23112009 - Seminário - 3º Seminário Latino
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23112009 - Seminário - 3º Seminário Latino
CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS EVENTO: Seminário N°: 2150/09 DATA: 23/11/2009 INÍCIO: 09h41min TÉRMINO: 18h57min DURAÇÃO: 09h13min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 09h13min PÁGINAS: 140 QUARTOS: 111 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO MARTÍN ALMADA LAUREADO – Prêmio Nobel da Paz de 2002 e advogado do Paraguai. VIVIEN ISHAQ – Coordenadora-Geral Substituta do Arquivo Nacional no Distrito Federal – COREG/DF. JACKSON LAGO – Participante. MANOEL DA CONCEIÇÃO – Participante. MODESTO DA SILVEIRA – Advogado. JARBAS MARQUES – Participante. RAIMUNDO PEREIRA – Participante. CARLOS MARIGHELLA FILHO – Sindicalista. ALEINALDO BATISTA SILVA – Participante. AUGUSTO PORTUGAL – Representante do Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo. MARINA DOS SANTOS – Representante do MST. SHIRLEY OROZCO RAMIREZ – Cônsul Geral da República da Bolívia no Rio de Janeiro. FRANCISCO SORIANO – Representante do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo no Estado do Rio de Janeiro – SINDIPETRO-RJ. PETER CORDENONSI – Cineasta. FERNANDO SIQUEIRA – Presidente da Associação dos Engenheiros da PETROBRAS (AEPET). DULCE MARIA PARRA FUENTES – Ministra Conselheira da Embaixada da Venezuela, representando o Petróleos de Venezuela S.A. – PDVSA. PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR – Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. MARLON ALBERTO WEICHERT – Procurador da República, em São Paulo. BEATRIZ STELLA DE AZEVEDO AFFONSO – Representante do Centro pela Justiça e Direito Internacional – CEJIL. PAULO CANABRAVA – Representante da Associação Brasileira dos Anistiados Políticos – ABAP. KHATCHINK DERGHOUKASSIAN – Professor e Assistente do Departamento dos Estudos Internacionais da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, e da Universidade de Santo Andrés, Buenos Aires, Argentina. ROSE NOGUEIRA – Representante do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo. SANTO DIAS – Participante. SUMÁRIO: Abertura Oficial do III Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos. OBSERVAÇÕES Houve exibição de vídeos. Houve exibição de imagens. Houve intervenções fora do microfone. Inaudíveis. Houve exposição em espanhol com tradução simultânea. Há falha na gravação. CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O SR. COORDENADOR (Paulo Otaran) - Bom dia a todos. Senhoras e senhores, damos início à abertura oficial do 3º Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos — Manoel da Conceição, evento promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em parceria com diversas entidades da sociedade civil e órgãos públicos. Este evento tem transmissão ao vivo pela TV Câmara e pelo sistema WebCâmara. Neste seminário, prestamos homenagem ao líder camponês Manoel da Conceição e a outros líderes de diferentes segmentos da sociedade que lutaram pelos direitos humanos no Brasil. Neste ano, dentre os temas abordados, estão a anistia política e trabalhista, a criminalização dos movimentos sociais e as implicações que a descoberta do pré-sal poderá gerar para as políticas de promoção e proteção dos direitos humanos no Brasil. Neste momento, temos a honra de convidar para compor a Mesa o Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Deputado Luiz Couto (palmas); o Prêmio Nobel Alternativo da Paz de 2002 e advogado no Paraguai, Sr. Martín Almada (palmas); a coordenadora-geral substituta do Arquivo Nacional no Distrito Federal, Sra. Vivien Ishaq (palmas). Tão logo chegue a este ambiente, será conduzido à Mesa o Magnífico Vice-Reitor da Universidade Federal de Goiás, Dr. Benedito Ferreira Marques, que está a caminho. Composta a Mesa, tenho a honra de passar a palavra ao Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, Deputado Luiz Couto, que coordenará os trabalhos neste seminário. O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Bom dia para todos e para todas. Declaro abertos os trabalhos deste III Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos, uma realização não apenas da Comissão de Direitos Humanos mas de várias entidades que trabalham em favor da anistia, pelos direitos humanos, em favor do Projeto Memórias Reveladas, do direito à memória e à verdade. 1 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Nós queremos dar as boas-vindas a todos os presentes, e que nós possamos, como dizia ao companheiro Modesto, neste seminário, avançar muito mais na luta pela anistia, na luta para que os arquivos da repressão sejam abertos, para que sejam levados ao conhecimento da sociedade, para que os torturadores possam ser punidos. Para que possamos ter a reconciliação da Nação brasileira com o passado, com o que aconteceu na nossa história, nós queremos a verdade, porque a verdade pode até fazer alguém sofrer, mas a verdade nos liberta. Nesse sentido, damos as boas-vindas a todos os presentes, e que possamos aproveitar bem este seminário; que as conclusões tiradas daqui possam trazer-nos um avanço significativo na luta pela anistia. Para uma saudação aos presentes (depois ela vai participar da Mesa, mas agora é o momento de saudar) eu concedo a palavra à Sra. Vivien Ishaq, coordenadora-geral substituta do Arquivo Nacional no Distrito Federal — COREG/DF. (Palmas.) A SRA. VIVIEN ISHAQ - Em primeiro lugar, gostaria de saudar todos os presentes, senhoras e senhores, na pessoa do Deputado Luiz Couto. Tenho a honra de representar aqui o Diretor-Geral do Arquivo Nacional, que está em viagem ao exterior; por isso, estou aqui falando em seu nome. Estou só aguardando o rapaz que vai... Sim? O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Não. Agora, Vivien Ishaq, é só uma saudação. Depois ouviremos a Mesa. A SRA. VIVIEN ISHAQ - Uma saudação? Ah! Está bom. (Risos.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Agora faremos uma saudação geral aqui, e depois ouviremos a Mesa para os nossos trabalhos. Certo? Eu registro a presença também da Sra. Alexandrina Cristensen, vice-presidente da Associação Brasileira de Anistiados Políticos, de líderes sindicais e das associações de anistiados políticos e agricultores do Araguaia, e também cumprimento os demais presentes. Para uma saudação inicial — depois ele vai participar da primeira Mesa —, concedo a palavra ao Sr. Martín Almada, advogado paraguaio e Prêmio Nobel Alternativo de 2002. 2 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O SR. MARTÍN ALMADA LAUREADO (Exposição em espanhol. Tradução simultânea.) - Estou muito agradecido de estar nesta mesma sala onde estive no ano passado, onde pude, no ano passado, ouvir mensagens muito bonitas, quando nos disseram: “queremos a abertura total do arquivo da repressão; a anistia não será completa sem punição dos torturadores”. Agrada-me isso, porque acredito que a palavra é a arma da revolução. Minha intervenção hoje vai ser em homenagem a nossos companheiros de utopia. Em especial, renderei homenagens ao Capitão José Wilson da Silva, ao Capitão João Guimarães, a D. José Alípio Ribeiro e a Paulo Roberto Manes. A esses próceres eu rendo minha homenagem. Minha palestra vai ser em torno da repressão, da Operação Condor, sobretudo para reclamar justiça, porque a impunidade gera mais corrupção e mais repressão. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Para que possamos aproveitar bem a primeira Mesa de trabalhos, em que trataremos do tema Arquivos Nacionais, nós encerramos esta Mesa de abertura. Passamos agora à primeira Mesa, em que, como eu disse, trataremos do tema Arquivos Nacionais. Para compor esta Mesa já estão presentes a Sra. Vivien Ishaq, coordenadora substituta do Arquivo Nacional, e o Sr. Martín Almada, advogado paraguaio e Prêmio Nobel Alternativo de 2002. Ainda não chegou o Prof. Benedito Ferreira Marques, Vice-Reitor da Universidade Federal de Goiás, que falará do Projeto Memórias Reveladas. No momento em que ele chegar nós vamos dar-lhe a palavra. Concedo a palavra à Sra. Vivien Ishaq, coordenadora substituta do COREG/DF. A SRA. VIVIEN ISHAQ - Bem, agora é para valer; então, gostaria de apresentar aos senhores e às senhoras o estado atual do desenvolvimento dos trabalhos do Arquivo Nacional, em conjunto com a Casa Civil da Presidência da República, no que se refere à localização, ao recolhimento e à disseminação das informações dos órgãos de repressão do Governo militar. 3 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Eu gostaria de lhes apresentar um powerpoint, para os senhores irem acompanhando o desenvolvimento do nosso trabalho. (Segue-se exibição de imagens.) Bem, aqui estou apresentando aos senhores, talvez pela primeira vez, o centro de referência das lutas políticas no Brasil do período de 1964 a 1985, chamado Memórias Reveladas. Esse projeto, esse centro de referência é coordenado pelo Arquivo Nacional e institui uma rede de parceria com os arquivos estaduais, municipais e outros centros de documentação de todo o País e no exterior. Essa é a sede do Arquivo Nacional no Rio de Janeiro. Esse centro de referência, depois de muitas elaborações e discussões, foi criado em 13 de maio de 2009 pela Ministra de Estado Chefe da Casa Civil, em cerimônia no Palácio do Itamaraty, com a presença do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, onde então foi apresentado o projeto do Centro Memórias Reveladas. A definição desse centro de referência: é o resultado visível do esforço de conjugação das diversas ações do Governo voltadas ao fortalecimento de uma política pública de valorização do patrimônio histórico documental para consolidação da cidadania e da democracia do País — porque nós sabemos que hoje o acesso a informação é uma questão de direito de cidadania, é uma questão de direito humano, é uma questão de direito à verdade, à memória e à justiça. O papel do Arquivo Nacional nesse sistema: ele é o órgão do Sistema Nacional de Arquivos e gestor desse centro, catalisando as várias iniciativas de tratamento arquivista, de organização, de disseminação, de difusão dessas informações para um público amplo, porque todas essas informações vão estar contidas na rede mundial de computadores. Como é feita essa integração, como é que essa rede foi pensada? Essa integração é realizada por intermédio do Portal Memórias Reveladas, que está na Internet, onde fontes primárias e secundárias são gerenciadas e colocadas à disposição do público em um banco de dados; é um banco de dados comum, alimentado por todos os parceiros, que tem, é claro, em vista fazer a disseminação dessa informação, realizar estudos e pesquisas, fazendo o fomento do conhecimento sobre a História do Brasil também. 4 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Os objetivos desse centro: promover o reencontro do País com sua história recente, estimulando o debate político e a conscientização democrática; estimular pesquisas sobre o período de interesse, na perspectiva da história, da ciência política, do direito, da antropologia, da sociologia; permitir o acesso às fontes de informação e de conhecimento por meio de uma rede virtual de ampla abrangência, como direito fundamental de cidadania; estabelecer o Memórias Reveladas como projeto piloto da Rede Nacional de Cooperação e Informações Arquivísticas; e valorizar a memória nacional, por meio da divulgação de projetos, exposições, multimídia, concurso monográfico e outros produtos que venham a disseminar a informação sobre o período. Os recursos, no momento, são recursos próprios, orçamentários e financeiros, dos parceiros do Projeto Memórias Reveladas e do próprio Arquivo Nacional. Foram captados recursos também por intermédio da Lei Rouanet, na modalidade mecenato, por meio da ACAN, que é a Associação Cultural do Arquivo Nacional, em ações em nove Estados, recursos esses que foram utilizados para aquisição de equipamentos, material de consumo e contratação de serviços. Então, a PETROBRAS apoiou os arquivos estaduais do Espírito Santo, do Paraná e de São Paulo; o Banco do Brasil os de Minas Gerais, Alagoas, Ceará, Sergipe e Rio Grande do Norte; a ELETROBRAS o Arquivo Público do Rio de Janeiro; a Caixa Econômica o Arquivo Público do Maranhão e o de São Paulo; e o BNDES, por fim, os de Pernambuco, Rio Grande do Sul e Goiás. Então, esses recursos estão sendo alocados nessas instituições para a contratação de serviços e de equipamentos; os serviços referem-se a pessoas que vão organizar e tratar essa documentação seguindo a orientação técnica do Arquivo Nacional, e os equipamentos são scanners, computadores, enfim, todos os recursos de informática e de mídia para que essa documentação, depois de organizada, possa ser acessada por todos os cidadãos. Um outro desafio, entre os muitos desafios que temos nesse campo, entre a questão de localização, abertura dos acervos e disseminação dessas informações, foi o edital de chamamento público de acervos, que foi feito a partir da criação do centro. Aqui, a questão é sensibilizar portadores de acervos, portadores privados de acervos, porque, no nosso caso, nós da área federal já temos a previsão legal de 5 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 que todo o acervo dos órgãos de repressão já extintos, não mais vigentes, vai para o Arquivo Nacional depois de identificado e localizado. Aqui temos um outro braço do mesmo trabalho de localização e identificação de acervos, que é a mobilização da sociedade, a sensibilização de pessoas que ainda detêm acervos, até mesmo públicos, porque muitas pessoas têm acervos públicos em seu poder e fazem doação. Foi o caso, por exemplo, de uma jornalista que nos entregou mil páginas de documentação sobre a Guerrilha do Araguaia, documentação essa produzida pelo Exército. Então, com esse chamamento, que vai vigorar por mais um ano, tentamos buscar novos acervos em mãos privadas sobre o assunto para compor o Centro Memórias Reveladas. E também, na mesma ocasião da criação do Centro Memórias Reveladas, em 13 de maio, o Presidente apresentou projeto de lei que será examinado no Congresso Nacional, que está em tramitação no Congresso para ser analisado, melhorado, incrementado, o Projeto de Lei nº 5.228, de 2009, que tenta organizar e legislar sobre a questão do acesso à informação, diminuindo o prazo de sigilo, definindo as autoridades que possam classificar essa documentação e sobretudo trabalhando para a transparência do Estado brasileiro, para que a informação que não seja sigilosa, que não seja de caráter pessoal, esteja disponível a todos os cidadãos interessados. Então, os acervos de interesse do Memórias Reveladas são arquivos acumulados pelo Poder Público e por entidades privadas, podendo a documentação ser desde publicações, vídeos, documentos mesmo, produção científica literária — tudo que envolve o período é objeto do Centro Memórias Reveladas. Na concepção do centro, os parceiros do Memórias Reveladas vão preservar a custódia dos documentos atualmente sob sua guarda. Cada instituição indica um supervisor e uma equipe, que fica em interlocução com o Memórias Reveladas, fazendo todo esse trabalho de organização e disseminação da informação. A integração entre as instituições e entidades parceiras por intermédio da Rede Nacional de Cooperação e Informações Arquivísticas e a alimentação descentralizada de um mesmo banco de dados são os conceitos-chave do centro, que já conta hoje com 40 parceiros, instituições brasileiras e estrangeiras. 6 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Aqui damos só uma visão dos parceiros que já têm um protocolo com o Arquivo Nacional assinado e os pontos no País. Nós sabemos que a malha de arquivos no País é imensa. Temos arquivos estaduais e municipais. Muitas universidades também detêm documentação pública. Há centros de documentação com documentação privada e pública sobre o período. E a melhor maneira de se conseguir uma comunicação de todas as informações é a partir dessa rede, em que os parceiros vão trabalhar em conjunto com o Memórias Reveladas, alimentando, preservando e tendo o controle de sua própria documentação. Esses primeiros slides e a minha primeira fala foram para mostrar a face externa do Arquivo Nacional, com todos os outros parceiros e as outras instituições arquivísticas do País. E internamente, qual é o trabalho que vem sendo feito pelo Arquivo Nacional, como detentor dos arquivos governamentais, sobre o período? Em 2005, como os senhores e as senhoras sabem, foi feito o decreto determinando o recolhimento do acervo do SNI, do Conselho de Segurança Nacional e da Comissão Geral de Investigações. Então, de lá para cá, de 2005 até hoje, foram recolhidos 39 acervos. Nós temos os Atos Institucionais, parte da Polícia Federal, cartas-denúncias endereçadas ao Ministro da Justiça à época; recolhemos recentemente o acervo da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República sobre a Comissão Geral de Inquérito Policial Militar, que funcionava junto à Presidência da República durante os Governos militares, e a Coordenação de Pesquisa do Arquivo Nacional, aqui em Brasília, realizou um importante trabalho, o de localizar todos os braços do SNI na Administração Pública Federal. Os senhores devem saber que as divisões de segurança em informações e as assessorias de segurança em informações povoaram a Administração Pública. Foram esses organismos, dentro da Administração Pública, nas empresas públicas e nas autarquias, que controlaram a atividade de todos os funcionários e as atividades-fim de cada órgão. Nós fizemos uma pesquisa no acervo do SNI, sob nossa guarda, e identificamos, com comprovação documental, 249 estruturas de divisão de segurança e informações e assessorias de segurança e informações. De posse dessas informações, todos esses documentos foram encaminhados aos Ministros das respectivas pastas para que eles, de posse dessa comprovação e 7 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 dessa documentação, orientassem em seus Ministérios a localização e a entrega desses acervos ao Arquivo Nacional. Então, esses são os resultados destes dois anos de identificação em vários Ministérios. Nós conseguimos localizar, para que fosse recolhido, um importante acervo, bem grande; é um dos maiores acervos que nós temos, o da Divisão de Segurança e Informações do Ministério das Relações Exteriores. E no meio dessa documentação nós encontramos um fundo completo, um outro acervo, muito importante também, que fazia todo o monitoramento dos exilados e brasileiros no exterior, que é o Centro de Informações do Exterior no Ministério das Relações Exteriores, em que os diplomatas brasileiros sediados nas embaixadas faziam o trabalho que era necessário para o SNI. Então, toda essa documentação já está recolhida ao Arquivo Nacional, como comprovação de todo o monitoramento, o controle sobre a população brasileira que se opunha ao regime. Todos os núcleos do SNI nos Ministérios da Saúde, da Fazenda, da Agricultura, todos os núcleos do SNI em todas estas empresas: na SUDEPE, no BNDES, na TELEBRÁS, na FUNAI, nas universidades, na UnB, em Furnas, na Fiocruz, na Energética do Piauí, na ELETROBRÁS, todos eles foram localizados a partir do nosso trabalho de identificação, e nós podemos comprovar que eles existiram. E todos esses acervos já estão no Arquivo Nacional; 90% deles já estão disponíveis para atendimento, tanto para as certidões probatórias da Comissão de Anistia como para a certidão declaratória de qualquer pessoa física. Temos ainda aqui a Divisão de Censura de Diversões Públicas, a Companhia Docas, o Conselho Nacional de Energia Nuclear, a Rede Ferroviária, a Comissão Especial de Investigação do Banco do Brasil, uma parte do DASP e da Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Bom, o que podemos dizer hoje? Já demos uns dois passos, talvez, num universo que cada vez se mostra maior. A teia de órgãos secretos de informação e de repressão, principalmente de coleta de informações, que eram subordinados ao SNI, era muito grande. Nós conseguimos identificar 250, mas não conseguimos identificar, localizar e recolher ao Arquivo Nacional cerca de 10%. E alguns desses acervos são conjuntos pequenos de documentação. Quer dizer, fica um grande desafio para o Governo, para o Arquivo Nacional e sobretudo para a sociedade: que 8 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 novos acervos sejam identificados e recolhidos, sem contar os três grandes acervos dos serviços secretos das Forças Armadas, que ainda não foram identificados e recolhidos ao Arquivo Nacional. Num balanço, foram recolhidos aqui a Brasília 39 acervos. Nós já atingimos 16 milhões de páginas de textos de documentos abrangendo o período militar, acervos governamentais produzidos pelos órgãos de repressão do regime militar. Nós temos também um papel muito importante, que é o de atender ao público, seja em uma questão mais temática, fornecendo informações via rede virtual ou via Memórias, seja no Arquivo Nacional, aqui em Brasília, onde fazemos um atendimento de comprovação de direitos, porque toda essa documentação que foi gerada para negar direitos hoje é uma documentação que, para nós, atesta e resguarda direitos que foram perdidos. Então, essa é uma maneira de resgatar esses direitos. Essa mesma documentação que negou os direitos, essa mesma documentação agora serve a direitos, com a comprovação de perdas, de danos, de vítimas, de mortes, de assassinatos. Então, nós atendemos a mais de 7.300 pessoas de janeiro de 2006 até agora em outubro, fornecemos 148 mil cópias de documentos originais às pessoas, e nós temos esse perfil de atendimento: jornalistas, um número pequeno; pessoas jurídicas; pesquisadores acadêmicos, também uma parte pequena; mas o grosso do nosso atendimento são as próprias pessoas, em 40%, 41% dos casos na Comissão de Anistia — porque as nossas certidões são comprovatórias e atestam a perseguição política, sofrida —, e pessoas físicas, 53%, que na verdade se somam aos 90% de todas as pessoas vítimas do regime que buscam o Arquivo Nacional para atestar direitos e para a comprovação de perseguição política ocorrida durante a ditadura militar brasileira. Nós também temos o importante trabalho de fornecer ao Ministério Público e à Justiça documentos sobre vários temas. Estamos atendendo vários procuradores, além da sentença da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária, da Juíza Solange, sobre a Guerrilha do Araguaia. Então, nós fizemos um trabalho de atendimento a essa sentença, no qual nós conseguimos definir, dentro da base de dados do SNI, todos os dossiês que eram citados, os 24 mortos e desaparecidos, os autores da sentença. Estendeu-se a pesquisa para mais 31 mortos e desaparecidos, e nós 9 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 chegamos ao fornecimento de 695 dossiês do SNI, que são bastante documentados e geram 21.319 páginas de documentos. Então, o que nós temos recolhido hoje no Arquivo Nacional foi mapeado, foi levantado, foi copiado e entregue à Justiça, além do que todos os familiares já têm de posse os documentos do seu próprio familiar, os documentos a ele referentes. A minha intenção hoje, neste evento, era apresentar aos senhores e às senhoras o estado atual, realmente, dos trabalhos desenvolvidos, as questões que ficam, e sobretudo um ponto muito importante para nós: há ainda muito trabalho a fazer, muito a avançar. Muitas discussões e trabalho mesmo têm de ser feitos para que realmente se chegue ao ponto — como se clama e como todos os senhores precisam, querem, e a sociedade toda também quer — em que os acervos sejam localizados e abertos à sociedade brasileira, porque além do direito à memória, à verdade, também há a questão do direito à justiça, e a construção da História brasileira passa por esses três pilares. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Registro a presença da Deputada Janete Capiberibe, do PSB do Amapá, que também é integrante da nossa Comissão; e também o Deputado Domingos Dutra, do PT do Maranhão, está representado aqui por sua assessoria. Apresento também o nosso Governador do Maranhão, que foi cassado, Deputado Jackson Lago, e do seu irmão, também nosso companheiro aqui (palmas). Sejam bem-vindos a este nosso seminário. Não sei se o Sr. Benedito Ferreira Marques já chegou. Não? Então, vamos passar a palavra ao Sr. Martín Almada, advogado paraguaio e Prêmio Nobel Alternativo da Paz de 2002. (Palmas.) O SR. MARTÍN ALMADA LAUREADO (Exposição em espanhol. Tradução simultânea.) - Enquanto as Forças Armadas da América Latina não reconhecerem publicamente os seus erros, não se fecharão nossas feridas. Repito: enquanto as Forças Armadas da América Latina não pedirem perdão, não reconhecerem publicamente os seus erros, não se fecharão nossas feridas. (Palmas.) Reclamamos justiça. Tanto a tortura como o genocídio são o fracasso da condição humana, são o fracasso da inteligência e do amor. A tortura é um atentado 10 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 contra a própria vida. Ela tem o poder não somente de atormentar as pessoas para conseguir informações, não! Serve também para destruir a pessoa. No Paraguai, em Assunção, eu fui torturado durante 30 dias. Em novembro de 1974 fui torturado pelos agregados militares da Argentina, do Brasil, da Bolívia, do Chile, do Uruguai, e por militares paraguaios. Tratava-se de uma Operação chamada Condor. Em novembro de 1994. Aprende-se a torturar. Meus torturadores, a maioria dos meus torturadores fizeram cursos especializados na Zona do Canal do Panamá. E no Brasil havia um centro de tortura, um centro secreto, em Manaus, e os paraguaios e os chilenos vinham para cá para aprender a nos torturar lá no Paraguai. A tortura é o ingresso no inferno, e ninguém, ninguém regressa íntegro do inferno. (Palmas.) A tortura gera uma cadeia de vítimas que se estende às famílias, à comunidade. A tortura afeta toda a sociedade. A ação de torturar é uma grave violação do direito à vida e à segurança, e produz um conjunto de violações aos direitos sociais e econômicos. A impunidade gera mais corrupção e mais repressão. Nossa luta tem de ser contra a impunidade exatamente porque a impunidade gera mais corrupção e mais repressão. E na América Latina há ainda milhões de famílias destruídas que ainda não podem elaborar suas dores. As causas que se abriram em tribunais estrangeiros contra os militares do Cone Sul mostram a falta de coragem. Nós chilenos, argentinos e brasileiros tivemos que recorrer a juízes estrangeiros, a juízes espanhóis, porque aqui na América Latina não havia juízes que tivessem coragem de processar esses criminosos. Aos nossos juízes, faltou-lhes coragem! Não tiveram coragem! Neste tempo em que vivemos, é pouco frequente a notícia de que a justiça existe realmente. Então, eu deixo aqui uma mensagem: os petroleiros desde 1964 estão reclamando justiça, e os juízes não os escutam, não decidem em favor dos petroleiros, que estão aqui presentes. O que está acontecendo com a nossa Justiça? Em nosso tempo é pouco frequente a notícia de que existe justiça. A impunidade é o reflexo da ausência de uma autêntica democracia. Aqui a democracia existe somente de faixada, é uma democracia de baixa intensidade. Esta é a democracia da América: a democracia de baixa intensidade. 11 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Temos de identificar os responsáveis, temos de encontrar os restos dos presos desaparecidos e fazer a reparação econômica, social, política e jurídica das vítimas e de seus familiares. Também se impõe essa necessidade em relação aos milhões de casos de presos políticos, exilados, torturados e despedidos do seu trabalho. Resulta-nos, no Paraguai, difícil de entender que os repressores do passado hoje usem de privilégios, e que a grande maioria de nós que lutamos pela liberdade continuemos sendo discriminados e excluídos da vida social e política. Nós que lutamos por esta liberdade continuamos sendo discriminados! A Lei de Autoanistia que se impuseram os comandantes militares na década de 80 continua em vigor. Hoje o aparelho de Justiça nos países do Cone Sul permite à Corte Suprema deixar em liberdade os torturadores, os cúmplices, os encobridores. E eu pergunto: que tipo de sociedade é esta nossa, esta em que estamos vivendo hoje, em que se tira a vida de um cidadão e não há um político, não há um juiz que diga: vamos procurar os nossos presos desaparecidos? Ninguém! Os responsáveis têm nome e sobrenome, mas não respondem pelos seus crimes. Quero lembrar aqui uma mensagem muito bonita, muito forte, de um promotor público alemão que resistiu ao nazismo. Em 1961, disse Fritz Bauer: “Todo aquele que comete um crime de lesa-humanidade não pode amparar-se debaixo do slogan: “Eu só cumpri as ordens dos meus superiores”. Disse o promotor alemão: “Há de ter a nobreza de vir à justiça descobrir todos os crimes oficiais que se ordenaram, de sentir espanto diante da barbárie, para que a própria dor desemboque na fúria que lhe outorgue a força liberadora e a coragem de deixar desnudos os culpados. Temos de dar nome e sobrenome aos criminosos, deixar que encarem o seu crime, porque esse é o único modo de honrar as vítimas e salvá-las do esquecimento”. Esse é um convite para que mantenhamos viva a memória, porque a memória é um espaço de luta política. Por isso queremos a abertura total dos arquivos, queremos liberdade, queremos justiça. Isto é a memória: a memória é um espaço de luta política. Muitos dos civis e dos militares apropriaram-se do patrimônio de suas vítimas. E até hoje os militares do Paraguai estão preocupados com suas responsabilidades, em vez de contribuírem para o reencontro desta sociedade latino-americana. A mim 12 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 me detiveram, torturam-me, mandaram-me embora do país durante 15 anos, e confiscaram todos os meus bens. Quem ficou com meus bens? Juízes, fiscais, militares e policiais. Isso que aconteceu comigo aconteceu a muitos dos senhores e na América Latina. Por isso reclamamos justiça. A justiça na América Latina pede a gritos uma revisão total, para coibir a corrupção generalizada na qual ela está imersa, nas mãos de políticos inescrupulosos, fiscais e juízes imorais, juízes e fiscais com medo e corruptos, advogados corruptos que não se importam com a justiça. É evidente que alguns juízes são simplesmente apêndices dos poderes políticos. Qual é a obrigação de um juiz? É escutar aquele sistema econômico-político exclusivamente, perseguir sua missão de brindá-lo com o devido amparo! Os juízes na América Latina convertem-se em verdugos dos mesmos a quem devem resguardar e proteger. Nossos juízes são nossos verdugos! Por isso não há justiça na América Latina. Não é o passado o que nos divide, a nós paraguaios, argentinos e brasileiros. Não é o passado! O que nos divide é a falta de justiça. Temos sede de justiça. Lamentavelmente, muitos funcionários públicos do Estado repressor de ontem passam hoje a ser, sem problemas, funcionários da democracia. Há muitos funcionários que foram repressores ontem. Para esse efeito, os poderes supostamente democráticos surgidos depois da Operação Condor — como os Congressos — e os poderes policiais continuam ocultando todo o passado, como se nada tivesse acontecido. Quem são os cúmplices dos nossos repressores? Os Congressos, os juízes e os Poderes Executivos. Destacamos que a repressão selvagem foi utilizada por alguns grupos econômicos e financeiros pela força armada para neutralizar qualquer tipo de oposição popular ao programa neoliberal de ajuste, ao programa neoliberal selvagem e criminoso. A América Latina está à margem da lei. A Justiça no Cone Sul funciona muito lentamente. Por isso Pinochet, Videla, Massera, Figueiredo, Stroessner e seus sócios militares na região cometeram seus crimes de lesa-humanidade na década de 70. No Brasil, chamou-nos a atenção o fato de que um funcionário da própria ONU, em 14 de novembro de 2009, tenha questionado a impunidade que o Estado brasileiro concedeu aos atores de violação dos direitos humanos durante a ditadura 13 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 militar. A investigação e a punição dos delitos durante a ditadura de 1964 a 1985 é um tema muito sensível, mas não há maneira de tratá-lo evitando-se reabrir o passado, disse esse alto funcionário da Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos. O enviado da ONU sustentou que o Brasil é o único país latino-americano que não revisou os crimes do regime militar. Os países do Cone Sul têm um denominador comum: nós temos, no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Paraguai, Constituições progressistas e defensoras dos direitos humanos; porém, na prática não há correspondência entre as declarações e as ações consumadas. Nossa Constituição é muito declarativa, não defende os direitos humanos. Há uma crise aguda que atravessa o Cone Sul, a América Latina, em particular o Paraguai, onde há uma forte campanha de desprestígio, com o fim de desestabilizar o Presidente Lugo, simplesmente porque ele declarou que a justiça participativa tem que ser política ao Estado, porque a injustiça já gerou muita pobreza, e neste momento há uma grande conspiração contra o Presidente Lugo. Isso que ocorreu em Honduras os Estados Unidos querem repetir no Paraguai. Vivemos debaixo de governos constitucionais; repito: na América Latina, vivemos debaixo de governos constitucionais, mas não vivemos numa democracia. Isto não é uma democracia! Obama recebeu o Prêmio Nobel da Paz, e as bases estabelecidas para a entrega de tão importante prêmio são claras: dizem que se outorgará o Prêmio Nobel somente à pessoa que tenha trabalhado mais ou melhor em favor da fraternidade entre as nações, com a abolição ou a redução do armamentismo existente e a promoção do processo de paz. Esse é o regulamento para o Prêmio Nobel. Ora, o golpe militar contra o governo constitucional de Zelaya foi provocado pelo governo norte-americano no período já de Obama, que a partir de então se declara desestabilizador tardio da América Latina. Nesse sentido, na América Latina rendemos homenagens ao Governo brasileiro, ao povo brasileiro, pela solidariedade do Brasil com Honduras. Um aplauso para vocês! (Palmas.) Existem mais de 100 bases militares norte-americanas no mundo; agora Obama quer instalar sete novas bases na Colômbia, para aguçar o conflito na região, a fim de instalar a guerra, e não a paz. E agrava-se a situação ao se 14 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 premiá-lo com o Nobel, porque se legitima a presença ameaçadora no Atlântico da Quarta Frota. Da Quarta Frota! Dessas sete bases militares na Colômbia, três são para controlar e monitorar o Brasil, três; e a Quarta Frota, convenhamos, para desafiar o Governo e o povo brasileiro, a Quarta Frota está posicionada sobre o pré-sal. Fiquem de olho: a Quarta Frota é para controlar o pré-sal! E isso nós não vamos permitir na América Latina! (Palmas.) O condor continua voando. A partir do ano de 1984, vem funcionando a “Escola de Assassinos” no Fort Benning, no Estado da Georgia, Estados Unidos, uma réplica da Escola das Américas. Até esta data graduaram-se mais de 64 mil soldados latino-americanos. Esses egressos da escola são os que articulam, organizam e realizam golpes de estado na América Latina. No caso de Honduras, foi um egresso da Escola das Américas que deu o golpe contra Zelaya. Estes são os países que continuam enviando militares, policiais e civis à “Escola de Assassinos”: Colômbia, Chile, Peru, Nicarágua, República Dominicana, Equador, Panamá, Honduras, El Salvador, Guatemala, Costa Rica, Paraguai, México, Jamaica, Belize, Brasil, Canadá, Barbados e Granada. Por que continuamos enviando nossos soldados à “Escola de Assassinos” se estamos numa democracia? Agora o mais grave é o caso do Chile. O Chile não somente envia seus militares, ele envia até os estudantes da Academia Militar. É tão fanático o país Chile — "socialista", entre aspas — que manda soldados, policiais militares e estudantes da academia também. É uma vergonha o caso do Chile. Quem envia soldados, tropas para a escola de assassinos? Argentina, Venezuela, Bolívia e Uruguai. Não se justifica por enviar nossas forças para uma escola de assassinos. Nós pedimos ao Presidente Obama, quando assumiu, que fechasse essas escolas de assassinos porque estão sendo sustentadas com os impostos do povo norte-americano. E essas escolas de assassinos até se convertem em uma escola das Américas para os direitos humanos, para a defesa da nossa ecologia, para a educação popular, continuando o método de Paulo Freire. O silêncio foi a resposta do Presidente Obama, que diz ser Prêmio Nobel da Paz, mas que para nós é o Prêmio Nobel da guerra. (Palmas.) 15 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Sou advogado, e o que mais me dói é a injustiça. Por isso eu insisto em que, entre os males da democracia, a implementação da injustiça é o pior inimigo dos direitos humanos. Durante a ditadura, nós nos queixávamos de que no Paraguai não se sabia ler ou escrever, que lá era proibido pensar. Agora, na democracia, no Paraguai, também não lemos, não escrevemos nem pensamos; estamos piores em democracia. Existe uma sociedade velha que não quer morrer e uma sociedade nova que não pode nascer. O grande desafio é a custódia permanente desses tempos, o varrimento de golpe de Estado no Paraguai. Existe uma grande crise profunda. Os parteiros dessa nova sociedade já não serão os políticos, os militares oportunistas, mas os atores sociais democráticos. E Fernando Lugo, nosso Presidente, na cabeça disso, lidera a corrente da Teoria da Libertação. Por isso é urgente alentar os pobres a constituir suas próprias organizações, porque possam assim tomar consciência de seus direitos coletivos. Nesse sentido, cabe também como modelo a Jesus Cristo, o Cristo deliberador, o Cristo herege contra a doutrina, contra a lei, contra o dogma no seu tempo, o Cristo revolucionário, assim como Ernesto Che Guevara. Enquanto as Forças Armadas não reconheçam seus erros, seus equívocos, não se fecharão nossas feridas. Descobrimos que a Operação Condor foi um pacto criminal e que a polícia Interpol fez um trabalho sujo. Depois de 80 anos de silêncio, acreditamos que agora seja hora de estabelecer todos os fatos da família latino-americana. Esses militares da América Latina, em vez de defender seus territórios tal como nos manda a Constituição nacional, arremeteram contra o seu próprio povo. A gloriosa Força Armada do Paraguai se converteu em um baixo governo de Stroessner, em um governo militar, em um bando armado, em uma legião de assassinos impunes. Não há castigo para eles. Esse bando de assassinos generais, coronéis e capitães deixaram a morte se impor sem terra e sem repouso, e em um país que se declara católico. Novembro de 2009 — são 61 anos da Declaração dos Direitos Humanos, e não há nada para celebrar. Faz já 61 anos que continuamos com a hipócrita 16 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 celebração. É hipócrita essa celebração porque esse documento é somente uma declaração; não tem força legal. Hoje, nós, na América Latina, em particular no Congresso Nacional, devemos falar mais de urgentes necessidades humanas, não de direitos humanos, mas de urgentes necessidades humanas. Deveria ser convertido em lei o asseguramento à alimentação, à saúde, à educação, à habitação, ao salário justo, ao abrigo, à proteção contra a tortura, à organização, à participação. O Paraguai está em perigo. Toda a região corre perigo. O Congresso paraguaio se converteu num centro de manobras contra o Presidente Lugo. Pode-se sentir, todos os dias, a resistência da oligarquia à vacina. Sente-se isso nos meios de comunicação do Paraguai. Devemos também abordar neste seminário a necessidade que propõe Marcelo Fabián Monges, um escritor argentino. Temos nós mesmos que resolver neste Congresso que os golpes de Estado sejam penalizados como crime contra a humanidade. Portanto, proponho que os golpes de Estado na América Latina sejam declarados crimes contra a humanidade. Qual é o papel das Forças Armadas? O verdadeiro inimigo do nosso povo é a injusta distribuição da riqueza, que gera pobreza, que gera miséria. E a nossa Força Armada é preparada unicamente para defender o seu povo, defender seus direitos humanos, seus territórios, seus recursos naturais e as autoridades surgidas de forma democrática. Existe a necessidade do controle civil sobre as Forças Armadas. Esse é o nosso direito no Brasil e na América Latina: o controle civil sobre as Forças Armadas, para se superar as práticas originais impostas pela doutrina da segurança nacional, da tortura e do genocídio. Coloca-se a necessidade de um estrito controle civil da sociedade, partindo-se da base de que a soberania vem do povo, habita no povo. O Poder Executivo da América Latina deve submeter à consideração da sociedade civil e à consideração da Organização dos Direitos Humanos nome e sobrenome dos militares e policiais que vão ascender. E todos aqueles policiais militares que têm as mãos manchadas com sangue do povo devem ser expulsos das fileiras das Forças Armadas. 17 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Ouvi com atenção a exposição da senhora sobre os arquivos, sobre os museus no Brasil. Estou impressionado, de forma grata, com a maneira como estão fazendo esse trabalho. Parabéns pelo seu trabalho! Nós temos encontrado no Paraguai vários arquivos. Recentemente, revolvemos uma tonelada de documentos no sótão do Ministério da Defesa. Uma tonelada de documentos da Operação Condor. Por exemplo, eu trouxe aqui uma folha para mostrar a vocês. Diz: “12 de novembro de 1981”. Que governo existia no Brasil? Democrático, na verdade, ou não? Em 1981. O que diz o relatório secreto paraguaio Stroessner? Bom, tem segredos ultrassecretos, atividades subversivas, comandos de segunda divisão. Em 31 de outubro de 1981 foram apreendidos em Porto Meira — vocês conhecem Porto Meira? —, Brasil, por funcionários da fronteira e da Polícia Federal, vários livros e folhetos escritos por paraguaios opositores ao governo de Stroessner. Os livros e folhetos foram sequestrados. Pode ter sido paraguaio o cidadão que queria introduzir livros no Paraguai e no Brasil. O que fizeram as autoridades brasileiras? Vejam o livro Paraguai, Educação e Dependência de Martin Almada. A Polícia Federal brasileira sequestrou esse livro. Isso foi no ano de 1981. O General Figueiredo, pelos artigos secretos, foi várias vezes dar palestras contra a insurgência no Paraguai, quando era diretor do SNI ou alguma coisa nesse sentido. Várias vezes foi lá formar militares paraguaios. O que existia no sótão do Ministério da Defesa? Estavam ali os documentos secretos, anos 1960/70, em que o império de Washington ordena, nos diz que as Forças Armadas do Paraguai têm de criar serviços de inteligência; que o Primeiro Corpo do Exército, o Segundo Corpo do Exército, todos os Corpos do Exército teriam de ter serviço de inteligência para controlar o nosso povo. Encontramos todas as implicações de Washington com a repressão no Paraguai e na América Latina. Em 6 de março de 2008 foi o Presidente da Alemanha ao Paraguai. E ali, como parte do protocolo, visitou o Museu das Memórias do Paraguai. Sou um dos diretores desse museu. 18 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Nos perguntou o Presidente alemão: “Do que vocês precisam?” Nós lhe dissemos: “Precisamos de um museólogo e que a Alemanha abra os seus arquivos de relações exteriores e forças armadas.” O Presidente alemão enviou um museólogo imediatamente. Agora temos uma carta do Governo alemão que nos diz que o arquivo está à disposição da América Latina. Nos diz uma parte da carta que ali existe um material sobre repressão política no Paraguai e em outras ditaduras sul-americanas. Somente no primeiro ano da Operação Condor (1976), há três tomos com fatos individuais sobre refugiados chilenos. Então, a Alemanha abre os seus arquivos. Por isso, Sra. Representante do Arquivo no Brasil, coloco essa Carta à disposição do Brasil para que nós possamos recuperar os arquivos da Alemanha, França, Espanha e mostrar que todas as ordens vinham de Washington e que a reparação econômica deve vir também de Washington. (Palmas.) Estamos juntando toda a documentação para ir à Corte Internacional de Haia para requerer dos Estados Unidos uma indenização. Temos de ser indenizados pelos golpistas norte-americanos! Finalmente, termino com isso, convocamos a todos os militares da América Latina que conheçam delitos de violação dos direitos humanos. Não falamos, mas convocamos a todos os militares que façam isto pela saúde da nossa incipiente democracia na região, por motivo da celebração do Bicentenário da Independência Nacional. Então, que os militares façam isto, que peçam desculpas, que peçam perdão. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Martin Amada, pela sua contribuição. Nós, brasileiros, precisamos, além de revelar os arquivos da repressão, fazer a Comissão da Verdade, como outros países fizeram. Infelizmente, no nosso País ainda não se conseguiu instalar essa comissão, mas lutamos para que isso ocorra. Pois não, Martin. O SR. MARTIN ALMADA LAUREADO (Exposição em espanhol. Tradução simultânea.) - Esqueci de falar, sem querer, pela emoção natural, duas coisas que 19 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 gostaria de dizer. A Escola das Américas na Zona do Canal e aquele Forte foram os que organizaram o Golpe Militar contra o Presidente Chávez, na Venezuela. Segundo: digo à senhora representante do Arquivo do Brasil que o Paraguai coloca à disposição do Brasil todos os seus arquivos sobre a Operação Condor. Colocamos à disposição do Brasil todos os nossos arquivos. E gostaria de pedir ao Brasil justiça. Peço justiça! O Presidente Lula sempre fala da integração regional, e não pode haver integração regional quando o Brasil se apoderou da nossa memória. Aqui no Rio de Janeiro estão os arquivos da Guerra de 1870. Nós entregamos os nossos arquivos, e agora peço ao Brasil que entregue os nossos arquivos de 1870. É injusta a posição brasileira de esperar 50 anos mais. Não se podem consultar esses arquivos do Paraguai. Por que isso? Eles perguntam por quê? (Palmas.) A Inglaterra ordenou ao Império do Brasil, naquela época, não ao povo brasileiro, que destruísse aquela experiência paraguaia, a mais revolucionária, um socialismo de Estado em 1870. Naquela época, no Brasil existiam 90% de analfabetos, a Argentina tinha 80%, enquanto o Paraguai tinha 10% de analfabetismo somente. (Palmas.) Então, peço neste congresso que seja feita uma resolução, neste Seminário Latino-Americano, para que o Brasil devolva ao Paraguai os seus arquivos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Quando anunciei a presença do ex-governador do Maranhão, cometi um erro. Acho que porque o irmão é Wagner e o outro é Jackson. Mas o outro que anunciei, o Jaques Wagner, é um lutador pela democracia, e também militou contra a ditadura militar. Quero registrar que o nosso Governador foi injustamente cassado. Consideramos que o povo do Maranhão o elegeu de forma soberana, e teve retirado o seu Governador do Palácio por um grupo que se acha dono do Maranhão. Mas a democracia será vitoriosa! Quero registrar a presença do companheiro Jackson Lago, histórico militante da luta pela democracia no Maranhão e no Brasil. (Palmas.) 20 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Quero também registrar a presença do nosso companheiro, ex-Deputado Federal e irmão de Jackson Lago, Wagner Lago, e a presença do Deputado Chico Lopes. Convido o Relator desta Mesa, o Sr. Aleinaldo Batista, para que faça uso da palavra. (Pausa.) Ele não se encontra presente. Dando continuidade ao nosso seminário, faremos agora uma homenagem às personalidades que atuaram contra o regime de exceção e pelo retorno à democracia, contra o regime de ditadura que tivemos em nosso País. Para entregar a placa ao nosso grande lutador, representando todos os camponeses que sofreram repressão e tortura, que foram assassinados, que lutaram contra a ditadura, em favor da liberdade e da democracia, e que lutam hoje em favor do direito à verdade, à memória e à justiça, convido o ex-governador Jackson Lago, que vai entregar a placa comemorativa ao nosso grande lutador, Manoel da Conceição. (Palmas.) Tanto a pessoa que entrega como o homenageado podem usar da palavra para agradecimento ou para realçar algo acerca do homenageado. (Palmas.) Pode ler a mensagem, Jackson, para que todo mundo tome conhecimento. O SR. JACKSON LAGO - “Aqueles que lutam toda a vida; esses são imprescindíveis.” Brecht. Manoel da Conceição, o 3º Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos Manoel da Conceição, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, e por anistiados e ex-perseguidos políticos do Brasil lhe confere o título de “imprescindível” por sua luta a favor dos direitos humanos. Brasília, 25 de novembro de 2009 (Palmas.) Eu gostaria de dizer que para mim é muito gratificante e honroso entregar esta placa ao Manoel da Conceição, cuja vida acompanho desde a segunda metade da década de 1960. Temos estado muito próximos. Para mim é profundamente honroso entregar esta placa ao Manoel da Conceição. (Palmas.) 21 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Quer falar, Manoel? O SR. MANOEL DA CONCEIÇÃO - Primeiramente, em nome desta Comissão de Direitos Humanos, do Grupo Tortura Nunca Mais e de todos os companheiros que, ao longo da história, estão nessa luta contra as ditaduras não só no Brasil, mas também na América Latina, dessas pessoas que lutaram, que deram a vida — alguns ainda estão vivos por aí, talvez muito machucados —, eu gostaria de agradecer de coração e alma a todos os que estão neste plenário e nesta Mesa, participando deste evento. Quero dizer a vocês que não sei se tenho o merecimento de ser homenageado nesta Casa por causa dessa luta da qual participei. Nós somos centenas, nós somos milhares de pessoas. Muitos até já morreram, alguns porque os mataram, enquanto outros desapareceram. Não posso testemunhar que os mataram; só sei que desapareceram. Mas eles estão aí. Para mim, estão vivos ainda, em algum lugar, mesmo que seja em um lugar aonde não se possa ir. Mas eles sabem de tudo o que eu falei sobre o que aconteceu com o Manoel da Conceição nos porões da ditadura, por onde passei. Mas eu gostaria que todos estivessem vivos, porque eu tenho certeza de que alguns deles também passaram por lá, para testemunharem o que nós passamos, não eu apenas, mas centenas de outros companheiros e companheiras. Eu ainda hoje choro. Lamento que tantos companheiros e companheiras, que eu tanto amava, pelo trabalho que fazíamos durante todo esse período, tenham de repente desaparecido, simplesmente. E os que os levaram nunca disseram onde eles estão — se jazem no mar, ou se na floresta, debaixo do chão. (Palmas.) Nunca eles tiveram a coragem de dizer onde os botaram. Eu gostaria que um dia essas injustiças fossem julgadas, não para se fazer o que eles fizeram, mas para se fazer justiça em relação a todos nós. Quero parar por aqui e pedir desculpas porque estou me alongando bastante. Eu agradeço de coração e alma, e digo aos companheiros que vou continuar nessa batalha. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Agradeço ao Manoel da Conceição. Inclusive, este Seminário recebe o seu nome. 22 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Convido agora o Deputado Chico Lopes a fazer a entrega da Comenda ao Sr. Modesto da Silveira, que representa neste momento todos os advogados que lutaram contra a ditadura, pela liberdade e pela democracia. (Palmas.) O Deputado Chico Lopes e também o nosso ex-Deputado e advogado Modesto da Silveira poderão usar a palavra, se quiserem. O SR. DEPUTADO CHICO LOPES - Vou ler a Comenda: “Há aqueles que lutam toda a vida, e esses são imprescindíveis — Brecht. MODESTO DA SILVEIRA, o III Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos Manoel da Conceição, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, e anistiados e ex-perseguidos políticos do Brasil conferem-lhe o Título de Imprescindível, por sua luta em favor dos direitos humanos. Brasília, 23 de novembro de 2009. (Palmas.) Bom dia a todas as mulheres presentes. Bom dia a todos os homens. Quero falar da alegria da Comissão de Direitos Humanos, que está promovendo este seminário, e dizer algumas palavras. Essa luta pela anistia parece-me que vai ter que continuar com muito mais força. Quero fazer uma solicitação ao Padre Couto, ao mesmo tempo em que lhe faço uma homenagem, no sentido de que forme uma comissão para pedir uma audiência ao Ministério da Justiça ou ao Ministério da Defesa, para se resolver, de uma vez por todas, quem é que manda: o Ministério da Justiça ou o Ministério da Defesa? (Muito bem!) Em um governo popular como o do Lula — o Brasil melhorou muito depois dele, ninguém pode negar — não podemos ficar ainda sob o tacão de algum oficial que acha que o regime militar ainda não passou. Não podemos aceitar isso de maneira nenhuma! (Palmas.) E não podemos aceitar a imposição de uma justiça de maioria conservadora, que acha que deve decidir quem é terrorista e quem não é. Por isso nós já passamos, num passado bem recente, quando nosso retrato era apresentado como de terrorista — e o terrorismo que nós fazíamos era contra o regime militar, contra a imposição norte-americana a este País. Nunca fomos terroristas; sempre fomos lutadores pelas causas populares e pela democracia. (Palmas.) Se hoje nós temos 23 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 um operário no poder, isso foi fruto do esforço de todos os brasileiros que fizeram com que chegássemos a este ponto. Portanto, quero a minha amizade particular, mas quero pedir ao Deputado e Padre Luiz Couto, Presidente desta Comissão, que não dobra caminho nem tem medo de cara feia, que peça uma audiência para dizer que nós somos contra isso. Mas tem que dizer mesmo, porque, se não disser, nem sei para onde eu vou. Eu quero estar presente, porque já estive no tribunal, já fiz o possível. No Ceará, a Deputada Maria Luiza, também lutadora, sabe do nosso compromisso. Sem estrelismo, sem querer aparecer, se faço isto é porque é minha obrigação. Quero homenagear os guerrilheiros, as pessoas que, no Araguaia, junto com o meu partido, fizeram uma luta; não só do meu partido, mas de diversos. Portanto, Deputado Luiz Couto, o Modesto, o Padre Barroso, a Wanda Sidou e tantos advogados representam... Não tínhamos dinheiro, mas eles estavam lá para defender os nossos direitos. (Palmas.) E mais: precisamos continuar a nossa luta pelo pré-sal, para unificar o povo brasileiro e desenvolver o País, e não ficar nessa lenga-lenga sobre quem pode mais e quem pode menos. Nós temos obrigação de participar disso porque nós continuamos amando este País, respeitando e brigando pela democracia e por uma sociedade mais justa, para aqueles que não acreditam, com bem-estar social, que não é esta em que nós estamos vivendo. Obrigado. Até logo. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Deputado. Nós já pedimos essa audiência ao Presidente Lula. Inclusive, a audiência foi encaminhada. O Senador Nery pediu àquelas pessoas que também estiveram presentes à Papuda e ao Conselho Nacional de Justiça, e nós mandamos um documento solicitando essa audiência. Com a palavra o Modesto. O SR. MODESTO DA SILVEIRA - Todos nós já sabemos que todos os dias são históricos no Brasil e no mundo. Para nós, este dia é dos mais históricos, e não só, no meu caso, pela honra de estar aqui como convidado, sendo homenageado em nome de tantos brilhantes advogados que sofreram por e com vocês todos e milhares de outras pessoas, como no de Manoel da Conceição, que é um ícone de 24 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 sofrimento, ao lado de tantos outros, no de Raimundo, jornalista, todos sabem do seu sofrimento. Enfim, Honestino Guimarães e Carlos Marighella. Este mês completam-se 40 anos desde que Marighella foi assassinado, um homem que foi, dentre tantas coisas, Deputado Constituinte de 1946. Quando morto — assassinado, segundo os dados oficiais, pelo famigerado assassino Fleury —, eu disse aqui, enquanto Deputado, que outro corréu confesso foi o famoso Harry Shibata, que, parece, não só chibateava, mas assassinava na mesa em que ele recebia para fazer autópsias. Digo isso porque ele confessou. Há documentos da época à vontade. Ele disse: “Dei extrema-unção ao Marighella”. Todos sabem que “extrema-unção” — entre aspas — significa que o cidadão está em risco de vida, mas que ainda está vivo. Ele, médico legista, recebeu na sua mesa de autópsia Marighella ainda vivo. Em vez de dele cuidar, como médico que era, o que ele fez? Deu-lhe a "extrema-unção", talvez uma futucação, como dizem os médicos legistas; aliás, os médicos, em geral, que forem cirurgiões. Eu afirmei aqui, enquanto Deputado, que Shibata matou o Marighella. É coassassino, junto com o Fleury. E disse: Shibata, seguramente, também matou o Marighella, dando-lhe a "extrema-unção", ao invés de lhe dar assistência médica, que era o seu dever precípuo como médico. Estou dizendo essas coisas apenas por dever de breve lembrança. Quando vi a cara do Marighella, de quem me lembrei... Quando solicitado para conversar sobre essa problemática na época, eu dizia a seu filho que o Marighella era tão cauteloso e tinha tais prioridades que, quando acabava de jantar, pegava o miolo de pão e limpava o prato, de maneira que a dona da casa não teria nenhum trabalho em laválo, porque ficava limpinho! Era um hábito do Marighella. É claro que isso é apenas uma das cachoeiras de histórias que correm pela minha cabeça abaixo. Se eu pudesse contá-las, não faria um livro de história, mas uma enciclopédia do terror que ocorreu neste País durante os 21 anos de terror de Estado. Não é terrorismo; é terror de Estado Enquanto nós éramos simples ousados em defendê-los, Sobral Pinto, nosso decano, Heleno Fragoso, Evaristo de Morais, Vivaldo Vasconcelos, Jorge Tavares, Augusto Sussekind, esses nossos companheiros tentavam salvar vidas, minimizar as torturas. (Palmas.) E por essa ousadia todos nós também fomos sequestrados e 25 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 sofremos formas de tortura, que poderiam também entrar na enciclopédia do terror brasileiro de 1964 a 1985, como descrito muito bem aqui pelo amigo Martin Almada, em todo aquele dominó de quedas sucessivas pela América Latina, comandada pelo mesmo generalíssimo império do Norte. Cachoeiras de histórias eu poderia contar, a partir desses advogados e de tantos outros –– do Manoel, que era lá do Maranhão, ou dos clientes da Ronilda, dos clientes do Eloá Guazelli, em Porto Alegre, ou do Paulo Cavalcanti, de Recife, e tantos outros; e de toda a parte do Brasil, onde todos passavam pela mesma democracia do terror. Todo dia é histórico e hoje são muitas histórias, inclusive algumas nos envolvendo. Aliás, algumas estão acontecendo. Por exemplo, dizia o Chico, dizia a Maria Luiza: o Cesare Battisti algum político vai entregar? É possível que alguém ouse, é possível que um líder operário, Presidente da República, ouse entregá-lo a um outro assassino, que tenta reviver o fascismo italiano? É possível isso, entregar um assassino para mais um assassino que cometeu e continuará cometendo crimes pela Itália afora, tentando reviver o fascismo mussoliniano? (Muito bem!) Eu nem sei que história contar. Posso contar histórias trágicas, cômicas. Aliás, cômicas raras. Quase toda a comicidade está inserida na tragicomédia do período. Não vou contar, porque vocês foram testemunhas, vítimas de todo esse processo, tanto quanto eu, e tanto quanto as centenas que não conseguiram sobreviver. Em debate com um Almirante, nos 30 anos da Lei da Anistia, na Rádio Band, ele dizia: “Faixa livre”. Havia um general debatendo comigo e que disse quase o que o outro dizia, porque eles falam em carimbo de mentiras. Eles diziam: “As vítimas não foram 300”. E eu dizia a ele: “O senhor tem razão, não foram 300, não foram 3 mil nem 30 mil; nem sequer foram 300 mil vítimas no Brasil, de forma direta ou indireta. Se quiser, podemos fazer uma aritmética simples aqui e agora”. Ele não quis, eles não quiseram. E, de fato, só neste plenário vejo aqui algumas dezenas de ex-clientes meus e dezenas de outros advogados que tiveram, como eu, centenas de clientes. Só aqui, seguramente, eu tenho mais de 300 vítimas. 26 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Para encerrar esta conversa, levante a mão quem foi vítima, direta ou indireta, para ver se talvez aqui tenhamos 300. (Pausa.) Só aqui o general teria uma resposta, como nós temos agora. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Dr. Modesto da Silveira, que representa todos os advogados e advogadas que também sofreram as consequências da ditadura militar. Convido agora o jornalista Jarbas Marques, para que possa fazer a entrega ao também jornalista Raimundo Pereira, que representa neste momento todos os jornalistas que não se submeteram às pressões, que denunciaram os desmandos da ditadura militar e que continuam hoje lutando pela liberdade, pelo direito à memória, pela verdade e justiça. (Palmas.) O SR. JARBAS MARQUES - Vou ler a Comenda: "Aqueles que lutam toda a vida, esses são imprescindíveis — Brecht. RAIMUNDO RIBEIRO, o III Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos, Manoel da Conceição, promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, da Câmara dos Deputados, e anistiados e ex-perseguidos políticos do Brasil conferem-lhe o Título de Imprescindível, por sua luta em favor dos direitos humanos. Brasília, 23 de novembro de 2009." (Palmas.) A organização do 3º Seminário Latino-Americano me deu a honra, como jornalista, de passar este Título ao grande jornalista da resistência, o Raimundo. Nós estávamos presos, e passávamos entre nós documentos clandestinos na cadeia. Eu fui um artesão, porque botei no calcanhar de muitas mães de presos políticos documentos que chegaram a ele. E ele, como editor do movimento em outros jornais, por exemplo, publicou o ofício do Figueiredo ao Contreiras, dizendo que iria aplicar o Código 12, no Juscelino, que foi o assassinato do Juscelino Kubitschek de Oliveira. E, pelas minhas pesquisas, a mesma equipe que matou o Juscelino matou também o Presidente João Goulart. O que acontece? Esse mesmo que desempatou a favor do fascismo, está sentado há 9 meses em cima do processo que a D. Maria Teresa, o João Vicente e 27 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 a Denise iniciaram. Eles entraram com um processo para responsabilizar o Governo dos Estados Unidos pelo Golpe de Estado de 1964. (Palmas.) Esses sabujos que usam o poder com toda a falsidade aparente, e a sua corrupção moral inerente, para a história terão um contestador, que é o editor dos jornais da resistência. Nós estávamos na cadeia, e ele correndo o risco de ir para a cadeia conosco! (Palmas.) O SR. RAIMUNDO PEREIRA - Agradeço enormemente por esta honra de representar os jornalistas que lutaram pela democratização no País, numa cerimônia tão comovente como esta, que não é só de nós, brasileiros, mas é também dos companheiros da América Latina. Eu me considero, com orgulho, representante da imprensa popular, que, muitas vezes, aqui no Brasil, é chamada de alternativa. Houve dezenas de publicações, e elas continuam na luta viva. Mas eu precisava destacar essa imprensa que viveu na legalidade precária da ditadura. Além dela, há outra imprensa. Pois quero destacar aqui dois aspectos dessa outra imprensa que a ditadura reprimiu, violentou. Existia a imprensa do empresariado progressista, hoje absolutamente raro no País. Queria homenagear Fernando Gasparian (palmas), que morreu no começo do ano passado. Fundador do Opinião, ele foi, se não me engano, um dos raros, senão o único, empresários cassados como lideranças sindicais. (Palmas.) Ele mobilizou os seus amigos no Brasil e no exterior, exilados, e fez o Opinião, um grande jornal, do qual fui editor. No final, nos desentendemos. Recentemente, fez 30 anos O Movimento, jornal que fundamos depois do Opinião, e nós o homenageamos como um dos combatentes da imprensa de defesa dos interesses democráticos e nacionais. Então, queria deixar registrada aqui uma homenagem ao Gasparian. Também, com profundo agradecimento, porque foram companheiros no período em que trabalhei nesse tipo de imprensa, de resistência legal, dentro dos limites da legalidade existente... Muitos companheiros estavam na imprensa clandestina. Foram cassados e mortos. Desde 1964, o trabalho de repressão à imprensa não foi de cortes de palavras ou de textos, mas de perseguição e de morte de companheiros que em gráficas clandestinas lutaram e deram exemplo. Aqui, sem 28 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 destacar qualquer um deles, quero dizer que foram dezenas, centenas de companheiros da imprensa clandestina que lutaram e deram exemplo. (Palmas.) Então, eu recebo este prêmio em nome deles também. (Palmas.) Como está evidente, sou dos velhinhos. Já cheguei aos 70. Mas tenho ainda alguma disposição. Não costumo fazer planos, mas estou fazendo um, meio extravagante, de 10 anos para a frente. Acho que podíamos considerar que a luta continua. É preciso haver no Brasil uma imprensa popular de alcance amplo. A despeito das vitórias parciais que tivemos, não conseguimos uma coisa desse tipo. Algo que seja melhor do que foi o Última Hora, que seja de uma união das forças populares, que querem para este País um futuro melhor. A despeito de tudo que conquistamos, das melhorias, estamos vendo, como disse o Modesto, nos grandes tribunais do País, pessoas proferindo sentenças que podemos, do ponto de vista formal, respeitar, mas, do ponto de vista das nossas convicções, não respeitamos. Querer entregar o Battisti ao Berlusconi é um absurdo sem fundamento. (Palmas.) É preciso haver então uma imprensa que esclareça essas questões, e ela só pode surgir da unidade das forças populares, pela construção de um Brasil novo. Muita gente compara o nosso Presidente, uma pessoa extremamente sagaz, esperta, com Presidentes anteriores, ora com Juscelino, ora com Vargas. Precisamos de um Governo que seja melhor que o de Vargas, que morreu defendendo as causas nacionais. Especialmente em momentos como este, quando companheiros estão aqui para discutir a situação do petróleo. E é preciso estar atento às questões colocadas. O nosso Presidente foi recebido em Nova Iorque e em Londres pelos representantes das grandes petroleiras — algumas se apresentaram até como nacionais, como a do Eike Batista. Parece que, em Nova Iorque, a Shell pagou 200 mil dólares pelo jantar, e o Eike Batista, mais 200 mil dólares. Em Londres, o homem da British Petroleum disse que, quando pensa nos investimentos dele no Brasil — e está achando que vai duplicar esses investimentos, pelas oportunidades criadas — dorme tranquilo. Se ele dorme tranquilo, nós não devemos ficar tranquilos (palmas), porque a tradição das petroleiras é... Elas estão lutando quase sem reserva de petróleo. Tinham quase tudo 40 anos atrás e agora só têm 7% das reservas. Estão vendo a possibilidade de terem reservas e tentam fazer este Congresso votar a toque de caixa, sem propósito, uma mudança nas leis 29 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 que garanta novos leilões e que áreas passem também para as petroleiras que estão sem petróleo. É por isso que precisamos de uma imprensa popular. Os que escrevem, os que a distribuem, pensando no povo que precisa lê-la. É este, para mim, o significado maior desta homenagem. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Raimundo Pereira. O SR. JARBAS MARQUES - Quero, em 2 minutos, resgatar uma homenagem. Todos nós que fomos torturados e os companheiros mortos... Hoje, mudou-se de tática. Se formos somar todos os líderes camponeses, veremos que já morreram mais de mil a bala. É uma estratégia nova de eliminar lideranças populares. Saí 2 anos antes da cadeira — tirei 10 anos de cadeia — e participei da organização das homenagens ao Manoel da Conceição. Mas quero prestar homenagem a três figuras que me tornaram militante social (foi no Estado de Goiás que foi fundada a primeira organização nacional dos trabalhadores, a UTAB, que depois gerou a CONTAG): Geraldo Tibúrcio, Sebastião Bailão e José Porfírio, de quem tive a honra de fazer a segurança pessoal, o primeiro camponês da história deste País a se eleger Deputado Estadual em Goiás. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Jarbas Marques. A pessoa que iria receber a homenagem em nome do companheiro Honestino Guimarães não pôde estar presente. Nós faremos chegar aos familiares. Convido para receber a comenda o filho de Carlos Marighella, Carlos Marighella Filho. (Palmas.) Convido a Deputada Janete Capiberibe para fazer a entrega. A SRA. DEPUTADA JANETE CAPIBERIBE “A Carlos Marighella, in memoriam. Àqueles que tombaram pelo retorno do Brasil à democracia toda a gratidão dos brasileiros que continuaram sua luta pelo respeito aos direitos humanos. Terceiro Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos Manoel Conceição. 30 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Brasília, 23 de novembro de 2009” (É entregue a comenda. Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Com a palavra a Deputada Janete Capiberibe. Em seguida, em nome da família do homenageado, Carlos Marighella Filho também terá a palavra. A SRA. DEPUTADA JANETE CAPIBERIBE - Sr. Presidente da Comissão de Direitos Humanos, Deputado Padre Luiz Couto; Sr. Martin Almada — bem-vindo a este Seminário realizado em nosso País; Sra. Vivien Ishaq — é muito importante o seu trabalho, vou recorrer à senhora para obter as informações que a ditadura militar tem a meu respeito, da minha militância e da militância do meu esposo, João Alberto Capiberibe, é uma emoção muito grande estar aqui identificada, totalmente identificada com rostos que eu desconheço, mas que conheço e reconheço que somos iguais. Somos iguais nas lutas e nos ideais. Quero, Sr. Presidente, ser porta-voz de Maria Luiza Fontenele e de Rosa Fonseca, que participam do 3º Seminário Latino-Americano de Direitos Humanos, no sentido de que hoje, após as homenagens, possamos organizar uma comissão representativa do seminário — uma questão é o grupo parlamentar, outra é o seminário, que trata dos direitos humanos — para ir à sede do Governo brasileiro no CCBB, no Banco do Brasil, para solicitar ao Presidente Lula um gesto humanitário, que falta para a liberdade já de Cesare Battisti. (Palmas.) Cesare Battisti está em greve de fome desde 13 de novembro, após a audiência em que foi configurada a decisão do STF de extraditá-lo. Parece-me que estão colocados 12 dias para a decisão do Presidente Lula. Ele enviou uma carta aberta ao Presidente Lula e ao povo brasileiro colocando sua vida em nossas mãos. A referida proposta foi aprovada no Grupo Temático V, Tortura e Genocídio, e na plenária realizada ontem, 22/11, no auditório. Quer dizer, já há o encaminhamento, falta uma decisão final que pode ser tomada nesta manhã. Sr. Presidente Luiz Couto, Carlos Marighella, estamos aprendendo a celebrar nossas datas significativas, as verdadeiras datas da história do povo brasileiro. Não sofremos mais pela obrigatoriedade do esquecimento determinado pelo calendário oficial ou pelo patrulhamento ou pela repressão, seja ela qual for. Ainda precisamos, 31 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 no entanto, enfrentar o debate ideológico que insistentemente tenta fazê-las menos significativas ou menos importantes para a história do Brasil. Para dizer de outro modo, estamos rescrevendo a verdadeira história do Brasil. A história de quem resistiu contra a ditadura, que usurpou nossa democracia, nossos direitos e 20 anos de vida da maioria da sociedade brasileira, ainda que uma parte dela não se tenha dado conta. Estamos rescrevendo a história da resistência contra um sistema elitista, oligárquico, injusto, imoral e desumano, que tentou sufocar nossa liberdade e nossos ideais, que continua arrancando da maioria do povo brasileiro a possibilidade iminente de uma sociedade com equidade de direitos e deveres, justiça social, respeito às diferenças e democracia. Fizemos e fazemos parte dessa história com nossa coragem, nosso ideal e nosso desapego; com nosso sacrifício, nossa vida e a da nossa família; com nossa ideologia e nossa militância. Muitos fizeram história aqui no Brasil, outros fomos obrigados a buscar refúgio de país em país, enquanto, sucessivamente, as ditaduras militares orquestradas e subservientes aos Estados Unidos se abatiam sobre povos que lutavam para ser livres e soberanos. Enquanto nós tínhamos de ser clandestinos em nosso próprio País. Pessoalmente, com meu companheiro Capi, temos mais de 40 anos de militância política, e assumimos, com orgulho, que foram inspirados em pessoas de grande dignidade, absolutamente coerentes na sua ação política. Espelhamo-nos no sindicalista Chaguinha, inspiramo-nos no revolucionário Carlos Marighella. (Palmas.) E com ele assumimos as consequências. Naquela época, éramos jovens idealistas. Eu tinha 16 anos. Mas tinha a plena consciência de que um senhor, como víamos Marighella, com seus 50 anos, sabia exatamente o que estava fazendo. E sabia exatamente quais seriam as consequências reais de cada um dos seus atos. Por isso, esgotou todas as vias institucionais. E no regime de exceção, em que não havia regras, não havia direitos, não havia democracia, propôs meios alternativos com motivos inquestionavelmente mais nobres do que os que sustentavam a ditadura militar. Nós o entendemos, admiramos, respeitamos, e construímos junto com ele uma luta de resistência à ditadura e de busca pela democracia e pela justiça social, que se estendia para todo o País. 32 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Por isso, deixamos de lado o movimento estudantil nos engajando na ALN. Passamos a seguir seus passos, desafiando o poder constituído, a apatia e o medo da sociedade, que deixava se perderem seus direitos e sua vida. Houve acertos e erros, sabemos. Houve incompreensão, preconceito, omissão, sentimos na nossa pele, mas não nos arrependemos do nosso compromisso, do nosso ideal, da nossa utopia, que continuamos a construir diariamente, pelos lentos e demorados meios institucionais, que ainda não permitiram sequer que se consolidasse uma democracia de fato. Mas que hoje reconhecemos como a única via possível. Nossas transições entre regimes são negociações que permitem a perpetuação das elites, dos ranços das benesses e das desigualdades, que tentamos vencer diariamente. Essa, talvez, seja a cotidiana inspiração em Carlos Marighella, que cativava com seu exemplo, sua coerência, seu bom humor, seu idealismo, seu compromisso, sua dedicação, sua incansável e inabalável vontade de justiça, de democracia e de respeito ao ser humano. A coragem em Marighella era um atributo visceral, como demonstrou diante de seus verdugos no Estado Novo, quando, barbaramente torturado, derrotou os homens de Vargas e de Filinto Müller. Em maio de 1964, dentro de um cinema, reagiu. Foi baleado e preso por agentes da ditadura no Rio de Janeiro. Prometeu a si próprio que nunca mais seria preso. Foi morto numa emboscada na Alameda Casa Branca, em São Paulo, tramada pelo facínora Sérgio Paranhos Fleury. (Palmas.) O reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro por sua morte resgata sua imagem para a história. É bom lembrar que esse reconhecimento se deu em função da luta de anos de sua família, de Carlos Marighella, seu filho, de sua companheira de vida e de luta, Clara Charf. Acredito que você, Carlos Augusto Marighella, conheceu isso do seu pai com muita intensidade. E soube aprender com o seu exemplo. Hoje, fazemos esta homenagem a seu pai, a você e a todos os que lutaram contra a ditadura militar. E não tenho dúvida de que você sabe dividir com todos aqueles que continuam firmes nos seus ideais, firmes na sua luta, como você e sua família compartilharam seu pai com todo o povo brasileiro. Vamos continuar instigados no objetivo da democracia, da justiça social e do socialismo com o mesmo vigor e a 33 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 mesma força que tivemos na juventude, acrescidos da experiência, da serenidade e da impetuosidade com que Carlos Marighella nos conquistou, nos motivou e nos levou para dentro da guerrilha. Termino minhas palavras recitando um belo poema de Carlos Marighella, composição de 1964/1965, Rondó da Liberdade: “É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer. Há os que tem vocação para escravo mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão. Não ficar de joelhos, já não é racional renunciar a ser livre. Mesmo os escravos por vocação devem ser obrigados a ser livres, quando as algemas forem quebradas. É preciso não ter medo, é preciso ter a coragem de dizer. O homem deve ser livre... O amor não se detém ante nenhum obstáculo, e pode mesmo existir até quando não se é livre. E no entanto ele é em si mesmo a expressão mais elevada do que houver de mais livre em todas as gamas do humano sentimento. É preciso não ter medo, é preciso ter coragem de dizer.” Viva Carlos Marighella. Carlos Marighella vive aqui entre nós. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Com a palavra Carlos Marighella Filho, que agradecerá a homenagem feita ao combativo Carlos Marighella. O SR. CARLOS MARIGHELLA FILHO - Sr. Presidente, Deputado Luiz Couto; Dr. Almada; Dra. Vivien; meus prezados companheiros e companheiras, é sempre muito emocionante participar de solenidades como esta, e elas cada vez mais se multiplicam. 34 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Já este ano, meu pai recebeu da Câmara de São Paulo um título de cidadão paulistano, que, por todo o seu simbolismo e pela importância daquela instituição, que representa o povo, a municipalidade de São Paulo, é extremamente significativo. E a esse evento se somam outros acontecidos e que acontecerão. Já houve um ato semelhante na Câmara de Fortaleza, do qual participei recentemente. Vamos ter agora, no dia 26, uma exposição com documentos pessoais, material que a família recolheu e que pode efetivamente, digamos assim, dar ao público, sobretudo aos jovens brasileiros, que não tiveram a possibilidade de conhecer meu pai, um pouco do perfil pessoal humano que a turma da velha guarda registra como uma das suas características mais importantes, ou seja, a humanidade que transparece no sorriso, na atenção, na cordialidade, no humor, que eram características dele, um revolucionário sempre terno, como, pregava Che Guevara, deveriam ser os revolucionários. E vamos ter finalmente no dia 10 de dezembro, data em que meu pai teve os seus restos mortais trasladados de São Paulo para Salvador, um ato no cemitério, ao pé de lápide concebida por Niemeyer, com uma frase belíssima e inspiradora. Na lápide de meu pai está escrito: “Não tive tempo de ter medo”. Essa mesma exposição, que corre o País, vai ficar em exibição num dos principais pontos da cultura da Bahia, o Teatro Castro Alves, em Salvador. Tudo isso demonstra que, cada vez mais, todo o manto de maldição e silêncio que os inimigos do povo, da poesia, da democracia, da liberdade tentaram impingir a Marighella, para que não tivéssemos a possibilidade de conhecer a grandeza desse homem, tudo isso está ruindo, está caindo por terra, porque cada vez mais o País busca em homens como Marighella inspiração para prosseguir nos seus novos e ambiciosos objetivos, porque uma sociedade se move pelos valores que vai construindo a cada momento. E Marighella é a bandeira da justiça social, é a bandeira da liberdade, é a bandeira da soberania deste País e é a coragem de lutar. Existiria coisa mais importante para a nossa juventude e para a nossa sociedade do que ser inspirada por esse desejo, por essa vontade de lutar e construir seu próprio destino e o seu futuro? É uma bela bandeira, é muita 35 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 inspiração, e Marighella serve para isso, e é esse reconhecimento que estamos vendo no País e presenciando exatamente agora. No meu caso particular, como filho e convidado para participar desses eventos, acho importante dar um depoimento que transmita como minha emoção é multiplicada por mil. Lamento que meus filhos não possam estar aqui para ouvir de todos vocês essas palavras de reconhecimento, palavras de carinho, que efetivamente nos enchem de orgulho. É pena que Clara não tenha podido vir aqui, ela que é lutadora incansável. Já tendo ultrapassado os 80 anos, ainda se emociona e luta muito, como muitos lutam, para que esse reconhecimento se opere. Meus companheiros, estou muito contente e orgulhoso. Há 40 anos, ao saber da morte de meu pai, a família toda procurou as autoridades militares da Bahia. Exigimos que fosse concedido à família o direito de sepultar meu pai. Era um direito que entendíamos importante e queríamos exercer. Mas Marighella, mesmo morto, ainda intimidava essa camarilha. (Palmas.) Eles invejavam esse tempo todo a amizade e o reconhecimento que o povo brasileiro tinha a homens como Marighella. E não queriam permitir que esse sentimento se manifestasse no sepultamento. Meu pai foi sepultado como indigente em São Paulo. Como havíamos demonstrado a vontade de sepultá-lo, eles nos ameaçaram. Disseram que Marighella havia participado, com um grupo de seguranças, do assassinato de uma policial, naquele episódio se noticiou que uma policial havia morrido, e que também nesse entrevero havia sido ferido um policial muito querido do DOPS, segundo eles, e que haveria retaliação e eles não poderiam garantir a nossa segurança se insistíssemos em ir a São Paulo para o sepultamento. Nós fomos, com muito receio, mas fomos. Isso apenas fez apressar o sepultamento na calada da noite. Mas ficou a difamação, ficou a infâmia, ficou a notícia amplamente difundida nos jornais de que meu pai teria participado do assassinato de uma pessoa. Isso era a culminância de toda uma campanha difamatória que acompanhou meu pai desde o momento em que ele decidiu ficar no Brasil, lutar contra a ditadura e organizar o povo nessa direção, porque, como vocês sabem, meu pai decidiu em 1964 que deveria ficar no Brasil, deveria organizar a população e resistir contra um golpe que, ele sabia, não era uma quartelada, mas 36 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 um golpe de inspiração fascista que queria se impor pela força, sem se deter diante de nada, nem do direito à vida de cada brasileiro. E foi isso exatamente que determinou a decisão de assassinar meu pai. Eles não queriam que, na prisão, um homem como Marighella pudesse inspirar a resistência ao golpe militar, como aconteceu, por exemplo, com Mandela, que, preso, reuniu toda a sociedade africana contra o apartheid. Pois bem, meus amigos, eu estive em São Paulo e vi difundida nos jornais essa infamante acusação contra o meu pai. Durante todos esses anos e com a ajuda de muitos, se não de todos vocês, lutamos para que a dignidade de um lutador fosse restabelecida. E é com muito orgulho que vejo aqui e em outros eventos a negação cabal da acusação. Estamos reunidos hoje para homenagear um brasileiro valoroso, um brasileiro — e ele escreveu isto em muitos de seus artigos e declarações — que queria apenas ser um entre milhares que lutavam pela liberdade e contra a ditadura. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Carlos Marighella Filho. Santo Dias da Silva Filho atrasou, por conta do voo. A homenagem a Santo Dias da Silva, representando os sindicalistas e movimentos sociais, será prestada à tarde. Registro a presença de 42 camponeses do Araguaia. (Palmas.) Peço que fiquem de pé para receberem a nossa homenagem. (Palmas.) Agradecemos ao movimento da anistia e a todas as entidades que contribuíram para que eles se fizessem presentes neste 3º Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos. Um abraço, sejam bem-vindos ao nosso seminário. (Palmas.) Concedo a palavra ao Relator desta Mesa, Sr. Aleinaldo Batista. (Palmas.) Informo que, depois da fala do Aleinaldo e do Portugal, vamos nos libertar da fome, faremos uma pausa para o café. Não fiquem desesperados, porque daqui a pouco será servido um lanche. O SR. ALEINALDO BATISTA - Senhoras e senhores participantes do 3º Seminário Latino-Americano de Anistia e Direitos Humanos, bom dia. 37 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O tema de que vou tratar diz respeito ao Arquivo Nacional. Pela minha experiência na procura de informações no Arquivo Nacional e nas reuniões que tivemos, o que tenho a dizer é que o Arquivo Nacional tem feito um trabalho muito bom, com muita eficiência, e tem atendido cada um de nós no momento em que lá chegamos e procuramos informações. Gostaria de parabenizar todos os trabalhadores do Arquivo Nacional pelo bom trabalho. Não posso dizer a mesma coisa em relação às empresas estatais, que estão dificultando o trabalho do Arquivo Nacional, não estão mandando os seus arquivos, para que o Arquivo Nacional possa ser mais completo. E aos Estados brasileiros que ainda não abriram os seus arquivos. Em especial, eu chamo a atenção, o Estado da Bahia, cujo Governador hoje é do PT. A pergunta é: por que não abre esses arquivos? Em especial, eu chamaria a atenção para o Estado da Bahia, cujo Governador hoje é do PT. A pergunta que se faz é a seguinte: por que esses arquivos não são abertos? Estou encaminhando a este seminário pedido de abertura de todos os arquivos e que seja enviada ao Arquivo Nacional toda a documentação para que ele possa fazer melhor o seu trabalho. E para que o Arquivo Nacional complete a sua obra, estamos aqui apresentando o relatório... O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Vamos ouvir o nosso companheiro Aleinaldo. O barulho está grande e nós pedimos silêncio para que o companheiro seja ouvido. É importante sabermos ouvir. Tem V.Sa. a palavra, para continuar sua exposição O Sr. ALEINALDO BATISTA - Encaminhamos o nosso relatório. Creio que todos queremos que o Arquivo Nacional seja completo; queremos que nossa história seja contada no mais longínquo lugar do Brasil. Toda a história das pessoas que foram perseguidas, mortas e torturadas neste País pela ditadura tem de vir à tona. Nós, brasileiros, temos esse direito. Nesse sentido, estamos encaminhando relatório com o seguinte tema: “Arquivo da história viva”. A ideia é coletar o depoimento de pessoas que vivenciaram e testemunharam os fatos na época. Eu passo à leitura, que é curta. Serei breve. 38 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 A finalidade deste relatório é apresentar resumidamente alguns depoimentos de testemunhas que vivenciaram de alguma forma as lutas do povo do Araguaia. Apresentamos alguns relatos resumidos que foram coletados neste seminário. Primeiro, o do Sr. Juraci Bezerra Costa, que à época contava com 6 anos e foi utilizado pelo Exército brasileiro como isca para capturar um guerrilheiro com o nome de Osvaldão. Essa criança ficou durante 30 dias na mata e presa num quartel por 6 meses. O segundo depoimento é de Pedro Manoel Nascimento, que tem 70 anos atualmente. Ele foi preso na base de Marabá por 45 dias, em 1972. Qual o motivo? A ditadura entendia que ele tinha envolvimento com a Guerrilha do Araguaia, por isso o prendeu etc. O próximo depoimento é de Basílio Constâncio Silva, de 82 anos. Ele foi obrigado pela Polícia Militar a participar de uma patrulha que tinha a finalidade de capturar e matar guerrilheiros. Essa ação culminou com a tentativa de assassinato do atual Deputado José Genoíno e teve como consequência a captura e a prisão do mesmo. O penúltimo depoimento é de Maria Helena Feitosa, de 50 anos. Ela era esposa do guerrilheiro Josias Gonçalves, filho de José Gonçalves de Sousa, que era camponês, foi preso e torturado barbaramente pelo Exército brasileiro, tendo chegado a óbito totalmente inválido. A testemunha cuidou dos ferimentos desse cidadão, que não era um guerrilheiro, até sua morte. O último depoimento é de Lauro Rodrigues dos Santos, de 52 anos. Ele foi mutilado. Perdeu o antebraço esquerdo após a explosão de uma granada de propriedade do Exército brasileiro, que foi deixada na vizinhança de onde o depoente morava, e que ainda teve com consequência a morte de Sabino Alves Silva, também camponês. Estamos aqui trazendo esses relatos que parecem não ter muita importância, mas queremos que tudo isso seja registrado na História do Brasil. Eu creio que cada brasileiro que participou desse evento tem alguma coisa a contar e nós precisamos que essas pessoas se manifestem. Tendo em vista a dificuldade de coleta de centenas de depoimentos, através deste 3º Seminário, e pedimos o apoio dos senhores, encaminhamos o pedido para 39 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 que o Arquivo Nacional conclua os demais depoimentos, a fim de que eles façam parte dos anais dos arquivos brasileiros sobre a história do Araguaia. Acho que é o mínimo que podemos fazer. Também defendemos a prorrogação do mandato da CIANIST, porque entendemos que só com a Comissão funcionando é possível que a Lei de Anistia seja respeitada. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Aleinaldo. Além dos depoimentos, na proposição consta a solicitação para que o Arquivo Nacional possa ouvir os que não foram ouvidos ainda — então, gravando na TV Câmara já — e a segunda é solicitar ao Presidente da Casa a prorrogação da duração da Comissão de Anistia. Alguém é contrário a essas duas proposições? Então, se forem favoráveis a elas, por favor, uma salva de palmas. (Palmas.) A Deputada Janete Capiberibe, na sua fala, a partir do movimento que luta pela libertação e pela não extradição do Cesare Battisti, fez uma solicitação para que aqui fosse criada uma comissão para ir ao Palácio solicitar do Presidente que possa decidir pela não extradição do Cesare Battisti para que ele saia da cadeia e pare com a greve de fome. Nós o queremos vivo aqui no Brasil. Então, se as pessoas que estão aqui são favoráveis a essa proposição — depois a Maria Luísa e a Rosa, com o pessoal, farão a sua composição —, também, por meio de palmas, que aprovem essa comissão. (Palmas.) Muito obrigado. Agora vamos ouvir o Sr. Augusto Portugal, que vai fazer a leitura do manifesto do Fórum Permanente dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos. O SR. AUGUSTO PORTUGAL - Bom dia, companheiros e companheiras. Estou aqui representando o Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo, e também a Associação dos Metalúrgicos Anistiados do ABC, associações irmãs que lutam, como vocês podem ver nas nossas faixas, pelo integral cumprimento do temário que estamos debatendo aqui. O Deputado Luiz Couto simboliza a nossa luta ainda atual, pois é um companheiro que, à frente da Mesa e Presidente da nossa Comissão, representa alguém que luta pelos direitos humanos e é perseguido por causa dessa luta. Então, 40 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 peço uma salva de palmas ao companheiro pelo valor que tem tido em toda a sua trajetória política e ainda neste momento, simbolizando a nossa luta. (Palmas.) Vou ler a mensagem do nosso Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos, dizendo: Companheiras e companheiros! É com orgulho e preocupação que o Fórum Permanente de Ex-Presos e Perseguidos Políticos de SP participa deste 3º Seminário Latino Americano de Anistia e Direitos Humanos. Orgulho porque nós, aqui presentes, representamos muitas histórias de luta de quem não se dobrou à violência e às perseguições que o regime de 64 implantou contra o povo brasileiro, reprimindo durante 21 anos nossas lutas pela liberdade e pelos direitos humanos. Nós resistimos à Ditadura de 64. Nós resistimos à violência, à tortura e aos assassinatos. Nós resistimos à repressão e à perseguição política. Nós resistimos à censura e ao AI-5. E nós lutamos pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, que mesmo não conquistada na sua totalidade, impôs ao regime uma realidade que transformouse na Lei 6683/79. E este momento glorioso que foi a luta pela Anistia, deu início ao fim do regime que tanto mal fez ao nosso país e ao nosso povo. Temos orgulho porque este 3º Seminário homenageia alguns de nossos símbolos como Manoel da Conceição, combatente revolucionário e liderança do movimento camponês e dos trabalhadores rurais. E também homenageia o revolucionário e deputado federal constituinte de 1946, Carlos Marighella e o líder operário metalúrgico de São Paulo, Santo Dias da Silva, ambos assassinados pela ditadura, mortos em combate lutando pelos direitos do povo. Em seus nomes, queremos lembrar e homenagear alguns daqueles que o nosso Fórum de Ex-Presos e Perseguidos Políticos homenageou em 2009: Olavo Hansen, Luiz Hirata, Devanir José de Carvalho e Eduardo Leite, o Bacuri. E saudar a memória de Manoel Fiel Filho, Vladimir Herzog, David Capistrano e Luiz Maranhão. De Mario Alves, Joaquim Câmara Ferreira, Carlos Lamarca e Zequinha Barreto. De Helenira Rezende, Virgilio Gomes da Silva; Pedro Pomar e Ângelo Arroio. De Ana Rosa Kucinski Silva, Padre Henrique, Isis Dias de Oliveira. E Paulo Wright e João 41 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Batista Drummond. E tantas outras pessoas que doaram suas vidas à causa da liberdade e dos direitos dos trabalhadores e do povo. Mas apesar de nosso orgulho, temos motivos para preocupação. Ainda que nossa luta pela Verdade, Justiça e Reparação tenha mais visibilidade e acolhida hoje do que há alguns anos, graves ameaças pairam sobre estas bandeiras. É certo que o Brasil mudou muito desde 1979, ano da promulgação da Lei 6683. Mas de certa forma permanece o mesmo, com muita violência e perseguição policial contra a população pobre, negra e jovem e contra aqueles que vivem nos bairros pobres das periferias brasileiras. E a impunidade daqueles que torturaram e perseguiram durante a ditadura, alimenta a violência nos dias atuais nas prisões e delegacias brasileiras, como vimos recentemente em Santa Catarina e em tantos outros lugares. Mas também são perseguidos os movimentos que lutam por direitos e dignidade para o nosso povo. São muitos os exemplos de assassinatos, prisão e torturas aos que lutam, no campo e nas cidades, por melhores condições de vida. A criminalização dos movimentos sociais é um fato e repete, nos dias de hoje, a mesma prática de repressão e perseguição que existiram durante a ditadura de 64. Por isso tudo, estamos preocupados. Defendemos, na verdade, uma comissão de justiça e não uma comissão que passa ao largo da identificação e responsabilização dos torturadores. É por tudo isto que se temos orgulho de ter lutado, temos preocupação de que nossa luta não seja traída. Muitos sofreram, muitos morreram. E muitos foram perseguidos, banidos e exilados, para que o Brasil viva hoje numa democracia que precisa, ainda, de muita luta para atender aos direitos de quem é marginalizado e perseguido. Saudamos a realização deste 3º Seminário Latino Americano de Anistia e Direitos Humanos e reafirmamos que “A Luta Continua”. Queremos destacar que, como disse um escritor francês, esquecer, é também perdoar o que não seria perdoado, se a justiça e a liberdade prevalecessem. Esquecer o sofrimento passado é perdoar as forças que o causaram — sem derrotar essas forças. Pela Comissão da Verdade e Justiça! Pela abertura dos arquivos secretos da ditadura militar! 42 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Que o Supremo Tribunal Federal não anistie os torturadores, sequestradores e assassinos, pela aceitação de descumprimento da ADPF 153, que mantém a condenação do torturador Ustra! Que a Lei 10.559/02 seja integralmente cumprida! Queremos, então, saudar a todos os companheiros em nome da nossa Associação dos Metalúrgicos Anistiados do ABC, associação irmã do Fórum de ExPresos e Perseguidos Políticos de São Paulo. Reafirmo que daqui para frente, por todo o tempo que restarem as nossas forças que a luta continua, companheiros. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Augusto Portugal, pelo manifesto do Fórum dos Ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo. Agora faremos um intervalo de 10 minutos para o cafezinho. Depois daremos início à outra mesa. (Pausa.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Convido companheiros e companheiras para que possam adentrar o nosso plenário para iniciarmos a próxima mesa que tratará do tema “Criminalização dos Movimentos Sociais” e a luta pelo combate a essa criminalização sobre a temática “Descriminalização dos Movimentos Sociais”. Convido para tomar assento à Mesa os expositores Dr. Modesto da Silveira, representante do SINDPETRO/RJ; Sra. Marina dos Santos, representante do MST; representando o Presidente da OAB Federal, Cezar Britto, a Dra. Herilda Balduíno; o Presidente da OAB do Rio de Janeiro, Sr. Wadih Damous; e a Consulesa Shirley Orozco, do Consulado Geral da Bolívia no Rio de Janeiro. A Dra. Herilda Balduíno está presente? (Pausa.) Vamos conceder a palavra ao nosso primeiro expositor, o Dr. Modesto da Silveira, representante do SINDIPETRO, Rio de Janeiro. O SR. MODESTO DA SILVEIRA - O tema é “Descriminalização dos Movimentos Sociais”. Pois bem, todos nós sabemos, até eu sei, que todas as ditaduras perseguem os movimentos sociais. Essa é uma experiência que todos temos da ditadura brasileira e das outras ditaduras latino-americanas. Supostamente, as democracias, ao contrário, estimulam a organização social e a deixa livre, como, aliás, figura em todas as constituições livres e democráticas.. 43 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Aos companheiros que têm interesse nesse assunto, na última vez em que falei aqui, dizia que esta Mesa não fala para peixes; esta Mesa fala para companheiros democráticos, que querem saber como enfrentar a luta pela democracia ainda não concluída. (Palmas.) Já que esta Mesa não vai falar para peixes e sim para companheiros, eu volto a dizer que as ditaduras perseguem, impedem, punem os movimentos sociais. As democracias, ao contrário, procuram estimular esses movimentos com liberdade. No entanto, hoje estamos constatando que os resíduos, isto é, aqueles que conseguiram penetrar no processo democratizante, continuam tentando perseguir e até inviabilizar os movimentos sociais. Hoje, infelizmente, apesar de toda a luta pelos direitos humanos, a luta pelos direitos sociais continua esbarrando naqueles saudosistas que conseguiram implantar-se dentro de um processo democratizador. Por isso, nós temos hoje ainda, infelizmente, inúmeros exemplos de como os movimentos sociais continuam sendo dificultados, impedidos e até perseguidos, de todas as formas. E observem, regionalmente, a tendência ditatorial de alguns Governos, de alguns setores de Governos estaduais, municipais e também federais, que dificultam ou inviabilizam a ação livre desses movimentos., Vou dar apenas alguns exemplos. Eu sou do Rio de Janeiro, mas não sei só do Rio. No Rio de Janeiro, sabemos que algumas entidades, como, por exemplo, a Associação dos Engenheiros da PETROBRAS, AEPET, sofreram inúmeras pressões no passado e algum resíduo dessas pressões continua, no sentido ameaçador. Vamos a outro exemplo pior. No SINDIPETRO e nas organizações de petroleiros em geral são muitos os exemplos de perseguição, sugestões de pressão, sugestões até de chantagem e atos concretos de perseguição criminosa. Temos enfrentado inúmeras. E são perseguições que nos convencem de que são de brasileiros a serviço de estrangeiros. O tempo é curto e eu prometi encurtá-lo mais ainda para ajudar no bom andamento do seminário, mas vou dar um exemplo. Vejam bem, como dizia o Martin Almada, a 4ª Frota passeou sobre o nosso pré-sal ao mesmo tempo em que interesses estrangeiros vinham pressionar para conquistar os leilões do petróleo brasileiro — ao mesmo tempo em que isso ocorria! A interpretação é fácil: claro, a 4ª Frota recuperada veio passear ao longo das nossas águas territoriais, dando o 44 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 recado: “Entreguem às nossas multinacionais nos leilões, ou então entregarão por aqui, pelos nossos canhões.” Recado evidente. O que aconteceu? Vamos agora à análise da pressão local. Enquanto os petroleiros se manifestavam livremente, como lhes garante a Constituição, mostrando que o petróleo é nosso, tem que ser nosso, e não estrangeiro, houve ações policiais e houve tolerância ou estímulos de Governos estaduais no sentido de reprimir. E que forma de pressão e repressão? Uma forma mais violenta, ao ponto de quebrar o braço de um dos maiores dirigentes dos petroleiros do Rio de Janeiro, o Manoel Cancela. Não só lhe quebraram o braço, mas aquele que quebrou orgulhase ainda de estar dizendo; “Por enquanto quebrei o braço, que é a sua asa; amanhã posso quebrar o seu corpo”, vale dizer, é uma ameaça de morte. Pois bem, e se ele se orgulha disso... Capitão Moreira. O Capitão Moreira foi boa comparação, porque o Capitão Guimarães era aquele que quebrava o corpo e a alma das pessoas na condição de torturador do DOI-CODI. O Capitão Moreira, provavelmente, como paralelo ao Capitão Guimarães, ameaça a fazer o mesmo com a liderança dos petroleiros. E a responsabilidade é de quem, se foi no Rio de Janeiro? É direito de qualquer sindicalista, de qualquer sindicato não pedir para fazer qualquer manifestação, apenas informar às autoridades policiais ou governamentais locais e até pedir que eles dêem proteção a qualquer manifestação pública que seja legal, como garante à Constituição. Não tem de pedir; basta informar e pedir proteção, e mais: informar a eles que, se alguma provocação houver, a responsabilidade da providência será, ou a culpa será, da própria polícia dos Governos Estaduais. Há indícios de cooperação também de polícias federais de determinados lugares. Aí já passa a ser a responsabilidade pública do Governo Federal. Mas o que tem ocorrido com os petroleiros do Rio de Janeiro e de outros lugares? O que tem ocorrido com os sem-terra do MST, sobretudo no Rio Grande do Sul? É preciso ver Governo que tenha polícia do Estado, assim como de outros Estados também. O movimento dos sem-teto igualmente tem sofrido essas pressões em várias partes, não só do Rio, mas em outros Estados. 45 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Pois bem, assim estão os movimentos sociais. Se queremos alguma coisa parecida com democracia, democracia verdadeira, democracia em que “demos” signifique povo e “cracia” o governo desse povo; se é verdade o que diz a Constituição, que todo poder emana desse povo, ele tem o direito e até o dever de defender o seu poder popular, democraticamente. Essas são notícias que chegam de toda a parte do Brasil, de tal maneira que penso que pelo menos, ainda que um pouco desfigurada a figura que fiz num dos discursos no Congresso Nacional, quando olhei para o Plenário e disse: “Este Plenário, eleito pelo povo, não representa o povo brasileiro, porque o povo brasileiro é composto de 51% a 52% de mulheres. Onde estão as mulheres? Está aqui apenas 1% dos 51% que elas representam na população. O povo brasileiro é majoritariamente pobre. Não vejo pobre aqui. O único pobre que eu conheço neste Plenário é um ex-pobre, que sou eu, ex-pobre que agora é classe média, porque recebe muito bem como Deputado Federal. O povo brasileiro é policrômico, como este plenário. Ele é negro, é amarelo, é branco, é mestiço. Aqui eu só vejo brancos, com rara exceção do único negro típico, e que, infelizmente, vota contra o interesse negro. O povo brasileiro é pobre. E quem eu vejo neste plenário, senão banqueiros, industriais, latifundiários, grandes comerciantes ou seus representantes alacaiados.” Enquanto o Plenário for como aquele, e em grande parte isso é ainda verdadeiro hoje, não teremos um processo democrático. É preciso examinar as bases desse processo democrático eleitoral para corrigi-lo até que esse Plenário se torne realmente um Plenário do povo brasileiro, em que haja gente com cara de Maracanã, com cara de Mineirão, Mineirinho, com cara de gente brasileira, que aqui não tem. Era assim, e não é tão diferente ainda hoje. Por isso é que os movimentos sociais, os movimentos do povo do Maracanã, o movimento que tem essa cara de povo aqui, continuarão perseguidos enquanto não encontrarmos um processo democrático real, autêntico, verdadeiro, como estão encontrando alguns países vizinhos nossos, inclusive a Bolívia, da minha querida Shirley, aqui a minha direita, e de outros companheiros que vieram e que virão passar por esta Mesa. Eu lhes agradeço muito. Muito obrigado pela tolerância. (Palmas.) 46 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Dr. Modesto da Silveira. Concedo a palavra a nossa expositora Sra. Marina dos Santos, representante do MST. (Palmas.) A SRA. MARINA DOS SANTOS - Bom dia, Sr. Presidente Deputado Luiz Couto; companheiros da Mesa, todas as participantes e todos os participantes deste 3º seminário internacional. Desde já, agradeço o convite em nome de todo o conjunto do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Achamos importantíssimo neste momento que nós estamos vivendo da sociedade brasileira, e também do conjunto da América Latina, termos a realização de seminário dessa dimensão, com essa qualidade, com esse nível de participação, de representação dos povos da cidade e do campo do Brasil e também de outros países do nosso continente. Desde já o nosso agradecimento pelo convite e pela possibilidade de participação, troca e experiência vivida aqui com vocês. Queremos agradecer por todas as homenagens que foram feitas hoje aqui e dizer que nos sentimos, como camponeses, representados e homenageados também pela belíssima homenagem ao grande companheiro Manoel da Conceição, que tem seu legado para toda a nossa militância como exemplo de vida, de militante, de luta contra o latifúndio e pela realização da reforma agrária neste País. Gostaria de iniciar ressaltar que, do nosso ponto de vista, nesse momento que nós estamos vivendo no Brasil e especialmente na América Latina, há uma articulação de um pequeno setor da América Latina, porém muito forte. Eles são poucos, mas eles têm dinheiro, dominam o capital e estão se articulando com os vários setores mais reacionários que existem em todas as sociedades do nosso continente, seja através da parte reacionária dos Executivos, seja dos Legislativos, seja do Poder Judiciário, seja de toda a grande mídia, dos grandes meios de comunicação. Esse setor, mesmo que pequeno, mas forte, conservador, reacionário, está no processo dessa articulação para fazer a ideologização de todos os processos de luta dos movimentos sociais, dos lutadores e das lutadoras em todo o nosso continente, em todos os países da América Latina. 47 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Nós vemos que, independente da onda de vitórias eleitorais das forças de esquerda que houve no nosso continente, e alguns muito progressistas como Bolívia, Venezuela, El Salvador, Nicarágua, Paraguai e também com os governos do campo popular como Brasil, a própria Argentina, Uruguai, enfim... Essas eleições na América Latina fizeram com que houvesse um avanço considerável das conquistas de direitos das populações. Agora, esse grupo pequeno, mas reacionário e conservador, que não gosta, ao contrário, tem medo de pobre, pensa que não pode haver pobre, muito menos se mobilizando e fazendo gestões em torno de conquistas de seus direitos, ele vai fazer tudo para impedir esses avanços e também para voltar aos seus cargos, com o grande objetivo de criminalizar, incriminar e desmoralizar a pobreza, os lutadores e os movimentos sociais. Quando falamos desses elementos, ressaltamos que são tanto do campo quanto das cidades. Essas forças estão agindo no sentindo de incriminar, criminalizar e desmoralizar os movimentos sociais do campo e da cidade em todos os países já citados que tiveram avanços em nosso continente. Vemos o golpe de Honduras, abordado aqui pela manhã, de 28 de junho e não resolvido até agora, como uma parte da estratégia desse setor mais conservador, que logicamente está ligado à escola das Américas, ligado ao comando maior da grande potência dominadora da América do Norte. Vemos esse golpe contra Zelaya como um recado aos outros países para agir no sentido de impedir que haja de fato esses avanços do ponto de vista social e político-eleitoral. No campo brasileiro, falando mais especificamente da nossa área do campo, o que percebemos é que há claramente um avanço desenfreado do capital com as empresas transnacionais, com os bancos, com o capital financeiro por meio do modelo do agronegócio, que é articulado em conjunto com o latifúndio mais atrasado e improdutivo para disputa pelo controle dos bens naturais, seja da terra, seja da água, das sementes, da energia, da biodiversidade. O grande objetivo deles com isso é avançar na produção dos monocultivos, especialmente cana-de-açúcar, pínus, eucalipto e soja para exportação. No modelo com esse objetivo de produção, de fato, não há lugar para quilombolas, nem para indígenas, nem para agricultura familiar. Então, quando há um processo de mobilização, de organização desses setores, há logicamente um processo de incriminar, criminalizar e desmoralizar o 48 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 conjunto de organizações que estão lutando por seus direitos. Com isso, o que temos visto é que há aumento da concentração da terra no País, com a atuação do agronegócio e, logicamente, do “latifúndio improdutivo mais atrasado”, entre aspas. Os senhores devem ter acompanhado, recentemente, os dados do Censo agropecuário que revelam que no Brasil 1% de proprietários detém 46% das terras agricultáveis. Nós somos o segundo país no mundo que mais concentra terra. Perdemos apenas para o Paraguai, sendo que naquele país um grande contingente de detentores da terra é formado de brasileiros. Se pegarmos o exemplo de quem domina terra no Paraguai e compararmos com o Estado do Maranhão, veremos que o Brasil leva a taça de país mais concentrador de terra do mundo. Por outro lado, também nos revelou o Censo, existem 4,5 milhões de famílias sem terra, fruto do êxodo rural, das políticas, enfim, da falta de implementação de políticas públicas para a pequena agricultura e o campo brasileiro. Para nós, é clara a necessidade de um projeto de reforma agrária amplo, massivo, democrático, que garanta a distribuição da terra improdutiva, de modo a cumprir-se, inclusive, a própria Constituição Federal, que determina que a terra tem função social e aquela que não a cumpre deve ser destinada à reforma agrária. A função social, segundo a Constituição, está baseada em três fatores: produtividade, respeito ambiental e legislação trabalhista. Nunca tivemos neste País uma fazenda, uma área, uma terra em que, detectado trabalho escravo, por exemplo, fosse destinada para a reforma agrária. Isso está na Constituição Federal, mas não se cumpre. O que se cumpre é o poder de criminalizar os movimentos sociais que lutam pela terra e para que se cumpra e se garanta, conforme a Constituição Federal estabelece, a realização da reforma agrária neste País. Quando falamos em processo de distribuição de terra, de a reforma agrária ser ampla, massiva, democrática, ela deve cumprir os objetivos da distribuição da terra, dos meios de produção, da riqueza no meio rural e também da produção de alimentos fartos, baratos, de qualidade, para que cheguem à mesa de todos os trabalhadores brasileiros sem o uso de químicos e agrotóxicos, como fazem o grande latifúndio e o agronegócio neste País. 49 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Os senhores devem ter acompanhado também os dados que a ANVISA, ligada ao Ministério da Saúde, tem nos revelado nos últimos dias. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo. Esse agrotóxico é usado na produção dos alimentos que vão para a nossa mesa, o nosso prato, que vão parar no estômago e vão trazer sérias consequências para a saúde da população brasileira. Aliás, é o que mais tem acontecido. Também foi detectado pela ANVISA aumento no número e em mortes causadas por câncer na população brasileira. Isso é fruto dos produtos alimentícios produzidos com agrotóxicos. Para nós, a reforma agrária tem que cumprir também o objetivo de produção de alimentos com qualidade, com fartura, a custo baixo, para atender às necessidades de toda a população, seja do campo, seja da cidade. Uma reforma agrária que recupere e preserve o meio ambiente, porque o latifúndio deste País destruiu e continua destruindo o nosso meio ambiente nas várias regiões. Uma reforma agrária que cumpra o objetivo da geração de empregos no meio rural. O Censo ainda nos revelou que 80% do emprego no campo hoje está na agricultura familiar, ou seja, nas pequenas e médias propriedades. Não está nas grandes propriedades, como ditam os setores do agronegócio. Diz ainda que 75% dos alimentos saudáveis que vão para a mesa da população brasileira são produzidos pela pequena agricultura. Nós acreditamos que é importante esse processo do conjunto de lutas dos movimentos sociais para que se cumpra, de fato, a Constituição Federal e se garanta a realização da reforma agrária no País, com esses objetivos. Fruto dessas contradições, o que percebemos é que há esse processo de criminalização dos movimentos sociais no Brasil. Agora, nós podemos citar como exemplo a CPMI da Reforma Agrária, que estão chamando de CPI do MST. Nós não temos nenhum problema com investigações. Aliás, essa será a terceira CPI da qual o MST vai fazer parte, em 7 anos. O que nos preocupa de fato são os objetivos que estão por trás dessa CPI. Para nós fica claro que o primeiro objetivo dessa CPI é impedir a atualização dos índices de produtividade. Os movimentos do campo, todas as entidades, todos os movimentos que fazem parte do Fórum Nacional pela Reforma Agrária não 50 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 conseguem entender por que o latifúndio, por que o agronegócio, por que a bancada ruralista deste Parlamento não aceita e tem medo de que o Executivo cumpra uma lei, pois é seu dever atualizar os índices de produtividade, que, aliás, estão defasados há mais de 30 anos. Não entendemos qual é o medo que eles têm. O segundo objetivo desta CPI é fazer palco para a direita, para esse setor mais reacionário, para os Parlamentares reacionários e conservadores fazerem palco para as eleições do ano que vem e fazerem disputa eleitoral. Acreditamos que isso também está como pano de fundo dessa CPI. O terceiro objetivo é, de fato, criminalizar e desmoralizar os lutadores da reforma agrária, as lutadoras e os movimentos sociais do campo. Nós estamos entendendo que esse processo da criminalização, hoje, o qual o companheiro que me antecedeu ressaltou, não se dá somente com a prisão, com a tortura ou com a morte dos trabalhadores. Eles estão evoluindo nas táticas de criminar, incriminar e desmoralizar os movimentos sociais e os lutadores dos movimentos sociais. A comissão de inquérito, a utilização dos grandes meios de comunicação e tantos outros meios têm sido uma forma de desmoralizar os movimentos sociais. Quero só dar um exemplo: nos últimos 20 anos, neste País, foram assassinados mais de 1.600 trabalhadores e lideranças do campo. Poucos foram a julgamento e responsabilizados por esses crimes, muito menos ainda foram condenados e responsabilizados e muito menos ainda estão pagando, estão nas prisões. Muito, muito pouco! Dos 1.600 trabalhadores assassinados, nem cinco responsáveis estão na prisão. O grande exemplo que podemos dar é o massacre do Eldorado dos Carajás, em 1996, no Pará. Até hoje não houve julgamento definitivo, nem responsabilidades pelos assassinatos. Há duas semanas, os senhores devem ter acompanhado, no Estado do Pará, dois militantes dirigentes do MST receberam decreto de prisão. Os nossos advogados verificaram em que se baseava o pedido de prisão. Os senhores devem ter ouvido falar na Maria Raimunda e no Charles Trocate. Eles receberam decreto de prisão porque são coordenadores do MST. Quero trazer isso como exemplo, porque faz uma ponte muito importante com todo esse debate que está acontecendo aqui. 51 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Não se pode ser militante, nem dirigente, nem coordenador de um movimento social hoje? Por ocupar essa função ele tem de ser preso? Que regime — como dizia o companheiro Martin Almada, do Paraguai, pela manhã —, que democracia de fachada é esta que nós estamos vivendo neste País e no nosso continente latino-americano? (Muito bem. Palmas.) Como disse inicialmente, não estamos preocupados com mais uma comissão de inquérito, com mais uma investigação, mas gostaríamos muito — acho importante que todos os presentes possam de alguma forma se manifestar sobre essa questão — que essa CPI não fosse apenas do MST, porque já passamos por outras duas, recentemente. Aliás, uma está em aberto ainda, não terminou, e até agora não se conseguiu comprovar nada, porque as teses da bancada ruralista, dos representantes do latifúndio improdutivo, escravagista do País e do agronegócio são as mais reacionárias, são de dar medo em qualquer pessoa. O que gostaríamos é que essa CPI pudesse ser, de fato, do campo. Uma CPI do campo que traga a reforma agrária para o debate, para o centro da discussão, a fim de que o Estado brasileiro investigue também os crimes que o latifúndio cometeu, historicamente, neste País. Nós queremos que a CPI vá ao campo investigar o assassinato das mais de 1.600 lideranças do meio rural. Nós queremos que a CPI vá investigar o desmatamento no meio rural. Também queremos que quebrem os sigilos fiscal e bancário do MST. Não há problema. Mas que quebrem também o do Sistema S. Nós queremos saber onde e como estão sendo aplicados os recursos do SENAR, do SESCOOP, e assim por diante. (Palmas.) Nós queremos saber também as questões do trabalho escravo deste País. Segundo a Organização Internacional do Trabalho, no Brasil existem mais de 25 mil trabalhadores em regime análogo ao de trabalho escravo. Vinte e cinco mil para um contingente como o Brasil, de quase 200 milhões de habitantes, parece que não é muito. Mas se houvesse um trabalhador em situação de escravidão neste País já seria uma vergonha! Não podemos admitir que em um país como o Brasil nós tenhamos quase 30 mil trabalhadores em regime de escravidão! Por que essa CPI não vai investigar esse tipo de coisa também? 52 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Companheiros e companheiras, nós acreditamos que este é um momento muito importante. Alguém disse hoje pela manhã que todos os dias da história são muito importantes. Neste momento, também todos os dias da nossa história, da história do Brasil, está sendo muito importante. Portanto, cremos que, neste momento, são muito importantes a articulação e unidade entre os trabalhadores, entre os movimentos sociais, entre os lutadores e as lutadoras do campo e da cidade. Nós somos muitos, mas não podemos permanecer cada um fazendo o que achar certo e não termos, num determinado momento, um sentido de ação conjunta e unitária entre os trabalhadores e os movimentos sociais. Também achamos importantes esses debates e um espaço como este. Devemos repeti-los nos Estados, nas escolas, nas universidades, nas associações de trabalhadores do campo, da cidade, nas comunidades urbanas, enfim, devemos estar, de fato, onde está o povo organizado e fazermos este debate em conjunto. Finalmente, queremos dizer que acreditamos. Não vai ser por conta de mais uma CPI ou uma ou duas prisões de militantes nossos — podemos dizer que são prisões políticas, porque são coordenadores do movimento social — ou um e outro grande noticiário de impressionista da população brasileira, ao dizer que o MST é um movimento terrorista, que vamos deixar de organizar os trabalhadores rurais sem terra, que vamos deixar de lutar contra o latifúndio improdutivo deste País. Vamos, sim, lutar para a realização da reforma agrária. Nós acreditamos que a luta, que a organização dos trabalhadores e a mobilização social são a única forma de avançarmos nas conquistas e garantir justiça social, soberania popular e dignidade para toda a população brasileira. Muito obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado companheira Marina. Passo a palavra à Sra. Shirley Orozco, Cônsul Geral da Bolívia no Rio de Janeiro. A SRA. SHIRLEY OROZCO RAMIREZ - Muito obrigada à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e ao Deputado Luiz Couto pelo convite e aos demais pela presença. 53 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Hoje, eu vou falar um pouco da experiência da Bolívia na luta dos movimentos sociais em democratizar tanto a sociedade como o Estado, assim como a ampliação dos direitos. (Segue-se exibição de imagens.) Acho importante contextualizar um pouco e dar certas informações, a fim de que possam entender como foi a luta dos povos indígenas em meu país. Bolívia tem uma superfície de 1.098.531 quilômetros quadrados, uma população estimada, no ano de 2006, em 9.627.266 habitantes, uma população urbana majoritária. A maior população está concentrada na área urbana, com 64,23%, com densidade de 8,7 habitantes por quilômetro quadrado. A divisão política e administrativa se divide em nove departamentos, que no Brasil se chama de Estados. Bolívia está dividida geograficamente em duas regiões. Em âmbito internacional se conhece mais meu país pela serra, pelo Altiplano, mas mais da metade do território são terras baixas, que chamamos de chiquitania, amazônia, chaco e parte do chaco americano. São dois terços do território que têm alturas menores. A Bolívia está constituída com 36 povos e nações. Alguns grupos étnicos se autoidentificam só como povos e outros só como nações. Destes, os quechuas, acho que já ouviram falar deles, são 95,5% da população, os aymaras são 40%. Há outros grupos minoritários como os chiquitanos, guarayos, yurucares, etc. O meu país tem uma diversidade cultural muito forte. A maior população indígena fica na parte da serra do país, na parte do altiplano. Segundo dados do censo, 66,2% da população se autoidentifica como indígena, tem uma identidade indígena. Na Bolívia, em meados da década de 80, aplicou-se o modelo neoliberal e se viveu uma forte característica de esvaziamento social e perda de direitos conquistados em décadas passadas pelo movimento trabalhador e mineiro. Foi uma época muito terrível e complicada para as lutas sociais e para os setores de esquerda do país. Sem dúvida, no final da década de 90, começa a ter uma emergência social do movimento indígena e popular. O povo começa a organizar-se e a lutar, mas com 54 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 muitas características. Há organizações sindicais, há organizações camponesas, comunidades indígenas com suas próprias formas de organização, com suas próprias autoridades, suas próprias formas deliberativas, assembleias, juntas, suas próprias autoridades. Essa é uma característica muito interessante da realidade boliviana. Houve um ciclo de mobilizações de 2000 a 2005. Acho que vocês escutaram muito das guerras pelos recursos naturais. Foram muitos levantamentos. Por exemplo, em 2003, houve a Guerra do Gás, quando morreu mais gente que na ditadura mais longa que teve meu país, que foi o Governo de Hugo Banzer Suárez de 1971 a 1978. Em 2003, o governo exerceu uma violência muito forte contra a população e morreram 800 pessoas na Guerra do Gás, em uma época democrática. Que ideias, que crenças mobilizaram o povo boliviano? Uma crítica muito forte à condição neoliberal. Começamos a nos mobilizar contra a privatização de empresas públicas, a questionar uma conformação histórica muito antiga, que foi a condição colonial do Estado, ou seja, um Estado que excluiu a maioria da população boliviana, que a marginalizou, e também um desejo muito forte de recuperar nossos recursos naturais. Os recursos naturais têm que ser do povo, tem que ser utilizados em benefício da maioria da população. Temos que nos beneficiar todos desses recursos naturais e não só alguns setores sociais, como acontecia no país. (Palmas.) Outra característica dos movimentos sociais da Bolívia é que eles não lutam apenas por melhorias salariais, não lutam apenas por temas setoriais como, por exemplo, só reforma agrária ou só o aumento do salário mínimo. Eles lutam por temas da agenda nacional que atingem a maioria da população, e isso foi muito importante na hora de aglutinar os diferentes movimentos sociais. O interessante foi que todas a organizações sociais se respeitaram e, ao mesmo tempo, tinham uma bandeira única de defesa nacional. Historicamente, são muito conhecidos os métodos de luta que utilizaram os movimentos sociais da região — as insurgências, a luta armada —, mas o interessante desses novos processos na América do Sul é que eles têm outras formas de transformação social. Na Bolívia, essas duas formas foram paralelamente acompanhadas de maneira gradual, ambas por meio de protestos, de mobilizações 55 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 e participação na arena eleitoral como estratégia de poder. Por meios democráticos, pacíficos, pelo voto universal, os povos tentaram mudar a realidade participando das eleições. Eles tinham um lema, que era “votemos em nós mesmos”. Antes o povo votava em outros setoriais minoritários, era a tradição do país, mas depois de 2002 começaram a votar em seus próprios líderes, o que culminou na eleição de Evo Morales à Presidência. Eu quis que vocês vissem através de imagens o que aconteceu. Estas são as primeiras lutas do movimento indígena. (Segue-se exibição de imagens.) Aqui as organizações. Estas são as passeatas que as organizações realizam. Cortar as estradas foi uma estratégia de luta utilizada. Estas fotos foram antes da queda de Gonzalo Sanchez de Lozada na Guerra do Gás. Estas também foram da conjuntura da Guerra do Gás. Esta é a violência exercida nesses tempos pelo poder estatal contra a luta do povo. Isso é o que se conhece como octubre negro, outubro preto, que é a Guerra do Gás. Esta é a participação eleitoral, que ocorreu gradualmente, através de mobilização, de se apresentar em eleições. Aí está o símbolo do movimento indígena popular na Bolívia, que é a Wipala: uma bandeira de luta, um símbolo do movimento indígena. Como meio de transformação, também se pensou que isso tinha de ser não só legitimado, mas legalizado no país. Assim, houve o processo da assembleia constituinte na Bolívia, e o resultado disso foi a nova constituição, com a qual os bolivianos contam desde ano passado. Todas essas ideias de transformação foram traduzidas e trabalhadas pelas organizações sociais e agora se encontram nessa nova constituição política do Estado. Agora vou entrar no tema que nos interessa: o que defendemos como direitos humanos nessa época. Por exemplo, direitos fundamentais, civis, foram resultado de lutas da Revolução Francesa e de diferentes povos a nível mundial. Entretanto, há novas lutas em termos de direitos humanos. Por exemplo, um tema muito importante 56 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 é que os movimentos sociais agora não só defendem essas demandas setoriais de que falávamos, mas defendem a humanidade, defendem inclusive a mãe terra. Foi assim que, ante uma conjuntura de crises — alimentar, energética, aquecimento global, de decadência do planeta, praticamente — se estão incorporando novos critérios. No caso, na Bolívia, muito interessante é o que estão fazendo as organizações sociais. Por exemplo, nessa conjuntura desfavorável de crises que estamos vivendo, como as crises alimentar e energética, os movimentos sociais fizeram com que na Bolívia se garantisse como um direito fundamental que toda pessoa tem direito a água e alimentação (palmas); que o Estado tem a obrigação de garantir a segurança alimentar através de uma alimentação sadia, adequada e suficiente para toda a população. Isso está constitucionalizado e garante que não só em tempos de crises as pessoas que não têm recursos possam ter acesso a esses recursos naturais. Outro tema que está constitucionalizado é o direito ao acesso universal à água e a uma rede de esgoto. É fundamental que as pessoas tenham a garantia desse acesso. Também muito importante é o tema dos direitos políticos, de que nosso companheiro falava. A nova constituição boliviana foi redigida pensando numa presidenta mulher e numa vice-presidenta mulher. Todo o texto está redigido em ambos os gêneros, e se reconhece uma participação política igualitária de mulheres e homens na constituição. (Palmas.) Finalmente, um tema também muito importante: a constituição reconhece não só a democracia representativa, através do voto universal, mas também a democracia participativa, através de consultas populares e de referendos revogatórios. O povo não só tem o direito de eleger seu representante, mas também de decidir sobre o seu mandato, inclusive revogando-o. Se um governante não está correspondendo à linha política a que se comprometeu, o povo pode se organizar e pedir, através de consulta, a mudança da autoridade. (Palmas.) Finalmente, em tempos muito complicados no âmbito internacional, a Bolívia se define como um Estado pacifista que proíbe a instalação de bases militares em seu território, tema também constitucionalizado. (Palmas.) 57 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Eu vou deixar isto aqui. Agradeço a atenção de todos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Sra. Shirley Orozco. Passo agora a palavra ao Sr. Carlão, Relator desta Mesa. Carlão está presente? (Pausa.) Não está. Teremos agora um intervalo para almoço. A SRA. FABÍOLA - Participei, com o Carlão e o Fenelon, da discussão sobre a criminalização. Já que eles não estão presentes, gostaria de pelo menos três minutos para fazer considerações a respeito do que nós debatemos. O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - A coordenação tem um Relator para fazer a síntese. A SRA. FABÍOLA - Fiz parte do grupo. PARTICIPANTE - Mas foi escolhido um Relator. O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Quando aqui estiver presente o Sr. Carlão, nós lhe daremos um tempo para não prejudicá-lo, uma vez que foi indicado Relator. Ainda antes do intervalo, a próxima Mesa debaterá o tema “O Pré-sal e os Direitos Humanos”, sob a coordenação da Deputada Janete Capiberibe. (Palmas.) Esperamos que as pessoas estejam presentes no momento, senão vamos atrasar cada vez mais. Está desfeita a presente Mesa, para que seja composta a próxima. (Palmas.) Passo a palavra à Deputada Janete Capiberibe. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Concedo a palavra à Sra. Fabíola, do SINDIPETRO, para ler o relatório, pelo tempo de 5 minutos. A SRA. FABÍOLA - Agradeço a oportunidade. Como disse, fiz parte desse grupo, junto com o Carlão e o Fenelon, e gostaria de ler para vocês o que conseguimos redigir sobre a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza. Há necessidade de um amplo debate em toda a sociedade e nos meios políticos, acadêmicos, de representação de classe, jurídicos sobre a questão da criminalização dos movimentos sociais e da pobreza. 58 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Apesar da democracia hoje existente, são perseguidos os movimentos que lutam por direitos e dignidade para o nosso povo. São muitos os exemplos de assassinatos, prisões e torturas dos que lutam, no campo e nas cidades, por melhores condições de vida. A criminalização dos movimentos sociais é um fato e repete, nos dias de hoje, a mesma prática da repressão e perseguição que existiram durante a ditadura de 64 (Fórum de Ex-Presos e Perseguidos Políticos do Estado de São Paulo). A nova “posição” — entre aspas — de setores que desejam manter inalterado o status quo das oligarquias, com o fim dos regimes autoritários e o início da democracia, tem sido a criminalização dos movimentos sociais e da pobreza. A criminalização tem por objetivo paralisar os movimentos sociais, destruir sua organização e impedir que a luta social tenha uma dimensão política. É necessário lembrar que a criminalização vem a partir, muitas vezes, de uma visão legalista, sem tomar em conta se a lei é justa ou não. Por exemplo, no tempo da escravidão, quem lutava contra e desrespeitava as leis da época podia ser considerado criminoso. Hoje em dia, os movimentos sociais, como os movimentos por terra, moradia e outros, veem-se amarrados por leis que já deveriam ser revistas e, em alguns casos, mais bem interpretadas. A crise de identidade e de iniciativa que paralisa os movimentos sociais em grande parte é resultado da política que criminaliza as justas lutas da população, somada à política de desinformação e manipulação efetuada pela ditadura da mídia. Não é à toa que nós agora estamos em plena conferência nacional pela democratização da mídia. Essa foi uma grande vitória dos movimentos sociais pela democratização da mídia. Estamos nesse processo porque, sem democratizar a mídia, o povo vai continuar enganado e manipulado. A ditadura da mídia é um forte instrumento a favor da manutenção da criminalização dos movimentos sociais. Por meio dessa ditadura midiática o povo é manipulado, enganado e fica a favor daqueles que nos oprimem. Existem propostas, tais como: levantar a questão da sociedade sobre essa criminalização; promover amplos debates para conceituar o problema; identificar as práticas de criminalização; registrar os movimentos e pessoas que são vítimas dessa 59 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 prática; e registar os fatos concretos ocorridos num só banco de dados, para termos a real dimensão do problema. Precisamos também fazer um levantamento das leis que estão sendo utilizadas até hoje para criminalizar os movimentos; avaliar se essas leis estão sendo interpretadas corretamente ou se são injustas em sua essência, como era a lei da escravidão; e articular com os movimentos sociais ampla realização de denúncia e apuração dos fatos. É isso aí, pessoal. Obrigada. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Obrigada, Sra. Fabíola. Dando continuidade ao nosso seminário, teremos agora a terceira Mesa: O Pré-Sal e os Direitos Humanos. Convido para compor a Mesa o Sr. Francisco Soriano, do SINDIPETRO-RJ; o Sr. Fernando Siqueira, da AEPET-RJ; a Sra. Dulce Maria Barra Fuentes, Ministra-Conselheira da Embaixada Venezuelana, representante da PDVSA. Convido também o cineasta Peter Cordenonsi para a apresentação do documentário O Petróleo é nosso. (Pausa.) Convido o Sr. Francisco Soriano, do SINDIPETRO-RJ, para comentar o documentário O Petróleo é Nosso. O SR. FRANCISCO SORIANO - Saúdo a Deputada Janete Capiberibe, em nome de quem cumprimento todos os demais componentes da Mesa e sobretudo os companheiros presentes. O Peter já chegou. Ele mesmo falará sem mais delongas. O SR. PETER CORDENONSI - Boa tarde. Estou muito honrado de poder passar este filme aqui. Veremos uma versão curta, de 15 minutos — o filme é quase um longa-metragem —, que discute o pré-sal. Temos tanta dificuldade de saber o que é essa riqueza porque, infelizmente, a nossa imprensa mostra apenas o lado neoliberal. Este filme tenta trazer outras opiniões e, sobretudo, uma visão geral, para que nós venhamos a defender o que é nosso. Várias riquezas nossas já se foram. As coisas vão passando, e o Brasil vai sendo dividido. 60 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Este filme traz opiniões fantásticas de pessoas maravilhosas, entre elas uma senhora genial, Maria Augusta Tibiriçá, de 92 anos, que desde o movimento O Petróleo é Nosso, na década de 50, até hoje ainda luta para que o Brasil tenha a responsabilidade de ser dono de seus passos. Espero que vocês gostem. Depois do debate do pré-sal, durante o almoço, o filme será exibido na sua íntegra. Muito obrigado, Sr. Presidente. (Palmas.) (Exibição de vídeo.) A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Concedo a palavra, imediatamente, ao Sr. Francisco Soriano, do SINDIPETRO do Rio de Janeiro. (Palmas.) O SR. FRANCISCO SORIANO - Obrigado, Deputada. A minha oração não poderia começar sem antes, com a permissão da Presidente da Mesa, fazer homenagem a um companheiro meu da ALN. Vocês viram no filme a presença de todas as correntes que formam a opinião pública brasileira –– militares, civis, bispos, MST, petroleiros, professores, atores. Tudo isso foi muito importante. E ali estão todas as correntes políticas também. Há representantes de todas as centrais e também de partidos nacionalistas. O companheiro a quem homenageio é o Paulo César Botelho Massa. Trago isso para fazermos uma grande reflexão e para trazermos ao nosso coração de cristão um sentimento também de irmandade. Esse companheiro, o Paulo César Botelho Massa, era filho de um general do Exército, que tinha outros quatro irmãos generais. O pai dele havia sido, inclusive, lacerdista e fora Secretário de Segurança do Carlos Lacerda. Quando houve o golpe, começou a haver também dissensões naqueles que sentiram que aquela Marcha da Família com Deus pela Liberdade, era, na verdade, a marcha da família do adeus à liberdade. E um dos que vieram para a luta de peito aberto foi Paulo César, que era meu colega de faculdade e, também por meu intermédio, ingressou na Ação Libertadora Nacional, do nosso Carlos Marighella. Pois bem, esse companheiro foi sequestrado e morto. Hoje é desaparecido político. Devido à patente, o pai conseguiu que se explicasse o que houve com Paulo César. A primeira explicação foi de que ele estaria vivo, em Cuba. Mentira do 61 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 General Figueiredo. Depois ele disse: “O General Cristóvão já está velhinho. A gente não vai passar a ele uma informação que pode levar mais ainda ao desespero”. Constatada a mentira, os outros irmãos militares conseguiram que se dissesse o que realmente acontecera com Paulo César. Esse depoimento está em nosso livro, Deputada. E eles mostraram finalmente a Laís Sanches, esposa do General Cristóvão Massa, o Paulo César sendo preso junto com Ísis e depois sendo levado. A informação dura é que Paulo César havia sido, num interrogatório depois, levado ao suplício, assassinado. Esquartejaram o seu corpo. Ele foi morto tendo pedaços do seu corpo arrancados com alicate. E o corpo foi lançado em alto-mar. Isso é só para termos ideia do que houve no seio dos originários formadores do golpe e as contradições que logo despertaram. Esses generais chegaram à conclusão de que estavam criando realmente um monstro: os aparelhos de repressão que não reconheciam, como a GESTAPO, as chamadas patentes. No seio, das Forças Armadas, como o Modesto sempre diz, havia pessoas decentes, dignas, só que os torturadores eram mais ousados. No final, a máscara caiu totalmente, fruto da ação dos movimentos sociais, dos irmãos que aqui estão, que deram a vida em sacrifício, e derrubamos a ditadura. É com esse ânimo, em tributo a Paulo César, ex-funcionário do Banco do Brasil, que entro no nosso tema, o pré-sal. Marque o tempo para mim, professora. Quando faltarem 3 minutos, avise-me. Quero saudar mais uma vez os presentes e também a nossa querida Dulce Maria Fuentes e dizer a ela que o meu nacionalismo é internacionalista. As contradições que o Brasil vive são as mesmas contradições dos povos oprimidos. Como podemos imaginar a Venezuela, que chegou a ser o segundo país exportador de petróleo, endividada, ela que abasteceu o mundo com energia? O nosso inimigo é comum. Quem são os inimigos do povo brasileiro? Quem quer tomar o nosso pré-sal? É preciso que se diga que são três, sobretudo: os Estados Unidos da América, que temem a nossa concorrência e não têm petróleo; as nações desenvolvidas, que precisam ter acesso a essa riqueza, porque a sua matriz energética tem como principal elemento o petróleo; e as multinacionais, as 62 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Sete Irmãs, que continuam com outros nomes, travestidas com outras siglas. Então, é preciso identificar bem os inimigos. Outros companheiros falaram aqui da IV Frota. Pois eu quero anunciar aos companheiros que existe a V Frota, como existiu também a Quinta Coluna. São pessoas que estão muitas vezes travestidas e usam um discurso de que estão nos defendendo. Conseguem até usar um pouco da nossa terminologia para depois nos levar para a entrega do petróleo por meio de outros mecanismos legais, já que eles não podem manter mais a legislação de FHC. Temos hoje em discussão três projetos, mas eles querem dizer que só há dois: ou ficamos com o projeto do FHC, ou aceitamos os quatro projetos do companheiro Lula. Tudo o que pudesse ser colocado de diferente do que o Lula fez já seria avanço. Nossa honestidade pessoal impõe que eu diga que foi importante o Lula ter apresentado os quatro projetos, sim. Mas isso não nos deve enganar, porque também Getúlio Vargas, quando mandou a mensagem do petróleo, não era a Lei nº 2.004. Ela foi fruto da pressão do povo na rua. Essa senhora conta como foi a conquista do monopólio estatal do petróleo. (Palmas.) Companheiros, sobre o histórico da nossa luta, quero dizer que, em novembro de 2007, 200 militantes companheiros, representando dezenas de organizações sociais e populares, realizaram um ato público na ABI, promovido pelo SINDIPETRO e pela AEPET, que também patrocinou esse filme do pré-sal, que necessitou de 1 ano de estudos, entrevistas e lapidação, para protestar contra o nono leilão, que havia sido anunciado. Esse ato na ABI resultou num documento que fizemos ao Presidente Lula, que foi sensível à opinião pública — mais uma vez, temos de ter a honestidade de reconhecer isso — e retirou do leilão 41 blocos da camada pré-sal possuidores de petróleo em grande quantidade e de melhor qualidade. Tenho de denunciar que Lula foi enganado. É preciso que os amigos dele desdigam isso. Precisamos de CPI para apurar os leilões, como precisamos para a UDR, e não para os companheiros do MST. Foram “esquecidos” — entre aspas — 11 blocos da camada pré-sal. Por isso o ex-diretor denunciou que foram leiloados, sim, apesar da proibição do companheiro Lula, outros 11 blocos — podem anotar que ficam no Arco de Cabo 63 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Frio, na franja do pré-sal, e fazem parte da área estratégica, assim definida no projeto do Governo. Esses blocos foram arrematados e comprados pelo cidadão Eike Batista. Essa denúncia do companheiro Ildo Sauer está em Caros Amigos e na Carta Capital, entre outras publicações. Na hora que a Câmara dos Deputados quiser, ele vem aqui e presta um depoimento. Três meses depois dessa retirada, em 15 de março de 2008, com a presença de 60 entidades nacionais, criamos um fórum nacional que unificou a luta. Ele se reúne principalmente em São Paulo, na cidade de Guararema. Houve ainda a retirada de uma série de itens, um deles a reestatização da PETROBRAS, nos moldes que vigoravam na época da Lei 2.004. Também pregamos a retomada das áreas entregues. Não há outro termo, companheiros. As “leiloatas” eram uma mistura de leilão com negociata. Um dos itens era o fim da criminalização dos movimentos sociais. Vocês não imaginam quantos inquéritos o SINDIPETRO responde por essa luta, na Polícia Federal e na Polícia Civil no Rio de Janeiro. E outras entidades centrais também estão respondendo a inquéritos. Isso até nos faz lembrar do Kafka e seu fantástico livro O Processo. Agora vou falar em ações, companheiros. Em meio à reflexão sobre este tema, surgiu o desejo e a consumação desse filme, que foi lançado como o maior espetáculo já levado a efeito no Cine Odeon, na Cinelândia, no Rio de Janeiro. Abro um parêntese para registrar o que é a aspiração popular. Na Cinelândia, na Praça Floriano Peixoto, um grupo glorioso, não identificado, construiu uma placa com a mesma forma, com o nome Carlos Marighella — claro que foi retirada depois. Vejam o que é a ira sagrada de um povo e a sua memória gloriosa. Na Cinelândia, na Praça Floriano Peixoto, no cinema Odeon, cabiam 594 pessoas, mas colocamos 800 pessoas, e outras 800 não puderam assistir ao filme. O povo quer o monopólio estatal do petróleo; o povo quer o projeto social que apresentamos com o aval de 22 assinaturas. A mídia diz que não existe um projeto alternativo que realmente responda a todos esses itens que estão no filme. No Senado Federal, que dizemos ser mais 64 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 conservador, obtivemos o apoio de 10 Senadores, dentre eles Cristovam Buarque, Paulo Paim, Marcelo Crivella. Este tema tem surpresas as mais inesperadas. Neste mesmo dia em que lançamos o livro, lançamos uma cartilha, com tiragem de 200 mil unidades. Para quem quiser formar comitês, forneceremos essa cartilha, que ensina como formar comitês. Louvamos aqui o projeto do Governo, mas é acanhado e fala em quatro temas: capitalização da PETROBRAS, por meio da cessão... Ora, a PETROBRAS descobriu quase 340 bilhões de barris de petróleo, e o Governo vai dar a ela 5 bilhões de barris. É preciso que se tenha noção de dimensão, para não sermos enganados. O projeto do Fundo Social do Governo é um avanço? É. Mas ele não diz que o dinheiro do pré-sal é para resolver problemas como os da Previdência, moradia, reforma agrária, que são chagas sociais existentes em nosso País. Leremos a seguir o relatório do Grupo Pré-sal, Direitos Humanos e Anistia, que considera que os recursos do pré-sal são para resolver problemas seculares no Brasil, como o débito social que temos com os negros, com os índios e com as camadas sempre desfavorecidas e alijadas socialmente. Depois o relator do nosso grupo também fará um apelo às Sras. e Srs. Deputados, para que isso vire uma emenda a ser apresentada tanto ao projeto do Governo quanto ao nosso, do Deputado Fernando Marroni, para que essa destinação do Fundo Social seja para bancar demissões ilegais e outras coisas que já estão devidamente colocadas no nosso relatório. Finalmente, mesmo que o meu tempo sobre, com a máxima tranquilidade e prazer, gostaria de dizer aos irmãos aqui presentes que venceremos, porque à semelhança de uma companheira como a Marisa, a quem homenageio aqui, mentora e principal articuladora desse congresso... Como dizia Ernesto Che Gevara, na sua candura, na sua ternura: “Um militante vale por 200 mercenários”. É por isso que venceremos, companheiros. Muito obrigado. (Palmas.) A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Concedo a palavra ao Sr. Fernando Siqueira, da AEPET-RJ. (Palmas.) O SR. FERNANDO SIQUEIRA - Muito boa tarde a todos e a todas. 65 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Ilustríssima representante da Venezuela; cara Deputada Janete Capiberibe, grande brasileira que sofreu junto com o seu marido uma cassação que foi uma das maiores injustiças que já houve neste País — esperamos vê-los, V.Exa. e seu marido, no Congresso Nacional novamente (palmas) —; companheiro Soriano; companheiro Adelino Ribeiro Chaves, também anistiado e Presidente da Federação Nacional das Associações de Aposentados, Pensionistas e Anistiados do Sistema Petrobras e Petros — FENASPE, que representa mais de 60 mil trabalhadores aposentados, é uma alegria muito grande falar sobre este assunto com vocês, heróis nacionais de resistência, de luta, de coragem, símbolos do brasileiro, representados pela figura da Maria Augusta Tibiriçá, o ídolo da nossa campanha pelo petróleo. (Palmas.) (Segue-se exibição de imagens.) O petróleo não é fácil de ser substituído. Ele é matéria-prima para mais de 3 mil produtos ou 80% do que usamos no nosso dia a dia — computadores, remédios, fertilizantes vêm do petróleo. Para substituí-lo, o Brasil tem a melhor condição entre todos os países: a biomassa. O perigo é que um de seus componentes, a água doce, está na Amazônia, por isso ela é tão cobiçada, juntamente com aos seus minerais estratégicos e a sua biodiversidade. A partir dos anos 90, o consumo de petróleo começou a superar o descobrimento. Hoje, para cada barril descoberto, quatro são consumidos. Como foi mostrado pelo geólogo João Vitor, há 200 milhões de anos, o globo terrestre era uma massa compacta de continentes que se chamava Pangeia, que significa todas as terras. Depois, esses continentes foram se separando e, na divisa entre a América do Sul e a África, como era a parte mais baixa, foram se formando grandes lagos com depósitos de material orgânico da melhor qualidade para a formação de petróleo. Ao longo dessa fronteira, esse material foi se acumulando. É o que chamamos de pré-sal. Os continentes começaram a se abrir. Primeiro, separou-se a parte norte, chamada Laurásia. Depois, a sul, Gondwana, onde estavam juntas América do Sul e África. E, como dizem os geólogos, a abertura se deu de sul para norte. Aqueles grandes lagos que tinham material orgânico acumulado nessa fronteira foram para o fundo dessa fenda. E, como o mar penetrou nessa fenda e ficou confinado, não 66 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 havendo movimento de correntes e ondas, a água do mar se concentrou, e a camada de sal concentrada se depositou em cima daquele material orgânico que estava inicialmente nos grandes lagos. É por isso que se chama pré-sal. Depois, o sal se depositou em cima e então formou-se o pós-sal, com os sedimentos que vieram depois. Aqui fizemos uma composição de figuras para mostrar a diferença entre o reservatório convencional e o pré-sal. Aqui está a camada de sal de 2 quilômetros, em cima daquele material orgânico depositado na forma de areia, pedras, bichos, folhas etc. Aqui também há esse material orgânico. Isso forma a chamada rocha geradora de petróleo. Durante milhões de anos, esse material é cozido a uma temperatura de 80 graus, vai se fermentando e, quando forma o petróleo, a pressão aumenta de 5 mil a 10 mil libras, a rocha geradora se rompe, e o petróleo migra, tendendo a ir para superfície e se biodegradar. Ele chega a percorrer, pelos veios do terreno, até 140 quilômetros. Mas se aparecer uma rocha esponjosa que capture uma parte desse petróleo, forma-se uma reservatório convencional. A primeira desvantagem é que 90% do petróleo passa por fora dela. Ficam apenas de 5% a 10% retidos. No caso do pré-sal, o mecanismo é o mesmo: material orgânico trazido pelos rios, fermentado, etc. Só que quando o petróleo amadureceu, houve um rompimento menor da rocha. E mesmo que a rocha geradora tenha-se rompido, o petróleo não migrou para superfície, porque a camada de sal o segurou. Ela selou e reteve esse petróleo. A diferença fundamental é que 90% do petróleo da rocha geradora se perde, e, no caso do pré-sal, 100% do petróleo gerado está lá. Por isso que, durante 30 anos, os geólogos da PETROBRAS pesquisaram essa alternativa, mas o sal atrapalhava o levantamento sísmico. Quando a tecnologia permitiu, eles perfuraram com precisão e acharam toda a confirmação daquela teoria que tinham. Aqui está o núcleo central do pré-sal. O poço descobridor está no Bloco de Tupi. Depois, a PETROBRAS furou mais 12 poços em blocos diferentes e achou petróleo no total de 13 poços. Quando falaram com o Presidente Lula sobre a magnitude dessa descoberta, S.Exa., corretamente, retirou esses blocos, em laranja, que estavam incluídos no leilão. 67 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Como o Soriano mencionou, infelizmente, 11 blocos da franja do pré-sal, no Arco de Cabo Frio, não foram retirados, e o Eike Batista, que se suspeita seja testa de ferro do Grupo Morgan Stanley, comprou esses blocos. Levou o pessoal da PETROBRAS e achou petróleo nessa franja do pré-sal. Mas o Presidente retirou isso daqui e abriu um grupo de trabalho interministerial para reestudar a lei. Por que reestudar da Lei? Conforme o Prof. Pinguelli Rosa disse no filme, a Lei nº 9.478, em vigor, foi feita no auge do neoliberalismo pelo Governo Fernando Henrique, e o argumento era de que era preciso trazer capital de risco para correr grande risco, com perspectiva de baixo retorno. E o pré-sal é exatamente o contrário disso. Os senhores veem que se furaram 13 poços e se achou petróleo nos 13. Então, não há risco! É um bilhete premiado que seria entregue no nono leilão. (Palmas.) O Presidente Lula agiu corretamente. Essa riqueza pertence à Nação, conforme reza a Constituição! E a Lei nº 9.478 é uma lei entreguista, indevida e tem que ser mudada. Essa é a perspectiva, hoje, dessa província que vai de Santa Catarina até o Espírito Santo, que os gaúchos chamam de picanha azul e os baianos, de baleia azul. O fato é que aqui está o núcleo central do pré-sal. E há possibilidade de ele chegar até Alagoas. Aí é possível que haja de 40 bilhões a 340 bilhões de barris. Mas há geólogos — inclusive o Diretor Guilherme Estrella, da PETROBRAS, disse isso no mês passado — que falam em 100 bilhões de barris. Vamos raciocinar com 100 bilhões de barris, para podermos nos situar melhor. Aqui está um detalhamento do Bloco de Tupi. Esse poço é o descobridor. Entrou em produção em 1º de maio e está produzindo 15 mil barris por dia. Portanto, um retorno alto. O segundo poço foi testado agora e tem perspectiva de produzir 50 mil barris por dia. Retorno absolutamente fora daquilo que a lei atual previu, muito acima do esperado. Aí está o Campo de Tupi, que vai produzir para o Mexilhão e, depois, o óleo vai para as refinarias. Essa imagem mostra o número de equipamentos só de 2009 a 2013. É um número fantástico. 68 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Em resumo, o pré-sal, no seu auge, deverá abrir 250 mil empregos diretos e 500 mil em fornecedores de equipamentos e serviços, que são os empregos indiretos. Eis o primeiro problema de pré-sal. As grandes reservas de petróleo estão no Oriente Médio: Arábia Saudita, Irã, Iraque, Kuaite, Emirados Árabes Unidos. E o Brasil, que tinha 14 bilhões de barris, de repente, descobre uma reserva de 100 bilhões de barris, que ainda é um número conservador, e passa para junto do Iraque, tendo, praticamente, a terceira ou quarta reserva mundial. É um Iraque na América Latina. E os Estados Unidos, que têm 30 bilhões de barris apenas e consomem 10 bilhões por ano, 8 bilhões internamente e 2 bilhões nas suas bases militares e corporações pelo mundo, quando souberam do pré-sal, imediatamente reativaram a IV Frota. A IV Frota seria para “proteger” — entre aspas — o Atlântico Sul. Quem está no Atlântico Sul? Brasil e Argentina. A Argentina já desnacionalizou o petróleo. Então, a IV Frota se destina a “proteger” — entre aspas — o pré-sal. Na melhor das hipóteses, seria para fazer uma enorme pressão psicológica para o Brasil não mudar a legislação feita no Governo Fernando Henrique. E a segunda fonte de pressão são as antigas Sete Irmãs, hoje chamadas Big Oil, que já tiveram 90% das reservas mundiais sob controle e hoje têm 3%. E nessa condição estão fadadas a desaparecer, como disse o Financial Times, em abril do ano passado. Qual a primeira coisa que elas fizeram para não morrer? Começaram a se fundir. A Chevron se fundiu com a Texaco, junto com a Gulf Oil; a British Petroleum se fundiu com a Amoco e com a Atlantic Richfield Company, dos Estados Unidos; a Exxon se fundiu com a Mobil, e formaram a maior empresa do mundo hoje; a Total Petrochemicals e a FINAELF, da Bélgica, se fundiram; a Repsol comprou a YPF Argentina e se fundiu com a ENI, da Itália. Então, para não morrerem, estão se fundindo. E aí elas estão no Instituto Brasileiro do Petróleo, fazendo um lobby fantástico aqui no Congresso Nacional. Só no Senado, neste ano, fizeram cinco audiências públicas, cada uma com cinco Mesas, cada Mesa com dois lobistas do tipo daquele de camisa preta que aparece no filme, o Adriano Pires, contratado da 69 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Shell, pelo Instituto Liberal, para fazer o lobby pela quebra do monopólio. Eles estão aí cada um falando em duas Mesas. São 25 Mesas, então são 50 palestras de 30 minutos. Nós pedimos o direito de contraponto. Sabem quanto nos deram? Cinco minutos numa Mesa. Então, fica difícil. Por outro lado, nós temos hoje 78% das reservas nas mãos dessas estatais. E, somando todas as estatais, chega-se a 90% da propriedade do petróleo com empresas estatais. Isso ocorre porque os países se deram conta de que o petróleo é um bem absolutamente estratégico. Nós tivemos dois choques do petróleo, que passaram, e estamos caminhando para um terceiro, que é um choque, infelizmente, irreversível, porque é um choque de demanda. Pusemos aqui os 3 países principais: Estados Unidos, China — que é a segunda consumidora mundial, mas que, com empresas pouco eficientes, tende a consumir mais do que os outros — e Índia. O preocupante é que, como aponta esse gráfico, as grandes descobertas já aconteceram até o ano de 2000. O pré-sal estaria nessa daqui. Representa 9% das reservas mundiais. Então, não faz muita diferença. E aí nós chegamos no ponto crucial da questão do petróleo. Todas as produções mundiais estão passando pelo pico: Estados Unidos, na década de 70; Oriente Médio, 2000. Ou seja, somando as produções de todos os países, nós estamos, hoje, com 82 milhões de barris por dia sendo produzidos e 82 milhões sendo consumidos. E haverá uma queda forte, acentuada, da oferta. Prevê-se que no ano de 2030, passaremos de 82 milhões de barris por dia para 30 milhões de barris por dia, enquanto a demanda chegará a 120 milhões de barris. Então, nós vamos ter uma defasagem de 90 milhões de barris por dia, significando que vai haver aumento de guerra por petróleo, e o preço vai subir de forma irreversível. Por isso, os Estados Unidos, a Europa e a Ásia, principalmente, os países desenvolvidos, estão numa insegurança energética brutal, e o pré-sal seria uma solução momentânea para eles. Tivemos a mudança da legislação, como eu já disse, com uma lei absolutamente entreguista do Governo Fernando Henrique. Na Constituinte de 1987-1988, a AEPET fez uma campanha, liderada por Barbosa Lima Sobrinho, e conseguiu trazer o conteúdo da Lei 2.004 para o âmbito da Constituição e colocar 70 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 uma salvaguarda para que o Brasil não desse petróleo como garantia de dívida, como fez o México, que, em 5 anos, de 1998 a 2003, passou de 50 bilhões barris para 12 bilhões de barris apenas em reservas. Foi exatamente aí que o Fernando Henrique atirou. Retirou essa salvaguarda e colocou, em troca, um parágrafo que diz que a União poderá contratar essas atividades do monopólio com empresas estatais ou privadas. E aí colocou David Zylbersztajn na ANP. A primeira coisa que ele fez foi fazer leilões com áreas 220 vezes maiores do que as áreas licitadas no Golfo do México, tal a sede entreguista do genro do Fernando Henrique. Ao mexer na Constituição, era preciso regulamentá-la. Tentamos que fosse por lei complementar, mas acabou sendo por lei ordinária. E é ordinária em todos os sentidos, porque ela tem artigos que conflitam entre si e com a Constituição. Por exemplo, o art. 3º diz que pertencem à União os depósitos de petróleo, ou seja, as jazidas existentes no território nacional. O art. 21 diz que todos os direitos de exploração e produção pertencem à União. Então, as jazidas pertencem à União, o produto da lavra pertence à União. Aí, vem o artigo, produto do lobby internacional, das sete irmãs dos Estados Unidos, que diz que o petróleo é de quem o produz. Isso não é aceitável, porque a propriedade é poder. Cada vez mais que o petróleo está em escassez, em defasagem em termos de oferta e consumo, mais poder se tem de barganha com a exportação para os demais países. Então, o Brasil jamais pode abrir mão desse direito. O povo brasileiro tem que ter os benefícios dessa riqueza que Deus nos deu. Outro absurdo dessa legislação é que o Decreto nº 2.705, que regulamenta essa lei ordinária, fez com que a participação brasileira fosse de zero a 40%, com 5% de royalties em águas profundas e, no máximo, 45%. Essa é a percentagem com que, hoje, a União fica. Sabem qual é a média mundial dos países exportadores? Eles participam com 84%; os países da OPEP, da Organização dos Países Exportadores, Arábia Saudita, Irã e Iraque, 90%, e Venezuela, também. Então, nós estamos hoje recebendo, no máximo, a metade do que os países maiores exportadores recebem. Isso pode ficar? Não pode, nem a questão da propriedade nem esse absurdo aqui podem permanecer. 71 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Um exemplo de soberania: o Congresso americano vetou a venda da UNOCAL, empresa da Califórnia, para a China. Então, os Estados Unidos têm a consciência da importância estratégica do petróleo. Os lobistas, dentre eles aquele de camisa preta, Adriano Pires, dizem uma série de falácias nessas palestras que eles fazem. Ainda bem que eles são repetitivos. Primeiro, dizem que a PETROBRAS não tem recursos para o pré-sal; que precisa de 600 bilhões de dólares. Eu pergunto: de onde saíram esses 600 bilhões de dólares? Saiu da cabeça do UBS, que é um banco do Grupo Rockefeller/Rothschild. Tanto isso é verdade que o Goldman Sachs fez um relatório em que situa a PETROBRAS e a Vale do Rio Doce entre as 10 empresas mais viáveis do planeta, e ainda diz o seguinte: a PETROBRAS tem a seu favor o pré-sal e será a mais bem posicionada entre as petroleiras. Então, meus amigos, ela é a mais bem posicionada; é a que tem chance de receber mais recursos do sistema financeiro internacional, porque quem tem petróleo tem lucro, crédito farto e barato. O Sérgio Gabrielli disse, nessa semana, que foi pegar 4 bilhões no mercado internacional e ofereceram 12 bilhões. Queriam que ele trouxesse 12 bilhões. “Mas eu preciso só de quatro”, disse ele. “Não, mas leva 12, porque você tem garantia demais”, disseram. Outra falácia importante é que, se houver leilão, vem tecnologia de outras direções, com novas tecnologias. Tremenda falácia. Quanto aos três gargalos da produção em águas profundas, a perfuração, a completação dos poços e a linha de fluxo flexível, a PETROBRAS foi a primeira demandar perfuração nesse nível de profundidade. Desenvolveu junto com as perfuradoras essa tecnologia. Mas ela não faz perfuração, ela contrata, assim como fazem as outras petroleiras não fazem perfuração. Esse sistema foi praticamente projetado no Centro de Pesquisas da PETROBRAS, mas isso foi repassado para empresas internacionais que fabricam isso e vendem para todas. Vendem para Shell, para a Esso e PEBROBRAS. A PETROBRAS é a que mais conhece esse sistema, mais sabe utilizar, mas compra dos mesmos fabricantes. 72 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Da mesma forma, a linha flexível, que tem um isolamento especial, porque dá 4 graus de temperatura, tem uma armação especial, um sistema de flutuação etc., tudo isso desenvolvido com a PETROBRAS, mas também vendido para todas elas. Então, não há novidade tecnológica alguma. Portanto, não há sentido leilão para trazer empresa estrangeira. Nós estaremos contratando intermediários e tecnologia. Em termos de intermediários e tecnologia, a PETROBRAS é o melhor de todos. Outra falácia é dizer que a lei atual ajudou a PETROBRAS. Vamos restabelecer a verdade. Durante 25 anos, a PETROBRAS foi obrigada a comprar petróleo por 25 dólares o barril e revender no Brasil por 14. Perdia 11 dólares por barril. Vocês se lembram que havia uma conta petróleo onde seria depositada essa diferença no futuro? Só que isso nunca ocorreu. Houve um “beiço” contábil e a PETROBRAS não recebeu isso do governo. Em 1999, Fernando Henrique Cardoso queria desnacionalizar a empresa e, então, acabou com essa absurda obrigação de ter prejuízo para torná-la lucrativa e vendê-la. Inclusive todos se lembram que houve a mudança do nome de PETROBRAS para PETROBRAX, para facilitar a pronúncia de seus adquirentes. Isso fez com que a PETROBRAS deixasse de perder 11 dólares por barril importado e ganhasse uma grana alta com barril produzido, porque produzia por 3 dólares o barril e vendia por 25. Então, a Lei nº 9.478 não teve nada a ver com o sucesso da PETROBRAS. Da mesma forma que Haroldo Lima, que de nacionalista virou lobista, o setor petróleo, que participava com 3% do PIB, agora participa com 12%. É espantoso um engenheiro falar isso, porque o petróleo era 15 dólares o barril e passou para 70. Então, não foi a lei coisa nenhuma, mas o preço que subiu e a produção da PETROBRAS que aumentou, dando essa alavancagem ao preço do petróleo. Tendo em vista que a lei era inadequada, o Governo apresentou 4 projetos com 3 pontos altamente positivos: primeiro, retoma a propriedade do petróleo e o contrato de partilha, em lugar da concessão, retoma o controle do petróleo para o povo brasileiro, que pode tirar inúmeras vantagens disso; segundo, coloca a PETROBRAS como operadora de todos os campos e, portanto, vai investir em mão 73 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 de obra nacional, comprar equipamentos no Brasil e desenvolver tecnologias no País tem também o fundo social além de capitalização da PETROBRAS. Agora, tem uma desvantagem grande nesse projeto: o Governo não teve cacife político para mudar isso. E eu vou conclamar a vocês, que são heróis nacionais, para nos ajudar a pressionar o Governo a mudar, acabando com os leilões. Como eu mostrei, não há nenhuma vantagem para o Brasil fazer leilão (palmas), e esses leilões só acabam se nós pressionarmos o Governo. Vamos fazer como diz a menina da Bolívia: vamos votar para nós nas próximas eleições, fazer uma revolução pelo voto e tirar esses políticos corruptos do Congresso Nacional. (Palmas.) Ontem um estudante disse assim: “Tio, se ficar a PETROBRAS com o Governo, e a corrupção?” Eu respondi: “Meu filho, nós não podemos transigir com a corrupção! Não podemos aceitar que temos que dar um jeitinho para conviver com a corrupção. Não! Temos que banir os corruptos deste País!” Vamos começar a eleger pessoas como o casal Capiberibe, que é nacionalista e sério. (Palmas.) Vamos eleger um Sérgio Miranda, que foi expulso do PCdoB porque votou pelo estatuto do partido contra a reforma da Previdência. (Palmas.) Vamos eleger pessoas sérias e íntegras. Vamos principalmente escolher a dedo os Senadores, ponto fundamental nessa reforma que vem para o Senado. Vamos eleger aqueles que têm um passado nacionalista, de integridade, de defesa da soberania nacional. Não vamos deixar de votar nos Senadores não. Votamos, no voto majoritário, para Presidente e Governador, e esquecemos da importância que têm a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. É importantíssimo que essas pessoas sejam defensoras da soberania nacional e não dos direitos de seus grupos ou pessoais. Então, vamos começar a revolução pelo voto, vamos pressionar o Congresso Nacional, porque ainda há tempo de pressionarmos contra os leilões. Estou fazendo esta campanha na Câmara dos Deputados e estou aqui para conversar com os Senadores. Os leilões não têm nenhuma vantagem para o País. É preciso que essa riqueza que Deus nos deu seja distribuída a todos os brasileiros, porque é uma riqueza do país todo; ela não é do Rio, de São Paulo e do Espírito Santo, mas de todos os brasileiros. E é preciso que essa riqueza seja utilizada para 74 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 banir a pobreza, porque é uma vergonha o país mais potencialmente viável do mundo ter de conviver com 50 milhões de miseráveis. Eu quero terminar dizendo que, na década de 50, quando o petróleo era apenas um sonho — e muitos dos senhores devem se lembrar disso —, tivemos o maior movimento da história do nosso País, inclusive com a liderança da Maria Augusta. O petróleo era um sonho. Hoje ele é uma realidade que superou todas as nossas expectativas. Então, nós temos a motivação, o direito e sobretudo o dever de defender essa riqueza que nos pertence. Muito obrigado. (Palmas.) (Manifestação das galerias.) (O petróleo é nosso! O petróleo é nosso!) A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Muito obrigada ao Sr. Fernando Siqueira pela exposição cristalina e pelos alertas que faz nesta Casa para nós, que representamos o povo brasileiro. Concedo a palavra à Sra. Dulce Maria Parra Fuentes, Ministra Conselheira da Embaixada da Venezuela, representando o PDVSA. A SRA. DULCE MARIA PARRA FUENTES (Exposição em espanhol. Tradução simultânea.) - Agradeço à Presidente da Mesa e aos meus colegas brasileiros por essas magníficas exposições. Eu gostaria de falar da nossa indústria petroleira, da responsabilidade social que corresponde à empresa com o fim de fortalecer o processo revolucionário venezuelano do Presidente Hugo Chávez e de todo o povo da Venezuela. (Segue-se exibição de imagens.) Minha exposição será sobre a situação da indústria venezuelana em âmbito nacional e internacional. Posteriormente, falarei aos senhores como essa indústria fortaleceu os planos e as ambições do Estado venezuelano com a finalidade de incluir a grande parte da população que tem estado excluída dos planos sociais, da saúde, da educação, da alimentação, da identidade nacional e da moradia. Graças à participação do petróleo da Venezuela, fortalecendo missões sociais, tem-se conseguido a inclusão de parte da população venezuelana que permanecia à margem de tudo aquilo que era o lucro petroleiro, do bem-estar comum e do bemestar nacional. 75 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Bom, como vemos, a Venezuela está situada na América do Sul, onde tem uma posição bastante privilegiada, porque está na entrada do Continente. Temos 27 milhões de habitantes e um território de 916.445 quilômetros quadrados. É formada por 23 Estados, um Distrito Federal e 72 ilhas ao redor da fronteira norte, da fronteira marítima. As características da Venezuela são várias: é um país andino, é um país amazônico, é um país caribenho, como vemos aqui, e, também, por sua vez, atlântico. Isso nos dá formulações de política interior diferente. A formulação de política interior andina é uma formulação de política amazônica, uma formulação de política exterior caribenha e atlântica. Bom, esse é um dos elementos. Sempre se fala que a Venezuela produz muitas Misses Universo, mas também produz muita gente maravilhosa e temos uma grande vulnerabilidade. Como estava comentando, parte da população venezuelana se encontrou numa margem — nesses últimos 50 anos de democracia que havia antes — representativa, hoje em dia, é participativa. Essa população se prestava à imagem de todos os recursos do Estado, tanto a nível educativo, como a nível hospitalar: trabalho, moradia, alimentação. Hoje em dia, estamos tratando de mudar essa situação, através do processo revolucionário do Presidente Hugo Chávez. É isso que aconteceu. Bom, eu vou mais ou menos comentar a vocês o que aconteceu à indústria petroleira venezuelana. O Presidente Hugo Chávez, depois de haver encontrado com muita oposição — porque a oligarquia venezuelana, a oligarquia petroleira estava acostumada à sua indústria petroleira, que era uma questão de um Estado, outro Estado: sai um Estado, entra outro Estado —, começou a fazer mudanças, ao nível da lei de hidrocarbonetos, ao nível da lei de pescas, ao nível da lei de terras. Isso bateu muito contra o grupo dominante. No ano de 2002, houve a tentativa de golpe de Estado, que, graças às Forças Armadas, ao Governo e ao povo, pôde resgatar mais uma vez o poder. Depois, posteriormente, em 2003, houve uma greve petroleira de quatro meses, onde a situação venezuelana se viu... Bom, vocês podem imaginar se isso houvesse acontecido em outro país, quantos presos haveria, mas lá o Estado o que fez foi tirá-los dos seus postos de trabalho, buscou ajuda, tanto internacional como 76 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 técnica de outros países para tratarem de ocupar esses países ao nível da indústria petroleira. E mais: buscou novos funcionários para tratar de preencher esses desafios que a antiga oligarquia petroleira abandonou, deixou na sua hora para haver como estava o nosso país: vindo abaixo. Mas o Estado não veio abaixo, não caiu. As pessoas tiveram consciência, paciência, esperou um pouco. Os países viram que não poderíamos vender a eles petróleo. Então, eles esperaram. Então, houve uma crise de verdade de petróleo de quase quatro meses na Venezuela. O que acontece? A partir de 2003, quando o Estado venezuelano, através da sua indústria petroleira, mexe em todos os quadros, então pensa em todas as pessoas que estão sofrendo. Eram milhões de pessoas que não têm acesso a nenhum dos serviços públicos de educação, saúde etc. Então, você cria uma nova PDVSA, que vai ter uma responsabilidade social muito grande para com os preços do petróleo, contribuir com o orçamento para fortalecer todas essas missões. Essas missões são, ao longo de 20 missões, educativas, de saúde, de caráter alimentar; de caráter energético, de alfabetização, que já as vemos mais aqui à medida que vou avançando. Quanto à indústria petroleira, nós temos uma colocação mundial muito importante. Somos o quarto país em negócio petroleiro mundial. De reservas registradas, a Venezuela é o terceiro país do mundo em reservas de petróleo cru e está em processo de certificação. Como empresa nacional, a Petróleos de Venezuela está em posição exclusiva para desenvolver tais reservas com participação de 60% e, por parte de uma empresa estrangeira, pode ser de 40% em qualquer associação de negócio. Aqui podemos ver que somos mais que tudo produtores de cru, com receitas comprovadas de 162 milhões de barris por, segundo previsões, 142 anos de produção de petróleo. Das reservas venezuelanas, estas estão em processo de quantificação e certificação, o que nos converteria na maior reserva petroleira do mundo. Aqui estão nossos planos e metas para os próximos 5 anos na exploração de gás no refino nacional e internacional. Isto é o que a Venezuela pretende investir nos próximos 5 anos: mais ou menos 25 milhões de dólares anuais nesse processo. A Venezuela seria 74% da PDVSA e 26% de terceiros, parceiros, como dissemos. 77 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Esta seria a que aspiramos chegar de produção para o ano 2013: 4 milhões 936 mil barris diários em refino, exportação e produção de gás natural. Esses são nossos planos em curto prazo. Aqui vemos nossa capacidade de refino, que não é somente na Venezuela, como vocês podem ver. Temos refinarias tanto nos Estados Unidos, com 100% de participação venezuelana da PDVSA em Savannah, em Corpus Christi, em Lake Charles. Aqui, por exemplo, temos 50% e vemos quantos barris diários se podem refinar nessa parte dos Estados Unidos. Na Europa, estamos também na Inglaterra, na Suécia; na Alemanha temos uma refinaria e vemos que são 50%-50%: 2 refinarias na Suécia, 2 refinarias no Reino Unido e 4 refinarias na Alemanha. Estes são os nossos planos com cooperação na América Latina. No Brasil, com a refinaria Abreu de Lima, Pernambuco, onde esperamos possam ser refinados 230 mil barris diários. Isso seria, com a vontade de Deus, a partir do ano de 2013. No Equador, temos um acordo comercial de refino; também na Nicarágua, em Cuba, a Refinaria Cienfuegos, na Dominica, e temos previsão de acordos com China, Vietnã e Síria com o objetivo de diversificar nosso mercado de forma a que não sejamos dependentes dos produtos dos Estados Unidos e diversificar nossa economia e nossos produtos em relação ao mercado internacional. Competindo com as maiores companhias petroleiras, como a Chevron, a PETROBRAS, a Pemex, a Shell, a Total, a ExxonMobil, a PDVSA, como se pode ver, encontra-se tanto em reservas em uma posição bastante privilegiada igualmente na produção de gás e petróleo. Aqui, como vocês podem notar, também na capacidade de refino igualmente nas reservas comprovadas. Isso fortalece a nossa empresa, fazendo um resumo dela, é uma das quatro maiores companhias estatais do mundo de petróleo e gás maiores integrada verticalmente. Diz-se verticalmente porque lida com exploração, produção, comercialização, transporte, exportação e venda do petróleo. Logo, temos as reservas provadas para 142 anos. Isso é de alta importância estratégica para a economia venezuelana, porque dependemos totalmente dos recursos que dela se obtêm. Já vimos que está integrada verticalmente com o refino, o mercado, o transporte e filiais. É o quarto exportador para os Estados Unidos com valor 78 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 competitivo de produto. Temos tratado de diversificar geograficamente para evitar riscos de negócios, em mercados como a América Latina, Europa e Ásia, para neutralizar um pouco a nossa dependência dos Estados Unidos. Logo, temos que 83% da produção se exporta com 96% dos recursos denominados em moeda forte, que são o dólar, o euro e o yen. Temos um perfil financeiro forte, com baixas dívidas e alta capacidade de geração de fluxo de caixa. Esses são os pontos fortes da indústria petroleira venezuelana. Podemos ver como, nesses 5 anos do golpe petroleiro — foi bom que em 4 meses houve uma greve petroleira —, o Estado venezuelano, conforme comentei, o Governo do Presidente Chávez, decidiu tomar toda a indústria, remover todos os quadros e postos de trabalho que se mantinham contrários a todo processo revolucionário. Temos aqui a greve petroleira. Vejam como baixaram os níveis da qualidade de vida, porque a população não tinha acesso a gás nem à comida. Com a greve petroleira, eles não tinham o que comer, pois somos quase que importadores de comida e igualmente de serviços. Vocês podem ver nessa faixa como estava baixo o coeficiente de desenvolvimento humano. Então, a partir de 2003, à frente com a Missão Robinson, que visa a alfabetização; a Missão Ribas, que visa o término dos estudos primários e secundários; a Missão Sucre, que visa os estudos universitários, a Missão Mercal e a Missão Saúde; o Índice de Desenvolvimento Humano passa de 77 a 84, o máximo já medido. O IDH é aquele índice que mede as desigualdades socioeconômicas em uma população. E as tabelas usadas para medir são a esperança de vida, a saúde, a educação e a renda. Na Venezuela, o Índice de Desenvolvimento Humano esteve mais influenciado pela educação porque, graças a esse processo revolucionário e às Missões Ribas, Sucre e Robinson, entraram na educação pessoas que estavam na escuridão total. Quase 2 milhões de pessoas pobres, carentes, aprenderam a ler e a escrever, começaram o primário, o secundário, a universidade. Então, o que aconteceu foi que a pobreza foi descendo, tanto a pobreza geral como a pobreza extrema, ambas baixaram, e, graças à qualidade dessas pessoas, 79 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 isso tem sido superado porque tem havido maior educação, acesso à saúde e à alimentação. Ao ter acesso à alimentação, a mentalidade e o coeficiente intelectual das pessoas entram em um sistema de progresso, elas vão-se ajudando, o Estado vai fornecendo bolsas às pessoas que não podem pagar ou não têm acesso ao mínimo que se pode pedir por uma matrícula. Então, a educação é gratuita. Igualmente, nos refeitórios escolares, 3 milhões de crianças são beneficiadas, e isso melhora o rendimento do cidadão venezuelano. Temos, então, na educação, a matrícula universitária em setembro de 2009, que é quando começa o período de estudos. Estavam inscritos até então 2 milhões e 625 alunos. Então, de acordo com a UNESCO, a Venezuela é o segundo país da América Latina com matrícula em educação superior mais alta, com 83%, precedendo Cuba, que ocupa o primeiro lugar. Depois vêm a República Dominicana e a Grécia. Isso se fez graças ao fato de o Governo ter instalado 2 mil centros de informática em todo o país e ter criado 515 aldeias universitárias. Assim, 108 mil e 700 alunos foram inscritos em 2009. Segundo o Instituto de Estatística da UNESCO, a Finlândia tem 92%, a Grécia tem 90% e a Venezuela tem 83%. Aqui podemos ver a diferença entre 1991 e 2000: 81 de cada mil habitantes cursavam universidade, representando um aumento de 189,28%, graças às Missões Ribas, da escola secundária; Robinson, da alfabetização, que começa tanto com adultos como com crianças; depois a Missão Robinson II, da escola primária, e a Missão Sucre, que é a universitária. Podemos ver aqui que a renda na Venezuela tem melhorado, está mais ou menos em 350 dólares. As pessoas saíram do emprego informal para entrarem no formal; a taxa de mortalidade infantil é baixa, e aspiramos a que, em 2015, possamos cobrir a Meta do Milênio, mas ela tem se mantido baixa desde o ano de 2007. Em matéria de saúde e segurança, temos a Missão Barrio Adentro. Vimos aquela imagem das favelas nos montes, onde hoje em dia há módulos de atenção médica graças a um acordo também firmado com Cuba, onde há médicos cubanos que estão sendo pouco a pouco substituídos por médicos venezuelanos. Em Cuba também há muitos estudantes venezuelanos. Assim como do Brasil, muitos vão se formar na Universidade de Medicina de Havana. 80 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Estamos desenvolvendo também uma universidade latino-americana de Medicina para que venham todos para cá e possamos cumprir a meta de termos um continente forte, que possa competir com a União Europeia, com a Ásia, com os grandes blocos e com os Estados Unidos. Graças a essa Missão Barrio Adentro, estamos mais ou menos cobrindo essas metas. Em matéria de infraestrutura, nossa indústria petroleira também tem investido nas centrais hidrelétricas, na ponte sobre o Orinoco. Graças à Odebrecht e à Venezuela que puderam fazer a segunda ponte sobre o rio Orinoco. A nossa indústria tem apostado em poderio militar, no metrô de Caracas, no cardiológico infantil, em estradas, em ferrovias, em estádios de beisebol, no estádio olímpico, no nosso satélite Simón Bolívar, no metrô de Valência, no metrô para subir a Merida, onde está o pico mais alto, no centro oftalmológico gratuito, no aeroporto internacional e no viaduto Simon Bolívar. Nessas circunstâncias, em 1917 foi quando se encontraram os primeiros poços petroleiros, e, a partir de 1975, a empresa foi nacionalizada. Mas, como vocês podem ver, essa riqueza nunca foi compartilhada. Realmente foi uma riqueza que chegou a uma pequena elite e, graças ao processo revolucionário e àquela greve terrível petroleira, nasceu uma empresa que se encarregou de dar impulso à Venezuela — e esperamos que continuemos assim. É bom acreditar nas pessoas, no povo, que não se aproveitou. Não é porque eu tenho um copo de água que não vou estudar. Não, ele sabe que tem de se preparar porque há um desafio pela frente. Mesmo que o Estado dê tudo a ele, ele se prepara, se esforça, porque sabe que isso se estende à suas gerações e à Venezuela. Desculpem-me por ter falado muito rápido. Qualquer coisa, na Embaixada estamos às ordens para dar um CD como este e material sobre o meu país. Agradeço muito a todos vocês e aos organizadores por terem me escutado hoje nesta tarde. A SRA. PRESIDENTA (Deputada Janete Capiberibe) - Muito obrigada, Sra. Dulce María Parra Fuentes, Conselheira da Embaixada da Venezuela. Convido o Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Deputado Luiz Couto, para a sequência dos trabalhos. (Palmas.) 81 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Se não determinarmos o tempo, vamos ficar a semana toda aqui. No máximo quinze minutos por exposição. Que as pessoas se atenham aos quinze minutos para que possamos dar vazão à nossa atuação hoje e amanhã. Agora vamos para a quarta mesa, que tratará do tema Comissão, Memória e Verdade. Convido para compor a mesa os expositores Paulo Abrão Pires Júnior, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça; Sr. Marlon Weichert, Procurador Regional da República de São Paulo; e a Sra. Beatriz Stella de Azevedo Affonso, representante do Centro pela Justiça e o Direito Internacional. Concedo a palavra ao nosso expositor, Paulo Abrão Pires Júnior, Presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. O SR. PAULO ABRÃO PIRES JÚNIOR - Muito boa tarde a todos. Meus cumprimentos, minha saudação a cada um e a cada uma que aqui está. Muito prazer em rever muitos dos que aqui estão. Eu quero também agradecer muitíssimo a organização do evento, que conta com o apoio da Comissão de Anistia para realização deste 3.º Seminário, que congraça e mobiliza politicamente os anistiandos e anistiados brasileiros. Em primeiro lugar, é preciso que, independentemente das pessoas que estejam à frente de instituição, organismos, associações, órgãos de governo ou da sociedade civil, em determinados momentos, os espaços possam ser mantidos. Este é um espaço conquistado por vocês, junto ao Congresso e à Câmara, com apoio de Parlamentares que nunca deixaram de apoiar essa causa. Portanto, não se pode perdê-lo em nenhuma hipótese. Os meus cumprimentos pela organização, pela continuidade e pela persistência que o movimento dos anistiandos e dos anistiados demonstra nos diferentes aspectos que envolvem o tema da anistia no Brasil hoje. Muitos dos que aqui estão já são interlocutores de diálogos que realizamos há muito tempo. Nós temos muitos assuntos que envolvem a figura do Presidente da Comissão de Anistia certamente, que envolve desde as anistias até cenários globais do próximo período. Neste momento, nós vamos nos furtar de realizar um debate em relação a isso, porque a nossa mesa tem um tema bem claro que nós temos de 82 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 saber respeitar, um tema relevantíssimo que pela primeira vez chega a este Congresso, a este seminário: a ideia da instituição de uma comissão da verdade. Cumprimento cada um dos expositores da mesa. Eu estou fazendo uma exposição mais rápida, porque tenho um compromisso marcado, e nós estamos atrasados na programação em uma hora e meia. O tema “Comissão da Verdade” sinaliza para nós um passo novo, um passo de futuro para muitas das questões que vêm se desenrolando ao longo do tempo. Trata-se, efetivamente, da constituição de uma proposta que, caso seja demandada por parte da sociedade civil de forma intensa, organizada e forte, ou seja, de modo incisivo, será um novo patamar em relação à história da anistia no Brasil. Outros países constituíram comissões da verdade. Neste momento, não vou entrar em muitos detalhes sobre as denominações que essa comissão poderá assumir e o que outros países fizeram. Vamos ter de criar para nós, se isso se tornar realidade e se essa for a demanda dos movimentos, uma comissão da verdade intimamente relacionada à nossa realidade, à realidade brasileira, com os limites e com toda uma história já colocada e de algum modo até truncada sobre o processo de anistia no Brasil. Se hoje o processo de reparação já é relativamente complexo, se hoje a abertura dos arquivos da ditadura também se constitui em algo mal resolvido, se hoje a localização dos corpos dos mortos e desaparecidos também é uma tarefa não cumprida na sua inteireza — aliás, cumprida ainda em pequeníssima parcela — e se hoje ainda temos dificuldade com a ruptura de uma série de legados de autoritarismo, fruto de uma concepção de sociedade autoritária advinda desse regime militar, quão mais será dificultoso e desafiador a criação de uma Comissão da Verdade no Brasil. Ou seja, acabamos por criar uma pauta que não pode apontar para um estado de expectativas frustradas. Todos nós que aqui estamos, independentemente de eventuais divergências que surgiram ao longo do tempo, somos realmente pessoas intimamente comprometidas com a causa da anistia. Por isso, uma Comissão da Verdade tem de constituir algo que agregue valor a esse processo de construção da luta pela anistia no Brasil. E essa comissão só agregará valor se for constituída sob determinados patamares e condições que lhe deem concretamente — e aqui vou enumerar 83 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 algumas questões —, em primeiro lugar, um mandato com poderes suficientes para ir atrás, para procurar toda e qualquer fonte de busca da verdade, seja pessoal, seja documental, sejam fontes testemunhais, sigilosas ou não. Todas as questões têm de ser abertas à discussão. Temos de discutir, num cenário relativo à composição de uma Comissão da Verdade, quem seriam seus membros, em que medida a participação da sociedade civil estaria ou estará contemplada em sua composição e, evidentemente, como elemento central da discussão, qual a sua competência e qual o seu objetivo final, além de sua temporalidade, ou seja, por quanto tempo ela funcionará. Temos de discutir ainda quais são os resultados que se pretende com essa comissão — e vou me focar nessa questão agora, porque sei que os demais palestrantes desta Mesa, até por suas experiências, têm muito mais a contribuir para este debate — e que interlocuções uma eventual Comissão da Verdade a ser criada no Brasil terá com as comissões de reparação já existentes, com os demais organismos da estrutura judicial brasileiro, com o Ministério Público e também com o Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. Esses são pontos cruciais para um eventual sucesso na instalação de uma Comissão da Verdade no Brasil. Quero agora registrar alguns apontamentos como forma de contribuir para o debate. Em primeiro lugar, não podemos, e não seria prudente de nossa parte, depositar numa Comissão da Verdade toda a responsabilidade pelo processo de busca da verdade. Primeiro, porque esse processo da busca da verdade está em implantação no Brasil. Quando a Comissão de Anistia, por exemplo, aprecia um requerimento cuja finalidade é reparação, a instrução desse requerimento, os depoimentos colhidos, as declarações juntadas, as instruções documentais realizadas, o registro dos testemunhos orais na sessão de julgamento, tudo isso constitui o material de construção de uma verdade não desvelada até então. Quando a Comissão de Mortos e Desaparecidos aprecia requerimentos de reparação dos familiares de mortos e desaparecidos, em cada uma dessas tarefas, em cada um desses gestos de reconhecimento, está expresso um elemento de 84 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 busca da verdade, para que o Estado possa ou não, ao final, reconhecer sua responsabilidade nas mortes. Cada uma das corajosas ações que o Ministério Público Federal tem interposto junto ao sistema judicial brasileiro, concomitantemente, constitui uma busca por justiça, uma busca por verdade. Cada vez que se organiza um seminário como esse, a partir de iniciativas não oficiais, ou seja, não necessariamente estatais, de busca da verdade, iniciativas de organização e mobilização da sociedade civil, quando se fazem determinados testemunhos, também estamos construindo a busca da verdade. Quando se projeta a construção do Memorial da Anistia, quando se idealiza o Projeto Memórias Reveladas, quando se realizam sessões, como foram as sessões temáticas da Comissão de Anistia, em que foram ouvidas cada uma das classes operárias e trabalhadoras, no relato de suas greves, no relato da opressão que sofreram, tudo é filmado e constituirá o acervo do Memorial da Anistia. Nessas ações estamos trabalhando pela busca da verdade. Então, do que se trata neste momento? Trata-se de se criar uma instituição com determinada especialidade: a Comissão da Verdade. E, ao que tudo indica, pelo menos aprovada no Plano Nacional de Direitos Humanos, por resultado da realização da Conferência Nacional de Direitos Humanos. Então, o indicativo é de assinatura e de publicização na sociedade brasileira do Plano Nacional de Direitos Humanos, em dezembro. E lá estará indicada a criação de uma Comissão da Verdade no Brasil. É o primeiro passo. Porque uma coisa é a ratificação governamental, estatal, do Presidente e de todos os Ministérios, do Plano Nacional de Direitos Humanos. Quando isso acontecer, estará previsto, entre tantas ações para o próximo período no Brasil em respeito aos diretos humanos, a instituição da Comissão da Verdade. Isso é certo. Se será a Comissão da Verdade e da Justiça ou Comissão da Verdade e Reconciliação é incerto. Mas que lá estará escrito “criação de uma Comissão da Verdade”, estará. E esse ato não significará, em nenhuma hipótese, a instituição de uma Comissão da Verdade. O plano nacional é um documento planificador, é um documento de proposições, de metas, que dependerão de ações governamentais para serem implementadas. Aí é que entra a necessidade do envolvimento do movimento dos 85 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 anistiandos e anistiados. É evidente que, a priori, não temos de ser contrários ou criar qualquer objeção para a criação de uma Comissão da Verdade, mas, se for para criar uma Comissão da Verdade que não tenha amplos poderes; que não tenha inter-relação com as comissões de reparação existentes; que não tenha íntima relação com o trabalho efetuado pelo Ministério Público Federal e que não tenha o propósito de buscar elementos para comprovação das perseguições e dos danos que as vítimas do regime sofreram, será uma comissão que realmente não servirá para absolutamente nada. E, nesses termos, é melhor que nem se crie. Então, meus amigos, um elemento que me parece muito relevante para a discussão relativa à criação de uma Comissão da Verdade no Brasil seria o de que essa comissão não tomasse para si as premissas de minha fala. Em primeiro lugar, que realmente seja uma comissão com poderes explícitos de procurar, em quaisquer locais, informações; que seja uma comissão com condição de convocar agentes militares para prestarem depoimentos; uma comissão cuja composição contemple, nas diversas esferas, todas as instituições, desde o Ministério Público Federal até as outras comissões de verdade, como representação da sociedade civil e dos familiares, que têm trabalhado na elucidação da verdade no Brasil. Partindo-se dessas premissas, de uma concepção de comissão nesses termos, hoje, particularmente, a única coisa que me preocupa é que essa comissão não seja instituída num cenário — como já fiz referência anteriormente — de salvação e que tome para si a tarefa de iniciar do zero essas atividades. Lá em São Paulo — e já discutimos isso com alguns que aqui estão, a exemplo do Dr. Marlon, que participou desse debate —, fiz referência a pelo menos dois dispositivos legais aprovados por este Congresso Nacional e já existente: um, na Lei nº 10.559, que cria a Comissão de Anistia, e, outro, na Lei nº 9.140, que cria a Comissão Especial de Direitos Humanos, que já dão poderes a essas comissões para a busca por verdade. Talvez esses dispositivos não tenham sido totalmente utilizados na sua potencialidade, em termos de plenitude de utilização, mas já estão postos. Uma Comissão da Verdade que ignore os dispositivos legais já existentes e traga para si, como tarefa inicial, um marco zero da busca da verdade no Brasil, a meu juízo, seria um engodo, porque não partiria de um acúmulo já existente. Cá 86 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 entre nós, todos aqui já estamos, ao longo da vida, com muitas lutas em relação a essa matéria. Então, não se trata de iniciar do zero essa luta, neste momento. Essa é uma questão que me parece crucial. A segunda questão — e vou encerrar por aqui — é a relativa à criação de um ambiente político propício para o funcionamento de uma Comissão da Verdade. Partindo de um cenário ideal, podemos ter uma comissão com poderes, com representação, que receba todo o acúmulo de informações já existente das comissões de reparação, das ações do Ministério Público, das ações da sociedade civil organizada. De que adiantaria uma Comissão da Verdade convocar agentes estatais diretamente responsáveis por uma série de violações que ocorreram, e eles não estarem dispostos a falar? Mesmo estando prevista uma cláusula de obrigatoriedade de, se convocados, comparecerem, eles podem se utilizar de instrumentos constitucionais, como o direito ao silêncio, e não falarem absolutamente nada. Então, é necessário também criar um ambiente favorável ao funcionamento da comissão. E é possível, sim, construir esse ambiente favorável a partir de mobilizações, de ações estatais e de ações governamentais. A ideia que quero deixar aqui assentada é a de que talvez tivéssemos de começar a pensar em ações estratégicas e táticas para inserir esse debate público naquela que é a melhor das oportunidades para o aprofundamento de um debate político no Brasil: as eleições presidenciais do ano que vem. (Palmas.) Então, se soubermos, de algum modo, envidar movimentos que incluam no debate das eleições presidenciais, o ano que vem, a temática dos direitos humanos, da busca da verdade e da anistia, automaticamente — porque reverbera no debate público entre os candidatos e a sociedade, os militantes —, independentemente da vontade ou não dos meios de comunicação de realizarem esse debate, o debate existirá. E ele alcançará milhões de ouvidos que hoje, em razão de nossas limitações, organizando uma série de seminários, mobilizações, etc., tal qual os movimentos responsáveis de anistiandos e anistiados têm realizado, não alcançamos, pelas limitações que estão postas para todos nós. São os recados que queria inicialmente deixar. Teria outra intervenção para fazer, mas vou pedir perdão por não poder fazê-la, porque terei de sair em breve, mas pretendo voltar amanhã, quando haverá um painel específico sobre a Lei nº 87 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 10.559 e poderemos discutir as questões a ela pertinentes num diálogo frutífero e saudável. Muito obrigado a todos. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Passo a palavra ao Procurador Regional da República de São Paulo, Dr. Marlon Alberto Weichert. O SR. MARLON ALBERTO WEICHERT - Boa tarde, Sr. Presidente, estimado Deputado Luiz Couto; Sras. e Srs. Deputados, mais uma vez, agradeço a V.Exas. o convite para participar do Seminário Latino-Americano sobre Anistia e Direitos Humanos. Fui convidado para falar sobre a proposta ou ideia de criação de uma Comissão da Verdade ou Comissão da Verdade e Memória. Na esteira do que disse o Sr. Paulo Abraão, ressalto que temos um momento ímpar de contextualização dessa proposta decorrente da aprovação, na Conferência Nacional de Direitos Humanos, no ano passado — da qual várias das senhoras e dos senhores tomaram parte —, de um eixo ou de uma proposta de criação de uma Comissão da Verdade e Memória. É hora, parece-me, de compreendermos o que significa ter uma Comissão da Verdade; é hora de estudarmos um pouquinho as experiências internacionais anteriores, sem que isso signifique que devemos copiá-las, mas, sim, aprender com o que já foi feito antes; é hora de nos apoderarmos desse conteúdo do que significa ter uma Comissão da Verdade e Memória, para que, inclusive possamos exercer criticamente o nosso direito democrático de participar desse processo. Começo dizendo da importância da promoção da verdade. Promover a verdade é importante, primeiro, em razão das vítimas. As vítimas da repressão, da ditadura, têm o direito inalienável de saber o que, como, por que e por quem aconteceu. É uma tradição do Direito brasileiro — e, acredito, uma tradição extremamente negativa — imaginar que a vítima de uma violação a direitos humanos ou de um crime não tem direito à promoção da verdade, seja judicial, seja por qual outro meio for, no entendimento de que isso é um interesse estritamente do Estado, de que a ação penal quem promove é o Estado por meio do Ministério Público. De acordo com esse pensamento, a vítima teve o ônus apenas de suportar o dano, a lesão, e agora não tem mais de se meter nisso, que é um problema do 88 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Estado. Esse discurso exclui aquele que é o primeiro e maior interessado na apuração da verdade. Quem sofreu tem o direito inalienável de saber por que, como, quais as motivações, quais as circunstâncias e quais foram os seus algozes. Então, promover verdade é, primeiro, promover um direito das vítimas; segundo, promover o interesse de toda a sociedade, de toda a coletividade. É interesse meu, que não fui vítima de nenhuma violação a direitos humanos, seja em qualquer época ou seja durante a ditadura, saber o que aconteceu. O que nossas lideranças, nossas instituições estavam fazendo ou fizeram na história do País? Isso é uma precondição para que possamos exercer a cidadania. Sem conhecer a nossa história, sem saber o que se passou durante 21 anos da vida no Brasil, nós que não fomos vítimas, as novas gerações e as gerações que vierem não teremos condições de exercer de forma plena o direito democrático, o direito à participação, o direito à cidadania. Então, em segundo lugar, além dos direitos das vítimas, conhecer a verdade é um direito da sociedade; e, por fim, é também um direito das instituições. Diria, Sr. Presidente, que há aqui um interesse institucional. É de interesse da Câmara dos Deputados saber qual foi o seu papel durante a ditadura militar; é de interesse do Ministério Público Federal saber que papel desempenhou durante a ditadura militar, e assim vai. Todas as instituições, empresas públicas e instituições da sociedade civil, todos os organismos que funcionam no País, têm o direito de saber o que aconteceu, como aconteceu e por que aconteceu. A primeira providência nesta nossa conversa, que é uma conversa política e jurídica, é não deixar que haja um reducionismo no sentido de que saber a verdade é um interesse de meia dúzia, um interesse apenas daqueles que foram vitimados. Saber a verdade é um interesse de toda a sociedade brasileira e de todas as instituições. Por outro lado, precisamos perceber que não se trata de eventual concessão, pelo Estado ou pelo Governo, de realização de uma Comissão da Verdade. Ao contrário, existe um dever, uma obrigação do Estado brasileiro de promover e revelar a verdade. É uma obrigação que decorre, antes de tudo, do princípio republicano. Segundo nossa Constituição, somos uma República Federativa, um Estado Democrático de direito. Ora, isso significa que o Estado é de todos, é do povo brasileiro. Cada um de nós exerce uma parcela do poder estatal. E eu só 89 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 posso exercer esse poder, de acordo com o princípio republicano, se tiver acesso à informação, à história. A Constituição prevê ainda um direito específico à verdade, de acesso às informações sobre a vida do Estado; a Constituição brasileira prevê o direito à transparência. O Estado brasileiro precisa ser transparente. A propósito, está em trâmite na Câmara dos Deputados projeto de lei que regulamenta o direito de acesso à informação pública. Temos a Comissão da Verdade como uma expressão do próprio direito de cidadania. E, mais: conforme a minha a Dra. Beatriz de Azevedo vai demonstrar adiante, existe uma obrigação internacional de o Estado brasileiro promover a verdade, uma responsabilidade em razão da qual ele poderá vir a ser chamado a responder perante organismos internacionais, tais como a ONU, a OEA e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Então, primeiro, a verdade é interesse de todos e, segundo, não é uma concessão, é um direito das vítimas e da sociedade civil a criação de uma Comissão da Verdade. Então, já fixamos duas questões importantes. Vamos tratar agora de uma terceira questão. Como podemos promover a verdade? A instituição de uma Comissão da Verdade é o único caminho? Não. A verdade, aqui com uma certa redundância proposital, é que temos caminhos paralelos. O primeiro caminho, o caminho tradicional, é o do sistema de Justiça. Por meio das ações judiciais, dos processos penais e dos processos civis, promovemos a chamada verdade judicial. Mas precisamos compreender que o espaço de promoção da verdade dentro do ambiente judicial segue muitas regras formais. O processo tem uma série de normas processuais que, de certo modo, limitam a apuração integral de um fato. Diria que o processo judicial vai fundo na produção de uma prova, mas não vai de forma muito ampla, porque, primeiro, precisa definir que provas vai aceitar, que provas são lícitas e legítimas, o que muitas vezes exclui a compreensão de um processo dentro de um contexto histórico ou de um contexto mais amplo. Existe um segundo instrumento importantíssimo que o Brasil tem utilizado no que diz respeito à promoção da verdade: as Comissões Parlamentares de Inquérito. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito extremamente relevante, embora no 90 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 âmbito federativo bem menor, foi a Comissão Parlamentar de Inquérito do Município de São Paulo sobre a abertura da vala de Perus, em 1990, um belo exemplo de funcionamento de CPI que produziu muitos elementos que permitem a apuração da verdade. Temos também algumas comissões ou organizações estatais que produzem material relacionado à verdade — e o Dr. Paulo Abrão já mencionou isso —, como a Comissão de Anistia, a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Lei nº 9.140, que produziram um acervo interessante, mas sempre voltado para determinada finalidade específica: promover reparação, indenização patrimonial. A própria sociedade produz suas pequenas comissões de verdade. Não podemos esquecer a iniciativa de famílias que publicaram dossiês sobre mortos e desaparecidos políticos, não podemos esquecer da iniciativa da Arquidiocese de São Paulo que promoveu o Projeto Brasil Nunca Mais, talvez o primeiro relatório consistente e isento sobre a ocorrência de graves violações a direitos humanos durante a ditadura brasileira. Mas, por fim, temos este instrumento fruto de experiências internacionais: as chamadas comissões da verdade, que têm a característica muito interessante de serem compartilhadas entre o Estado e a sociedade civil. É como se o Estado delegasse ou transferisse à sociedade civil parcela da sua autoridade, do seu poder, para que a sociedade civil produza a verdade, porque é uma verdade que tem de ser produzida contra o próprio Estado. Portanto, se ficar na mão apenas do Estado a produção dessa verdade, pode haver alguns conflitos de interesse, pode haver alguns problemas de independência, de imparcialidade. A Comissão da Verdade é algo muito interessante, porque é instituída pelo Estado, mas para ser gerida pela sociedade civil. Trata-se de uma espécie de fusão de esforços e de competências, algo muito peculiar. E precisamos tomar muito mais cuidado para que isso não se transforme apenas num rótulo bonito ou em algo que não tem consistência. Então, com o que devemos tomar cuidado na hora de discutir com o Governo a realização de uma Comissão da Verdade sobre a ditadura militar brasileira? Primeiro, precisamos garantir a legitimidade dessa comissão. Ela precisa ter poderes. E, em relação a esses poderes, seria ideal que fosse uma comissão 91 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 instituída por meio de uma lei que regulamente os seus detalhes e seus poderes. Mas sabemos que o processo legislativo não é propriamente célere e está sujeito a outras vicissitudes. Assim, precisamos perguntar se é indispensável a existência de uma lei. No caso brasileiro, a nossa avaliação é a de que, embora fosse ideal, não é indispensável. Eventualmente, um decreto do Presidente da República poderia formatar uma Comissão da Verdade, aproveitando o que já existe em diversos outros diplomas normativos, talvez até reunindo algumas instituições estatais que já têm suas respectivas competências e atribuições, entre as quais, a de produzir provas, requisitar informações, realizar buscas, diligências e coisas semelhantes. Mas uma Comissão da Verdade só será legítima, como já apontava o Dr. Paulo Abrão, se houver mobilização social. É preciso que a sociedade queira essa Comissão da Verdade para promover a apuração do que aconteceu. E ela também precisa ser representativa — e, quando falo em representativa, não estou querendo dizer que a Comissão da Verdade tem de ser composta por um mosaico das instituições que representam as vítimas. Ela precisa ser representativa da sociedade brasileira e não de uma parcela da sociedade brasileira que sofreu as consequências da ditadura. Isso é um aspecto que às vezes impacta um pouco negativamente a nossa fala, mas precisamos ter a sensibilidade e a segurança de perceber que um trabalho dessa envergadura precisa ter todas as garantias de isenção e de imparcialidade. Imagino que a Dra. Beatriz depois vai complementar esse aspecto. Ressalto que uma Comissão da Verdade não pode ser imposta unilateralmente pelo Governo ou na forma que o Governo quer, porque, se é para ser um pacto entre Estado e sociedade, entre Governo e sociedade, ela precisa ser negociada. Ela precisa ser construída de modo democrático e que possa ter futuro. É importante destacar que a composição dessa comissão não pode ser feita por ato unilateral do Presidente da República ou de um Ministro, seja ele qual for e por mais legítimo que seja. (Palmas.) A composição dessa comissão tem de seguir o primeiro passo do pleno exercício democrático. As melhores experiências aqui — e vale a pena nos inspirarmos em outros países — são as comissões constituídas por pessoas da sociedade civil que se candidatam a participar, apresentando memoriais e currículos. E um comitê faz a 92 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 seleção dos que vão atuar na apuração da verdade. A propósito, defendo a existência de um comitê em que talvez seja importante a presença do Governo e das vítimas para fazer a seleção desses comissionados. É importante não confundir a composição da comissão com vítimas ou com o Governo ou com perpetradores de violações. Essa combinação que sempre se pensou como importante nas outras comissões, como a Comissão da Anistia e a Comissão Especial para Desaparecidos Políticos, não necessariamente deve ser reproduzida quando se trata de uma Comissão da Verdade, do contrário, corremos o risco de ter uma Comissão da Verdade de mentira, uma Comissão da Verdade pirotécnica, uma Comissão da Verdade de fachada. Uma Comissão da Verdade não pode ser um factoide, não pode ser apenas uma folha de papel para prestar contas a quem que seja. (Palmas.) Uma Comissão da Verdade precisa ser de verdade, precisa ser uma comissão da sociedade civil. Expostas essas questões relacionadas à legitimidade, quero falar um pouco da competência. Precisamos decidir que delitos serão investigados pela Comissão. Serão apenas delitos praticados pelos perpetradores? Será que não é o momento de enfrentar esse argumento de que houve violência de ambas as partes? De que houve terrorismo? É uma decisão que tem de ser tomada também pela sociedade. Que períodos de tempo vamos investigar? Será que uma Comissão como essa não deveria também investigar a destruição dos arquivos? Aliás, a meu ver, a Comissão da Verdade no Brasil ganha muito mais importância, porque se diz que não há arquivos. Então, vamos precisar, por meio de trabalho de pesquisa e de testemunhos, reconstituir os arquivos que foram ilegalmente destruídos e apurar inclusive a responsabilidade daqueles que destruíram esses arquivos. Então, outra decisão importante — e vejam os senhores por que não pode ela ser tomada em gabinete fechado — é sabermos até onde irá essa comissão. Ou seja, será uma comissão com competência para investigar apenas crimes cometidos no Brasil, ou investigará todo e qualquer crime de violação a direitos humanos praticados por nossos agentes também no exterior? E aqui estamos falando diretamente da participação brasileira na Operação Condor. Vamos deixar de investigar esses acontecimentos? 93 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Por outro lado, uma comissão como essa precisa de garantias, subjetivas e objetivas — e, quando falo em garantias subjetivas, reporto-me à proteção dos comissionados. Eles precisam de um regime de imunidade e proteção pessoal, se necessário for. Por outro lado ainda, uma comissão precisa ter autonomia financeira e administrativa. Ela não pode, a cada diligência a ser realizada, ficar esperando durante semanas, de pires na mão, na antessala do ordenador de despesas. Portanto, uma comissão precisa ter, de antemão, dotação orçamentária, autonomia para ordenar despesas e apoio técnico, ou autonomia para constituir uma equipe significativa de apoio técnico para realizar, seu trabalho. A comissão, igualmente, necessita da garantia da transparência, ou seja, de que pelo menos os meios de comunicação do Estado, televisões e rádios públicas, transmitirão e acompanharão os seus trabalhos, para que toda a sociedade brasileira possa tomar conhecimento e dela participar. Precisa a comissão tomar muito cuidado para não “revitimizar”, ou seja, não fazer com que as vítimas sejam novamente expostas e sujeitas às críticas que comumente lhes são feitas. É tão delicado o assunto a ser tratado por essa comissão, que um dos seus maiores problemas é o risco de fazer a vítima assumir novamente tal condição. Para concluir, até porque o tempo já se esgota — e eu teria alguns outros assuntos para comentar —, levanto algumas outras questões. Além dessas premissas que me parecem fundamentais, devemos tomar muito cuidado para que uma proposta de criação de Comissão da Verdade não seja elaborada a portas fechadas. Ela precisa ser construída a portas abertas, não só com a participação das senhoras e senhores que são vítimas, mas da sociedade civil, aí incluídos todos os movimentos da sociedade civil e o movimento nacional de direitos humanos. Outro aspecto: a Comissão da Verdade não substitui a promoção da justiça. Ela trabalha com a dimensão da verdade histórica, mas não substitui a Justiça. O Estado brasileiro não pode dizer que vai promover a Comissão da Verdade em troca de manter a impunidade. Essa proposta não podemos aceitar em hipótese alguma. 94 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Só devemos aceitar a criação de uma Comissão da Verdade, a meu ver, se houver garantias de que ela terá condições de exercer seu mandato com independência. Não podemos correr o risco de queimar o cartucho ou aceitar, por outro lado, que a Comissão da Verdade será, finalmente, a reconciliação nacional. Reconciliação não é algo que se faz por decreto. Reconciliação é algo que se constrói quando as condições estão presentes. O Estado brasileiro até hoje não cumpriu com seus deveres de promover justiça, verdade, memória e a reforma de seus aparatos de segurança, que continuam agindo como faziam há 40 anos. Enquanto não for consolidado esse “caldo”, não podemos cobrar uma reconciliação da sociedade com seu Estado e jamais podemos exigir que as vítimas deem seu perdão. Essa é uma decisão individual de cada uma. Perdão não se dá por decreto. (Palmas.) Não se trata de um culto ecumênico onde um sacerdote pode dizer que todos estão perdoados em nome daqueles que militam a sua fé. Isso, não! Aqui estamos no campo de uma relação intersubjetiva. Ou seja, precisamos saber que tem medo de uma Comissão da Verdade que reúna essas garantias e condições e possa contribuir para reconstituir essa fase da história brasileira. A propósito, ocorre-me neste momento frase de Platão, segundo a qual podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro, a real tragédia da vida, porém, é quando os homens têm medo da luz. Portanto, a Comissão da Verdade pode ser a nossa oportunidade de saber para não repetir, saber para refletir, saber para não perpetrar, saber para mudar, saber para consolidar a democracia brasileira. Obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Dr. Marlon, Procurador da República em São Paulo, pela clareza e consistência de sua intervenção. Dando continuidade aos trabalhos, concedo a palavra à Dra. Beatriz Stella de Azevedo Affonso, representante do Centro pela Justiça e Direito Internacional — CEJIL A SRA. BEATRIZ STELLA DE AZEVEDO AFFONSO - Boa tarde a todos. 95 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Cumprimento os companheiros da Mesa em nome do Deputado Luiz Couto e agradeço mais uma vez aos organizadores a oportunidade de estar neste Seminário, que está de parabéns pela continuidade e pela qualidade com que se mantém. Tive oportunidade de participar deste evento também no ano passado e, portanto, não poderia deixar de aceitar tão importante convite. O CEGIL, para quem não conhece, é uma organização não governamental que atua no Sistema Interamericano. Encaminhamos denúncias de graves violações de direitos humanos que aconteceram nos vários países do continente. Para isso, temos quatro escritórios, sendo que o escritório situado no Brasil trabalha apenas com ocorrências em nosso País. Encaminhamos ao Sistema Interamericano os casos em que não existe uma resposta interna, ou seja, quando a Justiça local não consegue resolver uma situação que represente grave violação de direitos humanos, o que identificamos conforme a Convenção Americana de Direitos Humanos. Nesse sentido, o CEGIL atua no Brasil em vários casos. Para que os senhores conheçam um pouco o nosso trabalho, ressalto que fomos nós que levamos para o Sistema Interamericano o caso da Maria da Penha, que, ao final, ajudou o grupo de organizações feministas do Brasil a fortalecer a então proposta da hoje tão conhecida Lei Maria da Penha. Há casos não tão exitosos, especialmente aqueles que envolvem a ação direta de agentes públicos, como o do Carandiru. Existe um relatório final da Comissão Interamericana, mas não conseguimos fazer que o Estado brasileiro cumprisse as determinações. Também é assim no caso de Eldorado de Carajás e em casos relacionados a instituições de detenção de jovens e adolescentes, entre outros. Talvez a ação mais importante no que diz respeito à História seja o encaminhamento para a Comissão Interamericana, pelo CEGIL, junto com o Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, e com a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, de São Paulo, do caso da Guerrilha do Araguaia. Esse caso tramitou naquela Comissão ao longo de 12 anos. Em relação a outros casos referentes a ditadura denunciados àquela Comissão, consideramos que o relativo à Guerrilha do Araguaia foi o que mais 96 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 demorou em termos de processamento e trâmite, apesar de todo o esforço da instituição e dos peticionários e da pressão dos familiares das vítimas. E isso não ocorreu por acaso. Atribuímos a vários fatores essa demora. O que aconteceu? O Estado brasileiro — e, aí, me refiro aos vários Governos desde a volta à democracia, mas o caso foi peticionado em 1996, no Governo Fernando Henrique Cardoso —, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, que é quem, junto com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, responde no Sistema Interamericano sobre aos casos de violação no Brasil, conseguiu fazer com que a Comissão Interamericano entendesse que o Brasil era diferente, que o Brasil tinha feito a sua lição de casa e que existia no País uma situação de conformidade, de aceitação e de reconciliação entre as vítimas, a sociedade, os perpetradores e as mais recentes autoridades públicas responsáveis por instituições que, como disse o Dr. Marlon, infelizmente continuam cometendo as mesmas violências e violações dos direitos humanos herdadas do período da ditadura. Esse caso demorou muito tempo na Comissão e, em março deste ano, ele foi enviado à Corte. No ano passado, quando estive aqui, eu tive a oportunidade de esclarecer detalhadamente a todos como foi o trâmite desse processo e porque o caso possivelmente chegaria à Corte. O seminário foi em novembro do ano passado, o Estado Brasileiro já havia recebido um relatório de fundo da Comissão Interamericana, ele tinha de cumprir várias recomendações que, grosso modo, têm três eixos: o direito à verdade, o direito à justiça e o direito à reparação integral. Infelizmente o Estado Brasileiro não cumpriu esses requisitos a contento. No que diz respeito à justiça e à verdade especialmente, não existe para o Sistema Interamericano... Na nossa visão, na nossa experiência em relação aos outros países em que também litigamos casos das ditaduras e dos conflitos armados, o que se realizou em relação à verdade é questionável. Eu gostaria muito que o Dr. Paulo me ouvisse. Temos um diálogo interessante, ele conhece a postura do CEJIL. Não há dúvida de que, dado tudo que se recolheu pela Comissão da Anistia e pela Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, isso é verdade e existe muita informação importante. No entanto, nos dois âmbitos, essa verdade teve de ser construída, recompilada pelas próprias vítimas ou 97 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 pelos seus familiares. Então, hoje ainda temos uma verdade, acesso a uma documentação em que o tratamento utilizado pelas autoridades daquela época, daquele momento, era absolutamente discriminatório, preconceituoso, com termos que, para o Sistema Internacional, não são razoáveis, como, por exemplo, terroristas, subversivos. Ou seja, temos uma verdade parcial, uma verdade que ainda é colocada por meio de uma linguagem do passado. (Palmas.) Por que uma Comissão da Verdade é tão importante? A expectativa de uma Comissão da Verdade no Brasil é a de que, por fim, depois de tantos anos, a verdade seja apresentada à sociedade como um todo — a atual e a futura —, a verdade do que realmente aconteceu, por que motivos as pessoas fizeram resistência, o que, de fato, estava em jogo e quem, de fato, eram os perpetradores, quem eram os terroristas. No nosso entendimento, terroristas eram os agentes do Estado, que cometeram terrorismo contra a sociedade civil. (Palmas.) Eu queria esclarecer aos senhores que o nosso trabalho não está diretamente relacionado às Comissões de Verdade e Justiça. Eu sei que o Dr. Javier Ciurlizza, do Centro de Justiça Transicional, infelizmente não pôde comparecer, apesar de ter sido convidado pela organização, mas aconselho a todos que têm interesse em conhecer um pouco sobre as Comissões de Verdade do mundo, todas que já existiram, que acessem o site desta instituição, que posso compartilhar com os senhores. Ele trabalha com esse tema e faz uma análise muito mais aprofundada da situação. Sabendo que o Sr. Javier não compareceria, tentei trazer para os senhores algumas informações muito simples, que não vão poder ser aprofundadas como eu gostaria, pois demandaria muito tempo. Então, seria só a título de exemplo. Quero dizer aos senhores que as Comissões de Verdade e Justiça no Continente Americano — eu nem vou ampliar o olhar para os outros continentes — não é uma novidade para os nossos vizinhos, muito pelo contrário. Quero também ressaltar para os senhores que a maior parte das Comissões de Verdade feitas no nosso continente aconteceram logo depois da volta à democracia. Sem dúvida alguma, isso faz uma enorme diferença. Por exemplo, no que diz respeito aos documentos, de forma comparativa e analógica, muitas dessas sociedades não... (falha na gravação) o nosso governo teve para queimar os arquivos. Isso aconteceu 98 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 logo em seguida. Muitas Comissões contaram com documentação do Estado e muitas não contaram. Eu não tenho certeza, mas imagino que o Prof. Martín já tenha esclarecido a todos os senhores, mas vou ser repetitiva pois considero importante a informação que vou dar. O Paraguai recentemente abriu todos os arquivos da ditadura. Hoje, no Continente Americano, especialmente na América do Sul, o Brasil está num patamar extremamente atrasado no que diz respeito à verdade e à justiça. Muito bem, eu vou fazer isso um pouquinho rápido porque não quero ser cansativa e quero que sobre um pouquinho do tempo da minha apresentação para passar, ao final, um vídeo de sete minutos, um vídeo bem pontual que é a filmagem da sentença dada a um torturador importante, no momento em que foi proferida, em um julgamento na Argentina em 2006. Eu quis compartilhar isso com os senhores porque eu acho que é uma mensagem de esperança de que um dia nós no Brasil possamos também passar por essa circunstância. Existem muitas outras Comissões de Verdade, e eu só quis trazer alguns itens. Quero chamar a atenção para itens básicos. Qualquer Comissão da Verdade precisa refletir antes que aconteça algo pior. Hoje, temos inúmeros exemplos, neste e em outros continentes, para não precisar dar as mesmas cabeçadas. Temos muita experiência, com relação aos países vizinhos, não para que façamos as mesma Comissões, mas para que não precisemos incorrer em alguns erros que já aconteceram e que, na prática, dificultaram um pouco a atuação da Comissão. A Argentina criou, no Governo do Presidente Raul Alfonsin, uma Comissão Nacional sobre desaparecimento de pessoas em dezembro de 1983, logo após o fim da ditadura no País. O seu objetivo principal era investigar as violações aos direitos humanos perpetradas pelo Estado durante o período de exceção — de 1976 a 1983. O trabalho da Comissão resultou no relatório Nunca más e outras leis de ressarcimento. Segundo as informações da Comissão, 8.960 pessoas foram desaparecidas no país, e foram identificados 1.315 perpetradores. Mais tarde, a própria sociedade civil da Argentina declarou que esse número possivelmente era muito maior, quem sabe o dobro, especialmente no que diz respeito aos desaparecimentos forçados. 99 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 No entanto, naquele momento, foi a informação que se conseguiu. Esse passo na Argentina foi muito importante. Outras iniciativas aconteceram depois, essa foi a primeira. Essa Comissão foi um bom princípio para ajudar os processos que tinham algumas provas a serem apresentadas à Justiça. Aproveito, antes de me reportar ao Chile, para contar aos senhores que a Argentina, diferente dos outros países da América do Sul, não precisou de uma sentença na Corte Interamericana para fazer o processamento criminal dos perpetradores de graves violações dos direitos humanos promovidas na ditadura. A Argentina usou a sentença de um caso que o CEJIL litigou no Peru para que sua Corte Suprema pudesse acabar com a Lei de Anistia e começar o julgamento interno, ou seja, ela não precisou receber uma sentença, pois tinha casos do Estado argentino no Sistema Interamericano, mas ela fez sua lição de casa, entre os países em que nós atuamos, mais eficiente até o momento. Muito bem, no caso do Chile, houve a Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação, que foi criada com o primeiro Presidente após a ditadura de Pinochet, iniciou seus trabalhos em 1990, com o objetivo de contribuir para o esclarecimento e a verdade sobre as graves violações dos direitos humanos cometidos durante o regime ditatorial chileno, de 1973 a 1990. O trabalho da Comissão resultou no relatório que reconheceu 3.400 vítimas de desaparecimentos e assassinatos. Em 1992, foi criada por lei a Corporação Nacional de Reparação e Reconciliação, para executar as recomendações da Comissão da Verdade e Reconciliação. Eu chamo a atenção dos senhores para o caso do Chile, sempre fazendo aqui um contraponto. No final eu vou falar um pouquinho do que esperamos para o Brasil. É muito importante sempre, numa Comissão, pensarmos como as suas recomendações vão ser executadas, como vão ser implementadas. Então, é importante fazer esse exercício desde o começo da criação da Comissão. Muito bem. Outro exemplo que eu trouxe para é o caso de El Salvador, que teve La Comisión de la Verdad, que foi criada por meio do Acordo do México em abril de 1991, entre o Governo de El Salvador e a Frente Farabundo Martí para la Libertação Nacional, com o patrocínio da ONU. No caso de El Salvador, era um conflito armado, então, a intervenção da ONU foi importante para as negociações. Os objetivos eram referentes à superação da impunidade e esclarecimento da 100 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 verdade, com investigação de graves violações de direitos humanos ocorridas entre 1980 e 1991. Quando ela concluiu o seu trabalho, publicou relatório que se chamou De la Locura a la Esperanza, com o reconhecimento das execuções sumárias, de desaparecimentos forçados cometidos pelas Forças Armadas e esquadrões da morte. Suas recomendações incluíam reparações, mudanças legislativas, depurações no Exército e erradicação dos esquadrões da morte. Na verdade, estou apresentando, de forma cronológica, conforme as Comissões foram acontecendo. A Comissão para o Esclarecimento Histórico foi criada em julho de 1994 pelo Acordo de Oslo. O conflito na Guatemala também era considerado um conflito armado e também houve a intervenção do patrocínio das negociações de mediação da ONU. A composição da Comissão era bastante grande em relação à maioria das comissões: 250 profissionais. Os seus objetivos englobavam investigar as violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado e a guerrilha após 34 anos de conflito armado, de 1962 a 1994, mas sem individualizar seus responsáveis. No entanto, mesmo sem individualizar os responsáveis, as informações recolhidas por essa Comissão permitiram fortalecer provas para ações judiciais que vieram a seguir. Em fevereiro de 1999, foi publicado o relatório Memória do Silêncio, livro sobre a experiência do trabalho da Comissão. Suas conclusões incluíam violação de direitos humanos contra indivíduos e povos indígenas, desaparecimentos forçados e assassinatos de aproximadamente 200 mil pessoas. Suas recomendações reforçaram a necessidade de mudanças legislativas e institucionais, depuração militar, investigação judicial e reparações. Prometo que vou apresentar só mais duas, vou ser mais breve. Eu só queria trazer um pouco dessa informação, porque sabemos que, enfim, que as coisas estão se consolidando. A ideia é que todos possam ter o máximo de informação para ter sua opinião pessoal a respeito do que o Governo vai apresentar como Comissão da Verdade no Brasil. No Panamá, a Comisión de la Verdad foi criada em janeiro de 2001 por um decreto do Poder Executivo e ainda se encontra em atuação. Sua composição incluía representantes da Igreja Católica e outros da sociedade civil. Os representantes da Igreja Católica assumiram a Presidência da Comissão. Os 101 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 objetivos são esclarecer as violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar de 1968 a 1989. O trabalho ainda está em andamento, e o principal foco, no caso do Panamá, onde a incidência dos desaparecimentos forçados também é bastante alta se comparada à incidência de tortura de sobreviventes, que foram torturados e presos... Por fim, vou terminar com a Comissão do Peru. É uma comissão importante, considerada pelos estudiosos de comissões do continente americano uma das mais modernas. Ajudou bastante também a sua implementação depois da Comissão do Paraguai, especialmente pelas experiências, como eu apresentei no começo, daquilo que não estava funcionando bem. A Comissão da Verdade do Peru passou por várias modificações, desde a sua metodologia até toda a sua ordem jurídica de funcionamento, metodologia e estatuto. Então, a Comissão da Verdade e Reconciliação foi criada em 2001 por decreto do Presidente Paniagua, que era do governo de transição e depois do Governo Fujimori. Seus trabalhos ajudaram a esclarecer as violações de direitos humanos cometidas pelo Estado por grupos terroristas entre maio de 1980 e novembro de 2000. Vários desses casos denunciados à Comissão do Peru foram enviados ao Sistema Interamericano porque não estavam tendo o andamento devido na Justiça interna do Estado peruano. Todos os dados propiciados na Comissão do Peru foram muito importantes para que a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana pudessem ter subsídios que são considerados imparciais. Esse é um aspecto muito importante, para o qual chamamos atenção, como disse o Dr. Marlon. A imparcialidade da Comissão da Verdade garante que resultados de ações criminais possam não gerar dúvidas no futuro. Nesse caso do Peru, devido a sua atuação, a idoneidade que se atribuiu a ela foi tão importante, que dois casos sentenciados na Corte Interamericana de Direitos Humanos subsidiaram o processo e a condenação do Presidente Fujimori este ano. Acho que todos acompanhamos o caso pelos jornais. Na Comissão da Verdade, todas as informações subsidiaram os casos que foram para o Sistema Interamericano e dele tiveram a condenação do Estado peruano. Hoje, o ex-Presidente Fujimori cumpre sentença criminal, o que é bastante alentador, devido a nossa realidade continental. (Palmas.) 102 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Estou acabando, prometo. Vou ser bem pontual. Eu tinha trazido dados, mas acho que são muito detalhados. Vou falar alguns nomes de alguns casos em que essas Comissões da Verdade do continente puderam fortalecer casos no Sistema Interamericano e que obtiveram resultados tão positivos como o caso do Peru. O Sistema Interamericano, o que significa? A Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos valorizam muito essas Comissões da Verdade. Por quê? Porque se entende que, por intermédio delas, se trazem, por um lado, informações que, por mais que aqueles que resistiram às ditaduras tenham, a sociedade em geral não tem acesso e as futuras gerações, sem essas informações, dificilmente teriam acesso, e, por outro lado, elas acabam por subsidiar esses processos criminais. Volto a reforçar: eu acho que é uma coisa muito importante, que todos vão ouvir, quando o Estado brasileiro se disponibilizar, se é que vai de fato se disponibilizar, a estabelecer uma Comissão da Verdade efetiva — nós brincamos: uma Comissão da Verdade de verdade — que não seja pró-forma. É este o debate: deve se chamar Comissão da Verdade e Justiça? Deve se chamar de Comissão da Verdade e Reconciliação? Muitos conheceram recentemente, por meio do jornal O Estado de S. Paulo, que publicou esse debate, que, por meio da Conferência Nacional, como o Dr. Marlon já explicitou, houve um grupo de direito à verdade e à memória. É importante ressaltar que a Conferência Nacional passou a ter caráter deliberativo. Quer dizer, com o Poder Legislativo, o Poder Executivo aceitou que as conferências passassem a ter caráter deliberativo. O grupo de trabalho que tratou do direito à verdade e à memória especificou muito claramente que tipo de Comissão da Verdade e Justiça esses militantes, que eram vítimas e familiares de vítimas e organizações que atuam sobre o tema, desejavam. No entanto, já se tem conhecimento de que o Plano Nacional, que vai ser lançado possivelmente em 10 de dezembro, as propostas de criação de Comissões da Verdade estão diametralmente opostas àquilo que foi decidido na Conferência Nacional. Então, aqui já se apresenta um mal-estar. Se o próprio Governo aceitou que a Conferência era deliberativa, como vai lançar uma proposta de criação da Comissão 103 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 da Verdade totalmente diferente daquilo que foi proposto, na Conferência Nacional, pelo Poder Legislativo? Essa é uma coisa que se apresenta. Quem teve acesso ao rascunho do Plano Nacional — eu tive — sabe que existe um grupo de entidades que o está discutindo. Infelizmente, o que se apresenta de fato é que, se o Presidente da República o sancionar com as propostas a que tivemos acesso, elas estarão muito aquém do que se deseja para uma Comissão da Verdade que vai ser efetiva. Eu concordo com o Dr. Paulo: nós não temos de começar da estaca zero. Já existe muita informação fornecida pela Comissão de Anistia, pela Comissão de Mortos e Desaparecidos, assim como pelo Brasil: Nunca Mais. Não há dúvida de que esse seria o material inicial da Comissão. No entanto, só essa recompilação nos deixa no mesmo lugar, não nos traz nada de novo. Então, essa Comissão da Verdade deve ter poderes para conseguir os arquivos. Não sei se sou minoria, mas eu realmente não estou convencida de que os arquivos foram queimados no Brasil. Nós, que trabalhamos com o caso Araguaia, tivemos acesso a alguns documentos. Sabemos que esses documentos, naquela época, foram multiplicados entre várias instâncias hierárquicas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E é por isso que muitos desses documentos estão nos tais baús de parentes de militares. Se eles estão nos baús dos militares, eu não acredito que eles não estejam dentro do Ministério da Defesa. Eu posso estar errada, mas realmente acredito que um passo inicial é que este Governo se comprometa a abrir os arquivos que fazem parte da história do Ministério da Defesa. (Palmas.) Vou passar rapidamente a outros casos. Vou pular muitos, porque senão perderíamos toda a tarde, e o nosso voo sai daqui a pouco. Temos o caso de El Salvador, que é o dos jesuítas, que foi à Comissão Interamericana e que só pôde ter um andamento mais profundo, tanto na Comissão interamericana, como na Justiça interna de El Salvador, a partir da Comissão de El Salvador. Quero só chamar a atenção para o que a Comissão Interamericana disse no que diz respeito à legitimidade e idoneidade de uma Comissão da Verdade. No relatório sobre esse caso dos jesuítas, a Comissão diz o seguinte: 104 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 “Pela seriedade da metodologia utilizada pela Comissão da Verdade e a garantia de imparcialidade e boa-fé que deriva da forma de designação de seus membros e da participação do próprio Estado, a Comissão Interamericana entende que a investigação sobre esse caso merece crédito e que tal caráter será considerado em vinculação com os fatos alegados e as outras provas apresentadas.” O que significa? Que a Comissão reconheceu a legitimidade dessa Comissão da Verdade de El Salvador, especialmente no que diz respeito aos integrantes dessa comissão, que é um ponto para o qual o Dr. Marlon já chamou a atenção. Vou para o caso La Cantuta, que é do Peru, um dos que exemplifiquei, que foi ao Sistema Interamericano e tem uma sentença da Corte Interamericana — é um dos dois casos e que permitiu o julgamento do ex-Presidente Fujimori na Justiça interna do Peru. Temos muito carinho por outro caso, porque o Estado brasileiro tem uma dívida histórica com o Estado do Paraguai. É o caso Goiburú, cujas vítimas estão inseridas na Operação Condor e que recebeu sentença da Corte Interamericana. Por muitos anos, o Estado paraguaio e a Corte Interamericana solicitaram ao Estado brasileiro a extradição do ditador Stroessner, que infelizmente faleceu em 2006, em território brasileiro — em Brasília, para ser mais precisa. O Estado brasileiro não concedeu a extradição. Então, existe uma dívida do Estado brasileiro por ter por tantos anos acobertado o General Stroessner. Goiburú é um caso também muito relevante, cujas informações depois facilitaram o trabalho da Comissão da Verdade. O outro caso, La Cantuta, é a mesma coisa. Eu o separei, mas podemos pular. É a mesma coisa do de El Salvador, em que a Corte explicita a seriedade da Comissão da Verdade e afirma que por isso levou em conta as provas apresentadas. O caso Almonacid é o do Chile, em que a sentença da Corte foi proferida aqui em Brasília, num julgamento extraordinário que a Corte fez em 2006 de vários casos. Entre eles, foi julgado esse caso da ditadura do Chile, que também envolve a Operação Condor. 105 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Muito bem, vou rapidamente compartilhar o que pensamos. Vamos complementar os princípios mínimos apresentados pelo Dr. Marlon do que esperamos que uma comissão no Brasil tenha. Se ela vai se chamar Comissão da Justiça, Comissão da Verdade, nós não entendemos que isso é o principal. O principal é que ela possa ter efetividade. Entendemos que o principal é que ela possa ter efetividade. Entendemos que a reconciliação, como disse o Dr. Marlon, é uma questão de trabalho ainda a ser feito. Então, se essa Comissão, no seu princípio, no seu estabelecimento, não se comprometer com alguns itens como este para o qual estamos chamando a atenção, para que de fato venha a ser efetiva, não pode se chamar reconciliação de jeito nenhum, porque a reconciliação só pode se dar depois que o Brasil fizer o seu trabalho de casa. (Palmas.) Chamamos a atenção nessa experiência de que as Comissões de Verdade podem ou não ter muitos méritos, elas podem acabar de forma inoperante, sem nenhum resultado prático e se somar às várias iniciativas que já tivemos no Brasil sem conseguimos dar o salto qualitativo para trazer às futuras gerações a verdade do que ocorreu. Já existem no mundo mais de 30 Comissões de Verdade, que possibilitam identificar as boas práticas e padrões básicos e garantir os direitos internacionalmente reconhecidos das vítimas. Para satisfazer o direito à verdade, que corresponde às vítimas e a toda a sociedade, uma Comissão da Verdade deve ser efetiva, autônoma, independente e justa. Aqui nós destacamos as funções mínimas que uma Comissão da Verdade deve ter. O trabalho de uma Comissão da Verdade deve servir a três funções fundamentais: ao esclarecimento dos fatos, ao reconhecimento moral e ético das vítimas e à apresentação de recomendações de políticas que garantirão a não repetição das violações de direitos humanos. Quais são as competências mínimas que a Comissão da Verdade deve ter? As competências devem estar claramente definidas, de forma ampla o suficiente para refletir os direitos das vítimas. A Comissão da Verdade deve ter competência material para analisar as mais graves violações aos direitos humanos, de acordo com o Direito Internacional, assim como os crimes de ocultação e 106 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 omissão dos fatos violatórios, como ocultação e destruição de arquivos, ocultação de cadáver e outros. Sobre sua estrutura. Constitui boa prática um processo consultivo permanente e transparente, contribuindo com a legitimidade e êxito de uma Comissão da Verdade desde o seu estabelecimento, desenho e implementação por meio de consultas amplas à sociedade civil organizada e às vítimas. O processo de escolha dos comissionados deve ser aberto, transparente e consultivo, garantindo que eles sejam avaliados por sua trajetória, experiência, independência e qualidades éticas. O processo de escolha deve ser público, tal como em um concurso, no qual o candidato a membro da Comissão se apresente por meio de um memorial e defenda sua candidatura perante uma banca formada por pessoas de reconhecida formação e atuação na defesa dos direitos humanos. A Comissão da Verdade deve ser assessorada por um comitê da sociedade civil. As organizações da sociedade civil e das vítimas devem compor um comitê formal e efetivo de observação, acompanhamento e assessoria da Comissão da Verdade. Considerando que a ditadura militar brasileira produziu efeitos em todo o País, o comitê deve refletir a diversidade nacional e sua pluralidade. Esse é um ponto muito importante com o qual termino: as Comissões sobre as quais fizemos uma avaliação científica da real efetividade demonstraram que quando existe a participação de vítimas no próprio comitê, existe no mínimo, no futuro, o questionamento de imparcialidade dos seus resultados. No entanto, não há como fazer uma Comissão da Verdade sem a participação das vítimas e dos seus familiares. Então, um modelo interessante, que tem dado frutos, é o modelo no qual se compõe um comitê observador que vai auxiliar no trabalho da Comissão da Verdade. Esse comitê vai estar sempre exposto à ideia que possa ter a maior representação e participação de vítimas e familiares de vítimas e organizações não governamentais que estão atuando nessa área. Eu termino aqui, peço desculpas por haver me estendido demais, e peço também que, ao final, os senhores assistam a esse vídeo de 7 minutos. Obrigada. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Concedo a palavra ao Sr. Paulo Canabrava. 107 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O SR. PAULO CANABRAVA - Eu falo em representação da Associação Brasileira dos Anistiados Políticos — ABAP e também como jornalista — mais antigo que o Raimundo. Concederam-me só 10 minutos, então, eu escrevi o texto para me orientar, porque, quando olhamos para esse público, é pura emoção. Quantos anos de cárcere deverá haver aqui? Muitos séculos, milênios. Para alegria da Comissão, elaborei um texto de 10 minutos. A expressão latino-americana na convocação deste seminário é por si mesma um convite à reflexão. A presença de representantes do Paraguai, Bolívia e Venezuela nos evoca a lembrança de quanto sofreram os povos dos países desta nossa América sob a férula do colonialismo das oligarquias escravistas, das ditaduras civis e militares ou cívico-militares submissas a interesses estrangeiros. O Paraguai está aqui para não nos deixar esquecer o que foi o terror de Stroessner; a Bolívia, para nos lembrar o quão nefasta foi a participação da ditadura brasileira para a ascensão e manutenção da ditadura de Banzer; a Venezuela, para testemunhar como um povo farto da opressão foi capaz de liquidar com a ditadura de Pérez Jiménez. São países cujas histórias se assemelham à história de todos os demais países da nossa América, que têm uma história comum e haverão de construir um futuro comum. Melhor me expressando, esta nossa América só terá futuro unida na pátria grande sonhada por Bolívar. (Palmas.) Nossos povos entendem o significado desse destino comum. Quando, em 1964, aqui se deu o golpe cívico-militar, nossa diáspora política se dirigiu para países latino-americanos, notadamente Bolívia, Uruguai, Chile, México e Cuba. A solidariedade garantiu a sobrevivência dessa gente, não só da gente brasileira. A essa diáspora foram se somando os uruguaios, argentinos, bolivianos e chilenos, na medida em que nossos países, vivendo essa mesma e comum história, foram caindo sobre as botas e casacas das ditaduras. No Encontro Latino-Americano sobre Anistia e Direitos Humanos, não podemos deixar de lembrar, como um grito de alerta, o que foi a Operação Condor. Recomendo a todos o livro da jornalista argentina Stella Calloni, fartamente documentado sobre o que foi essa operação engendrada por Pinochet, que envolveu numa santa aliança as máquinas repressivas de todos os nosso países. 108 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Durante décadas, nossos povos amadureceram na vivência o conceito e a compreensão da solidariedade como valor humano e fator de sobrevivência. Não podemos permitir nunca que esses valores se arrefeçam. Solidários na luta de libertação, solidários no confronto com a repressão, seguimos solidários na construção da democracia e na conquista do respeito aos direitos humanos. Os filhos desta nossa América foram recebidos solidariamente também na Europa, notadamente na França, Itália e Bélgica, numa Europa que ainda não era submetida ao poder dos monopólios como o é hoje. Tão grande foi a solidariedade do povo italiano aos brasileiros num momento e ao povo chileno noutro, que a ditadura cívico-militar brasileira chegou a ameaçar o Estado italiano com represálias aos italianos residentes no Brasil. O Tribunal Bertrand Russell, que havia julgado os crimes imperiais no Vietnã, havia sido convocado pelo Senador Lélio Bastos para julgar os crimes praticados na ditadura brasileira e teve de incorporar também o Chile após o golpe de Pinochet. Como admitir que seja deportado agora um cidadão italiano condenado por suas ideias, por suas denúncias? Que moral tem o Sr. Berlusconi para pedir o repatriamento de Cesare Battisti? Menos por dívida moral para com o povo italiano do que por princípio moral de solidariedade, temos o dever de ser solidários e de proteger Battisti. Não bastasse isso, temos o dever de respeitar o inciso LII do art. 5º da Constituição de 1988, que estabelece que “não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião”. (Palmas.) Da mesma forma, também por questão moral e de respeito à história, temos o dever de abrir os arquivos e de revelar para a Nação aqueles que cometeram crimes de lesa-humanidade, o inafiançável e abominável crime de torturar um semelhante. E, para pasmo de toda a Nação, a tortura continua a ser praticada nos cárceres de muitos países, inclusive nos do Brasil, notadamente sobre pessoas de setores marginalizados por uma sociedade que insiste em ser excludente. Meus caros, olhar e aprender com o passado é necessário para compreender o presente e construir o futuro. Nesse mergulho sobre nossa história, seria irresponsável ater-se unicamente a fatos. É preciso buscar incansavelmente as causas, os porquês, os verdadeiros responsáveis. Somente assim se poderá evitar que nossas tragédias continuem a reproduzir-se. 109 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Estamos aqui para refletir sobre memória e verdade. O que se pode constatar da história de cada um dos aqui presentes é que memória é verdade. (Palmas.) Essas histórias reveladas é que tornarão evidentes os verdadeiros dramas dos perseguidos políticos. Uma das constatações derivadas da análise dos fatos contra nossos povos nos anos de chumbo é a presença dos agentes do Império; é a promiscuidade entre oficiais e agentes do serviço de inteligência e de repressão do nosso País com oficiais e agentes do serviço de inteligência de potências, particularmente, dos Estados Unidos. Oficiais latino-americanos submetem-se ao Estado-Maior estadunidense, oficiais de nossos países seduzidos durante cursos nos Estados Unidos, agentes e funcionários seduzidos durante cursos em que são submetidos a verdadeiras lavagens cerebrais; onde aprenderam técnicas de tortura; onde aprendem as técnicas de repressão a movimentos sociais. Numa reflexão sobre os direitos humanos, não se pode deixar de dar, ainda que rapidamente, uma olhada naquela que é uma das principais características da conjuntura mundial. Em todo o mundo, o poder concentra-se a cada dia em um número menor de mãos. As megacorporações transnacionais abarcam hoje toda a gama de atividade humana, tanto na área da produção, quanto na de serviço. Como polvos gigantescos, vão estendendo seus tentáculos, promovendo fusões, comprando tudo. Informação, assim como os produtos de entretenimento, foram transformadas em commodities. A informação deixou de ser entendida como serviço para atender ao direito humano de ser informado; virou produto para ser monopolizado e vendido para se obter lucro. Os meios de comunicação deixam de ser serviço público e transformam-se em poderosas máquinas de manipulação psicossocial colocadas a serviço dos grandes conglomerados empresariais. Todos os dias vemos notícias sobre novas fusões e aquisições por parte desses grandes conglomerados empresariais. E aqui cabe destacar que, no afã de lucro, essas empresas estão promovendo em nossos países uma ampla campanha pela desregulamentação total de nossos Estados. Nossas leis atrapalham suas estratégias de maiores lucros. Nossa legislação trabalhista, que garante conquistas dos trabalhadores, como a de 110 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 jornada de 8 horas, licença-maternidade, décimo-terceiro, tudo isso é fator que diminui o lucro e precisa ser abolido. Aceitar as teses de que nossas leis e regulamentos impedem o desenvolvimento é dobrar-se aos interesses das grandes corporações. Não nos esqueçamos de que já tivemos taxas de desenvolvimento das mais altas do globo, com todas essas leis em vigência. Agora mesmo, setores da indústria estão trabalhando a plena capacidade, mas elas querem mais lucro. Com ações espalhadas por todas as bolsas do mundo, essas megaempresas sem pátria têm como prioridade tão somente lucros, dividendos, royalties. Os direitos de cidadania constituem obstáculo à sanha predadora, ao afã de lucro, de multiplicação do capital para saciar a fome por novas aquisições e fusões. Contra essa sanha desregulamentadora, precisamos de um esforço de toda a Nação pelo império da lei. Nossas leis são boas, a começar pela Constituição cidadã de 1988. Vale lembrar que cidadania se constrói respeitando-se o direito dos outros, que democracia se constrói por meio de regras de convivência, ou seja, democracia se constrói respeitando-se as leis. É preciso, portanto, que se conheçam as leis e que sejam respeitadas. Desrespeitar as leis é fazer o jogo da antipátria. Com relação à nossa Lei de Anistia, todos aqui somos testemunhas de que ela é fruto da árdua luta dos ex-presos e perseguidos políticos e da solidariedade do nosso povo. Sem dúvida, é uma boa lei, apesar das críticas. O que falta é unicamente seu estrito cumprimento. A busca de argumentos que tergiverse o espírito da lei é o mesmo que descumpri-la. É preciso manter a mobilização para garantir o estrito cumprimento da lei. A anistia não estará completa enquanto não se fizer justiça a todos os injustiçados. Para finalizar, resumindo ao extremo, os grandes obstáculos à plena vigência dos direitos humanos: temos, de um lado, a ação predadora das empresas e das oligarquias; de outro lado, a promiscuidade entre nossas Forças Militares, de inteligência e civil, com os agentes das potências cujos governos estão submissos aos interesses das megacorporações e dos senhores de todas as guerras. Em muitos de nossos países, avançamos no resgate das populações excluídas e na 111 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 construção da democracia. E, talvez, por isso mesmo, as ameaças ao Estado de Direito continuem. Não podemos baixar a guarda. A luta continua! (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - O Prof. Khatchik precisar pegar seu voo. Se ele não falar, seremos prejudicados. Há um documentário. Vamos ouvir o Prof. Khatchik. Depois, passaremos o documentário para os que estão na quinta Mesa, cujo tema é Tortura e genocídio. Esse documentário sobre genocídio vai ser passado depois da palavra do Prof. Khatchik Derghoukassian. Convido para compor a Mesa o Professor Khatchik Derghoukassian, Professor e Assistente do Departamento dos Estudos Internacionais da Universidade de Miami, nos Estados Unidos, e da Universidade de Santo Andrés, Buenos Aires, Argentina (palmas); a Sra. Rose Nogueira, representante do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo; o Sr. Jarbas Marques, jornalista e torturado político (Palmas.) Concedo a palavra ao Professor Khatchik Derghoukassian. O SR. KHATCHIK DERGHOUKASSIAN (Exposição em espanhol. Tradução simultânea) - Muito obrigado por me convidarem para esta Conferência. É uma grande honra para mim falar em Brasília. E, desde já, peço desculpas por não poder dominar o idioma para falar em português com vocês, em Brasília, no Brasil. Mas espero que algum dia o portunhol seja o idioma das nossas Américas, e aí nos entenderemos como irmãos na luta. Gostaria de começar agradecendo ao Deputado Luiz Couto, à Marisa por tudo que têm feito para tornar realidade essa questão. Agradeço também ao companheiro Simão de Miriam, que fez o contato com o Deputado e D. Marisa. A ditadura no Brasil, a ditadura na Argentina, no Chile, no Uruguai, no Paraguai e demais países latino-americanos, nos anos 60 e 70, toda a repressão que sofriam os nossos povos, forma parte de um século que foi caracterizado, por historiadores, por analistas e lutadores dos direitos humanos, como o século dos genocídios. 112 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O ciclo dos genocídios nos impõe um olhar globalizado para ver o sofrimento de diferentes povos, para ver como esses sofrimentos nos têm que solidarizar, unir para que o século XXI seja um século sem genocídios, sem violações de direitos humanos, um século para o progresso verdadeiramente falando. O longo episódio de genocídios no século XX começou em 1915, no exImpério Turco-Otomano, quando, na Primeira Guerra Mundial, entre 1915 e 1918, 1,5 milhão de armênios que viviam nas suas terras ancestrais foram massacrados, deportados e exterminados. Naquele momento, os aliados da Alemanha que combatiam na Turquia caracterizaram o extermínio dos armênios como crime contra a humanidade. E, uma vez que acabou a guerra, estabeleceram-se tribunais em Istambul para julgar os responsáveis do governo dos jovens turcos que haviam caído em Istambul naquele momento. Lamentavelmente, esse processo judicial não chegou a sua conclusão pelas circunstâncias geopolíticas, pelos interesses dos países colonizadores e dos países imperialistas. Além disso, quando em 1923, fundou-se a República da Turquia, continuou toda uma engenharia social para “turquificar” o território, e foram vítimas outras minorias, como gregos, judeus, sírios e até mesmo curdos. As terras ancestrais dos armênios foram esvaziadas da sua população, de seus habitantes, e anexadas ao que hoje forma a República da Turquia. Foi nessas mesmas terras, ao longo do século XX, que se seguiu o genocídio, tratando de eliminar todas as impressões culturais de uma civilização milenar para "aperfeiçoar", entre aspas, o crime. Por outro lado, impuseram um silêncio sobre esse crime, não se falava nele. As circunstâncias das guerras, logo após a Guerra Fria, e, sobretudo, a aliança da Turquia com OTAN, Estados Unidos e demais países fizeram com que o genocídio dos armênios fosse um genocídio esquecido. Recentemente, em 1944, o jurista polonês Raphael Lemkin, cuja família havia sido exterminada em Auschwitz, fez uma reflexão sobre o destino trágico dos judeus na Europa e sobre seu extermínio nos campos de concentração. Ele tomou para si o conceito de genocídio para caracterizar um plano estatal que propõe como objetivo o 113 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 extermínio de todo um grupo de populações. Nas palavras de Raphael Lemkin, o extermínio dos armênios no Império Otomano, na Primeira Guerra Mundial, constitui o primeiro genocídio do século XX. Hoje sabemos que essa tem sido uma prática histórica de todos os tempos, por distintas e diferentes motivações. Mas jamais o genocídio atingiu um grau de barbárie e banalização como no século XX, quando a prática se racionalizou com argumentos nacionalistas e racistas, e inventou-se a indústria do extermínio. Marchas forçadas ao deserto para os armênios, campos de concentração, câmaras de gás para os judeus, câmaras de tortura e, por fim, a limpeza étnica, tudo isso foi concebido desde os Estados para extermínio de grupos inteiros e completos. Sabemos também hoje que cada genocídio tem sua particularidade e singularidade. Todos eles estão vinculados, e por duas razões. Primeira: porque os verdugos, os genocidas aprendem uns com os outros. Segunda: porque todos os genocídios têm consequências a longo prazo para toda a humanidade a para todos os povos. O genocídio dos armênios foi o elemento mais visível, mas não foram somente os armênios vítimas da engenharia social dos turcos. Gregos, assírios, árabes, judeus e curdos também foram vítimas. Oficiais alemães, na Primeira Guerra Mundial, foram testemunhas deste genocídio. Logo, assessoraram Hitler, quando, em 1939, Hitler ordenou às infames SS que exterminassem os judeus. Na sua declaração, há uma frase histórica: “Quem hoje se lembra dos armênios?” Em outras palavras: se um genocídio fica impune, esse genocídio abre espaço para outros genocídios — e assim deu-se o holocausto. O genocídio pode ser visto nos discursos, desde o genocídio dos armênios até o holocausto, até Camboja, na década de 70, e todas as ditaduras na América Latina. Vemos que todos justificam com as mesmas palavras, com os mesmos conceitos e todos desumanizam as vítimas. As vítimas não são humanas, são pessoas que têm que desaparecer, que temos de matar, que não têm direito de viver para que realizem seus projetos e consolidem seus próprios interesses. É claro que, quando falamos dessa aprendizagem dos verdugos, não podemos deixar passar batido o que aconteceu com a nossa América Latina, nos anos 60 e 70. Por acaso não foram os oficiais franceses dos tempos das colônias 114 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 que torturaram na Indochina, na Argélia e vieram até aqui assessorar os militares argentinos e brasileiros, ensiná-los as táticas da contrainsurgência e como fazer com que as vítimas falassem? Não foi a infame Escola das Américas que preparou todos aqueles que, voltando a esses países, iriam cometer violações dos direitos humanos? Acaso a ditadura argentina não aprendeu de Pinochet e quis fazer tudo em segredo, cinicamente fazer desaparecer para que o mundo não se desse conta, não percebesse o que estava acontecendo na Argentina, durante o processo de 1976 até 1982? Quanto às consequências a longo prazo para toda a humanidade, eu acredito que o mais importante é que ainda não existe um consenso global, firme e concreto, uma postura intransigente frente ao genocídio, para dizer “não, nunca mais, a essas práticas”, nem internamente, nem internacionalmente. Claro que, desde Nuremberg, desde a exemplar condenação e reparação do holocausto, existe sim um progresso na luta contra a prática social do genocídio, mas, mesmo assim, logo depois do holocausto o mundo foi testemunha de outros genocídios no Camboja, do massacre dos palestinos nos campos de refugiados no Líbano, em 1982, em Sabra and Shatila. Claro que, quanto a todas as ditaduras na América Latina, ainda existem aqueles hoje que questionam, que não querem falar de genocídio nesses países. Mas é claro que há gente que fala disto, da limpeza étnica dos Bálcãs no momento em que a televisão a cabo mostrava ao mundo o que acontecia, de Ruanda, em 1994, frente à indiferença do mundo todo. Por fim, neste momento em que estou falando aqui agora, em Darfur, há um genocídio que está acontecendo. Sem um consenso global para isso nunca mais ocorrer, a ameaça do genocídio vai estar sempre presente na humanidade. Seria bastante lamentável se algum povo, alguma sociedade pensasse que isso aqui não pode acontecer, que nós não somos capazes de fazer essas coisas. O genocídio é uma prática social que, se não estivermos em alerta contra ela, se não estivermos conscientes de que isso pode acontecer, pode nos abater também a qualquer momento. Lembrem-se desse famoso poema que nos dizia: “Um dia vieram e buscaram o meu vizinho. E o meu vizinho era judeu, então, eu não fiz nada. Outro dia vieram 115 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 buscar o meu outro vizinho que era comunista. Eu não era comunista, então, também não fiz nada. E, assim, quando me buscaram, não havia ninguém que fosse solidário conosco.” Os povos, as vítimas desses genocídios, os vulneráveis que somos nós, temos que aprender muito para saber ser solidários e para lutar por um mundo melhor, mais justo e mais igualitário. Necessita-se, então, de uma grande solidariedade entre os povos vítimas do genocídio, porque ainda existem duas práticas importantes. A primeira é a impunidade. A segunda é a negação e o esquecimento. Impunidade. Há impunidade quando se comete o genocídio e não há justiça, não há reconhecimento, não há castigo aos genocidas. Então, esses genocidas algum dia vão voltar a cometer essas torturas, essas violações dos direitos humanos. Negação é simplesmente a política de dizer que isso não aconteceu, que foram assuntos isolados, que de toda maneira não havia intenção. Em outras palavras, negar, mentir, relativizar, banalizar os crimes de lesa-humanidade. Essas duas práticas não têm que acontecer. Essas duas práticas não têm que ser políticas de Estado, mas lamentavelmente hoje em dia essas políticas continuam. Com certeza temos avançado muito. Isso é certo. Há uma convenção contra o genocídio nas Nações Unidas; há uma Corte Penal Internacional nos Balcãs; em Ruanda há tribunais que se estabeleceram; na África do Sul há uma Comissão de Justiça e Verdade; na Argentina buscaram os genocidas e os julgamentos continuam, a luta pela justiça continua. Vai haver uma Comissão de Justiça e Verdade em todos os países latino-americanos. Mas não podemos nos esquecer que, se não seguirmos nessa luta, se não estivermos firmes para criar um mecanismo contra o genocídio, o genocídio vai voltar a golpear qualquer país, qualquer sociedade, qualquer povo. Não se esqueçam de que o Fiscal da Corte Penal Internacional, Luiz Moreno Ocampo, lançou uma ordem de prisão contra o Presidente do Sudão, que comete genocídio contra os povos de Darfur. E há muitas grandes potências que apoiam o Sudão, começando pela Turquia, o que não é nenhuma casualidade. Um país que 116 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 cometeu genocídio e que hoje nega o genocídio está protegendo, está defendendo outro genocídio. E mais: quando em Darfur se cometiam essas atrocidades, quando em Darfur o genocídio começava, a administração de George Bush, em duas oportunidades, publicamente disse que era um genocídio. Mas, logo que o Presidente do Sudão lhes abriu o país para essa guerra chamada “guerra contra o terrorismo”, os Estados Unidos se esqueceram de que havia um genocídio. Em outras palavras, falou-se em genocídio, mas não houve uma postura firme para as consequências, para intervir, para impedir que esse genocídio continuasse. E aqueles que banalizam o genocídio são tão culpáveis quanto os que o cometem. (Palmas.) Nessa circunstância, precisamos estar conscientes também quanto ao negacionismo do genocídio. Necessitamos não somente de leis que reconheçam o genocídio, mas também precisamos de leis que penalizem aqueles que negam o genocídio. Vou trazer aqui o exemplo da França, da Suíça, de todos aqueles países que têm nas suas leis o exemplo da Argentina e do Uruguai, que reconheceram por lei o genocídio dos armênios, e que hoje fazem frente a uma onda de negacionismo que vem da Turquia. Esperamos que um dia o Brasil se some a esses países, que tenha leis de reconhecimento ao genocídio, de reconhecimento a todos os genocídios, e penalize aqueles que negam o genocídio. Quando falamos da luta contra o negacionismo, da luta contra a impunidade, não estamos falando de alentar o ressentimento ou provocar revanchismo, vinganças. Não, esse não é o espírito dos justos. Ao contrário, pedir perdão, reparar os crimes de lesa-humanidade abre caminho à reconciliação na justiça e na convivência, na paz entre os povos, e para uma mesma sociedade. Nesse sentido, é muito importante o exemplo de Willy Brandt, ex-Conselheiro da Alemanha, que ficou de joelhos em Auschwitz e pediu perdão. É exemplar a Alemanha, cujo povo se arrependeu, e hoje em dia é um dos primeiros a lutar contra o antisemitismo, é o primeiro a dizer "nunca mais ao holocausto", nunca mais um genocídio pode ocorrer na Alemanha. É muito alentador o exemplo de intelectuais turcos, como o Prêmio Nobel de Literatura Orhan Pamuk, como o historiador Taner Akçam, que tiveram coragem, em 117 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 seu país, apesar de serem perseguidos, de declarar que ali viviam 30 mil curdos e 1,5 milhão de armênios, que hoje não estão mais lá. O que aconteceu com eles? Questionar essas práticas e exigir justiça. Somente a justiça, a realização da justiça pode levar uma sociedade a pensar que vai progredir, que não se vão cometer os mesmos equívocos que foram cometidos no passado. Essa lição aprendemos muito bem na Argentina. Na Argentina, apesar das tentativas de terminar com a justiça contra os repressores do processo de reorganização nacional, esses processos continuaram, e a justiça continua com seu curso firmemente, e vai continuar seu curso até as últimas consequências. É tempo de se reconhecer internacionalmente o genocídio como a máxima prática social que viola o primeiro e mais sagrado dos direitos humanos, o direito à vida. E é o direito à vida de todo um grupo, de todo um povo, de toda uma nação. Na nossa América do Sul, países como Argentina, Brasil, Uruguai e Chile, desde que regressaram à democracia, têm mostrado uma admirável firmeza na defesa dos direitos humanos. Eles têm realizado aportes intelectuais fenomenais para as lutas pelos direitos humanos, como, por exemplo, o conceito do direito à verdade, que foi uma criação argentina; como, por exemplo, a proposta de expandir os direitos humanos para incluir direitos sociais e econômicos como direitos humanos. Esses países podem e devem assumir um papel de liderança na promoção de um universal “nunca mais ao genocídio”, para que, se o século XX foi o século dos genocídios, o século XXI veja uma história que não seja escrita pelos poderosos, que muitas vezes são genocidas, são negacionistas, para que tenhamos uma história escrita pelos justos. Muito obrigado. O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Obrigado, Professor Khatchik Derghoukassian. Sei que V.Sa. tem que partir, então está autorizado. Muito obrigado. Agora, vamos exibir um documentário sobre o genocídio. Sua duração é de 10 minutos. Mas antes convido a Sr. Rose Nogueira a compor a Mesa. (Exibição de vídeo.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Bem, tivemos um problema com o vídeo. Ele está travando. É um problema técnico. 118 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Em todo caso, temos amanhã o dia todo, então podemos verificar esse problema. A questão agora é o tempo dos expositores, pois a Dra. Rose tem de viajar também. O que ocorreu foi uma questão técnica, repito. Parece que o vídeo tinha alguma problema. Vejam que houve momentos em que não se compreendia mais aquilo que estava sendo dito. Vou passar a palavra à Sra. Rose Nogueira, representante do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo. A SRA. ROSE NOGUEIRA - Boa tarde, companheiros. Ainda hoje, nós ficamos chocados com o que aconteceu ao povo armênio na Turquia. Aquilo foi um genocídio e um horror. Acho que todos devemos reverenciar esse povo. Aqui no Brasil, pelo menos em São Paulo, temos uma colônia armênia. Eles estão na cidade de Osasco, no bairro de Pirituba, perto do Tietê, no que já se chamou Ponte Pequena. A comunidade armênia é da maior simpatia, trabalhadora, intelectual. Ela é fantástica. Mas temos que falar do Brasil também. Embora a ditadura faça 45 anos, de 1964 até hoje, ainda não podemos esquecer o que ela fez a quem resistiu a ela. Também não podemos nos esquecer do que veio anteriormente. Devemos lembrar, ainda, a primeira vez em que, desde 1500 até 2001 ou 2002, o Brasil colocou torturador na cadeia. Nós devemos isso à Juíza Kenarik, que — vejam a história — é de família turca. Após 501 anos, ela foi quem colocou os primeiros torturadores brasileiros na cadeia. Não podemos nos esquecer do genocídio dos nossos índios, que também foi um dos maiores da história da humanidade. Não podemos nos esquecer do que foi a escravidão, outra mancha terrível na nossa história, um crime de lesa-humanidade. Temos de lembrar da escravidão e do genocídio dos índios para falar da cultura da tortura que, muitas vezes, acontece no Brasil, da tortura que aconteceu ontem, em São Paulo, no Rio de Janeiro ou em qualquer lugar do País, porque temos certeza de que ela aconteceu. Por exemplo, existe um livro chamado História para Crianças, da Editora Scipione, que agora foi comprada por uma das grandes, que não sei qual é. Ele conta história do País, e são não historiazinhas. A ilustração da capa é um negro no pau de arara; o mesmo pau de arara que pegamos no DOPS ou no DOI-CODI; o 119 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 mesmo pau de arara que, no Estado Novo, foi usado contra os companheiros resistentes da época; o mesmo pau de arara; o mesmo pau de arara que existe nas delegacias comuns. Ele já era usado contra os negros, como mostra a capa de um livro de história. Nós vimos aqui falar de tortura. Eu sou do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo, do qual fui presidenta por 4 anos e agora sou diretora. O nosso Presidente é o Carlos Gilberto Pereira, o Carlão, que estava aqui, agora há pouco. Lembrando aquela época, os tempos de agora e toda da história do Brasil, eu marquei para começar a falar que o Grupo Tortura Nunca Mais foi fundado em 1976, depois da morte do Manoel Fiel Filho, seguida da morte de Vladimir Herzog, que foi meu colega na TV Cultura — sou jornalista —, foi meu diretor e meu professor de cinema. Dele até hoje sinto uma saudade terrível. Em 1969, também fui presa política. Fui presa no dia em que assassinaram da maneira mais covarde e sem vergonha o grande líder Carlos Marighella — e vejo que está aqui presente o Carlinhos. (Palmas.) Embora homenageie o Comandante Carlos Marighella, este seminário recebeu o nome de outro herói brasileiro, o qual também tive a felicidade, a honra e o privilégio de conhecer e de ser amiga: Manoel da Conceição, que está presente. Ajudei a fazer seu processo de anistia. Sua história é uma das mais lindas do Brasil. Nesta Comissão já foi dito, e é verdade — e o Dr. Paulo Abrão tem razão quando o diz —, que já existe um caminho trilhado na Comissão de Anistia, que são os históricos dos nossos processos. Nesses históricos, cada um apresenta a sua história. Portanto, a história está lá, contada por nós, segundo o nosso lado. E precisamos resgatar todo aquele trabalho; precisamos valorizá-lo. Os historiadores precisam pesquisar o que já existe acumulado na Comissão de Anistia, porque isso é a história contada do nosso lado, dentro de cada processo. Quando se fala em Comissão da Verdade — e dirijo-me à Beca, Beatriz Afonso, e ao Dr. Marlon, maravilhosos —, quero dizer que estamos juntos nessa luta. Acabamos de fazer um curso no Rio de Janeiro sobre justiça de transição. Uma comissão da verdade normalmente acontece no fim de um sistema. E ficamos pensando sobre o que aconteceu no Brasil. Será que mais uma vez seremos originais? 120 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Em 1985, quando Tancredo Neves foi eleito indiretamente e não pôde assumir porque morreu, e assumiu o Sarney, de qualquer maneira assumiu um Presidente civil. A primeira eleição é de 1989. Já fazia 10 anos da primeira Lei da Anistia, datada de 1979, a tal lei que fala em crimes conexos. Infelizmente, de maneira capciosa e desonesta, há pessoas que pensam que, ao se falar em crimes conexos, refere-se aos torturadores. Isso é uma loucura! Deveria haver uma conexão obrigatória entre as pessoas presas, torturadas, mortas, sequestradas e os seus algozes? Defender essa ideia é uma loucura, não podemos aceitá-la de modo algum. Quero lembrar que existe no STF uma representação da OAB, por meio da qual pergunta se os torturadores estão ou não anistiados naquela lei. Talvez isso seja julgado ainda este ano. Não podemos deixar que sejam anistiados, temos de nos mobilizar contra tal afronta. Os advogados que estão aqui sabem que, se o STF se pronunciar daquela maneira, assim será para sempre. Não podemos permitir que isso aconteça. Há pouco, fazendo-me uma pequena advertência, um companheiro disse-me que estava surdo devido às torturas. Eu gostaria até de pedir-lhe desculpas. Pensei até ser genocídio, pois a Comissão da Verdade também trata de genocídio, companheiro Augusto Portugal. Eu fiquei estéril. Outras pessoas tiveram outros problemas. Isso tem de ser perdoado? Tem de ser anistiado? Nós estávamos em poder do Estado, assim como continuam em poder do Estado os presos de hoje. Os senhores devem ter assistido pela TV Globo, no programa Fantástico, de domingo passado — até a TV Globo ficou muito indignada, como ficaram depois as outras TVs —, um vídeo de Santa Catarina, dentro do Presídio de Tijucas, onde três torturadores maltratam, quase mataram, três pessoas dentro de um banheiro, enquanto três funcionários assistiam à cena. Creio que todos viram a reportagem — estou vendo pessoas fazendo sinal positivo com a cabeça. O que aconteceu em Santa Catarina? Nada. O Governador simplesmente afastou do trabalho um dos torturadores. Os outros continuam trabalhando. Todos os funcionários do presídio continuam trabalhando. 121 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Segundo a TV Record, uns dois dias depois, aquele vídeo passou a ser utilizado como treinamento para os novos funcionários do presídio, no tratamento dos presos. Isso significa que a tortura, bárbara e terrível, continua. É essa cultura da tortura que temos de combater. Ela só vai acabar na hora em que responsabilizarmos torturadores. Quando os torturadores da FEBEM foram para a cadeia, o Governo do Estado de São Paulo mobilizou-se muito rapidamente: montou a Fundação Casa e nos chamou, nós, defensores dos direitos humanos, para mostrar até o projeto arquitetônico de cada casa, onde esses meninos iam dormir, etc. e tal. Não se trata de uma mentalidade revanchista, vingativa, nada disso. É uma mentalidade de justiça. Temos de lembrar que todas as comissões de verdade têm que se chamar verdade, justiça e, depois, reconciliação. Não existe reconciliação sem justiça. Há pessoas que dizem: “A Alemanha se encontrou com uma comissão da verdade e, depois, houve a reconciliação.” Não! Quem falou isso? A Alemanha montou o Tribunal de Nuremberg. O mundo inteiro montou o Tribunal de Nuremberg. O que seria da Alemanha sem o Tribunal de Nuremberg? Como a Alemanha se encontrou? Todo mundo está até agora falando do muro, mais de vinte anos depois. Como o país se encontrou? Eu estava na Alemanha um mês antes da queda do muro. Eu me lembro de que, na parte ocidental de Berlim, numa espécie de provocação, transformaram o Teatro Schiller — um dos maiores poetas e dramaturgos da humanidade — em supermercado. Era algo que atraía, como se fosse atrair o outro lado. Era como a Coca-Cola, era como o chiclete. Era o espelhinho de índio. Eu não vou alongar-me nisso, mas é preciso dizer que, para o povo alemão, a situação foi e ainda é muito difícil. Sente-se muita vergonha. É muito complicada a situação. A tortura é um crime de lesa-humanidade. Ela é imprescritível, não tem prazo. Por exemplo, no processo do Manoel Fiel Filho, uma juíza disse: “Mas isso já faz tanto tempo!” Assim como os armênios: “Mas isso já faz tanto tempo!” Também faz tanto tempo a catequização dos índios, faz tanto tempo a escravidão: “O que nós temos a ver com isso?” Nós temos tudo a ver com isso, porque nós temos tudo a ver com os dias de hoje. 122 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Eu gostaria de falar rapidamente sobre o Estado terrorista da ditadura — era um Estado terrorista — e da nossa parte. O que nós fizemos foi a resistência, a luta pela resistência. Eu gostaria de dizer isto a todos, a quem participou de lutas específicas, a quem participou de lutas ativas: quem fez a luta armada contra o povo brasileiro foi a ditadura, e nós resistimos de todas as maneiras que pudemos. Vou lembrar, também, que em 1964 foram perseguidos os antigos líderes. Cito, por exemplo, lá em São Paulo, todos os líderes sindicais dos anos 40 e 50 que estavam fichados no Estado Novo, mesmo aposentados, todos os chefes de associações profissionais e os seus funcionários. Todos foram presos. Lembro-me da D. Ivone, que ficou sete meses no porão do navio Raul Soares. Ela teve problema de vista, depois de ter vivido sete meses na escuridão. D. Ivone era somente secretária da Associação dos Bibliotecários. Existia a luta ativa, sim, porque nós tínhamos que lutar, tínhamos que resistir e queríamos resistir. Nós não aceitamos a ditadura. Por quê? Porque existe o direito de resistência na humanidade. Esse direito é bíblico, é universal, está na lei brasileira. Ele faz parte da Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Ele está na Bíblia, naquela história que todo mundo conhece desde criança, a história de Davi contra Golias. É preciso resistir. E quem resiste vence. Vou falar rapidamente sobre o tema, devido ao tempo. Em 1964, como nós já vimos, todas as lideranças foram presas. Em 1967 e em 1968, o movimento estudantil foi surgindo nos Estados, de maneira distinta em cada Estado. No Estado de São Paulo houve algo muito interessante: a chegada da primeira geração de filhos de imigrantes à Universidade de São Paulo, à aristocrática USP, com o seu francesismo. Chegaram filhos de japoneses, italianos, espanhóis, portugueses, armênios, alemães, franceses. Chegaram de todo o mundo. São Paulo é composta de todas as nacionalidades. Era a primeira vez que filho de operário chegava à universidade. Essa é a geração de 1968 em São Paulo, a que foi para as ruas, e assim por diante. Devido ao tempo, vou ser ainda mais sucinta. Depois vamos chegar a várias outras lutas ao longo desse tempo. Em seguida ao movimento estudantil, houve toda essa resistência. Uma grande parte achou que era necessário, depois do Ato Institucional nº 5 ou um pouco antes, 123 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 devido à maneira como a ditadura crescia, resistir com armas também. Por que não? Eles estavam armados contra nós, eram eles que estavam armados. Cada um aqui lembra o que é ter a casa invadida pelo Esquadrão da Morte. Eu me lembro disso até hoje, não consigo esquecer um detalhe, a começar pelo Delegado Fleury, o chefe do Esquadrão da Morte, que tirou do meu dedo a minha aliança de casamento e pôs no bolsinho da calça dele. Era ladrão também, um ladrãozinho nojento. (Palmas.) Aquela foi a primeira coisa que ele fez. Todos se chamavam Luisinho, Nelsinho, Fininho: era tudo diminutivo, porque eram homens pequenos, eram diminutivos mesmo! Grandes somos nós, que estamos aqui até hoje. Grandes somos nós, que, com tudo isso, conquistamos a democracia. (Palmas.) Depois do Ato nº 5, já em 1969, começavam algumas ações armadas. A repressão veio violentíssima. A história, todos nós a conhecemos. A repressão causou tantas mortes, tantos sequestros... E eles sabiam que nós nem éramos tanto. É preciso levantar também, numa provável Comissão da Verdade, as empresas que financiavam os torturadores. Nós sabíamos que eles ganhavam por preso. Quanto mais presos, mais ganhavam. E ganhavam ainda mais, se os presos fossem importantes. Se o preso não fosse importante, eles o faziam importante. Nós fizemos a resistência que pudemos. Eu gostaria de lembrar isto: a existência da resistência brasileira, da qual todos aqui fazem parte. Nos anos 70, ainda vamos encontrar muita coisa. Houve o aparecimento de vários movimentos sociais: movimentos contra a carestia, movimento do custo de vida, movimento dos professores. Em 1969, com o Ato nº 5, o Coronel Jarbas Passarinho, que assumiu a Pasta da Educação pedindo perdão por não entender nada de educação, fez o seguinte, a mando dos seus chefes: “Vamos acabar com o ensino crítico no Brasil.” Como resultado disso, assim como a tortura de hoje é herança daquela época, há a educação de baixo nível. É por isso que um menino de 14 anos hoje não sabe ler. (Palmas.) Esta é uma herança horrível da ditadura: transformar o estudo de filosofia, sociologia, história, geografia, tudo em OSPB. Foi assim que as crianças estudaram, e até hoje essas disciplinas não são valorizadas. 124 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Lembro-me de que, quando eu estava na prisão, soube de alguns professores do Colégio de Aplicação da USP que insistiram em dar a cadeira de História Geral. Falaram de Catarina de Médici, da Idade Média, da Europa, dos feudos. Como aprendemos! Contudo, eles foram presos por isso, foram processados. Portanto, temos de combater também essa cultura. Assim como se combate a tortura, temos que lutar por um nível melhor de educação. Não basta falar isto: “A saída é a educação.” Não se trata somente disso. A saída é a educação? É claro que sim, mas uma boa educação. Como estão os nossos jovens? Por exemplo, agora que o nosso País está num momento interessante e bom, como está a nossa mão de obra? Como é a qualificação em todos os sentidos? Como estão os professores? Acho que temos de examinar essa questão bem profundamente, talvez fazer outro seminário sobre heranças da ditadura, além de abrir os arquivos. Estou sendo advertida quanto ao tempo. Desculpem-me delongar-me no tempo. Eu já falei do caso de Santa Catarina, mas ainda tenho que falar disto: saiu no jornal desta semana, no dia 15, um depoimento do Coronel Ustra, que foi declarado torturador pela Justiça. Por causa do nosso trabalho aqui, ele foi depor no Ministério Público Militar. Ele negou tudo, disse que é tudo mentira nossa, que nós somos loucos. Isso saiu no jornal. Nós temos que nos mobilizar também contra isso! Sabem quantos morreram durante o período em que ele foi comandante do DOI-CODI de São Paulo? Sessenta e sete, grande parte desaparecida até hoje. No dia 5, em São Paulo, vamos homenagear o companheiro Bacuri, Eduardo Leite. (Palmas.) Ele morreu no DOPS. Arrancaram os olhos dele porque — alguém disse — ele tinha uma mira muito boa. Eduardo Leite era jovem, marido da Denise Crispim, genro do José Maria Crispim, da grande encarnação Crispim, companheiros do Partido Comunista Brasileiro. Como um homem como o Coronel Ustra chega lá e diz que isso é mentira? Certa vez, uma moça falou-me: “Conheço um general que disse que vocês estão mentindo.” Respondi: “Diga-lhe que, se for homem, venha falar isso olhando nos meus olhos”. Estou esperando-o até hoje, e isso já faz uns dois anos. (Intervenção fora do microfone. Inaudível.) 125 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 A SRA. ROSE NOGUEIRA - Exatamente, a morte do pai, o Ivan Seixas, que é nosso companheiro de São Paulo. Preciso contar essa história. Ele já contou na TV, mas é preciso repetir, repetir, repetir. Nós precisamos saber disto. O Ivan Seixas tinha 16 anos. Ele era filho do Joaquim Seixas. Levaram o Ivan para dar uma volta de carro, na rua — essas coisas que eles faziam — para que o Ivan visse um jornal. Compraram um jornal, a Folha da Tarde, e deram-no para ele. O pai do Ivan fora acusado de assassinar o empresário Henning Albert Boilensen, existe um filme sobre isso. Qual era a capa do jornal? A manchete dizia: “Morto o assassino de Boilensen”. E havia a foto do Joaquim Seixas. Deram o jornal para o filho dele, de 16 anos! Acontece que o pai dele estava vivo. Joaquim Seixas ainda ficou vivo mais um dia. O Ivan Seixas soube da morte do pai pelo jornal. Assim ocorreu a morte de Bacuri, que foi divulgada pelo jornal um ou dois dias antes de o matarem no DOPS. O Joaquim Seixas foi preso na Operação Bandeirantes, no DOI-CODI. Sobre essas coisas nós temos que falar. É sobre isso que trata a anistia. Eu só falei das várias lutas, mas ainda não cheguei a 1978, na maravilha que foi o levantamento, com as greves do ABC em todo o País. (Palmas.) Quero dizer aos companheiros sindicalistas que, mais do que sindicalistas, mais do que anistiados, mais do que tudo, eles são nossos companheiros de resistência, são uma peça fundamental na resistência brasileira contra a ditadura. É assim que eles têm que se olhar no espelho. São heróis. É isto que eles têm que dizer ao companheiro ao lado: “Nós fizemos parte da resistência, não estamos só em uma luta sindical por 2%, naquele momento em que começava a inflação, ou 10%. Não é isso, nossa luta não foi essa. Nossa luta foi política dentro das greves.” Digo isso porque também sou dirigente sindical, sou Diretora do Sindicato dos Jornalistas, e era naquela época também. (Palmas.) Como dirigente sindical, eu gostaria de dizer aos companheiros sindicalistas que eles não são sindicalistas: eles são heróis da resistência. É assim que eles têm que ser vistos, como todos os outros. E todas as vezes que discutirmos esse assunto, é assim que temos que pensar de nós mesmos. Nós temos que levantar nossa autoestima. 126 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Quero chegar à luta de massas. Nós fizemos todos os tipos de luta. A resistência brasileira fez todos os tipos de luta e chegou à luta de massas, que foi a Diretas Já. Nós conquistamos a democracia, não a perdemos. Quem fala que nós perdemos é maluco. Nós ganhamos, basta olhar em volta. Ela ainda precisa ser aperfeiçoada, com todos os seus problemas, mas é o melhor dos regimes imperfeitos. Nós temos que estar todos os dias, no nosso cotidiano, na nossa vida, na nossa casa, na nossa fábrica, no nosso trabalho, no nosso bairro, na nossa comunidade, aperfeiçoando a democracia. A única maneira de fazermos isso é defendendo o direito de todos, os direitos humanos. Eu gostaria de terminar lembrando que a Folha de S.Paulo de hoje traz duas notícias interessantes. Uma é sobre o Delfim Netto, que era o Ministro da Fazenda da ditadura. Ele é considerado inteligente! Quem falou isso? Era inteligente porque fez o milagre? O milagre se chamou dívida externa. Nós pagamos a dívida, o Lula terminou de pagá-la há dois anos. (Palmas.) Isso é milagre. Em uma Comissão da Verdade, Delfim Netto tem que se explicar, assim como tem que explicar por que destruíram as ferrovias, por que destruíram a Marinha Mercante. Nós temos direito à nossa riqueza, como explicou o companheiro da PETROBRAS. E o que vemos é a aposta na pobreza. Isto é o que foi a ditadura: a aposta na pobreza, porque jamais o Imperialismo permitiria que o crescimento de um país como o Brasil, que tem a maior área tratorável do mundo, o maior nível de insolação — que é energia — do mundo, o maior volume de água do mundo e um povo lindo, ordeiro e não muito numeroso. Jamais permitiriam que crescêssemos, porque nós os passaríamos! Observem o que está acontecendo agora. Ocorre esta brincadeira: “A gente não trabalha mais. Deixem os pobres trabalharem para nós.” Globalização é isso. “Deixem os pobres trabalharem, deixem os chineses, deixem os brasileiros serem escravizados. Deixem o pobre trabalhar para nós, e nós só importamos deles, porque a nossa vocação são os serviços e o mercado de capitais.” Olhem o mercado de capitais, que legal! Aliás, assusta-me o que vi na TV esta semana de novo: “O mercado está nervoso. O mercado está de mau humor. Já estão humanizando o mercado de novo.” O que tem que ser humanizado é o nosso trabalho, é o trabalho de quem 127 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 trabalha todos os dias, é a produção. (Palmas.) O mercado está de mau humor? Vai tomar banho, então. Vai tomar um banho frio. Se eu perder o voo, ficarei com os senhores. (Palmas.) O Delfim Netto falou uma pérola. Prestem atenção sempre nessas coisas, porque isso é sem-vergonhice, como a tortura. Ele está dizendo que está preocupado com o inchaço de gastos públicos no Brasil. Olha o que ele considera gastos públicos: “Para ele, o mais grave é a sustentação do Sistema de Seguridade Social e da Previdência”. Não é legal? Está aqui na primeira página da Folha de hoje. Ou seja, como ele é considerado pelos incríveis gurus não sei da onde um cara incrivelmente inteligente, já está mandando recadinho aqui. Nesse momento os aposentados estão brigando contra o fator previdenciário. Então uma palavrinha do super-homem é: o Brasil não vai aguentar se continuar essa... Quem é que está ganhando com isso? Isso é torturar os nossos idosos, condená-los à morte, à falta de saúde. Nós sabemos o que acontece com a maioria dos aposentados. A outra notícia da Folha é: “Escola que formou golpistas é alvo de protestos”. Finalmente um grupo de sobreviventes de El Salvador foi protestar no Estado norteamericano da Geórgia na frente da Escola da Américas. Para quem não sabe, a Escola das Américas funcionava na América Central, no Panamá, e formou 11 ditadores latino-americanos, inclusive brasileiros. O pessoal estava protestando pelos 20 anos do massacre daqueles seis padres jesuítas espanhóis de El Salvador passo para o Deputado, porque ele sabe o que foi isso. Então, os latinos foram protestar na frente da sucessora da Escola das Américas, que se chama Instituto de Cooperação para Segurança Hemisférica, a sigla agora é WHINSEC. Ali se ensinou tortura, os nossos torturadores estudaram lá, os argentinos estudaram lá. Também passaram pela Escola das Américas aqueles caras de Abu Ghraib, prisão do Iraque. Deputado, acho que poderíamos conversar com o governo norte-americano e ver se essa escola vai continuar, se essa brincadeira vai continuar para formar golpista, torturador. O pessoal de Honduras se formou lá. O Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas de Honduras se chama Romeo Vásquez. Ele não aceitava nenhuma reforma na Constituição, então Zelaya o afastou e houve o golpe lá. 128 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Todo aluninho da Escola das Américas é premiado com golpe quando é contrariado. Isso é algo que temos de tomar conhecimento. Gostaria de falar aos companheiros que estejam atentos todos os dias. Eu trouxe esse jornal com duas notícias de hoje, que li no avião e resolvi falar sobre isso. Mas sabe por quê também? Aqui existe uma moção, que pedirei a todos que assinem. O grupo Tortura Nunca Mais, há 1 ou 2 anos, também, nessa mesma reunião, fez uma moção contra o Deputado Jair Bolsonaro. É uma ofensa, uma infâmia (palmas); ofende a todos nós aquele cartaz que ele tem na porta, com o desenho de um cachorro com osso na boca o cachorro não tem nada com isso, porque qualquer cachorro é genial, muito melhor do que ele , referindo-se aos companheiros que lutam pela busca dos outros companheiros do Araguaia assim: quem gosta de osso é cachorro. Deputado, a nossa moção é também contra a Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, porque ela recebeu essa moção por duas vezes e não fez nada. O cartaz continua lá; é só ir até o local para vocês verem, a não ser que ele tenha tirado o cartaz hoje. A cada mês, todo mundo fotografa e manda. Então, esse sujeito, Jair Bolsonaro, respondeu a um parente de um morto de Goiás, se não me engano, na saída de um almoço no Clube Militar, que era uma homenagem, um desagravo, ao Coronel Ustra, um torturador sem-vergonha. Quando ele disse que o irmão havia morrido na tortura, o Deputado disse um palavrão que eu não vou repetir. Foi um palavrão horrível, que representa dane-se, azar seu. E falou a mesma coisa com relação aos outros familiares. Azar de vocês! Danem-se! Então, ele é a favor da morte. E esse sujeito é um Deputado, está nesta Casa. Ele deveria ser nosso funcionário, mas não o é. E nós pagamos os nossos impostos para que ele também receba, mas é uma ofensa ao povo brasileiro, aqui, em Brasília. O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, Rose. Está aqui o filho do Santo Dias, que vai receber a comenda, na condição de representante do pai. Ele representa Santo Dias, os sindicalistas e os movimentos sociais. Peço ao Sr. Manoel da Conceição que faça a entrega da placa. Ouviremos agora o agradecimento do Sr. Santo Dias Filho, porque ele tem de pegar um avião, 129 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 ou seja, ele e a Rose têm que partir agora. Nós gostaríamos muito de tê-los aqui, mas compreendemos. (Palmas.) O SR. MANOEL DA CONCEIÇÃO - Prezado Santo Dias Filho, tenho a honra e o prazer de repassar esta homenagem ao filho de um grande companheiro que tivemos em São Paulo. Quando morto, fomos prestar-lhe uma homenagem, e agora entrego ao seu filho esta comenda que me foi passada pelos companheiros que lutam em prol dos direitos humanos e da anistia para todos os brasileiros e brasileiros que resistiram ao sistema ditatorial. (Palmas.) O SR. SANTO DIAS - É com muito orgulho que recebo esta homenagem porque sabemos o quanto o povo brasileiro sofreu e sofre até hoje por conta dos direitos humanos. Não é fácil carregar essa bandeira de luta pela justiça, pela dignidade, pelo caráter, pela honra e pelo direito mais importante de todos, o direito à vida. Antes de tudo, estamos lutando pelo direito à vida. Meu pai deu a vida por seus companheiros, tombando no dia 30 de outubro de 1979, durante uma greve dos metalúrgicos. Este ano faz 30 anos que foi assassinado e entrou para a história do povo brasileiro, como mártir, como herói, como heróis são também todos vocês que participam deste seminário. Muito obrigado. (Palmas.) Para que a história seja mantida e vivida é preciso a nossa participação para carregar essa bandeira. Força nesta luta, companheiros! (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Quero lembrar que depois da palavra do Sr. Jarbas Marques e do Prof. Carlos Alberto Lungarzo, encerraremos esta reunião, mas não saiam porque D. Marisa está avisando que haverá um lanche, para o qual todos estão convidados. Concedo a palavra ao companheiro jornalista que prestou um depoimento, quando fizemos um seminário sobre a questão da tortura, que deixou cada um de nós mais indignados com aquilo que ocorreu no período da ditadura, mas também, ao mesmo tempo, em meio à nossa indignação, deu muito mais forças que o companheiro que sofreu, e luta efetivamente para que os torturadores não fiquem na impunidade. Com a palavra o companheiro Jarbas Marques, jornalista e torturado político. 130 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O SR. JARBAS MARQUES - A primeira coisa que tenho a falar é que nos acusam de revanchistas. O que seria revanchismo? Era fazermos com os torturadores o mesmo que fizeram conosco. Prenderam-nos, torturaram-nos, colocaram-nos na prisão por dezenas de anos e destruíram a nossa estrutura familiar. Até hoje há famílias destruídas, porque muitos dos filhos são levados à distorção de que o pai pensou mais na tal mãe pátria do que na família. E nós somos testemunhas dessas desagregações na estrutura dos patriotas, na sua estrutura física e na sua estrutura familiar. Quando vinha para cá, ouvi na CBN uma coisa para a qual quero chamar a atenção de todos os companheiros que aqui estão, como também por um outro fato relacionado. A máquina de matar e torturar está pronta, azeitada e mais atualizada; é só vocês lembrarem daquele episódio do MST, quando o helicóptero do Sr. José Serra sabia a hora em que os provocadores, infiltrados no MST, derrubariam as laranjas, e foram eles que divulgaram para a televisão. Na CBN, agora, eu ouvi José Serra condenando o Presidente da República porque está recebendo o Presidente do Irã. Há uma semana, ele recebeu o Primeiro-Ministro de Israel; a imprensa ficou durante 20 dias chutando o osso do Muro de Berlim. Eu quero ver o dia em que esta imprensa vai falar dos cortes de 458 quilômetros que os Estados Unidos fizeram nas terras que roubaram do México, para que o mexicano, não vá aonde vai ancestralmente — Texas, Novo México e todos aqueles Estados que têm nomes espanhóis. Eu quero saber por que esse Presidente, essa autoridade executiva de Israel, vem aqui para ditar e quebrar a soberania brasileira, para dizer ao Presidente Lula não receber o Presidente do Irã. Ele que fez, na terra palestina, um muro para que os palestinos fiquem com fome e sem água. Então, eu quero ver o que vai dizer essa mesma imprensa que durante 20 dias ficou celebrando a queda do Muro de Berlim. Em 1965, eu entrevistei Plínio Salgado, aqui em Brasília, e ele fez uma declaração a mim, que a marcha para o Oeste, feita pelo Getúlio em 1940, tinha o componente ideológico nazifascista, porque o coordenador do comitê dos 40 dos integralistas do fascismo brasileiro, Gustavo, descobriu que o movimento sionista no início do século passado, amealhou 10 milhões de libras esterlinas para comprar 131 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 terras ao norte da Argentina, e a segunda opção era em Uganda, para fazer o Estado de Israel; então, os sionistas sabiam que não tinham legitimidade para ocupar a Palestina. Essa é uma verdade histórica, e hoje eles estão mais aperfeiçoados do que os próprios nazistas; chegam diante da casa de um palestino, miram um canhão e destroem tudo, e ninguém fala sobre isso — a imprensa não vê isso. (Palmas.) A Rose falou sobre Delfim Netto. Todos devem se lembrar que o Delfim Netto mais o General-Comandante e o Ernane, além de manipularem, lá em São Paulo reuniram todos os empresários, a Ford deu aquelas F-100. O Hélio saiu transportado nela. A Folha de S.Paulo é a mesma que usava os seus carros para transportar morto ou torturado, e essa mesma Folha de S.Paulo abriu para os torturadores do Terruma forjarem uma ficha da Dilma, dizendo que ela era assassina e torturadora, e vejam, ela é a chefe do Gabinete do Presidente da República. Se, contra ela, eles têm a ousadia de fazer isso, imaginem comigo. Quando eu estive aqui, com o Presidente da Comissão de Direitos Humanos e dei o nome do General Reinaldo, que me manteve num cárcere no Rio de Janeiro — e o limite humano é 1 mês — ele disse aos familiares que foram reclamar que perdeu a oportunidade de me matar 3 vezes. Eu dei o nome do Delegado Romeu Tuma, dei o nome dos operários que ele pessoalmente torturou. Lá, no DOPS de São Paulo, era ele com uma sala, o Anselmo no meio, e o Fleury na outra. Todas as ciladas feitas pelo Anselmo, e todas as mortes e as torturas feitas pelo toxicômano Sérgio Fleury, os rádios, os aluguéis, tudo foi feito estrategicamente pelo Delegado Romeu Tuma. E assim como o Filinto Müller, torturador e assassino, expulso da Coluna Prestes porque era ladrão e covarde, prendeu, torturou, e, na frente de Harry Berger, ficou louco porque cortou os mamilos da mulher dele na sua frente. Esse chegou ao Senado. E um assassino e torturador como Romeu Tuma estar aí, como o Curió e o Erasmo estiveram, é uma vergonha para esta Nação. E esse “Jim das Selvas”, que desgraçadamente confessa que, embora tenha sido Presidente do STF, e sem passar pelas torturas que nós passamos, estuprou a Constituição. Se ele tivesse 132 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 conhecimento jurídico saberia que, desde 1914, o Marechal Hermes assinou as convenções proibindo a tortura e o assassinato. Então, nós estamos diante de quê? Da impunidade, e os militares pagam o pato — mais de 100 mil militares, nós temos aqui companheiros. Os torturadores não chegam a 1.200, contra 250 mil, que é a composição, e as instituições estão pagando o pato. Por quê? Porque o Tuma agora, em toda oportunidade que tem, esconde a sua participação pessoal em tortura. E o Ustra diz o quê? Diz que não matou ninguém, coitadinho. Que a mulher dele ia lá na URBAN para ensinar as meninas a fazer crochê. O Wilson Simonal era informante; ele ia treinar caratê com os caras que me torturavam, com o Tenente Cordeiro e o Sargento Leite, no Leblon. E o que aconteceu? Tive uma programação, mas a companheira Rose, com toda a legitimidade, estendeu o tempo, eu iria falar sobre a primeira manifestação de brasileiros na luta pelo território nacional, que foi a Confederação dos Tamoios, exatamente há 555 anos. E tamoio, significa, em tupi, o mais velho, o dono da terra. Só para vocês terem uma pálida ideia, o José de Anchieta era Quasímodo, e mandava à tortura aqueles índios que não aceitavam a tal fé cristã. Ele não pode ser canonizado porque matou pessoalmente, pulando sobre os ombros de um francês, para lhe quebrar o pescoço. Em 1965, o Diário Carioca deu uma tal de associação hispano-americana pela canonização do José Anchieta. E, pasmem, quem era um dos subscritores era o primeiro ditador de plantão, Humberto Alencar de Castello Branco. Então, o primeiro genocídio em favor da terra foi a Confederação dos Tamoios; era uma confederação porque, desde São Paulo até o Espírito Santo, tribos participaram da luta contra os portugueses. Foi aí que inventaram que os nossos índios eram antropófagos; que o Anchieta foi um propagador; que os nossos índios eram atrasados porque não conheciam cozimento; que as carnes eram moqueadas, coisa que, depois, os bandeirantes copiaram. O que era moquear? Colocar a carne no pilão e socar. Eles não conheciam o cozimento; nem havia panela para isso, as primeiras panelas foram os franceses que trouxeram em troca de pau-brasil. 133 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 O Hans Staden apresentou aquela alegoria. E quem era o Hans Staden? Era o canhoneiro dos franceses que matavam os Tamoios, os Anhan Bebe e os Aimberé, lá, na Baía de Guanabara, e eles conseguiram fazer a Confederação dos Tamoios; então, a tortura vem de lá. A Rose falou en passant sobre a escravidão. Os companheiros deveriam saber que a origem do termo bóia-fria se refere a quando as barbas brancas do tão endeusado Pedro II, aliado ao Gobineau, um genocída de 1848, de Paris, quando mataram todos aqueles companheiros em boca de canhão, ele quis embranquecer a escravidão. Foi quando eles trouxeram os italianos para trabalhar nas lavouras de café, em São Paulo, que trouxeram os poloneses, que trazem os deserdados da Europa para o Brasil; era uma tentativa inspirada pelo Gobineau, de desfazer. Nós temos a vergonha de ser o último País das Américas a abolir a escravidão. Não vou falar sobre a origem do pau-de-arara, assunto já citado pela Rose. Quem vai a Sergipe procura chegar a Alcântara, onde está o Museu da Escravidão. Vão ver algemas, troncos e tudo aquilo desde o manual da inquisição da Igreja Católica, que benzia os chicotes da escravidão. E os nossos irmãos negros diziam que não tinham alma, que estavam nivelados a animal, a cachorro e a cavalo. E isso tudo veio num crescendo; basta lembrar do chamado exército negro, que começou com os capoeiras, porque a Princesa Isabel assinou o decreto tentando manter a família Orleans de Bragança no poder, e todos aqueles que faziam comícios pela república eram espancados por essa banda, que era liberada em jornal por José do Patrocínio. Todo mundo se esquece disso. Eles contam com nosso esquecimento; isso precisa ser passado. Com relação à origem da ditadura, da instrumentação da tortura, ela vem de 1945, na Itália, quando o Tenente-Coronel Humberto de Alencar Castello Branco se liga a Vernon Valtes, que tem sob suas costas 2 milhões e 200 mil mortos, desde o golpe no Irã até todas as ditaduras da América latina. E o que aconteceu? Castello Branco veio para cá com a tarefa de instrumentalizar o golpe e as ditaduras e fundar a Escola Superior de Guerra. Golbery, antes do golpe, tinha 82 mil nomes de pessoas que deveriam ser presas ou eliminadas fisicamente. Era lá no Edifício Central, na avenida Rio Branco e ele montou o SNI com a lista que tinha dos que deveriam ser presos ou mortos. 134 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Então, a geratriz dessa tortura é todo um passado da estruturação da escravidão junto dos latifundiários. Por exemplo, a partir de 1947, os dois primeiros que chegaram ao generalato no Brasil fizeram curso na escola de preparar torturadores e assassinos. Um deles, o Burnier, que todo mundo sabe quem é, chegou a brigadeiro; outro, o General Hélio, foi presidente do Clube Militar no Rio de Janeiro. Depois vieram as levas de torturadores preparados. Eu fui interrogado em Juiz de Fora, por Davy Hazan, que era o homem mais preparado da Polícia Civil, o único brasileiro que escrevia sobre técnicas policiais na revista do FBI. Quanto ao Fleury, ele tentou vender um arquivo seu para o General Figueiredo, pelo qual pediu meio milhão. Todo mundo sabe a origem do dinheiro da lancha na qual eles mataram o Fleury. Ela faz parte do butim que ele e o Almirante Rademaker pegaram de Jorge Medeiros do Valle, o Bom Burguês, e que estava depositado na Suíça. Todos aqueles que foram torturados sabiam que o Fleury era toxicômano, mas se picava na barriga da perna, onde ninguém podia ver a veia arroxeada. Essa ditadura e esses Poderes fizeram a lei mais vergonhosa que persiste até hoje: a Igreja filmou Fleury matando pessoas, mas criaram a chamada Lei Fleury, para protegê-lo. Por ignomínia e imoralidade do Poder Judiciário brasileiro, essa lei ainda permanece, como uma excrescência da ditadura. As torturas que eles fizeram não era apenas uma herança colonial, elas foram atualizadas em 1969, quando Rockefeller veio ao Brasil. Eu sou um dos sobreviventes que viveram no corpo as evoluções técnicas das torturas. Fui torturado aqui em Brasília, em tanques de água. Enquanto eu era afogado em urina e fezes nos porões dos Dragões da Independência, eles diziam aos companheiros: “Vocês vão comer merda igual a este comunista filho da puta.” Fui levado para o Rio de Janeiro, onde me afogaram, primeiramente, com mangueira, em seguida, com sabão em pó nos olhos. Depois o General Fayad inventou de me afogar com contagotas: tampavam minha boca com esparadrapo e me afogavam com conta-gotas, enquanto eu estava no pau-de-arara. O que aconteceu? Essa atualização que o Rockefeller veio fazer tem sua origem na ignorância. Todo mundo endeusa o John Fitzgerald Kennedy, mas sua 135 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 gênese é de contrabandistas. O pai dele ficou rico por ser o maior contrabandista de bebidas, e depois foi embaixador em Paris. Todos aqueles que têm a minha idade e são da minha geração lembram-se de que lutamos contra a Aliança para o Progresso e as Forças da Paz, propostas por ele. Eles vinham ao Brasil para levantar todas as condições psicossociais para um golpe de estado. Naquela época o que acontecia? Para preparar a ditadura, oficiais do Exército e das Forças Armadas eram mandados para a escola de assassinos nos Estados Unidos; a Polícia Civil era preparada pelo Dam Mitrioni, que desceu toda a América Latina. Como a articulação militar do golpe foi feita em Minas Gerais, com o Governador Magalhães Pinto e os militares mineiros, Dam Mitrioni recolhia os mendigos em Belo Horizonte e os levava para o DOPS, onde eram usados nas aulas de tortura. Mas ele foi justiçado pelos Tupamaros, no Uruguai. A evolução técnica da tortura teve a participação de Israel. Qual era a técnica que Israel usava? A de isolar o preso e botá-lo pelado, para ele voltar à posição uterina e perder a noção do tempo. Um general, que era adido militar da França no Brasil, participou da maior atualização de técnicas de tortura na Argélia e dava curso para torturador aqui. Vejam os senhores o comprometimento dos ingleses e todos os sistemas. A partir de 1969, houve brigas particulares na Marinha, no Exército e na Aeronáutica. A Marinha queria perseguir somente marinheiros; a Aeronáutica, o pessoal dela; então o Exército tomou conta. Nessa atualização científica da tortura, Orlando Geisel criou o DOI-CODI com assessoramento direto dos Estados Unidos. O que estamos vendo agora, a partir da guerra do Iraque e do Afeganistão? O que ensinaram para seus sabujos, eles mesmos foram fazer. A origem desse Berlusconi é a máfia. No tempo em que eu estava na Itália, como militante social, a máfia governava aquele país. Não tinha uma obra pública italiana que não fosse dividida entre a máfia e os militantes fascistas da extrema direita. Ele hoje é o homem mais rico da Itália porque a origem do seu dinheiro está no crime. Então, o que temos a dizer com relação à incrementação da tortura? Eles estão voltando. Por exemplo, o Obama ganhou o Prêmio Nobel. Esse prêmio está 136 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 desmoralizado desde que foi entregue a Henry Kissinger, um assassino que tem mais de 1 milhão e 500 mil mortes nas costas. Foi Kissinger quem organizou os golpes no Chile, na Bolívia, no Peru e na Argentina. O fato de ele receber o Prêmio Nobel é um acinte à história mundial dos direitos humanos. Obama, que também recebeu o Prêmio Nobel, está cercando o Brasil, está cercando o pré-sal. Deixaram de utilizar uma base que tinham instalado no Paraguai porque o Lula ganhou a eleição. Eles iriam usar essa base do Paraguai, que tem uma pista de 4 mil metros e aceita o C-5 Galaxy, o avião cargueiro mais pesado do mundo, que comporta dois tanques artilhados. Estão fazendo isso, cercando o Brasil e a Amazônia, sob a desculpa de combate à droga. Quem é o maior consumidor de drogas? Os Estados Unidos. Isso começou da mesma forma como ocorreu com a Inglaterra, que tinha sua bandeira em todas as partes do mundo e fez guerra contra a China porque pretendia ter o privilégio de vender ópio aos chineses. Todos se lembram dos generais da Tailândia e do Vietnã, os chefes da droga. Enquanto o soldado americano, de 2 metros de largura, comia peru e outras coisas, o vietcongue comia uma buchinha de arroz, mas antes fumava um charuto enorme de maconha. As autoridades militares americanas não viam quem patrocinava isso? (Intervenção fora do microfone. Inaudível.) O SR. JARBAS MARQUES - Deixe-me terminar, Nilson, do contrário, quando você fizer o aparte, acabará o meu tempo. Veja que o plenário foi esvaziado, os companheiros sindicalistas já se foram e aqui só estou vendo gente que, há 25 anos, luta pela anistia comigo. A Operação Condor inicia-se quando? Operacionalmente, quando Ernesto Geisel, então Presidente da PETROBRAS, manda seqüestrar o Coronel Jefferson Cardim, que estava no Uruguai, com passaporte da ONU, e, ao ser avisado por um cunhado, segue para Buenos Aires. O Embaixador do Brasil na Argentina também participa do seqüestro e leva o Coronel Jefferson e o filho dele até a porta do avião do Ministro da Aeronáutica, Marcio Mello. Tudo isso por uma vendeta do Geisel, que achava que seu único filho morrera por culpa do Jefferson, na época o Vice-Comandante do quartel. Vejam a cretinice dessa ditadura: matar uma criança de 14 anos. Que perigo representava esse menino de 14 anos, chamado Marcos 137 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Antônio Dias? Sua mãe morreu a caminho de Goiânia, lutando para descobrir seus restos mortais. Essa é uma das histórias que conhecemos, mas que não é do conhecimento do povo brasileiro. E o que eles fazem com essa ditadura? Atos como a Lei da Anistia. Depois de terem sido cassados cento e tantos Deputados e Senadores, com o Congresso de joelhos, apenas com rebotalhos da ditadura, aprovaram essa lei na ilusão de que os tais crimes conexos perdoariam todos os torturadores. Isso não existe. Desde Hermes da Fonseca, sobrinho do Proclamador da República, que o Brasil assina tratados. E o "Jim das Selvas" não sabe disso porque não tem conhecimento jurídico. Enquanto ele esteve no Supremo Tribunal Federal, violentou as cláusulas pétreas e pediu vista de processos, para que perdessem o prazo de julgamento. Isso é uma indecência, é uma vergonha. O Brasil vai ser levado às barras dos tribunais internacionais. Na semana passada, prenderam um alemão genocida com 93 anos. Quando eles encontram um genocida, mesmo que ele esteja prestes a morrer e vá ficar apenas um dia na cadeia, será apenado por ter cometido um crime contra a humanidade. (Palmas.) A Alemanha é responsável pela morte de mais de 120 milhões de pessoas na guerra, mas quantos brasileiros não morreram nessa guerra? Houve coisas incríveis na minha vida. Eu era assessor parlamentar de Jamil Amiden, um Major do Exército Brasileiro e mutilado de guerra. Foi a primeira vez que eu vi um herói mutilado, que conheci os primeiros heróis, a exemplo de Sá Roriz, que encontrei no apartamento de Jamil Amiden em Brasília. Quando eu era o assessor parlamentar de Jamil Amiden, Castelo Branco nomeou como Líder no Congresso o Raimundo Padilha, que transmitia, pelo rádio, as posições dos navios brasileiros para que os submarinos alemães os afundassem. Quando eu redigia um capítulo, eu lia um trecho para eles, que choravam. Foi dramático. Certo dia, Jamil Amiden levou 300 medalhas à tribuna, para todos aqueles que estavam lutando pela liberdade no mundo. Enquanto isso, Castelo Branco, nomeou para ser Líder de seu Governo um fascista, um nazista de 500 costados. Jamil Amiden foi cassado por ter levado à tribuna essas medalhas de sangue 138 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 dos brasileiros que lutaram pela democracia no mundo. E Castelo Branco nomeou um “nazistóide” para ser Líder do seu Governo. O Modesto tentou salvar a vida do Lucas Alves; eles furaram os olhos e arrancaram as unhas do Lucas Alves. Não me esqueço do dia em que encontrei Sá Roriz com uma cicatriz, no Rio de Janeiro. Ele sabia que estava sendo procurado, então se apresentou ao Cordeiro de Farias, que fora seu comandante na Itália, e lhe disse: “Marechal, a única coisa que quero é que garanta a minha vida.” Naquela época, eu estava sendo torturado pelo Sizeno Sarmento. A tortura somente parou durante 5 meses, quando ele ia comer na PE. Mas ele dizia: “Depois a gente recomeça a brincadeira.” Cordeiro de Farias telefonou para Sizeno Sarmento, que falou: Não, pode mandar seu sargento se apresentar. Sá Roriz se apresentou confiado nas palavras de Sizeno Sarmento e do Cordeiro de Farias, mas foi morto na tortura. Esses são os homens, essa é a democracia. O sonho da ditadura foi fazer o que ridicularizávamos: a Polícia Internacional e de Defesa do Estado – PIDE. Por que a PIDE era uma estrutura policial perfeita? Porque, em cada lugar, havia 2 agentes dela, sendo que um não sabia quem era o outro. Então, se o primeiro não apresentasse o relatório de delação, o segundo, que o primeiro não conhecia, poderia delatá-lo. O sonho era esse. Antes, falavam que os comunistas comiam criancinhas e que os filhos deduravam o pai e a mãe. No entanto, a quantos milhares de exemplos assistimos? Quantas foram as desgraças que esses torturadores e assassinos fizeram em nome da liberdade? Que cinismo! Eles instalaram a corrupção. Por que o Antonio Carlos Magalhães roncava grosso? Para que o Figueiredo chegasse a general do Exército, as doze pessoas que estavam à sua frente foram compradas com duas turbinas de Itaipu. Elas receberam suborno para calarem a boca e não dizerem nada. O Antonio Carlos Magalhães roncava grosso porque ele foi o articulador da operação para o Figueiredo chegar a general de Exército. Estamos diante de quê? De uma impunidade que o povo não conhece. Esses homens continuam no poder. Acho muito ruim quando alguém de nós fala em ditadura militar. Eles sujaram as mãos dos militares, mas estão aí, os seus sabujos, no Ministério de Minas e Energia. 139 CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ Outros Eventos - Seminário Número: 2150/09 COM REDAÇÃO FINAL Data: 23/11/2009 Durante 100 anos, soubemos que o Estado mais atrasado do Brasil era o Piauí. Hoje, sob a tutela da família Sarney, o mais atrasado é o Maranhão. Então, quem são essas figuras? Refiro-me não só a uma ditadura militar, mas a uma ditadura civil e militar. Hoje é Senador o homem que entregou a Meira Mattos a chave do Congresso Nacional. É uma vergonha, é uma indecência. Nós que assistimos a isso não podemos nos calar. Uma semana após o meu último depoimento na Comissão, Sr. Presidente, quando dei os nomes de torturadores e dos torturados pelo Tuma, o Grupo Terrorismo Nunca Mais – TERNUMA publicou um texto na Internet, elogiando o Tuma, no qual botou a minha assinatura e falava das ações da esquerda. Eu estou processando esses canalhas. Se eu ganhar a ação, o dinheiro vai para o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, que está falido. (Palmas.) Na semana passada, fizeram nova investida contra a Dilma. Então, se eles ousam atacar a Ministra-Chefe da Casa Civil, são capazes de fazer muito mais canalhices conosco, que somos apenas sobreviventes. Muito obrigado. (Palmas.) O SR. PRESIDENTE (Deputado Luiz Couto) - Muito obrigado, companheiro Jarbas Marques. Quero dizer que nós estamos fazendo uma publicação do resultado daquele seminário sobre a tortura. Em decorrência do esvaziamento do plenário, o Sr. Carlos Alberto Lungarzo, membro da Anistia Internacional e professor da UNICAMP, falará amanhã, às 9 horas, logo no início da reunião. Agradecemos a todos a presença. Obrigado e até amanhã. 140