAS, M. B. (Coord.). Diversidade sexual e Direito Homoafetivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 413. 87 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 53 tal função88. Ao lado do nome, o direito à devida designação sexual também cumpre papel salutar na criação da identidade própria. Muito embora se compreenda que seria mais adequado falar em identidade de gênero, q “ ” z -se-á a nomenclatura oficial, ainda que em desacordo com a linguagem acadêmica. Conforme se verá, a mudança de nome sem a mudança de sexo é incompleta, ainda não dirime os constrangimentos pelos quais a pessoa transexual é exposta, configurando ainda inconteste violência simbólica. Para fins didáticos, no entanto, tratar-se-á primeiramente da mudança de nome e depois da transição de sexo. Retomando: a característica da imutabilidade do nome é relativa, na medida em que tanto na legislação, quanto na jurisprudência se admite a mudança de nome em casos específicos. Uma das hipóteses que dá ensejo à mudança do registro civil trata da situação de prenome que exponha a pessoa ao ridículo, haja vista o parágrafo único do artigo 55 da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73). Infraconstitucionalmente é justamente nesse ponto que se ampara a possibilidade de mudança de nome de pessoas transexuais. O fato é que o nome, mesmo que adequado à identidade de gênero que ele representa, torna-se vexatório quando atribuído a uma identidade de gênero diversa daquela que busca indicar. Tal situação gera inquestionável constrangimento à pessoa transexual, que é obrigada a tornar evidente o descompasso entre sua ó . “A é -se a pessoa que se submeteu à cirurgia para redesignação sexual com características físicas femininas, obrigá-la a se identificar com documentos que contêm um prenome masculino é exposição certa ao ridículo e a execração pública, como há .”89 Para além das justificativas infraconstitucionais que ensejam a alteração de nome para transexuais, a fundamentação encontra eco na Constituição, sobretudo, por meio dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Em verdade, a dignidade da pessoa em muito está atrelada com a DE CUPIS, Adriano. Os direitos da personalidade. Tradução de Adriano Vera Jardim e Antonio Miguel Caeiro. Lisboa: Moraes, 1961. 89 LUZ, Antônio Fernandes da. Transexualismo: o direito ao nome e ao sexo. In: Bastos, E. F; Sousa, A. H. (Coord.). Família e Jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 88 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 54 configuração de sua própria identidade. Uma vida digna, portanto, pressupõe o autorreconhecimento e o reconhecimento da comunidade em consonância com o reconhecimento de si mesmo. Impende notar, conforme aponta o Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk, que a dignidade da pessoa humana não se vincula ao “ ã realidade de sua intersubjetividade, como ente que não prescinde da alteridade, encontrando nesta o lugar privilegiado em que a dignidade da pessoa humana q ú .”90 Eis que daí surge a ligação com o princípio da solidariedade constitucional, que se funda na ideia de alteridade. A solidariedade se engendra na ideia de sociedade, vez que pressupõe a existência do outro, tendo em vista seu embasamento na alteridade. O princípio da solidariedade constitucional, portanto, se configura como essencial ao bemestar social e se faz imprescindível na proteção de minorias e grupos vulneráveis. Pois bem, garantir o direito ao nome à pessoa transexual é dar efetividade a esse princípio, na medida em que garante ao transexual uma maior possibilidade de bem-estar e proteção, de que tanto necessitam. Dar a possibilidade ao transexual de modificar o nome (rectius: prenome), portanto, configura elemento fundamental para assegurar sua dignidade e sua identidade. Antônio Fernandes da Luz desenvolve bem essa relação, prontamente inserindo a essencialidade de mudança de sexo que será explorado adiante: O pedido de alteração do nome e do sexo no assentamento do registro civil, formulado por aquela pessoa que se submeteu a cirurgia para a redesignação sexual, tem por objeto o direito de expor o seu novo estado, sob pena de ver o seu direito de personalidade violado, fato este que constitui mais uma condenação à clandestinidade. (...) Portanto, a alteração do sexo e do nome encontra fundamento na própria Constituição Federal e na legislação infraconstitucional, e a sua não permissão constitui flagrante violação aos direitos de personalidade da pessoa que se submeteu à cirurgia para redesignação sexual que, aliás, há muito vem sofrendo constrangimentos e agressões no meio social em que vive e por parte de agentes públicos. 91 Ao lado da transformação de nome, a mudança da identidade de gênero, ou, vulgarmente, sexo, também se faz essencial na construção da identidade do PIANOVSKI RUZYK, Carlos Eduardo. Dignidade da pessoa humana. In: CLÈVE, C. M. (coord.). Direito Constitucional Brasileiro: teoria da constituição e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 171. 91 LUZ, Antônio Fernandes da. Op. cit. 90 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 55 sujeito e na garantia de sua dignidade e qualidade de vida. Tal qual o direito de mudança de nome, a mutação de sexo também encontra respaldo nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social. Da mesma forma que configuraria imenso constrangimento a constância de nome diverso da identidade de gênero que o sujeito proclama, a mudança de nome sem a substituição do sexo em si também traduz compressão contra o transexual, que continuará sendo estigmatizado e discriminado no âmbito social. Anderson Schreiber é judicioso em sua análise: A função do registro civil é dar segurança à vida em sociedade. Um registro civil que atribua a uma pessoa um sexo que ela não ostenta na vida social é um registro falso, errado, que exige retificação. Tal qual o nome, o sexo deve ser visto não como um estado registral imutável ou como uma verdade superior ao seu titular, mas como um espaço essencial de realização da pessoa humana. Já se viu que o direito contemporâneo vem se abrindo a uma certa autonomia da pessoa na alteração do seu nome, sempre que não haja risco a um interesse coletivo (como no caso do devedor contumaz ou do suspeito de investigação criminal, que pretende dificultar sua identificação). A mesma abordagem deve ser reservada ao sexo, para reconhecê-lo como uma esfera de livre atuação e desenvolvimento da pessoa. A ciência caminha nesse sentido e aqui convém que o direito não fique para trás.92 Reconhecer o direito a mudança do sexo no registro civil, portanto, coloca o direito em consonância com as modernas teorias sociais de gênero, que não se subsumem apenas a um normativismo proveniente da anatomia, todavia considera os elementos sociais, culturais e históricos da definição de gênero, e, acima de tudo, apontam uma função social para o gênero, qual seja, a garantia da felicidade e qualidade de vida do indivíduo. Há que se frisar, dessa forma, que não cabe ao Estado ou mesmo à sociedade fazer ponderação sobre a possibilidade de mudança de nome e sexo dos transexuais. Sendo um direito deve apenas ser reconhecido e declarado. Isso não significa dizer que não se deva prestar toda a assistência necessária aos transexuais, e mesmo que se deva obstar as discussões jurídicas e sociológicas sobre o fenômeno, no entanto, em se tratando de direitos fundamentais, nada disso deve significar barreira ao seu livre exercício. 92 SCHREIBER, Anderson. Op. cit., p. 208. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 56 Conveniente realçar que a alteração do registro civil depende de sentença que a consume, e a jurisprudência vem se pacificando no sentido de reconhecer o direito à mudança do nome e do sexo. Nada obstante isso, veja-se: “RETIFICAÇÃO NO REGISTRO CIVIL. MUDANÇA DE NOME E DE SEXO. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. O homem que almeja transmudar-se em mulher, submetendo-se a cirurgia plástica reparadora, extirpando os órgãos genitais, adquire „ ‟ ó ã ã z retificação de nome e de sexo porque não é a medicina que decide o sexo e sim a natureza. Se o requerente ostenta aparência feminina, incompatível com a sua condição de homem, haverá de assumir as consequências, porque a opção foi dele. O Judiciário, ainda que em procedimento de jurisdição voluntária, não pode acolher tal pretensão, eis que a extração do pênis e a abertura de uma cavidade similar a uma neovagina não tem o condão de fazer do homem, mulher. Quem nasce homem ou mulher, morre como nasceu. Genitália similar não é autêntica. Autêntico é o homem ser do sexo masculino e a mulher do feminino, a toda evidência. (TJRJ, Ap. Cível 1993.001.06617, Rel. Des. Geraldo Batista, DJ 18/03/1997) Observam-se aí argumentos de caráter eminentemente naturalístico e sem observância à realidade social; anote-se que se trata de julgado anoso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nada obstante ainda haja, em todo o Brasil, argumentos dessa monta; também há julgados que caminham no sentido de indeferir o pedido de alteração do sexo no registro civil: RETIFICACAO NO REGISTRO CIVIL - CONVERSÃO DE SEXO MASCULINO PARA O FEMININO - INADMISSIBILIDADE TRANSEXUALISMO - CIRURGIA PARA MUDANCA DE SEXO PROCRIACAO - IMPOSSIBILIDADE - ESTADO CIVIL CAPACIDADE - CASAMENTO - REQUISITOS DIFERENCA DESEXO - AUSENCIA LEI DE REGISTROS PUBLICOS - VEDACAO. APELACAO PROVIDA. Ação que visa retificação no registro civil e conversão de sexo masculino para o feminino. Mesmo tendo o apelado se submetido à cirurgia de mudança de sexo o pedido de retificação no assento de nascimento não pode prosperar - Caracteriza-se o transexualismo quando os genitais afiguram-se como de um sexo, mas a personalidade atende a outro - Porém os transexuais, mesmo após a intervenção cirúrgica não se enquadram perfeitamente neste ou naquele sexo, acarretando-se problemas graves com tal intervenção. Não se constitui, ademais o apelado como sendo do sexo feminino uma vez que ha impossibilidade de procriação porquanto não possui o mesmo os órgãos internos femininos. Ao se deferir o pedido do apelado estar-se-ia outorgando a este uma capacidade que efetivamente não possui. Por outro lado ao permitir-se a retificação do nome e sexo do apelado em possível casamento que venha a se realizar estaria contrariando frontalmente o ordenamento jurídico vigente, ademais estaria ausente um dos requisitos para o casamento, qual seja a diferença de sexos. A Lei de Registros Públicos veda a alteração pretendida, tutelando interesses de ordem pública. (TJPR, AC 300198 PR Apelação Cível - 0030019-8, DES. REL. Osíris Fontoura, DJ 08/11/1994) Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 57 Para além de uma matriz biologicista, o julgado leva em consideração para sua definição de sexo feminino a capacidade de procriação. Atualmente o prognóstico assim vem: APELAÇÃO CÍVEL REGISTRO CIVIL ALTERAÇÃO NOME E SEXO - AVERBAÇÃO Á MARGEM DO REGISTRO: OBRIGATÓRIA - CERTIDÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO: RESUMO DAS INFORMAÇÕES CONSTANTES NO REGISTRO. 1. As alterações no nome e sexo do registrado devem ser averbadas à margem do registro civil, em decorrência da Lei no 6.015 /1973, não podendo haver omissões. 2. A certidão de nascimento é um resumo das informações contidas no registro. 3. Para evitar constrangimentos ao registrado, que alterou nome e sexo, nas certidões a serem expedidas deve constar apenas que há averbações realizadas em virtude de decisão judicial, sem menção à natureza ou conteúdo delas. (TJMG, AC 10024082645136001 MG, DES. REL Oliveira Firmo, DJ 21/05/2013) APELAÇÃO CÍVEL - RETIFICAÇÃO DE ASSENTO DE REGISTRO CIVIL - MUDANÇA DE NOME E SEXO - TRANSEXUAL POSSIBILIDADE - REALIZAÇÃO DE CIRURGIA ABLATIVA DANDO CONFORMIDADE DO ESTADO PSICOLÓGICO AO NOVO SEXO COMO MEIO CURATIVO DE DOENÇA DIAGNOSTICADA - APLICAÇÃO DO PRINCÍCIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IDENTIDADA SEXUAL - RELEITURA DA LEI DE REGISTROS PUBLICOS AO MANDAMENTO CONSTITUCIONAL - MUTABILIDADE DO NOME - ALTERAÇÃO PARA CONSTAR ALCUNHA - POSSIBILIDADE - PROTEÇÃO ALBERGADA PELO NOVO CÓDIGO CIVIL - APELO PROVIDO. "A mudança de nome, em razão da realização de cirurgia de transgenitalização, adequando o estado psicológico ao seu novo sexo, no caso de transexuais, é possível pelo ordenamento jurídico pátrio, como corolário interpretativo a partir do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e do respeito à identidade sexual do indivíduo, trazendo com isso, releitura hodierna aos dispositivos normativos insertos na Lei de Registros Públicos , evitando a exposição dos mesmos à situações de chacota social diante da desconformidade entre seus documentos pessoais e a nova condição morfológico-social." (TJPR, AC 3509695 PR 0350969-5, Des. Rel. Rafael Augusto Cassetari, DJ 04/07/2007) Muitos outros julgados poderiam constar neste trabalho, no entanto, os ambos acima já dão conta de demonstrar a mudança de tônica da jurisprudência no sentido de reconhecer o direito das pessoas transexuais de alterarem nome e sexo em seus registros. Esse compreensão é tributária de uma aplicação constitucionalizada do direito, na medida em que garante efetividade a princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana. Também há de se levar em conta que cada vez mais, ainda que tardiamente, o direito tem se aberto às contribuições das demais ciências sociais, ampliando seu rol de intérpretes, como defende Peter Häberle. Faz-se mister abandonar noções de Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 58 completude e infalibilidade do direito, ultrapassando de vez a visão kelseniana (aquela do normativismo positivista), para atentar ao fato de que o direito positivado, por si só, merece hermenêutica atualizadora capaz de dar justas soluções aos meandros da vida. Os desafios, contudo, ainda são muitos, como se analisará a seguir. 3.2. O direito a mudança de nome e sexo sem a cirurgia de redesignação sexual O direito ao próprio corpo deve ser tomado em uma ampla acepção, de modo que envolve tanto ações quanto omissões, ou melhor dizendo, trata-se de poder fazer ou deixar de fazer algo com o próprio corpo, sem que haja qualquer punição pela escolha deliberada. Conforme já referido, o gênero exerce um lugar social notabilíssimo que está acoplado a busca por uma vida de qualidade e a instituição de uma identidade própria. Ademais, consoante aqui se adotou na linha da presente exposição, sem descurar de pontos de vista distintos, gênero e sexo biológico são conceitos diversos, de modo que, muito embora a criação de uma identidade de gênero leve em conta o fator biológico este não é causa determinante para a compreensão do próprio gênero. Dessa forma, é totalmente compreensível que uma pessoa transexual queira manter seu órgão biológico, tendo em vista não ser decisivo para a configuração de sua identidade de gênero. Há também que se considerar que a manutenção da genitália pode ser fator essencial para a qualidade de vida do transexual. Pelo exposto, configura-se como infração ao direito ao próprio corpo que se exija da pessoa transexual a cirurgia de redesignação sexual, para que só então tenha direito à mudança de nome e sexo em seu registro civil. De fato, ordenar a outrem a mutilação do próprio corpo, o uso de medicamentos necessários para que se reconheça um direito apresenta-se como constrangimento. Nesta senda, salutares são as ponderações de Patrícia Corrêa Sanches: Mas será que se faz necessária a mudança no corpo de uma pessoa a ensejar a mudança do sexo? Atualmente delineia-se o gênero sexual por sua função social, mais como um fenótipo comportamental do que o aspecto da genitália. Assim o indivíduo teria deferido o pedido de mudança do gênero sexual desde que demonstrasse que possui o sexo Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 59 que socialmente representa, invertido daquele fisicamente suportado. A temática aqui discutida tem por objetivo pautar as discussões sobre a mudança de sexo, principalmente no tocante à função social da determinação do gênero sexual na sociedade, demonstrando assim que, para sua alteração, não há necessidade de uma intervenção cirúrgica de modificação das características físicas, estas sim restritas a um ambiente de privacidade.93 Compete atinar que a cirurgia de redesignação sexual, como toda e qualquer cirurgia, apresenta inegáveis riscos aos indivíduos, além de, por si só, ser uma cirurgia demasiadamente agressiva e invasiva. Nos dizeres de Patrícia S h “ transgenitalização, í ç demonstra-se absolutamente agressiva, além de .”94 Não parece adequado, dentro do ponto de vista constitucional da dignidade da pessoa humana, tornar a cirurgia condição sine qua non para a mudança de nome e sexo, pois, se assim fosse, de algum modo o sujeito sofreria uma violação a um direito. Se não aceitar realizar a cirurgia terá seu direito ao nome e identidade negados, se fizer a cirurgia para que então possa ter reconhecido seu direito ao nome e sexo, terá seu direito ao corpo agredido. Uma análise sistemática da Constituição de 1988 dá conta de demonstrar que esse escambo entre direitos não parece ser a tônica que o constituinte pretendeu dar a lei fundamental. A Constituição de 1988 surgiu como uma luz ao final de um sombrio túnel; sua essência está na garantia de todos os direitos previstos em seu texto, de modo que se faz inadmissível impor a uma parcela da sociedade que tenham que fazer uma opção entre direitos fundamentais. Note-se ainda que, em algumas situações, para além da autonomia privada do indivíduo, que por si só já seria suficiente para garantir a possibilidade de mudança de nome e sexo sem a cirurgia de transgenitalização, há outros empecilhos. Não é fato raro que as pessoas se reconheçam como transexuais após idade mais avançada. Nesses casos não é incomum que a cirurgia de redesignação sexual seja desaconselhada por médicos, haja vista a probabilidade de complicação. Em situação como essa estaria o sujeito fadado ao constrangimento público, sem nunca poder alterar nome e sexo sem seu registro civil? Por certo que se trataria de solução deveras cruel e desproporcional. Não pode o indivíduo ser penalizado por não querer se 93 94 SANCHES, Patrícia Corrêa. Op. cit. Idem. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 60 submeter aos riscos que a operação pode trazer. Argumentos poderiam destacar que se trata de um ônus da escolha do sujeito, no entanto, como bem se sabe, a transexualidade não é uma escolha pessoal, diversos são os fatores que produzem no indivíduo uma identidade de gênero diversa do sexo biológico. Em todo caso, não há que se arrazoar em ônus quando, vez que o direito fundamental à identidade do sujeito pode, sem qualquer problema, ser assegurado. Outra situação que merece análise é o fato de que, por todo preconceito existente na sociedade, as pessoas transexuais são discriminadas, excluídas, jogadas ao degredo. De acordo com índices divulgados e conhecidos, a evasão escolar entre transexuais beira aos 73%. Inúmeras são as causas, desde o preconceito dos demais colegas, pais e professores, até mesmo da instituição que não assegura o nome social, por exemplo. De toda sorte, fato é que número expressivo da população de transexuais no Brasil encontra-se em vulnerabilidade social. Muito embora o SUS realize as cirurgias de transgenitalização, a realidade da saúde pública brasileira ainda é bastante conhecida. Nesse contexto, poucas são as pessoas transexuais capazes de arcar economicamente com a cirurgia em instituições de saúde privadas. Não faz qualquer sentido que em todo esse período de aguardo o transexual seja obrigado a permanecer com um registro que não o representa. Não se pode admitir um critério censitário para o reconhecimento de um direito. Fica evidente, portanto, que a exigência da cirurgia de redesignação sexual vai de encontra à eleição da pessoa transexual, de modo que cabe exclusivamente a ela, compreendendo todas as suas implicações, realizá-la ou não. Impor um pré-requisito a um direito fundamental mutila, em nosso ver, a própria definição de direitos fundamentais e direitos de personalidade, que se baseiam na ideia de inerência ao ser humano. Uma vez se tratando de direitos inerentes ao sujeito, impor condições se transmuta em genuíno autoritarismo, contra sujeitos que tem a prerrogativa de viverem a vida exercendo suas potencialidades e suas liberdades: é o que o direito deve garantir. Há julgados na direção do reconhecimento de mudança de nome e sexo após a cirurgia de transgenitalização. A jurisprudência nessa temática, sem embargo, se encontra segmentada; colhe-se em Sérgio Carrara reflexão importante sobre a atuação jurisdicional: Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 61 A justiça também tem concedido, em muitos casos de cirurgia, o direito de mudança de nome e redesignação do sexo em documento de identidade, mas a decisão ainda depende do arbítrio dos juízes. O fato de a mudança documental depender na maioria dos casos da realização da cirurgia de transgenitalização tanto consagra a distância entre os diferentes saberes autorizados (médicos, psicológicos e operadores do direito) e as experiências concretas dos sujeitos sociais, quanto marca, sob a justificativa de sanar a inadequação entre sexo e gênero, a reinstauração de um perverso binarismo. Àqueles que não conseguem ou não desejam a operação, como é o caso de muitas travestis, é em geral negado um direito fundamental intrinsecamente relacionado à sua identidade.95 Observe-se agora os julgados que caminham no entendimento da impossibilidade de mudança de sexo sem a realização da cirurgia de redesignação sexual: RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL - Pedido de alteração de nome e sexo- Possibilidade apenas em relação ao nome - Pessoa que apesar de não submetida à cirurgia de transgenitalização, se apresenta na sociedade como do sexo feminino -Nome masculino que lhe acarreta constrangimentos e aborrecimentos - Admitida a alteração do nome, negada a alteração para constar ser do sexo oposto - Observância do princípio de veracidade do registro público - Recurso parcialmente provido. (TJSP, APL 320109120108260602 SP 0032010-91.2010.8.26.0602, Des. Rel. Mendes Pereira, DJ 28/11/2012) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. SENTENÇA QUE EXTINGUIU O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INTERESSADO QUE AINDA NÃO REALIZOU A CIRURGIA DE NEOVAGINOPLASTIA. IMPOSSIBILIDADE. CARÊNCIA DE AÇÃO. SENTENÇA QUE DEVE SER MANTIDA. O Apelante pleiteia alteração do nome e de sexo no registro civil, afirmando que desde tenra idade, apesar da conformação genital masculina, psicologicamente se sente mulher, fazendo-se tornar conhecido pelo prenome de Milena. Todavia, o recorrente ainda não se submeteu à cirurgia de mudança de sexo, o que não permite alteração do nome e do sexo em seu registro civil. Precedentes jurisprudenciais. SENTENÇA MANTIDA. Recurso NÃO provido. (TJBA, APL 03683226420128050001 BA 036832264.2012.8.05.0001, Des. Rel. José Olegário Monção Caldas, DJ 15/10/2013) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO QUANTO AO NOME E SEXO DO AUTOR. TRANSEXUALISMO. AUSÊNCIA DE CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL. INVIABILIDADE DA ALTERAÇÃO DO REGISTRO, UMA VEZ NÃO PREVISTA CIRURGIA PARA MUDANÇA DE SEXO, NEM MESMO PROVA ROBUSTA ACERCA DA ABRANGÊNCIA DO TRANSTORNO SEXUAL. APELAÇÃO DESPROVIDA. CARRARA, Sérgio. Políticas e direitos sexuais no Brasil contemporâneo. Revista Bagoas: revista de estudos gays. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, n. 5, Natal: UFRN, 2010, p. 137. 95 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 62 (TJRS, Apelação Cível Nº 70056132376, Sétima Câmara Cível, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 13/11/2013) Os julgados acima sucintamente referidos demonstram, no conteúdo que explicita a ementa, que o Poder Judiciário ainda reluta em reconhecer o direito dos transexuais de mudarem nome e sexo em seus registros, sem a realização da operação. Cumpre respeitar o posicionamento, mas parece-nos, salvo melhor juízo, que tal bússola limita o exercício de um direito fundamental; julgados há, contudo, que não se eclipsaram diante dessa necessidade: APELAÇÃO CÍVEL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. TRANSGENÊRO.MUDANÇA DE NOME E DE SEXO. AUSÊNCIA DE CIRURGIA DE TRANGENITALIZAÇÃO. Constatada e provada a condição de transgênero da autora, é dispensável a cirurgia de transgenitalização para efeitos de alteração de seu nome e designativo de gênero no seu registro civil de nascimento. A condição de transgênero, por si só, já evidencia que a pessoa não se enquadra no gênero de nascimento, sendo de rigor, que a sua real condição seja descrita em seu registro civil, tal como ela se apresenta socialmente DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70057414971, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 05/06/2014) RETIFICAÇÃO DE ASSENTO DE NASCIMENTO. ALTERAÇÃO DO NOME E DO SEXO. TRANSEXUAL. INTERESSADO NÃO SUBMETIDO À CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CONDIÇÕES DA AÇÃO. PRESENÇA. INSTRUÇÃO PROBATÓRIA. AUSÊNCIA. SENTENÇA CASSADA. O reconhecimento judicial do direito dos transexuais à alteração de seu prenome conforme o sentimento que eles têm de si mesmos, ainda que não tenham se submetido à cirurgia de transgenitalização, é medida que se revela em consonância com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Presentes as condições da ação e afigurando-se indispensável o regular processamento do feito, com instrução probatória exauriente, para a correta solução da presente controvérsia, impõe-se a cassação da sentença. (TJMG, AC 10521130104792001 MG, Des. Rel. Edilson Fernandes, DJ 07/05/2014) Os entendimentos acima expostos demonstram uma tendência no Judiciário brasileiro. Decisões que levam em conta as peculiaridades do caso concreto, as informações advindas das demais ciências e a uma interpretação constitucionalizada do direito se mostram essenciais para a construção de uma boa cultura judiciária no país, com justiça e segurança. Passemos nessa toada aos termos da ADI que iremos, então, expor e examinar quantum satis. 4. Ação Direita de Inconstitucionalidade 4275 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 63 Em julho de 2009, o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria Geral da República, em peça firmada pela Doutora Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF buscando dar ao artigo 58 da Lei nº 6.015/73 interpretação conforme a Constituição, de modo a reconhecer aos transexuais, independentemente da cirurgia de transgenitalização, o direito a substituição do prenome e sexo no registro civil. A ADI, ao tempo da feitura deste tempo, em agosto de 2014, aguarda julgamento. A petição inicial da referida ADI apresenta os pressupostos teóricos da discussão, conceitos essenciais tais quais os tratados neste trabalho, bem como analisa os pressupostos jurídicos que dão ensejo ao pedido, nomeadamente, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Trata da ADI da essencialidade da mudança de nome e sexo, de modo que não basta apenas mudar o nome e manter o sexo biológico, pois a situação de constrangimento se manteria, conforme se observa no seguinte trecho: De resto, se a alteração de nome corresponde a uma mudança de gênero, a consequência lógica, em seu sentido filosófico mesmo, é a alteração do sexo no registro civil. Do contrário preserva-se a incongruência entre a identidade da pessoa e os dados do registro civil. Segue a petição inicial defendendo o direito das pessoas transexuais à cirurgia de transgenitalização e de modo conexo, também defende a possibilidade de alteração de prenome e sexo sem a realização da referida cirurgia. Ponto que se apoia no seguinte trecho: (...) Não é a cirurgia que concede ao indivíduo a condição transexual. Portanto, o direito fundamental à identidade de gênero justifica igualmente o direito à troca de prenome, independentemente da realização da cirurgia, sempre que o gênero reivindicado (masculino ou feminino) não esteja apoiado no sexo biológico respectivo. Trata-se ali de uma chance de autodeterminação. Ao fim da petição inicial apresentam-se requisitos, tal qual propõe a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão, a serem fixados no caso de não realização da cirurgia. São eles: a maioridade civil, a convicção do transexual, há pelo menos três anos, de pertencer ao gênero oposto ao biológico, a presunção, com alta probabilidade, de não mais modificação de gênero, requisitos a serem atestados por um grupo de especialistas que avaliarão aspectos médicos, psicológicos e sociais. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 64 Muito embora se subscreva aqui a necessidade de despatologização da transexualidade e a possibilidade cada vez maior de autodeterminação dos transexuais, os critérios elencados pelo MPF desempenham papel de relevo na destinação de assistência médica e psicológica à pessoa transexual, na proteção e promoção dos direitos das pessoas transexuais, e não sirvam de arbítrio para maior sofrimento dos transexuais. 5. Conclusões O exposto no presente trabalho requer, antes de tudo, pedir vênia à exposição sucinta diante de questões tão sensíveis e de impacto na dogmática jurídica do Direito Civil contemporâneo. Além disso, permite, ainda assim, concluir que a dignidade das pessoas transexuais passa por sua capacidade de autodeterminação e pela possibilidade de criação de uma identidade própria. Para tanto, é necessário que haja reconhecimento de direitos fundamentais de personalidade, quais sejam, o direito ao nome e o direito ao próprio corpo. O reconhecimento do direito a mudança de nome e sexo por parte dos transexuais é demanda que deve alcançar proteção. Não cabe ao Estado optar pela realização da cirurgia de redesignação sexual ou não. Segundo considerado ao longo deste estudo e trabalho modestos, conceitos de identidade de gênero e sexo biológico se diferem, nada obstante este possa ser elemento de construção daquele. A relação do sujeito com seu próprio corpo é elemento fundamental da intimidade, não cabendo maiores questionamentos, mas sim o devido respeito. O transexual pode se realizar mantendo o órgão genital biológico ou retirando. Em qualquer situação, contudo, deve lhe ser assegurado o direito à felicidade e a realização própria. Para tanto, é necessário tanto uma atividade institucional, no sentido de garantir os direitos a essa parcela da situação, quanto uma atividade social e comunitária no sentido de integrar essa parcela e lhes tratar com o devido respeito, sem preconceitos infundados. O caminho ainda é longo. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 65 DIREITOS E CONFLITOS DE VIZINHANÇA Paulo Lôbo1 Resumo: Estudo da ordenação jurídica brasileira dos direitos de vizinhança, sob a ótica preferencial do direito civil contemporâneo. Apreciação das mútuas interferências com o direito público, principalmente o direito urbanístico e o direito ambiental. Deveres de vizinhança, interesse coletivo e a função social da propriedade e da posse. Palavras-chaves: direitos de vizinhança; vizinhança; direito de construir Abstract: Study of the Brazilian legal ordering of neighborhood rights under the preferred viewpoint of contemporary civil law. Consideration of the interference with the public law, especially the urban law and environmental law. Neighborhood duties, collective interest and the social function of property and possession. Keywords: neighborhood rights; neighborhood; right to build Sumário: 1. Conteúdo e abrangência - 2. Uso anormal da propriedade - 3. Árvores limítrofes - 4. Passagem forçada - 5. Passagem de cabos e tubulações 7. Limites entre prédios e direito de cercar ou murar - 8. Direito de construir. 1. Conteúdo e abrangência Os direitos de vizinhança compreendem o conjunto de normas de convivência entre os titulares de direito de propriedade ou de posse de imóveis localizados próximos uns aos outros. Para efeitos legais, vizinhos não são Professor Visitante no Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPE, Professor Emérito da UFAL. Doutor em Direito Civil (USP). Advogado. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Civil. 1 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 66 necessariamente os contíguos, mas todos os que possam ser afetados pelo uso do imóvel. As normas de regência dos direitos de vizinhança são preferentemente cogentes, porque os conflitos nessa matéria tendem ao litígio e ao aguçamento de ânimos. Na dimensão positiva, vizinhos são os devem viver harmonicamente no mesmo espaço, respeitando reciprocamente os direitos e os deveres comuns. Vizinhos são não apenas os que estão ao lado, mas os que habitam imóveis acima ou abaixo, daí porque as normas dos direitos de vizinhança aplicam-se conjugadamente com as do condomínio edilício. Para o direito brasileiro, os direitos de vizinhança são autônomos e concebidos como limitações ao direito de propriedade. Algumas legislações inserem os conflitos de vizinhança nas servidões legais, como direito real de servidão. Os direitos de vizinhança constituem as mais antigas limitações ao direito de propriedade individual, no mundo luso-brasileiro. As limitações são de natureza majoritariamente negativa e preventiva. Mas há, igualmente, limitações positivas, das quais emergem deveres positivos aos que se qualificam juridicamente como vizinhos. As situações em que se classificam os direitos de vizinhança são as mais comuns na vida social, a merecerem maior atenção do legislador. Segundo Pontes de Miranda2, a técnica legislativa, a esse respeito, representa a elaboração de alguns séculos, na qual muito se deve aos costumes. Para Orlando Gomes3, o critério regulador das relações de vizinhança é dado por três teorias principais: (1) a da proibição dos atos de emulação (utilidade ou inutilidade do ato do proprietário); (2) a do uso normal da coisa própria; (3) a do uso necessário (os atos do proprietário são lícitos, se motivados pela necessidade). O Código Civil de 2002 perfilhou a teoria do uso normal da coisa própria, preconizada por Ihering, que procura estabelecer a linha demarcatória entre as interferências lícitas e ilícitas, com apoio na ideia de que o exercício do direito de propriedade não deve exceder as necessidades normais da vida cotidiana. O Código Civil reformulou os tópicos cuja disciplina anterior era considerada insuficiente, pela doutrina. Destacam-se as alterações e inovações PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, v. 13, p. 449. 3 GOMES, Orlando. Direitos reais. Revista, atualizada e aumentada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 221. 2 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 67 relativas ao uso anormal da propriedade, à passagem forçada, à passagem de cabos e tubulações, às águas e ao direito de construir, que procuraram resolver demandas contemporâneas. Os direitos de vizinhança atêm-se às relações jurídicas intersubjetivas que emergem da convivência em determinado espaço territorial. Paralelamente, incidem as normas de direito administrativo, notadamente as de caráter urbanístico, emanadas do legislador federal (Estatuto das Cidades, Lei nº 10.257, de 2001) e do legislador municipal, relativamente às edificações e aos limites de tolerância entre vizinhos. São igualmente incidentes as normas de direito ambiental. Os limites ao uso dos imóveis, entre vizinhos, são tanto de direito privado, onde recebem a denominação de direitos de vizinhança, quanto de direito público. Há outras normas de direito privado correlatas que regulam a convivência entre vizinhos, em determinadas circunstâncias, como a Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766, de 1979), a Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245, de 1991) e as normas do Código Civil sobre condomínio edilício. Quando em conflito, os interesses coletivos prevalecem sobre os interesses particulares. De acordo com San Tiago Dantas4, há casos em que os conflitos entre vizinhos se compõem pela atribuição de um dever e de um direito fundados no princípio da coexistência. Há outros em que se compõem pela atribuição de um dever e um direito fundados no princípio da supremacia do interesse público. Os direitos de vizinhança, relacionados ao primeiro princípio, são gratuitos, e os ônus do proprietário são encargos ordinários da propriedade. Os relacionados ao segundo princípio são onerosos e quem o suporta tem direito de ser indenizado. 2. Uso anormal da propriedade O uso anormal da propriedade, ou da posse, é o que colide com os padrões comuns de conduta, adotado na comunidade onde ela se insere, ou com as normas legais cogentes. O parâmetro a ser observado nessa matéria é o da razoabilidade, ou da conduta razoável. Conduta normal ou razoável é a que DANTAS, F. C. de San Tiago. O conflito de vizinhança e sua composição. Rio de Janeiro: Forense, 1972, p. 264. 4 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 68 corresponde ao tipo médio de uso do imóvel, de acordo com o consenso da comunidade (cidade, bairro, vila, rua), que permite convivência harmônica, sem prejuízos ou incômodos evitáveis para o outro ou os outros. O conceito é indeterminado, a reclamar a análise de cada caso, mas segundo os parâmetros de razoabilidade. No regime da propriedade privada, o seu titular é responsável pelas atividades de seu direito e pelos atos que se propagam para outros objetos de apropriação5. As expressões utilizadas na legislação “ ” “ ” -se inadequadas, porque restritivas, tendendo-se ao abuso do direito da propriedade. Segundo Ebert Chamoun6, a parte geral do direito de vizinhança sofreu total remodelação, no anteprojeto (e no Código Civil, que dele resultou). Impunha-se a reforma, por causa da falta de critérios firmes de solução dos variados e graves conflitos de vizinhança, que têm ensejado grandes dificuldades para os juízes. Louva-se na teoria desenvolvida por San Tiago Dantas que conjuga a teoria do uso normal e a da necessidade, que é o estatuto da vizinhança comum, e o princípio da supremacia do interesse público. Devem sempre cessar as interferências anormais que podem ser evitadas ou comprometem a habitação dos imóveis adjacentes. O uso da coisa é anormal quando repercute no uso normal da outra, em relação às pessoas que a habitam. Inclui-se no conceito legal de uso anormal, o não uso, quando provoca interferências no vizinho (por exemplo, em casa fechada, água não tratada de piscina na qual proliferam mosquitos transmissores de doença). Não se confunde com o abuso do direito (CC, art. 187), que pode também decorrer dos conflitos de vizinhança. O uso anormal não é apenas de imóvel, mas de coisas móveis, que possam provocar tais interferências em quem habita um imóvel. Por exemplo, o barulho excessivo de escapes abertos de veículos automotores. Os que sofrem são os que habitam o imóvel; e, por ser imóvel, não podem deslocá-lo para distanciá-lo dessas interferências prejudiciais. FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 5. CHAMOUN, Ebert. Exposição de motivos do esboço do anteprojeto do Código Civil – Direito das Coisas. Revista de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: TJRJ, v. 23, 1970, p. 22. 5 6 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 69 As interferências são as que causam ou podem causar prejuízos à saúde, ao sossego ou à segurança dessas pessoas, provocadas pelo uso de propriedade vizinha. Não há necessidade se provar que o prejuízo já ocorreu, pois basta a ameaça ou o risco de ofensa à saúde, ao sossego ou à segurança. O vizinho prejudicado legitima-se às pretensões para prestação tanto negativa, principalmente para cessação dos fatores de perturbação dos direitos de vizinhança, quanto positivas, para prevenir a interferência ou o dano. Legitima-se, igualmente e cumulativamente, à pretensão à indenização por danos materiais ou danos morais. Estes últimos são pressupostos, in re ipsa, pois violam direitos da personalidade, principalmente a integridade psíquica, a intimidade e a vida privada do vizinho prejudicado pela interferência. Não se exige a cessação de todas as interferências, razão porque a lei “ z h ç ”. A leva em conta certa tolerância indispensável para a viabilidade da vida contemporânea, especialmente nos espaços urbanos. Os limites ordinários de tolerância são os que resultam do uso normal da propriedade, segundo o tipo médio e razoável, além dos quais o prejuízo não deve ser suportado. Por exemplo, a realização de uma festa eventual ou episódica, com grande movimentação de pessoas no imóvel, animadores e músicas está dentro dos limites ordinários de tolerância; mas estes são excedidos quando feitas com muita frequência ou quando prejudicam o descanso noturno dos vizinhos. É normal que, eventualmente, sejam modificadas as posições dos móveis, porque os moradores desejam alterar a ambientação do apartamento; mas é anormal que todos os dias sejam arrastados móveis, repercutindo o barulho nos vizinhos contíguos. Não há uso anormal da propriedade se a interferência resultar de fato natural, não imputável ao titular do imóvel. Não se inclui nos limites ordinários de tolerância a existência anterior do uso anormal; no direito brasileiro não prevalece o modo de uso anterior ou da pré-ocupação, porque tal conduta não configura direito adquirido. Assim, as atividades poluentes, que existiam antes de a urbanização delas se aproximar ou cercá-las (por exemplo, depósito de cal e cimento), não servem como óbice a que os direitos de vizinhança a elas não se apliquem, uma vez que passaram a causar interferências na saúde, na segurança e no sossego dos que habitam em suas proximidades. O STJ decidiu que determinado Município se abstivesse de Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 70 utilizar antiga pedreira co ó “ ” (RE ã º 163.483). P novo proprietário ou possuidor é responsável pelo uso anormal praticado pelo anterior, pois os direitos de vizinhança constituem obrigações propter rem, vinculando-se ao imóvel e responsabilizando quem detenha sua titularidade. O fato de permitirem as leis de direito público que se instalem indústrias ou serviços em lugar em que não os havia, ou eram proibidos, de modo nenhum basta para se entender que cessou o direito de vizinhança, pois a permissão somente pode entender-se para eficácia no plano do direito público. Por essa razão, o art. 1.278 do Código Civil estabelece que, se as interferências forem justificadas pelo interesse público, o causador delas terá de pagar ao vizinho, ou vizinhos, indenização cabal. A tolerância às interferências, imposta por decisão judicial, não suprime do vizinho afetado a totalidade do exercício dos direitos de vizinhança. Se o juiz se convencer que a situação é de interferência que deva ser tolerada, considerando que o prejuízo à saúde, ou ao sossego, ou à segurança é fato, o vizinho afetado tem direito de exigir sua redução ou eliminação, quando estas se tornarem possíveis, a qualquer tempo. Cabe-lhe o ônus de provar tal possibilidade, o que demonstra que a decisão judicial não é definitiva, mas sim alterável rebus sic stantibus, de acordo com as circunstâncias supervenientes. É imensa a casuística dos tribunais sobre o que se considera uso anormal da propriedade: a fumaça que invade os imóveis vizinhos, a queima de material inflamável, o badalar de sinos de igrejas sem necessidade de culto, a poluição das águas, os odores fortes, o canto alto de aves, as águas não tratadas que facilitam a proliferação de mosquitos transmissores de doenças, a pulverização com inseticidas, a manutenção de fossa junto ao prédio de outrem, o barulho excessivo em bares, festas e cultos religiosos, a prostituição em imóveis residenciais, a guarda e manuseio de explosivos, produtos químicos e agrotóxicos. No caso dos cultos religiosos, a liberdade de religião há de se harmonizar com os direitos de vizinhança. Saúde é direito fundamental, constitucionalmente tutelado, abrangente do físico ou da mente. A saúde psicofísica não pode ser prejudicada, por conduta de terceiro vizinho, quando a conduta é evitável. A saúde é de quem habita ou tem de frequentar o imóvel. Segurança é material e moral, tanto do imóvel Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 71 quanto de quem o habita. Sossego é a tranquilidade normal que a pessoa tem como legítima expectativa de usufruir em sua habitação. Sossego não é ausência de barulho, mas convivência com barulho por todos tolerável. O barulho que se tolera de dia não é tolerável à noite. O sossego é comprometido não apenas pelo som insuportável, mas também pela luz, pelos odores e por outros motivos de inquietação. O barulho é, certamente, o maior problema decorrente dos crescentes adensamentos populacionais em áreas urbanas. Os prédios, cada vez mais altos e próximos, e os apartamentos cada vez menores, desafiam os limites da suportação dos sons provocados pela utilização das propriedades vizinhas. O barulho adoece e compromete a qualidade de vida. De acordo com estudos referidos pela revista de saúde The Lancet (v. 383, p. 1.270, abr. 2014), o barulho pode provocar irritação e perturbação do sono, aumentando a prevalência de estresse, doença cardiovascular e mortalidade nos grupos expostos. Em crianças, o ruído ambiental também pode afetar negativamente os resultados de aprendizagem e o desempenho cognitivo. Segundo os estudos, mesmo quando não é forte, o ruído pode perturbar o sono, desencadeando reações no organismo, como aceleração dos batimentos cardíacos. O Código Civil assegura ao proprietário ou possuidor direto do imóvel o direito e a pretensão a que o dono do imóvel vizinho promova a demolição ou a reparação necessária deste, quando haja ameaça de ruína. Pode, conjuntamente, exigir caução pelo dano que julga iminente, também conhecida como caução de dano infecto. A caução tem como pressupostos a grande probabilidade do dano e antecipação da indenização. O vizinho, a quem cabe demolir ou reparar, não pode definir quais as medidas que julgar adequadas. Também pode o proprietário ou possuidor do imóvel exigir do vizinho, que esteja a promover construção nova em terreno deste, garantias contra prejuízo eventual, em caso de dano iminente ou provável. Pouco importa que a obra tenha recebido autorização da administração pública competente, ou alvará de construção, ou que o vizinho comprove que observa o projeto assim aprovado, ou que não teve culpa. Se ficar constatada a probabilidade de dano iminente, é lícito ao vizinho, sob risco, exigir garantias, que podem ser fiança pessoal, caução em dinheiro, penhor, hipoteca, seguro ou fiança bancária. Não se obsta a obra, mas a garantia tem por fito prevenir sua segurança. No caso de Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 72 recusa à prestação de garantia, cabe ação judicial para sua obtenção. Enquanto não se constrói a obra, o direito do vizinho pode ser exercido para que se abstenha. Se já construiu, constatado o dano iminente, a pretensão é para a demolição ou reparação necessária antes de qualquer dano. A pretensão ou exigibilidade, no âmbito extrajudicial, e a ação judicial pelo uso anormal da propriedade, podem ser dirigidas contra o proprietário do imóvel, fonte das interferências prejudiciais, ainda que o causador seja locatário ou outro possuidor direto (por exemplo, usufrutuário, usuário, comodatário). Do mesmo modo, a pretensão e a ação judicial podem ser dirigidas ao possuidor direto, pois a obrigação de não causar interferências não é apenas do proprietário, mas de quem esteja na qualidade de vizinho. A legitimidade passiva expandida, na ação judicial, tem sido admitida pelos tribunais (STJ, REsp 480.621 e REsp 622.203). O uso é também anormal quando viola princípios fundamentais da Constituição, tais como a garantia da vida privada, da intimidade, da inviolabilidade da moradia e da proteção do meio ambiente. O Código Florestal (Lei nº 12.651, de 2012) considera que, na utilização e exploração da vegetação, as ações ou omissões contrárias às suas disposições são consideradas uso irregular da propriedade, conceito análogo ao do uso anormal, passíveis, além de responsabilidade civil, de sanções de caráter administrativo, civil e penal. As obrigações previstas na Lei nº 12.651 têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural, ou seja, não podem ser afastadas por ato de autonomia privada. 3. Árvores limítrofes As árvores integram o imóvel, quando localizadas dentro de seus limites. O direito distribui as titularidades, quando as árvores têm seu tronco na linha divisória, quando as raízes e galhos de árvores ultrapassam os limites e alcançam o imóvel vizinho e quando os frutos estão pendentes ou caídos no imóvel vizinho, que são fontes permanentes de conflitos. Essa matéria não diz respeito apenas ao conflito entre particulares, mas também à proteção do meio ambiente, que sobre aquele prevalece. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 73 Há presunção legal de pertencimento da árvore a ambos os titulares de imóveis vizinhos, quando o tronco situa-se na linha divisória entre eles, tendo em vista sua função de marco divisório. Pouco importa que o tronco esteja mais em um imóvel que em outro. O tronco, para ser considerado comum, deve estar na linha divisória em sua parte mais próxima da raiz. Cada vizinho é dono de metade, em parte indivisível. Não é comum a árvore se o tronco enraíza-se inteiramente em um imóvel e inclina-se sobre o outro. A lei (CC, art. 1.282) alude a tronco de árvore, mas há plantas que não são árvores, como as palmeiras, principalmente os coqueiros, cujas plantações são comuns no litoral tropical brasileiro. Não são consideradas árvore porque estas se caracterizam pelo crescimento do diâmetro do seu caule para a formação do tronco, que produz a madeira e tal não acontece com as palmeiras. Para os fins da lei, no entanto, as palmeiras se enquadram no conceito genérico de árvore. Quando a árvore cresce, pode vergar-se para um dos lados, podendo, inclusive, ultrapassar a linha divisória, no espaço aéreo; ainda assim, pertence exclusivamente ao titular do imóvel onde estão suas raízes. Quando a árvore inclina seu tronco sobre o imóvel vizinho, causando-lhe prejuízos (por exemplo, quedas dos frutos ou palhas do coqueiro sobre telhado), o titular prejudicado tem pretensão à indenização. A pretensão ao corte da árvore depende de parecer favorável das autoridades ambientais, quanto ao risco de tombar, causando prejuízo aos que forem por ela alcançados, ou de decisão judicial. O Código Civil mantém antiga regra, anterior ao advento do direito ambiental, autorizativa do corte das raízes e ramos de árvores que ultrapassem o limite do imóvel, pressupondo-se a existência de dano ou risco de dano para o imóvel vizinho. O corte da raiz ou das raízes, que assim ultrapassam os limites, pelo titular do terreno invadido, pode acarretar a morte do vegetal, mas essa é uma possível consequência que a lei desconsidera. A norma legal alude a ramos e raízes, não se admitindo o corte do tronco ou parte do tronco. O vizinho tem direito de se apropriar dos galhos e raízes que cortar, sem necessidade de justificar ou alegar dano. Tem sido decidido ser dispensável o pedido de autorização judicial para fazer o corte, que já é dada por lei. O direito ao corte dos galhos e raízes não é admitido por algumas legislações estrangeiras e outras o condicionam à prova de que são prejudiciais. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 74 Com relação aos frutos, os que estão pendentes não podem ser colhidos pelo titular do terreno sobre o qual parte da árvore se projeta; o dono da árvore pode colhê-los, se for possível fazê-lo a partir de seu próprio imóvel. Porém, os frutos que caírem sobre o terreno vizinho passam a pertencer ao titular deste, que livremente os pode recolher e dar o destino que pretender. O fato do pertencimento é a queda sobre o terreno do vizinho. Nesse sentido, Pontes de Miranda7: o direito de propriedade, no caso dos frutos caídos, não é oriundo do direito de apropriação, mas de fato jurídico stricto sensu, tal como acontece com a propriedade dos frutos da árvore que caem. A queda dos frutos é natural, não pode ser provocada, tal como sacudir os galhos ou a árvore. Para Serpa Lopes8, a solução do direito brasileiro é contrária à doutrina romanista, consistente em manter no dono da árvore a propriedade dos frutos, mesmo quando caídos além dos limites de sua propriedade. Os romanos entendiam que o dono da árvore tinha o direito de colher e recolher os frutos que se encontrassem no terreno do vizinho. O Código Civil português prevê, igualmente, o direito à apanha dos frutos, que pode ser exigível contra o vizinho, sendo responsável pelo prejuízo que causar. A norma do Código Civil brasileiro alude apenas ao vizinho particular; assim, se os frutos caírem em terreno pertencente ao domínio público, eles continuam na titularidade do dono da árvore, que os pode recolher. 4. Passagem forçada Todo aquele que é titular de imóvel encravado em outro ou que tenha necessariamente de passar por outro imóvel para alcançar as vias públicas de circulação ou os espaços públicos, ou para se chegar à fonte de água, tem direito à passagem forçada. Esse direito não se confunde com a servidão de passagem, pois esta pode ser instituída ainda que não seja caminho necessário. A passagem forçada, típico direito de vizinhança, é limitação ao direito de propriedade. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, v. 13, p. 485. 8 LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1992, v. 2, p. 526. 7 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 75 Funda-se, segundo Caio Mário da Silva Pereira9, no princípio da solidariedade social, com origem no direito medieval. A pretensão a que o vizinho suporte a passagem é imprescritível. O direito de passagem existe por força de lei, não necessitando de registro para que produza seus efeitos. Os requisitos são: (1) Falta ou perda de acesso a via pública, nascente de água ou porto; (2) constrangimento ao vizinho para que assegure a passagem; (3) pagamento de indenização ao vizinho. A passagem forçada é suportada pelo imóvel, através do qual o caminho necessariamente se dá, de acordo com condições e cultura do lugar. Ainda que o imóvel beneficiado com a passagem forçada seja circundado por outro ou por outros imóveis, o titular do imóvel que a suporta não pode se valer dessa circunstância para negá-la, pois o critério é o que a lei determina: sofre o constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem. É o critério da utilidade e do menor custo para ambas as partes. Se o caminho ainda não existir, terá seu rumo fixado pelo juiz, que se valerá, se preciso for, de perícia. A oposição ou a dificuldade postas pelo vizinho caracterizam ilícito, qualificado como abuso do direito, fazendo nascer a ação. Por ser limitação legal ao direito de propriedade, mister se faz a prova de sua necessidade. Numa era em que a técnica da engenharia dominou a natureza, a noção de imóvel encravado já não existe em termos absolutos e deve ser inspirada pela motivação do instituto da passagem forçada, que deita raízes na supremacia do interesse público; juridicamente, encravado é o imóvel cujo acesso por meios terrestres exige do respectivo proprietário despesas excessivas para que cumpra a função social sem inutilizar o terreno do vizinho, que em qualquer caso será indenizado pela só limitação do domínio (STJ, REsp 316.336). O Código Civil de 2002 abandonou o requisito do imóvel encravado no outro, optando pela inexistência ou perda de acesso a via pública, nascente ou porto. Esclarece o enunciado 88 das Jornadas de Direito Civil, do CJF/STJ: o direito de passagem forçada também é garantido nos casos em que o acesso à via pública for insuficiente ou inadequado, consideradas, inclusive, as PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Revista e atualizada por Carlos Edison do Rego Monteiro Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2009, v. IV, p. 186. 9 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 76 necessidades de exploração econômica. Na mesma direção, tem sido decidido que cabe a passagem forçada quando o acesso à via pública seja perigoso ou insuficiente. Essa interpretação extensiva da norma legal é a que melhor realiza a função social da propriedade. Porém, se o proprietário ou possuidor tem servidão de caminho por outro imóvel, presume-se não precisar do acesso forçado. Tampouco basta, para se reconhecer o direito de passagem forçada, a comodidade em se encurtar a distância entre o imóvel e a via pública, ou a mera tolerância do vizinho; a necessidade há de ser provada. Se a perda de acesso resultar de alienação parcial e divisão de um imóvel, se constrangerá à passagem uma das suas partes, sem agravamento para a situação de terceiros. O titular da parte que ficou com o acesso, será constrangido a permitir a passagem ao titular ou possuidor da parte que o perdeu. Essa situação ocorre, com frequência, quando se extingue condomínio comum, pela divisão entre os ex-condôminos; nem sempre é possível divisão cômoda que permita o acesso a via pública a todas as partes resultantes. Se não houver explicitação da passagem, esta será determinada judicialmente. O imóvel (primeiro), cuja parte foi alienada a terceiro, poderia já utilizar passagem forçada sobre terreno do vizinho (segundo). A alienação da parte do primeiro imóvel não pode agravar a situação do segundo imóvel, que já suportava a passagem forçada. O titular do segundo imóvel não está obrigado a tolerar nova passagem forçada. O rumo permanecerá o mesmo, ainda que o adquirente tenha de passar, também, pela parte restante do primeiro imóvel. É admissível que o caminho tradicionalmente utilizado pelo titular do imóvel como passagem forçada possa ser modificado, se não causar prejuízo ou agravar a passagem. Tal ocorre quando o titular do imóvel que suporta a passagem forçada necessita ocupar o rumo utilizado, ou parte dele, para construção de obras ou para expansão de suas atividades. A mudança do rumo deve contemplar idênticas condições de passagem para se alcançar a via pública. O direito à passagem forçada pode ser acidental e temporário, quando o acesso a via pública é obstruído, sem culpa do titular do imóvel. Exemplifique-se com inundação de rio ou queda de barreira, impedindo o acesso tradicionalmente utilizado. O direito de passagem perdurará até que o acesso originário possa ser reutilizado, em condições normais. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 77 O direito à passagem forçada não é gratuito. O que a obtiver deverá indenizar o titular do imóvel que tiver de suportá-la. Não é indenização para expropriação, pois o trecho utilizado não se transfere para a titularidade de quem a utiliza. É indenização pela limitação da propriedade. A hipótese é de responsabilidade pela indenização do uso. A indenização será fixada por acordo mútuo ou pelo juiz, podendo ser paga de uma só vez, ou em parcelas ou mediante renda. Ainda que a perda do acesso tenha causa que possa ser imputável ao titular do próprio imóvel, persiste o direito à passagem forçada. O Código Civil de 2002 não reproduziu norma da legislação anterior, que previa o pagamento em dobro da indenização, se a perda fosse por culpa do interessado. O exercício da pretensão à passagem forçada não depende de prévia oferta do valor da indenização, pois esta é um direito do vizinho que suporta a limitação, podendo exercê-lo ou não. 5. Passagem de cabos e tubulações Além do trânsito ou passagem forçada de pessoas, a lei prevê tipo específico de passagem permanente de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos por imóveis, para fins de transmissão de energia, gás ou meios de comunicação. As relações jurídicas decorrentes não são exclusivamente de direito civil, pois há interferências do direito público administrativo. São requisitos: (1) Dever de tolerância da passagem das instalações pelos imóveis particulares; (2) Utilidade pública dos serviços que os utilizam; (3) Demonstração de que a transmissão fora do imóvel é impossível ou excessivamente onerosa; (4) Indenização. Superada a fase da concepção absolutista da propriedade, tem-se como indeclinável o dever de tolerar que sobre o imóvel passem meios de transmissão de fontes e serviços essenciais à vida contemporânea. As instalações podem passar pelo espaço aéreo, ou sobre o solo ou pelo subterrâneo do imóvel, não se contendo nas instalações subterrâneas, pois a alusão a estas feita pelo Código Civil não as restringe. Trata-se de limitação à propriedade, que não se confunde com desapropriação. O imóvel permanece sob a titularidade do proprietário, mas sujeito a restrição de uso, que é o de suportar a passagem das instalações e de Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 78 não criar dificuldades ou riscos a suas finalidades. Algumas, como os cabos aéreos de transmissão de energia, não impedem que atividades agrícolas continuem sob eles; outros trazem potencial de risco maior, com vedação de edificações, como os condutos de gás. As empresas titulares dos meios de transmissão, ainda que regidas pelo direito privado, prestam serviços públicos autorizados, fiscalizados ou concedidos pela administração pública. Os trajetos pelos imóveis são definidos pela administração pública competente, ou pela própria empresa, quando recebe delegação de competência para isso. Não pode o proprietário contestálos ou indicar outros rumos, que julgue mais convenientes. Pode, no entanto, demonstrar em juízo que a passagem fora de seu imóvel se faz possível e menos onerosa, pois a lei (CC, art. 1.286) abriu essa possibilidade, quando alude que o é excessivamente oneros ”. P í “q í q çã modo menos gravoso no imóvel, se possível for e assim demonstrar. Depois de feitas as instalações, pode exigir que sejam removidas para outro local do imóvel, ficando sob seu encargo as despesas correspondentes. Pode, por fim, exigir obras de segurança, se as instalações oferecerem grave risco, tais como cercados, redes de proteção, construção de coberturas. Embora não haja desapropriação da área a ser utilizada, o dever de utilizar a passagem das instalações e a restrição ao uso correspondente do imóvel importam o pagamento de indenização compatível. O valor da indenização deve levar em conta a desvalorização que sofrerá o imóvel, como um todo, as limitações e restrições ao uso e o dano emergente no local da passagem. As instalações apenas poderão ser feitas após o pagamento da indenização, fixada amigável ou judicialmente, segundo os critérios adotados para desapropriação. 6. Águas e vizinhança As águas, potáveis ou servidas, que atravessam imóveis vizinhos impõem disciplina que previnam ou resolvam conflitos entre os respectivos titulares, proprietários ou possuidores. Não se trata de servidão, mas sim de direito de vizinhança, direito dependente, contido no direito de propriedade, Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 79 correspondente à limitação que sofre, em seu conteúdo, o direito de propriedade do imóvel vizinho. A lei (CC, art. 1.288) pressupõe a existência de desníveis de solos, porque as águas seguem a gravidade, qualificando-se os imóveis vizinhos em superiores e inferiores. Interessa saber até que ponto os titulares dos imóveis inferiores e, eventualmente, superiores têm de suportar o curso dessas águas ou, ante a crescente escassez, a falta ou redução delas, por fatos imputáveis aos titulares dos demais imóveis. O dever de não impedir o curso natural é dever de vizinhança. Em matéria de águas, as intercessões entre o direito privado e o direito público são intensas. As águas públicas integram o domínio da União ou dos Estados membros (CF, arts. 20 e 26), não sendo reguladas pelo direito civil. A Constituição deixou pouco para o domínio privado das águas, pois o art. 26 E “ subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as U ã ”. A çã particulares ou das águas públicas pelos particulares, além das normas de direito civil, compreende o que dispõe o Código de Águas (Decreto nº 24.643, de 1934, com força de lei) e a Lei nº 9.433, de 1997, sobre a outorga de uso dos recursos hídricos. Esta última lei estabelece (art. 1º) que a água é um bem público de uso comum, sem qualquer ressalva, o que importa dizer que ninguém pode se apropriar de águas nascentes, correntes ou subterrâneas para seu uso exclusivo e privativo, sem outorga pública. O titular do imóvel superior não pode realizar obras ou serviços que impeçam ou reduzam, injustificadamente, o fluxo das águas, em prejuízo do titular do imóvel inferior, que delas também necessita. Se fizer obras para facilitar o escoamento, deverá proceder de modo que não piore a condição anterior do outro. Não pode o titular do imóvel superior desviar as águas que corriam para dois ou mais imóveis e as deixar correr para um ou alguns, nem mudar a direção agravando a situação do imóvel inferior. O titular do imóvel inferior não pode impedir ou reduzir, injustificadamente, o fluxo natural das águas que descem do imóvel superior, sejam elas pluviais ou de nascentes. Não pode construir obras que façam com que as águas retornem ao imóvel superior, tais como barragens com esse propósito, ou fazê-las voltar para a parte mais baixa do imóvel superior, além de Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 80 estar obrigado a permitir que o titular do imóvel superior entre em seu imóvel para executar serviços de conservação e manutenção, de modo a que o fluxo natural não seja comprometido. Este é o dever legal de escoamento. Só há dever de escoamento das águas do fluxo natural; não assim se as águas que descerem forem acumuladas artificialmente pelo titular do imóvel superior, como as provenientes de poços, ou encanadas, ou decorrentes de obras de irrigação, ainda que tenham sido utilizadas para suas atividades ou lazer. O titular do imóvel inferior poderá exigir que essas águas sejam desviadas, além de indenização pelos danos causados. Porém, se este tiver obtido algum beneficiamento das águas assim recebidas, a indenização será reduzida nessa exata medida. As águas pluviais, ou seja, as que procedem imediatamente das chuvas, de acordo com o Código de Águas, pertencem ao dono do imóvel onde caírem diretamente, mas não lhe é permitido desperdiçá-las em prejuízo dos outros imóveis que delas possam aproveitar, sob pena de indenização aos respectivos proprietários, ou desviá-las de seu curso natural, sem consentimento expresso dos que esperam recebê-las. O direito ao uso das águas pluviais é imprescritível. Ninguém pode poluir as águas que não consome, com prejuízo de terceiros, máxime quando estes forem possuidores de imóveis inferiores. Segundo o Código de Águas (art. 110), os trabalhos para a salubridade das águas serão executados à custa dos infratores, que, além da responsabilidade criminal, se houver, responderão pelas perdas e danos que causarem e pelas multas que lhes forem impostas nos regulamentos administrativos. Regra conexa do Código Civil (art. 1.291) estabelece que as “q ” ó ã ressarcindo os danos sofridos pelos titulares dos imóveis inferiores, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas. Não há direito a poluir, em desafio ao art. 225 da Constituição. As duas regras hão de ser interpretadas conjugadamente, ou seja, ninguém pode poluir as águas e se o fizer responde pelos deveres de indenização dos danos materiais e morais causados aos prejudicados, de recuperação das águas e de desvio do curso artificial das águas, além de responder administrativa e criminalmente. É assegurado ao titular de qualquer imóvel (superior ou inferior) o direito de construir barragens e açudes. As obras podem ter a finalidade de Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 81 represamento de águas pluviais ou particulares correntes. As barragens e açudes devem conter as águas nos limites do imóvel do titular. Se os ultrapassar, deverá indenizar os danos sofridos pelos vizinhos, deduzindo-se os que estes passaram a ter de efetivo proveito, em homenagem ao princípio da vedação do enriquecimento sem causa. A dedução leva em conta apenas o benefício sob a ótica do titular cujo imóvel foi invadido pelas águas, e não de quem fez o represamento. As águas podem não provocar qualquer benefício, se destruir, por exemplo, plantações. A invasão das águas é fato objetivo, que independe de demonstração de culpa. A “ q q q ” aqueduto através de imóveis alheios, para receber águas, observados os seguintes requisitos: (1) pagamento de prévia indenização; (2) finalidades de atendimento das primeiras necessidades da vida, ou de escoamento de águas supérfluas, ou de drenagem de seu terreno; (3) não causar prejuízos consideráveis à agricultura ou a indústria dos titulares dos imóveis onde deva passar o canal. Sem a prévia indenização ao ou aos proprietários prejudicados, não pode iniciar a construção do canal. A indenização deve ser ajustada entre as partes; se não houver acordo, decidirá o juiz sobre o valor. O pagamento da indenização não tem finalidade expropriatória, mas sim de compensação pela limitação da propriedade; a faixa do imóvel por onde passar o canal continuará sob titularidade do dono respectivo. Para Pontes de Miranda, rigorosamente não é de indenização que se trata, mas sim de composição de interesses, diante da inevitabilidade do entrechoque dos direitos10. Primeiras necessidades dizem respeito ao consumo humano dos que vivem e trabalham no imóvel interessado e à manutenção básica das atividades pecuárias ou agrícolas. As águas supérfluas são as de captação natural que excedem as necessidades das atividades desenvolvidas no imóvel; não são assim consideradas as águas servidas, que devem ser absorvidas no próprio terreno ou canalizadas para a rede pública de coleta e saneamento, quando houver. A drenagem do terreno pantanoso ou alagadiço só autoriza a canalização pelo terreno vizinho se não for PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, v. 13, p. 517. 10 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 82 possível ser feita e absorvida a água no mesmo terreno, ou não forem viáveis processos de enxugo, além de estar em conformidade com a legislação ambiental. O proprietário de uma nascente não pode desviar-lhe o curso, se esta servir para abastecimento da população (Código de Águas, art. 94). O usuário do canal ou aqueduto tem o direito e o dever de conservá-los e mantê-los em condições adequadas, para suas finalidades e para evitar riscos de danos aos proprietários em cujos imóveis atravessem. O prejuízo do proprietário em cujo imóvel atravessa o canal é objetivo e . “I ã çã ó corresponde, isto sim, à possibilidade de superação dos meandros subjetivos ”11. Ao proprietário prejudicado com o canal ou aqueduto cabe, além da indenização prévia: (1) direito ao ressarcimento pelos danos futuros, em virtude infiltração ou irrupção das águas, independentemente da conservação da obra, ou de sua deterioração; (2) direito de exigir do proprietário beneficiário que a canalização seja subterrânea, quando atravessar áreas edificadas, pátios, hortas, jardins e quintais. Pode, por exclusão, ser superficial quando atravessar áreas agrícolas; (3) direito de compensação pela desvalorização da área remanescente, notadamente quando se tornar inaproveitável; (4) direito de exigir que a canalização seja feita de modo menos gravoso no imóvel onde deva atravessar; (5) direito de remoção da canalização para outro lugar, assumindo as despesas decorrentes; (6) direito de exigir obras de segurança, se a canalização oferecer grave risco. O direito ao canal ou aqueduto, em virtude de sua natureza de limitação à propriedade para satisfação de interesses particulares, apenas existe para as finalidades explicitadas na lei, não sendo admissível para outras, inclusive para fins de expansão de atividades. A lei (CC, art. 1.293) não alude às finalidades de agricultura ou indústria. Há entendimento, todavia, estampado no enunciado 245 das Jornadas de Direito Civil, do CJF/STJ, de que a norma legal não exclui a possibilidade de canalização forçada pelo vizinho, com prévia indenização aos proprietários prejudicados. 11 FACHIN, Luiz Edson. Comentários ao Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 116. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 83 Terceiros podem se utilizar das águas canalizadas, que sejam consideradas supérfluas, ou seja, não necessárias às finalidades do beneficiário. Nessa hipótese, será devida indenização a ser compartilhada pelo proprietário beneficiário e o proprietário prejudicado. Estabeleceu a lei, como parâmetro, a importância equivalente às despesas que seriam necessárias para condução das águas retiradas por terceiros, se elas chegassem ao destino. A preferência para utilização das águas supérfluas é a do proprietário ou possuidor prejudicado pela canalização. 7. Limites entre prédios e direito de cercar ou murar O proprietário ou possuidor pode demarcar e cercar o imóvel, nos seus limites com os dos vizinhos confinantes. O fim social da norma legal é prevenir os conflitos que as incertezas dos limites provocam e de estabelecer critérios para a solução desses conflitos. Cerca é conceito amplo, abrangente de outros termos utilizados pela lei, como muro, vala, valado, tapagem, sebe, intervalos, banquetas, além de outras expressões regionais. O Código Civil alude a “ ” í q significava exatamente cerca. Nas Ordenações Filipinas (Liv. II, Tít. 48, § 4º) há “ h ” .O de cercar assenta-se na necessidade, não sendo cabível para fins de maior comodidade ou de estética. A demarcação tem por finalidade evitar a confusão de limites, ou por fim à confusão já ocorrida. São legitimados a promover e a responder a ação, que é declaratória, o proprietário, ou o possuidor, ou o titular de direito real limitado, pois a lei (CC, art. 1.297) alude a confinante. O direito à demarcação importa o de constrangimento aos vizinhos confinantes de procedê-la amigável ou judicialmente, quando os rumos ou marcos estejam destruídos, apagados ou confusos. Intenta-se, com a demarcação, aviventar e tornar indiscutíveis os marcos e rumos. As despesas da demarcação amigável ou judicial, inclusive com os serviços de técnicos ou peritos, são repartidas entre os vizinhos confrontantes. O direito de cercar é dependente da definição precisa dos limites, operada pela demarcação. A lei (CC, art. 1.298) estabelece três critérios sucessivos para a demarcação, quando Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 84 os limites estiverem confusos e os marcos indefinidos ou desaparecidos: (1) Prevalecimento da posse justa (não violenta, precária ou clandestina) do confinante que a tenha; (2) Se ambos os confinantes forem titulares de posses justas, a parte contestada será dividida por igual entre os confinantes, passando a linha divisória no meio dela; (3) Se a divisão pelo meio não puder ser feita, a parte contestada será adjudicada a um dos confinantes, que deverá indenizar o outro. As cercas já existentes, em qualquer de suas modalidades (muros de alvenaria ou concreto, sebes vivas, cercas de arame ou madeira, valas) têm a presunção legal de pertencerem em comum aos vizinhos confinantes. A presunção de condomínio é relativa (juris tantum), pois podem ter sido feitas por um dos vizinhos dentro dos limites de seu imóvel, pertencendo-lhe inteiramente. Podem ter sido feitas sobre a precisa linha divisória por um dos vizinhos, com seus próprios recursos; nesta hipótese, pode cobrar do outro vizinho a meação das despesas, uma vez que a cerca passa à titularidade de ambos. Cercar é direito e não obrigação, disse Darci Bessone12 “ zã pode o proprietário abster- ó q ”. P é obrigação do confinante de concorrer com as despesas de construção e conservação das divisórias resulta diretamente da lei, não se condicionando a que haja prévio consentimento; cumpre a quem as realize demonstrar que se faziam necessárias, no momento em que foram efetuadas. É direito e dever de vizinhança decorrente da limitação ao conteúdo do direito de propriedade: cada confinante é obrigado a concorrer em partes iguais para as despesas de construção e conservação. Essa obrigação, de natureza objetiva, prevaleceu nos tribunais, antes mesmo do Código Civil de 2002, a exemplo do STJ (REsp 20.315 e REsp 238.559). Qual o meio que vai ser empregado (tipo de cerca, muro, sebe) depende dos usos locais, ou da natureza da construção limítrofe. A demarcação é cabível, mesmo quando definidos os limites divisórios, quando ainda restem dúvidas sobre sua precisão, notadamente havendo divergência entre o título de propriedade e as divisas. Nesse sentido, decidiu o STJ (REsp 759.018) que havendo divergência entre a verdadeira linha de confrontação dos imóveis e os correspondentes limites fixados no título 12 BESSONE, Darci. Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 254. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 85 dominial, é cabível a ação demarcatória para eventual estabelecimento de novos limites. Em áreas rurais, é comum constar em escrituras públicas e registros imobiliários determinadas plantas, especialmente árvores e sebes vivas, como marcos naturais divisórios dos imóveis, quando não há cerca, ou quando o rumo desta é questionado. Cada uma dessas plantas não pode ser cortada ou arrancada, salvo se houver acordo de ambos os confinantes. Se for arrancada por um deles, o outro poderá provar em juízo sua exata localização, prevalecendo esta contra a que indicar o que arrancou a planta, por pesar-lhe a ilicitude da conduta. Excepcionalmente, há dever e obrigação de cercar do proprietário de animais. Não está obrigado a concorrer com as despesas o proprietário vizinho, que exigir a realização de cerca especial para impedir a passagem de animais ao seu imóvel. A cerca é especial em razão dos tipos de animais. Assim, a cerca para animais de maior porte, como gado vacum, é distinta da que se exige para animais de pequeno porte, como os galináceos. As despesas são de responsabilidade do proprietário desses animais, os quais provocaram a necessidade de cerca especial. 8. Direito de construir S í “ ” -se a regulação do direito do possuidor e do proprietário de edificar em seu terreno, observados os limites em relação aos vizinhos, que também estão a ela sujeitos, e as normas instituídas pela administração pública, principalmente o plano diretor, nas áreas urbanas. O direito de construir diz respeito não apenas à edificação nova, como a reforma ou reconstrução de edificações antigas. O direito de construir não se confina ao direito civil, sendo matéria com incidência transversal não apenas do direito urbanístico, como do direito ambiental, do direito de defesa do patrimônio histórico, artístico, paisagístico, turístico e cultural, do direito aeronáutico e outros direitos assemelhados, de ordem pública. Exemplo de limitação administrativa ao direito de construir encontra-se na Súmula 142 do antigo Tribunal Federal de Recursos, segundo a qual a faixa non aedificandi imposta aos terrenos marginais das estradas de Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 86 rodagem, em zona rural, não afeta o domínio do proprietário, nem obriga a qualquer indenização. Com efeito, o proprietário pode plantar nessa faixa, mas não pode edificar, em razão da segurança das pessoas nessas vias. Para além das normas de direito público, interessam ao direito civil as interferências do direito de construir nas relações de vizinhança. Seguindo a tradição arquitetônica portuguesa, as casas e sobrados construídos em áreas centrais das cidades brasileiras eram contíguos ou com recuos estreitos. Daí que se justifique a permanência da regra do art. 1.300 do Código Civil, segundo a qual o proprietário construirá de maneira que o seu prédio não despeje águas diretamente no imóvel vizinho, que se incluía na actio de effusis et dejectis dos romanos. Ou do Código de Águas (art. 105), de que o proprietário edificará de maneira que o beiral de seu telhado não despeje sobre o prédio vizinho, deixando entre este e o beiral, quando por outro modo não o possa evitar, um intervalo de 10 centímetros, quando menos, de modo que as águas se escoem. Quando a legislação municipal admitir que a edificação possa ir até o limite do terreno, terá de ser feita de modo a que as águas pluviais, correntes ou servidas não vertam ou sejam despejadas no imóvel vizinho. As janelas, os terraços cobertos ou descobertos, as sacadas, as varandas, as portas devem distar, ao menos, um metro e meio da linha divisória dos terrenos. Essa regra tem por fito a preservação mínima do direito à privacidade do vizinho, que é constitucionalmente garantida (CF, art. 5º, X) e alcança qualquer abertura superior a dez por vinte centímetros. Admite-se que as janelas ou terraços que não se abram com visão direta do imóvel vizinho, mas sim para dentro do próprio imóvel, possam ser feitos com a distância de setenta e cinco centímetros da linha divisória dos terrenos, o que corresponde à metade da distância anterior, tendo o Código Civil tornado sem efeito a Súmula 414 do STF que não distinguia a visão direta da indireta ou oblíqua. Estima-se que essa redução não prejudicará a privacidade do vizinho, pois a linha de visão não é direta. Na zona rural, amplia-se a distância para três metros, até a linha divisória. O conceito adotado pelo Código Civil é o de zona (urbana ou rural), e não o de destinação, que é preferido pelo direito agrário; assim, ao imóvel com destinação agrícola ou pecuária, mas situado dentro do perímetro urbano fixado pelo Município, aplica-se o recuo menor de metro e meio. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 87 O vizinho tem o prazo de um ano e dia, após a conclusão da obra, para exigir que se desfaça a janela, ou o terraço, ou a varanda, ou a sacada, construídos com distância menor que um metro e meio da linha divisória, se tiverem visão direta sobre seu imóvel, ou de três metros se na zona rural, ou de setenta e cinco centímetros da linha divisória, se não tiverem visão direta sobre seu imóvel, ou do despejo de águas sobre seu imóvel. No âmbito processual, esse embargo é denominado nunciação de obra nova. Esse prazo é preclusivo ou decadencial, não podendo ser interrompido ou suspenso. Considera-se conclusão da obra, para fins de contagem do prazo, a data do habite-se concedido pelo Município, salvo se o vizinho construtor tiver como provar a data efetiva da conclusão e sua ciência pelo vizinho. Conta-se a partir da conclusão de toda a obra e não da construção da janela ou outra abertura. Não se exige a comprovação do devassamento, bastando a construção da janela – terraço, sacada ou varanda - com distância menor que a legal. Se o prazo se escoar, sem ajuizamento da ação pelo vizinho prejudicado, este terá de suportar a obra invasiva, não podendo mais impedir ou dificultar o uso do prédio beneficiado, inclusive o escoamento das águas. O vizinho prejudicado terá, por sua vez, de recuar sua construção nova, de modo a que se mantenha o recuo de um metro e meio (ou três metros); supondo-se que a janela foi aberta com a distância de cinquenta centímetros da linha divisória, na zona urbana, o vizinho prejudicado terá que recuar a parede da edificação nova até um metro dentro de seu próprio terreno, na largura da janela, de modo a que esta mantenha um metro e meio de espaço aberto. O recuo calcula-se a partir da janela ou outra abertura e não da linha divisória. Essa orientação legal foi introduzida na segunda parte do art. 1.302 do Código Civil, contrariando o entendimento jurisprudencial que antes se tinha consolidado, no sentido de o proprietário prejudicado não poder exigir o fechamento, após o escoamento do prazo, mas não estando impedido de construir edificação vedando a abertura. A norma do Código Civil contempla a função social da propriedade, ao contrário do entendimento jurisprudencial anterior, que fazia prevalecer o interesse individual. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 88 A distância de três metros, ou de metro e meio, ou de setenta e cinco centímetros é contada a partir da construção irregular, e não da linha divisória. Segundo orientação doutrinária13, constituiria servidão específica ou direito real sobre coisa alheia; constituída a servidão, alcança-se esse objetivo, em detrimento do imóvel serviente, cujo dono, não tendo embargado oportunamente a construção irregular e não pretendendo, no prazo legal, que se desfizesse, teria de recuar sua própria edificação. Entendemos, todavia, não se tratar de servidão, mas sim de limitação à propriedade, que é o fundamento dos direitos de vizinhança, que independem, inclusive, de registro imobiliário. Também assim entende Pontes de Miranda14, para quem os direitos de construir nascem de limitação ao conteúdo do direito de propriedade; não nasce, com isso, servidão, pois o vizinho apenas perdeu a pretensão ao desfazimento da obra e o dono desta foi beneficiado pela inércia do titular da pretensão contrária a ela. Permite-se que sejam feitas aberturas para luz ou ventilação, com dimensões pequenas, sem respeitar qualquer distância com a linha divisória dos terrenos. Diferentemente das janelas, terraços e varandas que facultam devassar o imóvel vizinho, essas pequenas aberturas não comprometeriam a privacidade dos que o habitam. Permite-se, assim, a iluminação ou a ventilação e, ao mesmo tempo, preserva-se o vizinho do devassamento. A metragem admitida para a abertura é de, no máximo, dez centímetros por vinte centímetros, desde que seja construída a partir da altura de dois metros do chão de cada piso, que supera a altura da quase totalidade das pessoas humanas e impede a visão sobre o vizinho. Não há impedimento para que sejam várias aberturas, para o lado ou para cima. A tecnologia da construção desenvolveu o que denomina de elementos vasados, de cerâmica, concreto, vidro ou madeira, alguns com visão indireta ou impedida, o que melhor contempla os fins sociais da lei. A Súmula 120 do STF já previa que os tijolos de vidro translúcido podiam ser levantados a menos de metro e meio do imóvel vizinho. Também não há impedimento para CHAMOUN, Ebert. Exposição de motivos do esboço do anteprojeto do Código Civil – Direito das Coisas. Revista de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: TJRJ, v. 23, 1970, p. 23. 14 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, v. 13, p. 546 e 569. 13 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 89 que as aberturas sejam construídas em paredes limítrofes, o que tem sido objeto de conflitos. As aberturas de luz ou ventilação, contudo, não geram limitação permanente ao direito de propriedade do vizinho, ao contrário da construção de janelas, varandas e terraços. Ainda que tais aberturas existam por muito tempo, para além de ano e dia, pode o vizinho levantar edificação que as vede, uma vez que não há previsão legal de prazo preclusivo. Não pode o vizinho pretender a demolição ou fechamento de aberturas ou vãos de luz em parede limítrofe, mas ele não está impedido de construir parede que as vedes, sempre que desejar, sem justificação. Escola mantida por instituição considerada de utilidade pública abriu em parede limítrofe vãos de luz e ventilação, em duas salas de aula, utilizando elementos vasados, sem objeção dos vizinhos. Estes, após dez anos, resolveram edificar parede vedando os vãos, tendo a escola ingressado em juízo para impedi-los. Em grau de recurso extraordinário, decidiu o STF (RE 211.385-9) que a garantia da função social da propriedade (CF, art. 5º, XXIII) não afeta as normas de composição do conflito de vizinhança previstas no Có C “ ã ingerência de outro particular em seu poder de uso, pela circunstância de ú h ú ”. Parece-nos, no entanto, que a regra permissiva do art. 1.302, parágrafo único do Código Civil, da desconsideração das aberturas de luz e ventilação, há de ser interpretada em harmonia com o art. 1.278 do Código Civil, o qual estabelece que, se as interferências prejudiciais ao vizinho forem justificadas por interesse público o causador pagar-lhe-á indenização cabal; essa prescrição é geral, não estando adstrita às situações específicas do uso anormal da propriedade. Assim, justificando-se o interesse público, que é o caso da escola referida na decisão do STF - anterior ao início da vigência do atual Código Civil não pode prevalecer o interesse particular do vizinho. Interesse público, para os fins da norma legal, não é o estatal, mas o social, expressado no direito dos alunos de utilizar adequadamente as salas de aula. Para compensar o dever de suportar a interferência, confere-se ao titular do imóvel o direito, a pretensão e a ação da indenização cabal, harmonizando-se direito de propriedade e função social. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 90 O Código Civil de 2002 manteve as regras advindas da legislação anterior sobre o uso pelos vizinhos da mesma parede divisória, ou o condomínio da parede-meia, em homenagem às edificações de casas conjugadas, vindas das tradições coloniais, ainda existentes em muitas cidades brasileiras, de acordo com as respectivas legislações urbanísticas. A matéria retomou sua importância com a proliferação dos condomínios edilícios, em cujos pisos ou andares as paredes divisórias são comuns das unidades imobiliárias. As regras podem ser assim ordenadas: (1) O proprietário ou possuidor tem direito de utilizar a parede divisória, se ela suportar a nova edificação ou reforma, reembolsando ao vizinho metade do valor da parede e do chão correspondente. O vizinho pode travejar na parede-meia, cuja metade foi edificada em seu imóvel, pois, por metade é sua, mas antes há de pagar o meio valor dela. Se o proprietário faz a sua parede só no seu terreno, toda ela é sua. Para Orlando Gomes15, o direito de madeirar ou travejar condiciona-se à conjugação dos seguintes requisitos: a) que o prédio seja urbano; b) que esteja sujeito a alinhamento; c) que a parede divisória pertença ao vizinho; d) que aguente a nova construção; e) que o dono do terreno vago pague meio valor da parede divisória. (2) Quem primeiro construir a parede divisória tem direito de fazê-la por sobre a linha que divide os dois imóveis, ocupando meia espessura do terreno contíguo. O vizinho não perde a titularidade sobre a parte ocupada pela parede, mas, se também a utilizar em edificação sua, terá de pagar a metade do valor da parede ao que a construiu. (3) O vizinho apenas poderá utilizar a parede se ela suportar a nova edificação; se dúvida ou risco houver, poderá quem a construiu exigir do outro que preste garantia; (4) Qualquer dos dois condôminos da parede-meia tem o dever de informar ao outro das obras que desejar fazer, e o dever de GOMES, Orlando. Direitos reais. Revista, atualizada e aumentada por Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 232. 15 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 91 segurança, de modo a não por em risco a parede, com tais obras; (5) Qualquer dos condôminos de parede-meia não pode, sem o consentimento do outro, utilizar a parede para armários ou assemelhados, ou encostar chaminés, fogões (salvo os fogões de cozinha, desde que não sejam prejudiciais ao vizinho), fornos ou aparelhos que possam produzir infiltrações ou interferências prejudiciais. O consentimento não necessita de ser expresso, bastando a aquiescência duradoura ou renúncia do direito. A infiltração ou interferência gera dever de indenizar sem culpa, podendo o prejudicado, ainda, exigir a demolição. Se o dano é provável e iminente, cabe caução de dano infecto; (6) O condômino pode alterar a parede divisória, desde que não prejudique o vizinho e assuma as despesas correspondentes, salvo se o vizinho adquirir meação, com utilização da parte acrescida. Não há condomínio de parede-meia quando a parede é própria do confinante, que a levantou justaposta à do vizinho. Nessa hipótese, salienta Hely Lopes Meyrelles16, não há limitação ao seu uso e nela podem ser embutidos ou encostados quaisquer aparelhos que o proprietário desejar, sem possibilidade de embargo ou caução prévia para prosseguimento das obras. Somente a posteriori poderá o confrontante obter a demolição e a reparação dos danos que tais obras lhe venham a causar, como resultado do uso anormal da propriedade. Com relação às águas de poço e de nascente, proíbe-se que a construção seja causa de sua poluição, se (CC, art. 1.309) forem a ela preexistentes. Esclareça-se que não se extrai dessa norma que haja um bill of indemnity, um poder para poluir, se o poço ou a fonte do vizinho forem posteriores à construção, pois, de acordo com o § 3º do art. 225 da Constituição, as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, em qualquer dimensão, sujeitarão os infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, cuja responsabilidade civil é 16 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de construir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 49. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 92 objetiva. Além da indenização pelos danos, o causador tem o dever legal de demolir a edificação ou a parte dela que os tiver provocado. Igualmente, são proibidas as obras que tirem ao poço ou à nascente a água indispensável às suas necessidades normais. O direito de vizinhança, por parte do que tem a água para suas necessidades, consiste em que ela não seja tirada ou reduzida, de modo a torná-la insuficiente para o uso normal. Vizinho não é necessariamente o contíguo, pois se há o mesmo lençol de água em vários imóveis, todos são legitimados. Note-se, todavia, que o particular tem, apenas, o direito de exploração das águas subterrâneas mediante autorização do Poder Público, cobrada a devida contraprestação, na forma da Lei nº 9.433, de 1997; se não houver autorização, não terá direito contra quem a tenha obtido. Como lembrou o STJ (REsp 1.276.689), a necessidade de outorga para a extração da água do subterrâneo é justificada pela problemática mundial de escassez da água e se coaduna com o advento da Constituição, que passou a considerar a água um recurso limitado, de domínio público. São proibidas as obras que possam provocar desmoronamento ou deslocação de terra, ou que comprometam a segurança dos imóveis vizinhos. Nesses casos, a construção depende da realização de obras acautelatórias, que possam reduzir ou impedir, substancialmente, os riscos de danos. Se, apesar das obras acautelatórias, os danos ocorrerem, o vizinho prejudicado poderá exigir indenização correspondente. A responsabilidade do dono da edificação é objetiva, independentemente de culpa, não sendo atenuantes ou compensatórias as providências que tiver adotado para evitar os danos. É ainda responsável pela demolição da construção, naquilo que tiver provocado os danos. Até à conclusão da obra, cabe a nunciação de obra nova; após a conclusão, é cabível a ação demolitória, dentro do prazo de um ano e dia. A responsabilidade do direito de vizinhança não decorre da ilicitude do ato de construir, e sim da lesividade da construção. Em consequência, investe-se no direito de regresso contra o empreiteiro, projetista, construtor que tenha contratado para execução da obra. Nesse sentido, decidiu o STJ (AgRg no REsp 473.107) que o contrato firmado entre o proprietário da obra e o empreiteiro, quanto à responsabilidade por eventuais danos, não produz efeitos contra terceiros, entretanto assegura o direito de regresso contra o empreiteiro. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 93 O possuidor ou o proprietário tem o dever de tolerância do ingresso em seu imóvel do vizinho, quando este, após comunicação prévia, necessitar reparar, manter, limpar ou reconstruir o prédio, ou instalações deste, ou cerca divisória de qualquer espécie. O ingresso é devido quando for indispensável para tais providências, que não poderão ser executadas a partir do próprio imóvel, salvo com custos muito elevados. Nos condomínios edilícios, por exemplo, as instalações hidrossanitárias, situadas por baixo do piso, apenas podem ser consertadas a partir do teto da unidade inferior. O direito de ingresso é também assegurado quando o proprietário ou possuidor necessitar retirar suas coisas, inclusive animais, que eventualmente tenham ido ou caído no imóvel vizinho. O direito de ingresso não é indiscriminado e deve ser exercido de modo mais cômodo possível, preferentemente em horários combinados, ou fora dos horários de repouso e alimentação habituais. O direito de ingresso pode ser impedido se o vizinho tomar a iniciativa de entregar as coisas buscadas, pois não se admite o abuso do direito subjetivo. Em qualquer hipótese, se o exercício do direito de ingresso causar danos ao vizinho, este tem pretensão à indenização correspondente. O direito de ingresso, em qualquer circunstância, é dependente de consentimento de quem habite o imóvel onde as obras devam ser feitas ou onde as coisas devam ser retiradas. Se houver recusa, o ingresso dependerá de decisão j . A é q C çã ( . 5º XI) q “ casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o di çã Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 ”. 94 CONTRATOS ELETRÔNICOS E CONSUMO Anderson Schreiber1 Resumo: O artigo analisa o tratamento jurídico dos contratos eletrônicos, à luz do ordenamento brasileiro, em especial nas relações de consumo. Examina controvérsias relacionados à formação dos contratos, ao direito de arrependimento e à publicidade eletrônica, colhendo parâmetros também na experiência jurídica estrangeira. Palavras-chave: Contratos Eletrônicos; Direito do Consumidor; Direito de Arrependimento; Formação dos Contratos; Publicidade Eletrônica; Consumismo na Internet Abstract: The article provides a legal analysis of electronic contracts, under Brazilian law, with special emphasis on business-to-consumer relationships. Contract formation, right of withdrawal and electronic marketing are some of the issues examined on the article, also in light of the standards used on foreign legal experience. Key-Words: Electronic Contracts; Consumer Law; Right of Withdrawal; Contract Formation; Electronic Marketing; Consumism on the Internet Sumário: 1. O comércio eletrônico no Brasil. – 2. Os chamados contratos eletrônicos e os desafios trazidos pela contratação via internet. – 2.1. Quem contrata. Semianonimato virtual e o dever de identificação do fornecedor eletrônico. – 2.2. Onde contrata. A transnacionalidade do contrato eletrônico e o problema da lei aplicável. Stream of commerce e as normas de ordem pública. – 2.3. Quando contrata. Momento de formação do contrato eletrônico e o dever de confirmação de recebimento da aceitação à oferta. – 2.4. Como contrata. A Professor de Direito Civil da UERJ. Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Doutor em Direito Privado Comparado pela Università degli studi del Molise (Itália). Mestre em Direito Civil pela UERJ. Autor dos livros Direito Civil e Constituição e Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil, entre outros. 1 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 95 informalidade do contrato eletrônico e sua prova. – 2.5. O quê contrata. A paradoxal insuficiência da informação no ambiente eletrônico. Publicidade na internet e outras técnicas de incentivo ao consumo. – 3. Direito de arrependimento. Tratamento da matéria no direito brasileiro: Lei 8.078/1990 e Decreto 7.962/2013. Experiência estrangeira: Diretiva 2011/83/CE. Análise comparativa. – 4. Conclusão. “There is no spoon” (Matrix, 1999) 1. O comércio eletrônico no Brasil2 O comércio eletrônico ou e-commerce movimenta bilhões de reais por ano no Brasil. Embora sua parcela mais significativa, sob o prisma econômico, ainda seja representada por operações comerciais realizadas entre os próprios fornecedores, também chamadas relações B2B (sigla em inglês para a expressão business to business), o faturamento do varejo eletrônico ou B2C (business to consumer) tem crescido exponencialmente entre nós.3 Um número cada vez maior de consumidores brasileiros adquire produtos e serviços por meio da internet. O Brasil representa, segundo diversas pesquisas, o maior e mais promissor mercado de e-commerce da América Latina, seguido por México e Chile.4 Teoricamente, o consumidor brasileiro deveria ter mais facilidade de exercer seus direitos no ambiente eletrônico. Sua comunicação com o fornecedor deveria ser mais ágil e célere, por força das tecnologias de comunicação à distância (e-mail) e interativa (chat). As informações sobre o O autor registra seu agradecimento ao acadêmico de Direito Robson Guimarães Filho, pelo imprescindível auxílio nas pesquisas relativas ao comércio eletrônico e ao tratamento atualmente dispensado à matéria pelos tribunais brasileiros. 3 Segundo dados da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, o setor B2C foi responsável por um faturamento de 22,5 bilhões de reais no ano de 2012, alcançando um total de 66,7 milhões de pedidos (www.camara-e.net, 20.3.2013). 4 Além disso, o Brasil possui, segundo estudo realizado em 2010, o melhor índice de e-readiness da América Latina. Tal índice procura refletir, por meio da combinação de uma série de variáveis (potencial de demanda, infraestrutura tecnológica, penetração dos diferentes meios de pagamento etc.), a capacidade de cada país para a conversão da internet em um meio efetivo de comércio (relatório da América Economia Intelligence, disponível em www.ecommerceday.mx). 2 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 96 produto ou serviço contratado deveriam ser, em tese, mais amplas e mais acessíveis, já que, ao contrário do que ocorre no comércio tradicional, não há limite físico-espacial para a exposição de dados sobre o objeto da compra. O mesmo vale para os termos contratuais, que podem ser disponibilizados na internet sem a necessidade de um suporte físico em papel e com o auxílio de realces visuais ou de simples mecanismos de busca que facilitem a identificação da informação específica buscada pelo consumidor. Em teoria, portanto, o consumidor deveria enfrentar menos percalços no comércio eletrônico que no comércio tradicional. Na prática, todavia, o que se verifica é que os direitos do consumidor brasileiro têm sido frequentemente desrespeitados no e-commerce, cujos índices de reclamação chegam a superar, proporcionalmente, aqueles do comércio tradicional em algumas regiões do Brasil. Notícias recentes têm revelado um quadro de violações sistemáticas à legislação brasileira por parte de grandes fornecedores eletrônicos de produtos ou serviços. Tome-se como exemplo pesquisa recente realizada pelo Procon do Rio de Janeiro 5 que, analisando os sites de 25 fornecedores de produtos e serviços, em diferentes setores da economia, concluiu que nenhum deles respeitava integralmente a legislação brasileira em matéria de direitos do consumidor eletrônico.6 Fazer valer a legislação brasileira no e-commerce não é tarefa simples. A contratação virtual traz uma série de dificuldades e desafios no campo jurídico. 2. Os chamados contratos eletrônicos e os desafios trazidos pela contratação via internet. Nos manuais de direito civil e empresarial publicados no Brasil nos últimos anos, tornouô ” “ “ ” q direito contratual pátrio, constituindo uma espécie de setor de exceção ou de No sistema brasileiro, os Procons são órgãos ou entidades estaduais ou municipais responsáveis pela proteção dos direitos e interesses do consumidor. 6 Procon Carioca notifica 25 sites de comércio eletrônico, reportagem de Luiza Xavier, publicada no O Globo Online, em 7.8.2013. O relatório do Procon revela, por exemplo, que nenhuma das 25 empresas notificada exibia de forma clara o instrumento contratual. 5 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 97 capítulo à parte dentro do direito privado, a exigir uma legislação própria. 7 Em oposição a esta abordagem, há quem sustente que os chamados contratos eletrônicos podem e devem ser tratados exatamente como qualquer outro contrato, afirmando que toda a celeuma criada em torno do tema reduz-se ao problema da validade do documento eletrônico como meio de prova perante o Poder Judiciário.8 A razão, contudo, não se situa em nenhum dos dois extremos. Por um q h “ ô ” ã q contratos formados por meios eletrônicos de comunicação à distância, especialmente a internet, de tal modo que o mais correto talvez fosse se referir a contratação eletrônica ou contratação via internet, sem sugerir o surgimento de um novo gênero contratual. Por outro lado, parece hoje evidente que os desafios da matéria não se restringem à validade da prova da contratação por meio eletrônico – que, de resto, consiste em ponto superado no direito brasileiro –, mas envolvem diversos aspectos da teoria geral dos contratos que vêm sendo colocados em xeque por essa significativa transformação no modo de celebração dos contratos e no próprio desenvolvimento da relação jurídica entre os contratantes. Com efeito, a contratação eletrônica veio abalar, de um só golpe, cinco referências fundamentais utilizadas pela disciplina jurídica do contrato: quem contrata, onde contrata, quando contrata, como contrata e o quê contrata. Essas cinco questões eram respondidas de maneira relativamente segura nas CiteG T C : “A está mudando. As transações de bens materiais continuam importantes, mas as transações de bens intangíveis, em um meio dessa mesma natureza, são os elementos centrais da dinâmica comercial contemporânea, do comércio eletrônico. A legislação deverá abraçar um novo entendimento: o de que as mudanças fundamentais resultantes de um novo tipo de transação requererão regras comerciais compatíveis com o comércio de bens via computadores e .” (Aspectos Jurídicos da Internet, São Paulo: Saraiva, 2000, p. 38). 8 É çã C G V D q “ z to que está sendo feito por intermédio de uma nova forma de comunicação não traz nenhuma novidade, sendo, pois, um contrato já regulado. A verdadeira questão dos contratos eletrônicos será a P J .” (Do Contrato – Teoria Geral, Rio de Janeiro: Renovar, 2007, pp. 119-120). Ver, em sentido semelhante, Erica Aoki, para quem “ é é q q ç é ã difere de qualquer outro contrato. Ele apenas é firmado em um meio que não foi previsto q çã .” (Comércio Eletrônico – Modalidades Contratuais, Anais do 10º Seminário Internacional de Direito de Informática e Telecomunicações, Associação Brasileira de Direito de Informática e Telecomunicações, 1996, p. 4). 7 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 98 contratações tradicionais e, por isso mesmo, eram tomadas como parâmetros pelo legislador e pelos tribunais para a determinação da solução jurídica aplicável. No campo dos contratos eletrônicos, responder essas cinco perguntas básicas tornou-se um verdadeiro calvário, como se passa a demonstrar. 2.1. Quem contrata. Semianonimato virtual e o dever de identificação do fornecedor eletrônico. Na contratação presencial entre pessoas naturais, há uma pronta identificação dos sujeitos contratantes. Essa identificação não é tão imediata quando a celebração do contrato envolve pessoa jurídica, já que, nessa hipótese, entram em jogo questões atinentes à legitimidade da representação (rectius: presentação). Ainda assim, há mecanismos jurídicos para a verificação da identidade dos contratantes e, mesmo na ausência de sua utilização, o direito prestigia, por meio da teoria da aparência e de outras construções doutrinárias e jurisprudenciais, a confiança depositada na identidade do contratante a partir dos dados físicos que compõem a situação aparente. 9 No comércio eletrônico, o problema da identificação do contratante é mais complexo. São numerosos os sites de fornecedores de produtos ou serviços que sequer exibem o nome empresarial da pessoa jurídica responsável pelo fornecimento, limitando-se a exibir um nome fantasia. Muitos sites não trazem informações acerca de endereço físico ou mesmo de número telefônico para contato. O próprio domínio utilizado para hospedar o site (endereço do site) pouco revela, na medida em que seu registro pode ser feito sem a plena identificação do requerente e a consulta pública ao sistema brasileiro de domínios não exibe o nome do titular, mas apenas o servidor DNS.10 O problema se torna ainda mais dramático quando o domínio não é brasileiro (.br), já que cada país possui regras distintas para o procedimento de registro de domínios e a imensa maioria deles não revela publicamente quem Seja consentido remeter a Anderson Schreiber, A Representação no Novo Código Civil, in Direito Civil e Constituição, São Paulo: Atlas, 2013, pp. 61-78. 10 O sistema de nome de domínio (DNS – Domain Name System) é um sistema que nomeia computadores e serviços de rede e é organizado de acordo com uma hierarquia de domínios. Para maiores detalhes, ver Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.BR (https://registro.br). 9 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 99 são seus titulares. A figura do sujeito de direito se dissipa por completo na . O “ ” z ” çã “ ô surgimento de defeitos posteriores, passa a buscar a identidade jurídica do fornecedor, que acaba, em muitos casos, por permanecer oculta. Tal circunstância compromete a efetividade das normas protetivas, na medida em que a ausência de um sujeito passivo plenamente identificado dificulta as comunicações formais entre as partes e impede a adoção de medidas judiciais ou extrajudiciais (notificações etc.) por parte do consumidor lesado. Com o propósito de combater essa e outras dificuldades inerentes ao comércio eletrônico, a Presidente Dilma Rousseff fez publicar, em 15 de março de 2013, o Decreto 7.962, cujo art. 2o determina: Art. 2o Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações: I - nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda; II - endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato; (...)11 Como revelou, todavia, a já citada pesquisa do Procon do Rio de Janeiro, numerosos fornecedores continuam descumprindo tais deveres, mantendo-se um cenário de semianonimato eletrônico no Brasil. Tal omissão está a exigir ulterior esforço de controle por parte dos órgãos brasileiros, com a aplicação de sanções mais severas, uma vez que a identificação do fornecedor é imprescindível para a tutela adequada do consumidor no ambiente eletrônico e para a efetiva aplicação das normas de direito contratual. Referido esforço não pode prescindir, contudo, de acordos e convênios internacionais que permitam e imponham a identificação fácil e precisa das sociedades empresárias por trás dos sites de vendas. Mesmo nos países que não contam com normas cogentes nesse sentido, é preciso que se desenvolvam “ ” q q õ í O texto do Decreto foi fortemente influenciado pelo Projeto de Lei nº 439 de 2011 (Senado Federal), dedicado à atualização do Código de Defesa do Consumidor em matéria de comércio eletrônico. 11 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 100 internacionalmente aceitos, facilitando o acesso do consumidor à pessoa jurídica estrangeira com quem contrata. Nesse passo, assume relevância um segundo aspecto da atividade contratual fortemente atingido pelo comércio eletrônico: o lugar da contratação. 2.2. Onde contrata. A transnacionalidade do contrato eletrônico e o problema da lei aplicável. Stream of commerce e as normas de ordem pública. A internet suprimiu a referência física, geográfica, ao lugar da contratação, noção que era tão cara ao raciocínio do direito civil e do direito internacional privado. Um consumidor brasileiro, em viagem pela Europa, pode visitar o site de uma livraria de Nova Iorque, hospedado em um provedor da Califórnia, para adquirir um livro escrito por um autor francês, produzido por uma editora do Canadá, que lhe será expedido por um distribuidor situado no México ou na Argentina. Tais contratos, como se vê, não são meramente internacionais, no sentido tradicional do termo, mas são verdadeiramente transnacionais, já que transcendem qualquer nacionalidade. A nacionalidade perde, em larga medida, sua importância. O “ çã ” comércio eletrônico, a ser uma espécie de abstração, 12 uma ficção que os juristas lutam com unhas e dentes para preservar, mas que se revela cada vez mais artificiosa e irreal. Tamanha transformação – talvez a mais significativa dentre todas aquelas trazidas pelo advento da internet – causa profundas consequências no modo de aplicação do Direito, vinculado, desde a formação dos Estados Nacionais, ao território (locus) de exercício da soberania estatal. A comunidade jurídica brasileira parece não ter ainda despertado para a amplitude dessas consequências, que prometem afetar, em última análise, a própria metodologia de produção das normas jurídicas e suas formas tradicionais de aplicação. Em um plano mais específico e mais imediato, porém, a jurisprudência brasileira Pense-se, por exemplo, na possibilidade, hoje cada vez mais freqüente, de que o contrato eletrônico seja celebrado por meio de um dispositivo móvel, como telefone celular, tablet ou leitor digital, por um usuário em trânsito. 12 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 101 tem revelado sensibilidade ao examinar ao menos um subproduto dessa mudança: a discussão sobre a lei aplicável ao contrato. A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942) determina, em seu art. 9o, que as obrigações ã “ í q í ”.13 A regra é de fácil aplicação nos contratos celebrados entre presentes, em que a própria situação física dos contratantes já revela o país em que o contrato é celebrado e, portanto, a lei que se destina a regê-lo. Em relação aos contratos celebrados entre ausentes, tal critério afigura-se, porém, inaplicável, tendo o legislador brasileiro recorrido aí a um artifício legal, segundo o qual, na contratação entre “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em q .”14 A aplicação literal destas regras ao comércio eletrônico resultaria em constante reenvio à lei do país do fornecedor, na medida em que os sites de varejo exibem propostas permanentes ao público que o consumidor “ ” ã mouse.15 Dois problemas relevantes surgiriam. Primeiro, em um cenário em que, conforme já destacado, os sites muitas vezes omitem a própria identidade do fornecedor e também o seu endereço físico, o consumidor brasileiro acabaria por se sujeitar à legislação de um país que, no ato da contratação, sequer sabe precisamente qual é, gerando uma situação de inequívoco desequilíbrio em seu desfavor. Segundo, haveria forte estímulo para que fornecedores de produtos ou serviços online transferissem suas sedes para países com baixo grau de proteção é “ çã ” pelo mercado global em relação à legislação trabalhista, o que geraria prejuízos evidentes à economia brasileira.16 “A . 9º. P q çõ -se-á a lei do país em que se í .” 14 Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, art. 9 o, §2o. 15 E ã : “A que a oferta feita via Web site é, em regra, ad incertas personas, não havendo como prever em que localidade poderá ser acessada. Portanto, o usuário que acessa o site deve ter em mente que está negociando sob as regras do local onde está o proponente, como esse estivesse negociando ” (E B B Contratos Eletrônicos, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 72). 16 O Brasil, convém lembrar, é considerado um país de forte legislação consumerista. 13 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 102 Por essas e outras razões, a jurisprudência brasileira tem caminhado no sentido de afirmar que o Código de Defesa do Consumidor se aplica às relações de consumo estabelecidas entre fornecedores eletrônicos estrangeiros e o consumidor brasileiro. Diferentes fundamentos têm sido utilizados para tanto. Invoca-se, de modo geral, a imperatividade do respeito às normas de ordem pública, ao lado de argumentos ligados à transnacionalidade das marcas comerciais em uma economia globalizada ou a uma importação algo abrangente da teoria do stream of commerce, segundo a qual quem direciona seu comércio aos consumidores de certos países assume o ônus de ter sua atividade disciplinada pelas respectivas leis nacionais.17 Tais soluções não exprimem, como se pode notar, um retorno ou um “ çã ”. M : exprimem novas formas de identificação da lei aplicável às relações contratuais, que deixam de estar atreladas à geografia da celebração para passarem a exprimir critérios ratione personae, fundados na pessoa do contratante (no caso, o consumidor brasileiro), ou critérios teleológicos, como aqueles fundados na finalidade de proteção do consumidor frente às práticas de mercado, sejam elas nacionais, internacionais ou transnacionais. Parece inegável que o “ comércio ” eletrônico, z çã servido preponderantemente ô ao interesse dos fornecedores, que parecem pretender escapar no mundo virtual dos custos e ônus inerentes não apenas ao processo econômico de disponibilização dos produtos e serviços, mas também às normas jurídicas que regulamentam sua relação com os consumidores. Impõe-se aqui a resistência do direito às conveniências do mercado, resistência que não deve repousar sobre conceitos “ çã ” q ratio fundamental neste campo: a proteção mais efetiva ao consumidor. Sob o prisma estritamente jurídico, faz-se importante registrar que um dos pilares mais tradicionais do direito dos contratos – aquele que estabelecia çã q “ ” çã Ver Superior Tribunal de Justiça, Ação Rescisória 2.931/SP, 4.9.2003. Sobre a teoria do stream of commerce, ver A. Kimberley Dayton, Personal Jurisdiction and the Stream of Commerce, 7 Review of Litigation 239 (1987-88), William Mitchell College of Law. 17 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 103 contrato – foi definitivamente rompido pelo comércio eletrônico, com uma série de consequências ainda não totalmente exploradas, quer no âmbito da teoria geral dos contratos, quer no âmbito do direito internacional privado. 2.3. Quando contrata. Momento de formação do contrato eletrônico e o dever de confirmação de recebimento da aceitação à oferta. A terceira referência basilar da disciplina contratual afetada pela contratação eletrônica diz respeito ao momento da contratação. Quando se reputa firmado o contrato? Exatamente como ocorre em relação ao lugar da contratação, inexiste, no direito brasileiro, uma regra específica que trate do tempo de formação dos contratos celebrados eletronicamente. Aplica-se, a rigor, a norma geral estabelecida no art. 434 do Código Civil, segundo a qual o contrato entre ausentes se forma, em regra, no momento em que a aceitação é expedida18. Trata-se da chamada teoria da expedição mitigada, de longa tradição no direito civil brasileiro. Em um cenário de contratação física, a teoria da expedição traz certa segurança ao aceitante, o qual, no momento em que envia a aceitação, sabe já formado o vínculo contratual, sem que se faça necessária nova manifestação do proponente – o que, em um contexto epistolar, exigiria maior dispêndio de tempo e custo. O envio da aceitação deixa, ademais, vestígios físicos (registro do encaminhamento por correio) que, em uma eventual dúvida quanto à formação ou não do contrato, favorecem o aceitante. No ambiente eletrônico, todavia, essas vantagens desaparecem. O envio da aceitação ocorre, z “ q ” ã q q indício de que a operação foi concluída. Para evitar insegurança quanto à realização ou não do negócio virtual, deixando o consumidor ao sabor da conveniência do fornecedor em cumprir ou não a ordem expedida, muitos autores têm defendido o afastamento da teoria da expedição mitigada no campo dos contratos eletrônicos. Nessa direção, o “A . 434. O -se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I - no caso do artigo antecedente (art. 432); II - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III ã h z .” O . 433 z “ çã h çã ”. 18 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 104 Enunciado 173 da Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, chega a afirmar: A formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes, por meio eletrônico, completa-se com a recepção da aceitação pelo proponente. Tal enunciado, a nosso ver, merece reforma. A uma, porque contraria frontalmente a letra do art. 434, transcendendo o escopo interpretativo dos enunciados para instituir uma orientação antagônica ao texto legal. A duas, porque a adoção da teoria da recepção não resolve o problema da formação dos contratos eletrônicos, na medida em que o consumidor eletrônico continua sem saber se o seu pedido de compra foi recebido, questão que permanece inteiramente na esfera de poder do fornecedor. Em outras palavras, condicionar a formação do contrato ao recebimento da aceitação não diminui em nada a insegurança negocial no ambiente eletrônico. Melhor rumo seguiu o Decreto 7.962, de 15 de março de 2013, que, em seu art. 4o, inciso I, instituiu o dever de confirmação para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico. Não se trata, a rigor, de uma mudança no momento de formação do contrato, já que o contrato continua se formando independentemente da confirmação, mas sim de um dever legal: passa a incorrer em infração o fornecedor que deixa, nos termos do D “ çã ”.19 Com isso, a legislação brasileira passa a se alinhar, nesse particular, ao direito europeu, que, desde a Diretiva Européia 2000/31/CE, já instituía o dever de confirmação no comércio eletrônico (art. 11).20 Embora não se trate de uma alteração da teoria aplicável à formação dos contratos, a verdade é que a instituição do dever de confirmar o recebimento da aceitação sujeita o fornecedor, ao menos em teoria, a sanções bem mais severas (multa, suspensão da atividade etc.)21 que a simples indiferença jurídica ao vínculo formado – o que, de resto, poderia acabar prejudicando o próprio “Art. 4o Para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá: III – çã (...)”. 20 O mesmo caminho é seguido no Projeto de Lei nº 439 de 2011, que se propõe a atualizar o Código de Defesa do Consumidor com vistas à proteção do consumidor no âmbito do comércio eletrônico (art. 45-D, I). 21 O art. 7o D q “ ” enseja a aplicação das sanções previstas no art. 56 do Código de Defesa do Consumidor, que traz o rol genérico de sanções administrativas aplicáveis às infrações da legislação consumerista, como multa, proibição de fabricação do produto, suspensão temporária da atividade etc. 19 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 105 consumidor. Ainda, portanto, que não se tenha ressalvado a aplicação do art. 434 no caso das contratações eletrônicas, a instituição do dever de confirmação modifica a própria abordagem jurídica do tempo de formação do contrato, transcendendo o clássico binômio proposta-aceitação e revelando a passagem de uma lógica puramente estrutural a uma lógica mais funcional e decididamente protetiva. 2.4. Como contrata. A informalidade do contrato eletrônico e sua prova. A forma do contrato desempenha historicamente uma dupla função: por um lado, alerta os contratantes para a seriedade do vínculo contratual, fazendoos refletir sobre a contratação antes de conclui-la em definitivo.22 Por outro lado, serve, perante os próprios contratantes e a sociedade, como meio de prova da formação do contrato e do seu conteúdo. Ambas as funções se dissipam na internet, onde a contratação é absolutamente informal, desprovida mesmo de qualquer suporte físico. Em contraposição aos instrumentos escritos e assinados da contratação tradicional, a forma da contratação eletrônica resume-se frequentemente à exibição de uma tela ou página virtual que o consumidor pode, se cuidadoso, se dar ao trabalho de imprimir ou copiar para o seu próprio computador ou dispositivo móvel. Pode ainda dispor de um e-mail ou outra forma de aviso eletrônico, como uma breve mensagem ao seu aparelho de telefonia celular (SMS, sigla de Short Message Service).23 Em um passado recente, os juristas brasileiros (como, de resto, os juristas de todo o mundo) discutiam se tais impressões, cópias ou documentos digitais tinham ou não validade como meio de prova, constituíam ou não meros indícios e outras questões que o avanço Daí as complexas solenidades (fórmulas verbais, atos simbólicos etc.) exigidas no âmbito do direito antigo para a celebração de contratos, algumas das quais deixaram vestígios no hábito dos povos europeus, como a entrega de uma moeda de baixo valor (denier à Dieu) ou a aplicação de uma palmada na face do vendedor, costume ainda utilizado em alguns mercados de gado na Europa central (emptio non valet sine palmata). Ver, sobre o tema, John Gilissen, Introdução Histórica ao Direito, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001, 3a ed., p. 734. 23 Embora seja possível a utilização de assinaturas eletrônicas e certificações digitais, seu emprego para fins de aquisição de produtos ou serviços pelo consumidor é muito raro. Sobre o tema das assinaturas eletrônicas e certificações digitais, ver Jorge José Lawand, Teoria Geral dos Contratos Eletrônicos, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, pp. 141-146. 22 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 106 maciço da cultura digital parece ter tornado um tanto folclóricas. Em que pesem as dificuldades do sistema judiciário em lidar com documentos puramente eletrônicos e a suspeita quase instintiva que recaía, até pouco tempo, sobre cópias impressas de páginas virtuais e e-mails, não parece haver dúvida, atualmente, de que todos esses instrumentos devem ser admitidos como meios probatórios dos direitos discutidos em juízo. O Código Civil brasileiro, de 2002, posicionou-se claramente nesse sentido: Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão. O Enunciado 398 da IV Jornada de Direito Civil, realizada em outubro 2006 z arquivos eletrônicos incluem- q „ çõ “ ô ‟ do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime í .” E çã tribunais brasileiros têm acolhido como meio válido de prova os arquivos digitais.24 Em caso de impugnação da sua veracidade, exige-se perícia, o que, de resto, pode ocorrer também com documentos físicos. A questão meramente probatória parece, portanto, equacionada.25 O mesmo não se pode dizer em relação àquele outra função da forma contratual: a de alertar as partes para a importância e seriedade do vínculo. A contratação via internet realiza-se de modo cada vez mais veloz, sem a adequada Ver, por exemplo, acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em que se conclu q : “ ção de serviços não conter a assinatura da requerida, tal fato não é apto a invalidar o referido ajuste, tendo em vista que o contrato de prestação de serviços educacionais é informal e não exige forma prescrita em lei, podendo até ser firmado verbalmente. O contrato de prestação de serviços, juntado aos autos, ainda que desprovido de assinatura da ré, é suficiente para provar a realização do ajuste, visto que os documentos eletrônicos gozam de valor probante e o documento de fls. 06-09 demonstra que a requ .” (TJMG, Apelação Cível 1.0024.06.986334-8/001, 17ª Câmara Cível, Rel. Des. Lucas Pereira, DJ 12.7.2007). No mesmo sentido, ver TJSP, Apelação Cível 0018518-77.2010.8.26.0005, 20ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Maria Lucia Pizzotti, j. 27.8.2012; e TJMG, Apelação Cível 1.0024.07.691106-4/001, 17ª Câmara Cível, Rel. Des. Marcia de Paoli Balbino, j. 19.2.2009, entre outros. 25 O mesmo vale para o cenário internacional em que um número cada vez maior de acordos, convenções e modelos normativos reconhecem expressamente a validade jurídica dos documentos eletrônicos. Cite-se, a título ilustrativo, o art. 5º da Lei Modelo da UNCITRAL C é E ô : “Nã ã í dade ou eficácia à informação q ô ” (O z çã N çõ U N Iorque, 1997). 24 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 107 pesquisa sobre as características do produto ou serviço contratado, sobre a qualidade do fornecedor ou sobre as próprias condições do contrato firmado por meio eletrônico. Por mais alarmante que possa parecer essa constatação, o fato é que o consumidor eletrônico não sabe muitas vezes o quê está contratando. 2.5. O quê contrata. A paradoxal insuficiência da informação no ambiente eletrônico. Publicidade na internet e outras técnicas de incentivo ao consumo. Na contratação tradicional, o consumidor tem frequentemente a chance de manusear o produto, de verificar a sua embalagem, de testar seu funcionamento ou ainda de esclarecer dúvidas com um preposto do fabricante ou do comerciante no próprio estabelecimento comercial. Nos sites da internet, ao contrário, as informações são pré-dispostas; o produto é descrito por meio de imagens ou descrições técnicas padronizadas, aplicáveis muitas vezes ao gênero do produto, e não àquela espécie que está sendo efetivamente adquirida. O consumidor eletrônico não tem acesso físico ao bem.26 É certo que poderia buscar, em outros sites da internet, informações, avaliações e depoimentos sobre a qualidade do produto e do fornecedor – alguns sites de compras, inclusive, já fornecem avaliações como parte da sua estratégia comercial –, mas tal conduta é, na prática, rara, seja porque tais informações, potencialmente infinitas, não se encontram ordenadas de modo a facilitar a pesquisa do consumidor, seja porque não são tidas como inteiramente confiáveis, diante das suspeitas de que se prolifera na internet a manipulação das ferramentas de avaliação por meio da contratação remunerada de usuários para que se manifestem sobre certos produtos e serviços (em uma forma oculta e deturpada de marketing, típica do ambiente virtual). O consumidor eletrônico acaba, assim, dispondo paradoxalmente de pouca informação sobre o objeto da sua contratação. q “ h ” á vir a ser suprida em alguma medida pelo próprio “ ó ( 3D)” (A G J Jú Aspectos da Formação e Interpretação dos Contratos Eletrônicos, in Revista do Advogado, ano 32, n. 115, 2012, p. 17). 26 A ç Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 108 Quase sempre o consumidor eletrônico desconhece, também, os termos do contrato, ou seja, as condições contratuais, que são usualmente apresentados pelos fornecedores em um formato que desestimula a leitura, por meio de páginas inteiras de letras miúdas, que contrastam flagrantemente com os elevados investimentos em programação visual realizados nas páginas dedicadas à oferta de produtos. Na maioria dos sites, a passagem da página de ofertas à página que exibe os termos contratuais configura uma mudança abrupta de formatação, que salta aos olhos do usuário da internet, cada vez mais acostumado com gráficos e imagens de alta resolução. Muitos fornecedores sequer se dão ao trabalho de dividir os termos contratuais em tópicos, o que dificulta a localização pelo consumidor das informações consideradas relevantes para a celebração do contrato. Por todas essas razões, embora, em tese, o consumidor pudesse dispor no ambiente eletrônico de maior tempo de reflexão e de mais instrumentos de busca para obter informações sobre o objeto e os termos da contratação, o certo é que, atualmente, a contratação via internet se faz de modo muito mais desinformado que a contratação física. Tentado pela facilidade de um clique, o consumidor eletrônico compra muitas vezes por mero impulso, sem a necessária reflexão. Técnicas de oferta de produtos impelem o usuário à aquisição, como q ” q z çã “ h q vê prontamente provocado pelo site a adquirir produtos acessórios àquele que foi selecionado, ou outros produtos daquele mesmo fabricante, ou, ainda, produtos adquiridos por outras pessoas que adquiriram aquele mesmo produto,27 em um ciclo interminável de estímulos ao consumo imediato. A publicidade também desempenha aí um papel relevante. Ao contrário do que ocorre no mundo físico – em que a publicidade se restringe a espaços e momentos relativamente delimitados –, no mundo virtual, a publicidade ocorre em uma espécie de fluxo permanente, que acompanha o usuário em qualquer momento da navegação. Banners surgem nos rodapés e cabeçalhos de páginas que aparentemente não tinham conteúdo comercial; pop-ups pipocam diante do Técnica que explora nitidamente os sentimentos humanos de identificação com o próximo e de pertencimento a grupos sociais, em estratégia que, embora não seja inédita no mundo comercial, assume no ambiente eletrônico dimensões nunca antes imaginadas. 27 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 109 usuário, impedindo-o de prosseguir navegando; spams abarrotam caixas de entrada de e-mails. Em sites de busca, links patrocinados se misturam a resultados relevantes, quando muito com uma sutil diferenciação em relação à cor das letras ou do pano de fundo. Vídeos aparentemente reais são postados em redes sociais, sem nenhum alerta acerca de seu cunho comercial, para servirem de teasers de futuras campanhas publicitárias.28 Diversamente do espectador televisivo, que ainda tem a alternativa de mudar de canal durante o intervalo comercial, o usuário da internet sujeita-se todo o tempo ao bombardeamento publicitário, em um continuado e permanente incentivo ao consumo. Resistir a tal incentivo torna-se tarefa ainda mais árdua na medida em que a publicidade eletrônica vai ganhando, a cada dia, um perfil mais e mais personalizado. A coleta de dados do usuário – por meio de cookies e outras técnicas de transparência reduzida e legalidade duvidosa – tem permitido o desenvolvimento de perfis de usuários que são utilizados pelos fornecedores para direcionar o conteúdo da mensagem publicitária e da oferta de produtos na internet. Se a personalização da oferta, por um lado, poupa tempo ao consumidor eletrônico (livrando-o do oferecimento de produtos que seriam, “ ”) tarefa de refletir sobre a contratação, na medida em que dados pessoais obtidos sem autorização do usuário são usados para estimular de modo praticamente irresistível a aquisição dos produtos ou serviços de que supostamente necessitaria. A manobra associa-se não raro a ofertas de financiamentos, com disponibilidade imediata dos recursos econômicos exigidos para a aquisição, completandoq ã ã “ h q ã ”. Todo esse novo arsenal de técnicas de marketing eletrônico exige posturas mais definidas por parte do sistema jurídico brasileiro, pouco preparado para lidar com essas questões. Em primeiro lugar, impõe-se a Exemplo recente foi o vídeo Perdi meu amor na balada, postado por um rapaz que pedia ajuda para encontrar o número de telefone de uma moça que conhecera na noite paulistana. Revelou-se mais tarde que o vídeo havia sido produzido por certa fabricante de celulares e integrava uma campanha publicitária que somente veio a público semanas depois. O caso rendeu procedimentos no Procon de São Paulo e no CONAR (Conselho de Autorregulamentação Publicitária). 28 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 110 aprovação imediata de uma legislação que proteja efetivamente os dados pessoais. O Brasil não conta com um marco normativo claro nessa matéria, encontrando-se, já há alguns anos, no Ministério da Justiça um projeto de lei de proteção de dados pessoais, que, após um período de debate público, parece aprisionado em um processo excessivamente lento de produção e aperfeiçoamento dentro do próprio Ministério – prisão da qual não foi capaz de se libertar nem mesmo na esteira do recente furor provocado pela descoberta de monitoramento da agência de segurança dos Estados Unidos sobre as comunicações da Presidente Dilma Rousseff.29 Além de uma política pública de proteção de dados pessoais impõe-se uma regulamentação mais efetiva da atividade publicitária no Brasil, ainda disciplinada de modo bastante lacônico pelo Código de Defesa do Consumidor, é ( “ ” do art. 37, §2o),30 cuja aplicação acaba sendo controlada quase que exclusivamente pelo Conselho de Autorregulamentação Publicitária. Em que pese o esforço do referido Conselho, suas decisões acabam sendo guiadas pelo subjetivismo inerente à aplicação daqueles conceitos abertos, sem a formulação de standards de comportamento, resultando em um conjunto de precedentes que não dão maior segurança nem ao consumidor, nem ao mercado publicitário. Por fim, cumpre amparar e desenvolver, no campo das contratações ô “ í ” ã reflexão do consumidor no ambiente virtual. Esse é o ponto que tem maior relação com a temática geral desse estudo e aqui o ordenamento brasileiro já h ”. C é “ . Uma das muitas repercussões do chamado caso Edward Snowden, a revelação do monitoramento gerou a exigência de explicações por parte do Governo brasileiro, respondidas pela administração Barack Obama com o argumento de que a legislação interna brasileira não veda as condutas adotadas. Ver, entre outras notícias, reportagem de Glenn Greenwald, Roberto Kaz e José Casado, EUA espionaram milhões de e-mails e ligações de brasileiros, publicada no jornal O Globo Online em 6.7.2013. 30 O Código de Defesa do Consumidor, a rigor, não define a publicidade abusiva, mas apenas a exemplifica, çã : “A . 37. (...) §2 o. É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se ú ç .” 29 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 111 3. Direito de arrependimento. Tratamento da matéria no Direito Brasileiro: Lei 8.078/1990 e Decreto 7.962/2013. Experiência estrangeira: Diretiva 2011/83/CE. Análise comparativa. O direito de arrependimento, também chamado direito de reflexão, foi instituído pelo art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), em que se lê: Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. A norma já se aplicava, a toda evidência, às contratações eletrônicas, z “ ”.31 Para afastar, porém, qualquer dúvida quanto ao ponto, o Decreto 7.962/2013 tratou expressamente do direito de arrependimento ao cuidar do comércio eletrônico: Art. 5o. O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor. § 1o O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados. § 2o O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor. § 3o O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que: I – a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou II – seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado. § 4o O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento. Como registrava Ruy Rosado de Aguiar Júnior, ao afirmar, em 2000, que o direito de ( . 49 CDC) “é ó z é ” (Ministro do STJ alerta para a fragilidade jurídica dos contratos eletrônicos, 26.9.2000, disponível em www.stj.gov.br). Em sentido contrário, doutrina minoritária invoca o conceito de estabelecimento comercial virtual para sustentar que a compra realizada via internet não se dá fora do estabelecimento comercial. Acrescenta que o consumidor eletrônico é quem tem a iniciativa da compra, razão pela qual teria tempo de sobra para reflexão. Sobre o tema, com detalhes sobre os dois posicionamentos, ver Caio Rogério da Costa Brandão, O Direito de Arrependimento nos Contratos Eletrônicos, in Juris Plenum, ano III, n. 13, 2007, pp. 16-17. 31 a Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 112 O decreto presidencial vai, como se vê, além do que já dispunha o art. 49 do código consumerista, contemplando alguns aspectos adicionais do tema, como a facilitação da comunicação do exercício do direito de arrependimento pelo consumidor eletrônico e o dever do fornecedor de confirmar imediatamente o recebimento da manifestação de arrependimento, além dos efeitos do arrependimento sobre contratos acessórios. O Projeto de Lei 439/2011, que trata do comércio eletrônico e se encontra atualmente em tramitação no Congresso Nacional, dispõe sobre o tema no mesmo sentido. Sua aprovação continua a se fazer necessária para evitar qualquer discussão jurídica quanto à possibilidade de regulamentação do tema por meio de decreto. O art. 5o do Decreto 7.962 representa, sem dúvida, um avanço, na medida em que, para além de reiterar a aplicabilidade do direito de arrependimento ao comércio eletrônico, aborda mais dois ou três aspectos do tema. Nada obstante, é certo que a legislação brasileira poderia ter ido muito além. Uma incursão pelo cenário europeu revela não apenas níveis de proteção mais elevados nessa matéria, mas também uma abordagem de natureza distinta, que contribui para a efetividade do direito de arrependimento no comércio eletrônico daquele continente. Com efeito, a Diretiva 2011/83/CE ocupa-se de modo bastante h q çã ” ( ã í “ ).32 O artigo 9o da referida Diretiva institui o prazo de 14 dias para a retratação do contrato celebrado à distância ou fora do estabelecimento comercial – o dobro, portanto, do prazo previsto na legislação brasileira. Registra, ainda, expressamente a desnecessidade de indicação de qualquer motivo para o exercício da retratação. O artigo 10 determina que, se o fornecedor deixar de informar ao consumidor sobre a possibilidade, as condições, o prazo e o procedimento de retratação, 33 o prazo se estende adicionalmente por 12 meses após o término do prazo original de 14 dias. Ao contrário, portanto, da legislação brasileira, que impõe o dever de Em inglês, right of withdrawal e, em espanhol, derecho de desistimiento. Conforme impõe o artigo 6o, item 1, alínea h, da mesma Diretiva, que prevê ainda a disponibilização de um modelo de formulário para o exercício do direito de retratação, sem prejuízo da possibilidade de outros meios de comunicação do referido exercício (artigo 11, item 1, alínea b). 32 33 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 113 informação sobre o direito de arrependimento sem uma sanção específica, 34 a Diretiva europeia estabelece uma significativa extensão do prazo aplicável em caso de descumprimento. A Diretiva 2011/83/CE regula, ainda, minuciosamente nos inúmeros subitens dos seus artigos 13 e 14 os custos envolvidos no procedimento de retratação – diferentemente da legislação brasileira que não traz quaisquer considerações específicas sobre o assunto. De acordo com a Diretiva, o consumidor europeu está, em regra, isento de custos e tem direito ao reembolso de suas despesas, mas o artigo 13 prevê algumas situações de imunidade do fornecedor, como na hipótese em que o consumidor opta livremente por uma modalidade mais onerosa de envio que a modalidade padrão (artigo 13, item 2). A Diretiva assegura, ainda, ao consumidor o direito de receber o reembolso das “ çã ” q ã q entre nós, numerosos abusos no momento de exercício do direito de arrependimento, como a famigerada prática de substituir o reembolso efetivo do “ é ” . A Diretiva europeia enfrenta, ainda, os dois principais aspectos que têm sido invocados pelos fornecedores brasileiros em oposição ao direito de arrependimento. São eles: (i) a questão da depreciação do produto já entregue ao consumidor; e (ii) a inaplicabilidade do direito de arrependimento em casos envolvendo o fornecimento de produtos e serviços de fruição imediata, especialmente conteúdo digital oferecido via internet. Quanto ao primeiro aspecto, a Diretiva 2011/83/CE atribui ao consumidor responsabilidade pela çã “q çã q necessário para verificar a natureza, as características e o funcionamento dos O art. 5o D 7.962 õ “ ” adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento, mas não contém qualquer sanção específica para o descumprimento desse dever. O art. 7 o do mesmo Decreto determina q “ ” çã çõ art. 56 do Código de Defesa do Consumidor, que traz o rol genérico de sanções administrativas aplicáveis às infrações da legislação consumerista, como multa, suspensão da atividade etc. Não há, todavia, menção à extensão de prazo, o que afasta tal possibilidade no ordenamento brasileiro, diante do princípio da prévia estipulação legal da pena. 34 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 114 ”( 14 2).35 O consumidor europeu não é, como se vê, isento de responsabilidade, devendo ter cautela no recebimento do produto adquirido à distância. A instituição de norma semelhante é possível e recomendável no direito brasileiro, pois, além do desestímulo a eventuais abusos episódicos, “ z çã ” do consumidor brasileiro e à instituição de ônus insuportáveis sobre os fornecedores no cenário nacional. Em relação ao segundo aspecto, que diz respeito aos casos de inaplicabilidade do direito de arrependimento, a Diretiva europeia trata do tema no seu artigo 16. Em treze alíneas prevê exceções à incidência do direito de “ ú ” “ h í z ” ç “ ç depende de flutuações do mercado financeiro que o profissional não possa q “ z çõ çã ” í que tenha sido retirado o selo após a ” “ ú digitais que não sejam fornecidos num suporte material, se a execução tiver início com o consentimento prévio e expresso do consumidor e o seu h q çã ” utros. Ao contrário do que poderia parecer em uma primeira leitura, tais exceções não representam um decréscimo no nível de proteção ao consumidor europeu. A incidência do direito de arrependimento já não seria reconhecida pelos tribunais dos países europeus na imensa maioria dessas situações, muitas delas de clareza intuitiva. A previsão explícita de tais situações traz, contudo, a necessária segurança ao mercado e contribui para a instituição de cuidados recíprocos, como a obtenção do expresso reconhecimento pelo consumidor da perda do direito de arrependimento como etapa prévia do início da fruição de conteúdos digitais. Previne, ademais, o prolongamento de discussões Também aqui a falta de informação sobre o direito de arrependimento sujeita o fornecedor a ô 2 q “o consumidor não é, em caso algum, responsável pela depreciação dos bens quando o profissional não o tiver informado do çã ”. 35 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 115 tautológicas – às vezes, puramente acadêmicas – que têm servido de entrave, entre nós, para uma tutela mais efetiva do direito de arrependimento. De modo geral, pode-se dizer que o movimento consumerista brasileiro, após um momento inaugural altamente profícuo e feliz – representado pela edição da Lei 8.078, em 1990, e pela sua consolidação na jurisprudência nacional ao longo da década seguinte –, tornou-se cauteloso, talvez excessivamente cauteloso. Os Projetos de Lei apresentados no âmbito da chamada atualização do Código de Defesa do Consumidor trazem inovações importantes (cujos efeitos transcendem, aliás, a própria esfera do direito do consumidor), mas se restringem, essencialmente, a consagrar cláusulas gerais ou normas abertas. Receosos talvez de retrocessos na proteção do consumidor e cuidadosamente elaborados com vistas à facilitação da chancela do Congresso Nacional, tais projetos evitaram o detalhamento e a especificação procedimental que poderiam afastar perigos imaginários e contribuir para a elevação do nível do debate desses temas no espaço público brasileiro. Se a postura adotada afigura-se adequada ou não só o tempo dirá. O que parece insólito é que uma norma infralegal, como o Decreto 7.962, tenha se limitado ao mesmo formato, disciplinando em termos vagos e genéricos aquilo que poderia ter disciplinado em termos mais específicos, como é o caso do direito de arrependimento. Ao lado da Diretiva europeia – que já é bem mais genérica que as leis nacionais dos países europeus –, o Decreto 7.962 soa como norma programática, sem embargo das melhorias gerais que trouxe ao campo da contratação eletrônica. O que mais assusta, nesse exemplo recente, é a olímpica indiferença à experiência estrangeira, especialmente a experiência europeia que, nesse campo, guarda íntima proximidade com as bases do consumerismo brasileiro.36 Não se trata apenas de observar a Diretiva 2011/83/CE; o comércio eletrônico europeu não é, obviamente, regulado por uma norma única, mas por um complexo tecido normativo, composto de diferentes Diretivas (Diretivas Para muitos autores, a abordagem norte-americana, especialmente em relação ao consumo via internet, é considerada mais próxima de uma ótica de laissez faire ou de autorregulação, refletindo talvez um maior entusiasmo norte-americano pelas novas tecnologias, em oposição a uma postura mais ambivalente e cautelosa da União Européia (Jane Kaufman Winn e Jens Haubold, Electronic Promises: Contract Law Reform and E-Commerce in a Comparative Perspective, disponível em www.law.washington.edu, p. 3). 36 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 116 2000/31/CE, 2002/65/CE, 2008/48/CE, entre outras), às quais se somam diferentes leis nacionais que procuram incorporar as orientações contidas nas Diretivas, mas não raro vão além, instituindo normas tipicamente locais. Há nesse rico arcabouço uma série de normas que poderiam ter servido de inspiração ao legislador brasileiro, mas que acabaram não refletidas nem no D 7.962 í ” P L 439/2011 h ô “ çã ú ç envolvidos na contratação à distância (sendo certo que, no Brasil, tais preços são mal informados ao consumidor eletrônico, surpreendido, não raro, com o acréscimo de fretes, comissões, taxas privadas e tributos para cuja existência não é alertado no momento oportuno). Essas e outras questões vêm sendo deixadas para o futuro pelo Poder Legislativo brasileiro, prolongando um desnecessário desnível entre o tratamento dispensado pelos mesmos conglomerados transnacionais aos consumidores brasileiros e europeus, em flagrante desfavor dos primeiros e em assimetria injustificável num mercado que se pretende global. 4. Conclusão. Os chamados contratos eletrônicos não representam um mundo à parte, estranho ao direito dos contratos ou governado por regras próprias. Não se trata de uma dimensão paralela que somente aparenta similaridade com a realidade tradicional, como uma espécie de Matrix, lembrada na epígrafe a este artigo.37 A contratação eletrônica traz inúmeras questões novas, mas se insere no tratamento sistemático dos contratos no direito brasileiro. Seus pontos de dissonância com a teoria geral tradicional representam frequentemente oportunidades para rever dogmas rígidos que já não se justificam mais, nem mesmo fora do ambiente eletrônico (como se viu na discussão pertinente à prova do contrato). Noutros casos, trata-se de instituir novos mecanismos Matrix foi uma produção cinematográfica de 1999, dirigida pelos irmãos Wachowski. Relata a história de um mundo simulado criado por máquinas inteligentes para manter os seres humanos conectados a uma rede de geração de bioenergia. Foi considerada, ainda em 1999, uma típica produção de estética pós-moderna, por promover uma espécie de bricolagem de elementos de ficção científica, histórias em quadrinho, animes, religião messiânica, ecologia e filosofia. 37 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 117 jurídicos de proteção contra novos riscos que surgem especialmente – mas nem sempre de modo exclusivo – no ambiente eletrônico. Foi o que se viu no tocante ao direito de arrependimento. A importância da sua efetividade cresce exponencialmente com a ampliação do comércio eletrônico e da contratação de produtos e serviços via internet. Nem por isso se trata de um instituto exclusivamente eletrônico. Sua aplicação estende-se a toda contratação celebrada à distância ou fora do estabelecimento comercial. Sua inspiração radica na ideia da falta de reflexão adequada do consumidor sobre a contratação do produto ou serviço. Se é certo, por um lado, que essa falta de reflexão se torna especialmente perceptível no ambiente eletrônico, devido às notáveis técnicas de impulsão ao consumo virtual, situação muito semelhante verifica-se com quem contrata por telefone ou por correspondência. Nem se deve excluir sua aplicabilidade a contratações realizadas em determinadas circunstâncias dentro do próprio estabelecimento comercial. Embora essa última hipótese não seja reconhecida pela legislação brasileira (nem pelas diretivas europeias, registre-se), pode-se defender a aplicação do direito de arrependimento por analogia àquelas situações em que o contratante, embora dentro do estabelecimento, é conduzido à contratação por circunstâncias que o impedem de refletir. É o que ocorre diante de algumas estratégias agressivas de marketing, voltadas a produzir artificialmente um cenário de contratação inevitável, como nos casos de fornecedores que, para obter a venda de unidades imobiliárias em grandes complexos residenciais, oferecem passeios a toda a família do consumidor para, logo em seguida, conduzir todo o grupo ao estabelecimento para fins de assinatura do instrumento contratual. Veja-se ainda o caso dos estabelecimentos comerciais multifuncionais, em que não raro se misturam ofertas de serviços de lazer com a possibilidade de contratações imediatas, calcadas justamente na impossibilidade de reflexão prolongada pelo consumidor (como no exemplo do restaurante que contém loja de vinhos ou no clube noturno que, próximo ao balcão de bebidas e coquetéis, oferece a venda de passagens aéreas last minute para destinos exóticos). Como se vê, o tema do direito de arrependimento – como tantos outros aspectos que são discutidos sob a rubrica geral da contratação eletrônica – não consiste em exclusividade do ambiente virtual. A contratação eletrônica Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 118 representa, antes, uma oportunidade para identificar o problema bem mais profundo da contratação irrefletida e do estímulo ao consumo compulsivo. Um tratamento jurídico adequado não pode, portanto, estar restrito ao locus onde a questão se coloca com maior frequência, mas deve se inserir no sistema jurídico como um todo. Regras específicas podem e devem ser editadas para o comércio eletrônico (como, por exemplo, as que dizem respeito à identificação clara e precisa do fornecedor nos sites de ofertas), mas isso não faz da contratação virtual um mundo apartado do sistema jurídico, sujeito a conclusões de ocasião. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 119 A FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS NO BRASIL: UMA VISÃO CONTEMPORÂNEA E APLICADA À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM VISTA DOS PRINCÍPIOS SOCIAIS DOS CONTRATOS1 Paulo Nalin2 Resumo: O presente texto busca estabelecer um diálogo entre o clássico princípio contratual do pacta sunt servanda e os princípios sociais da moderna teoria dos contratos. Pretende responder em que medida e alcance pode se entender como obrigatório um contrato diante de princípios ou valores sociais como a dignidade da pessoa human, a função social do contrato e a boa-fé. Como critério de pesquisa, lançou-se mão da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, inclusive para demonstrar como a Corte responde a tal diálogo e se dos seus julgados pode-se extrair uma linha jurisprudencial uniforme. Palavras-chave: contrato; princípios contratuais; pacta sunt servanda; função social do contrato; dignidade da pessoa humana; boa-fé; jurisprudência; Superior Tribunal de Justiça (STJ). Abstract: This paper seeks to establish a dialogue between the classical contractual principle of pacta sunt servanda and social principles of the modern theory of contracts. Aims to answer to how the contract can bind the parties and to what extent and scope it can be understood as mandatory before a contract principles or social values such as human dignity, the social function of the contract and good faith. As the search criteria, it employed the jurisprudence of O presente trabalho foi pensado e desenhado para operadores do direito do common law, contando com uma versão em inglês. 2 Professor Adjunto de Direito Civil na Universidade Federal do Paraná. Pós-doutor pela Universität Basel (Universidade da Basiléia-Suíça). Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná. Integrante e Coordenador de Eixo do Projeto de Pesquisa Virada de Copérnico (UFPR/UERJ). Associado: Instituto de Direito Privado (IDP), Instituto dos Advogados do Paraná (IAP), Instituto de Direito Civil (IDC), Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro (IDCLB). Advogado e árbitro (). 1 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 120 the Superior Tribunal de Justiça (STJ), including to demonstrate how the Court responds to this dialogue and if one can extract a uniform line of jurisprudence. Key-words: contract; contractual principles; pacta sunt servanda; social function of the contract; human dignity; good faith; jurisprudence; Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sumário: 1. Introdução – 2. A força obrigatória dos contratos como princípio clássico e estruturante do sistema contratual brasileiro – 3. Os princípios sociais da Constituição de 1988 – 4. O impacto do Código de Defesa do Consumidor e a lógica contratual do final do séc. XX – 5. A força obrigatória e a sua relativização à luz do CC de 2002: ponto e contraponto – 6. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a obrigatoriedade dos contratos e os princípios sociais do Código Civil brasileiro – 7. Notas conclusivas. 1. Introdução O presente trabalho é destinado ao conhecimento essencial e panorâmico do princípio da força obrigatória dos contratos, também conhecido como princípio da intangibilidade dos contratos e no ambiente do civil law europeu continental como pacta sunt servanda. A análise será contextualizada no Brasil ao longo de aproximados 110 anos, entre o Século XX e início do corrente Século XXI. E apesar de o trabalho não ter uma proposta histórica, utilizar-se-á uma cronologia identificada com quatro marcos legislativos de substancial importância para a compreensão do versado princípio: o Código Civil de 1916 (CC-16), a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR), o Código de Defesa do Consumidor de 1990 (CDC) e o Código Civil de 2002 (CC-02), em vigor. A opção por relacionar o desenvolvimento do princípio em questão a marcos legislativos contempla em si um paradoxo, qual seja, nenhum dos textos legais mencionados, notadamente aqueles de natureza essencial privada (CC-16, CDC e CC-02), estabilizou o princípio em suas bases estruturais, embora seja ele indispensável para a operacionalização do direito contratual brasileiro. Em outros termos, o direito infraconstitucional Brasileiro não regulamentou, na sua fonte positiva, o princípio da força obrigatória dos contratos, sendo, portanto, Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 121 princípio abstrato, embora isso não lhe subtraia força ou minimize a sua eficácia nas relações contratuais. De outro giro, o pacta sunt servanda é corolário lógico da autonomia privada e da liberdade contratual, que também compõem a constelação principiológica brasileira, sendo a autonomia privada assentada no próprio texto constitucional (arts. 170, caput, CR3) e a liberdade contratual (na dição da “ ”) CC-02 (art. 421 CC-02). Também serão apresentadas algumas perspectivas elementares sobre tais princípios, já que constituem premissas ideológicas e dogmáticas sobre a obrigatoriedade dos contratos. Após percorrer as sendas do Direito positivo e da doutrina brasileira mais refinada, será analisada a recepção do princípio na sua forma contemporânea pelo Superior Tribunal de Justiça, que por atribuição de competência constitucional oferece a última palavra sobre o tema, quando posto a julgamento. 2. A força obrigatória dos contratos como princípio clássico e estruturante do sistema contratual brasileiro A força obrigatória dos contratos encontra nas premissas ideológicas da Revolução Francesa a sua base dogmática, já que o Código Civil Francês de 1804 (Code) incorporou liberdade, igualdade4 e solidariedade em sua estrutura. Por sua vez, servindo o Code de grande referencial teórico para a Modernidade contratual5, não poderia ele deixar de lançar luzes para todos os povos do cenário europeu-continental sob influência politica, militar, econômica e cultural da França liberal. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: 4 ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 32. 5 Entendo que a modernidade contractual iniciou com a Revolução Francesa, pois com ela consolida-se a ruputura com o modelo contractual do medievo, a qual o iluminismo-racionalista tratou de modificar. Sob o ponto de vista estrutural, o contrato é o mesmo desde o Code (acordo de vontades destinado a produzir efeitos jurídicos). Com a pós-modernidade (que se inicial no espaço Europeu do entre Guerras) o contrato passa a ser observado não só a partir da sua estrutura, mas também em vista da sua função (Vide, sobre o tema, o nosso O conceito pósmoderno de contrato: em busca da sua formulação da perspectiva civil-constitucional. 2 ed. Curitiba: Juruá, 2006). 3 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 122 Com efeito, o Brasil colonial recebeu as influências da onda liberal que emanavam da metrópole portuguesa que, não obstante uma inegável aliança britânica, especialmente ao longo do Sec. XIX, jamais se afastou das linhas jurídico-culturais francesas. Tanto é assim que precedeu ao Código Civil de Seabra (1867) a ideia de ser adotado, simplesmente, o próprio Code, em solo português6. Não obstante a originalidade dos códigos civis do séc. XIX, dentre os quais o próprio Código Civil de Seabra e dentre todos, o mais notável, o Código Civil alemão (BGB), nenhum deles teve a capacidade de romper com a ideologia liberal que justificava a própria concepção de um modelo legal codificado, aos moldes do código civil francês. Paradoxalmente, a ideologia que subjaz da concepção de código, único e totalizante (uma síntese legal que se propõe a esgotar o fato social), é o reflexo do espírito liberal que contemporaneamente não mais se apresenta nos Estados que adotaram e segurem empregando o próprio modelo codificado, tal qual o Brasil. Retomando a linha da formação do Direito Civil brasileiro, fruto de amplos estudos, sucessivas comissões e codificadores do Séc. XIX, vem a tona o Código Civil Brasileiro de 1916 (5/1/1916), por força do trabalho codificador de Clóvis Beviláqua que em 1899 foi contrato pela jovem República Brasileira para codificar o Direito Civil nacional. Naturalmente, por se tratar de um Código Civil que encerrava o Séc. XIX, antes de ser um trampolim para o Séc. XX, acabou por reproduzir toda a carga ideológica liberal daquele século, nele se encontrando as premissas da igualdade e da liberdade, tal qual no Code. Na corriqueira esteira do envelhecimento de todos os códigos, observase o fenômeno da descodificação e da recodificação do Direito Civil Brasileiro, culminando tal processo no Projeto de Código Civil de 1975, o qual acabou por ser promulgado em 10 de janeiro de 2002, com vacatio legis de doze meses. É nesse momento que nos encontramos na base infraconstitucional e cujo texto legal será o objeto central destas breves páginas. MENEZES CORDEIRO, António. Tratado de direito civil português. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2005, t. 1, p. 123. 6 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 123 Embora sejam legítimas e firmes as críticas que se levantaram contra a recodificação do Direito Civil brasileiro, ao menos por meio de um modelo do tipo francês, em verdade a orientação metodológica do CC-02 se baseia nas premissas da socialidade e da concreção, abrindo campo para a atividade construtiva da jurisprudência7, a justificar a metodologia aqui eleita. Ademais, a proposta do codificador era a de substituir a concepção individualista do sujeito de direito pelo conceito de pessoa humana, além de compreender o CC-02 como lei básica, mas não global8 do Direito Privado brasileiro. A rotação do atual CC-02 em favor da socialidade, da pessoa humana e h çã “ ã ” z consequência diretas para a reconstrução do princípio da liberdade contratual e da força obrigatória dos contratos, pois a vontade negocial, antes dogmática e intangível mesmo ao juiz que se submetia à vontade da partes, sede espaço à alteridade negocial e ao valor maior da pessoa humana: mitiga-se o papel da vontade negocial para ganhar em dimensão o valor da pessoa humana, na figura do contratante e dos seus interesses patrimonial e existencial. A relação obrigacional, nesta toada, passa a ser uma situação jurídica complexa 9 (patrimonial e existencial) fundada na cooperação entre contratantes. Essa é a mensagem que nos é transmitida pela função social (art. 42110 CC-02) do contrato e pela boa-fé objetiva (arts. 11311 e 42212 CC-02). A questão central é saber em que medida o contrato ainda é obrigatório, em vista da reconfiguração da liberdade contratual e do seu princípio consequente, a força obrigatória do contrato, por conta desse novo modelo social do contrato brasileiro. E mais, do ponto de vista metodológico, o CC-02 inovou ao incorporar o Direito de Empresas em seu texto (arts. 966 a 1195) e Exposição de motivos do supervisor e da comissão revisora e elaboradora do código civil, p. 29-30. 8 Idem, p. 27. 9 NALIN, Paulo; XAVIER, Marilia Pedros; XAVIER, Luciana Pedroso. A obrigação como processo: releitura essencial trinta anos após. Dialogos sobre o Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, v. 2, p. 299-322. 10 Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. 11 Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da sua celebração. 12 Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 7 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 124 por extensão os contrato então ditos comerciais (empresariais) também foram inseridos no novo código. Consequentemente, uma segunda provocação se apresenta: os contratos empresariais recebem do legislador brasileiro a mesma valoração que os contratos civis, de modo a serem eles interpretados, qualificados e integrados à luz de valores e princípios sociais, ou teriam eles uma lógica própria? Todavia, antes de se investigar tais questões, e uma vez rapidamente percorrida a história da codificação civil brasileira, há de se concluir que a força obrigatória dos contratos figura como um dos princípios clássicos do Direito Brasileiro, ao lado do princípios do consensualismo e da relatividade dos efeitos do contrato, todas figuras decorrentes da liberdade contratual e antes dela, numa escala hierarquizada e abstrata de valores, da vontade dogmática e, por fim, da liberdade política enquanto direito subjetivo constitucional ou fundamental (art. 5, caput, CR13). Na fonte do CC-16 não se localizava um artigo expresso de lei a consagrar a força obrigatória dos contratos, uma vez que a própria concepção de obrigação contratual ou de contrato com efeitos intangíveis era uma das bases essenciais daquele código. À luz das codificações civis do séc. XIX, dentre as quais a brasileira, liberdade de contratar significava o exercício da autonomia da vontade contratual para definir quando, como e com quem contratar e, por extensão, o direito de por fim ao contrato, na hipótese de inadimplemento e da verificação do termo final do negócio. Por consequência, exercitada livremente a vontade negocial, o contrato se tornava obrigatório, intangível às partes que poderiam, no entanto, modificá-lo somente por meio de um outro acordo, por meio de um renovado novo exercício de autonomia privada. O contrato poderia ser distratado bilateralmente, portanto, mais uma vez, emergindo a sua resolução da vontade contratual. Por consequência desse viés voluntarista, o juiz não poderia interferir na vontade negocial e nos efeitos jurídicos extraídos do querer das partes, a não ser se a vontade tivesse sido manifestada de modo viciado, sendo esta a gênese da teoria dos vícios de consentimento (erro, dolo, coação). Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 13 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 125 Assim sendo, a intangibilidade contratual seguia uma linha dogmática e absoluta, por força da qual nem as partes, unilateralmente, nem o Estado (na figura do juiz), poderiam alterar os efeitos contratuais que vinham a constituir, modificar ou extinguir situações jurídicas patrimoniais: pacta sunt servanda! Similar metodologia legislativa foi empregada pelo CC-02. Com efeito, atual Código Civil brasileiro não versa sobre a força obrigatória dos contratos de modo expresso, porque se espera que o contrato cumpra o seu papel sócioeconômico de circulação atributiva de riquezas em exercício de liberdade contratual. Portanto, o contrato (rectius, seu efeito) continua sendo obrigatório no Brasil, a despeito dos novos valores e princípios sociais que o submetem, com os quais se estabelece o diálogo entre o velho e o novo direito contratual. Tais princípios assim denominados de sociais têm em vista a negociação pré-contratual, o fechamento do contrato e seu cumprimento de modo equânime, sendo esta a grande diretiva que apresenta a boa-fé contratual (CC art. 422). O contrato no Brasil deve ser um instrumento cooperativo e não de exploração e destruição da outra parte, em vista do seu cumprimento a qualquer preço. A boa-fé atua conjuntamente e não contrariamente ao cumprimento contratual, sendo esta uma mensagem desenvolvida inclusive no sistema do common law, tal qual observa R. SUMMERS: “[...] good faith (among other things) helps to particularise it meaning and thus enforce what may be the unspecified „inner logic‟ of the transaction or arrangement.”14. Brevemente, pode-se correlacionar a boa-fé brasileira com a teoria de FARNSWORTH, uma vez que este autor teoriza o princípio como um “[...] standard that has honesty and fairness at its core and that is impose on every party contract.”15 Ou seja, a boa-fé como um standard ético contratual que impõe deveres de cooperação é a definição mais sintética possível para o princípio em tratamento, perspectiva esta compartilhada entre os sistemas jurídicos do civil law e do common law. A modificação apresentada pelo CC-02 em face do CC-16 está no reconhecimento de que o contrato poderá ter seus efeitos econômicos mitigados SUMMERS, Robert S. The conceptualisation of good faith in American contract law: a general account. In: ZIMMERMANN, Reinhard e WHITTAKER, Simon. Good faith in european contract law. Cambridge: Cambridge, 2000, p. 136. 15 FARNSWORTH, E. Allan. Farnsworth on contracts. Boston: Little, Brown and Company, 1990, v 2, p. 335. 14 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 126 pelo juiz, perdendo a liberdade contratual o seu caráter dogmático e absoluto. Tal modificação operacionalizada pelo juiz ocorrerá por meio da revisão do preço ou por meio da resolução do contrato, por causa da excessiva onerosidade que atinge a prestação ou a base contratual. Retomando o quadro da boa-fé, ela também serve de fundamento para tais modificações da base econômica do contrato, pois somente será justo o contrato equânime. Estruturalmente posto, o CC-02 trabalha somente com as exceções à força obrigatória dos contratos o que em si é um reconhecimento do princípio enquanto regra. É um princípio abstrato de caráter deontológico, portanto. Evidentemente que o juiz também poderá extinguir o contrato quando constatada a invalidade do negócio como um todo e não puder ser ele parcialmente preservado, mas tal aspecto foge da presente abordagem. De modo transverso, e sempre em vista da atribuição do juiz, o contrato poderá ter seus efeitos modificados, quando nulo for o arranjo negocial e puder o juiz da causa modificar a sua natureza, no sentido de preservá-lo (art. 170 CC0216), o que também vem a ser uma consequência da mitigação do princípio em análise, pois as partes obterão efeito diverso do pretendido, de certa forma compreendido como um ato de autonomia privada, contudo, do juiz. Trata-se, neste artigo de lei, da incorporação do princípio da conversão essencial do negócio jurídico ou do princípio da conservação dos negócios jurídicos, por força do qual será a discricionariedade do juiz que ditará os efeitos do contrato, que serão necessariamente diversos do contrato que se evitou invalidar. Observe-se, entretanto, que se um lado o juiz brasileiro pode alterar os efeitos do contrato, com base em ruptura da sua base econômica e numa tentativa de preservar o contrato, mesmo que posto em outra roupagem negocial, sob outro viés a força obrigatória se mantém tal qual na sua remota origem clássica, ou seja, em relação aos contratantes, os quais não podem alterar o negócios contratual por vontade unilateral. 3. Os princípios sociais da Constituição Brasileira de 1988 Art. 170. Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as parter permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. 16 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 127 Pouco sentido faria passar os olhos no CC-02 sem compreender a lógica da nova contratualística brasileira, fundada em valores sociais que dialogam com princípios da ordem econômica. A dinâmica que se apresenta ao debate tem como fundamento a Constituição da República de 198817, a qual serve de fonte normativa ao Direito Privado nacional. Diversamente de outros modelos constitucionais que se destinam à regulação das políticas e das práticas do Estado, a Constituição brasileira também regula uma extensão fatia do Direito Privado brasileiro, dentre eles o direito proprietário, sucessório e contratual, embora o faça de modo princípiologico. Por consequência, percorrer o diálogo normativo brasileiro civil-consititucional é um pressuposto para se entender a sistemática contratual brasileira. Os movimentos econômicos, sociais e políticos que marcaram o Séc. XX18, sobretudo no cenário europeu, produziram forte impacto no Brasil, repercutindo no sistema legal interno. Se fosse possível localizar em um ou dois eventos de complexas naturezas as mutações que provocaram a descodificação e a recodificação civil brasileira, arriscar-se-ia afirmar que a discreta mas sempre crescente presença da mão invisível do mercado e os extremos dos regimes de esquerda e direita produziram uma síntese social-política-econômica brasileira que festeja a superação do racionalismo absoluto19, compreendendo um homem relativo ao seu tempo e espaço, inserido em um contexto meta-individual, sem contudo desconsiderar a sua personalidade. Talvez esse pequeno recorte opinativo traduza o sentido e o alcance que a vigente Constituição brasileira pretende com os arts. 1, III e IV, e 3, I e III, na sua base republicada: I – Dos Princípios Fundamentais Art. 1º. A Replica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e dos Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem coo fundamentos: III- a dignidade da pessoa humana; Sobre o tema o nosso Do contrato: conceito pós-moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). 2 ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 213-240. 18 ITURRASPE, Jorge Mosset. Interpretation economica de los contratos. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, [sd], p 13-30. 19 A vontade dogmática é o símbolo acabado do racionalismo: a vontade determinante da vida do homem permite-lhe correr os próprios riscos. 17 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 128 IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais. Uma vez adotada a concepção de sistema jurídico e absolutamente superado qualquer espirito dicotômico entre o Direito Público e o Direito Privado, por força do qual a Constituição encontra papel central e unificador no diálogo das fontes jurídicas, compreende-se que o valor da sociabilidade constitucional implica a função social do contrato e o princípio da dignidade da pessoa humana e, dentre outras consequência, a boa-fé contratual, na sua vertente objetiva, a qual impõe condutas contatuais conforme a boa-fé e de modo probo20. A contratualidade privada passa a ter uma perspectiva que compartilha o sistema de livre iniciativa com valores sociais da justiça social e do pleno emprego, além do respeito à função social da propriedade (art. 170 CR). No campo dos contratos, o mesmo artigo constitucional enaltece que a ordem econômica está fundada na defesa do consumidor e na redução das desigualdades regionais e sociais. Em síntese, encontra-se no Brasil um necessário diálogo entre a livre iniciativa de mercado e os valores sociais. Por consequência, sustentar posições radicais e extremas, seja em favor dos interesses do mercado, seja em favor dos anseios sociais, é iniciativa fadada ao fracasso, já que assim procedendo o intérprete terá uma visão parcial do complexo sistema jurídico nacional. Para o presente trabalho importa destacar o grande esforço que o constituinte de 1998 teve em alinhar as forças sociais e de mercado, mesmo que o texto final da Constituição possa ser tecnicamente criticado pela sua assimetria legislativa e extensão exagerada. E apesar de um pleno equilíbrio entre os operadores de mercado ser um projeto ideológico do passado, soterrado desde a queda do Muro de Berlim, não escapa a um Estado Brasileiro NALIN, Paulo. Princípios do direito contractual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justice contratual, igualdade. In LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore [coord.]. Teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2011, p. 97-144. 20 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 129 que se autoproclama Social de Direito obrar no sentido de repersonalizar o Direito Privado e isto se faz através da mutação da função do contrato. Assim sendo, não surpreende que o a Constituição de 1988 lance as bases para a proteção do consumidor, já que até 1988 não havia no Brasil qualquer tutela para o operador vulnerável do mercado. Até a edição do CDC, todos os contratos era interpretados à luz do CC-16, o que importava em julgamentos contaminados pelo princípio da igualdade formal dos contratantes e no exercício livre da vontade. E assim se operando o Direito, a lei socorria invariavelmente ao predisponente das cláusulas contratuais, livre que se encontrava para fixar os mais abusivos conteúdos negociais. Por isso, deu-se grande passo na busca por um novo paradigma contratual quando a Constituição de 1988 determinou que em cento e vinte dias da sua promulgação seria elaborado o Código de Defesa do Consumidor, cuja importância operacional do mercado será adiante abordada. 4. O impacto do Código de Defesa do Consumidor e a lógica contratual do final do séc. XX Quid dit contractuel dit just! Exaltavam os tratadistas franceses desde o Código Napoleônico, já que somente o homem livre (o cidadão nascido da Revolução) pode contratar: livre para concretizar a circulação atributiva proprietária e constituir em favor do burguês emergente um direito proprietário que antes da Revolução era privilégio da aristocracia e das concessões da Monarquia. Uma vez livre e igual o homem (que passou a ser cidadão) realizava o exercício contratual que superava os próprios efeitos do negócio, que seria a constituição de uma nova situação jurídica em sua esfera individual; ia além pois contratar tinha os ares do poder político consagrador dos princípios revolucionários. Toda essa lógica, ao mesmo tempo privada e política, encontrava um espaço (Europa Liberal) e um tempo (Séc. XIX) adequados aos seus propósitos e ao desenho de uma economia agropastorial, um momento no qual as relações contratuais eram de fato e de direito interprivadas (vis a vis), anterior à lógica Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 130 massificada de mercado. É claro que todo esse quadro cedeu com a Revolução Industrial, embora o modelo liberal de contrato tenha servido à la carte aos novos detentores do poder econômico (os burgueses do fin de siecle XIX), que usavam o mesmo instrumento que os alçou à condição de detentores do mercado para dar vazão aos produtos industrializados em grande escala. O contrato liberal, que passou a ser revestido da forma de adesão, se utilizava da premissa, agora superada, da igualdade formal entre contratantes, para consagrar a liberdade de contratar e proclamar: só contrata porque quer; por querer livremente, o contrato e obrigatório ... pacta sunt servanda. No Brasil, tal fenômeno somente foi percebido após a Década de 30 (Séc. XX) e a tentativa governamental de equalização das relações de trabalho. Para atingir tal fim, e sem poder modificar o CC-16 em sua estrutura, sob pena de torná-lo uma consolidação, produziu-se a primeira grande fratura do CC-16, dele se retirando uma parte contratual especial, destinada à locação de mão obra, para se erigir a Consolidação das Lei do Trabalho, a regulamentar o contrato de trabalho e com ela uma jurisdição especial do trabalho. Em que pese o tema das relações laborais não ser aplicável ao presente estudo, deseja-se com ele marcar o tempo em que já se fazia necessária a revisão dos pilares da igualdade formal e da liberdade plena encampados pelo Código de Civil de 1916, razão do início mais evidente da descodificação do CC-16. O segundo marco legislativo que feriu de morte a lógica contratual liberal, a qual era muito bem representada pelo CC-16, veio com o CDC, em 1990. Além de o CDC reconhecer uma nova categoria contratual (o contrato de consumo), seja para produtos, seja para serviços; além de o novo código consumerista ter adotado uma metodologia sincrética de regras materiais e processuais, arranjadas em técnica de cláusulas gerais; e, por último, ter incorporado princípios regentes da nova contratualista brasileira (transparência, confiança, equidade), nucleados na boa-fé objetiva, o que mais impressiona no CDC é o reconhecimento legal da vulnerabilidade de uma das partes do contrato e a adoção de instrumentos materiais e processuais para a equalização da relação jurídica contratual concretamente analisada. Com efeito, ideologicamente, rompeu-se com a premissa da igualdade formal das partes, implementando o CDC um sistema de igualdade material. E Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 131 do ponto de vista da teoria contratual, o novo código do consumidor lançou as bases para um novo conceito de justiça contratual, baseado na equidade negocial. Nesse ponto, destaca-se a mutação do conceito de justiça contratual, o qual, à luz do então ainda vigente CC-16 era o pacta sunt servanda (contrato justo, é contrato cumprido), para a justiça fundada na equidade, ou seja no equilíbrio das parcelas e obrigações do contrato, pois só o contrato equilibrado é justo. De outro vértice, em nenhum momento o CDC afasta do cenário principiológico Brasileiro o pacta sunt servanda, mas estabelece que obrigatório será o contrato equilibrado, sob pena de revisão dos seus termos, ex vi do art. 6º, V: Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Inaugurava-se na fonte legislativa nacional um novo capítulo da contratualística privada, tanto que logo após a vigência do CDC 21 observou-se uma ampla tentativa de migração dos sujeitos de direito não alcançados pela nova lei, conquanto partes em relações contratuais civis e comerciais 22, para o seio do CDC. Em termos mais singelos, os sujeitos não consumidores (s.s.) e por consequência excluídos do alcance do CDC buscaram ser judicialmente por ele tutelados, pois a justiça contratual proposta pelo novo código era muitos mais moderada e adequada ao final do Séc. XX do que aquela do CC-16, similar a do Código Comercial brasileiro (1850). 5. A força obrigatória e a sua relativização à luz do CC de 2002: ponto e contraponto Desde 1975 agitava-se a civilistiva nacional em torno de um novo Código Civil, sendo o Projeto de Código Civil uma peça jurídica fruto do acúmulo do saber jurídicos civil-comercial-filosófico até os anos 60, do Séc. XX. Retomado o Projeto, e sob a batuta do Supervisor da Comissão de Codificação, o jus-filosofo Miguel Reale, passou ele por intensos debates e modificações no Senado e na 21 22 Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, com vacatio legis de 180 dias. O Código Comercial Brasileiro ainda estava em vigor na sua parte contratual em 1990. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 132 Câmara dos Deputados, sob a coordenação do Senador Josafá Marinho e do Deputado Ricardo Fiuza, respectivamente, culminando com o vigente texto, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. No que concerne ao Livro dos Direito das Obrigações (art. 233 usque 1.195), estruturalmente ele é o maior dentre os demais Livros do Código Civil, até mesmo porque incorporou praticamente todo o Direito de Empresas e todos os contratos típicos comerciais (agora empresariais) na sua fonte positiva. Em grande linhas, o Direito Privada Brasileiro hoje se encontra unificado. Ainda no contexto da sua estrutura, o CC não se distanciou substancialmente do CC-16, em que pese a introdução pontual de alguns temas, tal qual a assunção de dívida, cujo instituto, entretanto, já era conhecido e estudado por meio da cessão de crédito. Mas, então, o que se apresenta de novo no atual Código Civil Brasileiro, em particular no Livro das Obrigações? Três pontos merecem destaque: (i) o emprego de cláusulas gerais em campos nevrálgicos da codificação, enquanto nova técnica legislativa; (ii) a funcionalização social da propriedade e do contrato; (iii) a consagração do princípio da boa-fé como princípio concreto e geral dos negócios jurídicos e, logo, dos contratos. O emprego das cláusulas gerais é crucial para compreender o novo Direito Civil nacional, pois a técnica pressupõe uma redação de artigo de lei dotada de um ou mais conceitos indeterminados e a ausência de sugestão sancionatória. Compete ao juiz, diante do caso concreto, preencher tal moldura, conceituando o instituto jurídico e definindo a sanção à hipótese, que será negativa ou positiva (premial, segundo N. Bobbio). Afasta-se da técnica da casuística do dado A, deve ser B, cuja descrição da hipótese e da sanção (sempre negativa ou de censura) era obra do legislador. Exemplifica-se com um dos artigos mais emblemáticos do CC-02: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. (grifei) Rapidamente esmiuçando o artigo em comento, surgem as seguintes indagações: i. Qual é o atual conceito de liberdade contratual, uma vez que historicamente este princípio implicava a escolha, livre e igual, do Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 133 objeto do contrato, do parceiro contratual e do próprio interesse em celebrar o contrato? ii. Qual é a racionalidade que se obtém da função social do contrato, já que o legislador do CC-02 em nenhum momento alude à razão (função) econômica do contrato, ao regular a sua função social? iii. Quais seriam os limites impostos pela função social do contrato à liberdade contratual? iv. Qual é o sentido e o alcance de tal funcionalização social diante de contratos com funções econômicas distintas, como os de consumo, civis e empresariais? v. Por fim, mas não menos relevante, qual é a sanção ao operador do contrato que desafia a função social do contrato? A tentativa de se responder a essas indagações pressupõe uma escolha metodológica que neste trabalho se pautará pelas decisões do Superior Tribunal de Justiça, mais adiante investigadas, e que laboram com a função social do contrato em cotejo com a obrigatoriedade contratual. Um necessário alerta, contudo, se mostra necessário ao leitor, relativo ao papel desenvolvido pela jurisprudência no Brasil. Sabe-se que o Brasil é um pais do sistema civil law, cujo ápice da pirâmide normativa é, desde 1988, ocupado pela Constituição da Republica Federativa do Brasil e, hierarquicamente posto, em nível inferior ou infraconstitucional, o Código Civil de 2002. Assim, é necessário entender que a jurisprudência no Brasil, e que explica as categorias jurídicas versadas neste texto, não tem força obrigatória perante as partes de um contrato e sequer perante juízes de primeiro grau de jurisdição, muito embora sejam acórdãos extraídos do acervo jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual constitucionalmente detém a última palavra sobre o Direito Civil. Portanto, o papel exercido pela jurisprudência brasileira é de unificação do entendimento interpretativo da lei, mesmo que dela não se obtenha uma força imperativa, tal qual a lei. Por outro lado, a jurisprudência brasileira do STJ vem ganhando cada vez mais espaço e força como instrumento de decisão em cortes inferiores, sendo, de fato, indispensável a sua análise. Retomando as questões supra, arrisca-se alguma explicação. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 134 Inicialmente, o juiz, ao se deparar com um conceito indeterminado procurará esclarecimento e preenchimento da moldura legal de formar interna ao próprio CC-02 ou fora dele, observando-se nesta metodologia a razão de ser da ideia de sistema jurídico. O caminho recomendado ao magistrado é que na sua pesquisa observe os valores e princípios constitucionais, já que a funcionalização social de institutos privado não é matéria a ser resolvida somente à luz da estrutura do código. Além do mais, em se tratando de cláusulas gerais, não existem soluções prontas, sendo necessário lançar um olhar muito particular para cada caso concreto. Outro aspecto, a função social do contrato não desqualifica a função econômica do contrato, em que pese exigir das partes um respeito a efeitos jurídicos do contrato que serão internos à própria relação jurídica negocial (o respeito ao outro contratante, em seus planos material e existencial, por força da boa-fé e de seus sub-princípios) e externos à relação, pois, via de regra, poder-se-á observar terceiros atingidos pelos efeitos do contrato, sobretudo em contratos corporativos, empresariais ou que atinjam o mercado relevante. Em terceiro plano, qual é sanção prevista pelo CC-02 na hipótese de violação da função social do contrato? A resposta mais adequada, ainda que sujeita a reparos, uma vez abstrata, extrai-se do sistema sancionatório do Código Civil, que se pauta pelas regras de invalidade (nulidade, anulabilidade, ineficácia), embora no caso ela seja de nulidade virtual, pela redução do negócio jurídico (preserva-se uma parte dele, ao se invalidar outra ilegal – art. 184 CC) e através das perdas e danos. Abstratamente, não se tem como apontar a melhor solução decisória, já que se está diante de uma cláusula geral dirigida ao juiz e ao caso concreto. Caberá a parte atingida e ao seu advogado endereçar ao juiz o pedido (remedy) mais adequado à patologia do contrato. Evidentemente que qualquer dessas consequências poderá aniquilar ou mitigar a força obrigatória do contrato, devendo estar muito atento o operador jurídico para os efeitos sociais do contrato, no Brasil. Isso porque, não seria equivocado impor, como condição da eficácia patrimonial pretendida pelos contratantes, a observância a interesses sociais das próprias partes e de terceiros e tal perspectiva é absolutamente pitoresca do Direito brasileiro. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 135 O princípio da boa-fé também merece um recorte a parte no novo Código Civil brasileiro, pois ela estabeleceu uma nova lógica operacional às relações obrigacionais, fundada na cooperação. O CC-02, diversamente do CC16, positivou o princípio da boa-fé em seu texto, como regra geral das relações contratuais, nos termos do art. 422: Art. 422. Os contratantes obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé. Com a brevidade que este texto permite, cumpre destacar as funções23 da boa-fé em linha de reequilíbrio entre as partes, o que impõe limites à livre iniciativa e a adequação das bases econômicas do contrato em circunstâncias imprevisíveis e de excepcional onerosidade24. A função em comento se apresenta retratada pelo no CC-02 em dois artigos: Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação. Art. 478. Nos contratos de execução ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação. Da leitura comprada dos dois artigos de lei, algumas conclusão simétricas e outra assimétricas são observadas: i. Os artigos em comento têm finalidades distintas, quais sejam, o art. 317 de destina somente à revisão do preço, para a manutenção do contrato de longa duração; de outro lado, o art. 478 se destina à resolução do contrato. ii. A imprevisibilidade é um componente comum em ambos os artigos, mas não se pode deixar enganar que o sistema obrigacional brasileiro estaria apoiado numa visão subjetivista do contrato, até Dentre as possíveis funções da boa-fé destacam-se: a função interpretativa dos negócios jurídicos (contratos, inclusive); a função de criação de deveres jurídicos anexos, laterais ou correlatos; a função corretiva da base econômica do contrato; a função revisional ou extintivas de cláusulas consideradas iniquas. 24 Comparativamente, a leitura do art. 437º do Código Civil português 24 não deixa dúvida de que a pretensão revisional encontra a sua base no princípio da boa-fé, muito embora no Direito Brasileiro tal princípio não esteja expressamente associado. Vejamos: “1. Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente ou princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.” 23 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 136 mesmo porque o art. 422 CC-02 impõem dos contratantes condutas probas, o que em ultima ratio significa posturas prudentes e ajuizadas. A imprevisibilidade é um requisito revisional ou resolutório sem real prestígio na atual lógica do sistema, refletindo uma cultura francesa subjetiva do contrato que nem mesmo em França é mais empregada. iii. O art. 478 CC-02 deveria ser a regra jurídica nuclear do equilíbrio contratual. Inclusive ele é dotado de um integral Seção (Seção IV), do Capítulo II, da Extinção do Contrato. Por sua vez, o art. 317 CC-02 foi projetado para ter menor alcance, uma vez inserido nas regras de pagamento, somente. Contudo, até mesmo por força da larga experiência do CDC, que antecede o vigente Código Civil em mais de uma década, a revisão contratual passou a ser mais bem aceita pela jurisprudência nacional, sendo excepcionalíssima a resolução do contrato, por ônus excessivo. Com efeito, o art. 317 CC-02 passou a ocupar o papel projetado para o art. 478 CC-02, preferindo-se a revisão à resolução do contrato. iv. Os requisitos do art. 478 CC-02, que são absolutamente simulares ao art. 1.467 do Código Civil Italiano25, se mostram quase intransponíveis de serem demonstrados em juízo, sobretudo porque impõe ao demandante a investigação e a prova de elementos subjetivos, a prova de fatos extraordinário e imprevisíveis (para ambos os contratantes) e, por fim, demonstrar a vantagem econômica do credor em desfavor do devedor. v. O art. 317 CC-02 passou a ser a chave da revisão obrigacional brasileira, embora a proposta do legislador tenha sido de menor alcance, também em homenagem ao princípio da conservação do contratos e, por consequência, da sua função social. vi. De qualquer sorte, a revisão ou a resolução do contrato têm como filtro a jurisprudência brasileira, a qual impõe maior rigor de Art. 1.467. Nei contratti a esecuzione continuata o periodica ovvero a esecuzione differita, se la prestazione di una delle parti divenuta eccessivamente onerosa per il verificarsi di avvenimenti straordinari e imprevedibili, la parte che deve tale prestazione pu domandare la risoluzione del contratto, con gli effetti stabiliti dall‟Articolo 1458 (att. 168). La risoluzione non pu essere domandata se la sopravvenuta onerosit rientra nell‟alea normale del contratto. La parte contro la quale domandata la risoluzione pu evitarla offrendo di modificare equamente le condizioni del contratto (962, 1623, 1664, 1923). 25 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 137 aplicação nas relações empresariais e, por consequência, maior eficácia à autonomia privada dos contratantes. Observa-se, sob outro giro, que o Código Civil não adotou expressamente a possibilidade de a boa-fé determinar e conduzir a revisão contratual como um todo (não só de cláusulas econômicas, por exemplo) e, tampouco, permite que o juiz invalidade cláusulas contratuais iniquas, a não ser que ela estipule a renúncia antecipada do contratante aderente a direito resultante da natureza do contrato26. Portanto, nas relações formadas por contratos de adesão, nulas serão as cláusulas contrária à causa do contrato27. Entretanto, tais efeitos podem ser extraídos do citado art. 422 do CC02, por meio de decisão judicial, a qual, ao invalidar uma cláusula de conteúdo econômico, por exemplo, que estabeleça um índice de correção monetária reputado ilegal pelos tribunais brasileiros28, acaba esta mesma decisão por eleger um outro índice ou critério de atualização monetária. Assim, observa-se uma revisão contratual indireta, posto que o legislador nacional não previu tal hipótese de modo expresso no CC-02. Em contraponto, é relevante salientar que o Código Civil segue sendo a lei dos contratantes com equivalência de poder de barganha, tanto que é regra geral em face de leis especiais, como o CDC que pressupõem a desigualdade entre os contratantes. Assim sendo, o CC-02 mantém em sua base ideológica a igualdade formal entre partes, embora relativizada pelos demais princípios que o ilustram, como a boa-fé. 6. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a obrigatoriedade dos contratos e os princípios sociais do Código Civil brasileiro Art. 424. Nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio. 27 A título de exemplo, a súmula 61 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado. 28 STJ Súmula nº 176 (23/10/1996 - DJ 06.11.1996): É nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID-CETIP. 26 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 138 Tendo em vista os fins a que se destina este breve trabalho, o qual objetiva realizar um sobrevoo pelo direito contratual privado brasileiro, especialmente traçando um paralelo entre princípios sociais da contratualista nacional face ao princípio da obrigatoriedade dos contratos, optou-se pela análise jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça como critério de çã “ ”. Outra metodologia de aferição deste novo sistema contratual Brasileiro poderia ter sido empregada, como a evolução positiva do Direito Privado, desde a Constituição de 1988 ou a comparação doutrinária nacional sobre a função social do contrato, numa linha temporal. Porém, o olhar jurisprudencial sobre o tema parece despertar maior curiosidade a projetar alguma segurança ao operador do mercado a partir da previsibilidade das decisões, embora o Brasil não se vincule ao sistema jurídico da stare decisis. Naturalmente não se pretende esgotar toda a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na presente análise, mas sim apesentar uma amostragem das 3ª, 4ª e 1ª Turmas do STJ, que vem a ser o tribunal superior competente para julgar o tema sob enfoque. Para tanto, elegeram-se cinco acórdãos, num recorte temporal de 2007 até 2012, visando, como isto, cobrir a linha de pensamento jurisprudencial do STJ sobre a obrigatoriedade contratual em paralelo com os princípios sociais apresentados pelo Código Civil e também pela Constituição da República. “A çã ã r seu papel primário e natural, que é o econômico. Ao assegurar a venda de sua colheita futura, é de se esperar que o produtor inclua nos seus cálculos todos os custos em que poderá incorrer, tanto os decorrentes dos próprios termos do contrato, como aqueles derivados das çõ .” (REsp. 783404-GO – Min. Nancy Andrighi – 3 Turma - 28/06/07) Salvo melhor análise, este foi o primeiro acórdão do STJ que apreciou a material da revisão contratual e da onerosidade excessiva em vista do princípio da função social do contrato. No presente caso, discutiu-se a pretensão revisional do preço de venda do soja em negócio aleatório, formalizado por meio de compra e venda futura (art. 459 do CC-02). O vendedor pretendia a elevação do preço pago no passado, pois quando da entrega presente do soja, o mercado se lhe mostrava mais favorável. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 139 O STJ negou a pretensão revisional, em síntese, sob o argumento da previsibilidade do preço futuro do soja. Além disso, externou posicionamento no sentido de que a função primária do contrato seria a econômica e não a social, mormente em se tratando de relação jurídica empresarial. “O çã é P Judiciário, para que ele construa soluções justas, rente à realidade da vida, prestigiando prestações jurisdicionais intermediárias, razoáveis, harmonizadoras e que, sendo encontradas caso a caso, não cheguem a aniquilar nenhum dos outros valores que orientam o ordenamento jurídico, como a autonomia da vontade. “Nã q ção social do contrato, princípio aberto que é, seja utilizada como pretexto para manter duas sociedades empresárias ligadas por vínculo contratual durante um longo e indefinido período. Na hipótese vertente a medida liminar foi deferida aos 18.08.2003, e, por isto, há mais de 5 anos as partes estão obrigadas a estarem contratadas." (Resp. 972.436-BA – Min. Nancy Andrighi – 3 Turma - 17/03/09) No presente caso, sustentou-se que a resilição de um contrato de longa duração, sem justa causa, mas por força da verificação do termo final do contrato, confrontaria com a função social do contrato e o princípio da conservação do negócio. O STJ julgou a validade e a eficácia do exercício potestativo resolutório, embora imotivado, confirmando com isso a liberdade de contratar, cujo princípio também proporciona ao contratante o exercício do direito à ruptura da avença, verificado o inadimplemento (lato sensu) ou a verificação do termo final. Com efeito, o argumento da função social do contrato não impede a ruptura contratual, enaltecendo-se, assim, a liberdade de contratar em linha negativa (o direito de não contratar ou não se manter na posição de contratante). “VII. C çã í Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa. VIII. Reconhecimento da contrariedade aos princípios da obrigatoriedade do contrato (art. 1056 do CC/16) e da relatividade dos efeitos dos pactos, especialmente relevantes no plano do Direito Empresarial, com a determinação de que o cálculo dos prêmios q .” (REsp1158815-RJ – Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO – 3 Turma - 07/02/12) Trata-se de debate sobre o valor do prêmio em contrato de seguro coletivo. Entendeu o STJ que nos contrato empresarias há de prevalecer os princípios clássicos da contratualidade, sem embargo dos valores sociais do Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 140 contrato, pois a autonomia privada sobrepõe-se, na seara do Direito Privado empresarial, aos princípios sociais. "2. A cláusula contratual que estipula o pagamento de multa caso o contratante empregue um dos ex-funcionários ou representantes da contratada durante a vigência do acordo ou após decorridos 120 (cento e vinte) dias de sua extinção, não implica em violação ao princípio da função social do contrato, pois não estabelece desequilíbrio social e, tampouco, impede o acesso dos indivíduos a ele vinculados, seja diretamente, seja indiretamente, ao trabalho ou ao desenvolvimento pessoal." (REsp. 1.127.247-DF – Min. Felipe Salomão – 4 Turma - 04/03/10) No corrente acórdão verifica-se uma mudança de entendimento do STJ, pois, pela primeira vez, o Tribunal estabeleceu uma preocupação social a um contrato de natureza entre empresários. Observe-se que os efeitos do contrato sob análise tocavam a terceiros trabalhadores, os quais se encontravam impedidos de serem contratados, pelo prazo de cento e vinte dias, por conta de cláusula contratual, sob pena de multa imposta ao empregador. A cláusula da multa foi julgada válida, já que os trabalhadores (terceiros à relação contratual) não estavam impedidos de trabalhar, embora o contratante se submetesse à multa, na hipótese de violação. É um acórdão de transição ideológica e de compreensão de que o contrato pode, não raramente, atingir terceiros em seus interesses patrimonial e existencial, já que o direito ao trabalho é reputado um direito constitucional (subjetivo) ou fundamental. “V q . 421 422 CC quais tratam, respectivamente, da função social do contrato e da boafé objetiva. A função social apresenta-se hodiernamente como um dos pilares da teoria contratual. É um princípio determinante e fundamental que, tendo origem na valoração da dignidade humana (art. 1 da CF), deve determinar a ordem econômica e jurídica, permitindo uma visão mais humanista dos contratos que deixou de ser apenas um meio para obtenção de .” (AgRg no REsp 1272995/RS - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 2011/01974207 – Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO – 1 Turma - 07/02/2012) O acórdão sob análise se encontra ideologicamente e funcionalmente no outro extremo daquele inicialmente analisado, já que impõe à instituição financiador da educação a redução de multa (cláusula penal moratória) pelo atraso no pagamento do financiamento, ao argumento de que a multa de 10% seria incompatível com a finalidade social do contrato de ensino. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 141 Observe-se, contudo, que o contrato julgado se estabelece entre fornecedor de crédito e estudante, não sendo, por consequência, um contrato interempresarial. O contrato em comento não é reputado de consumo, segundo entendimento consolidado da 1A. Turma do STJ, aplicando-se, porém, os princípios da dignidade da pessoa humana (CR) e a função social do contrato (CC-02). Ainda nesse quadrante, oportuno destacar que o tema foi posto em julgamento de modo excepcional pela 1ª Turma do STJ, uma vez que a sua competência de julgamento é a do Direito Público, embora a dignidade da pessoa humana e a função social do contrato sejam matérias de ordem pública, conforme as fontes constitucional (art. 1O., inc. III29) e civil (art. 2.035, parágrafo único30) Brasileiras. 7. Notas conclusivas Ante o exposto ao longo do texto, algumas conclusões se apresentam necessárias. Inicialmente, mostra-se inegável o giro legal dos princípios contratuais privados nacionais, sob influência inicial da Constituição da República de 1988, passando pelo Código de Defesa do Consumidor e por fim pelo novo Código Civil Brasileiro. Pode-se afirmar, em grandes linhas, que o direito contratual Brasileiro se apresenta mais social com o atual Código Civil (2002) do que na vigência do Código Civil de 1916, importando esta rotação em favor do viés social do contrato em consequências hermenêuticas, estruturais e funcionais sem precedentes no Direito Privado. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; 30 Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. 29 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 142 Especialmente no que toca ao princípio da força obrigatória dos contratos, este sofreu notável mitigação, deixando de ostentar no Brasil a natureza dogmática e liberal, histórica e ideológica que originariamente o caracterizou, além de agir em coordenação com demais princípios clássicos e contemporâneos, como a boa-fé objetiva e a função social do contrato. Em verdade, a mitigação do princípio da força obrigatória não é uma novidade, nem mesmo para os operadores do Direito Empresarial, afetos que estão a institutos de revisão negocial como a cláusula hardship. Ou seja, a mitigação Brasileira da força obrigatória dos contratos não coloca o país numa condição, por assim dizer, exótica, no cenário dos contratos internacionais e nacionais, em que pese a originalidade da função social do contrato. De qualquer modo, o que se revela, a partir do entendimento jurisprudencial construído pelo Superior Tribunal de Justiça ao longo de mais de dez anos de codificação civil é a inexistência de uniformidade entre as 1 A., 3A. e 4A. Turmas, embora se possa perceber uma linha de pensamentos mais favorável à liberdade de contratar e por consequência da obrigatoriedade contratual na 3A. Turma em comparação às demais. Seguindo na análise dos julgados do STJ, percebe-se a grande importância que o Tribunal emprega à condição econômica do contratante ( “ ” ), traçando uma linha divisórias entre contratos empresariais ou de lucro e contratos existenciais, de modo a calibrar os novos valores sociais do contrato em vista da vulnerabilidade maior ou menor dos contratantes. A partir dessa sub-classificação contratual (contratos empresariais ou existenciais), o STJ julga com ênfase aos princípios da autonomia privada, se empresariais, ou com maior observância aos princípios sociais se o contrato é daqueles existências (civil e de consumo). O CC-02 não apresenta essa subclassificação contratual, sendo ela uma construção doutrinária brasileira que objetiva adaptar a lei ao fenômeno contratual, que se mostra cada vez mais multifacetado. A plasticidade do conceito de contrato possivelmente impedirá que o STJ defina, com precisão e uniformidade, o papel e o alcance da força obrigatória dos contratos vista à luz de princípios sociais. Sob outro viés, afigura cada vez mais definida a posição do STJ em divisar contratos empresariais e Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 143 contratos existenciais, aplicando de forma modulada a função social dos contratos e a boa-fé na medida da maior ou da menor vulnerabilidade dos contratantes. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 144 O AMBIENTE DA NOVA CONTRATUALIDADE E A TENDÊNCIA DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ EM MATÉRIA CONTRATUAL Rodrigo Toscano de Brito1 Resumo: O presente artigo tem por objetivo estudar a consolidação do cenário em que estão inseridos os contratos, a partir da globalização e sua influência, e a dignidade da pessoa humana como contraponto à pressão globalizante. Nesse sentido, faz-se uma visita à doutrina constitucional e civil, para, ao final, trazer análises sobre a evolução legislativa e jurisprudencial do Superior Tribunal de J ç “ ”. A -se da análise de alguns recentes julgados do STJ que tragam, em sua essência, a influência dos elementos inicialmente citados, levando em conta precedentes que envolvam contratos civis, empresariais e de consumo. Palavras-chave: Contratos; Globalização; Dignidade da pessoa humana; Precedentes judiciais. Abstract: This article aims to study the consolidation scenario in which contracts are entered from the globalization and its influence, and the dignity of the human person, as a counterpoint to globalizing pressure. In this sense, it is a visit to constitutional and civil doctrine, in the end, bring analyzes of legislative and jurisprudential evolution of the Superior Court in that "contractual environment". Thus, some recent sentences is analyzed from the Supreme Court that carry, in essence, the influence of the elements initially cited, taking into account precedents involving civil, business and consumer contracts. Key-words: Contracts; Globalization; Human dignity; Judicial precedents. Doutor e Mestre em Direito Civil Comparado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Professor de Direito Civil da Universidade Federal da Paraíba e do UNIPÊ – Centro Universitário de João Pessoa, nos cursos de graduação e pós-graduação. Advogado. 1 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 145 Sumário: 1. Nota introdutória em torno do atual cenário das contratações – 2. Globalização: um ambiente consolidado e complexo para as relações contratuais – 3. A dignidade da pessoa humana como contraponto à pressão globalizante e como balizamento maior na interpretação contratual – 4. Evolução legislativa e jurisprudencial e a adaptação da interpretação dos contratos à realidade civil constitucional: análise de precedentes do Superior Tribunal de Justiça – 5. Notas conclusivas. 1. Nota introdutória em torno do atual cenário das contratações As considerações iniciais que se pretende fazer neste ensaio perpassam por uma conjuntura já conhecida em profundidade pelos civilistas que passaram a estudar e discutir o direito civil brasileiro a partir do ângulo constitucional, mas que algumas vezes ainda passa despercebido pela construção dos precedentes judiciais. Na primeira parte deste artigo, pretende-se revisitar a percepção de como a doutrina, especialmente a constitucionalista e a civilista, que analisaram o fenômeno da constitucionalização do direto civil, num primeiro momento, sentiram-se perto do influxo da Constituição de 1988, em matéria de direito privado. A ideia central é mostrar o cenário da contratualidade na atualidade – que já não é novo, mas sim consolidado. Para tanto, levar-se-á em conta uma análise à luz da globalização e sua influência sobre os contratos, e a dignidade da pessoa humana, como contraponto à pressão globalizante, sobretudo para revisitar a doutrina que, prospectivamente, viu adiante, iluminando o horizonte2, esses efeitos, e mostrar como anunciou o que vemos hoje, na Luiz Edson Fachin explicitava, desde a muito, que “ ç C çã é no tempo presente, a estagnação paralisante do ocaso pretérito. O Brasil constitucional de hoje N çã ” ã C çã q “ e vincula a ação permanente e contínua, num sistema jurídico aberto, poroso e plural, de ressignificar os sentidos dos diversos significantes que compõem o discurso jurídico normativo, doutrinário e jurisprudencial, especialmente no que concerne a tríplice base í çõ é í .” (FACHIN, Luiz Edson. Em defesa da Constituição prospectiva e a nova metódica crítica do „ z çõ . I . Questões do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 7). 2 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 146 construção jurisprudencial, de modo avançado, em determinados casos, e, ainda de modo tímido, em outros, como se mostrará na última parte deste escrito. Diante de um quadro econômico e social complexo, em que não se pode mais se ater apenas às relações entre fornecedor e consumidor, que são relações frágeis e que continuam a merecer especial cuidado, mas que também sofreram grande evolução nas últimas décadas com a discussão do direito do consumidor, faz-se necessário uma visão mais abrangente, uma teoria para os contratos que esteja comprometida com o equilíbrio da contratação na conjuntura em que se encontra. Diante dessa realidade, não se pode deixar de desenhar o palco, ou melhor dizendo, o grande cenário, já consolidado, em que se encontra inserido o contrato, especialmente quanto à influência da jurisprudência brasileira, o que se pretende analisar ao final deste ensaio. Esse cenário tem, pelo menos, dois elementos que influenciam o contrato e objetivam a busca de seu equilíbrio, num sentido mais amplo de contraposição de forças. A primeira etapa da nossa caminhada será dedicada a demonstrar alguns aspectos da globalização, criadora de um complexo ambiente para as relações contratuais – o grande cenário. Em seguida, buscar-se-á visualizar o princípio da dignidade da pessoa humana como o ator principal no grande palco contratual contemporâneo, que serve como o verdadeiro orientador desse ambiente contratual. Por último, procurar-se-á ressaltar a atividade legislativa e jurisprudencial, esta buscando se adaptar à nova contratualidade. Antes de se passar para o estudo desse cenário em que se encontra o contrato no Brasil, é importante observar que a nova contratualidade, que está inserida em todo o cenário que aqui será visto, tem por principal objetivo, especialmente, na análise da influência da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a busca pelo equilíbrio da contratação, como elemento finalístico, hoje, ao que nos parece, consolidado na legislação e em consolidação na jurisprudência daquela Corte Superior de Justiça. 2. Globalização: um ambiente consolidado e complexo para as relações contratuais Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 147 Apesar da crise econômica enfrentada nos últimos anos, talvez desde Roma, até os dias atuais, a humanidade não tenha visto um país desejar tanto a manutenção da hegemonia econômica e, na esteira dela, a cultural, como ocorre hoje com os Estados Unidos da América, que impõem regras e um modo de vida semelhante para qualquer parte do mundo. É esse fator – de relevância para o raciocínio contratual contemporâneo – conhecido de todos, que nos força a ponderar e tentar entender o fenômeno da globalização. Aqui, de fato, a intenção não é considerar a globalização como mero modismo. A necessidade de considerá-la é real. Com efeito, a globalização é e funciona como o palco principal das contratações contemporâneas. É, a rigor, o fenômeno macro, maior. Não se pode afirmar ser o principal, uma vez que aqui se considera sobremaneira a dignidade da pessoa humana como contrapeso e elemento principal, mas é, sem embargo, o que mais influencia e requer reflexão. Para Ronaldo Porto Macedo Júnior, em artigo que procura discutir o ô z çã “ -se-ia definir provisória e preliminarmente globalização como um processo de natureza econômica e política marcado pelas seguintes características: a) ampliação do comércio internacional e formação de um mercado global assentado numa estrutura de produção pós-fordista (pós-industrial); b) homogeneização de padrões culturais e de consumo; c) enfraquecimento da ideia de Estado-nação em benefício dos agentes econômicos do novo mercado ; ) çã ”.3 Numa visão que admite o aspecto político, Cristiano Chaves de Farias q “ -se afirmar que é a designação dada ao conjunto de transformações de ordem política, social e econômica verificadas nos últimos tempos em quase todos os estados democráticos de direito, tendentes à integração dos mercados, possibilitando maior circulação de q z ”.4 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Globalização e direito do consumidor. In: SUNDFELD, Carlos Ari; VIEIRA, Oscar Vilhena (Coords.). Direito global. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 225-239. 4 FARIAS, Cristiano Chaves de. A proteção do consumidor na era da globalização. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 41, p. 89, jan./mar. 2002. 3 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 148 Como se vê, há um padrão de opiniões diante de uma noção objetivamente imprecisa. O que se busca, porém, é o delineamento desse fenômeno mundial que não parece esconder o real objetivo: padronizar comportamentos, consumo, cultura, ciência, tudo em benefício de interesses mais fortes. É esse, sim, o principal escopo pretendido, apesar de não se negar que em alguns casos traga bons frutos. São inúmeras as variáveis da globalização. Para este ensaio, entretanto, interessam os efeitos trazidos do ponto de vista econômico5 que afetam de frente os contratos. Aliás, não se pode olvidar que é o contrato o elemento principal facilitador de circulação de riquezas e é através dele que se pode aplicar e padronizar, em diversos níveis de relacionamento, a padronização almejada pelos timoneiros da ideia globalizante. Essa é uma realidade presente da atual contratualidade, que vive, talvez, seu auge, não só vislumbrada nas relações de consumo, mas também nas relações empresariais. Não é demais ressaltar, como delineado por Ronaldo Porto Macedo Júnior, que há uma indiscutível intenção de ampliação do comércio internacional e formação de um mercado global. Ora, é esse comportamento sem fronteiras que enfraquece as empresas nacionais, gerando, por via de consequência, um maior enfraquecimento do consumidor doméstico e das empresas nacionais. A teoria do contrato, que em momento histórico mais recente se preocupou mais com a proteção dos envolvidos numa relação de consumo – e assim deve continuar fazendo – teve de ajustar seu rumo, para viabilizar a proteção também em outras relações que não contam, necessariamente, em seu bojo, com a presunção de parte hipossuficiente. Ora, se há um mercado global, se há a ideia de enfraquecimento do Estado-nação (antes especulado, hoje real), se há uma tendência de homogeneização de consumo com a presença, em praticamente todos os países do mundo ocidental, das mesmas empresas, dos mesmos grandes grupos empresariais, então deve haver um deslocamento do LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito do Estado federado ante a globalização econômica. Revista Notícia do Direito Brasileiro, Nova Série, Brasília, Universidade de Brasília, n. 8, p. 202, 2001. P “ h z çã ô q efeitos negativos e destrutivos sobre os direitos nacionais, máxime dos direitos sociais e da ô ”. (LOBO P L zN D E z çã econômica, p. 202). 5 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 149 intervencionismo contratual para além do contrato de consumo. Não se poderá pensar de forma diversa, se se sabe que o elemento principal da globalização econômica é o próprio capital financeiro. Paulo Luiz Netto Lobo, em trabalho publicado há algum tempo, comentava e alertava para o fa q “ é q é da concentração de poder empresarial, em escala planetária impressionante, no qual os valores hegemônicos são ditados pelos interesses das grandes empresas, com força econômica e law making power superiores ao da maioria dos í ”.6 Por seu turno, Paulo Bonavides consegue delinear, em poucas palavras, toda a estrutura do fenômeno z: “A globalizante. Quando comentando q o – e em alguns casos já o fez – desnacionalizar a ordem econômica, despedaçar o Estado, abdicar a soberania nos acordos lesivos ao interesse nacional, promover a recessão, perseguir com emendas constitucionais e medidas provisórias o corpo burocrático da administração pública, cercear direitos adquiridos, arruinar o pequeno e médio empresário, esparzir o medo e o sobressalto na classe média, diminuir o crédito ao produtor rural, elevar à estratosfera a taxa de juros, esmorecer a reforma agrária, confiscar o bolso do contribuinte com novos impostos, fazer da reforma tributária um engodo e da reforma administrativa uma falácia, conduzir o trabalhador ao desespero, praticar sistematicamente uma política de desemprego que, levando a fome ao lar de suas vítimas, desestabiliza a ordem social, abater as autonomias estaduais e municipais, mediante mudanças na Constituição que afetam os entes federativos e só fortalecem a União, semear a descrença do povo na melhoria de sua qualidade de vida pela brutal indiferença com que trata a questão social, estabelecer o retrocesso político nas instituições republicanas com a reeleição presidencial, desestruturar o ensino público e comprimir com indigência de LOBO, Paulo Luiz Netto, Direito do Estado federado ante a globalização econômica, cit., p. 203. Cristiano Chaves de Farias : “O z çã capital tende a fomentar o consumo como forma de alcançar o lucro, que é o próprio resultado almejado. Nesse passo, é imperioso reconhecer como consectários desse fenômeno a hegemonia do capital financeiro, o crescimento de empresas transnacionais, a internacionalização da produção, a liberalização do comércio e o maior oferecimento de produtos e serviços, mudança õ z ”. (A ção do consumidor na era da globalização, cit., p. 89). 6 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 150 meios financeiros a autonomia universitária, abrir sem freios o mercado à voracidade dos capitais especulativos de procedência externa, que ameaçam de mexicanização a economia brasileira, descumprir oito artigos da Constituição que regem interesses fundamentais das Regiões, o que ocorre na medida em que sua política do Mercosul acelera os desequilíbrios regionais no País e, finalmente, jungir o Brasil a uma política de sujeição externa vazada na h : “A z çã z çã ô ”. M é ; disputada sem arbitragem, onde só os gigantes, os grandes quadros da economia mundial, auferem as maiores vantagens e padecem os menores í .”7 Apesar de todas as palavras destacadas merecerem grifo, para o mister pretendido nestas linhas que, como dito, ressalta o ambiente no qual está inserida a contratualidade contemporânea algumas devem ter destaque especial: a ruína do pequeno e médio empresário; a elevação à estratosfera da taxa de juros e a abertura do mercado à voracidade dos capitais especulativos de procedência ou com a ajuda externa. Mas, pode-se ir além. Outros aspectos facilitam sobremaneira a expansão das ideias e do poder privado aqui já delineado. Trata-se da alta evolução tecnológica, devida muito pelo desenvolvimento e utilização dos supercomputadores e da internet. A partir de uma rede mundial de computadores ou televisão via satélite, é possível difundir, disseminar ideias, produtos, moda, de forma a incutir na mente de cada cidadão, isoladamente considerado, a necessidade de busca por determinada marca, produto ou fornecedor que, na maior parte das vezes, são representantes abertos das tais BONAVIDES, Paulo. A Constituição aberta. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 282-283. Sobre o assunto e com referência expressa à influência exercida sobre os contratos, Maria Luiza Feitosa, coment : “N q z çã rentabilidade, o risco deixou de ser visto como instituto de negação do dano ou de prevenção das possibilidades de perdas, projetando-se sobre a própria essência das transações, às vezes, como elemento central do binômio especulação versus investimento. Nesse campo, tornou-se lícito, possível e determinável, podendo ser analisado, posto em tratativas e pactuado. Vincula-se aos contratos de maneira cotidiana e regular, compondo uma equação em perfeita sintonia e simbiose. Mesmo sem detalhar as diferenças encontradas, podem ser extraídas, nesta breve çã ç çã çã ” (FEITOSA, Maria Luiza. Globalização financeira: mudanças que afetam o campo jurídicoeconômico dos contratos e os modos de lidar com o risco. In: Liber Amicorum – Homenagem ao Prof. Doutor Antonio José Avelãs Nunes, 2009. p. 741-770. 7 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 151 grandes empresas que acabam desestabilizando a economia de um país, com fortes reflexos na própria economia contratual. Mas, interessa também destacar aqui os principais efeitos do fenômeno globalizante, de forma a encontrar pontos que interfiram direta ou indiretamente nos contratos. Em primeiro lugar, no estágio atual, percebe-se com mais clareza que se procura afastar o Estado social, em face das garantias por ele promovidas. Como sabido por todos, o Estado social veio se contrapor ao Estado liberal, da livre iniciativa, com regras menos intervencionistas, da ampla utilização do voluntarismo, em que tudo era regido única e exclusivamente a partir da vontade das partes. Constatado o afastamento da igualdade real em face da existência de uma igualdade meramente formal, o Estado passou a intervir com mais intensidade nas relações privadas, com o escopo de procurar manter o equilíbrio das relações. É exatamente a época que coincide, segundo a tese de Miguel Reale, com a segunda fase do direito moderno 8. Pois bem, é essa fase mais intervencionista que a globalização procura afastar, embora do ponto de vista jurisprudencial, levando-se em conta os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, a tendência parece ser outra, quanto à interpretação dos contratos. O que procura fazer o fenômeno globalizante é, em poucas palavras, desconsiderar as regras intervencionistas do Estado social, implantando suas próprias regras e normas particulares, e aqui vale insistir, de um ponto de vista mais privado, digamos, não só em relações jurídicas de consumo, como já se refletiu, mas nas relações empresariais, e que, em face das consequências econômicas causadas, acabam por influenciar as relações civis puras. Qual a fonte geradora dessa força? Sem dúvida, a noção de internacionalização de empresas, em que as opções de consumo e fornecimento de bens e serviços nas relações empresariais, na medida em que o próprio fenômeno avança, passam a ser mínimas, centralizadas nas mãos de poucos grupos empresariais, que tendem a ser os mesmos na América do Sul, na América do Norte, na Oceania, na Ásia, na Europa, às vezes mudando, outras aproveitando o nome local de alguns produtos para dessa forma se camuflarem. 8 REALE, Miguel. Nova fase do direito moderno. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 102-113. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 152 Paulo Luiz Netto Lobo, sempre atento à ideia que se pretende aqui ç : “O çã é o da utilização massificada de condições gerais dos contratos. Sob a aparência de contrato, esconde-se um impressionante poder normativo, dificilmente revelável, que ostenta características assemelhadas às da lei. A lei, no Estado moderno, ostenta características que distanciam de qualquer ato de particulares ou de grupos. São eles: a generalidade, a abstração, a uniformidade e a inalterabilidade. Pois bem, as condições gerais dos contratos apresentam as í .”9 Voltando então para o ponto já referido, é dessa forma que a globalização facilita o poder normativo das grandes empresas transnacionais. Não há mais fronteira para a utilização de suas regras. Apesar de terem de se adaptar às normas locais, em cada país, em cada bloco econômico, de uma forma geral, conduzem para os quatro cantos do mundo a mesma regra, padronizada, imposta e consequentemente mais barata. Mas a remoção do Estado social não é o único efeito de relevo do fenômeno aqui estudado. Como já dito, há um evidente enfraquecimento das pequenas e médias empresas, senão levadas à ruína total, pelo menos muitas se encontram em difícil situação financeira, ante a consolidação da abertura da economia, nesse jogo de regras unilaterais permitidas pelo próprio mercado, que funciona, de certa forma, como mecanismo autorregulador. Não há dúvida sobre a diferença do poderio econômico de uma empresa nacional, seja ela pequena, média ou mesmo grande, e uma superempresa transnacional que, como já suscitado, impõe suas próprias normas, não só em relação aos seus consumidores, como também em relação às demais empresas domésticas. Carlos Alberto Ghersi relata a experiência pela qual passou a Argentina, dizendo o seguinte: “El mercado, como mecanismo autorregulador, LOBO, Paulo Luiz Netto, Direito do Estado federado ante a globalização econômica, cit., p. 204-205. O autor faz um cotejo entre a lei e as condições gerais dos contratos. Segundo ele, as condições gerais dos contratos também são gerais, pois se aplicam a todas os destinatários, sem individualização. Também são abstratas, uma vez que são predispostas para reger situações futuras e não situação concreta e determinada. De igual forma, são inalteráveis ou insusceptíveis de negociação individual com cada interessado. São, igualmente, uniformes, porque padronizadas para utilização por todos que necessitam dos produtos ou serviços oferecidos e, por último, são editadas pela parte interessada. Assim, o autor demonstra claramente o law making power, já referido, indispensável para a interpretação do equilíbrio contratual de hoje. 9 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 153 produjo la quiebra de pequeñas y medianas empresas ante la apertura de la economía sin restricciones; la desocupación estructural llegó y permanece en niveles nunca antes existentes en la Argentina, entre algunas de esas consecuencias disvaliosas.”10 Na mesma ordem de ideias, o fenômeno globalizante acabou trazendo outra consequência relevante, notadamente para países em desenvolvimento como o Brasil: a pressão para se realizar as privatizações das empresas que, segundo a ideia dominante, não devem estar nas mãos estatais. Entre nós, como amplamente divulgado, esse foi um passo dado, promovendo, como hoje se vê, após alguns anos da passagem de várias estatais para a iniciativa privada, uma maior concentração de força econômica por parte de grandes grupos ô “ çã ” contratual de setores importantes da economia, como ocorre, por exemplo, com a telefonia, apesar da insistente e mais do que necessária interferência estatal, através do Poder Executivo, a exemplo do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), do Poder Legislativo, na gênese de novas regras intervencionistas, e do próprio Poder Judiciário que passou a melhor entender a necessidade de intervir na economia contratual, promovendo revisões de cláusula e declarando a sua nulidade, conforme o caso, ainda que a relação não viesse a ser de consumo, estritamente. É interessante anotar, como o faz com extrema sensibilidade Carlos Alberto Ghersi, que, diante desses efeitos, outros da mais alta relevância surgem em consequência. De fato, para o autor argentino, passa-se a vislumbrar uma pobreza econômica e social que leva, por via de consequência, a uma pobreza jurídica, de direito, afastando o indivíduo dos direitos fundamentais. Para ele, assim como do ponto de vista econômico se impossibilita o acesso do cidadão a um recurso suficiente que lhe permita exercer seus direitos de trabalhador e de consumidor, ou do ponto de vista social, com a existência do analfabetismo ou do semianalfabetíssimo, impede-o de conhecer os seus direitos, impossibilitando-o de exercitá-los, do ponto de vista jurídico, isso também ocorre, em escala ainda pior. C “en el derecho ello es peor aún, GHERSI, Carlos Alberto. La pobreza jurídica y el ejercicio de los drechos fundamentales: el valor de las libertades negativas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 43, p. 16, jul./set., 2002. 10 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 154 por ejemplo, porque presume el conocimiento de la ley para aquellos (pobres ignorantes), lo cual los torna peligrosamente impotentes, pues al firmar „contratos o pseudocontratos‟ se les aplicara aquel criterio (la lei debe ser conocida por todos, art. 20 CC argentino), colocándolos al margem de la protección jurídica”.11 Todos esses aspectos são típicos da contemporaneidade econômica que, de fato, irradia efeitos em diversas direções. Como não poderia ser diferente, o direito se sente influenciado e, no caso específico da interpretação da teoria geral dos contratos, todos os pontos aqui discutidos são da mais alta relevância. A globalização, nos seus primeiros passos, já embalados pelo pleno vigor da sociedade massificada, fez com que ganhasse força uma legislação protetiva do consumidor, realçando noções relevantes, como a da solidariedade social, o valor da livre iniciativa e um real sentido da dignidade da pessoa humana. Agora, a teoria dos contratos, em mais uma de suas adaptações evolutivas conta com intervencionismos estatais mais abrangentes, voltando-se, não só para a realidade dos contratos consumeristas, mas para o contrato como um todo, em face da influência da própria noção de globalização, que funciona, conforme demonstrado, como palco que propicia essa mudança de visualização. Para Antonio Junqueira de Azevedo, na fase moderna, buscou-se a lei çõ . O remontarmos a épocas mais remotas, : “O qual era o paradigma até aproximadamente a Primeira Grande Guerra Mundial? Era o paradigma da lei. Vindos dos traumas do absolutismo, os juristas de então viam, na lei, o direito. Para dar segurança, a norma devia ser clara, precisa nas suas hipóteses de incidência (fattispecie) .”12 Para o citado autor, em momento subsequente, e ainda no modernismo, o paradigma mudou, de forma que o centro das decisões saiu da lei e foi para o juiz, visto como o representante do Estado, a pessoa capaz de tudo resolver. N z : “I z -se, assim, nos textos normativos, os conceitos jurídicos indeterminados, a serem concretizados pelo GHERSI, Carlos Alberto, La pobreza jurídica y el ejercicio de los derechos fundamentales: el valor de las libertades negativas, cit., p. 18. 12 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O direito pós-moderno e a codificação. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 33, p. 125, jan./mar. 2000. 11 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 155 julgador no caso a decidir, e as cláusulas gerais, como a da boa-fé (falou-se até z).”13 Ao que nos parece, não há hoje a continuidade desse fenômeno, a ponto de se afirmar que se foge do juiz. Ao contrário, o juiz passou a ser o principal elemento, por assim dizer, na análise do ambiente em que se construiu o contrato e do seu entorno, na aplicação do direito contratual, levando em conta especialmente a principiologia do contrato. Há, atualmente, uma maior intervenção estatal nas relações empresariais e mesmo, em alguns casos, nas estritamente civis, como já ocorria nas relações de consumo, mas com níveis de intensidade, evidentemente, diferentes, para cada caso. É esse, em rápidas noções, o ambiente no qual se encontram inseridas as relações contratuais contemporâneas. Mas, conforme já dito, há um balizamento maior, capaz de servir de grande contrapeso a toda a pressão imposta pelo perfil globalizante, capaz mesmo de servir como um dos critérios maiores do equilíbrio entre as prestações: a necessidade de observância do princípio da dignidade da pessoa humana. 3. A dignidade da pessoa humana como contraponto à pressão globalizante e como balizamento maior na interpretação contratual Visto o cenário maior, como aqui se idealizou, no qual hoje se inserem as contratações, passemos ao estudo de um dos seus elementos integrantes que tem, sem embargo, o escopo de se contrapor ao meio-ambiente em que se encontra o contrato. Na verdade, talvez fosse desnecessário desenvolver este tema como ele se encontra proposto. De fato, parece óbvio que o princípio da dignidade da pessoa humana é, em qualquer hipótese, o orientador nato das relações jurídicas modernas. Entretanto, apesar da aparente obviedade, não se pode afastar sua importância num ensaio que se propõe a visitar o atual estágio da nova contratualidade, com lastro num direito civil que tem seu fundamento maior e seu principal conteúdo em sede constitucional. 13 AZEVEDO, Antonio Junqueira de. O direito pós-moderno e a codificação, cit., p. 126. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 156 Não se pode negar também que a ideia central destas linhas muito deve à própria noção do princípio da dignidade da pessoa humana. Olvida-se da sua penetrabilidade na seara privada, porque os próprios civilistas e, porque não dizer, a doutrina menos avisada, associa com facilidade a noção desse princípio à dos direitos humanos numa via publicista. No entanto, não se pode negar que está nele a gênese de novas ideias, de novas fronteiras outrora exclusivamente privadas, como ocorre com o contrato. Gustavo Tepedino, a partir da noção de personalidade, demonstra claramente essa linha de pensamento, ao afirmar que os direitos da personalidade são os direitos humanos, sob o ângulo privado.14 Como se não bastasse estar no princípio da dignidade da pessoa humana o embrião do estudo aqui desenvolvido, não se pode deixar de dizer, na esteira do que afirma J. J. Gomes Canotilho, que há uma base antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de direito que, em relação ao que sustentamos, deve ser considerada como balizamento máximo15. Nesse sentido, ainda que o direito privado tenha, historicamente, uma feição patrimonialista por excelência, não pode se afastar do homem, da proteção da pessoa humana. Aliás, há, entre nós, claramente um deslocamento da tutela meramente patrimonialista para a da pessoa humana como centro nervoso do direito. A respeito desse t E h C J z q “ -se contra as concepções que o colocavam como mero protetor de interesses patrimoniais, para postar-se agora como protetor direto da pessoa humana. Ao O : “D í -se que os direitos humanos são, em princípio, os mesmos da personalidade; mas deve-se entender que quando se fala dos direitos humanos, referimo-nos aos direitos essenciais do indivíduo em relação ao direito público, quando desejamos protegê-los contra as arbitrariedades do Estado. Quando examinamos os direitos da personalidade, sem dúvida nos encontramos diante dos mesmos direitos, porém sob o ângulo do direito privado, ou seja, relações entre particulares, devendo-se, pois, defendê-los frente aos atentados perpetrados por outras pesso ”. (TEPEDINO G . Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 33). 15 O princípio da dignidade da pessoa humana, entre nós, está positivado no artigo 1º, III da Constituição Federal de 1988. José Joaquim Gomes Canotilho, em alusão a dispositivo z: “A C çã R ú ã quaisquer dúvidas sobre a indispensabilidade de uma base antropológica constitucionalmente estruturante do Estado de direito (cfr. CRP, art. 1º: Portugal é uma República soberana baseada h )”. (Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1996. p. 362). 14 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 157 proteger (ou regular) o patrimônio, se deve fazê-lo apenas e de acordo com o q : ”.16 Além de tudo, é inegável também que não se pode contrapor à ideia globalizante, que se reflete tão facilmente no mundo dos contratos, apenas com normas positivadas específicas, ou mesmo com princípios fundamentais de direito privado. Com arrimo na lição de J. J. Gomes Canotilho, faz-se mister seguir, como alicerce fundamental, os princípios políticos constitucionalmente conformadores, como é o caso do princípio da dignidade da pessoa humana.17 Nesse contexto, é preciso, desde já, estabelecer o campo em que se encontra a temática aqui desenvolvida. Ou seja, o princípio da dignidade da h “ ” q inafastavelmente. O contratante, o julgador, o intérprete da norma de uma forma geral deve levá-lo sempre em consideração como o balizamento interno, e isso tem sido verificado, gradativamente na jurisprudência brasileira. De fato, ã “ ”. Na nova contratualidade, os contratantes, o magistrado – quando chamado para resolução do conflito contratual –, o intérprete da norma enfim, “ ” – a dos princípios sociais dos contratos –, desde que já tenha respeitado o limite interno, qual seja o da obediência à dignidade da pessoa humana. Como se nota, o princípio da dignidade da pessoa humana é orientador é .P G T “ escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, justamente com a previsão do parágrafo 2º do artigo 5º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos CORTIANO JUNIOR, Eroulths. Alguns apontamentos sobre os chamados direitos da personalidade. In: FACHIN, Luiz Edson (Coord.). Repensando fundamentos do direito civil brasileiro contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p 33. 17 O professor da Universidade de Coimbra explica a noção dos princípios políticos : “D am-se por princípios politicamente conformadores os princípios constitucionais que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte. Nestes princípios se condensam as opções políticas nucleares e se reflete a ideologia inspiradora çã ”. (CANOTILHO J é Joaquim Gomes, Direito constitucional, cit., p. 172). 16 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 158 í „ h ‟ ”.18 É “ h ”q grandes linhas, os delineamentos e características da nova contratualidade e tem sido essencial na evolução dos precedentes judiciais no sentido que já vem sendo trabalhado pela doutrina desde a Constituição de 1988. Nesse sentido, importa ter presente ainda que a dignidade da pessoa humana irradia suas diretrizes não só observando os elementos natos da pessoa, como dito por Ingo Wolfgang Sarlet19. Não é, em igual sentido, um princípio apenas da ordem jurídica, de vez que deve influenciar igualmente a ordem política, social, econômica e cultural, agora nas palavras de José Afonso da Silva. Para o professor paulista, é desse prisma que se tem a natureza de valor supremo da dignidade da pessoa humana, que deve ser vista na base de toda a vida nacional.20 Arrimado nessas lições, é possível compreender o ponto central deste item, não só como contraponto aos efeitos da globalização sobre os contratos, como se ressaltou, mas também para demonstrar que devemos estar submetidos, no trato de matérias privadas, igualmente ao princípio da dignidade da pessoa humana, como ficou evidenciado. Para ratificar esse entendimento, não é demais considerar as palavras G T q : “J çã çõ s jurídicas patrimoniais, ao revés, a dignidade da pessoa humana é o limite interno capaz de definir com novas bases as funções sociais da propriedade e da ô ”. E h q q TEPEDINO, Gustavo, Temas de direito civil, cit., p. 48. Na mesma linha de raciocínio, F R M q “h -se perceber que os direitos humanos que inspiraram o constituinte pátrio de 1988 também compõe-se como cláusula geral para tutela de q „ ‟ „ ‟ q personalidade não pode ser vista, tão-somente, como capacidade de direitos e obrigações, mas, é q ”. (D h devedor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 39, p. 148, jul./set. 2001). 19 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60. 20 J é A S é q “ h ã é çã constitucional, pois ela é um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiência ó h ”. (Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a constituição. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 146-147). 18 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 159 q q humana e q ao : “(...) tais diretrizes [o autor se refere à pessoa desenvolvimento da personalidade], longe de apenas estabelecerem parâmetros para o legislador ordinário e para os poderes públicos, protegendo o indivíduo contra a ação do Estado, alcançam também a atividade privada, informando as relações contratuais no âmbito da iniciativa ô .”21 Levando-se em conta a temática aqui considerada, com inegável sede civil-constitucional, como se fez questão de frisar e explicar, faz-se necessário parar para algumas reflexões. Analisando o que se procurou consignar aqui, o princípio da dignidade da pessoa deve ser observado em pelo menos duas vertentes. Primeiro, não se pode olvidar que se está diante de um grande cenário, o globalizante, como demonstrado, em meio ao qual as grandes empresas transnacionais aparecem, impõem suas regras e criam, em seu favor, um verdadeiro poder de çã “ ” q da globalização sobre os contratos. Nesse contexto, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser visto como o verdadeiro contrapeso, de forma que o legislador, o julgador ou qualquer pessoa envolvida na relação jurídica privada deve nele se guiar como princípio máximo e capaz de evitar os descompassos impostos por uma ideia, já comprovada, de mão única. Em sede contratual, no nosso sentir, ninguém pode se sobrepor às diretrizes do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana. Nesse prisma, vale ressaltar as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, quando : “C – no âmbito do que se poderia designar de uma concepção minimalista (nuclear) da dignidade, não há como deixar de citar a forma desenvolvida por Dürig, na Alemanha, para quem (com fundamento direto e confesso na concepção kantiana) a dignidade da pessoa humana poderia ser considerada atingida sempre que a pessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma O q “(...) e dos atos jurídicos, por força da cláusula geral de tutela da personalidade, está condicionada à adequação aos valores constitucionais e à z çã z çã h ” (TEPEDINO G Temas de direito civil, cit., p. 52). 21 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 160 coisa – em outras palavras, sempre que a pessoa venha a ser descaracterizada e d .”22 Essa análise é relevante não só para as relações que envolvem os contratos meramente civis e de consumo – que por essência têm pessoas naturais a eles vinculados – mas também aos contratos empresariais, tendo em vista que por trás da empresa – especialmente as que têm característica familiar, estão as pessoas como um dos elementos realizador do negócio, aliás, da sua função social. Dessa sorte, na contratualidade contemporânea, esse raciocínio não só pode como deve ser levado em conta na interpretação do contrato de modo geral. Dessa sorte, está autorizado o magistrado, por exemplo, diante de um litígio contratual, seja de consumo ou empresarial, a intervir na contratação para, revisá-la e mantê-la, de forma a fazer com que o princípio maior possa efetivamente contrapor-se às imposições e aos reflexos maléficos que as cláusulas contratuais possam gerar. A segunda vertente veleja na direção de se considerar o princípio da dignidade da pessoa humana como o balizamento incondicional na interpretação contratual e na busca pelo seu equilíbrio23. É importante grifar aqui que o centro nervoso dessa discussão releva não apenas os reflexos produzidos pelos contratos que têm nascimento na onda globalizante, mas também toda e qualquer contratação, vale dizer, civil pura, empresarial e de consumo. Nesse sentido, todos os contratantes, exegetas, julgadores, legisladores, necessariamente, como já dito, estão obrigados a seguir, como balizamento estreito, primeiramente o princípio da dignidade da pessoa h .N z F P “ âmbito interno (à luz do direito constitucional ocidental), a dignidade da pessoa SARLET, Ingo Wolfgang, Algumas notas em torno da relação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais na ordem constitucional brasileira, cit., p. 211. 23 I W S q “ ã h ntar, não pode ser desconsiderado, qual seja, o de que a dignidade, ainda que não se a trate como o espelho no qual todos veem o que desejam, inevitavelmente já esta sujeita a uma relativização (de resto comum a todos os conceitos jurídicos) no sentido de que alguém (não importa aqui se juiz, legislador, administrador ou particular) sempre irá decidir qual o conteúdo da dignidade e se houve, ou ã çã ” (Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, cit., p. 126). 22 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 161 humana é princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumin .”24 Deve-se entender, por fim, que é a dignidade da pessoa humana que tem permitido o equilíbrio do contrato, independentemente da relação contratual que se esteja tratando. Igualmente, vale considerar que o contrato, assim como qualquer relação jurídica, seja pública ou privada, não pode ultrapassar os limites da dignidade da pessoa humana. Esta deve servir de orientadora, não só na elaboração, quanto na interpretação contratual. Deve ser vista, enfim, e como já grifado por Gustavo Tepedino, como cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana. Esta tem servido de orientadora na nomogênese legislativa, historicamente falando, e nos precedentes judicias. 4. Evolução legislativa e jurisprudencial e a adaptação da interpretação dos contratos à realidade civil constitucional: análise de precedentes do Superior Tribunal de Justiça Até aqui, a preocupação girou em torno da apresentação de dois elementos de grande influência na delimitação da contratualidade contemporânea. Assim foi que se estudou o fenômeno globalizante como o grande cenário em que se encontram inseridos os contratos e cujo principal ator é o princípio da dignidade da pessoa humana que, a um só tempo, funciona como contrapeso da globalização e como balizamento fundamental na interpretação do contrato. A influência do princípio da dignidade humana na seara privada dá-se notadamente pela mudança de foco que sofreu o direito civil no Brasil, após o ingresso de um conteúdo civil na Constituição. Cabe agora avançar, demonstrando como a legislação que daí se seguiu acompanhou a trilha civilconstitucional e, principalmente, como influencia a contratação. É certo que, antes da Constituição de 1988, já se encontravam normas que caminhavam na direção esposada no texto constitucional. Entretanto, aqui, procurar-se-á focar PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o princípio da dignidade da pessoa humana. In: LEITE, George Salomão (Org.). Dos princípios constitucionais: considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 195. 24 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 162 em grandes linhas microssistemas posteriores à Constituição, engendrados a partir da perspectiva civil-constitucional. Também aqui, ver-se-á, ainda que rapidamente, que o Código Civil, apesar de arraigado em alguns pontos à tradição civilista do Code Napoleón, também caminhou em direção semelhante, principalmente em matéria contratual. O legislador, nessa esteira civil-constitucional, através dos ditos microssistemas legislativos, no que diz respeito ao contrato, esteve mais preocupado, de acordo com a evolução legislativa observada, com a tutela da parte mais fraca na relação contratual. A lei de locações de imóveis urbanos é um desses exemplos típicos (Lei n. 8.245/91). O legislador, com a finalidade de fomentar o mercado de locação de imóveis urbanos e de proteger melhor o locatário, retirou do Código Civil o regramento sobre o assunto, e o redirecionou para uma lei especial. O locatário é considerado a parte fraca da relação locatícia. A busca pelo ponto de equilíbrio no contrato de locação considera que há uma parte débil que precisa de normas capazes de conduzi-la a uma situação de igualdade. Vale notar que o pano de fundo da lei aqui mencionada é, de fato, e como frisado, a proteção de aspectos habitacionais e de igualdade nas contratações, de sorte que obedece ao princípio orientador da dignidade da pessoa humana. A lei de locações urbanas não é o único nem o mais importante microssistema contratual com fundamento civil-constitucional. Sem embargo, esse título deve ser outorgado ao Código de Defesa do Consumidor que, melhor do que qualquer outro, retrata a realidade legislativa dos primeiros anos do impacto da globalização no Brasil e da absorção de uma cultura privada mais voltada para a pessoa e mais preocupada com o entrelaçamento de institutos de direito público e privado, se assim pudéssemos ainda dividir. Apesar de o Código de Defesa do Consumidor tratar de diversas matérias, tais como responsabilidade civil, publicidade, normas administrativas, penais, entre outras, é também ali que se encontra o ponto de referência para a maior virada de página que assistimos na história do direito contratual brasileiro, nas últimas décadas: o regramento do contrato de consumo. Diz-se isso porque foi a partir do Código de Defesa do Consumidor que, embora leve em consideração apenas a tutela da parte débil da contratação (o consumidor), começou-se a vislumbrar um novo horizonte contratual – uma Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 163 nova contratualidade – capaz de tirar o contrato do sufoco proporcionado pelas normas liberais presentes no Código Civil de 1916, já não mais adequadas à contratualidade que se seguiu nos últimos 20 anos, no Brasil. Essa questão é de relevo especial e muito se discutiu sobre a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos civis e empresariais acirrando o debate entre os que sustentam a tese finalista e maximalista do conceito de consumidor. Apesar de sustentarmos que a discussão perdeu força, pelo menos do ponto de vista principiológico, após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, no nosso sentir, não se pode deixar de referenciar que vários julgados no Brasil seguiram a orientação de que o Código de Defesa do Consumidor também se aplicaria a outras relações, que não as meramente consumeristas, embora não seja essa a posição adotada pela 3ª Turma de Julgamento do STJ, conforme se infere da análise do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.193.293/SP, julgado em 27.11.201225. A rigor, foi a partir do Código de Defesa do Consumidor que se pode discutir o real alcance da autonomia privada, relativizada e limitada pelos princípios sociais. Igualmente, foi a partir dele que se falou em uma nova contratualidade, que precisou ser revista. Toda essa tendência é circundada pela observância do princípio fundamental aqui já bastante referido, qual seja, o da dignidade da pessoa humana. Vale dizer, foi a partir do microssistema consumerista que se passou a sentir a influência do valor que tem a pessoa, frente às normas individualistas e meramente patrimonialistas, da época anterior dos contratos. Leonardo Mattietto Apesar de se necessitar fazer as ressalvas de natureza processual sobre prequestionamento de matéria essencial ao recurso especial, é importante observar que o Código Civil abriu igual possibilidade de revisão e interpretação mais favorável ao aderente, o que inclui os contratos de franquia (artigos 423 e 424). Talvez por questões processuais, a 3ª Turma do STJ, especialmente diante da reconhecida aplicação do viés civil-constitucional à interpretação dos contratos por parte do relator, çã CDC: “P C . Agravo Regimental. Recurso Especial. Ação de Revisão de Contrato de Financiamento para Aquisição de Franquia Cumulada Com Repetição De Indébito. Relação de Consumo. Inexistência. 1 - Conforme entendimento firmado por esta Corte, o critério adotado para determinação da relação de consumo é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a parte deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. 2.- No caso dos autos, em que se discute a validade das cláusulas de dois contratos de financiamento em moeda estrangeira visando viabilizar a franquia para exploração de Restaurante "Mc Donald's", o primeiro no valor de US$ 368.000,00 (trezentos e sessenta e oito mil dólares) e o segundo de US$ 87.570,00 (oitenta e sete mil, quinhentos e setenta dólares), não há como se reconhecer a existência de relação de consumo, uma vez que os empréstimos tomados tiveram o propósito de fomento da atividade empresarial exercida pelo recorrente, não havendo, pois, çã ”. 25 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 164 z ã z q “ çã individualista e voluntarista, cede lugar a um novo modelo deste instituto jurídico, voltado a obsequiar os valores e princípios constitucionais de dignidade h ”.26 Pode-se dizer, portanto, que o Código de Defesa do Consumidor aparece como um dos microssistemas que mais facilmente evidenciam a influência constitucional a partir da tutela da pessoa humana. Como observa Eduardo C B B ú “é q ç ‟ – ú L . 8º; „ ú ç ‟– . 10; „ ã õ . 8.078/90 („ ú ç ç ‟ – art. 9º; „ ç ‟ § 1º . 12; outras assemelhadas). Mas, não é sem menos que estas expressões circulam com facilidade no interior dos artigos, incisos e alíneas, ou ainda encabeçando títulos e capítulos da Lei, isto porque se trata de âmbito em que a pessoa pode sofrer atentados de inúmeras naturezas a direitos da personalidade, uma vez çã ”.27 O levantamento dos dispositivos realizado por Eduardo Carlos Bianca Bittar desbrava os inúmeros exemplos da influência civil-constitucional do Código de Defesa do Consumidor. Sem igual intensidade, mas também preocupado com esse mesmo viés, o Código Civil de 2002 introduziu de modo claro através do capítulo que se passou h “ ”( 421 424) í sociais, que fizeram com que se sedimentasse a ideia de que as relações contratuais civis e empresariais deveriam ter a mesma linha de análise das relações contratuais consumeristas, com as suas devidas adaptações e ponderações, especialmente quanto à autonomia privada. Visto isso, há de se ter presente que a atividade legislativa, conforme estudado, vem se consolidando na linha de raciocínio da tutela da dignidade da pessoa humana. A legislação infraconstitucional, não só a que se refere à O z q “ da ampla proteção que, a partir da Constituição, a ordem jurídica confere à pessoa, não pode ser entendido apenas como estrutura repressiva ou ressarcitória, mas como um instrumento funcionalizado à tutela da pessoa humana, a serviço do valor constitucionalmente definido de çã h ”. (MATTIETTO, Leonardo. O direito civil constitucional e a nova teoria dos contratos. In: TEPEDINO, Gustavo (Coord.). Problemas de direito civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. 182). 27 BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Direitos do consumidor e direitos da personalidade: limites, intersecções, relações. Revista de direito do consumidor, n. 37, p. 200, jan./mar. 2000. 26 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 165 matéria contratual, mas também a outras áreas, vem buscando delimitar a atuação, conforme o princípio orientador. Além disso, não se pode perder de vista que a legislação brasileira das últimas três décadas tem dado margem a interpretações mais abertas, capazes de fazê-la cumprir com a outra função do princípio da dignidade da pessoa humana, qual seja, funcionar como contraponto do fenômeno globalizante. Aliás, sobre o assunto, e já enveredando pela análise de precedentes do STJ, há um julgado do STJ que nos parece paradigma, da lavra do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, que traduz, na seara consumerista, o que o tema aqui colocado pode representar, do ponto de vista prático. O Superior Tribunal de Justiça determinou que a Panasonic, no Brasil, trocasse produto defeituoso, da mesma marca, adquirido pelo consumidor no exterior, sob a argumentação de que se a economia é globalizada, então não há mais fronteiras rígidas, o que estimula e favorece a livre concorrência, de forma que a lei de proteção ao consumidor deve ganhar maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas.28 Quando se parte para a análise do entrelaçamento entre o princípio da dignidade da pessoa humana e questões de natureza contratual, estritamente, o Superior Tribunal de Justiça tem um precedente que merece destaque. Com efeito, no Recurso Especial n. 1.025.665/RJ, julgado em 09 de abril de 2010, Vale conferir a ementa do julgado comentado, para se ter presente o alcance daquilo que foi sustentado desde as primeiras linhas d :E : “D .F adquirida no exterior. Defeito da mercadoria. Responsabilidade da empresa nacional da mesma marca (Panasonic). Economia globalizada. Propaganda. Proteção ao consumidor. Peculiaridades da espécie. Situações a ponderar nos casos concretos. Nulidade do acórdão estadual rejeitada, porque suficientemente fundamentado. Recurso conhecido e provido no mérito, por maioria. I Se a economia globalizada não mais tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência, imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se, inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no forte mercado consumidor que representa o nosso País; II - O mercado consumidor, não há como negar, vê- h „ ‟ e hábil propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca; III - Se empresas nacionais se beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também pelas deficiências dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável destinar-se ao consumidor as consequências ó ”. (TEIXEIRA S F . A proteção ao consumidor no sistema jurídico brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 43, p. 78, jul./set. 2002). 28 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 166 ficou ressalvado que a jurisprudência do STJ se alinha à ideia de que o mero inadimplemento contratual não ocasiona danos morais, mas esse entendimento, M . N y A h q “ excepcionado nas hipóteses em que da própria descrição das circunstâncias que perfazem o ilícito material é possível extrair consequências bastante sérias de h ó q ã ”. Para fundamentar a ressalva, a ministra relatora fez consignar no julgado o fato da recorrente ter celebrado com a recorrida um contrato de compra e venda de um kit de casa de madeira, cujo valor acordado fora pago a .A q “ ó data prevista para a entrega da casa, a recorrente foi informada, por terceiros, q ”. S ó ã “ da recorrida violou, portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana, pois o direito de moradia, entre outros direitos sociais, visa à promoção de cada um dos componentes do Estado, com o insigne propósito instrumental de torná-los aptos de realizar os atributos de sua personalidade e afirmar a sua dignidade h ”29. Por sua vez, na análise de julgados que se voltam aos contratos que não são estritamente consumeristas, como já vimos em outro precedente que discutiu um contrato de franquia, a questão ainda merece melhor evolução, embora o Superior Tribunal de Justiça já tenha sinalizado na direção de se admitir uma interpretação conforme a vulnerabilidade da parte, independentemente da relação ser ou não de consumo, quando aquela for marcante. De fato, no Recurso Especial n. 1.299.422/MA, julgado em 06 de agosto de 2013, cujo voto também é da lavra da Min. Nancy Andrighi, vê-se essa tendência da 3ª Tur STJ. O : “D Processual Civil. Recurso Especial. Exceção de Incompetência. Ação de Reparação de Danos. Contrato de Concessão Comercial por Adesão. Cláusula de Eleição de Foro. Validade. 1. A cláusula que estipula a eleição de foro em A çã F T z proteção da pessoa humana no contrato, pode ser citada a tendência de possibilidade de reparação por danos morais em dec E 411 “V J D C ” Flávio. Direito Civil – Teoria geral dos contratos e contratos em espécie. GEN: 2014, p. 57). 29 : “C z reconhecimento da ”. E CJF.” (TARTUCE São Paulo: Método Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 167 contrato de adesão é válida, salvo se demonstrada a hipossuficiência ou a inviabilização do acesso ao Poder Judiciário. 2. A superioridade do porte empresarial de uma das empresas contratantes não gera, por si só, a hipossuficiência da outra parte, em especial, nos contratos de concessão empresarial. 3. As pessoas jurídicas litigantes são suficientemente capazes, sob o enfoque financeiro, jurídico e técnico, para demandarem em comarca que, voluntariamente, contrataram. 4. Recurso especial pr A ”. “ z çã P h J ” -nos que dá o tom da tendência atual de interpretação do contrato. Realmente, resta claro que o fato de se estar diant “ ã ” ã inviabilizaria a decretação da nulidade da cláusula de eleição de foro, sobretudo quando se esteja diante de um contrato adesivo. Ainda na seara dos contratos empresariais, a 3ª Turma do STJ também ã “pacta sunt servanda” em matéria de contrato empresarial, conforme se infere do Recurso Especial n. 1.158.815/RJ, julgado em 07 de fevereiro de 2012. O ã “ ntrato de prestação ç ” cláusula, tendo em vista as circunstâncias fáticas de sua formação, constante nos relatórios analisados. Na ementa do acórdão, da lavra do Min. Paulo de Tarso Sanseverino, encontra- : “R E . D Empresarial. Contrato de Prestação de Serviços. Expansão de Shopping Center. Revisão do Contrato. Quantificação dos Prêmios de Produtividade Considerando a Situação dos Fatores de Cálculo em Época Diversa da Pactuada. Inadmissibilidade. Concreção do Princípio da Autonomia Privada. Necessidade de Respeito aos Princípios da Obrigatoriedade ("Pacta Sunt Servanda") e da R Co C L („Inter Alios Acta‟). Manutenção Das Cláusulas P ”. Houve no julgamento do precedente supra citado, um voto-vista que caminha na linha de raciocínio disposta nestas linhas que, a rigor, não é Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 168 absoluta30, e não se poderia aplicar ao caso julgado, conforme a análise do fato ali disposto. Entretanto, mesmo assim, é importante a análise da linha central de raciocínio do voto-vista. O Min. Massami Uieda, autor do voto vencido, : “P q çã princípio do ´pacta sunt servanda´, também não assiste razão à recorrente CEI. Na verdade, não se olvida que a relativização do princípio do "pacta sunt servanda" – informado pelos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual –, com a consequente possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, impõe que se reconheça abusividade de cláusulas que impliquem em desequilíbrio entre as partes, sem, entretanto, afastar o princípio da autonomia da vontade, dentro de uma lógica razoável sobre o mercado, ao tempo, ao modo e ao espaço da contratação. Em rega, pois, há que se respeitar o que for livremente avençado no contrato, cabendo a intervenção judicial para revisão de suas cláusulas somente em situações excepcionais, legalmente prevista, tal como nas relações de consumo. Da análise dos autos, contudo, observa-se que, embora não haja efetivamente relação de consumo entre as partes, faz-se necessária a intervenção do Judiciário no contrato de que cuidam os autos. Na espécie, vejase que, no contrato de prestação de serviços firmado pelas partes, os parâmetros relativos ao pagamento da parte variável - consistente nos prêmios de produtividade -, embora livremente ajustados no momento da celebração do acordo, ocasionaram, de fato, um flagrante desequilíbrio no decorrer da execução do contrato, uma vez que a base de cálculo, que servia pra quantificação de valores dos prêmios de produtividade, não se concretizou de acordo com o inicialmente previsto, seja porque as locações foram pactuadas em valores superiores aos de mercado, seja em razão do alto grau de inadimplência ”. Embora, no caso, a tese do voto-vista tenha ficado vencida é importante tirar como lição que a contratualidade, atualmente, conforme aqui já explanado, tem permitido ao STJ discussões nesse sentido, para além dos contratos de consumo. Minimamente, pode-se dizer que o Tribunal tende a avançar nessa Sobre a questão relacionada à ponderação de níveis de intervenção estatal nos contratos civis, empresariais e de consumo, cf., BRITO, Rodrigo Toscano de. Equilíbrio e dirigismo contratual e E . 21 „I J D C ‟ CJF. I . Atualidades Jurídicas. Coord. DINIZ, Maria Helena. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 213-231. 30 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 169 linha, embora enfrente entraves naturais de impossibilidade de análise fática e de prova, que, sem embargo, auxiliaria na aplicação do viés aqui estudado. A análise, ainda que rápida, da evolução legislativa e dos julgados aqui colacionados, chamam a atenção para um ponto: há uma preocupação com a tutela da parte mais fraca na relação jurídica, seja ou não de consumo, que é realmente um elemento marcante da nova contratualidade, em face da influência e constatação, na construção jurisprudencial, dos dois grandes elementos que compõem o cenário da contratualidade, conforme aqui estudado. 5. Notas conclusivas A globalização, nos seus primeiros passos, fez com que surgisse uma legislação protetiva do consumidor, realçando noções relevantes, como a da solidariedade social, o valor da livre iniciativa e um real sentido da dignidade da pessoa humana. Agora, a teoria dos contratos conta com intervencionismos estatais mais abrangentes, através da consolidação de normas de natureza principiológicas, como se reverbera da jurisprudência brasileira, especialmente para as questões relacionadas aos contratos consumeristas. A jurisprudência do STJ, diante de uma nova contratualidade, passa, aos poucos, a se dedicar, não só a realidade dos contratos consumeristas, mas do contrato como um todo, em face da influência da própria noção de globalização, que funciona, conforme demonstrado, como palco que propicia essa mudança de visualização. Considerou-se ao longo deste artigo que o contrato, assim como qualquer relação jurídica, seja pública ou privada, não pode ultrapassar os limites da dignidade da pessoa humana, como aliás, já se mostra como tema consolidado na doutrina brasileira. A dignidade humana tem servido de orientadora, não só na elaboração, quanto na interpretação contratual, numa jurisprudência protetiva da parte mais vulnerável na contratação, em sentido amplo. Diante da análise dos precedentes julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, vê-se que o Tribunal tem discutido e avançado em questões contratuais à luz do direito civil-constitucional, embora já fosse possível ter dado um passo mais adiante, em vista das regras presentes no Código Civil, quando se leva em Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 170 conta os contratos civis puros e empresariais. Essa sensação de que o avanço já poderia ter sido maior, deve ser seguida da ressalva dos limites de direito processual a que estão submetidas as partes quanto às questões atinentes ao prequestionamento de matéria essencial para que seja analisado o recurso especial. Essa questão sobressaltou-se, inclusive, na análise de precedente que envolvia contrato de franquia, por exemplo, tendo em vista que a discussão, no caso concreto, dizia respeito à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que de fato não se aplica, quando a questão poderia ter sido discutida pela parte interessada à luz de regras postas e de viés protetivo do aderente em contrato não consumerista, como acontece com a franquia. Também se verificou, diante da análise dos precedentes, que está aberta, no STJ, no sentido de poder ser aplicada, teses que protejam a parte mais fraca na relação contratual, ainda que não seja de consumo e que tenha natureza adesiva, como se viu na análise do julgado que teve por objeto um contrato de concessão comercial de adesão. Por último, os precedentes demonstram que o STJ tem considerado a aplicação de uma interpretação constitucionalizada aos contratos, mas sem olvidar, quando for o caso, o prestígio da autonomia privada, que deve conviver com os princípios sociais dos contratos que surgiram em meio a esse grande cenário globalizado e de consideração à dignidade da pessoa humana. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 171 SEÇÃO DE DOUTRINA: Doutrina Estrangeira L’OPACO PROFILO DEL RISARCIMENTO CIVILISITICO NELLA COMPLESSA DISCIPLINA AMBIENTALE G SOMMARIO: 1. L‟ z : ‟ z V 31 – 2. L – 3. P – 4. A – 5. L‟ : ‟ ' – 6. I . 1. L’ambiente: il contesto sovranazionale L‟ z h ‟ h z hé z 32. Professor ordinário de Direito Privado da Università Politecnica delle Marche e professor da zz z D ‟U C (I ). 32 S. NESPOR ( ) Rapporto mondiale sul diritto dell‟ambiente, A World Survey of Environmental Law M 1996 .G h ; ‟ M. S. GIANNINI Ambiente: saggio sui diversi aspetti giuridici, Riv. trim. dir. pubbl., 1973 . 15 .; M. ARENA L‟Ambiente territorio come bene oggetto di tutela giuridica e la sua proiezione costituzionale, Il Foro napoletano, 1981 . 241 .; M. BELLO Principi fondamentali della tutela dell‟ambiente, Nuova rass., 1989 . 2193 .; E. CAPACCIOLI - D. DAL PIAZ Ambiente (tutela dell‟) Parte generale e diritto amministrativo Noviss. Dig. It. App. T 1980; M. CECCHETTI Rilevanza costituzionale dell‟ambiente e argomentazioni della Corte Riv. giur. ambiente 1994 . 252.; M. CECCHETTI Principi costituzionali per la tutela dell‟ambiente, M 2000; P. M. CHITI Ambiente e „Costituzione‟ europea: alcuni nodi problematici, Riv. it. dir. pub. com. 1998 . 1423 .; G. COCCO Nuovi principi ed attuazione della tutela ambientale tra diritto comunitario e diritto interno, S. G M. C h A. A ( ) Ambiente e diritto, . I F z 1999 . 147 .; G. COCCO - A. MARZANATI – R. PUPILELLA – A. RUSSO Ambiente, M. P. Ch – G. 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Il nostro sistema, prima della legge 349/1986 istitutiva del Ministero ‟ ‟ z q . ‟ . 3.3 T ‟U E (ex art. 2 del Trattato istitutivo della Comunità europea) che attribuisce C z ‟ ; ‟ z 349/1986, è stata istituzionalizzata la funzione di assicurare la “ z z il recupero delle condizioni ambientali conformi agli interessi fondamentali della collettività ed alla qualità della vita, nonché la conservazione e la valorizzazione del patrimonio naturale z ' q ”. N 2006 ‟ h l‟art. 2 del codice ambientale, “come obiettivo primario della legislazione in materia, “la promozione dei livelli di qualità della vita umana, da realizzare attraverso la salvaguardia ed il miglioramento delle condizioni dell‟ambiente e l‟utilizzaione accorta e razionale delle risorse naturali”. Sul tema, v. anche, V. GUARINO Tutela dell‟incolumità da inquinamento, aspetti emergenti dell‟interesse sociale nell‟adozione dei provvedimenti straordinari, Nuova rass., 1978 . 1942 .; G. 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PORCHIA Le competenze dell‟Unione Europea in materia ambientale, R. F ( ) La tutela dell‟ambiente, T 2006 . 37 . 48 L ‟AUE 1986. L‟ z ‟ . 100A TCE ( . 114 42 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 175 ‟ T M h 130R-T50; h è z ‟ ‟ CE51 . C L 52 è C ‟ 53 P . 194 T.F.U.E q ‟ del ‟ z ‟U ‟ z z ‟ q z solidarietà tra gli Stati Membri54. N 2 ‟ T P è P h q ‟ 56 ‟ ‟ . . 6 T 55 A P è TFUE ) T VII ‟ ( . 130R 130S 130T T XX . 191-193 TFUE). T z ‟ è C . 49 C ‟ .100 A CE ì ‟ . 18 ‟ h ‟ . 114 T.F.U.E z . 50 D q C h q " q ' z ' zz z z " z ' z zz h z . 51 C T M h 7 1992 ‟ . 2 T.C.E ‟ h ‟ ; zz z q z ‟ z ‟ q . 52 N h 13 2007 1° 2009. 53 S . . 294 T.F.U.E h P h ‟ C . 54 I z z z h q z z z . 55 A. LÜTTEKEN - K. HAGEDORN Concepts and Issues of Sustainability in Countries in Transition. An Institutional Concept of Sustainability as a Basis for the Network, H U y B ( ‟ zz : h ://www. . / /SEUR/ / .h ); F. 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PEPE Lo sviluppo sostenibile tra diritto comunitario e diritto interno, Riv. giur. ambiente 2002 . 209 . 58 Ci si riferisce alle riflessioni scaturite in occasione della Conferenza delle Nazioni Unite per ‟ (UNCED) 1987 C ò ‟ la quale lo sviluppo è inestricabilmente collegato ad altri fattori di cui si deve tener conto nel z ‟U E . 59 S 1987 C ' (WCED) h . I (Rapporto Brundtland, Il nostro futuro comune, 1987, pubblicato con il titolo Il futuro di noi tutti, Bompiani, 1988, con prefazione di G. Ruffolo) G H B h q ' WCED . 60 S ‟ q z h z h q h “ ‟ ”. 61 L C z N z U (UNCED U N C E D ) è R J 1992. 62 S D h z R ‟A 21 D h z z . 63 C C z 1993 z 1994. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 177 z h z G N z U z 64. R z 65 : ‟ 66. T C h q ; zz z ‟ ; z z z z ‟ 67. G 'U E h ì h h ‟ ‟ z ‟ z z A h ‟OCSE 68. z z z S q zz z z E. CICIGOI – P. FABBRI Mercato delle emissioni e dell'effetto serra. Istituzioni ed imprese protagoniste dello sviluppo sostenibile, B 2007. 65 C C z J h 2002 zz N z U z 189 195 S ‟ONU S O zz z h h h ' z .I D h z S h h : ; z ; z . E‟ P z h V T q ' . 66 E. ROZO ACUNA ( ) Profili di diritto ambientale da Rio de Janeiro a Johannesburg. Saggi di diritto internazionale, pubblico comparato, penale ed amministrativo, T 2004; . ivi S. MARCHISIO Il diritto internazionale ambientale da Rio a Johannesburg, . 21 . G. CORDINI Il diritto ambientale da Rio a Johannesburg, . 101 .; C. ROMANO La prima conferenza delle Parti della Convenzione quadro delle Nazioni Unite sul cambiamento climatico, Da Rio a Kyoto via Berlino Riv. giur. ambiente 1996 1 . 163 . 67 S . 191 T.F.U.E . 174 T.C.E. z . 68 L. KRAMER Manuale di diritto comunitario per l'ambiente, M 2002; G. STROZZI Diritto dell'Unione Europea . 64 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 178 z q z zz h 69. S ò q h ‟U ' E z q z ' q 70 z h q h h 71. A h C ‟ T 200972. L E S M h ‟U ‟ z ‟ . 191 T.F.U.E ‟U . 70 Ci si riferisce alla norma adottata in seguito al recepimento della direttiva in materia di danno ambientale 2004/35/CE. Sui profili evolutivi della direttiva, e per una sintesi delle più rilevanti iniziative europee, dalla Convenzione di Lugano alla direttiva in materia di responsabilità per ‟ (Convenzione di Lugano sulla responsabilità civile per danni all‟ambiente derivanti da attività pericolose, 21-22 giugno 1993, in Riv. giur. ambiente, 1994, pp.145-160; Libro Verde sulla responsabilità per i danni causati all‟ambiente, COM(93) 47, GUCE, 29 maggio 1993, n. C 149/12; Libro Bianco sulla responsabilità per danni all‟ambiente, COM(2000), 66 def., pp. 2-3; Proposta di direttiva del Parlamento europeo e del Consiglio sulla responsabilità ambientale in materia di prevenzione e riparazione del danno ambientale (COM(2002)17 def. 2002/0021[COD]), GUCE, 25 giugno 2002, n. C151E; Direttiva 2004/35/CE del Parlamento europeo e del Consiglio del 21 aprile 2004, sulla responsabilità ambientale in materia di prevenzione e riparazione del danno ambientale, GUCE, L 143, 30 aprile 2004, pp. 56-75) v., B. POZZO, Verso una responsabilità civile per danni all‟ambiente in Europa: il nuovo libro Bianco della Commissione delle Comunità europee, in Riv. giur. ambiente” 2000 . 623 .; ID. La Proposta di nuova Direttiva sulla prevenzione e il risarcimento del danno all‟ambiente, in Danno e resp., 2002, p. 11 ss.; ID., I problemi della responsabilità per i danni causati dall‟inquinamento: profili di diritto comparato, in La nuova responsabilità civile per il danno all‟ambiente, a cura di B. Pozzo, Giuffrè, Milano, 2002, p. 23 ss.; L. BUTTI, L‟ordinamento italiano e il principio „chi inquina paga‟, in Contratto e impresa, 1990, p. 561 ss.; F. M. 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La Corte costituzionale, con due pronunce di fondamentale importanza perché alla base di tutto il filone giurisprudenziale successivo (Corte cost., 26 luglio 2002, n. 407, in Giur. it., 2003, p. 417; Corte cost., 20 dicembre 2002, n. 536, in Giur. it. 2003 . 1995 .) h “ ” ‟ z ‟ z h ò h z ‟ z zionale del ‟ .117 2° . . .; C “l‟evoluzione legislativa e la giurisprudenza costituzionale portano a escludere che possa identificarsi una „materia‟ in senso tecnico, qualificabile come „tutela dell‟ambiente‟, dal momento che non sembra configurabile come sfera di competenza statale rigorosamente circoscritta e delimitata, giacché, al contrario, essa investe e si intreccia inestricabilmente con altri interessi e competenze. In particolare, dalla giurisprudenza della Corte antecedente alla nuova formulazione del titolo V della Costituzione è agevole ricavare una configurazione dell‟ambiente come „valore‟ costituzionalmente protetto, che, in quanto tale, delinea una sorta di materia „trasversale‟, in ordine alla quale si manifestano competenze diverse” (C . 26 luglio 2002, n. 407, cit.). Nella successiva pronuncia (Corte cost., 20 dicembre 2002, n. 536, ..) h ‟ . 117: “già prima della riforma del titolo V della parte seconda della Costituzione, la protezione dell‟ambiente aveva assunto una propria autonoma consistenza (…). La natura di valore trasversale, idoneo a incidere anche su materie di competenza di altri enti nella forma degli standards minimi di tutela, già ricavabile dagli artt. 9 e 32 della Costituzione, trova ora conferma nella previsione contenuta nella lett. s, secondo comma, dell‟art. 117 della Costituzione, che affida allo Stato il compito di garantire la tutela dell‟ambiente e dell‟ecosistema”. D z z h ‟ è “ ” ù h “ ” (C . 5 o 2006, n. 182, in Giur. it., 2008, p. 41; Corte cost., 31 marzo 2006, n. 133, in Foro it., 2007, I, c. 1076; Corte cost., 10 febbraio 2006, n. 49, in Urbanistica e app., 2006, p. 409; Corte cost., 31 maggio 2005, n. 214, in Foro it., 2006, I, c. 1990; Corte cost., 24 marzo 2005, n. 135, in Foro it., 2006, I, c. 1990; Corte cost., 18 marzo 2005, n. 108, in Urbanistica e app., 2005, p. 535; Corte cost., 22 luglio 2004, n. 259, in Urbanistica e app., 2004, p. 1281; Corte cost., 28 giugno 2004, n. 196, in Riv. giur. urbanistica, 2005, p. 41). 80 A . 2 9 32 C z z ‟ q C F . S . E. GIARDINI La nozione giuridica di ambiente e la sua configurazione nella disciplina costituzionale, Arch. giur. CCXXV, 2005. . 199 . 81 F. MERUSI Art. 9, G. B ( ) Commentario della Costituzione. Principi fondamentali, B – R 1975; S. LABRIOLA Dal paesaggio all‟ambiente un caso di interpretazione evolutiva della norma costituzionale Dir. e soc. 1987 113-129. S . h C C . . 151/1986; C C . . 417/1995 C C . . 49/2006. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 181 82 z .L è h z z A h z ‟ . 32 C h . z h ì ‟ 83. q z z 84 ‟ z “ z h h q ‟ ” . S. PATTI Ambiente, in N. Irti, (a cura di ), Dizionario di diritto privato, Milano 1981, p. 32. Per la nozione di paesaggio come forma ‟ ‟ cfr: A. PREDIERI, voce Paesaggio, in Enc. dir., XXXI, Milano, 1981 . 503 . q : “ ... ‟ ‟ q ”( . 507); ù recentemente, v. M. FRANZONI, Il danno all‟ambiente, cit., p. 1017, in senso contrario, invece, G. TORREGROSSA, Profili della tutela dell‟ambiente, in Riv. trim. dir. proc. civ., 1980, p.1441; si segnala al riguardo la pronuncia della Corte cost., 28 giugno 2004, n. 196, in Riv. giur. urbanistica 2005 . 41 h “non v'è dubbio che gli interessi coinvolti nel z q „ ' ‟ q q C „ z ‟( . z . 151 1986 . 359 . 94 1985)”. I v.,ancora, P. MANTINI Per una nozione costituzionalmente rilevante di ambiente . . 207 .; P. 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MASTROPAOLO, Il risarcimento del danno alla salute, Jovene, Napoli, 1983. 82 S Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 182 85 z z q 86. T z q q z : Corte cost., 30 dicembre 1987, n. 641, in Foro it., 1988, I, cc. 705-706 ss è q z habitat q ‟ q ò ; C C . S.U. . 5172/1979 q ‟ . 32 C . ‟ ‟ z q .N h ‟ z ‟ zz ; h “ z z ” (C . S z. . 6 re 1979, n. 5172, cit., c. 2305) ‟ q salute; appaiono significative al riguardo le riflessioni della dottrina (P. Perlingieri, Il diritto alla salute quale diritto della personalità, in Rass. dir. civ., 1982, p. 1020 ss., che sottolinea come la “ z h q ” ( . 1022); è“ ubile da quello del libero sviluppo della persona e si può atteggiare in forme diverse, assumendo rilevanza e configurazioni diverse, secondo se inteso come diritto al servizio sanitario, alla ‟ ‟ q ” ( . 1025). L‟ S z ‟ iter giurisprudenziale che solo qualche mese prima aveva portato le stesse Sezioni Unite della Cassazione (Cass., Sez. un., 9 marzo 1979, n. 1463, in Foro it., 1979, I, c. 939 ss.) a riconoscere in ‟ z z z ‟ “ h ‟ e ‟ h (...) ò z q collegato alla disponibilità esclusiva di un bene, la cui conservazione, nella sua attuale potenzialità di recare utilità al soggetto, sia inscindibile dalla conservazione delle condizioni ”: C . S z. . 9 z 1979 . 1463 . . 943. In dottrina, per lo stretto collegamento tra ambiente e salute, v., oltre alla ricordata posizione di P. Perlingieri, v., anche, A. CORASANITI, Interessi diffusi, in Dizionario del diritto privato, a cura di Natalino Irti, 1, Diritto civile, Giuffrè, Milano, 1980, p. 442, per il quale la tutela ambientale è volta alla z “ z ‟ ( q ) h co z ‟ q è z ‟ ‟ biologico e psichico, sempre secondo le conoscenze (o le valutazioni) di un dato momento ”; R. TOMMASINI Danno ambientale e danno alla salute, in Il danno ambientale con riferimento alla responsabilità civile, a cura di P. Perlingieri, Esi, Napoli, 1991, p. 139 ss.) per il quale il concetto di ambiente comprende necessariamente la salute. 86 S . C . . . 5172/1979 Giur. it., 1980 I 1 . 859 h ‟ . 32 C . ‟ z ‟ .I ‟ . 32 ‟ . 2 C . zz h ‟ ‟ h z ò ; . h S. GRASSI Costituzione e tutela dell‟ambiente . . 389 .; A. ALBAMONTE Il diritto all‟ambiente salubre: tecniche di tutela, Giust. civ., 1980 II . 479 .; . h G. TORREGROSSA Profili di tutela dell‟ambiente, . 85 S ‟è ‟ . ‟ Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 183 h h h ‟ z z ‟ é 87. 3. Principi di diritto ambientale U z 89 z 88 h q h z è ‟ 90 ‟ ‟ z q ‟ z q ù q ‟ q ‟ ‟ z Corte cost., 30 dicembre 1987, n. 641, cit., cc. 705-706. C . : C C . 30 dicembre 1987, n. 641, cit., cc. 705-706 q ‟ h q ò h ; Corte cost., 28 maggio 1987, n. 210, in Foro it., 1988, I, c. 329 ss; C C . . 1029/1988; C C . 1031/1988; C C . . 67/1992; C C . . 318/1994. I . M.S. GIANNINI Ambiente: saggio sui diversi aspetti giuridici . q z h 87 88 . M. CECCHETTI Principi costituzionali per la tutela dell‟ambiente, . q z : h ‟ ( ‟ h “ h q ”); ‟ h z z z ( ‟ z z hé ‟ z ); z ‟ ( z ‟ z ù ). 90 P h C C z q ò z ‟ z z P 1 D h z R A . S . V. S. GRASSI Principi costituzionali e comunitari per la tutela dell'ambiente, Scritti in onore di Alberto Predieri M 1996; P. DELL‟ANNO Principi del diritto ambientale europeo e nazionale, M 2004 . 75 . L z ‟ . 37 C N zz z h “ ” (‟ z “ ” ; ‟ . 6 T ‟ z “ ” ). 89 S . Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 184 ‟ q q ‟ ò h I q ‟ 91. ‟ z ì z è h ‟ q 92. A h ‟ zz ; è z h 93 z 94. h T è z ‟ ( q .) ‟ 95. z ‟ S h zz C q S ò ‟ 96 è h h h ‟ ‟ 91 92 S. 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I q q ‟extrema ratio zz q . 107 A q ‟è ‟ h ‟ h ‟ q ‟ hé h . 108 C . D 2004/35 CE P E C 21 2004 z z ' . 109 B. POZZO La proposta di nuova Direttiva sulla prevenzione e il risarcimento del danno all‟ambiente . . 11 .. 110 P ‟ . 174 T CE z z OECD Recomendation of the council n. 128, 26 Maggio 1972 16 D h z R J G 1972. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 188 P 111 ' ò h z h ò z ' 112 q h z 113. N z ‟ . . . 152/2006 h 114. T h ù z z z . Pù ò q 115; h z ‟ ‟ - z ‟ 116 111 S z z z h ‟ ‟ q ‟ q ‟ h è zz z h h hé . S 112 q ‟ III T z h q 113 Cò z ù habitat . ' C zz z hé ' h z z ' IV. 114 Non è stata prevista una differenziazione di criteri di imputazione della responsabilità in base al tipo di operatore, a s è h ‟ h ‟ è attività pericolose in difformità alla normativa comunitaria. La mancata introduzione di un h ‟ III comunitaria ha formato oggetto di un ricorso di infrazione da parte della Commissione Europea n. 4679/2007 per inesatta trasposizione della direttiva ‟ ‟ .5 . . . 135/2009 ( VI . . 152/2006) responsabilità per colpa ha continuato a costituire il modello su cui poggia la tutela ‟ e attuali modifiche apportate dalla Legge 6 agosto 2013, n. 97 - Legge europea (sul punto, e per le modifiche al sistema apportate a seguito della procedura di infrazione, v. §6). 115 Si consideri il titolo III della parte sesta del decreto legislativo che prevedeva, prima delle modifiche apportate dalla Legge 97/2013, una tutela risarcitoria di tipo civilistico (che va dagli artt. 311 a 318) che si integrava con un sistema di misure a carattere preventivo e ripristinatorio disciplinato dal titolo II (che va dagli artt. 304 a 310) ponendo non pochi problemi di coordinamento fra le due forme di tutela. 116 S . ‟ 311 . . . 152/2006 h . 349/1986 sancendo un generale principio di responsabilità per colpa. ' ' Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 189 z II117 h z h ‟ ‟ z z ‟ ‟ ì ò . 308 z q 118 ‟ z è z z 119. 4. Ambiente paesaggio e governo del territorio L è z z 120 zz z h .D z ‟ h z 121. h ‟ A h q L 122. “ q C z ‟ h R E C h h z I :R h - R z C VI C ‟ z ambientale che recepisce criteri di responsabilità oggettiva così come indicati nella direttiva comunitaria recepita dal legislatore del 2006 nel codice dell‟ . 118 N ‟ h ‟ ‟ prevenzione e messa in sicurezza, intendendosi per operatore colui che esercita o controlla ‟ ( . 313 z ) interesse il comportamento fonte del danno è stato tenuto o che ha tratto obiettivamente vantaggio dal fatto dannoso. 119 C ‟ . 308 . . . 152/2006 h zz z ‟ z h ‟ ‟ zz rodotto. 120 M. CAMMELLI ( ) Il codice dei beni culturali e del paesaggio - Commento al decreto legislativo 22 gennaio 2004, n. 42 I M B 2004. 121 M. S. GIANNINI “Ambiente”: saggio sui diversi suoi aspetti giuridici . . 15 . 122 S .C C . 183/1983 z hé ù ‟ z ; h C C . . 536/2002 h z ‟ ‟ R z q . 117 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 190 h 123 z 22 z 2004 è . 42 “codice Urbani”124. S h q 125. z z è L ratio vis expansiva q ‟ h z z 126 h z z z R .I ' è h 127 in peius, z z ‟ z ù 123 h C 128. ‟ . 1- . . 27 1985 . 312 8 1985 . 4. 124 q S . . 143 . . . 42/2004 z z z hé h z zz z . S z ‟ . 117 C z “tutela dell‟ambiente, dell‟ecosistema e dei beni culturali” z S ) “governo del territorio” z S R . 126 S .C C . . 222/2003; C C . . 407/2002; C C . 507/2000; C C . . 382/1999 h C C . 282/2002 h z z “ ” “ z q z z h z z ”. 127 P “ ” . V. MOLASCHI Sulla “determinazione dei livelli essenziali delle prestazioni”: riflessioni sulla vis espansiva di una “materia” San. pubb e priv. 2003 . 523 . G. ARCONZO Le materie trasversali nella giurisprudenza della Corte costituzionale dopo la riforma del Titolo V, N. Z A. 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L zz 135 I . 131 . . 1497/1939 h h . . . 42/2004. z L ‟ S .C C . . 367/2007 ( 138. 1942 . 1150 ‟ ‟ zz zz . zz z q h z ‟ P h h z 17 z 431/1985 ; 136 19 hé ‟ 132 .1 è ‟ ‟ z .9C ; ) . z é z z R .N C C . 180 . 232 . D. TRAINA Il paesaggio come valore costituzionale assoluto, . 4108 . ‟ z zz z 2008. I Giur. cost., 2007 z 137 I 138 S è L h h . 435/1985 h h 8 z h ‟ .1 L . 431/1985. h . G G Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 . 193 R z z z z 139. ‟ ‟ h h L z q . U z h D. . . 42 2004 ‟ h zz z h q h q q z z z z z 140. I è hé z z z q 141. I q ‟ q ò zz 139 140 hé 142 P. STELLA RICHTER I principi del diritto urbanistico M L G è 2002. ‟ z q z z ‟ ì . ‟ 141 C ‟ 145 143 z z U 142 S P .7 z. I ì . 402/2006. . 1150/1942 z 156 C h “ ‟ ”. C . Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 h T.A.R 194 ‟ q z . V ì z h z h h z .I è h h z h h 143. h I R “piani paesaggistici ovvero piani urbanistico-territoriali con specifica considerazione dei valori paesaggistici”144. L z z ) q è ( h z h D h “le previsioni dei piani paesaggistici sono altresì vincolanti per gli interventi settoriali”145. E è ‟ z ‟A B 146 “piano di bacino”147 h ò h z h 148 ; ' z S ' . 15 h “per quanto attiene alla tutela del paesaggio, le disposizioni dei piani paesaggistici sono comunque prevalenti sulle disposizioni contenute negli atti di pianificazione” h h z z ; h è “ricognizione dell'intero territorio”, z ' ( . 143 ) ' . 135 q “l'intero territorio regionale” h z .N ‟ z ì h R ò h q z zz z . 144 S . ‟ 135 . . . 42/2004. 145 S . . 145 z . . 42/2004. 146 L‟ è 18 1989 .183 (Norme per il riassetto organizzativo e funzionale della difesa del suolo) ‟ z z z h z . 147 I h h ò z z q ' . 148 S ‟ . 17 z II . 183/1989 zz z . 143 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 195 h z 149. A z C C z h 150 2 ' . 117 C z C q ‟ 152 153. C . . z 151 I ‟ h h ' .117 2( – ) “una esigenza unitaria per ciò che concerne la tutela dell'ambiente e dell'ecosistema”154 h q z R z 155. 149 F 150 F. MIRABELLI I G z-P R F C ‟ T 2002. C . A C C E z . . 407/2002 h h . 151 I z z z z C ' h S ' VC . q z h .S . C C . z multis: C C . . 507 . 54/2000 C C . 382/1999 . 273/1998. 152 S . h C C . . 282/2002 Foro amm. C S. 2002 2791 C.E. GALLO La potestà legislativa regionale concorrente, i diritti fondamentali ed i limiti alla discrezionalità del legislatore davanti alla Corte costituzionale; Le Regioni, 2002 1144 R. BIN il nuovo riparto di competenze legislative: un primo, importante chiarimento. 153 I C C . . 407/2002 z h “I lavori preparatori riguardanti la lettera -s del nuovo art 117 Cost. inducono, d'altra parte, a considerare che l'intento del legislatore sia stato quello di riservare comunque allo Stato il potere di fissare standards di tutela uniformi sull'intero territorio nazionale, senza peraltro escludere in questo settore la competenza regionale alla cura degli interessi funzionalmente collegati con quelli propriamente ambientali. In definitiva si può ritenere che riguardo alla protezione dell'ambiente non si sia sostanzialmente inteso eliminare la preesistente pluralità di titoli di legittimazione per interventi regionali diretti a soddisfare contestualmente, nell'ambito delle proprie competenze, ulteriori esigenze rispetto a quelle di carattere unitario definite dallo Stato” h C C . . 307/2003. 154 C C C . . 536/2002. 155 C . .C C . . 407 2002 standards ' z h z 117 C .G 1982 C z h z ‟ “ ‟è z ‟ h hé ‟ ‟ q ‟ q ”: C . 29 1982 . 239 Foro it. 1983 I . 5 . Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 196 E h ' z : q z z 156 ' z . 5. L’interesse all'ambiente P q ‟ z ‟ z vis expansiva z è ‟ z z . D‟ z “ h ì ”158 è z z 157 159 ' é ' z q zz . P zz hé q 160 Si fa riferimento alla legge n. 59/1997, cui si deve la prima applicazione del principio in questione nella distribuzione delle funzioni amministrative tra i vari livelli di territorio. In tema di sussidiarietà verticale, principio dirimente in tema di esercizio e allocazione delle funzioni . h ‟ . 118 ‟ . 120 C hé gli artt. 2, 7 e 8 d . 131/2003. L‟ ‟ . 3 quinquies, commi 3 e 4, del d. lgs. n. 152/2006, inserito nel codice ‟ . . . 4/2008. 157 A ‟ . 313 h “resta in ogni caso fermo il diritto dei soggetti danneggiati dal fatto produttivo di danno all‟ambientale, nella loro salute o nei beni di loro proprietà, di agire in giudizio nei confronti del responsabile a tutela dei diritti e degli interessi lesi”. 158 V. CAIANIELLO La tutela degli interessi ambientali e delle formazioni sociali nella materia ambientale G. D V Localizzazione degli impianti energetici e tutela dell‟ambiente e della salute, R 1988 . 35 .; M.S. GIANNINI Difesa dell‟ambiente e del patrimonio naturale e culturale .S C . S.U. . 440/1989 ‟ q . 159 C . T.A.R. L z z. I 19 1983 . 47 Foro amm.,1983 1071 h q h . 160 V. CAIANIELLO La tutela degli interessi individuali e delle formazioni sociali nella materia ambientale, Foro amm. 1987 . 1318 . L' z 156 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 197 h z q h h è 161 q . 162 z zz 163. I ‟ q “ ” z h ' z zz ' 161 I ‟ z z z z h h è z . q zz ‟ h q ' h z z q q . La legge 349/1986 z z ‟ z S ; 4 5 ‟ . 18 . 349/1986 z esclusivamente il potere di denuncia dei fatti lesivi (potere, ques ‟ h singolo cittadino) e di intervento nei giudizi per danno ambientale. In virtù delle modifiche ‟ . 4 3º 3 1999 . 265 z ‟ z 16 è stata estesa anche alle ass z ‟ . 13 . L‟ . 309 h “le organizzazioni non governative che promuovono la z ' ' 13 8 1986 . 349” h “sono o che potrebbero essere colpite dal danno ambientale o che vantino un interesse legittimante la partecipazione al procedimento relativo all'adozione delle misure di precauzione, di prevenzione o di ripristino previste dalla parte sesta del presente decreto possono presentare al Ministro dell'ambiente e della tutela del territorio, depositandole presso le Prefetture - Uffici territoriali del Governo, denunce e osservazioni, corredate da documenti ed informazioni, concernenti qualsiasi caso di danno ambientale o di minaccia imminente di danno ambientale e chiedere ' ' ”. 162 A. PROTO PISANI Appunti preliminari per uno studio sulla tutela giurisdizionale degli interessi collettivi (o più esattamente: superindividuali) innanzi al giudice civile ordinario, Dir. giur., 1974 .801 . ; C. M. BIANCA Note sugli interessi diffusi, La tutela giurisdizionale degli interessi collettivi e diffusi, L h T 2003 . 67 .; M. CAPPELLETTI Appunti sulla tutela giurisdizionale di interessi collettivi o diffusi, Giur. it., 1975; A. CARRATTA Profili processuali della tutela degli interessi collettivi e diffusi La tutela giurisdizionale degli interessi collettivi e diffusi, L h T 2003 . 79 .; R. DONZELLI La tutela giurisdizionale degli interessi collettivi, N 2008; V. DENTI Le azioni a tutela degli interessi collettivi Riv. dir. proc. 1975 361 .; G. COSTANTINO Brevi note sulla tutela giurisdizionale degli interessi collettivi davanti al giudice civile Le azioni a tutela di interessi collettivi P 1976 . 223 .; V. VIGORITI Interessi collettivi e processo M 1979 . 58; A. CORASANITI La tutela degli interessi diffusi davanti al giudice ordinario, Riv. dir. civ. 1978 I .196 .; M.S. 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POZZO Danno ambientale, Riv. dir. civ., 1997 II . 775 . 167 S : A.C.L.I A ANEV ANIS A.S.I A.N.P.AN.A A z A z I G A z N z T 'A . 168 L' . 13 1 . 349 1986 q z è M 'A T T q z ' z q .S z : z z q R z 165 ' 169 170 ì S . D ' ; ' q z ‟ . 18 L. . 349/1986 q ' . M z ‟ . ‟ 2697 h . . q . h Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 . z 199 ) z 171 z . 310 152/2006172. E‟ . . q z z z h h 173 174. D‟ 171 ' P . 13 L. h q 172 S . 18 L. 8 h “ z 1986 . 349) .S z . C z S h h z. IV . 2151/2006 (ex z hé z è ' ‟ : z ” ‟ z z I z è h 173 q z‟ è . h z z q . 349/1986175 z z hé zz ‟ ' z ‟ q z . z zz z ' .S F. DE LEONARDIS Verso un ampliamento della legittimazione per la tutela delle generazioni future Cittadinanza e diritti delle generazioni future (Atti del Convegno di Copanello, 3-4 luglio 2009) F. A F. M A. R T F. S ( ) C z R 2010 . 51 .; TIGLIONI L'azione civile di difesa dell'ambiente. La tutela civile del danno ambientale, Riv. trim. dir. pubb., 1987 . 304 .; ‟ h z “ h ” q z z z q M z z h z z . 174 C 'è z z z z q z ; q ù q vicinitas h z q z z (C .S. z IV 13 1998 . 1088 Giur. it., 1990 180 .). S M. CALABRO' Sui presupposti della legittimazione ad agire delle associazioni ambientaliste, Foro amm. TAR, 2003 412. 175 Art.13. 1. Le associazioni di protezione ambientale a carattere nazionale e quelle presenti in almeno cinque regioni sono individuate con decreto del Ministro dell'ambiente sulla base delle finalità programmatiche e dell'ordinamento interno democratico previsti dallo statuto, nonché della continuità dell'azione e della sua rilevanza esterna, previo parere del Consiglio nazionale per l'ambiente da esprimere entro novanta giorni dalla richiesta. Decorso tale termine senza che il parere sia stato espresso, il Ministro dell'ambiente decide (1). 2. Il Ministro, al solo fine di ottenere, per la prima composizione del Consiglio nazionale per l'ambiente, le terne di cui al precedente art. 12, comma 1, lett. c) , effettua, entro trenta giorni dall'entrata in vigore della presente legge, una prima individuazione delle associazioni a Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 200 h z h : q è q z .176 N . 13 ‟ zz 178 ; ‟ z 18 L. . 349/1986 177 zz q ( h ) z z 179. L‟ z carattere nazionale e di quelle presenti in almeno cinque regioni, secondo i criteri di cui al precedente comma 1, e ne informa il Parlamento (2). (1) Così modificato dall'articolo 17 della legge 23 marzo 2001, n. 93. (2) A norma dell'articolo 4 della legge 3 agosto 1999, n. 265 le associazioni di protezione ambientale di cui al presente articolo, possono proporre le azioni risarcitorie di competenza del giudice ordinario che spettino al Comune e alla Provincia, conseguenti a danno ambientale. L'eventuale risarcimento è liquidato in favore dell'ente sostituito e le spese processuali sono liquidate in favore o a carico dell'associazione. 176 N. LUGARESI Diritto dell'ambiente, P 2004 . 69; h T.A.R V 12 1998 . 1414 Riv. giur. ambiente 1999 . 364 h ' z . 13 18 L. 8 1986 . 349 q ' q z . 177 G. DE MINICO Brevi note sulle associazioni ambientali ex art. 18 della L. n. 349 del 1986, Riv. giur. edil., 1994 . 23 . 178 E. FASOLI Associazioni ambientaliste e procedimento amministrativo in Italia alla luce degli obblighi della Convenzione UNECE (United Nations Economic Commission for Europe) di Aarhus del 1998 – (Environmental associations and administrative procedure in Italy in the light of the requirements of UNECE Aarthus Convention of 1998), Riv. giur. ambiente 2012 . 331 .; A. MAESTRONI Sussidiarietà orizzontale e vicinitas, criteri complementari o alternativi in materia di legittimazione ad agire?, Riv. giur. ambiente 2011 . 528 .; A. 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I z .2 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 201 è z z 180. I 181 q ù z 182 q z ‟ h ‟ q ‟ z z q 183 ò ì ‟ z h 184. 18 C . hé ù C z “ ù S ”. S . F. SALVIA L'inquinamento, profili pubblicistici, P 1984 65; P A. D'ATENA Il principio di sussidiarietà nella costituzione italiana, Riv. dir. pubb. com. 1997 . 603 .; P. DURET La sussidiarietà «orizzontale»: le radici e le suggestioni di un concetto, Jus, 2000 . 95 .; G. PASTORI La sussidiarietà «orizzontale» alla prova dei fatti nelle recenti riforme legislative, A. R L. C R. S ( ) Sussidiarietà e ordinamenti costituzionali. Esperienze a confronto, C 1999 177 . 180 L' z è q h z z ù ù h z . C . T.A.R. L z. I 18 z 2004 . 267 Riv. giur. edil.,2004 1445. 181 G. BRONZINI Le tutele dei diritti fondamentali e la loro effettività: il ruolo della Carta di Nizza, Riv. giur. lav. prev. soc., 2012 . 53 . 182 L C C .E è z ' z z ' hé « h q ». 183 I 2006 C ‟ S z z h ( . 311 D. L . 152/2006) ' z ' . 18 L.349/86 z . 184 I q q è ‟ h ‟ .L z èq h ‟ z . P . F. CARNELUTTI Teoria generale del diritto, R 1951 . 11 .; A. LEVI Teoria generale del diritto, P 1953 . 264 . Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 202 L z h h q I h è z 185. q 186 z h z z 187. D‟ ‟ z h z 188 q 189 z ‟ C ì F. SANTORO PASSARELLI Dottrine generali del diritto civile, N 1981 . 69 . h zz z . 186 A P. FEMIA Interessi e conflitti culturali nell‟autonomia privata e nella responsabilità civile, N 1996 . 347 . 187 G. ROMANO Interessi del debitore e adempimento, N 1995 . 44 . 188 A ‟ . 313 7 “resta in ogni caso fermo il diritto dei soggetti danneggiati dal fatto produttivo di danno ambientale, nella loro salute o nei beni di loro proprietà, di agire in giudizio nei confronti del responsabile a tutela dei diritti e degli interessi lesi”. Q z q hé z z‟ iure proprio q q . S z C z : C . . z. III . 2010/41015 C . . z III 14828/2010 C . . z. III . 36514/2006. 189 S . C C . . 210/1987 . 641/1987 . ‟ h . S z .E : z z z ‟ z z h z ; . h P. RESCIGNO Premesse civilistiche, AA. VV. La responsabilità dell‟impresa per i danni all‟ambiente e ai consumatori, G è M . 69 . E‟ a nota tesi di Patti (S. PATTI, La tutela civile dell‟ambiente, cit.; Id., voce Ambiente (tutela dell‟) nel diritto civile, in Digesto civ., I, Utet, Torino, 1987, p. 289; Id., Diritto all‟ambiente e tutela della persona, in Giur. it., 1980, I, 1, p. 868 q ‟ q situazione soggettiva autonoma rispetto al diritto alla salute da classificarsi tra i diritti ; q ‟ z “ orrenza di una situazione giuridica soggettiva qualificabile come diritto soggettivo perché sia possibile il ricorso agli strumenti di tutela presenti nel sistema – soprattutto alle regole della responsabilità civile – z ” ( .199); ., però, in senso contrario, G. Alpa, Pubblico e privato nel danno ambientale, in Contratto e impresa, 1987, p. 701 e Id., La natura giuridica del danno ambientale, in Il danno ambientale con riferimento alla responsabilità civile, a cura di P. Perlingieri, Esi, Napoli, 1991, p. 110 per il quale si tratta di un interesse collettivo 185 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 203 190. N 191 ‟ 193. T ò h zz ‟ ‟ 192 z hé q è ‟ ù z z è h z h z ‟ : 194 ‟ q 195 z 196 D. MESSINETTI V “Personalità (diritti della)” Enc. dir. XXXIII G è M 355 .; P. PERLINGIERI Il diritto civile nella legalità costituzionale, N 1991; V. SCALISI Danno alla persona e ingiustizia, Riv. dir. civ., 2007 I . 152 . 191 C C . S.U. . 26793/2008. 192 L z ò z neminem laedere q z .2C . z h 190 193 mutatis mutandis q ‟ . 185 . ” h h q ‟ . 2059 . . S “ C z L‟ z z ‟ . C . S 194 S z . .C C h h . . 365/2003. 195 S . C C ò . . 233/2003 z . . S. . ; z è .I h : ò h . S q ” h . z. III . 12961/2011. C . . 372/1994 quantum z .C è ù zz z ( ò q ò q C è . ‟ . 30328/2002 h h “ preponderance of evidence . q .I z . . h q h z . 2059 . . h C zz . 233/2003 z C 584/2008 C 196 C . é ‟ z q . . ‟ .C C . . S.U. hé è z ) q C . 184/1986. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 . h 204 ì 197 in re ipsa z V z 198. h q ‟ 199 z 200 q h z h h zz z z z 201. I z q ‟ h ‟ z zz 202 ‟ z z h z z . 6. Il risarcimento del danno ambientale: l’opaco profilo 197 S . C . S.U. . 9556/2002 ‟ . 1223 z S . 7844/2011 198 ‟ z h in re ipsa, z . . ‟ C .C . z z III . 882/2003 h h h . C C . S.U . 26793/2008 C C . h q h ì z ù z. III . ò z . I h h ò zz h z .I . h C . z III . 2228/2012. S q z A. ASTONE I danni non patrimoniali alla persona: il problema della prova, M 2011 . 41 . 199 M. TARUFFO, Elementi per una definizione di abuso del processo, in AA. VV., L‟abuso del diritto, Padova, 1998, p. 435 s.; L. P. COMOGLIO, Abuso dei diritti di difesa e durata ragionevole del processo: un nuovo parametro per i poteri direttivi del giudici?, in Riv. dir. proc. 2009, p. 1686 s. 200 Ex multis Cass. S. U. n. 23726/2007 in Foro. it, 2008, I, 1514; Cass. sez. I n. 11271 e n. 6900/1997; Cass. sez. III n. 28286/2011 e ancora Cons. di Stato n. 656/2012. 201 S . ex multis C . S.U . 155/2011 h ‟ z z z zz q q ‟ . 202 S ‟ h è z h z parte, non presentando i requisiti stabiliti dalla legge. Il codice prevede numerose ipotesi di inammissibil z z ‟ impugnazione, ovvero per difformità dal paradigma legislativo. Con riferimento al processo civile il codice detta singole ipotesi di inammissibilità in materia di impugnazione (artt. 331, 342, 348 bis, 360 bis, 365, 398 c.p.c). Più in generale una valutazione di merito sulla fondatezza è ‟ . 140 C C ( . . . 206/2005) finalità è z‟ q gaggini processuali e utilizzi distorti della giustizia. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 205 L‟ ‟ z ‟ h 2006 203. I h ‟ z z z 204 h z q ì z . I ‟ h z z U h h direttiva 2004/35/CE finalizzata ad armonizzare i regimi di responsabilità civile degli Stati membri, ‟ z h « h nquina paga», si “ ambientale, . ( z . . 152/2006 q ' ) h ” . 18205 ‟è z ‟ L z q ‟ L. 349/1986 z . fortemente e dei principi comunitari di prevenzione, precauzione, correzione e riduzione degli inquinamenti, rimaneva Legge 6 agosto 2013, n. 97 - Legge Europea. Sui profili evolutivi dei modelli di tutela ‟ ‟ . U. SALANITRO, L'evoluzione dei modelli di tutela dell'ambiente alla luce dei principi europei: profili sistematici della responsabilità per danno ambientale, in Nuove Leggi Civili, 2013, 4, p. 795 ss . 204 Procedura di infrazione 2007/4679 – Violazione del diritto UE – Non corretta trasposizione della direttiva 2004/35/CE sulla responsabilità ambientale in materia di prevenzione e riparazione del danno ambientale – L C h ‟ h z procedura il 23 gennaio 2014. 205 U. SALANITRO, L'evoluzione dei modelli di tutela dell'ambiente, cit., p.795 ss., sottolinea “ ‟ ‟ q ‟ lesivo sia z : ‟ z ‟ sanzionatorio di diritto penale o amministrativo ad eliminare integralmente il pregiudizio causato dal comportamento vietato costituisce pertanto la ragione di fondo giustificatrice del ”. 203 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 206 ambigua quanto alle formule di responsabilità civile che avrebbero dovuto dare z “ h q ”. Il Codice ambientale prevedeva, infatti, differenti criteri di imputazione (soggettivi, oggettivi) a seconda che si trattasse del sostenimento dei costi delle attività di prevenzione e ripristino o del risarcimento del danno; in particolare, la normativa, nel disciplinare in titoli differenti le azioni di prevenzione e ripristino ambientale (Titolo II) e il risarcimento del danno (Titolo III) individuava negli operatori professionali i soggetti tenuti a sostenere i costi della prevenzione e del ripristino ambientale mentre lasciava priva di ogni specificazione la norma volta ad individuare i soggetti tenuti al risarcimento del . L‟ . 311206 “ z q “ h ” q ” ‟ z amministrativo, con negligenza, imperizia, imprudenza o violazione di norme h ‟ z ‟ . 18 ”. L z h ella l. 349/1986, ha sollevato il problema della responsabilità oggettiva, la cui affermazione di principio rappresenta la ‟ h vede nel libro Verde, nel Libro Bianco, nella proposta di direttiva e nella direttiva i punti fondamentali207. Proprio la questione della responsabilità oggettiva ha dato luogo alla ‟ z z 2004/35/CE 206 Il testo della norma, prima della modifica appo ‟ . 25 . ) L. 6 2013 . 97 era il seguente: Art. 311 (Azione risarcitoria in forma specifica e per equivalente patrimoniale). 1. I M ‟ h ‟ z sede penale, per il risarcimento del danno ambientale in forma specifica e, se necessario, per equivalente patrimoniale, oppure procede ai sensi delle disposizioni di cui alla parte sesta del presente decreto. 2. Chiunque realizzando un fatto illecito, o omettendo attività o comportamenti doverosi, con violazione di legge, di regolamento, o di provvedimento amministrativo, con negligenza, imperizia, imp z z h h ‟ è ‟ della precedente situazione e, in mancanza, al risarcimento per equivalente patrimoniale nei confronti dello Stato. 3. A q z M ‟ in applicazione dei criteri enunciati negli Allegati 3 e 4 della parte sesta del presente decreto. A ‟ o delle responsabilità risarcitorie e alla riscossione delle somme dovute per q M ‟ procedure di cui al titolo III della parte sesta del presente decreto. 207 Per i riferimenti, v. retro, nota 39 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 207 responsabilità ambientale in materia di prevenzione e riparazione del danno ambientale. In particolare, e sotto il profilo in discorso, la Commissione 208 ha rilevato come la regola generale, stabilita dalla direttiva, della responsabilità oggettiva degli operatori economici che esercitino le attività professionali e ‟ ‟ z .A “l‟art. 311, comma 2, del d. lgs. 152/2006 non si riferisce affatto ad attività professionali di alcun tipo e pone obblighi in capo a <<chiunque>> anziché in capo ad <<operatori>>, le due disposizioni riguardano due fattispecie diverse: l‟articolo 3, paragrafo 1, della direttiva riguarda la responsabilità ambientale degli operatori economici; l‟articolo 311, comma 2, del d. lgs. 152/2006 riguarda invece la responsabilità ambientale di qualunque soggetto, a prescindere dal fatto che tale soggetto abbia causato il danno ambientale nell‟esercizio, o al di fuori dell‟esercizio, di un‟attività professionale”209. Tale responsabilità, si ribadisce, deve avere natura oggettiva: in forza “combinato disposto degli articoli 3 e 6 della direttiva (...) nel caso in cui il danno ambientale sia stato causato da una delle attività professionali elencate nell‟allegato III della direttiva, l‟operatore è tenuto ad adottare le necessarie misure di riparazione anche qualora non vi sia stata colpa o dolo da parte sua”210; ‟ 311 2 . . 152/2006 – rileva la Commissione – àncora, invece, la responsabilità per danno ambientale ai requisiti del dolo o della colpa, anche nel caso in cui il danno ambientale sia stato causato da una ò ‟ 3 A 1 ‟ III ‟ 6 ) h ‟ ( .8) . z z – che la direttiva q ‟ ò dalla responsabilità oggettiva se soddisfa alcune condizioni (articolo 8, paragrafi Cfr. Commissione Europea - Parere motivato complementare - Infrazione n. 2007/4679 - 26. 1. 2012 209 V. Commissione Europea - Parere motivato complementare - Infrazione n. 2007/4679 - 26. 1. 2012. 210 V. Commissione Europea - Parere motivato complementare - Infrazione n. 2007/4679 - 26. 1. 2012. 208 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 208 3 e 4) – non è stata correttamente trasposta. La normativa italiana, infatti, “prevede solo le eccezioni (articolo 308, commi 4 e 5, del d. lgs. 152/2006) senza aver prima stabilito la regola generale della responsabilità oggettiva, come risulta dal fatto che il d. lgs. 152/2006 ha omesso del tutto di recepire l‟articolo 3, paragrafo 1, della direttiva”. Ulteriore, ed altrettanto importante, addebito mosso dalla Commissione nel parere motivato riguarda il risarcimento pecuniario in luogo della z z 1 7 ‟ II ; riparazione costituisce, infatti, il principale strumento attuativo del principio “ h q ” fortemente depotenziata dalla previsione relativa alla possibilità di sostituire la riparazione (primaria, complementare o compensativa) con il risarcimento. In ottemperanza agli obblighi derivanti dalle violazioni contestate, il legislatore nazionale ave 166/2009 ‟ ‟ 311 aggiungendo 2 5-bis della legge 3 152/2006 un riferimento alle misure di riparazione complementare e ; ò ‟ nneggiante al risarcimento pecuniario in via sostituiva, qualora la riparazione, primaria, complementare e compensativa, venisse omessa o risultasse impossibile o eccessivamente onerosa; pertanto – osserva la Commissione – “per quando riguarda la suddetta modifica dell‟articolo 311, comma 2, del decreto legislativo 152/2006, (...) il nuovo testo della disposizione, pur migliorando la normativa italiana in quanto aggiunge il riferimento alle misure di riparazione complementare e compensativa (laddove il testo originario si riferiva soltanto alla riparazione primaria),conferma tuttavia che ai sensi della normativa italiana un operatore che abbia causato un danno ambientale può essere tenuto al risarcimento pecuniario in luogo della riparazione primaria, complementare e compensativa. Pertanto, a parere della Commissione, tale modifica dell‟articolo 311, comma 2, del decreto legislativo 152/2006 non fa cadere l‟addebito mosso nel parere motivato.” Con il nuovo testo della disposizione, dunque, il legislatore italiano confermava la possibilità – ‟ operatore – del risarcimento pecuniario in luogo della riparazione e ciò in palese contrasto con la direttiva a tenore della quale si può usare il metodo della Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 209 valutazione monetaria per determinare quali misure di riparazione complementare e compensativa siano necessarie (Allegato II, punto 1.2.3, della direttiva), ma non si possono sostituire le misure di riparazione mediante risarcimenti pecuniari. Ulteriori addebiti, poi211, i ‟ direttiva che la non corretta trasposizione ad opera del legislatore italiano avrebbe limitato. I ‟U h E 6 ‟ 2013 z . 97 L ‟I 2013 ‟ . 25, ha apportato le modifiche alla parte VI del codice ambientale; in particolare, h è q ‟ normativa, la suddivisione tra danno ambientale causato da attività ( ‟ 5 ) q ‟ 5 caso di comportamento doloso o colposo212. Si è, inoltre, eliminato ogni riferimento al risarcimento del danno per equivalente patrimoniale, concentrandosi invece sulla riparazione e sul ripristino (art. 25, n. 1, lett. c, d, f ,g, h h ‟ z ‟ . 311 . i e lett. l); in particolare, la lettera i) h ‟ . 313 precisamente la previsione della possibilità del risarcimento per equivalente “ ‟ . 2058 ”. L C) L‟ ‟ 303 ) 152/2006: violazione degli articoli 3 e 4 della direttiva. Nel parere motivato la Commissione ha inoltre r ‟ 303 ) 152/2006 ‟ z “ z inquinamento per le quali siano effettivamente avviate le procedure relative alla bonifica, o sia stata avviata o sia intervenuta bonifica dei siti nel rispetto delle norme vigenti in materia, salvo h ” h è ‟ 4 . P hé ‟ z ‟ z h ‟ 303 ) legislativo 152/2006 viola gli articoli 3 e 4 della direttiva. La Commissione osserva che a tut ‟ A h h ‟ ‟ 303 ) 152/2006 rapporto tra la Parte Quarta, Titolo V (Bonifica di siti contaminati), del decreto legislativo 152/2006 P S (N ‟ ) dello stesso decreto legislativo. 212 V. ‟ . 298-bis, Principi generali ‟ . 25 . 1 . a, della L. 6 agosto 2013, . 97 “ ” ‟ . 311 . g) del medesimo art. 25, n. 1, della L. 97/2013. 211 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 210 ‟ . 313 h z h qualora il responsabile del fatto che ha provocato danno ambientale non provveda in tutto in parte al ripristino nel termine ingiunto «o all'adozione delle misure di riparazione nei termini e modalità prescritti, il Ministro dell'ambiente e della tutela del territorio e del mare determina i costi delle attività necessarie a conseguire la completa attuazione delle misure anzidette secondo i criteri definiti con il decreto di cui al comma 3 dell'articolo 311 e, al fine di procedere alla realizzazione delle stesse, con ordinanza ingiunge il pagamento, entro il termine di sessanta giorni dalla notifica, delle somme corrispondenti». In linea con lo spirito della normativa, la lettera l) sopprime il 3( h ‟ z 2°) ‟ . 314 q z h ; criteri di quantificazione del danno (da valutare con riferimento al costo necessario per il ripristino), faceva espresso riferimento al risarcimento per q ‟ q z danno non risarcibile in forma specifica. L ‟ (L E z vi mossi hanno portato alle modifiche ) q ‟ h fisionomia, abbandonando lo schema della tutela aquiliana (art. 2043) nel cui ambito la corte costituzionale, nel 1987, aveva ricondotto la responsabilità per ‟ 213, circostanza che rispecchia la concezione di ambiente q ; “ ”214 il cui deterioramento deve essere riparato, data la natura primaria del bene e la sua appartenenza collettiva, e non risarcito alla stregua della lesione di un qualsiasi altro bene di appartenenza individuale. I ‟ ogni riferimento ai profili risarcitori sembrerebbe chiudere per sempre la possibilità di ingresso ad ogni rivendicazione privata, con ciò ponendosi in contrasto, però, con ‟ quella h definizione C di z ambiente 215 quale interesse e lo stesso legislatore Corte cost., 30 dicembre 1987, n. 641, cit. c. 706. Corte cost., 30 dicembre 1987, n. 641, cit., c. 706. 215 Corte cost., 28 maggio 1987, n. 210, cit.. c. 346. 213 214 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 211 ‟ te216 riconoscono e che ha portato la giurisprudenza di legittimità ad affermarne la triplice dimensione217. A ‟ z risarcitoria anche del singolo può, però, pervenirsi, abbastanza semplicemente ma non semplicisticamente, ove si assu ‟ di valore primario del bene ambiente, del suo essere interesse fondamentale della collettività e al tempo stesso della persona, con la conseguente pluridimensionalità del danno218. A conclusioni più coerenti e comprensibili può giungersi, però, solo ‟ ‟ ‟ z . L‟ ‟ ‟ nte219 e la responsabilità che ne deriva Sono più di uno i riferimenti allo stretto collegamento tra la qualità della vita umana (art. 1) e z ‟ z ‟ .2 C z ( che di altre z T ‟U : . . 3-bis) 217 “II : q ‟ ; ale quale lesione del ‟ z q ; pubblica quale lesione del diritto-dovere pubblico spettante alle istituzioni centrali e h ”: C . . z. III 5 2002 n. 22539, Giur. it., 2003, p. 696; tale ultimo principio, affermato in precedenza da Cass. pen., sez. III, 1º ottobre 1996, n. 9837, Arch. nuova proc. pen., 1996, p. 871, è stato successivamente ribadito da Cass. pen., 21 ottobre 2004, sez. III, n. 46746, Arch. nuova proc. pen., 2005, p. 181; Cass. pen., sez. III, 6 marzo 2007, n. 16575, Danno e resp., 2008, p. 406 ss. e Cass. pen., sez. II, 25 maggio 2007, n. 20681, CED, 2007; Cass. pen, sez. III, 11 febbraio, 2010, n. 14828, CED, 2010. 218 Cfr. Cass. pen., sez. III, 11 febbraio 2010, n. 14828, CED 2010: “T h dimensioni diversificate: la giurisprudenza di legittimità ha chiarito che il danno in esame presenta, oltre a quella pubblica, una dimensione personale e sociale quale lesione del diritto ‟ z q la personalità: il danno ambientale in quanto lesivo di un bene di rilevanza costituzionale, quanto meno indiretta, reca una offesa alla persona umana nella sua sfera individuale e sociale. In tale contesto, è riscontrabile in capo alle associazioni ecologiche un interesse legittimo alla tutela del territorio ed è stata riconosciuta la loro possibilità di costituirsi parti civili nel processo alle seguenti condizioni. Le ricordate associazioni non possono costituirsi parte civile al fine di chiedere la liquidazione del danno ambientale di natura pubblica (a sensi della legge 348/1986, art. 18 e ora del D. lgs. 152/2006), ma possono agire in giudizio – in virtù del ‟ . 2043 . . – z ”. 219 I C z “ ” norme: gli artt. 300 (Danno ambientale) e 311 (Azione risarcitoria in forma specifica e per equivalente patrimoniale); tali disposizioni se collocano la nozione in una dimensione comunitaria la ‟ e. Il legislatore del 1986 forniva ‟ . 18 z tutelati facenti capo al concetto di ambiente (v. R. TOMMASINI, Danno ambientale e danno alla salute, cit., p. 145; L. BARBIERA, Qualificazione del danno ambientale nella sistematica generale del danno, in Il danno ambientale con riferimento alla responsabilità civile, a cura di P. PERLINGIERI, Esi, Napoli, 1991, p. 115); nel nuovo assetto normativo, il danno ambientale è qualsiasi deterioramento delle risorse naturali e il deterioramento causato alle biodiversità 216 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 212 hanno a lungo oscillato tra disciplina privatistica e disciplina pubblicistica, tra funzione compensativo-satifattoria e sanzionatorio-riparatoria, per assumere una connotazione decisamente pubblicistica220 ‟ razione di hé S . D ò è h C M ‟ 349/1986 ‟ ‟ z z . z z status quo ante S z . 18 L. q ' ' ‟ 221 z hé ' z 222. ; ‟ . 300 h direttiva comunitaria (1. È danno ambientale qualsiasi deterioramento significativo e ‟ q ‟ . 2. Ai sensi della direttiva 2004/35/CE costituisce danno ambientale...), fornisce, una descrizione analitica e molto dettagliata di pregiudizi a be . L‟ . 311 ì ‟ . 18 z z z q ‟ ( q pregiudizi da rite q ‟ . 300) ò q ‟ “ ‟ q sé stante, ontologicamente diverso dai singoli beni che ne formano il subs ” h nella giurisprudenza di legittimità (Cass., 3 febbraio 1998, n. 1087, in Foro it., 1998, I, c. 1151) e costituzionale (Corte cost, 30 dicembre 1987, n. 641, cit. e, tra le più recenti Corte cost., 14 novembre 2007, n. 378, in Giur. it., 2007, p. 1628 ss) e che riflettere la complessità, unitarietà e ‟ (C . 17 2008 . 10118 Giur. it., 2008, p. 2708; Cass. pen., 6 marzo 2007, n. 16575, in Danno e resp., 2008, p.406 ss.; Cass., 3 febbraio 1998, n.1087, cit.; Cass., 1 Settembre 1995, n. 9211, in Riv. giur. Ambiente, 1996, pp. 472-473; Cass., 9 aprile 1992, n. 4362, in Mass. Giur. it., 1992). 220 V. sul punto U. SALANITRO, L'evoluzione dei modelli di tutela dell'ambiente alla luce dei principi europei, cit., p.795 ss. 221 Il primo rimedio è l'azione civile innanzi al giudice ordinario, il secondo concerne l'adozione di un'ordinanza ex art. 313 d. lgs. n. 152/2006 con cui si dispone il risarcimento del danno e qualificabile come provvedimento autoritativo. La legittimazione a ricorrere al G.A., in sede esclusiva, avverso gli atti e i provvedimenti assunti in violazione delle disposizioni del decreto, nonché contro il silenzio inadempimento del ministro dell'ambiente e per il risarcimento del danno da ritardo nell'attivazione delle misure di precauzione, prevenzione, o di contenimento del danno ambientale compete ex art. 310 «alle regioni, le province autonome e gli enti locali, anche associati, nonché le persone fisiche o giuridiche che sono o potrebbero essere colpite dal danno ambientale». 222 Cfr. art. 309 d. lgs. n. 152/2006 ove si specifica che le associazioni sono considerate soggetti M ‟ e osservazioni corredate da documenti, concernenti fattispecie di danno ambientale o di ‟ . Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 213 Q è è ' h h ‟ z z ‟ z S 223 ‟ h z 224 ‟ z z M è 225. ù; 226 zz z 227 hé q ‟ z ' L‟ . 18228. ‟ è q q zz ' ù z hé potestas iudicandi 229. I h z hé z 230 z ‟ ' ò h C C -P S ‟ . 313 . . . 152/2006. M. ATELLI, Prime note sul danno ambientale nel nuovo codice dell‟ambiente, in resp. civ., 2006, p. 669s.. 225 C . . 313 2 ì ‟ . 25 . ) L. 6 2013 . 97 (L europea 2013). 226 C z ‟ . 313 del d.lgs. n. 152/2006. 227 L‟ . 313 . . 152/2006 . 228 L‟ 18 . 349/1986 expressis verbis la giurisdizione in ‟ n si può dubitare, in base al normale riparto che tale soluzione sia quella preferibile. 229 Si v. art. 316 del d. lgs. 152/2006 ove si specifica che il ricorso debba essere presentato al Tribunale amministrativo regionale competente in relazione al luogo nel quale si è prodotto il danno ambientale. 230 M. LIBERTINI La nuova disciplina del danno ambientale e i problemi generali del diritto dell'ambiente, Riv. critica dir. priv., 1987 . 581 .; F. GIAMPIETRO La responsabilità per danno all‟ambiente in Italia: sintesi di leggi e di giurisprudenza messe a confronto con la direttiva 2004/35/CE e con il T.U. ambientale Riv. giur. ambiente 2006 . 1 . 19 . 223 224 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 214 1865 ' h z 231. I è ‟ ‟ ' q q z h è 232. z I q q ‟è h z ‟ 233. Cò q h z h ‟ L 234. h h q zz 235 z z q . I 1865 ‟ ‟ mbito di un sistema tratteggiato da perfetta omogeneità sul piano della finalità e degli altri profili disciplinari. Si cfr. sul punto B. ALBANESE,voce Illecito (storia), in Enc .dir., XX, Milano, 1970, p. 50 s. 232 Sul punto è illuminante la Corte di Cass., S.U., n. 581/2008 con riferimento alla causalità e ai diversi criteri di accertamento. Si v. anche Cass., S.U., n. 1768/2011 ove si afferma che z q ‟ . 652 . . . z separazione dei giudizi penale e civile. 233 È questa una considerazione condivisa dalla dottrina; cfr., tra gli altri, C. SALVI, Il danno extracontrattuale, modelli e funzioni, Napoli, 1985, 85; L. CORSARO, Tutela del danneggiato e responsabilità civile, Milano, 2003, 2. In giurisprudenza si consideri sul punto Cass. sez. III n. 11755/2006. 234 Questo perché il sistema penale è imperniato su principi come quello della presunzione di innocenza, personalità della responsabilità, funzione rieducativa della pena che non sono h ‟ z . 530 . . insufficienza o contraddittorietà della prova della colpevolezza. La privazione della libertà del singolo si concreta solo quando non residui alcun dubbio sulla prova della colpevolezza o della causalità. Nel sistema civile, al contrario dove questi principi non hanno medesima forza e soprattutto dove sono pacificamente ammissibili ipotesi di responsabilità oggettiva, è più giusto che le conseguenze dannose di un rischio vengano traslate in capo al danneggiante, piuttosto che sul danneggiato incolpevole. 235 C ò ‟ . 2043 . . ‟ 18 ‟ . 349/1986 h q q h ‟ambiente obbligava ‟ S . S responsabilità ambientale sotto quella da illecito extracontrattuale si v. G. GRECO, Danno ambientale e tutela giurisdizionale, in Riv. giur. ambiente 1987, p. 525 s. 231 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 215 L zz z h 236 ‟ z 237 z 238 h h ‟ z h h h ‟ ‟ z 239 z è h q L h –h zz VI 240. C ‟ h – ‟ “ 241 ' ò q – ”– ‟ z z h z h 242 243 L. BIGLIAZZI GERI, Quale futuro dell‟art. 18 legge 8 luglio 1986 n. 349? in Riv. critica dir. priv., p. 685 s.; C. CASTRONOVO, Il danno all‟ambiente nel sistema di responsabilità civile, in Riv. critica dir. priv., 1987, p. 512 s. U. NATOLI, Osservazioni sull‟art. 18 legge 349/86, in Riv. critica dir. priv., 1987, p. 703 s. 237 Cfr. RICCARDO BAJINO, Profili penalistici nella legge istitutiva del Ministero dell'Ambiente, in Studi parlamentari e di politica costituzionale, n. 71 1986, p.81-86. 238 S. PATTI, La valutazione del danno ambientale, in Riv. dir. civ., 1992, p. 447 ss. 239 L‟ . 311 . . . 152/2006 h “ ciascuno risponde nei limiti della propria responsabilità p ” ‟ z ù ‟ . 2055 . . h sono tenuti a rispondere in modo solidale nei confronti del soggetto leso. Sulle obbligazioni solidali si v. A. DI MAJO, voce Obbligazioni solidali (e indivisibili), in Enc. dir., XXIX, Milano, 1979, p. 323 s. 240 Q z ‟ . 311 secondo, che in quella successiva, conseguente alla riforma del 2009 (art. 5-bis, DL 25 settembre 2009, n. 135) h q ‟ . 2058 . . è q ‟ ‟ z z ‟ z misure di riparazione complementari e compensative di cui alla direttiva 2004/35/CE. Solo nel caso in cui ciò sia omesso, attuato in modo incompleto oppure risulti impossibile o “il danneggiante è obbligato, in via sostitutiva, al risarcimento per equivalente patrimoniale nei confronti dello Stato”. S q z . ultimo Cass. n. 6551/2011 in Giur. it., 2012, p. 554 s. 241 V. retro, nota 186. 242 L‟ . 300 . s. n. 152/2006 qualifica il danno ambientale come “qualsiasi deterioramento significativo e misurabile, diretto o indiretto, di una risorsa naturale o dell‟utilità assicurata da quest‟ultima”, facendo poi riferimento, nel secondo comma, a particolari risorse naturali elencate in modo tassativo che vengono tutelate. Sul concetto di ambiente delimitato alle fattispecie indicate nella norma si v. U. SALANITRO, Il risarcimento del danno ambiente: un confronto tra vecchia e nuova disciplina, in Riv. giur. ambiente 2008, p. 939 s.; F. GIAMPIETRO La nozione di ambiente e di illecito ambientale: la quantificazione del danno, in Ambiente e sviluppo, 2006, p. 463 s. 236 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 216 ‟ h 244 ‟ S . U h 245 ‟ z z q 246 ‟ q ‟ 248 z z ‟ ‟id quod interest q q z 247. I q 249 zz z S ‟ . 313 h alla q h “resta in ogni caso fermo il diritto dei soggetti danneggiati dal fatto produttivo del danno ambientale, nella loro salute o nei beni di loro proprietà, di agire in giudizio nei confronti del responsabile a tutela dei diritti e degli interessi lesi”, non considerando ad esempio, il danno esistenziale per perdita della possibilità di svolgere le attività dinamico-relazioni o il danno morale come sofferenza transeunte, patiti in conseguenza di un ‟ conseguenze pregiudizievoli sulla sfera giuridica di chi assuma ‟ . 244 Sul punto si v. Cass. sez. III n. 4186/98 ove si afferma che la questione da risolvere non è q ‟ del danno morale, quanto piuttosto la dimostrazione sul piano probatorio delle conseguenze dannose. Cfr. anche Corte Cass. n. 8827/2003. 245 Nel caso di perdita di una risorsa naturale in seguito alla distruzione di un bosco, contaminazione del terreno, dell' ‟ q legislativo che consenta al proprietario dell'immobile che abbia provveduto al ripristino dello status quo ante di chiedere il rimborso delle spese al danneggiante come accade in Germania; Sul punto cfr. E. REHBINDER, „A German Source of Inspiration? Locus Standi and Remediation Duties under the Soil Protection Act, the Environmental Liability Act and the Draft Environmental Code‟ in Betlem, G. and Brans, E. (eds.), Environmental Liability in the EU – The Proposed Directives, GMOs and Mineral Resource Extraction (London, Cameron May, forthcoming 2004). Si potrebbe, inoltre, ipotizzare il riconoscimento della legittimità ad agire non solo in capo singolo, ma anche a tutte quelle associazioni portatrici di questi interessi che dal danno ambientale subiscano un pregiudizio non necessariamente legato alla salute o alla proprietà, qualificabile tuttavia come danno serio e apprezzabile in termini di danno conseguenza ex artt. 1223 e 1227 c.c.; si veda, però, in senso contrario,U. SALANITRO, L'evoluzione dei modelli di tutela dell'ambiente, cit. 246 S. RODOTA‟ Il problema della responsabilità civile, Milano 1964, p. 139 ss.; C. CASTRONOVO, La nuova responsabilità civile, Milano, 2006, p. 22 s. 247 Sul punto si v. P. RESCIGNO, Introduzione al codice civile, Bari, 1991. 248 Si cfr. Corte Cost. n. 210/1987, cit., ove si afferma che già prima della riforma del titolo V è C z ‟ come diritto fondamentale della persona ed interesse fondamentale della collettività; in tal senso si v. anche Corte Cost. n. 641/1987. 249 F. D. BUSNELLI, Il danno alla persona: un dialogo incompiuto tra giudici e legislatore, in Danno e resp., 2008, p. 609 s. 243 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 217 z h q 250 ‟ z 252. L‟ zz z z h 253 z 251 ù h h z 254 255 ‟ z I 256 q è q ' . ò z 257 ‟ z h h I . ‟ . 313 . . . 152/2006 . proprietà dei singoli. 251 L‟ . 1225 . . expressis verbis il risarcimento di tutti quei pregiudizi che siano conseguenza diretta ed immediata o mediata purché normale ‟ . 252 Cfr. M. FRANZONI, Dei fatti illeciti (artt. 2043-2059) in Commentario del codice civile Scialoja-Branca a cura di F. Galgano, Bologna-Roma, 1993. 253 C . S.U. . 2515/2002 Giur. it, 2002 1270 h è sub specie h h ' z z q . 254 L‟ .2C .è h z ‟ z ne dei rapporti sociali. Sul punto si v. F. GAZZONI, L‟art. 2059 c.c. e la Corte costituzionale: la maledizione colpisce ancora, in Resp. civ. prev., 2003, p. 1306 s.; E. NAVARRETTA, Diritti inviolabili e risarcimento del danno, Torino, 1996. 255 Sul punto si veda, anche, la storica sentenza n. 500/1999 delle Sezioni Unite di Cassazione h ‟ ‟ h è ‟ z z ‟ cedere alla tutela risarcitoria ex art. 2043 c.c.; cfr. C. M. BIANCA, La responsabilità, Milano, 1994, p. 113 s. 256 Sulla nozione di ingiustizia del danno ampia la letteratura: G. ALPA, La responsabilità civile. Parte generale, Milano, 2010, p. 358 ss.; R. SACCO, L‟ingiustizia del danno di cui all‟art. 2043, in Foro pad., 1960, p. 1420 s.; P. SCHLESINGER, La “ingiustizia” del danno nell‟illecito civile, in Jus, 1960 . 338. .; S. RODOTA‟ Il problema della responsabilità civile, cit., p. 46. s.; G. CIAN, Antigiuridicità e colpevolezza. Saggio per una teoria dell‟illecito civile, Padova, 1966, p. 154 s.; P. TRIMARCHI, voce Illecito (diritto privato), in Enc. dir., XX, Milano, 1970, p. 90 s.; R. SCOGNAMIGLIO, Responsabilità civile, in Nuovo Dig. it., Torino, 1962, XV, p. 628; P. G. MONATERI, La responsabilità civile, in Trattato di diritto civile, diretto da R SACCO, Torino, 1998, p. 567 s; E. NAVARRETTA, Il danno ingiusto, in Diritto civile, diretto da N. LIPARI e P. RESCIGNO coordinato da A. ZOPPINI, Attuazione e tutela dei diritti, IV, La responsabilità e il danno, III, Milano, 2009, p. 137 s.; G. VISINTINI, Trattato breve della responsabilità civile. Fatti illeciti, inadempimento, danno risarcibile, Padova, 2005, p. 38 s. 257 L‟ z ù etteva il risarcimento del danno non patrimoniale solo nel caso di espressa previsione legislativa; nel corso degli ultimi anni si è abbracciato, al contrario, ‟ h zz h 250 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 218 .2 C . ò L ‟ z ' . 2059 . . 258. q ò q z z q ( 259 h q h z ) h h q h zz z z z ‟ 260 h ' 261. possibilità di agire in giudizio ogni volta che ad essere leso sia un diritto fondamentale della persona, anche senza che vi sia una norma specifica che ne ammetta la risarcibilità. 258 P “ ” ù puntuali, ma anche tutti quei precetti costituzionali che garantiscono i diritti inviolabili e ne impongono la piena tutela ‟ ì z costituzionalmente qualificata rafforzata dall‟ z persona. Sul punto illuminante la più recente giurisprudenza della Corte di legittimità: Cass. Civ. n. 8827 e n. 8828; Cass. Sez. un. 11 novembre n. 2008/26972. 259 Si potrebbe utilizzare il criterio della vicinitas, non solo come riconoscimento della legittimazione dei singoli che agiscano a tutela del bene ambiente ma anche quale criterio che evidenzi la stretta correlazione tra soggetto e bene di cui si lamenti la lesione, in modo da distinguere pretese serie da quelle prive di fondamento. Sul criterio della vicinitas si v. Cons. Stato Sez. V, 31-03-2011, n. 1979. 260 P. RESCIGNO, Introduzione al codice civile, . . 159 . ‟ h “ tutela non è solamente il diritto soggettiv zz ”. N ciò richiama, tra le più pregnanti novità in tema di fatto illecito, la disciplina del danno ambientale. 261 Sul danno ambiente come danno ingiusto si cfr. in particolare E. LECCESE Danno all‟ambiente e danno alla persona, . . 247 . I ‟ è h z C ‟ . L C Strasburgo (Sentenza della Corte Europea dei Diritti dell'Uomo del 10 gennaio 2012 – Ricorso n 30765/08 – Di Sarno e altri c. Italia) ha ritenuto che il danno ambientale, provocato dal cattivo funzionamento del sistema di gestione dei rifiuti (e denunciato da diciotto cittadini italiani, con ricorso proposto contro la Repubblica italiana per violazione dei diritti garantiti dalla C z ‟ . 8) “ ” h h h è z ‟ .8 C z ò lamentato danno morale che, tuttavia, è stato ritenuto sufficientemente riparato con la z z .L C ( . 104) h “ h possono incidere sul benessere delle persone e privarle del godimento del loro domicilio in ”; :“ ricorrenti sono stati costretti a vivere in un ambiente inquinato dai rifiuti abbandonati per le strade almeno dalla fine del 2007 al mese di maggio 2008. La Corte ritiene che questa situazione abbia potuto portare ad un deterioramento della qualità di vita degli interessati e, in particolare, nuocere al loro diritto al rispetto della vita privata e del domicilio. Pertanto nel caso di specie è applicabile l'articolo 8 (...). La Corte ritiene che la presente causa verta non su una ingerenza diretta nell'esercizio del diritto al rispetto della vita privata e del domicilio dei ricorrenti che si sarebbe materializzata con un atto delle autorità pubbliche, ma sulla lamentata omissione di queste ultime nell'adottare misure adeguate per assicurare il corretto Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 219 Cò ‟ ' ; ò h è ' h z z q h ex officio262. L ratio z ‟eventus damni h ‟ ù h h ù . L C S z z q ' U h h z h è z h ò h 263 264 z è z q 265. L z ‟ q 266 funzionamento del servizio di raccolta, trattamento e smaltimento dei rifiuti nel comune di Somma Vesuviana. La Corte ritiene quindi appropriato porsi sul piano degli obblighi positivi ' 8 C z ” h “ S ' di adottare delle misure ragionevoli ed idonee in grado di proteggere i diritti delle persone interessate al rispetto della loro vita privata e del loro domicilio e, in genere, al godimento di un ”. 262 S. PATTI La valutazione del danno ambientale, BUSNELLI-PATTI Danno e responsabilità civile G h T 2003 . 100 .; S. MAZZAMUTO Osservazioni sulla tutela reintegratoria di cui all‟art. 18 della legge n. 349 del 1986 Riv. critica dir. priv. 1987 . 699 .; M. MORBIDELLI Il danno ambientale nell‟art. 18 L. 349/86. Considerazioni introduttive Riv. critica dir. priv. 1987 . 599 .; L. M. DELFINO Ambiente e strumenti di tutela: la responsabilità per danno ambientale Resp. civ. e prev. 2002 873. 263 S ‟ C . C . S.U. . 440/1989. 264 Si cfr. C. CASTRONOVO, Il danno all‟ambiente nel sistema della responsabilità civile, cit., p. 517 s, ID., Il risarcimento in forma specifica come risarcimento del danno, in Processo e tecniche di attuazione dei diritti, a cura di S. Mazzamuto, Napoli 1989, p. 513 s. 265 Basti ricordare i disastri ambientali di Chernobyl (26 aprile 1986), di Seveso (10 luglio 1976) e, più di recente, la catastrofe in Giappone. 266 G. BONILINI, Il danno non patrimoniale, Milano, 1983, p. 29 ss.; ID., Il danno non patrimoniale, in La responsabilità civile, V, diretta da G. Alpa e M. Bessone, in Giur. sist. dir. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 220 z q .S 267 ‟ ò 268 q 269. E‟ h q ‟ 271 ò ò z q ‟an D h h ‟ è quantum, z 270. status quo ante z q civ. e comm., fondata da W. Bigiavi, Torino, 1987, p. 388; L. BIGLIAZZI GERI, Interessi emergenti, tutela risarcitoria e nozione di danno, in Riv. critica dir. priv., 1996, p. 54 s.; G. ALPA, Responsabilità civile e danno. Lineamenti e questioni, Bologna, 1991, p. 463 ss.; C. SCOGNAMIGLIO, Il danno biologico: una categoria italiana del danno alla persona, in Europa e dir. priv., 1998, p. 274 s.; V. SCALISI, Danno alla persona e ingiustizia, cit., p. 147 s. 267 Si v. art. 313. del d. lgs. 152/2006 cit. 268 Si v. Cass. n. 8827/2003 in Corriere giur., 2003, p. 1017 ss., con nota di M. FRANZONI, Il danno non patrimoniale, il danno morale: una svolta per il danno alla persona; in Danno e resp., 2003, p. 819 s., con note di F. D. BUSINELLI, Chiaroscuri d‟estate. La Corte di Cassazione e il danno alla persona e G. PONZANELLI, Ricomposizione dell‟universo non patrimoniale: le scelte della Corte di Cassazione, in Resp. civ. e prev., 2003, p. 675 s.; si v. anche Cass. n. 8828/2003, in Corr. giur., 2003, p. 1024 s.; in Rass. dir. civ., 2005, p. 1104 s., con nota di G. CAIAFFA, L‟art. 2059 c.c. profili riparatori (e risarcitori?) del danno alla persona; in Danno e resp., 2003, p. 816 s, con nota di M. DI MARZIO, Il danno esistenziale e le sentenze gemelle; in Giur. it , 2004, p. 29. Cfr. inoltre Corte Cost. n. 233/2003, in Danno e resp., 2003, p. 939 s. con note di M. BONA, Il danno esistenziale bussa alla porta e la Corte Costituzionale apre (verso il “nuovo” art. 2059); P. PERLINGIERI, L‟art. 2059 c.c. uno e bino: una interpretazione che non convince, in Corriere. giur., 2003, p. 1028 s. 269 Si v. Cass. civ. sez. III n. 14402/2011 che afferma la necessaria integralità del risarcimento del danno esistenziale che non può essere ridotto, neppure indirettamente ad una frazione del danno biologico, ma deve essere valutato equitativamente in relazione al caso concreto, in quanto motiva la S.C., occorre verificare quali aspetti relazionali siano stati presi in considerazione nel caso sottoposto al vaglio del giudice. 270 Cfr. Cass. n. 6572/2006 che ha affermato che il G.L. può far ricorso in via esclusiva alla z “purché, secondo le regole di cui all'art. 2727 c.c. venga offerta una serie concatenata di fatti noti, ossia di tutti gli elementi che puntualmente e nella fattispecie concreta (e non in astratto) descrivano: durata, gravità, conoscibilità all'interno ed all'esterno del luogo di lavoro della operata dequalificazione, frustrazione di (precisate e ragionevoli) aspettative di progressione professionale, eventuali reazioni poste in essere nei confronti del datore comprovanti la avvenuta lesione dell'interesse relazionale, gli effetti negativi dispiegati nella abitudini di vita del soggetto; da tutte queste circostanze, il cui artificioso isolamento si risolverebbe in una lacuna del procedimento logico (tra le tante Cass. n. 13819 del 18 settembre 2003), complessivamente considerate attraverso un prudente apprezzamento, si può coerentemente risalire al fatto ignoto, ossia all'esistenza del danno, facendo ricorso, ex art. 115 c.p.c., a quelle nozioni generali derivanti dall'esperienza, delle quali ci si serve nel ragionamento presuntivo e nella valutazione delle prove”. 271 In particolare si v. Cass civ. sez. III n. 16448/2009 ove si a h ‟ liquidazione, per ogni danno privo delle caratteristiche della patrimonialità, è quella equitativa. Una precisa quantificazione pecuniaria è solo quando esistano dei parametri normativi fissi di commutazione, in difetto degli stessi non può mai essere provato il suo preciso ammontare fermo restando il dovere del giudice di dar conto delle circostanze di fatto e di diritto da lui apprezzate nel compimento della valutazione equitativa e del percorso logico giuridico che lo ha condotto a quella soluzione. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 221 . 1226 2056 . .272 z z è ‟ z h z P 273. h h q z ‟ 276 ‟ q 274 h 275 z z ‟ q q h q . Sulla valutazione equitativa si v. C. CASTRONOVO, Il danno alla persona tra essere e avere, in Danno e resp., 2003, p. 237 s.; R. SCOGNAMIGLIO, Il danno morale, in Riv. dir. civ., 1957, p. 597 s.; G. PONZANELLI, Le tre voci di danno non patrimoniale: problemi e prospettive, in Danno e resp, 2004. 273 Sul punto si v. Corte dei Conti, Sezioni riunite, n. 10/2010. 274 G. PONZANELLI, Il “nuovo” art. 2059, in G. Ponzanelli (a cura di), il “nuovo” danno non patrimoniale, Cedam, Padova, 2004, p. 66 s. 275 Si v. Cass. n. 3284/2008, in Danno e resp., 2008, p. 445 s. Nel caso in questione la pretesa risarcitoria avanzata era stata avanzata in ordine alla collocazione di un lampione per ‟ z z z consentire a eventuali z ‟ . L S C è ‟ h q conseguenza di un interesse costituzionalmente protetto, il quale va previamente individuato in q “ é é zz z ”. 276 Cfr. in tema di disastro ambientale, Cass. n. 11059/2009 nella quale si fa riferimento ‟ z q h . In particolare la Corte afferma che è ammissibile il risarcimento del danno non patrimoniale, derivante dal reato di disastro ambientale, a coloro che si trovano con stabilità in prossimità del è ‟ h q h ‟ zz ‟ h anni. 272 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 222 SEÇÃO DE DOUTRINA: Jurisprudência Comentada AGRG NO RESP 827.143/DF: PRECEDENTE OU DECISÃO JUDICIAL? Marília Pedroso Xavier277 Resumo: A partir da análise do acórdão proferido no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 827.143/DF, que aplicou o texto literal do art. 218, §1º, da Lei 8.112/1990, aos casos em que há concorrência entre dois ou mais beneficiários de pensão por morte, o presente artigo procura questionar a possibilidade de se considerar como precedente uma decisão judicial que deliberadamente deixa de considerar os argumentos levantados pelas partes. Para tanto, argumenta-se que a definição de um precedente depende dos requisitos da potencialidade da decisão firmar-se como paradigma e do enfrentamento de todos os argumentos relacionados ao caso pelo tribunal. Ao final, observa-se que o tratamento de uma decisão com mero potencial de aplicação como precedente pode ser extremamente prejudicial ao ordenamento jurídico. Palavras-chave: precedente; decisão judicial; fundamentação. Abstract: From the analysis of the judgment on the Special Appeal no. 827.143/DF, which applied the literal text of art. 218, Paragraph 1, of Statute no. 8112/1990, to cases where there is a concurrence between two or more beneficiaries to death pension, this article seeks to question the possibility to consider as a precedent the judicial decision that deliberately fails to consider the arguments raised by the parties. For this, it is argued that the definition of a Doutoranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Professora das Faculdades Integradas do Brasil e do Centro Universitário Curitiba. Advogada. 277 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 223 precedent depends on the requirements of the potentiality of the decision to establish itself as a paradigm and the confrontation of all arguments related to the case by the court. At the end, it is observed that the treatment of a decision with mere potential of application as a precedent can be extremely harmful to the legal system. Keywords: precedent; judicial decision; reasoning. Sumário: 1. Introdução – 2. Breve exposição do REsp 827.143/DF – 3. Ausência de respeito à segurança jurídica – 4. Respeito ao princípio da autonomia privada – 5. Respeito ao princípio da boa-fé e vedação do venire contra factum proprium – 6. Enriquecimento sem causa – 7. Observância do princípio da distributividade na prestação – 8. Conclusão. Não se pode trazer, apenas por força de interpretação literal da lei, a conclusão de que, com a morte do segurado, toda a situação de fato se alterou de um dia para o outro, com vistas a igualar o percentual de recebimento de pensão, sob pena de se retirar de quem necessita do percentual maior, para atribuir mais a quem antes não necessitava de tanto. (TRF2, AC 20025101503923-2/RJ, Rel. Juiz Federal Abel Gomes, DJU 08/08/2005) 1. Introdução Luiz Guilherme Marinoni afirma que precedente não é sinônimo de decisão judicial.278 Para o autor, fundado na melhor doutrina internacional, só há sentido falar em precedentes quando se observa que uma decisão é dotada de MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 215. 278 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 224 í “ idade de se firmar como çã ”. 279 Sem esta pretensão de universalidade, tem-se uma simples decisão judicial. Mas ã : “é q decisão enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de ” 280 deste modo conferindo materialidade ao direito legislado.281 Ainda, convém mencionar que o precedente pode ser formar a partir de um conjunto de decisões, a que se dá o nome de jurisprudência. É de se notar, porém, que a jurisprudência pode ou não formar um precedente, pois para Marinoni esta definição depende dos requisitos da pretensão de universalidade e da completude do julgado ao analisar os argumentos pertinentes. E í “é í z q é ã q elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia, deixando-a ”.282 Para tanto, a decisão precisa ser contundente ao acolher e rejeitar argumentos, bem como se mostrar adequada para a orientação dos demais juízes e cidadãos. Deve-se ressaltar, porém, que os requisitos estabelecidos por Marinoni estão em planos distintos, sob uma ótica hartiana: a qualidade da decisão de acolher e rejeitar argumentos de forma exauriente encontra-se na dimensão interna, ou seja, está relacionada à possibilidade de completude e inteligibilidade do discurso jurídico.283 Por outro lado, o requisito da referida potencialidade de se firmar como um paradigma de orientação está relacionado à dimensão externa, pois sua constatação depende mais do tribunal que proferiu a decisão e de uma constatação de eficácia social do que, propriamente, das qualidades da decisão MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 215. 280 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 216. 281 PUGLIESE, William Soares. Teoria dos Precedentes e Interpretação Legislativa. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011, p. 80 e ss. 282 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 216. 283 Ver, neste sentido, HART, H. L. A. The concept of Law. 3ª Ed. Oxford: Oxford University Press, 2012; SHAPIRO, Scott J. What Is the Internal Point of View? 75 Fordham L. Rev. 1157, 2006. 279 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 225 judicial. Em outras palavras, esta característica, quando vista de modo isolado, significa que pode se tornar um precedente qualquer decisão, desde que proferida por um tribunal de alta hierarquia e de sua aplicação posterior pelos demais magistrados. É justamente esta a hipótese que se pretende apresentar e discutir no presente artigo: como se classifica e quais são os efeitos de uma decisão argumentativamente pobre mas com potencial de generalidade? Ou, de modo ainda mais objetivo, como tratar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que não apreciou todos os argumentos necessários para concluir a análise da questão, mas ainda assim passa a ser aplicada pelos demais magistrados e h “ ”? Infelizmente, esta hipótese não se verifica apenas na teoria, como se observa no seguinte julgado: AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. PENSÃO VITALÍCIA. SERVIDOR PÚBLICO. MAIS DE UM BENEFICIÁRIO HABILITADO. DIVISÃO EM COTAS-PARTES IGUAIS. ART. 218, § 1º, DA LEI Nº 8.112/90. Nos termos dos arts. 217 e 218, § 1º, ambos da Lei nº 8.112/90, havendo mais de um beneficiário habilitado à percepção do benefício de pensão por morte de servidor público, o rateio deste será feito em cotas-partes iguais. Agravo regimental desprovido.284 A decisão acima é responsável por um fenômeno pouco conhecido, inesperado e temerário que pode ser assim sintetizado: após o falecimento do servidor público, todos os beneficiários da pensão por morte do de cujus dividem o benefício em partes iguais, sem consideração dos valores percebidos antes da morte. Na prática, o resultado é o de que um dos beneficiários pode ser “ ” ã enquanto outro deverá suportar a dor de perder o companheiro e grande parte da renda familiar. O caso julgado não só decidiu uma situação concreta mas também firmou o entendimento do STJ a respeito do tema, e por consequência determinou o rumo a seguir de toda a jurisprudência. Apesar disso, de todos os argumentos e fundamentos que mereciam ser considerados no caso, a corte utilizou apenas um: a literal aplicação de dispositivo legal. BRASIL. STJ. AgRg no REsp 827.143/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2006, DJ 05/02/2007, p. 358. 284 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 226 Tem-se aqui, lamentavelmente, uma decisão exatamente como a concebida na hipótese acima firmada, ou seja, destituída de fundamentação mas com amplo potencial para ser seguida. Aliás, é o que o próprio STJ vem praticando: DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. PENSÃO POR MORTE. MAIS DE UM BENEFICIÁRIO HABILITADO. DIVISÃO EM PARTES IGUAIS. ART. 218, § 1º, DA LEI 8.112/90. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Nos termos dos arts. 217 e 218 da Lei 8.112/90, havendo a habilitação de vários titulares à pensão vitalícia (no caso viúva e exesposa separada judicialmente, com percepção de pensão alimentícia), o valor do benefício deverá ser distribuído em partes iguais entre eles. Precedentes do STJ. 2. Recurso especial conhecido e provido. 285 ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR MORTE DE MAGISTRADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI N.º 8.112/90. BENEFICIÁRIAS LEGALMENTE HABILITADAS. RATEIO EM PARTES IGUAIS. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. 1. A Agravante não trouxe argumento capaz de infirmar as razões consideradas no julgado agravado, razão pela qual deve ser mantido por seus próprios fundamentos. 2. Diante da ausência de previsão expressa na Lei Orgânica da Magistratura Nacional acerca do presente tema, é cabível a aplicação analógica do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União – Lei n.° 8.112/90. 3. Nos termos do art. 217 c.c.o 218, § 1.° da Lei n.º 8.112/90, a divisão da pensão vitalícia entre as beneficiárias habilitadas deve ser feita em partes iguais. Precedentes. 4. Agravo regimental desprovido. Petição n.º 204868/07 não conhecida.286 Uma vez constatado que uma decisão com fundamentação deficitária alcançou o status de precedente, como mencionado pelas decisões do próprio STJ, passa a ser imprescindível sua análise. Destaque-se, porém, que comentar uma decisão judicial não significa um ataque pessoal ao relator ou ao tribunal responsável pelo julgamento. Pelo contrário, este é um dos papeis da doutrina,287 que deve se manter atenta às decisões em busca do constante aprimoramento do Direito. BRASIL. STJ. REsp 721.665/RJ, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 08/05/2008, DJe 23/06/2008 286 BRASIL. STJ. AgRg no RMS 24.098/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 26/06/2008, DJe 04/08/2008. 287 Sobre o tema ver: RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Dogmática e crítica da jurisprudência (ou da vocação da doutrina em nosso tempo). Revista dos Tribunais. v. 891. São Paulo, 2010, p. 65-106; SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 33 e ss. 285 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 227 Para cumprir seu objetivo, o artigo apresentará de forma breve as circunstâncias que deram origem ao caso e às razões que fundamentam o acórdão. Em seguida, serão considerados outros fundamentos ignorados pelo Tribunal e sumariamente excluídos do âmbito de conhecimento da decisão. Ao final, será considerada a validade da definição de precedente diante do caso em apreço com vistas à necessidade de mudança de postura diante das decisões judiciais quando precedente não reflete entendimento adequado. 2. Breve exposição do REsp 827.143/DF No ano de 2006, foi distribuído à Quinta Turma do STJ o recurso especial 827.143/DF, que teve como relator designado o Min. Felix Fischer. A recorrente questionava a aplicação literal dos artigos 217 e 218, ambos da Lei 8.112/91, que determina a divisão em partes iguais da pensão por morte do servidor público. No caso concreto, a recorrente era a companheira do de cujus que viveu a seu lado até o último dia; do outro lado, encontrava-se a ex-esposa, que percebia 13% (treze por cento) de seus vencimentos em vida, percentual definido por decisão judicial. Monocraticamente, o relator considerou apenas que a ex-esposa do de cujus recebia pensão alimentícia por conta do divórcio e que, por consequencia, era titular da pensão vitalícia juntamente com a companheira do servidor falecido. Por conta disso, aplicou a literalidade da lei ("ocorrendo habilitação de vários titulares à pensão vitalícia, o seu valor será distribuído em partes iguais entre os beneficiários habilitados") e decidiu que a pensão fosse rateada entre as duas beneficiárias, companheira e ex-esposa. Provocado por agravo regimental a levar o caso para o colegiado, o Ministro relator apresentou seu voto, fundamentalmente idêntico à decisão monocrática e com ele votaram os demais ministros. Note-se, portanto, que não houve qualquer dissidência no julgamento. Em uma última tentativa, a recorrente opôs embargos de declaração questionando que o acórdão "teria dado tratamento igual a duas beneficiárias de pensão que se encontram em situações jurídicas distintas relativamente ao de cujus". O que a recorrente pretendia, aqui, era demonstrar que uma das pensionistas teria uma evidente diminuição de seu padrão de vida enquanto a Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 228 outra receberia um aumento da pensão e que estas duas consequências teriam como origem a morte de um indivíduo. Ao julgar os embargos de declaração, os argumentos do recurso foram novamente afastados e não apreciados, sob o exclusivo fundamento de que a legislação aplicável à espécie regula o tema de forma cogente e impõe a divisão da pensão em partes iguais. Esta decisão, que aplicou friamente o texto da lei sem considerar os argumentos da parte recorrente e sem observar os efeitos produzidos pelo entendimento tomado, tornou-se o precedente firmado pelo STJ a respeito da matéria. Neste sentido, passou a ser amplamente aplicado pelos tribunais brasileiros que reduziram a pensão de uns e ampliaram a de outros, com fundamento na morte de um servidor público. O caso narrado suscita ao menos duas questões. A primeira diz respeito aos riscos de se firmar um precedente sem ampla discussão das questões em juízo. A segunda volta-se, justamente, aos fundamentos não considerados pela corte: segurança jurídica, autonomia privada, o enriquecimento a partir da morte de uma pessoa, dentre outros. Os itens seguintes apresentarão tais argumentos com a intenção de demonstrar que o caso em análise tem uma dimensão muito mais ampla e que a ele não é adequado a simples aplicação do texto legal. Ao final, retorna-se à primeira pergunta, se os precedentes firmados sem discussão aprofundada podem ser considerados pelos tribunais e se vinculam os demais juízes e o jurisdicionado. 3. Ausência de respeito à segurança jurídica Não foi apenas o julgado, mas é possível afirmar que o próprio artigo 218, §1º da Lei 8.112/1990 desrespeita a garantia de constitucional da segurança jurídica, especialmente nos planos da coisa julgada e do ato jurídico perfeito. Neste sentido, a exigência literal da norma não pode prevalecer diante das decisões proferidas e transitadas em julgado. Afinal, as decisões dos juízos de família costumam são mais acuradas do que a previsão geral da Lei 8.112/90, uma vez que para definir o valor dos alimentos leva-se em consideração as necessidades e possibilidades dos envolvidos. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 229 A legislação previdenciária, ao definir um único critério para a divisão da pensão por morte, deixa de observar que o caso pode ter sido previamente analisado pelo Judiciário e ter uma decisão coerente e adequada regulando-o. Vale destacar, aqui, que a no mesmo período que o precedente do STJ foi firmado haviam outros entendimentos a respeito da matéria. Dentre as decisões então proferidas, destaca-se a seguinte: ADMINISTRATIVO. RATEIO DE PENSÃO POR MORTE ENTRE A VIÚVA E EX-ESPOSA. PENSÃO ALIMENTÍCIA DEVIDA À EXESPOSA FIXADA POR SENTENÇA DO JUÍZO DE FAMÍLIA. RESPEITO À COISA JULGADA. INTELIGÊNCIA DOS ART. § 1º ART. 128 DA LEI 8.112/90 e § 2º ART. 76 DA LEI 8.213/91. Recurso de apelação interposto para reformar a sentença que manteve a divisão igualitária de pensão por morte de servidor entre a viúva e a ex-esposa. A interpretação da norma deve ser feita no sentido de adequá-la à coisa julgada, expressa na sentença proferida pelo Juízo de Família, que fixou os alimentos devidos à ex-esposa em observância às necessidades da mesma. Reforma da sentença para que o rateio respeite os alimentos fixados em ação própria, devendo a viúva ç .R .”288. Além dos casos transitados em julgado, também é importante considerar que após a Lei 11.441/2007, os divórcios de casais sem filhos menores de idade podem ser realizados por escritura pública, na qual pode haver estipulação de pensão alimentícia. O divórcio direto assinado pelas partes é um caso de ato jurídico perfeito, assim definido o ato realizado e acabado de acordo com a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Se este ato seguiu os requisitos formais para gerar a plenitude de seus efeitos, ele se torna perfeito. A este respeito, vale destacar os requisitos legais exigidos pelo art. 1.124-A, do Código de Processo Civil, incluído pela Lei 11.441/2007: Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. Por outro lado, a Lei 8.112/90 considera todo cônjuge que percebe alimentos como beneficiário vitalício. Independentemente da origem – se por decisão judicial ou por escritura –, a sorte dos alimentandos também é alterada BRASIL. TRF da Segunda Região; Apelação Cível – Processo n. 1999.51.01.059876-0; Oitava Turma Especializada; Relatora Juíza Maria Alice Paim Lyard; 26/09/2006. 288 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 230 pelo falecimento do servidor público, sendo sempre divididas em partes iguais. Portanto, pelo entendimento do STJ, nem a coisa julgada nem o ato jurídico perfeito sobrevivem diante da conversão da pensão alimentícia em pensão por morte. Não por acaso, é razoável sustentar que a interpretação da norma prevista no art. 218, §1º, da Lei 8.112/90 poderia ser interpretada à luz da coisa julgada e do ato jurídico perfeito, de modo que a divisão em partes iguais fosse aplicada apenas na hipótese de não haver previsão anterior a respeito da divisão das quotas da pensão. Nos demais casos, por força do princípio da gravitação jurídica, a pensão por morte (assessória) segue a sorte da pensão alimentícia (principal). 4. Respeito ao princípio da autonomia privada Da mesma forma que a decisão em comento não respeitou a exigência constitucional de preservação da segurança jurídica, a aplicação irrazoada do art. 218, §1º, da Lei 8.112/1990, também viola a autonomia privada. Entendida como o poder que os particulares têm de regular, pelo exercício de sua própria vontade, as relações de que participam289, esta garantia parte do pressuposto que as normas jurídicas de natureza patrimonial são disponíveis. Desta forma, na hipótese em que as partes estipulam consensualmente, mediante acordo judicial ou extrajudicial, os valores da pensão alimentícia, não cabe à legislação previdenciária impor uma modificação na relação jurídica previamente consolidada. Também, se o quantum fixado pelo magistrado não for impugnado, parte-se da premissa que houve concordância de ambas as partes ou a conformação com o resultado da demanda. Destaque-se, ainda, que a manutenção da divisão dos valores da pensão nos moldes fixados ainda em vida não importa em qualquer prejuízo para os cofres públicos. Trata-se, simplesmente, de uma revisão da interpretação da legislação, beneficiando a parte que mais necessita com um valor proporcionalmente maior. AMARAL, Francisco. Direito Civil: Introdução. 5ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 347. 289 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 231 5. Respeito ao princípio da boa-fé e vedação do venire contra factum proprium Tem-se como um princípio geral do Direito Civil, mais especificamente do Direito Obrigacional e da Boa-fé no Direito Privado, a regra de que a ninguém é dado agir contra um fato previamente praticado – nemo potest venire contra factum proprium290. Quer isto dizer que na medida em que a parte eventualmente concorda com um determinado pensionamento quando da assinatura do divórcio, não tem o direito de pleitear sua revisão simplesmente porque a parte alimentante faleceu. Sabe-se que a matéria de alimentos admite revisão a qualquer tempo. No entanto, essa revisão deve ser fundamentada em uma mudança de estado posterior ao momento em que o pensionamento foi fixado, caso contrário, incide sobre o caso a proteção da coisa julgada ou do ato jurídico perfeito. Se algum fato tivesse prejudicado a situação econômica de uma das partes, caberia ajuizar uma ação de revisão de alimentos, medida processual adequada para rever esse valor. Sendo assim, não se observa qualquer fundamento para que o valor seja dividido entre dois pensionistas de forma absolutamente igual. 6. Enriquecimento sem causa D . 884 Có C “[ ]q q causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o z çã ”. T -se da definição de enriquecimento sem causa. No presente caso, deve ser problematizado o fato de que subitamente haverá uma alteração radical no quantum da pensão alimentícia justamente no momento de fragilidade de um parente próximo. Enquanto uma parte verá seus Nesse sentido, ver SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 290 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 232 proventos reduzidos, a outra perceberá considerável aumento injustificado. O fato descrito pode, assim, configurar o enriquecimento sem causa. Talvez o ponto mais sensível seja que a leitura literal do art. 218, §1º, da Lei 8.112/1990 conduz ao seguinte resultado paradoxal: para uma das partes, geralmente a que menos tinha vínculo, a morte do servidor terá natureza premial. O que deve pesar para o órgão previdenciário, ao analisar a divisão da pensão, são os princípios norteadores da família e da dignidade da pessoa humana. Desta forma, a divisão das cotas de pensão deve ser realizada sem conferir a nenhum dos beneficiários qualquer tipo de vantagem exagerada. Neste sentido, apresenta-se outra decisão que apreciou caso semelhante em que acertadamente se refutou a interpretação literal do art. 218, §1º, da Lei 8.112/1990: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO E. TRF 2A REGIÃO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO DE PENSÃO ESTATUTÁRIA DE JUIZ FEDERAL. DIVISÃO ENTRE A EX-ESPOSA, VIÚVA E COMPANHEIRA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO A DIREITO LÍQUIDO E CERTO DAS IMPETRANTES. 1. Decisão do Conselho de Administração deste E. TRF da 2a Região concedendo pensão vitalícia por morte de magistrado à ex-esposa e à viúva, mantendo o percentual já auferido pelas Impetrantes a título de alimentos, destinando o percentual restante à companheira que manteve com o falecido entidade familiar até o seu óbito. 2. Ato administrativo que rende homenagem aos princípios consagrados na Constituição Federal de proteção à família, mormente considerando a realidade fática. Manutenção por seus próprios fundamentos. 3. Interpretação funcional e teleológica do art. 218, § 1º da Lei nº 8.112/90, em consonância com os princípios norteadores da ordem constitucional. 4. Ausência de violência a direito líquido e certo das Impetrantes, que não tiveram qualquer alteração fática, no que tange à necessidade do pensionamento, em razão do falecimento do instituidor do benefício. 5. Denegação da Ordem.291 Também merece destaque julgado do ano de 2005, portanto anterior ao “ ” STJ q z ã para o patamar que orientou o pagamento dos alimentos em vida. Além de constar na própria epígrafe deste artigo, destaca-se o seguinte trecho: "O só fato de ser cônjuge não pode fazer com que se majore uma pensão por ocasião da morte do segurado, além daquilo que necessitava o outro cônjuge que antes vivia sob dependência 291 BRASIL. TRF2, MS 20030201006967-4/RJ, Rel. Juiz Federal Paulo Barata, DJ 24/11/2006. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 233 econômica dele. Assim como não será o fato de ser companheira, que acarretará a majoração do percentual que recebia em vida, de alimentos incidentes na aposentadoria do segurado, se era este o percentual que cobria a necessidade econômica da referida h ”.292 Igualmente nesta tônica, desde 1998 já se encontravaM fundamentações semelhantes ao da decisão acima transcrita. Em caso levado a julgamento naquele ano, o Poder Judiciário entendeu que não admite à divorciada ter sua pensão majorada em razão do falecimento do instituidor, até porque não é viúva. Deveria receber a mesma proporção que recebia, a título de pensão, quando ainda em vida o alimentante 293. Ora, causa estranheza que nenhuma dessas decisões tenham sido mencionadas no julgado selecionado para comento. Ao contrário, o tom utilizado na decisão monocrática do AgRg no REsp 827.143/DF é de obviedade na aplicação da letra da lei. 7. Observância do princípio da distributividade na prestação O princípio da distributividade, próprio do Direito Previdenciário, refere-se à seleção das pessoas que deverão ser protegidas prioritariamente pela Seguridade Social. A preocupação relacionada à distributividade é a de atender, prioritariamente, aqueles indivíduos que estão em maior estado de necessidade. Em consonância com o princípio da distributividade, o TRF da Quarta Região já decidiu em sentido diverso do empregado pelo caso paradigma do STJ, embora a legislação interpretada tenha sido a de pensão de militares: ADMINISTRATIVO. MILITAR. PENSÃO. ORDEM DE PRIORIDADE. RATEIO. EX-ESPOSA, VIÚVA E FILHA. LEI 3.765/60. A parcela deixada à viúva se sujeita a rateio, com a ex-esposa pensionada ou companheira, eis que o direito de ambas origina-se da relação conjugal. A cota-parte da pensão devida à ex-esposa deve guardar proporção com os proventos que auferia quando o de cujus ainda era vivo, em face de acordo realizado por ocasião do divórcio. Consoante dispõe a legislação de regência, os filhos oriundos de outro matrimônio, ou de outro leito, fazem jus à metade da pensão. BRASIL. TRF2, AC 20025101503923-2/RJ, Rel. Juiz Federal Abel Gomes, DJU 08/08/2005. BRASIL. TRF4; Apelação Cível – 1996.0446149-4; Terceira Turma; Rel. Juíza Maria de Fátima Freitas Labarrére; DJU: 25/11/1998. 292 293 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 234 Portanto, a metade da filha não pode ser alcançada para fins de rateio com a mãe.294 Desta forma, em conformidade com o princípio da distributividade e por força do direito fundamental à igualdade, parece adequada a interpretação segundo a qual o pensionamento do ex-cônjuge deve ser proporcional aos proventos que recebia quando o de cujus era vivo. No direito brasileiro, à luz do princípio da justiça distributiva, o princípio da isonomia deve ser lido com vistas ao alcance de uma igualdade material que leve em conta a situação fática, e não uma mera igualdade formal e matemática. É o que considerou o TRF2, em decisão que desafiou o precedente do STJ: DIREITO ADMINISTRATIVO – PENSÃO ESTATUTÁRIA – DIVISÃO ENTRE VIÚVA E EX-ESPOSA DIVORCIADA – COTA-PARTE CALCULADA DE ACORDO COM O PERCENTUAL FIXADO JUDICIALMENTE NA AÇÃO DE ALIMENTOS. I - Trata-se de ação na qual a autora, viúva, objetiva a majoração do percentual de sua pensão vitalícia de 50% para 85%, tendo em vista que a segunda ré, ex-esposa divorciada, era beneficiária da pensão alimentícia de 15% dos vencimentos do falecido instituidor da pensão; II - Tendo sido fixada pensão alimentícia por sentença judicial para a ex-esposa, os parâmetros adotados naquela decisão devem ser respeitados no cálculo da pensão vitalícia, de forma a garantir o sustento da dependente dentro dos limites da obrigação do ex-marido çã . T z ó í “ ” I, do art. 217, da Lei 8.112/90, que indica a necessidade de se respeitar a decisão judicial que estipulou alimentos a favor da ex-esposa. Precedentes desta Corte; III - Recursos e remessa a que se nega provimento.295 Como se vê, algumas decisões mais recentes indicam que o art. 218, §1º, não deve ser interpretado de forma literal. Esta observação reacende a esperança de que o Poder Judiciário tem condições de examinar criticamente a sua própria produção, sempre em busca do aprimoramento das interpretações e do esgotamento dos argumentos das partes. 8. Conclusão BRASIL. TRF Quarta Região; Apelação Cível n. 2001.04.01.078846-7/RS; Terceira Turma; Relatora Juíza Taís Schilling Ferraz, 30/02/2002. 295 BRASIL. TRF2. AC 200651020001587. Sexta Turma Especializada. Rel. Juíza Carmen Silvia Lima De Arruda. J. 08/09/2010. 294 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 235 Após a detida análise do caso selecionado para análise, é chegada a hora de se retornar à lição de Marinoni: precedente é a decisão judicial com (i) potencialidade de se firmar como paradigma para a orientação dos jurisdicionados e dos magistrados e que (ii) enfrente todos os principais argumentos relacionados à questão de direito posta na moldura do caso concreto. A hipótese suscitada para desenvolvimento do trabalho era a de investigar a natureza do ato judicial dotado apenas da primeira característica. Seria a decisão dotada apenas da pretensão de universalidade um precedente? É pouco mais do que evidente que não. Caso um ato dotado de simples autoridade e generalidade tivesse, por si só, o condão de ser integrado ao ordenamento jurídico, qualquer ato normativo aprovado pelo Poder Legislativo e regularmente sancionado pelo Executivo seria válido, inclusive uma lei que autorizasse a tortura, outra que regulasse atos de racismo e uma terceira que conferisse a onze pessoas poder absoluto sobre o Estado. Pior: as três leis cogitadas poderiam, neste caso, ter validade e eficácia pelo simples fato de existirem, sem qualquer fundamentação ou justificativa. O mesmo raciocínio se aplica à formação dos precedentes. Não é suficiente que uma decisão judicial tenha sido proferida por um dos tribunais superiores. Para que ela alcance o patamar de um verdadeiro precedente, o tribunal deve examinar exaustivamente os argumentos, considerar todas as teses levantadas e todos os possíveis resultados do julgamento. Não basta, assim, que repita o texto legal. Afirmar o contrário e chamar de precedente uma decisão destituída de fundamentação é mais do que se afastar do conceito. Ao decidir de modo sintético, como fez o STJ, a decisão se mostra em descompasso com os ditames da legislação processual (seja do Código de 1973, em seu artigo 458, II, bem como do Código vindouro) como também à Constituição da República de 1988, especialmente o art. 93, IX. Na hipótese em que a fundamentação é insatisfatória, as decisões não podem ser tratadas como precedentes. Insistir nesta tese é condenar o Estado brasileiro a um ciclo de incertezas e à pobreza argumentativa. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 236 PARECER CONTRATO DE DE SEGURO. SUICÍDIO DO SEGURADO. ART. 798, CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO. DIRETRIZES E PRINCÍPIOS DO CÓDIGO CIVIL. PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. Judith Martins-Costa1 Sumário. I. Consulta. II. Parecer. A) D í “ ” hipótese do suicídio do segurado (i) Do Seguro como Contrato Comunitário. (ii) D í q ã “ ” ã . B) D çã matéria no Código Civil de 2002. (i) Do art. 798: a diretriz da operabilidade e o é “S C ” h A e no Projeto de Código Civil. (ii) Da interpretação do art. 798 do Código Civil em vista do sistema civil e constitucional, e de seus princípios e valores. III. Das Conclusões sintéticas. I. Consulta O ilustre Colega, Doutor Moulin Vert, procurador da Seguradora Pamplemousse, dá-me a honra de formular Consulta acerca da interpretação a ser conferida ao texto do art. 798 do Código Civil de 2002, versando sobre o Livre Docente e Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Lecionou entre 1992 e 2010 na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), nos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado, as disciplinas: Direito Civil (Parte Geral, Obrigações e Contratos); Fundamentos Culturais do Direito Civil; Direito Comparado e História do Direito. É atualmente Professora Colaboradora no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina da UFRGS e profere palestras em Universidades brasileiras e estrangeiras. Escreveu, entre outros, os livros: A Boa-Fé no Direito Privado (1999); Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro (2002); Comentários ao Novo Código Civil - Do Adimplemento das Obrigações (2005); Comentários ao Novo Código Civil - Do Indimplemento das Obrigações (2009); Narração e Normatividade (org., 2012); Modelos do Direito Privado (org., 2014). É Presidente do Comitê brasileiro da Association Internationale des Sciences Juridiques e Vicepresidente do Instituto de Estudos Culturalistas (IEC).Também atua como Árbitra e Parecerista em litígios civis e comerciais no Brasil e no Exterior. 1 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 237 “ z ” q suicídio do segurado. A Consulta vem formulada nos seguintes termos: "Senhora Professora, Na qualidade de procurador da Seguradora Pamplemousse, vimos consultar V. Senhoria acerca da interpretação a ser conferida ao art. 798 do Código Civil de 2002. Nesse sentido, pediríamos a atenção de V. Senhoria em especial para os seguintes tópicos: a) A evolução legislativa do CC, tanto omissiva como comissivamente, no que se refere ao pré-falado artigo 798 do CC, admite a conclusão de presunção absoluta de suicídio premeditado no biênio pós-contratação ou recondução? b) A recepção do Substitutivo de lei do Eminente Mestre Fábio Konder Comparato, municiado da sua indiscutível exposição de motivos, e consagrada, positivamente, na derradeira exposição de motivos do CC, da lavra do Eminente Mestre Miguel Reale, admite, no que se refere ao artigo 798 do CC, a conclusão de presunção absoluta de suicídio premeditado no biênio pós-contratação ou recondução? c) A não-recepção do Esboço ou Anteprojeto do CC de 1965, no que se refere ao artigo 798 do CC, prejudica a aceitação, para fins de norte da doutrina do Eminente Mestre Caio Mario da Silva Pereira? d) As súmulas 105 do STF (que inclusive despreza a carência, reconhecida nos artigos 797 e 798 do CC) e 61 do STJ, amplamente conhecidas na gestação CC q “ ô ” í doravante e durante o hiato do artigo 798 do CC? e) O artigo 798 do CC, cuidando do suicídio, sem qualquer indexação, h çã (“ ”) Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 çã 238 Código Beviláqua e com o Anteprojeto de 1965, admite a conclusão de presunção absoluta de suicídio premeditado no biênio pós-contratação ou recondução? f) A çã E CC “ 798 ” P CC “ ” L ã mens legis (não se falando da discricionariedade propiciada pelas cláusulas abertas), em vertente hermenêutica, pelo Poder Judiciário? g) A ruptura legislativa do CC de 2002, lançando idéia inédita na discussão quanto ao suicídio (artigo 798 do CC), admite a manutenção/utilização do mesmo universo/desfecho jurisprudencial de outrora, antes do seu nascimento? h) A çã h “ ó ” 798 CC banimento ou o seu endereçamento ao beneficiário? i) O entendimento de presunção relativa de suicídio premeditado, a partir e com é 798 CC “ ” considerando a perpetuação do tormentoso ônus da carga dinâmica das provas? Esses motes, resumidos, são alguns vetores, sem embargo de outros, para o pleno exercício e fomento intelectual de V.Exa., preambularmente, apenas no que se refere à decisão de enfrentamento, formal, da quaestio. Acompanha esta: (i) cópia do substitutivo de lei do Eminente Mestre Fábio Konder Comparato; (ii) cópia do acórdão proferido pelo TJRS; (iii) indicações doutrinárias. No mais, insistimos no agradecimento pela disponibilidade, cordialidade e, sobretudo, sinceridade de V.Exa., a quem rendemos, independente do parecer pretendido, as mais altas homenagens científicas, acadêmicas e profissionais. No vosso aguardo. Dr. Moulin Vert Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 239 Passo, em separado, a emitir o meu parecer. De Porto Alegre para o Rio de Janeiro, em 25 de junho de 2008, II. Parecer 1. O questionamento proposto pelo ilustre Consulente exige a apreciação prelim í “ ” q hipótese de suicídio do segurado tal qual regulado no art. 1.440, parágrafo único, do Código de 1916, origem da orientação sumulada indicativa da çã “ í ” “ í ” (P A). Subsequentemente deverei determinar o sentido e o alcance da regra do art. 798 do Código Civil de 2002 para o que se fará necessário buscar as suas raízes, trazendo à baila os critérios para a sua adequada interpretação (Parte B). Ultrapassados esses pontos poderei expressar, em modo conclusivo, as razões de minha convicção, respondendo aos quesitos propostos (Conclusão). A) Do modelo jurídico do “seguro de pessoa” e da hipótese do suicídio do segurado 2. O contrato de seg h “ ” classificação que pretende por em evidência a sua base transindividual, pois impensável seria o seguro na relação exclusivamente intersubjetiva (i). Dentre as hipóteses de seguro de pessoa está a que contempla o suicídio do segurado, tema a que subjaz à regulação legal uma perspectiva mais ampla, de ordem meta-jurídica (ii). (i) O Seguro como Contrato Comunitário. 3. Muito embora apresente peculiaridades relativamente aos seguros de danos, o seguro de pessoa não foge ao modelo geral do seguro como contrato tipicamente comunitário. Isto significa dizer que, d contraposição de interesses individuais Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 - - 240 z ( çã í çã .C í z O í ) B S “um sistema de poupança, ou de economia coletiva, impensável quando ajustado individualmente2”. 4. Todo e qualquer contrato constitui, nas conhecidas palavras de Enzo Roppo3, a veste “ jurídica ” de determinada í operação ã é econômica. A ô dimensão í pelas letras dos textos legais ou dos livros de doutrina, antes refletindo uma ó “uma realidade de interesses, de relações, de situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumpre, de diversas maneiras, uma função instrumental4”. Assim sendo, falar em contrato significa, “explícita ou implicitamente, direta ou indiretamente, para a idéia de operação econômica5”. 4.1. A operação econômica que está na base dos diferentes tipos contratuais é apreendida, no Direito, pela idéia de causa, ao sentido que dá a essa expressão Emílio Betti6, isto é, determinada função econômico-social que o particulariza frente aos demais tipos contratuais, refletindo determinado escopo prático típico que governa a circulação de bens e a prestação dos serviços, conforme D .A é çã “razão prática típica que lhe é imanente (...) um interesse social objetivo e socialmente verificável” 7, ao qual o negócio deve corresponder. 2BAPTISTA DA SILVA, Ovídio, Natureza Jurídica do Monte de Previdência, in Anais do II Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho, Porto Alegre, novembro de 2001, p. 105. 3ROPPO, Enzo, O Contrato, tradução de COIMBRA, Ana, e GOMES, Januário, Coimbra, Almendina, 1988. 4ROPPO, Enzo, O Contrato, tradução de COIMBRA, Ana, e GOMES, Januário, Coimbra, Almendina, 1988, p. 7. 5ROPPO, Enzo, O Contrato, tradução de COIMBRA, Ana, e GOMES, Januário, Coimbra, Almendina, 1988 p. 8. 6BETTI, Emilio, Teoria Geral do Negócio Jurídico, Tomo I, tradução de MIRANDA, Fernando, Coimbra, Coimbra Editora, 1969, p. 333 e ss. 7BETTI, Emilio, Teoria Geral do Negócio Jurídico, Tomo I, tradução de MIRANDA, Fernando, Coimbra, Coimbra Editora, 1969, p. 334. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 241 4.2. Assim sendo, para compreender a causa, ou função social típica do contrato de seguro, é preciso, como pressuposto iniludível alcançar a idéia que lhe subjaz orientando teleológicamente a sua função. Essa é, justamente, a idéia de relação jurídica comunitária expressa pela técnica do mutualismo e revelada pela obrigação principal do segurador, de garantir risco previamente determinado, mediante o pagamento de um prêmio, como ora está no texto do art. 757 do Có C (“ çã ”). 5. A noção de comunidade subjaz ao contrato de seguro, em primeiro lugar, porque este é um mecanismo de diluição de riscos e sempre que há um risco, seja provocado por acidentes naturais, seja pela vida em sociedade, os homens cuja existência “n‟est que une quête de securité 8” - esperam estar mais bem protegidos se reagrupando. 5.1. Na impossibilidade de eliminar os riscos, busca-se, pelo seguro, oferecer paliativos às suas conseqüências, mediante a diluição dos seus efeitos. E diluir significa, como express V q N “se regrouper pour constituer une collectivité, repartir sur plusieurs ce que quelques uns ont subi”9. 5.2. Uma coletividade não é formada, todavia, pela mera soma de individualidades, já tendo percebido a filosofia grega que o todo não é apenas a mera soma das partes: no todo, há um plus que se agrega, e este é o interesse comum ao grupo ou a coletividade de interessados. Esse interesse é inconfundível com cada interesse isoladamente considerado. É justamente a existência de um interesse comum a todos os membros que conduz à idéia de é “ ” a visualização do interesse contratual típico, qualificador do seguro como tipo contratual. Interesse - ensina a etimologia - é o inter est, o quid que está entre a 8NICOLAS, Véronique, Essai d‟une nouvelle analyse du contrat d‟assurance, Paris, LGDJ, 1996, p. 11. Em tradução livre : « é q ç ”. 9NICOLAS, Véronique, op. cit., p. 11. Em tradução livre: « reagrupar-se para constituir uma coletividade, repartir sobre muito q q ”. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 242 pessoa (o credor) e o bem, tendo em vista a necessidade ou a utilidade que pode ser proporcionada por aquele bem10. 5.3. Esse modelo contratual não se iguala àqueles outros baseados na contraposição de interesses individuais. Por isso mesmo, é preciso – principalmente no plano hermenêutico - compreender o contrato de seguro como um arranjo jurídico-econômico distinto dos vínculos bilaterais que unem indivíduos isolados e cujos interesses são contrapostos. É que, no contrato de seguro a idéia de comunidade reside em sua própria natureza, consistindo, z C P “uma técnica a serviço do interesse geral”11 estruturada sobre a base econômica comunitária apreendida pela técnica jurídica por meio do mecanismo do mutualismo. 6. O mutualismo é um mecanismo econômico e contábil no qual assentada toda a técnica do seguro como operação jurídico-econômica. Partindo-se do pressuposto de que é mais fácil suportar coletivamente as conseqüências danosas dos riscos individuais do que suportá-las sozinho, distribui-se, "pulveriza- ” ã todos os participantes da operação o prejuízo patrimonial do dano, o que é feito por meio do mutualismo. Esse mecanismo, afirma STiglitz12 e explicitam Tz k O “linha mestra da estruturação jurídica da operação securitária”13. Para esses autores, com efeito, “a função social do seguro revela-se de forma cristalina: garantir, com o auxílio de muitos, que a desorganização que atingiu a uns poucos possa ser superada. Satisfaz-se o interesse de todo o ´sistema´ em questão, uma vez que as relações podem ]é ” J ã C ã é“ q considera útil, isto é, apto a z ”. (CALVAO DA SILVA J ã . Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória. 4ª ed. Coimbra, Almedina, 2002, p. 61 e nota 121). 11CALMON DE PASSOS, J. J, A atividade securitária e sua fronteira com os interesses trasindividuais – responsabilidade da SUSEP e competência da Justiça Federal, RT 763, p. 97. 12STIGLITZ, Rubén S. Derecho de Seguros, T. I, Buenos Aires, Abeledo Perrot, 3ª edição atualizada, 2001, p. 27. 13TZIRULNIK, Ernesto, e OCTAVIANI, Alessandro, Fraude contra o seguro, Revista dos Tribunais v. 722, p. 12. 10 “A q G q [ q Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 243 continuar a se desenvolver, de tal forma que praticamente não sejam sentidas as qü ”14. 6.1. Direcionado pelos valores jurídicos do interesse comum e da função social do contrato, o mutualismo é estruturado consoante modelos matemáticos que determinam preços, estabelecendo equilíbrio entre as receitas e despesas de um plano de seguro por um período de cobertura determinado15 (“ ”). O é custos entre os segurados e patrocinadores dos planos de seguros16. Conforme se trate de seguro de danos ou de pessoas será diversa a equação, havendo ainda distinções entre as espécies, pois no seguro para o caso de morte (incluso aos seguros de pessoas) o risco é a morte do segurado, sendo o prêmio estipulado de acordo com a taxa de mortalidade de pessoas com condições normais de saúde17 q “ ” 18. 6.1.1. Essa é a equação que subjaz à obrigação de garantia que é a obrigação (“ çã ”) contrato de seguro, definindo a sua configuração típica19 e correspondendo diretamente ao direito de crédito atribuído ao credor (segurado ou beneficiário). 14TZIRULNIK, Ernesto, e OCTAVIANI, Alessandro, Fraude contra o seguro, Revista dos Tribunais v 722, p. 12.. 15 BERTOCHE FILHO, Adolpho et. al. Seguros de Pessoas: Vida individual, vida em grupo e acidentes pessoais. Rio de Janeiro: Funenseg, 2004. p.30. 16 SOUZA, Antonio Lober Ferreira de. et. al. In Dicionário de Seguros. RJ: Funenseg, 2000, p. 98. 17 BERTOCHE FILHO, Adolpho et. al. Seguros de Pessoas: Vida individual, vida em grupo e acidentes pessoais. Rio de Janeiro: Funenseg, 2004. p. 23. 18Assim entendida como o instrumento básico utilizado pelo atuário para medir a probabilidade de morte. Conforme explica BERTOCHE, em sua forma mais elementar, a tábua de mortalidade é uma tabela que registra – partindo de um grupo inicial de pessoas de mesma idade e sexo – o número daquelas que vão atingindo, sucessivamente, as idades subseqüentes, é çã ”. BERTOCHE FILHO A h . . Seguros de Pessoas: Vida individual, vida em grupo e acidentes pessoais. Rio de Janeiro: Funenseg, 2004, p. 27. 19 A çã ú “ çã ” (ALMEIDA COSTA Mário Júlio, Direito das Obrigações, 10ª edição, Coimbra, Almedina, 2006, p.p. 75-80), pois está voltada a realizar os interesses d çã (“ çã ”). N sentido CARNEIRO DA FRADA, Manuel,Contrato e Deveres de Proteção, Coimbra, 1994, Separata do vol. XXXVIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 37 e o meu: MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil- Do Adimplemento das Obrigações. Tomo I. Rio de Janeiro, Forense, 2ª edição, p. 45-51. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 244 6.2. A obrigação de garantia, no seguro de pessoas, vincula o segurador a “ ó no caso de morte do contraente, ou de outrem (satisfeitos os pressupostos especiais), ou çã ” 20. Todo o equilíbrio do contrato (atingindo a comunidade segurada e não apenas à relação bipolar segurado-seguradora) repousa sobre a equação do mutualismo, na medida em que a garantia (constituinte da obrigação principal da seguradora) é viabilizada pelo fundo de previdência constituído pela poupança coletiva da comunidade segurada de cujo quantum “h ã z çõ ”21. 7. Do ponto de vista econômico, o mecanismo do mutualismo está assentado naquilo que no léxico securitário denomina- “surplus cooperativo”. 7.1. O sistema de Direito Privado requer dos privados – participantes ativos das dinâmicas do mercado, e, como tal, para tal se valendo do instrumento jurídico “ ” – que levem em conta o resultado global da operação econômica, e não apenas alguns dos seus aspectos parciais. 7.1.1. Como explicita Alberto Monti, trata-se de considerar o produto do interesse conjunto das partes contratantes, ainda que em prejuízo de eventuais vantagens imediatas (oportunistas) de caráter individual22. O surplus cooperativo explica, portanto, a razão pela qual certas desvantagens (assim tidas se adotada exclusivamente a ótica de um ou de alguns contratantes, individual e individualistamente considerada) serão, na verdade - se considerarmos o conjunto de contratantes - vantagens. Uma vantagem dada indevidamente a um só, ou a alguns, atingirá o surplus cooperativo, transmutando-se em desvantagem à comunidade de interesses envolvidos na relação securitária. PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro: Borsoi, 1964. v. 46, p. 3. DA SILVA, Ovídio, Natureza Jurídica do Monte de Previdência, in Anais do II Fórum de Direito do Seguro José Sollero Filho, Porto Alegre, novembro de 2001, pp. 105 e 106. 22 MONTI, Alberto. Buona Fede e Assicurazione. Milão, Giuffrè, 2002, p. 14. 20 21BAPTISTA Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 245 7.2. B “ çã ” q çã 23, tem, na relação contratual securitária, uma valência transindividual. Em outras palavras: aqui não se trata apenas da cooperação devida por um membro do conjunto social no interesse típico de outro membro do conjunto social, mas, igualmente, no interesse típico de um conjunto (o grupo segurado). 8. O mais relevante, para os fins do presente estudo é que esta acepção da idéia de cooperação, vinculada à causa ou função econômico-social do seguro, terá reflexos imediatos no plano da hermenêutica contratual, tanto na interpretação legal quanto na contratual. A interpretação concretizadora postulada pela unanimidade da doutrina contemporânea24 significa, justamente, a atenção, no momento aplicativo do Direito, aos dados de realidade normativa e fática envolvida no caso, evitando que o intérprete utilize os conceitos jurídicos como mera “ ”25, divorciadas da realidade que ao Direito é dado regular e ordenar. LARENZ, Karl. Derecho de Obligaciones. Tradução espanhola de Jaime Santos Briz. Madrid: EDERSA, 1958. Tomo I. p. 37-45. Acerca da relação obrigacional como um processo e como totalidade veja-se, além de COUTO E SILVA, Clóvis. A Obrigação como Processo. . Rio de Janeiro: FGV, 2006; ANTUNES VARELA, João de Matos. Das Obrigações em Geral. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1973. Vol. I.; CALVÃO DA SILVA, João.Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória. Coimbra: Almedina, 4ª. Edição, 2002, p.70-75; a crítica de MENEZES CORDEIRO, A. M. Direito das Obrigações. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980. v. 1; e ALMEIDA COSTA, Mário Júlio. Direito das Obrigações. 10ª ed. Coimbra: Almedina, 2006. Permito-me ainda referir o meu: Comentários ao Novo Código Civil - Do Adimplemento das Obrigações. Tomo I. Rio de Janeiro, Forense, 2ª edição, p. 27-60. 24 Exemplificativamente: KAUFMANN, Arthur e HASSEMER, Winifried (org.). Introdução à Filosofia do Direito e à Teoria do Direito Contemporâneas. Gulbenkian, Lisboa, 2002, pp. 381408; CASTANHEIRA NEVES, Antonio. Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais. Coimbra Editora. Coimbra,1993, p. 15; MULLER, Friedrich. Discours de la Méthode Juridique. Trad. fran. de Olivier Jouanjan. Paris. PUF, 1993, p. 221 e ss;. VIOLA, F., e ZACCARIA, F. Diritto e Interpretazione – Lineamenti di teoria ermeneutica del diritto. Roma: LATERZA, 1999, p. 428; ESSER, J. ESSER, Precomprensione e scelta del metodo nel processo di individuazione del diritto. Trad. de: Vorverständnis und Methodenwahl in der Rechtsfindung por Salvatore Patti e Giuseppe Zaccaria. Camerino : Edizioni Scientifiche Italiane, 1983, p. 4 e REALE, Miguel. A Teoria da Interpretação Segundo Tullio Ascarelli, in Questões de Direito, Ed. Sugestões Literárias, São Paulo, 1981, p. 9 e também em Diretrizes de Hermenêutica Contratual, in Questões de Direito Privado, São Paulo, Saraiva, 1997, pp. 1-19. Ainda GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2002, p.p. 72-73. Permito-me ainda lembrar do meu:MARTINS-COSTA, Judith. O Método da Concreção e a Interpretação dos Contratos: Primeiras Notas de Uma Leitura Suscitada Pelo Có C ”. In: SOTO COAGUILA, Carlos Alberto (org.). Tratado de la interpretación del Contrato en la América Latina. 1. ed. Lima-Perú: Editora Jurídica Grijley, 2007, v.1. p. 683-719. 25A ã “ ” COHEN F. S. El método funcional en el Derecho. Tradução espanhola de Genaro CARRIÒ. Abeledo-Perrot, Buenos Aires,1961, p. 55. 23 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 246 8.1. Para que possamos compreender os conceitos utilizados pelo Código ao regular a hipótese de suicídio do segurado - assim adotando uma interpretação concretizadora do art. 798 do Código Civil - é necessário desvendar os elementos da pré-compreensão que, na vigência do Código de 1916 embrulhavam a hermenêutica das regras legais atinentes ao contrato de seguro em uma verdadeira teia de considerações meta e extra-jurídicas. (ii) Do suicídio e da questão de sua “voluntariedade” ou não. 10. Segundo o filósofo e escritor Albert Camus “ ó h é : í ó ”26. Tema filosófico por excelência – e assim já discutido por Platão, no Fédon e nas Leis, justificado pelos estóicos, como Cécero e Sêneca, escolhido por Hume, no séc. XVII e tornando o centro da filosofia existencialista no séc. XX 27 - o suicídio interessa à religião, à antropologia, à sociologia, à literatura e à psicologia, cada um desses campos ó q ã “ ã ”28. Considerado paradoxalmente ato de coragem29 e de covardia30; glorificado como o resultado de uma mente sábia31 (então sendo tido, inclusive, como a “ çã h " í Schopenhauer), ou repudiado como produto de grave perturbação mental, “ q ”32; reputado pelos CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. São Paulo, Record, 2004, p. 17 27 Para uma síntese v. PAGENOTTO, Maria Lígia. Um Absurdo Razoável. Revista Filosofia, ano 1, n. 11, Ed. Escala, São Paulo, 2007, pp. 24 et seq. 28 CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. São Paulo, Record, 2004, p. 17 29 Catão, o Jovem (95-46 a. C) cometeu suicídio em nome da justiça e da liberdade para se opor ao Império Romano, assim como no séc. XX os monges vietnamitas se imolavam em protesto çã . N R ç M h M q “ hipótese, a morte pode por termo, quando bem nos pareça e cortar as amarras a todos os outros ” (F é L . I, Cap. XIX, in: MONTAIGNE, Michel. Ensaios. Seleção e tradução de J. M. Toledo Malta, Rio de Janeiro, José Olympio, 1961 p.30. 30 Assim Platão em As Leis, embora justifique, com quatro exceções, o cometimento de suicídio. 31 Os estóicos, como Sêneca, ju í q “ ã é ” ( V. PAGENOTTO M Lí . U A R z . Revista Filosofia, ano 1, n. 11, Ed. Escala, São Paulo, 2007, pp. 24 et seq). 32 KAPLAN, B. e SADOCK, V. Compêndio de Psiquiatria. 9ª ed. Porto Alegre, Artmed, 9ª ed, 2007, p. 477. 26 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 247 cristãos ato contra o mandamento divino33 e pela cultura oriental como um modo honroso de escapar a situações vergonhosas ou desesperadoras (como no caso do seppuku japonês geralmente usado para limpar o nome da família na sociedade, ou como na religião hinduísta); ou, ainda, tido como uma resposta radical ao absurdo da vida34 como querem os filósofos existencialistas, o suicídio é fonte permanente e interminável de dissenso. 10. Assim sendo, não se poderia esperar consenso na qualificação do suicídio e de suas causas. O suicida se mata por estar perturbado ou por ser ú ?O “ z” ( termos do Código Civil) por ter o seu processo volitivo perturbado, ou seria, por definição, um ato de livre vontade? 10.1. Se a Filosofia, a Literatura, a Religião e a Antropologia dão a essas perguntas respostas díspares e paradoxais conforme o credo adotado ou a cultura em que vive quem julga o ato suicida, nem mesmo nos campos mais próximos à certeza científica, como a Sociologia, a Psicologia e a Medicina, se chega a uma resposta minimamente consensual, capaz de oferecer ao Direito pontos de apoio unívocos e seguros para o delineamento de suas regras. 10.2. Durkheim, em 1897, ao tratar sociologicamente do suicídio, restringia-o aos casos em que a vítima atentou conscientemente contra a própria vida, definindo-o como "todo caso de morte provocado direta ou indiretamente por um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima e que ela sabia que devia provocar esse resultado"35 O suicídio, portanto, seria sempre um ato intencional na qual a vítima age com objetivo de provocar sua própria morte, tendo conhecimento de que tal ato produziria a morte. (“Nã ”) q A h H (354-430): os cristãos não podem cometer suicídio, pois estariam a infringir o m „Nã ‟ (Ê 20.13) q í a nós mesmos. 34 P C “ é ” é q “ q ã ” é “ çã i ”. (O Mito de Sísifo. Tradução de Ari Roitman e Paulina Watch. São Paulo, Record, 2004, p. 19). 35 DURKHEIM, Emile - Suicídio: definição do problema, Suicídio Altruísta, Suicídio Egoísta, Suicídio Anômico. Coleção Grandes Cientistas Sociais, 7ª Edição, Atica, 1995, pp. 103 a 122. 33 O C Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 248 10.3. Na tradição psicanalítica, diferentemente, diz- ” h “ ria dos suicídios estando ligada a transtornos psiquiátricos36. Segundo esse entendimento, raramente um suicídio h “ ã ã ç í ” “suicídios ”37. 11. Conquanto essa radical incerteza, atestada por todos os campos do saber, na vigência do Código de 1916 a doutrina jurídica e a jurisprudência pretenderam ç h ó “ ” ã í ” “ í . 11.1. A impropriedade da adjetivação (pois do ponto de vista lexical todo o suicídio é voluntário, podendo, igualmente ser considerado, do ponto de vista psicanalítico, como não-voluntário!) servia como uma cunha na rigidez da construção jurídica que, fortemente embasada em percepções morais e religiosas, condenava o suicídio, considerando a cobertura do risco de suicídio pelo seguro uma forma de induzimento. Por esta razão, explicava Pedro Alvim, “ çã í ”38, o suicídio liberando o segurador na forma do art. 1.440 do Código de 1916 porquanto compreender-se que a exclusão do risco “ ú ”39. Na voz doutrinária, “ -se a cobertura seguradora, não raro veríamos indivíduos decididos a cometer suicídio celebrarem contratos de seguro a fim de garantirem a subsistência dos seus ou o enriquecimento de amigos, o que é profundamente imoral, ou, o que se nos afigura mais grave, por sentirem garantida essa subsistência, decidirem por termo aos seus dias, decisão que de outro modo não tomariam. Assim, a cobertura de risco de suicídio não só fomenta a fraude, como pode constituir a razão determinante de um ato que a sociedade tão veementemente reprova, SERRANO, Alan I. Suicídio: Epidemiologia e Fatores de Risco. In: CATALDO NETO, A, et allii. Psiquiatria para Estudantes de Medicina. EDIPUCRS, Porto Alegre, 2003, p. 665. 37 SERRANO, Alan I. Suicídio: Epidemiologia e Fatores de Risco. In: CATALDO NETO, A, et allii. Psiquiatria para Estudantes de Medicina. EDIPUCRS, Porto Alegre, 2003, p. 665. 38 ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3ª ed. Rio de Janeiro, Forense,1999, p. 234. 39 ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3ª ed. Rio de Janeiro, Forense,1999, p. 234. 36 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 249 aviltando o seguro, na medida em que o transforma num instrumento de çã ” 40. 11.2. A concepção moral subjacente ao Código de Bevilaqua fazendo essa tão radical vedação à cobertura do risco do suicídio motivou aquela distinção entre “ ” “ “ “ í ” q çã ” ” “ q í é ( “ ”. A q -gramatical de per si a morte ”) Có 1916 distanciar do vernáculo e, incorrendo em evidente contradictio in adjectum no parágrafo único do art. 1.440, adjetivou o suicídio liberatório para o segurador “ í ”. 12. Foi sobre essa contraditória adjetivação que trabalharam a doutrina e a jurisprudência. A regra do parágrafo único do art. 1.440 incorria em contradictio in adjectum porque o suicídio é, per definitionem, a morte “ é q ç “ çã ” çã ” meditação prévia ao ato suicida, e só medita previamente ao suicídio quem voluntariamente pensa na própria morte. Quem não quer dar a morte a si mesmo, mas esta acaba acontecendo, não se suicida: ou sofre um acidente, ou tem morte derivada de outras causas que não o ato voluntário próprio41, distinção que não está cingida aos dicionários, pois também a doutrina jurídica anota: “S í ‟ è h ente la própria morte e q J.C. MOITINHO DE ALMEIDA, transcrito por ALVIM, Pedro. O Contrato de Seguro. 3ª ed. Rio de Janeiro, Forense,1999, p. 234. 41Assim registram os dicionários, vg. S [ . S „ ‟+ ].S. 2 . 1. Pessoa que se matou a si próprio, que se suicidou. Adj. 2 g. 2. Que serviu de instrumento de suicídio; arma suicida. 3. De que se participa com a certeza de morrer, ou como que com essa certeza. Luta suicida, ação suicida. 4. Que envolve dano ou ruína certa: a oposição do Ministro à decisão presidencial foi atitude suicida (Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3ª ed. revista e atualizada. Ed. Positivo, Curitiba, 2004, p.1891. Assim também em outros idiomas, vg: Suicide: n.m. 1. Action de causer volontairement as propre mort (Micro Robert – Dictionnaire du Français Primordial, S.N.L.- Le Robert, Paris, 1976, p.1028) ; Suicide. N. 1. the act of killing oneself deliberately: he tried to commit suicide. 2. a person who kills himself or herself intentionally. (Collins – Compact English Dictionary. Harper Color Edition 2th ed., reprinted (1997), Wrothan, 1997, p. 878. 40 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 250 .I ‟ q z : senza coscienza non vi è volontà e senza volontà non vi è suicidio. La morte autocagionatasi per errore (ad. es., chi ingersisce una dose troppo forte di un fármaco) o per negligenza (ad es.chi si sporge eccessivamente da una finestra), morte cioè autocagionatasi involontariamente, non è dovuta a suicidio bensì ad ”42. 13. Assim não pensava, porém, o legislador brasileiro de 1916. O Código então vigorante previa em seu art. 1.440, a possibilidade de a vida ser estimada como “ ou outros sem h çã ” ( h ó ) q í z B q h “ íz ”. E : “O í ro deve ser conscientemente deliberado porque será, egualmente, um modo de procurar o risco, desnaturando o contracto. Se, porem, o suicídio resultar de grava ainda que subtanea perturbação da intelligencia, não anulará o seguro. A morte não se poderá, neste caso, considerar voluntária; será uma fatalidade; o individuo não h q z ç í ”43. E João Luiz Alves, outro comentarista do então novel Código Civil, também se referindo ao parágrafo único do art. 1.440, ajuntava: "O caso de duelo não oferece dificuldade; o de suicídio, porém, na prática, pode oferecê-la. Todavia, a premeditação e a sanidade de espírito são questões de fato, dependentes da prova. Essa prova incumbe ao segurador: a presunção é que o suicídio é um ato de desequilíbrio q ”44. DONATI, Antígono. Il contrato di Assicurazione nel codice civile. Commento agli artt. 18821932. Edizioni Della Rivista Assicurazioni, 1943, p. 260-265. E çã : “S é aquele que ocasiona voluntariamente a própria morte e suicídio é o ato com qual um indivíduo ocasiona voluntariamente a própria morte. O suicídio pressupõe a voluntariedade do ato e sua consciência: sem consciência não há vontade e sem vontade não há suicídio. A morte autoocasionada por erro (i.e., quem ingere uma dose muito forte de um remédio) ou por negligência (i.e., quem se pendura excessivamente de uma janela) morte, isto é, auto provocada involuntariamen ã é í ç ”. 43 BEVILAQUA, Clovis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Commentado. Vol. V. São Paulo, Francisco Alves, 1919, p. 192. 44 ALVES, João Luiz. Código Civil da República dos Estados Unidos do Brasil Anotado. 5o vol. 3 ed. Rio de Janeiro, Borsoi, 1958, p. 102. 42 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 251 14. Como se pode perceber, a doutrina então distinguia (ainda que com terminologia equívoca) entre duas situações de fato: o suicídio de segurado motivado por dolo contra a comunidade segurada e o suicídio não-doloso porque resultado de um desequilíbrio mental, de uma ausência de premeditação, a ser comprovada pela seguradora. 14.1. O h “ í ” “ ” q q segurado, para fraudar o seguro (e, assim, prejudicar a comunidade de pessoas segurada) contratava o seguro já com a intenção de por cabo à própria vida, visando, muitas vezes, proporcionar ao beneficiário meios de fazer frente aos . O í “ ” intencionalidade. Assim, por exemplo, o caso de segurado que, posteriormente à conclusão do contrato de seguro de vida se via acometido por forte doença mental que o levava a atentar contra a própria vida. 14.2. Como é facilmente compreensível, a prova da intencionalidade, a cargo da seguradora, consistia, verdadeiramente, numa prova diabólica e, no mais das vezes, dolorosa para a família e atentatória à privacidade do de cujus, sabendose que os direitos de personalidade têm projeção para após a morte. Não raramente, as seguradoras, para comprovar a intencionalidade, que as liberaria, se viam obrigadas a invadir a esfera de privacidade do suicida, buscando os indícios da inexistência ou irrelevância de elementos psicológicos capazes de motivar (psicologicamente) o ato extremo. Paralelamente, os beneficiários do seguro se viam constrangidos a afirmar a ausência de higidez mental do falecido (inclusive apresentando em juízo documentos médicos, o que pode ofender a esfera da privacidade de quem já não mais se pode defender), tudo para “ ” í í . 15. Essas circunstâncias todas subjazem ao entendimento doutrinário expresso por Bevilaqua e por Alves, entre outros – construído, note-se bem, na primeira metade do séc. XX sobre a regra do art. 1.440 do Código hoje revogado – que a jurisprudência reiterou ao sumular a matéria. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 252 15.1. No Supremo Tribunal Federal editou-se em 13 de dezembro de 1963 a Súmula 105 pela qual se assentou: “S h ação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador ”. 15.2. Na fundamentação dos acórdãos que a ensejaram explicitou-se, ora que o í “ - ”45 ora que se equiparava à morte “ segurado celebrasse o contrato de caso pensado e se í ”46. 15.3. Quase trinta anos mais tarde o Superior Tribunal de Justiça reiterou a çã Sú ã ” çã z 47. 61 : “O seguro de vida cobre o suicídio A jurisprudência posterior explicitou a extensão da í “ ” “ ” exemplificativamente, nos acórdãos cujas ementas são abaixo transcritas48. STF, AI 30858, in: Publicação: DJ de 5/5/1964. STF, RExt. n. 50.389 DJ de 5/7/1962. Foram ainda precedentes, além do AI acima citado: RE 31331 embargos, in DJ de 9/7/1959 e RTJ 10/95; RE 47991, in: DJ de 7/8/1961; RE 47991, in: : DJ de 12/4/1962 e RTJ 22/295.: 47 STJ - S2 - SEGUNDA SEÇÃO. J. em 14/10/1992. In: DJ 20.10.1992 p. 18382.RSTJ vol. 44 p. 81;RT vol. 688 p. 172. Precedentes: REsp 16560 SC 1991/0023696-9, j. em 12/05/1992, in: DJ de 22/06/1992, p.09765. REsp 6729 MS 1990/0013089-1. J. em 30/04/1991. In: DJ de 03/06/1991, p. 07424. REsp 194 PR 1989/0008427-5, de 29/08/1989, in DJ de 02/10/1989, p. 15350. 48 STJ, AgRg no Ag 868283 / MG,Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa. Quarta Turma . J. em 27/11/2007 , in: DJ 10.12.2007 p. 380, in verbis: "(...) Seguro. Suicídio. Não premeditação. Responsabilidade da Seguradora. Agravo Regimental Improvido. 1. O suicídio não premeditado ou involuntário, encontra-se abrangido pelo conceito de acidente pessoal, sendo que é ônus que compete à seguradora a prova da premeditação do segurado no evento, pelo que se considerada abusiva a cláusula excludente de responsabilidade para os referidos casos de suicídio não premeditado. Súmula 83/STJ. Precedentes. 2. "Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro." Súmula 105/STF. 3. Agravo regimental improvido". E ainda, no STF, RE 100485 / SP – Rel. Min. Néri da Silveira. J. em 06/03/1989. Primeira Turma. In: DJ 18-10-1993 PP-14550, EMENT vol-01638-02 pp-00245, in verbis: Recurso extraordinário. Seguro de vida. Morte do segurado. Alegação da seguradora de ter ocorrido suicídio do segurado. Divergência do acórdão com súmula 105 do STF. Premeditação do ato não demonstrada. Código Civil, art. 1.440. Cláusula da apólice reguladora do seguro não prevalece, quando contrariar disposição legal. Código Civil, art. 1.435. De acordo com art. 1.440 do Código Civil, considera-se morte voluntária a recebida em duelo, bem como o suicídio premeditado por pessoa em seu juízo. Não pode se eximir do pagamento pactuado a seguradora, se não provou que o suicídio foi voluntário ou premeditado. CPC, art. 333, II. Recurso extraordinário conhecido e provido, para restabelecer a sentença que rejeitou os embargos da seguradora a execução". Idem, para a distinção (embora julgando a voluntariedade do suicídio) o RE 79956 / SP – Rel. Min. Aldir Passarinho, Segunda Turma. J. em 19/11/1982. In: DJ 13-05-1983 PP-06501, EMENT vol 01294-02 pp-00368. 45 46 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 253 15.4. Em suma: doutrina e jurisprudência, com a louvável intenção de dar uma çã ó q çã (“ ”) ú do art. 1440, levaram a uma sindicância no âmbito da formação da vontade do suicida em relação às eventuais causas patológicas que pudessem ter alterado a sua livre determinação. 15.5. Essa sindicância, para além de consistir em prova diabólica para a seguradora, era também de molde a atingir direito de personalidade do suicida (protegido mesmo post mortem49). É que a investigação sobre a voluntariedade, ou não, do suicídio, comporta uma avaliação das causas do suicídio para só então se decidir se estas são de molde (ou não) a retirar do agente a sua plena capacidade e liberdade de determinação. 16. O Direito Comparado é de extrema valia no exame dessa matéria porque também em outros sistemas vivenciou-se idêntica problemática. 17. Na vigência do velho Codice Commerciale italiano, de 1882, havia regra por tudo similar a do parágrafo único do art. 1440 do Código de Bevilaqua, dando azo às mesmas dificuldades probatórias que aqui se verificavam, como relatam M D'A E F z “gravi questioni” „notevoli dissensi in dottrina e in giurisprudenza”50 suscitadas pela expressão legal “suicidio volontario” . 45051. Por isso mesmo, o Código italiano de Embora morto não tenha direitos, protege-se, para certos efeitos, a sua personalidade, como o ( . é “ A ” STF RE 112263 / RJ - , Rel. Min. SYDNEY SANCHES. Julgamento: 28/03/1989 - Primeira Turma.In: DJ DATA-10-08-89 PG-12918 EMENT VOL-01550-03 PG-00458; no Direito alemão é é “ M h ” MENDES G F .D F Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1998, pp. 87-89).Também se protege, desde a antiguidade grega (v. Antígona, de Sófocles) o direito a ser dignamente sepultado (v.g, TJRS, 20aC, Civ. Ap. Civ.n.º 70002434710, Rel. Des. ARMINIO JOSE LIMA DA ROSA, j. em 25 de abril de 2001). 50 AMELIO, M. e FINZI, E. (org.). Codice Civile. Libro delle Obligazioni. Vol. II. Dei Contratti Speciali, Parte II. Barbera, Florença, 1949, PP. 342-343. 51 Entre as várias causas de sinistro que a seguradora, no caso de morte, contratava sobre a vida do mesmo estipulante implicavam a liberação da seguradora (condenação judicial, duelo, crime ou delito cometido pelo segurado dos quais ele poderia prever as conseqüências) o artigo 450 do ó “ í ”. A ó z ã ó z í “ í ã ” “ í ” “ í ” (A 49 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 254 1942 modificou totalmente a orientação, fazendo dispor no seu art. 1927 a seguinte regra: "1927- Suicidio dell'assicurato. - In caso di suicidio dell'assicurato, avvenuto prima che siano decorsi due anni dalla stipulazione del contratto, l'assicuratore non è tenuto al pagamento delle somme assicurate, salvo patto contrario. L'assicuratore non è nemmeno obbligato se, essendovi stata sospensione del contratto per mancato pagamento dei premi, non sono decorsi due anni dal giorno in cui la sospensione è cessata52. 17.1. E “ ” ada pela doutrina, justamente por tornar superadas as discussões e dificuldades probatórias suscitadas pelo critério legal anterior. E 1949 D‟ F z : " “B dunque il nuovo codice a parlare sic et simpliciter di suicidio/ (...). La z ‟ q ‟ si poteva fare sotto il vecchio codice, dato che ad essa si poteva cientificamente ( h ‟ ‟ . 85 . ) z suicidio volontario e suicidio involontario non mi sembra possibile invece con il nuovo codice, il quale, allo scopo di evitare ogni questione al riguardo, non fa alcuna distinzione, confidando il favor assecurati alla piena obbligazione ‟ 17.1. ”53. A doutrina subseqüente seguiu idêntica orientação. Veja-se, exemplificativamente, a lição de Renato Miccio para quem o Código italiano de relata DONATI, Antígono. Il contrato di Assicurazione nel codice civile. Commento agli artt. 1882-1932. Edizioni Della Rivista Assicurazioni, 1943, p. 260-265). 52 E çã : “E í do, ocorrido antes que tenha passado dois anos da estipulação do contrato de seguro, a seguradora não deve pagar as somas seguradas, salvo pacto em contrário./A seguradora não é nem mesmo obrigada se, tendo sido suspenso o contrato por falta de pagamento do prêmio, não tenha se passado dois anos do dia em que a ã ”. 53 AMELIO, M. e FINZI, E. (org.). Codice Civile. Libro delle Obligazioni. Vol. II. Dei Contratti S P II. B F ç 1949 . 344 çã : “F z Novo Código em falar sic et simpliciter do suicídio/ (...) A distinção entre o suicídio do capaz de entender e de querer daquele do incapaz, se se podia estabelecer sob o velho código, dado que a essa se podia cientificamente reconduzir (também com o auxílio do art. 85 do código penal) a distinção legal entre suicídio voluntário e suicídio involuntário não me parece possível fazer com o novo código, o qual, com o escopo de evitar toda questão sobre o referido [problema], não faz nenhuma distinção, conferindo o favor assecurati a plena obrigação do segurador [uma vez]passado um ”. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 255 1942 com a sua formulação desprovida de distinção e especificação 54 teve o mérito de eliminar a fonte principal das graves questões que, sob o rigor do Código revogado, apareciam sobre hipótese de suicídio no caso de seguro de .N z ó ” M 450 çã “q í h çã “ z ” obrigação de pagar a soma segurada no caso de suicídio voluntário, locução q ó ” í “ “um autêntico quebra- ç ” 55. 17.2. Foi assim comemorada como positiva a disposição do Código de 1942 que veio impedir a verificação da motivação do suicídio e das condições psíquicas do suicida, cortando a discussão sobre o fato de a decisão de tirar a própria vida implicava, ou não, fraude à seguradora e ilícita vantagem para uma determinada pessoa. No consenso doutrinário considerou-se dever excluir a hipótese de um suicida que, com um período de tempo tão longo (dois anos) tivesse não apenas premeditado a própria morte, mas mantido firmemente a determinação, a z ã “ ç da ”56. 18. Os elogios à redação do art. 1927 do Codice Civile vinham de ter proporcionado aos operadores um critério seguro e unívoco, qual seja, o transcurso do lapso temporal de dois anos, findo o que o dever de garantia, a cargo da seguradora, é indiscutível. O critério anterior, obrigando à pesquisa “ / ” ç ter que decidir – resguardados os princípios da isonomia e da segurança jurídica – se era ou não excludente da obrigação da seguradora o reconhecimento de um estado de insanidade momentânea (por exemplo, suicídio durante um acesso de febre); ou uma depressão intermitente; ou num período de superexcitação MICCIO, Renato. Dei Singoli Contratti e Delle Altre Fonti delle obbligazioni. Libro IV. Unione Tipográfico – Editrice Torinese, 1959, p. 391-394. Alude o autor ainda à doutrina de BUTTARO, Il suicidio nell‟assicurazione sulla vita di un terzo. Em Assicur. 1955, I, 68; e de GHERSI, Il rischio suicidio dell‟assicurazione vita, ivi, 1954, I, 145. 55 MICCIO, Renato. Dei Singoli Contratti e Delle Altre Fonti delle obbligazioni. Libro IV. Unione Tipográfico – Editrice Torinese, 1959, p. 391. 56 MICCIO, Renato. Dei Singoli Contratti e Delle Altre Fonti delle obbligazioni. Libro IV. Unione Tipográfico – Editrice Torinese, 1959, p. 394. 54 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 256 nervosa devida à paixão ou prostração física derivada de um excesso alcoólico ou medicamentoso. 18.1. Na ausência do critério objetivo prevaleceria o entendimento (também expresso, entre nós, nas citadas Súmulas de jurisprudência) de constituir o suicídio ou um ato não-imputável à vontade do segurado suicida, ou uma espécie de fraude do segurado em relação à seguradora (pois se trata de um ato que altera o curso natural dos acontecimentos e provoca à seguradora a obrigação de cumprir a sua prestação). 19. Foi por conta dessas dificuldades que o Código italiano (tal qual o Código Civil brasileiro de 2002) mudou o critério, assinalando a doutrina de Antigono Donati que a distinção entre suicídio voluntário e involuntário, não mais seria possível com o Código de 1942, pois este objetivou, justamente, evitar as tormentosas questões a respeito não fazendo nenhuma distinção e confiando o favor assecurati a plena obrigação da seguradora decorrido um certo tempo57. 20. A invocação à legislação e doutrina italianas justifica-se, no presente caso, porque foi justamente a regra do art. 1.927 do Codice Civile o modelo adotado pelo legislador brasileiro ao editar o Código de 2002. Nesta matéria o nosso Código – tal qual o seu congênere italiano – expurgou totalmente o exame do pressuposto subjetivo (qual seja, a voluntariedade ou não do ato), atendo-se exclusivamente ao requisito temporal, de ordem objetiva, na esteira, aliás, de outras legislações contemporâneas, como a recentíssima Lei Geral dos Seguros portuguesa (Decreto-Lei n.º 72 de 16 de Abril de 2008) e o Substitutivo do Projeto de Lei n. 3555/2004, em tramitação no Congresso Nacional. É tempo, pois, de voltar os olhos a estes pontos. B) Da regulação da matéria no Código Civil de 2002 21. Vigente uma nova lei é preciso averiguar quais são os seus pressupostos DONATI, Antígono. Il contrato di Assicurazione nel codice civile. Commento agli artt. 18821932. Edizioni Della Rivista Assicurazioni, 1943, p. 260-265. 57 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 257 teóricos e quais são as suas diretrizes, pois, ao assim não proceder, estaremos emprestando a força de inércia – ao meramente repetir a tradição – àquilo que o legislador democraticamente eleito decidiu modificar. Cabe, pois, examinar essas diretrizes e fundamentos teóricos, tais como expressos nos textos dos responsáveis pela redação da regra hoje posta no art. 798 (i), alcançando, assim, a sua adequada interpretação (ii). (i) Do art. 798: a diretriz da operabilidade e o critério objetivo adotado no “Substitutivo Comparato” e acolhido no Anteprojeto e no Projeto de Código Civil. 22. P ã ”q é “ ç ô í é çã q atenção: é preciso um trabalho de arqueologia jurídica para se chegar aos fundamentos e diretrizes inspiradoras do legislador, assim se iluminando a tarefa do intérprete que, embora em parte criador, não deve ser traidor àqueles fundamentos e diretrizes. 22.1. Como é por todos sabido, Miguel Reale, o Presidente da Comissão Elaboradora do Código Civil, deixou expresso, em numerosas passagens, as diretrizes que guiaram o trabalho daqueles juristas a quem foi cometida a responsabilidade de elaborar um novo Código Civil. Entre essas está a diretriz da operabilidade, explicitada na seguinte forma: "(...) toda vez que tivemos de examinar uma norma jurídica e havia divergência de caráter teórico sobre a natureza dessa norma ou sobre a conveniência de ser enunciada de uma forma ou de outra, pensamos no ensinamento de Jhering, que diz que é da essência do Direito a sua realizabilidade: o Direito é feito para ser executado; Direito que não se executa – já dizia Jhering na sua imaginação criadora – é como chama que não aquece, luz que não ilumina. O Direito é feito para ser realizado; é para ser operado. (...) Então, é indispensável que a norma tenha operabilidade, a fim Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 258 de evitar uma série de equívocos e de dificuldades, que hoje entravam a vida do Código Civil”58. 23. Uma dessas dificuldades que efeti “ ” Có 1916 estava, justamente, na artificiosa e insegura distinção entre suicídio voluntário e involuntário. 23.1. Como acima já anotado, do ponto de vista de uma análise gramatical e semântica, todo o suicídio é, por definição, voluntário. Porém, se partirmos de uma análise psicanalítica ou cristã, poderíamos chegar a uma conclusão polarmente oposta, a saber: que todo o suicídio é, por definição, involuntário, pois para praticar o ato extremo (contra a vida, ou contra “ D ”) pessoa humana deveria, necessariamente, estar incapacitada, entendendo-se a capacidade jurídica como discernimento, como é requerido pelos artigos 3°, inciso II e 4°, inciso II do Código Civil. 23.2. Ocorre que, conquanto tenha o Código Civil de 2002 muito aprimorado essa temática em relação ao Código de 1916, ao substituir pelo topos do “discernimento necessário” ( . 3º q . 4º) ” éq ã “ ( de todo ) às formas intermediárias de capacidades. Não se têm ainda bem delimitadas (nem do ponto de vista médico, nem do jurídico) as conseqüências ligadas a certas formas de transição entre a capacidade e a incapacidade ou a certos estados transitórios de inconsciência ou de alienação regular, e nem mesmo a certas formas de psicopatia que provocam incapacidades para determinados atos, mas não para outros. A imensa tipologia de deficiências mentais e a igualmente grande diversidade no grau de discernimento das pessoas atingidas por um déficit proveniente de suas condições psíquico-sociais ou atribuíveis ao vício de drogas, por exemplo, torna impossível um tratamento unitário. Também o discernimento não é uma categoria homogênea, apresentando um REALE M “E çã M P Có C ” em O Projeto de Código Civil – Situação atual e seus problemas fundamentais, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 10, grifei. 58 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 259 extenso leque de variações em sua graduação. Existem (sem que a técnica í ) çõ “ -incapacidades59”; “ Q ”60. h q í “ ”? 23.3. Justamente pelas incontornáveis dificuldades práticas derivadas dessas distinções é que o legislador de 2002 fez substituir o critério constante do Código de 1916 – critério subjetivo, ligado à pesquisa das condições psíquicas do suicida, critério causador de dificuldades práticas e hermenêuticas – por um critério temporal objetivo, idêntico ao do Código italiano de 1942, que dispensa a perquirição sobre a voluntariedade ou não do ato suicida, sendo, assim, q “ z ” é consonância – como veremos oportunamente – com outras legislações contemporâneas. 24. O intento do legislador em adotar um critério puramente objetivo, expurgando a pesquisa sobre a subjetividade e afastando o estabelecimento de presunções de premeditação (ou de não-premeditação) é indubitável. Para comprová-lo basta que nos demos ao trabalho de examinar, em ordenada cronologia, os documentos que levaram à edição do Código Civil de 2002. ã é B hõ C h q “ çã z E “ z h q ã ” enfrentar“ ç çã í ”. (BULHÕES DE CARVALHO Francisco Pereira de. Incapacidade Civil e Restrições de Direito. Tomo II, § 422. Rio de Janeiro, Borsói, 1957.., p. 403. n. 336). 60 Atento a variabilidade das situações de incapacidade e às formas intermédias, o Direito Comparado aponta aos casos e às soluções que vêm sendo intentadas. Uma autora italiana alude h “ ” -se o interesse de “ ” õ . ( . SERRAVALE P ‟A . Questione Biotecnologiche e Soluzione Normative. ESI, 2001. p. 23.); para o Direito DIAS PEREIRA, André Gonçalo. A Capacidade para Consentir: um novo ramo da capacidade jurídica. In: Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1975. vol. II. A Parte Geral do Código e a Teoria Geral do Direito Civil. Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra Editora, 2006. No Brasil, referências também em STANCIOLI, Brunello Souza. Relação Jurídica Médico-Paciente. Belo Horizonte, Del Rey, 2004, pp. 44-48 e, na Argentina, em português v. KEMELMAJER DE CARLUCCI, Aida. El Derecho del Menor a su propio Cuerpo, in BORDA, Guillermo. (org.) La Persona Humana. Buenos Aires, La Ley, 2001, pp. 249-286. 59 A Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 260 24.1. A primitiva redação do que viria a ser o vigente art. 798, apresentada por Agostinho Alvim aos seus colegas na Comissão Elaboradora do Anteprojeto ainda continha uma mescla de critérios, o subjetivo e o objetivo, alinhando à çã çã “ í ” “ ã - ” critério objetivo temporal: A . 570/0. “O z involuntária. § 1°. Considera-se morte voluntária a recebida em duelo bem como o suicídio premeditado por pessoa em seu juízo. Nunca se considera premeditado o suicídio que só ocorreu mais de dois anos depois de firmado o contrato. § 2°. Não se tem como voluntária a morte que ocorreu por ter a pessoa arriscado a vida por fin í í ” 61. 24.2. Essa redação era diversa62 daquela constante de outro Anteprojeto que não fora aprovado, a saber, o Anteprojeto de Código das Obrigações do Professor Caio Mario da Silva Pereira que em 1963 preparara um Anteprojeto do Código das Obrigações. Este, em seu artigo 798, dizia: Art. 798. Depois de emitida a apólice, o segurador não pode recusar o recebimento do prêmio, nem o pagamento do seguro de vida, salvo se Conforme manuscrito dos integrantes da Comissão Elaboradora intitulado Código Civil – Anteprojeto com m/ revisões, correções substitutivas e acréscimos. Biblioteca de Miguel Reale, p. 85. 62 Nos itens subseqüentes, as fontes de pesquisa foram: Código Civil: anteprojetos. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1995. 5 v:V. 1. Anteprojeto de Código das Obrigações - parte geral (1941) / Comissão: Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães. Anteprojeto de lei geral de aplicação das normas jurídicas (1964) / Haroldo Valladão. --- V. 2. Anteprojeto de Código Civil (1963) / Orlando Gomes. Anteprojeto de Código Civil - revisto (1964) V. 3. Anteprojeto de Código Civil das Obrigações / Caio Mario da Silva Pereira (1963), Sylvio Marcondes (1964), Theophilo de Azevedo Santos (1964) --- V. 4. Projeto do governo Castello Branco: projeto de Cóodigo Civil (PL n. 3.263/65), projeto de obrigações (PL n. 3.264/65) --- V. 5, Tomo 1. Anteprojeto de Código Civil (1972) / Comissão elaborada e revisora: Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves; Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Erbert Chamoun, Clovis do Couto e Silva e Torquato Castro; Tomo 2. Anteprojeto de Código Civil - revisto (1973)/ Comissão elaboradora e revisora: Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves; Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Erbert Chamoun, Clovis do Couto e Silva e Torquato Castro. E ainda: O Projeto de Código Civil no Senado Federal. Brasília: Senado Federal, 1998. 2 v:V. 1. Projeto de lei da Câmara n. 118, de 1984, n. 634/5 na Casa de Origem --- V. 2. Opinião do Min. Moreira Alves Sobre as Emendas dos Senadores Relativas à Parte Geral. Opinião do Prof. Miguel Reale Sobre as Emendas dos Senadores Relativas à Parte Especial. Sugestões dos Profs. Alvaro Villaça Azevedo e Regina Beatriz Tavares S. P. dos Santos Sobre o Direito de Família. Estudo e Sugestões do Prof. Mauro Rodrigues Penteado Sobre Títulos de Crédito. Sugestões do Prof. Luiz Edson Fachin Sobre Direito das Coisas. Sugestão do Prof. Fabio Konder Comparato e de Marcelo Gazzi Taddei Sobre Desconsideração da Pessoa Juridica. Contribuição do Prof. José Teixeira Sobre Vários Pontos, e da Consultoria Legislativa Sobre o Direito de Família e das Sucessões. Também: em COMPARATO, Fábio Konder. Substitutivo ao Capítulo referente ao Contrato de Segurado no Anteprojeto de Código Civil. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n. 5, p. 144 a 151. Também referências em REALE, Miguel. História do Novo Código Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 23. 61 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 261 provar a má-fé do segurado, ou que a morte ou incapacidade tenha resultado de duelo, ou suicídio premeditado, por pessoa em seu juízo perfeito. 24.3. Como se vê, na proposição original de Caio Mario adotou-se um critério exclusivamente subjetivista. 24.4. Porém, em 1965, o Anteprojeto Caio Mario foi encaminhando ao então Presidente Castello Branco, que o reenviou ao Congresso Nacional (Projeto n. PL 3264/65). Nesse intervalo, foi o Anteprojeto revisado, alterando-se a redação do artigo 798 e, ainda, se acrescentando um parágrafo único. A redação do artigo (agora, numerado como 748), ficou com o seguinte texto: Art. 748. Depois de emitida a apólice, o segurador não pode recusar o recebimento do prêmio, nem o pagamento do seguro de vida, salvo se provar a má-fé do segurado, ou que a morte ou incapacidade tenha resultado de duelo, ou suicídio premeditado. Parágrafo único. Decorridos dois anos da celebração do contrato, o suicídio do segurado, qualquer que seja a causa, não obsta ao pagamento do seguro. 24.5. Repare-se que a expressão 'por pessoa em seu juízo perfeito' foi suprimida da redação do artigo, adotando-se parágrafo único o critério objetivista, mesclado, porém, com o subjetivista, constante do seu caput. 24.5. Entretanto, como é por todos sabido, o Projeto Caio Mario, bem como o Projeto de Código Civil, redigido por Orlando Gomes, apresentados em 1965 pelo Executivo ao Congresso Nacional não vingaram. Foi criada nova Comissão de Revisão do Código Civil, em 1969, chefiada por Miguel Reale que apresentou seu primeiro Anteprojeto em 1972. 24.6. Nesse, o capítulo referente ao Contrato de Seguro ficou regulado nos artigos 784 a 830 (46 artigos). 24.7. Os dispositivos acerca da 'carência e suicídio no contrato de seguro de ‟ çõ comparação com o Anteprojeto e o Projeto (1963 e 1965) do professor Caio Mario e mesmo com a primitiva redação apresentada por Agostinho Alvim aos seus colegas na Comissão Elaboradora. Confira-se: Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 262 Art. 825. No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, dentro do qual o segurador não responde pela ocorrência de sinistro. Parágrafo único. Neste caso, porém, o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada. Art. 826. O beneficiário não tem direito ao capital segurado quando o segurado se suicida dentro dos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no artigo anterior, parágrafo único. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado. 28. A alteração radical foi fruto do acolhimento, pela Comissão, em 1969, da proposta de substitutivo do professor Fabio Konder Comparato em relação ao capítulo do Contrato de Seguro. Pela simples leitura, percebe-se que a redação do primeiro Anteprojeto (de 1972) e do Substitutivo Comparato são idênticas. Assim estava no Substitutivo: Art. XXXVII - No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, dentro do qual o segurador não responde pela ocorrência de sinistro. Parágrafo único. Neste caso, porém, o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada. Art. XXXVIII – O beneficiário não tem direito ao capital segurado quando o segurado se suicida dentro dos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no artigo anterior, parágrafo único. Parágrafo único – Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado. 28.1. Contudo, o primeiro Anteprojeto foi revisado pela Comissão chefiada pelo professor Miguel Reale, e, novamente publicado para apreciação, críticas e õ í A P ” A 1973 : “Q contraditórias, dever-se- . N í h “S ( h 803 las ambíguas ou çã .”) ficou regulamentado nos artigos 773 a 818. Os textos referentes ao tema 'carência e suicídio' eram os 813 e 814. A redação permaneceu inalterada considerados o Primeiro e o Segundo Anteprojetos). Novamente, confira-se: Art. 813. No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, dentro do qual o segurador não responde pela ocorrência de sinistro. Parágrafo único. Neste caso, porém, o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada. Art. 814. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida dentro dos primeiros dois anos de vigência inicial Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 263 do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no artigo anterior, parágrafo único. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado. 28.2. Com esse texto, o Segundo Anteprojeto foi encaminhado ao Congresso Nacional pelo Poder Executivo. Tramitando inicialmente na Câmara dos Deputados, recebeu a numeração PL 634/75. Depois de nove anos, foi aprovado e enviado ao Senado Federal, onde recebeu nova numeração: PLC 118/84. 29. Na forma como o Projeto foi recebido no Senado, o Contrato de Seguro estava regulado nos artigos 757 a 802, e os referentes à 'carência e suicídio', com redação idêntica foram numerados como 797 e 798, da seguinte forma: Art. 797. No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, dentro no qual o segurador não responde pela ocorrência de sinistro. Parágrafo único. Neste caso, porém, o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada. Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital segurado quando o segurado se suicida dentro nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no artigo anterior, parágrafo único. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado. 29.1. Após longos 14 anos de tramitação no Senado Federal, em 1998, o PLC 118/84 foi então aprovado e enviado, novamente, para a Câmara dos Deputados. Na versão final aprovada pelos senadores, o Contrato de Seguro estava capitulado entre os artigos 756 e 801. Os artigos 797 e 798 tiveram somente suas numerações alteradas, para 796 e 797, respectivamente, ficando sua redação incólume. Veja-se: Art. 796. No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, dentro no qual o segurador não responde pela ocorrência de sinistro. Parágrafo único. Neste caso, porém, o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada. Art. 797. O beneficiário não tem direito ao capital segurado quando o segurado se suicida dentro nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no artigo anterior, parágrafo único. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 264 29.2. Novamente na Câmara dos Deputados (sob o número - Projeto 634/75), foi o Projeto reapreciado, sem nenhuma alteração, porém, dos textos ora em análise. A versão final, aprovada e sancionada pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, trouxe o Capítulo de Seguro nos artigos 757 a 802. Com as redações ainda inalteradas, o tema 'carência e suicídio no contrato de seguro de ‟ L 10.406/2002 : Art. 797. No seguro de vida para o caso de morte, é lícito estipular-se um prazo de carência, durante o qual o segurador não responde pela ocorrência do sinistro. Parágrafo único. No caso deste artigo o segurador é obrigado a devolver ao beneficiário o montante da reserva técnica já formada. Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. Parágrafo único. Ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado. 30. De tudo resultam cristalinas e insofismáveis certezas que podem assim ser sumarizadas: a) a proposição do ilustre professor Caio Mario não teve nenhuma influência na formação da vontade legislativa, sendo inclusive totalmente distante do texto aprovado; b) o legislador brasileiro rejeitou a solução proposta pelo insigne professor Caio Mario da Silva Pereira, de modo que as suas lições, por valiosas que sejam, não servem para aclarar o sentido e o alcance do art. 798; c) durante toda a tramitação do Código Civil, desde o acolhimento do “S C ” ã h modificação, afirmando-se e se reafirmando, sem dissensões e na forma prevista pelo princípio democrático, a vontade legislativa de consagrar-se o critério objetivista, exclusivamente, na regulação dos efeitos do suicídio do segurado; d) h “S C ” redação do art. 798 do vigente Código, optou por um critério objetivista, afastando, explicitamente, o critério subjetivista, bem demonstrando, assim, a firme, coerente e reiterada intenção legislativa de por uma pá de cal nas tormentosas discussões acerca da voluntariedade, ou não, do suicídio; e) o art. 798 foi expressamente inspirado no art. 1927 do Código Civil italiano, razão pela qual os subsídios doutrinários e jurisprudenciais daquele sistema são de valia para a compreensão da nossa regra. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 265 31. Fábio Konder Comparado adotou a redação que provinha, em linha reta, do art. 1927 do Código Civil italiano. Explicitando o teor da redação proposta, correspondente integralmente ao teor dos vigentes arts. 797 e 798, dizia o Professor, nas Notas Explicativas ao Substitutivo: “N . XXXVIII q ã beneficiário ao capital garantido, na hipótese de suicídio do segurado. O Có C “ í premeditado (art. 1440, parágrafo único). O Projeto de 1965[n: ref. ao chamado Projeto Caio Mario], após reproduzir essa disposição, q ã “ suicídio do segurado, qualquer que seja a sua causa, não obsta ao pagame ”. Como é sabido, a fim de evitar a probatio diabólica da premeditação do suicida segurado, as companhias brasileiras sempre inseriram em suas apólices de seguro de vida a cláusula de exclusão da garantia quando o suicídio, qualquer que seja o grau de voluntariedade do ato, ocorre dentro dos primeiros dos anos de vigência do contrato. Essa cláusula porém, não foi admitida nos tribunais (Súmula do Supremo Tribunal Federal n. 105). A orientação do Projeto de 1965, copiada do Código Civil, não parece a melhor. Ao falar em suicídio premeditado o legislador abre ensejo a sutis distinções entre a premeditação e a simples voluntariedade do ato, tornando na prática sempre certo o direito ao capital segurado, pela impossibilidade material de prova do fato extintivo, o que não deixa de propiciar a fraude. Preferimos seguir nesse passo o Código Civil italiano (art. 1927), excluindo em qualquer hipótese o direito ao capital estipulado se o segurado se suicida nos primeiros dois anos da vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, e proibindo em contrapartida a estipulação de não pagamento para o caso de o suicídio ocorrer após esse lapso de tempo. O único fato a ser levado em consideração é, pois, o tempo decorrido desde a contratação ou renovação do seguro, atendendo-se que ninguém, em são juízo, contrata o seguro exclusivamente com o objetivo de se matar dois anos ó ” 63. 32. De tudo se conclui, com base nos métodos hermenêuticos genético e histórico, acima desenvolvidos64, que as referências feitas em certas obras doutrinárias e mesmo em alguns acórdãos às origens do art. 798 (situando-as no Anteprojeto Caio Mario) não estão conformes ao que indicam os documentos COMPARATO, Fábio Konder. Substitutivo ao Capítulo referente ao Contrato de Segurado no Anteprojeto de Código Civil. In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro n. 5, p.p. 150-151, grifei. 64Os argumentos históricos não se confundem com os argumentos genéticos: enquanto os argumentos históricos fazem referência a textos normativos anteriores, e com semelhante âmbito de incidência relativamente ao da norma objeto de interpretação, os argumentos genéticos dizem respeito a textos não-normativos (discussões parlamentares, projetos de lei, discursos legislativos, exposições de motivos), e se referem à formação do próprio dispositivo objeto de interpretação. (assim FERRARA, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. In ANDRADE, Manoel Domingues de .Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis. Coimbra. Armênio Amado, 1987, p., p. 143. 63 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 266 relativos à tramitação do Código Civil, conforme atestado, inclusive, pelo jurista encarregado de presidir a Comissão Elaboradora. 33. O método da interpretação genética, conquanto relevantíssimo (principalmente para a análise de uma nova lei) não é, contudo, suficiente, devendo ser conectado aos demais métodos de interpretação das leis. 34. Já bem assentada a intenção firme e indiscutível do legislador bem como o processo genético do texto em exame, cabe agora contrastá-lo com os demais critérios hermenêuticos, a saber, o literal, o lógico-sistemático e o axiológico, estes últimos exigindo a conjugação entre valores postos na Constituição Federal, no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. (ii) Da interpretação do art. 798 do Código Civil em vista do sistema civil e constitucional, e de seus princípios e valores. 35. Segundo Larenz, a apreensão do sentido literal das expressões constantes do texto constitui o ponto de partida da atividade hermenêutica 65. Também assim Francesco Ferrara, para quem a interpretação literal é o primeiro sentido da interpretação66. 35.1. Com efeito, o intérprete não pode deixar de considerar o dado lingüístico, ponto de partida da atividade hermenêutica, sendo permitido o afastamento da littera só em ocasiões muito excepcionais (quando evidente o erro de redação por parte do legislador, conforme podem indicar dados históricos e a interpretação sistemática). Assim refere Friedrich Müller em sua excepcional obra Juristische Methodik, em que afirma consistir o texto da lei um elemento “ çã ç z çã ”67, porque LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução portuguesa de José Lamego, Coimbra: Fundação Calouste Gulbekian, 3ª edição,1997 , p. 451. 66 FERRARA, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. In ANDRADE, Manoel Domingues de .Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis. Coimbra. Armênio Amado, 1987, p.139. 67 MÜLLER, Friedrich. Discours de la Méthode Juridique. Tradução francesa de Oliver Jouuanjan. Paris, P.U.F, 1996, p. 240 em que afirma o valor democrático do texto como limite z çã (“ ' erreur de rédaction incontestée") que tenha se introduzido no texto. 65 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 267 afeiçoado aos valores democráticos. Num Estado Democrático de Direito o seu é ó q “ ” para serem superadas antinomias sistemáticas (lógicas e axiológicas) acaso existentes. 35.2. Por isso a importância de se conjugar a interpretação literal (gramatical) com a interpretação histórico-genética, a lógico-sistemática e a axiológica (ou teleológica). 35. 3. A importância da conjugação entre os métodos hermenêuticos resulta da é L z ó“ ” é quando considerado certo contexto, fático e normativo. Conquanto o objeto da interpretação seja o texto, este "nada diz a quem não entenda já alguma coisa daquilo que ele trata", assim expressando o grande jurista germânico que o texto só "fala" a quem o interroga corretamente. É, pois, essencial, para formular corretamente a pergunta, "conhecer a linguagem da lei e o contexto de regulação em que a norma se encontra” 68, por isso o contexto (histórico, lingüístico, lógico, sistemático e axiológico) sendo da maior importância: um mesmo vocábulo pode ter significações diversas e convém preferir a que se mostrar mais idônea, dada a sua relação com a conexão 69. Por isso têm os autores acentuado que os critérios hermenêuticos não constituem categorias q “ í ” q intérprete, havendo entre eles, como explicam Viola e Zaccaria a existência de “ 35.4. Já çã ”70. q h ó “ ” ã é q caso ora examinado. Em face do texto do art. 798 - considerada a sua história legislativa, as suas declaradas origens italianas e o explícito propósito em acabar com a prova diabólica e com presunções de difícil averiguação - de erro do LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução portuguesa de José Lamego, Coimbra: Fundação Calouste Gulbekian, 3ª edição,1997, p. 441. 69 RUGGIERO, Roberto. Instituições de Direito Civil- vol. I. Tradução de Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1957, p. 155. 70VIOLA, Francesco, e ZACCARIA, Giuseppe.Diritto e Interpretazione. Lineamenti di teoria ermeneutica del diritto. Roma: Laterza,1999, p.221. 68 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 268 legislador não se pode cogitar. 36. Não há, igualmente, nenhuma contradição lógico-sistemática com os demais artigos do Código Civil. A redação do Capítulo tem, como reiteradamente assinalado, uma única e mesma proveniência, o Subsídio oferecido à Comissão Elaboradora pelo Professor Fabio Konder Comparato, havendo total coerência entre o art. 798 e o que lhe antecede. 36.1. N é determ ” 71. ó “ q É a investigação da ratio, q ” “ í çã zF “ q q -o dos fatores racionais que a ”72, por isso sendo conectada à investigação histórica. Autores mais modernos entendem que o elemento lógico concentra a sua atenção na relação recíproca entre as partes do enunciado normativo, o que conduz a sólidos vínculos entre a interpretação lógica e a sistemática bem como entre a lógica e a gramatical e a lógica e a teleológica73. 36.2. Ora, contrariaria a lógica e ao sistema considerar lícito estipular-se um z “ ” q q ã q ra o caso de morte, como permite o art. 797 do Código Civil e entender-se, no caso de morte por suicídio, estar a incidência desse prazo de carência dependente da prova da intencionalidade do suicida. Haveria, na verdade, uma dupla contradição lógica: em caso de morte por doença ou por acidente (morte incontrolável e não-programável pelo agente/paciente) no período de carência, nada seria devido ao beneficiário; em í ( “ ” / podendo consistir em ato contra a comunidade segurada e à função social do contrato) o beneficiário receberia bastando provar não ter sido a morte RUGGIERO, Roberto. Instituições de Direito Civil- vol. I. Tradução de Ary dos Santos. São Paulo: Saraiva, 1957, p. 157. 72FERRARA, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. In ANDRADE, Manoel Domingues de .Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis. Coimbra. Armênio Amado, 1987, p.140. 73VIOLA, Francesco, e ZACCARIA, Giuseppe. Diritto e Interpretazione. Lineamenti di teoria ermeneutica del diritto. Roma: Laterza,1999, p. 227. 71 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 269 “ ”. A h ó ( í ) q (qualquer outra causa de morte)! 36.3. A ilogicidade é manifesta, seja ao atribuir-se o onus probandi à seguradora, seja ao próprio beneficiário. Mas essa última é a interpretação expressa no Enunciado nº 187 da III Jornada de Direito Civil (com a qual ã ) q “[n]o contrato de seguro de vida, presume-se, de forma relativa ser premeditado o suicídio cometido nos dois primeiros anos de vigência da cobertura, ressalvado ao beneficiário o ônus de demonstrar a ocorrência do chamado "suicídio involuntário"74. Tal qual a primeira exegese (defendida em alguns julgados do Colendo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul75), esta outra, para além de divorciada do texto legal, infringe, ainda, o sistema – e não apenas o do Código Civil, mas, igualmente, o do Código de Defesa do Consumidor. 36.4. C “ í ” . 798 presunção relativa (iuris tantum) no sentido de que o suicídio dentro do prazo de dois anos é premeditado, afastando o direito à garantia, atribuiu-se ao benefici “ q í ã z ”76. Assim, ao beneficiário do seguro (parte vulnerável na relação de consumo) caberia se desincumbir, no biênio, do ônus de provar que o segurado não premeditou o suicídio. 36.5. Essa interpretação não pode prevalecer porque prejudica o contratante que a Constituição Federal (art. 5º, inciso XXXII) e o Código de Defesa do Consumidor (art. 6°, inc.VII) visaram favorecer. 37. Desde os monumentais estudos de Savigny, no século XIX, é assente que um princípio jurídico (ou uma regra) não existe isoladamente, mas está ligado por Conforme proposição de Guilherme Couto de Castro/ Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Juiz Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro/ Juiz Federal Convocado 5ª Turma - TRF/2ª Região. In: http://www.consulex.com.br/news.asp?id=2523 (acessado em 14 de junho de 2008) 75 Confira-se, adiante, nota n. 98. 76GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 26ª ed. (atualizada por Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crescenzo Marino) p. 513. 74 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 270 nexo íntimo com outros princípios e regras, havendo entre as leis conexões inter e intra-sistemáticas77. Nã D “ ” zE G 78, assim expressando que o direito objetivo não é um aglomerado de disposições, “ ” .79 Há portanto conexões (por relações de geral a particular, deduções ou corolários), das quais “ da norma particular recebe a sua luz80. 37.1. Consideradas as conexões entre as regras do próprio Código Civil (arts. 797 e 798) e entre este último e o Código de Defesa do Consumidor, anti-sistemática seria a interpretação pela qual se atribuísse: (i) a possibilidade de ter-se um prazo de carência fixado contratualmente ( . 797) çã í çã çã q ( q q z . 798) çã z ;( ) ó . 38. Superados esses pontos resta examinar o art. 798 à luz do critério axiológico, para saber se a interpretação que ali percebe um critério puramente objetivo (o transcurso de dois anos), afastando a sindicância sobre a voluntariedade/involuntariedade do ato suicida, é ou não compatível com os princípios valorativos expressos no Código Civil e na Constituição da República. 38.1. Já observamos que o art. 798 é plenamente compatível com a diretriz da operabilidade. E também o é com as diretrizes da eticidade (expressa no princípio da boa-fé, Código Civil, art. 422) e da socialidade (expressa no princípio da função social do contrato, Código Civil, art. 421). Permito-me aludir ao meu: Culturalismo e Experiência no Novo Código Civil. Revista do Tribunal Regional Federal 1. Região, v. 6, p. 21-34, 2006. 78 GRAU, Eros. Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002, XVIII. 79 FERRARA, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. In ANDRADE, Manoel Domingues de .Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis. Coimbra. Armênio Amado, 1987, p.143. 80 FERRARA, Francesco. Interpretação e Aplicação das Leis. In ANDRADE, Manoel Domingues de .Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis. Coimbra. Armênio Amado, 1987, p.143. 77 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 271 39. A ” ã “ ã h - é” ã q q “q q ú isolado do intérprete. Em sua raiz romana, fides, está a fé como reitora das condutas comunicativas na ordem social, de modo a suscitar a confiança (cum fides). Na sua origem está, portanto, uma relação de recíproca fidúcia e está (na relação de crédito) aquele que acredita (creditor) em algo que possa ser objeto de crença fundada, pois do seu qualificativo bona vem a noção de uma fé justa ou virtuosa81. 39.1. Dessas raízes resulta a expressão boa-fé objetiva82 que exprime o standard de lisura, correção, probidade, lealdade, honestidade – enfim, o civiliter agere que deve pautar as relações inter-subjetivas regradas pelo Direito sob pena de o próprio Ordenamento não ser funcional, pois sem um mínimo de lealdade entre os participantes do tráfego jurídico, permitindo confiar na palavra dada e nas Assim escrevi em MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Do Inadimplemento das Obrigações. Vol. V, Tomo II, 2ª ed. São Paulo, Saraiva, 2008, p.73 et seq. 82 Permito-me lembrar, entre outros: COUTO E SILVA, Clóvis. O princípio da boa-fé no Direito brasileiro e português. In: Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: [s.n.], 1986. p. 55 et seq.; NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé e justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994; AZEVEDO, Antônio Junqueira de. O princípio da boa-fé nos contratos. Revista do CEJ, Brasília, vol. 9, 1999, disponível em http://www.cjf.gov.br/Publicacoes/Publicacoes.asp; NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998; MOREIRA ALVES, José Carlos. A boa-fé objetiva no sistema contratual brasileiro. Revista Roma e América: Diritto Romano Comunne, Roma, vol. 7, p. 187-204, 1999, p. 192; REALE, Miguel. Um artigo-chave do Código Civil. In: Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, pp. 75-80; SAMPAIO, Laerte Marrone de Castro. A Boa-Fé Objetiva na Relação Contratual. Manole – Escola Paulista da Magistratura, 2004; e os nossos: MARTINS-COSTA, Judith. Princípio da Boa-Fé. Revista AJURIS, Porto Alegre, vol. 50, p. 207-227, 1990; A incidência do princípio da boa-fé no período pré-negocial: reflexões em torno de uma notícia jornalística. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, vol. 4, p. 140172, 1992; A Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999; O Direito Privado como um sistema em construção: as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil Brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, vol. 753, p. 24-48, julho 1988 (também em Revista de Informação Legislativa, Brasília, n. 139, p. 5-22, 1998); A Boa-Fé como Modelo: uma aplicação da Teoria dos Modelos de Miguel Reale. (In: MARTINS-COSTA, Judith; BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 187-226); Mercado e solidariedade social entre cosmos e taxis: a boa-fé nas relações de consumo. In: MARTINS-COSTA, Judith (Org.). A Reconstrução do Direito Privado: reflexos dos princípios, garantias e direitos constitucionais fundamentais no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 611-661; Os campos normativos da boa-fé objetiva: as três perspectivas do Direito privado brasileiro, publicado in Revista do Consumidor, Universidade de Coimbra, nº6, Coimbra/ Portugal, 2005, pp 85 – 128 e em Revista Forense vol. 382, Rio de Janeiro, 2005, pp.120-143; Os avatares do Abuso do direito e o rumo indicado pela Boa-Fé, in Novo Código Civil – Questões Controvertidas. In: NICOLAU, Mário Júnior (org.). Novos Direitos. Curitiba: Juruá, 2007, p. 193-232. 81 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 272 “ ” predispostas impossível se torna a gestão do risco e a previsibilidade das ações futuras. 39.2. Justamente por conta desses significados e destas funções, a boa-fé objetiva, quando apreendida em um princípio jurídico (como está no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor) tem por função estabelecer um padrão comportamental. Esse padrão é o da conduta proba, correta, leal, que considera os legítimos interesses do alter, tendo em vista a natureza, a ambiência e a função da relação, pois visa, imediatamente, a lograr o correto processamento da relação e, mediatamente, assegurar a confiança no tráfego .N çã “ segundo a boa- é” ( o correção de condutas) no trato dos interesses envolvidos naquela relação a fim de que esta chegue ao adimplemento satisfativo. 39.3. D ú “ ; çã ” “ “ ” ” “ çã çã h ” especiais cautelas de proteção para que, da relação jurídica em que estão coenvolvidos, não resultem danos injustos à pessoa e ao patrimônio da contraparte. Estes significados são indiscutíveis em face da tendência contemporânea em matéria de Teoria dos Contratos (revelada em várias legislações) de realizar uma revisão crítica dos paradigmas contratuais “ ” z çõ M ( consumidores) padrões de lealdade ou fairness. Assim registra ALBERTO MONTI ao perceber o direcionamento das regras concernentes à boa-fé ao asseguramento da transparência e das expectativas razoáveis dos contraentes83. E assim está, igualmente, no Código de Defesa do Consumidor em cujo texto se revela a boa-fé como padrão de conduta dirigido a ambos os contraentes (art. 4° . III) “ ”q z informativa e como regra de limite às condutas contratuais abusivas (art. 51, inciso IV). 83 MONTI, Alberto. Buona Fede e Assicurazione. Milão, Giuffrè, 2002, p. 20 et seqs. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 273 39.4. Em exaustivo trabalho de Direito Comparado, em que compara os sistemas norte-americano, inglês, italiano, francês, indiano e chinês, conclui Alberto Monti que a operacionalidade da boa-fé no contrato de seguro persegue : çã “ smo exasperado que prejudica a ” “ çã q q surpresa derivado da modalidade de apresentação da garantia securitária oferta a fim de proceder a um tendencial realinhamento entre os termos reais da ó ” 84. 39.5. Essa é, com efeito, a tendência mundial, apresentada tanto nos países super-desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento e também entre nós verificada, em que a lei acolhe a boa-fé em sua feição objetiva. Especificamente no que toca ao suicídio do segurado, a adstrição à boa-fé (como regra de compreensibilidade na comunicação com o contratante vulnerável) está em que o Código substitui critérios subjetivistas, de difícil averiguação e comprovação, por critério objetivo que implementa a segurança de ambas as partes contratantes, eis que cientes, pela mera leitura do texto legal, com razoável dose de certeza, do que esperar da relação de seguro em que envolvidas. 39.6. Ora, não se pode imaginar hipótese de afronta à boa-fé ou de violação à legítima expectativa do segurado derivada da incidência do art. 798 e de sua interpretação como regra fundada exclusivamente em critérios objetivos. 39.6.1. Nã h “ ” ”) (“ ã .O í z é derivado de lei geral (Código Civil) e não de imposição unilateral e abusiva do ( ). Nã h é “ ” íz o beneficiário do seguro, pois tanto o segurado, ao contratar, quanto o beneficiário, sabem de antemão que este último só terá direito capital estipulado passados dois anos da contratação (vigência inicial) ou recondução (depois de MONTI, Alberto. Buona Fede e Assicurazione. Milão, Giuffrè, 2002, p. 265, em tradução livre. N : “(...) z h comprensibilità del linguaggio e la eliminazione di ogni effeto sorpresa derivante dalle modalità di presentazione della garanzia offerta, al fine di procedere ad umtendenziale riallineamento tra zz ‟ .” 84 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 274 suspenso), pois ninguém se escusa de não conhecer a lei. 39.6.2. Se o contrato contém idêntica regra, ou a remissão à lei, com o devido destaque, como exigido pela tutela do contratante vulnerável (Código Civil, art. 424; Código de Defesa do Consumidor, art. 51, inc. I), onde estaria a ?E q “ z ” a receber o capital antes de transcurso o biênio? Onde haveria abusividade contra o segurado, se a regra é estabelecida com clareza por lei democraticamente votada pelo Congresso Nacional, e não imposta unilateralmente pela contratante seguradora? 40. Do mesmo modo, não vejo afronta – antes, percebo congruência – com o princípio da função social do contrato. A existência de um critério objetivo, exclusivamente temporal, que afasta discussões tormentosas, atende à utilidade social e ao próprio caráter transindividual do seguro, permitindo a melhor z çã “ h “surplus cooperativo”. A ” .S é q “ . C é ”é “ ” equação em que se ampara a técnica do mutualismo e, assim, desequilibram as receitas e despesas de um plano de seguro. Não há como imaginar que essa regra (que protege o interesse transindividual em causa) 85 viole os interesses institucionais que, segundo Calixto Salomão Filho são, justamente os interesses protegidos princípio da função social do contrato. 41. O critério temporal objetivo posto no art. 798 também é congruente com valores situados constitucionalmente, de modo implícito ou explícito. Assim, nomeadamente, os princípios da segurança jurídica e da proteção à privacidade, este também de índole infra-constitucional. 41.1. O princípio da segurança jurídica é atendido quando a lei, clara, genérica e impessoal, estabelece critérios facilmente compreensíveis e observáveis pelos SALOMÃO FILHO, Calixto. Função Social do Contrato: primeiras anotações. In Revista dos Tribunais, vol. 823, São Paulo, 2004, p.p. 71-73. 85 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 275 seus destinatários; quando reduza litigiosidade baseada em contorções do vernáculo ou nas dissensões entre os vários campos de vida meta-jurídicos envolvidos no problema que se está a regular, como ocorre justamente com o suicídio - grave pecado para um cristão, gesto nobre e virtuoso para um hinduísta; e quando, por sua formulação clara, geral e impessoal, reduz a incerteza e a possibilidade de o beneficiário do seguro deparar-se com “ ” ã é é averiguação basta a prova do decurso do tempo. 42.2. A proteção da intimidade, como Direito Fundamental (CF, art. 5, inc. X) e bem jurídico integrante da personalidade (CC, art. 21) também será melhor observada com o critério objetivo. A sindicância sobre o discernimento (ou ausência de discernimento) do suicida e as dolorosas pesquisas sobre os motivos que o levaram a tolher a sua própria existência deixam de ser necessárias. Ao intérprete cabe apenas constatar se o biênio transcorreu, ou não. Não mais carecerão os advogados das partes digladiarem-se em busca da penosa comprovação da causa do ato extremo: mera debilidade psíquica? Um temperamento influenciável pelas alterações dos estados de ânimo? Um coração partido insuportavelmente pela dor de amor? A iminência de uma revelação desonrosa? Um estado de pânico? Uma total alienação mental? 42.3. Uma interpretação polarizada pelos vetores constitucionais fundamentais se inclinará, em caso de dúvida, à interpretação que melhor concretize a fundamentalidade constitucional dos Direitos de Personalidade, objeto, ao mesmo tempo, da proteção da Constituição e do Código Civil. A proteção a esses direitos não se encerra com a morte, como decidiram o Tribunal Supremo (BGH) C C A em meados do séc. XX, ao assentar: “R h é “ M h ” í constitucional de la inviolabilidad de la dignidad humana que preside todo Derecho Fundamental, que el hombre, al que corresponde dicha dignidad por Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 276 ser persona, pudiera quedar desposeído de ella o vejado en su consideración é ”86. 42.4. Não parece haver dúvidas que a investigação sobre as condições mentais do suicida; a pesquisa invasiva de sua privacidade ou a exposição de suas mais íntimas dores – “ h ã “ ” çã ”- pode, efetivamente, levar ao vexame na consideração que, todavia, lhe é devida mesmo post mortem. Assim, se dúvida houvesse sobre o teor do art. 798 do Código Civil – e não as há, dada a clareza do texto, graças ao expresso expurgo do critério subjetivo - melhor andaria o intérprete que adotasse o caminho ditado pelos vetores constitucionais. 43. Nessa linha anda também parcela da doutrina brasileira que escreveu após a vigência do Código de 2002 ainda que não motive a interpretação do art. 798 pelo viés da proteção aos Direitos Fundamentais. Colha-se, exemplificativamente, a abalizada opinião de Tzirulnik, Cavalcanti e Pimentel: "Este artigo [n: o art. 798] pretendeu encerrar a discussão acerca da cobertura, ou não, de suicídio no seguro de pessoas. (...). Ao que tudo indica, o legislador pretendeu pôr fim ao debate, estabelecendo o critério da carência de dois anos para a garantia de suicídio. O critério é objetivo: se o suicídio ocorrer nos primeiros dois anos, não terá cobertura; se sobrevier após este período, nem mesmo por expressa exclusão contratual, poderá a seguradora eximir-se do pagamento. Não se discute mais se houve ou não premeditação, se foi ou não ”87. 44. Com igual precisão, e atentos aos elementos genéticos da regra codificada, anotam Fiúza e Figueiredo Alves: "Agora, porém, a lei veio a estabelecer um limite temporal, como condição para pagamento do capital segurado, ao BGH 250, 133; Tribunal Constitucional, 30, 194, s. Conforme comentário e transcrição de HATTENHAUER, Hans. Conceptos Fundamentales del Derecho Civil. Tradução de Pablo S. Coderch. Ariel, Barcelona, 1987, p. 26, grifei. Na doutrina brasileira v. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – Celso Bastos Editos, 1998, p. 87-90. 87 TZIRULNIK, Ernesto, CAVALCANTI, Flávio Queirós e PIMENTEL, Ayrton. O Contrato de Seguro. Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo, IBDS, 2002, p. p.212-213, grifei. 86 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 277 afirmar, categoricamente, que somente após dois anos da vigência inicial do contrato é que o beneficiário poderá reclamar o seguro devido em razão de suicídio do segurado. A rigor, é irrelevante, doravante, tenha sido, ou não, o suicídio premeditado, pois a única restrição trazida pelo NCC é de ordem temporal. A norma, ao introduzir lapso temporal no efeito da cobertura securitária em caso de suicídio do segurado, recepciona a doutrina italiana, onde o prazo de carência especial é referido como spatio deliberandi. Esse prazo de inseguração protege o caráter aleatório do contrato, diante de eventual propósito de o segurado suicidar- ” 88. 45. Registrando as posições divergentes, também Venosa observa: "O atual Código procura solucionar de forma mais prática e objetiva a questão, estatuindo que o suicídio não gerará indenização, se ocorrido nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou de sua recondução depois de suspenso, permitida esta pelo ordenamento (art. 798). Sob tal prisma, afastar-se-á a discussão acerca da premeditação. Com esse período de dois anos, afasta-se a possibilidade de eventual fraude de quem faz seguro de vida com a intenção precípua de suicidar-se. Esse mesmo art. 798 é expresso no parágrafo único, estatuindo que "ressalvada a hipótese prevista neste artigo, é nula a cláusula contratual que exclui o pagamento do capital por suicídio do segurado" 89. 46. Por igual exprime Paulo Nader: "O Código Civil estipula um conjunto de critérios a ser considerado na hipótese de suicídio do segurado. O legislador buscou o fiel da balança, a fim de promover a justiça do caso concreto, dando a César o que é de César. Partiu do pressuposto de que o suicídio, quase sempre, é ato de desequilíbrio, algumas vezes circunstancial e na maioria dos casos não comporta uma espera superior a dois anos. O legislador não quis facilitar o pagamento da indenização, a fim de não incentivar o ato tresloucado, nem pretendeu impedir a contraprestação em situações justas, que não oferecem indicativos de má-fé. Em caso de suicídio do segurado, para que o beneficiário FIUZA, Ricardo e FIGUEIREDO ALVES, Jones. Novo Código Civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2006. 5ª ed. p. 654 89 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. São Paulo: Atlas, vol. III, 2004. 4ª ed. p. 408, grifei. 88 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 278 faça jus ao pagamento, é preciso que tenha havido, entre a formação do contrato e o evento, uma carência mínima de dois anos ou, igual prazo, após o fim da suspensão do contrato. Não preenchida uma destas exigências, a sociedade seguradora haverá de pagar ao beneficiário o valor correspondente ao da reserva técnica formada. É a dicção do art. 798” 90. 47. Com base em cuidadosa pesquisa de Direito Comparado, leciona Kriger Filho: "Entre nós também não passou desapercebido da atenção do legislador [o tema do suicídio], tanto que o artigo em comento expressamente exclui o direito à cobertura securitária se o mesmo ocorrer dentro do lapso de dois anos da vigência inicial do contrato ou da sua recondução, se seus efeitos restarem suspensos. Este tempo de "carência", pelo qual se outorga ao segurador legitimidade para negar o pagamento da indenização em caso de suicídio do segurado, é conhecido como "regra da indisputabilidade" ou spatio deliberandi dos italianos, pertencendo inclusive à sistemática legal de vários países, a exemplo da Alemanha, em que é de dez anos, da Argentina, três anos, da França, P ”91. 48. É bem verdade haver interpretações divergentes na doutrina92 e, bem mais raramente, na jurisprudência93. Porém, não se afiguram como as mais NADER, Paulo. Curso de Direito Civil: Contratos. Rio de Janeiro: Forense, vol. 3, 3ª ed., 2008, P. 385. 91 KRIGER FILHO, Domingos Afonso. Seguro no Código Civil. Florianópolis: OAB/SC, 2005, pp. 246-244-245. 92 A doutrina que sustenta a persistência do critério do Código de 1916 parece hesitar. ConfiraR zz q “ ç q s Có 1916” “ ú çã é devendo, para ensejar o direito, que não ocorra depois do prazo de carência de dois anos. No mais, é indiferente tenha ou não ocorrido a premeditação, ou a voluntariedade do ato", em outra “ çõ ” (RIZZARDO A . Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2005. 6ª ed. p. 874). Outros autores (como TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; e MORAES, Maria Celina Bodin. Código Civil interpretado conforme a Constituição da Républica. Rio de Janeiro: Renovar, vol. II, 2006, p. 608) h ç z : “D se se o dispositivo em questão prevê, na verdade, apenas uma inversão do ônus da prova. Assim, nos primeiros dois anos, incumbiria ao beneficiário comprovar a não premeditação do suicídio pelo segurado. Se o beneficiário lograsse comprovar a não premeditação, a seguradora não poderia se eximir da sua obrigação, ainda que o suicídio ocorra nos primeiros dois anos de vigência do contrato." Do mesmo modo os atualizadores da obra de Orlando Gomes, Antônio J q Az F P C z M q : “H interpretações possíveis desta regra. De acordo com a primeira, trata-se de espécie de prazo de carência para a cobertura nos casos de suicídio. A estipulação de prazo de carência será lícita, à 90 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 279 adequadas em face da letra expressa do Código, da expressa motivação do legislador (revelada nas Notas Explicativas de Comparato, da incolumidade da regra por todo o período da tramitação legislativa do Projeto) bem como em face dos vetores constitucionais antes referidos. 48.1. Com todo o respeito aos seus ilustrados autores, parecem-me, na realidade, conclusões ilógicas, efetivamente contraditórias e anacrônicas. Isto porque não haveria razão para adotar-se um critério temporal objetivo para, em seguida, desmanchá-lo com a criação de presunções não previstas e justificáveis tão somente se tivesse sido considerado pela lei o critério subjetivo, como ocorria na vigência do Código de 1916. 48.2. Nesse particular – volto a insistir – são de valia a doutrina italiana, que enfrentou a questão há sessenta anos, respondendo com firmeza e coerência ao fato de o novo texto expurgar o critério ligado ao sujeito (premeditação, ou não), substituindo-o pelo critério objetivo bem como a história da tramitação legislativa, a evidenciar a reiterada vontade democrática. Ademais, é de se perguntar: porque razão teria o Código de 2002 mudado radicalmente a regra se fosse para a interpretação continuar a mesma atribuída ao art. 1.440 do Código revogado? Não se estaria então a repetir o célebre – e cínico - dito de Trancredi a Don Fabrizio Corbera, Príncipe di Casa Salina, q “tudo deve mudar para continuar no mesmo?” 94. luz do art. 797 do Código Civil. Consoante outra interpretação, o dispositivo instituiria presunção relativa (iuris tantum) no sentido de que o suicídio dentro do prazo de dois anos é premeditado, afastando o direito à garantia. Nesse caso, seria possível ao beneficiário demonstrar que o suicídio não foi premeditado, fazendo jus ao recebimento do capital segurado. Esse é o teor do Enunciado nº 187 da III Jornada de Direito Civil." (GOMES, Orlando. Contratos. R J : F 26ª . 2008 . 513). J C “A é surpreendente e nada feliz, porque estabeleceu uma espécie de suicídio com prazo de carência, inovando em uma matéria que já estava muito bem equacionada pela doutrina e pela .”( CAVALIERI FILHO Sé . Programa de Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Malheiros, 2004. 5ª ed ,p. 443). 93 TJRS Apelação Cível nº 70022770879, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Sérgio Scarparo, Julgado em 12/03/2008. Idem: Apelação Cível nº 70017404088, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ubirajara Mach de Oliveira, Julgado em 13/12/2007 e Apelação Cível nº 70020123949, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 21/11/2007, todas do mesmo Tribunal. 94A famosa frase é: "Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi!. (v. LAMPEDUSA, Giuseppe Tommaso di. Il Gattopardo. 90ª ed. Roma: Feltrinelli, 2008.) Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 280 49. Também – como acabamos de anotar - não se afiguram adequadas por uma interpretação literal, lógico-sistemática e axiológica, à luz dos princípios da Constituição e do Código Civil. 50. Por fim, não configuram hipóteses de permissão para a livre criação judicial do sentido do texto. 50.1. Tem a doutrina acentuado, ao longo do séc. XX o abandono do estreito positivismo legalista que tinha a letra da lei como intocável fetiche. Isto não obstante, há consenso acerca da existência de espaços e limites para a atividade do intérprete. 51. O “D J íz ” (Richterrech), ao afirmar a “ í 95” concomitantemente, o seu espaço, qual seja, o espaço legislativo lacunoso ou aquele que, por mudança ponderável na realidade fática somada à inércia do legislador, transformou o sentido originalmente conferido à disposição legal. É este o âmbito do Direito jurisp q “vive accanto, o complementarmente, al diritto legale, determinandolo, arrichendolo o consolidandolo”96 e assim promovendo a permanente adaptação da lei aos fatos. Há, ademais, técnicas para tanto, seja a interpretação ab-rogante, seja a analógica, seja a extensiva, não se devendo esquecer que a legitimidade .É üí enfatizar qu z çã q Mü “ ” í í 97 ã é “ e ao çã ” ORRU, Giovanni. Richterrech. Il Problema della Libertà e Autorità Gudiziale nella dotrina tedesca comtemporânea. Milão, Giuffrè, 1988, p. 139. Em traduçã : “V complementarmente, ao direito legal, determinando-o, enriquecendo-o ou consolidando- ”. E similar sentido REALE, Miguel. Fontes e Modelos do Direito – para um novo paradigma hermenêutico. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 29-30. 96 ORRU, Giovanni. Richterrech. Il Problema della Libertà e Autorità Gudiziale nella dotrina tedesca comtemporânea. Milão, Giuffrè, 1988, p. 139. 97 MULLER, Friedrich. Discours de la Méthode Juridique. Trad. fran. de Olivier Jouanjan. Paris. PUF, 1993, p.383. 95 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 281 (Nachvollzug) de valorações legislativas, mas integra um processo mais q çã é “ 52. C T ”98. A A W “(...) z “ ” direito no sentido de poder engendrar soluções para casos que não sejam q ã “ ” ( q çã encaixe automaticamente nelas). Mas essas soluções, sob pena de se deixar definitivame ç “ ” elementos constantes no sistema jurídico, somados, combinados, engrenados, . ã 53. Nã q h ú q ã ã “ h ”99. ” é é subjetivo que animara o Código de 1916, sendo claro o expurgo do elemento “ ” q çã A do Projeto e, finalmente, do Código Civil de 2002. Não podem, portanto, persistir as interpretações que o tomam em consideração, sob pena de ensejar o arbítrio, o voluntarismo, contrário ao jogo democrático e aos valores contidos no Estado e Direito, não se justificando emprestar ao art. 798 o que ele efetivamente não contém100. MULLER, Friedrich. Métodos de Trabalho do Direito Constitucional. São Paulo, Max Limonad, 2ª ed. revista, 2000, pp. 66-67. 99 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das Decisões Judiciais por Meio de Recursos de Estrito Direito e da Ação Rescisória. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002, p. 394. 100 A z q “ ” çã . Exemplificativamente a Ap. Civ. Cível nº 70023566433, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 21/05/2008, com a seguinte : “APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. AÇÃO DE COBRANÇA. COBERTURA DO RISCO DE MORTE. SUICÍDIO NÃO PREMEDITADO.ÔNUS DA PROVA. NEGATIVA POR PARTE DA SEGURADORA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. 1. O objeto principal do seguro é a cobertura do risco contratado, ou seja, o evento futuro e incerto que poderá gerar o dever de indenizar por parte do segurador. Outro elemento essencial desta espécie contratual é a boa-fé, caracterizada pela sinceridade e lealdade nas informações prestadas pelo segurado ao garantidor do risco pactuado, cuja contraprestação daquele é o pagamento do seguro. 2. Consoante entendimento jurisprudencial assentado nesse Colegiado e no STJ, haverá pagamento do seguro se o segurado vier a falecer em razão de suicídio não premeditado, mesmo que dentro do interregno de tempo assinalado pelo art. 798 do Código Civil. 3. A seguradora não logrou êxito em comprovar a premeditação, ônus que lhe incumbia e do qual não se desincumbiu, a teor do que estabelece o art. 333, II do CPC, mostrando-se devida a indenização securitária. Por R ”. ( ). 98 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 282 54. O critério temporal objetivo que dispensa a investigação sobre a voluntariedade ou não do suicídio é também acolhido pelas mais recentes legislações. A titulo de exemplo veja-se o que diz novíssima Lei Geral dos Seguros, de Portugal bem como a lei a argentina, e a francesa, e, inclusive, o Substitutivo do Projeto de Lei n° 3555/2004, em tramitação no Congresso Nacional. 54.1. Na legislação portuguesa, o Decreto Lei n.72 de 16 de abril de 2008 estabelece em seu artigo 191 que está excluída a cobertura da morte em caso de suicídio ocorrido até um ano após a celebração do contrato, salvo convenção em contrário. Na legislação argentina também predomina o critério objetivo, visto que a Lei de Seguros n.º17.418 de 1967, em seu art. 135, dispensa a investigação da voluntariedade do suicídio depois de três anos de decurso do contrato101. Na França outro não é o critério senão o temporal, conforme dispõe o art. L132-7 do Code des Assurances: “O suicídio a contar do dé ”102. 55. Posso, assim, com base nesses fundamentos, anunciar as minhas conclusões, o que o faço ao modo sintético, acompanhando o questionamento proposto pelos Consulentes. III. Das Conclusões sintéticas a) A evolução legislativa do CC, tanto omissiva como comissivamente, no que se refere ao pré-falado artigo 798 do CC, admite a conclusão de presunção absoluta de suicídio premeditado no biênio pós-contratação ou recondução? R:A evolução legislativa, evidenciada pela pesquisa genética e histórica, demonstra ter ocorrido, na matéria, alteração radical passando-se de um critério baseado na sindicância da premeditação ou não do suicídio, e de In verbis . 135: “E asegurador, salvo que el h y 102 No original o art. L132-7: “L' è é y 101 ñ .” .” é è Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 q 283 presunções de premeditação, para um critério puramente objetivo, de ordem temporal, exclusivamente, de modo a afastar a pesquisa sobre o estado mental, as intenções, o dolo ou qualquer outro aspecto concernente à subjetividade do suicida (conforme itens 21 a 50, supra); b) A recepção do Substitutivo de lei do Eminente Mestre Fábio Konder Comparato, municiado da sua indiscutível exposição de motivos, e consagrada, positivamente, na derradeira exposição de motivos do CC, da lavra do Eminente Mestre Miguel Reale, admite, no que se refere ao artigo 798 do CC, a conclusão de presunção absoluta de suicídio premeditado no biênio pós-contratação ou recondução? R. Como acima registrado, não há que se falar em presunção. O critério é objetivo, e nada se presume: se ocorrida no biênio pós conclusão do contrato, a morte, por suicídio, não gera ao segurado o direito ao recebimento do capital; se ocorrida após esse período, a seguradora deve pagar, qualquer que seja a causa do suicídio (conforme item 43 supra); Além do mais, se presunção houvesse (como quer o Enunciado n. 187 da III Jornada sobre o Código Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal) essa seria uma presunção violadora do sistema, pois estaria posta contra a parte vulnerável (beneficiário) do contrato (vide item 36.3 supra). c) A não-recepção do Esboço ou Anteprojeto do CC de 1965, no que se refere ao artigo 798 do CC, prejudica a aceitação, para fins de norte da doutrina do Eminente Mestre Caio Mario da Silva Pereira? R. Sim. O Anteprojeto elaborado pelo Eminente Caio Mário não foi objeto da deliberação e aprovação pelo Congresso Nacional e, no particular, sequer influenciou, minimamente que seja, o teor do vigente art. 798 na medida em, na redação proposta pelo ilustre Professor, mantinha o critério subjetivista, sequer o mesclando com o critério objetivista. Como fica claro nas Notas Explicativas do Professor Fábio Konder Comparato, as soluções propostas tanto no Anteprojeto de Caio Mário quanto no de Miguel Reale, não foram consideradas as melhores. Com a humildade intelectual que é própria dos grandes juristas, o Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 284 Professor Miguel Reale reconheceu a superioridade da proposição de Comparato e a acolheu, apoiando a substituição que, efetivamente, veio a ser concretizada, sem ter sofrido a menor alteração pelos longos anos em que o Projeto tramitou no Congresso Nacional. Assim, afirmou-se e reafirmou-se, sem sombra de dúvidas, a vontade democrática de ver adotado unicamente o critério objetivista (ver itens 30 a 33, acima). d) As súmulas 105 do STF (que inclusive despreza a carência, reconhecida nos artigos 797 e 798 do CC) e 61 do STJ, amplamente conhecidas na gestação do CC, permanecem efetivas no que se refere ao “fenômeno” do suicídio, doravante e durante o hiato do artigo 798 do CC? R. Não. Essas Súmulas, fundadas em Código revogado e em disposições e presunções que não mais se sustentam em vista da legislação vigente, perderam a sua razão de ser. (ver item 15, acima) e) O artigo 798 do CC, cuidando do suicídio, sem qualquer indexação, melhor, adjetivação (“voluntário ou involuntário”), em comparação com o Código Beviláqua e com o Anteprojeto de 1965, admite a conclusão de presunção absoluta de suicídio premeditado no biênio pós-contratação ou recondução? R. Prejudicada. Como já registrado acima, não há mais que cogitar de presunções. O critério é exclusivamente o temporal, pois se seguiu, expressamente, o modelo do Código Civil italiano (ver itens 41 a 43, acima). f) A consolidação do CC, em especial do artigo 798 do CC, como “produto” do poder Executivo e “verdade” do Poder Legislativo, permite a rediscussão da mens legis (não se falando da discricionariedade propiciada pelas cláusulas abertas), em vertente hermenêutica, pelo Poder Judiciário? R. Não. Por mais que a doutrina contemporânea valorize o espaço do “Richterrech” “D J íz ” -se de um estreito positivismo legalista, tal não significa que o espaço da decisão judicial possa recair no Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 285 voluntarismo. Ao intérprete é dado afastar o texto legal nos casos permitidos pelo sistema (vide item 50, supra). Realizada a exaustiva análise dos métodos hermenêuticos (genético-histórico; literal; lógico-sistemático e axiológico) constatou-se que todos convergem no sentido de afastar a interpretação ab-rogante proposta por alguns autores e exposta em alguns julgados, tendo-se por ab-rogante a interpretação que nega valor a uma disposição de lei, o que só é admissível quando se verifica a sua absoluta contraditoriedade e incompatibilidade com outra norma, supraordenada e principal. Também não se justifica a interpretação restritiva, assim considerada a que constata que a fórmula textual exprime menos do que o pensamento legislativo quis (minus scripsit quam voluit) porque a restrição só tem lugar quando o texto, entendido de modo geral, como está redigido, viria a contradizer outro texto ou se contivesse uma contradição interna ou se ultrapassasse o fim para a qual foi ordenada , hipóteses que se não verificam (ver itens 41 a 51, supra). g) A ruptura legislativa do CC de 2002, lançando idéia inédita na discussão quanto ao suicídio (artigo 798 do CC), admite a manutenção/utilização do mesmo universo/desfecho jurisprudencial de outrora, antes do seu nascimento? R. Não. A interpretação é a ponte que une o texto normativo à realidade, produzindo a norma jurídica. Se alterados os dados do texto normativo – e radicalmente alterados, pela substituição dos critérios da norma, como na espécie – não se pode, pena de inconcebível anacronismo, sustentar e privilegiar interpretação congruente com a realidade normativa já extinta (conforme itens 19 a 28, supra). h) A destinação da chamada “prova diabólica”, foi, no artigo 798 do CC, o banimento ou o seu endereçamento ao beneficiário? R. O “ ó ” .F motivar a proposição resultante no texto aprovado (sem ressalvas) do art. 798 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 286 do Código Civil. Em face do expresso texto legal não mais se justifica a argumentação que, para um lado (beneficiário) ou para o outro (seguradora) preserve as discussões probatórias e/ou sindicâncias acerca da motivação do suicídio no puerpério bienal do artigo 798 do CC. Esgotado esse prazo, há o dever da seguradora garantir o capital (itens 19 a 28, supra). i) O entendimento de presunção relativa de suicídio premeditado, a partir e com vistas ao puerpério estabelecido no artigo 798 do CC, atenderia aos “fins” da lei, considerando a perpetuação do tormentoso ônus da carga dinâmica das provas? R. Não. Entender-se como proposto pelo Enunciado nº 187 da III Jornada de Direito Civil acarretaria violação aos fins da lei (Código Civil), que pretendeu pacificar as discussões e onerar o beneficiário/consumidor com a prova diabólica que foi tout court banida (assim violando também os fins de proteção do Código de Defesa do Consumidor). Ao contrário desse entendimento penso estar atendidos os fins de segurança jurídica e proteção ao beneficiário quando a lei, clara, genérica e impessoal, estabelece critérios facilmente compreensíveis e observáveis pelos seus destinatários, evitando” “ mo a litigiosidade baseada em contorções do vernáculo ou nas inevitáveis dissensões entre a compreensão dada ao suicídio pelos vários campos de vida meta-jurídicos envolvidos no problema; se está a proteger bens da personalidade do suicida, nomeadamente, a sua privacidade, expurgando-se a pesquisa e as discussões sobre a sua motivação com o que melhor se concretiza a fundamentalidade constitucional dos Direitos de Personalidade, objeto, ao mesmo tempo, da proteção da Constituição e do Código Civil; resguarda a técnica do mutualismo, atada à função social do seguro, pondo-se um freio aos contratos preordenados ao suicídio; determina, de modo claro, à seguradora, que cumpra a obrigação de garantia, ultrapassado o biênio; protege-se, ao fim e ao cabo, os próprios interesses dos consumidores, não adstritos ao interesse meramente individual e é “ í ” -se a função social, dirigida à implementação do interesse (coletivo) do grupo segurado. (ver itens 37 a 49, supra). Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 287 ATUALIDADES METODOLOGIA DO DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL: FUTUROS POSSÍVEIS E ARMADILHAS B E é L w k 103 ç h q q : ç h q ç . E anus mirabilis q q í z . E h í B ó : R D .N q : P í z q h q N q ç F D q h ç ã UERJ. . E . H q . L ç I . M ã í C ã z q çã voltar aos clássicos. A ó ó q P z í : P P çã complexidade do ordenamento. 103 Doutor e Mestre em Direito Civil pela UERJ. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 288 B - h historicidade í q z M é presente; h h q çã h próprio momento hoje é ó q í P . é q çã . í çã é í í çã .P q z q q futuros possíveis. O q z çã é . C q í z h : estilhaçamento . Aq - í “ - õ ”é - çõ - - .C ã é õ .I í z çã é “ : ” Common Law çã . A é . P . 21 2002 Direito da Privacidade. E M C I q M Có é J çã ã ç .P .O h .D ã ; h q .A hã hã h ã q ã q z .D í çã Código da Privacidade . Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 289 O q h q . A P q “ çã çã çõ í caos çã ó ”. H q çõ ó é . U P decisões q ã :“ çã çã í ã [...] A ã çã ó ”. O é . B çã z é . A teoria geral ó - catedral - ã q q z ã z q õ . M z çã çã standards ó q . E ã q h q í é é ã .N ” P .é “q q h . A çã . O “ çã é ( h 360 ) ã é z ó q ã ã é ç z çõ z q é ”. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 290 P q h h ç .M h q í q : esquecimento .I h é í ç çã çã . Nã ignorar h q çã é h Có C .P ressignificar ; q h çã q . P . M D ã fingir que eles não estão ali. Nã ignorando o dado normativo. N çã q P ã T ( . B h q . S q z ã ã ) h q D q q çõ q z q .A ó z esgotar as possibilidades interpretativas da lei vigente. M ã ã h çã . D q í terra arrasada .A q h ó O q q z çõ C çã . : ã ã .A é . Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 291 A ã é h q í z É q q C z D z ã çã summa divisio ú 1988 - B . E é h - q h É . “ ”- ensimesmamento. q . M é q h ó ó q é é q q . I í q D z E q . Nã é í çã q z q q transformadora da sociedade çã q q D z P q ô . P q .N çã z norma fundamental h ç é força ã í “é ã h í é ô - é G C “ q çõ q é ”. M “ q ã ”. O ó h z ã ã é ó P q q : entre mercado e direito não há um antes ou um depois, mas uma inseparabilidade lógica e histórica”. O q ã z é é . M q h q é G q h ó : “O ”. H çõ A é í h Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 z 292 .S é ã .T q . E D h ç . P q í .M í çã ã é é q z A ã ã R í h q ã esquecimento - . q . í q : h estilhaçamento ensimesmamento. A çã P chefs é P : “A çã z - q õ z çã h q : z í ; ã í z íz í z çã q é çõ ; ç z çã çã . M çõ z q ç é çã çã ”. O . Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 293 RESENHAS O SEGUNDO PASSO: DO CONSUMIDOR À PESSOA HUMANA Resenha de SCHMITT, Cristiano Heineck. Consumidores hipervulneráveis: a proteção do idoso no mercado de consumo. São Paulo: Atlas, 2014. Carlos Nelson Konder104 I. Não se pode deixar de reconhecer que algumas das conquistas mais importantes no âmbito das relações privadas no Brasil, nas últimas décadas, ocorreram graças à atuação dos juristas dedicados ao direito do consumidor. O impacto social do advento da Lei 8.078/90 e da jurisprudência que lhe deu aplicação é dos mais relevantes em termos de efetivação do objetivo constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária. Estas vitórias í ç “ ” desde os debates sobre a redação do anteprojeto do CDC até a influência sobre a consolidação e o desenvolvimento das decisões que efetivaram as conquistas daquele diploma. Esses juristas assumiram um duplo papel. De um lado, cientistas do direito, enfrentando a aridez da civilística clássica e superando as divisões tradicionais da dogmática jurídica (privado x público, substancial x processual) para desenvolver novas técnicas e instrumentos idôneos à efetivação da tutela dos consumidores. De outro lado, ativistas sociais, lutando pela eficácia de tais instrumentos contra gigantescas forças econômicas que, resistentes à mudança, buscavam interferir nos mais diversos níveis. As conquistas são inquestionáveis. Ainda que o processo não esteja findo, eis que sempre se abrem novos fronts de batalha (tenha-se em vista as batalhas pela reforma do CDC, envolvendo o superendividamento, o comércio eletrônico e a Doutor e mestre em direito civil pela UERJ. Especialista em direito civil pela Universidade de Camerino (Itália). Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UERJ e do Departamento de Direito da PUC-Rio. 104 Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 294 tutela coletiva), foram vencidos os argumentos ad terrorem de que a proteção do consumidor levaria à quebra da atividade empresarial e a um retrocesso econômico. Por isso, é com enorme satisfação que assistimos alguns daqueles juristas darem um segundo passo. A conquista da proteção do consumidor, ainda que em constante expansão, não é suficiente. Embora a categoria do consumidor seja mais concreta e específica do que a generalidade seca do “ ” í é de alguma abstração, demandando a persistência no esforço de concretização. O consumidor padrão, ou ainda mais o consumidor pessoa jurídica, não pode receber o mesmo tratamento protetivo que o consumidor criança, o consumidor idoso, o consumidor portador de necessidades especiais. Essa constatação conduziu à recuperação, entre esses juristas, da categoria da vulnerabilidade. Trazida do cenário da saúde pública, foi presumida e generalizada nas relações de consumo, mas a recente doutrina a devolve à sua origem natal, restabelecendo e aprofundando o vínculo entre esse conceito e a inexorável fragilidade da condição humana. Nessa toada, diversos estudos foram publicados, dedicandose à construção de mecanismos de tutela diferenciados para esses sujeitos submetidos, em sua humanidade, a condições ainda mais delicadas e mais necessitadas de tutela, com fundamento na solidariedade. Ante a insuficiência da vulnerabilidade consumerista, padronizada para todos os consumidores, construiu-se a categoria da hipervulnerabilidade, que ganhou ampla difusão a partir de alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça. A categoria, contudo, ainda carecia de sistematização doutrinária adequada. Esse é o contexto em que surge a bem-vinda obra de Cristiano Heineck Schmitt. II. Consumidores hipervulneráveis: a proteção do idoso no mercado de consumo aborda o dramático problema social dos abusos perpetrados sobre os idosos no âmbito das relações de consumo. Em uma sociedade em que a novidade é supervalorizada e o que é antigo é tratado como obsoleto, o idoso é cada vez mais relegado ao segundo plano no que tange ao adequado acesso a bens e serviços fundamentais como no que se refere à assistência de saúde e, ao mesmo tempo, quando titular de patrimônio e, muitas vezes, fonte de renda estável, decorrente de pensões e aposentadorias, vítima fácil da indústria do Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 295 superendividamento. A previsão constitucional da tutela do idoso, e mesmo sua regulamentação pelo Estatuto do Idoso, ainda demandam eficácia adequada para a viabilização de uma proteção real e concreta. Neste sentido, é mais do que louvável o objetivo de Cristiano Heineck Schmitt de ampliar a efetivação dessa tutela por meio da categoria da hipervulnerabilidade. Para tanto, o autor compõe sua bela obra em três capítulos. No primeiro, busca estabelecer uma ligação entre direitos do consumidor e direitos fundamentais. Rico na doutrina acerca da chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais e nas reflexões acerca do impacto do princípio da dignidade da pessoa humana nas relações privadas, alça o consumidor que for “ ” “ ”. N í dedica-se à tutela constitucional do consumidor idoso, com grande manancial de pesquisas e dados empíricos, além de uma análise minuciosa do superendividamento de idosos. O terceiro capítulo estabelece a passagem final: da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo à hipervulnerabilidade do consumidor idoso. Com fundamento nos princípios da igualdade e da proporcionalidade, o aut q “ vulnerabilidade é uma circunstância inseparável da noção jurídica de ” ç z õ h q “ soma da vulnerabilidade intrínseca à pessoa do consumidor, com a fragilidade q í ”. A dos contratos de planos e de seguros de assistência privada à saúde, identificando na aplicação do CDC e da Lei n. 9.656/98 formas de redução dos cenários de espoliação do idoso. III. A obra de Cristiano Heineck Schmitt é enriquecedora em diversos níveis. Em primeiro lugar é um alerta. Os dados apresentados pelo autor revelam a intensidade e a frequência dos mecanismos negociais de exploração de idosos e a urgência da atuação dos juristas em prol de soluções mais eficazes. Em segundo lugar, é um diálogo. O autor estabelece ligações entre teorias e doutrinas que, para prejuízo da sistematicidade do ordenamento, são muitas vezes tratadas em apartado, como as reflexões constitucionalistas sobre direitos fundamentais, as informações apresentadas pela sociologia do direito, as Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 296 difundidas técnicas do chamado microssistema consumerista e as tradicionais estruturas do direito privado. E é, ainda, em terceiro lugar, uma proposta inovadora. Defende, com simplicidade e clareza, a construção de uma nova é ã “h ”. Reconhece, portanto, que no mesmo espírito que a categoria dos consumidores foi criada, para tratar de forma privilegiada uma categoria socialmente desprivilegiada, é necessário ir além. Tratar todos os consumidores da mesma forma, desconsiderando suas fragilidades humanas, seria desprestigiar, nesse segundo momento, o princípio da igualdade. Daí a proposta, no sentido de construir uma nova categoria, para diferenciar, alguns, dentre os já diferenciados. Pode-se destacar como um dos pontos altos do trabalho não apenas o chamado diálogo entre as fontes, mas o diálogo com os direitos fundamentais de alçada constitucional que, nesse caso, é menos diálogo e mais monólogo: a normativa consumerista como forma de efetivação do ditado constitucional. Pode-se salientar também a passagem da tutela geral do equilíbrio econômico nas relações de consumo para uma tutela de matiz existencial, fundada na dignidade humana do sujeito consumidor em concreto. Pode-se questionar a conveniência da criação de mais uma categoria abstrata para diferenciar a sempre mais rica e complexa condição humana. Como toda grande obra, suscita reflexões e gera questões, permitindo ao leitor que, após a imersão no texto, continue a pensar sobre o assunto, instigado pela qualidade do trabalho. Mais um ponto está fora de questão: Cristiano Heineck Schmitt deu o segundo passo. Cabe a nós o acompanharmos no diálogo. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 297 SUBMISSÃO DE ARTIGOS Os trabalhos a serem submetidos à Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil para publicação devem observar às seguintes normas: 1. Os trabalhos deverão ser inéditos e exclusivos, isto é, sua publicação não deve estar pendente em outro local. 2. Os trabalhos deverão ser enviados via e-mail para o endereço [email protected]. O processador de texto recomendado é o Microsoft Word. É permitido, contudo, utilizar qualquer processador de texto, desde que os artigos sejam gravados no formato .rtf (Rich Text Format), formato de leitura comum a todos os processadores de texto. 3. Os arquivos do artigo e folha de rosto deverão ser separados e nominados de acordo com o título do trabalho. O artigo não deverá ser identificado. 4. Os trabalhos para a seção de Doutrina deverão ter preferencialmente entre 15 e 35 laudas. Os parágrafos devem ser alinhados a 3 cm da margem esquerda escrita. Não devem ser usados recuos, deslocamentos, nem espaçamentos antes ou depois. Não se deve utilizar o tabulador <TAB> para determinar os parágrafos: o próprio <ENTER> já determina este, automaticamente. A fonte utilizada deve ser Times New Roman, corpo 12. Os parágrafos devem ter entrelinha 1,5; as margens são de 3cm no lado esquerdo, 2,5cm no lado direito e 2,5cm nas margens superior e inferior. O tamanho do papel deve ser A4. 5. Os trabalhos deverão ser precedidos por uma folha de rosto com o título do trabalho (em inglês e português), nome do autor (ou autores), endereço, telefone, faz, e-mail, situação acadêmica, títulos, instituições a que pertença e a principal atividade exercida. 6. As referências bibliográficas deverão ser feitas de acordo com a NBR 6023/89 (Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT). A referência bibliográfica básica deverá conter: sobrenome do autor em letras maiúsculas; vírgula; nome do autor em letras minúsculas; ponto; título da obra em itálico; ponto; número da edição; ponto; palavra edição abreviada; ponto; local; dois pontos; editora Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 298 (suprimindo-se os elementos que designam a natureza comercial da mesma); vírgula; ano da publicação; ponto. Exemplo: DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 7. Os trabalhos deverão ser precedidos por um resumo analítico bilíngüe que não ultrapasse 10 linhas, pela indicação de palavras-chaves em inglês e português e por um Sumário, numerado, com as divisões do texto, separada cada divisão da outra por um travessão. Exemplo: SUMÁRIO: 1. Realidade social e ordenamento jurídico – 2. Regras jurídicas e regras sociais – 3. O jurista e as escolhas legislativas. – 4. O Código Civil – 5. A Constituição – 6. A chamada descodificação. 8. Qualquer destaque que se queira dar ao texto, sempre com parcimônia, deve ser feito com o uso do itálico. Não deve ser usado o negrito ou o sublinhado. 9. O Conselho Assessor da Revista reserva-se o direito de propor modificações ou devolver os trabalhos que não seguirem essas normas. Todos os trabalhos recebidos serão submetidos ao Conselho Assessor da Revista, ao qual cabe a decisão final sobre a publicação. 10. A publicação na RBDCivil implica a aceitação das condições da Cessão de Direitos Autorais de Colaboração Autoral Inédita, e Termo de Responsabilidade, que serão encaminhados ao(s) autor(es) com o aceite. 11. Como contrapartida pela Cessão de Direitos Autorais, o(s) autor(es) receberá(ão) um exemplar da RBDCivil. Revista Brasileira de Direito Civil | ISSN 2358-6974 | Volume 1 – Jul / Set 2014 299