Sem título-1
Transcrição
Sem título-1
Meninas adolescentes brasileiras em um mundo digital O objetivo da pesquisa foi examinar os direitos e a proteção das meninas adolescentes no Brasil, dentro do contexto das TICs. A pesquisa mostrou que o uso das TICs está crescendo muito rapidamente (ver a caixa abaixo), particularmente entre os jovens de 15 a 17 anos, dentre os quais, durante o período de 2005 a 2008, houve o maior aumento percentual de todos os setores da população, de 33.7% para 62.9%. A maioria das meninas nesta pesquisa possuía telefones celulares (86%), e usava a internet (82%). Pouco mais de um quarto delas declarou que estava “sempre online”. Entre as meninas que tinham acesso a um computador, elas geralmente passavam de uma a sete horas online por dia. OS FATOS NO BRASIL E AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÕES Mais de 53% dos brasileiros (86 milhões de pessoas) acima dos 10 anos de idade possuem um telefone celular, o que representa um crescimento de 54.9% (56 milhões) desde 2005. 130 SITUAÇÕES DE GAROTAS NO MUNDO · · · · Quando lhes foi pedido para identificar os três perigos que elas ou seus amigos enfrentam online, as meninas indicaram: ser vítimas de pirataria, pessoas que não são quem dizem ser, fotos sendo distribuídas, falsas páginas no Orkut (rede social), vírus. Outros comentários incluíram: “Meu amigo conheceu uma menina, e foi encontrá-la, e ela era um menino.” Menina, 13 anos “Minha amiga confiou em um amigo e mostrou a ele uma foto dela nua, e então ele distribuiu a foto para o clube inteiro.” Menina, 12 anos “As meninas ligam a câmera e mostram partes do corpo que não deveriam ser mostradas.” Menina, 13 anos O número de pessoas acima dos 10 anos de idade que se conectaram à internet nos últimos três anos aumentou de 75.3% para 56 milhões de usuários. O acesso à internet aumentou tanto para homens quanto para mulheres nos últimos três anos, de 21.9% para 35.8% entre os homens e de 20.1% para 33.9% entre as mulheres. Em 2008, 57.1% dos usuários conectaram-se à internet de casa, enquanto que 32.5% o fizeram das Lan Houses (Local Area Network – Internet cafés), e 31% dos computadores do trabalho. Em 2009, o Brasil tinha mais de 90.000 Lan Houses, representando aproximadamente metade de todo o acesso à internet. Entrar em contato ou se comunicar com amigos foi o principal motivo citado para utilizar o acesso à internet – 83.2% - seguido por entretenimento, com 68.6%, e objetivos educativos, com 65.9%. A educação caiu do primeiro para o terceiro lugar desde 2005. As respondentes dos grupos focais não concordaram a respeito de se é seguro ou não compartilhar informações online. Em um grupo, todas as participantes disseram que é seguro, enquanto que em outro todas elas disseram que não é seguro. Uma menina de 12 anos afirmou: “O problema não é a informação que você posta, mas as pessoas que você acumula ao seu redor: amigos ou estranhos.” No grupo dos meninos, eles afirmaram acreditar que o MSN é mais perigoso do que outros sites de redes sociais, porque a interação é geralmente um a um. Os meninos também acreditam que as meninas correm muito mais riscos que os meninos. Um garoto de 14 anos explicou como um amigo dele “estava online com uma menina e pediu a ela que tirasse as roupas quando eles estavam conversando no MSN com a câmera ligada. Ela concordou porque ele lhe prometeu um beijo. De repente, o pai da menina apareceu e arrancou-a da frente do computador puxando-a pelos cabelos”. Os jovens em todos os grupos estavam bastante divididos quando lhes foi perguntado se um amigo ou amiga deles já tinha tido uma experiência ruim com o Orkut, o MSN ou qualquer outro site de relacionamento. Algumas das experiências ruins incluíram: ser contatado (a) por alguém ou se encontrar com alguém que não era quem dizia ser; uma falsa conta aberta no Orkut apenas para ofender os outros; uma falsa conta aberta usando as informações pessoais de outra pessoa; um vírus; pirataria; fofocas sendo espalhadas; e roubo de senhas e identidades. Virtualmente nenhuma menina havia avisado os amigos sobre alguma coisa ruim acontecendo online. Quando houve algum tipo de aviso, foi a respeito de um vírus no computador. Segurança online Quase todos os meninos e meninas nos grupos focais acreditam que existem mais perigos online para as meninas do que para os meninos. As meninas disseram que entram online em casa, na casa de amigos, ou – no caso da maioria das meninas que vivem em favelas – em uma Lan House. Muitas meninas disseram que não existem riscos nestes lugares, porque elas estão sempre acompanhadas de pessoas em quem confiam e que podem protegê-las. Outras meninas indicaram que existem riscos, como o roubo de telefones celulares, a cópia de senhas ou perfis em sites de relacionamentos, estupros, pessoas que fingem ser outras pessoas, sequestros, tiroteios e tráfico/uso de drogas ilegais. “Lan houses não são lugares seguros. Existe tráfico de drogas, e as pessoas fazem tudo o que querem. Não há conversas. Os usuários (das Lan Houses) podem ser presos se não forem registrados – são levados para a LEO DRUMOND Para o relatório “Porque eu sou uma Menina” deste ano, a Plan encomendou uma pesquisa original no Brasil, para o Instituto Internacional para os Direitos e Desenvolvimento da Criança e Adolescente (International Institute for Child Rights and Development - IICRD), por meio da Parceria para a Proteção da Criança e do Adolescente (Child Protection Partnership - CPP), que trabalhou com as seguintes instituições: NECA, Obra do Berço, Secretaria de Inclusão Social do Município de Santo André, Associação Cidadã Estrela Dalva, Childhood Brasil, SaferNet, e Plan Brasil. Nessas instituições, os pesquisadores realizaram grupos focais com 49 meninos e 44 meninas, entre 10 e 14 anos de idade, desenvolveram e publicaram uma pesquisa online que foi preenchida por 400 pessoas, e conduziram uma revisão da literatura e uma revisão das práticas de proteção no Brasil a respeito das meninas e das tecnologias de informação e comunicação (TICs). Os pesquisadores e as equipes das instituições foram assessorados por um grupo consultivo de meninas adolescentes. onde os policiais chamam suas mães, e depois o adolescente é levado para a Fundação Casa (centro de detenção).” Menina de 13 anos de uma favela de São Paulo “Um lugar seguro é a casa do meu cunhado. Ele tem um “grandão” (revólver calibre 38).” Menina de 11 anos de uma favela de São Paulo Um grupo de jovens no Brasil 131 Conexões entre os comportamentos online e offline Embora as próprias meninas não façam uma conexão entre o comportamento online e offline, a pesquisa indicou que as realidades e riscos que elas enfrentam online parecem ser influenciados por seus ambientes offline. Por exemplo, meninas de favelas em São Paulo vivem entre altos índices de violência e tráfico de drogas, e têm uma educação de qualidade baixa. Elas se vestem de forma mais provocante do que as meninas de escolas particulares, e parecem ser mais sexualizadas desde muito cedo, talvez por causa da infância limitada que vivem. Isto permite que elas participem de grupos de pessoas mais velhas, o que é interpretado por nossos pesquisadores como uma ascensão na escala social dentro de sua comunidade. Elas parecem se envolver em comportamentos de risco sem uma preocupação real com as consequências imediatas. Um bom exemplo do contexto no qual as meninas das favelas em São Paulo vivem é dado por uma menina que diz que, na escola, “alguns alunos terminam carregando armas, usando drogas, bebendo álcool e fumando nos banheiros”. De forma semelhante, todas as meninas adolescentes das favelas de Santo André já haviam ido a um baile funk entre a meia-noite e as seis horas da manhã sem o conhecimento dos pais ou responsáveis, onde interagiram com homens de mais de 20 anos de idade, que em alguns casos tinham o dobro da idade delas. Em contraste, as meninas das escolas particulares de Santo André vivem em um bairro de Garota acessa internet de lan house no Brasil classe média, todas têm computadores e telefones celulares em casa, e vivem em um ambiente onde “nós procuramos por trabalho na internet, ou por algo para nos ajudar nas tarefas da escola”. Os pesquisadores perceberam uma diferença marcante entre as meninas das escolas particulares e das favelas, em sua participação nos grupos focais. As meninas da favela de Santo André, por exemplo, tiveram dificuldades em entender o alcance das questões levantadas durante as discussões. Suas respostas indicaram que a internet é um instrumento que lhes permite expressar sua libido ao visitar sites orientados sexualmente, e se encontrando com meninos para aumentar seu senso de auto-valorização. Protegendo as meninas online Embora talvez não compreendam o alcance do ambiente online, as meninas nesta pesquisa pareceram ter alguma conscientização sobre os perigos potenciais encontrados online. Ao mesmo tempo, elas expressam claramente um desejo de que seus pais se envolvam mais no monitoramento de seu comportamento, dando-lhes conselhos e ajudando-as a determinar o que é seguro e o que não é seguro online. Ironicamente, muitas das meninas que recorreram a um dos pais quando alguma coisa ruim aconteceu online indicaram que foram repreendidas, ao invés de serem orientadas. . Isto aconteceu de forma igual em todos os grupos focais. Isto provavelmente acontece porque muitos pais sabem muito pouco sobre os ambientes online nos quais as meninas navegam. Muitas meninas disseram que suas mães, professoras ou amigas as aconselham sobre a segurança online: “A minha mãe me disse para nunca revelar meu nome verdadeiro.” Menina, 13 anos “A minha professora me disse para nunca revelar informações pessoais, e nunca clicar em vírus.” Menina, 12 anos “Minhas amigas me disseram para ser esperta, para ter cuidado com os sites que eu visito.” Menina, 12 anos Parece que quanto maior é a conscientização e o conhecimento sobre o uso das TICs, maior é o grau de segurança que as meninas sentem ter online, mas apenas 21 por cento declararam que se sentem seguras. Menos da metade das meninas que responderam a esta pesquisa indicaram que seus pais sabiam o que elas acessavam online. Contudo, cerca de um terço delas sabiam como denunciar um perigo ou algo que as faz se sentir mal online. Apesar de a maioria indicar que aprendeu sobre os perigos online (60 por cento), pouco menos da metade das meninas ainda diz que se encontraria pessoalmente com alguém que houvesse conhecido online. De forma surpreendente, mesmo com significativas melhorias no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069/1990), em particular os Artigos 240 e 241, que proíbem expressamente a produção, venda ou distribuição de pornografia infantil ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes no Brasil, nenhuma documentação, material publicado e/ou documentos científicos parecem concentrar-se na violência infligida sobre as meninas adolescentes por meio do uso das TICs. PLAN Recomendações 132 SITUAÇÕES DE GAROTAS NO MUNDO 1. Conectar as famílias e os adultos responsáveis, para que eles sejam um fator de proteção nas vidas online das meninas. Os adultos estão descobrindo que estão muito atrás dos jovens em relação ao uso das TICs, e os jovens estão percebendo que a internet não é um lugar tão seguro quanto eles pensavam. Em uma sessão de treinamento em 2009, que a CPP realizou com adultos e jovens, a seguinte questão foi apresentada para o grupo: “Você publicaria a sua fotografia e detalhes sobre sua vida pessoal na estação de ônibus?” A maioria dos jovens disse que não. Isto oferece uma perspectiva sobre como os jovens enxergam o ambiente online. Eles podem esquecer que publicar informações online significa que elas não podem ser recuperadas, e que existe um potencial para que elas cheguem a bilhões de pessoas, muito mais do que na estação de ônibus local, onde um pôster provavelmente vai desbotar e cair em pouco tempo. Alguns jovens não percebem o ambiente online como ele realmente é. Contudo, a realidade se torna bastante comovente para as meninas nos grupos focais, que indicaram que jovens estão publicando ou permitindo que outras pessoas publiquem fotos sexualizadas delas online. Iniciativas de educação amplas e focadas, que envolvem tanto as meninas quanto suas famílias nas localidades onde as meninas podem acessar seu mundo virtual, seriam um primeiro passo bastante positivo. Tais oportunidades de aprendizado poderiam desmistificar um pouco do mundo online para os pais, e ao mesmo tempo fornecer informações-chave para as meninas, abrindo um canal de comunicação bem-vindo entre as meninas e seus pais, que pode ser acessado sem medo de rejeição ou repreensão. 2. Estimular conexões de proteção das crianças entre os ambientes offline e online nas comunidades. Tanto no contexto da favela quanto no da escola particular, existem oportunidades para construir práticas de proteção das crianças mais fortes entre os ambientes offline e online. Por exemplo, uma das Lan Houses em uma favela de São Paulo é gerenciada por um proprietário bom, que oferece um lugar seguro para os adolescentes, além do acesso a preços baixos. Este é um dos poucos lugares onde os adolescentes se sentem seguros. Construindo a partir do exemplo deste tipo de Lan House, as práticas de proteção offline, tais como uma educação que encoraje o uso seguro da internet, códigos de conduta para o comportamento on e offline, e o cumprimento de regras e leis aplicáveis on e offline podem servir para melhorar as oportunidades e possibilidades até mesmo para aqueles adolescentes mais vulneráveis. A Lan House pode pretender oferecer acesso digital, mas no final pode oferecer também uma base sócio-educativa para a comunidade. De forma semelhante, um lar, escola ou centro comunitário em outros contextos podem oferecer os vínculos naturais para a proteção das crianças on e off line. 3. Utilizar os benefícios potenciais das TICs no apoio das meninas adolescentes A pesquisa sugere que as atuais atividades online das meninas são dedicadas, primariamente, à socialização e ao entretenimento. Enquanto estas atividades podem promover o desenvolvimento das meninas, parece haver numerosos modos adicionais pelos quais as meninas podem ser apoiadas no ambiente online, para ajudar especificamente na sua navegação segura no mundo virtual. Estes podem incluir: Trabalhar com as meninas para criar plataformas ou estratégias dentro das plataformas já existentes, onde elas possam compartilhar coisas positivas e negativas 133 umas às outras sobre um pseudônimo/identidade usado por “pervertidos” em salas de bate-papo de modo que outras meninas possam evitá-los, ou compartilhar informações sobre o uso seguro das Lan Houses). Estimular uma plataforma online onde as meninas possam compartilhar informações com oficiais da área de segurança e atores do sistema de garantia de direitos brasileiro, assim aumentando a proteção das meninas. Acessar aconselhamento ou terapia online, que de outra forma poderia não estar acessível para as meninas. Este conceito ainda está se iniciando no Brasil, e tais terapias também poderiam oportunidades disponibilizadas para os adultos. Criar oportunidades de educação sobre TICs para as meninas navegarem de forma segura, ensinadas pelas próprias meninas. 4. Engajar os sistemas, em todos os níveis, para defender, implementar e cumprir as leis Os atores locais, estaduais e nacionais têm um papel a desempenhar ao assegurar que os ambientes online e pontos de acesso online usados pelas meninas adolescentes sejam regulados e seguros. Existem também vários atores adicionais no Brasil, privados e públicos, que operam como parte do sistema que afeta as meninas, e que precisam trabalhar juntos em esforços de prevenção, proteção e acusação formal, incluindo os provedores dos serviços de internet, proprietários de sites de redes sociais, Lan Houses e internet cafés, agentes da lei, promotores, juízes, conselhos tutelares e organizações não-governamentais. Com as emendas feitas no Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil, que criminaliza a posse de imagens de abuso infantil, o país tem um modelo legal nacional forte, que protege as crianças online. Isto é apoiado pela Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, em seu Protocolo Opcional sobre a Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil, e o Pacto do Rio. Além disso, uma lei em nível estadual existe no Estado de São Paulo para registrar usuários de Lan Houses, e uma legislação adicional está sendo considerada para bloquear sites pornográficos para usuários abaixo dos 18 anos de idade. Enquanto que estas leis fornecem um modelo, ainda existe uma necessidade de maior clareza sobre sua aplicação e cumprimento, de modo que elas tratem das realidades vividas pelas meninas adolescentes no país. Parece haver uma urgente necessidade de construir uma maior confiança nas autoridades em nível local, nas comunidades onde as meninas vivem. A grande maioria das participantes dos grupos focais não viu, imediatamente, um papel para a polícia em ajudá-las a se manterem seguras online. Na verdade, em um dos grupos de meninos, percebeu-se que a polícia tem o costume de, às vezes, “plantar” drogas nos meninos, 134 SITUAÇÕES DE GAROTAS NO MUNDO prendê-los e então exigir dinheiro para sua libertação. 5. Realizar mais pesquisas sobre meninas e as TICs Mais pesquisas são necessárias, dirigidas especificamente às meninas adolescentes e TICs, para melhor entender as realidades das meninas adolescentes online. Tais pesquisas podem levar em consideração como as normas sociais existentes online causam um impacto sobre a proteção e desenvolvimento delas. Por exemplo: Quais podem ser as implicações do status de uma menina no mundo virtual, onde existe uma pressão para ter um alto número de “amigos” em sites de relacionamento como o Orkut? Isto coloca as meninas adolescentes em maior risco, encorajando-as a aceitar comunicações e convites de estranhos? Que grau de auto-proteção as meninas possuem? Por exemplo, algumas meninas nos grupos focais parecem fornecer nomes e idades falsos para se protegerem, e ao mesmo tempo exploram comunicações e relacionamentos online. Como as meninas adolescentes desenvolvem uma sexualidade segura, quando o que é “legal” é determinado por sites online, localizados em um ambiente dominado por vídeos e fotos sexualmente explícitos? Por exemplo, uma participante de um grupo focal mencionou que quando entrava no site de uma novela de TV, “pop ups” de sites pornográficos apareciam na tela. Onde elas encontram modelos de comportamento saudáveis?