Versão 9 - IBRE
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Versão 9 - IBRE
Centro de Economia e Petróleo IBRE/FGV Análise Econômica dos Contratos de Exploração & Produção de Petróleo [PRELIMINAR] 1 Adriana Hernandez Perez Dezembro de 2008 1 A autora agradece os comentários dos participantes dos ciclos de palestras Petrobras/IBRE-FGV e também a Wagner Freire. Todos os erros e omissões são meus. Email para contato: [email protected] ÍNDICE 1 Introdução ...................................................................................................................................................... 3 2 As Formas de Parcerias em E&P de Petróleo ................................................................................................ 4 3 Análise Econômica dos Contratos de E&P ................................................................................................. 11 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 3.6 4 Contratos Incompletos e Poder numa Relação Contratual ...................................... 12 Baixa Capacidade de Monitoramento ...................................................................... 17 Incerteza (preliminar) .............................................................................................. 19 Riscos de Expropriação ............................................................................................ 22 Corrupção ................................................................................................................. 23 Altos Custos de Fundos Públicos ............................................................................. 25 A Experiência Internacional ........................................................................................................................ 27 4.1 4.2 As Concessões na Noruega ...................................................................................... 29 O Sistema Misto em Angola .................................................................................... 32 5 Os Contratos de Concessão de E&P no Brasil ............................................................................................ 33 6 Conclusões e Extensões ............................................................................................................................... 37 Referências ............................................................................................................................................................ 40 1 INTRODUÇÃO Até recentemente, a indústria de exploração de petróleo vivia momentos de euforia com preços do petróleo no mercado spot internacional alcançando recordes históricos. O crescimento contínuo de economias como a China e a Índia indica que o consumo de petróleo alcançou novo patamar, num nítido aumento da demanda mundial. Combinadas com os avanços recentes nas tecnologias de exploração e produção na indústria, estas mudanças do lado da demanda contribuíram para o ressurgimento de tensões na indústria com a reação de governos e o fortalecimento de empresas de petróleo estatais e empresas independentes. Os governos de países produtores têm respondido a estas mudanças.2 Por um lado, há um forte movimento pela renegociação dos contratos correntes – a América Latina acompanha esta tendência – e um aumento dos investimentos nas empresas nacionais (estatais) produtoras de petróleo. Por outro lado, os governos aumentaram a oferta de blocos para exploração e desenvolvimento, elevando a concorrência pelo capital e expertise das empresas internacionais de petróleo. Este choque de demanda e suas repercussões na indústria e nos termos de contrato evidenciam um aspecto importante da indústria de petróleo: o alto nível de incerteza dos projetos de E&P. O aumento dos preços do petróleo ilustra a incerteza comercial da atividade petrolífera, cujo efeito principal é aumentar a volatilidade dos preços. De fato, os incentivos gerados para expansão de capacidade na indústria e a viabilidade da produção de fontes alternativas de energia aumentam a volatilidade dos preços do produto, característica de indústrias cujos investimentos são pró-cíclicos. Outras incertezas, além da comercial, são igualmente relevantes no desenho dos contratos de E&P: a incerteza sobre o potencial geológico do bloco (risco geológico) e a incerteza quanto ao comportamento do principal parceiro destas empresas, o governo hospedeiro (risco político). No Brasil, as discussões sobre a mudança da participação do governo nos ganhos da produção de petróleo surgiram com a (re)descoberta de reservas de petróleo em águas profundas na 2 A história de PPPs na indústria apresenta uma seqüência de ondas de nacionalização a partir da década de 60, sucedida pela abertura da indústria ao capital privado, esta muitas vezes explicada pelas dificuldades em realizar os investimentos necessários para a continuidade da atividade no país. camada pré-sal da Bacia de Santos.3 De fato, o governo iniciou discussões internas sobre um novo modelo regulatório para a área que contemplaria maior participação do Estado nos ganhos da indústria, maior controle sobre a produção do petróleo, em especial, do petróleo produzido e redistribuição dos seus ganhos entre governos federal, estaduais e municipais. Em face à renovada concorrência internacional por capital para investimentos em E&P de petróleo e a atual discussão no Brasil do modelo de parceria frente à nova descoberta, torna-se necessária a compreensão dos formatos de parcerias existentes, suas motivações e a adequação às especificidades da economia brasileira. 2 AS FORMAS DE PARCERIAS EM E&P DE PETRÓLEO Os contratos que regem as relações entre empresas de exploração e produção de petróleo (E&P) e governo definem, entre outros temas, a distribuição da renda da produção petrolífera entre o governo e a empresa - ou conjunto de empresas consorciadas - incumbente. Os instrumentos utilizados para a recuperação destes recursos por parte do governo incluem royalties sobre a receita, impostos, participações e taxações especiais e, eventualmente, os lances vencedores de leilões das respectivas áreas de E&P, chamados bônus de assinatura. O percentual de recursos obtidos pelo governo do total de fluxo de caixa da atividade é referido como government take e a parcela de recursos da empresa incumbente, após taxação, contractor take. Estes contratos são comumente classificados segundo a propriedade do petróleo produzido, que pode ser pública ou privada.4 Contratos cuja propriedade do petróleo produzido é pública são conhecidos como Contratos de Partilha de Produção (CPP) e os lucros da produção são 3 As estimativas preliminares são de 5 e 8 bilhões bbl na área de Tupi e de 3 a 4 bilhões bbl em Iara de reservas prováveis (Petrobras, 2008). As estimativas das reservas na camada pré-sal ainda possuem uma variância muito alta, sendo algumas suficientes para alçar o Brasil entre os países com maiores reservas mundiais de petróleo e gás do mundo. 4 Com exceção dos Estados Unidos, o petróleo reservado abaixo da superfície (abaixo do mar ou em terra) é de propriedade do Estado. divididos entre governo e empresa incumbente segundo critérios pré-definidos. Nos Contratos de Concessão (CC), a empresa incumbente, estatal ou privada, é proprietária do petróleo produzido e paga, em contrapartida, royalties ao governo, estes incidentes sobre a receita bruta da produção. Uma classificação alternativa é quanto ao risco atribuído à empresa de E&P contratada. Os contratos de E&P, tanto CC quanto CPP, usualmente atribuem a quase totalidade do risco exploratório da operação à empresa incumbente (Bindeman, 1999). Há exceções, como a Noruega, onde a empresa estatal estabelece CCs com empresas privadas, partilhando os custos da exploração, mesmo quando não há sucesso exploratório, ou seja, quando os poços perfurados são todos secos. No entanto, é possível encontrar Contratos de Prestação de Serviços de Exploração (CS) nos quais a remuneração é função dos custos de operação, sem nenhuma (ou mínima) participação nos lucros da empresa. Neste caso, o risco da operação fica a cargo do governo. Este tipo de contrato usualmente incide sobre a produção do petróleo. Há ainda CS de risco, como é o caso do Irã, no qual a empresa sozinha financia e executa todas as atividades de exploração e desenvolvimento para finalmente recuperar um retorno fixo pré-estabelecido (em espécie) da produção, mas somente se a produção for alta o suficiente para tal. (Deutsche Bank, 2008) Formalmente, os principais aspectos dos contratos podem ser representados conforme as equações apresentadas na tabela seguinte.5 Diferentemente dos royalties, r, que incidem sobre a receita bruta em CCs, a receita governamental em CPPs é auferida unicamente sobre os lucros da operação de exploração e produção, o chamado profit oil na indústria, após impostos, correspondente à diferença entre a receita bruta e os custos da operação, [ pq – C ], onde C é chamado cost oil. Nos CPPs, a partilha dos lucros pode ser fixa (s constante) ou pode variar de acordo a produção ou lucratividade da operação, tal como a taxa de retorno interna (TRI), a razão de receita por custos (R/C ou R-Factor). 5 Para uma descrição mais detalhada destes contratos ver Johnston (1994, 2003). Tabela 1 – Principais Distinções entre Contratos de E&P de Petróleo (assumindo impostos e participações especiais iguais a zero) Tipos de Propriedade Government take Contractor take Contratos da Produção ΠG = rpq ΠE = (1-r)pq – C Estado ΠG = [ pq – C ] s ΠE = [ pq – C ] (1-s) Estado ΠG =[pq – (1+t)C] ΠE = (1+t) C do Petróleo Contratos de Empresa Concessões Privada Contratos de Partilha da Produção Contratos de Serviço Nota: ΠG é o lucro do governo, e ΠE da empresa, p é preço do petróleo, q, quantidade produzida e C são os custos totais da empresa (custos operacionais e de capital). Em CCs, a parcela dos lucros transferida ao governo dos royalties, r. Em CPPs, tal transferência é função de s. Pela claridade do argumento, assumimos impostos e participações especiais iguais a zero. Notadamente, as cláusulas de recuperação dos elevados custos implicados pela fase de exploração e desenvolvimento do campo de petróleo constituem a diferença essencial entre CCs e CPPs. Em CCs, estes mecanismos costumam ser ausentes: o governo aufere receita independentemente da recuperação dos custos pela empresa incumbente.6 Em contraste, os CPPs costumam reservar às fases iniciais da atividade produtiva do bloco uma maior transferência de recursos à empresa incumbente do que ao Estado, de modo que esta recupere seus custos afundados rapidamente. Os CPPs, nesse sentido, apresentam dois aspectos importantes para a atratividade de um projeto de E&P, descritos a seguir: Recuperação de custos (cost oil): constitui a parcela de barris usada para remunerar a empresa por seu investimento em capital e despesas operacionais num dado ano. Uma vez que os custos tenham sido recuperados, todo o restante é designado profit oil e partilhado de acordo com o negociado no CPP. Cerca de 80% dos países com CPPs estipulam um limite 6 Existem CCs onde os royalties aumentam progressivamente com a produção (ou tempo), o que permitiria uma recuperação mais rápida dos custos da atividade. aos custos recuperáveis sobre a receita num ano (cost oil limit), cuja média costuma ficar entre 60 a 65% (qualquer excesso é transferido aos períodos subseqüentes).7 A incidência de taxações, subsídios ou participações especiais ocorre sobre a receita líquida dos custos operacionais e de capital, incluída a depreciação e capex uplift. Nesse sentido, a recuperação dos custos (capex inclusive) em determinado ano fica restrita ao limite imposto de custos recuperáveis naquele ano. Obviamente, quanto maior o limite ao custo recuperável, mais favorável o contrato para a empresa contratada. Capex com depreciação adicional (capex uplift). Trata-se de um incentivo utilizado em PPPs de E&P onde o governo permite que a empresa de petróleo cubra uma depreciação adicional sobre os lucros do total do capital investido no empreendimento. Assim, a cada R$1 investido em capital, a empresa incumbente pode recuperar R$(1 + x), onde x fica entre 10 e 50%. Naturalmente, quanto maior o capex uplift, mais interessante o projeto para a empresa. A regra de depreciação define a rapidez com que os custos de capital serão recuperados e quanto menor o período de tempo para depreciação, menor o custo do capital e, portanto, mais interessante para a empresa. De uma forma geral, tanto CPPs quanto CCs incluem outros dispositivos que servem ao controle da atividade econômica, transferência de recursos, desenvolvimento econômico, garantia do cumprimento e duração do contrato, conforme apresentado na Tabela 2. No que segue, cada uma destas cláusulas será discutida. 7 Este limite percentual pode chegar a 80% das receitas, como foi inicialmente estabelecido no CPP para o Campo de Kashagan, no Mar Cáspio. Tabela 2 – Cláusulas Comuns a Contratos de E&P de Petróleo Objetivo Cláusulas Controle da atividade econômica ◊ Obrigações de exploração mínimo e plano de desenvolvimento; Transferência de recursos Desenvolvimento econômico ◊ Programa de Produção; ◊ Devolução ou abdicação da área licitada; e ◊ Separação contábil. ◊ Bônus de assinatura e produção; ◊ Participação acionária governamental; e ◊ Benefícios fiscais. ◊ Obrigações de abastecimento do mercado doméstico; e Garantia de cumprimento Duração ◊ Conteúdo local. ◊ Arbitragem internacional; e ◊ Cláusulas de estabilidade. ◊ Exploração; ◊ Desenvolvimento; ◊ Produção. Obrigações de exploração mínimo e plano de desenvolvimento. Neste caso, a empresa deve entregar um plano de trabalho, cujo nível de detalhamento varia de país para país, com descrição das atividades de exploração a serem exercidas, iniciado o contrato. Estas atividades incluem quantidade de dados sísmicos adquirida, o número de poços pioneiros e exploratórios que devem ser perfurados, a profundidade destes poços, estudos e análise dos reservatórios, estudos ambientais, análise geofísicas e geoquímicas, entre outros. O plano de desenvolvimento tipicamente detalha as construções, instalações e equipamentos para a viabilização da comercialidade e desenvolvimento da descoberta. Nestes contratos, estipulase o volume de produção que deverá ser atingido durante o ciclo produtivo do campo, segundo critérios técnicos e econômicos, correspondentes às práticas da indústria internacional. Ambos os planos estão sujeitos à aprovação prévia por uma agência governamental. Devolução/Abdicações da Área. Esta cláusula estipula o retorno (integral ou parcial) da área do bloco, que pode ser voluntária ou mesmo prevista em contrato. Seu objetivo é assegurar a atividade exploratória nas áreas disponibilizadas pelo governo. Enquanto ambos o Estado e a empresa incumbente têm interesse em encontrar petróleo em condições comercializáveis, estas podem não se realizar. Assim, uma vez cumpridas as obrigações de exploração mínima sem resultados satisfatórios, a incumbente, através da cláusula de abdicação, pode abrir mão do direito de exploração e desenvolvimento do bloco ao governo, que o disporá a outras empresas interessadas. Separação Contábil (Ringfencing). Conforme o próprio nome diz, esta cláusula separa contabilmente as atividades relacionadas à E&P de petróleo no campo das demais contas da empresa de petróleo. Além de permitir maior transparência dos custos e, portanto, melhor monitoramento de suas atividades pela agência governamental ou empresa estatal, esta cláusula facilita a taxação governamental sobre as receitas do bloco. Segundo Barrows (2003), apesar destas vantagens do sistema de ringfencing, a possibilidade de consolidação de custos dos blocos de uma mesma empresa permitiria subsidiar empreitadas exploratórias mais custosas, em especial aquelas cuja probabilidade de sucesso é muito baixa, gerando forte incentivo à atividade exploratória da empresa. Cerca de 80% dos países possuem alguma forma de ringfencing, sendo que 60% adotam a sua forma menos flexível, que isola completamente a contabilidade de cada área licenciada (Johnston, 2003). Bônus. Em CCs, o governo tipicamente condiciona as atividades da empresa contratada em determinado bloco ao pagamento de um bônus de assinatura, sendo este acordado via processo competitivo (leilão) ou via negociação entre as partes. A vantagem deste tipo de pagamento é a transferência imediata de recursos ao Estado, independente de descobertas comerciais e antes de a produção ter início.8 Outros tipos de bônus incluem um pagamento ao governo quando determinada cota de produção ou receita é atingida. Participação acionária governamental. Em CPPs, é possível que o governo ou a empresa estatal participem no desenvolvimento de projetos de E&P pela aquisição de working interest, onde os custos de exploração, perfuração, leasing, produção e operação do campo são partilhados de acordo com sua parcela na empreitada. A participação costuma ficar entre 10% 8 Apesar da prospectividade do bloco afetar positivamente o seu valor esperado e portanto do bônus. e 50%, com uma média de 30%. Assim, após o pagamento de eventuais royalties, o working interest dá direito ao proprietário de partilhar os ganhos da produção com os demais proprietários. Cerca de 40% dos países estipulam esta opção de participação acionária governamental, que costuma ser ‘carregada’ durante toda a fase de exploração - a mais arriscada - sendo exercida apenas na fase de desenvolvimento ou produção. Benefícios fiscais. Governos podem propor benefícios fiscais com o objetivo de incentivar investimentos. Dentre os instrumentos utilizados, a suspensão do pagamento de impostos ou mesmo royalties durante um período determinado que pode ser a partir da assinatura do contrato ou do início da produção. Obrigações de abastecimento do mercado doméstico. O governo pode restringir o comércio da produção da empresa ao abastecimento do mercado nacional a um preço abaixo do preço de mercado. Estas obrigações também podem ser impostas via outros instrumentos, tal como a imposição de taxas sobre as exportações de petróleo. Conteúdo local. As empresas atuantes no setor, muitas vezes, são obrigadas a adquirir serviços e ativos produzidos no país hospedeiro, transferir tecnologia e, muitas vezes, treinar mão de obra nacional. Tais restrições sobre as decisões das empresas são comuns e constituem instrumento de política pública de governos com vistas a fomentar o desenvolvimento econômico regional e nacional. Duração do contrato. A duração do contrato depende de vários fatores, dentre eles o escopo das atividades da empresa e o tipo de campo. Historicamente, a duração dos contratos de E&P tem reduzido significativamente, da média de 70 anos - típicos em contratos no Oriente Médio - para 20 a 25 anos a partir da produção em contratos atuais. Em campos marginais (ou maduros), a duração dos contratos é pequena dada a baixa produtividade do campo, chegando a cinco anos. A empresa pode escolher explorar somente, o que implica em média contratos de dois a quatro anos, renováveis em caso de descoberta comercial. Cláusulas de estabilidade. Estas cláusulas têm ganhado relevância recentemente no desenho dos novos contratos de parceria com o Estado (ou empresa estatal) como instrumento de garantia dos ganhos das empresas internacionais de petróleo. Com o objetivo de mitigar o problema de hold-up de investimentos (discutido adiante), tais cláusulas de estabilidade normalmente estabeleciam o ‘congelamento’ dos termos do contrato durante todo o período de sua duração, no qual a lei do contrato é aquela correspondente à lei no momento de sua assinatura. No entanto, as dificuldades observadas em garantir tal status contribuíram para inovações contratuais e uma nova geração de cláusulas de estabilidade prevê a adoção de medidas que compensem quaisquer outras que tenham perturbado o equilíbrio entre as partes, garantindo, portanto, seu reequilíbrio. A seção seguinte apresenta uma análise dos principais aspectos dos contratos de E&P. 3 ANÁLISE ECONÔMICA DOS CONTRATOS DE E&P De uma forma geral, o escopo de atividades de um agente econômico e suas relações (contratuais) com os demais são determinados de acordo com o ambiente econômico no qual estão inseridos. Quando um destes agentes é o Estado, a discussão sobre a alocação dos ativos entre propriedade pública e privada deve levar em conta a distinção entre os objetivos do Estado e do agente privado: o primeiro visa maximizar o bem estar social enquanto o segundo, o seu lucro privado. Uma extensa literatura acadêmica no tópico busca entender em que situações a solução de nacionalização ou propriedade pública é superior à regulação ótima via contrato com uma empresa privada. Se a alocação de direito de propriedade entre Estado e agente privado é relevante no resultado econômico da atividade em vista, há de se considerar - em maior detalhe - a capacidade de o Estado fazer cumprir o contrato e ainda, se é razoável assumir que o Estado é um agente maximizador do bem estar social, em especial, quando este é composto por representantes cujas atividades são de difícil monitoramento e os objetivos são frequentemente distintos daqueles da sociedade. De uma forma geral, as relações entre Estado e empresa privada são traduzidas em contratos desenhados segundo a atividade econômica em vista e suas incertezas intrínsecas, o grau de incerteza da atividade, os riscos de expropriação, a possibilidade de captura dos representantes do Estado, a capacidade do cumprimento dos contratos, a assimetria de informação entre as partes e, portanto, a capacidade do Estado em monitorar as atividades da empresa e arrecadar recursos/impostos, dentre outros. Por esta razão, não existe um formato de contrato único que seja ideal, independente da configuração do país e da atividade em vista. A seguir serão revisados os efeitos de alguns aspectos importantes da atividade econômica no desenho de contratos de E&P de petróleo. 3.1 CONTRATOS INCOMPLETOS E PODER NUMA RELAÇÃO CONTRATUAL Apesar de instrumentos diferentes, uma das distinções fundamentais entre os contratos acima descritos diz respeito à estrutura de propriedade da produção de petróleo. O petróleo produzido deve ser de propriedade do Estado ou da empresa incumbente? No que se segue, serão discutidos alguns dos pontos revisados pela literatura econômica no que diz respeito ao escopo do Estado na atividade econômica. Como ente maximizador do bem estar social, o Estado poderia se apropriar da expertise da indústria internacional de petróleo através de parcerias e capacitar sua própria empresa (estatal) para atuar na E&P do petróleo nacional, controlando diretamente a produção, despesas e receitas derivadas da atividade em questão sem necessariamente incorrer nos custos (eventualmente excessivos) da elaboração de um contrato suficientemente abrangente, que leve em conta todas as situações possíveis em texto claro e de igual compreensão entre as partes. Contudo, a definição dos limites fronteiriços de um agente econômico, seja este empresa, consumidor ou Estado, implica discutir se vivemos num mundo onde os contratos que regem as relações econômicas são completos ou não. Num cenário onde os contratos são completos, um agente econômico pode simplesmente estabelecer uma relação contratual com um terceiro na qual as condições para todos os possíveis eventos estão precisamente descritas num contrato. Não havendo custos em prever e escrever todas estas condições, a importância da estrutura de propriedade de um ativo é nula: seria suficiente ao agente econômico contratar no mercado uma empresa para que esta execute a tarefa almejada. Levando este argumento ao limite, uma empresa poderia ser a menor possível, bastando a ela estabelecer contratos com diferentes agentes econômicos em todas as fases da produção sem a necessidade de incorporar os diferentes ativos necessários para a execução da produção, tais como maquinário, instalações, equipamento de escritório etc. Este ponto é válido mesmo quando o problema de assimetria de informações entre as partes é relevante, isto é, quando um agente econômico possui um conjunto de informações e objetivos distintos da empresa contratada. Conforme colocado por Hart (1995), não é óbvio que a fusão entre duas empresas distintas garanta que o novo proprietário possua um conjunto de informações superior à situação em que simplesmente contratava o serviço. Os problemas derivados da assimetria de informação entre as partes - também chamados de problemas de agência - podem facilmente permanecer mesmo após a fusão. Da mesma forma, o comportamento oportunista comumente encontrado em relações verticais, onde o investimento exigido para uma transação é muito específico, pode ser mantido mesmo após a fusão entre as partes. Por exemplo, os gerentes da empresa adquirida podem continuar protegendo os ganhos de sua divisão evitando que o investimento seja muito específico às atividades da nova empresa compradora. Neste caso, o problema de hold-up de investimentos, que levaria a um nível de investimento abaixo do desejado, não se dissiparia com a fusão. A teoria econômica identifica a estrutura de propriedade de uma atividade econômica como relevante somente num cenário onde os contratos são incompletos. Na prática, a previsão de todos os cenários possíveis e a redação das cláusulas - nos termos que sejam de compreensão comum entre as partes - é um exercício impossível (ou de custo infinito) e, nesse sentido, a alocação da propriedade entre as partes define quem tem posse dos direitos de controle residuais da relação contratual. Esta alocação de direitos residuais define quem tem o poder numa relação contratual quando ajustes se fazem necessários na eventualidade de um cenário inesperado, tais como mudanças tecnológicas ou na demanda.9 O poder de barganha da parte proprietária, portanto, é fortalecido frente às situações imprevistas no contrato. Até o momento, a discussão se restringiu ao problema de alocação ótima da propriedade de um ativo entre entes privados. Quando se trata da alocação da propriedade entre o Estado e a 9 O forte choque de demanda internacional por petróleo contribuiu positivamente tanto para as empresas atuantes na indústria como na renegociação dos contratos de E&P entre empresas de petróleo (especialmente privadas) na partilha desta receita. iniciativa privada, há o claro desalinhamento de interesses entre o Estado e o ente privado: o primeiro maximiza o bem estar social e o segundo o lucro privado, em especial quando se trata da prestação de serviços públicos como segurança nacional, saúde e educação. Geralmente, os críticos da prestação privada do serviço (público) vis-à-vis a prestação do serviço diretamente pelo Estado argumentam que prestadores privados reduziriam a qualidade para reduzir custos. Segundo a ótica de contratos incompletos, há certas variáveis que são dificilmente contratáveis e, apesar da contratação privada de serviços ser mais barata, há situações em que a qualidade dos serviços prestados é menor, se comparada à prestação direta pelo Estado. Segundo Hart (2003), os incentivos para redução de custos costumam ser exacerbados entre prestadores privados e, em geral, quanto piores as conseqüências da redução de custos em termos de qualidade (não contratável), maior o escopo para a prestação direta do serviço pelo Estado. Ressalta-se que embora o Estado e a empresa privada comumente tenham objetivos distintos na prestação de serviços públicos, os objetivos de ambos coincidem na indústria de petróleo, qual seja: a maximização da riqueza dos recursos do petróleo. O Estado, respondendo à sociedade, quer maximizar os ganhos dos recursos naturais locados em sua jurisdição; e a empresa quer maximizar a riqueza de seu portfólio de blocos e poços para garantir o retorno de seus investimentos aos acionistas. O problema de alocação dos direitos de propriedade sob a produção do petróleo entre Estado e empresa privada, portanto, equivaleria ao problema de alocação ótima da propriedade de um ativo entre entes privados. No contexto da indústria de petróleo, ambos os sistemas são observados, onde ou o Estado ou a iniciativa privada atuam diretamente na extração do petróleo. A evidência de que alguns países optam pela solução contratual – na qual a extração de petróleo é delegada à empresa privada - pode significar que a redação de tais contratos nesta indústria não seja tão onerosa. Neste caso, a teoria econômica de contratos incompletos prevê como deve ser a distribuição ótima dos direitos de propriedade dos agentes, ou seja, aquela que maximiza o bem estar social em algumas situações específicas. Ausentes custos de transação proibitivos, as partes seriam capazes de negociar o contrato que minimizaria o custo e riscos do projeto10. Contudo, fatores como riscos de expropriação, complementaridade de ativos, retornos crescentes de escala e assimetria de informações entre as partes podem impedir a maximização dos ganhos da atividade conjunta e, logo, a distribuição dos direitos de propriedade passaria a ser relevante. Em outras palavras, quando os custos de elaborar contratos que mitiguem estes fatores são excessivos, a solução ótima do ponto de vista do bem estar social é alocar direitos de propriedade entre as partes. Estes fatores serão tratados a seguir: 11 Decisão de investimento importante: tudo mais constante, a propriedade de um ativo deve ficar nas mãos do agente cuja decisão de investimento (criação de valor via investimento produtivo ou mesmo manutenção do ativo) é importante. De fato, a distribuição de direitos de propriedades entre empregados cujas tarefas são rotineiras agregam menos valor à empresa em termos de produtividade do que àqueles cujas decisões estratégicas têm maior efeito sobre a lucratividade da empresa. Em efeito, observa-se que as indústrias costumam ser proprietárias de equipamentos essenciais para a sua atividade produtiva, responsabilizando-se pela sua manutenção. Alta complementaridade de uso: a teoria prevê que ativos com alta complementaridade de uso (sinergias) deveriam ser de propriedade comum. Na economia, existem vários exemplos, desde os mais óbvios, como telefone e aparelho de fax, como os menos óbvios, como a propriedade comum de uma fábrica de gases industriais e uma siderúrgica, quando localizadas próximas. Numa fusão entre empresas cujos ativos são complementares, contudo, não é claro que os objetivos fiquem perfeitamente alinhados após a fusão. No caso da fábrica de gases industriais e a siderúrgica, a fusão pode eliminar totalmente o problema de hold-up de investimentos, se a fábrica de gases for aquela que perdeu os direitos de propriedade. Similarmente, quando os ativos são independentes entre si não há escopo para propriedade comum. 10 Segundo o Teorema de Coase, se é possível negociar a externalidade e não há custos de transação, então a barganha entre as partes leva a uma alocação de recursos eficiente, não importando como os direitos de propriedade são alocados. 11 Para um tratamento teórico do problema de alocação ótima de direito de propriedade, ver Hart (1995). Retornos crescentes de escala: os altos retornos tecnológicos de escala de uma atividade econômica justificam a formação de uma grande empresa ao lugar de várias empresas, que duplicariam os elevados custos de um volume de produção individual baixo. As situações descritas acima, segundo Hart (1995), contribuem para a compreensão da dinâmica organizacional de indústrias, explicando parcialmente os movimentos de consolidação e separação segundo o estágio de desenvolvimento da indústria. Numa fase inicial de desenvolvimento industrial, haveria um forte incentivo para a consolidação das várias atividades complementares à fabricação de um produto devido à ausência de mercado grande o suficiente para remunerar fornecedores especializados, sujeitos a retornos crescentes de escala. Finalmente, com a expansão da indústria, as empresas deixam de produzir seus próprios insumos e compram no mercado, onde os produtores de insumos são mais eficientes, levando a um movimento de desverticalização da indústria. Em efeito, com um número limitado de empresas ativas na indústria, as complementaridades entre os produtos são muito grandes gerando sinergias fortes para sua integração. A separação torna-se ótima quando há um número grande de fornecedores e produtores, dado que os investimentos deixam de ser específicos, o que reduz o problema de hold up. A configuração atual da indústria de petróleo, com a proliferação de empresas de serviços e empresas independentes indica que ou o tamanho do mercado aumentou significativamente ou o avanço tecnológico na indústria tem sido grande o suficiente para comportar empresas de diversos tamanhos, capazes de explorar campos de tamanhos diferentes.12 De fato, há uma especialização na indústria quanto à escala de investimentos necessários para explorar um campo de petróleo e o volume de reservas comercializáveis. Em efeito, o perfil destas varia consideravelmente segundo os custos de exploração, que podem variar de 500 mil dólares para poços em terra a valores entre 10 e 30 milhões de dólares para perfuração de poços em águas rasas no Mar do Norte ou até 100 milhões para poços em águas ultra profundas. Outra especialização importante observada na indústria - e que ilustra seu estágio avançado - é a existência de empresas especializadas em serviços tais como perfuração, instalação, engenharia e construção de infra-estrutura e geração de dados sísmicos. Estas constituem uma parcela significativa dos gastos de capex de qualquer empresa de petróleo integrada tanto privada como estatal. 12 Aqui, faz-se uma referência ao crescente papel das empresas de petróleo independentes na indústria. No que se segue, serão revisados os principais aspectos da indústria de petróleo e seus efeitos nos termos dos contratos de E&P. 3.2 BAIXA CAPACIDADE DE MONITORAMENTO A regulação de empresas implica alguma forma de controle regulatório sobre a produção, os investimentos, os preços praticados (tarifas), os custos, o nível de qualidade, etc. O sucesso do controle destas variáveis depende da capacidade de monitoramento da agência governamental. Neste contexto, a capacidade de monitoramento é essencial quando o custo de monitoração das atividades de uma empresa produtora de petróleo torna-se proibitivo, como é o caso dos diversos componentes dos custos e algumas dimensões de qualidade de serviços prestados. Notadamente, as dificuldades do Estado em auditar com precisão os custos da operação da empresa derivam das diversas possibilidades de a empresa privada divergir seus recursos entre suas contas dentro da empresa. Em efeito, tais dificuldades são espelhadas pelo uso na indústria de diversos instrumentos de monitoramento, entre eles auditorias, leis e penalidades por não cumprimento do contrato ou fraude, formação de parcerias que possam fazer o papel de supervisor (watchdogs), gastos e investimentos mediante autorização do governo ou empresa estatal (Johnston, 2003). Sob assimetria de informações, a estratégia racional da empresa é reportar custos mais elevados do que realmente são uma vez que tal estratégia aumenta a renda apropriada pela empresa. Tendo em vista que o Estado não sabe quais são os custos da empresa13 e este estará disposto a pagar o custo necessário para viabilizar a produção, a empresa, ciente disto, fará uso estratégico desta assimetria de informação para reportar custos mais elevados e, portanto, obter renda acima da remuneração (normal) de suas atividades.14 Esta renda é chamada na literatura de renda informacional. A literatura econômica demonstra que em situações onde o custo de monitoramento é muito elevado, o ideal é propor contratos onde os custos não tenham que ser auditáveis. (Laffont e Tirole, 1993) A desvantagem deste arranjo contratual é que a regra de transferência de 13 Assume-se que o valor sócio-econômico da produção (de petróleo) é grande o suficiente para que o Estado esteja disposto a pagar o custo da produção até da empresa mais ineficiente da indústria. 14 Para pretender ter custos tão elevados quanto uma empresa ineficiente, ela pode produzir a mesma quantidade de uma empresa de alto custo, exercendo um nível de esforço menor. recursos ao Estado torna-se independente dos custos experimentados pela indústria. Logo, se por um lado tal desenho desonera o Estado ou comissão reguladora de incorrer nestes custos de auditoria, por outro lado, toda a renda informacional é retida pela empresa. Estes contratos são chamados na literatura econômica de contratos de alta potência de incentivos. 15 Na indústria de petróleo, esta regra de transferência é observada em CCs de E&P, onde a empresa concessionária remunera o Estado com base na receita bruta da produção. Conforme colocado, trata-se de uma regra que maximiza a eficiência produtiva da atividade, dado que a empresa operadora fica com qualquer diferencial de reduções de custo. Os CPPs, por outro lado, possuem um componente de reembolso de custos, pressupondo que o monitoramento desta variável é factível. Apesar deste tipo de regra não incentivar reduções de custo tanto quanto um CC, ela implica um maior controle do Estado sobre os ganhos da atividade e, portanto, sobre a renda informacional.16 Estes contratos são chamados na literatura econômica de contratos de baixa potência de incentivos. Notadamente, a escolha entre CC e CPP coloca em evidência o trade-off fundamental existente em contratos onde o problema de assimetria de informação entre Estado e empresa regulada é relevante, qual seja: o trade-off entre renda informacional e eficiência. Quão maior o controle sobre a renda informacional, mais o Estado tem que abrir mão da eficiência, esta traduzida em esforços para redução dos custos. A tabela 3 ilustra estas escolhas. Até o momento, foi discutida a dificuldade da agência governamental em controlar os diversos componentes dos custos da produção do petróleo. O volume de produção, em revés, constitui uma variável de simples e fácil controle pela agência reguladora. Este dispositivo possibilitaria o controle via contrato regulatório do fluxo de produção dentro das normas técnicas e do interesse nacional de produção de riqueza dos recursos de petróleo disponíveis. A facilidade em controlar o volume de produção de petróleo implica dizer que a distribuição dos direitos de propriedade entre Estado e empresa privada é irrelevante no que tange o 15 Baron e Myerson (1982) e os principais resultados desta literatura em Laffont e Tirole (1993). Em CPPs, o cost oil costuma ser contabilizado como reserva para empresas de petróleo internacional. Notadamente, a contabilidade das reservas é crucial para as empresas de petróleo uma vez que seu valor de mercado é proporcional à sua capacidade extrativa, esta dada pelo seu volume de reservas comprovadas. Neste sentido, há aqui um incentivo para as empresas que operam através CPPs inflacionarem o cost oil, em detrimento da arrecadação do Estado. 16 controle estrito da produção. Bastaria definir o volume de produção e prever flexibilidade no contrato regulatório que possibilite mudanças no volume de produção. Tabela 3 – Classificação dos Contratos de E&P de Petróleo Quanto a Eficiência Tipo de Contrato Potência de Incentivos Controle da Renda Informacional Contratos de Concessão Contratos de Partilha de Produção Contrato de Serviços Alto incentivo para redução de Renda informacional com a custos (maior eficiência) empresa de petróleo Baixo incentivo para redução de Renda informacional com o custos (menor eficiência) Estado Baixo incentivo para redução de Renda informacional com o custos (menor eficiência) Estado No Brasil, por exemplo, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) é informada quanto ao início da produção de cada campo e tem o direito de fazer modificações no Programa Anual de Produção, cujas diretrizes seguem o estipulado pelo Plano de Desenvolvimento para o Campo, a legislação brasileira e as melhores práticas da indústria (internacional) de petróleo. Ainda, há previsão para revisões, a qualquer tempo, de um Programa de Produção em curso, o que atribuiria a flexibilidade desejada deste tipo de contrato. 3.3 INCERTEZA (PRELIMINAR) As incertezas nesta indústria são características tanto do lado da demanda pelo petróleo, materializada nos movimentos dos preços internacionais do barril de petróleo (risco comercial), quanto da oferta, que diz respeito às investigações geológicas durante a fase exploratória (risco exploratório), os aspectos tecnológicos de extração, a magnitude de reservas recuperáveis, a qualidade e acessibilidade do petróleo, os custos dos investimentos e preços dos insumos, e as restrições regulatórias, o que inclui o aspecto ambiental da atividade de E&P. Notadamente, o risco exploratório é muito maior durante a fase de exploração que durante a fase de desenvolvimento e produção de um campo, quando suas propriedades já foram avaliadas e são consideravelmente conhecidas. No entanto, é durante a fase de desenvolvimento de um campo que são investidos os maiores montantes de recursos em relação a qualquer outra fase. Este aspecto vai afetar o comportamento do país hospedeiro, influindo positivamente sobre o risco de expropriação na indústria. 17 De um modo geral, choques de demanda e de oferta, além das pressões sociais nacionalistas que costumam acompanhar tais eventos, são responsáveis por uma boa parcela dos pedidos de renegociação na indústria. 18 Por exemplo, elevações muito fortes de preços criam tensões em contratos cuja partilha dos lucros independe da lucratividade da operação. Em conseqüência, um número crescente de CPPs se tornou mais flexível, com cláusulas negociáveis, no lugar de um contrato único para todos os tipos de campos de um país. Muitas das inovações contratuais observadas nos últimos anos buscaram mitigar esta rigidez via introdução de fatores de variação da partilha dos lucros ou mesmo a introdução de impostos sobre lucros inesperados (windfall tax), evitando renegociações custosas durante a vigência dos contratos e seu conseqüente efeito sobre seu risco intrínseco e o custo de capital do projeto de E&P (Bindeman, 2000). Como o custo de capital é fortemente correlacionado à incerteza de qualquer projeto econômico, o objetivo das empresas de petróleo é desenhar arranjos contratuais que minimizem os riscos do projeto. O efeito das incertezas na estrutura de pagamentos dos contratos é tal que as empresas estarão mais propensas a aceitar pagamentos que variem de acordo com os ganhos da atividade – e estes podem ser lucratividade, volume de produção etc. – no lugar de contratos com pagamento fixo. Em efeito, o pagamento por concessões usando royalty ou partilha dos lucros ao lugar de um valor fixo (lump sum) permite que o governo partilhe o risco da operação com o operador. No entanto, do ponto de vista do país hospedeiro, contratos puramente baseados na produção não são ideais pois podem ser tratados como uma opção pela empresa concessionária, não sendo nunca executado nenhum esforço exploratório, caso não haja um plano de exploração mínimo. 17 A seção 3.4 trata deste risco em maior detalhe. Atualmente, uma das estratégias de minimização do risco político das empresas é justamente evitar assinar contratos cuja partilha dos ganhos seja muito desfavorável ao país hospedeiro, dada a sua alta instabilidade potencial: há grande propensão a renegociação, o que aumenta seu risco percebido e portanto o seu custo de capital. 18 Outra estratégia ótima destas empresas é formar um portfólio de projetos com diferentes perfis de risco e entrar em associação (joint ventures) com outras empresas na exploração e produção de petróleo. O Gráfico 1 apresenta as oscilações do preço do petróleo tipo Brent de 1929 a 2007. Segundo Bindeman (2000), os picos de preço em 1973/74 e 1978/80 levaram a renegociações da partilha dos lucros em termos mais favoráveis aos governos e bônus de assinatura e de produção tornaram-se comuns nos contratos assinados posteriormente. As quedas de preços, por outro lado, coincidiram com o aumento do número de contratos sem limite nos custos recuperáveis. Na década de 80 foram introduzidos pela primeira vez CPPs com escala progressiva de partilha baseadas na razão de receita por custos (R/C ou R-Factor). Gráfico 1 - Preço do Petróleo Tipo Brent (US$ 2007) 100,00 Golpe de Estado no Irã. 90,00 80,00 70,00 Adoção de sistema de cotas por países membros da OPEC. Kuwait invadido pelo Iraque. 50,00 Guerra IrãIraque. 40,00 Invasão do Iraque. Crise financeira asiática. 30,00 20,00 Recessão mundial. 10,00 07 20 01 04 20 20 98 95 19 19 92 89 19 19 86 83 19 19 80 77 19 19 74 71 19 19 65 62 68 19 19 19 56 53 59 19 19 50 19 19 47 44 19 19 41 38 19 19 32 35 19 19 29 0,00 19 (US$ 2007) 60,00 3.4 RISCOS DE EXPROPRIAÇÃO Os contratos usualmente são resultado de processo de barganha entre governos e empresas, que negociam as diferentes cláusulas - apresentadas na seção 2 - tendo em vista o potencial geológico do bloco, risco político e as ofertas de blocos por outros países. Na indústria de petróleo, o caráter afundado dos recursos investidos durante a fase inicial da vida do projeto, antes da geração de fluxo de caixa muda o poder de barganha entre empresa e governo durante o ciclo de exploração e desenvolvimento de um campo, o que aumenta consideravelmente o risco de expropriação dos ganhos da produção pelo governo. De fato, enquanto uma plataforma de petróleo pode ser realocada para outra região, os recursos investidos na fase exploratória, o aluguel de equipamentos e a contratação de serviços são altamente específicos ao bloco. O risco de expropriação, derivado do problema de consistência dinâmica do governo cuja jurisdição foi objeto dos investimentos afundados, tem como principal efeito a redução do volume de investimentos para níveis abaixo do desejado e/ou aumenta o custo do capital. De um modo geral, é reconhecida a dificuldade das partes num contrato em escrever termos que evitem o problema de hold-up de investimentos, isto é, do volume de investimentos ser abaixo daquele que maximizaria o ganho conjunto da atividade.19 Este problema se deve à incapacidade de eliminar contratualmente a possibilidade de oportunismo ex post, onde o governo, uma vez que a empresa de petróleo tenha feito os investimentos físicos específicos, tais como os investimentos exploratórios e de desenvolvimento, pressiona por uma renegociação contratual com vistas a expropriar os ganhos da mesma. A empresa de petróleo, prevendo esta possibilidade, decide estrategicamente reduzir o investimento a um nível abaixo daquele que maximizaria o ganho conjunto das partes. Notadamente, este problema aumenta quão mais específico for o investimento necessário para o estabelecimento da relação comercial entre as partes. Dentre as medidas contratuais adotadas para mitigar o problema de hold up de investimentos temos a adoção de cláusulas de estabilidade, a escolha de painel de arbitragem internacional para mediar conflitos e a imposição de penalidades. A despeito das inovações contratuais 19 Sobre o problema de hold-up em relações verticais, ver Tirole (1988), pg. 24-7. recentes, a reputação dos países hospedeiros continua sendo o maior determinante do volume e custo do investimento na atividade de E&P. De fato, países cujos governos nacionalizam os ativos da empresa (expropriação direta) ou mudam os termos dos contratos vigentes de forma muito brusca (expropriação indireta) enfrentam maiores dificuldades em atrair investimentos.20 3.5 CORRUPÇÃO A escolha do tipo de contrato e seus termos também pode ser determinada pela propensão à captura da comissão responsável pela implementação das políticas de Estado. Esta possibilidade ganha importância num ambiente institucional caracterizado por altos custos de monitoramento e baixa punição de crimes de corrupção, por exemplo. As dificuldades dos eleitores em monitorar as atividades de seus eleitos e de puni-los face a atos ilícitos é um fator potencialmente relevante e, combinadas com o desalinhamento de interesses entre eleitores e eleitos, temos que pouco frequentemente as decisões políticas estão em consonância com o interesse público.21 Segundo a teoria econômica, o desenho de contratos ou intervenções no mercado deveriam ser tais que minimizassem a possibilidade de captura. Para tal, o governo deve investir em formas de reduzir os ganhos potenciais da corrupção, o que implica fortalecer a gerência (governance) dos contratos entre Estado e indústria através do investimento em monitoramento das atividades dos executores de políticas e penalização de atos de corrupção. Em efeito, com vistas a fortalecer a gerência dos contratos em países cuja abundância de recursos naturais é significativa, há uma iniciativa internacional, a Extractive Industries Transparency Initiative (EITI), cujo papel principal é definir padrões gerais de publicação pelas empresas de petróleo dos recursos pagos aos governos e publicação dos recursos recebidos pelos governos. O objetivo é dar transparência a todos os estágios da cadeia de valor, ou seja, da escolha das empresas concessionárias à monitoração das operações, coleta de taxas, participações e royalties, extração de recursos e decisões econômicas estratégicas. 20 Para uma análise da política norueguesa com respeito à minimização dos riscos de expropriação, ver Osmundsen (2008). 21 Por esta razão, a hipótese de um Estado puramente maximizador do bem estar social pode ser considerada forte, em especial em países com um sistema legal fraco. Além do fortalecimento da gerência dos contratos, a literatura econômica prescreve que contratos ótimos, num ambiente onde o escopo para corrupção é alto, devem reduzir a renda informacional que seria partilhada da corrupção entre comissão de reguladores e empresas privadas. Quando a assimetria de informação entre Estado e operadora é relevante, é possível que a comissão reguladora (ou empresa estatal) tenha condições de inferir melhor os custos da operadora e, portanto, reduzir tal assimetria, diminuindo a capacidade de essa pretender custos mais elevados que aquele que ela realmente experimenta. No entanto, esta pode escolher não reportá-los em troca da divisão da renda informacional com a empresa. Conforme discutido antes, para mitigar o incentivo de reportar custos mais elevados o Estado deve bancar parte dos custos da operadora, de modo a controlar melhor a renda informacional que seria transferida à empresa de baixos custos. Quando existe alta propensão à corrupção na comissão reguladora, o contrato ótimo estipula um controle ainda maior da renda informacional, através de um aumento da parcela de custos que é suportado pelo Estado, de modo a reduzir ainda mais o escopo para corrupção entre comissão e empresa. Tal contrato, no entanto, engendra um trade-off importante entre o controle da renda informacional da empresa e sua eficiência. Conforme explicado anteriormente, contratos onde há partilha de custos costumam reduzir o incentivo a investir em reduções de custos de sua atividade. Neste sentido, em países onde o escopo para corrupção é alto e a gerência desses contratos deixa a desejar, seria recomendável ter contratos com alguma forma de partilha dos custos da produção. No entanto, é notável que muitas vezes as escolhas observadas dos contratos caminha justamente em direção contrária, o que pode implicar que governos ou comissões corruptas estão escolhendo termos contratuais cuja transparência é duvidosa, facilitando desvios de conduta.22 22 Existe uma literatura recente que trata de forma mais genérica do papel da abundância de recursos naturais no nível de corrupção de um país e em comportamento rent-seeking. Para uma revisão desta literatura, ver Leite e Weidmann (1999) 3.6 ALTOS CUSTOS DE FUNDOS PÚBLICOS Em qualquer país, o financiamento dos serviços públicos implica custos à sociedade que vão além do custeio per se destes serviços. O sistema de impostos costuma ser desenhado de tal forma que as decisões de consumo e investimentos dos agentes econômicos podem ser distorcidas em relação à situação sem impostos. Por exemplo, impostos sobre a taxa de juros alteram artificialmente os preços relativos da economia e distorcem negativamente a decisão de investimentos em relação à situação sem impostos. Assim, há perda de bem-estar pois há investimentos abaixo do nível ótimo de mercado. 23 Na indústria de petróleo, por um lado, o efeito positivo sobre o preço internacional e, portanto, sobre as receitas do governo em países com poder de mercado cria incentivos para o aumento de impostos sobre a exportação. O caso clássico é o dos países membros da OPEP, cujos governos controlam diretamente as quantidades produzidas de modo a aumentar o preço internacional do petróleo. Por outro lado, se o país é tomador de preços internacionais, o interesse em levantar impostos sobre a exportação seria mitigado pelo efeito negativo que este geraria sobre a produção interna e, portanto, sobre a receita governamental. Neste caso, há um trade-off entre aumento da receita dos impostos e a redução da produção interna.24 Notadamente, as perdas de bem-estar decorrentes dos diferentes formatos de taxação discutidos poderão ter efeitos sobre as decisões de investimentos e produção das empresas de petróleo e, portanto, efeitos negativos sobre o bem-estar social.25 Na literatura econômica, estas perdas geram o chamado custo marginal dos fundos públicos, ou seja, o custo social de se levantar R$1 de fundos públicos. Em países desenvolvidos, este custo está estimado em 0,30, isto é, custa 1,30 unidades para se levantar 1 unidade de recursos. Em países em 23 No caso de subsídios, o governo torna a indústria relativamente atrativa, gerando uma distorção no volume de investimentos realizado na indústria em detrimento de outras. 24 Apesar de não afetar o bem estar do consumidor nacional, tais impostos são totalmente absorvidos pelo produtor, o que leva à alteração do break-even da empresa, que reduz a produção. 25 Numa seção anterior, foi mencionado o efeito que CPPs exercem sob os incentivos para reduzir custos vis-àvis os CCs. desenvolvimento, as estimativas são ainda maiores, subindo para 1,20 na Malásia e 2,50 nas Filipinas (Laffont, 2005).26 Além do custo social gerado pelo caráter distorcivo dos impostos, outro fator determina o custo dos fundos públicos – e em especial em países em desevolvimento -, qual seja: a ineficiência do sistema de coleta de impostos. A tecnologia deficiente de monitoramento da renda dos agentes econômicos, combinada com a fraqueza das leis, compromete a capacidade de arrecadação (o nível de informalidade elevado na economia é apenas um reflexo desta ineficiência). Estas limitações afetam significativamente o sistema de impostos e as relações contratuais entre Estado e empresa privada. À luz da análise do trade-off enfrentado pelo Estado num contexto de assimetria de informação entre as partes27, o alto custo de fundos públicos vai implicar a escolha de um contrato que exige menos redução de custo, através de contratos de baixa potência de incentivos, mas permite capturar mais renda informacional. Outros efeitos nos contratos são notáveis. Por exemplo, os impostos cobrados normalmente vão incidir nos produtos e serviços cujos custos de arrecadação são menores.28 Outras possibilidades são taxar em espécie, ou seja, subtrair parcela da produção das empresas, obrigar a empresa a comprar equipamentos e contratar serviços nacionais, treinar mão de obra e, mesmo, executar planos de investimento em infra-estrutura regionais.29 A Tabela 2 mostra a importância que as receitas do petróleo podem representar no volume de recursos públicos para um governo. A participação da receita governamental do petróleo em países como Guiné Equatorial, Oman, Nigéria e Angola é superior a 78% do total das receitas governamentais, sendo superior a 30% do PIB em alguns destes países. No Brasil, a parcela apropriada pelo Governo é mediana. 26 Estimativas mais recentes para 38 países africanos estão disponíveis em Auriol et al. (2006) e levam em conta a informalidade da economia destes países. Devido a metodologias diferentes, os resultados de diferentes artigos não são comparáveis. 27 O trade-off entre renda informacional e eficiência. 28 No Brasil, observa-se uma incidência de impostos em serviços de telecomunicações e energia elevada, ao mesmo tempo em que o governo investe consideravelmente em política de universalização destes serviços. 29 A Nigéria, por exemplo, objetivava uma participação de conteúdo local na produção de petróleo de 45% em 2006 e 70% em 2010. (NNPC, 2008) Tabela 2 – Média do ‘Take’ Governamental para Alguns Contratos e Participação do Petróleo e Gás nas Receitas do Governo e PIB por País Contrato País Contrato de Concessão Brasil Canada Noruega Reino Unido Estados Unidos Venezuela Contrato de Partilha de Produção Argélia Angola Azerbaijão Congo Brazzaville Guiné Equatorial Indonésia Cazaquistão Nigéria Oman Rússia Trinidad e Tobago Contrato de Serviços Irã Média do Take Governamental % Receita Governamental do Petróleo % Petróleo no PIB 65,0 35,0 74,5 48,5 47,0 67,3 9,0* N/A 24,0 N/A N/A 48,8 8,1* N/A 13,0 N/A N/A 15,8 78,0 80,8 81,0 63,0 66,0 69,0 64,0 72,9 72,0 64,3 62,0 70,5 79,8 33,3 69,6 85,2 30,3 25,1 78,9 83,4 19,5 36,4 26,3 33,4 8,5 22,2 24,4 5,5 6,3 32,3 38,6 7,3 9,3 87,0 65,5 14,7 Nota: * dados de 2004, segundo Canelas (2007) Fonte: Transparency International (2008), ANP (2008), Goldman Sachs (2006) e fontes diversas. 4 A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL Os anos 60 viram uma drástica mudança no formato dos contratos estabelecidos entre Estados e empresas internacionais de petróleo quando a Indonésia adotou pela primeira vez um CPP, em revés do sistema de concessão, então hegemônico na indústria. Desde então, os CPPs vêm se tornando cada vez mais correntes, com países adotando-os como sistema único e outros uma combinação dos dois, conforme é o caso de Angola, Bolívia e Argélia. Gráfico 2 – Evolução da Parcela Governamental em uma Seleção de Países Fonte: Johnston (2008). Nota: segundo a ANP, com o barril a US$ 20, por exemplo, a participação governamental na receita fica entre 62% e 66% da receita líquida das petroleiras, enquanto que a US$120 esta parcela se reduz a 50% e 52%, levando em consideração tanto as duas contribuições quanto outros impostos como Imposto de Renda, PIS/Cofins e pagamento por retenção de áreas. (Energia Hoje, 2008) Apesar das experiências passadas de preços recordes nos anos 70, muitos dos termos contratuais assinados nesta época não levam em conta a possibilidade de variações bruscas de preços, conforme as observadas a partir de 2004. Na maioria deles, a participação do governo nos lucros reduz quando o preço aumenta (regime chamado regressivo), o que gerou uma forte pressão por mudanças contratuais. Outro efeito da elevação dos preços do petróleo foi a viabilização da exploração em novos campos, cujos custos de exploração, desenvolvimento e produção são mais elevados30, estendendo a vida útil de campos marginais ou maduros, com seus conseqüentes efeitos sobre os preços dos insumos utilizados pela indústria. A Gráfico 2 apresenta a parcela dos ganhos da produção de petróleo que á apropriada pelo governo entre os anos de 1998 e 2007 segundo levantamento feito por Johnston (2008) para diferentes países. As setas indicam a direção e magnitude das mudanças ocorridas na parcela do governo durante este período. Note que os maiores aumentos da parcela governamental durante o período ocorreram no Reino Unido, Bolívia e Venezuela. Reduções significativas da parcela ocorreram na Colômbia, Peru e Marrocos. 31 No que se segue, serão descritos as formas contratuais em dois países, Noruega e Angola, cujas experiências são emblemáticas. O primeiro caracterizado pela participação conjunta do Estado das atividades na indústria e o segundo por adotar um sistema híbrido de contratos. No anexo, são apresentados outros casos de países produtores de petróleo, com exemplos de contratos existentes. 4.1 AS CONCESSÕES NA NORUEGA A economia norueguesa é fortemente ligada aos ganhos da indústria de petróleo nacional, sendo a quinta maior exportadora mundial do produto. No entanto, sua produção, iniciada nos anos 70, deriva de campos relativamente maduros (todos em mar), com custos operacionais crescentes, baixa perspectiva de novas descobertas significantes e elevado custo de atividades exploratórias em novas áreas. O Estado é proprietário dos depósitos submersos de petróleo e distribui as licenças de 3 anos para exploração e de 2 a 6 anos para produção através de rodadas de licenciamento que ocorrem bianualmente. As licenças de exploração não são necessariamente exclusivas e permitem a execução de estudos sísmicos e perfurações, sendo concedidas mediante pagamentos de uma quantia fixa elevada. As licenças de produção são exclusivas e ligadas a um plano de trabalho pré-determinado. Recentemente, foi incluído um novo tipo de licença 30 Segundo a IEA (2003), metade das novas reservas que serão adicionadas até 2030 virão de plataformas em mar, cujos custos são mais elevados que as demais empresas. 31 Para mudanças contratuais mais recentes no norte da África, ver Fattouh (2008). destinado a aumentar a atividade exploratória em áreas tidas como maduras. A idéia é aproveitar a infra-estrutura e o conhecimento geológico existente sobre estas regiões transferindo-as rapidamente a empresas que possuem opinião diferente sobre a prospectividade da área. 32 O licenciamento ocorre uma vez que o governo anuncia os blocos disponíveis para o recebimento de candidaturas. A partir de critérios pré-definidos, o governo escolhe qual empresa ou grupo de empresas consorciadas ficarão com os respectivos blocos, indicando quem será a responsável direta pela operação das atividades.33 Um ponto interessante desta distribuição é que o Ministério de Petróleo e Energia, baseado nas candidaturas recebidas, pode fazer contrapropostas às empresas candidatas, propondo ajustes aos grupos de empresas que fizeram propostas em conjunto e mesmo novos grupos. A Noruega adota o sistema é o de concessão, cujos principais componentes são uma taxa especial sobre a produção de petróleo de 50% (o equivalente a royalty), mais imposto corporativo de 28%, o que soma uma taxação elevada de 78%. As empresas contam com uma série de benefícios, tais como amortização simples em 6 anos do capital investido e capex uplift de 30%. A presença do Estado na indústria é dominante. Através do State’s Direct Financial Interest (SDFI), este administrado pela empresa estatal Petoro S.A., o Estado possui participações em um número de campos de petróleo e gás, dutos e instalações terrestres. Estas participações correspondem a pouco menos da metade do total de receitas do Estado das atividades da indústria, que incluem os impostos e taxas especiais.34 É importante ressaltar que, da mesma forma que as demais empresas participantes contribuem com investimentos correspondentes a sua parcela no consórcio, o Estado, através da SDFI também contribui com recursos durante a fase de investimentos, tomando, portanto, parte do risco da fase de exploração para si. 32 MPE, 2007, p.25 e 29. Este tipo de distribuição de licenças é chamado na literatura econômica de beauty contests. Trata-se do mecanismo mais tradicional de distribuição de outorgas e concessões, cujas propriedades do ponto de vista do bem estar têm sido contestadas pela literatura econômica, que recomenda, para determinados casos, o uso de mecanismos de leilões. 34 MPE, 2007, p. 62,63. 33 O efeito das mudanças no preço internacional do petróleo não foi sentido nos contratos existentes e futuros. Segundo Osmundsen (2008), a participação do Estado na receita da indústria tem sido estável ao longo do tempo e isto se deve em grande medida às crescentes necessidades de investimento na exploração de suas províncias petrolíferas, cujas perspectivas de aumento da produção são baixas e custos elevados. Preocupado em fomentar o interesse internacional na exploração de suas bacias, o Estado tem forte incentivo para manter sua reputação de estabilidade dos termos contratuais, sem pedidos de renegociação ou mudança de regime regulatório. Em efeito, o baixo risco de expropriação na Noruega minimiza os potenciais problemas de hold-up de investimentos, necessários num grande país exportador. Apesar de o Estado estar tomando cada vez mais o risco das operações de exploração e desenvolvimento – conseqüência de sua maior alavancagem financeira -, o modelo dominante é o de formação de parcerias. O Gráfico 3 apresenta o histórico de produção de petróleo e gás e a produção esperada nos próximos anos, ilustrando quão maduros são os campos noruegueses. Gráfico 3 – Produção de Petróleo e Gás e Produção Esperada na Noruega 300,0 Gás Condensados 250,0 LNG Petróleo 150,0 100,0 50,0 9 7 5 3 1 9 7 5 3 1 9 7 5 3 1 20 1 20 0 20 0 20 0 20 0 20 0 19 9 19 9 19 9 19 9 19 9 19 8 19 8 19 8 1 9 7 5 3 Fonte: MPE (2008) 19 8 19 8 19 7 19 7 19 7 19 7 1 0,0 19 7 Milhões Sm3 200,0 4.2 O SISTEMA MISTO EM ANGOLA O caso angolano é de interesse devido à coexistência de dois tipos contratos: as plataformas de águas razas, correspondentes ao Bloco de Cabina, possuem contratos de concessão, enquanto as de águas profundas são exclusivamente de partilha de produção.35 Qualquer contrato novo é assinado como CPPs, não havendo fronteira física entre blocos de regimes contratuais diferentes. As concessões em Cabina pagam até 20% em royalties mais impostos sobre receita, chamado Imposto sob a Receita do Petróleo e pode chegar a 65,75%, e o imposto sobre as transações. Os CPPs possuem um regime progressivo de partilha dos lucros cujos termos variam de acordo com o bloco ofertado.36 Na mais recente rodada de concessões em Angola, ocorrida em março de 2008, os termos dos CPPs dos blocos em águas profundas restringiram os ganhos das empresas participantes, atribuindo de 70% dos lucros à empresa para TRIs inferiores a 15%, a 10% para TRIs superiores a 40%. O capex uplift ficou em 10%, bem abaixo dos 40% usados em CPPs em 1997.37 Em águas ultra-profundas, os termos são pouco mais favoráveis, com um limite inferior de 20% dos lucros às empresas para TRIs superiores a 20% e ainda com capex uplift de 20%.38 A estatal angolana, Sonangol, é a concessionária dos direitos de exploração, desenvolvimento e produção de hidrocarbonetos líquidos e gasosos no país.39 Ela pode convidar outras empresas a atuarem na indústria, mediante associação obrigatória com a estatal, mas esta não é obrigada a participar dos custos de investimentos da fase exploratória, em contraste com o caso norueguês. Ainda, o pagamento dos custos da fase de desenvolvimento é feito em barris somente na fase de produção. O mecanismo de licenciamento é via leilão, mas pode ser via negociação na ausência de candidatos suficientes ou se o resultado do leilão não foi satisfatório do ponto de vista do governo. O lance é composto de até três dimensões: bônus 35 Deutsche Bank (2008). Segundo Wood Mackenzie (2006), Angola os termos dos CPPs estão entre os mais progressivos do mundo e isto se deveria à alta taxa de sucesso dos poços exploratórios. Segundo Sonangol, esta taxa estaria por volta de 80%. 37 Sunley et al(2003). 38 Sonangol (2008). Em todos os contratos oferecidos nesta rodada, o limite de custos recuperáveis anual é de 50% das receitas. 39 Os princípios da Lei Geral das Atividades de Petróleo de 1978 foram mantidos pela nova lei de 2004. 36 de assinatura, conteúdo local e plano de atividades (exploratórias) mínimo. Usualmente, a dimensão mais importante é o bônus de assinatura, com exceção em alguns blocos em terra.40 A combinação entre alta prospectividade e relativa (apesar de recente) estabilidade política tem tornado Angola um país atrativo para as empresas internacionais de petróleo. De fato, a última rodada de licitação de blocos foi pontuada por lances recordes para o governo. Segundo a Transparency International, cerca de 80% das receitas do governo angolano provêm dos ganhos da indústria do petróleo. 5 OS CONTRATOS DE CONCESSÃO DE E&P NO BRASIL No Brasil, o sistema de contrato é o de concessão, sem obrigatoriedade de participação acionária do Estado em qualquer etapa do projeto. 41 Criada em 1953 e atualmente com 56% de controle nas mãos do governo, a Petrobras, possuiu um papel dominante na indústria nacional em todas as suas etapas (da extração ao refino e distribuição). Ademais, o conhecimento acumulado da geologia do país, sua vizinhança a muitos dos blocos em licitações conferem uma considerável vantagem competitiva à empresa, que usufrui de tratamento idêntico às demais concorrentes. Num contexto onde os riscos são tipicamente elevados, a Petrobrás é a candidata natural das empresas de petróleo internacionais para formação de parcerias de E&P, o que fortalece sua posição no mercado de forma duradoura. De fato, as únicas formas de entrada existentes no mercado upstream brasileiro são (1) via outorga dos contratos de concessão através das rodadas anuais de licitação ou (2) formação de parcerias com empresa (ou grupo de empresas) que já tenha(m) direitos exploratórios e de produção na região. Nas rodadas de licitação, ganha quem apresenta a melhor oferta em bônus de assinatura, programa de conteúdo local e plano de exploração e desenvolvimento. O período exploratório dos contratos de concessão varia de 3 a 7 anos e o de produção dura virtualmente a duração do campo, de 23 a 27 anos. 40 A regra de licenciamento de dois blocos em terra na mais recente rodada de licenciamento atribui apenas 20% de peso ao bônus de assinatura e 60% para o plano de atividades exploratórias. 41 No Brasil, o Campo de Merluza é regido por um dos contratos serviço de exploração de risco assinados durante a década de 70 entre Shell, através de sua subsidiária Pecten, e a Petrobras para atividades exploratórias na Bacia de Santos. O Campo de Merluza possui uma importante reserva de gás e foi o único empreendimento de sucesso entre todos os contratos de risco assinados pela Shell. O Estado obtém recursos através bônus de assinatura, royalties (até 10% da receita bruta), participação especial (10-40% do lucro, após custos e depreciação e antes do imposto de renda), imposto de renda (34%) e pagamento pela ocupação ou retenção de área. Dependendo da localização (em terra ou mar), do volume de produção e idade do campo, os recursos obtidos através da participação especial podem ser superiores ao do imposto de renda, podendo chegar a 40% em grandes campos. Há ainda uma parcela importante do government take que é coletada via impostos indiretos locais em equipamentos e serviços, que elevam os custos de instalações em até 40%. Gráfico 4 – Reservas Totais de Petróleo por Localização no Brasil 25 Bilhões de barris 20 Mar Terra 15 10 5 0 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Diferentemente dos demais países que mudaram os termos dos contratos frente ao aumento dos preços do petróleo, no Brasil, o grande motivador da mudança do marco regulatório foi a perspectiva de um aumento significativo do volume de reservas, derivado das descobertas de hidrocarbonetos na camada pré-sal da Bacia de Santos, cujas estimativas são em torno de 5 a 8 bilhões de barris somente no bloco de Tupi e totais de 70 a 80 bilhões de barris em toda a camada pré-sal.42 Este salto sem precedentes na história recente de descobertas no Brasil ( e mesmo internacional), cujo volume estimado de reservas é de pouco mais de 20 bilhões de 42 Segundo estimativas do Deutsche Bank (2008), o efeito no sistema de concessões brasileiro do aumento de 25 dólares o barril para 75 dólares no aumento médio o valor presente líquido do contratado é próximo de 300%. Em efeito, o fato de o governo ter uma participação de 56% na Petrobrás deve explicar em parte por que os aumentos de preços não suscitaram mudanças na participação governamental antes. barris de petróleo (ver Gráfico 4), alterou significativamente as perspectivas de ganhos da atividade na região da bacia. As mudanças vislumbradas no marco regulatório incluem (1) o aumento da participação do Estado nos ganhos da indústria de E&P, (2) aumento do controle da atividade produtiva e (3) redistribuição dos ganhos da atividade entre as esferas federais, estaduais e municipais. À luz da análise anterior dos termos dos contratos de E&P, focaremos apenas nos itens (1) e (2). Aumento da participação do Estado nos ganhos da indústria de E&P. No sistema de concessão em vigor no Brasil, o aumento da arrecadação do Estado se dá via bônus de assinatura, royalties, participação especial ou imposto de renda. Ainda, na eventualidade de mudança no regime contratual de concessão para partilha de produção nos blocos correspondentes ao pré-sal, a arrecadação é via impostos e partilha dos lucros. Obviamente, é possível arrecadar a mesma quantidade de recursos em ambos os sistemas de contrato. Contudo, conforme análise anterior, a escolha ótima entre os contratos depende da configuração do ambiente econômico, que, por sua vez, também é afetado pela escolha dos contratos, em especial, o desempenho das empresas operadoras. Vimos que uma das diferenças fundamentais entre CCs e CPPs é que neste último o governo banca parte dos custos da empresa, através do cost oil, subtraído dos lucros que serão partilhados pelo governo. Conforme análise, por um lado, estes contratos seriam apropriados em ambientes onde a monitoração dos custos das operadoras não constitui atividade onerosa. Caso contrário, o ideal seria indexar a receita do governo à receita bruta da atividade, como é o caso dos CCs. Por outro lado, em países onde a auditoria de custos é factível, mas o escopo para corrupção é elevado, contratos onde o Estado banca uma parcela dos custos da operadora conseguem mitigar o escopo para corrupção. Em ambientes onde o Estado não sabe ex-ante os custos da operadora, a comissão reguladora (ou empresa estatal), cujo papel é inferi-los, pode escolher não reportá-los em troca da divisão da renda informacional.43 A implementação de contratos 43 A renda informacional é derivada da habilidade da empresa de baixo custo pretender ter custos mais elevados (devido à presença de assimetria de informação entre Estado e empresa). onde parte dos custos é suportado pelo Estado evita que toda a renda informacional seja transferida à empresa, o que reduz o escopo para corrupção. Conforme analisado anteriormente, esta diferença fundamental entre CCs e CPPs vai implicar incentivos distintos quanto à redução dos custos da atividade, ilustrando o importante tradeoff que estes países enfrentam entre renda informacional e eficiência. Em CCs, qualquer redução de R$1 nos custos da empresa serão totalmente absorvidos pela operadora, o que constitui um contrato de alta potência de incentivos para redução de custos. Em CPPs, este incentivo é menor, dado que a partilha dos lucros implica que qualquer redução de R$1 será apenas parcialmente absorvida pela operadora. As mudanças contratuais vislumbradas para aumentar a participação do Estado nos ganhos da indústria podem incluir tanto os contratos já celebrados e quanto os futuros. Conforme análise anterior, a expropriação de investimentos afundados constitui um dos principais riscos da atividade petrolífera e tem efeitos importantes sobre os termos de qualquer contrato assinado na indústria. Em efeito, quanto maior a percepção de risco de expropriação, maior será o problema de hold up de investimentos sofrido pelo país hospedeiro, que enfrentará maiores dificuldades para atrair investimentos ao seu país: o volume será menor e/ou o custo do capital será mais elevado. Neste sentido, os benefícios de mudanças em contratos já assinados devem ser ponderados pelo potencial custo que esta gerará no volume e custo de investimentos exploratórios e de desenvolvimento de blocos no futuro. Aumento do controle da atividade produtiva. O aumento do controle da atividade produtiva via estatização da produção faria sentido num mundo onde os contratos são incompletos (ou os custos de transação são elevados o suficiente), o que justificaria a alocação dos direitos de propriedade ao Estado. Este teria maior poder sobre a relação contratual na eventualidade de um cenário inesperado, como choques de demanda ou oferta. Vimos que no caso da indústria de petróleo, o objetivo do Estado coincide com o da empresa no que diz respeito à maximização dos ganhos da receita do campo, preservadas as diferenças entre os stakeholders típicos (sociedade, representada pelo Estado, e acionistas, pela empresa). Neste sentido, o problema de alocação dos direitos de propriedade se restringe ao problema entre dois agentes privados, que sofrem de altos custos de transação derivados de uma decisão de investimento importante, da alta complementaridade de uso ou dos retornos crescentes de escala. A observação da solução contratual na indústria de petróleo, contudo, indica que estas restrições podem não ser tão significativas e que a produção pode ser facilmente monitorada via contrato regulatório. Em efeito, no caso brasileiro, o Plano de Desenvolvimento e os Programas Anuais de Produção, autorizados pela ANP, estipulam o controle de todo o ciclo produtivo de um campo. 6 CONCLUSÕES E EXTENSÕES O objetivo deste trabalho foi descrever os contratos de E&P da indústria de petróleo e propor uma análise das implicações dos principais aspectos do ambiente econômico desta indústria nos termos dos contratos celebrados. Uma das principais distinções entre CCs e CPPs é quanto à partilha dos custos da produção. Em CPPs, o Estado partilha os lucros e, portanto divide os custos com a operadora, enquanto em CCs, a receita do Estado independe dos custos experimentados pela operadora. Assumindo que contratos são mecanismos que governam o que as partes podem fazer e como estas ações determinam resultados (Milgrom, 2004), a análise econômica destes deve permitir elencar em que circunstâncias um contrato pode ser superior ao outro do ponto de vista da maximização do bem estar social. Na indústria de petróleo, o desenho dos contratos está sob o controle de governos. Portanto, assumindo um governo benevolente, os contratos serão ótimos se atingem seu objetivo, qual seja: maximizar a riqueza da qual é dotada sua jurisdição para financiar a prestação de serviços públicos e viabilizar seus objetivos sócio-econômicos e de desenvolvimento. Vimos que CCs são melhores quando o risco de corrupção é baixo ou a auditoria correta de todos os componentes de custos pelo Estado é muito onerosa. Por outro lado, quando a auditoria se torna factível, CPPs seriam ideais quando a comissão reguladora, responsável pela inferência dos custos da empresa ex-ante, é corrupta. Tal regra geraria maior controle expost dos custos pelo Estado, reduzindo a renda informacional em jogo. Vimos que o risco constitui um elemento importante da indústria de petróleo, sendo classificado entre risco geológico, risco comercial e risco político. O risco geológico é de certo modo controlado pelos avanços tecnológicos da indústria, que faz uso de testes sísmicos, da perfuração de poços exploratórios e análise geológica para identificar campos petrolíferos. No entanto, um nível de risco geológico baixo é condição necessária, mas não suficiente para uma empresa iniciar os testes exploratórios na jurisdição de um país. Aqui, os riscos comerciais, que dizem respeito aos movimentos dos preços do petróleo e seus insumos (incerteza tecnológica inclusive), e os riscos políticos, estes ligados à possibilidade de expropriação do investimento pelo governo do país hospedeiro, são de igual relevância na análise de um projeto exploratório. Outros temas de interesse relacionados aos contratos de E&P não foram mencionados na análise, dentre eles o mecanismo de distribuição dos blocos de exploração e produção de petróleo, a unitização entre blocos vizinhos, o efeito da presença de múltiplos órgãos reguladores nas atividades das empresas de petróleo (no Brasil temos várias interfaces com o governo que muitas vezes não são coordenadas, tais como o CADE, ANP, Ibama, MMA, ANEEL) e efeitos do sistema de taxação brasileiro sobre os incentivos à entrada de pequenas empresas de E&P no país. Tais questões são fundamentais para que o portfólio de blocos disponíveis de um país seja aproveitado de forma eficiente, ou seja, de forma que maximize o bem estar social. A discussão a seguir busca ilustrar este ponto para as duas primeiras questões. Licitação dos Blocos. O uso de leilões como mecanismo de distribuição de blocos possibilita a sua alocação eficiente entre as operadoras interessadas, a promoção da concorrência e a realização plena de seu valor econômico. Em efeito, se o regulador não tem informação sobre qual empresa tem o melhor plano de negócios para cada bloco, então o leilão constitui o mecanismo de seleção que menos demanda informação a priori sobre as características das empresas. Aquela operadora que possuir o melhor plano de negócios para um bloco normalmente atribuirá um valor maior a este, sendo capaz de fazer o maior lance entre as demais. O leilão permite que os blocos sejam distribuídos da forma mais eficiente possível, uma vez que aqueles que atribuem maior valor ao bloco acabam por ficar com seu respectivo bloco de interesse.44 No entanto, a eficiência de um leilão de blocos de petróleo depende muito da estrutura de preferências das operadoras e do nível de concorrência. Por este motivo, o desenho dos leilões (ou de suas regras) deve ser ajustado de acordo.45 No Brasil, a regra de leilão corresponde ao leilão de primeiro preço com envelope fechado. 46 Segundo Crampton (2006), esta regra é mais adequada em leilões onde há pouca concorrência entre operadores e sem grandes sinergias entre blocos vizinhos. Quando o valor de um grupo de blocos é superior aos seus valores individuais, conforme é o caso de blocos vizinhos que dividem infra-estrutura, ou ainda quando há possibilidade de free-riding no esforço exploratório da operadora do bloco vizinho, a regra de leilão deve ser tal que permita a compra de grupos de blocos. O leilão fechado de primeiro preço não permite (ou não facilita) a compra de grupos de blocos. Por esta razão, a alocação final dos blocos entre os agentes pode ser tal que as empresas que possuem os melhores planos de negócio para determinado conjunto de blocos não conseguem obtê-los. Isso gera ineficiência do ponto de vista do bem estar social por duas razões: (1) o Estado falha em selecionar a melhor empresa para maximizar a exploração de suas riquezas e, (2) há perda de valor econômico pois a incerteza de obter o grupo de blocos reduz o valor dos blocos individuais. Acordos de Unitização. Relacionado ao tema de sinergias entre blocos e mencionado no parágrafo anterior, a possibilidade de blocos vizinhos dividirem o mesmo campo pode gerar problemas sérios de free-rider, quando cada empresa espera que a outra incorra nos custos dos investimentos exploratórios antes. Este comportamento estratégico acaba por reduzir o volume de investimentos exploratórios em ambos os blocos, postergando a produção ou subaproveitando o campo. Outro tipo de comportamento estratégico que seria danoso à exploração eficiente de um campo ocorre quando há concorrência excessiva pelos recursos por parte das operadoras dos blocos que delimitam o campo. Os acordos de unitização 44 Klemperer (2003). Ver Campton (2006) para uma excelente resenha de como devem ser leilões de direitos de exploração de petróleo. 46 Mattos (2008) faz analisa o desenho das rodadas de licitação de blocos de petróleo no Brasil à luz da desta literatura. Brasil et al(2008) analisam o comportamento dos competidores nestas rodadas nacionais com base nos lances das empresas, com ênfase no efeito nos lances da presença de um participante com informação superior (no caso, Petrobrás e posteriormente OGX) aos demais. 45 surgem para responder a estes problemas de coordenação de investimentos e são fundamentais para garantir que as riquezas do campo sejam exploradas da forma mais eficiente possível. Idealmente, o próprio desenho dos blocos deveria ser tal que minimizasse a necessidade de acordos de unitização, que são por si só custosos. No entanto, governos não necessariamente possuem informação geológica que minimize este problema e nem todos os acordos conseguem atingir este objetivo. As regras que regem estes contratos não conseguem impedir que haja perdas ligadas às externalidades informacionais existentes da exploração individual dos blocos, mantendo espaço para conflitos importantes que comprometem a exploração plena do valor econômico do reservatório. 47 Este ponto ganha ainda mais relevância quando os acordos de unitização são entre blocos cuja formação geológica é complexa ou estes são regidos por regimes contratuais distintos, onde a consolidação das participações de cada operadora (ou conjunto de empresas) não é óbvia. REFERÊNCIAS Auriol e Warlters, 2006, The Marginal Cost of Public Funds in Africa, World Bank Working Papers Series, n 3679. Baron e Myerson, 1982, Regulating a Monopoly with Unknown Cost, Econometrica, 50, 911930. Barrows (2003) Bindemann, Kirsten. 1999. Production-Sharing Agreements: An Economic Analysis. Oxford Institute for Energy Studies. WPM 25. Bindemann, Kirsten. 2000. The Response of Oil Contracts to Extreme Price Movements. University of Oxford Department of Economics Discussion Paper Series. Brasil et al(2008), Assimetrias entre competidores nos leilões de petróleo no Brasil, Mimeo. Canelas, A. L. S., 2007, Evolução da Importância Econômica da Indústria de Petróleo e Gás Natural no Brasil: Contribuição a Variáveis Macroeconômicas, Dissertação de Mestrado em Planejamento Energético COPPE/UFRJ. 47 Libecap e Smith (1999) analisam as propriedades de acordos de unitização que minimizam problemas ligados à concorrência excessiva por recursos de campos compartilhados e apresenta evidência empírica de como empresas costumam resolver estes problemas. Crampton, P., 2007, How Best Auction Oil Rights, in Escaping the Oil Curse, Columbia University Press. Deutsche Bank, 2008, Oil and Gas for Beginners. Energia Hoje, 2008, Fatia Maior do Government Take, encontrado em 18 de dezembro de 2008 no sítio internet http://www.energiahoje.com/index.php?ver=mat&mid=28329 Fattouh, Bassam, 2008. North African Oil and Foreign Investment in Changing Market Conditions. Centre for Financial and Management Studies, SOAS and Oxford Institute for Energy Studies. Goldman Sachs, 2006, Global Energy: 125 Projects to Change the World. Hart, Oliver. 1995. Firms Contracts and Financial Structure. Clarendon Lectures in Economics. Hart, Oliver. 2003. Incomplete Contracts and Public Ownership: Remarks, and an Application to Public-Private Partnerships. The Economic Journal, 113. Johnston, Daniel. 1994. International Petroleum Fiscal Systems and Production Sharing Contracts. Johnston, Daniel. 2003. International Exploration Economics, Risk and Contract Analysis. Johnston, Daniel. 2008. Changing Fiscal Landscape. Journal of World Energy Law & Business, Vol.1, No.1. Jojarth, Christine. 2008. 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Bloco 17 CPP 19 NC186 CPP Nenhum Nenhum 6% receita Nenhum Nenhum LIBOR + 4% Nenhum Nenhum 50% Nenhum 46,3 Bonga CPP 0-12% (depende da profundidade) 50% para taxação Custo do Petróleo Capex aprovado Capex 5 anos Capex 3 anos com c/f Capex 4 anos Recuperação de Custos 50% receita após opex 60% receita 100% receita 55% receita Recuperado de 35% da produção 100% receita Partilha dos lucros do Petróleo Baseado no TRI Baseado no TRI Baseado no TRI Baseado no TRI CS (payback) e baseado na produção Baseado na produção Max (contratante/Estado) 70/30 @ <16,75% 80/20 @ <0% 90/10 @ <17.5% 75/25 @ TRI <15% A partir de 100% de CIPs (35% pré custos) 80/20 @ < 350mb Min (contratante/Estado) 20/80 @ > 22,75% 20/80 @ > 20% 30/70 @ > 24% 20/80 @ TRI>30% 25% 30% ENI, BG, TOT, XOM, CVX 32% 50% XOM, TOT, BP, CVX Contrato Detalhes dos termos de contrato Licenciamento Reserva de Petróleo (anos) Reserva de gás (anos) Exemplos de CPPs Contrato Royalty Capex uplift Taxa de Taxação Companhias Azerbaijão CPP Depende da TRI. BP Rússia CC e CPP Maioria dos contratos é CC, com poucos CPPs. Competitivo RDS, XOM Angola Líbia* Nigéria CC e CPP Concessão e CPP CC e CPP CCs em Cabinda e Contratos são operados via CPP's de águas Maioria das novas Joint Ventures, CPP e profundas, baseadas descobertas são APEP. Contratos de Serviço. na TRI. Competitivo Negociação Competitivo Capex 5 anos A partir de 30% de CIPs (35% pré custos) Nenhum Repsol, Total, OMV, Occi 40/60 @ > 1500mb 50% RDS, TOT, XOM, ENI O Estado aceitou Bom nos custos e na receber quase nada. recuperação. Mudanças Comentários Muito favorável ao nas taxas também são contratante. favoráveis. * APEP são Acordos de Partilha de Exploração e Produção, específicos à Líbia. CIPs são Companhias Internacionais de Petróleo. Fonte: Deutsche Bank, 2008 Recuperação é boa, porém a partilha é ruim. APÊNDICE O gráfico abaixo resume a grosso modo os resultados da teoria de contratos no contexto de países em desenvolvimento, caracterizadas por um ambiente contratual com alto custo de fundos públicos, baixo controle da corrupção e baixa capacidade de monitoramento dos custos. Conforme análise, num contexto de assimetria de informação entre regulador e empresa regulada, os contratos que maximizam o bem estar da sociedade respondem a um trade-off entre renda informacional e eficiência, esta medida pela capacidade do contrato levar a empresa regulada a fazer esforços para reduzir custos. Contratos ditos de alta potência levam o regulador fazer o esforço ótimo de redução de custos, enquanto contratos de baixa potência não geram este incentivo. No eixo vertical do gráfico, temos representado o nível de esforço ótimo exigido implicitamente por um contrato regulatório. Conforme apresentado em Laffont (2005), o efeito destes fatores no desenho de regras contratuais ótimas são representado segundo os estágios de desenvolvimento de uma economia: (1) alto custo de monitoração e alto custo de fundos públicos levam o regulador a escolher contratos de alta potência de incentivos; (2) na medida em que o Estado se torna mais eficiente, aperfeiçoando o monitoramento das atividades da empresa regulada, torna-se possível capturar melhor a renda informacional desta, o que leva à redução da potência dos incentivos; finalmente, (3) com o aprimoramento da capacidade de arrecadação fiscal do Estado, e consequente redução dos custos dos fundos públicos, torna-se possível aumentar novamente a potência de incentivos. Gráfico 5 – Potência Ótima de Contratos sob Assimetria de Informação e( . ) e(Alto controle da corrupção) Alta potência dos contratos e(Baixo controle da corrupção) Baixa potência dos contratos baixa tecnologia de auditoria de custos alta tecnologia de auditoria de custos alto custo de fundos públicos baixo custo de fundos públicos