Relatório da terceira campanha de monitoramento
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Relatório da terceira campanha de monitoramento
Programa de Monitoramento, Salvamento e Resgate de Fauna de Vertebrados Terrestres e Monitoramento e Levantamento da Entomofauna Relatório da terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre e entomofauna, no período pré-enchimento do reservatório, na área de influência da UHE São José Scinco-cinzento (Mabuya frenata) Porto Alegre, 20 de janeiro de 2009 Sumário 1.Equipe Técnica ........................................................................................................................... 3 2.Introdução................................................................................................................................... 4 3.Materiais e métodos.................................................................................................................... 5 3.1.Entomofauna ....................................................................................................................... 5 3.2.Anfíbios................................................................................................................................ 5 3.3.Répteis ................................................................................................................................ 7 3.4.Aves .................................................................................................................................... 9 3.5.Mamíferos.......................................................................................................................... 12 4.Resultados................................................................................................................................ 16 4.1.Entomofauna ..................................................................................................................... 16 4.2.Anfíbios.............................................................................................................................. 18 4.3.Répteis .............................................................................................................................. 21 4.4.Aves .................................................................................................................................. 28 4.5.Mamíferos.......................................................................................................................... 41 5.Considerações Finais................................................................................................................ 48 6.Referências Bibliográficas ......................................................................................................... 49 2 1. Equipe Técnica Coordenação Geral Biól. M.Sc. Adriano Souza Cunha – CRBio 9021-03 Biól. Juliano Ferrer dos Santos – CRBio 53089-03 Entomofauna Biól. Flávia Regina Girardi Montagner Biól. Vera Regina Ribeiro Troian Herpetofauna Biól. Luis Fernando Marin da Fonte – CRBio 53063-03 Biól. Dr. Rafael Lucchesi Balestrin – CRBio 25423-03 Acadêmica de Ciências Biológicas Simone Baratto Leonardi Avifauna Biól. Maurício da Silveira Pereira – CRBIO 63445-03 Mastofauna Biól. Felipe Bortolotto Peters – CRBio 53753-03 Acadêmico de Ciências Biológicas Ricardo Roth 3 2. Introdução O presente relatório atente aos objetivos propostos nos Programas de Monitoramento, Salvamento e Resgate da Fauna de Vertebrados Terrestres e Levantamento e Monitoramento da Entomofauna, e de Conservação de Espécies Ameaçadas e Endêmicas – Fauna, relacionados ao monitoramento da fauna de vertebrados terrestres e levantamento e monitoramento da entomofauna na área de influência da Usina Hidrelétrica (UHE) São José. O empreendimento está situado nos municípios de Cerro Largo, Rolador, Salvador das Missões e Mato Queimado, noroeste do estado do Rio Grande do Sul, na região denominada fisiograficamente de Missões. A UHE São José encontra-se em fase de implantação, no trecho inferior do rio Ijuí. A terceira campanha de monitoramento da fauna de vertebrados terrestres e levantamento e monitoramento da entomofauna na área de influência da UHE São José, do período pré-enchimento, realizou-se entre os meses de outubro e dezembro de 2008, durante a primavera. Os trabalhos abrangeram os grupos de invertebrados (direcionado às espécies vetoras de zoonoses), anfíbios, répteis, aves e mamíferos. Primeiramente será relatada a metodologia aplicada nos grupos de fauna trabalhados, e a seguir serão discutidos os resultados obtidos. Por fim, serão feitas considerações finais a respeito da campanha realizada. 4 3. Materiais e métodos 3.1 Entomofauna A terceira campanha de levantamento e monitoramento da entomofauna na área de influência da UHE São José foi realizada entre os dias 1 e 5 de dezembro de 2008. Para essa campanha, foram mantidas as localizações das estações amostrais definidas na campanha anterior. As amostragens foram realizadas no período diurno (das 9 horas às 14 horas) e noturno (das 18 horas às 23 horas) nas quatro estações amostrais. A metodologia empregada no presente estudo foi estabelecida conforme Plano Básico Ambiental (PBA), de modo a propiciar uma amostragem dirigida aos grupos conhecidos como vetores de zoonoses. Nas coletas diurnas foram utilizados aspirador tipo frasco com auxílio de barraca de Shannon e isca humana para a captura de dípteros, e técnica de arrasto para a coleta de carrapatos. Nas coletas noturnas foram utilizados aspirador tipo frasco com auxílio de isca humana e armadilha luminosa adaptada em barraca de Shannon. A Tabela 1 mostra a relação das técnicas de coleta empregadas em cada estação amostral, e o respectivo esforço amostral. Tabela 1. Relação das técnicas de coleta empregadas em cada estação amostral, e esforço amostral em horas aplicado durante a terceira campanha de levantamento e monitoramento da entomofauna (primavera/2008) na área de influência da UHE São José. Método EA1 EA2 EA3 EA4 Captura diurna Captura noturna Coleta manual 5h 5h 5h 5h Aspirador tipo frasco com auxílio de barraca de Shannon 5h 5h 5h 5h Técnica de arrasto 1h 1h 1h 1h Armadilha luminosa 5h 5h 5h 5h 3.2 Anfíbios A terceira campanha de monitoramento da fauna de anfíbios ocorrente na área de influência da UHE São José foi realizada no período de 29 de novembro a 3 de dezembro, com base em três modos de obtenção de registro: levantamento por encontros visuais (VES), método das transecções auditivas (AST) e registros ocasionais (RO). De acordo com o método de levantamento por encontros visuais (VES), realiza-se uma busca ativa por indivíduos em fase larval ou adulta, durante um determinado período de tempo, em todos os microambientes potencialmente ocupados por esses animais (CRUMP & SCOTT, 1994). As áreas de amostragem foram percorridas aleatoriamente por três pessoas e a busca consistiu em revirar troncos, pedras, entulhos e outros objetos 5 que pudessem ser utilizados pelos anfíbios como abrigo, em visitar os corpos d’água na procura por adultos ou girinos, em vasculhar a serrapilheira acumulada no interior das matas e em procurar indivíduos sobre a vegetação. Foram realizadas buscas diurnas e noturnas, perfazendo um esforço amostral total de 32 horas (24 horas durante o dia; 8 horas durante a noite) por pessoa. De acordo com o método das transecções auditivas (AST), um trecho pré-definido da área estudada é percorrido e são registradas as espécies de anfíbios em atividade de vocalização (ZIMMERMAN, 1994). Como a maioria das espécies de anuros tem sua atividade de vocalização concentrada nas primeiras horas da noite, esse foi o período amostrado em tal metodologia. Foram realizadas amostragens em banhados, açudes, áreas alagadiças, arroios e em matas ciliares, perfazendo um esforço amostral total de 8 horas. Animais encontrados fora dos pontos de amostragem, ou de outras formas que não as duas metodologias já descritas, foram considerados como registros ocasionais (RO). Durante a presente amostragem, procurou-se repetir os mesmos pontos avaliados em campanhas anteriores (Tabela 2). No entanto, devido a algumas alterações decorrentes do processo de desmatamento da área do reservatório (sobretudo na área conhecida como “Fundão do Ijuí”), novos pontos foram adicionados. Tabela 2. Pontos de amostragem da fauna de anfíbios da terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre (primavera/2008), na área de influência da UHE São José. Legenda: VES = levantamento por encontros visuais; AST = métodos das transecções auditivas. Coordenadas geográficas UTM 21J Ponto Metodologia Início Fim P1 718433 / 6881219 AST, VES P2 723235 / 6881048 AST, VES P3 712530 / 6882141 712336 / 6881740 AST, VES P4 722954 / 6880315 722934 / 6880243 AST, VES P5 713848 / 6881763 713931 / 6881571 AST, VES P6 719868 / 6878765 719555 / 6878568 VES P7 715201 / 6877790 715757 / 6876984 VES P8 718277 / 6881268 718476 / 6881195 VES P9 712360 / 6882089 712584 / 6882085 VES P10 713257 / 6881928 713362 / 6881724 VES P11 * 712640 / 6885198 713248 / 6885221 VES P12 * 712495 / 6885074 712352 / 6885104 VES P13 * 719028 / 6884638 719267 / 6884725 VES P14 * 715848 / 6876875 716171 / 6876622 VES * Novos pontos de amostragem adicionados na presente campanha. 6 Considerando-se o fato de que anfíbios são animais ectotérmicos e que, portanto, as condições climáticas podem influenciar sua atividade, são apresentadas na Tabela 3 as condições do tempo e os índices pluviométricos registrados na região de inserção do empreendimento, durante o período de amostragens (fonte: DEFESA CIVIL/RS). As temperaturas noturnas variaram entre 16ºC e 24ºC e as noites foram estreladas, sem nuvens, com lua nova. Tabela 3. Condições do tempo e índices pluviométricos registrados na região de inserção da UHE São José, no rio Ijuí, entre os dias 29 de novembro e 3 de dezembro de 2008. Data Condições do tempo * Índices pluviométricos (mm) * 29/11/2008 tempo bom 0.0 30/11/2008 tempo bom 0.0 1/12/2008 tempo bom 0.0 2/12/2008 tempo bom 0.0 As coordenadas geográficas dos pontos de amostragem foram obtidas através do software Google Earth e encontram-se no sistema UTM (Universal Transverse Mercator) zona 21J, datum SAD69. A nomenclatura e a classificação das espécies foram baseadas em FROST (2007) e Sociedade Brasileira de Herpetologia (SBH) (2007). 3.3 Répteis As atividades de campo da terceira campanha de monitoramento da fauna de répteis foram realizadas entre os dias 29 de novembro a 3 de dezembro, na área de influência da UHE São José. Procurou-se contemplar os mesmos pontos de amostragem da segunda campanha de monitoramento, entretanto, devido ao processo de desmatamento de algumas áreas, novos pontos foram incluídos em substituição àqueles (Tabela 4). Os pontos de amostragem referentes as transecções noturnas foram os mesmos descritos na metodologia de anfíbios (Tabela 2). Na presente campanha foi aplicado um esforço de captura correspondente a 60 horas de procura ativa durante o dia, e 24 horas de procura ativa durante a noite, totalizando 84 horas/homem de procura ativa. Os métodos aplicados são descritos abaixo: Procura Ativa (PA): esse método consistiu em lentas caminhadas durante o dia e a noite através de trilhas, estradas secundárias, afloramentos rochosos, matas ciliares e de galeria, poças temporárias, açudes, campos alagados e próximos a construções abandonadas (BALESTRIN, 2008). Nessa metodologia procurou-se abranger o maior número possível de micro-hábitats em busca de animais em atividade ou em potenciais abrigos (tocas, sob pedras, troncos caídos, termiteiros, madeiras e restos de construção 7 e/ou demolição). Em cada sessão de procura por espécimes foi anotado, em caderneta de campo, o número de observadores e o tempo despendido. As coordenadas geográficas dos pontos de amostragem foram obtidas através do software Google Earth e encontram-se no sistema UTM (Universal Transverse Mercator) zona 21J, datum SAD69. Os exemplares capturados foram identificados, fotografados e soltos no mesmo local. O esforço de captura empregado foi calculado somando o total de horas de cada coletor nas atividades de procura (MARTINS & OLIVEIRA, 1998). Três coletores participaram da PA, sendo a taxa de captura expressa dividindo-se o número total de indivíduos capturados pelo somatório do número de horas que cada coletor realizou durante as atividades de campo. Tabela 4. Pontos de amostragem da fauna de répteis através do método de procura ativa (PA) aplicado durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre (primavera/2008), realizada na área de influência da UHE São José. Legenda: T = transecação. Pontos de amostragem T1 T2* T3 Coordenadas geográficas UTM 21J 719868 / 6878765 719555 / 6878568 715201 / 6877790 715757 / 6876984 718277 / 6881268 718476 / 6881195 712360 / 6882089 T4 712436 / 6881876 712584 / 6882085 T5 T6* 713257 / 6881928 713362 / 6881724 712640 / 6885198 713248 / 6885221 712495 / 6885074 T7* 712370 / 6885032 712352 / 6885104 719028 / 6884638 T8* 719301 / 6884521 719267 / 6884725 8 Pontos de amostragem Coordenadas geográficas UTM 21J 722972 / 6880575 T9 722695 / 6880381 722877 / 6880206 715848 / 6876875 T10* 715965 / 6876957 716171 / 6876622 * Novos pontos de amostragem adicionados durante a presente campanha. Encontro ocasional e/ou por terceiros (EO): esse método consistiu em todos os animais encontrados por terceiros ou quando a equipe estava em deslocamento em áreas próximas à área de interesse. Armadilhas aquáticas (ARMA): foram utilizadas armadilhas cilíndricas, conhecidas popularmente como covo, feitas de plástico fino com abertura em forma de funil em ambas as extremidades. Foram distribuídas cinco armadilhas aquáticas no ponto 718343/688121 (coordenadas geográficas UTM 21J) distantes, no mínimo, cinco metros umas das outras. As armadilhas foram iscadas com pedaços de peixe da espécie Rhamdia sp., e revisadas duas vezes ao dia - amanhecer e entardecer. No total, foi despendido um esforço de captura correspondente a 89 horas/covo. A nomenclatura e a classificação das espécies seguiram SBH (2007), e a bibliografia consultada para auxiliar na identificação dos animais foi LEMA (2002) e ACHAVAL & OLMOS (2007). 3.4 Aves A terceira campanha de monitoramento da avifauna na área de influência da UHE São José foi realizada entre os dias 28 e 31 de outubro de 2008, sendo realizadas amostragens qualitativas e quantitativas. Avaliações quantitativas foram realizadas através de pontos de escuta (BIBBY et al., 2000), no qual o observador identifica e contabiliza todos os indivíduos visualizados e/ou escutados dentro de um raio imaginário pré-determinado. Na presente amostragem foram repetidos 36 pontos de escuta dos 41 amostrados nas campanhas anteriores (Tabela 5). Nos cinco pontos restantes não foi possível realizar as contagens devido à “cheia” do rio Ijuí ocorrida no período, impossibilitando o deslocamento nas áreas (Figura 1). 9 Figura 1. Vista parcial do alagamento ocorrido na área de influência da UHE São José. As contagens foram iniciadas 30 minutos após o nascer do sol e tinham duração de 10 minutos. Em virtude das amostragens contemplarem diferentes fitofisionomias (e.g. matas, campos, plantações e áreas úmidas), alguns ajustes na metodologia foram realizados na primeira campanha, sendo mantidos na presente amostragem, a saber: Em pontos localizados em fitofisionomia florestal, onde a visibilidade do observador diminui consideravelmente com o aumento da distância, foi estabelecido raio fixo de 50 metros e distância mínima entre pontos de 180-200 metros. Em fitofisionomias campestres foi definido um raio fixo de 100 metros e distância mínima entre pontos de 300 metros. A distância mínima entre pontos foi estabelecida de modo a garantir a independência entre as unidades amostrais (RALPH et al., 1993). Com o objetivo de monitorar as alterações ocorridas na avifauna antes e após a formação do reservatório da UHE São José, os pontos foram dispostos em área de alague e área de não alague. Em cada área foram selecionados pontos de contagem em fitofisionomia florestal e campestre (Tabela 5). A abundância para cada espécie foi calculada através do Índice Pontual de Abundância (IPA), que é igual ao número total de contatos obtidos dividido pelo número de pontos de contagem (ALEIXO & VIELLIARD, 1995). Espécies registradas durante as contagens além do raio pré-estabelecido, assim como os registros ocasionais (ad libitum) realizados durante todo o período de amostragem foram 10 classificadas quanto a fitofisionomia utilizada (florestal ou campestre) e a área (alague ou não alague), e utilizadas nas análises de riqueza. A taxonomia segue o COMITÊ BRASILEIRO DE REGISTROS ORNITOLÓGICOS (2007), e os nomes populares, BENCKE (2001). Espécies ameaçadas de extinção foram consideradas nos níveis regional (BENCKE et al., 2003), nacional (MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE, 2003) e global (IUCN, 2006). Tabela 5. Localização dos pontos de contagem amostrados durante a terceira campanha de monitoramento da avifauna (primavera/2008) na área de influência da UHE São José. Legenda: MA = mata em área de alague; MN = mata fora da área de alague; CA = campo em área de alague; CN = campo fora da área de alague. Ponto Coordenadas geográficas UTM 21J Altitude (m) Local P01 718447 / 6883748 141 MA P02 718515 / 6883540 141 MA P03 718432 / 6883351 135 MA P04 718157 / 6883867 144 MA P05 717967 / 6883821 155 MA P06 717802 / 6883708 145 MA P07* 717824 / 6883947 MA P08* 718013 / 6884059 145 MA P09 718464 / 6883156 142 CA P10 718649 / 6883327 139 MA P11* 718770 / 6883173 137 MA P12* 718728 / 6882912 144 CA P13 718046 / 6883476 151 MA P14 717899 / 6883555 149 MA P15 718042 / 6880921 174 MN P16 718171 / 6880771 170 MN P17 717986 / 6881108 166 MN P18 717903 / 6881276 171 MN P19 717801 / 6880803 171 MN P20 718710 / 6881314 MA P21 718575 / 6882649 149 CA P22 718693 / 6882248 149 CA P23 718800 / 6882074 131 MA P24* 718754 / 6881855 132 MA P25 718655 / 6881705 132 MN P26 718596 / 6881517 151 MN P27 718308 / 6881708 173 CN P28 718310 / 6882088 168 CN P29 718265 / 6882414 166 CN P30 718599 / 6882007 169 MN P31 718499 / 6882172 169 MN P32 717538 / 6881043 166 MN P33 717304 / 6881077 167 CN P34 717333 / 6880584 149 CA P35 718207 / 6882838 147 CA P36 717908 / 6882936 141 CA 11 Ponto Coordenadas geográficas UTM 21J P37 717940 / 6882594 P38 718482 / 6881041 P39 718467 / 6880719 P40 718129 / 6880322 P41 718444 / 6879948 * Pontos que não foi possível realizar as contagens. Altitude (m) 139 172 171 147 176 Local CA CN CN CA CN 3.5 Mamíferos A terceira campanha de monitoramento da mastofauna na área de influência da UHE São José realizou-se entre os dias 28 e 31 de outubro de 2008. O monitoramento da fauna de mamíferos foi conduzido através de metodologias variadas, de maneira a contemplar a variação de tamanho corpóreo, os diferentes hábitos de vida e as preferências de hábitats dos mamíferos não-voadores com ocorrência confirmada e potencial para a região de amostragem. A escolha dos pontos considerou os impactos previsíveis pela construção do barramento, através de amostragens em locais que serão inundados e as futuras áreas de preservação permanentes (APP), permitindo comparações entre a fase pré e pósenchimento do reservatório. A Tabela 6 apresenta os pontos de amostragem escolhidos. Os locais representam a fitofisionomia típica da área de interesse, na qual formações campestres estão entremeadas por capões de mata fortemente alterados por décadas de atividades agrosilvopastoris intensivas. Tabela 6. Pontos de amostragem da terceira campanha de monitoramento de mamíferos não-voadores (primavera/2008) na área de influência da UHE São José. Ponto Coordenadas geográficas UTM 21J P1* P2* P3 722341 / 6880435 720404 / 6878968 718896 / 6878890 P4 718221 / 6880874 P5* 718685 / 6882055 P6 711580 / 6877925 P7 718031 / 6874317 * Pontos que estão situados na bacia de acumulação do reservatório da UHE São José. Cinco métodos foram aplicados, totalizando cerca de 70 horas de esforço amostral entre os pontos, descritos abaixo. Busca por vestígios: foram realizadas buscas por pegadas, material fecal, tocas, marcas de predação, carcaças e demais vestígios indiretos de mamíferos nos pontos amostrais 12 (exceto P7), com esforço amostral igualmente dividido entre os pontos. A identificação dos vestígios referentes aos felinos baseou-se na obra de OLIVEIRA & CASSARO (2005), enquanto que para os demais mamíferos utilizou-se BECKER & DALPONTE (1991) e TRAVI & GAETANI (1985). Contato visual: foram realizados percursos noturnos com a utilização de farol de milha (2.500.000 velas) buscando a visualização de espécimes. As rotas noturnas tiveram um total de 100 quilômetros percorridos de automóvel, abrangendo os pontos de amostragem (exceto P7), de modo a compreender o maior número de hábitats e contemplar os taxa de comportamento campestre, florestal e semi-aquático. Além disso, também foram considerados os avistamentos acidentais durante a execução de outras metodologias. Armadilhas fotográficas (Figura 2): duas armadilhas fotográficas foram instaladas, totalizando oito armadilhas/noite nos pontos de amostragem P4 e P5. Figura 2. Armadilha fotográfica instalada na área de influência da UHE São José. A freqüência de ocorrência das espécies encontradas com as metodologias listadas acima foi determinada pela razão entre o número de pontos em que a espécie foi registrada e o total de pontos amostrados, tendo sido consideradas raras as espécies com freqüência entre 0-20%; incomuns, entre 21-40%; comuns, entre 41-60%; freqüentes, entre 61-80% e abundantes, entre 81-100%. Vale ressaltar que estes métodos excluem grande parte dos pequenos mamíferos, aos quais foram aplicadas metodologias 13 direcionadas e em pontos restritos, listadas abaixo, porém assegura a detecção de pequenos roedores herbívoros cuja captura em armadilhas é muito raro. Armadilhas live traps: para a amostragem de mamíferos de pequeno porte foram utilizadas 69 armadilhas modelo Sherman (dimensões de 30x8x8 centímetros), 30 armadilhas modelo Tomahawk (22x9x9 centímetros) e uma armadilha tipo Havahart (35x15x15 centímetros), visando a captura do serelepe (Sciurus aestuans), instalada no estrato arbóreo superior. A fim de contemplar todo o espectro trófico do grupo em questão, as iscas oferecidas variaram entre uma combinação de frutas, pasta de amendoim e óleo de peixe. Foram dispostas 50 armadilhas em cada ponto (P1 e P4), totalizando um esforço amostral de 400 armadilhas/noite. As armadilhas tiveram espaçamento de 10 metros entre as unidades amostrais e foram instaladas no final da tarde e revisadas pela manhã, de acordo com metodologia descrita em CADERMARTORI (2005). Os pequenos mamíferos capturados foram sexados e examinados quanto à presença ou ausência de vestígios reprodutivos, segundo McCRAVY & ROSE (1992). Exame de egagrópilos de coruja-de-igreja (Tyto alba): dez pelotas de regurgitação coletados em um galpão no P7 (Figura 3) foram diluídas em água e tiveram seu conteúdo examinado e comparado com material ósseo da Coleção Científica do Museu de Ciências Naturais da Universidade Luterana do Brasil/Canoas, de maneira a enriquecer a listagem de espécies de pequenos mamíferos. 14 Figura 3. Galpão onde foram coletadas pelotas de regurgitação de coruja-de-igreja (Tyto alba) na área de influência da UHE São José. A identificação dos espécimes pertencentes ao gênero Akodon baseou-se em caracteres morfológicos segundo metodologia descrita em CHRISTOFF et al. (2000). Os níveis de ameaça regional e nacional das espécies seguiram FONTANA et al. (2003) e MACHADO et al. (2005), respectivamente. Os nomes comuns são listados conforme SILVA (1994), enquanto que a seqüência filogenética e a ordenação taxonômica seguem WILSON & REEDER (2005). 15 4. Resultados 4.1 Entomofauna A terceira campanha de levantamento e monitoramento da entomofauna na área de influência da UHE São José resultou na coleta de 193 indivíduos (fêmeas), pertencentes ao Filo Arthropoda, Classe Insecta, Ordem Diptera, Família Culicidae. Foram registradas duas sub-famílias, com 13 espécies distribuídas em sete gêneros, relacionados na Tabela 7. Tabela 7. Espécies de culicídeos obtidos na terceira campanha de levantamento e monitoramento da entomofauna (primavera/2008) na área de influência da UHE São José, distribuídos por estação amostral e freqüência relativa. Legenda: EA = estação amostral; Freq. = freqüência relativa. FAMÍLIA / Tribo Espécie EA1 EA2 EA3 EA4 Total Freq. Sub-família CULICIDAE Culicinae Culicini Aedini Culex sp.1 22 56 04 - 82 0,424 Culex sp. 2 - 11 - - 11 0,056 Aedes sp.1 03 - - - 03 0,015 Haemagogus leucocelaenus * 10 - - - 10 0,051 Psorophora saeva 15 23 - - 38 0,196 Psorophora cilipes - 10 - - 10 0,051 Psorophora cingulata* 04 04 0,020 Psorophora ciliata 10 10 0,051 02 0,010 Psorophora sp.1 Mansoniini Sabethini Anophelinae Total Mansonia sp. 1* 02 - 02 02 - 04 0,020 01 02 - - 03 0,015 Anopheles (Nyssorhynchus) sp.1 - 11 - 01 12 0,062 Anopheles (Nyssorhynchus) sp. 2 - 04 - - 04 0,020 51 133 08 01 193 Limatus sp. 1 * Espécies que foram registros novos em relação às campanhas anteriores. A amostragem com a técnica de arrasto não obteve resultados. Nessa campanha foram coletados, pela primeira vez, indivíduos na EA3 e esse fato, provavelmente, está relacionado ao aumento da temperatura no período da campanha. Ocorreram três novos registros pertencentes aos gêneros Haemagogus, Mansonia e Psorophora. A sub-família Toxorhynchitinae e as espécies Psorophora sp. 2, Anopheles 16 argyritarsis, Anopheles lanei e Sabethes sp.1 não foram registradas na presente campanha. A maior freqüência relativa coube ao gênero Culex (0,424), seguido pelo gênero Psorophora (0,196). Dentre os espécimes registrados destacam-se como de interesse epidemiológico os mosquitos pertencentes aos gêneros Culex, Aedes e Haemagogus, que apresentam relação com a transmissão da febre amarela e da dengue no Brasil. O estado do Rio Grande do Sul foi classificado pelo Ministério da Saúde como área de transição da febre amarela, após VASCONCELOS et al. (2003) isolarem o vírus amarelítico em exemplares de Haemagogus leucocelaenus. CARDOSO et al. (2005) relacionam para a região das Missões, área que inclui o município de Cerro Largo, a ocorrência de Haemagogus leucocelaenus, também coletado nessa campanha. Deve ser dada importância a esta ocorrência, pois desde 2001, devido a epizootias em macacos na região noroeste do Estado, causada pelo vírus da febre amarela, e o encontro de Haemagogus leucocelaenus com o vírus amarílico em Santo Antônio das Missões (GOMES et al, 2007), foi definida no Estado uma região de risco para a doença que abrange 52 municípios, próximos a Cerro Largo. Os mosquitos do gênero Aedes são potenciais vetores da filariose e arboviroses. Dentre as espécies desse gênero destaca-se Aedes albopictus e Aedes aegypti, agentes da febre amarela e da dengue. Em Cerro Largo há a presença tanto de Aedes albopictus quanto de Aedes aegypti (CARDOSO et al., 2005) sendo considerado infestado por Aedes aegypti, segundo a Secretaria de Saúde do Estado. O gênero Culex possui importância epidemiológica também por ser relacionado à transmissão da filariose e diversas arboviroses. A identificação das espécies do gênero Culex é dificultada pela falta de chaves de identificação confiáveis. Entretanto, CARDOSO et al. (2005) relacionam a ocorrência para a região das Missões de Culex quinquefasciatus e Culex ribeirensis. Desses, somente Culex quinquefasciatus possui importância epidemiológica por ser o vetor primário e principal da filariose bancroftiana no Brasil, e por arboviroses no meio rural e urbano (CONSOLI & LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1998). As espécies pertencentes ao gênero Psorophora não apresentam grande importância em relação à transmissão de patógenos (CONSOLI & LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1998), como é o caso Psorophora cilipes, Psorophora cingulata e Psorophora ciliata, coletadas 17 na presente campanha. Porém, algumas têm relação com a veiculação de arbovírus, como Psorophora ferox, que ocorre na região das Missões (CARDOSO et al., 2005). Para o gênero Anopheles, apesar dos indivíduos amostrados pertencerem ao subgênero Nyssorhynchus, ao qual estão incluídas as espécies relacionadas com a transmissão da malária no Brasil, é registrada na região a presença somente de espécies consideradas vetores secundários, como Anopheles argytarsis, amostrado na primeira campanha, Anopheles albitarsis e Anopheles strodei (CARDOSO et al., 2004). O gênero Limatus, apesar de já ter sido encontrado portando vírus no Brasil, possui uma importância epidemiológica mais restrita do que outros gêneros da tribo Sabethini. As espécies de Mansonia não são vetores de doenças endêmicas no Brasil (CONSOLI & LOURENÇO-DE-OLIVEIRA, 1998). 4.2 Anfíbios Ao longo das amostragens foram registradas 15 espécies de anfíbios anuros, pertencentes a seis diferentes famílias (Tabela 8): Dendropsophus minutus, Dendropsophus sanborni, Hypsiboas faber, Hypsiboas pulchellus, Scinax cf. berthae, Scinax granulatus e Scinax fuscovarius (Figura 4), da família Hylidae; Leptodactylus fuscus, Leptodactylus mystacinus e Leptodactylus ocellatus, da família Leptodactylidae; Physalaemus cuvieri e Pseudopaludicola falcipes, da família Leiuperidae; Odontophrynus americanus, da família Cycloramphidae; Rhinella icterica, da família Bufonidae e Elachistocleis bicolor, da família Microhylidae. Tabela 8. Espécies de anfíbios registradas durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre (primavera/2008) na área de influência da UHE São José. Legenda: VES = levantamento por encontros visuais; AST = transecções auditivas; RO = registros ocasionais. ORDEM / FAMÍLIA / Espécie Nome popular Método de registro ANURA HYLIDAE Dendropsophus minutus perereca-guria AST (13) Dendropsophus sanborni perereca AST (27) Hypsiboas faber sapo-ferreiro AST (6); VES (1) Hypsiboas pulchellus perereca-do-banhado AST (2); VES (1) Scinax cf. berthae perereca VES (1) Scinax granulatus perereca-de-banheiro AST (13 ; VES (2) Scinax fuscovarius perereca-de-banheiro AST (9); VES (3) Leptodactylus fuscus rã-assobiadora AST (33); VES (3) Leptodactylus mystacinus rã-de-bigodes AST (2); VES (1) LEPTODACTYLIDAE 18 ORDEM / FAMÍLIA / Espécie Leptodactylus ocellatus Nome popular rã-crioula Método de registro AST (6) ; VES (1) LEIUPERIDAE Physalaemus cuvieri rã-cachorro AST (15) Pseudopaludicola falcipes rã AST (6) CYCLORAMPHIDAE Odontophrynus americanus sapinho-da-enchente RO BUFONIDAE Rhinella icterica sapo-cururu VES (3) sapinho-guarda VES (2) MICROHYLIDAE Elachistocleis bicolor Figura 4. Perereca-de-banheiro (Scinax fuscovarius) registrada durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre, realizada na área de influência da UHE São José. Considerando-se os cinco dias de amostragem, a curva de acumulação de espécies não apresentou tendência à estabilização (Figura 5). Dos três métodos utilizados, apenas um (RO) não obteve novos registros após o primeiro dia. Os outros dois métodos (VES e AST), ao contrário, apresentaram novos registros em praticamente todos os dias de amostragem, desestabilizando a curva de acúmulo de espécies geral. 19 Número de espécies registradas 18 15 12 9 6 3 0 29/11/2008 30/11/2008 1/12/2008 2/12/2008 3/12/2008 Dias VES AST RO GERAL Figura 5. Curvas de acúmulo de espécies de anfíbios (geral e por método) calculadas a partir dos dados obtidos durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre (primavera/2008) na área de influência da UHE São José. Legenda: AST = método das transecções auditivas; VES = levantamento por encontros visuais; RO = registros ocasionais. Das metodologias de amostragem utilizadas, a que apresentou maior eficiência de registros foi o método das transecções auditivas (AST), que possibilitou o registro de 11 espécies (sendo quatro exclusivamente dessa forma) e 131 encontros. Após, aparece o levantamento por encontros visuais (VES), que permitiu o registro de dez espécies (sendo três exclusivamente através desse método) e 18 encontros. Por fim, registros ocasionais (RO) permitiram o registro de apenas uma espécie (exclusiva através desse método), que se encontrava em atividade de vocalização fora dos pontos de amostragem. A espécie com o maior número de registros durante a presente amostragem foi a rãassobiadora (Leptodactylus fuscus), com 36 encontros (33 por AST e três por VES). Trata-se de uma espécie relativamente comum, que costuma ser abundante nos locais em que ocorre. Em segundo lugar aparece a perereca (Dendropsophus sanborni), com 27 encontros, todos através de AST. Essa também é uma espécie bastante comum e abundante no Rio Grande do Sul. Ao contrário do observado durante a primeira campanha de monitoramento, realizada em maio de 2008, na presente amostragem foram encontrados poucos indivíduos de anfíbio em repouso, escondidos embaixo de troncos e outros materiais espalhados pelo chão. Como o presente estudo foi realizado durante o período reprodutivo da grande maioria 20 das espécies, é possível que durante o dia os animais se encontrassem escondidos próximos aos corpos d’água, locais em que acontece a atividade reprodutiva. Além disso, devido às maiores temperaturas ocorrentes durante o período diurno, na época do ano em que esta amostragem foi conduzida os animais normalmente não ficam tão expostos, uma vez que acabam procurando locais com menor incidência solar, o que torna seu encontro mais difícil. Até o momento, considerando-se as três campanhas de monitoramento já realizadas na área de influência da UHE São José, foram registradas 19 espécies de anfíbios, sendo 18 de anuros e uma de cecília. Assim, durante a presente amostragem foram registradas cerca de 80% das espécies confirmadas para a área. Nas outras duas campanhas anteriores, realizadas durante o outono e o inverno, foram registradas cerca de 60% e 90% das espécies, respectivamente. Curiosamente, a campanha de inverno foi a que apresentou a maior riqueza de espécies, fato menos comum de ser observado. No entanto, as condições meteorológicas ocorrentes durante os períodos de amostragem podem ter influenciado nesse resultado, uma vez que a campanha de inverno foi realizada em uma semana com temperaturas relativamente altas para o período em questão e com grandes quantidades de chuva. Por outro lado, durante a presente amostragem, realizada durante a primavera (quando se esperaria obter mais registros do que durante o inverno), não ocorreram chuvas e os levantamentos por encontros visuais não foram tão efetivos devido às altas temperaturas ocorrentes durante o período diurno. 4.3 Répteis Na terceira campanha de monitoramento de répteis na área de infuência da UHE São José foram registradas 11 espécies de escamados (Tabela 9), quais sejam: uma cobracega (Amphisbaena sp.), três espécies de lagartos (Teius oculatus, Figura 6, Tupinambis merianae e Mabuya frenata) e sete espécies de serpentes (Atractus sp., Figura 7, Chironius bicarinatus, Liophis cf. poecilogyrus, Figura 8, Liophis semiaureus, uma espécie não identificada, provavelmente Philodryas patagoniensis, Bothrops pubescens e Bothrops diporus). Tabela 9. Espécies de répteis registradas durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre (primavera/2008) na área de influência da UHE São José. Legenda: PA = procura ativa; EO = encontro ocasional. Tipo de registro (nº de Pontos de ORDEM / FAMÍLIA / ESPÉCIE Nome popular indivíduos) amostragem por PA 21 ORDEM / FAMÍLIA / ESPÉCIE Nome popular Tipo de registro (nº de Pontos de indivíduos) amostragem por PA REPTILIA AMPHISBAENIDAE Amphisbaena sp. cobra-cega PA (5) T1, T3, T9 lagartixa-verde PA (3) EO (1) T1 TEIIDAE Teius oculatus lagarto-do-papo- Tupinambis merianae T1, T2, T5 amarelo PA (4) EO (1) scinco-cinzento PA (2) T6 Atractus sp. cobra-da-terra PA (1) T5 Chironius bicarinatus cobra-cipó PA (1) T9 SCINCIDAE Mabuya frenata COLUBRIDAE cobra-verde-do- Liophis cf. poecilogyrus capim T6 PA (1) Liophis semiaureus cobra-d’água-marrom PA (1) T3 Philodryas patagoniensis* papa-pinto PA (1) T2 Bothrops pubescens jararaca-pintada PA (1) T1 Bothrops diporus jararaca-pintada PA (2) T6 VIPERIDAE * Provável identificação. Figura 6. Lagartixa-verde (Teius oculatus) registrada durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre, realizada na área de influência da UHE São José. 22 Figura 7. Cobra-da-terra (Atractus sp.) registrada durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre, realizada na área de influência da UHE São José. Figura 8. Cobra-verde-do-capim (Liophis cf. poecilogyrus) registrada durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre, realizada na área de influência da UHE São José. Através do método de PA foram registradas 11 espécies de escamados, sendo o scincocinzento (Mabuya frenata) e as serpentes Chironius bicarinatus, Liophis semiaureus e Bothrops pubescens, amostrados pela primeira vez durante as campanhas de monitoramento. Incrementos na riqueza de espécies são relativamente comuns quando 23 novos hábitas são amostrados (SANTOS, 2004), o que vem ocorrendo na área de estudo através das amostragens em novos pontos em substitiuição a outros. O lagarto scinco-cinzento (Mabuya frenata, Figura 9) tem distribuição na Bolívia amazônica até o nordeste da Argentina, passando pelo Mato Grosso e Paraguai. Existem poucos exemplares em coleções científicas provindos do Rio Grande do Sul, os quais foram coletados no município de São Borja (LEMA, 1994). Na área de estudo foram encontrados dois indivíduos no T6, em local de afloramento rochoso. Um dos espécimes era uma fêmea prenha, indicando o período reprodutivo da espécie na área. Nada se sabe acerca da história natural dessa espécie. Figura 9. Scinco-cinzento (Mabuya frenata) registrado durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre realizada na área de influência da UHE São José. A cobra-cipó (Chironius bicarinatus) ocorre do Brasil oriental para o Planalto Médio Brasileiro ao Paraguai, nordeste da Argentina e noroeste do Uruguai, sendo comum em ambientes florestados (LEMA, 1994). A espécie foi amostrada na área do estudo através de uma ecdise no T9. É provável a existência de outras espécies do gênero Chironius na área, mas a identificação foi possível através da contagem de escamas dorsais da ecdise. A cobra-d’água-marrom (Liophis semiaureus, Figura 10) ocorre do Paraguai meridional para o nordeste da Argentina e nos pampas do Rio Grande do Sul e Uruguai (LEMA, 1994; GIRAUDO et al., 2006). Em um trabalho recente, BONFIGLIO (2007) descreveu um ciclo reprodutivo sazonal e uma dieta exclusivamente de peixes e anfíbios. Foi encontrado um indivíduo juvenil ativo atravessando um corpo d’água no T3. 24 Figura 10. Cobra-d’água-marrom (Liophis semiaureus) registrada durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre realizada na área de influência da UHE São José. A jararaca-pintada (Bothrops pubescens, Figura 11) ocorre no Uruguai e no estado do Rio Grande do Sul, no Brasil (SILVA & RODRIGUES, 2008). É uma serpente pequena (em média 60 centímetros de comprimento), responsável por um grande número de acidentes ofídicos no Estado. Sua dieta varia ontogenéticamente, sendo que filhotes e juvenis alimentam-se com mais freqüência de presas ectotérmicas (centopéias, anfíbios e lagartos), e adultos, de presas endotérmicas (roedores e aves) (HARTMANN et al., 2005). SILVA & RODRIGUES (2008) revisaram o complexo Bothrops neuwiedi elevando cinco subespécies ao nível específico, entre as quais Bothrops diporus e Bothrops pubescens são citadas para área de influência da UHE São José. A sobreposição de hábitat entre estas duas espécies pode gerar híbridos dificultando a identificação, os quais são representados por Bothrops sp. 25 Figura 12. Jararaca-pintada (Bothrops pubescens) registrada durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre, realizada na área de influência da UHE São José. Com base no esforço de captura despendido e no número total de exemplares encontrados pelo método de PA, obteve-se uma taxa de captura de 0,26 escamado/horahomem ou, aproximadamente, um escamado a cada quatro horas de procura ativa. Ao contrário das campanhas anteriores (outono e inverno de 2008), lagartos foram o grupo de maior representatividade, correspondendo a uma taxa de captura de 0,11 lagarto/horahomem ou, aproximadamente, um lagarto a cada nove horas de procura ativa. A taxa de captura de serpentes foi de 0,09 serpente/hora-homem ou, aproximadamente, uma serpente a cada dez horas de procura ativa, superior àquelas observadas nas campanhas de outono e inverno. O sul do Brasil está sob forte influência do clima temperado mesotérmico, apresentando quatro estações bem definidas com temperaturas médias altas no verão e consideravelmente baixas no inverno, de maneira a influenciar o padrão de atividade sazonal das espécies de escamados (BALESTRIN, 2008), o que poderia explicar as diferentes taxas de capturas observadas nesta campanha em comparação com as anteriores. Das três espécies de lagartos registradas até o momento, duas (Tupinambis merianae e Teius oculatus) apresentam comportamento de hibernação (WINCK & CECHIN, 2008; CAPPELLARI, 2005), estando inativas e abrigadas em locais geralmente inacessíveis ao método de PA nos meses mais frios do ano, tornando-se mais acessíveis aos métodos de coleta ao emergirem na primavera. Apesar de não existirem padrões de hibernação documentados para as espécies de serpentes no sul do Brasil, diversos estudos já demonstraram que variações sazonais de atividade, provavelmente, 26 estão relacionadas às alterações de temperatura ao longo das estações do ano (LILLYWHITE, 1987; DI-BERNARDO et al., 2007; BALESTRIN, 2008). No entanto, vale destacar que escamados parecem ter sua atividade diária condicionada a faixas de temperatura bem específicas, como demonstrado, por exemplo, por MACIEL et al. (2005) para Liophis cf. poecilogyrus no litoral norte do Rio Grande do Sul. Nesse estudo, os autores observaram que o padrão de atividade diária de Liophis cf. poecilogyrus variou ao longo do ano entre unimodal (meses mais frios) e bimodal (meses mais quentes), se adaptando a uma faixa de temperatura bem específica, entre 23ºC a 28ºC. Assim como temperaturas baixas, o calor excessivo também poderia favorecer modificações no padrão de atividade e hábitat para algumas espécies no sul do Brasil (BALESTRIN, 2008). Dessa forma, as altas temperaturas do verão poderiam comprometer o encontro de algumas espécies, não sendo anormal obter taxas de captura menores do que aquelas observadas nessa campanha. Através do método de EO foram observadas apenas duas espécies de lagartos (Tupinambis merianae e Teius oculatus). Como já mencionado, nesse período do ano lagartos tornam-se de fácil visualização por ocasião da maior atividade. Nenhuma espécie foi capturada pelo método de ARMA. Até o momento, do total de animais registrados na primeira, segunda e terceira campanhas de monitoramento e durante o resgate de fauna realizado na UHE São José, foram amostradas: duas espécies de cobra-cega, duas espécies de lagartos teídeos, uma espécie de lagarto scincideo, 13 espécies de serpentes colubrídeos, quatro espécies de viperídeos e uma de elapídeo (Tabela 11). Todas elas apresentam relativa tolerância a alterações do meio ambiente, podendo ser direta ou indiretamente beneficiadas com o enchimento do reservatório, em especial as espécies batracóforas (STRÜSSMAM, 2000). Das espécies registradas, todas são comuns na região do empreendimento, com exceção do lagarto Mabuya frentada, das serpentes Bothrops alternatus e do gênero Chironius. Tabela 11. Espécies de répteis registradas na área de influência da UHE São José, somando os dados das três campanhas de monitoramento (outono, inverno e primavera de 2008) e os resgates de fauna realizados até o momento (junho a setembro de 2008). Legenda: C1 = primeira campanha de monitoramento de fauna terrestre; C2 = segunda campanha de monitoramento de fauna terrestre; C3 = terceria campanha de monitoramento de fauna terrestre; R = resgates de fauna. ORDEM / FAMÍLIA / Espécie Nome popular Tipo de registro (nº de indivíduos) REPTILIA AMPHISBAENIDAE Amphisbaena darwini cobra-cega C1 (3), C2 (2) Amphisbaena sp. cobra-cega C3 (5) TEIIDAE 27 ORDEM / FAMÍLIA / Espécie Nome popular Tipo de registro (nº de indivíduos) Teius oculatus lagartixa-verde C2 (1), C3 (4) Tupinambis merianae lagarto-do-papo-amarelo C1 (2), C3 (5) scinco-cinzento C3 (2) Atractus sp. cobra-da-terra C1 (4), R (5), C3 (1) Chironius bicarinatus cobra-cipó C3 (1) Chironius sp. cobra-cipó R (1) Helicops sp. cobra-da-água C2 (1) Liophis cf. poecilogyrus cobra-verde-do-capim C2 (5), C3 (1) Liophis semiaureus cobra-d’água-marrom C3 (1) Mastigodryas bifossatus jararaca-do-banhado R (1) Oxyrhopus rhombifer falsa-coral C2 (1), R (2) Philodryas olfersii cobra-cipó C1 (2), C2 (1), R (2) Philodryas patagoniensis papa-pinto C2 (1) C3 (1) Sibynomorphus ventrimaculatus dormideira C1 (1) Thamnodynastes cf. strigatus corredeira R (2) Tomodom dorsatus cobra-espada R (2) cobra-coral R (1) Bothrops alternatus cruzeira R (2) Bothrops diporus jararaca R (2), C3 (2) SCINCIDAE Mabuya frenata COLUBRIDAE ELAPIDAE Micrurus altirostris VIPERIDAE Bothrops sp. jararaca R (5) Bothrops pubescens jararaca-pintada C3(1) 4.4 Aves Nas amostragens da terceira campanha de monitoramento da avifauna na área de influência da UHE São José foram registradas 121 espécies de aves (Tabela 12). Dessas, 21 espécies não foram registradas nas campanhas anteriores de monitoramento, sendo que duas delas também não haviam sido registradas durante as amostragens para a elaboração do EIA/RIMA (GEOLINKS, 2005) – considerando apenas as espécies registradas nos pontos 1 a 4. São elas: o maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes) e o caneleirinho (Pachyramphus castaneus). Com o acréscimo dessas espécies a riqueza total registrada na área de influência da UHE São José totaliza 207 espécies de aves. Tabela 12. Espécies de aves registradas na terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre (primavera/2008) na área de influência da UHE São José. A nomenclatura segue CBRO (2007). Legenda: MA = mata em área de alague; MN = mata fora da área de alague; CA = campo em área de alague; CN = campo fora da área de alague; SV = sobrevoante; N = espécies ainda não registradas na área de influência da UHE São José; (+) = espécies não registradas durante as campanhas anteriores de monitoramento. 28 FAMÍLIA / Espécie Nome popular MA CA MN CN SV TINAMIDAE Crypturellus tataupa inambuxintã Nothura maculosa perdiz ou codorna X X Dendrocygna viduata (+) marreca-piadeira ou irerê X Amazonetta brasiliensis marreca-pé-vermelho X X ANATIDAE X X CRACIDAE Penelope obscura jacuaçu X PODICIPEDIDAE Tachybaptus dominicus mergulhão-pequeno X PHALACROCORACIDAE Phalacrocorax brasilianus biguá X Nycticorax nycticorax (+) savacu X Butorides striata (+) socozinho X Bubulcus ibis garça-vaqueira X Ardea alba (+) garça-branca-grande X Syrigma sibilatrix maria-faceira X X ARDEIDAE X X THRESKIORNITHIDAE Plegadis chihi maçarico-preto X Phimosus infuscatus maçarico-de-cara-pelada X X X CATHARTIDAE Cathartes aura urubu-de-cabeça-vermelha X Coragyps atratus urubu-de-cabeça-preta X Ictinia plumbea (+) sovi X Rupornis magnirostris gavião-carijó X X ACCIPITRIDAE FALCONIDAE Caracara plancus caracará X Falco sparverius quiriquiri X RALLIDAE Aramides saracura saracura-do-brejo Gallinula chloropus galinhola X X X CHARADRIIDAE Vanellus chilensis quero-quero X X X X SCOLOPACIDAE Gallinago paraguaiae narceja X Tringa flavipes (N)(+) maçarico-de-perna-amarela X JACANIDAE Jacana jacana jaçanã X X X 29 FAMÍLIA / Espécie Nome popular MA CA MN CN SV COLUMBIDAE Columbina talpacoti rolinha-roxa Columbina squammata fogo-apagou Columbina picui rolinha-picuí Patagioenas picazuro asa-branca ou pombão Zenaida auriculata pomba-de-bando Leptotila verreauxi juriti-pupu X X X X X X X X X X X X X X X X PSITTACIDAE Myiopsitta monachus caturrita Pionus maximiliani maitaca-bronzeada X X X CUCULIDAE Coccyzus melacoryphus (+) papa-lagarta-verdadeiro X Crotophaga ani anu-preto X Guira guira anu-branco X X X X X X TYTONIDAE Tyto alba coruja-de-igreja X STRIGIDAE Megascops choliba corujinha-do-mato Athene cunicularia coruja-do-campo X X X NYCTIBIIDAE Nyctibius griseus (+) urutau X CAPRIMULGIDAE Podager nacunda corucão Nyctidromus albicollis bacurau Hydropsalis torquata bacurau-tesoura X X X APODIDAE Chaetura meridionalis andorinhão-do-temporal X TROGONIDAE Trogon surrucura surucuá-variado X X ALCEDINIDAE Megaceryle torquata martim-pescador-grande X BUCCONIDAE Nystalus chacuru joão-bobo X PICIDAE Veniliornis spilogaster picapauzinho-verde-carijó X Colaptes melanochloros pica-pau-verde-barrado X Colaptes campestris pica-pau-do-campo Dryocopus lineatus pica-pau-de-banda-branca X choca-da-mata X X X THAMNOPHILIDAE Thamnophilus caerulescens X 30 FAMÍLIA / Espécie Dysithamnus mentalis Nome popular MA CA MN CN SV choquinha-lisa X X tovaca-campainha X arapaçu-verde X Furnarius rufus joão-de-barro X Synallaxis ruficapilla pichororé X Certhiaxis cinnamomeus curutié Anumbius annumbi cochicho Syndactyla rufosuperciliata trepador-quiete X Leptopogon amaurocephalus cabeçudo X Poecilotriccus plumbeiceps tororó Elaenia flavogaster guaracava-de-barriga-amarela Elaenia parvirostris (+) guaracava-de-bico-curto Camptostoma obsoletum risadinha X Tolmomyias sulphurescens bico-chato-de-orelha-preta X Lathrotriccus euleri enferrujado X Satrapa icterophrys suiriri-pequeno X Machetornis rixosa suiriri-cavaleiro X Pitangus sulphuratus bem-te-vi X Myiodynastes maculatus (+) bem-te-vi-rajado X X Megarynchus pitangua (+) neinei X X Empidonomus varius (+) peitica X X Tyrannus melancholicus (+) suiriri X X X X Tyrannus savana (+) tesourinha X X X X Myiarchus swainsoni (+) irré X X X dançador X FORMICARIIDAE Chamaeza campanisona DENDROCOLAPTIDAE Sittasomus griseicapillus X FURNARIIDAE X X X X X X TYRANNIDAE X X X X X X X X X X PIPRIDAE Chiroxiphia caudata X TITYRIDAE Tityra inquisitor (+) anambé-branco-de-bochecha-parda X Pachyramphus castaneus (N) (+) caneleirinho X Pachyramphus polychopterus (+) caneleirinho-preto X X Cyclarhis gujanensis gente-de-fora-vem X X Vireo olivaceus (+) juruviara X gralha-picaça X VIREONIDAE CORVIDAE Cyanocorax chrysops HIRUNDINIDAE 31 FAMÍLIA / Espécie Nome popular MA CA MN CN SV Progne tapera andorinha-do-campo X X Pygochelidon cyanoleuca (+) andorinha-pequena-de-casa X X corruíra X balança-rabo-de-máscara X TROGLODYTIDAE Troglodytes musculus X X POLIOPTILIDAE Polioptila dumicola X TURDIDAE Turdus rufiventris sabiá-laranjeira X X X Turdus leucomelas sabiá-barranco X X X X Turdus amaurochalinus sabiá-poca X X X X MIMIDAE Mimus saturninus sabiá-do-campo X X caminheiro-zumbidor X X MOTACILLIDAE Anthus lutescens THRAUPIDAE Nemosia pileata saíra-de-chapéu-preto X Trichothraupis melanops tiê-de-topete X Tachyphonus coronatus tiê-preto X Thraupis sayaca sanhaçu-cinzento X Conirostrum speciosum figuinha-de-rabo-castanho X X X X X X X EMBERIZIDAE Zonotrichia capensis tico-tico Ammodramus humeralis tico-tico-do-campo X Poospiza nigrorufa quem-te-vestiu X Sicalis flaveola canário-da-terra-verdadeiro Emberizoides herbicola (+) canário-do-campo Embernagra platensis sabiá-do-banhado Volatinia jacarina tiziu Sporophila caerulescens coleirinho Coryphospingus cucullatus tico-tico-rei Paroaria coronata cardeal X X X X X X X X X X X X X CARDINALIDAE Saltator similis trinca-ferro-verdadeiro X X Cyanocompsa brissonii azulão-verdadeiro X Parula pitiayumi mariquita X Geothlypis aequinoctialis pia-cobra X Basileuterus culicivorus pula-pula X X Basileuterus leucoblepharus pula-pula-assobiador X X X PARULIDAE X X ICTERIDAE 32 FAMÍLIA / Espécie Nome popular MA CA MN CN SV Cacicus chrysopterus tecelão X Pseudoleistes guirahuro chopim-do-brejo Agelaioides badius asa-de-telha Molothrus bonariensis vira-bosta X X Sturnella superciliaris polícia-inglesa X X X X X X X FRINGILLIDAE Euphonia chlorotica fim-fim X PASSERIDAE Passer domesticus pardal Total de espécies: 121 X 47 55 60 53 5 O maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes) é uma espécie visitante vindo da América do Norte que não nidifica no Estado. É encontrado em todos os meses do ano, embora os registros para o inverno sejam raros, tornando-se mais comum de setembro a março. A espécie ocorre ao longo de todo o litoral e em localidades dispersas no Planalto (BELTON, 1994). O caneleirinho (Pachyramphus castaneus) é encontrado em florestas no nordeste e norte do Estado e foi considerado em BELTON (1994) como muito escasso. Em trabalho realizado na localidade de Monte Alverne, município de Santa Cruz do Sul, área central do Estado, esta espécie foi registrada em florestas primárias e secundárias, sendo considerado comum (BENCKE, 1996). Entre as 21 espécies não registradas nas campanhas de monitoramento anteriores, 13 delas (62%) são residentes de primavera/verão, nidificando no Estado. Quanto ao hábitat utilizado por estas espécies, 11 delas ocupam ambientes florestais ou de borda, como o urutau (Nyctibius griseus, Figura 12). Apenas a tesourinha (Tyrannus savana, Figura 13) ocupa ambientes campestres e o socozinho (Butorides striata) representa os ambientes aquáticos. 33 Figura 12. Urutau (Nyctibius griseus) registrado durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre na área de influência da UHE São José. Figura 13. Tesourinha (Tyrannus savana) registrada durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre na área de influência da UHE São José. Outras sete espécies não registradas nas campanhas anteriores são consideradas residentes no Rio Grande do Sul (BENCKE, 2001). Três delas ocupam ambientes aquáticos, como a marreca-piadeira (Dendrocygna viduata, Figura 14), o que pode estar relacionada ao nível alto do rio Ijuí, ocasionando a formação de grandes áreas alagadas. Duas são de ambientes florestais, o caneleirinho (Pachyramphus castaneus) e o anambé- 34 branco-de-bochecha-parda (Tityra inquisitor, Figura 15). As outras duas espécies são a andorinha-pequena-de-casa (Notiochelidon cyanoleuca) e o canário-do-campo (Emberizoides herbicola), que ocupam os ambientes de borda e campo, respectivamente. Figura 14. Indivíduos de marreca-piadeira (Dendrocygna viduata) registrados durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre na área de influência da UHE São José. Figura 15. Anambé-branco-de-bochecha-parda (Tityra inquisitor) registrado durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre na área de influência da UHE São José. Assim como na campanha anterior (inverno/2008), destaca-se o registro da fogo-apagou (Columbina squammata), espécie de pomba que habita capoeiras, campos secos, áreas abertas com árvores, quintais e áreas recém-desmatadas (SICK, 1997; DE LA PENÃ & RUMBOLL, 1998). A saíra-de-chapéu-preto (Nemosia pileata) está listada entre as espécies com dados insuficientes no Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul 35 (BENCKE et al., 2003), sendo seus registros distribuídos em três localidades do extremo norte e noroeste do Estado (BENCKE et al., 2003). Um indivíduo foi registrado durante as contagens realizadas no ponto 26, localizado em área florestada que não será alagada com a formação do reservatório. Apenas uma espécie registrada encontra-se ameaçada de extinção no Rio Grande do Sul, trata-se do pica-pau-de-banda-braca (Dryocopus lineatus), enquadrado na categoria “vulnerável” (BENCKE et. al., 2003). Esta espécie foi registrada durante a primeira campanha do monitoramento em ambientes florestais, tanto localizados em áreas que serão alagadas quanto fora. O indivíduo registrado na presente campanha estava em áreas florestais que serão alagadas com a formação do reservatório. A curva de acúmulo de espécies registradas ao longo das amostragens não evidenciou uma tendência de estabilização (Figura 16). As contagens realizadas em 36 pontos de escuta indicaram a ocorrência de 78 espécies, gerando um total de 584 indivíduos contabilizados através dessa metodologia (Tabela 13). Figura 16. Curva de acúmulo das espécies de aves registradas durante a terceira campanha de monitoramento de fauna terrestre na área de influência da UHE São José. Tabela 13. Avifauna registrada nos pontos de contagem durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre (primavera/2008) na área de influência da UHE São José. A nomenclatura segue CBRO (2007). Legenda: MA = mata em área de alague; MN = mata fora da área de alague; CA = campo em área de alague; CN = campo fora da área de alague; IPA = índice pontual de abundância. IPA FAMÍLIA / Espécie Nome popular MA CA MN CN TINAMIDAE Nothura maculosa perdiz 0,125 0,143 ANATIDAE Dendrocygna viduata marreca-piadeira 0,125 0,286 Amazonetta brasiliensis marreca-pé-vermelho 0,250 36 FAMÍLIA / Espécie ARDEIDAE Bubulcus ibis Syrigma sibilatrix THRESKIORNITHIDAE Phimosus infuscatus CHARADRIIDAE Vanellus chilensis SCOLOPACIDAE Gallinago paraguaiae JACANIDAE Jacana jacana COLUMBIDAE Columbina talpacoti Columbina picui Patagioenas picazuro Zenaida auriculata Leptotila verreauxi PSITTACIDAE Myiopsitta monachus Pionus maximiliani CUCULIDAE Coccyzus melacoryphus Crotophaga ani Guira guira STRIGIDAE Athene cunicularia CAPRIMULGIDAE Podager nacunda TROGONIDAE Trogon surrucura ALCEDINIDAE Megaceryle torquata PICIDAE Veniliornis spilogaster Colaptes campestris THAMNOPHILIDAE Thamnophilus caerulescens Dysithamnus mentalis FORMICARIIDAE Chamaeza campanisona FURNARIIDAE Furnarius rufus Certhiaxis cinnamomeus Syndactyla rufosuperciliata TYRANNIDAE Leptopogon amaurocephalus Poecilotriccus plumbeiceps Elaenia flavogaster Camptostoma obsoletum Tolmomyias sulphurescens Lathrotriccus euleri Satrapa icterophrys Pitangus sulphuratus Myiodynastes maculatus Megarynchus pitangua Empidonomus varius Tyrannus melancholicus Tyrannus savana Myiarchus swainsoni PIPRIDAE Nome popular IPA MA CA MN CN garça-vaqueira maria-faceira 8,143 0,143 maçarico-de-cara-pelada 0,286 quero-quero 0,545 2,500 narceja 0,091 0,625 jaçanã 0,273 0,250 0,273 1,182 0,125 0,125 0,250 1,250 0,375 caturrita maitaca-bronzeada 0,545 1,750 papa-lagarta-verdadeiro anu-preto anu-branco 0,273 0,364 rolinha-roxa rolinha-picuí asa-branca ou pombão pomba-de-bando juriti-pupu 2,286 0,100 0,400 0,600 0,900 0,300 coruja-do-campo 0,500 0,375 0,375 0,571 0,100 0,375 corucão 0,571 surucuá-variado 0,091 martim-pescador-grande 0,091 picapauzinho-verde-carijó pica-pau-do-campo 0,200 0,300 0,250 choca-da-mata choquinha-lisa 0,182 0,182 tovaca-campainha 0,273 joão-de-barro curutié trepador-quiete 0,182 cabeçudo tororó guaracava-de-barriga-amarela risadinha bico-chato-de-orelha-preta enferrujado suiriri-pequeno bem-te-vi bem-te-vi-rajado neinei peitica suiriri tesourinha irré 0,429 0,286 0,286 2,000 0,143 0,300 0,750 0,250 0,100 1,143 0,200 0,100 0,200 0,091 0,125 0,091 0,091 0,273 0,545 0,091 0,364 0,455 0,091 0,300 0,250 1,125 0,250 0,125 0,625 0,250 1,000 0,200 0,571 0,500 0,200 0,400 0,286 0,857 37 FAMÍLIA / Espécie Chiroxiphia caudata TITYRIDAE Tityra inquisitor Pachyramphus castaneus Pachyramphus polychopterus VIREONIDAE Cyclarhis gujanensis CORVIDAE Cyanocorax chrysops TROGLODYTIDAE Troglodytes musculus POLIOPTILIDAE Polioptila dumicola TURDIDAE Turdus rufiventris Turdus leucomelas Turdus amaurochalinus MIMIDAE Mimus saturninus MOTACILLIDAE Anthus lutescens THRAUPIDAE Nemosia pileata Tachyphonus coronatus Thraupis sayaca EMBERIZIDAE Zonotrichia capensis Ammodramus humeralis Sicalis flaveola Embernagra platensis Volatinia jacarina Sporophila caerulescens Coryphospingus cucullatus Paroaria coronata CARDINALIDAE Saltator similis PARULIDAE Parula pitiayumi Geothlypis aequinoctialis Basileuterus culicivorus Basileuterus leucoblepharus ICTERIDAE Agelaioides badius Molothrus bonariensis Sturnella superciliaris FRINGILLIDAE Euphonia chlorotica Total de espécies: 78 Nome popular dançador anambé-branco-de-bochechaparda caneleirinho caneleirinho-preto gente-de-fora-vem IPA MA 0,182 CA CN 0,400 0,182 0,100 0,091 0,100 gralha-picaça 0,300 corruíra 0,375 balança-rabo-de-máscara 0,125 sabiá-laranjeira sabiá-barranco sabiá-poca MN 0,100 0,091 0,273 0,273 0,125 0,125 0,125 0,300 0,100 0,600 0,714 0,143 0,143 sabiá-do-campo 0,625 1,000 caminheiro-zumbidor 0,625 0,286 saíra-de-chapéu-preto tiê-preto sanhaçu-cinzento tico-tico tico-tico-do-campo canário-da-terra-verdadeiro sabiá-do-banhado tiziu coleirinho tico-tico-rei cardeal 0,100 0,273 0,636 0,091 0,375 0,400 0,125 0,100 1,625 0,250 0,300 0,125 0,250 0,125 0,857 0,429 1,571 0,100 0,200 0,200 trinca-ferro-verdadeiro 0,727 0,400 mariquita pia-cobra pula-pula pula-pula-assobiador 0,545 0,091 0,273 0,273 0,600 asa-de-telha vira-bosta polícia-inglesa 0,545 0,750 0,250 0,375 38 42 0,143 0,300 0,200 fim-fim 0,400 0,600 41 0,571 0,286 28 Considerando todos os pontos amostrados, as espécies que tiveram maiores índices de abundância foram a garça-vaqueira (Bubulcus ibis, Figura 17) – IPA = 1,583 ind./ponto, Figura 6, o quero-quero (Vanellus chilensis) – IPA = 1,167 ind./ponto e a pomba-de-bando (Zenaida auriculata) – IPA = 0,883 ind./ponto. A garça-vaqueira (Bubulcus ibis) foi apenas 38 registrada em um ponto (57 indivíduos), em área utilizada para pastoreio de gado bovino, e sua abundância pode ser reflexo de seu comportamento gregário. Figura 17. Garça-vaqueira (Bubulcus ibis), espécie de ave mais abundante durante a terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre na área de influência da UHE São José. Observando a Figura 18, a segunda campanha de monitoramento apresentou um aumento na riqueza de espécies em relação à primeira em todas as áreas, exceto na fitofisionomia campestre. Com os dados obtidos na presente campanha evidencia-se uma diminuição da riqueza em relação à segunda campanha nos ambientes florestais, e um aumento nas áreas campestres. Esse fato pode ser relacionado às alterações que estão ocorrendo nas áreas florestais que estão em fase de desmatamento (Figura 19), sendo provável que estas perturbações estejam afetando também a avifauna nas áreas florestais localizadas em áreas fora da área de alague. 39 Figura 18. Riqueza de espécies registrada nos pontos de contagem nas três primeiras campanhas de monitoramento da avifauna na área de influência da UHE São José. Legenda: MA = mata em área de alague; MN = mata fora da área de alague; CA = campo em área de alague; CN = campo fora da área de alague. Figura 19. Vista parcial da situação atual da área desmatada para formação do reservatório da UHE São José. Comparando o índice de abundância gerado para cada área amostrada, as maiores alterações evidenciadas entre a segunda campanha e a terceira são apresentadas nas áreas de alague (florestais e campestres) (Figura 20). A diminuição apresentada em CN 40 na segunda campanha é resultado da diminuição de apenas uma espécie (Zenaida auriculata). Figura 20. Índices de abundância registrados para as diferentes áreas amostradas nas campanhas de monitoramento da avifauna na área de influência da UHE São José. Legenda: IPA = índice pontual de abundância; MA = mata em área de alague; MN = mata fora da área de alague; CA = campo em área de alague; CN = campo fora da área de alague. Em áreas campestres destinadas ao alague nota-se uma constante diminuição no índice de abundância, no entanto, é importante salientar que esta área encontrava-se alterada na presente campanha devido à inundação gerada pelas chuvas intensas ocorridas na região em dias anteriores a realização da amostragem. Quatro pontos localizados em área florestal destinada a inundação para formação do reservatório encontravam-se desmatados (P1; P2; P3; P10) (Figura 19), ainda assim o índice de abundância apresentou um aumento em comparação com a segunda campanha. Essa elevação no índice de abundância pode estar relacionada ao fato de que espécies que utilizam outros ambientes (e.g. campo, aquático) estão agora utilizando áreas outrora florestais. 4.5 Mamíferos As amostragens realizadas indicaram a ocorrência de 23 espécies de mamíferos nãovoadores na área de influência da UHE São José (Tabela 13), das quais quatro delas estão incluídas nas categorias de ameaça à extinção ou deficiente em dados a nível regional (FONTANA et al., 2003). 41 Tabela 13. Espécies de mamíferos registradas na terceira campanha de monitoramento da fauna terrestre (primavera/2008) na área de influência da UHE São José. Legenda: RS = espécies ameaçadas de extinção no Rio Grande do Sul (FONTANA et al., 2003); BR = espécies ameaçadas de extinção no Brasil (MACHADO et al., 2005); EP = em perigo; VU = vulnerável; DD = deficiente em dados; NA = não ameaçada. Status de Conservação ORDEM / FAMÍLIA / Espécie Nome popular Tipo de registro DIDELPHIMORPHIA DIDELPHIDAE Didelphis albiventris CINGULATA DASYPODIDAE Dasypus novemcinctus PILOSA MYRMECOPHAGIDAE Tamandua tetradactyla RODENTIA SCIURIDAE Sciurus aestuans CRICETIDAE Akodon montensis Calomys laucha Oligoryzomys nigripes Oxymycterus nasutus MURIDAE Mus musculus* Rattus rattus* ECHIMYIDAE Kannabateomys amblyonyx ERETHIZONTIDAE Sphiggurus villosus CAVIIDAE Cavia aperea Hydrochoerus hydrochaeris CUNICULIDAE Cuniculus paca MYOCASTORIDAE Myocastor coypus LAGOMORPHA Lepus capensis* Sylvilagos brasiliensis CARNIVORA CANIDAE Cerdocyon thous Lycalopex gymnocercus MEPHITIDAE Conepatus chinga RS BR gambá-orelha-branca visual-rastro NA NA tatu-galinha visual-rastro NA NA tamanduá-mirim rastro VU NA serelepe marcas de predação NA NA rato-do-chão camundongo camundongo-do-mato rato-focinhudo captura-egagrópilo egagrópilo captura-egagrópilo captura NA NA NA NA NA NA NA NA camundongo rato-das-casas egagrópilo egagrópilo NA NA NA NA rato-da-taquara visual-vocal-ninho NA NA ouriço-cacheiro visual NA NA preá capivara visual-rastro rastro NA NA NA NA paca rastros EP NA ratão-do-banhado visual NA NA lebre tapiti visual-rastro visual NA DD NA NA graxaim-do-mato graxaim-do-campo rastro rastro NA NA NA NA zorrilho visual-rastro NA NA mão-pelada rastro NA NA PROCYONIDAE Procyon cancrivorus 42 Status de Conservação Nasua nasua * Espécie introduzida. quati visual VU NA Entre as espécies ameaçadas, o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla) apresenta registros atuais em todo Estado com exceção da região noroeste, onde é considerado provavelmente extinto por VILELLA et al. (2001), destacando a importância do presente registro (P3). Geralmente vive na proximidade da água, especialmente sobre as árvores em matas de galeria, no entanto, pode ser visto forrageando cupins e formigas com freqüência em áreas abertas. Entre as principais ameaças que colocam a espécie na categoria de “vulnerável” à extinção no Estado, estão a perda de hábitat decorrente da redução das áreas florestais e a transformação do solo através das queimadas e da agricultura, que podem eliminar sua principal fonte de alimentação (OLIVEIRA & VILELLA, 2003). A interação com cães domésticos, os atropelamentos e a caça sem justificativa são impactos históricos que também devem ser avaliados (OLIVEIRA & VILELLA, 2003; IHERING, 1893). A paca (Cuniculus paca) está relacionada a cursos d’água e teve sua presença confirmada através da localização de rastros isolados em uma formação arenosa próxima a uma vertente que deságua no rio Ijuí, no P2. A espécie apresenta numerosos relatos isolados de sua ocorrência para o Estado, no entanto é enquadrada na categoria “em perigo” de ameaça de extinção, não havendo informações quantitativas sobre sua situação populacional. A descaracterização do hábitat, combinada à caça predatória, representam as maiores ameaças sobre a espécie (CHRISTOFF, 2003). O tapiti (Sylvilagus brasiliensis) apresenta registros freqüentes apenas no Parque Estadual do Turvo, a nordeste da área de interesse, onde a população da espécie parece ser numerosa e estável. De modo geral, apresenta deficiência em dados referentes a sua distribuição geográfica em outras localidades do Estado (CHRISTOFF, 2003), fato que torna extremamente relevante o registro da espécie para a área de influência da UHE São José. Aparentemente trata-se de uma população residente, pois vários espécimes foram visualizados forrageando durante três noites consecutivas nos remanescentes florestais do clube “Caça e Pesca” (P1), as margens do rio Ijuí. A ocupação do local visando o lazer deixou a área livre da ação do gado e dos desmatamentos relacionado ao plantio intensivo, como ocorre nas demais áreas de entorno. Destaca-se a necessidade de atenção especial durante a fase de desmatamento e enchimento do reservatório, já que os remanescentes florestais em questão estão incluídos na área de corte. 43 Entre os carnívoros, o quati (Nasua nasua) teve presença constatada através da visualização de um indivíduo macho atropelado na rodovia de acesso ao município de Cerro Largo (coordenadas geográficas UTM 21J 728025/6887913), entre um remanescente florestal acerca de 8 quilômetros do rio Ijuí. Esta espécie florestal vive geralmente em grandes grupos que podem ser avistados durante o dia. O hábito dos machos velhos de se desgarrar e optar por uma vida solitária levaram alguns naturalistas do passado a descreverem o “quati-de-bando” e o “quatimundéu” como espécies distintas (INDRUSIAK & EISIRIK 2002). Com relação às espécies não ameaçadas, destacam-se as introduzidas, descritas abaixo: A lebre (Lepus capensis), segundo SILVA (1994), é a espécie cinegética que encontra plenas condições para manutenção de suas populações na área de interesse, competindo com demais pastadores autóctones. A espécie beneficia-se das grandes áreas cultivadas com aveia e soja, que utiliza como recurso alimentar, e das bordas de mata, onde encontram abrigo contra os moradores locais, únicos predadores em potencial. Os murídeos Mus musculus e Rattus rattus são roedores sinantrópicos que atualmente habitam de forma selvagem os agroecossistemas gaúchos. Beneficiando-se das ações humanas na área de interesse, estes roedores apresentam altas taxas de natalidade, de modo que uma explosão populacional pode resultar em conflitos com produtores de grãos, além de aumentar consideravelmente os riscos de transmissão de doenças. Estas espécies são transmissoras de sérias enfermidades através de seus ectoparasitos que atuam como vetores (peste bubônica, Tifus murinus) de seus excrementos e secreções (leptospiroses, teníase), da ingestão de material infectado (cólera, hepatite, tuberculose), além de ser reservatório de hantaviroses e Salmonella spp. (VILLAFAÑE et al., 2005). As freqüências de ocorrência de espécies detectadas através de indícios indiretos e visualizações, destacam o gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris), o serelepe (Sciurus aestuans) e a preá (Cavia aperea). Considerados freqüentes durante a presente amostragem (FO=66,67%), parecem ser os mamíferos que vem obtendo maior vantagem em relação às modificações no hábitat, conforme mostra a Tabela 14. No entanto, os poucos registros de espécies de hábitos semi-aquáticos em determinados pontos, bem como a ausência do furão (Galictis cuja), da lontra (Lontra longicaudis) e de pequenos felinos, detectados na campanha de inverno/2008, devem ser interpretadas com certa cautela, visto que as fortes chuvas que antecederam o período de amostragem resultaram no transbordamento do rio Ijuí, submergindo tocas, latrinas e boa parte dos locais verificados como ideais a impressão dos rastros. 44 Tabela 14. Freqüência de ocorrência de mamíferos registrada na terceira campanha de monitoramento de fauna na área de influência da UHE São José, através de indícios indiretos e visualizações. Legenda: FO = freqüência de ocorrência. Pontos ORDEM / FAMÍLIA / Espécie FO Status P1* P2* P3 P4 P5* P6 DIDELPHIMORPHIA DIDELPHIDAE Didelphis albiventris CINGULATA DASYPODIDAE Dasypus novemcinctus PILOSA MYRMECOPHAGIDAE Tamandua tetradactyla RODENTIA SCIURIDAE Sciurus aestuans ECHIMYIDAE Kannabateomys amblyonyx ERETHIZONTIDAE Sphiggurus villosus CAVIIDAE Cavia aperea Hydrochoerus hydrochaeris CUNICULIDAE Cuniculus paca MYOCASTORIDAE Myocastor coypus LAGOMORPHA Lepus capensis - X - X X X 66,67% Freqüente - - - - X X 33,33% Incomum - - X - - - 16,66% Raro X - - X X X 66,67% Freqüente X - - - - - 16,66% Raro X - - - - - 16,66% Raro - X - X X - X - X - 66,67% 16,66% Freqüente Raro - X - - - - 16,66% Raro - - - X - - 16,66% Raro - - X X - X 50% Comum Sylvilagos brasiliensis CARNIVORA CANIDAE Cerdocyon thous X - - - - - 16,66% Raro - - X - - - 16,66% Raro Lycalopex gymnocercus MEPHITIDAE Conepatus chinga PROCYONIDAE - - X - - - 16,66% Raro - - X - - - 16,66% Raro Procyon cancrivorus - - X X - - 33,33% Incomum Nasua nasua** - - - - - - - - Riqueza de espécies (n) 4 3 8 5 4 5 - - Riqueza de espécies (%) 25% 19% 50% 31% 25% 31% * Ponto situado na bacia de acumulação do reservatório da UHE São José. ** Espécie visualizada fora dos pontos de amostragem (UTM 21 J 728025/6887913) e desconsiderada na análise. Entre as ausências mais relevantes nessa terceira campanha de amostragem e com registro confirmado durante a etapa de EIA-RIMA (GEOLINKS, 2005), estão os cervídeos 45 do gênero Mazama e primatas do gênero Alouatta. Esses animais parecem ser os mais sensíveis as atuais mudanças ambientais locais, visto que até o início das obras de desmatamento eram considerados comuns pelos moradores da região. O grande número de espécies restritas a um ou dois pontos amostrados e consideradas raras ou incomuns, respectivamente, demonstra suas distribuições em hábitats restritos, nas quais a detecção foi possível devido à quantidade de pontos amostrados. Em destaque, entre as espécies restritas a determinadas formações vegetais está o rato-dataquara (Kannabateomys amblyonyx). Esse roedor pertence a um grupo singular de pastadores arbóreos comuns aos biomas Mata Atlântica do leste do Brasil e à Selva Missioneira na Argentina e Paraguai, especializados em utilizar taquaras tanto para alimentação (galhos, folhas e brotos) como para abrigo. A dependência da taquara aliada as baixas densidades – 1 família/0,1 ha de taquaral (SILVA, 2005) – demonstram a necessidade de maior observação as respostas dessa espécie perante a perda do hábitat, já que foi detectado nas margens do rio Ijuí local diretamente afetado pelo enchimento do reservatório. O ponto P3, representado pela estrada que dá acesso à localidade conhecida por “Fundão do Ijuí”, apresentou a maior diversidade em relação aos outros pontos amostrados. A estrada em questão, além de apresentar um substrato contínuo favorável à impressão dos rastros, abrange grande heterogeneidade de hábitats, fato que pode ter favorecido a ocorrência de um maior número de espécies, incluindo as ameaçadas como o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla) e carnívoros como o zorrilho (Conepatus chinga) e os graxains (Cerdocyon thous e Lycalopex gymnocercus). Outro fato é que as margens do rio Ijuí apresentavam transformações bastante evidentes relacionadas a dois fatores: perturbações decorrentes do trabalho de desmatamento, e o nível crescente do rio, resultante das fortes chuvas da ocasião. Esses fatores podem ter contribuído para o deslocamento da fauna de mamíferos de médio/grande porte na direção oposta à margem do rio, fato verificado pela presença de pegadas de capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) na estrada, em local seco. Assim como ocorreu nas campanhas anteriores, o sucesso de captura para pequenos mamíferos obteve o valor irrisório de 2,25% apesar do grande esforço amostral. As capturas foram restritas ao P4, sendo que 44,4% dos espécimes apresentavam vestígios reprodutivos evidentes como testículos escrotados ou vagina perfurada, conforme Tabela 15. 46 Tabela 15. Espécies de pequenos mamíferos capturados na terceira campanha de monitoramento de fauna na área de influência da UHE São José. Legenda: AR = Abundância relativa; M = Macho; F = Fêmea; VR = Vestígios reprodutivos. Proporção M:F V.R. Captura Espécie n AR(%) (n) (%) (n) (%) P1* P4 Akodon montensis 6 67 03:03 50:50 3 50 - X Oligoryzomys nigripes Oxymycterus nasutus Total 2 1 9 22 11 100 00:02 1:0 04:05 00:100 100:00 44,4:55,6 0 1 4 0 100 44,4 0 X X 100% Sucesso de captura: 2,25% * Ponto situado na bacia de acumulação do reservatório da UHE São José. Comparado aos estudos anteriores – GEOLINKS (2005), e campanhas de monitoramento de outono e primavera, nota-se a ocorrência inédita de mais três espécies de mamíferos para a área de influência: o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), o rato-focinhudo (Oxymycterus nasutus) e o camundongo (Calomys laucha), sendo que o registro desse último só foi possível através do exame de pelotas de regurgitação da coruja-de-igreja (Tyto alba – P7). 47 5. Considerações Finais Durante a terceira campanha de monitoramento da entomofauna e da fauna terrestre foram registradas diversas espécies novas em relação aos monitoramentos pretéritos. Em relação a entomofauna foram identificados três novos registros na área de influência da UHE São José. Para o grupo de anfíbios, apenas um registro novo foi obtido. Por se tratar da campanha de primavera, esperava-se obter mais registros do que na anterior, realizada no inverno, o que não ocorreu devido principalmente à ausência de chuvas durante a amostragem e às altas temperaturas ocorrentes durante o período diurno, o que tornou os levantamentos por encontros visuais pouco efetivos. O grupo de répteis teve quatro registros novos em relação às duas campanhas anteriores, com destaque para o lagarto scinco-cinzento (Mabuya frenata), que tem poucos registros no Estado. A taxa de captura de répteis também foi superior as outras campanhas realizadas, o que pode ser explicado pelo comportamento sazonal das espécies, como é o caso de lagartos que hibernam durante os meses frios e emergem durante a primavera. Foram registradas 21 espécies de aves inéditas em relação às campanhas de outono e inverno, sendo 13 delas residentes de primavera e verão, vindo ao Estado para nidificar. Destaca-se entre os registros de aves a saíra-de-chapéu-preto (Nemosia pileata), que está listada no Livro Vermelho da Fauna Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul (BENCKE et al., 2003), enquadrada na categoria “deficiente em dados”. Assim como na primeira campanha de monitoramento, o pica-pau-de-banda-braca (Dryocopus lineatus), ameaçado de extinção no Estado (categoria “vulnerável”) segundo BENCKE et al. (2003), foi novamente registrado em ambientes florestais na área de influência da UHE São José. Quatro espécies de mamíferos amostradas estão incluídas nas categorias de ameaça à extinção ou deficiente em dados no Rio Grande do Sul (FONTANA et al., 2003), sendo elas: a paca (Cuniculus paca, “em perigo”), o tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla, “vulnerável”), o quati (Nasua nasua, “vulnerável”) e o tapiti (Sylvilagus brasiliensis, “deficiente em dados”). Também é importante salientar os registros novos de mamíferos obtidos na presente campanha - o supracitado tamanduá-mirim (Tamandua tetradactyla), o rato-focinhudo (Oxymycterus nasutus) e o camundongo (Calomys laucha). 48 6. Referências Bibliográficas ACHAVAL, F.; OLMOS, A. Anfibios Y Reptiles del Uruguay. 2ed. Montevideo. 136 p. 2003. ALEIXO, A.; VIELLIARD, J. M. E. Composição e dinâmica da mata de Santa Genebra, Campinas, São Paulo, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia, v.12, p. 493-511, 1995. BALESTRIN, R.L. História natural de uma taxocenose de Squamata e redescoberta de uma espécie de anuro no Escudo Sul-riograndense, Brasil. 2008. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Zoologia, Faculdade de Biociências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 134 p. 2008. BECKER, M & DALPONTE. J. C. Rastros de mamíferos silvestres brasileiros: um guia de campo. Brasília: ed. Unb. 180 p. 1991. BELTON, W. Aves do Rio Grande do Sul, distribuição e biologia. 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