CAROL É O NOME MAIS QUENTE

Transcrição

CAROL É O NOME MAIS QUENTE
Fotos divulgação
ef
Quarta-Feira, 13 De Janeiro De 2016
C1
ilustrada
inclui
comida
Cate
blachett
em cena
de ‘Carol’
CAROL É O NOME MAIS QUENTE
guilheRme genestReti
de são paulo
“Carol”, filme sobre o romance entre duas mulheres
nos anos 1950, tem as cores
das telas melancólicas de Edward Hopper (1882-1967), o artista que pintou a solidão das
cidades americanas, e a elegância gelada de uma lufada
de inverno nova-iorquino.
Therese (Rooney Mara) é
uma vendedora de loja de departamentosquesonhaemser
fotógrafa. Carol (Cate Blanchett), uma dona de casa que
vivenosubúrbio,émaisvelha.
As duas se apaixonam de primeira, mas precisam conter a
atração sob quilos de casacos
de pele, luvas e cachecóis.
“Me interessava retratar a
força do desejo e como ele pode tirar alguém do seu centro
de gravidade”, afirma o diretor, Todd Haynes, à Folha.
Esnobado no Globo de Ouro do domingo (10), embora
fosseo recordista em menções
(cinco, incluindo atrizes e diretor), o filme é uma das maiores apostas para o Oscar e pode cravar a sexta indicação de
Blanchett e a segunda de Mara. O anúncio é na quinta (14).
“Carol” é um típico representante da vertente melodra-
Esnobado no Globo de Ouro, mas forte pré-candidato ao Oscar, ‘Carol’,
de Todd Haynes, retrata romance lésbico nos EUA dos anos 1950
Rooney mara como a
fotógrafa therese
“
Nunca fiz uma
história de amor
convencional.
E há poucas
representações do
amor lésbico
ToDD haYNES
diretor
máticadeHaynes,diretorcom
certa “bipolaridade criativa”:
quando ele não cai nesse gênero, como em “Longe do Paraíso” (2002), mergulha em
obras cinematograficamente
maisexcêntricaseestridentes,
como “Não Estou Lá” (2007).
“Não faço ideia de por que
alterno entre esses dois polos. Acontece meio por aca-
so”, diz o diretor, que iniciou
a carreira ligado ao New
Queer Cinema, movimento da
virada dos anos 1980 para os
1990 encampado por nomes
como Gus Van Sant e Gregg
Araki e que levou os dilemas
de gays, lésbicas, bissexuais
e transgêneros para as telas.
Ainda que repita a mesma
toadadaobrade2002,umme-
lodramaconduzidoporpersonagem feminina, “Carol” desbrava novos territórios, diz.
“Nunca fiz uma história de
amorcomassuasconvenções.
E há poucas representações
do amor lésbico comparado
aos outros tipos de romance.”
O cineasta foi achar a semente do projeto num livro de
1952 da autora texana Patri-
cia Highsmith (1921-1995), tido como um raro retrato esperançosodeumenvolvimento homossexual na década e
inspirado num evento real
que ocorreu à escritora.
Da obra literária, Haynes
aproveita o ponto de vista,
calcado em Therese, a mais
jovem e inexperiente, diante
da madura e vivida Carol. Mas
a primeira é também a que
não tem nada a perder; Carol
está se divorciando e pode
perder a guarda da filha caso
o romance venha à tona.
“Comonumaclássicahistória de amor, é a parte mais vulnerável que conta a história.
Mas o interessante na obra é
que as posições se invertem.”
Em2013,outroromancelésbico, “Azul É a Cor Mais Quente”, de Abdellatif Kechiche,
causou frisson pelo mundo
—“Carol” vai por uma senda
mais delicada, sem o fetiche
“voyeur” de Kechiche e suas
polêmicas tomadas das protagonistas beirando o pornô.
O desejo das personagens,
porém, é igualmente intenso.
A esperança de que algo pode
dar certo nos conservadores
anos 1950 também. “Nutrem
fantasias mais reais do que
aquelasqueTheresevendeem
sua loja”, afirma o cineasta.
AS VARIAÇÕES DE HUMOR DE TODD HAYNES Filmografia alterna entre o melodrama e o excêntrico
mal Do SéCUlo
Dona de casa
desenvolve uma
hipersensibilidade a
produtos químicos
ExCêNTRICo
INTERmEDIáRIo
vENENo Mistura
drama, terror e
ficção científica
em três histórias
intercaladas
vElvET GolDmINE
O mundo de excessos
de dois cantores de
glam rock; pequena
pérola que deve ser
revisitada após a
morte de David Bowie
mEloDRama
1991
1995
1998
loNGE Do
PaRaíSo
Nos anos 1950,
uma dona de
casa branca se
apaixona pelo
jardineiro negro
2002
CaRol Uma
jovem novaiorquina se
envolve com
uma mulher
mais velha
NÃo ESToU lá
Seis personagens
encarnam as
diferentes facetas
de Bob Dylan
2007
2015
CRÍTICA CINEMA/DRAMA
Tensão erótica agrada a quem quer beleza e a quem quer justiça
AnA RibeiRo
colaboração para a folha
Quem for ao cinema assistir a “Carol” para ver Cate
Blanchett fazer amor com
uma mulher não se decepcionará. A tensão erótica entre
os personagens de Blanchett
(Carol) e Rooney Mara (Therese) está sempre presente.
Os minutos passam arrastados até que elas comecem a
se tocar. E, sim, tembeijos, bocas, peitos, pele, mãos e a fúria do encontro de dois corpos
femininos que se desejam.
Baseado no livro “The Price of Salt”, que a mestre do
suspense americana Patricia
Highsmithlançouem1952sob
o pseudônimo Claire Morgan,
o filme traz a atmosfera chique dos anos 1950: chapéus,
casacos de pele, carros conversíveis —e muito champanhe. As cores desbotadas com
que o diretor Todd Haynes
apresenta Nova York reforçam o clima de sofisticação.
Carol Aird é linda e etérea,
o tipo de mulher que Cate
Blanchett nasceu para interpretar. Therese Belivet, vendedora de uma loja de departamentos e fotógrafa nas horas vagas, encontra corpo na
atuação contida da também
linda e clássica Rooney Mara.
Tudo é hesitante na relação —até que deixa de ser.
O desejo irrefreável é barrado por bloqueios internos que
elas têm de transpor. Prestes
a ceder à tentação, Therese
pergunta: “Adianta lutar contra isso que estou sentindo?”.
Carol está em processo de
separação do marido, que a
chantageia e ameaça. Therese tem um namorado que pretende “casar e passar o resto
da vida” com ela. Esses dois
homens, e o mundo masculino, são o principal obstáculo
externo desse caso de amor.
O livro de Highsmith foi recusado pela editora de seus
livros de suspense, Harper &
Bros, e uma outra casa, Coward-McCann, aceitou publicá-lo em 1952. Nesse mesmo
ano, a Associação Americana de Psiquiatria havia clas-
sificado a homossexualidade
como transtorno mental.
Se a disputasse com o exmarido, Carol perderia a
guarda da filha —era esse o
seu grande dilema. Hoje, a
vida seria outra. Carol poderia casar-se legalmente com
Therese em qualquer um dos
50 Estados americanos.
Em maio do ano passado,
Blanchett, 46, revelou à revista “Variety” já ter namorado
“muitas” mulheres. Sarah
Paulson, a atriz que faz Abby,
a melhor amiga de Carol no
filme, é casada com Holland
Taylor, 73 anos, que interpretou a mãe de Charlie Sheen na
série “Two and a Half Man”.
Se o filme agrada aos que
querem beleza, agradará
também aos que buscam justiça e gostarão de constatar o
quanto o mundo avançou e
como o tipo de amor de Carol
e Therese ganhou legitimidade nos últimos 60 anos.
CaRol
DIREÇÃo Todd Haynes
ElENCo Cate Blanchett, Rooney
Mara e Sarah Paulson
PRoDUÇÃo EUA, Reino Unido,
2015, 14 anos
QUaNDo estreia nesta quinta (14)
avalIaÇÃo muito bom ★★