Surdez e Surdos no Brasil - Universidade Federal de Minas Gerais

Transcrição

Surdez e Surdos no Brasil - Universidade Federal de Minas Gerais
1
Surdez e surdos no Brasil 1
Carlos Henrique Rodrigues 2
Embora o Rio de Janeiro tenha sido, de certa maneira, o núcleo
da educação dos surdos brasileiros, no século XX, tornaram-se
visíveis diversas ações em vários outros lugares do Brasil. Em
1929, foi fundado em São Paulo o Instituto Santa Terezinha, o
qual se dedicava à educação de moças surdas. O Instituto Santa
Terezinha permitia o uso da LS fora de sala e, segundo Brito,
“foi o segundo pólo de concentração de surdos usuários de
língua de sinais no Brasil” (1993, p. 6).
Segundo
Monteiro
(2006,
p.283),
o
instituto
seguia
uma
perspectiva oralista devido à forte influência dos educadores
franceses católicos. Fato que também marcou a influência da
Língua de Sinais Francesa (doravante LSF) na LS dos surdos
brasileiros. Moura explica que
inicialm ente, n a cidade de S ão Paulo, o trabalh o
co m crianças Surdas nas escolas p articulares seguiu
um a abordagem oralista. Estas esco las tinh am uma
tradição religiosa, benem érita, o u surgiram através
do in teresse de p ais e amigos d e Surdos. Seus
objetivos eram pautados na integ ração do Surdo na
co munidade ouvin te, onde o S urd o deveria procurar
o seu lug ar de trabalho (2000 , p .9 1).
Em 1950, surgiram, em São Paulo, as primeiras iniciativas da
Rede Municipal de ensino e de alguns familiares de surdos,
1
Este texto foi extraído de RODRIGUES, C. H. R Situações de incompreensão vivenciadas por professor ouvinte e
alunos surdos em sala de aula: processos interpretativos e oportunidades de aprendizagem. 2008. Dissertação (Mestrado em
Educação e Linguagem). Faculdade de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008 (p.50-76).
2
Doutorando em Lingüística Aplicada - FALE/ UFMG (Estudos da Tradução); Mestre em Educação - FaE/ UFMG
(Educação e Linguagem), Especialista em Educação Inclusiva (FJP), Bacharel e Licenciado em História (FAFICH/ UFMG),
Graduado em Teologia (FATEBH), Professor de Língua de Sinais Brasileira e Intérprete de Língua de Sinais Brasileira Língua Portuguesa (Certificado pelo MEC - Prolibras). Atualmente é professor na Faculdade de Educação/ Universidade
Federal de Juiz de Fora - FACED/ UFJF.
2
dando
origem
ao
Instituto
Hellen
Keller
e
ao
Instituto
Educacional de São Paulo 3, ambos utilizando o método oral.
Some-se o fato de que a Rede Estadual de Ensino de São Paulo,
em 1957, criou cinco classes especiais nas escolas regulares
para atender o aluno surdo (LIMA, 2004, p.26).
Em Belo Horizonte, as primeiras ações com relação à educação
de surdos teriam surgido na década de 30. Segundo Miranda
(2007, p.50):
Em 08 d e março de 193 8, o jo rnal de circulação d o
Estado d e Minas Gerais, O DI ÁRI O, já relatava o
início d a co nstrução do In stituto Santa I nês,
indican do a quem ele pertencia _ Congreg ação das
Filhas de Nossa Senhora do Monte Calvário _ e os
mo tivos de sua co nstituição .
O Instituto Santa Inês destacou-se na educação de surdos e
contou com o apoio de religiosas do Instituto Estadual de Roma,
uma importante instituição educacional para surdos da época.
Ele propagou e defendeu a adoção do oralismo na educação de
surdos e, aos poucos, passou a aceitar a LS como um auxílio à
comunicação com os alunos surdos. Outra instituição criada na
década
de
30,
que
atendia
alunos
surdos,
foi
o
Instituto
Pestalozzi.
Em 1979, foi fundada em Belo Horizonte a Clínica Fono, com o
objetivo
“de
atender
desenvolvimento
(MIRANDA,
2007,
assumindo
uma
3
das
pessoas
habilidades
p.55.).
função
Com
mais
surdas,
promovendo
sensoriais
o
e
o
psicológicas”
tempo,
a
instituição
educacional
e
passou
a
foi
ser
S egu n d o M i r a n d a ( 2 0 0 7 , p .3 5 ) “ o In s t i t u t o em 1 9 6 9 f o i d o a d o p a r a a F u n d a ç ã o S ã o P a u l o,
en t i d a d e ma n t en ed o r a d a P U C S P . A p a r t i r d a í p a s s ou a s er c o n h ec i d o c o mo D E R D IC - D i v i s ã o d e
E d u c a ç ã o e R eab i l i t a ç ã o d o s D i s t ú r b i os d a C o mu n i c a ç ã o” .
3
denominada como Clínica Escola Fono 4. Em sua proposta inicial,
a clínica-escola seguia uma perspectiva educacional oralista,
entretanto, com o tempo, passou a discutir as perspectivas da
Comunicação Total.
A partir da década de 80, em Belo Horizonte, outras instituições
escolares passaram a atender alunos surdos. Dentre elas, podese destacar a Escola Estadual Francisco Sales – Instituto de
Deficiência da Fala e da Audição, inaugurada em 1983, que,
numa
perspectiva
oralista,
tornou-se
responsável
pela
escolarização inicial de crianças surdas. Nessa escola, somente
após alguns anos, é que se começou a empregar a LS, dentro
das diretrizes da Comunicação Total.
O movimento de criação de escolas especiais, classes especiais
para surdos, bem como salas mistas de surdos e ouvintes com a
presença do intérprete de Libras, tornou-se realidade em todo o
Brasil na década de 1990. Essa mudança inicial foi amparada
pelas
novas
visões
sociais,
antropológicas,
lingüísticas
e
pedagógicas com relação à surdez e aos surdos e fortalecida, no
século XXI, pelo surgimento de uma legislação 5 específica em
relação aos surdos, sua língua e educação.
Em
Belo
Horizonte,
podemos
citar:
a
Escola
Estadual
José
Bonifácio, que em 1996 formou sua primeira turma de surdos; a
4
“ E m 1 7 d e n o v emb r o d e 1 9 8 1 , co m p a r ec er f a vo r á v el p el o C E E d a S ec r et a r i a d e E s t a d o d a
E d u c a ç ã o – S E E , f i c a au t o r i z a d o o f u n c i o n a men t o d a E s c o l a F o n o , d e en s i n o d o 1 º gr a u es p ec i a l n a
r ed e p a r t i c u l a r , d e B el o H or i z on t e. ( D ec r et o n º 4 6 7 / 8 1 ) . A p r op o s t a p ed a gó gi c a d a es c o l a s egu i a o s
mes mos mo l d es d a p o l í t i c a ed u c a c i o n a l d es en vo l v i d a a p a r t i r d o C o n gr es s o d e M i l ã o em 1 8 8 0 , u ma
ed u ca ç ã o v ol t a d a p a r a o i n c en t i vo e a s p r á t i c a s en d o s s a d a s p el a met o d o l o gi a or a l ” ( M I R A N D A ,
2 0 0 7 , p .5 5 - 6 ) .
5
A L ei 1 0 . 4 3 6 d e 2 4 d e a b r i l d e 2 0 0 2 o f i c i a l i z ou a L i b r a s , L í n gu a d e S i n a i s B r a s i l ei r a , c o mo
l í n gu a d a C o mu n i d a d e S u r d a B r a s i l ei r a , e o D ec r et o 5 .6 2 6 d e 2 2 d e d ez emb r o d e 2 0 0 5 a
r egu l a men t o u , j u n t o a o a r t i go 1 8 d a L ei n o 1 0 . 0 9 8 , d e 1 9 d e d ez emb r o d e 2 0 0 0 .
4
Escola Estadual Maurício Murgel, que em 1999 formou suas
primeiras turmas mistas; a Escola Municipal Arthur Versiani
Velloso, que, a partir do projeto piloto “Integração de alunos
surdos no Ensino Regular”, 6 passou a atender alunos surdos; e a
Escola Municipal Paulo Mendes Campos, que em 1998 passou a
atender os surdos, jovens e adultos, no noturno.
Outro fato marcante da história da educação dos surdos no
Brasil foi a fundação, em 1977,
da Feneida (Federação Nacional
de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos) por um
grupo
de
profissionais
(FENEIS,
1993,
fundação
da
p.5).
ouvintes
Conta-se
federação,
um
ligados
que,
grupo
à
área
alguns
de
da
anos
surdos
surdez
após
passou
a
a
se
interessar pela entidade, participando de seus encontros e da
recém-fundada
(RAMOS,
2004,
Comissão
p.2).
de
Essa
Luta
pelos
comissão
Direitos
passou
a
dos
Surdos
reivindicar
a
participação efetiva dos surdos na Diretoria da Feneida. Assim,
os surdos da comissão formaram uma chapa e conquistaram a
presidência da entidade por um ano (FENEIS, 1993, p.5). Souza
escreve (1998, p.90-1):
Ao lutarem pelo s sin ais, os surdo s, organizad os, se
diferenciam, p ela lingu agem qu e defendem, d o
grupo m ajoritário usuário de um a outra ling uagem:
a o ral. A partir dessa tom ada de consciência, as
divergências com p ro fissionais ouvintes foram
postas às claras e acabou por levar à po sse, p elos
su rd os, da presidência d a FENEI DA, […] Simbo liza
um a vitória co ntra o s ouvintes qu e con sideravam a
eles, surdos, incapazes de opin ar e decid ir sob re
seus p ró prios assuntos e, en tre eles, sub linha o
pap el da ling uagem na edu cação regu lar. Desnud a,
6
O f o r ma t o i n i ci a l d o p r oj et o er a d e agr u p a men t o d e 5 a l u n o s s u r d o s p o r t u r ma , t en d o c o mo a p o i o
p ed agó gi c o u ma p r o f es s o r a a u x i l i a r i n t é r p r et e d e L i b r a s , p a r a i n t er p r et a r o s c on t eú d o s
d es en vo l v i d o s p el o p r o f es s o r r egen t e.
5
ain da, uma m udan ça de perspectiva, ou de
representação discursiva, a respeito d e si próprio s:
ao alterarem a deno minação “deficiente aud itivo”,
imp ressa na sigla FENEI DA, para “Surdo s”, em
FENE IS, deixam claro qu e recu savam o atribu to
estereotipado q ue n ormalm ente os ouvintes ainda
lhes co nferem , isto é, o d e serem “deficientes”.
Então,
em
(Federação
1987,
a
Nacional
Feneida
de
passou
Educação
e
a
se
chamar
Integração
de
Feneis
Surdos).
Segundo Ramos (2004, p.2), a criação da Feneis 7 deu-se através
da ação de um grupo de surdos em uma assembléia geral na
qual se votou o fechamento da Feneida.
A Feneis constituiu-se como uma instituição não-governamental,
filantrópica,
sem
fins
lucrativos,
com
caráter
educacional,
assistencial e sociocultural (FENEIS, 1993, p.7). Suas metas
principais seriam promover e ampliar a educação e a cultura do
indivíduo surdo, amparar socialmente este indivíduo, congregar
e coordenar atividades junto às filiadas, associações, escolas e
instituições da área da surdez, lutar pela melhoria de recursos
educacionais e pela inclusão social dos surdos, organizar e
participar de eventos na área da surdez.
A Feneis tem realizado diversas ações sociais e políticas, tais
como inclusão de surdos no mercado de trabalho, assistência
jurídica aos surdos, serviços de intérpretes de Libras-LP para
7
“ A s en t i d a d es f u n d a d o r a s d a F E N E I S f o r a m: A s s o c i a ç ã o d e P a i s e A mi go s d o D ef i c i en t e d a
A u d i ç ã o - A P A D A / N i t er ó i - R J , A s s o c i a ç ã o d o s S u r d o s d e M i n a s G er a i s - M G , A s s o c i a ç ã o d o s
S u r d o s d o R i o d e J a n ei r o - R J , A s s o c i a ç ã o A l v o r a d a C o n gr ega d o r a d e S u r d o s - R J , A s s oc i aç ã o d o s
S u r d o s d e C u i a b á - M T , A s s o c i a ç ã o d os S u r d o s d e M a t o G r os s o d o S u l - M S , I n s t i t u t o L on d r i n en s e
d e E d u c a ç ã o d e S u r d o s – P R , E s c o l a E s t ad u a l F r a n c i s c o S a l es – M G , In s t i t u t o N o s s a S en h o r a d e
L ou r d es – R J , A s s oc i aç ã o d e P a i s e A mi go s d o s S u r d o s – A P A S – P R , A s s o c i a ç ã o d e P a i s e A mi go s
d o D ef i c i en t e d a A u d i oc o mu n i c a ç ã o – A P A D A / M a r í l i a – S P , C en t r o E d u c a c i o n a l d e A u d i ç ã o e
F a l a – D F , A s s o c i a ç ã o d o D ef i c i en t e A u d i t i v o d o D i s t r i t o F ed er a l – D F , C en t r o V er b o- T o n a l
S u va g/ R ec i f e – P E , A s s oc i a ç ã o B em A ma d o d os S u r d os d o R i o d e J a n ei r o – R J e A s s oc i aç ã o d e
P a i s e A mi go s d o D ef i c i en t e A u d i t i vo / A P A D A – D F ” ( R A M O S , 2 0 0 4 , p . 6 , 7 ) .
6
acompanhar
informação
os
e
surdos
quando
esclarecimento
aos
necessário,
pais,
aos
serviços
educadores,
de
às
autoridades e ao público em geral, organização de cursos de
Libras, capacitação de instrutores de Libras e de intérpretes e
produção
de
publicações
com
assuntos
de
interesse
da
comunidade surda, dentre outras.
A história de formação da Feneis evidencia a emergência dos
movimentos
reivindicatórios
organizados
pelos
surdos
brasileiros em prol não somente do “direito de um ensino em
Libras”,
mas
principalmente
pelo
direito
a
opinar
e
decidir
acerca de quaisquer decisões políticas que envolvam os surdos.
A formação da Feneis inaugurou um importante capítulo das
relações
políticas
entre
surdos
e
ouvintes
e
influenciou
significativamente a educação de surdos no Brasil.
Vale ressaltar que, contrapondo-se à preponderância do método
oral, a LS tornou-se o ponto central da luta da FENEIS e o
símbolo por excelência da surdez (BRITO, 1993, p.28). Segundo
Antônio Campos de Abreu, surdo e integrante da Diretoria da
entidade:
Para a Feneis, a lín gua de sinais é u m d ireito d o
su rd o à língu a materna, respon sável pelo seu
desen volvimen to
cultural
social
e
acad êmico/
edu cacion al. As dú vidas, receio s e dificuld ades de
assum ir essa po stura prejud ico u em m uito, o su rd o,
além d a qu estão d o tem po perdido em discu ssões
entre famílias e pro fissionais envo lvido s com este
indivídu o. A Líng ua de Sinais é a ch ave para
am pliar a inserção d o surdo no âmbito so cial
(AZEREDO, 2006 , p . 7 ).
7
Esse panorama geral da história da educação de surdos permite
que
se
conheçam
diversas
visões,
concepções,
conceitos
e
modelos de surdez, os quais evidenciam diferentes perspectivas
e propostas educacionais. Segundo Thoma (1998, p.127-8):
Na história da ed ucação d os surdos surgiram várias
tend ências, apo ntando co ncepções distintas e, por
vezes, op ostas, qu anto a m elho r forma de educar
ao surdo e, n o ritmo das mu danças, as filosofias
edu cacion ais foram (re)feitas de acordo com os
interesses, cren ças e valores de cada época. A
história desta educação é, po rtan to , trilh ada por
diferentes caminhos, apresentado s como u m reflexo
do pensamento e dos interesses dom inan tes em
cada épo ca e em cada sociedade. Pod eríamo s dizer
que cada um destas filoso fias nada mais rep resen ta
do q ue o imaginário e as rep resentaçõ es sociais
co nstruíd as sobre o s su rd os ao long o dos temp os.
O atual contexto educacional dos surdos está permeado pelas
diferentes visões, conceitos e modelos de surdez historicamente
construídos. Considerando-se que para a compreensão da sala
de aula, formada somente por alunos surdos, é necessário que
se conheça a realidade na qual ela se localiza, organizaram-se,
a seguir, as duas visões básicas com relação à surdez e aos
surdos e, também, as três principais propostas educacionais
empregadas no decorrer da história do processo educacional dos
surdos.
2.3 Visões com relação aos surdos e a surdez
Grosso modo, configuraram-se historicamente duas maneiras
distintas de se olhar para a surdez e, conseqüentemente, para
os
surdos.
A
adoção
de
uma
dessas
visões
demonstra
as
concepções e conceitos de quem olha e, certamente, guiará a
8
uma série de perspectivas e atitudes com relação aos surdos e
ao seu processo de ensino-aprendizagem.
Essas visões distintas fundamentam-se, basicamente, em dois
modelos: o clínico-terapêutico e o sócio-antropológico (SKLIAR,
1997a; 1998). Esses modelos têm sido responsáveis em definir
e guiar diversas tendências educacionais, ora enfatizando uma
certa normalização, ora defendendo a aceitação das diferenças.
Entretanto, “a temática da surdez, na atualidade, se configura
como território de representações que não podem ser facilmente
delimitadas
ou
distribuídas
em
‘modelos
sobre
a
surdez’”
(SKLIAR, 1998 p.9).
2.3.1 A visão a partir do modelo clínico-terapêutico
O modelo clínico-terapêutico foi-se formando historicamente de
acordo com as posturas médicas e ideológicas que foram sendo
assumidas com relação à surdez. O olhar clínico-terapêutico
difundiu-se
educacionais
socialmente
em
relação
e
passou
aos
a
surdos,
embasar
inclusive
as
a
posturas
filosofia
educacional oralista. Nesse modelo, o surdo é
co nsiderado u ma pesso a que não ouve e, po rtanto,
não fala. É defin ido po r suas características
neg ativas; a ed ucação se co nverte em terap êutica,
o o bjetivo do cu rrículo escolar é dar ao sujeito o
que lhe falta: a audição , e seu derivado : a fala. Os
su rd os são considerados do entes reabilitáveis e as
tentativas ped agóg icas são unicamente práticas
reab ilitatórias derivadas do diag nóstico m édico cu jo
fim é unicam ente a ortopedia da fala (S KLI AR,
199 7a, p.113 ).
9
O
modelo
clínico-terapêutico
relacionada
biológico.
à
surdez
Assim,
como
aqueles
trouxe
uma
patologia,
que
se
visão
estritamente
enfatizando
alicerçam
o
nesse
déficit
modelo
consideram a surdez como mera deficiência sensorial. Segundo
Sá (2002, p.48):
Histo ricam ente se sabe qu e a tradição m édicoterapêutica in fluenciou a defin ição d a surdez a
partir d o d éficit aud itivo e da classificação da
su rd ez (leve, p ro funda, con gênita, pré-lingü ística,
etc.), mas deixou de inclu ir a experiência da surdez
e de con siderar o s contexto s psico ssociais e
cu lturais n os q uais a pesso a Surda se desenvolve.
Com esse conceito de surdez, a educação de surdos passou a
ser
vista
como
um
processo
de
medicalização,
no
qual
as
estratégias e recursos educacionais têm um caráter reparador,
reabilitador, normalizador e corretivo. Assim sendo, as línguas
de sinais são rechaçadas do processo educacional dos surdos.
Na
visão
clínico-terapêutica,
materializada
por
meio
do
oralismo, acredita-se que
a líng ua de sin ais não con stitui um verdadeiro
sistem a lingü ístico, pois o defin e com o um conjun to
de gestos carente de estrutura gramatical, um tip o
de panto mima desarticulada, que, além disso – e
paradoxalmente
–
limitaria
ou
im pediria
a
aprendizagem da lín gua o ral (S KLI AR, 1997 a,
p.111 ).
Nesse momento da história da surdez, no qual o modelo clínico
imperou, os surdos seriam potencialmente retirados do contexto
educacional, pedagógico, e colocados nos domínios da medicina,
da intervenção clínica e da terapia. Na verdade, ocorria uma
transformação gradual do contexto escolar e de suas discussões
10
e enunciados pedagógicos, em mecanismos de natureza médicohospitalar (LANE, 1993 apud SKLIAR, 1998, p.16).
Medicalizar a surdez significa orientar toda a
aten ção à cura do pro blem a auditivo, à co rreção de
defeitos
da
fala,
ao
treinam ento
de
certas
hab ilidades m enores, com o a leitura labial e a
articu lação,
mais
q ue
a
in teriorização
de
instru mento s cultu rais significativos, com o a língua
de sinais. E significa tam bém op or e d ar p rioridade
ao p odero so d iscurso d a medicina frente à déb il
mensagem da pedagogia, explicitando que é m ais
imp ortante esperar a cu ra medicin al – encarnada
atualmen te
nos
implantes
cocleares
–
que
co mpensar
o
déficit
de
au dição
através
de
mecan ism os
psicológicos
funcionalmen te
equ ivalentes (SK LI AR, 1997a, p. 111).
Nesse
modelo
possuem
uma
propósito
de
clínico,
os
deficiência
reabilitá-los
surdos
que
à
ou
deficientes
precisa
ser
convivência
auditivos
tratada
social.
com
Visa-se
o
ao
“disciplinamento do comportamento e do corpo para produzir
surdos
aceitáveis
para
a
sociedade
dos
ouvintes”
(SKLIAR,
1998, p.10). Esse tratamento teria o objetivo de desenvolver e
treinar
a
fala
e
a
leitura
labial,
através
de
tratamento
fonoaudiológico, de uso de próteses e implantes, por exemplo,
capazes de capacitá-los a usar a LO e a partilhar dos modos de
ser,
pensar
e
agir
da
sociedade
ouvinte
que
integram.
Ao
criticar tal modelo, Skliar (1997a, p.12) ressalta que
a criança não vive a partir d e su a deficiên cia, m as a
partir daqu ilo que p ara ela resulta ser um
equ ivalente funcional. Tu do isto seria certo se,
desde já, o mod elo clínico-terapêutico não se
obstinasse tanto em lutar contra a deficiên cia, o
que implica em g eral origin ar conseqü ências sociais
ain da maiores. Reedu cação o u Comp ensação, essa é
a q uestão. Obstinar-se con tra o déficit, esse é o
erro.
11
Esse modelo clínico foi preponderante até a década de 90,
quando uma nova visão da surdez destacou-se, principalmente
em meio aos pesquisadores. Segundo Skliar (1997a, p.140-1):
Fo ram duas as observações que a partir da década
de
60
levaram
outros
especialistas
– com o
antrop ólogo s, ling üistas e sociólog os – a interessarse pelos su rd os, e qu e orig inaram um a visão
totalm ente op osta à clínica, uma perspectiva sócioantrop ológica da surdez. Por um lado, o fato de que
os
surdos
formam
com unid ades
cu jo
fator
aglutinante é a língua d e sinais […] Por outro lad o,
a co nfirmação de q ue os filh os surdos d e pais
su rd os apresentam m elho res n íveis acadêmicos,
melhores habilidad es p ara a ap rendizagem da língua
oral e escrita, níveis de leitura semelh antes aos do
ouvinte,
um a
id entidade
equilibrada,
e
não
apresen tam os problemas sociais e afetivos próprios
dos filhos su rd os de pais ouvintes.
2.3.2 A visão a partir do modelo sócio-antropológico
Ao
contrário
medicalização,
da
o
visão
clínica,
tratamento
na
qual
terapêutico,
que
a
se
propõe
reabilitação
a
do
surdo; na visão sócio-antropológica, compreende-se a surdez
como
uma
experiência
visual,
ou
seja,
como
uma
maneira
específica de se construir a realidade histórica, política, social e
cultural. No modelo sócio-antropológico, concebe-se a surdez
como uma diferença 8, e não como mera deficiência como no
modelo clínico-terapêutico. Esse novo prisma possibilitou que a
surdez fosse vista a partir de outros referenciais (HUBNER,
2006, p.51). Ao se referir a esse novo prisma, Moura relata que
8
C a r l o s S k l i a r d ei x a c l a r o q u e, p a r a el e, d i f er en ç a é en t en d i d a , c o n f or me M c L a r en ( 1 9 9 5 ) , “ n ã o
c o mo u m es p a ç o r et ó r i c o – a s u r d ez é u ma d i f er en ç a – ma s c o mo u ma c o n s t r u ç ã o h i s t ó r i c a e s o c i a l ,
ef ei t o d e co n f l i t o s s o c i a i s , an c o r a d a em p r á t i ca s d e s i gn i f i c a ç ã o e d e r ep r es en t a ç õ es
c o mp a r t i l h a d a s en t r e os s u r d o s ” ( S K L IA R , 1 9 9 8 , p . 1 3 ) .
12
O movimento multicultural, d e gran de am plitud e,
abrangeu as minorias do s mais diversos tipos que
reivindicavam o direito d e u ma cultu ra próp ria, de
ser diferente e den unciavam a discriminação à qual
estavam sendo subm etidos (2 000, p.64 ).
Considerando esta perspectiva, os surdos passam a ser vistos
como aqueles que
formam um a comu nidad e lin güística mino ritária
caracterizada p or com partilhar um a língu a de sinais
e valores cu lturais, hábitos e mo do de so cialização
próprio s. A lín gua de sinais constitu i o elemento
identificató rio dos surdos, e o fato de constitu íremse em comun idad e sig nifica que comp artilham e
co nhecem o s usos e no rm as d e uso da mesma
líng ua, já que interagem co tidianamen te em um
processo comu nicativo eficaz e eficiente. I sto é,
desen volveram
as
com petências
ling üística
e
co municativa – e cogn itiva – po r meio do uso da
líng ua de sinais próp ria de cada com unidade de
su rd os […] A lín gua d e sinais anula a deficiência
ling üística conseqüência da surd ez e permite q ue os
su rd os
constitu am,
então ,
u ma
co mun idade
ling üística min oritária diferente e não um desvio da
norm alidade (SKLI AR, 199 7a, p.141 ).
Em
oposição
antropológica,
referir
à
passa-se
àqueles
auditiva,
visão
que,
clínico-terapêutica,
na
a
“surdo”
utilizar
o
termo
independentemente
reconhecem-se
como
surdos,
do
na
visão
grau
para
da
medida
sóciose
perda
em
que
valorizam a experiência visual e se apropriam da LS como meio
de
comunicação
partilham
modos
e
expressão; reúnem-se com seus pares e
de
ser,
agir
e
pensar,
bem
como
uma
identidade cultural comum e um certo Deaf Pride, orgulho em
ser surdo.
Os nomes atribuído s aos Não -Ouvintes incluem
“mudo ”, “su rd o-mudo ”, “deficien te aud itivo”, uma
variedad e de outros eufem ism os po liticamen te
co rreto s, e o que é preferido pela m aio ria d aqu eles
13
que se identifica
199 7, p.3). 9
com o
tal:
“Surdo”
(WRI GLE Y,
Nessa mesma perspectiva, as pessoas com deficiência auditiva
seriam aquelas que rejeitam a condição da surdez, na medida
em que tentam resgatar a experiência auditiva por meio de
próteses e implantes, desprezando a LS e estabelecendo seu
único meio de comunicação através da LO: fala com o auxílio da
leitura labial. Além disso, essas pessoas freqüentam grupos de
ouvintes e não se identificam com os surdos sinalizadores –
usuários da LS.
Considerar
a
surdez
através
desse
modelo
implica,
primeiramente, respeitar e aceitar o surdo em sua diferença e
especificidade lingüística e cultural. Dito de outro modo, esse
respeito e aceitação da diferença significam não somente aceitar
a LS usada pelos surdos no processo educacional, mas “produzir
uma política de significações que gera um outro mecanismo de
participação dos próprios surdos no processo de transformação
pedagógica” (SKLIAR, 1998 p.14).
A difusão da visão sócio-antropológica da surdez nas últimas
décadas do século XX possibilitou aos educadores uma nova
maneira de se pensar o processo de ensino-aprendizagem de
surdos.
Apropriando-se
dessa
visão,
muitos
professores
de
surdos propuseram novas estratégias de ensino vinculadas ao
uso da LS e ao reconhecimento da necessidade de se ensinar a
LP como L 2 . Entretanto, até que essa nova proposta educacional
9
M i n h a t r a d u ç ã o p a r a “ T h e n a mes a s s i gn ed t o t h e O t h er - t h a n - H ear i n g i n cl u d e ‘ mu t e’ , ‘ d ea f - mu t e’ ,
‘ h ea r i n g i mp a i r ed ’ , a r a n ge o f o t h er p o l i t i c a l l y c o r r ec t eu p h emi s ms , a n d t h e o n e t h at i s p r ef er r ed
b y mo s t o f t h o s e w h o i d en t i f y t h ems el v es a s s u c h : ‘ D ea f ’ .” H á u ma c ó p i a d a i n t r o d u ç ã o d o l i v r o
d i s p o n í vel em < h t t p : / / gu p r es s . ga l l a u d et . ed u / 2 8 9 5 . h t ml > . A c es s o em 2 5 n o v . 2 0 0 7 .
14
bilíngüe
se
configurasse
outras
maneiras
de
se
tratar
a
educação de surdos destacaram-se no cenário educacional: o
oralismo e a comunicação total.
2.4 Sinais e fala: os caminhos educacionais e a surdez
Normalmen te
é
assim
com o
os filósofos d o
co nhecimento no s ensinam que a cabeça pensa a
partir d e o nde os pés p isam e qu e cada po nto de
vista é a vista d e um p onto.
Leonardo Boff
Historicamente verifica-se a configuração dos debates acerca da
educação
dos
surdos
sob
três
importantes
filosofias
educacionais: o Oralismo, a Comunicação Total e o Bilingüismo.
A aproximação e a análise da concepção e aplicação de tais
filosofias evidenciam uma ampla variedade de visões, ênfases e
práticas, muitas vezes, contraditórias.
Segundo Brito (1993, p.27), seriam apenas duas as filosofias
educacionais
para
surdos:
o
Oralismo,
que
defenderia
o
aprendizado apenas da LO, e o Bilingüismo, que defenderia o
aprendizado da LO e da LS, reconhecendo o surdo em sua
diferença e especificidade. Considerando isso, pode-se dizer,
sem dúvidas, em oralismos e bilingüismos. Esse plural serve
para
marcar
a
diversidade
das
metodologias,
leituras
e
aplicações do oralismo e do bilingüismo na educação de surdos.
A
história
da
educação
dos
surdos
revela o
confronto
e
a
coexistência dessas diferentes abordagens. Sabe-se que, desde
o século XVIII, duas perspectivas, tratadas como oralismo e
gestualismo,
confrontam-se
acirradamente
(BUENO,
1998,
p.47). O pêndulo da educação de surdos, ora estava mais para
15
lado o oralista, ora para o gestualista. De acordo com Lima
(2004, p.50):
A ab ordag em educacional (o ralista ou gestu al)
dep endia incond icio nalm ente de q uem a cond uzia.
Caso fosse partidário do uso exclu sivo da língua
oral, esta era tomad a como fio co ndutor da
edu cação do alu no surdo. Caso fosse simpatizan te
da língua de sinais, esta era ado tada com o
instru mento d e trabalh o na sala d e aula.
Embora,
atualmente,
gestualismo,
o
expresso
pêndulo
através
esteja
de
voltado
diferentes
para
o
perspectivas
bilíngües, o oralismo continua presente e defendido por alguns
familiares de surdos, profissionais e pessoas com surdez 10.
2.4.1 Diferentes facetas do oralismo
Em seu início, n o campo da pedagog ia do su rd o,
existia um aco rd o unân ime sobre a conveniên cia de
que esse sujeito aprend esse a língua que falavam
os ouvin tes da socied ade n a qual viviam; porém , n o
bojo dessa unanimid ade, já no com eço do século
XVI I I, foi ab erta uma brech a que se alargaria com o
passar
do
tempo
e
qu e
separaria
irreco nciliavelmente
oralistas
de
gestualistas
(LACERDA, 19 96, p.6).
De
forma
simplificada,
preponderante
até
a
pode-se
década
dizer
de
que
1980,
o
oralismo,
defendia
a
“desmutização”, em outras palavras, o aprendizado apenas da
LO com o objetivo de recuperar o surdo, integrá-lo à sociedade,
ou seja, de, se possível, torná-lo como o ouvinte. Nesse caso, a
LO tornava-se mais um objetivo do que um instrumento do
aprendizado
10
e
da
comunicação
(BRITO,
1993,
p.27;
P o d e- s e d i z er q u e ex i s t em em mei o a o s s u r d o s d oi s gr u p o s d i s t i n t o s : os “ s u r d o s s i n a l i z a d o r es ” ,
q u e d ef en d em a L S e o b i l i n gü i s mo e o s “ s u r d o s o r a l i z a d o s ” , q u e r ep u d i a m a L S e d ef en d em o
o r a l i s mo.
16
BERNARDINO,
2000,
p.29),
pois
seu
aspecto
sonoro
era
enfatizado em detrimento de sua estruturação semântica e, até
mesmo, de seu registro lingüístico. Segundo Brito (1995, p.15):
Devido à falta de au dição do surdo, alguns
méto dos,
na
ânsia,
de
suprir
essa
falta,
centralizaram su a atenção na produção e recep ção
da cadeia sono ra d a fala, isto é, no nível fo nético,
neg ligen ciando, m uitas vezes, o nível sem ânticoco gnitivo.
Na
filosofia
comunicação
educacional
gestual
oralista,
deveria
ser
toda
e
negada
qualquer forma de
ao
surdo.
Muitos
acreditavam que o contato dos surdos com a linguagem gestual
impediria que eles se desenvolvessem oralmente e os levaria a
viver à margem da sociedade ouvinte. Segundo Souza (1998,
p.4):
A idéia central do oralismo é que o “deficien te
aud itivo” sofre de u ma patolog ia crô nica […]
obstaculizando a “aquisição normal” da lingu agem,
dem and a intervenções clínicas d e especialistas,
tidos quase co mo responsáveis ún icos por “restituir
a fala” a “esse tip o de enferm o”. Para o oralism o, a
ling uagem é um códig o de formas e regras estáveis
que tem na fala preced ência histórica e n a escrita
su a via d e manifestação mais im portante. Gestos o u
sinais, n ão im porta de q ue natureza fossem, eram e
ain da são considerados acessó rios, dep endentes da
fala e/ o u inferiores a ela d o p onto de vista
simbólico. O o ralism o defen de essencialmen te a
su premacia da voz, transforman do-a em nu clear d o
que
consideram
ser o “tratamento
educativo
interdisciplinar” da p essoa surda.
Para
conseguir
desenvolvimento
alcançar
normal
seu
da
objetivo,
linguagem
a
oral,
aquisição
os
e
oralistas
desenvolveram e empregaram diferentes instrumentos, técnicas
e metodologias de oralização: a verbo-tonal, a audiofonatória, a
17
aural, a acupédica, a intervenção precoce, a protetização, o
implante coclear e etc (GOLDFELD, 1997, p.31; MOURA, 2000,
p.53-5; CAPOVILLA, 2001, p.1482). Além disso, muitos oralistas
também se dedicaram ao ensino da escrita e a rigorosos treinos
de leitura.
Apesar do grande afinco e dedicação dos oralistas, o oralismo
não obteve resultados tão satisfatórios, talvez devido à maneira
como se enfatizava a LO em detrimento de outros importantes
aspectos
da
comunicação,
da
interação,
da
educação
e
da
inserção social. 11 A educação de cunho oralista “não garante o
pleno desenvolvimento da criança surda e nem a sua integração
à comunidade ouvinte”, visto que o domínio apenas da LO “em
hipótese alguma possibilita a equiparação entre pessoas surdas
e ouvintes” (GOLDFELD, 1997, p.86).
No começo do século X X, enco ntram-se os p rim eiros
relato s dos insucessos d o oralismo . Um insp etor
geral de Milão descreveu que o nível d e fala e de
aprendizado de leitura e escrita do s Su rd os após
sete a oito anos de escolarid ade era m uito ruim,
sendo q ue estes Surdos não estavam preparados
para n enhu ma fun ção , a não ser co mo sapateiros o u
co stureiros. Na Fran ça isso tamb ém foi notado , os
Surdos educados n o oralism o tinh am uma fala
inin teligível (MOURA, 20 00, p. 49).
11
“ O s mé t o d o s o r a i s s o f r em u ma s é r i e d e c r í t i c a s p el o s l i mi t es q u e a p r es en t a m, mes mo c o m o
i n c r emen t o d o u s o d e p r ó t es es . A s c r í t i c as v ê m, p r i n c i p a l men t e, d os E s t a d os U n i d o s . A l gu n s
mé t o d o s p r ev ê em, p o r ex emp l o, q u e s e en s i n em p a l a v r a s p a r a c r i a n ç a s s u r d a s d e u m a n o.
E n t r et a n t o , el a s t er ã o d e en t r a r em c o n t a t o c o m es s as p a l a v r a s d e mo d o d es c o n t ex t u al i z a d o d e
i n t er l oc u ç õ es ef et i v a s , t o r n an d o a l i n gu a gem a l go d i f í c i l e a r t i f i c i a l . O u t r o a s p ec t o a s er
d es en vo l v i d o é a l ei t u r a l a b i a l , q u e p a r a a i d a d e d e u m a n o é , em t er mo s c o gn i t i v os , u ma t a r ef a
b a s t a n t e c omp l ex a , p a r a n ã o d i z er i mp os s í vel . É mu i t o d i f í c i l p a r a u ma c r i an ç a s u r d a p r o f u n d a,
a i n d a q u e ‘ p r o t et i z ad a ’ , r ec o n h ec er , t ã o p r ec o c emen t e, u ma p a l a v r a at r a v és d a l ei t u r a l a b i a l .
L i mi t a r - s e a o c a n a l v oc a l s i gn i f i c a l i mi t a r en o r memen t e a c o mu n i c a ç ã o e a p o s s i b i l i d a d e d e u s o
d es s a p a l a v r a em co n t ex t o s a p r o p r i a d o s . O q u e o c o r r e p r a t i c amen t e n ã o p o d e s er c h a ma d o d e
d es en vo l v i men t o d e l i n gu a gem, ma s s i m d e t r ei n a men t o d e f a l a o r ga n i z ad o d e ma n ei r a f o r ma l ,
a r t i f i c i a l , c o m o u s o d a p a l a v r a l i mi t a d o a mo men t o s em q u e a c r i a n ç a es t á s en t a d a d i a n t e d e
d es en h o s , f o r a d e co n t ex t o s d i a l ó gi c os p r o p r i a men t e d i t o s , q u e d e f a t o p er mi t i r i a m o
d es en vo l v i men t o d o s i gn i f i c a d o d a s p a l av r a s . E s s e a p r en d i z a d o d e l i n gu a gem é d es v i n c u l a d o d e
s i t u a ç õ es n a t u r a i s d e c omu n i c a ç ã o , e r es t r i n ge a s p os s i b i l i d a d es d o d es en v o l v i men t o gl ob a l d a
criança” (LACERDA, 1996, p.18).
18
Contudo,
pode-se
verificar
que
os
somente
levar
surdo
falar
e
desenvolver
o
competência
a
oralistas
a
lingüística,
ler
o
esperavam
os
que
lábios,
lhes
não
mas
a
permitiria
desenvolver-se social, emocional e intelectualmente e, dessa
maneira, integrar-se ao mundo dos ouvintes (CAPOVILLA, 2001,
p.1481). Entretanto, isso não foi possível devido, entre outros,
ao fato de que essa filosofia educacional ampara-se em uma
idéia equivocada de que há uma dependência intrínseca entre a
linguagem e a linguagem oral e entre desempenho oral e o
desenvolvimento
cognitivo.
Portanto,
nessa
perspectiva,
acredita-se que “o desenvolvimento cognitivo está condicionado
ao maior ou menor conhecimento que tenham as crianças surdas
da língua oral” (SKLIAR, 1997a, p.111).
Ao
se
restringir
a
essa
concepção
de
linguagem,
desconsiderando os aspectos cognitivos que são determinados
pela linguagem e pela cultura para se limitar a oralização da
criança surda, o oralismo “produz” surdos que, embora possam
“falar”
o
interagir
português,
com
pragmáticas
cognitivas,
os
ouvintes, devido
relativas
sociais
provavelmente
e
à
língua
emocionais
não
serão
a questões
em
uso
advindas
e
da
capazes
semânticas
a
de
e
dificuldades
não-aquisição
natural e contextualizada de uma língua na infância (GOLDFELD,
1997, p.91). Considerando isso, pode-se afirmar que
[…] tod as estas tentativas de oralização d o Su rd o
caminh aram
num a
b usca
incessante
de
uma
transfo rm ação do Surdo num ouvinte que ele jam ais
pod eria vir a ser. Com o ele não po deria vir a ser,
nem se com portar, n em aprender da mesma forma
que o ou vinte, as abordagens oralistas não
19
co nduziram ao resu ltado desejado: desen volvimen to
e integração do Surdo n a comu nidade o uvin te
(MOURA, 200 0, p.55).
É importante a compreensão de que o oralismo, desde suas
origens quinhentistas, fundamentou-se em concepções médicas,
religiosas, filosóficas e, até mesmo, políticas (SKLIAR, 1997b),
sem as quais ele não teria surgido e muito menos ganhado
consistência. Podem-se encontrar essas concepções em diversas
obras,
inclusive
nos
textos
clássicos,
tanto
sacros
quanto
seculares (CAPOVILLA, 2001, p.1480). Foi justamente por vieses
oralistas que se fomentou, no século XVI, a concepção de que
os surdos eram educáveis.
O imaginário da sociedade quinhentista estava marcado pela
idéia de que a linguagem oral era o cerne da aprendizagem e do
desenvolvimento
demonstrações
humano.
oralistas
de
Portanto,
surdos
foram
usando
exatamente
a
LO,
falada
as
e
escrita, que possibilitaram uma mudança nesse imaginário que
passou a aceitar, pouco a pouco, a possibilidade de os surdos
serem educados, visto que conseguiam usar a linguagem oral. A
partir
de
então,
tornaram-se
possíveis
os
relatos
que,
de
alguma maneira, creditaram à LS um certo status 12.
2.4.2 Expressões do gestualismo
O surgimento de uma filosofia educacional gestualista talvez
possa ser relacionado ao fato de que, reconhecida a natureza
12
C a p o v i l l a ( 2 0 0 1 , p .1 4 8 0 ) es c r eve: “ U ma h on r o s a ex c eç ã o d o s é c u l o X V III f o i o f i l ó s o f o
C on d i l l ac . E mb o r a a p r i n c í p i o co n s i d er a s s e o s S u r d o s c omo mer a s es t á t u as s en s í v ei s e má q u i n a s
a mb u l a n t es , i n c a p az es d e p en s a men t o e l i n gu a gem, d ep o i s d e c o mp a r ec er i n có gn i t o à s au l a s d o
a b a d e l ’ E p é e, el e s e c o n v er t eu e f or n ec eu o p r i mei r o en d o s s o f i l o s ó f i c o d a L í n gu a d e S i n a i s e d e
s eu u s o n a ed u c a ç ã o d o S u r d o ( L A N E , 1 9 8 4 ) ” .
20
educável do surdo e aceita a idéia de que a surdez não trazia
prejuízos para o desenvolvimento da inteligência, era possível
olhar
a
linguagem
gestual
usada
pelos
surdos,
para
comunicarem entre si, como uma possibilidade de interlocução
com eles e como um meio de ensino da língua oral, falada e
escrita. De acordo com Lacerda (1996, p.6), os gestualistas
eram m ais to lerantes diante das dificu ldad es d o
su rd o com a língu a falada e foram capazes d e ver
que os surdo s desenvolviam uma ling uagem qu e,
ain da que diferente da oral, era eficaz para a
co municação e lh es abria as p ortas para o
co nhecimento d a cultura, inclu indo aqu ele dirigid o
para a língu a oral.
L’Epée, o precursor do uso da LS na educação dos surdos,
provavelmente,
maneira.
É
viu
a
inegável
linguagem
o
fato
de
gestual
que
ele
dos
surdos
apresentou
dessa
uma
perspectiva avançada para a educação dos surdos no século
XVIII: o uso da LS, ainda que adaptada numa forma de “francês
sinalizado”.
Embora avançasse, L’Epée, considerava a linguagem oral muito
importante, no sentido de que não só ensinava leitura e escrita
aos seus alunos surdos, mas, principalmente, acrescentava à LS
aquilo que, segundo ele, faltava, ou seja, uma “gramática”.
Assim, ele criou os Sinais Metódicos: um misto do léxico da LS
com a gramática francesa.
Durante a ascensão do gestualismo, na segunda metade do
século XVIII e primeiras décadas do XIX, percebe-se, mesmo
entre os seus defensores, uma certa controvérsia: ao mesmo
tempo em que exaltavam a LS, a depreciavam. Segundo Oliver
21
Sacks (1998, p.33), L’Epée considerava a LS, “por um lado, uma
língua
‘universal’ 13;
por
outro
lado,
destituída
de
gramática
(portanto, necessitando da importação da gramática francesa,
por exemplo)”.
Desloges, surdo francês, considerava que a LS seria a língua
mais própria à expressão das sensações sendo semelhante às
outras, entretanto também a via como “incompleta”, a ponto de
afirmar que embora L’Epée não tivesse sido o seu inventor, ele
teria reparado o que encontrou incompleto nela, ampliando-a e
dotando-a de regras. 14
Com as decisões do Congresso de Milão, em 1880, o gestualismo
foi
posto
como o
grande
vilão e
empecilho
do
sucesso do
processo educacional, passando a ser gradativamente banido da
educação dos surdos. Iniciava-se uma nova era da educação de
surdos: a era do oralismo puro.
Assim , d urante qu ase um sécu lo (1880 -19 60), o
discurso do minante sobre a su rd ez cen trou -se n o
13
“ C o mo é f a t o b a s t a n t e c o n h eci d o , o s f i l ó s o f o s d o s s é c u l o s X V II e X V III a c r ed i t a v a m q u e a
p r i mei r a l i n gu a gem d o s h o men s t er i a s i d o a d e a ç ã o - o s s u r d o s a t er i a m c on s er v a d o e a p r i mo r a d o.
A l i n gu a gem d e a ç ã o , s egu n d o o s i l u mi n i s t as , s er i a u ma f or ma d e r egi s t r o mai s a c u r a d a d a
r ea l i d a d e, p oi s , c omo u m es p el h o, r ef l et i r i a o mo d o s i mu l t â n eo c o mo o s s en t i d o s p er c eb i a m o
mu n d o ex t er i o r - s er i a d el es , p or t a n t o, u ma f o r ma d e r ep r es en t a ç ã o d es d o b r a d a . A l í n gu a o r a l t er i a
s u r gi d o c o mo u ma ex p a n s ã o l a t er a l d a l i n gu a gem d e a çã o p o r c on v en i ê n c i a s i mp o s t as p el a s
n ec es s á r i a s a d a p t a ç õ es a o a mb i en t e - p o d er s er p er c ep t í v el n o es c u r o d a s c a ver n a s , p o r ex emp l o
( C f . F o u c a u l t , 1 9 9 2 : 1 2 1 - 1 2 5 ) . A s s i m co n c eb i d a , a l i n gu a gem d e s i n a i s t er i a u m ca r á t er u n i v er s a l ,
u ma v ez q u e t o d o s o s h o men s s er i a m d o t ad o s d a s mes mas c on d i ç õ es d e f u n c i on a men t o d o s s en t i d o s
e p or q u e os o b j et o s p er c eb i d o s t er i a m s emp r e a s mes ma s c a r a c t er í s t i c as , i n d ep en d en t e d o p a í s .
Q u er d i z er : s e n a l i n gu a gem d e a ç ã o h a v i a ( s u p os t a men t e) u ma r el a ç ã o i s o mó r f i ca en t r e o r ef er en t e
e a s s en s a ç õ es , e, p o r t a n t o , en t r e a c o i s a e o s i n a l c o r r es p o n d en t e, a l an gu e d es s i gn es s ó p o d er i a
s er en t en d i d a c o mo s en d o , n ec es s ár i a e l o gi c a men t e, c o mu m a t o d os o s p ov o s ” ( S O U ZA , 2 0 0 3 ,
p .3 3 4 ) .
14
“ ( .. .) c er t a v ez l 'E p é e c on c eb eu o n o b r e p r o j et o d e d ev o t a r - s e à ed u ca ç ã o d o s u r d o ; el e
s a b i a men t e ob s er v o u q u e el es p o s s u í a m u ma l i n gu a gem n a t u r a l p a r a s e c o mu n i c a r em en t r e s i .
C omo es s a l i n gu a gem n ã o er a ou t r a s en ã o a d e s i n a i s , el e s u p ô s q u e, s e el e s e emp en h a s s e em
c o mp r een d ê - l a , o t r i u n f o d e s eu emp r een d i men t o s er i a a s s egu r a d o . E s s e d i s c er n i men t o f o i
r ec o mp en s a d o c om s u c es s o . E n t ã o o ab a d e d e l 'E p é e n ã o f o i o i n v en t o r o u o c r i a d or d es s a
l i n gu a gem; p el o c o n t r á r i o , el e a a p r en d eu c o m o s u r d o ; el e s o men t e r ep a r o u o q u e en c o n t r o u
i n c o mp l et o n el a ; el e a a mp l i o u e l h e d eu r egr a s met ó d i c a s ” ( D E S L O G E S , 1 9 8 4 , p . 3 4 ap u d
N A S C IM E N T O , 2 0 0 6 , p . 2 5 8 ) .
22
abafar, no inferiorizar, no descaracterizar as
diferenças, elevan do e enfatizando aquilo que
estava au sen te no surdo frente ao m odelo o uvin te
(a au dição, a fala, a lin guag em), determinando o
desen volvimen to de ab ordagens clín icas e práticas
ped agó gicas que b uscavam o ap agam ento da
su rd ez, po r m eio da tentativa d e restituição da
aud ição p elo uso de ap arelho s de amp lificação
so nora, e de levar os surdo s ao desenvo lvim ento da
ling uagem oral a partir de técnicas m ecânicas e
desco ntextualizadas de trein o articu latório (LODI ,
200 5, p.416).
Praticamente
um
século
de
preponderância
do
oralismo
fez
aflorar uma realidade não muito satisfatória. Segundo Lacerda
(1996, p.15):
Os resu ltados de muitas décadas de trabalho nessa
linh a, no en tanto, não mostraram gran des sucessos.
A
maior
parte
do s
surd os
p ro fundo s
não
desen volveu um a fala socialm ente satisfatória e, em
geral, esse desenvolvimento era p arcial e tardio em
relação à aquisição de fala apresentada p elos
ouvintes, im plicand o um atraso de desen volvimen to
glo bal significativo . Som adas a isso estavam as
dificuldades ligadas à ap rendizagem da leitura e da
escrita:
semp re
tardia,
ch eia
de
problemas,
mo strava
sujeitos,
m uitas
vezes,
apenas
parcialm ente
alfabetizados
após
anos
de
esco larização .
2.4.3 Um fôlego em meio ao oralismo: uma filosofia híbrida de
transição
A insatisfação com os insucessos do oralismo possibilitou o
surgimento, na década de 70, de uma proposta diferenciada
que, de certa maneira, possibilitava a revitalização da LS no
processo de ensino-aprendizagem dos surdos. Segundo Brito
(1993,
p.31),
essa
perspectiva,
tal
como
foi
concebida,
propunha o “reconhecimento das línguas de sinais como direito
23
fundamental
da
criança
surda”.
Nessa
nova
proposta
educacional, “a premissa básica era a utilização de toda e
qualquer forma de comunicação com a criança Surda, sendo que
nenhum método ou sistema particular deveria ser omitido ou
enfatizado” (MOURA, 2000, p.57).
A
Comunicação
Total 15,
como
foi
batizada,
utiliza
todos
os
recursos e técnicas orais e manuais que possibilitam a interação
comunicativa tanto entre ouvintes e surdos quanto entre surdos
e surdos: gestos, mímica, fragmentos da LS, pantomima, leitura
labial,
dramatização,
sinalizadas
da
LO,
expressões
pidgin,
faciais,
estimulação
datilologia,
auditiva,
formas
próteses,
leitura, escrita, etc.
A Comunicação Total 16 seria um híbrido do oralismo com o
gestualismo
e,
somente
aprendizado
o
diferentemente
da
do
LO
oralismo,
não
defenderia
asseguraria
o
que
pleno
desenvolvimento do surdo (GOLDFELD, 1997, p.36). De acordo
com Fernando Capovilla (2001, p.1483), a Comunicação Total:
Advoga o uso de tod os os m eios qu e possam
facilitar a co municação, desde a fala sinalizad a,
passando po r uma série de sistem as artificiais, até
ch egar ao s sin ais natu rais da Língu a d e Sinais. […]
A Comun icação To tal advo ga o uso de um o u m ais
15
N í d i a d e S á r es s a l t a q u e a t u a l men t e o t er mo “ C o mu n i c aç ã o T o t a l ” t em s i d o u t i l i z a d o a p a r t i r d e
d i f er en t es en t en d i men t o s : “ a ) p o d e r ef er i r - s e a u m p o s i c i o n a men t o ‘ f i l o s ó f i c o - emo c i o n a l ’ d e
a c ei t a ç ã o d o s u r d o e d e ex a l t a ç ã o d a c omu n i c a ç ã o ef et i v a p el a u t i l i z a ç ã o d e q u a i s q u er r ec u r s o s
d i s p o n í vei s ; b ) p o d e r ef er i r - s e à a b o r d a gem ed u c a c i o n a l b i mo d a l q u e o b j et i v a o a p r en d i z a d o d a
l í n gu a d a c o mu n i d a d e ma j or i t á r i a a t r a v é s d a u t i l i z a ç ão d e t od o s o s r ec u r s o s p os s í v ei s a l é m d a f a l a,
q u a i s s ej a m: l ei t u r a d o s mo v i men t o s d o s l á b i os , es c r i t a, p i s t a s a u d i t i v a s , e, a t é mes mo d e
el emen t o s d a l í n gu a d e s i n a i s ; c ) p o d e r ef er i r - s e a u m t i p o d e b i mod a l i s mo ex a t o , q u e f a z u s o
s i mu l t â n eo o u c omb i n ad o d e s i n a i s ex t r a í d o s d a l í n gu a d e s i n a i s , o u d e o u t r o s s i n a i s gr a ma t i c a i s
n ã o p r es en t es n el a , ma s q u e s ão en x er t a d os p a r a t r a d u z i r a l i n ea r i d a d e d a l í n gu a n a mo d a l i d a d e
o r a l e p a r a a u x i l i a r v i s u a l men t e o a p r en d i z a d o d a l í n gu a - a l v o , q u e é a o r a l ” ( S Á , 1 9 9 9 , p . 9 9 - 1 0 2
a p u d S Á , 2 0 0 2 , p .6 4 ) .
16
V a l e r es s a l t a r q u e, emb o r a a C o mu n i c a ç ã o T ot a l s u r j a, n o s f i n s d o s éc u l o X X , c o mo u ma
f i l os o f i a ed u c a ci o n a l , o a b a d e L ’ E p é e j á h a v i a r ea l i z a d o p r o p o s t a s s emel h a n t es n o In s t i t u t o d e
S u r d o s d e P a r i s , n o s é c u l o X V III, a o c r i a r o s S i n a i s M et ó d i c o s .
24
desses sistemas, jun tamen te com a lín gua falad a,
co m
o
ob jetivo
básico
de
abrir
canais
de
co municação adicionais. É mais um a filosofia q ue se
opõ e ao Oralismo estrito do que prop riamen te um
méto do.
A Comunicação Total demonstrou uma eficácia maior em relação
ao oralismo, pois ela possibilitou a presença da LS na escola
como
um
auxílio
na
aquisição
da
língua
falada
e
escrita.
Segundo Moura (2000, p.59), “a Comunicação Total expandiu-se
nos Estados Unidos e em outros países, tendo sido a forma pela
qual os Sinais puderam ser aceitos”. Contudo, o uso simultâneo
de diversos meios e códigos comunicativos acabou por fazer da
prática bimodal 17 o centro de tal filosofia. Segundo Souza (1998
p.7):
Sinalizar o Po rtu guês era com o co nseguir um meiotermo q ue ap arentem ente satisfazia aos dois grupos
envolvidos. Se d e um lado o s su rd os po deriam
read quirir o direito d e usar a LI BRAS fora da classe,
de ou tro, na escola, os p ro fessores teriam sua
tarefa de ensino facilitada co m o uso de sinais. Essa
aparente solução era subsidiad a pelas “n ovas”
idéias na Educação do Surdo, m ais ou menos
cristalizadas o u que giravam na ó rb ita do que se
co mpô s co m o rótulo de Com unicação To tal.
Para Brito (1993, p.31), a Comunicação Total, tal como foi
sendo aplicada, deixou de representar uma perspectiva oposta
ao Oralismo, para se tornar apenas uma técnica manual dele.
De acordo com Goldfeld (1997, p.97):
17
O b i mod a l i s mo s er i a o u s o s i mu l t â n eo d e c ó d i gos ma n u a i s c om a L O . E l e s e ma n i f es t a a t r a v é s d a
u t i l i z a çã o d a L O j u n t o a a l gu n s c ó d i go s ma n u ai s , t a i s co mo o p o r t u gu ê s s i n a l i z a d o ( u s o d o l é x i c o
d a L S n a es t r u t u r a d a L O e a l gu n s s i n a i s i n v en t a d o s , p a r a r ep r es en t a r es t r u t u r a s gr a ma t i c a i s d o
p o r t u gu ê s q u e n ã o ex i s t em n a L i b r a s ) , o “ c u ed - s p eec h ” ( s i n a i s ma n u a i s q u e r ep r es en t a m o s s o n s d a
L P ) , o p i d g i n ( s i mp l i f i c aç ã o d a gr a má t i ca d e d u a s l í n gu a s em c o n t a t o ) e, a t é mes mo , a d a t i l o l o gi a
( r ep r es en t a ç ã o ma n u al d a s l et r as d o a l f a b et o ) .
25
A Com unicação Total apresenta aspectos p ositivos e
neg ativo s. Por um lado , ela am pliou a visão de
su rd o e su rd ez, deslo can do a prob lemática d o su rd o
da necessid ade de oralização , e ajud ou o p ro cesso
em p ro l da utilização d e cód igos espaço-visuais. Por
outro lado, não valorizando suficientem ente a
líng ua de sinais e a cultu ra surda, prop icio u o
su rg imen to de diverso s có digo s diferentes da língua
de sinais, qu e não pod em ser utilizado s em
su bstituição a um a líng ua, com o a líng ua de sinais,
no
processo
de
aquisição
da
lin guag em
e
desen volvimen to cog nitivo d a criança surda.
Embora
a
Comunicação
Total
tivesse
de
fato
melhorado
a
interação entre os professores ouvintes e os alunos surdos, o
conhecimento
dos
conteúdos
escolares
e
as
habilidades
de
leitura e escrita ainda continuavam aquém do esperado (LIMA,
2004, p.34). 18 Segundo Moura (2000, p.63),
Na verd ade, o desenvolvimento das crian ças Surdas
melhorou m uito co m o Bim odalism o: elas podiam se
co municar de uma forma mu ito m ais fluída, a
co municação o ral não ficou p rejudicada com o
mu ito s do s opo sitores das líng uas sinalizadas
esperavam
qu e
aco ntecesse,
o
desem penh o
acadêmico m elho ro u, m as nem to dos o s problemas
foram solu cion ados.
18
F er n a n d o C a p o vi l l a ( 2 0 0 1 , p .1 4 8 6 ) , r el a t a q u e “ p r oc u r a n d o d es c o b r i r p o r q u e a s a u l a s em q u e s e
o r a l i z a v a e s i n a l i z a v a a o mes mo t emp o n ã o p r o d u z i a m a mel h o r a es p er a d a n a a q u i s i ç ão d a l ei t u r a e
es c r i t a a l f ab é t i c as , os p es q u i s a d o r es d ec i d i r a m r egi s t r a r a s au l a s d o p on t o d e vi s t a d e u m a l u n o
S u r d o e, en t ã o d i s c u t i r c o m a s p r o f es s o r a s o q u e p od er i a es t a r a c on t ec en d o . P a r a t a n t o , el es
f i l ma r a m a s a u l a s em C o mu n i c a ç ão T o t a l mi n i s t r a d a s p el a s p r of es s o r a s , em q u e el a s s i n a l i z a v a m e
o r a l i z a v a m a o mes mo t emp o . E n t ão , c ol oc a n d o a s p r o f es s or as ‘ n a p el e’ d e s eu s a l u n o s S u r d o s , el es
ex i b i r a m a s f i t as à s p r o f es s o r a s , ma s s em o s o m d a f a l a q u e a c omp a n h a v a a s u a s i n a l i z a ç ã o , a s
p r o f es s o r a s ex i b i a m u ma gr a n d e d i f i c u l d ad e em en t en d er o q u e el a s mes ma s h a v i a m s i n a l i z a d o ! A s
p r ó p r i a s p r of es s o r a s p er c eb er a m en t ã o q u e, q u an d o s i n a l i z a v a m e f a l a v am a o mes mo t emp o, el a s
c o s t u ma v a m o mi t i r s i n ai s e p i s t a s gr a mat i c a i s q u e er a m es s en c i a i s à c o mp r een s ão d a s
c o mu n i c a ç õ es , emb or a at é en t ão c o s t u ma s s em cr er q u e es t a v a m a s i n a l i z a r c a d a p a l a v r a c o n c r et a e
d e f u n ç ã o gr a ma t i c a l em c a d a s en t en ç a f a l a d a . A c o n c l u s ã o d es co n c er t a n t emen t e ó b vi a f o i a d e
q u e, d u r a n t e t o d o o t emp o , a s c r i a n ç as n ã o es t a v a m o b t en d o u ma v er s ão v i s u a l d a l í n gu a f a l a d a n a
s a l a d e a u l a , ma s , s i m, u ma a mo s t r a l i n gü í s t i c a i n c o mp l et a e i n c o n s i s t en t e, em q u e n em o s s i n a i s
n em as p a l a v r a s f a l a d a s p o d i a m s er c o mp r een d i d os p l en a men t e p o r s i s ó s . E m c o n s eq ü ê n c i a
d a q u el a a b or d a gem, p a r a s o b r ev i v er c o mu n i c a t i v a men t e, a s c r i a n ç a s es t a v am s e t o r n an d o n ã o
b i l í n gü es c o mo s e es p er a v a, ma s s i m h emi l í n gü es , p o r a s s i m d i z er , s em t er a c es s o p l en o a q u a l q u er
u ma d a s l í n gu a s , e s em c o n h ec er o s l i mi t es en t r e u ma e o u t r a ” .
26
Com
o
insucesso
da
Comunicação
Total
e
o
aumento
significativo das pesquisas em relação à LS, surgiram novas
perspectivas para a educação de surdos, as quais passaram a
defender a idéia de que a educação deveria utilizar “a própria
Língua de Sinais natural da Comunidade Surda, e não mais a
língua falada sinalizada” (CAPOVILLA, 2001, p.1486).
2.4.4 Um novo avanço: a filosofia bilíngüe
A edu cação b ilíngü e para o surdo d esp ontou n o
cenário ed ucacio nal co mo uma abordag em qu e visa
não somente mod ificar a escolarização para surdos
que era n orteada p elo visível fracasso escolar, mas
tamb ém p ara ir de encontro às práticas p edagógicas
assum idas em ab ordagens educacionais anteriores
que p ermearam (e d e certa forma ainda p ermeiam)
a edu cação de surdos (oralismo e comu nicação
total) (LI MA, 20 04, p.37).
O bilingüismo apresentou-se, a partir dos anos 90, não só como
uma reação às filosofias educacionais anteriores, mas como a
expressão de uma nova visão sobre a surdez, os surdos e a LS.
A proposta bilíngüe valoriza a LS como meio de desenvolvimento
do surdo nas diversas áreas do conhecimento. Segundo essa
proposta, o surdo tem o direito de ter acesso à educação
através
de
desenvolver
sua
a
língua
natural,
linguagem,
o
a
LS,
com
a
pensamento,
a
finalidade
cognição,
de
a
consciência e sua identidade como qualquer outro indivíduo. Nas
palavras de Skliar (1997a, p.143-4):
[...] o mo delo bilín güe propõ e, en tão, d ar às
crianças
surdas
as
m esmas
possibilidades
psico lingüísticas que tem a ouvinte. Será só desta
maneira que a criança surda poderá atu alizar suas
capacidad es lingüístico-com unicativas, desen volver
su a identidade cultu ral e aprender.
27
A substituição de um modelo de Comunicação Total por um
Bilíngüe
amparou-se
não
só
no
insucesso
dos
modelos
anteriores, mas principalmente na nova maneira de olhar os
surdos, a surdez e as LS. Segundo Brito (1995, p. 15-6), os
estudos lingüísticos sobre as LS mostraram:
as especificidades p ró prias de u ma Líng ua de
Sinais,
o
que
impossibilita
o
seu
uso
co nco mitan temen te ao de uma lín gua oral, apesar
de se processarem através de m odalidades distintas
e exclusivas […] E sses estu dos salientam, po is, a
inviabilidade d a com unicação bimo dal, muito usada
atualmen te por aqueles q ue se dizem defensores da
Com unicação To tal.
É
importante
ressaltar
uma
diferença
básica
entre
a
Comunicação Total e o Bilingüismo. Na Comunicação Total, o
uso simultâneo da fala e dos sinais “torna impraticável o uso
adequado da língua de sinais” que, “por ser mais desprestigiada
e menos conhecida em sua estrutura, acaba por ter que se
moldar à estrutura da língua oral”; já no bilingüismo, pretendese que a LO e a LS “sejam ensinadas e usadas diglossicamente,
porém, sem que uma deforme a outra” (BRITO, 1993, p.46, 48).
Para
Goldfeld
(1997,
p.160),
o
bilingüismo
seria
a
melhor
filosofia educacional para a criança surda,
pois a exp õe a um a língua de fácil acesso, a língua
de sinais, q ue pod e evitar o atraso d e lingu agem e
possibilitar um plen o desenvolvim ento cognitivo,
além de exp or a criança à língua oral, qu e é
essencial para o seu convívio com a co mun idade
ouvinte e com sua próp ria família […] possib ilitando
a internalização d a linguagem e o desen volvimen to
das funções men tais superio res.
28
Em
suas
considerações
e
críticas,
Fernandes
(2003, p. 55)
afirma que “os últimos 100 anos de educação de surdos, no
Brasil, foram mais do que suficientes para aprendermos como
não educar surdos e, também, como não formar educadores de
surdos”.
Diante
dessa
conturbada
realidade,
atualmente,
as
pesquisas e as discussões com relação à surdez, aos surdos, à
sua língua, educação e cultura têm crescido consideravelmente.
No Brasil, por exemplo, o desenvolvimento dos Estudos Surdos
tem-se tornado um marco na melhor compreensão e modificação
das
propostas
educacionais
para
surdos.
Pode-se,
inclusive,
afirmar que atualmente assistimos à construção de um novo
paradigma da educação de surdos, o qual reconhece não só a
sua
diferença,
mas,
principalmente
seus
direitos
humanos
expressos na aceitação de sua língua, cultura e identidades.
Essas
mudanças
relacionam-se
ao
surgimento
de
diversas
pesquisas, na segunda metade do século XX, abordando os
surdos e a surdez. Portanto, é importante que se apresente um
esboço
geral
dessas
pesquisas
e
de
suas
constatações
e
apontamentos. O novo olhar acadêmico e científico em relação
ao
campo
da
fundamentos
surdez
possibilitou
educacionais
e
as
construções
proporcionaram
de
outros
sobre os conceitos de língua, cultura e aprendizado.
novos
olhares