Resumo de alguns conteúdos da prática com armas: Jô e Bokken
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Resumo de alguns conteúdos da prática com armas: Jô e Bokken
Formação contínua de treinadores da Federação Portuguesa de Aikido Ficha de Acção de Formação Resumo de alguns conteúdos da prática com armas: Jô e Bokken Introdução Tenho consciência de que a espontaneidade é a melhor solução para a vida, assim como para o Aikidô. O problema é que o chamado "natural" é hoje em dia bastante invadido ou poluído por conceitos de consumo (vender falsas eficácias) que pretendem vender o natural, um pouco à imagem da natureza inundada por produtos tóxicos. Construir o natural é, por definição, absurdo, e neste caso, soluções simplistas ou sofisticadas, por si mesma, não são aconselháveis. Parece que não há mecanismo para chegar ao verdadeiramente simples. Apresentação da arma e suas características físicas A função do Bokken é de cortar, atravessar, furar. A função do Jô é de bater, “cortar” (com os princípios da física aplicado ao cortar), furar e atravessar. Não devemos confundir cortar e bater. Apesar de ser evidente é importante lembrar que somos normalmente livres, mas o que condiciona o movimento (entre outras coisas) são as características da arma. O Bokken é a cópia em madeira duma espada, e todos os movimentos fazem geralmente referência a cortes. A lâmina só corta dum lado. O punho é largo e a pega, na maior parte do tempo, é feita com duas mãos. O tamanho da lâmina e o seu peso tem importância. No caso do Bokken, existe uma diferença de densidade entre o metal e a madeira, que altera a sensação do movimento de penetração durante o corte (na verdade, no caso da madeira a penetração é quase nula, excepto com manteiga e líquidos). O corte é geralmente feito com a ponta da lâmina. Existe também o movimento de furar (tsuki). O Jô é redondo e comprido (à volta de 127 cm). A pega ou as pegas são normalmente feitas numa das extremidades, mas podem ser realizadas em todo o comprimento da arma. Podemos deslizar as mãos na sua superfície ou pegar duma forma estática. Sendo cilíndrico, o impacto com o Jô pode acontecer em toda a sua superfície, ou nas suas extremidades, “picando”. O dinamismo do Jô é diferente daquele que acontece com o Bokken. A pega A maneira de segurar uma ferramenta (com uma distribuição particular do peso) pode ser realizada de forma a provocar o "arrastamento", mais ou menos descontrolado do objecto, ou segurá-lo, carregando o objecto com propósito, sem o tornar completamente preso nas nossas mãos (crispação sem adaptação), utilizando com expressão a adequada função do gesto, o dinamismo do movimento do centro de massa, "o momento", duma forma apropriada e relacionada. Com a experiência surge a coincidência entre o momento do Bokken (ou Jô) e o momento do corpo: utilizando o peso e a força sem excessos e a propósito. A pega, nas suas diversas facetas (aderência, mobilidade, alinhamento e transmissão do movimento), deve comportar-se como uma articulação do corpo, não constituíndo um travão artificial do movimento induzido e das partes articuladas. É por isso que os detalhes da pega e do seu dinamismo, a relação específica de cada mão e o seu ajustamento permanente são determinantes. Bem encarados, a liberdade e o respeito permanente de constantes disponíveis na natureza, misturadas com as circunstâncias, vão pôr em evidência a expressão da nossa interioridade. Relacionamento com a arma No aspecto estrutural temos o ajustamento do corpo com a vertical, permitindo um porte que favorece uma melhor relação entre os membros inferiores e superiores com o tronco e os seus movimentos. Nos aspectos "intermediários" temos o alinhamento: da pega, da palma da mão, dos dedos, do posicionamento do pulso, do cotovelo, do antebraço, do braço, dos ombros, para permitir uma adaptação permanente com aquilo que estamos a fazer. O movimento Para equacionar teoricamente os movimentos de armas podemos utilizar as regras da balística. Assim, algumas indicações relativas ao manuseamento do Bokken e do Jô devem ser introduzidas conforme a "digestão" das dificuldades apresentadas por cada aluno e a pertinência da situação. Antes de procurar força e velocidade puras, temos que respeitar alguns factores. A força e a velocidade fazem sentido quando existe uma compreensão mínima e factual do acontecimento em jogo. Encarada desta forma, a repetição (suburi), só tem de repetição a designação e a aparência, pois que, como é óbvio, a gestão de tantos detalhes não permite o “sono” dos automatismos pavlovianos. O ritmo adequado entre tensão e relaxação, entre as partes e o todo, permite agilizar o movimento. A harmonia entre mãos, a sua independência e interdependência, o deslocamento do momento no corpo e no Bokken durante o corte (e no Jô durante um ataque), são factores a não perder de vista. Consoante a inclinação do Bokken (ou do Jô), relacionada com a vertical, o fenómeno da alavanca altera-se e as mãos devem acompanhar essa mudança. São elementos a tomar em consideração: o sentir a extremidade da arma, o seu posicionamento e peso durante o movimento, conjugado com o espaço à volta. Nos passos, a mobilidade tem a ver com o ritmo e a colocação atempada do peso do corpo no local certo, em relação com aquilo que estamos a realizar. Estado de consciência A maneira como somos conscientes ou não ao movimento é fundamental. Não levamos suficientemente em conta que, durante a nossa actuação, o nosso estado de consciência pode ser assimilado como uma intervenção indirecta nossa, e influenciar a compreensão e o desenrolar da acção em curso. Alguns mestres de armas dizem que, quem foca e pratica o aspecto “Do” do Budô, vive a sua existência com uma certa presença e favorece a noção de “consciência testemunha”, que, quando surge, permite contemplar corpo, mente e movimento “multi-tarefas”, sem sobressaltos. “Consciência testemunha” pode definir-se num certo nível como uma consciência em instância de acontecer. É como o estar no patamar da consciência, não chegando ainda a ser atropelada pelos conceitos, ou ser, o tempo e espaço definidos como os vivenciamos. Quando a nossa individualidade mais profunda se manifesta, ela não é fixada por preceitos intelectuais demasiados rígidos ou cristalizados ou ainda por emoções mal encaradas. Do ponto de visto exterior, a consciência testemunha parece favorecer indirectamente o movimento, com a ligação espontânea dos elementos necessários àquilo que estamos a fazer, deixando de ser bloqueado por estratégias prévias. A inspiração é o que permite o aparecimento e o desencadear da consciência testemunha. No entanto, a inspiração tem aspectos aleatórios; todos os artistas conhecem os seus “caprichos”. A(s) memória(s) A nossa memória ou as nossas memórias podem limitar ou ajudar as nossas decisões e as nossas acções. Quando necessário, devemos nos questionar sobre a adequação da utilização do tipo de memória que estamos a utilizar face ao acto que estamos a praticar e aos objectivos que pretendemos alcançar a prazo. Por reactividade, a especialização obcecada dum sentido em detrimento dos outros pode minar a fluidez dos nossos gestos. A diferença entre pensar e sentir é significativa. Saber intelectualmente o posicionamento da minha cabeça e realizar um movimento que atesta esta realidade, fala por si. Apesar do corpo ser "um objecto único", o aspecto egótico e emotivo dum acto pode chegar a criar representações e realidades artificialmente separadas. A educação desenquadrada da realidade (ou, pior, gratuitamente repressiva), as tensões inadaptadas da vida, criam memórias ou dinamismos artificiais e negativos que não ajudem a perenidade do movimento natural e do ser humano que está em jogo. Quando alguém tem automatismos, e uma dinâmica reactiva que bloqueia os movimento naturais, vamos ter de utilizar exercícios de percepção de relacionamento da consciência/corpo para que uma inteligência ligada à homeostasia recupere os seus privilégios. Reapropriar-se do domínio do corpo pertence também a “memórias” (genes, forma dos ossos, músculos, tendões, bioquímica do corpo, funcionamento da consciência, postura natural, etc), e é provavelmente assim e com essas referências quase permanentes que reconhecemos os nossos filhos, incorporando e digerindo mais facilmente os princípios como nossos, reactualizando às vezes, quando é possível, aberrações que foram aprendidas “por engano” e que não se adequam com algumas evidências que pertencem a nossa espécie. Com a prática, rapidamente vamos compreender que, pensar o movimento em permanência é um factor bloqueador. Caso for oportuno, é aconselhado pensar, antes ou depois do movimento, utilizando a interiorização (sem pensar) durante. Quando a mecanização dos gestos retira artificialmente a capacidade de actualização da informação contínua disponível (durante um tempo indefinido), caminhamos mais cedo ou mais tarde para uma falta de resposta válida com àquilo que nos rodeia. Um “prêt à porter” é prático, mas não devemos perder a curiosidade e a sadia relação com a presença, e o campo experimental. Utilizar, em permanência, "blocos" de tarefas memorizadas, acaba, por, excesso, jogar contra a real eficácia (na vida real). Mas aquilo que é chamado de tarefa pode também ter a sua utilidade ao abordar a realidade; o problema maior é no entanto o desvio dado à tarefa, dando-lhe um sentido obrigatório e extremo de exterioridade. Podemos notar que, na nossa intervenção, quando desenvolvemos uma prática impregnada duma certa naturalidade, os movimento são no início largos, tornando-se, à medida que vão sendo assimilados, geralmente mais pequenos e discretos. Para acompanhar o sentido da vida, e de um acto em particular, devemos manter, de alguma maneira, uma ligação concreta entre ambos. Esta ligação invisível pode ser estabelecida de várias formas, por escolhas de vida. Assim, um pequeno detalhe que pode parecer insignificante, pode influenciar uma vida. O Agente de ensino Um agente de ensino de armas em Aikidô, para poder ser útil, terá que vivênciar e compreender na sua globalidade aquilo que pretende ensinar, para poder articular e adaptar os detalhes e realçar os princípios que estão em jogo. Jean-Marc Duclos
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