Petróleo não é mercadoria, é poder!
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Petróleo não é mercadoria, é poder!
“À guerra, cavaleiros esforçados! Pois os anjos sagrados em socorro estão em terra. À guerra!” (Gil Vicente) 2 a quinzena de agosto de 2013 Vol.XX, nº 6 Petróleo não é mercadoria! Egito: o enigma da esfinge Os recentes acontecimentos no país resistem a explicações simplistas. P. 8 O novo governo do México está empenhado em mudar a Constituição do país para “flexibilizar” o monopólio estatal sobre o setor energético. O Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa) está ajudando a mobilizar nacionalistas mexicanos e brasileiros para esta batalha crucial. EDITORIAL (P. 2) E P.4 E SEGUINTES Caso Snowden expõe aparato de inteligência do “governo mundial” As revelações do ex-analista da NSA estão escancarando uma estrutura supranacional. P. 10 Por que o programa espacial brasileiro não decola No Senado Mexicano, um importante debate reuniu representantes do Foro de Guadalajara. Da esq. para a dir., Lorenzo Carrasco, Alfredo Jalife-Rahme, o eng. Fernando Siqueira, o senador Manuel Bartlett e o eng. Javier Jiménez Spriú (foto Marivilia Carrasco) si_20_06.pmd 1 Dez anos depois do desastre de Alcântara, a plataforma de lançamentos continua vazia. P. 12 30/08/2013, 21:55 2 Solidariedade Ibero-americana EDITORIAL México se mobiliza contra a privatização energética Assim como ocorre no Uruguai, onde a maioria da população se opõe à legalização do consumo da maconha, aprovada pelo Congresso, a maior parte da população do México está mobilizada contra a proposta de reforma constitucional do presidente Enrique Peña Nieto, que prevê uma cabotina “flexibilização” do monopólio estatal de exploração do petróleo e da geração de eletricidade. No último dia 12 de agosto, Peña Nieto enviou ao Senado mexicano um projeto de lei, propondo mudanças constitucionais que, se aprovadas, acabariam com a soberania energética do país. O projeto de lei do Executivo, originalmente anunciado perante foros internacionais, está muito longe de refletir os verdadeiros interesses da nação e da população mexicanas; em vez disto, reflete uma antiga aspiração dos grupos energéticos angloamericanos, a de entrar na exploração e comercialização do petróleo mexicano, atividades reservadas ao Estado por mandato constitucional desde a nacionalização decretada pelo presidente Lázaro Cárdenas, em 1938. A iniciativa presidencial propõe uma reforma dos artigos 27 e 28 da Constituição, os quais estabelecem que “corresponde à nação o domínio direto de todos os recursos naturais da plataforma continental e das zonas submarinas das ilhas… o petróleo e todos os hidrocarbonetos sólidos, líquidos e gasosos (Art. 27), e que “não constituirão monopólios as funções que o Estado exerça de maneira exclusiva nas áreas estratégicas”, tais como a cunhagem de moeda, a emissão de cédulas por meio de um único banco, petróleo e demais hidrocarbonetos, petroquímica básica, minerais radiativos e geração de energia nuclear, eletricidade, entre outros (Art. 28). Com a promessa perene do discurso neoliberal de que as reformas ajudarão a modernizar as empresas paraestatais Pemex e Comissão Federal de Eletricidade (CFE), tais reformas são orientadas para formar associações de benefícios compartilhados com os tubarões petrolíferos transnacionais, em áreas atualmente restritas ao controle do Estado. No contexto da cultura nacionalista mexicana, chega a ser ofensivo o fato de o projeto de reforma ter recebido o nome do general Cárdenas. A propaganda de que a intenção é retomar a redação dos artigos constitucionais de sua época, como alegado pelos defensores da proposta, não deixa de revelar a existência de uma forte oposição nacional a qualquer tentativa de desnacionalização do petróleo. Não por acaso, o filho de Cárdenas, Cuauhtémoc Cárdenas, saiu imediatamente a desqualificar o uso perverso do nome de seu pai, como uma tentativa de manipulação da população. “É falaciosa e ofensiva a utilização que o governo está fazendo da figura de Lázaro Cárdenas, para justificar e promover perante o povo do México a sua EDIÇÃO EM PORTUGUÊS Diretora: Silvia Palacios Publicado pelo MSIA – Movimento de Solidariedade Ibero-americana si_20_06.pmd Conselho editorial: Angel Palacios Zea, Geraldo Luís Lino, Lorenzo Carrasco e Marivilia Carrasco Projeto Gráfico: Maurício Santos 2 Rua México, 31 s.202 CEP 20.031-144 Rio de Janeiro-RJ Telefax: + (21) 2532-4086 E-mail: [email protected] Sítio: www.msia.org.br 30/08/2013, 21:55 2a quinzena de agosto de 2013 3 antipatriótica e entreguista proposta de um livro que teve Bartlett como coordereforma energética. A luta principal de nador, o qual documenta não apenas o Lázaro Cárdenas foi pelo resgate e o exer- potencial de desenvolvimento da Pemex, cício pleno da soberania da nação e seu se a empresa for liberada da abusiva cardesenvolvimento independente. Este foi o ga tributária à qual tem sido submetida, objetivo fundamental da expropriação pe- mas também o papel absolutamente estratrolífera de 18 de março de 1938 e o da sua tégico dos recursos petrolíferos para o firme oposição posterior à outorga de con- esforço de transformação do México em tratos de risco. A iniciativa oficial vai jus- uma potencia econômica, tecnológica e tamente em sentido contrário”, disse ele. industrial, com os seus próprios meios. Em entrevista à jornalista Carmen No livro, Bartlett descreve “as impliAristegui, divulgada no sítio Noticias cações para o México da eventual aproMVS, Cárdenas reiterou que, ao referir-se vação e imposição dos interesses estranàs palavras de seu pai, o governo “se co- geiros sobre os nacionais, para o cresciloca contra a ideologia, a política e tudo mento econômico, a segurança energética, o que Lázaro Cárdenas fez em vida”. a segurança nacional, o abastecimento e Por outro lado, a campaos preços da energia e dos nha para a desnacionalizaprodutos petroquímicos”. ção do petróleo, promovida “Se esses interesses se im“Se os interesses pelo governo de Peña Nieto, puserem à sociedade mexiprivatizantes se motivou a formação de um cana, o Estado nacional soimpuserem, o amplo movimento supraberano e independente pelo Estado nacional partidário contrário à iniciqual se tem lutado há mais soberano e ativa. O Movimento de Sode dois séculos perecerá e a independente pelo soberania do povo mexicano lidariedade Ibero-americana (MSIa) e o Foro de Guada- qual se luta há mais ficará submetida a poderes lajara participam do mesexternos… Por isso… a aplide dois séculos mo, promovendo debates cação da reforma proposta perecerá e a públicos e com a publicação pelo governo federal condusoberania do povo de um folheto de ampla cirzirá ao suicídio histórico do mexicano ficará culação, o qual ressalta que nosso país. Suicídio que não submetida a o petróleo não é uma mera é buscado nem proposto “commodity”. Ao contrápoderes externos.” pelo povo do México, mas rio, a sua posse representa pela atual coalizão de poder um enorme poder político econômico e político, susteninternacional, pelo que ocupa um lugar tada em um pacto corporativo transnaciocentral na geopolítica anglo-americana, nal”, fulmina o veterano nacionalista. atualmente, preparando-se para travar Além de Bartlett, outras personalida“guerras por recursos” contra as nações des nacionalistas, como o ex-candidato que os possuam. presidencial Andrés Manuel López ObraAntes mesmo do anúncio oficial do dor, estão convocando a população para projeto de lei, o senador Manuel Bartlett, grandes mobilizações contrárias às refordo Partido Revolucionário Institucional mas, a primeira marcada para o início de (PRI), já advertia que “a proposta de po- setembro. Uma das exigências dessas lidelítica energética do governo foi definida ranças é a realização de um referendo, segundo as finalidades e interesses do go- para que a população participe de uma verno dos EUA e de suas corporações pe- decisão de tão fundamental importância trolíferas”. Em maio último, foi lançado para o seu próprio futuro. si_20_06.pmd 3 30/08/2013, 21:55 4 Solidariedade Ibero-americana Petróleo não é mercadoria, é poder! Lorenzo Carrasco O projeto de reforma da Constituição Siqueira, o analista político Alfredo JalifeMexicana, apresentado pelo governo do Rahme, os engenheiros Javier Jiménez presidente Enrique Peña Nieto, visando Spriú e Francisco Goroicochea e este autor. romper o monopólio estatal no setor ener- Dois dias antes, fora realizado outro evento gético, não tem qualquer relação com os na Universidade de Guadalajara (UdeG), interesses nacionais, mas é contrário a eles. com o copatrocínio da CROC-Jalisco, Para disfarçar a proposta privatizante, com a presença dos seus dirigentes, Antotem se difundido no México uma série de nio Álvarez Esparza, Joaquín Álvarez Esmitos, como, por exemplo, o dos supostos parza e Porfírio Cortés Silva. êxitos alcançados pelo Brasil com o fim O controle dos ricos recursos petrolído monopólio da Petrobras, durante o go- feros da Ibero-América está no centro de verno de Fernando Henrique Cardoso. uma nova ofensiva do poder anglo-ameriEm vista disso, a seção de Jalisco da cano, para impor no continente uma esConfederación Revoucionaria de Obreros pécie de acordo de livre comércio energéy Campesinos (CROC-Jalisco) e o Movi- tico, nos moldes da malograda Área de mento de Solidariedade Iberoamericana Livre Comércio das Américas (ALCA) dos (MSIa) promoveram uma séria de eventos anos 1990, proposta então bancada pelo do Foro de Guadalajara, com a participa- governo de Bill Clinton. Trata-se, agora, ção de personalidades do nacionalismo de controlar os ativos energéticos por inmexicano, com destaque para o senador termédio dos grandes bancos anglo-ameManuel Bartlett Díaz. Também esteve ricanos e seus aliados, que são os responpresente o vice-presidente da Associa- sáveis pela atual crise econômica mundial. ção de Engenheiros da Petrobras (AEPET), Fernando Siqueira, que foi convidado a expor a verdade sobre os fatos no setor petrolífero brasileiro, assim como relatar o combate que tem sido travado para reverter tal quadro, durante a visita que fez à Cidade do México e a Guadalajara, entre 12 e 16 de março deste ano. No Senado mexicano, em 15 de março, o senador Bartlett promoveu um de- Em 12 de agosto, o presidente Enrique Peña Nieto anuncia o seu bate, com a participação de projeto de reforma energética (foto Efe) si_20_06.pmd 4 30/08/2013, 21:55 2a quinzena de agosto de 2013 Com a sua nova estratégia, planejam reeguer-se triunfantemente da crise, em meio às cinzas dos Estados nacionais arruinados pela sua voraz usura. Por isso, o México e o Brasil são alvos preferenciais dessa configuração geopolítica neocolonial. O canto da sereia neocolonial se baseia em uma série de mitos que querem fazer acreditar que o petróleo – devido a uma suposta superabundância de hidrocarbonetos, especialmente reservas gigantes de gás de folhelhos deixará de ser um bem indispensável. “Acabemos com ele, antes que não valha nada” – é o que se ouve, em meio à atual campanha de privatização. Na ordem estratégica mundial, o petróleo não é um recurso qualquer, é um instrumento de poder. A partir da crise de 2008, quando até os bancos que se consideravam “imortais”, como o lendário Lehman Brothers, entraram em bancarrota e viram os seus papéis se evaporarem, a corrida não apenas pelo ouro, mas por todos os recursos naturais. A oligarquia internacional empreendeu a “Guerra ao Terror”, que apenas serviu para ocultar a ambição de controlar os recursos naturais energéticos no Oriente Médio e na Ásia Central. Com a guerra da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) na Líbia, em 201, esta máscara caiu, revelando que o propósito de todas as guerras recentes é o controle dos recursos naturais estratégicos. Nesse contexto, a ambição anglo-americana e de seus aliados europeus é converter a nossa região em um quintal energético dos EUA. Nesse sentido, o que já foi feito com o México, esgotando as suas reservas comprovadas de petróleo, agora se pretende fazer também com os recursos petrolíferos brasileiros, que se encontram sob as camadas submarinas do pré-sal. No entanto, apesar das dificuldades e das pressões internacionais, é mais óbvio que a rota de sobrevivência seja afastar o navio do canto da sereia “livremercadista”, orientando-nos na direção de si_20_06.pmd 5 5 uma integração energética ibero-americana. O caminho seguro não será o de nos transformarmos em uma plataforma de exportação de petróleo, mas utilizar tais recursos como base de uma industrialização plena e soberana. Uma vez mais, repetimos: o petróleo não é uma commodity, é poder. Os cimentos de uma aliança energética Brasil-México remontam à origem da política nacionalista para o petróleo em ambos os países – sendo que a Petróleos Mexicanos (Pemex) serviu como modelo para os nacionalistas brasileiros. Se percebe, desde o início, uma batalha para que o Estado brasileiro assumisse o controle sobre tal recurso, com a fundação do Conselho Nacional do Petróleo, a 29 de abril de 1938, cerca de um mês antes do decreto de expropriação das reservas mexicanas de petróleo determinado pelo General Lázaro Cárdenas, então presidente do país. Anos mais tarde, a Pemex serviu de modelo para a criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), já que o governo brasileiro queria, a exemplo do México, ter controle sobre 100% de sua industria petrolífera. Esta é a história da Petrobras – tentando até hoje ser uma empresa totalmente nacional. Tanto o general Lázaro Cárdenas como o presidente Getúlio Vargas tiveram, Em 18 de março de 1938, o presidente Lázaro Cárdenas anuncia a nacionalização do petróleo mexicano 30/08/2013, 21:55 6 Solidariedade Ibero-americana no período dos anos 1930, um grande apoio estratégico mundial no presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt, que dizia que o seu programa New Deal era de autoria dele e de Vargas. Realmente, Roosevelt teve a ousadia de afetar os interesses britânicos, o que ficou muito claro durante a Segunda Guerra Mundial, quando afirmou que os EUA não poderiam ser aliados dos métodos colonialistas do Reino Unido. Entretanto, com a sua morte, o seu legado foi enterrado e a aliança anglo-americana da guerra enveredou-se para o nefasto Establishment anglo-americano, em cuja gênese repousa o êxito do controle sobre os recursos naturais, sobretudo energéticos. Tal associação serviu de cimento para a construção de um governo mundial neocolonial, sonhado por Cecil Rhodes. Colocar o planeta sob o comando de um “governo mundial” foi e continua sendo um plano do Establishment angloamericano, eixo de poder que nasceu precisamente junto com o crescimento na demanda por petróleo. Os interesses bancários Rothschild, Morgan e Rockefeller formaram o núcleo central dessa oligarquia unipolarizada, que hoje resiste em abrir mão dos seus privilégios. Em consequência, na Ibero-América, enfrentamos ferozes pressões dessas potências decadentes, guerreando desesperadamente para manter a sua hegemonia mundial por meio do controle dos recursos energéticos. No dia 27 de junho, quatro deputados federais estadunidenses enviaram ao presidente da Reserva Federal, Ben Bernanke um comunicado em que fazem duras considerações sobre a responsabilidade dos grandes bancos no agravamento da crise internacional. O que mais se destacou foi a oposição dos congressistas à progressiva participação desses bancos nos mercados de matérias primas, e outras atividades não propriamente financeiras – que têm contribuído para aumentar os níveis especulativos que caracterizam si_20_06.pmd 6 tais mercados, que repercute na formação dos preços. A carta foi assinada pelos deputados do Partido Democrata, Alan Grayson, Raúl Grijalva, John Conyers e Keith Ellison. A seguir, alguns excertos mais significativos do documento: “Nós lhe escrevemos a respeito da expansão dos grandes bancos para o que têm sido, tradicionalmente, esferas comerciais não-financeiras. Especificamente, estamos preocupados com a maneira como os grandes bancos têm, recentemente, expandido os seus negócios em áreas como a geração de eletricidade, refino e distribuição de petróleo, controle e operação de ativos públicos como portos e aeroportos e, até mesmo, a mineração de urânio. (Isto não é um assunto de segurança nacional?). “Alguns exemplos. Em junho, o Morgan Stanley importou 4 milhões de barris de petróleo e produtos petrolíferos para os EUA. O Goldman Sachs armazena alumínio em vastos depósitos em Detroit, além de estar atuando como corretor de derivativos de commodities. Este “banco”, também, está se expandindo para a propriedade e operação de aeroportos, rodovias pedagiadas e portos. O JP Morgan vende eletricidade na Califórnia. “Em outras palavras, o Goldman Sachs, JP Morgan e Morgan Stanley não são mais apenas bancos – efetivamente, eles se tornaram companhias petrolíferas, operadores de portos e aeroportos, corretores de commodities e empresas elétricas. Isto está causando problemas imprevistos para o setor industrial da economia. Por exemplo, a Coca Cola abriu uma queixa contra o Goldman Sachs, na Bolsa de Metais de Londres, por estar acumulando alumínio. O JP Morgan está sendo investigado pelas autoridades reguladoras, por manipular preços de energia na Califórnia... Não sabemos que outras manipulações de preços poderão estar ocorrendo, devido às potenciais vantagens de infor- 30/08/2013, 21:55 2a quinzena de agosto de 2013 mações detidas por corretores de derivativos que também comercializam commodities. A longa sombra da Enron poderia se lançar sobre estas atividades. “Segundo a jurista Saule Omarova, nos últimos cinco anos, ocorreu uma ‘quieta transformação das holdings financeiras dos EUA’. Estas companhias de serviços financeiros se transformaram em mercadoras globais, que procuram extrair rendas de quaisquer atividades comerciais ou negócios financeiros ao seu alcance... Esta mudança tem muitas conseqüências para a nossa economia e para os reguladores bancários. Nós gostaríamos de saber como a Reserva Federal está respondendo a esta mudança. “Nos parece que há um significativo risco macroeconômico em se ter uma entidade massiva, por exemplo, como o JP Morgan, tanto emitindo cartões de crédito e hipotecas, como administrando ofertas de títulos municipais, vendendo gasolina e eletricidade, operando grandes petroleiros, vendendo derivativos e possuindo e operando aeroportos, em vários países. Semelhante mesclagem dramática da economia industrial e da cadeia de suprimentos com o sistema financeiro cria um risco sistêmico, uma vez que não existe, efetivamente, qualquer entidade reguladora que possa supervisionar o que está acontecendo dentro destas entidades globais em expansão.” EUA de olho nos recursos energéticos Durante a sua visita ao Brasil, em 2012, o então secretário de Defesa Leon Panetta deu uma conferência na Escola Superior de Guerra (ESG), na qual afirmou basicamente que um objetivo da diplomacia estadunidense era criar um acordo de livre comércio energético no continente, e que esta era uma decisão estratégica do Pentágono – ou seja, controlar os recursos energéticos. Hoje, não temos um presidente como Franklin Roosevelt, não temos um cobertor si_20_06.pmd 7 7 estratégico; temos Barack Obama, um democrata que parecia ser uma esperança, mas que terminou sem diferenciar-se das políticas do seu antecessor, George Bush. Frente a este quadro, surge a necessidade imperiosa de se construir uma aliança nacionalista entre os dois maiores países ibero-americanos, o Brasil e o México. Neste sentido, temos um problema: o México vive – se é que se pode chamar isso de vida – sob o cativeiro livremercadista, com a sua soberania hipotecada aos EUA. Ao nosso favor, contudo, contamos com o despertar nacionalista e patriótico em vários lugares do nosso continente. São mobilizações como as recentes e inéditas manifestações ocorridas no Brasil, que podem frear os projetos de apropriação dos recursos petrolíferos por forças antinacionais. O que o presidente Peña Nieto falou no Brasil, em sua primeira visita ao País, sobre a promoção de uma aliança BrasilMéxico e uma parceria Petrobras-Pemex, foi uma pregação muito boa, mas feita na “igreja” errada. Tal aliança não deve ser consumada na “igreja neoliberal” dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e seu colega mexicano Carlos Salinas de Gortari. Em vez disto, ela deve ser uma aliança inspirada nos exemplos de Cárdenas e Vargas, a ser consumada no altar do nacionalismo. A nossa mensagem é: ou se constitui uma mobilização nacionalista no continente ou o poder anglo-americano finalizará a sua marcha pela apropriação dos nossos recursos naturais. A Pemex constitui um patrimônio mexicano e temos a responsabilidade de aprimorá-la para as futuras gerações. Por ser parte da identidade nacional, dizia o ex-presidente López Mateos: “É a da nacionalidade no México”. Por isso, estamos em pé de guerra para mobilizar e unificar essas batalhas nacionalistas no continente ibero-americano. É o nosso momento! Despertemos a energia do nacionalismo na Ibero-América! 30/08/2013, 21:55 8 Solidariedade Ibero-americana Egito: para ajudar a entender a esfinge (II) Silvia Palacios Os sangrentos choques ocorridos no Egito, entre as forças militares e policiais e militantes da Irmandade Muçulmana, que resultaram em centenas de mortes e milhares de feridos, resistem a explicações simplistas e maniqueístas como as que estão sendo difundidas por grande parte da mídia internacional, com manchetes que destacam “o fim da Primavera Árabe”, “retrocesso democrático”, “retorno da ditadura militar” e outros chavões do gênero. Para um entendimento que possa começar a penetrar no complexo e nebuloso cenário da nação mais importante do mundo árabe, é preciso considerar três planos. O primeiro plano é o local, marcado por uma divisão cada vez mais marcante da sociedade egípcia, colocando de um lado os seguidores da Irmandade Muçulmana (IM) e, do outro, o restante da população, aí incluída a maioria muçulmana, que rejeita categoricamente a agenda excludente de “islamização” da sociedade proposta pela Irmandade e ostensivamente perseguida durante o efêmero mandato do deposto presidente Mohamed Mursi. Igualmente, a grande maioria dos egípcios se opunha ao envolvimento do país no conflito interno da Síria, no qual Mursi se propunha a engajar-se, após ter apoiado a convocação de uma “guerra santa” (jihad) contra o regime do presidente Bashar al-Assad, em junho último – o que, segundo vários relatos, teria sido a gota d’água para a sua deposição pelas Forças Armadas, no início de julho. Em um artigo publicado em 19 de agosto, no sítio Al-Monitor.com, o diplomata libanês Nassif Hitti, alto funcionário da Liga Árabe, afirma que os aconte- si_20_06.pmd 8 cimentos no Egito e as convulsões em curso na Tunísia e na Líbia representam o fracasso da fase de islamização do “despertar árabe”, expressão que emprega em lugar da mais popular “Primavera Árabe”. Para ele, os islamistas falharam ao não se concentrarem em atender às demandas socioeconômicas, preferindo promover as suas agendas sectárias: “(...) Os eventos correntes no Egito e na Tunísia mostram que a fase islamista do segundo despertar árabe... promovido pelos levantes populares, foi um fracasso. Um processo de democratização iliberal, iniciado sob influência islamista, provocou uma grande oposição de todos aqueles que acreditavam que a era de liberdade começava após a queda da ditadura. Tal liberdade não deveria ser definida ou delineada de uma maneira estreita e seletiva por um partido – no caso, a Irmandade Muçulmana -, em nome de uma superioridade ideológica que o partido acredita defender, promover e impor, de maneiras diferentes. “O tema da identidade ou do redesenho da identidade da sociedade teve prioridade sobre o mais que necessário – e ainda ausente – programa socioeconômico para o desenvolvimento de sociedades que padecem há um longo tempo de uma crise econômica com severas repercussões sociais, que estão na base dos diferentes levantes. Os islamistas no poder permaneceram surdos aos crescentes apelos para o enfrentamento dessas questões básicas. Em vez disto, engajaram-se na reislamização das sociedades muçulmanas. Eles também ficaram insensíveis à necessidade de um processo real de compartilhamento do poder, 30/08/2013, 21:55 2a quinzena de agosto de 2013 baseado na inclusividade e no trabalho para formar um grande consenso nacional para a construção de regimes pós-autoritários. Esconder-se atrás de uma definição de democracia baseada exclusivamente em eleições, na fase inicial das mudanças, e na construção de instituições nacionais, foi mais que um erro custoso. Isto levou a uma forte polarização nas sociedades e criou uma espécie de guerra fria doméstica, em torno das questões da legitimidade e da governança.” No segundo plano, regional, é preciso colocar a situação egípcia no contexto geopolítica do Oriente Médio, em particular, as articulações em torno do conflito na Síria, no qual a tentativa de intromissão de Mursi se revelou fatal para o seu governo. Não por acaso, uma das primeiras providências do regime provisório instalado pelos militares foi ordenar o fechamento do escritório que o Conselho Nacional Sírio (CNS), um dos principais grupos da oposição a Assad, mantinha na capital egípcia, obrigando a sua transferência para Istambul. Porém, o fator-chave de todo o cenário, como ressaltado pelo veterano diplomata indiano M.K. Bhadrakumar, um dos mais argutos observadores políticos em serviço, é a posição da Federação Russa de Vladimir Putin, cujo decidido apoio ao regime de Damasco parece ter obstaculizado de vez qualquer tentativa das potências ocidentais de repetir na Síria o ocorrido na Líbia de Muamar Kadafi. “Dito simplesmente, a Rússia pós-soviética está de volta com um estrondo ao tabuleiro de xadrez do Oriente Médio. De fato, coisas estranhas estão começando a acontecer em toda a região”, diz ele, em seu blog Indian Punchline (19/08/2013). Ademais, Bhadrakumar observa que Moscou tem um “ódio histórico e visceral à Irmandade Muçulmana”, além de manifestar “cálidas relações com o ‘Estado profundo’ egípcio pós-Mubarak” e uma “empatia manifesta” com o governo provisório do Cairo. si_20_06.pmd 9 9 Outro fato relevante é o apoio velado da Igreja Ortodoxa Russa e do Vaticano ao governo provisório egípcio, principalmente, diante dos numerosos ataques à comunidade cristã copta perpetrados por militantes da IM, que resultaram no incêndio de mais de 40 igrejas e em algumas mortes de cristãos. Em comunicado oficial, o governo provisório informou que as igrejas serão reconstruídas pela engenharia do Exército. Em 19 de agosto, o patriarca dos coptas de Alexandria, Ibrahim Isaac Sedrak, divulgou uma nota oficial, na qual afirmou que o que está acontecendo no Egito “não é um conflito político, mas uma luta de todos os egípcios contra o terrorismo”. No terceiro plano, global, é evidente que tanto a crise egípcia como a síria são subprodutos da obstinação dos grupos que dominam a formulação de políticas nos EUA, Reino Unido e demais potências da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em preservar a todo custo a hegemonia global à qual julgam ter direitos adquiridos, após o término da Guerra Fria. Como enfatizamos em numerosas oportunidades, o fator-chave para qualquer possibilidade de superação da crise global é uma ampla reforma do sistema financeiro e monetário internacional, que proporcione o redirecionamento dos fluxos financeiros para investimentos em atividades produtivas, que facilite o estabelecimento de um ambiente global de cooperação em torno de iniciativas de desenvolvimento e proporcione a erradicação definitiva de todas as formas de colonialismo e as tramas geopolíticas, como as que ainda prevalecem no Oriente Médio e arredores. Sem isto, qualquer esforço de mudança para melhor na arquitetura de poder mundial tende a ser inócuo, assim como tendem ao fracasso as lutas das sociedades do mundo árabe para superar o seu histórico atraso político e socioeconômico. 30/08/2013, 21:55 10 Solidariedade Ibero-americana Caso Snowden revela extensão da inteligência do “governo mundial” Geraldo Luís Lino e Lorenzo Carrasco Os desdobramentos das revelações feitas pelo ex-analista de inteligência Edward Snowden continuam desvendando para o mundo a extensão da rede de inteligência montada pelo Establishment anglo-americano para apoiar a sua agenda hegemônica. Por sua vez, as ações intimidatórias de tal aparato denotam que a estrutura de poder que o controla acusou o golpe da defecção de Snowden e, ao mesmo tempo, fornecem evidências para uma melhor identificação desta autêntica estrutura de “governo mundial”. O episódio mais recente do caso envolveu a detenção do brasileiro David Miranda pela Scotland Yard, durante a escala em Londres de um voo entre Berlim e o Rio de Janeiro, no último dia 19 de agosto. Miranda é companheiro do advogado e jornalista Glenn Greenwald, blogueiro do jornal inglês The Guardian e um dos responsáveis pela divulgação das denúncias de Snowden, e viajara à capital alemã sob os auspícios do jornal, para intercambiar informações entre Greenwald e a cineasta Laura Poitras, que também compartilha o acesso a Snowden. Na escala em Londres, Miranda foi detido pela Polícia Metropolitana britânica e interrogado durante quase nove horas, limite legal permitido pela legislação antiterror britânica para uma detenção para interrogatório, além de ter tido todos os seus equipamentos eletrônicos apreendidos, inclusive um console de videojogos. A despeito da indignação si_20_06.pmd 10 generalizada provocada pela ação, inclusive um protesto formal do Itamaraty, que convocou o embaixador de Sua Majestade em Brasília para prestar esclarecimentos, as autoridades britânicas se limitaram a justificar a detenção de Miranda com o ultrajante argumento de que o material levado por ele poderia conter informações “úteis para terroristas”. Nos dias seguintes, mais informações vieram à tona, permitindo uma melhor visão do palco em que ocorreu a detenção de Miranda. Soube-se que o governo dos EUA havia sido informado previamente da operação, embora o porta-voz da Casa Branca tenha negado qualquer influência estadunidense na decisão. E o editorchefe do Guardian, Alan Rusbridger, revelou que, semanas antes, agentes da GCHQ, a contraparte britânica da Agência de Segurança Nacional (NSA) estadunidense, para a qual Snowden trabalhava como terceirizado, haviam pressionado o jornal a destruir discos rígidos de computadores que continham informações fornecidas pelo ex-analista. Como isto não asseguraria, de modo algum, a destruição das informações, a ação foi ostensivamente intimidatória. Igualmente, ficou evidenciado que a decisão sobre a detenção de Miranda não fora tomada pela Scotland Yard, mas pela GCHQ, que atua em estreita coordenação com a NSA, inclusive, no monitoramento dos passos de todos os envolvidos no 30/08/2013, 21:55 2a quinzena de agosto de 2013 11 imbróglio. Como afirmou à agência Reuters um funcionário de segurança estadunidense, um dos principais propósitos da detenção de Miranda “era enviar uma mensagem aos recebedores dos materiais de Snowden, inclusive o Guardian, de que o governo britânico falava sério sobre tentar interromper os vazamentos” Edward Snowden (Reuters, 20/08/2013). Em seu blog, Greenwald assegurou são de conhecimento da NSA, por detrás que as tentativas de intimidação não sur- dos panos, a agência de espionagem não tiriam o efeito desejado (The Guardian, está tão confiante. As fontes disseram que, no mínimo, as autoridades acredi20/08/2013). Não obstante, a despeito de possuir tam que as informações não divulgadas uma capacidade de intrusão tão avassala- [por Snowden et alii] incluem detalhes sodora, a ponto de poder monitorar quase bre a coleta de informações pelos aliados permanentemente todos os passos de de língua inglesa dos EUA, inclusive o qualquer pessoa, num mundo de comu- Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova nicações eletrônicas onipresentes, esse Zelândia [que formam a chamada rede colossal aparato de vigilância demonstra UKUSA]. Uma fonte disse que o governo que o seu gigantismo pode ser, ao mesmo dos EUA está “imprensado” pela possível tempo, um defeito potencialmente fatal. profundidade das informações a que Embora o fato já fosse conhecido, Snow- Snowden teve acesso como um funcioden confirmou que mais de 850 mil pes- nário da Booz Allen Hamilton. A outra soas, a maioria funcionários de empresas fonte destacou que a falta de uma capaciprivadas às quais certas atividades de in- dade de auditoria efetiva pela NSA ficou teligência foram terceirizadas, detêm clas- plenamente evidenciada pela extensão dos sificações de segurança ”top secret”, que dados que Snowden tem em mãos – e pelhes dão acesso aos setores mais sigilosos los canais de mídia aos quais ele os têm do aparato de inteligência estadunidense, vazado (RT, 21/08/2013). O estrago causado pela defecção de caso dele próprio, um analista de escalão secundário na hierarquia do sistema. Snowden deixa flagrante a vulnerabiliE, segundo fontes de inteligência esta- dade dessa estrutura ao seu próprio gidunidenses ouvidas pela rede NBC, até gantismo. E, da mesma forma, aponta agora a NSA desconhece o conteúdo total para a natureza real de um aparato que dos arquivos acessados por Snowden. extravasou em larga medida qualquer Segundo uma reportagem da rede RT, as importância efetiva para a segurança dos fontes, que foram informadas sobre os Estados nacionais que o integram – na bastidores da investigação interna que verdade, trata-se de um complexo supraestá ocorrendo na NSA, disseram ao NBC nacional, sobre o qual os chefes de goverNews que, a despeito das declarações pú- no em Washington, Londres, Ottawa, blicas de funcionários dos EUA, de que os Canberra e Wellington têm apenas um supostos danos causados pelos vazamentos controle formal. si_20_06.pmd 11 30/08/2013, 21:55 12 Solidariedade Ibero-americana Dez anos após desastre de Alcântara, programa espacial não decola Geraldo Luís Lino Em 22 de agosto de 2003, uma explosão seguida de um violento incêndio destruiu o terceiro protótipo do Veículo Lançador de Satélites (VLS) e matou 21 técnicos e engenheiros, no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Desde então, o programa espacial brasileiro avançou pouco. O VLS, cujo projeto foi refeito com a colaboração de uma empresa de engenharia russa, só deverá ser lançado novamente em 2015, para um vôo de testes. A associação com a Ucrânia na empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), para o lançamento de satélites a partir do CLA, com o foguete Cyclone-4, também se arrasta, com o primeiro lançamento previsto para 2014, mas ainda incerto. E o jornal O Estado de S. Paulo de 29 de julho anunciou que o governo brasileiro está negociando um novo acordo com os EUA, envolvendo a utilização do CLA, o qual deverá ser assinado durante a visita da presidente Dilma Rousseff a Washington, em outubro. Em 2012, foi lançada a nova edição do Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), com uma ambiciosa agenda de projetos a serem, em tese, implementados até 2021. A pauta prevê o lançamento de nada menos que 11 satélites de vários tipos e cinco foguetes lançadores, a saber: 1) CBERS-3 e 4 (China-Brazil Earth Resources Satellite): quarto e quinto de uma série de satélites de sensoriamento remoto projetados e construídos em cooperação com a China; o CBERS-3 deverá ser lançado em outubro deste ano e o CBERS4, em 2014, ambos pela China; 2) SGDC-1 e 2 (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas): satélites de comunicações e apoio ao Programa Nacional de Banda Larga, cujos projetos e operação serão coordenados pela empresa Visiona Tecnologia Espacial (joint-venture entre Embraer e Telebrás); o primeiro será projetado e construído si_20_06.pmd 12 pela empresa francesa ThalesAlenia Space e deverá ser lançado em 2016; o segundo, ainda não contratado, tem lançamento previsto para 2019; 3) Amazônia-1, 1B e 2: satélites de sensoriamento remoto, projetados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em cooperação com várias empresas brasileiras, deverão ser lançados, respectivamente, em 2015, 2017 e 2019; 4) SAR (Satélite Radar de Abertura Sintética): desenvolvido pelo INPE, será empregado em atividades militares e civis de vigilância, proteção ambiental e gestão de recursos naturais; lançamento previsto para 2020; 5) SABIA-MAR (Satélite Argentino-Brasileiro de Informações Ambientais Marítimas): projeto conjunto com a Argentina, para o monitoramento ambiental da costa do Atlântico Sul; tem lançamento previsto para 2019; 6) GEOMET-1: satélite meteorológico, com lançamento previsto para 2018; 7) Lattes: satélite de estudos do espaço exterior, projetado pelo INPE em cooperação com empresas brasileiras, deverá ser lançado em 2018; 8) VLM (Veículo Lançador de Microssatélite): foguete de três estágios e combustível sólido, desenvolvido em parceria com a Alemanha, capaz de colocar até 150 kg de carga útil em órbitas baixas; o primeiro vôo está previsto para 2015; 9) VLS-1 V04: quarta versão do foguete, com quatro estágios e combustível sólido, deverá levar 250 kg de carga útil até 700 km de altitude; 10) VLS-Alfa: foguete de três estágios, sendo o último de combustível líquido, capaz de colocar satélites de até 500 kg em órbitas de até 750 km; primeiro vôo previsto para 2018; 30/08/2013, 21:55 2a quinzena de agosto de 2013 11) VLS-Beta: foguete de três estágios, os dois últimos de combustível líquido, capaz de colocar satélites de até 800 kg em órbitas de até 800 km; primeiro vôo previsto para 2020; 12) Cyclone-4: foguete de combustível líquido capaz de lançar cargas de até 1.600 kg em órbitas geoestacionárias (36.000 km de altitude) ou 5.300 em órbitas equatoriais baixas (até 1.400 km); o primeiro vôo deverá ocorrer em 2014. Como se percebe, o programa cobre praticamente todas as necessidades do País no setor e, se cumprido plenamente, implicará em importantes ganhos de capacitação tecnológica. O problema, como tem sido o histórico do programa espacial doméstico, é que ele necessita de recursos da ordem de R$ 9,1 bilhões, até 2021, orçamento quase uma ordem de grandeza superior ao que tem sido alocado às atividades aeroespaciais, no passado recente. E, num País em que as lideranças nacionais não conseguem enxergar a relevância estratégica do setor, esta é uma limitação das mais sérias. Apenas no caso do VLS-1, segundo o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), José Raimundo Braga Coelho, o projeto necessita de R$ 178,4 milhões para ser finalizado, mas, este ano, dos R$ 45,7 milhões alocados a PNAE, apenas R$ 16,4 milhões foram garantidos até agora (Notícias Terra, 22/08/2013). Por aí, já se pode antever a grande dificuldade de que a agenda do PNAE venha a ser cumprida de acordo com os planos originais. O gerente do projeto VLS-1 e chefe da Coordenadoria de Projetos Espaciais do Instituto de Aeronáutica e Espaço, tenente-coronel-aviador Alberto Walter da Silva Mello Júnior, sintetiza o dilema nacional no setor: “Temos profissionais capacitados, treinados e respeitados mundialmente; possuímos o domínio da tecnologia e exportamos foguetes suborbitais; sabemos como realizar operações espaciais complexas e possuímos um centro de lançamento invejável por sua localização e funcionalidade. No entanto, todo projeto de alta tecnologia envolve desenvolvimentos e capacitações industriais dispendiosas. Sem fluxo de recurso adequado, o cronograma físico atual não poderá ser si_20_06.pmd 13 13 seguido, implicando novos atrasos (Notícias Terra, 22/08/2013).” Com ele faz coro o astrônomo Naelton Mendes de Araújo, da Fundação Planetário do Rio de Janeiro: “Não basta vontade para entrar no clube espacial. É preciso persistência e investimentos a longo prazo, em formação de pessoal e desenvolvimento de equipamentos. Sem unir esforços contínuos de militares, de universidades, de políticos e da indústria, não haverá foguete brasileiro nos próximos anos.” O atraso no setor deixa o Brasil na incômoda condição de ser o único dos grandes membros do grupo BRICS que não dispõe de capacidade própria de lançamento de satélites, tem as suas comunicações militares dependentes de um satélite operado por uma empresa estrangeira e depende de satélites meteorológicos estrangeiros para o seu sistema de previsão do tempo. Evidentemente, comparações diretas com a China, a Índia e, muito menos, a Rússia, não são totalmente cabíveis, pois os programas espaciais destes países têm um forte conteúdo militar. Mas, ainda assim, a incapacidade nacional de fazer avançar um programa espacial cujas raízes efetivas remontam à década de 1960 (apenas o projeto do VLS tem três décadas) denota uma colossal miopia estratégica por parte de sucessivos governos. Uma reportagem do Fantástico, da Rede Globo de Televisão, sobre o acidente de Alcântara, levada ao ar em 11 de agosto, proporcionou um vislumbre da mentalidade de “economia de palitos” com a qual o setor costuma ser contemplado. Na ocasião, o País foi informado de que o Ministério do Planejamento está questionando os valores das pensões das viúvas dos especialistas vitimados no acidente. Embora nem os valores envolvidos nem os motivos de tamanho zelo com as contas públicas tenham sido revelados, possivelmente, os tecnocratas brasilienses estão preocupados com o impacto das pensões no sacrossanto superávit primário, sempre a prioridade máxima do governo federal, independentemente do grupo político que ocupe o Palácio do Planalto. Diante de fatos como esse, não é difícil entender por que os esforços espaciais brasileiros não conseguem deixar a plataforma de lançamento. 30/08/2013, 21:55 14 Solidariedade Ibero-americana Radicalismo ambientalista em contraofensiva Leandro Batista Pereira As últimas semanas têm sido pródigas em manifestações bombásticas do aparato ambientalista internacional e de seu ramo local, que se encontram mobilizados nos níveis máximos, no empenho de contra-arrestar as crescentes contestações aos cenários apocalípticos e às propostas radicais de restrições ao desenvolvimento, que constituem a essência do ambientalismo. No campo climático, o famigerado Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vazou para a mídia internacional algumas conclusões do seu quinto relatório, que deverá ser divulgado em 2014, com destaque para a “probabilidade de 95%” de que as atividades humanas seriam responsáveis pelo aquecimento atmosférico observado desde 1950. Por aqui, a sua contraparte nacional, o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), também divulgou o seu primeiro relatório, com prognósticos assustadores para o clima brasileiro, nas décadas vindouras. Em 16 de agosto, a agência Reuters divulgou uma nota, afirmando ter tido acesso a um esboço do próximo relatório do IPCC, que deverá ser parcialmente publicado ainda este ano, o qual sentencia que ”é ao menos 95 por cento provável que a atividade humana – liderada pela queima de combustíveis fósseis – seja a principal causa de aquecimento desde os anos 1950. Isso é mais do que os 90 por cento registrados no último relatório, em 2007, os 66 por cento em 2001 e os 50 por cento em 1995, reduzindo cada vez mais os argumentos de si_20_06.pmd 14 uma pequena minoria de cientistas que culpa as variações naturais do clima”. Um dos editores do relatório, Reto Knutti, professor do Instituto Federal Suíço de Tecnologia de Zurique, é citado, afirmando: “Estamos um pouco mais certos de que a mudança climática... é largamente provocada pelo homem. Temos menos certeza do que muitos esperariam sobre os impactos locais.” A nota da agência afirma ainda: “Quase 200 governos concordaram em tentar limitar o aquecimento global a 2 graus Celsius acima da época pré-industrial, visto como um limiar para mudanças perigosas, incluindo mais secas, extinções, enchentes e elevação do mar, que poderia inundar áreas costeiras e nações insulares. O relatório vai levantar a bandeira sobre um alto risco de que as temperaturas globais aumentem neste século acima daquele nível, e dirá que provas do aumento dos níveis do mar agora são ‘inequívocas’.” Na véspera, a Agência Estado divulgou algumas conclusões do primeiro relatório do PBMC, sobre o impacto das mudanças climáticas no território brasileiro até o final do século, que já haviam sido publicadas na edição de agosto da revista Pesquisa Fapesp. O PMBC, considerado o “IPCC brasileiro”, foi criado em 2009, em uma iniciativa dos ministérios do Meio Ambiente e da Ciência, Tecnologia e Inovação. O relatório, denominado RAN1, deverá ser oficialmente apresentado na 1ª Conferência Nacional de Mudanças Climáticas Globais, em São Paulo (SP), entre 9-13 de setembro. 30/08/2013, 21:55 2a quinzena de agosto de 2013 Os principais prognósticos do relatório podem ser sintetizados no parágrafo seguinte: “As projeções indicam que a temperatura média em todas as grandes regiões do país, sem exceção, será de 3o a 6oC mais elevada em 2100 do que no final do século XX, a depender do padrão futuro de emissões de gases de efeito estufa. As chuvas devem apresentar um quadro mais complexo. Em biomas como a Amazônia e a Caatinga, a quantidade estimada de chuvas poderá ser 40% menor. Nos Pampas, há uma tendência de que ocorra o inverso, com um aumento de cerca de um terço nos índices gerais de pluviosidade ao longo deste século. Nas demais áreas do Brasil, os modelos climáticos também indicam cenários com modificações preocupantes, mas o grau de confiabilidade dessas projeções é menor. Ainda assim, há indícios de que poderá chover significativamente mais nas porções de Mata Atlântica do Sul e do Sudeste e menos na do Nordeste, no Cerrado, na Caatinga e no Pantanal (Pesquisa Fapesp, no. 210, agosto 2013).” Como ocorre com todos os trabalhos do IPCC e congêneres, a linguagem utilizada pelos redatores do documento deixa nos leitores leigos (ou seja, a esmagadora maioria) a impressão errônea de que tais prognósticos têm alguma precisão científica que possibilite a sua utilização para fundamentar a formulação de políticas públicas de longo alcance. A impressão se reforça diante da informação de que o relatório foi elaborado a partir dos trabalhos de 345 cientistas brasileiros, publicados entre 2007 e o início de 2013. Porém, a realidade é bem outra. Para começar, a metodologia do PBMC é a mesma do IPCC, que se limita a uma compilação de trabalhos publicados, algo que pode ser útil para facilitar as pesquisas científicas, mas, por si só, é incapaz de proporcionar uma visão abrangente da dinâmica climática – principalmente, si_20_06.pmd 15 15 tratando-se de autores que atribuem, majoritariamente, ao dióxido de carbono (CO2) o papel de “motor” principal desta dinâmica – atribuição que não conta com qualquer evidência física observada no mundo real, existindo apenas nos modelos matemáticos usados pelos “aquecimentistas” para simular a dinâmica climática. Ademais, um dos próprios coordenadores do trabalho, o meteorologista Tércio Ambrizzi, da Universidade de São Paulo (USP), admite algumas deficiências do esforço: “Há regiões do País, como o Centro-Oeste, sobre as quais quase não há estudos. Também temos pouca pesquisa sobre o paleoclima no Brasil.” Ora, se com uma base de dados irregular já seria temerário se tentar fazer grandes extrapolações para o território nacional como um todo, sem dados paleoclimatológicos, tal empreitada se torna um mero exercício especulativo. Até agora, o estudo dos climas do passado histórico e geológico constitui a principal fonte de informações confiáveis sobre a evolução e a dinâmica do clima da Terra. Graças a ele, sabe-se, por exemplo, que as taxas de variação (gradientes) das temperaturas atmosféricas e oceânicas e dos níveis do mar verificados desde a Revolução Industrial do século XVIII, quando a humanidade começou a usar combustíveis fósseis em grande escala, não demonstram quaisquer anomalias quando comparados aos ocorridos anteriormente – ao contrário, nos últimos 20 mil anos, desde que teve início o degelo do último período glacial, tanto as temperaturas atmosféricas como os níveis do mar já exibiram gradientes até uma ordem de grandeza superiores aos constatados desde o século XIX, sobre os quais os “aquecimentistas” fazem tanto estardalhaço. Em síntese, o que tanto o IPCC como o PBMC estão apresentando não passam de exercícios acadêmicos – e como tais deveriam ser tratados. 30/08/2013, 21:55 16 Solidariedade Ibero-americana CONHEÇA O NOVO LANÇAMENTO DA CAPAX DEI EDITORA Loja virtual: www.capaxdei.com.br | [email protected] F A Ç A O S E U P E D I D O (acrescentar R$ 6,00 para remessa postal) Nome End. Cidade UF Tel.: CEP E-mail exemplar(es) do livro Quem manipula os povos indígenas contra o desenvolvimento do Brasil: um olhar nos porões do Conselho Mundial de Igrejas – R$ 35,00 assinatura anual do jornal Solidariedade Ibero-americana – R$ 135,00 Opção de pagamento: [ ] Cheque nominal à Capax Dei Editora Ltda. no valor de R$ [ ] Depósito bancário no Banco do Brasil, ag. 0392-1, c.c. 20.735-7 em nome da Capax Dei Editora Ltda. no valor de R$ Envie seu pedido e cheque ou comprovante de pagamento à Capax Dei Editora Ltda. R E M E T E N T E | R. México, 31 s. 202 si_20_06.pmd 16 CEP 20031-144 – Rio de Janeiro – RJ telefax +(21) 2510.3656 30/08/2013, 21:55
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