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Tapa portugués CI 7-1-4_Maquetación 1 15/03/12 11:09 Página 1 E UROPA Barrar a guerra social e os cortes de verbas! Contra o pagamento da dívida! A dívida pública e a moeda única são instrumentos da ver‐ dadeira guerra social que a troika e os governos fazem con‐ tra os trabalhadores. São instrumento de colonização dos países mais débiles, em favor da banca privada e dos países mais fortes, especialmente Alemanha. Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Itália vivem hoje sob uma situação similar à Argentina em finais dos anos 90. Os trabalhadores sofrem um retrocesso histórico no seus ní‐ veis de vida e conquistas. Contra a catástrofe social e o saqueio dos países mais débiles, a saída para os trabalhadores é deixar de pagar a dívida; romper com a “UE de capital” e com o pacto do euro, estatizar sem indemnização o sis‐ tema financeiro, no caminho da construção de governos dos trabalhadores em cada país e uma Europa dos trabalhadores ye dos povos, os Estados Unidos Socialistas de Europa. O caminho é a luta em cada país e em toda Europa. Publicação da LIT-QI (Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional) ISSN 2179-118X 07 TERCEIRA ÉPOCA MARÇO - 2012 - ANO 3 Em defesa do socialismo e a construção de uma direção revolucionária internacional MUNDO SÍRIA BRASIL A economia mundial desacelera 2 Começou a guerra civil 9 Pinheirinho e a luta pela moradia popular 14 Contratapas CI7 portugués_Maquetación 1 15/03/12 12:30 Página 1 SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO Apresentamos o sétimo número da revista Correio Internacional. 9 2 MULHERES TRABALHADORAS E MARXISMO ATUALIDADE MUNDO ÁRABE O processo de luta popular contra o regime ditatorial de Bashar al Assad se transformou em uma guerra civil cada vez mais violenta e polarizada. BRASIL apresenta… 14 PORTUGAL A violenta desocupação do Pinheirinho mostra a luta pela moradia popular contra a especulação imobiliária da burguesia. Um debate sobre a opressão A economia mundial desacelerou em finais de 2011 e os organismos imperialistas temem a possibilidade de una nova recessão. Carmen Carrasco e Mercedes Petit 19 A corrente Ruptura-FER saiu do Bloco de Esquerda e fundou um novo partido: o MAS. CAMPANHA “30 ANOS DA LIT-QI” 24 Conheça as atividades e publicações que se realizarão ao longo de todo o ano de 2012. Como parte dessa campanha, nessa edição apresentamos: 26 34 História da corrente morenista A defesa da moral revolucionária. EUA Itália Paraguai Portugal Pela construção de uma internacional revolucionária VIDA DOS PARTIDOS NESSA EDIÇÃO Argentina Brasil 36 Síria Europa 46 • Ato do PSTU argentino en homenagem a Nahuel Moreno • PdAC de Itália • PT do Paraguai A Editora Sundermann acaba de lançar a edição em português do livro Mulheres Trabalhadoras e Marxismo. Este livro, por um lado, faz uma interpretação marxista sobre a questão da mulher e, por outro, leva adiante uma série de polêmicas sobre este tema, no interior do movimento trotskista: a diferença entre opressão e exploração; a família no capitalismo; o caráter das reivindicações femininas; as formas de organização do movimento de mulheres; os movimentos feministas e a construção do partido revolucionário... Este livro, escrito no ano de 1979, contou com a colaboração do dirigente trotskista Nahuel Moreno. Porém recém foi publicado pela primeira vez, em 2009, em espanhol. Porque foi publicado um livro de polêmicas, 30 anos depois? Porque essas polêmicas são, em essência, as mesmas que se desenvolvem na atualidade. Recomendamos a leitura deste trabalho a todos aqueles que, como Lenin, consideram que “A revolução socialista é impossível sem a participação massiva das mulheres”. * 1 Presentación CI 7 (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:27 Página 1 CORREIO INTERNACIONAL N.° 7 Apresentação Correio Internacional é uma publicação de Editora Lorca S.A. Rua Paulo Dias 53 - CEP: 04109-060, Aclimação, São Paulo, SP, Brasil Impressão Proyeto IP Grafis Rua Dom Bosco, 70 - CEP: 03105-020, Mooca, São Paulo, SP, Brasil Editor Responsável Alejandro Iturbe Projeto gráfico Victor Bud Diagramação Natalia Estrada Tradução e revisão Cynthia Rezende Flávio Bandeira Marcos Margarido Mariana Caetano Nívia Leão Raquel Polla Rodrigo Ricupero Ruy Magalhães Suely Corvacho Thaís Moreira ISSN 2179-118X A Brigada Simón Bolívar formou-se em 1979 por iniciativa da Fração Bolchevique e do PST colombiano para combater, junto com a FSLN, a ditadura de Anastasio Somoza na Nicarágua. E ste novo número da revista Correio Internacional é o primeiro que publicamos no ano em que a Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI) comemora os 30 anos de sua fundação, realizada em Bogotá – Colômbia, em janeiro de 1982. Por isso, tem um caráter especial e dedicamos a capa e a metade de seu conteúdo para recordar esta data, a trajetória da corrente morenista e, também, a considerar sua realidade atual e de algumas de suas seções. Em primeiro lugar, apresentamos a campanha que a LIT-QI desenvolverá (na realidade já está em curso) ao longo de todo o ano com atos, palestras e conferências em diversos países, e toda uma série de publicações, um kit de dois livros dedicados à conferência de 1982 e ao Congresso de 1985. Também uma seção permanente na página na web que irá abordando, seguindo a cronologia de fatos históricos, como a Revolução Boliviana (1952), a Revolução dos Cravos em Portugal (1974), a Guerra das Malvinas (1982) etc., as posições e a participação da corrente morenista nestes eventos. Em segundo lugar, publicamos uma breve história de nossa corrente e da LIT-QI, desde seus inícios em 1944, na Argentina, localizando-a como uma “fio de continuidade” da larga batalha de Marx, Engels, Lenin, Trotsky e outros para elaborar um programa socialista revolucionário e forjar uma direção capaz de levá-lo adiante. O artigo sobre a reconstrução da IV Internacional analisa os principais eixos desse programa e da concepção organizativa-política de partido e de internacional que tomamos de Lenin, buscando especialmente um diálogo e um debate com as novas gerações de lutadores que, em diversas regiões do mundo, protagonizam os processos atuais e buscam uma referência para essa luta. Na parte dedicada à atualidade, analisamos o “freio” que vive a economia mundial, como isso se enquadra na crise econômica internacional aberta em 2007 e se combina com os processos políticos e da luta de classes, especialmente na Europa e nos EUA. Na sequência, o artigo sobre a guerra civil na Síria, ponto mais alto hoje do processo revolucionário em curso no Norte da África e Oriente Médio, aborda novamente a polêmica com os setores castro-chavistas e trotskistas que lhe negam o caráter revolucionário, apresentando-o basicamente como uma “conspiração” do imperialismo. Outro artigo está dedicado à ocupação urbana do Pinheirinho no Brasil, cuja violenta desocupação impactou todo o mundo e gerou uma ampla campanha de solidariedade. Nele, se aborda este fato no marco de um tema programático e político de grande vigência: a luta pela moradia popular contra a especulação imobiliária da burguesia. Finalmente, este número contém material dedicado à trajetória e a atualidade de três partidos da LIT-QI: o PdaC da Itália, o PT do Paraguai e, especialmente, a nova seção portuguesa (o MAS) que está sendo fundada a partir da saída da corrente Ruptura/FER do Bloco de Esquerda. O EDITOR 1 * 2-8 sit. econ. mundial (P)_Maquetación 1 20/03/12 12:40 Página 2 ATUALIDADE O imperialismo teme uma nova recessão A economia mundial desacelera ALEJANDRO ITURBE TODOS OS ORGANISMOS INTERNACIONAIS do imperialismo coincidem no diagnóstico de uma redução do crescimento da economia mundial desde o terceiro trimestre de 2011 e preveem que este retrocesso se acentuará em 2012, abrindo a hipótese de que é possível o início de nova recessão moderada. Segundo o último relatório anual da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico): “A recuperação econômica mundial está perdendo força, deixando a zona do euro em uma leve recessão e os Estados Unidos em risco de seguir o mesmo caminho”. Esta previsão é compartilhada pelo Banco Mundial (“O mundo pode entrar numa recessão tão ou até mais grave que a de 2008-2009”), pelo Fundo Monetário Internacional e pela UNCTAD1, ainda que com variações sobre as cifras. A situação afetará, pelo menos, 2012 e 2013. A perspectiva assinalada pela OCDE é que em 2012 ocorra um crescimento global ao redor de 3% (em 2011 foi de 3,8%). O BM reduz o prognóstico a 2,5%. Isto é, as cifras de conjunto não Entre a crise das dívidas, a crise bancária e as lutas populares, a situação do euro é cada vez mais crítica 2 CORREIO INTERNACIONAL * 2-8 sit. econ. mundial (P)_Maquetación 1 15/03/12 15:02 Página 3 ATUALIDADE são “catastróficas”, mas também não são “boas” e, ao mesmo tempo, definem uma dinâmica perigosa para o imperialismo. Situações diversas Ao mesmo tempo, expressam-se situações diferentes segundo os países e regiões. De conjunto, as principais potências imperialistas estão abaixo da média mundial. Mas, enquanto a UE e a zona do euro já estão “oficialmente” em recessão (estima-se que cresçam 0,2% em 2012), a economia dos EUA consegue escapar da recessão, no contexto da continuidade de um “crescimento anêmico” (calcula-se 2% para 2012). As economias mais dinâmicas no cenário mundial continuam sendo a chinesa (9,2% em 2011) e a indiana (7,8%), arrastando atrás de si alguns países latinoamericanos. Mas o “setor emergente” também começa a expressar a desaceleração mundial e vários países já dão sinais de redução do crescimento, especialmente na América Latina (o que é chamado de “aterrisagem suave”). Esta combinação define um estancamento do conjunto da economia mundial. E abre-se a possibilidade futura de entrar em uma nova recessão, se os fatores políticos e econômicos se agravarem. Entre estes, o Banco Mundial indica dois elementos que poderiam agravar e acelerar a situação. Por um lado, está mais difícil para os países em desenvolvimento (com a China à frente) continuar compensando parcialmente, como um “motor secundário”, a recessão ou o estancamento nos países imperialistas. Por outro, a capacidade dos governos imperialistas de intervir no processo (através dos megapacotes de ajuda) é muito menor que há três anos. Estas perspectivas são formuladas sob a hipótese de que 2012 seja um “ano tranquilo”. Porém, o relatório da OCDE alerta que um “acontecimento negativo significativo” na zona do euro possa ter consequências “devastadoras” para a economia mundial, deixando o conjunto dos países ricos em recessão, incluindose os Estados Unidos e o Japão, e arrastaria mais profundamente aos demais. Alguns elementos centrais Para entender melhor a conjuntura, é necessário detalhar alguns elementos centrais de análise. Em primeiro lugar, a profunda inter-relação entre os diferentes países e regiões na dinâmica econômica, MARÇO DE 2012 Os trabalhadores gregos seguem lutando duramente contra os ferozes planos de ajuste particularmente, sobre o que suceder na Europa. Ainda mais se ocorrer “um acontecimento negativo significativo” na zona do euro. Por exemplo, além de sua própria crise política, é evidente que um dos elementos centrais que impedem uma maior recuperação da economia norte-americana é a situação europeia. Junto aos fatores políticos também incide o volume de comércio entre ambas as regiões e o grande peso dos investimentos produtivos e financeiros norteamericanos na Europa. A instabilidade europeia é, sem dúvidas, um fator central que mina a “confiança investidora” da burguesia norte-americana em seu próprio país e no mundo. Relacionado com o anterior, deve-se destacar a profunda inter-relação e alimentação mútua entre a crise econômica e os processos e crises políticas, sejam estas originadas (ou influenciadas) pela luta de classes ou por atritos inter-burgueses. No caso dos EUA, é incontestável a influência que a crise do governo de Obama e o enfraquecimento do regime, a partir dos confrontos com o Congresso, exercem sobre a recuperação econômica. No caso europeu, como resultado da crise econômica, das lutas e dos choques interburgueses, quatro governos extremamente debilitados renun- ciaram na Espanha, Portugal, Itália e Grécia, o que acentua o clima de instabilidade política geral do continente. Entre os fatores políticos que “minam” a confiança investidora devemos assinalar um outro de grande importância: o processo revolucionário em curso no norte da África e no Oriente Médio, pela instabilidade política gerada em uma zona crucial do mundo e pelas próprias consequências sobre um elemento central da economia, como o preço do petróleo. Em segundo lugar, fica cada vez mais evidente que o domínio e o controle dos estados imperialistas (e de superestruturas internacionais como a UE) pertencem à burguesia financeira, cuja preocupação central é “salvar” os bancos e o sistema financeiro, a qualquer custo. Algo que analisaremos com maior profundidade ao nos referirmos à Europa, onde os recentes governos da Grécia e da Itália foram montados diretamente pelo capital financeiro, fazendo “estremecer” todo o regime democrático burguês. Em terceiro lugar, está o fato de que a burguesia imperialista norte-americana mantém e reforça a hegemonia do sistema financeiro mundial, enquanto a europeia retrocede no contexto de crises bem mais profundas. Isto se expressa, por um lado, no peso cada vez maior do FMI nas “soluções” à crise europeia. Por outro, como um reflexo político desta realidade, três homens que hoje jogam papéis centrais em países ou instituições europeias (Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu; Mario Monti, atual premiê italiano, e Lucas Papademos, premiê grego) tiveram altíssimos cargos na área financeira do banco Goldman Sachs na Europa. Em resumo, estamos em uma situação geral de estancamento, com a Europa numa situação bem mais difícil, que pode se agravar rapidamente se os fatos se precipitarem. Outro ponto de interrogação (pouco analisado nos relatórios dos organismos internacionais) é quanto tempo e em que medida a economia chinesa poderá manter seu crescimento baseado em pacotes estatais e crédito barato, à medida que os investimentos estrangeiros e as exportações diminuírem, por um lado, e a inflação e os aumentos salariais que as greves estão conquistando corroerem seus baixíssimos custos comparativos, por outro. 3 * 2-8 sit. econ. mundial (P)_Maquetación 1 15/03/12 15:02 Página 4 ATUALIDADE Europa para baixo A Europa continua sendo o elo mais fraco do polo imperialista. A UE e a zona do euro já foram declaradas em recessão, de forma bem clara desde o terceiro trimestre de 2011. A situação, no entanto, apresenta desigualdades em cada país. A Alemanha cresceu 3% no ano passado, a Espanha mal superou 0% e a Grécia e Portugal tiveram valores negativos. Mas a própria economia alemã está em retrocesso (estima-se 0% no 4º trimestre de 2011). Para 2012, a OCDE estima um avanço global de 0,3%. Com prognósticos bem mais sombrios do FMI para a Espanha (-1,7%) e Itália (-2,2%). Na Europa, estaria ocorrendo a hipótese da “dupla imersão”, figurada como um W, com um período fortemente recessivo em 2008-2009, uma recuperação muito frágil em 2010-2011 (que já começou a desacelerar no último trimestre de 2011) e uma nova recessão em 2012-2013, por enquanto de caráter “moderado”. Algumas das contradições que nasceram com a UE e a zona do euro (principalmente a moeda comum sem unificação dos países, a profunda desigualdade de desenvolvimento e produtividade de seus membros, a necessidade de atacar as conquistas operárias e sociais), no marco da crise mundial, chegam agora a um limite quase insuportável. Aqui queremos analisar a combinação de duas crises: a das dívidas dos países (que já abordamos num artigo da revista Correio Internacional nº 6) e a crise do sistema bancário e financeiro continental. A crise das dívidas soberanas A crise da “dívida soberana” começou em países menores (Grécia, Irlanda, Portugal), mas agora já afeta países mais importantes (Espanha e Itália). Um “círculo vicioso” instalou-se nestes países: impossibilidade ou grande dificuldade de pagamento-ajuste-refinanciamento-crescimento e encarecimento da dívida-nova crise de pagamento, agora em uma situação muito pior. A Grécia é o grande exemplo (o porta-voz parlamentar do partido de Ângela Merkel declarou numa entrevista que a “Grécia nunca será capaz de pagar suas dívidas”). Portugal e Irlanda vão no mesmo caminho e a ameaça estende-se a países como a Itália e Espanha, 3ª e 4ª economias da zona do euro, que somam 30% de seu PIB. A crise expande-se em várias direções e também afeta os países mais fortes, 4 Nesta crise das dívidas soberanas existe o risco de um efeito dominó. Se um país - por exemplo, a Grécia - declarasse moratória, isto poderia arrastar outros países, sem possibilidades de resposta do FEEF, ameaçando a própria existência da zona do euro. É isto que explica que, inclusive com a corda no pescoço e aceitando que a apertem cada vez mais, o governo grego consiga o perdão de parte da dívida e uma redução da taxa de juros no “refinanciamento” em curso. Apesar disso, várias qualificadoras de risco opinam que não poderá a pagar sua dívida. Os planos de ajuste Ângela Merkel consegue impor a vontade alemã na EU e na eurozona como o recente rebaixamento da qualificação da dívida francesa que, pela primeira vez em décadas, perdeu a nota máxima (AAA) por parte da qualificadora S&P, no quadro de uma queda geral de qualificações de quase todos os países. Não se trata de um problema menor. Além de provocar um desgosto a Sarkozy, em plena luta por sua reeleição, causa o encarecimento da taxa de juros paga pelo país para seu financiamento público, e uma diferença maior em relação à taxa paga pela Alemanha (1,84% anual). A França passará de uma taxa de 2,59% a 3,56%. A Espanha paga 5,58%; Itália, 6,39%; Irlanda, 8,22%; Portugal, 11,27% e a Grécia, a bagatela de 32,36%. A S&P também rebaixou a qualificação do FEEF (Fundo Europeu de Resgate) porque, com um total de créditos de 440 bilhões de euros, já tem perto da metade comprometida com a Grécia, Portugal e Irlanda. Isto é, teria grandes dificuldades de resposta a situações mais difíceis na Espanha ou, ainda mais, na Itália. O premier italiano Mario Monti parece perguntar-se: haverá alguma saída? O refinanciamento dos países que já chegaram à beira do não pagamento (Grécia, Portugal, Irlanda) ou dos que estão perto do abismo (Itália e Espanha) exige planos de ajuste cada vez mais ferozes. O novo governo espanhol de Rajoy acaba de cortar 40 bilhões de euros do orçamento estatal em um único golpe. Isto traz como consequências, por um lado, uma tendência ao aumento dos processos de luta e resistência, e também um profundo desgaste dos governos que os aplicam. Por outro, os governos e parlamentos dos PIIGS2 têm aceitado cláusulas que impõem uma profunda perda de soberania (similares às aceitas pelos países latino-americanos). No caso espanhol, deu-se um caráter de prioridade constitucional ao pagamento da dívida pública. A crise e os planos de ajuste pioram cada vez mais a situação dos trabalhadores. O índice de desemprego na zona do euro atingiu 10,3% em outubro passado e 9,8% no conjunto da UE. Segundo os dados da Eurostat, naquele mês havia quase 23,6 milhões de desempregados na UE (16,3 milhões na zona do euro). O maior índice deu-se no Estado espanhol (22,8%, contra 22,5% em setembro e um aumento de 2,3% no último ano), seguido da Grécia (18,3% em agosto passado, com um aumento de 5,4% em um ano). Os países com taxas mais baixas são a Áustria (4,1%), Luxemburgo (4,7%) e Holanda (4,8%). Seguramente os dados finais de 2011 serão piores. A crise das dívidas bancárias A situação das dívidas públicas alimenta outra profunda crise: a do sistema bancário continental, baseado, em grande parte, nos títulos destas dívidas (uma parte dos quais já é qualificada como “tíCORREIO INTERNACIONAL * 2-8 sit. econ. mundial (P)_Maquetación 1 15/03/12 15:02 Página 5 ATUALIDADE tulos lixo”). No final do ano passado, a qualificadora Moody’s alertou sobre o risco de “múltiplos calotes” bancários na Europa e anunciou que rebaixaria a “qualificação de risco” de 87 bancos de 15 países da UE, considerados “asfixiados” e com necessidade de “respiração artificial”. São 17 bancos da Itália, 20 da Espanha, 9 da Áustria, 7 da França, 6 da Holanda, 5 da Noruega, 4 da Suécia, 3 da Bélgica, 3 da Finlândia, 3 de Luxemburgo, 2 de Chipre, 2 da Eslovênia, 2 de Portugal, 2 da Suíça e 1 da Polônia. Entre eles, incluem-se vários dos principais bancos do continente: BNP Paribas S.A. e Société Générale S.A. (França); o UniCredit SpA (o maior da Itália), Santander e BBVA (Espanha) e suíços como o Credit Suisse AG e o UBS AG. Os bancos europeus olham-se com desconfiança uns aos outros e interromperam os empréstimos interbancários, essenciais para o funcionamento do sistema creditício. Atualmente, só se financiam fundos interbancários por um dia no mercado. Neste contexto, um calote da dívida de algum país arrastaria como parte do “efeito dominó”, grande parte do sistema financeiro europeu. Alguns analistas consideram que a crise bancária é mais grave que a das dívidas públicas porque é bem mais profunda e estrutural. As dívidas públicas são derivadas, em grande parte, da “ajuda” aos bancos. Assim, são postas no centro da questão pela mídia e pelos governos para justificar os planos de ajuste (ver o economista Christopher Ramaux, em Le Monde, 4/12/2011). A verdade é que, embora dizendo que são “seus” estados e “sua” UE, a principal preocupação dos governos e das autoridades europeias é “salvar” e “ajudar” os bancos acima dos próprios estados: a Comissão Europeia informou que, entre outubro de 2008 e dezembro de 2010, o sistema bancário recebeu em ajudas públicas a quantidade de €1,6 trilhão, equivalente a 13% do PIB da UE. A esta cifra, cabe agregar €489 bilhões emprestados pelo BCE a 523 bancos europeus em dezembro passado. Os bancos, principais responsáveis pela atual crise e os mais duros em exigir ajustes pelos “países”, não só se “salvam”, mas também aproveitam a crise para continuar especulando e fazer gigantescos negócios: recebem esse dinheiro a 1% de juros e o emprestam aos países a 5% ou 6%. MARÇO DE 2012 Apesar desse grande negócio, a especulação financeira transforma-o num “poço sem fundo”: no próximo ano serão necessários pelo menos €300 bilhões adicionais. Somado à situação das dívidas públicas, isto significa que 2012 começa com vencimentos de dívidas que deverão ser cobertas com €600 bilhões. Isto num contexto cada vez mais recessivo. Por isso, a combinação de ambas as crises mantém e aumenta as dificuldades de sobrevivência do euro e sua zona de aplicação, com o consequente risco de seu desaparecimento. Ou, pelo menos, uma mudança qualitativa de suas condições atuais. Que fazer com a zona do euro? O desaparecimento da zona do euro (ou sua redução) representaria um grande golpe a uma obra de 50 anos da burguesia imperialista europeia. Também teria um grande impacto sobre a crise econômica e financeira mundial. Por isso, em geral, o imperialismo trata de defendê-la. A OCDE e demais organismos dão dois prognósticos alternativos, um deles definido por um “acontecimento negativo significativo” na zona do euro com consequências “devastadoras” para o mundo. Paul Krugman compartilha esta visão e define o possível desaparecimento do euro como uma “catástrofe”. Esta gravíssima situação começa a dividir as burguesias imperialistas europeias (e também a norte-americana) sobre o caminho a seguir. A posição majoritária, por enquanto, é tentar salvar a zona do euro com sua atual conformação. Mas outros setores burgueses e economistas falam claramente de reduzi-la (saída dos países mais débeis) e, inclusive da formação de uma “zona” só com os países mais “saudáveis” (Alemanha, França, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Áustria e Finlândia). Por exemplo, George Soros afirmou que tudo o que se fizer para salvar a atual zona do euro, como as “ajudas” aos países mais endividados, são inúteis. Que o melhor seria envolver os países mais saudáveis num “cordão sanitário” e, dali, iniciar a recuperação. Um setor importante da burguesia alemã expressa uma conclusão similar. O presidente da federação de exportadores (BGA), Anton Börner afirmou: “Não se deve superestimar o euro, o que a Alemanha precisa é do mercado livre, não da moeda única, podemos viver sem o euro. Recomendo que Grécia e Portugal saiam voluntariamente do euro”. Duas saídas ruins O debate é muito concreto. O problema é que, nas atuais condições, nenhuma das alternativas é boa. Defender a zona do euro atual implica, por um lado, em avançar na centralização e no controle bancário e financeiro muito mais impositivo por parte do BCE e das autoridades europeias. Isto não significa aliviar o torniquete sobre os países mais debilitados, mas “apertá-lo” ainda mais, com planos de ajuste bem mais duros, avanços sobre sua soberania e governados desde os escritórios de Bruxelas, em direção a regimes que “perfuram” cada vez mais a democracia burguesa. A nomeação de Monti e Papademos e a mo- A plataforma “Há que parar lhes os pés” propõem uma maior radicalidade na luta contra os planos de ajuste e contra a reforma trabalhista do governo Rajoy 5 * 2-8 sit. econ. mundial (P)_Maquetación 1 15/03/12 15:02 Página 6 ATUALIDADE acima de Frankfurt. Este centro atua como plataforma de investimentos para a China (desde Hong Kong, através do HSBC) e para a Índia (por exemplo, a Jindal, a maior empresa mineiro-siderúrgica do mundo tem capital anglo-indiano). O governo de Cameron estava a favor da “disciplina” e da “austeridade” fiscal, mas totalmente contra votar impostos europeus que afetassem as operações financeiras. O concreto é que seu voto contrário faz com que qualquer legislação sobre este tipo de impostos só possa ser votada agora individualmente por cada país (ou como “acordos bilaterais”) e não como uma “legislação europeia” de cumprimento obrigatório para os membros da UE. Obama se recupera nas pesquisas para as próximas eleições presidenciais, ajudado por uma pequena baixa no desemprego dificação da constituição espanhola vão nessa direção. Por outro lado, manter a zona do euro e cortar (ou atenuar) o “círculo vicioso” da crise das dívidas requereria “compartilhar”, de alguma forma, o custo da crise. Mas aqui todo mundo “tira o corpo”. Merkel recusou a proposta de Sarkozy de criação dos “bônus europeus”, porque isso aumentaria o custo de financiamento ao estado alemão. Ademais, faz um ano que não se aprova o aumento do FEEF a um trilhão de euros. Por sua vez, os bancos, grandes responsáveis pela crise, mas afundados em seu “próprio inferno”, só aceitaram o perdão da dívida grega sob a condição de que o BCE compre esses bônus e os compense. O confronto com a Grã-Bretanha Outras alternativas de financiamento, como a criação de impostos europeus e, dentro deles, uma taxação das transações financeiras propostas na recente cúpula europeia também criam crise e confrontos: a Grã-Bretanha votou na contramão, o que provocou uma grande irritação em Merkel e Sarkozy. A posição do governo de Cameron é explicada pelo fato da Grã-Bretanha ser parte da UE, mas com um elemento de diferenciação. Com um PIB um pouco menor que o da França, representa um polo específico dentro da UE, com uma economia altamente financeirizada: Londres é hoje o segundo centro financeiro mundial, só perdendo para Nova York e 6 A “zona de ferro” Por sua vez, o projeto de reduzir a zona do euro, deixando os países débeis saírem, abre o risco do efeito dominó. Também gera um forte debate: uma coisa é deixar fora a Grécia, Portugal e Irlanda (que somam apenas 6% do PIB da zona) e outra, a Itália e a Espanha, que acumulam 30%. A burguesia imperialista europeia assemelha-se a um jogador de xadrez com uma posição na qual não há jogada boa: qualquer uma que fizer recebe xeque. Então, trata-se de eleger a “menos ruim”. As burguesias imperialistas só terão uma “saída boa” se conseguirem infligir a suas classes trabalhadoras uma derrota de grande magnitude. Isto lhes permitiria aumentar em termos qualitativos os níveis de exploração e de extração de maisvalia para aumentar a taxa de lucro, O premier britânico, David Cameron, se opõe a criar impostos europeus sobre as operações financeiras alimentar a voracidade financeira e gerar uma nova onda expansiva. Ao mesmo tempo, esse triunfo lhes daria a “tranquilidade política” da qual agora carecem. Os efeitos da própria crise e os planos de ajuste, evidentemente, têm aumentado os níveis de exploração e a taxa de lucro. Mas este aumento não parece ser, por hora, suficiente. No entanto, o fundamental é que, no contexto da profunda crise econômica e financeira, o movimento operário, embora não consiga impor sua própria saída, resiste e enfraquece com sua luta, governos e regimes e transforma a situação em um grande atoleiro. À medida que nenhuma das duas classes em luta imponha sua saída de fundo, a perspectiva é que a situação atual se arraste, num movimento em espiral, com tendência a se agravar. Inclusive, pode se produzir um “evento negativo significativo” de consequências catastróficas, que a OCDE tanto teme. No marco desta contradição, a “linha Merkel” continua sendo aplicada: manter a zona do euro, mas “espremendo” os países mais débeis e com problemas até ao extremo. EUA esquivam-se da recessão Em 2011, a economia norte-americana escapou da recessão, mas com um crescimento pequeno (1,7%), menor que o de 2010. A OCDE prevê uma continuidade deste “crescimento suave” para 2012 (2%); outros prognósticos estimam 2,5%. A mídia ressaltou, no final de 2011, dois dados positivos: o aumento do consumo privado e a redução do índice de desemprego (caiu a 8,3% em dezembro de 2011, 1,5% menor que um ano atrás). É similar ao prognóstico de Nouriel Roubini, em 2010, antecipando um “período prolongado de crescimento anêmico”. Isto se refletiria não no “W” europeu, mas na figura de um planalto, isto é, uma situação de crescimento, mas sem grandes possibilidades de aceleração. Os incentivos governamentais que empurraram a frágil recuperação estão se reduzindo (em função da votação no Congresso sobre o teto da dívida pública) e, segundo dados do BEA (Bureau of Economics Affairs), o investimento privado não se recupera significativamente. O consumo privado (representa 70% do PIB) não tem grandes possibilidades de crescer de modo sustentado, à medida que não há uma grande criação de novos empregos, e os que se criam CORREIO INTERNACIONAL * 2-8 sit. econ. mundial (P)_Maquetación 1 15/03/12 15:02 Página 7 ATUALIDADE são de salários mais baixos que os eliminados e, desde 2007, a capacidade da população em financiar seu consumo com crédito foi reduzida. O desemprego baixou no último ano. Mas, além dos questionamentos à sua metodologia de cálculo (elimina-se as pessoas que deixaram de buscar emprego), estima-se que esta redução tenha limites próximos, se não houver renovação dos estímulos de contratação pelo legislativo, porque se chocaria com o chamado “desemprego estrutural”. Em qualquer caso, os analistas estimam que fossem necessários pelo menos cinco anos deste ritmo de crescimento para voltar aos níveis de desemprego prévios à crise (5,6% em 2007). Sobe a produtividade e a taxa de lucros Neste marco, a produtividade (um indicador que combina níveis de exploração com a incorporação de tecnologia) continuou crescendo de modo sustentado nos últimos anos, incluídos os da crise. Teve um crescimento anual de 3% nos anos 90; 3,5-4% entre 2000 e 2005 e manteve uma média de 2,5% desde então. Como assinala Daniel Romero (“Com quantas crises se faz uma revolução?”, http://litci.org/pt/mundo), este aumento da produtividade se deve fundamentalmente ao maior nível de exploração e não à incorporação de tecnologia ou de capital fixo. Por exemplo, em 2009, o investimento em capital fixo caiu 2,7%. O aumento da produtividade foi resultado da intensificação do ritmo de trabalho dos que conservaram seus empregos, no contexto de um salto importante do desemprego. Este aumento dos níveis de exploração resulta no crescimento sustentado da taxa de lucros, depois de chegar ao menor nível (inícios de 2009). Como se vê no gráfico anexo, no final de 2010 já havia uma recuperação a um nível similar a 2007, quando estourou a crise. Segundo um estudo do Economic Policy Institute (EPI), o lucro das empresas cresceu de US$ 1,5 trilhão no quarto trimestre de 2007 (momento do início da crise) a quase US$ 1,6 trilhão no primeiro trimestre de 2010 (pico da recuperação). Um aumento de 5,7%. No mesmo período, perderam-se 8,2 milhões de empregos, perto de 5% da força de trabalho. Nestes anos, o rendimento do trabalho aumentou 11%. MARÇO DE 2012 Evolução da taxa de lucro nos Estados Unidos e Europa Estados Unidos (escala da esquerda) Europa (escala da direita) Fonte: Eurostat e BEA – Tomado de Husson, Michel, Una Crisis sin fondo, Revista Herramienta 48, Outubro 2011. (Nota: os valores do gráfico têm como referência uma taxa de lucro histórica. Em trabalhos anteriores, o valor da taxa de lucro nos EUA, em 1999, foi estimado em 7%). Por que a recuperação não dá um salto? Se a crise permitiu que a exploração e a produtividade aumentassem e, com isso, que a taxa de lucro tivesse uma recuperação aos níveis de 2007: por que não começou nos EUA uma recuperação muito maior dos investimentos para iniciar uma “fase ascendente” mais sustentada? A resposta requer a combinação de vários elementos. Por um lado, a crise política causou um grande impacto, analisado no artigo Nada de tranquilidade (Correio Internacional nº 6). A derrota do projeto Bush foi seguida pela impossibilidade para Obama de reverter seus aspectos mais profundos e de impedir o desgaste de seu governo. Frente a este desgaste, os republicanos, ao mesmo tempo em que lhe “ataram as mãos”, em um processo de eleição primária “sangrenta”, não parecem ainda capazes de gerar uma alternativa séria para a burguesia, apesar do atual deslocamento do Tea Party3. Esse braço de ferro travou simultaneamente ambos competidores e, através da lei orçamentária votada no ano passado, diminuiu ou eliminou incentivos ao consumo e à recuperação (incluindo a redução do orçamento militar). Tudo isso aumentou a “desconfiança investidora” da burguesia. Isto é, estariam dadas as “condições objetivas” para uma recuperação, mas não as condições políticas. Esta posição foi enunciada por Mohamed O-Erian (principal executivo de PIMCo, um dos maiores fundos de investimento dos EUA) em várias entrevistas ao canal financeiro Bloomberg, onde criticou duramente o governo e os republicanos pela forma com que manejaram a “crise da dívida”. Alguns elementos desta crise política parecem estar começando a mudar. As últimas pesquisas mostram que Obama está se recuperando eleitoralmente e poderia derrotar Mitt Romney nas eleições presidenciais. Esta recuperação apoia-se seguramente no “crescimento anêmico” e também na leve redução do desemprego. E, também, em medidas de claro verniz eleitoral como o refinanciamento de hipotecas a um pequeno setor de devedores para que não percam suas casas. Para ajudá-lo, a primária republicana está muito à direita. Romney tem dito frases como “gosto de demitir” ou “os mais pobres não me preocupam”. É muito provável também que haja cada vez mais setores da burguesia norteamericana que prefiram um “Obama conhecido” para enfrentar a situação atual do que “um Romney a se conhecer”. De qualquer forma, mesmo que a “crise política” esteja começando a se fechar, ao longo de todo ano de 2012 haverá um efeito “delay”4 devido ao processo eleitoral. No caso de um triunfo de Obama, será necessário verificar a força política de seu segundo mandato e quanta “confiança investidora” vai gerar na burgue7 * 2-8 sit. econ. mundial (P)_Maquetación 1 15/03/12 15:02 Página 8 ATUALIDADE sia. Por outro lado, ao longo de várias décadas, e agravada pela crise, foi-se desenvolvendo nos EUA uma deterioração social cada vez maior, que se expressa nos 45 milhões de pobres e no surgimento de movimentos de protesto, o que não ocorria há décadas, como o Occupy. Um processo mais estrutural O segundo aspecto a analisar é se a burguesia norte-americana (ou pelo menos setores importantes) está mudando sua política de levar os maiores investimentos industriais à China e à Índia e voltar a investir nos EUA. Isto é, se a divisão internacional do trabalho definida desde os anos 90 estaria começando a mudar ou se esta se mantém no essencial. Num artigo da Correio Internacional nº 6, apresenta-se dados de várias empresas que estão instalando ou expandindo fábricas nos EUA em detrimento de seus investimentos na China (Caterpillar, NCR, Wham-Ou Inc., BCG). Um executivo da BCG, Michael Zinser, destacou o avanço da exploração: “Trabalhadores e sindicatos estão mais receptivos a aceitar concessões para trazer os empregos de volta aos EUA”. Em seu discurso do Estado da União de 2012, Obama reivindicou (além do “salvamento” da GM) que a histórica empresa de fechaduras Master Lock tinha deixado de fabricar na Malásia e na China e reabriu sua fábrica em Milwaukee, com alguns milhares de trabalhadores. Isto é, começaria a se produzir um equilíbrio entre o aumento da produtividade mais a redução salarial nos EUA e o aumento de salários e a inflação na China, que justificaria a volta dos investimentos industriais ao país. Deve-se seguir estudando este tema. Mas achamos que ainda se trata de casos isolados e não de uma tendência geral, que reverta o processo que se deu a partir de 90. A burguesia norte-americana continua em compasso de espera em relação aos investimentos industriais no país. Como um elemento que expressa esta realidade, as medidas monetárias de Obama para diminuir o déficit da balança comercial não conseguiram grande efeito. O déficit comercial acumulado em 2011 superará amplamente os US$ 500 bilhões. Pouco mais de 60% dessa cifra corresponde à balança comercial com a China. As apostas no capital financeiro Em vários trabalhos, mostramos que os bancos centrais dos países imperialistas e outros fizeram planos de resgate e jogaram nos mercados financeiros e bancos uma cifra global equivalente a US$ 24 trilhões. Estima-se que pouco mais de 50% do valor correspondeu aos EUA. Graças a esses fundos, salvaram-se da falência à que estavam quase condenados em 2008, recuperaram o valor de seu capital corroído pelo fim da “bolha” especulativa e ganharam novo fôlego para manter sua especulação. “O mercado financeiro ganhou oxigênio novo e, em 2010, o volume de ativos financeiros já era US$ 10 trilhões maior do que em 2007, ano anterior à crise” (Instituto McKinsey, Relevação do Mercado Global de Capitais, agosto de 2011). Em pouco mais de dois anos, o mercado financeiro recuperou as perdas de uma das maiores crises da história e, inclusive superou-as. Mas isso não faz mais que reabrir uma das causas que esteve na origem da crise (a hipertrofia do sistema): a relação entre o capital financeiro e o PIB chega a 356% no mundo e a 462% nos EUA. Assim se realimentam velhas bolhas especulativas e se criam novas. Com isso, volta a entrar em cena o fenômeno que chamamos “superincremento” da composição do capital, analisado em vários artigos da revista Marxismo Vivo. Isto corrói o impacto favorável que a recuperação do aumento da mais-valia possa ter conseguido pela via da maior exploração. Volta assim a se colocar também a necessidade de que o aumento da exploração se mantenha, com ataques cada vez mais ferozes aos trabalhadores, por diferentes meios. Mas estes respondem com sua luta, como vemos no norte de África, no Oriente Médio e na Europa. O que reafirma, uma vez mais, que a definição final da dinâmica da atual crise se dará, como sempre, no terreno da luta de classes. 1 UNTACT – Conferência das Nações Unidas Sobre Comércio e Desenvolvimento. 2 PIIGS – Sigla para Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha, setor mais frágil da zona do euro. 3 Tea Party – Movimento da ultradireita norteamericana, surgiu em 2009, como oposição às medidas de Obama e em apoio ao Partido Republicano. 4 Efeito “delay” – instrumento musical que provoca um efeito de eco, de reverberação. O movimento Occupy Wall Street, e outros semelhantes no resto do país, mostraram o crescente descontentamento popular com o aumento da desigualdade social nos Estados Unidos, expresso em seu lema: “Somos os 99%”. 8 CORREIO INTERNACIONAL * 9-13 Siria (P)_Maquetación 1 20/03/12 20:16 Página 9 ATUALIDADE Síria A Guerra Civil marca os passos da Revolução RONALD LEÓN É UM FATO. A luta de classes na Síria, como parte de um impresionante processo revolucionário que sacudiu a região que vai do Norte da África ao Oriente Médio, chegou ao seu pico máximo: a guerra civil. N esse mês de março completa-se o primeiro aniversário do início do levante popular contra a ditadura de Bashar Al Assad, que detém o poder de maneira totalitária há 12 anos, no marco de um regime que se arrasta por quatro décadas. Desde então, a luta do povo sírio por liberdades democráticas e melhorias no padrão de vida se espalhou em graus diferentes por todo o país. Durante todos esses meses, as manifestações populares foram brutalmente reprimidas. Até fevereiro de 2012, a ONU contabilizou 7500 vítimas fatais. Já as organizações da oposição sírias, entre elas a DDHH, contabilizaram muito mais. Revolução e contrarrevolução medem forças pelas ruas tendo como linguagem fuzis e canhões. Assistimos a um verdadeiro banho de sangue. MARÇO DE 2012 Surgimento e Desenvolvimento do Exército da Síria Livre (ESL) A crescente força das mobilizações populares e o impulso que as vitórias em outros países da região (como a do povo líbio contra o sanguinário Kadafi) davam ao processo revolucionário de conjunto geraram por um lado o armamento de um setor da população e por outro lado uma crise profunda e um número considerável de deserções no exército regular sírio. Dessa maneira, surgiu no final de 2011 o Exército da Síria Livre (ESL), composto por civis que tomaram as armas e soldados desertores. Em suas primeiras batalhas, o ESL atacava alguns pontos políticos (como a sede do partido Baath) além de postos policiais e militares. Nesse processo, a força do ESL foi aumentando, acompanhando a radicalização dos protestos po- pulares, constituindo-se em uma força combatente de peso importante. Lutando contra um exército regular que continua mantendo sua superioridade material, o ESL utiliza-se de táticas militares de guerrilha. Assim, um dos chefes militares do exército rebelde, coronel Riad Al–Assad, informou que o ESL conta com mais de 40.000 combatentes e que as “operações realizadas pelo ESL são caracterizadas por ataques rápidos conta as posições pró–Assad, seguidas de retiradas táticas para zonas mais seguras”. (France Presse). O curso da Guerra Civil acelera a crise do exército de Assad A crise do exército regular sírio é mais lenta se compararmos com a que ocorreu com o exército de Kadafi, mas é incessante e não se dá apenas pelos ataques ao movimento de massas, mas por signi9 * 9-13 Siria (P)_Maquetación 1 20/03/12 20:16 Página 10 ATUALIDADE ficativas contradições internas que ocorrem no país. O exército do ditador Assad é composto pela minoria alauita, segmento ao qual pertence sua família. Estima-se que 80% dos altos oficiais pertencem a esse setor. Contudo, este exército elitizado começa a dar sinais de cansaço depois de alguns meses de ações ininterruptas. O exército regular de Assad está munido de tanques e artilharia pesada em áreas urbanas, levando à destruição de muitos locais, exacerbando os protestos e o uso de armas de fogo pelo povo. A questão é que Assad tem um enorme problema na composição da maioria de suas forças armadas. Embora seja numerosa, a esmagadora maioria dos 300.000 efetivos são recrutas sunitas, aos quais, por se duvidar de sua fidelidade, não é costume atribuir tarefas de repressão nas missões. Não é casual que a maioria das deserções venha dessas forças. Portanto, na hora de reprimir, quem geralmente atua é a Guarda Republicana, que conta com cerca de 10.000 efetivos, assim como a Quarta Divisão Mecanizada, que em suas fileiras conta com outros 20.000 efetivos. Ambas as forças estão formadas em sua maioria por alauitas e são dirigidas pelo nefasto Maher Al Assad, irmão mais novo do presidente. Do ponto de vista militar, a situação de Assad é complicada. Existe lutas em cidades como Homs, Hama, Idlib, Deraa e até no berço da família Assad, a costeira cidade de Latakia. O levante popular se espalhou em que pese que alguns focos rebeldes tenham sido esmagados, estão superando Assad. Apesar de sua superioridade em número e armamentos, o exército do regime até agora não consegue deter o levante popular armado: enquanto uma cidade é destruída, os soldados de Maher Al Assad devem abandoná-la e correr para assaltar outras e outras. E assim, os rebeldes ressurgem... Isso tem ocorrido sucessivamente. Um exemplo disso foi o que ocorreu na cidade de Homs, que foi submetida durante quatro semanas a intensos bombardeios e dois dias ferozes de combates casa a casa. O bairro de Baba Amr, foco da resistência, foi o mais atingido, pois teve à sua frente uma superioridade numérica e um poder de fogo infinitamente superior, mas em suas ruas resistiam várias milícias apoiadas pela maioria da população. 10 O regime sírio continuou utilizando o mesmo método em Homs com o qual, há exatamente 30 anos, esmagou uma rebelião islâmica em Hama. Naquela ocasião, Hafez El Assad, pai do atual ditador, bombardeou a cidade por um mês para depois lançar sobre ela um assalto terrestre implacável. Hama foi arrasada. Nunca se soube o número real de mortos que oscila entre 14 e 40 mil. A milícia de Homs finalmente anunciou um recuo tático. No entanto, Assad filho não obteve em Homs o mesmo êxito que seu pai em Hama. A resistência armada do povo sírio não foi esmagada em Homs, como quer comemorar o regime assassino de Assad. O ditador utilizou nesta operação cerca de 7.000 soldados de elite e dezenas de tanques, incluindo mísseis de longo alcance usados sob bombardeio incessante. Mesmo com todas essas forças, o regime não conseguiu esmagar a resistência popular. Pelo contrário, o presidente teve que reconhecer em declarações para a televisão Al Jazeera que suas forças “também sofreram numerosas baixas nos combates”, pelas mãos do ESL. Dessa forma, enquanto Homs continua em chamas, os combates se transferiram para outras cidades rebeldes como Hama e Idlib, onde já começaram os bombardeios. A guerra civil se espalhou a tal ponto que também houve confrontos em regiões de conflitos antigos como nas Colinas de Golã, território conquistado e anexado por Israel. (conforme o jornal Clarín da Argentina) É claro que a vitória rebelde não está definida. No entanto, pelos elementos que analisamos podemos afirmar que a guerra civil se intensifica e a resistência popular armada se estende. Nir Rosen, um jornalista norte-americano que passou algumas semanas na Síria comentou sua experiência para a rede Al Jazeera “Bashar, pare de matar”. destacando como os comitês locais e as milícias armadas das cidades ou províncias estão se unindo e criando estruturas maiores. De todas as organizações, disse Rosen, a mais importante é justamente o Conselho Revolucionário de Homs, que se tornou um “estado dentro de outro estado”. Este Conselho assumiu tarefas de segurança, saúde, alimentação de mais de 16.000 famílias e ainda organiza a luta social e armada contra a ditadura. Outro dado importante apontado por Rosen tem a ver com a composição do ESL, que está formado majoritariamente por civis armados, por pessoas comuns que tomaram as armas, muito mais do que os soldados que abandonaram o exército regular sírio. Rosen confirma que as deserções existem e aumentam. Afirma ainda que começaram muito depois do início da resistência popular armada, que obtinha armas no mercado paralelo e que começou pela necessidade de proteger as manifestações da repressão. As manobras da “abertura democrática” Quanto mais o regime se desespera, mais reprime. Assad agarra-se ao poder, recusa-se a negociar sua saída, endurece a repressão e declara ao mundo que continuará usando “mão de ferro” e que “se manterá firme para enfrentar seus inimigos” que, segundo suas próprias denúncias, seria uma “conspiração estrangeira”. No entanto, tenta um movimento paralelo tímido para legitimar seu regime e manter a base social que ainda o apoia. Em fevereiro desse ano, ao mesmo tempo em que bombardeou Homs, realizou um referendo constitucional para legitimar uma suposta “abertura democrática”. No entanto, de acordo com o texto dessas reformas, Assad mantém poderes determinantes, incluindo a possibilidade de escolher o primeiro-ministro, rechaçar leis contra a maioria do “parlamento” e, acima de tudo, poderia ser mantido “constitucionalmente” no poder, pelo menos, até 2028. Apesar desta manobra, o regime continua em uma situação muito delicada, tanto política quanto militar. Cercado pelas mobilizações populares e pela ação armada do ESL, deve enfrentar outra dura realidade: o imperialismo, ao qual tem sido tão fiel até agora, cada vez mais se distancia. CORREIO INTERNACIONAL * 9-13 Siria (P)_Maquetación 1 20/03/12 20:16 Página 11 ATUALIDADE A política do imperialismo Há alguns meses o imperialismo (norte-americano e europeu) e as burguesias árabes, que no começo o apoiaram com tudo, começaram a se distanciar de Assad. Primeiro fizeram-lhe advertências, pressionando no sentido de buscar uma saída negociada. Depois, aplicaram sanções econômicas. Subindo o tom, ainda que no terreno diplomático, a Liga Árabe, que é um dócil instrumento da política das potencias imperialistas e que durante meses tentou negociar de todas as formas com Assad, resolveu suspendê-lo como país membro. Nos primeiros dias de fevereiro, a Liga Árabe apresentou uma proposta de resolução para o Conselho de Segurança da ONU onde se condenava a repressão e se colocava como condição sine qua non para resolver a crise a saída de Assad e a conformação de um “governo de unidade nacional”. Essa resolução foi vetada pela Rússia e China, motivo pelo qual foram duramente denunciados pelos demais líderes mundiais como “cúmplices” dos crimes de Assad. Depois houve uma declaração do Conselho dos Direitos Humanos da ONU que condenava a “sistemática violação” dos direitos dos civis na Síria. Rússia, China e Cuba, que apoiam a permanência de Assad votaram contra essa resolução. O imperialismo, vendo que tal situação se agrava cada vez mais, entende que um apoio aberto a Assad tornou-se complicado demais. Por isso o denuncia, aplica sanções econômicas e tenta cercá-lo internacionalmente, pressionando para que mude a tática na forma de enfrentar a revolução popular ou diretamente renuncie, enquanto a situação permitir. Mas por que o imperialismo norteamericano, europeu e as burguesias árabes agora emitem declarações contra Assad? Os motivos estão bem longe de um suposto e repentino sentimento humanitário para com o povo sírio, que está sendo massacrado, ou de uma real defesa das liberdades democráticas nesse país. Essas potências são as mesmas que sempre sustentaram a dinastia Assad, que por sua vez sempre foi fiel na entrega do petróleo, na aplicação da receita do neoliberalismo do FMI e em garantir a segurança das fronteiras de Israel. O que está por trás dessa retórica “humanitária” é a necessidade vital que o imperialismo tem de derrotar o processo revolucionário na Síria e em toda a reMARÇO DE 2012 O povo sírio se mobiliza massivamente contra a ditadura de Assad. gião, que se agudiza com a permanência de Assad no poder. O ditador sírio, atualmente, transformou-se em um elemento de desestabilização. O imperialismo, além de hipócrita, é pragmático. Sabe distinguir muito bem o tático do estratégico e, nesse sentido, manter ou não um lacaio, para eles, é um assunto meramente tático. Por outro lado, está claro que agora não está disposto a impulsionar nenhum tipo de intervenção armada como fez na Líbia. Para o imperialismo norte-americano, que enfrenta um momento eleitoral e que carrega derrotas como no Iraque e no Afeganistão, qualquer ação militar seria muito difícil. Para o imperialismo europeu, mergulhado em crises, não é menos complicado. Além disso, a saída armada seria um grande risco em um país onde existe um exército melhor preparado e cuja localização geopolítica é explosiva. A Síria possui fronteiras com o Líbano e com o Mar Mediterrâneo a oeste; Israel a sudoeste; Jordânia ao sul; Iraque a leste e Turquia ao norte. Uma intervenção armada poderia ter desenlaces inesperados e poderia incendiar todo o Oriente Médio. Obviamente que do ponto de vista político e militar, Síria não é Líbia. Nesse momento, o imperialismo aponta para o desgaste econômico e diplomático. Poderíamos dizer que aposta numa saída como a que ocorreu no Iêmen, transferindo o poder ao vicepresidente, concedendo algumas reformas democráticas, mas salvando o essencial do regime. A intervenção armada não é o mais provável, uma medida que, se acreditassem ser oportuna, já teria sido aplicada há algum tempo, sem se importar com o veto da Rússia e da China na ONU. Pelos mesmos motivos, embora declarem que Assad deve sair, os imperialistas ficam furiosos quando o CNS e o ESL lhes exigem armas e assessores militares para combatê-lo. Hillary Clinton, diante desse pedido indagou: “Se fizermos isso, a quem estaríamos armando?”. O imperialismo não confia nos rebeldes. O castro–chavismo continua apoiando os ditadores assassinos O concreto é que a Assad restam poucos aliados no cenário internacional. Podemos contar nos dedos das mãos, pois são China, Irã, Cuba, Venezuela e Nicarágua. Hugo Chávez emitiu um comunicado onde “expressa seu mais firme apoio” ao governo sírio e “reconhece o grande esforço realizado pelo presidente Bashar Al–Assad para facilitar uma solução política para a complexa solução que o país atravessa” (APF, 12/1/12) Chávez acusa o povo sírio, assim como as massas da região, de cometer “atos terroristas”. Tudo com o conhecido argumento de um “assédio imperialista” e que um suposto líder anti-imperialista estaria sendo desestabilizado “por forças estrangeiras”, segundo expressa seu comunicado oficial. A posição da ditadura castrista é igual e lamentável, ainda que surpreendente. 11 * 9-13 Siria (P)_Maquetación 1 20/03/12 20:16 Página 12 ATUALIDADE No Granma digital pode-se ler elogios ao suposto “processo de reformas” que Assad estaria impulsionando com o referendo que comentamos. Diz que o bombardeio oficial a Homs é contra “grupos armados” financiados por estrangeiros que estariam atacando essa cidade (www.granma.cu). Frente a esse massacre, os representantes diplomáticos do governo cubano expressaram que a saída deve ser “pacífica” e, nesse sentido, destacam as tentativas de Kofi Anan como mediador (www.cubadebate.cu). O apoio a esses ditadores, além de repugnante, reforça a posição do imperialismo, pois favorece sua política de aparecerem como os “defensores da democracia e dos direitos humanos”. Tudo isso sem falar da solidariedade de Castro e Chávez com os tiranos do mundo árabe, debilitando a solidariedade que a justa luta do povo sírio, ou de outros povos, necessitam com tanta urgência. O problema dos problemas Na Síria, como na Líbia e nos demais países da região, a contradição central está entre as heróicas lutas das massas e suas direções burguesas e pró–imperialistas. No caso sírio, nesse último sentido, temos o Conselho Nacional Sírio (CNS) que surgiu nos últimos meses. O CNS apresenta-se como um governo alternativo e está composto pela Irmandade Muçulmana, por liberais, pelas diversas facções curdas e, aparentemente, pelos Comitês de Coordenação Locais. O CNS apoia as ações armadas do ESL, mas ao mesmo tempo clama por uma intervenção imperialista exigindo uma ação rápida por parte da “comunidade internacional” para proteger os civis “mediante os meios necessários” (France Presse). De todos esses organismos, o espaço mais progressista parece ser os Comitês de Coordenação Locais, compostos por moradores das comunidades, jovens de distintas cidades e bairros, com a tarefa de articular as manifestações em várias zonas. Nós da LIT-QI, sustentamos que o problema dos problemas, tanto na Síria como no resto dos países da região que estão sendo sacudidos pelo processo revolucionário é a questão da direção revolucionária. Nesse sentido, alertamos o povo sírio e os lutadores e lutadoras 12 mais conscientes da resistência a confiar somente em suas próprias forças revolucionárias e não alimentar nenhum tipo de expectativa, nem no imperialismo, nem nas correntes políticas burguesas, sejam laicas ou islâmicas. Aos trabalhadores e jovens que se organizam em comitês por zonas, que pegam em armas e se articulam, dizemo-lhes que se trata de um processo de vida ou de morte e que, no calor da luta contra o regime de Assad, que seja o povo e a classe trabalhadora síria que se auto-organizem e se autodeterminem na hora de definir os destinos de sua luta. Dirigentes como os atuais, tanto do CNS como do ESL, podem estar momentaneamente no mesmo campo militar que o povo pobre contra Assad, mas por seu caráter de classe acabarão, cedo ou tarde, traindo as reais aspirações populares não somente econômicas, mas também as que existem no terreno das liberdades democráticas. A única saída para uma vitória estratégica é construir uma direção revolucionária e internacionalista que tome as rédeas do processo. Todo o apoio à luta do povo sírio pela queda do regime assassino de Assad! É preciso unificar as mobilizações em todo o país e intensificar a luta armada até a queda do regime. É o momento de aprofundar a divisão das forças armadas do regime e que as massas estendam sua organização na forma de conselhos populares com funcionamento democrático que, por sua vez, organizem as milícias armadas, cujas ações devem estar submetidas ao interesse geral da luta. Nesse sentido, a LIT-QI rechaça categoricamente, e chamamos para que se rechace qualquer tipo de intervenção imperialista na Síria. É o povo sírio, e somente o povo sírio, quem deve decidir seus destinos. Não se pode esperar nada de bom das potências imperialistas e nem de seus fantoches, que têm como único objetivo o saque e a exploração de nossos povos. Fazemos um chamado a todo movimento social e às organizações políticas que se reivindicam de esquerda ou defensora dos direitos humanos a se solidarizarem com a luta do povo sírio. A partir de nossas organizações devemos exigir uma ruptura imediata de todos os governos com o assassino Assad. Isso inclui, é claro, os governos liderados por Chávez e pelos Castros, fieis defensores do regime. E ao governo Dilma no Brasil que, ainda que de forma mais discreta, também expressou apoio político a Assad. Não somente isso, devemos exigir de todos os governos o imediato envio de armamento bélico e assessores militares para lutar no campo militar do ESL. Para fazer essa exigência, nos dirigimos especialmente ao povo líbio, egípcio, tunisiano e a todos os demais povos da região. A luta é pela queda imediata de Assad e pela instauração de um governo das classes exploradas da Síria. Somente um governo operário e popular pode convocar e garantir a realização de uma Assembleia Constituinte Livre, democrática e soberana para conquistar todas as liberdades democráticas e libertar o país do imperialismo. Somente um governo operário e popular poderá encarar um verdadeiro combate contra o estado nazi-sionista de Israel, enclave político-militar do imperialismo na região, começando pela recuperação do território correspondente às Colinas de Golã, roubado pelos sionistas desde 1967. Esse governo, estabelecido pelas organizações e milícias populares, deve processar e castigar todos os crimes de Assad e sua camarilha ditatorial; confiscar suas fortunas e colocá-las sob o controle e a serviço do povo faminto; anular todos os contratos petroleiros e outros pactos realizados por Assad que amarram o país ao imperialismo; nacionalizar imediatamente o petróleo e todas as riquezas do país sob a administração do povo e a serviço de efetuar um plano de emergência que atenda as urgentes necessidades do povo trabalhador sírio, avançando para uma Federação de Repúblicas Socialistas Árabes. CORREIO INTERNACIONAL * 9-13 Siria (P)_Maquetación 1 20/03/12 20:16 Página 13 ATUALIDADE O castro-chavismo não declarado do PTS-FT O PTS-FT parece não estar aprendendo nada com os processos revolucionários no norte da África e no Oriente Médio. Na Síria começaram a esboçar a mesma linha que tiveram na Líbia. Naquele caso, o fato de que as massas se armaram e derrotaram violentamente um ditador sanguinário e pró–imperialista como Kadafi, a ponto de linchá-lo diante dos olhos do mundo, não representou nenhum triunfo das massas para o PTS–FT. Ao contrário, para eles, quem triunfou foi o imperialismo, que conseguiu instalar um “governo ainda mais pró-imperialista que o de Kadafi”. As heróicas ações das massas, para esses estudiosos da teoria revolucionária, não têm nada a ver com uma revolução, pois entre o povo não se encontravam lutadores, mas muito pelo contrário, “tropas terrestres” centralizadas pela OTAN e dirigentes burgueses do Conselho Nacional de Transição (CNT). Como é possível constatar, essa posição chega por outro caminho e adornada com terminologia trotskista à mesma conclusão do castro-chavismo: Na Líbia não houve revolução, mas contrarrevolução (triunfou o imperialismo); A luta das massas líbias é o que existe de mais reacionário (seriam mercenários ou tropas terrestres a mando do imperialismo); Kadafi, como mínimo era o mal menor, pois em seu lugar o imperialismo instalou um governo ainda mais pró–imperialista. No entanto, apesar de ter a mesma caracterização, o PTS–FT não se anima em dizer que os marxistas revolucionários deveriam estar, no mínimo, no mesmo campo militar de Kadafi e, agora, ao lado do CNT, que pretende desarmar as “tropas terrestres” da OTAN. A questão é que para o PTS–FT, as ações das massas valem pouco ou nada. Para eles, o que vemos no norte da África e no Oriente Médio não são revoluções, mas apenas um “ciclo de rebeliões”1. Na Síria não existe uma guerra civil, mas somente uma “escalada de protestos e enfrentamentos”. Quando definem a situação da luta de classes na Síria, em nenhum momento essa organização entra na impressionante luta que as massas travam. O único que conta para eles são as linhas políticas do MARÇO DE 2012 imperialismo: “Na Síria se entrelaçam a estratégia imperialista para derrotar a rebelião árabe e a ofensiva para reafirmar seu domínio no Oriente Médio”. E as massas? Por acaso não estão lutando, ainda que de forma inconsciente, contra essa estratégia imperialista? Embora não expressam apoio explícito ao regime de Assad e dizem que as massas não devem ter nenhum interesse em preservar o seu regime, se apressam em dizer que Assad “não é um agente direto do imperialismo como foi o egípcio Mubarak, nem um ‘convertido’ às alianças com o Ocidente como Kadafi. Assad, como nos informa o PTS-FT, nao é um “agente direto” do imperialismo. É o mesmo que sustenta o castro-chavismo. O que é então? Um líder anti-imperialista ou um nacionalista burguês que comanda um país independente? Fazendo um esforço camuflado para atenuar ou embelezar o regime de Assad, como fazem os castro-chavistas, continuam dizendo que com esse ditador no poder “subsistem atritos importantes com o Ocidente como sua aliança com Irã, o apoio ao Hezbollah e a exigência a Israel para que se devolvam as Colinas de Golã”. Dizem, ainda, que se ocorresse uma intervenção militar do imperialismo o objetivo seria instaurar um “regime mais funcional” aos seus interesses. Novamente aparece, desta vez para o caso sírio, a idéia do mal menor a partir da possibilidade de um regime “mais funcional” ou um governo “mais pró–imperialista”, como foi o caso de Kadafi. Por outro lado, em seu afã em depreciar as ações das massas, o PTS-FT transfere o caráter contrarrevolucionário do CNS para as ações das massas. Dizem: “A maior contradição política do levante é que ao não desenvolver uma dinâmica re- volucionária independente, o movimento fica subordinado ao CNS e ao seu programa pró-imperialista como um fator de pressão pela “mudança de regime” subordinado aos EUA e à UE (...)”. No caso da Síria, nem esperaram uma intervenção militar para anexar a luta das massas ao campo da contrarrevolução. Essa foi a mesma lógica de raciocínio com a qual acusaram as massas líbias de serem “tropas terrestres” subordinadas ao imperialismo e ao CNT. O PTS–FT declara que a estratégia deve ser “impor por via revolucionária a derrubada de Assad e instaurar um poder operário e popular”. Concordamos plenamente nesse ponto. O problema é que confundem desejo com realidade, como se acostumaram a fazer esses idealistas que se dizem dominadores do método de análise marxista. Um marxista revolucionário parte dos fatos da realidade, não de seus desejos. Por isso, em lugar de negar todo o processo pela inexistência de uma vanguarda da classe operária e uma direção revolucionária, nós marxistas devemos ter uma política, no campo da revolução, para superar essas graves limitações; uma política que parta das contradições do processo, identificando e tentando desenvolver ao máximo os elementos progressivos do processo revolucionário. Mas essa tarefa se torna impossível para uma corrente que não sabe identificar de conjunto onde está a revolução e onde está a contrarrevolução em todo o processo político que sacode o Norte da África e o Oriente Médio. 1 Molina, Eduardo: El imperialismo quiere imponer un “nuevo régimen” favorable a sus intereses. Publicado em 3/2 no site da Fração Trotskista. Todas as citações são desse artigo. 13 * 14-18 Pinheirinho (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:41 Página 14 ATUALIDADE Brasil O Pinheirinho: a luta por moradia e a barbárie do capital BERNARDO CERDEIRA A s brutais imagens correram o mundo: mulheres carregando seus filhos, fugindo de tropas policiais que atiravam balas de borracha e bombas de gás, tendo ao fundo pobres casas de alvenaria ardendo em chamas. Moradores expulsos com violência, feridos e presos, alguns desaparecidos, famílias amontoadas em ginásios e escolas, “abrigos” que se pareciam mais a campos de concentração sem alimentação adequada e condições sanitárias dignas. Em poucos dias máquinas derrubaram 1.600 casas que abrigavam cerca de 9.000 pessoas e as transformam em destroços. Os poucos pertences dessas famílias foram destruídos sem contemplação. Esta é o retrato da desocupação do bairro Pinheirinho, na cidade de São José dos Campos, a cerca de 100 km de São Paulo, Brasil, por uma força de dois mil soldados da Polícia Militar estadual. Um verdadeiro cenário de guerra. A brutal repressão provocou mobilizações de protesto em São José dos Campos e em diversas cidades do Brasil e do mundo. A agressão do governo do Es14 A violenta desocupação do Pinheirinho causou um grande impacto no Brasil e em vários países. É preciso entender o que está por trás deste episódio e qual é o caráter da luta por moradia no Brasil e em todo mundo. tado de São Paulo, dirigido pelo PSDB1, a famílias pobres que apenas lutavam para ter um lugar digno onde morar mereceu o repúdio de organizações de Direitos Humanos e do movimento social no Brasil e em todo o mundo; motivou Audiências Públicas no Senado brasileiro e na Assembleia Legislativa de São Paulo e levou juristas democráticos a apresentarem o caso à Corte Interamericana de Direitos Humanos e ao Tribunal Penal Internacional. Não há dúvida: trata-se de mais um capítulo da guerra social da burguesia brasileira contra os trabalhadores e os pobres. A campanha em defesa das famílias desalojadas, a solidariedade efetiva a elas e o apoio à sua luta por moradia continua, mesmo depois da desocupação. Mas é preciso também entender o que está por trás de todo esse episódio. Qual é o contexto internacional e nacional? A repressão ao Pinheirinho é parte de um “giro” fascista do governo do PSDB em São Paulo? Que papel cumpriu o governo Dilma neste episódio? Qual o caráter da luta por moradia no Brasil e no mundo? Governo, Juízes, Polícia Militar e um megaespeculador: uma conspiração mafiosa A barbárie do Pinheirinho mostra bem o verdadeiro caráter da democracia burguesa em que vivemos: uma ditadura do capital que não hesita em usar todo tipo de mentiras, atropelos da própria lei burguesa e violência para conseguir seus desígnios, em especial quando estão envolvidos enormes lucros. O Pinheirinho era um verdadeiro bairro, situado em um terreno de um milhão e trezentos mil metros quadrados, ocupado desde 2004 por pelas famílias que se organizavam no MUST (Movimento Urbano dos Sem-Teto) e na Associação dos Moradores. A juíza Márcia Loureiro, da 6° Vara Cível de São José dos Campos, determinou a “reintegração de posse” do terreno à empresa Selecta, que seria a dona do terreno, e a expulsão dos moradores. Como se trata de uma empresa em falência, a reintegração seria feita em nome de sua massa falida para pagamento de dívidas. CORREIO INTERNACIONAL * 14-18 Pinheirinho (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:41 Página 15 ATUALIDADE Depois da desocupação, a juíza “confessou” em entrevista à imprensa que a “operação” estava sendo preparada há quatro meses com o Governo Alckmin, a Polícia Militar, a Prefeitura de São José dos Campos e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ou seja, havia um conluio de forças com a firme decisão de expulsar os moradores a qualquer custo. Para isso, não hesitaram em utilizar primeiro todo tipo de subterfúgios jurídicos. A juíza resgatou uma liminar que já havia sido indeferida pela Justiça e deu a reintegração de posse. O Tribunal de Justiça de São Paulo ratificou sua decisão e ignorou deliberadamente a ordem de um juiz federal que suspendia a ação de desocupação quando esta já estava em curso. Finalmente, o governo Alckmin, que comanda a Polícia Militar de São Paulo executou a ação armada. Não é difícil concluir que tamanha operação política, judicial e militar por parte do Estado, preparada durante tantos meses, não tem origem na determinação de uma juíza de uma cidade do interior. A explicação é simples: segundo os próprios advogados dos proprietários o terreno poderia valer até R$ 200 milhões (cerca de 70 milhões de dólares). Utilizado para um empreendimento imobiliário, poderia valer três ou quatro vezes mais. MARÇO DE 2012 É fácil ver, então, quem ganha com a desocupação. Em primeiro lugar, o Sr. Naji Nahas, o dono do terreno e um megaespeculador criminoso que chegou a quebrar a Bolsa do Rio de Janeiro com operações a descoberto. Mas não é preciso muito esforço para entender que a Prefeitura, o Governo do Estado e logicamente o PSDB partido que dirige os dois Executivos, tem interesses diretos e tudo a lucrar com este negócio. A especulação imobiliária e a Copa do Mundo de 2014 A especulação imobiliária em São José dos Campos não é um fato isolado. Acontece em todo o país. A crise econômica mundial provocou uma grande disponibilidade de capitais nos países imperialistas que estão sendo direcionados para investimentos nos países ditos “emergentes”. No Brasil, em especial, dois eventos foram pensados para receber esses capitais: a Copa do Mundo de 2014 e, em menor medida, as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, Segundo dados do relatório Brasil Sustentável – Impactos Socioeconômicos da Copa do Mundo de 20142, o Brasil receberá cerca de três milhões de visitantes adicionais e o evento produzirá uma receita extra de cerca de R$ 6 bilhões às empresas brasileiras. Ao mesmo tempo, receberá R$ 14,5 bilhões de investimentos nas 12 cidades-sede do Mundial, inclusive uma imensa quantia do Estado para a construção de estádios, reforma de aeroportos, melhoria do transporte urbano e obras de infraestrutura em geral. Tudo isso deve impactar os PIB’s municipais em R$ 7,18 bilhões. No total, estima-se que o impacto do Mundial na economia brasileira gire em torno de R$ 143 bilhões. Evidentemente, todas as grandes empresas nacionais e multinacionais com interesse no Brasil estão se preparando para auferir grandes lucros. E a inversão de capitais em torno destes eventos é um dos motivos do enorme aumento dos preços dos imóveis urbanos. Na cidade de São Paulo, a valorização dos imóveis nos últimos três anos foi de 90%, segundo o índice de preços FIPE ZAP. A situação da moradia no Brasil A especulação imobiliária agrava o problema estrutural da moradia no Brasil, que é um dos mais agudos para os setores mais pobres da classe operária e dos trabalhadores rurais. Segundo dados do IBGE3 do censo de 2010, o Brasil tinha naquele ano 11,4 milhões de pessoas Mulheres do Pinheirinho com seus filhos tentam afastar-se da "zona de guerra" criada pela PM de São Paulo. 15 * 14-18 Pinheirinho (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:41 Página 16 ATUALIDADE (6% da população do país) vivendo em favelas, palafitas ou outros assentamentos irregulares, num total de 6.329 assentamentos em 323 cidades. Isso sem falar dos que não possuem moradia alguma, vivendo nas ruas dos grandes centros urbanos e que não são “contabilizados” pelo censo… O censo mostra que 88% das moradias em favelas estavam concentradas em regiões com mais de 1 milhão de habitantes. Na Região Metropolitana de São Paulo, maior aglomeração urbana do país, 2,16 milhões (18, 9%) de moradores viviam em favelas. Em Belém, mais da metade da população (53,9%) morava em assentamentos irregulares. No Rio de Janeiro, era 22% e em São Paulo 11% da população. No entanto, levando em conta todas as demais habitações precárias (cortiços em velhos edifícios ou casas, várias famílias que se amontoam na mesma casa e habitações rurais extremamente precárias) calcula-se que o déficit habitacional do país (segundo o PNAD de 2008) chegue a 5,5 milhões de habitações, ou seja, mais de 30 milhões de pessoas não tem moradia digna. É importante observar que não estamos falando de casas típicas da classe operária (simples, mas em bairros com um mínimo de estrutura), que constituem a ampla maioria das moradias do país. Aqui, estamos nos referindo às que não reúnem condições mínimas. Se falarmos do déficit habitacional em geral, um levantamento do próprio governo feito em 2005 situava esta cifra em oito milhões de moradias. 16 Depois da desocupação, a prefeitura de São José dos Campos demoliu as mil e seiscentas casas que os habitantes do Pinheirinho tinham construído. Concentração de capital, especulação imobiliária e o problema da moradia no sistema capitalista O grave problema da moradia no Brasil não é um privilégio deste país nem da nossa época. É um dos problemas estruturais do capitalismo decorrente da expropriação dos camponeses de suas terras, de sua expulsão para as cidades onde passam a compor um exército de reserva industrial e do sistema geral da exploração da força de trabalho dos operários. Friedrich Engels, em seu trabalho “Contribuição ao problema da Habitação”,4 caracterizava muito bem o problema da moradia como inerente ao sistema capitalista e assinalava, 140 anos atrás, suas principais tendências: “Aquilo que hoje se entende por falta de habitação é o agravamento particular que as más condições de habitação dos operários sofreram devido à repentina afluência da população às grandes cidades; é o aumento colossal dos aluguéis, uma concentração ainda maior dos inquilinos em cada casa e, para alguns, a impossibilidade de em geral encontrar um alojamento. E esta falta de habitação só dá tanto que falar porque não se limita à classe operária, mas também atingiu a pequena burguesia.” Engels já apontava, naquela época, a tendência à especulação imobiliária nos terrenos mais valorizados das áreas nobres centrais e à expulsão dos trabalhadores e pobres para as regiões de periferia: “A expansão das grandes cidades modernas dá um valor artificial, extremamente aumentado, ao solo em certas áreas, particularmente nas de localização central; os edifícios nelas construídos, em vez de aumentarem esse valor, fazem-no antes descer, pois já não correspondem às condições alteradas; são demolidos e substituídos por outros. Isto acontece antes de tudo com habitações operárias localizadas no centro, cujos aluguéis nunca ou então só com extrema lentidão ultrapassam certo máximo, mesmo que as casas estejam superpovoadas em extremo. Elas são demolidas e em seu lugar constroem-se lojas, armazéns, edifícios públicos.” Engels considerava Haussman, o prefeito de Paris que comandou a reforma da capital francesa durante o governo de Luís Bonaparte no século XIX, derrubando bairros operários inteiros e abrindo largas avenidas e bulevares, a máxima expressão da política burguesa de expulsão dos trabalhadores das áreas mais valorizadas. Segundo suas palavras: “Por intermédio de Haussmann, o bonapartismo explorou da forma mais colossal esta tendência em Paris, para burla e enriquecimento privado; mas o espírito de Haussmann passeou também por Londres, Manchester, Liverpool, e em Berlim e Viena ele parece sentir-se igualmente em casa. O resultado é que os operários vão sendo empurrados do centro das cidades para os arredores, que as habitações operárias e as habitações pequenas em geral se vão tornando raras e caras e muitas vezes é mesmo impossível encontrá-las, pois nestas condições a indústria da construção, à qual as habitações mais caras oferecem um campo de especulação muito melhor, só excepcionalmente construirá habitações operárias.” A política de moradia do PT e do governo Dilma O PT, partido da presidente Dilma Roussef, denunciou a ação do governo Alckmin no Pinheirinho. Dilma chegou a caracterizá-la (é verdade que em uma reunião fechada no Fórum Social Mundial) como uma “barbárie”. Mas, o governo nacional nunca se propôs seriamente a expropriar o terreno nem a CORREIO INTERNACIONAL * 14-18 Pinheirinho (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:41 Página 17 ATUALIDADE impedir a desocupação, sob a desculpa de que o “pacto federativo” o impedia de atuar no Estado de São Paulo, algo que é evidentemente falso. O verdadeiro motivo da omissão criminosa do governo Dilma é a sua política de habitação. O governo lançou um plano nacional de construção de dois milhões de moradias populares chamado Minha Casa, Minha Vida que prevê a construção de casas de até R$ 170 mil que seriam compradas pelos trabalhadores, com financiamento estatal em até 30 anos. Quais são os problemas deste plano? Em primeiro lugar, o óbvio: o governo evita ao máximo regularizar terrenos ocupados, como por exemplo, dar títulos de propriedade aos que tem imóveis em favelas e urbanizar estes bairros. Ao contrário: obriga os trabalhadores a se endividarem por 30 anos para comprar suas casas. Em segundo lugar, o objetivo do plano é favorecer um setor da burguesia da construção civil, que recebe capitais do estado com uma taxa de juros muito baixa para construir casas populares. O principal banco público, a Caixa Econômica Federal, paga as empresas pela construção das casas e os trabalhadores contraem a dívida com o banco. As construtoras têm, assim, uma excelente margem de lucro assegurada pelo financiamento estatal a juros subsidiados. Em terceiro lugar, o governo financia a construção utilizando recursos de um fundo constituído com uma parte do salário dos trabalhadores. Este fundo é o chamado FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), que é administrado pela própria Caixa e reúne um enorme capital de 50 bilhões de reais (aproximadamente, 30 bilhões de dólares). O FGTS foi criado na época da ditadura militar, e é formado pela contribuição obrigatória de 8% do salário de todos os trabalhadores contratados por empresas privadas e estatais, exceto os funcionários da Administração Pública. Formalmente, a contribuição é feita pelas empresas, mas, evidentemente, estas a consideram como parte do capital destinado ao pagamento dos salários. As contribuições dos trabalhadores são depositadas em uma conta individual em seu nome e só podem ser sacadas em caso de demissão sem justa causa, doenças graves ou para utilização na compra de casa para moradia. MARÇO DE 2012 O problema é que o FGTS remunera as contas dos trabalhadores com juros anuais de 3%, ou seja, juros negativos já que a inflação no Brasil em 2011 foi de 6,5%. A taxa Selic (taxa de juros do Banco Central utilizada pelo governo para pagar pelos títulos que emite) está em 11, 25%. Esta diferença é utilizada para subsidiar a indústria da construção e financiar o próprio governo. A conclusão óbvia é que a política do governo Dilma e do PT não tem como objetivo resolver o problema da falta ou da precariedade de moradia, mas sim transformar a construção de casas populares em um grande negócio capitalista que gere uma massa de mais-valia e enormes lucros para setores da burguesia brasileira, principalmente o da indústria da construção civil. Essa política não só não chega perto de resolver o problema da habitação (constroem-se dois milhões de casas para um déficit habitacional de oito milhões), como obedece às imperiosas determinações do capital, principalmente nas grandes concentrações urbanas, onde os trabalhadores são removidos dos terrenos mais valorizados e deslocados para conjuntos habitacionais na periferia, às vezes a 30 ou 40 km do centro. Moradia: um direito democrático Depois de mais de dois séculos, e pelo menos em teoria, o sistema capitalista e a democracia burguesa reconhecem o direito à moradia como um dos direitos sociais fundamentais do ser humano, definido em todas as cartas da ONU desde a Declaração dos Direitos do Homem de 1948. No entanto, os governos e Estados burgueses, inclusive os de regime democrático, a forma mais “moderna” da ditadura do capital, pisoteiam e violentam todos os dias não só o direito à moradia, mas todos estes direitos democráticos básicos. No Brasil, não é diferente. A Constituição estabelece claramente em seu artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados...” Mas não só isso, a mesma Constituição brasileira em seu Capítulo I, ao definir os “Direitos e deveres Individuais e coletivos”, afirma que “é garantido o direito de propriedade”, também deixa claro que “a propriedade atenderá a sua função social;”. No entanto, como podem comprovar os moradores do Pinheirinho e milhares de trabalhadores de todo o Brasil, o direito do capital amparado na violência e no terror está acima de tudo. Não há direitos individuais ou coletivos para o povo que valham alguma coisa diante da força do capital. Neste contexto, diante do sofrimento de milhares de famílias desalojadas, falar em “direito à moradia” e “função social da propriedade” soa como um escárnio. Solidariedade mundial com o Pinheirinho. Na foto, ato na frente da embaixada brasileira em Berlim, cuja faixa diz, em alemão: “Somos todos Pinheirinho”. 17 * 14-18 Pinheirinho (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:41 Página 18 ATUALIDADE A posição e a atuação do PSTU É amplamente conhecido que o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) esteve desde a ocupação, há oito anos, ao lado dos moradores do Pinheirinho. Dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e militantes do PSTU, como o Marrom, ajudaram a organizar e liderar o movimento. Um dos advogados do Pinheirinho, Antonio Donizete Ferreira, o Toninho, é ao mesmo tempo presidente do PSTU da cidade. Essa presença motivou ataques e manifestações de ódio da burguesia ao PSTU, inclusive daquela que hipocritamente criticava a violência do governo e da PM, mas a justificava. Um dos casos mais grotescos foi o do jornal Folha de São Paulo. Em editorial publicado no dia 26 de janeiro intitulado ‘Operação Pinheirinho’, abusando do cinismo, o jornal culpa o PSTU pela violência cometida contra os moradores. Segundo o jornal “à frente da ocupação - uma favela com cerca de 6.000 pessoas – encontravam-se militantes esquerdistas vinculados a organizações sindicais e ao Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o PSTU”. E conclui: “não há dúvidas de que esses líderes desejavam o confronto. Não interessam ao PSTU soluções reais para as carências habitacionais dos pobres”. O colunista Elio Gaspari enveredou pelo mesmo caminho. No artigo “Pinheirinho a estratégia da tensão”, denuncia a suposta “intransigência” do movimento dos moradores do Pinheirinho em negociar a compra do terreno com os proprietários. Um editorial do jornal O Estado de S. Paulo, também acusa o PSTU de forma semelhante. Segundo o jornal, o PSTU “que prega a substituição do Estado capitalista pelo “ marxismo revolucionário” (sic) apostaria no confronto com a polícia como forma de obter vantagem política. Esses ataques obedecem a duas lógicas perversas. A primeira afirma que a violência é provocada pelos que se opõem ou, pior ainda, pelos que resistem aos desmandos da burguesia, às arbitrariedades da sua Justiça corrupta, à violência das suas forças repressivas. Os pobres, trabalhadores e oprimidos são os culpados pela violência porque lutam para não serem desalojados, para defenderem suas famílias, para não perderem todos os seus pertences. Segundo essa lógica burguesa a única forma de evitar a fúria e o terror da repressão é submeter-se e aceitar em silêncio todo tipo de desmando. A segunda lógica perversa é a que aponta os que estão incondicionalmente ao lado dos trabalhadores e oprimidos, aqueles que os defendem até o fim, como intransigentes e fomentadores da resistência e, portanto, da violência. Esta lógica é que leva os mais importantes órgãos da imprensa escrita brasileira a atacarem o PSTU. Porque nosso partido, com muito orgulho, esteve e está intransigentemente, em palavras e ações, ao lado dos moradores do Pinheirinho, desenvolvendo hoje uma campanha de solidariedade nacional e internacional. Moradores do Pinheirinho tentam salvar alguns de seus pertences. Do outro lado, os órgãos da grande imprensa, de forma vergonhosa para jornalistas como Gaspari que, em algum momento, já se consideraram democratas, posicionaram-se claramente ao lado de Naji Nahas, da especulação imobiliária, dos juízes suspeitos, da PM e do governador Alckmin. A trincheira entre as classes não poderia ser mais nítida. A posição do PSTU é muito clara: como marxistas revolucionários (como diz o Estadão) não temos nenhuma ilusão de que seja possível resolver o problema da moradia dos trabalhadores e pobres dentro do sistema capitalista. Engels mais uma vez dá uma definição precisa para o programa dos socialistas: “Para pôr fim a esta falta de habitação, há apenas um meio: eliminar a exploração e opressão da classe trabalhadora pela classe dominante.”. Mas, esta visão estratégica não pode diluir as necessidades imediatas e concretas. O PSTU apóia as ocupações e os movimentos de trabalhadores e pobres que lutam por moradia. Defendemos a expropriação de terrenos e imóveis urbanos vazios, a legalização de terrenos ocupados e a urbanização de favelas e assentamentos irregulares. Este programa tem uma explicação simples: a classe operária e os setores populares estão obrigados a batalhar todos os dias por sua sobrevivência física, lutando por salário, emprego, saúde, educação e também por um lugar onde morar. E a luta cotidiana pela sobrevivência é, por sua vez, a melhor escola sobre a exploração capitalista e a necessidade de pôr fim ao seu sistema, ou seja, a melhor escola para o socialismo. 1 Partido da Social Democracia Brasileira, que, apesar do nome, é um partido de direita, responsável por aplicar uma política neoliberal e de privatizações durante os oito anos de governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos seus principais líderes. Governa o Estado de São Paulo há 17 anos. 2 Produzido pela agência Ernst & Young Terços em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, citado em artigo de Marcos Nicolas, Diretor Executivo da Ernst & Young – Estado de São Paulo, 3 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, órgão oficial do Estado brasileiro. 4 Site do MIA (Marxists Internet Archive) http://marxists.org/portugues/marx/1873/h abita/index.htm 18 CORREIO INTERNACIONAL * 19-23 Portugal (P)_Maquetación 1 15/03/12 16:21 Página 19 ATUALIDADE Portugal Por que rompemos com o Bloco de Esqueda? CRISTINA PORTELLA O Bloco de Esquerda (BE) surgiu em Portugal em 1999, a partir da convergência de três partidos de esquerda, a UDP (ex-maoísta), o PSR (trotskista, ligado ao Secretariado Unificado da IV Internacional) e a Política XXI (dissidência do Partido Comunista Português). O Ruptura/FER ingressou no BE nesse mesmo ano, com a caracterização, posteriormente confirmada pelo seu sucesso militante e eleitoral, de que a nova organização ocuparia um espaço à esquerda do PCP, a sofrer o desgaste provocado pela derrubada dos regimes do Leste Europeu e da ex-URSS e por uma política desajustada à nova conjuntura aberta por esses eventos. Registe-se que o BE surgiu num momento aparentemente desfavorável à criação de um novo partido de esquerda. Portugal vivia, então, um período de crescimento económico, com uma das menores taxas de desemprego da Europa e a euforia dos recursos provenientes dos Fundos Europeus. Como assinala o seu manifesto fundador, “Começar de novo”, “1998 foi o ano em que Portugal se anestesiou com a ilusão de ter chegado finalmente ao ‘pelotão da frente’”. Mas a desilusão não tardaria muito, com a crise a empurrar o PIB português de 5% positivos em 1998 para -0.9% em 2003. A evolução do BE acompanhou, pela positiva, essa performance: em dados eleitorais, passou de 2 deputados (2,44% dos votos) em 1999 para 8 (6,35%) em 2005. O fato é que o seu projeto político, expresso no “Começar de novo”, batia certo com o momento das grandes manifestações anti-globalização, dos MARÇO DE 2012 Fóruns Sociais, do discurso da cidadania e da defesa das chamadas “causas fraturantes”, como a despenalização do aborto, os direitos LGBT e a legalização das drogas leves. Em seu manifesto fundador havia a denúncia da globalização e do “capitalismo de casino”, com a financeirização da economia, a concentração de capitais e deslocalização de empresas, a gerar desemprego e precariedade. Mas no seu discurso, em sintonia com os preconceitos anti-marxistas daquele período, não havia espaço para o conceito de classe social, nem para uma crítica mais radical ao capitalismo e ao projeto europeu. Esta última limitação programática, apoiada no chamado “europeísmo de esquerda”, transformouse numa das primeira polémicas públicas com a corrente Ruptura/FER. Do “europeísmo de esquerda” à Refundação Comunista Nos debates internos que antecederam a III Convenção do BE, realizada em Maio de 2003, o Ruptura/FER criticava o texto “Para uma refundação democrática da União Europeia”, aprovado pela Mesa Nacional. “Mais uma vez, o documento parece esquecer que a Europa, apesar de subsidiária dos EUA, também é uma potência imperialista, que explora os trabalhadores e as nações da Ásia, África e América Latina. Portanto – e aí está mais um aspeto fundamental – não basta exigir o aprofundamento da democracia na União Europeia, ou a sua refundação democrática. Mas a construção de uma União Europeia Socialista” (jornal Ruptura nº 57/maio de 2003). Esta polémica sobre a Europa aprofundar-se-ia nos anos seguintes, com a discussão sobre a adesão do BE ao Partido da Esquerda Europeia (PEE). Na IV Convenção do BE, em 2005, os delegados do Ruptura/FER propuseram que o BE não ingressasse no PEE como membro pleno, como propunha a sua direção, pelo facto deste partido ser presidido pela Refundação Comunista, de Itália. Naquele ano, a Refundação preparava-se para integrar uma coligação eleitoral chefiada por Romano Prodi, exprimeiro-ministro italiano e ex-presidente da Comissão Europeia. Desta forma, o projeto da Refundação era integrar um governo burguês. Um governo, saber-seia depois, que manteria as tropas italianas no Afeganistão e no Líbano e a base da NATO em Vicenza, sempre com a aprovação dos deputados e senadores da Refundação Comunista. Mesmo assim, a direção do BE nunca questionou a sua permanência no PEE. Mas as divergências do Ruptura/FER com a direção do BE não se limitaram, nesses primeiros anos de construção partidária, à questão europeia. Já em 2001, essa corrente defendeu a apresentação de um candidato próprio às eleições presidenciais daquele ano contra setores que propunham o apoio do BE à reeleição de Jorge Sampaio, do Partido Socialista (PS). Outra das batalhas do Ruptura/FER no interior do BE era a defesa de um partido centrado na classe trabalhadora e na sua luta, construindo alternativas sindicais e de base à hegemonia da CGTP/PCP. Para isso, era preciso, internamente, organizar os militantes em núcleos de empresa, por setor profissional, nas escolas e 19 * 19-23 Portugal (P)_Maquetación 1 15/03/12 16:21 Página 20 ATUALIDADE universidades e entre a juventude, com destaque aos trabalhadores precários. Iniciativas que apontavam nessa direção, como a Marcha pelo Emprego, em 2006, e os encontros do trabalho e dos jovens, contaram com a forte participação dos militantes bloquistas afetos ao Ruptura/FER. Isso antes desses encontros serem esvaziados pela direção do BE, com o impedimento, no caso dos encontros do trabalho, de votarem orientações políticas para o setor ou elegerem uma coordenadora para o trabalho sindical, tarefas que passaram a ser exclusivas da direção nacional. 2007, o ano da viragem Esse ano começou de forma promissora para a esquerda e os trabalhadores, em especial as mulheres, com a histórica vitória do “Sim” no referendo sobre a legalização do aborto em Portugal. Mas a condução da campanha pelo “Sim” também foi um motivo de divergências no seio do BE. Os aderentes do Ruptura/FER e muitos independentes apontavam para a necessidade de o BE demarcar-se do PS durante a campanha, pois caracterizava, e bem, que esse partido, há dois anos no poder e a aplicar uma política de ataques ferozes aos serviços públicos e aos trabalhadores, aproveitar-se-ia dessa iniciativa para “branquear” o seu governo. Foi isso que aconteceu, e o BE acabou por ser cúmplice dessa política, não só por não se ter demarcado do PS em suas reivindicações (reclamando, por exemplo, que a interrupção da gravidez fosse assegurada pelo Serviço Nacional de Saúde), como também por ter integrado movimentos de cidadãos, junto com dirigentes do PS, sem qualquer cariz de classe. Essa aproximação ao PS através da campanha pelo “Sim” é assinalada pela Moção C, “Todos na luta, em todas as lutas”, apresentada na V Convenção do BE, de junho de 2007, por independentes e integrantes do Ruptura/FER. Nela era central a denúncia do governo do primeiro-ministro socialista José Sócrates:“Podemos hoje dizer com clareza que o PS governa à direita e para a direita e o capital, levando a cabo muitas das políticas neoliberais que os anteriores governos de Durão Barroso e Santana Lopes não conseguiram concretizar”. E era também clara a proposta sobre a relação que o BE deveria ter com esse governo: “O Bloco fará 20 oposição frontal ao governo PS, enquanto responsável pelos mais recentes ataques aos trabalhadores e à qualidade de vida da população”. Além de combater o governo PS, o BE não deveria, de acordo com a Moção C, participar ou dar apoio parlamentar a governos “com as mesmas políticas da direita: privatizações, destruição do setor público, ataques a direitos e conquistas dos trabalhadores e apoio ou participação militar em guerras e ocupações de Estados soberanos”. Por outro lado, a responsabilidade pela manutenção do governo PS, largamente contestado pelas lutas sociais, como a manif que reuniu 100 mil pessoas em outubro de 2006, e pela derrota em duas eleições consecutivas, autárquicas e presidenciais, não poderia ser atribuída exclusivamente à correlação de forças: “É preciso dizer que a principal força do governo reside na política da CGTP, que atrelada ao PCP vai contendo as mobilizações e adiando a união (e radicalização) do conjunto dos trabalhadores no sentido de derrotar as políticas do governo”. No âmbito da política mais geral, a ausência de uma alternativa à esquerda ao governo Sócrates era, igualmente, um elemento importante para a sua relativa estabilidade. Nesse sentido, o centro da Moção C era o apelo à construção da unidade de ação contra o governo PS para combater as suas medidas contra o povo e apresentar uma alternativa de governo que travasse a sua recondução: “O Bloco de Esquerda faz um apelo público ao PCP, à CGTP, a todos os socialistas que se opõem às políticas neoliberais do governo e a todos os ativistas independentes para a criação de uma plataforma comum de ação em torno de algumas reivindicações centrais”. Em coerência com a política proposta de unidade da esquerda, a Moção C fazia uma leitura crítica da orientação aprovada pelo BE para as eleições presidenciais do ano anterior. Nessas eleições, o BE apresentou a candidatura do seu coordenador, Francisco Louçã, mas foi o candidato Manuel Alegre, que apesar de pertencer ao PS não era o candidato desse partido, que galvanizou a contestação ao governo Sócrates e obteve mais de 1 milhão de votos (20%) e a segunda posição, atrás apenas do vencedor, o candidato da direita, Cavaco Silva. O candidato do PS, Mário Soares, registou uma tremenda derrota, cativando apenas 14% do eleitorado. “Nestas eleições toda a esquerda defendeu como objetivo prioritário a derrota do candidato da direita. Todos defenderam uma ‘teoria’ semelhante: cada ‘partido’ de esquerda devia apresentar o seu candidato dado que esta seria a única forma de diminuir a abstenção. Apoiámos a candidatura de Francisco Louçã desde o primeiro momento, mas consideramos que, à esquerda, Bloco e PCP se preocuparam mais em resguardar e fixar eleitorado do que se empenharam numa candidatura de unidade, alargada aos socialistas de esquerda, para derrotar efetivamente Cavaco”, concluía a Moção C. O Acordo de Lisboa e a participação num governo PS Na mesma V Convenção, a maioria do BE comprometeu-se a não fazer acordos com o PS. Na sua moção de orientação, “A esquerda socialista como alternativa ao governo Sócrates”, este compromisso estava assente: “Na campanha eleitoral que deu a maioria absoluta a Sócrates, o Bloco apresentou um programa de governo que constituiu o seu compromisso com os eleitores, e que formulava uma alternativa clara ao PS, demonstrando que as respostas aos problemas exigem uma governação comprometida com prioridades sociais. Mantemos esse rumo e esse compromisso de propostas de alternativa.” Mas esse rumo não foi mantido, como ficou evidente com o Acordo de Lisboa. Em plenas férias de verão e há escassos dois meses da V Convenção, os militantes do BE ficaram a saber pela imprensa que o seu partido havia firmado um acordo com o presidente da Câmara de Lisboa, do PS, pelo qual o vereador independente eleito pelo BE passaria a integrar o governo. A notícia do acordo caiu como uma bomba dentro do BE, deixando revoltados inclusive militantes das correntes que dirigiam o partido. “Com este acordo, o Bloco cedeu ao PS e não se afirma como alternativa socialista ao governo de Sócrates. Este acordo com António Costa, que foi o número dois do governo, representa indiretamente um apoio ao governo do PS”, reagiu Gil Garcia, do Ruptura/FER, no jornal Público. Em sentido contrário, o coordenador do BE, Francisco Louçã, tentava desesperadamente justificar o acordo em nome de uma política unitária e a considerar os que não se reviam nele CORREIO INTERNACIONAL * 19-23 Portugal (P)_Maquetación 1 15/03/12 16:21 Página 21 ATUALIDADE como sectários (“O sectarismo, um fantasma que assombra a esquerda. Argumentos sobre a política unitária na estratégia socialista”, revista Combate, Verão de 2007). Em novembro de 2008, depois de uma atuação desastrosa em que o BE apoiava e ou justificava todas as iniciativas do presidente do PS na Câmara de Lisboa, e com o desgaste que isso trouxe para o partido, a sua direção resolve romper com o vereador independente que participava do governo, imputando-lhe toda a responsabilidade pelo mau resultado da iniciativa. Em nenhum momento reconheceu o seu erro e sequer fez um balanço autocrítico daquela política. Não o fez porque, como veremos, não se tratava de um erro, mas de uma política consciente de alianças com o PS. A “prodigiosa fantasia” tornou-se realidade Uma das passagens mais reveladoras sobre a forma de fazer política da direção do BE deu-se na sua VI Convenção, em fevereiro de 2009, quando um dos seus principais dirigentes, Luís Fazenda, qualificou de “prodigiosa fantasia” a acusação feita pela Moção C, composta por bloquistas do Ruptura/FER e independentes, de que o partido preparava-se para apoiar o mesmo candidato do governo PS, Manuel Alegre. “Na anterior convenção prometeram que não haveria um acordo com o PS, e houve o Acordo de Lisboa. O Manuel Alegre pode ser o próximo candidato presidencial apoiado por Sócrates e pelo BE”, previu Gil Garcia. Foi exatamente isso que aconteceu, apesar das negativas categóricas da direção do BE. Ao contrário da sua primeira candidatura presidencial, quando correu por fora do PS e do governo Sócrates, nas eleições presidenciais de janeiro de 2011 Manuel Alegre era o candidato oficial do PS, apoiado pelo primeiro-ministro José Sócrates, chefe de um governo que aplicava duros planos de austeridade acordados com a União Europeia e o FMI. O apoio do BE a Manuel Alegre – e, indiretamente, ao próprio governo PS – abriu uma crise sem precedentes no interior do partido e provocou o divórcio entre este e uma parcela do seu potencial eleitorado. O resultado ficou à vista quando, nas eleições legislativas de junho de 2011, o BE passou dos 9,82% dos votos e 16 deputados, obtidos em 2009, MARÇO DE 2012 para 5,17% e 8 deputados. O grande contingente de jovens e trabalhadores que tinham visto no BE uma nova forma de fazer política, com mais radicalidade e frontalidade, mais democracia e sem os vícios parlamentares dos demais partidos, desiludira-se. Internamente, a capitulação do BE ao PS e a derrota eleitoral potenciaram as críticas feitas a um projeto que se desviara do seu modelo original. O BE era já um partido eleitoral e com um grande défice de democracia interna; que baseava a sua intervenção política nos funcionários e não nos militantes; que impedia a maior corrente de oposição interna à esquerda, o Ruptura/FER, de concorrer em lugares elegíveis nos processos eleitorais; que se recusava a construir oposições sindicais para alargar o movimento sindical à base e disputar a hegemonia das direções burocráticas vinculadas à CGTP/PCP; que se recusava a chamar a unidade da esquerda para acabar com o rotativismo da direita e do PS no poder, mas que não se negava a participar de governos com o PS ou apoiar candidatos comuns. Era, enfim, um partido que se adaptava cada vez mais ao regime e deixava órfãos milhares de jovens e trabalhadores, como os 300 mil que encheram as ruas do país a 12 de março de 2011, na manifestação da “Geração à rasca”, para protestar contra o desemprego e a precariedade laboral, o parlamento e os políticos. Após o desastre eleitoral de junho, já com a “troika” (delegação formada por representantes da União Europeia, do Banco Central Europeu e FMI) instalada em Portugal e a direita a mandar no país, o Ruptura/FER pediu a antecipação da convenção do BE para que fosse aberto um amplo debate no partido sobre que políticas adotar para enfrentar a nova situação. A direção do BE recusou. A explicação para essa recusa é simples: ela tem medo de fazer um balanço sério do passado recente porque não quer mudar de política. Prefere continuar a fazer alianças com o PS e encenar uma oposição sem consequências na medida em que se nega a chamar a unidade da esquerda para derrotar o rotativismo da direita/PS no poder; prefere que o país continue a pagar a dívida externa, e por isso não defende a suspensão do pagamento da dívida, mas sim a sua reestruturação; prefere construir um partido centrado no parlamento e não no mundo do trabalho e nas lutas da juventude; prefere, enfim, colecionar deputados especialistas em fazer denúncias bem fundamentadas e propostas para deixar tudo como está. É por tudo isso que o Ruptura/FER rompeu com o Bloco de Esquerda e está a criar o MAS, Movimento de Alternativa Socialista, um novo partido para construir, nas lutas, um novo 25 de Abril. Coluna de Ruptura/FER na manifestação de 24 de novembro de 2011. 21 * 19-23 Portugal (P)_Maquetación 1 15/03/12 16:21 Página 22 ATUALIDADE Portugal Nasce uma alternativa para os trabalhadores e a juventude FLOR NEVES N o dia 10 de março, tem lugar em Lisboa a fundação da nova secção da LIT em Portugal – o Movimento de Alternativa Socialista (MAS). Este é um partido que nasce no calor dos combates que juventude e trabalhadores portugueses travam hoje contra a crise económica e suas dramáticas consequências. Uma situação social marcada pela crise e a austeridade O MAS nasce a meio da pior crise económica mundial desde 1929, hoje com epicentro na Europa. As consequências desta crise para a vida da maioria da população em Portugal são dramáticas. Entre elas, o aumento brutal do desemprego (hoje nos 14,8%) tanto para os mais jovens como para quem, na casa do 45 anos ou mais, é considerado demasiado velho para trabalhar e novo demais para a reforma. Com o desemprego vem também o aumento da fome e do número de pessoas obrigadas a viver na rua. Ao desemprego somam-se os salários pouco acima do salário mínimo nacional, hoje responsáveis pela emigração de milhares de portugueses em busca da sobrevivência, incluindo cada vez mais jovens com cursos superiores. A crise significa também uma maior precarização laboral da juventude portuguesa, generalizando os contratos quinzenais ou semanais ou mesmo a inexistência de contrato de trabalho e sua substituição por recibos verdes. Conquistas do movimento operário como as férias pagas, o 22 13º e 14º mês, o direito à licença de maternidade e a baixa médica por doença são para cada vez mais trabalhadores uma miragem de um tempo distante. Os trabalhadores e a juventude começam a reagir Frente a este ataque brutal, os trabalhadores e a juventude começam a demonstrar nas ruas o seu descontentamento contra o beco sem saída a que têm vindo a ser levados, primeiro pelo governo de Sócrates (PS) e agora pelo de Passos Coelho (PSD-CDS). Expressão desse descontentamento foram as grandes manifestações da Geração à Rasca, do movimento 15 de Outubro e da Greve Geral de 2011, mas também, mais recentemente, o desenvolvimento de lutas importantes nas empresas, como foram os casos do setor dos transportes (CP e TAP) e da Cerâmica de Valadares. Nas empresas ou nas ruas, o que está em causa é o combate aos ataques que nos querem impor, aumentando os casos de iniciativas dos trabalhadores e jovens à margem das direções políticas e sindicais tradicionais. A esquerda tradicional não passa a prova Apesar da importância das lutas em curso, ainda estamos longe de uma resposta do movimento sindical e popular à altura da brutalidade do ataque que troika e governo estão a levar a cabo. Além do medo do desemprego, há um sentimento geral de ausência de uma saída alternativa. Para esse sentimento muito contribui a política da esquerda tradicional. O Partido Comunista continua a dirigir de forma burocrática a principal central sindical do país – a CGTP, procurando controlar a revolta que vai explodindo e impedir que saia da sua alçada. Por ser o partido mais enraizado no movimento sindical, poderia cumprir um papel central no combate à troika e à austeridade. No entanto, o PCP privilegia a conciliação de classes e não uma saída independente dos trabalhadores para a crise. Atua para sustentar o regime e não para o combater. O Bloco de Esquerda, que surgiu como uma esperança para os que à esquerda não se reviam nem no PS nem no PCP, deixa hoje claro não ser alternativa. De facto, não só privilegia sistematicamente alianças com o PS, como foi o caso do apoio à candidatura presidencial de Manuel Alegre (PS) quando este era também apoiado pelo Governo Sócrates (também PS), como também não é alternativa ao PCP, recusando-se a construir uma alternativa democrática e combativa no movimento sindical e tendo a mesma política de conciliação com os patrões e o governo, como demonstraram na luta dos professores em 2008. Além disso, apesar de se autodenominar anticapitalista, o BE sempre teve seu centro virado para a atuação parlamentar e dececionou, por isso, muitos dos que nele viam uma esperança de alternativa para as lutas de trabalhadores e jovens. CORREIO INTERNACIONAL * 19-23 Portugal (P)_Maquetación 1 15/03/12 16:21 Página 23 ATUALIDADE A dívida, a austeridade e a necessidade de uma alternativa socialista Em nome do pagamento da dívida, o país está a ser sugado, as vidas de milhares de trabalhadores e reformados destruídas e o futuro de várias gerações de jovens hipotecado. Frente a este ataque brutal contra a maioria da população portuguesa, PCP e BE são partidos acomodados ao atual estado de coisas, defendendo apenas a renegociação das condições de pagamento da dívida, o que na prática significa aceitar a austeridade imposta ao povo português, aceitar o discurso do governo de que precisamos fazer sacrifícios para cumprir os compromissos do país e, em última instância, aceitar o roubo que banqueiros, grandes patrões e a União Europeia estão a fazer ao povo português. A este discurso, é preciso opor uma alternativa socialista que defenda a suspensão imediata do pagamento da dívida para acabar com a austeridade, que defenda que os compromissos que temos de cumprir são para com os trabalhadores e não para com os banqueiros que roubaram e roubam o país e agora nos passam a fatura em austeridade eterna e que defenda a necessidade de um novo 25 de Abril para parar a troika e o governo. O período que vivemos é de grandes mudanças, grandes convulsões e grandes combates. Assim o mostram as lutas em Portugal, mas também na Grécia, em Espanha e as revoluções no norte de África e Médio Oriente. Os partidos atuais não respondem às novas batalhas que trabalhadores e juventude começam a travar. O MAS propõe-se a ser um instrumento político-partidário ao serviço da luta por um novo 25 de Abril para impor uma saída para a crise ao serviço dos trabalhadores e não dos banqueiros. Um partido novo, mas com história Sendo uma expressão dos ventos de luta que correm o mundo, o MAS é também o produto de uma corrente com uma tradição de quatro décadas em Portugal. A nossa história começou em 1972, com a formação de grupos de estudantes contra a ditadura de Salazar nas escolas secundárias de Lisboa. Estes grupos editavam boletins nos liceus contra a guerra colonial em África, mas também batalhavam por reivindicações específicas dos estudantes, o que os diferenciava tanto dos maoístas como da maioria dos trotkistas da época. MARÇO DE 2012 A 25 de abril de 1974 cai a ditadura e inicia-se uma profunda revolução no país. Os ativistas destes grupos estudantis rapidamente se incorporaram ao processo revolucionário aberto, às manifestações populares e espontâneas que se formavam um pouco por todo lado. A ligação à Internacional e a constituição como partido É no calor da revolução portuguesa, durante o ano de 1974, que estes grupos de estudantes entram em contacto com a Tendência Leninista Trotskista da IV Internacional, do qual faziam parte o PST argentino, liderado por Nahuel Moreno, e o SWP dos EUA. A identificação com várias opiniões e críticas desta tendência à maioria da IV Internacional levou-os a integrarem-se nessa mesma corrente, que posteriormente daria origem à Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT). É neste contexto que, ainda em 1974, se constitui a ASJ – Aliança Socialista da Juventude, rapidamente transformada numa organização muito importante nos liceus de Lisboa, que editava a nível nacional o Combate Socialista. Em Fevereiro de 1975, funda-se então o PRT – Partido Revolucionário dos Trabalhadores, que ganhará peso não só no ensino secundário, mas posteriormente também em setores como os metalúrgicos de Aveiro e os cantoneiros de Lisboa. Depois do retrocesso dos anos 80, com o desaparecimento da maioria das organizações da esquerda revolucionária, nos anos 90, a corrente que vinha do PRT construiu o Ruptura. Este movimento de estudantes permitiu ligar um novo setor de jovens ativistas combativos, que despertavam para a política na luta contra as propinas com a experiência da esquerda revolucionária que vivera o 25 de Abril. Em 1999, integrámos o Bloco de Esquerda, onde batalhámos por um partido verdadeiramente anticapitalista e socialista que tivesse como centro as lutas e a organização de alternativas democráticas e combativas nos locais de trabalho e não uma política centrada no parlamento. Batalhámos contra a política sistemática de aproximação ao PS e recusa de aliança com o PCP nas lutas contra as medidas de austeridade e no combate ao governo. Quando a situação social e política mais necessitava de uma alternativa socialista que pusesse o dedo na ferida, o BE continuou a insistir na mesma polí- tica de colagem ao PS e de sustentação do atual regime. Desafios e responsabilidades O MAS nasce com presença nacional em várias cidades do país (ex. Lisboa, Amadora, Coimbra, Braga) e localizado em setores importantes como professores, bancários, trabalhadores precários dos call-center, estudantes do ensino superior e secundário, entre outros setores precarizados. Apesar de ser ainda pequeno, o MAS começa a ser um pólo de atração para um setor de vanguarda de ativistas que buscam uma saída para a situação atual. Frente ao discurso do governo da direita de que não há alternativa à crise e à austeridade, de uma esquerda tradicional que, como vimos, não está disposta a levar até ao final a luta contra a troika, os governos e seus planos de miséria para a maioria da população e face a banqueiros e patrões que com seus partidos e organizações (UE, FMI, NATO, ONU) coordenam a melhor forma de manter o seu poder, os trabalhadores e jovens, seja através de lutas nas empresas ou de movimentos e plataformas como o 15 de Outubro, começam a buscar uma resposta. A história ensina-nos que para os trabalhadores serem vitoriosos é fundamental a existência de uma direcção revolucionária. A experiência do 25 de Abril, em que nem PS nem PCP queriam realmente levar a revolução até ao fim, levando à derrota da revolução, é a expressão dessa necessidade. Temos por isso a responsabilidade de, ao calor das lutas atuais e por vir, ir construindo e forjando um partido que esteja ao serviço de um novo 25 de Abril para derrotar a troika e a austeridade e impor uma saída para a crise ao serviço dos trabalhadores. Porque sabemos que não existe saída revolucionária nos marcos nacionais, temos também a responsabilidade de construir essa ferramenta de luta que é o partido, não apenas a nível nacional, mas também internacional. Por isso, o MAS nasce como parte integrante da LIT. Num momento em que em vários países da Europa, trabalhadores e juventude saem à rua, temos o desafio de, junto com camaradas do estado Espanhol, de Itália e de outros países, construir fortes laços de solidariedade entre as lutas dos povos na Europa e, nesse marco, fortalecer a LIT como uma alternativa revolucionária. 23 * 24-25 Campaña LIT (P)_Maquetación 1 15/03/12 14:59 Página 24 LIT-QI - 30 ANOS CAMPANHA AO COMPLETAR 30 ANOS DE SUA FUNDAÇÃO, a LIT lança uma grande campanha que se desenvolverá ao longo de todo o ano de 2012 e que inclui diversos atos, publicações e também uma seção especial permanente de sua página na web. C om esta campanha, queremos reivindicar a trajetória de nossa organização e da corrente morenista, iniciada em 1944, na Argentina. Porém, não fazemos com critério nostálgico ou histórico. Essa trajetória, suas batalhas teóricas e políticas, suas experiências militantes, seus erros e debilidades, nos deixam profundas lições para aplicar hoje e poder nos apresentar orgulhosos com toda essa bagagem e nossas propostas ante milhares de novos e velhos ativistas e lutadores. O ato principal da campanha, se realizará na última semana de outubro em Buenos Aires, Argentina, lugar onde, em 1944, nasceu a corrente morenista e onde a LITQI conseguiu sua maior influência. Além da presença, é claro, do PSTU Argentino, participarão do ato convidados que foram parte da conferência de fundação, a direção da LIT e delegações internacionais do Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai etc. Ainda que sem data exata, também estão planejados outros atos no Brasil, Colômbia, Costa Rica e Europa. No velho continente, se integra como parte da campanha a festa de lançamento do novo partido português, o MAS, que se realizará na data de saída desta edição da Correio Internacional. Além disso, está sendo preparado um kit de livros. O primeiro deles tratará sobre a própria conferência de fundação em 1982, em Bogotá, seus documentos e resoluções, a transcrição de várias intervenções (inclusas as de Nahuel Moreno). O segundo, abordará o I Congresso da LIT-QI, realizado em Buenos Aires, em 1985. Nesse material, se recolhem depoimentos de dirigentes de vários países que aportam de diferentes ângulos sobre a sua relação com a LIT-QI. A ideia é incluir também alguns dirigentes que não estão na LIT-QI hoje. Na página da web Publicações Em primeiro lugar, dedicamos parte importante deste número da Correio Internacional a esta campanha, desenvolvendo artigos sobre sua história, sua defesa da moral revolucionária e sobre sua proposta programática para a reconstrução da IV Internacional. Desde fevereiro passado, a página da LIT-QI (www.litci.org), lançou na internet uma nova seção especial para comemorar os 30 anos de existência da LIT-QI, em três idiomas: português, espanhol e inglês. Esta página especial estará online durante todo o ano de 2012 e trará documentos históricos sobre a fundação da LIT-QI e de suas seções, seu desenvolvimento e as principais polêmicas que foram travadas internamente ou com as demais correntes da esquerda mundial, em particular, com as correntes trotskistas. Mostraremos, também, vídeos e galerias de fotos, além de notícias sobre os eventos promovidos pelas seções da LITQI durante o ano. Esperamos que vocês acessem nossa páginal especial, no 24 CORREIO INTERNACIONAL * 24-25 Campaña LIT (P)_Maquetación 1 15/03/12 14:59 Página 25 LIT-QI - 30 ANOS “30 ANOS DA LIT” A página terá seu conteúdo completado ao longo do ano, conforme a sucessão de atividades das seções e a cronologia dos vários acontecimentos históricos tratados. Os primeiros materiais, sobre o tema “Fundação” já podem ser vistos, como uma breve história da LIT-QI, documentos como o pronunciamento de Moreno na conferência de fundação e um vídeo onde Eduardo Barragán, dirigente do PSTU argentino e membro do CEI da LITQI, conta como se fundou nossa Internacional. No mês de março, se mostra como foi construída a seção portuguesa da LIT-QI, em pleno turbilhão da Revolução dos Cravos, em 1974, aproveitando a grande festa que o MAS fará para divulgar a saída do Bloco de Esquerda e sua atuação como um novo partido independente. Em abril, a revolução boliviana de 1952 completará 60 anos e será uma oportunidade de reviver as grandes polêmicas que surgiram na IV Internacional, em relação àquela revolução, um ano antes de sua divisão. Abordaremos, também, temas como a Moral Revolucionária, a opressão da mulher, imperialismo e nacionalismo burguês, frente popular, entre outros; e mostraremos como se construíram as seções da LIT no Brasil, na Argentina, na Colômbia, Espanha, América Central, etc. Esperamos, assim, colaborar com a formação das novas gerações de militantes trostkistas e ativistas do movimento operário e popular, neste momento crucial no qual, mais do que nunca, uma direção revolucionária mundial é tão necessária. Por isso, adotamos a consigna: “Pelo socialismo e pela Internacio- nal Revolucionária”, como lema de campanha e bandeira de sua comemoração. endereço: http://litci.org/especial/index.php/espanol MARÇO DE 2012 25 * 47-48 Vida de LIT-QI (P)_Maquetación 1 15/03/12 15:29 Página 47 VIDA DA LIT-QI A LIT-QI na Itália O Partido da Alternativa Comunista FABIANA STAFANONI Tradução: Rodrigo Ricupero O PdAC nasceu em janeiro de 2007, depois de uma fase de constituição iniciada em abril de 2006, quando algumas centenas de dirigentes e ativistas saíram do Refundação Comunista. Em abril de 2006, de fato, a coalizão de centro esquerda (guiada pelo Prodi) venceu as eleições e o Refundação entrou no governo, sustentando políticas racistas, belicistas e anti-operárias. O apoio do Refundação Comunista às políticas burguesas determinou uma desagregação daquele partido, com várias cisões e uma queda eleitoral (de 9% para 1%). A decisão de aderir a LIT-QI O PdAC nasceu pela necessidade de construir uma oposição comunista aos governos burgueses. Os ativistas que participaram da fase de constituição, convencidos de que um partido de classe se constrói em escala internacional, tiveram contato com várias organizações internacionais que se reivindicam do trotskismo. O congresso de fundação do PdAC decidiu pela adesão à Liga Internacional dos Trabalhadores, avaliando que a LIT é hoje a principal organização trotskista internacional, seja pela difusão seja pelo potencial de crescimento. Na Europa, ainda na limitação das forças, é a única força revolucionária presente em diversos países. O recente X congresso da LIT nos demonstrou que nós não estávamos errados na escolha: o debate entre as seções, velhas e novas, de trajetórias diversas, demonstrou que a LIT é uma organização baseada no centralismo democrático, coerentemente marxista e presente na realidade das lutas. Se alguns dirigentes deixaram o partido por oportunismo sindical, ao mesmo tempo entraram no partido muitos quadros jovens, sobretudo ativistas das lutas estudantis e dos imigrantes. Nestes anos o PdAC aprofundou a sua intervenção sindical, promovendo uma batalha em favor da construção de uma grande central sindical de classe na Itália. As três confederações conciliadoras Cgil, Cisl e Uil, que em termos de filiados controlam a maioria dos trabalhadores, são cada vez mais subordinadas ao patronato italiano. A esquerda, o sindicalismo combativo sofre de uma grande fragmentação com muitas pequenas organizações. A nossa intervenção sindical se desenvolve seja na Cgil (em particular entre os metalúrgicos da Fiom-Cgil) seja, sobretudo, no sindicalismo combativo. Hoje, depois da expulsão de Fabiana Stefanoni – a autora deste texto – do sindicato stalinista Usb, a nossa intervenção se concentrou sobretudo no sindicato de base Cub (Confederação Unitária de Base). Do ponto de vista da propaganda, os meios que utiliza o partido é um jornal bimestral, Progetto Comunista, e uma revista teórica semestral, Trotskismo hoje. No trabalho de agitação, intervimos em todas as principais lutas que se desenvolvem no país. Graças em particular ao desenvolvimento das lutas estudantis (que na Itália atingiram momentos de grande radicalidade: em dezembro de 2010 milhares de estudantes atacaram o Senado), o PdAC viu nos últimos dois anos a adesão de muitos jovens: por isto, desenvolvemos uma intervenção como Juventude de Alternativa Comunista. As nossas tarefas na fase que se abre Hoje a Europa é o centro da crise mundial. A Itália vive uma condição econômica semelhante àquela da Grécia: o governo Monti, sob mandato da troika, está massacrando a classe trabalhadora. Não apenas não colocou em discussão as medidas de Berlusconi, como em dezembro um pacote econômico de trinta bilhões que piorou drasticamente as condições de vida das massas populares. Ora o governo deseja, juntamente com a burocracia sindical da Cgil, Cisl e Uil, desmantelar até o artigo 18, isto é, a tutela que impede as demissões discriminatórias [entre outras, de dirigentes sindicais, grevistas etc. ndt] na grande indústria. Mas é previsível que a próxima fase será caracterizada, também na Itália, por uma explosão do conflito social em larga escala. O PdAC, juntamente com as outras seções européias da LIT, se prepara para o crescimento das lutas na Europa. A intervenção do PdAC nas lutas e a propaganda De 2007 até hoje o desenvolvimento do PdAC não foi linear, mas, como sempre na história dos partidos comunistas, por saltos e rupturas. MARÇO DE 2012 47 * 47-48 Vida de LIT-QI (P)_Maquetación 1 15/03/12 15:29 Página 48 VIDA DA LIT-QI O PT de Paraguay Uma história de luta junto ao povo trabalhador E m 19 de março de 1989, um mês após a queda da ditadura comandada pelo general Alfredo Stroessner (1954-1989), cerca de 130 trabalhadores da cidade e do campo deram nascimento ao Partido dos Trabalhadores (PT). Três dias depois, em 22 de março, o PT converteu-se no primeiro partido de esquerda reconhecido legalmente, em mais de meio século de história política. Desta maneira, apresentava-se publicamente o trabalho que, há cinco anos, esses companheiros e companheiras vinham desenvolvendo desde a clandestina Organização Socialista Revolucionária (OSR). A OSR adotou como princípios a luta pelo socialismo revolucionário, o antiimperialismo e o internacionalismo proletário. Foi assim que seus fundadores solicitaram em 1987 o ingresso da organização à Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI), como seção oficial no Paraguai, contribuindo desde então, com sua militância quotidiana, à construção de um Partido Mundial da Revolução Socialista. O partido constrói-se nas lutas A queda de Stroessner produziu um ascenso, talvez sem precedentes na história do país, da organização e das lutas da classe trabalhadora e dos setores populares, que estavam acorrentados por décadas de perseguição, prisões, torturas e mortes provocadas pela ditadura de Stroessner. Produziu-se uma explosão sem controle de lutas, greves e ocupações em massa no campo. Militantes do PT tiveram participação direta em muitas dessas lutas, convencidos de que o partido se constrói nelas. 48 Na década de 90 produziram-se ocupações de terra em massa; dezenas delas estavam encabeçadas por militantes do partido. Nesse marco conquistaram-se milhares de hectares para o campesinato pobre, sob a bandeira da luta por uma reforma agrária radical. As e os militantes do partido foram parte da construção das mais importantes organizações camponesas, como a Coordenação Nacional de Agricultores do Paraguai (CONAPA), organização que deu nascimento posteriormente à Federação Nacional Camponesa (FNC), a Mesa de Organizações Camponesas (MCNOC) e a Central Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Populares (CNOCIP). Nucleados no Agrupamento Independente de Trabalhadores (AIT), seus militantes intervieram no movimento sindical ingressando em 1985 no Movimento Intersindical de Trabalhadores, organização que, depois da queda da ditadura em 1989, converteu-se na Central Unitária dos Trabalhadores (CUT). É parte da história e do orgulho do Partido dos Trabalhadores sua participação nas grandes lutas que o povo trabalhador empreendeu, em sua luta pela democracia que se iniciou contra a ditadura, no março paraguaio de 1999, nas lutas anti-imperialistas contra as privatizações, a Lei Antiterrorista e a criminalização das lutas sociais. Alternativa classista e socialista nas eleições O PT participou de eleições, entendendo a importância de apresentar uma alternativa política que se contraponha aos partidos dos patrões e latifundiários lacaios do imperialismo. Em 1993, conformou a frente eleitoral Unidade dos Trabalhadores e do Povo (UTP), em aliança com outras organizações de esquerda, que apresentou a candidatura à Presidência da República do camarada Coco Arce. Nas eleições gerais de 2003 foi parte de outra aliança, a Esquerda Unida (IU), que apresentou a candidatura do dirigente camponês e do PT, Tomás Zayas. Em 2008, apesar de buscar alianças, pela primeira vez o Partido dos Trabalhadores apresenta-se sozinho nas eleições, devido a que as demais organizações de esquerda apoiaram a candidatura de conciliação de classes de Lugo/PLRA. O PT apresentou uma chapa completa, encabeçada pela candidatura à Presidência da República do camarada Julio López. O PT hoje Temos o orgulho de permanecer fiéis ao classismo, à estratégia de construir o socialismo com os métodos revolucionários e de não ter capitulado ao governo de Frente Popular de Lugo/PLRA. Não é um fato qualquer, pois quase toda a esquerda vinculou-se desde o início e fez parte orgânica do governo de Frente Popular. Com a bandeira da independência de classe ao alto, leva essa palavra de ordem à classe trabalhadora paraguaia. Assim, seus militantes têm dedicado seus esforços, nos últimos anos, na construção de um espaço para que a reorganização do movimento sindical avance. Com camaradas do PT à frente, em 20 de novembro de 2010 fundou-se a Confederação da Classe Trabalhadora (CCT), uma organização classista, independente, democrática e de luta a serviço da defesa dos direitos e interesses da classe trabalhadora, do campesinato e dos demais setores populares de nosso país. CORREIO INTERNACIONAL * 34-35 Moral revolucionaria (P)_Maquetación 1 15/03/12 14:13 Página 34 LIT-QI - 30 ANOS A defesa da moral revolucionária ALICIA SAGRA Q uando nosso IX Congresso Mundial votou e tornou público um documento sobre “moral revolucionária”, muitos companheiros, agradavelmente surpreendidos, disseram-nos que nunca tinham visto algo assim. Não é a primeira vez que damos uma importância central a esse tema. Inclusive, a fundação da LIT-QI esteve estreitamente vinculada à sua defesa. O que, sim, é verdadeiro, é o fato de ser a primeira vez que um congresso mundial considera necessário votar um documento sobre moral. A questão moral e a fundação da LIT-CI Quando estávamos no processo de ruptura da CIQI1, o principal dirigente da seção peruana do setor proveniente do ex CORCI, Ricardo Napurí, que havia manifestado diferenças políticas e metodológicas, foi acusado de “ladrão” por Lambert. Moreno não hesitou e, seguindo a política de Trotsky da década de 1930, propôs chamar um Tribunal Moral Internacional que determinasse a verdade ou a falsidade das acusações. Em 11 de janeiro de 1982, realizou-se uma reunião em Bogotá, da qual participaram os partidos da ex FB e dois dirigentes que provinham do lambertismo: Alberto Franceschi, da Venezuela e Ricardo Napurí, do Peru. No primeiro ponto dessa reunião, ratificou-se o Tribunal e lançou-se uma grande campanha em torno dele. No segundo ponto, resolveu-se fundar uma nova Internacional, aprovando-se os estatutos e as Teses Fundacionais da LIT-QI. Posteriormente, o Tribunal, constituído por personalidades da esquerda internacional e do movimento sindical, deliberou a favor da honra revolucionária de Ricardo Napurí. Atuamos da mesma maneira na Bolívia, nos anos 90, frente aos ataques morais de Guillermo Lora contra um dos principais dirigentes de seu partido, Juan Pablo Bacherer, que havia manifestado diferenças políticas com ele. Este Tribunal foi integrado, entre outros, por Zé 34 Maria de Almeida, dirigente metalúrgico e membro da direção do PSTU brasileiro, e por Esteban Volkov Bronstein, neto de Trotsky. Como no caso anterior, o Tribunal constatou a falsidade das acusações morais. O que é a moral revolucionária? Em 1920, Lênin afirmava: “Em que sentido negamos a moral? Negamo-la no sentido que a pregou a burguesia, deduzindo-a de mandamentos divinos (...) o clero, os latifundiários e a burguesia falavam em nome de Deus para defender seus interesses de exploradores (…) quando nos falam de moral, dizemos: para um comunista, toda moral reside nesta disciplina solidária e unida, e nesta luta consciente das massas contra os exploradores. Não acreditamos em uma moral eterna, denunciamos a mentira de todos os contos sobre moral. A moral serve para que a sociedade humana se eleve a uma maior altura, para que se desembarace da exploração”.2 Em 1938, Trotsky, manifesta: “A Quarta Internacional despreza os magos, charlatães e professores de moral. Em uma sociedade baseada na exploração, a moral suprema é a da revolução socialista. Bons são os métodos que elevam a consciência de classe dos operários, a confiança em suas forças e seu espírito de sacrifício na luta. Inadmissíveis são os métodos que inspiram o medo e a docilidade dos oprimidos contra os opressores, que afogam o espírito de rebeldia e de protesto, ou que substituem a vontade das massas pela dos chefes, a persuasão pela coação e a análise da realidade pela demagogia e falsificação. Tenho aqui por que a social democracia, que tem prostituído o marxismo tanto quanto o stalinismo, antíteses do bolchevismo, são os inimigos mortais da revolução proletária e da moral da mesma.” Em 1969, Moreno, preso no Peru, escreve um texto no qual mostra como na época imperialista, a burguesia abandona a moral de sua época de ascensão, funcional à acumulação capitalista e baseada na “ economia, a sobriedade, a obediência servil dos filhos e da mulher ao chefe da família” (…) “a família patriarcal burguesa da etapa da ascensão desaparece, se rompe, para dar lugar às relações entre os sexos e os membros da família anárquica, crítica, na qual o elemento fundamental é a transformação de cada individuo em desfrutador do mundo e do outro sexo (…)”.3 E propõe que essa “amoralidade” da burguesia se combina com a moral existente nos setores marginalizados da sociedade, a moral lúmpen, dando origem a correntes como o existencialismo ou o espontaneísmo: “O espontaneísmo moral é a tentativa de setores juvenis de gozar como indivíduos da sociedade neocapitalista, ou seja, da sociedade de consumo, sem ajustar-se aos fetiches e reflexos condicionados dessa mesma sociedade”. “Nós acreditamos justamente no contrário, que nossa moral não é a da opção como os existencialistas, nem para o gozo como os espontaneístas, mas a da necessidade da revolução”.4 Moreno, que enfrentava a influência negativa da moral espontaneísta dentro do partido, deu tanta importância a essa discussão que, estando na prisão, priorizou-a acima dos debates políticos que estavam propostos. Com essa visão, construiu uma corrente que manteve uma moral revolucionária da qual nos orgulhamos, e cujo maior expoente foi a solidez moral e ideológica que permitiu que os mais de 200 presos, fuzilados e desaparecidos do PST argentino, suportassem a tortura da “Triple A”5 e da ditadura, pondo a segurança do resto dos companheiros acima de sua própria vida. O vendaval oportunista e a moral do “vale tudo” Trotsky teve que enfrentar a degradação moral provocada por Stalin, o método da amálgama, a monstruosa perseguição política e moral contra a geração que, junto a Lênin, encabeçou a revolução e a construção do Estado Soviético. Com os fraudulentos Processos de Moscou e os campos de concentração, Stalin acabou com a vida de grande CORREIO INTERNACIONAL * 34-35 Moral revolucionaria (P)_Maquetación 1 21/03/12 11:10 Página 35 LIT-QI - 30 ANOS quantidade desses revolucionários e, em 1940, completou sua tarefa com o assassinato de Trotsky. Ele ganhou a batalha. Mas Trotsky com sua grande campanha contra a “escola stalinista de falsificações” nos deixou toda uma concepção e uma metodologia que nos armaram para enfrentar o stalinismo e todas as correntes que tomaram um rumo semelhante. Moreno teve que enfrentar a destruição moral que o stalinismo impunha à classe operária e as posições espontaneístas que surgiam como reação a essa degradação e à decadência da moral burguesa. Nós estamos enfrentando um novo período degenerativo. Como dissemos no documento do IX Congresso: “A decadência do capitalismo em sua fase senil levou a tal grau o saque e a destruição da natureza que chega ao ponto de justificar qualquer ataque aos mínimos direitos individuais para garantir seus lucros. Isto gera uma decadência moral do imperialismo no terreno das relações humanas. (…) É o “vale tudo” da sobrevivência em um mundo decadente (…). Esta situação teve sua refração no interior do Movimento Operário e da esquerda, devido àquilo que chamamos o “vendaval oportunista””. Já antes, produto da marginalidade, setores trotskistas se contaminaram com a moral stalinista. Um exemplo foram os casos, já citados, das amálgamas e calúnias utilizadas por Lambert e Lora. Mas com o “vendaval oportunista” tudo se potencializou: ex-guerrilheiros presidem governos burgueses, reprimem as lutas. Organizações que se reivindicam trotskistas vivem do estado, administram planos sociais, aplicam o “clientelismo político”, utilizam a difamação como moeda corrente, atacam fisicamente e roubam arquivos e locais de outras organizações trotskistas. O parlamentarismo e os aparatos sindicais corrompem aqueles que foram dirigentes revolucionários. A questão da moral revolucionária na reconstrução da LIT-QI e da IV O que expomos antes mostra a necessidade de batalhar em defesa da moral revolucionária. Mas não explica por que nosso IX Congresso Mundial viu a necessidade de votar um documento sobre o tema. Essa necessidade se impôs quando, ao ver importantes casos sobre índole moral em nossas fileiras, percebemos que também nós tínhamos sido contaminados. Como dissemos MARÇO DE 2012 Pintura de Dorothy Eisner que representa a Trotsky declarando ante o Tribunal Moral conhecido como Comissão Dewey. nesse documento: “Era lógico que, se a LIT, no marco do vendaval oportunista que se abateu sobre a esquerda, sofreu uma destruição no terreno teórico, programático e organizativo, isto deveria afetar também o terreno moral”. Nossa tradição nos permitiu enfrentar o problema por meio da educação da militância e encarando com rigor cada problema moral que se apresentasse. Atuamos sem temor em perder militantes e inclusive seções, porque somos conscientes de que estamos defendendo não um principio filosófico abstrato, mas a moral defendida por Lênin, Trotsky, Moreno, “a moral que serve para que a sociedade humana se eleve a maior altura, para que se desembarace da exploração”. Por que tornamos público este combate interno? Para fortalecê-lo. Encontramo-nos com dirigentes que, reivindicando-se trotskistas e morenistas, defendem a “lei da selva” para justificar roubos de locais, de arquivos… E nos dizem que estamos no “túnel do tempo”, quando nos opomos a essas ações em nome da moral defendida por nossos mestres. Nós, assim como eles, sofremos as pressões da sociedade em decomposição e não estamos livres de problemas. A diferença é que reconhecemos esses problemas e não os escondemos debaixo do tapete, ao contrário, os tornamos públicos para combatê-los com mais força. Aspiramos a que as organizações e dirigentes que se aproximam de nós politicamente, se somem a este combate. Porque estamos convencidos de que a reconstrução da Quarta só pode dar-se em meio a uma feroz batalha para recuperar a moral revolucionária. Batalhando até a morte, no movimento e no partido, contra o método das amálgamas, das calúnias; do roubo, das mentiras, dos ataques físicos e da deslealdade entre revolucionários; do machismo, do racismo, da xenofobia, da homofobia; porque tudo isso vai contra a moral revolucionária, isto é, contra a revolução. 1 CIQI – Comitê Internacional – Quarta Internacional, formado pela FB (Fração Bolchevique) e pelo CORQI, organização de Lambert em 1980, como parte da estratégia de reconstrução da IV Internacional. Aliança que foi rompida diante da capitulação de Lambert à Frente Popular e sua negativa em discutir a sua política de expulsar aqueles que questionaram sua política. 2 Discurso de Lênin na I sessão do III Congresso das Juventudes Comunistas (2 de outubro de 1920). 3 Moreno, Nahuel, Moral Bolche ou Moral Espontaneísta, Caderno de Formação 8, Abril de 1987, p. 18. 4 Idem. p. 44.5 “Triple A” - Aliança Anticomunista Argentina. 35 * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:35 Página 36 LIT-QI - 30 ANOS Pela reconstrução de uma Internacional revolucionária ALEJANDRO ITURBE AS REVOLUÇÕES EM CURSO no Norte de África e no Oriente Médio voltaram a demonstrar que as massas são capazes de lutar com enorme combatividade e heroísmo para mudar a realidade. Mas também mostram que, sem uma direção revolucionária, essas lutas têm limites no seu desenvolvimento e que o imperialismo, as burguesias nacionais e seus agentes no seio do movimento de massas manobram na “beira do precipício” e conseguem sobreviver. P or isso, para a LIT-QI, a resolução da crise da direção revolucionária internacional é “a mãe de todas as tarefas” que propomos aos ativistas e lutadores de todo o mundo. Ainda mais quando a crise econômica mundial revela com toda a crueza o autêntico e horrível rosto do capitalismo imperialista, contrário a esse mundo de “felicidade e abundância para todos” que nos querem vender. Ou quando a repressão às revoluções, lutas e resistências expressa com clareza que o capitalismo não está disposto a fazer qualquer concessão às massas. Expressamos esta tarefa na bandeira Pela Reconstrução da IV Internacional. Desde sua fundação, a LIT–QI põe seu crescimento a serviço dessa tarefa central. Seus próprios estatutos contêm essa proposta e o conteúdo dado por essa tarefa: A LIT-QI tem como objetivo fundamental superar a crise da direção do movimento operário mundial e construir a Quarta Internacional com influência de massas. Apenas assim, resolvendo a crise de direção do proletariado, a permanente mobilização dos trabalhadores e explorados do mundo contra o imperialismo e a burguesia poderá culminar com a vitória final da revolução socialista internacional e com a implantação da ditadura revolucionária do proletariado. 36 No entanto, quando fazemos estas propostas, surgem numerosos questionamentos sobre o conteúdo programático e sua concepção organizativa, tanto por parte da maioria da esquerda como de importantes setores de ativistas mais recentemente incorporados à luta. Lenin discursa em uma manifestação em Petrogrado, em 1917 Por quê IV Internacional? Alguns setores revolucionários – em geral de origem e tradição distintos ao trotskismo – coincidem na necessidade de construir uma Internacional, mas nos questionam o porquê da IV Internacional, se esta nunca dirigiu uma revolução nem teve peso de massas e, atualmente, depois de sua crise em 1953, a IV estar dividida em numerosas correntes internacionais e grupos nacionais com pro- CORREIO INTERNACIONAL * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:35 Página 37 LIT-QI - 30 ANOS postas políticas e organizativas tão diferentes. Não deveríamos chamar para construir uma nova organização (“a V”)? Ou “reconstruir a III”, cujo modelo (entre 1919 e 1923) é reivindicado? A questão do número pode parecer apenas um problema de forma, mas contém um profundo significado político. Cada Internacional foi fundada como resposta a profundas necessidades da luta de classes, em sua época. Seu número as identifica com a época e as tarefas históricas que enfrentaram. A I Internacional (1864 – 1876) respondeu a uma primeira maturação do movimento operário mundial. Respondia à necessidade objetiva do proletariado de se agrupar numa internacional operária unificada para lutar de modo mais organizado, consciente e independente da burguesia. Desapareceu como consequência de uma grande derrota histórica: a da Comuna de Paris e as profundas batalhas políticas e metodológicas entre os marxistas e os anarquistas, seguidores de Bakunin. A II Internacional (fundada em 1889) foi a organização dos grandes partidos operários socialistas e marxistas que ganharam peso de massas. Nela, o proletariado fez sua aprendizagem política e sindical. Morre como organização revolucionária com a traição de seus dirigentes, em 1914, quando cada partido nos países imperialistas apoia sua respectiva burguesia nacional na Primeira Guerra Mundial. Mesmo depois da Guerra, continuou existindo. Seus partidos eram agora organizações que integravam e apoiavam governos capitalistas. A III Internacional (1919 – 1943) nasceu como resultado da reação a essa traição. Sua fundação já era impulsionada por Lênin desde 1916. Ao mesmo tempo, havia a necessidade de construir organizações de tipo novo: os partidos bolcheviques ou leninistas, capazes de atuar na época imperialista e de dirigir o proletariado até à revolução socialista, como ocorreu na Rússia em 1917, quando, pela primeira vez na História, o proletariado tomou o poder e construiu um Estado operário. Este grande triunfo alentou sua fundação e crescimento. Entre 1919 e 1923 deu-se a primeira e até agora mais forte tentativa de construir uma verdadeira direção revolucionária internacional com peso de massas: um partido mundial da revolução socialista. Foi uma grande conquista dos trabalhadores de todo o mundo e, por isso, MARÇO DE 2012 reivindicamos tanto sua concepção organizativa como as elaborações programáticas de seus primeiros quatro congressos. A burocratização da III Por profundas razões (como a derrota da revolução alemã de 1919 e o isolamento resultante na URSS e o altíssimo custo da guerra civil), o stalinismo pôde burocratizar e degenerar o partido bolchevique russo e o Estado operário soviético e, consequentemente, a III, a qual foi transformada num instrumento da política exterior da burocracia. Como resultado dessas políticas, a III acabou sendo responsável por grandes derrotas como a da Revolução Chinesa de 1923 – 1925 e, fundamentalmente, cúmplice por não tentar combater o triunfo do nazismo e sua ascensão ao poder na Alemanha, em 1933. Entre o início aberto do processo de burocratização, em 1923, e o triunfo do nazismo, Trotsky se recusou a romper com a III e lutou tenazmente para defender essa grande conquista e resgatá-la do avanço do stalinismo e da burocratização da URSS e da III. Sua fração política tinha o nome de Oposição de Esquerda e os trotskistas se autodenominavam de “bolcheviques–leninistas”. Apenas depois do triunfo do nazismo em 1933 – pela política da III e do PC alemão ante esse acontecimento – chegou à conclusão de que a III e os PCs estavam mortos como organização revolucionária e agora se encontravam no campo da contrarrevolução. Nesse momento, decide chamar à construção de uma nova Internacional para defender e manter o legado da III. La III Internacional teve influência de massas. Na foto, ato do Partido Comunista Alemão Em 1943, a pedido do presidente norte-americano Roosevelt, Stalin, para mostrar sua lealdade à “coexistência pacífica” com o imperialismo, dissolve “oficialmente” a III. Da mesma forma que sua construção tinha sido um grande triunfo, sua degeneração, e sua posterior dissolução, foram uma grande derrota do movimento operário mundial. A IV é a continuidade da III Trotsky funda a IV como uma continuação da III. Fá-lo para defender a herança programática e as concepções organizativas do marxismo e do leninismo que a burocracia stalinista estava destruindo. Além do mais, apresentavase como a “herdeira” dessa tradição contra uma horrível caricatura da mesma. A esta tarefa vigente, Trotsky agregava uma nova: lutar por uma revolução política na URSS para que a classe trabalhadora derrotasse a burocracia e recuperasse o poder que lhe havia sido usurpado e contra sua nefasta influência no movimento operário internacional, através da construção de uma internacional revolucionária. Nesse combate contra o stalinismo, a IV se propunha a educar milhares de novos quadros no mesmo objetivo estratégico da III: dirigir a classe trabalhadora no processo da revolução socialista mundial. Noutro artigo desta revista, analisa-se a história da IV, sua crise, as razões da crise e os debates e correntes que se deram em seu seio. Aqui queremos, ainda que sejamos repetitivos, tirar uma 37 * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:35 Página 38 LIT-QI - 30 ANOS conclusão da primeira parte deste artigo: manter a proposta de reconstruir a IV não significa um empenho formal por um número, mas afirmar que as bases de sua fundação (a necessidade de construir uma direção internacional, segundo o modelo leninista de organização, que possa conduzir a classe trabalhadora à uma revolução socialista internacional triunfante que derrote e acabe com o imperialismo e implante a ditadura revolucionária do proletariado em todo o mundo) é hoje mais vigente do que nunca. Essa não é uma tarefa “só de trotskistas”, mas de todos os lutadores que querem acabar com o capitalismo imperialista. Mais ainda quando muitas organizações de esquerda propõem “humanizar o capitalismo” (ou seja, “mudar as coisas” no marco do próprio capitalismo) ou surgem como falsas alternativas, como o Socialismo do Século XXI impulsionado por direções burguesas como Chávez. Recentemente, Chávez propôs formar uma “V Internacional” integrada, entre outros, pela burocracia do PC chinês, o PT brasileiro, o PSOE espanhol, etc. Para bom entendedor, meia-palavra basta. Continua vigente a proposta da revolução socialista internacional? Outras posições e questionamentos criticam o conjunto do modelo político–organizativo da IV e da III. São expressos por ativistas das novas gerações que saíram para a luta depois da queda do Muro de Berlim (1989) e da queda da URSS (1990). Incluem uma gama muito ampla de posições e, em muitos casos, então imbuídos do balanço resultante da restauração capitalista no Leste por parte da maioria da esquerda e as conclusões políticas com que agora se orienta. Fundamentalmente, essas críticas se baseiam em dois raciocínios: o primeiro expressa que o que esteve errado na experiência do chamado “socialismo real” foi a própria concepção de como se deveria desenvolver o processo revolucionário (o centro era a tomada do poder pela classe trabalhadora, a destruição do estado burguês e a construção de novos Estados operários) e a proposta política organizativa de “partidos centralizados de combate” para dirigir esses processos. Afirma-se que nessa concepção leninista de partido, logo transportada a um Estado “ditatorial”, já estava a raiz do problema: falta de liberdades e de 38 democracia que culminaria inevitavelmente na burocratização e o fracasso da experiência, por estar “afastada” das massas. O centro da luta contra as injustiças e os males atuais, especialmente padecidos pela juventude, passaria então pelo “aprofundar” ou “radicalizar a democracia”. O fio condutor seria: “somos a maioria e se nos mobilizarmos e lutarmos de modo consequente, podemos impor à minoria nossas reivindicações e assim dirigir o curso da sociedade”. Através desde “aprofundar da democracia” viriam as mudanças políticas e sócioeconômicas. Ainda que nem todas as propostas desse tipo sejam “pacifistas”, retomam, de certa forma, a base conceitual expressa por Mahatma Gandhi, líder da luta pela independência da Índia: a força e a continuidade da mobilização das massas e a justeza moral de suas reivindicações acabariam por garantir a vitória. No terreno político-organizativo, tentase construir redes e coordenações dos diferentes setores para a luta e de realizar grandes assembleias de massas nas quais seriam definidas tanto o curso da luta como o programa a ser adotado. Mas elas, corretas e necessárias, se unem na recusa de toda forma de organização e direção permanentes e centralizadas, que já trariam o “germe” da burocratização. Queremos expressar que compartilhamos plenamente de dois aspectos da visão de milhares de jovens. Primeiro, a reivindicação das grandes ações autônomas das massas como método de luta que possa mudar a História. Isto quer Nosso programa se opõe a dar apoio a governos burgueses, ainda que estes se digam de “esquerda”, como o de Hugo Chávez dizer que as revoluções são feitas pelas massas mobilizadas. Segundo aspecto: a reivindicação da necessidade da mais ampla democracia no interior dos processos de mobilização e luta como uma ferramenta imprescindível para que esses processos se desenvolvam e triunfem. Ou seja, estamos contra a concepção burocrática de que as revoluções são feitas pelas “ordens” de comandantes, secretários-gerais ou presidentes “esclarecidos” como Stalin, Fidel Castro ou Chávez. Contra quem lutamos? Acreditamos que o ponto de partida do debate é a pergunta: contra quem lutamos? Ou quem é o culpado pela crise econômica, o desemprego, a baixa salarial, o aumento da exploração, a pobreza e a miséria, por um lado, e pelo fato de todos os regimes políticos atuais serem ditaduras ou “sistemas democráticos” vazios de conteúdo, com uma minoria que sempre acaba dirigindo, através de governos de diferentes partidos, os destinos da sociedade. Para nós, a resposta é clara: é o sistema capitalista imperialista. Este sistema é, em primeiro lugar, uma formação sócio-econômica baseada na propriedade privada dos meios de produção (as fábricas e a terra) e de troca (os bancos) nas mãos de uma classe: a burguesia. Nela, podemos distinguir algumas centenas de empresas (as CORREIO INTERNACIONAL * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:35 Página 39 LIT-QI - 30 ANOS “multinacionais”) e bancos imperialistas muito concentrados (os verdadeiros donos do mundo) e burguesias nacionais associadas ou dependentes dela. A partir desse domínio econômico da sociedade, a burguesia (especialmente a imperialista) dita as “regras do jogo” econômico e social do mundo e dos países. O motor do sistema capitalista imperialista é a busca de lucro pelas empresas e não a satisfação das necessidades das pessoas. Uma busca de lucro que se faz cada vez mais voraz, à medida que o sistema se torna cada vez mais especulativo e parasitário, e que se vê agravada e se expressa com toda a violência na atual crise econômica internacional. Para satisfazer essa voracidade por lucro, o capitalismo não só não pode garantir melhorias do nível de vida das massas (como o fez, por exemplo, no século XIX), como, para continuar funcionando, deve atacá-lo e piorá-lo constantemente. Os exemplos atuais sobram. Para milhares de milhões de habitantes do mundo a realidade é a fome – que, por exemplo, fez explodir a “revolta dos famintos” de 2008, em Moçambique – nos países mais pobres. Mas também se expressa nos países mais ricos, como mostra a realidade da Grécia e Portugal, O capitalismo imperialista atua como um sistema internacional unificado. Um exemplo disto é o FMI MARÇO DE 2012 ou o fato de que, nos EUA (o país mais poderoso do mundo), já existam aproximadamente 45 milhões de pobres. Não haverá solução para os problemas dos trabalhadores e das massas enquanto subsistir o sistema capitalista-imperialista. Pelo contrário, para salvar os banqueiros e especuladores, tudo continuará a piorar: cada vez haverá menos comida, emprego, salários, saúde e educação pública e casas para todos. Uma realidade que continuará enquanto não terminarmos com este sistema e o substituirmos por outro sistema sócio-econômico em que a produção e os investimentos, através de uma economia planificada pelo Estado, estejam ao serviço da satisfação das necessidades das massas e não para manter o lucro de um punhado de empresas e bancos. Para isso é necessário expropriar as fábricas e bancos aos capitalistas. Mas para defender sua propriedade, a burguesia conta com os Estados ao seu serviço e a luta pela expropriação deve passar, inevitavelmente, pela luta para tirar o poder desse Estado. Para nós, o processo de luta que leva da realidade atual do capitalismo a esse objetivo é a revolução socialista. Os limites da “democracia em geral” Nas lutas do Norte de África, Oriente Médio, Europa e EUA, tem um peso muito importante a batalha pelas liberdades democráticas, contra as ditaduras ou contra as “democracias dos ricos”. Vimos que muitos ativistas opinam que esta “ampliação da democracia” seria o caminho para alcançar as mudanças sociais. A luta pelas liberdades democráticas é imprescindível, especialmente quando se dirige contra os regimes ditatoriais ou bonapartistas que eliminam totalmente ou restringem essas liberdades. Compartilhamo-nas e a impulsionamos plenamente. Acreditamos que essas liberdades democráticas são imprescindíveis para que os trabalhadores e os jovens possam se organizar e lutar melhor. Por isso, é totalmente correto lutar por elas e defendê-las quando são conseguidas e ameaçadas. No entanto, é um erro considerar que é suficiente “ampliar a democracia” para conseguir as mudanças sociais e terminar com os males que o capitalismo cria. Na realidade, é equivocado falar de “democracia em geral”. O que hoje vemos no mundo são “democracias burguesas”, sistemas políticos ao serviço da burguesia. Porque ela domina a sociedade numa via de mão dupla: são os donos de empresas e bancos que controlam os Estados e os põem ao seu serviço. Numa verdadeira democracia, as massas trabalhadoras que deveriam controlar a economia e as ações de Estado, para que esses respondessem à satisfação de suas necessidades mais urgente e não às dos capitalistas e seus lucros. Mas não é assim: qualquer que seja a opinião política das massas, aqueles que dominam a economia e ditam as “regras do jogo” são as grandes empresas e os bancos. E o Estado, através de governos de diversos partidos (ainda que se apresentem como “ideologicamente diferentes”), responde a essas necessidades. Nesta realidade, os indignados espanhóis falam, com ironia, do “PPSOE”...1 Assim, mudam os partidos no governo, mas continuam as mesmas políticas. Quem votou, por exemplo, nas gigantescas ajudas estatais do BCE ou/e da Reserva Federal2 aos especuladores financeiros de bilhões de dólares e euros? Quem votou nos duríssimos planos de austeridade? Quem votou que, na Grécia ou Itália, governem homens que foram altos executivos do banco norte-americano Goldman Sachs? A burguesia monta uma série de instituições e legislações ao seu serviço e diz às massas que são “sacrossantas”. Mas se a “incomodam”, “reformam-nas” sem problema. E se por causa de um agravamento da luta de classes a coisa se torna mais complicada, aparecem os verdadeiros “pilares” do Estado burguês: as Forças Armadas e de repressão. Presente está o exemplo da repressão contra os jovens e trabalhadores árabes, os indignados europeus, o movimento Occupy nos EUA, as mobilizações contra a austeridade na Grécia, o desalojamento do Pinheirinho no Brasil, etc. É neste sentido que Engels expressava que até a maior democracia burguesa continua sendo uma “ditadura do capital”. Ou seja, por um lado a burguesia não mais garante direitos democráticos de “conteúdo” aos trabalhadores e aos jovens, como emprego, salário digno, saúde e educação pública, gratuita e de qualidade. Esta democracia é cada vez mais uma forma vazia de conteúdo, cada vez menos “democrática”. Sob o domínio do capitalismo, nunca poderá haver verdadeira democracia para as massas. 39 * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:35 Página 40 LIT-QI - 30 ANOS Como conseguir uma “verdadeira democracia”? Para consegui-la é necessário cortar pela raiz o controle sócio-econômico que a burguesia tem da sociedade, o que implica expropriar suas fábricas e bancos. Mas a burguesia nunca deixará que isto ocorra de “boa vontade”, nem pela “justiça” das reivindicações populares. Irá defender-se com unhas e dentes. Primeiro, com “suas” instituições, “sua” legislação e uma repressão moderada às lutas. Mas se o processo se torna mais agudo e ameaça profundamente seu domínio, apelará a todas as reservas do “seu” Estado: as Forças Armadas e de repressão e, inclusive, os bandos armados “extra-oficiais” e os golpes de Estado. Neste sentido, a luta pelas mudanças sócio-econômicas de fundo deve passar, imprescindivelmente, pela luta pelo poder de Estado entre a burguesia de um 40 lado e os trabalhadores e as massas no outro. Uma luta na qual se decide quem tem a força para impor ao outro sua vontade. Por isso o programa revolucionário socialista da III e da IV põe como centro da luta o objetivo da tomada do poder, a instalação de um governo da classe trabalhadora e do povo, a destruição do Estado burguês e o início da construção de um Estado de novo tipo, sobre bases sociais radicalmente diferentes às do capitalismo imperialista. No programa, esse governo é chamado de “ditadura do proletariado”. Nesse ponto surge um dos questionamentos mais fortes das novas vanguardas de lutadores: não existe uma contradição insanável entre essa “ditadura” e a “ampliação da democracia”? Para entender essa contradição deve-se entender que, diferentemente do que acontece hoje, trata-se de uma ditadura da maioria contra a minoria privilegiada: são as “duzentas famílias” que dominam a economia norte-americana, os Botín na Espanha, os Agnelli na Itália, etc. Ao mesmo tempo, a diferença entre a falsificação stalinista, onde as decisões eram tomadas pelos secretários-gerais e comitês centrais, e a proposta da IV é que esse governo baseia-se em organismos democráticos dos trabalhadores e das massas, como os sovietes (conselhos) de trabalhadores e camponeses dos primeiros anos da URSS. Neles, as massas elegiam seus deputados e davamlhes mandatos tendo em conta o que pretendiam e podiam revogá-los a qualquer momento. Esses deputados votavam as leis e ações do governo e também ajudavam a aplicá-las. Trotsky e a IV Internacional em um detalhe de um mural na Cidade do México CORREIO INTERNACIONAL * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:35 Página 41 LIT-QI - 30 ANOS Em ambos os sentidos, para as massas, era uma ditadura muito mais democrática que a das chamadas “democracias” atuais. A contradição ditadura-democracia É importante entender também que nenhuma mudança revolucionária profunda foi levada a cabo sem repressão sobre as velhas classes e setores dominantes que perdem seus privilégios. Assim ocorreu também com o domínio burguês e as atuais democracias burguesas. Elas não existiriam sem a Revolução Francesa de 1789 e o “terror” dos jacobinos contra a monarquia e a nobreza, ou sem a feroz Guerra da Independência contra a Inglaterra que os “Pais Fundadores” dos EUA encabeçaram, a partir de 1776. Nesse sentido, devemos dizer que uma “verdadeira democracia” nascerá, sim, de uma ditadura, mas – e como assinalamos – a de uma ampla maioria sobre uma minoria. Outro fator que torna imprescindível a ditadura do proletariado é que, caso o poder em um ou vários países seja tomado, mas o imperialismo conserve o domínio das nações principais, haverá inevitavelmente ataques e guerras contra o nascente Estado operário. Assim o demonstra a invasão à URSS de 16 exércitos estrangeiros em 1918 ou as guerras da Coreia e Vietnã. Nesse aspecto, a ditadura é imprescindível para defender o novo Estado destes ataques. O caráter internacional da luta Se a luta contra o capitalismo imperialista começa ao nível de cada país só poderá triunfar totalmente a nível internacional, porque este sistema tem esse caráter e seus principais polos são os países imperialistas mais fortes como EUA, Japão, Alemanha, etc. A revolução socialista só se poderá considerar terminada quando tiver vencido nesses países. Precisamente, o fator central que levou ao fracasso da experiência do chamado “socialismo real” foi uma tentativa da burocracia estalinista de desenvolver o “socialismo nacional” na URSS e em outros países (em geral, débeis economicamente). Para defender seus privilégios, a burocracia abandonava a luta internacional contra o imperialismo e a substituía pela “coexistência pacífica” com ele. Nos países onde surgiram Estados operários, alcançaram-se grandes avanços e conquistas, mas o capitalismo imperialista manteve o domínio das principais MARÇO DE 2012 potências de muito maior desenvolvimento econômico. Com isso, manteve o domínio da produção e dos mercados mundiais e pôde estrangular até derrubar esses “socialismos nacionais”. Ao mesmo tempo, se as revoluções triunfantes em um ou alguns países não se estenderem a nível internacional e não se toma o poder nos países centrais, estes utilizarão todo seu poderio econômico-militar para tentar derrotar militarmente o processo. Estes são os dois elementos estratégicos que explicam porque a revolução socialista deve ser internacional e por que, então, precisamos de uma organização internacional de luta revolucionária para levá-la adiante. A democracia operária Vimos que nossa proposta de funcionamento do novo Estado se baseia na mais profunda democracia para os trabalhadores e as massas. Para diferenciála da “democracia burguesa” chamamo-la de “democracia operária” e é um ponto central de nosso programa. A luta pela democracia operária não é algo que fique limitada ao futuro Estado. Pelo contrário: é profundamente válida e imprescindível hoje através da luta contra as burocracias sindicais cúmplices e colaboradoras do capitalismo. É necessário destronar estes dirigentes vendidos para que novas direções sejam formadas nas organizações das massas. Também defendemos sua plena aplicação e defesa em novos organismos de luta que se vão construindo no processo. Reunião dos Sovietes (conselho) dos deputados operários na Rússia, 1917 Consideramos que a revolução socialista e a luta que conduz até ela só podem se desenvolver até o final caso estejam baseadas num processo de mobilização permanente das massas, através de sua autodeterminação e organização democrática. Ao mesmo tempo afirmamos que esses elementos (a mobilização permanente e autodeterminada das massas, a democracia operária em seus organismos e o controle sobre os dirigentes com o direito de revogabilidade) são os únicos e verdadeiros caminhos para combater e impedir a burocratização desses dirigentes e desses organismos. Por isso, o stalinismo e todas as burocracias os destroem e o trotskismo luta incansavelmente pela sua defesa. O partido democraticamente centralizado O caráter que adquire a luta pelo poder contra o Estado burguês – um aparato centralizado e com muitos recursos – marca as limitações que, nessa luta, têm as redes e coordenações. Estas formas de organização mostraram capacidade de convocar e realizar importantes mobilizações de resistência no marco de uma unidade de ação de diversos grupos sociais, especialmente no marco de lutas pelas liberdades democráticas ou contra os planos de austeridade. Mas quando se trata de avançar no embate decisivo sobre o Estado burguês não é 41 * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:36 Página 42 LIT-QI - 30 ANOS A “centralidade” da classe trabalhadora O capitalismo criou grandes concentrações de operários e trabalhadores que, com sua luta, podem paralisá-lo. Na foto, operários da construção na Argentina, em assembleia durante uma greve efetiva, já que inevitavelmente tende a se dispersar pelas contradições de objetivos dos diferentes elementos da rede. Pelo seu próprio caráter, a luta pelo poder deve ser necessariamente centralizada e disciplinada. Caso contrário, os diversos setores que participam podem ser derrotados separadamente. Na história moderna se apresentaram duas alternativas de como esta luta centralizada e disciplinada pode ser dirigida com possibilidades de triunfo. Uma é o “partidoexército” presente, por exemplo, nos processos revolucionários da China, Cuba, Vietnã, etc. Aqui, a disciplina é garantida através de uma estrutura vertical-militar onde o que se faz, ou não, é definido pelos “comandantes”. Mas essa disciplina militar imprescindível se aplica sem mudanças no terreno político: não se toleram as diferenças internas e, em muitos casos, elas se extinguem com assassinatos, como foi o caso da comandante Ana María, do FMLN salvadorenho, em 1983. Opomo-nos completamente a esta metodologia. A outra alternativa – a que nós propomos – é o partido leninista (ou de combate), como o da Revolução Russa de 1917, que funciona com a metodologia do “centralismo democrático”. Isto significa, por um lado, que na sua ação na luta de classes (por exemplo, ante uma greve ou 42 uma mobilização) o partido atua de modo centralizado e disciplinado, conduzido por sua direção. O que quer dizer, com a posição votada por maioria em seus organismos. Esta centralização e disciplina na ação na luta de classes são ainda mais necessárias nos momentos mais agudos, como a luta pelo poder. Mas tem profundas diferenças com o partido-exército que se expressa no chamado “polo democrático” do partido leninista. A primeira é que a adesão a essa centralização e disciplina sempre é voluntária e só se obriga a aceitá-la aqueles que coincidem com seu programa e metodologia. A segunda é que existem instâncias centrais nas quais seus membros debatem tudo o que diz respeito à vida do partido. Especialmente nos congressos, onde os delegados eleitos pela base votam a direção, o programa e a linha política que logo a direção eleita levará por diante. Dessa forma, o centralismo democrático se mostrou capaz de ter a disciplina férrea necessária para a luta pelo poder e, por sua vez, de realizar uma “elaboração coletiva” do programa, fazer uma seleção dos melhores dirigentes e “impulsionar” as mudanças das complexas situações da luta de classes e dos estados de ânimo das massas. Os programas da III e da IV postulam claramente o papel central e dirigente da classe trabalhadora no processo de luta pela revolução socialista (é o “sujeito social” dessa revolução). Esse aspecto também é questionado por quem assinala que hoje a classe trabalhadora tem um peso social muito menor que na época de Lenine e Trotsky; que uma parte se “aburguesou” por certas conquistas sociais e hoje atua de modo “conservador”. Por outro lado, teriam surgido outros setores sociais, como o campesinato pobre, as massas plebeias urbanas, a juventude estudantil, os “precarizados” (um setor diferenciado e mais explorado da classe trabalhadora), etc., que são mais combativos. Por isso, já não deveríamos falar de “classe trabalhadora”, mas de “povo”, “cidadãos” ou outros termos. A definição marxista de que a classe trabalhadora é o “sujeito social” principal da luta contra o capitalismo surgiu como resultado de uma análise científica e não de um dogma ou uma fé religiosa e irracional. A classe operária ou trabalhadora é a que produz e move economicamente a sociedade. Em especial os trabalhadores industriais e dos principais serviços, como energia, transporte, comunicações e bancos. Assim sendo: sua luta tem a capacidade de paralisar diretamente o “coração” e outros “órgãos vitais” da sociedade capitalista. Ao mesmo tempo, o próprio capitalismo concentrou a classe trabalhadora em grandes núcleos, aos quais chamamos os “batalhões pesados” da luta. Ainda que tenha havido algumas mudanças na estrutura produtiva, acreditamos que essa análise continua, essencialmente, vigente: a classe trabalhadora continua no centro do funcionamento da sociedade capitalista. Ao mesmo tempo, se em algumas épocas do século XX e em alguns países houve setores dos trabalhadores que tiveram alguns privilégios (a “aristocracia operária”), atualmente a classe trabalhadora é atacada em toda a linha pela burguesia e volta a ocupar um lugar na primeira fila da luta, como demonstrado pelos processos do Egito ou da Europa. Outros setores sociais oprimidos (como o campesinato pobre ou as massas plebeias urbanas), pelas suas próprias características sociais, podem ser mais explosivos em suas lutas, mas tamCORREIO INTERNACIONAL * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:36 Página 43 LIT-QI - 30 ANOS bém são muito menos constantes e contundentes. A juventude, por seu lado, traz sempre combatividade e radicalização, entretanto, tratando-se de um setor não estrutural, não pode, por si mesma, atacar os “centros vitais” do capitalismo. É imprescindível que os jovens dos movimentos alternativos de luta compreendam que sem a classe trabalhadora é praticamente impossível tomar o poder e derrubar o capitalismo e, mais ainda, começar uma construção de transição ao socialismo. Nesse sentido, não devem confundir a classe trabalhadora com os aparatos sindicais burocráticos, conservadores e inimigos da mobilização. Por isso é indispensável que essa juventude utilize sua radicalização e combatividade não para “se separar” dos trabalhadores (ou se dissolver em sua “cidadania”), mas para ser a faísca que ajude a classe trabalhadora a entrar de modo pleno e autodeterminado na luta. Por outro lado, afirmar esta centralidade não é dizer que a classe trabalhadora é o único sujeito da luta contra o capitalismo. Pelo contrário, os programas da III e da IV reconhecem claramente que existem outros setores sociais duramente atacados pelo capitalismo que também lutam com força. MARÇO DE 2012 Assim se expressa a importância e a necessidade de disputar esses setores à influência do capitalismo. Portanto, a proposta é a construção de uma “aliança das classes oprimidas”, encabeçada e estruturada pela classe trabalhadora para lutar contra o capitalismo. A independência de classe Profundamente relacionado com o anterior, existe outro ponto central em nosso programa: a necessidade de que a classe trabalhadora mantenha sua total independência política de classe da burguesia. Isto significa que a classe trabalhadora deve se organizar politicamente de modo independente de qualquer variante burguesa, ainda que se disfarce de “esquerda” e que isso se expresse a todos os níveis, incluindo o eleitoral. Isso é especialmente importante quando a burguesia “disfarça” seus governos, através das chamadas “frentes populares” (governos conjuntos de partidos burgueses e operários reformistas como é o caso do governo do PT no Bra- sil) ou dos governos burgueses “populistas de esquerda” (como é o caso de Chávez na Venezuela). São manobras do capitalismo para sobreviver e becos sem saída para a classe trabalhadora. Opomo-nos totalmente a qualquer apoio a estes governos e a participar neles. Pelo contrário, estamos em oposição a todos eles e lutamos para que a classe trabalhadora não deposite nenhuma confiança e preserve sua completa independência política. Esta é uma verdadeira “prova de fogo” para as correntes que se reivindicam revolucionárias porque, na sua grande maioria, capitularam a estes governos. Quem chamamos? Quando chamamos à reconstrução da IV entendemos que é uma tarefa não só para os trotskistas, mas para todos os revolucionários. Mais ainda, acreditamos que atualmente a maioria das organizações que se reivindicam trotskistas não estão dispostas, em forma ou conteúdo, a tomar esta tarefa. Os processos revolucionários do Norte da África e Oriente Médio mostraram que as grandes lutas de massas são capazes de “mudar a história”. Na foto, a famosa Praça Tahrir do Cairo 43 * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:36 Página 44 LIT-QI - 30 ANOS A burguesia conta com aparatos especiais para reprimir a luta das massas e defender sua propriedade e seus lucros. Na foto, a polícia espanhola reprime um “indignado” em Barcelona Não há forma de reconstruir a IV senão à volta de um programa revolucionário, cujos eixos centrais esclarecemos brevemente neste artigo. Mas muitas organizações, como o chamado Secretariado Unificado (SU), abandonaram há tempos o programa e os princípios da IV (por exemplo, a luta pelo poder dos trabalhadores ou a construção de partidos revolucionários) e cruzaram a fronteira de classe até à colaboração e a capitulação à burguesia, como o apoio que deram aos governos de Lula no Brasil e Prodi na Itália. Tampouco significa reagrupar as organizações sectárias que confundem seus desejos com a realidade e se contentam a recitar o programa trotskista, mas são incapazes de encontrar (nem sequer a procurar...) com esse programa, o caminho até às massas. Já Trotsky havia prevenido sobre a impossibilidade de construir algo juntamente com os sectários. Inclusive, quando estas seitas conseguem algum crescimento – ao mesmo tempo em que mantêm seu caráter burocrático, aparatista e autoproclamatório (“somos a IV”) – começam a mostrar também uma veia oportunista. Foi o caso do chamado “lambertismo” e também, atualmente, da Fração Trotskista, encabeçada pelo PTS da Argentina. Às características assinaladas, essas organizações juntam a política de fazer 44 chamados permanentes ao “reagrupamento dos revolucionários” e às “conferências abertas” com a única intenção de atuar deslealmente sobre organizações trotskistas mais importantes e ganhar alguns militantes. Não os move a genuína vontade de intervenção na luta de classes, mas uma espécie de “canibalismo político” e deslealdade permanentes. Qualquer tentativa de reconstruir a IV com estes grupos significará, inevitavelmente, a paralisia provocada por intermináveis lutas internas. Uma IV com muitos lutadores de outras origens Então, ao nos referirmos à reconstrução da IV, não estamos falando de um crescimento linear das atuais organizações da LIT. Somos conscientes de que só é possível reconstruir a IV com a incorporação de milhares de ativistas revolucionários vindos de distintas trajetórias. A “IV reconstruída” deverá agrupar revolucionários com origem em diversas tradições do marxismo e também provenientes de fora dele, em base ao acordo com um programa revolucionário. Um programa cujos traços centrais tentamos delinear neste artigo: • A impossibilidade do capitalismo imperialista resolver as necessidades urgentes das massas e seu ataque cada vez maior ao seu nível de vida. • A necessidade de uma revolução socialista internacional para mudar pela raiz este estado de coisas. • O papel central da classe trabalhadora como sujeito da revolução socialista. • O impulso e a defesa da mobilização permanente da classe trabalhadora e seus aliados. • O impulso e defesa da independência política da classe trabalhadora frente a toda variante burguesa, especialmente dos governos de frente popular e populistas de esquerda. • A necessidade de lutar contra todas as burocracias e por um regime de democracia operária em todas as organizações da classe. • Afirmamos que a grande tarefa da classe trabalhadora nesta etapa é a tomada do poder, a destruição do Estado burguês e de suas Forças Armadas e estabelecer uma ditadura revolucionária do proletariado. • O Estado Operário Revolucionário pelo qual lutamos deve ser baseado em conselhos de trabalhadores, de camponeses e do povo, ter um regime da mais ampla democracia para a classe trabalhadora e a maioria absoluta do povo. • Recusamos a suposta “teoria” do “socialismo em um só país”. A revolução socialista terá um caráter internacional ou estará destinada a retroceder e a ser derrotada. • A necessidade imediata e inevitável de construir uma organização internacional revolucionária, integrada por partidos nacionais segundo o modelo leninista, em todos os países do mundo, como seções desta Internacional. • Defendemos a moral operária e revolucionária. Defendemos a máxima lealdade na relação entre organizações que se reivindicam revolucionárias. CORREIO INTERNACIONAL * 36-45 Reconstrucción IV (P)_Maquetación 1 21/03/12 10:36 Página 45 LIT-QI - 30 ANOS Nosso chamado é dirigido, com certeza, àquelas organizações revolucionárias com as quais possamos estabelecer acordos programáticos e relações fraternais de discussão no processo de aproximação. Essencialmente, é dirigido, em primeiro lugar, às correntes e grupos que rompem com as grandes organizações de massas que o stalinismo, a social-democracia e o castro-chavismo ainda dirigem e se orientem até a esquerda para procurar uma alternativa revolucionária. Em segundo lugar, é dirigido às novas gerações de lutadores, como os jovens egípcios que participam de organizações como a do “movimento 6 de Abril”, os ativistas dos “indignados” europeus ou os de Occupy, nos EUA. Eles lutam ativamente contra a ditadura e as consequências do capitalismo e da crise e procuram referências que lhes permitam orientar-se nessa luta. Chamamos todos eles a reconstruir a IV Internacional porque, como dizíamos ao início, consideramos que a construção de uma direção revolucionária internacional é a “mãe de todas as tarefas” que propomos aos lutadores. A LIT-QI é hoje, então, o “espaço natural” para que os militantes e grupos revolucionários se integrem e atuem internacionalmente, debatam e intervenham nos centros da luta de classes e tragam a necessária atualização programática que as mudanças na situação mundial exigem. Somos conscientes de que a LIT é ainda uma organização pequena. Nossa força principal está no programa revolucionário que apresentamos e na vontade consequente de lutar por ele. Posto isto, chamamo-los a construir a LIT. Pomos nossa organização internacional à disposição desses militantes e grupos para que, em torno desse programa, tomem-na como um instrumento para avançar na construção de uma internacional revolucionária com peso de massas. 1 PPSOE – uma junção das siglas do PP, de direita, e do PSOE, social-democrata, os dois partidos que se alternam no poder. 2 BCE – Banco Central Europeu; Reserva federal ou Federal Reserve, o banco central dos EUA. A LIT-QI ao serviço dessa tarefa Já assinalamos que a LIT-QI está ao serviço da reconstrução da IV. Isto significa que se põe à disposição das organizações e militantes revolucionários de todo o mundo como uma ferramenta e um espaço democrático para a reconstrução da IV. E que, no imediato, põe todo seu patrimônio político e militante, sua estrutura de seções e publicações ao serviço dessa tarefa. Desse modo, já se está tornando um pequeno polo de reagrupamento de algumas organizações e militantes trotskistas e não-trotskistas. No entanto, hoje não estão previstas, em curto prazo, fusões que possam dar origem a uma nova organização internacional. Nem tampouco existe uma organização de maior peso na qual a LIT-QI possa entrar e se integrar. Por isso, acreditamos que, nas atuais condições, a tarefa de reconstruir a IV passa pela construção e o crescimento da LIT-QI. Essa conclusão não representa nenhum tipo de autoproclamação. Não somos nem nos julgamos a IV reconstruída. Essa é uma tarefa que está por ser feita e esperamos poder realizá-la junto com todos os revolucionários dispostos a encará-la. Seguramente, isso vai ter sua expressão organizativa no futuro. Mas a situação atual é a que descrevemos. MARÇO DE 2012 45 * 46-Argentina a Moreno (P)_Maquetación 1 15/03/12 14:45 Página 46 VIDA DA LIT-QI Argentina Ato do PSTU argentino em homenagem a Nahuel Moreno N o último mês de janeiro, o salão Bolívar do Hotel Bauen, na zona central de Buenos Aires, a capital argentina, foi cenário perfeito para que cerca de 200 companheiros se encontrassem para prestar homenagem a Nahuel Moreno, aos 25 anos de seu falecimento. Assim que começou o ato, uma mistura de emoções tomou conta dos companheiros e companheiras que tinham comparecido, enquanto se projetava um vídeo que recordava a intervenção de Moreno no encerramento da 2ª conferência internacional da Liga Internacional dos Trabalhadores. Exatamente no ano em que se completa o 30º aniversário da fundação da LIT, sua maior obra política, todos os presentes puderam observar a paixão revolucionária com a qual ele encarava cada ação em sua vida. Intervenções e saudações Demián Romero, secretário geral de ATEN Centenario da província de Neuquén, foi encarregado por abrir o ato e apresentar os oradores que posteriormente se dirigiram a dezenas de ativistas operários, lutadores dos movimentos social e estudantil que estiveram presentes no recinto. Um caloroso aplauso foi ouvido em toda a sala quando se mencio- 46 nou a presença de Clara Bressano (filha do “velho” Nahuel) e de Ricardo Napurí, um dirigente histórico peruano, fundador da LIT. Aconteceu o mesmo com os companheiros militantes dos partidos irmãos do Uruguai e do Paraguai presentes, e com a leitura das saudações provenientes dos partidos irmãos do Chile e do secretariado internacional da LIT. A primeira intervenção ficou aos cuidados de Eduardo Barragán, presidente da Associação de Profissionais do Hospital Larcade, que em nome da direção nacional do PSTU se encarregou por relembrar brevemente os pilares fundamentais que mantém hoje mais que nunca vigente o programa trotskista e morenista. Este programa se resume na construção da organização internacional que Moreno fundou há 30 anos, a LIT, como uma ferramenta essencial para avançar no caminho de reconstruir a IV internacional e organizar a revolução socialista em nível mundial. Em seguida foi a vez de Luciana Danquis, dirigente da juventude do PSTU, que se referiu a o que significa ser morenista hoje na Argentina: “É enfrentar o governo, que agora diante da crise mundial começa a aplicar medidas contra o povo e pede a solidariedade de nós trabalhadores para sustentar as empresas que recebiam os subsídios.” Neste sentido, a companheira convocou todos os presentes a se somarem ao PSTU, para colaborarem na construção da alternativa política que os trabalhadores necessitam para poder governar e não pagar pela crise. Encerramento internacionalista O fechamento ficou sob responsabilidade do companheiro Dirceu Travesso, “Didi”, dirigente bancário, da CSP Conlutas e membro da direção do PSTU brasileiro, que chegou especialmente do Brasil para participar do ato. Em nome da LIT, o companheiro refletiu com clareza a situação e as tarefas que nós revolucionários temos nos dias de hoje: “Nossa corrente internacional é pequena e frágil, porém não devemos ficar parados diante das enormes oportunidades que a luta de classes nos oferece, frente à crise mundial. O centro da tarefa é construir, juntamente com as massas que lutam, este programa revolucionário que nos deve permitir derrotar o capitalismo.” No final, entre palavras de ordem e cantos dos presentes, foi assinalado que este ato é somente o início de uma homenagem que vai continuar durante o ano todo, e que vai ser encerrada com chave de ouro no mês de outubro, quando for realizado o principal ato pelo 30º aniversário de fundação da LIT, na Argentina, país onde o morenismo nasceu e deu seus primeiros passos. Depois de cantar a Internacional, hino que identifica a classe trabalhadora, todos nós presentes nos retiramos do salão com a sensação de termos homenageado nosso mestre da maneira que talvez ele mais tivesse gostado: cheios de força e energia para encarar os desafios que a luta de classes nos impõem, para poder aproveitar as oportunidades, construindo o partido e a Internacional que ele nos deixou. CORREIO INTERNACIONAL * 34-35 Moral revolucionaria (P)_Maquetación 1 15/03/12 14:13 Página 34 LIT-QI - 30 ANOS A defesa da moral revolucionária ALICIA SAGRA Q uando nosso IX Congresso Mundial votou e tornou público um documento sobre “moral revolucionária”, muitos companheiros, agradavelmente surpreendidos, disseram-nos que nunca tinham visto algo assim. Não é a primeira vez que damos uma importância central a esse tema. Inclusive, a fundação da LIT-QI esteve estreitamente vinculada à sua defesa. O que, sim, é verdadeiro, é o fato de ser a primeira vez que um congresso mundial considera necessário votar um documento sobre moral. A questão moral e a fundação da LIT-CI Quando estávamos no processo de ruptura da CIQI1, o principal dirigente da seção peruana do setor proveniente do ex CORCI, Ricardo Napurí, que havia manifestado diferenças políticas e metodológicas, foi acusado de “ladrão” por Lambert. Moreno não hesitou e, seguindo a política de Trotsky da década de 1930, propôs chamar um Tribunal Moral Internacional que determinasse a verdade ou a falsidade das acusações. Em 11 de janeiro de 1982, realizou-se uma reunião em Bogotá, da qual participaram os partidos da ex FB e dois dirigentes que provinham do lambertismo: Alberto Franceschi, da Venezuela e Ricardo Napurí, do Peru. No primeiro ponto dessa reunião, ratificou-se o Tribunal e lançou-se uma grande campanha em torno dele. No segundo ponto, resolveu-se fundar uma nova Internacional, aprovando-se os estatutos e as Teses Fundacionais da LIT-QI. Posteriormente, o Tribunal, constituído por personalidades da esquerda internacional e do movimento sindical, deliberou a favor da honra revolucionária de Ricardo Napurí. Atuamos da mesma maneira na Bolívia, nos anos 90, frente aos ataques morais de Guillermo Lora contra um dos principais dirigentes de seu partido, Juan Pablo Bacherer, que havia manifestado diferenças políticas com ele. Este Tribunal foi integrado, entre outros, por Zé 34 Maria de Almeida, dirigente metalúrgico e membro da direção do PSTU brasileiro, e por Esteban Volkov Bronstein, neto de Trotsky. Como no caso anterior, o Tribunal constatou a falsidade das acusações morais. O que é a moral revolucionária? Em 1920, Lênin afirmava: “Em que sentido negamos a moral? Negamo-la no sentido que a pregou a burguesia, deduzindo-a de mandamentos divinos (...) o clero, os latifundiários e a burguesia falavam em nome de Deus para defender seus interesses de exploradores (…) quando nos falam de moral, dizemos: para um comunista, toda moral reside nesta disciplina solidária e unida, e nesta luta consciente das massas contra os exploradores. Não acreditamos em uma moral eterna, denunciamos a mentira de todos os contos sobre moral. A moral serve para que a sociedade humana se eleve a uma maior altura, para que se desembarace da exploração”.2 Em 1938, Trotsky, manifesta: “A Quarta Internacional despreza os magos, charlatães e professores de moral. Em uma sociedade baseada na exploração, a moral suprema é a da revolução socialista. Bons são os métodos que elevam a consciência de classe dos operários, a confiança em suas forças e seu espírito de sacrifício na luta. Inadmissíveis são os métodos que inspiram o medo e a docilidade dos oprimidos contra os opressores, que afogam o espírito de rebeldia e de protesto, ou que substituem a vontade das massas pela dos chefes, a persuasão pela coação e a análise da realidade pela demagogia e falsificação. Tenho aqui por que a social democracia, que tem prostituído o marxismo tanto quanto o stalinismo, antíteses do bolchevismo, são os inimigos mortais da revolução proletária e da moral da mesma.” Em 1969, Moreno, preso no Peru, escreve um texto no qual mostra como na época imperialista, a burguesia abandona a moral de sua época de ascensão, funcional à acumulação capitalista e baseada na “ economia, a sobriedade, a obediência servil dos filhos e da mulher ao chefe da família” (…) “a família patriarcal burguesa da etapa da ascensão desaparece, se rompe, para dar lugar às relações entre os sexos e os membros da família anárquica, crítica, na qual o elemento fundamental é a transformação de cada individuo em desfrutador do mundo e do outro sexo (…)”.3 E propõe que essa “amoralidade” da burguesia se combina com a moral existente nos setores marginalizados da sociedade, a moral lúmpen, dando origem a correntes como o existencialismo ou o espontaneísmo: “O espontaneísmo moral é a tentativa de setores juvenis de gozar como indivíduos da sociedade neocapitalista, ou seja, da sociedade de consumo, sem ajustar-se aos fetiches e reflexos condicionados dessa mesma sociedade”. “Nós acreditamos justamente no contrário, que nossa moral não é a da opção como os existencialistas, nem para o gozo como os espontaneístas, mas a da necessidade da revolução”.4 Moreno, que enfrentava a influência negativa da moral espontaneísta dentro do partido, deu tanta importância a essa discussão que, estando na prisão, priorizou-a acima dos debates políticos que estavam propostos. Com essa visão, construiu uma corrente que manteve uma moral revolucionária da qual nos orgulhamos, e cujo maior expoente foi a solidez moral e ideológica que permitiu que os mais de 200 presos, fuzilados e desaparecidos do PST argentino, suportassem a tortura da “Triple A”5 e da ditadura, pondo a segurança do resto dos companheiros acima de sua própria vida. O vendaval oportunista e a moral do “vale tudo” Trotsky teve que enfrentar a degradação moral provocada por Stalin, o método da amálgama, a monstruosa perseguição política e moral contra a geração que, junto a Lênin, encabeçou a revolução e a construção do Estado Soviético. Com os fraudulentos Processos de Moscou e os campos de concentração, Stalin acabou com a vida de grande CORREIO INTERNACIONAL * 34-35 Moral revolucionaria (P)_Maquetación 1 21/03/12 11:10 Página 35 LIT-QI - 30 ANOS quantidade desses revolucionários e, em 1940, completou sua tarefa com o assassinato de Trotsky. Ele ganhou a batalha. Mas Trotsky com sua grande campanha contra a “escola stalinista de falsificações” nos deixou toda uma concepção e uma metodologia que nos armaram para enfrentar o stalinismo e todas as correntes que tomaram um rumo semelhante. Moreno teve que enfrentar a destruição moral que o stalinismo impunha à classe operária e as posições espontaneístas que surgiam como reação a essa degradação e à decadência da moral burguesa. Nós estamos enfrentando um novo período degenerativo. Como dissemos no documento do IX Congresso: “A decadência do capitalismo em sua fase senil levou a tal grau o saque e a destruição da natureza que chega ao ponto de justificar qualquer ataque aos mínimos direitos individuais para garantir seus lucros. Isto gera uma decadência moral do imperialismo no terreno das relações humanas. (…) É o “vale tudo” da sobrevivência em um mundo decadente (…). Esta situação teve sua refração no interior do Movimento Operário e da esquerda, devido àquilo que chamamos o “vendaval oportunista””. Já antes, produto da marginalidade, setores trotskistas se contaminaram com a moral stalinista. Um exemplo foram os casos, já citados, das amálgamas e calúnias utilizadas por Lambert e Lora. Mas com o “vendaval oportunista” tudo se potencializou: ex-guerrilheiros presidem governos burgueses, reprimem as lutas. Organizações que se reivindicam trotskistas vivem do estado, administram planos sociais, aplicam o “clientelismo político”, utilizam a difamação como moeda corrente, atacam fisicamente e roubam arquivos e locais de outras organizações trotskistas. O parlamentarismo e os aparatos sindicais corrompem aqueles que foram dirigentes revolucionários. A questão da moral revolucionária na reconstrução da LIT-QI e da IV O que expomos antes mostra a necessidade de batalhar em defesa da moral revolucionária. Mas não explica por que nosso IX Congresso Mundial viu a necessidade de votar um documento sobre o tema. Essa necessidade se impôs quando, ao ver importantes casos sobre índole moral em nossas fileiras, percebemos que também nós tínhamos sido contaminados. Como dissemos MARÇO DE 2012 Pintura de Dorothy Eisner que representa a Trotsky declarando ante o Tribunal Moral conhecido como Comissão Dewey. nesse documento: “Era lógico que, se a LIT, no marco do vendaval oportunista que se abateu sobre a esquerda, sofreu uma destruição no terreno teórico, programático e organizativo, isto deveria afetar também o terreno moral”. Nossa tradição nos permitiu enfrentar o problema por meio da educação da militância e encarando com rigor cada problema moral que se apresentasse. Atuamos sem temor em perder militantes e inclusive seções, porque somos conscientes de que estamos defendendo não um principio filosófico abstrato, mas a moral defendida por Lênin, Trotsky, Moreno, “a moral que serve para que a sociedade humana se eleve a maior altura, para que se desembarace da exploração”. Por que tornamos público este combate interno? Para fortalecê-lo. Encontramo-nos com dirigentes que, reivindicando-se trotskistas e morenistas, defendem a “lei da selva” para justificar roubos de locais, de arquivos… E nos dizem que estamos no “túnel do tempo”, quando nos opomos a essas ações em nome da moral defendida por nossos mestres. Nós, assim como eles, sofremos as pressões da sociedade em decomposição e não estamos livres de problemas. A diferença é que reconhecemos esses problemas e não os escondemos debaixo do tapete, ao contrário, os tornamos públicos para combatê-los com mais força. Aspiramos a que as organizações e dirigentes que se aproximam de nós politicamente, se somem a este combate. Porque estamos convencidos de que a reconstrução da Quarta só pode dar-se em meio a uma feroz batalha para recuperar a moral revolucionária. Batalhando até a morte, no movimento e no partido, contra o método das amálgamas, das calúnias; do roubo, das mentiras, dos ataques físicos e da deslealdade entre revolucionários; do machismo, do racismo, da xenofobia, da homofobia; porque tudo isso vai contra a moral revolucionária, isto é, contra a revolução. 1 CIQI – Comitê Internacional – Quarta Internacional, formado pela FB (Fração Bolchevique) e pelo CORQI, organização de Lambert em 1980, como parte da estratégia de reconstrução da IV Internacional. Aliança que foi rompida diante da capitulação de Lambert à Frente Popular e sua negativa em discutir a sua política de expulsar aqueles que questionaram sua política. 2 Discurso de Lênin na I sessão do III Congresso das Juventudes Comunistas (2 de outubro de 1920). 3 Moreno, Nahuel, Moral Bolche ou Moral Espontaneísta, Caderno de Formação 8, Abril de 1987, p. 18. 4 Idem. p. 44.5 “Triple A” - Aliança Anticomunista Argentina. 35 Contratapas CI7 portugués_Maquetación 1 15/03/12 12:30 Página 1 SUMÁRIO 1 APRESENTAÇÃO Apresentamos o sétimo número da revista Correio Internacional. 9 2 MULHERES TRABALHADORAS E MARXISMO ATUALIDADE MUNDO ÁRABE O processo de luta popular contra o regime ditatorial de Bashar al Assad se transformou em uma guerra civil cada vez mais violenta e polarizada. BRASIL apresenta… 14 PORTUGAL A violenta desocupação do Pinheirinho mostra a luta pela moradia popular contra a especulação imobiliária da burguesia. Um debate sobre a opressão A economia mundial desacelerou em finais de 2011 e os organismos imperialistas temem a possibilidade de una nova recessão. Carmen Carrasco e Mercedes Petit 19 A corrente Ruptura-FER saiu do Bloco de Esquerda e fundou um novo partido: o MAS. CAMPANHA “30 ANOS DA LIT-QI” 24 Conheça as atividades e publicações que se realizarão ao longo de todo o ano de 2012. Como parte dessa campanha, nessa edição apresentamos: 26 34 História da corrente morenista A defesa da moral revolucionária. EUA Itália Paraguai Portugal Pela construção de uma internacional revolucionária VIDA DOS PARTIDOS NESSA EDIÇÃO Argentina Brasil 36 Síria Europa 46 • Ato do PSTU argentino en homenagem a Nahuel Moreno • PdAC de Itália • PT do Paraguai A Editora Sundermann acaba de lançar a edição em português do livro Mulheres Trabalhadoras e Marxismo. Este livro, por um lado, faz uma interpretação marxista sobre a questão da mulher e, por outro, leva adiante uma série de polêmicas sobre este tema, no interior do movimento trotskista: a diferença entre opressão e exploração; a família no capitalismo; o caráter das reivindicações femininas; as formas de organização do movimento de mulheres; os movimentos feministas e a construção do partido revolucionário... Este livro, escrito no ano de 1979, contou com a colaboração do dirigente trotskista Nahuel Moreno. Porém recém foi publicado pela primeira vez, em 2009, em espanhol. Porque foi publicado um livro de polêmicas, 30 anos depois? Porque essas polêmicas são, em essência, as mesmas que se desenvolvem na atualidade. Recomendamos a leitura deste trabalho a todos aqueles que, como Lenin, consideram que “A revolução socialista é impossível sem a participação massiva das mulheres”. Tapa portugués CI 7-1-4_Maquetación 1 15/03/12 11:09 Página 1 E UROPA Barrar a guerra social e os cortes de verbas! Contra o pagamento da dívida! A dívida pública e a moeda única são instrumentos da ver‐ dadeira guerra social que a troika e os governos fazem con‐ tra os trabalhadores. São instrumento de colonização dos países mais débiles, em favor da banca privada e dos países mais fortes, especialmente Alemanha. Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha, Itália vivem hoje sob uma situação similar à Argentina em finais dos anos 90. Os trabalhadores sofrem um retrocesso histórico no seus ní‐ veis de vida e conquistas. Contra a catástrofe social e o saqueio dos países mais débiles, a saída para os trabalhadores é deixar de pagar a dívida; romper com a “UE de capital” e com o pacto do euro, estatizar sem indemnização o sis‐ tema financeiro, no caminho da construção de governos dos trabalhadores em cada país e uma Europa dos trabalhadores ye dos povos, os Estados Unidos Socialistas de Europa. O caminho é a luta em cada país e em toda Europa. Publicação da LIT-QI (Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional) ISSN 2179-118X 07 TERCEIRA ÉPOCA MARÇO - 2012 - ANO 3 Em defesa do socialismo e a construção de uma direção revolucionária internacional MUNDO SÍRIA BRASIL A economia mundial desacelera 2 Começou a guerra civil 9 Pinheirinho e a luta pela moradia popular 14