Material CoMpleMentar da obra

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Material CoMpleMentar da obra
M at e r i a l C o m p l e m e n ta r
da
Obra
Referência: Capítulo 1 – Conceitos
4. MENOR ADULTO OU “JOVEM-ADULTO”
Vejamos a polêmica:
PGJ rebate interferência de Ministério Público Federal
em assunto relacionado à FEBEM
O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho,
manifestou-se contrário à interferência do Procurador
Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Sergio
Suiama, na transferência de jovens-adultos da FEBEM para a
penitenciária de Tupi Paulista (663 km da capital).
Em documento enviado ao Procurador-Geral da República,
Cláudio Fonteles, Rodrigo Pinho manifesta preocupação pela
atitude de Suiama e solicita iniciativas que coíbam invasões à
esfera de atribuições do Ministério Público paulista.
Em recomendação datada de 5 de abril, Suiama, membro
do Ministério Público Federal, sugeriu a suspensão da
transferência dos jovens infratores. O assunto virou tema de
reportagem dos principais jornais de São Paulo, entre eles
a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo (edição de 06/04).
A transferência, solicitada pelo presidente da FEBEM,
Alexandre de Moraes, que acumula o cargo de secretário
estadual da Justiça, foi determinada pela Corregedoria Geral
de Justiça do Estado de São Paulo.
Segundo Pinho, assuntos referentes à área da Infância e
Juventude são confiados à Justiça dos Estados e do Distrito
Federal, conforme disposição dos arts. 145 e 146 do Estatuto
da Criança e do Adolescente. “É uma ingerência indevida
do Ministério Público Federal na esfera de atribuições do
Ministério Público paulista”, enfatiza.
“A transferência foi somente dos jovens-adultos, pessoas com
idade entre 18 e 21 anos internados por atos infracionais
cometidos durante a menoridade”, afirma Pinho.
“A atuação do Ministério Público Federal na defesa dos direitos
constitucionais do cidadão restringe-se aos entes federais”,
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
concluindo Rodrigo Pinho que “a irrefletida iniciativa do
Procurador da República arranha o princípio federativo e
compromete a própria unidade da função ministerial”.
Íntegra do documento
São Paulo, 6 de abril de 2005.
Senhor Procurador-Geral da República,
Aproveitando o ensejo para cumprimentá-lo, tenho a honra de
vir à presença de Vossa Excelência para manifestar, em nome
do Ministério Público do Estado de São Paulo, preocupação
com a expedição da Recomendação MPF/SP no 13, de 05 de
abril de 2005, baixada pelo Procurador Regional dos Direitos
do Cidadão no Estado de São Paulo em razão de procedimento
administrativo cujo objeto é a apuração de violação de direitos
fundamentais de adolescentes, ilegalmente transferidos para
a Penitenciária de Tupi Paulista e tendo por conteúdo uma
série de providências a cargo da Fundação Estadual do BemEstar do Menor, inquietação arrimada nos motivos a seguir
resumidamente expostos.
Como é de conhecimento público, a FEBEM de São Paulo
atravessa séria crise, revelada por constantes fugas,
rebeliões, prática de tortura e violência interna, o que acabou
determinando medidas do Poder Executivo visando controlar
as unidades de internação de adolescentes infratores.
Entre as providências entendidas como necessárias resolveu
a FEBEM, por intermédio de seu Presidente, autoridade
que acumula o cargo de Secretário Estadual de Justiça,
requerer à Egrégia Corregedoria Geral de Justiça do Estado
de São Paulo autorização para a transferência de jovensadultos, pessoas entre 18 e 21 anos de idade internados
por atos infracionais cometidos durante a menoridade,
para estabelecimento recém-inaugurado na cidade de Tupi
Paulista e que originariamente foi construído para integrar o
sistema prisional (anexo 1).
Instado a se manifestar, o Ministério Público Paulista
exarou manifestação no sentido do acolhimento do pedido,
considerando a gravidade e excepcionalidade da situação,
reclamando uma série de medidas no sentido de amenizar
eventuais reflexos da transferência (anexo 2).
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O pedido foi fundamentada e condicionalmente deferido
(anexo 3), passando o Ministério Público do Estado de São
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Paulo, inclusive através do Promotor de Justiça de Tupi
Paulista, a fiscalizar o desenvolvimento da transferência dos
jovens, com acompanhamento direto pela Procuradoria Geral
(Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da
Infância e da Juventude) mediante procedimento específico.
Com surpresa tomou conhecimento na data de hoje, em razão de
matéria jornalística (anexo 4), da expedição da recomendação
acima mencionada, onde, pela sua leitura (anexo 05), constatase indevida ingerência do Ministério Público Federal na esfera
de atribuições do Ministério Público paulista, mormente
porque toda a questão relatada e pertinente à execução da
medida socioeducativa de internação também pertence à
esfera de competência da Justiça Estadual.
Convém anotar que a organização da Justiça da Infância e da
Juventude é tradicionalmente confiada à Justiça dos Estados
e do Distrito Federal, aliás, como expressamente indicada
nos arts. 145 e 146 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
inexistindo qualquer regra de competência, especialmente
de natureza constitucional, que atribua à União competência
para a matéria ora tratada.
Por outro lado, frisando que o autor da recomendação
tinha o informe de que a transferência estava autorizada
pela Egrégia Corregedoria Geral de Justiça do Estado de
São Paulo, de modo que até mesmo o objeto declarado
do injustificado procedimento instaurado (... ilegalmente
transferidos...) permite severa crítica, é de se anotar que os
dispositivos invocados pelo Procurador de República (arts.
5o, III, “e”, e 6o, XX, da Lei Complementar Federal no 75/93)
não autorizam nem longe a iniciativa adotada, mesmo porque
devem ser interpretados em consonância com o disposto nos
arts. 38 e seguintes da mencionada Lei, valendo lembrar,
transcrevendo, as referências do art. 37:
Art. 39. Cabe ao Ministério Público Federal exercer a defesa
dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar
de garantir-lhes o respeito:
I – pelos Poderes Públicos Federais;
II – pelos órgãos da administração pública federal direta ou
indireta;
III – pelos concessionários e permissionários de serviço
público federal;
IV – por entidades que exerçam outra função delegada da União.
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Se os jovens se encontram em estabelecimento estadual,
com autorização da Justiça Estadual, em procedimento onde
se colheu a manifestação do Ministério Público Estadual,
se inexistem dúvidas quanto a regras de competência e de
atribuição e se a atuação do Ministério Público Federal na
defesa dos direitos constitucionais do cidadão restringe-se
aos entes federais, a irrefletida iniciativa do Procurador da
República arranha o princípio federativo e compromete a
própria unidade da função ministerial.
Anote-se, ainda, que em respeito ao princípio federativo
o deslocamento de competência previsto no art. 109,
§ 5o, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda
Constitucional no 45, de 08 de dezembro de 2004, reclama
o devido processo legal e fundamentação adequada, com
iniciativa de Vossa Excelência e julgamento pelo Excelso
Superior Tribunal de Justiça, de modo que a providência
do Procurador Regional em São Paulo sequer atentou para
a necessidade de convivência harmônica e de colaboração
entre os Ministérios Públicos, atuando como se fosse agente
correcional.
Assim, manifesto imensa preocupação em relação ao episódio,
reclamando iniciativas que coíbam invasões à esfera de
atribuições do Ministério Público paulista.
Rodrigo César Rebello Pinho
Procurador-Geral de Justiça
A Sua Excelência o Senhor
Doutor Cláudio Lemos Fonteles,
DD. Procurador-Geral da República
Brasília-DF
Disponível em: http://www.mp.sp.gov.br/.
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Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 1 – Conceitos
5. ADULTO
O presidente da FEBEM, Alexandre de Moraes, defende a fixação
de um prazo para o cumprimento da internação – chamada de
medida socioeducativa – pelo adolescente infrator. Hoje, ao
entrar na instituição, o jovem não tem uma definição do prazo
em que permanecerá internado. A legislação prevê um mínimo
de seis meses e um máximo de três anos.
A fixação de prazo não está prevista no ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente), mas poderia aliviar a situação nas
grandes unidades da FEBEM(Fundação Estadual do BemEstar do Menor) da Grande São Paulo com a soltura mais
rápida de parte dos menores, justamente nos locais que vêm
registrando rebeliões e fugas recordes neste ano.
No debate intitulado “A FEBEM tem solução?”, realizado
no auditório da Folha na última segunda, Moraes,
que também é secretário estadual da Justiça, criticou
o estatuto, que faz 15 anos em julho de 2005, no
tocante aos prazos de internação dos jovens infratores.
“Eles [os prazos] são idênticos, mesmo que um interno
não ofereça riscos e outro ofereça. Deveria haver um prazo
máximo para cada um de acordo com sua infração e seu
potencial de periculosidade. Assim, o interno saberia quanto
tempo ele ficaria na instituição”, propôs.
Controvérsia
A sugestão não obteve consenso entre os debatedores. O padre
Júlio Lancelotti, da Pastoral do Menor da Arquidiocese de São
Paulo, por exemplo, acredita que a adolescência é uma “condição
peculiar de desenvolvimento“ e que a fixação do prazo para
cumprimento da pena igualaria os jovens aos adultos presos.
“A medida socioeducativa é para trabalhar a pessoa, e não
o ato infracional. Caso contrário vamos reforçar nos jovens
a mentalidade penitenciária. E isso nós não queremos“, diz
Lancelotti.
Já o advogado, Paulo José da Costa Júnior, professor titular de
Direito Penal da USP (Universidade de São Paulo), defendeu
a internação como último recurso do Estado. “A privação de
liberdade deve ser adotada apenas em casos extremos“, disse.
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Medida semelhante à proposta por Alexandre de Moraes
estava incluída no projeto que a gestão Geraldo Alckmin
(PSDB) encaminhou ao Congresso Nacional há cerca de dois
anos. O projeto ainda está parado em Brasília.
A lei
O art. 121 do ECA diz que a internação do adolescente
infrator está sujeita ao princípio da brevidade, mas que não
há prazo determinado. Institui que a manutenção do menor
em privação de liberdade deve ser reavaliada a cada seis
meses, no máximo, e fixa o período máximo de três anos para
internações contínuas.
Hoje, na prática, muitos menores já poderiam deixar as unidades
da FEBEM. Não o fazem porque o Estado e o Judiciário são lentos
e demoram no encaminhamento dos processos internos, dizem
entidades de direitos da criança e do adolescente.
Quando um menor é encaminhado para a FEBEM, o juiz fixa
um prazo mínimo (normalmente de seis meses), findo o qual a
instituição deveria emitir um relatório sobre suas atividades
e seu comportamento dentro da instituição. O magistrado
analisa o caso e decide se mantém a internação ou se coloca o
adolescente em liberdade ou semiliberdade.
A FEBEM nega atraso no envio dos relatórios. Afirma que
cumpre o prazo de seis meses, mas que a intenção do governo
é atingir a periodicidade de 90 dias.
Ariel de Castro Alves, coordenador estadual do Movimento
Nacional de Direitos Humanos, diz que a mudança proposta
pelo presidente da FEBEM é radical, pois altera a base do ECA.
“A medida socioeducativa tem um caráter diferente da pena
de prisão de um adulto. Tem uma finalidade prioritariamente
pedagógica, e não o caráter punitivo”, afirma Alves.
Ele concorda, no entanto, com a direção da FEBEMna
percepção de que a não fixação de um prazo de internação
gera descontentamento entre os internos. “É uma ansiedade
natural de não saber por quanto tempo ficará na instituição.
Mas o adolescente deve ser avaliado permanentemente e
só voltar ao convívio social quando for constatado que ele
mudou seu comportamento, independentemente de um
prazo fixo determinado por lei”, afirma.
(Fonte: Folha Online.)
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Referência: Capítulo 3 – Princípio da Proteção Integral da
Criança e do Adolescente
Sobre o histórico da doutrina da proteção integral, o excelente
magistrado de Minas Gerais, Exmo. Dr. Geraldo Claret de Arantes, faz um
excelente comentário em sua Obra (Estatuto da Criança e do Adolescente
– Manual do Operador Jurídico. Belo Horizonte: Editora ANAMAGES –
Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008). Assim:
As ideologias da revogada Escola Menorista e da nova Doutrina da Proteção Integral
O Estatuto da Criança e do Adolescente é um feixe de direitos das
crianças e adolescentes e deveres dos adolescentes, dos adultos,
das instituições e do Estado, regulando a Doutrina da Proteção
Integral, tutelada pela Organização das Nações Unidas, recepcionada em nossa legislação especialmente pelo art. 227 da
Constituição Federal e que veio a substituir a Doutrina da Situação Irregular, do revogado Código de Menores de 1927.
O código revogado, que deu suporte à chamada “escola menorista”, destinava-se a mendigos, abandonados, infratores,
andarilhos, e outras crianças e adolescentes, sempre denominados “menores”, que estivessem “em situação irregular”.
Era um código que se destinava apenas a uma parcela da população.
Reformado em 1979, o código manteve a mesma ideologia
excludente, agravada pela filosofia do “Instituto del Nino”,
ligado à Organização dos Estados Americanos, a OEA, que
por sua vez estava impregnado pela Doutrina da Segurança
Nacional, principal alicerce ideológico das ditaduras latinoamericanas daquele período, e que influenciou decisivamente a reforma de 1979.
No Brasil, sempre sob a égide de tais filosofias, a questão da
criança e do adolescente, na reforma de 1979, foi tratada sob
a ótica da segurança nacional e daí nasceram as FEBENS e
a FUNABEM, que tinham como eixo a política da centralização das decisões e das execuções, da segregação dos “menores em situação irregular”, do monopólio estatal no trato da
questão, e principalmente, dos “muros contendores”.
No plano jurisdicional, a doutrina da situação irregular refletia-se em toda a sua plenitude, dando ao então Juiz de Menores
a escolha do que “a seu prudente arbítrio” fosse o melhor para
o “menor”, ao arrepio do devido processo legal, o que incluía
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Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
até mesmo sua prisão dentro dos limites dos “muros contendores” até os vinte e um anos de idade, “para sua proteção”.
Enquanto isto, no restante do mundo os direitos da criança e
do adolescente estavam em franca evolução, sob a tutela da
Organização da Nações Unidas, a ONU, que produzia tratados e convenções como as Regras Mínimas das Nações Unidas
para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude
– Regras de Beijing –, as Diretrizes das Nações Unidas para
a Prevenção da Delinquência Juvenil – Diretrizes de Riad –,
as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade, a Convenção das Nações Unidas
sobre os Direitos das Crianças, dentre outras, que formam a
Doutrina da Proteção Integral, destinada a toda pessoa em
desenvolvimento, ou seja, de zero a dezoito anos de idade,
dando um salto ideológico de mais de dois mil anos, desde
o pater familias do direito romano, transformando a criança
e o adolescente de objeto a sujeito de direitos, alçando-os
à igualdade jurídica com os outros destinatários do direito.
A Doutrina da Proteção Integral não nos chegava em decorrência da barreira ideológica patrocinada pela OEA, em decorrência da doutrina da segurança nacional, pilar do regime
de exceção que então vigorava no continente.
Com a democratização do país a Doutrina da Proteção Integral
foi, ainda que tardiamente, recepcionada pela Constituição Federal, em seu art. 227, regulado pela Lei no 8.069/90, o Estatuto
da Criança e do Adolescente. Hoje, substitui-se o regime do “prudente arbítrio“ pelo Estado Democrático de Direito, sendo que a
Justiça da Infância e da Juventude dirige-se a todas as crianças e
adolescentes e suas relações com a comunidade, com a família,
com o Estado, com as coisas e com as pessoas, sempre através
do devido processo legal, com um olhar e práticas diferentes e
adaptadas, mas sempre no estrito limite da lei.
Exclui-se definitivamente o termo “menor”, pela carga discriminatória que contém, embora ainda subsistam manchetes
de jornal que estampem tal preconceito, ao noticiarem que
“menor furta criança”.
As pessoas em desenvolvimento que têm entre zero e doze
anos de idade são crianças, e as que têm entre doze e dezoito
anos de idade são adolescentes.
A partir da recepção da referida doutrina pela legislação brasileira, o foco do direito centra-se prioritariamente na criança e no adolescente, nas causas que os envolvem, e sob tal
prisma as ações devem ser decididas.
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Referência: Capítulo 3 – Princípio da Proteção Integral da
Criança e do Adolescente
Geraldo Claret de Arantes explica bem o papel da equipe muldisciplinar
e do Comissariado (Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do
Operador Jurídico. Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação
Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008). Assim:
Comissariado da Infância e da Juventude
Sucede, em substância, o antigo Comissário de Menores do
código revogado.
A autoridade judiciária da infância e da juventude deve contar com equipe de servidores públicos nomeados em quadro
de carreira específica do Comissariado da Infância e da Juventude, cuja previsão deve constar da previsão orçamentária do Poder Judiciário, como previsto nos arts. 150; 151 e
194 da Lei no 8.069/90.
O Comissário da Infância e da Juventude deve ter especial vocação para o encargo, que não dispensa grande sensibilidade,
capacidade de argumentação, conhecimento da lei, disponibilidade integral para o trabalho, discrição e dedicação à causa da Infância e da Juventude.
Entre suas atribuições está a de cumprir determinações judiciais como sindicâncias, mandados de busca e apreensão de
crianças e adolescentes em situação de risco, subsidiar eventuais operações policiais especiais que envolvam adolescentes em conflito com a lei ou em situação de risco, promover
internações hospitalares de urgência, transportar e custodiar
adolescentes nas instalações físicas judiciais, fiscalizar interna e externamente bares, restaurantes, clubes, teatros, estádios, bancas de jornais, danceterias, festas, bailes, boates,
desfiles etc., e, externamente, hotéis e motéis, que também
poderão ser fiscalizados internamente com os devidos mandados judiciais.
Na falta de servidores efetivos, que deverão ser requisitados
ao Tribunal de Justiça, o Juiz poderá, excepcionalmente, nomear para o encargo não remunerado, pessoas de reconhecida idoneidade, vocacionados para a militância social, nos
interesses das crianças e dos adolescentes.
O Magistrado deve cercar-se de cuidados nesta área, lembrando sempre que o Juiz de Direito não é autoridade policial
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da Criança e do Adolescente
e que devem ser evitados todos os tipos de abusos de autoridade pelos seus auxiliares, o que não acontecerá se forem
escolhidas pessoas comprometidas com a causa da Infância
e da Juventude, evitando-se aqueles que tenham outros objetivos que não a dedicação às normas de prevenção especial
preconizada pela Lei no 8.069/90.
Em Minas Gerais, o Comissariado da Infância e da Juventude
está regulado pela Instrução no 69/80, da Corregedoria de
Justiça de Minas Gerais, anterior à Constituição Federal e ao
Estatuto da Criança e do Adolescente.
Os documentos de identificação dos Comissários e a nomeação dos mesmos deverão ser providenciados na Corregedoria
de Justiça do respectivo Tribunal.
O Comissário da Infância e da Juventude deve lembrar-se de
que qualquer adolescente só pode ser apreendido em dois
casos, expressos: Flagrante de Ato Infracional ou Ordem Judicial, constituindo crime e infração administrativa a apreensão do adolescente fora das hipóteses previstas na Lei.
Equipe Multidisciplinar
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus arts. 150 e
151, prevê que o Tribunal de Justiça deverá incluir em seu
orçamento anual a contratação e manutenção, nos quadros
efetivos, de psicólogos e assistentes sociais, além de outros
profissionais úteis à abordagem multidisciplinar de crianças
e adolescentes em situação de risco ou em conflito com a lei.
Na falta de profissionais do quadro efetivo, que deverão ser
solicitados ao Tribunal de Justiça, o Juiz deverá manter, através de nomeações, contratações por tempo determinado, ou
convênios, profissionais destas áreas para o atendimento às
crianças e adolescentes, acompanhamento das medidas socioeducativas impostas e elaboração de estudos técnicos determinados pelo magistrado, quer nos atos infracionais, quer
nos procedimentos cíveis.
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A equipe multidisciplinar deverá manter-se conectada com
entidades governamentais ou não governamentais da comarca, assim como com profissionais que atendam adolescentes
em todas as áreas, visando à efetivação do art. 227 da Constituição Federal, na forma do art. 86 da Lei no 8.069/90 e quando necessário, relatar ao Juiz as necessidades do caso concreto, ou encaminhar a criança ou adolescente diretamente ao
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Defensor Público ou ao Promotor de Justiça, para que peticionem ao Juiz requerendo a efetivação de quaisquer direitos,
como internações hospitalares, consultas médicas, fornecimento de remédios e próteses, vagas escolares, tratamentos
psicológicos ou psiquiátricos, inserção em programas sociais,
tratamentos contra a toxicomania, abrigos e creches etc.
A equipe deverá tentar o atendimento extrajudicial, através
de convênios e contratos informais, recorrendo a mandados
judiciais quando frustradas tais tentativas.
É imperioso que a equipe mantenha rigoroso controle de
crianças abrigadas na comarca, supervisionando a promoção
social da família, através de programas sociais do Estado e do
Município, e de tratamentos psicológicos e contra o alcoolismo e drogadição, capacitando-a a receber de volta, em curto
prazo, a criança emergencialmente abrigada, ou orientando a
família a mantê-la em creches, onde a criança será atendida
durante o dia, retornando ao lar à noite e finais de semana.
Cabe ainda à equipe multidisciplinar manter cadastro de
pessoas da própria comarca e de outras, que desejam adotar ou manter sob guarda judicial crianças e adolescentes,
habilitando-as previamente para tal, através de sindicâncias
e estudos sociais, com a homologação judicial após o parecer
do Ministério Público.
Deve manter também rigoroso cadastro de crianças em condições de encaminhamento ao lar substituto, tendo sempre
em mente que a decisão quanto à elegibilidade ou não à adoção é privativa do Poder Judiciário, sendo vedada a decisão
por órgão não jurisdicional.
Assim, crianças em situação de abandono em abrigos ou submetidas a maus-tratos e abuso do poder familiar devem ser
objeto do devido processo legal para definição jurídica de sua
situação social.
Ambos os cadastros, de pessoas habilitadas para ajuizar a
adoção e de crianças aptas a serem adotadas devem ser informadas mensalmente à Comissão Estadual Judiciária de
Adoção – CEJA.
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Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
1. DIREITO À VIDA E À SAÚDE
A respeito do tema “promoção da educação alimentar e nutricional nas
escolas públicas e privadas do sistema estadual de ensino, o Congresso
Nacional estuda projeto neste sentido:
PL 127/07
Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara proíbe venda de alimentos calóricos nas escolas
A Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara aprovou, no dia 05/09, o Projeto de Lei no 127/07 (ver abaixo),
do deputado Lobbe Neto – PSDB/SP, que proíbe a venda e a
publicidade, nas escolas, de alimentos que causam obesidade. O objetivo é evitar o consumo de alimentos inadequados
pelos estudantes, à base de açúcar e gordura saturada. Entre
eles destacam-se os refrigerantes, salgadinhos e guloseimas.
O relator da matéria na comissão, deputado Saraiva Felipe –
PMDB/MG, que apresentou parecer pela aprovação, ressalta
que a medida tem grande mérito na prevenção de doenças na
população infanto-juvenil.
Além disso, o relator afirma que o sistema educacional exerce importante função na formação pessoal. “A participação da escola
também deve ser estendida à formação dos hábitos alimentares
dos estudantes, não só por meio dos ensinamentos ou campanhas
educativas na área alimentar, mas também pelo fornecimento exclusivo de alimentos saudáveis a seus alunos”, frisa.
Obesidade infanto-juvenil
Lobbe Neto destaca que o aumento da taxa de obesidade
infanto-juvenil tem provocado maior incidência de doenças
cardiovasculares, diabetes e hipertensão, além de cáries e
disfunções gastrointestinais. Segundo dados do Ministério da
Saúde, a obesidade infanto-juvenil aumentou 240% nas últimas décadas. Atualmente, 40% da população adulta convive
com excesso de peso.
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Na avaliação do parlamentar, uma das causas mais evidentes dessa situação é a mudança dos padrões alimentares e
de recreação da população jovem. “O consumo de guloseimas, refrigerantes, frituras e outros produtos calóricos não
nutritivos, preparados com conservantes, tem sido um fator
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determinante das doenças precoces e outras insuficiências
enfrentadas pela população infanto-juvenil”, diz.
Lobbe Neto acrescenta que muitas crianças e jovens deixaram de brincar e praticar esportes nas ruas e locais públicos,
em razão da falta de segurança. “A escola não pode se isentar
de responsabilidade. Pelo menos durante o tempo em que estão na escola, nossas crianças e jovens devem estar livres da
pressão e tentação de consumo de produtos inadequados ao
seu desenvolvimento saudável”, afirma.
Tramitação
O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será encaminhado às comissões de Educação e Cultura; e de Constituição
e Justiça e de Cidadania.
• Confira, abaixo, a íntegra da proposta.
Projeto de lei no, de 2007 (de autoria do Sr. Lobbe Neto)
Dispõe sobre a substituição de alimentos não saudáveis, nas escolas
de educação infantil e do ensino fundamental, público e privado.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1o Os estabelecimentos de educação infantil e de
ensino fundamental, públicos e privados, ficam obrigados
a substituir os alimentos não saudáveis por alimentos
saudáveis, de acordo com os critérios definidos pelas
autoridades sanitárias, em suas dependências para fins de
comercialização, inclusive não podendo oferecer a qualquer
pretexto ou fazer propagandas.
Art. 2o Os estabelecimentos infratores estarão sujeitos às
penas previstas na Lei no 6.437, de 20 de agosto de 1977, sem
prejuízo de outras sanções cabíveis.
Art. 3o Esta lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após
sua publicação.
Justificação
É de amplo conhecimento da população e dos especialistas o
significativo aumento da taxa de obesidade infanto-juvenil,
com consequente incidência de doenças como diabetes e hipertensão, outrora típicas de idades mais avançadas; e aumento da ocorrência de cáries e disfunções do aparelho gastrointestinal.
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Uma das causas mais evidentes desta indesejável situação é a
mudança dos padrões alimentares e de recreação da população jovem. O consumo de guloseimas, refrigerantes, frituras
e outros produtos calóricos não nutritivos, preparados com
conservantes, tem sido um fator determinante responsável
pelas doenças precoces e outras insuficiências enfrentadas
pela população infanto-juvenil. Além disso, por causa da insegurança e por falta de alternativas, muitas crianças e jovens
deixaram de brincar e praticar esportes nas ruas e locais públicos, também com graves consequências para a sua saúde.
Diante deste quadro, a escola não pode se eximir e se isentar de responsabilidade. Pelo menos durante o tempo em que
estão na escola, nossas crianças e jovens devem estar livres
da pressão e tentação de consumo de produtos inadequados ao seu desenvolvimento saudável. O que precisa é serem
motivados e conscientizados a consumirem produtos mais
saudáveis. A alimentação equilibrada e balanceada é um dos
fatores fundamentais para o bom desenvolvimento físico, psíquico e social das crianças.
As redes de ensino e cada escola, como parte de sua missão
de formação geral do aluno, devem desenvolver atividades
para mobilização e conscientização dos alunos em favor de
sua saúde. Devem também estabelecer as normas para que
as cantinas escolares cumpram seu papel educativo e não sejam apenas estabelecimentos comerciais que se beneficiam
do monopólio que possuem de vender o que quiserem a uma
clientela passiva, inexperiente e sem alternativas.
O problema da obesidade infanto-juvenil é tão notório e suas
consequências tão alarmantes e desastrosas que a mídia nacional já fez diversas reportagens sobre o assunto, tais como:
Revista Escola (Ed. Abril, p. 55, maio/2004), Revista Isto É (no
1.765, de 30/07/2003, p. 57), Jornal Correio Braziliense (Brasília, 20/07/2003), Jornal da Paulista (UNIFESP/EPM, ano
16, set./2003).
Pelo exposto, conto com o inestimável apoio dos senhores
e senhoras Parlamentares para a aprovação desta proposta,
que é de baixo custo em sua implementação, mas de grande
relevância e impacto na qualidade de vida atual e futura da
população de nosso País.
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Cabe destacar que já existem muitas iniciativas de Estados e
Municípios nesta mesma direção, que têm recebido apoio das
comunidades. Este parlamentar, preocupado com o proble-
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ma, no exercício do mandato de Deputado Estadual junto à
ALESP – Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, apresentou o PL no 0471/2001. Uma norma federal estabelecendo
diretrizes terá o papel de reforçar todos aqueles que já estão
imbuídos deste objetivo e servirá de estímulo àqueles que
ainda não tiveram condições de empreender esta urgente
tarefa de zelar pelo desenvolvimento saudável da juventude.
Sala das Sessões, em de fevereiro de 2007.
Deputado Lobbe Neto
Disponível em: www.migalhas.com.br.
Sobre o tema “publicidade abusiva dirigida à criança”, um grande passo
foi dado em setembro de 2009:
Um grande passo para os direitos da criança
Isabella Henriques*
Os últimos dias foram muito especiais para a infância
brasileira. Depois de intenso debate, enfim, o setor
regulado, mais especificamente a Associação Brasileira
da Indústria Alimentícia – ABIA e a Associação Brasileira
de Anunciantes – ABA, representando 24 empresas da
indústria de alimentos, anunciou que passará a adotar
um código de conduta, comprometendo-se, dentre
outras restrições, a deixar de fazer publicidade dirigida
a crianças de até 12 anos de idade. Os pais passam a
ser o novo público-alvo.
Todas as empresas que aderiram a esse compromisso
merecem o mais alto grau de reconhecimento pela iniciativa.
A decisão de não mais anunciar produtos alimentícios ao
público menor de doze anos, ainda que com as exceções
previstas no documento, é sem dúvida um grande passo em
direção à garantia dos direitos das crianças.
É sabido que, até por volta dos 8 ou 10 anos, as
crianças sequer conseguem distinguir o que é anúncio
publicitário do que é conteúdo de entretenimento, seja
na televisão, nas rádios, na internet ou nas publicações
impressas. E, mesmo depois que já conseguem fazer
essa distinção, elas não entendem o caráter persuasivo
da publicidade até os 12 anos. Se a publicidade lhes diz
que precisam consumir determinado produto ou serviço
para serem mais felizes, saudáveis, estarem integradas
15
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
em seus grupos, elas simplesmente acreditam. A
partir daí, passam a sofrer até conseguirem consumir
os produtos e serviços anunciados. Pelo menos até o
próximo comercial.
Essas são algumas das razões que reforçam a importância
desse novo compromisso assumido no Brasil.
Principalmente porque, no caso específico dos alimentos,
o estímulo ao consumo provocado pela publicidade
dirigida ao público infantil é também um dos fatores
que contribui para o aumento dos índices de obesidade
e transtornos alimentares. Os dados do Ministério da
Saúde apontam que hoje, no Brasil, 15% das crianças já
sofrem de obesidade e 30% delas estão com sobrepeso.
A decisão das 24 empresas signatárias só vem
corroborar com a proposta da Consulta Pública 71, da
Agência de Vigilância Sanitária – Anvisa, cuja última
audiência pública aconteceu no dia 20 de agosto,
em Brasília. O que a Anvisa propõe é o cumprimento
das leis já em vigor no Brasil, no sentido de que seja
resguardada a infância brasileira, e com isso, dentre
outras regras, não mais sejam dirigidas publicidades
ao público infantil. É importante que, além dos
compromissos firmados por estas grandes companhias,
o Poder Público exerça o seu papel e cumpra a sua
responsabilidade de fazer valer as regras de proteção
às crianças de maneira geral.
A autorregulamentação do setor alimentício é muito
bem vinda e merece o reconhecimento incondicional
de toda a sociedade. Contudo, é imprescindível que
regras como as propostas sejam válidas para todas as
empresas do setor, independentemente de pactuarem
de forma voluntária com o código de conduta proposto.
Assim como é essencial que se crie sanções para
aquelas que descumprirem as regras. Não por outro
motivo, além da Consulta Pública 71, há dezenas de
projetos de lei apresentados no Congresso Nacional
e diversas ações judiciais tramitando nas Cortes
brasileiras sobre o tema da publicidade de alimentos.
Todos com o intuito de assegurar uma maior proteção
aos direitos e garantias das crianças.
16
Mas ainda que ajustes sejam necessários para
atingirmos o ideal, há que se prestigiar empresas
Material Complementar da Obra
que, tal como as signatárias desse compromisso,
reconhecem com esse ato a importância de honrar
a infância. É inegável que com essa iniciativa, todos
saem ganhando. Ganha a sociedade, ganha o mercado
e, principalmente, ganham as nossas crianças.
_________________
*Autora do livro Publicidade abusiva dirigida à criança
(Editora Juruá), e coordenadora geral do Projeto
Criança e Consumo, do Instituto Alana.
17
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.1.1. Características da guarda
Em parecer ministerial de ação ordinária de pensão por morte,
manifestei pela acolhida, excepcional, da pensão por morte para guarda de
neto, o que foi acolhido pelo magistrado, estando em grau de recurso no
Tribunal Regional Federal da 1a Região (art. 109, § 3o, da CF/88).
Comarca de Cláudio/MG – Secretaria da Única Vara
Termo de audiência
Processo no: 0166 03 001673-6
Natureza: Ordinária
Requerente(s): “A” – criança, representada por sua genitora
Requerido(a)(s): INSS – Instituto Nacional de Seguro Social
Advogado(a)(s): Raimundo Fernandes Campos/ Janaína de
Fátima Assis Campos/ Elenir F. de Oliveira Vilela (Procuradora do INSS)
Aos 9 de agosto de 2004, às 13 horas, nesta cidade de Cláudio,
Estado de Minas Gerais, no Fórum José Apolinário, situado à
Praça dos Ex-Combatentes, no 380, onde se achava o Exmo. Sr.
Dr. Francisco de Assis Corrêa, MM. Juiz de Direito Titular da
Única Vara desta Comarca, comigo Escrevente Judicial I, ao
seu cargo, e, sendo aí, pelo MM. Juiz foi determinado que se
procedesse com as formalidades legais, e apregoasse as partes da presente ação. Apregoadas, as partes, compareceram o
requerente acompanhado de sua representante legal e procuradores, bem como a procuradora do requerido, presente o
Ilustre Representante do Ministério Público Dr. Thales Tácito
Pontes Luz de Pádua Cerqueira.
18
Aberta a audiência, procedeu-se ao depoimento pessoal da
genitora do requerente, bem como oitiva de três testemunhas, conforme termos em apartado. Encerrada a instrução,
passaram as partes às Alegações Finais, assim se manifestando a parte autora: da situação fática depreende-se que havia
uma guarda de fato sobre o requerente de onde emerge o direito do neto de ser equiparado à condição de filho inclusive
para fins previdenciários conforme pressupõe o art. 33 da Lei
no 8.069/90 em seu parágrafo terceiro. Portanto, em razão
da filiação socioafetiva e dos laços que o avô nutria por seu
neto além do fato de que esse vivia em sua companhia e responsabilidade e ainda que não havia sido formalizada a guar-
Material Complementar da Obra
da judicial havia a guarda de fato, fato este público notório
desde o ano de 1994. Do exposto, o neto requerente deve ser
tido como filho porque a guarda deferida judicialmente em
vida do Sr. Aureliano não tem outro fim senão o de regularizar a posse de fato sobre o menor. Saliento também, que não
obstante o advento da Lei no 9.032/95 que exclui o neto da
cadeia dos benefícios do regime geral de previdência social
sendo o requerente neto como é o caso do autor e em face dos
laços materiais e de ordem socioafetiva a de ser equiparado
à condição de filho para fins previdenciários. Dos documentos de fls. 14 a 16 dos autos devidamente autenticados em
cartório constava que o requerente vivia em companhia do
Sr. Aureliano e sob a sua dependência econômica. Finalizando, somando o caráter elementar da pensão por morte com a
condição de dependente equiparado ao status de filho do falecido Aureliano deve ser acolhida a pretensão aduzida, pois
negar a assistência previdenciária ao menor protegido pela
guarda ainda que fática traduz medida que afronta o art. 227,
§ 3o, II da Constituição Federal.
Para esclarecer, não é condição necessária, segundo entendimento do STJ, o prévio ingresso na via administrativa junto
ao INSS quando se pleiteia a concessão de benefício previdenciário, recurso especial no 97147252/Santa Catarina.
Por seu turno, a procuradora do requerido assim se manifestou: o requerido em Alegações Finais se reporta aos termos
de sua contestação requerendo o julgamento pela improcedência do pedido com a anterior apreciação da preliminar de
carência da ação.
Por fim, o Ministério Público assim se manifestou: MM. Juiz,
trata-se de Ação Ordinária movida contra a Autarquia Federal (INSS), por pensão por morte, referente ao falecimento do
Sr. Aureliano Lara dos Santos, em 7 de fevereiro de 2001, sendo que o adolescente, representado por sua mãe, alega que
estava sob a guarda de fato do falecido, fazendo jus, portanto,
ao benefício. Em excelente peça processual, a culta procuradora do INSS nas fls. 34 e seguintes sustenta uma preliminar,
qual seja, ausência de interesse de agir em face do INSS sequer ter sido procurado administrativamente. Em relação a
falta de interesse de agir, também não procede a alegação, na
medida em que a Constituição Federal só exige o exaurimento da via administrativa na Justiça Desportiva, face o princípio da inafastabilidade da jurisdição. Assim, passo a analisar
19
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
o mérito. Trata-se de delegação de competência prevista no
art. 109, § 3o, da CF/88, quando a comarca não possuir Vara
Federal. A questão, altamente complexa esbarra na excelente
peça processual da culta procuradora. Isto porque, conforme
a Dra. Elenir sustenta nas fls. 36, há um direito intertemporal oriundo da Lei no 9.528/97, convertida com a anterior
Medida Provisória no 1.523/96, que alterou o art. 16, § 2o da
Lei no 8.213/91. Este artigo cuida das pessoas consideradas
beneficiárias do RGPS. Com o advento da citada Lei, ficou excluído “o menor que, por determinação judicial, esteja sob a
sua guarda” do rol alhures mencionado. Com isto, restava indagar como que uma Lei Civil se comporta na antinomia? A
resposta é dada pela Constituição, que menciona que lei civil
de regra retroage, salvo direito adquirido, coisa julgada e ato
jurídico perfeito. Mas mesmo assim, não há como alegar direito adquirido, pois conforme muito bem mencionou a Dra.
Elenir em sua peça, este somente se consagraria com a morte
do segurado, na medida em que se o benefício é pensão por
morte, aplica-se o princípio do tempus regit actus, ou seja, se
o óbito do segurado sobreveio à vigência da Medida Provisória convertida na Lei no 9.528/97, não faz jus ao benefício o
requerente da presente ação conforme o STJ se manifestou
no Recurso Especial 438.844, Rio Grande do Sul, relator Félix
Fisher.
Para piorar a situação, em que pese não haver falta de interesse de agir por não ter procurado o INSS, uma situação se
detecta nos autos, existe declaração do segurado, quando em
vida sobre a dependência do neto, porém, não há qualquer
prova de que esta tenha sido entregue à Autarquia. Como se
a situação não bastasse por si só para gerar a improcedência,
o menor também não estava sob a guarda de direito do segurado, apenas de fato. Pergunta-se então: o direito se exaure
apenas nesse conjunto de provas completamente adversos ao
requerente? Talvez esteja aí a beleza do direito em demonstrar que o legislador não pode prever todas as hipóteses
possíveis na própria lei, pois como diria o grande constitucionalista Pinto Ferreira, “o legislador é mais a testemunha
que certifica, do que o obreiro que faz a Lei”, com isso, meu
parecer é pela negativa de vigência à Lei Federal, porquanto a mesma padece da inconstitucionalidade progressiva no
tempo. Explico. Qualquer legislação no País deve atender aos
princípios político-constitucionais do art. 1o ao 4o da Consti-
20
Material Complementar da Obra
tuição, entre eles, o da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal, no art. 227, determina a proteção da criança
e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, livres
de qualquer discriminação ou risco social. É bem verdade
que não se aplica o art. 33, § 3o, do ECA, porquanto esta é
norma de cunho genérico, afastada pelo RGPS, que possui leis
específicas, conforme posição do STJ no Recurso Especial no
497.081, Relatora Ministra Laurita Vaz. Entretanto, enquanto o Estado proíbe que menores de 16 anos trabalhem, sem
contudo efetivar na prática medidas que amenizem o trabalho e compensem o estudo; enquanto o Estado é responsável, pela segurança pública da qual sequer consegue proteger
seus próprios membros; enquanto o Estado, transfere para a
iniciativa privada institutos como a adoção e guarda, na medida em que não consegue cuidar das crianças e adolescentes
em situação de risco; enquanto o Estado não permite que o
Município recolha crianças e adolescentes nas ruas em situação de risco, e pior, considera sequestro se isso ocorrer, na
medida em que o ECA determina que os menores devem ser
entregues pelo Conselho Tutelar aos responsáveis, sendo que
as vezes sequer tem responsáveis; o Estado é responsável,
sim, pela Legislação anterior que permitia no RGPS a inclusão de menor sob guarda judicial, o que era ampliado para
guarda de fato, conforme decisão do TRF 4a Região, Acórdão
no 2001.72.00.002189-0-SC, Relator Desembargador Fed. Nef
Cordeiro, desde que, completa outro Acórdão do mesmo relator, de no 2002.04.01.036682-6- RS, publicado no DJU de
19/11/2003, se presente a dependência econômica e moral,
ou seja, “tendo a prova oral demonstrado que o segurado falecido contribuía para o sustento do menor de forma integral,
auxiliando-o também na formação moral e em sua proteção, é
deferido o benefício de pensão”.
Assim, superando a violação à Lei Federal, a Lei no 9.528/97
é inconstitucional a medida em que o Estado não implementa seu dever constitucional, portanto, inconstitucionalidade
progressiva no tempo. Superada a antinomia, passo à análise
do mérito. No mérito, a ação procede parcialmente, na medida em que apesar de provada a declaração de dependência econômica às fls. 14, bem como pelas testemunhas esta
é dependência moral, estando o neto exclusivamente aos
cuidados do avô; considerando ainda provada a necessidade
do benefício para a dignidade do adolescente, que suporta
21
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
problemas psicológicos e psiquiátricos, conforme documentos de fls. 17/20, além da própria escola nas fls. 21 noticiar
problema sério de aprendizagem, comprovado pelos demais
documentos nos autos, o requerente não fez prova do valor
necessitado e ao mesmo tempo do valor que o benefício atinge, ônus pelo qual deveria competir, razão pela qual entendo
que deve ser oficiado ao INSS para o levantamento do valor
do benefício e ser julgada a presente ação parcialmente procedente para deferir 50% do benefício ali contido, harmonizando o dever do Estado com o ônus que este suporta junto
aos milhões de benefícios pagos diariamente, o que daria
maior justiça ao caso concreto. Apenas por amor ao debate e
finalizando o feito, observo que a Legislação Previdenciária e
Assistencial sofre de mazelas terríveis, entre elas, a exigência
de indício de prova material para o trabalho rural, o que é
confundido por muitos como impossibilidade jurídica do pedido, quando na verdade, esta prova legal ou tarifária apenas
baliza, leia-se, auxilia o julgador no seu livre convencimento, porém jamais pode impedir a livre apreciação de provas
motivada. Com este exemplo reforço que a Lei no 9.528/97,
que alterou a Lei no 9.032/95, é parcialmente inconstitucional, pois de regra a guarda não pode ser objeto de benefício
do RGPS, salvo situações como a dos autos que o legislador
jamais poderia prever numa Lei, cuja característica principal
é ser abstrata, além de genérica. Mercê.
Pelo MM. Juiz foi deliberado o seguinte: Vistos etc. Conclusos para prolação de sentença, tendo em vista o comprometimento da pauta de audiência para esta data designada. Intimações em audiência. Nada mais havendo determinou o MM.
Juiz que se encerrasse o presente termo que, lido e achado
conforme, vai devidamente assinado.
Eu, Escrevente Judicial I, digitei.
MM. Juiz:
Promotor de Justiça:
Procuradores:
Genitora do requerente:
Sentença judicial
Processo no 0166 03 001673-6
Vistos etc.
22
Material Complementar da Obra
“A”, menor impúbere, representado por sua genitora Delza
Aparecida de Oliveira, também qualificada, por sua vez representada pelos procuradores constituídos, ajuizou a presente Ação Ordinária de Pensão por Morte contra o Instituto
Nacional de Seguro Social – INSS, pessoa jurídica de direito
público interno, através de seu representante legal, aduzindo ter permanecido na cidade de Pará de Minas/MG, sob a
guarda fática de seu avô paterno, Aureliano Lara dos Santos,
então falecido em 07/02/2001, o qual era aposentado junto
ao Requerido.
E mais, que a guarda fática, decorrente da irresponsabilidade
paterna e falta de condição econômica materna, teve início
ainda em 1993, sendo certo que o Requerente apresentava,
como ainda apresenta, problemas relativos à saúde mental,
cuja assistência médica sempre foi patrocinada pelo referido
avô.
Ainda, que com o falecimento deste, o Requerente se viu privado até mesmo da mínima assistência material, passando
por quadro depressivo e ansiolítico que comprometeu, inclusive, seu desenvolvimento físico e mental.
Requereu a procedência de sua pretensão, objetivando a concessão de pensão relativa à aposentadoria de seu mencionado avô paterno, desde a data do óbito, com as correções e
juros devidos e consequente condenação do Requerido nos
ônus de sucumbência.
Deu à causa o valor de R$ 1.000,00, requereu a Gratuidade
de Justiça, protestou por provas e juntou os documentos de
fls. 08/26.
Regularmente citado (fls. 32), o Requerido apresentou a contestação de fls. 34/40, suscitando, em preliminar, carência de
ação, em face da ausência de interesse processual, salientando que o Requerente não pleiteou qualquer benefício na via
administrativa, inexistindo prova de que tivesse o Requerido
resistido à pretensão do Requerente.
No mérito, salientou a inexistência de direito adquirido à
pensão por morte, tendo em vista as disposições da Lei no
9.032/95, que aboliu a possibilidade de concessão de pensão
dessa natureza a pessoas que foram designadas como dependentes por segurados da Previdência Social, tendo também
formulado prequestionamento para efeitos de Recurso Extra-
23
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
ordinário ou Especial, relativamente a eventual decisão que
venha contrariar os dispositivos da citada Lei.
Requereu a improcedência da pretensão do Requerente, com
a consequente imposição, dos ônus de sucumbência e juntou
os documentos de fls. 41/45.
Réplica às fls. 47/51, rebatendo, minuciosamente, os termos
da contestação.
Manifestação Ministerial às fls. 52 e verso.
O despacho de fls. 53 rejeitou a preliminar e determinou a
especificação de provas, tendo o Requerente evidenciado (fls.
57) a pretensão de prova testemunhal, enquanto que o Requerido nada manifestou, apesar de regular intimação (fls.
55 e verso) e o Ministério Público pretendido o depoimento
pessoal da parte Requerente (fls. 58-verso).
Instrução regular (fls. 64/74).
Em Alegações Finais, o Requerente ratificou sua pretensão
(fls. 64), enquanto que o Requerido se reportou aos termos
da contestação, inclusive, com anterior apreciação da preliminar de carência de ação (fls. 65).
Parecer Ministerial às fls. 65/67, opinando pela inconstitucionalidade da Lei Federal no 9.528/97, que alterou o art. 16,
§ 2o, da Lei no 8.213/91, e consequente parcial procedência
da pretensão do Requerente, para fixação da referida pensão
em 50% do benefício a que fazia jus o falecido avô daquele.
Vieram os autos à conclusão. Decido.
Trata-se de Ação Ordinária de Pensão por Morte promovida
por “A” contra o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS,
ao argumento de que esteve sob guarda fática e dependência
econômica do avô paterno, Sr. Aureliano Lara dos Santos, então titular de benefício previdenciário (aposentadoria), desde 1993 até o falecimento deste, ocorrido em 2001.
Inicialmente, cumpre salientar que a preliminar de carência
de ação ao argumento de que não se esgotou a via administrativa, já havia sido repudiada pelo despacho de fls. 53, permanecendo inatacado.
24
Noutro giro, como relatado, o Requerido suscitou prequestionamento quanto à eventual afronta à Lei Federal no 9.032/95,
tendo o Ministério Público opinado pela declaração de parcial inconstitucionalidade da Lei Federal no 9.528/97, que alterou a Lei no 9.032/95.
Material Complementar da Obra
Assim, antecedendo à análise do mérito, imperativo o exame
da indigitada inconstitucionalidade.
Nesse particular, vislumbro razão ao Dr. Promotor de Justiça,
não havendo como divergir de seu minucioso parecer às fls.
65/67, cujas razões e fundamentos adoto como parte integrante desta decisão, passando à sua transcrição parcial.
Com efeito, a Lei Federal no 9.528/97 padece da inconstitucionalidade progressiva no tempo.
É que qualquer legislação pátria deve atender aos princípios
político-constitucionais dos arts. 1o a 4o da CF/88, entre eles
o da dignidade da pessoa humana.
O art. 227 da referida Carta Magna determina a proteção da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento,
livres de qualquer discriminação ou risco social, sendo certo
que não se aplica o art. 33, § 3o, do ECA, porquanto norma de
cunho genérico, afastada pelo Regime Geral de Previdência
Social, que possui Leis Específicas, conforme posição do STJ,
por ocasião do julgamento do Recurso Especial no 497081,
Relatora Ministra Laurita Vaz.
Entretanto, enquanto o Estado proíbe que menores de 16
anos trabalhem, sem, contudo, efetivar na prática medidas
que amenizem o trabalho e compensem o estudo; enquanto
o Estado é responsável pela Segurança Pública da qual sequer consegue proteger seus próprios membros; enquanto
o Estado transfere para a iniciativa privada institutos como
a adoção e guarda, na medida em que não consegue cuidar
das crianças e adolescentes em situação de risco; enquanto o
Estado não permite que o Município recolha crianças e adolescentes nas ruas em situação de risco, e pior, considera sequestro se isso ocorrer, na medida em que o ECA determina
que os menores devem ser entregues pelo Conselho Tutelar
aos responsáveis, sendo que, às vezes, sequer tem responsáveis; o Estado é responsável sim pela Legislação anterior
que permitia no Regime Geral de Previdência Social a inclusão de menor sob guarda judicial, o que era ampliado para
guarda de fato, conforme decisão do TRF/4a Região, Acórdão
no 2001.72.00.002189-0-SC, Relator Desembargador Federal
Nef Cordeiro, desde que, completa outro Acórdão do mesmo
Relator, de no 2002.04.01.036682-6-RS, publicado no DJU de
19/11/2003, se presente a dependência econômica e moral,
ou seja, “tendo a prova oral demonstrado que o segurado falecido contribuía para o sustento do menor de forma integral,
25
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
auxiliando-o também na formação moral e em sua proteção, é
deferido o benefício de pensão”.
Sobre o tema da inconstitucionalidade progressiva no tempo, o
STF já teve oportunidade de manifestação em caso específico,
subsistindo excepcionalmente a legitimidade do Ministério Público para promover a ação civil (ou execução civil) em favor de
vítima pobre onde ainda não instituída a Defensoria Pública.
O art. 127, caput, da CF/88 estabelece que é incumbência do MP,
a defesa dos interesses individuais indisponíveis. Mas se o dano
é patrimonial, logo, disponível, então onde fica a legitimidade?
A legitimidade não está no patrimônio e sim no acesso à Justiça, ou seja, todos têm direito à Justiça (art. 5o, XXXV, da CF/88
– princípio da inafastabilidade da Jurisdição), sendo ricos ou
pobres. Sendo pobres, através da defensoria pública ou do
próprio MP, quando previsto em lei sua legitimidade (art. 68
do CPP), pois ambas as Instituições retiram suas competências da CF/88.
Com o advento da Constituição de 1988, a defesa judicial dos
hipossuficientes passou para a atribuição da Defensoria Pública. Ocorre que ela ainda não existe em muitas Comarcas.
Onde não existe, pode (e deve) o Ministério Público atuar em
favor das vítimas pobres. Essa é a tese da inconstitucionalidade progressiva do art. 68 do CPP (sustentada sobretudo
por Sepúlveda Pertence), isto é, onde criada a Defensoria Pública o art. 68 torna-se inconstitucional. Onde não criada, o
art. 68 é válido (e deve ser observado).
Portanto, o STF decidiu que esta legitimidade do MP somente
se justifica se na comarca não houver Defensoria Pública. Se
houver, será exclusiva a legitimidade da Defensoria Pública.
Assim, o STF entendeu que o art. 68 do CPP sofre de “inconstitucionalidade progressiva no tempo”:
Precedente: RE no 135.328-7/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ
01/08/94. No mesmo sentido: STJ – ERESP 232279 – SP –
Rel. Min. Edson Vidigal – DJU 04/08/2003 – p. 00205
26
Legitimidade. Ação “ex delicto”. Ministério público. Defensoria pública. Art. 68 do Código de Processo Penal. Carta da República de 1988. A teor do disposto no art. 134 da Constituição Federal, cabe à Defensoria Pública, instituição essencial
à função jurisdicional do Estado, a orientação e a defesa, em
todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5o, LXXIV,
da Carta, estando restrita a atuação do Ministério Público,
Material Complementar da Obra
no campo dos interesses sociais e individuais, àqueles indisponíveis (parte final do art. 127 da Constituição Federal). Inconstitucionalidade progressiva. Viabilização do exercício de
direito assegurado constitucionalmente. Assistência jurídica
e judiciária dos necessitados. Subsistência temporária da legitimação do Ministério Público. Ao Estado, no que assegurado constitucionalmente certo direito, cumpre viabilizar o
respectivo exercício. Enquanto não criada por lei, organizada – e, portanto, preenchidos os cargos próprios, na unidade
da Federação – a Defensoria Pública, permanece em vigor o
art. 68 do Código de Processo Penal, estando o Ministério
Público legitimado para a ação de ressarcimento nele prevista. Irrelevância de a assistência vir sendo prestada por órgão
da Procuradoria Geral do Estado, em face de não lhe competir, constitucionalmente, a defesa daqueles que não possam
demandar, contratando diretamente profissional da advocacia, sem prejuízo do próprio sustento (STF. RE 135328-TP.
Rel. Min. Marco Aurélio. DJU 20/4/2001, p. 00137).
Relativamente ao mérito, restou provado quantum satis a convivência do Requerente sob a fática guarda e dependência econômica do avô paterno, então titular de benefício previdenciário, seja pelo documento acostado às fls. 14, seja pela prova
testemunhal, bem como provada a necessidade do benefício
para sua dignidade, que, aliás, apresenta problemas psicológicos e psiquiátricos, com reflexos negativos no aprendizado
escolar, bastando remição aos documentos de fls. 17/21.
Entretanto, não fez prova do valor de que necessita e nem
mesmo do valor do benefício então percebido pelo falecido
avô paterno, impondo-se estabelecer esse quantum.
Evidencia a prova dos autos que o Requerente residia em
companhia dos avós paternos desde 1993, época em que a
avó era ainda viva, tendo permanecido o Requerente em companhia do avô mesmo após a viuvez deste e que não havia
outros parentes em companhia do referido avô, mas apenas
o Requerente.
Assim, presume-se que do valor do benefício então percebido
pelo avô do Requerente, metade se destinava à assistência a
este, ficando limitado ao valor máximo de um salário-benefício.
Ante o exposto, considerando o que dos autos consta, julgo
procedente, em parte, o pedido inserto na inicial, para, declarando a inconstitucionalidade da Lei Federal no 9.528/97,
que alterou a Lei no 9.032/95, no que pertine à alteração do
27
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
art. 16, § 2o, da Lei no 8.213/91, conceder ao Requerente, a
pensão por morte de seu avô paterno, Aureliano Lara dos
Santos, no quantum equivalente à metade do benefício mensal percebido por este, limitado o seu valor ao máximo de
um salário-benefício, incidente a partir do falecimento deste,
ocorrido em 28/01/2001 (documento de fls. 10), até a implementação da maioridade civil, caso não venha ocorrer situação que enseja a declaração de sua incapacidade para atos da
vida civil, oportunamente, assim considerado o quadro psíquico e psiquiátrico, segundo os documentos de fls. 17/20.
Arcará o Requerido com a verba honorária ora fixada em
10% sobre o valor da causa, corrigidos monetariamente nos
termos da Súmula 14 do STJ.
Após o trânsito em julgado, feitas anotações e comunicações
de estilo, ao arquivo, com baixa no SISCOM.
Publicar. Registrar. Intimar.
Cláudio, 16 de setembro de 2004.
Francisco de Assis Corrêa
Juiz de Direito
28
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.1.5. Guarda compartilhada
Dada a importância da matéria, não podemos deixar de destacar o
excelente trabalho de Lucas Hayne Dantas Barreto a respeito da guarda
compartilhada, disponível no site Jus Navigandi. transcrevendo uma síntese
das principais espécies de guarda elencadas pelo autor.
O instituto da guarda compartilhada vem à baila para socorrer
as deficiências que outros modelos de guarda, principalmente
o da guarda dividida – onde há o tradicional sistema de
visitas – possuem. Tais modelos, ao privilegiar sobremaneira
a mãe, na esmagadora maioria dos casos, levam a profundos
prejuízos aos filhos, tanto de ordem emocional quanto social,
no seu desenvolvimento. Estes revezes atingem também o
próprio pai, cuja falta de contato mais íntimo leva fatalmente
a um enfraquecimento dos laços parentais, privando-o do
desejo de perpetuação de seus valores e cultura. (...)
No alvorecer do século XIX, era atribuição do pai deter a
guarda exclusiva e o pátrio poder dos filhos, enquanto a mãe
se submetia às suas determinações. Tal era a decorrência de
uma ideologia cristalizada numa legislação que considerava
a mulher relativamente incapaz para exercer os atos da vida
civil; consequentemente, era ela inibida, legalmente, de
dividir as responsabilidades inerentes aos deveres relativos
ao vínculo matrimonial.
Com a industrialização, e a passagem da família dita extensa
para a família nuclear, onde só havia o casal e filhos, o pai
passa a trabalhar, e despender a maior parte do tempo fora do
lar. Somado isto ao advento da capacidade plena da mulher,
passou a ser ela a considerada mais apta à guarda dos filhos,
em casos de separação, por ter, entendia-se, por natureza, o
amor aos filhos, e a inata capacidade de bem deles cuidar. Ao
pai, então, coube a incumbência de prover as necessidades
materiais da família, enquanto a mulher se dedicava às
prendas do lar.
Todavia, a revolução sexual, a inserção cada vez maior da
mulher no mercado de trabalho, e a divisão mais equânime
das tarefas de educação de filhos, levaram a uma mudança
na estrutura familiar, e no próprio entendimento que
confere primazia à mãe na atribuição da guarda. A mudança
social ocorrida selou o alicerce para a construção de novas
29
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
teorias sobre a guarda, buscando, sempre, um exercício
mais equilibrado, onde a manutenção do contato do filho
com ambos os pais deve continuar tal qual o era antes do
rompimento.
Assim, hoje, já se percebe que, nem sempre, a atribuição da
guarda à mãe atende ao melhor interesse da criança. Neste
contexto, surgiram fortes correntes, quer nos campos da
Psicologia, Psicanálise, Sociologia e, como não poderia deixar
de ser, do Direito, a teorizar acerca da guarda compartilhada,
de modo que, em muitos países, já é comumente aplicada, e
concebida como a melhor forma de manter mais íntegros os
laços decorrentes da relação parental. (...)
Por guarda compartilhada, também identificada por guarda
conjunta (joint custody, no direito anglo-saxão), entende-se
um sistema onde os filhos de pais separados permanecem
sob a autoridade equivalente de ambos os genitores, que
vêm a tomar em conjunto decisões importantes quanto ao
seu bem-estar, educação e criação. É tal espécie de guarda
um dos meios de exercício da autoridade parental, quando
fragmentada a família, buscando-se assemelhar as relações
pai/filho e mãe/filho que naturalmente tendem a modificarse nessa situação às relações mantidas antes da dissolução da
convivência, o tanto quanto possível”.
O didático autor ainda define as espécies de guarda:
a) Guarda Alternada: Conhecida no Direito anglo-saxão sob
a denominação de joint physical custody ou residential joint
custody, é aquele modo que possibilita aos pais passarem a
maior parte do tempo possível com seus filhos. Caracterizase pelo exercício da guarda, alternadamente, segundo um
período de tempo predeterminado, que pode ser anual,
semestral, mensal, ou mesmo uma repartição organizada
dia a dia. Ao termo do período, os papéis invertem-se. É
bastante criticada em nosso meio, uma vez que contradiz o
princípio da continuidade do lar, que deve compor o bemestar da criança. Objeta-se, também, que se quede prejudicial
à consolidação dos hábitos, valores, padrões e formação da
sua personalidade, em face da instabilidade emocional e
psíquica criada pela constante mudança de referenciais. Esta
é a modalidade a que se refere, equivocadamente, o eminente
advogado supracitado. Suas críticas podem ser pertinentes,
como visto, à guarda alternada, nunca à compartilhada.
30
Material Complementar da Obra
b) Aninhamento ou Nidação: Por este modelo, os filhos
passam a residir em uma só casa; no entanto, os pais são
quem para ela se mudam, segundo um ritmo periódico. É a
birds nest theory do Direito americano, que, por ser pouco
prática, bastante exótica, e levar a prejuízos semelhantes aos
já descritos no modo anterior, é muito pouco defendida.
c) Guarda Dividida, Guarda Única ou Guarda Exclusiva
(sole custody): É o tradicional sistema, em que o menor
fica com um dos pais, em residência fixa, recebendo visitas
periódicas do outro. É bastante criticada, tanto pelas ciências
da saúde mental, quanto pelas ciências sociais e jurídicas,
uma vez que proporciona o gradual afastamento entre pais
e filhos, até que se verifique o fenecer da relação, bem como
afronta os princípios constitucionais da isonomia e melhor
interesse do menor.
Isto posto, vale ressaltar que na guarda compartilhada, um dos
pais pode manter a guarda física do filho, enquanto partilham
equitativamente sua guarda jurídica, esta, chamada joint
legal custody no sistema da commom law. Assim, o genitor
que não mantém consigo a guarda material, não se limita a
fiscalizar a criação dos filhos, mas participa ativamente de
sua construção. Decide ele, em conjunto com o outro, sobre
todos os aspectos caros ao menor, a exemplo da educação,
religião, lazer, enfim, toda a vida do filho.
Neste sentido, bastante esclarecedora a definição trazida pela
Seção Judicial do Estado americano de Iowa, em informativo
na sua página oficial da Internet:
Joint custody means that both parents have the legal
custodial rights and responsibilities toward a child.
Under joint custody, neither parent has legal custody
rights superior to the other. Joint custody does not
necessarily mean that the child spends equal time with or
lives with both parents. A parent may have joint custody
even though a child resides with another parent.
Tal modelo, ao passo que possibilita ao menor manter o
contato com ambos os pais, o que se afigura como de suma
importância para seu desenvolvimento regular e sadio, não
traz o inconveniente da instabilidade familiar verificado na
guarda alternada, bem como no aninhamento; tampouco
leva ao rompimento de relações parentais, como no obsoleto
modelo da guarda dividida.
31
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Mostrando o Direito comparado, o autor explica:
Na França, tal ideia surgiu em 1976. O Código Civil francês
estabeleceu, com a inovação trazida pela Lei Malhuret, que,
após a oitiva dos filhos menores, o juiz deve fixar a autoridade
parental (expressão que lá substituiu o termo guarda), de
acordo com interesses e necessidades dos filhos e, caso fique
estabelecida a guarda única, o magistrado deverá decidir
com quem ficarão. Mas, estando o casal de acordo, basta uma
declaração conjunta perante o Juiz, para que seja decidido
pelo compartilhamento da guarda.
Para o Direito canadense, a separação dos genitores não deve
gerar um sentimento de perda para nenhuma das partes
envolvidas, seja mãe, pai, ou filhos. Esta ideia é a pedra de
toque para a adoção da guarda compartilhada por este
ordenamento, da qual resulta uma presunção de guarda
conjunta, como melhor interesse do menor.
Já no Direito inglês busca-se distribuir igualmente, entre os
genitores, as responsabilidades perante os filhos, cabendo à
mãe os cuidados diários com os filhos – care and control –
resgatado ao pai o poder de dirigir conjuntamente a vida dos
menores – custody.
Mas foi o Direito estadunidense que mais se aplicou a este
estudo, e a maioria de seus Estados já adota francamente a
guarda compartilhada. Inúmeros juristas americanos estão
dedicando-se a pesquisar e discutir uma aplicação cada vez
mais uniforme em todo o país. A American Bar Association,
entidade representativa dos advogados americanos, chegou a
criar uma comissão especial para desenvolver estudos sobre
a guarda de menores – o Child Custody Committee.
A título de exemplo, vejamos o que diz o Estatuto do Estado
americano de Iowa, sobre a guarda de crianças:
32
1. The court, insofar as is reasonable and in the best interest
of the child, shall order the custody award, including liberal
visitation rights where appropriate, which will assure the
child the opportunity for the maximum continuing physical
and emotional contact with both parents after the parents
have separated or dissolved the marriage, and which will
encourage parents to share the rights and responsibilities
of raising the child unless direct physical harm or significant
emotional harm to the child, other children, or a parent is
likely to result from such contact with one parent.
Material Complementar da Obra
2. If the court does not grant joint custody under this
subsection, the court shall cite clear and convincing evidence,
pursuant to the factors in subsection 3, that joint custody is
unreasonable and not in the best interest of the child to the
extent that the legal custodial relationship between the child
and a parent should be severed.
Desta forma, percebe-se que, lá, a regra é o compartilhamento;
a exceção deve ser muito bem fundamentada para ser
admitida.
Não nos deteremos em maiores considerações acerca deste
instituto no Direito estrangeiro. No entanto, deixamos o
alerta, no sentido de que, tendo em mente as diferenças
entre o nosso sistema e o anglo-saxão, devemos ter cautela
ao tentar transpor seus institutos ao Direito brasileiro. Só
assim, poderemos extrair daquelas experiências algo útil e
plausível.
(…)
A Lei no 8.069/90 – Estatuto da Criança e Adolescente, traz,
por sua vez, uma série de dispositivos aptos a fundamentar
a concessão da guarda compartilhada por um magistrado
nacional, a saber: o seu art. 4o, caput, transmite o que a
cabeça do art. 227 da CF já contém, a saber: É dever da
família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder
Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes (...) e à convivência familiar e comunitária.
O art. 5o assim se manifesta: Nenhuma criança ou adolescente
será objeto de qualquer forma de negligência (...) punido na
forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus
direitos fundamentais. Coloca o art. 6o: Na interpretação desta
Lei levar-se-ão em conta (...) e a condição peculiar da criança
e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. O art. 16,
caput, traz: O direito à liberdade compreende os seguintes
aspectos (...) V – participar da vida familiar e comunitária,
sem discriminação (...). Já o art. 19, aduz: Toda criança ou
adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua
família (...). Por sua vez, o art. 22 transmite: aos pais incumbe
o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores,
cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir
e fazer cumprir as determinações judiciais. Lançadas sobre
essas disposições as luzes do princípio da proteção integral e
do melhor interesse da criança, iluminar-se-á um panorama
favorável à instituição da guarda compartilhada no Brasil.
33
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
O Código Civil de 2002, em seus arts. 1.587 a 1.594, Capítulo
XI, referentes à Proteção da Pessoa dos Filhos, nenhuma
modificação de monta apresentou ao existente no arcabouço
legislativo em vigor.
Mas há uma característica da nossa legislação que tem
implicações importantes sobre a guarda de menores: é o
Pátrio Poder, agora, com o novo Código Civil, chamado Poder
Familiar. Ele é exercido igualmente por pai e mãe (se capazes),
e a separação (judicial ou de fato) ou o divórcio não interferem
neste atributo. O art. 384 do diploma revogado explicitava com
clareza seus atributos, os quais foram integralmente mantidos
pelo novo Código, em seu art. 1.634.(...)
Assim, temos que, mesmo o genitor que não detém a guarda
continua com o poder familiar, devendo exercê-lo sob pena de
perdê-lo, como regia o Código Civil de 1916, no seu art. 395,
II, repetido no art. 1.638, II, do novo Código Civil. A questão
é que este artigo é pouco aplicado, nesses casos. A guarda
compartilhada vem oferecer um grande instrumental para
que se garanta a efetividade do exercício do Poder Familiar,
mesmo após a dissolução da sociedade conjugal ou união
estável.
Ainda há muitas outras disposições legais que poderiam aqui
ser trazidas à colação, e mais exaustivamente examinadas;
no entanto, tal empresa refoge aos modestos contornos
deste trabalho. O importante é que não se perca de mente
três conclusões básicas, que se podem extrair desta sucinta
análise de nossa legislação: 1) O vínculo parental e os direitos
e deveres dele decorrentes, não se extinguem com a extinção
do vínculo conjugal; 2) A guarda dos filhos deve ser decidida
pelo juiz quando o desacordo dos pais ou interesse do filho o
exigir; e 3) A guarda compartilhada é amplamente admitida
pelo ordenamento pátrio, desde que resultante de um acordo
entre os pais, e benéfica aos interesses do menor.
34
Destarte, podemos concluir que, embora o Direito Positivo
brasileiro não contenha norma expressa a respeito, como
ocorre em inúmeros ordenamentos, não há, tampouco,
vedação, o que enseja possibilidade da ocorrência legal
do tipo de guarda sub examine. O Juiz estará agindo sob o
manto da lei para autorizar a guarda compartilhada, quando
os pais a ela se dispuserem, seja na separação ou divórcio
consensual, seja no litigioso, desde que, como dito, quanto à
guarda, haja acordo.
Material Complementar da Obra
Em todo caso, a questão deverá ser analisada incluindose todos os interessados, de modo que se chegue à solução
que mais beneficie os menores, mas que também contemple
seus pais, a fim de que nenhum deles negligencie a criação e
educação de seus filhos: o vínculo parental, após a dissolução
do vínculo matrimonial, deverá ser preservado, sempre, e na
medida do possível, como era antes do rompimento.
E comentando os projetos de lei sobre o tema:
Tendo em vista acompanhar o evolver doutrinário, e mesmo
estimular o jurisprudencial (ainda tímido, quanto à questão),
foram propostos dois projetos de Lei, com o escopo de
modificar o Código Civil de 2002, antes mesmo de sua
entrada em vigor, pela introdução expressa do sistema da
guarda compartilhada.
O Projeto do Deputado Feu Rosa (PL no 6.315/02) é do
seguinte teor:
Art. 1o Esta lei tem por objetivo instituir a guarda
compartilhada dos filhos menores pelos pais em caso de
separação judicial ou divórcio.
Art. 2o O art. 1.583 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002
passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
Art. 1.583 (...)
Parágrafo único. Nesses casos poderá ser homologada a
guarda compartilhada dos filhos menores nos termos do
acordo celebrado pelos pais.
Art. 3o Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.
O art. 1.583 do Código de 2002 trata da dissolução da
sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por
mútuo consentimento ou pelo divórcio consensual. Destarte,
consideramos bastante tímida esta proposta de alteração,
uma vez que vem apenas a explicitar o que já é possível diante
do arcabouço legislativo disponível. Consoante visto supra, a
guarda compartilhada, quando decorrente de acordo entre os
genitores, não oferece qualquer dificuldade, uma vez que há a
primazia do melhor interesse do menor.
Em sua justificação, aponta o deputado que “só haja
possibilidade de tal tipo de guarda se a separação ou divórcio
forem consensuais, caso contrário, as crianças estarão ainda
mais vulneráveis em meio a discussões sobre onde e com
quem devem ir a algum lugar”. Ora, não vemos sentido na
35
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
afirmação transcrita, uma vez que, mesmo em sendo litigiosa
a separação ou divórcio, poderá não haver divergências acerca
da guarda dos menores, o que já autoriza ao juiz concedê-la.
Ao revés, a proximidade e o comum interesse em resguardar
o bem-estar e saúde emocional de sua prole poderão unir os
pais, ou, ao menos, não aumentar as diferenças e desavenças
porventura ainda existentes. É o que preleciona a ilustre
Desembargadora Maria Raimunda Azevedo:
A responsabilidade gravita em torno do modelo que os filhos
esperam vivenciar nas pessoas de seus pais, imagem sobre
a qual irão espelhar-se sobre a vida afora. A disputa entre
casais, a chantagem, o jogo de sedução para conquistar o
amor da criança, em que se apoiam aqueles que criticam a
Guarda Compartilhada, não encontram guarita neste modelo,
porque a convergência de sentimentos, a reciprocidade e a
troca de entendimentos, pelos pais, detentores da Guarda
compartilhada, afastam as partes conflituosas, uma vez
conscientizadas de que o mais importante é o bem-estar de
seus filhos.
Um pouco mais ousada queda-se a proposta do Deputado
Tilden Santiago, em comunhão com a APASE – Associação
de Pais Separados, e a Associação Pais Para Sempre, o que
redundou na apresentação do Projeto de Lei no 6.350/02, do
seguinte teor:
Art. 1o Esta Lei define a guarda compartilhada, estabelecendo
os casos em que será possível.
Art. 2o Acrescentem-se ao art. 1.583 da Lei no 10.406, de 10
de janeiro de 2002, os seguintes parágrafos:
“Art. 1.583. (...)
§ 1o O juiz, antes de homologar a conciliação, sempre
colocará em evidência para as partes as vantagens da guarda
compartilhada.
§ 2o Guarda compartilhada é o sistema de corresponsabilização
do dever familiar entre os pais, em caso de ruptura conjugal
ou da convivência, em que os pais participam igualmente a
guarda material dos filhos, bem como os direitos e deveres
emergentes do poder familiar.”
Art. 3o O Art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
passa a vigorar com a seguinte redação:
36
“Art. 1584. Declarada a separação judicial ou o divórcio ou
separação de fato sem que haja entre as partes acordo quanto
Material Complementar da Obra
à guarda dos filhos, o juiz estabelecerá o sistema da guarda
compartilhada, sempre que possível, ou, nos casos em que
não haja possibilidade, atribuirá a guarda tendo em vista o
melhor interesse da criança.”
§ 1o A Guarda poderá ser modificada a qualquer momento
atendendo sempre ao melhor interesse da criança.
Art. 4o Esta lei entra em vigor no dia 10 de janeiro de 2003.
Aqui, verifica-se realmente uma modificação que viria a
espancar dúvidas sobre o cabimento da guarda compartilhada,
mesmo em situações onde não há acordo entre as partes.
Numa leitura apressada do sugerido novo caput do art. 1.584
poder-se-ia entender que o juiz ficaria autorizado a impor o
regime de compartilhamento, caso verificasse necessário; no
entanto, nosso entendimento é no sentido de não se extrapolar
os limites do razoável, tão comumente esquecidos por
aqueles que se empolgam em demasia com alguma novidade
jurídica. Neste caso, a passagem “sempre que possível” vem
a temperar o imperativo, uma vez que, em casos como o de
desavenças crônicas entre os pais, os benefícios decorrentes
do compartilhamento não superariam os prejuízos aos
infantes, quer de ordem psicológica, quer de ordem moral.
A falta de acordo entre as partes não deve ser de tal monta
que inviabilize a mútua cooperação, base do instituto, o que
configura, em última análise, uma aceitação da decisão.
Tal proposta visa inverter a sistemática, tornando a guarda
única exceção, e a compartilhada, regra. Não há de haver,
contudo, de gerar ainda mais desavenças entre os genitores,
o que os levaria incontáveis vezes ao Judiciário a fim de
solucionar litígios no exercício da guarda.
Também avança o projeto em comento ao expressar, na
nova redação sugerida para o art. 1.583, § 1o, que o juiz
estimulará os casais a adotar o compartilhamento da guarda
em seus acordos, o que se afigura muito consentâneo com
a necessidade de divulgação do novo instituto, tornando
conhecido seu modelo e suas vantagens.
Ao estabelecer, entretanto, interpretação autêntica, no
projetado art. 1.583, § 2o, esta, tal como está, revela-se
insuficiente, apesar dos grandes avanços que tal projeto,
aprovado, certamente trará. Primeiramente, deve-se destacar
o fato de referir-se que os pais “participam igualmente a
guarda material dos filhos”. Bem, guarda material é um
37
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
conceito entendido, atualmente, como a guarda física, como
o contato direto do genitor com o filho. Isto poderia ensejar
controvérsias, a respeito de se realmente se está a tratar
da guarda compartilhada, e não da alternada. Porém, lida a
justificativa do projeto, bem como se pode depreender do
termo “corresponsabilização”, e da expressão “participam
igualmente (...) os direitos e deveres emergentes do poder
familiar”, não há dúvidas que se trata da guarda compartilhada.
Assim, ao invés de “guarda material”, seria mais técnico o
legislador utilizar o termo “guarda jurídica”, a fim de que se
evitem tais dificuldades.
Seria também pertinente o legislador explicitar que a adoção
do sistema de guarda compartilhada não importa na partição
da guarda física, tal como o faz expressamente o Estatuto
de Iowa, referido supra. Ainda que decorra do próprio
instituto, tal noção deveria vir insculpida nesta regra, já que,
tratando-se de interpretação autêntica, devem ser trazidas,
o mais completamente possível, as características do que se
pretenda conceituar.
Tais limitações, no entanto, não retiram o mérito da
proposta, as quais, uma vez aprovado o projeto, poderiam
ser facilmente contornadas pelo aplicador das novas normas,
pelo que nossas sugestões visam apenas trazer maior
precisão ao projeto. O importante é que, com esta alteração,
dar-se-á maior visibilidade ao instituto, bem como se vencerá
a resistência daqueles que entendem ser a falta de regulação
específica um óbice para a adoção deste sistema.
Em conclusões, o autor de fantástico artigo arremata:
“1. O instituto da guarda compartilhada foi favorecido por um
contexto histórico, onde a inserção da mulher no mercado de
trabalho, a consolidação da igualdade entre homem e mulher,
e o maior aprofundamento trazido pelas contribuições de
vários campos do saber, exigiu um novo entendimento acerca
do que abrangeria o melhor interesse do menor, quando da
separação de seus pais;
2. Por guarda compartilhada, entende-se um sistema onde
os filhos de pais separados permanecem sob a autoridade
equivalente de ambos os pais, que continuam a tomar as
importantes decisões na criação de seus filhos conjuntamente,
buscando-se assemelhar o tanto quanto possível as relações
38
Material Complementar da Obra
pré e pós-separação, ainda que o menor fique sob a guarda
física de apenas um dos pais;
3. Não se deve confundir o conceito de guarda compartilhada
com os de guarda alternada (divisão equitativa do tempo com
os filhos, entre os cônjuges), aninhamento (os pais é que se
mudam para a mesma casa dos filhos, periodicamente), e a
tradicional guarda dividida (sistema de visitação);
4. O compartilhamento da guarda não necessariamente
implica na partição da guarda física, devido à preocupação de
se evitarem prejuízos à saúde emocional e mental do menor;
5. No direito comparado, tal sistema já é amplamente
difundido, tal como na França, Canadá, Inglaterra e,
principalmente, nos Estados Unidos, onde já se admite que o
modelo da guarda compartilhada é a regra; a guarda dividida
constitui-se uma exceção, somente tendo lugar em situações
especiais e justificadas;
6. Ainda que o Direito brasileiro não contemple expressamente
uma permissão para a adoção do modelo em tela, tampouco
traz alguma vedação, o que nos leva a entender ser este o mais
compatível com princípios constitucionais, principalmente o
da isonomia e o da proteção ao melhor interesse do menor;
7. O Novo Código Civil, a entrar em vigor em janeiro de 2003,
não trouxe inovações no que tange à guarda compartilhada,
pelo que já há pelo menos dois projetos de lei que buscam
adicionar disciplina legal ao sistema;
8. Um projeto de lei neste sentido não deve autorizar
tal instituto apenas em casos de separação ou divórcio
consensual, uma vez que, mesmo em havendo litígio, as
partes podem acordar quanto à guarda, tal como já é
permitido mesmo hoje, segundo nosso entendimento, face a
uma interpretação extensiva do art. 9o da Lei no 6.515/77;
9. No entanto, entendemos que o juiz não deverá impor tal
regime, mas recomendar, sempre que possível, avença entre
os pais nesse sentido, a fim de que se evitem os prejuízos
decorrentes das desavenças e conflitos entre os pais no
tocante à criação do filho. Em casos como esse, os prejuízos
advindos da imposição superarão a de um sistema de guarda
dividida, bem regulado, a ser admitido, contudo, apenas em
casos excepcionais.
39
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.1.6. Guarda compartilhada e a Lei n o 11.698/2008
A maioria da doutrina entende que a guarda compartilhada apenas
“compartilha” o Poder Familiar, jamais a pensão, a divisão equitativa de
tempo com filhos e a alternância de residências. Neste particular, destacase o posicionamento do didático juiz Geraldo Claret de Arantes.1
As varas de família e a guarda compartilhada
Desde o Direito romano, os filhos eram tidos como objetos,
propriedades dos pais e assim sempre foram tratados pelo
direito, até a existência da atual Doutrina da Proteção Integral,
sob os auspícios das Organizações das Nações Unidas – ONU,
e recepcionadas pelo ordenamento pátrio.
Em vista da milenar prática anterior, até os dias de hoje ainda
se aplica, nas Varas de Família, o Direito antigo.
As guardas são ainda decididas em relação a um contrato
entre terceiros que se desfaz, ou seja, a ruptura do vínculo
matrimonial que pouco tem a ver substancialmente com o
vínculo da maternidade e da paternidade, estes vitalícios e
irrevogáveis.
Assim, se concede a guarda ainda como prêmio ou castigo
para um dos cônjuges, como se a criança ou adolescente fosse
um bem – ou ainda um objeto como no Direito romano – a ser
oferecido ao cônjuge inocente pela dissolução do casamento,
e não observando o direito de convivência familiar da criança
e do adolescente com ambos os pais, na forma estabelecida
pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente, além de toda a normativa internacional
ratificada pelo Brasil.
Destituição sumária do pátrio poder (poder familiar)
Quando um pai ou mãe comete um grave crime contra a criança
ou um adolescente, pode ser réu em ação de destituição do
pátrio poder (Poder Familiar).
Trata-se de uma das mais graves ações judiciais, equivalente
à execução civil ou a processo criminal, tanto que não
prescinde do devido processo legal, com a citação válida,
pleno conhecimento da acusação, do mais amplo direito
1 ARANTES, Geraldo Claret de. Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do Operador Jurídico.
Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008.
40
Material Complementar da Obra
de defesa, do contraditório e todas as instâncias recursais,
não comportando a restrição judicial completa antes de
transitada em julgado a decisão.
Quando se concede a guarda a apenas um dos pais, em
decorrência da dissolução do matrimônio, opera-se
verdadeira violência jurídica, vez que cassa-se sumariamente,
e sem o devido processo legal substancial, o Poder Familiar
do outro cônjuge, vez que a guarda absoluta, concedida a
apenas um dos pais, lhe concederá com exclusividade todos
os direitos relacionados com a filiação, incluindo o direito
de opor-se, para todos os efeitos legais e extrajudiciais,
ao pai que foi excluído da guarda.
A guarda absoluta a apenas um dos pais, como concedida
ainda hoje, viola assim, os mais elementares princípios do
direito, seja processualmente, seja em relação ao direito do
pai ou mãe excluído de seu direito vitalício de paternidade,
sem que tenha cometido nenhum ato violador dos direitos da
criança ou adolescente, e deve ser revisto.
A aplicação da guarda no novo direito
O instituto regula-se pelo Estatuto da Criança e do Adolescente
que é norma especial, e subsidiariamente pelo Código Civil,
norma geral, no que couber.
O objetivo da Guarda é a proteção dos direitos declarados pelo
art. 227 da Constituição Federal: vida, saúde, alimentação,
educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade,
respeito, liberdade, convivência comunitária e, especialmente,
familiar o que deve ser interpretado latu sensu, incluindo
ambos os pais, os avós, tios e primos paternos e maternos.
A extinção do vínculo matrimonial não extingue ou modifica o
vínculo da maternidade ou da paternidade, que são vitalícios
e independem do Estado civil de seus pais, permanecendo até
a maioridade civil as obrigações de sustento e educação.
Assim, quando houver a dissolução do casamento em
não sendo nenhum dos pais réu condenado em Ação de
Destituição do Poder Familiar, ambos permaneceram com a
guarda compartilhada dos filhos menores de dezoito anos
de idade, sendo que o Juiz deverá determinar em companhia
de qual dos pais deverão permanecer os filhos, e em que dias
e horas da semana a companhia dos filhos será alterada,
41
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
sem que tal decisão altere os poderes e deveres da guarda
compartilhada.
Desta forma, um dos pais terá os filhos em sua companhia
mas ambos os pais terão a guarda compartilhada dos filhos,
com todos os poderes e deveres dela decorrentes.
Não se confunda a Guarda Compartilhada, que diz respeito
aos direitos e deveres vitalícios inerentes ao poder-dever
familiar, de ambos os pais, independentemente de seu
estado civil e nada influindo com a determinação judicial
de em companhia de qual dos pais ficará o filho, com a
Guarda Alternada, que é absolutamente desaconselhada
e ilegal, dado que trará insegurança aos filhos, mudança de
ambientes, de escola, de residência e outras violações do
direito à convivência familiar integral garantida em Lei, quer
dos filhos, quer dos pais.
O novo Código Civil, embora tenha desconsiderado substancialmente o art. 227 da Constituição Federal e a Doutrina da
Proteção Integral em sua retrógrada e obtusa redação no campo do direito da família, em pequena redenção determina que
ambos os pais deverão fiscalizar a manutenção e educação do
filho, independentemente de quem lhe detém a guarda.
g ver arts. 19, 21, 22, 33, 34 e 35 do ECA e 1.583, 1.584,
1.585, 1.586, 1.587, 1.588, 1.589 do novo Código Civil.
Qualquer parente passa a ter, por disposição do novo Código
Civil, legitimidade para requerer a suspensão do Poder
Familiar, com reflexos no direito de guarda, quando houver
ameaça ou violação de direito das crianças e dos adolescentes.
g ver art. 1.637 do novo Código Civil.
42
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3. Adoção
Waldyr Grisard Filho,2 em excelente artigo, apresentou a seguinte
evolução histórica da adoção.
Evolução histórica
O instituto da adoção, como de Direito de Família, surgiu na
mais remota Antiguidade, com motivações distintas das que
apresenta hoje. Na Índia antiga, a adoção visava assegurar
a perpetuidade da família por varonia, pois ao varão cabia
celebrar os cultos religiosos. Por isto, as Leis de Manu
permitiam a adoção, mas somente entre um homem e um
rapaz da mesma classe. Outro exemplo da remoticidade do
instituto nos dá o Código de Hamurabi, mais de 1.500 anos
antes de Cristo, nos §§ 185 a 193: se um cidadão adotou
uma criança desde o seu nascimento e a criou, essa criança
adotada não pode ser reclamada.
Na Bíblia, a Lei do Levirato (Deuteronômio, 25-5) obrigava os
irmãos do esposo morto a desposar a cunhada para dar-lhe
descendência “a fim de que o seu nome não se extinga em
Israel”. Sua finalidade era conferir descendência, a quem não
a tinha e, desta maneira, assegurar a subsistência da família,
com a consequente transmissão do nome, do patrimônio e do
culto aos deuses.
Séculos depois, o talento romano encontrou na adoção
meio de continuar o culto familiar. De profunda concepção
religiosa, significava uma catástrofe para a família que
terminava sem a transmissão do culto familiar. A religião
exigia, imperiosamente, que a família não se extinguisse. Por
isto, quando a natureza negava a descendência biológica,
socorria-lhe a adoção, como meio de continuação da família.
Em Roma, através da adoção, também se alcançava
determinados efeitos políticos: obter a cidadania,
transformando o plebeu em patrício e vice-versa, visando
o ingresso no tribunalato; preparar a transmissão do poder
(Tibério e Nero, que foram adotados por Augusto e Cláudio,
respectivamente). Por vezes, a adoção tinha finalidade
econômica, deslocando-se mão de obra excedente em uma
família para outra que dela precisasse.
2 “Será verdadeiramente plena a adoção unilateral?”. Revista Brasileira de Direito de Família no 11, out.nov.-dez./2001, p. 31.
43
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Foram conhecidas duas formas de adoção: a adrogatio e a adoptio.
Pela primeira, um cidadão sui iuris, que não está sob a autoridade
de nenhuma pessoa, toma como filho outro cidadão sui iuris, sob
a aprovação do povo reunido em comício. Pela segunda, adoção
propriamente dita, o adotando era um alieni iuris, ou seja, pessoa
sob o pátrio poder de outra, que, por contrato, era vendida ao
adotante, mediante intervenção do magistrado.
A adoção produzia o efeito de desligar completamente o
adotado de sua família de origem, passando a integrar a família
adotiva. Sob Justiniano (533 d.C.), a adoptio plena só produzia
este efeito quando o adotante fosse ascendente do adotando.
Os germanos conheceram vários tipos de adoção, de caráter
patrimonial – adoptiones in hereditatem –, explicados por
não pertencer a propriedade ao indivíduo, mas a toda
a comunidade familiar, só se conhecendo a sucessão ab
intestato. Sem descendência e para resolver a sucessão
patrimonial, recorria-se à adoção.
Na Idade Média, desapareceu. Para isto muito contribuiu a
Igreja, que via a adoção como “adversária” do casamento,
pois se pessoas podiam ter filhos não naturais para imitação
da natureza e amparo delas na velhice, podiam dispensar o
matrimônio, desestimulando-se para este, noticia Hélio Borghi.
Na Espanha, a Lei das Sete Partidas recepcionou o direito
justinianeu. Distante dos costumes do povo, não teve aceitação.
Na França, praticamente desaparecido, ressurgindo no início
do século XIX, com o Código de Napoleão, com fins sucessórios,
pois interessava ao próprio imperador adotar um de seus
sobrinhos para fazer dele o sucessor que lhe negara Josefina.
A Primeira Grande Guerra fez ressuscitar a adoção. As dolorosas
consequências do conflito, com um enorme contingente
de órfãos e abandonados, privados de suas famílias, foram
circunstâncias que comoveram a opinião pública e os
legisladores. A adoção saiu da letargia e entrou em uma fase
de pujança legislativa, daí surgindo a adoção internacional.
44
Neste caminho, sofreu transformações em sua finalidade.
Concebida, originariamente, no interesse do adotante,
para assegurar a perpetuidade da família e dos ritos
domésticos, passou à transmissão do nome e do patrimônio.
Modernamente, está ordenada no melhor interesse do menor,
tendo por fim protegê-lo, mediante inserção em uma família
que lhe dê amor, educação, felicidade e o prepare para a vida
de relação. É uma verdadeira instituição de proteção familiar
e social, para dotar o menor de uma família que lhe assegure
seu bem-estar e seu desenvolvimento integral.
Material Complementar da Obra
No Brasil, o tema foi quase ignorado pelas Ordenações,
que não o regulou convenientemente, devendo as questões
ocorrentes ser decididas à luz do Direito Romano e
estrangeiro, subsidiárias das leis nacionais, anota Pontes
de Miranda. Maior ênfase lhe deu o Esboço, de Teixeira de
Freitas (arts. 1.625-1.633).
Instituído pelo Código Civil de 1916 (arts. 368-378), com
todas as exigências originárias, estava fadado ao desuso.
Para reerguê-lo, modificou-o a Lei no 3.133, de 18 de maio de
1957, reduzindo a idade do adotante para 30 anos (era 50) e
a diferença de idade entre adotantes e adotados para 16 anos.
Também estabeleceu o quinquênio de casamento para adotar
e dispôs sobre o consentimento do adotando, o direito ao
nome, à sucessão e ao desfazimento do vínculo. Sem o êxito
esperado, continuou em desuso.
Em 1965, a Lei no 4.655 instituiu a legitimação adotiva, forma
mais ampla de adoção, pela qual o adotado ficava quase
equiparado nos direitos e deveres do filho legítimo, salvo nos
casos de sucessão hereditária. Estas alterações foram ainda
insuficientes ao pleno sucesso do instituto. A Lei no 6.697,
de 10 de outubro de 1969, que instituiu o chamado Código
de Menores, realizou significativo avanço na evolução da
adoção, que passou a acolher a teoria da proteção integral
do menor. Além de manter a adoção regulada pelo Código
Civil, distinguiu a adoção simples, destinada aos menores
em situação irregular, e a adoção plena, substituindo com
vantagem a precedente legitimação adotiva.
A Constituição Federal de 1988 dispõe, apenas, sobre a adoção
(art. 227, § 5o), sem distinguir quaisquer de suas atuais formas,
simples ou plena, abolindo a diversidade dos efeitos de uma ou
de outra (art. 227, § 6o). Em decorrência, foi editada a Lei no
8.069, de 13 de julho de 1990, que, dispondo sobre o Estatuto
da Criança e do Adolescente, revoga o até então vigente Código
de Menores, consolida a teoria da proteção integral do menor
(art. 1o) e unifica as duas formas de adoção previstas na lei
revogada, cuidando de uma só delas nos arts. 39 a 52, a adoção
plena. Neste contexto é que insere a adoção unilateral (art. 41,
§ 1o, do ECA), objeto deste estudo.
São seus destinatários os menores em geral, independentemente
de sua situação, assim consideradas crianças as pessoas até
doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquelas entre
doze e dezoito anos de idade (art. 2o).
45
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3. Adoção
A estagiária do Ministério Público, Thaís Helena dos Anjos, em sua
monografia de final de curso de Direito, com nota dez com louvor (em que
presidi a banca e orientei na monografia), assim relata as mudanças realizadas:
A adoção passa a ser irrestrita, sendo constituída somente
pelo processo judicial, seja qual for a idade do adotando,
tendo sido, portanto, revogada a adoção por escritura
pública, prevista no Código Civil de 1916, onde a mesma era,
inclusive, retratável pelas partes maiores e capazes.
Tais alterações têm como objetivo acabar com antigos
costumes como a “adoção à brasileira”, pela qual um casal
recebia uma criança indesejada pela mãe e era registrada
como filho biológico, sem que a Justiça fosse informada da
verdadeira origem da criança, gerando, por vezes, o crime do
art. 242 do Código Penal.
Esse costume, aparentemente inocente serviu para ocultar
casos de adolescentes grávidas, abuso de menores, e até
mesmo crimes, como ocorreu no caso do rapto do menino
Pedrinho, ocorrido em Brasília, em janeiro de 1986.
Outra prática era dos “filhos de criação”, isto é, pessoas que
conviveram com famílias, às vezes desde o nascimento, mas
que não eram considerados “da família”, não tendo portanto
os mesmos direitos que os filhos legítimos.
Diante do grande número de crianças abandonadas,
carentes de proteção material, educacional (e, o que é mais
importante, de amor e carinho) e do interesse de pessoas
plenamente capazes de preencher tais necessidades, o novo
Código Civil buscou facilitar o processo de adoção, tendo, em
suma, acolhido a adoção plena do Estatuto da Criança e do
Adolescente, em quase toda sua integridade.
O termo adoção é originado do latim adoptio, e quer dizer
literalmente: “ato ou efeito de adotar”. Adotar quer dizer
tomar, assumir, receber como filho. Várias são as definições
encontradas na literatura jurídica, acerca do instituto da
adoção. Cícero afirmou que “adotar é pedir à religião e à lei
aquilo que da natureza não se pode obter”.
Carvalho Santos definiu-a como “ato jurídico que estabelece
entre duas pessoas relações civis de paternidade e filiação”.
46
Pontes de Miranda disse ser ela um “ato solene pelo qual
se cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de
paternidade e filiação”.
Material Complementar da Obra
“Se um homem adotar uma criança e der seu nome a ela como
filho, criando-o, este filho crescido não poderá ser reclamado
por outrem” (art. 185 do Código de Hamurabi).
A preocupação com os órfãos e com crianças destituídas de
uma família e a prática da adoção sempre existiram na história
da humanidade. A adoção teve sua origem na antiguidade. A
Bíblia também nos dá notícia de sua aplicação pelos hebreus.
O Antigo Testamento, reconhecido por várias religiões como
verdadeiro e sagrado, traz o relato da história de Moisés, que
foi adotado pela filha do Faraó.
Os códigos de Manu e de Hamurabi já traziam em seus textos
dispositivos regulamentando a prática da adoção. Na Grécia,
seu uso era regular, sendo que em Esparta o próprio governo
tomava para si a responsabilidade de criar e educar as
crianças, consideradas propriedade do Estado.
Era muito utilizada entre povos orientais, como forma
de perpetuar o culto familiar pela linha masculina, ou, se
houvesse a hipótese de falecimento do pater familias, sem
deixar herdeiro (pessoa capaz de continuar o culto aos
deuses-lares), a adoção supria essa finalidade.
Entretanto, foi no direito romano que esse instituto
difundiu-se, encontrando disciplina e ordenamento jurídico
sistemático, pelo qual, um chefe de família sem herdeiros
podia adotar como filho um menino de outra família. O
adotado deveria receber o nome do adotante e herdar seus
bens. O princípio basilar da adoção na Antiguidade, que foi
absorvido pelo Direito Civil contemporâneo, era o de que a
adoção não poderia se afastar da filiação natural: adoptio
naturam.
Conta o mito que os gêmeos abandonados, Rômulo e Remo,
foram amamentados por uma loba e fundaram Roma; o
Império Romano foi reinado por mais de um século pelos
filhos adotivos de Otávio, o “Augusto”, que por sua vez foi filho
adotivo de Júlio César.
Assim, foram os romanos que estabeleceram as bases da
adoção legal, na ideia de filiação conferida por um certificado
concedido aos pais adotivos e da transmissão do nome de
família por meio da adoção.
Na Idade Média, sob a influência do Direito Canônico,
que entendia ser a família cristã apenas aquela oriunda
do sacramento matrimonial, a adoção caiu em desuso até
desaparecer completamente. Com a Revolução Francesa,
porém, a adoção voltou à pauta e, posteriormente, mesmo
que timidamente, o Código de Napoleão de 1804 a incluiu em
47
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
seu corpo. A legislação francesa influenciou diversas culturas,
inclusive a brasileira.
Desde a infância, ouvimos relatos de adoções, sendo
pacificamente aceito por crianças de várias gerações, como
algo perfeitamente natural. Nas histórias infantis existem
inúmeros personagens que fazem parte de famílias adotivas:
um dos mais conhecidos é o Super-Homem (mesmo tendo
vindo de outro planeta, foi adotado por um casal de idosos e
que viu nesta criança extraterrestre sua única chance de ter o
filho tão desejado, provavelmente por terem sofrido inúmeras
dificuldades em adotar uma criança deste planeta); temos
ainda no desenho dos “Flinstones” o Bam-Bam, filho adotivo
de Barney e Beth; Mogli, o menino-lobo foi abandonado na
floresta e adotado seguidamente por vários animais; Simba,
no filme “O Rei Leão”, ficou perdido na floresta e também foi
adotado por uma família bastante diferente: um javali e um
roedor do deserto.
Quem não assistiu a um filme onde uma criança ou adolescente
tem a felicidade em ser adotado, de ter uma família que lhe
dê amor e a oportunidade de crescer em um lar, como deveria
acontecer com todas as crianças do mundo.
Historicamente, a adoção pode ser dividida em duas grandes
etapas, de acordo com Pilotti: a adoção “clássica”, que visa
solucionar a crise dos matrimônios sem filhos, e a adoção
“moderna”, que busca resolver a crise da criança sem
família. Esta última tendência adquiriu caráter de urgência
durante as guerras mundiais por causa da sequela de órfãos
abandonados e da onipotência do Estado em resolver uma
situação de risco social, deixando para a iniciativa privada
toda a responsabilidade do tema.
Foram nestes momentos de horror e desespero que
inúmeras crianças viram seus lares destruídos, suas famílias
irremediavelmente separadas, tendo sido adotadas por
pessoas de outros países, raças, crenças etc., como aconteceu
com milhares de crianças judias que sobreviveram ao
holocausto nazista ou com crianças, fruto de relacionamentos
fugazes entre soldados americanos e mulheres vietnamitas,
que numa manobra política do governo dos Estados Unidos
incentivou a adoção por casais daquele país.
Sobre características da adoção no Brasil, prossegue Thaís:
48
A preferência é atualmente o maior problema da adoção. No
Brasil, a maioria dos casais que desejam adotar uma criança
está à procura de bebês saudáveis e brancos, especialmente
recém-nascidos até 3 (três) meses de vida e melhor ainda
Material Complementar da Obra
se forem meninas. Uma criança branca e ainda na primeira
infância tem muito mais chance de ser adotada no Brasil do
que uma negra ou mulata já em idade escolar.
Segundo a professora da Universidade Federal do Paraná,
Lidia Weber, que pesquisou durante um ano e meio 164
famílias adotivas com filhos maiores de 12 anos, são as
pessoas com melhor situação financeira que fazem as maiores
restrições nesse aspecto. Dados coletados por sua equipe,
nos processos de adoção realizados entre 1990 e 1995 no
Juizado da Infância e da Juventude de Curitiba, mostram que
os estrangeiros são muito mais flexíveis quanto à idade, cor
e sexo da criança.
Nesse período, os estrangeiros adotaram, em sua maioria,
crianças com mais de 5 anos, do sexo masculino e morenas,
o que nos faz pensar na importância da adoção internacional
para o futuro de centenas, talvez, milhares de crianças que
vivem hoje em instituições e que teriam nela sua única chance
de ter um lar e uma família.
Segundo a pesquisa, também se observou que o compromisso
dos pais adotivos com a educação dos filhos é, às vezes, maior
do que nas famílias com filhos biológicos, principalmente
pelo desejo de que a relação dê certo. Metade das adoções
ocorreu em famílias de classe média, com renda superior
a R$ 1.500 (um mil e quinhentos reais) por mês. A maioria
era formada por casais na meia-idade — 33 anos, em média,
para as mulheres, e 38, para os homens. Quatro em dez pais
adotivos tinham curso superior completo (veja quadro).
Perfil dos filhos adotivos...
... e dos pais que adotam
64% são brancos
91% estavam casados na época da
adoção
60% são mulheres
55% não podiam ter filhos
69% eram recém-nascidos na época
da adoção
45% já tinham filhos biológicos
62% nunca tiveram notícias de seus
pais biológicos
40% têm curso superior completo
69% sempre souberam que eram
adotivos
50% recebem mais de 1 500 reais
por mês
Disponível em: Universidade Federal do Paraná, Profa. Lidia Weber
49
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Sobre o problema das instituições, Thaís Helena dos Anjos avança:
As crianças abandonadas ou retiradas da guarda de seus
pais biológicos são encaminhadas a instituições destinadas a
abrigá-las e, geralmente, permanecem por ali durante muito
tempo, infelizmente, na maioria dos casos, até atingirem a
idade limite que é de 18 anos.
Trata-se de uma vida indigna, massificante, cruel e decadente.
Sobre os sentimentos das crianças:
A maioria das crianças que passa pela experiência de
abandono e que são recolhidas em uma instituição apresenta
um sentimento negativo em relação aos seus pais biológicos,
são pessimistas e tem dificuldades em planejar e refletir
sobre seu futuro.
O maior desejo dessas crianças que vivem em orfanatos é ter
uma família e elas são menos exigentes quanto aos requisitos
que seus futuros pais devem ter, ao contrário das pessoas que
procuram adotar uma criança.
É importantíssimo possibilitar que estas crianças sejam,
o mais rápido possível, recebidas em famílias substitutas,
isto é, que se faça a adoção, para garantir que recebam o
amor, a atenção, o carinho que todo ser vivo necessita para
desenvolver de forma plena sua criatividade, sua capacidade
de dar e receber amor, enfim, de ter um futuro normal.
Apesar da adoção existir na humanidade, desde os primórdios
dos tempos, parece ser um tema mais ligado à emoção do que
à razão, típico do Direito de Família.
O maior desafio enfrentado pelas instituições que trabalham
com o tema no Brasil é estimular a adoção de crianças com
mais de dois anos de idade e de raça diferente da dos pais
adotivos. Ainda hoje, apesar de ter aumentado o interesse
por crianças mais velhas e negras, a grande maioria dos
interessados é formada por casais que pretendem ter um
bebê de cor branca.
O resultado desta preferência é perverso: o número de pais
pretendentes à adoção de recém-nascidos de cor branca é
maior do que o número de crianças disponíveis, enquanto,
por outro lado, todos os outros tipos de adoção (inter-racial,
monoparental, portadores de HIV ou de necessidades especiais
e mais velhas) encontram-se em considerável déficit.
50
Material Complementar da Obra
Muitas pessoas que desejam adotar preferem crianças
pequenas, especialmente recém-nascidos, por temerem que
crianças mais velhas (acima de 6 meses) tenham adquirido
“vícios” na família biológica, em outros lares substitutos
ou no orfanato e que sejam mais difíceis de educar e de se
adaptarem à nova família.
Outro fator importante é a exigência de que sejam crianças
saudáveis, com “boa aparência”, quase o mesmo que se
observa na adoção de animais, só falta perguntar se “já foi
vacinado, é dócil ou adestrado”.
Além disso, existe o problema do preconceito em se adotar crianças
de cor ou raça diferente, com medo do “preconceito dos outros”.
Há também o receio em relação aos pais biológicos, de
que estes possam requerer a criança de volta ou de adotar
crianças sem saber as origem de seus pais biológicos, pois
a “marginalidade” dos pais seria transmitida geneticamente.
Mas, o maior de todos os problemas é a crença de que uma
criança adotada, cedo ou tarde, traz problemas. Por isso,
muitos casais acham que quando a criança não sabe que é
adotiva ocorrem menos problemas, assim, deve-se adotar
bebês e “fazer de conta” que é uma família natural.
A maioria destes conceitos errôneos poderiam ser
esclarecidos através de campanhas, publicações, folhetos,
cursos e outras estratégias que visassem simplesmente
maiores informações sobre o tema.
Em geral, relacionamentos entre pais e filhos, tanto adotivos
quanto biológicos, são marcados por conflitos, em graus
variados, de acordo com a classe social, idade, vida socioafetiva
de seus membros, educação, limites etc. No entanto, a falta
de pesquisas e estudos sistemáticos sobre os resultados da
adoção no Brasil faz com que as pessoas tenham receio de
adotar, principalmente crianças mais velhas, que tenham
uma vivência com pais e irmãos biológicos e com instituições
de amparo a crianças abandonadas ou que foram tiradas de
seus lares por maus tratos ou outros problemas.
Casos de sucesso de adoção são pouco divulgados, sendo mais
comum notícias sobre casos em que houveram dificuldades,
sobre comportamento rebelde de filhos adotivos contra
aqueles que o acolheram ou contra a sociedade em geral,
vulgarmente conhecidos como “revoltados” por sua condição
de filhos cujos pais biológicos os rejeitaram.
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Busca-se, então, uma “justificativa”: são fruto das drogas,
bebidas e desvio de personalidade dos pais biológicos; são
lembranças do abandono e/ou de uma gestação indesejada etc.
Forma-se desta maneira uma representação social limitada e
errônea sobre a associação genérica entre adoção e fracasso.
A adoção é uma experiência muito mais tranquila e
gratificante do que se imagina para pais e filhos. Alguns
fatores ajudam ou atrapalham o relacionamento entre pais
e filhos adotivos. Os casos mais bem-sucedidos ocorreram
em famílias cujos pais tomaram a iniciativa de contar aos
filhos que eram adotivos sem nunca tentar esconder deles
essa circunstância. A sinceridade e a confiança são essenciais
nos relacionamentos humanos, inclusive entre pais e filhos.
Tentar esconder uma informação tão importante, quando
descoberta através de terceiros ou de forma brusca, numa
discussão por exemplo, sempre traz traumas e transtornos.
Thaís Helena dos Anjos, portanto, conclui:
A adoção é um dos gestos mais nobres e dignos de louvor
entre todas as ações do ser humano. O ato de receber como
seu o filho de outro, muitas vezes de um desconhecido, cuidar,
zelar por ele, dar-lhe o que lhe foi negado, uma família, alguém
para acalentá-lo, defendê-lo e, principalmente, amá-lo.
Durante a história da humanidade, o homem tem procurado
suprir suas necessidades familiares, seja para garantir sua
sucessão, a continuidade de sua família, o culto de seus
deuses, ou então, a segurança de alguém para cuidar de si
em sua velhice (aliás, fato excepcional, que culmina com o
Estatuto do Idoso) ou, ainda, pelo prazer de ter a quem
chamar de filho.
Isto ocorreu no Brasil, que desde o início do século XX,
elaborou leis para regulamentar a prática da adoção,
tentando a princípio garantir e preservar os direitos dos
chamados “filhos legítimos” e com o decorrer dos anos,
buscando o objetivo maior da adoção que é o benefício de
quem é adotado, isto é, a criança e o adolescente.
52
Com a criação da Lei no 8.069/1990, o Estatuto da Criança
e do Adolescente, e, antes deste, com a promulgação da
Constituição Federal de 1988, surgem dispositivos legais,
definindo aspectos favoráveis ao adotando, ao coibir qualquer
forma de discriminação em relação ao adotado; ampliando o
rol daqueles que poderiam adotar, ao reduzir a idade mínima
Material Complementar da Obra
do adotante de 30 (trinta) para 21 (vinte e um) anos e após
para 18 anos (Lei no 12.010/2009); permitindo a adoção por
uma única pessoa, casada ou não, e considerando a união de
fato como uma família nas mesmas condições da oficialmente
constituída.
Num primeiro momento, o CC/1916 permitia a adoção
somente de maiores de 21 anos e por escritura pública, e o
ECA, em 1990, para crianças e adolescentes, por sentença
judicial. Veio o CC/2002 e praticamente acampou toda
disciplina de adoção, de maiores e menores, por sentença
judicial. Depois, a Lei no 12.010/2009 revogou praticamente
todos dispositivos de adoção do CC/2002, deixando apenas
artigo explicativo de que a adoção de maiores de 18 anos seria
pelo CC, porém, seguindo as regras do ECA no que adequado,
enquanto que a adoção de crianças e adolescentes seria pelo
ECA, com várias modificações no Estatuto, conforme veremos
neste estudo (cf. art. 1.619 do CC/2002 com redação dada
pela Lei no 12.010/2009).
Pode-se observar, ao analisarmos as leis em vigor no Brasil e
que tratam da adoção, que antes de atender aos interesses do
adotante, busca-se o bem-estar do menor, não só no aspecto
material, mas principalmente seu desenvolvimento pleno no
que tange a sua formação moral e socioafetivo da vida dentro
do seio familiar.
53
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3.1. Características da adoção: antes e depois do CC e, em
seguida, com a Lei n o 12.010/2009
Sobre a adoção, que era regida pelo CC/2002 antes da Lei no
12.010/2009, destacamos na época o seguinte artigo – “A releitura da
adoção sob a perspectiva da doutrina da proteção integral à infância e
adolescência” – de Maria Claudia Crespo Brauner (Professora do Programa
de Pós-Graduação em Direito da Unisinos) e Maria Regina Fay de Azambuja
(Procuradora de Justiça do Ministério Público do RS, Mestranda em Direito
da Unisinos, Sócia do IBDFAM), publicado na Revista Brasileira de Direito
de Família no 18 – jun-jul/2003, p. 30).
O sonho pelo qual eu luto exige que eu invente em mim a
coragem de lutar, ao lado da coragem de amar.
(Paulo Freire)
Sumário: Introdução 1. Aspectos Históricos da Adoção.
2. Doutrina da Proteção Integral: Adoção como Medida de
Proteção; 3. O novo Código Civil frente à Adoção; Conclusão.
Referências Bibliográficas.
Introdução
A adoção de uma criança ou adolescente, ao mesmo tempo
em que nos põe em sintonia com um instituto extremamente
atual, delineado pelo princípio da Doutrina da Proteção
Integral à Criança e ao Adolescente, remete-nos a uma prática
que já se fazia presente no início da história das civilizações.
Por razões diversas, próprias de cada momento histórico, a
humanidade, desde os seus primórdios, recorreu à adoção,
como demonstram inúmeros relatos históricos e referências
de variadas legislações antigas.
No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, avanços
significativos são observados no trato do instituto da adoção.
Sob a influência dos princípios que vieram a integrar a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, o art.
54
Material Complementar da Obra
227 da Carta de 1988 introduziu, no ordenamento jurídico
brasileiro, o princípio da Doutrina da Proteção Integral,
assegurando às crianças e aos adolescentes a condição de
sujeitos de direitos, enquanto pessoas em desenvolvimento
e, auferindo-lhes o tratamento definido pela prioridade
absoluta no atendimento de seus direitos.
Inverteu-se, desde então, o enfoque atribuído ao tratamento
dado à infância e adolescência, rompendo-se a ideologia do
assistencialismo e da institucionalização que privilegiava
o interesse e a vontade dos adultos, pela proposta de
reconhecimento à criança e ao adolescente de direitos e
proteção especiais.
A mudança de paradigma tem exigido a substituição de
práticas que caracterizaram a Doutrina da Situação Irregular,
representada pelo Código de Menores de 1979, por ações
que garantam o melhor interesse da criança, segundo
as disposições trazidas pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei no 8.069 de 1990.
Neste artigo pretende-se esboçar breves comentários
sobre os aspectos históricos da adoção, para, num segundo
momento, expor a Doutrina da Proteção Integral, tratando a
adoção como medida de proteção à criança ou ao adolescente
e, finalmente, apresentar e tecer comentários sobre a adoção
a partir do novo Código Civil brasileiro de 2002.
1. Aspectos Históricos da Adoção
A adoção surge na mais remota antiguidade, tendo como berço
a Índia, passando, juntamente com as crenças religiosas, aos
egípcios, persas, hebreus e, posteriormente, aos gregos e
romanos. As crenças primitivas impunham a necessidade da
existência de um filho, a fim de impedir a extinção do culto
doméstico, considerado a base da família.
Relata Fustel de Coulanges que: “adotar um filho era a
possibilidade de vigiar pela perpetuidade da religião doméstica,
pela salvação do lar, pela continuidade das oferendas fúnebres,
pelo repouso dos manes dos antepassados”.
A Bíblia relata a adoção de Moisés, pela filha do Faraó, no
Egito. Por sua vez, o Código de Hamurábi (1728-1686 a.C.),
na Babilônia, disciplinava minuciosamente a adoção em oito
artigos. Ao filho adotivo que ousasse dizer aos pais adotivos
que eles não eram seus pais, cortava-se a língua; ao filho
55
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
adotivo que aspirasse voltar à casa paterna, afastando-se dos
pais adotivos, extraíam-se os olhos (arts. 192 e 193).
Em Roma, era exigida a idade mínima de 60 anos para
o adotante, vedada a adoção àqueles com descendência
legítima.
Na Idade Média, a adoção não rompia os vínculos de
parentesco do adotivo com a família natural, caindo o instituto
em desuso, por influência dos princípios religiosos vigentes à
época. Os filhos sendo considerados como uma bênção divina
e, noutro sentido, a esterilidade conjugal concebida como um
castigo dos céus, que deveria ser aceito e, jamais compensado
através da prática da adoção. Paralelamente, são criados os
orfanatos ou hospícios para recolher as crianças enjeitadas
pela sociedade, evitar a exposição e o infanticídio, mas que
apenas serviriam a lhes conceder um destino de miséria e
exclusão social.
Inventa-se na Europa o sistema de rodas de expostos a fim de
garantir o anonimato dos abandonos e evitar a exposição de
recém-nascidos, em praças públicas, portas de igreja, casas de
família ou, até mesmo, nos lixos das cidades, modelo este que
será implementado no Brasil e que perdurará, infelizmente,
até os anos cinquenta.
Somente após a Revolução Francesa, a adoção ressurgiu,
através do Código Napoleônico de 1804, como ato jurídico
capaz de estabelecer o parentesco civil entre duas pessoas,
passando a ser admitida em quase todas as legislações.
Napoleão se inspirou do Direito Romano, fazendo renascer o
instituto da adoção após seu longo tempo de esquecimento.
Assim, após a Revolução Francesa houve o interesse em
estimular a adoção, imitando-se o fenômeno ocorrido na
antiguidade, talvez no intuito de estimular a divisão das
fortunas, dando até mesmo àqueles que já tinham filhos, a
possibilidade de se atribuir herdeiros suplementares, embora
havendo determinadas restrições legais.
No Brasil, o Código Civil de 1916 deu ao instituto uma restrita
possibilidade de utilização, refletindo a cultura dominante no
início do século passado. Para exemplificar, somente poderia
adotar o maior de 50 anos, sem descendentes legítimos ou
legitimados, e desde que fosse, pelo menos, 18 anos mais
velho que o adotado (arts. 368 e ss.).
56
Material Complementar da Obra
A adoção internacional, por sua vez, aparece, como prática
regular, após a Segunda Guerra Mundial, em face da
existência de multidões de crianças órfãs, sem qualquer
possibilidade de acolhimento em suas próprias famílias.
Crianças da Alemanha, Itália, Grécia, do Japão, da China e, de
outros países, foram adotadas por casais norte-americanos e
europeus.
Calcula-se que milhares de crianças tenham sido
encaminhadas para o exterior, sem que tivessem os
documentos indispensáveis à regularização de sua situação,
demonstrando a intensidade da explosão das adoções
internacionais, ocorrida nos últimos quarenta anos.
Já referimos ser “indubitável que o processo de adoção
internacional seja complexo e delicado, pois além das
questões que incumbem ao direito interno de cada país,
existem questões de competência de direito internacional
privado. Os conflitos de leis que têm surgido em relação às
condições e efeitos da adoção são normalmente resolvidos,
levando-se em consideração a lei mais benéfica para a
criança”.
Alguns dados demonstram que, dentre o contingente de
crianças adotadas na Itália, entre 1985 e 1990, quase 80%
eram provenientes da América Latina. Já na França, das
5.348 crianças adotadas entre 1990 e 1992, 21,16% eram
brasileiras.
O descontrole, os abusos verificados, especialmente a
existência do tráfico internacional de crianças, no país de
origem e no de acolhida, fizeram nascer a necessidade de
serem estabelecidas normas eficazes de garantia das adoções
e de proteção aos infantes.
Na América Latina, as mudanças legislativas tiveram início
no final da década de 80, buscando atender aos princípios
introduzidos pela Convenção Internacional dos Direitos da
Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
em 20 de novembro de 1989. Passou-se a considerar a criança
como sujeito de direitos, afirmando o seu direito a ter um
nome, a partir do nascimento, assim como o direito a ter uma
nacionalidade; o direito de conhecer e conviver com seus pais,
a não ser quando incompatível com seu melhor interesse;
afirmando o caráter excepcional da adoção internacional,
entre tantas outras disposições que vêm definidas em seus
56 artigos.
57
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
2. Doutrina da Proteção Integral: Adoção como Medida
de Proteção
Não há como deixar de mencionar, dentro do contexto
histórico, a postura de vanguarda assumida pelo Brasil, em
1988, ao introduzir a Doutrina da Proteção Integral em seu
sistema jurídico, através do art. 227 da Constituição Federal.
Portanto, mesmo antes da aprovação do texto que deu origem
à Convenção, nosso País já assumira um compromisso com
a infância. Doravante, entre os direitos fundamentais
assegurados à criança brasileira, encontramos, ao lado do
direito à vida, à saúde, à educação, à liberdade, ao respeito, à
dignidade, o direito à convivência familiar.
O novo paradigma, marcado pelo direito fundamental à
convivência familiar, o direito de a criança ser criada e
educada no seio da família natural, conforme estabelece o
Estatuto da Criança e do Adolescente, está a exigir uma nova
postura das instituições que compõem o sistema de proteção,
quando se veem diante de uma criança em situação de risco,
em decorrência da omissão dos pais, do abuso ou da violência
familiar, impondo o seu afastamento da família.
Inúmeros são os casos de violência doméstica conhecidos
como violência física, violência sexual, violência psicológica,
negligência e violência fatal, que povoam os Conselhos
Tutelares, as delegacias de polícia, os leitos hospitalares,
os gabinetes da Defensoria e do Ministério Público, as
laudas de processos judiciais e os espaços das entidades
de atendimento. Lamentavelmente, um número maior
ainda permanece encoberto pelo segredo, sem ultrapassar
os limites do círculo familiar, impedindo que a proteção
possa ser exercida. Apontam os estudos que as agressões
ambientais, “entendidas como desde as provocadas por um
vírus sobre o embrião até a violência de um pai sobre o bebê,
a morte prematura de um dos pais ou o abuso sexual – podem
danificar, em variados graus de intensidade, tanto o aparelho
psicológico como, consequentemente, o genético, dada a
plasticidade do sistema nervoso central”.
58
Seguindo a linha do conhecimento científico de que dispomos,
a atual legislação prevê que os casos de maus-tratos praticados
contra a criança devem ser notificados ao Conselho Tutelar,
para que as medidas legais possam ser adotadas em sua
proteção. Fundamental que os profissionais da saúde e da
educação, em especial, estejam capacitados para identificar
Material Complementar da Obra
os casos de suspeita e confirmação de maus-tratos praticados
contra seus pacientes e alunos, possibilitando a intervenção
precoce, na tentativa de romper com o círculo da violência. A
nova obrigatoriedade de comunicação ao Conselho Tutelar,
pelos profissionais da saúde e educação, reafirma a vigência
da Doutrina da Proteção Integral, porquanto são o médico e
o professor, depois da família, os mais próximos da vida e do
cotidiano da criança.
A colocação em família substituta, em qualquer de suas
formas (guarda, tutela e adoção), corresponde, na atualidade,
a uma medida de proteção (art. 101, inciso VIII, do Estatuto
da Criança e do Adolescente), aplicada quando se mostrar
inviável a manutenção da criança junto à família natural.
No caso específico da adoção, tratando-se de adotando
adolescente, o seu consentimento será indispensável (art.
45, § 2o, do Estatuto da Criança e do Adolescente; art. 1.621,
caput, do novo Código Civil).
Como saber se a família não tem condições de cuidar do
filho? Somente através de uma criteriosa avaliação, com o
auxílio de uma equipe interdisciplinar, que permita, num
primeiro momento, a elaboração de um plano de trabalho
terapêutico, com o auxílio de técnicos e do Conselho Tutelar,
possibilitando o encaminhamento do grupo familiar para
programas de assistência existentes na comunidade.
Vale lembrar que nos feitos de suspensão ou destituição do
poder familiar, não raras vezes verificamos que a mãe, o pai,
ou ambos os genitores são portadores de retardo mental
leve ou moderado, agravado com o uso indevido de álcool
e o desemprego. O que fazer nesses casos? É recomendável
investir no grupo familiar, apesar do comprometimento dos
genitores? Quais seriam os prazos recomendáveis para o
investimento?
Infelizmente, o que muito se vê nos processos judiciais
dessa natureza são constatações, como por exemplo, “os pais
não apresentam as mínimas condições para proporcionar
os cuidados básicos que a prole necessita para seu
desenvolvimento biopsicossocial”. De outro lado, o que pouco
se observa são relatos de planos de trabalho terapêutico,
buscando a reinserção social desses grupos, com efetivo
acompanhamento técnico e regular avaliação.
59
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Constatada a impossibilidade de a criança permanecer junto
à sua família de origem, a adoção, como forma de colocação
em família substituta, surge como uma possibilidade de
reconstrução do direito à convivência familiar. Ligar o
abandono à adoção é uma possibilidade de vida para o
adotante e para o adotado. Como refere João Batista Villela,
“a consciência de que a paternidade é opção e exercício, e
não mercê ou fatalidade, pode levar a uma feliz aproximação
entre os que têm e precisam dar e os que não têm e carecem
receber”.
A verdadeira filiação não é determinada pela “descendência
genética, e sim os laços de afeto que são construídos, em
especial na adoção”. A razão maior da paternidade se funda
“no desejo humano, essencial, de amar e ser amado”.
Deste modo, “esboça-se, a partir das disposições do Estatuto
da Criança e do Adolescente, uma perspectiva maior que
pode valorizar o elemento afetivo da filiação como um elo
garantidor do interesse superior da criança, contrapondo-se
ao critério da determinação biológica”.
Com frequência, perguntam-nos se os filhos adotivos não
estariam mais vulneráveis a se tornarem “filhos problemas”.
A resposta vem em trabalho desenvolvido por Maria Lucrécia
Scherer Zavaschi:
... não há elementos que autorizem a conclusão de que
os problemas eventuais dos adotados sejam decorrentes
da adoção em si. Por outro lado, as evidências colhidas no
estudo do relacionamento pais-filhos na adoção levam à
conclusão geral de que os comportamentos peculiares dos
pais adotivos mantêm uma estreita relação com a situação
atual das crianças adotadas.
60
A adoção de uma criança ou adolescente, mais do que uma
questão jurídica, constitui-se em uma postura diante da vida,
em uma opção, uma escolha, um ato de amor, que tem sua
raiz no desejo, na vontade, envolvendo não só uma pessoa,
mas, no mínimo, um grupo de pessoas ou grupos familiares.
Sentimentos variados afloram em seus protagonistas.
Sentimentos de rejeição, de perda, de dor, de alegria, de
expectativa, de vida e de esperança. Por esta razão, pensamos
que nós, profissionais do direito, necessitamos compreender
as circunstâncias que acompanham a opção de quem decide
adotar uma criança e de quem espera, ansiosamente, a
possibilidade de uma família substituta.
Material Complementar da Obra
“A história da família é longa, não linear, feita de rupturas
sucessivas”, estabelecendo entre adotante e adotado uma
relação de paternidade e filiação, onde “os laços de afeto
se visibilizam desde logo, sensorialmente, superlativando a
base do amor verdadeiro que nutrem entre si pais e filhos”.
Ilustrativa se mostra a declaração de Tizuka Yamazaki,
publicada no Jornal O Globo (01/11/1992), referindo-se a
sua experiência de mãe adotiva:
Cresci muito com essa experiência. Sou muito mais humilde.
Vejo o mundo de outra forma, com mais atenção e delicadeza;
e descobri que foi Fábio, muito mais do que eu, que fez um
esforço descomunal para que tudo desse certo.
Entre as inúmeras mudanças introduzidas pela Carta de
1988, podemos afirmar que “a adoção passou por uma séria
revisão, em relação ao sistema jurídico anterior, exigindo
uma rigorosa fiscalização pelo Poder Judiciário, mas, ao
mesmo tempo, abrindo inúmeras possibilidades e novas
oportunidades para os interessados”.
Cabe referir que, ao lado das mudanças legislativas, os
avanços na área da genética e das técnicas de reprodução
medicamente assistidas, também vieram abrir novas
alternativas à realização da maternidade e da paternidade,
deixando de figurar a adoção como único meio capaz de
possibilitar às famílias inférteis a construção do vínculo
parental.
Sobre a adoção, importante referir o componente psicológico
intrínseco desta relação:
O recurso à adoção se apresenta como uma das maneiras
de realização do desejo de ter um filho, sem que exista a
gravidez da mãe, pelo menos do ponto de vista biológico,
pois do ponto de vista psicológico este filho já existe, é
primeiramente imaginário, no espírito dos pais e o processo
adotivo implica em fazer a passagem entre o filho imaginário
e o filho real, que assumirá este papel, de forma definitiva na
vida do adotante.
É possível sentir os efeitos da mudança legislativa?
Ainda vislumbramos um abismo entre o mundo que queremos,
expresso através do Estatuto da Criança e do Adolescente, e
o mundo que temos. Quanto maior a distância entre os dois
mundos, o mundo idealizado pelo legislador infanto-juvenil
de 1990 e o mundo real, maiores serão as situações de risco
61
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
enfrentadas pela população infantil. Consequentemente,
maiores recursos e investimentos serão exigidos do Poder
Público e dos profissionais que atuam na área. Se tivéssemos
que responder à pergunta, diríamos que já é possível sentir
os efeitos da mudança. De certo modo, a comunidade parece
estar mais atenta e alerta para os abusos e a violência que são
praticados contra a criança.
Nas últimas décadas, conhecimentos referentes ao
desenvolvimento do bebê e da criança, antes restritos, por
exemplo, à área da saúde e educação, encontram espaço nos
meios de comunicação, assim como discussões e debates
sobre a adoção, contribuindo para a mudança de cultura e
melhora da qualidade de vida.
Guilherme Oliveira já afirmara que, “infelizmente, as boas
leis não chegam para garantir boas estatísticas e muito
menos para garantir felicidade”. O alerta vem confirmado, no
Brasil, a partir da entrada em vigor do Estatuto da Criança
e do Adolescente, que tem permitido, na última década,
a possibilidade de levantamento de dados que, em sua
maioria, demonstram que é preciso transformar a política
de atendimento aos direitos de crianças e adolescentes
brasileiros, exigindo a materialização do princípio da
prioridade absoluta no atendimento dos interesses destes.
É possível que, após a vigência da nova lei, tenhamos
conseguido conhecer um pouco mais da realidade que
nos circunda, permitindo uma tomada de consciência, por
parte da sociedade, das diferentes formas de violência que,
historicamente, praticamos contra as nossas crianças. Mesmo
sabendo do poder limitante da lei, temos como inegável que
o Estatuto da Criança e do Adolescente, nos dias atuais, é
um instrumento de transformação social e de garantia do
princípio da dignidade humana.
Na vigência do Código de Menores, as disposições legais
que regiam a adoção de crianças eram outras. Recebeu
esta legislação a herança do regime militar, demonstrada
pela sua influência na concepção da Doutrina da Situação
Irregular. Protegiam mais os interesses dos adultos. Na
adoção, buscavam-se crianças para atender às exigências dos
candidatos a pais adotivos.
62
Finalmente com a extinção e a proibição de qualquer
discriminação sobre a filiação, consagrada no art. 227, § 6o,
da Constituição Federal, assim como os novos princípios
Material Complementar da Obra
trazidos com o Estatuto da Criança e do Adolescente,
provocaram mudanças profundas no instituto da adoção.
Hoje, o panorama legal é outro. As regras estão a serviço da
proteção da criança. As autoridades têm a responsabilidade
de buscar sempre o melhor interesse da criança e os reflexos
da norma atingem a todos, inclusive o poder público, como se
vê da regra do art. 23 do Estatuto da Criança e do Adolescente,
que estabelece:
A falta ou a carência de recursos materiais não constitui
motivo suficiente para a perda ou a suspensão do pátrio
poder.
Parágrafo único. Não existindo outro motivo, que por si só
autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente
será mantido em sua família de origem, a qual deverá
obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de
auxílio.
A disposição legal, introduzida pelo art. 23 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, é de fundamental importância,
uma vez que já se relatou “que os pais, representantes
maiores do meio ambiente no início da vida, submetidos à
violência crônica, à pobreza e à falta de emprego, sentem-se
frustrados e desesperançados, podendo tornar-se incapazes
de cuidar bem de seus filhos”. Devendo ser observado que os
pais adotivos, quer venham do estrangeiro ou não, são, em
geral, “menos miseráveis do que os genitores da criança”.
Em nossa trajetória profissional, não recordamos da
existência de processo de destituição ou suspensão do
pátrio poder envolvendo família de classe média. Todos os
feitos, sem exceção, abrangem famílias pobres, por vezes,
paupérrimas.
A colocação de uma criança em família substituta não pode
ser definida sem que antes se tenha tentado investir na
manutenção dos vínculos afetivos com a família natural,
porquanto “o desenvolvimento pleno de um bebê só
poderá ocorrer se contar com o amor de seus pais, que vai
se expressar como uma íntima relação que os estudiosos
chamam de apego”.
Esgotadas as possibilidades de manter a criança junto aos
pais biológicos, há que se trabalhar as relações de confiança
e de afeto da criança com os novos pais, guardiões ou tutores,
recomendando-se a intervenção interdisciplinar, uma vez
63
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
que a decisão judicial não tem, por si só, o condão de sanar os
conflitos afetivos dos envolvidos.
Colhemos da experiência, com muito pesar, a constatação
de que a fragilidade dos vínculos afetivos entre os pais e
os filhos passa a ser fator desencadeador e facilitador do
abandono e da negligência. O enfrentamento do problema,
por certo, não está unicamente na alçada do Poder Judiciário.
O desafio é bem mais amplo, passando inclusive pelo
adequado planejamento e execução das políticas públicas,
que privilegiem o fortalecimento dos vínculos entre a mãe
e o bebê, mesmo antes do nascimento, pois “é condição vital
que o bebê tenha um pai e uma mãe ou outra pessoa que os
substitua, caso contrário, não sobreviverá”.
Segundo uma pesquisa da qual participamos, que foi realizada
na cidade de Porto Alegre e, em 14 municípios da região
metropolitana, envolvendo os registros de violência contra
crianças e adolescentes até 14 anos de idade, registrados
junto aos hospitais, Conselhos Tutelares, delegacias de polícia
e Ministério Público, no período de maio/97 a maio/98,
apontou que, em 80% dos casos, a violência ocorreu na
residência da vítima, sendo que, em todos os tipos de abuso
constatados (físico, psicológico, sexual e negligência), os
pais biológicos superaram, quanto à autoria, em muito, os
adotivos (74,5% para 25,5%).
No Rio Grande do Sul, aproximadamente 900 crianças e
adolescentes se encontram abrigados, segundo dados da
Secretaria Estadual do Trabalho, Cidadania e Assistência
Social, divulgados em 19 de outubro de 2001, sendo que,
50% desta população permanece entre cinco ou mais anos,
na condição de abrigados. Portanto estas crianças estão
sendo privadas da convivência familiar e comunitária
protegida pela Convenção da ONU sobre os direitos da
Criança e do Adolescente e, recepcionada na Constituição
brasileira e, novamente protegida no Estatuto da Criança e
do Adolescente.
Em 2001, em Porto Alegre, segundo dados do Juizado
Regional da Infância e Juventude, realizaram-se 52 adoções
(45 adoções nacionais e 7 internacionais), número inferior
ao período de 2000, quando a equipe de adoção colocou
64 crianças em família substituta, através da adoção (51
nacionais e 13 internacionais).
64
Material Complementar da Obra
Se, de um lado, se mostra essencial garantir a regularidade
e a segurança dos procedimentos jurídicos envolvendo a
criança, de outro, parece indiscutível que a morosidade
é fator que desprestigia a atuação das instituições,
comprometendo a sua eficácia e efetividade, levando-nos a
uma constante e necessária avaliação do nosso agir. Conciliar
rapidez e competência no exame de casos que envolvam,
especialmente, destituição do poder familiar e colocação
em família substituta é um desafio que nos é imposto neste
nascer de século.
Uma questão que suscita debate é a possibilidade, segundo
a sistemática vigente, da adoção de nascituro. Este tema tem
levado a sérias discussões.
Respeitando posições divergentes, sustentamos a sua
inviabilidade. A Convenção de Haia, de 29 de maio de
1993 (Decreto Legislativo no 63, de 19 de abril de 1995),
relativa à adoção internacional, impede, implicitamente,
a sua realização, ao referir, em seu art. 4o, letra c, no 4, a
necessidade de as autoridades competentes do estado de
origem assegurarem-se de “que o consentimento da mãe,
quando exigido, tenha sido manifestado após o nascimento
da criança”.
Outro aspecto relevante envolvendo a adoção de crianças de
tenra idade reside na decisão de revelar ao filho a sua origem.
Mesmo antes da vigência da Lei no 8.069/90, já recomendavam
os especialistas a adoção pelos pais de uma postura de
franqueza com o filho, não mantendo em sigilo fatos
importantes de sua vida. A revelação da verdade, se bem
conduzida, contribuirá para o fortalecimento dos vínculos
do novo grupo familiar, favorecendo a confiança e o respeito
entre pais e filhos, valendo lembrar que “as crianças que
conhecem seu status adotivo estão em melhores condições
que as demais”.
E a licença-maternidade?
Em 15 de abril de 2002, a Lei no 10.421, que acrescentou
novo dispositivo à CLT, estendeu o benefício às mães que
adotarem crianças até os oito anos de idade, deixando em
condições de desigualdade exatamente as situações mais
difíceis, envolvendo crianças adotadas com idade superior
aos 8 anos. A nova lei, ao que se depreende, nasce eivada
65
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
de inconstitucionalidade, pela evidente discriminação no
tratamento dispensado às mães e aos filhos.
Outro aspecto envolvendo a adoção refere-se à possibilidade,
reconhecida pelo STJ, de os adotados ingressarem com ação
de investigação de paternidade para fins de conhecer os
verdadeiros pais biológicos, sem desconstituir a adoção. No
mesmo sentido decidiu, recentemente, em 15 de maio de 2002,
a Sétima Câmara Cível do eg. Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul, no julgamento da Apelação Cível no 70004148490, em
que foi Relatora a Desa. Maria Berenice Dias.
Como se constata, a Doutrina da Proteção Integral vem,
paulatinamente, operando significativas mudanças na forma
de pensar e agir do profissional do direito, especialmente
daquele que se dedica à criança, com repercussões na vida
social como um todo.
Tem havido uma maior abertura para a adoção de crianças
com idade superior a dois anos, fruto de uma conscientização
que vem ganhando lugar na atualidade, a exemplo do trabalho
realizado pela organização não governamental gaúcha,
Instituto Amigos de Lucas.
Desponta uma nova legislação civil que disciplina o Direito
de Família e, portanto, trará repercussões no âmbito da
proteção à infância, especialmente contemplando a adoção.
Cabe, neste ponto, examinar as previsões do novo Código
Civil à luz dos princípios constitucionais e das regras de
Direito Internacional, referentes ao tema da adoção.
3 – O Novo Código Civil frente à Adoção
66
O novo Código Civil, em linhas gerais, não inova em matéria
de adoção de criança, reafirmando as disposições contidas
na Lei no 8.069/90. Acrescenta, entretanto, às duas hipóteses
em que o consentimento dos pais é dispensado com
relação à adoção do filho, elencadas no art. 45 do ECA (pais
desconhecidos e/ou destituídos do pátrio poder), os casos de
infante exposto; de pais desaparecidos; de pais destituídos do
poder familiar, sem nomeação de tutor, além das hipóteses de
órfão não reclamado por qualquer parente, por mais de um
ano (arts. 1.621 e 1.624 do NCC). Embora a imprecisão das
novas disposições, especialmente no que se refere à definição
jurídica, que, ao certo, trará dificuldades de interpretação,
a Doutrina da Proteção Integral, introduzida no nosso
Material Complementar da Obra
ordenamento jurídico, a partir do art. 227 da Constituição
Federal de 1988, como não poderia deixar de ser, permanece
assegurada.
Inova, ainda, o novo Código Civil, ao afirmar que o
consentimento dos pais para com a adoção, previsto no
caput do art. 1.621 do novo Código Civil, é revogável até a
publicação da sentença constitutiva da adoção. O dispositivo
poderá gerar insegurança aos pretendentes à adoção, bem
como à criança, em razão da possibilidade conferida aos pais
biológicos de voltarem atrás em sua decisão, em momento
em que o adotando já se encontra, muitas vezes, na guarda
dos requerentes à adoção.
Matéria que suscitará questionamentos, ao certo, será
o limite mínimo de idade para o adotante. Enquanto o
Estatuto da Criança e do Adolescente fixa em 21 anos a idade
mínima para o pretendente à adoção (art. 42, caput), o novo
Código Civil refere que “só a pessoa maior de 18 (dezoito)
anos pode adotar” (art. 1.618). À jurisprudência caberá
um posicionamento capaz de dirimir os eventuais conflitos
que surgirem, devendo servir de mote, em qualquer caso, o
melhor interesse da criança.
De outro lado, enquanto o Estatuto da Criança e do
Adolescente veda a adoção por procuração, o novo Código
Civil silencia. Silencia, igualmente: a) quanto à vedação da
adoção pelos ascendentes e irmãos do adotando; b) quanto
ao estágio de convivência; c) quanto à irrevogabilidade; d)
quanto ao não restabelecimento do poder familiar dos pais
naturais em caso de morte dos adotantes.
Vale lembrar ainda as disposições contidas nos art. 10 do novo
Código Civil e 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
De acordo com o primeiro, far-se-á averbação, em registro
público, dos atos judiciais ou extrajudiciais de adoção, ao
passo que, o segundo dispositivo afirma que o vínculo da
adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita
no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá
certidão, sendo que o mandado judicial será arquivado,
cancelando-se o registro original do adotando. Considerandose a igualdade de filiação, afirmada na Constituição Federal
de 1988, parece-nos que deva prevalecer a segunda solução,
preconizada pela legislação especial, como aliás já ocorreu
no Rio Grande do Sul (Processo SPI 20357-0300/03-4, Vara
dos Registros Públicos).
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Por último, digna de registro a possibilidade de o adotando
ter o prenome modificado a seu pedido ou do adotante (art.
1.627/CC), bem como a extensão do parentesco do adotando
a todos os parentes do adotante, como vem afirmado no art.
1.628 do novo Código Civil.
Pensamos que melhor seria o novo Código Civil ter silenciado
quanto à adoção de criança e adolescente, deixando ao
Estatuto da Criança e do Adolescente o regramento da
matéria, como vinha ocorrendo desde 1990. Entretanto, este
não foi o caminho escolhido e, deveremos continuar a buscar
a aplicação das disposições de proteção às crianças e aos
adolescentes privados de vida familiar digna.
Conclusão
O instituto da adoção, ao longo do tempo, sofreu profundas
e marcantes modificações, perpassando por diversas fases
de valorização ou, até mesmo de esquecimento. Os aspectos
históricos demonstram, entretanto, que os fundamentos e as
motivações que levam à adoção de crianças e adolescentes
desempenham papéis diferentes em cada período da
civilização e que, nos países ocidentais, no último século,
a adoção ressurge como meio de proteção à infância
negligenciada e vítima de violência doméstica e, como forma
de derrubar as fronteiras entre nações, desenhando-se uma
nova família, centrada no elemento afetivo entre pais e filhos.
A partir de 1988, com a introdução da Doutrina da Proteção
Integral em nosso sistema jurídico, as disposições legais
passaram a valorizar o melhor interesse da criança, em
atenção à Convenção Internacional dos Direitos da Criança
da ONU.
Em 1990, com o advento da Lei no 8.069, de 13 de julho, o
Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção, ao lado da
guarda e da tutela, passa a ser uma medida de proteção (art.
101, inciso VIII, do ECA), exigindo sempre a intervenção do
Poder Judiciário.
A criança apta à adoção, não raras vezes, tem uma trajetória
de vida marcada por inúmeras omissões, passadas de geração
em geração, transcendendo o espaço familiar para abarcar,
também, as políticas públicas e todo o funcionamento do
sistema que se vê muito desorganizado e insuficiente para
68
Material Complementar da Obra
lidar com o abandono, a negligência e a violência familiar, que
acabam por comprometer o direito à convivência familiar.
A experiência profissional tem nos permitido identificar,
quando tratamos da adoção de uma criança, fatores que
caminham na contramão do princípio constitucional
da dignidade da pessoa humana, valendo citar, a título
exemplificativo: a) a fragmentação que se estabelece na
comunicação entre os profissionais que atuam nas diversas
instâncias do sistema protetivo, como por exemplo, Conselho
Tutelar, abrigos, Ministério Público e Poder Judiciário; b)
a dificuldade em acompanhar o andamento dos casos, no
momento em que são transferidos para outras esferas de
atuação, como por exemplo, quando o expediente passa do
Conselho Tutelar para o Ministério Público; c) a lentidão
na tramitação dos feitos judiciais que visam assegurar a
proteção integral àqueles que ainda não atingiram 18 anos;
d) a carência de laudos interdisciplinares, nos processos de
destituição do poder familiar e de adoção; e) a inexistência
de plano terapêutico de trabalho, visando o restabelecimento
dos vínculos da criança com os pais biológicos, nos processos
de suspensão ou destituição do poder familiar; f ) a escassez
de programas de atendimento à família em situação de
vulnerabilidade; g) a morosidade na comunicação dos fatos
ao Judiciário, pelo dirigente de abrigo, das circunstâncias
importantes da vida da criança abrigada; h) a falta de
advogados, defensores públicos ou mesmo estagiários,
supervisionados por universidades, encarregados de
peticionar em defesa dos direitos da criança colocada em
abrigo e, por via de consequência, afastada do convívio
familiar.
Urge que o avanço constitucional, representado pelo art.
227 da Carta de 1988, seja cumprido pelos integrantes do
sistema, a fim de assegurar, às crianças e aos adolescentes
brasileiros, o princípio da dignidade humana e cumprir a
prioridade absoluta no atendimento a seus interesses.
Esse trabalho, sem dúvida, norteou o legislador na edição da Lei
n 12.010/2009, em vários de seus dispositivos, razão pela qual
parabenizamos as autoras pelo excelente trabalho, quase que profético.
o
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3.2. Novidades da Lei n o 12.010/2009 sobre adoção
Sobre o tema “adoção em uniões homoafetivas”, a culta Desembargadora
do TJRS, Maria Berenice Dias, teceu comentários no artigo “O Direito a um
Lar”, que transcrevemos a seguir.
O direito a um lar
Por Maria Berenice Dias, desembargadora do TJRS 
Deixou o Poder Judiciário, pela primeira vez, a hipocrisia de
lado e encarou a realidade: um casal, mesmo formado por
pessoas do mesmo sexo, pode sim adotar uma criança.
Já estava mais do que na hora de a Justiça reconhecer que os
homossexuais têm capacidade de constituir uma família e
plenas condições de criar, educar, proteger e amar uma criança.
Como a homossexualidade sempre foi vista como uma
perversão, uma aberração, os relacionamentos homossexuais
ainda hoje são considerados instáveis e promíscuos, sem
condições de abrigar um infante. Tanto não são vistos como
uma família, que somente em escassos países é admitido o
casamento de pessoas do mesmo sexo. No máximo, e isso em
raros lugares, é reconhecida a união civil, sem, no entanto,
ser permitida a adoção.
As justificativas não podem ser mais descabidas, sem disfarçar
a discriminação e o preconceito. A alegação mais comumente
utilizada é de que uma criança, para desenvolver-se de maneira
sadia, necessita de um modelo masculino e um feminino.
Assim, precisa de um pai e de uma mãe, sob pena de comprometer
sua identidade sexual e sofrer rejeição no ambiente escolar e no
meio social. Essa assertiva não se sustenta, até porque sérios
trabalhos, no campo da psicologia e da assistência social, negam
a presença de sequelas no desenvolvimento saudável de quem
foi criado por dois pais ou duas mães. Assim, de todo descabido
que os operadores do direito invoquem questões não jurídicas
para justificar seus preconceitos. Negam-se direitos com
fundamentos de outras áreas do conhecimento, as quais não
referendam tais conclusões.
70
Parece que agora a Justiça, finalmente, tomou consciência de
que recusar a chancela judicial não impede que as pessoas
busquem a realização de seus sonhos. Assim, mesmo que o
legislador se omita em editar leis que assegurem direitos
Material Complementar da Obra
às uniões homoafetivas, nem por isso os homossexuais vão
deixar de constituírem família. Igualmente, não admitir que
ambos adotem, não impede que crianças passem a viver em
lares formados por pessoas do mesmo sexo.
A injustificável resistência é facilmente contornada. Somente
um do par busca a adoção. Via de consequência, os estudos
sociais e as entrevistas que são realizadas não alcançam
quem também vai desempenhar o papel de pai ou de mãe, ou
seja, o parceiro do adotante. Acaba sendo limitada e parcial a
avaliação levada a efeito, o que, às claras, só vem em prejuízo
do próprio adotado. Mais: passando a criança a viver no lar do
seu genitor e de seu parceiro, constitui-se o que se chama de
filiação socioafetiva com ambos, pois os dois desempenham
as funções parentais.
Ao adquirir o adotado o estado de filho afetivo com relação a
quem desempenha o papel de pai e de mãe, a inexistência do
registro deixa o filho desprotegido. Não tem qualquer direito
com relação ao genitor não adotante e nem este tem deveres e
obrigações para com o filho, que também é seu. Basta lembrar
que a ausência do vínculo jurídico não permite a imposição
do dever de prestar alimentos, não assegura direito de visitas
e nem garante direitos sucessórios.
Assim, a corajosa decisão que admitiu a adoção por um casal de
homossexuais vem, enfim, atender ao cânone constitucional
que assegura com absoluta prioridade o direito das crianças
e dos adolescentes, colocando-os a salvo da discriminação e
garantindo-lhes o direito a uma vida feliz, com seus dois pais
ou duas mães.
(Disponível em: www.espacovital.com.br – Artigos – 12 jul. 2005.)
A Jurisprudência sobre o tema:
Concedida a adoção de dois meninos a duas mulheres
gaúchas que são homossexuais conviventes.
O juiz da Vara da Infância e da Juventude de Bagé, Marcos
Danilo Edon Franco, concedeu o registro de adoção de
duas crianças (irmãos), a duas mulheres conviventes
homossexuais.
Dois meninos, um de 2 anos e outro de 3 anos, foram adotados,
por sentença, por duas mulheres – de instrução superior –
conviventes em união estável há mais de sete anos. Uma delas
já era responsável pela criação desde o nascimento dos irmãos.
71
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A mãe das crianças está grávida pela terceira vez e já
procurou as duas mulheres, disposta a doar também o futuro
bebê. O magistrado argumenta que “a sociedade não pode
ignorar a relação entre pessoas do mesmo sexo”, que ele
qualifica como “um determinismo biológico, e não uma mera
opção sexual”.
O juiz enfatiza que “o homossexualismo não afeta o caráter
nem a personalidade de ninguém”. Explica que, ao conceder
a adoção, considerou a excelente criação e ambiente de afeto
em que vivem as crianças, satisfazendo todos os requisitos
que muitas vezes não estão presentes nos lares de casais
“considerados normais pela sociedade”.
O juiz bageense admite que vai “enfrentar algumas reações”,
mas lembra que as famílias formadas por homossexuais
também devem ser reconhecidas.
O Ministério Público – cujo promotor local é contrário à
adoção de crianças por homossexuais – já interpôs recurso
de apelação. A questão será examinada, oportunamente, pela
7a ou 8a Câmaras Cíveis do TJRS.
Tal, segundo o juiz de primeiro grau, serve para ampliar a
discussão sobre a matéria. No caso de adoção em Bagé, estão
assegurados aos menores todos os direitos como dependentes
das responsáveis. Para o magistrado, a possibilidade de a
convivência dos meninos com homossexuais poder influir na
opção sexual deles está descartada. Argumenta que “se isso
fosse verdadeiro, não existiriam pessoas homossexuais em
famílias constituídas por heterossexuais”.
E mais:
72
O juiz Marcos Danilo já havia concedido várias adoções
para pessoas homossexuais, individualmente. Mas essa foi a
primeira para duas conviventes do mesmo sexo. Ele acredita
que sua decisão possa estimular novas adoções por parte
de outros conviventes, em casos como esse. (Na forma do
art. 155 do CPC, o processo tramita em segredo de Justiça.)
(Disponível em: www.espacovital.com.br. Acesso em: 11 nov. 2005.)
Justiça gaúcha confirma adoção de crianças por casal de
mulheres homossexuais
A 7a Câmara Cível do TJRS confirmou, por unanimidade, ontem,
sentença da comarca de Bagé que concedeu a adoção de duas
crianças a um casal de mulheres homossexuais. “É hora de
abandonar de vez os preconceitos e atitudes hipócritas
Material Complementar da Obra
desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de
firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente
é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes”,
apregoou o relator do recurso, desembargador Luiz Felipe
Brasil Santos.
O recurso em julgamento era uma apelação interposta pelo
Ministério Público contra a sentença de primeiro grau, do
juiz Danilo Edon Franco.
As duas mulheres convivem desde 1998. Uma delas obteve
a concessão para adotar dois irmãos biológicos. Atualmente
um está com 3 anos e 6 meses; o outro, 2 anos e 3 meses de
idade. Posteriormente à adoção, a companheira ajuizou ação
postulando também a adoção dos menores.
O desembargador-relator referiu estudos especializados em
diversos países, que – em tese – não detectaram qualquer
inconveniente na adoção de crianças por casais homossexuais.
“Mais importa a qualidade do vínculo e do afeto que permeia
o meio familiar em que serão inseridas e que as liga a seus
cuidadores” – lembrou o julgador.
Fazendo um comparativo com as uniões entre pessoas do
mesmo sexo – convivência duradoura, pública, contínua e
com o objetivo de constituir família – o voto concluiu ser
possível o reconhecimento do direito de adotar a uniões
entre homossexuais.
O voto do desembargador Luiz Felipe Brasil Santos é longo e
apreciável. Ele rememora que:
temos, no Brasil, cerca de 200 mil crianças institucionalizadas
em abrigos e orfanatos. A esmagadora maioria delas
permanecerá nesses espaços de mortificação e desamor até
completarem 18 anos porque estão fora da faixa de adoção
provável. Tudo o que essas crianças esperam e sonham é
o direito de terem uma família no interior nas quais sejam
amadas e respeitadas.
Depois, o voto incursiona no Direito comparado, trazendo
conceitos de autores espanhóis, franceses e norte-americanos.
O acórdão ainda não foi publicado. Mas foi possível anotar,
ontem, na sessão de julgamento que, no entendimento
da 7a Câmara, “tais relacionamentos não se configuram
rigorosamente uniões estáveis, mas se assemelham mais a
estas que a uma sociedade de fato, pois o que os une é o afeto,
não o objetivo de extrair resultados econômicos da relação”. 
73
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
“Parece inegável que o que leva estas pessoas a conviverem
é o amor, cercadas, ainda, por preconceitos” – disse o
desembargador Luiz Felipe. Ele destacou o estudo social
efetuado, referindo que o laudo comprova saudável vínculo
existente entre as crianças e as adotantes.
Por fim, louvou a solução encontrada pelo julgador de
primeiro grau, que determinou que, no registro de nascimento
das crianças, conste que são filhas das duas mulheres, sem
especificação de pai ou mãe.
A desembargadora Maria Berenice Dias acrescentou que as
crianças “têm duas mães, e a Justiça não pode negar isso”.
Em nome da parte vencedora da ação atuam as advogadas
Virginia Tereza Degrazia, Mônica Elisa Steffen e Patricia
Kettermann Nunes Aleessio (Proc. no 70013801592 – com
informações do TJRS e da base de dados do Espaço Vital).
Voto do relator
“Perspectiva da família que se justifica pela busca da
felicidade e da realização pessoal dos seus indivíduos”.
(Disponível em: www.espacovital.com.br. Acesso em: 06 abr.
2006.)
Prohibition law unconstitutional
Florida Court calls ban on gay adoptions unlawful
A 30-year-old Florida law that prohibits adoption by gay men
and lesbians is unconstitutional, a state appeals court ruled
on Wednesday, and the state’s governor said the law would
not be enforced pending a decision on whether to appeal.
The decision by Florida’s Third District Court of Appeal said
that Florida’s adoption law, which bans adoption by gay men
and lesbians while allowing them to be foster parents, had “no
rational basis” and thus violated the equal protection clause
in the State Constitution. Judge Gerald B. Cope Jr. wrote the
opinion, which affirmed a 2008 decision from a lower court.
At a new conference on Wednesday afternoon, Gov. Charlie
Crist applauded the decision, saying: “It’s a very good day for
Florida; it’s a great day for children. Children deserve a loving
home to be in”.
Because the decision applies statewide, he said, “We are
going to immediately stop enforcing the ban”.
74
Material Complementar da Obra
The state, however, has 30 days to appeal. The governor said
that he had spoken with the secretary of Florida’s Department
of Children and Families, but did not say whether there would
be an appeal.
A spokeswoman for Bill McCollum, the state attorney general,
who has voiced support of the adoption ban, said his office
was representing the department in the case, “and will be in
discussions with our client as to whether or not they plan to
appeal.”
A spokesman for the department said, “The primary
consideration on whether to appeal is finding the balance
between the value of a final ruling from the Florida Supreme
Court versus the impact on the Gill family”.
Judge Cope wrote that “our ruling is unlikely to be the last
word”.
The case involved the efforts of Martin Gill, a gay man, to
adopt two brothers he took in more than five years ago as
foster children when one was 4 years old and the other 4
months old. They had ringworm at the time, and the younger
child had an untreated ear infection. The older boy did not
speak for the first month with Mr. Gill and his partner.
“When they came in the door, we were kind of shocked at
what bad condition we were in”, Mr. Gill said Wednesday in
an interview. “We realized we had our work cut out for us”.
He added, “I would say today they are two happy, healthy,
normal kids”.
In a concurring opinion, Judge Vance E. Salter wrote that the
steps taken to heal and raise the boys “are nothing short of
heroic”.
Evidence presented at the trial by opponents of the ban
found no difference in the well-being of children raised by
gay parents versus heterosexual parents.
Judge Cope wrote that at the trial, the state presented only
two expert witnesses, one of whom undercut the state’s case
by disagreeing with the idea of a blanket ban on gay adoption,
stating instead that adoptions should be considered case
by case. The other expert called by the state, Dr. George A.
Rekers, was criticized by opposing experts as having provided
research that was rife with “errors in scientific methodology
and reporting” and that “did not meet established standards
in the field.”
75
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
The court did not comment on the fact that Dr. Rekers, who
was paid $120,000 for his work in the case, has since been
enmeshed in a scandal after he was discovered to have taken
a 10-day trip to Europe with a young man who advertised
sexual services on a site for gay escorts.
According to the lower court decision cited in the opinion on
Wednesday, “Florida is the only remaining state to expressly
ban all gay adoptions without exception”.
Howard Simon, the executive director of the A.C.L.U. of
Florida, which represented the Gill family, hailed the decision
on Wednesday as a blow against discrimination that means all
potential adoptive parents “will be judged on their individual
fitness to provide a loving, stable, permanent adoptive home”.
That means, he said, that “some gays will be disqualified, and
some heterosexuals will be disqualified”, but that “nobody is
going to be categorically excluded because of who they are”.
Conservative organizations attacked the decision. Mathew D.
Staver, founder of Liberty Counsel and dean of the Liberty
University School of Law, said in a statement, “Common sense
and human history underscore the fact that children need a
mother and a father”.
Mr. Gill said that during the long trial process he had been
careful to shield the boys from news that might make them
fear further disruption in their lives, including threats about
being removed from their home.
“I try to keep it all positive, and try to insulate them from the
negative”, Mr. Gill said. But, he added, “I’m certainly going to
tell them we have a victory today”.
(Published by NY Times – September 22, 2010)
76
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3.2. Novidades da Lei n o 12.010/2009 sobre adoção
Polêmica: Cabe indenização de criança devolvida em adoção?
A questão foi levantada por força de notícia polêmica publicada na
Agência Folha (BH). Muitos entendem que o caso era de indenização. A
maioria entende que não se justifica tal indenização, porquanto a afinidade
é essencial para a plenitude da adoção, inclusive para evitar a “rejeição”
num lar durante anos. Ademais, se vingasse a tese de “indenização por
devolução da criança”, certamente tal fato seria desestímulo as inscrições de
casais, não por falta de amor, mas por medo de não se adaptarem à criança
e sofrerem indenização por isto. Parece-nos a corrente mais acertada, face
ao art. 28, § 5o, do ECA (com redação dada pela Lei no 12.010/2009).
Vejamos a notícia polêmica:
27/05/2009 – 22h16
Promotoria cobra indenização de família por devolução
de criança adotada em Uberlândia (MG)
Breno Costa
da Agência Folha, em Belo Horizonte
O Ministério Público de Minas Gerais cobra na Justiça
uma indenização de cem salários mínimos de um casal
de funcionários públicos que devolveu a um abrigo de
Uberlândia (556 km de Belo Horizonte) uma menina adotada
oito meses antes. De acordo com a Promotoria, trata-se de
ação inédita no país.
A indenização pedida, equivalente a R$ 46.500, é por danos
morais. A criança tem oito anos. O casal, segundo o Ministério
Público, conseguiu a guarda provisória em 1o de fevereiro
do ano passado, um dia após dar entrada no pedido de
adoção. Nos seis meses que antecederam a adoção, segundo
a Promotoria, o casal fazia visitas frequentes à criança no
abrigo.
A menina morou com os novos pais até o dia 29 de setembro,
quando foi realizada a audiência judicial para a concessão da
guarda definitiva da menina ao casal.
Relatórios de acompanhamento produzidos por psicólogos
e assistentes sociais descrevem uma situação de plena
adaptação da criança ao convívio com os pais adotivos,
segundo o promotor Epaminondas Costa, autor da ação civil
77
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
pública. Mas, no dia da audiência final, o casal desistiu da
adoção e devolveu a menina aos cuidados do Estado.
Segundo o Ministério Público, o casal não explicou a razão
da devolução. A criança, também questionada por psicólogos,
não soube explicar o que motivou a devolução. O nome do
homem e da mulher não foram divulgados. Segundo o
promotor, eles ainda não foram notificados da ação.
No período em que ficaram com a criança, os pais adotivos
chegaram a mudar o primeiro nome da menina, diz Costa. A
menina havia sido encaminhada ao abrigo após a constatação
de maus-tratos pelos pais biológicos.
Na ação, o Ministério Público também cobra, em caráter
liminar, o pagamento imediato de pensão alimentícia para
a criança até que ela complete 24 anos. A Justiça ainda não
decidiu sobre o pedido liminar.
Segundo o promotor, ainda não há um entendimento jurídico
consolidado sobre a legalidade da devolução da criança
durante o período da guarda provisória. Também não se
sabe o número de crianças devolvidas após a adoção. No caso
específico, ele diz que foi criado um “vínculo psicológico e
afetivo muito grande”.
O promotor diz que o Estado também tem responsabilidade no caso,
já que cabe a ele o aval aos potenciais pais adotivos. A ação, contudo,
não tem o Estado como réu. “Por ser uma questão nova, optamos por dar
uma resposta imediata em relação à necessidade da criança, cobrando a
indenização do casal que a adotou”, afirma Costa.
78
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3.4.1.1. Cadastro Nacional de Adoção e Conselho Nacional de Justiça
Com muita alegria informamos que o Conselho Nacional de Justiça –
CNJ criou o “Cadastro Nacional de Adoção”, com o objetivo de unificar e
integrar todo o País para esgotar as tentativas de adoção nacional.
Vejamos a notícia do site do CNJ (www.cnj.gov.br):
CNJ lança cadastro para agilizar adoção de crianças e
adolescentes
Terça, 29 de abril de 2008
O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro
Gilmar Mendes, assinou nesta terça-feira (29/04) a Resolução
no 54, que institui o Cadastro Nacional de Adoção (CNA),
sistema destinado a unificar e compartilhar dados relacionados
às crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e
das pessoas dispostas a adotar. O lançamento se realizou na
abertura da sessão plenária do CNJ.
A conselheira Andréa Pachá, coordenadora do Comitê Gestor
do CNA, ressaltou que a ferramenta irá proporcionar “menos
burocracia e mais transparência aos processos de adoção e
permitirá um diagnóstico preciso sobre a situação”. Os juízes
das varas da infância e da juventude de todo o país terão seis
meses para inserir os dados no sistema. Após esse prazo,
poderá haver cruzamento das informações, o que deverá
agilizar o andamento dos processos.
O Cadastro formará o Banco Nacional de Adoção, que
reunirá os perfis das crianças, adolescentes e pretendentes
interessados na adoção, localização, número de abrigos e
demais informações de caráter nacional, que, até agora, são
regionalizadas. Um dos objetivos da ferramenta será, por
exemplo, possibilitar que uma criança em Belém esteja em
condições de ser adotada por um casal do outro extremo
do país, como do Estado de Santa Catarina. Até agora, os
processos são feitos em cada vara, o que, muitas vezes, traz
dificuldades aos pretendentes.
Após a consolidação dos dados, o CNJ e a Secretaria
Especial dos Direitos Humanos vão firmar um termo de
cooperação para o uso dos dados como meio para a gestão de
políticas públicas nessa área. Na cerimônia de lançamento,
o secretário-executivo da Secretaria, Benedito Santos,
79
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
revelou que uma das formas de participação do órgão será
a capacitação de agentes especializados em adoção. Segundo
ele, o cadastramento de dados estava previsto já na edição do
Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído há 18 anos.
A medida mostrou-se rapidamente eficiente (www.cnj.gov.br):
Cadastro Nacional de Adoção registra mais de 4 mil
pretendentes
Quarta, 20 de agosto de 2008
O Cadastro Nacional de Adoção (CNA) já conseguiu registrar
4.106 pretendentes e 469 crianças aptas a serem adotadas.
Esses números foram coletados até a manhã desta quarta-feira
(20/08), quando o juiz auxiliar da presidência do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), Paulo Tamburini apresentou
oficialmente o CNA a juízes do Distrito Federal. Durante o
evento, realizado no auditório do Pleno do Tribunal de Justiça
do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), o juiz da Vara da
Infância e da Adolescência Renato Rodovalho, anunciou que o
Distrito Federal é a primeira unidade da Federação a concluir
a inserção de dados do Cadastro com 380 pretendentes e 158
crianças a serem adotadas.
O Distrito Federal é a 18a unidade da Federação a receber a
visita do Comitê Gestor do CNA. Os magistrados integrantes
do Comitê são os responsáveis em explicar o funcionamento
do cadastro, ensinar como os dados devem ser inseridos,
sanar as dúvidas dos juízes e de servidores dos tribunais.
Tudo isso para que o Cadastro de Adoção seja realmente
utilizado com menos burocracia e mais transparência
para facilitar os processos de adoção. “Com ele poderemos
localizar melhor os interessados e os pretendentes”, explicou
o juiz Paulo Tamburini.
Lançado pelo Conselho Nacional de Justiça, em 29 de abril
deste ano, o CNA será alimentado pelos juízes, que terão até
o dia 8 de novembro para inserir os dados no sistema. Com as
informações do Cadastro, o CNJ terá condições de obter, até
o fim do ano, um diagnóstico mais preciso sobre a questão
e propor iniciativas para encontrar alternativas sociais e
econômicas para melhorar os processos de adoção no país.
80
Perfil das crianças – “O descompasso entre a quantidade
de pessoas interessadas em adotar e o cadastro de crianças
disponíveis deve-se ao perfil das crianças preferidas pelos
adotantes: recém-nascidas, brancas e meninas”, explicou o
Material Complementar da Obra
juiz Renato Rodovalho. Ele disse que o Cadastro Nacional de
Adoção será um facilitador para a flexibilização deste perfil.
“O Cadastro não resolve este problema, mas ajuda o Executivo
a formular suas políticas públicas e direciona as campanhas
de esclarecimento e incentivo à adoção”.
Nesta quinta-feira (21/08) o Cadastro Nacional de Adoção
será divulgado em Santa Catarina. Em setembro, será no
Amapá, no dia 6; em Pernambuco, no dia 8; na Paraíba, no
dia 12, e em Minas Gerais, no dia 26. Até novembro, o CNA
ainda será apresentado para juízes e servidores do Judiciário
de Goiás, Amazonas, Acre e Roraima.
Informações mais completas sobre o CNA podem ser obtidas
no banner Cadastro Nacional de Adoção, na abertura da
página eletrônica do CNJ. No espaço, estão disponíveis o Guia
do Usuário e o documento Perguntas Frequentes.
No site mencionado do CNJ, encontramos as perguntas mais frequentes
sobre o tema:
Perguntas mais frequentes
1. Quais providências devem ser tomadas para que o
pretendente a adoção seja inserido no Cadastro Nacional
de Adoção? Como fazer para ter acesso ao cadastro? Ele
já está disponível?
O Cadastro Nacional de Adoção já está disponível no seguinte
link: www.cnj.gov.br/cna. Entretanto, o pretendente a adoção
deve se habilitar em sua Comarca, na Vara da Infância e da
Juventude (ou na Vara competente para o processo de adoção,
quando não for este o caso), e o próprio Juiz realizará o seu
cadastro no Sistema. Após este procedimento, realizado pelo
magistrado competente, todos os juízes, de todo o país, terão
acesso à relação dos pretendentes a adoção e de todas as crianças
aptas a serem adotadas. Sobre os passos para iniciar o processo
de adoção, você pode se informar na Vara com competência
para a Infância e Juventude do seu local de domicílio. Caso já
seja habilitado a adotar, procure a Vara em que se habilitou para
a atualização dos seus dados cadastrais. Para tanto, você pode
imprimir a ficha cadastral que segue no link abaixo e, após o seu
preenchimento, entregá-la na Vara em que se habilitou.
2. Qual será o critério utilizado pelo Cadastro Nacional
de Adoção para a fixação da posição na “fila” da adoção?
O Estatuto da Criança e do Adolescente não estabelece os
denominados critérios de prioridade para a convocação de
81
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
pretendentes e sabemos que são aplicados, nas diferentes
unidades da federação, critérios distintos. Em alguns Estados
e Comarcas, os habilitados são indicados exclusivamente de
acordo com a ordem cronológica de habilitação. Em outros,
há apreciação de outros dados acerca dos pretendentes,
como, p. ex., se são estéreis, ou, então, se possuem outros
filhos. Diante da missão constitucional do Conselho Nacional
de Justiça, não cabe ao CNJ estabelecer tais critérios. Apenas
por uma questão de melhor apresentação das listas de
pretendentes, buscados pelo perfil da criança/adolescente,
os resultados apresentados pelo CNA (Cadastro Nacional de
Adoção) são exibidos da seguinte forma: 1 – pretendentes
do Foro Regional (nos casos de mais de uma vara na
mesma Comarca), por ordem cronológica de habilitação;
2 – pretendentes da Comarca, por ordem cronológica de
habilitação; 3 – pretendentes da Unidade da Federação,
por ordem cronológica de habilitação; 4 – pretendentes da
Região Geográfica, por ordem cronológica de habilitação; 5
– pretendentes das demais Regiões Geográficas, por ordem
cronológica de habilitação. Procurem informações nas
Comarcas onde se habilitaram.
3. Qual o prazo final para cadastramento das crianças/
adolescentes e pretendentes?
O prazo para a inserção dos dados pelos juízes com
competência para a Infância e Juventude no Cadastro Nacional
de Adoção é de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da data da
publicação da Resolução no 54 (08 de maio de 2008).
4. Como proceder nos casos de habilitações muito
antigas? Em alguns casos, não se sabe se o pretendente
continua interessado na adoção ou se, por exemplo, já
adotou a criança pretendida?
O CNA não aceitará o cadastramento de pretendentes cuja
data da habilitação for superior a 05 (cinco) anos.
5. Com relação ao prazo da habilitação, sabe-se que em
alguns Estados ele é inferior ao previsto para o Cadastro
Nacional de Adoção (5 anos). Nesses casos, poderá o juiz
manter o prazo previsto em seu Estado?
82
O juiz com competência para a Infância e Juventude pode
manter prazo inferior para a habilitação. O magistrado tem
liberdade para suspender os pretendentes habilitados por
ele com prazo de habilitação superior ao estipulado em seu
Material Complementar da Obra
Estado, caso entenda ser esta a melhor forma de proceder.
Para isso, deve alterar a situação do pretendente para “inativo
por determinação judicial”.
Importante ressaltar que haverá respeito a todas as
habilitações feitas anteriormente à implantação do cadastro.
Qualquer dúvida, favor entrar em contato pelo e-mail: cna@
cnj.gov.br.
Fazemos votos que, em breve, vocês se reúnam à criança/
adolescente esperado.
Atenciosamente,
Comitê-Gestor do CNA.
Para os que desejarem maiores informações sobre o Cadastro Nacional
de Adoção acesse http://www.cnj.jus.br/images/cna/livreto_corrigido.pdf.
Lá encontrarão informações detalhadas sobre o tema.
83
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O A 69)
Questão polêmica:
A lista de adoção pode ser relativizada, fora dos casos previstos
na lei?
Um julgado neste sentido foi o seguinte:
Extraído de: Folha Online – 16 de março de 2009.
Em processo de adoção, STJ prioriza vínculo afetivo de
casal com criança
Em uma disputa para adotar uma criança de um ano e
três meses, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) priorizou
o vínculo afetivo de um casal em detrimento a outro que
estava inscrito no cadastro de adoção – uma lista em
ordem cronológica que determina prioridade.
De acordo com o STJ, um casal de Minas Gerais perdeu a
guarda da criança, em junho do ano passado, por decisão
do TJ (Tribunal de Justiça) daquele Estado.
Antes do nascimento, em 12 de dezembro de 2007, a mãe
biológica escolheu quem seriam os pais adotivos do bebê.
O casal escolhido conseguiu a guarda provisória por 30
dias em dezembro de 2007, quando a 1a Vara Criminal e
de Menores da Comarca de Lagoas (MG), determinou a
devolução da criança. A medida não foi cumprida porque
o casal conseguiu uma liminar (decisão provisória). Em
29 de junho de 2008, o TJ decidiu que a criança deveria
ser entregue ao casal que estava à frente do cadastro.
O casal indicado pela mãe biológica recorreu ao STJ com
o argumento de que os procedimentos para a adoção não
poderiam se sobrepor ao princípio do melhor interesse da
criança. De acordo com o STJ, a Justiça estadual considerou
que, por ter menos de um ano de idade, a criança não
teria condições de estabelecer vínculo de afetividade com
o casal e, por isso, o cadastro geral de interessados na
adoção deveria ser respeitado.
84
O cadastro de adoção é uma recomendação do ECA
(Estatuto da Criança e Adolescente) para verificar a
aptidão dos novos pais. De acordo com a comarca de
Material Complementar da Obra
Sete Lagoas, o cadastro tenta evitar o eventual tráfico de
bebês ou mesmo adoção por meio de influências ilícitas.
É uma proteção também para a criança, para que não
fique à mercê de interesses pessoais, comuns nos casos de
adoção dirigida.
Para o STJ, o cadastro deve ser levado em conta, mas o
critério único e imprescindível a ser observado é o vínculo
da criança com o primeiro casal adotante. Para o relator,
ministro Massami Uyeda, não se está a preterir o direito de
um casal pelo outro, uma vez que, efetivamente, o direito
deles não está em discussão. “O que se busca é priorizar o
direito da criança”, disse o ministro na decisão, “já que a
aferição da aptidão deste ou de qualquer outro casal para
exercer o poder familiar dar-se-á na via própria, qual seja,
no desenrolar do processo de adoção”.
85
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
NOTA
Em casos de “grupos de irmãos”, o juiz deve priorizar a adoção de
todos, iniciando-se para os casais nacionais inscritos na lista de espera
(cadastro local, estadual e nacional).
Reforçando o nosso entendimento da Nota acima, colocamos à
disposição do leitor manifestação em caso envolvendo “grupo de
irmãos”, com 4, 11 e 13 anos de idade de uma das maiores autoridades
do país sobre o tema, o juiz auxiliar da Corregedoria de Minas Gerais e
membro do CEJA,3 Exmo. Dr. Carlos Henrique Perpétuo Braga, na Sessão
Plenária do dia 04/10/2007, autos 1202/07, em processo CEJA/MG
origem Poços de Caldas/MG, onde atuei como Promotor de Justiça da
Infância e Juventude (cooperador).
Nos autos do processo envolvendo as crianças..., constata-se
às fls... cópia da sentença de destituição do Poder Familiar
de... em relação aos infantes.
O parecer técnico elaborado pela assistente social Fátima
Salomé, fls.., sugere a expedição de laudo de habilitação
para adoção da criança “A” para o casal “U e V”, porquanto a
requerente é brasileira e possui habilitação mais antiga em
relação ao casal “X e Z”, também sendo a pretendente brasileira.
A psicóloga da CEJA Dalva Rose Pires Tárcia destacou em seu
parecer de fls... que, dos casais interessados, em três deles a
mulher ostenta nacionalidade brasileira...
Disse, ainda, que por inexistir casal estrangeiro interessado na
adoção do grupo de irmãos, mas somente de “A” (4 anos, o mais
novo), o desmembramento não se mostra vantajoso, pois já há
pretendentes para adoção dessa criança na própria cidade
onde reside, possibilitando contato com os demais irmãos.
Acrescentou que o casal “F e G” manifestou interesse na
adoção de “A” (4 anos) e “B” (11 anos), porém, o Decreto de
Adoção é incompatível com a idade do mais velho, já com
quase 11(onze) anos de idade.
3 CEJA/MG – Autoridade Central Administrativa para fins de adoção internacional no Estado de Minas
Gerais, Rua Gonçalves Dias, 2.553, CEP 30140-092 – Belo Horizonte/MG, Tel 0xx31 – 3292 2300 – Ramal
125/126, e-mail: [email protected].
86
Material Complementar da Obra
Apresentaram-se como candidatos à adoção os seguintes
interessados:
(...)
Relatados, na essência, passo a votar.
(...)
Dos três irmãos institucionalizados, houve interesse dos
casais estrangeiros para adoção de “A”, o mais novo deles.
Um casal composto por “F e G” interessou-se, a princípio,
pela adoção de “A” (4 anos de idade) e “B” (11 anos de idade).
Entretanto, o Decreto de autorização de adoção estabelece o
limite de idade de até 07 anos, inviabilizando a pretensão,
como reconhecido pelos próprios Requerentes.
Não houve pretendentes à adoção de “C”, o mais velho dos
irmãos, que atualmente conta com mais de 13 anos de idade.
Fixou esta egrégia Comissão a orientação de que a escolha
dos interessados há que se pautar em critérios que preservem
o superior interesse da criança. Assim, busca-se uma
família para o infante e não uma criança para a família.
Nessa linha de raciocínio, os elementos constantes dos autos
não justificam o deferimento de indicação da única criança
pretendida à adoção por casal estrangeiro.
Isto porque, a preferência é sempre para adoção por
casal brasileiro, mantendo-se a criança inserida no seio
de sua pátria, facilitando o convívio e o desenvolvimento
psíquico e cultural do menor.
Nesse caso, por ter havido pretensão de adoção do menor “A”
(4 anos de idade) por um casal da cidade onde os menores
encontram-se institucionalizados, fls..., não se justifica,
a princípio, a indicação para quaisquer dos Interessados
habilitados nesta Comissão.
Destarte, adoção estrangeira somente deve ser intentada,
no presente caso, se permitir a manutenção do grupo
familiar formado pelos irmãos, porque, ao que se apurou
no relatório de fls..., o vínculo entre eles é forte.
Havendo possibilidade de adoção apenas do mais novo
por nacionais, justifica-se que a eles se defira a adoção,
mesmo porque preserva, ainda que de maneira restrita,
a possibilidade de um convívio entre os irmãos.
Não se pode deixar de considerar que a possibilidade de não
permitir que se separassem os irmãos traduz o fundamento
87
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
abraçado pelo MM. Juiz de Direito do Juizado da Infância e
Juventude da Comarca de Poços de Caldas para inscrição dos
menores para adoção por casal estrangeiro, fls...
(...)
Nesse contexto, voto pela rejeição de todos os pedidos de
indicação ora formulados, buscando-se novos interessados à
adoção, de forma a se manter reunido o grupo de irmãos ou,
no mínimo, dois deles.
É como voto.
Belo Horizonte/MG, 04 de outubro de 2007
Carlos Henrique Perpétuo Braga
Juiz de Direito
(...)
Deliberação da Comissão: Indeferiram a totalidade dos
pedidos de indicação, nos termos do voto do Sr. Relator
Presidente: Des. José Francisco Bueno
Relator: Carlos Henrique Perpétuo Braga
Membros:
Des. Francisco de Assis Figueiredo
Des. Wagner Wilson Ferreira
Des. Rubens Xavier Ferreira
Dra. Valéria da Silva Rodrigues
Dra. Flávia de Vasconcellos Lanari
Dr. Sergio parreiras Abritta
Dra. Nívia Mônica da Silva
PS: Os nomes das crianças e demais identificações do processo
acima foram, por este autor, suprimidos em face do segredo
de justiça e para preservar os requerentes por número de
habilitação.
88
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3.9. Adoção por tios: impossibilidade
Em diversas notas sobre o tema, percebemos que na adoção por tios
falta, além de possibilidade jurídica do pedido (art. 23 do ECA), o
interesse de agir (necessidade e adequação da via eleita), ou seja, na
verdade os tios deveriam propor ação de “guarda excepcional” (art. 33,
§ 2o, do ECA), e não adoção.
Em parecer na comarca de Divinópolis/MG, posicionei-me neste sentido:
Tutela não é o caso, pois a criança possui mãe presente que a
represente para os atos da vida civil.
Adoção, data venia, não é a via eleita correta, pois soa estranho que
um tio adote uma sobrinha, porque, por exemplo, sua irmã (mãe
biológica da adotanda) não tem condições econômicas para tanto.
Não seria mais fácil ajudá-la, conforme previsão do art. 23
do ECA?
Ademais, se o caso fosse extremo, não seria correto a guarda
excepcional do art. 33, § 2o, do ECA?
Neste sentido:
Art. 33.
(...)
§ 2o Excepcionalmente, deferir-se-á a guarda, fora dos casos
de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou
suprir a falta eventual dos pais ou responsável, podendo ser
deferido o direito de representação para a prática de atos
determinados.
E a confusão de sangue (turbatio sanguinis)?
Como ficaria a sucessão hereditária?
Será que a criança ter o tio como pai e a mãe biológica
como tia, ambos convivendo na mesma cidade, trará reais
vantagens do ponto de vista psíquico?
Entendo que não.
Como pode uma mãe biológica virar, por “obra” jurídica, tia e
o tio virar pai?
Se para este Promotor de Justiça é difícil pensar numa
situação desta, para uma criança ou adolescente, crescendo
neste ambiente, será saudável?
O que pensará?
89
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Por que sua mãe o abandonou?
O fator econômico é motivo para esta espécie de adoção?
Por outro lado, a adoção acaba com o vínculo biológico inicial
e pressupõe, de regra, que a nova família substituta fique em
local distante, sendo que o tempo e a convivência acabam
por confortar espiritualmente a adotada, bem como eventual
acompanhamento psicológico na idade adolescente.
Todavia, este fator é problemático também neste ponto,
pois sendo o tio que pretende adotar, a criança vai crescer
no seio familiar, ou seja, com pais adotivos e mãe biológica,
o que, reforço, do ponto de vista psíquico é extremamente
prejudicial.
Neste caso, a única solução plausível é voltar no art. 6o do
ECA para tentar compreender este caso, sem dúvida, inédito
nos Tribunais.
Neste sentido:
Art. 6o do ECA:
Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins
sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum,
os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição
peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento (grifos nossos).
Se permitíssemos à criança ser adotada por um tio, sendo
a mãe biológica transmudada em tia, como a criança se
desenvolveria nesse contexto?
Um dos princípios que se aplica no Direito da Infância
e Juventude, na Adoção, é justamente propiciar reais
vantagens para a adotanda, sendo este também um dos
requisitos da adoção plena.
Provados, pois, quase todos os requisitos legais, conforme
minuciosamente analisado o mérito, faltam apenas as
condições da ação:
Possibilidade jurídica do pedido (art. 23 do ECA c/c o art.
42, § 1o, este com a interpretação dada pelo art. 6o);
Interesse de agir/necessidade (ausência de necessidade,
já que um dos adotantes é tio – jus sanguinis – da adotanda,
dando todos os cuidados desde seu nascimento);
90
Adequação – também se constata a ausência de adequação,
já que os requerentes, em vez de adoção, deveriam ajuizar a
guarda excepcional do ECA, prevista no art. 33, § 2o).
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3.10.1. A ampliação da licença-maternidade por mais 60 dias (4
meses constitucional e mais 2 meses por via legal)
A ampliação da licença-maternidade para seis meses é de autoria da
senadora Patrícia Sabóya Gomes (PDT-CE), que agora vê aprovado, na
Comissão de Assuntos Sociais do Senado, outro projeto seu, que amplia a
licença paternidade de cinco para quinze dias.
Vejamos como ficou a redação final da lei e os motivos de veto.
Lei no 11.770, de 9 de setembro de 2008
Cria o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da
licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal,
e altera a Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.
O Presidente da República
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono
a seguinte Lei:
Art. 1o É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado
a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da licençamaternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7o da
Constituição Federal.
§ 1o A prorrogação será garantida à empregada da pessoa
jurídica que aderir ao Programa, desde que a empregada a
requeira até o final do primeiro mês após o parto, e concedida
imediatamente após a fruição da licença-maternidade de que
trata o inciso XVIII do caput do art. 7o da Constituição Federal.
§ 2o A prorrogação será garantida, na mesma proporção,
também à empregada que adotar ou obtiver guarda judicial
para fins de adoção de criança.
Art. 2o É a administração pública, direta, indireta e fundacional
autorizada a instituir programa que garanta prorrogação da
licença-maternidade para suas servidoras, nos termos do que
prevê o art. 1o desta Lei.
Art. 3o Durante o período de prorrogação da licençamaternidade, a empregada terá direito à sua remuneração
integral, nos mesmos moldes devidos no período de
percepção do salário-maternidade pago pelo regime geral de
previdência social.
Art. 4o No período de prorrogação da licença-maternidade de
que trata esta Lei, a empregada não poderá exercer qualquer
91
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
atividade remunerada e a criança não poderá ser mantida em
creche ou organização similar.
Parágrafo único. Em caso de descumprimento do disposto
no caput deste artigo, a empregada perderá o direito à
prorrogação.
Art. 5o A pessoa jurídica tributada com base no lucro real
poderá deduzir do imposto devido, em cada período de
apuração, o total da remuneração integral da empregada
pago nos 60 (sessenta) dias de prorrogação de sua licençamaternidade, vedada a dedução como despesa operacional.
Parágrafo único. (Vetado)
Art. 6o (Vetado)
Art. 7o O Poder Executivo, com vistas no cumprimento do
disposto no inciso II do caput do art. 5o e nos arts. 12 e 14 da
Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, estimará o
montante da renúncia fiscal decorrente do disposto nesta Lei
e o incluirá no demonstrativo a que se refere o § 6o do art.
165 da Constituição Federal, que acompanhará o projeto de
lei orçamentária cuja apresentação se der após decorridos 60
(sessenta) dias da publicação desta Lei.
Art. 8o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação,
produzindo efeitos a partir do primeiro dia do exercício
subsequente àquele em que for implementado o disposto no
seu art. 7o.
Brasília, 9 de setembro de 2008; 187o da Independência e
120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Guido Mantega
Carlos Lupi
José Pimentel
Este texto não substitui o publicado no DOU de 10/09/2008.
Mensagem de veto no 679, de 9 de setembro de 2008.
Senhor Presidente do Senado Federal,
92
Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1o do art. 66
da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade
ao interesse público e inconstitucionalidade, o Projeto de Lei
no 2.513, de 2007 (no 281/05 no Senado Federal), que “Cria
o Programa Empresa Cidadã, destinado à prorrogação da
Material Complementar da Obra
licença-maternidade mediante concessão de incentivo fiscal,
e altera a Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991”.
Ouvido, o Ministério da Fazenda manifestou-se pelo veto ao
seguinte dispositivo:
Parágrafo único do art. 5o
“Art. 5o (…)
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se às pessoas
jurídicas enquadradas no regime do lucro presumido e às
optantes pelo Sistema Integrado de Pagamentos de Impostos
e Contribuições das Microempresas e Empresas de Pequeno
Porte – SIMPLES.”
Razões do veto
“A medida cria uma modalidade de dedução do Imposto
sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ sem qualquer limite,
alcançando, além das empresas tributadas com base no
lucro real, as empresas optantes pelo lucro presumido, e as
inscritas no Regime Especial Unificado de Arrecadação de
Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e
Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional.
Para as empresas que optam pela apuração do IRPJ com base
no lucro presumido, a apuração do lucro é realizada por meio
da aplicação de um percentual de presunção sobre a receita
bruta auferida, dependendo da natureza das atividades
das empresas, as quais, geralmente, não mantêm controles
contábeis precisos, segundo a Receita Federal do Brasil.
Assim, o proposto no parágrafo único prejudicaria a essência
do benefício garantido a essas empresas, além de dificultar a
fiscalização por parte da Receita Federal do Brasil.
Como o Simples Nacional engloba o pagamento de vários
tributos, inclusive estaduais e municipais, mediante aplicação
de uma única alíquota por faixa de receita bruta, o modelo
proposto torna-se inexequível do ponto de vista operacional.
Cria-se sério complicador para segregar a parcela relativa
ao imposto de renda, para dele subtrair o salário pago no
período de ampliação da licença.”
Os Ministérios da Fazenda e da Previdência Social
acrescentaram veto ao seguinte dispositivo:
Art. 6o
“Art. 6o A alínea e do § 9o do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de
julho de 1991, passa a vigorar acrescida do seguinte item 10:
93
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
“Art. 28. (…)
§ 9o (…)
e) (…)
10. recebidas a título de prorrogação da licença-maternidade,
no âmbito do Programa Empresa Cidadã, sem prejuízo da
contagem do tempo de contribuição da segurada; (…) (NR)”
Razões do veto
A alínea “e” do § 9o do art. 28 da Lei no 8.212, de 24 de julho
de 1991, enumera, de forma exaustiva, as importâncias que
não integram o salário-de-contribuição, que é a base de
cálculo para a contribuição previdenciária. Ao incluir valores
recebidos a título de prorrogação da licença-maternidade
neste rol, o art. 6o do Projeto de Lei concede isenção tanto
da contribuição previdenciária referente à cota da empresa
quanto à contribuição previdenciária devida pela segurada.
Note-se que, no referido dispositivo a alínea a dispõe que
não integram o salário-de-contribuição os benefícios da
previdência social, nos termos e limites legais, salvo o
benefício relativo ao salário-maternidade. Significa dizer
que o valor relativo a este benefício integra o salário-decontribuição, ou seja, é base de cálculo para a contribuição
previdenciária.
Dessa forma, se nos 120 dias de licença gestante, quando é
devido à segurada o salário-maternidade, há a incidência
de contribuição previdenciária, seria contraditório a não
incidência dessa contribuição sobre os valores referentes à
prorrogação da licença, que tem as mesmas características
do salário-maternidade devido nos primeiros 120 dias de
licença.
Cabe ainda ressaltar a natureza especial da contribuição
previdenciária e a necessidade de preservação do equilíbrio
financeiro e atuarial da Previdência Social, conforme disposto
nos arts. 167, XI, e 201 Constituição Federal.
Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar
os dispositivos acima mencionados do projeto em causa,
as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores
Membros do Congresso Nacional.
Brasília, 9 de setembro de 2008.
94
Este texto não substitui o publicado no DOU de 10/09/2008
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3.11. Questões Finais de Adoção
Sobre competência na adoção, vejamos polêmico julgado do STJ (a
competência é do domicílio dos pais, e não do local onde a criança se
encontra).
Família – 13/12/2005
A 3a Turma do STJ decidiu que, em caso de sentença de
adoção, o juízo competente para decidir é o mais próximo, ou
seja, o juízo imediato. Sob a proteção do Estatuto da Criança e
do Adolescente, a competência é determinada pelo domicílio
dos pais ou responsável.
No caso em julgamento, como a criança está sob a guarda
provisória de um casal de médicos, eles seriam seus
responsáveis, o que legitima o foro do domicílio deles, e não
o de onde mora a genitora.
Um casal de médicos interessado em adotar uma criança
recebeu a informação de que uma mãe adolescente não
pretendia ficar com seu bebê por medo de reprimenda da
família. Assim, entraram com ação de adoção da criança,
que nasceu em Caçapava do Sul (RS), em novembro de
2001. O registro do nascimento foi feito pela adolescente
acompanhada da mãe, e o nome da criança foi escolhido
pelos pretensos adotantes, que, imediatamente após o parto,
já estavam com o bebê, dando início ao processo de adoção.
No entanto, pouco mais de um mês após o nascimento, a
mãe adolescente manifestou interesse em permanecer com
o bebê, pois havia obtido o apoio de sua família. Diante
desse fato, o juiz determinou aos pretendentes adotantes a
devolução da criança à mãe e, na mesma ocasião, declinou
de sua competência, determinando a remessa dos autos à
comarca de Caçapava do Sul, cidade onde residia a mãe. 
Os adotantes, por sua vez, apresentaram pedido de
desistência da ação, que foi homologado pelo juiz da causa
em Caçapava do Sul. Todavia, mesmo diante da desistência
dos adotantes, eles não devolveram a criança à mãe, que, dias
depois, procurou o foro local, à procura de auxílio para ter de
volta a filha.
Simultaneamente, os pretensos adotantes ajuizaram nova
ação de adoção, dessa vez em Porto Alegre, obtendo a
95
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
expedição de precatória de citação da adolescente para
Caçapava do Sul, cidade onde residia. Em Porto Alegre, o
juiz da Infância e da Juventude julgou-se competente para a
ação e ainda destituiu a adolescente da guarda provisória da
criança, dando a guarda provisória aos pretensos adotantes.
Contra essa decisão, a adolescente entrou com pedido de
guarda no TJRS, alegando não haver razão alguma para a
ruptura dos liames familiares da criança com a mãe e com os
avós maternos, além do que nada justifica manter a situação
da guarda da criança, que foi estabelecida mais por “teimosia
e insensibilidade“ dos pretensos adotantes que buscaram
forma alternativa de obter a adoção, do que por culpa da
genitora, uma jovem adolescente, que necessitava de amparo.
O recurso foi provido.
Logo em seguida, os pretensos adotantes entraram com
recurso especial no STJ, alegando que, pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, a competência para julgar a ação é
determinada pelo domicílio dos pais ou responsável e, como
a criança estava sob a guarda provisória do casal, seriam eles
seus responsáveis, o que legitimaria o foro da Vara da Infância
e da Juventude de Porto Alegre, comarca de sua residência.
Foi ajuizada medida cautelar no STJ, cuja liminar foi deferida
no sentido de manter a guarda da criança com os pretensos
adotantes, até o julgamento final do recurso. Nesse ínterim,
a ação de adoção foi julgada em Porto Alegre, tendo sido
julgado procedente o pedido para que a criança ficasse com
os adotantes.
Em decisão no STJ, a Ministra Nancy Andrighi ressaltou
que um dos princípios que rege o ECA, especialmente no
que toca à questão de competência, é o princípio do juízo
imediato, segundo o qual é competente o juízo mais próximo
do menor. O intuito máximo de tal princípio está em que,
pela proximidade do menor, é possível atender melhor os
objetivos determinados pela lei, bem como lhe entregar a
prestação jurisdicional de forma mais rápida e eficaz.
Assim, a decisão da Terceira Turma do STJ foi pelo princípio
do juízo imediato, conhecendo parcialmente do recurso e lhe
dando provimento para declarar competente o Juízo da Vara
da Infância e da Juventude de Porto Alegre e cassar a decisão
que determinava a remessa dos autos ao Juízo da comarca de
Lavras do Sul/RS (com informações do STJ).
96
Material Complementar da Obra
Porém, a polêmica consistiu no fato do STJ ter ratificado sua
própria decisão, não mais considerando em julgamento de
adoção, a competência do juízo mais próximo da criança.
Assim, o STJ inverteu o julgado e decidiu que em casos de
adoção, a competência para julgar a ação é a do domicílio
dos pais; somente se não existirem é que passa a ser o do
responsável. A decisão é da 3a Turma do STJ e foi tomada em
um recurso especial apresentado pelos adotantes contra a
mãe biológica da criança, uma adolescente que se arrependeu
posteriormente de ter dado a filha para adoção.
A decisão foi por maioria e contrária ao voto da relatora,
Ministra Nancy Andrighi, para quem o Estatuto da Criança
e do Adolescente dispõe que a competência é determinada
pelo domicílio dos pais ou responsável e esse deveria ser
o mais próximo da criança, ou seja, o juízo imediato. Se
prevalecesse o voto da relatora, a criança continuaria sob a
guarda provisória de um casal de médicos.
Para entender o caso
1. Um casal de médicos gaúchos, interessados em adotar uma
criança, recebeu a informação de que uma mãe adolescente
não pretendia ficar com seu bebê por medo de reprimenda da
família. Assim, entraram com ação de adoção da criança, que
nasceu em Caçapava do Sul, em novembro de 2001. O registro
do nascimento foi feito pela adolescente acompanhada da
sua mãe, e o nome da criança foi escolhido pelos pretensos
adotantes, que, imediatamente após o parto, já estavam com
o bebê, dando início ao processo de adoção.
2. Pouco mais de um mês após o nascimento, a mãe
adolescente manifestou interesse em permanecer com o
bebê, pois havia obtido o apoio de sua família. Diante desse
fato, o juiz determinou aos adotantes a devolução da criança
à mãe e, na mesma ocasião, declinou de sua competência,
determinando a remessa dos autos a Caçapava do Sul, cidade
onde residia a mãe.
3. Os adotantes, por sua vez, apresentaram pedido de
desistência da ação, que foi homologado pelo juiz da causa
em Caçapava do Sul. Todavia, mesmo diante da desistência
dos adotantes, eles não devolveram a criança à mãe, que, dias
depois, procurou o foro local, à procura de auxílio para ter de
volta a filha.
97
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
4. Simultaneamente, os pretensos adotantes ajuizaram
nova ação de adoção, dessa vez em Porto Alegre, obtendo
a expedição de precatória de citação da adolescente para
Caçapava do Sul, cidade onde residia. Em Porto Alegre, o juiz
da Infância e da Juventude julgou-se competente para a ação
e destituiu a adolescente da guarda provisória da criança,
dando-a aos pretensos adotantes.
5. Contra essa decisão, a adolescente apelou, com pedido
de guarda, no TJRS, o qual proveu o recurso, decidindo que
“não há razão alguma para a ruptura dos liames familiares
da criança com a mãe e com os avós maternos, além do que
nada justifica manter a situação da guarda da criança, que
foi estabelecida mais por teimosia e insensibilidade dos
pretensos adotantes que buscaram forma alternativa de
obter a adoção, do que por culpa da genitora, uma jovem
adolescente, que necessitava de amparo”.
6. A decisão fez com que os médicos adotantes entrassem
com recurso especial no STJ, alegando que, pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, a competência para julgar a ação é
determinada pelo domicílio dos pais ou responsável e, como
a criança estava sob a guarda provisória do casal, seriam eles
seus responsáveis, o que legitimaria o foro da Vara da Infância
e da Juventude de Porto Alegre, comarca de sua residência.
7. Foi ajuizada medida cautelar no STJ, cuja liminar foi
deferida no sentido de manter a guarda da criança com os
pretensos adotantes, até o julgamento final do recurso. Nesse
ínterim, a ação de adoção foi julgada em Porto Alegre e foi
julgado procedente o pedido para que a criança ficasse com
os médicos.
8. Ao apreciar o recurso especial, a Ministra Nancy Andrighi
ressaltou que um dos princípios que rege o ECA, especialmente
no que toca à questão de competência, é o princípio do juízo
imediato, segundo o qual é competente o juízo mais próximo
do menor. O intuito máximo de tal princípio está em que,
pela proximidade do menor, é possível atender melhor os
objetivos determinados pela lei, bem como lhe entregar a
prestação jurisdicional de forma mais rápida e eficaz.  Explica
a Ministra Andrighi que se trata de uma criança que está
completando quatro anos e nunca viu a mãe, nem os avós.
Segundo seu entendimento, o ECA é dirigido à criança, e ela,
criança, tem que ficar onde está.
98
Material Complementar da Obra
9. Esse entendimento, contudo, não foi acompanhado pela
maioria dos ministros da Turma. Apenas o Ministro Castro
Filho aderiu a essa corrente. Primeiro a divergir, o Ministro
Ari Pargendler concluiu que a competência será determinada
pelo domicílio dos pais ou responsáveis. “O objetivo dessa
norma é justamente o de fixar a competência no local onde
os pais podem defender o poder familiar, porque a criança é a
vítima da circunstância”, entende. Para ele, nenhuma situação
será boa para a criança depois desse resultado, seja ficar com
os pais adotivos ou com a mãe biológica. “A questão é técnica,
de competência”.
10. Para o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, o
raciocínio da Ministra Nancy Andrighi, sob determinado ponto
de vista, é perfeito, “mas o objetivo da regra foi permitir que
a mãe pudesse, com maior facilidade, fazer a defesa do poder
familiar. Por que deslocaremos isso, ainda mais quando há a
mãe, avós maternos, existe um liame natural conhecido?”
11. A questão ficou empatada, cabendo ao Ministro Humberto
Gomes de Barros defini-la. Para ele, são duas menores: a mãe
e a filha, situação extremamente dolorosa. Seu entendimento
é o de que há uma sequência do art. 147 do ECA, quanto a essa
questão do domicílio dos pais ou responsável. “Se existem os
pais, penso ser o domicílio deles, no caso o da mãe e também
dos avós, que são pais de menores também, o competente”
(REsp no 687225) – com informações do STJ.
(Disponível em: www.espacovital.com.br.)
Adoção
STJ – Cabe ao juízo do domicílio do casal adotante julgar processos
relacionados à adoção
Compete ao juízo do domicílio do casal adotante, que detém a guarda
provisória do adotando, processar e julgar todos os processos referentes
à adoção de menor, consideradas as peculiaridades do processo. Com a
decisão, a 2a Seção do STJ definiu que cabe ao Juízo de Direito da Vara
da Infância e Juventude de São José dos Campos/SP julgar os processos
referentes à adoção de um menino nascido em setembro de 2008. A decisão
se deu em um conflito de competência envolvendo o juízo de São José dos
Campos e o juízo de Araquari/SC.
No caso, trata-se de três processos, todos iniciados no juízo de Araquari,
sobre o procedimento de adoção proposto por um casal em favor da
99
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
criança; ação de guarda, ajuizada pela pretensa avó paterna do menor; e
procedimento de adoção proposto pelos supostos tios paternos da criança,
que posteriormente desistiram de sua pretensão.
A adoção formalizada pelo casal teve prosseguimento perante o Juízo
de Araquari, enquanto a ação de guarda e o outro procedimento de adoção
foram apensados aos autos da primeira ação. Ao conceder a guarda
provisória do menor ao casal, o Juízo de Araquari observou as normas então
vigentes, principalmente o art. 50 do ECA, já que os adotantes figuravam
como regularmente inscritos no cadastro de habilitados à adoção.
O suposto pai biológico da criança contestou o pedido de adoção e pediu
a guarda do alegado filho, que não lhe foi concedida, pois há dúvida acerca
da verdadeira paternidade. A mãe, por sua vez, portadora de transtorno
psíquico (esquizofrenia), abriu mão do bebê ainda na maternidade,
entregando-o para adoção, como já o tinha feito há 11 anos em relação à
outra filha.
Ao declinar da competência e remeter os processos ao Juízo de São
José dos Campos, em razão de residirem – adotantes e adotando – naquela
localidade, o Juízo de Araquari fundamentou sua decisão no art. 147 do
ECA. O juízo paulista, por sua vez, não aceitou a competência e devolveu os
autos ao juízo catarinense, que, por fim, suscitou o conflito de competência.
A relatora, Ministra Nancy Andrighi, levou em conta o fato de os adotantes
não terem modificado o seu domicílio após a propositura da ação. Segunda
ela, eles já residiam em São José dos Campos. Apenas responderam ao
chamado do Juízo de Araquari – no qual se encontravam regularmente
cadastrados como casal habilitado para adotar – a fim de manifestar seu
interesse na adoção do menor, sendo-lhes, consequentemente, deferida a
guarda provisória.
O Juízo de Direito da vara da Infância e Juventude de São José dos Campos
é o que apresenta condições de ter pronto acesso à criança e à família
substituta na qual ela está inserida há exatos dois anos. É de lá que o menor
– hoje com dois anos de idade – exerce, com regularidade, seu direito à
convivência familiar e comunitária. E, desse modo, o fim a que se propõe
o princípio do juízo imediato dá-se por atingido, porque fica em perfeita
sintonia com o princípio do melhor interesse da criança, afirmou a ministra.
Processo Relacionado: CC 111130
100
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O a 69)
3.2.3.13. Atuação de organismos estrangeiros e nacionais na adoção
internacional
Em relação à adoção internacional, o Decreto no 5.491/2005
regulamentou a atuação de organismos estrangeiros e nacionais, proibindo
o contato direto de tais representantes com dirigentes de abrigos ou
crianças (inclua-se adolescentes) em situação de adoção, sem a devida
autorização judicial. Este Decreto foi praticamente encampado pela Lei no
12.010/2009.
Vejamos:
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
Decreto no 5.491, de 18 de julho de 2005.
Regulamenta a atuação de organismos estrangeiros e
nacionais de adoção internacional.
O Presidente da República, no uso da atribuição que lhe
confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e
Considerando a entrada em vigor, para o Brasil, da Convenção
Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria
de Adoção Internacional, concluída na cidade de Haia,
Holanda, em 29 de maio de 1993, aprovada pelo Decreto
Legislativo no 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo
Decreto no 3.087, de 21 de junho de 1999, e tendo em vista a
designação da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República, conforme determinação do inciso
II do parágrafo único do art. 1o do Decreto no 5.174, de 9 de
agosto de 2004, como Autoridade Central Administrativa
Federal encarregada de dar cumprimento às obrigações
impostas por aquela Convenção;
Decreta:
Capítulo I
DO CREDENCIAMENTO DE ORGANISMOS NACIONAIS E
ESTRANGEIROS QUE ATUAM EM ADOÇÃO INTERNACIONAL
Art. 1o Fica instituído o credenciamento de todos os
organismos nacionais e estrangeiros que atuam em adoção
internacional no Estado brasileiro, no âmbito da Autoridade
Central Administrativa Federal.
101
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Parágrafo único. O credenciamento de que trata este artigo é
requisito obrigatório para posterior credenciamento junto a
Autoridade Central do país de origem da criança, bem como
para efetuar quaisquer procedimentos junto às Autoridades
Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal, na
forma do Decreto no 3.174, de 16 de setembro de 1999.
Art. 2o Entende-se como organismos nacionais associações
brasileiras sem fins lucrativos, que atuem em outros países
exclusivamente na adoção internacional de crianças e
adolescentes estrangeiros por brasileiros.
Art. 3o Entende-se como organismos estrangeiros associações estrangeiras sem fins lucrativos, que atuem em adoção
internacional de crianças e adolescentes brasileiros, no Estado brasileiro.
Art. 4o Os organismos nacionais e estrangeiros que atuam em
adoção internacional deverão:
I – estar devidamente credenciado pela Autoridade Central
Administrativa Federal, se organismo nacional;
II – estar devidamente credenciado pela Autoridade Central
de seu país de origem e ter solicitado à Coordenação Geral
de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, da Secretaria
Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, autorização
para funcionamento no Brasil, para fins de reconhecimento
da personalidade jurídica às organizações estrangeiras, na
forma do Decreto-Lei no 4.657, de 4 de setembro de 1942, se
organismo estrangeiro;
III – estar de posse do registro assecuratório, obtido junto ao
Departamento de Polícia Federal, nos termos da Portaria no
815/99 - DG/DPF, de 28 de julho de 1999;
IV – perseguir unicamente fins não lucrativos, nas condições
e dentro dos limites fixados pela Autoridade Central
Administrativa Federal; e
V – ser dirigido e administrado por pessoas qualificadas por
sua integridade moral e por sua formação ou experiência
para atuar na área de adoção internacional, cadastradas
pelo Departamento de Polícia Federal e aprovadas pela
Autoridade Central Administrativa Federal, mediante
publicação de portaria do titular da Secretaria Especial dos
Direitos Humanos da Presidência da República.
102
Art. 5o O organismo nacional ou estrangeiro credenciado
deverá:
Material Complementar da Obra
I – prestar, a qualquer tempo, todas as informações que lhe
forem solicitadas pela Autoridade Central Administrativa
Federal;
II – apresentar, a cada ano, contado da data de publicação
da portaria de credenciamento, à Autoridade Central
Administrativa Federal relatório geral das atividades
desenvolvidas, bem como relatório de acompanhamento das
adoções internacionais efetuadas no período, cuja cópia será
encaminhada ao Departamento de Polícia Federal; e
III – requerer renovação do credenciamento a cada dois anos
de funcionamento, no período de trinta dias que antecede o
vencimento do prazo, de acordo com a data de publicação da
portaria de credenciamento.
§ 1o A não prestação de informações solicitadas pela
Autoridade Central Administrativa Federal poderá acarretar
a suspensão do credenciamento do organismo pelo prazo de
até seis meses.
§ 2o A não apresentação do relatório anual pelo organismo
credenciado poderá acarretar a suspensão de seu
credenciamento pelo prazo de até um ano.
Art. 6o O organismo nacional e o organismo estrangeiro
credenciados estarão submetidos à supervisão da Autoridade
Central Administrativa Federal e demais órgãos competentes,
no que tange à sua composição, funcionamento, situação
financeira e cumprimento das obrigações estipuladas no art.
5o deste Decreto.
Art. 7o A Autoridade Central Administrativa Federal poderá, a
qualquer momento que julgue conveniente, solicitar informes
sobre a situação das crianças e adolescentes adotados.
Art. 8o Na hipótese de o representante cadastrado
substabelecer os poderes recebidos do organismo nacional
ou estrangeiro representado, com ou sem reservas, o
substabelecido somente poderá atuar nos procedimentos
após efetuar o seu cadastro junto ao Departamento de Polícia
Federal, que dará ciência à Autoridade Central Administrativa
Federal. (Redação dada pelo Decreto no 5.947, de 2006.)
Art. 9o A cobrança de valores por parte dos organismos
credenciados, que sejam considerados abusivos pela
Autoridade Central Administrativa Federal e que não
estejam devidamente comprovados, poderá acarretar o
descredenciamento do organismo.
103
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Art. 10. É proibida a representação de mais de uma entidade
credenciada para atuar na cooperação em adoção internacional
por uma mesma pessoa ou seu cônjuge, sócio, parente em linha
reta, colateral até quarto grau ou por afinidade.
Art. 11. É proibido o contato direto de representantes
de organismos de adoção, nacionais ou estrangeiros,
com dirigentes de abrigos, ou crianças em situação de
adotabilidade, sem a devida autorização judicial.
Art. 12. A Autoridade Central Administrativa Federal poderá
limitar ou suspender a concessão de novos credenciamentos
sempre que julgar necessário, mediante ato administrativo
fundamentado.
Capítulo II
DOS ORGANISMOS NACIONAIS QUE ATUAM EM ADOÇÃO
INTERNACIONAL EM OUTROS PAÍSES
Art. 13. O organismo nacional credenciado deverá comunicar
à Autoridade Central Administrativa Federal em quais países
estão atuando os seus representantes, assim como qualquer
alteração de estatuto ou composição de seus dirigentes e
representantes.
Art. 14. O requerimento de credenciamento dos organismos
nacionais que atuam na cooperação em adoção internacional
deverá ser dirigido ao titular da Secretaria Especial dos
Direitos Humanos.
Art. 15. O credenciamento dos organismos nacionais que
atuam em adoção internacional em outros países será
expedido em portaria do titular da Secretaria Especial dos
Direitos Humanos, após observado parecer da CoordenaçãoGeral do Departamento de Polícia Federal.
Art. 16. O certificado de cadastramento expedido pela CoordenaçãoGeral do Departamento de Polícia Federal não autoriza qualquer
organismo nacional a atuar em adoção internacional em outros
países, sendo necessário o credenciamento junto à Autoridade
Central Administrativa Federal.
Capítulo III
DOS ORGANISMOS ESTRANGEIROS QUE ATUAM EM ADOÇÃO
INTERNACIONAL NO ESTADO BRASILEIRO
104
Art. 17. O organismo estrangeiro credenciado terá como
obrigações:
Material Complementar da Obra
I – comunicar à Autoridade Central Administrativa Federal
em quais Estados da Federação estão atuando os seus
representantes, assim como qualquer alteração de estatuto
ou composição de seus dirigentes e representantes;
II–tomar as medidas necessárias para garantir que a criança
ou adolescente brasileiro saia do País com o passaporte
brasileiro devidamente expedido e com visto de adoção
emitido pelo consulado do país de acolhida;
III–tomar as medidas necessárias para garantir que
os adotantes encaminhem cópia à Autoridade Central
Administrativa Federal da certidão de registro de nascimento
estrangeira e do certificado de nacionalidade tão logo lhes
sejam concedidos;
IV – apresentar relatórios semestrais à Autoridade Central
Administrativa Federal de acompanhamento do adotado, até
que se conceda a nacionalidade no país de residência dos
adotantes; (Redação dada pelo Decreto no 5.947, de 2006.)
V – apresentar relatórios semestrais de acompanhamento
do adotado às Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção
Internacional – CEJAIS pelo período mínimo de dois anos,
independentemente da concessão da nacionalidade do
adotado no país de residência dos adotantes. (Incluído pelo
Decreto no 5.947, de 2006).
Art. 18. O credenciamento dos organismos estrangeiros
que atuam na cooperação em adoção internacional será
expedido por meio de portaria do titular da Secretaria
Especial dos Direitos Humanos, após observados os
pareceres da Coordenação Geral de Justiça, Classificação,
Títulos e Qualificação, da Secretaria Nacional de Justiça do
Ministério da Justiça; da Divisão de Assistência Consular, do
Ministério das Relações Exteriores e da Coordenação-Geral
do Departamento de Polícia Federal.
Art.19. O certificado de cadastramento expedido pela
Coordenação-Geral do Departamento de Polícia Federal,
por si só, não autoriza qualquer organização estrangeira a
atuar em adoção internacional no Estado brasileiro, sendo
necessário o credenciamento junto à Autoridade Central
Administrativa Federal.
Art. 20. Somente será permitido o credenciamento de
organismos estrangeiros de adoção internacional oriundos
de países que ratificaram a Convenção de Haia e estejam
105
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
devidamente credenciados pela Autoridade Central do país
de origem para atuar em adoção internacional no Brasil.
Capítulo IV
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art.21. O descumprimento do disposto neste Decreto
implicará o descredenciamento do organismo nacional ou
estrangeiro que atua em adoção internacional no Estado
brasileiro.
§ 1o Após o descredenciamento, respeitada a ampla defesa
e o contraditório, o organismo nacional ou estrangeiro não
poderá voltar a atuar em adoção internacional no Estado
brasileiro pelo prazo de até dez anos, contados a partir da
data da publicação da portaria de descredenciamento.
§ 2o O descredenciamento será comunicado ao Departamento
de Polícia Federal pela Autoridade Central Administrativa
Federal.
Art. 22. Qualquer irregularidade detectada pelas Autoridades
Centrais dos Estados Federados e do Distrito Federal deverá
ser comunicada à Autoridade Central Administrativa Federal.
Art. 23. Fica a Autoridade Central Administrativa Federal
encarregada de comunicar às Autoridades Centrais dos
Estados Federados e do Distrito Federal e ao Bureau
Permanente da Conferência de Haia de Direito Internacional
Privado os nomes e endereços dos organismos nacionais e
estrangeiros credenciados.
Art. 24. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 18 de julho de 2005; 184o da Independência e 117o
da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Dilma Rousseff
Este texto não substitui o publicado no DOU de 19.07.2005.
(Disponível em: www.planalto.gov.br.)
106
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O A 69)
5. DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO NO
TRABALHO (ARTS. 60 A 69 DO ECA)
Para maiores informações sobre a sistematização legal do trabalho do
menor, colocamos à disposição do leitor parecer que foi juntado na ADIn
no 2.096 do STF.
Sumário. I. Introdução. Noções Gerais do Estatuto da
Criança e do Adolescente. II. Trabalho do Menor. Direito
à profissionalização e à proteção no trabalho. III. Emenda
Constitucional no 20/98 e sua inconstitucionalidade.
Controle de constitucionalidade de leis adotado no Brasil. 1
– Controle de Constitucionalidade Preventivo. 2 – Controle
de Constitucionalidade Repressivo. 2.1 – Controle de
Constitucionalidade Repressivo Reservado ou Concentrado.
2.2 – Controle de Constitucionalidade Repressivo Difuso
ou Aberto. IV. Situação jurídica anterior à EC no 20/98.
Perpetuidade. V. Conclusão.
I – Introdução. Noções gerais do Estatuto da Criança e do
Adolescente
O ECA adotou em seu corpo legislativo o princípio da Proteção
Integral à criança e ao adolescente, a saber, qualquer que
seja a situação deles (com pais, sem pais, infratores, não
infratores, situação irregular ou não irregular, situação
de risco etc.), haverá proteção no citado Estatuto.
Trata-se de noção importante porque o antigo “Código
de Menores“ dava proteção apenas em caso de situação
irregular (sem pai e/ou sem mãe ou, na hipótese de
adolescente infrator).
Esta proteção integral da Lei no 8.069/90 abrange todos
os direitos da personalidade (art. 3o), a saber, todas as
condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança
e do adolescente.
(...)
Portanto, o ECA conferiu, do art. 7o ao 69, vários direitos
fundamentais. Exemplificando alguns deles, previstos
inclusive na Carta Magna, art. 227, podemos citar:
1o) direito à vida e à saúde (desde a concepção até o
aleitamento materno);
107
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
2o) direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, abrangendo
neste contexto o direito de opinião, igualdade de tratamento
e de oportunidade;
3o) direito à convivência familiar (a regra é a proteção da
família natural, isto é, aquela formada pelos pais e seus
descendentes ou um dos pais e seus descendentes, chamada
esta última de família monoparental; a exceção é a colocação
da criança ou do adolescente na família substituta-adquirida
por guarda, tutela ou adoção) e comunitária;
4o) direito à profissionalização e à proteção no trabalho (arts.
60 a 69 do ECA).
II – Trabalho do Menor. Direito à profissionalização e à
proteção no trabalho
A Constituição Federal de 1988 proibiu o trabalho do menor
de 14 anos (ou seja, da criança e do adolescente entre 12
anos completos até 14 anos incompletos), segundo o art. 227,
§ 3o, I, combinado com o art. 7o, XXXIII (idade mínima de 14
anos para admissão ao trabalho, salvo para menores de 14
anos na condição de aprendiz, mas vedado neste caso como
para menores de 18 anos, trabalhos noturnos, perigosos ou
insalubres).
Assim, a antiga redação do art. 7o, XXXIII, da Carta Magna,
permitia o trabalho do menor com 14 anos completos e,
na condição de aprendiz, com 12 anos completos até 18
incompletos, seguindo a sistemática do Estatuto da Criança
e do Adolescente e da Consolidação das Leis Trabalhistas,
razão pela qual concluímos que criança (do nascimento
com vida até 12 anos incompletos) não pode (e nunca pode)
trabalhar sob nenhum pretexto.
Porém, a EC 20/98 somente autorizou o trabalho do
adolescente a partir de 16 anos e não mais 14, como constava.
A mudança legislativa trouxe sérias consequências a diversas
famílias brasileiras. Acostumadas a complementar sua renda
com o auxílio dos filhos, muitos empregadores passaram a se
recusar a receber menor em suas fábricas ou comércio, com
medo da represália de fiscais do trabalho e das punições civis
e criminais.
108
Se de um lado a emenda constitucional auxiliou e foi eficaz
na redução do trabalho infantil (criança), de outro, causou
sérios problemas ao trabalho juvenil (adolescentes).
Material Complementar da Obra
No Brasil, o trabalho de adolescentes a partir de 14 anos
demonstrava ser um instrumento eficaz no combate a
ociosidade (mãe de todos os atos infracionais), prioridade
a subsistência humana (do adolescente e de sua família),
bem como fuga da violência doméstica. Neste último item,
diante da dificuldade financeira e estrutural das famílias
serem tratadas, o trabalho de adolescentes representa um
meio natural de fugir do círculo da violência doméstica,
visando independência econômica (parca, mas livre de
sevícias, pedofilia etc.) e assim, evitando a tendência de se
produzir crianças que crescerão como delinquentes juvenis
e assassinos, futuros agressores e pedófilos da próxima
geração, como ensina J. Eekelaar e S. Katz, in Family Violence
– An International and Interdisciplinary Study, Toronto,
Butterworths, 1978.
A esse respeito é preciso recordar o conteúdo do livro de
Alice Miller, in Por tu Próprio Bien4, no qual, através das
vidas de três personagens do nosso século – Adolf Hitler,
Cristiane F. e Jurgen Bartsch –, ela nos mostra que estes
foram vítimas de violência física doméstica e que, mais tarde,
ao se converterem num terrível ditador, numa drogada e num
temível assassino de crianças, cumpriram o que Miller nos
diz com muita propriedade:
fatalmente, as crianças espancadas, espancarão, as
humilhadas, humilharão, aquelas em que mataram a
interioridade, essas matarão, pois por trás de cada crime
esconde-se uma tragédia pessoal.
A profissionalização do adolescente e sua consequente
proteção no trabalho como direito consagrado, além dos
fatores alhures realçados, tem, como alicerce, um fator
prioritário: a subsistência e a dignidade humana.
Em países como a Suíça, esta situação poderia ser contornada,
com programas governamentais e educação isolada. Mas no
Brasil, a educação, indispensável sem dúvidas, necessita ser
compartilhada com a subsistência, mesmo porque “não se
aprende nada de barriga vazia“, como ensina o dito popular.
Segundo dados do IBGE/UNICEF, o nível de renda familiar
é o fator determinante para o ingresso precoce dessa faixa
da população nas atividades econômicas. Os dados de 1987
demonstraram que 51,4% (15 a 17 anos) e 18,30% (10 a 14
4 MILLER, Alice. In: Por tu propió bien. Barcelona: Tusquets, 1985.
109
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
anos), constituíam grupos economicamente ativos (Disponível
em: Crianças e Adolescentes – Indicadores Sociais, I, Unicef/
IBGE). Esses índices situam-se nos grupos de famílias com
rendimento inferior a dois salários mínimos per capita;
portanto, infere-se que essa necessidade é exigida de forma
antecipada ao menor, pela condição real de sobrevivência.5
Eline A. Maranhão de Sá comenta:
Diante disso, é importante entender que a formação
profissional e a proteção no trabalho do jovem estão no
centro da atual crise brasileira, o que exige discutir o direito
à cidadania dos trabalhadores, articulando a questão da
liberdade política (autonomia dos movimentos sociais) e a
questão distributiva de renda, no eixo das políticas públicas.
Estas têm a função básica no processo de inclusão ou exclusão
dos bens e serviços prestados pelo Estado (instituições
governamentais) a essa faixa da população.
Entendendo assim, o art. 69 do Estatuto redimensiona a
questão de assistência pública (referente à profissionalização
e à proteção no trabalho do jovem) em outro patamar,
qual seja: alterar e reordenar as práticas institucionais a
partir do rompimento com o assistencialismo. Isso significa
estruturar nos níveis federal, estadual e municipal propostas
que contemplem na sua estrutura o desvelar do vínculo com
o conformismo, possibilitando a recriação de uma nova
identidade do jovem, até aqui sufocada e anulada pelas
desigualdades, além do resgate do trabalho pela via da
dignidade, sem ferir os direitos à educação, ao lazer, à
satisfação das necessidades básicas etc.“ (grifo nosso)6
III – Emenda Constitucional no 20/98 e sua
inconstitucionalidade. Controle de constitucionalidade
das leis adotado no Brasil
Em polêmica emenda à Constituição (Emenda Constitucional
no 20/98), mais preocupada em dar satisfação à OIT do que
à realidade nacional, a vedação do trabalho do menor foi
ampliada para 16 anos, salvo na condição de aprendiz, cuja
idade limite passou a ser 14 anos.
Senão, vejamos:
5 MARANHÃO DE SÁ, Eline A. (Fundação Promoção Social/Goiás, GO). In: Estatuto da criança e do adolescente comentado. 2. ed. Malheiros, 1996, p. 204.
6 Obra citada.
110
Material Complementar da Obra
art. 7o, XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a
menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz,
a partir de quatorze anos; (Redação dada ao inciso pela
Emenda Constitucional no 20/98, DOU 16/12/1998.)
NOTA
Assim dispunha o inciso alterado:
XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre
aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de
quatorze anos, salvo na condição de aprendiz;
Conclusões:
1) Antes da emenda, o trabalho do menor era permitido a partir dos 14
anos completos, salvo na condição de aprendiz, cuja idade, seguindo o
ECA e a CLT, iniciava-se de 12 anos completos a 18 anos incompletos
(sendo que, após 14 anos, aplica-se o art. 66 do ECA – ao adolescente
aprendiz, maior de 14 anos, são assegurados os direitos trabalhistas
e previdenciários), sem prejuízo da proibição de trabalho noturno,
perigoso ou insalubre a menores de 18 anos;
2) Após a emenda constitucional, o trabalho do menor passou a ser
permitido com 16 anos completos, e, para o aprendiz, a partir de 14
anos completos, incluindo a proibição de trabalho noturno, perigoso ou
insalubre a menores de 18 anos, salvo direito adquirido (art. 5o, XXXVI,
1a figura da CF/88) pelo menor de 14 anos completos ou aprendiz
de 12 anos completos a 18 incompletos, antes da entrada em vigor
da EC no 20/98.
Todavia, data maxima venia, a Emenda Constitucional, na visão
deste Promotor de Justiça, é inconstitucional, por ferir cláusula pétrea.
Explico.
Em primeiro lugar, constatamos que a Emenda Constitucional no
20/98 (Poder Constituinte Derivado Reformador) alterou o art. 7o,
XXXIII, mas não alterou o art. 227, § 3o, I, mesmo porque, não poderia,
na medida em que o art. 227 constitui-se em direito individual, logo,
cláusula pétrea, sendo somente possível sua alteração por um Poder
Constituinte Originário e não Derivado Reformador. Neste sentido:
111
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta:
(...)
§ 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
(...)
IV – os direitos e garantias individuais.
Ressalvo que o fato do conteúdo do art. 227 não estar previsto
no rol do art. 5o da CF/88, não descaracteriza sua natureza jurídica
constitucional de direito e garantia individual, eis que o rol do art. 5o
não é taxativo e sim, exemplificativo, devendo ser analisados os direitos
individuais em todo o texto constitucional (interpretação sistemática),
como ocorre, por exemplo, com as garantias tributárias ao contribuinte
(art. 150 e ss. da Carta Cidadã). Nesse sentido:
Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal
não excluem outros de caráter constitucional decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, desde que
expressamente previstos no texto constitucional, mesmo
que difusamente. Neste sentido, decidiu o Supremo Tribunal
Federal (Adin no 939-7/DF) ao considerar cláusula pétrea,
e consequentemente imodificável, a garantia constitucional
assegurada ao cidadão no art. 150, III, b, da Constituição
Federal (princípio da anterioridade tributária), entendendo
que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva, estaria a
Emenda Constitucional no 3, de 1993, deparando-se com
um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4o, IV,
da Constituição Federal, pois “admitir que a União, no
exercício de sua competência residual, ainda que por emenda
constitucional, pudesse excepcionar a aplicação desta
garantia individual do contribuinte, implica em conceder
ao ente tributante poder que o constituinte expressamente
lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda
à constituição tendente a abolir os direitos e garantias
individuais constitucionalmente assegurados” (Trecho do
voto do Ministro Celso de Melo, Serviço de Jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal, Ementário no 1.730-10/STF).7
No Brasil, em relação ao momento de realização do controle de
constitucionalidade, podemos observar um binômio: controle de
constitucionalidade preventivo e repressivo.
7 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Atlas, p. 109.
112
Material Complementar da Obra
(...)
Repressivo Difuso ou Aberto
O controle difuso ou aberto é aquele que busca a declaração de
inconstitucionalidade em concreto, a saber, depende da existência de
um caso concreto.
A ideia deste controle, exercido por todos os órgãos do Poder
Judiciário, nasceu do caso Madison versus Marbury (1803), em que o
juiz Marshal, da Suprema Corte Americana, afirmou que é próprio da
atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei.
É conhecido como via de defesa, sugerindo que seja feita
em contestação. Contudo pode ser utilizada também, nas ações
constitucionais do Habeas Corpus Act e Mandado de Segurança, além
das ações ordinárias.
O controle difuso, previsto no art. 97 da Carta Cidadã, não proíbe
que o juízo monocrático a realize, inclusive de ofício, pois trata-se de
matéria de ordem pública. No entanto, sendo Tribunal, o artigo exige a
cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/88).
No controle difuso, a regra é que os seus efeitos são: ex tunc, porém,
intra partem, ou seja, somente para as partes processuais, e não para
terceiros na mesma situação jurídica.
A exceção a esta regra surge no controle difuso do art. 52, X, da
CF/88, feito pelo Poder Legislativo (Senado Federal), onde o efeito
será erga omnes, porém, ex nunc (somente a partir da publicação da
resolução do Senado Federal), por expressa previsão constitucional.
(...)
Preleciona Cappelletti:8
que o sistema comum de controle de constitucionalidade dos
países do common law, denominando-os de descentralizado
ou difuso, é confiado a todos os Tribunais do país. Esses
Tribunais, em qualquer processo, tem a faculdade e a
obrigação de não aplicar a um caso concreto as leis e atos
normativos que considerem inconstitucionais.
Esse controle, segundo o excelente professor e autor Alexandre
de Moraes,9 não acarreta a anulação da lei ou ato normativo com
efeitos erga omnes, aplicando-se somente ao caso concreto em que a
norma foi julgada inconstitucional.
8 MAURO, C. Tribunales constitucionales europeos, p. 601.
9 Direito Constitucional. Atlas, p. 444.
113
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A diferença essencial ou substancial do controle difuso para
o concentrado, reside no fato de que, no primeiro, a pronúncia do
Judiciário não é feita no pedido da petição inicial, e sim, sobre questão
prévia (questão prejudicial), indispensável ao julgamento do mérito.
Logo, é prevista na causa de pedir e não no pedido, sendo, repito,
uma decisão incidenter tantum, decidida como prejudicial ao mérito,
não fazendo por conseguinte, coisa julgada e assim, não vinculando o
STF ao decidido, permitindo, assim, em ADIn, julgar de forma diferente
e com a força do instituto da coisa julgada.
Recentemente, a Justiça Federal de Uberlândia concedeu liminar em
ação civil pública proposta pelo Procurador da República, autorizando
as Delegacias do Trabalho a voltarem a emitir Carteiras de Trabalho a
adolescentes com 14 anos e 12 a 14 como aprendiz, pois pelo art. 60,
§ 4o (cláusula pétrea), o art. 227, § 3o, não podia ser alterado pela EC no
20. Todavia, a Procuradoria da União agravou de Instrumento alegando
que Ação Civil Pública não pode ser forma paralela de Ação Declaratória
de Inconstitucionalidade e o Tribunal Regional Federal concedeu
efeito suspensivo à liminar concedida, estando, portanto, suspensas as
emissões de CTPS até decisão de mérito.
Outro exemplo, repousa na comarca de Cláudio/MG. Nesta, diversos
Procedimentos de Jurisdição Voluntária visando Alvará para trabalho
de menor, caso a caso, um a um, estão sendo julgados pelo culto
magistrado, na pessoa física do culto Dr. Francisco de Assis Corrêa, que,
ao fazer o controle difuso de constitucionalidade em Procedimento
de Jurisdição Voluntária, sucede o juiz Marshal, da Suprema Corte
Americana (1803), no sentido de usar de sua atividade jurisdicional
para aplicar e interpretar a lei.
Assim, percebendo contradição entre a Emenda Constitucional no
20/98 e a CF/88, art. 227, § 3o, o nobre magistrado aplicará a última,
por ser vedação material expressa ao Poder Constituinte Derivado
Reformador (art. 60, § 4o, da CF/88 – cláusula pétrea), usando da
Hermenêutica Jurídica, ciência da interpretação das leis, própria de sua
atividade, sem que a coisa julgada produza efeitos erga omnes e sim,
intra partem e somente para o caso concreto, não invadindo seara da
Corte Suprema do nosso lindo País e não prejudicando direito sagrado
de menor.
A questão da inconstitucionalidade declarada em Procedimento
singular de Jurisdição Voluntária, portanto, não faz efeito erga omnes e
nem coisa julgada, pois atinge a parte fundamentadora da sentença. Daí,
114
Material Complementar da Obra
no pedido sim, o efeito será intra partem, por tratar-se de ação singular,
e, ainda, não faz coisa julgada por tratar-se de Procedimento de Jurisdição
Voluntária, implícita a cláusula rebus sic stantibus. Ora, para se chegar no
pedido, a saber, no mérito, é pressuposto lógico que o magistrado supere
a inconstitucionalidade na parte fundamentadora, mas sem dar-lhe efeito
erga omnes, pois senão estaria usurpando função do STF.
Por fim, não há prejuízo algum para as Instituições Jurídicas de nosso
País, pelo contrário, pois o menor estará longe de más companhias,
de vícios, do ócio e a qualquer momento, seja por ADIn declarando a
inconstitucionalidade ou, via contrária, declarando a constitucionalidade
da EC no 20/98, ou ainda, por Ação Declaratória de Constitucionalidade,
o trabalho deste menor pode ser cassado (art. no 1.109 do CPC) ou
mantido, sem prejuízo para qualquer das partes, a saber, empregado e
empregador, na medida em que a Justiça do Trabalho deve considerar a
questão sub judice.
IV – Situação jurídica anterior à EC no 20/98. Perpetuidade.
Considerando a inconstitucionalidade da EC no 20/98 e
superando o magistrado a questão prejudicial (declaração de
inconstitucionalidade) feita em ações individuais, no mérito,
deve observar a situação jurídica anterior à citada EC.
Sobre o tema, as legislações que cuidam do trabalho do
menor são: a CF/88, arts. 7o, XXXIII (antes da EC no 20/98) e
227, § 3o, I; a CLT, arts. 402 a 441 e o ECA, arts. 60 a 69.
Todos os textos legais alhures proíbem o trabalho do menor
de 14 anos, salvo:
1) na condição de aprendiz – CLT (apenas adolescente com
12 anos completos até 18 anos incompletos, sendo que
aos 14 anos completos já pode iniciar como trabalhador
normal e, após 14 anos completos, mesmo sendo aprendiz,
tem direito aos direitos trabalhistas e previdenciários (ao
adolescente aprendiz, maior de 14 anos, são assegurados os
direitos trabalhistas e previdenciários – art. 66 do ECA) – art.
402 da CLT, que combina com o conceito de adolescente dado
pelo ECA, pois a norma jurídica, tem como característica, a
possibilidade de conversão em nome normativo, devendo
as palavras técnicas guardarem sentido único em todas as
legislações e dentro de um sistema.
115
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Por conseguinte, as características do trabalho na condição
de aprendiz estão reguladas nos arts. 402 a 441 da CLT,
sendo que o ECA no art. 62 determina que aprendizagem
é a formação técnica-profissional ministrada segundo as
diretrizes e bases da CLT, mas desde que obedeça os princípios
do art. 63 (acesso e frequência obrigatória ao ensino regular;
atividade compatível ao desenvolvimento e horário especial
para o exercício de atividades);
2) na condição de trabalho educativo. O ECA prevê no art.
68, mas a CF/88 não. Contudo, entendo que referido artigo
não é inconstitucional, pois não contraria a Carta Magna e
sim reforça sua proteção, eis que se assemelha ao trabalho
de aprendiz. O trabalho educativo somente é permitido
para o adolescente, logo, para aquele que tem 12 anos de
idade completos até 14 anos de idade incompletos, pois,
se completou 14 anos, já pode ser trabalhador normal ou
aprendiz até 18 incompletos com direitos trabalhistas (ao
adolescente aprendiz, maior de 14 anos, são assegurados
os direitos trabalhistas e previdenciários – art. 66 do
ECA). Entende-se por trabalho educativo aquele realizado
em programas sociais sem fins lucrativos, quando a atividade
pedagógica (ensinamento) prevalece sobre o conjunto
produtivo e desde que capacite o adolescente para o exercício
de uma atividade regular e remunerada. A remuneração que o
adolescente recebe pelo trabalho efetuado ou a participação
nas vendas dos produtos de seu trabalho não desfigura o
caráter educativo.
Seja na condição de aprendiz ou de trabalho educativo, seja o
trabalho permitido para o adolescente com 14 anos de idade
completos até 18 anos de idade incompletos, o trabalho não
poderá prejudicar o menor e deverão ser observadas as
condições mínimas de trabalho descritas no ECA, que são:
1) proibição de trabalho noturno (período que vai das 22
horas de um dia às 5 horas do dia seguinte – o art. 67, I, do
ECA combinou com o art. 404 da CLT, no tocante a definição
de trabalho noturno, pois a norma jurídica, como vimos, deve
ter palavras técnicas que guardem sentido único em todas as
legislações e dentro de um sistema-conjugação sistemática
de normas);
2) proibição de trabalho perigoso, em local insalubre ou
penoso, mas claro que do ponto de vista do menor, e não
se é perigoso ou penoso para o adulto;
116
Material Complementar da Obra
3) proibição do trabalho em local prejudicial à sua formação,
ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social;
4) proibição do trabalho realizado em horários e locais que
não permitam a sua frequência à escola;
5) o trabalho deve consagrar o respeito à condição peculiar
do menor como pessoa em desenvolvimento;
6) o trabalho deve se ater à capacitação profissional adequada
ao mercado de trabalho.
Conclusão
O ECA e a CLT em hipótese alguma permitem o trabalho da
criança, e sim, apenas do adolescente com 12 anos de idade
completos até 18 incompletos, na condição de aprendiz (CLT) ou
entre 12 anos de idade completos e 14 incompletos, na condição
de trabalho educativo (ECA) ou mesmo 14 anos completos como
trabalho normal (não aprendiz e não educativo).
Ressalva importante:
A proibição do trabalho do menor de 14 anos, salvo na condição de
aprendiz ou trabalho educativo, é uma norma de proteção ao mesmo, e
não uma norma contrária a sua pessoa. Explico.
Ex.: Se um adolescente com 13 anos de idade for contratado, mas não
for registrado (até porque não há como fazer isto, pois somente se
pode fazer registro se tivesse 14 anos ou mais, naquelas condições
suprarrelatadas; mesmo para os aprendizes – 12 anos de idade
completos a 18 incompletos, não há direito trabalhista para os de
12 completos até 14 incompletos, e sim, somente para os de 14
anos completos – art. 65 do ECA), esta contratação irregular afronta
a Carta Magna, mas não impede que tal menor, apesar da vedação
legal, tenha todos os direitos trabalhistas de um trabalhador, pois
esta norma é de proteção. Neste sentido:
Acidente do trabalho. Menor de 14 anos. Incapacidade parcial e
permanente. Invocação pela autarquia da proibição constitucional
de trabalho. Irrelevância. Circunstância que não obsta a concessão
do benefício acidentário. Inteligência do art. 7o, XXXIII, da CF (2o
TACSP – Ap. s/Rev. 41.9993-00/9 – 5a C. – Rel. Juiz Sebastião Amorim
– J. 03/01/1995) (RT 727/217).
117
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Polêmica: Pode o juiz da Infância e Juventude conceder num Procedimento
de Jurisdição Voluntária alvará para autorizar menor com menos de 14
anos de idade a trabalhar, fora das exceções permitidas?
Antes de responder à questão é preciso ressalvar que há quem entenda
que esta matéria não é da competência do juízo da Infância e Juventude e
sim, da Justiça do Trabalho. Data maxima venia, entendo ser da competência
do Juízo da Infância e Juventude, pois Justiça Trabalhista cuida somente de
dissídios trabalhistas e não de autorização para emissão de CTPS a menor,
tanto que os próprios arts. 405, § 2o, e 406, ambos da CLT, remetem tal
mister ao Juízo Menorista, por ser função precípua e competência absoluta,
passível de nulidade qualquer decisão por Justiça alheia a matéria. Foi o
que o STJ decidiu.
Há duas correntes sobre o tema. A corrente legalista entende ser
impossível, sendo uma afronta ao texto constitucional (interpretação
gramatical).
Noutro giro, a corrente que vem crescendo, à qual me filio, é que é
possível, levando-se em conta a situação econômica do menor e de sua
família e se dessa ocupação não advir prejuízo à sua formação moral,
analogia ao art. 405, § 2o, da CLT.
Trata-se da interpretação teleológica da norma constitucional. Neste
particular, faço uma colocação.
As normas constitucionais não são absolutas, pois se forem usadas
como escudos para prática de crimes ou contrárias aos apelos sociais,
enfim, a própria sociedade, devem ser afastadas ou interpretadas de
acordo com a sistemática constitucional, teleológica ou os princípios que a
embasam (arts. 1o ao 5o).
Explico.
Como se interpreta uma Constituição? Igual às demais leis?
A Constituição por ser lei, também deve ser interpretada como são
as demais leis infraconstitucionais, ou seja, deve-se usar as regras de
interpretação gramatical ou literal, lógica, teleológica, histórica,
autêntica, jurisprudencial, doutrinária, de direito comparado,
declarativa, restritiva, ampliativa e interpretação analógica.
Contudo, o texto constitucional traz regras próprias de interpretação,
até porque ele é um documento de cidadania. Assim, antes de interpretar a
CF/88 com as regras acima expostas, deve-se prioritariamente interpretála de uma das três formas abaixo:
118
Material Complementar da Obra
1. no seu sentido corriqueiro, ou vulgar
A CF/88 deve ser interpretada no seu sentido vulgar, sem rigor
científico, pois se a CF é feita para o povo (e não só para o cidadão, pois
este exige capacidade eleitoral ativa e passiva), o povo não possui técnica
jurídica, logo, na dúvida entre uma interpretação técnica ou utilização do
seu sentido vulgar, deve o órgão do Judiciário preferir o sentido vulgar.
Ex.: direito constitucional à imagem, previsto no art. 5o, V e X. No art.
5o, V, o conceito de imagem deve ser interpretado no seu sentido vulgar,
ou seja, de imagem atributo (conceito social que cada um de nós tem
de si). Logo, não poderá haver “arranhão“ neste conceito social de pai
de família, pessoa religiosa, profissional etc; contudo, o art. 5o, X, traz o
conceito de imagem no seu sentido técnico, que é a imagem retrato, ou
seja, exposição de fotos, imagens sem a autorização do exposto. Notem,
portanto, que há duas proteções constitucionais à imagem.
2. no sentido sistemático
A CF/88 deve ser analisada como um todo, ou seja, não pode o
aplicador da lei ou destinatário desta utilizar-se de apenas um dispositivo
constitucional, sem analisar seu contexto em todo o corpo da Carta
Suprema, pois pode haver e há, integração de artigos.
Ex. 1: Direito de propriedade – art. 5o. Este direito não é absoluto,
pois a propriedade deve atender a sua função social; poderá haver
desapropriação da propriedade, enfim, devemos combinar o direito de
propriedade previsto no art. 5o, com os arts. 182, 184, 150, 243 etc.
Tudo isto está difuso na CF. Se o intérprete não usar da interpretação
sistemática e tão somente analisar o art. 5o, estará fazendo uma péssima
interpretação.
Ex. 2: O art. 7o, XXXIII, da CF/88 deve ser conjugado com o art. 227,
§ 3o, I, razão pela qual a EC 20/98 não atentou contra o próprio sistema
jurídico constitucional, alterando apenas o art. 7o e deixando o art.
227 intacto. Ora, além de ferir cláusula pétrea, não observou o sistema
constitucional.
3. no seu sentido principiológico
Os princípios constitucionais dos arts. 1o ao 4o (chamados de princípios
político-constitucionais, como o federalismo, a separação de poderes;
indicam quem é o titular do Poder no Estado brasileiro, quais os objetivos
do Estado brasileiro, por exemplo, a dignidade da pessoa humana
119
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
(art. 1o, III, da CF/88). Há também outros difusos no corpo da CF, sendo
preciso identificá-los) e do art. 5o e outros difusos (chamados de princípios
jurídico-constitucionais) devem ser observados em toda interpretação do
texto constitucional, pois constituem-se no ‘arcabouço jurídico’ intangível
ao poder constituinte derivado reformador, eis que se constituem em
vedações implícitas às emendas à CF.
Assim, o legislador não pode emendar a CF para alterar os princípios
citados, pois estaria quebrando a viga mestre do sistema, a saber, por
exemplo, por via oblíqua, rompendo a estrutura da Federação etc.
Os citados princípios não estão previstos no art. 60, § 4o, pois são uma
vedação implícita que se extrai do próprio sistema.
Assim sendo, reporto-me à lúcida e equilibrada posição de Sua Excelência,
o Dr. Geraldo Magela e Silva Meneses, Juiz do Trabalho de Araripina (PE),
que em entrevista na Revista Consulex, ano III, no 27, março/99 declarou:
... Deveras, conforme celebérrima sentença de Ripert, “quando
o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando
o Direito”.
Certamente, visou o Congresso Nacional a exibir a imagem de
um Brasil preocupado com a problemática da exploração da
mão de obra de jovens e crianças, credenciando o País perante
organizações internacionais. Deslembrou-se, entretanto, das
precárias condições de vida a que se submete a maior parte
do nosso contingente populacional. Indicam as estatísticas
que milhões de famílias brasileiras subsistem abaixo da
linha da pobreza, em níveis de estarrecedora miséria. Aquele
grupo familiar que busca emergir da posição de miserável
para a de pobre, mobiliza todos os seus membros, em
atividades produtivas, para ter comida na mesa. É comum,
nas camadas mais sofridas do povo, que crianças com dez ou
doze anos ingressem no mercado de trabalho. São crianças
que, para ajudar os pais ou arrimar a família, mourejam
como engraxates, ou vendendo picolés, varrendo calçadas,
limpando quintais etc. De fato, afigura-se extremamente
injusto o quadro. Enquanto os filhos das classes privilegiadas
podem ocupar o seu tempo com os estudos (complementados
com atividades de lazer, cursos de informática, idiomas, judô,
ginástica, dança, natação etc.), as crianças pobres emprestam
desde cedo suas forças ao trabalho, sacrificando até mesmo
a educação básica.
120
Cabe invocar as ressonantes palavras de Pontes de Miranda:
Material Complementar da Obra
“a missão do intérprete das leis deve ir até a crítica de lege
ferenda, posto que com o só intuito de contribuição à técnica
legislativa e à posição científica dos problemas de edição de
regras jurídicas” (in Comentários à Constituição de 1967, com
a Emenda no 01, de 1969. Tomo VI, Rio de Janeiro, Forense,
1987, p.104).
… À margem da Lei Maior, ficam todos aqueles adolescentes
de 15 anos, que desempenham, em empresas particulares ou
órgãos públicos, tarefas de office boy, por exemplo. Certo é
que o conhecido boy não está sujeito a nenhuma formação
profissional metódica do ofício em que exerce o seu trabalho,
não podendo, destarte, ser considerado aprendiz (nos moldes
preceituados pela CLT, art. 80).
… Impõe-se reconhecer o sentido finalístico da norma
proibitiva do trabalho de menores. Objetiva-se preservar a
higidez física, psíquica e moral daqueles que se encontram
em fase de crescimento, resguardando-os de diversos fatores
nocivos. Desponta-se, entretanto, muito mais pernicioso do
que o trabalho – mesmo em detrimento de uma Infância
bem vivida – “o ingresso do menor em caminho no qual
dificilmente haverá recuo, ou seja, no da criminalidade”,
como bem acentuou o Ministro Marco Aurélio, do
Supremo Tribunal Federal (Ação Cível originária no 5339). Só se promoverá Justiça aos menores com a adoção de
medidas efetivas de apoio econômico às famílias carentes,
implementando políticas sociais para reduzir o vergonhoso
indicativo de pobreza. Normas infraconstitucionais – como
aquelas inseridas nos arts. 64, 65 e 66 da Lei no 8.069, de
13 de julho de 1990 (“ao adolescente até quatorze anos de
idade é assegurada bolsa de aprendizagem”; “ao adolescente
aprendiz, maior de 14 anos, são assegurados os direitos
trabalhistas e previdenciários”; “ao adolescente portador de
deficiência é assegurado trabalho protegido”), deveriam ser
concretizadas. Naturalmente, desse modo, sobreviria gradual
erradicação do trabalho Infanto-Juvenil.
… Ainda, comporta aludir às ponderações do exponencial
jurista Pontes de Miranda:
“por vezes, temos observado que um dos maiores males, no
presente, é o descaso por alguns termos claros, insofismáveis,
de regras jurídicas cogentes, ainda insertas em Constituição.
Pululam por aí fábricas, construções, cultivos em que
menores de 12 anos trabalham. Sociologicamente, o Estado
121
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
fica sem autoridade moral quando se lhe responde à primeira
objeção a tal trabalho ilegal, que melhor é para tais crianças
o trabalho, com alguma coisa para comer, do que a fome e o
respeito da letra da Constituição.”
… Antes de modificar a Lei – colocando na clandestinidade
trabalhadores mirins e tomadores de serviço –, é preciso
que os dirigentes públicos se compenetrem da imperiosa
necessidade da ampliação de programas assistenciais,
como a bolsa-escola (ainda restrito a um número diminuto
de Municípios brasileiros) e a inserção de adolescentes no
trabalho educativo. Edificante instrumento da dignidade
humana, o trabalho enobrece a pessoa, adulta, jovem ou
criança. Incumbe ao estado e à sociedade garantir (no
plano real e não da retórica) a proteção no trabalho na
infância e juventude. Assim, reduzem-se a delinquência
infantil e a marginalidade, evitando que o jovem ou a
criança troque uma vassoura pela prostituição, ou uma
caixa de engraxate por uma arma.
Destarte, como se depreende, a EC no 20/98 não somente afrontou
limitação material ao Poder Constituinte Derivado Reformador (art. 60,
§ 4o, IV) e também, limitação implícita ao citado Poder, na medida em que
afrontou um princípio político-constitucional do arcabouço jurídico, a
saber, a dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, da CF/88), na medida
em que o Programa de Renda Mínima Familiar foi reduzido pelo Governo
Federal; as bolsas-escolas não vem sendo adotadas por todos os Municípios,
face as dívidas internas, salvo o trabalho isolado do Governador do Estado
do Mato Grosso do Sul, que adotou as bolsas-escolas em todo o Estado,
para as famílias que recebam menos que um salário mínimo e que se
comprometam a matricular e fiscalizar os filhos na escola.
Por conseguinte, os três principais métodos de interpretação acima
mencionados, analisados conjuntamente, constituem-se no chamado
método lógico (interpretação corriqueira e interpretação principiológica)
– formal (interpretação sistemática) de interpretação da Constituição
Federal.
Contudo, o professor Paulo Bonavides dá outro sentido de método
lógico-formal de interpretação da CF/88, aproximando-se, em suma, das
regras sistemática e lógica de interpretação das leis.
Outro professor que cuida bem do assunto é o professor Luís Alberto
Barose (Sistemas Interpretativos da CF).
122
Material Complementar da Obra
Posto isto, por ser necessidade social básica, valor maior do ser
humano, princípio político-constitucional (art. 1o, III, da CF/88), sendo que
qualquer Emenda Constitucional viola o arcabouço jurídico, sem prejuízo
da vedação expressa (art. 227, § 3o, I, c/c art. 60, § 4o, IV, da Carta Magna),
é possível a autorização judicial para o trabalho do menor.
De qualquer forma o juiz e o representante do Ministério Público devem
observar as condições mínimas de trabalho expressas na CF/88 e no
ECA e desde que não prejudiquem o menor, senão o Alvará será cassado
pelo Tribunal (cassado é o termo técnico, pois em Procedimento de
Jurisdição Voluntária, chamado pela Doutrina de “administração pública
de interesse privado” não há invalidação ou reforma de decisão, e sim
cassação).
Outrossim, fica expressamente proibido o trabalho da criança (do
nascimento com vida até 12 anos de idade incompletos), somente
permitindo o do adolescente.
Ora, por que toda esta proteção pelos legalistas, se muitos setores da
sociedade entendem que os adolescentes devem, sim, trabalhar, pois o ócio
é a mãe dos atos infracionais?
A interpretação teleológica (fim que a lei se destinou) responde tal
assertiva.
Segundo os psicólogos, a criança deve brincar e a criança e o adolescente
devem frequentar a escola, preparando-se para um futuro digno. É desumano
tirar esta fase da vida das crianças e do adolescente, pois todos adultos bem
sucedidos profissionalmente e psicologicamente tiveram “berço esplêndido”,
ou seja, tiveram suas fases da vida saudáveis, no tempo certo.
Eclesiastes, um dos primeiros livros da Bíblia sagrada já confirma o
princípio do Direito Natural e Direito Divino: “Há uma fase para viver, uma
fase para morrer”. Assim, há fase para brincar, fase para estudar, fase para
trabalhar!
Apesar de todo amparo legal na legislação pátria, a prática demonstra
o contrário.
Crianças trabalhando em lugares insalubres e desumanos, perdendo
inclusive as impressões digitais, nos trabalhos de “apanhar laranjas”
em lavouras, face à acidez das mesmas; crianças e adolescentes com
problemas respiratórios, doenças endêmicas, raquitismo, desenvolvimento
físico incompleto, face grandes pesos carregados, tornando-se “anãs”;
prostituição infantil crescente na Região Nordeste do País; pedofilias,
enfim, uma crueldade que tomou conta não só do Brasil, mas de muitos
123
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
países do mundo, o que fez surgir na ONU (Organização das Nações
Unidas), um órgão autônomo que se chama OIT (Organização Internacional
do Trabalho), que no ano de 1998 lançou o “Programa Internacional para
a eliminação do Trabalho Infantil”, visando eliminar estes abusos e trazer
as crianças e adolescentes à escola; buscando também trazê-los à escola,
o ex-Governo Federal, representado por Sua Excelência, o Sr. Fernando
Henrique Cardoso, divulgou um programa social, adaptado em lei federal
e hoje adotado em algumas leis municipais – “Programa de Garantia de
Renda Mínima Familiar”.
Referido programa visou ajudar a renda per capita das famílias carentes
e forçar o acesso das crianças e adolescentes à escola, face à evasão escolar,
à falta de matrícula e ao não aproveitamento do estudo devido ao trabalho
concomitante destas em lavouras ou economia informal.
No entanto, este Programa tem demonstrado solução de continuidade,
o que implica no próprio fracasso estatal da tentativa idealista e utópica de
estabelecer idade limite ao trabalho do menor.
Veio o “Bolsa Escola”, do atual Governo Federal. E mais problemas –
“Bolsa Escola e ausência de controle de frequência à escola”:
o Ministro de Segurança Alimentar e combate à fome,
Patrus Ananias, afirmou que a lista de presença de alunos
matriculados em escola não é “critério essencial“ para o
pagamento do Bolsa-Família (unificação de vários programas
assistenciais, inclusive o Bolsa-Escola), apenas uma
contrapartida para que receba o benefício do programa.
Segundo notícias publicadas por um jornal do Rio de Janeiro,
apenas 13% das listas de presença de alunos matriculados
na rede pública de ensino em 2002 foram repassadas à Caixa
Econômica Federal, que realiza o pagamento do bolsa-família.
Dias após, chamado a ordem pelo presidente Luiz Inácio, Patrus corrige
o que falou, priorizando as listas.
Isto demonstra que o programa é meramente assistencialista, sem
retorno algum para a integridade e formação de crianças e adolescentes,
ou seja, não evita evasão escolar.
Destarte, fica em disputa o direito à vida, à sobrevivência, à possibilidade
de alimento à mesa com a EC no 20/98 e ausência de programas federais,
estaduais e municipais.
Outrossim, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais acampou o
programa de nível federal, regulamentado por Portaria de Sua Excelência,
o DD. Ex-Procurador-Geral de Justiça, Dr. Epaminondas Fulgêncio Neto,
124
Material Complementar da Obra
regulamentando as diversas áreas de atuação do parquet mineiro na proteção
da criança e adolescente, permitindo sua inclusão na área escolar, devendo
as Promotorias possuir livro próprio de registro de crianças evadidas ou não
matriculadas, para as providências legais cabíveis, bem como o apoio efetivo
dos Promotores de Justiça, verdadeiros “soldados da proporcionalidade e
razoabilidade” das medidas levadas a efeito, diante de nossas realidades
sociais, na luta constante entre o justo e o legal, através de Palestras em
Escolas da Rede Pública, Audiências Coletivas com os pais etc.
Portanto, o Ministério Público, como representante da sociedade, do
regime democrático, da ordem jurídica e dos direitos sociais e individuais
indisponíveis, tem o mister de, por seus agentes, a cada audiência realizada,
atos extrajudiciais, oitiva de menores e de seus pais, denúncias de
imputáveis em concurso com menores inimputáveis, palestras em escola
e locais de trabalho que irregularmente contratam e agenciam crianças e
adolescentes, socorrer os infanto-juvenis, usando dos instrumentos e
garantias processuais hábeis para colocá-los na rede escolar e autorizarlhes o trabalho, além das medidas específicas aos pais e responsáveis,
bem como tipificação destes no crime de abandono intelectual, caso haja
desídia manifesta, teimosa e irretratável, pois do contrário, teremos um
futuro incerto, onde o sonho de uma infância saudável transformar-se-á
numa realidade amargante de um ato infracional, passível de Internação
em instituição menorista superpovoada e “pavio de pólvora“, bastando
recordar da rebelião de menores na FEBEMdo Estado de São Paulo, como
recentemente se noticiou.
V – Conclusão.
A EC no 20/98 é inconstitucional, pois fere cláusula pétrea e a
dignidade da pessoa humana.
O legislador, ao editar a EC no 20/98 não visou em momento
algum a proteger os adolescentes, e sim à Previdência Social, já
que o ingresso cedo no trabalho gera direitos previdenciários
mais cedo também.
Em ações singulares, como Procedimento de Jurisdição
Voluntária, o Ministério Público deve dar seu parecer na
questão prejudicial (inconstitucionalidade da EC no 20/98)
e no mérito, opinar pela autorização do trabalho do menor,
visando salvaguardar sua vida (subsistência) e destino, de
acordo com as condições mínimas previstas nos arts. 60 a 69
do ECA.
125
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A melhor solução jurídica para concessão de trabalho de
menor encontra-se no Procedimento de Jurisdição Voluntária,
onde não impera coisa julgada, pois a decisão não trará
prejuízo ao menor e ao empregador, caso seja cassada, bem
como poderá ser decidida pelo magistrado, dispensando-se o
critério da legalidade estrita (art. 1.109 do CPC), visando única
e exclusivamente ao bem-estar do menor (art. 6o do ECA).
A Ação Civil Pública, neste caso, não é o remédio jurídico
adequado, pois discute-se na Justiça Federal de Uberlândia/
MG e no TRF,10 eventual falta de condição de ação para o
Promotor de Justiça promovê-la, na medida em que a questão
prejudicial, via controle difuso, em interesse difuso, provocará
uma grande extensão do efeito erga omnes, sendo assim,
forma paralela de Ação Direta de Inconstitucionalidade,
violando o sistema de controle de constitucionalidade pátrio,
incumbido ao STF, vinculando o mesmo.
Superada a questão prejudicial em ações individuais, a
saber, declarada a inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional no 20/98, no mérito, o magistrado deve
conceder alvará ao adolescente (respeitando a situação
jurídica antes da EC citada), expedindo ofício requisitório
à Delegacia do Trabalho respectiva, para a efetivação da
Carteira de Trabalho e Previdência Social, com a posterior
anotação do nome do empregador, extraindo-se cópias dos
arts. 402 a 440 da CLT e 67 a 69 do ECA ao empregador e
abstendo de aplicar sanções ao referido empregador que
admitir o adolescente qualificado nestas condições alhures.
Ressalvo que a presente tese foi aprovada na Sessão Plenário
do 13o Congresso Nacional do Ministério Público, em Curitiba/
PR, 26 a 29 de outubro de 1999, pois o culto Congresso
entendeu que a presente emenda não teve como preocupaçãomor a nossa infância e juventude, e sim a Previdência Social
afetada com o ingresso jovem de adolescentes de 14 anos no
campo do trabalho formal, o que realmente mostrou ser uma
contramão na história. Ademais, a solução de continuidade de
Programas de Renda Mínima, mostraram que os adolescentes
se viram obrigados a entrar no trabalho informal, sem
qualquer fiscalização e abandonar a escola, o que demonstra
o fracasso de políticas institucionais num País de grande
10 Processo no 199938030003506 (Ação Civil Pública com pedido liminar)
Ministério Público Federal vs. União Federal (Subdelegacia Regional do Trabalho)
Vara Federal de Uberlândia/Seção Judiciária de Minas Gerais.
126
Material Complementar da Obra
dimensão territorial. A presente tese também foi juntada na
ADIn 2.096, no STF, promovida pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores da Indústria (CNTI). Por fim, a tese foi
publicada no CD-ROM, Revista Juris Síntese, Rio Grande do
Sul, versão 23, maio/junho de 2000.
Logo, o Alvará permissivo para trabalho de adolescente de
14 anos de idade é um instrumento fiscalizador do estudo
e condições mínimas de segurança, em vez de trabalhos
clandestinos ou sofismas de País que protege seus jovens.
Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de
emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho
e à proteção contra o desemprego; tem direito à igual
remuneração por igual trabalho e a uma remuneração justa e
satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família uma
existência compatível com a dignidade humana...
(Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 23)
(grifos nossos);
... Sua Santidade, o PAPA João Paulo II, na Laborem Exercens,
destaca a ação transformadora humana por meio do trabalho
e o papel do mesmo na construção da identidade humana.
É, portanto, indispensável a qualquer ser humano poder
trabalhar.11
É preciso cuidar do broto, para que ele cresça e nos dê Flores,
Frutos, Juventude e Fé.12
Inteligência do princípio político-constitucional (art. 1o, III, da
CF/88), a saber, dignidade da pessoa humana (subsistência
familiar e senso de autodisciplina) e condições mínimas
de trabalho do adolescente a partir de 14 anos de idade
(arts. 67 a 69 do ECA).
Como diria Pinto Ferreira, um dos maiores constitucionalistas
que o Brasil já teve:
“O legislador é mais a testemunha que certifica do que o
obreiro que faz a lei.”
Pois bem, o legislador deve fazer leis que sejam resultado de
questões/problemas sociais, adequando à realidade em que vive.
Assim, o Brasil não pode ser comparado aos países que
compõem o primeiro mundo, pois a OIT representa uma
situação distante da que vivemos.
11 Padre Luiz Bassegio – Assessor do Setor Pastoral – CNBB. In: Folheto de Missa do 5o Domingo da
Páscoa.
12 Milton Nascimento. In: Coração de estudante/paradigma.
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Ora, o adolescente (jamais a criança) precisa sobreviver,
precisa estudar e sem este Alvará, pasmem Vossas Excelências,
irão para a economia informal, ficarão sem estudo e pior, irão
para o submundo dos atos infracionais, com destino à
FEBEM.
Isto é justiça?
Queremos nossa adolescência na FEBEMe somente ali
permitir o trabalho?
O trabalho do adolescente com 14 anos ofende sua
dignidade, ou enaltece o homem?
Precisamos acabar com a hipocrisia e dar dignidade ao
ser humano. O trabalho em Cláudio/MG (com mais de 120
Alvarás expedidos), dos adolescentes com 14 anos para
cima representou uma queda de 80% dos atos infracionais,
pois a condição do trabalho era o estudo, fiscalizado pelo
empregador.
Neste período, nenhuma mãe chorou porque seu filho
adolescente usou drogas. Será que é isto que vamos
permitir???
Neste tempo de Ministério Público de Minas Gerais, Estado
este que defendo com orgulho, pela coragem das decisões que
dão exemplo a todo o Brasil, aprendi uma coisa: meu cargo
é de Promotor de Justiça e entre a lei e a Justiça, fico com
a Justiça, pois a lei não é uma letra-fria, e sim calcada pela
ciência da interpretação, qual seja, a hermenêutica jurídica.
Inteligência, também, do art. 6o do ECA:
Art. 6o do ECA.
Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais
a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e
deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança
e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
De qualquer forma, seja qual for o resultado desta luta pelo
trabalho do adolescente com 14 anos de idade, toda noite, em
minhas orações junto a Deus, poderei ter o “sono dos justos“
e dizer ao Criador: Pai, fiz o que pude!
Neste sentido:
“Em tudo o que você faz acredite em si mesmo, porque
também isso é observar os mandamentos“ (Eclesiastes,
32-23).
128
Material Complementar da Obra
“O que dá oportunidade aos maus é a omissão dos bons.”
(Papa Pio XII)
“Mais ou menos favorecidos que sejam, pela vida, os nossos
esforços, é preciso que, ao aproximar-se o grande fim, cada
um de nós possa dizer: fiz o que pude.” (Pasteur)
“Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque
serão saciados...
Bem aventurados os que promovem a paz, porque serão
chamados filhos de Deus...
Bem aventurados os que são perseguidos por causa da justiça,
porque deles é o reino dos céus...
Felizes vocês, se forem insultados e perseguidos, e se
disseram todo tipo de calúnia contra vocês, por causa de
mim, fiquem alegres e contentes, porque será grande para
vocês a recompensa no Céu.”
(“Sermão da Montanha – Bem Aventuranças”. In: Bíblia
Sagrada, A palavra de Deus Ilustrada. Edições Paulinas,
aprovada pelo Presidente da CNBB, o Reverendíssimo Sr.
Luciano Mendes de Almeida – Livro de Mateus, Capítulo 5,
Versículo 1-12).
“A justiça e a lei podem ser duas coisas distintas. A justiça
pode ser integridade, retidão, recompensa ou uma punição
merecida.
É diferente para cada indivíduo.
Você precisa decidir por si mesmo qual adotará: a lei ou a
justiça?”
(“Julgado pelo destino” – filme) (sem esquecermos de que a
lei deve ser interpretada – hermenêutica jurídica).
Como consertar o mundo
Contam que, certa vez, um cientista muito famoso recebeu
a difícil tarefa de encontrar uma solução para o mundo, que
a cada momento se mostrava mais conturbado. Sentiu-se
muito orgulhoso por ter sido escolhido entre tantos para um
trabalho tão nobre. E, rapidamente se organizou para levar
avante a tarefa.
Trancou-se no laboratório, e dia após dia, mês após mês,
trabalhou incansavelmente. Desenvolveu fórmulas, equações
e a cada momento, sentia-se mais distante do objetivo
proposto. Um dia, enquanto meditava sobre possíveis
129
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
alternativas, foi surpreendido pelo filho de 5 anos que entrou
correndo no laboratório. Seu primeiro ímpeto foi de colocar a
criança para fora. No entanto, raciocinando rápido, ele chegou
a uma importante conclusão: – nos últimos anos ele mal teve
tempo para ver ou estar com sua esposa e filhos. Mas, ao
mesmo tempo, surgiram conflitos, ele estava desenvolvendo
um trabalho nobre, do qual toda a humanidade dependeria e,
deixar que seu próprio filho o interrompesse era inadmissível.
Como conciliar as coisas?
A resposta veio rápido. Passando as folhas de uma revista
que estava sobre a mesa, ele viu numa delas o mapa do
mundo. Pensou e sorriu com a brilhante solução que pulou
em sua mente. Rasgou aquela página e picou em dezenas de
pequenos pedaços. Espalhou os pedaços no chão e chamou
pelo filho perguntando:
– Filho, você gostaria de ajudar o papai?
– Sim! – respondeu o filho sorridente.
Então o pai disse:
– Nesta revista havia o retrato do mundo, que está todo aí,
rasgado no chão. Você gostaria de “consertar o mundo”
para mim, colando os pedacinhos com durex?
A criança então, feliz com a oportunidade, passou a mão no
rolo de durex, sentou-se no chão e deu início ao trabalho,
juntando os pedacinhos da folha rasgada. O pai, por sua
vez, mais feliz ainda, voltou ao trabalho, convicto de que, no
mínimo por um ano, estaria livre das perturbações do filho
que, certamente, não saberia jamais “consertar o mundo”.
Passados pouco mais de 30 minutos, o pai foi novamente
abordado pelo filho, que com um leve toque em seus ombros
iniciou o seguinte diálogo:
– Papai, já acabei!
– Meu filho, não amole, você prometeu que “consertaria o
mundo” para o papai, portanto, volte ao trabalho!
– Mas, papai, eu estou falando sério, já consertei o mundo, dê
uma olhada!...
O pai suspirou, e um tanto contrariado, resolveu dar uma
olhada. E, qual foi a surpresa quando ele viu que o filho
realmente havia montado o quebra-cabeça.
O mundo estava consertado.
130
Material Complementar da Obra
Surpreso, quase sem acreditar no que via, o pai inicia um
novo diálogo com o filho:
– Mas, meu filho, você não conhecia o mundo, como conseguiu
consertá-lo tão rapidamente...
– Há!... É segredo...
– Meu filho, não brinque comigo! Como foi que você
conseguiu?
– Sabe, papai, é que eu usei um truque, mas foi por acaso...
Você tem razão quando diz que eu não conheço o mundo.
Mas, olhando um dia destes a revista, eu vi que do outro lado
da página, onde estava o retrato do mundo, havia o retrato
de um homem. O mundo eu não conheço, mas conheço o
homem. Então, eu inverti os papéis e “consertei o homem” e
quando vi, o “mundo estava consertado também...”
Portanto, é preciso consertar o homem, para após, pretender
melhorar o mundo...
Finalmente, em parecer proferido por este autor na comarca de Poços
de Caldas/MG, onde atuei como cooperador, num pedido de trabalho de
adolescente que perdeu o pai e virou arrimo de família, assim manifestei:
Procedimento de Jurisdição Voluntária no...
Requerente: “X” representado por sua mãe “Y”
Autorização para trabalho
Meritíssimo Dr. Juiz,
I – DO RELATÓRIO
Trata-se de pedido de autorização de trabalho de adolescente
com menos de 16 (dezesseis) anos e maior de 14 (quatorze)
anos (fls. 04), devidamente representado por sua mãe, não
especificando, contudo, se na condição de aprendiz ou trabalho
normal, o que me leva a trabalhar com pedido alternativo.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A Constituição Federal de 1988 fixou o limite mínimo para
o trabalho do menor em quatorze anos, como previam as
Constituições anteriores a 1967, mas abre uma exceção para
os aprendizes.
Em seguida proibiu o trabalho noturno, perigoso ou
insalubre aos menores de dezoito anos. Como se vê, a atual
Constituição foi mais ampla do que as anteriores no tocante
131
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
aos serviços insalubres, proibindo-o em geral e não apenas o
que se desenvolvesse nas indústrias consideradas insalubres.
Em consequência, ficou revogado, implicitamente, o art.
405, § 1o, da CLT, que permitia aos maiores de dezesseis
anos, estagiários de cursos de aprendizagem, o trabalho em
serviços perigosos ou insalubres, desde que o local fosse
vistoriado pela autoridade competente e desde que o menor
fosse submetido a exame médico semestralmente.
Finalmente, a EC no 20/1998, de 16/12/1998, fixou o limite
mínimo de idade para o trabalho do menor em dezesseis
anos, admitindo sua contratação com idade inferior apenas
como aprendiz e, ainda assim, a partir de quatorze anos. A
restrição ao trabalho noturno, perigoso ou insalubre persiste.
A Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu art. 428, com a
nova redação dada pela Lei no 10.097/2000, que regulamenta a
contratação de menor aprendiz, considera de aprendizagem o
contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo
determinado, através do qual o empregador “se compromete
a assegurar ao maior de quatorze e menor de dezoito anos,
inscrito em programa de aprendizagem, formação técnicoprofissional metódica compatível com o seu desenvolvimento
físico, moral e psicológico e o aprendiz, a executar, com zelo e
diligência, as tarefas necessárias a essa formação”.
A formação técnico-profissional, a que se refere o caput
do art. 428 da CLT, com a nova redação dada pela Lei no
10.097, realiza-se por meio de atividades teóricas e práticas
metodicamente organizadas em tarefas de complexidade
progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho (art. 428,
§ 4o, acrescentado pela Lei no 10.097).
132
Esta formação deverá ser ministrada em curso do conhecido
“Sistema S”, quais sejam, SENAI, SENAC, SENAR (Lei no
8.315/91) e SENAT (Lei no 8.706/93). Caso estes órgãos
não ofereçam cursos ou vagas suficientes para atender à
demanda dos estabelecimentos, a formação poderá ser
suprida por outras entidades qualificadas em formação
técnico-profissional metódica, a saber: Escolas Técnicas de
Educação (item I do art. 430 da CLT, com a redação dada
pela Lei no 10.097/2000); na própria empresa (art. 431) ou
nas entidades sem fins lucrativos, que tenham por objetivo
a assistência ao adolescente e a educação profissional,
registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente (art. 430, II).
Material Complementar da Obra
Entretanto, a análise da questão enseja controvérsia, pois,
se de um lado, existe o dever de proteção daqueles cujo
estágio de desenvolvimento se encontra ainda em formação,
necessitando dos mais diversos cuidados; de outro, em igual
diapasão, há a obrigação de adequar os mecanismos de
proteção dispostos no Estatuto da Criança e do Adolescente
à realidade cotidiana consistente na obtenção de recursos
financeiros para o sustento próprio e ajuda da família. Desta
forma, as diretrizes constantes nas normas positivadas nos
arts. 60 a 69 do ECA devem ser objeto de exame minucioso,
sofrendo uma interpretação em consonância com a realidade
apresentada pelo caso concreto
Por outro lado, importante referir que tanto empresas
sérias como os responsáveis pelo menor buscam agir da
forma mais transparente possível, tendo aquelas o dever de
declarar que o trabalho a ser desenvolvido não colocaria em
risco o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do
adolescente, enquanto que estes cercaram-se das cautelas
judiciais reclamadas para o caso, comprovando inclusive a
matrícula em instituição de ensino.
Verifica-se, desta forma, que a intenção de ambos de agir
em conformidade com a legislação vigente, sem qualquer
demonstração aparente de propósitos ilícitos. As empresas
que contratam menores para colocá-los em condições
de trabalho diversas daquelas previstas pela lei, não
demonstram qualquer preocupação no sentido de promover
uma contratação em consonância com os ditames legais,
como ocorre in casu.
A jurisprudência vem decidindo neste sentido:
Autorização judicial para trabalho de menor aprendiz.
Empresa não vinculada ao SESI, SENAI e SENAC. Entidades
inexistentes na localidade. Possibilidade. Confronto
com o art. 7o, inciso XXXIII, da CF. Inexistente. Recurso
improvido. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem
prevalência sobre a CLT, e, assim, é competente o Juízo da
Infância e da Adolescência para conhecer do pedido. (...) O
direito de trabalhar como aprendiz, a partir dos quatorze
anos, é assegurado constitucionalmente ao menor. Assim,
não contraria a norma constitucional insculpida no art. 7o,
inciso XXXIII, alterado pelo Emenda Constitucional no 20,
a decisão que autoriza o trabalho de menor aprendiz em
localidade onde inexiste as entidades do SESI, SENAC ou
SENAI autorizadas pelo Ministério do Trabalho, desde que
o trabalho seja compatível com a saúde física e psíquica do
133
Thales Tácito Cerqueira
E mais:
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
menor e sem prejuízo da frequência à escola (TJMS – AC
70.739-7 – Classe B – XX – Mundo Novo – 3a T. Cív. – Rel. Des.
Oswaldo Rodrigues de Melo – J).
Menor. 14 a 16 anos. Trabalho. Regra. Apenas na condição
de aprendiz. Exceção. Garantias prioritárias. Art. 227 da
CF/88. Autorização. Competência. Justiça estadual. Juízo
da infância e da juventude. O trabalho de menor com idade
entre quatorze e dezesseis anos é concebível, via de regra,
apenas se realizado na condição de aprendiz, consoante art.
7o, XXXIII, da CF/88. Todavia, no caso de tratar-se de trabalho
compatível com a saúde física, psíquica e social, que garanta
a frequência à escola, não seja noturno, perigoso, penoso ou
insalubre, que consagre a condição peculiar do menor e que
se atenha à capacitação profissional do mercado de trabalho,
é permitido, pois o art. 227, da CF/88, assegura, com
prioridade, o direito à profissionalização e o dever de manter
o menor a salvo de qualquer tipo de negligência. Evidenciase, por meio dos arts. 405 e 406 da CLT, e 146 do ECA, a
competência da Justiça Comum, e não da especializada, para
autorizar o trabalho de menor. Recurso desprovido (TJMG.
APCV 000.307.879-7/00. 3a C.Cív.. Rel. Des. Lucas Sávio V.
Gomes. J. 08.05.2003).
Assim, o adolescente pode trabalhar tanto como aprendiz
(“Sistema S”) como no trabalho normal, desde que neste
último caso, não seja insalubre, perigoso, penoso e não
prejudique estudos.
Caso o mesmo opte pelo trabalho normal e não
aprendizagem, requeiro a Vossa Excelência se digne de julgar
inconstitucional a EC 20/98 neste particular.
Explico.
O art. 7o, XXXIII, da CF/88 foi alterado mas não mudou o art.
227, § 3o, I, permanecendo a idade mínima de 14 anos. Como
interpretar isto?
134
Antes da Emenda Constitucional no 20/98, publicada no
Diário Oficial da União em 16/12/98, o trabalho do menor era
permitido a partir dos 14 anos completos, salvo na condição
de aprendiz, cuja idade, segundo o ECA e a CLT, iniciava-se de
12 anos completos a 18 anos incompletos (sendo que, após
14 anos, aplica-se o art. 66 do ECA – ao adolescente aprendiz,
maior de 14 anos, são assegurados, os direitos trabalhistas
Material Complementar da Obra
e previdenciários), sem prejuízo da proibição de trabalho
noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos.
Após a emenda constitucional, o trabalho do menor passou
a ser permitido com 16 anos de idade completos, e, para
o aprendiz, a partir de 14 anos completos, incluindo a
proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a
menores de 18 anos, salvo direito adquirido pelo menor de
14 anos completos ou aprendiz de 12 anos completos a 18
anos incompletos, antes da entrada em vigor da EC 20/98.
Todavia, a Emenda Constitucional, na visão deste Promotor
de Justiça, é inconstitucional por ferir cláusula pétrea.
Explico.
Em primeiro lugar, constato que a Emenda Constitucional no
20/98 (Poder Constituinte Derivado Reformador) alterou
o art. 7o, XXXIII, mas não alterou o art. 227, § 3o, I, mesmo
porque, não poderia, na medida em que o artigo constitui-se
em direito individual, logo cláusula pétrea, sendo somente
possível sua alteração por um Poder Constituinte Originário
e não Derivado Reformador.
Neste sentido:
Art. 60.
(...)
§ 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
(...)
IV – os direitos e garantias individuais.
Ressalvo que o fato do conteúdo do art. 227 não estar previsto
no rol do art. 5o da CF/88, não descaracteriza sua natureza
jurídica constitucional de direito e garantia individual,
eis que o rol do art. 5o não é taxativo e sim, exemplificativo,
devendo ser analisados os direitos individuais em todo o texto
constitucional (interpretação sistemática), como ocorre, por
exemplo, com as garantias tributárias ao contribuinte (art.
150 e ss. da Carta Cidadã).
Neste sentido:
Os direitos e garantias expressos na Constituição Federal
não excluem outros de caráter constitucional decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, desde que
expressamente previstos no texto constitucional, mesmo que
difusamente.
135
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Neste sentido o Supremo Tribunal Federal (Adin no 939-7/
DF) ao considerar cláusula pétrea, e consequentemente
imodificável, a garantia constitucional assegurada ao cidadão
no art. 150, III, b, da Constituição Federal (princípio da
anterioridade tributária), entendendo que ao visar elidi-la
de sua esfera protetiva, estaria a Emenda Constitucional no
3, de 1993, deparando-se com um obstáculo intransponível,
contido no art. 60, § 4o, IV, da Constituição Federal, pois:
admitir que a União, no exercício de sua competência residual,
ainda que por emenda constitucional, pudesse excepcionar a
aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica
em conceder ao ente tributante poder em que o constituinte
expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de
proposta de emenda à Constituição tendente a abolir os
direitos e garantias individuais constitucionalmente
assegurados (Trecho do voto do Ministro Celso de Melo,
Serviço de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
Ementário no 1.730-1/STF).
A questão da inconstitucionalidade declarada em
procedimento singular de Jurisdição Voluntária, portanto,
não faz efeito erga omnes e nem coisa julgada, pois atinge a
parte fundamentadora da sentença. Corolário, no pedido
sim, o efeito será intra partem, por tratar-se de Ação singular
e não coletiva, e, ainda, não faz coisa julgada por tratar-se de
procedimento de Jurisdição Voluntária, implícita a cláusula
rebus sic stantibus.
Desta forma, para se chegar no pedido, a saber, no
mérito, é pressuposto lógico que o magistrado supere a
inconstitucionalidade na parte fundamentadora, mas sem
dar-lhe efeito erga omnes, pois senão estaria usurpando
função do STF
136
Por fim, não há prejuízo algum para as instituições Jurídicas
de nosso país, pelo contrário, pois o menor estará longe de
más companhias, de vícios, do ócio, e a qualquer momento,
seja por ADIn declarando a inconstitucionalidade (ADIn 2096
– CNTI) ou via contrária, declarando a constitucionalidade
da EC 20/98, ou ainda, por Ação Declaratória de
Constitucionalidade, o trabalho deste menor pode ser cassado
(Art. 1.109 do C.P.C) ou mantido, sem prejuízo para qualquer
das partes, a saber, empregado e empregador, na medida
em que a Justiça do Trabalho deve considerar a questão sub
judice.
Material Complementar da Obra
Como diria PINTO FERREIRA, um
constitucionalistas que o Brasil já teve:
dos
maiores
O legislador é mais a testemunha que certifica do que o
obreiro que faz a lei (Pinto Ferreira).
Pois bem, o legislador deve fazer leis que sejam resultado
de questões/problemas sociais, adequando à realidade em
que vive. Assim, o Brasil não pode ser comparado aos países
que compõem o primeiro mundo, pois a OIT representa uma
situação distante da que vivemos.
O adolescente (jamais a criança) precisa sobreviver, precisa
estudar, no caso concreto seu pai faleceu, será arrimo de
família e sem este Alvará, pasme Vossa Excelência, irá para a
economia informal, ficará sem estudo e pior, pode até mesmo
ser levado para o submundo dos atos infracionais, com
destino a FEBEM.
Isto é Justiça?
Queremos nossa adolescência na FEBEM?
O trabalho do adolescente com 14 anos ofende sua
dignidade, ou enaltece o homem?
Será que a maioria dos juízes e desembargadores não
trabalhou aos 14 anos e isto não foi motivo de orgulho
dos pais e deles próprios?
Precisamos acabar com a hipocrisia e dar dignidade ao ser
humano.
Quando fui Promotor de Justiça em Cláudio/MG, o trabalho,
com mais de 100 Alvarás expedidos, dos adolescentes com
14 anos em diante representou uma queda de 80% dos
atos infracionais, pois a condição do trabalho era o estudo,
fiscalizado pelo empregador. Neste período, nenhuma mãe
chorou porque seu filho adolescente usou drogas.
Será que é isto que vamos permitir???;
Neste tempo de Ministério Público de Minas Gerais, Estado
este que defendo com orgulho, pela coragem das decisões
que dão exemplo a todo Brasil, aprendi um coisa: meu cargo
é de Promotor de Justiça e entre a lei e a Justiça, fico com
a Justiça, pois a lei não é uma letra-fria e sim, calcada pela
ciência da interpretação, qual seja, a hermenêutica jurídica.
Ressalvo, ainda, que o Alvará concedido nesta comarca
continha as condições mínimas de trabalho, ou seja, O
trabalho não poderá prejudicar o adolescente e deverão
137
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
ser observadas as condições mínimas de trabalho
descritas no ECA, que são:
1. proibição de trabalho noturno (período que vai das
22 horas de um dia às 5 horas do dia seguinte – o art.
67, I, do ECA combinou com o art. 404 da CLT, no tocante
à definição de trabalho noturno, pois a norma jurídica,
como vimos, deve ter palavras técnicas que guardem
sentido único em todas as legislações e dentro de um
sistema-conjugação sistemática de normas);
2. proibição de trabalho perigoso, em local insalubre ou
penoso, mas claro que do ponto de vista do menor e não se é
perigoso ou penoso para o adulto;
3. proibição do trabalho em local prejudicial à sua
formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral
e social;
4. proibição do trabalho realizado em horários e locais
que não permitam a sua frequência à escola;
5. o trabalho deve consagrar o respeito à condição
peculiar do menor como pessoa em desenvolvimento;
6. o trabalho deve se ater a capacitação profissional
adequada ao mercado de trabalho.
Conclusão: O ECA e a CLT em hipótese alguma permitem
o trabalho da criança, e sim, apenas do adolescente com
12 anos de idade completos até l8 incompletos, na condição
de aprendiz (CLT) ou entre 12 anos de idade completos até
14 incompletos, na condição de trabalho educativo (ECA)
ou mesmo 14 anos completos como trabalho normal (não
aprendiz e não educativo).
Noutro giro, a corrente doutrinária que vem tomando frente é
no sentido da possibilidade do Juizado da Infância e Juventude
conceder Alvará para trabalho do menor, nestes moldes, não
sendo matéria da competência da Justiça do Trabalho, desde
que, leve-se em conta a situação econômica do menor e de
sua família e se dessa ocupação não advir prejuízo à sua
formação moral, aplicação ao art. 405, § 2o, da CLT. Tratase da interpretação teleológica da norma constitucional.
Neste particular, faço uma colocação.
138
De qualquer forma, o juiz e o representante do Ministério
Público devem observar as condições mínimas de trabalho
expressas na CF/88 e no ECA e desde que não prejudique o
menor, senão o Alvará será cassado pelo Tribunal (cassado
Material Complementar da Obra
é o termo técnico, pois em Procedimento de Jurisdição
Voluntária, chamado pela Doutrina de “administração
pública de interesse privado”, não há invalidação ou reforma
de decisão e sim cassação).
Outrossim, fica proibido o trabalho da criança (do
nascimento com vida até 12 anos de idade incompletos),
somente permitindo o do adolescente.
Inteligência, também, do art. 6o do ECA:
Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais
a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos
e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
De qualquer forma, seja qual for o resultado, toda noite, em
minhas orações junto a Deus, poderei ter o “sono dos justos”
e dizer ao Criador:
Pai, fiz o que pude!
Neste sentido:
“Em tudo o que você faz acredite em si mesmo, porque
também isso é observar os mandamentos.”
(Eclesiastes 32-23)
“O que dá oportunidade aos maus é a omissão dos bons.”
(Papa Pio XII)
“Mais ou menos favorecidos que sejam, pela vida, os nossos
esforços, é preciso que, ao aproximar-se o grande fim, cada
um de nós possa dizer: fiz o que pude”.
(Pasteur)
A justiça e a lei podem ser duas coisas distintas.
A justiça pode ser integridade, retidão, recompensa ou uma
punição merecida.
É diferente para cada indivíduo.
Você precisa decidir por si mesmo qual adotará:
A lei ou a justiça?
(“Julgado pelo destino”- filme)
(sem esquecermos de que a lei deve ser interpretada –
hermenêutica jurídica).
No espiritismo, ainda, encontramos na obra de Allan Kardec
a evolução do ser humano, que não pode ser impedido de
progredir porque tem “14 anos de idade”. E, exatamente no
139
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Livro dos Espíritos (Le Livre des Esprits), leia-se, o primeiro
livro sobre a doutrina espírita, publicado pelo educador
francês Denizard Rivail, em 18 de abril de 1857, sob o
pseudônimo Allan Kardec, encontramos relato de espíritos
com 6 meses mais evoluídos que outros com 30 anos de
existência. Isso contado em 1857.
Portanto, postulado da evolução humana é a não fixação de
proibição para o trabalho, sendo pois, mais um fundamento
para que a EC 20/98 seja julgada inconstitucional, impedindo
o progresso de adolescentes, mas não por “ser sábia”, mas para
agradar a Previdência Social, ou seja, não quis o legislador
agradar a OIT/UNESCO (ONU), e sim a Previdência Social,
pois “adolescente que começa a trabalhar com 14 anos
aposenta-se mais cedo”.
E os programas sociais não conseguem atender a todos, com
o PETI (Federal) e pior, não elidem a pobreza e não fiscalizam
o estudo e aproveitamento escolar.
III – Leading case
O STJ e o TJMG deram diversos Acórdãos favoráveis ao
pleito, conforme iremos autuar em anexo, para consulta do
Egrégio TJMG, seja para fixação da competência da Infância
e Juventude, seja pela possibilidade do adolescente, com 14
anos, trabalhar.
O culto Desembargador Orlando Adão de Carvalho, exPresidente do TJMG, reconheceu nosso árduo empenho para
que adolescentes trabalhassem, a partir de 14 anos.
Por isto, emocionado, transcrevo na íntegra o V. Acórdão do
Desembargador exemplo de vida para todos nós:
Número do processo:
1.0000.00.307539-7/000(1) – TJMG
Relator:
Orlando Carvalho
Relator do Acórdão: Orlando Carvalho
Data do acórdão: 20/05/2003
Data da publicação: 23/05/2003
Inteiro Teor:
140
Material Complementar da Obra
Ementa: Trabalho de adolescentes maiores de quatorze
e menores de dezesseis anos de idade – proibição pela
Emenda Constitucional no 20/98, que alterou o art. 7o,
XXXIII, da CF/88, mantido, embora, o disposto no art. 227,
§ 3o, I. inconstitucionalidade declarada incidentalmente.
A mencionada alteração constitucional, induvidosamente,
feriu cláusula pétrea da Carta Magna, insculpida no rol
dos Direitos Individuais através do art. 5o, XIII, o que é
vedado pela via de Emenda Constitucional advinda de
Poder Constituinte Derivado Reformador, consoante o
art. 60, § 4o, inciso IV, da mesma CF.
Tal inconstitucionalidade poderá ser declarada em
procedimento singular de jurisdição voluntária, em controle
difuso de constitucionalidade, com efeitos intrapartes, não
erga omnes, não fazendo coisa julgada, estando implícita a
cláusula rebus sic stantibus.
É da competência do Juízo Estadual da Infância e da
Juventude autorizar, através de alvará, o trabalho de menor,
nas condições do ECA, da CF e da CLT, assim disposto nos
arts. 405, § 2o, e 406 da CLT, tratando-se de função precípua
e de competência absoluta, não sendo função da Justiça do
Trabalho, nem da Justiça Federal.
Apelação Cível no 000.307.539-7/00 – Comarca de Cláudio –
Apelante(S): União Federal – Apelado(S): Gilmar Hanan Silva
Gonçalves – Relator: Exmo. Sr. Des. Orlando Carvalho
Acórdão
Vistos etc., acorda, em Turma, a Primeira Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando
neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos
julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de
votos, em rejeitar preliminares e negar provimento.
Belo Horizonte, 20 de maio de 2003.
Des. Orlando Carvalho – Relator Notas Taquigráficas
O Sr. Des. Orlando Carvalho:
Voto
Cuida-se de pedido endereçado ao Juízo da Infância e da
Juventude da Comarca de Cláudio/MG, requerendo alvará
judicial concessivo de autorização para trabalho na empresa
Cerâmica Souza Gonçalves Ltda., situada na mencionada
141
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
cidade, precavendo-se de possíveis autuações, dadas as
vedações advindas da Emenda Constitucional no 20/98,
que alterou as disposições do art. 7o, inciso XXXIII, embora
mantido intacto o disposto no art. 227, § 3o, I, da mesma Carta
Magna, dispondo sobre direitos individuais, impossíveis de
serem alterados através de emenda, consoante os preceitos
contidos no art. 60, § 4o, IV, da mesma Constituição.
A r. sentença de fls. 17/19, de 20/dezembro/2.001, deferiu o
Alvará requerido, embora reconhecendo não ser o requerente
atingido por qualquer vedação oriunda da EC 20/98, por
já ter completado 16 anos de idade e ter direito adquirido
quanto ao instrumento legal para formalização do contrato
de trabalho, determinando comunicar-se à DRT/DivinópolisMG, “para se abster de aplicar sanções à Empregadora” pela
admissão do requerente do Alvará autorizativo do trabalho
ao adolescente requerente, sendo a Autorização acolhida.
Todavia, a ilustre Procuradora da União no Estado de Minas
Gerais, Dr.a Lilian Evangelista Araújo Padrão, interpôs recurso
de apelação ao Eg. TJMG, alegando tratar-se, em verdade, de
ação mandamental, prevista no art. 212, § 2o, do ECA, cabendo
a remessa ex officio, na previsão do art. 12, parágrafo único,
da Lei no 1.533/51, além do art. 475, II, do CPC, ao se imporem
encargos à União Federal. Além disso, arguiu incompetência
do Juízo prolator da sentença, pois a expedição da CTPS é
atividade da União, da competência da Justiça Federal.
No mérito, argúi que a decisão nega vigência ao art. 7o, XXXIII,
da CF, na redação da EC no 20/98, bem como ao art. 67, II, do
ECA e art. 405, I, da CLT.
O douto Promotor de Justiça oficiante no feito pede não
conhecer-se do recurso, por falta de interesse recursal – perda
de objeto. E se superada esta prejudicial, que se rejeitem
as preliminares levantadas pela ilustre Representante da
União. No mérito, pugna pela mantença da sentença, ante
os fundamentos legais que a embasam, “prestigiando a
sentença do Juízo monocrático que dignifica, em cada édito,
o Poder Judiciário das Gerais,... preservando a dignidade,
a sobrevivência, a decência e a Justiça SOCIAL do caso
enfocado”.
Tudo visto e sopesado, após lidas e relidas a r. sentença
hostilizada (fls. 17/19), da verve do ilustrado Juiz, Dr.
Francisco De Assis Corrêa, e as manifestações do douto
e preclaro Promotor de Justiça, Dr. Thales Tácito Pontes
142
Material Complementar da Obra
Luz de Pádua Cerqueira (fls. 11/16 e 46/66), há que se
concluir euforicamente: ex digito, gigans (“pelo dedo
conhece-se o gigante”), lamentando-se não estar legível
a fotocópia de sua tese e reportagem do Estado de Minas
(fls. 67/78), tese aprovada no 13o Congresso Nacional
do Ministério Público, em Curitiba/PR (26 a 29/10/99),
intitulada: “Infância e Juventude. Prioridade: Trabalho do
Menor – Inconstitucionalidade da Emenda Constitucional
no 20/98”, tese juntada na ADIn 2.096/2000, no STF, da
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Indústria.
Com tais prolegômenos, enfrento as teses contrapostas.
1. Do não conhecimento do recurso, “por falta de interesse
de agir – perda do seu objeto”.
Induvidosamente, há que se apoiar a r. sentença, de 20 de
dezembro de 2.001, merecedora de encômios e imitação na
árdua missão no Juízo da Infância e da Juventude.
Todavia, há que se examinarem as prejudiciais atiradas
pela ilustre Apelante, por adentrarem aos umbrais
do mérito, além de se evitarem arguições futuras de
cerceamento de defesa, lamentando-se, embora, o
entrevero entre a Representante da União Federal
em Minas Gerais e o Juízo Estadual da Infância e da
Juventude, quando, ao invés de lutarem “não peito a
peito, mas ombro a ombro”, na grandiosa “Ordem do Dia
do imortal Guerreiro “vencedor nunca vencido“, Luiz
Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, Patrono do
glorioso Exército Nacional, em sua missão pacificadora
na Província da Cisplatina, “Guerra dos Farrapos”, Rio
Grande do Sul, nos longevos idos de 1844/1845, em prol
da juventude brasileira, desamparada pelos Poderes
Políticos e ameaçada pelos fautores do crime organizado,
eis que condenada ao ócio, “mãe de todos os males”.
Voltando à arguição prejudicial, efetivamente ocorre a perda
de objeto, considerando que o adolescente requerenteapelado já completara 16 anos quando do requerimento do
Alvará Judicial autorizativo do trabalho ofertado, em 30 de
novembro de 2001, eis que nascera em 07/08/1985, tendo
direito adquirido ao trabalho em face da EC no 20/98.
Entretanto, pelas razões expostas, conheço do recurso de
apelação, tempestivo, porque a União, de fato, não fora
intimada ou citada, por desnecessidade.
143
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
2. Da natureza da ação
Efetivamente, não se trata da ação mandamental, como
entende a Apelante, mas de pedido de alvará judicial
concessivo de autorização para trabalho, resguardando-se
a Empresa empregadora de possíveis autuações, por ofertar
trabalho a menor púbere, dele necessitado.
Ora, o art. 212 do ECA, Lei no 8.069/90, diz que “Para a
defesa dos direitos e interesses protegidos por esta Lei, são
admissíveis todas as espécies de ações pertinentes”, consoante
as normas do CPC, dentre elas a ação mandamental, não
exclusiva. E se se aplicam, subsidiariamente, as normas do
CPC no ECA, resta lógico caber aplicar-se o procedimento de
jurisdição voluntária, sem qualquer prejuízo, pois não faz
coisa julgada, podendo ser cassado a qualquer tempo, cabendo
aplicar-se o princípio jurídico do pas de nullité sans grief,
descabendo ao caso aplicar-se o art. 475, II, do CPC, contido no
Livro I – Do Processo de Conhecimento e, sim no Livro IV – Dos
Procedimentos Especiais de Jurisdição voluntária.
Descabe, portanto, ao caso, o reexame determinado ex officio,
imposto no parágrafo único do art. 12 da Lei Mandamental no
1.533/51 e no art. 475, II, do CPC.
3. Da incompetência da justiça estadual, por competir à
União a expedição da CTPS.
Equivocada, ainda, é a arguição, data venia, eis que a ação
não visou obter a CTPS, mas alvará autorizativo do trabalho
a menor, pendente do Juízo especializado da Infância e
Juventude, espinhosa missão atribuída à Justiça Estadual,
importunada no caso presente.
Aliás, como exposto pelo notável Promotor de Justiça atuante
no feito, já nominado, a CLT dispõe no capítulo IV – da
Proteção do Trabalho do Menor, Seção I – Disposições Gerais:
Art. 402. Considera-se menor, para os efeitos desta
Consolidação, o trabalhador de quatorze até dezoito anos.
Parágrafo único. O trabalho do menor reger-se-á pelas
disposições do presente capítulo, exceto no serviço em
oficinas em que trabalhem exclusivamente pessoas da família
do menor e...
Art. 405 – § 2o O trabalho exercido nas ruas, praças e outros
logradouros dependerá de prévia autorização do Juiz de Menores,
ao qual cabe verificar se a ocupação é indispensável à sua própria
144
Material Complementar da Obra
subsistência ou à de seus pais, avós ou irmãos e se dessa ocupação
não poderá advir prejuízo à sua formação moral.
Art. 406. O Juiz de Menores poderá autorizar ao menor o
trabalho a que se referem as letras “a” e “b” do § 3o do art.
406:
II – desde que se certifique ser a ocupação do menor
indispensável à própria subsistência ou à de seus pais, avós
ou irmãos e não advir nenhum prejuízo à sua formação moral.
Ergo a competência do Juízo da Infância e da Juventude
para assunto pertinente a trabalho de adolescente tendo
previsão legal, de competência absoluta, em razão do Juízo,
eis que a Justiça Federal não tem Órgão Próprio de Infância
e Juventude.
Reitera-se não haver relação direta do tema com a CTPS e sim
com a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional no
20/98, discutida em controle difuso de constitucionalidade,
em Alvará Judicial (procedimento de jurisdição voluntária).
Além disso, o ECA, nos seus arts. 60 a 69, regula o trabalho
do adolescente, reforçando a competência da Justiça Comum
Estadual (Juízo da Infância e da Juventude).
Neste sentido, é taxativo o art. 61 da ECA, litteris:
Art. 61. A proteção ao trabalho dos adolescentes é regulada
por legislação especial, sem prejuízo do disposto nesta Lei.
Observe-se que a “legislação especial“ é a CLT.
Realço o entendimento do preclaro Juiz, por escorreito e
preciso, verbis:
Cumpre salientar que a competência jurisdicional quanto ao
presente procedimento para expedição de autorização para o
trabalho de menor, como no caso dos autos, é deste Juízo da
Infância e Juventude e não da Justiça do Trabalho, pois esta
cuida somente de dissídios trabalhistas e não autorização
para emissão de CTPS ou para o trabalho, como se pretende
nestes autos. Tanto é verdade que os arts. 405, § 2o, e 406,
ambos da CLT, remetem tal mister ao Juízo Menorista, por ser
função precípua e competência absoluta. (fls. 18).
Rejeito, pois, a prejudicial impertinente de incompetência
do juízo da infância e da juventude.
4. De meritis:
Anota-se que a ilustre Apelante disse, apenas, não existir
razão “a decisão que nega vigência ao art. 7o, inciso XXXIII,
145
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
da Carta Magna...”, omitindo-se sobre o controle difuso de
inconstitucionalidade da EC no 20/98, que alterou o inciso
XXXIII do art. 7o da CF/88, dispondo originalmente:
XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre
aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de
quatorze anos, salvo na condição de aprendiz, para:
XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre
aos menores de 18 (dezoito) e de qualquer trabalho a menores
de 16 (dezesseis) anos, salvo na condição de aprendiz, a
partir de 14 (quatorze) anos.
Todavia, o Poder Constituinte Derivado Reformador não
alterou o § 3o, I, do art. 227, dispondo:
§ 3o O direito a proteção especial abrangerá os seguintes
aspectos:
I – idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho,
observado o disposto no art. 7o, XXXIII;
Ora, o Poder Constituinte Derivado Reformador, através
da EC no 20/98, efetivamente não poderia alterar o inciso
XXXIII do art. 7o da CF/88, por envolver direito individual,
como disposto pelo Poder Constituinte Originário no art.
60 da CF/88, verbis:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta:
(...)
§ 4o Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir: IV -os direitos e garantias individuais.
A propósito, o STF, na ADIn no 939-7/DF, ao considerar
cláusula pétrea, imodificável, assegurada ao cidadão no
art. 150, III da CF (princípio da anterioridade tributária),
entendendo que ao visar subtraí-la de sua esfera protetiva,
estaria a Emenda Constitucional no 3, de 1993, deparando-se
com um obstáculo intransponível, contido no art. 60, § 4o, IV,
da CF, pois:
146
Admitir que a União, no exercício de sua competência
residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse
excepcionar a aplicação desta garantia individual do
contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder
em que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a
deliberação de proposta de emenda à constituição tendente a
abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente
Material Complementar da Obra
assegurados (Trecho do voto do Min. Celso de Melo, Serviço
de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Ementário
no 1.730-1/STF).
Atente-se a que a inconstitucionalidade declarada em
procedimento singular de jurisdição voluntária não faz
efeitos erga omnes e nem coisa julgada, pois atinge a parte
fundamentadora da sentença, tendo efeitos intra partem,
por tratar-se de Ação Singular e não Coletiva, não fazendo
coisa julgada, por tratar-se de procedimento de jurisdição
voluntária, estando implícita a cláusula rebus sic stantibus.
O caso em apreço envolve concessão de Alvará Judicial
autorizativo para o trabalho, o exercício de ocupação laboral,
benéfica às atividades psicossomáticas do jovem, de extrema
valia individual, familiar e social, nas garantias previstas
na CF/88, máxime pelo Título II, “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais, Individuais e Coletivos (art. 5o, XIII), sociais
(arts. 6o e 11), bem como ao tratar da família, da criança, do
adolescente e do idoso – capítulo VII – arts. 226 e seguintes,
em especial o art. 227, mantido intato.
Além do exposto, atente-se a envolver, a sentença sub
examine, assunto de interesse local, aos adolescentes
da cidade-Município de Cláudio/MG, competindo ao
Município suplementar a legislação federal e estadual,
no que couber, consoante o art. 30 da CF.
Não posso me furtar e realçar a sábia e lapidar afirmação
do preclaro Promotor de Justiça atuante na Comarca de
Cláudio, Dr. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira,
que tanto engrandece o Ministério Público Mineiro, aliás,
a Justiça Mineira, quando assenta, às fls. 58:
“Precisamos acabar com a hipocrisia e dar dignidade ao
ser humano. O trabalho em Cláudio/MG (com mais de 60
alvarás expedidos), dos adolescentes com 14 anos para
cima representou uma queda de 80% dos atos infracionais,
pois a condição do trabalho era o estudo, fiscalizado pelo
empregador (vide contrarrazões da Dr.a Ceres e documentos).
Neste período, nenhuma mãe chorou porque seu filho
adolescente usou drogas. Será que é isto que vamos permitir?
Neste tempo de Ministério Público de Minas Gerais, Estado
este que defendo com orgulho, pela coragem das decisões
que dão exemplo a todo Brasil, aprendi uma coisa: meu cargo
é de Promotor de Justiça e entre a lei e a Justiça, fico com
147
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
a Justiça, pois a lei não é uma letra-fria e sim, calcada pela
ciência da interpretação, qual seja, a hermenêutica jurídica”.
Aliás, neste sentido é o art. 6o do ECA:
Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais
a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos
e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da
criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
E o art. 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz:
Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de
emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho
e à proteção contra o desemprego; tem direito à igual
remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim
como à sua família, uma existência compatível com a
dignidade humana...
Anoto citação do ilustre Promotor de Justiça:
... Sua Santidade, o Papa João Paulo II, na Laborem Exercens,
destaca a ação transformadora humana por meio do trabalho
e o papel do mesmo na construção da identidade humana.
É, portanto, indispensável a qualquer ser humano poder
trabalhar. (fls. 64).
Induvidosamente, o trabalho não é um castigo, ato
degradante, mas enobrece e dignifica o homem, a pessoa
humana, é uma terapia, uma necessidade ao adolescente e
até mesmo ao infante, por afastá-los da ociosidade, mãe de
todos os males, quais os pequenos furtos, o engajamento
ao crime organizado, à prostituição, até por necessidade de
sobrevivência sua e de seus familiares.
Louvem-se os ilustrados Juiz de Direito e Promotor atuantes
no Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de Cláudio,
merecendo realce, ainda, a assertiva da ilustre Advogada, Dr.a
Ceres Rocha de Oliveira, em suas contrarrazões, às fls. 34 e 35:
148
“Estamos atravessando uma época de crise social. Os
problemas sociais são cada vez mais alarmantes, gritantes,
e cada vez mais produtores e potencializadores da violência.
A violência tem muitas faces a se avaliar, e muitos são os
seus fatores determinantes, porém, ela está diretamente
relacionada com a produção de injustiça social – o não direito
ao trabalho, ao salário justo, por exemplo – com a ideologia do
‘cada um pra si, e do salve-se quem puder’. Infelizmente, temos
percebido que tem prevalecido a ideologia da ‘esperteza’, que
gera a insegurança e incredibilidade nas medidas de controle
Material Complementar da Obra
e organização da vida coletiva, e, ainda, de quebra uma política
de segurança que instala medo e insegurança entre os cidadãos
com seus métodos violentos e discricionários” (fls. 34).
...................................
“Peço permissão para parabenizar o trabalho, em
‘sincronia’ perfeita, do D. Juiz de Direito, Dr. Francisco
de Assis Corrêa, e do D. Promotor de Justiça, Dr. Thales
Tácito Luz de Pádua Cerqueira, ambos titulares nesta
Comarca de Cláudio (não só como profissional da área de
direito, mas principalmente como cidadã claudiense que
sou), que abraçaram a causa social, se fizeram cidadãos
de nossa cidade de Cláudio, e por isso têm se dedicado
tanto no sentido de minorar os problemas sociais
(em todos os setores, não só na área infanto-juvenil),
demonstrando que os nossos dramas são também deles,
e nossos sonhos de ter uma sociedade mais harmônica e
próspera, também o são” (fls. 35).
Por tais razões, nego provimento ao recurso apelatório,
para ratificar a r. sentença, por seus próprios e jurídicos
fundamentos.
Intime-se a apelante, como de praxe.
O Sr. Des. Garcia Leão:
Voto.
De Acordo.
O Sr. Des. Francisco Lopes de Albuquerque:
Voto.
De Acordo.
Súmula: rejeitaram preliminares e negaram provimento.
IV – Do pedido ministerial
Desta forma, manifesta-se o Ministério Público pelo deferimento
do pedido devendo, a partir da comunicação de emprego
(aprendizagem ou trabalho normal), pelo adolescente, ser
oficiado a Delegacia de Trabalho e Emprego deste município
a fim de que fiscalize as limitações impostas pela legislação
pertinentes ao horário, local e condições de trabalho.
Caso o pedido seja para trabalho normal (e não aprendizagem),
o que deve ser comunicado nos autos pela parte, requeiro
que Vossa Excelência, se digne de, incidenter tantum, julgar
inconstitucional a EC 20/98, na parte fundamentadora, para,
149
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
no mérito, julgar o pedido procedente, expedindo-se ao(a)
adolescente a CTPS, para o atual emprego ou mesmo outro,
propiciando ao(a) adolescente uma vida digna, livre do
ócio, livre das drogas, livre da fome e livre da miséria.
Requer, ainda, após comunicação de localização
de emprego, seja oficiado a empresa empregadora
cientificando-a da legislação referente ao trabalho do menor,
mormente quanto as normas inscritas nos arts. 402 a 440 da
CLT e arts. 60 a 69 do ECA, para que observe as condições e
limitações ali contidas.
Por fim, em relação ao adolescente “X”, manifesto meus pêsames
pela perda do seu pai e ao mesmo tempo meu orgulho de estar
lutando para dar vida digna à sua mãe, além de continuar
estudando, o que lhe trará bons frutos em sua vida, inclusive
aos filhos que saberão dar valor a um futuro e promissor pai.
Sucesso “X”!
Mercê.
Poços de Caldas/MG, 14 de maio de 2007.
Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira
Promotor de Justiça
150
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O A 69)
6. PREVENÇÃO (ARTS. 70 A 82)
Toque de recolher diminui em 80% infrações em Fernandópolis
Jovens não podem ficar na rua depois das 23h; em Ilha
Solteira, blitzes apreendem 4 meninas.
Chico Siqueira, Fernandópolis.
Quatro anos após ser adotado pela primeira vez numa cidade
do Estado de São Paulo, o toque de recolher para menores de
18 anos é apontado pelas autoridades como responsável pela
redução de 80% nos atos infracionais e de 82% nas reclamações
ao Conselho Tutelar de Fernandópolis, a 554 km de São Paulo.
A medida, que proíbe a permanência de menores nas ruas após as
23 horas, foi imposta em maio de 2005 pelo juiz da Infância e da
Juventude Evandro Pelarin. As cidades de Ilha Solteira e Itapura
também mantêm o toque de recolher. Na primeira, a medida
completa hoje uma semana e as blitzes feitas nas madrugadas
de sábado e domingo apreenderam quatro meninas.
Segundo o Juizado de Menores, o índice de atos infracionais
vem caindo ano a ano em Fernandópolis. Em 2005, houve 378
ocorrências, ante 329 em 2006; 290 em 2007; e apenas 74 no
ano passado. Nos vários tipos de atos infracionais, a maior
queda foi na incidência de furtos no período (91%). Em
2005, foram 123 ocorrências, ante 82 em 2006, 59 em 2007
e apenas 11 em 2008. A redução também acompanha outras
ocorrências, como porte de entorpecentes, de 17 casos para
8, e lesão corporal, de 68 em 2005 para apenas 19 em 2008.
Em 2005, 15 menores foram flagrados portando arma; em
2008, não houve nenhum registro.
“Antes da medida, recebíamos uma média de 500
reclamações/mês; hoje, essa média é de 90/mês”, afirma o
presidente do Conselho de Fernandópolis, Alan José Mateus.
Segundo ele, a gravidade das reclamações também diminuiu.
“As reclamações eram sobre uso de drogas, consumo de álcool
e furtos; hoje predominam os conflitos em casa e na escola,
evasão escolar e brigas.”
Para Pelarin, a redução das reclamações se deve ao toque de
recolher. “A diminuição da delinquência juvenil é uma realidade
em Fernandópolis, mas somente foi possível porque a sociedade
apoiou a medida, introduzindo projetos de reinserção social e
de redução de danos”, diz Pelarin. O município tem, por exemplo,
151
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
um convênio inédito no País, que emprega 100 adolescentes
com carteira assinada nas empresas locais.
Blitzes
No sábado, em Ilha Solteira, uma menina de 16 anos foi
recolhida quando consumia álcool em uma lanchonete. “Ela
foi levada para casa e entregue aos pais”, disse a conselheira
Gláucia de Almeida. Segundo Gláucia, a garota era uma das
seis que já haviam sido recolhidas na noite de quarta-feira. Na
madrugada de domingo, outras três garotas foram recolhidas
por volta da 1h 30min. “Agora os pais devem ser chamados
para conversar com o Juizado.”
Em Fernandópolis, apesar da redução da delinquência
apontada pelo Juizado de Menores, as blitze continuam. Na
madrugada de sábado, três menores – duas meninas de 15
anos e um menino de 17 – foram recolhidos. As operações
têm auxílio das Polícias Militar e Civil e supervisão da Ordem
dos Advogados do Brasil e Conselho Tutelar.
Um comboio percorre as principais avenidas de movimento
noturno da cidade, na região central, onde centenas de jovens
se aglomeram nos bares e lanchonetes ou ouvem som nos
carros. Dezenas fogem quando as viaturas chegam. Os que
ficam são abordados pela polícia e pelos conselheiros. “Se
a gente fica, é levado para o conselho”, disse um deles, que
se escondeu quando a blitz chegou e voltou depois que as
viaturas saíram. “Acho que eles deveriam esticar esse horário
nos fins de semana e oferecer mais opções de lazer para os
menores. A gente só quer se divertir.”
Mãe de uma das garotas, N.L.S, estudante de Enfermagem,
foi buscá-la na sede do Conselho Tutelar e criticou a
ostensividade da blitz. Ela disse que a filha, aluna da 2a
série do ensino médio, tinha autorização para frequentar a
lanchonete com o namorado. “Fica a três quadras da minha
casa e minha filha é uma boa menina, excelente aluna, mas
eu não imaginava que o namorado dela portasse arma (como
ocorreu) ou usasse droga. Agora ela terá de arranjar outro
namorado”, disse a mãe, que foi multada. A filha foi recolhida
pela segunda vez em uma blitz de fiscalização.
(Fonte: Estadão.com.br, segunda-feira, 27 de abril de 2009)
152
Juiz determina toque de recolher para menores na PB. Os
índices de violência na região que envolve os municípios de
Taperoá, Livramento e Assunção, no Cariri paraibano, levaram
Material Complementar da Obra
o juiz Iano Miranda dos Anjos a publicar uma portaria que
decreta toque de recolher nas três cidades. De acordo com a
determinação, fica proibida a circulação de menores de 12 anos
nas ruas do Centro, bares e restaurantes após as 21h, mesmo
que estejam acompanhados pelos pais ou responsáveis.
Ainda conforme o texto da portaria, maiores de 12 anos e
menores de 18 anos só podem transitar pelas ruas após as 22h
se estiverem acompanhados dos pais. “Tomei essa decisão
com base em vários processos que tramitam em segredo
de justiça e que envolvem menores de idade e outras ações
com denúncias de atos infracionais praticados por crianças e
adolescentes”, justificou o juiz Iano Miranda dos Anjos.
Ele acrescentou, também, que a situação da segurança pública
nos três municípios é extremamente preocupante. “O quadro
da segurança é caótico. Já me reuni com os vereadores e sugeri
que se crie uma lei municipal que discipline essa questão.
Enquanto isso, a portaria vai continuar em vigor.” A portaria
foi publicada no dia 9 deste mês, por prazo indeterminado.
De acordo com alguns depoimentos de moradores da região,
é comum crianças consumirem álcool sem que haja nenhum
controle das famílias. Essa prática estava contribuindo para
que houvesse um aumento considerável de pequenos furtos e
baderna nas ruas da cidade.
A iniciativa do juiz de Taperoá é baseada no art. 70 do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece: “É dever
de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos
direitos da criança e do adolescente.” Nos artigos seguintes o
mesmo texto diz: Art. 71. A criança e o adolescente têm direito
a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos
e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento. Art. 72. As obrigações previstas
nesta Lei não excluem da prevenção especial outras decorrentes
dos princípios por ela adotados. Art. 73. A inobservância das
normas de prevenção importará em responsabilidade da
pessoa física ou jurídica, nos termos desta Lei.
Por outro lado, o ECA, em seu art. 4o, diz ainda: “É dever da
família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder
público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação,
ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”
Com informações do Tribunal de Justiça da Paraíba.
(Fonte: CONJUR, 21 de junho de 2009)
153
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 6 – Direitos Fundamentais (Arts. 7 O A 69)
6. PREVENÇÃO (ARTS. 70 A 82)
“Lança-Lança” foi censurada em fevereiro pela Justiça a pedido do
Ministério Público, que acusou a música de fazer apologia às drogas. Em
pleno domingo de carnaval, em forma de protesto, os integrantes do Jammil
e Uma Noites protestaram tocando apenas a melodia de “Lança-Lança” com
uma fita isolante preta sobre a boca. Enquanto tocavam a melodia, os foliões
cantavam em alto e bom som a música composta pelo baixista Manno Góes.
A Justiça, por fim, TJBA, permitiu que a música não fosse censurada.
“Cheiro bom que vem lá da Argentina
Que eu comprei lá no Paraguai
Que eu botei no seu lencinho menina
Te roubei um beijo e você querendo mais
Tem água de beber, tem água de tomar
Tem água de comer e água pra se envenenar
Água de beber, água de tomar
Água de comer e água pra se envenenar
Lança, Lança, lança, lança, lança seu olhar em mim
Lança, lança se balança cuidado pra não cair
Lança, lança, lança, lança, lança seu olhar em mim
Lança, lança se balança cuidado pra não cair
Depois segure a cabeça pra não perder o juízo
Não me responsabilizo se você ficar mal
Eu adoro o cheiro desse perfume
Mas segure o seu ciúme pois é Carnaval
Lança, lança, lança, lança, lança seu olhar em mim
Lança, lança se balança cuidado pra não cair
Lança, lança, lança, lança, lança seu olhar em mim
Lança, lança se balança cuidado pra não cair
Bate Coxa
Gino e Geno
Foi numa festa lá no interior
A sanfona comandou o balanço da moçada
154
Material Complementar da Obra
Que maravilha festa boa foi ali
Francamente eu nunca vi galera tão animada
Dancei bastante agarradinho à moda antiga
barriga com barriga e ninguém pra censurar
casais dançavam e abraçavam livremente
bate coxa minha gente é gostoso pra danar
Toca meu amigo sanfoneiro
mete o dedo companheiro
não deixa o baile parar
Hoje essa sanfona fica frouxa
pode crer que o bate-coxa vai até o sol raiar
Quem fez o som foi um grande sanfoneiro
na cozinha no terreiro tinha pipoca e quentão
Mulher bonita gente boa coisa fina
só tinha uma lamparina pra iluminar o salão
E a moçada naquela euforia
o sanfoneiro bebia de vez em quando um pingão
De madrugada com aquela luz amarela
bate-coxa rela-rela foi aumentando a tensão
Toca meu amigo sanfoneiro
mete o dedo companheiro
não deixa o baile parar
Hoje essa sanfona fica frouxa
pode crer que o bate-coxa vai até o sol raiar
Mulher Que Não Dá Voa
Gino e Geno
Composição: Rick / Pinóchio / Gino
Refrão
Eu digo isso, digo numa boa
Mulher que não dá voa, mulher que não dá voa
Eu penso assim e continuo pensando
Nunca vi mulher voando, nunca vi mulher voando
Tem mulher que dá, trabalho
Tem mulher que dá, problema
155
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Tem mulher que da que dá, que dá galho
Tem mulher que dá, esquema
Tem mulher que dá, um jeitinho
Jeitinho pra dar, uma chorada
Tem mulher que dá que dá, que dá carinho
Tem mulher que dá, porrada
Refrão
Tem mulher que dá, bom dia
Tem mulher que dá, orgulho
Tem mulher que dá que dá, só alegria
Tem mulher que dá, barulho
Tem mulher que dá, prazer
Tem mulher que dá, desgosto
Tem mulher que dá que dá, que dá pra ver
Vontade de dar estampada no rosto
Refrão
Tem mulher que dá, na cara
Tem mulher que dá, despesa
Tem mulher que dá que dá, que não para
Tem mulher que dá, tristeza
Tem mulher que dá, bobeira
Tem mulher que dá, confusão
Tem mulher que dá que dá, que dá canseira
Tem mulher que dá, paixão
Bebo Pa Carai
Gino e Geno
Composição: Indisponível
Toda vez que a gente briga ela diz que vai embora
Aquela mala me assusta, pronta do lado de fora
Quando a gente quebra o pau, sempre eu sei que ela sai
Fico doido de saudade, ai eu bebo pa carai...
Ai eu bebo, ai eu bebo, bebo pa carai
Bebo pa carai, bebo pa carai, bebo pa carai (refrão 2x)
De repente ela volta toda cheia de alegria
156
Material Complementar da Obra
Nem parece que a gente brigou naquele dia
Eu boto a mala pra dentro e pra cama a gente vai
E depois de tanto love, ai eu bebo pa carai...
(refrão 2x)
(*) Depois de uma semana em casa, quero um trenzinho
diferente
Uma coisa mais novinha, dessas que anima a gente
Toda vez que eu dou uma volta, quando eu chego a casa cai
Outra vez aquela mala, ai eu bebo pa carai
(refrão 2x)
<Solo / Oh companheiro é pu causa dessa muié que eu bebo,
eu bebo pa carai!>
Depois de uma semana em casa...(*)
(refrão 4x)
Quatro Tipos de Mulher
Gino e Geno
Composição: Indisponível
Tô gostando da morena, tô amando a loirinha
Tô gamado na mulata, tô querendo a escurinha
Eu sou um homem direito pode crer que sou perfeito
Eu preciso dar um jeito das quatro ser só minha
A morena e a loirinha, mulata e a escurinha
A paixão da vida minha.
Minha vida é alegre por que tenho quatro rainha
Sete dias da semana que eu gozo a vida minha
Sexta e sábado com a morena, 4a e 5a com a loirinha
O domingo é com a mulata, segunda e terça a escurinha.
A morena e a loirinha, mulata e a escurinha
A paixão da vida minha.
De janeiro a dezembro de ano novo ao natal
Eu dedico o meu amor para as quatro em parte igual
Todas por mim são amadas, nenhuma fica zangada
E eu falo pra moçada ser direito não faz mal
A morena e a loirinha, mulata e a escurinha
A paixão da vida minha.
157
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 7 – Autorização Para Viajar e a Polêmica
Regulametação Pelo Conselho Nacional de Justiça
2.1. A polêmica regulamentação do Conselho Nacional de Justiça
sobre a viagem internacional – Resolução n o 74/2009 (que unificou
as Resoluções n os 51/08 e 55/08)
O CNJ regulamentou o tema na Resolução no 51/08, causando muita
polêmica, pois permitiu a viagem com apenas um dos genitores ou
responsáveis, exigindo autorização do outro genitor, como está no ECA,
porém, dispensando esta autorização do outro genitor “se comprovada a
impossibilidade material perante a autoridade policial”.
Em face da dispensa por “impossibilidade material” não estar no ECA,
em seguida o CNJ alterou a redação do inciso II do art. 1o da Resolução
no 51, estabelecendo, na Resolução no 55, que se houver a viagem com
apenas um dos genitores, necessária será a autorização do outro e, não
tendo, somente com autorização judicial, descartando assim a precária
comprovação de “impossibilidade material da autorização do outro genitor
perante a autoridade policial”.
Vejamos a polêmica:
Resolução no 51, de 25 de março de 2008
Dispõe sobre a concessão de autorização de viagem para o
exterior de crianças e adolescentes
A PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no
uso das atribuições atribuídas pelo art. 103-B da Constituição
Federal,
CONSIDERANDO as dificuldades enfrentadas pelas
autoridades que exercem o controle de entrada e saída de
pessoas do território nacional, em especial com relação a
crianças e adolescentes;
CONSIDERANDO as diversas interpretações existentes a
respeito da necessidade ou não de autorização judicial para
saída de crianças e adolescentes do território nacional pelos
Juízos da Infância e da Juventude dos Estados da Federação e
do Distrito Federal;
CONSIDERANDO a insegurança causada aos usuários em
decorrência da diversidade de requisitos e exigências;
CONSIDERANDO necessidade de uniformização na
interpretação dos arts. 83 a 85 do Estatuto da Criança e do
Adolescente;
158
Material Complementar da Obra
CONSIDERANDO o que ficou decidido no Pedido de
Providências no 200710000008644,
RESOLVE:
Art. 1o É dispensável a autorização judicial para que crianças
e adolescentes viajem ao exterior:
I – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes,
desde que autorizados por ambos os genitores, ou pelos
responsáveis, por documento escrito e com firma reconhecida;
II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese
exigível a autorização do outro genitor, salvo comprovada
impossibilidade material registrada perante autoridade policial;
Nova redação dada pela Resolução no 55 do CNJ:
II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese
exigível a autorização do outro genitor, salvo mediante
autorização judicial.
III – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes,
quando estiverem retornando para a sua residência no
exterior, desde que autorizadas por seus pais ou responsáveis,
residentes no exterior, mediante documento autêntico.
Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, por
responsável pela criança ou pelo adolescente deve ser
entendido aquele que detiver a sua guarda, além do tutor.
Art. 2o O documento de autorização mencionado no artigo
anterior, além de ter firma reconhecida, deverá conter
fotografia da criança ou adolescente e será elaborado em
duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo agente de
fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e
a outra deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou
com o terceiro maior e capaz que o acompanhe na viagem.
Parágrafo único. O documento de autorização deverá conter
prazo de validade, a ser fixado pelos genitores ou responsáveis.
Art. 3o Ao documento de autorização a ser retido pela Polícia
Federal deverá ser anexada cópia de documento de identificação
da criança ou do adolescente, ou do termo de guarda, ou de tutela.
Art. 4o Esta Resolução entra em vigor na data da sua
publicação.
Ministra Ellen Gracie
Presidente
(Publicada no DJ, página 1, do dia 04 de abril de 2008)
159
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Por força de parte da polêmica, o CNJ alterou parte da Resolução no 51
através da Resolução no 55. Assim:
Resolução no 55, de 13 de maio de 2008
Altera o inciso II do art. 1o da Resolução no 51, que dispõe
sobre a concessão de autorização de viagem para o exterior
de crianças e adolescentes.
O Presidente do Conselho Nacional de Justiça, no uso de
suas atribuições conferidas pela Constituição Federal,
especialmente o que dispõe o inciso I do § 4o de seu art. 103-B;
RESOLVE:
Art. 1o O inciso II do art. 1o da Resolução no 51 passa a vigorar
com a seguinte redação:
II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta
hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo
mediante autorização judicial.
Art. 2o Esta Resolução entra em vigor na data de sua
publicação.
Ministro Gilmar Mendes
Presidente
(Publicada no DJ, página 1, do dia 20 de maio de 2008)
Resolução no 74/2009 do CNJ foi assim redigida:
Resolução no 74, de 28 de abril de 2009
Dispõe sobre a concessão de autorização de viagem para o
exterior de crianças e adolescentes.
O Presidente do Conselho Nacional de Justiça, no uso das
atribuições atribuídas pelo art. 103-B da Constituição Federal,
CONSIDERANDO as dificuldades enfrentadas pelas
autoridades que exercem o controle de entrada e saída de
pessoas do território nacional, em especial com relação a
crianças e adolescentes;
CONSIDERANDO as diversas interpretações existentes a respeito da
necessidade ou não de autorização judicial para saída de crianças
e adolescentes do território nacional pelos Juízos da Infância e da
Juventude dos Estados da Federação e do Distrito Federal;
CONSIDERANDO a insegurança causada aos usuários em
decorrência da diversidade de requisitos e exigências;
160
CONSIDERANDO necessidade de uniformização na interpretação
dos arts. 83 a 85 do Estatuto da Criança e do Adolescente;
Material Complementar da Obra
CONSIDERANDO o que ficou decidido no Pedido de
Providências nos 200710000008644 e PP 200810000022323,
RESOLVE:
Art. 1o É dispensável a autorização judicial para que crianças
e adolescentes viajem ao exterior:
I – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e
capazes, desde que autorizados por ambos os genitores,
ou pelos responsáveis, por documento escrito e com firma
reconhecida;
II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta
hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo
mediante autorização judicial;
III – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes,
quando estiverem retornando para a sua residência no
exterior, desde que autorizadas por seus pais ou responsáveis,
residentes no exterior, mediante documento autêntico.
Parágrafo único. Para os fins do disposto neste artigo, por
responsável pela criança ou pelo adolescente deve ser
entendido aquele que detiver a sua guarda, além do tutor.
Art. 2o O documento de autorização mencionado no artigo
anterior, além de ter firma reconhecida por autenticidade,
deverá conter fotografia da criança ou adolescente e será
elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida
pelo agente de fiscalização da Polícia Federal no momento
do embarque, e a outra deverá permanecer com a criança
ou adolescente, ou com o terceiro maior e capaz que o
acompanhe na viagem.
Parágrafo único. O documento de autorização deverá
conter prazo de validade, a ser fixado pelos genitores ou
responsáveis.
Art. 3o Ao documento de autorização a ser retido pela
Polícia Federal deverá ser anexada cópia de documento de
identificação da criança ou do adolescente, ou do termo de
guarda, ou de tutela.
Art. 4o Esta Resolução entra em vigor na data da sua
publicação, ficando revogadas as Resoluções nos 51, de 25 de
março de 2008 e 55, de 13 de maio de 2008
Ministro Gilmar Mendes
(Publicada no DOU, Seção 1, em 07/05/09, p. 120, e no DJ-e no
71/2009, em 07/05/09, p. 4-5)
161
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Sobre a inconstitucionalidade da Resolução no 51 do CNJ, que
versou sobre viagem internacional, o MP do Paraná assim comentou
com propriedade no site http://www.mp.pr.gov.br/cpca/dwnld/ca_
res_51_cnj.doc.:
Em data de 25 de março de 2008 o Conselho Nacional de Justiça
– CNJ expediu a Resolução no 51, dispondo sobre a autorização
de viagem para o exterior de crianças e adolescentes.
A aludida Resolução, em seu art. 1o, estabelece que seria
“dispensável” a autorização judicial sempre que crianças e
adolescentes viajem ao exterior:
I – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e capazes,
desde que autorizados por ambos os genitores, ou pelos
responsáveis, por documento escrito e com firma reconhecida;
II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta
hipótese exigível a autorização do outro genitor, salvo
comprovada impossibilidade material registrada perante
autoridade policial;13
III – sozinhos ou em companhia de terceiros maiores e
capazes, quando estiverem retornando para sua residência no
exterior, desde que autorizadas por seus pais ou responsáveis,
residentes no exterior, mediante documento autêntico.
Ocorre que, na forma do art. 84 da Lei no 8.069/90, a
autorização judicial para viagem ao exterior somente é
dispensável quando criança ou adolescente:
I – estiver acompanhado de ambos os pais ou responsável;
II – viajar na companhia de um dos pais, autorizado
expressamente pelo outro através de documento com firma
reconhecida.
Como é possível observar, a Resolução no 51/2008 abriu
espaço para a “dispensa” de autorização judicial para
viagem de crianças e adolescentes ao exterior em situações
diversas daquelas expressamente previstas no art. 84 da Lei
no 8.069/90, tendo assim a pretensão de “ampliar” o rol de
hipóteses em que a aludida autorização judicial não é exigida.
Assim agindo, com o devido respeito, o E. Conselho Nacional
de Justiça acabou extrapolando o âmbito de sua competência,
13 Em sessão realizada em 13 de maio de 2008, o CNJ decidiu modificar a redação do presente dispositivo, retomando a sistemática prevista pelo art. 84, inciso II, da Lei no 8.069/90. Foi então publicada a Resolução no 55/2008, segundo a qual o art. 1o, inciso II, da Resolução no 51/2008, do CNJ passou a vigorar com a
seguinte redação: “II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese exigível a autorização
do outro genitor, salvo mediante autorização judicial”.
162
Material Complementar da Obra
ex vi do disposto no art.103-B da Constituição Federal, indo
muito além da simples expedição de um ato normativo relativo
à atuação do Poder Judiciário, e passando a exercer atividade
própria do Poder Legislativo, ao qual incumbiria, se fosse
este o caso, alterar a legislação vigente, em franca violação ao
princípio constitucional da separação dos poderes (cf. art. 2o
da Constituição Federal).
A propósito, vale mencionar que não foi por mero acaso
que a Lei no 8.069/90 previu que a dispensa da aludida
autorização judicial para viagem de crianças e adolescentes
ao exterior somente poderia ocorrer nas 02 (duas) hipóteses
relacionadas no art. 84, acima transcritas.
Vale lembrar que o referido dispositivo legal encontrase inserido num Capítulo da Lei no 8.069/90 que trata da
prevenção especial, tendo por objetivo evitar a ocorrência
de situações potencialmente danosas aos interesses infantojuvenis ou mesmo a prática de crimes, como os tipificados
pelos arts. 238 e 239 da Lei no 8.069/90.
Quis o legislador que, em se tratando de viagem de criança
ou adolescente ao exterior, houvesse um maior controle da
situação por parte da Justiça da Infância e da Juventude,
cabendo ao interessado provocar a instauração de
procedimento especial, nos moldes do previsto no art. 153
da Lei no 8.069/90, no qual a autoridade judiciária, ouvido o
Ministério Público, irá investigar os fatos e ordenar de ofício
as providências necessárias para se certificar que não se está
diante de uma situação proibida por lei ou de qualquer modo
prejudicial à criança ou adolescente.
Importante observar que, também de forma proposital, o
legislador não abriu espaço para que crianças e adolescentes
pudessem viajar ao exterior, sem autorização judicial, na
companhia de terceiros, ainda que parentes da criança ou
adolescente, mesmo quando expressamente autorizados
pelos pais ou responsável.
Quisesse assim o permitir, teria previsto sistemática similar à
contida no art. 83, § 1o, alínea “b”, da mesma Lei no 8.069/90,14
14 �Art. 83. Nenhuma criança poderá viajar para fora da comarca onde reside, desacompanhada dos pais ou
responsável, sem expressa autorização judicial. (...)
§ 1o A autorização não será exigida quando:
a) (...);
b) a criança estiver acompanhada:
1) de ascendente ou colateral maior, até o terceiro grau, comprovado documentalmente o parentesco;
2) de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável.
163
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
para viagem de crianças dentro do território nacional, o que
acabou não fazendo.15
Desnecessário mencionar que, através de uma interpretação
lógica, teleológica e sistemática das disposições contidas nos arts.
83, 84 e 239 da Lei no 8.069/90, em cotejo com as demais normas
estatutárias relativas à prevenção e à proteção integral de crianças
e adolescentes, não há margem para ampliação, como pretende
o CNJ, das hipóteses restritas em que crianças e adolescentes
podem viajar ao exterior sem a devida autorização judicial.
Assim sendo, como não pode uma mera Resolução emanada pelo
CNJ, revogar literal disposição de lei, forçoso concluir, data venia,
que a Resolução no 51/2008, do E. Conselho Nacional de Justiça,
não tem validade, ao menos em seu art. 1o, que, extrapolando
o âmbito da competência constitucional do órgão, estabeleceu
outras hipóteses para pretendida “dispensa” de autorização
judicial para viagem de crianças e adolescentes ao exterior,
dando margem para o tráfico de crianças e outras situações
potencialmente danosas aos interesses infanto-juvenis que cabe
à Justiça da Infância e da Juventude resguardar. 16
Como resultado, logicamente, o disposto no art. 84 da
Lei no 8.069/90 continua em pleno vigor, prevalecendo a
necessidade de autorização judicial para viagem de crianças e
adolescentes ao exterior fora das 02 (duas) únicas hipóteses
ali relacionadas, inclusive sob pena da prática da infração
administrativa prevista no art. 251 da Lei no 8.069/90.
O próprio CNJ reconheceu, em parte, o equívoco da Resolução no
51/2008, ao aprovar, já na sessão plenária realizada no dia 13
de maio de 2008, uma mudança em um de seus dispositivos, de
modo a deixar claro que, quando a criança ou adolescente viaja
ao exterior na companhia de apenas um dos pais, é necessária
a permissão do outro ou, então, autorização judicial, como aliás
prevê de maneira expressa o art. 84, inciso II, da Lei no 8.069/90.
Consoante acima ventilado, por força da Resolução no
55/2008, de 13 de maio de 2008, o art. 1o, inciso II, da
Resolução no 51/2008 passa a ter a seguinte redação:
15 Vale mencionar que se encontram em tramitação no Congresso Nacional os Projetos de Lei nos
2.808/1997 e 1.596/2003 que pretendem estabelecer, como regra, a necessidade de autorização judicial
para viagem de adolescentes dentro do território nacional, o que hoje é previsto pelo ordenamento jurídico
brasileiro apenas para viagem de crianças.
16 De acordo com a referida Resolução, a título de exemplo, um simples guardião poderia autorizar a
viagem de uma criança ao exterior na companhia de terceiros, sem o conhecimento e/ou a intervenção da
autoridade judiciária (e/ou do Ministério Público) o que, desnecessário mencionar, facilitaria e acabaria por
estimular o tráfico de crianças, dentre outras situações periclitantes que a Lei no 8.069/90, ao restringir ao
mínimo as hipóteses em que a autorização judicial é, de fato, dispensável, quis evitar.
164
Material Complementar da Obra
II – com um dos genitores ou responsáveis, sendo nesta hipótese
exigível a autorização do outro genitor, salvo mediante
autorização judicial.17
A nova orientação corrige, de forma parcial, as distorções
decorrentes da aplicação da Resolução no 51/2008, porém é
necessário ir além, e revogar o referido ato normativo em sua
totalidade, devendo ser editado outro que venha a disciplinar
o procedimento a ser adotado quando da análise de pedidos
de autorização judicial para viagem ao exterior, que pouca
atenção vem recebendo em todo o Brasil.
Com efeito, o que caberia, de fato, ao CNJ disciplinar, seria a
forma como os pedidos de autorização judicial para viagem de
crianças e adolescentes ao exterior devem ser processados e
julgados pelos Juizados da Infância e da Juventude, com ênfase
para estrita observância das regras e princípios estabelecidos
pela Lei no 8.069/90.
Um dos primeiros aspectos a considerar, é a necessidade de
que os pedidos de autorização judicial sejam formulados
perante o Juízo do local do domicílio dos pais ou responsável,18
e não, como se tem visto em muitos casos, no Juízo do local
em que está situado o aeroporto internacional onde a criança
ou adolescente irá embarcar.
Deve ser também expedida orientação específica às agências de
viagens, companhias aéreas e empresas que exploram o transporte
rodoviário no sentido de que, quando da compra da passagem
ao exterior para criança ou adolescente que irá viajar sem estar
acompanhada por ambos os pais ou, estando na companhia de
um, sem estar expressamente autorizada pelo outro, através de
documento com firma reconhecida, a prévia autorização judicial
será imprescindível, e que o pedido deverá ser protocolado
perante o Juizado da Infância e da Juventude do local do domicílio
dos pais ou responsável,19 com a antecedência devida.
O procedimento a ser deflagrado se enquadra na hipótese
do art. 153 da Lei no 8.069/90,20 e embora não tenha uma
17 Anteriormente, o art.1o, inciso II, da aludida Resolução estabelecia que, na falta de autorização de um
dos pais, a criança poderia viajar independentemente de autorização judicial desde que “comprovada impossibilidade material registrada perante a autoridade policial”.
18 Cf. art. 147, inciso I, da Lei no 8.069/90.
19 Em sendo os pais separados, como se tem entendido, será competente o Juízo do local do domicílio
daquele ao qual foi deferida a guarda da criança ou adolescente.
20 Art.153. Se a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto nesta ou em
outra lei, a autoridade judiciária poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias,
ouvido o Ministério Público.
165
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
forma preestabelecida, a autoridade judiciária, com o auxílio
do Ministério Público (que obrigatoriamente irá intervir na
causa), deve zelar para que o feito seja devidamente instruído
com elementos que permitam uma análise conclusiva acerca
da adequação da medida pleiteada, dentre os quais citamos: a
motivação da viagem, seu itinerário e destino final, o tempo de
permanência no exterior, a relação da criança ou adolescente
com o requerente, com a pessoa que irá acompanhá-la e em
companhia da qual a mesma permanecerá durante o período
em que estiver fora do País, eventual prejuízo a seus estudos
etc., tudo, é claro, devidamente documentado e, se necessário,
comprovado por intermédio de testemunhas.
É importante destacar que o Juizado da Infância e da Juventude,
em tais casos, não pode atuar como mero agente burocrático
e “chancelador” de pedidos formulados de “última hora” e/ou
sem a devida comprovação de que a criança ou adolescente não
estará sendo exposto a perigo ou sofrerá qualquer espécie de
prejuízo, como resultado do deferimento da medida pleiteada.
Consoante acima ventilado, as disposições contidas no art.
84 da Lei no 8.069/90 (que nunca é demais dizer, não cabe
ao CNJ “revogar”), estão inseridas num capítulo que trata
da prevenção, e toda Lei no 8.069/90 procura estabelecer
mecanismos voltados à proteção integral de crianças e
adolescentes (cf. art. 1o da Lei no 8.069/90), visando colocála a salvo de qualquer perigo ou violação a seus direitos
fundamentais (cf. arts. 5o e 70 da Lei no 8.069/90).
O Juizado da Infância e da Juventude tem um papel primordial
na efetivação dessa proteção integral infanto-juvenil, devendo
agir com cautela e responsabilidade quando da expedição de
autorizações judiciais para viagem de crianças e adolescentes
ao exterior, não decidir de forma açodada, diante de pressões
de última hora, não raro efetuadas de maneira deliberada, de
modo a impedir uma investigação mais aprofundada acerca
dos motivos da viagem e outras questões a ela relacionadas.
166
Cabe ao CNJ, longe de procurar “flexibilizar” as hipóteses
propositalmente restritas nas quais a lei, de maneira
expressa, permite a viagem de crianças e adolescentes ao
exterior independentemente de autorização judicial, definir
mecanismos que permitam seja esta expedida de forma
responsável, dentro de um procedimento corretamente
instaurado, instruído e julgado, no qual a autoridade
judiciária, além de não abrir mão de seu poder jurisdicional,
Material Complementar da Obra
deve exercer, de maneira efetiva, seu papel de guardiã dos
direitos de crianças e adolescentes.
E deve assim agir não na perspectiva de “burocratizar” a
expedição da autorização, mas sim de garantir um maior
controle sobre as viagens ao exterior de crianças e adolescentes
desacompanhadas de seus pais, evitando, desta forma, a
ocorrência de situações potencialmente danosas, como as
acima ventiladas, com graves e irreparáveis consequências
para aqueles que a exigência legal visa aproveitar.
Necessário, portanto, que a Resolução no 51/2008 seja objeto
de imediata revisão por parte do E. CNJ, o que não impede
que seu teor, por flagrantemente contra legem e mesmo
inconstitucional, seja desde logo desconsiderado.
E se o CNJ, no regular exercício de sua missão constitucional,
pretende uniformizar procedimentos e aprimorar a forma
como vêm sendo expedidas autorizações judiciais para
viagem de crianças e adolescentes ao exterior, que então
formule resolução específica no sentido de impedir que a
Justiça da Infância e da Juventude, como ocorre em alguns
casos, exerça um papel meramente “formal” quando do
exercício de tal ato de sua responsabilidade,21 zelando para
que os procedimentos respectivos sejam instaurados perante
o Juízo competente22 e com antecedência suficiente para
adequada instrução do feito, no qual, nunca é demais lembrar,
deve também intervir o Ministério Público.
Assim procedendo, e dando ampla publicidade a seu ato normativo,23
o CNJ estará contribuindo para aperfeiçoar os mecanismos legais
voltados à proteção integral de crianças e adolescentes, sem que
para tanto tenha de extrapolar o âmbito de sua competência
constitucional e/ou afrontar o ordenamento jurídico vigente.
Finalmente, a matéria pode chegar ao STF para análise de
constitucionalidade. Mas, enquanto não é ajuizado controle concentrado
no STF, para os que entendem constitucionais tais resoluções, os modelos
seriam os seguintes (fonte: Poder Judiciário do Maranhão):
21 Fosse esta a intenção do legislador, seguramente não teria incluído a autorização para viagem como
uma das causas de competência da Justiça da Infância e da Juventude.
22 Vale repetir: o Juízo do local do domicílio dos pais ou responsável pela criança ou adolescente, a teor
do disposto no art. 147, inciso I, da Lei no 8.069/90.
23 Em especial junto a agências de viagem, empresas aéreas e de transporte terrestre, aeroportos, consulados e embaixadas.
167
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Modelo 1 – Autorização de viagem internacional para pai, mãe, tutor
ou guardião – viajar acompanhado
AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INTERNACIONAL
Pelo presente instrumento, consubstanciado nas Resoluções nos 51/08 e 55/08,
unificadas na Resolução no 74/09, do Conselho Nacional de Justiça, eu, ___________________
_______________________________________________________________________________,
NOME COMPLETO
___________________, __________________, ________________,
NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO
residente e domiciliado(a) à ___________________________________________________________________.
ENDEREÇO COMPLETO
no município de ____________, Portador(a) do R.G.: ______________, órgão
expedidor _______/____, AUTORIZO, na condição de _______da criança/ do(a)
adolescente,____________________________________________________________________________,
NOME COMPLETO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE
nascido(a) em ___/___/___, portanto, com _______de idade, a viajar na companhia de
_____________, ______________________,__________________,_____________________
NOME NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO
residente e domiciliado(a) à __________________________________________________________
ENDEREÇO COMPLETO
portador(a) do R.G.: _______________, órgão expedidor
cidade______________,______________, partindo em ____/____/______,
CIDADE PAÍS
____/____,
para
a
e com retorno em ____/____/_______. Estando, desta forma, devidamente autorizado(a) para
o fim de cumprimento de exigência para realização de viagem de criança ou adolescente
ao exterior, conforme Resoluções nos 51/08 e 55/08, do Conselho Nacional de Justiça.
Local, __________________________ de ______________________ de ______________________.
______________________________________________________________________________________
ASSINATURA (FIRMA RECONHECIDA) – por autenticidade
R.G.:
Nota: o documento de autorização deverá conter:
(a) firma reconhecida por autenticidade;
(b) fotografia da criança ou adolescente;
(c) deve ser elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo
agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e a outra
deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro maior e
capaz que o acompanhe na viagem;
168
Material Complementar da Obra
(d) o documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser fixado
pelos genitores ou responsáveis;
(e) Ao documento de autorização a ser retido pela Polícia Federal deverá ser
anexada cópia de documento de identificação da criança ou do adolescente, ou
do termo de guarda, ou de tutela.
Modelo 2 – Autorização de viagem internacional para pai, mãe, tutor
ou guardião – viajar desacompanhados
AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INTERNACIONAL
Pelo presente instrumento, consubstanciado nas Resoluções nos 51/08 e 55/08, unificadas
na Resolução no 74/09, do Conselho Nacional de Justiça, _______________________________________
_____________________________________________________________________
NOME COMPLETO DO PAI
_____________________, __________________, ___________________
NACIONALIDADE ESTADO CIVIL
PROFISSÃO
Portador do R.G.: _____________, órgão expedidor _______/_____, e______________________, __________
________________,_____________________ ___________, ________________________________
NOME COMPLETO DA MÃE NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO
Portadora do R.G.: _____________________, órgão expedidor ___________/______,
residente(s) e domiciliado(s) à________________________________________________________
ENDEREÇO COMPLETO
no município de _______________, AUTORIZAM, na condição de genitores da criança/ do(a)
adolescente,___________________________________________________________,
NOME COMPLETO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE
nascido(a) em ___/___/___, portanto, com ____________de idade, que esta (e) viaje
DESACOMPANHADO(A), para a cidade de __________________________________________
CIDADE
_________________, partindo em ____/_____/_____, e com retorno em _____/_____/______.
PAÍS
Estando, desta forma, devidamente autorizado(a) para o fim de cumprimento de
exigência para realização de viagem de criança ou adolescente ao exterior, conforme
Resoluções nos 51/08 e 55/08, do Conselho Nacional de Justiça.
Local, _____ de ______________ de _______.
_______________________________________________
ASSINATURA DO PAI (FIRMA RECONHECIDA) – por autenticidade
R.G.:
_______________________________________________
ASSINATURA DA MÃE (FIRMA RECONHECIDA) – por autenticidade
R.G.:
169
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Nota: o documento de autorização deverá conter:
(a) firma reconhecida por autenticidade;
(b) fotografia da criança ou adolescente;
(c) deve ser elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo
agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e a outra
deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro maior e
capaz que o acompanhe na viagem.
(d) o documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser fixado
pelos genitores ou responsáveis.
(e) Ao documento de autorização, a ser retido pela Polícia Federal, deverá ser
anexada cópia de documento de identificação da criança ou do adolescente, ou
do termo de guarda, ou de tutela
Modelo 3 – Viagem Internacional – Ambos os pais autorizando criança
ou adolescente a viajar desacompanhado
AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INTERNACIONAL
Pelo presente instrumento, consubstanciado nas Resoluções nos 51/08 e 55/08,
unificadas na Resolução no 74/09, do Conselho Nacional de Justiça, eu, __________________
_______________________________________________________________________________
NOME COMPLETO
_______________________, _________________________, ___________________________
NACIONALIDADE ESTADO CIVIL
PROFISSÃO
residente e domiciliado(a) à ________________________________________________________,
ENDEREÇO COMPLETO
no município de _________, Portador(a) do R.G.: _______________,
órgão expedidor ____/____, AUTORIZO, na condição de _________
da criança/ do(a) adolescente, _______________________________,
NOME COMPLETO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE
nascido(a) em ____/_____/____, portanto, com ________________
de idade, a viajar DESACOMPANHADO(A), para a cidade de
______________, ____________, partindo em ____/____/____,
CIDADE PAÍS
e com retorno em ____/____/_______. Estando, desta forma, devidamente autorizado(a)
para o fim de cumprimento de exigência para realização de viagem de criança ou
adolescente ao exterior, conforme Resoluções nos 51/08 e 55/08, do Conselho Nacional
de Justiça.
Local, _____ de ______________ de _______.
___________________________________________
ASSINATURA (FIRMA RECONHECIDA) – por autenticidade
R.G.:
170
Material Complementar da Obra
Nota: o documento de autorização deverá conter:
(a) firma reconhecida por autenticidade;
(b) fotografia da criança ou adolescente;
(c) deve ser elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida pelo
agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e a outra
deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro maior e
capaz que o acompanhe na viagem.
(d) o documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser fixado
pelos genitores ou responsáveis.
(e) Ao documento de autorização, a ser retido pela Polícia Federal, deverá ser
anexada cópia de documento de identificação da criança ou do adolescente, ou
do termo de guarda, ou de tutela.
171
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Modelo 4 – Viagem Internacional – Ambos os pais autorizando criança
ou adolescente a viajar acompanhado
AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM INTERNACIONAL
Pelo presente instrumento, consubstanciado nas Resoluções no 51/08 e 55/08, unificadas na
Resolução no 74/09, do Conselho Nacional de Justiça, __________________________________________
___________________________________________________________________
NOME COMPLETO DO PAI
________________________, ____________________, _____________________
NACIONALIDADE
ESTADO CIVIL
PROFISSÃO
Portador do R.G.: ____________________, órgão expedidor ______/____
e _____________________, ______________________, ____________________, _______________________
NOME COMPLETO DA MÃE
NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO
Portadora do R.G.: _________________, órgão expedidor _____/____, residente(s) e domiciliado(s)
à ________________ no município de_______,
ENDEREÇO COMPLETO
AUTORIZAM, na condição de genitores da criança ou do(a) adolescente
_______________________________, nascido(a) em ____/____/____
NOME COMPLETO DA CRIANÇA OU ADOLESCENTE
portanto, com _________________________ de idade, a viajar na companhia de
_____________________,____________, ___________, _____________
NOME COMPLETO NACIONALIDADE ESTADO CIVIL PROFISSÃO
residente e domiciliado(a) à __________________________________________________________
ENDEREÇO COMPLETO
portador(a) do R.G.: ____________, órgão expedidor ____/____, para
a cidade ________________, __________, partindo em____/____/____,
CIDADE
PAÍS
e com retorno em ___/___/___ Estando, desta forma, devidamente autorizado(a) para o fim
de cumprimento de exigência para realização de viagem de criança ou adolescente ao
exterior, conforme Resoluções nos 51/08 e 55/08, do Conselho Nacional de Justiça.
Local, _____ de ______________ de _______.
____________________________________________________________
ASSINATURA DO PAI (FIRMA RECONHECIDA)
R.G.:
____________________________________________________________
ASSINATURA DA MÃE (FIRMA RECONHECIDA – por autenticidade)
R.G.:
Nota: o documento de autorização deverá conter:
(a) firma reconhecida por autenticidade;
(b) fotografia da criança ou adolescente;
172
Material Complementar da Obra
(c) deve ser elaborado em duas vias, sendo que uma deverá ser retida
pelo agente de fiscalização da Polícia Federal no momento do embarque, e
a outra deverá permanecer com a criança ou adolescente, ou com o terceiro
maior e capaz que o acompanhe na viagem.
(d) o documento de autorização deverá conter prazo de validade, a ser
fixado pelos genitores ou responsáveis.
(e) Ao documento de autorização, a ser retido pela Polícia Federal,
deverá ser anexada cópia de documento de identificação da criança ou do
adolescente, ou do termo de guarda, ou de tutela.
173
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 9 – Medidas Específicas de Proteção (MEP –
Arts. 98 a 102) e Medidas Socioeducativas (MSE) & Atos Infracionais
e Desvios de Conduta
2.2.
DESVIO DE CONDUTA
Sobre o tema, noticia o Jornal de Maringá/PR:
Blitz em escola foi bem-sucedida, diz PM.
Polícia Militar faz balanço positivo de operação em colégio de
Sarandi e será estendida para outros estabelecimentos de ensino
A operação realizada anteontem à noite no Colégio Estadual Olavo
Bilac, em Sarandi, pela Polícia Militar e Conselho Tutelar, com
autorização do Ministério Público e pais dos estudantes, resultou
na apreensão de estiletes, facas e correntes (a polícia não forneceu
número de armas apreendidas).
174
Um estudante foi surpreendido com um cigarro de maconha e, nas
imediações do colégio, uma pessoa foi detida portando uma pedra
de crack. A operação foi supervisionada pelo capitão Vanderley
Rothemburg, comandante estadual da Patrulha Escolar.
Segundo o sargento Argemiro Mendes Ferreira Júnior, auxiliar de
Relações Públicas do 4o Batalhão da Polícia Militar de Maringá,
a operação foi bem-sucedida e será estendida para outros
estabelecimentos de ensino de Sarandi. “Tivemos apoio dos pais de
alunos, da comunidade e, especialmente, de vizinhos do colégio”,
explicou.
Ele disse que o mesmo trabalho pode ser realizado em escolas de
Maringá, onde está sendo feito contato com alguns diretores para
discutir a realização da blitz. “Estamos conversando e, possivelmente,
nos próximos dias repetiremos essa operação por aqui”, disse.
Em Sarandi, a operação no Colégio Olavo Bilac contou com 24
policiais que averiguaram 13 salas de aula e cerca de 500 alunos do
ensino médio. “O importante é que a blitz mostrou eficácia e foi bem
vista por todos segmentos envolvidos, o que nos anima a realizar
outros procedimentos semelhantes”, concluiu o sargento Júnior.
Violência mobilizou os estudantes em Sarandi
Em Sarandi, a reação das escolas para coibir a violência começou
no Colégio Estadual do Jardim Independência, onde alunos
Material Complementar da Obra
reagiram escrevendo cartas ao Secretário de Segurança do Estado,
Luiz Fernando Delazarri, pedindo uma patrulha escolar para o
estabelecimento.
O diretor do colégio, professor Adauto Silva, reuniu-se com pais de
estudantes e mostrou um facão e pedaços de tijolos e pedras atirados
contra o estabelecimento. O Diário noticiou o fato que causou grande
repercussão em Sarandi.
A reivindicação dos estudantes foi atendida; hoje, a cidade conta
com uma Patrulha Escolar. A violência, segundo o diretor Adauto,
diminuiu. “Toda vez que for necessário vamos protestar e reivindicar
nossos direitos. Não podemos ficar à mercê de um pequeno grupo de
pessoas que quer desestabilizar a escola”, disse ele, na época.
(Fonte: http://www.odiariomaringa.com.br/noticia.php?not=558322)
175
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 9 – Medidas Específicas de Proteção
(MEP – arts. 98 a 102) e Medidas socioeducativas (MSE) &
Atos infracionais e desvios de conduta
5. FLAGRANTE DE ATO INFRACIONAL
Nas hipóteses de flagrante em que não há violência ou grave ameaça,
a lavratura do auto poderá ser substituída por boletim de ocorrência
circunstanciada (BOC), ou seja, não caberá a manutenção da apreensão pela
Autoridade Policial, que deve lavrar um BOC ou Termo Circunstanciado e
encaminhá-lo diretamente para o Ministério Público.
Sobre o BOC, uma questão inédita de formalização deste aconteceu em
Minas Gerais:
Minas Gerais ganhou mais dois reforços na proteção aos
direitos da criança e do adolescente com o lançamento do
programa de Renúncia Fiscal 2006 pelo Ministério Público
estadual e pela Associação Mineira do Ministério Público
(AMMP) e do Boletim de Ocorrência Circunstanciada (BOC)
pela Polícia Civil. A solenidade de lançamento aconteceu
dia 20 de outubro, no Auditório da Polícia Civil, em Belo
Horizonte e também marcou a comemoração dos 15 anos do
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Estado.
O programa de renúncia fiscal, que está em seu terceiro
ano, tem como objetivo destinar parte do Imposto de Renda
devido por pessoas físicas e jurídicas para o Fundo da
Infância e Juventude. A renúncia fiscal faz parte do programa
“Ministério Público Solidário com a Infância e Juventude”
e conta com a participação dos funcionários da Instituição
e o apoio da Procuradoria-Geral de Justiça, do MPCred
(cooperativa institucional), e da Associação Mineira do
Ministério Público (AMMP).
Segundo o promotor de Justiça, Celso Penna, o programa
apresenta a facilidade para a doação a partir do momento que
os integrantes do MP recebem em casa o folder para adesão.
O valor arrecadado pelo programa irá financiar atividades que
visem reduzir o número de crianças em situações de risco,
a exploração infantil, e todas as situações que representem
problemas à criança e ao adolescente. Para continuar
participando do projeto o contribuinte terá de renovar sua
opção anualmente.
176
Material Complementar da Obra
BOC
O Boletim de Ocorrência Circunstanciada foi desenvolvido
pela Polícia Civil, por meio do delegado geral da Polícia
Civil, Francisco Rabelo (então corregedor da Polícia), por
solicitação da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude
de Belo Horizonte, para padronização das ocorrências que
envolvam adolescentes em conflito com a lei.
O procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas
Soares Júnior, afirmou que a iniciativa, pioneira no país, irá
facilitar a identificação do adolescente e proporcionar a ele
um tratamento digno. “A iniciativa além de inédita no país, é
inovadora porque agiliza o procedimento e gera solução para
o problema do adolescente em conflito com a lei que hoje é o
caos social”, afirmou.
Os principais objetivos do BOC são padronizar o registro dos
atos infracionais, com o uso de um formulário único pelas
polícias, agilizar a apuração das ocorrências e proporcionar
um tratamento mais digno para as pessoas envolvidas, seja
por parte da vítima quanto do adolescente e seus familiares.
O BOC irá ainda fornecer informações sobre a vida social,
escolar e familiar do adolescente.
O Boletim aponta como grande inovação a possibilidade de se
apurar o problema de forma mais rápida, sem a necessidade
de se ficar na delegacia o dia todo. Por meio dele, todas as
informações relativas à infração serão colhidas na hora, as
testemunhas já prestarão o depoimento e o adolescente
infrator poderá ser liberado aos familiares mediante um
termo de entrega sob guarda e responsabilidade, no qual
o responsável se compromete a apresentar o adolescente
perante as autoridades sempre que for solicitado. Também
serão implantados outros instrumentos de auxílio às
investigações como os formulários de Auto de Infração em
Flagrante de Ato Infracional com Auto de Prisão em Flagrante
Delito e o de Notícia-Crime.
O chefe da Polícia Civil, Otto Teixeira Filho, disse que “além
da agilidade e da precisão, o BOC vai possibilitar que a
Polícia Civil, o Ministério Público e o Judiciário tenham o
conhecimento do que vem ocorrendo na área da infância e
adolescência”. E acrescentou “o Ministério Público sempre
foi parceiro da Polícia Civil não só na área da infância e
adolescência como também nas demais ações da polícia
judiciária”.
177
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Durante a solenidade de lançamento o delegado da Divisão de
Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (DOPCAD),
fez um discurso emocionado e declarou que vê glorificar uma
ansiedade de tanto tempo. “É difícil o primeiro atendimento
ao adolescente na delegacia, que muitas vezes chega drogado.
Eles estão nos devolvendo tudo que receberam”, finalizou.
Antes de ser criado, o boletim foi amplamente discutido com
os demais parceiros da Rede de Medidas Socioeducativas,
que funciona junto à Promotoria de Justiça da Infância e
Juventude em Belo Horizonte e envolve instituições públicas
e privadas de defesa da criança e do adolescente.
O dispositivo está previsto no art. 173 do ECA e ainda não foi
desenvolvido em nenhum estado brasileiro, sendo portanto
uma iniciativa inédita no país.
Estiveram presentes no lançamento o corregedor-geral
do Ministério Público estadual, Antônio de Padova Marchi
Júnior; o presidente da AMMP, José Silvério Perdigão
de Oliveira, o delegado-geral da Polícia Civil, Francisco
Eustáquio Rabelo; o Chefe Adjunto de Polícia Civil, Jairo Lellis
Filho, o desembargador Joaquim Alves de Andrade, a juíza de
Direito da Vara Infracional da Infância e Juventude, Valéria da
Silva Rodrigues, o subdefensor público-geral, Ricardo Sales
Cordeiro; o secretário de Direitos Humanos e presidente do
Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente,
João Batista de Oliveira; corregedor-geral de Polícia, Nelson
Henrique Queiroz Garofo, o presidente da Sindpol, Antônio
Marcos Pereira e o tenente coronel da Polícia Militar, Wilson
Chagas Cardosos, entre outras autoridades.
(Disponível em: MPMG – www.mp.mg.gov.br.)
Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e
Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis
1.6.1. Direitos do adolescente internado
O adolescente (jovens de 14 a 21 anos) internado tem direito a receber
visitas, ao menos semanalmente. Quanto à visita íntima visando a relações
sexuais com suas companheiras nas instituições para menores infratores
do Estado, interessante é esta matéria publicada na Revista Época.
178
Material Complementar da Obra
POLÊMICA: VISITA ÍNTIMA
Fonte: Luludi/ÉPOCA
Decisão inédita (agosto de 2004) do juiz Guaraci de Campos
Vianna, titular da 2a Vara da Infância e da Juventude do Rio,
permitiu que jovens de 14 a 21 anos tenham relações sexuais
com suas companheiras nas instituições para menores
infratores do Estado.
O juiz encaminhou intimação, determinando prazo de 30
dias para que o governo adapte suas instalações, tornando-as
aptas a oferecer visitas íntimas. Na data da permissão, havia
950 internos nas cinco instituições para menores infratores
do Rio, mas nem todos terão direito ao benefício.
O diretor do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do
Estado (Degase), Sérgio Novo, informou ontem que o governo
“está se preparando“ para cumprir a medida dentro do prazo
estipulado pela Justiça. De acordo com o juiz, terão direito à
visita íntima os jovens que comprovarem “vida sexual ativa
e relação familiar“. Segundo ele, cerca de 30% dos internos
têm filhos.
“Estamos reconhecendo uma realidade que já existe. É uma
medida para manter a estabilidade familiar, importante para
os filhos”, declarou o juiz. “Não é apenas arrumar espaço para
o jovem ter relações (sexuais). Haverá cursos com duração
de dois meses de orientação sexual, com informações sobre
métodos contraceptivos.”
O juizado editou em 2003 a portaria 801, determinando a
realização de visitas íntimas, mas até hoje o governo ainda
não criou uma estrutura nas instituições que possibilite a
adoção das medidas.
Vianna explicou que a portaria foi motivada por uma
visita feita por técnicos do Ministério da Saúde, em 1998,
recomendando a distribuição de preservativos nas unidades.
O juiz estipulou prazo de 30 dias para que pelo menos uma
unidade ofereça as visitas e os cursos; de 60 dias para que
o mesmo ocorra em duas unidades, e de 90 dias para que o
sistema esteja funcionando em todo o Estado.
A supervisora do Serviço de Psicologia Aplicada da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Lulli Milman,
elogiou a medida. “Acho que a decisão é absolutamente justa.
179
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Os jovens que estão enclausurados e têm vida sexual ativa
devem ser beneficiados.”
Ele disse, porém, que acredita ser difícil um jovem de 14 anos
estabelecer uma relação estável, “por mais precoce que seja”.
O juiz afirmou que as situações de infratores de 14 e 15 anos
serão estudadas “caso a caso“. Segundo ele, a maioria dos
que devem ser atendidos têm mais de 16 anos. “Certamente
é uma demanda. Decisão judicial a gente cumpre. Vou acatar
o que o juiz disse, é isso que me cabe, eu respeito”, disse o
diretor do Degase.
Assim, a Justiça do Rio de Janeiro está mexendo com um
dos maiores tabus que envolvem adolescentes infratores:
a liberdade sexual. O Departamento Geral de Ações
Socioeducativas (Degase), a FEBEMfluminense, liberou
visitas íntimas a adolescentes maiores de 14 anos, que
tenham boa conduta e vínculo afetivo comprovado. Mesmo
privados de liberdade, eles poderão fazer sexo com esposa ou
namorada, com dia e hora marcados. Para as meninas, vale o
mesmo.
A medida cumpre uma portaria de 2001 da 2a Vara da Infância
do Rio de Janeiro. ‘Não podíamos realizar a visita íntima
antes, já que não tínhamos um espaço adequado’, explica
Jacques Cavalcanti, presidente da instituição. Mas o impasse
não está só na arquitetura. Se o assunto já é polêmico quando
se trata de adultos que estão dentro do sistema penitenciário,
com jovens ele é ainda mais espinhoso.
Vista como um passo importante no caminho da
ressocialização de adolescentes que possuíam vínculos
afetivos estáveis antes da internação, a visita íntima nas
unidades do Rio colocou o debate na pauta de entidades
de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. O juiz da
infância Guaraci de Campos Vianna, responsável pela decisão,
afirma que a portaria foi feita com base em discussões com
agentes de saúde.
180
Os profissionais achavam insuficiente a simples distribuição
de
preservativos
enquanto
doenças
sexualmente
transmissíveis proliferavam entre os internos. A Secretaria
Especial de Direitos Humanos, órgão do governo federal,
é favorável à visita íntima. “Desenvolver a sexualidade de
forma saudável e responsável é um direito desses jovens e
queremos assegurar que eles o façam da forma mais segura
Material Complementar da Obra
possível”, diz Denise Paiva, diretora do Departamento da
Criança e do Adolescente da SEDH.
O problema é que a visita cria uma demanda difícil para os
departamentos que lidam com os jovens em conflito com a
lei. “Como nós, Estado, vamos propiciar isso? Como fica a
organização dessas visitas em unidades superlotadas e com
estrutura precária?”, questiona Jane Aline Kuhn, presidente
de um fórum que reúne diretores de “FEBEM”.
Polêmicas à parte, estudos mostram que o sexo já faz parte da
vida desses adolescentes – dentro ou fora das instituições. Um
levantamento realizado em três unidades da FEBEM de São
Paulo, com jovens entre 13 e 19 anos, mostrou que 98% deles
tinham vida sexual ativa e 23% dos garotos já eram pais antes
da internação. Mas a estatística que assusta é a que denuncia
a prática sexual, na maioria das vezes pouco segura, dentro
das instituições. Uma pesquisa do UNICEF realizada com 228
adolescentes de seis Estados revelou que 13% dos meninos
já haviam tido experiências sexuais durante a internação. A
disseminação de doenças e o sexo escondido nos dias de visita
fizeram com que algumas instituições iniciassem a distribuição
de preservativos. “Todo o mundo sabe que o sexo acontece nas
unidades, seja pela subjugação de um adolescente por outro,
seja na moita, nos dias de visita. As instituições não podem
mais fechar os olhos para isso”, diz Conceição Paganele, da
Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em
Risco (AMAR). Mas na FEBEM de São Paulo, que abriga metade
dos internos do país, a questão nem sequer está em pauta. “Ela
é inviável, pois temos mais de 6 mil internos”, afirma Marcos
Antônio Monteiro, presidente da entidade.
Ninguém tem ilusões de que o direito à visita íntima vai inibir
abusos sexuais dentro das instituições. “Se a liberação da
visita íntima ocorrer por causa desses casos, a instituição só
estará legitimando o caos”, diz Mario Volpi, oficial de projetos
do UNICEF. “Por isso insistimos na existência de um projeto
pedagógico que abarque todas as questões, inclusive a da
sexualidade, independentemente da visita íntima”, diz.
O Estado do Rio Grande do Norte é pioneiro no país na liberação
das visitas íntimas a adolescentes infratores e já obteve bons
resultados com a medida. Desde a implementação, há um ano
e meio, não há queima de colchões nem rebeliões. Os índices
de reincidência baixaram de 60% para 18%. Dos 69 jovens
que cumprem medida em regime fechado na maior unidade
181
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
da instituição, apenas seis têm direito ao benefício. Mas ao
ver os internos como sujeitos de direitos, e não como simples
detentos, a FUNDAC aumenta as chances de ressocialização
desses meninos. Os encontros dos internos com suas
parceiras ocorrem uma vez por semana no “Chalé do Amor”.
O espaço resume-se a um quarto, com uma cama de casal,
banheiro e ventilador. “Não há luxo, mas é um espaço em
que eles podem se encontrar com dignidade e desenvolver o
carinho”, diz Graça Motta, presidente da instituição.
Todos os jovens, inclusive as parceiras, recebem orientação
sexual, adquirem informações sobre planejamento familiar
e passam por exames médicos rotineiramente. “O que
está se pedindo não é uma autorização para o jovem sair
transando com todo o mundo dentro das unidades”, ressalva
Graça. “Tanto que só têm direito ao benefício aqueles que
comprovarem relação estável com a parceira. E os pais da
menina precisam autorizar o encontro”. Já para as meninas
a visita íntima não foi implantada porque todas cumprem
medida socioeducativa em meio aberto.
SEXUALIDADE EM JOGO
Uma pesquisa feita na FEBEM paulista revela a sexualidade precoce dos meninos de
13 a 19 anos
98%
38%
5%
23%
80%
– já haviam iniciado a vida sexual
– tiveram sintomas de doenças sexualmente transmissíveis
– já foram forçados a fazer sexo dentro da instituição
– eram pais
– gostariam de se submeter ao teste de HIV
Fonte: Grupo Fique Vivo, da FEBEM-SP
A visita íntima teve origem num estudo profundo, feito pela Escola da
Magistratura do Rio de Janeiro, em 1998:
EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do RJ
FÓRUM DE EXECUÇÃO PENAL – RELATÓRIO/1998
Três reuniões preparatórias antes da instalação do Fórum.
04/05/98 – Instalação do Fórum Permanente de Execução
Penal, com a presença do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
do Superior Tribunal de Justiça.
182
Material Complementar da Obra
16a Reunião – 12/11/98 – Presença do Dr. Edison Biondi,
superintendente de saúde, que avaliou a questão da visita
íntima para adolescentes, visita íntima para os doentes
psiquiátricos, inclusive visita íntima entre companheiros do
mesmo sexo.
OBS: Foram visitadas várias unidades penitenciárias, tais
como Bangu 1, Bangu 2, Bangu 3, Hospital de Custódia e
Tratamento Heitor Carrilho, Presídio Evaristo de Moraes,
entre outras.
• VISITA ÍNTIMA PARA ADOLESCENTES
• CONTEÚDO
• INTRODUÇÃO
• MARCOS
• JUSTIFICATIVA
• OBJETIVO GERAL
• OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• FLUXO
• IMPLANTAÇÃO
• RECURSOS HUMANOS
• ORÇAMENTO
• CRONOGRAMA
• TEXTO BASE PARA A ELABORAÇÃO DA PORTARIA DE
VISITA ÍNTIMA
I – INTRODUÇÃO
A sexualidade é um forte motor da vida social e afetiva
dos seres humanos e, hoje, já não podemos negar a sua
importância quando se trata de desenvolver ações que visem
transformações das relações sociais em quaisquer de seus
aspectos, sejam eles educativos, relacionados à saúde ou
mesmo ao bem-estar nas relações de trabalho.
Essa afirmação se torna ainda mais relevante quando nossas
atenções se dirigem a adolescentes, posto que é nessa época que
se intensificam os conflitos de crescimento com a entrada no
“mundo adulto”, mundo este que muitas vezes apresenta uma
face de exclusão, abandono e violência. A sexualidade se reveste
então em ponto de afirmação e possibilidade de encontro.
II – MARCOS
183
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A proposta da implantação da Visita Íntima para Adolescentes
está calcada em dados obtidos em recente estudo realizado
nas Unidades do DEGASE, quando se verificou:
• o adolescente não projeta o desejo de ser feliz na
realização financeira ou profissional mas concentra na
família e na relação amorosa a busca da felicidade;
• 90% dos adolescentes mantinham vida sexual ativa,
embora não demonstrassem ainda maturidade para lidar
com as consequências deste ato;
• a maioria não utiliza métodos contraceptivos e tampouco
apresenta comportamento de prevenção no que concerne às
doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) ou à síndrome da
imunodeficiência adquirida (AIDS).
III – JUSTIFICATIVA
Dentre os adolescentes atendidos, existem aqueles que
cumprem medida socioeducativa de internação e atentandose para relatos e observações que referem práticas sexuais
entre adolescentes de mesmo sexo, circunstanciais, devido
a quebra de seus laços afetivos de referência, e em resposta
à intensificação normal da sexualidade na puberdade,
evidencia-se a necessidade de se desenvolver ações que lhes
possibilitem integrar os aspectos afetivo e sexual, exercendoos com liberdade e responsabilidade em relação a si mesmo
e ao outro.
A implantação da Visita Íntima – permissão para a
prática de relacionamento sexual com a companheira ou
companheiro com que tenham um relacionamento afetivo
– nas Unidades onde se encontram jovens com medidas de
ações socioeducativas, em muito poderá contribuir para
fazer prosperar um vínculo estável no qual o compromisso
possa ser um esteio para o crescimento em direção a uma
vida sexual mais adulta e responsável.
A visita íntima com a companheira ou companheiro deverá ser
entendida como parte de um processo educativo mais amplo,
que possa, até mesmo, funcionar como uma conquista, tendo
em vista seu investimento no próprio processo educativo.
Reconhecimento da realidade de que esses jovens já mantêm vida
sexualmente ativa e que muitos deles têm o seu núcleo familiar
constituído, com companheiras, ou companheiros e filhos.
184
A preservação e o estreitamento dos vínculos afetivos e sociais
são extremamente importantes no processo de reeducação.
Material Complementar da Obra
IV – OBJETIVO GERAL
Implantar um Programa de Visita Íntima, como parte do
Projeto PRESERVIDA – lutando pela sobrevivência, visando
o fortalecimento dos vínculos afetivos dos adolescentes,
através da manutenção da unidade familiar, dentro de um
trabalho de educação e saúde, de maneira que a Visita Íntima
possa se tornar um meio de prevenção das DST/AIDS.
V – OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1 – Elaborar o Programa de Visita Íntima a ser implantado
nas Unidades Degase.
2 – Implementar o Projeto PRESERVIDA nos locais onde já se
encontre em desenvolvimento.
3 – Implantar o Projeto PRESERVIDA nos locais onde ainda
não houver.
4 – Adequar o ambiente para o encontro dos jovens, atendendo
às normas de higiene, segurança,...
5 – Divulgar o Programa de Visita Íntima entre a populaçãoalvo/familiares e funcionários.
6 – Produzir formulários e outros materiais que se façam
necessários.
7 – Treinar os profissionais envolvidos no processo
administrativo e na prevenção das DST/AIDS.
8 – Implantar um Programa de Prevenção para as/os
parceiras/os.
9 – Avaliar o processo periodicamente.
10 – Regulamentar a Visita Íntima através de Portaria.
VI – FLUXO
1 – Adolescente solicita a concessão de Visita Íntima, através
de formulário específico, à Direção;
2 – Equipe técnica responsável pelo Programa Visita Íntima:
• abre o processo de Visita Íntima;
• avalia a solicitação, verificando se o adolescente satisfaz
os critérios estabelecidos em Portaria;
• solicita à(o) companheira(o) a documentação exigida;
• encaminha adolescente ao Serviço Médico para avaliação;
• inscreve o adolescente e companheira/companheiro em
programa de informação e orientação, parte integrante do
projeto PRESERVIDA – Lutando pela sobrevivência, desenvolvido
na Unidade, que aborda temas de importância como
185
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Thales Tácito Cerqueira
corpo, higiene, DSTs, Aids, planejamento familiar, métodos
contraceptivos, gravidez na adolescência etc. Nesse encontro
são emitidos certificado de participação, para cada um;
• anexa certificados ao processo de Visita Íntima;
• verifica o preenchimento de todas as exigências;
• encaminha o processo à Direção, com o resultado
liberado/não satisfaz ou exigência.
3 – Em caso de liberação, a Direção encaminha o processo ao
Juiz Titular da Comarca de abrangência, para aprovação.
4 – Acompanhamento do interno pela equipe técnica.
5 – Avaliação periódica / Discussão de casos.
6 – Elaboração periódica de relatórios.
7 – Encaminhamento
competentes.
VII – IMPLANTAÇÃO
dos
relatórios
às
autoridades
• Para melhor operacionalização, a implantação deste
Projeto deverá ser gradual.
• Deverá ser escolhida uma Unidade para o trabalho piloto.
• Após avaliação e correção de possíveis dificuldades, será
dada continuidade com a implantação nas demais Unidades.
VIII – RECURSOS HUMANOS
• Os trabalhos deverão ser desenvolvidos pelos técnicos
lotados nas Unidades.
• Deve-se levar em consideração o término de contrato de
funcionários e a entrada de concursados que desconhecem o
trabalho das Unidades.
IX – ORÇAMENTO
O presente trabalho não foi orçado uma vez que, no momento,
são desconhecidos valores, como:
• as necessidades relativas ao desenvolvimento do projeto
PRESERVIDA em cada unidade
• custos relativos a obras e adaptações da planta física
• custos relativos a aquisição de material permanente
(camas, colchões...)
• custos relativos a aquisição de material de consumo
(roupas...)
• produção de material
• produção de formulários
• verba disponível
186
• etc.
Material Complementar da Obra
 TEXTO BASE PARA A ELABORAÇÃO DA PORTARIA DE VISITA ÍNTIMA
CONSIDERAÇÕES:
• Considerando que é dever das entidades que desenvolvem
programas de internação, segundo o Estatuto da Criança e do
Adolescente (art. 94, incisos IV e V), “preservar a identidade
e oferecer ambiente de respeito e dignidade ao adolescente”,
bem como “diligenciar no sentido do estabelecimento e da
preservação dos vínculos familiares”;
• Considerando que a Visita Íntima, como um instrumento
de preservação e estreitamento dos laços afetivos e sociais,
é extremamente importante no processo socioeducativo
do adolescente infrator em cumprimento de medida de
internação;
• Considerando a realidade social atual no que tange à
vida sexual e às questões relativas às doenças sexualmente
transmissíveis e à Síndrome da Imunodeficiência
Adquirida (HIV/AIDS), bem como a condição de pessoa em
desenvolvimento do adolescente em cumprimento de medida
de internação;
• Considerando que a Visita Íntima deve ser uma conquista
adquirida pelos adolescentes em conflito com a lei em
cumprimento de medida de internação, desde que avaliada
como necessária para a condução dos objetivos da medida
socioeducativa e preenchidos os requisitos necessários;
• Considerando a conveniência de uniformizar as regras
referentes à concessão da Visita Íntima, conferindo o
necessário rigor à homologação, manutenção e suspensão da
Visita Íntima;
Resolve instituir a concessão da Visita Íntima para os
adolescentes em conflito com a lei, nas Unidades de
internação do DEGASE.
TÍTULO I
DA CONCESSÃO
Art. 1o A Visita Íntima é uma concessão que será permitida
ao (a) adolescente em conflito com a lei, com seu cônjuge ou
companheira(o);
Art. 2o Esta concessão será deferida pelo Juiz Titular da
respectiva Comarca, mediante os critérios estabelecidos
por esta Portaria e verificados pela equipe técnica de cada
Unidade
187
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Art. 3o Para a concessão da Visita Íntima, o adolescente deverá
requerer o benefício, atendendo aos seguintes requisitos:
I – idade igual ou superior a 16 anos completos e comprovar a
existência de convivência com o cônjuge ou companheira(o);
II – estar há pelo menos 6 (seis) meses na Unidade;
III – participação nas atividades socioeducativas, revelando
bom comportamento;
IV – autorização escrita dos pais ou responsáveis, se menor
de 18 anos;
V – atestado de sanidade física e mental;
VI – participação em programa de informação e orientação
quanto à sexualidade, família, métodos contraceptivos,
gravidez da adolescência e prevenção às doenças sexualmente
transmissíveis e HIV/AIDS.
Art 4o Para a concessão da Visita Íntima, a(o) visitante cônjuge
ou companheira(o) deverá atender os seguintes requisitos:
I – autorização escrita dos pais ou responsáveis, se menor de
18 anos;
II – atestado de sanidade física e mental;
III – participação em programa de informação e orientação
quanto à sexualidade, família, métodos contraceptivos,
gravidez da adolescência e prevenção às doenças sexualmente
transmissíveis e HIV/AIDS;
IV – a(o) companheira(o) deverá, obrigatoriamente,
credenciar-se para a concessão de Visita Íntima, através de
requerimento ao Diretor da Unidade onde se encontra o
adolescente, instruído com:
a) cópia da carteira de identidade ou da carteira profissional
b) duas (2) fotos 3 X 4
c) cópia da certidão de casamento ou declaração de que
a requerente mantinha união estável com o adolescente,
antes de sua internação no DEGASE, assinado por três (3)
testemunhas, através de solicitação do reconhecimento
encaminhado ao Juiz, através da Defensoria Pública;
d) certidão de nascimento de filho(s) havido(s) da vida em
comum.
Art. 5o A Visita Íntima poderá ser cancelada ou suspensa
pelo Juiz Titular quando houver transgressões disciplinares
188
Material Complementar da Obra
causadas tanto pelo(a) próprio(a) adolescente quanto por
sua(seu) companheira(o).
I – o descredenciamento da Visita Íntima também poderá ser
feito a partir de solicitação de um dos internos envolvidos
II – nova solicitação ou reconsideração da Visita Íntima só
poderá ocorrer após quatro (4) meses do descredenciamento.
TÍTULO II
DA
VISITA
ÍNTIMA
ENTRE
ADOLESCENTES
CUMPRIMENTO DE MEDIDA DE INTERNAÇÃO
EM
Art. 6o A Visita Íntima deverá obedecer os critérios
estabelecidos no Título I.
Art. 7o O deferimento da solicitação deverá ser dado pelos
diretores dos diferentes estabelecimentos de internação,
ouvidas as respectivas equipes técnicas e posterior envio ao
Juiz Titular da Comarca.
Art. 8o Nestes casos, os diretores dos estabelecimentos
envolvidos decidirão o local onde se dará a Visita. A Visita
Íntima deverá obedecer os critérios estabelecidos no Título I.
TÍTULO III
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 9o Os casos omissos serão resolvidos pelo Juiz Titular
competente.
Art. 10. Esta Portaria entrará em vigor na data de sua
publicação.
189
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e
Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis
4. QUESTÕES POLÊMICAS
É possível a prescrição no ECA, ou seja, sobre medidas socioeducativas?
Para a primeira corrente o entendimento é de que não, pois no ECA não
existe pena, e sim MSE, leia-se, não existe direito punitivo.
Já para a outra corrente, com a qual concordo: sim, em face do princípio
constitucional da estabilidade jurídica. Até a internação, como medida
mais grave, tem um limite máximo, qual seja, 21 anos de idade ou 3 anos,
o que chegar primeiro, o que reforça a necessidade de haver prescrição de
atos infracionais. É o que decidiu o STJ:
As medidas socioeducativas perdem a razão de ser com o
decurso de tempo. Consequentemente, a fortiori, tratando-se
de menor (à época do ato infracional), é de ser aplicado o
instituto da prescrição (STJ, REsp 263.924, 5a T., rel. Ministro
Felix Fischer, j. em 13/03/02, DJ de 08/04/02).
Trazemos, aqui, outras decisões no mesmo sentido do reconhecimento
da prescrição dos atos infracionais:
As medidas socioeducativas perdem a razão de ser com o
decurso de tempo. Consequentemente, a fortiori, tratando-se
de menor (à época do ato infracional), é de ser aplicado o
instituto da prescrição (STJ, REsp. 263.924, 5a T., rel. Ministro
Felix Fischer, j. em 13/03/02, DJ de 08/04/02).
As medidas socioeducativas, induvidosamente protetivas,
são também de natureza retributivo-repressiva, como na boa
doutrina, não havendo razão para excluí-las do campo da
prescrição, até porque, em sede de reeducação, a imersão do fato
infracional no tempo reduz a um nada a tardia resposta estatal.
O instituto da prescrição responde aos anseios da segurança,
sendo induvidosamente cabível relativamente a medidas
impostas coercitivamente pelo Estado, enquanto importam
em restrições à liberdade. Tendo caráter também protetivoeducativo, não há por que aviventar resposta do Estado
que ficou defasada no tempo. Tem-se, pois, que o instituto
da prescrição penal é perfeitamente aplicável aos atos
infracionais praticados por menores (STJ, REsp. 226.370, 6a
T., rel. Ministro Fernando Gonçalves, j. em 27/04/00, DJ de
08/04/02).
190
Material Complementar da Obra
Menor. Ato infracional. Medida socioeducativa. Prescrição. Extinção
da punibilidade de ofício. Possibilidade.
A Lei no 8.069/90, conhecida como Estatuto da Criança e do
Adolescente, protege os menores em qualquer situação. O ECA abrange os
mesmos princípios presentes no Código Penal. Nesta ementa selecionada,
ressaltamos a aplicação do instituto da prescrição para afastar a aplicação
da medida socioeducativa ao menor infrator.
Estatuto da Criança e do Adolescente – Direito penal juvenil –
Extinção da punibilidade pela prescrição – Reconhecimento
de ofício – Recurso prejudicado. Adolescentes acusados de
atos infracionais (crimes ou contravenções, art. 103 do ECA)
não podem ser submetidos a sistema judicial mais rigoroso
do que o dos adultos, com respostas mais repressivas do
que aquelas impostas aos maiores de idade. Se os crimes ou
contravenções estariam prescritos para os adultos, com mais
razão estarão para os adolescentes os correspondentes atos
infracionais. Necessitando os adolescentes de educação, para
tanto existem as medidas de proteção, art. 101 do ECA. As
medidas socioeducativas são reservadas para os infratores. O
inescondível caráter retributivo das medidas socioeducativas,
a maioria claramente repressiva, obriga o intérprete a
se socorrer do Direito Penal no que ele tem de garantias.
Dentro desses pressupostos, ao invocar-se a parte especial
(repressiva) da Lei Penal Comum para punir o autor do ato
infracional, há que se ter em conta, também, a parte geral,
principalmente os seus benefícios, dentre eles a prescrição.
Justiça, equidade, antíteses da iniquidade, da negação do
Direito (princípios e diretrizes da correta interpretação) têm
de ser levados em conta, principalmente a analogia, aplicável
no Direito Penal, sempre que para beneficiar ou excluir a
sanção. Decorrendo lapso superior ao prazo prescricional
in abstrato, calculado pela pena máxima cominada ao ato
infracional, entre o fato e o presente recurso, não havendo
causa interruptiva, decorre a prescrição que, sendo de ordem
pública, deve ser declarada de ofício (Ac. un. da 1a C. Cr.
do TJ-SC – ACr 2004.024396-0 – Rel. Des. Amaral e Silva, j.
21/09/04, DJ 26/10/04, p. 15 – ementa oficial).
O STJ ainda lançou novo julgado:
Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ato infracional. Extinção da punibilidade. Prescrição.
191
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Possibilidade. Medida socioeducativa. Restrição da
liberdade.
O instituto da prescrição penal é perfeitamente aplicável
aos atos infracionais, dado o caráter retributivo e repressivo
da medida socioeducativa, sendo ineficaz a sua função
reeducativa, quando já expirado o prazo para a sua imposição.
Reconhecimento da prescrição da pretensão executória,
declaração, de ofício, da extinção da punibilidade do ato
infracional imputado ao Paciente.
Ordem concedida para declarar a prescrição da pretensão
executória e, de ofício, a extinção da punibilidade da Paciente
com consequente revogação da internação.
Decisão
Trata-se de Habeas Corpus substitutivo de Recurso Ordinário,
com pedido liminar, impetrado por Isabelle Maria Verza,
Procuradora do Estado de São Paulo, em favor do adolescente
T. J. D. A. S, contra decisão da Câmara Especial do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, prolatada nos autos do HC
no 122.132-0/2-00, Processo de origem no 45.453/01 que,
à unanimidade, denegou a ordem lá impetrada, em decisão
assim ementada (fl. 41):
HABEAS CORPUS de caráter preventivo. Adolescente em
descumprimento de medida socioeducativa. Alegação de
inexequibilidade da medida por força da prescrição.
A medida socioeducativa reveste-se de caráter educativo e
ressocializador, não tem natureza de pena. Não se pode, assim,
invocar a prescrição da pretensão punitiva. Inexistência de
ilegalidade. Ordem denegada.
Narra a impetração que o juízo da 1a Vara da Infância e
da Juventude da Comarca da Capital/São Paulo, aplicou
medida socioeducativa ao paciente – prestação de serviços
à comunidade pelo prazo de 06 meses – cumprida em parte.
Em razão do descumprimento, foi decretada sua internaçãosanção, em setembro de 2003, encontrando-se, desde então,
em lugar desconhecido.
A defesa impetrou ordem de habeas corpus face a última
medida socioeducativa imposta pelo juízo primevo, não
logrando sucesso, visto a ordem ter sido denegada à
unanimidade.
192
Material Complementar da Obra
Inconformado, impetrou o habeas corpus a esta Corte
Superior de Justiça em que se pede salvo-conduto, haja vista
a possibilidade de custódia do paciente caso seja cumprida a
ordem judicial do juízo monocrático.
Sustenta prescrição da medida socioeducativa sob os
seguintes argumentos:
- a extinção da punibilidade é passível de ser estendida às
medidas socioeducativas aplicadas com base na prática de
atos infracionais;
- as normas que regem a prescrição da pretensão punitiva,
aplicáveis a maiores puníveis, não podem tratar de forma
desigual, mais severa, atos infracionais praticados por
menores infratores;
- o art. 5o, incisos XLII e XLIV, da Constituição da República
não discriminam o ato infracional como imprescritível, razão
pela qual o aplicador do direito não pode assim proceder;
- o argumento de que a medida socioeducativa tem caráter
pedagógico, se comparada ao trato processual dispensado
a maiores imputáveis, não pode prevalecer sob a ótica do
princípio da igualdade;
- o princípio da proteção integral adotado pela Constituição
Federal como norteador da infância e juventude, determina
que jamais seja aplicada a adolescente medida mais gravosa
do que a adotada a adulto (fl. 13);
- para aferir a prescrição penal relativa a ato infracional,
mister a aplicação do art. 115 do Código Penal, contando-se,
assim, o prazo pela metade.
Alega a impetrante que a medida socioeducativa de
Prestações de Serviços à Comunidade foi decretada no dia 13
de setembro de 2002, pelo prazo de 06 (seis) meses (fl. 25/
STJ).
O dia do início do prazo prescricional deve ser a data em que
se interrompeu o cumprimento da medida – 25 de outubro de
2003 –, último dia de cumprimento da medida socioeducativa
imposta.
Aplica-se, assim, por analogia, o art. 112, inciso II, do Código
Penal.
Aduz primariedade do paciente, razão pela qual não incidiria
o acréscimo previsto no caput do art. 110 do Código Penal (fl.
24/STJ).
193
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Assevera que a medida corresponde a uma sanção restritiva
de direitos, sendo inferior a 01 (um) ano, deve, portanto,
prescrever em 02 (dois) anos.
Conclui por dizer que aplicando-se ainda o art. 115 do CP,
o prazo prescricional cairá para 01 (um) ano. Com isso, a
medida socioeducativa teria prescrito em 25 de outubro de
2004.
Traz à colação doutrina e jurisprudência a embasar a
impetração.
Requer, por fim, a concessão de medida liminar para que
seja reconhecida a prescrição da medida de Prestação de
Serviços à comunidade, expedindo-se salvo-conduto contra a
efetivação da internação-sanção.
Indeferi a liminar (fls. 75/77).
O Ministério Público Federal opina pela concessão da ordem,
em parecer assim fundamentado (fl. 127):
“Habeas corpus. Estatuto da Criança e do Adolescente.
Prescrição. Extinção da punibilidade do ato infracional.
Possibilidade. Parecer pela concessão da ordem.”
É o relatório. Decido.
Aplica-se inteiramente ao caso o entendimento que já
manifestei por ocasião do julgamento do Recurso Especial no
503.869/MG, no sentido de a figura da prescrição ter inteira
aplicação no âmbito do ato infracional.
Não é outro o entendimento desta Corte.
As medidas socioeducativas têm natureza retributiva
e repressiva e, assim sendo, o instituto da prescrição
é perfeitamente cabível frente às medidas impostas
coercitivamente pelo Estado, pois importam em restrição à
liberdade.
Também sobre a natureza jurídica das medidas
socioeducativas escreveu Marina e Aguiar Michelman (in
Revista Brasileira de Ciências Criminais, no 27, de julhosetembro de 1999, p. 212-213):
“Segunda razão avalizadora da adoção do instituto da
prescrição no ECA condiz com a própria natureza da medida
socioeducativa.
194
Já se demonstrou ao longo deste artigo ser errônea a
concepção de medida socioeducativa como resposta estatal
pedagógica e não punitiva. De acordo com a mais moderna
Material Complementar da Obra
doutrina, as medidas socioeducativas são, tanto quanto as
sanções penais, mecanismos de defesa social.
Embora distingam-se das penas pela preponderância do
caráter pedagógico sobre o punitivo, não deixam de lado o
propósito intimidativo e expiatório próprio da pena, eis que
autorizam a ingerência do Estado na liberdade individual do
adolescente para lhe impor, coercitivamente, em programa
pedagógico, seja mediante privação de liberdade, seja
pela iminência de reversão da medida em meio plena ou
parcialmente aberto para internação-sanção, na forma do art.
122, inciso III, do ECA.
Desta forma, pela restrição total, parcial ou potencial ao
direito fundamental de ir e vir do adolescente, torna-se
inconveniente franquear ao exclusivo arbítrio do juiz o poder
de aplicar ou executar tais medidas independentemente do
lapso temporal já transcorrido”.
Tem sido esse o entendimento desta Corte. A propósito, os
seguintes precedentes:
“Estatuto da Criança e do Adolescente. Recurso especial.
Prescrição. Medida socioeducativa.
As medidas socioeducativas perdem a razão de ser com o
decurso de tempo. Consequentemente, a fortiori, tratando-se
de menores, é de ser aplicado o instituto da prescrição.
Recurso provido“ (REsp 535.037/RS, Relator Ministro Felix
Fischer, DJ 16/08/2004).
“Criminal. Recurso especial. Estatuto da Criança e do
Adolescente. Prestação de serviços à comunidade. Prazo.
Extinção da punibilidade pelo instituto da prescrição
regulado no Código Penal. Possibilidade. Precedentes.
Recurso desprovido.
I – Em virtude da inegável característica punitiva, e
considerando-se a ineficácia da manutenção da medida
socioeducativa, nos casos em que já se ultrapassou a barreira
da menoridade e naqueles em que o decurso de tempo foi
tamanho, que retirou, da medida, sua função reeducativa,
admite-se a prescrição desta, da forma como prevista no
Código Penal. Precedentes.
II – Recurso conhecido e desprovido, nos termos do voto do
relator” (REsp 489.188/SC, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ
29/09/2003).
195
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
“Agravo regimental no agravo de instrumento. Penal. Estatuto
da Criança e do Adolescente. Prescrição. Provimento.
1. As medidas socioeducativas, induvidosamente protetivas,
são também de natureza retributiva e repressiva, como na
boa doutrina, não havendo razão para excluí-las do campo da
prescrição, até porque, em sede de reeducação, a imersão do
fato infracional no tempo reduz a um nada a tardia resposta
estatal.
2. O instituto da prescrição responde aos anseios de
segurança, sendo induvidosamente cabível relativamente a
medidas impostas coercitivamente pelo Estado, enquanto
importam em restrições à liberdade.
3. Tendo caráter também retributivo e repressivo, não há
por que aviventar a resposta do Estado que ficou defasada
no tempo. Tem-se, pois, que o instituto da prescrição penal
é perfeitamente aplicável aos atos infracionais praticados
por menores” (REsp 171.080/MS, da minha Relatoria, DJ
15/04/2002). Agravo regimental provido (AgRgAg 469.617/
RS, da minha Relatoria, DJ 2/08/2004).
Recurso especial. Estatuto da criança e do adolescente.
Aplicação de medida socioeducativa. Competência exclusiva
do juiz. Extinção da punibilidade do ato infracional.
Prescrição.
1. A competência para aplicação da medida socioeducativa,
por expressa determinação legal – art. 112 c./c. o art. 146
da Lei no 8.069/90 – é da competência exclusiva do Juiz.
Precedentes.
2. Aplica-se o instituto da prescrição aos atos infracionais
praticados por menores, uma vez que as medidas
socioeducativas, a par de sua natureza preventiva e
reeducativa, possuem também caráter retributivo e
repressivo.
3. Declaração, de ofício, da extinção da punibilidade do ato
infracional imputado ao Recorrente, julgando prejudicado
o recurso especial (REsp 598.476/RS, Relatora Ministra
Laurita Vaz, DJ 07/06/2004).
196
Tendo-se em vista que a medida de prestação de serviços à
comunidade foi fixada por 6 meses e 8 horas semanais, prazo,
portanto, inferior a um ano (art. 109, inciso VI, do CP), sendo
o paciente primário (art. 110 do CP) e reduzindo-se pela
metade o prazo prescricional constante do art. 115 do Código
Material Complementar da Obra
Penal, dessume-se que a prescrição operou-se da data de 25
de outubro de 2004.
Posto isso, e reconhecendo a ocorrência da prescrição
da pretensão executória, declaro, de ofício, a extinção da
punibilidade da Paciente e concedo a ordem, para revogação
do ato decisório de internação.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília (DF), 27 de março de 2006.
Ministro Paulo Medina
Relator
(Habeas Corpus no 49.588-SP (2005/0184857-9). Relator
Ministro Paulo Medina. Impetrante: Isabelle Maria Verza –
Procuradoria da Assistência Judiciária Impetrado: Câmara
Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: TJDAS – Menor, DJ 04/05/2006).
197
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e
Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis
6. MSE e execução. Agravo como RSE. Cartas precatórias.
A partir dos recursos, cartas precatórias e execução de MSE, existem
situações variadas em tribunais, conforme escólio do professor Geraldo
Claret de Arantes (ARANTES, Geraldo Claret de. Estatuto da Criança e
do Adolescente – Manual do Operador Jurídico, Belo Horizonte: Editora
ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008).
Os Recursos
Os recursos regem-se pelo Código de Processo Civil, mesmo
quanto aos Atos Infracionais, e não pelo Código de Processo
Penal (arts.198 e seguintes) e prevê o Juízo de Retratação
pelo Juiz, antes da eventual subida dos Recursos.
Em Minas Gerais, a Súmula 01 das Câmaras Criminais do TJMG
determina o processamento do agravo como recurso em sentido
estrito, também nas ações afetas à Lei no 8.069/90, devendo ser
portanto, instruído no primeiro grau nesta modalidade, com
contrarrazões e juízo de retratação, mantendo ou reformando a
decisão, com a subida ao Tribunal de Justiça após tal processamento.
Cartas Precatórias
Quando o adolescente a quem se atribui a autoria de ato
infracional residir em outra comarca, deve-se deprecar a
Audiência de Apresentação no juízo deprecado, e sempre
que o ato infracional não envolva ameaça a pessoa ou
violência, deprecar também a aplicação da Remissão
Judicial a execução da medida socioeducativa imposta pelo
deprecado e a resolução dos incidentes processuais, como
medida de economia processual e em Minas Gerais na forma
normatizada pela Corregedoria de Justiça.
A Execução das Decisões Judiciais
Via de regra, a execução das decisões judiciais deve dar-se
nos próprios autos de conhecimento, devidamente apartados
e apensados, em relação a cada adolescente, para que o
magistrado tenha um conhecimento mais amplo de seu
histórico pessoal perante a justiça especializada.
198
Em comarcas onde haja volume que o justifique, deverão
ser formados autos de execução, extraindo-se de cada
processo de conhecimento os informes substanciais, como a
representação, estudos psicossociais, comprovantes de idade,
Material Complementar da Obra
endereço e escolaridade, registro de passagens anteriores
pela Justiça, além das decisões judiciais.
Os autos deverão ser iniciados com Termo de Abertura,
às fls. 02, onde constará o nome do adolescente, endereço
sempre atualizado, filiação, data de nascimento, processos e
andamento, medidas protetivas e socioeducativas aplicadas e
estágio de execução, além do registro de incidentes processuais.
As medidas protetivas e as socioeducativas deverão ser
acompanhadas por Assistentes Sociais, Psicólogos, Pedagogos
e outros, efetivos dos quadros de servidores da Comarca ou
por profissionais da comunidade conveniados para este fim.
Os relatórios, tão frequentes quanto necessário, serão juntados
periodicamente, e vistos pelo Ministério Público, pela Defesa e
pelo Juiz, que deliberará quanto à manutenção, substituição ou
encerramento da medida, neste caso julgando extinto o feito.
Caso haja descumprimento injustificável – e não injustificado
– da medida socioeducativa, a autoridade judiciária de ofício
ou mediante provocação, deverá instaurar o Incidente de
Execução, com a respectiva Intimação do adolescente e de
seu defensor, notificando-se os pais.
Designará Audiência de Justificação, quando o adolescente será
ouvido, com a presença indispensável do Ministério Público e
do Defensor, quando o Juiz, ouvidas as partes, deverá considerar
justificado o descumprimento da medida socioeducativa imposta
ou aplicará o disposto no art. 122, inciso III, da Lei no 8.069/90,
impondo internação temporária pelo prazo máximo de três meses.
As medidas protetivas, por não serem compulsórias, não
comportam o incidente de execução, dado que o seu não
cumprimento importará em justificação apenas do servidor
ou órgão público incumbido de executá-la, em ação própria,
na forma dos arts. 236 e 249.
Na execução de medidas protetivas, deverá haver especial
dedicação e empenho para seu fiel cumprimento, não bastando
apenas a emissão de correspondências aos beneficiados.
Há que dispensar-se intervenção eficiente dos profissionais
incumbidos da tarefa, com abordagem multidisciplinar,
local e pessoal, dado que os que recebem medida não têm
discernimento suficiente para entender e submeter-se, sem
orientação eficaz, às medidas protetivas, cabendo o auxílio do
Estado, de forma personalizada, persistente, até a execução
do determinado pela decisão judicial.
199
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e
Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis
6. MSE e execução. Projeto em andamento.
PROJETO DE LEI No 1.627, DE 2007
Dispõe sobre os sistemas de atendimento socioeducativo,
regulamenta a execução das medidas destinadas ao
adolescente, em razão de ato infracional, altera dispositivos
da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências.
AUTOR: Poder Executivo
RELATORA: Deputada Rita Camata
I – RELATÓRIO
O Projeto de Lei no 1.627, de 2007, de autoria do Poder
Executivo, que dispõe sobre os Sistemas de Atendimento
Socioeducativo e regulamenta a execução das medidas
destinadas a adolescentes autores de ato infracional tramita
em regime de prioridade.
Sujeita à apreciação do Plenário, a proposição recebeu
primeiro despacho da presidência para análise pelas
Comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime
Organizado; Seguridade Social e Família; Finanças e
Tributação – nos termos do art. 54 do Regimento Interno da
Câmara dos Deputados – RICD, e Constituição e Justiça e de
Cidadania, essa para avaliação de Mérito e art. 54 do RICD.
Indeferidos pelo presidente da Casa os dois Requerimentos
de solicitação para trâmite, respectivamente, pela Comissão
de Educação e Cultura e pela Comissão de Direitos Humanos
e Minorias, novo Requerimento foi apresentado solicitando
reconsideração de Despacho para a inclusão da CDHM, o
qual foi deferido pela presidência da Câmara dos Deputados,
impondo-se então a criação desta Comissão Especial,
conforme determina o art. 34, inciso II, do RICD.
200
Instalada a Comissão Especial em julho de 2008, foram
realizadas 12 (doze) reuniões, sendo 8 (oito) audiências
públicas, nas quais foram ouvidas as contribuições de
representantes dos mais diversos setores governamentais
e não governamentais, gestores, operadores, e sociedade
civil organizada que atuam no âmbito dos Sistemas de
Atendimento Socioeducativo Federal, Distrital, Estaduais
Material Complementar da Obra
e Municipais, além de organismos internacionais de ação
reconhecida na área da infância e adolescência. Os membros
da Comissão também contribuíram com encaminhamento de
sugestões ao texto original do Executivo.
Não foram apresentadas emendas ao Projeto nesta Comissão
por impedimento regimental, qual seja tratar-se de matéria
que não é objeto de delegação – conclusiva nas Comissões,
art. 24, alínea e, do RICD, conforme dispõe o § 1o, inciso II,
do art. 68 da Constituição Federal. No entanto, podem ser
apresentadas emendas quando da discussão e votação em
Plenário.
À proposição foi anexado o Projeto de Lei no 4.450, de 2008,
de autoria do deputado Dr. Talmir, que altera os arts. 88, 90,
91, 112, 118 e 121 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990,
para dispor sobre regimes de atendimento.
Compete a esta Comissão apreciar a matéria no seu mérito,
bem como quanto à constitucionalidade, juridicidade e técnica
legislativa e quanto aos aspectos financeiros e orçamentários,
em substituição às Comissões de Constituição, Justiça e de
Cidadania – CCJC e de Finanças e Tributação – CFT.
É o relatório.
II – VOTO DA RELATORA
A discussão sobre a necessidade, ou não, de se normatizar em
legislação própria a execução das medidas socioeducativas,
principalmente em termos que não implicassem retrocesso
aos avanços introduzidos pela Lei no 8.069, de 13 de julho de
1990, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, vem, na
verdade, desde 1999, mas um ano após a vigência do ECA,
e até 1993, o Fórum Nacional Permanente de Organizações
Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do
Adolescente – Fórum DCA, já discutia a implementação das
medidas socioeducativas.
Portanto, o debate nunca saiu inteiramente da pauta dos
principais fóruns de discussão, e deliberativos, referentes à
área da infância e adolescência.
Uma das primeiras considerações a respeito deste tema é o
momento histórico em que se trava o debate. A sociedade
brasileira vem passando por momentos que levam ao
sentimento de insegurança e, não raras vezes, aponta-se a
denominada “delinquência juvenil” como responsável pela
violência e os elevados índices de criminalidade, tornando-
201
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
se verdadeiro “bode expiatório” da situação, mas para a qual
colabora efetiva e estatisticamente com muito pouco, menos
de 8% do total de ilícitos penais praticados no país.
Reclama-se rigor contra crianças e adolescentes autores
de ato infracional, com a suposta necessidade, inclusive, da
diminuição da idade de inimputabilidade penal de 18 para 16
(ou 14 anos). Insiste-se na tese equivocada de que o direito
penal resolveria questões que sabemos advindas da absurda
injustiça social existente no Brasil e, quando se trata da
população infanto-juvenil, oriundas também do fato de sua
especial situação de pessoa em desenvolvimento.
O sistema socioeducativo estabelecido pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente – ECA, que ora se pretende
regulamentar, apresenta-se como avanço a ser considerado
pelo legislador para aprimoramento da lei penal e não viceversa. Ao incluir, por exemplo, em seu arcabouço, institutos
como o da remissão; a possibilidade de substituição a qualquer
tempo de medida socioeducativa por outra que se configure
mais necessária à ressocialização do socioeducando, entre
outras, corrige equívocos e injustiças do direito penal.
As medidas socioeducativas – em sua essência – embora
tenham o propósito de responder à prática de atos previstos
como ilícitos penais, não podem se configurar como pena.
A finalidade da pena é tão somente de retribuição à prática
do delito, não contemplando efetivamente o propósito
de ressocialização do condenado, enquanto a medida
socioeducativa apresenta um caráter eminentemente
pedagógico, com vistas a interferir no processo de
desenvolvimento do adolescente autor do ato infracional,
objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva
integração social.
Se no direito penal cabe ao Estado apenas a tarefa de tornar
obrigatório o cumprimento da sanção imposta, e de sua
execução, na justiça especializada da infância e da juventude
instituída pelo ECA as obrigações são maiores, pois quando
se trata de adolescente em conflito com a lei, o Estado é
demandado, obrigatoriamente, a interferir de forma positiva
no processo de desenvolvimento do adolescente, educando-o
para a vida, na reafirmação de valores éticos e sociais e,
tratando-o como cidadão que pode se transformar, é capaz de
aprender e de modificar seu comportamento.
202
Material Complementar da Obra
Nessa conjuntura chegou ao Congresso o Projeto de Lei no
1.627, de 2007, de autoria do Poder Executivo, com o objetivo
de suprir a lacuna normativa e, por intermédio da instituição
do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo,
coordenado pela União, com a participação dos Estados,
Distrito Federal e Municípios, de forma a favorecer o efetivo
cumprimento dos procedimentos, regras e critérios a serem
observados quando da aplicação e execução das medidas
socioeducativas.
É inquestionável o avanço que o projeto apresenta em
comparação com outras propostas com finalidade semelhante
discutidas nos últimos 10 (dez) anos.
No entanto, consideramos de extrema importância ouvir e
receber dos atores integrantes do sistema de atendimento
socioeducativo suas contribuições, bem como dos membros
desta Comissão Especial.
Neste sentido realizamos oito audiências públicas,
que contaram com a presença de mais de 20 (vinte)
representantes das mais diversas entidades governamentais
e não governamentais, gestores e operadores do sistema, e a
partir das contribuições trazidas optamos por alterar o texto
original do projeto de lei, apresentando modificações que
entendemos pertinentes para garantir a efetiva implantação
do SINASE, bem como sua perenidade.
Além de adaptações na redação e técnica legislativa, de
sanar vícios de inconstitucionalidade, e remeter dispositivos
da nova lei ao ECA ou a outras normas pertinentes para
evitar redundâncias desnecessárias e contradições legais,
promovemos algumas alterações, apresentadas no parecer
preliminar divulgado em 18 de fevereiro último, e ao qual
aliás foram apresentadas mais de 30 (trinta) contribuições
dos mais diversos atores, entre órgãos e entidades
governamentais e não governamentais.
As contribuições enriqueceram e modificaram, decisivamente,
o texto que ora apreciamos. A quase totalidade dessas
propostas teve a sua origem em coletivos de estudiosos,
fóruns, conselhos, operadores e gestores do atendimento
socioeducativo, além de outras apresentadas pelos membros
desta Comissão Especial, como o próprio presidente,
reconhecido militante pela infância e adolescência, e o
deputado Eduardo Barbosa, que trouxe sugestões à atenção
para com o adolescente infrator com deficiência mental ou
203
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
associadas e sua família. Somaram-se a essas as sugestões que
acolhemos por meio da interlocução realizada em uma série
de reuniões de trabalho com inúmeros atores e entidades que
também colaboraram para o enriquecimento da proposta.
Tal foi a intensidade da participação e do processo de
interação, que o conteúdo ora apresentado se constitui,
sem dúvida, num grande avanço na consolidação de um
sistema socioeducativo mais humano, integrado, articulado
multissetorialmente e capaz de responder aos anseios
da sociedade brasileira sem aviltar ou desrespeitar o que
construímos com base nos princípios dos direitos humanos.
Devido à grande complexidade do tema e à necessidade de
articular a diversidade de propostas recebidas, alteramos a
redação do projeto original e do substitutivo preliminar, a
fim de adequar o texto ao que foi discutido e aos requisitos
de constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa.
Nesse sentido, o novo substitutivo atende aos pressupostos
constitucionais formais relativos à competência legislativa da
União, às atribuições do Congresso Nacional e à legitimação
da iniciativa parlamentar, nos termos do art. 24, inciso XV, e
arts. 48 e 61, todos da Constituição Federal.
Cremos também que a técnica legislativa não merecerá
reparos, pois encontra-se de acordo com a Lei Complementar
no 95/98, que dispõe sobre a elaboração, redação, alteração e
consolidação das leis.
No que concerne à juridicidade, o texto também se afigura
adequado, pois: i) o meio eleito para o alcance dos objetivos
pretendidos (normatização via edição de lei) é o conveniente;
ii) a matéria nele contida inova no ordenamento jurídico;
iii) possui o atributo da generalidade; iv) é apropriado
aos princípios gerais do Direito; e v) se afigura dotado de
potencial força do Estado, capaz de impor o respeito à norma
legal.
Com relação à adequação financeira e orçamentária da
proposição, as alterações propostas sobre o financiamento
e as prioridades do SINASE não contrariam os dispositivos
constitucionais e legais que regem a matéria. Isso porque
ao ampliar as possibilidades de financiamento do SINASE,
as modificações foram incluídas de forma autorizativa, não
gerando despesas obrigatórias de caráter continuado.
204
Material Complementar da Obra
Quanto ao mérito, existem diversas observações que
necessitam ser explicitadas. A lógica de elaboração do texto
partiu da premissa de que tratamos de dois assuntos conexos,
mas diferentes entre si: a instituição do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo – SINASE, e o estabelecimento
de padrão para a execução das medidas socioeducativas.
Nossa opção foi dividir a Lei em três títulos. Os dois
primeiros, cada um tratando, separadamente de cada tema,
e o terceiro prevendo disposições finais e transitórias para a
efetivação da lei. Esta organização dará maior clareza ao que
se pretende regular.
No que diz respeito ao Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo, destacamos que desde o primeiro artigo
assumimos que seu propósito é a integração social do
adolescente e a garantia dos seus direitos no contexto
de sua comunidade e família. Além disso, também
explicitado, assumimos que a medida socioeducativa tem,
primordialmente, caráter pedagógico, por meio de um dos
valores sociais mais importantes qual seja, a responsabilidade.
Não acreditamos que possa haver desenvolvimento humano,
em uma sociedade democrática, sem a promoção de valores
que consideramos de supremo compromisso com nossos
semelhantes e o profundo respeito à dignidade da pessoa
humana, além dos princípios da igualdade e fraternidade.
Devemos assumir que, ao lado da proteção, também é
necessário estabelecer limites para nossos adolescentes
por meio de uma responsabilização adequada à sua especial
condição de pessoa em desenvolvimento, sem desconhecer
que os atos infracionais causam danos, por vezes irreparáveis,
a outros seres humanos.
A responsabilização do adolescente contribui para o seu
desenvolvimento, pois aquele que pode, em alguma medida,
ser responsável e ser responsabilizado por seus atos, não
é um ser humano passivo, é alguém com capacidade para
agir, ser protagonista de sua própria vida e potencializar os
benefícios da proteção que o Estado, a sociedade e a família
têm por dever oferecer. Mesmo que isso signifique protegê-lo
dele próprio.
Esses princípios orientaram nosso trabalho de interlocução
com a sociedade e os órgãos governamentais, a discussão de
ideias, e a sistematização dos dispositivos ora apreciados.
205
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A partir do art. 3o, até o art. 6o, as competências de cada ente
federado são judiciosamente estabelecidas, não esquecendo
a necessária corresponsabilidade pela assistência técnica
e financeira. Além disso, as atribuições estão articuladas
para que os esforços da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios convirjam para o fiel cumprimento dos princípios
estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente, como a
descentralização do cumprimento da medida socioeducativa,
o fortalecimento do controle social e a articulação entre as
políticas públicas, por exemplo.
O art. 7o do substitutivo detalha a elaboração dos Planos de
Atendimento Socioeducativo, os quais deverão ser utilizados
para o planejamento e gestão, articulação de políticas e
estabelecimento de metas que, longe de serem documentos
meramente burocráticos, devem trazer à realidade o ponto de
onde partimos e a qual destino queremos chegar em matéria
de socioeducação. Nesses planos devem estar contidos os
parâmetros para que os gestores, em todos os níveis, tenham
clareza sobre seu papel, o contexto em que estão inseridos,
suas metas, e os meios que disporão para trilhar o caminho
em direção a elas. Tais documentos serão extremamente
importantes para que consigamos organização de forma
a resolver uma das questões mais levantadas em nossas
audiências: a necessária articulação de políticas públicas
para o êxito da socioeducação.
Em um país cuja história inclui inúmeros planos que “não saem
do papel”, a proposta estaria incompleta se não propuséssemos
a realização de avaliações periódicas, não apenas quanto
ao previsto nos planos de atendimento socioeducativo,
mas também na implementação do próprio sistema, sua
materialidade física em instalações, programas, pessoas e
também o seu financiamento, por exemplo. Para tanto, o
substitutivo inclui a obrigatoriedade da avaliação de, pelo
menos, quatro dimensões: a gestão do sistema, as entidades,
os programas de atendimento e os resultados das medidas.
206
No que diz respeito à gestão, o principal foco da avaliação
é na eficiência e eficácia da aplicação dos recursos públicos,
bem como na análise do seu fluxo e na implementação
de compromissos firmados nos diversos instrumentos
de cooperação comumente celebrados, e sobre os quais
existam dúvidas quanto à efetividade. A intenção é dispor
de uma metodologia que avalie esta dimensão, deixando
Material Complementar da Obra
de ser assunto apenas do senso comum para se tornar um
instrumento de gestão e redirecionamento de metas.
Quando propomos avaliar as entidades e programas de
atendimento socioeducativo, temos em mente a percepção de
que o atendimento aos adolescentes deve ser prestado nos
mais altos padrões de qualidade profissional. Não é aceitável
que esse trabalho seja realizado de forma improvisada.
Socioeducação é trabalho profissional. São tarefas muito
complexas para abordagens amadoras. Assim, a avaliação das
entidades e de seus programas vem ao encontro da necessária
busca pela excelência no atendimento socioeducativo, aspecto
do qual a sociedade e esta Casa não podem abrir mão.
A última dimensão para a qual, explicitamente, propomos
a avaliação é a dos resultados da aplicação da medida
socioeducativa. Igualmente importante em relação às demais,
a análise dos resultados atingidos podem, inequivocamente,
indicar as alterações necessárias nos processos, no
financiamento, na articulação de políticas e instituições, para
que obtenhamos êxito na socioeducação. Afinal, um processo
que não apresenta os resultados esperados merece ser
revisto e analisado, para que possa ser reorientado de forma
a atingir os seus objetivos.
A responsabilização dos gestores é outro tema incluído na
proposta do substitutivo, da qual não abrimos mão de manter,
mesmo tendo suscitado pedidos de supressão quando
da apresentação do parecer preliminar, os quais foram
inadmitidos. Merece, no entanto, a necessária explicação.
Uma das grandes demandas sociais é o fiel cumprimento do
previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Nossas leis
estabelecem diversas obrigatoriedades, mas não definem a
devida consequência caso a obrigação não seja cumprida.
Esta forma perversa de elaborar deveres sem que haja
consequências sobre o seu descumprimento dificulta o
trabalho dos órgãos de ouvidoria e auditoria interna do
Poder Executivo, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Não é por se tratar de tema relativo à adolescência que
todos cumprirão seus deveres. Não é isso que o Brasil vem
experimentando nos últimos dois séculos! É preciso deixar
claro também que as sanções propostas possuem uma
gradação adequada, iniciando-se em advertência, passando
pela previsão de um afastamento temporário de algum
agente e chegando, sim, até o encerramento do programa de
207
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
atendimento além de, se necessário, a suspensão do envio de
recursos públicos.
Remetemos ainda a responsabilização à Lei de Improbidade
Administrativa, a qual pode determinar, inclusive, em
casos extremos, entenda-se bem, a suspensão dos direitos
políticos. Tais previsões estão dispostas nos arts. 28 e 29
do substitutivo e devem ser realizadas dentro da estrita
legalidade, respeitando-se o devido processo legal, a mais
ampla defesa e o contraditório.
Um aspecto que consideramos fundamental no substitutivo é
a ampliação das possibilidades de financiamento do SINASE.
Foram incluídas novas fontes, mesmo que de forma autorizativa
como, infelizmente, é o próprio orçamento geral da União,
mas que ao menos abrem portas para mais investimento
no atendimento socioeducativo. Para tanto estão propostas
alterações nas leis de criação do Fundo Nacional Antidrogas
– FUNAD; do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE,
esses, estão com redação final acordada depois de várias
reuniões com os respectivos órgãos gestores, e acrescentamos
ainda o financiamento por recursos do orçamento fiscal, além
daqueles oriundos da seguridade social, que era a única fonte
prevista no Projeto original do Executivo.
Inovamos também quanto às normas para a execução
das medidas socioeducativas, que integram o Título II do
Substitutivo. O conteúdo das discussões mostrou ser positivo
para a realização de mais algumas mudanças no texto. As
alterações que promovemos revelam a essência democrática
que permeou a condução dos trabalhos desta Comissão.
De fato, a nova proposta representa a aglutinação das mais
diversas contribuições, tanto da sociedade civil quanto dos
órgãos governamentais dos três poderes da República.
Refletindo sobre todo o conjunto de abordagens nessa
temática – e sem deixar de lançar um olhar cúmplice sobre
as experiências trazidas ao nosso conhecimento, optamos
por enumerar, no Capítulo inicial do Título II, os pilares
essenciais da execução das medidas socioeducativas, cujos
atributos imprimem sentido à norma.
208
Os princípios contidos no art. 35 impõem ao Estado o dever
de agir com profunda responsabilidade social ao lidar com
o adolescente infrator. Buscamos, ao tratar do processo de
execução das medidas, fazer com que a intervenção pública
Material Complementar da Obra
ocorra com a participação e interação dos diversos atores
sociais afetados direta ou indiretamente pelo ato infracional.
Isso implica no fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários no processo socioeducativo.
Em verdade, o sistema jurídico atual é deficiente quanto à
aplicação de regras claras para a execução das medidas
socioeducativas. Esta lacuna gera, por vezes, problemas como
a violação aos princípios da igualdade, do devido processo
legal e da ampla defesa.
Hoje, a execução da medida socioeducativa está à mercê das
ações e decisões discricionárias do Judiciário e do Executivo.
Constata-se que os procedimentos adotados pelos diversos
entes da federação variam bastante e não apresentam uma
estrutura, mínima que seja, comum a todos. Assim, dentro
das limitações do pacto federativo, do respeito constitucional
à soberania dos entes federados, dos Poderes da República e
suas respectivas atribuições constitucionais, enfrentamos o
desafio de formular uma proposta que, pelo menos quanto
aos procedimentos, fosse uniformizada.
O texto do substitutivo apresenta um novo paradigma,
instaurando um método padrão que norteará a conduta
dos atores envolvidos no processo de socioeducação do
adolescente em conflito com a lei.
No Capítulo II do Título II, o substitutivo descreve detalhadamente
o modo pelo qual os atos processuais serão realizados. Optamos
pela determinação de uma série de ações que guardem, entre si,
uma linha essencial de continuidade e coerência.
Cabe salientar que a uniformização aqui proposta representa
uma estrutura mínima comum a todos, que de maneira
alguma é absoluta. As novas regras são rígidas o suficiente
para assegurar os direitos individuais, mas também
apresentam a flexibilidade necessária para se respeitar as
peculiaridades de cada adolescente.
Em suma, o modelo traçado encontra-se embasado nos
preceitos da Constituição, da doutrina de proteção integral
ratificada pelo Brasil por meio de acordos internacionais
e de nossa legislação interna – o Estatuto da Criança e do
Adolescente, e observa os princípios processuais do nosso
ordenamento jurídico.
Com relação à competência para executar as medidas
socioeducativas, o projeto original apresentava impropriedades
209
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
jurídicas. O texto era inadequado ao usar a palavra jurisdição
em lugar de competência, e cometia equívocos ao delegar
e atribuir jurisdição. Juridicamente, os dois institutos têm
conceitos diferentes. A jurisdição refere-se ao poder-dever do
Estado de cumprir e fazer cumprir as normas jurídicas internas
nos limites do seu território; é a manifestação da soberania de
um Estado, na medida em que confere a esse, e somente a esse,
o poder de julgar os conflitos de interesse ocorridos em seu
território.
Em virtude da extensão territorial brasileira e, ainda, da
complexidade das causas que chegam até o Poder Judiciário,
foi criado um sistema de distribuição de causas levando-se
em consideração os critérios de sua natureza, dos interesses
em jogo e ainda do território. Por isso, afirma-se que a
competência é a medida da jurisdição, ou seja, a competência
é a atribuição da jurisdição a determinado órgão judiciário
para a prestação de uma tutela jurisdicional. A competência
pode ser da Justiça Estadual ou da Justiça Federal e, ainda,
das Justiças Especiais (Militar, Desportiva, da Infância etc.),
e pode ser territorial (vinculada à comarca) ou funcional
(vinculada à matéria julgada).
Diante disso, apresentamos uma nova redação disciplinando
a competência para jurisdicionar o processo de execução nos
moldes estabelecidos pelo art. 146 do Estatuto da Criança e
do Adolescente.
Quanto aos procedimentos para a execução das medidas
socioeducativas, propriamente ditos, primamos pelos
princípios da ampla defesa e do contraditório. Tais benefícios
se efetivam por meio de dispositivos que asseguram tanto o
conhecimento bilateral de todos os atos e termos processuais,
quanto a possibilidade das partes efetuarem alegações e
produzirem provas.
Cabe salientar que embora a ampla defesa e o contraditório
sejam princípios fundamentais, garantidos em cláusula
pétrea, nos termos do inciso LV (55) do art. 5o da
Constituição, verifica-se na Justiça da Infância e Juventude
casos de flagrante desrespeito a esses mandamentos. O
Poder Judiciário, por vezes, decreta medida socioeducativa
de internação, com fundamento no art. 122, inc. III, do ECA,
sem que o adolescente seja sequer ouvido. Não se vê este tipo
de ação quando se trata de adultos, sujeitos ao Código Penal.
210
Material Complementar da Obra
Ora, é sabido que não é plausível impor ao adolescente infrator
medida socioeducativa de internação no curso de outra
mais branda, sem a devida obediência aos mandamentos
constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Por esse
motivo, prevemos no substitutivo a intervenção do defensor e
do Ministério Público, sob pena de nulidade no procedimento
judicial de execução da medida socioeducativa, assegurando o
direito de produção de provas e de petição. É para esse padrão
que aponta o art. 43 da nossa proposta, ao determinar que a
substituição de medida socioeducativa, ainda que realizada
sob o fundamento do art. 122, inc. III. do Estatuto da Criança
e do Adolescente, deverá obedecer ao devido processo legal.
Outro ponto relevante é o Capítulo III do Título II. Nele
estão dispostos os direitos individuais do adolescente em
cumprimento de medida socioeducativa, cuja função tem
dupla perspectiva: constituem normas de natureza negativa
para o Poder Público, proibindo a prática de arbitrariedades,
como é o caso do art. 49, § 2o, que veda a aplicação ou
manutenção de medida de privação da liberdade por
inexistência ou oferta irregular de programas de meio aberto,
além de implicar, para o adolescente, o poder de exercer
positivamente seus direitos individuais, e de exigir que o
Estado lhe garanta tal exercício.
O capítulo IV do Título II, por sua vez, discorre sobre
umas da mais modernas inovações introduzidas no nosso
ordenamento jurídico e, sem dúvida, exercerá um papel
pioneiro na educação e ressocialização de adolescentes em
conflito com a lei. Trata-se do Plano Individual de Atendimento
– PIA, um instrumento de previsão, registro e gestão das
atividades a serem desenvolvidas com o adolescente no
decorrer da execução da medida, conforme suas necessidades
específicas. Será prática pedagógica indispensável para que a
intervenção estatal seja eficiente, pois leva em consideração
as peculiaridades de cada jovem.
O PIA é parte essencial do SINASE, proporciona-lhe solidez
e sustentação, pois envolve não só o adolescente, mas
também sua família no processo de elaboração e no seu
efetivo cumprimento. O art. 54 estabelece as peças mínimas
de composição do PIA, quais sejam: os resultados de uma
avaliação interdisciplinar; os objetivos que o adolescente
almeja alcançar; a previsão de suas atividades de integração
social e de capacitação profissional; as atividades de
211
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
integração e apoio à família; as formas de participação da
família para efetivo cumprimento do plano individual; e as
medidas específicas de atenção à sua saúde.
Já o art. 55, por seu turno, exige, nos casos de cumprimento
de medidas de semiliberdade ou de internação, além
dos requisitos especificados pelo art. 54, a designação
do programa de atendimento mais adequado para o
cumprimento da medida; a fixação das metas para o alcance
de desenvolvimento de atividades externas, e a definição
dessas atividades – individuais ou coletivas –, das quais o
adolescente poderá participar.
Cumpre ainda ressaltar que o PIA poderá ser reavaliado a
qualquer tempo. Tal revisão poderá ser solicitada pela direção
do programa de atendimento, pelo defensor, pelo Ministério
Público, pelo adolescente, ou pelos pais ou responsáveis. A
possibilidade de revisão justifica-se nas seguintes hipóteses:
se o adolescente responder positivamente à intervenção
antes de expirar o prazo de reavaliação; se o adolescente
não se adaptar ao plano, e caso haja necessidade de se impor
maior restrição à liberdade do socioeducando.
A partir do art. 60, o substitutivo trata de assunto entre os mais
debatidos, e que trouxe inúmeras discussões à elaboração
da proposta desta Lei, qual seja, a atenção integral à saúde
do adolescente, tema praticamente inexistente na proposta
original e que desdobramos num capítulo com duas seções,
compostas por sete artigos.
A primeira seção trata das diretrizes gerais para a atenção
à saúde do adolescente em cumprimento de medida
socioeducativa e, em resumo, define o caráter público, a oferta
compulsória, integral, multidisciplinar e multissetorial que
esse atendimento deve assumir no Sistema Socioeducativo.
A segunda seção é dedicada a estabelecer normas sobre a
atenção especial ao adolescente com transtorno mental ou
deficiência mental (que pode ser deficiência intelectual) e
àqueles com dependência de substância psicoativa ou álcool,
todos com necessidade de cuidados especiais.
Neste tema especificamente, recebemos muitas sugestões.
A maioria, no sentido de ampliar os cuidados com os
adolescentes no contexto da atenção integral à saúde já
oferecida pelo SUS. Outras, no entanto, chegaram até a
propor a supressão da seção que trata da atenção à saúde
212
Material Complementar da Obra
mental, que inclui a destinada ao dependente de substância
psicoativa ou álcool.
Sobre este tema é importante detalhar os motivos pelos quais
decidimos manter a seção. As últimas estatísticas indicam que
algo acima de 80% dos adolescentes que cumprem medidas
socioeducativas possuem algum grau de envolvimento com
substâncias psicoativas. Não é aceitável, portanto, não termos
normas específicas sobre o assunto. A partir do proposto no
substitutivo, o Juiz da execução terá dispositivos legais para
decidir e determinar uma composição entre o atendimento
socioeducativo e a atenção à saúde mental do adolescente.
O modelo assumido no substitutivo é o oferecido pelo SUS e
regulado pelas suas normas de referência.
O atendimento socioeducativo será mantido sempre que
possível como parte da atenção integral que o adolescente
receberá, demonstrando o caráter multissetorial que
desejamos enfatizar.
Além disso, para casos mais severos, em que haja indicação
terapêutica, o Juiz poderá suspender a execução da medida
para inserir o adolescente em programa que melhor atenda
à recuperação de sua saúde, como sua inclusão em programa
residencial terapêutico, por exemplo. Todos sabemos que o
abuso de substâncias psicoativas é um problema muito sério.
Em certos casos graves, qualquer medida pedagógica só atingirá
seus objetivos depois de um período inicial de desintoxicação.
Enfatizamos ainda, que o substitutivo enfoca que o acesso à
adequada atenção integral à saúde é garantida ao adolescente
com transtorno mental ou deficiência mental no contexto
dos direitos assegurados pela Lei no 10.216, de 6 de abril de
2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo
assistencial em saúde mental.
No contexto das garantias de integralidade no atendimento
socioeducativo, o substitutivo inova também ao prever a
possibilidade de que seja concedida ao adolescente em
cumprimento de medida de internação a visita íntima àquele que
seja casado ou que viva, comprovadamente, em união estável.
Em outras palavras, o direito não se aplica a qualquer jovem
em conflito com a lei. O dispositivo somente possibilita
o encontro de casal que viva relação caracterizada como
entidade familiar.
213
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A proposta obedece ao art. 226 da Constituição, garante
proteção especial à família, base da sociedade. Não há
apologia a qualquer comportamento transgressivo nem tão
pouco corruptor. Assegura-se, portanto, uma prerrogativa a
qual não temos o direito de inviabilizar, porque é vinculada à
entidade familiar, ao casal, e não ao Estado.
Destarte, a visita íntima aqui proposta não traz nenhuma
novidade na vida do jovem, vez que a relação sexual é pressuposto
do vínculo que une as pessoas em razão do matrimônio ou da
união estável, regulados pelo direito de família.
Cabe ainda salientar que esse encontro agrega elemento
colaborador para a boa conduta do adolescente. Tem-se
entendido que a abstinência sexual imposta pode causar
vários danos à pessoa e, por conseguinte, favorece condutas
inadequadas e fomenta tensão nas unidades de internação.
Assim, vem ganhando corpo nas legislações mundiais a
orientação de se conceder visita íntima àqueles que estão
privados de sua liberdade. É o que ocorre, por exemplo, no
México, Chile, Argentina, Estados Unidos, França, Espanha,
Nicarágua, Venezuela e em outros países.
Trata-se de uma questão delicada, mas a ser encarada
com muita responsabilidade, em benefício dos próprios
socioeducandos, sem perder de vista a preservação da saúde
das pessoas envolvidas, a educação sexual e reprodutiva do
adolescente quanto a gravidez e DSTs, além de AIDS. Por isso,
é imperioso que haja a regulamentação do tema. Observese ainda que a determinação da duração, horários e outras
regras pertinentes às visitas íntimas devem ficar a cargo da
direção de cada unidade.
Em suma, a visita íntima passa a ser um direito reconhecido como
ocorre em diversos países. É medida de bom alvitre, pois constitui
um fator de incentivo ao bom comportamento do adolescente,
bem como uma forma de preservar seus laços familiares.
214
Um outro dado observado, e não previsto no texto original, é a
não existência de regras previamente definidas sobre o regime
disciplinar ao qual o adolescente estará submetido durante o
cumprimento da medida socioeducativa, o que proporciona
a ocorrência de uma série de abusos aos mandamentos
democráticos. O próprio Estado lança mão de instrumentos
inadequados para desempenhar a disciplina que não consegue
regular. Assim, a função reeducativa da medida se esvazia,
tornando-se discutível quanto à sua essência.
Material Complementar da Obra
Por isso, propomos regras de regime disciplinar, e o
substitutivo traz, no Capítulo VII do Título II, um conjunto de
preceitos cujo objetivo é sistematizar tal regime.
Optamos por adotar o modelo segundo o qual o Poder
Legislativo, por meio da Lei, traça as normas gerais,
estabelecendo princípios sobre o tema, e as entidades de
atendimento socioeducativo elaboram, em seus respectivos
regimentos, as regras sobre o sistema disciplinar. Em
síntese, o art. 71 do Substitutivo apresenta as diretrizes
nacionais, as quais deverão ser respeitadas pelas entidades
de atendimento na produção de normas a serem aplicadas às
relações e situações concretas a que se destinem.
A capacitação para o trabalho foi outro tema que, a partir da
escuta da sociedade, e de princípios desta relatoria, decidimos
incluir no substitutivo. A proposta apresentada se baseia na
centralidade da educação na vida do adolescente, a valorização
e fortalecimento da participação de sua família na execução da
medida socioeducativa, e na sua preparação para o mundo do
trabalho. O tema era inexistente no projeto original.
Elaboramos então, um capítulo específico, a partir do art. 76
sobre os meios para a capacitação para o trabalho, alterando
as leis de criação do SENAI, SENAC, SENAR e SENAT de
forma a prever oferta de vagas aos usuários do SINASE, nas
condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação
celebrados entre os operadores dos Sistemas S e dos gestores
do atendimento socioeducativo locais. Tal medida deixa larga
margem de flexibilidade para que se possa negociar dentro
das reais possibilidades e a partir de cada realidade local,
a inserção dos adolescentes em cumprimento de medida
socioeducativa em cursos de capacitação profissional. Não
vislumbramos, pois, qualquer prejuízo para o chamado
sistema S com esta proposta, e sim muitos ganhos para os
adolescentes e, obviamente, para a sociedade.
Com igual objetivo, propomos também a alteração da
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT em seu art. 429,
de forma que as empresas que adotam a contratação de
aprendizes incluam os adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa, também por meio de instrumentos
de cooperação locais.
Por fim, no Título III tratamos da transferência dos programas
para seus respectivos entes federados competentes; da
alteração da legislação existente para adequação ao SINASE;
215
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
da obrigatoriedade de se garantir a inserção de adolescentes
em cumprimento de medida socioeducativa na rede pública de
educação, em qualquer fase do período letivo, contemplando
as diversas faixas etárias, graus de instrução e níveis de
ensino (fundamental ou médio).
Entendemos ainda, de extrema importância, alterar o
Estatuto da Criança e do Adolescente para garantir maior
transparência nas doações aos Fundos da Criança, bem como
à execução dos projetos financiados com esses recursos,
inclusive os relativos ao SINASE.
Quanto ao projeto apensado, o PL no 4.450 de 2008, esse propõe
modificações nos arts. 88, 90, 91, 112, 118 e 121 do Estatuto
da Criança e do Adolescente para dispor sobre regimes de
atendimento. Ocorre que as alterações propostas não tratam
especificamente do regime de atendimento socioeducativo,
matéria do PL no 1.627, de 2007. Na verdade, o nobre autor
intenta alterar o Estatuto para prever auxílio à maternidade
e defesa do nascituro; atendimento terapêutico e de saúde;
medidas de proteção, assessoria, suporte e apoio a entidades de
atendimento, bem como apoio sociocomunitário e convivência
familiar e comunitária, além de atividades de educação formal e
educação para o trabalho e profissional, entre outras.
Entendemos que o Estatuto da Criança e do Adolescente
contempla adequadamente em seu Título II – Dos Direitos
Fundamentais, no Capítulo II – Do Direito à Vida e à Saúde,
as ações necessárias ao atendimento da gestante e do recémnascido, assim como no mesmo Título, em seu Capítulo III
– Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária, e Capítulo
IV – do Direito à Educação, à Cultura ao Esporte e ao Lazer,
estão contemplados o objetivo do referido projeto apenso.
216
No entanto, consideramos meritória a preocupação do
autor do PL no 4.450, de 2008, com a educação para o
trabalho profissional e com a avaliação e acompanhamento
das entidades de atendimento, preocupações essas que
consideramos contempladas pelo substitutivo aqui proposto,
deixando claro, porém, que isso somente quanto ao
atendimento socioeducativo, destinado aos adolescentes em
conflito com a lei, matéria da qual trata o projeto principal.
Ou seja, mesmo que no nosso entendimento a tramitação
conjunta não tenha sido o despacho mais adequado, há
méritos no Projeto apenso incorporados por esta relatoria no
cerne do substitutivo ora apresentado.
Material Complementar da Obra
Diante do exposto, contamos com o apoio dos nobres pares a
este parecer e manifestamos o voto pela constitucionalidade,
juridicidade e boa técnica legislativa, pela adequação
financeira e orçamentária e, quanto ao mérito, pela aprovação
do Projeto de Lei no 1.627, de 2007, e seu apenso, PL no 4.450,
de 2008, nos termos do Substitutivo anexo.
Sala da comissão, em de abril de 2009.
DEPUTADA RITA CAMATA
RELATORA
SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI No 1.627, DE 2007
Institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –
SINASE, regulamenta a execução das medidas socioeducativas
destinadas a adolescente que pratique ato infracional, altera
dispositivos da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto
da Criança e do Adolescente, e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
TÍTULO I
DO SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo, e regulamenta a execução das medidas
destinadas a adolescente que pratique ato infracional.
§ 1o Entende-se por Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo – SINASE o conjunto ordenado de princípios,
regras e critérios que envolvem a execução de medidas
socioeducativas incluindo-se nele, por adesão, os sistemas
estaduais, distrital e municipais, bem como todos os
planos, políticas e programas específicos de atendimento a
adolescente em conflito com a lei.
§ 2o Entende-se por medidas socioeducativas as previstas no
art. 112 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da
Criança e do Adolescente, as quais têm por objetivos:
I – A responsabilização do adolescente quanto às
consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível
incentivando a sua reparação;
217
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
II – A integração social do adolescente e a garantia de seus
direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de
seu plano individual de atendimento; e
III – A desaprovação da conduta infracional, efetivando as
disposições da sentença como parâmetro máximo de privação
de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites
previstos em lei.
§ 3o Entende-se por programa de atendimento a organização
e funcionamento, por unidade, das condições necessárias
para o cumprimento das medidas socioeducativas.
§ 4o Entende-se por unidade a base física necessária para a
organização e funcionamento de programa de atendimento.
§ 5o Entende-se por entidade de atendimento a pessoa
jurídica de direito público ou privado, que instala e mantém
a unidade e os recursos humanos e materiais necessários ao
desenvolvimento de programas de atendimento.
Art. 2o O SINASE será coordenado pela União, e integrado
pelos sistemas estaduais, distrital e municipais, responsáveis
pela implementação dos seus respectivos programas
de atendimento a adolescente ao qual seja aplicada
medida socioeducativa, com liberdade de organização e
funcionamento, respeitados os termos desta Lei.
CAPÍTULO II
DAS COMPETÊNCIAS
Art. 3o Compete à União:
I – formular e coordenar a execução da política nacional de
atendimento socioeducativo;
II – elaborar o Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo,
em parceria com os Estados, Distrito Federal e Municípios;
III – prestar assistência técnica e suplementação financeira
aos Estados, Distrito Federal e Municípios para o
desenvolvimento de seus sistemas;
IV – instituir e manter Sistema Nacional de Informações
sobre o Atendimento Socioeducativo – seu funcionamento,
entidades, programas, incluindo dados relativos a
financiamento e população atendida;
V – Contribuir para a qualificação e ação em rede dos Sistemas
de Atendimento Socioeducativo;
218
VI – estabelecer diretrizes sobre a organização e
funcionamento das unidades e programas de atendimento,
Material Complementar da Obra
e as normas de referência destinadas ao cumprimento das
medidas socioeducativas de internação e semiliberdade;
VII – instituir e manter processo de avaliação dos Sistemas
de Atendimento Socioeducativo, seus planos, entidades e
programas;
VIII – financiar, com os demais entes federados, a execução de
programas e serviços do SINASE; e
IX – garantir a publicidade de informações sobre repasses de
recursos aos gestores estaduais, distrital, e municipais, para
financiamento de programas de atendimento socioeducativo.
§ 1o É vedado à União o desenvolvimento e a oferta de
programas próprios de atendimento.
§ 2o Ao Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do
Adolescente – CONANDA compete as funções normativa,
deliberativa, de avaliação e fiscalização do SINASE, nos
termos previstos na Lei no 8.242, de 12 de outubro de 1991,
que cria o referido Conselho.
§ 3o O Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo será
submetido à deliberação do CONANDA.
§ 4o À Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência
da República – SEDH compete as funções executiva e de
gestão do SINASE.
Art. 4o Compete aos Estados:
I – formular, instituir, coordenar e manter Sistema Estadual
de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes
fixadas pela União;
II – elaborar o Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo
em conformidade com o Plano Nacional;
III – criar, desenvolver, e manter programas para a execução
das medidas socioeducativas de semiliberdade e internação;
IV – editar normas complementares para a organização e
funcionamento do seu sistema de atendimento e dos sistemas
municipais;
V – estabelecer com os Municípios formas de colaboração
para o atendimento socioeducativo em meio aberto;
VI – prestar assessoria técnica e suplementação financeira aos
Municípios para a oferta regular de programas de meio aberto;
VII – garantir o pleno funcionamento do plantão
interinstitucional, nos termos previstos no art. 88, V, da Lei
219
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do
Adolescente;
VIII – garantir defesa técnica do adolescente a quem se
atribua prática de ato infracional;
IX – cadastrar-se no Sistema Nacional de Informações sobre
o Atendimento Socioeducativo, e fornecer regularmente os
dados necessários ao povoamento e atualização do Sistema; e
X – cofinanciar, com os demais entes federados, a execução
de programas e ações destinados ao atendimento inicial de
adolescente apreendido para apuração de ato infracional,
bem como aqueles destinados a adolescente a quem foi
aplicada medida socioeducativa privativa de liberdade.
§ 1o Ao Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do
Adolescente compete as funções deliberativas e de controle
do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo, nos
termos previstos no art. 88, II, da Lei no 8.069, de 13 de julho
de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como
outras definidas na legislação estadual ou distrital.
§ 2o O Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo será
submetido à deliberação do Conselho Estadual dos Direitos
da Criança e do Adolescente.
§ 3o Compete ao órgão a ser designado no Plano de que trata
o inciso II do caput deste artigo as funções, executiva e de
gestão do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo.
Art. 5o Compete aos Municípios:
I – formular, instituir, coordenar e manter o Sistema Municipal
de Atendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes
fixadas pela União e o respectivo Estado;
II – elaborar o Plano Municipal de Atendimento
Socioeducativo, em conformidade com o Plano Nacional e o
respectivo Plano Estadual;
III – criar e manter programas de atendimento para a
execução das medidas socioeducativas em meio aberto;
IV – editar normas complementares para a organização e
funcionamento dos programas do seu Sistema de Atendimento
Socioeducativo;
V – cadastrar-se no Sistema Nacional de Informações sobre
o Atendimento Socioeducativo, fornecer regularmente os
dados necessários ao povoamento e atualização do Sistema; e
220
Material Complementar da Obra
VI – cofinanciar, conjuntamente com os demais entes
federados, a execução de programas e ações destinados
ao atendimento inicial de adolescente apreendido para
apuração de ato infracional, bem como aqueles destinados a
adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa em
meio aberto.
§ 1o Para garantir a oferta de programa de atendimento
socioeducativo de meio aberto, os municípios podem instituir
os consórcios dos quais trata a Lei no 11.107, de 6 de abril
de 2005, que “dispõe sobre normas gerais de contratação de
consórcios públicos e dá outras providências”, ou qualquer
outro instrumento jurídico adequado, como forma de
compartilhar responsabilidades.
§ 2o Ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente compete as funções deliberativas e de controle
do Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo, nos
termos previstos no art. 88, II, da Lei no 8.069, de 13 de julho
de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como
outras definidas na legislação municipal.
§ 3o O Plano de que trata o inciso II do caput deste artigo será
submetido à deliberação do Conselho Municipal dos Direitos
da Criança e do Adolescente.
§ 4o Compete ao órgão a ser designado no Plano de que trata
o inciso II do caput deste artigo as funções, executiva e de
gestão do Sistema Municipal de Atendimento Socioeducativo.
Art. 6o Ao Distrito Federal cabem, cumulativamente, as
competências dos Estados e Municípios.
CAPÍTULO III
DOS PLANOS DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO
Art. 7o O Plano de que trata o inc. II do art. 3o desta Lei deverá
incluir um diagnóstico da situação do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo, as diretrizes, os objetivos, as
metas, as prioridades, e as formas de financiamento e gestão
das ações de atendimento para os dez anos seguintes, em
sintonia com os princípios elencados na Lei no 8.069, de 13
de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
§ 1o As normas nacionais de referência para o atendimento
socioeducativo devem constituir Anexo ao Plano de que trata
o inciso II do art. 3o desta Lei.
221
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
§ 2o Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão, com
base no Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo, elaborar
seus planos decenais correspondentes, em até 360 (trezentos e
sessenta dias) a partir da aprovação do Plano Nacional.
Art. 8o Os Planos de Atendimento Socioeducativo deverão,
obrigatoriamente, prever ações articuladas nas áreas de
educação, saúde, assistência social, cultura, capacitação para
o trabalho e esporte, para os adolescentes atendidos, em
conformidade com os princípios elencados na Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
Parágrafo único. Os Poderes Legislativos Federal, Estaduais,
Distrital, e Municipais, por meio de suas comissões temáticas
pertinentes, acompanharão a execução dos Planos de
Atendimento Socioeducativo dos respectivos entes federados.
CAPÍTULO IV
DOS PROGRAMAS DE ATENDIMENTO
SEÇÃO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 9o Os Estados e o Distrito Federal inscreverão seus
programas de atendimento e alterações no Conselho Estadual
ou Distrital dos Direitos da Criança e do Adolescente,
conforme o caso.
Art. 10. Os municípios inscreverão seus programas e
alterações, bem como as entidades de atendimento
executoras, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e
do Adolescente.
Art. 11. Além da especificação do regime, são requisitos
obrigatórios para a inscrição de programa de atendimento:
I – a exposição das linhas gerais dos métodos e técnicas pedagógicas,
com a especificação das atividades de natureza coletiva;
II – a indicação da estrutura material, dos recursos
humanos e das estratégias de segurança compatíveis com as
necessidades da respectiva unidade;
III – regimento interno que regule o funcionamento da
entidade, no qual deverá constar no mínimo:
a) o detalhamento das atribuições e responsabilidades do
dirigente, de seus prepostos, dos membros da equipe técnica
e dos demais educadores;
222
b) a previsão das condições do exercício da disciplina e concessão
de benefícios e o respectivo procedimento de aplicação; e
Material Complementar da Obra
c) a previsão da concessão de benefícios extraordinários
e enaltecimento, tendo em vista tornar público o
reconhecimento ao adolescente pelo esforço realizado na
consecução dos objetivos do plano individual;
IV – a política de formação dos recursos humanos;
V – a previsão das ações de acompanhamento do adolescente
após o cumprimento de medida socioeducativa;
VI – a indicação da equipe técnica, cuja quantidade e formação
devem estar em conformidade com as normas de referência
do sistema, dos conselhos profissionais e com o atendimento
socioeducativo a ser realizado; e
VII – A adesão ao Sistema de Informações sobre o Atendimento
Socioeducativo, bem como sua operação efetiva.
Parágrafo único. O não cumprimento do previsto neste artigo
sujeita as entidades de atendimento, órgãos gestores, seus
dirigentes ou prepostos, à aplicação das medidas previstas
no art. 97 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Art. 12. A composição da equipe técnica do programa de
atendimento deverá ser interdisciplinar, compreendendo,
no mínimo, profissionais das áreas de saúde, educação e
assistência social, de acordo com as normas de referência.
§ 1o Outros profissionais podem ser acrescentados às equipes
para atender necessidades específicas do programa.
§ 2o Regimento interno deve discriminar as atribuições de
cada profissional, sendo proibida a sobreposição dessas
atribuições na entidade de atendimento.
§ 3o O não cumprimento do previsto neste artigo sujeita as
entidades de atendimento, seus dirigentes ou prepostos, à
aplicação das medidas previstas no art. 97 da Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
SEÇÃO II
DOS PROGRAMAS DE MEIO ABERTO
Art. 13 Compete à direção do programa de prestação de
serviços à comunidade, ou de liberdade assistida:
I – selecionar e credenciar orientadores, designando-os, caso
a caso, para acompanhar e avaliar o cumprimento da medida;
II – receber o adolescente e seus pais ou responsável e
orientá-los sobre a finalidade da medida e a organização e
funcionamento do programa;
223
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
III – encaminhar o adolescente para o orientador credenciado;
IV – supervisionar o desenvolvimento da medida; e
V – avaliar, com o orientador, a evolução do cumprimento da
medida e, se necessário, propor à autoridade judiciária sua
substituição, suspensão ou extinção.
Parágrafo único. O rol de orientadores credenciados deverá
ser comunicado, semestralmente, à autoridade judiciária e ao
Ministério Público.
Art. 14. Incumbe ainda à direção do programa de medida de
prestação de serviços à comunidade, selecionar e credenciar
entidades assistenciais, hospitais, escolas ou outros
estabelecimentos congêneres, bem como os programas
comunitários ou governamentais, de acordo com o perfil do
socioeducando e o ambiente no qual a medida será cumprida.
Parágrafo único. Se o Ministério Público impugnar o
credenciamento, ou a autoridade judiciária considerálo inadequado, instaurará incidente de impugnação, com
a aplicação subsidiária do procedimento de apuração de
irregularidade em entidade de atendimento regulamentado
na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança
e do Adolescente, devendo citar o dirigente do programa e a
direção da entidade, ou órgão credenciado.
SEÇÃO III
DOS PROGRAMAS DE PRIVAÇÃO DA LIBERDADE
Art. 15 São requisitos específicos para a inscrição de
programas de regime de semiliberdade ou internação:
I – a comprovação da existência de estabelecimento
educacional com instalações adequadas e em conformidade
com as normas de referência;
II – a previsão do processo e dos requisitos para a escolha do
dirigente;
III – a apresentação das atividades de natureza coletiva;
IV – a definição das estratégias para a gestão de conflitos,
vedada a previsão de isolamento cautelar, exceto nos casos
previstos no § 2o do art. 49 desta Lei; e
V – a previsão de regime disciplinar nos termos do art. 72
desta Lei.
Art. 16. A estrutura física da unidade deverá ser compatível
com as normas de referência do SINASE.
224
Material Complementar da Obra
§ 1o É vedada a edificação de unidades socioeducacionais
em espaços contíguos, anexos, ou de qualquer outra forma
integrados a estabelecimentos penais.
§ 2o A direção da unidade adotará, em caráter excepcional,
medidas para proteção do interno em casos de risco à sua
integridade física, à sua vida, ou de outrem, comunicando, de
imediato, seu defensor e o Ministério Público.
Art. 17. Para o exercício da função de dirigente de programa de
atendimento em regime de semiliberdade ou de internação,
além dos requisitos específicos previstos no respectivo
programa de atendimento é necessário:
I – formação de nível superior compatível com a natureza da
função;
II – comprovada experiência no trabalho com adolescentes
de, no mínimo, 2 (dois) anos; e
III – reputação ilibada;
CAPÍTULO V
DA AVALIAÇÃO E ACOMPANHAMENTO DA GESTÃO DO
ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO
Art. 18. A União, em articulação com os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, realizará avaliações periódicas da
implementação dos Planos de Atendimento Socioeducativo
em intervalos não superiores a três anos.
§ 1o O objetivo da avaliação é verificar o cumprimento das
metas estabelecidas, e elaborar recomendações aos gestores
e operadores dos Sistemas.
§ 2o O processo de avaliação deverá contar com a participação
de representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público,
da Defensoria Pública e dos Conselhos Tutelares, na forma a
ser definida em regulamento.
§ 3o A primeira avaliação do Plano Nacional de Atendimento
Socioeducativo realizar-se-á no terceiro ano de vigência
desta Lei, cabendo ao Poder Legislativo Federal acompanhar
o trabalho por meio de suas comissões temáticas pertinentes.
Art. 19. Fica instituído o Sistema Nacional de Avaliação e
Acompanhamento do Atendimento Socieducativo com os
seguintes objetivos:
I – contribuir para a organização da rede de atendimento
socioeducativo;
225
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
II – assegurar conhecimento rigoroso sobre as ações do
atendimento socioeducativo e seus resultados;
III – promover a melhora da qualidade da gestão e do
atendimento socioeducativo; e
IV – disponibilizar informações sobre o atendimento
socioeducativo.
§ 1o A Avaliação abrangerá, no mínimo, a gestão, as entidades
de atendimento, os programas e os resultados da execução
das medidas socioeducativas.
I – Ao final da avaliação será elaborado relatório contendo
histórico e diagnóstico da situação, as recomendações e
os prazos para que essas sejam cumpridas, além de outros
elementos a serem definidos em regulamento;
II – O relatório da avaliação deverá ser encaminhado aos
respectivos Conselhos de Direitos, Conselhos Tutelares, bem
como ao Ministério Público; e
III – Os gestores e entidades têm o dever de colaborar com o
processo de avaliação, facilitando o acesso às suas instalações,
documentação e a todos os elementos necessários ao seu
efetivo cumprimento.
§ 2o O Acompanhamento tem por objetivo verificar o
cumprimento das metas dos Planos de Atendimento
Socioeducativo.
Art. 20. O Sistema Nacional de Avaliação e Acompanhamento
da Gestão do Atendimento Socioeducativo assegurará, na
metodologia a ser empregada:
I – a realização da autoavaliação dos gestores e das instituições
de atendimento;
II – a avaliação institucional externa, contemplando a
análise global e integrada das instalações físicas, relações
institucionais, compromisso social, atividades e finalidades
das instituições de atendimento e seus programas;
III – o respeito à identidade e à diversidade de entidades e
programas;
IV – a participação do corpo de funcionários das entidades de
atendimento, e dos Conselhos Tutelares da área de atuação
da entidade avaliada; e
V – o caráter público de todos os procedimentos, dados e
resultados dos processos avaliativos.
226
Material Complementar da Obra
Art. 21. A avaliação será coordenada por uma comissão
permanente e realizada por comissões temporárias,
essas compostas, no mínimo, por três especialistas com
reconhecida atuação na área temática, e definidas na forma
do regulamento.
Parágrafo único. É vedado à comissão permanente designar
avaliadores:
I – que sejam titulares ou servidores dos órgãos gestores
avaliados, ou funcionários das entidades avaliadas;
II – que tenham relação de parentesco até 3o grau com
titulares ou servidores dos órgãos gestores avaliados e/ou
funcionários das entidades avaliadas; e
III – que estejam respondendo a processos criminais.
Art. 22. A avaliação da gestão terá por objetivo:
I – verificar se o planejamento orçamentário e sua execução
se processam de forma compatível com as necessidades do
Sistema respectivo de Atendimento Socioeducativo;
II – verificar a manutenção do fluxo financeiro, considerando
as necessidades operacionais do atendimento socioeducativo,
as normas de referência e as condições previstas nos
instrumentos jurídicos celebrados entre os órgãos gestores e
as entidades de atendimento;
IIII – verificar a implementação de todos os demais
compromissos assumidos quando da celebração dos
instrumentos
jurídicos
relativos
ao
atendimento
socioeducativo; e
IV – articulação interinstitucional e intersetorial das políticas.
Art. 23. A avaliação das entidades terá por objetivo identificar
o perfil e o impacto de sua atuação, por meio de suas
atividades, programas e projetos, considerando as diferentes
dimensões institucionais e, entre elas, obrigatoriamente, as
seguintes:
I – o plano de desenvolvimento institucional;
II – a responsabilidade social, considerada especialmente
sua contribuição para a inclusão social e o desenvolvimento
socioeconômico do adolescente e sua família;
III – a comunicação e o intercâmbio com a sociedade;
IV – as políticas de pessoal quanto à qualificação,
aperfeiçoamento, desenvolvimento profissional e condições
de trabalho;
227
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
V – a adequação da infraestrutura física às normas de
referência;
VI – o planejamento e autoavaliação quanto aos processos,
resultados, eficiência e eficácia do projeto pedagógico e da
proposta socioeducativa;
VII – as políticas de atendimento para os adolescentes e suas
famílias;
VIII – atenção integral à saúde dos adolescentes em
conformidade com as diretrizes do art. 60 desta Lei; e
IX – sustentabilidade financeira.
Art. 24. A avaliação dos programas terá por objetivo verificar,
no mínimo, o atendimento ao que determinam os arts. 94,100,
117, 119, 120, 123, e 124 da Lei no 8.069, de 13 de julho de
1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 25 A avaliação dos resultados da execução de medida
socioeducativa terá por objetivo, no mínimo:
I – verificar a situação do adolescente após cumprimento da
medida socioeducativa, tomando por base suas perspectivas
educacionais, sociais, profissionais e familiares; e
II – verificar reincidência de prática de ato infracional.
Art. 26. Os resultados da avaliação serão utilizados para:
I – planejamento de metas e eleição de prioridades do Sistema
de Atendimento Socioeducativo e seu financiamento;
II – reestruturação e/ou ampliação da rede de atendimento
socioeducativo,
de
acordo
com
as
necessidades
diagnosticadas;
III – adequação dos objetivos e da natureza do atendimento
socioeducativo prestado pelas entidades avaliadas;
IV – celebração de instrumentos de cooperação com vistas à
correção de problemas diagnosticados na avaliação;
V – reforço de financiamento para fortalecer a rede de
atendimento socioeducativo;
VI – melhorar e ampliar a capacitação dos operadores do
Sistema de Atendimento Socioeducativo; e
VII – os efeitos do art. 95 da Lei no 8.069, de 13 de julho de
1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
228
Parágrafo único. As recomendações originadas da Avaliação
deverão indicar prazo para cumprimento por parte das
entidades de atendimento e dos gestores avaliados, ao fim do
Material Complementar da Obra
qual estarão sujeitos às medidas previstas no art. 28 desta
Lei.
Art. 27. As Informações produzidas a partir do Sistema Nacional
de Informações sobre Atendimento Socioeducativo serão
utilizadas para subsidiar a avaliação, o acompanhamento, a
gestão e o financiamento dos Sistemas Nacional, Distrital,
Estaduais e Municipais de Atendimento Socioeducativo.
CAPÍTULO VI
DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS GESTORES, OPERADORES E
ENTIDADES DE ATENDIMENTO
Art. 28. No caso do desrespeito, mesmo que parcial, ou do
não cumprimento integral às diretrizes e determinações
desta Lei, em todas as esferas, ficam sujeitos:
I – gestores, operadores e seus prepostos, e entidades
governamentais, às medidas previstas no art. 97, I, e parágrafo
único da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da
Criança e do Adolescente; e
II – entidades não governamentais, seus gestores, operadores
e prepostos, às medidas previstas no art. 97, II, e parágrafo
único da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Parágrafo único. A aplicação das medidas previstas neste
artigo se dará a partir da análise de relatório circunstanciado
elaborado após as avaliações, sem prejuízo do que
determinam os arts. 191 a 197; 225 a 227; 230 a 236; 243; e
245 a 247 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Art. 29. Àqueles que, mesmo não sendo agente público,
induzam ou concorram, sob qualquer forma, direta ou
indireta, para o não cumprimento desta Lei, aplicam-se, no
que couber, as penalidades dispostas na Lei no 8.429, de 2
de junho de 1992, que dispõe sobre “as sanções aplicáveis
aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito
no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na
administração pública direta, indireta ou fundacional e dá
outras providências”, Lei da Improbidade Administrativa.
CAPÍTULO VII
DO FINANCIAMENTO E DAS PRIORIDADES
Art. 30. O SINASE será cofinanciado com recursos dos
orçamentos fiscal, e da seguridade social, com alocação
229
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
obrigatória nos orçamentos dos órgãos responsáveis pelas
políticas dele integrantes, além de outras fontes.
§ 1o Os entes federados que tenham instituído seus sistemas de
atendimento socioeducativo terão acesso aos recursos na forma
de transferência adotada pelos órgãos integrantes do SINASE.
§ 2o Os entes federados beneficiados com recursos dos
orçamentos dos órgãos responsáveis pelas políticas integrantes
do SINASE, ou de outras fontes, estão sujeitos às normas
e procedimentos de monitoramento estabelecidos pelas
instâncias dos órgãos das políticas setoriais envolvidas, sem
prejuízo do disposto nos arts. 4o, IX e X; 5o, V e VI, e 6o desta Lei.
Art. 31. Os Conselhos de Direitos, nas três esferas de governo
definirão, anualmente, o percentual de recursos dos Fundos
de Direitos da Criança e do Adolescente a serem aplicados
no financiamento das ações previstas nesta Lei, em especial
para capacitação, sistemas de informação e de avaliação.
Parágrafo único. Os entes federados beneficiados com
recursos do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente
para ações de atendimento socioeducativo, prestarão
informações sobre o desempenho dessas ações por meio do
Sistema de Informações sobre Atendimento Socioeducativo.
Art. 32. A Lei no 7.560, de 19 de dezembro de 1986, que Cria o
Fundo de Prevenção, Recuperação e de Combate às Drogas de
Abuso, dispõe sobre os bens apreendidos e adquiridos com
produtos de tráfico ilícito de drogas ou atividades correlatas, e dá
outras providências, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art 5o (...)
IX – às entidades governamentais e não governamentais
integrantes do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo.
Art. 5o A Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD, órgão
gestor do FUNAD, poderá financiar projetos das entidades do
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo desde que:
I – o ente federado de vinculação da entidade que solicita
o recurso possua o respectivo Plano de Atendimento
Socioeducativo aprovado;
II – as entidades, governamentais e não governamentais
integrantes do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo que solicitem recursos tenham participado
da avaliação nacional do atendimento socioeducativo.
230
Material Complementar da Obra
III – o projeto apresentado esteja de acordo com os
pressupostos da Política Nacional sobre Drogas, e legislação
específica.” (NR)
Art. 33. A Lei no 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que Regula
o Programa do Seguro-Desemprego, o Abono Salarial, institui
o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e dá outras
providências passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art 10-A. O Conselho Deliberativo do FAT poderá priorizar
projetos das entidades integrantes do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo desde que:
I – o ente federado de vinculação da entidade que solicita
o recurso possua o respectivo Plano de Atendimento
Socioeducativo aprovado;
II – as entidades, governamentais e não governamentais,
integrantes do Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo que solicitem recursos tenham se submetido
à avaliação nacional do atendimento socioeducativo.” (NR)
Art. 34. O art. 2o da Lei no 5.537, de 21 de novembro de
1968, que institui o Fundo Nacional do Desenvolvimento da
Educação, passa a vigorar acrescida do seguinte § 3o:
“Art. 2o (...)
§ 3o O fundo de que trata o art. 1o poderá financiar, na forma
das resoluções de seu conselho deliberativo, programas e
projetos de educação básica relativos ao Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo desde que:
I – O ente federado que solicitar o recurso possua o respectivo
Plano de Atendimento Socioeducativo aprovado;
II – As entidades de atendimento vinculadas ao ente federado
que solicitar o recurso tenham se submetido à avaliação
nacional do atendimento socioeducativo; e
III – O ente federado tenha assinado o plano de metas
‘Compromisso Todos pela Educação’ e elaborado o respectivo
Plano de Ações Articuladas (PAR).” (NR)
TÍTULO II
DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á
pelos seguintes princípios:
231
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
I – legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento
mais gravoso do que o conferido ao adulto;
II – excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição
de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de
conflitos;
III – prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas
e, sempre que possível atendam às necessidades das vítimas;
IV – proporcionalidade em relação à ofensa cometida;
V – brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em
especial o respeito ao que dispõe o art. 122 da Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente;
VI – individualização, considerando-se a idade, capacidades e
circunstâncias pessoais do adolescente;
VII – mínima intervenção, restrita ao necessário para a
realização dos objetivos da medida;
VIII – não discriminação do adolescente, notadamente em
razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação
religiosa, política sexual, ou associação ou pertencimento a
qualquer minoria ou status; e
IX – fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no
processo socioeducativo.
CAPÍTULO II
DOS PROCEDIMENTOS
Art. 36. A competência para jurisdicionar a execução das
medidas socioeducativas segue o determinado pelo art. 146
da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Art. 37. A defesa e o Ministério Público intervirão, sob
pena de nulidade, no procedimento judicial de execução de
medida socioeducativa, asseguradas aos seus membros as
prerrogativas previstas na Lei no 8.069, de 13 de julho de
1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, podendo requerer
as providências necessárias para adequar a execução aos
ditames legais e regulamentares.
Art. 38. As medidas de proteção, de advertência, e de
reparação do dano, quando aplicadas de forma isolada, serão
executadas nos próprios autos do processo de conhecimento,
respeitado o disposto nos arts. 143 e 144 da Lei no 8.069 de
13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
232
Material Complementar da Obra
Art. 39. Para aplicação das medidas socioeducativas de
prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida,
semiliberdade ou internação, será constituído processo
de execução para cada adolescente, respeitado o disposto
nos arts. 143 e 144 da Lei no 8.069 de 13 de julho de 1990,
Estatuto da Criança e do Adolescente, e com autuação das
seguintes peças:
I – documentos de caráter pessoal do adolescente existentes
no processo de conhecimento, especialmente os que
comprovem sua idade; e
II – as indicadas pela autoridade judiciária, sempre que
houver necessidade e, obrigatoriamente:
a) cópia da representação;
b) cópia da certidão de antecedentes;
c) cópia da sentença ou acórdão; e
d) cópia de estudos técnicos realizados durante a fase de
conhecimento.
Parágrafo único. Procedimento idêntico será observado na
hipótese de medida aplicada em sede de remissão, como
forma de suspensão do processo.
Art. 40. Autuadas as peças, a autoridade judiciária
encaminhará, imediatamente, cópia integral do expediente
ao órgão gestor do atendimento socioeducativo, solicitando
designação do programa ou da unidade de cumprimento da
medida.
Art. 41. A autoridade judiciária dará vistas da proposta de
plano individual de que trata o art. 53 desta Lei ao defensor
e ao Ministério Público pelo prazo sucessivo de três dias,
contados do recebimento da proposta encaminhada pela
direção do programa de atendimento.
§ 1o O defensor e o Ministério Público poderão requerer, e o
Juiz da Execução poderá determinar, de ofício, a realização de
qualquer avaliação ou perícia que entenderem necessárias
para complementação do plano individual.
§ 2o A impugnação ou complementação do plano individual,
requerida pelo defensor ou pelo Ministério Público, deverá
ser fundamentada, podendo a autoridade judiciária indeferila, se entender insuficiente a motivação.
§ 3o Admitida a impugnação, ou se entender que o plano é
inadequado, a autoridade judiciária designará, se necessário,
233
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
audiência da qual cientificará o defensor, o Ministério Público,
a direção do programa de atendimento, o adolescente, e seus
pais ou responsável.
§ 4o A impugnação não suspenderá a execução do plano
individual, salvo determinação judicial em contrário.
§ 5o Findo o prazo sem impugnação, considerar-se-á o plano
individual homologado.
Art. 42 As medidas socioeducativas de liberdade assistida,
de semiliberdade e internação, deverão ser reavaliadas no
máximo a cada seis meses, podendo a autoridade judiciária,
se necessário, designar audiência, no prazo máximo de 10
(dez) dias, cientificando o defensor, o Ministério Público, a
direção do programa de atendimento, o adolescente, e seus
pais ou responsável.
§ 1o A audiência será instruída com o relatório da equipe
técnica do programa de atendimento sobre a evolução do
plano de que trata o art. 52 desta Lei, e qualquer outro parecer
técnico requerido pelas partes e deferido pela autoridade
judiciária.
§ 2o A gravidade do ato infracional, os antecedentes e o tempo
de duração da medida não são fatores que, por si, justifiquem
a não substituição da medida por outra menos grave.
§ 3o Considera-se mais grave a internação, em relação a todas
as demais medidas, e mais grave a semiliberdade, em relação
às medidas de meio aberto.
Art. 43. A reavaliação da manutenção, a substituição ou
a suspensão das medidas de meio aberto ou de privação
da liberdade, e do respectivo plano individual, pode ser
solicitada a qualquer tempo, a pedido da direção do programa
de atendimento, do defensor, do Ministério Público, do
adolescente, de seus pais ou responsável.
§ 1o Justifica o pedido de reavaliação, entre outros motivos:
I – o desempenho adequado do adolescente com base no
seu plano de atendimento individual, antes do prazo da
reavaliação obrigatória;
II – a inadaptação do adolescente ao programa e o reiterado
descumprimento das atividades do plano individual; e
234
III – a necessidade da modificação das atividades do plano
individual que importem em maior restrição da liberdade do
adolescente.
Material Complementar da Obra
§ 2o A autoridade judiciária poderá indeferir o pedido, de
pronto, se entender insuficiente a motivação.
§ 3o Admitido o processamento do pedido, a autoridade
judiciária, se necessário, designará audiência, observando o
princípio do art. 42, § 1o, desta Lei.
§ 4o A substituição por medida mais gravosa somente
ocorrerá em situações excepcionais, após o devido processo
legal, inclusive nas hipóteses do art. 122, III, da Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990, Estatuto da criança e do Adolescente,
e deve ser:
a) fundamentada em parecer técnico;
b) precedida de prévia audiência, e nos termos do art. 42,
§ 1o, desta lei;
Art. 44. Na hipótese de substituição da medida ou modificação
das atividades do plano individual, a autoridade judiciária
remeterá o inteiro teor da decisão à direção do programa de
atendimento, assim como as peças que entender relevantes à
nova situação jurídica do adolescente.
Parágrafo único. No caso da substituição da medida
importar em vinculação do adolescente a outro programa de
atendimento, o plano individual e o histórico do cumprimento
da medida deverão acompanhar a transferência.
Art. 45. Se no transcurso da execução sobrevier sentença de
aplicação de nova medida, a autoridade judiciária procederá
à unificação, ouvidos, previamente, o Ministério Público e o
Defensor, no prazo de três dias sucessivos, decidindo-se em
igual prazo.
§ 1o É vedado à autoridade judiciária determinar reinício
de cumprimento de medida socioeducativa, ou deixar de
considerar os prazos máximos, e de liberação compulsória
previstos na Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto
da Criança e do Adolescente, excetuada a hipótese de medida
aplicada por ato infracional praticado durante a execução;
§ 2o É vedado à autoridade judiciária aplicar nova medida de
internação, por atos infracionais praticados anteriormente, a
adolescente que já tenha concluído cumprimento de medida
socioeducativa dessa natureza, ou que tenha sido transferido
para cumprimento de medida menos rigorosa, ficando tais
atos absorvidos por aqueles aos quais se impôs a medida
socioeducativa extrema.
235
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Art. 46. A medida socioeducativa será declarada extinta:
I – pela morte do adolescente;
II – pela realização de sua finalidade;
III – pela aplicação de pena privativa de liberdade, a ser
cumprida em regime fechado ou semiaberto, em execução
provisória ou definitiva; e
IV – pela condição de doença grave, que torne o adolescente
incapaz de submeter-se ao cumprimento da medida; e
V – nas demais hipóteses previstas em lei.
§ 1o Caso o maior de dezoito anos, em cumprimento de
medida socioeducativa, responder a processo-crime, caberá
a autoridade judiciária decidir sobre eventual extinção
da execução, cientificando da decisão o juízo criminal
competente.
§ 2o Em qualquer caso, o tempo de prisão cautelar não
convertida em pena privativa de liberdade deve ser descontado
do prazo de cumprimento da medida socioeducativa.
Art. 47. O mandado de busca e apreensão do adolescente terá
vigência máxima de seis meses, a contar da data da expedição,
podendo, se necessário, ser renovado, fundamentadamente.
Art. 48. O defensor, o Ministério Público, o adolescente e seus
pais ou responsável poderão postular revisão judicial de
qualquer sanção disciplinar aplicada, podendo a autoridade
judiciária suspender a execução da sanção até decisão final
do incidente.
§ 1o Postulada a revisão após ouvida a autoridade colegiada
que aplicou a sanção e, havendo provas a produzir em
audiência, procederá o magistrado na forma do art. 42, § 1o
desta lei.
§ 2o É vedada a aplicação de sanção disciplinar de isolamento
a adolescente interno, exceto seja essa imprescindível para
garantia da segurança de outros internos ou, do próprio
adolescente a quem seja imposta a sanção, sendo necessária
ainda comunicação ao defensor, ao Ministério Público e à
autoridade judiciária, em até 24 (vinte e quatro) horas.
CAPÍTULO III
DOS DIREITOS INDIVIDUAIS
236
Art. 49. São direitos do adolescente submetido ao
cumprimento de medida socioeducativa, sem prejuízo de
outros previstos em lei:
Material Complementar da Obra
I – ser acompanhado por seus pais ou responsável e por seu
defensor, em qualquer fase do procedimento administrativo
ou judicial;
II – ser incluído em programa de meio aberto quando
inexistir vaga para o cumprimento de medida de privação
da liberdade, exceto nos casos de ato infracional cometido
mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando o
adolescente deverá ser internado em Unidade mais próxima
de seu local de residência;
III – ser respeitado em sua personalidade, intimidade,
liberdade de pensamento e religião, e em todos os direitos
não expressamente limitados na sentença;
IV – peticionar, por escrito ou verbalmente, diretamente
a qualquer autoridade ou órgão público, devendo,
obrigatoriamente, ser respondido em até quinze dias;
V – ser informado, inclusive por escrito, das normas de
organização e funcionamento do programa de atendimento e
também das previsões de natureza disciplinar;
VI – receber, sempre que solicitar, informações sobre a evolução
de seu plano individual, participando, obrigatoriamente, de
sua elaboração e, se for o caso, reavaliação;
VII – receber assistência integral à sua saúde, conforme o
disposto no art. 60 desta Lei; e
VIII – garantia de atendimento em creche e pré-escola aos
filhos de 0 (zero) a 5 (cinco) anos.
§ 1o As garantias processuais destinadas a adolescente autor
de ato infracional previstas na Lei no 8.069, de 13 de julho
de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, aplicam-se
integralmente na execução das medidas socioeducativas,
inclusive no âmbito administrativo.
§ 2o A oferta irregular de programas de atendimento
socioeducativo em meio aberto não poderá ser invocada
como motivo para aplicação ou manutenção de medida de
privação da liberdade.
Art. 50. Sem prejuízo do disposto no art. 121, § 1o, da Lei
no 8.069 de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e
do Adolescente, a direção do programa de execução de
medida de privação de liberdade poderá autorizar a saída,
monitorada, do adolescente nos casos de tratamento médico,
doença grave ou falecimento, devidamente comprovados, de
237
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
pai, mãe, filho, cônjuge, companheiro ou irmão, com imediata
comunicação ao Juízo competente.
Art. 51. A decisão judicial relativa à execução de medida
socioeducativa será proferida após manifestação do defensor
e do Ministério Público.
CAPÍTULO IV
DO PLANO INDIVIDUAL DE ATENDIMENTO – PIA
Art. 52. O cumprimento das medidas socioeducativas, em
regime de prestação de serviços à comunidade, liberdade
assistida, semiliberdade ou internação, dependerá de Plano
Individual de Atendimento – PIA, instrumento de previsão,
registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com
o adolescente.
Parágrafo Único. O PIA deverá contemplar a participação
dos pais ou responsáveis, os quais têm o dever de contribuir
com o processo ressocializador do adolescente, sendo esses
passíveis de responsabilização administrativa nos termos do
art. 249 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da
Criança e do Adolescente, civil e criminal.
Art. 53. O PIA será elaborado sob a responsabilidade da
equipe técnica do respectivo programa de atendimento,
com a participação efetiva do adolescente e de sua família,
representada por seus pais ou responsável.
Art. 54. Constarão do plano individual, no mínimo:
I – os resultados da avaliação interdisciplinar;
II – os objetivos declarados pelo adolescente;
III – a previsão de suas atividades de integração social e/ou
capacitação profissional;
IV – atividades de integração e apoio à família;
V – formas de participação da família para efetivo
cumprimento do plano individual; e
VI – as medidas específicas de atenção à sua saúde.
Art. 55. Para o cumprimento das medidas de semiliberdade
ou de internação, o plano individual conterá, ainda:
I – a designação do programa de atendimento mais adequado
para o cumprimento da medida;
II – a definição das atividades internas e externas, individuais
ou coletivas, das quais o adolescente poderá participar; e
238
Material Complementar da Obra
III – a fixação das metas para o alcance de desenvolvimento
de atividades externas;
Parágrafo único. O PIA será elaborado no prazo de até
quarenta e cinco dias da data do ingresso do adolescente no
programa de atendimento.
Art. 56. Para o cumprimento das medidas de prestação
de serviços à comunidade e de liberdade assistida, o PIA
será elaborado no prazo de até quinze dias do ingresso do
adolescente no programa de atendimento.
Art. 57. Para a elaboração do PIA, a direção do respectivo
programa de atendimento, pessoalmente ou por meio
de membro da equipe técnica, terá acesso aos autos do
procedimento de apuração do ato infracional e aos dos
procedimentos de apuração de outros atos infracionais
atribuídos ao mesmo adolescente.
§ 1o O acesso aos documentos de que trata o caput deverá
ser realizado por funcionário da entidade de atendimento,
devidamente credenciado para tal atividade, ou por membro
da direção, em conformidade com as normas a serem
definidas pelo Poder Judiciário, de forma a preservar o que
determinam os arts. 143 e 144 da Lei no 8.069, de 13 de julho
de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente.
§ 2o A direção poderá requisitar, ainda:
I – ao estabelecimento de ensino, o histórico escolar do
adolescente e as anotações sobre o seu aproveitamento;
II – os dados sobre o resultado de medida anteriormente
aplicada e cumprida em outro programa de atendimento; e
III – os resultados de acompanhamento especializado
anterior.
Art. 58. Por ocasião da reavaliação da Medida é obrigatória a
apresentação, pela direção do programa de atendimento, de
relatório da equipe técnica sobre a evolução do adolescente
no cumprimento do plano individual.
Art. 59. O acesso ao plano individual será restrito aos
servidores do respectivo programa de atendimento, ao
adolescente e a seus pais ou responsável, ao Ministério
Público e ao defensor, exceto expressa autorização judicial.
CAPÍTULO V
DA ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DE ADOLESCENTE EM
CUMPRIMENTO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
SEÇÃO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 60. A atenção integral à saúde do adolescente no
Sistema de Atendimento Socioeducativo seguirá as seguintes
diretrizes:
I – previsão, nos planos de atendimento socioeducativo, em
todas as esferas, da implantação de ações de promoção da
saúde, com o objetivo de integrar as ações socioeducativas,
estimulando a autonomia, a melhoria das relações
interpessoais, bem como o fortalecimento de redes de apoio
aos adolescentes e suas famílias;
II – inclusão de ações e serviços para a promoção, proteção,
prevenção de agravos e doenças, e recuperação da saúde;
III – cuidados especiais em saúde mental, incluindo os
relacionados ao uso de álcool e outras substâncias psicoativas,
e atenção aos adolescentes com deficiências;
IV – disponibilização de ações de atenção à saúde sexual
e reprodutiva, e à prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis;
V – garantia de acesso a todos os níveis de atenção à saúde,
por meio de referência e contrarreferência, de acordo com as
normas do Sistema Único de Saúde (SUS);
VI – capacitação das equipes de saúde e dos profissionais das
entidades de atendimento, bem como daqueles que atuam nas
unidades de saúde de referência voltadas às especificidades
de saúde desta população e de suas famílias;
VII – inclusão, nos Sistemas de Informação de Saúde do SUS,
bem como no Sistema de Informações sobre Atendimento
Socioeducativo, de dados e indicadores de saúde da população
de adolescentes em atendimento socioeducativo; e
VIII – estruturação das unidades de internação às normas
de referência do SUS e do SINASE, visando o atendimento às
necessidades de Atenção Básica.
Art. 61. As entidades que ofereçam programas de atendimento
socioeducativo em meio aberto e de semiliberdade deverão
prestar orientações aos socioeducandos sobre o acesso aos
serviços e unidades do SUS.
Art. 62. As entidades que ofereçam programas de privação
de liberdade deverão contar com uma equipe mínima
240
Material Complementar da Obra
de profissionais de saúde cuja composição esteja em
conformidade com as normas de referência do SUS.
Art. 63. As unidades destinadas a internação feminina
deverão dispor de dependência adequada para, em caso de
emergência, atender adolescente grávida, parturiente e/ou
convalescente sem condições de ser levada a Unidade do SUS.
§ 1o O filho de adolescente nascido nos estabelecimentos
referidos no caput deste artigo, não terá tal informação
lançada em seu registro de nascimento.
§ 2o Serão asseguradas as condições necessárias para que a
adolescente submetida à execução de medida socioeducativa
de privação de liberdade permaneça com o seu filho durante
o período de amamentação.
SEÇÃO II
DO ATENDIMENTO A ADOLESCENTE COM TRANSTORNO
MENTAL E DEPENDÊNCIA DE ALCÓOL E SUBSTÂNCIA
PSICOATIVA
Art 64. O adolescente em cumprimento de medida
socioeducativa que apresente indícios de transtorno mental,
de deficiência mental, ou associadas, deverá ser avaliado por
equipe técnica multidisciplinar e multisetorial.
§ 1o As competências, composição e atuação da equipe
técnica de que trata o caput deverão seguir, conjuntamente,
as normas de referência dos SUS e do SINASE, na forma do
regulamento.
§ 2o A avaliação de que trata o caput subsidiará a elaboração e
execução da terapêutica a ser adotada, terapêutica essa a ser
incluída no Plano Individual de Atendimento do adolescente,
prevendo, se necessário, ações voltadas para a família.
§ 3o As informações produzidas na avaliação de que trata o
caput são consideradas sigilosas.
§ 4o Excepcionalmente, o juiz poderá suspender a execução
da medida socioeducativa, ouvidos o defensor e Ministério
Público, com vistas a incluir o adolescente em programa
de atenção integral à saúde mental que melhor atenda
aos objetivos terapêuticos estabelecidos para o seu caso
específico.
§ 5o Suspensa a execução da medida socioeducativa, o juiz
designará o responsável por acompanhar e informar sobre a
evolução do atendimento ao adolescente.
241
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
§ 6o A suspensão da execução da medida socioeducativa será
avaliada, no mínimo, a cada seis meses.
§ 7o O tratamento a que se submeterá o adolescente deverá
observar o previsto na Lei no 10.216, de 6 de abril de 2001, que
dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras
de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial
em saúde mental.
§ 8o Na hipótese da inexistência de programa público de
atendimento adequado à execução da terapêutica indicada
para o adolescente, o juiz poderá determinar que o tratamento
seja realizado na rede privada, a expensas do Poder Público.
Art. 65. Enquanto não cessada a jurisdição da Infância e
Juventude, a autoridade judiciária, nas hipóteses tratadas no
artigo anterior, poderá remeter cópia dos autos ao Ministério
Público para eventual propositura de interdição e outras
providências pertinentes.
Art. 66. O adolescente em cumprimento de medida
socioeducativa com comprovada dependência de álcool
ou outras substâncias psicoativas, que não o incapacite
de cumprir plenamente as atividades previstas no seu
PIA, deverá ser inserido em programa de tratamento,
preferencialmente na rede SUS extra-hospitalar, podendo a
autoridade judiciária determinar que esse seja realizado na
rede privada se o SUS não dispuser do tratamento adequado,
a expensas do Poder Público.
CAPÍTULO VI
DAS VISITAS A ADOLESCENTE EM CUMPRIMENTO DE
MEDIDA DE INTERNAÇÃO
Art. 67. A visita do cônjuge, companheiro, pais ou
responsáveis, parentes e amigos, a adolescente a quem foi
aplicada medida socioeducativa de internação observará dias
e horários próprios definidos pela direção do programa de
atendimento.
Art. 68. É assegurado a adolescente casado ou que viva,
comprovadamente, em união estável, o direito à visita íntima.
Parágrafo único. O visitante será identificado e registrado pela
direção do programa de atendimento, que emitirá documento
de identificação, pessoal e intransferível, específico para a
realização da visita íntima.
242
Material Complementar da Obra
Art. 69. É garantido aos adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa de internação o direito de receber
visita dos filhos, independentemente da idade desses.
Art. 70. O regulamento interno estabelecerá as hipóteses de
proibição da entrada de objetos na unidade de internação,
vedando o acesso aos seus portadores.
CAPÍTULO VII
DOS REGIMES DISCIPLINARES
Art. 71. Todas as entidades de atendimento socioeducativo
deverão, em seus respectivos regimentos, realizar a previsão
de regime disciplinar que obedeça aos seguintes princípios:
I – tipificação explícita das infrações como leves, médias e
graves e determinação das correspondentes sanções;
II – exigência da instauração formal de processo disciplinar
para a aplicação de qualquer sanção, garantidas a ampla
defesa e o contraditório;
III – obrigatoriedade de audiência do socioeducando nos
casos em que seja necessária a instauração de processo
disciplinar;
IV – sanção de duração determinada;
V – enumeração das causas ou circunstâncias que eximam,
atenuem ou agravem a sanção a ser imposta ao socioeducando,
bem como os requisitos para a extinção dessa;
VI – enumeração explícita das garantias de defesa;
VII – garantia de solicitação e o rito de apreciação dos
recursos cabíveis; e
VIII – apuração da falta disciplinar por comissão composta
por, no mínimo, três integrantes, sendo um, obrigatoriamente,
oriundo da equipe técnica.
Art. 72. O regime disciplinar é independente da
responsabilidade civil ou penal que advenha do ato cometido.
Art. 73. Nenhum socioeducando poderá desempenhar função
ou tarefa de apuração disciplinar ou aplicação de sanção nas
entidades de atendimento socioeducativo.
Art. 74. Não será aplicada sanção disciplinar sem expressa e
anterior previsão legal ou regulamentar e o devido processo
administrativo.
Art. 75. Não será aplicada sanção disciplinar ao socioeducando
que tenha praticado a falta:
243
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
I – por coação irresistível ou por motivo de força maior;
II – em legítima defesa, própria ou de outrem;
CAPÍTULO VIII
DA CAPACITAÇÃO PARA O TRABALHO
Art. 76. O art. 2o do Decreto-Lei no 4.048, de 22 de janeiro de
1942, que cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
passa a vigorar acrescido do seguinte § 1o, passando o atual
parágrafo único a § 2o:
“Art. 2o (...)
§ 1o As escolas do SENAI ofertarão vagas aos usuários
do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo nas
condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação
celebrados entre os operadores dos SENAI e os gestores do
Sistema de atendimento socioeducativo locais. (NR) (...)”
Art. 77. O art. 3o do Decreto-Lei no 8.621, de 10 de janeiro
de 1946, que dispõe sobre a criação do Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial e dá outras providências, passa a
vigorar acrescido do seguinte § 1o, passando o atual parágrafo
único a § 2o:
“Art. 3o (...)
§ 1o As escolas do SENAC ofertarão vagas aos usuários
do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo nas
condições a serem dispostas em instrumentos de cooperação
celebrados entre os operadores do SENAC e os gestores do
Sistema de atendimento socioeducativo locais. (NR)”
Art. 78. O art. 1o da Lei no 8.315, de 23 de dezembro de
1991, que dispõe sobre a criação do Serviço Nacional de
Aprendizagem Rural (Senar) nos termos do art. 62 do Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, passa a vigorar
acrescido do seguinte parágrafo único:
“Art. 1o (...)
Parágrafo único. Os programas de formação profissional
rural do SENAR ofertarão vagas aos usuários do Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo nas condições a
serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados
entre os operadores do SENAR e os gestores do Sistema de
atendimento socioeducativo locais” (NR)
244
Art. 79. O art. 3o da Lei no 8.706, de 14 de setembro de 1993,
que dispõe sobre a criação do Serviço Social do Transporte –
SEST e do Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte
Material Complementar da Obra
– SENAT, que passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo
único:
“Art. 3o (...)
Parágrafo único. Os programas de formação profissional do
SENAT ofertarão vagas aos usuários do Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo nas condições a serem
dispostas em instrumentos de cooperação celebrados
entre os operadores do SENAT e os gestores do Sistema de
Atendimento Socioeducativo locais.” (NR)
Art. 80. O art. 429 do Decreto-Lei no 5.462, de 1 de maio de
1943, Consolidação das Leis do Trabalho–CLT, passa a vigorar
acrescido do seguinte § 2o:
“Art. 429. (...)
§ 2o os estabelecimentos de que trata o caput ofertarão
vagas de aprendizes a adolescentes usuários do Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo nas condições a
serem dispostas em instrumentos de cooperação celebrados
entre os estabelecimentos e os gestores dos Sistemas de
Atendimento Socioeducativo locais.“ (NR)
TÍTULO III
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 81. As entidades que mantenham programas de
atendimento têm o prazo de até seis meses após a publicação
desta Lei para encaminhar ao respectivo Conselho Estadual ou
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente proposta
de adequação da sua inscrição, sob pena de interdição.
Art. 82. Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente,
em todos os níveis federados, com os órgãos responsáveis pelo
sistema de educação pública e as entidades de atendimento
deverão, no prazo de um ano a partir da publicação desta
Lei, garantir a inserção de adolescentes em cumprimento
de medida socioeducativa na rede pública de educação, em
qualquer fase do período letivo, contemplando as diversas
faixas etárias e níveis de instrução.
Art. 83. Os programas de atendimento socioeducativo sob a
responsabilidade do Poder Judiciário serão, obrigatoriamente,
transferidos ao Poder Executivo no prazo máximo de um ano,
a partir da publicação desta Lei, e de acordo com a política de
oferta dos programas aqui definidos.
245
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Art. 84. Os programas de internação e semiliberdade sob a
responsabilidade dos Municípios serão, obrigatoriamente,
transferidos para o Poder Executivo do respectivo Estado
no prazo máximo de um ano, a partir da publicação desta
Lei, e de acordo com a política de oferta dos programas aqui
definidos.
Art. 85. A não transferência de programas de atendimento
para os devidos entes responsáveis, no prazo determinado
nesta Lei, importará na interdição do programa e
caracterizará ato de improbidade administrativa do agente
responsável, vedada, ademais, ao Poder Judiciário e ao Poder
Executivo municipal, ao final do referido prazo, a realização
de despesas para a sua manutenção.
Art. 86 Os arts. 90, 97, 121, 122, 198 e 208 da Lei no 8.069,
de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente,
passam a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 90. (...)
V – prestação de serviços à comunidade;
VI – liberdade assistida;
VII – semiliberdade; e
VIII – internação.
. (...)” (NR)
“Art. 97. São medidas aplicáveis a entidades de atendimento
socioeducativo, sem prejuízo de responsabilidade civil e
criminal de seus dirigentes e prepostos:
(...)” (NR)
“Art. 121. (...)
§ 7o A determinação judicial mencionada no § 1o poderá ser
revista a qualquer tempo pela autoridade judiciária” (NR)
“Art. 122. (...)
§ 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste
artigo não poderá ser superior a três meses, devendo ser
decretada judicialmente após o devido processo legal.” (NR)
“Art. 198. Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e
da Juventude, inclusive os relativos à execução das medidas
socioeducativas, adotar-se-á o sistema recursal do Código de
Processo Civil, aprovado pela Lei no 5.869, de 11 de janeiro de
1973, com as seguintes adaptações:
246
(...)
Material Complementar da Obra
II – em todos os recursos, salvo nos embargos de declaração,
o prazo para o Ministério Público e a defesa será sempre de
dez dias;” (NR)
“Art. 208. (...)
IX – de programas de atendimento para a execução das
medidas socioeducativas e aplicação de medidas de proteção”
(NR)
Art. 87. A Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da
Criança e do Adolescente, passa a vigorar com as seguintes
alterações:
“Art. 260. Os contribuintes poderão efetuar doações aos
Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente nacional,
distrital, estaduais ou municipais, sendo essas integralmente
deduzidas do Imposto de Renda obedecidos os seguintes
limites:
I – 1% (um por cento) do imposto de renda devido, apurado
pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real; e
II – 3% (três por cento) do imposto de renda devido, apurado
pelas pessoas físicas na declaração de ajuste anual.
Parágrafo único. O valor da destinação de que trata o inciso
I deste artigo não exclui outros benefícios ou deduções em
vigor e não poderá ser computado como despesa operacional
na apuração do lucro real;
Art. 260-A. As opções de doação dispostas no art. 260 serão
exercidas:
I – para as pessoas jurídicas que apuram o imposto
trimestralmente, até a data do pagamento da 1a cota ou cota
única, relativa ao trimestre civil encerrado;
II – para as pessoas jurídicas que apuram o imposto
anualmente, até o último dia útil do mês de janeiro do anocalendário subsequente; e
III – para as pessoas físicas até a data da efetiva entrega da
declaração de ajuste anual.
§ 1o As doações efetuadas pelas pessoas físicas entre 1o de
janeiro e a data da efetiva entrega da declaração, poderão ser
deduzidas:
a) na declaração de ajuste apresentada relativa ao anocalendário anterior ou,
b) na declaração de ajuste a ser apresentada no ano seguinte
relativa ao ano-calendário em curso.
247
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Thales Tácito Cerqueira
§ 2o As pessoas físicas e jurídicas que entregarem suas
declarações de ajuste anual fora do prazo não se beneficiarão
da dedução das doações de que trata esta lei.
Art. 260-B. As doações de que trata o art. 260 desta lei podem
ser efetuadas em espécie ou em bens.
Parágrafo único – As doações efetuadas em espécie devem
ser depositadas em conta específica.
Art. 260-C. Os órgãos responsáveis pela administração das
contas dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente
Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais devem emitir
recibo em favor do doador, assinado por pessoa competente e
pelo presidente do Conselho correspondente, especificando:
I – número de ordem;
II – nome, CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) e
endereço do emitente;
III – nome, CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) ou
CPF (Cadastro Nacional de Pessoa Física) do doador;
IV – data da doação e valor efetivamente recebido; e
V – ano-calendário a que se refere a doação.
§ 1o O comprovante de que trata o caput deste artigo pode ser
emitido anualmente, desde que discrimine os valores doados
mês a mês.
§ 2o No caso de doação em bens, o comprovante deve conter a
identificação dos bens, mediante descrição em campo próprio
ou em relação anexa ao comprovante, informando também se
houve alienação, o nome, CPF (Cadastro de Pessoas Físicas)
ou CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) e endereço
dos avaliadores.
Art. 260-D. Na hipótese da doação em bens o doador deverá:
I – comprovar a
documentação hábil;
propriedade
dos
bens,
mediante
II – baixar os bens doados na declaração de bens e direitos,
quando se tratar de pessoa física, e na escrituração, no caso
de pessoa jurídica; e
III – considerar como valor dos bens doados:
a) para as pessoas físicas, o valor constante da última
declaração do Imposto de Renda, desde que não exceda o
valor de mercado;
248
b) para as pessoas jurídicas, o valor contábil dos bens.
Material Complementar da Obra
Parágrafo único. O preço obtido em caso de leilão não será
considerado na determinação do valor dos bens doados,
exceto se o leilão for determinado por autoridade judiciária.
Art. 260-E. Os documentos a que se referem os arts. 260-C e
260-D devem ser mantidos pelo contribuinte por um prazo
de cinco anos para fins de comprovação da dedução junto à
Receita Federal do Brasil.
Art. 260-F. Os órgãos responsáveis pela administração das
contas dos Fundos de Direitos da Criança e do Adolescente
Nacional, Estaduais, Distrital e Municipais devem:
I – manter conta bancária específica destinada exclusivamente
a gerir os recursos do Fundo;
II – manter controle das doações recebidas; e
III – informar anualmente à Receita Federal do Brasil as
doações recebidas, mês a mês, identificando os seguintes
dados por doador:
a) nome, CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) ou
CPF (Cadastro Nacional de Pessoas Físicas);
b) valor doado, especificando se a doação foi em espécie ou
em bens.
Art. 260-G. Em caso de descumprimento das obrigações
previstas no artigo anterior a Receita Federal do Brasil dará
conhecimento do fato ao Ministério Público.
Art. 260-H. Os Conselhos Nacional, Estaduais, Distrital
e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente
divulgarão amplamente à Comunidade:
I – o calendário de suas reuniões;
II – as ações prioritárias para aplicação das políticas de
atendimento à criança e ao adolescente;
III – os requisitos para a apresentação de projetos a serem
beneficiados com recursos dos Fundos Nacional, Estaduais,
Distrital ou Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente;
IV – a relação dos projetos aprovados em cada ano-calendário
e o valor dos recursos previstos para implementação das
ações, por projeto;
V – o total dos recursos recebidos e a respectiva destinação,
por projeto atendido, inclusive com cadastramento na base
de dados do Sistema de Informações sobre a Infância e a
Adolescência; e
249
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
VI – a avaliação dos resultados dos projetos beneficiados
com recursos dos Fundos Nacional, Estaduais, Distrital e
Municipais dos Direitos da Criança.
Art. 260-I. O Ministério Público determinará, em cada
Comarca, a forma de fiscalização da aplicação dos incentivos
fiscais referidos no art. 260 desta Lei.
Parágrafo único. O descumprimento do disposto nos arts. 260F e 260-H sujeitará os infratores a responder por ação judicial
proposta pelo Ministério Público, que poderá atuar de ofício, a
requerimento ou representação de qualquer cidadão.
Art. 260-Julgado em: A Receita Federal do Brasil expedirá, no
prazo de 90 (noventa) dias, as instruções complementares
necessárias à aplicação do disposto nos arts. 260 a 260-F.” (NR)
Art. 88. Esta Lei entrará em vigor no prazo de noventa dias da
data da sua publicação.
Sala da Comissão, em de abril de 2009.
DEPUTADA RITA CAMATA
RELATORA
250
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 12 – Medidas Socioeducativas e
Medidas Pertinentes aos Pais ou Responsáveis
7.
CONSTRUÇÃO
DE
CENTRO
DE
REEDUCAÇÃO
ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI
DE
Segundo a “Cláusula da Reserva do Possível” e “Mínimo Necessário
à existência condigna”, ao Estado compete a construção de Centros de
Reeducação de Adolescentes em conflito com a lei (a saber, que pratiquem
MSE), enquanto aos Municípios a obrigação é de construção de Abrigos
(para crianças e adolescentes que cometam desvios de conduta).
A construção dos Centros de Reeducação foi consagrada na
Jurisprudência do STF, na SS 235-0 – TO.
Quarta-feira, 09 de Julho de 2008
STF determina criação de unidade para menor infrator em
município de TO (republicada).
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro
Gilmar Mendes, manteve decisão que determinou ao Estado
de Tocantins a implantação de unidade especializada de
internação de menores infratores, na cidade de Araguaína (TO),
no prazo de 12 meses. O ministro considerou que o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), seguindo prioridade
determinada pela Constituição Federal, estabelece que o Poder
Executivo deve dar prioridade a políticas públicas voltadas
para a garantia dos direitos da criança e do adolescente.
A decisão foi tomada na Suspensão de Liminar (SL) 235,
ajuizada pelo governo tocantinense. O Estado pretendia
suspender decisão liminar deferida pelo Juizado da Infância
e Juventude da Comarca de Araguaína/TO, em ação civil
pública, que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Estado
de Tocantins (TJ-TO).
A liminar questionada determinou a implantação, no prazo
de 12 meses, de “unidade especializada para cumprimento
das medidas sócioeducativas de internação e semiliberdade
aplicadas a adolescentes infratores”, conforme disposto
no ECA. O Juizado proibiu, ainda, que o estado mantivesse
adolescentes recolhidos em outra unidade após esse
prazo e fixou multa diária no valor de R$ 3 mil em caso de
descumprimento da decisão.
De acordo com a ação civil pública, o Poder Executivo local estaria
encaminhando os adolescentes infratores para o município de
251
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Ananás (TO), o que dificultaria o contato com familiares. Além
disso, menores estariam sendo alojados em cadeia local, em
celas próximas às de presos adultos, “em ambiente inóspito”.
Ao contestar a decisão no Supremo, o governo estadual
argumentou que “a construção de unidade especializada em
prazo determinado, importaria em ato de interferência do
Poder Judiciário no âmbito de atuação do Poder Executivo,
em afronta ao princípio da independência dos Poderes,
previsto no art. 2o da Constituição”.
Na análise do caso, o presidente do STF afirmou que o
princípio da separação dos poderes, nos dias atuais, “exige
temperamentos e ajustes à luz da realidade constitucional
brasileira”. Segundo ele, “a alegação de violação à separação
dos Poderes não justifica a inércia do Poder Executivo estadual
do Tocantins em cumprir seu dever constitucional de garantia
dos direitos da criança e do adolescente, com a absoluta
prioridade reclamada no texto constitucional (art. 227)”.
“Não há violação ao princípio da separação dos Poderes
quando o Poder Judiciário determina ao Poder Executivo
estadual o cumprimento do dever constitucional específico
de proteção adequada dos adolescentes infratores, em
unidade especializada, pois a determinação é da própria
Constituição, em razão da condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento”, disse o ministro.
Gilmar Mendes ressaltou que o Estatuto da Criança e do
Adolescente, que no próximo dia 13 completa 18 anos desde
sua promulgação, “tem se cristalizado como um importante
avanço na delimitação das políticas públicas voltadas à
criança e ao adolescente”.
Assim, o ministro manteve a decisão quanto à necessidade
de implantação, em 12 meses, de programa de internação de
adolescentes infratores em Araguaína, bem como a proibição
de abrigá-los em outra unidade que não seja a especializada.
No entanto, o presidente do STF atendeu o pedido do governo
de Tocantins em relação à multa estabelecida, deferindo
parcialmente a suspensão de liminar “tão somente quanto
à fixação de multa diária por descumprimento da ordem
judicial de construção de unidade especializada, em doze
meses, na comarca de Araguaína/TO”.
Processo – Suspensão de Liminar 235
252
(Fonte: Notícia do STF.)
Material Complementar da Obra
Vejamos a íntegra desta importante decisão:
Suspensão de Liminar 235-0 Tocantins
Relatora: Ministra Presidente
Requerente(S): Estado do Tocantins
Advogado(a/s): PGE-TO – Luis Gonzaga Assunção
Requerido(a/s): Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins
(Agravo regimental na suspensão de liminar no 1.848/07 na
ação civil pública no 72658-0/06)
Interessado(a/s): Ministério Público do Estado do Tocantins
Decisão: Trata-se de pedido de suspensão de liminar (fls. 0222), formulado pelo Estado do Tocantins, contra o acórdão
do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, que indeferiu
pedido de suspensão de liminar ajuizado naquele Tribunal
de Justiça.
A decisão impugnada manteve liminar concedida na ação civil
pública no 2007.0000.2658-0/0, em curso perante o Juizado
da Infância e Juventude da Comarca de Araguaína/TO, que
determinou o seguinte:
“[...]
Concedo a liminar e determino ao Estado de Tocantins que
implante na cidade de Araguaína/TO, no prazo de 12 meses,
unidade especializada para cumprimento das medidas
socioeducativas de internação e semiliberdade aplicadas a
adolescentes infratores, a fim de propiciar o atendimento do
disposto nos arts. 94, 120, § 2o e 124 do Estatuto da Criança
e do Adolescente.
Determino ainda que o requerido se abstenha de manter
adolescentes apreendidos, após o decurso do prazo de doze
meses, em outra unidade que não a acima referida.
Fixo multa diária no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), a
ser paga pelo requerido, em caso de descumprimento ou de
atraso no cumprimento da presente decisão, a qual deverá
ser revertida em favor do Fundo Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente, nos termos dos arts. 213 e 214 da
Lei no 8.069/90 (fl. 94).”
Na ação civil pública, argumentou-se que o Poder Executivo
local, ante a inexistência de unidade especializada naquela
comarca, estaria encaminhando os adolescentes infratores
para o município de Ananás/TO, distante 160 quilômetros
253
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
daquela localidade, o que dificultaria o contato daqueles com
seus familiares (fl. 62).
Além disso, os adolescentes infratores estariam alojados
em cadeia local, em celas adjacentes a de presos adultos, a
permitir contato visual e verbal entre eles, em ambiente
inóspito, fato este que teria sido atestado pelo Conselho
Tutelar de Araguaína e pelo Diretor do estabelecimento
prisional (fl. 65).
Arguiu-se, ainda, o descumprimento do compromisso
firmado entre o Governo do Tocantins e o Ministério Público
Estadual, mediante Termo de Ajustamento de Conduta – TAC,
para que até 15 de janeiro de 2007 houvesse a alocação de
recursos para a criação do regime de semiliberdade naquela
Comarca, em Palmas e em Gurupi (fl. 62).
A ação civil pública defendeu ser incabível a alegação do óbice
da reserva do possível no presente caso, ante a necessidade
de garantia do mínimo necessário à existência condigna dos
adolescentes infratores, conforme informariam precedentes
do Tribunal de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul
(fls. 68-71).
Por fim, consignou o Ministério Público Estadual que a medida
liminar deveria ser concedida, em face das disposições do
Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (art. 123, art.
185, art. 94, art. 120 e art. 124), bem como em face do que
dispõe a Constituição Federal (art. 1o, III; art. 5o, III, XXXIX,
XLIX; art. 37, caput; art. 227, caput e § 3o, todos da CF/88) e
Pactos Internacionais (fls. 71-88).
O juízo de primeiro grau concedeu a medida liminar, conforme
transcrição acima, ressaltando que as normas contidas no
art. 227, caput e § 3o, da Constituição e reproduzidas no ECA
possuem plena eficácia (fls. 90-95).
Ademais, a medida liminar consignou, a despeito dos
adolescentes não estarem mais internados na Cadeia Pública
de Ananás/TO no momento da decisão, que: a inexistência
de unidade especializada em Araguaína/TO obrigaria o
encaminhamento de adolescentes infratores ao CASE de
Palmas/TO, distante 375 quilômetros daquela comarca,
inviabilizando o contato familiar e o próprio sucesso do
processo socioeducativo.
254
Contra tal decisão, o Estado do Tocantins ajuizou pedido
de suspensão de liminar junto à Presidência do Tribunal
Material Complementar da Obra
de Justiça do Tocantins (fls. 33-54), que indeferiu o pedido,
ante o entendimento de inocorrência de grave lesão à ordem
e economia públicas e inexistência de efeito multiplicador
da decisão (fls. 97-100). Contra tal decisão, o Estado do
Tocantins interpôs recurso de Agravo Regimental.
O Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins
negou provimento ao agravo regimental em suspensão de
liminar (fls. 127-130), pois entendeu inexistente efeito
multiplicador e ausentes razões que infirmassem a decisão
recorrida.
O pedido de suspensão de liminar contra o acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins é baseado em
argumentos de lesão à ordem e economia públicas do
Estado do Tocantins. Enfatiza o requerente que a liminar
deferida, para construção de unidade especializada em prazo
determinado, importaria em ato de interferência do Poder
Judiciário no âmbito de atuação do Poder Executivo, em
afronta ao princípio da independência dos Poderes, previsto
no art. 2o da Constituição (fls. 08-09).
Ademais, o requerente alega lesão à economia pública
estadual, por ausência de previsão orçamentária, exiguidade
de prazo para efetivação das medidas, ofensa ao princípio da
reserva do possível e vedação legal e constitucional expressas
de ordenação de despesas sem autorização legal (fls. 08-19).
Em complementação, o Estado do Tocantins afirma que a
liminar deferida esgotou, por completo, o objeto da ação
civil pública, violando o art. 1o, § 3o, da Lei no 8.437/92, que
veda a concessão de liminar contra atos do poder público que
esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação (fls. 19-21).
Decido.
A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão
(Leis nos 4.348/64, 8.437/92, 9.494/97 e art. 297 do RI/STF)
permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, para
evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia
públicas, suspenda a execução de decisões concessivas de
segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas
em única ou última instância, pelos tribunais locais ou
federais, quando a discussão travada na origem for de índole
constitucional.
Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que
justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para
255
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
apreciar o pedido de contracautela, conforme a pacificada
jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes
julgados: Rcl 497-AgR/RS, rel. Min. Carlos Velloso, Plenário,
DJ 06.04.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Min. Maurício Corrêa,
DJ 21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ
20.10.2004.
A ação civil pública pleiteia condenação do Estado de
Tocantins em obrigação de fazer, para implantação de
programa de internação e semiliberdade de adolescentes
infratores, em unidade especializada, na Comarca de
Araguaína/TO, no prazo de 12 meses. Nesse sentido, apontase: violação aos direitos dos adolescentes e à política básica
de atendimento a adolescentes, previstos no art. 227, caput
e § 3o da Constituição e concretizados nas determinações do
ECA (art. 94, art. 120, § 2o, e art. 124).
Por outro lado, a suspensão de liminar aponta: violação ao art.
2o, CF/88, consistente em interferência direta nas atividades
do Poder Executivo; ausência de previsão orçamentária
(art. 163, I; art.165; art. 166, §§ 3o e 4o; art. 167, III, todos
da CF/88); violação ao princípio da reserva do possível,
exiguidade do prazo e possibilidade de efeito multiplicador
do presente caso. Não há dúvida, portanto, de que a matéria
discutida na origem reveste-se de índole constitucional.
Feitas essas considerações preliminares, passo à análise
do pedido, o que faço apenas e tão somente com base nas
diretrizes normativas que disciplinam as medidas de
contracautela. Ressalte-se, não obstante, que, na análise
do pedido de suspensão de decisão judicial, não é vedado
ao Presidente do Supremo Tribunal Federal proferir um
juízo mínimo de delibação a respeito das questões jurídicas
presentes na ação principal, conforme tem entendido a
jurisprudência desta Corte, da qual se destacam os seguintes
julgados: SS 846-AgR/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence,
DJ 29.05.96; SS 1.272-AgR/RJ, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ
18.05.2001.
256
No presente caso, discute-se possível colisão entre (1) o
princípio da separação dos Poderes, concretizado pelo
direito do Estado do Tocantins definir discricionariamente
a formulação de políticas públicas voltadas a adolescentes
infratores e (2) a proteção constitucional dos direitos dos
adolescentes infratores e de uma política básica de seu
atendimento. Eis o que dispõe o art. 227 da Constituição:
Material Complementar da Obra
“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade,
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1o O Estado promoverá programas de assistência integral
à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação
de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes
preceitos: [...]
V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade
e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
quando da aplicação de qualquer medida privativa da
liberdade; [...]”
É certo que o tema da proteção da criança e do adolescente e,
especificamente, dos adolescentes infratores é tratado pela
Constituição com especial atenção. Como se pode perceber,
tanto o caput do art. 227, como seu parágrafo primeiro e
incisos possuem comandos normativos voltados para o
Estado, conforme destacado acima.
Nesse sentido, destaca-se a determinação constitucional
de absoluta prioridade na concretização desses comandos
normativos, em razão da alta significação de proteção
aos direitos da criança e do adolescente. Tem relevância,
na espécie, a dimensão objetiva do direito fundamental à
proteção da criança e do adolescente.
Segundo esse aspecto objetivo, o Estado está obrigado a criar
os pressupostos fáticos necessários ao exercício efetivo deste
direito.
Como tenho analisado em estudos doutrinários, os direitos
fundamentais não contêm apenas uma proibição de
intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um
postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim,
para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma
proibição de excesso (Ubermassverbot), mas também uma
proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot)
(CANARIS, Claus-Wilhelm. Grundrechtswirkungen um
Verhältnismässigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung
und Fortbildung des Privatsrechts. JuS, 1989, p. 161).
257
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Nessa dimensão objetiva, também assume relevo a
perspectiva dos direitos à organização e ao procedimento
(Recht auf Organization und auf Verfahren), que são aqueles
direitos fundamentais que dependem, na sua realização, de
providências estatais com vistas à criação e conformação de
órgãos e procedimentos indispensáveis à sua efetivação.
Parece lógico, portanto, que a efetividade desse direito
fundamental à proteção da criança e do adolescente não
prescinde da ação estatal positiva no sentido da criação de
certas condições fáticas, sempre dependentes dos recursos
financeiros de que dispõe o Estado, e de sistemas de órgãos e
procedimentos voltados a essa finalidade.
De outro modo, estar-se-ia a blindar, por meio de um
espaço amplo de discricionariedade estatal, situação fática
indiscutivelmente repugnada pela sociedade, caracterizandose típica hipótese de proteção insuficiente por parte do
Estado, num plano mais geral, e do Judiciário, num plano
mais específico.
Por outro lado, alega-se, nesta suspensão de segurança,
possível lesão à ordem e economia públicas, diante de
determinação judicial para implantação de programa
de internação e regime de semiliberdade, em unidade
especializada (a ser construída), com prazo determinado de
12 meses.
Nesse sentido, o argumento central apontado pelo Estado
do Tocantins reside na violação ao princípio da separação
de poderes (art. 2o, CF/88), formulado em sentido forte,
que veda intromissão do Poder Judiciário no âmbito de
discricionariedade do Poder Executivo estadual.
Contudo, nos dias atuais, tal princípio, para ser
compreendido de modo constitucionalmente adequado, exige
temperamentos e ajustes à luz da realidade constitucional
brasileira, num círculo em que a teoria da constituição e a
experiência constitucional mutuamente se completam.
258
Nesse sentido, entendo inexistente a ocorrência de grave
lesão à ordem pública, por violação ao art. 2o da Constituição.
A alegação de violação à separação dos Poderes não justifica a
inércia do Poder Executivo estadual do Tocantins, em cumprir
seu dever constitucional de garantia dos direitos da criança
e do adolescente, com a absoluta prioridade reclamada no
texto constitucional (art. 227).
Material Complementar da Obra
Da mesma forma, não vislumbro a ocorrência de grave lesão
à economia pública. Cumpre ressaltar que o Estatuto da
Criança e do Adolescente, em razão da absoluta prioridade
determinada na Constituição, deixa expresso o dever do
Poder Executivo dar primazia na consecução daquelas
políticas públicas, como se apreende do seu art. 4o:
“Art. 4o É dever da família, da comunidade, da sociedade
em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta
prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de primazia compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer
circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de
relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução de políticas
sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas
relacionadas com a proteção à infância e à juventude.”
Não se pode conceber grave lesão à economia do Estado do
Tocantins, diante de determinação constitucional expressa de
primazia clara na formulação de políticas sociais nesta área,
bem como na alta prioridade de destinação orçamentária
respectiva, concretamente delineada pelo ECA.
A Constituição indica de forma clara os valores a serem
priorizados, corroborada pelo disposto no ECA. As
determinações acima devem ser seriamente consideradas
quando da formulação orçamentária estadual, pois se tratam
de comandos vinculativos.
Ressalte-se que no próximo dia 13 de julho se comemorarão
os 18 (dezoito) anos de promulgação do Estatuto da Criança e
do Adolescente, que tem se cristalizado como um importante
avanço na delimitação das políticas públicas voltadas à
criança e ao adolescente.
Ademais, a decisão impugnada está em consonância com a
jurisprudência dessa Corte, a qual firmou entendimento, em
casos como o presente, de que se impõe ao Estado a obrigação
constitucional de criar condições objetivas que possibilitem,
259
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
de maneira concreta, a efetiva proteção de direitos
constitucionalmente assegurados, com alta prioridade, tais
como: o direito à educação infantil e os direitos da criança
e do adolescente. Nesse sentido, destacam-se os seguintes
julgados: RE-AgR 410.715/SP, 2a T. Rel. Celso de Mello,
DJ 03/02/2006; RE 431.773/SP, rel. Marco Aurélio, DJ
22/10/2004.
Do julgamento do RE-AgR 410.715/SP, 2a T. rel. Celso de
Mello, DJ 03/02/2006, destaca-se o seguinte trecho:
“[...]
A educação infantil, por qualificar-se como direito
fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo
de concretização, a avaliações meramente discricionárias da
Administração Pública, nem se subordina a razões de puro
pragmatismo governamental.
Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino
fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2o) – não
poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente
vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da
Lei Fundamental da República, e que representa fator de
limitação da discricionariedade político-administrativa dos
entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento
das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser
exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de
simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia
desse direito básico de índole social. – Embora resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a
prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revelase possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda
que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de
políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam
estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes,
cuja omissão – por importar em descumprimento dos
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter
mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a
integridade de direitos sociais e culturais impregnados de
estatura constitucional. [...]”
260
Não há dúvida quanto à possibilidade jurídica de determinação
judicial para o Poder Executivo concretizar políticas públicas
constitucionalmente definidas, como no presente caso, em
que o comando constitucional exige, com absoluta prioridade,
a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes,
Material Complementar da Obra
claramente definida no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Assim também já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ
– REsp 630.765/SP, 1a T., rel. Luiz Fux, DJ 12/09/2005).
No presente caso, vislumbra-se possível proteção insuficiente
dos direitos da criança e do adolescente pelo Estado, que
deve ser coibida, conforme já destacado. O Poder Judiciário
não está a criar políticas públicas, nem usurpa a iniciativa do
Poder Executivo.
A decisão impugnada apenas determina o cumprimento
de política pública constitucionalmente definida (art. 227,
caput, e § 3o) e especificada de maneira clara e concreta
no ECA, inclusive quanto à forma de executá-la. Nesse
sentido é a lição de Christian Courtis e Victor Abramovich
(ABRAMOVICH, Victor; COURTS, Christian, Los derechos
sociales como derechos exigibles, Trotta, 2004, p. 251):
“Por ello, el Poder Judicial no tiene la tarea de diseñar
políticas públicas, sino la de confrontar el diseño de políticas
asumidas con los estándares jurídicos aplicables y – en caso
de hallar divergencias – reenviar la cuestión a los poderes
pertinentes para que ellos reaccionen ajustando su actividad
en consecuencia. Cuando las normas constitucionales o
legales fijen pautas para el diseño de políticas públicas y los
poderes respectivos no hayan adoptado ninguna medida,
corresponderá al Poder Judicial reprochar esa omisión y
reenviarles la cuestión para que elaboren alguna medida. Esta
dimensión de la actuación judicial puede ser conceptualizada
como la participación en un ‘diálogo’ entre los distintos
poderes del Estado para la concreción del programa jurídicopolítico establecido por la constitución o por los pactos de
derechos humanos” (sem grifo no original).
Contudo, conforme informação contida nas razões do Estado
do Tocantins, este foi intimado da decisão de primeiro grau
em 19 de outubro de 2007 (fl. 115). Assim, o prazo de 12
meses se extinguirá em 19 de outubro de 2008.
A partir desta data, conforme a decisão impugnada, caso
o Estado de Tocantins não tenha construído unidade
especializada, ou venha a abrigar adolescentes infratores em
outra localidade, que não uma unidade especializada, arcará
com multa diária de R$ 3.000,00 (três mil reais), por prazo
indeterminado.
261
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Entendo que tão somente neste ponto a decisão impugnada
gera grave lesão à economia pública, ou seja, apenas quanto
à fixação de multa por não construção, em 12 meses, de
unidade especializada para abrigo dos menores na comarca de
Araguaína. Para se chegar a essa constatação, basta observar
que a fixação de multa em valor elevado e sem limitação máxima
constitui ônus excessivo ao Poder Público e à coletividade,
pois impõe remanejamento financeiro das contas estaduais,
em detrimento de outras políticas públicas estaduais de alta
prioridade. Dessa forma, remanesce íntegra a decisão, quanto
à possibilidade de multa por abrigar adolescentes infratores
em cadeias comuns, em detrimento de abrigá-los em outras
unidades especializadas existentes no Estado.
Destaco, contudo, que não se impede a fixação de multa
por descumprimento de decisão judicial. O que não se
pode perder de vista é a possibilidade de vultoso prejuízo à
coletividade, por multa fixada em decisão liminar baseada
em juízo cognitivo sumário.
Portanto, a determinação constitucional de absoluta
prioridade na proteção dos direitos da criança e do
adolescente (art. 227, CF/88) evidencia tanto a dimensão
objetiva de proteção destes direitos fundamentais, quanto
a proibição de sua proteção insuficiente pelo Estado de
Tocantins, por impossibilitar condições fáticas e concretas de
implantação de programa de internação e semiliberdade na
Comarca de Araguaína/TO.
Não há violação ao princípio da separação dos Poderes
quando o Poder Judiciário determina ao Poder Executivo
estadual o cumprimento do dever constitucional específico
de proteção adequada dos adolescentes infratores, em
unidade especializada, pois a determinação é da própria
Constituição, em razão da condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento (art. 227, § 1o, V, CF/88).
A proibição da proteção insuficiente exige do Estado a
proibição de inércia e omissão na proteção aos adolescentes
infratores, com primazia, com preferencial formulação e
execução de políticas públicas de valores que a própria
Constituição define como de absoluta prioridade.
262
Essa política prioritária e constitucionalmente definida deve
ser levada em conta pelas previsões orçamentárias, como
forma de aproximar a atuação administrativa e legislativa
(Annäherungstheorie) às determinações constitucionais que
Material Complementar da Obra
concretizam o direito fundamental de proteção da criança e
do adolescente.
Assim, não vislumbro grave lesão à ordem e economia
públicas, com exceção da fixação de multa por não construção,
em doze meses, de unidade especializada para abrigar
adolescentes infratores na Comarca de Araguaína/TO.
Diante o exposto, defiro parcialmente o pedido de
suspensão, tão somente quanto à fixação de multa diária por
descumprimento da ordem judicial de construção de unidade
especializada, em doze meses, na comarca de Araguaína/TO.
Dessa forma, diante da determinação da Constituição e do
Estatuto da Criança e do Adolescente, mantenho os efeitos da
decisão impugnada quanto à (1) implantação, em doze meses,
de programa de internação e semiliberdade de adolescentes
infratores, na comarca de Araguaína/TO e (2) de proibição,
sob pena de multa diária, de abrigar adolescentes infratores
em outra unidade que não seja uma unidade especializada
(nos termos do ECA).
Publique-se.
Comunique-se com urgência.
Brasília, 8 de julho de 2008.
Ministro Gilmar Mendes
Presidente
Em Minas Gerais, atuando como Promotor da Infância e Juventude na
belíssima cidade de Poços de Caldas, encaminhei Ofício ao Secretário do
Estado sobre a possibilidade de construção do Centro na cidade e quais
as condições para tanto, conseguindo, sem o manejo de Ação Civil Pública
(ACP), a fomentação do aludido Centro, tendo o Município a obrigação de
ceder o terreno e a Câmara de Vereadores a função de aprovar, por lei, a
doação e a transferência de tal terreno ao Estado de MG.
Vejamos como funciona em Minas Gerais a questão da construção de
tais Centros:
From: Alderico de Carvalho
defesasocial.mg.gov.br>
To: <[email protected]>
Junior
<alderico.junior@
Sent: Tuesday, October 16, 2007 2:47 PM
Subject: Construção de Centro Socioeducativo
Prezado Professor,
263
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Thales Tácito Cerqueira
Conforme entendimento anterior, encaminho-lhe os
parâmetros básicos de terreno para implantação de Centro
Socioeducativo destinado ao atendimento de adolecentes
submetidos à medida de internação:
1) Topografia:
O terreno deve possuir pouca declividade e ter área regular
acima de 15.000 m2;
2) Acesso:
O acesso deverá ser preferencialmente pavimentado ou
próximo deste para facilitar o fluxo de veículos e pessoas;
3) Infraestrutura:
A localização do terreno deverá possuir infraestrutura
básica próxima (água, luz, telefone, coleta de lixo, transporte
público);
4) Aspectos ambientais:
O terreno não deverá estar localizado em área de preservação
ambiental, nem possuir nascentes.
Desde já agradeço a atenção e coloco-me à disposição para
qualquer esclarecimento que se faça necessário.
Att.
Alderico de Carvalho Júnior
Assessor-Chefe
Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socieducativo
From: “Thales“ <[email protected]>
To: “ALDERICO DE CARVALHO JUNIOR“ <alderico.junior@
defesasocial.mg.gov.br>
Cc: “Quarta PJ – Pocos de Caldas” <[email protected].
gov.br>;
<[email protected]>;
ALBUQUERQUE”
“CAMILA
<[email protected]>
MEDEIROS
DE
Sent: Tuesday, October 30, 2007 1:24 PM
Subject: Re: Construção de Centro Socioeducativo
Prezado Dr. Alderico de Carvalho Júnior,
Assessor-Chefe
Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas
264
Material Complementar da Obra
Deus sempre conosco.
Esperando encontrá-lo na Paz do Senhor, conforme contato
telefônico nesta data (30/10/2007), após reunião com
o Exmo. Sr. Prefeito e Exmo. Sr. Presidente da Câmara de
Poços de Caldas, ficou deliberado uma reunião na Câmara
de Vereadores, no dia 20 de novembro de 2007, onde serão
feitas explicações técnicas sobre o tema e um convite formal
para o Secretário (Dr. Ronaldo Pedron) ou Vossa Excelência
como seu representante, visando expor algumas dúvidas
para instalação do Centro na cidade.
Algumas destas questões eu gostaria de fazer neste e-mail,
sendo que outras serão feitas pelos próprios vereadores,
solicitando ainda que tragam bons exemplos, como de
Montes Claros (futebol de salão campeão em SP, como
mencionou) e alguns slides em Power Point sobre a política
de regionalização, para que os vereadores fiquem satisfeitos
com o tema.
As perguntas que me fizeram foram as seguintes:
(1) o Centro será Regionalizado (somente para o Sul de
Minas)?
(2) Quais as cidades do Sul de Minas que comporão o Centro?
Haverá possibilidade de adolescentes de outras regiões do
Estado virem para Poços de Caldas?
(3) Quantas vagas existem no Centro?
(4) Há local adequado para mulheres (adolescentes do sexo
feminino)?
(5) Há local adequado e separado para internação provisória?
(6) O Estado manterá o Centro?
(7) O Município apenas doará o terreno?
(8) Qual o cronograma de entrega da obra? Já em 2008?
(9) Haverá atividades laborais (profissionalização) e culturais
(estudo)? No próprio Centro?
(10) O modelo permite superlotação (acima das vagas
estipuladas)?
(11) O modelo permite transferência de adolescente de outra
unidade sem autorização do Juiz da Infância de Poços de
Caldas?
(12) O modelo permite que o Juiz de Poços de Caldas (cidade-sede)
interne adolescentes sem autorização da Secretaria do Estado?
265
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
E as demais cidades da Região, como poderão internar, com
“filtragem” pela Secretaria, evitando internações ilegais?
(13) Qual o processo pedagógico aplicado sobre “prêmios”
(saída temporária, visita íntima etc.) e “castigos”?
(14) Há local adequado para adolescentes com problemas
mentais – transtornos psiquiátrios, nos termos do art. 112,
§ 3o, do ECA ou deve ser ele alocado para outra unidade do
Estado neste caso?
(15) Há local adequado para trabalho por eventuais
internações por tráfico de entorpecentes (art. 122, II, do ECA)
ou atos infracionais graves (art. 122, I, do ECA) que estejam
ligados (como causa principal) a dependência química/
toxicológica?
(16) Há outras observações a serem feitas?
Com estas dúvidas, entendo que estariam praticamente
esgotadas todas as questões que as autoridades me fizeram
e que comporão a Audiência do dia 20 de novembro de 2007.
Conto demais com sua augusta presença em nosso modesto
recinto, eis que com slides em Power Point, fotos, os bons
exemplos etc., vamos eliminando todas os preconceitos e
criando um Centro numa cidade que tem tudo para ser no
futuro a referência no Atendimento de Adolescentes em
conflito com a lei, já que tem uma infraestrutura de assistência
social e uma renda invejável.
Com sua resposta, encaminharei Ofício ao Presidente da
Câmara para formalmente enviar Carta-Convite para o
Secretário e Vossa Excelência, solicitando apenas os dados
completos de Vossas Excelências e endereço para mencionado
Convite pela Câmara Local.
Com muita esperança na criação de um Centro que pode
revolucionar o Sul de Minas, subscrevo, com votos de Paz e
Luz, em Cristo, Jesus.
Fique com Deus,
Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira
TTC – “Prepara-se o cavalo para o dia da batalha, mas é do
Senhor que vem a vitória”
(Provérbios 21:31)
www.portalttc.com.br
266
Material Complementar da Obra
From: “ALDERICO DE CARVALHO JUNIOR”
<[email protected]>
To: “Thales“ <[email protected]>
Sent: Thursday, November 01, 2007 11:01 AM
Subject: Re: Construção de Centro Socioeducativo
Prezado Dr. Thales Tácito,
Seguem, em anexo, as respostas aos vossos questionamentos.
Att. Alderico de Carvalho Júnior
QUESTIONÁRIO POÇOS DE CALDAS
Inicialmente cumpre informar que no Estado de Minas
Gerais o órgão responsável pela execução das medidas
socioeducativas é a Subsecretaria de Atendimento às Medidas
Socioeducativas – SUASE, criada pela Lei Delegada Estadual no
117/2007. A SUASE encontra-se alocada dentro da Secretaria
de Estado de Defesa Social – SEDS, pasta responsável pela
segurança pública no Estado.
Nesta esteira a questão do adolescente autor de ato infracional
é também tratada como questão de segurança pública, assim
sendo, busca-se propiciar ao adolescente o acesso a direitos e
oportunidades para superação de sua situação de exclusão e
a possibilidade de ressignificação de valores através também
da responsabilização pelo ato infracional cometido.
As medidas de internação e semiliberdade são geridas
pela SUASE diretamente ou através de parcerias (gestão
compartilhada).
As medidas em meio aberto, por seu turno, até 2006 eram
geridas e financiadas estritamente pelos municípios sem
nenhuma participação do Estado. Com a criação da SUASE
em 2007 e a consequente estruturação no âmbito estadual
da Superintendência de Gestão das Medidas em Meio Aberto
e Articulação da Rede Socioeducativa, inaugura-se uma
nova fase na política estadual vertendo-se esforços também
para estruturação das medidas em meio aberto (psc e la) e
ampliação do atendimento em casas de semiliberdade.
Assim, o panorama é a gestão exclusiva do Estado no que tange
às medidas de privação de liberdade e ampliar o atendimento
em meio aberto através da celebração de parcerias com os
Municípios.
(1) o Centro será Regionalizado (somente para o Sul de
Minas)?
267
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A política estadual de atendimento ao adolescente autor de
ato infracional deu uma importante guinada nos idos de 2003,
quando se definiu como meta a interiorização do atendimento
dando cumprimento, portanto, ao preceituado no art. 124,
VI, da Lei no 8.096/90. Dessarte, as Unidades Socioeducativas
outrora concentradas na região metropolitana de Belo
Horizonte foram disseminadas para quase todas as regiões
do Estado, o que propiciou um exponencial crescimento das
vagas oferecidas, fazendo frente ao histórico déficit de vagas
para privação de liberdade. Em relação à região sul do Estado,
apesar da existência de demanda, ainda não há um centro
específico, assim, o intento é a construção de um Centro
Socioeducativo destinado ao atendimento aos adolescentes
desta região, como forma de respeitar as peculiaridades
regionais e a necessidade de (re)estabelecimento ou
manutenção dos vínculos familiares e sociais.
(2) Quais as cidades do Sul de Minas que comporão o Centro?
Haverá possibilidade de adolescentes de outras regiões do
Estado virem para Poços de Caldas?
Não há ainda definição das Comarcas, eis que ainda não
definida a cidade polo (onde será construído o Centro). Regra
geral busca-se atender uma gama de no máximo 20 Comarcas
que circundam a cidade polo, respeitada a distância média de
no máximo 200 Km.
A SEDS busca ao extremo preservar as peculiaridades
regionais evitando-se o encaminhamento de adolescentes
para regiões diversas daquelas onde residem suas famílias,
no entanto não é descartado o encaminhamento excepcional
de adolescentes de outras regiões como, por exemplo, no caso
de adolescentes em situações de risco. Neste caso há sempre
articulação junto ao Judiciário da Comarca de origem, bem
como da Comarca de destino.
(3) Quantas vagas existem no Centro?
O Estado de Minas Gerais possuem Centros Socioeducativos
que variam de 20 e 80 adolescentes. No caso do sul de Minas
a intenção é construir um Centro para 80 adolescentes, que
visa atender um determinado número de Comarcas.
(4) Há local adequado para mulheres (adolescentes do sexo
feminino)?
268
Não, os centros da SUASE têm absoluta separação por sexo.
O atendimento de adolescentes de sexo feminino é realizado
Material Complementar da Obra
no Centro de Reeducação Social São Jerônimo, ligado a esta
Subsecretaria e localizado em Belo Horizonte/MG.
(5) Há local adequado para internação provisória?
Sim, em regra destina-se 30 ou 40 vagas para internação
provisória (conforme o projeto). Sobreleva destacar que
há rigorosa separação entre o núcleo de internação e o de
internação provisória, sendo inclusive distintas as equipes
que atuam em cada um dos núcleos.
(6) O Estado manterá o Centro?
Sim, os Centros Socioeducativos de internação são custeados
in totum pelo Estado, salvo alguns casos de Unidades
municipais conveniadas, onde há contrapartida.
(7) O Município apenas doará o terreno?
É incipiente afirmar, pois poderá haver negociação como já
ocorreu em outras oportunidades para que o Município faça a
terraplanagem do terreno, bem como a extensão de serviços
(água, acesso asfaltado), caso se afigure necessário.
(8) Qual o cronograma da obra? Já em 2008?
Cada Secretaria de Estado possui um projeto estruturador
que em linhas gerais se consubstancia em um planejamento
prévio de ações, sendo que há recursos garantidos para a
execução destas ações. Em nosso projeto estruturador uma
das ações é a construção em 2008 de um CSE no sul de Minas,
assim faz-se imperioso a definição da Comarca sede e do
terreno com a maior brevidade possível para que possamos
iniciar os trâmites para a execução da obra. Nesta esteira, a
previsão é de início e conclusão ainda no ano de 2008.
(9) Haverá atividades laborais (profissionalização) e culturais
(estudo)? No próprio Centro?
As atividades de profissionalização em regra são realizadas
vinculadas ao programa de egresso, mas ainda durante a
execução da medida de internação. Fomenta-se parcerias
com o sistema “s”, bem como com outras instituições. Não
necessariamente as atividades de profissionalização são
realizadas dentro da Unidade, ao revés, a diretriz é que se
utilize dos próprios recursos existentes na comunidade
minimizando os impactos de uma instituição total. Assim,
com base no art. 121, § 1o, do ECA é autorizada a saída para
cursos profissionalizantes com ou sem escolta, conforme o
caso.
269
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Em relação às atividades culturais há, estas sim dentro
da Unidade, oficinas lúdicas, terapêuticas e de geração de
renda, algumas Unidades inclusive participam de feiras para
exposição dos produtos confeccionados pelos adolescentes.
Ademais, autoriza-se saídas externas para a participação em
peças de teatro, cinema, atividades esportivas etc.
Nas unidades socioeducativas a escolarização formal é
realizada desde 2004 através de convênio firmado com a
Secretaria de Estado de Educação. A finalidade é propiciar
ensino fundamental, médio e EJA aos adolescentes, visando o
desenvolvimento pleno do adolescente para que se torne um
ser com visão crítica, preparado para o exercício da cidadania
e capaz de interagir na sociedade.
As Escolas do sistema socioeducativo têm a preocupação de
desenvolver suas atividades conjuntamente com o Centro
onde está inserida. O currículo não é composto apenas pelas
matérias ou conteúdos que os educandos recebem em sala
de aula, mas pelo conjunto de atividades teóricas, práticas e
projetos pedagógicos promovidos no decorrer da jornada do
educando na escola e nas unidades socioeducativas. Assim,
procura-se desenvolver projetos que envolvam atividades
que valorizem a cultura brasileira, exaltando as riquezas
patrimoniais de cada região. Vale ressaltar, por fim, que a
escola funciona dentro da própria Unidade, havendo espaço
criado especificamente para este fim.
(10) O modelo permite superlotação (acima das vagas
estipuladas)?
Não, a SUASE diligencia para que haja respeito ao
número de vagas do Centro, como forma de possibilitar o
desenvolvimento da proposta pedagógica com qualidade.
(11) O modelo permite transferência de adolescentes de
outra unidade sem autorização do Juiz da Infância de Poços
de Caldas?
Conforme afirmado na questão 2, excepcionalmente poderão
ser encaminhados adolescentes de outras regiões, mas de
tudo será dado ciência ao Juiz da Infância de Poços de Caldas.
(12) O modelo permite que o Juiz de Poços de Caldas (cidadesede) interne adolescentes sem autorização da Secretaria do
Estado? E as demais cidades da Região, como poderão internar,
com “filtragem” pela Secretaria, evitando internações ilegais?
270
Material Complementar da Obra
A liberação de vagas nas Unidades ligadas à SUASE é
disciplinada pelos arts. 326 a 329 do Provimento 161/2006
da Corregedoria Geral de Justiça de Minas Gerais, sendo
qualquer entrada de adolescentes em centros socioeducativos
precedida de autorização da autoridade administrativa, no
caso o gestor de vagas da SUASE. Contudo, considerando
que o Juiz da Comarca sede é responsável pela execução das
medidas, a SUASE dispensa que haja prévia solicitação para
encaminhamento de adolescentes da própria Comarca, desde
que respeitado o limite de vagas disponíveis e que haja o
envio da documentação exigida para formação do prontuário
do adolescente.
Em relação aos adolescentes das outras Comarcas há sempre a
necessidade de deliberação da SUASE para encaminhamento
à Unidade, tal deliberação tem o escopo de qualificar a
demanda (coibir internações desarrazoadas), controlar a
lotação da unidade e verificar a necessidade de priorizar
solicitações.
(13) Qual o processo pedagógico aplicado sobre “prêmios”
(saída temporária, visita íntima etc.) e “castigos”?
A própria Unidade deverá formular seu “Projeto Sócio Político
Pedagógico – PSPP”, através da observância de diretrizes já
construídas pela SUASE.
Cada adolescente terá seu “Plano Individual de Atendimento
– PIA” no qual são contemplados os diversos aspectos do
adolescente durante a execução da medida (escolarização,
profissionalização, família, ocorrências negativas, aspectos
psicossociais etc.). Os prêmios são deliberados a partir da
evolução do PIA do adolescente. Cumpre ressaltar que a
questão da visita íntima é um tema bastante controverso,
sendo que ainda não houve consenso acerca de sua
possibilidade e, por estas razões, a mesma não é permitida.
Acerca dos “castigos” a Unidade deverá construir com a
participação de toda comunidade educativa (direção, técnico,
agentes, administrativos e adolescentes) o Regulamento
Disciplinar que deverá prever as condutas proibidas com
suas respectivas sanções.
(14) Há local adequado para adolescentes com problemas
mentais – transtornos psiquiátrios, nos termos do art. 112,
§ 3o, do ECA ou deve ser ele alocado para outra unidade do
Estado neste caso?
271
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Não, de fato no que concerne a adolescentes com transtornos
mentais que cometeram atos infracionais há uma lacuna na
política. O tema já apareceu incidentalmente em uma reunião
do “Colegiado Socioeducativo” (grupo formado por membros
do MP, do Judiciário, da SUASE, da Defensoria Pública e
da Polícia Civil) e será tratado mais a fundo como pauta
da próxima reunião. Vale dizer que o STJ considera que “o
adolescente que apresenta distúrbio psiquiátrico não pode
ficar submetido a uma medida socioeducativa diante de sua
inaptidão para cumpri-la (art. 112, § 1o, do ECA)” (HC 60604/
SP. Relator Ministro Gilson Dipp, DJ 19/03/2007).
Destarte, a discussão deverá ser ampliada eis que não se
enquadra estritamente na competência desta Subsecretaria.
(15) Há local adequado para trabalho por eventuais
internações por tráfico de entorpecentes (art. 122, II, do ECA)
ou atos infracionais graves (art. 122, I, do ECA) que estejam
ligados (como causa principal) a dependência química/
toxicológica?
Geralmente nestes casos a medida socioeducativa é cumulada
com a aplicação da medida protetiva prevista no art. 101,
VI, do ECA. Assim, as Unidades socioeducativas valem-se da
rede externa de saúde para trabalhar com os adolescentes
drogadictos.
(16) Há outras observações a serem feitas?
Considero de extrema importância que o início das atividades
em uma Unidade socioeducativa seja precedida de discussões
com a comunidade local visando disseminar o Estatuto da
Criança e do Adolescente e desmistificar o senso comum que
permeia a questão da “FEBEM“, da não responsabilização do
adolescente, de “cadeia para ‘menor’ etc.”
Nota
Em Poços de caldas foi formada uma comissão para indicação
de terreno e contatos com o Estado, sendo que no término de
minha cooperação o centro estava pendente apenas de última
deliberações.
272
Evidente que o Ministério Público, não logrando êxito, deve
ajuizar ACP, conforme modelo a seguir (que seria utilizado
caso não se conseguisse administrativamente a solução do
caso). O modelo, retirado e adequado da comarca anterior –
Divinópolis/MG (onde um Centro foi construído após ACP),
foi assim detalhado:
Material Complementar da Obra
EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E DA
JUVENTUDE DA COMARCA DE POÇOS DE CALDAS/MG
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS,
através de seu Promotor de Justiça Especializado na Defesa
dos Direitos da Infância e da Juventude da Comarca de Poços
de Caldas, vem, respeitosamente, perante V. Ex.a, com fulcro
nos arts. 1o, III e 129, III, da Constituição Federal; 201, V e
210, I, da Lei no 8.069/90; e na Lei no 7.347/85, intentar a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO
LIMINAR, SEM JUSTIFICAÇÃO PRÉVIA,
PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER,
Em face da MUNICIPALIDADE DE POÇOS DE CALDAS/MG,
pessoa jurídica de direito público interno, representada
pelo Prefeito Municipal, com sede na Avenida Francisco
Salles, no 343, Centro, nesta cidade, por ofensa ao direitos
assegurados à criança e ao adolescente, concernente à
infração do ART. 123 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE (INEXISTÊNCIA DE ENTIDADE EXCLUSIVA
PARA INTERNAÇÃO DE ADOLESCENTES), pelos seguintes
fundamentos fáticos e jurídicos:
I – Da legitimidade ativa
O Ministério Público é instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e os interesses sociais
e INDIVIDUAIS INDISPONÍVEIS (Constituição Federal, art.
127).
“São funções institucionais do Ministério Público:... II – zelar
pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços
de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua
garantia; III – promover o inquérito civil e a ação civil pública
para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente E DE OUTROS INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS”
(art. 129 da Constituição Federal)
“Compete ao Ministério Público:...V – promover o inquérito
civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses
individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à
adolescência, inclusive os definidos no art. 220, parágrafo
terceiro, inciso II, da Constituição Federal;... VIII – zelar pelo
efetivo respeito aos direitos e garantias legais asseguradas
273
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais
e extrajudiciais cabíveis...” (art. 201 do Estatuto da Criança e
do Adolescente).
Irrebatível, portanto, a legitimidade do Ministério Público
para a propositura da presente Ação Civil Pública.
II – Da competência:
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069/90),
em seu capítulo VII, que dispõe sobre a proteção judicial dos
interesses individuais, difusos e coletivos, em seu art. 209,
fixa a competência jurisdicional absoluta para apreciação das
ações civis públicas em interesses menoristas como sendo a
do foro local onde ocorra a ação ou omissão, excepcionando
somente a competência da Justiça Federal e competência
originária dos Tribunais Superiores, ou seja, do Supremo
Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
In casu, o foro do local onde ocorre a omissão é a comarca
de Poços de Caldas/MG, pois é aqui que inexiste um centro
apropriado para internação de menores infratores, em
cumprimento ao disposto no art. 123 do ECA.
Fixada a competência territorial ou de foro, falta definir qual
o juízo competente na Comarca para apreciação da presente
ação. Tal esclarecimento vem no art. 148, IV, do ECA, que
dispõe in verbis:
“A justiça da Infância e da Juventude é competente para:
IV – conhecer de ações civis fundadas em interesses
individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao
adolescente, observado o disposto no art. 209.”
Portanto, explícita é a competência deste Juízo da Infância e
da Juventude para processar e julgar esta Ação Civil Pública.
III – Dos fatos:
Na data de (....)
Cumpre ressaltar que dado o enorme número de menores
acautelados, o CEIP (CENTRO DE INTERNAMENTO
PROVISÓRIO) de Belo Horizonte recusa-se, atualmente, a
receber menores de outras comarcas, motivo pelo qual urge
a tomada de providência pela Municipalidade, na pessoa do
Sr. Prefeito como representante, providências essas que há
muito deveriam ter sido tomadas.
274
Menores que praticam atos infracionais de natureza
gravíssima, atualmente, não têm como permanecer
Material Complementar da Obra
apreendidos, tendo em vista que a Municipalidade,
visivelmente, afronta o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Hodiernamente, o adolescente infrator pode cometer, NO
Município de Poços de Caldas, todo o tipo de violência, praticando
atos infracionais descritos na legislação penal comum sem que
nada lhe ocorra, já que, com sua gritante omissão, até a presente
data, a Municipalidade não construiu um estabelecimento
próprio ao reconhecimento de tais menores.
É princípio constitucional da República Federativa do Brasil,
a dignidade da pessoa humana, conforme disposição inserta
no art. 1o, III, de nossa Carta Magna, impedindo a internação
de menores, em locais sem o mínimo de infraestrutura, em
que passem por momentos de angústia e maus-tratos, ou que
mantenham contato com maiores imputáveis, já condenados
ou presos preventivamente.
O art. 175 do ECA, em seu parágrafo segundo, dispõe que:
“Nas localidades onde não houver entidade de atendimento,
a apresentação far-se-á pela autoridade policial. À falta
de repartição especializada, o adolescente aguardará a
apresentação em dependência separada da destinada a
maiores, não podendo, em qualquer hipótese, exceder o
prazo referido no parágrafo anterior.”
Quanto à transferência de adolescente infrator para
estabelecimento próprio, visando ao cumprimento de internação
provisória decretada judicialmente, dispõe o art. 185, § 2o:
“Sendo impossível a pronta transferência, o adolescente
aguardará sua remoção em repartição policial, desde que em
seção isolada dos adultos e com instalações apropriadas, não
podendo ultrapassar o prazo máximo de 05 (cinco) dias, sob
pena de responsabilidade.”
É certo que os menores infratores sentenciados ao
cumprimento de medida socioeducativa de INTERNAÇÃO
não têm onde fazê-lo, em face da omissão da ré, que tornou
definitiva solução paliativa e temporária e, com tal descaso,
agrava a cada dia a situação caótica dos menores da comarca
de Poços de Caldas/MG.
IV – Dos pedidos:
1 – Da liminar
A Lei no 8.069/90, em seu art. 213, § 1o, bem como a Lei
no 7.347/85, em seu art. 12, regulamentando a matéria
275
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
procedimental da ação civil pública, estabelecem a hipótese
de medida liminar, em face da eventual necessidade de tutela
assecuratória instrumental de cunho cognitivo, garantindo a
eficácia e a utilidade desta.
A medida liminar, como espécie de medida cautelar requer,
além das condições comuns da ação, condições específicas,
a saber:
Fumus boni juris, sendo este, no dizer de Enrico Túlio
Liebman, “a provável existência do direito a ser tutelado” (in
Manual de Direito Processual Civil, v. 5, p. 92)
Deverá ser colocada à disposição deste juízo liminarmente,
um imóvel destinado à internação de menores infratores.
Acordamos para o absurdo da situação existente quando
atinamos para o fato de que o mesmo menor pode cometer
o mesmo ato infracional grave, que será, inevitavelmente,
liberado, porquanto não há onde interná-lo, por omissão do
poder público, que, dessa forma, incentiva a criminalidade e
delinquência na comarca.
Periculum in mora, representando a demonstração de
inocuidade da tutela jurisdicional principal em face de sua
não imediatividade.
In casu, presentes restam ambos.
O primeiro, em razão do flagrante desrespeito às citadas
normas constitucionais e menoristas, bem como pela expressa
legitimação do Ministério Público para a propositura da ação
civil pública nesta seara.
O segundo mostra-se evidente, uma vez que tal situação não
pode perdurar, porquanto em risco encontra-se a integridade
física de toda a comunidade e dos próprios menores, que
comumente vêm sendo internados provisoriamente, em
locais inadequados.
Todos os dias são apreendidos menores infratores fazendose necessária e urgente a imediata destinação de um imóvel
apropriado para internação dos mesmos, nos termos da lei,
sob pena de reinar a impunidade de tais atos.
V– Do pedido Principal:
276
Como a simples existência de uma cela em uma repartição
policial não soluciona o grave problema da comarca,
porquanto nela os menores não podem ficar mais que cinco
dias (art. 185, § 2o), deverá ser construído ou colocado à
Material Complementar da Obra
disposição desse juízo um imóvel apropriado à internação de
menores infratores.
Ex positis, em razão da proposta, requer o Ministério Público:
a) – Concessão de medida liminar, sem justificação prévia,
determinando à Ré a obrigação de fazer consistente em
destinar ou construir um imóvel destinado à internação de
menores infratores, nas hipóteses dos arts. 175, § 2o, e 185,
§ 2o, da Lei no 8.069/90, sob pena de multa cominatória diária.
Imperioso é chamar o Município de Poços de Caldas
ao cumprimento de suas obrigações constitucionais,
cumprimento este que não constitui nenhum favor, tudo sob
as penas da lei.
MM Juiz, esta ação é obrigação de fazer, apontando-se aqui o
dever de agir do Município de Poços de Caldas, no sentido de
colocar à disposição deste juízo e dos cidadãos desta cidade,
um estabelecimento apropriado ao internamento de menores
infratores.
Em se tratando de dever de agir, não há que se falar
em opção. Não há que se falar em discricionariedade. A
discricionariedade, no caso presente, só pode ser reconhecida
quanto à forma de cumprimento do dever de agir, que deverá
observar todos os parâmetros determinados na Constituição
Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas sem a
opção de não o cumprir.
Uma sociedade civilizada se mantém através de um princípio
básico de organização: o respeito às leis. Assim, como uma
pessoa do povo é punida quando desrespeita os preceitos da lei,
não cumprindo o dever que lhe foi imposto, seus representantes,
que exercem em seu nome o poder, devem sofrer punições
quando desrespeitem o dever que lhes foi imposto.
O abuso do poder, como todo ato ilícito, tanto pode revestir
a forma comissiva como a omissiva, porque ambas são
capazes de afrontar a lei e causar lesão a direito individual
do administrado. “A inércia da autoridade administrativa –
observou Caio Tácito – deixando de executar determinada
prestação de serviço a que por lei está obrigada, lesa o
patrimônio jurídico individual. É forma omissiva de abuso de
poder, quer o ato seja doloso ou culposo” (obra citada, p. 1).
Cabe, então, ao Poder Judiciário não praticar o ato omitido
pela Administração, mas, sim, impor a sua prática. A inércia
da Administração, retardando ato ou fato que deva praticar,
277
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
é abuso de poder, que enseja correção judicial e indenização
aos prejudicados.
Caracterizado está o fumus boni juris, tendo em vista os fatos
alegados e fundamentos trazidos à colação que instruem
a presente e são parte integrante desta petição inicial.
Igualmente claro é o periculum in mora, posto que o perigo
de graves danos aos direitos indisponíveis da sociedade e
dos próprios adolescentes infratores, enquanto se aguarda a
tutela definitiva, é induvidoso, sendo inafastável a urgência
da solução do impasse,
b) – Seja a Ré citada, na pessoa de seu representante legal ou
procurador, para contestar, querendo, o pedido, sob pena de
revelia e confissão, seguindo o presente processo o procedimento
comum de rito ordinário, até que seja ao final condenada.
c) – Seja a Ré condenada à obrigação de fazer, consistente em
efetivar o cumprimento do dever constitucional de construir
ou adaptar imóvel já construído, com o fim de receber em
regime de internação menores infratores.
d) – A cominação, na sentença, de multa diária equivalente a
R$ 8.000,00 (oito mil reais), para o caso de descumprimento
da obrigação, no prazo fixado na decisão, que deverá ser
revertida ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente.
e) – Requer-se, por fim, a produção de prova documental,
testemunhal e pericial, além do depoimento pessoal do
representante legal da Ré.
f ) – Sem incidência de honorários advocatícios, pois incabíveis
em se tratando de ação civil pública.
Dá-se a presente causa o valor de R$ 2.000.000 (dois milhões
de reais, incluindo infraestrutura, engenharia e manutenção
pelo Estado, conforme CD ROM em anexo com várias pastas:
projeto arquitetônico; cab. estruturado; caderno de encargos;
Cemig; CFTV Alarme e Segurança; Combate Incêndio;
Detalhe Arquitetônico; Elétrico; Estrutura Concreto;
Estrutura Metálica; Hidráulico, Layout; Paisagismo; SPDA;
Terraplenagem; Topografia; etc.).
Pelo Deferimento.
Poços de Caldas, ---.Thales Tácito Pontes Luz de Pádua
Cerqueira
Promotor de Justiça – Infância e Juventude
278
Material Complementar da Obra
Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses
Individuais, Difusos e Coletivos
No tocante ao sistema de garantias dos direitos declarados pela CF/88
e pelo ECA, o jurista Geraldo Claret de Arantes24 sintetiza com muita
propriedade:
Sistema de Garantia dos Direitos Declarados pela
Constituição Federal e pela Lei no 8.069/90.
Muitas vezes, as leis não conseguem fazer-se valer sem
que seja necessário recorrer-se ao Poder Judiciário. Para
a garantia dos direitos declarados das crianças e dos
adolescentes, o legislador municiou o operador jurídico de
um instrumental jurídico inovador, simples, célere e eficiente,
visando transformar a Lei em realidade.
Tais garantias estão descritas nos arts. 208 e seguintes da Lei
no 8.069/90.
Trata-se das ações de obrigação de fazer, ações mandamentais (regidas pelas normas do mandado de segurança) e
ações civis públicas para os casos metaindividuais.
As ações podem ser propostas contra os Municípios ou contra
os Estados Federados e contra a União.
Os fundamentos que garantem a efetivação dos direitos de
crianças e dos adolescentes estão na Constituição Federal e
no Estatuto da Criança e do Adolescente (educação, saúde,
moradia, inclusão em programas de auxílio à família,
instituições próprias para restrição de liberdade,
programas de assistência ao adolescente em conflito com
a Lei etc.)
Através deste verdadeiro arsenal jurídico, pode-se garantir
o cumprimento aos direitos da infância e da juventude,
declarados em lei.
O Juiz de Direito, o Promotor de Justiça, os demais
operadores jurídicos, autoridades e servidores públicos têm
a obrigação legal de prevenir a ocorrência de qualquer
ameaça ou violência contra os direitos declarados das
24 �ARANTES, Geraldo Claret. Estatuto da Criança e do Adolescente - Manual do Operador Jurídico. Belo
Horizonte: Editora ANAMAGES - Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008
279
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
crianças e adolescentes, respondendo pessoalmente por
responsabilidade, no caso da inobservância do que manda a
Lei, na forma do art. 73 do ECA.
O Ministério Público, portanto, tem a obrigação de propor,
quando da ameaça ou violação dos direitos, as ações descritas
nos arts. 208 a 213 da Lei no 8.069/90, para fazer valer os
direitos das crianças e adolescentes.
Por sua vez, o Juiz de Direito e membros dos tribunais –
Juízes de Alçada, Desembargadores e Ministros – ao tomarem
conhecimento, no exercício de suas funções, de ameaças ou
violações dos direitos das crianças e adolescentes, têm a
obrigação de remeter peças ao Ministério Público para as
providências cabíveis, na forma dos arts. 220 e 221 da Lei no
8.069/90, sublinhando-se que, sendo o caso de proposição
de Ação Civil Pública, o Ministério Público, se assim, não
entender, deverá remeter as peças informativas, no prazo de
três dias, sob pena de falta grave, ao Conselho Superior do
Ministério Público, que decidirá a respeito.
Qualquer pessoa do povo poderá, e o servidor público
é obrigado a indicar ao Ministério Público ameaças ou
violações de direitos individuais, coletivos ou difusos dos
direitos da Infância e da Juventude.
As ações civis públicas poderão ainda ser ajuizadas por
associações que existam por mais de um ano.
Os Defensores Públicos têm legitimidade para tanto, na
interpretação sistêmica e teleológica do ECA mas, para os
que não entendam assim, é possível seguir o exemplo da
Defensoria Pública de Minas Gerais, que, em deliberação de
grande compromisso social e jurídico, resolveu fundar uma
Associação dos Defensores Públicos da Infância e da
Juventude, para atrair a legitimidade citada.
NOTA
Atualmente, a legitimidade dos Defensores Públicos para ajuizarem
ações civis públicas foi regulamentada pela Lei no 11.448, de 2007, que
acrescentou inciso II ao art. 5o da Lei no 7.347/85 (Lei da Ação Civil
Pública).
280
Material Complementar da Obra
Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses
Individuais, Difusos e Coletivos
1. INQUÉRITO CIVIL E AÇÃO CIVIL PÚBLICA NO CONTEXTO
GLOBAL
1.1. Do inquérito civil
O Congresso Nacional, em 2009, previu o falso testemunho em Inquérito
Civil. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou, no
dia 26/08/2009, o PLS 52/09, de autoria do Senador Demóstenes Torres
(DEM/GO), que torna crime o falso testemunho e a falsa perícia oferecidos
em inquérito civil.
O autor justifica que o inquérito civil é um importante instrumento
de investigação da sociedade, quando ocorre ofensa ao meio ambiente,
ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico, paisagístico, assim como outros interesses difusos e coletivos.
Um testemunho falso ou uma falsa perícia, argumenta ele, podem
conduzir ao ajuizamento equivocado de uma ação civil pública contra
um inocente, ou mesmo excluir um responsável pela lesão.
Para o senador Romeu Tuma (PTB-SP), o projeto vem suprir uma lacuna
na legislação sobre o crime de falso testemunho.
O relator da matéria foi o senador Adelmir Santana (DEM-DF).
Segue, abaixo, o parecer aprovado.
Em agosto de 2009, a matéria foi aprovada em poder conclusivo das
comissões, sendo encaminhada para análise na Câmara dos Deputados.
Parecer no, de 2009
Da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em decisão
terminativa, sobre Projeto de Lei do Senado no 52, de 2009, que
“altera o caput do art. 342 do Código Penal, que prevê o crime
de falso testemunho ou falsa perícia, para incluir o inquérito
civil entre os procedimentos sujeitos à prática da infração”.
Relator: Senador Adelmir Santana
I – Relatório
Trata-se do Projeto de Lei do Senado no 52, de 2009, que
pretende alterar o caput do art. 342 do Código Penal (CP),
que prevê o crime de falso testemunho ou falsa perícia, para
incluir o inquérito civil entre os procedimentos sujeitos à
prática da infração.
281
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
O autor do projeto, Senador Demóstenes Torres, justifica
que a atual redação do caput do art. 342 do CP, assim como
a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, que “disciplina a ação
civil pública de responsabilidade por danos causados ao
meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e dá
outras providências”, não cuidam expressamente do falso
testemunho ou falsa perícia praticados no âmbito de um
inquérito civil.
Ressalta, ademais, que o inquérito civil é um importante
instrumento de investigação da sociedade, quando ocorre
uma ofensa ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos
de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico,
assim como a outros interesses difusos ou coletivos. Um
testemunho falso ou uma falsa perícia podem conduzir ao
ajuizamento equivocado de uma ação civil pública contra um
inocente, ou mesmo excluir um responsável pela lesão.
No prazo regimental não foram oferecidas emendas.
II – Análise
O princípio da legalidade, consagrado na Constituição
Federal, art. 5o, inc. XXXIX, estatui que “não há crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Esse dispositivo constitucional mostra que a conduta
proibida está subordinada à lei. Nenhum crime ou pena pode
ter existência fora da lei.
A intervenção do Direito Penal na sociedade deve ser
amparada no princípio da legalidade, evitando-se que o
poder punitivo seja exercido arbitrária e ilimitadamente.
Como prelecionam os estudiosos do direito, o princípio da
legalidade, ou da reserva legal, tem significado político, no
sentido de ser uma garantia constitucional dos direitos do
homem. Constitui a garantia fundamental da liberdade civil,
que não consiste em fazer tudo o que se quer, mas somente
aquilo que a lei permite.
À lei e somente a ela compete fixar as limitações que destacam
a atividade criminosa da atividade legítima. Essa é a condição
de segurança e liberdade individual. Não haveria, certamente,
segurança ou liberdade, se a lei atingisse condutas lícitas,
com o objetivo de puni-las, e se os juízes pudessem punir os
fatos ainda não incriminados pelo legislador.
282
Material Complementar da Obra
É corolário, portanto, do princípio da legalidade a exigência
da lei prévia e estrita, para que não se prejudique o réu.
Dessa forma, o projeto sob exame, ao inserir a expressão
“inquérito civil” na conduta tipificada no art. 342 do CP, está
completando uma lacuna no tipo penal de “Falso testemunho
ou falsa perícia”, que poderia trazer errôneos julgamentos na
ação civil pública.
Senado Federal
Gabinete do Senador Adelmir Santana
III – Voto
Opinamos, por conseguinte, pela aprovação do Projeto de Lei
do Senado no 52, de 2009.
Sala da Comissão,
Presidente
Relator
283
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses
Individuais, Difusos e Coletivos
1.2.1.1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VS. ADIN
Não pode a Ação Civil Pública ser usada no lugar (como sucedâneo) de
Ação Direta de Inconstitucionalidade, ou seja, para afastar lei em tese, pois
isso é função exclusiva do STF, e a sua legitimidade decorre somente da CF/88.
Defendi artigo jurídico no 13o Congresso Nacional do MP em Curitiba/
Paraná (1999), sob o título “Os limites entre a ACP e ADIn”, com publicação
na Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Em suma, concluí o seguinte:
A regra impõe que o Poder Judiciário deve se incumbir da
missão do controle repressivo de constitucionalidade
(art. 102, I, “a”, da CF/88), como guardião da Constituição
Federal, fator este consagrado pelo Poder Constituinte
Originário de 05/10/1988. Desta forma, somente as exceções
alhures citadas através dos Poderes Legislativo e Executivo
(sistema de freios e contrapesos) são permissíveis, no sistema
jurídico-constitucional pátrio, de exercerem o controle
repressivo de constitucionalidade, sem que isto represente
a quebra da “viga mestra” do sistema.
De acordo com o sistema de controle de constitucionalidade
repressivo das leis e do precípuo guardião da Constituição
(STF), exceções feitas aos “Poderes” (funções do Poder)
Legislativo (art. 49, V, art. 52, X e art. 62, todos da CF/88)
e Executivo (por seu chefe máximo ao negar vigência à lei
por entendê-la inconstitucional), diante do sistema de freios
e contrapesos (independência e harmonia entre os “Poderes”
(art. 2o da CF/88), conclui-se que há limites entre a Ação Civil
Pública e a ADIn, o que impede o uso indiscriminado daquela,
salvo se o efeito erga omnes for restrito, e não amplo e ilimitado.
284
Adotando todos estes parâmetros, é possível Ação Civil Pública
pleiteando controle difuso de constitucionalidade, desde que
os efeitos erga omnes sejam para uma categoria limitada de
protegidos (associados, legitimados), protegidos por seus
substitutos processuais, e não para toda sociedade; enfim, se o
efeito erga omnes for geral e irrestrito, não é possível o uso da
Ação Civil Pública; no entanto, se visar grupos ou categorias de
pessoas, de forma restrita, entendo ser possível.
Material Complementar da Obra
Portanto,
imprescindível
conhecer
qual
interesse
metaindividual está sendo protegido (difuso, coletivo ou
individual homogêneo) e analisar a extensão que o efeito
erga omnes da Ação Civil Pública provocará.
Desta forma, usando da interpretação doutrinária, conjugada
com a sistemática, tudo o que foi exposto acima para o
controle difuso se aplica na Ação Civil Pública, com uma única
diferença:
O controle difuso realizado na ação civil pública não pode
substituir uma ação direta de inconstitucionalidade
(ADIn), pois do contrário vincularia o próprio Supremo
Tribunal Federal, nos limites da competência do juiz prolator
da Ação Civil Pública, usurpando competência constitucional
reservada ao órgão de cúpula do Poder Judiciário.
Por conseguinte, a minha conclusão é a de que o controle
difuso de constitucionalidade na Ação Civil Pública, se tiver
como objeto interesse metaindividual:
a) Difuso = de regra, não é possível o uso da Ação Civil
Pública;
b) Coletivo = de regra, é possível o uso da Ação Civil Pública;
c) Individual Homogêneo = sempre será possível o uso da
Ação Civil Pública.
Portanto, o que é autorizado aos autores da ação civil
pública, seja qual legitimado for, é obter a declaração de
inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-los, no
caso concreto, do cumprimento da lei ou ato inconstitucional.
Todavia, como a Ação Civil Pública possui efeito erga omnes
em seu pedido, é preciso analisar se tal efeito será restrito a
um grupo ou categoria de pessoas ou irrestrito:
a) se for irrestrito, a Ação Civil Pública é instrumento
processual “camaleão”, pois visa fazer papel de ADIn, sem
legitimidade pré-definida e sem competência do órgão
julgador. Nesta hipótese, não poderá ser utilizada como meio
idôneo pelo MP;
b) se o efeito da Ação Civil pública erga omnes for restrito,
o instrumento processual será válido e eficaz, sem quebrar
a viga mestra do sistema, a saber, a premissa maior de ser
o STF o órgão responsável pelo controle repressivo de
constitucionalidade concentrado. Neste caso, por exemplo, o
controle difuso feito na Ação Civil Pública fará com que a lei
285
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
municipal permaneça válida, vigente e eficaz para todos (pois
somente pelo controle concentrado é que se poderia expurgar
a presente lei do cenário jurídico), salvo no tocante à FORMA
como é feita, que terá vigência, mas não eficácia, para
as partes processuais defendidas na ação civil pública.
Nessa hipótese, o Ministério Público ou outro legitimado
estará respeitando o sistema pátrio e o magistrado, ao fazer o
controle difuso de constitucionalidade na Ação Civil Pública,
sucederá o juiz Marshal, da Suprema Corte Americana (1803),
no sentido de usar de sua atividade jurisdicional para aplicar
e interpretar a lei. Assim, percebendo contradição entre a lei
municipal e a CF/88, o nobre magistrado aplicará a última,
por ser hierarquicamente superior a qualquer lei do Poder
Legislativo, usando da Hermenêutica Jurídica, ciência da
interpretação das leis, própria de sua atividade, sem contanto
violentar o guardião da Constituição: o Egrégio STF.
Assim, a título de esclarecimento, vejamos um exemplo:
A Constituição Federal, no seu art. 8o, III, permite ao sindicato
a defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas,
funcionando como verdadeiro substituto processual
expressamente previsto em lei.
A Lei da Ação Civil Pública (Lei no 7.347/85), no seu art. 5o,
I, permite que associação ajuíze a presente ação, desde que
presentes dois requisitos:
a) finalidade institucional compatível com os interesses
individuais homogêneos defendidos. Trata-se, ao meu ver,
de pertinência temática, de relação de adequação;
b) seja constituída há pelos menos 1 ano, nos termos da
lei civil.
Noutro giro, esse requisito da pré-constituição da pessoa
jurídica poderá ser dispensado pelo juiz quando houver
manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou
característica do dano ou ainda pela relevância do bem
jurídico a ser protegido. Por esta previsão surge corrente
jurídica que entende que a sociedade de fato pode proteger
interesse transindividual. O mesmo se diga para quem não
possui personalidade jurídica.
Suponhamos que:
286
1) se uma Ação Civil Pública proposta por uma associação,
na defesa de seus associados, apenas produzir efeitos erga
Material Complementar da Obra
omnes para os substitutos processuais, diante, por exemplo,
de um interesse coletivo (titulares determinados ou
determináveis + ligados entre si por uma situação
de direito – a saber, relação jurídica com as associações
respectivas – + objeto indivisível – a saber, na medida
que não podem ser partilhados individualmente entre os
seus titulares, pois atendido o interesse de um, satisfaz-se
o de todos indiscriminadamente), nada impede a aplicação
do controle difuso de constitucionalidade como incidenter
tantum na presente Ação;
2) mas, anote-se o seguinte: caso o Ministério Público ou
outro legitimado ajuizasse a Ação Civil Pública visando
interesse metaindividual difuso (titulares indeterminados
+ ligados entre si por uma situação de fato + objeto
indivisível), apesar da declaração de inconstitucionalidade
ser questão prejudicial no controle difuso, sem operar coisa
julgada (atinge a parte fundamentadora), o efeito erga omnes
da Ação Civil Pública atingiria toda sociedade municipal
ou estadual e, neste caso, repito, apesar do controle de
constitucionalidade ser difuso e não concentrado e não
fazer coisa julgada (a decisão sobre a inconstitucionalidade),
claramente se observaria que, via oblíqua, a Ação Civil Pública
estaria rotulada como tal, mas na verdade estaria sendo
instrumentalizada, via oblíqua, como “uma ADIn Municipal
ou Estadual”, sem que houvesse legitimidade do autor para
tanto e competência do magistrado para tal decisão, na
medida em que o guardião da CF/88 é o STF.
Assim, no último caso, apesar de ser o mecanismo processual
ideal, visto que seria instrumento hábil para controlar
inconstitucionalidades de leis municipais, dando a ação efeito
erga omnes, o que não é possível via controle concentrado,
pois não é possível o controle concentrado de lei municipal
contrária à Constituição Federal, constataríamos que a
Ação Civil Pública estaria substituindo a ADIn, o que é
inadmissível.
O Ministério Público, nestes casos, deve valorizar o maior
instrumento posto a sua disposição (Ação Civil Pública),
e não usar dele para outros fins (ADIn), pois acima de
qualquer outra finalidade, o parquet é o eterno custos legis,
devendo velar pelo regime jurídico e sistema de controle de
constitucionalidade das leis adotado no Brasil.
Assim, o Ministério Público brasileiro, que,
287
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
“a) dos Estados Unidos, herdou a desvinculação com o Poder
Judiciário, a denominação de sua chefia, o controle externo
de determinadas atividades administrativas ligadas ao
Poder Executivo, o resquício de poder participar da política
partidária, ainda que hipóteses restritas previstas em lei,
a postura independente que aqui somente se subordina à
consciência jurídica de seu membro, como aliás, está na Lei
Maior ao assegurar sua autonomia funcional e administrativa
(art.127);
b) da Europa Continental, herdou a simetria da carreira
com a magistratura, inclusive as prerrogativas similares,
o direito de assento ao lado dos juízes, as vestes próprias
e até mesmo o vezo de atuar como se magistrado fosse,
embora devesse ter o ardor de advogado no patrocínio da
causa..., desenvolvendo sob a influência do Novo e Velho
Mundo e da simbiose a sua força...”25. deve usar, de regra, a
Ação Civil Pública de forma irrestrita e ilimitada como maior
instrumento conferido ao Ministério Público de todas as
legislações do mundo; todavia, quando esta actio tiver como
questão prejudicial a inconstitucionalidade de lei, como
controle difuso de constitucionalidade, o parquet deve se ater
ao limite que a Ação Civil Pública deve chegar: não ser forma
oblíqua de Ação Direta de Inconstitucionalidade, sob o rótulo
daquela, de acordo com a extensão do efeito erga omnes em
relação ao interesse metaindividual em jogo.
Portanto, no caso de uso inadequado, percebendo isto, o juiz
ou Tribunal deve extinguir o Processo formado pela Ação
Civil Pública sem julgamento do mérito, por carência de ação:
falta de interesse de agir (adequação) ou, para outros, falta
de possibilidade jurídica do pedido.
Todavia, para o Ministério Público (Instituição que com
orgulho defendo), exercer sua função de defensor da
sociedade e da ordem jurídica e não ficar limitado nos
casos que o controle difuso de constitucionalidade feitos
por Ação Civil Pública seja juridicamente impossível, o que
representaria uma captio diminutis, resta, por boa técnica
jurídica e sem prejuízo de sua força social e prerrogativas
constitucionais invejáveis em outras legislações mundiais:
1 – no caso de lei municipal ou estadual contrárias à
Constituição Estadual: oficiar e representar ao Procurador-
25 SLAIBI FILHO, Nagib. In: Ação declaratória de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.
152.
288
Material Complementar da Obra
Geral de Justiça do seu Estado, para informar sobre possível
controle concentrado de constitucionalidade da lei municipal
ou estadual contrária à Constituição Estadual, a ser feito no
Egrégio Tribunal de Justiça respectivo;
2 – no caso de lei estadual contrária à Constituição
Federal: oficiar ao Procurador-Geral da República e demais
legitimados do art. 103 da CF/88, extraindo-se cópia de
seu Parecer, a fim de que os legitimados, caso entendam
ser inconstitucional a Emenda Constitucional, promovam a
ADIn prevista no art. 102, I, “a”, da CF/88, eis que os mesmos
possuem legitimidade para tanto (art. 103 da Carta Máxima);
3 – no caso de lei municipal ou distrital (na competência
de Município) contrária à CF/88: como não é possível
o controle concentrado por ADIn ou Ação Declaratória de
Constitucionalidade, pelas razões estudadas, e não sendo o
caso de Ação Civil Pública (pois se for cabível, a questão fica
resolvida de forma irrestrita e geral), resta-lhe:
a) oficiar aos legitimados (entre eles o Procurador-Geral
da República), para efeito de promover a arguição de
descumprimento de preceito fundamental, trazida pela
Lei no 9.882, de 3 de dezembro de 1999, incumbindo ao
Excelso STF o entendimento se este novo instrumento jurídico
poderá ser o remédio heroico para coibir atos abusivos do
Poder Legislativo e Poder Executivo Municipal, o que poderá
surtir efeito no sentido do controle de constitucionalidade
repressivo de lei municipal contrária à CF/88;
b) orientar a associações, sindicatos etc., que ajuízem Ação
Civil Pública, com controle difuso, mas com efeito erga omnes
restrito a seus substitutos processuais, razão pela qual não há
que se falar que tal ação faz papel de ADIn, pois o resultado
final ficará restrito a uma categoria e não a todo município;
c) orientar a própria sociedade que ajuíze ações individuais
visando o controle difuso com efeitos intra partem e ex tunc,
caso em que, o parquet atuará como custos legis;
d) oficiar a Câmara de Vereadores (no caso de leis municipais)
ou a Câmara Legislativa (no caso do Distrito Federal atuando
na sua competência municipal) para, com todo respeito,
expor os fatos e sugerir a revogação daquela lei, sob pena
de indenização por perdas e danos aos munícipes contra o
Poder Legislativo, diante da inconstitucionalidade cristalina.
289
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Estes, s.m.j., são os caminhos jurídico-técnicos a serem
adotados, de acordo com o sistema de controle de
constitucionalidade consagrado no Brasil, pelo Poder
Constituinte Originário responsável pela Constituição
Federal de 05/10/1988” (professor Thales Tácito).
290
Material Complementar da Obra
Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses
Individuais, Difusos e Coletivos
Foro por prerrogativa de função
A Lei no 10.628/02 deu foro pela prerrogativa de função para:
a) agentes políticos que estejam no mandato e cometam crimes –
hipótese consagrada na CF/88;
b) agentes políticos que não estejam no mandato e cometeram o crime
durante o mandato26 – hipótese não consagrada na CF/88 e que havia sido
motivo do cancelamento da Súmula no 394 do STF;
c) agentes políticos que estejam no mandato e cometam ilícito cível de
improbidade administrativa (Lei no 8.429/92) – hipótese não consagrada
na CF/88;
d) agentes políticos que não estejam no mandato e cometeram ilícito
cível de improbidade administrativa quando do mandato (Lei no 8.429/92)
– hipótese não consagrada na CF/88.
Apenas as três últimas hipóteses foram novidades trazidas pela Lei no
10.628/02, pois a primeira já estava prevista na CF/88.
Com base nesta lei, surgiram duas posições na época:
1a posição: a lei era inconstitucional; logo, por exemplo, o Promotor
de Justiça deveria ajuizar ação civil pública contra o Prefeito por
improbidade administrativa, pedindo ao juiz que fizesse o controle difuso
de constitucionalidade, para declarar a Lei no 10.628/02 inconstitucional
– diversos juízes e Tribunais do País agiram assim (TJ/SP, TJ/MG, posição
defendida à época pelo Procurador-Geral de Justiça de Minas Gerais);
2a posição: a lei não era inconstitucional; logo, deveriam ser criados
grupos difusos no Ministério Público de 2o grau para processar agentes
políticos por improbidade administrativa junto aos tribunais competentes.
Nossa posição à época:
Entendo que a lei é inconstitucional, porém, adoto a segunda posição,
porque o STF negou liminar de ADIn da CONAMP (Associação Nacional do
MP), que tem efeito vinculante do stare decisis do direito norte-americano e,
ainda que não fosse, no mérito, o STF, declarando inconstitucional a citada
lei, daria efeito ex tunc para anular todos os feitos da primeira corrente.
26 A lei não especificou se os crimes devem ou não estar relacionados com o mandato, o que vem causando muita discussão; por exemplo, se um deputado for traficante (isso não está ligado ao mandato e,
portanto, não poderia ser abrangido por esta lei).
291
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Esse artigo, de minha autoria, foi defendido no Congresso Estadual do
Ministério Público de Minas Gerais em Ouro Preto, em março de 2003, tendo
uma moção especial ao Procurador-Geral de Justiça, que até então adotava
a primeira posição. Sobre o artigo (vide no site www.portalttc.com.br).
Penso que a primeira posição é a mais técnica, porém, a mais perigosa,
já que certamente a segunda posição vingará, conforme várias sinalizações
do STF, entre elas, a Reclamação 2.138/DF, relator Ministro Nelson Jobim,
na qual o STF, por 5 votos favoráveis, com pedido de vista do Ministro Carlos
Velloso, entendeu que cabia foro por prerrogativa de função ao ex-Ministro
da Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardemberg no tocante à improbidade
administrativa.
Nessa reclamação, o STF entendeu que a Lei no 8.429/92 prevê sanções
de penas pecuniárias e perda da função, além de suspensão de direitos
políticos, sendo que, em relação às duas últimas, somente a CF/88 pode
estabelecer a forma de investidura e perda do cargo, bem como a suspensão
de direitos políticos, logo, deve-se fazer interpretação extensiva ao foro
pela prerrogativa de função da área criminal, na área cível de improbidade
(se pode o mais, pode o menos, até porque a lei de improbidade, apesar de
cível, gera reflexos penais por via oblíqua).
O professor Hugo Nigro Mazzilli entende que o raciocínio acima, do STF,
está correto, exceto para sanções pecuniárias, que podem ser objeto de
ação civil pública pelo MP independentemente do foro por prerrogativa de
função, conforme palestra no Congresso Estadual do Ministério Público de
Minas Gerais em Ouro Preto (março de 2003).
Discordo do mestre Mazzilli, ou seja, apesar de reconhecer que o STF
vai declarar a Lei no 10.628/02 constitucional pelos argumentos acima, e
que por isso o MP deveria fazer como o MP/RS fez, o professor lamenta que
o STF decida dessa forma, porque:
o foro pela prerrogativa de função previsto na CF/88 na
esfera criminal deveria ser interpretado restritivamente
pelo STF, como fez ao cancelar a Súmula no 394 do STF, e
somente para agentes que se encontrassem no mandato
ou cargo, ou seja, não se poderia jamais ampliar o foro
pela prerrogativa de função previsto na Carta Magna para
esfera cível de improbidade administrativa, principalmente
nas hipóteses de perda ou cessação do cargo ou mandato,
pois a sociedade estará desprotegida de um dos mais
fortes personagens (Ministério Público de primeiro grau
de atuação) e instrumentos legais, além de caracterizar
292
Material Complementar da Obra
inconstitucionalidade vertente, qual seja, o foro ser dado a
pessoa e não ao cargo, o que caracteriza Tribunal de Exceção,
vedado pelo princípio constitucional do juiz natural.
Se assim não fosse, por que a Lei no 10.628/02 passou na
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em regime de
urgência constitucinal nas vésperas da Copa do Mundo, onde
a população brasileira e imprensa estavam dispersas com
o futebol? Por que a sanção foi feita nas vésperas de Natal
(24/12/02 – como se fosse um presente...), época igualmente
de dispersão nacional?
Por que retirar do povo brasileiro, que detém o poder (art.
1o, parágrafo único, da CF/88), delegado a representantes do
Congresso Nacional, a soberania de opinar ou acompanhar
importante Lei em épocas de nenhuma dispersão???
Posição atual do STF
Na ADIn no 2.797 da CONAMP, o STF, no dia 15 de setembro de 2005,
declarou a Lei no 10.628/02 inconstitucional, sendo que o Legislativo
prometeu uma PEC para ressuscitar aludida lei extinta.
O STF julgou, por 7 x 3, a inconstitucionalidade formal da Lei no
10.628/02, ou seja, não poderia uma lei ordinária tratar de matéria de
reserva constitucional. Com isto, o Legislativo apressará a PEC (Reforma
do Judiciário, parte II), que tramita no Congresso, para “ressuscitar” a Lei
no 10.628/02 que foi eliminada pelo STF, o que deve novamente ser motivo
de muitas discussões e polêmicas. Acompanhem a notícia completa:
Por maioria de votos, o plenário do Supremo declarou a
inconstitucionalidade do foro especial para ex-ocupantes
de cargos públicos e/ou mandatos eletivos, previsão dada
pela Lei no 10.628/02. A decisão foi tomada no julgamento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn no 2.797) proposta
pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público
(Conamp). A decisão ocorreu no dia 15/09/2005, direto do
Plenário do STF e transmitido ao vivo pela TV Justiça.
A ação contestava os parágrafos 1o e 2o do art. 84 do Código
de Processo Penal (CPP), que estabelece foro privilegiado
a ex-detentores de cargo público por ato de improbidade
administrativa (Lei no 10.628/2002). Com a decisão, eles
perdem o direito de serem julgados por um foro especial
na Justiça nos casos de atos de improbidade administrativa.
Agora, essas ex-autoridades devem ser julgadas pela instância
judicial competente, de acordo com a natureza do ato.”
293
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
No julgamento prevaleceu o entendimento do relator,
Sepúlveda Pertence, que considerou procedente a ação.
“O meu voto acolhe basicamente a ação de improbidade por
não se cuidar de uma competência penal e consequentemente
não poder somar-se à competência originária do Supremo
que é exclusivamente constitucional”, afirmou o Ministro
Pertence.
De acordo com o relator, o parágrafo 1o do art. 84 “constitui
evidente reação legislativa ao cancelamento da Súmula no
394” pelo Supremo. “Tanto é assim que a redação dada ao
dispositivo questionado se aproxima substancialmente da
proposta, então recusada pelo Tribunal”.
A Súmula no 394 estabelecia que “cometido o crime durante
o exercício funcional, prevalece a competência especial por
prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal
sejam iniciados após a cessação daquele exercício”.
Votos
Seis ministros acompanharam o entendimento do relator. O
ministro Joaquim Barbosa, ao votar, afirmou que o dispositivo
atacado contém uma “mácula insanável”, pois traduz
tentativa de neutralizar decisão do Supremo, que resultou
no cancelamento da Súmula no 394. Barbosa citou o relator,
Ministro Sepúlveda Pertence, ao ressaltar ser inconstitucional
qualquer iniciativa do legislador ordinário no sentido de
reformular entendimento formalmente expresso pelo STF.
“Admitirmos [a lei] equivaleria a submeter às decisões dessa
Corte aos humores do poder político”, disse.
Por sua vez, o Ministro Carlos Ayres Britto, durante seu
voto, lembrou que, conforme o Supremo, em matéria de
prerrogativa de foro prevalece o princípio da atualidade do
exercício da função. “O ex-titular do cargo, do mandato, da
função não carrega consigo a prerrogativa como traz consigo
a sua roupa, a sua indumentária, a sua vestimenta cotidiana,
então me parece que, neste caso específico, o cancelamento
da Súmula no 394 foi muito bem processado e se mantém
rigorosamente atual nos seus fundamentos jurídicos”,
considerou o ministro.
294
O Ministro Cezar Peluso também acompanhou integralmente
o voto do relator. Peluso apontou uma diferença entre
prerrogativa e privilégio, observando que a primeira é
uma salvaguarda para o exercício da função pública com
Material Complementar da Obra
autonomia. Por outro lado, afirmou o ministro, quando cessa
a função pública, a manutenção de tal prerrogativa passa
a ser um privilégio, por adquirir um caráter pessoal e não
funcional. Segundo o Ministro Cezar Peluso, nesse sentido
é inquestionável a revogação da Súmula no 394, que acabou
com o foro especial para quem deixou o cargo.
O Ministro Marco Aurélio também acompanhou o voto do
relator e afirmou que a competência do Supremo é fixada
de forma exaustiva na Constituição Federal não existindo
possibilidade de ampliar essa competência mediante lei
ordinária. Segundo o ministro, o que está em jogo “é a
intangibilidade da Constituição, que não pode ser alterada
pelo legislador ordinário”.
Seguindo a mesma argumentação, o Ministro Carlos Velloso
ressaltou que o § 2o do art. 84 do CPP, um dos dispositivos
questionados na ação, equipara em nível constitucional a ação
civil por improbidade administrativa e o delito penal, o que
contraria o disposto no art. 37, § 4o, da Constituição da República.
Para Velloso, a lei atacada também invade a competência
originária do Supremo, que é taxativamente expressa pela Carta
Magna.
Celso de Mello também votou com o relator, declarando
inconstitucionais os dispositivos impugnados. Ele afirmou que
o Congresso Nacional não tem legitimidade para restringir ou
ampliar a competência originária do STF, do STJ, dos Tribunais
Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados. “É
uma indevida ingerência normativa do Congresso Nacional”,
assinalou. De acordo com Celso de Mello, somente por
emenda à Constituição se poderia modificar a competência
dos tribunais. “Nada pode autorizar o desequilíbrio entre
os cidadãos, nada pode justificar a outorga de tratamento
seletivo que vise a dispensar determinado privilégio, ainda
que de índole funcional, a certos agentes públicos que não
mais se acham no desempenho da função pública”, finalizou.
A divergência
O Ministro Eros Grau, ao ler seu voto-vista, abriu divergência
em relação ao voto do relator. O ministro julgou parcialmente
procedente a ação, conferindo aos §§ 1o e 2o do art. 84
do Código de Processo Penal, interpretação conforme à
Constituição.
295
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
NOTA
“Interpretação conforme à Constituição“ ocorre quando um Ministro
do STF, ao julgar uma ADIn, entende que um dispositivo da norma
impugnada não é inconstitucional se e somente se for interpretado
de forma tal, ou seja, é uma interpretação condicionada para ser
considerada constitucional, de forma que se os demais ministros
acompanham, nenhuma outra interpretação pode ser dada àquele
dispositivo, sob pena de reclamação. Numa linguagem popular,
“salva-se o dispositivo, porém, limita-se o seu alcance”, fazendo sua
interpretação exata aos demais postulados para própria CF/88. Este
tipo de instrumento é muito utilizado no STF, guardião da CF e da
perfeita interpretação constitucional das leis.
Segundo Grau, a ação de improbidade administrativa tem reflexo
de natureza penal daí por que os que cometerem irregularidades no
exercício do cargo deverão responder no foro especial,  ressalvados os
casos já julgados na primeira instância.
O ministro explicou que o agente político, mesmo depois de afastado
da função pública, deve ser processado e julgado perante o foro definido
por prerrogativa de função, se acusado criminalmente por fato ligado ao
desempenho das funções inerentes ao cargo.
Por outro lado, disse que o agente político não responde à ação de
improbidade administrativa se estiver sujeito a crime de responsabilidade
pelo mesmo fato. Não estará, neste caso, abrangido pelas disposições
atinentes ao foro para propositura de ação de improbidade estabelecidas
no art. 84 e parágrafos do Código de Processo Penal. “Não há como
conceber a convivência de uma ação de improbidade de nítidos efeitos
penais, de responsabilidade política, com uma ação penal correspondente
por crime de responsabilidade ajuizadas perante distintas instâncias
judiciais”, afirmou, para acrescentar que a punição para a autoridade cujo
ato de improbidade está tipificado como crime de responsabilidade já
estaria previsto na lei que cuida dessa situação específica.
Já para o Ministro Gilmar Mendes, que acompanhou a divergência
aberta pelo Ministro Eros Grau, qualquer equiparação absoluta entre
agentes políticos e os demais agentes públicos é equivocada. Nesse sentido,
defendeu que “prerrogativa de foro não se confunde com foro privilegiado,
pois a prerrogativa de função é distinta de privilégios na função”.
296
Material Complementar da Obra
Gilmar Mendes salientou que ao criar a lei questionada, o legislador
apenas optou por uma disciplina que melhor concretiza a instituição da
prerrogativa de foro prevista na Constituição.
Em sua avaliação, “só faz sentido falar em prerrogativa de foro se ela
se estende para além do exercício das funções”. Segundo argumenta, “é
nesse momento que presta alguma utilidade ao ocupante do cargo”. No
entendimento do Ministro Gilmar Mendes, as perseguições, inclusive
processuais, ocorrem depois do abandono do cargo. A Ministra Ellen Gracie
presidiu a sessão e acompanhou a divergência.
Por fim, o Ministro Cezar Peluso questionou a Corte sua preocupação
no sentido de, com a inconstitucionalidade formal mantida, se deveria
dar efeito ex nunc (art. 27 da Lei no 9.868/99), para evitar com que os
processos julgados nos Tribunais não fossem nulos, pelo que o Ministro
Sepúlveda Pertence entendeu desnecessário, já que “todos os processos
estavam paralisados na Justiça aguardando decisão do STF”.
NOTA
Além disto, não seria necessária a “calibragem dos efeitos da decisão
(efeito ex nunc neste caso) ou “inconstitucionalidade interrompida”,
porquanto, sob a égide da liminar negada na CONAMP, quando
ingressou com a ação, os Tribunais que entenderam ser competentes
e processaram feitos (poucos, é verdade), estavam protegidos pela
negativa de liminar que lhes conferiram competência e pelo art. 2o do
CPP (resguardo dos atos processuais já praticados).
297
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses
Individuais, Difusos e Coletivos
1.2.1.5. EFEITO DA COISA JULGADA NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Microssistema de tutela jurisdicional coletiva, natureza jurídica da
ação civil pública e transporte in utilibus da coisa julgada coletiva
O professor Gregório Assagra, jurista de escol e autor das melhores
obras de Tutela Coletiva, no site www.portalttc.com.br, concedeu-nos
entrevista e respondeu a estas questões de alta complexidade:
1. Explique o que vem a ser o microssistema de tutela jurisdicional
coletiva comum e a exigibilidade de dupla compatibilidade para
a aplicabilidade subsidiária do CPC a esse microssistema.
298
Gregório Assagra: A Lei no 8.078, de 11/09/1990, ao inserir na Lei da
Ação Civil Pública – LACP o art. 21, criou um microssistema de tutela
jurisdicional coletiva comum, o qual decorre da completa interação
entre a parte processual do Código de Defesa do Consumidor – CDC
(arts. 81/104) e a LACP. Daí ser o CDC, depois da LACP e da CF/88,
o terceiro grande momento histórico do movimento referente à
consagração da tutela jurisdicional coletiva no Brasil. A aplicabilidade
aqui entre o CDC, parte processual, e a LACP, não é subsidiária, mas
integrada (art. 90 do CDC e art. 21 da LACP). Essa integração forma
um microssistema de tutela jurisdicional coletiva comum composto
de normas de superdireito processual coletivo comum – regras gerais
do sistema jurídico brasileiro. Com efeito, caso, por exemplo, alguém
tenha dúvida sobre a existência de litispendência entre um mandado
de segurança coletivo e um mandado de segurança individual, a
resposta está no art. 104 do CDC, o qual diz expressamente que não
há litispendência entre ação coletiva e ação individual.
Por outro lado, o CPC, por ter um sistema processual voltado para
a resolução de conflitos interindividuais, a sua aplicabilidade no
microssistema de tutela jurisdicional coletiva comum (CDC, parte
processual, e LACP) é subsidiária limitada (art. 19 da LACP e art.
90 do CDC) e, assim, depende de dupla compatibilidade: formal
e teleológica. Formal, no sentido de que o CPC somente tem
aplicabilidade nas hipóteses de inexistência de normas específicas
Material Complementar da Obra
em sentido contrário no referido microssistema. Teleológica, no
sentido de que o CPC somente tem aplicabilidade se não colocar em
risco ou impedir a proteção dos interesses e direitos coletivos em
sentido amplo. Por exemplo: não há, no microssistema em questão,
norma que disponha sobre a responsabilidade processual do
requerente de medida cautelar e, mesmo assim, não seria razoável,
somente com base na compatibilidade formal, aplicar a regra de
responsabilidade processual objetiva prevista no art. 811 do CPC,
pois essa disposição inibe a atuação dos legitimados coletivos
arrolados no art. 82 do CDC e no art. 5o da LACP e, portanto, coloca
em risco a proteção de interesse social. Há, no caso, compatibilidade
formal, mas incompatibilidade teleológica.
2. Fale sobre a natureza jurídica da ação civil pública nos planos
constitucional, processual, procedimental, do provimento
jurisdicional (teorias trinária e quinária), do objeto material e,
ainda, no plano da tutela jurisdicional preventiva e repressiva.
Gregório Assagra: inicialmente quero destacar que é de importância
fundamental o estudo e a compreensão da natureza jurídica dos
institutos jurídicos, pois é a partir desta análise que se poderá aferir
a verdadeira dimensão de cada instituto, em todos os seus planos e
dimensões.
A ação civil pública tem previsão expressa na Constituição (art.
129, III, da CF/88) e também previsão e disciplina no plano
infraconstitucional (Lei no 7.347/85). Assim, ela interessa tanto ao
direito constitucional, quanto ao direito processual. Com efeito, a
natureza jurídica da ação civil pública poderá ser vista em múltiplas
dimensões. No plano do Direito Constitucional, a ação civil pública
tem natureza jurídica de garantia constitucional, já que incorporada
na CF, art. 129, III. É uma garantia constitucional processual
específica, já que as garantias constitucionais processuais gerais
seriam os princípios (devido processo legal, contraditório, ampla
defesa etc.).
Com base nesta cláusula aberta sobre os direitos e garantias
constitucionais fundamentais (art. 5o, § 2o, da CF/88), entendemos
que a ação civil pública possui também, seja pela sua relevância e
dimensão social, seja por força do art. 5o, XXXV, da CF, que garante
o acesso amplo e irrestrito à justiça, natureza jurídica de garantia
constitucional fundamental. Assim, pelo prisma constitucional, a
ação civil pública tem aplicabilidade imediata (art. 5o, § 1o, da CF),
299
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
não pode ser interpretada restritivamente e, além, tem preferência
na tramitação processual etc.
No plano do direito processual, a ação civil pública tem natureza de
ação. É espécie de ação coletiva.
Ademais, aplicável aqui o princípio da máxima amplitude da
tutela jurisdicional coletiva comum (ALMEIDA, Gregório Assagra
de. Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do Direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 578) previsto no art. 83 do
CDC c/c o art. 21 da LACP. Veja-se a redação abaixo transcrita do art.
83 mencionado.
300
Não é correto afirmar que a ação civil pública é ação típica e
exclusivamente de conhecimento. De acordo com a causa de pedir
e pedido que poderão ser formulados concretamente, a ação civil
pública poderá ser de conhecimento (acertamento), de execução
(efetivação) ou cautelar (assecuratória).
“Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este
Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de
propiciar sua adequada e efetiva tutela.”
No plano processual do procedimento, à ação civil pública poderá ser
imprimido o rito ordinário, o sumário, ou qualquer procedimento
especial adequado, isso quando se tratar de ação civil pública de
conhecimento; já quando se tratar de ação civil pública de natureza
executiva ou cautelar, aplica-se os procedimentos previstos no
CPC (art. 19 da LACP), conforme situação ventilada e adequação
decorrente. É o que também decorre da incidência do princípio da
máxima amplitude da tutela jurisdicional coletiva comum previsto
no art. 83 do CDC e aplicável à LACP por força do art. 21 da LACP.
No plano processual do provimento jurisdicional, no processo
de conhecimento, a natureza da ação civil pública poderá ser
declaratória, constitutiva, condenatória pura ou qualificada (teoria
trinária, que no Brasil é sustentada pela doutrina clássica e tem como
um dos seus principais defensores Cândido Rangel Dinamarco) ou,
ainda, mandamental e executiva – executiva lato sensu para muitos
(teoria quinária, idealizada com base na doutrina de Pontes de
Miranda e que tem como um dos seus grandes defensores no Brasil o
jurista Luiz Guilherme Marinoni).
Qualquer pedido, desde que o mais adequado, é cabível em sede de
ação civil pública. Aplica-se aqui o princípio, já acima referido, previsto
no art. 83 do CDC, aplicável à ação civil pública por força do art. 21
Material Complementar da Obra
da LACP. Contudo, observa-se que há entendimento minoritário que
sustenta, com base em interpretação meramente literal dos arts. 3o e
11 da LACP, a tese de que, em sede de ação civil pública, somente se
admite pedidos de obrigação de dar quantia ou de obrigação de fazer
ou não fazer. O que contraria o disposto no art. 83 do CDC e, inclusive,
o direito constitucional a uma tutela jurisdicional coletiva adequada,
que tem amparo no art. 5o, XXXV, da CF.
É de se destacar, ainda, que o STJ, com base em interpretação também
meramente literal e divorciada da Constituição e do microssistema
de tutela jurisdicional coletiva comum (CDC, parte processual, mais
LACP), já decidiu que é impossível cumular condenação em dinheiro
e cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (STJ, 1a T., Recurso
Especial 94.298/R, rel. Min. Garcia Vieira, DJU-I 21/06/1999).
No plano dos direitos tuteláveis, a ação civil pública é espécie do
gênero ação coletiva, já que se destina à tutela dos direitos coletivos
lato sensu (difusos, coletivos e individuais homogêneos). Portanto,
trata-se, nessa dimensão, de uma ação coletiva.
No plano da função preventiva ou repressiva da tutela jurisdicional,
a Constituição Federal de 1988 assegura, expressamente, no art. 5o,
XXXV, a tutela jurisdicional repressiva e a preventiva ao estabelecer
que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão
ou ameaça de direito”. A melhor leitura do referido dispositivo
constitucional, na sua qualidade de garantia constitucional
fundamental, é a que a lei (legislador), o particular e o próprio órgão
jurisdicional não poderão excluir da apreciação do Poder Judiciário
a afirmação de lesão ou de ameaça a direitos em geral (individuais
ou coletivos). Por outro lado, quando a Constituição garante o
acesso amplo à tutela no art. 5o, XXXV, ela não faz distinção entre
direitos individuais ou coletivos e, não fosse isso, ainda prevê que
a tutela poderá ser tanto repressiva, quando ocorra lesão, quanto
preventiva, quando haja ameaça a direito. Com efeito, a ação civil
pública, na esteira do art. 5o, XXXV, da CF, poderá ser tanto repressiva
(ação civil pública com pedido de execução, quando houver lesão a
direitos coletivos em geral por inadimplemento da obrigação fixada
em termo de ajustamento de conduta; ação civil pública com pedido
condenatório de reparação em espécie de danos materiais ou morais
coletivos; ação civil pública com pedido reparatório in natura do
dano etc.), quanto preventiva (ação civil pública cautelar; ação civil
pública de conhecimento com pedido de tutela inibitória para atacar
301
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
o ilícito contra direitos coletivos em geral e evitar a sua prática,
continuidade ou repetição).
3. O que vem a ser o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva?
302
Gregório Assagra: o transporte (ou transferência) in utilibus da coisa
julgada coletiva, nada mais é do que a possibilidade de utilização da
coisa julgada coletiva na esfera individual. Essa possibilidade, que
decorre do princípio da máxima utilidade da tutela jurisdicional
coletiva comum, tem previsão no § 3o do art. 103 do CDC, o qual
dispõe que os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16,
combinado com o art. 13 da Lei no 7.347/85, não  poderão prejudicar
as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas
individualmente ou na forma prevista neste Código, porém, se
procedente o pedido, beneficiará as vítimas e seus sucessores, os
quais poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos
arts. 96 a 99 do CDC.
Portanto, conforme estabelecido no § 3o do art. 103 do CDC, é possível
a transferência in utilibus, para o plano individual, da coisa julgada
coletiva formada, por exemplo, em sede de ação civil pública que
tenha como objeto de tutela de direitos difusos e coletivos. Com isso,
as vítimas ou seus sucessores poderão se beneficiar individualmente
desta coisa julgada coletiva e com base nela poderão proceder
diretamente à liquidação individual da sentença geradora da coisa
julgada coletiva. Entretanto, deverão alegar e, em regra, provar: o
dano sofrido, a relação de causalidade e ainda o quantum debeatur.
Aplica-se aqui o disposto nos arts. 96 a 100 do CDC.
O art. 103, § 4o, do CDC também prevê a possibilidade de transferência
ou transporte in utilibus da sentença penal condenatória para o plano
civil. 
Material Complementar da Obra
Referência: CAPÍTULO 14 – Proteção Judicial aos Interesses
Individuais, Difusos e Coletivos
1.2.1.6. Ministério Público e aumento de mensalidades escolares
O Ministério Público Estadual tem legitimidade para contestar aumento
nas mensalidades escolares.
O Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal,  julgou
legítima a competência do Ministério Público Estadual (São Paulo) para
propor ação civil pública para questionar na Justiça aumentos abusivos
nas mensalidades escolares. A decisão do Ministro foi tomada no Recurso
Extraordinário (RE) 332545, no qual o Ministério Público Estadual
contestava acórdão favorável à Sociedade Visconde de São Leopoldo.
Veja a íntegra da decisão:
Recurso Extraordinário 332.545-1-São Paulo
Relator: Min. Gilmar Mendes
Recorrente: Ministério Público Estadual
Recorrida: Sociedade Visconde de São Leopoldo
Decisão: Trata-se de recurso extraordinário fundado no
art. 102, III, “a”, da Constituição Federal, contra acórdão que
entendeu que o Ministério Público não tem legitimidade para
propor ação civil pública sobre mensalidades escolares.
O acórdão ficou assim ementado:
“Ilegitimidade ‘ad causam’. Ação civil pública. Ministério
Público. Mensalidades escolares. Impossibilidade do uso
da ação civil pública, em juízo, para a defesa de interesses
de pequenos grupos determinados, em razão de danos
variáveis e divisíveis. Hipótese de prestação de serviços,
de caráter patrimonial e privado, disciplinados por uma
relação exclusivamente contratual. Ausência de conversão da
escola particular em ente público pelo fato de desempenhar
relevante missão social. Incompetência do Ministério Público
na substituição dos indivíduos na esfera de seus direitos.
Ilegitimidade caracterizada. Recurso improvido” (fls. 373).
Alega-se violação aos arts. 127, caput, 129, III e IX, 205 e 209,
da Carta Magna.
303
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
O acórdão recorrido extraordinariamente não está em
consonância com a jurisprudência desta Corte, conforme
se depreende do julgamento do RE 163.231, Plenário, Rel.
Maurício Corrêa, DJ 29/06/01:
“Ementa:
Recurso
extraordinário.
Constitucional.
Legitimidade do Ministério Público para promover ação
civil pública em defesa dos interesses difusos, coletivos
e homogêneos. Mensalidades escolares: capacidade
postulatória do parquet para discuti-las em juízo.
1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público
como instituição permanente, essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis (CF, art. 127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade
postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da
ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também
de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).
3. Interesses difusos são aqueles que abrangem
número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas
circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a
grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis,
ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação
jurídica base.
3.1. A indeterminabilidade é a característica fundamental
dos interesses difusos e a determinabilidade a daqueles
interesses que envolvem os coletivos.
4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a
mesma origem comum (art. 81, III, da Lei no 8.078, de 11
de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de
direitos coletivos.
304
4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente
interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos
a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente
dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes
de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas
isoladamente, não se classificam como direitos individuais
para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública,
porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses
grupos, categorias ou classe de pessoas.
Material Complementar da Obra
5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou
ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública,
a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda
que sejam interesses homogêneos de origem comum, são
subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado
por esse meio processual como dispõe o art. 129, inc. III, da
Constituição Federal.
5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada
constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de
todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da
capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam,
quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita
dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza
e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o
abrigo estatal.
Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada
a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas
à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a
remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no
julgamento da ação.
Assim, conheço e dou provimento ao recurso (art. 557, § 1oA, do CPC), para afastar a alegada ilegitimidade do Ministério
Público Estadual.
 Publique-se.
 Brasília, 06 de maio de 2005.
Ministro Gilmar Mendes
Relator.”
305
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Capítulo 15 – Ministério Público
Dissertação apresentada na disciplina “Constituição e Direitos
Fundamentais” do Mestrado em Direito Público da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul no primeiro semestre
de 2003, ministrada pelo Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet.
O juiz federal Giovani Bigolin, em artigo publicado em 30/06/2004, A
reserva do possível como limite à eficácia e efetividade dos direitos sociais,
levanta a necessidade da análise do papel do Poder Judiciário no que diz
respeito ao amparo das pretensões positivas, ou seja, se é possível ao
magistrado tutelar tais pretensões ou se estaria ele limitado ao controle
do discurso em face da separação dos poderes, já que diante da “reserva
do possível” negar-se-ia a competência dos juízes (não legitimados pelo
voto) a dispor sobre medidas de políticas sociais que exigem gastos
orçamentários e por vezes edição de leis.
Ao explicar o que significa “reserva do possível”, o juiz federal leciona
que:
Canotilho vê a efetivação dos direitos sociais, econômicos e
culturais dentro de uma “reserva do possível” e aponta a sua
dependência dos recursos econômicos. A elevação do nível
da sua realização estaria sempre condicionada pelo volume
de recursos suscetível de ser mobilizado para esse efeito
(GOMES CANOTILHO, J. J. e VITAL MOREIRA. In: Fundamentos
da Constituição, 1991, p. 131.). Nessa visão, a limitação dos
recursos públicos passa a ser considerada verdadeiro limite
fático à efetivação dos direitos sociais prestacionais.
Essa teoria, segundo Andreas Krell (In: Direitos Sociais e
Controle Judicial no Brasil e na Alemanha: os (des)caminhos de
um direito constitucional “comparado”, pp. 45 a 49) representa
uma adaptação de um tópos da jurisprudência constitucional
alemã que entende que a construção de direitos subjetivos
à prestação material de serviços públicos pelo Estado
está sujeita à condição de disponibilidade dos respectivos
recursos. Ao mesmo tempo, a decisão sobre a disponibilidade
dos mesmos estaria localizada no campo discricionário das
decisões governamentais e dos parlamentos, através da
composição dos orçamentos públicos.
306
Segundo o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha,
esses direitos a prestações positivas (Teilhaberechte) “estão
Material Complementar da Obra
sujeitos à reserva do possível no sentido daquilo que o
indivíduo, de maneira racional, pode esperar da sociedade”.
Essa teoria impossibilita exigências acima de um certo
limite básico social; a Corte recusou a tese de que o Estado
seria obrigado a criar a quantidade suficiente de vagas nas
universidades públicas para atender a todos os candidatos
(BverfGE [coletânea das decisões do Tribunal Constitucional
Federal], no 33, S. 333, apud KRELL, Andreas J. Op. cit., p. 52.).
Vale dizer, é necessário não apenas que a norma outorgue
certa capacidade de atuação para o seu destinatário como
também existam recursos materiais que tornem possível a
satisfação do direito, fatores que consubstanciam a cláusula
da “reserva do possível”.
(...)
O Prof. Gustavo Amaral em seu livro Direito, escassez e escolha:
em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de
recursos e as decisões trágicas parte seu estudo do exame de
decisões judiciais que teriam considerado o direito à saúde
como absoluto e incontrastável, procedendo a uma avaliação
crítica. As decisões são as que passo, desde logo, a descrever.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao julgar o Agravo
de Instrumento no 97.000511-3, Rel. Des. Sérgio Paladino,
entendeu que o direito à saúde, garantido na Constituição,
seria suficiente para ordenar ao Estado, liminarmente e
sem mesmo sua oitiva, o custeio de tratamento nos Estados
Unidos, beneficiando um menor, vítima de distrofia muscular
progressiva de Duchenne, ao custo de US$ 163.000,00, muito
embora não houvesse comprovação da eficácia do tratamento
para a doença, cuja origem é genética. Nesse julgamento foi
asseverado que: “Ao julgador não é lícito, com efeito, negar
tutela a esses direitos naturais de primeiríssima grandeza
sob o argumento de proteger o Erário”, sendo afastados
os argumentos de violação aos arts. 100 e 167, I, II e VI,
da Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal, em
decisão de seu presidente Min. Celso de Mello negou pedido
de suspensão dos efeitos da liminar por grave lesão à ordem e
à economia pública, solicitada pelo Estado de Santa Catarina
(AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca de
critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as
decisões trágicas, p. 26).
Em sentido diametralmente oposto, Gustavo Amaral elenca
decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em exame
307
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
de idêntico pedido em favor de menores portadores da
mesma doença, lançada sob os seguintes argumentos:
“não se há de permitir que um poder se imiscua em outro,
invadindo esfera de sua atuação específica sob o pretexto da
inafastabilidade do controle jurisdicional e o argumento do
prevalecimento do bem maior da vida. O respectivo exercício
não mostra amplitude bastante para sujeitar ao Judiciário
exame das programações, planejamentos e atividades
próprias do Executivo, substituindo-o na política de escolha
de prioridades na área de saúde, atribuindo-lhe encargos
sem o conhecimento da existência de recursos para tanto
suficientes. Em suma: juridicamente impossível impor-se sob
pena de lesão ao princípio constitucional da independência
e harmonia dos poderes obrigação de fazer, subordinada a
critérios tipicamente administrativos, de oportunidade e
conveniência, tal como já se decidiu (...)”. (TJSP, 2a Câmara
de Direito Público, Rel. Des. Alves Bevilacqua, Ag. Instr. no
42.530–5/4, j. 11/11/1997).
A terceira decisão citada também é do Tribunal de Justiça
de São Paulo, também envolvendo menor vítima da mesma
doença congênita:
“O direito à saúde previsto nos dispositivos constitucionais
citados pelo agravante, arts. 196 e 227 da CF/88, apenas são
garantidos pelo Estado, de forma indiscriminada, quando
se determina a vacinação em massa contra certa doença,
quando se isola uma determinada área onde apareceu uma
certa epidemia, para evitar a sua propagação, quando se
inspecionam alimentos e remédios que serão distribuídos
à população etc., mas que quando um determinado mal
atinge uma pessoa em particular, caracterizando-se, como
no caso, num mal congênito a demandar tratamento médicohospitalar e até transplante de órgão, não mais se pode
exigir do Estado, de forma gratuita, o custeio da terapia, mas
dentro do sistema previdenciário” (TJSP, 9a Câmara de Direito
Público, Des. Rui Cascaldi, Agr. Instr. no 48. 608-5/4, julgado
em 11/02/1998, unânime).
308
As três decisões citadas contêm concepções díspares. Para
o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o direito à saúde
seria incontrastável e absoluto, devendo o Estado acatá-lo
em qualquer caso. Para a decisão da 9a Câmara do Tribunal
de Justiça de São Paulo, o direito à saúde limitar-se-ia à
necessidade de o Estado desenvolver políticas públicas de
Material Complementar da Obra
saúde, enquanto que o tratamento de doenças dependeria da
filiação a um sistema de previdência e à cobertura dada por
esse sistema.
Para a 2a Câmara do mesmo Tribunal, ao seu turno, o direito
à saude é ditado por políticas públicas destinadas a gerenciar
recursos escassos, sendo juridicamente impossível ao
Judiciário imiscuir-se na questão.
Gustavo Amaral – procurador do Estado do RJ – culmina
sua crítica aos posicionamentos judiciais citando decisão de
primeira instância da Vara da Fazenda Pública de São Paulo,
na qual um menor vítima da distrofia muscular de Duchenne
obteve liminar para que o Estado de São Paulo arcasse com
R$ 174.500,00, equivalentes ao valor em dólares necessários
ao tratamento, ao fundamento de que o direito à vida
preponderaria sobre qualquer outro. Sobreveio sentença
de improcedência, revogando a antecipação de tutela e
determinando a devolução da quantia levantada:
“sob as penas civis e criminais cabíveis, pois o direito à saúde
garantido pela Constituição deveria ser cumprido dentro dos
limites das verbas alocadas à saúde, devendo o Governante,
segundo os critérios de conveniência e oportunidade, procurar
atender aos interesses de toda a coletividade de maneira
universal e igualitária para cumprir a norma constitucional.
Assim, o benefício a um único cidadão, como no caso do autor,
prejudica o restante da coletividade de cidadãos, que veem
as verbas destinadas à saúde diminuírem sensivelmente, em
detrimento de suas necessidades” (Processo no 351/99, 14a
Vara da Fazenda Pública de São Paulo).
Segundo Gustavo Amaral, os julgados apontados não
enfrentaram a questão microjustiça versus macrojustiça,
reconhecendo haver direito subjetivo ao recebimento de
tratamento médico sem qualquer consideração orçamentária.
(Sobre conflitos entre critérios adotados numa ótica de
microjustiça e critérios adotados numa ótica de macrojustiça
o autor cita o chamado “dilema do prisioneiro”, descrito por
John Rawls, no qual um somatório de escolhas individuais
racionais produzem um resultado coletivo irracional.) Ocorre
que os recursos, sobretudo no caso da saúde, são escassos,
pois todas as estatísticas existentes sobre gastos com saúde,
em todos os países, mostram uma progressão quase que
geométrica.
309
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
O problema é bem nítido no Brasil, onde a desigualdade social
faz com que parte da sociedade já sofra doenças “modernas”
ou “da riqueza”, assim as consideradas como típicas de países
mais desenvolvidos, ao passo que outra parcela ainda sofre
com “doenças da miséria”, como febre amarela, cólera e
malária (Folha de São Paulo, 24 de maio de 1998, pp. 2-3, e 27
de maio de 1998, pp. 3-8). Amaral afirma que se o Estado está
obrigado a sempre ter recursos para prestar as utilidades que
lhe são demandadas, ao menos no campo da saúde, então, por
dever de coerência, há que se reconhecer o direito de obter
esses recursos, mas, no campo da receita pública, seja no
ramo da própria contenção de gastos, há direitos individuais,
como as garantias tributárias, a vedação ao confisco, o direito
à percepção dos vencimentos e proventos.
Gustavo Amaral cita argumentos elencados por PecesBarba Martínez, Pérez Luno e Alexy para demonstrar a
insuficiência de se divisarem os direitos fundamentais em
direitos positivos e negativos considerando tais distinções
ineficazes para evidenciar a problemática dos direitos sociais
prestacionais, propondo uma ótica nova para enfocar as
posições jurídicas que decorrem dos direitos fundamentais: a
sua decomposição em pretensões. No desenvolvimento dessa
tese, depois de evidenciar que mesmo os direitos negativos
albergam pretensões positivas, um bom exemplo, citado por
Alexy (“Direitos Fundamentais no Estado Constitucional
Democrático”, Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, vol.
16, 1999), seria o direito de crença, que tanto é o de professar
uma como o de não tê-la e ser poupado de praticar qualquer
crença. Esse conflito se manifestou no caso da “resoluçãocrucifixo”, na qual o Tribunal Constitucional Alemão proibiu
a colocação de crucifixos em espaços escolares públicos),
culmina por defender que os direitos humanos e fundamentais
seriam direitos que não correspondem a deveres correlatos.
(A afirmação de ‘direitos’ que não correspondem a ‘deveres’
pode chocar a princípio, mas cabe lembrar que a equivalência
binomial direito-dever decorre de postulados do direito civil.
Ora, as relações civis, mormente as obrigacionais, fundamse em uma lógica inaplicável, ou mesmo impertinente para
o campo dos direitos humanos. As obrigações contratuais
decorrem da autovinculação, ainda que a liberdade seja apenas
a de contratar e não a de estipular os termos do contrato. (...)
Já quanto aos direitos humanos o mesmo não pode ser dito. A
310
Material Complementar da Obra
liberdade de ir e vir não decorre de qualquer ato ou fato. (Idem,
ob. cit, pp. 106 e 107). Como esses direitos valem para todos os
que estão em condições de recebê-los, mas os recursos para
o atendimento das demandas são finitos, surge um conflito
específico: o conflito por pretensões positivas, no qual será
necessário decidir sobre o emprego de recursos escassos
através de escolhas disjuntivas (o atendimento de uns e o não
atendimento de outros). Esse conflito não é, em geral, tratado
pela doutrina e mesmo o critério de ponderação revelar-se-ia
insuficiente.
O Procurador do Estado do Rio de Janeiro não concorda com as
posições defendidas por Ricardo Lobo Torres e Robert Alexy
em diferenciar um núcleo nomeado como “mínimo existencial”
ou como status positivus das liberdades fundamentais, que
seria sempre exigível, de outros direitos, que vigeriam sob a
reserva do possível, gerando uma grande dificuldade lógica.
A terminologia empregada para a exigibilidade dos direitos
induziria a uma aplicação binária, exigível x não exigível, ao
passo que a noção de mínimo existencial incluiria enorme
gradação não existindo divisões nítidas. “O mínimo existencial
seria o mesmo em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e interior
de Alagoas? Se a resposta for positiva, então a escassez de
recursos não estará sendo considerada. Se a resposta for
negativa, então parecerá que foi incluída uma condição
que afasta a exigibilidade incondicional”. Outra crítica é a
unidimensionalidade do enfoque, pois a exigibilidade não
decorreria apenas de características ônticas da necessidade,
mas também da excepcionalidade da situação concreta. Um
cataclismo natural ou social poderia momentaneamente
tornar inexigível algo que pouco antes o era.
Segundo o autor, a escassez de recursos ou de meios para
satisfazer direitos, mesmo fundamentais, não pode ser
descartada. Surgindo esta, o Direito precisa estar aparelhado
para dar respostas. Certamente, na quase totalidade dos
países, não se conseguiu colocar a todos dentro de um padrão
aceitável de vida, o que comprova não ser a escassez, quanto
ao mínimo existencial, uma excepcionalidade, uma hipótese
limite e irreal que não deva ser considerada seriamente.
Por isso, para Amaral, é necessário que os Juízes e Tribunais,
quando forem decidir sobre a eficácia e efetividade das
pretensões em casos específicos, fundamentem suas decisões
admitindo o modo como os custos afetam a intensidade
311
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
e consistência dos direitos, examinando abertamente a
competição por recursos escassos que não são capazes de
satisfazer a todas as necessidades sociais, implicando em
escolhas disjuntivas de natureza financeira. Normalmente,
essa questão é tangenciada, pois apenas o caso concreto é
analisado. (“Tomada individualmente, não há situação para
a qual não haja recursos. Não há tratamento que suplante
o orçamento da saúde ou, mais ainda, aos orçamentos da
União, de cada um dos Estados, do Distrito Federal ou da
grande maioria dos Municípios. Assim, enfocando apenas
o caso individual, vislumbrado apenas o custo de cinco mil
reais por mês para um coquetel de remédios, ou de cento e
três mil reais para um tratamento no exterior, não se vê a
escassez de recursos, mormente se adotando o discurso de
que o Estado tem recursos ‘nem sempre bem empregados’.”
(AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca
de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos
e as decisões trágicas, pp. 146 e 147). Se a apontada
escassez é um condicionamento importante, ela não pode
ser superdimensionada, tornando-se o único balizamento
na concretização dos direitos sociais, sendo necessário
acrescentar ingredientes éticos e políticos para que o
instrumental jurídico possa não apenas ser legitimado, mas
permitir que a evolução das condições econômicas e sociais
possa beneficiar o maior número de pessoas.
O Judiciário está aparelhado para decidir casos concretos,
lides específicas que lhe são postas, tratando da microjustiça,
da justiça do caso concreto e esta deve ser sempre aquela que
possa ser assegurada a todos que estão ou possam vir a estar
em situação similar, sob pena de quebrar-se a isonomia. Conclui
que ao Poder Judiciário cabe apenas o controle do discurso e das
condutas adotadas por aqueles que ocupam a função executiva
ou legislativa, não cabendo ao magistrado fazer a mediação fatonorma, seja pela subsunção ou pela concreção.
E, finalmente, dando sua posição pessoal, o didático professor
conclui:
312
À luz de todo o exposto, importa informar desde já que
a ausência de recursos materiais constitui uma barreira
fática à efetividade dos direitos sociais, esteja a aplicação
dos correspondentes recursos na esfera de competência
do legislador, do administrador ou do judiciário. Ou seja,
esteja a decisão das políticas públicas vinculada ou não
Material Complementar da Obra
a uma reserva de competência parlamentar, o fato é que a
efetividade da prestação sempre depende da existência dos
meios necessários. Não se pode negar que apenas se pode
buscar algo onde algo existe.
Nesse contexto, mesmo reconhecida situação tópica que
pudesse estar indubitavelmente enquadrada dentro de um
padrão mínimo, a entrega da prestação também estará sujeita
à presença dos recursos materiais.
Por outro lado, constatando-se a existência de meios
econômicos (limitados e escassos), a discussão centra-se na
sua repartição e na possibilidade de se arguir, perante o Poder
Judiciário, a problemática da reserva do possível para se negar
a entrega da prestação social contenciosamente postulada.
Tal questão conecta-se ao reconhecimento ou não de uma
reserva de competência parlamentar e, por consequência, à
afronta ao princípio da separação dos poderes.
A decisão sobre a aplicação dos recursos públicos, por sua
direta implicação orçamentária incumbe precipuamente
ao legislador. Isso não implica em desqualificar os direitos
sociais como fundamentais, nem lhes conferir caráter
meramente programático. No Brasil, diante da redação do
§ 1o do art. 5o, todos os direitos fundamentais têm aplicação
imediata, sendo que, na qualidade de normas princípio, não
podem ser aplicadas como tudo ou nada, conquanto presumese sua plena eficácia, a qual também não é absoluta.
Existe a possibilidade de se reconhecerem direitos
subjetivos a prestações, tutelados pelo Poder Judiciário,
independentemente ou além da concretização do legislador.
Impõe-se concordar com Alexy que apenas quando a
garantia do material do padrão mínimo em direitos sociais
puder ser tida como prioritária, estando presente uma
restrição proporcional dos bens jurídicos (fundamentais ou
não) colidentes, há como se admitir um direito subjetivo à
determinada prestação social. Concorda-se com Sarlet que
é possível existir um limite à liberdade de conformação do
legislador em se tratando de condições existenciais mínimas.
Para a definição do patamar mínimo a permitir a superação
da limitação imposta pela reserva do possível, ressalvado
o limite real de escassez, recolhe-se o posicionamento
de Sarlet, o qual aponta como parâmetro demarcatório o
valor fundamental da dignidade da pessoa humana, o qual
representaria o verdadeiro limite à restrição dos direitos
313
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
fundamentais, coibindo eventuais abusos que pudessem
levar ao seu esvaziamento ou à sua supressão.
Mesmo em se tratando de escolhas disjuntivas, em que está
em conflito o mesmo bem jurídico a ser tutelado, como é
o caso de uma fila de pacientes aguardando o órgão a ser
transplantado, a escassez natural de recursos não inibe
a intervenção do Poder Judiciário sob o argumento da
“reserva do possível”. É que a situação de ameaça à vida dos
interessados enquadra-se no parâmetro existencial mínimo,
permitindo a tutela imediata do Juiz que poderá reconhecer,
acaso devidamente demonstrado, que o critério adotado pela
administração (cronológico) pode ser topicamente superado,
em face da comprovada urgência de atendimento de um
paciente, mesmo em detrimento de outro que esteja em
situação estável no aguardo da transferência do órgão.
Ao Juiz incumbe a tarefa de efetivação dos direitos
fundamentais, ainda que não seja exclusiva, preservando
sempre os princípios da unidade da Constituição, sob o
postulado da proporcionalidade. Àqueles que argumentam
no sentido em que em tempos de crise até mesmo a
garantia de direitos sociais mínimos poderia colocar em
risco a necessária estabilidade econômica, impondo-se o
“embalsamento” do Poder Judiciário, importa salientar, com
Alexy, que justamente em tais circunstâncias uma proteção
de posições jurídicas fundamentais na esfera social, por
menor que seja, revela-se indispensável.
314
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 18 – A Defesa no ECA (Inclusive com
o Advento da Lei n o 10.792/03)
ECA: “Art. 206. A criança ou adolescente, seus pais ou
responsável, e qualquer pessoa que tenha legítimo interesse
na solução da lide poderão intervir nos procedimentos de
que trata esta Lei, através de advogado, o qual será intimado
para todos os atos, pessoalmente ou por publicação oficial,
respeitado o segredo de justiça.
Parágrafo único. Será prestada assistência judiciária integral
e gratuita àqueles que dela necessitarem.”
O jurista argentino Eugênio Raúl Zaffaroni entendeu este artigo como:
“Pilar fundamental da transformação do processo minorista
na sua configuração como processo acusatório.
Ao longo de toda a História da Humanidade, a ideologia
tutelar em qualquer âmbito resultou em sistema processual
punitivo inquisitório. O “tutelado” sempre o tem sido em
razão de alguma “inferioridade” (teológica, racial, cultural,
biológica etc.).
Colonizados, mulheres, doentes mentais, minorias sexuais
etc. foram psiquiatrizados ou considerados “inferiores”,
e, portanto, necessitados de “tutela”. A famosa Inquisição,
no fundo, funcionou respondendo a uma sinalização de
inferioridade teológica (aquele que se afasta da Verdade é
inferior), e daí a necessidade de tutelar tanto o inferior como
a “sociedade” frente a ele. Um processo para estabelecer
essa “inferioridade” ou para “tutelar” em consequência desta
determinação não requer que haja uma separação clara das
funções do acusador, do defensor e do juiz, porque o tribunal,
por sua natureza, deve reunir e sintetizar as três funções.
“Inferioridade”, “tutela” e “inquisição” são, assim, conceitos
complementares, quase necessários ou implicados.
O reconhecimento do menor como pessoa demanda a
superação de semelhante concepção inquisitória, e, por
conseguinte, o giro fundamental se traduz na prática com a
presença de defensor ou advogado como garantia do devido
processo legal (divisão das funções judiciais e processuais).
O processo acusatório é aquele que permite olhar o acusado
“em nível igual” quanto à dignidade de pessoa. O olhar do
315
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
juiz para o processado é horizontal, sem que isto signifique
que o juiz não deva considerar as particularidades do seu
interlocutor, nem que se lese o princípio de humanidade, mas
para realizar este princípio e para que seus enunciados, na
prática, não degenerem na consagração de uma arbitrariedade
ilimitada (uso perverso do discurso humanitário), justamente,
é necessário o acusatório.
O inquisitório, longe de realizar o princípio da humanidade,
“coisifica” a pessoa, a quem o tribunal olha “de cima”, como
sucede com toda ideologia da periculosidade do positivismo
racista.
A amplitude da disposição legal é sadia, pois tanto podem
intervir advogado, os menores diretamente envolvidos e os
pais e responsáveis como também todo aquele que tenha
interesse na causa.
A disposição do parágrafo único deve ser entendida como
a mesma generosidade do artigo. A “necessidade” referida
neste parágrafo não é uma restrição à defesa, porque, se
assim fosse, resultaria contraditório o parágrafo único com
a disposição geral que o precede: a maioria dos menores
não tem capacidade de acesso à Justiça, nem de pagar um
defensor. “Necessidade”, neste parágrafo, é a que todo menor
tem quando pode ser afetado por uma decisão de um tribunal,
ou todo o pai ou responsável que possa se ver privado de
algum direito.
Sem embargo, também pode ter “necessidade” outra pessoa
que possa ter interesse na causa, e dentro deste conceito cabe
entender que estão incluídos todos aqueles que, ainda que
por simples guarda, desenvolveram vínculos afetivos com o
menor, mesmo que não exista nenhum vínculo jurídico que
os relacione.
Os vínculos afetivos com os menores devem ser objeto de
tutela jurídica, por serem eticamente positivos em qualquer
sociedade (CURY, Munir et al, ECA Comentado, Malheiros, p.
641).
316
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 19 – Procedimentos
O jurista e magistrado mineiro Geraldo Claret de Arantes,27 relembra
o gênero garantia de direitos, com as espécies “prevenção especial”,
“política de atendimento” e “medidas protetivas”, para em seguida versar
sobre a “Fiscalização de tais direitos” e “procedimentos”:
Para garantir a efetividade dos direitos declarados, o Estatuto
da Criança e do Adolescente disponibilizou um feixe de ações
preventivas e corretivas visando à implementação destes
direitos.
A Prevenção Especial regula, nos arts. 74 a 85, a Informação,
Cultura, Lazer, Esportes, Diversões e Espetáculos, os
Produtos e Serviços, abrangendo os bares, boates, hotéis,
motéis, desfiles, diversões eletrônicas, teatros, certames e
espetáculos, bebidas alcoólicas, tíner, colas, revistas, filmes,
entre outros, e a autorização para viajar dentro e para fora
do país.
A Política de Atendimento regula, nos arts. 86 a 97, as
ações e políticas sociais e os serviços de atendimento à
criança e ao adolescente, fixando as normas que devem ser
observadas pelas respectivas entidades governamentais
e não governamentais, como hospitais, abrigos, creches,
unidades de privação de liberdade, programas sociais etc.
As Medidas Protetivas, elencadas nos arts. 98 a 102,
constituem importante instrumento de implementação
dos direitos das crianças e dos adolescentes em situação
de risco, conforme o art. 98, que deve ser interpretado lato
sensu, podendo as medidas ser aplicadas em procedimentos
administrativos (subsidiariamente à competência do
Conselho Tutelar), cíveis ou infracionais, e incluem a
orientação, garantia da matrícula escolar, determinação
judicial de inclusão em programas sociais do Município ou do
Estado federado, tratamentos médico, hospitalar, psicológico
ou psiquiátrico, inclusive contra a toxicomania, e abrigo, além
da colocação em lar substituto nas modalidades de guarda ou
adoção.
A Fiscalização dos Direitos
A
apuração
de
irregularidades
em
entidades
governamentais ou não governamentais terá início através
de portaria da Autoridade Judiciária, de representação
27 ARANTES, Geraldo Claret de. Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do Operador Jurídico.
Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008.
317
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
do Ministério Público ou do Conselho Tutelar, contendo o
resumo dos fatos que devem ser apurados.
A falta de oferecimento de serviços de saúde, remédios,
próteses, creche e pré-escola, ensino fundamental, incluindo
o noturno e supletivo, o transporte e os respectivos materiais
didáticos, programas de inclusão social, abrangendo moradia
e alimentação, e outros, importará no oferecimento das
respectivas ações de obrigação de fazer, mandamental ou
civil pública, que poderão ser intentadas, concorrentemente,
pelo Ministério Público, por Associações ou por Advogados
nomeados ou constituídos, na forma do art. 208 e seguintes.
O oferecimento de produtos, serviços ou locais
impróprios para as crianças e adolescentes submeterá o
infrator à devida Ação por Infração Administrativa, que
terá início por representação do Ministério Público ou do
Conselho Tutelar ou ainda por Auto de Infração, lavrado
por Comissário da Infância e da Juventude, dos quadros de
servidores públicos efetivos ou, excepcionalmente, voluntário
previamente habilitado pela Corregedoria de Justiça.
O descumprimento dos deveres do Poder Familiar,
mesmo em decorrência de Guarda Judicial ou Tutela, o
descumprimento de determinação da Autoridade
Judiciária ou do Conselho Tutelar, a falta de notificação de
abuso ou maus-tratos a crianças e adolescentes por médicos,
professores e enfermeiros, a divulgação da identidade de
adolescente em conflito com a Lei, a falta de apresentação à
Justiça de adolescente trabalhadora como doméstica e outras
infrações tipificadas nos arts. 245 e seguintes, submeterá o
faltoso à representação do Conselho Tutelar, do Ministério
Público ou à lavratura do Auto de Infração pelo Comissário
da Infância e da Juventude.
Todas as infrações administrativas sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, após devido processo legal e a
execução da sentença pelo Ministério Público, ao pagamento
de multa, exclusivamente em favor do Conselho Municipal
dos Direitos da Criança e do Adolescente.
318
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 19 – Procedimentos
O jurista e magistrado mineiro, Geraldo Claret de Arantes,28 comenta os
arts. 194 a 197 do ECA (Seção VII), que tratam “Da Apuração de Infração
Administrativa às Normas de Proteção à Criança e ao Adolescente”,
apresentando, inclusive, modelo. Assim:
Os Procedimentos
Ao verificar a ameaça ou violação das normas de prevenção
ou em entidades de atendimento, em fiscalização de rotina ou
mediante denúncia ou indicações, o Conselho Tutelar ou o
Ministério Público apresentará Representação ao Juiz da
Infância e da Juventude, e o Comissário da Infância e da
Juventude lavrará Auto de Infração, contendo o resumo dos
fatos e quando possível, a indicação de testemunhas.
Apresentado imediatamente à Autoridade Judiciária o
Auto de Infração, já com a intimação pessoal do autuado,
realizada no momento da autuação, quando possível, ou
a Representação do Ministério Público ou do Conselho
Tutelar, o autuado será citado pessoalmente ou por via postal,
facultando-lhe a apresentação de defesa técnica no prazo de
dez dias.
Se a Ação for contestada pelo autuado com razões unicamente
de direito, o Juiz dará vistas ao Ministério Público por cinco
dias decidirá em igual prazo.
Se houver negativa do fato e havendo necessidade de colher
provas testemunhais, será designada Audiência de Instrução
e Julgamento, quando haverá debates orais e julgamento da
ação na mesma audiência, saindo as partes já intimadas.
No caso de subsistência do auto de infração ou da
representação, e aplicada a multa, o Ministério Público
promoverá a execução, cuja quitação ficará vinculada ao
depósito da multa exclusivamente em conta de fundo gerido
pelo Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente
do Município, prévia e devidamente regulamentado, e, na
sua falta, em conta bancária remunerada, administrada pela
Autoridade Judiciária.
Na regulamentação do Fundo dos Direitos das Crianças e dos
Adolescentes de cada Município, que deve ser fiscalizado,
28 ARANTES, Geraldo Claret de. Estatuto da Criança e do Adolescente – Manual do Operador Jurídico.
Belo Horizonte: Editora ANAMAGES – Associação Nacional dos Magistrados Estaduais, 2008.
319
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
necessariamente, também pelo Ministério Público,
recomenda-se a expressa vedação de destinação dos
recursos para atividades-meio, como pesquisas, trabalhos
intelectuais, estudos, viagens, subsídios, ajudas de custo,
vencimentos, monografias, pesquisas, e outras finalidades
que não se dirijam imediata e diretamente à aplicação dos
direitos declarados de crianças e adolescentes, evitando-se
o eventual desvio, mesmo que involuntário, das finalidades
do fundo, o que constitui ilícito civil, penal e administrativo.
Modelo de Auto de Infração Administrativa
Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais
Justiça da Infância e da Juventude de..........
Auto de Infração
Comissariado da Infância e da Juventude No 33.333
No dia....... de........................... de............, às...... horas, na (Rua,
Avenida etc.) ......................................................................................,
nesta cidade, lavrei o presente Auto de Infração, em face do
estabelecimento ......................................................, que opera com
o nome fantasia de ......................................................, explorando a
atividade de ......................................................, na pessoa de ............
......................................., portador do documento de identidade ..
.............................................., residente ....................................................
......................... que exerce no autuado as funções de .....................
................ pelo seguinte motivo: ...........................................................
.......................................................................................................................
.......................................................................................................................
.......................................................................................................................
.......................................................................................................................
................................ havendo assim, em tese, a infração dos arts.
................. c/c. ................... da Lei no 8.069/90 (Estatuto da
Criança e do Adolescente), e da Portaria .............................., do
Juízo da Infância e da Juventude desta Comarca, sujeitando
o estabelecimento e seus responsáveis às sanções previstas
em Lei.
A(s) criança(s) ou adolescente(s) relacionados à presente
autuação estão identificados no verso do presente auto de
infração.
Rol de Testemunhas:
Nome: ..........................................................................................................
320
Material Complementar da Obra
Endereço: ...................................................................................................
Identidade: ................................................................................................
Nome: ..........................................................................................................
Endereço: ...................................................................................................
Identidade: ................................................................................................
.................................,........ de .............................. de ..............
...................................................................................................
Nome legível:
Comissário(s) da Infância e da Juventude
Autuantes(s)”
CERTIDÃO
Certifico que, nos termos do art. 195, inciso I, da Lei no
8.069/90, intimei o autuado, na pessoa de seu representante
legal ......................................... do inteiro teor do presente Auto
de Infração, do qual recebeu uma cópia, ficando ciente de
que, querendo, deverá apresentar defesa por intermédio de
advogado, dentro do prazo de 10 dias a contar desta data,
perante a Vara da Infância e da Juventude desta Comarca.
Belo Horizonte,........ de............................... de..................
Autuado:...............................................................................
Autuante:.............................................................................
Nome legível:.......................................................................
Observação: Criança ou adolescente só podem ser
apreendidos em flagrante da prática de ato infracional ou por
ordem escrita da autoridade judiciária, conforme o art. 106,
sujeitando o apreensor à detenção de seis meses a dois anos,
conforme o art. 230, ambos da Lei no 8.069/90.
321
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 18 – Recursos
3.2. MAIS UM REQUISITO ESPECIAL DE ADMISSIBILIDADE
DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. O MECANISMO DE
REPERCUSSÃO GERAL
Sobre o tema, destaco o seguinte artigo do Exmo. Dr. Bruno Mattos e
Silva, advogado, consultor legislativo do Senado Federal:29
1. Introdução. Repercussão geral, relevância e transcendência.
O § 3o do art. 102 da Constituição Federal, acrescentado pela
Emenda Constitucional no 45, de 8 de dezembro de 2004,
assim dispõe:
“Art. 102 (...) § 3o No recurso extraordinário o recorrente
deverá demonstrar a repercussão geral das questões
constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim
de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente
podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus
membros.”
Regulamentando o dispositivo constitucional, a Lei no 11.418,
de 19 de dezembro de 2006, acrescentou os arts. 543-A e
543-B ao CPC, determinando ainda no art. 3o que caberá ao
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF)
estabelecer as normas necessárias à sua execução.
O que é repercussão geral?
Os §§ 1o e 3o do art. 543-A definem que o recurso extraordinário
oferece repercussão geral em duas situações:
– se existem questões relevantes do ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os
interesses subjetivos da causa; ou
– se o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou
jurisprudência dominante do Tribunal.
A Emenda Constitucional no 45/2004 e a Lei no 11.418/2006
têm por objetivo fazer com que somente seja apreciado o
recurso extraordinário que versar a respeito de questão
relevante, que transcenda o interesse meramente individual
das partes em litígio. No caso da existência de decisão
contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF, a
repercussão geral é presumida.
29 Texto extraído do Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=10524>.
322
Material Complementar da Obra
Há manifestação na doutrina identificando a repercussão
geral com a transcendência, no sentido de que “a repercussão
geral traduz a importância metaindividual da matéria). [01]
Mas há também opinião no sentido de que repercussão geral
seria a conjugação de relevância e transcendência. [02]
Assim, a questão deve ser relevante sob o ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico (relevância), assim
como deve ultrapassar os interesses subjetivos da causa
(transcendência). Embora não esteja expresso, isso parece
defluir da definição estabelecida no § 1o do art. 543-A do CPC:
“Art. 543-A (...)
§ 1o Para efeito da repercussão geral, será considerada a
existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista
econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os
interesses subjetivos da causa.”
Somados esses entendimentos, pode-se também entender
que questão relevante, sob qualquer dos pontos de vista
mencionados, é aquela que ultrapassa os interesses
subjetivos da causa. Assim, as noções de “relevância” e
de “transcendência” estariam intimamente ligadas, não
sendo possível falar em questão relevante que não seja
transcendente e vice-versa.
Seja como for, o art. 543-A do CPC não define o que seria
questão relevante “do ponto de vista econômico, político,
social ou jurídico” (aludida relevância), tampouco quais
características são necessárias para configuração de questões
“que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (aludida
transcendência).
Somente a jurisprudência do STF poderá responder a
essas questões. Por ora, o que podem fazer os juristas são
apenas exercícios de uma suposta lógica jurídica, dizendo
qual interpretação julgam “correta”, ao mesmo tempo
em que tentam vislumbrar qual será a interpretação que
prevalecerá ou mesmo pretensiosamente contribuir para
essa interpretação.
Assim, o que pode ser considerado transcendência?
Dizer que devemos entender por transcendência a
característica da questão que terá o condão de atingir, direta
ou indiretamente, um grande número de pessoas não ajuda na
definição do instituto. Parece claro que são transcendentes,
como bem diz o § 1o acima transcrito, as questões que
323
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
“ultrapassem os interesses subjetivos da causa”. Mas o que
significa isso exatamente?
Parece óbvio que a exigência de que o recurso deve “ultrapassar
os interesses subjetivos da causa” (transcendência), não
significa que a decisão prolatada em ação individual deverá
atingir terceiros, em uma tresloucada extensão dos limites
subjetivos da coisa julgada.
É razoável imaginar que transcendência significa ou que
o recurso deve ser capaz de gerar um precedente (leading
case), que irá nortear a interpretação e aplicação do direito
constitucional em casos futuros, ou que se refere a direitos
coletivos, difusos ou individuais homogêneos.
Nesse sentido, há manifestação da doutrina no seguinte
sentido:
“A transcendência da controvérsia constitucional levada
ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pode ser
caracterizada tanto em uma perspectiva qualitativa como
quantitativa. Na primeira, sobreleva para individualização
da transcendência o importe da questão debatida para a
sistematização e desenvolvimento do direito; na segunda, o
número de pessoas susceptíveis de alcance, atual ou futuro,
pela decisão daquela questão pelo Supremo e, bem assim, a
natureza do direito posto em causa (notadamente, coletivo
ou difuso).” [03]
E há opinião defendendo que poderá existir repercussão
geral mesmo em ações individuais, com questões que
provavelmente não ocorrerão em outros processos:
“Numa perspectiva vertical, cumpre reconhecer que também
quando estiver em jogo o direito de uma só pessoa, em
situação aparentemente irrepetível, deverá ser reconhecida a
repercussão geral, desde que se trate de direito fundamental,
aí incluídos, como se sabe, os direitos e garantias individuais
e os direitos sociais, com ênfase na tutela do mínimo
existencial.” [04]
324
Seja como for, parece claro que não se pode restringir o
significado de repercussão geral apenas aos chamados
“processos repetidos”, que o art. 543-B do CPC alude ao se
referir à “multiplicidade de recursos com fundamento em
idêntica controvérsia”, que enseja um procedimento especial
de análise de recursos representativos e sobrestamento dos
demais. Caso o alcance fosse apenas esse, o procedimento
Material Complementar da Obra
do art. 543-B não seria um procedimento específico para
tais recursos, mas sim a regra única de processamento e
julgamento do recurso extraordinário.
E o que pode vir a ser considerado questão relevante, do
ponto de vista econômico, político, social ou jurídico?
Se o deslinde da questão transcendente for importante para
o desenvolvimento e unificação da interpretação da matéria
constitucional, de modo a contribuir para a sistematização
do direito constitucional, ficará caracterizada a relevância da
questão sob o aspecto jurídico.
Mas a questão pode ser transcendente sem influenciar a
interpretação ou sistematização do direito. Imagine-se,
por exemplo, um recurso extraordinário em um processo
envolvendo um ente público ou mesmo uma entidade
de direito privado prestadora de serviços assistenciais,
ou mesmo uma empresa pública ou privada, com muitos
empregados, com muitos contratos com fornecedores,
clientes etc. Se a questão em litígio envolver valores muito
elevados, é evidente que a questão é relevante sob o aspecto
econômico, assim como é transcendente por atingir um
grande número de pessoas, que sustentam o ente público
mediante pagamento de tributos, que dependem dos serviços
prestados pela entidade assistencial ou que dependem dos
empregos ou contratos mantidos com a empresa pública ou
privada. A questão poderá ser transcendente e relevante sob
o aspecto econômico, de modo que o recurso extraordinário
oferecerá repercussão geral.
O mesmo se diga quando a questão, também sem influenciar
na interpretação do direito, é relevante sob o aspecto
social. Tomemos novamente o exemplo de uma entidade de
assistência social, de uma escola ou de um hospital com ou sem
fins lucrativos. Caso demonstrado que a ação influenciará na
prestação dos serviços para um grande número de pessoas,
estará caracterizada a transcendência. Se essa influência
alterar de forma significativa a prestação dos mencionados
serviços, a questão objeto do recurso será relevante sob o
aspecto social.
Por fim, a questão pode ser relevante sob o aspecto político.
Mas nem toda questão envolvendo política é relevante. Serão
relevantes, por exemplo, questões envolvendo definição
judicial em matéria eleitoral relativa à validade de pleitos
eleitorais relativos a investidura de membros de poderes
325
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
e em cargos importantes da República. A transcendência
nesses casos parece óbvia, já que a definição de quem serão
os membros e ocupantes de cargos importantes dos Poderes
da República atinge toda a população.
Mas nada disso se presume: deve ser demonstrado que a
decisão do processo judicial irá influenciar a vida de muitas
pessoas (transcendência), em razão da contribuição para a
sistematização do direito (relevância jurídica), magnitude
dos valores envolvidos (relevância econômica), influência
na prestação de serviços sociais (relevância social) ou da
definição de quem deve ser os membros ou ocupar cargos
importantes da República (relevância política).
Muitas vezes a questão será relevante em mais de um
aspecto. Por exemplo, poderá a decisão de uma relevante
questão política influenciar na sistematização do direito
constitucional. Nesse caso, a questão será relevante sob o
ponto de vista político e sob o ponto de vista jurídico. Mas
a norma não exige tanto: basta que a relevância da questão
exista sob um dos aspectos tratados para que, somada à
transcendência, fique caracterizada a repercussão geral.
Seja como for, novamente nos encontramos em um exercício
de suposta lógica jurídica, tentando de uma forma pretensiosa
contribuir ou apenas vislumbrar o que o STF irá definir!
Nesse sentido, a respeito da tentativa de definição do que seria
repercussão geral, merece destaque a lúcida manifestação
doutrinária:
“O que se passa com tal noção é que ela deve ser objeto de
decantação permanente, de que resultará, com o tempo,
mosaico rico e variegado de matizes.” [05]
Portanto, a definição do que seja repercussão geral e as
respostas a todas indagações acima formuladas somente
podem ser dadas, ao longo do tempo, pela jurisprudência do
STF: Direito é o que o Tribunal diz que é Direito.
2. Motivos políticos, constitucionalidade e objetivos da exigência
de repercussão geral no recurso extraordinário.
326
Não é segredo para ninguém que o STF e outros tribunais
encontram-se abarrotados de processos a espera de
julgamento, assim como o volume de processos aguardando
julgamento é muito superior à capacidade humana e material
de que se dispõe.
Material Complementar da Obra
Como conclusão óbvia dessa constatação, há demora no
julgamento dos processos judiciais.
Não se trata, como a mídia faz frequentemente, de apenas
criticar a “lentidão do Judiciário”, ou mesmo, como alguns
juristas também o fazem, de criticar o “formalismo processual”
ou o “excesso de recursos”. O fundamental é, partindo de uma
realidade fática – ausência de julgamentos céleres – buscar
soluções que resolvam o problema.
A Constituição Federal estabelece diversos princípios
e garantias, como forma de construir uma sociedade
livre, justa e solidária (art. 3o, I), sendo que a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho
e da livre iniciativa constituem fundamentos da República
Federativa do Brasil (art. 1o). Além disso, de forma expressa,
a Constituição assegura a todos a razoável duração do
processo, com os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação (art. 5o, LXXVIII).
Não é difícil concluir que o legislador ordinário deve buscar
meios para que esses dispositivos constitucionais sejam
concretizados. Não basta apenas a Constituição ser um
texto meramente bonito, programático, carregado de boas
intenções, mas desprovido de força normativa. O grande
desafio de qualquer sociedade constitucional, evidentemente,
é fazer com que a Constituição seja cumprida.
Como fazer com que o processo judicial seja célere, de modo
que todas as pessoas possam valer seus direitos? Qual a
função que a Constituição reserva ao STF?
Ao STF compete, por expressa determinação do caput do
art. 102 da Constituição Federal, “a guarda da Constituição”.
Quando a alínea “l” do inciso I estabelece a competência
para julgar “a reclamação para a preservação de sua
competência e garantia da autoridade de suas decisões”
e o inciso III estabelece as hipóteses de cabimento de
recurso extraordinário, é evidente que se tem como objetivo
concretizar a função de “guarda da Constituição” estabelecida
no caput do dispositivo.
Há um interesse público, consistente em substituir decisões
judiciais em desconformidade com a interpretação dada
pelo STF à Constituição, de modo a dar unidade ao direito
constitucional brasileiro. Em um processo judicial alçado
ao STF, a função outorgada pela Constituição não é,
327
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
simplesmente, de atender ao interesse individual da parte
em litígio, mas sobretudo atender ao interesse público
diretamente relacionado com a necessidade de concretização
e interpretação uniforme do direito constitucional.
Parte da doutrina já havia se manifestado expressamente
pela adoção de mecanismos como “súmula vinculante” e
“arguição de relevância”, como forma de mudar o papel hoje
exercido pelos tribunais superiores. [06]
Por ocasião da apreciação, na Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei no 6.648,
de 2006 (no 12, de 2006, no Senado), que deu origem à Lei no
11.418/2006, assim manifestou-se o Relator, Dep. Odair Cunha:
“Faremos, pois, que o STF deixe de ser um Tribunal de
terceira ou quarta instância para apreciação de questões
já decididas por outros tribunais. Alteraremos o seu perfil,
alçando-o à condição de corte constitucional, cuja jurisdição
será desvinculada do caso concreto, ainda que continue a ser
um órgão do Poder Judiciário.”
Na verdade, esse escopo ainda está muito longe de ser
atingido, mesmo com o advento da necessidade de existência
e demonstração da repercussão geral. O STF ainda continuará
abarrotado de processos, assim como a esmagadora maioria
desses processos ainda serão processos de natureza
individual, produzindo efeitos diretos e coisa julgada apenas
entre as partes.
E tanto é assim que a existência de repercussão geral é
apenas exigível no recurso extraordinário, a teor do § 3o
do art. 102 da Constituição Federal, acima transcrito. Para
os demais recursos, ações ou medidas apreciadas pelo STF,
não há qualquer norma a exigir a demonstração ou mesmo
a existência de repercussão geral! Sob o aspecto de política
jurídica, isso pode ser considerado uma contradição, pois o
STF continuará abarrotado de ações e recursos de natureza
meramente individual, sem qualquer oferecimento de
repercussão geral.
Contudo, a despeito de a Lei no 11.418/2006 ter alterado o
Código de Processo Civil, a jurisprudência do STF já apontou
no sentido de que a repercussão geral também deve existir
e ser demonstrada nos recursos extraordinários em matéria
criminal (Agravo de Instrumento no 664.567).
328
Material Complementar da Obra
Seja como for, já é um começo. O processo no qual é apreciado
um recurso extraordinário começa, enfim, a ganhar contornos
de processo objetivo.
Esses contornos ficam mais evidenciados quando na
possibilidade prevista no § 6o do art. 543-A, segundo o qual
o Relator poderá admitir, na análise da repercussão geral,
a manifestação de terceiros. Trata-se da figura do amicus
curiae, que poderá ingressar no feito para manifestar sua
opinião a respeito da questão em julgamento.
Os efeitos jurídicos concretos apenas atingem as partes
em litígio no processo individual, mas já pode ser possível
sustentar que os efeitos jurídicos abstratos, decorrentes do
precedente criado no julgamento, vinculam todos os órgãos
judiciais.
Por isso o § 3o do art. 543-A expressamente afirma que há
repercussão geral se o recurso extraordinário for interposto
em face de decisão que contrariar súmula ou jurisprudência
dominante no STF.
Referido § 3o tem redação estabelecida pela Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, que,
por ocasião da apreciação do Projeto de Lei do Senado no
12, de 2006, que deu origem à Lei no 11.418/2006, adotou o
seguinte entendimento:
“É relevante que a lei preveja que o julgamento divergente
proferido pelo tribunal inferior é causa suficiente para
caracterizar a repercussão geral do recurso extraordinário. A
repercussão geral, nesse caso, está evidenciada pela proteção
à isonomia, à ordem e à segurança jurídica. Realmente, não
pode ser boa para o sistema a coexistência de decisões
diametralmente opostas sobre o mesmo tema e no mesmo
momento histórico.” [07]
Evidencia-se a vontade do legislador em fazer do recurso
extraordinário um instrumento de unificação da interpretação
e aplicação do direito constitucional.
Assim, é traço marcante a preocupação com a vinculação e
efetividade das decisões tomadas pelo STF e a possibilidade
de participação de terceiros (amicus curiae) no julgamento
que poderá consistir em leading case, já que o julgamento do
mérito do recurso extraordinário terá repercussão geral.
329
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A adoção desses princípios foi uma opção política que, sob o
aspecto jurídico, foi tecnicamente acertada e está totalmente
de acordo com os preceitos constitucionais apontados.
3. Natureza jurídica da exigência de repercussão geral e de sua
demonstração em preliminar de recurso extraordinário.
Vimos acima que o art. 543-A do CPC, introduzido pela Lei no
11.418/2006, estabelece que o STF não conhecerá do recurso
extraordinário quando a questão constitucional nele versada
não oferecer repercussão geral. Qual a natureza jurídica da
exigência de que o recurso ofereça repercussão geral?
Trata-se de mais um requisito ou pressuposto de
admissibilidade, que se soma à tempestividade, legitimidade
e ao interesse do recorrente, [08] entre outros. A existência
de repercussão geral é um requisito intrínseco de
admissibilidade recursal, pois diz respeito à existência do
poder de recorrer. [09]
Além disso, de acordo com o § 2o do art. 543-A do CPC, é
ônus do recorrente demonstrar, em preliminar do recurso,
a existência da repercussão geral. Como se vê, há uma clara
determinação legal quanto à forma pela qual a existência de
repercussão geral deverá ser demonstrada: em preliminar.
Assim, a norma estabelece também um requisito extrínseco
para a admissão do recurso extraordinário, que é a
demonstração, na preliminar do recurso, da existência de
repercussão geral.
No item seguinte veremos qual deve ser a sanção aplicada
pela ausência desse requisito extrínseco.
4. A necessidade e o procedimento de aferição da existência de
repercussão geral para apreciação do recurso extraordinário
De acordo com o decidido pelo STF na Questão de Ordem
suscitada no Agravo de Instrumento no 664567, a exigência
da demonstração da existência de repercussão geral somente
existe quando a intimação do acórdão recorrido tenha
ocorrido a partir de 3 de maio de 2007, data da publicação da
Emenda Regimental no 21, de 30 de abril de 2007.
Nesse julgamento concluiu-se também que os recursos
extraordinários em matéria criminal não prescindem
330
Material Complementar da Obra
do oferecimento de repercussão geral, que deverá ser
demonstrada nos termos descritos no CPC e no RISTF.
É intuitivo imaginar que o STF não estará vinculado aos
argumentos expostos pelo recorrente para demonstrar a
existência de repercussão geral. Porém, como vimos acima,
o § 2o art. 543-A do CPC determina não só que o recorrente
demonstre que o recurso extraordinário oferece repercussão
geral, como exige que isso seja efetuado em preliminar
de recurso. Contudo, esse dispositivo silencia a respeito
da sanção aplicável na hipótese de descumprimento da
exigência.
Poderá a existência de repercussão geral ser apreciada
mesmo se o recorrente não fizer a sua demonstração ou não
o fizer em preliminar de recurso?
Há manifestação da doutrina afirmando que a exigência deve
ser relevada:
“Sustentar que a ausência de preliminar recursal
demonstrando a repercussão geral deve gerar o não
conhecimento de recurso parece não se coadunar com o
perfil de ‘processo objetivo’ conferido à repercussão geral,
privilegiando-se o formalismo em detrimento da pronta
solução de questões de grande importância para o povo
brasileiro.” [10]
Contudo, o art. 327 do RISTF, com redação dada pela Emenda
Regimental (ER) no 21, de 30 de abril de 2007, é expresso no
sentido de que a Presidência do STF deverá recusar o recurso
que não apresentar “preliminar formal e fundamentada de
repercussão geral”, bem como idêntica competência caberá
ao Relator, se a Presidência não recusar liminarmente o
recurso.
O fundamento legal dessa disposição regimental é o art. 3o da
Lei no 11.418/2006, que dispõe no seguinte sentido: “Caberá
ao Supremo Tribunal Federal, em seu Regimento Interno,
estabelecer as normas necessárias à execução desta Lei”.
O art. 327 do RISTF é expresso o suficiente para que possamos
antever que são muito remotas as possibilidades de serem
aceitos recursos extraordinários sem a demonstração exigida
em preliminar de recurso, mesmo se versarem sobre questões
cuja repercussão geral já houver sido reconhecida pelo STF.
331
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A demonstração formal da repercussão geral deve ser
apresentada em preliminar mesmo na hipótese de recurso
extraordinário interposto contra decisão contrária à súmula
ou jurisprudência dominante do STF?
O § 3o do art. 543-A do CPC estabelece de forma cabal que,
nesse caso, existe repercussão geral, mas não tem regra
explícita para dispensar a apresentação da demonstração.
Tampouco o RISTF tem regra nesse sentido. Assim, salvo se
a jurisprudência do STF se pacificar no sentido de dispensar
a apresentação da preliminar nesse caso, é altamente
recomendável que o advogado demonstre, em preliminar, que
há súmula ou jurisprudência dominante do STF, bem como
que o acórdão do tribunal inferior está em sentido contrário.
Nessa hipótese, ao contrário do que poderia parecer à primeira
vista, a preliminar do recurso extraordinário não irá esgotar o
mérito, já que o fundamento (mérito) do recurso extraordinário
não é julgamento em desconformidade com súmula ou
jurisprudência dominante do STF, mas sim alguma das quatro
hipóteses do inciso III do art. 102 da Constituição Federal!
Pode o presidente do tribunal inferior denegar seguimento
a recurso extraordinário que não apresentar repercussão
geral, por força do disposto no inciso II do art. 541 e no § 1o
do art. 542 do CPC? [11]
O § 2o do 543-A do CPC é expresso no sentido de que a
demonstração da existência de repercussão geral é “para
apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal”. Assim,
está muito claro que o Presidente do tribunal inferior não
poderá denegar seguimento a recurso extraordinário sob
fundamento de que o recurso extraordinário não oferece
repercussão geral.
Porém, no que se refere à inexistência da demonstração formal
da repercussão geral (requisito extrínseco do recurso), é
provável que a jurisprudência do STF admita que o presidente
do tribunal inferior, em razão da competência prevista no
§ 1o do art. 542 do CPC, possa negar seguimento ao recurso
extraordinário, com fundamento no descumprimento de
apresentação formal do recurso exigida pelo inciso II do art.
541 e § 2o do art. 543-A do CPC (ausência de cumprimento do
requisito extrínseco).
332
Além disso, foi conferido expressamente ao tribunal
inferior o poder de, na hipótese de verificar a existência de
Material Complementar da Obra
multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica
controvérsia, escolher os mais representativos e sobrestar
o processamento dos demais (art. 543-B, § 1o). Trata-se
dos chamados “processos repetidos“, nos quais verificase a existência dos “conflitos em massa”, para os quais são
inúmeros processos versando sobre questão idêntica ou
muito similar. A lei não estabeleceu qualquer regra ou baliza
para a escolha dos recursos que serão considerados “mais
representativos”, razão pela qual a decisão ficará a critério
do tribunal inferior. A lei também não estabeleceu qualquer
possibilidade de recurso contra o mérito dessa escolha.
Cabe interposição de agravo de instrumento contra a decisão
que determinou sobrestamento de recurso extraordinário
que não tem “fundamento” na mencionada “idêntica
controvérsia” ou que suscitou alguma outra questão?
O art. 544 do CPC prevê a possibilidade de agravo de
instrumento para o STF referente a recurso extraordinário
a decisão do presidente do tribunal que “não admitido”.
Interpretação sistemática desse dispositivo em face da
redação do § 2o do art. 543-B [12] dá a entender que por
“não admitido” devemos entender apenas “denegado” e não
“sobrestado”. Assim, à primeira vista, não caberia o agravo
previsto no art. 544 do CPC.
Contudo, há manifestação na doutrina no sentido de que
caberia inicialmente simples requerimento (petição) para
o presidente do tribunal inferior solicitando a imediata
realização do juízo de admissibilidade e, caso mantido o
sobrestamento, caberia agravo de instrumento. [13]
Vamos aguardar como a jurisprudência do STF irá apreciar
essa questão.
Chegando ao STF e sendo distribuído, o Relator poderá, de
acordo com o § 1o do art. 21 do RISTF, em redação dada pela
ER no 21/2007, amparado no disposto no § 4o do art. 543-B
do CPC, cassar ou reformar, liminarmente, acórdão contrário
à orientação firmada pelo STF em julgamento de questão
que, tendo sido objeto de múltiplos recursos, foi decidida em
“recursos representativos da controvérsia” (§ 1o do art. 543-B).
De acordo com a regra geral do art. 323 do RISTF, o Relator
submeterá aos demais ministros, por meio eletrônico, cópia
da sua manifestação sobre a existência de repercussão geral.
Ao que parece, por “demais ministros” devemos entender
que são todos os ministros do STF e não apenas da Turma.
333
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Porém, esse procedimento, de acordo com o mencionado
dispositivo, não será adotado se ocorrer alguma das seguintes
hipóteses:
– o fundamento do recurso extraordinário já foi apreciado
pelo procedimento do art. 543-B do CPC e o Relator decidiu
cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à
orientação firmada.(§ 4o do art. 543-B do CPC e § 1o do art. 21
do RISTF);
– a repercussão geral da questão levantada no recurso
já foi apreciada pelo Tribunal e o relator poderá decidir
monocraticamente, de acordo com essa orientação, pela
existência (art. 323, § 1o, do RISTF) ou pela inexistência (art.
326 do RISTF) da repercussão geral;
– o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão
contrário à súmula ou jurisprudência dominante (art. 323,
§ 1o, do RISTF), devendo o Relator, por força do § 3o do art.
543-A do CPC, julgar o recurso monocraticamente ou pedir
sua inclusão em pauta (art. 325 do RISTF);
– o recurso extraordinário foi inadmitido pelo Relator
por qualquer outra razão. Exemplos: recurso intempestivo,
recurso contra decisão em conformidade com a jurisprudência
do STF (§ 1o do art. 21 do RISTF), recurso deserto etc.
Com o recebimento da manifestação do Relator, de acordo
com o art. 324 do RISTF, os demais ministros terão prazo
comum de vinte dias para encaminhar manifestação a respeito
da repercussão geral. Decorrido o prazo sem manifestações
suficientes para recusa do recurso – diz o parágrafo único do art.
324 do SISTF – será considerada existente a repercussão geral.
Quantas manifestações são necessárias para a recusa da
repercussão geral?
De acordo com o § 3o do art. 102 da Constituição Federal,
o STF somente poderá recusar o conhecimento do recurso
extraordinário por ausência de repercussão geral pela
manifestação de dois terços dos seus membros. Portanto, são
necessárias manifestações de oito ministros para a recusa da
repercussão geral.
334
Por essa razão o § 4o do art. 543-A do CPC dispõe que se a
Turma decidir pela existência da repercussão geral por um
mínimo de quatro votos, ficará dispensada a remessa do
recurso ao Plenário: ainda que todos os demais sete ministros
votem pela inexistência da repercussão geral, não terá sido
Material Complementar da Obra
atingido o número necessário de oito ministros para a recusa
do conhecimento do recurso por ausência de repercussão geral.
Caso negada a existência da repercussão geral, a decisão
valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que
serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese, de
acordo com o § 5o do art. 543-A do CPC. Por isso o art. 326 do
RISTF alude à decisão de inexistência de repercussão geral
que valerá para “todos os recursos sobre questão idêntica”.
A possibilidade dessa decisão monocrática não se restringe
aos processos aos quais foi aplicado o art. 543-B do CPC,
que trata do procedimento dos “recursos com fundamento
em idêntica controvérsia”, mais conhecidos como “processos
repetidos”, pois o disposto no § 5o do art. 543-A do CPC não
se restringe a esses processos.
Assim, nos termos do § 5o do art. 543-A do CPC, não haverá
necessidade de manifestações dos demais ministros
e o Relator deverá julgar monocraticamente pelo não
conhecimento do recurso extraordinário por ausência de
repercussão geral.
Cabe recurso contra a decisão que concluir ou indeferir
liminarmente o recurso extraordinário por ausência de
repercussão geral?
Se a decisão for do Pleno, é evidente que não há possibilidade
de recurso, salvo embargos de declaração (art. 337, § 2o, do
RISTF), exatamente porque não cabe qualquer outro recurso
contra qualquer decisão tomada pelo órgão de cúpula do
Judiciário nacional em sua composição plena.
No caso de uma decisão monocrática, parece ser aplicável o
art. 326 do RISTF, em redação dada pela ER no 21/2007, de
teor seguinte: “Toda decisão de inexistência de repercussão
geral é irrecorrível”.
Essa conclusão já havia sido prevista pela doutrina
antes mesmo da edição das mencionadas normas
infraconstitucionais, no sentido de que o STF não teria
sequer de demonstrar “detalhadamente” porque o recurso
não ofereceria repercussão geral, inclusive em razão de “não
caber qualquer tipo de controle sobre tal deliberação”. [14]
Há até quem sustente que a avaliação da existência de
repercussão geral teria um “caráter político”, assim como
“não é ato de julgamento, por isso que a deliberação não tem
caráter jurisdicional”. [15] Na verdade, qualquer decisão
335
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
judicial tem um caráter político, de “política jurídica”: quando
o juiz opta por determinada interpretação de uma norma
legal, está fazendo uma escolha política.
Não há previsão para que o órgão fracionário (Turma) do STF
decida pela inexistência da repercussão geral: o § 4o do art.
543-A do CPC diz que se a Turma decidir pela existência da
repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará
dispensada a remessa do recurso ao Plenário. Isso nos dá a
entender que a Turma jamais decidirá pela inexistência de
repercussão geral: ou a questão da inexistência de repercussão
geral já foi apreciada anteriormente e é caso de decisão
monocrática do Relator (art. 326 do RISTF) ou a questão não
foi apreciada e deverá ser adotado o procedimento do art.
323 do RISTF acima descrito.
No caso, porém, de acórdão que concluir pela existência de
repercussão geral e, no mérito, der provimento ao recurso
extraordinário, poderá a parte recorrida interpor embargos
de divergência também quanto à questão da repercussão
geral, caso exista decisão do Pleno que, em caso análogo,
tenha concluído pela inexistência de repercussão geral, por
interpretação do art. 330 do RISTF.
NOTAS
01 MARTINS, Samir José Caetano. “A repercussão geral da questão
constitucional (Lei no 11.418/2006)”. In: Revista Dialética de
Direito Processual no 50, maio de 2007, p. 100.
02 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão geral
no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 33.
03 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão
geral no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 37.
04 MARTINS, Samir José Caetano. “A repercussão geral da questão
constitucional (Lei no 11.418/2006)”. In: Revista Dialética de
Direito Processual no 50, maio de 2007, p. 101.
336
05 ALVIM, Arruda. “A EC no 45 e o instituto da repercussão geral”.
In: Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda
Constitucional no 45/2004. Teresa Arruda Alvim et al (coord.) São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 74.
Material Complementar da Obra
06 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e coisa julgada: ensaios e
pareceres. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 297.
07 DIÁRIO DO SENADO FEDERAL, 15 de fevereiro de 2006, p. 04773.
08 ABBUD, André de Albuquerque Cavalcanti. “O anteprojeto de
lei sobre a repercussão geral dos recursos extraordinários”. In:
Revista de Processo no 129, ano 30, novembro de 2005, p. 108.
MARTINS, Samir José Caetano. “A repercussão geral da questão
constitucional (Lei no 11.418/2006) ”. In: Revista Dialética de
Direito Processual no 50, maio de 2007, p. 102.
09 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão
geral no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 32 e 33.
10 MARTINS, Samir José Caetano. “A repercussão geral da questão
constitucional (Lei no 11.418/2006) ”. In: Revista Dialética de
Direito Processual no 50, maio de 2007, p. 102.
11 “Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos
casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos
perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido,
em petições distintas, que conterão: (...) Il – a demonstração do
cabimento do recurso interposto; (...)”
“Art. 542. Recebida a petição pela secretaria do tribunal, será
intimado o recorrido, abrindo-se-lhe vista, para apresentar
contrarrazões. (...) § 1o Findo esse prazo, serão os autos conclusos
para admissão ou não do recurso, no prazo de 15 (quinze) dias,
em decisão fundamentada. (...)”
12 “Art. 543-B (...) § 2o Negada a existência de repercussão geral,
os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não
admitidos.”
13 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão
geral no recurso extraordinário. São Paulo: Revista dos Tribunais,
p. 60 e 61.
14 COSTA, Flávio Dino de Castro et al. A reforma do judiciário:
comentários à Emenda no 45/2004. Niterói, RJ: Impetus, 2005, p. 76.
15 ALVIM, Arruda. “A EC no 45 e o instituto da repercussão geral”.
In: Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a Emenda
Constitucional no 45/2004. Teresa Arruda Alvim et al (coord.) São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 64.
337
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade
1. DOS CRIMES EM ESPÉCIE
O STF entendeu que “publicação” é espécie do gênero “divulgação”, logo,
não há que se falar em abolitio criminis, e sim no princípio da “continuidade
normativa típica”, ou seja, o verbo passou a ser mais abrangente do que o
anterior e, como tal, acampou a própria espécie. Logo, publicar (espécie)
ou divulgar por qualquer meio (gênero) é figura criminosa, mesmo antes
da Lei no 10.764/03, eis que publicação é forma de divulgação. O que a
Lei no 10.764/03 fez foi cessar a polêmica, inserindo o gênero para evitar
interpretações dúbias.
Podemos, ainda, apontar decisões nesse sentido:
HC 84561/PR
Relator: Min. Joaquim barbosa
Voto: O cerne da questão em debate é saber se a conduta
praticada pelo paciente na vigência da antiga redação do art.
241 do Estatuto da Criança e do Adolescente corresponde ao
núcleo do tipo, o verbo ’publicar’.
Transcrevo a antiga redação do dispositivo em comento, para
melhor compreensão:
“Art. 241. Fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou
pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão de um a quatro anos.”
Sustenta o impetrante que o paciente, ao trocar arquivos pela
internet, o fez em uma sala de bate-papo reservadíssima (acesso
restrito) e com apenas uma pessoa, o que não corresponderia
ao verbo ‘publicar’exigido pelo tipo.
Assim não me parece.
O verbo constante do tipo do art. 241 do ECA está intimamente
ligado à divulgação e reprodução das imagens de conteúdo
sexual ou pornográfico envolvendo crianças e adolescentes, no
sentido de torná-las públicas. Qualquer meio hábil a viabilizar a
divulgação dessas imagens ao público em geral corresponde ao
que o legislador almejou com a utilização do verbo “publicar”.
Neste sentido, já dizia Nélson Hungria que publicar significa
“tornar público, permitir o acesso ao público, no sentido de
um conjunto de pessoas, pouco importando o processo de
338
Material Complementar da Obra
publicação” (Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro:
Forense, 1958. Vol. VII. p. 340).
Não resta dúvida de que a internet é um veículo de
comunicação apto a tornar público o conteúdo pedófilo
das fotos encontradas, o que já demonstraria, em tese, a
tipicidade da conduta.
Ademais, a denúncia formulada foi clara em registrar que
qualquer pessoa que acessasse o servidor de arquivos criado
pelo paciente teria à disposição esse material, conforme se
depreende do trecho a seguir transcrito (fls. 58-59):
“Do mesmo modo, igualmente restou comprovado que Michel
Neme Neto criou um servidor de arquivos na Internet usando
do protocolo I.R.C (conversa pela internet), com o programa
MIRC e os scripts ‘the 7 deadly sins’ e ‘ninja’ onde publicou, no
período de 28/10/00 à 17/01/01, nesta cidade de LondrinaPR, fotos de conteúdo pornográfico e de sexo explícito
envolvendo crianças e adolescentes, conforme demonstram
as inúmeras fotos impressas nas Informações em anexo.
Foi constatado que tal servidor de arquivos mantinha as fotos
na internet à disposição de qualquer pessoa, durante o tempo
em que o denunciado estivesse conectado ou que desejasse
manter ligado o servidor. Esse ‘file server’ funcionava na
base de ‘escambo’ de arquivos, com as trocas ocorrendo
automaticamente com as pessoas que o acessassem. Foi
localizado no computador do denunciado aproximadamente
485 (quatrocentos e oitenta e cinco) arquivos com fotos,
quase todos com conteúdo pedófilo, conforme comprovam as
Informações em anexo”.
Por outro lado, a discussão referente ao advento da Lei
no 10.764/2003 não foi ventilada – e muito menos apreciada –
no recurso em habeas corpus interposto no Superior Tribunal
de Justiça, motivo por que não conheço do writ nessa parte,
para evitar supressão de instância.
Evidente que à época da redação do dispositivo original
(1990), o legislador não teria como prever o surgimento
dessa nova tecnologia, daí por que já se decidiu ser o tipo
do art. 241 aberto. Não foi outra a razão de a doutrina e a
jurisprudência terem assinalado que qualquer instrumento
hábil a tornar público o material proibido estaria incluído na
compreensão do verbo ‘publicar’. Por isso não se pode falar
339
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
em interpretação prejudicial ao paciente nem em aplicação
da analogia in malam partem.
Esta Corte já se posicionou nesse sentido, no julgamento do
HC 76.689 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ
06/11/1998), cuja ementa transcrevo:
Crime de Computador: publicação de cena de sexo infantojuvenil (E.C.A., art. 241), mediante inserção em rede BBS/
Internet de computadores, atribuída a menores: tipicidade:
prova pericial necessária à demonstração da autoria: HC
deferido em parte. 1. O tipo cogitado – na modalidade de
‘publicar cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo
criança ou adolescente’ – ao contrário do que sucede por
exemplo aos da Lei de Imprensa, no tocante ao processo
da publicação incriminada é uma norma aberta: bastalhe à realização do núcleo da ação punível a idoneidade
técnica do veículo utilizado à difusão da imagem para
número indeterminado de pessoas, que parece indiscutível
na inserção de fotos obscenas em rede BBS/Internet de
computador. 2. Não se trata no caso, pois, de colmatar
lacuna da lei incriminadora por analogia: uma vez que se
compreenda na decisão típica da conduta criminada, o meio
técnico empregado para realizá-la pode até ser de invenção
posterior à edição da lei penal: a invenção da pólvora não
reclamou redefinição do homicídio para tornar explícito que
nela se compreendia a morte dada a outrem mediante arma
de fogo. 3. Se a solução da controvérsia de fato sobre a autoria
da inserção incriminada pende de informações técnicas de
telemática que ainda pairam acima do conhecimento do
homem comum, impõe-se a realização de prova pericial.’
340
Assim, não estamos diante de flagrante atipicidade da conduta
que tenha o condão de trancar a ação penal por ausência de
justa causa. “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
firmou-se no sentido de que não se tranca a ação penal
quando a conduta descrita na denúncia configura, em tese,
crime” (cf. HC 83.184, rel. min. Carlos Velloso, Segunda
Turma, DJ 03/10/2003). E ainda: “não cabe o trancamento
de ação penal, por falta de justa causa, se os fatos narrados na
peça acusatória configuram fato típico, havendo a exposição
das suas circunstâncias e da autoria. Tal medida seria
viável somente na hipótese de fato evidentemente atípico.
Precedentes” (HC 82.782, rel.a Min.a Ellen Gracie, Primeira
Turma, DJ 09/05/2003).
Material Complementar da Obra
Ressalto que o trancamento da ação penal via habeas corpus,
por ausência de justa causa, apesar de perfeitamente possível,
é tido como medida de caráter excepcional, conforme
entendimento pacífico desta Corte:
“Habeas corpus. Pretendido trancamento da ação penal.
Alegação de inexistência de justa causa. Situação de iliquidez
quanto aos fatos subjacentes à acusação penal. Existência de
controvérsia quanto à matéria fática – pedido indeferido.
A extinção anômala do processo penal condenatório, embora
excepcional, revela-se possível, desde que se evidencie – com
base em situações revestidas de liquidez – a ausência de
justa causa. O reconhecimento da inocorrência de justa causa
para a persecução penal, embora cabível em sede de habeas
corpus, reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se
revele possível, impõe-se que inexista qualquer situação de
iliquidez ou de dúvida objetiva quanto aos fatos subjacentes
à acusação penal. – Havendo suspeita fundada de crime, e
existindo elementos idôneos de informação que autorizem
a investigação penal do episódio delituoso, torna-se legítima
a instauração da persecutio criminis, eis que se impõe, ao
Poder Público, a adoção de providências necessárias ao
integral esclarecimento da verdade real, notadamente nos
casos de delitos perseguíveis mediante ação penal pública
incondicionada. Precedentes” (HC 82.393, rel. min. Celso de
Mello, Segunda Turma, DJ 22/08/2003).
A conduta do paciente, ao que tudo indica, amolda-se ao
tipo penal do art. 241 do ECA, razão pela qual a alegação de
ausência de justa causa para a continuidade do persecutio
criminis não procede.
Igualmente improcedente a alegação de que o paciente está
sendo processado por um único fato ocorrido após a sua
maioridade, pois, conforme consta do escorreito parecer
da Procuradoria-Geral da República (fls. 465): “Embora o
impetrante alegue a existência de um único fato ocorrido em
21/11/2000, a denúncia ofertada pelo Ministério Público
federal às fls. 58/60, evidencia que mesmo após a maioridade,
o indiciado permaneceu realizando condutas consideradas
delituosas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, estando
a denúncia descrita com fundamento na existência de fatos
ocorridos no período de 28/10/2000 a 22/01/2001.”
341
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
De todo o exposto, conheço parcialmente do presente habeas
corpus e, na parte conhecida, denego a ordem requerida. É
como voto.”
NOTA
O Superior Tribunal de Justiça entendeu da mesma forma:
342
(...)Criminal. REsp. Publicar cena de sexo explícito ou
pornográfica envolvendo criança e adolescente via
internet. Embargos de declaração. Alínea “a” do permissivo
constitucional. Matéria debatida na instância a quo a despeito
da não indicação do dispositivo legal. Prequestionamento
implícito. Investigação. Ministério Público. Legitimidade.
Súmula no 234/STJ. Atipicidade da conduta. Análise dos
termos “publicar” e “divulgar (...) V – Hipótese em que o
Tribunal a quo afastou a tipicidade da conduta dos réus,
sob o fundamento de que o ato de divulgar não é sinônimo
de publicar, pois “nem todo aquele que divulga, publica”,
entendendo que os réus divulgavam o material, “de forma
restrita, em comunicação pessoal, utilizando a internet”,
concluindo que não estariam, desta forma, publicando as
imagens. VI – Se os recorridos trocaram fotos pornográficas
envolvendo crianças e adolescentes através da internet,
resta caracterizada a conduta descrita no tipo penal previsto
no art. 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma
vez que permitiram a difusão da imagem para um número
indeterminado de pessoas, tornando-as públicas, portanto.
VII. Para a caracterização do disposto no art. 241 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, “não se exige dano
individual efetivo, bastando o potencial. Significa não se
exigir que, em face da publicação, haja dano real à imagem,
respeito à dignidade etc. de alguma criança ou adolescente,
individualmente lesados. O tipo se contenta com o dano
à imagem abstratamente considerada”. VIII – O Estatuto
da Criança e do Adolescente garante a proteção integral
a todas as crianças e adolescentes, acima de qualquer
individualização. IX – A proposta de suspensão condicional
do processo incumbe ao Ministério Público, titular da ação
penal pública, sendo inviável sua propositura pelo julgador.
X – Recurso parcialmente provido, para cassar o acórdão
recorrido, dando-se prosseguimento à ação penal instaurada
Material Complementar da Obra
contra os réus” (STJ – REsp 617.221/RJ – 5a T. – Rel. Min.
Gilson Dipp – DJU 09/02/2005 – p. 214).
Em explicação do Acórdão do STJ, a IOB assim relatou:
Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público
do Estado do Rio de Janeiro com fulcro nas alíneas “a” e “c”
do permissivo constitucional contra v. acórdãos proferidos
pela 6a C. Cr. do TJ estadual, o primeiro que concedeu ordem
em HC impetrado pelo recorrido para trancar a ação penal
contra ele instaurada, e o último que rejeitou os embargos
declaratórios opostos contra decisão.
A decisão impugnada decidiu que a aplicação analógica de
disposição penal atenta contra o princípio constitucional da
legalidade ou da reserva legal. Ainda, dispôs que divulgar não
é o mesmo que publicar. Entendeu que a transmissão, pela
internet, de imagens pornográficas que envolvem crianças,
enquanto não definidas adequadamente como crime, é
conduta atípica. Concluiu, por fim, que em cenas de pedofilia
é conditio sine qua non a identificação do titular do bem
jurídico protegido, e a certeza ministrada por documento
hábil de sua idade, não tendo o ECA o escopo da proteção da
sociedade, mas da criança e do adolescente, de per si.
Entrementes, os embargos de declaração foram rejeitados.
O Ministério Público, em suas razões, rechaçou a tese acerca
do monopólio da polícia na investigação penal, vez que
atuação do MP na apuração dos fatos na fase pré-processual
não implicaria em impedimento para desencadear a ação
penal. Aduziu, também, que a decisão recorrida ao entender
pela atipicidade da conduta do réu contrariou os arts. 4o, 5o,
6o, 17, 18, 201, 226 e 241, todos do Estatuto da Criança e do
Adolescente.
Explicou, ainda, que o trancamento da ação penal contrariou
os arts. 648, I, e 43, I, do CPP. Por fim, alegou divergência
jurisprudencial com julgado do STF quanto à tipicidade da
conduta do recorrido, no entendimento de que quem divulga
imagens de sexo explícito ou pornográficas envolvendo
crianças e adolescentes, por meio da internet, as torna
públicas, incidindo na conduta do art. 241 do ECA.
O Relator entendeu que inexiste qualquer omissão no julgado
a ensejar a oposição de embargos declaratórios, sendo
incabível a hipótese de violação do art 619 do CPP.
343
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Esclareceu que o STJ já se manifestou no sentido de que em
se tratando de recurso especial interposto com fundamento
na alínea “a” do permissivo constitucional, admite-se a figura
do prequestionamento em sua forma implícita, o que torna
desnecessária a expressa menção do dispositivo legal tido
por violado.
Sobre a legitimidade da atuação do Ministério Público, afastou
a ideia de exclusividade da polícia judiciária para proceder às
investigações penais, e essa atuação não impede o MP de dar
início à ação penal correspondente.
Sobre a análise dos vocábulos “publicar” e “divulgar”,
entendeu que o tipo penal descreve a conduta de quem
fotografa ou publica cena de sexo explícito ou pornográfico
que envolve crianças e adolescentes. E, ainda, analisou que
os verbos publicar e divulgar não são antônimos, sendo que
a conduta de trocar fotos pornográficas envolvendo crianças
e adolescentes por meio da internet permite a difusão
da imagem para um número indeterminado de pessoas,
tornando-as pública.
Ressaltou, ademais, que as fotos transmitidas por sites da
Internet, por intermédio de chats, endereços eletrônicos e
grupos de conversação, e a disponibilização por meio desses
recursos virtuais permite o acesso de qualquer usuário
comum, como ocorreu com os investigadores do núcleo de
informática criado pelo MP.
Por fim, deu provimento ao recurso para cassar o acórdão
recorrido, dando-se seguimento à ação penal instaurada
contra os réus.
Sobre o assunto, vejamos os ensinamentos de Gianpaolo Poggio Smanio
e Damásio de Jesus:
344
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) adotou, em
seu art. 1o, o princípio da proteção integral da criança e do
adolescente, estendendo-se a todas as suas necessidades
e direitos, no sentido do pleno desenvolvimento de sua
personalidade. E o seu art. 4o expressa que “é dever da família,
da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes… à dignidade e ao respeito”. Como corolário desses
princípios, o art. 5o proíbe que a criança ou adolescente seja
objeto de qualquer exploração, sendo punido, na forma da lei,
qualquer atentado aos seus direitos fundamentais.
Material Complementar da Obra
Evidentemente, a divulgação na Internet de cenas de sexo
explícito que envolvem crianças e adolescentes constitui
exploração e atentado contra os direitos da personalidade dos
mesmos, incidindo na proibição legal. Realmente, o art. 17 do
ECA dispõe sobre o direito à inviolabilidade física, psíquica e
moral do objeto da tutela legal, referindo-se expressamente à
preservação de sua imagem e de seus valores. Esse dispositivo
não contém simples norma programática, uma vez que o art.
18 do mesmo diploma impõe a todos o dever de zelar pela
dignidade dos menores contra situações constrangedoras e
vexatórias, significando que seus direitos são oponíveis erga
omnes, ou seja, contra todos.
Os direitos e interesses da pessoa humana, ainda que criança
ou adolescente, são difusos, uma vez que transcendem a esfera
individual, referindo-se a toda sociedade, que deles não pode
dispor. Assim, o referido Estatuto estipula sua proteção judicial
por via da ação civil pública, visando a impedir a veiculação de
sites nocivos à sua imagem e personalidade na Internet, nos
termos do seu art. 208, parágrafo único, sendo o Ministério
Público, dentre outras, a instituição com atribuições para a
propositura judicial (art. 210, I). De observar-se que qualquer
pessoa pode provocar a iniciativa do Ministério Público,
conforme o art. 220 do mencionado Estatuto, representando e
apresentando elementos para sua atuação.
[...]
Assim, por intermédio do Ministério Público é possível proibirse a veiculação na Internet de cenas pornográficas envolvendo
menores, responsabilizando-se civilmente os responsáveis.
No tocante à análise do art. 241 do ECA, os renomados autores
lecionam:
O art. 241 da Lei no 8.069/90 (ECA) tipifica como crime
o fato de fotografar ou publicar cena de sexo explícito ou
pornográfica envolvendo criança e adolescente, cominando
pena de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão.
Publicar significa tornar público, permitir o acesso ao público,
no sentido de um conjunto de pessoas, pouco importando o
processo de publicação (HUNGRIA, Nélson. Comentários ao
Código Penal, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1958, VII:340).
Em face disso, a divulgação dos sites na Internet constitui o
núcleo da norma penal incriminadora (“publicar”) e adequase à figura típica.
345
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Não se exige dano individual efetivo, bastando o potencial.
Significa não se exigir que, diante da publicação, haja dano
real à imagem, respeito à dignidade etc. de alguma criança ou
adolescente, individualmente lesados. O tipo se contenta com
o dano à imagem abstratamente considerada.
A consumação do delito ocorre no instante e no local a
partir do qual é permitido o acesso ao público que atua na
Internet, ou seja, no endereço do responsável pelo site (lugar
da publicação). (Fonte: “Internet: Cenas de sexo explícito
envolvendo menores e adolescentes – aspectos civis e penais”,
Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, v. III, no 3, p. 5758, artigo no 3/12872, 1. quinzena fev. 1997).
346
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade
1. DOS CRIMES EM ESPÉCIE
NOTA
“CPI da Pedofilia” e a Lei no 11.829/2008. Crítica à falta de tratamento
ao pedófilo.
Conforme se observa, a CPI da Pedofilia, no Senado Federal,
preocupou-se com a violência praticada contra crianças e adolescentes.
Porém, em que pese os avanços desta, não podemos deixar de
criticar o sistema brasileiro de legislação e jurisdição no seu sentido
meramente punitivo.
A CPI não resolveu, com a Lei no 11.829/2008, e, com a Lei no
12.015/2009, a causa que levou os criminosos a serem pedófilos,
apenas buscando a punição ou condenação na consequência praticada.
Típica hipocrisia brasileira.
É comum em artigos, obras, pareceres, sentenças de alguns juízes
e manifestações de alguns promotores o uso exagerado de adjetivos
contra os pedófilos, buscando a figura do “herói” que seu cargo
representa, salvador da sociedade, quando tudo isto encobre, mesmos
sob os holofotes, o despreparo para cuidar do tema, tão ligado à infância
e à própria humanização do Direito. É muito mais fácil denominar um
pedófilo de “monstro”, sem saber quem o fez transferir para a sociedade
o que sofreu na infância.
O início da ignorância: Geralmente, os adultos não acreditam nas
crianças, dizendo que elas “fantasiam”. Desprezam suas informações e
não utilizam a chamada “psicologia do testemunho”, usada na Alemanha
e em outros países, no sentido de apurar a veracidade das versões por
meio de psicólogos especializados em crianças. No Brasil, no contexto do
Código de Processo Penal, menores de quatorze anos são informantes e
somente necessários se inseparáveis da causa, sendo que, mesmo assim,
é comum desprezá-los em crimes sexuais ou contra a vida que tenham
presenciado, porquanto não existe uma estrutura para lhes garantir
credibilidade. Falta a “psicologia do testemunho”.
347
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
O fato piora quando as próprias crianças são vítimas de pedófilos ou
de pais autoritários30 e esquecidas, sem nenhuma medida de proteção
(ECA, art. 101). Crescem neste meio, traumatizadas, e depois desejam
comunicar à sociedade o que sofreram, de forma trágica.
A este respeito é preciso recordar o conteúdo do livro de Alice Miller
(No princípio era a educação. São Paulo: Martins Fontes, 2006), no qual,
através das vidas de três personagens do nosso século – Adolf Hitler,
Cristiane F. e Jurgen Bartsch –, a autora nos mostra que estes foram
vítimas de violência física doméstica e que, mais tarde, ao se converterem
num terrível ditador, numa drogada e num temível assassino de crianças,
cumpriram o que Miller nos diz com muita propriedade: “fatalmente, as
crianças espancadas, espancarão, as humilhadas, humilharão, aquelas
em que mataram a interioridade, essas matarão, pois por trás de cada
crime esconde-se uma tragédia pessoal”.
A grande parte dos pedófilos, que a CPI pensou apenas em condenar,
não tem a sexualidade como papel especial de seus crimes, como se
acredita. A sexualidade em tais crimes apenas “reflete claramente a
história da infância de modo trágico” (Alice Miller, ob. cit., p. 257), no
conhecido fenômeno da psicologia chamado “transferência”.
A pedagogia de punir apenas a consequência do ato e não buscar
a solução ou minimização da sua causa, do trauma infantil que levou
a criança abandonada a praticar pedofilia, é um círculo vicioso, pois
é inevitável que a maioria dos criminosos retornará ao convívio da
sociedade, após um período de prisão, caso não seja “eliminado” pelos
próprios presos. Com isto, não haverá solução do problema e sim
sua perpetuação, já que o Estado-polícia não pode estar em todos os
30 Sobre a excessiva autoridade dos pais, Alice Miller (No princípio era a educação. São Paulo: Martins
Fontes, 2006, p. 227-228) comenta o caso de um pai de um paciente. Conta que “o pai de um analisando,
que também tivera uma infância muito difícil, sem nunca falar a respeito, às vezes torturava de modo cruel
o filho, em quem sempre via a si mesmo. Porém, nem ele, nem o filho, se davam conta dessa crueldade,
pois ambos entendiam-na como ‘medidas educativas’. Quando o filho, com graves sintomas, veio fazer
análise, era muito ‘grato’ a seu pai pela educação rígida e pela ‘criação severa’, como ele próprio dizia. O
filho, que outrora se inscrevera para o curso de pedagogia, descobriu durante a análise o autor Ekkehard
Von Braunmühl e seus textos antipedagógicos e entusiasmou-se com eles. Nesse período, um dia visitou
o pai e vivenciou, pela primeira vez, com toda clareza, como esse o ofendia permanentemente, na medida
em que não o ouvia de modo algum e zombava de tudo o que ele falava, ridicularizando-o. Quando então
chamou atenção do pai para isso, esse, que tinha sido professor de pedagogia, disse-lhe com toda seriedade: ‘Você me deve ser grato por isso. Muitas vezes ainda terá de aguentar em sua vida pessoas que
não lhe dão atenção ou que não levam a sério aquilo que diz. Assim, já estará acostumado se já o tiver
aprendido comigo. Aquilo que aprendemos quando jovens não esquecemos durante toda a vida’. O filho,
que tinha então vinte e quatro anos de idade, ficou perplexo. Quantas vezes já ouvira tais colocações antes,
sem questionar seu conteúdo de verdade! Dessa vez, porém, assomou-lhe uma indignação que o fez citar
uma frase lida em Von Braunmühl. Disse: ‘Se quiser continuar me educando com base nesses princípios,
então terá realmente de me matar, pois algum dia terei de morrer. Assim, você já me prepararia da melhor
maneira possível para a morte’.”
348
Material Complementar da Obra
lugares protegendo todas as suas crianças. Trata-se do que Alice Miller
denomina “pedagogia negra”.
Em outras palavras: a CPI da Pedofilia queria proteger as inocentes
crianças de práticas sexuais bizarras e noticiadas. Porém, para isto,
dirigiu uma série de crimes e penas para os pedófilos, sem contudo notar
que a maioria deles foi de crianças seviciadas, abusadas, e que sofreram
maus-tratos dos pais quando infantes. Pune-se, na verdade, duplamente
o “assassino”: uma, quando criança, pela negligência e inoperância do
Estado em salvar o inocente e dar tratamento psicológico imediato
como medida de proteção; duas, quando tais crianças se tornam
adultos traumatizados e sofrem condenações nos Tribunais pelos atos
que praticaram em “transferência” dos que foram um dia vítima, ao
invés de tratamento adequado. Faltou, assim, a previsão de tratamento
psicoterapêutico no ambiente da execução penal de tais pedófilos.
Quem pune os pais, parentes ou estranhos que praticam tais atos em
relação a suas crianças?
Como disse Alice Miller, obra citada, p. 231, “é claro que em toda
sala de tribunal se reflete as normas e os tabus de uma sociedade.
Aquilo que a sociedade não pode ver tampouco é visto por seus juízes
e procuradores”.
Se a sociedade não enxerga que a maioria dos pedófilos foi de crianças
vítimas de abusos sexuais, maus-tratos ou criação extremamente rígida,
a ponto de sufocar sua personalidade, como exigir que os juízes e
promotores enxerguem que foi a própria sociedade que “preparou” o
crime, como forma de o pedófilo refletir claramente a história de sua
infância de modo trágico, praticando os mesmos atos que um dia sofreu?
Constitui justamente um dos objetivos principais da
“pedagogia negra” impedir desde o começo a visão, a
percepção e o julgamento das coisas sofridas na infância.
É comum encontrar nos relatórios de peritos a típica frase,
segundo a qual “também outras pessoas” foram educadas
dessa maneira, sem que tenham se tornado criminosos
sexuais. E, assim, o sistema educacional existente é defendido,
já que se pode apontar que apenas alguns indivíduos,
aqueles “anormais” saíram dele como criminosos. (...). O
que se pode e se deve alterar é o nosso conhecimento sobre
as consequências de nossa ação (...). Enquanto a criança
for vista como um recipiente em que podemos jogar, sem
problemas, todo o nosso “lixo afetivo”, na prática não será
alterada muita coisa da “pedagogia negra”. Ao mesmo tempo,
349
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
iremos nos admirar com o rápido crescimento das psicoses,
neuroses e da dependência de drogas entre os jovens; iremos
nos revoltar e nos indignar com as perversões e as violências
sexuais e presenciar assassinatos em massa como uma parte
inevitável de nossas vidas. (Alice Miller, ob. cit., p. 232)
Cumpre registrar que a novela da Rede Globo, “A Favorita”, mostrou –
ainda que de forma não tão profunda e complexa – o ódio reprimido de
Flora por Donatela e que todos os seus assassinatos e crimes quando adulta
estavam intimamente ligados a traumas infantis, sentimento de abandono,
rejeição etc. É uma espécie de “a arte imita a vida”, ou seja:
muitos criminosos foram crianças extremamente maltratadas
e humilhadas, desde a mais tenra idade, ou seja, a crueldade
era o clima em que cresceram, geralmente criadas por
famílias com sistema pedagógico autoritário, onde tiveram
de ser extremamente reprimidos, bem como não contaram
em toda sua infância e juventude com nenhum adulto a quem
tivessem podido confiar seus sentimentos, sobretudo o ódio
(Alice Miller, ob. cit., p. 271)
Com isto, tais “vítimas que se tornam criminosos” têm um “forte
impulso de comunicar ao mundo as experiências sofridas e de articulá-las
de alguma forma, comunicando ao mundo ‘o sentimento de pavor e horror’
a que foram submetidas” (Alice Miller, p. 271).
Assim, em muitos casos, tais criminosos, quando vítimas infantes,
vivenciaram o carinho apenas como objetos de si mesmas,
como propriedade de seus pais, mas nunca como as pessoas
que eram. O anseio por carinho, ao lado da irrupção de
sentimentos destrutivos e oriundos da infância, levou-as, na
puberdade e na adolescência, as suas encenações funestas
(Alice Miller, p. 271).
Alice Miller propõe que seja o mais divulgado possível, inclusive na
imprensa, o conhecimento analítico da questão, de forma que “já não será
evidente que os pais possam descarregar sua raiva e cólera livremente na
criança, enquanto dela se exige desde pequena o controle de suas emoções”
(ob. cit., p. 233).
Assim, poderemos entender que, em muitos casos, práticas bizzarras
sexuais revelam a infância do pedófilo. Isto não significa que devemos
absolver os pedófilos. Como diria Alice Miller, p. 220:
350
evidentemente temos o direito e mesmo a necessidade de
encarcerar os assassinos que ameaçam nossas vidas. Por
enquanto, não conhecemos nenhum outro caminho. Contudo,
Material Complementar da Obra
isto não muda o fato de que a necessidade de matar constitui
a expressão de um destino infantil trágico, bem como o fato
de a prisão ser um desfecho trágico desse destino.
Ilustrando todo o tema e tendo como objetivo aprimorar o trabalho
da CPI da Pedofilia, a ponto de algum senador ou deputado federal
complementar o que faltou na Lei no 11.829/08 (obrigatoriedade de
tratamento psicoterapêutico na execução penal de pedófilos e medida
específica de proteção – tratamento psicológico – à criança vítima de tais
atos, imediatamente após o ato), citamos as “intelecções a respeito da
situação real da criança”, extraídas do recente posfácio de Não perceberás,
de Alice Miller, de forma que a “pegadogia negra” (círculo vicioso de
simplesmente punir, muitas vezes, duplamente a vítima) seja substituída
pela “pedagogia branca” (círculo virtuoso de encarcerar, mas tratar e curar
a causa da pedofilia):
Somente a libertação das tendências pedagógicas conduz
a intelecções a respeito da situação real da criança. Essas
intelecções podem ser sintetizadas por meio dos seguintes
pontos:
1) A criança é sempre inocente.
2) Toda criança tem necessidades indispensáveis, entre as
quais, as de segurança, abrigo, proteção, contato, sinceridade,
calor humano, carinho.
3) Essas necessidades são raramente preenchidas, mas
frequentemente exploradas pelos adultos em prol de seus
próprios objetivos (traumas do abuso de crianças);
4) O abuso tem consequências para o resto da vida.
5) A sociedade está do lado dos adultos e sempre culpa a
criança pelo que alguém lhe fez;
6) Como de costume, o ato de sacrificar a criança é negado.
7) Por isso, as consequências desse sacrifício são ignoradas.
8) A criança deixada só pela sociedade não tem outra escolha
senão reprimir o trauma e idealizar o autor do delito.
9) O recalque provoca neuroses, psicoses, perturbações
psicossomáticas e leva ao crime.
10) Na neurose, as verdadeiras necessidades são reprimidas
e negadas e, no lugar delas, são vivenciados sentimentos de
culpa;
11) Na psicose o abuso é transformado em alucinação.
351
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
12) Na perturbação psicossomática, sofre-se a dor do abuso,
mas as verdadeiras causas do sofrimento permanecem ocultas.
13) No crime, a confusão, a sedução e o abuso sempre se
repetem.
14) Os esforços terapêuticos só podem ser bem-sucedidos
quando não se nega a verdade sobre a infância do paciente.
15) A doutrina psicanalítica da “sexualidade infantil” sustenta
a cegueira da sociedade e legitima o abuso sexual de crianças.
Ela atribui a culpa à criança e poupa os adultos.
16) As fantasias servem à sobrevivência; elas ajudam a
articular a insuportável realidade da infância e, ao mesmo
tempo, a escondê-la ou minimizá-la. A chamada vivência ou o
trauma “inventado” sempre encobre um trauma real.
17) Na literatura, na arte, nos contos de fadas e nos sonhos,
muitas vezes as experiências reprimidas da primeira infância
expressam-se de forma simbólica.
18) Por causa de nossa ignorância crônica em relação à real
situação da criança, esses atestados simbólicos de maus-tratos
na nossa cultura não só são tolerados, mas até valorizados.
Se a realidade que está por trás desses relatos cifrados fosse
entendida, eles seriam rejeitados pela sociedade.
19) As consequências de um delito não são suprimidas pelo
fato de autor e vítima serem cegos e confusos.
20) Novos delitos podem ser impedidos quando as vítimas
começam a enxergar; assim, a compulsão à repetição é
eliminada ou enfraquecida;
21) Ao revelar inequívoca e irrevogavelmente a fonte do
conhecimento, oculta naquilo que ocorreu na infância, os
relatos podem ajudar os interessados da sociedade em geral e,
em especial, os ligados à ciência a modificar sua consciência.
(MILLER, Alice. No princípio era a educação. São Paulo:
Martins Fontes, 2006, p. 313-314).
Podemos concluir que a sociedade é coculpável31 porque não protege
e, pior, não cuida das crianças vitimizadas e que se tornam criminosos
pelo fenômeno da transferência. Pune-se porque não as protegeu (função
preventiva) ou tratou (função repressiva). Como os numerosos crimes
contra crianças e adolescentes, praticados por “pedófilos” constituem-se,
31 “Teoria da coculpabilidade”. Aplicada a teoria, neste caso, do jurista argentino da Suprema Corte, Eugênio Raúl Zaffaroni, no sentido de que, portanto, deve haver uma redução de pena, ou, na minha opinião,
um tratamento psicoterapêutico na execução penal, por obrigação moral e ética do Estado. Sobre tal teoria,
conferir nossa obra Manual de Sentença Criminal. São Paulo: Premier, 2008.
352
Material Complementar da Obra
em verdade, numa “comunicação inconsciente à sociedade sobre o próprio
passado, cuja memória geralmente é difícil de recuperar, pois alguém que
‘não pode perceber’ aquilo que fazem contra ele, não é capaz de se expressar
de outra forma senão fazendo com outros aquilo que lhe fizeram” (MILLER,
Alice. Ob. cit., p. 268), podemos chegar à seguinte conclusão: o Estado omisso
num período infantil deste criminoso, quando tinha de agir (art. 227 da
CF/88), é coculpável, devendo, no mínimo, já que a condenação e o cárcere
são “necessários”, ser obrigado a fornecer tratamento psicoterapêutico nos
estabelecimentos prisionais para tais “criminosos”, de forma a propiciar
que, entendendo sua linguagem de “socorro” e auxiliando-os a enfrentar de
frente seus traumas, retornem à sociedade, ao final de sua pena, com a causa
dos problemas detectada e tratada.
Do contrário, tudo se tornará um ciclo vicioso, ou, quando muito,
castelos de areia...
353
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade
1. DOS CRIMES EM ESPÉCIE
NOTA
Sobre o problema mais sério da Infância e Juventude, qual seja,
bebida alcóolica, lembrando da “Teoria do Caos” (cuja teoria oposta
é a da “lei da atração), sugeri, como então Promotor da Infância
e Juventude de Divinópolis/MG e cooperador de Cláudio/MG, uma
alternativa preventiva a redução deste grave problema: fechamento de
bares após às 24 horas, como foi realizado em Atibaia/SP e Diadema/SP.
Edward Lorenz criou a “Teoria do Caos“ na década de 1960. É um
estudo de fenômenos que parecem aleatórios, mas que de fato têm um
elemento de regularidade que pode ser descrito matematicamente.
A fase inicial dos eventos pode parecer aleatória, mas no fim surge
um “padrão“ e todas as peças se encaixam, pois “há uma ordem no caos”.
Livro sobre o assunto: Chaos, de James Gleick. O famoso seriado Lost
é baseado nesta teoria.
Contrária à teoria do caos (que se baseia no acaso), surge a teoria
metafísica da “lei da atração”, na obra O Segredo, em que existe uma
causa determinante para o sucesso ou fracasso, e não um acaso.
Renato Liberman ([email protected]) comenta esta teoria
que explodiu no mundo, inclusive em DVD e livros:
Muitas pessoas já estão sabendo deste novo filme, do estilo
Quem Somos Nós. Não traz nenhuma novidade, porém,
é algo que é praticado por pouca gente. É um assunto que
encontramos na Bíblia, portanto, muito antigo.
354
A síntese do filme O segredo nada mais é do que o poder que
possuímos unido à lei da atração universal, isto é, nossos
pensamentos e escolhas determinam nossa realidade. O
filme nos explica que atraímos para nossas vidas aquilo que
pensamos, tanto o positivo quanto o negativo. Tudo o que
existe no Universo foi “pensado” antes. Tudo o que temos
em nossa vida foi “criado” e determinado pelos nossos
pensamentos: saúde ou doença, bons relacionamentos ou
não, dinheiro ou dívidas, profissão, governo etc.
Material Complementar da Obra
Por exemplo: se eu quero ser uma pessoa saudável, tenho que pensar
em saúde, pois assim atrairei a energia da saúde. Mas se eu pensar em
não ficar doente, adivinha qual a energia que vou atrair?
Tudo no Universo é energia.
Einstein já havia descoberto esta relação de matéria e energia em
sua famosa equação: E = mC² – onde a energia é a massa de um corpo
multiplicada pela velocidade da luz (300.000 Km por segundo) elevada
ao quadrado! Fazendo uma analogia, isto quer dizer que uma pessoa
pode fornecer energia a uma cidade inteira!
Isso nos mostra que matéria é energia, e como o universo é composto
de matéria, tudo no universo é energia.
E o que são os pensamentos?
Quando pensamos, há uma descarga elétrica em nosso cérebro que
gera um campo eletromagnético (energia) formando o que chamamos de
“formas-pensamentos” que, carregadas de emoção e sentimento, tendem
a se materializar. Se eu penso positivo ou em algo bom, forma-se um
campo positivo, isto é, energia positiva. Se eu penso em dinheiro, crio um
campo relacionado ao dinheiro e por sua vez atraio a energia do dinheiro.
Agora, se a sua meta é pagar suas dívidas, você continuará a criar
dívidas para poder pagá-las, pois está pensando em dívidas. O ser
humano tem a tendência a pensar naquilo que não quer. E sabe o que
irá atrair????? Exatamente aquilo que não quer!
Pense no que você quer e não no que deseja evitar. Assim você cria
um campo de possibilidade carregado da energia do seu desejo. Então,
as situações em sua vida começam a acontecer para a realização do seu
objetivo.
Como já comentei acima, tudo o que existe no universo foi pensado
antes – e não existe nada além da plenitude no universo (Cabalá).
Portanto, direcione seus pensamentos para o bom, para a saúde, para o
dinheiro. Experimente!
Comece por pequenas coisas e sinta o que estou dizendo.
Por exemplo: pense em alguém agora que você quer que te ligue.
Imagine mentalmente esta pessoa ao telefone com você. Ouça o som
de sua voz, sinta a emoção de estar falando com ela. Faça este pequeno
teste uma vez ao dia por no máximo 1 minuto. Veja o que acontece!
Quando direcionamos a energia da forma correta, nossa mente
inconsciente (que eu associo ao universo), percebe e cria melhores
situações para concretizar aquilo que pensamos.
355
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Mas lembre-se:
– Se você quer ter um relacionamento bom, pense em alguém
do jeito que você quer e não naquilo que você deseja evitar.
– Se você quer ter saúde, pense em saúde.
– Não fale de seus problemas, pois eles se fortalecem.
– Sabe o Governo que tanto o incomoda? Não pense nele,
dirija sua atenção ao governo que você deseja.
– Quando dirigimos a atenção contra algo o fortalecemos.
Este é O segredo.
Ele está muito mais perto de nós do que pensamos. Não é
preciso ir a nenhum lugar místico, nenhum ritual religioso,
nenhuma magia para descobri-lo. Religião, misticismo, seitas
secretas etc. são “ferramentas” poderosas para descobrir O
segredo. São ferramentas que nos ajudam a acessar nosso
inconsciente, nosso ser interior – nosso sábio – pois é lá que
está escondido O segredo.
Quando Jesus diz que a fé é o que cura, está dizendo que é
o que existe dentro de você, pois a fé é a melhor forma de
acessar o poder do inconsciente. Ter fé é pensar somente no
bem, portanto, atrair o bem!
Quando eu assisti ao filme fiquei maravilhado com a produção
e as entrevistas, pois tem o objetivo de mostrar ao mundo
algo que sempre tive a convicção de que era assim. Depois
de assisti-lo, esta convicção aumentou ainda mais e precisava
compartilhar isso com todos vocês.
Se você assistiu ao filme Quem somos nós ou ouviu falar nele,
assista O segredo que traz a resposta: “Somos aquilo que
desejamos ser!”
Experimente O segredo em sua vida. Qual o seu desejo?
Como será a imagem deste desejo realizado? Viva esta
imagem, sinta-a! E deixe que a mente inconsciente faça seu
trabalho. Não se preocupe como, pois este é o trabalho do
inconsciente... você só precisa saber o que deseja! O que
você deseja é a sua parte... como, é parte do inconsciente, do
Universo. Apenas fique “ligado”. Perceba as oportunidades.
(Fonte: Jornal Gazeta do Oeste (Divinópolis/MG), novembro
de 2006.)
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Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade
1. DOS CRIMES EM ESPÉCIE
Polêmica: Promotor da Infância e Juventude, Thales Tácito, recomenda
fechamento de bares após as 24 horas em Divinópolis/MG.
Minuta do projeto “Boa-Noite Cinderela” ou “Toque de
recolher” (fechamento dos bares após 24 horas) é enviado ao
Presidente da Câmara de Vereadores, pelo Promotor Thales
Tácito Cerqueira.
O Promotor Thales Tácito Cerqueira, da Infância e Juventude
de Divinópolis/MG, no dia 26 de outubro de 2006, enviou ao
Presidente da Câmara de Vereadores, a minuta do projeto
de lei conhecido como “Boa-Noite Cinderela”, consistente
no fechamento de bares após as 24 horas e outras medidas,
como a fixação de um prazo para bares e estabelecimentos
que causem perturbação da tranquilidade cessarem suas
atividades em área residencial e removerem para outro lugar,
de menor impacto.
O Promotor Thales Tácito já havia enviado, no mês de junho,
a sugestão, mas depois da reunião de Segurança no 23 BMP,
no dia 25 de outubro, o mesmo encaminhou uma minuta do
projeto, para deliberação e discussão na Casa Legislativa
Municipal, pelos seguintes argumentos:
“Pesquisei na cidade paulista de Atibaia/SP, a legislação sobre
o assunto, com impacto de 85% na redução da violência. Mas
não foi somente a área criminal a favorecida pela medida,
pois a Infância e Juventude teve sensível melhoria, além da
diminuição da violência doméstica e sexual de pais contra
esposas e filhas, já que o álcool, como sabemos, é uma ‘droga
‘lícita’. Além disto, gangues de jovens e ‘arrastões’ passaram
a ser mais facilmente detectados pela polícia e o número de
homicídios reduziu drasticamente”.
O promotor mineiro Thales ainda emocionado, retrucou:
“É terrível uma senhora ou senhor nos parar nas ruas de
Divinópolis/MG e pedir pelo ‘amor de Deus’ para ajudá-los a
descansar nos finais de semana, eis que bares estão tirandolhes o sossego e tranquilidade, causando stress, depressão e
afetando o sistema nervoso central. Casos como o de danificar
357
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
os carros de moradores que residem próximos a postos de
conveniência, ofensas verbais e todos os tipos de crimes
são praticados em nome de um comércio, desrespeitando
o direito de vizinhança e sossego de pessoas de bem, que
pagam seus impostos e precisam de paz de espírito para
produzirem para o País.
Não me importo se o jovens me odiarão com tal medida,
porque um dia serão pais e me amarão. E assim chegaremos
a conclusão de que o ‘ódio é passageiro, mas o amor é eterno’.
Se tiverem que me odiar, que o façam dentro de suas casas,
após as 24 horas, porque sempre há um interesse maior
chamado de “supremacia do interesse público”, qual seja,
o respeito aos mais velhos, aos que labutam dias e noites,
aos caminhoneiros e todos trabalhadores que merecem
descansar aos finais de semana, além de poderem circular
nas ruas com segurança durante a semana.
358
Desta vez, entrego à Câmara de Vereadores a missão de
aprovar este projeto grandioso, que é uma medida preventiva
para que daqui 10 anos as pessoas não se acostumem a ‘fazer
justiça com as próprias mãos’. Em breve teremos um Júri em
Divinópolis de um caminhoneiro que praticou homicídio
por força da irritação de som no seu horário de descanso,
depois de tentar os meios legais para solução do caso. Este
Júri, para mim, é de suma importância, pois dependendo
do seu resultado, os Jurados estão a dizer para sociedade
se realmente a medida foi adequada (“inexigibilidade
de outra conduta”) ou se poderia ser resolvida de outra
forma moderada. O que chamo a atenção é que o tema
é uma ‘bomba relógio’, uma vez que em 10 anos iremos
presenciar o aumento da criminalidade pelo prazer imedido.
Portanto, é preciso que o Legislativo faça sua parte e pedi ao
Presidente que o voto seja aberto, para a sociedade saber
quais vereadores votarão favoráveis ou contrários ao tema,
uma vez que as eleições de 2008 estão se avizinhando e é
interesse da comunidade acompanhar seus parlamentares e
cobrar medidas de impacto. O Ministério Público, seja com
este Promotor da infância, seja com o combativo Promotor
do Meio Ambiente, Dr. Márcio José de Oliveira, está fazendo
sua parte. Mas se amanhã o projeto for rejeitado, a sociedade
não nos pode creditar o aumento da violência, o desrespeito
ao sossego público, ao sagrado descanso e a delinquência
infanto-juvenil’.”
Material Complementar da Obra
Sobre o projeto, o Promotor destacou os principais pontos:
a) compete ao Município fixar o horário de funcionamento de
estabelecimentos comerciais, a teor do art. 30, I da CF/88, art.
171, I e II, “d”, da Constituição Estadual e Súmula no 275 do STF;
b) fica estabelecido o horário entre 6 e 24 horas para
funcionamento dos bares e estabelecimentos congêneres,
no Município de Divinópolis, podendo excepcionalmente
ser deferido horário diverso, se dentro das condições do
decreto regulamentador e Alvará da Prefeitura, ouvido os
representantes de Bairros;
c) caracterizam-se como bares e estabelecimentos
congêneres os locais preponderantemente destinados à
comercialização de bebidas de qualquer teor alcoólico,
servidas no balcão ou em mesas, para consumo próprio
local, sendo que os postos de conveniência, após as 24
horas, não poderão comercializar tais bebidas sob pena de
enquadramento no conceito de “bares”;
d) As festividades de grande porte (FENACER, Festa
da Fantasia, DivinoExpô, Divinofolia etc.) deverão estar
previstas no decreto de regulamentação desta lei, inclusive
prevendo medidas de segurança, como ausência de comércio
de garrafas de vidro etc., devendo ainda atender todas as
exigências junto ao Juízo da Infância e Juventude e Termos de
Ajustamento de Condutas eventualmente acordados entre os
responsáveis pelo evento e o Ministério Público local;
e) bares em áreas residenciais de grande impacto social
terão prazo para o proprietário remover-se dali, a ser
regulamentado, principalmente no centro da cidade;
f ) fica proibida a concessão de novas licenças de
funcionamento para bares e estabelecimentos congêneres,
em imóveis localizados num raio de 150 (cento e cinquenta)
metros de distância de estabelecimentos de ensino infantil,
fundamental, médio, técnico e superior, da rede pública ou
privada. Excetuam-se da proibição, os restaurantes, pizzarias
e padarias, assim caracterizados pelo Poder Público, ficando
tais estabelecimentos proibidos de executar músicas ao
vivo, bem como o uso de equipamentos eletrônicos de jogos
ou equipamentos musicais, durante o horário escolar ou de
atividades de estudo;
g) no período eleitoral deve ser respeitada a conhecida “Lei
Seca”;
359
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
h) as penalidades, nesta ordem, serão: Notificação
para regularização, em prazo não superior a 30 (trinta)
dias; Multa de 1.000 (mil) UVRM – Unidade de Valor
de Referência do Município; Cancelamento do regime
especial de funcionamento; Fechamento administrativo do
estabelecimento;
i) “forças-tarefas” podem ser criadas para ajudar os fiscais do
Município a aplicar as penalidades, como blitz pela PM;
j) a lei entrará em vigor 60 dias após sua publicação.
Por fim, o Promotor concluiu, com as palavras de Carnelutti:
“Não me iludo a respeito da eficácia de minhas palavras.
Porém, de acordo com o ensinamento do filósofo sensacional,
que todos deveriam reconhecer no Cristo, ainda que o
considerando apenas um homem, sei que as palavras são
sementes. E assim, sem presunção, mas por devoção, sigo
semeando. Não espero que a colheita me remunere com cem,
sessenta ou mesmo com trinta por um. Ainda que um único
grão germine, não haverei semeado em vão.”
Está lançada a semente Divinópolis/MG. Que Deus nos ajude
a colher os frutos no futuro...
Sobre o Ofício para a cidade de Cláudio/MG:
Ofício de Gabinete no: 002/2007 – TTPLPC
Assunto: Segurança pública. Solicitação de projeto de lei.
Fechamento de bares após às 24 horas.
Serviço: Promotoria de Justiça de Cláudio/MG – Solicitação
de projeto de lei. Fechamento de bares após às 24 horas.
Exm.a Sra. Presidente do Legislativo Municipal
Md. Sra. Maristela Gonçalves Magalhães e Souza
Exm.a Vereadora Alice de Rezende Chaves
Esperando encontrá-las na Paz do Senhor, vimos, nesta
correspondência epistolar, na atribuição que nos foi conferida
por lei, trazer subsídios para a futura e urgente elaboração de
importante projeto de lei para regulamentar bares nesta cidade.
360
Na área da Infância e Juventude, adolescentes dependem
da aprovação deste projeto para que não fiquem a mercê de
traficantes, alcoólatras, de exploradores da alma humana,
além dos pais, que perdem suas autoridades em face de filhos
desobedientes (choque de geração). Nesta cidade, com meu
Material Complementar da Obra
retorno, verdadeiras “gangues” de adolescentes apavoram
os munícipes e, desde minha saída, percebi o aumento
significativo da criminalidade e dos atos infracionais.
Conforme o disposto no art. 74 do Estatuto da Criança e do
Adolescente
“o poder público, através do órgão competente, regulará
as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a
natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem,
locais e horários em que sua apresentação se mostre
inadequada.”
Lado outro, disciplina a Súmula no 275 do STF:
É competente o Município para fixar o horário de
funcionamento de estabelecimento comercial.
O art. 30 da CF/88 regula que compete aos Municípios:
I – legislar sobre assuntos de interesse local.
Some-se a isto que o Município deve velar pela segurança
dos munícipes, a teor do art. 144 da CF/88, o que justifica,
inclusive, legislar sobre horários de funcionamento de
Bancos e medidas de segurança:
Administrativo. Mandado de segurança. Atividade bancária.
Competência legislativa. Distinções. Competência do município
para matérias de interesse local. Art. 30, I e II, da Constituição
Federal. 1. A competência para legislar sobre o melhor modo
de prestar atendimento e segurança aos usuários de agências
bancárias é do Município, porque a matéria diz respeito a
interesse local (C.F, art. 30, I). É legítima, sob esse aspecto,
a lei municipal que exige dos estabelecimentos bancários a
criação de acesso exclusivo para carga e descarga de valores.
2. Recurso ordinário a que se nega provimento (STJ. ROMS
200501557721 – (20681) – RJ. 1a T. Rel. Min. Teori Albino
Zavascki. DJU 12/06/2006. p. 438)
Estabelecimentos bancários. Competência do Município para,
mediante lei, obrigar as instituições financeiras a instalar,
em suas agências, dispositivos de segurança. Inocorrência
de usurpação da competência legislativa federal. Recurso
improvido. O Município dispõe de competência, para, com
apoio no poder autônomo que lhe confere a Constituição
da República, exigir, mediante lei formal, a instalação, em
estabelecimentos bancários, dos pertinentes equipamentos
de segurança, tais como portas eletrônicas ou câmaras
filmadoras, sem que o exercício dessa atribuição institucional,
361
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
fundada em título constitucional específico (CF, art. 30, I),
importe em conflito com as prerrogativas fiscalizadoras do
Banco Central do Brasil. Precedentes (STF. RE-AgR 385398.
MG. 2a T. Rel. Min. Celso de Mello. DJU 05/08/2005)
Corolário, a Constituição do Estado de Minas Gerais,
no seu art. 171, I e II, “d”, estabelece que compete ao
Município legislar sobre assuntos de interesse local
e facultativamente sobre a proteção da Infância e
Juventude, em caráter regulamentar, observando as
normas gerais, razão pela qual o fechamento de bares neste
horário estará materializando a segurança e proteção da
nossa infância e juventude.
Aproveito, ainda, para cumprimentar a Câmara de Vereadores
pela forma democrática dos debates, esperando contribuir
com o aperfeiçoamento legislativo de importante projeto para
Cláudio/MG, eis que o mesmo encontra amparo na vontade
de milhares de pais onde tenho palestrado em Escolas.
Cara Presidente, Cara Alice e colegas vereadores, ajudem este
Promotor cooperador a cuidar de nossas crianças e jovens,
livres do ócio, das drogas, das más companhias e da exploração
meramente comercial, sem responsabilidade social.
Conto com todos neste importante projeto, a ser, se preciso,
discutido na Casa ou Audiência Pública, visando aprimorar
as discussões, eis que interesses meramente mercantilistas
não podem destruir nossos jovens. Sugiro que na primeira
oportunidade seja lançada multa no estabelecimento
comercial, além do Conselho Tutelar ou Comissariado ou
Polícia (com convênios com o Município) entregar os jovens
aos pais, sendo que na reincidência haverá cassação do Alvará
de funcionamento ou suspensão do estabelecimento, além de
multa em dobro.
Segue no anexo proposição do projeto, retirado da Lei
no 3.477, de 01 de julho de 2005, da cidade de Atibaia/
SP (autoria do vereador Takao Ono), com adaptações e
sugestões feitas por este Promotor de Justiça.
Segue também, o projeto 068/2006 da Câmara Municipal de
Divinópolis/MG, que acolheu a sugestão deste Promotor, e
neste no de 2007 se prepara par votar importante projeto
para a população.
Como diria Carnelutti, nas “Misérias do Processo Penal”:
362
Material Complementar da Obra
“Não me iludo a respeito da eficácia de minhas palavras.
Porém, de acordo com o ensinamento do filósofo sensacional,
que todos deveriam reconhecer no Cristo, ainda que o
considerando apenas um homem, sei que as palavras são
sementes.
E assim, sem presunção, mas por devoção, sigo semeando.
Não espero que a colheita me remunere com cem, sessenta
ou mesmo com trinta por um.
Ainda que um único grão germine, não haverei semeado em
vão”.
Por fim, estou à disposição para as explicações técnicas, se
preciso, nesta Augusta Casa das Leis, seja interna corporis,
seja em Audiência Pública.
Paz e Luz,
Em Cristo, Jesus.
Fiquem com Deus,
Mercê.
Cláudio/MG, 11 de janeiro de 2007
Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira
Vejamos o projeto de lei de Divinópolis/MG, que adotou na íntegra a
sugestão dos artigos feita por este autor, acrescentando somente no art.
9o um “período de experiência” da lei por 9 meses (metáfora de uma
“gestação”), quando os eleitores, ao final, farão um referendo sobre o tema:
PROJETO DE LEI No CM-068/2006
Estabelece o horário para o funcionamento de bares e
estabelecimentos congêneres, no Município de Divinópolis e
dá outras providências.
O Povo do Município de Divinópolis, por seus representantes
legais, aprova e eu, na qualidade do Prefeito Municipal, em
seu nome, sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Fica estabelecido o horário entre 6 (seis) e 24
(vinte e quatro) horas para funcionamento dos bares e
estabelecimentos congêneres, no Município de Divinópolis.
§ 1o Caracterizam-se como bares e estabelecimentos
congêneres os locais preponderantemente destinados à
comercialização de bebidas de qualquer teor alcoólico,
servidas no balcão ou em mesas, para consumo no próprio
363
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
local, observando-se que a exploração de jogos de mesa
do tipo bilhar, snooker, pebolim e assemelhados pelos
estabelecimentos mencionados neste parágrafo, não os exclui
da caracterização supra.
§ 2o Os postos de conveniência, a partir do mencionado
horário, não poderão comercializar bebidas alcoólicas, sob
pena de enquadramento nos estabelecimentos congêneres
previstos no § 1o.
§ 3o O horário referido no caput deste artigo, para os
estabelecimentos que especifica, poderá ser estendido
mediante alvará a ser expedido pela Prefeitura Municipal, a
requerimento do interessado, devidamente fundamentado,
esclarecendo as peculiaridades do estabelecimento, o local
onde se encontra instalado e as razões da solicitação, podendo
o Poder Executivo Municipal criar uma comissão técnica para
expedição deste alvará, ouvindo os representantes de bairros.
§ 4o O Alvará de que trata o parágrafo anterior será expedido,
desde que satisfeitas as pré-condições estabelecidas no
Decreto de regulamentação desta Lei, sem prejuízo da
observância da legislação que regula o funcionamento dos
estabelecimentos da espécie, especialmente no que respeita
as condições de higiene e de segurança, entre outras.
§ 5o As festividades de grande porte deverão estar previstas
no Decreto de regulamentação desta Lei, inclusive prevendo
medidas de segurança, como ausência de comércio de garrafas
de vidro, etc.; devendo ainda atender todas exigências junto
ao juízo da Infância e Juventude e Termos de Ajustamento de
Condutas acordados entre os responsáveis pelo evento e o
Ministério Público local.
§ 6o O Alvará concedido para bares e estabelecimentos que
violem o direito de vizinhança, perturbem a tranquilidade
e sossegos alheios, bem como a Postura Municipal, o Plano
Diretor, o Estatuto da Cidade, a Lei Ambiental e similares,
terão especificação de prazo, previsto no Decreto de
regulamentação desta Lei, para término das atividades, com
prazo razoável para que o proprietário promova, querendo,
sua transferência para local adequado e que doravante atenda
todas exigências legais e sociais.
364
Art. 2o O órgão ou Conselho de Turismo da Prefeitura
de Divinópolis, procederá à classificação das regiões de
interesse para o desenvolvimento do turismo da cidade,
Material Complementar da Obra
bem como à classificação, em cada uma dessas regiões, dos
estabelecimentos que atendam as exigências desta Lei, bem
como do seu Decreto de regulamentação, para efeito de
concessão do alvará de que trata o § 4o do artigo anterior.
Art. 3o Fica proibida a concessão de novas licenças de
funcionamento para bens e estabelecimentos congêneres, em
imóveis localizados num raio de 150 (cento e cinquenta) metros
de distância de estabelecimentos de ensino infantil, fundamental,
médio, técnico e superior, da rede pública ou privada.
Parágrafo único. Excetuam-se da proibição do caput
deste artigo, os restaurantes, pizzarias e padarias, assim
caracterizados pelo Poder Judiciário, respeitadas as
demais condições previstas na presente Lei, ficando tais
estabelecimentos proibidos de executar músicas ao vivo,
bem como o uso de equipamentos eletrônicos de jogos ou
equipamentos musicais, durante o horário escolar ou de
atividades de estudo.
Art. 4o Todos os bares e estabelecimentos congêneres,
além dos demais excetuados nesta Lei, deverão, no período
eleitoral, respeitar a proibição de venda e/ou distribuição de
bebidas alcoólicas, prevista em atos normativos federais ou da
Secretaria de Segurança do Estado (norma penal em branco).
Art. 5o Aos infratores desta Lei serão aplicadas, pela ordem,
as seguintes penalidades:
I – Notificação para regularização, em prazo não superior a
30 (trinta) dias;
II – Multa de 1.000 (mil) UPFMD – Unidade Fiscal Padrão do
Município de Divinópolis;
III – Cancelamento do regime especial de funcionamento;
IV – Fechamento administrativo do estabelecimento.
§ 1o Após o fechamento administrativo do estabelecimento,
e transcorridos o prazo de 12 (doze) meses, o Executivo
poderá conceder nova licença de funcionamento, atendida a
legislação vigente.
§ 2o O Poder Público fará ampla divulgação desta Lei, bem
como poderá celebrar convênios com a Polícia Militar e
outras milícias, visando a criação de “forças-tarefas” para
fiscalização, poder de polícia e aplicação das penalidades
deste artigo, observados os ditames legais.
365
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Art. 6o A presente Lei será regulamentada no prazo de 60
(sessenta) dias, contados da data de sua publicação oficial.
Art. 7o Os recursos para aplicação desta Lei correrão por
conta do orçamento vigente, suplementadas, se necessário.
Art. 8o Esta Lei entra em vigor 60 (sessenta) dias da data
de sua publicação, produzindo seus efeitos por um período
de 9 (nove) meses, quando deverá ser realizado referendo
popular, do qual dependerá sua aprovação para manutenção
de sua vigência e eficácia.
Divinópolis, 20 de novembro de 2006.
Marcos Vinicius Alves de Silva
Vereador – Vice-Líder PDT
Vereador Juliano do Pio
Vice-Presidente da Câmara Municipal
Vereador Antônio Geraldo da Silva
1o Secretário
Vereador Edmar Antônio Rodrigues
2o Secretário
Adair Otaviano de Oliveira
Vereador Líder do PAN
Anderson Saleme
Vereador – Líder PSB
Antônio de Lisboa Paduano Pereira
Vereador PSDB
Antônio Davi Filho
Vereador PMDB
Aristides Salgado dos Santos
Vereador – Líder do PL
Milton Donizete da Silva
Vereador – Líder PDT
Nilmar Eustáquio de Souza
Vereador – Líder PSL
Vladimir de Faria Azevedo
Vereador – Líder PSDB
366
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 19 – Crimes e Redução da Maioridade
2.6. CONCLUSÃO
A cada lei, um impacto social.
Na tentativa de melhoria, não se estuda a repercussão social ou a
sistemática de normas que compõem o Direito.
Pune-se administrativamente com multa a divulgação de apelido ou
iniciais de adolescentes e permanece a MSE de 3 anos ou 21 anos de idade
do adolescente que recentemente matou um jovem casal (e estuprou
a vítima) de São Paulo, já que idade penal pelo critério eminentemente
biológico é cláusula pétrea.
Pinto Ferreira já dizia que o legislador é mais o obreiro que faz a
lei (logo, conhece da realidade que o cerca), do que a testemunha que
certifica, leia-se, a simples testemunha que apenas certifica no papel
aquilo que desconhece.
Enquanto isso, os problemas sociais se agigantam, as causas sociais
não são combatidas, o desemprego cresce, a desesperança aumenta, o
crime organizado avança. O legislador, no entanto, insiste na feitura de leis
lacônicas, utópicas, que apenas aumentam pena, e por vezes incongruentes.
Beccaria já dizia no passado que não é o tamanho da pena que diminui a
criminalidade e sim a certeza de sua punição, ou, nos tempos modernos,
“a certeza da punição” e o combate às causas do delito, seja de forma
preventiva e repressiva, seja no amparo às vítimas crianças e adolescentes.
Como diria T.S. Eliot:
Em uma terra de fugitivos, aquele que anda na direção
contrária parece estar fugindo.
Por isto tudo e por uma PEC Conciliatória, sugerimos ao Deputado
Carlos Sampaio, em 2007, um modelo onde ECA ou CP serão analisados
pelo juiz, através de perícia.
Segue agora o modelo sugerido:
PEC..../2007
Altera o art. 228 da Constituição Federal, mantendo a
maioridade penal e reduzindo a imputabilidade penal para
dezesseis anos, tão somente nos casos que especifica.
Proposta de Emenda à Constituição no....., de 2007
367
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Altera o art. 228 da Constituição Federal, reduzindo para
dezesseis anos a idade para imputabilidade penal, utilizando
vários critérios especiais.
As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos
termos do § 3o do art. 60 da Constituição Federal, promulgam
a seguinte Emenda Constitucional.
Art. 1o O art. 228 da Constituição Federal passa a vigorar com
a seguinte redação:
Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito
anos, sujeitos às normas da legislação especial.
§ 1o Os menores de dezoito anos e maiores de dezesseis
anos são penalmente imputáveis, nos seguintes casos
cumulativamente aplicados:
a) se a infração penal cometida for mediante violência
ou grave ameaça à pessoa, na forma dolosa, excluídas as
consideradas de “menor potencial ofensivo” e, ainda, se a
infração ocorrer mediante a participação de quadrilha ou
bando ou em atividades do crime organizado
b) se o agente era, ao tempo da ação ou da omissão,
inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de
determinar-se de acordo com esse entendimento
§ 2o O Juiz ou Tribunal, ao verificar a prática de infração penal
cometida mediante violência ou grave ameaça por menor
de dezoito anos e maior de dezesseis anos, determinará, de
ofício, a imediata abertura de procedimento para aferição da
existência, ou não, da capacidade de entendimento por parte
do autor, à época do fato criminoso.
§ 3o Na hipótese do § 1o, o adolescente cumprirá sua pena
em estabelecimento próprio ou dentro dos estabelecimentos
prisionais, em local separado, até completar 18 anos, quando
então cumprirá o restante da reprimenda juntamente com os
demais detentos.
§ 4o As hipóteses de aplicação da medida de internação ao
adolescente, previstas em legislação especial, contemplarão,
além das hipóteses legais, o crime de tráfico ilícito de
entorpecentes, não se aplicando, quanto a esta modalidade, a
redução da imputabilidade penal prevista neste artigo.
§ 5o Os adolescentes infratores que não reunirem as
condições do parágrafo primeiro deste artigo responderão
na forma da legislação especial, sendo que o período máximo
368
Material Complementar da Obra
de internação não excederá cinco anos, podendo, nos termos
da lei, ultrapassar os 21 anos de idade, respeitada, porém, a
prescrição do ato infracional.
§ 6o Os procedimentos para reconhecimento da capacidade de
entendimento dos menores de 18 anos e maiores de 16 anos
terão prioridade de tramitação perante o Poder Judiciário e
os demais órgãos técnicos.
Art. 2o Esta Emenda à Constituição entra em vigor na data de
sua publicação.
Justificativa
Como é do conhecimento de todos, a questão referente à
redução da maioridade penal é conflituosa, sendo que, tanto
aqueles que são favoráveis, como os contrários, fundamentam
seus entendimentos em fartas e judiciosas argumentações.
Os que são contrários à redução, com certa razão, afirmam
que o art. 228 da Constituição Federal é uma cláusula pétrea,
pois se refere a direito individual, apesar de não estar
insculpido no âmbito do art. 5o da Constituição Federal de 88.
Argumentam, ainda, que o atual sistema prisional possui
inúmeras deficiências, sendo que a eventual redução da
maioridade favoreceria, ainda mais, a já existente “escola do
crime” em nossas penitenciárias.
De outra sorte, ponderam que não se pode aferir o pleno
discernimento de um adolescente pelo critério etário,
até porque, fatores econômico-sociais, regionais e ainda
questões familiares e religiosas, também devem nortear o
referido discernimento.
Por fim, argumentam que a personalidade de um jovem ainda
está em formação, diferentemente de um adulto que tem
plena consciência de seus atos.
Já aqueles que defendem a redução da maioridade, iniciam
sua justificativa pelo fato do art. 228 da Constituição Federal
de 88 não poder ser considerado cláusula pétrea, na medida
em que está fora do art. 5o da Constituição Federal.
Argumentam que o crime organizado cresce na medida
em que a benevolência do ECA – Estatuto da Criança e do
Adolescente facilita o recrutamento de adolescentes para
ações criminosas.
369
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Afirmam, ainda, que na atualidade, face aos meios de
comunicação e de informática, os adolescentes têm pleno
discernimento de seus atos.
Por fim, de forma contundente, indagam: – Como pode o
adolescente com 16 anos escolher seus representantes
(incluindo o Presidente da República) e não responder
criminalmente por seus atos? Em outras palavras, como pode
este mesmo adolescente ter pleno discernimento para escolher
os seus representantes no Congresso Nacional e o Presidente
da República que é o responsável pelas mais importantes
decisões do país e, por outro lado, não ter discernimento do
que vem a ser um homicídio, um roubo ou um estupro?
Vê-se, portanto, na esteira das ponderações acima referidas,
fruto de um minucioso estudo feito pelo Professor
Thales Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, ilustre
constitucionalista de Minas Gerais e Promotor de Justiça da
Infância e Juventude, que a única forma de se buscar uma
alternativa que contemple as teses acima referidas seria
submeter ao Plenário uma proposta de Emenda Constitucional
que levasse em consideração as aflições e indignações de
ambas as correntes que estudam este tormentoso tema.
Nessa esteira e, repito, respaldado nos relevantes subsídios
oferecidos pelo Prof. Thales Tácito Pontes Luz de Pádua
Cerqueira (autor de Manual do Estatuto da Criança e do
Adolescente. São Paulo: Editora Premier, 2007) submeto, à
apreciação de meus pares, Emenda Constitucional que busca,
de forma conciliatória, apresentar à sociedade brasileira uma
resposta rápida e ao mesmo tempo equilibrada, sobre a redução
da maioridade penal, tão somente nos casos em que especifica.
A presente Emenda Constitucional fixa a maioridade penal em
16 anos para atos infracionais praticados mediante violência
ou grave ameaça à pessoa, exceto delitos culposos e de “menor
potencial ofensivo”, valendo-se do critério biopsicológico,
ou seja, a responsabilidade penal deste adolescente estaria
diretamente vinculada à capacidade de compreender o
caráter ilícito de seu ato e determinar-se de acordo com esse
entendimento (capacidade intelecto-volitiva).
370
Nesses casos, o adolescente cumpriria sua pena em
estabelecimento próprio ou em local separado dentro da
própria penitenciária até completar 18 anos, quando então
cumpriria o restante de sua pena juntamente com os demais
detentos.
Material Complementar da Obra
Portanto, se restar evidenciado que o autor do ato
infracional, praticado com violência ou grave ameaça à
pessoa, excetuando-se a modalidade culposa e os ilícitos
considerados de “menor potencial ofensivo“, ou em quadrilha
ou bando ou na forma de organização criminosa não possuía,
ao praticá-lo, capacidade intelecto-volitiva, o mesmo
responderia por seus atos na forma hoje preconizada pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente. As únicas inovações
propostas, neste particular, referem-se ao fato de estarmos
ampliando de 3 para 5 anos o limite máximo de internação
e, ainda, ao fato de estarmos permitindo que o cumprimento
total da medida socioeducativa de internação possa ocorrer
mesmo após os 21 anos, a critério, neste último caso, de lei
infraconstitucional.
O § 6o da presente emenda constitucional prevê que os
procedimentos de aferição da capacidade do adolescente
maior de 16 e menor de 18 anos, que tenha praticado fato
criminoso previsto nas hipóteses do § 1o, letra “a”, sejam
tratados de forma prioritária, evitando-se assim a ocorrência
da prescrição em virtude desse incidente processual
Percebe-se, portanto, que a redução da maioridade penal
prevista na presente emenda se dá em caráter excepcional.
Tanto é assim que, nas hipóteses de inexistência de capacidade
intelecto-volitiva, nos casos em que os atos infracionais são
praticados sem violência ou grave ameaça à pessoa e ainda,
nas hipóteses de ilícitos culposos ou de menor potencial
ofensivo, o adolescente continuará a responder por seus atos
perante o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Enfim, a presente emenda excepciona a maioridade penal
hoje vigente, reduzindo-a para 16 anos, tão somente nas
hipóteses de atos infracionais praticados mediante violência
ou grave ameaça à pessoa, sendo que, mesmo nesses casos,
o magistrado somente poderá aplicar as penas previstas no
Código Penal ou em Legislação Extravagante, quando restar
evidenciado que o adolescente era, ao tempo da ação ou
omissão, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do
fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Por fim, justificamos o fato do tráfico de entorpecentes ficar
fora do rol dos delitos sujeitos à redução da maioridade penal,
uma vez que nessa modalidade criminosa os adolescentes, via
de regra, são também vítimas de grandes traficantes, quando
não “agenciados” por estes. Portanto, entendemos que nesta
371
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
hipótese o adolescente deve merecer o acompanhamento
previsto no ECA, a fim de garantir sua recuperação ou o
seu tratamento, se necessário. Ademais, a inclusão desta
modalidade criminosa faz-se necessária na medida em que,
atualmente, a internação do infrator que praticou este ilícito
é fruto de uma construção jurisprudencial. Logo, com a
previsão legal e constitucional, a matéria ficará sedimentada,
evitando decisões judiciais contraditórias.
Esperando, com a presente Emenda Constitucional, ter
apresentado a meus pares uma alternativa concreta para este
tormentoso tema, aguardo sua aprovação.
Brasília, 13 de fevereiro de 2007
Dep. Federal Carlos Sampaio
PSDB-SP
Como sugestão à Reforma da Legislação do ECA, enviamos, ainda,
ao culto amigo Carlos Sampaio, após seu pedido, os seguintes
pontos de vários projetos do Congresso Nacional resumidos nos
seguintes argumentos:
Lado outro, sobre a reforma na Legislação Extravagante,
ainda no objetivo de que “a virtude aristotélica encontra-se
no meio termo”, buscamos, junto do escólio do jurista Thales
Tácito Pontes Luz de Pádua Cerqueira, obra citada e apoio a
este parlamentar, buscar conciliar entre os vários projetos o
meio termo, evitando desgaste da Casa Legislativa, bem como
afronta a CONANDA, ABMP, CNBB, CBJP, OAB e tantas outras
entidades de suma e vital importância no cenário nacional.
Com este espírito de conciliação entre as várias escolas sobre o
tema, diante do princípio da proibição do excesso, também
conhecido como “proporcionalidade ou razoabilidade”,
evitamos os exageros de vários projetos, afastando-os de
plano, como por exemplos:
1) Art. 2o do PLC 57/2007 (Dep. Onyx Lorenzoni), que altera
o art. 121 do ECA e não especifica qual tipo de homicídio ou
lesão corporal que se trata, dando a falsa impressão que a
modalidade culposa encontra-se no art. 122, I, do ECA, além
de duplicar ou aumentar em 50% o prazo de internação
por crimes não hediondos, como lesão corporal. Assim, a
previsão é inconstitucional, data venia, por ferir o princípio
da proporcionalidade constitucional.
372
Material Complementar da Obra
2) Art. 1o do PLC..../2003 (Dep. Vicente Cascione), pelos
seguintes fundamentos:
a) cria nova definição no art. 103 do ECA, de ato infracional,
como a conduta de “menor de 18 anos”, quando somente
adolescente de 12 anos completos até 18 anos incompletos
é que pratica atos infracionais, já que criança (nascimento
com vida até 12 anos incompletos não pratica ato infracional,
e sim desvio de conduta, cuja medida é de proteção – arts.
101 c/c 105 do ECA), o que poderia levar a criança a ser
responsabilizada e sofrer MSE, em total afronta ao princípio
da proibição do excesso;
b) a parte final do art. 108 também peca, data venia, pela
desproporcionalidade pois vincula a pena mínima de crime,
critério já abandonado pela doutrina moderna do ECA, à
apreensão provisória, o que levou o relator a substituir pelo
tempo usado para maiores, qual seja, 81 dias (Lei do Crime
Organizado e Jurisprudência);
c) a redação dada ao art. 121 elimina os princípios da
brevidade da internação e excepcionalidade, o que afronta o
multicitado princípio da proibição do excesso;
d) os parágrafos segundo, terceiro e quarto foram repudiados
pela confusão dos critérios e exagero na sanção indicada,
dando margem a várias exegeses dos magistrados, sendo que
os demais parágrafos, por serem desdobramentos, também
foram afastados.
3) Art. 2o do PLC 3.362/2000 (Dep. Eunício Oliveira), pelos
seguintes fundamentos:
a) o parágrafo segundo do art. 121 não fixa prazo da
internação, deixa a qualquer tempo sua reavaliação, critério
eminentemente subjetivo, provocando decisões judiciais
contraditórias, a nível nacional, além de aumentar para doze
meses ao invés de 6 meses a reavaliação, como segunda
hipótese, prejudicando adolescentes que tenham internação
fixada com prazo menor e que tenham bom comportamento;
b) o parágrafo terceiro do art. 121 deixa a internação em
3 anos, quando este relator acolheu a sugestão de aumento
para 5 anos na hipótese do art. 122, I, do ECA, deixando 3
anos para a hipótese do art. 122, II, do ECA, sem prorrogação,
como quer o aludido parágrafo;
c) o parágrafo quinto fixa liberação obrigatória em 21 anos,
quando este relator adotou prazo de 25 anos; o projeto
373
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
ainda permite ser além de 21 anos quando “não tiver sido
cumprida integralmente a medida”, o que afronta o princípio
da segurança jurídica (ADIn no 3.685/STF/2006), uma vez
que com idade superior, até mesmo aos 25 anos poderia um
adulto responder pelo ECA, o que é desproporcional, além
de misturar a competência do Juiz da Infância com Juiz das
Execuções Penais;
d) o art. 122, I, com o acréscimo de “outra infração grave
considerada pela autoridade judicial“ é extremamente
perigoso, pelo cunho subjetivo, podendo restaurar no
País o chamado “Direito Penal do Autor“ ou do “Inimigo“,
face as decisões judiciais contraditórias a nível nacional,
desprotegendo os adolescentes com critérios não objetivos.
4) O art. 1o do PLC 852/2003 (Dep. Luiz Antonio Fleury) foi
repudiado por este relator, porquanto:
a) coloca a internação com prazo de 6 anos, tendo sido
adotado o meio termo de 5 anos;
374
b) o art. 124 permite a incomunicabilidade de adolescente,
em situações graves, mas que somente é admitida hoje, pela
doutrina, no Regime Disciplinar Diferenciado e não mais
fora deste (discussão do art. 21 do CPP que afronta o art. 7o,
III, da Lei no 8.906/1994 – Estatuto da OAB). Assim, tratase, data venia, de previsão inconstitucional, já declarada
pelo STF. Portanto, o art. 21 do CPP não foi recepcionado
pela CF de 1988 (cf. art. 136, § 3o, IV, da CF). Se a CF não
permite a incomunicabilidade nem sequer durante o estado
(emergencial) de defesa, com maior razão ela é inviável
fora dessa situação de emergência. Assim, a Constituição
Federal, no seu art. 136, § 3o, IV, no capítulo referente
ao Estado de Defesa e de Sítio, dispõe que “é vedada a
incomunicabilidade do preso”. Se em casos excepcionais
proíbe-se a incomunicabilidade do preso, com muito mais
razão não há que se falar em incomunicabilidade na fase do
inquérito, no caso de se encontrar o indiciado preso. Além
disso, é assegurado pelo próprio texto constitucional que
o preso tem direito à assistência da família e do advogado
(CF, art. 5o, LXII; Lei no 8.906/94, art. 7o, inciso III). Por
conseguinte, a norma do art. 21 do Código de Processo Penal
não foi, segundo a doutrina majoritária, recepcionada pela
Magna Carta. Ademais, em decisão unânime, a Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal determinou no dia
10/08/2004 que a proibição de vista integral dos autos de
Material Complementar da Obra
inquérito viola os direitos do investigado. O voto condutor
da decisão, tomada no julgamento de um Habeas Corpus (HC
82534), é do Ministro Sepúlveda Pertence.
5) PLC 5.035/2001, 5.036/2001 e 5.037/2001, pelos
seguintes fundamentos:
a) no PLC 5.035/2001 o período máximo de internação é
de 8 anos, sendo que este relator, com base nestes estudos,
adotou o meio-termo entre 3 anos e 8 anos, chegando em 5
anos, conforme posição abaixo relatada;
b) no PLC 5.036/2001 a liberação obrigatória se opera em
21 anos de idade com ressalva de morte de vítimas, o que
confunde o critério, uma vez que foi adotada por este relator
o prazo de 25 anos como teto máximo, uma vez que a PEC,
apresentada igualmente por este relator, permite a redução
da maioridade penal. Logo, se for aprovada a PEC, haverá dois
sistemas: o do CP, para adolescentes que tenham capacidade
intelecto-volitiva, e o do ECA para quem não possua, com
limite de 5 anos ou 25 anos de idade, o que chegar primeiro,
nesta última hipótese;
c) por fim, o PLC 5.037/2001, que poderia ser adotado, cria
o parágrafo sétimo para permitir o restante da internação em
sistema prisional comum, sendo adotado, neste particular,
por ser mais completo, o PLC 852/2003, do Dep. Luiz Antônio
Fleury.
6) Em relação ao PLC 6.923/2002, Dep. Pompeo de Mattos,
o relator afastou sua incidência porquanto o máximo de
internação prevista foi de 6 anos, quando adotamos meiotermo de 5 anos; ademais, a liberação compulsória de 24
anos foi afastada, porquanto o relator sugere 25 anos de
idade como teto etário máximo.
7) Em relação ao PLC 904/2003, Dep. Rogério Silva, este
relator afastou sua incidência porquanto o máximo de
internação prevista foi de 3 anos, quando adotamos meiotermo de 5 anos e sem exceção de “latrocínio ou homicídio”;
ademais, a liberação compulsória de 21 anos foi afastada,
porquanto o relator sugere 25 anos de idade como teto etário
máximo, sem excepcionar para “latrocínio ou homicídio”,
porquanto para estes não foi previsto prazo algum,
transformando a Infância e Juventude em Justiça Comum
e violando o princípio da segurança jurídica (STF, ADIn
3.685/2006).
375
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
8) Em relação ao PLC 2523/200, do Dep. Moroni Togan, este
relator afastou sua incidência porquanto cria apenas restrição
de internação para homicídio, sem diferenciar o doloso
do culposo e tampouco prevendo outras situações graves,
violando o princípio constitucional da proporcionalidade.
9) Pelos mesmos motivos do item 8, repudiamos o PLC
109/2007 (Deputada Solange Amaral), além de não conhecer
que homicídio qualificado já é crime hediondo, sendo
pleonasmo jurídico; some-se a isto que o prazo máximo de
internação eleva-se para 9 anos, mantendo o erro em tipificar
apenas homicídio qualificado ou crime hediondo, esquecendo
do tráfico (crime equiparado a hediondo e não hediondo),
de roubo, extorsão mediante sequestro etc. Por fim, prevê
algo absurdo, data venia, que é a proibição de remissão em
homicídio qualificado ou hediondo pelo Ministério Público,
algo insólito de se pensar na vida forense, porque, sendo
este relator Promotor de Justiça jamais teve conhecimento
de uma “remissão para crime hediondo“ por parte de seus
colegas. Assim, aproveitou-se somente a nova redação dada
pelo art. 122, parágrafo único.
10) Outrossim, o PLC 2.628/2003, Dep. Jutahy Junior, segue os
mesmos fundamentos dos itens 8 e 9 para exclusão por este
relator, com prazos maiores de 8 e 10 anos de internação, em
casos especificados, além da nova redação do art. 123 estar
melhor disciplinada no PLC 852/2003 (Dep. Luiz Antônio Fleury).
11) Por fim, o PLC 3.700/2000, também em parte foi afastado
por este relator, no art. 121, parágrafo segundo, em face da
redação do PLC..../2003 (Dep. Vicente Cascione) estar mais
adequada à doutrina nacional, fixando prazo determinado
na internação ao invés de não fixar prazo algum; ademais,
as críticas do excesso dos itens 8 e 9 se aplicam igualmente,
pois o projeto sugere “prorrogação de internação“ e mudança
para regime prisional de cárcere já analisado em outro
projeto. Além disto, adota critério de pena mínima para fixar
ato infracional grave do art. 122, já criticado por este relator.
Portanto, aproveitou-se deste projeto os parágrafos 8o e 9o do
art. 121, além dos arts. 123 e 125.
Assim, entendendo que o espírito mais conciliador de todas
as proposições encontra-se no PLC 2.847/2000, afastamos
deste projeto, no seu art. 2o, parágrafo único, apenas a
expressão “podendo a medida socioeducativa estender-se
376
Material Complementar da Obra
até a idade de vinte e três anos”, acrescentando o limite de
idade até 25 anos, mas também a prescrição (que no ECA
é calculada pela pena máxima, na tabela do art. 109 do CP,
reduzida pela metade com base no art. 115 do CP). Com isto,
o prazo máximo de internação será de 5 anos (art. 122, I
– PL 2.847/2000 com acréscimo de novas hipóteses do PL
157/2007), 3 anos (art. 122, II) e 12 meses (art. 122, III).
Em seguida, segue análise completa do que foi adotado pelo
relator e os devidos complementos, lembrando que:
“O caminho da liberdade não é a violência nem a prepotência,
mas a justiça e a democracia.” (J. Kennedy)
Brasília, 08 de março de 2007
Dep. Federal Carlos Sampaio
PSDB-São Paulo:
Vejamos o substitutivo feito pelo professor Thales Tácito em parceria
com o deputado Carlos Sampaio:
Projeto de Lei no...../07 (Substitutivo do Relator Carlos
Sampaio)
Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 1940 – Código Penal, e a Lei
no 8.069, de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, e
dá outras providências
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1o O art. 288 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de
1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 288. (...)
Parágrafo único. A pena aplica-se em dobro se a quadrilha ou
bando é armado ou envolve a participação de menor.
Nota: art. 1o do PLC 57/2007 (Dep. Onyx Lorenzoni)
Art. 2o Os arts 2o, parágrafo único, 16, 105, 108, 112, § 3o, 121,
122, 123, 125 e 185 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 –
Estatuto da Criança e do Adolescente, passam a vigorar com
as seguintes alterações:
Art. 2o (...)
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se,
excepcionalmente, esta lei às pessoas entre dezoito e vinte
e um anos, podendo a medida socioeducativa de internação
estender-se até vinte e cinco anos.
377
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Nota: artigo adotado do PLC 2.847/2000 (Dep. Darcísio
Perondi), com substitutivo do prazo de 25 anos por este
relator, específica, porém, para internação (e não para as
demais);
Art. 16. (...)
Parágrafo único. A autoridade judicial poderá determinar,
ouvido o Ministério Público, o recolhimento, aos abrigos,
de menores que estejam em desamparo, pelas ruas, e em
condições desfavoráveis de sobrevivência.
Nota: o art. 1o do PLC 3.362/2000 (Dep. Euncio Oliveira) foi
adotado na íntegra por este relator, uma vez que separa MEP
(Medida Específica de Proteção – abrigo – sem finalidade
privativa de liberdade) de MSE (Medida Socioeducativa
com fim privativo de liberdade). Ademais, na visão do atual
Estatuto, o recolhimento de menores pela Prefeitura e seus
órgãos é crime de cárcere privado, impedindo-a de retirar de
grandes centros crianças exploradas pelos pais para pedirem
esmolas, brincarem com fogo e outros instrumentos em sinais
de trânsito etc. Com esta previsão, a liberdade delas estará
limitada por sua própria proteção, podendo o juiz determinar,
com a anuência do MP, o recolhimento a abrigos e retirada
de crianças e adolescentes pela Prefeitura e seus órgãos de
assistência social, além do próprio Conselho Tutelar.
Art. 105. Ao desvio de conduta praticado por criança
corresponderão as medidas previstas no art. 101.
Nota: acréscimo feito neste artigo por este relator, uma
vez que criança não pratica ato infracional e sim desvio
de conduta (doutrina do Prof. Thales Tácito Cerqueira).
Somente adolescente pratica ato infracional, corrigindo erro
de redação do art. 105 do ECA.
Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser
determinada pelo prazo máximo de 81 dias, quando a
liberação será compulsória, salvo excesso justificado
por diligência requerida pela defesa ou término da
Audiência de Continuação (instrução) ou outro motivo
fundamentado pelo Juiz competente.
378
Nota: acréscimo feito neste artigo por este relator, permitindo
a internação provisória por prazo jurisprudencial e da lei do
crime organizado, qual seja, 81 dias, podendo o excesso ser
justificado com base na Súmula no 52 do STJ e jurisprudência
moderna.
Material Complementar da Obra
Art. 112. (...)
§ 3o Os adolescentes portadores de doença ou deficiência
mental receberão tratamento individual e especializado, em
local adequado às suas condições.
§ 4o Em qualquer fase do cumprimento da medida,
evidenciando o estado mental patológico do adolescente, que
possa colocar em risco a sua própria incolumidade física ou
a de outros, poderá o juiz decretar o seu recolhimento em
hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou na sua
falta em outro estabelecimento dotado de características
hospitalares, se essa providência for indispensável para fins
de tratamento curativo.
§ 5o A internação referida no parágrafo anterior poderá ser
substituída por tratamento ambulatorial pelo prazo mínimo
de um ano e máximo de três anos.
Nota: parágrafos quarto e quinto extraídos do PLC
3.700/2000, Dep. Ronaldo Vasconcellos, originados do art.
121, parágrafo oitavo e novo deste projeto.
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade,
sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,
que visa conciliar os objetivos educativos e de reintegração
sociofamiliar do adolescente infrator com a preservação da
paz social e a garantia da ordem pública.
Nota: adoção do PLC 3.700/2000 (Dep. Ronaldo Vasconcellos).
§ 2o A medida será sempre fixada com prazo determinado,
devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão
fundamentada, no máximo a cada seis meses.
Nota: acréscimo feito neste parágrafo por este relator,
aproveitando parte inicial do PLC..../2003 (Dep. Vicente
Cascione) consagrando a fixação de prazo de internação ao
adolescente, que ainda terá reavaliação de 6 em 6 meses. Com
isto, na doutrina de Thales Tácito e Alexandre de Moraes, os
“adolescentes, sabendo de seu tempo de internação, terão
menos propensão a motim ou rebelião, uma vez que com
prazo fixado, cada qual saberá o tempo que irá sair do Centro
de Reeducação”. Ademais, mesmo fixando prazo máximo,
qual seja, 5 anos, será ainda revista de 6 em 6 meses.
§ 3o A medida de internação será pelo prazo máximo de três
anos, salvo nas hipóteses do inciso I do art. 122, quando
poderá estender-se até cinco anos, vedada a prorrogação.
379
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Nota: parágrafo retirado do PLC 114/2007 (Dep. Alberto
Fraga) e do PLC 2.847/2000 (Dep. Darcísio Perondi).
§ 5o A liberação será compulsória aos vinte e cinco anos de
idade.
Nota: acréscimo feito neste parágrafo por este relator ao PLC
6.923/2002, do Deputado Pompeo de Mattos, cujo limite foi
24 anos.
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada
quando:
I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave
ameaça ou violência a pessoa, tráfico ilícito de entorpecentes
ou drogas afins, mediante a participação de quadrilha ou
bando ou em atividades do crime organizado.
Nota: (a) acréscimo de tráfico ilícito de entorpecentes ou
drogas afins do PLC 2.847/2000 (Dep. Darcísio Perondi);
(b) acréscimo de “participação de quadrilha ou bando ou em
atividades do crime organizado” do PLC 57/2007 (Dep. Onyx
Lorenzoni).
II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida
anteriormente imposta.
§ 1o O prazo de internação na hipótese do inciso I será de 5
anos; do inciso II de 3 anos e, por fim, do inciso III deste art.
não poderá ser superior a doze meses.
§ 2o Em nenhuma hipótese será aplicada a internação,
havendo outra medida adequada.
§ 3o Completando 18 anos de idade, não sendo o caso de
MSE de internação, o juiz poderá, ouvido o Ministério
Público, decretar a perda do objeto da Infância e Juventude,
extinguindo o feito, quando o mesmo tiver praticado crime
ou contravenção penal.
§ 4o Os atos infracionais prescrevem, nos termos da legislação
penal, com redução daqueles prazos pela metade.
Nota: os prazos dos incisos I e II foram adotados do PLC
2.847/2000 (Dep. Darcísio Perondi); o prazo do inciso III foi
adotado do PLC 1092007 (Dep. Solange Amaral).
O parágrafo segundo foi mantido
excepcionalidade da internação).
380
(princípio
da
O parágrafo terceiro foi inovado por este relator, pois na
prática forense quando o adolescente completa a maioridade
Material Complementar da Obra
penal e pratica crime ou contravenção, muitos Promotores
pedem a perda do objeto e extinção do feito, se não couber
internação no ECA, uma vez que frustrou a pedagogia da
Infância, já que o mesmo responderá na Justiça Comum. Com
isto, ajudamos o Judiciário a dar prioridade a quem pode
recuperar-se na própria Infância, já que de qualquer forma
teria que cumprir primeiro a sanção mais grave e somente
depois o ECA.
O parágrafo quarto foi inovado por este relator, pois termina
com a discussão se cabe ou não prescrição no ECA, sendo
agora consagrada e aplicada na forma da legislação penal, ou
seja, pena máxima com a tabela do art. 109, porém, aplicando
o art. 115 já que a própria lei menciona que deve ser reduzida
pela metade, consagrando assim o princípio da segurança
jurídica.
Art. 123. (...)
§ 1o Durante o período de internação, inclusive provisória,
serão obrigatórias atividades pedagógicas e esportivas.
Nota: parágrafo extraído do PLC 3.700/2000, Dep. Ronaldo
Vasconcellos, acrescentando atividade esportiva, salutar
para amenizar fugas, rebeliões e autodisciplina ao infrator.
§ 2o Em casos excepcionais, sempre mediante decisão judicial,
a internação poderá ser cumprida em estabelecimento penal,
desde que o adolescente seja maior de 18 anos e que cumpra
a internação separadamente dos condenados maiores que se
encontrem recolhidos no estabelecimento penal que lhe for
designado, assegurados os direitos previstos no art. 124.
Nota: artigo extraído dos arts. 1o e 2o do PLC 852/2003 (Dep.
Luiz Antônio Fleury), com acréscimo do relator “assegurados
os direitos previstos no art. 124”.
Art. 125. A política de atendimento ao adolescente infrator,
privado de liberdade, far-se-á através de um conjunto
articulado de ações governamentais e não governamentais,
cabendo à União, Estados, Distrito Federal e Municípios zelar
pela integridade física e mental dos internos e adotar as
medidas adequadas de contenção e segurança.
Nota: artigo extraído do PLC 3.700/2000, Dep. Ronaldo
Vasconcellos.
Art. 185. A internação decretada ou mantida pela autoridade
judiciária não poderá ser cumprida em estabelecimento
prisional, a não ser em caso de decisão judicial fundamentada,
381
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
nas hipóteses de rebelião, possibilidade de fuga, pela natureza
das infrações praticadas pelo adolescente infrator maior de
18 e menor de 25 anos ou caso este pertença a organização
criminosa.
Nota: artigo extraído dos arts. 1o e 2o do PLC 852/2003 (Dep.
Luiz Antônio Fleury), apenas elevando de 21 para 25 anos
a idade prevista, face à adoção desta idade por este relator
para liberação obrigatória.
Art. 3o Esta lei entra em vigor 1 ano após sua publicação.
Esperando, com a presente reforma do ECA, ter apresentado
a meus pares uma alternativa concreta para este tormentoso
tema, com auxílio do Professor Thales Tácito Pontes Luz de
Pádua Cerqueira, aguardo sua aprovação nesta Casa.
Por fim, em homenagem à criança João Hélio, dedico este espaço à
Carta Aberta, discurso do Senador Pedro Simon, que resumiu o espírito de
indignação diante da impotência Estatal:
DISCURSO – Carta aberta para Rosa Cristina
Discurso do Senador Pedro Simon
Plenário do Senado – Brasília, 13/02/2007
Carta aberta à mãe do menino João Hélio, 6 anos, morto de
forma cruel por assaltantes no Rio de Janeiro, dia 07/02/2007.
Mãe,
Conheço o tamanho da tua dor, que é a mesma do Élson e
da Aline. Para mim, é, também, uma dor vivida. A perda de
um filho é, sem dúvida, o maior de todos os sofrimentos. Por
que tamanha provação? Versões contemporâneas de Abraão?
“Tome seu filho, o seu único filho Isaac, a quem você ama,
vá à terra de Moriá e ofereça-o, aí, em holocausto, sobre
uma montanha que eu vou lhe mostrar”. Por que, então, o
anjo de Javé não te ajudou a desatar aquela simples fivela,
de um cinto dito de segurança, que permitiria devolver aos
teus braços de mãe, o pequeno João Hélio, o Isaac dos nossos
tempos, para que ele permanecesse entre nós, dividindo e
multiplicando sua alegria de vida? “Meu Deus, meu Deus, por
que me abandonastes?”
É nestes momentos que nos sentimos ínfimos, diante dos
desígnios do Criador. Pior: é, também, nestes mesmos
382
Material Complementar da Obra
momentos que sabemos o quanto a humanidade se distanciou
da Sua obra. Disseste, “eles não têm coração”. Eles têm! É que
nós utilizamos os dons que nos são ungidos e criamos, como
novos deuses, a inteligência artificial, enquanto desdenhamos
os sentimentos mais sublimes e naturais, aqueles que brotam,
somente a semente, em corações fertilizados pelo amor e
pela fraternidade. Ao contrário, permitimos que florescesse,
em muitos corações, nas favelas e nos palácios, a barbárie. No
Rio de Janeiro, em São Paulo, em Brasília, em Washington ou
em Bagdá. É a humanidade, enquanto gênero humano, que
se distancia dos seus próprios conceitos de benevolência, de
clemência e de compaixão.
Que tuas lágrimas não se percam, apenas, nos índices de
audiência e nos discursos de conveniência. Ao contrário, que
elas mobilizem corações e mentes para a reconstrução dos
valores que perdemos nessa travessia terrena. Em outros
tempos, não tão distantes, os valores morais e culturais se
construíam sobre o tripé família, escola e igreja. Hoje, a família
foi dilacerada. A escola, sucateada. A igreja, excomungada. No
lugar, um novo, e perverso, tripé: a droga, a rua e a arma. A
droga, como estímulo. A rua, como palco. A arma, como poder.
Ainda naqueles outros tempos, as famílias se reuniam para
contar, e para trocar, suas histórias de vida. Era um grande
círculo de amizade e fraternidade. Família, escola e igreja,
ao mesmo tempo e no mesmo espaço. Respeito, aprendizado
e bênção. Pais heróis. Hoje, o círculo familiar deu lugar a um
semicírculo vicioso. No centro, a TV, e os novos heróis são
aqueles que mais atiram, que mais batem, que mais matam. É
a arte imitando a vida. Ou incentivando a morte. Ou vice-versa.
Vim, vi e envelheci. Mas, por mais que possam tentar tripudiar
o meu discurso e a minha prática, porque, dizem, obsoletos,
não mudei. Continuo vivendo os valores que herdei. Da
família, da escola e da igreja. Para mim, não há diferença,
na dor, entre o favelado que puxa o gatilho nas esquinas e o
dirigente que manda despejar mísseis sobre cidades inteiras.
Quantas serão as mães de Bagdá, que choram a morte de seus
pequenos inocentes, meninos da guerra, trucidados em nome
do poder e da ganância. Pior: “em nome de Deus”. São, todos,
bárbaros, cruéis, desumanos.
É essa a minha luta: resgatar o verdadeiro sentido de
humanidade. Que os homens retomem o projeto do Criador.
Onde reina a barbárie, de nada vão adiantar novas leis que
383
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
não se cumprem; novas punições, que servirão, tão somente,
para alimentar a impunidade. Há que se ressuscitar as letras
mortas. E, isso se faz, somente, com o grito estridente das ruas.
Como bem disseste, o teu filho não pode ser mais um número
nas estatísticas da violência. Como em outros casos tão
recentes, temo que a tua imolação seja esquecida, quando a
comoção dobrar a esquina. Talvez, a mesma esquina em que
foste abordada, tão covardemente. Mas, a tua dor, não. Nunca
mais. A dor por um filho é eterna. Ela nos acompanha, até que
o encontremos, de novo, em outra dimensão. Por isso, as tuas
lágrimas têm que irrigar a indignação, que hoje toma conta de
estádios, de ruas e de lares. Das famílias, das escolas e das igrejas.
Quem sabe o sacrifício do teu filho signifique o renascimento do
tripé que suporta outros valores, que não a barbárie.
Somos parceiros, nessa dor. Em tempo: quando conversares
com o João Hélio, nos teus sonhos de mãe, diga-lhe que um
menino alegre, feliz, bonito e inteligente como ele irá procurálo, entre todos os anjos. Diga-lhe que eles têm muito em comum
na inocência de criança. Ele partiu há alguns anos, mas, nas
minhas mais belas lembranças, continua o mesmo guri que
me encantava a alma. Também partiu precoce, como todas as
vítimas de algum tipo de violência. Diga-lhe que esse guri se
chama Matheus. Eu já conversei com ele, nos meus sonhos de pai.
Um abraço fraterno,
Senador Pedro Simon.
384
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 23 – Amor Tem Preço?
ABANDONO AFETIVO E INDENIZAÇÃO
Numa decisão inédita, o STJ julgou, no dia 29 de novembro de 2005,
uma ação de indenização conhecida como abandono afetivo.
O tema foi inédito no tribunal e discutiu a possibilidade de um pai pagar
indenização ao filho pelo abandono afetivo.
Neste polêmico tema (REsp 757411), discutiu-se em um recurso
especial se o papel dos pais se limita ao dever de sustento, se basta prover
materialmente o filho, ou se a subsistência emocional também é uma
obrigação legal dos pais, se a ausência de afeto dos pais para com os filhos
pode ser motivo de indenização por dano moral.
A discussão começou na Justiça mineira. O direito à indenização foi
estabelecido na 7a Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais,
onde o juiz relator Unias Silva reconheceu o dano moral e psíquico
causado ao filho pelo abandono do pai. Em primeiro grau, o pedido havia
sido julgado improcedente, entendendo o juiz não haver a comprovação
do dano ao filho, hoje maior de idade. Neste ano, os ministros da Quarta
Turma deferiram pedido do pai para que a questão fosse remetida ao STJ.
Os ministros do STJ deveriam, assim, analisar os argumentos da defesa
do pai do rapaz de que a indenização tem caráter abusivo, já que a guarda do
filho ficou com a mãe após a separação e que, em razão de suas atividades
profissionais, inclusive no exterior, “chega-se às raias da loucura exigir
que uma pessoa tenha o dom da ubiquidade, para estar em dois lugares ao
mesmo tempo”.
E o STJ decidiu:
Não cabe indenização por dano moral decorrente de abandono afetivo. A
conclusão, por quatro votos a um, é da Quarta Turma do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), que deu provimento a recurso especial de um pai de Belo
Horizonte para modificar a decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais
que havia reconhecido a responsabilidade civil no caso e condenado o pai a
ressarcir financeiramente o filho num valor de 200 salários mínimos.
Consta do processo que o filho mantinha contato com o pai até os
seis anos de maneira regular. Após o nascimento de sua irmã, fruto de
novo relacionamento, teria havido um afastamento definitivo do pai. Na
ação de indenização por abandono afetivo proposta contra o pai, o filho
afirmou que, apesar de sempre receber pensão alimentícia (20% dos
rendimentos líquidos do pai), tentou várias vezes uma aproximação com
385
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
o pai, pretendendo apenas amor e reconhecimento como filho. Segundo a
defesa, recebeu apenas “abandono, rejeição e frieza”, inclusive em datas
importantes, como aniversários, formatura no ensino médio e por ocasião
da aprovação no vestibular.
Em primeira instância, a ação do filho contra o pai foi julgada
improcedente, tendo o juiz considerado que não houve comprovação
dos danos supostamente causados ao filho, hoje maior de idade. Após
examinar a apelação, a 7a Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas
Gerais, no entanto, reconheceu o direito à indenização por dano moral e
psíquico causado pelo abandono do pai. “A responsabilidade (pelo filho)
não se pauta tão somente no dever de alimentar, mas se insere no dever
de possibilitar desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio
da dignidade da pessoa humana”. A indenização foi fixada em 200 salários
mínimos (hoje, em torno de R$ 100 mil), atualizados monetariamente.
No recurso para o STJ, o advogado do pai afirmou que a indenização
tem caráter abusivo, sendo também uma tentativa de “monetarização do
amor”. Alegou que a ação de indenização é fruto de inconformismo da mãe,
ao tomar conhecimento de uma ação revisional de alimentos, na qual o pai
pretendia reduzir o valor. A defesa afirmou que, a despeito da maioridade
do filho, o pai continua a pagar pensão até hoje. Em seu parecer, o Ministério
Público opinou pelo provimento do recurso do pai. “Não cabe ao Judiciário
condenar alguém ao pagamento de indenização por desamor”, afirmou.
Por maioria, a Quarta Turma deu provimento ao recurso do pai,
considerando que a lei apenas prevê, como punição, a perda do poder
familiar, antigo pátrio poder. “A determinação da perda do poder familiar,
a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função
punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos
indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta
do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que
defendem a indenização por dano moral”, observou o Ministro Fernando
Gonçalves, ao votar.
O Ministro considerou ainda outro ponto. “O pai, após condenado
a indenizar o filho por não lhe ter atendido às necessidades de afeto,
encontrará ambiente para reconstruir o relacionamento ou, ao contrário,
se verá definitivamente afastado daquele pela barreira erguida durante o
processo litigioso”, questionou.
Ao ser provido o recurso, foi considerado ainda que, por maior que
seja o sofrimento do filho, a dor do afastamento, o Direito de Família tem
princípios próprios, que não podem ser contaminados por outros, com
386
Material Complementar da Obra
significações de ordem material, patrimonial. “O que se questiona aqui é
a ausência de amor”, afirmou o Ministro Jorge Scartezzini. “Na verdade, a
ação poderia também ser do pai, constrangido pela acusação de abandono
(...) É uma busca de dinheiro indevida”, acrescentou.
Único a votar pelo não conhecimento do recurso, o Ministro Barros
Monteiro considerou que a destituição do pátrio poder não interfere na
indenização. “Ao lado de assistência econômica, o genitor tem o dever de
assistir moral e afetivamente o filho”, afirmou. Segundo Barros Monteiro,
o pai estaria desobrigado da indenização, apenas se comprovasse a
ocorrência de motivo maior para o abandono.
Por quatro votos a um, a decisão afastou a indenização a ser paga pelo
pai, determinada pelo tribunal mineiro. “Inexistindo a possibilidade de
reparação a que alude o art. 159 do Código Civil de 1916, não há como
reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização”, reiterou
o relator. “Diante do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento
para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono moral”,
concluiu o Ministro Fernando Gonçalves.
Fonte: STJ
NOTA
A “novela da vida real” ainda continuou com novos capítulos, ou seja:
“STF vai decidir se caso de filho que processa pai por
abandono afetivo tem implicações constitucionais.
A discussão sobre a possibilidade de um filho cobrar
reparação por dano moral do pai – por ter sido abandonado
afetivamente – chega à Corte Constitucional do país. O STJ
encaminhou ao Supremo os autos do recurso especial em
que um estudante mineiro pleiteia indenização do pai, que
não o teria amparado emocionalmente durante sua infância
e juventude.
No final de 2005, a 4a Turma do STJ reformou decisão da
Justiça de Minas Gerais que havia reconhecido o direito do
jovem a receber ressarcimento financeiro do pai no valor de
200 salários mínimos.
A defesa do jovem quer que a questão seja reavaliada, agora
sob o enfoque constitucional. Ela alega ofensa ao direito
de receber indenização por danos morais e ao princípio da
dignidade da pessoa humana.
387
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A admissão do recurso extraordinário, dirigido ao STF, passa
sempre pela presidência do STJ, cujo vice-presidente, Ministro
Francisco Peçanha Martins, não admitiu a ida do recurso
em questão à Corte Constitucional porque, no seu entender,
ao decidir a matéria em debate, a 4a Turma embasou-se
unicamente na interpretação de normas infraconstitucionais,
bem como no entendimento firmado no próprio STJ. Assim,
não se poderia falar em ofensa direta à Constituição, o que
inviabiliza o recurso ao STF.
Desta decisão, a defesa do jovem interpôs agravo de
instrumento, um recurso que irá submeter a admissão do
recurso extraordinário diretamente ao próprio STF” (Ag no
RE no 22.99532).
(Disponível em: www.espacovital.com.br, 10 out. 2007).
E você leitor? Abandono afetivo gera indenização? Amor tem preço?
Evidente que amor não tem preço, mas sim a ilicitude causada pelo
sofrimento. Do contrário, não poderia haver danos morais para a família
por homicídio etc., eis que vida não tem preço também.
Na “guarda compartilhada” o abandono afetivo gera indenização
visível. Mas nem por isto, na guarda exclusiva, impede sua apreciação,
excluindo-a somente em motivos justificados, como ressaltou o culto
Ministro Barros Monteiro.
O STJ quase avançou em tema importante, eis que o desafeto, abandono
psíquico ou afetivo são vetores que influenciam negativamente a vida de
uma criança, lembrando que “é mais fácil construir crianças fortes do que
consertar adultos quebrados” (Elizeia Rodrigues de Souza, 13 anos).
32 Para conferir a decisão do STF, acesse www.stf.gov.br e clique em processos e em 22.925 para ter
acesso.
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Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 24 – Amor tem cor?
(ADOÇÃO INTER-RACIAL E A LEI N O 12.010/2009)
1. VISÃO GERAL
Como vimos, a adoção é um ato de amor, cuja característica primordial é
a escolha de uma criança ou adolescente (ou mesmo adulto) vindo de outra
realidade, totalmente desconhecida.
Segundo monografia defendida por minha esposa, Camila Medeiros de
Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira, em trabalho de conclusão do
curso (TCC), em conjunto com este autor, lecionamos que:
A diversidade não pode ser negada, mas deve ser reconhecida,
não vivida como um elemento de discriminação, mas como
estímulo a considerar a criança como digna e semelhante a
todas as crianças. É exatamente a aceitação dessa diferença
que permitirá aos pais levar em consideração a sua história
anterior. E aqui se justifica a escolha do Capítulo, porque
podemos sustentar que “amor não tem cor”.
A adoção de raças diferentes é a mais autêntica, porque não
se encobre de mentiras ou dramas dos adotantes de contar
ou não a verdade ao adotado. Assim, pressupõe a verdade
e como bíblico, “conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará”. Desde cedo a criança saberá que é diferente dos
pais e como tal estará em constante diálogo com estes para
entender o motivo nobre de tamanho amor, sem qualquer
tipo de diferença de cor.
A adoção, por se tratar de matéria de cunho pessoal,
em detrimento da escolha que se pode ter dos menores,
adolescentes ou maiores a serem adotados, retrata uma
certa desigualdade àqueles que têm a possibilidade de
serem adotados. Deste modo, como a primeira grande
guerra fez suscitar a adoção internacional alguns fatores
da modernidade fazem suscitar a adoção inter-racial, sejam
eles questões sociais, mídia, e/ou até mesmo a inteligência
humana diante da situação do mundo globalizado atual.
Partindo do pressuposto do racismo, da necessidade de
analisar cotas ou outros instrumentos de igualdade de
tratamento, chegaremos a conclusão que a adoção neste tema
abordado somente deixará de ser “tabu” quando os negros
forem tratados sem discriminação. Enquanto existirem as
diferenças, o preconceito cegará a oportunidade de uma
389
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
família feliz e com amor recíproco dentro de uma mesma raça
humana.
Isto sem descuidar das dificuldades de adoção inter-racial
no país, em que pese tantas crianças necessitando de auxílio,
carinho, moradia, saúde, um lar, uma família.
Traço marcante da adoção inter-racial é o aspecto enfocado do ponto de
vista psicológico, qual seja, da rejeição ou da “roda dos enjeitados”.
Assim, segundo o psicólogo Mário Lázaro de Carvalho, mestre em
psicologia pela Unesp, em seu texto “A adoção tardia no Brasil: desafios
e perspectivas para o cuidado com crianças e adolescentes”,33 é: desde
o período do Brasil Colônia que conhecemos as primeiras legislações
relacionadas ao cuidado com as crianças e adolescentes, como podemos
ver em Ferreira e Carvalho (2002, p. 138):
[...] a primeira medida oficial sobre cuidados à infância carente
no Brasil data de 1553, quando o Rei D. João II determinou
que as crianças órfãs tivessem alimentação garantida pelos
administradores da colônia. [...]
Com a criação das Santas Casas de Misericórdia, o Brasil
Colônia importa um outro costume de Portugal: a roda dos
expostos, ou roda dos enjeitados. Consistia de uma porta
giratória, acoplada ao muro da instituição, com uma
gaveta onde as crianças enjeitadas eram depositadas
em sigilo, ficando as mães no anonimato. Geralmente, o
motivo de tal gesto era uma gravidez indesejada, mas a
pobreza também podia levar as mães a se desfazerem do
filho desta forma.
As rodas foram instituídas para evitar a prática do aborto e
do infanticídio e também para tornar um pouco menos cruel
o próprio abandono. Antes delas, os recém-nascidos eram
deixados em portas de igrejas ou na frente de casas abastadas
e muitas acabaram morrendo antes de serem encontradas.
Somente na década de 30 é que começaram a funcionar os
conhecidos e ainda sobreviventes internatos, orfanatos, lares,
casas transitórias etc., legalizados a partir do primeiro Código
de Menores, de 1927, e que cumprem com a dupla tarefa de,
por meio da reclusão, proteger as crianças e adolescentes
das hostilidades e riscos presentes na sociedade, ao passo
que protegiam também essa mesma sociedade da incômoda
convivência com a figura do menor abandonado.
33 In: www. proceedings.scielo.br/php
390
Material Complementar da Obra
Com a inauguração dos orfanatos, por volta de 1950 as rodas
dos enjeitados foram extintas, mas devido aos incontáveis
casos de maus tratos denunciados pela sociedade civil, o
Estado inaugura, sob a égide de um novo paradigma de cuidado
com a infância, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
(Funabem) e, em diversos estados do território nacional, a
Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM).
Também na década de 50 é promulgada a Carta dos
Direitos Universais da Criança e do Adolescente, pela ONU
– Organização das Nações Unidas, e, como afirma Ferreira
e Carvalho (2002), seus princípios contagiam e inspiram os
constituintes de 1988, que após significativas alterações na
Constituição Federal, possibilitam a formulação do ECA –
Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. Esta lei, de
número 8.069/90, traz um significativo avanço na concepção
de assistência à infância brasileira e, de modo especial, em
relação à adoção, tornando-se um importante marco na
história e na cultura da adoção do Brasil, representando a
transição entre o período da chamada “adoção clássica”, cujo
objetivo maior fixava-se na satisfação das necessidades dos
casais impossibilitados de gerar filhos biologicamente, para
a chamada “adoção moderna”, que privilegia a criança no
sentido de garantir-lhe o direito de crescer e ser educada no
seio de uma família (WEBER, 2001).
Este modelo de adoção clássica é o que ainda se vê atuante
na cultura da adoção do Brasil. Os motivos que levam casais a
adotar, na maioria das vezes, estão vinculados à sua satisfação
e não à satisfação da criança prioritariamente, ou seja, nesses
casos não são as crianças que precisam de uma família, mas
são famílias que precisam de uma criança.
Adotam crianças casais que, como já mencionamos, não
podem gerar seus próprios filhos por motivos de infertilidade
ou esterilidade (Ladvocat, 2002); famílias que perderam um
filho e buscam através da adoção preencher o espaço vazio
que a perda fez existir; casais que construíram, durante boa
parte de sua vida em comum, um conjunto de bens que ficará
sem quem dele desfrute ou continue após sua morte, portanto,
por razões de sobrevivência e continuidade patrimonial;
casais que projetam na existência de um filho (biológico
ou adotivo) o motivo de manutenção da união conjugal, a
resolução de conflitos e a realização do projeto de vida a dois
(casar e ter filhos); homens e mulheres solteiros que buscam
391
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
realizar a experiência da paternidade e da maternidade;
homens e mulheres viúvos que não tiveram filhos a tempo e
querem evitar a solidão; casais que desejam poder escolher
o sexo do bebê etc. Em casos como estes a criança é a solução
para os problemas, anseios e expectativas dos adotantes. O
ECA vem dar a este paradigma um novo formato, invertendo
radicalmente os polos desta configuração, tirando a criança
da periferia da família adotante e colocando-a no centro.
Contudo, e paradoxalmente, a lei que dá direito à criança e ao
adolescente não lhes garante um lar, uma família. A adoção
não é, e jamais poderá ser, obrigatória.
Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira
destaca aspecto relevante neste mister:
A adoção no Brasil tornou-se uma questão muito preocupante
quando se trata dos perfis que adotantes desejam em relação
às crianças ou adolescentes adotados. De acordo com as
pesquisas realizadas verificou-se que, infelizmente, nosso
país possui inúmeras crianças/adolescentes internados em
instituições, também chamados de abrigos, sem a menor
condição de serem adotados, pelos seguintes motivos:
a) mesmo “abandonadas” os pais biológicos das crianças/
adolescentes ainda possuem o poder familiar;
b) preconceito dos brasileiros em adotar somente crianças
com idade superior a 4 anos, pardas e/ou negras, o que
reforça que a adoção inter-racial é o ato de mais límpido
amor, cujos personagens são “natas da sociedade”.
Nota-se, contudo, que os brasileiros têm certas preferências
em relação aos filhos que pretendem adotar. A escolha pelos
bebês brancos, saudáveis é claramente percebida, ao mesmo
tempo a não aceitação no lar de crianças/adolescentes negras
e com idade superior à 4 anos também é enorme.
Desta forma, novamente parece que os casais procuram adotar
crianças com características parecidas com as suas, tentando
desta forma imitar uma família biológica e deixar a adoção
“menos evidente”, como argumenta Costa (1988, p.280):
“se a criança adotada for do biótipo parecido com o dos pais a
situação não será conflitante, mas se o seu biótipo apresentar
características que representam uma classe, como cor,
cabelos demasiadamente encaracolados, se apresentará um
problema que será referente ao preconceito.”
392
Material Complementar da Obra
Mediante tal estipulação dos perfis das crianças adotadas,
pode-se perceber que hoje, não mais existe a chamada “Família
Substituta”, os adotantes não mais pretendem adotar por um
Ato de Amor, mas sim, para suprir a necessidade de realmente
ter uma família, com filhos aparentemente semelhantes. O que
se tem deixado de lado é que todas as crianças/adolescentes
sejam elas negras, pardas, brancas, possuem um sentimento
e também desejam uma família que as possibilite amor,
carinho, atenção, educação, independentemente da cor que
possui sua pele.
Assim, mesmo havendo receios com relação à adoção de
crianças negras, sejam eles referentes a sequelas psicológicas,
oriundas da família de origem ou pela dificuldade de
adaptação à nova família, os atuais habilitados devem deixar
de ter a necessidade de “imitar uma família biológica” e
deixar que a adoção seja vista como um ato único e evidente
repleto de sentimento.
O estudo abaixo mostra o perfil dos filhos adotivos e o
desejo dos pais que adotam, de acordo com a professora da
Universidade do Paraná, Lídia Weber, grande pesquisadora
sobre adoção no país.
Sobre o estudo, ainda relata a professora Lídia:
Com relação à cor de pele das crianças adotadas, podese observar que, infelizmente e surpreendentemente,
aproximadamente 50% dos processos de adoção dos
brasileiros e 27% dos estrangeiros não constava o dado
referente à cor da pele da criança adotada.
Se for levado em conta somente o número conhecido, ou seja,
somente os processos onde havia esta informação, verifica-se
que 67% dos brasileiros adotaram uma criança branca, 30%
uma criança parda e 2% uma criança oriental. É interessante
ressaltar que mesmo os dois casais que desejavam adotar
uma criança negra, acabaram por adotar uma criança parda!
Na pesquisa de Weber & Cornélio (1995A) com pais adotivos
brasileiros, aproximadamente 66% adotaram crianças brancas
e aproximadamente 30% adotaram crianças pardas. Dos
estrangeiros da presente pesquisa, 44% adotaram uma criança
branca, 44% uma criança parda e 12% uma criança negra.
Todos os estrangeiros que adotaram crianças pardas e negras
eram brancos, enquanto apenas 27% dos brasileiros que
adotaram crianças pardas eram brancos, sendo os outros da
393
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
mesma cor da criança (dados coletados a partir do número
conhecido de crianças pela cor da pele). Estes dados vêm
mostrar que a viabilidade das adoções inter-raciais é mais
frequente entre os adotantes estrangeiros do que entre os
brasileiros, pois os brasileiros tinham uma maior exigência
em relação a bebês brancos. Costa (1988, p.270) em seu
trabalho com a “Adoção em Camadas Médias Brasileiras”
constatou que as mediadoras (especialmente em adoções
“à brasileira”) procuram obter o maior número de dados do
tipo físico das famílias biológicas e das postulantes à adoção
para que a “parecença” futura seja garantida (...) no sentido
de evitar a manifestação futura de características físicas ou
hereditárias temidas, ou meramente indesejadas, como o
problema da cor”. Desta forma o fato de que os adotantes
brasileiros procurem e adotem em maior número crianças
brancas é vista por Costa como uma maneira de refazer o
biológico através da semelhança física do filho idealizado
como um reflexo especular de si próprio e de manter o
segredo da adoção.
Sobre os sentimentos das crianças, alguns relatos da web34 foram
extraídos da excelente monografia de Camila Medeiros de Albuquerque,
multicitada nesta obra, sendo que os nomes são pseudônimos para
preservar crianças e adolescentes:
Chitão, 12 anos
Minha mãe verdadeira não me criou, mas me colocou no
mundo. Sou triste com isso. Todo mundo com mãe e eu
sem mãe. Lógico que eu sou triste. Minha mãe veio aqui no
orfanato só uma vez quando eu era pequeno. Eu queria ter um
pai e uma mãe para ter uma família, como é o nome? unida.
Meu sonho é só esse, é ter uma família. Família é para brincar,
aprender, para tudo. Eu não choro, se eu soubesse antes que
eu não tenho nenhuma família, chorava, né. Fui sabendo só
quando eu cresci. Fui acostumando aqui, agora como eu vou
chorar, né? Adotar é pegar um menino. Por exemplo, você
é uma mãe e quer adotar um filho, aí você vem aqui, pega
um menino, vai no Juizado, assina tudo pega todas as coisas
dele, a identidade, a certidão, aí você vai ser a segunda ou a
terceira mãe dele. Isso é bom. Pelo menos tem alguém por
perto, uma mãe, sem ser essas mães daqui que são mães
de apartamento.
34 In: www.fnpi.org/premio/2003.
394
Material Complementar da Obra
Manuela, 9 anos
Ele ficou bolindo comigo, fazendo ousadia. Era um amigo
da minha mãe. Ele ficou namorando comigo. Ficou mexendo
no meu negócio de fazer xixi. Eu tinha seis anos. Ele ficou
colocando o negócio dele no meu negócio. Doeu, saiu sangue.
Aí eu dei um grito bem altão, bem altão, ele falou para eu
calar a boca. Aí eu gritei, gritei. Ele boliu de novo. Eu caí e
falei: mamãe, mamãe, ele tá me pegando. Depois minha mãe
morreu e eu vim para o orfanato. Meu pai também morreu.
Meu pai morreu de câncer e minha mãe de derrame. Morreu
minha avó, minha tia, meu avô, minha irmã, minha tia, meu
pai e minha mãe. Morreu sete. Minha mãe tava morrendo em
casa. Eu fiquei chorando. Quando a pessoa morre vai para o
enterro. Tem que comprar caixão, pegar flor e botar. Aí bota a
pessoa dentro do caixão e joga um bocado de areia em cima.
Depois que a pessoa é enterrada vai para debaixo da terra.
A alma vai para o céu. A alma é o que tá dentro de nós. Se
alguém me adotar, vai conhecer a minha alma. Quem
mora no orfanato fica sem alma, aqui a gente só tem
corpo, parece morto.
A maioria das crianças que passa pela experiência de abandono e que
é recolhida em uma instituição apresenta um sentimento negativo em
relação aos seus pais biológicos, são pessimistas e têm dificuldades em
planejar e refletir sobre seu futuro.
Estudo a respeito da adoção inter-racial foi publicado na Revista
FlashNews, “Adotar é preciso”, edição 189, pp. 54/57, de abril de 2007, que
relatava as seguintes estatísticas:
a) 80 mil crianças vivem em abrigos no país e só 10% delas
podem ser adotadas por não ter vínculo familiar.
b) 39,47% das notícias publicadas em 54 jornais do país
sobre adoção, em 2005, discutiram soluções para o problema.
Os serviços de comunicação nacional e/ou mundial são de extrema
importância para a divulgação de dados e estudo sobre a situação das
crianças/adolescentes abrigados com perspectivas de obter uma família,
seja ela qual for, em um futuro próximo.
Na época, o PL 6.222/2005 estava sendo discutido, acabando por
transformar-se na Lei no 12.010/2009. Na época, comentamos:
Por este motivo e em virtude do incentivo à adoção no país de
qualquer criança, independente de idade, cor, nacionalidade,
visando à diminuição do número de abrigados, é que a
395
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Comissão especial criada na Câmara para apreciar a proposta
de Lei de Adoção (PL no 6.222/2005) aprovou o parecer final
da matéria. O texto que altera artigos do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) referentes ao tema está pronto para
ser votado.
O Projeto de Lei propõe solucionar o problema das crianças
em abrigos, antecipando sua adoção, ou seja, após dois anos
de internamento as mesmas são colocadas para adoção.
Também refere sobre a possibilidade da adoção de crianças
por homossexuais, bem como torna mais rígidas as regras de
adoção internacional.
Outro aspecto importante refere-se ao número de abrigos
mantidos pelo governo federal (870) que acolhem 24 mil
crianças, destas, 87% não estão disponíveis para a adoção por
possuir família, mas são impedidas de morar com as mesmas
por motivos como pobreza, maus-tratos, abandono etc.
(Pesquisa de acordo com o Instituto de Pesquisas Aplicadas –
IPEA); apenas 10% são órfãos e podem ser adotados.
O Projeto de Lei no 6.222/05 visa corrigir essa distorção,
aumentando o número de crianças disponíveis. Pelo PL,
no tempo em que ela estiver internada, sua situação será
semestralmente avaliada por uma equipe psicossocial para
conhecimento do juiz competente, e nenhuma internação
passará de dois anos. Após esse período, ela será inscrita no
cadastro de adoção.
Magistrados criticam a proposta, argumentando que ela é
contrária à Constituição e ao ECA, que garantem o direito
de a criança permanecer com a família original e colocam a
adoção como última alternativa para assegurar o direito à
convivência familiar. A associação Brasileira de Magistrados
e Promotores de Justiça da Infância e Juventude (ABMP)
aprovou moção contrária ao PL.
E a Lei no 12.010/2009 consagrou exatamente isto: a convivência
familiar, como objetivo central e somente na sua impossibilidade, a
colocação em família substituta.
Assim, o drama central da vida da criança/adolescente, principalmente
aquelas que são institucionalizadas, é a aceitação de sua situação.
Posteriormente, surge a convivência com a sociedade, culturas e situações
que as deixam sempre em situação inferior às demais crianças que as
cercam. Criam, assim, raízes profundas do “complexo de inferioridade”, e
quanto mais tempo ficam abrigadas, mais difícil será sua aceitação plena,
396
Material Complementar da Obra
acreditando que “a sociedade não é para elas, e sim para os ricos”, conforme
lições de Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira.
Assim, o fato de não possuir uma família natural nem mesmo uma família
substituta desnorteia a criança/adolescente, tirando sua identidade,
criada a partir das diferenciações progressivas que surgem com o decorrer
do tempo entre as crianças/adolescentes e o círculo de relações em que se
encontram.
Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira
destaca que:
apesar de a adoção existir na humanidade, desde os tempos
mais remotos, parece ser um tema mais ligado à emoção do que
à razão, típico do Direito de Família. Tal fato é ainda verificado
com mais ênfase quando se trata de adoção entre raças, onde
a aparência física diversa sempre será percebida claramente,
verificando-se que aquele ato de amor, surgiu da emoção
de seres que estão e são preocupados com o futuro alheio,
almejando uma sociedade unida pelo amor e menos hipócrita.
Destarte, em uma sociedade onde prevalece o medo, o
preconceito, de adultos sobre crianças/adolescentes
inocentes, resta a nós questionar qual cultura desejamos.
Que mitos e medos possuem as famílias brasileiras? O que
impede ou dificulta a adoção inter-racial no país?
O que se deve levar em consideração é o desejo dessas
crianças em, simplesmente, terem uma família, uma vez
que elas são menos exigentes que seus futuros pais quando
procuram adotá-las.
É importantíssimo possibilitar que estas crianças sejam,
o mais rápido possível, recebidas em famílias substitutas,
isto é, que se faça a adoção, para garantir que recebam o
amor, a atenção, o carinho que todo ser vivo necessita para
desenvolver de forma plena sua criatividade, sua capacidade
de dar e receber amor, enfim, de ter um futuro normal.
O maior desafio enfrentado pelas instituições que trabalham
com o tema no Brasil é estimular a adoção de crianças com
mais de dois anos de idade e de raça diferente da dos pais
adotivos. Ainda hoje, apesar de ter aumentado o interesse
por crianças mais velhas e negras, a grande maioria dos
interessados é formada por casais que pretendem ter um
bebê de cor branca.
397
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
O resultado desta preferência é perverso: o número de pais
pretendentes à adoção de recém-nascidos de cor branca é
maior do que o número de crianças disponíveis, enquanto,
por outro lado, todos os outros tipos de adoção (inter-racial,
monoparental, portadores de HIV ou de necessidades especiais
e mais velhas) encontram-se em considerável déficit, pois, uma
vez adotadas crianças de cor ou raça diferente, surge o medo
do “preconceito dos outros”. Assim, preocupados com o fator
sociedade – razão – os pretendentes se esquecem da emoção,
ficando desestimulados à efetuar a adoção inter-racial.
A adoção é uma experiência muito mais tranquila e gratificante
do que se imagina para pais e filhos. Alguns fatores ajudam
ou atrapalham o relacionamento entre pais e filhos adotivos.
Os casos mais bem-sucedidos ocorreram em famílias cujos
pais tomaram a iniciativa de contar aos filhos que eram
adotivos sem nunca tentar esconder deles essa circunstância.
A sinceridade e a confiança é essencial nos relacionamentos
humanos, inclusive entre pais e filhos. Tentar esconder uma
informação tão importante, quando descoberta através de
terceiros ou de forma brusca, numa discussão por exemplo,
sempre traz traumas e transtornos.
Assim, ressalto que o sentimento da criança deve prevalecer
sobre todos os outros requisitos pertinentes à adoção, pois é
um ato de responsabilidade, de cuidado. Trata-se de um ato
de carinho, amor e não uma obrigação que deve ser cumprida
para suprir algo ou alguém que não se tem a presença. O
ambiente familiar dos futuros pais e adotados deve ser
pautado pela convivência harmoniosa e mais íntima, visando
os devidos cuidados e suprir reais necessidades.
Por que não poderia um negro adotar um branco? Por que não
poderia um branco adotar um negro? Por que não poderia um
negro adotar um índio? A resposta pode se dar de várias maneiras.
Seria preconceito, regras de sociedade ou falta de amor?
Devemos entender que família é a base da sociedade,
independente de sua composição racial. Tem esta o dever
de assegurar à criança e ao adolescente, com prioridade, o
direito à vida, saúde, à alimentação, à educação e sobretudo
o direito ao lar.
398
Certo que as diferentes culturas integradas devem ser
respeitadas uma a uma, sem discriminação das diferentes
culturas e histórias. Assim a família inter-racial caminhará
unida, somando histórias e vivências especiais.
Material Complementar da Obra
No mesmo sentido, temos trechos da autora Annamaria Dell’ Antonio35
em seu texto “Algumas reflexões sobre a adoção inter-racial”:
Aqueles que acolhem uma criança de raça diversa precisam
ajudá-la a integrar tudo aquilo que ela recebeu, e desenvolveu,
em sua história precedente, com aquilo que recebe e
desenvolve em sua nova experiência. Além disso, a criança
precisará também viver positivamente aquela origem que se
manifesta nas suas características somáticas, e em particular,
na cor da sua pele.
Uma condição fundamental para que essas crianças se
desenvolvam de modo adequado é o reconhecimento positivo,
pelos pais, da sua diferença. Diversidade não negada, mas
reconhecida, não vivida como um elemento de discriminação,
mas como estímulo a considerar a criança como digna e
semelhante a todas as crianças. É exatamente a aceitação
dessa diferença que permitirá aos pais levar em consideração
a sua história anterior, e estabelecer, com o seu filho, um
relacionamento que facilitará o seu desenvolvimento, num
contexto cultural e diverso daquele de origem.
Nas famílias que realizaram adoções inter-raciais, podem
existir “silêncios” que funcionam como mensagens de
sentimentos de inadequação, pelo fato da criança pertencer a
uma raça diversa, sentida como “inferior”.
Por exemplo, o silêncio da criança que não comunica
aos pais as brincadeiras dos colegas, relacionadas à sua
diferença racial, brincadeiras que condicionam ansiedades,
comportamentos inadequados, ou desejos irrealistas, de
mudança de nome ou de cor da pele.
Mas existem também silêncios induzidos e sustentados pelos
próprios pais adotivos, que pedem uma rápida adaptação
da criança de cor aos hábitos e às normas da nova cultura,
e criticam os comportamentos típicos de seu grupo de sua
origem, muitas vezes comportamentos de defesa frente ao
novo grupo. Essas manifestações desaprovadas dos pais
confirmam, para a criança, a inferioridade da sua experiência
anterior, dos primeiros elementos de identificação, a
inferioridade da arca à qual ela pertence, e da cultura que a
caracteriza.
35 Trechos extraídos de Bambini di colore in affido e in adozione, Annamaria Dell’Antonio. Milano: Rafaello Cortina Editore, 1994.
399
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
1.1. Lista de espera na adoção: solução ou problema?
Diante das exposições acima, a denominada lista de espera passa a ter
relevância, uma vez que evitaria a escolha entre adotantes de crianças e
adolescentes em detrimento de outras. Assim, a lista não pode servir para
rejeitar crianças negras, sob pena de cancelamento do casal da lista (cf.
art. 197-E, § 2o do ECA36, trazido pela Lei no 12.010/2009).
2. A DISCRIMINAÇÃO RACIAL SUBLIMINAR BRASILEIRA
O preconceito sobre adoção inter-racial, em verdade, é fruto da própria
discriminação brasileira, velada e subliminar.
Por isso, necessário conhecer a “raiz” do problema nacional e estatísticas
do negro no contexto. Os números dos excluídos no Brasil em 2001:
a) 40 milhões de analfabetos funcionais (sabem ler, mas não conseguem
entender, por exemplo, o cartão de vacina dos filhos, ou seja,
muitos estudaram pelo menos quatro anos, porém não atendem
às exigências do mundo moderno; às vezes, tarefas simples como
tomar ônibus, fazer compras no supermercado, assinar cheques
e documentos, preencher formulários e fichas de inscrição são
verdadeiras barreiras);
b) 8,5 milhões de jovens entre 7 e 18 anos estão fora da escola;
c) menos de 30% das crianças de 0 a 3 anos são atendidas em creches;
d) menos de 50% das crianças de 4 a 6 anos frequentam a pré-escola;
e) 70% dos matriculados na educação infantil e no ensino superior
estão na rede privada;
f ) apenas 7,5% da população têm acesso ao ensino superior, e somente
3,5% a 4% terminam o curso;
g) cerca de 97% da população juvenil negra está em escolas públicas
menos aparelhadas; destes, apenas 3% chegarão ao ensino superior,
e de 1% a 1,5% terminarão o curso;
h) com remuneração média de R$ 409,00 mensais, o salário dos
professores brasileiros é o quarto pior do mundo, segundo a Unesco;
i) o investimento na educação fundamental caiu de 5% para 2,2% do
PIB, desde 1998;
j) todo cidadão tem direito à educação (CF/88), porém, em 2001, os
atendimentos públicos nas esferas federal, estadual e municipal
36 “A recusa sistemática na adoção das crianças ou adolescentes indicados importará na reavaliação da
habilitação concedida”.
400
Material Complementar da Obra
contabilizaram apenas três milhões de pessoas matriculadas nas oito
séries do ensino fundamental, segundo Leôncio Soares, Professor da
Faculdade de Educação da UFMG;
k) no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Carta de 1988, o Governo Federal prometeu erradicar o analfabetismo
em dez anos, mas, em 1996, quando faltavam apenas dois anos para
expirar o prazo, o dispositivo foi suprimido do texto constitucional;
l) por região, tendo como fonte a Pnad/99 (Pesquisa Nacional por
Amostragem de Domicílio), o Brasil tem como analfabetos absolutos:
– Nordeste: 1/4 da população, ou seja, 26,6%;
– Minas: 12,2%;
– Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG): 6,6%;
– São Paulo: 5,8%;
– Porto Alegre: 3,8%;
m) por região, tendo como fonte a Pnad/99, contam-se como analfabetos
funcionais:
– Brasil: 29,4%;
– Nordeste: 46%;
– Minas: 29,4%;
– Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG): 17,6%;
– São Paulo: 19,3%;
– Distrito Federal: 14,9%.
Visando equilibrar o aprendizado, Bourdieu propôs a “pedagogia
racional”, sistema de ensino que oferece aos filhos das classes dominadas
um ambiente cultural na escola semelhante àquele em que crianças e
adolescentes de condição socioeconômica abastada desfrutam junto de
suas famílias.
Nada obstante, o ensino continua elitista, conforme demonstram os
dados estatísticos apontados.
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a pretexto de melhorar
o ensino, decidiu que não mais tem cabimento a reprovação nas escolas
públicas. Tal medida, no entanto, veio corroborar a tese de que as pessoas
com educação deficiente, no futuro, serão comandadas por indivíduos
oriundos de classe social mais abastada e, portanto, mais bem preparados
cultural e intelectualmente.
401
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Transportando essa discussão para o tema objeto deste trabalho,
tem-se que a maioria das pessoas negras e pardas não são devidamente
preparadas para exercer o comando, por falta de uma estrutura mínima
na área da educação que lhes assegure igualdade de oportunidades com
aquelas pertencentes à classe dominante.
Para mudar essa realidade, é preciso que os currículos dos cursos de
primeiro e de segundo graus ofereçam matéria sobre a cultura negra,
visando criar uma consciência social acerca de homens valorosos, aviltados
em sua dignidade pela condição de escravos a que foram submetidos
quando aportaram em terras brasileiras, trazidos da África pelos
portugueses. E que, embora libertos por ato da Princesa Isabel, até hoje
enfrentam dificuldades para estudar e ingressar no mercado de trabalho
devido a arraigados preconceitos ainda vigentes.
A permanente escravidão, a que podemos chamar de “escravidão lícita”,
pode ser constatada nos dados extraídos do brilhante artigo da lavra do
Ministro Marco Aurélio de Mello, à época Presidente do Supremo Tribunal
Federal:
a) segundo estatística do IBGE, publicada na revista Isto É,
de 10/10/02, a população brasileira é formada por 24% de
analfabetos, dos quais 80% são negros;
b) o Dieese apontou que, em São Paulo, 22% da população
negra é desempregada, contra 16% de brancos;
c) o salário médio da mulher negra é de R$ 399,00,
enquanto a branca recebe R$ 750,00; o homem negro
percebe remuneração em torno de R$ 601,00, e o branco, de
R$ 1.100,00;
d) na publicação Mulheres Negras – Um Retrato da
Discriminação Racial no Brasil, dados do Ministério da
Educação demonstram que 80% dos universitários formandos
são brancos, e somente 2% são negros;
e) expectativa de vida: negros, 64 anos; brancos, 70 anos;
f ) na prática, diante de currículos idênticos, a preferência é
pelo branco; e tal ocorre também com a locação;
g) nos shopping centers é raro deparar com negros
proprietários ou gerentes de restaurantes e lojas, ou mesmo
atuando como vendedores; em geral, exercem o ofício de
manobrista, leão de chácara, ascensorista, porteiro etc.
Os negros também encontram obstáculos para o exercício de cargo
público ou mandato eleitoral, devido às dificuldades que enfrentam desde
402
Material Complementar da Obra
o nascimento para desenvolver-se no campo do saber, o que tem reflexos
em sua vida socioeconômica. Há exceções, como a ex-Governadora do Rio
de Janeiro e ex-Ministra da Pasta do Desenvolvimento Social, Benedita
da Silva, que foi indicada pelo PT nacional para coordenar a campanha à
reeleição do Presidente Lula no âmbito regional (RJ). Cumpre registrar que
o Presidente Lula sancionou a Lei no 10.639/03, que tornou obrigatório o
ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas.
Na obra Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade. O
Direito como Instrumento de Transformação Social. A Experiência dos EUA,
publicada pela Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2001, o então procurador
federal do RJ e professor da UERJ, Joaquim Benedito Barbosa Gomes, atual
Ministro do STF, indicado pelo presidente Lula em situação inédita no País,
aponta resultados positivos para o sistema de cotas ou mesmo de políticas
em favor das minorias, pois “até o início dos anos 60, os negros eram
proibidos de frequentar as mesmas escolas, os mesmos bares, os mesmos
espaços públicos dos brancos. Não havia negros em posições de prestígio.
“Hoje eles estão em todos lugares”, disse em entrevistas, ressaltando que
tais políticas, entretanto, não eliminaram a discriminação racial.
Para a compreensão do tema, importa trazer à baila dois aspectos que
se complementam: o pedagógico e o jurídico.
Iniciemos pelo ponto de vista pedagógico. A década de 60 se constituiu
em marco na história da educação, devido aos movimentos sociais que,
caracterizados por revoluções ideológicas, ganharam força diante do
avanço do regime ditatorial imposto pelo Governo Militar, com o objetivo
de suprimir a liberdade de expressão e os direitos individuais.
Neste cenário, personalidades de renome se destacaram, dentre elas
Paulo Freire, que, em forte oposição à “ditadura do ensino”, criou um
sistema educacional a que denominou de “Pedagogia do Oprimido”.
Desse fato resultou a criação de um novo currículo escolar, compatível
com a conjuntura daquele momento da vida nacional. Com efeito, o ensino
tradicional atinha-se à grade curricular, sem qualquer preocupação com o
acesso das camadas mais pobres da população à educação.
Influenciada pela revolução sociocultural, a educação desenvolveuse em oposição ao modelo impositivo de Estado, caracterizado pela
supremacia do poder econômico, que se expandia à medida que se aliava
às forças conservadoras da sociedade.
Vale ressaltar que, na fase que antecedeu os movimentos sociais, o
modelo educacional vigente confundia-se com o capitalismo selvagem. O
403
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
ensino, orientado por um currículo preestabelecido e, portanto, com poucas
oportunidades de mudança, era “padronizado”, o que propiciava uma certa
conformação social. Isto porque as escolas preparavam os cidadãos “sem
voz” para obedecer ordens, oferecendo-lhes uma educação “robotizada”,
que os impedia de crescer intelectualmente e, também, do ponto de
vista econômico. Em contrapartida, os abastados (classe dominante)
desfrutavam de um aprendizado cuja finalidade era prepará-los para a
sucessão dos pioneiros do poder, “coincidentemente” seus ascendentes ou
pessoas que comungavam o mesmo pensamento ideológico.
Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron, sociólogos franceses,
opuseram-se ao “currículo capitalista”, ao qual classificaram de “metáfora
econômica”, sob o argumento de que a classe dominante era consequência
do capitalismo, e não causa.
De acordo com os estudiosos das relações sociais, a cultura dominante é
que determina “os valores, os hábitos e costumes, modos de se comportar
e agir” da classe dominada, que, ao incorporar vantagens materiais
e imateriais, passa a dominar, donde o capitalismo do qual resulta a
dominação de classes. Essa tese contrariou a pregação da Escola Marxista,
segundo a qual o capitalismo, por si só, gera a dominação de classes.
Ademais, assinalam Bourdieu e Passeron que, no capitalismo cultural,
verifica-se exclusão social decorrente de um “código de cultura”, que é
facilmente assimilável pelas crianças da classe dominante, ao contrário
daquelas pertencentes às classes oprimidas, que, por carecerem de
conhecimento que lhes possibilite decifrar a linguagem ali contida, estão
fadadas ao insucesso. Como corolário, o acesso ao ensino superior fica
restrito aos mais aquinhoados financeiramente, criando-se um ciclo de
reprodução cultural.
Em recente pesquisa do DataFolha, publicada no dia 23 de julho de
2006 na Folha de S. Paulo, 65% dos entrevistados são favoráveis a que 20%
das vagas nas universidades sejam reservadas para negros e descendentes,
como prevê o Estatuto da Igualdade Racial que tramita no Congresso
Nacional. A aprovação é maior entre as pessoas com escolaridade
fundamental (71%) e entre os que ganham até dois salários mínimos
(70%), diminuindo à medida que crescem a instrução e a renda. Revelação
importante da pesquisa é que além de aprovar cotas para negros, a maioria
dos entrevistados (87%) defende a medida para pessoas pobres e de baixa
renda, seja qual for a raça.
Sobre ações afirmativas, destacamos que nos EUA, atualmente, uma das
mais importantes políticas de inclusão, denominada “ações afirmativas”
404
Material Complementar da Obra
– reserva de vagas para negros, índios, asiáticos e hispânicos nas
universidades – sofre severas críticas. Na opinião de Bush, expressa em
pronunciamento feito na Casa Branca, “os benefícios baseados no critério
racial são injustos e desrespeitam a Constituição americana”.
Porém, como veremos, o critério escolhido, qual seja, unicamente cor
da pele (cotas raciais), levou ao que costumo denominar em aulas de um
verdadeiro “apartheid jurídico”, estimulando a discriminação ao reverso.
Historicamente, cumpre lembrar que em 1935, na cidade de Charlottesville,
Virgínia/EUA, Alice Jackson Stuart tomou uma atitude sem precedentes até
aquela época: “embora negra”, solicitou ingresso na histórica Universidade
da Virgínia, fundada por Thomas Jefferson. A direção recusou o pedido,
por escrito, apresentando como justificativa as leis vigentes no Estado e,
também, “outros motivos válidos e suficientes, que não é preciso enumerar
aqui”. Alice enviou outra carta à escola, solicitando que os outros motivos
fossem detalhados, mas nunca recebeu resposta. Na ocasião, Alice foi
manchete nos jornais e contribuiu seriamente para a promulgação de uma lei
de bolsas para estudantes negros frequentarem escolas profissionalizantes
fora do sistema estatal. Quinze anos mais tarde, a Universidade da Virgínia
abria as portas aos negros. Os seus ensaios, cartas e discursos – além das
correspondências com a universidade – foram todos doados, pelo seu filho,
Julian Houston (juiz do Tribunal Superior de Massachussets) à instituição que
recusou sua mãe na época, pois, segundo ele, essa sua atitude de “doar seus
documentos à universidade que lhe negou acesso representou uma justiça
poética para sua mãe”. Assim, em 1950, a proibição para alunos negros foi
declarada inconstitucional, sendo que neste mesmo ano a Universidade da
Virgínia admitiu seu primeiro estudante negro. Quarenta anos mais tarde,
Alice falou em um banquete de entrega de prêmios para estudantes negros
na Universidade que lhe havia negado o direito de estudar, dizendo em seu
discurso, publicamente, que “o convite a enchera de alegria e recordações”.
Cumpre ainda registrar que o termo “ação afirmativa” foi introduzido
pelo ex-presidente John Kennedy (1961-1963). Ele exigiu que os órgãos
públicos contratassem funcionários sem distinção racial ou étnica. Seu
objetivo era amenizar os graves conflitos causados pela segregação racial.
Em 1964, foi assinada a primeira lei dos direitos civis, que proíbe a
discriminação. Um ano depois, o presidente Lyndon Johnson (1963-1969)
sancionou o Ato Executivo no 11.246, que determinava às empresas que
tinham negócios com o governo que aumentassem o número de empregados
integrantes de minorias.
405
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
O Presidente Richard Nixon (1969-1974) reforçou a adoção de políticas
de inclusão.
Assim, nos EUA, a ação afirmativa tem sido aplicada, principalmente,
em licitações públicas, na seleção de servidores e na garantia de vagas nas
Universidades.
Em 1978, no famoso caso Bakke, a Suprema Corte Norte-Americana
definiu o parâmetro usado até hoje neste tipo de disputa legal. Allan Bakke,
um branco que, em 1973, havia sido rejeitado no curso de Medicina da
Universidade da Califórnia, processou a instituição. Bakke provou que tinha
qualificação melhor que os aceitos e que perdera o lugar porque 16 das
100 vagas estavam destinadas a negros e hispânicos. Ele ganhou o direito
de entrar no curso, e as cotas foram declaradas ilegais. Mas a Suprema
Corte dos EUA fez uma ressalva essencial: decidiu que a raça poderia
ser o critério preponderante na escolha de estudantes. Atualmente
isto foi revisto nos EUA, substituindo raça por fator econômico, evitando
“discriminação ao reverso”.
Portanto, necessário conhecer da discriminação para combater a causa.
Cumpre registrar que se um casal branco adota um negro, no Brasil,
isto é visto como um ato louvável, por “tirar um negro da marginalidade”,
enquanto se a adoção é de um casal negro com uma filha branca, a reação
é de pena ou compaixão da criança, o que mostra que a discriminação
encontra-se “dos dois lados da moeda”, seja por negação ou afirmação.
Qual a grande dificuldade com que se depara o sistema educacional
vigente?
O psicanalista Renato Mezan, cuja obra Pensador da Cultura é referência
internacional, em entrevista à Revista Veja, já citado, explica o porquê da
resistência em se implementar uma educação disciplinadora no Brasil:
(...).
Pais que, em crianças, foram educados de forma muito rígida,
passam para o extremo oposto com os próprios filhos – a
tolerância total. O resultado é a delinquência, porque uma
criança precisa de um quadro de referência no qual haja muito
amor, mas também mostre claramente o que é permitido
e o que é proibido. (...) No Brasil, acho até que existe um
componente cultural nessa questão da falta de autoridade.
(...).
406
Pelo fato de nossa formação social ter sido tão autoritária,
penso que um elemento contemporâneo brasileiro é
justamente a contestação de qualquer autoridade. Estamos
nos transformando num povo de litigantes. Raramente há
Material Complementar da Obra
uma lei que não seja contestada por alguém, mesmo que ela
tenha sido produzida legitimamente e seja uma boa lei, no
sentido de beneficiar um grande número de pessoas. Um
resultado disto é a ‘indústria de liminares’.
(...).
Características culturais “não são problemas insolúveis...
Nelson Rodrigues falava na tendência ciclotímica do
brasileiro, e acho que muitas vezes somos mesmo assim – ou
nos glorificamos demais ou caímos no ‘complexo de viralatas’. Quando a crítica serve de estímulo para continuar na
boa direção, ótimo. Mas se serve como forma de apequenar
aquilo que se conseguiu, acho lamentável”.
Esse limite compreende não só o aspecto disciplinar, mas
também a tolerância no que toca às diferenças de classe sociais.
Lado outro, no aspecto jurídico da discriminação, ensina o Ministro
Marco Aurélio de Mello que a igualdade de raças está expressamente
prevista no preâmbulo da Constituição Federal e em seus arts. 1o, 3o, 5o,
XLI e XLII.
Já a legislação especial tipifica o crime de injúria por instrumento de
raça (CP, art. 140, § 3o), define aqueles resultantes de discriminação ou
preconceito (Lei no 7.716/89) e inclui, entre as contravenções penais, a
prática de atos que resultem de preconceito racial e de cor (Lei no 7.437/85,
que deu nova redação à Lei no 1.390/51 – Lei Afonso Arinos), ou seja, que
importam a segregação de direitos, como impedir a pessoa de cor negra de
entrar no elevador social, frequentar igreja, clube etc.
O nobre Ministro ressalta no artigo citado, verbis:
Não basta não discriminar. É preciso viabilizar...
Há de ter-se como página virada o sistema simplesmente
principiológico...
Não se pode falar em Constituição Federal sem levar em conta,
acima de tudo, a igualdade. Precisamos saldar essa dívida, ter
presente o dever cívico de buscar o tratamento igualitário...
Cidadania não combina com desigualdade. República não
combina com preconceito. Democracia não combina com
discriminação. E, no entanto, no Brasil que se diz querer
republicano e democrático, o cidadão ainda é uma elite, pela
multiplicidade de preconceitos que subsistem, mesmo sob
o manto fácil do silêncio branco com os negros, da palavra
gentil com as mulheres, da esmola superior com os pobres,
da frase lida para os analfabetos...
407
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A correção das desigualdades é possível.
O que propõe Sua Excelência? Evidentemente, o fim da
desigualdade social, colocando-se em prática aquilo que está
no papel.
Com efeito, “tratar desigualmente aos desiguais, na medida
de suas desigualdades”, expressão criada por Rui Barbosa, é
a proposta contida no princípio constitucional da igualdade,
de observância cogente. Logo, é preciso restabelecer o
equilíbrio no tocante à desigualdade racial. Entretanto,
conforme leciona Celso Antônio Bandeira (Conteúdo jurídico
do princípio da igualdade, 3. ed., São Paulo: Malheiros, 1995),
“não se pode desequilibrar a balança dos justos”.
O brilhante político e jurisconsulto Rui Barbosa, no discurso escrito
para os formandos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (SP),
em 1920, intitulado Oração aos Moços, afirmou:
(...) A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar
desigualmente aos desiguais, na medida em que se
desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à
desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da
igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da
loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com
igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.
Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal
da Criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do
que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se
equivalessem.
Essa blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e
a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em
nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão
inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização
da miséria...
Esse é o profundo quadro da discriminação brasileira.
Lembro-me, em memória mais recente, do amigo e colega de Ministério
Público mineiro, Dr. Expedito Lucas da Silva, irmão de fé, que, para ser
Promotor de Justiça, aos 41 anos, teve que fazer supletivo, ser arrimo de
família, filho de pai ausente e de mãe lavadeira, negro e pobre. Conseguiu
ser policial rodoviário federal, e ao dizer para o colega da polícia,
também negro, que queria ser promotor de justiça das Alterosas, ouviu
um disparate: “Isso não é cargo de negro”. Percebe-se, assim, o racismo
na própria classe, algo que deve ser considerado por negros contrários às
408
Material Complementar da Obra
cotas. Dr. Expedito aposentou-se no Ministério Público das Gerais como um
dos mais destacados promotores do Tribunal do Júri, e hoje realiza os Júris
e inúmeras causas cíveis e criminais na condição de advogado, brilhando
em novas perspectivas.
Recordo-me, ainda, do passado remoto, em trechos azuis de minha
mocidade, que, em Bauru/SP, minha cidade natal, a declaração de um
médico, amigo de nossa família, pneumologista, é suficiente para mostrar a
força do racismo: “sou o único médico negro da cidade (leia-se, cidade com
400.000 habitantes)”, afirmou o estimado amigo Arnaldo Themistocles de
Sant’Anna, 73 anos, cujo filho e querido amigo “Arnaldinho” estudou comigo
em escolas particulares pelo sacrifício do Dr. Sant’Anna. Segundo o nosso
amigo, Dr. Sant’Anna, em confissões para meu pai, também médico, “o sonho
de virar médico não foi tarefa fácil, pois para estudar precisava trabalhar”.
Na sua juventude enfrentou a rotina de achar vagas de trabalho, ter o
currículo selecionado e ser dispensado ao se apresentar. Isso em Salvador,
Bahia, cidade onde nasceu e onde a maior parte da população é negra. O
Dr. Sant’Anna é formado pela Escola Bahiana de Medicina, tendo decidido
ser médico ainda na infância porque era asmático e passava por muitos
consultórios. Sua mãe o aconselhava: “Escolhe outro ofício filho, vai ser
alfaiate”, mas ele insistiu. Na sua vida profissional dois fatos me marcaram,
em reminiscências de Bauru/SP: o primeiro, foi a revolta de uma secretária
do Dr. Sant’Anna, que viu pacientes cancelarem consultas ao descobrir que
o renomado médico pneumologista era negro; o segundo foram racistas
que pintaram com spray, no muro da residência do Dr. Sant’Anna, os
seguintes dizeres: “Aqui mora um negro”. Em seguida, vizinhos revoltados,
e, de certa forma, racistas em menor grau, escreveram embaixo: “Negro,
mas médico”. E houve ainda, dias depois, os seguintes dizeres dos racistas
alhures mencionados: “Médico, mas negro”. Isto marcou decisivamente
minha infância, da qual me lembro comovido e choro na alma por tamanha
crueldade contra uma das pessoas mais espetaculares com quem convivi,
ainda mais com seu filho, meu amigo de colegial.
Isto somente reforçou o que o próprio Dr. Sant’Anna dizia em seu
realismo consolador: “a condição econômica facilita a aceitação pela
sociedade”, lembrando de uma história de seus primeiros anos de Bauru/
SP, quando foi barrado na porta de um clube tradicional da cidade, mas
ouviu um pedido de desculpa quando o porteiro ficou sabendo que ele era
médico. Pois é, o preconceito econômico, sem dúvida, supera o racial.
Dr. Sant’Anna é a favor das cotas por dois argumentos irrebatíveis: o
primeiro, porque a experiência mostra que somente pode ser contra “quem
409
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
não é negro e por isto nunca sentiu as dificuldades”, desabafa; o segundo,
“porque os brancos só prosperaram por causa dos escravos, e, portanto,
chegou a hora de retribuir a dívida histórica do País”.
3. AMOR TEM COR
3.1. STF e a unicidade da raça humana
Um importante aspecto a ser observado reside no conceito de raça, para
fins de racismo, objetivando provar que somos uma única raça e, portanto,
ao discriminar a adoção de um negro, o branco está desconsiderando a si
próprio.
O STF confirmou, em setembro de 2003, por 8 votos a 3, a condenação,
pelo crime da prática de racismo, de Siegfried Ellwanger. Este vinha, no
correr dos anos, dedicando-se de maneira sistemática e deliberada a
publicar livros notoriamente antissemitas, como o Protocolos dos sábios
de Sião, e a denegar o fato histórico do Holocausto, como autor do livro
Holocausto – judeu ou alemão? Nos bastidores da mentira do século.
O caso Ellwanger é um marco na jurisprudência dos direitos humanos,
cuja prevalência na Constituição de 1988 é uma das notas identificadoras
do Estado Democrático de Direito.
O primeiro grande tema discutido pelo STF neste caso foi a análise da
questão: antissemitismo é racismo? A questão foi suscitada no habeas
corpus impetrado perante o STF em favor de Ellwanger.
Com o objetivo de afastar a imprescritibilidade da pena a que fora
condenado, arguiu-se que o crime praticado não era o do racismo, porque
os judeus não são uma raça.
Com efeito, os judeus não são uma raça. Mas não são igualmente
uma raça os brancos, os negros, os mulatos, os índios, os ciganos, os
árabes e nenhum outro integrante da espécie humana. Nas palavras
da ementa do acórdão, do qual foi relator o Ministro Maurício Corrêa, cuja
lúcida atuação neste caso foi decisiva:
Com a definição e o mapeamento do genoma humano,
cientificamente não existem distinções entre os homens, seja
pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos
ou por quaisquer outras características físicas, visto que
todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças
biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos
iguais. Todos os seres humanos, no entanto, podem ser
410
Material Complementar da Obra
vítimas da prática do racismo. Daí o alcance geral da decisão
do STF, explicitada na ementa do acórdão:
“A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo
de conteúdo meramente político-social. Deste pressuposto
origina-se o racismo, que, por sua vez, gera a discriminação e
o preconceito segregacionista”.
Disso deflui a orientação fixada pelo STF no caso concreto: antissemitismo
é racismo, e Ellwanger está sujeito às sanções penais contempladas pelo
Direito brasileiro, pois:
“a edição e publicação de obras escritas veiculando ideias
antissemitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à
concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras
e subversoras de fatos históricos incontroversos como o
Holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade
e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao
discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas
consequências históricas dos atos em que se baseiam”.
O Acórdão também esclarece que a ausência de prescrição justificase como alerta geral para as gerações de hoje e de amanhã, para que se
impeça a reinstauração de conceitos que a consciência jurídica e histórica
não mais admitem (...).
O professor e jurista Valerio Mazzuolli, na época, comentou sobre
a decisão do STF com muita propriedade:
Em 17 de setembro de 2003 o Supremo Tribunal Federal
brasileiro, por maioria de votos, indeferiu o Habeas Corpus
impetrado por Siegfried Ellwanger, que havia sido condenado
pela justiça gaúcha pela prática do crime de “racismo”
praticado contra os judeus.
O julgamento deste Habeas Corpus (no 82424-RS) foi talvez um
dos mais emblemáticos, dentre todos aqueles já julgados pelo
STF, desde a promulgação da Constituição brasileira de 1988.
Ellwanger é um editor e autor de Porto Alegre (RS), que publica
livros de cunho claramente nazista e antissemita. Pela sua
conduta foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul pela prática do crime de racismo que, nos termos
da Constituição brasileira, é imprescritível e inafiançável.
Um pedido de Habeas Corpus em seu benefício foi
apresentado ao Superior Tribunal de Justiça, tendo sido
o benefício negado por este tribunal. Eis que, então,
novo pedido de Habeas Corpus é impetrado, mas dessa
411
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
vez ao Supremo Tribunal Federal, sob o argumento de
que o impetrante não poderia ser condenado por crime
de racismo, uma vez que os judeus não são uma “raça”, a
exemplo do que seriam os negros etc.
É evidente que o conceito de “raça” deve ser analisado de
acordo com o seu conteúdo jurídico, sob pena de esvaziar-se
o conteúdo constitucional da prática do racismo.
O núcleo mínimo conceitual da prática do racismo encontrase na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação Racial, de 1965, elaborada
sob os auspícios da Organização das Nações Unidas. Esta
Convenção, no seu art. 1o, estabelece que discriminação
racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou
preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem
nacional ou étnica. No seu art. 4o, a Convenção considera que
está no âmbito do direito penal e na estrutura da prática do
racismo, a difusão de ideias baseadas na superioridade ou
ódios raciais, que é exatamente o caso do crime praticado por
Ellwanger.
O direito constitucional brasileiro manda incorporar
automaticamente ao ordenamento jurídico interno todos os
preceitos contidos nos tratados internacionais de proteção
dos direitos humanos ratificados pelo Brasil, atribuindo-lhes
o status de normas constitucionais, como se depreende da
interpretação do art. 5o, §§ 1o e 2o da Constituição brasileira
de 1988.37
Portanto, andou bem o STF no que indeferiu o HC impetrado
pelo patrono de Ellwanger. Se o sofisma relativo ao conceito
de “raça” viesse a ser apoiado pelo STF, como se manifestou
o Min. Maurício Corrêa, isso causaria um impacto bastante
negativo, de alcance geral, contrário ao respeito aos direitos
humanos previstos pela Constituição brasileira.
De fato os judeus não são uma raça, assim como também não
são uma raça os brancos, os negros, os mulatos, os índios,
os ciganos, os árabes e quaisquer outros integrantes da
espécie humana. Também não são raça os grupos religiosos,
como os católicos, os protestantes, os muçulmanos e outros
integrantes desta ou daquela crença.
37 Sobre o assunto, vide MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os Tratados
Internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do Tratado na ordem jurídica brasileira. São Paulo:
Editora Juarez de Oliveira, 2002, cap. VII.
412
Material Complementar da Obra
Por oito votos a três, os ministros do STF concluíram que
quem propaga ideias discriminatórias contra judeus comete o
crime de racismo. Segundo o presidente do STF, Min. Maurício
Corrêa, desde a promulgação da Constituição de 1988, este
foi “o caso mais emblemático, no contexto dos direitos civis”.
O ex-presidente do STF, Min. Marco Aurélio Mello, votou pela
concessão do Habeas Corpus, por entender que Ellwanger
não praticou o crime de racismo. O Min. Sepúlveda Pertence
votou a favor da condenação.
Como sete ministros já haviam se manifestado contra as
pretensões do editor em sessões anteriores, foi mantida a
condenação por racismo, que é um crime que não admite
esquecimento.
Apesar de o ponto central da discussão em plenário ter
sido o alcance da expressão “racismo”, contida no inciso
XLII do art. 5o, da Constituição (“a prática do racismo
constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à
pena de reclusão, nos termos da lei”), o julgamento pelo
STF foi muito mais além – falando em termos de direitos
humanos e liberdades fundamentais –, pois deixou uma
lição para o direito brasileiro, no que tange à efetiva
proteção dos direitos humanos no Brasil. O Tribunal,
por maioria, acompanhou o voto proferido pelo Min.
Maurício Corrêa no sentido do indeferimento do writ, sob
o entendimento de que o racismo é antes de tudo “uma
realidade social e política”, sem nenhuma referência
à raça enquanto caracterização física ou biológica,
refletindo, na verdade, em reprovável comportamento
que decorre da convicção de que há entre os diversos
grupos humanos uma hierarquia, suficiente para
justificar atos de segregação racial, inferiorização e
até mesmo de eliminação de pessoas, como ocorreu no
Holocausto da Alemanha nazista.
Louva-se o Supremo Tribunal Federal brasileiro pela
decisão relativa ao HC 82424-RS, que foi inspirada nos
valores da dignidade da pessoa humana e da prevalência
dos direitos humanos, princípios estes que conferem à
Carta Constitucional brasileira suporte axiológico para a
interpretação de quaisquer conceitos jurídicos envolvendo
violações de direitos humanos”.
413
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
(Valério de Oliveira Mazzuoli38 – “O STF e o conteúdo jurídico
do crime de racismo”)
Com base na decisão do STF extrai-se o novo conceito jurídico de
racismo no Brasil, do qual fiz a seguinte classificação:39
RACISMO PRÓPRIO
Conceito político-social, e não biológico
ou religioso
RACISMO IMPRÓPRIO
Conceito político-social, e não
biológico ou religioso
Importa uma segregação de Direitos
Importa uma qualificação negativa, um
Exemplos: impedir uma pessoa de
adjetivo negativo
frequentar clube, igreja ou outros lugares
Exemplo: com dolo de injuriar, chamar
públicos ou abertos ao público por ser
a pessoa negra de “macaco”.
negra, branca, judia, árabe etc.
Lei Afonso Arinos – revogada pela Lei
Lei no 9.459/97, que criou o tipo de
n 7.716/89 (art. 20) e modificada pela Lei injúria qualificada do art. 140, § 3o, do
no 9.459/97
CP
o
Consequências jurídicas:
O crime é inafiançável (embora caiba
Liberdade Provisória sem fiança do art.
310, parágrafo único, do CPP, eis que
a CF/88 não falou no gênero, e sim na
espécie)
O crime é imprescritível
(art. 5o, XLII, da CF/88)
Precedente no STF:
HC do escritor antissemita
(HC 82.424)
Consequências jurídicas:
O crime é afiançável
O crime é prescritível
Exemplo polêmico recente:
Prisão do jogador argentino Leandro
Desábato por ofender o jogador
Grafite, do SP – abril de 2005.
Após várias concepções a respeito do tema, entendemos que a espécie
humana, considerada como única, não concebe preconceito entre pessoas
apenas por questões biológicas, cor de pele, de olhos, de cabelo. A diferença
entre os seres humanos não existe. Somos todos iguais. O que se deveria
levar em consideração, não só quando se tratar de adoção, mas em todas
as ocasiões cotidianas, é o interior, o íntimo de cada pessoa. Desta forma
38 Mestre em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Professor de Direito Internacional Público e Direitos Humanos na Rede Luiz Flávio Gomes de Ensino Telepresencial, em São Paulo, e nas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, em Presidente Prudente-SP. Membro da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI) e da Associação Brasileira de
Constitucionalistas Democratas (ABCD). Advogado no Estado de São Paulo.
39 Neologismo criado pelo autor.
414
Material Complementar da Obra
conseguiremos enxergar a pessoa como ela realmente é e não enxergá-la
pela aparência, pois muitas vezes nos decepcionamos com atitudes futuras.
A adoção inter-racial como ato de amor leva-nos a refletir sobre o ser
humano e não sobre a “raça” a que pertence. Se somos todos um só, para
que tanto preconceito? Por que o brasileiro nega tanto suas origens? Quem
não possui um antepassado negro, índio, ou branco, na família?
Assim, qualquer adotando, seja ele como for, deve ser observado como
pessoa, como ser humano, mas nunca como espécie de uma raça qualquer.
Nas palavras de Evelise Almeida:
A origem etimológica do termo dignidade é a expressão
latina dignitas, que significa “respeitabilidade”, “prestígio”,
“consideração”, “estima” (ALMEIDA, 2004, p. 24).
No mesmo sentido Ingo Wolfgang Sarlet entende que:
A Dignidade da Pessoa Humana como princípio fundamental,
constitui valor-guia de toda a ordem jurídica, caracterizandose indispensável para a ordem social:
O que se percebe, em última análise, é que onde não houver
respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser
humano, onde as condições mínimas para uma existência
digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do
poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade
(em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não
forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá
espaço para a dignidade da pessoa humana e esta, por sua
vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.
(SARLET, 2001, p. 59)
Finalmente, ainda seguindo Sarlet (2001):
a Dignidade da Pessoa Humana está na qualidade intrínseca
e indissociável de todo ser humano, por este ser titular de
direitos e deveres fundamentais, que, sendo respeitados e
assegurados pelo Estado, proporcionam condições mínimas
para uma vida digna em harmonia com os demais seres
humanos.40
3.2. Aspectos psicológicos da adoção inter-racial
Na monografia citada, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de
Pádua Cerqueira destaca o aspecto psicológico da adoção inter-racial:
40 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
415
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A psicologia (do grego Ψυχολογία; ψυχή (psique), “alma”,
e λογία (logos), “palavra”, “razão”, “estudo”) é a ciência que
estuda os processos mentais, sentimentos, pensamentos,
razão, inconsciente, e o comportamento humano e animal
(para fins de pesquisa). Para estes fins há vários métodos, como
a observação, estudos de caso, estudos em neuropsicologia
entre outros estudos multidisciplinares. Outro objeto de
estudo da psicologia são as personalidades desviantes, com
comportamentos inadaptáveis, chamados de patologia.
Em relação aos laços de afetividade que a adoção proporciona
tanto para os pais (adotantes) quanto para os filhos (adotados)
temos que ambos passam por mudanças psicológicas durante
este processo de transição.
Todos os seres humanos necessitam ter uma família, seja ela
natural ou substituta. A valoração da família, atualmente um
pouco esquecida deveria ser, por todos, feita. Quem nunca
teve vontade de ter uma base familiar, como exemplo de vida,
como norte e porto seguro? Todas as pessoas, sejam elas
como forem, necessitam de grupos familiares para interagir,
pois não há quem consiga viver sozinho.
O fato de uma criança/adolescente conviver em um ambiente
repleto de outras crianças/adolescentes que se encontram na
mesma situação não supre sequer a falta do verdadeiro lar. Não
importam as condições de sobrevivência, não importam a raça,
a cor, a inteligência, a beleza física, nada disso tem valor, para
uma criança (sem lar), do que a família propriamente dita.
Atualmente, por “regras” impostas pela sociedade as pessoas
não mais se preocupam com as crianças/adolescentes que
se encontram em uma situação de abandono. Não se sabe ao
certo o motivo por esta falta de preocupação. Seria falta de
tempo? Falta do protótipo de criança desejada? O que fazer
com as demais, uma vez que todas precisam de auxílio, na
mesma proporção?
Podemos chegar à uma só conclusão, hoje, os “futuros pais”
estão sendo mais valorizados que o sentimento das próprias
crianças, que deveria, em tese, ser mais relevante. Neste
sentido, encontraremos uma maior quantidade de menores
em situação de abandono e menor quantidade de pais
buscando a prática da adoção.
416
Se observarmos a psicologia adotada pelos adotantes,
ficaríamos convencidos de que a adoção tornou-se um
Material Complementar da Obra
risco, principalmente a inter-racial entre brancos e negros.
Adentrando na área jurídica perceberemos que a lei,
praticamente, é utilizada para uma determinada classe na
sociedade os “pretos, pobres, prostitutas.” Assim, presumese que a adoção de um menor negro, futuramente traria risco
à sua família substituta por trazer consigo características
genéticas de sua família. Ledo engano. Na verdade o que
se esquecem de mencionar é que atualmente todos os pais
são vítimas de seus próprios filhos, sejam eles adotivos
ou legítimos. Ninguém consegue prever, nem mesmo
conseguimos concluir qual será o futuro de uma criança no
momento de seu nascimento apenas por olhá-la fisicamente.
Os filhos, legítimos, por mais esforços que tenham sido
empenhados para os mesmos podem ser ingratos, ou até
mesmo adeptos da prática de atos ilícitos, futuramente,
deixando seus pais infelizes da mesma forma. Por que será
que na atual sociedade o medo surge somente quando o
menor é filho adotivo?
Nas palavras de Márcia Fuga, psicóloga clínica com especialização em
infância e juventude, em seu texto “Psicologia da Adoção”:
a adoção, para o espiritismo, é um ato de de amor
incondicional.
(...) Um dos medos mais comuns das famílias adotantes é de
que o filho adotivo venha a se tornar um marginalizado pois
que já teve a rejeição materna e pode ser revoltado, e então,
um marginal. Esse raciocínio se opera, primeiro devido ao
preconceito de atribuir à criança uma herança de má índole,
segundo porque se desconhece a Lei da Reencarnação. Ora,
um filho biológico pode ser um espírito que reencarnou para
resgate naquela família, causando-lhe muitos problemas; ao
passo que, o filho adotivo, poderá ser um espírito afim, que
vem para trazer felicidade. Ou vice-versa.
Desta forma, ter um filho adotivo ou biológico sempre será
para a família um meio de ressarcir débitos pretéritos, direta
ou indiretamente, e sejam esses débitos dela (família) ou dele
(filho).
Jamais teremos nossas consciências em paz, enquanto
houverem as injustiças sociais, os preconceitos, as negações
afetivas adotar um filho, um amigo, um pai, uma mãe devem
ser tarefas diárias para quem quer conquistar a sua própria
evolução espiritual. Mas a adoção deve ser de coração, pois
esse é laço indestrutível, permanente. (...)
417
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
4. CONCLUSÃO
Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua Cerqueira
conclui:
A adoção inter-racial é o gesto de amor mais importante,
mais significativo para uma criança/adolescente do que
se imagina. É um ato de amor incondicional, onde pessoas
se unem pelo fato de se amarem, não se importando com
aparentes diferenças que aos poucos se tornam irrelevantes.
Desde o início da adoção inter-racial deve haver um
acompanhamento, um diálogo ainda maior, entre pais e filhos,
para que estes possam ao longo dos anos se fortalecerem
para enfrentarem futuras situações indesejadas. Se preciso,
no futuro, um acompanhamento psicológico, para que a
criança na escola, ao ser maldosamente objeto de jocosidade,
por outra criança, tenha amparo psíquico para entender e
suportar, pois um dia a mesma chegará ao pai e questionará:
– Pai, porque eu sou de pele escura e você é branco?
O fator psicológico deve ser trabalhado dentro de casa, por
isso há uma grande importância em expor todos os fatos
da adoção, ao adotando, para que o mesmo fique ciente de
sua história. Suas origens, seus antecedentes devem ser
abordados sempre nos momentos necessários, para que nem
pais adotivos nem filhos adotivos se esqueçam de suas raízes,
suas culturas, tendo cada uma um valor significante.
A criança ou o jovem da atualidade deve ser observado com
maior frequência, quando se tratar de um ato tão importante
como é a adoção. Os candidatos a pais desejam um protótipo
de filho idealizado, “desenhados” na imaginação, porém
sabemos como qualquer outro que a beleza física, neste
mundo em que vivemos, é o fator que se deve dar menos
relevância.
418
As crianças/adolescentes possuem um único sentimento: “o
de terem uma família”. Nunca ouvimos dizer em crianças/
adolescentes institucionalizados fazendo escolhas de pais
ou imaginando-os com uma beleza física imensa. Resta-nos
concluir que tais crianças agem muito mais com a emoção
do que com a razão como fazem a maioria das pessoas da
sociedade atual. Elas só têm o desejo de ser felizes, em um
lar, como outra criança qualquer, não fazendo opções entre
pais brancos, negros, índios, simplesmente elas os querem
encontrar, somente este é o desejo.
Material Complementar da Obra
Assim, o homem é fruto de seu pensamento e de suas crenças, tanto que
a Constituição brasileira, laica, garante a liberdade de crença.
Neste contexto, o autor Eckhart Tolle, em O Poder do Agora e A Prática
do Poder do Agora nos ensina, basicamente, que temos dois “EUs”: o “EU
falso” e o “EU verdadeiro”.
Em suma, todo mundo raciocina de acordo com a mente, que nos
comanda.
O “EU falso” é o comandado pela nossa mente (os pensamentos) e
precisa de um “problema” para se abastecer, ou seja, o “EU falso” depende
do tempo, pois busca no passado os problemas (traumas ou insucessos,
por exemplo), para projetar no futuro a solução ou tentativa desta, fazendo
com que a pessoa não viva o presente.
Assim, quando buscamos no passado um problema e o projetamos no
futuro, não vivemos o presente, porquanto estamos com o “EU falso”.
Neste contexto, as nossas emoções são todas ilusões, porque se você
perguntar qual o problema que tem agora, a resposta será nenhum,
porquanto é no passado que buscamos o problema e o projetamos no futuro:
“Ao nível do Ser, todo o sofrimento é reconhecido como uma
ilusão. O sofrimento deve-se à identificação com a forma.
Os milagres de cura acontecem através desta percepção, ao
despertarem a consciência do Ser nos outros... se estiverem
preparados para isso. A misericórdia é a consciência de um
elo profundo entre o leitor e todas as criaturas. Na próxima
vez que disser ‘não tenho nada a ver com esta pessoa’, lembrese de que têm muito em comum: dentro de alguns anos (dois
anos ou setenta anos, não faz grande diferença) tornar-seão os dois cadáveres em decomposição, depois pó e a seguir
nada de nada.”
Já o “EU verdadeiro” é a inteligência acima da nossa mente, que propicia
felicidade, alegria, paz de espírito e paz interior. Neste “EU” não existe
discriminação.
O poder do agora consiste em abstrair o efeito negativo do passado e
tentar viver o presente, concentrar-se no presente e não aceitar pensamento
negativo, para que haja uma evolução espiritual verdadeira e prazeirosa:
A identificação do leitor com a sua mente cria uma divisão
opaca de conceitos, rótulos, imagens, palavras, juízos e
definições, que bloqueia todo o relacionamento verdadeiro.
Interpõe-se entre o próprio leitor, entre o leitor e o próximo,
entre o leitor e a sua natureza, entre o leitor e Deus. 
419
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
É esta divisória de pensamento que gera a ilusão de
afastamento, a ilusão de que há o leitor e um «outro»
completamente distinto. Nessa altura, o leitor esquece o facto
essencial de que, sob o nível da aparência física e das formas
separadas, o leitor é uno com tudo o que existe.
A mente é um instrumento maravilhoso se usado
adequadamente. No entanto, quando utilizada de forma
errada, torna-se muito destrutiva.
Para ser mais preciso, não se trata tanto de o leitor usar a
mente de forma errada; em geral, o leitor nem sequer a utiliza.
Ela é que o usa a si. É esta a doença. O leitor acredita que é a
sua mente. É esse o engano. O instrumento apoderou-se de si.
A liberdade começa com a confirmação de que não se é o
«pensador».
No momento em que a pessoa começa a observar o
pensador, desperta um nível superior de consciência. Nessa
altura, começa a perceber que existe um vasto domínio de
inteligência além do pensamento, que este é apenas um
ínfimo aspecto dessa inteligência.
A pessoa entende ainda que todas as coisas que realmente
importam (a beleza, o amor, a criatividade, a alegria, a paz
interior) nascem de além da mente.
A pessoa começa a despertar.
Neste contexto, Camila Medeiros de Albuquerque Pontes Luz de Pádua
Cerqueira retruca:
Muitos casos de adoção inter-racial, por mim, já foram
presenciados, e todos eles são belos na essência. Pessoas
diferentes fisicamente, mas iguais como seres humanos,
como pessoas. É certo que o maior sentimento que Deus
nos ensinou, as mesmas possuem, e este sentimento, para
celebrar tantas passagens boas só poderia ser o amor.
Amor não tem cor.
Amor de pais felizes em encontrar seu filho (a) e
principalmente amor de filho (a) em conseguir a família tão
sonhada. Hoje podemos crer, pelos menos, aqueles movidos
pelo sentimento, que para aqueles que são discriminados
pela sociedade, aqueles que nunca são lembrados, nunca têm
oportunidades, mas que no passado tanto nos auxiliaram e
que tanto nos forneceram, a felicidade é simples.
420
Material Complementar da Obra
Os direitos da criança e do adolescente estão garantidos
dentre outros no art. 3o da Lei no 8.069/90 Estatuto da
Criança e do Adolescente, o que reforça que dentre eles,
está a insignificância da cor, uma vez que isto é a tolerância
ou direitos fundamentais da pessoa humana (dignidade da
pessoa humana – art. 1o, III, da CF/88):
“Art. 3o A criança e o adolescente gozam de todos os direitos
fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo
da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-selhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e
facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade
e de dignidade.”
“Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de
desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e
sociais garantidos na Constituição e nas leis.”
Todas as coisas da vida poderiam ser colocadas com mais simplicidade,
para serem mais bem resolvidas. Todas.
Assim, a Lei no 12.010/2009 estabeleceu que aqueles que se habilitarem
para adoção devem participar de cursos e visitas a programas de
acolhimento institucional e familiar, para terem contato com crianças e
adolescentes aptos para adoção, visando, com isto, estímulo e orientação
para adoção inter-racial, além de adoção de crianças maiores ou de
adolescentes, com necessidades especiais (física ou mental) e grupos de
irmãos, eliminando de vez a antiga “roda dos excluídos”. Nesse sentido:
Art. 197-C do ECA: Intervirá no feito, obrigatoriamente,
equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e
da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que
conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o
preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade
ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios
desta Lei.
§ 1o É obrigatória a participação dos postulantes em
programa oferecido pela Justiça da Infância e da Juventude
preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis
pela execução da política municipal de garantia do direito
à convivência familiar, que inclua preparação psicológica,
orientação e estímulo à adoção inter-racial, de crianças
maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de
saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos
421
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
O STF, conforme já citado no voto do Ministro Maurício Corrêa
(aposentado), cuja lúcida atuação neste caso foi decisiva, deixou
transparente que:
Com a definição e o mapeamento do genoma humano,
cientificamente não existem distinções entre os homens, seja
pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos
ou por quaisquer outras características físicas, visto que
todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças
biológicas entre os seres humanos. Na essência, são todos
iguais.
Assim, todos os seres humanos, no entanto, podem ser vítimas de
racismo. Daí o alcance da decisão do STF, explicitada na ementa do acórdão:
A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo
de conteúdo meramente político-social. Deste pressuposto
origina-se o racismo, que, por sua vez, gera a discriminação e
o preconceito segregacionista.
Portanto, geneticamente não existem raças, apenas uma única: a raça
humana.
Juridicamente, apenas para fins penais, a raça existe e se adota o
conceito político-social, enfim, a sociologia, leia-se, grupos e guetos que
se intitulam, todos sujeitos ao crime de preconceito, caso não se tolerem.
Com o advento da Guerra Mundial, as Constituições brasileiras sempre
foram protetivas, a exemplo dos portadores de necessidades especiais.
Porém, a atual CF/88 não visa mais ao assistencialismo ou à mera proteção,
e sim prima pela promoção de tais portadores, como assim deve ser dos
negros, que, pelo art. 1o, tem como meta fundamental a erradicação da
pobreza. Promover o equilíbrio social e histórico, este o maior desafio da
sociedade brasileira.
Lembremo-nos do rei Pelé, negro que projetou o Brasil internacionalmente
como o “país do futebol”, e de Nossa Senhora Aparecida, padroeira da
nação, que, ao ser retirada do rio, ostentava uma imagem negra a traduzirse no seguinte recado: A religiosidade do povo brasileiro não permitirá
que a desigualdade de raças finque raízes. Combatê-lo-á eficazmente!
Um País sem memória é um País sem passado...
Portanto, AMOR NÃO TEM COR.
Louvemos a adoção inter-racial!
422
Material Complementar da Obra
Referências Bibliográfic as
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especiais: o respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana e da
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423
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
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Acesso
425
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 21 – O “programa família acolhedora”
e sua real aplicação para não servir de instrumento de
“burla” à lista de espera da adoção
Dentro da visão geral sobre o tema, reportamo-nos à perfeita
apresentação do programa “Família Acolhedora”, feita pelo AMAS
de Poços de Caldas, cujas fontes são as Ilmas. Sras. Mônica Segato
Paulo e Valéria Dias Castilho.
1. CONCEITOS
• Família Acolhedora (FA)
Uma família que, voluntariamente, acolhe em seu espaço familiar criança
que necessita de proteção fora de seu contexto familiar de origem, por
ameaça ou violação de seus direitos, sem estabelecer vínculo de filiação.
• Acolhimento
Receber e cuidar de uma criança em casa. O acolhimento não significa
integrá-la como “filho”.
2. OBJETIVO GERAL
• Promover proteção às crianças vítimas de violência doméstica, de
forma a preservar o seu direito à convivência familiar e comunitária,
previsto no art. 19 do ECA – “Toda criança tem direito de ser
criada e educada no seio de sua família e excepcionalmente em
família substituta”.
3. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Oferecer acolhimento provisório em família acolhedora;
• Oferecer apoio psicossocial às crianças e sua família natural e/ou
extensa;
• Fortalecer os vínculos familiares das crianças e adolescentes com suas
famílias de origem, resgatando valores pessoais, relacionamentos e
laços afetivos;
• Promover a interação sociofamiliar e entre as famílias envolvidas,
bem como com a sociedade civil;
• Proporcionar capacitação e subsídio financeiro para as famílias que
realizarão o acolhimento provisório, para a garantia do atendimento
das necessidades básicas das crianças atendidas no projeto.
426
Material Complementar da Obra
4. METODOLOGIA E META
• Fase de preparação e avaliação;
– Capacidade de atendimento: referente ao número de famílias
inscritas.
• Fase de acompanhamento dos casos;
– Capacidade de atendimento:
1a modalidade – 10 crianças na Família Acolhedora (no caso de Poços
de Caldas/MG)
2a modalidade – 10 crianças na Família de Origem (no caso de Poços de
Caldas/MG)
5. FASE DE PREPARAÇÃO E AVALIAÇÃO
• Levantamento bibliográfico;
• Apresentação e aprovação no CMDCA;
• Seleção e recrutamento da equipe de profissionais;
• Mobilização e sensibilização da sociedade civil;
• Inscrição das Famílias Acolhedoras interessadas;
• Início do processo de discussão com os parceiros da rede de proteção
à criança e ao adolescente;
• Visita domiciliar às famílias, para avaliação das condições
socioeconômicas e da motivação para o acolhimento;
• Processo de construção com a rede do fluxograma de atendimento;
• Capacitação das Famílias Acolhedoras, com acompanhamento e
preparação contínua, abordando temas relacionados à legislação de
proteção e fases de desenvolvimento da criança, dinâmica familiar e
violência doméstica.
6. FASE DE ACOMPANHAMENTO DE CASOS
• Indicação do afastamento da criança para o acolhimento familiar
temporário;
– Levantamento do histórico de violência familiar e dos atendimentos
realizados pela rede, voltados à família natural e à criança;
• Acompanhamento da criança, família acolhedora e natural;
– Utilização de instrumentais de apoio e orientação, tendo como
suporte a rede de serviços públicos municipais no atendimento
das demandas levantadas.
427
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
• Preparação para o desligamento do acolhimento (Criança, FA e
Família de origem).
7. RESULTADOS ESPERADOS
• Criar alternativas mais humanizadas de atenção à criança, através da
convivência em famílias acolhedoras;
• Oferecer oportunidades de apropriação de novos modelos de
relacionamento familiar e proporcionar condições para o rompimento
do círculo de violências;
• Incluir as famílias natural e extensa em uma rede de proteção pessoal
e social, para que possam criar seus filhos com cuidado e proteção;
• Desenvolver as ações integradas com instituições e serviços
existentes no município, que atendam as necessidades das crianças
e famílias envolvidas (CMDCA, Conselho Tutelar, SEMAS, Judiciário,
Abrigos etc.).
8. PRINCÍPIOS NORTEADORES
• Preservação da convivência familiar e comunitária;
• Avaliação psicossocial das FAs (potencialidades e limitações);
• Intencionalidade das FAs (Primazia do atendimento a criança);
• Avaliação socioeconômica para ajuda financeira disponibilizada para
as necessidades da criança;
• Não determinação de valor fixo por criança, podendo haver subsídio
financeiro em espécie e/ou gênero;
• Possibilidade de mudança da criança para outra FA, no caso de não
adaptação;
• Acolhimento de uma criança por FA, ressalva-se o caso de irmãos.
9. CONDICIONANTES PARA “FAMÍLIA ACOLHEDORA”
• Famílias com dois ou mais filhos menores de três anos, inviabiliza a
participação no Programa;
• Idade mínima para participar do Programa (ainda não determinado);
• Família mono ou biparental;
• Não haver expectativas de adoção;
• Situação financeira que não crie dependência do recurso do projeto;
428
Material Complementar da Obra
• Filhos frequentando a escola;
• Não haver membros com problemas de saúde grave;
• Presença de afetividade na dinâmica familiar;
• Presença de papéis, funções, limites e rotinas estabelecidas entre
seus membros;
• Aceitação do trabalho técnico na FA.
10. PORTARIA JUDICIAL
Em relação ao Programa “Família Acolhedora”, conforme visto, o
mesmo deve ser profundamente estudado para somente ser implantado
após Portaria Judicial, como ocorreu em Poços de Caldas/MG.
429
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Referência: Capítulo 21 – O “programa família acolhedora”
e sua real aplicação para não servir de instrumento de
burla” à lista de espera da adoção
Como Promotor (cooperador) da Infância e Juventude em Poços de
Caldas/MG, fiz estudo profundo e adaptei à realidade da cidade o aludido
programa, que foi adotado em portaria judicial conforme veremos a seguir.
Não se pode dar outro rótulo ao programa.
Assim, mesmo que na comarca não exista “abrigo” (acolhimento
institucional), o Judiciário não deve permitir que as famílias acolham crianças
em situação de risco sem estar dentro de todas as diretrizes do Programa
“Família Acolhedora”, enfim, enquanto não tiver uma estrutura adequada e
Portaria disciplinando o tema, pois isto pode gerar vínculos entre casal e
criança, causando traumas ainda maiores do que uma institucionalização,
e, pior, pode servir de “burla” à lista de espera, pois o casal pode pleitear
a guarda definitiva ou adoção com a “vantagem” dos laços de afetividade,
o que configura a má-fé do art. 50, § 13, III, do ECA.
Nestes casos de ausência de “abrigo” na comarca, o ideal, não havendo
o programa de acolhimento familiar devidamente regulado, é colocar
a criança ou adolescente em casais da lista de espera de adoção mediante
guarda provisória, enviando cópia ao Ministério Público local para
ajuizamento de ação civil pública de obrigação de fazer (obrigar o Município
a construir abrigo, nos termos do art. 98 do ECA), ou, na impossibilidade
deste, em “abrigos da região”, até que o programa de acolhimento familiar
esteja materializado, quando então terá preferência sobre o acolhimento
institucional (art. 34, § 1o, do ECA).
A experiência nos mostra que o Programa Família Acolhedora, feito de forma
amadora ou “mambembe”, causa prejuízos psíquicos ainda maiores à criança ou
adolescente, pois eles têm uma “vitrine” ou “simulação” de uma família que não
pode adotar e ter a guarda definitiva, gerando vínculos e colocando em xeque
todo o sistema de lista de espera de casais habilitados à adoção, criando, ainda,
“miniabrigos” ao invés de um só, tornando ainda mais difícil a fiscalização dos
cuidados empregados aos menores em tantas famílias dispersas.
Assim, até mesmo para que o Judiciário controle este Programa e o
torne eficiente, devem ser respeitadas todas as orientações alhures, bem
como a lista de espera do art. 50 do ECA, evitando o vínculo sólido nas
Famílias Acolhedoras, cujo objetivo é outro, qual seja, o auxílio aos pais de
origem (família natural).
430
Material Complementar da Obra
Após este estudo profundo, o então Juiz de Poços de Caldas/MG, Exmo.
Dr. Salustio Campista, baixou a Portaria a seguir, regulamentando a “Família
Acolhedora”, que jamais pode servir de “burla” à lista de espera ou gerar
vínculos.
Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Poços de Caldas
Portaria no 08/07
O Doutor SALUSTIO CAMPISTA, MM. Juiz de Direito da 2a
Vara Criminal, Infância e Juventude da Comarca de Poços de
Caldas, Estado Minas de Gerais, no uso de suas atribuições
legais, e,
CONSIDERANDO que os programas de famílias acolhedoras
não possuem regramento específico pelo Estatuto da Criança
e do Adolescente;
CONSIDERANDO a necessidade de estabelecer parâmetros
para a atuação desses programas existente no município
Poços de Caldas, sem prejuízo daqueles fixados por meio
de normas municipais criadoras dos programas ou de atos
normativos que os regulamente
CONSIDERANDO que a doutrina tenha aplicado as regras
relativas ao abrigamento aos programas de famílias
acolhedoras e, segundo dispõe no art. 101, parágrafo único,
do Estatuto da Criança e do Adolescente, “o abrigo é medida
provisória e excepcional, utilizável como forma de transição
para a colocação em famílias substitutas,... ”;
CONSIDERANDO que é da competência absoluta do Juiz
da Vara da Infância e da Juventude decidir sobre o melhor
encaminhamento da criança e do adolescente em situação
irregular e de risco;
RESOLVE determinar:
Art. 1o Todos os programas de famílias acolhedoras de Poços
de Caldas, ora denominadas PFAs, deverão obedecer às
disposições da Portaria no _________ deste Juízo, no que couber.
Art. 2o Os encaminhamentos para os programas (PFAs)
só poderão ser efetivados por determinação do Conselho
Tutelar de Poços de Caldas ou por decisão judicial desta Vara
da Infância e da Juventude da Comarca de Poços de Caldas.
§ 1o O Conselho Tutelar fica obrigado a informar o
encaminhamento da criança ou adolescente ao programa
(PFAs) no prazo de 24 horas, em relatório circunstanciado.
O expediente será imediatamente distribuído e autuado pela
431
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
Secretaria do Juízo, dando-se vista ao Ministério Público para
conhecimento, independentemente de despacho judicial
nesse sentido.
§ 2o Caso haja solicitação de vaga pelo Juízo de outra
Comarca, eventual acolhimento ao programa só ocorrerá
mediante autorização prévia deste Juízo da comarca de Poços
de Caldas, após regular manifestação do PFA.
§ 3o O desligamento da criança ou do adolescente do programa
só poderá ser efetivado após decisão judicial.
Art. 3o Uma vez incluída a criança no programa, a instituição
deverá remeter, a cada dois meses, um estudo psicossocial
a este Juízo, ainda que a inclusão tenha sido efetivada pelo
Conselho Tutelar.
Art. 4o Uma vez apresentado o estudo, independentemente
de despacho judicial, deverá ele ser juntado aos autos e
aberta vista ao Ministério Público para o seu parecer.
Art. 5o Caso a criança ou adolescente tenha sido colocado em
família acolhedora, o programa deverá requerer a expedição
do termo de guarda, informando todos os dados necessários
para a sua emissão.
§ 1o Para que seja resguardado o necessário sigilo e para
que o programa surta os seus efeitos de forma tranquila
e harmoniosa, o pedido será juntado aos autos (Pedidos
de Guarda vinculados aos PFA(s)) e expedidos os termos
de guarda, por tempo indeterminado, condicionando-se
expressamente, a validade do termo à manutenção do casal
ou da pessoa ao programa de família acolhedora.
§ 2o Caso haja desligamento do (s) guardião (ões) do programa,
a comunicação de tal fato a esse Juízo deverá ser feita no prazo
máximo de 24 horas, para fins de revogação da guarda.
Art. 6o Até que seja expedido o termo de guarda já referido,
aplicam-se aos dirigentes do programa o disposto do art. 92,
parágrafo único do Estatuto da Criança e do Adolescente.
432
Art. 7o Diante do que dispõe o art. 92, inciso II, o Estatuto da
criança e do Adolescente, no caso de crianças de até 05 (cinco)
anos de idade – na data de sua inclusão, deverão ser apresentados
estudos conclusivos pelo programa para tentativa de retorno ao
lar de origem, no prazo máximo de 08 (oito) meses a contar da
data de sua inclusão. E, no caso de crianças acima dessa faixa
etária e de adolescentes, o prazo será de 15 (quinze) meses,
para permanência junto à família acolhedora.
Material Complementar da Obra
§ 1o Estes prazos, à obviedade, não são peremptórios, mas
servirão de parâmetros para os trabalhos da equipe técnica
do programa e para adoção das medidas necessárias por este
Juízo, de acordo com o disposto no art. 101, parágrafo único,
do Estatuto da Criança e do Adolescente.
§ 2o Para adequado controle desses prazos, deverá a Serventia
anotar na capa dos autos a data em que o menor veio a ser
incluído no programa.
Art. 8o Esta Portaria entrará em vigor na data de sua
publicação revogadas as disposições em contrário.
Registre-se e cumpra-se, remetendo-se cópias à Egrégia
Corregedoria Geral da Justiça, aos representantes do
Ministério Público que atuam nessa vara e ao setor técnico
da vara.
Notifiquem-se, via mandado instruído com cópia da presente,
o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente,
o Conselho Tutelar e o PFAs, para o devido cumprimento.
Afixe-se no átrio do Fórum, pelo prazo de trinta dias.
Poços de Caldas, 15 de junho de 2007.
SALUSTIO CAMPISTA
JUIZ DE DIREITO DA VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE
ANEXO:
Modelo de Solicitação
Responsabilidade
de
Termo
de
Guarda
e
Solicitação de Termo de Guarda e Responsabilidade
Eu, ____________________________________________________
RG no ________________________ data de expedição ___/___/___
nascido em ___/___/___ e sra ______________________________
_____________________________ RG no ____________________
data de expedição ___/___/___ nascida em ___/___/___
residentes à Rua __________________________________________
Bairro ______________________ Cidade _____________________
Estado _____ – CEP _________ – _____ Telefone _________________
apresentando os inclusos documentos, dirigem-se à Va Excia
para requererem o Termo de Guarda e Responsabilidade
sobre ______________________________________________________________
433
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
nascido em ___/___/___ Cidade ______________________ Estado SP,
filho de _________________________________________________
Excelentíssimo Senhor
Doutor SALUSTIO CAMPISTA
Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude
Comarca de Poços de Caldas/MG
O formulário é encaminhado pela equipe do PFA junto com
um ofício.
434
Material Complementar da Obra
Referência: Capítulo 22 – O ECA e a Lei n o 12.010/2009
7. CONCEITO DE FAMÍLIA AMPLA PELA JURISPRUDÊNCIA/
DOUTRINA E A DIFERENÇA DO CONCEITO DE FAMÍLIA
AMPLA (OU EXTENSA) PARA O ECA
Notícia
Investigante só após completar mais de 50 anos de idade
vem a descobrir sua verdade biológica
Peculiar questão levada a julgamento pela 3a Turma do STJ,
em sessão realizada no último dia 17, concedeu à investigante
– que já tem 56 anos de idade – o direito de ter declarada a
sua verdade biológica.
Nascida em 1950, fruto de relacionamento havido entre filho
de tradicional família e a empregada doméstica da casa, foi
a investigante entregue para ser criada por outro casal, para
evitar boatos ou notícias a respeito do ocorrido.
Obrigada a se afastar da família para a qual trabalhava, a
mãe biológica não teve outra opção, senão entregar o bebê
para o casal que a acolheu e a registrou como se filha fosse.
Dessa forma, para que não ficasse manchada a imagem de
“bom moço” do pai biológico, houve um arranjo, ao ser a
investigante enviada ao casal que então a registrou.
A agora investigante só teve acesso à sua real história, quando
já contava com 50 anos de idade, ocasião em que pediu na
Justiça a declaração de sua maternidade e paternidade
biológicas.
O exame de DNA foi realizado com resultado conclusivo de
paternidade. Quanto à maternidade, por ser a mãe biológica
falecida, haveria necessidade de colheita de material de
outros parentes da investigada, o que não foi possível.
Contudo, pela prova produzida no processo, ficou o juiz
convencido para declarar ambos os investigados pai e mãe
biológicos da investigante.
No entanto, o Tribunal Estadual reformou a sentença
para negar o pedido da investigante, por entender que
ao registrarem-na como filha, os pais registrais fizeram
uma “adoção à brasileira”, e que assim, tornaram-se pais
socioafetivos da investigante, devendo a verdade socioafetiva
prevalecer sobre a verdade genética.
435
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
O recurso especial foi ao STJ. A Ministra Nancy Andrighi,
relatora, explanou, em seu voto, que a “adoção à brasileira” está
inserida no contexto da filiação socioafetiva, compreendida
como uma relação jurídica de afeto, nos casos em que, sem
nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por
escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e
cuidados inerentes à relação pai/mãe-filho, caracterizada,
assim, pelo reconhecimento voluntário da maternidade/
paternidade.
Ressaltou ainda que a “adoção à brasileira” é marcada pela
falsidade ideológica do registro público de nascimento, pois,
mesmo cientes da inexistência de vínculo biológico, os “pais
adotivos” registram a criança como se filha fosse, fugindo,
assim, das exigências legais do procedimento de adoção, que
deve ser submetido ao Poder Judiciário, com vistas à proteção
da criança a ser adotada.
No processo julgado, a Turma avaliou como “de maior
gravidade, o desconhecimento da ´adotada´ de que sua
filiação era meramente socioafetiva”.
Assinalou a relatora que “o reconhecimento do estado
de filiação é um direito personalíssimo, indisponível e
imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem
qualquer restrição, contra os pais biológicos ou, se já
falecidos, contra seus herdeiros”.
Por fim, considerou a relatora que “a investigante não pode
ser penalizada pela conduta irrefletida dos pais biológicos,
tampouco pela omissão daqueles que a registraram, pois
pensamento em sentido contrário seria corroborar o ilícito
praticado tanto por estes, como pelos pais que a conceberam
e não quiseram ou não puderam dar-lhe o alento e o amparo
decorrentes dos laços de sangue conjugados aos de afeto”.
A conclusão do julgado é de que embora tenha sido a
investigante acolhida em lar “adotivo“ e usufruído de uma
relação socioafetiva, nada lhe retira o direito de ter acesso à
sua verdade biológica que lhe foi ocultada, desde o nascimento
até a idade madura. Presente a falta de concordância com a
situação enganosa em que foi inserida, portanto, prevalecerá
o direito ao reconhecimento do vínculo biológico.
A decisão foi unânime. O acórdão ainda não está disponível. O
processo tramita em segredo de justiça.
436
Material Complementar da Obra
Para entender o caso
1. Em outubro de 1999, M.G.A. ajuizou ação de paternidade e
maternidade em face de N.O.F. e da herdeira de M.V. Segundo
ela, N.O.F., de tradicional família interiorana no Rio Grande do
Sul, teve um caso com M.V., que trabalhava para os pais dele.
Desse relacionamento, ela nasceu.
2. Em julho de 2003, foi feito o exame de DNA. O exame
mostrou um índice de 99,97% de probabilidade de N.O.F. ser
pai biológico de M.G.A. e de 68% de probabilidade de M.V.
ser sua mãe biológica. Porém o laboratório responsável pela
perícia genética explicou que deveria ser colhido material
de outros parentes de M.V. para obtenção de resultados mais
precisos quanto à maternidade. Para o laboratório, o material
foi colhido da suposta irmã, E.V.K., que o é apenas por parte
de mãe, ou seja, não compartilham o mesmo pai.
3. Em depoimento prestado, E.V.K. afirmou que M.G.A. era
sua irmã. De acordo com ela, sua mãe não tinha condições de
criar a criança na época e, por isso, entregou-a para o casal
criá-la. Em setembro do mesmo ano, N.O.F. faleceu. Ele foi
substituído processualmente pelo seu herdeiro.
4. Em primeira instância, o pedido foi julgado procedente para
declarar N.O.F. e M.V., respectivamente, pai e mãe biológicos
de M.G.A. O herdeiro de N.O.F apelou da sentença.
5. O TJRS proveu a apelação ao entendimento de que, ao
registrar a criança, o casal fez uma “adoção à brasileira”.
(Disponível em: www.espacovital.com.br. Acesso em: 24 maio
2007)
Portanto, qual conceito de paternidade ou maternidade
deve prevalecer?
Qualquer um deles, desde que fundado em “laços de
afetividade” ou “boa-fé ”. O Judiciário, no caso concreto, deve
analisar toda esta nova “engenharia jurídica ”.
Sobre o tema colacionamos importante decisão do TJMG no
sentido de indenização de ex-esposa ao marido por traição:
Mulher é condenada a indenizar ex-marido por traí-lo.
Casamento pressupõe deveres de lealdade, respeito e
fidelidade. E, se algum desses compromissos for rompido ou
pelo marido, ou pela mulher, a dor moral pode ser reclamada
na Justiça e compensada financeiramente.
437
Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
A teoria é da 13a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais. Os desembargadores confirmaram a decisão
da primeira instância que condenou uma mulher a indenizar
seu ex-marido em R$ 15 mil, por danos morais, porque ele
descobriu, depois da separação do casal, que não era o pai
biológico da filha que nasceu durante o casamento.
Cabe recurso.
O ex-marido alegou que, depois de homologada a separação
judicial, foi alertado por vizinhos e pessoas de seu convívio
social, inclusive colegas de trabalho, de que havia dúvidas
quanto à paternidade de sua filha caçula, nascida durante seu
casamento com a mulher. O homem pediu exame de DNA e a
dúvida foi desfeita: ele não era o pai da criança.
O ex-pai, um comerciante de Belo Horizonte, entrou, então,
com ação de indenização contra a ex-mulher para reparar os
danos psíquicos que alega ter sofrido. Sustenta que ela omitiu
deliberadamente quem era o verdadeiro pai da criança, o que
abalou sua honra e dignidade.
Em sua defesa a mulher alegou que só soube que seu marido
não era o pai da criança quando tomou conhecimento do
resultado do exame de DNA. Acusou também o ex-marido de
ter um comportamento agressivo e libertino, e da prática de
atos sexuais excêntricos e relacionamentos homossexuais.
O juiz Matheus Chaves Jardim, da 19a Vara Cível de Belo
Horizonte, acatou o pedido do homem e fixou a indenização
por danos morais em R$ 15 mil, considerando a frustração
e melancolia que o ex-marido passou ao ser subtraído,
repentinamente, de sua condição de pai, “calando-lhe
profundamente ao espírito a constatação tardia de não lhe
pertencer a criança”.
O Tribunal de Justiça mineiro manteve a sentença. O relator
do recurso, desembargador Francisco Kupidlowski, ressaltou
que “o casamento faz nascer entre os cônjuges direitos e
deveres recíprocos, destacando-se entre eles os deveres de
lealdade, respeito e fidelidade”. Acompanharam o relator os
desembargadores Adilson Lamounier e Cláudia Maia.
(Fonte: TJ-MG)
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Material Complementar da Obra
CONCLUSÕES
NOTA FINAL
1. Projetos em Andamento:
Recomendo ao(a) amigo(a) leitor(a) o acompanhamento dos seguintes
projetos de lei (ECA) ou projetos sociais (vide abaixo), agradecendo pela
fidelidade na aquisição desta 2a edição.
Fiquem com Deus,
Forte abraço do autor,
Thales Tácito Cerqueira
Tudo posso Naquele que me fortalece...
Projetos Sociais do CNJ
O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo
Tribunal Federal (STF), Ministro Gilmar Mendes, lançou o programa
“Nossas Crianças”, um conjunto de cinco projetos voltados para a cidadania
de crianças e adolescentes, incluindo temas como adoção, certidão de
nascimento, prostituição infantil, reinserção de menores em conflito com a
lei e sequestro internacional.
O evento aconteceu no Conjunto Cultural da República, e contou com
a presença do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, do
presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, Nívio
Gonçalves, além do vocalista da banda Jota Quest, Rogério Flausino, um
dos “padrinhos” do projeto.
Na solenidade, o presidente do Conselho assinou protocolo de intenções
com o governador Arruda e com o desembargador Nívio Gonçalves para
dar início ao programa. O GDF ficou responsável por ceder o prédio do
antigo Touring Club, perto da Rodoviária de Brasília, para a instalação de
um grupo de trabalho formado por funcionários do CNJ, TJDFT e GDF, que
coordenarão os projetos voltados a crianças e adolescentes.
Seleção brasileira
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) também fez parte do esforço
do Conselho em prol da juventude brasileira. “Ninguém vai se furtar a dar
sua contribuição nessas campanhas de suprema importância”, disse o
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
presidente da entidade, Ricardo Teixeira, quando esteve com o Ministro
Gilmar Mendes, no final de setembro, acompanhado pelo secretário-geral
da Fifa, o francês Jerome Valcke, e declarou apoio à iniciativa do CNJ.
No jogo contra a Venezuela, válido pelas eliminatórias para a Copa do
Mundo da África do Sul em 2010, a seleção brasileira de futebol entrou
em campo exibindo uma faixa sobre o programa. O jogo aconteceu em San
Cristóbal, na casa do adversário.
Institucional
O CNJ lançou ainda campanha institucional do programa, veiculada na
TV e na Rádio Justiça e em hot site (www.cnj.jus.br/nossascriancas).
Projetos
O Conselho Nacional de Justiça disponibilizou link em sua página
eletrônica (www.cnj.jus.br) para o Cadastro Nacional de Adoção, por meio
do qual os juízes devem inserir dados de crianças aptas para a adoção e
dos pretendentes a pais e mães de todo o País. O cadastro permite, entre
outros avanços, adoções em Estados diferentes. Antes, a escolha ficava
restrita ao local de moradia do pretendente, o que reduzia as chances das
crianças serem acolhidas por uma família.
Campanha pelo Registro Civil
Enquanto a criança não é registrada, ela não é cidadã, não tem acesso
à escola, aos projetos sociais e a nenhum outro programa da rede pública.
Este é o problema que o CNJ pretende enfrentar com a Campanha pelo
Registro Civil. Estima-se que entre 12% e 13% das crianças nascidas em
hospitais não são registradas. Esse índice sobe para 28% na Região Norte. O
CNJ mobilizou, por meio de mutirões, os juízes e a sociedade para garantir
a certidão de nascimento a todas as crianças e também aos adultos que
não possuem o documento. O Conselho determinou ainda que os tribunais
assegurem a fiscalização da gratuidade dos registros.
Campanha de Combate à Prostituição Infantil
A situação de crianças exploradas sexualmente nos grandes centros
urbanos e às margens das rodovias é o foco da Campanha de Combate à
Prostituição Infantil. A realidade dessas crianças estarrece a todos. O CNJ
vai apoiar os tribunais de justiça e os juízes das varas de Infância e Justiça
de todo o País no combate à prostituição infantil.
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Material Complementar da Obra
NOTA
Cumpre registrar os comentários sobre a nova Lei no 11.829/2008
(combate à pedofilia).
A reinserção do menor em conflito com a lei visa à recuperação e
ressocialização dos menores que cometeram crimes. A intenção é
apoiar as instituições responsáveis, para que elas possam realmente
cumprir o seu papel. O CNJ apoia e difunde para todo o Brasil programas
e iniciativas voltadas para garantir que esses menores possam receber
uma educação adequada, ser profissionalizados e contar com todo o
apoio material, psicológico e social.
Campanha de Combate ao Sequestro Internacional
A Campanha de Combate ao Sequestro Internacional foi criada
por juízes de países de todos os continentes para agilizar soluções
em relação a crianças levadas indevidamente ao exterior, o chamado
sequestro internacional, situação que ocorre especialmente com filhos
de pais de nacionalidades diferentes. Ao se inserir nesta campanha, o
Judiciário brasileiro poderá adotar medidas para coibir esse tipo de
situação.
2. Projetos do CNMP
No dia 15 de setembro de 2009, a Conselheira Taís Ferraz apresentou no
Conselho Nacional do Ministério Público Acordo de Cooperação Técnica
no 082/09, entre o CNJ e o CNMP para imprimir efetividade aos direitos
fundamentais da criança e do adolescente, como meio de minimizar
indicadores negativos que registram a existência de uma realidade de
desrespeito à dignidade das crianças e dos adolescentes. Tem, ainda,
como objeto a execução coordenada de ações, em regime de mutirão,
destinadas a conferir agilidade na análise de processos de adolescentes
em conflito com a lei, em cumprimento de medidas socioeducativas e
em internação provisória. Para a consecução do objeto, os partícipes
comprometem-se, conjuntamente, a realizar mutirões nas Varas com
competência para julgamento de atos infracionais e Promotorias de
Infância e Juventude de todo o país; promover inspeções nas unidades
de internação e abrigos, bem como compilação de dados para futura
elaboração e execução de políticas e ações atinentes à competência
do MP e do Poder Judiciário; intercambiar experiências; trocar outras
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Thales Tácito Cerqueira
Manual do Estatuto
da Criança e do Adolescente
informações, documentos e apoio técnico-institucional; utilização
dos dados e informações exclusivamente nas atividades judiciais e
institucionais, entre outras.
O Acordo foi aprovado por unanimidade
Da mesma forma, o Conselho Nacional do Ministério Público aprovou,
no dia 15 de setembro de 2009, a Proposta de Resolução conjunta CNJ/
CNMP, apresentada pela Conselheira Taís Ferraz, para institucionalizar
mecanismo de revisão periódica das prisões provisórias e definitivas,
das medidas de segurança e das internações de adolescentes.
A Resolução conjunta prevê que as unidades do Poder Judiciário e
do Ministério Público com competência criminal e de execução penal,
implantarão mecanismos que permitam, com periodicidade mínima
anual, a revisão da legalidade da manutenção das prisões provisórias e
definitivas, das medidas de segurança e das internações de adolescentes
em conflito com a lei.
A Resolução, entretanto, não prejudica a atuação integrada entre os
Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público e os Tribunais
e Procuradorias do Ministério Público, na coordenação de mutirões
carcerários e de medidas socioeducativas.
A proposta foi aprovada, por unanimidade, pelos conselheiros.
3. PLS 09/02: reserva de cotas em creches para portadores de
necessidades especiais
De autoria da senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), que
acrescenta artigo ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA –
Lei no 8.069/90) para estabelecer a reserva de, no mínimo, 10% das
vagas existentes em todas as creches ou entidades equivalentes e préescolas para crianças com deficiência, que deverão ser atendidas por
profissionais habilitados. O projeto acrescenta o art. 54-A ao ECA, com
objetivo de garantir, desde o início da vida, a inserção social das crianças
com deficiência, a fim de combater o preconceito e a discriminação.
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