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ESCALAPB 2% 5% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 95% 98% PB 100% ESCALACOR Produto: CADERNO_2 - BR - 6 - 09/09/06 2% 5% 10% 15% 20% 30% 40% D6-BR/SP - 50% 60% 70% COR 80% 85% 90% 95% 98% 100% Cyan Magenta Amarelo Preto Proof %HermesFileInfo:D-6:20060909: D6 CADERNO 2 SÁBADO, 9 DE SETEMBRO DE 2006 O ESTADO DE S.PAULO Televisão Personalidade: VIDAL CAVALCANTE/AE - 20/3/2006 Na Cultura, um retrato musical do País Rolando Boldrin transformou-se no personagem-síntese do Brasil profundo EXCEÇÃO– Boldrin no programa Sr. Brasil: emoção do povo do interior Aluízio Falcão ESPECIAL PARA O ESTADO Existe o país das maravilhas e tenho alguns dados para caracterizá-lo, pois hoje em dia não se pode afirmar nada sem logo apresentar estatísticas e números. Começo então por dizer que lá não existem pobres e o salário mínimo anda por volta de R$ 2 mil. A maioria esmagadora (80%) pertence às classes A e B. Esse país não fica na Europa ou América do Norte, mas longe daqui, aqui mesmo. Tem 14 milhões de habitantes, digo assinantes. Já percebeu o arguto leitor que me refiro ao país dos brasileiros que assistem a tevê a cabo. De modo geral, os assinantes costumam viajar para o exterior, apreciam música americana e freqüentam os chamados templos do consumo. Uma pesquisa encomendada pela Globosat ao Instituto Ipsos Marplan adotou classificação pouco ortodoxa para dividir este universo de telespectadores: os bem informados, as mulheres atuais, os ligados, as descoladas, as dedicadas, os boa gente e os absolutos. Como se vê, é necessário uma bula para explicar o perfil de cada segmento. O resumo da ópera é que todos, embora ligeiramente diferenciados em termos comportamentais, nivelam-se pelo alto poder aquisitivo e grau de conhecimento. É pessoal tão bem informado que escapou da propaganda eleitoral obrigatória. O ministro Marco Aurélio Mello, homem de tantas explicações, talvez justifique este benefício. Dentro e fora daquela telinha na TV a cabo fala-se inglês, francês, italiano, espanhol e também este nosso idioma sem status, mas que ali resiste, entrincheirado em alguns canais, principalmenteoqueadotaonome de Brasil, mostrando exclusivamente filmes nacionais e até shows completos deartistas brasileiros.Eisoponto.Enquantonatevêsofisticadaabre-seespaço para MPB, este gênero é praticamente abandonado na tevê aberta ao povo brasileiro. A gloriosa exceção, e agora falaremos dela mais longamente, está na TV Cultura, com o programa Sr. Brasil, que tem Rolando Boldrin como idealizador e apresentador. Produção bem pensada e bem realizada, tendo a música brasileira como atração principal, além de poemas e “causos” da vida popular interiorana, ditos admiravelmente por Boldrin. Até agora, que eu tenha notado, não caiu na esparrela de apresentar reprise, este lamentável recurso das emissoras de TV a cabo e dos chamados canais alternativos da TV aberta. Rolando Boldrin, paulista de São Joaquim da Barra, encarna um personagem-síntese É BEM-HUMORADO, CRIATIVO, ZELOSO DAS TRADIÇÕES E ABERTO ÀS BOAS NOVIDADES do Brasil profundo. Sem fazer o tipo caipira de festa junina, usa o seu talento de ator para traduzir na expressão do rosto, no gestual e no sotaque, o nosso compatriota sem maneirismos cosmopolitas. Quando ele conta uma estória, me lembro sempre de Mário de Andrade e de Rubem Braga. De Rubem: “Sou um homem do inte- rior, tenho uma certa emoção do interior, às vezes penso que merecia ter nascido goiano.” De Mário, aquele verso em que o poeta, comovido, sincroniza sua noite burguesa e confortável, de livro na mão, em São Paulo, com o adormecer de um seringueiro exausto nos confins do Acre: “Esse homem é brasileiro que nem eu.” Os compositores e músicos que se encarregam do repertório de cada noite no Sr. Brasil sãojovens, emsuamaioria.Reanimamanossafénacançãonativa de qualidade. Embora ignoradapelagrandemídiaeletrônica, ela chega às novas gerações, movida pela própria força. Uma voz chamando outra, como o canto sucessivo dos galos tecendo a manhã, daquele poema de João Cabral. Para renovar continuamente seu elenco de artistas, o programa recorre a um banco de CDs e fitas enviadas de todo o Brasil. Os nomes e respectivas cidades de origem dos escolhidos aparecem no vídeo, durante as apresentações. Apoiandose nos moços, o programa não exclui os veteranos. Reparte-se igualitariamente, adotando a meritocraciacomoforma deseleção. É bem-vinda sua insubmissão às nem sempre justas leis do mercado. Gente que andavasumida ressurge,com otalento de sempre, mostrando-se no auge da forma para compor e cantar. A platéia é um espelho do palco: moças, rapazes, senhoras e senhores. Isto salva o programa de cair na mesmice etária, perigoso caminho de exclusão e intolerância. O Sr. Brasil é um democrata. Ainda não ouvi Rolando Boldrin amaldiçoando outros gêneros musicais. Ficando claro, por toda a trajetória do artista, sua grande preferência pela moda caipira de raiz, mesmo assim ele não apedreja os sertanejos comerciais, como é praxe entre os radicais bem-pensantes. Também Martinho da Vila, por exemplo, se recusa a falar mal dos pagodeiros. Boldrin vê o fenômeno das novas duplas com equilíbrio e sensatez. Um trecho de seu lúcido posicionamento sobre o tema na revista Som Sertanejo: “A força da chamada música sertaneja é inegável. Seus intérpretes, muitos deles meus amigos, são grandes cantores, e até hei de louvar a ousadia de todos os que fazem parte desta corrente, poiscomo tempo conseguiram até levar no peito os portões da poderosa TV Globo. Admiro-lhes a luta e estratégia, mas daí a impor tal ‘produto’ como coisa genuinamente brasileira vai uma grande distância. Ainda espero que um dia todos eles possam usar esse prestígioalcançado para trabalhar de novo em favor da nossa música caipira, a mesma que imortalizou tantos artistas talentosos, e possa eu vê-los voltando pra casa, de onde nunca deveriam ter saído.” Bem faria o inspirado apresentador se fosse igualmente moderado em política, evitando versos de protesto às vezes declamados em meio a outros mais fiéis ao contexto do programa. A natureza cultural do Sr. Brasil sofre com estes desvios, felizmente raros. Boldrin, como ator, mostra facetas divertidas. Noite dessas,cantando umsamba de Jorge Veiga, imitou à perfeição a voz nasalada e inconfundível do antigo intérprete. Logo me recordei de sua participação, em 1972, com Irene Ravache, na peçaRodaCor de Roda, quando ele fazia impecável imitação de Nelson Gonçalves. O cenário de Patrícia Maia é simples, despojado, arrumando objetos do cotidiano popular do interior. Tudo na justa medida,semcairnopitorescoouabusar do artesanato. Nas paredes, fotos de grandes compositores daMPB nopassado eno presente. Este formato cênico é aproveitado com inventividade pelas câmeras e Boldrin consegue dar um ritmo ao programa que o diferencia, para melhor, do Som Brasil e Empório Brasileiro, ambosancoradosporelenaGlobo e na Bandeirantes. Bem-humorado,criativo,zeloso das tradições e aberto às boas novidades – eis um possívelresumodeste programaúnico em nossa tevê. Já completou o seu primeiro ano de exibição e ganhou merecidamente o prêmio APCA de melhor musical televisivo do ano. O título Sr. Brasil ao mesmo tempo designa o programa e o apresentador. Em nenhum momento este nosso patrício de 70 anos e cabelos inteiramente brancos imita David Letterman ou qualquer outro ícone do charmoso país da TV por assinatura, onde tantos vão buscar modelos e atitudes. Vejam a TV Cultura nas terças-feiras às 22h30. Ali reaparece um país hoje quase invisível nas metrópoles e já descrito pelos cantadores Gilberto Gil e Caetano Veloso como o Brasil do interior do mato, da caatinga e do roçado, onde o oculto do mistério se escondeu. Um Brasil chamado pejorativamente de grotão, mas bastante cioso de sua identidade, oquenão acontecenos grandes centros, cada vez mais parecidosuns com os outros, principalmente naquilo que têm de mais aflitivo e inquietante. ●
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