TEOLOGIA E VIDA: - FNB Online - Portal da Faculdade Nazarena
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18 TEOLOGIA E VIDA: uma relação em prol da saúde humana – Perspectiva Moltmanniana. Sabrina Carla dos Reis Gatti* Resumo Este artigo procura, sob a perspectiva teológica de Jürgen Moltmann e da teologia bíblica, fazer releitura de textos que problematizam a saúde coletiva e individual do atual cenário discutido entre as ciências biológicas, para aumento da qualidade de vida, buscando compreender a atuação do Espírito Santo, juntamente com a relação trinitária no mundo contemporâneo. Possibilita um posicionamento teológico em resposta às demandas hodiernas, uma vez que o ser humano tem sido abordado de maneira multidisciplinar e abrangente, obtendo resultados mais efetivos e coerentes com sua complexidade e totalidade. Primeiramente foi realizado um panorama histórico, traçando um paralelo entre a espiritualidade e a saúde, num segundo momento é levantada a relevância da fé para os efeitos discutidos na comunidade da saúde e das ciências da religião e por fim, há uma proposta de teologia, baseada na pneumatologia integral, tendo em vista a correspondência e compreensão de sua contribuição para o bem-estar amplo do ser humano. Palavras-chave: Teologia; Espiritualidade; Pneumatologia; Vida; Saúde. Abstract This article seeks under the theological perspective of Jürgen Moltmann and make biblical rereading of texts that question the collective and individual discussed the current scenario to increase the quality of life between the biological health sciences theology to understand the working of the Holy Spirit along with the Trinitarian relationship in the contemporary world. Allowing a theological position in response to today's demands, since the human being has been approached in a multidisciplinary and comprehensive way and thus getting more effective and consistent results with their complexity and entirety. First, a historical overview drawing a parallel between spirituality and health, second was conducted is raised the relevance of faith to the effects discussed in the health sciences community and religion and finally a proposal for theology based on full pneumatology, in view of the correspondence and understanding of the contribution to the broader wellbeing of humankind. Keywords: Theology; Spirituality; Pneumatology; Life; Health. * Bacharel em Fisioterapia - Anhanguera Educacional (2008). Graduanda em Teologia na Faculdade Nazarena do Brasil. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6007456032681383. E-mail: [email protected] GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 19 INTRODUÇÃO Há ditos e frases populares que evidenciam grandes verdades. De forma unânime se diz e concorda-se que a vida é o bem mais precioso que Deus deu ao homem, e por isso, esforços convergem de todos os campos do saber, especialmente das ciências biológicas, para a preservação, aumento, melhor qualidade da vida humana e de sua prevalência diante da morte. Contrapondo esse impulso à vida existente no homem, há também constatação de que toda natureza, toda criação se encontra em contínuo processo de morte, inclusive o homem, seu corpo, seus sistemas. A fisiologia e bioquímica demonstram essa verdade, em suas análises, estudos e conclusões. Dentre os vários sistemas, tomemos como exemplo o sistema cardiovascular e respiratório, que possuem, como intuito primário, a circulação sanguínea central e periférica, associada ao transporte de nutrientes e hematose (troca gasosa). Nesse processo o sangue é bombeado através dos compartimentos cardíacos, impulsionado a percorrer todo corpo por meio de contrações rítmicas, para que chegue até o membro e tecido mais distal do corpo, removendo resíduos, levando material nutritivo e oxigênio e retornando com gás carbônico aos pulmões, onde enfim ocorre a hematose, intrinsecamente em uma estrutura denominada alvéolo, que é responsável pela captação do oxigênio através da inspiração e liberação do gás carbônico por meio da expiração dos pulmões. Esse processo se dá de modo ininterrupto, por toda a vida de um ser humano, ou melhor, é um dos responsáveis pela vida do ser humano. Certo é que se não houvesse essa renovação sanguínea associada à troca gasosa, a vida não seria possível e rapidamente os órgãos e seus sistemas entrariam em falência e necrose. Diante da realidade de morte iminente, se fazem necessárias a revitalização e manutenção da vida. Muitas vezes, somente diante do oposto é que algo de fato se faz verdadeiro e pode ser notado. Ampliando esse conceito, tomamos ciência de que há um processo contínuo de revitalização e avivamento para que não prevaleça a morte, mas sim a vida. Consequentemente cresce em nós o desejo de experiência-la. Se não há um “motor propulsor”, o coração humano, sustentando toda a vida, de certo já não seria mais possível a existência. O Progenitor amoroso não se ausenta, não abandona, antes, chama para si a paternidade de sua criação. Todo esse zelo é percebido na manutenção da vida de GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 20 tudo que se vê e também do que não se vê. Culminando na plenitude da manifestação de Deus entre os homens, Jesus, o Cristo Emanuel, aquele que não nos desarraiga do mundo, mas nos dá condições de aqui viver, um dia após o outro, de modo afirmativo e aprazível. Isso é vida e vida em abundância. Jorge Pinheiro, teólogo contemporâneo e compatriota, tem dado importância em fazer teologia a partir da vida. Paradoxalmente, explica que apesar da morte e violência se apresentarem como temas centrais midiáticos atualmente, conotando a desvalorização da vida, ressalta que a primeira teologia das escrituras hebraicas, e posteriormente cristãs, é a teologia da vida (PINHEIRO, 2009, p. 17 - 20). Este artigo propõe o pensar teológico a partir do panorama histórico, da fé e espiritualidade para promoção da vida, e esta em sua melhor condição, a fim de gerar saúde e qualidade de vida. 7. Saúde e Religião: um panorama histórico As grandes civilizações se originaram a partir do convívio comunitário. Os povos primitivos possuíam características de sobrevivência baseada na caça, pesca e coleta substancial em diversos locais. As crenças primitivas, desenvolvidas por esses povos, baseavam-se na existência de espíritos que interagiam e reagiam à vida humana. Dentre os “espíritos” estão elencados inclusive os elementos naturais: sol, lua, vento, chuva, trovão e relâmpagos. Essas crenças mítico religiosas se expandiram com a finalidade de explicar os mistérios naturais e sobrenaturais do nascimento, das doenças e da morte. A observância do estado saudável no ambiente comunitário tribal possuía desígnio único: sobrevivência. Nas pesquisas de achados históricos, pelas diversas ciências, inclusive as biológicas, tem-se chegado a conclusões, como a que se segue: Com o desenvolvimento dos povos nômades e o aumento dos grupos, ocorreu a diversificação em diferentes agrupamentos, habitando locais distintos, com mudanças nos hábitos, na busca de sua sobrevivência. As grandes civilizações que surgiram entre a Mesopotâmia e o Egito, ou seja, os assírios, os egípcios, os caldeus, os hebreus e outros povos, viam as doenças como ocasionadas por causas externas ao corpo do homem. Muitas referências desses povos podem ser encontradas nos relatos bíblicos em passagens do Antigo Testamento, onde se evidenciam, principalmente, noções de prevenção de saúde (LOURENÇO et. al, 2012). A consciência saudável desses povos está estreitamente ligada ao estilo de vida religioso e suas práticas. Os preceitos judaicos, observados através dos GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 21 escritos do Antigo Testamento, estão carregados de significados com relação à vida e sua preservação. O Pentateuco evidencia a importância e relevância dada à vida em sua maior humanidade, ou seja, a vida quando mergulhada nas situações mais corriqueiras e frágeis. Não apenas sugerindo diferenciação das demais nações, como também proteção e prevenção de doenças e transmissões. Nota-se que as celebrações dos feriados, das atividades de vida diária no calendário judeu e na instituição legal, estão direcionadas aos aspectos mais comuns e cotidianos, sugerindo regras alimentares e de saneamento básico, para que a morte não seja precipitada, elegendo a vida como bem de maior valor e sobrepondo às demais leis as de preservação à vida. Um exemplo de preocupação com a vida de toda a criação se encontra no abate de animais, assegurando morte rápida e não torturante. Segundo Moltmann, essa compreensão foi perdida com o distanciamento da origem do significado primeiro, proferido em determinado tempo e em determinada cultura. Com relação aos significados dos textos do Antigo e Novo Testamento ele afirma: No Antigo Testamento e no judaísmo o Espírito de Deus é a força de vida das criaturas e o espaço de vida de que elas dispõem para desenvolver-se. A benção de Deus aumenta – em vez de amortecer – a vitalidade. A proximidade de Deus torna a vida novamente merecedora de ser amada e não de ser desprezada. No Novo Testamento e no messianismo original do cristianismo encontramos o Espírito de Deus como força de vida da ressurreição, que a partir da páscoa ‘foi derramada sobre toda a carne’ a fim de fazer com que ela permaneça eternamente viva. No vento impetuoso do divino Espírito de vida tem início a primavera definitiva da criação, e os que desde já o experimentam percebem como a vida se torna novamente viva e digna de ser amada (MOLTMANN, 2010, p.88). Esse entendimento foi impresso nas páginas desses escritos antigos, para que diante dos demais povos, esse povo, que assegura a existência do Deus criador, provedor e mantenedor da vida, vivesse de forma afirmadora e amada. Desse modo, essa forma de viver seria saudavelmente proliferada no tempo e espaço. Ainda, sob concepção da teologia de Moltmann, esse deve ser o ponto de partida para um novo saber sobre Deus, para uma “teologia ecológica”, equiparando-se as necessidades contemporâneas para redescoberta do corpo, de sustentabilidade e de uma nova consciência. A compreensão hebraica do Espírito de Deus pressupõe a identidade do Espírito redentor de Cristo com o Espírito criador e vivificante de Deus, viabiliza a inventiva deste mesmo Espírito em toda a criação, na natureza, nos animais, nas GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 22 plantas e intrinsecamente envolvido na humanidade dos homens (MOLTMANN, 2010, p.21). Como se sabe, com o desenvolvimento da população do Oriente Médio, houve a expansão do império grego, que, em sua gênese mitológica, atribuiu o estado saudável a suas divindades. Conceito este que progrediu, com íntima relação entre filosofia e medicina em reciprocidade, desde sua origem. Diversas teorias foram criadas e desenvolvidas, promovendo modos diferenciados de manutenção da vida e de seu estado mais saudável. Desse período destacam-se Hipócrates, Galeno e também Platão (BACKS et al, 2009, p.112). Adiante, o período medieval é marcado pelo domínio da Igreja em todos os setores sociais e como fonte de explicação para toda e qualquer objeção. Nesse longo ciclo, a saúde e a vida possuíam caráter unicamente religioso, porém não com a mesma essência da Antiguidade, pois já havia outra compreensão de cultura, vivência, religião, fé e espiritualidade. A saúde se opôs à doença e passou a ser fruto direto de práticas não pecaminosas, regradas pela Igreja. Na imposição religiosa, a verdadeira espiritualidade foi negada aos fiéis e a vida não poderia ser desfrutada senão no âmbito religioso, e, apesar de possuir muitas práticas e ritos, não agregava significados, não correspondendo assim, à vida saudável. A existência era penosa, através de pagamentos e cumprimentos de toda ordenação eclesiástica. Na idade moderna, o poder se descentraliza e a religião perde sua vez em dar explicações, especialmente tratando-se das ciências, inclusive a biológica. O agente de saúde ganha seu espaço e ocorre a ruptura entre a ciência e a fé. 8. Saúde e Religião: Espiritualidade Não há posicionamento extremo capaz de gerar equilíbrio, compreensão ampla e cognoscível, pois a espiritualidade possui papel imprescindível à saúde emocional e psíquica, resultando no físico e a ciência com seus estudos, teorias e práticas, amplia o conhecimento e compreensão humana, gerando subsídios que promovem a qualidade e a perspectiva de vida. Para Jung a espiritualidade ocupa lugar fulcral na análise do bem estar, durante a vida. Psicanalista sensível e que denota o espiritual, explica que a espiritualidade não é monopólio das religiões e, sim, dimensão profunda do ser humano. Essa dimensão revela a imagem de Deus elevando o ser humano acima de seu próprio mundo, conduzindo-o a um diálogo elucidado de sua realidade e gerando vivência afirmadora, saudável e não patológica. GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 23 Stroppa e Almeida (2008, p.6), parafraseando Koenig et al (2001), trazem uma definição para espiritualidade: é uma busca pessoal pela compreensão das questões últimas acerca da vida, do seu significado, e da relação com o sagrado e o transcendente, podendo ou não conduzir ou originar rituais religiosos e formação de comunidades. Preocupados com os possíveis problemas gerados por definições muito vagas de espiritualidade, ainda apresentam a palavra ligada à sua origem etimológica e à noção de espírito, como: “espiritualidade se refere ao domínio do espírito”, ou seja, à dimensão não material, extrafísica da existência que pode ser expressa por termos como: “Deus ou deuses, almas, anjos e demônios”. Habitualmente se refere a “algo invisível e intangível que é a essência da pessoa”. Os autores ainda afirmam ser a orientação religiosa intrínseca ao indivíduo e está habitualmente associada à personalidade e estado mental e físico saudáveis. 9. Saúde e Fé Na contemporaneidade, há grandes esforços para que a saúde seja abarcada de modo integral e interdisciplinar, e o discurso atual de saúde como promoção de qualidade de vida (segundo BACKS et al, 2009, p. 113 -114) está condicionado por vários fatores, tais como: paz, abrigo, alimentação, renda, educação, recursos econômicos, ecossistema estável, recursos sustentáveis, equidade e justiça social, sugeridos a partir da Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde, em Ottawa, em1986. Dessa forma, possuir saúde se torna amplamente complexo e sobrepuja o setor das ciências biológicas, pois diz respeito a um estilo de vida e práticas integradoras, concernentes a todas as áreas existenciais dos indivíduos e somente assim há a afirmação à vida e o ser humano atinge o bem estar. A complexidade da vida e existência humana são descritas por Regina Sanches, teóloga contemporânea em seu artigo “Contribuições da Teologia da Missão Integral para uma Teologia Pentecostal Integral”: A vida que sustenta o mundo vai além das condições biológicas e físicas e não pode ser explicada apenas em análise laboratorial. Se deve a isso a necessidade das várias ciências e disciplinas acadêmicas para compreendê-la. Estar vivo e operante no mundo não é algo simples, pois envolve todo um círculo de interações, relacionamentos com implicações diversas, que nenhuma ciência compreende de forma plena, nem mesmo a teologia. Por essa complexidade certamente passa a ação do Espírito, vitalizando não somente a vida biológica, mas a própria relação interna da criação (SANCHES, p.6). Para maior entendimento das multifacetas da vida e dos elementos que a GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 24 cercam, a Organização Mundial da Saúde desenvolveu um questionário para aferir a qualidade de vida. Esse questionário é composto por seis domínios: físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e aspectos religiosos. Os itens elencados devem ser considerados ao elaborar um possível conceito de qualidade de vida e saúde e também em novas teorias, medidas e aplicações. A história prevê mistérios e enigmas em torno da vida humana, comprovando a existência de muito mais do que se possa ver e explicar. Com o conhecimento hoje adquirido, pesquisas e compreensão da totalidade dos seres, a vida pode ser mais plena, mais geradora em si mesma, mais afirmadora, mais dinâmica, mais amada, mais respeitada, mais dignificada, mais elucidada, e portanto, mais saudável. Uma das possíveis maneiras de enxergar a criação enquanto criatura é a partir do criador, e este por sua vez pode ser conhecido, pois, enquanto absoluto decidiu por sua liberdade se revelar, se permitir conhecer. De acordo com a teologia de Brunner (2004, p. 464) a revelação é o ato do próprio Deus se mostrar à humanidade a fim de resgatá-la e estabelecer relacionamento permanente. Essa revelação, ainda que una é variada, é inferida de modos diversos. Entretanto, para o desenvolvimento do relacionamento entre criatura e criador e resgate pleno, é necessário que a fé seja vigente, pois transcende a realidade e capacidade humana e a captação de toda ciência e verdade revelada. Enquanto a religião é definida como um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos destinados a facilitar a proximidade com o sagrado e o transcendente (Deus, força superior ou verdade absoluta) ou ainda como “o aspecto institucional da espiritualidade”, “religiões são instituições organizadas em torno da ideia de espírito” (STROPPA; ALMEIDA 2008, p. 3), a fé é a experiência, a vivência, a convicção, o fruto da espiritualidade vivenciada através da religião. Segundo Moltmann (2010, p. 114) a fé pessoal não é uma obediência cega em relação aos mandamentos e ensinamentos, e sim o início de uma liberdade que renova inteiramente a vida e que, como se diz no Evangelho de João, “vence o mundo” (16:33), pois envolve individualmente e é verdade na medida em que se empenha por compreendê-la, não por tradição ou hábito. O evento específico, constitutivo da existência cristã, e, portanto também da existência teológica, é e permanece sendo a fé. No evento da fé ocorre (o-corre, corre ao encontro, move-se – realmente acontece algo!) que a palavra de Deus provida do poder vivo do Espírito que lhe é próprio, e assim, provida da soberania que só ela GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 25 possui, capacita o homem a crer, então este aceita a palavra, e a obedece sem restrição alguma (BART, 1981, p. 60). É por meio da fé que o ser humano busca significados para sua existência e respostas em tempos de estresse ou, ainda, esta pode ser entendida como um processo através do qual os indivíduos procuram entender e lidar com as demandas significantes de suas vidas, assestando à fonte oriunda. Com relação aos benefícios da fé para o homem, segue análise que trata de religiosidade e saúde: A tradição religiosa ocidental dá ênfase a uma relação pessoal com Deus e com o próximo. Essas relações podem ter importantes consequências sobre a saúde mental, especialmente com respeito ao enfrentamento de circunstâncias difíceis de vida que acompanham a doença e suas limitações. Crenças e práticas religiosas podem reduzir a sensação de desamparo e perda do controle que acompanham doenças físicas. A percepção de uma relação com Deus pode oferecer uma visão de mundo que proporciona socorro e sentido ao sofrimento e à doença. Pessoas enfermas podem colocar suas habilidades a serviço da comunidade proporcionando-lhes um sentido para a vida (STROPPA; ALMEIDA, 2008, p. 5). As ciências da religião despendem tempo analisando os fenômenos que cercam a vida do fiel, e é comprovado, comportamentalmente, que o indivíduo, que vive uma fé e uma crença, lida de modo significantemente melhor com as situações de estresse, crises, desilusões, sofrimento e danos vitais. Moltmann explica que essa fé é também a esperança vivenciada e experimentada escatologicamente na comunhão com o Espírito de Vida (vida de espiritualidade – na correspondência do Espírito Criador) e no tornar-se presente de Cristo na antecipação da nova criação de todas as coisas. Afirma, ainda: “O agir do Espírito de Deus, vivificante e de afirmação à vida, é universal e pode ser reconhecido em todas as coisas que servem à vida ou que impedem sua destruição” (MOLTMANN, 2010, p.10). Dessa forma, a espiritualidade e a fé validam uma vida diferenciada neste mundo, transpondo até mesmo a enfermidades e patologias, podendo assegurar a vida, mesmo em meio à escassez e ao viés de morte. 10. Saúde e Teologia: Espiritualidade Integral Abordando agora o saber, conhecer sobre Deus, afirmamos ser esta a perspectiva que induz o ser humano à sua máxima liberdade, uma vez que a teologia é o exercício de livre pensamento em direção ao Criador e suas verdades. Essa elaboração do conhecimento baseia a fé e se torna via dupla. As premissas utilizadas estão na teologia trinitária onde o agir criador parte GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 26 do amor e vontade em direção ao conflito. Certamente cabe dizer que a hokmah de Deus, juntamente com a pneuma de Deus, não apenas comandam e ordenam toda criação, como também são agentes criadores, fazendo a manutenção e promovendo a nova vida, ou seja, a vitalidade de uma vida criativa a partir de Deus. O segundo termo também dá origem à palavra espiritualidade, que quer dizer, literalmente, uma vida no Espírito de Deus, um intenso convívio com o Espírito de Deus, e, portanto, a vida em sua forma mais plena que um humano pode obter. A espiritualidade também remete à pericórese, pois abarca a vivência santificada, correspondendo à ação trinitária perfeita e concomitante reprodução desta vivência no amor próprio, na aceitação de sua humanidade, no amor à vida e expandido ao próximo. Essa vivência saudável corresponde aos padrões homeostáticos, ainda que haja processos patológicos ou acometimentos por enfermidades, a vida não deve ser negada, hostilizada ou abdicada. A compreensão restaurada da criatura diante da imanência trinitária humaniza o homem e este compreende, que apesar de gozar a salvação, sua physis está atrelada à fragilidade, à mortalidade e à degeneração contínua. Pensamento tal viabiliza ao homem gozar saúde em meio à doença, pois sua visão holística lhe permite viver como ser humano e não refutar essa condição. Quando Jesus diz: “eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância” (João 10.10), dizia respeito ao termo do grego “περισσον εχωσιν” (perisson echôsin), que significa dar vida em plenitude, de modo completo, repleto. Afirmamos, então, a abundante vida que Jesus oferece, para que seja vivificada, libertada e afirmada. Pois se há vida que precisa de salvação, é esta que possuímos. Coerente com sua oração, Jesus oferece sua anima, seu nephesh para que os dias possam ser vividos e vivenciados um após o outro, não retirando os seus do mundo, porém, concedendo condições de conservarem-se nesta terra de Deus, que é única. Retornando ao exemplo inicial, da manutenção de vida através do sistema cardiovascular- respiratório, podemos, além da análise teológico-científica, alegorizar a ação do Espírito de Deus como o “alvéolo” de toda criação, ensejando e promovendo a troca de morte para a vida e mantendo ativo esse bom processo. Muitas vezes imperceptível, porém sustentando toda a existência asseguradora da vida. Desse modo, creditamos ao Espírito eterno a divina fonte da vida criada, preservada, diariamente renovada e também a vida eterna a todas as criaturas, GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 27 sendo a origem, o impulso, a afirmação e a energia que a movimenta e a mantém atuante. Expandimos este agir, o pneuma tou teou (pneuma tou theou), ao universo, sendo reconhecido em todas as coisas que servem a vida ou que impedem sua destruição. Este agir do Espírito não substitui o agir de Cristo, mas lhe confere relevância universal. Atribuímos todas essas ações universais ao Espírito e devemos considerar as relações do Espírito com o Filho e com o Pai, para compreendermos a autonomia relacional do Espírito. Essa teologia vem sendo elaborada desde o período patrístico, Agostinho explica: No que se refere à nossa questão, cremos que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são um só Deus, Criador e Governador de tudo; que o Pai não é o Filho, que o Espírito Santo não é o Pai ou o Filho, e que a Trindade consiste numa mútua relação de pessoas e na unidade de uma só e igual essência. (GOMES, 1979, p.345) Toda essa complexidade de ação e esforço, luta e restauração em favor da vida, deve ser correspondida pelo homem, ou em outras palavras, cabe ao homem corresponder a essas ações do Espírito eterno no mundo. Em todas as ocasiões e circunstâncias que o homem acreditar na possibilidade de vida, de reabilitação, na restauração e na melhoria de sua qualidade, estará correspondendo ao estímulo do Espírito. Quanto mais evidente a morte, mais evidente se faz a vivificação. De outro modo, na fraqueza, fragilidade, deficiências e debilidades do corpo humano se manifesta maximizada a vida de Deus como dom supremo, pois o Espírito age no corpo que outrora doentio e mortal, mas agora, seu templo, trazendo ânimo e também levando-o para além de tal realidade, transcendendo e proporcionando esperança, o que torna o reino de Deus presente escatológico. Esta é a teologia produzida por Jürgen Moltmann, em seu “O Espírito da Vida – uma pneumatologia integral”, que define vitalidade como amor à vida; “O amor à vida é a afirmação da vida apesar de suas doenças, de seus obstáculos e de suas fraquezas, ele leva à uma vida contra a morte” (2010, p. 90). A teóloga Regina Sanches, de modo semelhante, afirma que o saber coeso sobre Deus também deve ser o saber e conhecer da vida, pois esta foi a via de revelação de Deus aos homens (2013, p.13 - 18). Na medida em que se caminha nesta teologia é possível concordar com o conceito de saúde, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS): “Saúde é o estado de completo bem estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Entretanto, mesmo acometido por patologias ou debilidades, a vida GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 28 afirmada e vitalizada pode ser vivida de forma plena e abundante e, portanto, saudável, até mesmo em meio a padecimentos e moléstias. Estudos recentes comprovam que durante o processo evolutivo, os indivíduos desenvolvem complexos e abundantes circuitos neurais responsáveis por todas suas funções vitais e fisiológicas. Quando ocorrem lesões e comprometimento grave desta “central de comando do corpo”, que é o sistema nervoso, mesmo que resultando em déficits motores, visuais, de fala ou de qualquer outro sentido, há esperança através de um termo cunhado pelas áreas médicas, e de antemão programado pelo criador, que é a “plasticidade neuronal”, ou a capacidade que neurônios têm de formar novas conexões e neo-adaptações para que gradativamente este corpo se recupere de possíveis sequelas e, de algum modo, a vida prevaleça. Assim, na plasticidade cerebral, as capacidades adaptativas do Sistema Nervoso Central, são suas habilidades para modificar a sua organização estrutural própria e funcionamento. São as propriedades do sistema nervoso que permitem o desenvolvimento de alterações estruturais em respostas às experiências, e como adaptações à condições mutantes e a estímulos repetidos (BALOD, 2004, p. 23). Esse processo tem sido desvendado para que os estímulos iniciais sejam maximizados, juntamente com os resultados, em funcionalidade. Isso posto, é constatado que o Sistema Nervoso Central é adaptável, não somente durante o desenvolvimento, mas também por toda a vida. Souza et al (2013, p. 6, apud O’Sullivan e Schmitz, 2010) afirma que durante muito tempo acreditou-se que a lesão cerebral seria permanente, com pouco reparo e recuperação cerebral limitando o controle motor, porém, nos dias de hoje, é possível verificar a influência do processo plástico na reabilitação do controle motor. Desse modo, profissionais da área da saúde que atuam a promover bem estar e melhora da qualidade de vida, atuam coerentemente com a ação de Deus no mundo, minimizando o sofrimento humano, no corpo e na mente, e, portanto, oferecendo saúde. Essa teoria reforça a resiliência que há imputada na vida humana. Esse termo, originalmente utilizado na Física, se refere ao nível de resistência que um material pode apresentar frente às pressões sofridas e sua capacidade de retornar ao estado original, sem a ocorrência de dano ou ruptura. A nomenclatura pode ser cunhada para demonstrar o quão intenso é o estímulo vital, sinalizando que existe capacidade de retornar ao estado de origem, principalmente após situação crítica, traumática e adversa. GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 29 Creditamos essa esperança de renovo e de vivificação ao Espírito Santo desde a interpretação de sua ação e desígnio, no Antigo Testamento, onde a ruah Yahweh comunica que Deus é um tufão, um turbilhão, é o ímpeto da vida no corpo e na alma do homem e de toda a criação, quanto no Novo Testamento, onde a pneuma é o estímulo e dinâmica de todo ministério messiânico, a força da ressurreição para a nova vida e o espaço amplo no qual se dá a nova criação de todas as coisas. Com relação ao ministério messiânico de Cristo através do Espírito, Moltmann pontua: A inabitação do Espírito leva a força vital de Deus em Jesus a uma efusiva plenitude. Jo 3:34 chama o dom único do Espírito de Jesus um “dom sem medida”. Com Ele começa o Reino de Deus e a nova criação e todas as coisas. O Espírito faz de Jesus o “Reino de Deus em pessoa”: na força do Espírito, Jesus expulsa os demônios e cura os enfermos. Na força do Espírito, ele acolhe os pecadores e leva aos pobres o Reino de Deus. Não foi em beneficio próprio, mas sim em favor dos outros, dos enfermos, dos pobres, dos pecadores, dos moribundos, que esta força de vida lhe foi dada por Deus (MOLTMANN, 2010, p.68). A experiência do Espírito Santo traz suas forças carismáticas e penetra de forma vivificante no corpo e na alma, fazendo possível a restauração sobrenatural para a verdadeira maneira de gozar a vida, expulsando o desprezo e negação ao corpo e à matéria, transportando esperanças de um “mundo futuro” para a realidade hodierna histórica e suas adversidades, dificuldades, contrariedades, que fazem parte da vida do homem, enquanto seres humanos, mortais e físicos. Em outros termos, quem experimenta através da comunhão do Cristo ressurreto, o Espírito da nova criação, é atingido pelo vislumbre escatológico da vivificação de seu corpo mortal, enfermo e oprimido. Assim, a fonte da vida começa a jorrar no invólucro temporal da criação. Em João 7, 38 e 39 Jesus anuncia essa dinâmica renovadora e contínua: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Ele estava se referindo ao Espírito, que mais tarde receberiam os que nele cressem. Até então o Espírito ainda não tinha sido dado, pois Jesus ainda não fora glorificado”. A nova saúde e o estado saudável assim podem ser adquiridos, partindo do ponto mais original do ser humano, expandindo-se ao exterior, como medidas saudáveis e um estilo de vida saudável. Entretanto, para transpor a realidade da doença, da enfermidade e processos patológicos, necessário é considerar o ser humano em sua totalidade e, portanto, considerando sua composição e imago dei com vistas a uma espiritualidade que corresponde à ideia da criação, voltando-se GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 30 para a valorização do corpo, da vida e a compreensão da condição humana, suas limitações e fragilidades, afirmando e desejando a vida em toda e qualquer situação, inclusive as mais comprometedoras. CONSIDERAÇÕES FINAIS Apesar do contínuo estímulo de morte visualizado, vivido e observado, a teologia da criação, juntamente com a ação pericorética trinitária, traz bases sólidas para uma teologia viva, da vida e vivificadora. Que não apenas visa atingir a vida, como igualmente gerar vida e esta em sua melhor qualidade. De fato, esse posicionamento corresponde tanto ao desejo implícito no ser humano, quanto à necessidade real do mundo contemporâneo. As questões da religião, da fé e da teologia precisam condizer com o contexto vivenciado pela humanidade e não apenas se referir ao metafísico intangível e invisível. Com relação à fé, já é comprovado, através de estudos, que a estabilidade emocional, adquirida por meio deste acreditar esperançoso, gera respostas fisiológicas, bioquímicas, psíquicas, benéficas, que amparam os sistemas imunológico e endócrino, promovem equilíbrio, previnem doenças, e, quando em processos patológicos, propiciam a cura. Uma vida saudável também perpassa a espiritualidade, pois trata do ser humano de maneira abrangente e o faz a partir de sua gênese. A atual compreensão deste termo: saúde, favorece significativamente a proposta de uma espiritualidade integral, pois se refere ao bem estar físico, psíquico, emocional e, porque não dizer, espiritual? Somente uma existência desenvolvida na amplidão do Espírito da Vida pode ser afirmativa, assegurada, consolidada e novamente experienciada, mesmo numa condição corrompida e deturpada. Assim, a escatologia se torna presente e imanente e a nova criação é reerguida, regenerada e vivificada. Cabe ao homem, enquanto criação divina, estabelecer esta comunhão na correspondência e na sintonia da ação trinitária no mundo, nas ações afirmadoras e preservadoras da vida. A vitalidade adquirida, a partir desta compreensão e experiência diária, se torna mais poderosa que as adversidades, mais amorosa que os traumas vividos, mais saudável que qualquer processo patológico ou doentio. Nesse ponto a teologia também é agente de saúde e promotora de qualidade de vida. GATTI, Sabrina Carla dos Reis. Teologia e vida. INTEGRATIO, v. 1, n. 1, jan. - jun. 2015, p. 18-31. 31 REFERÊNCIAS BACKES, M. T. S.; ROSA, L. M.; FERNANDES, G. C. M.; BECKER, S. G.; MEIRELLES, B. H. S.; SANTOS, S. M. A. Conceitos de saúde e doença ao longo da história sob o olhar epidemiológico e antropológico. Revista de enfermagem UERJ, v. 17, n. 1 a 21, p. 111 – 117, jan/mar 2009. BALOD, M. G. 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