Material CoMpleMentar da obra
Transcrição
Material CoMpleMentar da obra
M at e r i a l C o m p l e m e n ta r da Obra Referência: Capítulo 1 – Conceitos 4. MENOR ADULTO OU “JOVEM-ADULTO” Vejamos a polêmica: PGJ rebate interferência de Ministério Público Federal em assunto relacionado à FEBEM O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, manifestou-se contrário à interferência do Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Sergio Suiama, na transferência de jovens-adultos da FEBEM para a penitenciária de Tupi Paulista (663 km da capital). Em documento enviado ao Procurador-Geral da República, Cláudio Fonteles, Rodrigo Pinho manifesta preocupação pela atitude de Suiama e solicita iniciativas que coíbam invasões à esfera de atribuições do Ministério Público paulista. Em recomendação datada de 5 de abril, Suiama, membro do Ministério Público Federal, sugeriu a suspensão da transferência dos jovens infratores. O assunto virou tema de reportagem dos principais jornais de São Paulo, entre eles a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo (edição de 06/04). A transferência, solicitada pelo presidente da FEBEM, Alexandre de Moraes, que acumula o cargo de secretário estadual da Justiça, foi determinada pela Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo. Segundo Pinho, assuntos referentes à área da Infância e Juventude são confiados à Justiça dos Estados e do Distrito Federal, conforme disposição dos arts. 145 e 146 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “É uma ingerência indevida do Ministério Público Federal na esfera de atribuições do Ministério Público paulista”, enfatiza. “A transferência foi somente dos jovens-adultos, pessoas com idade entre 18 e 21 anos internados por atos infracionais cometidos durante a menoridade”, afirma Pinho. “A atuação do Ministério Público Federal na defesa dos direitos constitucionais do cidadão restringe-se aos entes federais”, Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente concluindo Rodrigo Pinho que “a irrefletida iniciativa do Procurador da República arranha o princípio federativo e compromete a própria unidade da função ministerial”. Íntegra do documento São Paulo, 6 de abril de 2005. Senhor Procurador-Geral da República, Aproveitando o ensejo para cumprimentá-lo, tenho a honra de vir à presença de Vossa Excelência para manifestar, em nome do Ministério Público do Estado de São Paulo, preocupação com a expedição da Recomendação MPF/SP no 13, de 05 de abril de 2005, baixada pelo Procurador Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo em razão de procedimento administrativo cujo objeto é a apuração de violação de direitos fundamentais de adolescentes, ilegalmente transferidos para a Penitenciária de Tupi Paulista e tendo por conteúdo uma série de providências a cargo da Fundação Estadual do BemEstar do Menor, inquietação arrimada nos motivos a seguir resumidamente expostos. Como é de conhecimento público, a FEBEM de São Paulo atravessa séria crise, revelada por constantes fugas, rebeliões, prática de tortura e violência interna, o que acabou determinando medidas do Poder Executivo visando controlar as unidades de internação de adolescentes infratores. Entre as providências entendidas como necessárias resolveu a FEBEM, por intermédio de seu Presidente, autoridade que acumula o cargo de Secretário Estadual de Justiça, requerer à Egrégia Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo autorização para a transferência de jovensadultos, pessoas entre 18 e 21 anos de idade internados por atos infracionais cometidos durante a menoridade, para estabelecimento recém-inaugurado na cidade de Tupi Paulista e que originariamente foi construído para integrar o sistema prisional (anexo 1). Instado a se manifestar, o Ministério Público Paulista exarou manifestação no sentido do acolhimento do pedido, considerando a gravidade e excepcionalidade da situação, reclamando uma série de medidas no sentido de amenizar eventuais reflexos da transferência (anexo 2). 2 O pedido foi fundamentada e condicionalmente deferido (anexo 3), passando o Ministério Público do Estado de São Material Complementar da Obra Paulo, inclusive através do Promotor de Justiça de Tupi Paulista, a fiscalizar o desenvolvimento da transferência dos jovens, com acompanhamento direto pela Procuradoria Geral (Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude) mediante procedimento específico. Com surpresa tomou conhecimento na data de hoje, em razão de matéria jornalística (anexo 4), da expedição da recomendação acima mencionada, onde, pela sua leitura (anexo 05), constatase indevida ingerência do Ministério Público Federal na esfera de atribuições do Ministério Público paulista, mormente porque toda a questão relatada e pertinente à execução da medida socioeducativa de internação também pertence à esfera de competência da Justiça Estadual. Convém anotar que a organização da Justiça da Infância e da Juventude é tradicionalmente confiada à Justiça dos Estados e do Distrito Federal, aliás, como expressamente indicada nos arts. 145 e 146 do Estatuto da Criança e do Adolescente, inexistindo qualquer regra de competência, especialmente de natureza constitucional, que atribua à União competência para a matéria ora tratada. Por outro lado, frisando que o autor da recomendação tinha o informe de que a transferência estava autorizada pela Egrégia Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, de modo que até mesmo o objeto declarado do injustificado procedimento instaurado (... ilegalmente transferidos...) permite severa crítica, é de se anotar que os dispositivos invocados pelo Procurador de República (arts. 5o, III, “e”, e 6o, XX, da Lei Complementar Federal no 75/93) não autorizam nem longe a iniciativa adotada, mesmo porque devem ser interpretados em consonância com o disposto nos arts. 38 e seguintes da mencionada Lei, valendo lembrar, transcrevendo, as referências do art. 37: Art. 39. Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito: I – pelos Poderes Públicos Federais; II – pelos órgãos da administração pública federal direta ou indireta; III – pelos concessionários e permissionários de serviço público federal; IV – por entidades que exerçam outra função delegada da União. 3 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Se os jovens se encontram em estabelecimento estadual, com autorização da Justiça Estadual, em procedimento onde se colheu a manifestação do Ministério Público Estadual, se inexistem dúvidas quanto a regras de competência e de atribuição e se a atuação do Ministério Público Federal na defesa dos direitos constitucionais do cidadão restringe-se aos entes federais, a irrefletida iniciativa do Procurador da República arranha o princípio federativo e compromete a própria unidade da função ministerial. Anote-se, ainda, que em respeito ao princípio federativo o deslocamento de competência previsto no art. 109, § 5o, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional no 45, de 08 de dezembro de 2004, reclama o devido processo legal e fundamentação adequada, com iniciativa de Vossa Excelência e julgamento pelo Excelso Superior Tribunal de Justiça, de modo que a providência do Procurador Regional em São Paulo sequer atentou para a necessidade de convivência harmônica e de colaboração entre os Ministérios Públicos, atuando como se fosse agente correcional. Assim, manifesto imensa preocupação em relação ao episódio, reclamando iniciativas que coíbam invasões à esfera de atribuições do Ministério Público paulista. Rodrigo César Rebello Pinho Procurador-Geral de Justiça A Sua Excelência o Senhor Doutor Cláudio Lemos Fonteles, DD. Procurador-Geral da República Brasília-DF Disponível em: http://www.mp.sp.gov.br/. 4 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 1 – Conceitos 5. ADULTO O presidente da FEBEM, Alexandre de Moraes, defende a fixação de um prazo para o cumprimento da internação – chamada de medida socioeducativa – pelo adolescente infrator. Hoje, ao entrar na instituição, o jovem não tem uma definição do prazo em que permanecerá internado. A legislação prevê um mínimo de seis meses e um máximo de três anos. A fixação de prazo não está prevista no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), mas poderia aliviar a situação nas grandes unidades da FEBEM(Fundação Estadual do BemEstar do Menor) da Grande São Paulo com a soltura mais rápida de parte dos menores, justamente nos locais que vêm registrando rebeliões e fugas recordes neste ano. No debate intitulado “A FEBEM tem solução?”, realizado no auditório da Folha na última segunda, Moraes, que também é secretário estadual da Justiça, criticou o estatuto, que faz 15 anos em julho de 2005, no tocante aos prazos de internação dos jovens infratores. “Eles [os prazos] são idênticos, mesmo que um interno não ofereça riscos e outro ofereça. Deveria haver um prazo máximo para cada um de acordo com sua infração e seu potencial de periculosidade. Assim, o interno saberia quanto tempo ele ficaria na instituição”, propôs. Controvérsia A sugestão não obteve consenso entre os debatedores. O padre Júlio Lancelotti, da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São Paulo, por exemplo, acredita que a adolescência é uma “condição peculiar de desenvolvimento“ e que a fixação do prazo para cumprimento da pena igualaria os jovens aos adultos presos. “A medida socioeducativa é para trabalhar a pessoa, e não o ato infracional. Caso contrário vamos reforçar nos jovens a mentalidade penitenciária. E isso nós não queremos“, diz Lancelotti. Já o advogado, Paulo José da Costa Júnior, professor titular de Direito Penal da USP (Universidade de São Paulo), defendeu a internação como último recurso do Estado. “A privação de liberdade deve ser adotada apenas em casos extremos“, disse. 5 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Medida semelhante à proposta por Alexandre de Moraes estava incluída no projeto que a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) encaminhou ao Congresso Nacional há cerca de dois anos. O projeto ainda está parado em Brasília. A lei O art. 121 do ECA diz que a internação do adolescente infrator está sujeita ao princípio da brevidade, mas que não há prazo determinado. Institui que a manutenção do menor em privação de liberdade deve ser reavaliada a cada seis meses, no máximo, e fixa o período máximo de três anos para internações contínuas. Hoje, na prática, muitos menores já poderiam deixar as unidades da FEBEM. Não o fazem porque o Estado e o Judiciário são lentos e demoram no encaminhamento dos processos internos, dizem entidades de direitos da criança e do adolescente. Quando um menor é encaminhado para a FEBEM, o juiz fixa um prazo mínimo (normalmente de seis meses), findo o qual a instituição deveria emitir um relatório sobre suas atividades e seu comportamento dentro da instituição. O magistrado analisa o caso e decide se mantém a internação ou se coloca o adolescente em liberdade ou semiliberdade. A FEBEM nega atraso no envio dos relatórios. Afirma que cumpre o prazo de seis meses, mas que a intenção do governo é atingir a periodicidade de 90 dias. Ariel de Castro Alves, coordenador estadual do Movimento Nacional de Direitos Humanos, diz que a mudança proposta pelo presidente da FEBEM é radical, pois altera a base do ECA. “A medida socioeducativa tem um caráter diferente da pena de prisão de um adulto. Tem uma finalidade prioritariamente pedagógica, e não o caráter punitivo”, afirma Alves. Ele concorda, no entanto, com a direção da FEBEMna percepção de que a não fixação de um prazo de internação gera descontentamento entre os internos. “É uma ansiedade natural de não saber por quanto tempo ficará na instituição. Mas o adolescente deve ser avaliado permanentemente e só voltar ao convívio social quando for constatado que ele mudou seu comportamento, independentemente de um prazo fixo determinado por lei”, afirma. (Fonte: Folha Online.) 6 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 3 – Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente Sobre o histórico da doutrina da proteção integral, o excelente magistrado de Minas Gerais, Exmo. Dr. Geraldo Claret de Arantes, faz um excelente comentário em sua Obra (Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do Operador Jurídico. Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008). Assim: As ideologias da revogada Escola Menorista e da nova Doutrina da Proteção Integral O Estatuto da Criança e do Adolescente é um feixe de direitos das crianças e adolescentes e deveres dos adolescentes, dos adultos, das instituições e do Estado, regulando a Doutrina da Proteção Integral, tutelada pela Organização das Nações Unidas, recepcionada em nossa legislação especialmente pelo art. 227 da Constituição Federal e que veio a substituir a Doutrina da Situação Irregular, do revogado Código de Menores de 1927. O código revogado, que deu suporte à chamada “escola menorista”, destinava-se a mendigos, abandonados, infratores, andarilhos, e outras crianças e adolescentes, sempre denominados “menores”, que estivessem “em situação irregular”. Era um código que se destinava apenas a uma parcela da população. Reformado em 1979, o código manteve a mesma ideologia excludente, agravada pela filosofia do “Instituto del Nino”, ligado à Organização dos Estados Americanos, a OEA, que por sua vez estava impregnado pela Doutrina da Segurança Nacional, principal alicerce ideológico das ditaduras latinoamericanas daquele período, e que influenciou decisivamente a reforma de 1979. No Brasil, sempre sob a égide de tais filosofias, a questão da criança e do adolescente, na reforma de 1979, foi tratada sob a ótica da segurança nacional e daí nasceram as FEBENS e a FUNABEM, que tinham como eixo a política da centralização das decisões e das execuções, da segregação dos “menores em situação irregular”, do monopólio estatal no trato da questão, e principalmente, dos “muros contendores”. No plano jurisdicional, a doutrina da situação irregular refletia-se em toda a sua plenitude, dando ao então Juiz de Menores a escolha do que “a seu prudente arbítrio” fosse o melhor para o “menor”, ao arrepio do devido processo legal, o que incluía 7 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente até mesmo sua prisão dentro dos limites dos “muros contendores” até os vinte e um anos de idade, “para sua proteção”. Enquanto isto, no restante do mundo os direitos da criança e do adolescente estavam em franca evolução, sob a tutela da Organização da Nações Unidas, a ONU, que produzia tratados e convenções como as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras de Beijing –, as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil – Diretrizes de Riad –, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, dentre outras, que formam a Doutrina da Proteção Integral, destinada a toda pessoa em desenvolvimento, ou seja, de zero a dezoito anos de idade, dando um salto ideológico de mais de dois mil anos, desde o pater familias do direito romano, transformando a criança e o adolescente de objeto a sujeito de direitos, alçando-os à igualdade jurídica com os outros destinatários do direito. A Doutrina da Proteção Integral não nos chegava em decorrência da barreira ideológica patrocinada pela OEA, em decorrência da doutrina da segurança nacional, pilar do regime de exceção que então vigorava no continente. Com a democratização do país a Doutrina da Proteção Integral foi, ainda que tardiamente, recepcionada pela Constituição Federal, em seu art. 227, regulado pela Lei no 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Hoje, substitui-se o regime do “prudente arbítrio“ pelo Estado Democrático de Direito, sendo que a Justiça da Infância e da Juventude dirige-se a todas as crianças e adolescentes e suas relações com a comunidade, com a família, com o Estado, com as coisas e com as pessoas, sempre através do devido processo legal, com um olhar e práticas diferentes e adaptadas, mas sempre no estrito limite da lei. Exclui-se definitivamente o termo “menor”, pela carga discriminatória que contém, embora ainda subsistam manchetes de jornal que estampem tal preconceito, ao noticiarem que “menor furta criança”. As pessoas em desenvolvimento que têm entre zero e doze anos de idade são crianças, e as que têm entre doze e dezoito anos de idade são adolescentes. A partir da recepção da referida doutrina pela legislação brasileira, o foco do direito centra-se prioritariamente na criança e no adolescente, nas causas que os envolvem, e sob tal prisma as ações devem ser decididas. 8 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 3 – Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente Geraldo Claret de Arantes explica bem o papel da equipe muldisciplinar e do Comissariado (Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do Operador Jurídico. Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008). Assim: Comissariado da Infância e da Juventude Sucede, em substância, o antigo Comissário de Menores do código revogado. A autoridade judiciária da infância e da juventude deve contar com equipe de servidores públicos nomeados em quadro de carreira específica do Comissariado da Infância e da Juventude, cuja previsão deve constar da previsão orçamentária do Poder Judiciário, como previsto nos arts. 150; 151 e 194 da Lei no 8.069/90. O Comissário da Infância e da Juventude deve ter especial vocação para o encargo, que não dispensa grande sensibilidade, capacidade de argumentação, conhecimento da lei, disponibilidade integral para o trabalho, discrição e dedicação à causa da Infância e da Juventude. Entre suas atribuições está a de cumprir determinações judiciais como sindicâncias, mandados de busca e apreensão de crianças e adolescentes em situação de risco, subsidiar eventuais operações policiais especiais que envolvam adolescentes em conflito com a lei ou em situação de risco, promover internações hospitalares de urgência, transportar e custodiar adolescentes nas instalações físicas judiciais, fiscalizar interna e externamente bares, restaurantes, clubes, teatros, estádios, bancas de jornais, danceterias, festas, bailes, boates, desfiles etc., e, externamente, hotéis e motéis, que também poderão ser fiscalizados internamente com os devidos mandados judiciais. Na falta de servidores efetivos, que deverão ser requisitados ao Tribunal de Justiça, o Juiz poderá, excepcionalmente, nomear para o encargo não remunerado, pessoas de reconhecida idoneidade, vocacionados para a militância social, nos interesses das crianças e dos adolescentes. O Magistrado deve cercar-se de cuidados nesta área, lembrando sempre que o Juiz de Direito não é autoridade policial 9 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente e que devem ser evitados todos os tipos de abusos de autoridade pelos seus auxiliares, o que não acontecerá se forem escolhidas pessoas comprometidas com a causa da Infância e da Juventude, evitando-se aqueles que tenham outros objetivos que não a dedicação às normas de prevenção especial preconizada pela Lei no 8.069/90. Em Minas Gerais, o Comissariado da Infância e da Juventude está regulado pela Instrução no 69/80, da Corregedoria de Justiça de Minas Gerais, anterior à Constituição Federal e ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Os documentos de identificação dos Comissários e a nomeação dos mesmos deverão ser providenciados na Corregedoria de Justiça do respectivo Tribunal. O Comissário da Infância e da Juventude deve lembrar-se de que qualquer adolescente só pode ser apreendido em dois casos, expressos: Flagrante de Ato Infracional ou Ordem Judicial, constituindo crime e infração administrativa a apreensão do adolescente fora das hipóteses previstas na Lei. Equipe Multidisciplinar O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus arts. 150 e 151, prevê que o Tribunal de Justiça deverá incluir em seu orçamento anual a contratação e manutenção, nos quadros efetivos, de psicólogos e assistentes sociais, além de outros profissionais úteis à abordagem multidisciplinar de crianças e adolescentes em situação de risco ou em conflito com a lei. Na falta de profissionais do quadro efetivo, que deverão ser solicitados ao Tribunal de Justiça, o Juiz deverá manter, através de nomeações, contratações por tempo determinado, ou convênios, profissionais destas áreas para o atendimento às crianças e adolescentes, acompanhamento das medidas socioeducativas impostas e elaboração de estudos técnicos determinados pelo magistrado, quer nos atos infracionais, quer nos procedimentos cíveis. 10 A equipe multidisciplinar deverá manter-se conectada com entidades governamentais ou não governamentais da comarca, assim como com profissionais que atendam adolescentes em todas as áreas, visando à efetivação do art. 227 da Constituição Federal, na forma do art. 86 da Lei no 8.069/90 e quando necessário, relatar ao Juiz as necessidades do caso concreto, ou encaminhar a criança ou adolescente diretamente ao Material Complementar da Obra Defensor Público ou ao Promotor de Justiça, para que peticionem ao Juiz requerendo a efetivação de quaisquer direitos, como internações hospitalares, consultas médicas, fornecimento de remédios e próteses, vagas escolares, tratamentos psicológicos ou psiquiátricos, inserção em programas sociais, tratamentos contra a toxicomania, abrigos e creches etc. A equipe deverá tentar o atendimento extrajudicial, através de convênios e contratos informais, recorrendo a mandados judiciais quando frustradas tais tentativas. É imperioso que a equipe mantenha rigoroso controle de crianças abrigadas na comarca, supervisionando a promoção social da família, através de programas sociais do Estado e do Município, e de tratamentos psicológicos e contra o alcoolismo e drogadição, capacitando-a a receber de volta, em curto prazo, a criança emergencialmente abrigada, ou orientando a família a mantê-la em creches, onde a criança será atendida durante o dia, retornando ao lar à noite e finais de semana. Cabe ainda à equipe multidisciplinar manter cadastro de pessoas da própria comarca e de outras, que desejam adotar ou manter sob guarda judicial crianças e adolescentes, habilitando-as previamente para tal, através de sindicâncias e estudos sociais, com a homologação judicial após o parecer do Ministério Público. Deve manter também rigoroso cadastro de crianças em condições de encaminhamento ao lar substituto, tendo sempre em mente que a decisão quanto à elegibilidade ou não à adoção é privativa do Poder Judiciário, sendo vedada a decisão por órgão não jurisdicional. Assim, crianças em situação de abandono em abrigos ou submetidas a maus-tratos e abuso do poder familiar devem ser objeto do devido processo legal para definição jurídica de sua situação social. Ambos os cadastros, de pessoas habilitadas para ajuizar a adoção e de crianças aptas a serem adotadas devem ser informadas mensalmente à Comissão Estadual Judiciária de Adoção – CEJA. 11 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 1. DIREITO À VIDA E À SAÚDE A respeito do tema “promoção da educação alimentar e nutricional nas escolas públicas e privadas do sistema estadual de ensino, o Congresso Nacional estuda projeto neste sentido: PL 127/07 Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara proíbe venda de alimentos calóricos nas escolas A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara aprovou, no dia 05/09, o Projeto de Lei no 127/07 (ver abaixo), do deputado Lobbe Neto – PSDB/SP, que proíbe a venda e a publicidade, nas escolas, de alimentos que causam obesidade. O objetivo é evitar o consumo de alimentos inadequados pelos estudantes, à base de açúcar e gordura saturada. Entre eles destacam-se os refrigerantes, salgadinhos e guloseimas. O relator da matéria na comissão, deputado Saraiva Felipe – PMDB/MG, que apresentou parecer pela aprovação, ressalta que a medida tem grande mérito na prevenção de doenças na população infanto-juvenil. Além disso, o relator afirma que o sistema educacional exerce importante função na formação pessoal. “A participação da escola também deve ser estendida à formação dos hábitos alimentares dos estudantes, não só por meio dos ensinamentos ou campanhas educativas na área alimentar, mas também pelo fornecimento exclusivo de alimentos saudáveis a seus alunos”, frisa. Obesidade infanto-juvenil Lobbe Neto destaca que o aumento da taxa de obesidade infanto-juvenil tem provocado maior incidência de doenças cardiovasculares, diabetes e hipertensão, além de cáries e disfunções gastrointestinais. Segundo dados do Ministério da Saúde, a obesidade infanto-juvenil aumentou 240% nas últimas décadas. Atualmente, 40% da população adulta convive com excesso de peso. 12 Na avaliação do parlamentar, uma das causas mais evidentes dessa situação é a mudança dos padrões alimentares e de recreação da população jovem. “O consumo de guloseimas, refrigerantes, frituras e outros produtos calóricos não nutritivos, preparados com conservantes, tem sido um fator Material Complementar da Obra determinante das doenças precoces e outras insuficiências enfrentadas pela população infanto-juvenil”, diz. Lobbe Neto acrescenta que muitas crianças e jovens deixaram de brincar e praticar esportes nas ruas e locais públicos, em razão da falta de segurança. “A escola não pode se isentar de responsabilidade. Pelo menos durante o tempo em que estão na escola, nossas crianças e jovens devem estar livres da pressão e tentação de consumo de produtos inadequados ao seu desenvolvimento saudável”, afirma. Tramitação O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será encaminhado às comissões de Educação e Cultura; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. • Confira, abaixo, a íntegra da proposta. Projeto de lei no, de 2007 (de autoria do Sr. Lobbe Neto) Dispõe sobre a substituição de alimentos não saudáveis, nas escolas de educação infantil e do ensino fundamental, público e privado. O Congresso Nacional decreta: Art. 1o Os estabelecimentos de educação infantil e de ensino fundamental, públicos e privados, ficam obrigados a substituir os alimentos não saudáveis por alimentos saudáveis, de acordo com os critérios definidos pelas autoridades sanitárias, em suas dependências para fins de comercialização, inclusive não podendo oferecer a qualquer pretexto ou fazer propagandas. Art. 2o Os estabelecimentos infratores estarão sujeitos às penas previstas na Lei no 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem prejuízo de outras sanções cabíveis. Art. 3o Esta lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após sua publicação. Justificação É de amplo conhecimento da população e dos especialistas o significativo aumento da taxa de obesidade infanto-juvenil, com consequente incidência de doenças como diabetes e hipertensão, outrora típicas de idades mais avançadas; e aumento da ocorrência de cáries e disfunções do aparelho gastrointestinal. 13 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Uma das causas mais evidentes desta indesejável situação é a mudança dos padrões alimentares e de recreação da população jovem. O consumo de guloseimas, refrigerantes, frituras e outros produtos calóricos não nutritivos, preparados com conservantes, tem sido um fator determinante responsável pelas doenças precoces e outras insuficiências enfrentadas pela população infanto-juvenil. Além disso, por causa da insegurança e por falta de alternativas, muitas crianças e jovens deixaram de brincar e praticar esportes nas ruas e locais públicos, também com graves consequências para a sua saúde. Diante deste quadro, a escola não pode se eximir e se isentar de responsabilidade. Pelo menos durante o tempo em que estão na escola, nossas crianças e jovens devem estar livres da pressão e tentação de consumo de produtos inadequados ao seu desenvolvimento saudável. O que precisa é serem motivados e conscientizados a consumirem produtos mais saudáveis. A alimentação equilibrada e balanceada é um dos fatores fundamentais para o bom desenvolvimento físico, psíquico e social das crianças. As redes de ensino e cada escola, como parte de sua missão de formação geral do aluno, devem desenvolver atividades para mobilização e conscientização dos alunos em favor de sua saúde. Devem também estabelecer as normas para que as cantinas escolares cumpram seu papel educativo e não sejam apenas estabelecimentos comerciais que se beneficiam do monopólio que possuem de vender o que quiserem a uma clientela passiva, inexperiente e sem alternativas. O problema da obesidade infanto-juvenil é tão notório e suas consequências tão alarmantes e desastrosas que a mídia nacional já fez diversas reportagens sobre o assunto, tais como: Revista Escola (Ed. Abril, p. 55, maio/2004), Revista Isto É (no 1.765, de 30/07/2003, p. 57), Jornal Correio Braziliense (Brasília, 20/07/2003), Jornal da Paulista (UNIFESP/EPM, ano 16, set./2003). Pelo exposto, conto com o inestimável apoio dos senhores e senhoras Parlamentares para a aprovação desta proposta, que é de baixo custo em sua implementação, mas de grande relevância e impacto na qualidade de vida atual e futura da população de nosso País. 14 Cabe destacar que já existem muitas iniciativas de Estados e Municípios nesta mesma direção, que têm recebido apoio das comunidades. Este parlamentar, preocupado com o proble- Material Complementar da Obra ma, no exercício do mandato de Deputado Estadual junto à ALESP – Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, apresentou o PL no 0471/2001. Uma norma federal estabelecendo diretrizes terá o papel de reforçar todos aqueles que já estão imbuídos deste objetivo e servirá de estímulo àqueles que ainda não tiveram condições de empreender esta urgente tarefa de zelar pelo desenvolvimento saudável da juventude. Sala das Sessões, em de fevereiro de 2007. Deputado Lobbe Neto Disponível em: www.migalhas.com.br. Sobre o tema “publicidade abusiva dirigida à criança”, um grande passo foi dado em setembro de 2009: Um grande passo para os direitos da criança Isabella Henriques* Os últimos dias foram muito especiais para a infância brasileira. Depois de intenso debate, enfim, o setor regulado, mais especificamente a Associação Brasileira da Indústria Alimentícia – ABIA e a Associação Brasileira de Anunciantes – ABA, representando 24 empresas da indústria de alimentos, anunciou que passará a adotar um código de conduta, comprometendo-se, dentre outras restrições, a deixar de fazer publicidade dirigida a crianças de até 12 anos de idade. Os pais passam a ser o novo público-alvo. Todas as empresas que aderiram a esse compromisso merecem o mais alto grau de reconhecimento pela iniciativa. A decisão de não mais anunciar produtos alimentícios ao público menor de doze anos, ainda que com as exceções previstas no documento, é sem dúvida um grande passo em direção à garantia dos direitos das crianças. É sabido que, até por volta dos 8 ou 10 anos, as crianças sequer conseguem distinguir o que é anúncio publicitário do que é conteúdo de entretenimento, seja na televisão, nas rádios, na internet ou nas publicações impressas. E, mesmo depois que já conseguem fazer essa distinção, elas não entendem o caráter persuasivo da publicidade até os 12 anos. Se a publicidade lhes diz que precisam consumir determinado produto ou serviço para serem mais felizes, saudáveis, estarem integradas 15 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente em seus grupos, elas simplesmente acreditam. A partir daí, passam a sofrer até conseguirem consumir os produtos e serviços anunciados. Pelo menos até o próximo comercial. Essas são algumas das razões que reforçam a importância desse novo compromisso assumido no Brasil. Principalmente porque, no caso específico dos alimentos, o estímulo ao consumo provocado pela publicidade dirigida ao público infantil é também um dos fatores que contribui para o aumento dos índices de obesidade e transtornos alimentares. Os dados do Ministério da Saúde apontam que hoje, no Brasil, 15% das crianças já sofrem de obesidade e 30% delas estão com sobrepeso. A decisão das 24 empresas signatárias só vem corroborar com a proposta da Consulta Pública 71, da Agência de Vigilância Sanitária – Anvisa, cuja última audiência pública aconteceu no dia 20 de agosto, em Brasília. O que a Anvisa propõe é o cumprimento das leis já em vigor no Brasil, no sentido de que seja resguardada a infância brasileira, e com isso, dentre outras regras, não mais sejam dirigidas publicidades ao público infantil. É importante que, além dos compromissos firmados por estas grandes companhias, o Poder Público exerça o seu papel e cumpra a sua responsabilidade de fazer valer as regras de proteção às crianças de maneira geral. A autorregulamentação do setor alimentício é muito bem vinda e merece o reconhecimento incondicional de toda a sociedade. Contudo, é imprescindível que regras como as propostas sejam válidas para todas as empresas do setor, independentemente de pactuarem de forma voluntária com o código de conduta proposto. Assim como é essencial que se crie sanções para aquelas que descumprirem as regras. Não por outro motivo, além da Consulta Pública 71, há dezenas de projetos de lei apresentados no Congresso Nacional e diversas ações judiciais tramitando nas Cortes brasileiras sobre o tema da publicidade de alimentos. Todos com o intuito de assegurar uma maior proteção aos direitos e garantias das crianças. 16 Mas ainda que ajustes sejam necessários para atingirmos o ideal, há que se prestigiar empresas Material Complementar da Obra que, tal como as signatárias desse compromisso, reconhecem com esse ato a importância de honrar a infância. É inegável que com essa iniciativa, todos saem ganhando. Ganha a sociedade, ganha o mercado e, principalmente, ganham as nossas crianças. _________________ *Autora do livro Publicidade abusiva dirigida à criança (Editora Juruá), e coordenadora geral do Projeto Criança e Consumo, do Instituto Alana. 17 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.1.1. Características da guarda Em parecer ministerial de ação ordinária de pensão por morte, manifestei pela acolhida, excepcional, da pensão por morte para guarda de neto, o que foi acolhido pelo magistrado, estando em grau de recurso no Tribunal Regional Federal da 1a Região (art. 109, § 3o, da CF/88). Comarca de Cláudio/MG – Secretaria da Única Vara Termo de audiência Processo no: 0166 03 001673-6 Natureza: Ordinária Requerente(s): “A” – criança, representada por sua genitora Requerido(a)(s): INSS – Instituto Nacional de Seguro Social Advogado(a)(s): Raimundo Fernandes Campos/ Janaína de Fátima Assis Campos/ Elenir F. de Oliveira Vilela (Procuradora do INSS) Aos 9 de agosto de 2004, às 13 horas, nesta cidade de Cláudio, Estado de Minas Gerais, no Fórum José Apolinário, situado à Praça dos Ex-Combatentes, no 380, onde se achava o Exmo. Sr. Dr. Francisco de Assis Corrêa, MM. Juiz de Direito Titular da Única Vara desta Comarca, comigo Escrevente Judicial I, ao seu cargo, e, sendo aí, pelo MM. Juiz foi determinado que se procedesse com as formalidades legais, e apregoasse as partes da presente ação. Apregoadas, as partes, compareceram o requerente acompanhado de sua representante legal e procuradores, bem como a procuradora do requerido, presente o Ilustre Representante do Ministério Público Dr. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira. 18 Aberta a audiência, procedeu-se ao depoimento pessoal da genitora do requerente, bem como oitiva de três testemunhas, conforme termos em apartado. Encerrada a instrução, passaram as partes às Alegações Finais, assim se manifestando a parte autora: da situação fática depreende-se que havia uma guarda de fato sobre o requerente de onde emerge o direito do neto de ser equiparado à condição de filho inclusive para fins previdenciários conforme pressupõe o art. 33 da Lei no 8.069/90 em seu parágrafo terceiro. Portanto, em razão da filiação socioafetiva e dos laços que o avô nutria por seu neto além do fato de que esse vivia em sua companhia e responsabilidade e ainda que não havia sido formalizada a guar- Material Complementar da Obra da judicial havia a guarda de fato, fato este público notório desde o ano de 1994. Do exposto, o neto requerente deve ser tido como filho porque a guarda deferida judicialmente em vida do Sr. Aureliano não tem outro fim senão o de regularizar a posse de fato sobre o menor. Saliento também, que não obstante o advento da Lei no 9.032/95 que exclui o neto da cadeia dos benefícios do regime geral de previdência social sendo o requerente neto como é o caso do autor e em face dos laços materiais e de ordem socioafetiva a de ser equiparado à condição de filho para fins previdenciários. Dos documentos de fls. 14 a 16 dos autos devidamente autenticados em cartório constava que o requerente vivia em companhia do Sr. Aureliano e sob a sua dependência econômica. Finalizando, somando o caráter elementar da pensão por morte com a condição de dependente equiparado ao status de filho do falecido Aureliano deve ser acolhida a pretensão aduzida, pois negar a assistência previdenciária ao menor protegido pela guarda ainda que fática traduz medida que afronta o art. 227, § 3o, II da Constituição Federal. Para esclarecer, não é condição necessária, segundo entendimento do STJ, o prévio ingresso na via administrativa junto ao INSS quando se pleiteia a concessão de benefício previdenciário, recurso especial no 97147252/Santa Catarina. Por seu turno, a procuradora do requerido assim se manifestou: o requerido em Alegações Finais se reporta aos termos de sua contestação requerendo o julgamento pela improcedência do pedido com a anterior apreciação da preliminar de carência da ação. Por fim, o Ministério Público assim se manifestou: MM. Juiz, trata-se de Ação Ordinária movida contra a Autarquia Federal (INSS), por pensão por morte, referente ao falecimento do Sr. Aureliano Lara dos Santos, em 7 de fevereiro de 2001, sendo que o adolescente, representado por sua mãe, alega que estava sob a guarda de fato do falecido, fazendo jus, portanto, ao benefício. Em excelente peça processual, a culta procuradora do INSS nas fls. 34 e seguintes sustenta uma preliminar, qual seja, ausência de interesse de agir em face do INSS sequer ter sido procurado administrativamente. Em relação a falta de interesse de agir, também não procede a alegação, na medida em que a Constituição Federal só exige o exaurimento da via administrativa na Justiça Desportiva, face o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Assim, passo a analisar 19 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente o mérito. Trata-se de delegação de competência prevista no art. 109, § 3o, da CF/88, quando a comarca não possuir Vara Federal. A questão, altamente complexa esbarra na excelente peça processual da culta procuradora. Isto porque, conforme a Dra. Elenir sustenta nas fls. 36, há um direito intertemporal oriundo da Lei no 9.528/97, convertida com a anterior Medida Provisória no 1.523/96, que alterou o art. 16, § 2o da Lei no 8.213/91. Este artigo cuida das pessoas consideradas beneficiárias do RGPS. Com o advento da citada Lei, ficou excluído “o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda” do rol alhures mencionado. Com isto, restava indagar como que uma Lei Civil se comporta na antinomia? A resposta é dada pela Constituição, que menciona que lei civil de regra retroage, salvo direito adquirido, coisa julgada e ato jurídico perfeito. Mas mesmo assim, não há como alegar direito adquirido, pois conforme muito bem mencionou a Dra. Elenir em sua peça, este somente se consagraria com a morte do segurado, na medida em que se o benefício é pensão por morte, aplica-se o princípio do tempus regit actus, ou seja, se o óbito do segurado sobreveio à vigência da Medida Provisória convertida na Lei no 9.528/97, não faz jus ao benefício o requerente da presente ação conforme o STJ se manifestou no Recurso Especial 438.844, Rio Grande do Sul, relator Félix Fisher. Para piorar a situação, em que pese não haver falta de interesse de agir por não ter procurado o INSS, uma situação se detecta nos autos, existe declaração do segurado, quando em vida sobre a dependência do neto, porém, não há qualquer prova de que esta tenha sido entregue à Autarquia. Como se a situação não bastasse por si só para gerar a improcedência, o menor também não estava sob a guarda de direito do segurado, apenas de fato. Pergunta-se então: o direito se exaure apenas nesse conjunto de provas completamente adversos ao requerente? Talvez esteja aí a beleza do direito em demonstrar que o legislador não pode prever todas as hipóteses possíveis na própria lei, pois como diria o grande constitucionalista Pinto Ferreira, “o legislador é mais a testemunha que certifica, do que o obreiro que faz a Lei”, com isso, meu parecer é pela negativa de vigência à Lei Federal, porquanto a mesma padece da inconstitucionalidade progressiva no tempo. Explico. Qualquer legislação no País deve atender aos princípios político-constitucionais do art. 1o ao 4o da Consti- 20 Material Complementar da Obra tuição, entre eles, o da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal, no art. 227, determina a proteção da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, livres de qualquer discriminação ou risco social. É bem verdade que não se aplica o art. 33, § 3o, do ECA, porquanto esta é norma de cunho genérico, afastada pelo RGPS, que possui leis específicas, conforme posição do STJ no Recurso Especial no 497.081, Relatora Ministra Laurita Vaz. Entretanto, enquanto o Estado proíbe que menores de 16 anos trabalhem, sem contudo efetivar na prática medidas que amenizem o trabalho e compensem o estudo; enquanto o Estado é responsável, pela segurança pública da qual sequer consegue proteger seus próprios membros; enquanto o Estado, transfere para a iniciativa privada institutos como a adoção e guarda, na medida em que não consegue cuidar das crianças e adolescentes em situação de risco; enquanto o Estado não permite que o Município recolha crianças e adolescentes nas ruas em situação de risco, e pior, considera sequestro se isso ocorrer, na medida em que o ECA determina que os menores devem ser entregues pelo Conselho Tutelar aos responsáveis, sendo que as vezes sequer tem responsáveis; o Estado é responsável, sim, pela Legislação anterior que permitia no RGPS a inclusão de menor sob guarda judicial, o que era ampliado para guarda de fato, conforme decisão do TRF 4a Região, Acórdão no 2001.72.00.002189-0-SC, Relator Desembargador Fed. Nef Cordeiro, desde que, completa outro Acórdão do mesmo relator, de no 2002.04.01.036682-6- RS, publicado no DJU de 19/11/2003, se presente a dependência econômica e moral, ou seja, “tendo a prova oral demonstrado que o segurado falecido contribuía para o sustento do menor de forma integral, auxiliando-o também na formação moral e em sua proteção, é deferido o benefício de pensão”. Assim, superando a violação à Lei Federal, a Lei no 9.528/97 é inconstitucional a medida em que o Estado não implementa seu dever constitucional, portanto, inconstitucionalidade progressiva no tempo. Superada a antinomia, passo à análise do mérito. No mérito, a ação procede parcialmente, na medida em que apesar de provada a declaração de dependência econômica às fls. 14, bem como pelas testemunhas esta é dependência moral, estando o neto exclusivamente aos cuidados do avô; considerando ainda provada a necessidade do benefício para a dignidade do adolescente, que suporta 21 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente problemas psicológicos e psiquiátricos, conforme documentos de fls. 17/20, além da própria escola nas fls. 21 noticiar problema sério de aprendizagem, comprovado pelos demais documentos nos autos, o requerente não fez prova do valor necessitado e ao mesmo tempo do valor que o benefício atinge, ônus pelo qual deveria competir, razão pela qual entendo que deve ser oficiado ao INSS para o levantamento do valor do benefício e ser julgada a presente ação parcialmente procedente para deferir 50% do benefício ali contido, harmonizando o dever do Estado com o ônus que este suporta junto aos milhões de benefícios pagos diariamente, o que daria maior justiça ao caso concreto. Apenas por amor ao debate e finalizando o feito, observo que a Legislação Previdenciária e Assistencial sofre de mazelas terríveis, entre elas, a exigência de indício de prova material para o trabalho rural, o que é confundido por muitos como impossibilidade jurídica do pedido, quando na verdade, esta prova legal ou tarifária apenas baliza, leia-se, auxilia o julgador no seu livre convencimento, porém jamais pode impedir a livre apreciação de provas motivada. Com este exemplo reforço que a Lei no 9.528/97, que alterou a Lei no 9.032/95, é parcialmente inconstitucional, pois de regra a guarda não pode ser objeto de benefício do RGPS, salvo situações como a dos autos que o legislador jamais poderia prever numa Lei, cuja característica principal é ser abstrata, além de genérica. Mercê. Pelo MM. Juiz foi deliberado o seguinte: Vistos etc. Conclusos para prolação de sentença, tendo em vista o comprometimento da pauta de audiência para esta data designada. Intimações em audiência. Nada mais havendo determinou o MM. Juiz que se encerrasse o presente termo que, lido e achado conforme, vai devidamente assinado. Eu, Escrevente Judicial I, digitei. MM. Juiz: Promotor de Justiça: Procuradores: Genitora do requerente: Sentença judicial Processo no 0166 03 001673-6 Vistos etc. 22 Material Complementar da Obra “A”, menor impúbere, representado por sua genitora Delza Aparecida de Oliveira, também qualificada, por sua vez representada pelos procuradores constituídos, ajuizou a presente Ação Ordinária de Pensão por Morte contra o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, pessoa jurídica de direito público interno, através de seu representante legal, aduzindo ter permanecido na cidade de Pará de Minas/MG, sob a guarda fática de seu avô paterno, Aureliano Lara dos Santos, então falecido em 07/02/2001, o qual era aposentado junto ao Requerido. E mais, que a guarda fática, decorrente da irresponsabilidade paterna e falta de condição econômica materna, teve início ainda em 1993, sendo certo que o Requerente apresentava, como ainda apresenta, problemas relativos à saúde mental, cuja assistência médica sempre foi patrocinada pelo referido avô. Ainda, que com o falecimento deste, o Requerente se viu privado até mesmo da mínima assistência material, passando por quadro depressivo e ansiolítico que comprometeu, inclusive, seu desenvolvimento físico e mental. Requereu a procedência de sua pretensão, objetivando a concessão de pensão relativa à aposentadoria de seu mencionado avô paterno, desde a data do óbito, com as correções e juros devidos e consequente condenação do Requerido nos ônus de sucumbência. Deu à causa o valor de R$ 1.000,00, requereu a Gratuidade de Justiça, protestou por provas e juntou os documentos de fls. 08/26. Regularmente citado (fls. 32), o Requerido apresentou a contestação de fls. 34/40, suscitando, em preliminar, carência de ação, em face da ausência de interesse processual, salientando que o Requerente não pleiteou qualquer benefício na via administrativa, inexistindo prova de que tivesse o Requerido resistido à pretensão do Requerente. No mérito, salientou a inexistência de direito adquirido à pensão por morte, tendo em vista as disposições da Lei no 9.032/95, que aboliu a possibilidade de concessão de pensão dessa natureza a pessoas que foram designadas como dependentes por segurados da Previdência Social, tendo também formulado prequestionamento para efeitos de Recurso Extra- 23 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente ordinário ou Especial, relativamente a eventual decisão que venha contrariar os dispositivos da citada Lei. Requereu a improcedência da pretensão do Requerente, com a consequente imposição, dos ônus de sucumbência e juntou os documentos de fls. 41/45. Réplica às fls. 47/51, rebatendo, minuciosamente, os termos da contestação. Manifestação Ministerial às fls. 52 e verso. O despacho de fls. 53 rejeitou a preliminar e determinou a especificação de provas, tendo o Requerente evidenciado (fls. 57) a pretensão de prova testemunhal, enquanto que o Requerido nada manifestou, apesar de regular intimação (fls. 55 e verso) e o Ministério Público pretendido o depoimento pessoal da parte Requerente (fls. 58-verso). Instrução regular (fls. 64/74). Em Alegações Finais, o Requerente ratificou sua pretensão (fls. 64), enquanto que o Requerido se reportou aos termos da contestação, inclusive, com anterior apreciação da preliminar de carência de ação (fls. 65). Parecer Ministerial às fls. 65/67, opinando pela inconstitucionalidade da Lei Federal no 9.528/97, que alterou o art. 16, § 2o, da Lei no 8.213/91, e consequente parcial procedência da pretensão do Requerente, para fixação da referida pensão em 50% do benefício a que fazia jus o falecido avô daquele. Vieram os autos à conclusão. Decido. Trata-se de Ação Ordinária de Pensão por Morte promovida por “A” contra o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, ao argumento de que esteve sob guarda fática e dependência econômica do avô paterno, Sr. Aureliano Lara dos Santos, então titular de benefício previdenciário (aposentadoria), desde 1993 até o falecimento deste, ocorrido em 2001. Inicialmente, cumpre salientar que a preliminar de carência de ação ao argumento de que não se esgotou a via administrativa, já havia sido repudiada pelo despacho de fls. 53, permanecendo inatacado. 24 Noutro giro, como relatado, o Requerido suscitou prequestionamento quanto à eventual afronta à Lei Federal no 9.032/95, tendo o Ministério Público opinado pela declaração de parcial inconstitucionalidade da Lei Federal no 9.528/97, que alterou a Lei no 9.032/95. Material Complementar da Obra Assim, antecedendo à análise do mérito, imperativo o exame da indigitada inconstitucionalidade. Nesse particular, vislumbro razão ao Dr. Promotor de Justiça, não havendo como divergir de seu minucioso parecer às fls. 65/67, cujas razões e fundamentos adoto como parte integrante desta decisão, passando à sua transcrição parcial. Com efeito, a Lei Federal no 9.528/97 padece da inconstitucionalidade progressiva no tempo. É que qualquer legislação pátria deve atender aos princípios político-constitucionais dos arts. 1o a 4o da CF/88, entre eles o da dignidade da pessoa humana. O art. 227 da referida Carta Magna determina a proteção da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, livres de qualquer discriminação ou risco social, sendo certo que não se aplica o art. 33, § 3o, do ECA, porquanto norma de cunho genérico, afastada pelo Regime Geral de Previdência Social, que possui Leis Específicas, conforme posição do STJ, por ocasião do julgamento do Recurso Especial no 497081, Relatora Ministra Laurita Vaz. Entretanto, enquanto o Estado proíbe que menores de 16 anos trabalhem, sem, contudo, efetivar na prática medidas que amenizem o trabalho e compensem o estudo; enquanto o Estado é responsável pela Segurança Pública da qual sequer consegue proteger seus próprios membros; enquanto o Estado transfere para a iniciativa privada institutos como a adoção e guarda, na medida em que não consegue cuidar das crianças e adolescentes em situação de risco; enquanto o Estado não permite que o Município recolha crianças e adolescentes nas ruas em situação de risco, e pior, considera sequestro se isso ocorrer, na medida em que o ECA determina que os menores devem ser entregues pelo Conselho Tutelar aos responsáveis, sendo que, às vezes, sequer tem responsáveis; o Estado é responsável sim pela Legislação anterior que permitia no Regime Geral de Previdência Social a inclusão de menor sob guarda judicial, o que era ampliado para guarda de fato, conforme decisão do TRF/4a Região, Acórdão no 2001.72.00.002189-0-SC, Relator Desembargador Federal Nef Cordeiro, desde que, completa outro Acórdão do mesmo Relator, de no 2002.04.01.036682-6-RS, publicado no DJU de 19/11/2003, se presente a dependência econômica e moral, ou seja, “tendo a prova oral demonstrado que o segurado falecido contribuía para o sustento do menor de forma integral, 25 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente auxiliando-o também na formação moral e em sua proteção, é deferido o benefício de pensão”. Sobre o tema da inconstitucionalidade progressiva no tempo, o STF já teve oportunidade de manifestação em caso específico, subsistindo excepcionalmente a legitimidade do Ministério Público para promover a ação civil (ou execução civil) em favor de vítima pobre onde ainda não instituída a Defensoria Pública. O art. 127, caput, da CF/88 estabelece que é incumbência do MP, a defesa dos interesses individuais indisponíveis. Mas se o dano é patrimonial, logo, disponível, então onde fica a legitimidade? A legitimidade não está no patrimônio e sim no acesso à Justiça, ou seja, todos têm direito à Justiça (art. 5o, XXXV, da CF/88 – princípio da inafastabilidade da Jurisdição), sendo ricos ou pobres. Sendo pobres, através da defensoria pública ou do próprio MP, quando previsto em lei sua legitimidade (art. 68 do CPP), pois ambas as Instituições retiram suas competências da CF/88. Com o advento da Constituição de 1988, a defesa judicial dos hipossuficientes passou para a atribuição da Defensoria Pública. Ocorre que ela ainda não existe em muitas Comarcas. Onde não existe, pode (e deve) o Ministério Público atuar em favor das vítimas pobres. Essa é a tese da inconstitucionalidade progressiva do art. 68 do CPP (sustentada sobretudo por Sepúlveda Pertence), isto é, onde criada a Defensoria Pública o art. 68 torna-se inconstitucional. Onde não criada, o art. 68 é válido (e deve ser observado). Portanto, o STF decidiu que esta legitimidade do MP somente se justifica se na comarca não houver Defensoria Pública. Se houver, será exclusiva a legitimidade da Defensoria Pública. Assim, o STF entendeu que o art. 68 do CPP sofre de “inconstitucionalidade progressiva no tempo”: Precedente: RE no 135.328-7/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 01/08/94. No mesmo sentido: STJ – ERESP 232279 – SP – Rel. Min. Edson Vidigal – DJU 04/08/2003 – p. 00205 26 Legitimidade. Ação “ex delicto”. Ministério público. Defensoria pública. Art. 68 do Código de Processo Penal. Carta da República de 1988. A teor do disposto no art. 134 da Constituição Federal, cabe à Defensoria Pública, instituição essencial à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV, da Carta, estando restrita a atuação do Ministério Público, Material Complementar da Obra no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do art. 127 da Constituição Federal). Inconstitucionalidade progressiva. Viabilização do exercício de direito assegurado constitucionalmente. Assistência jurídica e judiciária dos necessitados. Subsistência temporária da legitimação do Ministério Público. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o art. 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento (STF. RE 135328-TP. Rel. Min. Marco Aurélio. DJU 20/4/2001, p. 00137). Relativamente ao mérito, restou provado quantum satis a convivência do Requerente sob a fática guarda e dependência econômica do avô paterno, então titular de benefício previdenciário, seja pelo documento acostado às fls. 14, seja pela prova testemunhal, bem como provada a necessidade do benefício para sua dignidade, que, aliás, apresenta problemas psicológicos e psiquiátricos, com reflexos negativos no aprendizado escolar, bastando remição aos documentos de fls. 17/21. Entretanto, não fez prova do valor de que necessita e nem mesmo do valor do benefício então percebido pelo falecido avô paterno, impondo-se estabelecer esse quantum. Evidencia a prova dos autos que o Requerente residia em companhia dos avós paternos desde 1993, época em que a avó era ainda viva, tendo permanecido o Requerente em companhia do avô mesmo após a viuvez deste e que não havia outros parentes em companhia do referido avô, mas apenas o Requerente. Assim, presume-se que do valor do benefício então percebido pelo avô do Requerente, metade se destinava à assistência a este, ficando limitado ao valor máximo de um salário-benefício. Ante o exposto, considerando o que dos autos consta, julgo procedente, em parte, o pedido inserto na inicial, para, declarando a inconstitucionalidade da Lei Federal no 9.528/97, que alterou a Lei no 9.032/95, no que pertine à alteração do 27 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente art. 16, § 2o, da Lei no 8.213/91, conceder ao Requerente, a pensão por morte de seu avô paterno, Aureliano Lara dos Santos, no quantum equivalente à metade do benefício mensal percebido por este, limitado o seu valor ao máximo de um salário-benefício, incidente a partir do falecimento deste, ocorrido em 28/01/2001 (documento de fls. 10), até a implementação da maioridade civil, caso não venha ocorrer situação que enseja a declaração de sua incapacidade para atos da vida civil, oportunamente, assim considerado o quadro psíquico e psiquiátrico, segundo os documentos de fls. 17/20. Arcará o Requerido com a verba honorária ora fixada em 10% sobre o valor da causa, corrigidos monetariamente nos termos da Súmula 14 do STJ. Após o trânsito em julgado, feitas anotações e comunicações de estilo, ao arquivo, com baixa no SISCOM. Publicar. Registrar. Intimar. Cláudio, 16 de setembro de 2004. Francisco de Assis Corrêa Juiz de Direito 28 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.1.5. Guarda compartilhada Dada a importância da matéria, não podemos deixar de destacar o excelente trabalho de Lucas Hayne Dantas Barreto a respeito da guarda compartilhada, disponível no site Jus Navigandi. transcrevendo uma síntese das principais espécies de guarda elencadas pelo autor. O instituto da guarda compartilhada vem à baila para socorrer as deficiências que outros modelos de guarda, principalmente o da guarda dividida – onde há o tradicional sistema de visitas – possuem. Tais modelos, ao privilegiar sobremaneira a mãe, na esmagadora maioria dos casos, levam a profundos prejuízos aos filhos, tanto de ordem emocional quanto social, no seu desenvolvimento. Estes revezes atingem também o próprio pai, cuja falta de contato mais íntimo leva fatalmente a um enfraquecimento dos laços parentais, privando-o do desejo de perpetuação de seus valores e cultura. (...) No alvorecer do século XIX, era atribuição do pai deter a guarda exclusiva e o pátrio poder dos filhos, enquanto a mãe se submetia às suas determinações. Tal era a decorrência de uma ideologia cristalizada numa legislação que considerava a mulher relativamente incapaz para exercer os atos da vida civil; consequentemente, era ela inibida, legalmente, de dividir as responsabilidades inerentes aos deveres relativos ao vínculo matrimonial. Com a industrialização, e a passagem da família dita extensa para a família nuclear, onde só havia o casal e filhos, o pai passa a trabalhar, e despender a maior parte do tempo fora do lar. Somado isto ao advento da capacidade plena da mulher, passou a ser ela a considerada mais apta à guarda dos filhos, em casos de separação, por ter, entendia-se, por natureza, o amor aos filhos, e a inata capacidade de bem deles cuidar. Ao pai, então, coube a incumbência de prover as necessidades materiais da família, enquanto a mulher se dedicava às prendas do lar. Todavia, a revolução sexual, a inserção cada vez maior da mulher no mercado de trabalho, e a divisão mais equânime das tarefas de educação de filhos, levaram a uma mudança na estrutura familiar, e no próprio entendimento que confere primazia à mãe na atribuição da guarda. A mudança social ocorrida selou o alicerce para a construção de novas 29 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente teorias sobre a guarda, buscando, sempre, um exercício mais equilibrado, onde a manutenção do contato do filho com ambos os pais deve continuar tal qual o era antes do rompimento. Assim, hoje, já se percebe que, nem sempre, a atribuição da guarda à mãe atende ao melhor interesse da criança. Neste contexto, surgiram fortes correntes, quer nos campos da Psicologia, Psicanálise, Sociologia e, como não poderia deixar de ser, do Direito, a teorizar acerca da guarda compartilhada, de modo que, em muitos países, já é comumente aplicada, e concebida como a melhor forma de manter mais íntegros os laços decorrentes da relação parental. (...) Por guarda compartilhada, também identificada por guarda conjunta (joint custody, no direito anglo-saxão), entende-se um sistema onde os filhos de pais separados permanecem sob a autoridade equivalente de ambos os genitores, que vêm a tomar em conjunto decisões importantes quanto ao seu bem-estar, educação e criação. É tal espécie de guarda um dos meios de exercício da autoridade parental, quando fragmentada a família, buscando-se assemelhar as relações pai/filho e mãe/filho que naturalmente tendem a modificarse nessa situação às relações mantidas antes da dissolução da convivência, o tanto quanto possível”. O didático autor ainda define as espécies de guarda: a) Guarda Alternada: Conhecida no Direito anglo-saxão sob a denominação de joint physical custody ou residential joint custody, é aquele modo que possibilita aos pais passarem a maior parte do tempo possível com seus filhos. Caracterizase pelo exercício da guarda, alternadamente, segundo um período de tempo predeterminado, que pode ser anual, semestral, mensal, ou mesmo uma repartição organizada dia a dia. Ao termo do período, os papéis invertem-se. É bastante criticada em nosso meio, uma vez que contradiz o princípio da continuidade do lar, que deve compor o bemestar da criança. Objeta-se, também, que se quede prejudicial à consolidação dos hábitos, valores, padrões e formação da sua personalidade, em face da instabilidade emocional e psíquica criada pela constante mudança de referenciais. Esta é a modalidade a que se refere, equivocadamente, o eminente advogado supracitado. Suas críticas podem ser pertinentes, como visto, à guarda alternada, nunca à compartilhada. 30 Material Complementar da Obra b) Aninhamento ou Nidação: Por este modelo, os filhos passam a residir em uma só casa; no entanto, os pais são quem para ela se mudam, segundo um ritmo periódico. É a birds nest theory do Direito americano, que, por ser pouco prática, bastante exótica, e levar a prejuízos semelhantes aos já descritos no modo anterior, é muito pouco defendida. c) Guarda Dividida, Guarda Única ou Guarda Exclusiva (sole custody): É o tradicional sistema, em que o menor fica com um dos pais, em residência fixa, recebendo visitas periódicas do outro. É bastante criticada, tanto pelas ciências da saúde mental, quanto pelas ciências sociais e jurídicas, uma vez que proporciona o gradual afastamento entre pais e filhos, até que se verifique o fenecer da relação, bem como afronta os princípios constitucionais da isonomia e melhor interesse do menor. Isto posto, vale ressaltar que na guarda compartilhada, um dos pais pode manter a guarda física do filho, enquanto partilham equitativamente sua guarda jurídica, esta, chamada joint legal custody no sistema da commom law. Assim, o genitor que não mantém consigo a guarda material, não se limita a fiscalizar a criação dos filhos, mas participa ativamente de sua construção. Decide ele, em conjunto com o outro, sobre todos os aspectos caros ao menor, a exemplo da educação, religião, lazer, enfim, toda a vida do filho. Neste sentido, bastante esclarecedora a definição trazida pela Seção Judicial do Estado americano de Iowa, em informativo na sua página oficial da Internet: Joint custody means that both parents have the legal custodial rights and responsibilities toward a child. Under joint custody, neither parent has legal custody rights superior to the other. Joint custody does not necessarily mean that the child spends equal time with or lives with both parents. A parent may have joint custody even though a child resides with another parent. Tal modelo, ao passo que possibilita ao menor manter o contato com ambos os pais, o que se afigura como de suma importância para seu desenvolvimento regular e sadio, não traz o inconveniente da instabilidade familiar verificado na guarda alternada, bem como no aninhamento; tampouco leva ao rompimento de relações parentais, como no obsoleto modelo da guarda dividida. 31 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Mostrando o Direito comparado, o autor explica: Na França, tal ideia surgiu em 1976. O Código Civil francês estabeleceu, com a inovação trazida pela Lei Malhuret, que, após a oitiva dos filhos menores, o juiz deve fixar a autoridade parental (expressão que lá substituiu o termo guarda), de acordo com interesses e necessidades dos filhos e, caso fique estabelecida a guarda única, o magistrado deverá decidir com quem ficarão. Mas, estando o casal de acordo, basta uma declaração conjunta perante o Juiz, para que seja decidido pelo compartilhamento da guarda. Para o Direito canadense, a separação dos genitores não deve gerar um sentimento de perda para nenhuma das partes envolvidas, seja mãe, pai, ou filhos. Esta ideia é a pedra de toque para a adoção da guarda compartilhada por este ordenamento, da qual resulta uma presunção de guarda conjunta, como melhor interesse do menor. Já no Direito inglês busca-se distribuir igualmente, entre os genitores, as responsabilidades perante os filhos, cabendo à mãe os cuidados diários com os filhos – care and control – resgatado ao pai o poder de dirigir conjuntamente a vida dos menores – custody. Mas foi o Direito estadunidense que mais se aplicou a este estudo, e a maioria de seus Estados já adota francamente a guarda compartilhada. Inúmeros juristas americanos estão dedicando-se a pesquisar e discutir uma aplicação cada vez mais uniforme em todo o país. A American Bar Association, entidade representativa dos advogados americanos, chegou a criar uma comissão especial para desenvolver estudos sobre a guarda de menores – o Child Custody Committee. A título de exemplo, vejamos o que diz o Estatuto do Estado americano de Iowa, sobre a guarda de crianças: 32 1. The court, insofar as is reasonable and in the best interest of the child, shall order the custody award, including liberal visitation rights where appropriate, which will assure the child the opportunity for the maximum continuing physical and emotional contact with both parents after the parents have separated or dissolved the marriage, and which will encourage parents to share the rights and responsibilities of raising the child unless direct physical harm or significant emotional harm to the child, other children, or a parent is likely to result from such contact with one parent. Material Complementar da Obra 2. If the court does not grant joint custody under this subsection, the court shall cite clear and convincing evidence, pursuant to the factors in subsection 3, that joint custody is unreasonable and not in the best interest of the child to the extent that the legal custodial relationship between the child and a parent should be severed. Desta forma, percebe-se que, lá, a regra é o compartilhamento; a exceção deve ser muito bem fundamentada para ser admitida. Não nos deteremos em maiores considerações acerca deste instituto no Direito estrangeiro. No entanto, deixamos o alerta, no sentido de que, tendo em mente as diferenças entre o nosso sistema e o anglo-saxão, devemos ter cautela ao tentar transpor seus institutos ao Direito brasileiro. Só assim, poderemos extrair daquelas experiências algo útil e plausível. (…) A Lei no 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente, traz, por sua vez, uma série de dispositivos aptos a fundamentar a concessão da guarda compartilhada por um magistrado nacional, a saber: o seu art. 4o, caput, transmite o que a cabeça do art. 227 da CF já contém, a saber: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes (...) e à convivência familiar e comunitária. O art. 5o assim se manifesta: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência (...) punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Coloca o art. 6o: Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta (...) e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. O art. 16, caput, traz: O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos (...) V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação (...). Já o art. 19, aduz: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família (...). Por sua vez, o art. 22 transmite: aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Lançadas sobre essas disposições as luzes do princípio da proteção integral e do melhor interesse da criança, iluminar-se-á um panorama favorável à instituição da guarda compartilhada no Brasil. 33 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente O Código Civil de 2002, em seus arts. 1.587 a 1.594, Capítulo XI, referentes à Proteção da Pessoa dos Filhos, nenhuma modificação de monta apresentou ao existente no arcabouço legislativo em vigor. Mas há uma característica da nossa legislação que tem implicações importantes sobre a guarda de menores: é o Pátrio Poder, agora, com o novo Código Civil, chamado Poder Familiar. Ele é exercido igualmente por pai e mãe (se capazes), e a separação (judicial ou de fato) ou o divórcio não interferem neste atributo. O art. 384 do diploma revogado explicitava com clareza seus atributos, os quais foram integralmente mantidos pelo novo Código, em seu art. 1.634.(...) Assim, temos que, mesmo o genitor que não detém a guarda continua com o poder familiar, devendo exercê-lo sob pena de perdê-lo, como regia o Código Civil de 1916, no seu art. 395, II, repetido no art. 1.638, II, do novo Código Civil. A questão é que este artigo é pouco aplicado, nesses casos. A guarda compartilhada vem oferecer um grande instrumental para que se garanta a efetividade do exercício do Poder Familiar, mesmo após a dissolução da sociedade conjugal ou união estável. Ainda há muitas outras disposições legais que poderiam aqui ser trazidas à colação, e mais exaustivamente examinadas; no entanto, tal empresa refoge aos modestos contornos deste trabalho. O importante é que não se perca de mente três conclusões básicas, que se podem extrair desta sucinta análise de nossa legislação: 1) O vínculo parental e os direitos e deveres dele decorrentes, não se extinguem com a extinção do vínculo conjugal; 2) A guarda dos filhos deve ser decidida pelo juiz quando o desacordo dos pais ou interesse do filho o exigir; e 3) A guarda compartilhada é amplamente admitida pelo ordenamento pátrio, desde que resultante de um acordo entre os pais, e benéfica aos interesses do menor. 34 Destarte, podemos concluir que, embora o Direito Positivo brasileiro não contenha norma expressa a respeito, como ocorre em inúmeros ordenamentos, não há, tampouco, vedação, o que enseja possibilidade da ocorrência legal do tipo de guarda sub examine. O Juiz estará agindo sob o manto da lei para autorizar a guarda compartilhada, quando os pais a ela se dispuserem, seja na separação ou divórcio consensual, seja no litigioso, desde que, como dito, quanto à guarda, haja acordo. Material Complementar da Obra Em todo caso, a questão deverá ser analisada incluindose todos os interessados, de modo que se chegue à solução que mais beneficie os menores, mas que também contemple seus pais, a fim de que nenhum deles negligencie a criação e educação de seus filhos: o vínculo parental, após a dissolução do vínculo matrimonial, deverá ser preservado, sempre, e na medida do possível, como era antes do rompimento. E comentando os projetos de lei sobre o tema: Tendo em vista acompanhar o evolver doutrinário, e mesmo estimular o jurisprudencial (ainda tímido, quanto à questão), foram propostos dois projetos de Lei, com o escopo de modificar o Código Civil de 2002, antes mesmo de sua entrada em vigor, pela introdução expressa do sistema da guarda compartilhada. O Projeto do Deputado Feu Rosa (PL no 6.315/02) é do seguinte teor: Art. 1o Esta lei tem por objetivo instituir a guarda compartilhada dos filhos menores pelos pais em caso de separação judicial ou divórcio. Art. 2o O art. 1.583 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: Art. 1.583 (...) Parágrafo único. Nesses casos poderá ser homologada a guarda compartilhada dos filhos menores nos termos do acordo celebrado pelos pais. Art. 3o Esta lei entra em vigor na data da sua publicação. O art. 1.583 do Código de 2002 trata da dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio consensual. Destarte, consideramos bastante tímida esta proposta de alteração, uma vez que vem apenas a explicitar o que já é possível diante do arcabouço legislativo disponível. Consoante visto supra, a guarda compartilhada, quando decorrente de acordo entre os genitores, não oferece qualquer dificuldade, uma vez que há a primazia do melhor interesse do menor. Em sua justificação, aponta o deputado que “só haja possibilidade de tal tipo de guarda se a separação ou divórcio forem consensuais, caso contrário, as crianças estarão ainda mais vulneráveis em meio a discussões sobre onde e com quem devem ir a algum lugar”. Ora, não vemos sentido na 35 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente afirmação transcrita, uma vez que, mesmo em sendo litigiosa a separação ou divórcio, poderá não haver divergências acerca da guarda dos menores, o que já autoriza ao juiz concedê-la. Ao revés, a proximidade e o comum interesse em resguardar o bem-estar e saúde emocional de sua prole poderão unir os pais, ou, ao menos, não aumentar as diferenças e desavenças porventura ainda existentes. É o que preleciona a ilustre Desembargadora Maria Raimunda Azevedo: A responsabilidade gravita em torno do modelo que os filhos esperam vivenciar nas pessoas de seus pais, imagem sobre a qual irão espelhar-se sobre a vida afora. A disputa entre casais, a chantagem, o jogo de sedução para conquistar o amor da criança, em que se apoiam aqueles que criticam a Guarda Compartilhada, não encontram guarita neste modelo, porque a convergência de sentimentos, a reciprocidade e a troca de entendimentos, pelos pais, detentores da Guarda compartilhada, afastam as partes conflituosas, uma vez conscientizadas de que o mais importante é o bem-estar de seus filhos. Um pouco mais ousada queda-se a proposta do Deputado Tilden Santiago, em comunhão com a APASE – Associação de Pais Separados, e a Associação Pais Para Sempre, o que redundou na apresentação do Projeto de Lei no 6.350/02, do seguinte teor: Art. 1o Esta Lei define a guarda compartilhada, estabelecendo os casos em que será possível. Art. 2o Acrescentem-se ao art. 1.583 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, os seguintes parágrafos: “Art. 1.583. (...) § 1o O juiz, antes de homologar a conciliação, sempre colocará em evidência para as partes as vantagens da guarda compartilhada. § 2o Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal ou da convivência, em que os pais participam igualmente a guarda material dos filhos, bem como os direitos e deveres emergentes do poder familiar.” Art. 3o O Art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação: 36 “Art. 1584. Declarada a separação judicial ou o divórcio ou separação de fato sem que haja entre as partes acordo quanto Material Complementar da Obra à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema da guarda compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que não haja possibilidade, atribuirá a guarda tendo em vista o melhor interesse da criança.” § 1o A Guarda poderá ser modificada a qualquer momento atendendo sempre ao melhor interesse da criança. Art. 4o Esta lei entra em vigor no dia 10 de janeiro de 2003. Aqui, verifica-se realmente uma modificação que viria a espancar dúvidas sobre o cabimento da guarda compartilhada, mesmo em situações onde não há acordo entre as partes. Numa leitura apressada do sugerido novo caput do art. 1.584 poder-se-ia entender que o juiz ficaria autorizado a impor o regime de compartilhamento, caso verificasse necessário; no entanto, nosso entendimento é no sentido de não se extrapolar os limites do razoável, tão comumente esquecidos por aqueles que se empolgam em demasia com alguma novidade jurídica. Neste caso, a passagem “sempre que possível” vem a temperar o imperativo, uma vez que, em casos como o de desavenças crônicas entre os pais, os benefícios decorrentes do compartilhamento não superariam os prejuízos aos infantes, quer de ordem psicológica, quer de ordem moral. A falta de acordo entre as partes não deve ser de tal monta que inviabilize a mútua cooperação, base do instituto, o que configura, em última análise, uma aceitação da decisão. Tal proposta visa inverter a sistemática, tornando a guarda única exceção, e a compartilhada, regra. Não há de haver, contudo, de gerar ainda mais desavenças entre os genitores, o que os levaria incontáveis vezes ao Judiciário a fim de solucionar litígios no exercício da guarda. Também avança o projeto em comento ao expressar, na nova redação sugerida para o art. 1.583, § 1o, que o juiz estimulará os casais a adotar o compartilhamento da guarda em seus acordos, o que se afigura muito consentâneo com a necessidade de divulgação do novo instituto, tornando conhecido seu modelo e suas vantagens. Ao estabelecer, entretanto, interpretação autêntica, no projetado art. 1.583, § 2o, esta, tal como está, revela-se insuficiente, apesar dos grandes avanços que tal projeto, aprovado, certamente trará. Primeiramente, deve-se destacar o fato de referir-se que os pais “participam igualmente a guarda material dos filhos”. Bem, guarda material é um 37 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente conceito entendido, atualmente, como a guarda física, como o contato direto do genitor com o filho. Isto poderia ensejar controvérsias, a respeito de se realmente se está a tratar da guarda compartilhada, e não da alternada. Porém, lida a justificativa do projeto, bem como se pode depreender do termo “corresponsabilização”, e da expressão “participam igualmente (...) os direitos e deveres emergentes do poder familiar”, não há dúvidas que se trata da guarda compartilhada. Assim, ao invés de “guarda material”, seria mais técnico o legislador utilizar o termo “guarda jurídica”, a fim de que se evitem tais dificuldades. Seria também pertinente o legislador explicitar que a adoção do sistema de guarda compartilhada não importa na partição da guarda física, tal como o faz expressamente o Estatuto de Iowa, referido supra. Ainda que decorra do próprio instituto, tal noção deveria vir insculpida nesta regra, já que, tratando-se de interpretação autêntica, devem ser trazidas, o mais completamente possível, as características do que se pretenda conceituar. Tais limitações, no entanto, não retiram o mérito da proposta, as quais, uma vez aprovado o projeto, poderiam ser facilmente contornadas pelo aplicador das novas normas, pelo que nossas sugestões visam apenas trazer maior precisão ao projeto. O importante é que, com esta alteração, dar-se-á maior visibilidade ao instituto, bem como se vencerá a resistência daqueles que entendem ser a falta de regulação específica um óbice para a adoção deste sistema. Em conclusões, o autor de fantástico artigo arremata: “1. O instituto da guarda compartilhada foi favorecido por um contexto histórico, onde a inserção da mulher no mercado de trabalho, a consolidação da igualdade entre homem e mulher, e o maior aprofundamento trazido pelas contribuições de vários campos do saber, exigiu um novo entendimento acerca do que abrangeria o melhor interesse do menor, quando da separação de seus pais; 2. Por guarda compartilhada, entende-se um sistema onde os filhos de pais separados permanecem sob a autoridade equivalente de ambos os pais, que continuam a tomar as importantes decisões na criação de seus filhos conjuntamente, buscando-se assemelhar o tanto quanto possível as relações 38 Material Complementar da Obra pré e pós-separação, ainda que o menor fique sob a guarda física de apenas um dos pais; 3. Não se deve confundir o conceito de guarda compartilhada com os de guarda alternada (divisão equitativa do tempo com os filhos, entre os cônjuges), aninhamento (os pais é que se mudam para a mesma casa dos filhos, periodicamente), e a tradicional guarda dividida (sistema de visitação); 4. O compartilhamento da guarda não necessariamente implica na partição da guarda física, devido à preocupação de se evitarem prejuízos à saúde emocional e mental do menor; 5. No direito comparado, tal sistema já é amplamente difundido, tal como na França, Canadá, Inglaterra e, principalmente, nos Estados Unidos, onde já se admite que o modelo da guarda compartilhada é a regra; a guarda dividida constitui-se uma exceção, somente tendo lugar em situações especiais e justificadas; 6. Ainda que o Direito brasileiro não contemple expressamente uma permissão para a adoção do modelo em tela, tampouco traz alguma vedação, o que nos leva a entender ser este o mais compatível com princípios constitucionais, principalmente o da isonomia e o da proteção ao melhor interesse do menor; 7. O Novo Código Civil, a entrar em vigor em janeiro de 2003, não trouxe inovações no que tange à guarda compartilhada, pelo que já há pelo menos dois projetos de lei que buscam adicionar disciplina legal ao sistema; 8. Um projeto de lei neste sentido não deve autorizar tal instituto apenas em casos de separação ou divórcio consensual, uma vez que, mesmo em havendo litígio, as partes podem acordar quanto à guarda, tal como já é permitido mesmo hoje, segundo nosso entendimento, face a uma interpretação extensiva do art. 9o da Lei no 6.515/77; 9. No entanto, entendemos que o juiz não deverá impor tal regime, mas recomendar, sempre que possível, avença entre os pais nesse sentido, a fim de que se evitem os prejuízos decorrentes das desavenças e conflitos entre os pais no tocante à criação do filho. Em casos como esse, os prejuízos advindos da imposição superarão a de um sistema de guarda dividida, bem regulado, a ser admitido, contudo, apenas em casos excepcionais. 39 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.1.6. Guarda compartilhada e a Lei n o 11.698/2008 A maioria da doutrina entende que a guarda compartilhada apenas “compartilha” o Poder Familiar, jamais a pensão, a divisão equitativa de tempo com filhos e a alternância de residências. Neste particular, destacase o posicionamento do didático juiz Geraldo Claret de Arantes.1 As varas de família e a guarda compartilhada Desde o Direito romano, os filhos eram tidos como objetos, propriedades dos pais e assim sempre foram tratados pelo direito, até a existência da atual Doutrina da Proteção Integral, sob os auspícios das Organizações das Nações Unidas – ONU, e recepcionadas pelo ordenamento pátrio. Em vista da milenar prática anterior, até os dias de hoje ainda se aplica, nas Varas de Família, o Direito antigo. As guardas são ainda decididas em relação a um contrato entre terceiros que se desfaz, ou seja, a ruptura do vínculo matrimonial que pouco tem a ver substancialmente com o vínculo da maternidade e da paternidade, estes vitalícios e irrevogáveis. Assim, se concede a guarda ainda como prêmio ou castigo para um dos cônjuges, como se a criança ou adolescente fosse um bem – ou ainda um objeto como no Direito romano – a ser oferecido ao cônjuge inocente pela dissolução do casamento, e não observando o direito de convivência familiar da criança e do adolescente com ambos os pais, na forma estabelecida pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, além de toda a normativa internacional ratificada pelo Brasil. Destituição sumária do pátrio poder (poder familiar) Quando um pai ou mãe comete um grave crime contra a criança ou um adolescente, pode ser réu em ação de destituição do pátrio poder (Poder Familiar). Trata-se de uma das mais graves ações judiciais, equivalente à execução civil ou a processo criminal, tanto que não prescinde do devido processo legal, com a citação válida, pleno conhecimento da acusação, do mais amplo direito 1 ARANTES, Geraldo Claret de. Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do Operador Jurídico. Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008. 40 Material Complementar da Obra de defesa, do contraditório e todas as instâncias recursais, não comportando a restrição judicial completa antes de transitada em julgado a decisão. Quando se concede a guarda a apenas um dos pais, em decorrência da dissolução do matrimônio, opera-se verdadeira violência jurídica, vez que cassa-se sumariamente, e sem o devido processo legal substancial, o Poder Familiar do outro cônjuge, vez que a guarda absoluta, concedida a apenas um dos pais, lhe concederá com exclusividade todos os direitos relacionados com a filiação, incluindo o direito de opor-se, para todos os efeitos legais e extrajudiciais, ao pai que foi excluído da guarda. A guarda absoluta a apenas um dos pais, como concedida ainda hoje, viola assim, os mais elementares princípios do direito, seja processualmente, seja em relação ao direito do pai ou mãe excluído de seu direito vitalício de paternidade, sem que tenha cometido nenhum ato violador dos direitos da criança ou adolescente, e deve ser revisto. A aplicação da guarda no novo direito O instituto regula-se pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que é norma especial, e subsidiariamente pelo Código Civil, norma geral, no que couber. O objetivo da Guarda é a proteção dos direitos declarados pelo art. 227 da Constituição Federal: vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência comunitária e, especialmente, familiar o que deve ser interpretado latu sensu, incluindo ambos os pais, os avós, tios e primos paternos e maternos. A extinção do vínculo matrimonial não extingue ou modifica o vínculo da maternidade ou da paternidade, que são vitalícios e independem do Estado civil de seus pais, permanecendo até a maioridade civil as obrigações de sustento e educação. Assim, quando houver a dissolução do casamento em não sendo nenhum dos pais réu condenado em Ação de Destituição do Poder Familiar, ambos permaneceram com a guarda compartilhada dos filhos menores de dezoito anos de idade, sendo que o Juiz deverá determinar em companhia de qual dos pais deverão permanecer os filhos, e em que dias e horas da semana a companhia dos filhos será alterada, 41 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente sem que tal decisão altere os poderes e deveres da guarda compartilhada. Desta forma, um dos pais terá os filhos em sua companhia mas ambos os pais terão a guarda compartilhada dos filhos, com todos os poderes e deveres dela decorrentes. Não se confunda a Guarda Compartilhada, que diz respeito aos direitos e deveres vitalícios inerentes ao poder-dever familiar, de ambos os pais, independentemente de seu estado civil e nada influindo com a determinação judicial de em companhia de qual dos pais ficará o filho, com a Guarda Alternada, que é absolutamente desaconselhada e ilegal, dado que trará insegurança aos filhos, mudança de ambientes, de escola, de residência e outras violações do direito à convivência familiar integral garantida em Lei, quer dos filhos, quer dos pais. O novo Código Civil, embora tenha desconsiderado substancialmente o art. 227 da Constituição Federal e a Doutrina da Proteção Integral em sua retrógrada e obtusa redação no campo do direito da família, em pequena redenção determina que ambos os pais deverão fiscalizar a manutenção e educação do filho, independentemente de quem lhe detém a guarda. g ver arts. 19, 21, 22, 33, 34 e 35 do ECA e 1.583, 1.584, 1.585, 1.586, 1.587, 1.588, 1.589 do novo Código Civil. Qualquer parente passa a ter, por disposição do novo Código Civil, legitimidade para requerer a suspensão do Poder Familiar, com reflexos no direito de guarda, quando houver ameaça ou violação de direito das crianças e dos adolescentes. g ver art. 1.637 do novo Código Civil. 42 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3. Adoção Waldyr Grisard Filho,2 em excelente artigo, apresentou a seguinte evolução histórica da adoção. Evolução histórica O instituto da adoção, como de Direito de Família, surgiu na mais remota Antiguidade, com motivações distintas das que apresenta hoje. Na Índia antiga, a adoção visava assegurar a perpetuidade da família por varonia, pois ao varão cabia celebrar os cultos religiosos. Por isto, as Leis de Manu permitiam a adoção, mas somente entre um homem e um rapaz da mesma classe. Outro exemplo da remoticidade do instituto nos dá o Código de Hamurabi, mais de 1.500 anos antes de Cristo, nos §§ 185 a 193: se um cidadão adotou uma criança desde o seu nascimento e a criou, essa criança adotada não pode ser reclamada. Na Bíblia, a Lei do Levirato (Deuteronômio, 25-5) obrigava os irmãos do esposo morto a desposar a cunhada para dar-lhe descendência “a fim de que o seu nome não se extinga em Israel”. Sua finalidade era conferir descendência, a quem não a tinha e, desta maneira, assegurar a subsistência da família, com a consequente transmissão do nome, do patrimônio e do culto aos deuses. Séculos depois, o talento romano encontrou na adoção meio de continuar o culto familiar. De profunda concepção religiosa, significava uma catástrofe para a família que terminava sem a transmissão do culto familiar. A religião exigia, imperiosamente, que a família não se extinguisse. Por isto, quando a natureza negava a descendência biológica, socorria-lhe a adoção, como meio de continuação da família. Em Roma, através da adoção, também se alcançava determinados efeitos políticos: obter a cidadania, transformando o plebeu em patrício e vice-versa, visando o ingresso no tribunalato; preparar a transmissão do poder (Tibério e Nero, que foram adotados por Augusto e Cláudio, respectivamente). Por vezes, a adoção tinha finalidade econômica, deslocando-se mão de obra excedente em uma família para outra que dela precisasse. 2 “Será verdadeiramente plena a adoção unilateral?”. Revista Brasileira de Direito de Família no 11, out.nov.-dez./2001, p. 31. 43 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Foram conhecidas duas formas de adoção: a adrogatio e a adoptio. Pela primeira, um cidadão sui iuris, que não está sob a autoridade de nenhuma pessoa, toma como filho outro cidadão sui iuris, sob a aprovação do povo reunido em comício. Pela segunda, adoção propriamente dita, o adotando era um alieni iuris, ou seja, pessoa sob o pátrio poder de outra, que, por contrato, era vendida ao adotante, mediante intervenção do magistrado. A adoção produzia o efeito de desligar completamente o adotado de sua família de origem, passando a integrar a família adotiva. Sob Justiniano (533 d.C.), a adoptio plena só produzia este efeito quando o adotante fosse ascendente do adotando. Os germanos conheceram vários tipos de adoção, de caráter patrimonial – adoptiones in hereditatem –, explicados por não pertencer a propriedade ao indivíduo, mas a toda a comunidade familiar, só se conhecendo a sucessão ab intestato. Sem descendência e para resolver a sucessão patrimonial, recorria-se à adoção. Na Idade Média, desapareceu. Para isto muito contribuiu a Igreja, que via a adoção como “adversária” do casamento, pois se pessoas podiam ter filhos não naturais para imitação da natureza e amparo delas na velhice, podiam dispensar o matrimônio, desestimulando-se para este, noticia Hélio Borghi. Na Espanha, a Lei das Sete Partidas recepcionou o direito justinianeu. Distante dos costumes do povo, não teve aceitação. Na França, praticamente desaparecido, ressurgindo no início do século XIX, com o Código de Napoleão, com fins sucessórios, pois interessava ao próprio imperador adotar um de seus sobrinhos para fazer dele o sucessor que lhe negara Josefina. A Primeira Grande Guerra fez ressuscitar a adoção. As dolorosas consequências do conflito, com um enorme contingente de órfãos e abandonados, privados de suas famílias, foram circunstâncias que comoveram a opinião pública e os legisladores. A adoção saiu da letargia e entrou em uma fase de pujança legislativa, daí surgindo a adoção internacional. 44 Neste caminho, sofreu transformações em sua finalidade. Concebida, originariamente, no interesse do adotante, para assegurar a perpetuidade da família e dos ritos domésticos, passou à transmissão do nome e do patrimônio. Modernamente, está ordenada no melhor interesse do menor, tendo por fim protegê-lo, mediante inserção em uma família que lhe dê amor, educação, felicidade e o prepare para a vida de relação. É uma verdadeira instituição de proteção familiar e social, para dotar o menor de uma família que lhe assegure seu bem-estar e seu desenvolvimento integral. Material Complementar da Obra No Brasil, o tema foi quase ignorado pelas Ordenações, que não o regulou convenientemente, devendo as questões ocorrentes ser decididas à luz do Direito Romano e estrangeiro, subsidiárias das leis nacionais, anota Pontes de Miranda. Maior ênfase lhe deu o Esboço, de Teixeira de Freitas (arts. 1.625-1.633). Instituído pelo Código Civil de 1916 (arts. 368-378), com todas as exigências originárias, estava fadado ao desuso. Para reerguê-lo, modificou-o a Lei no 3.133, de 18 de maio de 1957, reduzindo a idade do adotante para 30 anos (era 50) e a diferença de idade entre adotantes e adotados para 16 anos. Também estabeleceu o quinquênio de casamento para adotar e dispôs sobre o consentimento do adotando, o direito ao nome, à sucessão e ao desfazimento do vínculo. Sem o êxito esperado, continuou em desuso. Em 1965, a Lei no 4.655 instituiu a legitimação adotiva, forma mais ampla de adoção, pela qual o adotado ficava quase equiparado nos direitos e deveres do filho legítimo, salvo nos casos de sucessão hereditária. Estas alterações foram ainda insuficientes ao pleno sucesso do instituto. A Lei no 6.697, de 10 de outubro de 1969, que instituiu o chamado Código de Menores, realizou significativo avanço na evolução da adoção, que passou a acolher a teoria da proteção integral do menor. Além de manter a adoção regulada pelo Código Civil, distinguiu a adoção simples, destinada aos menores em situação irregular, e a adoção plena, substituindo com vantagem a precedente legitimação adotiva. A Constituição Federal de 1988 dispõe, apenas, sobre a adoção (art. 227, § 5o), sem distinguir quaisquer de suas atuais formas, simples ou plena, abolindo a diversidade dos efeitos de uma ou de outra (art. 227, § 6o). Em decorrência, foi editada a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que, dispondo sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, revoga o até então vigente Código de Menores, consolida a teoria da proteção integral do menor (art. 1o) e unifica as duas formas de adoção previstas na lei revogada, cuidando de uma só delas nos arts. 39 a 52, a adoção plena. Neste contexto é que insere a adoção unilateral (art. 41, § 1o, do ECA), objeto deste estudo. São seus destinatários os menores em geral, independentemente de sua situação, assim consideradas crianças as pessoas até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquelas entre doze e dezoito anos de idade (art. 2o). 45 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3. Adoção A estagiária do Ministério Público, Thaís Helena dos Anjos, em sua monografia de final de curso de Direito, com nota dez com louvor (em que presidi a banca e orientei na monografia), assim relata as mudanças realizadas: A adoção passa a ser irrestrita, sendo constituída somente pelo processo judicial, seja qual for a idade do adotando, tendo sido, portanto, revogada a adoção por escritura pública, prevista no Código Civil de 1916, onde a mesma era, inclusive, retratável pelas partes maiores e capazes. Tais alterações têm como objetivo acabar com antigos costumes como a “adoção à brasileira”, pela qual um casal recebia uma criança indesejada pela mãe e era registrada como filho biológico, sem que a Justiça fosse informada da verdadeira origem da criança, gerando, por vezes, o crime do art. 242 do Código Penal. Esse costume, aparentemente inocente serviu para ocultar casos de adolescentes grávidas, abuso de menores, e até mesmo crimes, como ocorreu no caso do rapto do menino Pedrinho, ocorrido em Brasília, em janeiro de 1986. Outra prática era dos “filhos de criação”, isto é, pessoas que conviveram com famílias, às vezes desde o nascimento, mas que não eram considerados “da família”, não tendo portanto os mesmos direitos que os filhos legítimos. Diante do grande número de crianças abandonadas, carentes de proteção material, educacional (e, o que é mais importante, de amor e carinho) e do interesse de pessoas plenamente capazes de preencher tais necessidades, o novo Código Civil buscou facilitar o processo de adoção, tendo, em suma, acolhido a adoção plena do Estatuto da Criança e do Adolescente, em quase toda sua integridade. O termo adoção é originado do latim adoptio, e quer dizer literalmente: “ato ou efeito de adotar”. Adotar quer dizer tomar, assumir, receber como filho. Várias são as definições encontradas na literatura jurídica, acerca do instituto da adoção. Cícero afirmou que “adotar é pedir à religião e à lei aquilo que da natureza não se pode obter”. Carvalho Santos definiu-a como “ato jurídico que estabelece entre duas pessoas relações civis de paternidade e filiação”. 46 Pontes de Miranda disse ser ela um “ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de paternidade e filiação”. Material Complementar da Obra “Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado por outrem” (art. 185 do Código de Hamurabi). A preocupação com os órfãos e com crianças destituídas de uma família e a prática da adoção sempre existiram na história da humanidade. A adoção teve sua origem na antiguidade. A Bíblia também nos dá notícia de sua aplicação pelos hebreus. O Antigo Testamento, reconhecido por várias religiões como verdadeiro e sagrado, traz o relato da história de Moisés, que foi adotado pela filha do Faraó. Os códigos de Manu e de Hamurabi já traziam em seus textos dispositivos regulamentando a prática da adoção. Na Grécia, seu uso era regular, sendo que em Esparta o próprio governo tomava para si a responsabilidade de criar e educar as crianças, consideradas propriedade do Estado. Era muito utilizada entre povos orientais, como forma de perpetuar o culto familiar pela linha masculina, ou, se houvesse a hipótese de falecimento do pater familias, sem deixar herdeiro (pessoa capaz de continuar o culto aos deuses-lares), a adoção supria essa finalidade. Entretanto, foi no direito romano que esse instituto difundiu-se, encontrando disciplina e ordenamento jurídico sistemático, pelo qual, um chefe de família sem herdeiros podia adotar como filho um menino de outra família. O adotado deveria receber o nome do adotante e herdar seus bens. O princípio basilar da adoção na Antiguidade, que foi absorvido pelo Direito Civil contemporâneo, era o de que a adoção não poderia se afastar da filiação natural: adoptio naturam. Conta o mito que os gêmeos abandonados, Rômulo e Remo, foram amamentados por uma loba e fundaram Roma; o Império Romano foi reinado por mais de um século pelos filhos adotivos de Otávio, o “Augusto”, que por sua vez foi filho adotivo de Júlio César. Assim, foram os romanos que estabeleceram as bases da adoção legal, na ideia de filiação conferida por um certificado concedido aos pais adotivos e da transmissão do nome de família por meio da adoção. Na Idade Média, sob a influência do Direito Canônico, que entendia ser a família cristã apenas aquela oriunda do sacramento matrimonial, a adoção caiu em desuso até desaparecer completamente. Com a Revolução Francesa, porém, a adoção voltou à pauta e, posteriormente, mesmo que timidamente, o Código de Napoleão de 1804 a incluiu em 47 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente seu corpo. A legislação francesa influenciou diversas culturas, inclusive a brasileira. Desde a infância, ouvimos relatos de adoções, sendo pacificamente aceito por crianças de várias gerações, como algo perfeitamente natural. Nas histórias infantis existem inúmeros personagens que fazem parte de famílias adotivas: um dos mais conhecidos é o Super-Homem (mesmo tendo vindo de outro planeta, foi adotado por um casal de idosos e que viu nesta criança extraterrestre sua única chance de ter o filho tão desejado, provavelmente por terem sofrido inúmeras dificuldades em adotar uma criança deste planeta); temos ainda no desenho dos “Flinstones” o Bam-Bam, filho adotivo de Barney e Beth; Mogli, o menino-lobo foi abandonado na floresta e adotado seguidamente por vários animais; Simba, no filme “O Rei Leão”, ficou perdido na floresta e também foi adotado por uma família bastante diferente: um javali e um roedor do deserto. Quem não assistiu a um filme onde uma criança ou adolescente tem a felicidade em ser adotado, de ter uma família que lhe dê amor e a oportunidade de crescer em um lar, como deveria acontecer com todas as crianças do mundo. Historicamente, a adoção pode ser dividida em duas grandes etapas, de acordo com Pilotti: a adoção “clássica”, que visa solucionar a crise dos matrimônios sem filhos, e a adoção “moderna”, que busca resolver a crise da criança sem família. Esta última tendência adquiriu caráter de urgência durante as guerras mundiais por causa da sequela de órfãos abandonados e da onipotência do Estado em resolver uma situação de risco social, deixando para a iniciativa privada toda a responsabilidade do tema. Foram nestes momentos de horror e desespero que inúmeras crianças viram seus lares destruídos, suas famílias irremediavelmente separadas, tendo sido adotadas por pessoas de outros países, raças, crenças etc., como aconteceu com milhares de crianças judias que sobreviveram ao holocausto nazista ou com crianças, fruto de relacionamentos fugazes entre soldados americanos e mulheres vietnamitas, que numa manobra política do governo dos Estados Unidos incentivou a adoção por casais daquele país. Sobre características da adoção no Brasil, prossegue Thaís: 48 A preferência é atualmente o maior problema da adoção. No Brasil, a maioria dos casais que desejam adotar uma criança está à procura de bebês saudáveis e brancos, especialmente recém-nascidos até 3 (três) meses de vida e melhor ainda Material Complementar da Obra se forem meninas. Uma criança branca e ainda na primeira infância tem muito mais chance de ser adotada no Brasil do que uma negra ou mulata já em idade escolar. Segundo a professora da Universidade Federal do Paraná, Lidia Weber, que pesquisou durante um ano e meio 164 famílias adotivas com filhos maiores de 12 anos, são as pessoas com melhor situação financeira que fazem as maiores restrições nesse aspecto. Dados coletados por sua equipe, nos processos de adoção realizados entre 1990 e 1995 no Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba, mostram que os estrangeiros são muito mais flexíveis quanto à idade, cor e sexo da criança. Nesse período, os estrangeiros adotaram, em sua maioria, crianças com mais de 5 anos, do sexo masculino e morenas, o que nos faz pensar na importância da adoção internacional para o futuro de centenas, talvez, milhares de crianças que vivem hoje em instituições e que teriam nela sua única chance de ter um lar e uma família. Segundo a pesquisa, também se observou que o compromisso dos pais adotivos com a educação dos filhos é, às vezes, maior do que nas famílias com filhos biológicos, principalmente pelo desejo de que a relação dê certo. Metade das adoções ocorreu em famílias de classe média, com renda superior a R$ 1.500 (um mil e quinhentos reais) por mês. A maioria era formada por casais na meia-idade — 33 anos, em média, para as mulheres, e 38, para os homens. Quatro em dez pais adotivos tinham curso superior completo (veja quadro). Perfil dos filhos adotivos... ... e dos pais que adotam 64% são brancos 91% estavam casados na época da adoção 60% são mulheres 55% não podiam ter filhos 69% eram recém-nascidos na época da adoção 45% já tinham filhos biológicos 62% nunca tiveram notícias de seus pais biológicos 40% têm curso superior completo 69% sempre souberam que eram adotivos 50% recebem mais de 1 500 reais por mês Disponível em: Universidade Federal do Paraná, Profa. Lidia Weber 49 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Sobre o problema das instituições, Thaís Helena dos Anjos avança: As crianças abandonadas ou retiradas da guarda de seus pais biológicos são encaminhadas a instituições destinadas a abrigá-las e, geralmente, permanecem por ali durante muito tempo, infelizmente, na maioria dos casos, até atingirem a idade limite que é de 18 anos. Trata-se de uma vida indigna, massificante, cruel e decadente. Sobre os sentimentos das crianças: A maioria das crianças que passa pela experiência de abandono e que são recolhidas em uma instituição apresenta um sentimento negativo em relação aos seus pais biológicos, são pessimistas e tem dificuldades em planejar e refletir sobre seu futuro. O maior desejo dessas crianças que vivem em orfanatos é ter uma família e elas são menos exigentes quanto aos requisitos que seus futuros pais devem ter, ao contrário das pessoas que procuram adotar uma criança. É importantíssimo possibilitar que estas crianças sejam, o mais rápido possível, recebidas em famílias substitutas, isto é, que se faça a adoção, para garantir que recebam o amor, a atenção, o carinho que todo ser vivo necessita para desenvolver de forma plena sua criatividade, sua capacidade de dar e receber amor, enfim, de ter um futuro normal. Apesar da adoção existir na humanidade, desde os primórdios dos tempos, parece ser um tema mais ligado à emoção do que à razão, típico do Direito de Família. O maior desafio enfrentado pelas instituições que trabalham com o tema no Brasil é estimular a adoção de crianças com mais de dois anos de idade e de raça diferente da dos pais adotivos. Ainda hoje, apesar de ter aumentado o interesse por crianças mais velhas e negras, a grande maioria dos interessados é formada por casais que pretendem ter um bebê de cor branca. O resultado desta preferência é perverso: o número de pais pretendentes à adoção de recém-nascidos de cor branca é maior do que o número de crianças disponíveis, enquanto, por outro lado, todos os outros tipos de adoção (inter-racial, monoparental, portadores de HIV ou de necessidades especiais e mais velhas) encontram-se em considerável déficit. 50 Material Complementar da Obra Muitas pessoas que desejam adotar preferem crianças pequenas, especialmente recém-nascidos, por temerem que crianças mais velhas (acima de 6 meses) tenham adquirido “vícios” na família biológica, em outros lares substitutos ou no orfanato e que sejam mais difíceis de educar e de se adaptarem à nova família. Outro fator importante é a exigência de que sejam crianças saudáveis, com “boa aparência”, quase o mesmo que se observa na adoção de animais, só falta perguntar se “já foi vacinado, é dócil ou adestrado”. Além disso, existe o problema do preconceito em se adotar crianças de cor ou raça diferente, com medo do “preconceito dos outros”. Há também o receio em relação aos pais biológicos, de que estes possam requerer a criança de volta ou de adotar crianças sem saber as origem de seus pais biológicos, pois a “marginalidade” dos pais seria transmitida geneticamente. Mas, o maior de todos os problemas é a crença de que uma criança adotada, cedo ou tarde, traz problemas. Por isso, muitos casais acham que quando a criança não sabe que é adotiva ocorrem menos problemas, assim, deve-se adotar bebês e “fazer de conta” que é uma família natural. A maioria destes conceitos errôneos poderiam ser esclarecidos através de campanhas, publicações, folhetos, cursos e outras estratégias que visassem simplesmente maiores informações sobre o tema. Em geral, relacionamentos entre pais e filhos, tanto adotivos quanto biológicos, são marcados por conflitos, em graus variados, de acordo com a classe social, idade, vida socioafetiva de seus membros, educação, limites etc. No entanto, a falta de pesquisas e estudos sistemáticos sobre os resultados da adoção no Brasil faz com que as pessoas tenham receio de adotar, principalmente crianças mais velhas, que tenham uma vivência com pais e irmãos biológicos e com instituições de amparo a crianças abandonadas ou que foram tiradas de seus lares por maus tratos ou outros problemas. Casos de sucesso de adoção são pouco divulgados, sendo mais comum notícias sobre casos em que houveram dificuldades, sobre comportamento rebelde de filhos adotivos contra aqueles que o acolheram ou contra a sociedade em geral, vulgarmente conhecidos como “revoltados” por sua condição de filhos cujos pais biológicos os rejeitaram. 51 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Busca-se, então, uma “justificativa”: são fruto das drogas, bebidas e desvio de personalidade dos pais biológicos; são lembranças do abandono e/ou de uma gestação indesejada etc. Forma-se desta maneira uma representação social limitada e errônea sobre a associação genérica entre adoção e fracasso. A adoção é uma experiência muito mais tranquila e gratificante do que se imagina para pais e filhos. Alguns fatores ajudam ou atrapalham o relacionamento entre pais e filhos adotivos. Os casos mais bem-sucedidos ocorreram em famílias cujos pais tomaram a iniciativa de contar aos filhos que eram adotivos sem nunca tentar esconder deles essa circunstância. A sinceridade e a confiança são essenciais nos relacionamentos humanos, inclusive entre pais e filhos. Tentar esconder uma informação tão importante, quando descoberta através de terceiros ou de forma brusca, numa discussão por exemplo, sempre traz traumas e transtornos. Thaís Helena dos Anjos, portanto, conclui: A adoção é um dos gestos mais nobres e dignos de louvor entre todas as ações do ser humano. O ato de receber como seu o filho de outro, muitas vezes de um desconhecido, cuidar, zelar por ele, dar-lhe o que lhe foi negado, uma família, alguém para acalentá-lo, defendê-lo e, principalmente, amá-lo. Durante a história da humanidade, o homem tem procurado suprir suas necessidades familiares, seja para garantir sua sucessão, a continuidade de sua família, o culto de seus deuses, ou então, a segurança de alguém para cuidar de si em sua velhice (aliás, fato excepcional, que culmina com o Estatuto do Idoso) ou, ainda, pelo prazer de ter a quem chamar de filho. Isto ocorreu no Brasil, que desde o início do século XX, elaborou leis para regulamentar a prática da adoção, tentando a princípio garantir e preservar os direitos dos chamados “filhos legítimos” e com o decorrer dos anos, buscando o objetivo maior da adoção que é o benefício de quem é adotado, isto é, a criança e o adolescente. 52 Com a criação da Lei no 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e, antes deste, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, surgem dispositivos legais, definindo aspectos favoráveis ao adotando, ao coibir qualquer forma de discriminação em relação ao adotado; ampliando o rol daqueles que poderiam adotar, ao reduzir a idade mínima Material Complementar da Obra do adotante de 30 (trinta) para 21 (vinte e um) anos e após para 18 anos (Lei no 12.010/2009); permitindo a adoção por uma única pessoa, casada ou não, e considerando a união de fato como uma família nas mesmas condições da oficialmente constituída. Num primeiro momento, o CC/1916 permitia a adoção somente de maiores de 21 anos e por escritura pública, e o ECA, em 1990, para crianças e adolescentes, por sentença judicial. Veio o CC/2002 e praticamente acampou toda disciplina de adoção, de maiores e menores, por sentença judicial. Depois, a Lei no 12.010/2009 revogou praticamente todos dispositivos de adoção do CC/2002, deixando apenas artigo explicativo de que a adoção de maiores de 18 anos seria pelo CC, porém, seguindo as regras do ECA no que adequado, enquanto que a adoção de crianças e adolescentes seria pelo ECA, com várias modificações no Estatuto, conforme veremos neste estudo (cf. art. 1.619 do CC/2002 com redação dada pela Lei no 12.010/2009). Pode-se observar, ao analisarmos as leis em vigor no Brasil e que tratam da adoção, que antes de atender aos interesses do adotante, busca-se o bem-estar do menor, não só no aspecto material, mas principalmente seu desenvolvimento pleno no que tange a sua formação moral e socioafetivo da vida dentro do seio familiar. 53 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3.1. Características da adoção: antes e depois do CC e, em seguida, com a Lei n o 12.010/2009 Sobre a adoção, que era regida pelo CC/2002 antes da Lei no 12.010/2009, destacamos na época o seguinte artigo – “A releitura da adoção sob a perspectiva da doutrina da proteção integral à infância e adolescência” – de Maria Claudia Crespo Brauner (Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos) e Maria Regina Fay de Azambuja (Procuradora de Justiça do Ministério Público do RS, Mestranda em Direito da Unisinos, Sócia do IBDFAM), publicado na Revista Brasileira de Direito de Família no 18 – jun-jul/2003, p. 30). O sonho pelo qual eu luto exige que eu invente em mim a coragem de lutar, ao lado da coragem de amar. (Paulo Freire) Sumário: Introdução 1. Aspectos Históricos da Adoção. 2. Doutrina da Proteção Integral: Adoção como Medida de Proteção; 3. O novo Código Civil frente à Adoção; Conclusão. Referências Bibliográficas. Introdução A adoção de uma criança ou adolescente, ao mesmo tempo em que nos põe em sintonia com um instituto extremamente atual, delineado pelo princípio da Doutrina da Proteção Integral à Criança e ao Adolescente, remete-nos a uma prática que já se fazia presente no início da história das civilizações. Por razões diversas, próprias de cada momento histórico, a humanidade, desde os seus primórdios, recorreu à adoção, como demonstram inúmeros relatos históricos e referências de variadas legislações antigas. No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, avanços significativos são observados no trato do instituto da adoção. Sob a influência dos princípios que vieram a integrar a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, o art. 54 Material Complementar da Obra 227 da Carta de 1988 introduziu, no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da Doutrina da Proteção Integral, assegurando às crianças e aos adolescentes a condição de sujeitos de direitos, enquanto pessoas em desenvolvimento e, auferindo-lhes o tratamento definido pela prioridade absoluta no atendimento de seus direitos. Inverteu-se, desde então, o enfoque atribuído ao tratamento dado à infância e adolescência, rompendo-se a ideologia do assistencialismo e da institucionalização que privilegiava o interesse e a vontade dos adultos, pela proposta de reconhecimento à criança e ao adolescente de direitos e proteção especiais. A mudança de paradigma tem exigido a substituição de práticas que caracterizaram a Doutrina da Situação Irregular, representada pelo Código de Menores de 1979, por ações que garantam o melhor interesse da criança, segundo as disposições trazidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei no 8.069 de 1990. Neste artigo pretende-se esboçar breves comentários sobre os aspectos históricos da adoção, para, num segundo momento, expor a Doutrina da Proteção Integral, tratando a adoção como medida de proteção à criança ou ao adolescente e, finalmente, apresentar e tecer comentários sobre a adoção a partir do novo Código Civil brasileiro de 2002. 1. Aspectos Históricos da Adoção A adoção surge na mais remota antiguidade, tendo como berço a Índia, passando, juntamente com as crenças religiosas, aos egípcios, persas, hebreus e, posteriormente, aos gregos e romanos. As crenças primitivas impunham a necessidade da existência de um filho, a fim de impedir a extinção do culto doméstico, considerado a base da família. Relata Fustel de Coulanges que: “adotar um filho era a possibilidade de vigiar pela perpetuidade da religião doméstica, pela salvação do lar, pela continuidade das oferendas fúnebres, pelo repouso dos manes dos antepassados”. A Bíblia relata a adoção de Moisés, pela filha do Faraó, no Egito. Por sua vez, o Código de Hamurábi (1728-1686 a.C.), na Babilônia, disciplinava minuciosamente a adoção em oito artigos. Ao filho adotivo que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram seus pais, cortava-se a língua; ao filho 55 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente adotivo que aspirasse voltar à casa paterna, afastando-se dos pais adotivos, extraíam-se os olhos (arts. 192 e 193). Em Roma, era exigida a idade mínima de 60 anos para o adotante, vedada a adoção àqueles com descendência legítima. Na Idade Média, a adoção não rompia os vínculos de parentesco do adotivo com a família natural, caindo o instituto em desuso, por influência dos princípios religiosos vigentes à época. Os filhos sendo considerados como uma bênção divina e, noutro sentido, a esterilidade conjugal concebida como um castigo dos céus, que deveria ser aceito e, jamais compensado através da prática da adoção. Paralelamente, são criados os orfanatos ou hospícios para recolher as crianças enjeitadas pela sociedade, evitar a exposição e o infanticídio, mas que apenas serviriam a lhes conceder um destino de miséria e exclusão social. Inventa-se na Europa o sistema de rodas de expostos a fim de garantir o anonimato dos abandonos e evitar a exposição de recém-nascidos, em praças públicas, portas de igreja, casas de família ou, até mesmo, nos lixos das cidades, modelo este que será implementado no Brasil e que perdurará, infelizmente, até os anos cinquenta. Somente após a Revolução Francesa, a adoção ressurgiu, através do Código Napoleônico de 1804, como ato jurídico capaz de estabelecer o parentesco civil entre duas pessoas, passando a ser admitida em quase todas as legislações. Napoleão se inspirou do Direito Romano, fazendo renascer o instituto da adoção após seu longo tempo de esquecimento. Assim, após a Revolução Francesa houve o interesse em estimular a adoção, imitando-se o fenômeno ocorrido na antiguidade, talvez no intuito de estimular a divisão das fortunas, dando até mesmo àqueles que já tinham filhos, a possibilidade de se atribuir herdeiros suplementares, embora havendo determinadas restrições legais. No Brasil, o Código Civil de 1916 deu ao instituto uma restrita possibilidade de utilização, refletindo a cultura dominante no início do século passado. Para exemplificar, somente poderia adotar o maior de 50 anos, sem descendentes legítimos ou legitimados, e desde que fosse, pelo menos, 18 anos mais velho que o adotado (arts. 368 e ss.). 56 Material Complementar da Obra A adoção internacional, por sua vez, aparece, como prática regular, após a Segunda Guerra Mundial, em face da existência de multidões de crianças órfãs, sem qualquer possibilidade de acolhimento em suas próprias famílias. Crianças da Alemanha, Itália, Grécia, do Japão, da China e, de outros países, foram adotadas por casais norte-americanos e europeus. Calcula-se que milhares de crianças tenham sido encaminhadas para o exterior, sem que tivessem os documentos indispensáveis à regularização de sua situação, demonstrando a intensidade da explosão das adoções internacionais, ocorrida nos últimos quarenta anos. Já referimos ser “indubitável que o processo de adoção internacional seja complexo e delicado, pois além das questões que incumbem ao direito interno de cada país, existem questões de competência de direito internacional privado. Os conflitos de leis que têm surgido em relação às condições e efeitos da adoção são normalmente resolvidos, levando-se em consideração a lei mais benéfica para a criança”. Alguns dados demonstram que, dentre o contingente de crianças adotadas na Itália, entre 1985 e 1990, quase 80% eram provenientes da América Latina. Já na França, das 5.348 crianças adotadas entre 1990 e 1992, 21,16% eram brasileiras. O descontrole, os abusos verificados, especialmente a existência do tráfico internacional de crianças, no país de origem e no de acolhida, fizeram nascer a necessidade de serem estabelecidas normas eficazes de garantia das adoções e de proteção aos infantes. Na América Latina, as mudanças legislativas tiveram início no final da década de 80, buscando atender aos princípios introduzidos pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989. Passou-se a considerar a criança como sujeito de direitos, afirmando o seu direito a ter um nome, a partir do nascimento, assim como o direito a ter uma nacionalidade; o direito de conhecer e conviver com seus pais, a não ser quando incompatível com seu melhor interesse; afirmando o caráter excepcional da adoção internacional, entre tantas outras disposições que vêm definidas em seus 56 artigos. 57 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente 2. Doutrina da Proteção Integral: Adoção como Medida de Proteção Não há como deixar de mencionar, dentro do contexto histórico, a postura de vanguarda assumida pelo Brasil, em 1988, ao introduzir a Doutrina da Proteção Integral em seu sistema jurídico, através do art. 227 da Constituição Federal. Portanto, mesmo antes da aprovação do texto que deu origem à Convenção, nosso País já assumira um compromisso com a infância. Doravante, entre os direitos fundamentais assegurados à criança brasileira, encontramos, ao lado do direito à vida, à saúde, à educação, à liberdade, ao respeito, à dignidade, o direito à convivência familiar. O novo paradigma, marcado pelo direito fundamental à convivência familiar, o direito de a criança ser criada e educada no seio da família natural, conforme estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente, está a exigir uma nova postura das instituições que compõem o sistema de proteção, quando se veem diante de uma criança em situação de risco, em decorrência da omissão dos pais, do abuso ou da violência familiar, impondo o seu afastamento da família. Inúmeros são os casos de violência doméstica conhecidos como violência física, violência sexual, violência psicológica, negligência e violência fatal, que povoam os Conselhos Tutelares, as delegacias de polícia, os leitos hospitalares, os gabinetes da Defensoria e do Ministério Público, as laudas de processos judiciais e os espaços das entidades de atendimento. Lamentavelmente, um número maior ainda permanece encoberto pelo segredo, sem ultrapassar os limites do círculo familiar, impedindo que a proteção possa ser exercida. Apontam os estudos que as agressões ambientais, “entendidas como desde as provocadas por um vírus sobre o embrião até a violência de um pai sobre o bebê, a morte prematura de um dos pais ou o abuso sexual – podem danificar, em variados graus de intensidade, tanto o aparelho psicológico como, consequentemente, o genético, dada a plasticidade do sistema nervoso central”. 58 Seguindo a linha do conhecimento científico de que dispomos, a atual legislação prevê que os casos de maus-tratos praticados contra a criança devem ser notificados ao Conselho Tutelar, para que as medidas legais possam ser adotadas em sua proteção. Fundamental que os profissionais da saúde e da educação, em especial, estejam capacitados para identificar Material Complementar da Obra os casos de suspeita e confirmação de maus-tratos praticados contra seus pacientes e alunos, possibilitando a intervenção precoce, na tentativa de romper com o círculo da violência. A nova obrigatoriedade de comunicação ao Conselho Tutelar, pelos profissionais da saúde e educação, reafirma a vigência da Doutrina da Proteção Integral, porquanto são o médico e o professor, depois da família, os mais próximos da vida e do cotidiano da criança. A colocação em família substituta, em qualquer de suas formas (guarda, tutela e adoção), corresponde, na atualidade, a uma medida de proteção (art. 101, inciso VIII, do Estatuto da Criança e do Adolescente), aplicada quando se mostrar inviável a manutenção da criança junto à família natural. No caso específico da adoção, tratando-se de adotando adolescente, o seu consentimento será indispensável (art. 45, § 2o, do Estatuto da Criança e do Adolescente; art. 1.621, caput, do novo Código Civil). Como saber se a família não tem condições de cuidar do filho? Somente através de uma criteriosa avaliação, com o auxílio de uma equipe interdisciplinar, que permita, num primeiro momento, a elaboração de um plano de trabalho terapêutico, com o auxílio de técnicos e do Conselho Tutelar, possibilitando o encaminhamento do grupo familiar para programas de assistência existentes na comunidade. Vale lembrar que nos feitos de suspensão ou destituição do poder familiar, não raras vezes verificamos que a mãe, o pai, ou ambos os genitores são portadores de retardo mental leve ou moderado, agravado com o uso indevido de álcool e o desemprego. O que fazer nesses casos? É recomendável investir no grupo familiar, apesar do comprometimento dos genitores? Quais seriam os prazos recomendáveis para o investimento? Infelizmente, o que muito se vê nos processos judiciais dessa natureza são constatações, como por exemplo, “os pais não apresentam as mínimas condições para proporcionar os cuidados básicos que a prole necessita para seu desenvolvimento biopsicossocial”. De outro lado, o que pouco se observa são relatos de planos de trabalho terapêutico, buscando a reinserção social desses grupos, com efetivo acompanhamento técnico e regular avaliação. 59 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Constatada a impossibilidade de a criança permanecer junto à sua família de origem, a adoção, como forma de colocação em família substituta, surge como uma possibilidade de reconstrução do direito à convivência familiar. Ligar o abandono à adoção é uma possibilidade de vida para o adotante e para o adotado. Como refere João Batista Villela, “a consciência de que a paternidade é opção e exercício, e não mercê ou fatalidade, pode levar a uma feliz aproximação entre os que têm e precisam dar e os que não têm e carecem receber”. A verdadeira filiação não é determinada pela “descendência genética, e sim os laços de afeto que são construídos, em especial na adoção”. A razão maior da paternidade se funda “no desejo humano, essencial, de amar e ser amado”. Deste modo, “esboça-se, a partir das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma perspectiva maior que pode valorizar o elemento afetivo da filiação como um elo garantidor do interesse superior da criança, contrapondo-se ao critério da determinação biológica”. Com frequência, perguntam-nos se os filhos adotivos não estariam mais vulneráveis a se tornarem “filhos problemas”. A resposta vem em trabalho desenvolvido por Maria Lucrécia Scherer Zavaschi: ... não há elementos que autorizem a conclusão de que os problemas eventuais dos adotados sejam decorrentes da adoção em si. Por outro lado, as evidências colhidas no estudo do relacionamento pais-filhos na adoção levam à conclusão geral de que os comportamentos peculiares dos pais adotivos mantêm uma estreita relação com a situação atual das crianças adotadas. 60 A adoção de uma criança ou adolescente, mais do que uma questão jurídica, constitui-se em uma postura diante da vida, em uma opção, uma escolha, um ato de amor, que tem sua raiz no desejo, na vontade, envolvendo não só uma pessoa, mas, no mínimo, um grupo de pessoas ou grupos familiares. Sentimentos variados afloram em seus protagonistas. Sentimentos de rejeição, de perda, de dor, de alegria, de expectativa, de vida e de esperança. Por esta razão, pensamos que nós, profissionais do direito, necessitamos compreender as circunstâncias que acompanham a opção de quem decide adotar uma criança e de quem espera, ansiosamente, a possibilidade de uma família substituta. Material Complementar da Obra “A história da família é longa, não linear, feita de rupturas sucessivas”, estabelecendo entre adotante e adotado uma relação de paternidade e filiação, onde “os laços de afeto se visibilizam desde logo, sensorialmente, superlativando a base do amor verdadeiro que nutrem entre si pais e filhos”. Ilustrativa se mostra a declaração de Tizuka Yamazaki, publicada no Jornal O Globo (01/11/1992), referindo-se a sua experiência de mãe adotiva: Cresci muito com essa experiência. Sou muito mais humilde. Vejo o mundo de outra forma, com mais atenção e delicadeza; e descobri que foi Fábio, muito mais do que eu, que fez um esforço descomunal para que tudo desse certo. Entre as inúmeras mudanças introduzidas pela Carta de 1988, podemos afirmar que “a adoção passou por uma séria revisão, em relação ao sistema jurídico anterior, exigindo uma rigorosa fiscalização pelo Poder Judiciário, mas, ao mesmo tempo, abrindo inúmeras possibilidades e novas oportunidades para os interessados”. Cabe referir que, ao lado das mudanças legislativas, os avanços na área da genética e das técnicas de reprodução medicamente assistidas, também vieram abrir novas alternativas à realização da maternidade e da paternidade, deixando de figurar a adoção como único meio capaz de possibilitar às famílias inférteis a construção do vínculo parental. Sobre a adoção, importante referir o componente psicológico intrínseco desta relação: O recurso à adoção se apresenta como uma das maneiras de realização do desejo de ter um filho, sem que exista a gravidez da mãe, pelo menos do ponto de vista biológico, pois do ponto de vista psicológico este filho já existe, é primeiramente imaginário, no espírito dos pais e o processo adotivo implica em fazer a passagem entre o filho imaginário e o filho real, que assumirá este papel, de forma definitiva na vida do adotante. É possível sentir os efeitos da mudança legislativa? Ainda vislumbramos um abismo entre o mundo que queremos, expresso através do Estatuto da Criança e do Adolescente, e o mundo que temos. Quanto maior a distância entre os dois mundos, o mundo idealizado pelo legislador infanto-juvenil de 1990 e o mundo real, maiores serão as situações de risco 61 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente enfrentadas pela população infantil. Consequentemente, maiores recursos e investimentos serão exigidos do Poder Público e dos profissionais que atuam na área. Se tivéssemos que responder à pergunta, diríamos que já é possível sentir os efeitos da mudança. De certo modo, a comunidade parece estar mais atenta e alerta para os abusos e a violência que são praticados contra a criança. Nas últimas décadas, conhecimentos referentes ao desenvolvimento do bebê e da criança, antes restritos, por exemplo, à área da saúde e educação, encontram espaço nos meios de comunicação, assim como discussões e debates sobre a adoção, contribuindo para a mudança de cultura e melhora da qualidade de vida. Guilherme Oliveira já afirmara que, “infelizmente, as boas leis não chegam para garantir boas estatísticas e muito menos para garantir felicidade”. O alerta vem confirmado, no Brasil, a partir da entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem permitido, na última década, a possibilidade de levantamento de dados que, em sua maioria, demonstram que é preciso transformar a política de atendimento aos direitos de crianças e adolescentes brasileiros, exigindo a materialização do princípio da prioridade absoluta no atendimento dos interesses destes. É possível que, após a vigência da nova lei, tenhamos conseguido conhecer um pouco mais da realidade que nos circunda, permitindo uma tomada de consciência, por parte da sociedade, das diferentes formas de violência que, historicamente, praticamos contra as nossas crianças. Mesmo sabendo do poder limitante da lei, temos como inegável que o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos dias atuais, é um instrumento de transformação social e de garantia do princípio da dignidade humana. Na vigência do Código de Menores, as disposições legais que regiam a adoção de crianças eram outras. Recebeu esta legislação a herança do regime militar, demonstrada pela sua influência na concepção da Doutrina da Situação Irregular. Protegiam mais os interesses dos adultos. Na adoção, buscavam-se crianças para atender às exigências dos candidatos a pais adotivos. 62 Finalmente com a extinção e a proibição de qualquer discriminação sobre a filiação, consagrada no art. 227, § 6o, da Constituição Federal, assim como os novos princípios Material Complementar da Obra trazidos com o Estatuto da Criança e do Adolescente, provocaram mudanças profundas no instituto da adoção. Hoje, o panorama legal é outro. As regras estão a serviço da proteção da criança. As autoridades têm a responsabilidade de buscar sempre o melhor interesse da criança e os reflexos da norma atingem a todos, inclusive o poder público, como se vê da regra do art. 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece: A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio poder. Parágrafo único. Não existindo outro motivo, que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. A disposição legal, introduzida pelo art. 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é de fundamental importância, uma vez que já se relatou “que os pais, representantes maiores do meio ambiente no início da vida, submetidos à violência crônica, à pobreza e à falta de emprego, sentem-se frustrados e desesperançados, podendo tornar-se incapazes de cuidar bem de seus filhos”. Devendo ser observado que os pais adotivos, quer venham do estrangeiro ou não, são, em geral, “menos miseráveis do que os genitores da criança”. Em nossa trajetória profissional, não recordamos da existência de processo de destituição ou suspensão do pátrio poder envolvendo família de classe média. Todos os feitos, sem exceção, abrangem famílias pobres, por vezes, paupérrimas. A colocação de uma criança em família substituta não pode ser definida sem que antes se tenha tentado investir na manutenção dos vínculos afetivos com a família natural, porquanto “o desenvolvimento pleno de um bebê só poderá ocorrer se contar com o amor de seus pais, que vai se expressar como uma íntima relação que os estudiosos chamam de apego”. Esgotadas as possibilidades de manter a criança junto aos pais biológicos, há que se trabalhar as relações de confiança e de afeto da criança com os novos pais, guardiões ou tutores, recomendando-se a intervenção interdisciplinar, uma vez 63 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente que a decisão judicial não tem, por si só, o condão de sanar os conflitos afetivos dos envolvidos. Colhemos da experiência, com muito pesar, a constatação de que a fragilidade dos vínculos afetivos entre os pais e os filhos passa a ser fator desencadeador e facilitador do abandono e da negligência. O enfrentamento do problema, por certo, não está unicamente na alçada do Poder Judiciário. O desafio é bem mais amplo, passando inclusive pelo adequado planejamento e execução das políticas públicas, que privilegiem o fortalecimento dos vínculos entre a mãe e o bebê, mesmo antes do nascimento, pois “é condição vital que o bebê tenha um pai e uma mãe ou outra pessoa que os substitua, caso contrário, não sobreviverá”. Segundo uma pesquisa da qual participamos, que foi realizada na cidade de Porto Alegre e, em 14 municípios da região metropolitana, envolvendo os registros de violência contra crianças e adolescentes até 14 anos de idade, registrados junto aos hospitais, Conselhos Tutelares, delegacias de polícia e Ministério Público, no período de maio/97 a maio/98, apontou que, em 80% dos casos, a violência ocorreu na residência da vítima, sendo que, em todos os tipos de abuso constatados (físico, psicológico, sexual e negligência), os pais biológicos superaram, quanto à autoria, em muito, os adotivos (74,5% para 25,5%). No Rio Grande do Sul, aproximadamente 900 crianças e adolescentes se encontram abrigados, segundo dados da Secretaria Estadual do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, divulgados em 19 de outubro de 2001, sendo que, 50% desta população permanece entre cinco ou mais anos, na condição de abrigados. Portanto estas crianças estão sendo privadas da convivência familiar e comunitária protegida pela Convenção da ONU sobre os direitos da Criança e do Adolescente e, recepcionada na Constituição brasileira e, novamente protegida no Estatuto da Criança e do Adolescente. Em 2001, em Porto Alegre, segundo dados do Juizado Regional da Infância e Juventude, realizaram-se 52 adoções (45 adoções nacionais e 7 internacionais), número inferior ao período de 2000, quando a equipe de adoção colocou 64 crianças em família substituta, através da adoção (51 nacionais e 13 internacionais). 64 Material Complementar da Obra Se, de um lado, se mostra essencial garantir a regularidade e a segurança dos procedimentos jurídicos envolvendo a criança, de outro, parece indiscutível que a morosidade é fator que desprestigia a atuação das instituições, comprometendo a sua eficácia e efetividade, levando-nos a uma constante e necessária avaliação do nosso agir. Conciliar rapidez e competência no exame de casos que envolvam, especialmente, destituição do poder familiar e colocação em família substituta é um desafio que nos é imposto neste nascer de século. Uma questão que suscita debate é a possibilidade, segundo a sistemática vigente, da adoção de nascituro. Este tema tem levado a sérias discussões. Respeitando posições divergentes, sustentamos a sua inviabilidade. A Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993 (Decreto Legislativo no 63, de 19 de abril de 1995), relativa à adoção internacional, impede, implicitamente, a sua realização, ao referir, em seu art. 4o, letra c, no 4, a necessidade de as autoridades competentes do estado de origem assegurarem-se de “que o consentimento da mãe, quando exigido, tenha sido manifestado após o nascimento da criança”. Outro aspecto relevante envolvendo a adoção de crianças de tenra idade reside na decisão de revelar ao filho a sua origem. Mesmo antes da vigência da Lei no 8.069/90, já recomendavam os especialistas a adoção pelos pais de uma postura de franqueza com o filho, não mantendo em sigilo fatos importantes de sua vida. A revelação da verdade, se bem conduzida, contribuirá para o fortalecimento dos vínculos do novo grupo familiar, favorecendo a confiança e o respeito entre pais e filhos, valendo lembrar que “as crianças que conhecem seu status adotivo estão em melhores condições que as demais”. E a licença-maternidade? Em 15 de abril de 2002, a Lei no 10.421, que acrescentou novo dispositivo à CLT, estendeu o benefício às mães que adotarem crianças até os oito anos de idade, deixando em condições de desigualdade exatamente as situações mais difíceis, envolvendo crianças adotadas com idade superior aos 8 anos. A nova lei, ao que se depreende, nasce eivada 65 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente de inconstitucionalidade, pela evidente discriminação no tratamento dispensado às mães e aos filhos. Outro aspecto envolvendo a adoção refere-se à possibilidade, reconhecida pelo STJ, de os adotados ingressarem com ação de investigação de paternidade para fins de conhecer os verdadeiros pais biológicos, sem desconstituir a adoção. No mesmo sentido decidiu, recentemente, em 15 de maio de 2002, a Sétima Câmara Cível do eg. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento da Apelação Cível no 70004148490, em que foi Relatora a Desa. Maria Berenice Dias. Como se constata, a Doutrina da Proteção Integral vem, paulatinamente, operando significativas mudanças na forma de pensar e agir do profissional do direito, especialmente daquele que se dedica à criança, com repercussões na vida social como um todo. Tem havido uma maior abertura para a adoção de crianças com idade superior a dois anos, fruto de uma conscientização que vem ganhando lugar na atualidade, a exemplo do trabalho realizado pela organização não governamental gaúcha, Instituto Amigos de Lucas. Desponta uma nova legislação civil que disciplina o Direito de Família e, portanto, trará repercussões no âmbito da proteção à infância, especialmente contemplando a adoção. Cabe, neste ponto, examinar as previsões do novo Código Civil à luz dos princípios constitucionais e das regras de Direito Internacional, referentes ao tema da adoção. 3 – O Novo Código Civil frente à Adoção 66 O novo Código Civil, em linhas gerais, não inova em matéria de adoção de criança, reafirmando as disposições contidas na Lei no 8.069/90. Acrescenta, entretanto, às duas hipóteses em que o consentimento dos pais é dispensado com relação à adoção do filho, elencadas no art. 45 do ECA (pais desconhecidos e/ou destituídos do pátrio poder), os casos de infante exposto; de pais desaparecidos; de pais destituídos do poder familiar, sem nomeação de tutor, além das hipóteses de órfão não reclamado por qualquer parente, por mais de um ano (arts. 1.621 e 1.624 do NCC). Embora a imprecisão das novas disposições, especialmente no que se refere à definição jurídica, que, ao certo, trará dificuldades de interpretação, a Doutrina da Proteção Integral, introduzida no nosso Material Complementar da Obra ordenamento jurídico, a partir do art. 227 da Constituição Federal de 1988, como não poderia deixar de ser, permanece assegurada. Inova, ainda, o novo Código Civil, ao afirmar que o consentimento dos pais para com a adoção, previsto no caput do art. 1.621 do novo Código Civil, é revogável até a publicação da sentença constitutiva da adoção. O dispositivo poderá gerar insegurança aos pretendentes à adoção, bem como à criança, em razão da possibilidade conferida aos pais biológicos de voltarem atrás em sua decisão, em momento em que o adotando já se encontra, muitas vezes, na guarda dos requerentes à adoção. Matéria que suscitará questionamentos, ao certo, será o limite mínimo de idade para o adotante. Enquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente fixa em 21 anos a idade mínima para o pretendente à adoção (art. 42, caput), o novo Código Civil refere que “só a pessoa maior de 18 (dezoito) anos pode adotar” (art. 1.618). À jurisprudência caberá um posicionamento capaz de dirimir os eventuais conflitos que surgirem, devendo servir de mote, em qualquer caso, o melhor interesse da criança. De outro lado, enquanto o Estatuto da Criança e do Adolescente veda a adoção por procuração, o novo Código Civil silencia. Silencia, igualmente: a) quanto à vedação da adoção pelos ascendentes e irmãos do adotando; b) quanto ao estágio de convivência; c) quanto à irrevogabilidade; d) quanto ao não restabelecimento do poder familiar dos pais naturais em caso de morte dos adotantes. Vale lembrar ainda as disposições contidas nos art. 10 do novo Código Civil e 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente. De acordo com o primeiro, far-se-á averbação, em registro público, dos atos judiciais ou extrajudiciais de adoção, ao passo que, o segundo dispositivo afirma que o vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão, sendo que o mandado judicial será arquivado, cancelando-se o registro original do adotando. Considerandose a igualdade de filiação, afirmada na Constituição Federal de 1988, parece-nos que deva prevalecer a segunda solução, preconizada pela legislação especial, como aliás já ocorreu no Rio Grande do Sul (Processo SPI 20357-0300/03-4, Vara dos Registros Públicos). 67 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Por último, digna de registro a possibilidade de o adotando ter o prenome modificado a seu pedido ou do adotante (art. 1.627/CC), bem como a extensão do parentesco do adotando a todos os parentes do adotante, como vem afirmado no art. 1.628 do novo Código Civil. Pensamos que melhor seria o novo Código Civil ter silenciado quanto à adoção de criança e adolescente, deixando ao Estatuto da Criança e do Adolescente o regramento da matéria, como vinha ocorrendo desde 1990. Entretanto, este não foi o caminho escolhido e, deveremos continuar a buscar a aplicação das disposições de proteção às crianças e aos adolescentes privados de vida familiar digna. Conclusão O instituto da adoção, ao longo do tempo, sofreu profundas e marcantes modificações, perpassando por diversas fases de valorização ou, até mesmo de esquecimento. Os aspectos históricos demonstram, entretanto, que os fundamentos e as motivações que levam à adoção de crianças e adolescentes desempenham papéis diferentes em cada período da civilização e que, nos países ocidentais, no último século, a adoção ressurge como meio de proteção à infância negligenciada e vítima de violência doméstica e, como forma de derrubar as fronteiras entre nações, desenhando-se uma nova família, centrada no elemento afetivo entre pais e filhos. A partir de 1988, com a introdução da Doutrina da Proteção Integral em nosso sistema jurídico, as disposições legais passaram a valorizar o melhor interesse da criança, em atenção à Convenção Internacional dos Direitos da Criança da ONU. Em 1990, com o advento da Lei no 8.069, de 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção, ao lado da guarda e da tutela, passa a ser uma medida de proteção (art. 101, inciso VIII, do ECA), exigindo sempre a intervenção do Poder Judiciário. A criança apta à adoção, não raras vezes, tem uma trajetória de vida marcada por inúmeras omissões, passadas de geração em geração, transcendendo o espaço familiar para abarcar, também, as políticas públicas e todo o funcionamento do sistema que se vê muito desorganizado e insuficiente para 68 Material Complementar da Obra lidar com o abandono, a negligência e a violência familiar, que acabam por comprometer o direito à convivência familiar. A experiência profissional tem nos permitido identificar, quando tratamos da adoção de uma criança, fatores que caminham na contramão do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, valendo citar, a título exemplificativo: a) a fragmentação que se estabelece na comunicação entre os profissionais que atuam nas diversas instâncias do sistema protetivo, como por exemplo, Conselho Tutelar, abrigos, Ministério Público e Poder Judiciário; b) a dificuldade em acompanhar o andamento dos casos, no momento em que são transferidos para outras esferas de atuação, como por exemplo, quando o expediente passa do Conselho Tutelar para o Ministério Público; c) a lentidão na tramitação dos feitos judiciais que visam assegurar a proteção integral àqueles que ainda não atingiram 18 anos; d) a carência de laudos interdisciplinares, nos processos de destituição do poder familiar e de adoção; e) a inexistência de plano terapêutico de trabalho, visando o restabelecimento dos vínculos da criança com os pais biológicos, nos processos de suspensão ou destituição do poder familiar; f ) a escassez de programas de atendimento à família em situação de vulnerabilidade; g) a morosidade na comunicação dos fatos ao Judiciário, pelo dirigente de abrigo, das circunstâncias importantes da vida da criança abrigada; h) a falta de advogados, defensores públicos ou mesmo estagiários, supervisionados por universidades, encarregados de peticionar em defesa dos direitos da criança colocada em abrigo e, por via de consequência, afastada do convívio familiar. Urge que o avanço constitucional, representado pelo art. 227 da Carta de 1988, seja cumprido pelos integrantes do sistema, a fim de assegurar, às crianças e aos adolescentes brasileiros, o princípio da dignidade humana e cumprir a prioridade absoluta no atendimento a seus interesses. Esse trabalho, sem dúvida, norteou o legislador na edição da Lei n 12.010/2009, em vários de seus dispositivos, razão pela qual parabenizamos as autoras pelo excelente trabalho, quase que profético. o 69 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3.2. Novidades da Lei n o 12.010/2009 sobre adoção Sobre o tema “adoção em uniões homoafetivas”, a culta Desembargadora do TJRS, Maria Berenice Dias, teceu comentários no artigo “O Direito a um Lar”, que transcrevemos a seguir. O direito a um lar Por Maria Berenice Dias, desembargadora do TJRS Deixou o Poder Judiciário, pela primeira vez, a hipocrisia de lado e encarou a realidade: um casal, mesmo formado por pessoas do mesmo sexo, pode sim adotar uma criança. Já estava mais do que na hora de a Justiça reconhecer que os homossexuais têm capacidade de constituir uma família e plenas condições de criar, educar, proteger e amar uma criança. Como a homossexualidade sempre foi vista como uma perversão, uma aberração, os relacionamentos homossexuais ainda hoje são considerados instáveis e promíscuos, sem condições de abrigar um infante. Tanto não são vistos como uma família, que somente em escassos países é admitido o casamento de pessoas do mesmo sexo. No máximo, e isso em raros lugares, é reconhecida a união civil, sem, no entanto, ser permitida a adoção. As justificativas não podem ser mais descabidas, sem disfarçar a discriminação e o preconceito. A alegação mais comumente utilizada é de que uma criança, para desenvolver-se de maneira sadia, necessita de um modelo masculino e um feminino. Assim, precisa de um pai e de uma mãe, sob pena de comprometer sua identidade sexual e sofrer rejeição no ambiente escolar e no meio social. Essa assertiva não se sustenta, até porque sérios trabalhos, no campo da psicologia e da assistência social, negam a presença de sequelas no desenvolvimento saudável de quem foi criado por dois pais ou duas mães. Assim, de todo descabido que os operadores do direito invoquem questões não jurídicas para justificar seus preconceitos. Negam-se direitos com fundamentos de outras áreas do conhecimento, as quais não referendam tais conclusões. 70 Parece que agora a Justiça, finalmente, tomou consciência de que recusar a chancela judicial não impede que as pessoas busquem a realização de seus sonhos. Assim, mesmo que o legislador se omita em editar leis que assegurem direitos Material Complementar da Obra às uniões homoafetivas, nem por isso os homossexuais vão deixar de constituírem família. Igualmente, não admitir que ambos adotem, não impede que crianças passem a viver em lares formados por pessoas do mesmo sexo. A injustificável resistência é facilmente contornada. Somente um do par busca a adoção. Via de consequência, os estudos sociais e as entrevistas que são realizadas não alcançam quem também vai desempenhar o papel de pai ou de mãe, ou seja, o parceiro do adotante. Acaba sendo limitada e parcial a avaliação levada a efeito, o que, às claras, só vem em prejuízo do próprio adotado. Mais: passando a criança a viver no lar do seu genitor e de seu parceiro, constitui-se o que se chama de filiação socioafetiva com ambos, pois os dois desempenham as funções parentais. Ao adquirir o adotado o estado de filho afetivo com relação a quem desempenha o papel de pai e de mãe, a inexistência do registro deixa o filho desprotegido. Não tem qualquer direito com relação ao genitor não adotante e nem este tem deveres e obrigações para com o filho, que também é seu. Basta lembrar que a ausência do vínculo jurídico não permite a imposição do dever de prestar alimentos, não assegura direito de visitas e nem garante direitos sucessórios. Assim, a corajosa decisão que admitiu a adoção por um casal de homossexuais vem, enfim, atender ao cânone constitucional que assegura com absoluta prioridade o direito das crianças e dos adolescentes, colocando-os a salvo da discriminação e garantindo-lhes o direito a uma vida feliz, com seus dois pais ou duas mães. (Disponível em: www.espacovital.com.br – Artigos – 12 jul. 2005.) A Jurisprudência sobre o tema: Concedida a adoção de dois meninos a duas mulheres gaúchas que são homossexuais conviventes. O juiz da Vara da Infância e da Juventude de Bagé, Marcos Danilo Edon Franco, concedeu o registro de adoção de duas crianças (irmãos), a duas mulheres conviventes homossexuais. Dois meninos, um de 2 anos e outro de 3 anos, foram adotados, por sentença, por duas mulheres – de instrução superior – conviventes em união estável há mais de sete anos. Uma delas já era responsável pela criação desde o nascimento dos irmãos. 71 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A mãe das crianças está grávida pela terceira vez e já procurou as duas mulheres, disposta a doar também o futuro bebê. O magistrado argumenta que “a sociedade não pode ignorar a relação entre pessoas do mesmo sexo”, que ele qualifica como “um determinismo biológico, e não uma mera opção sexual”. O juiz enfatiza que “o homossexualismo não afeta o caráter nem a personalidade de ninguém”. Explica que, ao conceder a adoção, considerou a excelente criação e ambiente de afeto em que vivem as crianças, satisfazendo todos os requisitos que muitas vezes não estão presentes nos lares de casais “considerados normais pela sociedade”. O juiz bageense admite que vai “enfrentar algumas reações”, mas lembra que as famílias formadas por homossexuais também devem ser reconhecidas. O Ministério Público – cujo promotor local é contrário à adoção de crianças por homossexuais – já interpôs recurso de apelação. A questão será examinada, oportunamente, pela 7a ou 8a Câmaras Cíveis do TJRS. Tal, segundo o juiz de primeiro grau, serve para ampliar a discussão sobre a matéria. No caso de adoção em Bagé, estão assegurados aos menores todos os direitos como dependentes das responsáveis. Para o magistrado, a possibilidade de a convivência dos meninos com homossexuais poder influir na opção sexual deles está descartada. Argumenta que “se isso fosse verdadeiro, não existiriam pessoas homossexuais em famílias constituídas por heterossexuais”. E mais: 72 O juiz Marcos Danilo já havia concedido várias adoções para pessoas homossexuais, individualmente. Mas essa foi a primeira para duas conviventes do mesmo sexo. Ele acredita que sua decisão possa estimular novas adoções por parte de outros conviventes, em casos como esse. (Na forma do art. 155 do CPC, o processo tramita em segredo de Justiça.) (Disponível em: www.espacovital.com.br. Acesso em: 11 nov. 2005.) Justiça gaúcha confirma adoção de crianças por casal de mulheres homossexuais A 7a Câmara Cível do TJRS confirmou, por unanimidade, ontem, sentença da comarca de Bagé que concedeu a adoção de duas crianças a um casal de mulheres homossexuais. “É hora de abandonar de vez os preconceitos e atitudes hipócritas Material Complementar da Obra desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes”, apregoou o relator do recurso, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos. O recurso em julgamento era uma apelação interposta pelo Ministério Público contra a sentença de primeiro grau, do juiz Danilo Edon Franco. As duas mulheres convivem desde 1998. Uma delas obteve a concessão para adotar dois irmãos biológicos. Atualmente um está com 3 anos e 6 meses; o outro, 2 anos e 3 meses de idade. Posteriormente à adoção, a companheira ajuizou ação postulando também a adoção dos menores. O desembargador-relator referiu estudos especializados em diversos países, que – em tese – não detectaram qualquer inconveniente na adoção de crianças por casais homossexuais. “Mais importa a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus cuidadores” – lembrou o julgador. Fazendo um comparativo com as uniões entre pessoas do mesmo sexo – convivência duradoura, pública, contínua e com o objetivo de constituir família – o voto concluiu ser possível o reconhecimento do direito de adotar a uniões entre homossexuais. O voto do desembargador Luiz Felipe Brasil Santos é longo e apreciável. Ele rememora que: temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até completarem 18 anos porque estão fora da faixa de adoção provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é o direito de terem uma família no interior nas quais sejam amadas e respeitadas. Depois, o voto incursiona no Direito comparado, trazendo conceitos de autores espanhóis, franceses e norte-americanos. O acórdão ainda não foi publicado. Mas foi possível anotar, ontem, na sessão de julgamento que, no entendimento da 7a Câmara, “tais relacionamentos não se configuram rigorosamente uniões estáveis, mas se assemelham mais a estas que a uma sociedade de fato, pois o que os une é o afeto, não o objetivo de extrair resultados econômicos da relação”. 73 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente “Parece inegável que o que leva estas pessoas a conviverem é o amor, cercadas, ainda, por preconceitos” – disse o desembargador Luiz Felipe. Ele destacou o estudo social efetuado, referindo que o laudo comprova saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. Por fim, louvou a solução encontrada pelo julgador de primeiro grau, que determinou que, no registro de nascimento das crianças, conste que são filhas das duas mulheres, sem especificação de pai ou mãe. A desembargadora Maria Berenice Dias acrescentou que as crianças “têm duas mães, e a Justiça não pode negar isso”. Em nome da parte vencedora da ação atuam as advogadas Virginia Tereza Degrazia, Mônica Elisa Steffen e Patricia Kettermann Nunes Aleessio (Proc. no 70013801592 – com informações do TJRS e da base de dados do Espaço Vital). Voto do relator “Perspectiva da família que se justifica pela busca da felicidade e da realização pessoal dos seus indivíduos”. (Disponível em: www.espacovital.com.br. Acesso em: 06 abr. 2006.) Prohibition law unconstitutional Florida Court calls ban on gay adoptions unlawful A 30-year-old Florida law that prohibits adoption by gay men and lesbians is unconstitutional, a state appeals court ruled on Wednesday, and the state’s governor said the law would not be enforced pending a decision on whether to appeal. The decision by Florida’s Third District Court of Appeal said that Florida’s adoption law, which bans adoption by gay men and lesbians while allowing them to be foster parents, had “no rational basis” and thus violated the equal protection clause in the State Constitution. Judge Gerald B. Cope Jr. wrote the opinion, which affirmed a 2008 decision from a lower court. At a new conference on Wednesday afternoon, Gov. Charlie Crist applauded the decision, saying: “It’s a very good day for Florida; it’s a great day for children. Children deserve a loving home to be in”. Because the decision applies statewide, he said, “We are going to immediately stop enforcing the ban”. 74 Material Complementar da Obra The state, however, has 30 days to appeal. The governor said that he had spoken with the secretary of Florida’s Department of Children and Families, but did not say whether there would be an appeal. A spokeswoman for Bill McCollum, the state attorney general, who has voiced support of the adoption ban, said his office was representing the department in the case, “and will be in discussions with our client as to whether or not they plan to appeal.” A spokesman for the department said, “The primary consideration on whether to appeal is finding the balance between the value of a final ruling from the Florida Supreme Court versus the impact on the Gill family”. Judge Cope wrote that “our ruling is unlikely to be the last word”. The case involved the efforts of Martin Gill, a gay man, to adopt two brothers he took in more than five years ago as foster children when one was 4 years old and the other 4 months old. They had ringworm at the time, and the younger child had an untreated ear infection. The older boy did not speak for the first month with Mr. Gill and his partner. “When they came in the door, we were kind of shocked at what bad condition we were in”, Mr. Gill said Wednesday in an interview. “We realized we had our work cut out for us”. He added, “I would say today they are two happy, healthy, normal kids”. In a concurring opinion, Judge Vance E. Salter wrote that the steps taken to heal and raise the boys “are nothing short of heroic”. Evidence presented at the trial by opponents of the ban found no difference in the well-being of children raised by gay parents versus heterosexual parents. Judge Cope wrote that at the trial, the state presented only two expert witnesses, one of whom undercut the state’s case by disagreeing with the idea of a blanket ban on gay adoption, stating instead that adoptions should be considered case by case. The other expert called by the state, Dr. George A. Rekers, was criticized by opposing experts as having provided research that was rife with “errors in scientific methodology and reporting” and that “did not meet established standards in the field.” 75 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente The court did not comment on the fact that Dr. Rekers, who was paid $120,000 for his work in the case, has since been enmeshed in a scandal after he was discovered to have taken a 10-day trip to Europe with a young man who advertised sexual services on a site for gay escorts. According to the lower court decision cited in the opinion on Wednesday, “Florida is the only remaining state to expressly ban all gay adoptions without exception”. Howard Simon, the executive director of the A.C.L.U. of Florida, which represented the Gill family, hailed the decision on Wednesday as a blow against discrimination that means all potential adoptive parents “will be judged on their individual fitness to provide a loving, stable, permanent adoptive home”. That means, he said, that “some gays will be disqualified, and some heterosexuals will be disqualified”, but that “nobody is going to be categorically excluded because of who they are”. Conservative organizations attacked the decision. Mathew D. Staver, founder of Liberty Counsel and dean of the Liberty University School of Law, said in a statement, “Common sense and human history underscore the fact that children need a mother and a father”. Mr. Gill said that during the long trial process he had been careful to shield the boys from news that might make them fear further disruption in their lives, including threats about being removed from their home. “I try to keep it all positive, and try to insulate them from the negative”, Mr. Gill said. But, he added, “I’m certainly going to tell them we have a victory today”. (Published by NY Times – September 22, 2010) 76 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3.2. Novidades da Lei n o 12.010/2009 sobre adoção Polêmica: Cabe indenização de criança devolvida em adoção? A questão foi levantada por força de notícia polêmica publicada na Agência Folha (BH). Muitos entendem que o caso era de indenização. A maioria entende que não se justifica tal indenização, porquanto a afinidade é essencial para a plenitude da adoção, inclusive para evitar a “rejeição” num lar durante anos. Ademais, se vingasse a tese de “indenização por devolução da criança”, certamente tal fato seria desestímulo as inscrições de casais, não por falta de amor, mas por medo de não se adaptarem à criança e sofrerem indenização por isto. Parece-nos a corrente mais acertada, face ao art. 28, § 5o, do ECA (com redação dada pela Lei no 12.010/2009). Vejamos a notícia polêmica: 27/05/2009 – 22h16 Promotoria cobra indenização de família por devolução de criança adotada em Uberlândia (MG) Breno Costa da Agência Folha, em Belo Horizonte O Ministério Público de Minas Gerais cobra na Justiça uma indenização de cem salários mínimos de um casal de funcionários públicos que devolveu a um abrigo de Uberlândia (556 km de Belo Horizonte) uma menina adotada oito meses antes. De acordo com a Promotoria, trata-se de ação inédita no país. A indenização pedida, equivalente a R$ 46.500, é por danos morais. A criança tem oito anos. O casal, segundo o Ministério Público, conseguiu a guarda provisória em 1o de fevereiro do ano passado, um dia após dar entrada no pedido de adoção. Nos seis meses que antecederam a adoção, segundo a Promotoria, o casal fazia visitas frequentes à criança no abrigo. A menina morou com os novos pais até o dia 29 de setembro, quando foi realizada a audiência judicial para a concessão da guarda definitiva da menina ao casal. Relatórios de acompanhamento produzidos por psicólogos e assistentes sociais descrevem uma situação de plena adaptação da criança ao convívio com os pais adotivos, segundo o promotor Epaminondas Costa, autor da ação civil 77 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente pública. Mas, no dia da audiência final, o casal desistiu da adoção e devolveu a menina aos cuidados do Estado. Segundo o Ministério Público, o casal não explicou a razão da devolução. A criança, também questionada por psicólogos, não soube explicar o que motivou a devolução. O nome do homem e da mulher não foram divulgados. Segundo o promotor, eles ainda não foram notificados da ação. No período em que ficaram com a criança, os pais adotivos chegaram a mudar o primeiro nome da menina, diz Costa. A menina havia sido encaminhada ao abrigo após a constatação de maus-tratos pelos pais biológicos. Na ação, o Ministério Público também cobra, em caráter liminar, o pagamento imediato de pensão alimentícia para a criança até que ela complete 24 anos. A Justiça ainda não decidiu sobre o pedido liminar. Segundo o promotor, ainda não há um entendimento jurídico consolidado sobre a legalidade da devolução da criança durante o período da guarda provisória. Também não se sabe o número de crianças devolvidas após a adoção. No caso específico, ele diz que foi criado um “vínculo psicológico e afetivo muito grande”. O promotor diz que o Estado também tem responsabilidade no caso, já que cabe a ele o aval aos potenciais pais adotivos. A ação, contudo, não tem o Estado como réu. “Por ser uma questão nova, optamos por dar uma resposta imediata em relação à necessidade da criança, cobrando a indenização do casal que a adotou”, afirma Costa. 78 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3.4.1.1. Cadastro Nacional de Adoção e Conselho Nacional de Justiça Com muita alegria informamos que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ criou o “Cadastro Nacional de Adoção”, com o objetivo de unificar e integrar todo o País para esgotar as tentativas de adoção nacional. Vejamos a notícia do site do CNJ (www.cnj.gov.br): CNJ lança cadastro para agilizar adoção de crianças e adolescentes Terça, 29 de abril de 2008 O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Gilmar Mendes, assinou nesta terça-feira (29/04) a Resolução no 54, que institui o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), sistema destinado a unificar e compartilhar dados relacionados às crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e das pessoas dispostas a adotar. O lançamento se realizou na abertura da sessão plenária do CNJ. A conselheira Andréa Pachá, coordenadora do Comitê Gestor do CNA, ressaltou que a ferramenta irá proporcionar “menos burocracia e mais transparência aos processos de adoção e permitirá um diagnóstico preciso sobre a situação”. Os juízes das varas da infância e da juventude de todo o país terão seis meses para inserir os dados no sistema. Após esse prazo, poderá haver cruzamento das informações, o que deverá agilizar o andamento dos processos. O Cadastro formará o Banco Nacional de Adoção, que reunirá os perfis das crianças, adolescentes e pretendentes interessados na adoção, localização, número de abrigos e demais informações de caráter nacional, que, até agora, são regionalizadas. Um dos objetivos da ferramenta será, por exemplo, possibilitar que uma criança em Belém esteja em condições de ser adotada por um casal do outro extremo do país, como do Estado de Santa Catarina. Até agora, os processos são feitos em cada vara, o que, muitas vezes, traz dificuldades aos pretendentes. Após a consolidação dos dados, o CNJ e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos vão firmar um termo de cooperação para o uso dos dados como meio para a gestão de políticas públicas nessa área. Na cerimônia de lançamento, o secretário-executivo da Secretaria, Benedito Santos, 79 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente revelou que uma das formas de participação do órgão será a capacitação de agentes especializados em adoção. Segundo ele, o cadastramento de dados estava previsto já na edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído há 18 anos. A medida mostrou-se rapidamente eficiente (www.cnj.gov.br): Cadastro Nacional de Adoção registra mais de 4 mil pretendentes Quarta, 20 de agosto de 2008 O Cadastro Nacional de Adoção (CNA) já conseguiu registrar 4.106 pretendentes e 469 crianças aptas a serem adotadas. Esses números foram coletados até a manhã desta quarta-feira (20/08), quando o juiz auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Paulo Tamburini apresentou oficialmente o CNA a juízes do Distrito Federal. Durante o evento, realizado no auditório do Pleno do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o juiz da Vara da Infância e da Adolescência Renato Rodovalho, anunciou que o Distrito Federal é a primeira unidade da Federação a concluir a inserção de dados do Cadastro com 380 pretendentes e 158 crianças a serem adotadas. O Distrito Federal é a 18a unidade da Federação a receber a visita do Comitê Gestor do CNA. Os magistrados integrantes do Comitê são os responsáveis em explicar o funcionamento do cadastro, ensinar como os dados devem ser inseridos, sanar as dúvidas dos juízes e de servidores dos tribunais. Tudo isso para que o Cadastro de Adoção seja realmente utilizado com menos burocracia e mais transparência para facilitar os processos de adoção. “Com ele poderemos localizar melhor os interessados e os pretendentes”, explicou o juiz Paulo Tamburini. Lançado pelo Conselho Nacional de Justiça, em 29 de abril deste ano, o CNA será alimentado pelos juízes, que terão até o dia 8 de novembro para inserir os dados no sistema. Com as informações do Cadastro, o CNJ terá condições de obter, até o fim do ano, um diagnóstico mais preciso sobre a questão e propor iniciativas para encontrar alternativas sociais e econômicas para melhorar os processos de adoção no país. 80 Perfil das crianças – “O descompasso entre a quantidade de pessoas interessadas em adotar e o cadastro de crianças disponíveis deve-se ao perfil das crianças preferidas pelos adotantes: recém-nascidas, brancas e meninas”, explicou o Material Complementar da Obra juiz Renato Rodovalho. Ele disse que o Cadastro Nacional de Adoção será um facilitador para a flexibilização deste perfil. “O Cadastro não resolve este problema, mas ajuda o Executivo a formular suas políticas públicas e direciona as campanhas de esclarecimento e incentivo à adoção”. Nesta quinta-feira (21/08) o Cadastro Nacional de Adoção será divulgado em Santa Catarina. Em setembro, será no Amapá, no dia 6; em Pernambuco, no dia 8; na Paraíba, no dia 12, e em Minas Gerais, no dia 26. Até novembro, o CNA ainda será apresentado para juízes e servidores do Judiciário de Goiás, Amazonas, Acre e Roraima. Informações mais completas sobre o CNA podem ser obtidas no banner Cadastro Nacional de Adoção, na abertura da página eletrônica do CNJ. No espaço, estão disponíveis o Guia do Usuário e o documento Perguntas Frequentes. No site mencionado do CNJ, encontramos as perguntas mais frequentes sobre o tema: Perguntas mais frequentes 1. Quais providências devem ser tomadas para que o pretendente a adoção seja inserido no Cadastro Nacional de Adoção? Como fazer para ter acesso ao cadastro? Ele já está disponível? O Cadastro Nacional de Adoção já está disponível no seguinte link: www.cnj.gov.br/cna. Entretanto, o pretendente a adoção deve se habilitar em sua Comarca, na Vara da Infância e da Juventude (ou na Vara competente para o processo de adoção, quando não for este o caso), e o próprio Juiz realizará o seu cadastro no Sistema. Após este procedimento, realizado pelo magistrado competente, todos os juízes, de todo o país, terão acesso à relação dos pretendentes a adoção e de todas as crianças aptas a serem adotadas. Sobre os passos para iniciar o processo de adoção, você pode se informar na Vara com competência para a Infância e Juventude do seu local de domicílio. Caso já seja habilitado a adotar, procure a Vara em que se habilitou para a atualização dos seus dados cadastrais. Para tanto, você pode imprimir a ficha cadastral que segue no link abaixo e, após o seu preenchimento, entregá-la na Vara em que se habilitou. 2. Qual será o critério utilizado pelo Cadastro Nacional de Adoção para a fixação da posição na “fila” da adoção? O Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelece os denominados critérios de prioridade para a convocação de 81 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente pretendentes e sabemos que são aplicados, nas diferentes unidades da federação, critérios distintos. Em alguns Estados e Comarcas, os habilitados são indicados exclusivamente de acordo com a ordem cronológica de habilitação. Em outros, há apreciação de outros dados acerca dos pretendentes, como, p. ex., se são estéreis, ou, então, se possuem outros filhos. Diante da missão constitucional do Conselho Nacional de Justiça, não cabe ao CNJ estabelecer tais critérios. Apenas por uma questão de melhor apresentação das listas de pretendentes, buscados pelo perfil da criança/adolescente, os resultados apresentados pelo CNA (Cadastro Nacional de Adoção) são exibidos da seguinte forma: 1 – pretendentes do Foro Regional (nos casos de mais de uma vara na mesma Comarca), por ordem cronológica de habilitação; 2 – pretendentes da Comarca, por ordem cronológica de habilitação; 3 – pretendentes da Unidade da Federação, por ordem cronológica de habilitação; 4 – pretendentes da Região Geográfica, por ordem cronológica de habilitação; 5 – pretendentes das demais Regiões Geográficas, por ordem cronológica de habilitação. Procurem informações nas Comarcas onde se habilitaram. 3. Qual o prazo final para cadastramento das crianças/ adolescentes e pretendentes? O prazo para a inserção dos dados pelos juízes com competência para a Infância e Juventude no Cadastro Nacional de Adoção é de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data da publicação da Resolução no 54 (08 de maio de 2008). 4. Como proceder nos casos de habilitações muito antigas? Em alguns casos, não se sabe se o pretendente continua interessado na adoção ou se, por exemplo, já adotou a criança pretendida? O CNA não aceitará o cadastramento de pretendentes cuja data da habilitação for superior a 05 (cinco) anos. 5. Com relação ao prazo da habilitação, sabe-se que em alguns Estados ele é inferior ao previsto para o Cadastro Nacional de Adoção (5 anos). Nesses casos, poderá o juiz manter o prazo previsto em seu Estado? 82 O juiz com competência para a Infância e Juventude pode manter prazo inferior para a habilitação. O magistrado tem liberdade para suspender os pretendentes habilitados por ele com prazo de habilitação superior ao estipulado em seu Material Complementar da Obra Estado, caso entenda ser esta a melhor forma de proceder. Para isso, deve alterar a situação do pretendente para “inativo por determinação judicial”. Importante ressaltar que haverá respeito a todas as habilitações feitas anteriormente à implantação do cadastro. Qualquer dúvida, favor entrar em contato pelo e-mail: cna@ cnj.gov.br. Fazemos votos que, em breve, vocês se reúnam à criança/ adolescente esperado. Atenciosamente, Comitê-Gestor do CNA. Para os que desejarem maiores informações sobre o Cadastro Nacional de Adoção acesse http://www.cnj.jus.br/images/cna/livreto_corrigido.pdf. Lá encontrarão informações detalhadas sobre o tema. 83 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O A 69) Questão polêmica: A lista de adoção pode ser relativizada, fora dos casos previstos na lei? Um julgado neste sentido foi o seguinte: Extraído de: Folha Online – 16 de março de 2009. Em processo de adoção, STJ prioriza vínculo afetivo de casal com criança Em uma disputa para adotar uma criança de um ano e três meses, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) priorizou o vínculo afetivo de um casal em detrimento a outro que estava inscrito no cadastro de adoção – uma lista em ordem cronológica que determina prioridade. De acordo com o STJ, um casal de Minas Gerais perdeu a guarda da criança, em junho do ano passado, por decisão do TJ (Tribunal de Justiça) daquele Estado. Antes do nascimento, em 12 de dezembro de 2007, a mãe biológica escolheu quem seriam os pais adotivos do bebê. O casal escolhido conseguiu a guarda provisória por 30 dias em dezembro de 2007, quando a 1a Vara Criminal e de Menores da Comarca de Lagoas (MG), determinou a devolução da criança. A medida não foi cumprida porque o casal conseguiu uma liminar (decisão provisória). Em 29 de junho de 2008, o TJ decidiu que a criança deveria ser entregue ao casal que estava à frente do cadastro. O casal indicado pela mãe biológica recorreu ao STJ com o argumento de que os procedimentos para a adoção não poderiam se sobrepor ao princípio do melhor interesse da criança. De acordo com o STJ, a Justiça estadual considerou que, por ter menos de um ano de idade, a criança não teria condições de estabelecer vínculo de afetividade com o casal e, por isso, o cadastro geral de interessados na adoção deveria ser respeitado. 84 O cadastro de adoção é uma recomendação do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) para verificar a aptidão dos novos pais. De acordo com a comarca de Material Complementar da Obra Sete Lagoas, o cadastro tenta evitar o eventual tráfico de bebês ou mesmo adoção por meio de influências ilícitas. É uma proteção também para a criança, para que não fique à mercê de interesses pessoais, comuns nos casos de adoção dirigida. Para o STJ, o cadastro deve ser levado em conta, mas o critério único e imprescindível a ser observado é o vínculo da criança com o primeiro casal adotante. Para o relator, ministro Massami Uyeda, não se está a preterir o direito de um casal pelo outro, uma vez que, efetivamente, o direito deles não está em discussão. “O que se busca é priorizar o direito da criança”, disse o ministro na decisão, “já que a aferição da aptidão deste ou de qualquer outro casal para exercer o poder familiar dar-se-á na via própria, qual seja, no desenrolar do processo de adoção”. 85 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) NOTA Em casos de “grupos de irmãos”, o juiz deve priorizar a adoção de todos, iniciando-se para os casais nacionais inscritos na lista de espera (cadastro local, estadual e nacional). Reforçando o nosso entendimento da Nota acima, colocamos à disposição do leitor manifestação em caso envolvendo “grupo de irmãos”, com 4, 11 e 13 anos de idade de uma das maiores autoridades do país sobre o tema, o juiz auxiliar da Corregedoria de Minas Gerais e membro do CEJA,3 Exmo. Dr. Carlos Henrique Perpétuo Braga, na Sessão Plenária do dia 04/10/2007, autos 1202/07, em processo CEJA/MG origem Poços de Caldas/MG, onde atuei como Promotor de Justiça da Infância e Juventude (cooperador). Nos autos do processo envolvendo as crianças..., constata-se às fls... cópia da sentença de destituição do Poder Familiar de... em relação aos infantes. O parecer técnico elaborado pela assistente social Fátima Salomé, fls.., sugere a expedição de laudo de habilitação para adoção da criança “A” para o casal “U e V”, porquanto a requerente é brasileira e possui habilitação mais antiga em relação ao casal “X e Z”, também sendo a pretendente brasileira. A psicóloga da CEJA Dalva Rose Pires Tárcia destacou em seu parecer de fls... que, dos casais interessados, em três deles a mulher ostenta nacionalidade brasileira... Disse, ainda, que por inexistir casal estrangeiro interessado na adoção do grupo de irmãos, mas somente de “A” (4 anos, o mais novo), o desmembramento não se mostra vantajoso, pois já há pretendentes para adoção dessa criança na própria cidade onde reside, possibilitando contato com os demais irmãos. Acrescentou que o casal “F e G” manifestou interesse na adoção de “A” (4 anos) e “B” (11 anos), porém, o Decreto de Adoção é incompatível com a idade do mais velho, já com quase 11(onze) anos de idade. 3 CEJA/MG – Autoridade Central Administrativa para fins de adoção internacional no Estado de Minas Gerais, Rua Gonçalves Dias, 2.553, CEP 30140-092 – Belo Horizonte/MG, Tel 0xx31 – 3292 2300 – Ramal 125/126, e-mail: [email protected]. 86 Material Complementar da Obra Apresentaram-se como candidatos à adoção os seguintes interessados: (...) Relatados, na essência, passo a votar. (...) Dos três irmãos institucionalizados, houve interesse dos casais estrangeiros para adoção de “A”, o mais novo deles. Um casal composto por “F e G” interessou-se, a princípio, pela adoção de “A” (4 anos de idade) e “B” (11 anos de idade). Entretanto, o Decreto de autorização de adoção estabelece o limite de idade de até 07 anos, inviabilizando a pretensão, como reconhecido pelos próprios Requerentes. Não houve pretendentes à adoção de “C”, o mais velho dos irmãos, que atualmente conta com mais de 13 anos de idade. Fixou esta egrégia Comissão a orientação de que a escolha dos interessados há que se pautar em critérios que preservem o superior interesse da criança. Assim, busca-se uma família para o infante e não uma criança para a família. Nessa linha de raciocínio, os elementos constantes dos autos não justificam o deferimento de indicação da única criança pretendida à adoção por casal estrangeiro. Isto porque, a preferência é sempre para adoção por casal brasileiro, mantendo-se a criança inserida no seio de sua pátria, facilitando o convívio e o desenvolvimento psíquico e cultural do menor. Nesse caso, por ter havido pretensão de adoção do menor “A” (4 anos de idade) por um casal da cidade onde os menores encontram-se institucionalizados, fls..., não se justifica, a princípio, a indicação para quaisquer dos Interessados habilitados nesta Comissão. Destarte, adoção estrangeira somente deve ser intentada, no presente caso, se permitir a manutenção do grupo familiar formado pelos irmãos, porque, ao que se apurou no relatório de fls..., o vínculo entre eles é forte. Havendo possibilidade de adoção apenas do mais novo por nacionais, justifica-se que a eles se defira a adoção, mesmo porque preserva, ainda que de maneira restrita, a possibilidade de um convívio entre os irmãos. Não se pode deixar de considerar que a possibilidade de não permitir que se separassem os irmãos traduz o fundamento 87 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente abraçado pelo MM. Juiz de Direito do Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Poços de Caldas para inscrição dos menores para adoção por casal estrangeiro, fls... (...) Nesse contexto, voto pela rejeição de todos os pedidos de indicação ora formulados, buscando-se novos interessados à adoção, de forma a se manter reunido o grupo de irmãos ou, no mínimo, dois deles. É como voto. Belo Horizonte/MG, 04 de outubro de 2007 Carlos Henrique Perpétuo Braga Juiz de Direito (...) Deliberação da Comissão: Indeferiram a totalidade dos pedidos de indicação, nos termos do voto do Sr. Relator Presidente: Des. José Francisco Bueno Relator: Carlos Henrique Perpétuo Braga Membros: Des. Francisco de Assis Figueiredo Des. Wagner Wilson Ferreira Des. Rubens Xavier Ferreira Dra. Valéria da Silva Rodrigues Dra. Flávia de Vasconcellos Lanari Dr. Sergio parreiras Abritta Dra. Nívia Mônica da Silva PS: Os nomes das crianças e demais identificações do processo acima foram, por este autor, suprimidos em face do segredo de justiça e para preservar os requerentes por número de habilitação. 88 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3.9. Adoção por tios: impossibilidade Em diversas notas sobre o tema, percebemos que na adoção por tios falta, além de possibilidade jurídica do pedido (art. 23 do ECA), o interesse de agir (necessidade e adequação da via eleita), ou seja, na verdade os tios deveriam propor ação de “guarda excepcional” (art. 33, § 2o, do ECA), e não adoção. Em parecer na comarca de Divinópolis/MG, posicionei-me neste sentido: Tutela não é o caso, pois a criança possui mãe presente que a represente para os atos da vida civil. Adoção, data venia, não é a via eleita correta, pois soa estranho que um tio adote uma sobrinha, porque, por exemplo, sua irmã (mãe biológica da adotanda) não tem condições econômicas para tanto. Não seria mais fácil ajudá-la, conforme previsão do art. 23 do ECA? Ademais, se o caso fosse extremo, não seria correto a guarda excepcional do art. 33, § 2o, do ECA? Neste sentido: Art. 33. (...) § 2o Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser deferido o direito de representação para a prática de atos determinados. E a confusão de sangue (turbatio sanguinis)? Como ficaria a sucessão hereditária? Será que a criança ter o tio como pai e a mãe biológica como tia, ambos convivendo na mesma cidade, trará reais vantagens do ponto de vista psíquico? Entendo que não. Como pode uma mãe biológica virar, por “obra” jurídica, tia e o tio virar pai? Se para este Promotor de Justiça é difícil pensar numa situação desta, para uma criança ou adolescente, crescendo neste ambiente, será saudável? O que pensará? 89 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Por que sua mãe o abandonou? O fator econômico é motivo para esta espécie de adoção? Por outro lado, a adoção acaba com o vínculo biológico inicial e pressupõe, de regra, que a nova família substituta fique em local distante, sendo que o tempo e a convivência acabam por confortar espiritualmente a adotada, bem como eventual acompanhamento psicológico na idade adolescente. Todavia, este fator é problemático também neste ponto, pois sendo o tio que pretende adotar, a criança vai crescer no seio familiar, ou seja, com pais adotivos e mãe biológica, o que, reforço, do ponto de vista psíquico é extremamente prejudicial. Neste caso, a única solução plausível é voltar no art. 6o do ECA para tentar compreender este caso, sem dúvida, inédito nos Tribunais. Neste sentido: Art. 6o do ECA: Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (grifos nossos). Se permitíssemos à criança ser adotada por um tio, sendo a mãe biológica transmudada em tia, como a criança se desenvolveria nesse contexto? Um dos princípios que se aplica no Direito da Infância e Juventude, na Adoção, é justamente propiciar reais vantagens para a adotanda, sendo este também um dos requisitos da adoção plena. Provados, pois, quase todos os requisitos legais, conforme minuciosamente analisado o mérito, faltam apenas as condições da ação: Possibilidade jurídica do pedido (art. 23 do ECA c/c o art. 42, § 1o, este com a interpretação dada pelo art. 6o); Interesse de agir/necessidade (ausência de necessidade, já que um dos adotantes é tio – jus sanguinis – da adotanda, dando todos os cuidados desde seu nascimento); 90 Adequação – também se constata a ausência de adequação, já que os requerentes, em vez de adoção, deveriam ajuizar a guarda excepcional do ECA, prevista no art. 33, § 2o). Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3.10.1. A ampliação da licença-maternidade por mais 60 dias (4 meses constitucional e mais 2 meses por via legal) A ampliação da licença-maternidade para seis meses é de autoria da senadora Patrícia Sabóya Gomes (PDT-CE), que agora vê aprovado, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, outro projeto seu, que amplia a licença paternidade de cinco para quinze dias. Vejamos como ficou a redação final da lei e os motivos de veto. Lei no 11.770, de 9 de setembro de 2008 Cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, e altera a Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991. O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da licençamaternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7o da Constituição Federal. § 1o A prorrogação será garantida à empregada da pessoa jurídica que aderir ao Programa, desde que a empregada a requeira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida imediatamente após a fruição da licença-maternidade de que trata o inciso XVIII do caput do art. 7o da Constituição Federal. § 2o A prorrogação será garantida, na mesma proporção, também à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança. Art. 2o É a administração pública, direta, indireta e fundacional autorizada a instituir programa que garanta prorrogação da licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que prevê o art. 1o desta Lei. Art. 3o Durante o período de prorrogação da licençamaternidade, a empregada terá direito à sua remuneração integral, nos mesmos moldes devidos no período de percepção do salário-maternidade pago pelo regime geral de previdência social. Art. 4o No período de prorrogação da licença-maternidade de que trata esta Lei, a empregada não poderá exercer qualquer 91 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente atividade remunerada e a criança não poderá ser mantida em creche ou organização similar. Parágrafo único. Em caso de descumprimento do disposto no caput deste artigo, a empregada perderá o direito à prorrogação. Art. 5o A pessoa jurídica tributada com base no lucro real poderá deduzir do imposto devido, em cada período de apuração, o total da remuneração integral da empregada pago nos 60 (sessenta) dias de prorrogação de sua licençamaternidade, vedada a dedução como despesa operacional. Parágrafo único. (Vetado) Art. 6o (Vetado) Art. 7o O Poder Executivo, com vistas no cumprimento do disposto no inciso II do caput do art. 5o e nos arts. 12 e 14 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, estimará o montante da renúncia fiscal decorrente do disposto nesta Lei e o incluirá no demonstrativo a que se refere o § 6o do art. 165 da Constituição Federal, que acompanhará o projeto de lei orçamentária cuja apresentação se der após decorridos 60 (sessenta) dias da publicação desta Lei. Art. 8o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do exercício subsequente àquele em que for implementado o disposto no seu art. 7o. Brasília, 9 de setembro de 2008; 187o da Independência e 120o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Guido Mantega Carlos Lupi José Pimentel Este texto não substitui o publicado no DOU de 10/09/2008. Mensagem de veto no 679, de 9 de setembro de 2008. Senhor Presidente do Senado Federal, 92 Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público e inconstitucionalidade, o Projeto de Lei no 2.513, de 2007 (no 281/05 no Senado Federal), que “Cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da Material Complementar da Obra licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal, e altera a Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991”. Ouvido, o Ministério da Fazenda manifestou-se pelo veto ao seguinte dispositivo: Parágrafo único do art. 5o “Art. 5o (…) Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se às pessoas jurídicas enquadradas no regime do lucro presumido e às optantes pelo Sistema Integrado de Pagamentos de Impostos e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES.” Razões do veto “A medida cria uma modalidade de dedução do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ sem qualquer limite, alcançando, além das empresas tributadas com base no lucro real, as empresas optantes pelo lucro presumido, e as inscritas no Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional. Para as empresas que optam pela apuração do IRPJ com base no lucro presumido, a apuração do lucro é realizada por meio da aplicação de um percentual de presunção sobre a receita bruta auferida, dependendo da natureza das atividades das empresas, as quais, geralmente, não mantêm controles contábeis precisos, segundo a Receita Federal do Brasil. Assim, o proposto no parágrafo único prejudicaria a essência do benefício garantido a essas empresas, além de dificultar a fiscalização por parte da Receita Federal do Brasil. Como o Simples Nacional engloba o pagamento de vários tributos, inclusive estaduais e municipais, mediante aplicação de uma única alíquota por faixa de receita bruta, o modelo proposto torna-se inexequível do ponto de vista operacional. Cria-se sério complicador para segregar a parcela relativa ao imposto de renda, para dele subtrair o salário pago no período de ampliação da licença.” Os Ministérios da Fazenda e da Previdência Social acrescentaram veto ao seguinte dispositivo: Art. 6o “Art. 6o A alínea e do § 9o do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar acrescida do seguinte item 10: 93 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente “Art. 28. (…) § 9o (…) e) (…) 10. recebidas a título de prorrogação da licença-maternidade, no âmbito do Programa Empresa Cidadã, sem prejuízo da contagem do tempo de contribuição da segurada; (…) (NR)” Razões do veto A alínea “e” do § 9o do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, enumera, de forma exaustiva, as importâncias que não integram o salário-de-contribuição, que é a base de cálculo para a contribuição previdenciária. Ao incluir valores recebidos a título de prorrogação da licença-maternidade neste rol, o art. 6o do Projeto de Lei concede isenção tanto da contribuição previdenciária referente à cota da empresa quanto à contribuição previdenciária devida pela segurada. Note-se que, no referido dispositivo a alínea a dispõe que não integram o salário-de-contribuição os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o benefício relativo ao salário-maternidade. Significa dizer que o valor relativo a este benefício integra o salário-decontribuição, ou seja, é base de cálculo para a contribuição previdenciária. Dessa forma, se nos 120 dias de licença gestante, quando é devido à segurada o salário-maternidade, há a incidência de contribuição previdenciária, seria contraditório a não incidência dessa contribuição sobre os valores referentes à prorrogação da licença, que tem as mesmas características do salário-maternidade devido nos primeiros 120 dias de licença. Cabe ainda ressaltar a natureza especial da contribuição previdenciária e a necessidade de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social, conforme disposto nos arts. 167, XI, e 201 Constituição Federal. Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional. Brasília, 9 de setembro de 2008. 94 Este texto não substitui o publicado no DOU de 10/09/2008 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3.11. Questões Finais de Adoção Sobre competência na adoção, vejamos polêmico julgado do STJ (a competência é do domicílio dos pais, e não do local onde a criança se encontra). Família – 13/12/2005 A 3a Turma do STJ decidiu que, em caso de sentença de adoção, o juízo competente para decidir é o mais próximo, ou seja, o juízo imediato. Sob a proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente, a competência é determinada pelo domicílio dos pais ou responsável. No caso em julgamento, como a criança está sob a guarda provisória de um casal de médicos, eles seriam seus responsáveis, o que legitima o foro do domicílio deles, e não o de onde mora a genitora. Um casal de médicos interessado em adotar uma criança recebeu a informação de que uma mãe adolescente não pretendia ficar com seu bebê por medo de reprimenda da família. Assim, entraram com ação de adoção da criança, que nasceu em Caçapava do Sul (RS), em novembro de 2001. O registro do nascimento foi feito pela adolescente acompanhada da mãe, e o nome da criança foi escolhido pelos pretensos adotantes, que, imediatamente após o parto, já estavam com o bebê, dando início ao processo de adoção. No entanto, pouco mais de um mês após o nascimento, a mãe adolescente manifestou interesse em permanecer com o bebê, pois havia obtido o apoio de sua família. Diante desse fato, o juiz determinou aos pretendentes adotantes a devolução da criança à mãe e, na mesma ocasião, declinou de sua competência, determinando a remessa dos autos à comarca de Caçapava do Sul, cidade onde residia a mãe. Os adotantes, por sua vez, apresentaram pedido de desistência da ação, que foi homologado pelo juiz da causa em Caçapava do Sul. Todavia, mesmo diante da desistência dos adotantes, eles não devolveram a criança à mãe, que, dias depois, procurou o foro local, à procura de auxílio para ter de volta a filha. Simultaneamente, os pretensos adotantes ajuizaram nova ação de adoção, dessa vez em Porto Alegre, obtendo a 95 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente expedição de precatória de citação da adolescente para Caçapava do Sul, cidade onde residia. Em Porto Alegre, o juiz da Infância e da Juventude julgou-se competente para a ação e ainda destituiu a adolescente da guarda provisória da criança, dando a guarda provisória aos pretensos adotantes. Contra essa decisão, a adolescente entrou com pedido de guarda no TJRS, alegando não haver razão alguma para a ruptura dos liames familiares da criança com a mãe e com os avós maternos, além do que nada justifica manter a situação da guarda da criança, que foi estabelecida mais por “teimosia e insensibilidade“ dos pretensos adotantes que buscaram forma alternativa de obter a adoção, do que por culpa da genitora, uma jovem adolescente, que necessitava de amparo. O recurso foi provido. Logo em seguida, os pretensos adotantes entraram com recurso especial no STJ, alegando que, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a competência para julgar a ação é determinada pelo domicílio dos pais ou responsável e, como a criança estava sob a guarda provisória do casal, seriam eles seus responsáveis, o que legitimaria o foro da Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, comarca de sua residência. Foi ajuizada medida cautelar no STJ, cuja liminar foi deferida no sentido de manter a guarda da criança com os pretensos adotantes, até o julgamento final do recurso. Nesse ínterim, a ação de adoção foi julgada em Porto Alegre, tendo sido julgado procedente o pedido para que a criança ficasse com os adotantes. Em decisão no STJ, a Ministra Nancy Andrighi ressaltou que um dos princípios que rege o ECA, especialmente no que toca à questão de competência, é o princípio do juízo imediato, segundo o qual é competente o juízo mais próximo do menor. O intuito máximo de tal princípio está em que, pela proximidade do menor, é possível atender melhor os objetivos determinados pela lei, bem como lhe entregar a prestação jurisdicional de forma mais rápida e eficaz. Assim, a decisão da Terceira Turma do STJ foi pelo princípio do juízo imediato, conhecendo parcialmente do recurso e lhe dando provimento para declarar competente o Juízo da Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre e cassar a decisão que determinava a remessa dos autos ao Juízo da comarca de Lavras do Sul/RS (com informações do STJ). 96 Material Complementar da Obra Porém, a polêmica consistiu no fato do STJ ter ratificado sua própria decisão, não mais considerando em julgamento de adoção, a competência do juízo mais próximo da criança. Assim, o STJ inverteu o julgado e decidiu que em casos de adoção, a competência para julgar a ação é a do domicílio dos pais; somente se não existirem é que passa a ser o do responsável. A decisão é da 3a Turma do STJ e foi tomada em um recurso especial apresentado pelos adotantes contra a mãe biológica da criança, uma adolescente que se arrependeu posteriormente de ter dado a filha para adoção. A decisão foi por maioria e contrária ao voto da relatora, Ministra Nancy Andrighi, para quem o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que a competência é determinada pelo domicílio dos pais ou responsável e esse deveria ser o mais próximo da criança, ou seja, o juízo imediato. Se prevalecesse o voto da relatora, a criança continuaria sob a guarda provisória de um casal de médicos. Para entender o caso 1. Um casal de médicos gaúchos, interessados em adotar uma criança, recebeu a informação de que uma mãe adolescente não pretendia ficar com seu bebê por medo de reprimenda da família. Assim, entraram com ação de adoção da criança, que nasceu em Caçapava do Sul, em novembro de 2001. O registro do nascimento foi feito pela adolescente acompanhada da sua mãe, e o nome da criança foi escolhido pelos pretensos adotantes, que, imediatamente após o parto, já estavam com o bebê, dando início ao processo de adoção. 2. Pouco mais de um mês após o nascimento, a mãe adolescente manifestou interesse em permanecer com o bebê, pois havia obtido o apoio de sua família. Diante desse fato, o juiz determinou aos adotantes a devolução da criança à mãe e, na mesma ocasião, declinou de sua competência, determinando a remessa dos autos a Caçapava do Sul, cidade onde residia a mãe. 3. Os adotantes, por sua vez, apresentaram pedido de desistência da ação, que foi homologado pelo juiz da causa em Caçapava do Sul. Todavia, mesmo diante da desistência dos adotantes, eles não devolveram a criança à mãe, que, dias depois, procurou o foro local, à procura de auxílio para ter de volta a filha. 97 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente 4. Simultaneamente, os pretensos adotantes ajuizaram nova ação de adoção, dessa vez em Porto Alegre, obtendo a expedição de precatória de citação da adolescente para Caçapava do Sul, cidade onde residia. Em Porto Alegre, o juiz da Infância e da Juventude julgou-se competente para a ação e destituiu a adolescente da guarda provisória da criança, dando-a aos pretensos adotantes. 5. Contra essa decisão, a adolescente apelou, com pedido de guarda, no TJRS, o qual proveu o recurso, decidindo que “não há razão alguma para a ruptura dos liames familiares da criança com a mãe e com os avós maternos, além do que nada justifica manter a situação da guarda da criança, que foi estabelecida mais por teimosia e insensibilidade dos pretensos adotantes que buscaram forma alternativa de obter a adoção, do que por culpa da genitora, uma jovem adolescente, que necessitava de amparo”. 6. A decisão fez com que os médicos adotantes entrassem com recurso especial no STJ, alegando que, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a competência para julgar a ação é determinada pelo domicílio dos pais ou responsável e, como a criança estava sob a guarda provisória do casal, seriam eles seus responsáveis, o que legitimaria o foro da Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, comarca de sua residência. 7. Foi ajuizada medida cautelar no STJ, cuja liminar foi deferida no sentido de manter a guarda da criança com os pretensos adotantes, até o julgamento final do recurso. Nesse ínterim, a ação de adoção foi julgada em Porto Alegre e foi julgado procedente o pedido para que a criança ficasse com os médicos. 8. Ao apreciar o recurso especial, a Ministra Nancy Andrighi ressaltou que um dos princípios que rege o ECA, especialmente no que toca à questão de competência, é o princípio do juízo imediato, segundo o qual é competente o juízo mais próximo do menor. O intuito máximo de tal princípio está em que, pela proximidade do menor, é possível atender melhor os objetivos determinados pela lei, bem como lhe entregar a prestação jurisdicional de forma mais rápida e eficaz. Explica a Ministra Andrighi que se trata de uma criança que está completando quatro anos e nunca viu a mãe, nem os avós. Segundo seu entendimento, o ECA é dirigido à criança, e ela, criança, tem que ficar onde está. 98 Material Complementar da Obra 9. Esse entendimento, contudo, não foi acompanhado pela maioria dos ministros da Turma. Apenas o Ministro Castro Filho aderiu a essa corrente. Primeiro a divergir, o Ministro Ari Pargendler concluiu que a competência será determinada pelo domicílio dos pais ou responsáveis. “O objetivo dessa norma é justamente o de fixar a competência no local onde os pais podem defender o poder familiar, porque a criança é a vítima da circunstância”, entende. Para ele, nenhuma situação será boa para a criança depois desse resultado, seja ficar com os pais adotivos ou com a mãe biológica. “A questão é técnica, de competência”. 10. Para o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, o raciocínio da Ministra Nancy Andrighi, sob determinado ponto de vista, é perfeito, “mas o objetivo da regra foi permitir que a mãe pudesse, com maior facilidade, fazer a defesa do poder familiar. Por que deslocaremos isso, ainda mais quando há a mãe, avós maternos, existe um liame natural conhecido?” 11. A questão ficou empatada, cabendo ao Ministro Humberto Gomes de Barros defini-la. Para ele, são duas menores: a mãe e a filha, situação extremamente dolorosa. Seu entendimento é o de que há uma sequência do art. 147 do ECA, quanto a essa questão do domicílio dos pais ou responsável. “Se existem os pais, penso ser o domicílio deles, no caso o da mãe e também dos avós, que são pais de menores também, o competente” (REsp no 687225) – com informações do STJ. (Disponível em: www.espacovital.com.br.) Adoção STJ – Cabe ao juízo do domicílio do casal adotante julgar processos relacionados à adoção Compete ao juízo do domicílio do casal adotante, que detém a guarda provisória do adotando, processar e julgar todos os processos referentes à adoção de menor, consideradas as peculiaridades do processo. Com a decisão, a 2a Seção do STJ definiu que cabe ao Juízo de Direito da Vara da Infância e Juventude de São José dos Campos/SP julgar os processos referentes à adoção de um menino nascido em setembro de 2008. A decisão se deu em um conflito de competência envolvendo o juízo de São José dos Campos e o juízo de Araquari/SC. No caso, trata-se de três processos, todos iniciados no juízo de Araquari, sobre o procedimento de adoção proposto por um casal em favor da 99 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente criança; ação de guarda, ajuizada pela pretensa avó paterna do menor; e procedimento de adoção proposto pelos supostos tios paternos da criança, que posteriormente desistiram de sua pretensão. A adoção formalizada pelo casal teve prosseguimento perante o Juízo de Araquari, enquanto a ação de guarda e o outro procedimento de adoção foram apensados aos autos da primeira ação. Ao conceder a guarda provisória do menor ao casal, o Juízo de Araquari observou as normas então vigentes, principalmente o art. 50 do ECA, já que os adotantes figuravam como regularmente inscritos no cadastro de habilitados à adoção. O suposto pai biológico da criança contestou o pedido de adoção e pediu a guarda do alegado filho, que não lhe foi concedida, pois há dúvida acerca da verdadeira paternidade. A mãe, por sua vez, portadora de transtorno psíquico (esquizofrenia), abriu mão do bebê ainda na maternidade, entregando-o para adoção, como já o tinha feito há 11 anos em relação à outra filha. Ao declinar da competência e remeter os processos ao Juízo de São José dos Campos, em razão de residirem – adotantes e adotando – naquela localidade, o Juízo de Araquari fundamentou sua decisão no art. 147 do ECA. O juízo paulista, por sua vez, não aceitou a competência e devolveu os autos ao juízo catarinense, que, por fim, suscitou o conflito de competência. A relatora, Ministra Nancy Andrighi, levou em conta o fato de os adotantes não terem modificado o seu domicílio após a propositura da ação. Segunda ela, eles já residiam em São José dos Campos. Apenas responderam ao chamado do Juízo de Araquari – no qual se encontravam regularmente cadastrados como casal habilitado para adotar – a fim de manifestar seu interesse na adoção do menor, sendo-lhes, consequentemente, deferida a guarda provisória. O Juízo de Direito da vara da Infância e Juventude de São José dos Campos é o que apresenta condições de ter pronto acesso à criança e à família substituta na qual ela está inserida há exatos dois anos. É de lá que o menor – hoje com dois anos de idade – exerce, com regularidade, seu direito à convivência familiar e comunitária. E, desse modo, o fim a que se propõe o princípio do juízo imediato dá-se por atingido, porque fica em perfeita sintonia com o princípio do melhor interesse da criança, afirmou a ministra. Processo Relacionado: CC 111130 100 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69) 3.2.3.13. Atuação de organismos estrangeiros e nacionais na adoção internacional Em relação à adoção internacional, o Decreto no 5.491/2005 regulamentou a atuação de organismos estrangeiros e nacionais, proibindo o contato direto de tais representantes com dirigentes de abrigos ou crianças (inclua-se adolescentes) em situação de adoção, sem a devida autorização judicial. Este Decreto foi praticamente encampado pela Lei no 12.010/2009. Vejamos: Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos Decreto no 5.491, de 18 de julho de 2005. Regulamenta a atuação de organismos estrangeiros e nacionais de adoção internacional. O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e Considerando a entrada em vigor, para o Brasil, da Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída na cidade de Haia, Holanda, em 29 de maio de 1993, aprovada pelo Decreto Legislativo no 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.087, de 21 de junho de 1999, e tendo em vista a designação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, conforme determinação do inciso II do parágrafo único do art. 1o do Decreto no 5.174, de 9 de agosto de 2004, como Autoridade Central Administrativa Federal encarregada de dar cumprimento às obrigações impostas por aquela Convenção; Decreta: Capítulo I DO CREDENCIAMENTO DE ORGANISMOS NACIONAIS E ESTRANGEIROS QUE ATUAM EM ADOÇÃO INTERNACIONAL Art. 1o Fica instituído o credenciamento de todos os organismos nacionais e estrangeiros que atuam em adoção internacional no Estado brasileiro, no âmbito da Autoridade Central Administrativa Federal. 101 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Parágrafo único. O credenciamento de que trata este artigo é requisito obrigatório para posterior credenciamento junto a Autoridade Central do país de origem da criança, bem como para efetuar quaisquer procedimentos junto às Autoridades Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal, na forma do Decreto no 3.174, de 16 de setembro de 1999. Art. 2o Entende-se como organismos nacionais associações brasileiras sem fins lucrativos, que atuem em outros países exclusivamente na adoção internacional de crianças e adolescentes estrangeiros por brasileiros. Art. 3o Entende-se como organismos estrangeiros associações estrangeiras sem fins lucrativos, que atuem em adoção internacional de crianças e adolescentes brasileiros, no Estado brasileiro. Art. 4o Os organismos nacionais e estrangeiros que atuam em adoção internacional deverão: I – estar devidamente credenciado pela Autoridade Central Administrativa Federal, se organismo nacional; II – estar devidamente credenciado pela Autoridade Central de seu país de origem e ter solicitado à Coordenação Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, autorização para funcionamento no Brasil, para fins de reconhecimento da personalidade jurídica às organizações estrangeiras, na forma do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, se organismo estrangeiro; III – estar de posse do registro assecuratório, obtido junto ao Departamento de Polícia Federal, nos termos da Portaria no 815/99 - DG/DPF, de 28 de julho de 1999; IV – perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições e dentro dos limites fixados pela Autoridade Central Administrativa Federal; e V – ser dirigido e administrado por pessoas qualificadas por sua integridade moral e por sua formação ou experiência para atuar na área de adoção internacional, cadastradas pelo Departamento de Polícia Federal e aprovadas pela Autoridade Central Administrativa Federal, mediante publicação de portaria do titular da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. 102 Art. 5o O organismo nacional ou estrangeiro credenciado deverá: Material Complementar da Obra I – prestar, a qualquer tempo, todas as informações que lhe forem solicitadas pela Autoridade Central Administrativa Federal; II – apresentar, a cada ano, contado da data de publicação da portaria de credenciamento, à Autoridade Central Administrativa Federal relatório geral das atividades desenvolvidas, bem como relatório de acompanhamento das adoções internacionais efetuadas no período, cuja cópia será encaminhada ao Departamento de Polícia Federal; e III – requerer renovação do credenciamento a cada dois anos de funcionamento, no período de trinta dias que antecede o vencimento do prazo, de acordo com a data de publicação da portaria de credenciamento. § 1o A não prestação de informações solicitadas pela Autoridade Central Administrativa Federal poderá acarretar a suspensão do credenciamento do organismo pelo prazo de até seis meses. § 2o A não apresentação do relatório anual pelo organismo credenciado poderá acarretar a suspensão de seu credenciamento pelo prazo de até um ano. Art. 6o O organismo nacional e o organismo estrangeiro credenciados estarão submetidos à supervisão da Autoridade Central Administrativa Federal e demais órgãos competentes, no que tange à sua composição, funcionamento, situação financeira e cumprimento das obrigações estipuladas no art. 5o deste Decreto. Art. 7o A Autoridade Central Administrativa Federal poderá, a qualquer momento que julgue conveniente, solicitar informes sobre a situação das crianças e adolescentes adotados. Art. 8o Na hipótese de o representante cadastrado substabelecer os poderes recebidos do organismo nacional ou estrangeiro representado, com ou sem reservas, o substabelecido somente poderá atuar nos procedimentos após efetuar o seu cadastro junto ao Departamento de Polícia Federal, que dará ciência à Autoridade Central Administrativa Federal. (Redação dada pelo Decreto no 5.947, de 2006.) Art. 9o A cobrança de valores por parte dos organismos credenciados, que sejam considerados abusivos pela Autoridade Central Administrativa Federal e que não estejam devidamente comprovados, poderá acarretar o descredenciamento do organismo. 103 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 10. É proibida a representação de mais de uma entidade credenciada para atuar na cooperação em adoção internacional por uma mesma pessoa ou seu cônjuge, sócio, parente em linha reta, colateral até quarto grau ou por afinidade. Art. 11. É proibido o contato direto de representantes de organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros, com dirigentes de abrigos, ou crianças em situação de adotabilidade, sem a devida autorização judicial. Art. 12. A Autoridade Central Administrativa Federal poderá limitar ou suspender a concessão de novos credenciamentos sempre que julgar necessário, mediante ato administrativo fundamentado. Capítulo II DOS ORGANISMOS NACIONAIS QUE ATUAM EM ADOÇÃO INTERNACIONAL EM OUTROS PAÍSES Art. 13. O organismo nacional credenciado deverá comunicar à Autoridade Central Administrativa Federal em quais países estão atuando os seus representantes, assim como qualquer alteração de estatuto ou composição de seus dirigentes e representantes. Art. 14. O requerimento de credenciamento dos organismos nacionais que atuam na cooperação em adoção internacional deverá ser dirigido ao titular da Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Art. 15. O credenciamento dos organismos nacionais que atuam em adoção internacional em outros países será expedido em portaria do titular da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, após observado parecer da CoordenaçãoGeral do Departamento de Polícia Federal. Art. 16. O certificado de cadastramento expedido pela CoordenaçãoGeral do Departamento de Polícia Federal não autoriza qualquer organismo nacional a atuar em adoção internacional em outros países, sendo necessário o credenciamento junto à Autoridade Central Administrativa Federal. Capítulo III DOS ORGANISMOS ESTRANGEIROS QUE ATUAM EM ADOÇÃO INTERNACIONAL NO ESTADO BRASILEIRO 104 Art. 17. O organismo estrangeiro credenciado terá como obrigações: Material Complementar da Obra I – comunicar à Autoridade Central Administrativa Federal em quais Estados da Federação estão atuando os seus representantes, assim como qualquer alteração de estatuto ou composição de seus dirigentes e representantes; II–tomar as medidas necessárias para garantir que a criança ou adolescente brasileiro saia do País com o passaporte brasileiro devidamente expedido e com visto de adoção emitido pelo consulado do país de acolhida; III–tomar as medidas necessárias para garantir que os adotantes encaminhem cópia à Autoridade Central Administrativa Federal da certidão de registro de nascimento estrangeira e do certificado de nacionalidade tão logo lhes sejam concedidos; IV – apresentar relatórios semestrais à Autoridade Central Administrativa Federal de acompanhamento do adotado, até que se conceda a nacionalidade no país de residência dos adotantes; (Redação dada pelo Decreto no 5.947, de 2006.) V – apresentar relatórios semestrais de acompanhamento do adotado às Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção Internacional – CEJAIS pelo período mínimo de dois anos, independentemente da concessão da nacionalidade do adotado no país de residência dos adotantes. (Incluído pelo Decreto no 5.947, de 2006). Art. 18. O credenciamento dos organismos estrangeiros que atuam na cooperação em adoção internacional será expedido por meio de portaria do titular da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, após observados os pareceres da Coordenação Geral de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça; da Divisão de Assistência Consular, do Ministério das Relações Exteriores e da Coordenação-Geral do Departamento de Polícia Federal. Art.19. O certificado de cadastramento expedido pela Coordenação-Geral do Departamento de Polícia Federal, por si só, não autoriza qualquer organização estrangeira a atuar em adoção internacional no Estado brasileiro, sendo necessário o credenciamento junto à Autoridade Central Administrativa Federal. Art. 20. Somente será permitido o credenciamento de organismos estrangeiros de adoção internacional oriundos de países que ratificaram a Convenção de Haia e estejam 105 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente devidamente credenciados pela Autoridade Central do país de origem para atuar em adoção internacional no Brasil. Capítulo IV DAS DISPOSIÇÕES FINAIS Art.21. O descumprimento do disposto neste Decreto implicará o descredenciamento do organismo nacional ou estrangeiro que atua em adoção internacional no Estado brasileiro. § 1o Após o descredenciamento, respeitada a ampla defesa e o contraditório, o organismo nacional ou estrangeiro não poderá voltar a atuar em adoção internacional no Estado brasileiro pelo prazo de até dez anos, contados a partir da data da publicação da portaria de descredenciamento. § 2o O descredenciamento será comunicado ao Departamento de Polícia Federal pela Autoridade Central Administrativa Federal. Art. 22. Qualquer irregularidade detectada pelas Autoridades Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal deverá ser comunicada à Autoridade Central Administrativa Federal. Art. 23. Fica a Autoridade Central Administrativa Federal encarregada de comunicar às Autoridades Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal e ao Bureau Permanente da Conferência de Haia de Direito Internacional Privado os nomes e endereços dos organismos nacionais e estrangeiros credenciados. Art. 24. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 18 de julho de 2005; 184o da Independência e 117o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Dilma Rousseff Este texto não substitui o publicado no DOU de 19.07.2005. (Disponível em: www.planalto.gov.br.) 106 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O A 69) 5. DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO NO TRABALHO (ARTS. 60 A 69 DO ECA) Para maiores informações sobre a sistematização legal do trabalho do menor, colocamos à disposição do leitor parecer que foi juntado na ADIn no 2.096 do STF. Sumário. I. Introdução. Noções Gerais do Estatuto da Criança e do Adolescente. II. Trabalho do Menor. Direito à profissionalização e à proteção no trabalho. III. Emenda Constitucional no 20/98 e sua inconstitucionalidade. Controle de constitucionalidade de leis adotado no Brasil. 1 – Controle de Constitucionalidade Preventivo. 2 – Controle de Constitucionalidade Repressivo. 2.1 – Controle de Constitucionalidade Repressivo Reservado ou Concentrado. 2.2 – Controle de Constitucionalidade Repressivo Difuso ou Aberto. IV. Situação jurídica anterior à EC no 20/98. Perpetuidade. V. Conclusão. I – Introdução. Noções gerais do Estatuto da Criança e do Adolescente O ECA adotou em seu corpo legislativo o princípio da Proteção Integral à criança e ao adolescente, a saber, qualquer que seja a situação deles (com pais, sem pais, infratores, não infratores, situação irregular ou não irregular, situação de risco etc.), haverá proteção no citado Estatuto. Trata-se de noção importante porque o antigo “Código de Menores“ dava proteção apenas em caso de situação irregular (sem pai e/ou sem mãe ou, na hipótese de adolescente infrator). Esta proteção integral da Lei no 8.069/90 abrange todos os direitos da personalidade (art. 3o), a saber, todas as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança e do adolescente. (...) Portanto, o ECA conferiu, do art. 7o ao 69, vários direitos fundamentais. Exemplificando alguns deles, previstos inclusive na Carta Magna, art. 227, podemos citar: 1o) direito à vida e à saúde (desde a concepção até o aleitamento materno); 107 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente 2o) direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, abrangendo neste contexto o direito de opinião, igualdade de tratamento e de oportunidade; 3o) direito à convivência familiar (a regra é a proteção da família natural, isto é, aquela formada pelos pais e seus descendentes ou um dos pais e seus descendentes, chamada esta última de família monoparental; a exceção é a colocação da criança ou do adolescente na família substituta-adquirida por guarda, tutela ou adoção) e comunitária; 4o) direito à profissionalização e à proteção no trabalho (arts. 60 a 69 do ECA). II – Trabalho do Menor. Direito à profissionalização e à proteção no trabalho A Constituição Federal de 1988 proibiu o trabalho do menor de 14 anos (ou seja, da criança e do adolescente entre 12 anos completos até 14 anos incompletos), segundo o art. 227, § 3o, I, combinado com o art. 7o, XXXIII (idade mínima de 14 anos para admissão ao trabalho, salvo para menores de 14 anos na condição de aprendiz, mas vedado neste caso como para menores de 18 anos, trabalhos noturnos, perigosos ou insalubres). Assim, a antiga redação do art. 7o, XXXIII, da Carta Magna, permitia o trabalho do menor com 14 anos completos e, na condição de aprendiz, com 12 anos completos até 18 incompletos, seguindo a sistemática do Estatuto da Criança e do Adolescente e da Consolidação das Leis Trabalhistas, razão pela qual concluímos que criança (do nascimento com vida até 12 anos incompletos) não pode (e nunca pode) trabalhar sob nenhum pretexto. Porém, a EC 20/98 somente autorizou o trabalho do adolescente a partir de 16 anos e não mais 14, como constava. A mudança legislativa trouxe sérias consequências a diversas famílias brasileiras. Acostumadas a complementar sua renda com o auxílio dos filhos, muitos empregadores passaram a se recusar a receber menor em suas fábricas ou comércio, com medo da represália de fiscais do trabalho e das punições civis e criminais. 108 Se de um lado a emenda constitucional auxiliou e foi eficaz na redução do trabalho infantil (criança), de outro, causou sérios problemas ao trabalho juvenil (adolescentes). Material Complementar da Obra No Brasil, o trabalho de adolescentes a partir de 14 anos demonstrava ser um instrumento eficaz no combate a ociosidade (mãe de todos os atos infracionais), prioridade a subsistência humana (do adolescente e de sua família), bem como fuga da violência doméstica. Neste último item, diante da dificuldade financeira e estrutural das famílias serem tratadas, o trabalho de adolescentes representa um meio natural de fugir do círculo da violência doméstica, visando independência econômica (parca, mas livre de sevícias, pedofilia etc.) e assim, evitando a tendência de se produzir crianças que crescerão como delinquentes juvenis e assassinos, futuros agressores e pedófilos da próxima geração, como ensina J. Eekelaar e S. Katz, in Family Violence – An International and Interdisciplinary Study, Toronto, Butterworths, 1978. A esse respeito é preciso recordar o conteúdo do livro de Alice Miller, in Por tu Próprio Bien4, no qual, através das vidas de três personagens do nosso século – Adolf Hitler, Cristiane F. e Jurgen Bartsch –, ela nos mostra que estes foram vítimas de violência física doméstica e que, mais tarde, ao se converterem num terrível ditador, numa drogada e num temível assassino de crianças, cumpriram o que Miller nos diz com muita propriedade: fatalmente, as crianças espancadas, espancarão, as humilhadas, humilharão, aquelas em que mataram a interioridade, essas matarão, pois por trás de cada crime esconde-se uma tragédia pessoal. A profissionalização do adolescente e sua consequente proteção no trabalho como direito consagrado, além dos fatores alhures realçados, tem, como alicerce, um fator prioritário: a subsistência e a dignidade humana. Em países como a Suíça, esta situação poderia ser contornada, com programas governamentais e educação isolada. Mas no Brasil, a educação, indispensável sem dúvidas, necessita ser compartilhada com a subsistência, mesmo porque “não se aprende nada de barriga vazia“, como ensina o dito popular. Segundo dados do IBGE/UNICEF, o nível de renda familiar é o fator determinante para o ingresso precoce dessa faixa da população nas atividades econômicas. Os dados de 1987 demonstraram que 51,4% (15 a 17 anos) e 18,30% (10 a 14 4 MILLER, Alice. In: Por tu propió bien. Barcelona: Tusquets, 1985. 109 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente anos), constituíam grupos economicamente ativos (Disponível em: Crianças e Adolescentes – Indicadores Sociais, I, Unicef/ IBGE). Esses índices situam-se nos grupos de famílias com rendimento inferior a dois salários mínimos per capita; portanto, infere-se que essa necessidade é exigida de forma antecipada ao menor, pela condição real de sobrevivência.5 Eline A. Maranhão de Sá comenta: Diante disso, é importante entender que a formação profissional e a proteção no trabalho do jovem estão no centro da atual crise brasileira, o que exige discutir o direito à cidadania dos trabalhadores, articulando a questão da liberdade política (autonomia dos movimentos sociais) e a questão distributiva de renda, no eixo das políticas públicas. Estas têm a função básica no processo de inclusão ou exclusão dos bens e serviços prestados pelo Estado (instituições governamentais) a essa faixa da população. Entendendo assim, o art. 69 do Estatuto redimensiona a questão de assistência pública (referente à profissionalização e à proteção no trabalho do jovem) em outro patamar, qual seja: alterar e reordenar as práticas institucionais a partir do rompimento com o assistencialismo. Isso significa estruturar nos níveis federal, estadual e municipal propostas que contemplem na sua estrutura o desvelar do vínculo com o conformismo, possibilitando a recriação de uma nova identidade do jovem, até aqui sufocada e anulada pelas desigualdades, além do resgate do trabalho pela via da dignidade, sem ferir os direitos à educação, ao lazer, à satisfação das necessidades básicas etc.“ (grifo nosso)6 III – Emenda Constitucional no 20/98 e sua inconstitucionalidade. Controle de constitucionalidade das leis adotado no Brasil Em polêmica emenda à Constituição (Emenda Constitucional no 20/98), mais preocupada em dar satisfação à OIT do que à realidade nacional, a vedação do trabalho do menor foi ampliada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz, cuja idade limite passou a ser 14 anos. Senão, vejamos: 5 MARANHÃO DE SÁ, Eline A. (Fundação Promoção Social/Goiás, GO). In: Estatuto da criança e do adolescente comentado. 2. ed. Malheiros, 1996, p. 204. 6 Obra citada. 110 Material Complementar da Obra art. 7o, XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional no 20/98, DOU 16/12/1998.) NOTA Assim dispunha o inciso alterado: XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz; Conclusões: 1) Antes da emenda, o trabalho do menor era permitido a partir dos 14 anos completos, salvo na condição de aprendiz, cuja idade, seguindo o ECA e a CLT, iniciava-se de 12 anos completos a 18 anos incompletos (sendo que, após 14 anos, aplica-se o art. 66 do ECA – ao adolescente aprendiz, maior de 14 anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários), sem prejuízo da proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos; 2) Após a emenda constitucional, o trabalho do menor passou a ser permitido com 16 anos completos, e, para o aprendiz, a partir de 14 anos completos, incluindo a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos, salvo direito adquirido (art. 5o, XXXVI, 1a figura da CF/88) pelo menor de 14 anos completos ou aprendiz de 12 anos completos a 18 incompletos, antes da entrada em vigor da EC no 20/98. Todavia, data maxima venia, a Emenda Constitucional, na visão deste Promotor de Justiça, é inconstitucional, por ferir cláusula pétrea. Explico. Em primeiro lugar, constatamos que a Emenda Constitucional no 20/98 (Poder Constituinte Derivado Reformador) alterou o art. 7o, XXXIII, mas não alterou o art. 227, § 3o, I, mesmo porque, não poderia, na medida em que o art. 227 constitui-se em direito individual, logo, cláusula pétrea, sendo somente possível sua alteração por um Poder Constituinte Originário e não Derivado Reformador. Neste sentido: 111 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV – os direitos e garantias individuais. Ressalvo que o fato do conteúdo do art. 227 não estar previsto no rol do art. 5o da CF/88, não descaracteriza sua natureza jurídica constitucional de direito e garantia individual, eis que o rol do art. 5o não é taxativo e sim, exemplificativo, devendo ser analisados os direitos individuais em todo o texto constitucional (interpretação sistemática), como ocorre, por exemplo, com as garantias tributárias ao contribuinte (art. 150 e ss. da Carta Cidadã). Nesse sentido: Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal (Adin no 939-7/DF) ao considerar cláusula pétrea, e consequentemente imodificável, a garantia constitucional assegurada ao cidadão no art. 150, III, b, da Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional no 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4o, IV, da Constituição Federal, pois “admitir que a União, no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda à constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados” (Trecho do voto do Ministro Celso de Melo, Serviço de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Ementário no 1.730-10/STF).7 No Brasil, em relação ao momento de realização do controle de constitucionalidade, podemos observar um binômio: controle de constitucionalidade preventivo e repressivo. 7 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Atlas, p. 109. 112 Material Complementar da Obra (...) Repressivo Difuso ou Aberto O controle difuso ou aberto é aquele que busca a declaração de inconstitucionalidade em concreto, a saber, depende da existência de um caso concreto. A ideia deste controle, exercido por todos os órgãos do Poder Judiciário, nasceu do caso Madison versus Marbury (1803), em que o juiz Marshal, da Suprema Corte Americana, afirmou que é próprio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. É conhecido como via de defesa, sugerindo que seja feita em contestação. Contudo pode ser utilizada também, nas ações constitucionais do Habeas Corpus Act e Mandado de Segurança, além das ações ordinárias. O controle difuso, previsto no art. 97 da Carta Cidadã, não proíbe que o juízo monocrático a realize, inclusive de ofício, pois trata-se de matéria de ordem pública. No entanto, sendo Tribunal, o artigo exige a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/88). No controle difuso, a regra é que os seus efeitos são: ex tunc, porém, intra partem, ou seja, somente para as partes processuais, e não para terceiros na mesma situação jurídica. A exceção a esta regra surge no controle difuso do art. 52, X, da CF/88, feito pelo Poder Legislativo (Senado Federal), onde o efeito será erga omnes, porém, ex nunc (somente a partir da publicação da resolução do Senado Federal), por expressa previsão constitucional. (...) Preleciona Cappelletti:8 que o sistema comum de controle de constitucionalidade dos países do common law, denominando-os de descentralizado ou difuso, é confiado a todos os Tribunais do país. Esses Tribunais, em qualquer processo, tem a faculdade e a obrigação de não aplicar a um caso concreto as leis e atos normativos que considerem inconstitucionais. Esse controle, segundo o excelente professor e autor Alexandre de Moraes,9 não acarreta a anulação da lei ou ato normativo com efeitos erga omnes, aplicando-se somente ao caso concreto em que a norma foi julgada inconstitucional. 8 MAURO, C. Tribunales constitucionales europeos, p. 601. 9 Direito Constitucional. Atlas, p. 444. 113 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A diferença essencial ou substancial do controle difuso para o concentrado, reside no fato de que, no primeiro, a pronúncia do Judiciário não é feita no pedido da petição inicial, e sim, sobre questão prévia (questão prejudicial), indispensável ao julgamento do mérito. Logo, é prevista na causa de pedir e não no pedido, sendo, repito, uma decisão incidenter tantum, decidida como prejudicial ao mérito, não fazendo por conseguinte, coisa julgada e assim, não vinculando o STF ao decidido, permitindo, assim, em ADIn, julgar de forma diferente e com a força do instituto da coisa julgada. Recentemente, a Justiça Federal de Uberlândia concedeu liminar em ação civil pública proposta pelo Procurador da República, autorizando as Delegacias do Trabalho a voltarem a emitir Carteiras de Trabalho a adolescentes com 14 anos e 12 a 14 como aprendiz, pois pelo art. 60, § 4o (cláusula pétrea), o art. 227, § 3o, não podia ser alterado pela EC no 20. Todavia, a Procuradoria da União agravou de Instrumento alegando que Ação Civil Pública não pode ser forma paralela de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade e o Tribunal Regional Federal concedeu efeito suspensivo à liminar concedida, estando, portanto, suspensas as emissões de CTPS até decisão de mérito. Outro exemplo, repousa na comarca de Cláudio/MG. Nesta, diversos Procedimentos de Jurisdição Voluntária visando Alvará para trabalho de menor, caso a caso, um a um, estão sendo julgados pelo culto magistrado, na pessoa física do culto Dr. Francisco de Assis Corrêa, que, ao fazer o controle difuso de constitucionalidade em Procedimento de Jurisdição Voluntária, sucede o juiz Marshal, da Suprema Corte Americana (1803), no sentido de usar de sua atividade jurisdicional para aplicar e interpretar a lei. Assim, percebendo contradição entre a Emenda Constitucional no 20/98 e a CF/88, art. 227, § 3o, o nobre magistrado aplicará a última, por ser vedação material expressa ao Poder Constituinte Derivado Reformador (art. 60, § 4o, da CF/88 – cláusula pétrea), usando da Hermenêutica Jurídica, ciência da interpretação das leis, própria de sua atividade, sem que a coisa julgada produza efeitos erga omnes e sim, intra partem e somente para o caso concreto, não invadindo seara da Corte Suprema do nosso lindo País e não prejudicando direito sagrado de menor. A questão da inconstitucionalidade declarada em Procedimento singular de Jurisdição Voluntária, portanto, não faz efeito erga omnes e nem coisa julgada, pois atinge a parte fundamentadora da sentença. Daí, 114 Material Complementar da Obra no pedido sim, o efeito será intra partem, por tratar-se de ação singular, e, ainda, não faz coisa julgada por tratar-se de Procedimento de Jurisdição Voluntária, implícita a cláusula rebus sic stantibus. Ora, para se chegar no pedido, a saber, no mérito, é pressuposto lógico que o magistrado supere a inconstitucionalidade na parte fundamentadora, mas sem dar-lhe efeito erga omnes, pois senão estaria usurpando função do STF. Por fim, não há prejuízo algum para as Instituições Jurídicas de nosso País, pelo contrário, pois o menor estará longe de más companhias, de vícios, do ócio e a qualquer momento, seja por ADIn declarando a inconstitucionalidade ou, via contrária, declarando a constitucionalidade da EC no 20/98, ou ainda, por Ação Declaratória de Constitucionalidade, o trabalho deste menor pode ser cassado (art. no 1.109 do CPC) ou mantido, sem prejuízo para qualquer das partes, a saber, empregado e empregador, na medida em que a Justiça do Trabalho deve considerar a questão sub judice. IV – Situação jurídica anterior à EC no 20/98. Perpetuidade. Considerando a inconstitucionalidade da EC no 20/98 e superando o magistrado a questão prejudicial (declaração de inconstitucionalidade) feita em ações individuais, no mérito, deve observar a situação jurídica anterior à citada EC. Sobre o tema, as legislações que cuidam do trabalho do menor são: a CF/88, arts. 7o, XXXIII (antes da EC no 20/98) e 227, § 3o, I; a CLT, arts. 402 a 441 e o ECA, arts. 60 a 69. Todos os textos legais alhures proíbem o trabalho do menor de 14 anos, salvo: 1) na condição de aprendiz – CLT (apenas adolescente com 12 anos completos até 18 anos incompletos, sendo que aos 14 anos completos já pode iniciar como trabalhador normal e, após 14 anos completos, mesmo sendo aprendiz, tem direito aos direitos trabalhistas e previdenciários (ao adolescente aprendiz, maior de 14 anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários – art. 66 do ECA) – art. 402 da CLT, que combina com o conceito de adolescente dado pelo ECA, pois a norma jurídica, tem como característica, a possibilidade de conversão em nome normativo, devendo as palavras técnicas guardarem sentido único em todas as legislações e dentro de um sistema. 115 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Por conseguinte, as características do trabalho na condição de aprendiz estão reguladas nos arts. 402 a 441 da CLT, sendo que o ECA no art. 62 determina que aprendizagem é a formação técnica-profissional ministrada segundo as diretrizes e bases da CLT, mas desde que obedeça os princípios do art. 63 (acesso e frequência obrigatória ao ensino regular; atividade compatível ao desenvolvimento e horário especial para o exercício de atividades); 2) na condição de trabalho educativo. O ECA prevê no art. 68, mas a CF/88 não. Contudo, entendo que referido artigo não é inconstitucional, pois não contraria a Carta Magna e sim reforça sua proteção, eis que se assemelha ao trabalho de aprendiz. O trabalho educativo somente é permitido para o adolescente, logo, para aquele que tem 12 anos de idade completos até 14 anos de idade incompletos, pois, se completou 14 anos, já pode ser trabalhador normal ou aprendiz até 18 incompletos com direitos trabalhistas (ao adolescente aprendiz, maior de 14 anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários – art. 66 do ECA). Entende-se por trabalho educativo aquele realizado em programas sociais sem fins lucrativos, quando a atividade pedagógica (ensinamento) prevalece sobre o conjunto produtivo e desde que capacite o adolescente para o exercício de uma atividade regular e remunerada. A remuneração que o adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação nas vendas dos produtos de seu trabalho não desfigura o caráter educativo. Seja na condição de aprendiz ou de trabalho educativo, seja o trabalho permitido para o adolescente com 14 anos de idade completos até 18 anos de idade incompletos, o trabalho não poderá prejudicar o menor e deverão ser observadas as condições mínimas de trabalho descritas no ECA, que são: 1) proibição de trabalho noturno (período que vai das 22 horas de um dia às 5 horas do dia seguinte – o art. 67, I, do ECA combinou com o art. 404 da CLT, no tocante a definição de trabalho noturno, pois a norma jurídica, como vimos, deve ter palavras técnicas que guardem sentido único em todas as legislações e dentro de um sistema-conjugação sistemática de normas); 2) proibição de trabalho perigoso, em local insalubre ou penoso, mas claro que do ponto de vista do menor, e não se é perigoso ou penoso para o adulto; 116 Material Complementar da Obra 3) proibição do trabalho em local prejudicial à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; 4) proibição do trabalho realizado em horários e locais que não permitam a sua frequência à escola; 5) o trabalho deve consagrar o respeito à condição peculiar do menor como pessoa em desenvolvimento; 6) o trabalho deve se ater à capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. Conclusão O ECA e a CLT em hipótese alguma permitem o trabalho da criança, e sim, apenas do adolescente com 12 anos de idade completos até 18 incompletos, na condição de aprendiz (CLT) ou entre 12 anos de idade completos e 14 incompletos, na condição de trabalho educativo (ECA) ou mesmo 14 anos completos como trabalho normal (não aprendiz e não educativo). Ressalva importante: A proibição do trabalho do menor de 14 anos, salvo na condição de aprendiz ou trabalho educativo, é uma norma de proteção ao mesmo, e não uma norma contrária a sua pessoa. Explico. Ex.: Se um adolescente com 13 anos de idade for contratado, mas não for registrado (até porque não há como fazer isto, pois somente se pode fazer registro se tivesse 14 anos ou mais, naquelas condições suprarrelatadas; mesmo para os aprendizes – 12 anos de idade completos a 18 incompletos, não há direito trabalhista para os de 12 completos até 14 incompletos, e sim, somente para os de 14 anos completos – art. 65 do ECA), esta contratação irregular afronta a Carta Magna, mas não impede que tal menor, apesar da vedação legal, tenha todos os direitos trabalhistas de um trabalhador, pois esta norma é de proteção. Neste sentido: Acidente do trabalho. Menor de 14 anos. Incapacidade parcial e permanente. Invocação pela autarquia da proibição constitucional de trabalho. Irrelevância. Circunstância que não obsta a concessão do benefício acidentário. Inteligência do art. 7o, XXXIII, da CF (2o TACSP – Ap. s/Rev. 41.9993-00/9 – 5a C. – Rel. Juiz Sebastião Amorim – J. 03/01/1995) (RT 727/217). 117 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Polêmica: Pode o juiz da Infância e Juventude conceder num Procedimento de Jurisdição Voluntária alvará para autorizar menor com menos de 14 anos de idade a trabalhar, fora das exceções permitidas? Antes de responder à questão é preciso ressalvar que há quem entenda que esta matéria não é da competência do juízo da Infância e Juventude e sim, da Justiça do Trabalho. Data maxima venia, entendo ser da competência do Juízo da Infância e Juventude, pois Justiça Trabalhista cuida somente de dissídios trabalhistas e não de autorização para emissão de CTPS a menor, tanto que os próprios arts. 405, § 2o, e 406, ambos da CLT, remetem tal mister ao Juízo Menorista, por ser função precípua e competência absoluta, passível de nulidade qualquer decisão por Justiça alheia a matéria. Foi o que o STJ decidiu. Há duas correntes sobre o tema. A corrente legalista entende ser impossível, sendo uma afronta ao texto constitucional (interpretação gramatical). Noutro giro, a corrente que vem crescendo, à qual me filio, é que é possível, levando-se em conta a situação econômica do menor e de sua família e se dessa ocupação não advir prejuízo à sua formação moral, analogia ao art. 405, § 2o, da CLT. Trata-se da interpretação teleológica da norma constitucional. Neste particular, faço uma colocação. As normas constitucionais não são absolutas, pois se forem usadas como escudos para prática de crimes ou contrárias aos apelos sociais, enfim, a própria sociedade, devem ser afastadas ou interpretadas de acordo com a sistemática constitucional, teleológica ou os princípios que a embasam (arts. 1o ao 5o). Explico. Como se interpreta uma Constituição? Igual às demais leis? A Constituição por ser lei, também deve ser interpretada como são as demais leis infraconstitucionais, ou seja, deve-se usar as regras de interpretação gramatical ou literal, lógica, teleológica, histórica, autêntica, jurisprudencial, doutrinária, de direito comparado, declarativa, restritiva, ampliativa e interpretação analógica. Contudo, o texto constitucional traz regras próprias de interpretação, até porque ele é um documento de cidadania. Assim, antes de interpretar a CF/88 com as regras acima expostas, deve-se prioritariamente interpretála de uma das três formas abaixo: 118 Material Complementar da Obra 1. no seu sentido corriqueiro, ou vulgar A CF/88 deve ser interpretada no seu sentido vulgar, sem rigor científico, pois se a CF é feita para o povo (e não só para o cidadão, pois este exige capacidade eleitoral ativa e passiva), o povo não possui técnica jurídica, logo, na dúvida entre uma interpretação técnica ou utilização do seu sentido vulgar, deve o órgão do Judiciário preferir o sentido vulgar. Ex.: direito constitucional à imagem, previsto no art. 5o, V e X. No art. 5o, V, o conceito de imagem deve ser interpretado no seu sentido vulgar, ou seja, de imagem atributo (conceito social que cada um de nós tem de si). Logo, não poderá haver “arranhão“ neste conceito social de pai de família, pessoa religiosa, profissional etc; contudo, o art. 5o, X, traz o conceito de imagem no seu sentido técnico, que é a imagem retrato, ou seja, exposição de fotos, imagens sem a autorização do exposto. Notem, portanto, que há duas proteções constitucionais à imagem. 2. no sentido sistemático A CF/88 deve ser analisada como um todo, ou seja, não pode o aplicador da lei ou destinatário desta utilizar-se de apenas um dispositivo constitucional, sem analisar seu contexto em todo o corpo da Carta Suprema, pois pode haver e há, integração de artigos. Ex. 1: Direito de propriedade – art. 5o. Este direito não é absoluto, pois a propriedade deve atender a sua função social; poderá haver desapropriação da propriedade, enfim, devemos combinar o direito de propriedade previsto no art. 5o, com os arts. 182, 184, 150, 243 etc. Tudo isto está difuso na CF. Se o intérprete não usar da interpretação sistemática e tão somente analisar o art. 5o, estará fazendo uma péssima interpretação. Ex. 2: O art. 7o, XXXIII, da CF/88 deve ser conjugado com o art. 227, § 3o, I, razão pela qual a EC 20/98 não atentou contra o próprio sistema jurídico constitucional, alterando apenas o art. 7o e deixando o art. 227 intacto. Ora, além de ferir cláusula pétrea, não observou o sistema constitucional. 3. no seu sentido principiológico Os princípios constitucionais dos arts. 1o ao 4o (chamados de princípios político-constitucionais, como o federalismo, a separação de poderes; indicam quem é o titular do Poder no Estado brasileiro, quais os objetivos do Estado brasileiro, por exemplo, a dignidade da pessoa humana 119 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 1o, III, da CF/88). Há também outros difusos no corpo da CF, sendo preciso identificá-los) e do art. 5o e outros difusos (chamados de princípios jurídico-constitucionais) devem ser observados em toda interpretação do texto constitucional, pois constituem-se no ‘arcabouço jurídico’ intangível ao poder constituinte derivado reformador, eis que se constituem em vedações implícitas às emendas à CF. Assim, o legislador não pode emendar a CF para alterar os princípios citados, pois estaria quebrando a viga mestre do sistema, a saber, por exemplo, por via oblíqua, rompendo a estrutura da Federação etc. Os citados princípios não estão previstos no art. 60, § 4o, pois são uma vedação implícita que se extrai do próprio sistema. Assim sendo, reporto-me à lúcida e equilibrada posição de Sua Excelência, o Dr. Geraldo Magela e Silva Meneses, Juiz do Trabalho de Araripina (PE), que em entrevista na Revista Consulex, ano III, no 27, março/99 declarou: ... Deveras, conforme celebérrima sentença de Ripert, “quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito”. Certamente, visou o Congresso Nacional a exibir a imagem de um Brasil preocupado com a problemática da exploração da mão de obra de jovens e crianças, credenciando o País perante organizações internacionais. Deslembrou-se, entretanto, das precárias condições de vida a que se submete a maior parte do nosso contingente populacional. Indicam as estatísticas que milhões de famílias brasileiras subsistem abaixo da linha da pobreza, em níveis de estarrecedora miséria. Aquele grupo familiar que busca emergir da posição de miserável para a de pobre, mobiliza todos os seus membros, em atividades produtivas, para ter comida na mesa. É comum, nas camadas mais sofridas do povo, que crianças com dez ou doze anos ingressem no mercado de trabalho. São crianças que, para ajudar os pais ou arrimar a família, mourejam como engraxates, ou vendendo picolés, varrendo calçadas, limpando quintais etc. De fato, afigura-se extremamente injusto o quadro. Enquanto os filhos das classes privilegiadas podem ocupar o seu tempo com os estudos (complementados com atividades de lazer, cursos de informática, idiomas, judô, ginástica, dança, natação etc.), as crianças pobres emprestam desde cedo suas forças ao trabalho, sacrificando até mesmo a educação básica. 120 Cabe invocar as ressonantes palavras de Pontes de Miranda: Material Complementar da Obra “a missão do intérprete das leis deve ir até a crítica de lege ferenda, posto que com o só intuito de contribuição à técnica legislativa e à posição científica dos problemas de edição de regras jurídicas” (in Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda no 01, de 1969. Tomo VI, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p.104). … À margem da Lei Maior, ficam todos aqueles adolescentes de 15 anos, que desempenham, em empresas particulares ou órgãos públicos, tarefas de office boy, por exemplo. Certo é que o conhecido boy não está sujeito a nenhuma formação profissional metódica do ofício em que exerce o seu trabalho, não podendo, destarte, ser considerado aprendiz (nos moldes preceituados pela CLT, art. 80). … Impõe-se reconhecer o sentido finalístico da norma proibitiva do trabalho de menores. Objetiva-se preservar a higidez física, psíquica e moral daqueles que se encontram em fase de crescimento, resguardando-os de diversos fatores nocivos. Desponta-se, entretanto, muito mais pernicioso do que o trabalho – mesmo em detrimento de uma Infância bem vivida – “o ingresso do menor em caminho no qual dificilmente haverá recuo, ou seja, no da criminalidade”, como bem acentuou o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (Ação Cível originária no 5339). Só se promoverá Justiça aos menores com a adoção de medidas efetivas de apoio econômico às famílias carentes, implementando políticas sociais para reduzir o vergonhoso indicativo de pobreza. Normas infraconstitucionais – como aquelas inseridas nos arts. 64, 65 e 66 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (“ao adolescente até quatorze anos de idade é assegurada bolsa de aprendizagem”; “ao adolescente aprendiz, maior de 14 anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários”; “ao adolescente portador de deficiência é assegurado trabalho protegido”), deveriam ser concretizadas. Naturalmente, desse modo, sobreviria gradual erradicação do trabalho Infanto-Juvenil. … Ainda, comporta aludir às ponderações do exponencial jurista Pontes de Miranda: “por vezes, temos observado que um dos maiores males, no presente, é o descaso por alguns termos claros, insofismáveis, de regras jurídicas cogentes, ainda insertas em Constituição. Pululam por aí fábricas, construções, cultivos em que menores de 12 anos trabalham. Sociologicamente, o Estado 121 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente fica sem autoridade moral quando se lhe responde à primeira objeção a tal trabalho ilegal, que melhor é para tais crianças o trabalho, com alguma coisa para comer, do que a fome e o respeito da letra da Constituição.” … Antes de modificar a Lei – colocando na clandestinidade trabalhadores mirins e tomadores de serviço –, é preciso que os dirigentes públicos se compenetrem da imperiosa necessidade da ampliação de programas assistenciais, como a bolsa-escola (ainda restrito a um número diminuto de Municípios brasileiros) e a inserção de adolescentes no trabalho educativo. Edificante instrumento da dignidade humana, o trabalho enobrece a pessoa, adulta, jovem ou criança. Incumbe ao estado e à sociedade garantir (no plano real e não da retórica) a proteção no trabalho na infância e juventude. Assim, reduzem-se a delinquência infantil e a marginalidade, evitando que o jovem ou a criança troque uma vassoura pela prostituição, ou uma caixa de engraxate por uma arma. Destarte, como se depreende, a EC no 20/98 não somente afrontou limitação material ao Poder Constituinte Derivado Reformador (art. 60, § 4o, IV) e também, limitação implícita ao citado Poder, na medida em que afrontou um princípio político-constitucional do arcabouço jurídico, a saber, a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, da CF/88), na medida em que o Programa de Renda Mínima Familiar foi reduzido pelo Governo Federal; as bolsas-escolas não vem sendo adotadas por todos os Municípios, face as dívidas internas, salvo o trabalho isolado do Governador do Estado do Mato Grosso do Sul, que adotou as bolsas-escolas em todo o Estado, para as famílias que recebam menos que um salário mínimo e que se comprometam a matricular e fiscalizar os filhos na escola. Por conseguinte, os três principais métodos de interpretação acima mencionados, analisados conjuntamente, constituem-se no chamado método lógico (interpretação corriqueira e interpretação principiológica) – formal (interpretação sistemática) de interpretação da Constituição Federal. Contudo, o professor Paulo Bonavides dá outro sentido de método lógico-formal de interpretação da CF/88, aproximando-se, em suma, das regras sistemática e lógica de interpretação das leis. Outro professor que cuida bem do assunto é o professor Luís Alberto Barose (Sistemas Interpretativos da CF). 122 Material Complementar da Obra Posto isto, por ser necessidade social básica, valor maior do ser humano, princípio político-constitucional (art. 1o, III, da CF/88), sendo que qualquer Emenda Constitucional viola o arcabouço jurídico, sem prejuízo da vedação expressa (art. 227, § 3o, I, c/c art. 60, § 4o, IV, da Carta Magna), é possível a autorização judicial para o trabalho do menor. De qualquer forma o juiz e o representante do Ministério Público devem observar as condições mínimas de trabalho expressas na CF/88 e no ECA e desde que não prejudiquem o menor, senão o Alvará será cassado pelo Tribunal (cassado é o termo técnico, pois em Procedimento de Jurisdição Voluntária, chamado pela Doutrina de “administração pública de interesse privado” não há invalidação ou reforma de decisão, e sim cassação). Outrossim, fica expressamente proibido o trabalho da criança (do nascimento com vida até 12 anos de idade incompletos), somente permitindo o do adolescente. Ora, por que toda esta proteção pelos legalistas, se muitos setores da sociedade entendem que os adolescentes devem, sim, trabalhar, pois o ócio é a mãe dos atos infracionais? A interpretação teleológica (fim que a lei se destinou) responde tal assertiva. Segundo os psicólogos, a criança deve brincar e a criança e o adolescente devem frequentar a escola, preparando-se para um futuro digno. É desumano tirar esta fase da vida das crianças e do adolescente, pois todos adultos bem sucedidos profissionalmente e psicologicamente tiveram “berço esplêndido”, ou seja, tiveram suas fases da vida saudáveis, no tempo certo. Eclesiastes, um dos primeiros livros da Bíblia sagrada já confirma o princípio do Direito Natural e Direito Divino: “Há uma fase para viver, uma fase para morrer”. Assim, há fase para brincar, fase para estudar, fase para trabalhar! Apesar de todo amparo legal na legislação pátria, a prática demonstra o contrário. Crianças trabalhando em lugares insalubres e desumanos, perdendo inclusive as impressões digitais, nos trabalhos de “apanhar laranjas” em lavouras, face à acidez das mesmas; crianças e adolescentes com problemas respiratórios, doenças endêmicas, raquitismo, desenvolvimento físico incompleto, face grandes pesos carregados, tornando-se “anãs”; prostituição infantil crescente na Região Nordeste do País; pedofilias, enfim, uma crueldade que tomou conta não só do Brasil, mas de muitos 123 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente países do mundo, o que fez surgir na ONU (Organização das Nações Unidas), um órgão autônomo que se chama OIT (Organização Internacional do Trabalho), que no ano de 1998 lançou o “Programa Internacional para a eliminação do Trabalho Infantil”, visando eliminar estes abusos e trazer as crianças e adolescentes à escola; buscando também trazê-los à escola, o ex-Governo Federal, representado por Sua Excelência, o Sr. Fernando Henrique Cardoso, divulgou um programa social, adaptado em lei federal e hoje adotado em algumas leis municipais – “Programa de Garantia de Renda Mínima Familiar”. Referido programa visou ajudar a renda per capita das famílias carentes e forçar o acesso das crianças e adolescentes à escola, face à evasão escolar, à falta de matrícula e ao não aproveitamento do estudo devido ao trabalho concomitante destas em lavouras ou economia informal. No entanto, este Programa tem demonstrado solução de continuidade, o que implica no próprio fracasso estatal da tentativa idealista e utópica de estabelecer idade limite ao trabalho do menor. Veio o “Bolsa Escola”, do atual Governo Federal. E mais problemas – “Bolsa Escola e ausência de controle de frequência à escola”: o Ministro de Segurança Alimentar e combate à fome, Patrus Ananias, afirmou que a lista de presença de alunos matriculados em escola não é “critério essencial“ para o pagamento do Bolsa-Família (unificação de vários programas assistenciais, inclusive o Bolsa-Escola), apenas uma contrapartida para que receba o benefício do programa. Segundo notícias publicadas por um jornal do Rio de Janeiro, apenas 13% das listas de presença de alunos matriculados na rede pública de ensino em 2002 foram repassadas à Caixa Econômica Federal, que realiza o pagamento do bolsa-família. Dias após, chamado a ordem pelo presidente Luiz Inácio, Patrus corrige o que falou, priorizando as listas. Isto demonstra que o programa é meramente assistencialista, sem retorno algum para a integridade e formação de crianças e adolescentes, ou seja, não evita evasão escolar. Destarte, fica em disputa o direito à vida, à sobrevivência, à possibilidade de alimento à mesa com a EC no 20/98 e ausência de programas federais, estaduais e municipais. Outrossim, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais acampou o programa de nível federal, regulamentado por Portaria de Sua Excelência, o DD. Ex-Procurador-Geral de Justiça, Dr. Epaminondas Fulgêncio Neto, 124 Material Complementar da Obra regulamentando as diversas áreas de atuação do parquet mineiro na proteção da criança e adolescente, permitindo sua inclusão na área escolar, devendo as Promotorias possuir livro próprio de registro de crianças evadidas ou não matriculadas, para as providências legais cabíveis, bem como o apoio efetivo dos Promotores de Justiça, verdadeiros “soldados da proporcionalidade e razoabilidade” das medidas levadas a efeito, diante de nossas realidades sociais, na luta constante entre o justo e o legal, através de Palestras em Escolas da Rede Pública, Audiências Coletivas com os pais etc. Portanto, o Ministério Público, como representante da sociedade, do regime democrático, da ordem jurídica e dos direitos sociais e individuais indisponíveis, tem o mister de, por seus agentes, a cada audiência realizada, atos extrajudiciais, oitiva de menores e de seus pais, denúncias de imputáveis em concurso com menores inimputáveis, palestras em escola e locais de trabalho que irregularmente contratam e agenciam crianças e adolescentes, socorrer os infanto-juvenis, usando dos instrumentos e garantias processuais hábeis para colocá-los na rede escolar e autorizarlhes o trabalho, além das medidas específicas aos pais e responsáveis, bem como tipificação destes no crime de abandono intelectual, caso haja desídia manifesta, teimosa e irretratável, pois do contrário, teremos um futuro incerto, onde o sonho de uma infância saudável transformar-se-á numa realidade amargante de um ato infracional, passível de Internação em instituição menorista superpovoada e “pavio de pólvora“, bastando recordar da rebelião de menores na FEBEMdo Estado de São Paulo, como recentemente se noticiou. V – Conclusão. A EC no 20/98 é inconstitucional, pois fere cláusula pétrea e a dignidade da pessoa humana. O legislador, ao editar a EC no 20/98 não visou em momento algum a proteger os adolescentes, e sim à Previdência Social, já que o ingresso cedo no trabalho gera direitos previdenciários mais cedo também. Em ações singulares, como Procedimento de Jurisdição Voluntária, o Ministério Público deve dar seu parecer na questão prejudicial (inconstitucionalidade da EC no 20/98) e no mérito, opinar pela autorização do trabalho do menor, visando salvaguardar sua vida (subsistência) e destino, de acordo com as condições mínimas previstas nos arts. 60 a 69 do ECA. 125 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A melhor solução jurídica para concessão de trabalho de menor encontra-se no Procedimento de Jurisdição Voluntária, onde não impera coisa julgada, pois a decisão não trará prejuízo ao menor e ao empregador, caso seja cassada, bem como poderá ser decidida pelo magistrado, dispensando-se o critério da legalidade estrita (art. 1.109 do CPC), visando única e exclusivamente ao bem-estar do menor (art. 6o do ECA). A Ação Civil Pública, neste caso, não é o remédio jurídico adequado, pois discute-se na Justiça Federal de Uberlândia/ MG e no TRF,10 eventual falta de condição de ação para o Promotor de Justiça promovê-la, na medida em que a questão prejudicial, via controle difuso, em interesse difuso, provocará uma grande extensão do efeito erga omnes, sendo assim, forma paralela de Ação Direta de Inconstitucionalidade, violando o sistema de controle de constitucionalidade pátrio, incumbido ao STF, vinculando o mesmo. Superada a questão prejudicial em ações individuais, a saber, declarada a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional no 20/98, no mérito, o magistrado deve conceder alvará ao adolescente (respeitando a situação jurídica antes da EC citada), expedindo ofício requisitório à Delegacia do Trabalho respectiva, para a efetivação da Carteira de Trabalho e Previdência Social, com a posterior anotação do nome do empregador, extraindo-se cópias dos arts. 402 a 440 da CLT e 67 a 69 do ECA ao empregador e abstendo de aplicar sanções ao referido empregador que admitir o adolescente qualificado nestas condições alhures. Ressalvo que a presente tese foi aprovada na Sessão Plenário do 13o Congresso Nacional do Ministério Público, em Curitiba/ PR, 26 a 29 de outubro de 1999, pois o culto Congresso entendeu que a presente emenda não teve como preocupaçãomor a nossa infância e juventude, e sim a Previdência Social afetada com o ingresso jovem de adolescentes de 14 anos no campo do trabalho formal, o que realmente mostrou ser uma contramão na história. Ademais, a solução de continuidade de Programas de Renda Mínima, mostraram que os adolescentes se viram obrigados a entrar no trabalho informal, sem qualquer fiscalização e abandonar a escola, o que demonstra o fracasso de políticas institucionais num País de grande 10 Processo no 199938030003506 (Ação Civil Pública com pedido liminar) Ministério Público Federal vs. União Federal (Subdelegacia Regional do Trabalho) Vara Federal de Uberlândia/Seção Judiciária de Minas Gerais. 126 Material Complementar da Obra dimensão territorial. A presente tese também foi juntada na ADIn 2.096, no STF, promovida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria (CNTI). Por fim, a tese foi publicada no CD-ROM, Revista Juris Síntese, Rio Grande do Sul, versão 23, maio/junho de 2000. Logo, o Alvará permissivo para trabalho de adolescente de 14 anos de idade é um instrumento fiscalizador do estudo e condições mínimas de segurança, em vez de trabalhos clandestinos ou sofismas de País que protege seus jovens. Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego; tem direito à igual remuneração por igual trabalho e a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família uma existência compatível com a dignidade humana... (Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 23) (grifos nossos); ... Sua Santidade, o PAPA João Paulo II, na Laborem Exercens, destaca a ação transformadora humana por meio do trabalho e o papel do mesmo na construção da identidade humana. É, portanto, indispensável a qualquer ser humano poder trabalhar.11 É preciso cuidar do broto, para que ele cresça e nos dê Flores, Frutos, Juventude e Fé.12 Inteligência do princípio político-constitucional (art. 1o, III, da CF/88), a saber, dignidade da pessoa humana (subsistência familiar e senso de autodisciplina) e condições mínimas de trabalho do adolescente a partir de 14 anos de idade (arts. 67 a 69 do ECA). Como diria Pinto Ferreira, um dos maiores constitucionalistas que o Brasil já teve: “O legislador é mais a testemunha que certifica do que o obreiro que faz a lei.” Pois bem, o legislador deve fazer leis que sejam resultado de questões/problemas sociais, adequando à realidade em que vive. Assim, o Brasil não pode ser comparado aos países que compõem o primeiro mundo, pois a OIT representa uma situação distante da que vivemos. 11 Padre Luiz Bassegio – Assessor do Setor Pastoral – CNBB. In: Folheto de Missa do 5o Domingo da Páscoa. 12 Milton Nascimento. In: Coração de estudante/paradigma. 127 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Ora, o adolescente (jamais a criança) precisa sobreviver, precisa estudar e sem este Alvará, pasmem Vossas Excelências, irão para a economia informal, ficarão sem estudo e pior, irão para o submundo dos atos infracionais, com destino à FEBEM. Isto é justiça? Queremos nossa adolescência na FEBEMe somente ali permitir o trabalho? O trabalho do adolescente com 14 anos ofende sua dignidade, ou enaltece o homem? Precisamos acabar com a hipocrisia e dar dignidade ao ser humano. O trabalho em Cláudio/MG (com mais de 120 Alvarás expedidos), dos adolescentes com 14 anos para cima representou uma queda de 80% dos atos infracionais, pois a condição do trabalho era o estudo, fiscalizado pelo empregador. Neste período, nenhuma mãe chorou porque seu filho adolescente usou drogas. Será que é isto que vamos permitir??? Neste tempo de Ministério Público de Minas Gerais, Estado este que defendo com orgulho, pela coragem das decisões que dão exemplo a todo o Brasil, aprendi uma coisa: meu cargo é de Promotor de Justiça e entre a lei e a Justiça, fico com a Justiça, pois a lei não é uma letra-fria, e sim calcada pela ciência da interpretação, qual seja, a hermenêutica jurídica. Inteligência, também, do art. 6o do ECA: Art. 6o do ECA. Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. De qualquer forma, seja qual for o resultado desta luta pelo trabalho do adolescente com 14 anos de idade, toda noite, em minhas orações junto a Deus, poderei ter o “sono dos justos“ e dizer ao Criador: Pai, fiz o que pude! Neste sentido: “Em tudo o que você faz acredite em si mesmo, porque também isso é observar os mandamentos“ (Eclesiastes, 32-23). 128 Material Complementar da Obra “O que dá oportunidade aos maus é a omissão dos bons.” (Papa Pio XII) “Mais ou menos favorecidos que sejam, pela vida, os nossos esforços, é preciso que, ao aproximar-se o grande fim, cada um de nós possa dizer: fiz o que pude.” (Pasteur) “Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados... Bem aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus... Bem aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o reino dos céus... Felizes vocês, se forem insultados e perseguidos, e se disseram todo tipo de calúnia contra vocês, por causa de mim, fiquem alegres e contentes, porque será grande para vocês a recompensa no Céu.” (“Sermão da Montanha – Bem Aventuranças”. In: Bíblia Sagrada, A palavra de Deus Ilustrada. Edições Paulinas, aprovada pelo Presidente da CNBB, o Reverendíssimo Sr. Luciano Mendes de Almeida – Livro de Mateus, Capítulo 5, Versículo 1-12). “A justiça e a lei podem ser duas coisas distintas. A justiça pode ser integridade, retidão, recompensa ou uma punição merecida. É diferente para cada indivíduo. Você precisa decidir por si mesmo qual adotará: a lei ou a justiça?” (“Julgado pelo destino” – filme) (sem esquecermos de que a lei deve ser interpretada – hermenêutica jurídica). Como consertar o mundo Contam que, certa vez, um cientista muito famoso recebeu a difícil tarefa de encontrar uma solução para o mundo, que a cada momento se mostrava mais conturbado. Sentiu-se muito orgulhoso por ter sido escolhido entre tantos para um trabalho tão nobre. E, rapidamente se organizou para levar avante a tarefa. Trancou-se no laboratório, e dia após dia, mês após mês, trabalhou incansavelmente. Desenvolveu fórmulas, equações e a cada momento, sentia-se mais distante do objetivo proposto. Um dia, enquanto meditava sobre possíveis 129 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente alternativas, foi surpreendido pelo filho de 5 anos que entrou correndo no laboratório. Seu primeiro ímpeto foi de colocar a criança para fora. No entanto, raciocinando rápido, ele chegou a uma importante conclusão: – nos últimos anos ele mal teve tempo para ver ou estar com sua esposa e filhos. Mas, ao mesmo tempo, surgiram conflitos, ele estava desenvolvendo um trabalho nobre, do qual toda a humanidade dependeria e, deixar que seu próprio filho o interrompesse era inadmissível. Como conciliar as coisas? A resposta veio rápido. Passando as folhas de uma revista que estava sobre a mesa, ele viu numa delas o mapa do mundo. Pensou e sorriu com a brilhante solução que pulou em sua mente. Rasgou aquela página e picou em dezenas de pequenos pedaços. Espalhou os pedaços no chão e chamou pelo filho perguntando: – Filho, você gostaria de ajudar o papai? – Sim! – respondeu o filho sorridente. Então o pai disse: – Nesta revista havia o retrato do mundo, que está todo aí, rasgado no chão. Você gostaria de “consertar o mundo” para mim, colando os pedacinhos com durex? A criança então, feliz com a oportunidade, passou a mão no rolo de durex, sentou-se no chão e deu início ao trabalho, juntando os pedacinhos da folha rasgada. O pai, por sua vez, mais feliz ainda, voltou ao trabalho, convicto de que, no mínimo por um ano, estaria livre das perturbações do filho que, certamente, não saberia jamais “consertar o mundo”. Passados pouco mais de 30 minutos, o pai foi novamente abordado pelo filho, que com um leve toque em seus ombros iniciou o seguinte diálogo: – Papai, já acabei! – Meu filho, não amole, você prometeu que “consertaria o mundo” para o papai, portanto, volte ao trabalho! – Mas, papai, eu estou falando sério, já consertei o mundo, dê uma olhada!... O pai suspirou, e um tanto contrariado, resolveu dar uma olhada. E, qual foi a surpresa quando ele viu que o filho realmente havia montado o quebra-cabeça. O mundo estava consertado. 130 Material Complementar da Obra Surpreso, quase sem acreditar no que via, o pai inicia um novo diálogo com o filho: – Mas, meu filho, você não conhecia o mundo, como conseguiu consertá-lo tão rapidamente... – Há!... É segredo... – Meu filho, não brinque comigo! Como foi que você conseguiu? – Sabe, papai, é que eu usei um truque, mas foi por acaso... Você tem razão quando diz que eu não conheço o mundo. Mas, olhando um dia destes a revista, eu vi que do outro lado da página, onde estava o retrato do mundo, havia o retrato de um homem. O mundo eu não conheço, mas conheço o homem. Então, eu inverti os papéis e “consertei o homem” e quando vi, o “mundo estava consertado também...” Portanto, é preciso consertar o homem, para após, pretender melhorar o mundo... Finalmente, em parecer proferido por este autor na comarca de Poços de Caldas/MG, onde atuei como cooperador, num pedido de trabalho de adolescente que perdeu o pai e virou arrimo de família, assim manifestei: Procedimento de Jurisdição Voluntária no... Requerente: “X” representado por sua mãe “Y” Autorização para trabalho Meritíssimo Dr. Juiz, I – DO RELATÓRIO Trata-se de pedido de autorização de trabalho de adolescente com menos de 16 (dezesseis) anos e maior de 14 (quatorze) anos (fls. 04), devidamente representado por sua mãe, não especificando, contudo, se na condição de aprendiz ou trabalho normal, o que me leva a trabalhar com pedido alternativo. II – DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA A Constituição Federal de 1988 fixou o limite mínimo para o trabalho do menor em quatorze anos, como previam as Constituições anteriores a 1967, mas abre uma exceção para os aprendizes. Em seguida proibiu o trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito anos. Como se vê, a atual Constituição foi mais ampla do que as anteriores no tocante 131 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente aos serviços insalubres, proibindo-o em geral e não apenas o que se desenvolvesse nas indústrias consideradas insalubres. Em consequência, ficou revogado, implicitamente, o art. 405, § 1o, da CLT, que permitia aos maiores de dezesseis anos, estagiários de cursos de aprendizagem, o trabalho em serviços perigosos ou insalubres, desde que o local fosse vistoriado pela autoridade competente e desde que o menor fosse submetido a exame médico semestralmente. Finalmente, a EC no 20/1998, de 16/12/1998, fixou o limite mínimo de idade para o trabalho do menor em dezesseis anos, admitindo sua contratação com idade inferior apenas como aprendiz e, ainda assim, a partir de quatorze anos. A restrição ao trabalho noturno, perigoso ou insalubre persiste. A Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu art. 428, com a nova redação dada pela Lei no 10.097/2000, que regulamenta a contratação de menor aprendiz, considera de aprendizagem o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, através do qual o empregador “se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnicoprofissional metódica compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação”. A formação técnico-profissional, a que se refere o caput do art. 428 da CLT, com a nova redação dada pela Lei no 10.097, realiza-se por meio de atividades teóricas e práticas metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho (art. 428, § 4o, acrescentado pela Lei no 10.097). 132 Esta formação deverá ser ministrada em curso do conhecido “Sistema S”, quais sejam, SENAI, SENAC, SENAR (Lei no 8.315/91) e SENAT (Lei no 8.706/93). Caso estes órgãos não ofereçam cursos ou vagas suficientes para atender à demanda dos estabelecimentos, a formação poderá ser suprida por outras entidades qualificadas em formação técnico-profissional metódica, a saber: Escolas Técnicas de Educação (item I do art. 430 da CLT, com a redação dada pela Lei no 10.097/2000); na própria empresa (art. 431) ou nas entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo a assistência ao adolescente e a educação profissional, registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (art. 430, II). Material Complementar da Obra Entretanto, a análise da questão enseja controvérsia, pois, se de um lado, existe o dever de proteção daqueles cujo estágio de desenvolvimento se encontra ainda em formação, necessitando dos mais diversos cuidados; de outro, em igual diapasão, há a obrigação de adequar os mecanismos de proteção dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente à realidade cotidiana consistente na obtenção de recursos financeiros para o sustento próprio e ajuda da família. Desta forma, as diretrizes constantes nas normas positivadas nos arts. 60 a 69 do ECA devem ser objeto de exame minucioso, sofrendo uma interpretação em consonância com a realidade apresentada pelo caso concreto Por outro lado, importante referir que tanto empresas sérias como os responsáveis pelo menor buscam agir da forma mais transparente possível, tendo aquelas o dever de declarar que o trabalho a ser desenvolvido não colocaria em risco o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do adolescente, enquanto que estes cercaram-se das cautelas judiciais reclamadas para o caso, comprovando inclusive a matrícula em instituição de ensino. Verifica-se, desta forma, que a intenção de ambos de agir em conformidade com a legislação vigente, sem qualquer demonstração aparente de propósitos ilícitos. As empresas que contratam menores para colocá-los em condições de trabalho diversas daquelas previstas pela lei, não demonstram qualquer preocupação no sentido de promover uma contratação em consonância com os ditames legais, como ocorre in casu. A jurisprudência vem decidindo neste sentido: Autorização judicial para trabalho de menor aprendiz. Empresa não vinculada ao SESI, SENAI e SENAC. Entidades inexistentes na localidade. Possibilidade. Confronto com o art. 7o, inciso XXXIII, da CF. Inexistente. Recurso improvido. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem prevalência sobre a CLT, e, assim, é competente o Juízo da Infância e da Adolescência para conhecer do pedido. (...) O direito de trabalhar como aprendiz, a partir dos quatorze anos, é assegurado constitucionalmente ao menor. Assim, não contraria a norma constitucional insculpida no art. 7o, inciso XXXIII, alterado pelo Emenda Constitucional no 20, a decisão que autoriza o trabalho de menor aprendiz em localidade onde inexiste as entidades do SESI, SENAC ou SENAI autorizadas pelo Ministério do Trabalho, desde que o trabalho seja compatível com a saúde física e psíquica do 133 Thales Tácito Cerqueira E mais: Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente menor e sem prejuízo da frequência à escola (TJMS – AC 70.739-7 – Classe B – XX – Mundo Novo – 3a T. Cív. – Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo – J). Menor. 14 a 16 anos. Trabalho. Regra. Apenas na condição de aprendiz. Exceção. Garantias prioritárias. Art. 227 da CF/88. Autorização. Competência. Justiça estadual. Juízo da infância e da juventude. O trabalho de menor com idade entre quatorze e dezesseis anos é concebível, via de regra, apenas se realizado na condição de aprendiz, consoante art. 7o, XXXIII, da CF/88. Todavia, no caso de tratar-se de trabalho compatível com a saúde física, psíquica e social, que garanta a frequência à escola, não seja noturno, perigoso, penoso ou insalubre, que consagre a condição peculiar do menor e que se atenha à capacitação profissional do mercado de trabalho, é permitido, pois o art. 227, da CF/88, assegura, com prioridade, o direito à profissionalização e o dever de manter o menor a salvo de qualquer tipo de negligência. Evidenciase, por meio dos arts. 405 e 406 da CLT, e 146 do ECA, a competência da Justiça Comum, e não da especializada, para autorizar o trabalho de menor. Recurso desprovido (TJMG. APCV 000.307.879-7/00. 3a C.Cív.. Rel. Des. Lucas Sávio V. Gomes. J. 08.05.2003). Assim, o adolescente pode trabalhar tanto como aprendiz (“Sistema S”) como no trabalho normal, desde que neste último caso, não seja insalubre, perigoso, penoso e não prejudique estudos. Caso o mesmo opte pelo trabalho normal e não aprendizagem, requeiro a Vossa Excelência se digne de julgar inconstitucional a EC 20/98 neste particular. Explico. O art. 7o, XXXIII, da CF/88 foi alterado mas não mudou o art. 227, § 3o, I, permanecendo a idade mínima de 14 anos. Como interpretar isto? 134 Antes da Emenda Constitucional no 20/98, publicada no Diário Oficial da União em 16/12/98, o trabalho do menor era permitido a partir dos 14 anos completos, salvo na condição de aprendiz, cuja idade, segundo o ECA e a CLT, iniciava-se de 12 anos completos a 18 anos incompletos (sendo que, após 14 anos, aplica-se o art. 66 do ECA – ao adolescente aprendiz, maior de 14 anos, são assegurados, os direitos trabalhistas Material Complementar da Obra e previdenciários), sem prejuízo da proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos. Após a emenda constitucional, o trabalho do menor passou a ser permitido com 16 anos de idade completos, e, para o aprendiz, a partir de 14 anos completos, incluindo a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos, salvo direito adquirido pelo menor de 14 anos completos ou aprendiz de 12 anos completos a 18 anos incompletos, antes da entrada em vigor da EC 20/98. Todavia, a Emenda Constitucional, na visão deste Promotor de Justiça, é inconstitucional por ferir cláusula pétrea. Explico. Em primeiro lugar, constato que a Emenda Constitucional no 20/98 (Poder Constituinte Derivado Reformador) alterou o art. 7o, XXXIII, mas não alterou o art. 227, § 3o, I, mesmo porque, não poderia, na medida em que o artigo constitui-se em direito individual, logo cláusula pétrea, sendo somente possível sua alteração por um Poder Constituinte Originário e não Derivado Reformador. Neste sentido: Art. 60. (...) § 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV – os direitos e garantias individuais. Ressalvo que o fato do conteúdo do art. 227 não estar previsto no rol do art. 5o da CF/88, não descaracteriza sua natureza jurídica constitucional de direito e garantia individual, eis que o rol do art. 5o não é taxativo e sim, exemplificativo, devendo ser analisados os direitos individuais em todo o texto constitucional (interpretação sistemática), como ocorre, por exemplo, com as garantias tributárias ao contribuinte (art. 150 e ss. da Carta Cidadã). Neste sentido: Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros de caráter constitucional decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, desde que expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que difusamente. 135 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Neste sentido o Supremo Tribunal Federal (Adin no 939-7/ DF) ao considerar cláusula pétrea, e consequentemente imodificável, a garantia constitucional assegurada ao cidadão no art. 150, III, b, da Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo que ao visar elidi-la de sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional no 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4o, IV, da Constituição Federal, pois: admitir que a União, no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder em que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda à Constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados (Trecho do voto do Ministro Celso de Melo, Serviço de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Ementário no 1.730-1/STF). A questão da inconstitucionalidade declarada em procedimento singular de Jurisdição Voluntária, portanto, não faz efeito erga omnes e nem coisa julgada, pois atinge a parte fundamentadora da sentença. Corolário, no pedido sim, o efeito será intra partem, por tratar-se de Ação singular e não coletiva, e, ainda, não faz coisa julgada por tratar-se de procedimento de Jurisdição Voluntária, implícita a cláusula rebus sic stantibus. Desta forma, para se chegar no pedido, a saber, no mérito, é pressuposto lógico que o magistrado supere a inconstitucionalidade na parte fundamentadora, mas sem dar-lhe efeito erga omnes, pois senão estaria usurpando função do STF 136 Por fim, não há prejuízo algum para as instituições Jurídicas de nosso país, pelo contrário, pois o menor estará longe de más companhias, de vícios, do ócio, e a qualquer momento, seja por ADIn declarando a inconstitucionalidade (ADIn 2096 – CNTI) ou via contrária, declarando a constitucionalidade da EC 20/98, ou ainda, por Ação Declaratória de Constitucionalidade, o trabalho deste menor pode ser cassado (Art. 1.109 do C.P.C) ou mantido, sem prejuízo para qualquer das partes, a saber, empregado e empregador, na medida em que a Justiça do Trabalho deve considerar a questão sub judice. Material Complementar da Obra Como diria PINTO FERREIRA, um constitucionalistas que o Brasil já teve: dos maiores O legislador é mais a testemunha que certifica do que o obreiro que faz a lei (Pinto Ferreira). Pois bem, o legislador deve fazer leis que sejam resultado de questões/problemas sociais, adequando à realidade em que vive. Assim, o Brasil não pode ser comparado aos países que compõem o primeiro mundo, pois a OIT representa uma situação distante da que vivemos. O adolescente (jamais a criança) precisa sobreviver, precisa estudar, no caso concreto seu pai faleceu, será arrimo de família e sem este Alvará, pasme Vossa Excelência, irá para a economia informal, ficará sem estudo e pior, pode até mesmo ser levado para o submundo dos atos infracionais, com destino a FEBEM. Isto é Justiça? Queremos nossa adolescência na FEBEM? O trabalho do adolescente com 14 anos ofende sua dignidade, ou enaltece o homem? Será que a maioria dos juízes e desembargadores não trabalhou aos 14 anos e isto não foi motivo de orgulho dos pais e deles próprios? Precisamos acabar com a hipocrisia e dar dignidade ao ser humano. Quando fui Promotor de Justiça em Cláudio/MG, o trabalho, com mais de 100 Alvarás expedidos, dos adolescentes com 14 anos em diante representou uma queda de 80% dos atos infracionais, pois a condição do trabalho era o estudo, fiscalizado pelo empregador. Neste período, nenhuma mãe chorou porque seu filho adolescente usou drogas. Será que é isto que vamos permitir???; Neste tempo de Ministério Público de Minas Gerais, Estado este que defendo com orgulho, pela coragem das decisões que dão exemplo a todo Brasil, aprendi um coisa: meu cargo é de Promotor de Justiça e entre a lei e a Justiça, fico com a Justiça, pois a lei não é uma letra-fria e sim, calcada pela ciência da interpretação, qual seja, a hermenêutica jurídica. Ressalvo, ainda, que o Alvará concedido nesta comarca continha as condições mínimas de trabalho, ou seja, O trabalho não poderá prejudicar o adolescente e deverão 137 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente ser observadas as condições mínimas de trabalho descritas no ECA, que são: 1. proibição de trabalho noturno (período que vai das 22 horas de um dia às 5 horas do dia seguinte – o art. 67, I, do ECA combinou com o art. 404 da CLT, no tocante à definição de trabalho noturno, pois a norma jurídica, como vimos, deve ter palavras técnicas que guardem sentido único em todas as legislações e dentro de um sistema-conjugação sistemática de normas); 2. proibição de trabalho perigoso, em local insalubre ou penoso, mas claro que do ponto de vista do menor e não se é perigoso ou penoso para o adulto; 3. proibição do trabalho em local prejudicial à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; 4. proibição do trabalho realizado em horários e locais que não permitam a sua frequência à escola; 5. o trabalho deve consagrar o respeito à condição peculiar do menor como pessoa em desenvolvimento; 6. o trabalho deve se ater a capacitação profissional adequada ao mercado de trabalho. Conclusão: O ECA e a CLT em hipótese alguma permitem o trabalho da criança, e sim, apenas do adolescente com 12 anos de idade completos até l8 incompletos, na condição de aprendiz (CLT) ou entre 12 anos de idade completos até 14 incompletos, na condição de trabalho educativo (ECA) ou mesmo 14 anos completos como trabalho normal (não aprendiz e não educativo). Noutro giro, a corrente doutrinária que vem tomando frente é no sentido da possibilidade do Juizado da Infância e Juventude conceder Alvará para trabalho do menor, nestes moldes, não sendo matéria da competência da Justiça do Trabalho, desde que, leve-se em conta a situação econômica do menor e de sua família e se dessa ocupação não advir prejuízo à sua formação moral, aplicação ao art. 405, § 2o, da CLT. Tratase da interpretação teleológica da norma constitucional. Neste particular, faço uma colocação. 138 De qualquer forma, o juiz e o representante do Ministério Público devem observar as condições mínimas de trabalho expressas na CF/88 e no ECA e desde que não prejudique o menor, senão o Alvará será cassado pelo Tribunal (cassado Material Complementar da Obra é o termo técnico, pois em Procedimento de Jurisdição Voluntária, chamado pela Doutrina de “administração pública de interesse privado”, não há invalidação ou reforma de decisão e sim cassação). Outrossim, fica proibido o trabalho da criança (do nascimento com vida até 12 anos de idade incompletos), somente permitindo o do adolescente. Inteligência, também, do art. 6o do ECA: Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. De qualquer forma, seja qual for o resultado, toda noite, em minhas orações junto a Deus, poderei ter o “sono dos justos” e dizer ao Criador: Pai, fiz o que pude! Neste sentido: “Em tudo o que você faz acredite em si mesmo, porque também isso é observar os mandamentos.” (Eclesiastes 32-23) “O que dá oportunidade aos maus é a omissão dos bons.” (Papa Pio XII) “Mais ou menos favorecidos que sejam, pela vida, os nossos esforços, é preciso que, ao aproximar-se o grande fim, cada um de nós possa dizer: fiz o que pude”. (Pasteur) A justiça e a lei podem ser duas coisas distintas. A justiça pode ser integridade, retidão, recompensa ou uma punição merecida. É diferente para cada indivíduo. Você precisa decidir por si mesmo qual adotará: A lei ou a justiça? (“Julgado pelo destino”- filme) (sem esquecermos de que a lei deve ser interpretada – hermenêutica jurídica). No espiritismo, ainda, encontramos na obra de Allan Kardec a evolução do ser humano, que não pode ser impedido de progredir porque tem “14 anos de idade”. E, exatamente no 139 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Livro dos Espíritos (Le Livre des Esprits), leia-se, o primeiro livro sobre a doutrina espírita, publicado pelo educador francês Denizard Rivail, em 18 de abril de 1857, sob o pseudônimo Allan Kardec, encontramos relato de espíritos com 6 meses mais evoluídos que outros com 30 anos de existência. Isso contado em 1857. Portanto, postulado da evolução humana é a não fixação de proibição para o trabalho, sendo pois, mais um fundamento para que a EC 20/98 seja julgada inconstitucional, impedindo o progresso de adolescentes, mas não por “ser sábia”, mas para agradar a Previdência Social, ou seja, não quis o legislador agradar a OIT/UNESCO (ONU), e sim a Previdência Social, pois “adolescente que começa a trabalhar com 14 anos aposenta-se mais cedo”. E os programas sociais não conseguem atender a todos, com o PETI (Federal) e pior, não elidem a pobreza e não fiscalizam o estudo e aproveitamento escolar. III – Leading case O STJ e o TJMG deram diversos Acórdãos favoráveis ao pleito, conforme iremos autuar em anexo, para consulta do Egrégio TJMG, seja para fixação da competência da Infância e Juventude, seja pela possibilidade do adolescente, com 14 anos, trabalhar. O culto Desembargador Orlando Adão de Carvalho, exPresidente do TJMG, reconheceu nosso árduo empenho para que adolescentes trabalhassem, a partir de 14 anos. Por isto, emocionado, transcrevo na íntegra o V. Acórdão do Desembargador exemplo de vida para todos nós: Número do processo: 1.0000.00.307539-7/000(1) – TJMG Relator: Orlando Carvalho Relator do Acórdão: Orlando Carvalho Data do acórdão: 20/05/2003 Data da publicação: 23/05/2003 Inteiro Teor: 140 Material Complementar da Obra Ementa: Trabalho de adolescentes maiores de quatorze e menores de dezesseis anos de idade – proibição pela Emenda Constitucional no 20/98, que alterou o art. 7o, XXXIII, da CF/88, mantido, embora, o disposto no art. 227, § 3o, I. inconstitucionalidade declarada incidentalmente. A mencionada alteração constitucional, induvidosamente, feriu cláusula pétrea da Carta Magna, insculpida no rol dos Direitos Individuais através do art. 5o, XIII, o que é vedado pela via de Emenda Constitucional advinda de Poder Constituinte Derivado Reformador, consoante o art. 60, § 4o, inciso IV, da mesma CF. Tal inconstitucionalidade poderá ser declarada em procedimento singular de jurisdição voluntária, em controle difuso de constitucionalidade, com efeitos intrapartes, não erga omnes, não fazendo coisa julgada, estando implícita a cláusula rebus sic stantibus. É da competência do Juízo Estadual da Infância e da Juventude autorizar, através de alvará, o trabalho de menor, nas condições do ECA, da CF e da CLT, assim disposto nos arts. 405, § 2o, e 406 da CLT, tratando-se de função precípua e de competência absoluta, não sendo função da Justiça do Trabalho, nem da Justiça Federal. Apelação Cível no 000.307.539-7/00 – Comarca de Cláudio – Apelante(S): União Federal – Apelado(S): Gilmar Hanan Silva Gonçalves – Relator: Exmo. Sr. Des. Orlando Carvalho Acórdão Vistos etc., acorda, em Turma, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, em rejeitar preliminares e negar provimento. Belo Horizonte, 20 de maio de 2003. Des. Orlando Carvalho – Relator Notas Taquigráficas O Sr. Des. Orlando Carvalho: Voto Cuida-se de pedido endereçado ao Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de Cláudio/MG, requerendo alvará judicial concessivo de autorização para trabalho na empresa Cerâmica Souza Gonçalves Ltda., situada na mencionada 141 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente cidade, precavendo-se de possíveis autuações, dadas as vedações advindas da Emenda Constitucional no 20/98, que alterou as disposições do art. 7o, inciso XXXIII, embora mantido intacto o disposto no art. 227, § 3o, I, da mesma Carta Magna, dispondo sobre direitos individuais, impossíveis de serem alterados através de emenda, consoante os preceitos contidos no art. 60, § 4o, IV, da mesma Constituição. A r. sentença de fls. 17/19, de 20/dezembro/2.001, deferiu o Alvará requerido, embora reconhecendo não ser o requerente atingido por qualquer vedação oriunda da EC 20/98, por já ter completado 16 anos de idade e ter direito adquirido quanto ao instrumento legal para formalização do contrato de trabalho, determinando comunicar-se à DRT/DivinópolisMG, “para se abster de aplicar sanções à Empregadora” pela admissão do requerente do Alvará autorizativo do trabalho ao adolescente requerente, sendo a Autorização acolhida. Todavia, a ilustre Procuradora da União no Estado de Minas Gerais, Dr.a Lilian Evangelista Araújo Padrão, interpôs recurso de apelação ao Eg. TJMG, alegando tratar-se, em verdade, de ação mandamental, prevista no art. 212, § 2o, do ECA, cabendo a remessa ex officio, na previsão do art. 12, parágrafo único, da Lei no 1.533/51, além do art. 475, II, do CPC, ao se imporem encargos à União Federal. Além disso, arguiu incompetência do Juízo prolator da sentença, pois a expedição da CTPS é atividade da União, da competência da Justiça Federal. No mérito, argúi que a decisão nega vigência ao art. 7o, XXXIII, da CF, na redação da EC no 20/98, bem como ao art. 67, II, do ECA e art. 405, I, da CLT. O douto Promotor de Justiça oficiante no feito pede não conhecer-se do recurso, por falta de interesse recursal – perda de objeto. E se superada esta prejudicial, que se rejeitem as preliminares levantadas pela ilustre Representante da União. No mérito, pugna pela mantença da sentença, ante os fundamentos legais que a embasam, “prestigiando a sentença do Juízo monocrático que dignifica, em cada édito, o Poder Judiciário das Gerais,... preservando a dignidade, a sobrevivência, a decência e a Justiça SOCIAL do caso enfocado”. Tudo visto e sopesado, após lidas e relidas a r. sentença hostilizada (fls. 17/19), da verve do ilustrado Juiz, Dr. Francisco De Assis Corrêa, e as manifestações do douto e preclaro Promotor de Justiça, Dr. Thales Tácito Pontes 142 Material Complementar da Obra Luz de Pádua Cerqueira (fls. 11/16 e 46/66), há que se concluir euforicamente: ex digito, gigans (“pelo dedo conhece-se o gigante”), lamentando-se não estar legível a fotocópia de sua tese e reportagem do Estado de Minas (fls. 67/78), tese aprovada no 13o Congresso Nacional do Ministério Público, em Curitiba/PR (26 a 29/10/99), intitulada: “Infância e Juventude. Prioridade: Trabalho do Menor – Inconstitucionalidade da Emenda Constitucional no 20/98”, tese juntada na ADIn 2.096/2000, no STF, da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria. Com tais prolegômenos, enfrento as teses contrapostas. 1. Do não conhecimento do recurso, “por falta de interesse de agir – perda do seu objeto”. Induvidosamente, há que se apoiar a r. sentença, de 20 de dezembro de 2.001, merecedora de encômios e imitação na árdua missão no Juízo da Infância e da Juventude. Todavia, há que se examinarem as prejudiciais atiradas pela ilustre Apelante, por adentrarem aos umbrais do mérito, além de se evitarem arguições futuras de cerceamento de defesa, lamentando-se, embora, o entrevero entre a Representante da União Federal em Minas Gerais e o Juízo Estadual da Infância e da Juventude, quando, ao invés de lutarem “não peito a peito, mas ombro a ombro”, na grandiosa “Ordem do Dia do imortal Guerreiro “vencedor nunca vencido“, Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, Patrono do glorioso Exército Nacional, em sua missão pacificadora na Província da Cisplatina, “Guerra dos Farrapos”, Rio Grande do Sul, nos longevos idos de 1844/1845, em prol da juventude brasileira, desamparada pelos Poderes Políticos e ameaçada pelos fautores do crime organizado, eis que condenada ao ócio, “mãe de todos os males”. Voltando à arguição prejudicial, efetivamente ocorre a perda de objeto, considerando que o adolescente requerenteapelado já completara 16 anos quando do requerimento do Alvará Judicial autorizativo do trabalho ofertado, em 30 de novembro de 2001, eis que nascera em 07/08/1985, tendo direito adquirido ao trabalho em face da EC no 20/98. Entretanto, pelas razões expostas, conheço do recurso de apelação, tempestivo, porque a União, de fato, não fora intimada ou citada, por desnecessidade. 143 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente 2. Da natureza da ação Efetivamente, não se trata da ação mandamental, como entende a Apelante, mas de pedido de alvará judicial concessivo de autorização para trabalho, resguardando-se a Empresa empregadora de possíveis autuações, por ofertar trabalho a menor púbere, dele necessitado. Ora, o art. 212 do ECA, Lei no 8.069/90, diz que “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são admissíveis todas as espécies de ações pertinentes”, consoante as normas do CPC, dentre elas a ação mandamental, não exclusiva. E se se aplicam, subsidiariamente, as normas do CPC no ECA, resta lógico caber aplicar-se o procedimento de jurisdição voluntária, sem qualquer prejuízo, pois não faz coisa julgada, podendo ser cassado a qualquer tempo, cabendo aplicar-se o princípio jurídico do pas de nullité sans grief, descabendo ao caso aplicar-se o art. 475, II, do CPC, contido no Livro I – Do Processo de Conhecimento e, sim no Livro IV – Dos Procedimentos Especiais de Jurisdição voluntária. Descabe, portanto, ao caso, o reexame determinado ex officio, imposto no parágrafo único do art. 12 da Lei Mandamental no 1.533/51 e no art. 475, II, do CPC. 3. Da incompetência da justiça estadual, por competir à União a expedição da CTPS. Equivocada, ainda, é a arguição, data venia, eis que a ação não visou obter a CTPS, mas alvará autorizativo do trabalho a menor, pendente do Juízo especializado da Infância e Juventude, espinhosa missão atribuída à Justiça Estadual, importunada no caso presente. Aliás, como exposto pelo notável Promotor de Justiça atuante no feito, já nominado, a CLT dispõe no capítulo IV – da Proteção do Trabalho do Menor, Seção I – Disposições Gerais: Art. 402. Considera-se menor, para os efeitos desta Consolidação, o trabalhador de quatorze até dezoito anos. Parágrafo único. O trabalho do menor reger-se-á pelas disposições do presente capítulo, exceto no serviço em oficinas em que trabalhem exclusivamente pessoas da família do menor e... Art. 405 – § 2o O trabalho exercido nas ruas, praças e outros logradouros dependerá de prévia autorização do Juiz de Menores, ao qual cabe verificar se a ocupação é indispensável à sua própria 144 Material Complementar da Obra subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e se dessa ocupação não poderá advir prejuízo à sua formação moral. Art. 406. O Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o trabalho a que se referem as letras “a” e “b” do § 3o do art. 406: II – desde que se certifique ser a ocupação do menor indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral. Ergo a competência do Juízo da Infância e da Juventude para assunto pertinente a trabalho de adolescente tendo previsão legal, de competência absoluta, em razão do Juízo, eis que a Justiça Federal não tem Órgão Próprio de Infância e Juventude. Reitera-se não haver relação direta do tema com a CTPS e sim com a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional no 20/98, discutida em controle difuso de constitucionalidade, em Alvará Judicial (procedimento de jurisdição voluntária). Além disso, o ECA, nos seus arts. 60 a 69, regula o trabalho do adolescente, reforçando a competência da Justiça Comum Estadual (Juízo da Infância e da Juventude). Neste sentido, é taxativo o art. 61 da ECA, litteris: Art. 61. A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei. Observe-se que a “legislação especial“ é a CLT. Realço o entendimento do preclaro Juiz, por escorreito e preciso, verbis: Cumpre salientar que a competência jurisdicional quanto ao presente procedimento para expedição de autorização para o trabalho de menor, como no caso dos autos, é deste Juízo da Infância e Juventude e não da Justiça do Trabalho, pois esta cuida somente de dissídios trabalhistas e não autorização para emissão de CTPS ou para o trabalho, como se pretende nestes autos. Tanto é verdade que os arts. 405, § 2o, e 406, ambos da CLT, remetem tal mister ao Juízo Menorista, por ser função precípua e competência absoluta. (fls. 18). Rejeito, pois, a prejudicial impertinente de incompetência do juízo da infância e da juventude. 4. De meritis: Anota-se que a ilustre Apelante disse, apenas, não existir razão “a decisão que nega vigência ao art. 7o, inciso XXXIII, 145 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente da Carta Magna...”, omitindo-se sobre o controle difuso de inconstitucionalidade da EC no 20/98, que alterou o inciso XXXIII do art. 7o da CF/88, dispondo originalmente: XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz, para: XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 (dezoito) e de qualquer trabalho a menores de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 (quatorze) anos. Todavia, o Poder Constituinte Derivado Reformador não alterou o § 3o, I, do art. 227, dispondo: § 3o O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7o, XXXIII; Ora, o Poder Constituinte Derivado Reformador, através da EC no 20/98, efetivamente não poderia alterar o inciso XXXIII do art. 7o da CF/88, por envolver direito individual, como disposto pelo Poder Constituinte Originário no art. 60 da CF/88, verbis: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: (...) § 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV -os direitos e garantias individuais. A propósito, o STF, na ADIn no 939-7/DF, ao considerar cláusula pétrea, imodificável, assegurada ao cidadão no art. 150, III da CF (princípio da anterioridade tributária), entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional no 3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4o, IV, da CF, pois: 146 Admitir que a União, no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder em que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda à constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente Material Complementar da Obra assegurados (Trecho do voto do Min. Celso de Melo, Serviço de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Ementário no 1.730-1/STF). Atente-se a que a inconstitucionalidade declarada em procedimento singular de jurisdição voluntária não faz efeitos erga omnes e nem coisa julgada, pois atinge a parte fundamentadora da sentença, tendo efeitos intra partem, por tratar-se de Ação Singular e não Coletiva, não fazendo coisa julgada, por tratar-se de procedimento de jurisdição voluntária, estando implícita a cláusula rebus sic stantibus. O caso em apreço envolve concessão de Alvará Judicial autorizativo para o trabalho, o exercício de ocupação laboral, benéfica às atividades psicossomáticas do jovem, de extrema valia individual, familiar e social, nas garantias previstas na CF/88, máxime pelo Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Individuais e Coletivos (art. 5o, XIII), sociais (arts. 6o e 11), bem como ao tratar da família, da criança, do adolescente e do idoso – capítulo VII – arts. 226 e seguintes, em especial o art. 227, mantido intato. Além do exposto, atente-se a envolver, a sentença sub examine, assunto de interesse local, aos adolescentes da cidade-Município de Cláudio/MG, competindo ao Município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, consoante o art. 30 da CF. Não posso me furtar e realçar a sábia e lapidar afirmação do preclaro Promotor de Justiça atuante na Comarca de Cláudio, Dr. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, que tanto engrandece o Ministério Público Mineiro, aliás, a Justiça Mineira, quando assenta, às fls. 58: “Precisamos acabar com a hipocrisia e dar dignidade ao ser humano. O trabalho em Cláudio/MG (com mais de 60 alvarás expedidos), dos adolescentes com 14 anos para cima representou uma queda de 80% dos atos infracionais, pois a condição do trabalho era o estudo, fiscalizado pelo empregador (vide contrarrazões da Dr.a Ceres e documentos). Neste período, nenhuma mãe chorou porque seu filho adolescente usou drogas. Será que é isto que vamos permitir? Neste tempo de Ministério Público de Minas Gerais, Estado este que defendo com orgulho, pela coragem das decisões que dão exemplo a todo Brasil, aprendi uma coisa: meu cargo é de Promotor de Justiça e entre a lei e a Justiça, fico com 147 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente a Justiça, pois a lei não é uma letra-fria e sim, calcada pela ciência da interpretação, qual seja, a hermenêutica jurídica”. Aliás, neste sentido é o art. 6o do ECA: Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. E o art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz: Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego; tem direito à igual remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana... Anoto citação do ilustre Promotor de Justiça: ... Sua Santidade, o Papa João Paulo II, na Laborem Exercens, destaca a ação transformadora humana por meio do trabalho e o papel do mesmo na construção da identidade humana. É, portanto, indispensável a qualquer ser humano poder trabalhar. (fls. 64). Induvidosamente, o trabalho não é um castigo, ato degradante, mas enobrece e dignifica o homem, a pessoa humana, é uma terapia, uma necessidade ao adolescente e até mesmo ao infante, por afastá-los da ociosidade, mãe de todos os males, quais os pequenos furtos, o engajamento ao crime organizado, à prostituição, até por necessidade de sobrevivência sua e de seus familiares. Louvem-se os ilustrados Juiz de Direito e Promotor atuantes no Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de Cláudio, merecendo realce, ainda, a assertiva da ilustre Advogada, Dr.a Ceres Rocha de Oliveira, em suas contrarrazões, às fls. 34 e 35: 148 “Estamos atravessando uma época de crise social. Os problemas sociais são cada vez mais alarmantes, gritantes, e cada vez mais produtores e potencializadores da violência. A violência tem muitas faces a se avaliar, e muitos são os seus fatores determinantes, porém, ela está diretamente relacionada com a produção de injustiça social – o não direito ao trabalho, ao salário justo, por exemplo – com a ideologia do ‘cada um pra si, e do salve-se quem puder’. Infelizmente, temos percebido que tem prevalecido a ideologia da ‘esperteza’, que gera a insegurança e incredibilidade nas medidas de controle Material Complementar da Obra e organização da vida coletiva, e, ainda, de quebra uma política de segurança que instala medo e insegurança entre os cidadãos com seus métodos violentos e discricionários” (fls. 34). ................................... “Peço permissão para parabenizar o trabalho, em ‘sincronia’ perfeita, do D. Juiz de Direito, Dr. Francisco de Assis Corrêa, e do D. Promotor de Justiça, Dr. Thales Tácito Luz de Pádua Cerqueira, ambos titulares nesta Comarca de Cláudio (não só como profissional da área de direito, mas principalmente como cidadã claudiense que sou), que abraçaram a causa social, se fizeram cidadãos de nossa cidade de Cláudio, e por isso têm se dedicado tanto no sentido de minorar os problemas sociais (em todos os setores, não só na área infanto-juvenil), demonstrando que os nossos dramas são também deles, e nossos sonhos de ter uma sociedade mais harmônica e próspera, também o são” (fls. 35). Por tais razões, nego provimento ao recurso apelatório, para ratificar a r. sentença, por seus próprios e jurídicos fundamentos. Intime-se a apelante, como de praxe. O Sr. Des. Garcia Leão: Voto. De Acordo. O Sr. Des. Francisco Lopes de Albuquerque: Voto. De Acordo. Súmula: rejeitaram preliminares e negaram provimento. IV – Do pedido ministerial Desta forma, manifesta-se o Ministério Público pelo deferimento do pedido devendo, a partir da comunicação de emprego (aprendizagem ou trabalho normal), pelo adolescente, ser oficiado a Delegacia de Trabalho e Emprego deste município a fim de que fiscalize as limitações impostas pela legislação pertinentes ao horário, local e condições de trabalho. Caso o pedido seja para trabalho normal (e não aprendizagem), o que deve ser comunicado nos autos pela parte, requeiro que Vossa Excelência, se digne de, incidenter tantum, julgar inconstitucional a EC 20/98, na parte fundamentadora, para, 149 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente no mérito, julgar o pedido procedente, expedindo-se ao(a) adolescente a CTPS, para o atual emprego ou mesmo outro, propiciando ao(a) adolescente uma vida digna, livre do ócio, livre das drogas, livre da fome e livre da miséria. Requer, ainda, após comunicação de localização de emprego, seja oficiado a empresa empregadora cientificando-a da legislação referente ao trabalho do menor, mormente quanto as normas inscritas nos arts. 402 a 440 da CLT e arts. 60 a 69 do ECA, para que observe as condições e limitações ali contidas. Por fim, em relação ao adolescente “X”, manifesto meus pêsames pela perda do seu pai e ao mesmo tempo meu orgulho de estar lutando para dar vida digna à sua mãe, além de continuar estudando, o que lhe trará bons frutos em sua vida, inclusive aos filhos que saberão dar valor a um futuro e promissor pai. Sucesso “X”! Mercê. Poços de Caldas/MG, 14 de maio de 2007. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira Promotor de Justiça 150 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O A 69) 6. PREVENÇÃO (ARTS. 70 A 82) Toque de recolher diminui em 80% infrações em Fernandópolis Jovens não podem ficar na rua depois das 23h; em Ilha Solteira, blitzes apreendem 4 meninas. Chico Siqueira, Fernandópolis. Quatro anos após ser adotado pela primeira vez numa cidade do Estado de São Paulo, o toque de recolher para menores de 18 anos é apontado pelas autoridades como responsável pela redução de 80% nos atos infracionais e de 82% nas reclamações ao Conselho Tutelar de Fernandópolis, a 554 km de São Paulo. A medida, que proíbe a permanência de menores nas ruas após as 23 horas, foi imposta em maio de 2005 pelo juiz da Infância e da Juventude Evandro Pelarin. As cidades de Ilha Solteira e Itapura também mantêm o toque de recolher. Na primeira, a medida completa hoje uma semana e as blitzes feitas nas madrugadas de sábado e domingo apreenderam quatro meninas. Segundo o Juizado de Menores, o índice de atos infracionais vem caindo ano a ano em Fernandópolis. Em 2005, houve 378 ocorrências, ante 329 em 2006; 290 em 2007; e apenas 74 no ano passado. Nos vários tipos de atos infracionais, a maior queda foi na incidência de furtos no período (91%). Em 2005, foram 123 ocorrências, ante 82 em 2006, 59 em 2007 e apenas 11 em 2008. A redução também acompanha outras ocorrências, como porte de entorpecentes, de 17 casos para 8, e lesão corporal, de 68 em 2005 para apenas 19 em 2008. Em 2005, 15 menores foram flagrados portando arma; em 2008, não houve nenhum registro. “Antes da medida, recebíamos uma média de 500 reclamações/mês; hoje, essa média é de 90/mês”, afirma o presidente do Conselho de Fernandópolis, Alan José Mateus. Segundo ele, a gravidade das reclamações também diminuiu. “As reclamações eram sobre uso de drogas, consumo de álcool e furtos; hoje predominam os conflitos em casa e na escola, evasão escolar e brigas.” Para Pelarin, a redução das reclamações se deve ao toque de recolher. “A diminuição da delinquência juvenil é uma realidade em Fernandópolis, mas somente foi possível porque a sociedade apoiou a medida, introduzindo projetos de reinserção social e de redução de danos”, diz Pelarin. O município tem, por exemplo, 151 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente um convênio inédito no País, que emprega 100 adolescentes com carteira assinada nas empresas locais. Blitzes No sábado, em Ilha Solteira, uma menina de 16 anos foi recolhida quando consumia álcool em uma lanchonete. “Ela foi levada para casa e entregue aos pais”, disse a conselheira Gláucia de Almeida. Segundo Gláucia, a garota era uma das seis que já haviam sido recolhidas na noite de quarta-feira. Na madrugada de domingo, outras três garotas foram recolhidas por volta da 1h 30min. “Agora os pais devem ser chamados para conversar com o Juizado.” Em Fernandópolis, apesar da redução da delinquência apontada pelo Juizado de Menores, as blitze continuam. Na madrugada de sábado, três menores – duas meninas de 15 anos e um menino de 17 – foram recolhidos. As operações têm auxílio das Polícias Militar e Civil e supervisão da Ordem dos Advogados do Brasil e Conselho Tutelar. Um comboio percorre as principais avenidas de movimento noturno da cidade, na região central, onde centenas de jovens se aglomeram nos bares e lanchonetes ou ouvem som nos carros. Dezenas fogem quando as viaturas chegam. Os que ficam são abordados pela polícia e pelos conselheiros. “Se a gente fica, é levado para o conselho”, disse um deles, que se escondeu quando a blitz chegou e voltou depois que as viaturas saíram. “Acho que eles deveriam esticar esse horário nos fins de semana e oferecer mais opções de lazer para os menores. A gente só quer se divertir.” Mãe de uma das garotas, N.L.S, estudante de Enfermagem, foi buscá-la na sede do Conselho Tutelar e criticou a ostensividade da blitz. Ela disse que a filha, aluna da 2a série do ensino médio, tinha autorização para frequentar a lanchonete com o namorado. “Fica a três quadras da minha casa e minha filha é uma boa menina, excelente aluna, mas eu não imaginava que o namorado dela portasse arma (como ocorreu) ou usasse droga. Agora ela terá de arranjar outro namorado”, disse a mãe, que foi multada. A filha foi recolhida pela segunda vez em uma blitz de fiscalização. (Fonte: Estadão.com.br, segunda-feira, 27 de abril de 2009) 152 Juiz determina toque de recolher para menores na PB. Os índices de violência na região que envolve os municípios de Taperoá, Livramento e Assunção, no Cariri paraibano, levaram Material Complementar da Obra o juiz Iano Miranda dos Anjos a publicar uma portaria que decreta toque de recolher nas três cidades. De acordo com a determinação, fica proibida a circulação de menores de 12 anos nas ruas do Centro, bares e restaurantes após as 21h, mesmo que estejam acompanhados pelos pais ou responsáveis. Ainda conforme o texto da portaria, maiores de 12 anos e menores de 18 anos só podem transitar pelas ruas após as 22h se estiverem acompanhados dos pais. “Tomei essa decisão com base em vários processos que tramitam em segredo de justiça e que envolvem menores de idade e outras ações com denúncias de atos infracionais praticados por crianças e adolescentes”, justificou o juiz Iano Miranda dos Anjos. Ele acrescentou, também, que a situação da segurança pública nos três municípios é extremamente preocupante. “O quadro da segurança é caótico. Já me reuni com os vereadores e sugeri que se crie uma lei municipal que discipline essa questão. Enquanto isso, a portaria vai continuar em vigor.” A portaria foi publicada no dia 9 deste mês, por prazo indeterminado. De acordo com alguns depoimentos de moradores da região, é comum crianças consumirem álcool sem que haja nenhum controle das famílias. Essa prática estava contribuindo para que houvesse um aumento considerável de pequenos furtos e baderna nas ruas da cidade. A iniciativa do juiz de Taperoá é baseada no art. 70 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece: “É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.” Nos artigos seguintes o mesmo texto diz: Art. 71. A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Art. 72. As obrigações previstas nesta Lei não excluem da prevenção especial outras decorrentes dos princípios por ela adotados. Art. 73. A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos desta Lei. Por outro lado, o ECA, em seu art. 4o, diz ainda: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” Com informações do Tribunal de Justiça da Paraíba. (Fonte: CONJUR, 21 de junho de 2009) 153 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O A 69) 6. PREVENÇÃO (ARTS. 70 A 82) “Lança-Lança” foi censurada em fevereiro pela Justiça a pedido do Ministério Público, que acusou a música de fazer apologia às drogas. Em pleno domingo de carnaval, em forma de protesto, os integrantes do Jammil e Uma Noites protestaram tocando apenas a melodia de “Lança-Lança” com uma fita isolante preta sobre a boca. Enquanto tocavam a melodia, os foliões cantavam em alto e bom som a música composta pelo baixista Manno Góes. A Justiça, por fim, TJBA, permitiu que a música não fosse censurada. “Cheiro bom que vem lá da Argentina Que eu comprei lá no Paraguai Que eu botei no seu lencinho menina Te roubei um beijo e você querendo mais Tem água de beber, tem água de tomar Tem água de comer e água pra se envenenar Água de beber, água de tomar Água de comer e água pra se envenenar Lança, Lança, lança, lança, lança seu olhar em mim Lança, lança se balança cuidado pra não cair Lança, lança, lança, lança, lança seu olhar em mim Lança, lança se balança cuidado pra não cair Depois segure a cabeça pra não perder o juízo Não me responsabilizo se você ficar mal Eu adoro o cheiro desse perfume Mas segure o seu ciúme pois é Carnaval Lança, lança, lança, lança, lança seu olhar em mim Lança, lança se balança cuidado pra não cair Lança, lança, lança, lança, lança seu olhar em mim Lança, lança se balança cuidado pra não cair Bate Coxa Gino e Geno Foi numa festa lá no interior A sanfona comandou o balanço da moçada 154 Material Complementar da Obra Que maravilha festa boa foi ali Francamente eu nunca vi galera tão animada Dancei bastante agarradinho à moda antiga barriga com barriga e ninguém pra censurar casais dançavam e abraçavam livremente bate coxa minha gente é gostoso pra danar Toca meu amigo sanfoneiro mete o dedo companheiro não deixa o baile parar Hoje essa sanfona fica frouxa pode crer que o bate-coxa vai até o sol raiar Quem fez o som foi um grande sanfoneiro na cozinha no terreiro tinha pipoca e quentão Mulher bonita gente boa coisa fina só tinha uma lamparina pra iluminar o salão E a moçada naquela euforia o sanfoneiro bebia de vez em quando um pingão De madrugada com aquela luz amarela bate-coxa rela-rela foi aumentando a tensão Toca meu amigo sanfoneiro mete o dedo companheiro não deixa o baile parar Hoje essa sanfona fica frouxa pode crer que o bate-coxa vai até o sol raiar Mulher Que Não Dá Voa Gino e Geno Composição: Rick / Pinóchio / Gino Refrão Eu digo isso, digo numa boa Mulher que não dá voa, mulher que não dá voa Eu penso assim e continuo pensando Nunca vi mulher voando, nunca vi mulher voando Tem mulher que dá, trabalho Tem mulher que dá, problema 155 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Tem mulher que da que dá, que dá galho Tem mulher que dá, esquema Tem mulher que dá, um jeitinho Jeitinho pra dar, uma chorada Tem mulher que dá que dá, que dá carinho Tem mulher que dá, porrada Refrão Tem mulher que dá, bom dia Tem mulher que dá, orgulho Tem mulher que dá que dá, só alegria Tem mulher que dá, barulho Tem mulher que dá, prazer Tem mulher que dá, desgosto Tem mulher que dá que dá, que dá pra ver Vontade de dar estampada no rosto Refrão Tem mulher que dá, na cara Tem mulher que dá, despesa Tem mulher que dá que dá, que não para Tem mulher que dá, tristeza Tem mulher que dá, bobeira Tem mulher que dá, confusão Tem mulher que dá que dá, que dá canseira Tem mulher que dá, paixão Bebo Pa Carai Gino e Geno Composição: Indisponível Toda vez que a gente briga ela diz que vai embora Aquela mala me assusta, pronta do lado de fora Quando a gente quebra o pau, sempre eu sei que ela sai Fico doido de saudade, ai eu bebo pa carai... Ai eu bebo, ai eu bebo, bebo pa carai Bebo pa carai, bebo pa carai, bebo pa carai (refrão 2x) De repente ela volta toda cheia de alegria 156 Material Complementar da Obra Nem parece que a gente brigou naquele dia Eu boto a mala pra dentro e pra cama a gente vai E depois de tanto love, ai eu bebo pa carai... (refrão 2x) (*) Depois de uma semana em casa, quero um trenzinho diferente Uma coisa mais novinha, dessas que anima a gente Toda vez que eu dou uma volta, quando eu chego a casa cai Outra vez aquela mala, ai eu bebo pa carai (refrão 2x) <Solo / Oh companheiro é pu causa dessa muié que eu bebo, eu bebo pa carai!> Depois de uma semana em casa...(*) (refrão 4x) Quatro Tipos de Mulher Gino e Geno Composição: Indisponível Tô gostando da morena, tô amando a loirinha Tô gamado na mulata, tô querendo a escurinha Eu sou um homem direito pode crer que sou perfeito Eu preciso dar um jeito das quatro ser só minha A morena e a loirinha, mulata e a escurinha A paixão da vida minha. Minha vida é alegre por que tenho quatro rainha Sete dias da semana que eu gozo a vida minha Sexta e sábado com a morena, 4a e 5a com a loirinha O domingo é com a mulata, segunda e terça a escurinha. A morena e a loirinha, mulata e a escurinha A paixão da vida minha. De janeiro a dezembro de ano novo ao natal Eu dedico o meu amor para as quatro em parte igual Todas por mim são amadas, nenhuma fica zangada E eu falo pra moçada ser direito não faz mal A morena e a loirinha, mulata e a escurinha A paixão da vida minha. 157 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 7 – Autorização Para Viajar e a Polêmica Regulametação Pelo Conselho Nacional de Justiça 2.1. A polêmica regulamentação do Conselho Nacional de Justiça sobre a viagem internacional – Resolução n o 74/2009 (que unificou as Resoluções n os 51/08 e 55/08) O CNJ regulamentou o tema na Resolução no 51/08, causando muita polêmica, pois permitiu a viagem com apenas um dos genitores ou responsáveis, exigindo autorização do outro genitor, como está no ECA, porém, dispensando esta autorização do outro genitor “se comprovada a impossibilidade material perante a autoridade policial”. Em face da dispensa por “impossibilidade material” não estar no ECA, em seguida o CNJ alterou a redação do inciso II do art. 1o da Resolução no 51, estabelecendo, na Resolução no 55, que se houver a viagem com apenas um dos genitores, necessária será a autorização do outro e, não tendo, somente com autorização judicial, descartando assim a precária comprovação de “impossibilidade material da autorização do outro genitor perante a autoridade policial”. Vejamos a polêmica: Resolução no 51, de 25 de março de 2008 Dispõe sobre a concessão de autorização de viagem para o exterior de crianças e adolescentes A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso das atribuições atribuídas pelo art. 103-B da Constituição Federal, CONSIDERANDO as dificuldades enfrentadas pelas autoridades que exercem o controle de entrada e saída de pessoas do território nacional, em especial com relação a crianças e adolescentes; CONSIDERANDO as diversas interpretações existentes a respeito da necessidade ou não de autorização judicial para saída de crianças e adolescentes do território nacional pelos Juízos da Infância e da Juventude dos Estados da Federação e do Distrito Federal; CONSIDERANDO a insegurança causada aos usuários em decorrência da diversidade de requisitos e exigências; CONSIDERANDO necessidade de uniformização na interpretação dos arts. 83 a 85 do Estatuto da Criança e do Adolescente; 158 Material Complementar da Obra CONSIDERANDO o que ficou decidido no Pedido de Providências no 200710000008644, RESOLVE: Art. 1o É dispensável a autorização judicial para que crianças e adolescentes viajem ao exterior: I – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes, desde que autorizados por ambos os genitores, ou pelos responsáveis, por documento escrito e com firma reconhecida; II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo comprovada impossibilidade material registrada perante autoridade policial; Nova redação dada pela Resolução no 55 do CNJ: II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo mediante autorização judicial. III – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes, quando estiverem retornando para a sua residência no exterior, desde que autorizadas por seus pais ou responsáveis, residentes no exterior, mediante documento autêntico. Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, por responsável pela criança ou pelo adolescente deve ser entendido aquele que detiver a sua guarda, além do tutor. Art. 2o O documento de autorização mencionado no artigo anterior, além de ter firma reconhecida, deverá conter fotografia da criança ou adolescente e será elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e a outra deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro maior e capaz que o acompanhe na viagem. Parágrafo único. O documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser fixado pelos genitores ou responsáveis. Art. 3o Ao documento de autorização a ser retido pela Polícia Federal deverá ser anexada cópia de documento de identificação da criança ou do adolescente, ou do termo de guarda, ou de tutela. Art. 4o Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação. Ministra Ellen Gracie Presidente (Publicada no DJ, página 1, do dia 04 de abril de 2008) 159 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Por força de parte da polêmica, o CNJ alterou parte da Resolução no 51 através da Resolução no 55. Assim: Resolução no 55, de 13 de maio de 2008 Altera o inciso II do art. 1o da Resolução no 51, que dispõe sobre a concessão de autorização de viagem para o exterior de crianças e adolescentes. O Presidente do Conselho Nacional de Justiça, no uso de suas atribuições conferidas pela Constituição Federal, especialmente o que dispõe o inciso I do § 4o de seu art. 103-B; RESOLVE: Art. 1o O inciso II do art. 1o da Resolução no 51 passa a vigorar com a seguinte redação: II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo mediante autorização judicial. Art. 2o Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. Ministro Gilmar Mendes Presidente (Publicada no DJ, página 1, do dia 20 de maio de 2008) Resolução no 74/2009 do CNJ foi assim redigida: Resolução no 74, de 28 de abril de 2009 Dispõe sobre a concessão de autorização de viagem para o exterior de crianças e adolescentes. O Presidente do Conselho Nacional de Justiça, no uso das atribuições atribuídas pelo art. 103-B da Constituição Federal, CONSIDERANDO as dificuldades enfrentadas pelas autoridades que exercem o controle de entrada e saída de pessoas do território nacional, em especial com relação a crianças e adolescentes; CONSIDERANDO as diversas interpretações existentes a respeito da necessidade ou não de autorização judicial para saída de crianças e adolescentes do território nacional pelos Juízos da Infância e da Juventude dos Estados da Federação e do Distrito Federal; CONSIDERANDO a insegurança causada aos usuários em decorrência da diversidade de requisitos e exigências; 160 CONSIDERANDO necessidade de uniformização na interpretação dos arts. 83 a 85 do Estatuto da Criança e do Adolescente; Material Complementar da Obra CONSIDERANDO o que ficou decidido no Pedido de Providências nos 200710000008644 e PP 200810000022323, RESOLVE: Art. 1o É dispensável a autorização judicial para que crianças e adolescentes viajem ao exterior: I – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes, desde que autorizados por ambos os genitores, ou pelos responsáveis, por documento escrito e com firma reconhecida; II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo mediante autorização judicial; III – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes, quando estiverem retornando para a sua residência no exterior, desde que autorizadas por seus pais ou responsáveis, residentes no exterior, mediante documento autêntico. Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, por responsável pela criança ou pelo adolescente deve ser entendido aquele que detiver a sua guarda, além do tutor. Art. 2o O documento de autorização mencionado no artigo anterior, além de ter firma reconhecida por autenticidade, deverá conter fotografia da criança ou adolescente e será elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e a outra deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro maior e capaz que o acompanhe na viagem. Parágrafo único. O documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser fixado pelos genitores ou responsáveis. Art. 3o Ao documento de autorização a ser retido pela Polícia Federal deverá ser anexada cópia de documento de identificação da criança ou do adolescente, ou do termo de guarda, ou de tutela. Art. 4o Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação, ficando revogadas as Resoluções nos 51, de 25 de março de 2008 e 55, de 13 de maio de 2008 Ministro Gilmar Mendes (Publicada no DOU, Seção 1, em 07/05/09, p. 120, e no DJ-e no 71/2009, em 07/05/09, p. 4-5) 161 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Sobre a inconstitucionalidade da Resolução no 51 do CNJ, que versou sobre viagem internacional, o MP do Paraná assim comentou com propriedade no site http://www.mp.pr.gov.br/cpca/dwnld/ca_ res_51_cnj.doc.: Em data de 25 de março de 2008 o Conselho Nacional de Justiça – CNJ expediu a Resolução no 51, dispondo sobre a autorização de viagem para o exterior de crianças e adolescentes. A aludida Resolução, em seu art. 1o, estabelece que seria “dispensável” a autorização judicial sempre que crianças e adolescentes viajem ao exterior: I – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes, desde que autorizados por ambos os genitores, ou pelos responsáveis, por documento escrito e com firma reconhecida; II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo comprovada impossibilidade material registrada perante autoridade policial;13 III – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes, quando estiverem retornando para sua residência no exterior, desde que autorizadas por seus pais ou responsáveis, residentes no exterior, mediante documento autêntico. Ocorre que, na forma do art. 84 da Lei no 8.069/90, a autorização judicial para viagem ao exterior somente é dispensável quando criança ou adolescente: I – estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável; II – viajar na companhia de um dos pais, autorizado expressamente pelo outro através de documento com firma reconhecida. Como é possível observar, a Resolução no 51/2008 abriu espaço para a “dispensa” de autorização judicial para viagem de crianças e adolescentes ao exterior em situações diversas daquelas expressamente previstas no art. 84 da Lei no 8.069/90, tendo assim a pretensão de “ampliar” o rol de hipóteses em que a aludida autorização judicial não é exigida. Assim agindo, com o devido respeito, o E. Conselho Nacional de Justiça acabou extrapolando o âmbito de sua competência, 13 Em sessão realizada em 13 de maio de 2008, o CNJ decidiu modificar a redação do presente dispositivo, retomando a sistemática prevista pelo art. 84, inciso II, da Lei no 8.069/90. Foi então publicada a Resolução no 55/2008, segundo a qual o art. 1o, inciso II, da Resolução no 51/2008, do CNJ passou a vigorar com a seguinte redação: “II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo mediante autorização judicial”. 162 Material Complementar da Obra ex vi do disposto no art.103-B da Constituição Federal, indo muito além da simples expedição de um ato normativo relativo à atuação do Poder Judiciário, e passando a exercer atividade própria do Poder Legislativo, ao qual incumbiria, se fosse este o caso, alterar a legislação vigente, em franca violação ao princípio constitucional da separação dos poderes (cf. art. 2o da Constituição Federal). A propósito, vale mencionar que não foi por mero acaso que a Lei no 8.069/90 previu que a dispensa da aludida autorização judicial para viagem de crianças e adolescentes ao exterior somente poderia ocorrer nas 02 (duas) hipóteses relacionadas no art. 84, acima transcritas. Vale lembrar que o referido dispositivo legal encontrase inserido num Capítulo da Lei no 8.069/90 que trata da prevenção especial, tendo por objetivo evitar a ocorrência de situações potencialmente danosas aos interesses infantojuvenis ou mesmo a prática de crimes, como os tipificados pelos arts. 238 e 239 da Lei no 8.069/90. Quis o legislador que, em se tratando de viagem de criança ou adolescente ao exterior, houvesse um maior controle da situação por parte da Justiça da Infância e da Juventude, cabendo ao interessado provocar a instauração de procedimento especial, nos moldes do previsto no art. 153 da Lei no 8.069/90, no qual a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, irá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias para se certificar que não se está diante de uma situação proibida por lei ou de qualquer modo prejudicial à criança ou adolescente. Importante observar que, também de forma proposital, o legislador não abriu espaço para que crianças e adolescentes pudessem viajar ao exterior, sem autorização judicial, na companhia de terceiros, ainda que parentes da criança ou adolescente, mesmo quando expressamente autorizados pelos pais ou responsável. Quisesse assim o permitir, teria previsto sistemática similar à contida no art. 83, § 1o, alínea “b”, da mesma Lei no 8.069/90,14 14 �Art. 83. Nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou responsável, sem expressa autorização judicial. (...) § 1o A autorização não será exigida quando: a) (...); b) a criança estiver acompanhada: 1) de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco; 2) de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável. 163 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente para viagem de crianças dentro do território nacional, o que acabou não fazendo.15 Desnecessário mencionar que, através de uma interpretação lógica, teleológica e sistemática das disposições contidas nos arts. 83, 84 e 239 da Lei no 8.069/90, em cotejo com as demais normas estatutárias relativas à prevenção e à proteção integral de crianças e adolescentes, não há margem para ampliação, como pretende o CNJ, das hipóteses restritas em que crianças e adolescentes podem viajar ao exterior sem a devida autorização judicial. Assim sendo, como não pode uma mera Resolução emanada pelo CNJ, revogar literal disposição de lei, forçoso concluir, data venia, que a Resolução no 51/2008, do E. Conselho Nacional de Justiça, não tem validade, ao menos em seu art. 1o, que, extrapolando o âmbito da competência constitucional do órgão, estabeleceu outras hipóteses para pretendida “dispensa” de autorização judicial para viagem de crianças e adolescentes ao exterior, dando margem para o tráfico de crianças e outras situações potencialmente danosas aos interesses infanto-juvenis que cabe à Justiça da Infância e da Juventude resguardar. 16 Como resultado, logicamente, o disposto no art. 84 da Lei no 8.069/90 continua em pleno vigor, prevalecendo a necessidade de autorização judicial para viagem de crianças e adolescentes ao exterior fora das 02 (duas) únicas hipóteses ali relacionadas, inclusive sob pena da prática da infração administrativa prevista no art. 251 da Lei no 8.069/90. O próprio CNJ reconheceu, em parte, o equívoco da Resolução no 51/2008, ao aprovar, já na sessão plenária realizada no dia 13 de maio de 2008, uma mudança em um de seus dispositivos, de modo a deixar claro que, quando a criança ou adolescente viaja ao exterior na companhia de apenas um dos pais, é necessária a permissão do outro ou, então, autorização judicial, como aliás prevê de maneira expressa o art. 84, inciso II, da Lei no 8.069/90. Consoante acima ventilado, por força da Resolução no 55/2008, de 13 de maio de 2008, o art. 1o, inciso II, da Resolução no 51/2008 passa a ter a seguinte redação: 15 Vale mencionar que se encontram em tramitação no Congresso Nacional os Projetos de Lei nos 2.808/1997 e 1.596/2003 que pretendem estabelecer, como regra, a necessidade de autorização judicial para viagem de adolescentes dentro do território nacional, o que hoje é previsto pelo ordenamento jurídico brasileiro apenas para viagem de crianças. 16 De acordo com a referida Resolução, a título de exemplo, um simples guardião poderia autorizar a viagem de uma criança ao exterior na companhia de terceiros, sem o conhecimento e/ou a intervenção da autoridade judiciária (e/ou do Ministério Público) o que, desnecessário mencionar, facilitaria e acabaria por estimular o tráfico de crianças, dentre outras situações periclitantes que a Lei no 8.069/90, ao restringir ao mínimo as hipóteses em que a autorização judicial é, de fato, dispensável, quis evitar. 164 Material Complementar da Obra II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo mediante autorização judicial.17 A nova orientação corrige, de forma parcial, as distorções decorrentes da aplicação da Resolução no 51/2008, porém é necessário ir além, e revogar o referido ato normativo em sua totalidade, devendo ser editado outro que venha a disciplinar o procedimento a ser adotado quando da análise de pedidos de autorização judicial para viagem ao exterior, que pouca atenção vem recebendo em todo o Brasil. Com efeito, o que caberia, de fato, ao CNJ disciplinar, seria a forma como os pedidos de autorização judicial para viagem de crianças e adolescentes ao exterior devem ser processados e julgados pelos Juizados da Infância e da Juventude, com ênfase para estrita observância das regras e princípios estabelecidos pela Lei no 8.069/90. Um dos primeiros aspectos a considerar, é a necessidade de que os pedidos de autorização judicial sejam formulados perante o Juízo do local do domicílio dos pais ou responsável,18 e não, como se tem visto em muitos casos, no Juízo do local em que está situado o aeroporto internacional onde a criança ou adolescente irá embarcar. Deve ser também expedida orientação específica às agências de viagens, companhias aéreas e empresas que exploram o transporte rodoviário no sentido de que, quando da compra da passagem ao exterior para criança ou adolescente que irá viajar sem estar acompanhada por ambos os pais ou, estando na companhia de um, sem estar expressamente autorizada pelo outro, através de documento com firma reconhecida, a prévia autorização judicial será imprescindível, e que o pedido deverá ser protocolado perante o Juizado da Infância e da Juventude do local do domicílio dos pais ou responsável,19 com a antecedência devida. O procedimento a ser deflagrado se enquadra na hipótese do art. 153 da Lei no 8.069/90,20 e embora não tenha uma 17 Anteriormente, o art.1o, inciso II, da aludida Resolução estabelecia que, na falta de autorização de um dos pais, a criança poderia viajar independentemente de autorização judicial desde que “comprovada impossibilidade material registrada perante a autoridade policial”. 18 Cf. art. 147, inciso I, da Lei no 8.069/90. 19 Em sendo os pais separados, como se tem entendido, será competente o Juízo do local do domicílio daquele ao qual foi deferida a guarda da criança ou adolescente. 20 Art.153. Se a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto nesta ou em outra lei, a autoridade judiciária poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o Ministério Público. 165 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente forma preestabelecida, a autoridade judiciária, com o auxílio do Ministério Público (que obrigatoriamente irá intervir na causa), deve zelar para que o feito seja devidamente instruído com elementos que permitam uma análise conclusiva acerca da adequação da medida pleiteada, dentre os quais citamos: a motivação da viagem, seu itinerário e destino final, o tempo de permanência no exterior, a relação da criança ou adolescente com o requerente, com a pessoa que irá acompanhá-la e em companhia da qual a mesma permanecerá durante o período em que estiver fora do País, eventual prejuízo a seus estudos etc., tudo, é claro, devidamente documentado e, se necessário, comprovado por intermédio de testemunhas. É importante destacar que o Juizado da Infância e da Juventude, em tais casos, não pode atuar como mero agente burocrático e “chancelador” de pedidos formulados de “última hora” e/ou sem a devida comprovação de que a criança ou adolescente não estará sendo exposto a perigo ou sofrerá qualquer espécie de prejuízo, como resultado do deferimento da medida pleiteada. Consoante acima ventilado, as disposições contidas no art. 84 da Lei no 8.069/90 (que nunca é demais dizer, não cabe ao CNJ “revogar”), estão inseridas num capítulo que trata da prevenção, e toda Lei no 8.069/90 procura estabelecer mecanismos voltados à proteção integral de crianças e adolescentes (cf. art. 1o da Lei no 8.069/90), visando colocála a salvo de qualquer perigo ou violação a seus direitos fundamentais (cf. arts. 5o e 70 da Lei no 8.069/90). O Juizado da Infância e da Juventude tem um papel primordial na efetivação dessa proteção integral infanto-juvenil, devendo agir com cautela e responsabilidade quando da expedição de autorizações judiciais para viagem de crianças e adolescentes ao exterior, não decidir de forma açodada, diante de pressões de última hora, não raro efetuadas de maneira deliberada, de modo a impedir uma investigação mais aprofundada acerca dos motivos da viagem e outras questões a ela relacionadas. 166 Cabe ao CNJ, longe de procurar “flexibilizar” as hipóteses propositalmente restritas nas quais a lei, de maneira expressa, permite a viagem de crianças e adolescentes ao exterior independentemente de autorização judicial, definir mecanismos que permitam seja esta expedida de forma responsável, dentro de um procedimento corretamente instaurado, instruído e julgado, no qual a autoridade judiciária, além de não abrir mão de seu poder jurisdicional, Material Complementar da Obra deve exercer, de maneira efetiva, seu papel de guardiã dos direitos de crianças e adolescentes. E deve assim agir não na perspectiva de “burocratizar” a expedição da autorização, mas sim de garantir um maior controle sobre as viagens ao exterior de crianças e adolescentes desacompanhadas de seus pais, evitando, desta forma, a ocorrência de situações potencialmente danosas, como as acima ventiladas, com graves e irreparáveis consequências para aqueles que a exigência legal visa aproveitar. Necessário, portanto, que a Resolução no 51/2008 seja objeto de imediata revisão por parte do E. CNJ, o que não impede que seu teor, por flagrantemente contra legem e mesmo inconstitucional, seja desde logo desconsiderado. E se o CNJ, no regular exercício de sua missão constitucional, pretende uniformizar procedimentos e aprimorar a forma como vêm sendo expedidas autorizações judiciais para viagem de crianças e adolescentes ao exterior, que então formule resolução específica no sentido de impedir que a Justiça da Infância e da Juventude, como ocorre em alguns casos, exerça um papel meramente “formal” quando do exercício de tal ato de sua responsabilidade,21 zelando para que os procedimentos respectivos sejam instaurados perante o Juízo competente22 e com antecedência suficiente para adequada instrução do feito, no qual, nunca é demais lembrar, deve também intervir o Ministério Público. Assim procedendo, e dando ampla publicidade a seu ato normativo,23 o CNJ estará contribuindo para aperfeiçoar os mecanismos legais voltados à proteção integral de crianças e adolescentes, sem que para tanto tenha de extrapolar o âmbito de sua competência constitucional e/ou afrontar o ordenamento jurídico vigente. Finalmente, a matéria pode chegar ao STF para análise de constitucionalidade. Mas, enquanto não é ajuizado controle concentrado no STF, para os que entendem constitucionais tais resoluções, os modelos seriam os seguintes (fonte: Poder Judiciário do Maranhão): 21 Fosse esta a intenção do legislador, seguramente não teria incluído a autorização para viagem como uma das causas de competência da Justiça da Infância e da Juventude. 22 Vale repetir: o Juízo do local do domicílio dos pais ou responsável pela criança ou adolescente, a teor do disposto no art. 147, inciso I, da Lei no 8.069/90. 23 Em especial junto a agências de viagem, empresas aéreas e de transporte terrestre, aeroportos, consulados e embaixadas. 167 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Modelo 1 – Autorização de viagem internacional para pai, mãe, tutor ou guardião – viajar acompanhado AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INTERNACIONAL Pelo presente instrumento, consubstanciado nas Resoluções nos 51/08 e 55/08, unificadas na Resolução no 74/09, do Conselho Nacional de Justiça, eu, ___________________ _______________________________________________________________________________, NOME COMPLETO ___________________, __________________, ________________, NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO residente e domiciliado(a) à ___________________________________________________________________. ENDEREÇO COMPLETO no município de ____________, Portador(a) do R.G.: ______________, órgão expedidor _______/____, AUTORIZO, na condição de _______da criança/ do(a) adolescente,____________________________________________________________________________, NOME COMPLETO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE nascido(a) em ___/___/___, portanto, com _______de idade, a viajar na companhia de _____________, ______________________,__________________,_____________________ NOME NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO residente e domiciliado(a) à __________________________________________________________ ENDEREÇO COMPLETO portador(a) do R.G.: _______________, órgão expedidor cidade______________,______________, partindo em ____/____/______, CIDADE PAÍS ____/____, para a e com retorno em ____/____/_______. Estando, desta forma, devidamente autorizado(a) para o fim de cumprimento de exigência para realização de viagem de criança ou adolescente ao exterior, conforme Resoluções nos 51/08 e 55/08, do Conselho Nacional de Justiça. Local, __________________________ de ______________________ de ______________________. ______________________________________________________________________________________ ASSINATURA (FIRMA RECONHECIDA) – por autenticidade R.G.: Nota: o documento de autorização deverá conter: (a) firma reconhecida por autenticidade; (b) fotografia da criança ou adolescente; (c) deve ser elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e a outra deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro maior e capaz que o acompanhe na viagem; 168 Material Complementar da Obra (d) o documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser fixado pelos genitores ou responsáveis; (e) Ao documento de autorização a ser retido pela Polícia Federal deverá ser anexada cópia de documento de identificação da criança ou do adolescente, ou do termo de guarda, ou de tutela. Modelo 2 – Autorização de viagem internacional para pai, mãe, tutor ou guardião – viajar desacompanhados AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INTERNACIONAL Pelo presente instrumento, consubstanciado nas Resoluções nos 51/08 e 55/08, unificadas na Resolução no 74/09, do Conselho Nacional de Justiça, _______________________________________ _____________________________________________________________________ NOME COMPLETO DO PAI _____________________, __________________, ___________________ NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO Portador do R.G.: _____________, órgão expedidor _______/_____, e______________________, __________ ________________,_____________________ ___________, ________________________________ NOME COMPLETO DA MÃE NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO Portadora do R.G.: _____________________, órgão expedidor ___________/______, residente(s) e domiciliado(s) à________________________________________________________ ENDEREÇO COMPLETO no município de _______________, AUTORIZAM, na condição de genitores da criança/ do(a) adolescente,___________________________________________________________, NOME COMPLETO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE nascido(a) em ___/___/___, portanto, com ____________de idade, que esta (e) viaje DESACOMPANHADO(A), para a cidade de __________________________________________ CIDADE _________________, partindo em ____/_____/_____, e com retorno em _____/_____/______. PAÍS Estando, desta forma, devidamente autorizado(a) para o fim de cumprimento de exigência para realização de viagem de criança ou adolescente ao exterior, conforme Resoluções nos 51/08 e 55/08, do Conselho Nacional de Justiça. Local, _____ de ______________ de _______. _______________________________________________ ASSINATURA DO PAI (FIRMA RECONHECIDA) – por autenticidade R.G.: _______________________________________________ ASSINATURA DA MÃE (FIRMA RECONHECIDA) – por autenticidade R.G.: 169 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Nota: o documento de autorização deverá conter: (a) firma reconhecida por autenticidade; (b) fotografia da criança ou adolescente; (c) deve ser elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e a outra deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro maior e capaz que o acompanhe na viagem. (d) o documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser fixado pelos genitores ou responsáveis. (e) Ao documento de autorização, a ser retido pela Polícia Federal, deverá ser anexada cópia de documento de identificação da criança ou do adolescente, ou do termo de guarda, ou de tutela Modelo 3 – Viagem Internacional – Ambos os pais autorizando criança ou adolescente a viajar desacompanhado AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INTERNACIONAL Pelo presente instrumento, consubstanciado nas Resoluções nos 51/08 e 55/08, unificadas na Resolução no 74/09, do Conselho Nacional de Justiça, eu, __________________ _______________________________________________________________________________ NOME COMPLETO _______________________, _________________________, ___________________________ NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO residente e domiciliado(a) à ________________________________________________________, ENDEREÇO COMPLETO no município de _________, Portador(a) do R.G.: _______________, órgão expedidor ____/____, AUTORIZO, na condição de _________ da criança/ do(a) adolescente, _______________________________, NOME COMPLETO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE nascido(a) em ____/_____/____, portanto, com ________________ de idade, a viajar DESACOMPANHADO(A), para a cidade de ______________, ____________, partindo em ____/____/____, CIDADE PAÍS e com retorno em ____/____/_______. Estando, desta forma, devidamente autorizado(a) para o fim de cumprimento de exigência para realização de viagem de criança ou adolescente ao exterior, conforme Resoluções nos 51/08 e 55/08, do Conselho Nacional de Justiça. Local, _____ de ______________ de _______. ___________________________________________ ASSINATURA (FIRMA RECONHECIDA) – por autenticidade R.G.: 170 Material Complementar da Obra Nota: o documento de autorização deverá conter: (a) firma reconhecida por autenticidade; (b) fotografia da criança ou adolescente; (c) deve ser elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e a outra deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro maior e capaz que o acompanhe na viagem. (d) o documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser fixado pelos genitores ou responsáveis. (e) Ao documento de autorização, a ser retido pela Polícia Federal, deverá ser anexada cópia de documento de identificação da criança ou do adolescente, ou do termo de guarda, ou de tutela. 171 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Modelo 4 – Viagem Internacional – Ambos os pais autorizando criança ou adolescente a viajar acompanhado AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INTERNACIONAL Pelo presente instrumento, consubstanciado nas Resoluções no 51/08 e 55/08, unificadas na Resolução no 74/09, do Conselho Nacional de Justiça, __________________________________________ ___________________________________________________________________ NOME COMPLETO DO PAI ________________________, ____________________, _____________________ NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO Portador do R.G.: ____________________, órgão expedidor ______/____ e _____________________, ______________________, ____________________, _______________________ NOME COMPLETO DA MÃE NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO Portadora do R.G.: _________________, órgão expedidor _____/____, residente(s) e domiciliado(s) à ________________ no município de_______, ENDEREÇO COMPLETO AUTORIZAM, na condição de genitores da criança ou do(a) adolescente _______________________________, nascido(a) em ____/____/____ NOME COMPLETO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE portanto, com _________________________ de idade, a viajar na companhia de _____________________,____________, ___________, _____________ NOME COMPLETO NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO residente e domiciliado(a) à __________________________________________________________ ENDEREÇO COMPLETO portador(a) do R.G.: ____________, órgão expedidor ____/____, para a cidade ________________, __________, partindo em____/____/____, CIDADE PAÍS e com retorno em ___/___/___ Estando, desta forma, devidamente autorizado(a) para o fim de cumprimento de exigência para realização de viagem de criança ou adolescente ao exterior, conforme Resoluções nos 51/08 e 55/08, do Conselho Nacional de Justiça. Local, _____ de ______________ de _______. ____________________________________________________________ ASSINATURA DO PAI (FIRMA RECONHECIDA) R.G.: ____________________________________________________________ ASSINATURA DA MÃE (FIRMA RECONHECIDA – por autenticidade) R.G.: Nota: o documento de autorização deverá conter: (a) firma reconhecida por autenticidade; (b) fotografia da criança ou adolescente; 172 Material Complementar da Obra (c) deve ser elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e a outra deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro maior e capaz que o acompanhe na viagem. (d) o documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser fixado pelos genitores ou responsáveis. (e) Ao documento de autorização, a ser retido pela Polícia Federal, deverá ser anexada cópia de documento de identificação da criança ou do adolescente, ou do termo de guarda, ou de tutela. 173 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 9 – Medidas Específicas de Proteção (MEP – Arts. 98 a 102) e Medidas Socioeducativas (MSE) & Atos Infracionais e Desvios de Conduta 2.2. DESVIO DE CONDUTA Sobre o tema, noticia o Jornal de Maringá/PR: Blitz em escola foi bem-sucedida, diz PM. Polícia Militar faz balanço positivo de operação em colégio de Sarandi e será estendida para outros estabelecimentos de ensino A operação realizada anteontem à noite no Colégio Estadual Olavo Bilac, em Sarandi, pela Polícia Militar e Conselho Tutelar, com autorização do Ministério Público e pais dos estudantes, resultou na apreensão de estiletes, facas e correntes (a polícia não forneceu número de armas apreendidas). 174 Um estudante foi surpreendido com um cigarro de maconha e, nas imediações do colégio, uma pessoa foi detida portando uma pedra de crack. A operação foi supervisionada pelo capitão Vanderley Rothemburg, comandante estadual da Patrulha Escolar. Segundo o sargento Argemiro Mendes Ferreira Júnior, auxiliar de Relações Públicas do 4o Batalhão da Polícia Militar de Maringá, a operação foi bem-sucedida e será estendida para outros estabelecimentos de ensino de Sarandi. “Tivemos apoio dos pais de alunos, da comunidade e, especialmente, de vizinhos do colégio”, explicou. Ele disse que o mesmo trabalho pode ser realizado em escolas de Maringá, onde está sendo feito contato com alguns diretores para discutir a realização da blitz. “Estamos conversando e, possivelmente, nos próximos dias repetiremos essa operação por aqui”, disse. Em Sarandi, a operação no Colégio Olavo Bilac contou com 24 policiais que averiguaram 13 salas de aula e cerca de 500 alunos do ensino médio. “O importante é que a blitz mostrou eficácia e foi bem vista por todos segmentos envolvidos, o que nos anima a realizar outros procedimentos semelhantes”, concluiu o sargento Júnior. Violência mobilizou os estudantes em Sarandi Em Sarandi, a reação das escolas para coibir a violência começou no Colégio Estadual do Jardim Independência, onde alunos Material Complementar da Obra reagiram escrevendo cartas ao Secretário de Segurança do Estado, Luiz Fernando Delazarri, pedindo uma patrulha escolar para o estabelecimento. O diretor do colégio, professor Adauto Silva, reuniu-se com pais de estudantes e mostrou um facão e pedaços de tijolos e pedras atirados contra o estabelecimento. O Diário noticiou o fato que causou grande repercussão em Sarandi. A reivindicação dos estudantes foi atendida; hoje, a cidade conta com uma Patrulha Escolar. A violência, segundo o diretor Adauto, diminuiu. “Toda vez que for necessário vamos protestar e reivindicar nossos direitos. Não podemos ficar à mercê de um pequeno grupo de pessoas que quer desestabilizar a escola”, disse ele, na época. (Fonte: http://www.odiariomaringa.com.br/noticia.php?not=558322) 175 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 9 – Medidas Específicas de Proteção (MEP – arts. 98 a 102) e Medidas socioeducativas (MSE) & Atos infracionais e desvios de conduta 5. FLAGRANTE DE ATO INFRACIONAL Nas hipóteses de flagrante em que não há violência ou grave ameaça, a lavratura do auto poderá ser substituída por boletim de ocorrência circunstanciada (BOC), ou seja, não caberá a manutenção da apreensão pela Autoridade Policial, que deve lavrar um BOC ou Termo Circunstanciado e encaminhá-lo diretamente para o Ministério Público. Sobre o BOC, uma questão inédita de formalização deste aconteceu em Minas Gerais: Minas Gerais ganhou mais dois reforços na proteção aos direitos da criança e do adolescente com o lançamento do programa de Renúncia Fiscal 2006 pelo Ministério Público estadual e pela Associação Mineira do Ministério Público (AMMP) e do Boletim de Ocorrência Circunstanciada (BOC) pela Polícia Civil. A solenidade de lançamento aconteceu dia 20 de outubro, no Auditório da Polícia Civil, em Belo Horizonte e também marcou a comemoração dos 15 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Estado. O programa de renúncia fiscal, que está em seu terceiro ano, tem como objetivo destinar parte do Imposto de Renda devido por pessoas físicas e jurídicas para o Fundo da Infância e Juventude. A renúncia fiscal faz parte do programa “Ministério Público Solidário com a Infância e Juventude” e conta com a participação dos funcionários da Instituição e o apoio da Procuradoria-Geral de Justiça, do MPCred (cooperativa institucional), e da Associação Mineira do Ministério Público (AMMP). Segundo o promotor de Justiça, Celso Penna, o programa apresenta a facilidade para a doação a partir do momento que os integrantes do MP recebem em casa o folder para adesão. O valor arrecadado pelo programa irá financiar atividades que visem reduzir o número de crianças em situações de risco, a exploração infantil, e todas as situações que representem problemas à criança e ao adolescente. Para continuar participando do projeto o contribuinte terá de renovar sua opção anualmente. 176 Material Complementar da Obra BOC O Boletim de Ocorrência Circunstanciada foi desenvolvido pela Polícia Civil, por meio do delegado geral da Polícia Civil, Francisco Rabelo (então corregedor da Polícia), por solicitação da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Belo Horizonte, para padronização das ocorrências que envolvam adolescentes em conflito com a lei. O procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior, afirmou que a iniciativa, pioneira no país, irá facilitar a identificação do adolescente e proporcionar a ele um tratamento digno. “A iniciativa além de inédita no país, é inovadora porque agiliza o procedimento e gera solução para o problema do adolescente em conflito com a lei que hoje é o caos social”, afirmou. Os principais objetivos do BOC são padronizar o registro dos atos infracionais, com o uso de um formulário único pelas polícias, agilizar a apuração das ocorrências e proporcionar um tratamento mais digno para as pessoas envolvidas, seja por parte da vítima quanto do adolescente e seus familiares. O BOC irá ainda fornecer informações sobre a vida social, escolar e familiar do adolescente. O Boletim aponta como grande inovação a possibilidade de se apurar o problema de forma mais rápida, sem a necessidade de se ficar na delegacia o dia todo. Por meio dele, todas as informações relativas à infração serão colhidas na hora, as testemunhas já prestarão o depoimento e o adolescente infrator poderá ser liberado aos familiares mediante um termo de entrega sob guarda e responsabilidade, no qual o responsável se compromete a apresentar o adolescente perante as autoridades sempre que for solicitado. Também serão implantados outros instrumentos de auxílio às investigações como os formulários de Auto de Infração em Flagrante de Ato Infracional com Auto de Prisão em Flagrante Delito e o de Notícia-Crime. O chefe da Polícia Civil, Otto Teixeira Filho, disse que “além da agilidade e da precisão, o BOC vai possibilitar que a Polícia Civil, o Ministério Público e o Judiciário tenham o conhecimento do que vem ocorrendo na área da infância e adolescência”. E acrescentou “o Ministério Público sempre foi parceiro da Polícia Civil não só na área da infância e adolescência como também nas demais ações da polícia judiciária”. 177 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Durante a solenidade de lançamento o delegado da Divisão de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (DOPCAD), fez um discurso emocionado e declarou que vê glorificar uma ansiedade de tanto tempo. “É difícil o primeiro atendimento ao adolescente na delegacia, que muitas vezes chega drogado. Eles estão nos devolvendo tudo que receberam”, finalizou. Antes de ser criado, o boletim foi amplamente discutido com os demais parceiros da Rede de Medidas Socioeducativas, que funciona junto à Promotoria de Justiça da Infância e Juventude em Belo Horizonte e envolve instituições públicas e privadas de defesa da criança e do adolescente. O dispositivo está previsto no art. 173 do ECA e ainda não foi desenvolvido em nenhum estado brasileiro, sendo portanto uma iniciativa inédita no país. Estiveram presentes no lançamento o corregedor-geral do Ministério Público estadual, Antônio de Padova Marchi Júnior; o presidente da AMMP, José Silvério Perdigão de Oliveira, o delegado-geral da Polícia Civil, Francisco Eustáquio Rabelo; o Chefe Adjunto de Polícia Civil, Jairo Lellis Filho, o desembargador Joaquim Alves de Andrade, a juíza de Direito da Vara Infracional da Infância e Juventude, Valéria da Silva Rodrigues, o subdefensor público-geral, Ricardo Sales Cordeiro; o secretário de Direitos Humanos e presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, João Batista de Oliveira; corregedor-geral de Polícia, Nelson Henrique Queiroz Garofo, o presidente da Sindpol, Antônio Marcos Pereira e o tenente coronel da Polícia Militar, Wilson Chagas Cardosos, entre outras autoridades. (Disponível em: MPMG – www.mp.mg.gov.br.) Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis 1.6.1. Direitos do adolescente internado O adolescente (jovens de 14 a 21 anos) internado tem direito a receber visitas, ao menos semanalmente. Quanto à visita íntima visando a relações sexuais com suas companheiras nas instituições para menores infratores do Estado, interessante é esta matéria publicada na Revista Época. 178 Material Complementar da Obra POLÊMICA: VISITA ÍNTIMA Fonte: Luludi/ÉPOCA Decisão inédita (agosto de 2004) do juiz Guaraci de Campos Vianna, titular da 2a Vara da Infância e da Juventude do Rio, permitiu que jovens de 14 a 21 anos tenham relações sexuais com suas companheiras nas instituições para menores infratores do Estado. O juiz encaminhou intimação, determinando prazo de 30 dias para que o governo adapte suas instalações, tornando-as aptas a oferecer visitas íntimas. Na data da permissão, havia 950 internos nas cinco instituições para menores infratores do Rio, mas nem todos terão direito ao benefício. O diretor do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado (Degase), Sérgio Novo, informou ontem que o governo “está se preparando“ para cumprir a medida dentro do prazo estipulado pela Justiça. De acordo com o juiz, terão direito à visita íntima os jovens que comprovarem “vida sexual ativa e relação familiar“. Segundo ele, cerca de 30% dos internos têm filhos. “Estamos reconhecendo uma realidade que já existe. É uma medida para manter a estabilidade familiar, importante para os filhos”, declarou o juiz. “Não é apenas arrumar espaço para o jovem ter relações (sexuais). Haverá cursos com duração de dois meses de orientação sexual, com informações sobre métodos contraceptivos.” O juizado editou em 2003 a portaria 801, determinando a realização de visitas íntimas, mas até hoje o governo ainda não criou uma estrutura nas instituições que possibilite a adoção das medidas. Vianna explicou que a portaria foi motivada por uma visita feita por técnicos do Ministério da Saúde, em 1998, recomendando a distribuição de preservativos nas unidades. O juiz estipulou prazo de 30 dias para que pelo menos uma unidade ofereça as visitas e os cursos; de 60 dias para que o mesmo ocorra em duas unidades, e de 90 dias para que o sistema esteja funcionando em todo o Estado. A supervisora do Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Lulli Milman, elogiou a medida. “Acho que a decisão é absolutamente justa. 179 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Os jovens que estão enclausurados e têm vida sexual ativa devem ser beneficiados.” Ele disse, porém, que acredita ser difícil um jovem de 14 anos estabelecer uma relação estável, “por mais precoce que seja”. O juiz afirmou que as situações de infratores de 14 e 15 anos serão estudadas “caso a caso“. Segundo ele, a maioria dos que devem ser atendidos têm mais de 16 anos. “Certamente é uma demanda. Decisão judicial a gente cumpre. Vou acatar o que o juiz disse, é isso que me cabe, eu respeito”, disse o diretor do Degase. Assim, a Justiça do Rio de Janeiro está mexendo com um dos maiores tabus que envolvem adolescentes infratores: a liberdade sexual. O Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), a FEBEMfluminense, liberou visitas íntimas a adolescentes maiores de 14 anos, que tenham boa conduta e vínculo afetivo comprovado. Mesmo privados de liberdade, eles poderão fazer sexo com esposa ou namorada, com dia e hora marcados. Para as meninas, vale o mesmo. A medida cumpre uma portaria de 2001 da 2a Vara da Infância do Rio de Janeiro. ‘Não podíamos realizar a visita íntima antes, já que não tínhamos um espaço adequado’, explica Jacques Cavalcanti, presidente da instituição. Mas o impasse não está só na arquitetura. Se o assunto já é polêmico quando se trata de adultos que estão dentro do sistema penitenciário, com jovens ele é ainda mais espinhoso. Vista como um passo importante no caminho da ressocialização de adolescentes que possuíam vínculos afetivos estáveis antes da internação, a visita íntima nas unidades do Rio colocou o debate na pauta de entidades de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. O juiz da infância Guaraci de Campos Vianna, responsável pela decisão, afirma que a portaria foi feita com base em discussões com agentes de saúde. 180 Os profissionais achavam insuficiente a simples distribuição de preservativos enquanto doenças sexualmente transmissíveis proliferavam entre os internos. A Secretaria Especial de Direitos Humanos, órgão do governo federal, é favorável à visita íntima. “Desenvolver a sexualidade de forma saudável e responsável é um direito desses jovens e queremos assegurar que eles o façam da forma mais segura Material Complementar da Obra possível”, diz Denise Paiva, diretora do Departamento da Criança e do Adolescente da SEDH. O problema é que a visita cria uma demanda difícil para os departamentos que lidam com os jovens em conflito com a lei. “Como nós, Estado, vamos propiciar isso? Como fica a organização dessas visitas em unidades superlotadas e com estrutura precária?”, questiona Jane Aline Kuhn, presidente de um fórum que reúne diretores de “FEBEM”. Polêmicas à parte, estudos mostram que o sexo já faz parte da vida desses adolescentes – dentro ou fora das instituições. Um levantamento realizado em três unidades da FEBEM de São Paulo, com jovens entre 13 e 19 anos, mostrou que 98% deles tinham vida sexual ativa e 23% dos garotos já eram pais antes da internação. Mas a estatística que assusta é a que denuncia a prática sexual, na maioria das vezes pouco segura, dentro das instituições. Uma pesquisa do UNICEF realizada com 228 adolescentes de seis Estados revelou que 13% dos meninos já haviam tido experiências sexuais durante a internação. A disseminação de doenças e o sexo escondido nos dias de visita fizeram com que algumas instituições iniciassem a distribuição de preservativos. “Todo o mundo sabe que o sexo acontece nas unidades, seja pela subjugação de um adolescente por outro, seja na moita, nos dias de visita. As instituições não podem mais fechar os olhos para isso”, diz Conceição Paganele, da Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco (AMAR). Mas na FEBEM de São Paulo, que abriga metade dos internos do país, a questão nem sequer está em pauta. “Ela é inviável, pois temos mais de 6 mil internos”, afirma Marcos Antônio Monteiro, presidente da entidade. Ninguém tem ilusões de que o direito à visita íntima vai inibir abusos sexuais dentro das instituições. “Se a liberação da visita íntima ocorrer por causa desses casos, a instituição só estará legitimando o caos”, diz Mario Volpi, oficial de projetos do UNICEF. “Por isso insistimos na existência de um projeto pedagógico que abarque todas as questões, inclusive a da sexualidade, independentemente da visita íntima”, diz. O Estado do Rio Grande do Norte é pioneiro no país na liberação das visitas íntimas a adolescentes infratores e já obteve bons resultados com a medida. Desde a implementação, há um ano e meio, não há queima de colchões nem rebeliões. Os índices de reincidência baixaram de 60% para 18%. Dos 69 jovens que cumprem medida em regime fechado na maior unidade 181 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente da instituição, apenas seis têm direito ao benefício. Mas ao ver os internos como sujeitos de direitos, e não como simples detentos, a FUNDAC aumenta as chances de ressocialização desses meninos. Os encontros dos internos com suas parceiras ocorrem uma vez por semana no “Chalé do Amor”. O espaço resume-se a um quarto, com uma cama de casal, banheiro e ventilador. “Não há luxo, mas é um espaço em que eles podem se encontrar com dignidade e desenvolver o carinho”, diz Graça Motta, presidente da instituição. Todos os jovens, inclusive as parceiras, recebem orientação sexual, adquirem informações sobre planejamento familiar e passam por exames médicos rotineiramente. “O que está se pedindo não é uma autorização para o jovem sair transando com todo o mundo dentro das unidades”, ressalva Graça. “Tanto que só têm direito ao benefício aqueles que comprovarem relação estável com a parceira. E os pais da menina precisam autorizar o encontro”. Já para as meninas a visita íntima não foi implantada porque todas cumprem medida socioeducativa em meio aberto. SEXUALIDADE EM JOGO Uma pesquisa feita na FEBEM paulista revela a sexualidade precoce dos meninos de 13 a 19 anos 98% 38% 5% 23% 80% – já haviam iniciado a vida sexual – tiveram sintomas de doenças sexualmente transmissíveis – já foram forçados a fazer sexo dentro da instituição – eram pais – gostariam de se submeter ao teste de HIV Fonte: Grupo Fique Vivo, da FEBEM-SP A visita íntima teve origem num estudo profundo, feito pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, em 1998: EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do RJ FÓRUM DE EXECUÇÃO PENAL – RELATÓRIO/1998 Três reuniões preparatórias antes da instalação do Fórum. 04/05/98 – Instalação do Fórum Permanente de Execução Penal, com a presença do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro do Superior Tribunal de Justiça. 182 Material Complementar da Obra 16a Reunião – 12/11/98 – Presença do Dr. Edison Biondi, superintendente de saúde, que avaliou a questão da visita íntima para adolescentes, visita íntima para os doentes psiquiátricos, inclusive visita íntima entre companheiros do mesmo sexo. OBS: Foram visitadas várias unidades penitenciárias, tais como Bangu 1, Bangu 2, Bangu 3, Hospital de Custódia e Tratamento Heitor Carrilho, Presídio Evaristo de Moraes, entre outras. • VISITA ÍNTIMA PARA ADOLESCENTES • CONTEÚDO • INTRODUÇÃO • MARCOS • JUSTIFICATIVA • OBJETIVO GERAL • OBJETIVOS ESPECÍFICOS • FLUXO • IMPLANTAÇÃO • RECURSOS HUMANOS • ORÇAMENTO • CRONOGRAMA • TEXTO BASE PARA A ELABORAÇÃO DA PORTARIA DE VISITA ÍNTIMA I – INTRODUÇÃO A sexualidade é um forte motor da vida social e afetiva dos seres humanos e, hoje, já não podemos negar a sua importância quando se trata de desenvolver ações que visem transformações das relações sociais em quaisquer de seus aspectos, sejam eles educativos, relacionados à saúde ou mesmo ao bem-estar nas relações de trabalho. Essa afirmação se torna ainda mais relevante quando nossas atenções se dirigem a adolescentes, posto que é nessa época que se intensificam os conflitos de crescimento com a entrada no “mundo adulto”, mundo este que muitas vezes apresenta uma face de exclusão, abandono e violência. A sexualidade se reveste então em ponto de afirmação e possibilidade de encontro. II – MARCOS 183 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A proposta da implantação da Visita Íntima para Adolescentes está calcada em dados obtidos em recente estudo realizado nas Unidades do DEGASE, quando se verificou: • o adolescente não projeta o desejo de ser feliz na realização financeira ou profissional mas concentra na família e na relação amorosa a busca da felicidade; • 90% dos adolescentes mantinham vida sexual ativa, embora não demonstrassem ainda maturidade para lidar com as consequências deste ato; • a maioria não utiliza métodos contraceptivos e tampouco apresenta comportamento de prevenção no que concerne às doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) ou à síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). III – JUSTIFICATIVA Dentre os adolescentes atendidos, existem aqueles que cumprem medida socioeducativa de internação e atentandose para relatos e observações que referem práticas sexuais entre adolescentes de mesmo sexo, circunstanciais, devido a quebra de seus laços afetivos de referência, e em resposta à intensificação normal da sexualidade na puberdade, evidencia-se a necessidade de se desenvolver ações que lhes possibilitem integrar os aspectos afetivo e sexual, exercendoos com liberdade e responsabilidade em relação a si mesmo e ao outro. A implantação da Visita Íntima – permissão para a prática de relacionamento sexual com a companheira ou companheiro com que tenham um relacionamento afetivo – nas Unidades onde se encontram jovens com medidas de ações socioeducativas, em muito poderá contribuir para fazer prosperar um vínculo estável no qual o compromisso possa ser um esteio para o crescimento em direção a uma vida sexual mais adulta e responsável. A visita íntima com a companheira ou companheiro deverá ser entendida como parte de um processo educativo mais amplo, que possa, até mesmo, funcionar como uma conquista, tendo em vista seu investimento no próprio processo educativo. Reconhecimento da realidade de que esses jovens já mantêm vida sexualmente ativa e que muitos deles têm o seu núcleo familiar constituído, com companheiras, ou companheiros e filhos. 184 A preservação e o estreitamento dos vínculos afetivos e sociais são extremamente importantes no processo de reeducação. Material Complementar da Obra IV – OBJETIVO GERAL Implantar um Programa de Visita Íntima, como parte do Projeto PRESERVIDA – lutando pela sobrevivência, visando o fortalecimento dos vínculos afetivos dos adolescentes, através da manutenção da unidade familiar, dentro de um trabalho de educação e saúde, de maneira que a Visita Íntima possa se tornar um meio de prevenção das DST/AIDS. V – OBJETIVOS ESPECÍFICOS 1 – Elaborar o Programa de Visita Íntima a ser implantado nas Unidades Degase. 2 – Implementar o Projeto PRESERVIDA nos locais onde já se encontre em desenvolvimento. 3 – Implantar o Projeto PRESERVIDA nos locais onde ainda não houver. 4 – Adequar o ambiente para o encontro dos jovens, atendendo às normas de higiene, segurança,... 5 – Divulgar o Programa de Visita Íntima entre a populaçãoalvo/familiares e funcionários. 6 – Produzir formulários e outros materiais que se façam necessários. 7 – Treinar os profissionais envolvidos no processo administrativo e na prevenção das DST/AIDS. 8 – Implantar um Programa de Prevenção para as/os parceiras/os. 9 – Avaliar o processo periodicamente. 10 – Regulamentar a Visita Íntima através de Portaria. VI – FLUXO 1 – Adolescente solicita a concessão de Visita Íntima, através de formulário específico, à Direção; 2 – Equipe técnica responsável pelo Programa Visita Íntima: • abre o processo de Visita Íntima; • avalia a solicitação, verificando se o adolescente satisfaz os critérios estabelecidos em Portaria; • solicita à(o) companheira(o) a documentação exigida; • encaminha adolescente ao Serviço Médico para avaliação; • inscreve o adolescente e companheira/companheiro em programa de informação e orientação, parte integrante do projeto PRESERVIDA – Lutando pela sobrevivência, desenvolvido na Unidade, que aborda temas de importância como 185 Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Thales Tácito Cerqueira corpo, higiene, DSTs, Aids, planejamento familiar, métodos contraceptivos, gravidez na adolescência etc. Nesse encontro são emitidos certificado de participação, para cada um; • anexa certificados ao processo de Visita Íntima; • verifica o preenchimento de todas as exigências; • encaminha o processo à Direção, com o resultado liberado/não satisfaz ou exigência. 3 – Em caso de liberação, a Direção encaminha o processo ao Juiz Titular da Comarca de abrangência, para aprovação. 4 – Acompanhamento do interno pela equipe técnica. 5 – Avaliação periódica / Discussão de casos. 6 – Elaboração periódica de relatórios. 7 – Encaminhamento competentes. VII – IMPLANTAÇÃO dos relatórios às autoridades • Para melhor operacionalização, a implantação deste Projeto deverá ser gradual. • Deverá ser escolhida uma Unidade para o trabalho piloto. • Após avaliação e correção de possíveis dificuldades, será dada continuidade com a implantação nas demais Unidades. VIII – RECURSOS HUMANOS • Os trabalhos deverão ser desenvolvidos pelos técnicos lotados nas Unidades. • Deve-se levar em consideração o término de contrato de funcionários e a entrada de concursados que desconhecem o trabalho das Unidades. IX – ORÇAMENTO O presente trabalho não foi orçado uma vez que, no momento, são desconhecidos valores, como: • as necessidades relativas ao desenvolvimento do projeto PRESERVIDA em cada unidade • custos relativos a obras e adaptações da planta física • custos relativos a aquisição de material permanente (camas, colchões...) • custos relativos a aquisição de material de consumo (roupas...) • produção de material • produção de formulários • verba disponível 186 • etc. Material Complementar da Obra TEXTO BASE PARA A ELABORAÇÃO DA PORTARIA DE VISITA ÍNTIMA CONSIDERAÇÕES: • Considerando que é dever das entidades que desenvolvem programas de internação, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 94, incisos IV e V), “preservar a identidade e oferecer ambiente de respeito e dignidade ao adolescente”, bem como “diligenciar no sentido do estabelecimento e da preservação dos vínculos familiares”; • Considerando que a Visita Íntima, como um instrumento de preservação e estreitamento dos laços afetivos e sociais, é extremamente importante no processo socioeducativo do adolescente infrator em cumprimento de medida de internação; • Considerando a realidade social atual no que tange à vida sexual e às questões relativas às doenças sexualmente transmissíveis e à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV/AIDS), bem como a condição de pessoa em desenvolvimento do adolescente em cumprimento de medida de internação; • Considerando que a Visita Íntima deve ser uma conquista adquirida pelos adolescentes em conflito com a lei em cumprimento de medida de internação, desde que avaliada como necessária para a condução dos objetivos da medida socioeducativa e preenchidos os requisitos necessários; • Considerando a conveniência de uniformizar as regras referentes à concessão da Visita Íntima, conferindo o necessário rigor à homologação, manutenção e suspensão da Visita Íntima; Resolve instituir a concessão da Visita Íntima para os adolescentes em conflito com a lei, nas Unidades de internação do DEGASE. TÍTULO I DA CONCESSÃO Art. 1o A Visita Íntima é uma concessão que será permitida ao (a) adolescente em conflito com a lei, com seu cônjuge ou companheira(o); Art. 2o Esta concessão será deferida pelo Juiz Titular da respectiva Comarca, mediante os critérios estabelecidos por esta Portaria e verificados pela equipe técnica de cada Unidade 187 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 3o Para a concessão da Visita Íntima, o adolescente deverá requerer o benefício, atendendo aos seguintes requisitos: I – idade igual ou superior a 16 anos completos e comprovar a existência de convivência com o cônjuge ou companheira(o); II – estar há pelo menos 6 (seis) meses na Unidade; III – participação nas atividades socioeducativas, revelando bom comportamento; IV – autorização escrita dos pais ou responsáveis, se menor de 18 anos; V – atestado de sanidade física e mental; VI – participação em programa de informação e orientação quanto à sexualidade, família, métodos contraceptivos, gravidez da adolescência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis e HIV/AIDS. Art 4o Para a concessão da Visita Íntima, a(o) visitante cônjuge ou companheira(o) deverá atender os seguintes requisitos: I – autorização escrita dos pais ou responsáveis, se menor de 18 anos; II – atestado de sanidade física e mental; III – participação em programa de informação e orientação quanto à sexualidade, família, métodos contraceptivos, gravidez da adolescência e prevenção às doenças sexualmente transmissíveis e HIV/AIDS; IV – a(o) companheira(o) deverá, obrigatoriamente, credenciar-se para a concessão de Visita Íntima, através de requerimento ao Diretor da Unidade onde se encontra o adolescente, instruído com: a) cópia da carteira de identidade ou da carteira profissional b) duas (2) fotos 3 X 4 c) cópia da certidão de casamento ou declaração de que a requerente mantinha união estável com o adolescente, antes de sua internação no DEGASE, assinado por três (3) testemunhas, através de solicitação do reconhecimento encaminhado ao Juiz, através da Defensoria Pública; d) certidão de nascimento de filho(s) havido(s) da vida em comum. Art. 5o A Visita Íntima poderá ser cancelada ou suspensa pelo Juiz Titular quando houver transgressões disciplinares 188 Material Complementar da Obra causadas tanto pelo(a) próprio(a) adolescente quanto por sua(seu) companheira(o). I – o descredenciamento da Visita Íntima também poderá ser feito a partir de solicitação de um dos internos envolvidos II – nova solicitação ou reconsideração da Visita Íntima só poderá ocorrer após quatro (4) meses do descredenciamento. TÍTULO II DA VISITA ÍNTIMA ENTRE ADOLESCENTES CUMPRIMENTO DE MEDIDA DE INTERNAÇÃO EM Art. 6o A Visita Íntima deverá obedecer os critérios estabelecidos no Título I. Art. 7o O deferimento da solicitação deverá ser dado pelos diretores dos diferentes estabelecimentos de internação, ouvidas as respectivas equipes técnicas e posterior envio ao Juiz Titular da Comarca. Art. 8o Nestes casos, os diretores dos estabelecimentos envolvidos decidirão o local onde se dará a Visita. A Visita Íntima deverá obedecer os critérios estabelecidos no Título I. TÍTULO III DAS DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 9o Os casos omissos serão resolvidos pelo Juiz Titular competente. Art. 10. Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação. 189 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis 4. QUESTÕES POLÊMICAS É possível a prescrição no ECA, ou seja, sobre medidas socioeducativas? Para a primeira corrente o entendimento é de que não, pois no ECA não existe pena, e sim MSE, leia-se, não existe direito punitivo. Já para a outra corrente, com a qual concordo: sim, em face do princípio constitucional da estabilidade jurídica. Até a internação, como medida mais grave, tem um limite máximo, qual seja, 21 anos de idade ou 3 anos, o que chegar primeiro, o que reforça a necessidade de haver prescrição de atos infracionais. É o que decidiu o STJ: As medidas socioeducativas perdem a razão de ser com o decurso de tempo. Consequentemente, a fortiori, tratando-se de menor (à época do ato infracional), é de ser aplicado o instituto da prescrição (STJ, REsp 263.924, 5a T., rel. Ministro Felix Fischer, j. em 13/03/02, DJ de 08/04/02). Trazemos, aqui, outras decisões no mesmo sentido do reconhecimento da prescrição dos atos infracionais: As medidas socioeducativas perdem a razão de ser com o decurso de tempo. Consequentemente, a fortiori, tratando-se de menor (à época do ato infracional), é de ser aplicado o instituto da prescrição (STJ, REsp. 263.924, 5a T., rel. Ministro Felix Fischer, j. em 13/03/02, DJ de 08/04/02). As medidas socioeducativas, induvidosamente protetivas, são também de natureza retributivo-repressiva, como na boa doutrina, não havendo razão para excluí-las do campo da prescrição, até porque, em sede de reeducação, a imersão do fato infracional no tempo reduz a um nada a tardia resposta estatal. O instituto da prescrição responde aos anseios da segurança, sendo induvidosamente cabível relativamente a medidas impostas coercitivamente pelo Estado, enquanto importam em restrições à liberdade. Tendo caráter também protetivoeducativo, não há por que aviventar resposta do Estado que ficou defasada no tempo. Tem-se, pois, que o instituto da prescrição penal é perfeitamente aplicável aos atos infracionais praticados por menores (STJ, REsp. 226.370, 6a T., rel. Ministro Fernando Gonçalves, j. em 27/04/00, DJ de 08/04/02). 190 Material Complementar da Obra Menor. Ato infracional. Medida socioeducativa. Prescrição. Extinção da punibilidade de ofício. Possibilidade. A Lei no 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente, protege os menores em qualquer situação. O ECA abrange os mesmos princípios presentes no Código Penal. Nesta ementa selecionada, ressaltamos a aplicação do instituto da prescrição para afastar a aplicação da medida socioeducativa ao menor infrator. Estatuto da Criança e do Adolescente – Direito penal juvenil – Extinção da punibilidade pela prescrição – Reconhecimento de ofício – Recurso prejudicado. Adolescentes acusados de atos infracionais (crimes ou contravenções, art. 103 do ECA) não podem ser submetidos a sistema judicial mais rigoroso do que o dos adultos, com respostas mais repressivas do que aquelas impostas aos maiores de idade. Se os crimes ou contravenções estariam prescritos para os adultos, com mais razão estarão para os adolescentes os correspondentes atos infracionais. Necessitando os adolescentes de educação, para tanto existem as medidas de proteção, art. 101 do ECA. As medidas socioeducativas são reservadas para os infratores. O inescondível caráter retributivo das medidas socioeducativas, a maioria claramente repressiva, obriga o intérprete a se socorrer do Direito Penal no que ele tem de garantias. Dentro desses pressupostos, ao invocar-se a parte especial (repressiva) da Lei Penal Comum para punir o autor do ato infracional, há que se ter em conta, também, a parte geral, principalmente os seus benefícios, dentre eles a prescrição. Justiça, equidade, antíteses da iniquidade, da negação do Direito (princípios e diretrizes da correta interpretação) têm de ser levados em conta, principalmente a analogia, aplicável no Direito Penal, sempre que para beneficiar ou excluir a sanção. Decorrendo lapso superior ao prazo prescricional in abstrato, calculado pela pena máxima cominada ao ato infracional, entre o fato e o presente recurso, não havendo causa interruptiva, decorre a prescrição que, sendo de ordem pública, deve ser declarada de ofício (Ac. un. da 1a C. Cr. do TJ-SC – ACr 2004.024396-0 – Rel. Des. Amaral e Silva, j. 21/09/04, DJ 26/10/04, p. 15 – ementa oficial). O STJ ainda lançou novo julgado: Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Ato infracional. Extinção da punibilidade. Prescrição. 191 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Possibilidade. Medida socioeducativa. Restrição da liberdade. O instituto da prescrição penal é perfeitamente aplicável aos atos infracionais, dado o caráter retributivo e repressivo da medida socioeducativa, sendo ineficaz a sua função reeducativa, quando já expirado o prazo para a sua imposição. Reconhecimento da prescrição da pretensão executória, declaração, de ofício, da extinção da punibilidade do ato infracional imputado ao Paciente. Ordem concedida para declarar a prescrição da pretensão executória e, de ofício, a extinção da punibilidade da Paciente com consequente revogação da internação. Decisão Trata-se de Habeas Corpus substitutivo de Recurso Ordinário, com pedido liminar, impetrado por Isabelle Maria Verza, Procuradora do Estado de São Paulo, em favor do adolescente T. J. D. A. S, contra decisão da Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, prolatada nos autos do HC no 122.132-0/2-00, Processo de origem no 45.453/01 que, à unanimidade, denegou a ordem lá impetrada, em decisão assim ementada (fl. 41): HABEAS CORPUS de caráter preventivo. Adolescente em descumprimento de medida socioeducativa. Alegação de inexequibilidade da medida por força da prescrição. A medida socioeducativa reveste-se de caráter educativo e ressocializador, não tem natureza de pena. Não se pode, assim, invocar a prescrição da pretensão punitiva. Inexistência de ilegalidade. Ordem denegada. Narra a impetração que o juízo da 1a Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital/São Paulo, aplicou medida socioeducativa ao paciente – prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 06 meses – cumprida em parte. Em razão do descumprimento, foi decretada sua internaçãosanção, em setembro de 2003, encontrando-se, desde então, em lugar desconhecido. A defesa impetrou ordem de habeas corpus face a última medida socioeducativa imposta pelo juízo primevo, não logrando sucesso, visto a ordem ter sido denegada à unanimidade. 192 Material Complementar da Obra Inconformado, impetrou o habeas corpus a esta Corte Superior de Justiça em que se pede salvo-conduto, haja vista a possibilidade de custódia do paciente caso seja cumprida a ordem judicial do juízo monocrático. Sustenta prescrição da medida socioeducativa sob os seguintes argumentos: - a extinção da punibilidade é passível de ser estendida às medidas socioeducativas aplicadas com base na prática de atos infracionais; - as normas que regem a prescrição da pretensão punitiva, aplicáveis a maiores puníveis, não podem tratar de forma desigual, mais severa, atos infracionais praticados por menores infratores; - o art. 5o, incisos XLII e XLIV, da Constituição da República não discriminam o ato infracional como imprescritível, razão pela qual o aplicador do direito não pode assim proceder; - o argumento de que a medida socioeducativa tem caráter pedagógico, se comparada ao trato processual dispensado a maiores imputáveis, não pode prevalecer sob a ótica do princípio da igualdade; - o princípio da proteção integral adotado pela Constituição Federal como norteador da infância e juventude, determina que jamais seja aplicada a adolescente medida mais gravosa do que a adotada a adulto (fl. 13); - para aferir a prescrição penal relativa a ato infracional, mister a aplicação do art. 115 do Código Penal, contando-se, assim, o prazo pela metade. Alega a impetrante que a medida socioeducativa de Prestações de Serviços à Comunidade foi decretada no dia 13 de setembro de 2002, pelo prazo de 06 (seis) meses (fl. 25/ STJ). O dia do início do prazo prescricional deve ser a data em que se interrompeu o cumprimento da medida – 25 de outubro de 2003 –, último dia de cumprimento da medida socioeducativa imposta. Aplica-se, assim, por analogia, o art. 112, inciso II, do Código Penal. Aduz primariedade do paciente, razão pela qual não incidiria o acréscimo previsto no caput do art. 110 do Código Penal (fl. 24/STJ). 193 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Assevera que a medida corresponde a uma sanção restritiva de direitos, sendo inferior a 01 (um) ano, deve, portanto, prescrever em 02 (dois) anos. Conclui por dizer que aplicando-se ainda o art. 115 do CP, o prazo prescricional cairá para 01 (um) ano. Com isso, a medida socioeducativa teria prescrito em 25 de outubro de 2004. Traz à colação doutrina e jurisprudência a embasar a impetração. Requer, por fim, a concessão de medida liminar para que seja reconhecida a prescrição da medida de Prestação de Serviços à comunidade, expedindo-se salvo-conduto contra a efetivação da internação-sanção. Indeferi a liminar (fls. 75/77). O Ministério Público Federal opina pela concessão da ordem, em parecer assim fundamentado (fl. 127): “Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente. Prescrição. Extinção da punibilidade do ato infracional. Possibilidade. Parecer pela concessão da ordem.” É o relatório. Decido. Aplica-se inteiramente ao caso o entendimento que já manifestei por ocasião do julgamento do Recurso Especial no 503.869/MG, no sentido de a figura da prescrição ter inteira aplicação no âmbito do ato infracional. Não é outro o entendimento desta Corte. As medidas socioeducativas têm natureza retributiva e repressiva e, assim sendo, o instituto da prescrição é perfeitamente cabível frente às medidas impostas coercitivamente pelo Estado, pois importam em restrição à liberdade. Também sobre a natureza jurídica das medidas socioeducativas escreveu Marina e Aguiar Michelman (in Revista Brasileira de Ciências Criminais, no 27, de julhosetembro de 1999, p. 212-213): “Segunda razão avalizadora da adoção do instituto da prescrição no ECA condiz com a própria natureza da medida socioeducativa. 194 Já se demonstrou ao longo deste artigo ser errônea a concepção de medida socioeducativa como resposta estatal pedagógica e não punitiva. De acordo com a mais moderna Material Complementar da Obra doutrina, as medidas socioeducativas são, tanto quanto as sanções penais, mecanismos de defesa social. Embora distingam-se das penas pela preponderância do caráter pedagógico sobre o punitivo, não deixam de lado o propósito intimidativo e expiatório próprio da pena, eis que autorizam a ingerência do Estado na liberdade individual do adolescente para lhe impor, coercitivamente, em programa pedagógico, seja mediante privação de liberdade, seja pela iminência de reversão da medida em meio plena ou parcialmente aberto para internação-sanção, na forma do art. 122, inciso III, do ECA. Desta forma, pela restrição total, parcial ou potencial ao direito fundamental de ir e vir do adolescente, torna-se inconveniente franquear ao exclusivo arbítrio do juiz o poder de aplicar ou executar tais medidas independentemente do lapso temporal já transcorrido”. Tem sido esse o entendimento desta Corte. A propósito, os seguintes precedentes: “Estatuto da Criança e do Adolescente. Recurso especial. Prescrição. Medida socioeducativa. As medidas socioeducativas perdem a razão de ser com o decurso de tempo. Consequentemente, a fortiori, tratando-se de menores, é de ser aplicado o instituto da prescrição. Recurso provido“ (REsp 535.037/RS, Relator Ministro Felix Fischer, DJ 16/08/2004). “Criminal. Recurso especial. Estatuto da Criança e do Adolescente. Prestação de serviços à comunidade. Prazo. Extinção da punibilidade pelo instituto da prescrição regulado no Código Penal. Possibilidade. Precedentes. Recurso desprovido. I – Em virtude da inegável característica punitiva, e considerando-se a ineficácia da manutenção da medida socioeducativa, nos casos em que já se ultrapassou a barreira da menoridade e naqueles em que o decurso de tempo foi tamanho, que retirou, da medida, sua função reeducativa, admite-se a prescrição desta, da forma como prevista no Código Penal. Precedentes. II – Recurso conhecido e desprovido, nos termos do voto do relator” (REsp 489.188/SC, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ 29/09/2003). 195 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente “Agravo regimental no agravo de instrumento. Penal. Estatuto da Criança e do Adolescente. Prescrição. Provimento. 1. As medidas socioeducativas, induvidosamente protetivas, são também de natureza retributiva e repressiva, como na boa doutrina, não havendo razão para excluí-las do campo da prescrição, até porque, em sede de reeducação, a imersão do fato infracional no tempo reduz a um nada a tardia resposta estatal. 2. O instituto da prescrição responde aos anseios de segurança, sendo induvidosamente cabível relativamente a medidas impostas coercitivamente pelo Estado, enquanto importam em restrições à liberdade. 3. Tendo caráter também retributivo e repressivo, não há por que aviventar a resposta do Estado que ficou defasada no tempo. Tem-se, pois, que o instituto da prescrição penal é perfeitamente aplicável aos atos infracionais praticados por menores” (REsp 171.080/MS, da minha Relatoria, DJ 15/04/2002). Agravo regimental provido (AgRgAg 469.617/ RS, da minha Relatoria, DJ 2/08/2004). Recurso especial. Estatuto da criança e do adolescente. Aplicação de medida socioeducativa. Competência exclusiva do juiz. Extinção da punibilidade do ato infracional. Prescrição. 1. A competência para aplicação da medida socioeducativa, por expressa determinação legal – art. 112 c./c. o art. 146 da Lei no 8.069/90 – é da competência exclusiva do Juiz. Precedentes. 2. Aplica-se o instituto da prescrição aos atos infracionais praticados por menores, uma vez que as medidas socioeducativas, a par de sua natureza preventiva e reeducativa, possuem também caráter retributivo e repressivo. 3. Declaração, de ofício, da extinção da punibilidade do ato infracional imputado ao Recorrente, julgando prejudicado o recurso especial (REsp 598.476/RS, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 07/06/2004). 196 Tendo-se em vista que a medida de prestação de serviços à comunidade foi fixada por 6 meses e 8 horas semanais, prazo, portanto, inferior a um ano (art. 109, inciso VI, do CP), sendo o paciente primário (art. 110 do CP) e reduzindo-se pela metade o prazo prescricional constante do art. 115 do Código Material Complementar da Obra Penal, dessume-se que a prescrição operou-se da data de 25 de outubro de 2004. Posto isso, e reconhecendo a ocorrência da prescrição da pretensão executória, declaro, de ofício, a extinção da punibilidade da Paciente e concedo a ordem, para revogação do ato decisório de internação. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 27 de março de 2006. Ministro Paulo Medina Relator (Habeas Corpus no 49.588-SP (2005/0184857-9). Relator Ministro Paulo Medina. Impetrante: Isabelle Maria Verza – Procuradoria da Assistência Judiciária Impetrado: Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Paciente: TJDAS – Menor, DJ 04/05/2006). 197 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis 6. MSE e execução. Agravo como RSE. Cartas precatórias. A partir dos recursos, cartas precatórias e execução de MSE, existem situações variadas em tribunais, conforme escólio do professor Geraldo Claret de Arantes (ARANTES, Geraldo Claret de. Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do Operador Jurídico, Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008). Os Recursos Os recursos regem-se pelo Código de Processo Civil, mesmo quanto aos Atos Infracionais, e não pelo Código de Processo Penal (arts.198 e seguintes) e prevê o Juízo de Retratação pelo Juiz, antes da eventual subida dos Recursos. Em Minas Gerais, a Súmula 01 das Câmaras Criminais do TJMG determina o processamento do agravo como recurso em sentido estrito, também nas ações afetas à Lei no 8.069/90, devendo ser portanto, instruído no primeiro grau nesta modalidade, com contrarrazões e juízo de retratação, mantendo ou reformando a decisão, com a subida ao Tribunal de Justiça após tal processamento. Cartas Precatórias Quando o adolescente a quem se atribui a autoria de ato infracional residir em outra comarca, deve-se deprecar a Audiência de Apresentação no juízo deprecado, e sempre que o ato infracional não envolva ameaça a pessoa ou violência, deprecar também a aplicação da Remissão Judicial a execução da medida socioeducativa imposta pelo deprecado e a resolução dos incidentes processuais, como medida de economia processual e em Minas Gerais na forma normatizada pela Corregedoria de Justiça. A Execução das Decisões Judiciais Via de regra, a execução das decisões judiciais deve dar-se nos próprios autos de conhecimento, devidamente apartados e apensados, em relação a cada adolescente, para que o magistrado tenha um conhecimento mais amplo de seu histórico pessoal perante a justiça especializada. 198 Em comarcas onde haja volume que o justifique, deverão ser formados autos de execução, extraindo-se de cada processo de conhecimento os informes substanciais, como a representação, estudos psicossociais, comprovantes de idade, Material Complementar da Obra endereço e escolaridade, registro de passagens anteriores pela Justiça, além das decisões judiciais. Os autos deverão ser iniciados com Termo de Abertura, às fls. 02, onde constará o nome do adolescente, endereço sempre atualizado, filiação, data de nascimento, processos e andamento, medidas protetivas e socioeducativas aplicadas e estágio de execução, além do registro de incidentes processuais. As medidas protetivas e as socioeducativas deverão ser acompanhadas por Assistentes Sociais, Psicólogos, Pedagogos e outros, efetivos dos quadros de servidores da Comarca ou por profissionais da comunidade conveniados para este fim. Os relatórios, tão frequentes quanto necessário, serão juntados periodicamente, e vistos pelo Ministério Público, pela Defesa e pelo Juiz, que deliberará quanto à manutenção, substituição ou encerramento da medida, neste caso julgando extinto o feito. Caso haja descumprimento injustificável – e não injustificado – da medida socioeducativa, a autoridade judiciária de ofício ou mediante provocação, deverá instaurar o Incidente de Execução, com a respectiva Intimação do adolescente e de seu defensor, notificando-se os pais. Designará Audiência de Justificação, quando o adolescente será ouvido, com a presença indispensável do Ministério Público e do Defensor, quando o Juiz, ouvidas as partes, deverá considerar justificado o descumprimento da medida socioeducativa imposta ou aplicará o disposto no art. 122, inciso III, da Lei no 8.069/90, impondo internação temporária pelo prazo máximo de três meses. As medidas protetivas, por não serem compulsórias, não comportam o incidente de execução, dado que o seu não cumprimento importará em justificação apenas do servidor ou órgão público incumbido de executá-la, em ação própria, na forma dos arts. 236 e 249. Na execução de medidas protetivas, deverá haver especial dedicação e empenho para seu fiel cumprimento, não bastando apenas a emissão de correspondências aos beneficiados. Há que dispensar-se intervenção eficiente dos profissionais incumbidos da tarefa, com abordagem multidisciplinar, local e pessoal, dado que os que recebem medida não têm discernimento suficiente para entender e submeter-se, sem orientação eficaz, às medidas protetivas, cabendo o auxílio do Estado, de forma personalizada, persistente, até a execução do determinado pela decisão judicial. 199 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis 6. MSE e execução. Projeto em andamento. PROJETO DE LEI No 1.627, DE 2007 Dispõe sobre os sistemas de atendimento socioeducativo, regulamenta a execução das medidas destinadas ao adolescente, em razão de ato infracional, altera dispositivos da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. AUTOR: Poder Executivo RELATORA: Deputada Rita Camata I – RELATÓRIO O Projeto de Lei no 1.627, de 2007, de autoria do Poder Executivo, que dispõe sobre os Sistemas de Atendimento Socioeducativo e regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescentes autores de ato infracional tramita em regime de prioridade. Sujeita à apreciação do Plenário, a proposição recebeu primeiro despacho da presidência para análise pelas Comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado; Seguridade Social e Família; Finanças e Tributação – nos termos do art. 54 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados – RICD, e Constituição e Justiça e de Cidadania, essa para avaliação de Mérito e art. 54 do RICD. Indeferidos pelo presidente da Casa os dois Requerimentos de solicitação para trâmite, respectivamente, pela Comissão de Educação e Cultura e pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias, novo Requerimento foi apresentado solicitando reconsideração de Despacho para a inclusão da CDHM, o qual foi deferido pela presidência da Câmara dos Deputados, impondo-se então a criação desta Comissão Especial, conforme determina o art. 34, inciso II, do RICD. 200 Instalada a Comissão Especial em julho de 2008, foram realizadas 12 (doze) reuniões, sendo 8 (oito) audiências públicas, nas quais foram ouvidas as contribuições de representantes dos mais diversos setores governamentais e não governamentais, gestores, operadores, e sociedade civil organizada que atuam no âmbito dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo Federal, Distrital, Estaduais Material Complementar da Obra e Municipais, além de organismos internacionais de ação reconhecida na área da infância e adolescência. Os membros da Comissão também contribuíram com encaminhamento de sugestões ao texto original do Executivo. Não foram apresentadas emendas ao Projeto nesta Comissão por impedimento regimental, qual seja tratar-se de matéria que não é objeto de delegação – conclusiva nas Comissões, art. 24, alínea e, do RICD, conforme dispõe o § 1o, inciso II, do art. 68 da Constituição Federal. No entanto, podem ser apresentadas emendas quando da discussão e votação em Plenário. À proposição foi anexado o Projeto de Lei no 4.450, de 2008, de autoria do deputado Dr. Talmir, que altera os arts. 88, 90, 91, 112, 118 e 121 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, para dispor sobre regimes de atendimento. Compete a esta Comissão apreciar a matéria no seu mérito, bem como quanto à constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa e quanto aos aspectos financeiros e orçamentários, em substituição às Comissões de Constituição, Justiça e de Cidadania – CCJC e de Finanças e Tributação – CFT. É o relatório. II – VOTO DA RELATORA A discussão sobre a necessidade, ou não, de se normatizar em legislação própria a execução das medidas socioeducativas, principalmente em termos que não implicassem retrocesso aos avanços introduzidos pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, vem, na verdade, desde 1999, mas um ano após a vigência do ECA, e até 1993, o Fórum Nacional Permanente de Organizações Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Fórum DCA, já discutia a implementação das medidas socioeducativas. Portanto, o debate nunca saiu inteiramente da pauta dos principais fóruns de discussão, e deliberativos, referentes à área da infância e adolescência. Uma das primeiras considerações a respeito deste tema é o momento histórico em que se trava o debate. A sociedade brasileira vem passando por momentos que levam ao sentimento de insegurança e, não raras vezes, aponta-se a denominada “delinquência juvenil” como responsável pela violência e os elevados índices de criminalidade, tornando- 201 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente se verdadeiro “bode expiatório” da situação, mas para a qual colabora efetiva e estatisticamente com muito pouco, menos de 8% do total de ilícitos penais praticados no país. Reclama-se rigor contra crianças e adolescentes autores de ato infracional, com a suposta necessidade, inclusive, da diminuição da idade de inimputabilidade penal de 18 para 16 (ou 14 anos). Insiste-se na tese equivocada de que o direito penal resolveria questões que sabemos advindas da absurda injustiça social existente no Brasil e, quando se trata da população infanto-juvenil, oriundas também do fato de sua especial situação de pessoa em desenvolvimento. O sistema socioeducativo estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que ora se pretende regulamentar, apresenta-se como avanço a ser considerado pelo legislador para aprimoramento da lei penal e não viceversa. Ao incluir, por exemplo, em seu arcabouço, institutos como o da remissão; a possibilidade de substituição a qualquer tempo de medida socioeducativa por outra que se configure mais necessária à ressocialização do socioeducando, entre outras, corrige equívocos e injustiças do direito penal. As medidas socioeducativas – em sua essência – embora tenham o propósito de responder à prática de atos previstos como ilícitos penais, não podem se configurar como pena. A finalidade da pena é tão somente de retribuição à prática do delito, não contemplando efetivamente o propósito de ressocialização do condenado, enquanto a medida socioeducativa apresenta um caráter eminentemente pedagógico, com vistas a interferir no processo de desenvolvimento do adolescente autor do ato infracional, objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social. Se no direito penal cabe ao Estado apenas a tarefa de tornar obrigatório o cumprimento da sanção imposta, e de sua execução, na justiça especializada da infância e da juventude instituída pelo ECA as obrigações são maiores, pois quando se trata de adolescente em conflito com a lei, o Estado é demandado, obrigatoriamente, a interferir de forma positiva no processo de desenvolvimento do adolescente, educando-o para a vida, na reafirmação de valores éticos e sociais e, tratando-o como cidadão que pode se transformar, é capaz de aprender e de modificar seu comportamento. 202 Material Complementar da Obra Nessa conjuntura chegou ao Congresso o Projeto de Lei no 1.627, de 2007, de autoria do Poder Executivo, com o objetivo de suprir a lacuna normativa e, por intermédio da instituição do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, coordenado pela União, com a participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios, de forma a favorecer o efetivo cumprimento dos procedimentos, regras e critérios a serem observados quando da aplicação e execução das medidas socioeducativas. É inquestionável o avanço que o projeto apresenta em comparação com outras propostas com finalidade semelhante discutidas nos últimos 10 (dez) anos. No entanto, consideramos de extrema importância ouvir e receber dos atores integrantes do sistema de atendimento socioeducativo suas contribuições, bem como dos membros desta Comissão Especial. Neste sentido realizamos oito audiências públicas, que contaram com a presença de mais de 20 (vinte) representantes das mais diversas entidades governamentais e não governamentais, gestores e operadores do sistema, e a partir das contribuições trazidas optamos por alterar o texto original do projeto de lei, apresentando modificações que entendemos pertinentes para garantir a efetiva implantação do SINASE, bem como sua perenidade. Além de adaptações na redação e técnica legislativa, de sanar vícios de inconstitucionalidade, e remeter dispositivos da nova lei ao ECA ou a outras normas pertinentes para evitar redundâncias desnecessárias e contradições legais, promovemos algumas alterações, apresentadas no parecer preliminar divulgado em 18 de fevereiro último, e ao qual aliás foram apresentadas mais de 30 (trinta) contribuições dos mais diversos atores, entre órgãos e entidades governamentais e não governamentais. As contribuições enriqueceram e modificaram, decisivamente, o texto que ora apreciamos. A quase totalidade dessas propostas teve a sua origem em coletivos de estudiosos, fóruns, conselhos, operadores e gestores do atendimento socioeducativo, além de outras apresentadas pelos membros desta Comissão Especial, como o próprio presidente, reconhecido militante pela infância e adolescência, e o deputado Eduardo Barbosa, que trouxe sugestões à atenção para com o adolescente infrator com deficiência mental ou 203 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente associadas e sua família. Somaram-se a essas as sugestões que acolhemos por meio da interlocução realizada em uma série de reuniões de trabalho com inúmeros atores e entidades que também colaboraram para o enriquecimento da proposta. Tal foi a intensidade da participação e do processo de interação, que o conteúdo ora apresentado se constitui, sem dúvida, num grande avanço na consolidação de um sistema socioeducativo mais humano, integrado, articulado multissetorialmente e capaz de responder aos anseios da sociedade brasileira sem aviltar ou desrespeitar o que construímos com base nos princípios dos direitos humanos. Devido à grande complexidade do tema e à necessidade de articular a diversidade de propostas recebidas, alteramos a redação do projeto original e do substitutivo preliminar, a fim de adequar o texto ao que foi discutido e aos requisitos de constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa. Nesse sentido, o novo substitutivo atende aos pressupostos constitucionais formais relativos à competência legislativa da União, às atribuições do Congresso Nacional e à legitimação da iniciativa parlamentar, nos termos do art. 24, inciso XV, e arts. 48 e 61, todos da Constituição Federal. Cremos também que a técnica legislativa não merecerá reparos, pois encontra-se de acordo com a Lei Complementar no 95/98, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. No que concerne à juridicidade, o texto também se afigura adequado, pois: i) o meio eleito para o alcance dos objetivos pretendidos (normatização via edição de lei) é o conveniente; ii) a matéria nele contida inova no ordenamento jurídico; iii) possui o atributo da generalidade; iv) é apropriado aos princípios gerais do Direito; e v) se afigura dotado de potencial força do Estado, capaz de impor o respeito à norma legal. Com relação à adequação financeira e orçamentária da proposição, as alterações propostas sobre o financiamento e as prioridades do SINASE não contrariam os dispositivos constitucionais e legais que regem a matéria. Isso porque ao ampliar as possibilidades de financiamento do SINASE, as modificações foram incluídas de forma autorizativa, não gerando despesas obrigatórias de caráter continuado. 204 Material Complementar da Obra Quanto ao mérito, existem diversas observações que necessitam ser explicitadas. A lógica de elaboração do texto partiu da premissa de que tratamos de dois assuntos conexos, mas diferentes entre si: a instituição do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, e o estabelecimento de padrão para a execução das medidas socioeducativas. Nossa opção foi dividir a Lei em três títulos. Os dois primeiros, cada um tratando, separadamente de cada tema, e o terceiro prevendo disposições finais e transitórias para a efetivação da lei. Esta organização dará maior clareza ao que se pretende regular. No que diz respeito ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, destacamos que desde o primeiro artigo assumimos que seu propósito é a integração social do adolescente e a garantia dos seus direitos no contexto de sua comunidade e família. Além disso, também explicitado, assumimos que a medida socioeducativa tem, primordialmente, caráter pedagógico, por meio de um dos valores sociais mais importantes qual seja, a responsabilidade. Não acreditamos que possa haver desenvolvimento humano, em uma sociedade democrática, sem a promoção de valores que consideramos de supremo compromisso com nossos semelhantes e o profundo respeito à dignidade da pessoa humana, além dos princípios da igualdade e fraternidade. Devemos assumir que, ao lado da proteção, também é necessário estabelecer limites para nossos adolescentes por meio de uma responsabilização adequada à sua especial condição de pessoa em desenvolvimento, sem desconhecer que os atos infracionais causam danos, por vezes irreparáveis, a outros seres humanos. A responsabilização do adolescente contribui para o seu desenvolvimento, pois aquele que pode, em alguma medida, ser responsável e ser responsabilizado por seus atos, não é um ser humano passivo, é alguém com capacidade para agir, ser protagonista de sua própria vida e potencializar os benefícios da proteção que o Estado, a sociedade e a família têm por dever oferecer. Mesmo que isso signifique protegê-lo dele próprio. Esses princípios orientaram nosso trabalho de interlocução com a sociedade e os órgãos governamentais, a discussão de ideias, e a sistematização dos dispositivos ora apreciados. 205 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A partir do art. 3o, até o art. 6o, as competências de cada ente federado são judiciosamente estabelecidas, não esquecendo a necessária corresponsabilidade pela assistência técnica e financeira. Além disso, as atribuições estão articuladas para que os esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios convirjam para o fiel cumprimento dos princípios estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, como a descentralização do cumprimento da medida socioeducativa, o fortalecimento do controle social e a articulação entre as políticas públicas, por exemplo. O art. 7o do substitutivo detalha a elaboração dos Planos de Atendimento Socioeducativo, os quais deverão ser utilizados para o planejamento e gestão, articulação de políticas e estabelecimento de metas que, longe de serem documentos meramente burocráticos, devem trazer à realidade o ponto de onde partimos e a qual destino queremos chegar em matéria de socioeducação. Nesses planos devem estar contidos os parâmetros para que os gestores, em todos os níveis, tenham clareza sobre seu papel, o contexto em que estão inseridos, suas metas, e os meios que disporão para trilhar o caminho em direção a elas. Tais documentos serão extremamente importantes para que consigamos organização de forma a resolver uma das questões mais levantadas em nossas audiências: a necessária articulação de políticas públicas para o êxito da socioeducação. Em um país cuja história inclui inúmeros planos que “não saem do papel”, a proposta estaria incompleta se não propuséssemos a realização de avaliações periódicas, não apenas quanto ao previsto nos planos de atendimento socioeducativo, mas também na implementação do próprio sistema, sua materialidade física em instalações, programas, pessoas e também o seu financiamento, por exemplo. Para tanto, o substitutivo inclui a obrigatoriedade da avaliação de, pelo menos, quatro dimensões: a gestão do sistema, as entidades, os programas de atendimento e os resultados das medidas. 206 No que diz respeito à gestão, o principal foco da avaliação é na eficiência e eficácia da aplicação dos recursos públicos, bem como na análise do seu fluxo e na implementação de compromissos firmados nos diversos instrumentos de cooperação comumente celebrados, e sobre os quais existam dúvidas quanto à efetividade. A intenção é dispor de uma metodologia que avalie esta dimensão, deixando Material Complementar da Obra de ser assunto apenas do senso comum para se tornar um instrumento de gestão e redirecionamento de metas. Quando propomos avaliar as entidades e programas de atendimento socioeducativo, temos em mente a percepção de que o atendimento aos adolescentes deve ser prestado nos mais altos padrões de qualidade profissional. Não é aceitável que esse trabalho seja realizado de forma improvisada. Socioeducação é trabalho profissional. São tarefas muito complexas para abordagens amadoras. Assim, a avaliação das entidades e de seus programas vem ao encontro da necessária busca pela excelência no atendimento socioeducativo, aspecto do qual a sociedade e esta Casa não podem abrir mão. A última dimensão para a qual, explicitamente, propomos a avaliação é a dos resultados da aplicação da medida socioeducativa. Igualmente importante em relação às demais, a análise dos resultados atingidos podem, inequivocamente, indicar as alterações necessárias nos processos, no financiamento, na articulação de políticas e instituições, para que obtenhamos êxito na socioeducação. Afinal, um processo que não apresenta os resultados esperados merece ser revisto e analisado, para que possa ser reorientado de forma a atingir os seus objetivos. A responsabilização dos gestores é outro tema incluído na proposta do substitutivo, da qual não abrimos mão de manter, mesmo tendo suscitado pedidos de supressão quando da apresentação do parecer preliminar, os quais foram inadmitidos. Merece, no entanto, a necessária explicação. Uma das grandes demandas sociais é o fiel cumprimento do previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nossas leis estabelecem diversas obrigatoriedades, mas não definem a devida consequência caso a obrigação não seja cumprida. Esta forma perversa de elaborar deveres sem que haja consequências sobre o seu descumprimento dificulta o trabalho dos órgãos de ouvidoria e auditoria interna do Poder Executivo, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Não é por se tratar de tema relativo à adolescência que todos cumprirão seus deveres. Não é isso que o Brasil vem experimentando nos últimos dois séculos! É preciso deixar claro também que as sanções propostas possuem uma gradação adequada, iniciando-se em advertência, passando pela previsão de um afastamento temporário de algum agente e chegando, sim, até o encerramento do programa de 207 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente atendimento além de, se necessário, a suspensão do envio de recursos públicos. Remetemos ainda a responsabilização à Lei de Improbidade Administrativa, a qual pode determinar, inclusive, em casos extremos, entenda-se bem, a suspensão dos direitos políticos. Tais previsões estão dispostas nos arts. 28 e 29 do substitutivo e devem ser realizadas dentro da estrita legalidade, respeitando-se o devido processo legal, a mais ampla defesa e o contraditório. Um aspecto que consideramos fundamental no substitutivo é a ampliação das possibilidades de financiamento do SINASE. Foram incluídas novas fontes, mesmo que de forma autorizativa como, infelizmente, é o próprio orçamento geral da União, mas que ao menos abrem portas para mais investimento no atendimento socioeducativo. Para tanto estão propostas alterações nas leis de criação do Fundo Nacional Antidrogas – FUNAD; do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, esses, estão com redação final acordada depois de várias reuniões com os respectivos órgãos gestores, e acrescentamos ainda o financiamento por recursos do orçamento fiscal, além daqueles oriundos da seguridade social, que era a única fonte prevista no Projeto original do Executivo. Inovamos também quanto às normas para a execução das medidas socioeducativas, que integram o Título II do Substitutivo. O conteúdo das discussões mostrou ser positivo para a realização de mais algumas mudanças no texto. As alterações que promovemos revelam a essência democrática que permeou a condução dos trabalhos desta Comissão. De fato, a nova proposta representa a aglutinação das mais diversas contribuições, tanto da sociedade civil quanto dos órgãos governamentais dos três poderes da República. Refletindo sobre todo o conjunto de abordagens nessa temática – e sem deixar de lançar um olhar cúmplice sobre as experiências trazidas ao nosso conhecimento, optamos por enumerar, no Capítulo inicial do Título II, os pilares essenciais da execução das medidas socioeducativas, cujos atributos imprimem sentido à norma. 208 Os princípios contidos no art. 35 impõem ao Estado o dever de agir com profunda responsabilidade social ao lidar com o adolescente infrator. Buscamos, ao tratar do processo de execução das medidas, fazer com que a intervenção pública Material Complementar da Obra ocorra com a participação e interação dos diversos atores sociais afetados direta ou indiretamente pelo ato infracional. Isso implica no fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo. Em verdade, o sistema jurídico atual é deficiente quanto à aplicação de regras claras para a execução das medidas socioeducativas. Esta lacuna gera, por vezes, problemas como a violação aos princípios da igualdade, do devido processo legal e da ampla defesa. Hoje, a execução da medida socioeducativa está à mercê das ações e decisões discricionárias do Judiciário e do Executivo. Constata-se que os procedimentos adotados pelos diversos entes da federação variam bastante e não apresentam uma estrutura, mínima que seja, comum a todos. Assim, dentro das limitações do pacto federativo, do respeito constitucional à soberania dos entes federados, dos Poderes da República e suas respectivas atribuições constitucionais, enfrentamos o desafio de formular uma proposta que, pelo menos quanto aos procedimentos, fosse uniformizada. O texto do substitutivo apresenta um novo paradigma, instaurando um método padrão que norteará a conduta dos atores envolvidos no processo de socioeducação do adolescente em conflito com a lei. No Capítulo II do Título II, o substitutivo descreve detalhadamente o modo pelo qual os atos processuais serão realizados. Optamos pela determinação de uma série de ações que guardem, entre si, uma linha essencial de continuidade e coerência. Cabe salientar que a uniformização aqui proposta representa uma estrutura mínima comum a todos, que de maneira alguma é absoluta. As novas regras são rígidas o suficiente para assegurar os direitos individuais, mas também apresentam a flexibilidade necessária para se respeitar as peculiaridades de cada adolescente. Em suma, o modelo traçado encontra-se embasado nos preceitos da Constituição, da doutrina de proteção integral ratificada pelo Brasil por meio de acordos internacionais e de nossa legislação interna – o Estatuto da Criança e do Adolescente, e observa os princípios processuais do nosso ordenamento jurídico. Com relação à competência para executar as medidas socioeducativas, o projeto original apresentava impropriedades 209 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente jurídicas. O texto era inadequado ao usar a palavra jurisdição em lugar de competência, e cometia equívocos ao delegar e atribuir jurisdição. Juridicamente, os dois institutos têm conceitos diferentes. A jurisdição refere-se ao poder-dever do Estado de cumprir e fazer cumprir as normas jurídicas internas nos limites do seu território; é a manifestação da soberania de um Estado, na medida em que confere a esse, e somente a esse, o poder de julgar os conflitos de interesse ocorridos em seu território. Em virtude da extensão territorial brasileira e, ainda, da complexidade das causas que chegam até o Poder Judiciário, foi criado um sistema de distribuição de causas levando-se em consideração os critérios de sua natureza, dos interesses em jogo e ainda do território. Por isso, afirma-se que a competência é a medida da jurisdição, ou seja, a competência é a atribuição da jurisdição a determinado órgão judiciário para a prestação de uma tutela jurisdicional. A competência pode ser da Justiça Estadual ou da Justiça Federal e, ainda, das Justiças Especiais (Militar, Desportiva, da Infância etc.), e pode ser territorial (vinculada à comarca) ou funcional (vinculada à matéria julgada). Diante disso, apresentamos uma nova redação disciplinando a competência para jurisdicionar o processo de execução nos moldes estabelecidos pelo art. 146 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Quanto aos procedimentos para a execução das medidas socioeducativas, propriamente ditos, primamos pelos princípios da ampla defesa e do contraditório. Tais benefícios se efetivam por meio de dispositivos que asseguram tanto o conhecimento bilateral de todos os atos e termos processuais, quanto a possibilidade das partes efetuarem alegações e produzirem provas. Cabe salientar que embora a ampla defesa e o contraditório sejam princípios fundamentais, garantidos em cláusula pétrea, nos termos do inciso LV (55) do art. 5o da Constituição, verifica-se na Justiça da Infância e Juventude casos de flagrante desrespeito a esses mandamentos. O Poder Judiciário, por vezes, decreta medida socioeducativa de internação, com fundamento no art. 122, inc. III, do ECA, sem que o adolescente seja sequer ouvido. Não se vê este tipo de ação quando se trata de adultos, sujeitos ao Código Penal. 210 Material Complementar da Obra Ora, é sabido que não é plausível impor ao adolescente infrator medida socioeducativa de internação no curso de outra mais branda, sem a devida obediência aos mandamentos constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Por esse motivo, prevemos no substitutivo a intervenção do defensor e do Ministério Público, sob pena de nulidade no procedimento judicial de execução da medida socioeducativa, assegurando o direito de produção de provas e de petição. É para esse padrão que aponta o art. 43 da nossa proposta, ao determinar que a substituição de medida socioeducativa, ainda que realizada sob o fundamento do art. 122, inc. III. do Estatuto da Criança e do Adolescente, deverá obedecer ao devido processo legal. Outro ponto relevante é o Capítulo III do Título II. Nele estão dispostos os direitos individuais do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, cuja função tem dupla perspectiva: constituem normas de natureza negativa para o Poder Público, proibindo a prática de arbitrariedades, como é o caso do art. 49, § 2o, que veda a aplicação ou manutenção de medida de privação da liberdade por inexistência ou oferta irregular de programas de meio aberto, além de implicar, para o adolescente, o poder de exercer positivamente seus direitos individuais, e de exigir que o Estado lhe garanta tal exercício. O capítulo IV do Título II, por sua vez, discorre sobre umas da mais modernas inovações introduzidas no nosso ordenamento jurídico e, sem dúvida, exercerá um papel pioneiro na educação e ressocialização de adolescentes em conflito com a lei. Trata-se do Plano Individual de Atendimento – PIA, um instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente no decorrer da execução da medida, conforme suas necessidades específicas. Será prática pedagógica indispensável para que a intervenção estatal seja eficiente, pois leva em consideração as peculiaridades de cada jovem. O PIA é parte essencial do SINASE, proporciona-lhe solidez e sustentação, pois envolve não só o adolescente, mas também sua família no processo de elaboração e no seu efetivo cumprimento. O art. 54 estabelece as peças mínimas de composição do PIA, quais sejam: os resultados de uma avaliação interdisciplinar; os objetivos que o adolescente almeja alcançar; a previsão de suas atividades de integração social e de capacitação profissional; as atividades de 211 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente integração e apoio à família; as formas de participação da família para efetivo cumprimento do plano individual; e as medidas específicas de atenção à sua saúde. Já o art. 55, por seu turno, exige, nos casos de cumprimento de medidas de semiliberdade ou de internação, além dos requisitos especificados pelo art. 54, a designação do programa de atendimento mais adequado para o cumprimento da medida; a fixação das metas para o alcance de desenvolvimento de atividades externas, e a definição dessas atividades – individuais ou coletivas –, das quais o adolescente poderá participar. Cumpre ainda ressaltar que o PIA poderá ser reavaliado a qualquer tempo. Tal revisão poderá ser solicitada pela direção do programa de atendimento, pelo defensor, pelo Ministério Público, pelo adolescente, ou pelos pais ou responsáveis. A possibilidade de revisão justifica-se nas seguintes hipóteses: se o adolescente responder positivamente à intervenção antes de expirar o prazo de reavaliação; se o adolescente não se adaptar ao plano, e caso haja necessidade de se impor maior restrição à liberdade do socioeducando. A partir do art. 60, o substitutivo trata de assunto entre os mais debatidos, e que trouxe inúmeras discussões à elaboração da proposta desta Lei, qual seja, a atenção integral à saúde do adolescente, tema praticamente inexistente na proposta original e que desdobramos num capítulo com duas seções, compostas por sete artigos. A primeira seção trata das diretrizes gerais para a atenção à saúde do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa e, em resumo, define o caráter público, a oferta compulsória, integral, multidisciplinar e multissetorial que esse atendimento deve assumir no Sistema Socioeducativo. A segunda seção é dedicada a estabelecer normas sobre a atenção especial ao adolescente com transtorno mental ou deficiência mental (que pode ser deficiência intelectual) e àqueles com dependência de substância psicoativa ou álcool, todos com necessidade de cuidados especiais. Neste tema especificamente, recebemos muitas sugestões. A maioria, no sentido de ampliar os cuidados com os adolescentes no contexto da atenção integral à saúde já oferecida pelo SUS. Outras, no entanto, chegaram até a propor a supressão da seção que trata da atenção à saúde 212 Material Complementar da Obra mental, que inclui a destinada ao dependente de substância psicoativa ou álcool. Sobre este tema é importante detalhar os motivos pelos quais decidimos manter a seção. As últimas estatísticas indicam que algo acima de 80% dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas possuem algum grau de envolvimento com substâncias psicoativas. Não é aceitável, portanto, não termos normas específicas sobre o assunto. A partir do proposto no substitutivo, o Juiz da execução terá dispositivos legais para decidir e determinar uma composição entre o atendimento socioeducativo e a atenção à saúde mental do adolescente. O modelo assumido no substitutivo é o oferecido pelo SUS e regulado pelas suas normas de referência. O atendimento socioeducativo será mantido sempre que possível como parte da atenção integral que o adolescente receberá, demonstrando o caráter multissetorial que desejamos enfatizar. Além disso, para casos mais severos, em que haja indicação terapêutica, o Juiz poderá suspender a execução da medida para inserir o adolescente em programa que melhor atenda à recuperação de sua saúde, como sua inclusão em programa residencial terapêutico, por exemplo. Todos sabemos que o abuso de substâncias psicoativas é um problema muito sério. Em certos casos graves, qualquer medida pedagógica só atingirá seus objetivos depois de um período inicial de desintoxicação. Enfatizamos ainda, que o substitutivo enfoca que o acesso à adequada atenção integral à saúde é garantida ao adolescente com transtorno mental ou deficiência mental no contexto dos direitos assegurados pela Lei no 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. No contexto das garantias de integralidade no atendimento socioeducativo, o substitutivo inova também ao prever a possibilidade de que seja concedida ao adolescente em cumprimento de medida de internação a visita íntima àquele que seja casado ou que viva, comprovadamente, em união estável. Em outras palavras, o direito não se aplica a qualquer jovem em conflito com a lei. O dispositivo somente possibilita o encontro de casal que viva relação caracterizada como entidade familiar. 213 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A proposta obedece ao art. 226 da Constituição, garante proteção especial à família, base da sociedade. Não há apologia a qualquer comportamento transgressivo nem tão pouco corruptor. Assegura-se, portanto, uma prerrogativa a qual não temos o direito de inviabilizar, porque é vinculada à entidade familiar, ao casal, e não ao Estado. Destarte, a visita íntima aqui proposta não traz nenhuma novidade na vida do jovem, vez que a relação sexual é pressuposto do vínculo que une as pessoas em razão do matrimônio ou da união estável, regulados pelo direito de família. Cabe ainda salientar que esse encontro agrega elemento colaborador para a boa conduta do adolescente. Tem-se entendido que a abstinência sexual imposta pode causar vários danos à pessoa e, por conseguinte, favorece condutas inadequadas e fomenta tensão nas unidades de internação. Assim, vem ganhando corpo nas legislações mundiais a orientação de se conceder visita íntima àqueles que estão privados de sua liberdade. É o que ocorre, por exemplo, no México, Chile, Argentina, Estados Unidos, França, Espanha, Nicarágua, Venezuela e em outros países. Trata-se de uma questão delicada, mas a ser encarada com muita responsabilidade, em benefício dos próprios socioeducandos, sem perder de vista a preservação da saúde das pessoas envolvidas, a educação sexual e reprodutiva do adolescente quanto a gravidez e DSTs, além de AIDS. Por isso, é imperioso que haja a regulamentação do tema. Observese ainda que a determinação da duração, horários e outras regras pertinentes às visitas íntimas devem ficar a cargo da direção de cada unidade. Em suma, a visita íntima passa a ser um direito reconhecido como ocorre em diversos países. É medida de bom alvitre, pois constitui um fator de incentivo ao bom comportamento do adolescente, bem como uma forma de preservar seus laços familiares. 214 Um outro dado observado, e não previsto no texto original, é a não existência de regras previamente definidas sobre o regime disciplinar ao qual o adolescente estará submetido durante o cumprimento da medida socioeducativa, o que proporciona a ocorrência de uma série de abusos aos mandamentos democráticos. O próprio Estado lança mão de instrumentos inadequados para desempenhar a disciplina que não consegue regular. Assim, a função reeducativa da medida se esvazia, tornando-se discutível quanto à sua essência. Material Complementar da Obra Por isso, propomos regras de regime disciplinar, e o substitutivo traz, no Capítulo VII do Título II, um conjunto de preceitos cujo objetivo é sistematizar tal regime. Optamos por adotar o modelo segundo o qual o Poder Legislativo, por meio da Lei, traça as normas gerais, estabelecendo princípios sobre o tema, e as entidades de atendimento socioeducativo elaboram, em seus respectivos regimentos, as regras sobre o sistema disciplinar. Em síntese, o art. 71 do Substitutivo apresenta as diretrizes nacionais, as quais deverão ser respeitadas pelas entidades de atendimento na produção de normas a serem aplicadas às relações e situações concretas a que se destinem. A capacitação para o trabalho foi outro tema que, a partir da escuta da sociedade, e de princípios desta relatoria, decidimos incluir no substitutivo. A proposta apresentada se baseia na centralidade da educação na vida do adolescente, a valorização e fortalecimento da participação de sua família na execução da medida socioeducativa, e na sua preparação para o mundo do trabalho. O tema era inexistente no projeto original. Elaboramos então, um capítulo específico, a partir do art. 76 sobre os meios para a capacitação para o trabalho, alterando as leis de criação do SENAI, SENAC, SENAR e SENAT de forma a prever oferta de vagas aos usuários do SINASE, nas condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados entre os operadores dos Sistemas S e dos gestores do atendimento socioeducativo locais. Tal medida deixa larga margem de flexibilidade para que se possa negociar dentro das reais possibilidades e a partir de cada realidade local, a inserção dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em cursos de capacitação profissional. Não vislumbramos, pois, qualquer prejuízo para o chamado sistema S com esta proposta, e sim muitos ganhos para os adolescentes e, obviamente, para a sociedade. Com igual objetivo, propomos também a alteração da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em seu art. 429, de forma que as empresas que adotam a contratação de aprendizes incluam os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, também por meio de instrumentos de cooperação locais. Por fim, no Título III tratamos da transferência dos programas para seus respectivos entes federados competentes; da alteração da legislação existente para adequação ao SINASE; 215 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente da obrigatoriedade de se garantir a inserção de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na rede pública de educação, em qualquer fase do período letivo, contemplando as diversas faixas etárias, graus de instrução e níveis de ensino (fundamental ou médio). Entendemos ainda, de extrema importância, alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente para garantir maior transparência nas doações aos Fundos da Criança, bem como à execução dos projetos financiados com esses recursos, inclusive os relativos ao SINASE. Quanto ao projeto apensado, o PL no 4.450 de 2008, esse propõe modificações nos arts. 88, 90, 91, 112, 118 e 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente para dispor sobre regimes de atendimento. Ocorre que as alterações propostas não tratam especificamente do regime de atendimento socioeducativo, matéria do PL no 1.627, de 2007. Na verdade, o nobre autor intenta alterar o Estatuto para prever auxílio à maternidade e defesa do nascituro; atendimento terapêutico e de saúde; medidas de proteção, assessoria, suporte e apoio a entidades de atendimento, bem como apoio sociocomunitário e convivência familiar e comunitária, além de atividades de educação formal e educação para o trabalho e profissional, entre outras. Entendemos que o Estatuto da Criança e do Adolescente contempla adequadamente em seu Título II – Dos Direitos Fundamentais, no Capítulo II – Do Direito à Vida e à Saúde, as ações necessárias ao atendimento da gestante e do recémnascido, assim como no mesmo Título, em seu Capítulo III – Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, e Capítulo IV – do Direito à Educação, à Cultura ao Esporte e ao Lazer, estão contemplados o objetivo do referido projeto apenso. 216 No entanto, consideramos meritória a preocupação do autor do PL no 4.450, de 2008, com a educação para o trabalho profissional e com a avaliação e acompanhamento das entidades de atendimento, preocupações essas que consideramos contempladas pelo substitutivo aqui proposto, deixando claro, porém, que isso somente quanto ao atendimento socioeducativo, destinado aos adolescentes em conflito com a lei, matéria da qual trata o projeto principal. Ou seja, mesmo que no nosso entendimento a tramitação conjunta não tenha sido o despacho mais adequado, há méritos no Projeto apenso incorporados por esta relatoria no cerne do substitutivo ora apresentado. Material Complementar da Obra Diante do exposto, contamos com o apoio dos nobres pares a este parecer e manifestamos o voto pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa, pela adequação financeira e orçamentária e, quanto ao mérito, pela aprovação do Projeto de Lei no 1.627, de 2007, e seu apenso, PL no 4.450, de 2008, nos termos do Substitutivo anexo. Sala da comissão, em de abril de 2009. DEPUTADA RITA CAMATA RELATORA SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI No 1.627, DE 2007 Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional, altera dispositivos da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. O CONGRESSO NACIONAL decreta: TÍTULO I DO SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO CAPÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, e regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. § 1o Entende-se por Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei. § 2o Entende-se por medidas socioeducativas as previstas no art. 112 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, as quais têm por objetivos: I – A responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; 217 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente II – A integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III – A desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. § 3o Entende-se por programa de atendimento a organização e funcionamento, por unidade, das condições necessárias para o cumprimento das medidas socioeducativas. § 4o Entende-se por unidade a base física necessária para a organização e funcionamento de programa de atendimento. § 5o Entende-se por entidade de atendimento a pessoa jurídica de direito público ou privado, que instala e mantém a unidade e os recursos humanos e materiais necessários ao desenvolvimento de programas de atendimento. Art. 2o O SINASE será coordenado pela União, e integrado pelos sistemas estaduais, distrital e municipais, responsáveis pela implementação dos seus respectivos programas de atendimento a adolescente ao qual seja aplicada medida socioeducativa, com liberdade de organização e funcionamento, respeitados os termos desta Lei. CAPÍTULO II DAS COMPETÊNCIAS Art. 3o Compete à União: I – formular e coordenar a execução da política nacional de atendimento socioeducativo; II – elaborar o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, em parceria com os Estados, Distrito Federal e Municípios; III – prestar assistência técnica e suplementação financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios para o desenvolvimento de seus sistemas; IV – instituir e manter Sistema Nacional de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo – seu funcionamento, entidades, programas, incluindo dados relativos a financiamento e população atendida; V – Contribuir para a qualificação e ação em rede dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo; 218 VI – estabelecer diretrizes sobre a organização e funcionamento das unidades e programas de atendimento, Material Complementar da Obra e as normas de referência destinadas ao cumprimento das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade; VII – instituir e manter processo de avaliação dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo, seus planos, entidades e programas; VIII – financiar, com os demais entes federados, a execução de programas e serviços do SINASE; e IX – garantir a publicidade de informações sobre repasses de recursos aos gestores estaduais, distrital, e municipais, para financiamento de programas de atendimento socioeducativo. § 1o É vedado à União o desenvolvimento e a oferta de programas próprios de atendimento. § 2o Ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA compete as funções normativa, deliberativa, de avaliação e fiscalização do SINASE, nos termos previstos na Lei no 8.242, de 12 de outubro de 1991, que cria o referido Conselho. § 3o O Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo será submetido à deliberação do CONANDA. § 4o À Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República – SEDH compete as funções executiva e de gestão do SINASE. Art. 4o Compete aos Estados: I – formular, instituir, coordenar e manter Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes fixadas pela União; II – elaborar o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo em conformidade com o Plano Nacional; III – criar, desenvolver, e manter programas para a execução das medidas socioeducativas de semiliberdade e internação; IV – editar normas complementares para a organização e funcionamento do seu sistema de atendimento e dos sistemas municipais; V – estabelecer com os Municípios formas de colaboração para o atendimento socioeducativo em meio aberto; VI – prestar assessoria técnica e suplementação financeira aos Municípios para a oferta regular de programas de meio aberto; VII – garantir o pleno funcionamento do plantão interinstitucional, nos termos previstos no art. 88, V, da Lei 219 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente; VIII – garantir defesa técnica do adolescente a quem se atribua prática de ato infracional; IX – cadastrar-se no Sistema Nacional de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo, e fornecer regularmente os dados necessários ao povoamento e atualização do Sistema; e X – cofinanciar, com os demais entes federados, a execução de programas e ações destinados ao atendimento inicial de adolescente apreendido para apuração de ato infracional, bem como aqueles destinados a adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa privativa de liberdade. § 1o Ao Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente compete as funções deliberativas e de controle do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, nos termos previstos no art. 88, II, da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como outras definidas na legislação estadual ou distrital. § 2o O Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo será submetido à deliberação do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente. § 3o Compete ao órgão a ser designado no Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo as funções, executiva e de gestão do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo. Art. 5o Compete aos Municípios: I – formular, instituir, coordenar e manter o Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes fixadas pela União e o respectivo Estado; II – elaborar o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, em conformidade com o Plano Nacional e o respectivo Plano Estadual; III – criar e manter programas de atendimento para a execução das medidas socioeducativas em meio aberto; IV – editar normas complementares para a organização e funcionamento dos programas do seu Sistema de Atendimento Socioeducativo; V – cadastrar-se no Sistema Nacional de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo, fornecer regularmente os dados necessários ao povoamento e atualização do Sistema; e 220 Material Complementar da Obra VI – cofinanciar, conjuntamente com os demais entes federados, a execução de programas e ações destinados ao atendimento inicial de adolescente apreendido para apuração de ato infracional, bem como aqueles destinados a adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa em meio aberto. § 1o Para garantir a oferta de programa de atendimento socioeducativo de meio aberto, os municípios podem instituir os consórcios dos quais trata a Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005, que “dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências”, ou qualquer outro instrumento jurídico adequado, como forma de compartilhar responsabilidades. § 2o Ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente compete as funções deliberativas e de controle do Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo, nos termos previstos no art. 88, II, da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como outras definidas na legislação municipal. § 3o O Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo será submetido à deliberação do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. § 4o Compete ao órgão a ser designado no Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo as funções, executiva e de gestão do Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo. Art. 6o Ao Distrito Federal cabem, cumulativamente, as competências dos Estados e Municípios. CAPÍTULO III DOS PLANOS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO Art. 7o O Plano de que trata o inc. II do art. 3o desta Lei deverá incluir um diagnóstico da situação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, as diretrizes, os objetivos, as metas, as prioridades, e as formas de financiamento e gestão das ações de atendimento para os dez anos seguintes, em sintonia com os princípios elencados na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. § 1o As normas nacionais de referência para o atendimento socioeducativo devem constituir Anexo ao Plano de que trata o inciso II do art. 3o desta Lei. 221 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente § 2o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, com base no Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, elaborar seus planos decenais correspondentes, em até 360 (trezentos e sessenta dias) a partir da aprovação do Plano Nacional. Art. 8o Os Planos de Atendimento Socioeducativo deverão, obrigatoriamente, prever ações articuladas nas áreas de educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para o trabalho e esporte, para os adolescentes atendidos, em conformidade com os princípios elencados na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Parágrafo único. Os Poderes Legislativos Federal, Estaduais, Distrital, e Municipais, por meio de suas comissões temáticas pertinentes, acompanharão a execução dos Planos de Atendimento Socioeducativo dos respectivos entes federados. CAPÍTULO IV DOS PROGRAMAS DE ATENDIMENTO SEÇÃO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 9o Os Estados e o Distrito Federal inscreverão seus programas de atendimento e alterações no Conselho Estadual ou Distrital dos Direitos da Criança e do Adolescente, conforme o caso. Art. 10. Os municípios inscreverão seus programas e alterações, bem como as entidades de atendimento executoras, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Art. 11. Além da especificação do regime, são requisitos obrigatórios para a inscrição de programa de atendimento: I – a exposição das linhas gerais dos métodos e técnicas pedagógicas, com a especificação das atividades de natureza coletiva; II – a indicação da estrutura material, dos recursos humanos e das estratégias de segurança compatíveis com as necessidades da respectiva unidade; III – regimento interno que regule o funcionamento da entidade, no qual deverá constar no mínimo: a) o detalhamento das atribuições e responsabilidades do dirigente, de seus prepostos, dos membros da equipe técnica e dos demais educadores; 222 b) a previsão das condições do exercício da disciplina e concessão de benefícios e o respectivo procedimento de aplicação; e Material Complementar da Obra c) a previsão da concessão de benefícios extraordinários e enaltecimento, tendo em vista tornar público o reconhecimento ao adolescente pelo esforço realizado na consecução dos objetivos do plano individual; IV – a política de formação dos recursos humanos; V – a previsão das ações de acompanhamento do adolescente após o cumprimento de medida socioeducativa; VI – a indicação da equipe técnica, cuja quantidade e formação devem estar em conformidade com as normas de referência do sistema, dos conselhos profissionais e com o atendimento socioeducativo a ser realizado; e VII – A adesão ao Sistema de Informações sobre o Atendimento Socioeducativo, bem como sua operação efetiva. Parágrafo único. O não cumprimento do previsto neste artigo sujeita as entidades de atendimento, órgãos gestores, seus dirigentes ou prepostos, à aplicação das medidas previstas no art. 97 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 12. A composição da equipe técnica do programa de atendimento deverá ser interdisciplinar, compreendendo, no mínimo, profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social, de acordo com as normas de referência. § 1o Outros profissionais podem ser acrescentados às equipes para atender necessidades específicas do programa. § 2o Regimento interno deve discriminar as atribuições de cada profissional, sendo proibida a sobreposição dessas atribuições na entidade de atendimento. § 3o O não cumprimento do previsto neste artigo sujeita as entidades de atendimento, seus dirigentes ou prepostos, à aplicação das medidas previstas no art. 97 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. SEÇÃO II DOS PROGRAMAS DE MEIO ABERTO Art. 13 Compete à direção do programa de prestação de serviços à comunidade, ou de liberdade assistida: I – selecionar e credenciar orientadores, designando-os, caso a caso, para acompanhar e avaliar o cumprimento da medida; II – receber o adolescente e seus pais ou responsável e orientá-los sobre a finalidade da medida e a organização e funcionamento do programa; 223 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente III – encaminhar o adolescente para o orientador credenciado; IV – supervisionar o desenvolvimento da medida; e V – avaliar, com o orientador, a evolução do cumprimento da medida e, se necessário, propor à autoridade judiciária sua substituição, suspensão ou extinção. Parágrafo único. O rol de orientadores credenciados deverá ser comunicado, semestralmente, à autoridade judiciária e ao Ministério Público. Art. 14. Incumbe ainda à direção do programa de medida de prestação de serviços à comunidade, selecionar e credenciar entidades assistenciais, hospitais, escolas ou outros estabelecimentos congêneres, bem como os programas comunitários ou governamentais, de acordo com o perfil do socioeducando e o ambiente no qual a medida será cumprida. Parágrafo único. Se o Ministério Público impugnar o credenciamento, ou a autoridade judiciária considerálo inadequado, instaurará incidente de impugnação, com a aplicação subsidiária do procedimento de apuração de irregularidade em entidade de atendimento regulamentado na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, devendo citar o dirigente do programa e a direção da entidade, ou órgão credenciado. SEÇÃO III DOS PROGRAMAS DE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE Art. 15 São requisitos específicos para a inscrição de programas de regime de semiliberdade ou internação: I – a comprovação da existência de estabelecimento educacional com instalações adequadas e em conformidade com as normas de referência; II – a previsão do processo e dos requisitos para a escolha do dirigente; III – a apresentação das atividades de natureza coletiva; IV – a definição das estratégias para a gestão de conflitos, vedada a previsão de isolamento cautelar, exceto nos casos previstos no § 2o do art. 49 desta Lei; e V – a previsão de regime disciplinar nos termos do art. 72 desta Lei. Art. 16. A estrutura física da unidade deverá ser compatível com as normas de referência do SINASE. 224 Material Complementar da Obra § 1o É vedada a edificação de unidades socioeducacionais em espaços contíguos, anexos, ou de qualquer outra forma integrados a estabelecimentos penais. § 2o A direção da unidade adotará, em caráter excepcional, medidas para proteção do interno em casos de risco à sua integridade física, à sua vida, ou de outrem, comunicando, de imediato, seu defensor e o Ministério Público. Art. 17. Para o exercício da função de dirigente de programa de atendimento em regime de semiliberdade ou de internação, além dos requisitos específicos previstos no respectivo programa de atendimento é necessário: I – formação de nível superior compatível com a natureza da função; II – comprovada experiência no trabalho com adolescentes de, no mínimo, 2 (dois) anos; e III – reputação ilibada; CAPÍTULO V DA AVALIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DA GESTÃO DO ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO Art. 18. A União, em articulação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, realizará avaliações periódicas da implementação dos Planos de Atendimento Socioeducativo em intervalos não superiores a três anos. § 1o O objetivo da avaliação é verificar o cumprimento das metas estabelecidas, e elaborar recomendações aos gestores e operadores dos Sistemas. § 2o O processo de avaliação deverá contar com a participação de representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Conselhos Tutelares, na forma a ser definida em regulamento. § 3o A primeira avaliação do Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo realizar-se-á no terceiro ano de vigência desta Lei, cabendo ao Poder Legislativo Federal acompanhar o trabalho por meio de suas comissões temáticas pertinentes. Art. 19. Fica instituído o Sistema Nacional de Avaliação e Acompanhamento do Atendimento Socieducativo com os seguintes objetivos: I – contribuir para a organização da rede de atendimento socioeducativo; 225 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente II – assegurar conhecimento rigoroso sobre as ações do atendimento socioeducativo e seus resultados; III – promover a melhora da qualidade da gestão e do atendimento socioeducativo; e IV – disponibilizar informações sobre o atendimento socioeducativo. § 1o A Avaliação abrangerá, no mínimo, a gestão, as entidades de atendimento, os programas e os resultados da execução das medidas socioeducativas. I – Ao final da avaliação será elaborado relatório contendo histórico e diagnóstico da situação, as recomendações e os prazos para que essas sejam cumpridas, além de outros elementos a serem definidos em regulamento; II – O relatório da avaliação deverá ser encaminhado aos respectivos Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares, bem como ao Ministério Público; e III – Os gestores e entidades têm o dever de colaborar com o processo de avaliação, facilitando o acesso às suas instalações, documentação e a todos os elementos necessários ao seu efetivo cumprimento. § 2o O Acompanhamento tem por objetivo verificar o cumprimento das metas dos Planos de Atendimento Socioeducativo. Art. 20. O Sistema Nacional de Avaliação e Acompanhamento da Gestão do Atendimento Socioeducativo assegurará, na metodologia a ser empregada: I – a realização da autoavaliação dos gestores e das instituições de atendimento; II – a avaliação institucional externa, contemplando a análise global e integrada das instalações físicas, relações institucionais, compromisso social, atividades e finalidades das instituições de atendimento e seus programas; III – o respeito à identidade e à diversidade de entidades e programas; IV – a participação do corpo de funcionários das entidades de atendimento, e dos Conselhos Tutelares da área de atuação da entidade avaliada; e V – o caráter público de todos os procedimentos, dados e resultados dos processos avaliativos. 226 Material Complementar da Obra Art. 21. A avaliação será coordenada por uma comissão permanente e realizada por comissões temporárias, essas compostas, no mínimo, por três especialistas com reconhecida atuação na área temática, e definidas na forma do regulamento. Parágrafo único. É vedado à comissão permanente designar avaliadores: I – que sejam titulares ou servidores dos órgãos gestores avaliados, ou funcionários das entidades avaliadas; II – que tenham relação de parentesco até 3o grau com titulares ou servidores dos órgãos gestores avaliados e/ou funcionários das entidades avaliadas; e III – que estejam respondendo a processos criminais. Art. 22. A avaliação da gestão terá por objetivo: I – verificar se o planejamento orçamentário e sua execução se processam de forma compatível com as necessidades do Sistema respectivo de Atendimento Socioeducativo; II – verificar a manutenção do fluxo financeiro, considerando as necessidades operacionais do atendimento socioeducativo, as normas de referência e as condições previstas nos instrumentos jurídicos celebrados entre os órgãos gestores e as entidades de atendimento; IIII – verificar a implementação de todos os demais compromissos assumidos quando da celebração dos instrumentos jurídicos relativos ao atendimento socioeducativo; e IV – articulação interinstitucional e intersetorial das políticas. Art. 23. A avaliação das entidades terá por objetivo identificar o perfil e o impacto de sua atuação, por meio de suas atividades, programas e projetos, considerando as diferentes dimensões institucionais e, entre elas, obrigatoriamente, as seguintes: I – o plano de desenvolvimento institucional; II – a responsabilidade social, considerada especialmente sua contribuição para a inclusão social e o desenvolvimento socioeconômico do adolescente e sua família; III – a comunicação e o intercâmbio com a sociedade; IV – as políticas de pessoal quanto à qualificação, aperfeiçoamento, desenvolvimento profissional e condições de trabalho; 227 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente V – a adequação da infraestrutura física às normas de referência; VI – o planejamento e autoavaliação quanto aos processos, resultados, eficiência e eficácia do projeto pedagógico e da proposta socioeducativa; VII – as políticas de atendimento para os adolescentes e suas famílias; VIII – atenção integral à saúde dos adolescentes em conformidade com as diretrizes do art. 60 desta Lei; e IX – sustentabilidade financeira. Art. 24. A avaliação dos programas terá por objetivo verificar, no mínimo, o atendimento ao que determinam os arts. 94,100, 117, 119, 120, 123, e 124 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 25 A avaliação dos resultados da execução de medida socioeducativa terá por objetivo, no mínimo: I – verificar a situação do adolescente após cumprimento da medida socioeducativa, tomando por base suas perspectivas educacionais, sociais, profissionais e familiares; e II – verificar reincidência de prática de ato infracional. Art. 26. Os resultados da avaliação serão utilizados para: I – planejamento de metas e eleição de prioridades do Sistema de Atendimento Socioeducativo e seu financiamento; II – reestruturação e/ou ampliação da rede de atendimento socioeducativo, de acordo com as necessidades diagnosticadas; III – adequação dos objetivos e da natureza do atendimento socioeducativo prestado pelas entidades avaliadas; IV – celebração de instrumentos de cooperação com vistas à correção de problemas diagnosticados na avaliação; V – reforço de financiamento para fortalecer a rede de atendimento socioeducativo; VI – melhorar e ampliar a capacitação dos operadores do Sistema de Atendimento Socioeducativo; e VII – os efeitos do art. 95 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. 228 Parágrafo único. As recomendações originadas da Avaliação deverão indicar prazo para cumprimento por parte das entidades de atendimento e dos gestores avaliados, ao fim do Material Complementar da Obra qual estarão sujeitos às medidas previstas no art. 28 desta Lei. Art. 27. As Informações produzidas a partir do Sistema Nacional de Informações sobre Atendimento Socioeducativo serão utilizadas para subsidiar a avaliação, o acompanhamento, a gestão e o financiamento dos Sistemas Nacional, Distrital, Estaduais e Municipais de Atendimento Socioeducativo. CAPÍTULO VI DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS GESTORES, OPERADORES E ENTIDADES DE ATENDIMENTO Art. 28. No caso do desrespeito, mesmo que parcial, ou do não cumprimento integral às diretrizes e determinações desta Lei, em todas as esferas, ficam sujeitos: I – gestores, operadores e seus prepostos, e entidades governamentais, às medidas previstas no art. 97, I, e parágrafo único da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente; e II – entidades não governamentais, seus gestores, operadores e prepostos, às medidas previstas no art. 97, II, e parágrafo único da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Parágrafo único. A aplicação das medidas previstas neste artigo se dará a partir da análise de relatório circunstanciado elaborado após as avaliações, sem prejuízo do que determinam os arts. 191 a 197; 225 a 227; 230 a 236; 243; e 245 a 247 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 29. Àqueles que, mesmo não sendo agente público, induzam ou concorram, sob qualquer forma, direta ou indireta, para o não cumprimento desta Lei, aplicam-se, no que couber, as penalidades dispostas na Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre “as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências”, Lei da Improbidade Administrativa. CAPÍTULO VII DO FINANCIAMENTO E DAS PRIORIDADES Art. 30. O SINASE será cofinanciado com recursos dos orçamentos fiscal, e da seguridade social, com alocação 229 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente obrigatória nos orçamentos dos órgãos responsáveis pelas políticas dele integrantes, além de outras fontes. § 1o Os entes federados que tenham instituído seus sistemas de atendimento socioeducativo terão acesso aos recursos na forma de transferência adotada pelos órgãos integrantes do SINASE. § 2o Os entes federados beneficiados com recursos dos orçamentos dos órgãos responsáveis pelas políticas integrantes do SINASE, ou de outras fontes, estão sujeitos às normas e procedimentos de monitoramento estabelecidos pelas instâncias dos órgãos das políticas setoriais envolvidas, sem prejuízo do disposto nos arts. 4o, IX e X; 5o, V e VI, e 6o desta Lei. Art. 31. Os Conselhos de Direitos, nas três esferas de governo definirão, anualmente, o percentual de recursos dos Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente a serem aplicados no financiamento das ações previstas nesta Lei, em especial para capacitação, sistemas de informação e de avaliação. Parágrafo único. Os entes federados beneficiados com recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente para ações de atendimento socioeducativo, prestarão informações sobre o desempenho dessas ações por meio do Sistema de Informações sobre Atendimento Socioeducativo. Art. 32. A Lei no 7.560, de 19 de dezembro de 1986, que Cria o Fundo de Prevenção, Recuperação e de Combate às Drogas de Abuso, dispõe sobre os bens apreendidos e adquiridos com produtos de tráfico ilícito de drogas ou atividades correlatas, e dá outras providências, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art 5o (...) IX – às entidades governamentais e não governamentais integrantes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Art. 5o A Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD, órgão gestor do FUNAD, poderá financiar projetos das entidades do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo desde que: I – o ente federado de vinculação da entidade que solicita o recurso possua o respectivo Plano de Atendimento Socioeducativo aprovado; II – as entidades, governamentais e não governamentais integrantes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que solicitem recursos tenham participado da avaliação nacional do atendimento socioeducativo. 230 Material Complementar da Obra III – o projeto apresentado esteja de acordo com os pressupostos da Política Nacional sobre Drogas, e legislação específica.” (NR) Art. 33. A Lei no 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que Regula o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial, institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e dá outras providências passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art 10-A. O Conselho Deliberativo do FAT poderá priorizar projetos das entidades integrantes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo desde que: I – o ente federado de vinculação da entidade que solicita o recurso possua o respectivo Plano de Atendimento Socioeducativo aprovado; II – as entidades, governamentais e não governamentais, integrantes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo que solicitem recursos tenham se submetido à avaliação nacional do atendimento socioeducativo.” (NR) Art. 34. O art. 2o da Lei no 5.537, de 21 de novembro de 1968, que institui o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação, passa a vigorar acrescida do seguinte § 3o: “Art. 2o (...) § 3o O fundo de que trata o art. 1o poderá financiar, na forma das resoluções de seu conselho deliberativo, programas e projetos de educação básica relativos ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo desde que: I – O ente federado que solicitar o recurso possua o respectivo Plano de Atendimento Socioeducativo aprovado; II – As entidades de atendimento vinculadas ao ente federado que solicitar o recurso tenham se submetido à avaliação nacional do atendimento socioeducativo; e III – O ente federado tenha assinado o plano de metas ‘Compromisso Todos pela Educação’ e elaborado o respectivo Plano de Ações Articuladas (PAR).” (NR) TÍTULO II DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: 231 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente I – legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; II – excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III – prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível atendam às necessidades das vítimas; IV – proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V – brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente; VI – individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; VII – mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; VIII – não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX – fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo. CAPÍTULO II DOS PROCEDIMENTOS Art. 36. A competência para jurisdicionar a execução das medidas socioeducativas segue o determinado pelo art. 146 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. Art. 37. A defesa e o Ministério Público intervirão, sob pena de nulidade, no procedimento judicial de execução de medida socioeducativa, asseguradas aos seus membros as prerrogativas previstas na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, podendo requerer as providências necessárias para adequar a execução aos ditames legais e regulamentares. Art. 38. As medidas de proteção, de advertência, e de reparação do dano, quando aplicadas de forma isolada, serão executadas nos próprios autos do processo de conhecimento, respeitado o disposto nos arts. 143 e 144 da Lei no 8.069 de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. 232 Material Complementar da Obra Art. 39. Para aplicação das medidas socioeducativas de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, será constituído processo de execução para cada adolescente, respeitado o disposto nos arts. 143 e 144 da Lei no 8.069 de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, e com autuação das seguintes peças: I – documentos de caráter pessoal do adolescente existentes no processo de conhecimento, especialmente os que comprovem sua idade; e II – as indicadas pela autoridade judiciária, sempre que houver necessidade e, obrigatoriamente: a) cópia da representação; b) cópia da certidão de antecedentes; c) cópia da sentença ou acórdão; e d) cópia de estudos técnicos realizados durante a fase de conhecimento. Parágrafo único. Procedimento idêntico será observado na hipótese de medida aplicada em sede de remissão, como forma de suspensão do processo. Art. 40. Autuadas as peças, a autoridade judiciária encaminhará, imediatamente, cópia integral do expediente ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, solicitando designação do programa ou da unidade de cumprimento da medida. Art. 41. A autoridade judiciária dará vistas da proposta de plano individual de que trata o art. 53 desta Lei ao defensor e ao Ministério Público pelo prazo sucessivo de três dias, contados do recebimento da proposta encaminhada pela direção do programa de atendimento. § 1o O defensor e o Ministério Público poderão requerer, e o Juiz da Execução poderá determinar, de ofício, a realização de qualquer avaliação ou perícia que entenderem necessárias para complementação do plano individual. § 2o A impugnação ou complementação do plano individual, requerida pelo defensor ou pelo Ministério Público, deverá ser fundamentada, podendo a autoridade judiciária indeferila, se entender insuficiente a motivação. § 3o Admitida a impugnação, ou se entender que o plano é inadequado, a autoridade judiciária designará, se necessário, 233 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente audiência da qual cientificará o defensor, o Ministério Público, a direção do programa de atendimento, o adolescente, e seus pais ou responsável. § 4o A impugnação não suspenderá a execução do plano individual, salvo determinação judicial em contrário. § 5o Findo o prazo sem impugnação, considerar-se-á o plano individual homologado. Art. 42 As medidas socioeducativas de liberdade assistida, de semiliberdade e internação, deverão ser reavaliadas no máximo a cada seis meses, podendo a autoridade judiciária, se necessário, designar audiência, no prazo máximo de 10 (dez) dias, cientificando o defensor, o Ministério Público, a direção do programa de atendimento, o adolescente, e seus pais ou responsável. § 1o A audiência será instruída com o relatório da equipe técnica do programa de atendimento sobre a evolução do plano de que trata o art. 52 desta Lei, e qualquer outro parecer técnico requerido pelas partes e deferido pela autoridade judiciária. § 2o A gravidade do ato infracional, os antecedentes e o tempo de duração da medida não são fatores que, por si, justifiquem a não substituição da medida por outra menos grave. § 3o Considera-se mais grave a internação, em relação a todas as demais medidas, e mais grave a semiliberdade, em relação às medidas de meio aberto. Art. 43. A reavaliação da manutenção, a substituição ou a suspensão das medidas de meio aberto ou de privação da liberdade, e do respectivo plano individual, pode ser solicitada a qualquer tempo, a pedido da direção do programa de atendimento, do defensor, do Ministério Público, do adolescente, de seus pais ou responsável. § 1o Justifica o pedido de reavaliação, entre outros motivos: I – o desempenho adequado do adolescente com base no seu plano de atendimento individual, antes do prazo da reavaliação obrigatória; II – a inadaptação do adolescente ao programa e o reiterado descumprimento das atividades do plano individual; e 234 III – a necessidade da modificação das atividades do plano individual que importem em maior restrição da liberdade do adolescente. Material Complementar da Obra § 2o A autoridade judiciária poderá indeferir o pedido, de pronto, se entender insuficiente a motivação. § 3o Admitido o processamento do pedido, a autoridade judiciária, se necessário, designará audiência, observando o princípio do art. 42, § 1o, desta Lei. § 4o A substituição por medida mais gravosa somente ocorrerá em situações excepcionais, após o devido processo legal, inclusive nas hipóteses do art. 122, III, da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da criança e do Adolescente, e deve ser: a) fundamentada em parecer técnico; b) precedida de prévia audiência, e nos termos do art. 42, § 1o, desta lei; Art. 44. Na hipótese de substituição da medida ou modificação das atividades do plano individual, a autoridade judiciária remeterá o inteiro teor da decisão à direção do programa de atendimento, assim como as peças que entender relevantes à nova situação jurídica do adolescente. Parágrafo único. No caso da substituição da medida importar em vinculação do adolescente a outro programa de atendimento, o plano individual e o histórico do cumprimento da medida deverão acompanhar a transferência. Art. 45. Se no transcurso da execução sobrevier sentença de aplicação de nova medida, a autoridade judiciária procederá à unificação, ouvidos, previamente, o Ministério Público e o Defensor, no prazo de três dias sucessivos, decidindo-se em igual prazo. § 1o É vedado à autoridade judiciária determinar reinício de cumprimento de medida socioeducativa, ou deixar de considerar os prazos máximos, e de liberação compulsória previstos na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, excetuada a hipótese de medida aplicada por ato infracional praticado durante a execução; § 2o É vedado à autoridade judiciária aplicar nova medida de internação, por atos infracionais praticados anteriormente, a adolescente que já tenha concluído cumprimento de medida socioeducativa dessa natureza, ou que tenha sido transferido para cumprimento de medida menos rigorosa, ficando tais atos absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida socioeducativa extrema. 235 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 46. A medida socioeducativa será declarada extinta: I – pela morte do adolescente; II – pela realização de sua finalidade; III – pela aplicação de pena privativa de liberdade, a ser cumprida em regime fechado ou semiaberto, em execução provisória ou definitiva; e IV – pela condição de doença grave, que torne o adolescente incapaz de submeter-se ao cumprimento da medida; e V – nas demais hipóteses previstas em lei. § 1o Caso o maior de dezoito anos, em cumprimento de medida socioeducativa, responder a processo-crime, caberá a autoridade judiciária decidir sobre eventual extinção da execução, cientificando da decisão o juízo criminal competente. § 2o Em qualquer caso, o tempo de prisão cautelar não convertida em pena privativa de liberdade deve ser descontado do prazo de cumprimento da medida socioeducativa. Art. 47. O mandado de busca e apreensão do adolescente terá vigência máxima de seis meses, a contar da data da expedição, podendo, se necessário, ser renovado, fundamentadamente. Art. 48. O defensor, o Ministério Público, o adolescente e seus pais ou responsável poderão postular revisão judicial de qualquer sanção disciplinar aplicada, podendo a autoridade judiciária suspender a execução da sanção até decisão final do incidente. § 1o Postulada a revisão após ouvida a autoridade colegiada que aplicou a sanção e, havendo provas a produzir em audiência, procederá o magistrado na forma do art. 42, § 1o desta lei. § 2o É vedada a aplicação de sanção disciplinar de isolamento a adolescente interno, exceto seja essa imprescindível para garantia da segurança de outros internos ou, do próprio adolescente a quem seja imposta a sanção, sendo necessária ainda comunicação ao defensor, ao Ministério Público e à autoridade judiciária, em até 24 (vinte e quatro) horas. CAPÍTULO III DOS DIREITOS INDIVIDUAIS 236 Art. 49. São direitos do adolescente submetido ao cumprimento de medida socioeducativa, sem prejuízo de outros previstos em lei: Material Complementar da Obra I – ser acompanhado por seus pais ou responsável e por seu defensor, em qualquer fase do procedimento administrativo ou judicial; II – ser incluído em programa de meio aberto quando inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação da liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima de seu local de residência; III – ser respeitado em sua personalidade, intimidade, liberdade de pensamento e religião, e em todos os direitos não expressamente limitados na sentença; IV – peticionar, por escrito ou verbalmente, diretamente a qualquer autoridade ou órgão público, devendo, obrigatoriamente, ser respondido em até quinze dias; V – ser informado, inclusive por escrito, das normas de organização e funcionamento do programa de atendimento e também das previsões de natureza disciplinar; VI – receber, sempre que solicitar, informações sobre a evolução de seu plano individual, participando, obrigatoriamente, de sua elaboração e, se for o caso, reavaliação; VII – receber assistência integral à sua saúde, conforme o disposto no art. 60 desta Lei; e VIII – garantia de atendimento em creche e pré-escola aos filhos de 0 (zero) a 5 (cinco) anos. § 1o As garantias processuais destinadas a adolescente autor de ato infracional previstas na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, aplicam-se integralmente na execução das medidas socioeducativas, inclusive no âmbito administrativo. § 2o A oferta irregular de programas de atendimento socioeducativo em meio aberto não poderá ser invocada como motivo para aplicação ou manutenção de medida de privação da liberdade. Art. 50. Sem prejuízo do disposto no art. 121, § 1o, da Lei no 8.069 de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, a direção do programa de execução de medida de privação de liberdade poderá autorizar a saída, monitorada, do adolescente nos casos de tratamento médico, doença grave ou falecimento, devidamente comprovados, de 237 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente pai, mãe, filho, cônjuge, companheiro ou irmão, com imediata comunicação ao Juízo competente. Art. 51. A decisão judicial relativa à execução de medida socioeducativa será proferida após manifestação do defensor e do Ministério Público. CAPÍTULO IV DO PLANO INDIVIDUAL DE ATENDIMENTO – PIA Art. 52. O cumprimento das medidas socioeducativas, em regime de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, dependerá de Plano Individual de Atendimento – PIA, instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente. Parágrafo Único. O PIA deverá contemplar a participação dos pais ou responsáveis, os quais têm o dever de contribuir com o processo ressocializador do adolescente, sendo esses passíveis de responsabilização administrativa nos termos do art. 249 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, civil e criminal. Art. 53. O PIA será elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa de atendimento, com a participação efetiva do adolescente e de sua família, representada por seus pais ou responsável. Art. 54. Constarão do plano individual, no mínimo: I – os resultados da avaliação interdisciplinar; II – os objetivos declarados pelo adolescente; III – a previsão de suas atividades de integração social e/ou capacitação profissional; IV – atividades de integração e apoio à família; V – formas de participação da família para efetivo cumprimento do plano individual; e VI – as medidas específicas de atenção à sua saúde. Art. 55. Para o cumprimento das medidas de semiliberdade ou de internação, o plano individual conterá, ainda: I – a designação do programa de atendimento mais adequado para o cumprimento da medida; II – a definição das atividades internas e externas, individuais ou coletivas, das quais o adolescente poderá participar; e 238 Material Complementar da Obra III – a fixação das metas para o alcance de desenvolvimento de atividades externas; Parágrafo único. O PIA será elaborado no prazo de até quarenta e cinco dias da data do ingresso do adolescente no programa de atendimento. Art. 56. Para o cumprimento das medidas de prestação de serviços à comunidade e de liberdade assistida, o PIA será elaborado no prazo de até quinze dias do ingresso do adolescente no programa de atendimento. Art. 57. Para a elaboração do PIA, a direção do respectivo programa de atendimento, pessoalmente ou por meio de membro da equipe técnica, terá acesso aos autos do procedimento de apuração do ato infracional e aos dos procedimentos de apuração de outros atos infracionais atribuídos ao mesmo adolescente. § 1o O acesso aos documentos de que trata o caput deverá ser realizado por funcionário da entidade de atendimento, devidamente credenciado para tal atividade, ou por membro da direção, em conformidade com as normas a serem definidas pelo Poder Judiciário, de forma a preservar o que determinam os arts. 143 e 144 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. § 2o A direção poderá requisitar, ainda: I – ao estabelecimento de ensino, o histórico escolar do adolescente e as anotações sobre o seu aproveitamento; II – os dados sobre o resultado de medida anteriormente aplicada e cumprida em outro programa de atendimento; e III – os resultados de acompanhamento especializado anterior. Art. 58. Por ocasião da reavaliação da Medida é obrigatória a apresentação, pela direção do programa de atendimento, de relatório da equipe técnica sobre a evolução do adolescente no cumprimento do plano individual. Art. 59. O acesso ao plano individual será restrito aos servidores do respectivo programa de atendimento, ao adolescente e a seus pais ou responsável, ao Ministério Público e ao defensor, exceto expressa autorização judicial. CAPÍTULO V DA ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DE ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA 239 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente SEÇÃO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 60. A atenção integral à saúde do adolescente no Sistema de Atendimento Socioeducativo seguirá as seguintes diretrizes: I – previsão, nos planos de atendimento socioeducativo, em todas as esferas, da implantação de ações de promoção da saúde, com o objetivo de integrar as ações socioeducativas, estimulando a autonomia, a melhoria das relações interpessoais, bem como o fortalecimento de redes de apoio aos adolescentes e suas famílias; II – inclusão de ações e serviços para a promoção, proteção, prevenção de agravos e doenças, e recuperação da saúde; III – cuidados especiais em saúde mental, incluindo os relacionados ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas, e atenção aos adolescentes com deficiências; IV – disponibilização de ações de atenção à saúde sexual e reprodutiva, e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; V – garantia de acesso a todos os níveis de atenção à saúde, por meio de referência e contrarreferência, de acordo com as normas do Sistema Único de Saúde (SUS); VI – capacitação das equipes de saúde e dos profissionais das entidades de atendimento, bem como daqueles que atuam nas unidades de saúde de referência voltadas às especificidades de saúde desta população e de suas famílias; VII – inclusão, nos Sistemas de Informação de Saúde do SUS, bem como no Sistema de Informações sobre Atendimento Socioeducativo, de dados e indicadores de saúde da população de adolescentes em atendimento socioeducativo; e VIII – estruturação das unidades de internação às normas de referência do SUS e do SINASE, visando o atendimento às necessidades de Atenção Básica. Art. 61. As entidades que ofereçam programas de atendimento socioeducativo em meio aberto e de semiliberdade deverão prestar orientações aos socioeducandos sobre o acesso aos serviços e unidades do SUS. Art. 62. As entidades que ofereçam programas de privação de liberdade deverão contar com uma equipe mínima 240 Material Complementar da Obra de profissionais de saúde cuja composição esteja em conformidade com as normas de referência do SUS. Art. 63. As unidades destinadas a internação feminina deverão dispor de dependência adequada para, em caso de emergência, atender adolescente grávida, parturiente e/ou convalescente sem condições de ser levada a Unidade do SUS. § 1o O filho de adolescente nascido nos estabelecimentos referidos no caput deste artigo, não terá tal informação lançada em seu registro de nascimento. § 2o Serão asseguradas as condições necessárias para que a adolescente submetida à execução de medida socioeducativa de privação de liberdade permaneça com o seu filho durante o período de amamentação. SEÇÃO II DO ATENDIMENTO A ADOLESCENTE COM TRANSTORNO MENTAL E DEPENDÊNCIA DE ALCÓOL E SUBSTÂNCIA PSICOATIVA Art 64. O adolescente em cumprimento de medida socioeducativa que apresente indícios de transtorno mental, de deficiência mental, ou associadas, deverá ser avaliado por equipe técnica multidisciplinar e multisetorial. § 1o As competências, composição e atuação da equipe técnica de que trata o caput deverão seguir, conjuntamente, as normas de referência dos SUS e do SINASE, na forma do regulamento. § 2o A avaliação de que trata o caput subsidiará a elaboração e execução da terapêutica a ser adotada, terapêutica essa a ser incluída no Plano Individual de Atendimento do adolescente, prevendo, se necessário, ações voltadas para a família. § 3o As informações produzidas na avaliação de que trata o caput são consideradas sigilosas. § 4o Excepcionalmente, o juiz poderá suspender a execução da medida socioeducativa, ouvidos o defensor e Ministério Público, com vistas a incluir o adolescente em programa de atenção integral à saúde mental que melhor atenda aos objetivos terapêuticos estabelecidos para o seu caso específico. § 5o Suspensa a execução da medida socioeducativa, o juiz designará o responsável por acompanhar e informar sobre a evolução do atendimento ao adolescente. 241 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente § 6o A suspensão da execução da medida socioeducativa será avaliada, no mínimo, a cada seis meses. § 7o O tratamento a que se submeterá o adolescente deverá observar o previsto na Lei no 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. § 8o Na hipótese da inexistência de programa público de atendimento adequado à execução da terapêutica indicada para o adolescente, o juiz poderá determinar que o tratamento seja realizado na rede privada, a expensas do Poder Público. Art. 65. Enquanto não cessada a jurisdição da Infância e Juventude, a autoridade judiciária, nas hipóteses tratadas no artigo anterior, poderá remeter cópia dos autos ao Ministério Público para eventual propositura de interdição e outras providências pertinentes. Art. 66. O adolescente em cumprimento de medida socioeducativa com comprovada dependência de álcool ou outras substâncias psicoativas, que não o incapacite de cumprir plenamente as atividades previstas no seu PIA, deverá ser inserido em programa de tratamento, preferencialmente na rede SUS extra-hospitalar, podendo a autoridade judiciária determinar que esse seja realizado na rede privada se o SUS não dispuser do tratamento adequado, a expensas do Poder Público. CAPÍTULO VI DAS VISITAS A ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DE MEDIDA DE INTERNAÇÃO Art. 67. A visita do cônjuge, companheiro, pais ou responsáveis, parentes e amigos, a adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa de internação observará dias e horários próprios definidos pela direção do programa de atendimento. Art. 68. É assegurado a adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável, o direito à visita íntima. Parágrafo único. O visitante será identificado e registrado pela direção do programa de atendimento, que emitirá documento de identificação, pessoal e intransferível, específico para a realização da visita íntima. 242 Material Complementar da Obra Art. 69. É garantido aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação o direito de receber visita dos filhos, independentemente da idade desses. Art. 70. O regulamento interno estabelecerá as hipóteses de proibição da entrada de objetos na unidade de internação, vedando o acesso aos seus portadores. CAPÍTULO VII DOS REGIMES DISCIPLINARES Art. 71. Todas as entidades de atendimento socioeducativo deverão, em seus respectivos regimentos, realizar a previsão de regime disciplinar que obedeça aos seguintes princípios: I – tipificação explícita das infrações como leves, médias e graves e determinação das correspondentes sanções; II – exigência da instauração formal de processo disciplinar para a aplicação de qualquer sanção, garantidas a ampla defesa e o contraditório; III – obrigatoriedade de audiência do socioeducando nos casos em que seja necessária a instauração de processo disciplinar; IV – sanção de duração determinada; V – enumeração das causas ou circunstâncias que eximam, atenuem ou agravem a sanção a ser imposta ao socioeducando, bem como os requisitos para a extinção dessa; VI – enumeração explícita das garantias de defesa; VII – garantia de solicitação e o rito de apreciação dos recursos cabíveis; e VIII – apuração da falta disciplinar por comissão composta por, no mínimo, três integrantes, sendo um, obrigatoriamente, oriundo da equipe técnica. Art. 72. O regime disciplinar é independente da responsabilidade civil ou penal que advenha do ato cometido. Art. 73. Nenhum socioeducando poderá desempenhar função ou tarefa de apuração disciplinar ou aplicação de sanção nas entidades de atendimento socioeducativo. Art. 74. Não será aplicada sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar e o devido processo administrativo. Art. 75. Não será aplicada sanção disciplinar ao socioeducando que tenha praticado a falta: 243 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente I – por coação irresistível ou por motivo de força maior; II – em legítima defesa, própria ou de outrem; CAPÍTULO VIII DA CAPACITAÇÃO PARA O TRABALHO Art. 76. O art. 2o do Decreto-Lei no 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial passa a vigorar acrescido do seguinte § 1o, passando o atual parágrafo único a § 2o: “Art. 2o (...) § 1o As escolas do SENAI ofertarão vagas aos usuários do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo nas condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados entre os operadores dos SENAI e os gestores do Sistema de atendimento socioeducativo locais. (NR) (...)” Art. 77. O art. 3o do Decreto-Lei no 8.621, de 10 de janeiro de 1946, que dispõe sobre a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial e dá outras providências, passa a vigorar acrescido do seguinte § 1o, passando o atual parágrafo único a § 2o: “Art. 3o (...) § 1o As escolas do SENAC ofertarão vagas aos usuários do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo nas condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados entre os operadores do SENAC e os gestores do Sistema de atendimento socioeducativo locais. (NR)” Art. 78. O art. 1o da Lei no 8.315, de 23 de dezembro de 1991, que dispõe sobre a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) nos termos do art. 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: “Art. 1o (...) Parágrafo único. Os programas de formação profissional rural do SENAR ofertarão vagas aos usuários do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo nas condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados entre os operadores do SENAR e os gestores do Sistema de atendimento socioeducativo locais” (NR) 244 Art. 79. O art. 3o da Lei no 8.706, de 14 de setembro de 1993, que dispõe sobre a criação do Serviço Social do Transporte – SEST e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte Material Complementar da Obra – SENAT, que passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: “Art. 3o (...) Parágrafo único. Os programas de formação profissional do SENAT ofertarão vagas aos usuários do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo nas condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados entre os operadores do SENAT e os gestores do Sistema de Atendimento Socioeducativo locais.” (NR) Art. 80. O art. 429 do Decreto-Lei no 5.462, de 1 de maio de 1943, Consolidação das Leis do Trabalho–CLT, passa a vigorar acrescido do seguinte § 2o: “Art. 429. (...) § 2o os estabelecimentos de que trata o caput ofertarão vagas de aprendizes a adolescentes usuários do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo nas condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados entre os estabelecimentos e os gestores dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo locais.“ (NR) TÍTULO III DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 81. As entidades que mantenham programas de atendimento têm o prazo de até seis meses após a publicação desta Lei para encaminhar ao respectivo Conselho Estadual ou Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente proposta de adequação da sua inscrição, sob pena de interdição. Art. 82. Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, em todos os níveis federados, com os órgãos responsáveis pelo sistema de educação pública e as entidades de atendimento deverão, no prazo de um ano a partir da publicação desta Lei, garantir a inserção de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na rede pública de educação, em qualquer fase do período letivo, contemplando as diversas faixas etárias e níveis de instrução. Art. 83. Os programas de atendimento socioeducativo sob a responsabilidade do Poder Judiciário serão, obrigatoriamente, transferidos ao Poder Executivo no prazo máximo de um ano, a partir da publicação desta Lei, e de acordo com a política de oferta dos programas aqui definidos. 245 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 84. Os programas de internação e semiliberdade sob a responsabilidade dos Municípios serão, obrigatoriamente, transferidos para o Poder Executivo do respectivo Estado no prazo máximo de um ano, a partir da publicação desta Lei, e de acordo com a política de oferta dos programas aqui definidos. Art. 85. A não transferência de programas de atendimento para os devidos entes responsáveis, no prazo determinado nesta Lei, importará na interdição do programa e caracterizará ato de improbidade administrativa do agente responsável, vedada, ademais, ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo municipal, ao final do referido prazo, a realização de despesas para a sua manutenção. Art. 86 Os arts. 90, 97, 121, 122, 198 e 208 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 90. (...) V – prestação de serviços à comunidade; VI – liberdade assistida; VII – semiliberdade; e VIII – internação. . (...)” (NR) “Art. 97. São medidas aplicáveis a entidades de atendimento socioeducativo, sem prejuízo de responsabilidade civil e criminal de seus dirigentes e prepostos: (...)” (NR) “Art. 121. (...) § 7o A determinação judicial mencionada no § 1o poderá ser revista a qualquer tempo pela autoridade judiciária” (NR) “Art. 122. (...) § 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.” (NR) “Art. 198. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973, com as seguintes adaptações: 246 (...) Material Complementar da Obra II – em todos os recursos, salvo nos embargos de declaração, o prazo para o Ministério Público e a defesa será sempre de dez dias;” (NR) “Art. 208. (...) IX – de programas de atendimento para a execução das medidas socioeducativas e aplicação de medidas de proteção” (NR) Art. 87. A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 260. Os contribuintes poderão efetuar doações aos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente nacional, distrital, estaduais ou municipais, sendo essas integralmente deduzidas do Imposto de Renda obedecidos os seguintes limites: I – 1% (um por cento) do imposto de renda devido, apurado pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real; e II – 3% (três por cento) do imposto de renda devido, apurado pelas pessoas físicas na declaração de ajuste anual. Parágrafo único. O valor da destinação de que trata o inciso I deste artigo não exclui outros benefícios ou deduções em vigor e não poderá ser computado como despesa operacional na apuração do lucro real; Art. 260-A. As opções de doação dispostas no art. 260 serão exercidas: I – para as pessoas jurídicas que apuram o imposto trimestralmente, até a data do pagamento da 1a cota ou cota única, relativa ao trimestre civil encerrado; II – para as pessoas jurídicas que apuram o imposto anualmente, até o último dia útil do mês de janeiro do anocalendário subsequente; e III – para as pessoas físicas até a data da efetiva entrega da declaração de ajuste anual. § 1o As doações efetuadas pelas pessoas físicas entre 1o de janeiro e a data da efetiva entrega da declaração, poderão ser deduzidas: a) na declaração de ajuste apresentada relativa ao anocalendário anterior ou, b) na declaração de ajuste a ser apresentada no ano seguinte relativa ao ano-calendário em curso. 247 Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Thales Tácito Cerqueira § 2o As pessoas físicas e jurídicas que entregarem suas declarações de ajuste anual fora do prazo não se beneficiarão da dedução das doações de que trata esta lei. Art. 260-B. As doações de que trata o art. 260 desta lei podem ser efetuadas em espécie ou em bens. Parágrafo único – As doações efetuadas em espécie devem ser depositadas em conta específica. Art. 260-C. Os órgãos responsáveis pela administração das contas dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais devem emitir recibo em favor do doador, assinado por pessoa competente e pelo presidente do Conselho correspondente, especificando: I – número de ordem; II – nome, CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) e endereço do emitente; III – nome, CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) ou CPF (Cadastro Nacional de Pessoa Física) do doador; IV – data da doação e valor efetivamente recebido; e V – ano-calendário a que se refere a doação. § 1o O comprovante de que trata o caput deste artigo pode ser emitido anualmente, desde que discrimine os valores doados mês a mês. § 2o No caso de doação em bens, o comprovante deve conter a identificação dos bens, mediante descrição em campo próprio ou em relação anexa ao comprovante, informando também se houve alienação, o nome, CPF (Cadastro de Pessoas Físicas) ou CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) e endereço dos avaliadores. Art. 260-D. Na hipótese da doação em bens o doador deverá: I – comprovar a documentação hábil; propriedade dos bens, mediante II – baixar os bens doados na declaração de bens e direitos, quando se tratar de pessoa física, e na escrituração, no caso de pessoa jurídica; e III – considerar como valor dos bens doados: a) para as pessoas físicas, o valor constante da última declaração do Imposto de Renda, desde que não exceda o valor de mercado; 248 b) para as pessoas jurídicas, o valor contábil dos bens. Material Complementar da Obra Parágrafo único. O preço obtido em caso de leilão não será considerado na determinação do valor dos bens doados, exceto se o leilão for determinado por autoridade judiciária. Art. 260-E. Os documentos a que se referem os arts. 260-C e 260-D devem ser mantidos pelo contribuinte por um prazo de cinco anos para fins de comprovação da dedução junto à Receita Federal do Brasil. Art. 260-F. Os órgãos responsáveis pela administração das contas dos Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais devem: I – manter conta bancária específica destinada exclusivamente a gerir os recursos do Fundo; II – manter controle das doações recebidas; e III – informar anualmente à Receita Federal do Brasil as doações recebidas, mês a mês, identificando os seguintes dados por doador: a) nome, CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) ou CPF (Cadastro Nacional de Pessoas Físicas); b) valor doado, especificando se a doação foi em espécie ou em bens. Art. 260-G. Em caso de descumprimento das obrigações previstas no artigo anterior a Receita Federal do Brasil dará conhecimento do fato ao Ministério Público. Art. 260-H. Os Conselhos Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente divulgarão amplamente à Comunidade: I – o calendário de suas reuniões; II – as ações prioritárias para aplicação das políticas de atendimento à criança e ao adolescente; III – os requisitos para a apresentação de projetos a serem beneficiados com recursos dos Fundos Nacional, Estaduais, Distrital ou Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente; IV – a relação dos projetos aprovados em cada ano-calendário e o valor dos recursos previstos para implementação das ações, por projeto; V – o total dos recursos recebidos e a respectiva destinação, por projeto atendido, inclusive com cadastramento na base de dados do Sistema de Informações sobre a Infância e a Adolescência; e 249 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente VI – a avaliação dos resultados dos projetos beneficiados com recursos dos Fundos Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais dos Direitos da Criança. Art. 260-I. O Ministério Público determinará, em cada Comarca, a forma de fiscalização da aplicação dos incentivos fiscais referidos no art. 260 desta Lei. Parágrafo único. O descumprimento do disposto nos arts. 260F e 260-H sujeitará os infratores a responder por ação judicial proposta pelo Ministério Público, que poderá atuar de ofício, a requerimento ou representação de qualquer cidadão. Art. 260-Julgado em: A Receita Federal do Brasil expedirá, no prazo de 90 (noventa) dias, as instruções complementares necessárias à aplicação do disposto nos arts. 260 a 260-F.” (NR) Art. 88. Esta Lei entrará em vigor no prazo de noventa dias da data da sua publicação. Sala da Comissão, em de abril de 2009. DEPUTADA RITA CAMATA RELATORA 250 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis 7. CONSTRUÇÃO DE CENTRO DE REEDUCAÇÃO ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI DE Segundo a “Cláusula da Reserva do Possível” e “Mínimo Necessário à existência condigna”, ao Estado compete a construção de Centros de Reeducação de Adolescentes em conflito com a lei (a saber, que pratiquem MSE), enquanto aos Municípios a obrigação é de construção de Abrigos (para crianças e adolescentes que cometam desvios de conduta). A construção dos Centros de Reeducação foi consagrada na Jurisprudência do STF, na SS 235-0 – TO. Quarta-feira, 09 de Julho de 2008 STF determina criação de unidade para menor infrator em município de TO (republicada). O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, manteve decisão que determinou ao Estado de Tocantins a implantação de unidade especializada de internação de menores infratores, na cidade de Araguaína (TO), no prazo de 12 meses. O ministro considerou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), seguindo prioridade determinada pela Constituição Federal, estabelece que o Poder Executivo deve dar prioridade a políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos da criança e do adolescente. A decisão foi tomada na Suspensão de Liminar (SL) 235, ajuizada pelo governo tocantinense. O Estado pretendia suspender decisão liminar deferida pelo Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Araguaína/TO, em ação civil pública, que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Tocantins (TJ-TO). A liminar questionada determinou a implantação, no prazo de 12 meses, de “unidade especializada para cumprimento das medidas sócioeducativas de internação e semiliberdade aplicadas a adolescentes infratores”, conforme disposto no ECA. O Juizado proibiu, ainda, que o estado mantivesse adolescentes recolhidos em outra unidade após esse prazo e fixou multa diária no valor de R$ 3 mil em caso de descumprimento da decisão. De acordo com a ação civil pública, o Poder Executivo local estaria encaminhando os adolescentes infratores para o município de 251 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Ananás (TO), o que dificultaria o contato com familiares. Além disso, menores estariam sendo alojados em cadeia local, em celas próximas às de presos adultos, “em ambiente inóspito”. Ao contestar a decisão no Supremo, o governo estadual argumentou que “a construção de unidade especializada em prazo determinado, importaria em ato de interferência do Poder Judiciário no âmbito de atuação do Poder Executivo, em afronta ao princípio da independência dos Poderes, previsto no art. 2o da Constituição”. Na análise do caso, o presidente do STF afirmou que o princípio da separação dos poderes, nos dias atuais, “exige temperamentos e ajustes à luz da realidade constitucional brasileira”. Segundo ele, “a alegação de violação à separação dos Poderes não justifica a inércia do Poder Executivo estadual do Tocantins em cumprir seu dever constitucional de garantia dos direitos da criança e do adolescente, com a absoluta prioridade reclamada no texto constitucional (art. 227)”. “Não há violação ao princípio da separação dos Poderes quando o Poder Judiciário determina ao Poder Executivo estadual o cumprimento do dever constitucional específico de proteção adequada dos adolescentes infratores, em unidade especializada, pois a determinação é da própria Constituição, em razão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”, disse o ministro. Gilmar Mendes ressaltou que o Estatuto da Criança e do Adolescente, que no próximo dia 13 completa 18 anos desde sua promulgação, “tem se cristalizado como um importante avanço na delimitação das políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente”. Assim, o ministro manteve a decisão quanto à necessidade de implantação, em 12 meses, de programa de internação de adolescentes infratores em Araguaína, bem como a proibição de abrigá-los em outra unidade que não seja a especializada. No entanto, o presidente do STF atendeu o pedido do governo de Tocantins em relação à multa estabelecida, deferindo parcialmente a suspensão de liminar “tão somente quanto à fixação de multa diária por descumprimento da ordem judicial de construção de unidade especializada, em doze meses, na comarca de Araguaína/TO”. Processo – Suspensão de Liminar 235 252 (Fonte: Notícia do STF.) Material Complementar da Obra Vejamos a íntegra desta importante decisão: Suspensão de Liminar 235-0 Tocantins Relatora: Ministra Presidente Requerente(S): Estado do Tocantins Advogado(a/s): PGE-TO – Luis Gonzaga Assunção Requerido(a/s): Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (Agravo regimental na suspensão de liminar no 1.848/07 na ação civil pública no 72658-0/06) Interessado(a/s): Ministério Público do Estado do Tocantins Decisão: Trata-se de pedido de suspensão de liminar (fls. 0222), formulado pelo Estado do Tocantins, contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, que indeferiu pedido de suspensão de liminar ajuizado naquele Tribunal de Justiça. A decisão impugnada manteve liminar concedida na ação civil pública no 2007.0000.2658-0/0, em curso perante o Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Araguaína/TO, que determinou o seguinte: “[...] Concedo a liminar e determino ao Estado de Tocantins que implante na cidade de Araguaína/TO, no prazo de 12 meses, unidade especializada para cumprimento das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade aplicadas a adolescentes infratores, a fim de propiciar o atendimento do disposto nos arts. 94, 120, § 2o e 124 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Determino ainda que o requerido se abstenha de manter adolescentes apreendidos, após o decurso do prazo de doze meses, em outra unidade que não a acima referida. Fixo multa diária no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), a ser paga pelo requerido, em caso de descumprimento ou de atraso no cumprimento da presente decisão, a qual deverá ser revertida em favor do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, nos termos dos arts. 213 e 214 da Lei no 8.069/90 (fl. 94).” Na ação civil pública, argumentou-se que o Poder Executivo local, ante a inexistência de unidade especializada naquela comarca, estaria encaminhando os adolescentes infratores para o município de Ananás/TO, distante 160 quilômetros 253 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente daquela localidade, o que dificultaria o contato daqueles com seus familiares (fl. 62). Além disso, os adolescentes infratores estariam alojados em cadeia local, em celas adjacentes a de presos adultos, a permitir contato visual e verbal entre eles, em ambiente inóspito, fato este que teria sido atestado pelo Conselho Tutelar de Araguaína e pelo Diretor do estabelecimento prisional (fl. 65). Arguiu-se, ainda, o descumprimento do compromisso firmado entre o Governo do Tocantins e o Ministério Público Estadual, mediante Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, para que até 15 de janeiro de 2007 houvesse a alocação de recursos para a criação do regime de semiliberdade naquela Comarca, em Palmas e em Gurupi (fl. 62). A ação civil pública defendeu ser incabível a alegação do óbice da reserva do possível no presente caso, ante a necessidade de garantia do mínimo necessário à existência condigna dos adolescentes infratores, conforme informariam precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul (fls. 68-71). Por fim, consignou o Ministério Público Estadual que a medida liminar deveria ser concedida, em face das disposições do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (art. 123, art. 185, art. 94, art. 120 e art. 124), bem como em face do que dispõe a Constituição Federal (art. 1o, III; art. 5o, III, XXXIX, XLIX; art. 37, caput; art. 227, caput e § 3o, todos da CF/88) e Pactos Internacionais (fls. 71-88). O juízo de primeiro grau concedeu a medida liminar, conforme transcrição acima, ressaltando que as normas contidas no art. 227, caput e § 3o, da Constituição e reproduzidas no ECA possuem plena eficácia (fls. 90-95). Ademais, a medida liminar consignou, a despeito dos adolescentes não estarem mais internados na Cadeia Pública de Ananás/TO no momento da decisão, que: a inexistência de unidade especializada em Araguaína/TO obrigaria o encaminhamento de adolescentes infratores ao CASE de Palmas/TO, distante 375 quilômetros daquela comarca, inviabilizando o contato familiar e o próprio sucesso do processo socioeducativo. 254 Contra tal decisão, o Estado do Tocantins ajuizou pedido de suspensão de liminar junto à Presidência do Tribunal Material Complementar da Obra de Justiça do Tocantins (fls. 33-54), que indeferiu o pedido, ante o entendimento de inocorrência de grave lesão à ordem e economia públicas e inexistência de efeito multiplicador da decisão (fls. 97-100). Contra tal decisão, o Estado do Tocantins interpôs recurso de Agravo Regimental. O Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins negou provimento ao agravo regimental em suspensão de liminar (fls. 127-130), pois entendeu inexistente efeito multiplicador e ausentes razões que infirmassem a decisão recorrida. O pedido de suspensão de liminar contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins é baseado em argumentos de lesão à ordem e economia públicas do Estado do Tocantins. Enfatiza o requerente que a liminar deferida, para construção de unidade especializada em prazo determinado, importaria em ato de interferência do Poder Judiciário no âmbito de atuação do Poder Executivo, em afronta ao princípio da independência dos Poderes, previsto no art. 2o da Constituição (fls. 08-09). Ademais, o requerente alega lesão à economia pública estadual, por ausência de previsão orçamentária, exiguidade de prazo para efetivação das medidas, ofensa ao princípio da reserva do possível e vedação legal e constitucional expressas de ordenação de despesas sem autorização legal (fls. 08-19). Em complementação, o Estado do Tocantins afirma que a liminar deferida esgotou, por completo, o objeto da ação civil pública, violando o art. 1o, § 3o, da Lei no 8.437/92, que veda a concessão de liminar contra atos do poder público que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação (fls. 19-21). Decido. A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis nos 4.348/64, 8.437/92, 9.494/97 e art. 297 do RI/STF) permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for de índole constitucional. Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para 255 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente apreciar o pedido de contracautela, conforme a pacificada jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 497-AgR/RS, rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.04.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004. A ação civil pública pleiteia condenação do Estado de Tocantins em obrigação de fazer, para implantação de programa de internação e semiliberdade de adolescentes infratores, em unidade especializada, na Comarca de Araguaína/TO, no prazo de 12 meses. Nesse sentido, apontase: violação aos direitos dos adolescentes e à política básica de atendimento a adolescentes, previstos no art. 227, caput e § 3o da Constituição e concretizados nas determinações do ECA (art. 94, art. 120, § 2o, e art. 124). Por outro lado, a suspensão de liminar aponta: violação ao art. 2o, CF/88, consistente em interferência direta nas atividades do Poder Executivo; ausência de previsão orçamentária (art. 163, I; art.165; art. 166, §§ 3o e 4o; art. 167, III, todos da CF/88); violação ao princípio da reserva do possível, exiguidade do prazo e possibilidade de efeito multiplicador do presente caso. Não há dúvida, portanto, de que a matéria discutida na origem reveste-se de índole constitucional. Feitas essas considerações preliminares, passo à análise do pedido, o que faço apenas e tão somente com base nas diretrizes normativas que disciplinam as medidas de contracautela. Ressalte-se, não obstante, que, na análise do pedido de suspensão de decisão judicial, não é vedado ao Presidente do Supremo Tribunal Federal proferir um juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas presentes na ação principal, conforme tem entendido a jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes julgados: SS 846-AgR/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 29.05.96; SS 1.272-AgR/RJ, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 18.05.2001. 256 No presente caso, discute-se possível colisão entre (1) o princípio da separação dos Poderes, concretizado pelo direito do Estado do Tocantins definir discricionariamente a formulação de políticas públicas voltadas a adolescentes infratores e (2) a proteção constitucional dos direitos dos adolescentes infratores e de uma política básica de seu atendimento. Eis o que dispõe o art. 227 da Constituição: Material Complementar da Obra “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1o O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: [...] V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade; [...]” É certo que o tema da proteção da criança e do adolescente e, especificamente, dos adolescentes infratores é tratado pela Constituição com especial atenção. Como se pode perceber, tanto o caput do art. 227, como seu parágrafo primeiro e incisos possuem comandos normativos voltados para o Estado, conforme destacado acima. Nesse sentido, destaca-se a determinação constitucional de absoluta prioridade na concretização desses comandos normativos, em razão da alta significação de proteção aos direitos da criança e do adolescente. Tem relevância, na espécie, a dimensão objetiva do direito fundamental à proteção da criança e do adolescente. Segundo esse aspecto objetivo, o Estado está obrigado a criar os pressupostos fáticos necessários ao exercício efetivo deste direito. Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (Ubermassverbot), mas também uma proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) (CANARIS, Claus-Wilhelm. Grundrechtswirkungen um Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatsrechts. JuS, 1989, p. 161). 257 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Nessa dimensão objetiva, também assume relevo a perspectiva dos direitos à organização e ao procedimento (Recht auf Organization und auf Verfahren), que são aqueles direitos fundamentais que dependem, na sua realização, de providências estatais com vistas à criação e conformação de órgãos e procedimentos indispensáveis à sua efetivação. Parece lógico, portanto, que a efetividade desse direito fundamental à proteção da criança e do adolescente não prescinde da ação estatal positiva no sentido da criação de certas condições fáticas, sempre dependentes dos recursos financeiros de que dispõe o Estado, e de sistemas de órgãos e procedimentos voltados a essa finalidade. De outro modo, estar-se-ia a blindar, por meio de um espaço amplo de discricionariedade estatal, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade, caracterizandose típica hipótese de proteção insuficiente por parte do Estado, num plano mais geral, e do Judiciário, num plano mais específico. Por outro lado, alega-se, nesta suspensão de segurança, possível lesão à ordem e economia públicas, diante de determinação judicial para implantação de programa de internação e regime de semiliberdade, em unidade especializada (a ser construída), com prazo determinado de 12 meses. Nesse sentido, o argumento central apontado pelo Estado do Tocantins reside na violação ao princípio da separação de poderes (art. 2o, CF/88), formulado em sentido forte, que veda intromissão do Poder Judiciário no âmbito de discricionariedade do Poder Executivo estadual. Contudo, nos dias atuais, tal princípio, para ser compreendido de modo constitucionalmente adequado, exige temperamentos e ajustes à luz da realidade constitucional brasileira, num círculo em que a teoria da constituição e a experiência constitucional mutuamente se completam. 258 Nesse sentido, entendo inexistente a ocorrência de grave lesão à ordem pública, por violação ao art. 2o da Constituição. A alegação de violação à separação dos Poderes não justifica a inércia do Poder Executivo estadual do Tocantins, em cumprir seu dever constitucional de garantia dos direitos da criança e do adolescente, com a absoluta prioridade reclamada no texto constitucional (art. 227). Material Complementar da Obra Da mesma forma, não vislumbro a ocorrência de grave lesão à economia pública. Cumpre ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em razão da absoluta prioridade determinada na Constituição, deixa expresso o dever do Poder Executivo dar primazia na consecução daquelas políticas públicas, como se apreende do seu art. 4o: “Art. 4o É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de primazia compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.” Não se pode conceber grave lesão à economia do Estado do Tocantins, diante de determinação constitucional expressa de primazia clara na formulação de políticas sociais nesta área, bem como na alta prioridade de destinação orçamentária respectiva, concretamente delineada pelo ECA. A Constituição indica de forma clara os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto no ECA. As determinações acima devem ser seriamente consideradas quando da formulação orçamentária estadual, pois se tratam de comandos vinculativos. Ressalte-se que no próximo dia 13 de julho se comemorarão os 18 (dezoito) anos de promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem se cristalizado como um importante avanço na delimitação das políticas públicas voltadas à criança e ao adolescente. Ademais, a decisão impugnada está em consonância com a jurisprudência dessa Corte, a qual firmou entendimento, em casos como o presente, de que se impõe ao Estado a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, 259 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente de maneira concreta, a efetiva proteção de direitos constitucionalmente assegurados, com alta prioridade, tais como: o direito à educação infantil e os direitos da criança e do adolescente. Nesse sentido, destacam-se os seguintes julgados: RE-AgR 410.715/SP, 2a T. Rel. Celso de Mello, DJ 03/02/2006; RE 431.773/SP, rel. Marco Aurélio, DJ 22/10/2004. Do julgamento do RE-AgR 410.715/SP, 2a T. rel. Celso de Mello, DJ 03/02/2006, destaca-se o seguinte trecho: “[...] A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2o) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. – Embora resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revelase possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. [...]” 260 Não há dúvida quanto à possibilidade jurídica de determinação judicial para o Poder Executivo concretizar políticas públicas constitucionalmente definidas, como no presente caso, em que o comando constitucional exige, com absoluta prioridade, a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, Material Complementar da Obra claramente definida no Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim também já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ – REsp 630.765/SP, 1a T., rel. Luiz Fux, DJ 12/09/2005). No presente caso, vislumbra-se possível proteção insuficiente dos direitos da criança e do adolescente pelo Estado, que deve ser coibida, conforme já destacado. O Poder Judiciário não está a criar políticas públicas, nem usurpa a iniciativa do Poder Executivo. A decisão impugnada apenas determina o cumprimento de política pública constitucionalmente definida (art. 227, caput, e § 3o) e especificada de maneira clara e concreta no ECA, inclusive quanto à forma de executá-la. Nesse sentido é a lição de Christian Courtis e Victor Abramovich (ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian, Los derechos sociales como derechos exigibles, Trotta, 2004, p. 251): “Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de diseñar políticas públicas, sino la de confrontar el diseño de políticas asumidas con los estándares jurídicos aplicables y – en caso de hallar divergencias – reenviar la cuestión a los poderes pertinentes para que ellos reaccionen ajustando su actividad en consecuencia. Cuando las normas constitucionales o legales fijen pautas para el diseño de políticas públicas y los poderes respectivos no hayan adoptado ninguna medida, corresponderá al Poder Judicial reprochar esa omisión y reenviarles la cuestión para que elaboren alguna medida. Esta dimensión de la actuación judicial puede ser conceptualizada como la participación en un ‘diálogo’ entre los distintos poderes del Estado para la concreción del programa jurídicopolítico establecido por la constitución o por los pactos de derechos humanos” (sem grifo no original). Contudo, conforme informação contida nas razões do Estado do Tocantins, este foi intimado da decisão de primeiro grau em 19 de outubro de 2007 (fl. 115). Assim, o prazo de 12 meses se extinguirá em 19 de outubro de 2008. A partir desta data, conforme a decisão impugnada, caso o Estado de Tocantins não tenha construído unidade especializada, ou venha a abrigar adolescentes infratores em outra localidade, que não uma unidade especializada, arcará com multa diária de R$ 3.000,00 (três mil reais), por prazo indeterminado. 261 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Entendo que tão somente neste ponto a decisão impugnada gera grave lesão à economia pública, ou seja, apenas quanto à fixação de multa por não construção, em 12 meses, de unidade especializada para abrigo dos menores na comarca de Araguaína. Para se chegar a essa constatação, basta observar que a fixação de multa em valor elevado e sem limitação máxima constitui ônus excessivo ao Poder Público e à coletividade, pois impõe remanejamento financeiro das contas estaduais, em detrimento de outras políticas públicas estaduais de alta prioridade. Dessa forma, remanesce íntegra a decisão, quanto à possibilidade de multa por abrigar adolescentes infratores em cadeias comuns, em detrimento de abrigá-los em outras unidades especializadas existentes no Estado. Destaco, contudo, que não se impede a fixação de multa por descumprimento de decisão judicial. O que não se pode perder de vista é a possibilidade de vultoso prejuízo à coletividade, por multa fixada em decisão liminar baseada em juízo cognitivo sumário. Portanto, a determinação constitucional de absoluta prioridade na proteção dos direitos da criança e do adolescente (art. 227, CF/88) evidencia tanto a dimensão objetiva de proteção destes direitos fundamentais, quanto a proibição de sua proteção insuficiente pelo Estado de Tocantins, por impossibilitar condições fáticas e concretas de implantação de programa de internação e semiliberdade na Comarca de Araguaína/TO. Não há violação ao princípio da separação dos Poderes quando o Poder Judiciário determina ao Poder Executivo estadual o cumprimento do dever constitucional específico de proteção adequada dos adolescentes infratores, em unidade especializada, pois a determinação é da própria Constituição, em razão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 227, § 1o, V, CF/88). A proibição da proteção insuficiente exige do Estado a proibição de inércia e omissão na proteção aos adolescentes infratores, com primazia, com preferencial formulação e execução de políticas públicas de valores que a própria Constituição define como de absoluta prioridade. 262 Essa política prioritária e constitucionalmente definida deve ser levada em conta pelas previsões orçamentárias, como forma de aproximar a atuação administrativa e legislativa (Annäherungstheorie) às determinações constitucionais que Material Complementar da Obra concretizam o direito fundamental de proteção da criança e do adolescente. Assim, não vislumbro grave lesão à ordem e economia públicas, com exceção da fixação de multa por não construção, em doze meses, de unidade especializada para abrigar adolescentes infratores na Comarca de Araguaína/TO. Diante o exposto, defiro parcialmente o pedido de suspensão, tão somente quanto à fixação de multa diária por descumprimento da ordem judicial de construção de unidade especializada, em doze meses, na comarca de Araguaína/TO. Dessa forma, diante da determinação da Constituição e do Estatuto da Criança e do Adolescente, mantenho os efeitos da decisão impugnada quanto à (1) implantação, em doze meses, de programa de internação e semiliberdade de adolescentes infratores, na comarca de Araguaína/TO e (2) de proibição, sob pena de multa diária, de abrigar adolescentes infratores em outra unidade que não seja uma unidade especializada (nos termos do ECA). Publique-se. Comunique-se com urgência. Brasília, 8 de julho de 2008. Ministro Gilmar Mendes Presidente Em Minas Gerais, atuando como Promotor da Infância e Juventude na belíssima cidade de Poços de Caldas, encaminhei Ofício ao Secretário do Estado sobre a possibilidade de construção do Centro na cidade e quais as condições para tanto, conseguindo, sem o manejo de Ação Civil Pública (ACP), a fomentação do aludido Centro, tendo o Município a obrigação de ceder o terreno e a Câmara de Vereadores a função de aprovar, por lei, a doação e a transferência de tal terreno ao Estado de MG. Vejamos como funciona em Minas Gerais a questão da construção de tais Centros: From: Alderico de Carvalho defesasocial.mg.gov.br> To: <[email protected]> Junior <alderico.junior@ Sent: Tuesday, October 16, 2007 2:47 PM Subject: Construção de Centro Socioeducativo Prezado Professor, 263 Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Thales Tácito Cerqueira Conforme entendimento anterior, encaminho-lhe os parâmetros básicos de terreno para implantação de Centro Socioeducativo destinado ao atendimento de adolecentes submetidos à medida de internação: 1) Topografia: O terreno deve possuir pouca declividade e ter área regular acima de 15.000 m2; 2) Acesso: O acesso deverá ser preferencialmente pavimentado ou próximo deste para facilitar o fluxo de veículos e pessoas; 3) Infraestrutura: A localização do terreno deverá possuir infraestrutura básica próxima (água, luz, telefone, coleta de lixo, transporte público); 4) Aspectos ambientais: O terreno não deverá estar localizado em área de preservação ambiental, nem possuir nascentes. Desde já agradeço a atenção e coloco-me à disposição para qualquer esclarecimento que se faça necessário. Att. Alderico de Carvalho Júnior Assessor-Chefe Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socieducativo From: “Thales“ <[email protected]> To: “ALDERICO DE CARVALHO JUNIOR“ <alderico.junior@ defesasocial.mg.gov.br> Cc: “Quarta PJ – Pocos de Caldas” <[email protected]. gov.br>; <[email protected]>; ALBUQUERQUE” “CAMILA <[email protected]> MEDEIROS DE Sent: Tuesday, October 30, 2007 1:24 PM Subject: Re: Construção de Centro Socioeducativo Prezado Dr. Alderico de Carvalho Júnior, Assessor-Chefe Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas 264 Material Complementar da Obra Deus sempre conosco. Esperando encontrá-lo na Paz do Senhor, conforme contato telefônico nesta data (30/10/2007), após reunião com o Exmo. Sr. Prefeito e Exmo. Sr. Presidente da Câmara de Poços de Caldas, ficou deliberado uma reunião na Câmara de Vereadores, no dia 20 de novembro de 2007, onde serão feitas explicações técnicas sobre o tema e um convite formal para o Secretário (Dr. Ronaldo Pedron) ou Vossa Excelência como seu representante, visando expor algumas dúvidas para instalação do Centro na cidade. Algumas destas questões eu gostaria de fazer neste e-mail, sendo que outras serão feitas pelos próprios vereadores, solicitando ainda que tragam bons exemplos, como de Montes Claros (futebol de salão campeão em SP, como mencionou) e alguns slides em Power Point sobre a política de regionalização, para que os vereadores fiquem satisfeitos com o tema. As perguntas que me fizeram foram as seguintes: (1) o Centro será Regionalizado (somente para o Sul de Minas)? (2) Quais as cidades do Sul de Minas que comporão o Centro? Haverá possibilidade de adolescentes de outras regiões do Estado virem para Poços de Caldas? (3) Quantas vagas existem no Centro? (4) Há local adequado para mulheres (adolescentes do sexo feminino)? (5) Há local adequado e separado para internação provisória? (6) O Estado manterá o Centro? (7) O Município apenas doará o terreno? (8) Qual o cronograma de entrega da obra? Já em 2008? (9) Haverá atividades laborais (profissionalização) e culturais (estudo)? No próprio Centro? (10) O modelo permite superlotação (acima das vagas estipuladas)? (11) O modelo permite transferência de adolescente de outra unidade sem autorização do Juiz da Infância de Poços de Caldas? (12) O modelo permite que o Juiz de Poços de Caldas (cidade-sede) interne adolescentes sem autorização da Secretaria do Estado? 265 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente E as demais cidades da Região, como poderão internar, com “filtragem” pela Secretaria, evitando internações ilegais? (13) Qual o processo pedagógico aplicado sobre “prêmios” (saída temporária, visita íntima etc.) e “castigos”? (14) Há local adequado para adolescentes com problemas mentais – transtornos psiquiátrios, nos termos do art. 112, § 3o, do ECA ou deve ser ele alocado para outra unidade do Estado neste caso? (15) Há local adequado para trabalho por eventuais internações por tráfico de entorpecentes (art. 122, II, do ECA) ou atos infracionais graves (art. 122, I, do ECA) que estejam ligados (como causa principal) a dependência química/ toxicológica? (16) Há outras observações a serem feitas? Com estas dúvidas, entendo que estariam praticamente esgotadas todas as questões que as autoridades me fizeram e que comporão a Audiência do dia 20 de novembro de 2007. Conto demais com sua augusta presença em nosso modesto recinto, eis que com slides em Power Point, fotos, os bons exemplos etc., vamos eliminando todas os preconceitos e criando um Centro numa cidade que tem tudo para ser no futuro a referência no Atendimento de Adolescentes em conflito com a lei, já que tem uma infraestrutura de assistência social e uma renda invejável. Com sua resposta, encaminharei Ofício ao Presidente da Câmara para formalmente enviar Carta-Convite para o Secretário e Vossa Excelência, solicitando apenas os dados completos de Vossas Excelências e endereço para mencionado Convite pela Câmara Local. Com muita esperança na criação de um Centro que pode revolucionar o Sul de Minas, subscrevo, com votos de Paz e Luz, em Cristo, Jesus. Fique com Deus, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira TTC – “Prepara-se o cavalo para o dia da batalha, mas é do Senhor que vem a vitória” (Provérbios 21:31) www.portalttc.com.br 266 Material Complementar da Obra From: “ALDERICO DE CARVALHO JUNIOR” <[email protected]> To: “Thales“ <[email protected]> Sent: Thursday, November 01, 2007 11:01 AM Subject: Re: Construção de Centro Socioeducativo Prezado Dr. Thales Tácito, Seguem, em anexo, as respostas aos vossos questionamentos. Att. Alderico de Carvalho Júnior QUESTIONÁRIO POÇOS DE CALDAS Inicialmente cumpre informar que no Estado de Minas Gerais o órgão responsável pela execução das medidas socioeducativas é a Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas – SUASE, criada pela Lei Delegada Estadual no 117/2007. A SUASE encontra-se alocada dentro da Secretaria de Estado de Defesa Social – SEDS, pasta responsável pela segurança pública no Estado. Nesta esteira a questão do adolescente autor de ato infracional é também tratada como questão de segurança pública, assim sendo, busca-se propiciar ao adolescente o acesso a direitos e oportunidades para superação de sua situação de exclusão e a possibilidade de ressignificação de valores através também da responsabilização pelo ato infracional cometido. As medidas de internação e semiliberdade são geridas pela SUASE diretamente ou através de parcerias (gestão compartilhada). As medidas em meio aberto, por seu turno, até 2006 eram geridas e financiadas estritamente pelos municípios sem nenhuma participação do Estado. Com a criação da SUASE em 2007 e a consequente estruturação no âmbito estadual da Superintendência de Gestão das Medidas em Meio Aberto e Articulação da Rede Socioeducativa, inaugura-se uma nova fase na política estadual vertendo-se esforços também para estruturação das medidas em meio aberto (psc e la) e ampliação do atendimento em casas de semiliberdade. Assim, o panorama é a gestão exclusiva do Estado no que tange às medidas de privação de liberdade e ampliar o atendimento em meio aberto através da celebração de parcerias com os Municípios. (1) o Centro será Regionalizado (somente para o Sul de Minas)? 267 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A política estadual de atendimento ao adolescente autor de ato infracional deu uma importante guinada nos idos de 2003, quando se definiu como meta a interiorização do atendimento dando cumprimento, portanto, ao preceituado no art. 124, VI, da Lei no 8.096/90. Dessarte, as Unidades Socioeducativas outrora concentradas na região metropolitana de Belo Horizonte foram disseminadas para quase todas as regiões do Estado, o que propiciou um exponencial crescimento das vagas oferecidas, fazendo frente ao histórico déficit de vagas para privação de liberdade. Em relação à região sul do Estado, apesar da existência de demanda, ainda não há um centro específico, assim, o intento é a construção de um Centro Socioeducativo destinado ao atendimento aos adolescentes desta região, como forma de respeitar as peculiaridades regionais e a necessidade de (re)estabelecimento ou manutenção dos vínculos familiares e sociais. (2) Quais as cidades do Sul de Minas que comporão o Centro? Haverá possibilidade de adolescentes de outras regiões do Estado virem para Poços de Caldas? Não há ainda definição das Comarcas, eis que ainda não definida a cidade polo (onde será construído o Centro). Regra geral busca-se atender uma gama de no máximo 20 Comarcas que circundam a cidade polo, respeitada a distância média de no máximo 200 Km. A SEDS busca ao extremo preservar as peculiaridades regionais evitando-se o encaminhamento de adolescentes para regiões diversas daquelas onde residem suas famílias, no entanto não é descartado o encaminhamento excepcional de adolescentes de outras regiões como, por exemplo, no caso de adolescentes em situações de risco. Neste caso há sempre articulação junto ao Judiciário da Comarca de origem, bem como da Comarca de destino. (3) Quantas vagas existem no Centro? O Estado de Minas Gerais possuem Centros Socioeducativos que variam de 20 e 80 adolescentes. No caso do sul de Minas a intenção é construir um Centro para 80 adolescentes, que visa atender um determinado número de Comarcas. (4) Há local adequado para mulheres (adolescentes do sexo feminino)? 268 Não, os centros da SUASE têm absoluta separação por sexo. O atendimento de adolescentes de sexo feminino é realizado Material Complementar da Obra no Centro de Reeducação Social São Jerônimo, ligado a esta Subsecretaria e localizado em Belo Horizonte/MG. (5) Há local adequado para internação provisória? Sim, em regra destina-se 30 ou 40 vagas para internação provisória (conforme o projeto). Sobreleva destacar que há rigorosa separação entre o núcleo de internação e o de internação provisória, sendo inclusive distintas as equipes que atuam em cada um dos núcleos. (6) O Estado manterá o Centro? Sim, os Centros Socioeducativos de internação são custeados in totum pelo Estado, salvo alguns casos de Unidades municipais conveniadas, onde há contrapartida. (7) O Município apenas doará o terreno? É incipiente afirmar, pois poderá haver negociação como já ocorreu em outras oportunidades para que o Município faça a terraplanagem do terreno, bem como a extensão de serviços (água, acesso asfaltado), caso se afigure necessário. (8) Qual o cronograma da obra? Já em 2008? Cada Secretaria de Estado possui um projeto estruturador que em linhas gerais se consubstancia em um planejamento prévio de ações, sendo que há recursos garantidos para a execução destas ações. Em nosso projeto estruturador uma das ações é a construção em 2008 de um CSE no sul de Minas, assim faz-se imperioso a definição da Comarca sede e do terreno com a maior brevidade possível para que possamos iniciar os trâmites para a execução da obra. Nesta esteira, a previsão é de início e conclusão ainda no ano de 2008. (9) Haverá atividades laborais (profissionalização) e culturais (estudo)? No próprio Centro? As atividades de profissionalização em regra são realizadas vinculadas ao programa de egresso, mas ainda durante a execução da medida de internação. Fomenta-se parcerias com o sistema “s”, bem como com outras instituições. Não necessariamente as atividades de profissionalização são realizadas dentro da Unidade, ao revés, a diretriz é que se utilize dos próprios recursos existentes na comunidade minimizando os impactos de uma instituição total. Assim, com base no art. 121, § 1o, do ECA é autorizada a saída para cursos profissionalizantes com ou sem escolta, conforme o caso. 269 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Em relação às atividades culturais há, estas sim dentro da Unidade, oficinas lúdicas, terapêuticas e de geração de renda, algumas Unidades inclusive participam de feiras para exposição dos produtos confeccionados pelos adolescentes. Ademais, autoriza-se saídas externas para a participação em peças de teatro, cinema, atividades esportivas etc. Nas unidades socioeducativas a escolarização formal é realizada desde 2004 através de convênio firmado com a Secretaria de Estado de Educação. A finalidade é propiciar ensino fundamental, médio e EJA aos adolescentes, visando o desenvolvimento pleno do adolescente para que se torne um ser com visão crítica, preparado para o exercício da cidadania e capaz de interagir na sociedade. As Escolas do sistema socioeducativo têm a preocupação de desenvolver suas atividades conjuntamente com o Centro onde está inserida. O currículo não é composto apenas pelas matérias ou conteúdos que os educandos recebem em sala de aula, mas pelo conjunto de atividades teóricas, práticas e projetos pedagógicos promovidos no decorrer da jornada do educando na escola e nas unidades socioeducativas. Assim, procura-se desenvolver projetos que envolvam atividades que valorizem a cultura brasileira, exaltando as riquezas patrimoniais de cada região. Vale ressaltar, por fim, que a escola funciona dentro da própria Unidade, havendo espaço criado especificamente para este fim. (10) O modelo permite superlotação (acima das vagas estipuladas)? Não, a SUASE diligencia para que haja respeito ao número de vagas do Centro, como forma de possibilitar o desenvolvimento da proposta pedagógica com qualidade. (11) O modelo permite transferência de adolescentes de outra unidade sem autorização do Juiz da Infância de Poços de Caldas? Conforme afirmado na questão 2, excepcionalmente poderão ser encaminhados adolescentes de outras regiões, mas de tudo será dado ciência ao Juiz da Infância de Poços de Caldas. (12) O modelo permite que o Juiz de Poços de Caldas (cidadesede) interne adolescentes sem autorização da Secretaria do Estado? E as demais cidades da Região, como poderão internar, com “filtragem” pela Secretaria, evitando internações ilegais? 270 Material Complementar da Obra A liberação de vagas nas Unidades ligadas à SUASE é disciplinada pelos arts. 326 a 329 do Provimento 161/2006 da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais, sendo qualquer entrada de adolescentes em centros socioeducativos precedida de autorização da autoridade administrativa, no caso o gestor de vagas da SUASE. Contudo, considerando que o Juiz da Comarca sede é responsável pela execução das medidas, a SUASE dispensa que haja prévia solicitação para encaminhamento de adolescentes da própria Comarca, desde que respeitado o limite de vagas disponíveis e que haja o envio da documentação exigida para formação do prontuário do adolescente. Em relação aos adolescentes das outras Comarcas há sempre a necessidade de deliberação da SUASE para encaminhamento à Unidade, tal deliberação tem o escopo de qualificar a demanda (coibir internações desarrazoadas), controlar a lotação da unidade e verificar a necessidade de priorizar solicitações. (13) Qual o processo pedagógico aplicado sobre “prêmios” (saída temporária, visita íntima etc.) e “castigos”? A própria Unidade deverá formular seu “Projeto Sócio Político Pedagógico – PSPP”, através da observância de diretrizes já construídas pela SUASE. Cada adolescente terá seu “Plano Individual de Atendimento – PIA” no qual são contemplados os diversos aspectos do adolescente durante a execução da medida (escolarização, profissionalização, família, ocorrências negativas, aspectos psicossociais etc.). Os prêmios são deliberados a partir da evolução do PIA do adolescente. Cumpre ressaltar que a questão da visita íntima é um tema bastante controverso, sendo que ainda não houve consenso acerca de sua possibilidade e, por estas razões, a mesma não é permitida. Acerca dos “castigos” a Unidade deverá construir com a participação de toda comunidade educativa (direção, técnico, agentes, administrativos e adolescentes) o Regulamento Disciplinar que deverá prever as condutas proibidas com suas respectivas sanções. (14) Há local adequado para adolescentes com problemas mentais – transtornos psiquiátrios, nos termos do art. 112, § 3o, do ECA ou deve ser ele alocado para outra unidade do Estado neste caso? 271 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Não, de fato no que concerne a adolescentes com transtornos mentais que cometeram atos infracionais há uma lacuna na política. O tema já apareceu incidentalmente em uma reunião do “Colegiado Socioeducativo” (grupo formado por membros do MP, do Judiciário, da SUASE, da Defensoria Pública e da Polícia Civil) e será tratado mais a fundo como pauta da próxima reunião. Vale dizer que o STJ considera que “o adolescente que apresenta distúrbio psiquiátrico não pode ficar submetido a uma medida socioeducativa diante de sua inaptidão para cumpri-la (art. 112, § 1o, do ECA)” (HC 60604/ SP. Relator Ministro Gilson Dipp, DJ 19/03/2007). Destarte, a discussão deverá ser ampliada eis que não se enquadra estritamente na competência desta Subsecretaria. (15) Há local adequado para trabalho por eventuais internações por tráfico de entorpecentes (art. 122, II, do ECA) ou atos infracionais graves (art. 122, I, do ECA) que estejam ligados (como causa principal) a dependência química/ toxicológica? Geralmente nestes casos a medida socioeducativa é cumulada com a aplicação da medida protetiva prevista no art. 101, VI, do ECA. Assim, as Unidades socioeducativas valem-se da rede externa de saúde para trabalhar com os adolescentes drogadictos. (16) Há outras observações a serem feitas? Considero de extrema importância que o início das atividades em uma Unidade socioeducativa seja precedida de discussões com a comunidade local visando disseminar o Estatuto da Criança e do Adolescente e desmistificar o senso comum que permeia a questão da “FEBEM“, da não responsabilização do adolescente, de “cadeia para ‘menor’ etc.” Nota Em Poços de caldas foi formada uma comissão para indicação de terreno e contatos com o Estado, sendo que no término de minha cooperação o centro estava pendente apenas de última deliberações. 272 Evidente que o Ministério Público, não logrando êxito, deve ajuizar ACP, conforme modelo a seguir (que seria utilizado caso não se conseguisse administrativamente a solução do caso). O modelo, retirado e adequado da comarca anterior – Divinópolis/MG (onde um Centro foi construído após ACP), foi assim detalhado: Material Complementar da Obra EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE POÇOS DE CALDAS/MG O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, através de seu Promotor de Justiça Especializado na Defesa dos Direitos da Infância e da Juventude da Comarca de Poços de Caldas, vem, respeitosamente, perante V. Ex.a, com fulcro nos arts. 1o, III e 129, III, da Constituição Federal; 201, V e 210, I, da Lei no 8.069/90; e na Lei no 7.347/85, intentar a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR, SEM JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA, PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER, Em face da MUNICIPALIDADE DE POÇOS DE CALDAS/MG, pessoa jurídica de direito público interno, representada pelo Prefeito Municipal, com sede na Avenida Francisco Salles, no 343, Centro, nesta cidade, por ofensa ao direitos assegurados à criança e ao adolescente, concernente à infração do ART. 123 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (INEXISTÊNCIA DE ENTIDADE EXCLUSIVA PARA INTERNAÇÃO DE ADOLESCENTES), pelos seguintes fundamentos fáticos e jurídicos: I – Da legitimidade ativa O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e os interesses sociais e INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS (Constituição Federal, art. 127). “São funções institucionais do Ministério Público:... II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente E DE OUTROS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS” (art. 129 da Constituição Federal) “Compete ao Ministério Público:...V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, parágrafo terceiro, inciso II, da Constituição Federal;... VIII – zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais asseguradas 273 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis...” (art. 201 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Irrebatível, portanto, a legitimidade do Ministério Público para a propositura da presente Ação Civil Pública. II – Da competência: O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069/90), em seu capítulo VII, que dispõe sobre a proteção judicial dos interesses individuais, difusos e coletivos, em seu art. 209, fixa a competência jurisdicional absoluta para apreciação das ações civis públicas em interesses menoristas como sendo a do foro local onde ocorra a ação ou omissão, excepcionando somente a competência da Justiça Federal e competência originária dos Tribunais Superiores, ou seja, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. In casu, o foro do local onde ocorre a omissão é a comarca de Poços de Caldas/MG, pois é aqui que inexiste um centro apropriado para internação de menores infratores, em cumprimento ao disposto no art. 123 do ECA. Fixada a competência territorial ou de foro, falta definir qual o juízo competente na Comarca para apreciação da presente ação. Tal esclarecimento vem no art. 148, IV, do ECA, que dispõe in verbis: “A justiça da Infância e da Juventude é competente para: IV – conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209.” Portanto, explícita é a competência deste Juízo da Infância e da Juventude para processar e julgar esta Ação Civil Pública. III – Dos fatos: Na data de (....) Cumpre ressaltar que dado o enorme número de menores acautelados, o CEIP (CENTRO DE INTERNAMENTO PROVISÓRIO) de Belo Horizonte recusa-se, atualmente, a receber menores de outras comarcas, motivo pelo qual urge a tomada de providência pela Municipalidade, na pessoa do Sr. Prefeito como representante, providências essas que há muito deveriam ter sido tomadas. 274 Menores que praticam atos infracionais de natureza gravíssima, atualmente, não têm como permanecer Material Complementar da Obra apreendidos, tendo em vista que a Municipalidade, visivelmente, afronta o Estatuto da Criança e do Adolescente. Hodiernamente, o adolescente infrator pode cometer, NO Município de Poços de Caldas, todo o tipo de violência, praticando atos infracionais descritos na legislação penal comum sem que nada lhe ocorra, já que, com sua gritante omissão, até a presente data, a Municipalidade não construiu um estabelecimento próprio ao reconhecimento de tais menores. É princípio constitucional da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, conforme disposição inserta no art. 1o, III, de nossa Carta Magna, impedindo a internação de menores, em locais sem o mínimo de infraestrutura, em que passem por momentos de angústia e maus-tratos, ou que mantenham contato com maiores imputáveis, já condenados ou presos preventivamente. O art. 175 do ECA, em seu parágrafo segundo, dispõe que: “Nas localidades onde não houver entidade de atendimento, a apresentação far-se-á pela autoridade policial. À falta de repartição especializada, o adolescente aguardará a apresentação em dependência separada da destinada a maiores, não podendo, em qualquer hipótese, exceder o prazo referido no parágrafo anterior.” Quanto à transferência de adolescente infrator para estabelecimento próprio, visando ao cumprimento de internação provisória decretada judicialmente, dispõe o art. 185, § 2o: “Sendo impossível a pronta transferência, o adolescente aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, não podendo ultrapassar o prazo máximo de 05 (cinco) dias, sob pena de responsabilidade.” É certo que os menores infratores sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa de INTERNAÇÃO não têm onde fazê-lo, em face da omissão da ré, que tornou definitiva solução paliativa e temporária e, com tal descaso, agrava a cada dia a situação caótica dos menores da comarca de Poços de Caldas/MG. IV – Dos pedidos: 1 – Da liminar A Lei no 8.069/90, em seu art. 213, § 1o, bem como a Lei no 7.347/85, em seu art. 12, regulamentando a matéria 275 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente procedimental da ação civil pública, estabelecem a hipótese de medida liminar, em face da eventual necessidade de tutela assecuratória instrumental de cunho cognitivo, garantindo a eficácia e a utilidade desta. A medida liminar, como espécie de medida cautelar requer, além das condições comuns da ação, condições específicas, a saber: Fumus boni juris, sendo este, no dizer de Enrico Túlio Liebman, “a provável existência do direito a ser tutelado” (in Manual de Direito Processual Civil, v. 5, p. 92) Deverá ser colocada à disposição deste juízo liminarmente, um imóvel destinado à internação de menores infratores. Acordamos para o absurdo da situação existente quando atinamos para o fato de que o mesmo menor pode cometer o mesmo ato infracional grave, que será, inevitavelmente, liberado, porquanto não há onde interná-lo, por omissão do poder público, que, dessa forma, incentiva a criminalidade e delinquência na comarca. Periculum in mora, representando a demonstração de inocuidade da tutela jurisdicional principal em face de sua não imediatividade. In casu, presentes restam ambos. O primeiro, em razão do flagrante desrespeito às citadas normas constitucionais e menoristas, bem como pela expressa legitimação do Ministério Público para a propositura da ação civil pública nesta seara. O segundo mostra-se evidente, uma vez que tal situação não pode perdurar, porquanto em risco encontra-se a integridade física de toda a comunidade e dos próprios menores, que comumente vêm sendo internados provisoriamente, em locais inadequados. Todos os dias são apreendidos menores infratores fazendose necessária e urgente a imediata destinação de um imóvel apropriado para internação dos mesmos, nos termos da lei, sob pena de reinar a impunidade de tais atos. V– Do pedido Principal: 276 Como a simples existência de uma cela em uma repartição policial não soluciona o grave problema da comarca, porquanto nela os menores não podem ficar mais que cinco dias (art. 185, § 2o), deverá ser construído ou colocado à Material Complementar da Obra disposição desse juízo um imóvel apropriado à internação de menores infratores. Ex positis, em razão da proposta, requer o Ministério Público: a) – Concessão de medida liminar, sem justificação prévia, determinando à Ré a obrigação de fazer consistente em destinar ou construir um imóvel destinado à internação de menores infratores, nas hipóteses dos arts. 175, § 2o, e 185, § 2o, da Lei no 8.069/90, sob pena de multa cominatória diária. Imperioso é chamar o Município de Poços de Caldas ao cumprimento de suas obrigações constitucionais, cumprimento este que não constitui nenhum favor, tudo sob as penas da lei. MM Juiz, esta ação é obrigação de fazer, apontando-se aqui o dever de agir do Município de Poços de Caldas, no sentido de colocar à disposição deste juízo e dos cidadãos desta cidade, um estabelecimento apropriado ao internamento de menores infratores. Em se tratando de dever de agir, não há que se falar em opção. Não há que se falar em discricionariedade. A discricionariedade, no caso presente, só pode ser reconhecida quanto à forma de cumprimento do dever de agir, que deverá observar todos os parâmetros determinados na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas sem a opção de não o cumprir. Uma sociedade civilizada se mantém através de um princípio básico de organização: o respeito às leis. Assim, como uma pessoa do povo é punida quando desrespeita os preceitos da lei, não cumprindo o dever que lhe foi imposto, seus representantes, que exercem em seu nome o poder, devem sofrer punições quando desrespeitem o dever que lhes foi imposto. O abuso do poder, como todo ato ilícito, tanto pode revestir a forma comissiva como a omissiva, porque ambas são capazes de afrontar a lei e causar lesão a direito individual do administrado. “A inércia da autoridade administrativa – observou Caio Tácito – deixando de executar determinada prestação de serviço a que por lei está obrigada, lesa o patrimônio jurídico individual. É forma omissiva de abuso de poder, quer o ato seja doloso ou culposo” (obra citada, p. 1). Cabe, então, ao Poder Judiciário não praticar o ato omitido pela Administração, mas, sim, impor a sua prática. A inércia da Administração, retardando ato ou fato que deva praticar, 277 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente é abuso de poder, que enseja correção judicial e indenização aos prejudicados. Caracterizado está o fumus boni juris, tendo em vista os fatos alegados e fundamentos trazidos à colação que instruem a presente e são parte integrante desta petição inicial. Igualmente claro é o periculum in mora, posto que o perigo de graves danos aos direitos indisponíveis da sociedade e dos próprios adolescentes infratores, enquanto se aguarda a tutela definitiva, é induvidoso, sendo inafastável a urgência da solução do impasse, b) – Seja a Ré citada, na pessoa de seu representante legal ou procurador, para contestar, querendo, o pedido, sob pena de revelia e confissão, seguindo o presente processo o procedimento comum de rito ordinário, até que seja ao final condenada. c) – Seja a Ré condenada à obrigação de fazer, consistente em efetivar o cumprimento do dever constitucional de construir ou adaptar imóvel já construído, com o fim de receber em regime de internação menores infratores. d) – A cominação, na sentença, de multa diária equivalente a R$ 8.000,00 (oito mil reais), para o caso de descumprimento da obrigação, no prazo fixado na decisão, que deverá ser revertida ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. e) – Requer-se, por fim, a produção de prova documental, testemunhal e pericial, além do depoimento pessoal do representante legal da Ré. f ) – Sem incidência de honorários advocatícios, pois incabíveis em se tratando de ação civil pública. Dá-se a presente causa o valor de R$ 2.000.000 (dois milhões de reais, incluindo infraestrutura, engenharia e manutenção pelo Estado, conforme CD ROM em anexo com várias pastas: projeto arquitetônico; cab. estruturado; caderno de encargos; Cemig; CFTV Alarme e Segurança; Combate Incêndio; Detalhe Arquitetônico; Elétrico; Estrutura Concreto; Estrutura Metálica; Hidráulico, Layout; Paisagismo; SPDA; Terraplenagem; Topografia; etc.). Pelo Deferimento. Poços de Caldas, ---.Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira Promotor de Justiça – Infância e Juventude 278 Material Complementar da Obra Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos No tocante ao sistema de garantias dos direitos declarados pela CF/88 e pelo ECA, o jurista Geraldo Claret de Arantes24 sintetiza com muita propriedade: Sistema de Garantia dos Direitos Declarados pela Constituição Federal e pela Lei no 8.069/90. Muitas vezes, as leis não conseguem fazer-se valer sem que seja necessário recorrer-se ao Poder Judiciário. Para a garantia dos direitos declarados das crianças e dos adolescentes, o legislador municiou o operador jurídico de um instrumental jurídico inovador, simples, célere e eficiente, visando transformar a Lei em realidade. Tais garantias estão descritas nos arts. 208 e seguintes da Lei no 8.069/90. Trata-se das ações de obrigação de fazer, ações mandamentais (regidas pelas normas do mandado de segurança) e ações civis públicas para os casos metaindividuais. As ações podem ser propostas contra os Municípios ou contra os Estados Federados e contra a União. Os fundamentos que garantem a efetivação dos direitos de crianças e dos adolescentes estão na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (educação, saúde, moradia, inclusão em programas de auxílio à família, instituições próprias para restrição de liberdade, programas de assistência ao adolescente em conflito com a Lei etc.) Através deste verdadeiro arsenal jurídico, pode-se garantir o cumprimento aos direitos da infância e da juventude, declarados em lei. O Juiz de Direito, o Promotor de Justiça, os demais operadores jurídicos, autoridades e servidores públicos têm a obrigação legal de prevenir a ocorrência de qualquer ameaça ou violência contra os direitos declarados das 24 �ARANTES, Geraldo Claret. Estatuto da Criança e do Adolescente - Manual do Operador Jurídico. Belo Horizonte: Editora ANAMAGES - Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008 279 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente crianças e adolescentes, respondendo pessoalmente por responsabilidade, no caso da inobservância do que manda a Lei, na forma do art. 73 do ECA. O Ministério Público, portanto, tem a obrigação de propor, quando da ameaça ou violação dos direitos, as ações descritas nos arts. 208 a 213 da Lei no 8.069/90, para fazer valer os direitos das crianças e adolescentes. Por sua vez, o Juiz de Direito e membros dos tribunais – Juízes de Alçada, Desembargadores e Ministros – ao tomarem conhecimento, no exercício de suas funções, de ameaças ou violações dos direitos das crianças e adolescentes, têm a obrigação de remeter peças ao Ministério Público para as providências cabíveis, na forma dos arts. 220 e 221 da Lei no 8.069/90, sublinhando-se que, sendo o caso de proposição de Ação Civil Pública, o Ministério Público, se assim, não entender, deverá remeter as peças informativas, no prazo de três dias, sob pena de falta grave, ao Conselho Superior do Ministério Público, que decidirá a respeito. Qualquer pessoa do povo poderá, e o servidor público é obrigado a indicar ao Ministério Público ameaças ou violações de direitos individuais, coletivos ou difusos dos direitos da Infância e da Juventude. As ações civis públicas poderão ainda ser ajuizadas por associações que existam por mais de um ano. Os Defensores Públicos têm legitimidade para tanto, na interpretação sistêmica e teleológica do ECA mas, para os que não entendam assim, é possível seguir o exemplo da Defensoria Pública de Minas Gerais, que, em deliberação de grande compromisso social e jurídico, resolveu fundar uma Associação dos Defensores Públicos da Infância e da Juventude, para atrair a legitimidade citada. NOTA Atualmente, a legitimidade dos Defensores Públicos para ajuizarem ações civis públicas foi regulamentada pela Lei no 11.448, de 2007, que acrescentou inciso II ao art. 5o da Lei no 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). 280 Material Complementar da Obra Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos 1. INQUÉRITO CIVIL E AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO CONTEXTO GLOBAL 1.1. Do inquérito civil O Congresso Nacional, em 2009, previu o falso testemunho em Inquérito Civil. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou, no dia 26/08/2009, o PLS 52/09, de autoria do Senador Demóstenes Torres (DEM/GO), que torna crime o falso testemunho e a falsa perícia oferecidos em inquérito civil. O autor justifica que o inquérito civil é um importante instrumento de investigação da sociedade, quando ocorre ofensa ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, assim como outros interesses difusos e coletivos. Um testemunho falso ou uma falsa perícia, argumenta ele, podem conduzir ao ajuizamento equivocado de uma ação civil pública contra um inocente, ou mesmo excluir um responsável pela lesão. Para o senador Romeu Tuma (PTB-SP), o projeto vem suprir uma lacuna na legislação sobre o crime de falso testemunho. O relator da matéria foi o senador Adelmir Santana (DEM-DF). Segue, abaixo, o parecer aprovado. Em agosto de 2009, a matéria foi aprovada em poder conclusivo das comissões, sendo encaminhada para análise na Câmara dos Deputados. Parecer no, de 2009 Da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em decisão terminativa, sobre Projeto de Lei do Senado no 52, de 2009, que “altera o caput do art. 342 do Código Penal, que prevê o crime de falso testemunho ou falsa perícia, para incluir o inquérito civil entre os procedimentos sujeitos à prática da infração”. Relator: Senador Adelmir Santana I – Relatório Trata-se do Projeto de Lei do Senado no 52, de 2009, que pretende alterar o caput do art. 342 do Código Penal (CP), que prevê o crime de falso testemunho ou falsa perícia, para incluir o inquérito civil entre os procedimentos sujeitos à prática da infração. 281 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente O autor do projeto, Senador Demóstenes Torres, justifica que a atual redação do caput do art. 342 do CP, assim como a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, que “disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e dá outras providências”, não cuidam expressamente do falso testemunho ou falsa perícia praticados no âmbito de um inquérito civil. Ressalta, ademais, que o inquérito civil é um importante instrumento de investigação da sociedade, quando ocorre uma ofensa ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, assim como a outros interesses difusos ou coletivos. Um testemunho falso ou uma falsa perícia podem conduzir ao ajuizamento equivocado de uma ação civil pública contra um inocente, ou mesmo excluir um responsável pela lesão. No prazo regimental não foram oferecidas emendas. II – Análise O princípio da legalidade, consagrado na Constituição Federal, art. 5o, inc. XXXIX, estatui que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Esse dispositivo constitucional mostra que a conduta proibida está subordinada à lei. Nenhum crime ou pena pode ter existência fora da lei. A intervenção do Direito Penal na sociedade deve ser amparada no princípio da legalidade, evitando-se que o poder punitivo seja exercido arbitrária e ilimitadamente. Como prelecionam os estudiosos do direito, o princípio da legalidade, ou da reserva legal, tem significado político, no sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do homem. Constitui a garantia fundamental da liberdade civil, que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente aquilo que a lei permite. À lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam a atividade criminosa da atividade legítima. Essa é a condição de segurança e liberdade individual. Não haveria, certamente, segurança ou liberdade, se a lei atingisse condutas lícitas, com o objetivo de puni-las, e se os juízes pudessem punir os fatos ainda não incriminados pelo legislador. 282 Material Complementar da Obra É corolário, portanto, do princípio da legalidade a exigência da lei prévia e estrita, para que não se prejudique o réu. Dessa forma, o projeto sob exame, ao inserir a expressão “inquérito civil” na conduta tipificada no art. 342 do CP, está completando uma lacuna no tipo penal de “Falso testemunho ou falsa perícia”, que poderia trazer errôneos julgamentos na ação civil pública. Senado Federal Gabinete do Senador Adelmir Santana III – Voto Opinamos, por conseguinte, pela aprovação do Projeto de Lei do Senado no 52, de 2009. Sala da Comissão, Presidente Relator 283 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos 1.2.1.1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VS. ADIN Não pode a Ação Civil Pública ser usada no lugar (como sucedâneo) de Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou seja, para afastar lei em tese, pois isso é função exclusiva do STF, e a sua legitimidade decorre somente da CF/88. Defendi artigo jurídico no 13o Congresso Nacional do MP em Curitiba/ Paraná (1999), sob o título “Os limites entre a ACP e ADIn”, com publicação na Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Em suma, concluí o seguinte: A regra impõe que o Poder Judiciário deve se incumbir da missão do controle repressivo de constitucionalidade (art. 102, I, “a”, da CF/88), como guardião da Constituição Federal, fator este consagrado pelo Poder Constituinte Originário de 05/10/1988. Desta forma, somente as exceções alhures citadas através dos Poderes Legislativo e Executivo (sistema de freios e contrapesos) são permissíveis, no sistema jurídico-constitucional pátrio, de exercerem o controle repressivo de constitucionalidade, sem que isto represente a quebra da “viga mestra” do sistema. De acordo com o sistema de controle de constitucionalidade repressivo das leis e do precípuo guardião da Constituição (STF), exceções feitas aos “Poderes” (funções do Poder) Legislativo (art. 49, V, art. 52, X e art. 62, todos da CF/88) e Executivo (por seu chefe máximo ao negar vigência à lei por entendê-la inconstitucional), diante do sistema de freios e contrapesos (independência e harmonia entre os “Poderes” (art. 2o da CF/88), conclui-se que há limites entre a Ação Civil Pública e a ADIn, o que impede o uso indiscriminado daquela, salvo se o efeito erga omnes for restrito, e não amplo e ilimitado. 284 Adotando todos estes parâmetros, é possível Ação Civil Pública pleiteando controle difuso de constitucionalidade, desde que os efeitos erga omnes sejam para uma categoria limitada de protegidos (associados, legitimados), protegidos por seus substitutos processuais, e não para toda sociedade; enfim, se o efeito erga omnes for geral e irrestrito, não é possível o uso da Ação Civil Pública; no entanto, se visar grupos ou categorias de pessoas, de forma restrita, entendo ser possível. Material Complementar da Obra Portanto, imprescindível conhecer qual interesse metaindividual está sendo protegido (difuso, coletivo ou individual homogêneo) e analisar a extensão que o efeito erga omnes da Ação Civil Pública provocará. Desta forma, usando da interpretação doutrinária, conjugada com a sistemática, tudo o que foi exposto acima para o controle difuso se aplica na Ação Civil Pública, com uma única diferença: O controle difuso realizado na ação civil pública não pode substituir uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), pois do contrário vincularia o próprio Supremo Tribunal Federal, nos limites da competência do juiz prolator da Ação Civil Pública, usurpando competência constitucional reservada ao órgão de cúpula do Poder Judiciário. Por conseguinte, a minha conclusão é a de que o controle difuso de constitucionalidade na Ação Civil Pública, se tiver como objeto interesse metaindividual: a) Difuso = de regra, não é possível o uso da Ação Civil Pública; b) Coletivo = de regra, é possível o uso da Ação Civil Pública; c) Individual Homogêneo = sempre será possível o uso da Ação Civil Pública. Portanto, o que é autorizado aos autores da ação civil pública, seja qual legitimado for, é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-los, no caso concreto, do cumprimento da lei ou ato inconstitucional. Todavia, como a Ação Civil Pública possui efeito erga omnes em seu pedido, é preciso analisar se tal efeito será restrito a um grupo ou categoria de pessoas ou irrestrito: a) se for irrestrito, a Ação Civil Pública é instrumento processual “camaleão”, pois visa fazer papel de ADIn, sem legitimidade pré-definida e sem competência do órgão julgador. Nesta hipótese, não poderá ser utilizada como meio idôneo pelo MP; b) se o efeito da Ação Civil pública erga omnes for restrito, o instrumento processual será válido e eficaz, sem quebrar a viga mestra do sistema, a saber, a premissa maior de ser o STF o órgão responsável pelo controle repressivo de constitucionalidade concentrado. Neste caso, por exemplo, o controle difuso feito na Ação Civil Pública fará com que a lei 285 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente municipal permaneça válida, vigente e eficaz para todos (pois somente pelo controle concentrado é que se poderia expurgar a presente lei do cenário jurídico), salvo no tocante à FORMA como é feita, que terá vigência, mas não eficácia, para as partes processuais defendidas na ação civil pública. Nessa hipótese, o Ministério Público ou outro legitimado estará respeitando o sistema pátrio e o magistrado, ao fazer o controle difuso de constitucionalidade na Ação Civil Pública, sucederá o juiz Marshal, da Suprema Corte Americana (1803), no sentido de usar de sua atividade jurisdicional para aplicar e interpretar a lei. Assim, percebendo contradição entre a lei municipal e a CF/88, o nobre magistrado aplicará a última, por ser hierarquicamente superior a qualquer lei do Poder Legislativo, usando da Hermenêutica Jurídica, ciência da interpretação das leis, própria de sua atividade, sem contanto violentar o guardião da Constituição: o Egrégio STF. Assim, a título de esclarecimento, vejamos um exemplo: A Constituição Federal, no seu art. 8o, III, permite ao sindicato a defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas, funcionando como verdadeiro substituto processual expressamente previsto em lei. A Lei da Ação Civil Pública (Lei no 7.347/85), no seu art. 5o, I, permite que associação ajuíze a presente ação, desde que presentes dois requisitos: a) finalidade institucional compatível com os interesses individuais homogêneos defendidos. Trata-se, ao meu ver, de pertinência temática, de relação de adequação; b) seja constituída há pelos menos 1 ano, nos termos da lei civil. Noutro giro, esse requisito da pré-constituição da pessoa jurídica poderá ser dispensado pelo juiz quando houver manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano ou ainda pela relevância do bem jurídico a ser protegido. Por esta previsão surge corrente jurídica que entende que a sociedade de fato pode proteger interesse transindividual. O mesmo se diga para quem não possui personalidade jurídica. Suponhamos que: 286 1) se uma Ação Civil Pública proposta por uma associação, na defesa de seus associados, apenas produzir efeitos erga Material Complementar da Obra omnes para os substitutos processuais, diante, por exemplo, de um interesse coletivo (titulares determinados ou determináveis + ligados entre si por uma situação de direito – a saber, relação jurídica com as associações respectivas – + objeto indivisível – a saber, na medida que não podem ser partilhados individualmente entre os seus titulares, pois atendido o interesse de um, satisfaz-se o de todos indiscriminadamente), nada impede a aplicação do controle difuso de constitucionalidade como incidenter tantum na presente Ação; 2) mas, anote-se o seguinte: caso o Ministério Público ou outro legitimado ajuizasse a Ação Civil Pública visando interesse metaindividual difuso (titulares indeterminados + ligados entre si por uma situação de fato + objeto indivisível), apesar da declaração de inconstitucionalidade ser questão prejudicial no controle difuso, sem operar coisa julgada (atinge a parte fundamentadora), o efeito erga omnes da Ação Civil Pública atingiria toda sociedade municipal ou estadual e, neste caso, repito, apesar do controle de constitucionalidade ser difuso e não concentrado e não fazer coisa julgada (a decisão sobre a inconstitucionalidade), claramente se observaria que, via oblíqua, a Ação Civil Pública estaria rotulada como tal, mas na verdade estaria sendo instrumentalizada, via oblíqua, como “uma ADIn Municipal ou Estadual”, sem que houvesse legitimidade do autor para tanto e competência do magistrado para tal decisão, na medida em que o guardião da CF/88 é o STF. Assim, no último caso, apesar de ser o mecanismo processual ideal, visto que seria instrumento hábil para controlar inconstitucionalidades de leis municipais, dando a ação efeito erga omnes, o que não é possível via controle concentrado, pois não é possível o controle concentrado de lei municipal contrária à Constituição Federal, constataríamos que a Ação Civil Pública estaria substituindo a ADIn, o que é inadmissível. O Ministério Público, nestes casos, deve valorizar o maior instrumento posto a sua disposição (Ação Civil Pública), e não usar dele para outros fins (ADIn), pois acima de qualquer outra finalidade, o parquet é o eterno custos legis, devendo velar pelo regime jurídico e sistema de controle de constitucionalidade das leis adotado no Brasil. Assim, o Ministério Público brasileiro, que, 287 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente “a) dos Estados Unidos, herdou a desvinculação com o Poder Judiciário, a denominação de sua chefia, o controle externo de determinadas atividades administrativas ligadas ao Poder Executivo, o resquício de poder participar da política partidária, ainda que hipóteses restritas previstas em lei, a postura independente que aqui somente se subordina à consciência jurídica de seu membro, como aliás, está na Lei Maior ao assegurar sua autonomia funcional e administrativa (art.127); b) da Europa Continental, herdou a simetria da carreira com a magistratura, inclusive as prerrogativas similares, o direito de assento ao lado dos juízes, as vestes próprias e até mesmo o vezo de atuar como se magistrado fosse, embora devesse ter o ardor de advogado no patrocínio da causa..., desenvolvendo sob a influência do Novo e Velho Mundo e da simbiose a sua força...”25. deve usar, de regra, a Ação Civil Pública de forma irrestrita e ilimitada como maior instrumento conferido ao Ministério Público de todas as legislações do mundo; todavia, quando esta actio tiver como questão prejudicial a inconstitucionalidade de lei, como controle difuso de constitucionalidade, o parquet deve se ater ao limite que a Ação Civil Pública deve chegar: não ser forma oblíqua de Ação Direta de Inconstitucionalidade, sob o rótulo daquela, de acordo com a extensão do efeito erga omnes em relação ao interesse metaindividual em jogo. Portanto, no caso de uso inadequado, percebendo isto, o juiz ou Tribunal deve extinguir o Processo formado pela Ação Civil Pública sem julgamento do mérito, por carência de ação: falta de interesse de agir (adequação) ou, para outros, falta de possibilidade jurídica do pedido. Todavia, para o Ministério Público (Instituição que com orgulho defendo), exercer sua função de defensor da sociedade e da ordem jurídica e não ficar limitado nos casos que o controle difuso de constitucionalidade feitos por Ação Civil Pública seja juridicamente impossível, o que representaria uma captio diminutis, resta, por boa técnica jurídica e sem prejuízo de sua força social e prerrogativas constitucionais invejáveis em outras legislações mundiais: 1 – no caso de lei municipal ou estadual contrárias à Constituição Estadual: oficiar e representar ao Procurador- 25 SLAIBI FILHO, Nagib. In: Ação declaratória de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 152. 288 Material Complementar da Obra Geral de Justiça do seu Estado, para informar sobre possível controle concentrado de constitucionalidade da lei municipal ou estadual contrária à Constituição Estadual, a ser feito no Egrégio Tribunal de Justiça respectivo; 2 – no caso de lei estadual contrária à Constituição Federal: oficiar ao Procurador-Geral da República e demais legitimados do art. 103 da CF/88, extraindo-se cópia de seu Parecer, a fim de que os legitimados, caso entendam ser inconstitucional a Emenda Constitucional, promovam a ADIn prevista no art. 102, I, “a”, da CF/88, eis que os mesmos possuem legitimidade para tanto (art. 103 da Carta Máxima); 3 – no caso de lei municipal ou distrital (na competência de Município) contrária à CF/88: como não é possível o controle concentrado por ADIn ou Ação Declaratória de Constitucionalidade, pelas razões estudadas, e não sendo o caso de Ação Civil Pública (pois se for cabível, a questão fica resolvida de forma irrestrita e geral), resta-lhe: a) oficiar aos legitimados (entre eles o Procurador-Geral da República), para efeito de promover a arguição de descumprimento de preceito fundamental, trazida pela Lei no 9.882, de 3 de dezembro de 1999, incumbindo ao Excelso STF o entendimento se este novo instrumento jurídico poderá ser o remédio heroico para coibir atos abusivos do Poder Legislativo e Poder Executivo Municipal, o que poderá surtir efeito no sentido do controle de constitucionalidade repressivo de lei municipal contrária à CF/88; b) orientar a associações, sindicatos etc., que ajuízem Ação Civil Pública, com controle difuso, mas com efeito erga omnes restrito a seus substitutos processuais, razão pela qual não há que se falar que tal ação faz papel de ADIn, pois o resultado final ficará restrito a uma categoria e não a todo município; c) orientar a própria sociedade que ajuíze ações individuais visando o controle difuso com efeitos intra partem e ex tunc, caso em que, o parquet atuará como custos legis; d) oficiar a Câmara de Vereadores (no caso de leis municipais) ou a Câmara Legislativa (no caso do Distrito Federal atuando na sua competência municipal) para, com todo respeito, expor os fatos e sugerir a revogação daquela lei, sob pena de indenização por perdas e danos aos munícipes contra o Poder Legislativo, diante da inconstitucionalidade cristalina. 289 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Estes, s.m.j., são os caminhos jurídico-técnicos a serem adotados, de acordo com o sistema de controle de constitucionalidade consagrado no Brasil, pelo Poder Constituinte Originário responsável pela Constituição Federal de 05/10/1988” (professor Thales Tácito). 290 Material Complementar da Obra Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos Foro por prerrogativa de função A Lei no 10.628/02 deu foro pela prerrogativa de função para: a) agentes políticos que estejam no mandato e cometam crimes – hipótese consagrada na CF/88; b) agentes políticos que não estejam no mandato e cometeram o crime durante o mandato26 – hipótese não consagrada na CF/88 e que havia sido motivo do cancelamento da Súmula no 394 do STF; c) agentes políticos que estejam no mandato e cometam ilícito cível de improbidade administrativa (Lei no 8.429/92) – hipótese não consagrada na CF/88; d) agentes políticos que não estejam no mandato e cometeram ilícito cível de improbidade administrativa quando do mandato (Lei no 8.429/92) – hipótese não consagrada na CF/88. Apenas as três últimas hipóteses foram novidades trazidas pela Lei no 10.628/02, pois a primeira já estava prevista na CF/88. Com base nesta lei, surgiram duas posições na época: 1a posição: a lei era inconstitucional; logo, por exemplo, o Promotor de Justiça deveria ajuizar ação civil pública contra o Prefeito por improbidade administrativa, pedindo ao juiz que fizesse o controle difuso de constitucionalidade, para declarar a Lei no 10.628/02 inconstitucional – diversos juízes e Tribunais do País agiram assim (TJ/SP, TJ/MG, posição defendida à época pelo Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais); 2a posição: a lei não era inconstitucional; logo, deveriam ser criados grupos difusos no Ministério Público de 2o grau para processar agentes políticos por improbidade administrativa junto aos tribunais competentes. Nossa posição à época: Entendo que a lei é inconstitucional, porém, adoto a segunda posição, porque o STF negou liminar de ADIn da CONAMP (Associação Nacional do MP), que tem efeito vinculante do stare decisis do direito norte-americano e, ainda que não fosse, no mérito, o STF, declarando inconstitucional a citada lei, daria efeito ex tunc para anular todos os feitos da primeira corrente. 26 A lei não especificou se os crimes devem ou não estar relacionados com o mandato, o que vem causando muita discussão; por exemplo, se um deputado for traficante (isso não está ligado ao mandato e, portanto, não poderia ser abrangido por esta lei). 291 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Esse artigo, de minha autoria, foi defendido no Congresso Estadual do Ministério Público de Minas Gerais em Ouro Preto, em março de 2003, tendo uma moção especial ao Procurador-Geral de Justiça, que até então adotava a primeira posição. Sobre o artigo (vide no site www.portalttc.com.br). Penso que a primeira posição é a mais técnica, porém, a mais perigosa, já que certamente a segunda posição vingará, conforme várias sinalizações do STF, entre elas, a Reclamação 2.138/DF, relator Ministro Nelson Jobim, na qual o STF, por 5 votos favoráveis, com pedido de vista do Ministro Carlos Velloso, entendeu que cabia foro por prerrogativa de função ao ex-Ministro da Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardemberg no tocante à improbidade administrativa. Nessa reclamação, o STF entendeu que a Lei no 8.429/92 prevê sanções de penas pecuniárias e perda da função, além de suspensão de direitos políticos, sendo que, em relação às duas últimas, somente a CF/88 pode estabelecer a forma de investidura e perda do cargo, bem como a suspensão de direitos políticos, logo, deve-se fazer interpretação extensiva ao foro pela prerrogativa de função da área criminal, na área cível de improbidade (se pode o mais, pode o menos, até porque a lei de improbidade, apesar de cível, gera reflexos penais por via oblíqua). O professor Hugo Nigro Mazzilli entende que o raciocínio acima, do STF, está correto, exceto para sanções pecuniárias, que podem ser objeto de ação civil pública pelo MP independentemente do foro por prerrogativa de função, conforme palestra no Congresso Estadual do Ministério Público de Minas Gerais em Ouro Preto (março de 2003). Discordo do mestre Mazzilli, ou seja, apesar de reconhecer que o STF vai declarar a Lei no 10.628/02 constitucional pelos argumentos acima, e que por isso o MP deveria fazer como o MP/RS fez, o professor lamenta que o STF decida dessa forma, porque: o foro pela prerrogativa de função previsto na CF/88 na esfera criminal deveria ser interpretado restritivamente pelo STF, como fez ao cancelar a Súmula no 394 do STF, e somente para agentes que se encontrassem no mandato ou cargo, ou seja, não se poderia jamais ampliar o foro pela prerrogativa de função previsto na Carta Magna para esfera cível de improbidade administrativa, principalmente nas hipóteses de perda ou cessação do cargo ou mandato, pois a sociedade estará desprotegida de um dos mais fortes personagens (Ministério Público de primeiro grau de atuação) e instrumentos legais, além de caracterizar 292 Material Complementar da Obra inconstitucionalidade vertente, qual seja, o foro ser dado a pessoa e não ao cargo, o que caracteriza Tribunal de Exceção, vedado pelo princípio constitucional do juiz natural. Se assim não fosse, por que a Lei no 10.628/02 passou na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em regime de urgência constitucinal nas vésperas da Copa do Mundo, onde a população brasileira e imprensa estavam dispersas com o futebol? Por que a sanção foi feita nas vésperas de Natal (24/12/02 – como se fosse um presente...), época igualmente de dispersão nacional? Por que retirar do povo brasileiro, que detém o poder (art. 1o, parágrafo único, da CF/88), delegado a representantes do Congresso Nacional, a soberania de opinar ou acompanhar importante Lei em épocas de nenhuma dispersão??? Posição atual do STF Na ADIn no 2.797 da CONAMP, o STF, no dia 15 de setembro de 2005, declarou a Lei no 10.628/02 inconstitucional, sendo que o Legislativo prometeu uma PEC para ressuscitar aludida lei extinta. O STF julgou, por 7 x 3, a inconstitucionalidade formal da Lei no 10.628/02, ou seja, não poderia uma lei ordinária tratar de matéria de reserva constitucional. Com isto, o Legislativo apressará a PEC (Reforma do Judiciário, parte II), que tramita no Congresso, para “ressuscitar” a Lei no 10.628/02 que foi eliminada pelo STF, o que deve novamente ser motivo de muitas discussões e polêmicas. Acompanhem a notícia completa: Por maioria de votos, o plenário do Supremo declarou a inconstitucionalidade do foro especial para ex-ocupantes de cargos públicos e/ou mandatos eletivos, previsão dada pela Lei no 10.628/02. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn no 2.797) proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp). A decisão ocorreu no dia 15/09/2005, direto do Plenário do STF e transmitido ao vivo pela TV Justiça. A ação contestava os parágrafos 1o e 2o do art. 84 do Código de Processo Penal (CPP), que estabelece foro privilegiado a ex-detentores de cargo público por ato de improbidade administrativa (Lei no 10.628/2002). Com a decisão, eles perdem o direito de serem julgados por um foro especial na Justiça nos casos de atos de improbidade administrativa. Agora, essas ex-autoridades devem ser julgadas pela instância judicial competente, de acordo com a natureza do ato.” 293 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente No julgamento prevaleceu o entendimento do relator, Sepúlveda Pertence, que considerou procedente a ação. “O meu voto acolhe basicamente a ação de improbidade por não se cuidar de uma competência penal e consequentemente não poder somar-se à competência originária do Supremo que é exclusivamente constitucional”, afirmou o Ministro Pertence. De acordo com o relator, o parágrafo 1o do art. 84 “constitui evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula no 394” pelo Supremo. “Tanto é assim que a redação dada ao dispositivo questionado se aproxima substancialmente da proposta, então recusada pelo Tribunal”. A Súmula no 394 estabelecia que “cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. Votos Seis ministros acompanharam o entendimento do relator. O ministro Joaquim Barbosa, ao votar, afirmou que o dispositivo atacado contém uma “mácula insanável”, pois traduz tentativa de neutralizar decisão do Supremo, que resultou no cancelamento da Súmula no 394. Barbosa citou o relator, Ministro Sepúlveda Pertence, ao ressaltar ser inconstitucional qualquer iniciativa do legislador ordinário no sentido de reformular entendimento formalmente expresso pelo STF. “Admitirmos [a lei] equivaleria a submeter às decisões dessa Corte aos humores do poder político”, disse. Por sua vez, o Ministro Carlos Ayres Britto, durante seu voto, lembrou que, conforme o Supremo, em matéria de prerrogativa de foro prevalece o princípio da atualidade do exercício da função. “O ex-titular do cargo, do mandato, da função não carrega consigo a prerrogativa como traz consigo a sua roupa, a sua indumentária, a sua vestimenta cotidiana, então me parece que, neste caso específico, o cancelamento da Súmula no 394 foi muito bem processado e se mantém rigorosamente atual nos seus fundamentos jurídicos”, considerou o ministro. 294 O Ministro Cezar Peluso também acompanhou integralmente o voto do relator. Peluso apontou uma diferença entre prerrogativa e privilégio, observando que a primeira é uma salvaguarda para o exercício da função pública com Material Complementar da Obra autonomia. Por outro lado, afirmou o ministro, quando cessa a função pública, a manutenção de tal prerrogativa passa a ser um privilégio, por adquirir um caráter pessoal e não funcional. Segundo o Ministro Cezar Peluso, nesse sentido é inquestionável a revogação da Súmula no 394, que acabou com o foro especial para quem deixou o cargo. O Ministro Marco Aurélio também acompanhou o voto do relator e afirmou que a competência do Supremo é fixada de forma exaustiva na Constituição Federal não existindo possibilidade de ampliar essa competência mediante lei ordinária. Segundo o ministro, o que está em jogo “é a intangibilidade da Constituição, que não pode ser alterada pelo legislador ordinário”. Seguindo a mesma argumentação, o Ministro Carlos Velloso ressaltou que o § 2o do art. 84 do CPP, um dos dispositivos questionados na ação, equipara em nível constitucional a ação civil por improbidade administrativa e o delito penal, o que contraria o disposto no art. 37, § 4o, da Constituição da República. Para Velloso, a lei atacada também invade a competência originária do Supremo, que é taxativamente expressa pela Carta Magna. Celso de Mello também votou com o relator, declarando inconstitucionais os dispositivos impugnados. Ele afirmou que o Congresso Nacional não tem legitimidade para restringir ou ampliar a competência originária do STF, do STJ, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados. “É uma indevida ingerência normativa do Congresso Nacional”, assinalou. De acordo com Celso de Mello, somente por emenda à Constituição se poderia modificar a competência dos tribunais. “Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadãos, nada pode justificar a outorga de tratamento seletivo que vise a dispensar determinado privilégio, ainda que de índole funcional, a certos agentes públicos que não mais se acham no desempenho da função pública”, finalizou. A divergência O Ministro Eros Grau, ao ler seu voto-vista, abriu divergência em relação ao voto do relator. O ministro julgou parcialmente procedente a ação, conferindo aos §§ 1o e 2o do art. 84 do Código de Processo Penal, interpretação conforme à Constituição. 295 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente NOTA “Interpretação conforme à Constituição“ ocorre quando um Ministro do STF, ao julgar uma ADIn, entende que um dispositivo da norma impugnada não é inconstitucional se e somente se for interpretado de forma tal, ou seja, é uma interpretação condicionada para ser considerada constitucional, de forma que se os demais ministros acompanham, nenhuma outra interpretação pode ser dada àquele dispositivo, sob pena de reclamação. Numa linguagem popular, “salva-se o dispositivo, porém, limita-se o seu alcance”, fazendo sua interpretação exata aos demais postulados para própria CF/88. Este tipo de instrumento é muito utilizado no STF, guardião da CF e da perfeita interpretação constitucional das leis. Segundo Grau, a ação de improbidade administrativa tem reflexo de natureza penal daí por que os que cometerem irregularidades no exercício do cargo deverão responder no foro especial, ressalvados os casos já julgados na primeira instância. O ministro explicou que o agente político, mesmo depois de afastado da função pública, deve ser processado e julgado perante o foro definido por prerrogativa de função, se acusado criminalmente por fato ligado ao desempenho das funções inerentes ao cargo. Por outro lado, disse que o agente político não responde à ação de improbidade administrativa se estiver sujeito a crime de responsabilidade pelo mesmo fato. Não estará, neste caso, abrangido pelas disposições atinentes ao foro para propositura de ação de improbidade estabelecidas no art. 84 e parágrafos do Código de Processo Penal. “Não há como conceber a convivência de uma ação de improbidade de nítidos efeitos penais, de responsabilidade política, com uma ação penal correspondente por crime de responsabilidade ajuizadas perante distintas instâncias judiciais”, afirmou, para acrescentar que a punição para a autoridade cujo ato de improbidade está tipificado como crime de responsabilidade já estaria previsto na lei que cuida dessa situação específica. Já para o Ministro Gilmar Mendes, que acompanhou a divergência aberta pelo Ministro Eros Grau, qualquer equiparação absoluta entre agentes políticos e os demais agentes públicos é equivocada. Nesse sentido, defendeu que “prerrogativa de foro não se confunde com foro privilegiado, pois a prerrogativa de função é distinta de privilégios na função”. 296 Material Complementar da Obra Gilmar Mendes salientou que ao criar a lei questionada, o legislador apenas optou por uma disciplina que melhor concretiza a instituição da prerrogativa de foro prevista na Constituição. Em sua avaliação, “só faz sentido falar em prerrogativa de foro se ela se estende para além do exercício das funções”. Segundo argumenta, “é nesse momento que presta alguma utilidade ao ocupante do cargo”. No entendimento do Ministro Gilmar Mendes, as perseguições, inclusive processuais, ocorrem depois do abandono do cargo. A Ministra Ellen Gracie presidiu a sessão e acompanhou a divergência. Por fim, o Ministro Cezar Peluso questionou a Corte sua preocupação no sentido de, com a inconstitucionalidade formal mantida, se deveria dar efeito ex nunc (art. 27 da Lei no 9.868/99), para evitar com que os processos julgados nos Tribunais não fossem nulos, pelo que o Ministro Sepúlveda Pertence entendeu desnecessário, já que “todos os processos estavam paralisados na Justiça aguardando decisão do STF”. NOTA Além disto, não seria necessária a “calibragem dos efeitos da decisão (efeito ex nunc neste caso) ou “inconstitucionalidade interrompida”, porquanto, sob a égide da liminar negada na CONAMP, quando ingressou com a ação, os Tribunais que entenderam ser competentes e processaram feitos (poucos, é verdade), estavam protegidos pela negativa de liminar que lhes conferiram competência e pelo art. 2o do CPP (resguardo dos atos processuais já praticados). 297 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos 1.2.1.5. EFEITO DA COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Microssistema de tutela jurisdicional coletiva, natureza jurídica da ação civil pública e transporte in utilibus da coisa julgada coletiva O professor Gregório Assagra, jurista de escol e autor das melhores obras de Tutela Coletiva, no site www.portalttc.com.br, concedeu-nos entrevista e respondeu a estas questões de alta complexidade: 1. Explique o que vem a ser o microssistema de tutela jurisdicional coletiva comum e a exigibilidade de dupla compatibilidade para a aplicabilidade subsidiária do CPC a esse microssistema. 298 Gregório Assagra: A Lei no 8.078, de 11/09/1990, ao inserir na Lei da Ação Civil Pública – LACP o art. 21, criou um microssistema de tutela jurisdicional coletiva comum, o qual decorre da completa interação entre a parte processual do Código de Defesa do Consumidor – CDC (arts. 81/104) e a LACP. Daí ser o CDC, depois da LACP e da CF/88, o terceiro grande momento histórico do movimento referente à consagração da tutela jurisdicional coletiva no Brasil. A aplicabilidade aqui entre o CDC, parte processual, e a LACP, não é subsidiária, mas integrada (art. 90 do CDC e art. 21 da LACP). Essa integração forma um microssistema de tutela jurisdicional coletiva comum composto de normas de superdireito processual coletivo comum – regras gerais do sistema jurídico brasileiro. Com efeito, caso, por exemplo, alguém tenha dúvida sobre a existência de litispendência entre um mandado de segurança coletivo e um mandado de segurança individual, a resposta está no art. 104 do CDC, o qual diz expressamente que não há litispendência entre ação coletiva e ação individual. Por outro lado, o CPC, por ter um sistema processual voltado para a resolução de conflitos interindividuais, a sua aplicabilidade no microssistema de tutela jurisdicional coletiva comum (CDC, parte processual, e LACP) é subsidiária limitada (art. 19 da LACP e art. 90 do CDC) e, assim, depende de dupla compatibilidade: formal e teleológica. Formal, no sentido de que o CPC somente tem aplicabilidade nas hipóteses de inexistência de normas específicas Material Complementar da Obra em sentido contrário no referido microssistema. Teleológica, no sentido de que o CPC somente tem aplicabilidade se não colocar em risco ou impedir a proteção dos interesses e direitos coletivos em sentido amplo. Por exemplo: não há, no microssistema em questão, norma que disponha sobre a responsabilidade processual do requerente de medida cautelar e, mesmo assim, não seria razoável, somente com base na compatibilidade formal, aplicar a regra de responsabilidade processual objetiva prevista no art. 811 do CPC, pois essa disposição inibe a atuação dos legitimados coletivos arrolados no art. 82 do CDC e no art. 5o da LACP e, portanto, coloca em risco a proteção de interesse social. Há, no caso, compatibilidade formal, mas incompatibilidade teleológica. 2. Fale sobre a natureza jurídica da ação civil pública nos planos constitucional, processual, procedimental, do provimento jurisdicional (teorias trinária e quinária), do objeto material e, ainda, no plano da tutela jurisdicional preventiva e repressiva. Gregório Assagra: inicialmente quero destacar que é de importância fundamental o estudo e a compreensão da natureza jurídica dos institutos jurídicos, pois é a partir desta análise que se poderá aferir a verdadeira dimensão de cada instituto, em todos os seus planos e dimensões. A ação civil pública tem previsão expressa na Constituição (art. 129, III, da CF/88) e também previsão e disciplina no plano infraconstitucional (Lei no 7.347/85). Assim, ela interessa tanto ao direito constitucional, quanto ao direito processual. Com efeito, a natureza jurídica da ação civil pública poderá ser vista em múltiplas dimensões. No plano do Direito Constitucional, a ação civil pública tem natureza jurídica de garantia constitucional, já que incorporada na CF, art. 129, III. É uma garantia constitucional processual específica, já que as garantias constitucionais processuais gerais seriam os princípios (devido processo legal, contraditório, ampla defesa etc.). Com base nesta cláusula aberta sobre os direitos e garantias constitucionais fundamentais (art. 5o, § 2o, da CF/88), entendemos que a ação civil pública possui também, seja pela sua relevância e dimensão social, seja por força do art. 5o, XXXV, da CF, que garante o acesso amplo e irrestrito à justiça, natureza jurídica de garantia constitucional fundamental. Assim, pelo prisma constitucional, a ação civil pública tem aplicabilidade imediata (art. 5o, § 1o, da CF), 299 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente não pode ser interpretada restritivamente e, além, tem preferência na tramitação processual etc. No plano do direito processual, a ação civil pública tem natureza de ação. É espécie de ação coletiva. Ademais, aplicável aqui o princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do Direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 578) previsto no art. 83 do CDC c/c o art. 21 da LACP. Veja-se a redação abaixo transcrita do art. 83 mencionado. 300 Não é correto afirmar que a ação civil pública é ação típica e exclusivamente de conhecimento. De acordo com a causa de pedir e pedido que poderão ser formulados concretamente, a ação civil pública poderá ser de conhecimento (acertamento), de execução (efetivação) ou cautelar (assecuratória). “Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.” No plano processual do procedimento, à ação civil pública poderá ser imprimido o rito ordinário, o sumário, ou qualquer procedimento especial adequado, isso quando se tratar de ação civil pública de conhecimento; já quando se tratar de ação civil pública de natureza executiva ou cautelar, aplica-se os procedimentos previstos no CPC (art. 19 da LACP), conforme situação ventilada e adequação decorrente. É o que também decorre da incidência do princípio da máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum previsto no art. 83 do CDC e aplicável à LACP por força do art. 21 da LACP. No plano processual do provimento jurisdicional, no processo de conhecimento, a natureza da ação civil pública poderá ser declaratória, constitutiva, condenatória pura ou qualificada (teoria trinária, que no Brasil é sustentada pela doutrina clássica e tem como um dos seus principais defensores Cândido Rangel Dinamarco) ou, ainda, mandamental e executiva – executiva lato sensu para muitos (teoria quinária, idealizada com base na doutrina de Pontes de Miranda e que tem como um dos seus grandes defensores no Brasil o jurista Luiz Guilherme Marinoni). Qualquer pedido, desde que o mais adequado, é cabível em sede de ação civil pública. Aplica-se aqui o princípio, já acima referido, previsto no art. 83 do CDC, aplicável à ação civil pública por força do art. 21 Material Complementar da Obra da LACP. Contudo, observa-se que há entendimento minoritário que sustenta, com base em interpretação meramente literal dos arts. 3o e 11 da LACP, a tese de que, em sede de ação civil pública, somente se admite pedidos de obrigação de dar quantia ou de obrigação de fazer ou não fazer. O que contraria o disposto no art. 83 do CDC e, inclusive, o direito constitucional a uma tutela jurisdicional coletiva adequada, que tem amparo no art. 5o, XXXV, da CF. É de se destacar, ainda, que o STJ, com base em interpretação também meramente literal e divorciada da Constituição e do microssistema de tutela jurisdicional coletiva comum (CDC, parte processual, mais LACP), já decidiu que é impossível cumular condenação em dinheiro e cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (STJ, 1a T., Recurso Especial 94.298/R, rel. Min. Garcia Vieira, DJU-I 21/06/1999). No plano dos direitos tuteláveis, a ação civil pública é espécie do gênero ação coletiva, já que se destina à tutela dos direitos coletivos lato sensu (difusos, coletivos e individuais homogêneos). Portanto, trata-se, nessa dimensão, de uma ação coletiva. No plano da função preventiva ou repressiva da tutela jurisdicional, a Constituição Federal de 1988 assegura, expressamente, no art. 5o, XXXV, a tutela jurisdicional repressiva e a preventiva ao estabelecer que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”. A melhor leitura do referido dispositivo constitucional, na sua qualidade de garantia constitucional fundamental, é a que a lei (legislador), o particular e o próprio órgão jurisdicional não poderão excluir da apreciação do Poder Judiciário a afirmação de lesão ou de ameaça a direitos em geral (individuais ou coletivos). Por outro lado, quando a Constituição garante o acesso amplo à tutela no art. 5o, XXXV, ela não faz distinção entre direitos individuais ou coletivos e, não fosse isso, ainda prevê que a tutela poderá ser tanto repressiva, quando ocorra lesão, quanto preventiva, quando haja ameaça a direito. Com efeito, a ação civil pública, na esteira do art. 5o, XXXV, da CF, poderá ser tanto repressiva (ação civil pública com pedido de execução, quando houver lesão a direitos coletivos em geral por inadimplemento da obrigação fixada em termo de ajustamento de conduta; ação civil pública com pedido condenatório de reparação em espécie de danos materiais ou morais coletivos; ação civil pública com pedido reparatório in natura do dano etc.), quanto preventiva (ação civil pública cautelar; ação civil pública de conhecimento com pedido de tutela inibitória para atacar 301 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente o ilícito contra direitos coletivos em geral e evitar a sua prática, continuidade ou repetição). 3. O que vem a ser o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva? 302 Gregório Assagra: o transporte (ou transferência) in utilibus da coisa julgada coletiva, nada mais é do que a possibilidade de utilização da coisa julgada coletiva na esfera individual. Essa possibilidade, que decorre do princípio da máxima utilidade da tutela jurisdicional coletiva comum, tem previsão no § 3o do art. 103 do CDC, o qual dispõe que os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei no 7.347/85, não poderão prejudicar as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, porém, se procedente o pedido, beneficiará as vítimas e seus sucessores, os quais poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99 do CDC. Portanto, conforme estabelecido no § 3o do art. 103 do CDC, é possível a transferência in utilibus, para o plano individual, da coisa julgada coletiva formada, por exemplo, em sede de ação civil pública que tenha como objeto de tutela de direitos difusos e coletivos. Com isso, as vítimas ou seus sucessores poderão se beneficiar individualmente desta coisa julgada coletiva e com base nela poderão proceder diretamente à liquidação individual da sentença geradora da coisa julgada coletiva. Entretanto, deverão alegar e, em regra, provar: o dano sofrido, a relação de causalidade e ainda o quantum debeatur. Aplica-se aqui o disposto nos arts. 96 a 100 do CDC. O art. 103, § 4o, do CDC também prevê a possibilidade de transferência ou transporte in utilibus da sentença penal condenatória para o plano civil. Material Complementar da Obra Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses Individuais, Difusos e Coletivos 1.2.1.6. Ministério Público e aumento de mensalidades escolares O Ministério Público Estadual tem legitimidade para contestar aumento nas mensalidades escolares. O Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, julgou legítima a competência do Ministério Público Estadual (São Paulo) para propor ação civil pública para questionar na Justiça aumentos abusivos nas mensalidades escolares. A decisão do Ministro foi tomada no Recurso Extraordinário (RE) 332545, no qual o Ministério Público Estadual contestava acórdão favorável à Sociedade Visconde de São Leopoldo. Veja a íntegra da decisão: Recurso Extraordinário 332.545-1-São Paulo Relator: Min. Gilmar Mendes Recorrente: Ministério Público Estadual Recorrida: Sociedade Visconde de São Leopoldo Decisão: Trata-se de recurso extraordinário fundado no art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão que entendeu que o Ministério Público não tem legitimidade para propor ação civil pública sobre mensalidades escolares. O acórdão ficou assim ementado: “Ilegitimidade ‘ad causam’. Ação civil pública. Ministério Público. Mensalidades escolares. Impossibilidade do uso da ação civil pública, em juízo, para a defesa de interesses de pequenos grupos determinados, em razão de danos variáveis e divisíveis. Hipótese de prestação de serviços, de caráter patrimonial e privado, disciplinados por uma relação exclusivamente contratual. Ausência de conversão da escola particular em ente público pelo fato de desempenhar relevante missão social. Incompetência do Ministério Público na substituição dos indivíduos na esfera de seus direitos. Ilegitimidade caracterizada. Recurso improvido” (fls. 373). Alega-se violação aos arts. 127, caput, 129, III e IX, 205 e 209, da Carta Magna. 303 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente O acórdão recorrido extraordinariamente não está em consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme se depreende do julgamento do RE 163.231, Plenário, Rel. Maurício Corrêa, DJ 29/06/01: “Ementa: Recurso extraordinário. Constitucional. Legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública em defesa dos interesses difusos, coletivos e homogêneos. Mensalidades escolares: capacidade postulatória do parquet para discuti-las em juízo. 1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminabilidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinabilidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 304 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. Material Complementar da Obra 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o art. 129, inc. III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação. Assim, conheço e dou provimento ao recurso (art. 557, § 1oA, do CPC), para afastar a alegada ilegitimidade do Ministério Público Estadual. Publique-se. Brasília, 06 de maio de 2005. Ministro Gilmar Mendes Relator.” 305 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Capítulo 15 – Ministério Público Dissertação apresentada na disciplina “Constituição e Direitos Fundamentais” do Mestrado em Direito Público da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul no primeiro semestre de 2003, ministrada pelo Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet. O juiz federal Giovani Bigolin, em artigo publicado em 30/06/2004, A reserva do possível como limite à eficácia e efetividade dos direitos sociais, levanta a necessidade da análise do papel do Poder Judiciário no que diz respeito ao amparo das pretensões positivas, ou seja, se é possível ao magistrado tutelar tais pretensões ou se estaria ele limitado ao controle do discurso em face da separação dos poderes, já que diante da “reserva do possível” negar-se-ia a competência dos juízes (não legitimados pelo voto) a dispor sobre medidas de políticas sociais que exigem gastos orçamentários e por vezes edição de leis. Ao explicar o que significa “reserva do possível”, o juiz federal leciona que: Canotilho vê a efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais dentro de uma “reserva do possível” e aponta a sua dependência dos recursos econômicos. A elevação do nível da sua realização estaria sempre condicionada pelo volume de recursos suscetível de ser mobilizado para esse efeito (GOMES CANOTILHO, J. J. e VITAL MOREIRA. In: Fundamentos da Constituição, 1991, p. 131.). Nessa visão, a limitação dos recursos públicos passa a ser considerada verdadeiro limite fático à efetivação dos direitos sociais prestacionais. Essa teoria, segundo Andreas Krell (In: Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de um direito constitucional “comparado”, pp. 45 a 49) representa uma adaptação de um tópos da jurisprudência constitucional alemã que entende que a construção de direitos subjetivos à prestação material de serviços públicos pelo Estado está sujeita à condição de disponibilidade dos respectivos recursos. Ao mesmo tempo, a decisão sobre a disponibilidade dos mesmos estaria localizada no campo discricionário das decisões governamentais e dos parlamentos, através da composição dos orçamentos públicos. 306 Segundo o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, esses direitos a prestações positivas (Teilhaberechte) “estão Material Complementar da Obra sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade”. Essa teoria impossibilita exigências acima de um certo limite básico social; a Corte recusou a tese de que o Estado seria obrigado a criar a quantidade suficiente de vagas nas universidades públicas para atender a todos os candidatos (BverfGE [coletânea das decisões do Tribunal Constitucional Federal], no 33, S. 333, apud KRELL, Andreas J. Op. cit., p. 52.). Vale dizer, é necessário não apenas que a norma outorgue certa capacidade de atuação para o seu destinatário como também existam recursos materiais que tornem possível a satisfação do direito, fatores que consubstanciam a cláusula da “reserva do possível”. (...) O Prof. Gustavo Amaral em seu livro Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas parte seu estudo do exame de decisões judiciais que teriam considerado o direito à saúde como absoluto e incontrastável, procedendo a uma avaliação crítica. As decisões são as que passo, desde logo, a descrever. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao julgar o Agravo de Instrumento no 97.000511-3, Rel. Des. Sérgio Paladino, entendeu que o direito à saúde, garantido na Constituição, seria suficiente para ordenar ao Estado, liminarmente e sem mesmo sua oitiva, o custeio de tratamento nos Estados Unidos, beneficiando um menor, vítima de distrofia muscular progressiva de Duchenne, ao custo de US$ 163.000,00, muito embora não houvesse comprovação da eficácia do tratamento para a doença, cuja origem é genética. Nesse julgamento foi asseverado que: “Ao julgador não é lícito, com efeito, negar tutela a esses direitos naturais de primeiríssima grandeza sob o argumento de proteger o Erário”, sendo afastados os argumentos de violação aos arts. 100 e 167, I, II e VI, da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal, em decisão de seu presidente Min. Celso de Mello negou pedido de suspensão dos efeitos da liminar por grave lesão à ordem e à economia pública, solicitada pelo Estado de Santa Catarina (AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas, p. 26). Em sentido diametralmente oposto, Gustavo Amaral elenca decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em exame 307 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente de idêntico pedido em favor de menores portadores da mesma doença, lançada sob os seguintes argumentos: “não se há de permitir que um poder se imiscua em outro, invadindo esfera de sua atuação específica sob o pretexto da inafastabilidade do controle jurisdicional e o argumento do prevalecimento do bem maior da vida. O respectivo exercício não mostra amplitude bastante para sujeitar ao Judiciário exame das programações, planejamentos e atividades próprias do Executivo, substituindo-o na política de escolha de prioridades na área de saúde, atribuindo-lhe encargos sem o conhecimento da existência de recursos para tanto suficientes. Em suma: juridicamente impossível impor-se sob pena de lesão ao princípio constitucional da independência e harmonia dos poderes obrigação de fazer, subordinada a critérios tipicamente administrativos, de oportunidade e conveniência, tal como já se decidiu (...)”. (TJSP, 2a Câmara de Direito Público, Rel. Des. Alves Bevilacqua, Ag. Instr. no 42.530–5/4, j. 11/11/1997). A terceira decisão citada também é do Tribunal de Justiça de São Paulo, também envolvendo menor vítima da mesma doença congênita: “O direito à saúde previsto nos dispositivos constitucionais citados pelo agravante, arts. 196 e 227 da CF/88, apenas são garantidos pelo Estado, de forma indiscriminada, quando se determina a vacinação em massa contra certa doença, quando se isola uma determinada área onde apareceu uma certa epidemia, para evitar a sua propagação, quando se inspecionam alimentos e remédios que serão distribuídos à população etc., mas que quando um determinado mal atinge uma pessoa em particular, caracterizando-se, como no caso, num mal congênito a demandar tratamento médicohospitalar e até transplante de órgão, não mais se pode exigir do Estado, de forma gratuita, o custeio da terapia, mas dentro do sistema previdenciário” (TJSP, 9a Câmara de Direito Público, Des. Rui Cascaldi, Agr. Instr. no 48. 608-5/4, julgado em 11/02/1998, unânime). 308 As três decisões citadas contêm concepções díspares. Para o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o direito à saúde seria incontrastável e absoluto, devendo o Estado acatá-lo em qualquer caso. Para a decisão da 9a Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, o direito à saúde limitar-se-ia à necessidade de o Estado desenvolver políticas públicas de Material Complementar da Obra saúde, enquanto que o tratamento de doenças dependeria da filiação a um sistema de previdência e à cobertura dada por esse sistema. Para a 2a Câmara do mesmo Tribunal, ao seu turno, o direito à saude é ditado por políticas públicas destinadas a gerenciar recursos escassos, sendo juridicamente impossível ao Judiciário imiscuir-se na questão. Gustavo Amaral – procurador do Estado do RJ – culmina sua crítica aos posicionamentos judiciais citando decisão de primeira instância da Vara da Fazenda Pública de São Paulo, na qual um menor vítima da distrofia muscular de Duchenne obteve liminar para que o Estado de São Paulo arcasse com R$ 174.500,00, equivalentes ao valor em dólares necessários ao tratamento, ao fundamento de que o direito à vida preponderaria sobre qualquer outro. Sobreveio sentença de improcedência, revogando a antecipação de tutela e determinando a devolução da quantia levantada: “sob as penas civis e criminais cabíveis, pois o direito à saúde garantido pela Constituição deveria ser cumprido dentro dos limites das verbas alocadas à saúde, devendo o Governante, segundo os critérios de conveniência e oportunidade, procurar atender aos interesses de toda a coletividade de maneira universal e igualitária para cumprir a norma constitucional. Assim, o benefício a um único cidadão, como no caso do autor, prejudica o restante da coletividade de cidadãos, que veem as verbas destinadas à saúde diminuírem sensivelmente, em detrimento de suas necessidades” (Processo no 351/99, 14a Vara da Fazenda Pública de São Paulo). Segundo Gustavo Amaral, os julgados apontados não enfrentaram a questão microjustiça versus macrojustiça, reconhecendo haver direito subjetivo ao recebimento de tratamento médico sem qualquer consideração orçamentária. (Sobre conflitos entre critérios adotados numa ótica de microjustiça e critérios adotados numa ótica de macrojustiça o autor cita o chamado “dilema do prisioneiro”, descrito por John Rawls, no qual um somatório de escolhas individuais racionais produzem um resultado coletivo irracional.) Ocorre que os recursos, sobretudo no caso da saúde, são escassos, pois todas as estatísticas existentes sobre gastos com saúde, em todos os países, mostram uma progressão quase que geométrica. 309 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente O problema é bem nítido no Brasil, onde a desigualdade social faz com que parte da sociedade já sofra doenças “modernas” ou “da riqueza”, assim as consideradas como típicas de países mais desenvolvidos, ao passo que outra parcela ainda sofre com “doenças da miséria”, como febre amarela, cólera e malária (Folha de São Paulo, 24 de maio de 1998, pp. 2-3, e 27 de maio de 1998, pp. 3-8). Amaral afirma que se o Estado está obrigado a sempre ter recursos para prestar as utilidades que lhe são demandadas, ao menos no campo da saúde, então, por dever de coerência, há que se reconhecer o direito de obter esses recursos, mas, no campo da receita pública, seja no ramo da própria contenção de gastos, há direitos individuais, como as garantias tributárias, a vedação ao confisco, o direito à percepção dos vencimentos e proventos. Gustavo Amaral cita argumentos elencados por PecesBarba Martínez, Pérez Luno e Alexy para demonstrar a insuficiência de se divisarem os direitos fundamentais em direitos positivos e negativos considerando tais distinções ineficazes para evidenciar a problemática dos direitos sociais prestacionais, propondo uma ótica nova para enfocar as posições jurídicas que decorrem dos direitos fundamentais: a sua decomposição em pretensões. No desenvolvimento dessa tese, depois de evidenciar que mesmo os direitos negativos albergam pretensões positivas, um bom exemplo, citado por Alexy (“Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático”, Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vol. 16, 1999), seria o direito de crença, que tanto é o de professar uma como o de não tê-la e ser poupado de praticar qualquer crença. Esse conflito se manifestou no caso da “resoluçãocrucifixo”, na qual o Tribunal Constitucional Alemão proibiu a colocação de crucifixos em espaços escolares públicos), culmina por defender que os direitos humanos e fundamentais seriam direitos que não correspondem a deveres correlatos. (A afirmação de ‘direitos’ que não correspondem a ‘deveres’ pode chocar a princípio, mas cabe lembrar que a equivalência binomial direito-dever decorre de postulados do direito civil. Ora, as relações civis, mormente as obrigacionais, fundamse em uma lógica inaplicável, ou mesmo impertinente para o campo dos direitos humanos. As obrigações contratuais decorrem da autovinculação, ainda que a liberdade seja apenas a de contratar e não a de estipular os termos do contrato. (...) Já quanto aos direitos humanos o mesmo não pode ser dito. A 310 Material Complementar da Obra liberdade de ir e vir não decorre de qualquer ato ou fato. (Idem, ob. cit, pp. 106 e 107). Como esses direitos valem para todos os que estão em condições de recebê-los, mas os recursos para o atendimento das demandas são finitos, surge um conflito específico: o conflito por pretensões positivas, no qual será necessário decidir sobre o emprego de recursos escassos através de escolhas disjuntivas (o atendimento de uns e o não atendimento de outros). Esse conflito não é, em geral, tratado pela doutrina e mesmo o critério de ponderação revelar-se-ia insuficiente. O Procurador do Estado do Rio de Janeiro não concorda com as posições defendidas por Ricardo Lobo Torres e Robert Alexy em diferenciar um núcleo nomeado como “mínimo existencial” ou como status positivus das liberdades fundamentais, que seria sempre exigível, de outros direitos, que vigeriam sob a reserva do possível, gerando uma grande dificuldade lógica. A terminologia empregada para a exigibilidade dos direitos induziria a uma aplicação binária, exigível x não exigível, ao passo que a noção de mínimo existencial incluiria enorme gradação não existindo divisões nítidas. “O mínimo existencial seria o mesmo em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e interior de Alagoas? Se a resposta for positiva, então a escassez de recursos não estará sendo considerada. Se a resposta for negativa, então parecerá que foi incluída uma condição que afasta a exigibilidade incondicional”. Outra crítica é a unidimensionalidade do enfoque, pois a exigibilidade não decorreria apenas de características ônticas da necessidade, mas também da excepcionalidade da situação concreta. Um cataclismo natural ou social poderia momentaneamente tornar inexigível algo que pouco antes o era. Segundo o autor, a escassez de recursos ou de meios para satisfazer direitos, mesmo fundamentais, não pode ser descartada. Surgindo esta, o Direito precisa estar aparelhado para dar respostas. Certamente, na quase totalidade dos países, não se conseguiu colocar a todos dentro de um padrão aceitável de vida, o que comprova não ser a escassez, quanto ao mínimo existencial, uma excepcionalidade, uma hipótese limite e irreal que não deva ser considerada seriamente. Por isso, para Amaral, é necessário que os Juízes e Tribunais, quando forem decidir sobre a eficácia e efetividade das pretensões em casos específicos, fundamentem suas decisões admitindo o modo como os custos afetam a intensidade 311 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente e consistência dos direitos, examinando abertamente a competição por recursos escassos que não são capazes de satisfazer a todas as necessidades sociais, implicando em escolhas disjuntivas de natureza financeira. Normalmente, essa questão é tangenciada, pois apenas o caso concreto é analisado. (“Tomada individualmente, não há situação para a qual não haja recursos. Não há tratamento que suplante o orçamento da saúde ou, mais ainda, aos orçamentos da União, de cada um dos Estados, do Distrito Federal ou da grande maioria dos Municípios. Assim, enfocando apenas o caso individual, vislumbrado apenas o custo de cinco mil reais por mês para um coquetel de remédios, ou de cento e três mil reais para um tratamento no exterior, não se vê a escassez de recursos, mormente se adotando o discurso de que o Estado tem recursos ‘nem sempre bem empregados’.” (AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas, pp. 146 e 147). Se a apontada escassez é um condicionamento importante, ela não pode ser superdimensionada, tornando-se o único balizamento na concretização dos direitos sociais, sendo necessário acrescentar ingredientes éticos e políticos para que o instrumental jurídico possa não apenas ser legitimado, mas permitir que a evolução das condições econômicas e sociais possa beneficiar o maior número de pessoas. O Judiciário está aparelhado para decidir casos concretos, lides específicas que lhe são postas, tratando da microjustiça, da justiça do caso concreto e esta deve ser sempre aquela que possa ser assegurada a todos que estão ou possam vir a estar em situação similar, sob pena de quebrar-se a isonomia. Conclui que ao Poder Judiciário cabe apenas o controle do discurso e das condutas adotadas por aqueles que ocupam a função executiva ou legislativa, não cabendo ao magistrado fazer a mediação fatonorma, seja pela subsunção ou pela concreção. E, finalmente, dando sua posição pessoal, o didático professor conclui: 312 À luz de todo o exposto, importa informar desde já que a ausência de recursos materiais constitui uma barreira fática à efetividade dos direitos sociais, esteja a aplicação dos correspondentes recursos na esfera de competência do legislador, do administrador ou do judiciário. Ou seja, esteja a decisão das políticas públicas vinculada ou não Material Complementar da Obra a uma reserva de competência parlamentar, o fato é que a efetividade da prestação sempre depende da existência dos meios necessários. Não se pode negar que apenas se pode buscar algo onde algo existe. Nesse contexto, mesmo reconhecida situação tópica que pudesse estar indubitavelmente enquadrada dentro de um padrão mínimo, a entrega da prestação também estará sujeita à presença dos recursos materiais. Por outro lado, constatando-se a existência de meios econômicos (limitados e escassos), a discussão centra-se na sua repartição e na possibilidade de se arguir, perante o Poder Judiciário, a problemática da reserva do possível para se negar a entrega da prestação social contenciosamente postulada. Tal questão conecta-se ao reconhecimento ou não de uma reserva de competência parlamentar e, por consequência, à afronta ao princípio da separação dos poderes. A decisão sobre a aplicação dos recursos públicos, por sua direta implicação orçamentária incumbe precipuamente ao legislador. Isso não implica em desqualificar os direitos sociais como fundamentais, nem lhes conferir caráter meramente programático. No Brasil, diante da redação do § 1o do art. 5o, todos os direitos fundamentais têm aplicação imediata, sendo que, na qualidade de normas princípio, não podem ser aplicadas como tudo ou nada, conquanto presumese sua plena eficácia, a qual também não é absoluta. Existe a possibilidade de se reconhecerem direitos subjetivos a prestações, tutelados pelo Poder Judiciário, independentemente ou além da concretização do legislador. Impõe-se concordar com Alexy que apenas quando a garantia do material do padrão mínimo em direitos sociais puder ser tida como prioritária, estando presente uma restrição proporcional dos bens jurídicos (fundamentais ou não) colidentes, há como se admitir um direito subjetivo à determinada prestação social. Concorda-se com Sarlet que é possível existir um limite à liberdade de conformação do legislador em se tratando de condições existenciais mínimas. Para a definição do patamar mínimo a permitir a superação da limitação imposta pela reserva do possível, ressalvado o limite real de escassez, recolhe-se o posicionamento de Sarlet, o qual aponta como parâmetro demarcatório o valor fundamental da dignidade da pessoa humana, o qual representaria o verdadeiro limite à restrição dos direitos 313 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente fundamentais, coibindo eventuais abusos que pudessem levar ao seu esvaziamento ou à sua supressão. Mesmo em se tratando de escolhas disjuntivas, em que está em conflito o mesmo bem jurídico a ser tutelado, como é o caso de uma fila de pacientes aguardando o órgão a ser transplantado, a escassez natural de recursos não inibe a intervenção do Poder Judiciário sob o argumento da “reserva do possível”. É que a situação de ameaça à vida dos interessados enquadra-se no parâmetro existencial mínimo, permitindo a tutela imediata do Juiz que poderá reconhecer, acaso devidamente demonstrado, que o critério adotado pela administração (cronológico) pode ser topicamente superado, em face da comprovada urgência de atendimento de um paciente, mesmo em detrimento de outro que esteja em situação estável no aguardo da transferência do órgão. Ao Juiz incumbe a tarefa de efetivação dos direitos fundamentais, ainda que não seja exclusiva, preservando sempre os princípios da unidade da Constituição, sob o postulado da proporcionalidade. Àqueles que argumentam no sentido em que em tempos de crise até mesmo a garantia de direitos sociais mínimos poderia colocar em risco a necessária estabilidade econômica, impondo-se o “embalsamento” do Poder Judiciário, importa salientar, com Alexy, que justamente em tais circunstâncias uma proteção de posições jurídicas fundamentais na esfera social, por menor que seja, revela-se indispensável. 314 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 18 – A Defesa no ECA (Inclusive com o Advento da Lei n o 10.792/03) ECA: “Art. 206. A criança ou adolescente, seus pais ou responsável, e qualquer pessoa que tenha legítimo interesse na solução da lide poderão intervir nos procedimentos de que trata esta Lei, através de advogado, o qual será intimado para todos os atos, pessoalmente ou por publicação oficial, respeitado o segredo de justiça. Parágrafo único. Será prestada assistência judiciária integral e gratuita àqueles que dela necessitarem.” O jurista argentino Eugênio Raúl Zaffaroni entendeu este artigo como: “Pilar fundamental da transformação do processo minorista na sua configuração como processo acusatório. Ao longo de toda a História da Humanidade, a ideologia tutelar em qualquer âmbito resultou em sistema processual punitivo inquisitório. O “tutelado” sempre o tem sido em razão de alguma “inferioridade” (teológica, racial, cultural, biológica etc.). Colonizados, mulheres, doentes mentais, minorias sexuais etc. foram psiquiatrizados ou considerados “inferiores”, e, portanto, necessitados de “tutela”. A famosa Inquisição, no fundo, funcionou respondendo a uma sinalização de inferioridade teológica (aquele que se afasta da Verdade é inferior), e daí a necessidade de tutelar tanto o inferior como a “sociedade” frente a ele. Um processo para estabelecer essa “inferioridade” ou para “tutelar” em consequência desta determinação não requer que haja uma separação clara das funções do acusador, do defensor e do juiz, porque o tribunal, por sua natureza, deve reunir e sintetizar as três funções. “Inferioridade”, “tutela” e “inquisição” são, assim, conceitos complementares, quase necessários ou implicados. O reconhecimento do menor como pessoa demanda a superação de semelhante concepção inquisitória, e, por conseguinte, o giro fundamental se traduz na prática com a presença de defensor ou advogado como garantia do devido processo legal (divisão das funções judiciais e processuais). O processo acusatório é aquele que permite olhar o acusado “em nível igual” quanto à dignidade de pessoa. O olhar do 315 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente juiz para o processado é horizontal, sem que isto signifique que o juiz não deva considerar as particularidades do seu interlocutor, nem que se lese o princípio de humanidade, mas para realizar este princípio e para que seus enunciados, na prática, não degenerem na consagração de uma arbitrariedade ilimitada (uso perverso do discurso humanitário), justamente, é necessário o acusatório. O inquisitório, longe de realizar o princípio da humanidade, “coisifica” a pessoa, a quem o tribunal olha “de cima”, como sucede com toda ideologia da periculosidade do positivismo racista. A amplitude da disposição legal é sadia, pois tanto podem intervir advogado, os menores diretamente envolvidos e os pais e responsáveis como também todo aquele que tenha interesse na causa. A disposição do parágrafo único deve ser entendida como a mesma generosidade do artigo. A “necessidade” referida neste parágrafo não é uma restrição à defesa, porque, se assim fosse, resultaria contraditório o parágrafo único com a disposição geral que o precede: a maioria dos menores não tem capacidade de acesso à Justiça, nem de pagar um defensor. “Necessidade”, neste parágrafo, é a que todo menor tem quando pode ser afetado por uma decisão de um tribunal, ou todo o pai ou responsável que possa se ver privado de algum direito. Sem embargo, também pode ter “necessidade” outra pessoa que possa ter interesse na causa, e dentro deste conceito cabe entender que estão incluídos todos aqueles que, ainda que por simples guarda, desenvolveram vínculos afetivos com o menor, mesmo que não exista nenhum vínculo jurídico que os relacione. Os vínculos afetivos com os menores devem ser objeto de tutela jurídica, por serem eticamente positivos em qualquer sociedade (CURY, Munir et al, ECA Comentado, Malheiros, p. 641). 316 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 19 – Procedimentos O jurista e magistrado mineiro Geraldo Claret de Arantes,27 relembra o gênero garantia de direitos, com as espécies “prevenção especial”, “política de atendimento” e “medidas protetivas”, para em seguida versar sobre a “Fiscalização de tais direitos” e “procedimentos”: Para garantir a efetividade dos direitos declarados, o Estatuto da Criança e do Adolescente disponibilizou um feixe de ações preventivas e corretivas visando à implementação destes direitos. A Prevenção Especial regula, nos arts. 74 a 85, a Informação, Cultura, Lazer, Esportes, Diversões e Espetáculos, os Produtos e Serviços, abrangendo os bares, boates, hotéis, motéis, desfiles, diversões eletrônicas, teatros, certames e espetáculos, bebidas alcoólicas, tíner, colas, revistas, filmes, entre outros, e a autorização para viajar dentro e para fora do país. A Política de Atendimento regula, nos arts. 86 a 97, as ações e políticas sociais e os serviços de atendimento à criança e ao adolescente, fixando as normas que devem ser observadas pelas respectivas entidades governamentais e não governamentais, como hospitais, abrigos, creches, unidades de privação de liberdade, programas sociais etc. As Medidas Protetivas, elencadas nos arts. 98 a 102, constituem importante instrumento de implementação dos direitos das crianças e dos adolescentes em situação de risco, conforme o art. 98, que deve ser interpretado lato sensu, podendo as medidas ser aplicadas em procedimentos administrativos (subsidiariamente à competência do Conselho Tutelar), cíveis ou infracionais, e incluem a orientação, garantia da matrícula escolar, determinação judicial de inclusão em programas sociais do Município ou do Estado federado, tratamentos médico, hospitalar, psicológico ou psiquiátrico, inclusive contra a toxicomania, e abrigo, além da colocação em lar substituto nas modalidades de guarda ou adoção. A Fiscalização dos Direitos A apuração de irregularidades em entidades governamentais ou não governamentais terá início através de portaria da Autoridade Judiciária, de representação 27 ARANTES, Geraldo Claret de. Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do Operador Jurídico. Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008. 317 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, contendo o resumo dos fatos que devem ser apurados. A falta de oferecimento de serviços de saúde, remédios, próteses, creche e pré-escola, ensino fundamental, incluindo o noturno e supletivo, o transporte e os respectivos materiais didáticos, programas de inclusão social, abrangendo moradia e alimentação, e outros, importará no oferecimento das respectivas ações de obrigação de fazer, mandamental ou civil pública, que poderão ser intentadas, concorrentemente, pelo Ministério Público, por Associações ou por Advogados nomeados ou constituídos, na forma do art. 208 e seguintes. O oferecimento de produtos, serviços ou locais impróprios para as crianças e adolescentes submeterá o infrator à devida Ação por Infração Administrativa, que terá início por representação do Ministério Público ou do Conselho Tutelar ou ainda por Auto de Infração, lavrado por Comissário da Infância e da Juventude, dos quadros de servidores públicos efetivos ou, excepcionalmente, voluntário previamente habilitado pela Corregedoria de Justiça. O descumprimento dos deveres do Poder Familiar, mesmo em decorrência de Guarda Judicial ou Tutela, o descumprimento de determinação da Autoridade Judiciária ou do Conselho Tutelar, a falta de notificação de abuso ou maus-tratos a crianças e adolescentes por médicos, professores e enfermeiros, a divulgação da identidade de adolescente em conflito com a Lei, a falta de apresentação à Justiça de adolescente trabalhadora como doméstica e outras infrações tipificadas nos arts. 245 e seguintes, submeterá o faltoso à representação do Conselho Tutelar, do Ministério Público ou à lavratura do Auto de Infração pelo Comissário da Infância e da Juventude. Todas as infrações administrativas sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, após devido processo legal e a execução da sentença pelo Ministério Público, ao pagamento de multa, exclusivamente em favor do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. 318 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 19 – Procedimentos O jurista e magistrado mineiro, Geraldo Claret de Arantes,28 comenta os arts. 194 a 197 do ECA (Seção VII), que tratam “Da Apuração de Infração Administrativa às Normas de Proteção à Criança e ao Adolescente”, apresentando, inclusive, modelo. Assim: Os Procedimentos Ao verificar a ameaça ou violação das normas de prevenção ou em entidades de atendimento, em fiscalização de rotina ou mediante denúncia ou indicações, o Conselho Tutelar ou o Ministério Público apresentará Representação ao Juiz da Infância e da Juventude, e o Comissário da Infância e da Juventude lavrará Auto de Infração, contendo o resumo dos fatos e quando possível, a indicação de testemunhas. Apresentado imediatamente à Autoridade Judiciária o Auto de Infração, já com a intimação pessoal do autuado, realizada no momento da autuação, quando possível, ou a Representação do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, o autuado será citado pessoalmente ou por via postal, facultando-lhe a apresentação de defesa técnica no prazo de dez dias. Se a Ação for contestada pelo autuado com razões unicamente de direito, o Juiz dará vistas ao Ministério Público por cinco dias decidirá em igual prazo. Se houver negativa do fato e havendo necessidade de colher provas testemunhais, será designada Audiência de Instrução e Julgamento, quando haverá debates orais e julgamento da ação na mesma audiência, saindo as partes já intimadas. No caso de subsistência do auto de infração ou da representação, e aplicada a multa, o Ministério Público promoverá a execução, cuja quitação ficará vinculada ao depósito da multa exclusivamente em conta de fundo gerido pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Município, prévia e devidamente regulamentado, e, na sua falta, em conta bancária remunerada, administrada pela Autoridade Judiciária. Na regulamentação do Fundo dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes de cada Município, que deve ser fiscalizado, 28 ARANTES, Geraldo Claret de. Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do Operador Jurídico. Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008. 319 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente necessariamente, também pelo Ministério Público, recomenda-se a expressa vedação de destinação dos recursos para atividades-meio, como pesquisas, trabalhos intelectuais, estudos, viagens, subsídios, ajudas de custo, vencimentos, monografias, pesquisas, e outras finalidades que não se dirijam imediata e diretamente à aplicação dos direitos declarados de crianças e adolescentes, evitando-se o eventual desvio, mesmo que involuntário, das finalidades do fundo, o que constitui ilícito civil, penal e administrativo. Modelo de Auto de Infração Administrativa Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais Justiça da Infância e da Juventude de.......... Auto de Infração Comissariado da Infância e da Juventude No 33.333 No dia....... de........................... de............, às...... horas, na (Rua, Avenida etc.) ......................................................................................, nesta cidade, lavrei o presente Auto de Infração, em face do estabelecimento ......................................................, que opera com o nome fantasia de ......................................................, explorando a atividade de ......................................................, na pessoa de ............ ......................................., portador do documento de identidade .. .............................................., residente .................................................... ......................... que exerce no autuado as funções de ..................... ................ pelo seguinte motivo: ........................................................... ....................................................................................................................... ....................................................................................................................... ....................................................................................................................... ....................................................................................................................... ................................ havendo assim, em tese, a infração dos arts. ................. c/c. ................... da Lei no 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), e da Portaria .............................., do Juízo da Infância e da Juventude desta Comarca, sujeitando o estabelecimento e seus responsáveis às sanções previstas em Lei. A(s) criança(s) ou adolescente(s) relacionados à presente autuação estão identificados no verso do presente auto de infração. Rol de Testemunhas: Nome: .......................................................................................................... 320 Material Complementar da Obra Endereço: ................................................................................................... Identidade: ................................................................................................ Nome: .......................................................................................................... Endereço: ................................................................................................... Identidade: ................................................................................................ .................................,........ de .............................. de .............. ................................................................................................... Nome legível: Comissário(s) da Infância e da Juventude Autuantes(s)” CERTIDÃO Certifico que, nos termos do art. 195, inciso I, da Lei no 8.069/90, intimei o autuado, na pessoa de seu representante legal ......................................... do inteiro teor do presente Auto de Infração, do qual recebeu uma cópia, ficando ciente de que, querendo, deverá apresentar defesa por intermédio de advogado, dentro do prazo de 10 dias a contar desta data, perante a Vara da Infância e da Juventude desta Comarca. Belo Horizonte,........ de............................... de.................. Autuado:............................................................................... Autuante:............................................................................. Nome legível:....................................................................... Observação: Criança ou adolescente só podem ser apreendidos em flagrante da prática de ato infracional ou por ordem escrita da autoridade judiciária, conforme o art. 106, sujeitando o apreensor à detenção de seis meses a dois anos, conforme o art. 230, ambos da Lei no 8.069/90. 321 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 18 – Recursos 3.2. MAIS UM REQUISITO ESPECIAL DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. O MECANISMO DE REPERCUSSÃO GERAL Sobre o tema, destaco o seguinte artigo do Exmo. Dr. Bruno Mattos e Silva, advogado, consultor legislativo do Senado Federal:29 1. Introdução. Repercussão geral, relevância e transcendência. O § 3o do art. 102 da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional no 45, de 8 de dezembro de 2004, assim dispõe: “Art. 102 (...) § 3o No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros.” Regulamentando o dispositivo constitucional, a Lei no 11.418, de 19 de dezembro de 2006, acrescentou os arts. 543-A e 543-B ao CPC, determinando ainda no art. 3o que caberá ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) estabelecer as normas necessárias à sua execução. O que é repercussão geral? Os §§ 1o e 3o do art. 543-A definem que o recurso extraordinário oferece repercussão geral em duas situações: – se existem questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa; ou – se o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal. A Emenda Constitucional no 45/2004 e a Lei no 11.418/2006 têm por objetivo fazer com que somente seja apreciado o recurso extraordinário que versar a respeito de questão relevante, que transcenda o interesse meramente individual das partes em litígio. No caso da existência de decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF, a repercussão geral é presumida. 29 Texto extraído do Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=10524>. 322 Material Complementar da Obra Há manifestação na doutrina identificando a repercussão geral com a transcendência, no sentido de que “a repercussão geral traduz a importância metaindividual da matéria). [01] Mas há também opinião no sentido de que repercussão geral seria a conjugação de relevância e transcendência. [02] Assim, a questão deve ser relevante sob o ponto de vista econômico, político, social ou jurídico (relevância), assim como deve ultrapassar os interesses subjetivos da causa (transcendência). Embora não esteja expresso, isso parece defluir da definição estabelecida no § 1o do art. 543-A do CPC: “Art. 543-A (...) § 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.” Somados esses entendimentos, pode-se também entender que questão relevante, sob qualquer dos pontos de vista mencionados, é aquela que ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Assim, as noções de “relevância” e de “transcendência” estariam intimamente ligadas, não sendo possível falar em questão relevante que não seja transcendente e vice-versa. Seja como for, o art. 543-A do CPC não define o que seria questão relevante “do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico” (aludida relevância), tampouco quais características são necessárias para configuração de questões “que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (aludida transcendência). Somente a jurisprudência do STF poderá responder a essas questões. Por ora, o que podem fazer os juristas são apenas exercícios de uma suposta lógica jurídica, dizendo qual interpretação julgam “correta”, ao mesmo tempo em que tentam vislumbrar qual será a interpretação que prevalecerá ou mesmo pretensiosamente contribuir para essa interpretação. Assim, o que pode ser considerado transcendência? Dizer que devemos entender por transcendência a característica da questão que terá o condão de atingir, direta ou indiretamente, um grande número de pessoas não ajuda na definição do instituto. Parece claro que são transcendentes, como bem diz o § 1o acima transcrito, as questões que 323 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente “ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. Mas o que significa isso exatamente? Parece óbvio que a exigência de que o recurso deve “ultrapassar os interesses subjetivos da causa” (transcendência), não significa que a decisão prolatada em ação individual deverá atingir terceiros, em uma tresloucada extensão dos limites subjetivos da coisa julgada. É razoável imaginar que transcendência significa ou que o recurso deve ser capaz de gerar um precedente (leading case), que irá nortear a interpretação e aplicação do direito constitucional em casos futuros, ou que se refere a direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos. Nesse sentido, há manifestação da doutrina no seguinte sentido: “A transcendência da controvérsia constitucional levada ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pode ser caracterizada tanto em uma perspectiva qualitativa como quantitativa. Na primeira, sobreleva para individualização da transcendência o importe da questão debatida para a sistematização e desenvolvimento do direito; na segunda, o número de pessoas susceptíveis de alcance, atual ou futuro, pela decisão daquela questão pelo Supremo e, bem assim, a natureza do direito posto em causa (notadamente, coletivo ou difuso).” [03] E há opinião defendendo que poderá existir repercussão geral mesmo em ações individuais, com questões que provavelmente não ocorrerão em outros processos: “Numa perspectiva vertical, cumpre reconhecer que também quando estiver em jogo o direito de uma só pessoa, em situação aparentemente irrepetível, deverá ser reconhecida a repercussão geral, desde que se trate de direito fundamental, aí incluídos, como se sabe, os direitos e garantias individuais e os direitos sociais, com ênfase na tutela do mínimo existencial.” [04] 324 Seja como for, parece claro que não se pode restringir o significado de repercussão geral apenas aos chamados “processos repetidos”, que o art. 543-B do CPC alude ao se referir à “multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia”, que enseja um procedimento especial de análise de recursos representativos e sobrestamento dos demais. Caso o alcance fosse apenas esse, o procedimento Material Complementar da Obra do art. 543-B não seria um procedimento específico para tais recursos, mas sim a regra única de processamento e julgamento do recurso extraordinário. E o que pode vir a ser considerado questão relevante, do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico? Se o deslinde da questão transcendente for importante para o desenvolvimento e unificação da interpretação da matéria constitucional, de modo a contribuir para a sistematização do direito constitucional, ficará caracterizada a relevância da questão sob o aspecto jurídico. Mas a questão pode ser transcendente sem influenciar a interpretação ou sistematização do direito. Imagine-se, por exemplo, um recurso extraordinário em um processo envolvendo um ente público ou mesmo uma entidade de direito privado prestadora de serviços assistenciais, ou mesmo uma empresa pública ou privada, com muitos empregados, com muitos contratos com fornecedores, clientes etc. Se a questão em litígio envolver valores muito elevados, é evidente que a questão é relevante sob o aspecto econômico, assim como é transcendente por atingir um grande número de pessoas, que sustentam o ente público mediante pagamento de tributos, que dependem dos serviços prestados pela entidade assistencial ou que dependem dos empregos ou contratos mantidos com a empresa pública ou privada. A questão poderá ser transcendente e relevante sob o aspecto econômico, de modo que o recurso extraordinário oferecerá repercussão geral. O mesmo se diga quando a questão, também sem influenciar na interpretação do direito, é relevante sob o aspecto social. Tomemos novamente o exemplo de uma entidade de assistência social, de uma escola ou de um hospital com ou sem fins lucrativos. Caso demonstrado que a ação influenciará na prestação dos serviços para um grande número de pessoas, estará caracterizada a transcendência. Se essa influência alterar de forma significativa a prestação dos mencionados serviços, a questão objeto do recurso será relevante sob o aspecto social. Por fim, a questão pode ser relevante sob o aspecto político. Mas nem toda questão envolvendo política é relevante. Serão relevantes, por exemplo, questões envolvendo definição judicial em matéria eleitoral relativa à validade de pleitos eleitorais relativos a investidura de membros de poderes 325 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente e em cargos importantes da República. A transcendência nesses casos parece óbvia, já que a definição de quem serão os membros e ocupantes de cargos importantes dos Poderes da República atinge toda a população. Mas nada disso se presume: deve ser demonstrado que a decisão do processo judicial irá influenciar a vida de muitas pessoas (transcendência), em razão da contribuição para a sistematização do direito (relevância jurídica), magnitude dos valores envolvidos (relevância econômica), influência na prestação de serviços sociais (relevância social) ou da definição de quem deve ser os membros ou ocupar cargos importantes da República (relevância política). Muitas vezes a questão será relevante em mais de um aspecto. Por exemplo, poderá a decisão de uma relevante questão política influenciar na sistematização do direito constitucional. Nesse caso, a questão será relevante sob o ponto de vista político e sob o ponto de vista jurídico. Mas a norma não exige tanto: basta que a relevância da questão exista sob um dos aspectos tratados para que, somada à transcendência, fique caracterizada a repercussão geral. Seja como for, novamente nos encontramos em um exercício de suposta lógica jurídica, tentando de uma forma pretensiosa contribuir ou apenas vislumbrar o que o STF irá definir! Nesse sentido, a respeito da tentativa de definição do que seria repercussão geral, merece destaque a lúcida manifestação doutrinária: “O que se passa com tal noção é que ela deve ser objeto de decantação permanente, de que resultará, com o tempo, mosaico rico e variegado de matizes.” [05] Portanto, a definição do que seja repercussão geral e as respostas a todas indagações acima formuladas somente podem ser dadas, ao longo do tempo, pela jurisprudência do STF: Direito é o que o Tribunal diz que é Direito. 2. Motivos políticos, constitucionalidade e objetivos da exigência de repercussão geral no recurso extraordinário. 326 Não é segredo para ninguém que o STF e outros tribunais encontram-se abarrotados de processos a espera de julgamento, assim como o volume de processos aguardando julgamento é muito superior à capacidade humana e material de que se dispõe. Material Complementar da Obra Como conclusão óbvia dessa constatação, há demora no julgamento dos processos judiciais. Não se trata, como a mídia faz frequentemente, de apenas criticar a “lentidão do Judiciário”, ou mesmo, como alguns juristas também o fazem, de criticar o “formalismo processual” ou o “excesso de recursos”. O fundamental é, partindo de uma realidade fática – ausência de julgamentos céleres – buscar soluções que resolvam o problema. A Constituição Federal estabelece diversos princípios e garantias, como forma de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3o, I), sendo que a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa constituem fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1o). Além disso, de forma expressa, a Constituição assegura a todos a razoável duração do processo, com os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5o, LXXVIII). Não é difícil concluir que o legislador ordinário deve buscar meios para que esses dispositivos constitucionais sejam concretizados. Não basta apenas a Constituição ser um texto meramente bonito, programático, carregado de boas intenções, mas desprovido de força normativa. O grande desafio de qualquer sociedade constitucional, evidentemente, é fazer com que a Constituição seja cumprida. Como fazer com que o processo judicial seja célere, de modo que todas as pessoas possam valer seus direitos? Qual a função que a Constituição reserva ao STF? Ao STF compete, por expressa determinação do caput do art. 102 da Constituição Federal, “a guarda da Constituição”. Quando a alínea “l” do inciso I estabelece a competência para julgar “a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões” e o inciso III estabelece as hipóteses de cabimento de recurso extraordinário, é evidente que se tem como objetivo concretizar a função de “guarda da Constituição” estabelecida no caput do dispositivo. Há um interesse público, consistente em substituir decisões judiciais em desconformidade com a interpretação dada pelo STF à Constituição, de modo a dar unidade ao direito constitucional brasileiro. Em um processo judicial alçado ao STF, a função outorgada pela Constituição não é, 327 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente simplesmente, de atender ao interesse individual da parte em litígio, mas sobretudo atender ao interesse público diretamente relacionado com a necessidade de concretização e interpretação uniforme do direito constitucional. Parte da doutrina já havia se manifestado expressamente pela adoção de mecanismos como “súmula vinculante” e “arguição de relevância”, como forma de mudar o papel hoje exercido pelos tribunais superiores. [06] Por ocasião da apreciação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei no 6.648, de 2006 (no 12, de 2006, no Senado), que deu origem à Lei no 11.418/2006, assim manifestou-se o Relator, Dep. Odair Cunha: “Faremos, pois, que o STF deixe de ser um Tribunal de terceira ou quarta instância para apreciação de questões já decididas por outros tribunais. Alteraremos o seu perfil, alçando-o à condição de corte constitucional, cuja jurisdição será desvinculada do caso concreto, ainda que continue a ser um órgão do Poder Judiciário.” Na verdade, esse escopo ainda está muito longe de ser atingido, mesmo com o advento da necessidade de existência e demonstração da repercussão geral. O STF ainda continuará abarrotado de processos, assim como a esmagadora maioria desses processos ainda serão processos de natureza individual, produzindo efeitos diretos e coisa julgada apenas entre as partes. E tanto é assim que a existência de repercussão geral é apenas exigível no recurso extraordinário, a teor do § 3o do art. 102 da Constituição Federal, acima transcrito. Para os demais recursos, ações ou medidas apreciadas pelo STF, não há qualquer norma a exigir a demonstração ou mesmo a existência de repercussão geral! Sob o aspecto de política jurídica, isso pode ser considerado uma contradição, pois o STF continuará abarrotado de ações e recursos de natureza meramente individual, sem qualquer oferecimento de repercussão geral. Contudo, a despeito de a Lei no 11.418/2006 ter alterado o Código de Processo Civil, a jurisprudência do STF já apontou no sentido de que a repercussão geral também deve existir e ser demonstrada nos recursos extraordinários em matéria criminal (Agravo de Instrumento no 664.567). 328 Material Complementar da Obra Seja como for, já é um começo. O processo no qual é apreciado um recurso extraordinário começa, enfim, a ganhar contornos de processo objetivo. Esses contornos ficam mais evidenciados quando na possibilidade prevista no § 6o do art. 543-A, segundo o qual o Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros. Trata-se da figura do amicus curiae, que poderá ingressar no feito para manifestar sua opinião a respeito da questão em julgamento. Os efeitos jurídicos concretos apenas atingem as partes em litígio no processo individual, mas já pode ser possível sustentar que os efeitos jurídicos abstratos, decorrentes do precedente criado no julgamento, vinculam todos os órgãos judiciais. Por isso o § 3o do art. 543-A expressamente afirma que há repercussão geral se o recurso extraordinário for interposto em face de decisão que contrariar súmula ou jurisprudência dominante no STF. Referido § 3o tem redação estabelecida pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, que, por ocasião da apreciação do Projeto de Lei do Senado no 12, de 2006, que deu origem à Lei no 11.418/2006, adotou o seguinte entendimento: “É relevante que a lei preveja que o julgamento divergente proferido pelo tribunal inferior é causa suficiente para caracterizar a repercussão geral do recurso extraordinário. A repercussão geral, nesse caso, está evidenciada pela proteção à isonomia, à ordem e à segurança jurídica. Realmente, não pode ser boa para o sistema a coexistência de decisões diametralmente opostas sobre o mesmo tema e no mesmo momento histórico.” [07] Evidencia-se a vontade do legislador em fazer do recurso extraordinário um instrumento de unificação da interpretação e aplicação do direito constitucional. Assim, é traço marcante a preocupação com a vinculação e efetividade das decisões tomadas pelo STF e a possibilidade de participação de terceiros (amicus curiae) no julgamento que poderá consistir em leading case, já que o julgamento do mérito do recurso extraordinário terá repercussão geral. 329 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A adoção desses princípios foi uma opção política que, sob o aspecto jurídico, foi tecnicamente acertada e está totalmente de acordo com os preceitos constitucionais apontados. 3. Natureza jurídica da exigência de repercussão geral e de sua demonstração em preliminar de recurso extraordinário. Vimos acima que o art. 543-A do CPC, introduzido pela Lei no 11.418/2006, estabelece que o STF não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral. Qual a natureza jurídica da exigência de que o recurso ofereça repercussão geral? Trata-se de mais um requisito ou pressuposto de admissibilidade, que se soma à tempestividade, legitimidade e ao interesse do recorrente, [08] entre outros. A existência de repercussão geral é um requisito intrínseco de admissibilidade recursal, pois diz respeito à existência do poder de recorrer. [09] Além disso, de acordo com o § 2o do art. 543-A do CPC, é ônus do recorrente demonstrar, em preliminar do recurso, a existência da repercussão geral. Como se vê, há uma clara determinação legal quanto à forma pela qual a existência de repercussão geral deverá ser demonstrada: em preliminar. Assim, a norma estabelece também um requisito extrínseco para a admissão do recurso extraordinário, que é a demonstração, na preliminar do recurso, da existência de repercussão geral. No item seguinte veremos qual deve ser a sanção aplicada pela ausência desse requisito extrínseco. 4. A necessidade e o procedimento de aferição da existência de repercussão geral para apreciação do recurso extraordinário De acordo com o decidido pelo STF na Questão de Ordem suscitada no Agravo de Instrumento no 664567, a exigência da demonstração da existência de repercussão geral somente existe quando a intimação do acórdão recorrido tenha ocorrido a partir de 3 de maio de 2007, data da publicação da Emenda Regimental no 21, de 30 de abril de 2007. Nesse julgamento concluiu-se também que os recursos extraordinários em matéria criminal não prescindem 330 Material Complementar da Obra do oferecimento de repercussão geral, que deverá ser demonstrada nos termos descritos no CPC e no RISTF. É intuitivo imaginar que o STF não estará vinculado aos argumentos expostos pelo recorrente para demonstrar a existência de repercussão geral. Porém, como vimos acima, o § 2o art. 543-A do CPC determina não só que o recorrente demonstre que o recurso extraordinário oferece repercussão geral, como exige que isso seja efetuado em preliminar de recurso. Contudo, esse dispositivo silencia a respeito da sanção aplicável na hipótese de descumprimento da exigência. Poderá a existência de repercussão geral ser apreciada mesmo se o recorrente não fizer a sua demonstração ou não o fizer em preliminar de recurso? Há manifestação da doutrina afirmando que a exigência deve ser relevada: “Sustentar que a ausência de preliminar recursal demonstrando a repercussão geral deve gerar o não conhecimento de recurso parece não se coadunar com o perfil de ‘processo objetivo’ conferido à repercussão geral, privilegiando-se o formalismo em detrimento da pronta solução de questões de grande importância para o povo brasileiro.” [10] Contudo, o art. 327 do RISTF, com redação dada pela Emenda Regimental (ER) no 21, de 30 de abril de 2007, é expresso no sentido de que a Presidência do STF deverá recusar o recurso que não apresentar “preliminar formal e fundamentada de repercussão geral”, bem como idêntica competência caberá ao Relator, se a Presidência não recusar liminarmente o recurso. O fundamento legal dessa disposição regimental é o art. 3o da Lei no 11.418/2006, que dispõe no seguinte sentido: “Caberá ao Supremo Tribunal Federal, em seu Regimento Interno, estabelecer as normas necessárias à execução desta Lei”. O art. 327 do RISTF é expresso o suficiente para que possamos antever que são muito remotas as possibilidades de serem aceitos recursos extraordinários sem a demonstração exigida em preliminar de recurso, mesmo se versarem sobre questões cuja repercussão geral já houver sido reconhecida pelo STF. 331 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A demonstração formal da repercussão geral deve ser apresentada em preliminar mesmo na hipótese de recurso extraordinário interposto contra decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF? O § 3o do art. 543-A do CPC estabelece de forma cabal que, nesse caso, existe repercussão geral, mas não tem regra explícita para dispensar a apresentação da demonstração. Tampouco o RISTF tem regra nesse sentido. Assim, salvo se a jurisprudência do STF se pacificar no sentido de dispensar a apresentação da preliminar nesse caso, é altamente recomendável que o advogado demonstre, em preliminar, que há súmula ou jurisprudência dominante do STF, bem como que o acórdão do tribunal inferior está em sentido contrário. Nessa hipótese, ao contrário do que poderia parecer à primeira vista, a preliminar do recurso extraordinário não irá esgotar o mérito, já que o fundamento (mérito) do recurso extraordinário não é julgamento em desconformidade com súmula ou jurisprudência dominante do STF, mas sim alguma das quatro hipóteses do inciso III do art. 102 da Constituição Federal! Pode o presidente do tribunal inferior denegar seguimento a recurso extraordinário que não apresentar repercussão geral, por força do disposto no inciso II do art. 541 e no § 1o do art. 542 do CPC? [11] O § 2o do 543-A do CPC é expresso no sentido de que a demonstração da existência de repercussão geral é “para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal”. Assim, está muito claro que o Presidente do tribunal inferior não poderá denegar seguimento a recurso extraordinário sob fundamento de que o recurso extraordinário não oferece repercussão geral. Porém, no que se refere à inexistência da demonstração formal da repercussão geral (requisito extrínseco do recurso), é provável que a jurisprudência do STF admita que o presidente do tribunal inferior, em razão da competência prevista no § 1o do art. 542 do CPC, possa negar seguimento ao recurso extraordinário, com fundamento no descumprimento de apresentação formal do recurso exigida pelo inciso II do art. 541 e § 2o do art. 543-A do CPC (ausência de cumprimento do requisito extrínseco). 332 Além disso, foi conferido expressamente ao tribunal inferior o poder de, na hipótese de verificar a existência de Material Complementar da Obra multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, escolher os mais representativos e sobrestar o processamento dos demais (art. 543-B, § 1o). Trata-se dos chamados “processos repetidos“, nos quais verificase a existência dos “conflitos em massa”, para os quais são inúmeros processos versando sobre questão idêntica ou muito similar. A lei não estabeleceu qualquer regra ou baliza para a escolha dos recursos que serão considerados “mais representativos”, razão pela qual a decisão ficará a critério do tribunal inferior. A lei também não estabeleceu qualquer possibilidade de recurso contra o mérito dessa escolha. Cabe interposição de agravo de instrumento contra a decisão que determinou sobrestamento de recurso extraordinário que não tem “fundamento” na mencionada “idêntica controvérsia” ou que suscitou alguma outra questão? O art. 544 do CPC prevê a possibilidade de agravo de instrumento para o STF referente a recurso extraordinário a decisão do presidente do tribunal que “não admitido”. Interpretação sistemática desse dispositivo em face da redação do § 2o do art. 543-B [12] dá a entender que por “não admitido” devemos entender apenas “denegado” e não “sobrestado”. Assim, à primeira vista, não caberia o agravo previsto no art. 544 do CPC. Contudo, há manifestação na doutrina no sentido de que caberia inicialmente simples requerimento (petição) para o presidente do tribunal inferior solicitando a imediata realização do juízo de admissibilidade e, caso mantido o sobrestamento, caberia agravo de instrumento. [13] Vamos aguardar como a jurisprudência do STF irá apreciar essa questão. Chegando ao STF e sendo distribuído, o Relator poderá, de acordo com o § 1o do art. 21 do RISTF, em redação dada pela ER no 21/2007, amparado no disposto no § 4o do art. 543-B do CPC, cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário à orientação firmada pelo STF em julgamento de questão que, tendo sido objeto de múltiplos recursos, foi decidida em “recursos representativos da controvérsia” (§ 1o do art. 543-B). De acordo com a regra geral do art. 323 do RISTF, o Relator submeterá aos demais ministros, por meio eletrônico, cópia da sua manifestação sobre a existência de repercussão geral. Ao que parece, por “demais ministros” devemos entender que são todos os ministros do STF e não apenas da Turma. 333 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Porém, esse procedimento, de acordo com o mencionado dispositivo, não será adotado se ocorrer alguma das seguintes hipóteses: – o fundamento do recurso extraordinário já foi apreciado pelo procedimento do art. 543-B do CPC e o Relator decidiu cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.(§ 4o do art. 543-B do CPC e § 1o do art. 21 do RISTF); – a repercussão geral da questão levantada no recurso já foi apreciada pelo Tribunal e o relator poderá decidir monocraticamente, de acordo com essa orientação, pela existência (art. 323, § 1o, do RISTF) ou pela inexistência (art. 326 do RISTF) da repercussão geral; – o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão contrário à súmula ou jurisprudência dominante (art. 323, § 1o, do RISTF), devendo o Relator, por força do § 3o do art. 543-A do CPC, julgar o recurso monocraticamente ou pedir sua inclusão em pauta (art. 325 do RISTF); – o recurso extraordinário foi inadmitido pelo Relator por qualquer outra razão. Exemplos: recurso intempestivo, recurso contra decisão em conformidade com a jurisprudência do STF (§ 1o do art. 21 do RISTF), recurso deserto etc. Com o recebimento da manifestação do Relator, de acordo com o art. 324 do RISTF, os demais ministros terão prazo comum de vinte dias para encaminhar manifestação a respeito da repercussão geral. Decorrido o prazo sem manifestações suficientes para recusa do recurso – diz o parágrafo único do art. 324 do SISTF – será considerada existente a repercussão geral. Quantas manifestações são necessárias para a recusa da repercussão geral? De acordo com o § 3o do art. 102 da Constituição Federal, o STF somente poderá recusar o conhecimento do recurso extraordinário por ausência de repercussão geral pela manifestação de dois terços dos seus membros. Portanto, são necessárias manifestações de oito ministros para a recusa da repercussão geral. 334 Por essa razão o § 4o do art. 543-A do CPC dispõe que se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por um mínimo de quatro votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário: ainda que todos os demais sete ministros votem pela inexistência da repercussão geral, não terá sido Material Complementar da Obra atingido o número necessário de oito ministros para a recusa do conhecimento do recurso por ausência de repercussão geral. Caso negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, de acordo com o § 5o do art. 543-A do CPC. Por isso o art. 326 do RISTF alude à decisão de inexistência de repercussão geral que valerá para “todos os recursos sobre questão idêntica”. A possibilidade dessa decisão monocrática não se restringe aos processos aos quais foi aplicado o art. 543-B do CPC, que trata do procedimento dos “recursos com fundamento em idêntica controvérsia”, mais conhecidos como “processos repetidos”, pois o disposto no § 5o do art. 543-A do CPC não se restringe a esses processos. Assim, nos termos do § 5o do art. 543-A do CPC, não haverá necessidade de manifestações dos demais ministros e o Relator deverá julgar monocraticamente pelo não conhecimento do recurso extraordinário por ausência de repercussão geral. Cabe recurso contra a decisão que concluir ou indeferir liminarmente o recurso extraordinário por ausência de repercussão geral? Se a decisão for do Pleno, é evidente que não há possibilidade de recurso, salvo embargos de declaração (art. 337, § 2o, do RISTF), exatamente porque não cabe qualquer outro recurso contra qualquer decisão tomada pelo órgão de cúpula do Judiciário nacional em sua composição plena. No caso de uma decisão monocrática, parece ser aplicável o art. 326 do RISTF, em redação dada pela ER no 21/2007, de teor seguinte: “Toda decisão de inexistência de repercussão geral é irrecorrível”. Essa conclusão já havia sido prevista pela doutrina antes mesmo da edição das mencionadas normas infraconstitucionais, no sentido de que o STF não teria sequer de demonstrar “detalhadamente” porque o recurso não ofereceria repercussão geral, inclusive em razão de “não caber qualquer tipo de controle sobre tal deliberação”. [14] Há até quem sustente que a avaliação da existência de repercussão geral teria um “caráter político”, assim como “não é ato de julgamento, por isso que a deliberação não tem caráter jurisdicional”. [15] Na verdade, qualquer decisão 335 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente judicial tem um caráter político, de “política jurídica”: quando o juiz opta por determinada interpretação de uma norma legal, está fazendo uma escolha política. Não há previsão para que o órgão fracionário (Turma) do STF decida pela inexistência da repercussão geral: o § 4o do art. 543-A do CPC diz que se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao Plenário. Isso nos dá a entender que a Turma jamais decidirá pela inexistência de repercussão geral: ou a questão da inexistência de repercussão geral já foi apreciada anteriormente e é caso de decisão monocrática do Relator (art. 326 do RISTF) ou a questão não foi apreciada e deverá ser adotado o procedimento do art. 323 do RISTF acima descrito. No caso, porém, de acórdão que concluir pela existência de repercussão geral e, no mérito, der provimento ao recurso extraordinário, poderá a parte recorrida interpor embargos de divergência também quanto à questão da repercussão geral, caso exista decisão do Pleno que, em caso análogo, tenha concluído pela inexistência de repercussão geral, por interpretação do art. 330 do RISTF. NOTAS 01 MARTINS, Samir José Caetano. “A repercussão geral da questão constitucional (Lei no 11.418/2006)”. In: Revista Dialética de Direito Processual no 50, maio de 2007, p. 100. 02 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 33. 03 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 37. 04 MARTINS, Samir José Caetano. “A repercussão geral da questão constitucional (Lei no 11.418/2006)”. In: Revista Dialética de Direito Processual no 50, maio de 2007, p. 101. 336 05 ALVIM, Arruda. “A EC no 45 e o instituto da repercussão geral”. In: Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional no 45/2004. Teresa Arruda Alvim et al (coord.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 74. Material Complementar da Obra 06 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e coisa julgada: ensaios e pareceres. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 297. 07 DIÁRIO DO SENADO FEDERAL, 15 de fevereiro de 2006, p. 04773. 08 ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. “O anteprojeto de lei sobre a repercussão geral dos recursos extraordinários”. In: Revista de Processo no 129, ano 30, novembro de 2005, p. 108. MARTINS, Samir José Caetano. “A repercussão geral da questão constitucional (Lei no 11.418/2006) ”. In: Revista Dialética de Direito Processual no 50, maio de 2007, p. 102. 09 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 32 e 33. 10 MARTINS, Samir José Caetano. “A repercussão geral da questão constitucional (Lei no 11.418/2006) ”. In: Revista Dialética de Direito Processual no 50, maio de 2007, p. 102. 11 “Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão: (...) Il – a demonstração do cabimento do recurso interposto; (...)” “Art. 542. Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista, para apresentar contrarrazões. (...) § 1o Findo esse prazo, serão os autos conclusos para admissão ou não do recurso, no prazo de 15 (quinze) dias, em decisão fundamentada. (...)” 12 “Art. 543-B (...) § 2o Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.” 13 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 60 e 61. 14 COSTA, Flávio Dino de Castro et al. A reforma do judiciário: comentários à Emenda no 45/2004. Niterói, RJ: Impetus, 2005, p. 76. 15 ALVIM, Arruda. “A EC no 45 e o instituto da repercussão geral”. In: Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional no 45/2004. Teresa Arruda Alvim et al (coord.) São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 64. 337 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade 1. DOS CRIMES EM ESPÉCIE O STF entendeu que “publicação” é espécie do gênero “divulgação”, logo, não há que se falar em abolitio criminis, e sim no princípio da “continuidade normativa típica”, ou seja, o verbo passou a ser mais abrangente do que o anterior e, como tal, acampou a própria espécie. Logo, publicar (espécie) ou divulgar por qualquer meio (gênero) é figura criminosa, mesmo antes da Lei no 10.764/03, eis que publicação é forma de divulgação. O que a Lei no 10.764/03 fez foi cessar a polêmica, inserindo o gênero para evitar interpretações dúbias. Podemos, ainda, apontar decisões nesse sentido: HC 84561/PR Relator: Min. Joaquim barbosa Voto: O cerne da questão em debate é saber se a conduta praticada pelo paciente na vigência da antiga redação do art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente corresponde ao núcleo do tipo, o verbo ’publicar’. Transcrevo a antiga redação do dispositivo em comento, para melhor compreensão: “Art. 241. Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão de um a quatro anos.” Sustenta o impetrante que o paciente, ao trocar arquivos pela internet, o fez em uma sala de bate-papo reservadíssima (acesso restrito) e com apenas uma pessoa, o que não corresponderia ao verbo ‘publicar’exigido pelo tipo. Assim não me parece. O verbo constante do tipo do art. 241 do ECA está intimamente ligado à divulgação e reprodução das imagens de conteúdo sexual ou pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, no sentido de torná-las públicas. Qualquer meio hábil a viabilizar a divulgação dessas imagens ao público em geral corresponde ao que o legislador almejou com a utilização do verbo “publicar”. Neste sentido, já dizia Nélson Hungria que publicar significa “tornar público, permitir o acesso ao público, no sentido de um conjunto de pessoas, pouco importando o processo de 338 Material Complementar da Obra publicação” (Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. Vol. VII. p. 340). Não resta dúvida de que a internet é um veículo de comunicação apto a tornar público o conteúdo pedófilo das fotos encontradas, o que já demonstraria, em tese, a tipicidade da conduta. Ademais, a denúncia formulada foi clara em registrar que qualquer pessoa que acessasse o servidor de arquivos criado pelo paciente teria à disposição esse material, conforme se depreende do trecho a seguir transcrito (fls. 58-59): “Do mesmo modo, igualmente restou comprovado que Michel Neme Neto criou um servidor de arquivos na Internet usando do protocolo I.R.C (conversa pela internet), com o programa MIRC e os scripts ‘the 7 deadly sins’ e ‘ninja’ onde publicou, no período de 28/10/00 à 17/01/01, nesta cidade de LondrinaPR, fotos de conteúdo pornográfico e de sexo explícito envolvendo crianças e adolescentes, conforme demonstram as inúmeras fotos impressas nas Informações em anexo. Foi constatado que tal servidor de arquivos mantinha as fotos na internet à disposição de qualquer pessoa, durante o tempo em que o denunciado estivesse conectado ou que desejasse manter ligado o servidor. Esse ‘file server’ funcionava na base de ‘escambo’ de arquivos, com as trocas ocorrendo automaticamente com as pessoas que o acessassem. Foi localizado no computador do denunciado aproximadamente 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) arquivos com fotos, quase todos com conteúdo pedófilo, conforme comprovam as Informações em anexo”. Por outro lado, a discussão referente ao advento da Lei no 10.764/2003 não foi ventilada – e muito menos apreciada – no recurso em habeas corpus interposto no Superior Tribunal de Justiça, motivo por que não conheço do writ nessa parte, para evitar supressão de instância. Evidente que à época da redação do dispositivo original (1990), o legislador não teria como prever o surgimento dessa nova tecnologia, daí por que já se decidiu ser o tipo do art. 241 aberto. Não foi outra a razão de a doutrina e a jurisprudência terem assinalado que qualquer instrumento hábil a tornar público o material proibido estaria incluído na compreensão do verbo ‘publicar’. Por isso não se pode falar 339 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente em interpretação prejudicial ao paciente nem em aplicação da analogia in malam partem. Esta Corte já se posicionou nesse sentido, no julgamento do HC 76.689 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 06/11/1998), cuja ementa transcrevo: Crime de Computador: publicação de cena de sexo infantojuvenil (E.C.A., art. 241), mediante inserção em rede BBS/ Internet de computadores, atribuída a menores: tipicidade: prova pericial necessária à demonstração da autoria: HC deferido em parte. 1. O tipo cogitado – na modalidade de ‘publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente’ – ao contrário do que sucede por exemplo aos da Lei de Imprensa, no tocante ao processo da publicação incriminada é uma norma aberta: bastalhe à realização do núcleo da ação punível a idoneidade técnica do veículo utilizado à difusão da imagem para número indeterminado de pessoas, que parece indiscutível na inserção de fotos obscenas em rede BBS/Internet de computador. 2. Não se trata no caso, pois, de colmatar lacuna da lei incriminadora por analogia: uma vez que se compreenda na decisão típica da conduta criminada, o meio técnico empregado para realizá-la pode até ser de invenção posterior à edição da lei penal: a invenção da pólvora não reclamou redefinição do homicídio para tornar explícito que nela se compreendia a morte dada a outrem mediante arma de fogo. 3. Se a solução da controvérsia de fato sobre a autoria da inserção incriminada pende de informações técnicas de telemática que ainda pairam acima do conhecimento do homem comum, impõe-se a realização de prova pericial.’ 340 Assim, não estamos diante de flagrante atipicidade da conduta que tenha o condão de trancar a ação penal por ausência de justa causa. “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal quando a conduta descrita na denúncia configura, em tese, crime” (cf. HC 83.184, rel. min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 03/10/2003). E ainda: “não cabe o trancamento de ação penal, por falta de justa causa, se os fatos narrados na peça acusatória configuram fato típico, havendo a exposição das suas circunstâncias e da autoria. Tal medida seria viável somente na hipótese de fato evidentemente atípico. Precedentes” (HC 82.782, rel.a Min.a Ellen Gracie, Primeira Turma, DJ 09/05/2003). Material Complementar da Obra Ressalto que o trancamento da ação penal via habeas corpus, por ausência de justa causa, apesar de perfeitamente possível, é tido como medida de caráter excepcional, conforme entendimento pacífico desta Corte: “Habeas corpus. Pretendido trancamento da ação penal. Alegação de inexistência de justa causa. Situação de iliquidez quanto aos fatos subjacentes à acusação penal. Existência de controvérsia quanto à matéria fática – pedido indeferido. A extinção anômala do processo penal condenatório, embora excepcional, revela-se possível, desde que se evidencie – com base em situações revestidas de liquidez – a ausência de justa causa. O reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal, embora cabível em sede de habeas corpus, reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes à acusação penal. – Havendo suspeita fundada de crime, e existindo elementos idôneos de informação que autorizem a investigação penal do episódio delituoso, torna-se legítima a instauração da persecutio criminis, eis que se impõe, ao Poder Público, a adoção de providências necessárias ao integral esclarecimento da verdade real, notadamente nos casos de delitos perseguíveis mediante ação penal pública incondicionada. Precedentes” (HC 82.393, rel. min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ 22/08/2003). A conduta do paciente, ao que tudo indica, amolda-se ao tipo penal do art. 241 do ECA, razão pela qual a alegação de ausência de justa causa para a continuidade do persecutio criminis não procede. Igualmente improcedente a alegação de que o paciente está sendo processado por um único fato ocorrido após a sua maioridade, pois, conforme consta do escorreito parecer da Procuradoria-Geral da República (fls. 465): “Embora o impetrante alegue a existência de um único fato ocorrido em 21/11/2000, a denúncia ofertada pelo Ministério Público federal às fls. 58/60, evidencia que mesmo após a maioridade, o indiciado permaneceu realizando condutas consideradas delituosas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, estando a denúncia descrita com fundamento na existência de fatos ocorridos no período de 28/10/2000 a 22/01/2001.” 341 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente De todo o exposto, conheço parcialmente do presente habeas corpus e, na parte conhecida, denego a ordem requerida. É como voto.” NOTA O Superior Tribunal de Justiça entendeu da mesma forma: 342 (...)Criminal. REsp. Publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança e adolescente via internet. Embargos de declaração. Alínea “a” do permissivo constitucional. Matéria debatida na instância a quo a despeito da não indicação do dispositivo legal. Prequestionamento implícito. Investigação. Ministério Público. Legitimidade. Súmula no 234/STJ. Atipicidade da conduta. Análise dos termos “publicar” e “divulgar (...) V – Hipótese em que o Tribunal a quo afastou a tipicidade da conduta dos réus, sob o fundamento de que o ato de divulgar não é sinônimo de publicar, pois “nem todo aquele que divulga, publica”, entendendo que os réus divulgavam o material, “de forma restrita, em comunicação pessoal, utilizando a internet”, concluindo que não estariam, desta forma, publicando as imagens. VI – Se os recorridos trocaram fotos pornográficas envolvendo crianças e adolescentes através da internet, resta caracterizada a conduta descrita no tipo penal previsto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que permitiram a difusão da imagem para um número indeterminado de pessoas, tornando-as públicas, portanto. VII. Para a caracterização do disposto no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, “não se exige dano individual efetivo, bastando o potencial. Significa não se exigir que, em face da publicação, haja dano real à imagem, respeito à dignidade etc. de alguma criança ou adolescente, individualmente lesados. O tipo se contenta com o dano à imagem abstratamente considerada”. VIII – O Estatuto da Criança e do Adolescente garante a proteção integral a todas as crianças e adolescentes, acima de qualquer individualização. IX – A proposta de suspensão condicional do processo incumbe ao Ministério Público, titular da ação penal pública, sendo inviável sua propositura pelo julgador. X – Recurso parcialmente provido, para cassar o acórdão recorrido, dando-se prosseguimento à ação penal instaurada Material Complementar da Obra contra os réus” (STJ – REsp 617.221/RJ – 5a T. – Rel. Min. Gilson Dipp – DJU 09/02/2005 – p. 214). Em explicação do Acórdão do STJ, a IOB assim relatou: Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional contra v. acórdãos proferidos pela 6a C. Cr. do TJ estadual, o primeiro que concedeu ordem em HC impetrado pelo recorrido para trancar a ação penal contra ele instaurada, e o último que rejeitou os embargos declaratórios opostos contra decisão. A decisão impugnada decidiu que a aplicação analógica de disposição penal atenta contra o princípio constitucional da legalidade ou da reserva legal. Ainda, dispôs que divulgar não é o mesmo que publicar. Entendeu que a transmissão, pela internet, de imagens pornográficas que envolvem crianças, enquanto não definidas adequadamente como crime, é conduta atípica. Concluiu, por fim, que em cenas de pedofilia é conditio sine qua non a identificação do titular do bem jurídico protegido, e a certeza ministrada por documento hábil de sua idade, não tendo o ECA o escopo da proteção da sociedade, mas da criança e do adolescente, de per si. Entrementes, os embargos de declaração foram rejeitados. O Ministério Público, em suas razões, rechaçou a tese acerca do monopólio da polícia na investigação penal, vez que atuação do MP na apuração dos fatos na fase pré-processual não implicaria em impedimento para desencadear a ação penal. Aduziu, também, que a decisão recorrida ao entender pela atipicidade da conduta do réu contrariou os arts. 4o, 5o, 6o, 17, 18, 201, 226 e 241, todos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Explicou, ainda, que o trancamento da ação penal contrariou os arts. 648, I, e 43, I, do CPP. Por fim, alegou divergência jurisprudencial com julgado do STF quanto à tipicidade da conduta do recorrido, no entendimento de que quem divulga imagens de sexo explícito ou pornográficas envolvendo crianças e adolescentes, por meio da internet, as torna públicas, incidindo na conduta do art. 241 do ECA. O Relator entendeu que inexiste qualquer omissão no julgado a ensejar a oposição de embargos declaratórios, sendo incabível a hipótese de violação do art 619 do CPP. 343 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Esclareceu que o STJ já se manifestou no sentido de que em se tratando de recurso especial interposto com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, admite-se a figura do prequestionamento em sua forma implícita, o que torna desnecessária a expressa menção do dispositivo legal tido por violado. Sobre a legitimidade da atuação do Ministério Público, afastou a ideia de exclusividade da polícia judiciária para proceder às investigações penais, e essa atuação não impede o MP de dar início à ação penal correspondente. Sobre a análise dos vocábulos “publicar” e “divulgar”, entendeu que o tipo penal descreve a conduta de quem fotografa ou publica cena de sexo explícito ou pornográfico que envolve crianças e adolescentes. E, ainda, analisou que os verbos publicar e divulgar não são antônimos, sendo que a conduta de trocar fotos pornográficas envolvendo crianças e adolescentes por meio da internet permite a difusão da imagem para um número indeterminado de pessoas, tornando-as pública. Ressaltou, ademais, que as fotos transmitidas por sites da Internet, por intermédio de chats, endereços eletrônicos e grupos de conversação, e a disponibilização por meio desses recursos virtuais permite o acesso de qualquer usuário comum, como ocorreu com os investigadores do núcleo de informática criado pelo MP. Por fim, deu provimento ao recurso para cassar o acórdão recorrido, dando-se seguimento à ação penal instaurada contra os réus. Sobre o assunto, vejamos os ensinamentos de Gianpaolo Poggio Smanio e Damásio de Jesus: 344 O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) adotou, em seu art. 1o, o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, estendendo-se a todas as suas necessidades e direitos, no sentido do pleno desenvolvimento de sua personalidade. E o seu art. 4o expressa que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes… à dignidade e ao respeito”. Como corolário desses princípios, o art. 5o proíbe que a criança ou adolescente seja objeto de qualquer exploração, sendo punido, na forma da lei, qualquer atentado aos seus direitos fundamentais. Material Complementar da Obra Evidentemente, a divulgação na Internet de cenas de sexo explícito que envolvem crianças e adolescentes constitui exploração e atentado contra os direitos da personalidade dos mesmos, incidindo na proibição legal. Realmente, o art. 17 do ECA dispõe sobre o direito à inviolabilidade física, psíquica e moral do objeto da tutela legal, referindo-se expressamente à preservação de sua imagem e de seus valores. Esse dispositivo não contém simples norma programática, uma vez que o art. 18 do mesmo diploma impõe a todos o dever de zelar pela dignidade dos menores contra situações constrangedoras e vexatórias, significando que seus direitos são oponíveis erga omnes, ou seja, contra todos. Os direitos e interesses da pessoa humana, ainda que criança ou adolescente, são difusos, uma vez que transcendem a esfera individual, referindo-se a toda sociedade, que deles não pode dispor. Assim, o referido Estatuto estipula sua proteção judicial por via da ação civil pública, visando a impedir a veiculação de sites nocivos à sua imagem e personalidade na Internet, nos termos do seu art. 208, parágrafo único, sendo o Ministério Público, dentre outras, a instituição com atribuições para a propositura judicial (art. 210, I). De observar-se que qualquer pessoa pode provocar a iniciativa do Ministério Público, conforme o art. 220 do mencionado Estatuto, representando e apresentando elementos para sua atuação. [...] Assim, por intermédio do Ministério Público é possível proibirse a veiculação na Internet de cenas pornográficas envolvendo menores, responsabilizando-se civilmente os responsáveis. No tocante à análise do art. 241 do ECA, os renomados autores lecionam: O art. 241 da Lei no 8.069/90 (ECA) tipifica como crime o fato de fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança e adolescente, cominando pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão. Publicar significa tornar público, permitir o acesso ao público, no sentido de um conjunto de pessoas, pouco importando o processo de publicação (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1958, VII:340). Em face disso, a divulgação dos sites na Internet constitui o núcleo da norma penal incriminadora (“publicar”) e adequase à figura típica. 345 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Não se exige dano individual efetivo, bastando o potencial. Significa não se exigir que, diante da publicação, haja dano real à imagem, respeito à dignidade etc. de alguma criança ou adolescente, individualmente lesados. O tipo se contenta com o dano à imagem abstratamente considerada. A consumação do delito ocorre no instante e no local a partir do qual é permitido o acesso ao público que atua na Internet, ou seja, no endereço do responsável pelo site (lugar da publicação). (Fonte: “Internet: Cenas de sexo explícito envolvendo menores e adolescentes – aspectos civis e penais”, Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, no 3, p. 5758, artigo no 3/12872, 1. quinzena fev. 1997). 346 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade 1. DOS CRIMES EM ESPÉCIE NOTA “CPI da Pedofilia” e a Lei no 11.829/2008. Crítica à falta de tratamento ao pedófilo. Conforme se observa, a CPI da Pedofilia, no Senado Federal, preocupou-se com a violência praticada contra crianças e adolescentes. Porém, em que pese os avanços desta, não podemos deixar de criticar o sistema brasileiro de legislação e jurisdição no seu sentido meramente punitivo. A CPI não resolveu, com a Lei no 11.829/2008, e, com a Lei no 12.015/2009, a causa que levou os criminosos a serem pedófilos, apenas buscando a punição ou condenação na consequência praticada. Típica hipocrisia brasileira. É comum em artigos, obras, pareceres, sentenças de alguns juízes e manifestações de alguns promotores o uso exagerado de adjetivos contra os pedófilos, buscando a figura do “herói” que seu cargo representa, salvador da sociedade, quando tudo isto encobre, mesmos sob os holofotes, o despreparo para cuidar do tema, tão ligado à infância e à própria humanização do Direito. É muito mais fácil denominar um pedófilo de “monstro”, sem saber quem o fez transferir para a sociedade o que sofreu na infância. O início da ignorância: Geralmente, os adultos não acreditam nas crianças, dizendo que elas “fantasiam”. Desprezam suas informações e não utilizam a chamada “psicologia do testemunho”, usada na Alemanha e em outros países, no sentido de apurar a veracidade das versões por meio de psicólogos especializados em crianças. No Brasil, no contexto do Código de Processo Penal, menores de quatorze anos são informantes e somente necessários se inseparáveis da causa, sendo que, mesmo assim, é comum desprezá-los em crimes sexuais ou contra a vida que tenham presenciado, porquanto não existe uma estrutura para lhes garantir credibilidade. Falta a “psicologia do testemunho”. 347 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente O fato piora quando as próprias crianças são vítimas de pedófilos ou de pais autoritários30 e esquecidas, sem nenhuma medida de proteção (ECA, art. 101). Crescem neste meio, traumatizadas, e depois desejam comunicar à sociedade o que sofreram, de forma trágica. A este respeito é preciso recordar o conteúdo do livro de Alice Miller (No princípio era a educação. São Paulo: Martins Fontes, 2006), no qual, através das vidas de três personagens do nosso século – Adolf Hitler, Cristiane F. e Jurgen Bartsch –, a autora nos mostra que estes foram vítimas de violência física doméstica e que, mais tarde, ao se converterem num terrível ditador, numa drogada e num temível assassino de crianças, cumpriram o que Miller nos diz com muita propriedade: “fatalmente, as crianças espancadas, espancarão, as humilhadas, humilharão, aquelas em que mataram a interioridade, essas matarão, pois por trás de cada crime esconde-se uma tragédia pessoal”. A grande parte dos pedófilos, que a CPI pensou apenas em condenar, não tem a sexualidade como papel especial de seus crimes, como se acredita. A sexualidade em tais crimes apenas “reflete claramente a história da infância de modo trágico” (Alice Miller, ob. cit., p. 257), no conhecido fenômeno da psicologia chamado “transferência”. A pedagogia de punir apenas a consequência do ato e não buscar a solução ou minimização da sua causa, do trauma infantil que levou a criança abandonada a praticar pedofilia, é um círculo vicioso, pois é inevitável que a maioria dos criminosos retornará ao convívio da sociedade, após um período de prisão, caso não seja “eliminado” pelos próprios presos. Com isto, não haverá solução do problema e sim sua perpetuação, já que o Estado-polícia não pode estar em todos os 30 Sobre a excessiva autoridade dos pais, Alice Miller (No princípio era a educação. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 227-228) comenta o caso de um pai de um paciente. Conta que “o pai de um analisando, que também tivera uma infância muito difícil, sem nunca falar a respeito, às vezes torturava de modo cruel o filho, em quem sempre via a si mesmo. Porém, nem ele, nem o filho, se davam conta dessa crueldade, pois ambos entendiam-na como ‘medidas educativas’. Quando o filho, com graves sintomas, veio fazer análise, era muito ‘grato’ a seu pai pela educação rígida e pela ‘criação severa’, como ele próprio dizia. O filho, que outrora se inscrevera para o curso de pedagogia, descobriu durante a análise o autor Ekkehard Von Braunmühl e seus textos antipedagógicos e entusiasmou-se com eles. Nesse período, um dia visitou o pai e vivenciou, pela primeira vez, com toda clareza, como esse o ofendia permanentemente, na medida em que não o ouvia de modo algum e zombava de tudo o que ele falava, ridicularizando-o. Quando então chamou atenção do pai para isso, esse, que tinha sido professor de pedagogia, disse-lhe com toda seriedade: ‘Você me deve ser grato por isso. Muitas vezes ainda terá de aguentar em sua vida pessoas que não lhe dão atenção ou que não levam a sério aquilo que diz. Assim, já estará acostumado se já o tiver aprendido comigo. Aquilo que aprendemos quando jovens não esquecemos durante toda a vida’. O filho, que tinha então vinte e quatro anos de idade, ficou perplexo. Quantas vezes já ouvira tais colocações antes, sem questionar seu conteúdo de verdade! Dessa vez, porém, assomou-lhe uma indignação que o fez citar uma frase lida em Von Braunmühl. Disse: ‘Se quiser continuar me educando com base nesses princípios, então terá realmente de me matar, pois algum dia terei de morrer. Assim, você já me prepararia da melhor maneira possível para a morte’.” 348 Material Complementar da Obra lugares protegendo todas as suas crianças. Trata-se do que Alice Miller denomina “pedagogia negra”. Em outras palavras: a CPI da Pedofilia queria proteger as inocentes crianças de práticas sexuais bizarras e noticiadas. Porém, para isto, dirigiu uma série de crimes e penas para os pedófilos, sem contudo notar que a maioria deles foi de crianças seviciadas, abusadas, e que sofreram maus-tratos dos pais quando infantes. Pune-se, na verdade, duplamente o “assassino”: uma, quando criança, pela negligência e inoperância do Estado em salvar o inocente e dar tratamento psicológico imediato como medida de proteção; duas, quando tais crianças se tornam adultos traumatizados e sofrem condenações nos Tribunais pelos atos que praticaram em “transferência” dos que foram um dia vítima, ao invés de tratamento adequado. Faltou, assim, a previsão de tratamento psicoterapêutico no ambiente da execução penal de tais pedófilos. Quem pune os pais, parentes ou estranhos que praticam tais atos em relação a suas crianças? Como disse Alice Miller, obra citada, p. 231, “é claro que em toda sala de tribunal se reflete as normas e os tabus de uma sociedade. Aquilo que a sociedade não pode ver tampouco é visto por seus juízes e procuradores”. Se a sociedade não enxerga que a maioria dos pedófilos foi de crianças vítimas de abusos sexuais, maus-tratos ou criação extremamente rígida, a ponto de sufocar sua personalidade, como exigir que os juízes e promotores enxerguem que foi a própria sociedade que “preparou” o crime, como forma de o pedófilo refletir claramente a história de sua infância de modo trágico, praticando os mesmos atos que um dia sofreu? Constitui justamente um dos objetivos principais da “pedagogia negra” impedir desde o começo a visão, a percepção e o julgamento das coisas sofridas na infância. É comum encontrar nos relatórios de peritos a típica frase, segundo a qual “também outras pessoas” foram educadas dessa maneira, sem que tenham se tornado criminosos sexuais. E, assim, o sistema educacional existente é defendido, já que se pode apontar que apenas alguns indivíduos, aqueles “anormais” saíram dele como criminosos. (...). O que se pode e se deve alterar é o nosso conhecimento sobre as consequências de nossa ação (...). Enquanto a criança for vista como um recipiente em que podemos jogar, sem problemas, todo o nosso “lixo afetivo”, na prática não será alterada muita coisa da “pedagogia negra”. Ao mesmo tempo, 349 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente iremos nos admirar com o rápido crescimento das psicoses, neuroses e da dependência de drogas entre os jovens; iremos nos revoltar e nos indignar com as perversões e as violências sexuais e presenciar assassinatos em massa como uma parte inevitável de nossas vidas. (Alice Miller, ob. cit., p. 232) Cumpre registrar que a novela da Rede Globo, “A Favorita”, mostrou – ainda que de forma não tão profunda e complexa – o ódio reprimido de Flora por Donatela e que todos os seus assassinatos e crimes quando adulta estavam intimamente ligados a traumas infantis, sentimento de abandono, rejeição etc. É uma espécie de “a arte imita a vida”, ou seja: muitos criminosos foram crianças extremamente maltratadas e humilhadas, desde a mais tenra idade, ou seja, a crueldade era o clima em que cresceram, geralmente criadas por famílias com sistema pedagógico autoritário, onde tiveram de ser extremamente reprimidos, bem como não contaram em toda sua infância e juventude com nenhum adulto a quem tivessem podido confiar seus sentimentos, sobretudo o ódio (Alice Miller, ob. cit., p. 271) Com isto, tais “vítimas que se tornam criminosos” têm um “forte impulso de comunicar ao mundo as experiências sofridas e de articulá-las de alguma forma, comunicando ao mundo ‘o sentimento de pavor e horror’ a que foram submetidas” (Alice Miller, p. 271). Assim, em muitos casos, tais criminosos, quando vítimas infantes, vivenciaram o carinho apenas como objetos de si mesmas, como propriedade de seus pais, mas nunca como as pessoas que eram. O anseio por carinho, ao lado da irrupção de sentimentos destrutivos e oriundos da infância, levou-as, na puberdade e na adolescência, as suas encenações funestas (Alice Miller, p. 271). Alice Miller propõe que seja o mais divulgado possível, inclusive na imprensa, o conhecimento analítico da questão, de forma que “já não será evidente que os pais possam descarregar sua raiva e cólera livremente na criança, enquanto dela se exige desde pequena o controle de suas emoções” (ob. cit., p. 233). Assim, poderemos entender que, em muitos casos, práticas bizzarras sexuais revelam a infância do pedófilo. Isto não significa que devemos absolver os pedófilos. Como diria Alice Miller, p. 220: 350 evidentemente temos o direito e mesmo a necessidade de encarcerar os assassinos que ameaçam nossas vidas. Por enquanto, não conhecemos nenhum outro caminho. Contudo, Material Complementar da Obra isto não muda o fato de que a necessidade de matar constitui a expressão de um destino infantil trágico, bem como o fato de a prisão ser um desfecho trágico desse destino. Ilustrando todo o tema e tendo como objetivo aprimorar o trabalho da CPI da Pedofilia, a ponto de algum senador ou deputado federal complementar o que faltou na Lei no 11.829/08 (obrigatoriedade de tratamento psicoterapêutico na execução penal de pedófilos e medida específica de proteção – tratamento psicológico – à criança vítima de tais atos, imediatamente após o ato), citamos as “intelecções a respeito da situação real da criança”, extraídas do recente posfácio de Não perceberás, de Alice Miller, de forma que a “pegadogia negra” (círculo vicioso de simplesmente punir, muitas vezes, duplamente a vítima) seja substituída pela “pedagogia branca” (círculo virtuoso de encarcerar, mas tratar e curar a causa da pedofilia): Somente a libertação das tendências pedagógicas conduz a intelecções a respeito da situação real da criança. Essas intelecções podem ser sintetizadas por meio dos seguintes pontos: 1) A criança é sempre inocente. 2) Toda criança tem necessidades indispensáveis, entre as quais, as de segurança, abrigo, proteção, contato, sinceridade, calor humano, carinho. 3) Essas necessidades são raramente preenchidas, mas frequentemente exploradas pelos adultos em prol de seus próprios objetivos (traumas do abuso de crianças); 4) O abuso tem consequências para o resto da vida. 5) A sociedade está do lado dos adultos e sempre culpa a criança pelo que alguém lhe fez; 6) Como de costume, o ato de sacrificar a criança é negado. 7) Por isso, as consequências desse sacrifício são ignoradas. 8) A criança deixada só pela sociedade não tem outra escolha senão reprimir o trauma e idealizar o autor do delito. 9) O recalque provoca neuroses, psicoses, perturbações psicossomáticas e leva ao crime. 10) Na neurose, as verdadeiras necessidades são reprimidas e negadas e, no lugar delas, são vivenciados sentimentos de culpa; 11) Na psicose o abuso é transformado em alucinação. 351 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente 12) Na perturbação psicossomática, sofre-se a dor do abuso, mas as verdadeiras causas do sofrimento permanecem ocultas. 13) No crime, a confusão, a sedução e o abuso sempre se repetem. 14) Os esforços terapêuticos só podem ser bem-sucedidos quando não se nega a verdade sobre a infância do paciente. 15) A doutrina psicanalítica da “sexualidade infantil” sustenta a cegueira da sociedade e legitima o abuso sexual de crianças. Ela atribui a culpa à criança e poupa os adultos. 16) As fantasias servem à sobrevivência; elas ajudam a articular a insuportável realidade da infância e, ao mesmo tempo, a escondê-la ou minimizá-la. A chamada vivência ou o trauma “inventado” sempre encobre um trauma real. 17) Na literatura, na arte, nos contos de fadas e nos sonhos, muitas vezes as experiências reprimidas da primeira infância expressam-se de forma simbólica. 18) Por causa de nossa ignorância crônica em relação à real situação da criança, esses atestados simbólicos de maus-tratos na nossa cultura não só são tolerados, mas até valorizados. Se a realidade que está por trás desses relatos cifrados fosse entendida, eles seriam rejeitados pela sociedade. 19) As consequências de um delito não são suprimidas pelo fato de autor e vítima serem cegos e confusos. 20) Novos delitos podem ser impedidos quando as vítimas começam a enxergar; assim, a compulsão à repetição é eliminada ou enfraquecida; 21) Ao revelar inequívoca e irrevogavelmente a fonte do conhecimento, oculta naquilo que ocorreu na infância, os relatos podem ajudar os interessados da sociedade em geral e, em especial, os ligados à ciência a modificar sua consciência. (MILLER, Alice. No princípio era a educação. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 313-314). Podemos concluir que a sociedade é coculpável31 porque não protege e, pior, não cuida das crianças vitimizadas e que se tornam criminosos pelo fenômeno da transferência. Pune-se porque não as protegeu (função preventiva) ou tratou (função repressiva). Como os numerosos crimes contra crianças e adolescentes, praticados por “pedófilos” constituem-se, 31 “Teoria da coculpabilidade”. Aplicada a teoria, neste caso, do jurista argentino da Suprema Corte, Eugênio Raúl Zaffaroni, no sentido de que, portanto, deve haver uma redução de pena, ou, na minha opinião, um tratamento psicoterapêutico na execução penal, por obrigação moral e ética do Estado. Sobre tal teoria, conferir nossa obra Manual de Sentença Criminal. São Paulo: Premier, 2008. 352 Material Complementar da Obra em verdade, numa “comunicação inconsciente à sociedade sobre o próprio passado, cuja memória geralmente é difícil de recuperar, pois alguém que ‘não pode perceber’ aquilo que fazem contra ele, não é capaz de se expressar de outra forma senão fazendo com outros aquilo que lhe fizeram” (MILLER, Alice. Ob. cit., p. 268), podemos chegar à seguinte conclusão: o Estado omisso num período infantil deste criminoso, quando tinha de agir (art. 227 da CF/88), é coculpável, devendo, no mínimo, já que a condenação e o cárcere são “necessários”, ser obrigado a fornecer tratamento psicoterapêutico nos estabelecimentos prisionais para tais “criminosos”, de forma a propiciar que, entendendo sua linguagem de “socorro” e auxiliando-os a enfrentar de frente seus traumas, retornem à sociedade, ao final de sua pena, com a causa dos problemas detectada e tratada. Do contrário, tudo se tornará um ciclo vicioso, ou, quando muito, castelos de areia... 353 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade 1. DOS CRIMES EM ESPÉCIE NOTA Sobre o problema mais sério da Infância e Juventude, qual seja, bebida alcóolica, lembrando da “Teoria do Caos” (cuja teoria oposta é a da “lei da atração), sugeri, como então Promotor da Infância e Juventude de Divinópolis/MG e cooperador de Cláudio/MG, uma alternativa preventiva a redução deste grave problema: fechamento de bares após às 24 horas, como foi realizado em Atibaia/SP e Diadema/SP. Edward Lorenz criou a “Teoria do Caos“ na década de 1960. É um estudo de fenômenos que parecem aleatórios, mas que de fato têm um elemento de regularidade que pode ser descrito matematicamente. A fase inicial dos eventos pode parecer aleatória, mas no fim surge um “padrão“ e todas as peças se encaixam, pois “há uma ordem no caos”. Livro sobre o assunto: Chaos, de James Gleick. O famoso seriado Lost é baseado nesta teoria. Contrária à teoria do caos (que se baseia no acaso), surge a teoria metafísica da “lei da atração”, na obra O Segredo, em que existe uma causa determinante para o sucesso ou fracasso, e não um acaso. Renato Liberman ([email protected]) comenta esta teoria que explodiu no mundo, inclusive em DVD e livros: Muitas pessoas já estão sabendo deste novo filme, do estilo Quem Somos Nós. Não traz nenhuma novidade, porém, é algo que é praticado por pouca gente. É um assunto que encontramos na Bíblia, portanto, muito antigo. 354 A síntese do filme O segredo nada mais é do que o poder que possuímos unido à lei da atração universal, isto é, nossos pensamentos e escolhas determinam nossa realidade. O filme nos explica que atraímos para nossas vidas aquilo que pensamos, tanto o positivo quanto o negativo. Tudo o que existe no Universo foi “pensado” antes. Tudo o que temos em nossa vida foi “criado” e determinado pelos nossos pensamentos: saúde ou doença, bons relacionamentos ou não, dinheiro ou dívidas, profissão, governo etc. Material Complementar da Obra Por exemplo: se eu quero ser uma pessoa saudável, tenho que pensar em saúde, pois assim atrairei a energia da saúde. Mas se eu pensar em não ficar doente, adivinha qual a energia que vou atrair? Tudo no Universo é energia. Einstein já havia descoberto esta relação de matéria e energia em sua famosa equação: E = mC² – onde a energia é a massa de um corpo multiplicada pela velocidade da luz (300.000 Km por segundo) elevada ao quadrado! Fazendo uma analogia, isto quer dizer que uma pessoa pode fornecer energia a uma cidade inteira! Isso nos mostra que matéria é energia, e como o universo é composto de matéria, tudo no universo é energia. E o que são os pensamentos? Quando pensamos, há uma descarga elétrica em nosso cérebro que gera um campo eletromagnético (energia) formando o que chamamos de “formas-pensamentos” que, carregadas de emoção e sentimento, tendem a se materializar. Se eu penso positivo ou em algo bom, forma-se um campo positivo, isto é, energia positiva. Se eu penso em dinheiro, crio um campo relacionado ao dinheiro e por sua vez atraio a energia do dinheiro. Agora, se a sua meta é pagar suas dívidas, você continuará a criar dívidas para poder pagá-las, pois está pensando em dívidas. O ser humano tem a tendência a pensar naquilo que não quer. E sabe o que irá atrair????? Exatamente aquilo que não quer! Pense no que você quer e não no que deseja evitar. Assim você cria um campo de possibilidade carregado da energia do seu desejo. Então, as situações em sua vida começam a acontecer para a realização do seu objetivo. Como já comentei acima, tudo o que existe no universo foi pensado antes – e não existe nada além da plenitude no universo (Cabalá). Portanto, direcione seus pensamentos para o bom, para a saúde, para o dinheiro. Experimente! Comece por pequenas coisas e sinta o que estou dizendo. Por exemplo: pense em alguém agora que você quer que te ligue. Imagine mentalmente esta pessoa ao telefone com você. Ouça o som de sua voz, sinta a emoção de estar falando com ela. Faça este pequeno teste uma vez ao dia por no máximo 1 minuto. Veja o que acontece! Quando direcionamos a energia da forma correta, nossa mente inconsciente (que eu associo ao universo), percebe e cria melhores situações para concretizar aquilo que pensamos. 355 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Mas lembre-se: – Se você quer ter um relacionamento bom, pense em alguém do jeito que você quer e não naquilo que você deseja evitar. – Se você quer ter saúde, pense em saúde. – Não fale de seus problemas, pois eles se fortalecem. – Sabe o Governo que tanto o incomoda? Não pense nele, dirija sua atenção ao governo que você deseja. – Quando dirigimos a atenção contra algo o fortalecemos. Este é O segredo. Ele está muito mais perto de nós do que pensamos. Não é preciso ir a nenhum lugar místico, nenhum ritual religioso, nenhuma magia para descobri-lo. Religião, misticismo, seitas secretas etc. são “ferramentas” poderosas para descobrir O segredo. São ferramentas que nos ajudam a acessar nosso inconsciente, nosso ser interior – nosso sábio – pois é lá que está escondido O segredo. Quando Jesus diz que a fé é o que cura, está dizendo que é o que existe dentro de você, pois a fé é a melhor forma de acessar o poder do inconsciente. Ter fé é pensar somente no bem, portanto, atrair o bem! Quando eu assisti ao filme fiquei maravilhado com a produção e as entrevistas, pois tem o objetivo de mostrar ao mundo algo que sempre tive a convicção de que era assim. Depois de assisti-lo, esta convicção aumentou ainda mais e precisava compartilhar isso com todos vocês. Se você assistiu ao filme Quem somos nós ou ouviu falar nele, assista O segredo que traz a resposta: “Somos aquilo que desejamos ser!” Experimente O segredo em sua vida. Qual o seu desejo? Como será a imagem deste desejo realizado? Viva esta imagem, sinta-a! E deixe que a mente inconsciente faça seu trabalho. Não se preocupe como, pois este é o trabalho do inconsciente... você só precisa saber o que deseja! O que você deseja é a sua parte... como, é parte do inconsciente, do Universo. Apenas fique “ligado”. Perceba as oportunidades. (Fonte: Jornal Gazeta do Oeste (Divinópolis/MG), novembro de 2006.) 356 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade 1. DOS CRIMES EM ESPÉCIE Polêmica: Promotor da Infância e Juventude, Thales Tácito, recomenda fechamento de bares após as 24 horas em Divinópolis/MG. Minuta do projeto “Boa-Noite Cinderela” ou “Toque de recolher” (fechamento dos bares após 24 horas) é enviado ao Presidente da Câmara de Vereadores, pelo Promotor Thales Tácito Cerqueira. O Promotor Thales Tácito Cerqueira, da Infância e Juventude de Divinópolis/MG, no dia 26 de outubro de 2006, enviou ao Presidente da Câmara de Vereadores, a minuta do projeto de lei conhecido como “Boa-Noite Cinderela”, consistente no fechamento de bares após as 24 horas e outras medidas, como a fixação de um prazo para bares e estabelecimentos que causem perturbação da tranquilidade cessarem suas atividades em área residencial e removerem para outro lugar, de menor impacto. O Promotor Thales Tácito já havia enviado, no mês de junho, a sugestão, mas depois da reunião de Segurança no 23 BMP, no dia 25 de outubro, o mesmo encaminhou uma minuta do projeto, para deliberação e discussão na Casa Legislativa Municipal, pelos seguintes argumentos: “Pesquisei na cidade paulista de Atibaia/SP, a legislação sobre o assunto, com impacto de 85% na redução da violência. Mas não foi somente a área criminal a favorecida pela medida, pois a Infância e Juventude teve sensível melhoria, além da diminuição da violência doméstica e sexual de pais contra esposas e filhas, já que o álcool, como sabemos, é uma ‘droga ‘lícita’. Além disto, gangues de jovens e ‘arrastões’ passaram a ser mais facilmente detectados pela polícia e o número de homicídios reduziu drasticamente”. O promotor mineiro Thales ainda emocionado, retrucou: “É terrível uma senhora ou senhor nos parar nas ruas de Divinópolis/MG e pedir pelo ‘amor de Deus’ para ajudá-los a descansar nos finais de semana, eis que bares estão tirandolhes o sossego e tranquilidade, causando stress, depressão e afetando o sistema nervoso central. Casos como o de danificar 357 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente os carros de moradores que residem próximos a postos de conveniência, ofensas verbais e todos os tipos de crimes são praticados em nome de um comércio, desrespeitando o direito de vizinhança e sossego de pessoas de bem, que pagam seus impostos e precisam de paz de espírito para produzirem para o País. Não me importo se o jovens me odiarão com tal medida, porque um dia serão pais e me amarão. E assim chegaremos a conclusão de que o ‘ódio é passageiro, mas o amor é eterno’. Se tiverem que me odiar, que o façam dentro de suas casas, após as 24 horas, porque sempre há um interesse maior chamado de “supremacia do interesse público”, qual seja, o respeito aos mais velhos, aos que labutam dias e noites, aos caminhoneiros e todos trabalhadores que merecem descansar aos finais de semana, além de poderem circular nas ruas com segurança durante a semana. 358 Desta vez, entrego à Câmara de Vereadores a missão de aprovar este projeto grandioso, que é uma medida preventiva para que daqui 10 anos as pessoas não se acostumem a ‘fazer justiça com as próprias mãos’. Em breve teremos um Júri em Divinópolis de um caminhoneiro que praticou homicídio por força da irritação de som no seu horário de descanso, depois de tentar os meios legais para solução do caso. Este Júri, para mim, é de suma importância, pois dependendo do seu resultado, os Jurados estão a dizer para sociedade se realmente a medida foi adequada (“inexigibilidade de outra conduta”) ou se poderia ser resolvida de outra forma moderada. O que chamo a atenção é que o tema é uma ‘bomba relógio’, uma vez que em 10 anos iremos presenciar o aumento da criminalidade pelo prazer imedido. Portanto, é preciso que o Legislativo faça sua parte e pedi ao Presidente que o voto seja aberto, para a sociedade saber quais vereadores votarão favoráveis ou contrários ao tema, uma vez que as eleições de 2008 estão se avizinhando e é interesse da comunidade acompanhar seus parlamentares e cobrar medidas de impacto. O Ministério Público, seja com este Promotor da infância, seja com o combativo Promotor do Meio Ambiente, Dr. Márcio José de Oliveira, está fazendo sua parte. Mas se amanhã o projeto for rejeitado, a sociedade não nos pode creditar o aumento da violência, o desrespeito ao sossego público, ao sagrado descanso e a delinquência infanto-juvenil’.” Material Complementar da Obra Sobre o projeto, o Promotor destacou os principais pontos: a) compete ao Município fixar o horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, a teor do art. 30, I da CF/88, art. 171, I e II, “d”, da Constituição Estadual e Súmula no 275 do STF; b) fica estabelecido o horário entre 6 e 24 horas para funcionamento dos bares e estabelecimentos congêneres, no Município de Divinópolis, podendo excepcionalmente ser deferido horário diverso, se dentro das condições do decreto regulamentador e Alvará da Prefeitura, ouvido os representantes de Bairros; c) caracterizam-se como bares e estabelecimentos congêneres os locais preponderantemente destinados à comercialização de bebidas de qualquer teor alcoólico, servidas no balcão ou em mesas, para consumo próprio local, sendo que os postos de conveniência, após as 24 horas, não poderão comercializar tais bebidas sob pena de enquadramento no conceito de “bares”; d) As festividades de grande porte (FENACER, Festa da Fantasia, DivinoExpô, Divinofolia etc.) deverão estar previstas no decreto de regulamentação desta lei, inclusive prevendo medidas de segurança, como ausência de comércio de garrafas de vidro etc., devendo ainda atender todas as exigências junto ao Juízo da Infância e Juventude e Termos de Ajustamento de Condutas eventualmente acordados entre os responsáveis pelo evento e o Ministério Público local; e) bares em áreas residenciais de grande impacto social terão prazo para o proprietário remover-se dali, a ser regulamentado, principalmente no centro da cidade; f ) fica proibida a concessão de novas licenças de funcionamento para bares e estabelecimentos congêneres, em imóveis localizados num raio de 150 (cento e cinquenta) metros de distância de estabelecimentos de ensino infantil, fundamental, médio, técnico e superior, da rede pública ou privada. Excetuam-se da proibição, os restaurantes, pizzarias e padarias, assim caracterizados pelo Poder Público, ficando tais estabelecimentos proibidos de executar músicas ao vivo, bem como o uso de equipamentos eletrônicos de jogos ou equipamentos musicais, durante o horário escolar ou de atividades de estudo; g) no período eleitoral deve ser respeitada a conhecida “Lei Seca”; 359 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente h) as penalidades, nesta ordem, serão: Notificação para regularização, em prazo não superior a 30 (trinta) dias; Multa de 1.000 (mil) UVRM – Unidade de Valor de Referência do Município; Cancelamento do regime especial de funcionamento; Fechamento administrativo do estabelecimento; i) “forças-tarefas” podem ser criadas para ajudar os fiscais do Município a aplicar as penalidades, como blitz pela PM; j) a lei entrará em vigor 60 dias após sua publicação. Por fim, o Promotor concluiu, com as palavras de Carnelutti: “Não me iludo a respeito da eficácia de minhas palavras. Porém, de acordo com o ensinamento do filósofo sensacional, que todos deveriam reconhecer no Cristo, ainda que o considerando apenas um homem, sei que as palavras são sementes. E assim, sem presunção, mas por devoção, sigo semeando. Não espero que a colheita me remunere com cem, sessenta ou mesmo com trinta por um. Ainda que um único grão germine, não haverei semeado em vão.” Está lançada a semente Divinópolis/MG. Que Deus nos ajude a colher os frutos no futuro... Sobre o Ofício para a cidade de Cláudio/MG: Ofício de Gabinete no: 002/2007 – TTPLPC Assunto: Segurança pública. Solicitação de projeto de lei. Fechamento de bares após às 24 horas. Serviço: Promotoria de Justiça de Cláudio/MG – Solicitação de projeto de lei. Fechamento de bares após às 24 horas. Exm.a Sra. Presidente do Legislativo Municipal Md. Sra. Maristela Gonçalves Magalhães e Souza Exm.a Vereadora Alice de Rezende Chaves Esperando encontrá-las na Paz do Senhor, vimos, nesta correspondência epistolar, na atribuição que nos foi conferida por lei, trazer subsídios para a futura e urgente elaboração de importante projeto de lei para regulamentar bares nesta cidade. 360 Na área da Infância e Juventude, adolescentes dependem da aprovação deste projeto para que não fiquem a mercê de traficantes, alcoólatras, de exploradores da alma humana, além dos pais, que perdem suas autoridades em face de filhos desobedientes (choque de geração). Nesta cidade, com meu Material Complementar da Obra retorno, verdadeiras “gangues” de adolescentes apavoram os munícipes e, desde minha saída, percebi o aumento significativo da criminalidade e dos atos infracionais. Conforme o disposto no art. 74 do Estatuto da Criança e do Adolescente “o poder público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.” Lado outro, disciplina a Súmula no 275 do STF: É competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial. O art. 30 da CF/88 regula que compete aos Municípios: I – legislar sobre assuntos de interesse local. Some-se a isto que o Município deve velar pela segurança dos munícipes, a teor do art. 144 da CF/88, o que justifica, inclusive, legislar sobre horários de funcionamento de Bancos e medidas de segurança: Administrativo. Mandado de segurança. Atividade bancária. Competência legislativa. Distinções. Competência do município para matérias de interesse local. Art. 30, I e II, da Constituição Federal. 1. A competência para legislar sobre o melhor modo de prestar atendimento e segurança aos usuários de agências bancárias é do Município, porque a matéria diz respeito a interesse local (C.F, art. 30, I). É legítima, sob esse aspecto, a lei municipal que exige dos estabelecimentos bancários a criação de acesso exclusivo para carga e descarga de valores. 2. Recurso ordinário a que se nega provimento (STJ. ROMS 200501557721 – (20681) – RJ. 1a T. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. DJU 12/06/2006. p. 438) Estabelecimentos bancários. Competência do Município para, mediante lei, obrigar as instituições financeiras a instalar, em suas agências, dispositivos de segurança. Inocorrência de usurpação da competência legislativa federal. Recurso improvido. O Município dispõe de competência, para, com apoio no poder autônomo que lhe confere a Constituição da República, exigir, mediante lei formal, a instalação, em estabelecimentos bancários, dos pertinentes equipamentos de segurança, tais como portas eletrônicas ou câmaras filmadoras, sem que o exercício dessa atribuição institucional, 361 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente fundada em título constitucional específico (CF, art. 30, I), importe em conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do Banco Central do Brasil. Precedentes (STF. RE-AgR 385398. MG. 2a T. Rel. Min. Celso de Mello. DJU 05/08/2005) Corolário, a Constituição do Estado de Minas Gerais, no seu art. 171, I e II, “d”, estabelece que compete ao Município legislar sobre assuntos de interesse local e facultativamente sobre a proteção da Infância e Juventude, em caráter regulamentar, observando as normas gerais, razão pela qual o fechamento de bares neste horário estará materializando a segurança e proteção da nossa infância e juventude. Aproveito, ainda, para cumprimentar a Câmara de Vereadores pela forma democrática dos debates, esperando contribuir com o aperfeiçoamento legislativo de importante projeto para Cláudio/MG, eis que o mesmo encontra amparo na vontade de milhares de pais onde tenho palestrado em Escolas. Cara Presidente, Cara Alice e colegas vereadores, ajudem este Promotor cooperador a cuidar de nossas crianças e jovens, livres do ócio, das drogas, das más companhias e da exploração meramente comercial, sem responsabilidade social. Conto com todos neste importante projeto, a ser, se preciso, discutido na Casa ou Audiência Pública, visando aprimorar as discussões, eis que interesses meramente mercantilistas não podem destruir nossos jovens. Sugiro que na primeira oportunidade seja lançada multa no estabelecimento comercial, além do Conselho Tutelar ou Comissariado ou Polícia (com convênios com o Município) entregar os jovens aos pais, sendo que na reincidência haverá cassação do Alvará de funcionamento ou suspensão do estabelecimento, além de multa em dobro. Segue no anexo proposição do projeto, retirado da Lei no 3.477, de 01 de julho de 2005, da cidade de Atibaia/ SP (autoria do vereador Takao Ono), com adaptações e sugestões feitas por este Promotor de Justiça. Segue também, o projeto 068/2006 da Câmara Municipal de Divinópolis/MG, que acolheu a sugestão deste Promotor, e neste no de 2007 se prepara par votar importante projeto para a população. Como diria Carnelutti, nas “Misérias do Processo Penal”: 362 Material Complementar da Obra “Não me iludo a respeito da eficácia de minhas palavras. Porém, de acordo com o ensinamento do filósofo sensacional, que todos deveriam reconhecer no Cristo, ainda que o considerando apenas um homem, sei que as palavras são sementes. E assim, sem presunção, mas por devoção, sigo semeando. Não espero que a colheita me remunere com cem, sessenta ou mesmo com trinta por um. Ainda que um único grão germine, não haverei semeado em vão”. Por fim, estou à disposição para as explicações técnicas, se preciso, nesta Augusta Casa das Leis, seja interna corporis, seja em Audiência Pública. Paz e Luz, Em Cristo, Jesus. Fiquem com Deus, Mercê. Cláudio/MG, 11 de janeiro de 2007 Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira Vejamos o projeto de lei de Divinópolis/MG, que adotou na íntegra a sugestão dos artigos feita por este autor, acrescentando somente no art. 9o um “período de experiência” da lei por 9 meses (metáfora de uma “gestação”), quando os eleitores, ao final, farão um referendo sobre o tema: PROJETO DE LEI No CM-068/2006 Estabelece o horário para o funcionamento de bares e estabelecimentos congêneres, no Município de Divinópolis e dá outras providências. O Povo do Município de Divinópolis, por seus representantes legais, aprova e eu, na qualidade do Prefeito Municipal, em seu nome, sanciono a seguinte Lei: Art. 1o Fica estabelecido o horário entre 6 (seis) e 24 (vinte e quatro) horas para funcionamento dos bares e estabelecimentos congêneres, no Município de Divinópolis. § 1o Caracterizam-se como bares e estabelecimentos congêneres os locais preponderantemente destinados à comercialização de bebidas de qualquer teor alcoólico, servidas no balcão ou em mesas, para consumo no próprio 363 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente local, observando-se que a exploração de jogos de mesa do tipo bilhar, snooker, pebolim e assemelhados pelos estabelecimentos mencionados neste parágrafo, não os exclui da caracterização supra. § 2o Os postos de conveniência, a partir do mencionado horário, não poderão comercializar bebidas alcoólicas, sob pena de enquadramento nos estabelecimentos congêneres previstos no § 1o. § 3o O horário referido no caput deste artigo, para os estabelecimentos que especifica, poderá ser estendido mediante alvará a ser expedido pela Prefeitura Municipal, a requerimento do interessado, devidamente fundamentado, esclarecendo as peculiaridades do estabelecimento, o local onde se encontra instalado e as razões da solicitação, podendo o Poder Executivo Municipal criar uma comissão técnica para expedição deste alvará, ouvindo os representantes de bairros. § 4o O Alvará de que trata o parágrafo anterior será expedido, desde que satisfeitas as pré-condições estabelecidas no Decreto de regulamentação desta Lei, sem prejuízo da observância da legislação que regula o funcionamento dos estabelecimentos da espécie, especialmente no que respeita as condições de higiene e de segurança, entre outras. § 5o As festividades de grande porte deverão estar previstas no Decreto de regulamentação desta Lei, inclusive prevendo medidas de segurança, como ausência de comércio de garrafas de vidro, etc.; devendo ainda atender todas exigências junto ao juízo da Infância e Juventude e Termos de Ajustamento de Condutas acordados entre os responsáveis pelo evento e o Ministério Público local. § 6o O Alvará concedido para bares e estabelecimentos que violem o direito de vizinhança, perturbem a tranquilidade e sossegos alheios, bem como a Postura Municipal, o Plano Diretor, o Estatuto da Cidade, a Lei Ambiental e similares, terão especificação de prazo, previsto no Decreto de regulamentação desta Lei, para término das atividades, com prazo razoável para que o proprietário promova, querendo, sua transferência para local adequado e que doravante atenda todas exigências legais e sociais. 364 Art. 2o O órgão ou Conselho de Turismo da Prefeitura de Divinópolis, procederá à classificação das regiões de interesse para o desenvolvimento do turismo da cidade, Material Complementar da Obra bem como à classificação, em cada uma dessas regiões, dos estabelecimentos que atendam as exigências desta Lei, bem como do seu Decreto de regulamentação, para efeito de concessão do alvará de que trata o § 4o do artigo anterior. Art. 3o Fica proibida a concessão de novas licenças de funcionamento para bens e estabelecimentos congêneres, em imóveis localizados num raio de 150 (cento e cinquenta) metros de distância de estabelecimentos de ensino infantil, fundamental, médio, técnico e superior, da rede pública ou privada. Parágrafo único. Excetuam-se da proibição do caput deste artigo, os restaurantes, pizzarias e padarias, assim caracterizados pelo Poder Judiciário, respeitadas as demais condições previstas na presente Lei, ficando tais estabelecimentos proibidos de executar músicas ao vivo, bem como o uso de equipamentos eletrônicos de jogos ou equipamentos musicais, durante o horário escolar ou de atividades de estudo. Art. 4o Todos os bares e estabelecimentos congêneres, além dos demais excetuados nesta Lei, deverão, no período eleitoral, respeitar a proibição de venda e/ou distribuição de bebidas alcoólicas, prevista em atos normativos federais ou da Secretaria de Segurança do Estado (norma penal em branco). Art. 5o Aos infratores desta Lei serão aplicadas, pela ordem, as seguintes penalidades: I – Notificação para regularização, em prazo não superior a 30 (trinta) dias; II – Multa de 1.000 (mil) UPFMD – Unidade Fiscal Padrão do Município de Divinópolis; III – Cancelamento do regime especial de funcionamento; IV – Fechamento administrativo do estabelecimento. § 1o Após o fechamento administrativo do estabelecimento, e transcorridos o prazo de 12 (doze) meses, o Executivo poderá conceder nova licença de funcionamento, atendida a legislação vigente. § 2o O Poder Público fará ampla divulgação desta Lei, bem como poderá celebrar convênios com a Polícia Militar e outras milícias, visando a criação de “forças-tarefas” para fiscalização, poder de polícia e aplicação das penalidades deste artigo, observados os ditames legais. 365 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 6o A presente Lei será regulamentada no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data de sua publicação oficial. Art. 7o Os recursos para aplicação desta Lei correrão por conta do orçamento vigente, suplementadas, se necessário. Art. 8o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias da data de sua publicação, produzindo seus efeitos por um período de 9 (nove) meses, quando deverá ser realizado referendo popular, do qual dependerá sua aprovação para manutenção de sua vigência e eficácia. Divinópolis, 20 de novembro de 2006. Marcos Vinicius Alves de Silva Vereador – Vice-Líder PDT Vereador Juliano do Pio Vice-Presidente da Câmara Municipal Vereador Antônio Geraldo da Silva 1o Secretário Vereador Edmar Antônio Rodrigues 2o Secretário Adair Otaviano de Oliveira Vereador Líder do PAN Anderson Saleme Vereador – Líder PSB Antônio de Lisboa Paduano Pereira Vereador PSDB Antônio Davi Filho Vereador PMDB Aristides Salgado dos Santos Vereador – Líder do PL Milton Donizete da Silva Vereador – Líder PDT Nilmar Eustáquio de Souza Vereador – Líder PSL Vladimir de Faria Azevedo Vereador – Líder PSDB 366 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade 2.6. CONCLUSÃO A cada lei, um impacto social. Na tentativa de melhoria, não se estuda a repercussão social ou a sistemática de normas que compõem o Direito. Pune-se administrativamente com multa a divulgação de apelido ou iniciais de adolescentes e permanece a MSE de 3 anos ou 21 anos de idade do adolescente que recentemente matou um jovem casal (e estuprou a vítima) de São Paulo, já que idade penal pelo critério eminentemente biológico é cláusula pétrea. Pinto Ferreira já dizia que o legislador é mais o obreiro que faz a lei (logo, conhece da realidade que o cerca), do que a testemunha que certifica, leia-se, a simples testemunha que apenas certifica no papel aquilo que desconhece. Enquanto isso, os problemas sociais se agigantam, as causas sociais não são combatidas, o desemprego cresce, a desesperança aumenta, o crime organizado avança. O legislador, no entanto, insiste na feitura de leis lacônicas, utópicas, que apenas aumentam pena, e por vezes incongruentes. Beccaria já dizia no passado que não é o tamanho da pena que diminui a criminalidade e sim a certeza de sua punição, ou, nos tempos modernos, “a certeza da punição” e o combate às causas do delito, seja de forma preventiva e repressiva, seja no amparo às vítimas crianças e adolescentes. Como diria T.S. Eliot: Em uma terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo. Por isto tudo e por uma PEC Conciliatória, sugerimos ao Deputado Carlos Sampaio, em 2007, um modelo onde ECA ou CP serão analisados pelo juiz, através de perícia. Segue agora o modelo sugerido: PEC..../2007 Altera o art. 228 da Constituição Federal, mantendo a maioridade penal e reduzindo a imputabilidade penal para dezesseis anos, tão somente nos casos que especifica. Proposta de Emenda à Constituição no....., de 2007 367 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Altera o art. 228 da Constituição Federal, reduzindo para dezesseis anos a idade para imputabilidade penal, utilizando vários critérios especiais. As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3o do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda Constitucional. Art. 1o O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. § 1o Os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis anos são penalmente imputáveis, nos seguintes casos cumulativamente aplicados: a) se a infração penal cometida for mediante violência ou grave ameaça à pessoa, na forma dolosa, excluídas as consideradas de “menor potencial ofensivo” e, ainda, se a infração ocorrer mediante a participação de quadrilha ou bando ou em atividades do crime organizado b) se o agente era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento § 2o O Juiz ou Tribunal, ao verificar a prática de infração penal cometida mediante violência ou grave ameaça por menor de dezoito anos e maior de dezesseis anos, determinará, de ofício, a imediata abertura de procedimento para aferição da existência, ou não, da capacidade de entendimento por parte do autor, à época do fato criminoso. § 3o Na hipótese do § 1o, o adolescente cumprirá sua pena em estabelecimento próprio ou dentro dos estabelecimentos prisionais, em local separado, até completar 18 anos, quando então cumprirá o restante da reprimenda juntamente com os demais detentos. § 4o As hipóteses de aplicação da medida de internação ao adolescente, previstas em legislação especial, contemplarão, além das hipóteses legais, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes, não se aplicando, quanto a esta modalidade, a redução da imputabilidade penal prevista neste artigo. § 5o Os adolescentes infratores que não reunirem as condições do parágrafo primeiro deste artigo responderão na forma da legislação especial, sendo que o período máximo 368 Material Complementar da Obra de internação não excederá cinco anos, podendo, nos termos da lei, ultrapassar os 21 anos de idade, respeitada, porém, a prescrição do ato infracional. § 6o Os procedimentos para reconhecimento da capacidade de entendimento dos menores de 18 anos e maiores de 16 anos terão prioridade de tramitação perante o Poder Judiciário e os demais órgãos técnicos. Art. 2o Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de sua publicação. Justificativa Como é do conhecimento de todos, a questão referente à redução da maioridade penal é conflituosa, sendo que, tanto aqueles que são favoráveis, como os contrários, fundamentam seus entendimentos em fartas e judiciosas argumentações. Os que são contrários à redução, com certa razão, afirmam que o art. 228 da Constituição Federal é uma cláusula pétrea, pois se refere a direito individual, apesar de não estar insculpido no âmbito do art. 5o da Constituição Federal de 88. Argumentam, ainda, que o atual sistema prisional possui inúmeras deficiências, sendo que a eventual redução da maioridade favoreceria, ainda mais, a já existente “escola do crime” em nossas penitenciárias. De outra sorte, ponderam que não se pode aferir o pleno discernimento de um adolescente pelo critério etário, até porque, fatores econômico-sociais, regionais e ainda questões familiares e religiosas, também devem nortear o referido discernimento. Por fim, argumentam que a personalidade de um jovem ainda está em formação, diferentemente de um adulto que tem plena consciência de seus atos. Já aqueles que defendem a redução da maioridade, iniciam sua justificativa pelo fato do art. 228 da Constituição Federal de 88 não poder ser considerado cláusula pétrea, na medida em que está fora do art. 5o da Constituição Federal. Argumentam que o crime organizado cresce na medida em que a benevolência do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente facilita o recrutamento de adolescentes para ações criminosas. 369 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Afirmam, ainda, que na atualidade, face aos meios de comunicação e de informática, os adolescentes têm pleno discernimento de seus atos. Por fim, de forma contundente, indagam: – Como pode o adolescente com 16 anos escolher seus representantes (incluindo o Presidente da República) e não responder criminalmente por seus atos? Em outras palavras, como pode este mesmo adolescente ter pleno discernimento para escolher os seus representantes no Congresso Nacional e o Presidente da República que é o responsável pelas mais importantes decisões do país e, por outro lado, não ter discernimento do que vem a ser um homicídio, um roubo ou um estupro? Vê-se, portanto, na esteira das ponderações acima referidas, fruto de um minucioso estudo feito pelo Professor Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, ilustre constitucionalista de Minas Gerais e Promotor de Justiça da Infância e Juventude, que a única forma de se buscar uma alternativa que contemple as teses acima referidas seria submeter ao Plenário uma proposta de Emenda Constitucional que levasse em consideração as aflições e indignações de ambas as correntes que estudam este tormentoso tema. Nessa esteira e, repito, respaldado nos relevantes subsídios oferecidos pelo Prof. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira (autor de Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Editora Premier, 2007) submeto, à apreciação de meus pares, Emenda Constitucional que busca, de forma conciliatória, apresentar à sociedade brasileira uma resposta rápida e ao mesmo tempo equilibrada, sobre a redução da maioridade penal, tão somente nos casos em que especifica. A presente Emenda Constitucional fixa a maioridade penal em 16 anos para atos infracionais praticados mediante violência ou grave ameaça à pessoa, exceto delitos culposos e de “menor potencial ofensivo”, valendo-se do critério biopsicológico, ou seja, a responsabilidade penal deste adolescente estaria diretamente vinculada à capacidade de compreender o caráter ilícito de seu ato e determinar-se de acordo com esse entendimento (capacidade intelecto-volitiva). 370 Nesses casos, o adolescente cumpriria sua pena em estabelecimento próprio ou em local separado dentro da própria penitenciária até completar 18 anos, quando então cumpriria o restante de sua pena juntamente com os demais detentos. Material Complementar da Obra Portanto, se restar evidenciado que o autor do ato infracional, praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, excetuando-se a modalidade culposa e os ilícitos considerados de “menor potencial ofensivo“, ou em quadrilha ou bando ou na forma de organização criminosa não possuía, ao praticá-lo, capacidade intelecto-volitiva, o mesmo responderia por seus atos na forma hoje preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. As únicas inovações propostas, neste particular, referem-se ao fato de estarmos ampliando de 3 para 5 anos o limite máximo de internação e, ainda, ao fato de estarmos permitindo que o cumprimento total da medida socioeducativa de internação possa ocorrer mesmo após os 21 anos, a critério, neste último caso, de lei infraconstitucional. O § 6o da presente emenda constitucional prevê que os procedimentos de aferição da capacidade do adolescente maior de 16 e menor de 18 anos, que tenha praticado fato criminoso previsto nas hipóteses do § 1o, letra “a”, sejam tratados de forma prioritária, evitando-se assim a ocorrência da prescrição em virtude desse incidente processual Percebe-se, portanto, que a redução da maioridade penal prevista na presente emenda se dá em caráter excepcional. Tanto é assim que, nas hipóteses de inexistência de capacidade intelecto-volitiva, nos casos em que os atos infracionais são praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa e ainda, nas hipóteses de ilícitos culposos ou de menor potencial ofensivo, o adolescente continuará a responder por seus atos perante o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Enfim, a presente emenda excepciona a maioridade penal hoje vigente, reduzindo-a para 16 anos, tão somente nas hipóteses de atos infracionais praticados mediante violência ou grave ameaça à pessoa, sendo que, mesmo nesses casos, o magistrado somente poderá aplicar as penas previstas no Código Penal ou em Legislação Extravagante, quando restar evidenciado que o adolescente era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Por fim, justificamos o fato do tráfico de entorpecentes ficar fora do rol dos delitos sujeitos à redução da maioridade penal, uma vez que nessa modalidade criminosa os adolescentes, via de regra, são também vítimas de grandes traficantes, quando não “agenciados” por estes. Portanto, entendemos que nesta 371 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente hipótese o adolescente deve merecer o acompanhamento previsto no ECA, a fim de garantir sua recuperação ou o seu tratamento, se necessário. Ademais, a inclusão desta modalidade criminosa faz-se necessária na medida em que, atualmente, a internação do infrator que praticou este ilícito é fruto de uma construção jurisprudencial. Logo, com a previsão legal e constitucional, a matéria ficará sedimentada, evitando decisões judiciais contraditórias. Esperando, com a presente Emenda Constitucional, ter apresentado a meus pares uma alternativa concreta para este tormentoso tema, aguardo sua aprovação. Brasília, 13 de fevereiro de 2007 Dep. Federal Carlos Sampaio PSDB-SP Como sugestão à Reforma da Legislação do ECA, enviamos, ainda, ao culto amigo Carlos Sampaio, após seu pedido, os seguintes pontos de vários projetos do Congresso Nacional resumidos nos seguintes argumentos: Lado outro, sobre a reforma na Legislação Extravagante, ainda no objetivo de que “a virtude aristotélica encontra-se no meio termo”, buscamos, junto do escólio do jurista Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, obra citada e apoio a este parlamentar, buscar conciliar entre os vários projetos o meio termo, evitando desgaste da Casa Legislativa, bem como afronta a CONANDA, ABMP, CNBB, CBJP, OAB e tantas outras entidades de suma e vital importância no cenário nacional. Com este espírito de conciliação entre as várias escolas sobre o tema, diante do princípio da proibição do excesso, também conhecido como “proporcionalidade ou razoabilidade”, evitamos os exageros de vários projetos, afastando-os de plano, como por exemplos: 1) Art. 2o do PLC 57/2007 (Dep. Onyx Lorenzoni), que altera o art. 121 do ECA e não especifica qual tipo de homicídio ou lesão corporal que se trata, dando a falsa impressão que a modalidade culposa encontra-se no art. 122, I, do ECA, além de duplicar ou aumentar em 50% o prazo de internação por crimes não hediondos, como lesão corporal. Assim, a previsão é inconstitucional, data venia, por ferir o princípio da proporcionalidade constitucional. 372 Material Complementar da Obra 2) Art. 1o do PLC..../2003 (Dep. Vicente Cascione), pelos seguintes fundamentos: a) cria nova definição no art. 103 do ECA, de ato infracional, como a conduta de “menor de 18 anos”, quando somente adolescente de 12 anos completos até 18 anos incompletos é que pratica atos infracionais, já que criança (nascimento com vida até 12 anos incompletos não pratica ato infracional, e sim desvio de conduta, cuja medida é de proteção – arts. 101 c/c 105 do ECA), o que poderia levar a criança a ser responsabilizada e sofrer MSE, em total afronta ao princípio da proibição do excesso; b) a parte final do art. 108 também peca, data venia, pela desproporcionalidade pois vincula a pena mínima de crime, critério já abandonado pela doutrina moderna do ECA, à apreensão provisória, o que levou o relator a substituir pelo tempo usado para maiores, qual seja, 81 dias (Lei do Crime Organizado e Jurisprudência); c) a redação dada ao art. 121 elimina os princípios da brevidade da internação e excepcionalidade, o que afronta o multicitado princípio da proibição do excesso; d) os parágrafos segundo, terceiro e quarto foram repudiados pela confusão dos critérios e exagero na sanção indicada, dando margem a várias exegeses dos magistrados, sendo que os demais parágrafos, por serem desdobramentos, também foram afastados. 3) Art. 2o do PLC 3.362/2000 (Dep. Eunício Oliveira), pelos seguintes fundamentos: a) o parágrafo segundo do art. 121 não fixa prazo da internação, deixa a qualquer tempo sua reavaliação, critério eminentemente subjetivo, provocando decisões judiciais contraditórias, a nível nacional, além de aumentar para doze meses ao invés de 6 meses a reavaliação, como segunda hipótese, prejudicando adolescentes que tenham internação fixada com prazo menor e que tenham bom comportamento; b) o parágrafo terceiro do art. 121 deixa a internação em 3 anos, quando este relator acolheu a sugestão de aumento para 5 anos na hipótese do art. 122, I, do ECA, deixando 3 anos para a hipótese do art. 122, II, do ECA, sem prorrogação, como quer o aludido parágrafo; c) o parágrafo quinto fixa liberação obrigatória em 21 anos, quando este relator adotou prazo de 25 anos; o projeto 373 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente ainda permite ser além de 21 anos quando “não tiver sido cumprida integralmente a medida”, o que afronta o princípio da segurança jurídica (ADIn no 3.685/STF/2006), uma vez que com idade superior, até mesmo aos 25 anos poderia um adulto responder pelo ECA, o que é desproporcional, além de misturar a competência do Juiz da Infância com Juiz das Execuções Penais; d) o art. 122, I, com o acréscimo de “outra infração grave considerada pela autoridade judicial“ é extremamente perigoso, pelo cunho subjetivo, podendo restaurar no País o chamado “Direito Penal do Autor“ ou do “Inimigo“, face as decisões judiciais contraditórias a nível nacional, desprotegendo os adolescentes com critérios não objetivos. 4) O art. 1o do PLC 852/2003 (Dep. Luiz Antonio Fleury) foi repudiado por este relator, porquanto: a) coloca a internação com prazo de 6 anos, tendo sido adotado o meio termo de 5 anos; 374 b) o art. 124 permite a incomunicabilidade de adolescente, em situações graves, mas que somente é admitida hoje, pela doutrina, no Regime Disciplinar Diferenciado e não mais fora deste (discussão do art. 21 do CPP que afronta o art. 7o, III, da Lei no 8.906/1994 – Estatuto da OAB). Assim, tratase, data venia, de previsão inconstitucional, já declarada pelo STF. Portanto, o art. 21 do CPP não foi recepcionado pela CF de 1988 (cf. art. 136, § 3o, IV, da CF). Se a CF não permite a incomunicabilidade nem sequer durante o estado (emergencial) de defesa, com maior razão ela é inviável fora dessa situação de emergência. Assim, a Constituição Federal, no seu art. 136, § 3o, IV, no capítulo referente ao Estado de Defesa e de Sítio, dispõe que “é vedada a incomunicabilidade do preso”. Se em casos excepcionais proíbe-se a incomunicabilidade do preso, com muito mais razão não há que se falar em incomunicabilidade na fase do inquérito, no caso de se encontrar o indiciado preso. Além disso, é assegurado pelo próprio texto constitucional que o preso tem direito à assistência da família e do advogado (CF, art. 5o, LXII; Lei no 8.906/94, art. 7o, inciso III). Por conseguinte, a norma do art. 21 do Código de Processo Penal não foi, segundo a doutrina majoritária, recepcionada pela Magna Carta. Ademais, em decisão unânime, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal determinou no dia 10/08/2004 que a proibição de vista integral dos autos de Material Complementar da Obra inquérito viola os direitos do investigado. O voto condutor da decisão, tomada no julgamento de um Habeas Corpus (HC 82534), é do Ministro Sepúlveda Pertence. 5) PLC 5.035/2001, 5.036/2001 e 5.037/2001, pelos seguintes fundamentos: a) no PLC 5.035/2001 o período máximo de internação é de 8 anos, sendo que este relator, com base nestes estudos, adotou o meio-termo entre 3 anos e 8 anos, chegando em 5 anos, conforme posição abaixo relatada; b) no PLC 5.036/2001 a liberação obrigatória se opera em 21 anos de idade com ressalva de morte de vítimas, o que confunde o critério, uma vez que foi adotada por este relator o prazo de 25 anos como teto máximo, uma vez que a PEC, apresentada igualmente por este relator, permite a redução da maioridade penal. Logo, se for aprovada a PEC, haverá dois sistemas: o do CP, para adolescentes que tenham capacidade intelecto-volitiva, e o do ECA para quem não possua, com limite de 5 anos ou 25 anos de idade, o que chegar primeiro, nesta última hipótese; c) por fim, o PLC 5.037/2001, que poderia ser adotado, cria o parágrafo sétimo para permitir o restante da internação em sistema prisional comum, sendo adotado, neste particular, por ser mais completo, o PLC 852/2003, do Dep. Luiz Antônio Fleury. 6) Em relação ao PLC 6.923/2002, Dep. Pompeo de Mattos, o relator afastou sua incidência porquanto o máximo de internação prevista foi de 6 anos, quando adotamos meiotermo de 5 anos; ademais, a liberação compulsória de 24 anos foi afastada, porquanto o relator sugere 25 anos de idade como teto etário máximo. 7) Em relação ao PLC 904/2003, Dep. Rogério Silva, este relator afastou sua incidência porquanto o máximo de internação prevista foi de 3 anos, quando adotamos meiotermo de 5 anos e sem exceção de “latrocínio ou homicídio”; ademais, a liberação compulsória de 21 anos foi afastada, porquanto o relator sugere 25 anos de idade como teto etário máximo, sem excepcionar para “latrocínio ou homicídio”, porquanto para estes não foi previsto prazo algum, transformando a Infância e Juventude em Justiça Comum e violando o princípio da segurança jurídica (STF, ADIn 3.685/2006). 375 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente 8) Em relação ao PLC 2523/200, do Dep. Moroni Togan, este relator afastou sua incidência porquanto cria apenas restrição de internação para homicídio, sem diferenciar o doloso do culposo e tampouco prevendo outras situações graves, violando o princípio constitucional da proporcionalidade. 9) Pelos mesmos motivos do item 8, repudiamos o PLC 109/2007 (Deputada Solange Amaral), além de não conhecer que homicídio qualificado já é crime hediondo, sendo pleonasmo jurídico; some-se a isto que o prazo máximo de internação eleva-se para 9 anos, mantendo o erro em tipificar apenas homicídio qualificado ou crime hediondo, esquecendo do tráfico (crime equiparado a hediondo e não hediondo), de roubo, extorsão mediante sequestro etc. Por fim, prevê algo absurdo, data venia, que é a proibição de remissão em homicídio qualificado ou hediondo pelo Ministério Público, algo insólito de se pensar na vida forense, porque, sendo este relator Promotor de Justiça jamais teve conhecimento de uma “remissão para crime hediondo“ por parte de seus colegas. Assim, aproveitou-se somente a nova redação dada pelo art. 122, parágrafo único. 10) Outrossim, o PLC 2.628/2003, Dep. Jutahy Junior, segue os mesmos fundamentos dos itens 8 e 9 para exclusão por este relator, com prazos maiores de 8 e 10 anos de internação, em casos especificados, além da nova redação do art. 123 estar melhor disciplinada no PLC 852/2003 (Dep. Luiz Antônio Fleury). 11) Por fim, o PLC 3.700/2000, também em parte foi afastado por este relator, no art. 121, parágrafo segundo, em face da redação do PLC..../2003 (Dep. Vicente Cascione) estar mais adequada à doutrina nacional, fixando prazo determinado na internação ao invés de não fixar prazo algum; ademais, as críticas do excesso dos itens 8 e 9 se aplicam igualmente, pois o projeto sugere “prorrogação de internação“ e mudança para regime prisional de cárcere já analisado em outro projeto. Além disto, adota critério de pena mínima para fixar ato infracional grave do art. 122, já criticado por este relator. Portanto, aproveitou-se deste projeto os parágrafos 8o e 9o do art. 121, além dos arts. 123 e 125. Assim, entendendo que o espírito mais conciliador de todas as proposições encontra-se no PLC 2.847/2000, afastamos deste projeto, no seu art. 2o, parágrafo único, apenas a expressão “podendo a medida socioeducativa estender-se 376 Material Complementar da Obra até a idade de vinte e três anos”, acrescentando o limite de idade até 25 anos, mas também a prescrição (que no ECA é calculada pela pena máxima, na tabela do art. 109 do CP, reduzida pela metade com base no art. 115 do CP). Com isto, o prazo máximo de internação será de 5 anos (art. 122, I – PL 2.847/2000 com acréscimo de novas hipóteses do PL 157/2007), 3 anos (art. 122, II) e 12 meses (art. 122, III). Em seguida, segue análise completa do que foi adotado pelo relator e os devidos complementos, lembrando que: “O caminho da liberdade não é a violência nem a prepotência, mas a justiça e a democracia.” (J. Kennedy) Brasília, 08 de março de 2007 Dep. Federal Carlos Sampaio PSDB-São Paulo: Vejamos o substitutivo feito pelo professor Thales Tácito em parceria com o deputado Carlos Sampaio: Projeto de Lei no...../07 (Substitutivo do Relator Carlos Sampaio) Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 1940 – Código Penal, e a Lei no 8.069, de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências O Congresso Nacional decreta: Art. 1o O art. 288 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 288. (...) Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro se a quadrilha ou bando é armado ou envolve a participação de menor. Nota: art. 1o do PLC 57/2007 (Dep. Onyx Lorenzoni) Art. 2o Os arts 2o, parágrafo único, 16, 105, 108, 112, § 3o, 121, 122, 123, 125 e 185 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, passam a vigorar com as seguintes alterações: Art. 2o (...) Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se, excepcionalmente, esta lei às pessoas entre dezoito e vinte e um anos, podendo a medida socioeducativa de internação estender-se até vinte e cinco anos. 377 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Nota: artigo adotado do PLC 2.847/2000 (Dep. Darcísio Perondi), com substitutivo do prazo de 25 anos por este relator, específica, porém, para internação (e não para as demais); Art. 16. (...) Parágrafo único. A autoridade judicial poderá determinar, ouvido o Ministério Público, o recolhimento, aos abrigos, de menores que estejam em desamparo, pelas ruas, e em condições desfavoráveis de sobrevivência. Nota: o art. 1o do PLC 3.362/2000 (Dep. Euncio Oliveira) foi adotado na íntegra por este relator, uma vez que separa MEP (Medida Específica de Proteção – abrigo – sem finalidade privativa de liberdade) de MSE (Medida Socioeducativa com fim privativo de liberdade). Ademais, na visão do atual Estatuto, o recolhimento de menores pela Prefeitura e seus órgãos é crime de cárcere privado, impedindo-a de retirar de grandes centros crianças exploradas pelos pais para pedirem esmolas, brincarem com fogo e outros instrumentos em sinais de trânsito etc. Com esta previsão, a liberdade delas estará limitada por sua própria proteção, podendo o juiz determinar, com a anuência do MP, o recolhimento a abrigos e retirada de crianças e adolescentes pela Prefeitura e seus órgãos de assistência social, além do próprio Conselho Tutelar. Art. 105. Ao desvio de conduta praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101. Nota: acréscimo feito neste artigo por este relator, uma vez que criança não pratica ato infracional e sim desvio de conduta (doutrina do Prof. Thales Tácito Cerqueira). Somente adolescente pratica ato infracional, corrigindo erro de redação do art. 105 do ECA. Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de 81 dias, quando a liberação será compulsória, salvo excesso justificado por diligência requerida pela defesa ou término da Audiência de Continuação (instrução) ou outro motivo fundamentado pelo Juiz competente. 378 Nota: acréscimo feito neste artigo por este relator, permitindo a internação provisória por prazo jurisprudencial e da lei do crime organizado, qual seja, 81 dias, podendo o excesso ser justificado com base na Súmula no 52 do STJ e jurisprudência moderna. Material Complementar da Obra Art. 112. (...) § 3o Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. § 4o Em qualquer fase do cumprimento da medida, evidenciando o estado mental patológico do adolescente, que possa colocar em risco a sua própria incolumidade física ou a de outros, poderá o juiz decretar o seu recolhimento em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou na sua falta em outro estabelecimento dotado de características hospitalares, se essa providência for indispensável para fins de tratamento curativo. § 5o A internação referida no parágrafo anterior poderá ser substituída por tratamento ambulatorial pelo prazo mínimo de um ano e máximo de três anos. Nota: parágrafos quarto e quinto extraídos do PLC 3.700/2000, Dep. Ronaldo Vasconcellos, originados do art. 121, parágrafo oitavo e novo deste projeto. Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, que visa conciliar os objetivos educativos e de reintegração sociofamiliar do adolescente infrator com a preservação da paz social e a garantia da ordem pública. Nota: adoção do PLC 3.700/2000 (Dep. Ronaldo Vasconcellos). § 2o A medida será sempre fixada com prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. Nota: acréscimo feito neste parágrafo por este relator, aproveitando parte inicial do PLC..../2003 (Dep. Vicente Cascione) consagrando a fixação de prazo de internação ao adolescente, que ainda terá reavaliação de 6 em 6 meses. Com isto, na doutrina de Thales Tácito e Alexandre de Moraes, os “adolescentes, sabendo de seu tempo de internação, terão menos propensão a motim ou rebelião, uma vez que com prazo fixado, cada qual saberá o tempo que irá sair do Centro de Reeducação”. Ademais, mesmo fixando prazo máximo, qual seja, 5 anos, será ainda revista de 6 em 6 meses. § 3o A medida de internação será pelo prazo máximo de três anos, salvo nas hipóteses do inciso I do art. 122, quando poderá estender-se até cinco anos, vedada a prorrogação. 379 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Nota: parágrafo retirado do PLC 114/2007 (Dep. Alberto Fraga) e do PLC 2.847/2000 (Dep. Darcísio Perondi). § 5o A liberação será compulsória aos vinte e cinco anos de idade. Nota: acréscimo feito neste parágrafo por este relator ao PLC 6.923/2002, do Deputado Pompeo de Mattos, cujo limite foi 24 anos. Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins, mediante a participação de quadrilha ou bando ou em atividades do crime organizado. Nota: (a) acréscimo de tráfico ilícito de entorpecentes ou drogas afins do PLC 2.847/2000 (Dep. Darcísio Perondi); (b) acréscimo de “participação de quadrilha ou bando ou em atividades do crime organizado” do PLC 57/2007 (Dep. Onyx Lorenzoni). II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. § 1o O prazo de internação na hipótese do inciso I será de 5 anos; do inciso II de 3 anos e, por fim, do inciso III deste art. não poderá ser superior a doze meses. § 2o Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. § 3o Completando 18 anos de idade, não sendo o caso de MSE de internação, o juiz poderá, ouvido o Ministério Público, decretar a perda do objeto da Infância e Juventude, extinguindo o feito, quando o mesmo tiver praticado crime ou contravenção penal. § 4o Os atos infracionais prescrevem, nos termos da legislação penal, com redução daqueles prazos pela metade. Nota: os prazos dos incisos I e II foram adotados do PLC 2.847/2000 (Dep. Darcísio Perondi); o prazo do inciso III foi adotado do PLC 1092007 (Dep. Solange Amaral). O parágrafo segundo foi mantido excepcionalidade da internação). 380 (princípio da O parágrafo terceiro foi inovado por este relator, pois na prática forense quando o adolescente completa a maioridade Material Complementar da Obra penal e pratica crime ou contravenção, muitos Promotores pedem a perda do objeto e extinção do feito, se não couber internação no ECA, uma vez que frustrou a pedagogia da Infância, já que o mesmo responderá na Justiça Comum. Com isto, ajudamos o Judiciário a dar prioridade a quem pode recuperar-se na própria Infância, já que de qualquer forma teria que cumprir primeiro a sanção mais grave e somente depois o ECA. O parágrafo quarto foi inovado por este relator, pois termina com a discussão se cabe ou não prescrição no ECA, sendo agora consagrada e aplicada na forma da legislação penal, ou seja, pena máxima com a tabela do art. 109, porém, aplicando o art. 115 já que a própria lei menciona que deve ser reduzida pela metade, consagrando assim o princípio da segurança jurídica. Art. 123. (...) § 1o Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas e esportivas. Nota: parágrafo extraído do PLC 3.700/2000, Dep. Ronaldo Vasconcellos, acrescentando atividade esportiva, salutar para amenizar fugas, rebeliões e autodisciplina ao infrator. § 2o Em casos excepcionais, sempre mediante decisão judicial, a internação poderá ser cumprida em estabelecimento penal, desde que o adolescente seja maior de 18 anos e que cumpra a internação separadamente dos condenados maiores que se encontrem recolhidos no estabelecimento penal que lhe for designado, assegurados os direitos previstos no art. 124. Nota: artigo extraído dos arts. 1o e 2o do PLC 852/2003 (Dep. Luiz Antônio Fleury), com acréscimo do relator “assegurados os direitos previstos no art. 124”. Art. 125. A política de atendimento ao adolescente infrator, privado de liberdade, far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, cabendo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios zelar pela integridade física e mental dos internos e adotar as medidas adequadas de contenção e segurança. Nota: artigo extraído do PLC 3.700/2000, Dep. Ronaldo Vasconcellos. Art. 185. A internação decretada ou mantida pela autoridade judiciária não poderá ser cumprida em estabelecimento prisional, a não ser em caso de decisão judicial fundamentada, 381 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente nas hipóteses de rebelião, possibilidade de fuga, pela natureza das infrações praticadas pelo adolescente infrator maior de 18 e menor de 25 anos ou caso este pertença a organização criminosa. Nota: artigo extraído dos arts. 1o e 2o do PLC 852/2003 (Dep. Luiz Antônio Fleury), apenas elevando de 21 para 25 anos a idade prevista, face à adoção desta idade por este relator para liberação obrigatória. Art. 3o Esta lei entra em vigor 1 ano após sua publicação. Esperando, com a presente reforma do ECA, ter apresentado a meus pares uma alternativa concreta para este tormentoso tema, com auxílio do Professor Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, aguardo sua aprovação nesta Casa. Por fim, em homenagem à criança João Hélio, dedico este espaço à Carta Aberta, discurso do Senador Pedro Simon, que resumiu o espírito de indignação diante da impotência Estatal: DISCURSO – Carta aberta para Rosa Cristina Discurso do Senador Pedro Simon Plenário do Senado – Brasília, 13/02/2007 Carta aberta à mãe do menino João Hélio, 6 anos, morto de forma cruel por assaltantes no Rio de Janeiro, dia 07/02/2007. Mãe, Conheço o tamanho da tua dor, que é a mesma do Élson e da Aline. Para mim, é, também, uma dor vivida. A perda de um filho é, sem dúvida, o maior de todos os sofrimentos. Por que tamanha provação? Versões contemporâneas de Abraão? “Tome seu filho, o seu único filho Isaac, a quem você ama, vá à terra de Moriá e ofereça-o, aí, em holocausto, sobre uma montanha que eu vou lhe mostrar”. Por que, então, o anjo de Javé não te ajudou a desatar aquela simples fivela, de um cinto dito de segurança, que permitiria devolver aos teus braços de mãe, o pequeno João Hélio, o Isaac dos nossos tempos, para que ele permanecesse entre nós, dividindo e multiplicando sua alegria de vida? “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” É nestes momentos que nos sentimos ínfimos, diante dos desígnios do Criador. Pior: é, também, nestes mesmos 382 Material Complementar da Obra momentos que sabemos o quanto a humanidade se distanciou da Sua obra. Disseste, “eles não têm coração”. Eles têm! É que nós utilizamos os dons que nos são ungidos e criamos, como novos deuses, a inteligência artificial, enquanto desdenhamos os sentimentos mais sublimes e naturais, aqueles que brotam, somente a semente, em corações fertilizados pelo amor e pela fraternidade. Ao contrário, permitimos que florescesse, em muitos corações, nas favelas e nos palácios, a barbárie. No Rio de Janeiro, em São Paulo, em Brasília, em Washington ou em Bagdá. É a humanidade, enquanto gênero humano, que se distancia dos seus próprios conceitos de benevolência, de clemência e de compaixão. Que tuas lágrimas não se percam, apenas, nos índices de audiência e nos discursos de conveniência. Ao contrário, que elas mobilizem corações e mentes para a reconstrução dos valores que perdemos nessa travessia terrena. Em outros tempos, não tão distantes, os valores morais e culturais se construíam sobre o tripé família, escola e igreja. Hoje, a família foi dilacerada. A escola, sucateada. A igreja, excomungada. No lugar, um novo, e perverso, tripé: a droga, a rua e a arma. A droga, como estímulo. A rua, como palco. A arma, como poder. Ainda naqueles outros tempos, as famílias se reuniam para contar, e para trocar, suas histórias de vida. Era um grande círculo de amizade e fraternidade. Família, escola e igreja, ao mesmo tempo e no mesmo espaço. Respeito, aprendizado e bênção. Pais heróis. Hoje, o círculo familiar deu lugar a um semicírculo vicioso. No centro, a TV, e os novos heróis são aqueles que mais atiram, que mais batem, que mais matam. É a arte imitando a vida. Ou incentivando a morte. Ou vice-versa. Vim, vi e envelheci. Mas, por mais que possam tentar tripudiar o meu discurso e a minha prática, porque, dizem, obsoletos, não mudei. Continuo vivendo os valores que herdei. Da família, da escola e da igreja. Para mim, não há diferença, na dor, entre o favelado que puxa o gatilho nas esquinas e o dirigente que manda despejar mísseis sobre cidades inteiras. Quantas serão as mães de Bagdá, que choram a morte de seus pequenos inocentes, meninos da guerra, trucidados em nome do poder e da ganância. Pior: “em nome de Deus”. São, todos, bárbaros, cruéis, desumanos. É essa a minha luta: resgatar o verdadeiro sentido de humanidade. Que os homens retomem o projeto do Criador. Onde reina a barbárie, de nada vão adiantar novas leis que 383 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente não se cumprem; novas punições, que servirão, tão somente, para alimentar a impunidade. Há que se ressuscitar as letras mortas. E, isso se faz, somente, com o grito estridente das ruas. Como bem disseste, o teu filho não pode ser mais um número nas estatísticas da violência. Como em outros casos tão recentes, temo que a tua imolação seja esquecida, quando a comoção dobrar a esquina. Talvez, a mesma esquina em que foste abordada, tão covardemente. Mas, a tua dor, não. Nunca mais. A dor por um filho é eterna. Ela nos acompanha, até que o encontremos, de novo, em outra dimensão. Por isso, as tuas lágrimas têm que irrigar a indignação, que hoje toma conta de estádios, de ruas e de lares. Das famílias, das escolas e das igrejas. Quem sabe o sacrifício do teu filho signifique o renascimento do tripé que suporta outros valores, que não a barbárie. Somos parceiros, nessa dor. Em tempo: quando conversares com o João Hélio, nos teus sonhos de mãe, diga-lhe que um menino alegre, feliz, bonito e inteligente como ele irá procurálo, entre todos os anjos. Diga-lhe que eles têm muito em comum na inocência de criança. Ele partiu há alguns anos, mas, nas minhas mais belas lembranças, continua o mesmo guri que me encantava a alma. Também partiu precoce, como todas as vítimas de algum tipo de violência. Diga-lhe que esse guri se chama Matheus. Eu já conversei com ele, nos meus sonhos de pai. Um abraço fraterno, Senador Pedro Simon. 384 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 23 – Amor Tem Preço? ABANDONO AFETIVO E INDENIZAÇÃO Numa decisão inédita, o STJ julgou, no dia 29 de novembro de 2005, uma ação de indenização conhecida como abandono afetivo. O tema foi inédito no tribunal e discutiu a possibilidade de um pai pagar indenização ao filho pelo abandono afetivo. Neste polêmico tema (REsp 757411), discutiu-se em um recurso especial se o papel dos pais se limita ao dever de sustento, se basta prover materialmente o filho, ou se a subsistência emocional também é uma obrigação legal dos pais, se a ausência de afeto dos pais para com os filhos pode ser motivo de indenização por dano moral. A discussão começou na Justiça mineira. O direito à indenização foi estabelecido na 7a Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, onde o juiz relator Unias Silva reconheceu o dano moral e psíquico causado ao filho pelo abandono do pai. Em primeiro grau, o pedido havia sido julgado improcedente, entendendo o juiz não haver a comprovação do dano ao filho, hoje maior de idade. Neste ano, os ministros da Quarta Turma deferiram pedido do pai para que a questão fosse remetida ao STJ. Os ministros do STJ deveriam, assim, analisar os argumentos da defesa do pai do rapaz de que a indenização tem caráter abusivo, já que a guarda do filho ficou com a mãe após a separação e que, em razão de suas atividades profissionais, inclusive no exterior, “chega-se às raias da loucura exigir que uma pessoa tenha o dom da ubiquidade, para estar em dois lugares ao mesmo tempo”. E o STJ decidiu: Não cabe indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo. A conclusão, por quatro votos a um, é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que deu provimento a recurso especial de um pai de Belo Horizonte para modificar a decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais que havia reconhecido a responsabilidade civil no caso e condenado o pai a ressarcir financeiramente o filho num valor de 200 salários mínimos. Consta do processo que o filho mantinha contato com o pai até os seis anos de maneira regular. Após o nascimento de sua irmã, fruto de novo relacionamento, teria havido um afastamento definitivo do pai. Na ação de indenização por abandono afetivo proposta contra o pai, o filho afirmou que, apesar de sempre receber pensão alimentícia (20% dos rendimentos líquidos do pai), tentou várias vezes uma aproximação com 385 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente o pai, pretendendo apenas amor e reconhecimento como filho. Segundo a defesa, recebeu apenas “abandono, rejeição e frieza”, inclusive em datas importantes, como aniversários, formatura no ensino médio e por ocasião da aprovação no vestibular. Em primeira instância, a ação do filho contra o pai foi julgada improcedente, tendo o juiz considerado que não houve comprovação dos danos supostamente causados ao filho, hoje maior de idade. Após examinar a apelação, a 7a Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, no entanto, reconheceu o direito à indenização por dano moral e psíquico causado pelo abandono do pai. “A responsabilidade (pelo filho) não se pauta tão somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana”. A indenização foi fixada em 200 salários mínimos (hoje, em torno de R$ 100 mil), atualizados monetariamente. No recurso para o STJ, o advogado do pai afirmou que a indenização tem caráter abusivo, sendo também uma tentativa de “monetarização do amor”. Alegou que a ação de indenização é fruto de inconformismo da mãe, ao tomar conhecimento de uma ação revisional de alimentos, na qual o pai pretendia reduzir o valor. A defesa afirmou que, a despeito da maioridade do filho, o pai continua a pagar pensão até hoje. Em seu parecer, o Ministério Público opinou pelo provimento do recurso do pai. “Não cabe ao Judiciário condenar alguém ao pagamento de indenização por desamor”, afirmou. Por maioria, a Quarta Turma deu provimento ao recurso do pai, considerando que a lei apenas prevê, como punição, a perda do poder familiar, antigo pátrio poder. “A determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização por dano moral”, observou o Ministro Fernando Gonçalves, ao votar. O Ministro considerou ainda outro ponto. “O pai, após condenado a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto, encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário, se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o processo litigioso”, questionou. Ao ser provido o recurso, foi considerado ainda que, por maior que seja o sofrimento do filho, a dor do afastamento, o Direito de Família tem princípios próprios, que não podem ser contaminados por outros, com 386 Material Complementar da Obra significações de ordem material, patrimonial. “O que se questiona aqui é a ausência de amor”, afirmou o Ministro Jorge Scartezzini. “Na verdade, a ação poderia também ser do pai, constrangido pela acusação de abandono (...) É uma busca de dinheiro indevida”, acrescentou. Único a votar pelo não conhecimento do recurso, o Ministro Barros Monteiro considerou que a destituição do pátrio poder não interfere na indenização. “Ao lado de assistência econômica, o genitor tem o dever de assistir moral e afetivamente o filho”, afirmou. Segundo Barros Monteiro, o pai estaria desobrigado da indenização, apenas se comprovasse a ocorrência de motivo maior para o abandono. Por quatro votos a um, a decisão afastou a indenização a ser paga pelo pai, determinada pelo tribunal mineiro. “Inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 159 do Código Civil de 1916, não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização”, reiterou o relator. “Diante do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono moral”, concluiu o Ministro Fernando Gonçalves. Fonte: STJ NOTA A “novela da vida real” ainda continuou com novos capítulos, ou seja: “STF vai decidir se caso de filho que processa pai por abandono afetivo tem implicações constitucionais. A discussão sobre a possibilidade de um filho cobrar reparação por dano moral do pai – por ter sido abandonado afetivamente – chega à Corte Constitucional do país. O STJ encaminhou ao Supremo os autos do recurso especial em que um estudante mineiro pleiteia indenização do pai, que não o teria amparado emocionalmente durante sua infância e juventude. No final de 2005, a 4a Turma do STJ reformou decisão da Justiça de Minas Gerais que havia reconhecido o direito do jovem a receber ressarcimento financeiro do pai no valor de 200 salários mínimos. A defesa do jovem quer que a questão seja reavaliada, agora sob o enfoque constitucional. Ela alega ofensa ao direito de receber indenização por danos morais e ao princípio da dignidade da pessoa humana. 387 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A admissão do recurso extraordinário, dirigido ao STF, passa sempre pela presidência do STJ, cujo vice-presidente, Ministro Francisco Peçanha Martins, não admitiu a ida do recurso em questão à Corte Constitucional porque, no seu entender, ao decidir a matéria em debate, a 4a Turma embasou-se unicamente na interpretação de normas infraconstitucionais, bem como no entendimento firmado no próprio STJ. Assim, não se poderia falar em ofensa direta à Constituição, o que inviabiliza o recurso ao STF. Desta decisão, a defesa do jovem interpôs agravo de instrumento, um recurso que irá submeter a admissão do recurso extraordinário diretamente ao próprio STF” (Ag no RE no 22.99532). (Disponível em: www.espacovital.com.br, 10 out. 2007). E você leitor? Abandono afetivo gera indenização? Amor tem preço? Evidente que amor não tem preço, mas sim a ilicitude causada pelo sofrimento. Do contrário, não poderia haver danos morais para a família por homicídio etc., eis que vida não tem preço também. Na “guarda compartilhada” o abandono afetivo gera indenização visível. Mas nem por isto, na guarda exclusiva, impede sua apreciação, excluindo-a somente em motivos justificados, como ressaltou o culto Ministro Barros Monteiro. O STJ quase avançou em tema importante, eis que o desafeto, abandono psíquico ou afetivo são vetores que influenciam negativamente a vida de uma criança, lembrando que “é mais fácil construir crianças fortes do que consertar adultos quebrados” (Elizeia Rodrigues de Souza, 13 anos). 32 Para conferir a decisão do STF, acesse www.stf.gov.br e clique em processos e em 22.925 para ter acesso. 388 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 24 – Amor tem cor? (ADOÇÃO INTER-RACIAL E A LEI N O 12.010/2009) 1. VISÃO GERAL Como vimos, a adoção é um ato de amor, cuja característica primordial é a escolha de uma criança ou adolescente (ou mesmo adulto) vindo de outra realidade, totalmente desconhecida. Segundo monografia defendida por minha esposa, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira, em trabalho de conclusão do curso (TCC), em conjunto com este autor, lecionamos que: A diversidade não pode ser negada, mas deve ser reconhecida, não vivida como um elemento de discriminação, mas como estímulo a considerar a criança como digna e semelhante a todas as crianças. É exatamente a aceitação dessa diferença que permitirá aos pais levar em consideração a sua história anterior. E aqui se justifica a escolha do Capítulo, porque podemos sustentar que “amor não tem cor”. A adoção de raças diferentes é a mais autêntica, porque não se encobre de mentiras ou dramas dos adotantes de contar ou não a verdade ao adotado. Assim, pressupõe a verdade e como bíblico, “conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Desde cedo a criança saberá que é diferente dos pais e como tal estará em constante diálogo com estes para entender o motivo nobre de tamanho amor, sem qualquer tipo de diferença de cor. A adoção, por se tratar de matéria de cunho pessoal, em detrimento da escolha que se pode ter dos menores, adolescentes ou maiores a serem adotados, retrata uma certa desigualdade àqueles que têm a possibilidade de serem adotados. Deste modo, como a primeira grande guerra fez suscitar a adoção internacional alguns fatores da modernidade fazem suscitar a adoção inter-racial, sejam eles questões sociais, mídia, e/ou até mesmo a inteligência humana diante da situação do mundo globalizado atual. Partindo do pressuposto do racismo, da necessidade de analisar cotas ou outros instrumentos de igualdade de tratamento, chegaremos a conclusão que a adoção neste tema abordado somente deixará de ser “tabu” quando os negros forem tratados sem discriminação. Enquanto existirem as diferenças, o preconceito cegará a oportunidade de uma 389 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente família feliz e com amor recíproco dentro de uma mesma raça humana. Isto sem descuidar das dificuldades de adoção inter-racial no país, em que pese tantas crianças necessitando de auxílio, carinho, moradia, saúde, um lar, uma família. Traço marcante da adoção inter-racial é o aspecto enfocado do ponto de vista psicológico, qual seja, da rejeição ou da “roda dos enjeitados”. Assim, segundo o psicólogo Mário Lázaro de Carvalho, mestre em psicologia pela Unesp, em seu texto “A adoção tardia no Brasil: desafios e perspectivas para o cuidado com crianças e adolescentes”,33 é: desde o período do Brasil Colônia que conhecemos as primeiras legislações relacionadas ao cuidado com as crianças e adolescentes, como podemos ver em Ferreira e Carvalho (2002, p. 138): [...] a primeira medida oficial sobre cuidados à infância carente no Brasil data de 1553, quando o Rei D. João II determinou que as crianças órfãs tivessem alimentação garantida pelos administradores da colônia. [...] Com a criação das Santas Casas de Misericórdia, o Brasil Colônia importa um outro costume de Portugal: a roda dos expostos, ou roda dos enjeitados. Consistia de uma porta giratória, acoplada ao muro da instituição, com uma gaveta onde as crianças enjeitadas eram depositadas em sigilo, ficando as mães no anonimato. Geralmente, o motivo de tal gesto era uma gravidez indesejada, mas a pobreza também podia levar as mães a se desfazerem do filho desta forma. As rodas foram instituídas para evitar a prática do aborto e do infanticídio e também para tornar um pouco menos cruel o próprio abandono. Antes delas, os recém-nascidos eram deixados em portas de igrejas ou na frente de casas abastadas e muitas acabaram morrendo antes de serem encontradas. Somente na década de 30 é que começaram a funcionar os conhecidos e ainda sobreviventes internatos, orfanatos, lares, casas transitórias etc., legalizados a partir do primeiro Código de Menores, de 1927, e que cumprem com a dupla tarefa de, por meio da reclusão, proteger as crianças e adolescentes das hostilidades e riscos presentes na sociedade, ao passo que protegiam também essa mesma sociedade da incômoda convivência com a figura do menor abandonado. 33 In: www. proceedings.scielo.br/php 390 Material Complementar da Obra Com a inauguração dos orfanatos, por volta de 1950 as rodas dos enjeitados foram extintas, mas devido aos incontáveis casos de maus tratos denunciados pela sociedade civil, o Estado inaugura, sob a égide de um novo paradigma de cuidado com a infância, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) e, em diversos estados do território nacional, a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM). Também na década de 50 é promulgada a Carta dos Direitos Universais da Criança e do Adolescente, pela ONU – Organização das Nações Unidas, e, como afirma Ferreira e Carvalho (2002), seus princípios contagiam e inspiram os constituintes de 1988, que após significativas alterações na Constituição Federal, possibilitam a formulação do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. Esta lei, de número 8.069/90, traz um significativo avanço na concepção de assistência à infância brasileira e, de modo especial, em relação à adoção, tornando-se um importante marco na história e na cultura da adoção do Brasil, representando a transição entre o período da chamada “adoção clássica”, cujo objetivo maior fixava-se na satisfação das necessidades dos casais impossibilitados de gerar filhos biologicamente, para a chamada “adoção moderna”, que privilegia a criança no sentido de garantir-lhe o direito de crescer e ser educada no seio de uma família (WEBER, 2001). Este modelo de adoção clássica é o que ainda se vê atuante na cultura da adoção do Brasil. Os motivos que levam casais a adotar, na maioria das vezes, estão vinculados à sua satisfação e não à satisfação da criança prioritariamente, ou seja, nesses casos não são as crianças que precisam de uma família, mas são famílias que precisam de uma criança. Adotam crianças casais que, como já mencionamos, não podem gerar seus próprios filhos por motivos de infertilidade ou esterilidade (Ladvocat, 2002); famílias que perderam um filho e buscam através da adoção preencher o espaço vazio que a perda fez existir; casais que construíram, durante boa parte de sua vida em comum, um conjunto de bens que ficará sem quem dele desfrute ou continue após sua morte, portanto, por razões de sobrevivência e continuidade patrimonial; casais que projetam na existência de um filho (biológico ou adotivo) o motivo de manutenção da união conjugal, a resolução de conflitos e a realização do projeto de vida a dois (casar e ter filhos); homens e mulheres solteiros que buscam 391 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente realizar a experiência da paternidade e da maternidade; homens e mulheres viúvos que não tiveram filhos a tempo e querem evitar a solidão; casais que desejam poder escolher o sexo do bebê etc. Em casos como estes a criança é a solução para os problemas, anseios e expectativas dos adotantes. O ECA vem dar a este paradigma um novo formato, invertendo radicalmente os polos desta configuração, tirando a criança da periferia da família adotante e colocando-a no centro. Contudo, e paradoxalmente, a lei que dá direito à criança e ao adolescente não lhes garante um lar, uma família. A adoção não é, e jamais poderá ser, obrigatória. Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira destaca aspecto relevante neste mister: A adoção no Brasil tornou-se uma questão muito preocupante quando se trata dos perfis que adotantes desejam em relação às crianças ou adolescentes adotados. De acordo com as pesquisas realizadas verificou-se que, infelizmente, nosso país possui inúmeras crianças/adolescentes internados em instituições, também chamados de abrigos, sem a menor condição de serem adotados, pelos seguintes motivos: a) mesmo “abandonadas” os pais biológicos das crianças/ adolescentes ainda possuem o poder familiar; b) preconceito dos brasileiros em adotar somente crianças com idade superior a 4 anos, pardas e/ou negras, o que reforça que a adoção inter-racial é o ato de mais límpido amor, cujos personagens são “natas da sociedade”. Nota-se, contudo, que os brasileiros têm certas preferências em relação aos filhos que pretendem adotar. A escolha pelos bebês brancos, saudáveis é claramente percebida, ao mesmo tempo a não aceitação no lar de crianças/adolescentes negras e com idade superior à 4 anos também é enorme. Desta forma, novamente parece que os casais procuram adotar crianças com características parecidas com as suas, tentando desta forma imitar uma família biológica e deixar a adoção “menos evidente”, como argumenta Costa (1988, p.280): “se a criança adotada for do biótipo parecido com o dos pais a situação não será conflitante, mas se o seu biótipo apresentar características que representam uma classe, como cor, cabelos demasiadamente encaracolados, se apresentará um problema que será referente ao preconceito.” 392 Material Complementar da Obra Mediante tal estipulação dos perfis das crianças adotadas, pode-se perceber que hoje, não mais existe a chamada “Família Substituta”, os adotantes não mais pretendem adotar por um Ato de Amor, mas sim, para suprir a necessidade de realmente ter uma família, com filhos aparentemente semelhantes. O que se tem deixado de lado é que todas as crianças/adolescentes sejam elas negras, pardas, brancas, possuem um sentimento e também desejam uma família que as possibilite amor, carinho, atenção, educação, independentemente da cor que possui sua pele. Assim, mesmo havendo receios com relação à adoção de crianças negras, sejam eles referentes a sequelas psicológicas, oriundas da família de origem ou pela dificuldade de adaptação à nova família, os atuais habilitados devem deixar de ter a necessidade de “imitar uma família biológica” e deixar que a adoção seja vista como um ato único e evidente repleto de sentimento. O estudo abaixo mostra o perfil dos filhos adotivos e o desejo dos pais que adotam, de acordo com a professora da Universidade do Paraná, Lídia Weber, grande pesquisadora sobre adoção no país. Sobre o estudo, ainda relata a professora Lídia: Com relação à cor de pele das crianças adotadas, podese observar que, infelizmente e surpreendentemente, aproximadamente 50% dos processos de adoção dos brasileiros e 27% dos estrangeiros não constava o dado referente à cor da pele da criança adotada. Se for levado em conta somente o número conhecido, ou seja, somente os processos onde havia esta informação, verifica-se que 67% dos brasileiros adotaram uma criança branca, 30% uma criança parda e 2% uma criança oriental. É interessante ressaltar que mesmo os dois casais que desejavam adotar uma criança negra, acabaram por adotar uma criança parda! Na pesquisa de Weber & Cornélio (1995A) com pais adotivos brasileiros, aproximadamente 66% adotaram crianças brancas e aproximadamente 30% adotaram crianças pardas. Dos estrangeiros da presente pesquisa, 44% adotaram uma criança branca, 44% uma criança parda e 12% uma criança negra. Todos os estrangeiros que adotaram crianças pardas e negras eram brancos, enquanto apenas 27% dos brasileiros que adotaram crianças pardas eram brancos, sendo os outros da 393 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente mesma cor da criança (dados coletados a partir do número conhecido de crianças pela cor da pele). Estes dados vêm mostrar que a viabilidade das adoções inter-raciais é mais frequente entre os adotantes estrangeiros do que entre os brasileiros, pois os brasileiros tinham uma maior exigência em relação a bebês brancos. Costa (1988, p.270) em seu trabalho com a “Adoção em Camadas Médias Brasileiras” constatou que as mediadoras (especialmente em adoções “à brasileira”) procuram obter o maior número de dados do tipo físico das famílias biológicas e das postulantes à adoção para que a “parecença” futura seja garantida (...) no sentido de evitar a manifestação futura de características físicas ou hereditárias temidas, ou meramente indesejadas, como o problema da cor”. Desta forma o fato de que os adotantes brasileiros procurem e adotem em maior número crianças brancas é vista por Costa como uma maneira de refazer o biológico através da semelhança física do filho idealizado como um reflexo especular de si próprio e de manter o segredo da adoção. Sobre os sentimentos das crianças, alguns relatos da web34 foram extraídos da excelente monografia de Camila Medeiros de Albuquerque, multicitada nesta obra, sendo que os nomes são pseudônimos para preservar crianças e adolescentes: Chitão, 12 anos Minha mãe verdadeira não me criou, mas me colocou no mundo. Sou triste com isso. Todo mundo com mãe e eu sem mãe. Lógico que eu sou triste. Minha mãe veio aqui no orfanato só uma vez quando eu era pequeno. Eu queria ter um pai e uma mãe para ter uma família, como é o nome? unida. Meu sonho é só esse, é ter uma família. Família é para brincar, aprender, para tudo. Eu não choro, se eu soubesse antes que eu não tenho nenhuma família, chorava, né. Fui sabendo só quando eu cresci. Fui acostumando aqui, agora como eu vou chorar, né? Adotar é pegar um menino. Por exemplo, você é uma mãe e quer adotar um filho, aí você vem aqui, pega um menino, vai no Juizado, assina tudo pega todas as coisas dele, a identidade, a certidão, aí você vai ser a segunda ou a terceira mãe dele. Isso é bom. Pelo menos tem alguém por perto, uma mãe, sem ser essas mães daqui que são mães de apartamento. 34 In: www.fnpi.org/premio/2003. 394 Material Complementar da Obra Manuela, 9 anos Ele ficou bolindo comigo, fazendo ousadia. Era um amigo da minha mãe. Ele ficou namorando comigo. Ficou mexendo no meu negócio de fazer xixi. Eu tinha seis anos. Ele ficou colocando o negócio dele no meu negócio. Doeu, saiu sangue. Aí eu dei um grito bem altão, bem altão, ele falou para eu calar a boca. Aí eu gritei, gritei. Ele boliu de novo. Eu caí e falei: mamãe, mamãe, ele tá me pegando. Depois minha mãe morreu e eu vim para o orfanato. Meu pai também morreu. Meu pai morreu de câncer e minha mãe de derrame. Morreu minha avó, minha tia, meu avô, minha irmã, minha tia, meu pai e minha mãe. Morreu sete. Minha mãe tava morrendo em casa. Eu fiquei chorando. Quando a pessoa morre vai para o enterro. Tem que comprar caixão, pegar flor e botar. Aí bota a pessoa dentro do caixão e joga um bocado de areia em cima. Depois que a pessoa é enterrada vai para debaixo da terra. A alma vai para o céu. A alma é o que tá dentro de nós. Se alguém me adotar, vai conhecer a minha alma. Quem mora no orfanato fica sem alma, aqui a gente só tem corpo, parece morto. A maioria das crianças que passa pela experiência de abandono e que é recolhida em uma instituição apresenta um sentimento negativo em relação aos seus pais biológicos, são pessimistas e têm dificuldades em planejar e refletir sobre seu futuro. Estudo a respeito da adoção inter-racial foi publicado na Revista FlashNews, “Adotar é preciso”, edição 189, pp. 54/57, de abril de 2007, que relatava as seguintes estatísticas: a) 80 mil crianças vivem em abrigos no país e só 10% delas podem ser adotadas por não ter vínculo familiar. b) 39,47% das notícias publicadas em 54 jornais do país sobre adoção, em 2005, discutiram soluções para o problema. Os serviços de comunicação nacional e/ou mundial são de extrema importância para a divulgação de dados e estudo sobre a situação das crianças/adolescentes abrigados com perspectivas de obter uma família, seja ela qual for, em um futuro próximo. Na época, o PL 6.222/2005 estava sendo discutido, acabando por transformar-se na Lei no 12.010/2009. Na época, comentamos: Por este motivo e em virtude do incentivo à adoção no país de qualquer criança, independente de idade, cor, nacionalidade, visando à diminuição do número de abrigados, é que a 395 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Comissão especial criada na Câmara para apreciar a proposta de Lei de Adoção (PL no 6.222/2005) aprovou o parecer final da matéria. O texto que altera artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) referentes ao tema está pronto para ser votado. O Projeto de Lei propõe solucionar o problema das crianças em abrigos, antecipando sua adoção, ou seja, após dois anos de internamento as mesmas são colocadas para adoção. Também refere sobre a possibilidade da adoção de crianças por homossexuais, bem como torna mais rígidas as regras de adoção internacional. Outro aspecto importante refere-se ao número de abrigos mantidos pelo governo federal (870) que acolhem 24 mil crianças, destas, 87% não estão disponíveis para a adoção por possuir família, mas são impedidas de morar com as mesmas por motivos como pobreza, maus-tratos, abandono etc. (Pesquisa de acordo com o Instituto de Pesquisas Aplicadas – IPEA); apenas 10% são órfãos e podem ser adotados. O Projeto de Lei no 6.222/05 visa corrigir essa distorção, aumentando o número de crianças disponíveis. Pelo PL, no tempo em que ela estiver internada, sua situação será semestralmente avaliada por uma equipe psicossocial para conhecimento do juiz competente, e nenhuma internação passará de dois anos. Após esse período, ela será inscrita no cadastro de adoção. Magistrados criticam a proposta, argumentando que ela é contrária à Constituição e ao ECA, que garantem o direito de a criança permanecer com a família original e colocam a adoção como última alternativa para assegurar o direito à convivência familiar. A associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e Juventude (ABMP) aprovou moção contrária ao PL. E a Lei no 12.010/2009 consagrou exatamente isto: a convivência familiar, como objetivo central e somente na sua impossibilidade, a colocação em família substituta. Assim, o drama central da vida da criança/adolescente, principalmente aquelas que são institucionalizadas, é a aceitação de sua situação. Posteriormente, surge a convivência com a sociedade, culturas e situações que as deixam sempre em situação inferior às demais crianças que as cercam. Criam, assim, raízes profundas do “complexo de inferioridade”, e quanto mais tempo ficam abrigadas, mais difícil será sua aceitação plena, 396 Material Complementar da Obra acreditando que “a sociedade não é para elas, e sim para os ricos”, conforme lições de Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira. Assim, o fato de não possuir uma família natural nem mesmo uma família substituta desnorteia a criança/adolescente, tirando sua identidade, criada a partir das diferenciações progressivas que surgem com o decorrer do tempo entre as crianças/adolescentes e o círculo de relações em que se encontram. Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira destaca que: apesar de a adoção existir na humanidade, desde os tempos mais remotos, parece ser um tema mais ligado à emoção do que à razão, típico do Direito de Família. Tal fato é ainda verificado com mais ênfase quando se trata de adoção entre raças, onde a aparência física diversa sempre será percebida claramente, verificando-se que aquele ato de amor, surgiu da emoção de seres que estão e são preocupados com o futuro alheio, almejando uma sociedade unida pelo amor e menos hipócrita. Destarte, em uma sociedade onde prevalece o medo, o preconceito, de adultos sobre crianças/adolescentes inocentes, resta a nós questionar qual cultura desejamos. Que mitos e medos possuem as famílias brasileiras? O que impede ou dificulta a adoção inter-racial no país? O que se deve levar em consideração é o desejo dessas crianças em, simplesmente, terem uma família, uma vez que elas são menos exigentes que seus futuros pais quando procuram adotá-las. É importantíssimo possibilitar que estas crianças sejam, o mais rápido possível, recebidas em famílias substitutas, isto é, que se faça a adoção, para garantir que recebam o amor, a atenção, o carinho que todo ser vivo necessita para desenvolver de forma plena sua criatividade, sua capacidade de dar e receber amor, enfim, de ter um futuro normal. O maior desafio enfrentado pelas instituições que trabalham com o tema no Brasil é estimular a adoção de crianças com mais de dois anos de idade e de raça diferente da dos pais adotivos. Ainda hoje, apesar de ter aumentado o interesse por crianças mais velhas e negras, a grande maioria dos interessados é formada por casais que pretendem ter um bebê de cor branca. 397 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente O resultado desta preferência é perverso: o número de pais pretendentes à adoção de recém-nascidos de cor branca é maior do que o número de crianças disponíveis, enquanto, por outro lado, todos os outros tipos de adoção (inter-racial, monoparental, portadores de HIV ou de necessidades especiais e mais velhas) encontram-se em considerável déficit, pois, uma vez adotadas crianças de cor ou raça diferente, surge o medo do “preconceito dos outros”. Assim, preocupados com o fator sociedade – razão – os pretendentes se esquecem da emoção, ficando desestimulados à efetuar a adoção inter-racial. A adoção é uma experiência muito mais tranquila e gratificante do que se imagina para pais e filhos. Alguns fatores ajudam ou atrapalham o relacionamento entre pais e filhos adotivos. Os casos mais bem-sucedidos ocorreram em famílias cujos pais tomaram a iniciativa de contar aos filhos que eram adotivos sem nunca tentar esconder deles essa circunstância. A sinceridade e a confiança é essencial nos relacionamentos humanos, inclusive entre pais e filhos. Tentar esconder uma informação tão importante, quando descoberta através de terceiros ou de forma brusca, numa discussão por exemplo, sempre traz traumas e transtornos. Assim, ressalto que o sentimento da criança deve prevalecer sobre todos os outros requisitos pertinentes à adoção, pois é um ato de responsabilidade, de cuidado. Trata-se de um ato de carinho, amor e não uma obrigação que deve ser cumprida para suprir algo ou alguém que não se tem a presença. O ambiente familiar dos futuros pais e adotados deve ser pautado pela convivência harmoniosa e mais íntima, visando os devidos cuidados e suprir reais necessidades. Por que não poderia um negro adotar um branco? Por que não poderia um branco adotar um negro? Por que não poderia um negro adotar um índio? A resposta pode se dar de várias maneiras. Seria preconceito, regras de sociedade ou falta de amor? Devemos entender que família é a base da sociedade, independente de sua composição racial. Tem esta o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade, o direito à vida, saúde, à alimentação, à educação e sobretudo o direito ao lar. 398 Certo que as diferentes culturas integradas devem ser respeitadas uma a uma, sem discriminação das diferentes culturas e histórias. Assim a família inter-racial caminhará unida, somando histórias e vivências especiais. Material Complementar da Obra No mesmo sentido, temos trechos da autora Annamaria Dell’ Antonio35 em seu texto “Algumas reflexões sobre a adoção inter-racial”: Aqueles que acolhem uma criança de raça diversa precisam ajudá-la a integrar tudo aquilo que ela recebeu, e desenvolveu, em sua história precedente, com aquilo que recebe e desenvolve em sua nova experiência. Além disso, a criança precisará também viver positivamente aquela origem que se manifesta nas suas características somáticas, e em particular, na cor da sua pele. Uma condição fundamental para que essas crianças se desenvolvam de modo adequado é o reconhecimento positivo, pelos pais, da sua diferença. Diversidade não negada, mas reconhecida, não vivida como um elemento de discriminação, mas como estímulo a considerar a criança como digna e semelhante a todas as crianças. É exatamente a aceitação dessa diferença que permitirá aos pais levar em consideração a sua história anterior, e estabelecer, com o seu filho, um relacionamento que facilitará o seu desenvolvimento, num contexto cultural e diverso daquele de origem. Nas famílias que realizaram adoções inter-raciais, podem existir “silêncios” que funcionam como mensagens de sentimentos de inadequação, pelo fato da criança pertencer a uma raça diversa, sentida como “inferior”. Por exemplo, o silêncio da criança que não comunica aos pais as brincadeiras dos colegas, relacionadas à sua diferença racial, brincadeiras que condicionam ansiedades, comportamentos inadequados, ou desejos irrealistas, de mudança de nome ou de cor da pele. Mas existem também silêncios induzidos e sustentados pelos próprios pais adotivos, que pedem uma rápida adaptação da criança de cor aos hábitos e às normas da nova cultura, e criticam os comportamentos típicos de seu grupo de sua origem, muitas vezes comportamentos de defesa frente ao novo grupo. Essas manifestações desaprovadas dos pais confirmam, para a criança, a inferioridade da sua experiência anterior, dos primeiros elementos de identificação, a inferioridade da arca à qual ela pertence, e da cultura que a caracteriza. 35 Trechos extraídos de Bambini di colore in affido e in adozione, Annamaria Dell’Antonio. Milano: Rafaello Cortina Editore, 1994. 399 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente 1.1. Lista de espera na adoção: solução ou problema? Diante das exposições acima, a denominada lista de espera passa a ter relevância, uma vez que evitaria a escolha entre adotantes de crianças e adolescentes em detrimento de outras. Assim, a lista não pode servir para rejeitar crianças negras, sob pena de cancelamento do casal da lista (cf. art. 197-E, § 2o do ECA36, trazido pela Lei no 12.010/2009). 2. A DISCRIMINAÇÃO RACIAL SUBLIMINAR BRASILEIRA O preconceito sobre adoção inter-racial, em verdade, é fruto da própria discriminação brasileira, velada e subliminar. Por isso, necessário conhecer a “raiz” do problema nacional e estatísticas do negro no contexto. Os números dos excluídos no Brasil em 2001: a) 40 milhões de analfabetos funcionais (sabem ler, mas não conseguem entender, por exemplo, o cartão de vacina dos filhos, ou seja, muitos estudaram pelo menos quatro anos, porém não atendem às exigências do mundo moderno; às vezes, tarefas simples como tomar ônibus, fazer compras no supermercado, assinar cheques e documentos, preencher formulários e fichas de inscrição são verdadeiras barreiras); b) 8,5 milhões de jovens entre 7 e 18 anos estão fora da escola; c) menos de 30% das crianças de 0 a 3 anos são atendidas em creches; d) menos de 50% das crianças de 4 a 6 anos frequentam a pré-escola; e) 70% dos matriculados na educação infantil e no ensino superior estão na rede privada; f ) apenas 7,5% da população têm acesso ao ensino superior, e somente 3,5% a 4% terminam o curso; g) cerca de 97% da população juvenil negra está em escolas públicas menos aparelhadas; destes, apenas 3% chegarão ao ensino superior, e de 1% a 1,5% terminarão o curso; h) com remuneração média de R$ 409,00 mensais, o salário dos professores brasileiros é o quarto pior do mundo, segundo a Unesco; i) o investimento na educação fundamental caiu de 5% para 2,2% do PIB, desde 1998; j) todo cidadão tem direito à educação (CF/88), porém, em 2001, os atendimentos públicos nas esferas federal, estadual e municipal 36 “A recusa sistemática na adoção das crianças ou adolescentes indicados importará na reavaliação da habilitação concedida”. 400 Material Complementar da Obra contabilizaram apenas três milhões de pessoas matriculadas nas oito séries do ensino fundamental, segundo Leôncio Soares, Professor da Faculdade de Educação da UFMG; k) no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988, o Governo Federal prometeu erradicar o analfabetismo em dez anos, mas, em 1996, quando faltavam apenas dois anos para expirar o prazo, o dispositivo foi suprimido do texto constitucional; l) por região, tendo como fonte a Pnad/99 (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio), o Brasil tem como analfabetos absolutos: – Nordeste: 1/4 da população, ou seja, 26,6%; – Minas: 12,2%; – Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG): 6,6%; – São Paulo: 5,8%; – Porto Alegre: 3,8%; m) por região, tendo como fonte a Pnad/99, contam-se como analfabetos funcionais: – Brasil: 29,4%; – Nordeste: 46%; – Minas: 29,4%; – Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG): 17,6%; – São Paulo: 19,3%; – Distrito Federal: 14,9%. Visando equilibrar o aprendizado, Bourdieu propôs a “pedagogia racional”, sistema de ensino que oferece aos filhos das classes dominadas um ambiente cultural na escola semelhante àquele em que crianças e adolescentes de condição socioeconômica abastada desfrutam junto de suas famílias. Nada obstante, o ensino continua elitista, conforme demonstram os dados estatísticos apontados. A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a pretexto de melhorar o ensino, decidiu que não mais tem cabimento a reprovação nas escolas públicas. Tal medida, no entanto, veio corroborar a tese de que as pessoas com educação deficiente, no futuro, serão comandadas por indivíduos oriundos de classe social mais abastada e, portanto, mais bem preparados cultural e intelectualmente. 401 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Transportando essa discussão para o tema objeto deste trabalho, tem-se que a maioria das pessoas negras e pardas não são devidamente preparadas para exercer o comando, por falta de uma estrutura mínima na área da educação que lhes assegure igualdade de oportunidades com aquelas pertencentes à classe dominante. Para mudar essa realidade, é preciso que os currículos dos cursos de primeiro e de segundo graus ofereçam matéria sobre a cultura negra, visando criar uma consciência social acerca de homens valorosos, aviltados em sua dignidade pela condição de escravos a que foram submetidos quando aportaram em terras brasileiras, trazidos da África pelos portugueses. E que, embora libertos por ato da Princesa Isabel, até hoje enfrentam dificuldades para estudar e ingressar no mercado de trabalho devido a arraigados preconceitos ainda vigentes. A permanente escravidão, a que podemos chamar de “escravidão lícita”, pode ser constatada nos dados extraídos do brilhante artigo da lavra do Ministro Marco Aurélio de Mello, à época Presidente do Supremo Tribunal Federal: a) segundo estatística do IBGE, publicada na revista Isto É, de 10/10/02, a população brasileira é formada por 24% de analfabetos, dos quais 80% são negros; b) o Dieese apontou que, em São Paulo, 22% da população negra é desempregada, contra 16% de brancos; c) o salário médio da mulher negra é de R$ 399,00, enquanto a branca recebe R$ 750,00; o homem negro percebe remuneração em torno de R$ 601,00, e o branco, de R$ 1.100,00; d) na publicação Mulheres Negras – Um Retrato da Discriminação Racial no Brasil, dados do Ministério da Educação demonstram que 80% dos universitários formandos são brancos, e somente 2% são negros; e) expectativa de vida: negros, 64 anos; brancos, 70 anos; f ) na prática, diante de currículos idênticos, a preferência é pelo branco; e tal ocorre também com a locação; g) nos shopping centers é raro deparar com negros proprietários ou gerentes de restaurantes e lojas, ou mesmo atuando como vendedores; em geral, exercem o ofício de manobrista, leão de chácara, ascensorista, porteiro etc. Os negros também encontram obstáculos para o exercício de cargo público ou mandato eleitoral, devido às dificuldades que enfrentam desde 402 Material Complementar da Obra o nascimento para desenvolver-se no campo do saber, o que tem reflexos em sua vida socioeconômica. Há exceções, como a ex-Governadora do Rio de Janeiro e ex-Ministra da Pasta do Desenvolvimento Social, Benedita da Silva, que foi indicada pelo PT nacional para coordenar a campanha à reeleição do Presidente Lula no âmbito regional (RJ). Cumpre registrar que o Presidente Lula sancionou a Lei no 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas. Na obra Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos EUA, publicada pela Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2001, o então procurador federal do RJ e professor da UERJ, Joaquim Benedito Barbosa Gomes, atual Ministro do STF, indicado pelo presidente Lula em situação inédita no País, aponta resultados positivos para o sistema de cotas ou mesmo de políticas em favor das minorias, pois “até o início dos anos 60, os negros eram proibidos de frequentar as mesmas escolas, os mesmos bares, os mesmos espaços públicos dos brancos. Não havia negros em posições de prestígio. “Hoje eles estão em todos lugares”, disse em entrevistas, ressaltando que tais políticas, entretanto, não eliminaram a discriminação racial. Para a compreensão do tema, importa trazer à baila dois aspectos que se complementam: o pedagógico e o jurídico. Iniciemos pelo ponto de vista pedagógico. A década de 60 se constituiu em marco na história da educação, devido aos movimentos sociais que, caracterizados por revoluções ideológicas, ganharam força diante do avanço do regime ditatorial imposto pelo Governo Militar, com o objetivo de suprimir a liberdade de expressão e os direitos individuais. Neste cenário, personalidades de renome se destacaram, dentre elas Paulo Freire, que, em forte oposição à “ditadura do ensino”, criou um sistema educacional a que denominou de “Pedagogia do Oprimido”. Desse fato resultou a criação de um novo currículo escolar, compatível com a conjuntura daquele momento da vida nacional. Com efeito, o ensino tradicional atinha-se à grade curricular, sem qualquer preocupação com o acesso das camadas mais pobres da população à educação. Influenciada pela revolução sociocultural, a educação desenvolveuse em oposição ao modelo impositivo de Estado, caracterizado pela supremacia do poder econômico, que se expandia à medida que se aliava às forças conservadoras da sociedade. Vale ressaltar que, na fase que antecedeu os movimentos sociais, o modelo educacional vigente confundia-se com o capitalismo selvagem. O 403 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente ensino, orientado por um currículo preestabelecido e, portanto, com poucas oportunidades de mudança, era “padronizado”, o que propiciava uma certa conformação social. Isto porque as escolas preparavam os cidadãos “sem voz” para obedecer ordens, oferecendo-lhes uma educação “robotizada”, que os impedia de crescer intelectualmente e, também, do ponto de vista econômico. Em contrapartida, os abastados (classe dominante) desfrutavam de um aprendizado cuja finalidade era prepará-los para a sucessão dos pioneiros do poder, “coincidentemente” seus ascendentes ou pessoas que comungavam o mesmo pensamento ideológico. Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, sociólogos franceses, opuseram-se ao “currículo capitalista”, ao qual classificaram de “metáfora econômica”, sob o argumento de que a classe dominante era consequência do capitalismo, e não causa. De acordo com os estudiosos das relações sociais, a cultura dominante é que determina “os valores, os hábitos e costumes, modos de se comportar e agir” da classe dominada, que, ao incorporar vantagens materiais e imateriais, passa a dominar, donde o capitalismo do qual resulta a dominação de classes. Essa tese contrariou a pregação da Escola Marxista, segundo a qual o capitalismo, por si só, gera a dominação de classes. Ademais, assinalam Bourdieu e Passeron que, no capitalismo cultural, verifica-se exclusão social decorrente de um “código de cultura”, que é facilmente assimilável pelas crianças da classe dominante, ao contrário daquelas pertencentes às classes oprimidas, que, por carecerem de conhecimento que lhes possibilite decifrar a linguagem ali contida, estão fadadas ao insucesso. Como corolário, o acesso ao ensino superior fica restrito aos mais aquinhoados financeiramente, criando-se um ciclo de reprodução cultural. Em recente pesquisa do DataFolha, publicada no dia 23 de julho de 2006 na Folha de S. Paulo, 65% dos entrevistados são favoráveis a que 20% das vagas nas universidades sejam reservadas para negros e descendentes, como prevê o Estatuto da Igualdade Racial que tramita no Congresso Nacional. A aprovação é maior entre as pessoas com escolaridade fundamental (71%) e entre os que ganham até dois salários mínimos (70%), diminuindo à medida que crescem a instrução e a renda. Revelação importante da pesquisa é que além de aprovar cotas para negros, a maioria dos entrevistados (87%) defende a medida para pessoas pobres e de baixa renda, seja qual for a raça. Sobre ações afirmativas, destacamos que nos EUA, atualmente, uma das mais importantes políticas de inclusão, denominada “ações afirmativas” 404 Material Complementar da Obra – reserva de vagas para negros, índios, asiáticos e hispânicos nas universidades – sofre severas críticas. Na opinião de Bush, expressa em pronunciamento feito na Casa Branca, “os benefícios baseados no critério racial são injustos e desrespeitam a Constituição americana”. Porém, como veremos, o critério escolhido, qual seja, unicamente cor da pele (cotas raciais), levou ao que costumo denominar em aulas de um verdadeiro “apartheid jurídico”, estimulando a discriminação ao reverso. Historicamente, cumpre lembrar que em 1935, na cidade de Charlottesville, Virgínia/EUA, Alice Jackson Stuart tomou uma atitude sem precedentes até aquela época: “embora negra”, solicitou ingresso na histórica Universidade da Virgínia, fundada por Thomas Jefferson. A direção recusou o pedido, por escrito, apresentando como justificativa as leis vigentes no Estado e, também, “outros motivos válidos e suficientes, que não é preciso enumerar aqui”. Alice enviou outra carta à escola, solicitando que os outros motivos fossem detalhados, mas nunca recebeu resposta. Na ocasião, Alice foi manchete nos jornais e contribuiu seriamente para a promulgação de uma lei de bolsas para estudantes negros frequentarem escolas profissionalizantes fora do sistema estatal. Quinze anos mais tarde, a Universidade da Virgínia abria as portas aos negros. Os seus ensaios, cartas e discursos – além das correspondências com a universidade – foram todos doados, pelo seu filho, Julian Houston (juiz do Tribunal Superior de Massachussets) à instituição que recusou sua mãe na época, pois, segundo ele, essa sua atitude de “doar seus documentos à universidade que lhe negou acesso representou uma justiça poética para sua mãe”. Assim, em 1950, a proibição para alunos negros foi declarada inconstitucional, sendo que neste mesmo ano a Universidade da Virgínia admitiu seu primeiro estudante negro. Quarenta anos mais tarde, Alice falou em um banquete de entrega de prêmios para estudantes negros na Universidade que lhe havia negado o direito de estudar, dizendo em seu discurso, publicamente, que “o convite a enchera de alegria e recordações”. Cumpre ainda registrar que o termo “ação afirmativa” foi introduzido pelo ex-presidente John Kennedy (1961-1963). Ele exigiu que os órgãos públicos contratassem funcionários sem distinção racial ou étnica. Seu objetivo era amenizar os graves conflitos causados pela segregação racial. Em 1964, foi assinada a primeira lei dos direitos civis, que proíbe a discriminação. Um ano depois, o presidente Lyndon Johnson (1963-1969) sancionou o Ato Executivo no 11.246, que determinava às empresas que tinham negócios com o governo que aumentassem o número de empregados integrantes de minorias. 405 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente O Presidente Richard Nixon (1969-1974) reforçou a adoção de políticas de inclusão. Assim, nos EUA, a ação afirmativa tem sido aplicada, principalmente, em licitações públicas, na seleção de servidores e na garantia de vagas nas Universidades. Em 1978, no famoso caso Bakke, a Suprema Corte Norte-Americana definiu o parâmetro usado até hoje neste tipo de disputa legal. Allan Bakke, um branco que, em 1973, havia sido rejeitado no curso de Medicina da Universidade da Califórnia, processou a instituição. Bakke provou que tinha qualificação melhor que os aceitos e que perdera o lugar porque 16 das 100 vagas estavam destinadas a negros e hispânicos. Ele ganhou o direito de entrar no curso, e as cotas foram declaradas ilegais. Mas a Suprema Corte dos EUA fez uma ressalva essencial: decidiu que a raça poderia ser o critério preponderante na escolha de estudantes. Atualmente isto foi revisto nos EUA, substituindo raça por fator econômico, evitando “discriminação ao reverso”. Portanto, necessário conhecer da discriminação para combater a causa. Cumpre registrar que se um casal branco adota um negro, no Brasil, isto é visto como um ato louvável, por “tirar um negro da marginalidade”, enquanto se a adoção é de um casal negro com uma filha branca, a reação é de pena ou compaixão da criança, o que mostra que a discriminação encontra-se “dos dois lados da moeda”, seja por negação ou afirmação. Qual a grande dificuldade com que se depara o sistema educacional vigente? O psicanalista Renato Mezan, cuja obra Pensador da Cultura é referência internacional, em entrevista à Revista Veja, já citado, explica o porquê da resistência em se implementar uma educação disciplinadora no Brasil: (...). Pais que, em crianças, foram educados de forma muito rígida, passam para o extremo oposto com os próprios filhos – a tolerância total. O resultado é a delinquência, porque uma criança precisa de um quadro de referência no qual haja muito amor, mas também mostre claramente o que é permitido e o que é proibido. (...) No Brasil, acho até que existe um componente cultural nessa questão da falta de autoridade. (...). 406 Pelo fato de nossa formação social ter sido tão autoritária, penso que um elemento contemporâneo brasileiro é justamente a contestação de qualquer autoridade. Estamos nos transformando num povo de litigantes. Raramente há Material Complementar da Obra uma lei que não seja contestada por alguém, mesmo que ela tenha sido produzida legitimamente e seja uma boa lei, no sentido de beneficiar um grande número de pessoas. Um resultado disto é a ‘indústria de liminares’. (...). Características culturais “não são problemas insolúveis... Nelson Rodrigues falava na tendência ciclotímica do brasileiro, e acho que muitas vezes somos mesmo assim – ou nos glorificamos demais ou caímos no ‘complexo de viralatas’. Quando a crítica serve de estímulo para continuar na boa direção, ótimo. Mas se serve como forma de apequenar aquilo que se conseguiu, acho lamentável”. Esse limite compreende não só o aspecto disciplinar, mas também a tolerância no que toca às diferenças de classe sociais. Lado outro, no aspecto jurídico da discriminação, ensina o Ministro Marco Aurélio de Mello que a igualdade de raças está expressamente prevista no preâmbulo da Constituição Federal e em seus arts. 1o, 3o, 5o, XLI e XLII. Já a legislação especial tipifica o crime de injúria por instrumento de raça (CP, art. 140, § 3o), define aqueles resultantes de discriminação ou preconceito (Lei no 7.716/89) e inclui, entre as contravenções penais, a prática de atos que resultem de preconceito racial e de cor (Lei no 7.437/85, que deu nova redação à Lei no 1.390/51 – Lei Afonso Arinos), ou seja, que importam a segregação de direitos, como impedir a pessoa de cor negra de entrar no elevador social, frequentar igreja, clube etc. O nobre Ministro ressalta no artigo citado, verbis: Não basta não discriminar. É preciso viabilizar... Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente principiológico... Não se pode falar em Constituição Federal sem levar em conta, acima de tudo, a igualdade. Precisamos saldar essa dívida, ter presente o dever cívico de buscar o tratamento igualitário... Cidadania não combina com desigualdade. República não combina com preconceito. Democracia não combina com discriminação. E, no entanto, no Brasil que se diz querer republicano e democrático, o cidadão ainda é uma elite, pela multiplicidade de preconceitos que subsistem, mesmo sob o manto fácil do silêncio branco com os negros, da palavra gentil com as mulheres, da esmola superior com os pobres, da frase lida para os analfabetos... 407 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A correção das desigualdades é possível. O que propõe Sua Excelência? Evidentemente, o fim da desigualdade social, colocando-se em prática aquilo que está no papel. Com efeito, “tratar desigualmente aos desiguais, na medida de suas desigualdades”, expressão criada por Rui Barbosa, é a proposta contida no princípio constitucional da igualdade, de observância cogente. Logo, é preciso restabelecer o equilíbrio no tocante à desigualdade racial. Entretanto, conforme leciona Celso Antônio Bandeira (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3. ed., São Paulo: Malheiros, 1995), “não se pode desequilibrar a balança dos justos”. O brilhante político e jurisconsulto Rui Barbosa, no discurso escrito para os formandos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (SP), em 1920, intitulado Oração aos Moços, afirmou: (...) A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da Criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem. Essa blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria... Esse é o profundo quadro da discriminação brasileira. Lembro-me, em memória mais recente, do amigo e colega de Ministério Público mineiro, Dr. Expedito Lucas da Silva, irmão de fé, que, para ser Promotor de Justiça, aos 41 anos, teve que fazer supletivo, ser arrimo de família, filho de pai ausente e de mãe lavadeira, negro e pobre. Conseguiu ser policial rodoviário federal, e ao dizer para o colega da polícia, também negro, que queria ser promotor de justiça das Alterosas, ouviu um disparate: “Isso não é cargo de negro”. Percebe-se, assim, o racismo na própria classe, algo que deve ser considerado por negros contrários às 408 Material Complementar da Obra cotas. Dr. Expedito aposentou-se no Ministério Público das Gerais como um dos mais destacados promotores do Tribunal do Júri, e hoje realiza os Júris e inúmeras causas cíveis e criminais na condição de advogado, brilhando em novas perspectivas. Recordo-me, ainda, do passado remoto, em trechos azuis de minha mocidade, que, em Bauru/SP, minha cidade natal, a declaração de um médico, amigo de nossa família, pneumologista, é suficiente para mostrar a força do racismo: “sou o único médico negro da cidade (leia-se, cidade com 400.000 habitantes)”, afirmou o estimado amigo Arnaldo Themistocles de Sant’Anna, 73 anos, cujo filho e querido amigo “Arnaldinho” estudou comigo em escolas particulares pelo sacrifício do Dr. Sant’Anna. Segundo o nosso amigo, Dr. Sant’Anna, em confissões para meu pai, também médico, “o sonho de virar médico não foi tarefa fácil, pois para estudar precisava trabalhar”. Na sua juventude enfrentou a rotina de achar vagas de trabalho, ter o currículo selecionado e ser dispensado ao se apresentar. Isso em Salvador, Bahia, cidade onde nasceu e onde a maior parte da população é negra. O Dr. Sant’Anna é formado pela Escola Bahiana de Medicina, tendo decidido ser médico ainda na infância porque era asmático e passava por muitos consultórios. Sua mãe o aconselhava: “Escolhe outro ofício filho, vai ser alfaiate”, mas ele insistiu. Na sua vida profissional dois fatos me marcaram, em reminiscências de Bauru/SP: o primeiro, foi a revolta de uma secretária do Dr. Sant’Anna, que viu pacientes cancelarem consultas ao descobrir que o renomado médico pneumologista era negro; o segundo foram racistas que pintaram com spray, no muro da residência do Dr. Sant’Anna, os seguintes dizeres: “Aqui mora um negro”. Em seguida, vizinhos revoltados, e, de certa forma, racistas em menor grau, escreveram embaixo: “Negro, mas médico”. E houve ainda, dias depois, os seguintes dizeres dos racistas alhures mencionados: “Médico, mas negro”. Isto marcou decisivamente minha infância, da qual me lembro comovido e choro na alma por tamanha crueldade contra uma das pessoas mais espetaculares com quem convivi, ainda mais com seu filho, meu amigo de colegial. Isto somente reforçou o que o próprio Dr. Sant’Anna dizia em seu realismo consolador: “a condição econômica facilita a aceitação pela sociedade”, lembrando de uma história de seus primeiros anos de Bauru/ SP, quando foi barrado na porta de um clube tradicional da cidade, mas ouviu um pedido de desculpa quando o porteiro ficou sabendo que ele era médico. Pois é, o preconceito econômico, sem dúvida, supera o racial. Dr. Sant’Anna é a favor das cotas por dois argumentos irrebatíveis: o primeiro, porque a experiência mostra que somente pode ser contra “quem 409 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente não é negro e por isto nunca sentiu as dificuldades”, desabafa; o segundo, “porque os brancos só prosperaram por causa dos escravos, e, portanto, chegou a hora de retribuir a dívida histórica do País”. 3. AMOR TEM COR 3.1. STF e a unicidade da raça humana Um importante aspecto a ser observado reside no conceito de raça, para fins de racismo, objetivando provar que somos uma única raça e, portanto, ao discriminar a adoção de um negro, o branco está desconsiderando a si próprio. O STF confirmou, em setembro de 2003, por 8 votos a 3, a condenação, pelo crime da prática de racismo, de Siegfried Ellwanger. Este vinha, no correr dos anos, dedicando-se de maneira sistemática e deliberada a publicar livros notoriamente antissemitas, como o Protocolos dos sábios de Sião, e a denegar o fato histórico do Holocausto, como autor do livro Holocausto – judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século. O caso Ellwanger é um marco na jurisprudência dos direitos humanos, cuja prevalência na Constituição de 1988 é uma das notas identificadoras do Estado Democrático de Direito. O primeiro grande tema discutido pelo STF neste caso foi a análise da questão: antissemitismo é racismo? A questão foi suscitada no habeas corpus impetrado perante o STF em favor de Ellwanger. Com o objetivo de afastar a imprescritibilidade da pena a que fora condenado, arguiu-se que o crime praticado não era o do racismo, porque os judeus não são uma raça. Com efeito, os judeus não são uma raça. Mas não são igualmente uma raça os brancos, os negros, os mulatos, os índios, os ciganos, os árabes e nenhum outro integrante da espécie humana. Nas palavras da ementa do acórdão, do qual foi relator o Ministro Maurício Corrêa, cuja lúcida atuação neste caso foi decisiva: Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. Todos os seres humanos, no entanto, podem ser 410 Material Complementar da Obra vítimas da prática do racismo. Daí o alcance geral da decisão do STF, explicitada na ementa do acórdão: “A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Deste pressuposto origina-se o racismo, que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista”. Disso deflui a orientação fixada pelo STF no caso concreto: antissemitismo é racismo, e Ellwanger está sujeito às sanções penais contempladas pelo Direito brasileiro, pois: “a edição e publicação de obras escritas veiculando ideias antissemitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o Holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências históricas dos atos em que se baseiam”. O Acórdão também esclarece que a ausência de prescrição justificase como alerta geral para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem (...). O professor e jurista Valerio Mazzuolli, na época, comentou sobre a decisão do STF com muita propriedade: Em 17 de setembro de 2003 o Supremo Tribunal Federal brasileiro, por maioria de votos, indeferiu o Habeas Corpus impetrado por Siegfried Ellwanger, que havia sido condenado pela justiça gaúcha pela prática do crime de “racismo” praticado contra os judeus. O julgamento deste Habeas Corpus (no 82424-RS) foi talvez um dos mais emblemáticos, dentre todos aqueles já julgados pelo STF, desde a promulgação da Constituição brasileira de 1988. Ellwanger é um editor e autor de Porto Alegre (RS), que publica livros de cunho claramente nazista e antissemita. Pela sua conduta foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul pela prática do crime de racismo que, nos termos da Constituição brasileira, é imprescritível e inafiançável. Um pedido de Habeas Corpus em seu benefício foi apresentado ao Superior Tribunal de Justiça, tendo sido o benefício negado por este tribunal. Eis que, então, novo pedido de Habeas Corpus é impetrado, mas dessa 411 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente vez ao Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de que o impetrante não poderia ser condenado por crime de racismo, uma vez que os judeus não são uma “raça”, a exemplo do que seriam os negros etc. É evidente que o conceito de “raça” deve ser analisado de acordo com o seu conteúdo jurídico, sob pena de esvaziar-se o conteúdo constitucional da prática do racismo. O núcleo mínimo conceitual da prática do racismo encontrase na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965, elaborada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. Esta Convenção, no seu art. 1o, estabelece que discriminação racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica. No seu art. 4o, a Convenção considera que está no âmbito do direito penal e na estrutura da prática do racismo, a difusão de ideias baseadas na superioridade ou ódios raciais, que é exatamente o caso do crime praticado por Ellwanger. O direito constitucional brasileiro manda incorporar automaticamente ao ordenamento jurídico interno todos os preceitos contidos nos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo Brasil, atribuindo-lhes o status de normas constitucionais, como se depreende da interpretação do art. 5o, §§ 1o e 2o da Constituição brasileira de 1988.37 Portanto, andou bem o STF no que indeferiu o HC impetrado pelo patrono de Ellwanger. Se o sofisma relativo ao conceito de “raça” viesse a ser apoiado pelo STF, como se manifestou o Min. Maurício Corrêa, isso causaria um impacto bastante negativo, de alcance geral, contrário ao respeito aos direitos humanos previstos pela Constituição brasileira. De fato os judeus não são uma raça, assim como também não são uma raça os brancos, os negros, os mulatos, os índios, os ciganos, os árabes e quaisquer outros integrantes da espécie humana. Também não são raça os grupos religiosos, como os católicos, os protestantes, os muçulmanos e outros integrantes desta ou daquela crença. 37 Sobre o assunto, vide MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os Tratados Internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do Tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2002, cap. VII. 412 Material Complementar da Obra Por oito votos a três, os ministros do STF concluíram que quem propaga ideias discriminatórias contra judeus comete o crime de racismo. Segundo o presidente do STF, Min. Maurício Corrêa, desde a promulgação da Constituição de 1988, este foi “o caso mais emblemático, no contexto dos direitos civis”. O ex-presidente do STF, Min. Marco Aurélio Mello, votou pela concessão do Habeas Corpus, por entender que Ellwanger não praticou o crime de racismo. O Min. Sepúlveda Pertence votou a favor da condenação. Como sete ministros já haviam se manifestado contra as pretensões do editor em sessões anteriores, foi mantida a condenação por racismo, que é um crime que não admite esquecimento. Apesar de o ponto central da discussão em plenário ter sido o alcance da expressão “racismo”, contida no inciso XLII do art. 5o, da Constituição (“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”), o julgamento pelo STF foi muito mais além – falando em termos de direitos humanos e liberdades fundamentais –, pois deixou uma lição para o direito brasileiro, no que tange à efetiva proteção dos direitos humanos no Brasil. O Tribunal, por maioria, acompanhou o voto proferido pelo Min. Maurício Corrêa no sentido do indeferimento do writ, sob o entendimento de que o racismo é antes de tudo “uma realidade social e política”, sem nenhuma referência à raça enquanto caracterização física ou biológica, refletindo, na verdade, em reprovável comportamento que decorre da convicção de que há entre os diversos grupos humanos uma hierarquia, suficiente para justificar atos de segregação racial, inferiorização e até mesmo de eliminação de pessoas, como ocorreu no Holocausto da Alemanha nazista. Louva-se o Supremo Tribunal Federal brasileiro pela decisão relativa ao HC 82424-RS, que foi inspirada nos valores da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos, princípios estes que conferem à Carta Constitucional brasileira suporte axiológico para a interpretação de quaisquer conceitos jurídicos envolvendo violações de direitos humanos”. 413 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente (Valério de Oliveira Mazzuoli38 – “O STF e o conteúdo jurídico do crime de racismo”) Com base na decisão do STF extrai-se o novo conceito jurídico de racismo no Brasil, do qual fiz a seguinte classificação:39 RACISMO PRÓPRIO Conceito político-social, e não biológico ou religioso RACISMO IMPRÓPRIO Conceito político-social, e não biológico ou religioso Importa uma segregação de Direitos Importa uma qualificação negativa, um Exemplos: impedir uma pessoa de adjetivo negativo frequentar clube, igreja ou outros lugares Exemplo: com dolo de injuriar, chamar públicos ou abertos ao público por ser a pessoa negra de “macaco”. negra, branca, judia, árabe etc. Lei Afonso Arinos – revogada pela Lei Lei no 9.459/97, que criou o tipo de n 7.716/89 (art. 20) e modificada pela Lei injúria qualificada do art. 140, § 3o, do no 9.459/97 CP o Consequências jurídicas: O crime é inafiançável (embora caiba Liberdade Provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único, do CPP, eis que a CF/88 não falou no gênero, e sim na espécie) O crime é imprescritível (art. 5o, XLII, da CF/88) Precedente no STF: HC do escritor antissemita (HC 82.424) Consequências jurídicas: O crime é afiançável O crime é prescritível Exemplo polêmico recente: Prisão do jogador argentino Leandro Desábato por ofender o jogador Grafite, do SP – abril de 2005. Após várias concepções a respeito do tema, entendemos que a espécie humana, considerada como única, não concebe preconceito entre pessoas apenas por questões biológicas, cor de pele, de olhos, de cabelo. A diferença entre os seres humanos não existe. Somos todos iguais. O que se deveria levar em consideração, não só quando se tratar de adoção, mas em todas as ocasiões cotidianas, é o interior, o íntimo de cada pessoa. Desta forma 38 Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professor de Direito Internacional Público e Direitos Humanos na Rede Luiz Flávio Gomes de Ensino Telepresencial, em São Paulo, e nas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, em Presidente Prudente-SP. Membro da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI) e da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD). Advogado no Estado de São Paulo. 39 Neologismo criado pelo autor. 414 Material Complementar da Obra conseguiremos enxergar a pessoa como ela realmente é e não enxergá-la pela aparência, pois muitas vezes nos decepcionamos com atitudes futuras. A adoção inter-racial como ato de amor leva-nos a refletir sobre o ser humano e não sobre a “raça” a que pertence. Se somos todos um só, para que tanto preconceito? Por que o brasileiro nega tanto suas origens? Quem não possui um antepassado negro, índio, ou branco, na família? Assim, qualquer adotando, seja ele como for, deve ser observado como pessoa, como ser humano, mas nunca como espécie de uma raça qualquer. Nas palavras de Evelise Almeida: A origem etimológica do termo dignidade é a expressão latina dignitas, que significa “respeitabilidade”, “prestígio”, “consideração”, “estima” (ALMEIDA, 2004, p. 24). No mesmo sentido Ingo Wolfgang Sarlet entende que: A Dignidade da Pessoa Humana como princípio fundamental, constitui valor-guia de toda a ordem jurídica, caracterizandose indispensável para a ordem social: O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta, por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças. (SARLET, 2001, p. 59) Finalmente, ainda seguindo Sarlet (2001): a Dignidade da Pessoa Humana está na qualidade intrínseca e indissociável de todo ser humano, por este ser titular de direitos e deveres fundamentais, que, sendo respeitados e assegurados pelo Estado, proporcionam condições mínimas para uma vida digna em harmonia com os demais seres humanos.40 3.2. Aspectos psicológicos da adoção inter-racial Na monografia citada, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira destaca o aspecto psicológico da adoção inter-racial: 40 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. 415 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A psicologia (do grego Ψυχολογία; ψυχή (psique), “alma”, e λογία (logos), “palavra”, “razão”, “estudo”) é a ciência que estuda os processos mentais, sentimentos, pensamentos, razão, inconsciente, e o comportamento humano e animal (para fins de pesquisa). Para estes fins há vários métodos, como a observação, estudos de caso, estudos em neuropsicologia entre outros estudos multidisciplinares. Outro objeto de estudo da psicologia são as personalidades desviantes, com comportamentos inadaptáveis, chamados de patologia. Em relação aos laços de afetividade que a adoção proporciona tanto para os pais (adotantes) quanto para os filhos (adotados) temos que ambos passam por mudanças psicológicas durante este processo de transição. Todos os seres humanos necessitam ter uma família, seja ela natural ou substituta. A valoração da família, atualmente um pouco esquecida deveria ser, por todos, feita. Quem nunca teve vontade de ter uma base familiar, como exemplo de vida, como norte e porto seguro? Todas as pessoas, sejam elas como forem, necessitam de grupos familiares para interagir, pois não há quem consiga viver sozinho. O fato de uma criança/adolescente conviver em um ambiente repleto de outras crianças/adolescentes que se encontram na mesma situação não supre sequer a falta do verdadeiro lar. Não importam as condições de sobrevivência, não importam a raça, a cor, a inteligência, a beleza física, nada disso tem valor, para uma criança (sem lar), do que a família propriamente dita. Atualmente, por “regras” impostas pela sociedade as pessoas não mais se preocupam com as crianças/adolescentes que se encontram em uma situação de abandono. Não se sabe ao certo o motivo por esta falta de preocupação. Seria falta de tempo? Falta do protótipo de criança desejada? O que fazer com as demais, uma vez que todas precisam de auxílio, na mesma proporção? Podemos chegar à uma só conclusão, hoje, os “futuros pais” estão sendo mais valorizados que o sentimento das próprias crianças, que deveria, em tese, ser mais relevante. Neste sentido, encontraremos uma maior quantidade de menores em situação de abandono e menor quantidade de pais buscando a prática da adoção. 416 Se observarmos a psicologia adotada pelos adotantes, ficaríamos convencidos de que a adoção tornou-se um Material Complementar da Obra risco, principalmente a inter-racial entre brancos e negros. Adentrando na área jurídica perceberemos que a lei, praticamente, é utilizada para uma determinada classe na sociedade os “pretos, pobres, prostitutas.” Assim, presumese que a adoção de um menor negro, futuramente traria risco à sua família substituta por trazer consigo características genéticas de sua família. Ledo engano. Na verdade o que se esquecem de mencionar é que atualmente todos os pais são vítimas de seus próprios filhos, sejam eles adotivos ou legítimos. Ninguém consegue prever, nem mesmo conseguimos concluir qual será o futuro de uma criança no momento de seu nascimento apenas por olhá-la fisicamente. Os filhos, legítimos, por mais esforços que tenham sido empenhados para os mesmos podem ser ingratos, ou até mesmo adeptos da prática de atos ilícitos, futuramente, deixando seus pais infelizes da mesma forma. Por que será que na atual sociedade o medo surge somente quando o menor é filho adotivo? Nas palavras de Márcia Fuga, psicóloga clínica com especialização em infância e juventude, em seu texto “Psicologia da Adoção”: a adoção, para o espiritismo, é um ato de de amor incondicional. (...) Um dos medos mais comuns das famílias adotantes é de que o filho adotivo venha a se tornar um marginalizado pois que já teve a rejeição materna e pode ser revoltado, e então, um marginal. Esse raciocínio se opera, primeiro devido ao preconceito de atribuir à criança uma herança de má índole, segundo porque se desconhece a Lei da Reencarnação. Ora, um filho biológico pode ser um espírito que reencarnou para resgate naquela família, causando-lhe muitos problemas; ao passo que, o filho adotivo, poderá ser um espírito afim, que vem para trazer felicidade. Ou vice-versa. Desta forma, ter um filho adotivo ou biológico sempre será para a família um meio de ressarcir débitos pretéritos, direta ou indiretamente, e sejam esses débitos dela (família) ou dele (filho). Jamais teremos nossas consciências em paz, enquanto houverem as injustiças sociais, os preconceitos, as negações afetivas adotar um filho, um amigo, um pai, uma mãe devem ser tarefas diárias para quem quer conquistar a sua própria evolução espiritual. Mas a adoção deve ser de coração, pois esse é laço indestrutível, permanente. (...) 417 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente 4. CONCLUSÃO Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira conclui: A adoção inter-racial é o gesto de amor mais importante, mais significativo para uma criança/adolescente do que se imagina. É um ato de amor incondicional, onde pessoas se unem pelo fato de se amarem, não se importando com aparentes diferenças que aos poucos se tornam irrelevantes. Desde o início da adoção inter-racial deve haver um acompanhamento, um diálogo ainda maior, entre pais e filhos, para que estes possam ao longo dos anos se fortalecerem para enfrentarem futuras situações indesejadas. Se preciso, no futuro, um acompanhamento psicológico, para que a criança na escola, ao ser maldosamente objeto de jocosidade, por outra criança, tenha amparo psíquico para entender e suportar, pois um dia a mesma chegará ao pai e questionará: – Pai, porque eu sou de pele escura e você é branco? O fator psicológico deve ser trabalhado dentro de casa, por isso há uma grande importância em expor todos os fatos da adoção, ao adotando, para que o mesmo fique ciente de sua história. Suas origens, seus antecedentes devem ser abordados sempre nos momentos necessários, para que nem pais adotivos nem filhos adotivos se esqueçam de suas raízes, suas culturas, tendo cada uma um valor significante. A criança ou o jovem da atualidade deve ser observado com maior frequência, quando se tratar de um ato tão importante como é a adoção. Os candidatos a pais desejam um protótipo de filho idealizado, “desenhados” na imaginação, porém sabemos como qualquer outro que a beleza física, neste mundo em que vivemos, é o fator que se deve dar menos relevância. 418 As crianças/adolescentes possuem um único sentimento: “o de terem uma família”. Nunca ouvimos dizer em crianças/ adolescentes institucionalizados fazendo escolhas de pais ou imaginando-os com uma beleza física imensa. Resta-nos concluir que tais crianças agem muito mais com a emoção do que com a razão como fazem a maioria das pessoas da sociedade atual. Elas só têm o desejo de ser felizes, em um lar, como outra criança qualquer, não fazendo opções entre pais brancos, negros, índios, simplesmente elas os querem encontrar, somente este é o desejo. Material Complementar da Obra Assim, o homem é fruto de seu pensamento e de suas crenças, tanto que a Constituição brasileira, laica, garante a liberdade de crença. Neste contexto, o autor Eckhart Tolle, em O Poder do Agora e A Prática do Poder do Agora nos ensina, basicamente, que temos dois “EUs”: o “EU falso” e o “EU verdadeiro”. Em suma, todo mundo raciocina de acordo com a mente, que nos comanda. O “EU falso” é o comandado pela nossa mente (os pensamentos) e precisa de um “problema” para se abastecer, ou seja, o “EU falso” depende do tempo, pois busca no passado os problemas (traumas ou insucessos, por exemplo), para projetar no futuro a solução ou tentativa desta, fazendo com que a pessoa não viva o presente. Assim, quando buscamos no passado um problema e o projetamos no futuro, não vivemos o presente, porquanto estamos com o “EU falso”. Neste contexto, as nossas emoções são todas ilusões, porque se você perguntar qual o problema que tem agora, a resposta será nenhum, porquanto é no passado que buscamos o problema e o projetamos no futuro: “Ao nível do Ser, todo o sofrimento é reconhecido como uma ilusão. O sofrimento deve-se à identificação com a forma. Os milagres de cura acontecem através desta percepção, ao despertarem a consciência do Ser nos outros... se estiverem preparados para isso. A misericórdia é a consciência de um elo profundo entre o leitor e todas as criaturas. Na próxima vez que disser ‘não tenho nada a ver com esta pessoa’, lembrese de que têm muito em comum: dentro de alguns anos (dois anos ou setenta anos, não faz grande diferença) tornar-seão os dois cadáveres em decomposição, depois pó e a seguir nada de nada.” Já o “EU verdadeiro” é a inteligência acima da nossa mente, que propicia felicidade, alegria, paz de espírito e paz interior. Neste “EU” não existe discriminação. O poder do agora consiste em abstrair o efeito negativo do passado e tentar viver o presente, concentrar-se no presente e não aceitar pensamento negativo, para que haja uma evolução espiritual verdadeira e prazeirosa: A identificação do leitor com a sua mente cria uma divisão opaca de conceitos, rótulos, imagens, palavras, juízos e definições, que bloqueia todo o relacionamento verdadeiro. Interpõe-se entre o próprio leitor, entre o leitor e o próximo, entre o leitor e a sua natureza, entre o leitor e Deus. 419 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente É esta divisória de pensamento que gera a ilusão de afastamento, a ilusão de que há o leitor e um «outro» completamente distinto. Nessa altura, o leitor esquece o facto essencial de que, sob o nível da aparência física e das formas separadas, o leitor é uno com tudo o que existe. A mente é um instrumento maravilhoso se usado adequadamente. No entanto, quando utilizada de forma errada, torna-se muito destrutiva. Para ser mais preciso, não se trata tanto de o leitor usar a mente de forma errada; em geral, o leitor nem sequer a utiliza. Ela é que o usa a si. É esta a doença. O leitor acredita que é a sua mente. É esse o engano. O instrumento apoderou-se de si. A liberdade começa com a confirmação de que não se é o «pensador». No momento em que a pessoa começa a observar o pensador, desperta um nível superior de consciência. Nessa altura, começa a perceber que existe um vasto domínio de inteligência além do pensamento, que este é apenas um ínfimo aspecto dessa inteligência. A pessoa entende ainda que todas as coisas que realmente importam (a beleza, o amor, a criatividade, a alegria, a paz interior) nascem de além da mente. A pessoa começa a despertar. Neste contexto, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira retruca: Muitos casos de adoção inter-racial, por mim, já foram presenciados, e todos eles são belos na essência. Pessoas diferentes fisicamente, mas iguais como seres humanos, como pessoas. É certo que o maior sentimento que Deus nos ensinou, as mesmas possuem, e este sentimento, para celebrar tantas passagens boas só poderia ser o amor. Amor não tem cor. Amor de pais felizes em encontrar seu filho (a) e principalmente amor de filho (a) em conseguir a família tão sonhada. Hoje podemos crer, pelos menos, aqueles movidos pelo sentimento, que para aqueles que são discriminados pela sociedade, aqueles que nunca são lembrados, nunca têm oportunidades, mas que no passado tanto nos auxiliaram e que tanto nos forneceram, a felicidade é simples. 420 Material Complementar da Obra Os direitos da criança e do adolescente estão garantidos dentre outros no art. 3o da Lei no 8.069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente, o que reforça que dentre eles, está a insignificância da cor, uma vez que isto é a tolerância ou direitos fundamentais da pessoa humana (dignidade da pessoa humana – art. 1o, III, da CF/88): “Art. 3o A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-selhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.” “Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.” Todas as coisas da vida poderiam ser colocadas com mais simplicidade, para serem mais bem resolvidas. Todas. Assim, a Lei no 12.010/2009 estabeleceu que aqueles que se habilitarem para adoção devem participar de cursos e visitas a programas de acolhimento institucional e familiar, para terem contato com crianças e adolescentes aptos para adoção, visando, com isto, estímulo e orientação para adoção inter-racial, além de adoção de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades especiais (física ou mental) e grupos de irmãos, eliminando de vez a antiga “roda dos excluídos”. Nesse sentido: Art. 197-C do ECA: Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei. § 1o É obrigatória a participação dos postulantes em programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar, que inclua preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos 421 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente O STF, conforme já citado no voto do Ministro Maurício Corrêa (aposentado), cuja lúcida atuação neste caso foi decisiva, deixou transparente que: Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência, são todos iguais. Assim, todos os seres humanos, no entanto, podem ser vítimas de racismo. Daí o alcance da decisão do STF, explicitada na ementa do acórdão: A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Deste pressuposto origina-se o racismo, que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. Portanto, geneticamente não existem raças, apenas uma única: a raça humana. Juridicamente, apenas para fins penais, a raça existe e se adota o conceito político-social, enfim, a sociologia, leia-se, grupos e guetos que se intitulam, todos sujeitos ao crime de preconceito, caso não se tolerem. Com o advento da Guerra Mundial, as Constituições brasileiras sempre foram protetivas, a exemplo dos portadores de necessidades especiais. Porém, a atual CF/88 não visa mais ao assistencialismo ou à mera proteção, e sim prima pela promoção de tais portadores, como assim deve ser dos negros, que, pelo art. 1o, tem como meta fundamental a erradicação da pobreza. Promover o equilíbrio social e histórico, este o maior desafio da sociedade brasileira. Lembremo-nos do rei Pelé, negro que projetou o Brasil internacionalmente como o “país do futebol”, e de Nossa Senhora Aparecida, padroeira da nação, que, ao ser retirada do rio, ostentava uma imagem negra a traduzirse no seguinte recado: A religiosidade do povo brasileiro não permitirá que a desigualdade de raças finque raízes. Combatê-lo-á eficazmente! Um País sem memória é um País sem passado... Portanto, AMOR NÃO TEM COR. Louvemos a adoção inter-racial! 422 Material Complementar da Obra Referências Bibliográfic as ALMEIDA, Evelise. A legislação aplicável às pessoas portadoras de necessidades especiais: o respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, à luz da teoria garantista. Itajaí: UNIVALI, 2004. ARISTÓTELES. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1991. v. I. ARISTÓTELES. A política. 4. ed. São Paulo: Laboulaye, (s.d.). ASSUNÇÃO, Francisco B. Jr. Transtornos afetivos da infância e adolescência. São Paulo: Lemos, 1996. BARBOSA, Rui. Oração aos moços. Ediouro. BARBOSA, Joaquim Benedito Gomes. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade. O Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. BONNESANA, Cesare. Dei delitti e delle pene. 1764. BOURDIEU, Pierre e PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alvez, 1975. BOURDIEU, Pierre. Escritos de educação. Petrópolis-RJ: Vozes, 1999 (organização de Maria Alice Nogueira e Afrânio Catani). CAVALLIERI, Alyrio (org.). Falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente – 385 objeções. Rio de Janeiro: Forense, 1995. CAVALLIERI, Alyrio. Direito do menor. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1978. CERQUEIRA, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua. Adoção inter-racial. Trabalho de Conclusão de Curso, 2007, Centro Universitário do Oeste de Minas, Divinópolis/MG. CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Premier Máxima, 2005. CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Preleções de Direito Eleitoral brasileiro (Dos direitos políticos). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. v. 1, t. I CHAVES, Antonio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. ed. São Paulo: LTr, 1997. COSTA, Tarcísio José Martins. Adoção transnacional: um estudo sociojurídico e comparativo da legislação atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. CURY, GARRIDO e MARÇURA. Estatuto da Criança e do Adolescente anotado. 2. ed. revisada e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. CURY, Munir et al. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. 423 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1975. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 29. ed. São Paulo: Paz e Terra. FUGA, Márcia. (Lições de sabedoria – Marlene Nobre – FE) (Psicóloga clínica com especialização em infância e adolescência, diretora de Psicologia do Pineal Mind Inst. de Saúde, Vice Presidente da ABRAPE) ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 2. ed. atualizada. São Paulo: Atlas, 2004. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. MELLO, Marco Aurélio. “Igualdade entre as raças”. Jornal Juris Síntese, Doutrina e Comentários, março 2002. MONTESQUIEU, Charles Louis de Secondat. O espírito das leis. Trad. e notas de Pedro Vieira Mota. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. NERY JR., Nelson e MACHADO, Martha de Toledo. “O Estatuto da Criança e do Adolescente e o novo Código Civil à luz da Constituição Federal: princípio da especialidade e direito intertemporal”. In Revista de Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, no 12, out./dez. 2002, p. 9-49. NOGUEIRA, Paulo Lucio. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1993. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 1999, p. 29-36. 424 Material Complementar da Obra Referências Eletrônic as http://www.cecif.org/ttinter.htm. Acesso em: 29 de janeiro de 2007. http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id237.htm. Acesso em: 05 de fevereiro de 2007. http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pib. Acesso em: 06 de fevereiro de 2007. http://www.direitonet.com.br/art. s/x/20/24/2024. Acesso em: 07 de fevereiro de 2007. http://www.//pt.wikipedia.org/wiki/psicologia. Acesso em: 07 de fevereiro de 2007. http://www.fnpi.org/premio/2003/finalistas/pdf/2003CSC1751/pdf. em: 08 de fevereiro de 2007. Acesso 425 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 21 – O “programa família acolhedora” e sua real aplicação para não servir de instrumento de “burla” à lista de espera da adoção Dentro da visão geral sobre o tema, reportamo-nos à perfeita apresentação do programa “Família Acolhedora”, feita pelo AMAS de Poços de Caldas, cujas fontes são as Ilmas. Sras. Mônica Segato Paulo e Valéria Dias Castilho. 1. CONCEITOS • Família Acolhedora (FA) Uma família que, voluntariamente, acolhe em seu espaço familiar criança que necessita de proteção fora de seu contexto familiar de origem, por ameaça ou violação de seus direitos, sem estabelecer vínculo de filiação. • Acolhimento Receber e cuidar de uma criança em casa. O acolhimento não significa integrá-la como “filho”. 2. OBJETIVO GERAL • Promover proteção às crianças vítimas de violência doméstica, de forma a preservar o seu direito à convivência familiar e comunitária, previsto no art. 19 do ECA – “Toda criança tem direito de ser criada e educada no seio de sua família e excepcionalmente em família substituta”. 3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS • Oferecer acolhimento provisório em família acolhedora; • Oferecer apoio psicossocial às crianças e sua família natural e/ou extensa; • Fortalecer os vínculos familiares das crianças e adolescentes com suas famílias de origem, resgatando valores pessoais, relacionamentos e laços afetivos; • Promover a interação sociofamiliar e entre as famílias envolvidas, bem como com a sociedade civil; • Proporcionar capacitação e subsídio financeiro para as famílias que realizarão o acolhimento provisório, para a garantia do atendimento das necessidades básicas das crianças atendidas no projeto. 426 Material Complementar da Obra 4. METODOLOGIA E META • Fase de preparação e avaliação; – Capacidade de atendimento: referente ao número de famílias inscritas. • Fase de acompanhamento dos casos; – Capacidade de atendimento: 1a modalidade – 10 crianças na Família Acolhedora (no caso de Poços de Caldas/MG) 2a modalidade – 10 crianças na Família de Origem (no caso de Poços de Caldas/MG) 5. FASE DE PREPARAÇÃO E AVALIAÇÃO • Levantamento bibliográfico; • Apresentação e aprovação no CMDCA; • Seleção e recrutamento da equipe de profissionais; • Mobilização e sensibilização da sociedade civil; • Inscrição das Famílias Acolhedoras interessadas; • Início do processo de discussão com os parceiros da rede de proteção à criança e ao adolescente; • Visita domiciliar às famílias, para avaliação das condições socioeconômicas e da motivação para o acolhimento; • Processo de construção com a rede do fluxograma de atendimento; • Capacitação das Famílias Acolhedoras, com acompanhamento e preparação contínua, abordando temas relacionados à legislação de proteção e fases de desenvolvimento da criança, dinâmica familiar e violência doméstica. 6. FASE DE ACOMPANHAMENTO DE CASOS • Indicação do afastamento da criança para o acolhimento familiar temporário; – Levantamento do histórico de violência familiar e dos atendimentos realizados pela rede, voltados à família natural e à criança; • Acompanhamento da criança, família acolhedora e natural; – Utilização de instrumentais de apoio e orientação, tendo como suporte a rede de serviços públicos municipais no atendimento das demandas levantadas. 427 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente • Preparação para o desligamento do acolhimento (Criança, FA e Família de origem). 7. RESULTADOS ESPERADOS • Criar alternativas mais humanizadas de atenção à criança, através da convivência em famílias acolhedoras; • Oferecer oportunidades de apropriação de novos modelos de relacionamento familiar e proporcionar condições para o rompimento do círculo de violências; • Incluir as famílias natural e extensa em uma rede de proteção pessoal e social, para que possam criar seus filhos com cuidado e proteção; • Desenvolver as ações integradas com instituições e serviços existentes no município, que atendam as necessidades das crianças e famílias envolvidas (CMDCA, Conselho Tutelar, SEMAS, Judiciário, Abrigos etc.). 8. PRINCÍPIOS NORTEADORES • Preservação da convivência familiar e comunitária; • Avaliação psicossocial das FAs (potencialidades e limitações); • Intencionalidade das FAs (Primazia do atendimento a criança); • Avaliação socioeconômica para ajuda financeira disponibilizada para as necessidades da criança; • Não determinação de valor fixo por criança, podendo haver subsídio financeiro em espécie e/ou gênero; • Possibilidade de mudança da criança para outra FA, no caso de não adaptação; • Acolhimento de uma criança por FA, ressalva-se o caso de irmãos. 9. CONDICIONANTES PARA “FAMÍLIA ACOLHEDORA” • Famílias com dois ou mais filhos menores de três anos, inviabiliza a participação no Programa; • Idade mínima para participar do Programa (ainda não determinado); • Família mono ou biparental; • Não haver expectativas de adoção; • Situação financeira que não crie dependência do recurso do projeto; 428 Material Complementar da Obra • Filhos frequentando a escola; • Não haver membros com problemas de saúde grave; • Presença de afetividade na dinâmica familiar; • Presença de papéis, funções, limites e rotinas estabelecidas entre seus membros; • Aceitação do trabalho técnico na FA. 10. PORTARIA JUDICIAL Em relação ao Programa “Família Acolhedora”, conforme visto, o mesmo deve ser profundamente estudado para somente ser implantado após Portaria Judicial, como ocorreu em Poços de Caldas/MG. 429 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Referência: Capítulo 21 – O “programa família acolhedora” e sua real aplicação para não servir de instrumento de burla” à lista de espera da adoção Como Promotor (cooperador) da Infância e Juventude em Poços de Caldas/MG, fiz estudo profundo e adaptei à realidade da cidade o aludido programa, que foi adotado em portaria judicial conforme veremos a seguir. Não se pode dar outro rótulo ao programa. Assim, mesmo que na comarca não exista “abrigo” (acolhimento institucional), o Judiciário não deve permitir que as famílias acolham crianças em situação de risco sem estar dentro de todas as diretrizes do Programa “Família Acolhedora”, enfim, enquanto não tiver uma estrutura adequada e Portaria disciplinando o tema, pois isto pode gerar vínculos entre casal e criança, causando traumas ainda maiores do que uma institucionalização, e, pior, pode servir de “burla” à lista de espera, pois o casal pode pleitear a guarda definitiva ou adoção com a “vantagem” dos laços de afetividade, o que configura a má-fé do art. 50, § 13, III, do ECA. Nestes casos de ausência de “abrigo” na comarca, o ideal, não havendo o programa de acolhimento familiar devidamente regulado, é colocar a criança ou adolescente em casais da lista de espera de adoção mediante guarda provisória, enviando cópia ao Ministério Público local para ajuizamento de ação civil pública de obrigação de fazer (obrigar o Município a construir abrigo, nos termos do art. 98 do ECA), ou, na impossibilidade deste, em “abrigos da região”, até que o programa de acolhimento familiar esteja materializado, quando então terá preferência sobre o acolhimento institucional (art. 34, § 1o, do ECA). A experiência nos mostra que o Programa Família Acolhedora, feito de forma amadora ou “mambembe”, causa prejuízos psíquicos ainda maiores à criança ou adolescente, pois eles têm uma “vitrine” ou “simulação” de uma família que não pode adotar e ter a guarda definitiva, gerando vínculos e colocando em xeque todo o sistema de lista de espera de casais habilitados à adoção, criando, ainda, “miniabrigos” ao invés de um só, tornando ainda mais difícil a fiscalização dos cuidados empregados aos menores em tantas famílias dispersas. Assim, até mesmo para que o Judiciário controle este Programa e o torne eficiente, devem ser respeitadas todas as orientações alhures, bem como a lista de espera do art. 50 do ECA, evitando o vínculo sólido nas Famílias Acolhedoras, cujo objetivo é outro, qual seja, o auxílio aos pais de origem (família natural). 430 Material Complementar da Obra Após este estudo profundo, o então Juiz de Poços de Caldas/MG, Exmo. Dr. Salustio Campista, baixou a Portaria a seguir, regulamentando a “Família Acolhedora”, que jamais pode servir de “burla” à lista de espera ou gerar vínculos. Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Poços de Caldas Portaria no 08/07 O Doutor SALUSTIO CAMPISTA, MM. Juiz de Direito da 2a Vara Criminal, Infância e Juventude da Comarca de Poços de Caldas, Estado Minas de Gerais, no uso de suas atribuições legais, e, CONSIDERANDO que os programas de famílias acolhedoras não possuem regramento específico pelo Estatuto da Criança e do Adolescente; CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer parâmetros para a atuação desses programas existente no município Poços de Caldas, sem prejuízo daqueles fixados por meio de normas municipais criadoras dos programas ou de atos normativos que os regulamente CONSIDERANDO que a doutrina tenha aplicado as regras relativas ao abrigamento aos programas de famílias acolhedoras e, segundo dispõe no art. 101, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente, “o abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em famílias substitutas,... ”; CONSIDERANDO que é da competência absoluta do Juiz da Vara da Infância e da Juventude decidir sobre o melhor encaminhamento da criança e do adolescente em situação irregular e de risco; RESOLVE determinar: Art. 1o Todos os programas de famílias acolhedoras de Poços de Caldas, ora denominadas PFAs, deverão obedecer às disposições da Portaria no _________ deste Juízo, no que couber. Art. 2o Os encaminhamentos para os programas (PFAs) só poderão ser efetivados por determinação do Conselho Tutelar de Poços de Caldas ou por decisão judicial desta Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Poços de Caldas. § 1o O Conselho Tutelar fica obrigado a informar o encaminhamento da criança ou adolescente ao programa (PFAs) no prazo de 24 horas, em relatório circunstanciado. O expediente será imediatamente distribuído e autuado pela 431 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente Secretaria do Juízo, dando-se vista ao Ministério Público para conhecimento, independentemente de despacho judicial nesse sentido. § 2o Caso haja solicitação de vaga pelo Juízo de outra Comarca, eventual acolhimento ao programa só ocorrerá mediante autorização prévia deste Juízo da comarca de Poços de Caldas, após regular manifestação do PFA. § 3o O desligamento da criança ou do adolescente do programa só poderá ser efetivado após decisão judicial. Art. 3o Uma vez incluída a criança no programa, a instituição deverá remeter, a cada dois meses, um estudo psicossocial a este Juízo, ainda que a inclusão tenha sido efetivada pelo Conselho Tutelar. Art. 4o Uma vez apresentado o estudo, independentemente de despacho judicial, deverá ele ser juntado aos autos e aberta vista ao Ministério Público para o seu parecer. Art. 5o Caso a criança ou adolescente tenha sido colocado em família acolhedora, o programa deverá requerer a expedição do termo de guarda, informando todos os dados necessários para a sua emissão. § 1o Para que seja resguardado o necessário sigilo e para que o programa surta os seus efeitos de forma tranquila e harmoniosa, o pedido será juntado aos autos (Pedidos de Guarda vinculados aos PFA(s)) e expedidos os termos de guarda, por tempo indeterminado, condicionando-se expressamente, a validade do termo à manutenção do casal ou da pessoa ao programa de família acolhedora. § 2o Caso haja desligamento do (s) guardião (ões) do programa, a comunicação de tal fato a esse Juízo deverá ser feita no prazo máximo de 24 horas, para fins de revogação da guarda. Art. 6o Até que seja expedido o termo de guarda já referido, aplicam-se aos dirigentes do programa o disposto do art. 92, parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente. 432 Art. 7o Diante do que dispõe o art. 92, inciso II, o Estatuto da criança e do Adolescente, no caso de crianças de até 05 (cinco) anos de idade – na data de sua inclusão, deverão ser apresentados estudos conclusivos pelo programa para tentativa de retorno ao lar de origem, no prazo máximo de 08 (oito) meses a contar da data de sua inclusão. E, no caso de crianças acima dessa faixa etária e de adolescentes, o prazo será de 15 (quinze) meses, para permanência junto à família acolhedora. Material Complementar da Obra § 1o Estes prazos, à obviedade, não são peremptórios, mas servirão de parâmetros para os trabalhos da equipe técnica do programa e para adoção das medidas necessárias por este Juízo, de acordo com o disposto no art. 101, parágrafo único, do Estatuto da Criança e do Adolescente. § 2o Para adequado controle desses prazos, deverá a Serventia anotar na capa dos autos a data em que o menor veio a ser incluído no programa. Art. 8o Esta Portaria entrará em vigor na data de sua publicação revogadas as disposições em contrário. Registre-se e cumpra-se, remetendo-se cópias à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, aos representantes do Ministério Público que atuam nessa vara e ao setor técnico da vara. Notifiquem-se, via mandado instruído com cópia da presente, o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Tutelar e o PFAs, para o devido cumprimento. Afixe-se no átrio do Fórum, pelo prazo de trinta dias. Poços de Caldas, 15 de junho de 2007. SALUSTIO CAMPISTA JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE ANEXO: Modelo de Solicitação Responsabilidade de Termo de Guarda e Solicitação de Termo de Guarda e Responsabilidade Eu, ____________________________________________________ RG no ________________________ data de expedição ___/___/___ nascido em ___/___/___ e sra ______________________________ _____________________________ RG no ____________________ data de expedição ___/___/___ nascida em ___/___/___ residentes à Rua __________________________________________ Bairro ______________________ Cidade _____________________ Estado _____ – CEP _________ – _____ Telefone _________________ apresentando os inclusos documentos, dirigem-se à Va Excia para requererem o Termo de Guarda e Responsabilidade sobre ______________________________________________________________ 433 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente nascido em ___/___/___ Cidade ______________________ Estado SP, filho de _________________________________________________ Excelentíssimo Senhor Doutor SALUSTIO CAMPISTA Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude Comarca de Poços de Caldas/MG O formulário é encaminhado pela equipe do PFA junto com um ofício. 434 Material Complementar da Obra Referência: Capítulo 22 – O ECA e a Lei n o 12.010/2009 7. CONCEITO DE FAMÍLIA AMPLA PELA JURISPRUDÊNCIA/ DOUTRINA E A DIFERENÇA DO CONCEITO DE FAMÍLIA AMPLA (OU EXTENSA) PARA O ECA Notícia Investigante só após completar mais de 50 anos de idade vem a descobrir sua verdade biológica Peculiar questão levada a julgamento pela 3a Turma do STJ, em sessão realizada no último dia 17, concedeu à investigante – que já tem 56 anos de idade – o direito de ter declarada a sua verdade biológica. Nascida em 1950, fruto de relacionamento havido entre filho de tradicional família e a empregada doméstica da casa, foi a investigante entregue para ser criada por outro casal, para evitar boatos ou notícias a respeito do ocorrido. Obrigada a se afastar da família para a qual trabalhava, a mãe biológica não teve outra opção, senão entregar o bebê para o casal que a acolheu e a registrou como se filha fosse. Dessa forma, para que não ficasse manchada a imagem de “bom moço” do pai biológico, houve um arranjo, ao ser a investigante enviada ao casal que então a registrou. A agora investigante só teve acesso à sua real história, quando já contava com 50 anos de idade, ocasião em que pediu na Justiça a declaração de sua maternidade e paternidade biológicas. O exame de DNA foi realizado com resultado conclusivo de paternidade. Quanto à maternidade, por ser a mãe biológica falecida, haveria necessidade de colheita de material de outros parentes da investigada, o que não foi possível. Contudo, pela prova produzida no processo, ficou o juiz convencido para declarar ambos os investigados pai e mãe biológicos da investigante. No entanto, o Tribunal Estadual reformou a sentença para negar o pedido da investigante, por entender que ao registrarem-na como filha, os pais registrais fizeram uma “adoção à brasileira”, e que assim, tornaram-se pais socioafetivos da investigante, devendo a verdade socioafetiva prevalecer sobre a verdade genética. 435 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente O recurso especial foi ao STJ. A Ministra Nancy Andrighi, relatora, explanou, em seu voto, que a “adoção à brasileira” está inserida no contexto da filiação socioafetiva, compreendida como uma relação jurídica de afeto, nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai/mãe-filho, caracterizada, assim, pelo reconhecimento voluntário da maternidade/ paternidade. Ressaltou ainda que a “adoção à brasileira” é marcada pela falsidade ideológica do registro público de nascimento, pois, mesmo cientes da inexistência de vínculo biológico, os “pais adotivos” registram a criança como se filha fosse, fugindo, assim, das exigências legais do procedimento de adoção, que deve ser submetido ao Poder Judiciário, com vistas à proteção da criança a ser adotada. No processo julgado, a Turma avaliou como “de maior gravidade, o desconhecimento da ´adotada´ de que sua filiação era meramente socioafetiva”. Assinalou a relatora que “o reconhecimento do estado de filiação é um direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, contra os pais biológicos ou, se já falecidos, contra seus herdeiros”. Por fim, considerou a relatora que “a investigante não pode ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos, tampouco pela omissão daqueles que a registraram, pois pensamento em sentido contrário seria corroborar o ilícito praticado tanto por estes, como pelos pais que a conceberam e não quiseram ou não puderam dar-lhe o alento e o amparo decorrentes dos laços de sangue conjugados aos de afeto”. A conclusão do julgado é de que embora tenha sido a investigante acolhida em lar “adotivo“ e usufruído de uma relação socioafetiva, nada lhe retira o direito de ter acesso à sua verdade biológica que lhe foi ocultada, desde o nascimento até a idade madura. Presente a falta de concordância com a situação enganosa em que foi inserida, portanto, prevalecerá o direito ao reconhecimento do vínculo biológico. A decisão foi unânime. O acórdão ainda não está disponível. O processo tramita em segredo de justiça. 436 Material Complementar da Obra Para entender o caso 1. Em outubro de 1999, M.G.A. ajuizou ação de paternidade e maternidade em face de N.O.F. e da herdeira de M.V. Segundo ela, N.O.F., de tradicional família interiorana no Rio Grande do Sul, teve um caso com M.V., que trabalhava para os pais dele. Desse relacionamento, ela nasceu. 2. Em julho de 2003, foi feito o exame de DNA. O exame mostrou um índice de 99,97% de probabilidade de N.O.F. ser pai biológico de M.G.A. e de 68% de probabilidade de M.V. ser sua mãe biológica. Porém o laboratório responsável pela perícia genética explicou que deveria ser colhido material de outros parentes de M.V. para obtenção de resultados mais precisos quanto à maternidade. Para o laboratório, o material foi colhido da suposta irmã, E.V.K., que o é apenas por parte de mãe, ou seja, não compartilham o mesmo pai. 3. Em depoimento prestado, E.V.K. afirmou que M.G.A. era sua irmã. De acordo com ela, sua mãe não tinha condições de criar a criança na época e, por isso, entregou-a para o casal criá-la. Em setembro do mesmo ano, N.O.F. faleceu. Ele foi substituído processualmente pelo seu herdeiro. 4. Em primeira instância, o pedido foi julgado procedente para declarar N.O.F. e M.V., respectivamente, pai e mãe biológicos de M.G.A. O herdeiro de N.O.F apelou da sentença. 5. O TJRS proveu a apelação ao entendimento de que, ao registrar a criança, o casal fez uma “adoção à brasileira”. (Disponível em: www.espacovital.com.br. Acesso em: 24 maio 2007) Portanto, qual conceito de paternidade ou maternidade deve prevalecer? Qualquer um deles, desde que fundado em “laços de afetividade” ou “boa-fé ”. O Judiciário, no caso concreto, deve analisar toda esta nova “engenharia jurídica ”. Sobre o tema colacionamos importante decisão do TJMG no sentido de indenização de ex-esposa ao marido por traição: Mulher é condenada a indenizar ex-marido por traí-lo. Casamento pressupõe deveres de lealdade, respeito e fidelidade. E, se algum desses compromissos for rompido ou pelo marido, ou pela mulher, a dor moral pode ser reclamada na Justiça e compensada financeiramente. 437 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente A teoria é da 13a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Os desembargadores confirmaram a decisão da primeira instância que condenou uma mulher a indenizar seu ex-marido em R$ 15 mil, por danos morais, porque ele descobriu, depois da separação do casal, que não era o pai biológico da filha que nasceu durante o casamento. Cabe recurso. O ex-marido alegou que, depois de homologada a separação judicial, foi alertado por vizinhos e pessoas de seu convívio social, inclusive colegas de trabalho, de que havia dúvidas quanto à paternidade de sua filha caçula, nascida durante seu casamento com a mulher. O homem pediu exame de DNA e a dúvida foi desfeita: ele não era o pai da criança. O ex-pai, um comerciante de Belo Horizonte, entrou, então, com ação de indenização contra a ex-mulher para reparar os danos psíquicos que alega ter sofrido. Sustenta que ela omitiu deliberadamente quem era o verdadeiro pai da criança, o que abalou sua honra e dignidade. Em sua defesa a mulher alegou que só soube que seu marido não era o pai da criança quando tomou conhecimento do resultado do exame de DNA. Acusou também o ex-marido de ter um comportamento agressivo e libertino, e da prática de atos sexuais excêntricos e relacionamentos homossexuais. O juiz Matheus Chaves Jardim, da 19a Vara Cível de Belo Horizonte, acatou o pedido do homem e fixou a indenização por danos morais em R$ 15 mil, considerando a frustração e melancolia que o ex-marido passou ao ser subtraído, repentinamente, de sua condição de pai, “calando-lhe profundamente ao espírito a constatação tardia de não lhe pertencer a criança”. O Tribunal de Justiça mineiro manteve a sentença. O relator do recurso, desembargador Francisco Kupidlowski, ressaltou que “o casamento faz nascer entre os cônjuges direitos e deveres recíprocos, destacando-se entre eles os deveres de lealdade, respeito e fidelidade”. Acompanharam o relator os desembargadores Adilson Lamounier e Cláudia Maia. (Fonte: TJ-MG) 438 Material Complementar da Obra CONCLUSÕES NOTA FINAL 1. Projetos em Andamento: Recomendo ao(a) amigo(a) leitor(a) o acompanhamento dos seguintes projetos de lei (ECA) ou projetos sociais (vide abaixo), agradecendo pela fidelidade na aquisição desta 2a edição. Fiquem com Deus, Forte abraço do autor, Thales Tácito Cerqueira Tudo posso Naquele que me fortalece... Projetos Sociais do CNJ O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Gilmar Mendes, lançou o programa “Nossas Crianças”, um conjunto de cinco projetos voltados para a cidadania de crianças e adolescentes, incluindo temas como adoção, certidão de nascimento, prostituição infantil, reinserção de menores em conflito com a lei e sequestro internacional. O evento aconteceu no Conjunto Cultural da República, e contou com a presença do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Nívio Gonçalves, além do vocalista da banda Jota Quest, Rogério Flausino, um dos “padrinhos” do projeto. Na solenidade, o presidente do Conselho assinou protocolo de intenções com o governador Arruda e com o desembargador Nívio Gonçalves para dar início ao programa. O GDF ficou responsável por ceder o prédio do antigo Touring Club, perto da Rodoviária de Brasília, para a instalação de um grupo de trabalho formado por funcionários do CNJ, TJDFT e GDF, que coordenarão os projetos voltados a crianças e adolescentes. Seleção brasileira A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) também fez parte do esforço do Conselho em prol da juventude brasileira. “Ninguém vai se furtar a dar sua contribuição nessas campanhas de suprema importância”, disse o 439 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente presidente da entidade, Ricardo Teixeira, quando esteve com o Ministro Gilmar Mendes, no final de setembro, acompanhado pelo secretário-geral da Fifa, o francês Jerome Valcke, e declarou apoio à iniciativa do CNJ. No jogo contra a Venezuela, válido pelas eliminatórias para a Copa do Mundo da África do Sul em 2010, a seleção brasileira de futebol entrou em campo exibindo uma faixa sobre o programa. O jogo aconteceu em San Cristóbal, na casa do adversário. Institucional O CNJ lançou ainda campanha institucional do programa, veiculada na TV e na Rádio Justiça e em hot site (www.cnj.jus.br/nossascriancas). Projetos O Conselho Nacional de Justiça disponibilizou link em sua página eletrônica (www.cnj.jus.br) para o Cadastro Nacional de Adoção, por meio do qual os juízes devem inserir dados de crianças aptas para a adoção e dos pretendentes a pais e mães de todo o País. O cadastro permite, entre outros avanços, adoções em Estados diferentes. Antes, a escolha ficava restrita ao local de moradia do pretendente, o que reduzia as chances das crianças serem acolhidas por uma família. Campanha pelo Registro Civil Enquanto a criança não é registrada, ela não é cidadã, não tem acesso à escola, aos projetos sociais e a nenhum outro programa da rede pública. Este é o problema que o CNJ pretende enfrentar com a Campanha pelo Registro Civil. Estima-se que entre 12% e 13% das crianças nascidas em hospitais não são registradas. Esse índice sobe para 28% na Região Norte. O CNJ mobilizou, por meio de mutirões, os juízes e a sociedade para garantir a certidão de nascimento a todas as crianças e também aos adultos que não possuem o documento. O Conselho determinou ainda que os tribunais assegurem a fiscalização da gratuidade dos registros. Campanha de Combate à Prostituição Infantil A situação de crianças exploradas sexualmente nos grandes centros urbanos e às margens das rodovias é o foco da Campanha de Combate à Prostituição Infantil. A realidade dessas crianças estarrece a todos. O CNJ vai apoiar os tribunais de justiça e os juízes das varas de Infância e Justiça de todo o País no combate à prostituição infantil. 440 Material Complementar da Obra NOTA Cumpre registrar os comentários sobre a nova Lei no 11.829/2008 (combate à pedofilia). A reinserção do menor em conflito com a lei visa à recuperação e ressocialização dos menores que cometeram crimes. A intenção é apoiar as instituições responsáveis, para que elas possam realmente cumprir o seu papel. O CNJ apoia e difunde para todo o Brasil programas e iniciativas voltadas para garantir que esses menores possam receber uma educação adequada, ser profissionalizados e contar com todo o apoio material, psicológico e social. Campanha de Combate ao Sequestro Internacional A Campanha de Combate ao Sequestro Internacional foi criada por juízes de países de todos os continentes para agilizar soluções em relação a crianças levadas indevidamente ao exterior, o chamado sequestro internacional, situação que ocorre especialmente com filhos de pais de nacionalidades diferentes. Ao se inserir nesta campanha, o Judiciário brasileiro poderá adotar medidas para coibir esse tipo de situação. 2. Projetos do CNMP No dia 15 de setembro de 2009, a Conselheira Taís Ferraz apresentou no Conselho Nacional do Ministério Público Acordo de Cooperação Técnica no 082/09, entre o CNJ e o CNMP para imprimir efetividade aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, como meio de minimizar indicadores negativos que registram a existência de uma realidade de desrespeito à dignidade das crianças e dos adolescentes. Tem, ainda, como objeto a execução coordenada de ações, em regime de mutirão, destinadas a conferir agilidade na análise de processos de adolescentes em conflito com a lei, em cumprimento de medidas socioeducativas e em internação provisória. Para a consecução do objeto, os partícipes comprometem-se, conjuntamente, a realizar mutirões nas Varas com competência para julgamento de atos infracionais e Promotorias de Infância e Juventude de todo o país; promover inspeções nas unidades de internação e abrigos, bem como compilação de dados para futura elaboração e execução de políticas e ações atinentes à competência do MP e do Poder Judiciário; intercambiar experiências; trocar outras 441 Thales Tácito Cerqueira Manual do Estatuto da Criança e do Adolescente informações, documentos e apoio técnico-institucional; utilização dos dados e informações exclusivamente nas atividades judiciais e institucionais, entre outras. O Acordo foi aprovado por unanimidade Da mesma forma, o Conselho Nacional do Ministério Público aprovou, no dia 15 de setembro de 2009, a Proposta de Resolução conjunta CNJ/ CNMP, apresentada pela Conselheira Taís Ferraz, para institucionalizar mecanismo de revisão periódica das prisões provisórias e definitivas, das medidas de segurança e das internações de adolescentes. A Resolução conjunta prevê que as unidades do Poder Judiciário e do Ministério Público com competência criminal e de execução penal, implantarão mecanismos que permitam, com periodicidade mínima anual, a revisão da legalidade da manutenção das prisões provisórias e definitivas, das medidas de segurança e das internações de adolescentes em conflito com a lei. A Resolução, entretanto, não prejudica a atuação integrada entre os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público e os Tribunais e Procuradorias do Ministério Público, na coordenação de mutirões carcerários e de medidas socioeducativas. A proposta foi aprovada, por unanimidade, pelos conselheiros. 3. PLS 09/02: reserva de cotas em creches para portadores de necessidades especiais De autoria da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), que acrescenta artigo ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei no 8.069/90) para estabelecer a reserva de, no mínimo, 10% das vagas existentes em todas as creches ou entidades equivalentes e préescolas para crianças com deficiência, que deverão ser atendidas por profissionais habilitados. O projeto acrescenta o art. 54-A ao ECA, com objetivo de garantir, desde o início da vida, a inserção social das crianças com deficiência, a fim de combater o preconceito e a discriminação. 442