TCC10 - Faculdade de Biomedicina
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TCC10 - Faculdade de Biomedicina
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS FACULDADE DE BIOMEDICINA LEILA SAWADA DISTRIBUIÇÃO GENOTÍPICA DO VÍRUS DA HEPATITE C EM DIFERENTES GRUPOS DE RISCO À INFECÇÃO NO ESTADO DO PARÁ BELÉM 2010 LEILA SAWADA DISTRIBUIÇÃO GENOTÍPICA DO VÍRUS DA HEPATITE C EM DIFERENTES GRUPOS DE RISCO À INFECÇÃO NO ESTADO DO PARÁ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Biomedicina da Universidade Federal do Pará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Biomedicina. Orientador: Msc.Aldemir Branco de Oliveira Filho BELÉM 2010 LEILA SAWADA DISTRIBUIÇÃO GENOTÍPICA DO VÍRUS DA HEPATITE C EM DIFERENTES GRUPOS DE RISCO À INFECÇÃO NO ESTADO DO PARÁ Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Biomedicina da Universidade Federal do Pará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Biomedicina, aprovado com o conceito EXCELENTE Belém (PA), 17 de Novembro de 2007 Banca examinadora: __________ Prof.ºMsc. Aldemir Branco de Oliveira-Filho (Campus Marajó-UFPA/Orientador) ______________ Profº. Dr. José Ângelo Barletta Crescente (NMT/UFPA) ________________ Msc. Igor Brasil Costa (GEBIM/HEMOPA) ________________ Profº. Dr. José Alexandre Rodrigues de Lemos – Suplente (ICB/UFPA) i AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradeço a Deus. Sem ele nada é possível. Agradeço também aos meus pais, Armando e Mamiko, pelo grande incentivo e amor. Aos meus irmãos, Luana e Luis, pela amizade e incentivo. À minha família, Helena, Shozó, Danielle, Hugo e Karla, pelo amor e incentivo. À meus avós, Teruo e Fumika, por serem os principais responsáveis por essa família maravilhosa. Aos “seis amigos” (Mariáh, Cristiane, Rafael, Thyago e Daniel), ao “PEBBA” (Patrícia, Ellen, Bruno, Breno e Alexandre), às “Power Puff” (Laine e Karla), à Ivy Tsuya e a todos os amigos que compreenderam a minha constante ausência nestes últimos quatro e incríveis anos. Obrigada pela amizade, companheirismo e carinho! À turma de Biomedicina 2007, pelos momentos de descontração, grupos de estudos e companheirismo durante estes quatro anos. Aos meus queridos amigos e companheiros do laboratório de Biologia Molecular da Fundação HEMOPA: Aldemir Branco, Andréia Nevis, Carlos Eduardo (Cadu), Caroline Aquino, Daniele “Pandolim”, Hérika Anijar, Igor Brasil, Jairo Castro, Laine Pinto, Magaly Lima, Mariana Araújo, Marcos Benchimol, Priscila Rezende, Tacciany Brito. Muito obrigada pelas conversas agradáveis e ajuda constante em meus experimentos. Ao meu “chefe” Professor Doutor José Alexandre Rodrigues de Lemos, pela oportunidade, amizade e atenção dedicados à mim. Ao meu também querido “chefe” Professor Mestre Aldemir Branco de Oliveira Filho, pela amizade, paciência (muita!), carinho e tempo dedicado à mim. À Professora Doutora Rita de Cássia Mousinho, pelo exemplo de profissionalismo e pela grande ajuda a mim oferecida durante o curso de Biomedicina. ii Aos médicos que contribuíram para este trabalho. À Universidade Federal do Pará pela oportunidade de conhecimento. À Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia do Pará (HEMOPA) pelo apoio logístico e estrutural. À Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTAM) pelo apoio financeiro. Por fim, agradeço imensamente aos pacientes que concordaram em participar deste projeto. À vocês, o meu muito obrigada! iii Sumário Página Agradecimentos i Lista de abreviaturas iv Resumo vi Abstract vii 1. Introdução 1 1.1 Revisão Bibliográfica 2 1.1.1 O vírus do HCV 2 1.1.2 História natural 3 1.1.3 Genótipos do HCV 4 1.1.4 Epidemiologia 5 1.1.5 Grupos de risco 8 2. Material e métodos 10 2.1 Grupos de risco à infecção pelo HCV 10 2.2 Diagnóstico de genotipagem do HCV 10 2.3 Análise filogenética 11 2.4 Análise estatística 11 2.5 Ética 12 3. Resultados 13 4. Discussão 18 5. Conclusão 22 Referência bibliográfica 23 Anexo 1. Parecer do comitê de ética de pesquisa em seres humanos do projeto de 35 pesquisa ao qual esta tese está vinculada. Anexo 2. Menção honrosa pela apresentação oral- prêmio Iniciação Científica- no 36 55º Congresso Brasileiro de Genética (Águas de Lindóia, São Paulo, 2009) Anexo 3. Submissão da tese à Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. 37 iv Lista de Abreviaturas, Siglas ou Símbolos AIC Critério informativo de Akaike BD Doadores de sangue DU Usuários de drogas ilícitas C Core CENPREN Centro de prevenção e tratamento em dependência química ELISA Imunoensaio Enzimático EUA Estados Unidos da América E1 Glicoproteína estrutural 1 E2 Glicoproteína estrutural 2 HAV Vírus da Hepatite A HBV Vírus da Hepatite B HEMOPA Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia do Pará HCC Hepatocarcinoma ou carcinoma hepatocelular HCV Vírus da Hepatite C HIV Vírus da Imunodeficiência humana HVR Região hipervariável IRES Sítio de entrada ribossomal interno LiPA Hibridização reversa NAT Teste de amplificação do ácido nucleico NS1 Proteína Não estrutural 1 NS2 Proteína Não estrutural 2 NS3 Proteína Não estrutural 3 NS4A Proteína Não estrutural 4A NS4B Proteína Não estrutural 4B NS5A Proteína Não estrutural 5A NS5B Proteína Não estrutural 5B OMS Organização Mundial de Saúde v ORF Fase de leitura aberta pb Pares de base PCDH Portadores de doença renal crônica PUH Hemodialisados RNA Ácido ribonucléico RVS Resposta Virológica Sustentada UTR Região não-codificadoras de proteínas χ2 Qui-quadrado vi RESUMO Introdução. A prevalência dos genótipos do HCV está associada com as vias de transmissão da infecção. Estudos epidemiológicos sobre a distribuição genotípica do HCV na Amazônia Brasileira são escassos. Baseado nisso, nós determinamos o padrão de distribuição genotípica do HCV em diferentes categorias de exposição no Estado do Pará, Amazônia Brasileira. Métodos. Um estudo transversal foi realizado com 312 indivíduos infectados pelo HCV, pertencentes a diferentes categorias de exposição atendidas pelo HEMOPA, CENPREN e uma Clínica Privada de Hemodiálise em Belém. Eles foram testados quanto à presença de anticorpos anti-HCV por teste imunoenzimático, RNA-HCV utilizando PCR em tempo real e genotipados através de análise filogenética da 5’ UTR. Os grupos de populações foram caracterizados epidemiologicamente de acordo com dados coletados em breve entrevista ou consulta de prontuários médicos. Resultados. Em todas as diferentes categorias de exposição ao HCV foram encontrados predomínio do genótipo 1. A distribuição genotípica do HCV em doadores de sangue (BD) foi constituída pelos genótipos 1 (94,04%) e 3 (5,96%). Todos os pacientes com doenças hematológicas crônicas (PCHD) possuíam genótipo 1. A distribuição genotípica em usuários de drogas ilícitas (DU) foi constituída pelos genótipos 1 (59,6%) e 3 (40,4%). Em pacientes em hemodiálise (PUH) foram detectados os genótipos 1 (90,16%), 2 (3,28%) e 3 (6,56%). Finalmente, a freqüência entre os genótipos 1 e 3 foi significativamente diferente entre os grupos: BD e DU, PUH e DU, PUH e DU, e PCHD e DU. Conclusão. A freqüência genotípica e distribuição de HCV em diferentes categorias de exposição no Estado do Pará mostraram predominância do genótipo 1, independentemente do possível risco de infecção. Palavras-chave: HCV, genótipo, grupo de risco, Pará, Amazônia Brasileira vii ABSTRACT Introduction. The prevalence of HCV genotypes is associated with the transmission route of the infection. Epidemiological studies on HCV genotypic distribution in the Brazilian Amazon are scarce. Based on this, we determined the patterns of distribution of HCV genotypes among different exposure categories in the state of Pará, Brazilian Amazon. Methods. A cross-sectional study was conducted on 312 HCV-infected individuals, belonging to different categories of exposure, who were seen at the HEMOPA, the CENPREN, and a private hemodialysis clinic in Belém. They were tested for HCV antibodies using an immunoenzymatic test, RNA-HCV, using Real-Time PCR and HCV genotyping through phylogenetic analysis of the 5' UTR. The population groups were epidemiologically characterized according to data collected in a brief interview or medical consultation. Results. Genotype 1 predominated in all the different categories of HCV exposure. The HCV genotypic distribution in blood donors (BD) was comprised of genotypes 1 (94.04%) and 3 (5.96%). All patients with chronic hematologic diseases (PCHD) had HCV genotype 1. The genotypic distribution in illicit-drug users (DU) was comprised of genotypes 1 (59.6%) and 3 (40.4%). In patients under hemodialysis (PUH), genotypes 1 (90.16%), 2 (3.28%), and 3 (6.56%) were detected. Finally, the frequency of genotypes 1 and 3 was significantly different between the groups: BD and DU, PUH and DU, PUH and DU, and PCHD and DU. Conclusion. The genotypic frequency and distribution of HCV in different categories of exposure in the state of Pará showed a predominance of genotype 1, regardless of the possible risk of infection. Keywords: HCV, genotype, risk group, Pará, Brazilian Amazon. 1 1. INTRODUÇÃO Na década de 70, com o desenvolvimento de diagnósticos específicos pra a hepatite A (HAV) e hepatite B (HBV), ficou claro que muitos casos de hepatites póstransfusionais eram causados por outros agentes virais (Hernandes, 1983). A patologia em questão tratava-se de um desafio para estudiosos das hepatites pós-transfusionais não-A nãoB. Estes constataram, entre outras características, um grande número de casos de hepatite póstransfusional com períodos de incubação de sete a oito semanas (intermediário aos períodos de incubação da hepatite A e B). Dessa maneira, sugeriu-se a existência de um terceiro vírus para explicar os casos, porém tal microorganismo escapava à identificação pela tecnologia disponível naquela época (Feinstone et al., 1975; Rács & Candeias, 2004). Visando a identificação deste agente etiológico até então desconhecido, Bradley et al. (1985) detectaram a presença de um Agente de Forma Tubular. Este possível causador da hepatite não-A não-B possuía 50 nm de diâmetro, era revestido de um envoltório lipoproteico e seu genoma era constituído de acido ribonucléico (RNA). O organismo foi inicialmente classificado como pertencente à família Togoviridae e era transmissível mediante sangue e hemoderivados. Em 1989, Choo e colaboradores identificaram o genoma do agente viral responsável por 90% das hepatites pós-transfusionais não-A e não-B. Desde então, tal microorganismo é referido como vírus da hepatite C (HCV), apresentando características biológicas peculiares que o diferenciam de outros agentes virais hepatotrópicos (Choo et al., 1989). Desde então, houve uma série de descobertas acerca da biologia do vírus. Em um curto espaço de tempo, observaram-se diversos avanços significativos no entendimento de sua epidemiologia, modos de transmissão, patogênese, diagnóstico e terapêutica (Strauss, 2001). 2 1.1 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 1.1.1 O vírus do HCV O HCV possui número limitado de hospedeiros. Este microorganismo infecta somente homens, chimpanzés e murinos (Rychlowska e Szewczyk, 2007). A partícula do HCV é constituída por uma fita de RNA viral, circundada pelo capsídeo e envelope derivado de membranas celulares do hospedeiro. Tais partículas se encontram circulantes no sangue do infectado e geralmente associam-se a lipoproteínas, contribuindo para a infectividade do HCV (Thomssen et al., 1993; Andre et al., 2002). Características biológicas e genéticas permitem classificar o vírus como pertencente à família Flaviviridae, gênero Hepacivirus, espécie Hepatitis C virus. O genoma viral é constituído por uma fita única de polaridade positiva, medindo aproximadamente 9,6 kb. O RNA viral apresenta duas regiões (5’UTR e 3’UTR) que flanqueiam uma longa fase de leitura aberta (ORF) (Choo et al., 1989; Rychlowska & Szewczyk, 2007). As regiões 5’UTR e 3’UTR desempenham papel essencial no processo de replicação e transcrição viral. A região 5’UTR possui o sítio de entrada ribossomal interno (IRES). Este importante sítio é constituído por elementos estruturais de RNA que interagem diretamente com a subunidade ribossomal 40S no início da tradução. Tal função é responsável pela elevada taxa de conservação nucleotídica da 5’ UTR em distintas cepas do HCV (Bartenschlager & Lohmann, 2000; Drazan, 2000; Simmonds, 2004). A IRES também desempenha papel essencial no processo de tradução viral. Esta região está intimamente relacionada com a produção de uma poliproteína codificada pela ORF. A poliproteína possui aproximadamente 3.000 aminoácidos e sofre ação proteolítica dos hepatócitos e autoproteolítica, originando três proteínas estruturais e sete não-estruturais (Bartenschlager & Lohmann, 2000; Penin et al., 2004). As proteínas estruturais, nucleocapsídeo viral (core) e envelope (E1 e E2), provêm do quarto amino-terminal da poliproteína, enquanto que as não-estruturais NS1, NS2, NS3, NS4A, NS4B, NS5A, e NS5B são originadas da parte restante da proteína (Figura 1) (Moriya et al., 1998; Bode et al., 2007). A proteína C (core) e as glicoproteínas E1 e E2 constituem o grupo de proteínas estruturais que formam a partícula viral (Drazan, 2000). A proteína E2 consiste em um receptor de interação com as células do hospedeiro, apresentando uma região hipervariável (HVR). Na HVR surgem variantes por mutações ao acaso, originando mutantes capazes de escapar aos anticorpos neutralizantes (Weiner, 1991). 3 Figura 1. Genoma do vírus da hepatite C. UTR (untranslated region) - região não codificadora; C - core (adaptado de RYCHLOWSKA E SZEWCZYK, 2007). As proteínas não-estruturais não são inseridas nas partículas virais nascentes. Supõe-se que a NS3 tem atividade de helicase, enquanto a proteína NS5B possui características de RNA polimerase. Ambas as enzimas desempenham essencial na replicação viral (Behrens, 1996; Kim et al., 1995). Assim como outros vírus que possuem polimerase dependente de RNA, a RNA polimerase do HCV apresenta significativa taxa de erro nos processos de replicação e transcrição. Sendo assim, verifica-se uma grande variabilidade genética no HCV, que apresenta uma taxa de mutação de 1,92x103 sítios/ano (100 vezes maior que o HIV) (Ogata et al., 1991). A elevada heterogeneidade não é uniformemente distribuída no genoma viral. As regiões não codificantes são relativamente conservadas, reflexo da direta ligação dessas regiões aos processos de transcrição e replicação viral. Tal fato tem sido muito utilizado no diagnóstico molecular da infecção pelo HCV através da detecção de fragmentos dessas regiões (5´UTR e 3´UTR). Entretanto, o restante do genoma possui intenso polimorfismo, a ponto do vírus ser classificado filogeneticamente em seis genótipos e mais de 50 subtipos, refletindo assim a alta taxa de erro da sua RNA polimerase (Choo, 1980; Gretch, 1997; Scott & Gretch, 2007; Simmonds, 2004; Simmonds et al., 2005). 1.1.2 História natural A história natural do vírus é difícil de ser estabelecida. Os primeiros sintomas se dão de sete à oito semanas após a infecção. O paciente pode apresentar sintomatologia subclínica como mal-estar, náuseas e raramente icterícia. Tal sintomatologia permanece 4 durante curto período de tempo, dificultando o diagnóstico durante a fase aguda. Dessa maneira, na maioria das vezes, o paciente descobre a infecção viral durante a realização de exames clínicos de rotina ou no processo de doação de sangue (Strauss, 2001). As aminotransferases séricas podem se encontrar elevadas entre segunda e quinta semana pós infecção. Seu aumento por um longo período de tempo pode indicar descompensação hepática. No entanto, tais níveis apresentam flutuações durante o curso da doença, não se constituindo em indicador de infecção (Poynard et al., 2003). Cerca de 86% dos pacientes apresentam viremia persistente, levando à cronicidade da doença. A hepatite crônica pelo HCV também é, em geral, assintomática ou apresenta sintomas inespecíficos. A fadiga é o sintoma que mais se destaca, podendo ser muito intensa. Sintomas como parestesias e mialgias também podem ser observados. (Poynard et al., 2002; Piche et al., 2002). A evolução da doença hepática crônica costuma ser lenta. Durante esta fase, a principal complicação observada é a progressão de fibrose hepática para cirrose e carcinoma hepatocelular. Aproximadamente um terço dos pacientes crônicos apresenta desenvolvimento de doenças hepáticas graves em um período de 30 anos após a infecção. No entanto, tal período pode ser encurtado caso o paciente apresente comportamentos como: consumo excessivo de álcool, coinfecção com vírus da imunodeficiência humana (HIV) ou o vírus da hepatite B (HBV) e idade avançada no momento da infecção (Benhamou et al., 1999; Graham et al., 2001; Harris et al., 2001; Poynard et al., 2001). O hepatocarcinoma ou carcinoma hepatocelular (HCC) consiste na mais séria complicação observada em pacientes com hepatite crônica pelo HCV e está relacionado à cirrose hepática. O risco de desenvolvimento de HCC entre os infectados está associado a fatores, como: sexo masculino, idade avançada, infecções crônicas com HBV e ingestão elevada de álcool (>50g/dia) (Harris et al., 2001; Poynard et al., 2001; Zarski et al., 1998). Segundo um estudo conduzido López-García e colaboradores (2007), a média de sobrevida observada em pacientes com HCC é de 10 meses. 1.1.3 Genótipos do HCV Os distintos genótipos do HCV estão associados à resposta a terapia antiviral. O genótipo 1 é o que apresenta menor resposta, conseqüentemente, o pior prognóstico. Particularmente, o subtipo 1b está freqüentemente relacionado à progressão severa da 5 infecção e à elevada probabilidade de desenvolvimento de infecção crônica e carcinoma hepatocelular (Hadziyannis & Koshina, 2004; Seeff & Hoofnagle, 2002; Zeuzem, 2004). As metodologias utilizadas para determinação das variantes genotípicas são a sorotipagem e a genotipagem. A sorotipagem é realizada através do método indireto do ELISA, no entanto, apresenta sensibilidade e especificidades baixas. A genotipagem (método direto) apresenta confiabilidade e pode ser realizada através da hibridização reversa (LiPA), Taqman ou Seqüenciamento Genômico (padrão ouro) (Sociedade Brasileira de Infectologia, 2008). Os métodos de seqüenciamento para fins de diagnóstico geralmente utilizam a 5’UTR. Esta região possui significante homologia (≥97%) entre os genótipos (Hans et al., 1991; Simmonds et al., 2005), porém apresenta diversos polimorfismos que permitem caracterizar os diversos genótipos e subtipos virais (Okamoto et al., 1990; Simmonds et al., 1993; Smith et al., 2005). A genotipagem das cepas infectantes é de extrema importância, uma vez que implica no direcionamento do tratamento (tipo de droga e duração) a ser empregado no paciente (Hadziyannis, 2004). No entanto, a terapia atualmente utilizada (Interferon, Interferon peguilado e ribavirina) não apresenta resultados esperados para uma parcela significante de pacientes: somente 50% de pacientes portadores do genótipo 1 apresentam RVS (resposta virológica sustentada), enquanto que em pacientes portadores de outros genótipos, a RVS chega até 80 % (Hayashi & Takehara, 2006). 1.1.4 Epidemiologia Mundialmente, a infecção pelo HCV é um importante problema de saúde pública. Estima-se que 2,2% (aproximadamente 130 milhões) da população mundial esteja infectada, sendo a maioria assintomática e desconhecedora do estado de portador do vírus (Shepard et al., 2005). Segundo a OMS, anualmente ocorrem 4 milhões de novas infecções e 250.000 mortes provocadas pelo HCV (Kim, 2002). A prevalência do vírus varia de acordo com as regiões demográficas. As menores taxas de prevalência podem ser encontradas no Nordeste da Europa, em países como o Reino Unido e Escandinávia (0,01-1%) (Shepard et al., 2005), enquanto que a maiores taxas de prevalência já relatadas pertencem à África, com destaque para o Egito (20%) (Frank et al., 2000). Na América do Sul, o Brasil apresenta uma das maiores taxas de soroprevalência (2,2%), sendo que esta apresenta distribuição variada de acordo com as regiões. A região 6 Norte é a que a apresenta maior soroprevalência (1,6%), sendo que os estados do Pará (2%) e Acre (5,9%) são os que mais contribuem para esta elevada taxa (GESBH, 1999). Armstrong et al (2006) verificaram maior soroprevalência em homens na população dos Estados Unidos. Na região Amazônica, trabalhos recentes fornecem indícios de que a prevalência é maior em homens (Oliveira-Filho et al., 2010, Torres et al., 2009). Em relação ao fator idade, é provável que a mesma esteja relacionada com o aumento da prevalência do vírus: quanto maior a idade, maior a chance de o indivíduo ser infectado pelo HCV (Patinõ-Sarcineli et al., 1994). Contudo, tal qual o fator sexo, a relação desta variável com a maior prevalência do HCV ainda é passível de confirmação. Diversos pesquisadores têm relatado ampla variação na distribuição dos genótipos. Assim, os genótipos 1, 2 e 3 são mais prevalentes na Europa, Japão e Estados Unidos, o genótipo 4 na África central, Egito e Oriente Médio, o genótipo 5 na África do Sul e o genótipo 6 na Ásia (McOmish et al., 1994; . Mellor et al., 1995; Nainan et al., 2006; . Nguyen et al., 2005). Tais genótipos foram difundidos mundialmente através de intervenções médicas em larga escala (como a ocorrida na 2ª guerra mundial), transfusões sanguíneas sem prévia triagem para HCV e utilização de seringas não esterilizadas (como ocorrido no início do século XX no tratamento da sífilis e, atualmente, ocorre no compartilhamento de drogas injetáveis entre os usuários) (Simmonds 2001; Smith et al., 1997). Entretanto, regiões africanas e asiáticas apresentam prevalência e freqüência genotípica distintas, resultado de hábitos culturais ou intervenções na área de saúde pública. No Egito, Gabão e em países do Oriente Médio, o genótipo 4 é endêmico. Em particular, no Egito, o genótipo 4 foi disseminado através da política pública de combate ao Schistossoma mansoni. Nesta campanha de vacinação, o vírus foi disseminado na população através de procedimentos que não respeitavam às normas de biosegurança (agulhas contaminadas provenientes da vacinação em massa) (Abdel-Azis et al., 2000; Hadziyannis & Koshina, 2004; Kuiken et al., 2008; Pybus et al., 2003; Schreier et al., 1996; Simmonds et al., 2004). No Brasil, a distribuição genotípica também é heterogênea. O genótipo 1 é o mais freqüente, seguido pelo 3 e 2. Este quadro epidemiológico é semelhante à distribuição genotípica da região Norte, na qual se destaca a elevada taxa de infectados pelo genótipo 1 (~71%). No entanto, a distribuição genotípica do HCV no Brasil apresenta algumas variações regionais. Na região Sul, o genótipo 3 do HCV possui uma freqüência mais acentuada que em outras regiões brasileiras (Figura 2) (Campioto et al., 2005; GESBH, 1999; Lauer & Walker, 2001; Simmonds et al., 2005). 7 Figura 2. Distribuição genotípica do HCV na população brasileira (Adaptado de Campiotto et al., 2005. 8 1.1.5 Grupos de risco O HCV é transmitido preferencialmente pela via parenteral. Após início da triagem sorológica para HCV em bancos de sangue e, conseqüentemente, redução significativa de transmissão transfusional do HCV, observou-se grupos de risco à infecção pelo HCV nitidamente ligados a procedimentos parenterais freqüentes e/ou inadequados, como: compartilhamento de seringas (usuários de drogas), compartilhamento de linhas e filtros do hemodialisador (pacientes renais crônicos em hemodiálise), recepção de múltiplas transfusões de sangue ou hemoderivados (pacientes com doenças hematológicas crônicas), etc. A transmissão via sexual e vertical já foram relatadas, mas ambas são relativamente ineficientes, exceto quando o HCV está associado com outros microorganismos (HBV, HIV, etc.) (Ayola et al., 1991; Bach & Bodenheimer, 2005; Thorpe et al., 2002; Trosi et al., 1993). Dentre os grupos de risco, dois grupos chamam a atenção pela sua elevada prevalência, os hemofílicos (multitransfundidos) e pacientes hemodialisados. A Federação Mundial de Hemofilia (2003) registrou 36% dos hemofílicos com HCV e no Brasil observamse índices de 60% de infectados (Martins et al., 2000); enquanto que em pacientes hemodialisados verifica-se uma prevalência entre 19,0% a 47% de infectados (Ayola et al., 1991; Sheu et al, 1992). Segundo Druwe et al. (1994), há grande transmissibilidade no ambiente de hemodiálise, logo, a taxa de incidência é significativamente alta, mantendo correlação com a prevalência. O grupo de risco de hemodialisados está relacionado ao risco transfusional e nosocomial. Este último é particularmente importante, uma vez que altas taxas de soroprevalência geralmente são observadas em clínicas que não possuem sala de diálise específica para pacientes com hepatite C. Outros comportamentos de risco também estão relacionados à transmissão nosocomial: compartilhamento do mesmo frasco de heparina, de filtros, de equipamentos de aferição da pressão venosa, assim como o hábito de não trocar as luvas ao manusear pacientes (Gilli et al., 1990; Pujol et al., 1996; Sampietro et al, 1994). O grupo de risco dos usuários de drogas é considerado o principal disseminador do HCV nos EUA e Austrália durante os últimos 40 anos. Os usuários de drogas são considerados os responsáveis por aproximadamente 68% das novas infecções (Alter, 2007), sendo que, pelo menos 50% dos usuários de drogas são portadores do vírus (Aceijas & Rhodes, 2007). A maioria das infecções dos grupos de risco são referentes aos genótipos 1, 2 e 3. Em usuários de drogas, é observada maior freqüência do genótipo 3, quando este grupo é comparado à outras categorias de risco. Historicamente, o genótipo 3 se originou na Ásia e foi 9 disseminado entre os usuários de drogas (Greene et al., 1995). Este grupo tem recebido atenção diferenciada por parte de alguns países, tendo em vista que os usuários de drogas são considerados verdadeiros “reservatórios” que disseminam o vírus entre a população. Dessa maneira, verifica-se em alguns locais, um aumento na freqüência do genótipo 3 na população em geral (Ross et al., 2000). Mundialmente, há uma grande prevalência do genótipo 1 em todas as categorias de risco. Em hemodialisados, estudos realizados na Grécia e na Indonésia revelaram, respectivamente, prevalência de 47 % e 61% do genótipo 1 (Soetjipto et al., 1996; Christofidou et al., 2008). No Brasil, há uma grande variabilidade na distribuição genotípica do HCV, geralmente sendo encontrados os genótipos 1, 2 e 3 ( Albuquerque et al., 2005; Silva et al., 2006). No grupo de multitransfundidos, um estudo conduzido por Christofidou et al (2008) detectou o genótipo 1 em 32% em portadores da talassemia; também houve a detecção de 74% pacientes infectados pelo genótipo 1 em hemofílicos no Estado da Bahia (Silva et al., 2005). No entanto, o genótipo 6 foi o mais freqüente no grupo de multitransfundidos do Sudeste Asiático (Katsanos et al., 2005). Na região Norte do Brasil, estudos epidemiológicos acerca da distribuição genotípica do vírus ainda são escassos. Dois trabalhos recentes envolveram doadores de sangue no Amazonas e no Pará. Ambos verificaram grande prevalência do genótipo que possui o pior prognóstico, o genótipo 1 (Oliveira-Filho et al., 2010; Torres et al., 2009). Os grupos de risco possuem prevalência elevada por estarem ligados à procedimentos parenterais freqüentes. No entanto, estudos acerca destes grupos ainda são raros, especialmente na região Amazônica. Dessa maneira, há uma grande necessidade de estudos epidemiológicos na região com o intuito de disponibilizar informações que direcionem políticas e estratégias públicas de prevenção e controle na região. Portanto, o presente estudo objetivou determinar a distribuição genotípica do HCV em diferentes grupos de risco à infecção na Amazônia Brasileira, assim como verificar se há variações na distribuição genotípica entre os distintos grupos de risco. 10 2. MATERIAL E MÉTODOS 2.1 GRUPOS DE RISCO À INFECÇÃO PELO HCV Este estudo selecionou doadores de sangue (representante em potencial da população geral), pacientes com doença hematológica crônica que receberam múltiplas transfusões de sangue, ambos os grupos atendidos pela Fundação Centro de Hematologia e Hemoterapia do Pará (HEMOPA). Além disso, foram selecionados pacientes hemodialisados e usuários de drogas em atendimento em clínicas especializadas na região metropolitana de Belém, Estado do Pará, Amazônia Brasileira. 2.2 DIAGNÓSTICO E GENOTIPAGEM DO HCV Primeiramente, as amostras foram triadas sorologicamente por teste imunoenzimático (Murex anti-HCV version 4.0, Murex Biotech SA, Kyalami, South Africa). Em seguida, as amostras positivas e indeterminadas foram submetidas ao teste confirmatório por biologia molecular. O RNA viral foi extraído utilizando kit comercial de extração QIAmp Viral RNA Mini Kit (Qiagen) seguindo suas instruções. O diagnóstico da infecção pelo HCV foi realizado por PCR em tempo real (Plataforma ABI Prism 7000, Applied Biosystems). O diagnóstico molecular foi obtido detectando 67pb da 5’UTR utilizando o kit comercial TaqMan EZ RT-PCR Core Reagents (Applied Biosystems), seguindo protocolo do fabricante acrescido dos iniciadores 5’-CGCTCAATGCCTGGAGATTT-3’ e 5’- TTTCGCGACCCAACACTACTC-3’ e de sonda FAM-TGCCCCCGCAAGACTGCTAGCTAMRA. As condições de amplificação foram: 1 ciclo: 50oC/2min, 60oC/30min e 95oC/5min; 50 ciclos: 94oC/20s e 60oC/1 min. Após diagnóstico molecular da infecção viral, as amostras de RNA-HCV foram selecionadas para amplificação da 5’UTR do HCV utilizando Nested-PCR. A primeira reação será constituída da síntese e da amplificação de cDNA em único passo utilizando termociclador GeneAmp PCR System 9700 (Applied Biosystems) e kit comercial SuperScript One-Step RT-PCR with Platinum Taq (Invitrogen), de acordo com o protocolo do fabricante, acrescido de 1,0 μl EAP1 (10 μM) e 1,0 μl EAP2 (10 μM). As condições de amplificação 11 forma: 1 ciclo: 50oC/15min e 95oC/2min; 40 ciclos: 94oC/15s e 60oC/30s; 1 ciclo: 60oC/10min. A segunda reação foi constituída de 16,8 μl água ultrapura, 2,5 μl 10x PCR buffer, 1,0 μl MgCl2 (3 mM); 1,0 μl mix dntps (10 mM), 0,2 μl Taq Polimerase (5U/μl), 3,0 μl de produto da primeira PCR, 0,5 μl IAP1 (10μM) e 0,5 μl IAP2 (10 μM). O produto da 2ª amplificação foi submetido à eletroforese em gel de agarose (2%) com brometo de etídio e visualizado em transluminador ultravioleta. O fragmento amplificado possuía aproximadamente 130 pb e foi seqüenciado nos dois sentidos pelo método de didesoxinucleotídeo terminalizador de cadeia utilizando aparelho ABI Prism 377 e kit comercial Big Dye Cycle Sequencing Standard, ambos da Applied Biosystems. 2.3 ANÁLISE FILOGENÉTICA As seqüências obtidas foram editadas e alinhadas utilizando o programa BioEdit versão 7.0.9 (Hall, 1999) e Clustal W versão 1.81 (Thompson et al., 1994), respectivamente. Este alinhamento será submetido ao programa DnaSP versão 5.10 (Librado & Rozas, 2009 ) para a identificação de seqüências idênticas. Estas foram submetidas ao programa Modelgenerator (Keane et al., 2006) para selecionar, de acordo com o critério informativo de Akaike (AIC), o melhor modelo a ser aplicado durante as análises filogenéticas. Tais parâmetros foram utilizados no programa PHYML versão 2.4.4 (Guindon & Gascuel, 2003) para a construção de árvores de acordo com o método de máxima verossimilhança. O nível de confiança dos agrupamentos foi avaliado pelo método não-paramétrico de bootstrap com 1.000 réplicas. A árvore filogenética final foi construída diante do consenso das árvores obtidas e será editada utilizando os recursos gráficos disponibilizados pelo programa FigTree. Seqüências nucleotídicas foram obtidas junto ao National Center of Biotechnology Information e adicionadas ao alinhamento e usadas na construção da árvore filogenética para identificar os genótipos do HCV. 2.4 ANÁLISE ESTATÍSTICA Análises univariadas (qui-quadrado e exato de Fisher), comparando a distribuição dos genótipos do HCV entre as diferentes categorias de exposição, foram realizadas utilizando o programa BioEstat versão 5.0. Os resultados foram considerados estatisticamente distintos caso p ≤ 0.05. 12 2.5 ÉTICA Este estudo integra o projeto de pesquisa “Distribuição de freqüência dos genótipos do vírus C da hepatite e seu significado em diferentes grupos de risco” (Nº041/2004-CEP/NMT), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Núcleo de Medicina Tropical, UFPA, Belém, Pará, Brasil (Anexo 1). 13 3. RESULTADOS O presente estudo realizou a triagem por ELISA de 298.259 doadores de sangue originários da Fundação HEMOPA, 98 pacientes com doença hematológica crônica atendidos pela Fundação HEMOPA. Além disso, 271 pacientes de clínicas de hemodiálise privadas da região de Belém e 94 indivíduos do CENPREN foram diretamente triados por PCR em tempo real. Assim, o HCV RNA foi detectado em 151 doadores de sangue, 53 portadores de doença renal crônica, 61 hemodialisados e 47 usuários de drogas, caracterizando, dessa maneira, as diferentes categorias de exposição (Tabela 1). Ao total, foram isoladas 312 seqüências nucleotídicas referentes à região 5'UTR do HCV. No entanto, 293 seqüências eram idênticas, logo, somente aquelas representativas para o alinhamento foram mantidas. Assim, o alinhamento final consistiu em 19 seqüências nucleotídicas (5 isolados de doadores de sangue, 5 isolados de usuários de drogas, 3 isolados de pacientes portadores de doença crônica hematológica e 6 isolados de hemodialisados). O programa Modelgenerator apontou o Tamura-Nei como modelo evolutivo mais apropriado a ser utilizado. Este foi ajustado pelos parâmetros proporção de sítios invariáveis (0,451) e taxa de distribuição gama (0,327). As freqüências de base (A = 0.22459, C = 0.27331, G = 0.27534, T = 0.22677), taxa de transição/transversão por purinas (3,923) e taxa de transição/transversão por pirimidinas (4,885) foram estimadas pelo programa PHYML. A análise filogenética revelou o genótipo 1 como o mais predominante em todas as categorias de exposição (Tabela 1). Também houve a provável detecção do subtipo 1b em todos os grupos. Assim, é necessária a análise de outras regiões do genoma viral, uma vez que baixos valores de grupamento para a subtipagem foram observados. O grupo de doadores de sangue HCV RNA positivos foi constituído em sua maioria pelo sexo masculino (66%), com uma significante freqüência de infecção em indivíduos de 30 à 49 anos (30-39 anos: 27%; 40 a 49 anos: 39%). Houve detecção dos genótipos 1 (94,04%) e 3 (5,96%) (Figura 3, Tabelas 1 e 2). O grupo dos usuários de drogas portadores do HCV consumia preferencialmente drogas não injetáveis (82,1%), dentre elas: maconha, craque e cocaína. A maioria dos usuários foi representada pelo sexo masculino (62,3%), com uma média de idade de 28 anos (18-52 anos). A distribuição genotípica foi constituída pelos genótipos 1 (59,57%) e 3 (40,43%) (Figura 3, Tabelas 1 e 2). O grupo de multitransfundidos infectados possuía as seguintes doenças hematológicas crônicas: hemofilia A (52,04%), hemofilia B (12,25%), anemia falciforme (20,41%), deficiência dos fatores de coagulação (8,16%) e outros (7,14%). A maioria dos 14 pacientes pertencia ao sexo masculino. A média do número de transfusões sanguíneas recebidas foi de 45 (Mín-Máx: 6-352) e a idade média dos pacientes infectados foi de 36 anos (23 - 56 anos). Todos os pacientes eram portadores do genótipo 1 (Figura 3, Tabelas 1 e 2). Os pacientes hemodialisados portadores do vírus realizavam diálise em média há 1,5 ano (Mín-Máx: 0.25-5.5 anos). A maioria pertencia ao sexo masculino (66,6%) com a média de idade de 47 anos (25-65 anos), sendo observados os genótipos: 1 (90,16%), 2 (3.28%) e 3 (6.56%) (Figura 3, Tabelas 1 e 2). Por fim, a distribuição dos genótipos 1 e 3 foi significativa entre os grupos: doadores de sangue e usuários de drogas ilícitas (χ2=35.07, valor-p<0.001), hemodialisados e usuários de drogas ilícitas (χ2= 17,43; p<0.001) e entre multitransfundidos e usuários de drogas ilícitas (χ2=26.45, p<0.001). A distribuição do genótipo 2 e 3 também foi significativa (exato de Fisher) entre usuários de drogas ilícitas e hemodialisados (p=0,05). Tais resultados refletem as diferentes rotas de transmissão viral. 15 Tabela 1. Distribuição genotípica do HCV em diferentes grupos de risco à infecção na Amazônia Brasileira Triagem molecular Grupos de risco Idade N* ELISA** Positivo Negativo Doadores de sangue 40-49 298.259 1.112 151 (0,05%) 298.108(99,95%) Usuários de drogas ilícitas 18-52 94 - 47(50%) 47(50%) Multitransfundidos 23-56 98 - 53 (54,08%) 45(45,92%) Hemodialisados 25-65 271 89 61 (22,51%) 10(77,49%) *- N amostral **- Triagem sorológica: ELISA positivo e inconclusivo, exceto para os grupos de pacientes multitransfundidos e de usuários de drogas ilícitas, nos quais se utilizou somente a triagem molecular. 16 Tabela 2. Distribuição genotípica do HCV em categorias de risco. Genótipos Grupos de risco 1 2 3 n Doadores de sangue 142 (94,04%) - 9 (5,96%) 151 Multitransfundidos 53 (100%) - - 53 Usuários de drogas ilícitas 28 (59,57%) - 19 (40,43%) 47 Hemodialisados 55 (90,16%) 2 (3,28%) 4(6,56%) 61 N 312 17 Figura 3. Árvore filogenética obtida pelo método de máxima verossimilhança, sendo a consistência dos agrupamentos analisada pelo teste não - paramétrico de bootstrap utilizando 1.000 réplicas. BD: doadores de sangue, DU: usuários de drogas ilícitas, PUH: hemodialisados e PCHD: portadores de doença renal crônica. 18 4. DISCUSSÃO Diversos pesquisadores têm relatado ampla variação na distribuição dos genótipos do HCV. De maneira geral, os genótipos 1, 2 e 3 possuem distribuição mundial, sendo freqüentemente encontrados em pacientes infectados provenientes da Europa, Japão e Estados Unidos. Entretanto, algumas regiões africanas e asiáticas apresentam prevalência e freqüência genotípica distintas, resultado de diferentes hábitos culturais ou intervenções na área de saúde pública. Por exemplo, o genótipo 4 é freqüentemente encontrado na África Setentrional e no Oriente Médio, enquanto que o genótipo 5 pode ser encontrado no Sul da África e o genótipo 6 no Sudeste da Ásia (Kuiken et al., 2008; Simmonds et al, 2004). A distribuição do vírus no Brasil é similar à mundial. O genótipo 1 e o 3 são os mais freqüentes, observando-se alguns casos do genótipo 2. Além disso, podem ser encontrados casos esporádicos dos genótipos 4 e 5 (Bassit et al., 1999; Campiotto et al., 2005; Oliveira et al., 1999, Zarife et al., 2006). O presente estudo verificou uma distribuição genotípica similar à encontrada em outras regiões do Brasil. Houve predominância do genótipo 1, seguido pelos genótipos 3 e 2. Os genótipos 4 e 5 não foram detectados. Dessa maneira, este resultado provavelmente reflete a elevada freqüência dos genótipos 1 e 3 na Amazônia brasileira, corroborando com outros estudos realizados na região (Busek & Oliveira, 2003; Campiotto et al., 2005; Paraná et al., 2007; Oliveira-Filho et al., 2010; Torres et al., 2009). Na região Norte do Brasil, dois trabalhos recentes envolveram doadores de sangue provenientes do estado do Amazonas e do Pará. Ambos os estudos verificaram elevada freqüência do genótipo que possui o pior prognóstico, o genótipo 1 (Oliveira-Filho et al., 2010; Torres et al., 2009). No presente estudo, a elevada freqüência do genótipo 1 verificada em doadores de sangue influenciou a completa dominância deste genótipo em pacientes multitransfundidos, provavelmente através da transfusão de produtos sanguíneos. Na Holanda, a transfusão destes produtos foi responsável pela infecção de 17,5% dos pacientes portadores do genótipo 1 (De Vries et al., 2008). Um estudo conduzido na Grécia detectou o genótipo 1 em 32% dos portadores de talassemia (Katsanos et al., 2005), também houve a detecção de 74% de infecções pelo genótipo 1 em hemofílicos no Estado da Bahia (Silva et al., 2005). Contudo, o genótipo 6 foi o mais freqüente no grupo de multitransfundidos do Sudeste Asiático (Katsanos et al., 2005). Portanto, provavelmente, este grupo segue a distribuição genotípica 19 do HCV, de acordo com a distribuição do vírus na população de doadores de sangue de seu país (Wong et al., 1998). O HCV é transmitido preferencialmente pela via parenteral. Logo, o compartilhamento da maquinaria de abuso (agulhas, papelote, etc.) por usuário de drogas, principalmente as intravenosas, constitui-se em uma das rotas mais eficientes de transmissão do HCV. Este é mais rapidamente adquirido quando comparado a outras infecções que os usuários de drogas estão freqüentemente expostos (Sutton et al., 2006). Em um estudo realizado nos Estados Unidos, após um período de 5 anos, 50-90% dos usuários já haviam sido expostos ao HCV (Villano et al., 1997) Nossos achados apontam para a predominância do genótipo 1 e uma elevada freqüência do genótipo 3 no grupo de usuários de drogas, corroborando com outros estudos realizados no Brasil e no mundo (Martins et al., 2006; Mathei et al., 2005; Oliveira et al., 1999; Sy & Jamal, 2006). Ao que parece, não há associação entre o uso de drogas ilícitas e o genótipo do HCV, mas sim a propagação do genótipo circulante, facilitada pelo compartilhamento de equipamentos para o consumo de drogas e, em menor grau, por práticas sexuais de risco (Van Austen et al., 2004). No grupo de pacientes em hemodiálise, o maior tempo de exposição (maior média de idade) aos possíveis fatores de risco pode ser apontado como responsável pela maior diversidade genotípica do HCV. Estes resultados corroboram com alguns estudos previamente realizados em Minas Gerais, Recife e Salvador (Albuquerque et al., 2005; Busek et al., 2002; Silva et al., 2005 ). Alguns fatores podem alterar o padrão de distribuição genotípica do vírus. Eles são apontados como responsáveis pela mudança no quadro epidemiológico de países desenvolvidos, como os EUA e Espanha. A redução da transmissão por transfusão sanguínea, comportamento de alto risco de usuários de drogas e a imigração são responsáveis por esta mudança (Esteban et al., 2008). Desde a implementação do screening anti-HCV em bancos de sangue, o risco residual de transfusão associado à hepatite C foi limitado a unidades doadas durante o período de janela imunológica (Tobler et al., 2003). Este risco transfusional é diminuído com a implementação dos testes de triagem de doação de sangue através do NAT (teste de amplificação do ácido nucléico) (Coste et al., 2005; Reesink et al., 1998). Na Europa, depois do NAT ter sido implementado, o risco transfusional reduziu de 1/276 mil para 1/milhão de doações (Busch & Kleiman, 2000; Jackson et al., 2003), diminuindo consideravelmente o risco de infecção pelo genótipo mais freqüente em sua população, o genótipo 1. No entanto, 20 raros casos de transfusão ainda podem ocorrer a partir de doadores recentemente infectados e, portanto, com o HCV RNA abaixo dos limites de detecção (Schuttler et al., 2000). No Brasil, a portaria Nº112/2004 declara que todos os bancos de sangue devem implementar o NAT como triagem. Dessa maneira, espera-se que no Brasil, o mesmo fenômeno ocorrido na Europa e nos países desenvolvidos venha a ser observado na população em geral e nos grupos de risco. Em alguns países da Europa, a freqüência dos subtipos 1a, 3a e o genótipo 4 (relacionados aos usuários de droga) está aumentado, enquanto que a freqüência do subtipo 1b e o genótipo 2 está diminuindo em doadores de sangue e em pacientes jovens (Payan et al., 2005; Katsoulidou et al., 2006; van de Laar et al., 2005). Estudos apontam também para um número crescente de jovens usuários de drogas infectados pelo subtipo 3a. Este quadro provavelmente reflete a alta prevalência dos genótipos 1 e 3 em usuários de drogas intravenosas, que atuam como verdadeiro “reservatórios” que afetam a população em geral (Ross et al., 2000). Tais resultados indicam que mudanças no comportamento social afetam as tendências epidemiológicas de doenças infecciosas a um contexto significativo (Cantaloube et al., 2005; Kovalev et al., 2003). No presente estudo, estas características podem ser observadas no grupo de usuários de drogas ilícitas através da elevada freqüência do genótipo 3 e da baixa média de idade entre os pacientes infectados. A imigração também pode provocar alterações na distribuição genotípica do vírus. No estado da Bahia verificou-se a presença de um paciente do genótipo 4 que provavelmente adquiriu o vírus na Europa através do compartilhamento de maquinaria de abuso. Vários casos envolvendo os genótipos 4 e 5 também foram identificados em São Paulo, sendo algumas destas infecções adquiridas no Oriente Médio. Em nossos resultados, não houve constatação do genótipo 4 e 5, indicando que as cepas circulantes no Estado do Pará, provavelmente, não são provenientes de locais como África e Oriente Médio (Levi et al., 2002; Murphy et al., 2007; Paraná et al., 2000; Zarife et al., 2006). Por fim, este estudo exemplificou que a 5'UTR é limitada na sua habilidade de discriminar os subtipos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 (Hraber et al., 2006; Murphy et al., 2005). Algumas das características específicas identificadas na região 5'UTR não são mais conservadas. Por exemplo, a base "G" na posição 243 da 5'UTR era originalmente representativa do subtipo 1b. No entanto, atualmente, ela pode ser encontrada em subtipos 1a. Além disso, um grande número de subtipos que apresentam a mesma seqüência da 5'UTR tem sido descritos (Cantaloube et al., 2006; Tamalet et al., 2003; Chen & Weck., 2002). No entanto, a 5'UTR contém variações suficientes para a genotipagem (Cantaloube et al., 2006). Em suma, este 21 estudo demonstrou a necessidade do seqüenciamento de outras regiões do genoma do HCV para a melhor descrição dos subtipos virais. 22 5. CONCLUSÃO As conclusões deste estudo foram: 1. O genótipo 1 foi o genótipo mais freqüente em todas as categorias de risco, assim como em doadores de sangue. Neste último grupo, foi detectada a freqüência de 94,04% do genótipo 1 e 5,96% do genótipo 3. Em pacientes multitransfundidos, 100% dos pacientes foram infectados pelo genótipo 1, enquanto que em usuários de drogas ilícitas, 59,57% das infecções foram ocasionadas pelo genótipo 1 e 40,43% dos infectados possuíam o genótipo 3. O grupo de hemodialisados foi o único que apresentou o genótipo 2 (3,28%). Neste grupo também foram verificados os genótipo 1 (90,16%) e o 3(6,56%). 2. A distribuição dos genótipos 1 e 3 foi significativa entre os grupos: doadores de sangue e usuários de drogas ilícitas, hemodialisados e usuários de drogas ilícitas e entre multitransfundidos e usuários de drogas ilícitas. A distribuição do genótipo 2 e 3 também foi significativa entre usuários de drogas ilícitas e hemodialisados. Estes resultados foram provavelmente observados devido à elevada freqüência do genótipo 3 em usuários de drogas. 3. O sexo masculino foi o mais freqüente em todas as categorias de risco à infecção pelo HCV. 4. É necessária a análise de outras regiões do genoma viral, uma vez que baixos valores de grupamento para a subtipagem foram observados ao se utilizar a 5’UTR. 23 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABDEL-AZIZ, A.; HABIB, M.; MOHAMED, M.K.; ABDEL-HAMID, M.; GAMIL, F.; MADKOUR, S., MIKHAIL, N.N.; THOMAS, D.; FIX, A.D.; STRICKLAND, G.T.; ANWAR, W. & SALLAM, I. Hepatitis C virus (HCV) infection in a community in the Nile Delta: population description and HCV prevalence. Hepatology, 32:111-115. 2000. ACEIJAS, C. & RHODES, T. Global estimates of prevalence of HCV infection among injecting drug users. International Journal of Drug Policy, 18: 352-358. 2007. ALBUQUERQUE, A.C.C.; COÊLHO, M.R.C.D.; LOPES, E.P.A.; LEMOS, M.F. & MOREIRA, R.C. Prevalence and risk factors of hepatitis C virus infection in hemodialysis patients from one center in Recife, Brazil. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 100: 467-470. 2005. 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Submissão da tese à Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical.