“Estou sendo vítima do preconceito contra o funk”, diz pai de MC

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“Estou sendo vítima do preconceito contra o funk”, diz pai de MC
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IDEIAS
“Estou sendo vítima do preconceito contra o funk”, diz pai de MC
Melody
A investigação do Ministério Público sobre MCs mirins abre uma controvérsia sobre as responsabilidades
de famílias e sociedade na erotização dos ritmos musicais
GRAZIELE OLIVEIRA, COM HARUMI VISCONTI
01/05/2015 - 08h00 - Atualizado 01/05/2015 10h42
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A primeira vez que vi a pequena MC Melody, de oito anos – e talvez tenha
sido a sua primeira vez também – foi há uma semana, num vídeo na
internet que já contabilizava mais de 300 mil visualizações. Melody estava
em cima de um palco, de quatro, dançando funk para uma plateia de
jovens do interior de São Paulo, numa tarde de domingo de 2013. Ela
rebolava ao som dos seguintes versos: “Chama as novinhas e faz
quadradinho de quatro”. Cantada pelo MC Belinho, pai de Melody, a
música é a versão de um hit do grupo de funk carioca “Bonde das
Maravilhas”, sucesso na ocasião. A segunda vez que vi a jovem MC foi na noite da última terça-feira, dia 28
de abril, quando ficamos juntas por quase três horas. Neste momento, pude
conhecer a pequena Gabriela Abreu – nome de batismo de Melody. Ela
estava na casa de uma amiguinha, num bairro da Zona Norte de São Paulo,
com quem brincava de pentear os longos e hidratados cabelos. As duas
falavam da dificuldade em desembaraçar as próprias madeixas e do dia em
que a irmã mais velha de Gabriela, Isabela (de 10 anos) sofreu pra tirar um
nó do próprio cabelo.
A Melody das danças sensuais nos palcos e a Gabriela das longas madeixas
são duas facetas da mesma criança, cuja história dominou recentemente
o noticiário e as redes sociais. Na semana passada, o Ministério Público
(MP) de São Paulo abriu uma investigação para apurar o conteúdo
erótico e o apelo sexual nas apresentações e letras das músicas cantadas
por vários MCs mirins como Melody. A investigação do MP pode culminar
até na perda da guarda das crianças pelos tutores e no fim da carreira dos
jovens. “Não é uma questão de censura ou de ser contra o funk que, assim
como o rap ou o samba, são movimentos naturais culturais, fruto do
processo civilizatório", afirma Eduardo Dias, promotor de Justiça da
Infância e Juventude e responsável pelo inquérito. "A questão é que, com a
idade que têm esses MCs, provavelmente eles não teriam acesso a shows
com esse conteúdo. Se você não está habilitado para consumir esse
produto, que dirá ser o grande propulsor e produtor dele”.
Um dos alvos da investigação são Gabriela e seu pai, Thiago Abreu, o MC
Belinho. Além dela, outras crianças e jovens funkeiros como MCs Princesa
e Plebéia, MC 2K, Mc Bin Laden, Mc Brinquedo e Mc Pikachu também
serão investigados. A popularidade dos funkeiros mirins é confirmada
pela audiência que obtêm nas redes sociais: "Roça Roça", de MC Brinquedo
(cuja história foi contada por ÉPOCA), alcançou mais de seis milhões de
visualizações em seis meses no YouTube. Estes MCs se dedicam a um ramo
específico do funk, que exalta o sexo e o corpo. Realidade dificilmente
desfrutada por um menino de apenas 13 anos.
Abreu diz que sua filha nunca fez shows e que estava produzindo o
primeiro CD dela quando o polêmico vídeo estourou na internet. Depois do
anúncio da investigação pelo MP, ele diz que o estilo da candidata à estrela
vai mudar. Algumas letras do CD foram editadas ou simplesmente
excluídas do repertório. Nada mais de funk. O estilo de Melody será mais
pop – inspirado na estrela do funk Anitta. O recém-contratado agente da
Mc Melody, Eder Triton, faz as contas e estima que os cachês dos shows da
pequena MC poderão ultrapassar os R$ 10 mil por aparição – respeitando
um limite de três apresentações semanais. Isso sem falar nas
possibilidades de comerciais e patrocinadores interessados nos talentos da
pequena artista. Gabriela gosta do desenho animado Bob Esponja e bichos de pelúcia.
Melody sabe olhar para as câmeras – ela sugeriu as poses para ser
fotografada pela reportagem – e quer se tornar uma pop star. Joga os
cabelos de lado, aperta os olhos e faz biquinho para cantar as músicas de
Anitta, sua ídola incondicional. "Vou rebolar só porque você não gosta”, é
uma de suas estrofes cantadas por Melody. Gabriela não gosta quando lhe
perguntam na rua ou em entrevistas se está namorando, mas mesmo
assim tem resposta treinada para os adultos chatos. “Respondo que vou ser
solteira e que não vou casar, só quero ter filhos. Quero ficar solteira porque
aí eu fico livre, sabe? Como agora”, diz.
>> Emerson Martins, da KL: o criador de MCs
A inocência de Gabriela é a mesma de outras tantas crianças que dançam e
cantam canções erotizadas de tantos outros gêneros musicais. A
sexualização a que essas crianças estão expostas está em muitos casos na
publicidade, em programas televisivos e até nas escolas e na trilha
sonora das festas infantis. Quem nunca foi a uma festinha de criança em
que, além de brigadeiros bem docinhos, também havia muita Anitta e o
Lepo Lepo para os ouvidos? E algum adulto reclamou? Provavelmente, não
(confira abaixo outros estilos musicais erotizados). O anúncio da
investigação pelo MP da exposição erotizada da MC Melody, com o apoio do
pai, incentivou porém, uma série de ataques, nas redes sociais e nos
portais de notícias, aos funkeiros, como se a sexualização fosse uma
exclusividade desse ritmo musical e de seus fãs degenerados. Comentários
como “E desde quando funk é música? Esses pais deveriam perder a guarda
dela” ou “Você vai para o lugar de todos os funkeiros, o inferno!” ou ainda
“Funkeiros são a escória do Brasil” inundaram a internet.
“Esses temas estão na televisão e em outros gêneros musicais. A diferença é
que o funk fala de um modo mais direto”, afirma Adriana Facina,
professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Depois do escândalo, MC
Belinho, o pai da menina, também adotou esse discurso. Ele afirma saber
que a coreografia dançada pela filha imita posições sexuais, ainda que não
enxergue nisso um problema. “Se for em casa não tem problema, o
problema foi deixá-la subir ao palco. Ninguém na família via maldade
naquilo", afirma Abreu. "Acho que 60% do que está acontecendo é
preconceito contra o funk”. MC Belinho ostenta feições bem jovens,
acentuadas pelo uso do aparelho ortodôntico com borrachinhas coloridas e
pela barba rala.
>> MC Mayara, funkeira curitibana e feminista
Abreu e a mãe de Melody tiveram a filha bem jovens, ambos aos 16 anos de
idade. Eles são da geração de adolescentes que dançou o hit “Na boquinha
da garrafa”, do grupo “É o Tchan” – sucesso do axé nos anos 90. Hoje
adultos, as crianças da geração “Carla Perez” talvez pudessem ser alvo dos
mesmos ataques sofridos hojes pelos MCs mirins. Talvez caiba aos pais que
acharam bonitinho ver seus filhos dançando Mamonas Assassinas ou “Ai
se eu te pego”, do sertanejo Michel Teló, as mesmas críticas que são feitas
ao pai de Grabriela. “Isso está na televisão, na internet, em todos os lados.
Tem coisas que não têm como você barrar. Vou deixar minha filha o tempo
todo na TV vendo só Bob Esponja? Assim vou criar uma filha boba”, diz
Abreu, o MC Belinho.
Especialistas afirmam que, de fato, não se pode tolher crianças e
adolescentes, assim como é impossível negar o contexto de hiperexposição
em que vivem. Porém, cabe aos pais esclarecer os significados do que ocorre
ao redor delas e saber dizer ‘não’ quando necessário. “É preciso explicar que
há idade, momentos, experiências e coisas que são vividas em cada fase da
vida, e que há coisas e decisões que exigem responsabilidade e
discernimento para serem vivenciadas”, diz Cláudia Bonfim, pesquisadora
da Unicamp e especialista em educação sexual. Não adianta, a primeira
educação vem de casa, e é oferecida pela família. E para colocá-la em
prática, o melhor caminho continua sendo o do diálogo aberto com os
filhos, ajudando-os a desenvolver sua personalidade e gostos. Isso, Anitta
não poderá fazer por Melody.
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