ESTÉTICA DO GOSTO - NUPEA - Núcleo de Pesquisa em Ensino
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ESTÉTICA DO GOSTO - NUPEA - Núcleo de Pesquisa em Ensino
ESTÉTICA DO GOSTO – A POÉTICA ESCULTÓRICA DA GASTRONOMIA Autora: Tatiana Lunardelli Orientadora: Geralda Mendez Dalglish E-mail: [email protected] Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP RESUMO Este trabalho tem por objetivo analisar a gastronomia como uma obra de arte, como um campo da estética, utilizando-se para isso de pratos desenvolvidos por alguns chefs de cozinha. Baseado na idéia de que Beleza não é uma propriedade do objeto, mas sim uma construção do espírito do observador – ou degustador – o fato estético fundamental para a experiência estética é a experiência pessoal de cada um. Ao contrário do que afirmam alguns autores onde não importa mais a obra – ou o prato – mas sim o que a pessoa experimenta dentro de si provando cada ingrediente, será defendido que toda experiência sensorial tem importância e que esta só é possível a partir da obra em si. Entender o papel da alimentação desde o achamento do Brasil, o desenrolar desse processo analisando o ritual alimentar do banquete durante as várias mudanças comportamentais e políticas ocorridas, e chegar aos nossos dias apresentando a gastronomia como um ponto de fuga do mundo real, para um mundo de ficção diante das condições existentes, é parte desse trabalho. Indicar, por fim, o trabalho dos Chefs, nosso objeto de estudo, com apresentação de cada um dos pratos com riqueza de detalhes, abrangendo cor, forma, textura e sensações. INTRODUÇÃO O interesse pela pesquisa surgiu no início da minha especialização em História da Arte na Universidade São Judas Tadeu quando percebi, de forma mais incisiva, que a comida, o ritual envolvendo a comida, seu preparo, seus ingredientes, sua maneira de servir eram temas recorrentes na arte de todos os tempos e praticamente de todos os povos. Mas a grande questão que surgia era, como colocar todo esse interesse de maneira formal num trabalho acadêmico? Como não ser mais um livro de fotos belíssimas e não ter base teórica? Como não ser reduzido a um livro de culinária? Como não ser mais um crítico gastronômico? No último semestre da especialização, em 2006, todas essas questões foram respondidas quando estudando Estética e Análise Crítica da Obra de Arte vi que era possível pensar a comida de maneira diferente, olhar a comida como quem olha um quadro e o analisa de forma “absoluta”, não com gostos pessoais e sim como base teórica, analisando elementos de cor, forma, luminosidade, rugosidade e, porque não dizer, até de sonoridade. Quando em 11 de dezembro de 2007 fui a uma palestra na Fundação Japão com chefs e ceramistas japoneses, sob o “comando” de Takashi Fukushima, artista plástico e professor da FAU-USP, onde era proposta uma “degustação visual” através de pratos da culinária japonesa, utilizando conceitos de linguagem, percepção e imagem. Ainda no ano de 2007 o chef catalão Ferran Adriá foi convidado para expor no mais importante evento de arte contemporânea do mundo, a Documenta de Kassel na Alemanha, então tive a certeza da relevância do tema. Minha pesquisa justamente se utiliza do conceito de John Dewey (DEWEY, 2010) que diz que estética refere-se a experiência enquanto apreciativa, perceptiva e agradável. Conceito compartilhado com Pareyson (PAREYSON, 1993) em A Teoria da Formatividade, que enfatiza o processo artístico como algo orgânico, onde há uma trajetória de incubação, crescimento e maturidade. Essa relação entre artista, e sempre que falo artista me refiro a figura do chef de cozinha, e consumidor ou comensal que consome e frui o produto acabado, estabelecida por Dewey, encontra seu ponto de união na comida. A comida como sendo um processo artístico, que merece ainda um olhar mais aprofundado, é uma espécie de “portal” para inúmeros questionamentos. Como seria o processo de criação de um artista? Seria intencional a escolha de ingredientes, cores, formas e sabores, que como nos diz Arnheim (ARNHEIM, 1994) em Arte e Percepção Visual, são fatores que transmitem forças visuais de expressão, direção e relação, pois são elas que proporcionam o principal acesso ao significado simbólico da arte, ou seria algo totalmente intuitivo? Intuição também é uma forma de sabedoria, nos disse Zamboni, mas como uma grande dificuldade de verbalização e explicação lógica. Concordo com Dewey quando ele diz que o cozinheiro prepara comida para o consumidor e a medida do valor do que é preparado encontra-se no consumidor, pois dessa afirmação podemos refletir especificamente sobre a experiência gerada no consumidor e a questão memória afetiva, biblioteca gustativa – termo usado pela chef Roberta Sudbrack, alcance do onírico para desmontar o complexo da memória e da imaginação. Obviamente que todos somos capazes de alcançar esse tipo de experiência em torno da comida, as vezes um simples aroma é capaz de despertar o “acervo de sensações” e correlacionar “acontecimentos familiares, camadas empilhadas de frustrações, níveis de desejos, lâminas intercaladas de revelações e pacotes sedimentados e pacotes de segredos”(CANTON, 2009). Contudo chegamos num ponto interessante, o consumidor terá sempre essa capacidade perceptiva? O repertório será vasto o suficiente para que haja uma compreensão e uma experiência estética plena? Será que cada prato, aqui considerado como uma unidade de análise, será devidamente lido e entendido? O que se percebe é que nenhuma dessas palavras dá conta de da complexidade que envolve o ato de comer e de “criar” a comida. “Tudo isso talvez se explique pelo fato de que a linguagem da alimentação é, talvez, a única, entre as muitas linguagens criadas pelo homem, que tem a capacidade de convocar para que seja compreendida e para dar prazer, simultaneamente, a todos os cinco sentidos.”(RAMALHO, 2010) Quando Dewey (DEWEY, 2010) fala da execução da obra, do virtuosismo, tenho em mente de maneira clara artistas que simplesmente copiam técnicas, aplicam em seus ingredientes e apresentam ao seu consumidor, não há alma, não há história, não há poética. Já numa cozinha autoral há experiência, mesmo que ela seja repetida inúmeras vezes a cada serviço, tanto do lado do artista quanto do lado do consumidor. Ali se estabelece uma relação, mesmo que seja fugaz, trata-se de um instante de possibilidade, e nossa vida esta prenhe desses instantes, conforme fala Lúcia Santaella (SANTAELLA, 1986, pág.61) “a qualidade de sentir assoma como um lampejo, e é como se nossa consciência e o universo inteiro não fossem, naquele lapso de instante, senão uma pura qualidade do sentir. Tratam-se de estados de disponibilidade, percepção cândida, consciência esgarçada, desprendida e porosa, aberta ao mundo, sem lhe opor resistência, consciência passiva, sem eu, liberta dos policiamentos do autocontrole e de qualquer esforço de comparação, interpretação ou análise. Consciência assomada pela mera qualidade de um sentimento positivo, simples, intraduzível”. O restaurante paulista D.O.M., do Chef Alex Atala, que é um dos meus objetos de estudo, é um espaço de possibilidade, um espaço onde o consumidor pode fugir do mundo, ter seu momento de experiência estética, onde se quebra esse regime temporal em que vivemos cotidianamente, tempo esse achatado pela instantaneidade. Somos hoje pessoas que sentam à mesa com os olhos carregadas de descrença e fadiga, quando “por sorte” nos é apresentado um alimento que nos remete a uma experiência feliz, recuperamos uma memória, os olhos se iluminam e finalmente nos tornamos capazes de transmitir o inenarrável. Ali é possível um retorno a uma estética do banquete e um mergulho no tempo da arte, onde é possível observar os detalhes dos pratos, a excelência na execução, algo absolutamente contrário a narrativa “macdonaldizante”, onde as refeições são simplesmente ingeridas sem nenhuma reflexão, significação e que a experiência se perde. Penso que para conseguir chegar a entender a grandeza desse tipo de gastronomia, em sua beleza artística e estética, em seus sabores e sensações, devemos sim nos libertar do racionalismo, em determinado momento no livro “A Poética do Espaço”, Bachelard (BACHELARD, s/d) diz que a fenomenologia da imagem vem antes do pensamento, vem antes da razão, portanto desperta sentidos primitivos, assim como na gastronomia a experiência estética primitiva é despertada com olfato, tato, paladar e a visão, coisas primitivas no homem anteriores a racionalização, coisas que fazem despertar nosso potencial sensorial. Portanto é ai que se encontram o poeta, citado por Bachelard, e o chef de cozinha, quando os dois ao produzirem essas imagens poéticas produzem na verdade ocasiões de libertação da previsibilidade da vida. A experiência na sua imprevisibilidade contrapõe o cotidiano do homem. JUSTIFICATIVA Se para o senso comum culinária é a arte de cozinhar, para muitos autores é um processo que vai da escolha dos ingredientes até a escolha do suporte para servir. Obviamente alimentar-se é uma necessidade básica do ser humano, como respirar, mas o prazer que pode ser proporcionado através da comida é algo que quase nenhuma das artes consideradas tradicionais pode proporcionar. Quando se faz a degustação de um prato, todo repertório de sentidos é exercitado, nosso arsenal de memórias é ativado, e um simples puré pode nos remeter a lembranças da nossa infância, ao cheiro da cozinha da avó e dos almoços de domingo em família. Qual familia que antigamente, ou até mesmo nos dias de hoje, não guardou o primeiro pratinho utilizado pelos filhos? “Comemos com os olhos”, essa expressão que pode ser usada tão pejorativamente nos dias de hoje, é plena e adequedamente aplicada a gastronomia. Dentro do que chamaremos de estética do gosto podemos dizer que há sim um “movimento antropofágico” na gastronomia, deglutimos real e metaforicamente essa obra de arte efêmera, feita para ser destruída, mas a imagem poética produzida por elementos escultóricos permanece intacta. Há portanto uma dimensão que precisa de estudo, sendo a comida uma manifestação estética efêmera e a louça o suporte perene em que ela pode ser apresentada, é preciso trazer a tona essa relação artística, com toda sua variedade de sentidos que essa experiência pode proporcionar. REFERENCIAL TEÓRICO METODOLÓGICO “A capacidade representativa de uma linguagem é tanto mais segura e exaustiva em relação ao objeto representado quanto mais se apoiar na capacidade perceptiva de casa sentido em particular. Sons, texturas, paladares, cheiros, cores são possibilidades de identificação do universo e são tanto mais seguras quanto mais fiéis à capacidade exclusiva de cada uma daquelas emanações dos sentidos.” (FERRARA, Lucrécia D’Aléssio. Leitura sem palavras. SP: Ática, 2007) A pesquisa será desenvolvida utilizando-se de biblografias específicas de história, estética e antropologia, amparando-se em bibliografias especializadas em gastronomia e filmes relacionados ao assunto. Realizando-se ainda entrevistas com chefs de cozinha para captar de forma analítica o ponto de vista de cada um com relação ao assunto abordado na pesquisa. Um ponto extremamente importante no trabalho será o uso da imagem, o uso da fotografia para exemplificar e tornar claro todo o decorrer da pesquisa. Mostrando tanto o suporte, o processo de criação, quanto o resultado final, ou seja, o alimento empratado. As entrevistas pretendidas também serão de suma importância, cito os chefs Claude Troisgros, Roberta Sudbrack, Ana Luiza Trajano, Helena Rizzo, Alex Atala. BIBLIOGRAFIA GERAL ALICIA&ElBULLITALLER. Léxico científico-gastronômico. As chaves para entender a cozinha de hoje. SP: SENAC, 2008. ARNHEIN, Rudolf. Intuição e Intelecto da Arte. SP: Martins Fontes, 1989. ________. Arte & Percepção Visual. Uma Psicologia da Visão Criadora. SP: Nova Versão, 1994 ATALA, Alex. Por uma gastronomia brasileira. SP: BEI Comunicação, 2005. AUMONT, Jacques. A imagem. Ed. Papyrus, 2004. BACHELARD, Gaston, A Poética do Espaço. RJ: Livraria Eldorado Tijuca, s/d BALAKIAN, Anna. O Simbolismo. SP: Perspectiva, 1985. BOURDAIN, Anthony. Em busca do prato perfeito. SP. Cia. Das Letras, 2006. CANCLINI, Néstor Garcia. A produção simbólica. RJ: Civilização Brasileira, 1979. CANTON, Kátia. Tempo e Memória. SP: Martins Fontes: 2010. CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade, uma história da alimentação. RJ: Elsevier, 2003. 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