Surdez e Surdos no Brasil - Universidade Federal de Minas Gerais
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Surdez e Surdos no Brasil - Universidade Federal de Minas Gerais
1 Surdez e surdos no Brasil 1 Carlos Henrique Rodrigues 2 Embora o Rio de Janeiro tenha sido, de certa maneira, o núcleo da educação dos surdos brasileiros, no século XX, tornaram-se visíveis diversas ações em vários outros lugares do Brasil. Em 1929, foi fundado em São Paulo o Instituto Santa Terezinha, o qual se dedicava à educação de moças surdas. O Instituto Santa Terezinha permitia o uso da LS fora de sala e, segundo Brito, “foi o segundo pólo de concentração de surdos usuários de língua de sinais no Brasil” (1993, p. 6). Segundo Monteiro (2006, p.283), o instituto seguia uma perspectiva oralista devido à forte influência dos educadores franceses católicos. Fato que também marcou a influência da Língua de Sinais Francesa (doravante LSF) na LS dos surdos brasileiros. Moura explica que inicialm ente, n a cidade de S ão Paulo, o trabalh o co m crianças Surdas nas escolas p articulares seguiu um a abordagem oralista. Estas esco las tinh am uma tradição religiosa, benem érita, o u surgiram através do in teresse de p ais e amigos d e Surdos. Seus objetivos eram pautados na integ ração do Surdo na co munidade ouvin te, onde o S urd o deveria procurar o seu lug ar de trabalho (2000 , p .9 1). Em 1950, surgiram, em São Paulo, as primeiras iniciativas da Rede Municipal de ensino e de alguns familiares de surdos, 1 Este texto foi extraído de RODRIGUES, C. H. R Situações de incompreensão vivenciadas por professor ouvinte e alunos surdos em sala de aula: processos interpretativos e oportunidades de aprendizagem. 2008. Dissertação (Mestrado em Educação e Linguagem). Faculdade de Educação. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008 (p.50-76). 2 Doutorando em Lingüística Aplicada - FALE/ UFMG (Estudos da Tradução); Mestre em Educação - FaE/ UFMG (Educação e Linguagem), Especialista em Educação Inclusiva (FJP), Bacharel e Licenciado em História (FAFICH/ UFMG), Graduado em Teologia (FATEBH), Professor de Língua de Sinais Brasileira e Intérprete de Língua de Sinais Brasileira Língua Portuguesa (Certificado pelo MEC - Prolibras). Atualmente é professor na Faculdade de Educação/ Universidade Federal de Juiz de Fora - FACED/ UFJF. 2 dando origem ao Instituto Hellen Keller e ao Instituto Educacional de São Paulo 3, ambos utilizando o método oral. Some-se o fato de que a Rede Estadual de Ensino de São Paulo, em 1957, criou cinco classes especiais nas escolas regulares para atender o aluno surdo (LIMA, 2004, p.26). Em Belo Horizonte, as primeiras ações com relação à educação de surdos teriam surgido na década de 30. Segundo Miranda (2007, p.50): Em 08 d e março de 193 8, o jo rnal de circulação d o Estado d e Minas Gerais, O DI ÁRI O, já relatava o início d a co nstrução do In stituto Santa I nês, indican do a quem ele pertencia _ Congreg ação das Filhas de Nossa Senhora do Monte Calvário _ e os mo tivos de sua co nstituição . O Instituto Santa Inês destacou-se na educação de surdos e contou com o apoio de religiosas do Instituto Estadual de Roma, uma importante instituição educacional para surdos da época. Ele propagou e defendeu a adoção do oralismo na educação de surdos e, aos poucos, passou a aceitar a LS como um auxílio à comunicação com os alunos surdos. Outra instituição criada na década de 30, que atendia alunos surdos, foi o Instituto Pestalozzi. Em 1979, foi fundada em Belo Horizonte a Clínica Fono, com o objetivo “de atender desenvolvimento (MIRANDA, 2007, assumindo uma 3 das pessoas habilidades p.55.). função Com mais surdas, promovendo sensoriais o e o psicológicas” tempo, a instituição educacional e passou a foi ser S egu n d o M i r a n d a ( 2 0 0 7 , p .3 5 ) “ o In s t i t u t o em 1 9 6 9 f o i d o a d o p a r a a F u n d a ç ã o S ã o P a u l o, en t i d a d e ma n t en ed o r a d a P U C S P . A p a r t i r d a í p a s s ou a s er c o n h ec i d o c o mo D E R D IC - D i v i s ã o d e E d u c a ç ã o e R eab i l i t a ç ã o d o s D i s t ú r b i os d a C o mu n i c a ç ã o” . 3 denominada como Clínica Escola Fono 4. Em sua proposta inicial, a clínica-escola seguia uma perspectiva educacional oralista, entretanto, com o tempo, passou a discutir as perspectivas da Comunicação Total. A partir da década de 80, em Belo Horizonte, outras instituições escolares passaram a atender alunos surdos. Dentre elas, podese destacar a Escola Estadual Francisco Sales – Instituto de Deficiência da Fala e da Audição, inaugurada em 1983, que, numa perspectiva oralista, tornou-se responsável pela escolarização inicial de crianças surdas. Nessa escola, somente após alguns anos, é que se começou a empregar a LS, dentro das diretrizes da Comunicação Total. O movimento de criação de escolas especiais, classes especiais para surdos, bem como salas mistas de surdos e ouvintes com a presença do intérprete de Libras, tornou-se realidade em todo o Brasil na década de 1990. Essa mudança inicial foi amparada pelas novas visões sociais, antropológicas, lingüísticas e pedagógicas com relação à surdez e aos surdos e fortalecida, no século XXI, pelo surgimento de uma legislação 5 específica em relação aos surdos, sua língua e educação. Em Belo Horizonte, podemos citar: a Escola Estadual José Bonifácio, que em 1996 formou sua primeira turma de surdos; a 4 “ E m 1 7 d e n o v emb r o d e 1 9 8 1 , co m p a r ec er f a vo r á v el p el o C E E d a S ec r et a r i a d e E s t a d o d a E d u c a ç ã o – S E E , f i c a au t o r i z a d o o f u n c i o n a men t o d a E s c o l a F o n o , d e en s i n o d o 1 º gr a u es p ec i a l n a r ed e p a r t i c u l a r , d e B el o H or i z on t e. ( D ec r et o n º 4 6 7 / 8 1 ) . A p r op o s t a p ed a gó gi c a d a es c o l a s egu i a o s mes mos mo l d es d a p o l í t i c a ed u c a c i o n a l d es en vo l v i d a a p a r t i r d o C o n gr es s o d e M i l ã o em 1 8 8 0 , u ma ed u ca ç ã o v ol t a d a p a r a o i n c en t i vo e a s p r á t i c a s en d o s s a d a s p el a met o d o l o gi a or a l ” ( M I R A N D A , 2 0 0 7 , p .5 5 - 6 ) . 5 A L ei 1 0 . 4 3 6 d e 2 4 d e a b r i l d e 2 0 0 2 o f i c i a l i z ou a L i b r a s , L í n gu a d e S i n a i s B r a s i l ei r a , c o mo l í n gu a d a C o mu n i d a d e S u r d a B r a s i l ei r a , e o D ec r et o 5 .6 2 6 d e 2 2 d e d ez emb r o d e 2 0 0 5 a r egu l a men t o u , j u n t o a o a r t i go 1 8 d a L ei n o 1 0 . 0 9 8 , d e 1 9 d e d ez emb r o d e 2 0 0 0 . 4 Escola Estadual Maurício Murgel, que em 1999 formou suas primeiras turmas mistas; a Escola Municipal Arthur Versiani Velloso, que, a partir do projeto piloto “Integração de alunos surdos no Ensino Regular”, 6 passou a atender alunos surdos; e a Escola Municipal Paulo Mendes Campos, que em 1998 passou a atender os surdos, jovens e adultos, no noturno. Outro fato marcante da história da educação dos surdos no Brasil foi a fundação, em 1977, da Feneida (Federação Nacional de Educação e Integração dos Deficientes Auditivos) por um grupo de profissionais (FENEIS, 1993, fundação da p.5). ouvintes Conta-se federação, um ligados que, grupo à área alguns de da anos surdos surdez após passou a a se interessar pela entidade, participando de seus encontros e da recém-fundada (RAMOS, 2004, Comissão p.2). de Essa Luta pelos comissão Direitos passou a dos Surdos reivindicar a participação efetiva dos surdos na Diretoria da Feneida. Assim, os surdos da comissão formaram uma chapa e conquistaram a presidência da entidade por um ano (FENEIS, 1993, p.5). Souza escreve (1998, p.90-1): Ao lutarem pelo s sin ais, os surdo s, organizad os, se diferenciam, p ela lingu agem qu e defendem, d o grupo m ajoritário usuário de um a outra ling uagem: a o ral. A partir dessa tom ada de consciência, as divergências com p ro fissionais ouvintes foram postas às claras e acabou por levar à po sse, p elos su rd os, da presidência d a FENEI DA, […] Simbo liza um a vitória co ntra o s ouvintes qu e con sideravam a eles, surdos, incapazes de opin ar e decid ir sob re seus p ró prios assuntos e, en tre eles, sub linha o pap el da ling uagem na edu cação regu lar. Desnud a, 6 O f o r ma t o i n i ci a l d o p r oj et o er a d e agr u p a men t o d e 5 a l u n o s s u r d o s p o r t u r ma , t en d o c o mo a p o i o p ed agó gi c o u ma p r o f es s o r a a u x i l i a r i n t é r p r et e d e L i b r a s , p a r a i n t er p r et a r o s c on t eú d o s d es en vo l v i d o s p el o p r o f es s o r r egen t e. 5 ain da, uma m udan ça de perspectiva, ou de representação discursiva, a respeito d e si próprio s: ao alterarem a deno minação “deficiente aud itivo”, imp ressa na sigla FENEI DA, para “Surdo s”, em FENE IS, deixam claro qu e recu savam o atribu to estereotipado q ue n ormalm ente os ouvintes ainda lhes co nferem , isto é, o d e serem “deficientes”. Então, em (Federação 1987, a Nacional Feneida de passou Educação e a se chamar Integração de Feneis Surdos). Segundo Ramos (2004, p.2), a criação da Feneis 7 deu-se através da ação de um grupo de surdos em uma assembléia geral na qual se votou o fechamento da Feneida. A Feneis constituiu-se como uma instituição não-governamental, filantrópica, sem fins lucrativos, com caráter educacional, assistencial e sociocultural (FENEIS, 1993, p.7). Suas metas principais seriam promover e ampliar a educação e a cultura do indivíduo surdo, amparar socialmente este indivíduo, congregar e coordenar atividades junto às filiadas, associações, escolas e instituições da área da surdez, lutar pela melhoria de recursos educacionais e pela inclusão social dos surdos, organizar e participar de eventos na área da surdez. A Feneis tem realizado diversas ações sociais e políticas, tais como inclusão de surdos no mercado de trabalho, assistência jurídica aos surdos, serviços de intérpretes de Libras-LP para 7 “ A s en t i d a d es f u n d a d o r a s d a F E N E I S f o r a m: A s s o c i a ç ã o d e P a i s e A mi go s d o D ef i c i en t e d a A u d i ç ã o - A P A D A / N i t er ó i - R J , A s s o c i a ç ã o d o s S u r d o s d e M i n a s G er a i s - M G , A s s o c i a ç ã o d o s S u r d o s d o R i o d e J a n ei r o - R J , A s s o c i a ç ã o A l v o r a d a C o n gr ega d o r a d e S u r d o s - R J , A s s oc i aç ã o d o s S u r d o s d e C u i a b á - M T , A s s o c i a ç ã o d os S u r d o s d e M a t o G r os s o d o S u l - M S , I n s t i t u t o L on d r i n en s e d e E d u c a ç ã o d e S u r d o s – P R , E s c o l a E s t ad u a l F r a n c i s c o S a l es – M G , In s t i t u t o N o s s a S en h o r a d e L ou r d es – R J , A s s oc i aç ã o d e P a i s e A mi go s d o s S u r d o s – A P A S – P R , A s s o c i a ç ã o d e P a i s e A mi go s d o D ef i c i en t e d a A u d i oc o mu n i c a ç ã o – A P A D A / M a r í l i a – S P , C en t r o E d u c a c i o n a l d e A u d i ç ã o e F a l a – D F , A s s o c i a ç ã o d o D ef i c i en t e A u d i t i v o d o D i s t r i t o F ed er a l – D F , C en t r o V er b o- T o n a l S u va g/ R ec i f e – P E , A s s oc i a ç ã o B em A ma d o d os S u r d os d o R i o d e J a n ei r o – R J e A s s oc i aç ã o d e P a i s e A mi go s d o D ef i c i en t e A u d i t i vo / A P A D A – D F ” ( R A M O S , 2 0 0 4 , p . 6 , 7 ) . 6 acompanhar informação os e surdos quando esclarecimento aos necessário, pais, aos serviços educadores, de às autoridades e ao público em geral, organização de cursos de Libras, capacitação de instrutores de Libras e de intérpretes e produção de publicações com assuntos de interesse da comunidade surda, dentre outras. A história de formação da Feneis evidencia a emergência dos movimentos reivindicatórios organizados pelos surdos brasileiros em prol não somente do “direito de um ensino em Libras”, mas principalmente pelo direito a opinar e decidir acerca de quaisquer decisões políticas que envolvam os surdos. A formação da Feneis inaugurou um importante capítulo das relações políticas entre surdos e ouvintes e influenciou significativamente a educação de surdos no Brasil. Vale ressaltar que, contrapondo-se à preponderância do método oral, a LS tornou-se o ponto central da luta da FENEIS e o símbolo por excelência da surdez (BRITO, 1993, p.28). Segundo Antônio Campos de Abreu, surdo e integrante da Diretoria da entidade: Para a Feneis, a lín gua de sinais é u m d ireito d o su rd o à língu a materna, respon sável pelo seu desen volvimen to cultural social e acad êmico/ edu cacion al. As dú vidas, receio s e dificuld ades de assum ir essa po stura prejud ico u em m uito, o su rd o, além d a qu estão d o tem po perdido em discu ssões entre famílias e pro fissionais envo lvido s com este indivídu o. A Líng ua de Sinais é a ch ave para am pliar a inserção d o surdo no âmbito so cial (AZEREDO, 2006 , p . 7 ). 7 Esse panorama geral da história da educação de surdos permite que se conheçam diversas visões, concepções, conceitos e modelos de surdez, os quais evidenciam diferentes perspectivas e propostas educacionais. Segundo Thoma (1998, p.127-8): Na história da ed ucação d os surdos surgiram várias tend ências, apo ntando co ncepções distintas e, por vezes, op ostas, qu anto a m elho r forma de educar ao surdo e, n o ritmo das mu danças, as filosofias edu cacion ais foram (re)feitas de acordo com os interesses, cren ças e valores de cada época. A história desta educação é, po rtan to , trilh ada por diferentes caminhos, apresentado s como u m reflexo do pensamento e dos interesses dom inan tes em cada épo ca e em cada sociedade. Pod eríamo s dizer que cada um destas filoso fias nada mais rep resen ta do q ue o imaginário e as rep resentaçõ es sociais co nstruíd as sobre o s su rd os ao long o dos temp os. O atual contexto educacional dos surdos está permeado pelas diferentes visões, conceitos e modelos de surdez historicamente construídos. Considerando-se que para a compreensão da sala de aula, formada somente por alunos surdos, é necessário que se conheça a realidade na qual ela se localiza, organizaram-se, a seguir, as duas visões básicas com relação à surdez e aos surdos e, também, as três principais propostas educacionais empregadas no decorrer da história do processo educacional dos surdos. 2.3 Visões com relação aos surdos e a surdez Grosso modo, configuraram-se historicamente duas maneiras distintas de se olhar para a surdez e, conseqüentemente, para os surdos. A adoção de uma dessas visões demonstra as concepções e conceitos de quem olha e, certamente, guiará a 8 uma série de perspectivas e atitudes com relação aos surdos e ao seu processo de ensino-aprendizagem. Essas visões distintas fundamentam-se, basicamente, em dois modelos: o clínico-terapêutico e o sócio-antropológico (SKLIAR, 1997a; 1998). Esses modelos têm sido responsáveis em definir e guiar diversas tendências educacionais, ora enfatizando uma certa normalização, ora defendendo a aceitação das diferenças. Entretanto, “a temática da surdez, na atualidade, se configura como território de representações que não podem ser facilmente delimitadas ou distribuídas em ‘modelos sobre a surdez’” (SKLIAR, 1998 p.9). 2.3.1 A visão a partir do modelo clínico-terapêutico O modelo clínico-terapêutico foi-se formando historicamente de acordo com as posturas médicas e ideológicas que foram sendo assumidas com relação à surdez. O olhar clínico-terapêutico difundiu-se educacionais socialmente em relação e passou aos a surdos, embasar inclusive as a posturas filosofia educacional oralista. Nesse modelo, o surdo é co nsiderado u ma pesso a que não ouve e, po rtanto, não fala. É defin ido po r suas características neg ativas; a ed ucação se co nverte em terap êutica, o o bjetivo do cu rrículo escolar é dar ao sujeito o que lhe falta: a audição , e seu derivado : a fala. Os su rd os são considerados do entes reabilitáveis e as tentativas ped agóg icas são unicamente práticas reab ilitatórias derivadas do diag nóstico m édico cu jo fim é unicam ente a ortopedia da fala (S KLI AR, 199 7a, p.113 ). 9 O modelo clínico-terapêutico relacionada biológico. à surdez Assim, como aqueles trouxe uma patologia, que se visão estritamente enfatizando alicerçam o nesse déficit modelo consideram a surdez como mera deficiência sensorial. Segundo Sá (2002, p.48): Histo ricam ente se sabe qu e a tradição m édicoterapêutica in fluenciou a defin ição d a surdez a partir d o d éficit aud itivo e da classificação da su rd ez (leve, p ro funda, con gênita, pré-lingü ística, etc.), mas deixou de inclu ir a experiência da surdez e de con siderar o s contexto s psico ssociais e cu lturais n os q uais a pesso a Surda se desenvolve. Com esse conceito de surdez, a educação de surdos passou a ser vista como um processo de medicalização, no qual as estratégias e recursos educacionais têm um caráter reparador, reabilitador, normalizador e corretivo. Assim sendo, as línguas de sinais são rechaçadas do processo educacional dos surdos. Na visão clínico-terapêutica, materializada por meio do oralismo, acredita-se que a líng ua de sin ais não con stitui um verdadeiro sistem a lingü ístico, pois o defin e com o um conjun to de gestos carente de estrutura gramatical, um tip o de panto mima desarticulada, que, além disso – e paradoxalmente – limitaria ou im pediria a aprendizagem da lín gua o ral (S KLI AR, 1997 a, p.111 ). Nesse momento da história da surdez, no qual o modelo clínico imperou, os surdos seriam potencialmente retirados do contexto educacional, pedagógico, e colocados nos domínios da medicina, da intervenção clínica e da terapia. Na verdade, ocorria uma transformação gradual do contexto escolar e de suas discussões 10 e enunciados pedagógicos, em mecanismos de natureza médicohospitalar (LANE, 1993 apud SKLIAR, 1998, p.16). Medicalizar a surdez significa orientar toda a aten ção à cura do pro blem a auditivo, à co rreção de defeitos da fala, ao treinam ento de certas hab ilidades m enores, com o a leitura labial e a articu lação, mais q ue a in teriorização de instru mento s cultu rais significativos, com o a língua de sinais. E significa tam bém op or e d ar p rioridade ao p odero so d iscurso d a medicina frente à déb il mensagem da pedagogia, explicitando que é m ais imp ortante esperar a cu ra medicin al – encarnada atualmen te nos implantes cocleares – que co mpensar o déficit de au dição através de mecan ism os psicológicos funcionalmen te equ ivalentes (SK LI AR, 1997a, p. 111). Nesse modelo possuem uma propósito de clínico, os deficiência reabilitá-los surdos que à ou deficientes precisa ser convivência auditivos tratada social. com Visa-se o ao “disciplinamento do comportamento e do corpo para produzir surdos aceitáveis para a sociedade dos ouvintes” (SKLIAR, 1998, p.10). Esse tratamento teria o objetivo de desenvolver e treinar a fala e a leitura labial, através de tratamento fonoaudiológico, de uso de próteses e implantes, por exemplo, capazes de capacitá-los a usar a LO e a partilhar dos modos de ser, pensar e agir da sociedade ouvinte que integram. Ao criticar tal modelo, Skliar (1997a, p.12) ressalta que a criança não vive a partir d e su a deficiên cia, m as a partir daqu ilo que p ara ela resulta ser um equ ivalente funcional. Tu do isto seria certo se, desde já, o mod elo clínico-terapêutico não se obstinasse tanto em lutar contra a deficiên cia, o que implica em g eral origin ar conseqü ências sociais ain da maiores. Reedu cação o u Comp ensação, essa é a q uestão. Obstinar-se con tra o déficit, esse é o erro. 11 Esse modelo clínico foi preponderante até a década de 90, quando uma nova visão da surdez destacou-se, principalmente em meio aos pesquisadores. Segundo Skliar (1997a, p.140-1): Fo ram duas as observações que a partir da década de 60 levaram outros especialistas – com o antrop ólogo s, ling üistas e sociólog os – a interessarse pelos su rd os, e qu e orig inaram um a visão totalm ente op osta à clínica, uma perspectiva sócioantrop ológica da surdez. Por um lado, o fato de que os surdos formam com unid ades cu jo fator aglutinante é a língua d e sinais […] Por outro lad o, a co nfirmação de q ue os filh os surdos d e pais su rd os apresentam m elho res n íveis acadêmicos, melhores habilidad es p ara a ap rendizagem da língua oral e escrita, níveis de leitura semelh antes aos do ouvinte, um a id entidade equilibrada, e não apresen tam os problemas sociais e afetivos próprios dos filhos su rd os de pais ouvintes. 2.3.2 A visão a partir do modelo sócio-antropológico Ao contrário medicalização, da o visão clínica, tratamento na qual terapêutico, que a se propõe reabilitação a do surdo; na visão sócio-antropológica, compreende-se a surdez como uma experiência visual, ou seja, como uma maneira específica de se construir a realidade histórica, política, social e cultural. No modelo sócio-antropológico, concebe-se a surdez como uma diferença 8, e não como mera deficiência como no modelo clínico-terapêutico. Esse novo prisma possibilitou que a surdez fosse vista a partir de outros referenciais (HUBNER, 2006, p.51). Ao se referir a esse novo prisma, Moura relata que 8 C a r l o s S k l i a r d ei x a c l a r o q u e, p a r a el e, d i f er en ç a é en t en d i d a , c o n f or me M c L a r en ( 1 9 9 5 ) , “ n ã o c o mo u m es p a ç o r et ó r i c o – a s u r d ez é u ma d i f er en ç a – ma s c o mo u ma c o n s t r u ç ã o h i s t ó r i c a e s o c i a l , ef ei t o d e co n f l i t o s s o c i a i s , an c o r a d a em p r á t i ca s d e s i gn i f i c a ç ã o e d e r ep r es en t a ç õ es c o mp a r t i l h a d a s en t r e os s u r d o s ” ( S K L IA R , 1 9 9 8 , p . 1 3 ) . 12 O movimento multicultural, d e gran de am plitud e, abrangeu as minorias do s mais diversos tipos que reivindicavam o direito d e u ma cultu ra próp ria, de ser diferente e den unciavam a discriminação à qual estavam sendo subm etidos (2 000, p.64 ). Considerando esta perspectiva, os surdos passam a ser vistos como aqueles que formam um a comu nidad e lin güística mino ritária caracterizada p or com partilhar um a língu a de sinais e valores cu lturais, hábitos e mo do de so cialização próprio s. A lín gua de sinais constitu i o elemento identificató rio dos surdos, e o fato de constitu íremse em comun idad e sig nifica que comp artilham e co nhecem o s usos e no rm as d e uso da mesma líng ua, já que interagem co tidianamen te em um processo comu nicativo eficaz e eficiente. I sto é, desen volveram as com petências ling üística e co municativa – e cogn itiva – po r meio do uso da líng ua de sinais próp ria de cada com unidade de su rd os […] A lín gua d e sinais anula a deficiência ling üística conseqüência da surd ez e permite q ue os su rd os constitu am, então , u ma co mun idade ling üística min oritária diferente e não um desvio da norm alidade (SKLI AR, 199 7a, p.141 ). Em oposição antropológica, referir à passa-se àqueles auditiva, visão que, clínico-terapêutica, na a “surdo” utilizar o termo independentemente reconhecem-se como surdos, do na visão grau para da medida sóciose perda em que valorizam a experiência visual e se apropriam da LS como meio de comunicação partilham modos e expressão; reúnem-se com seus pares e de ser, agir e pensar, bem como uma identidade cultural comum e um certo Deaf Pride, orgulho em ser surdo. Os nomes atribuído s aos Não -Ouvintes incluem “mudo ”, “su rd o-mudo ”, “deficien te aud itivo”, uma variedad e de outros eufem ism os po liticamen te co rreto s, e o que é preferido pela m aio ria d aqu eles 13 que se identifica 199 7, p.3). 9 com o tal: “Surdo” (WRI GLE Y, Nessa mesma perspectiva, as pessoas com deficiência auditiva seriam aquelas que rejeitam a condição da surdez, na medida em que tentam resgatar a experiência auditiva por meio de próteses e implantes, desprezando a LS e estabelecendo seu único meio de comunicação através da LO: fala com o auxílio da leitura labial. Além disso, essas pessoas freqüentam grupos de ouvintes e não se identificam com os surdos sinalizadores – usuários da LS. Considerar a surdez através desse modelo implica, primeiramente, respeitar e aceitar o surdo em sua diferença e especificidade lingüística e cultural. Dito de outro modo, esse respeito e aceitação da diferença significam não somente aceitar a LS usada pelos surdos no processo educacional, mas “produzir uma política de significações que gera um outro mecanismo de participação dos próprios surdos no processo de transformação pedagógica” (SKLIAR, 1998 p.14). A difusão da visão sócio-antropológica da surdez nas últimas décadas do século XX possibilitou aos educadores uma nova maneira de se pensar o processo de ensino-aprendizagem de surdos. Apropriando-se dessa visão, muitos professores de surdos propuseram novas estratégias de ensino vinculadas ao uso da LS e ao reconhecimento da necessidade de se ensinar a LP como L 2 . Entretanto, até que essa nova proposta educacional 9 M i n h a t r a d u ç ã o p a r a “ T h e n a mes a s s i gn ed t o t h e O t h er - t h a n - H ear i n g i n cl u d e ‘ mu t e’ , ‘ d ea f - mu t e’ , ‘ h ea r i n g i mp a i r ed ’ , a r a n ge o f o t h er p o l i t i c a l l y c o r r ec t eu p h emi s ms , a n d t h e o n e t h at i s p r ef er r ed b y mo s t o f t h o s e w h o i d en t i f y t h ems el v es a s s u c h : ‘ D ea f ’ .” H á u ma c ó p i a d a i n t r o d u ç ã o d o l i v r o d i s p o n í vel em < h t t p : / / gu p r es s . ga l l a u d et . ed u / 2 8 9 5 . h t ml > . A c es s o em 2 5 n o v . 2 0 0 7 . 14 bilíngüe se configurasse outras maneiras de se tratar a educação de surdos destacaram-se no cenário educacional: o oralismo e a comunicação total. 2.4 Sinais e fala: os caminhos educacionais e a surdez Normalmen te é assim com o os filósofos d o co nhecimento no s ensinam que a cabeça pensa a partir d e o nde os pés p isam e qu e cada po nto de vista é a vista d e um p onto. Leonardo Boff Historicamente verifica-se a configuração dos debates acerca da educação dos surdos sob três importantes filosofias educacionais: o Oralismo, a Comunicação Total e o Bilingüismo. A aproximação e a análise da concepção e aplicação de tais filosofias evidenciam uma ampla variedade de visões, ênfases e práticas, muitas vezes, contraditórias. Segundo Brito (1993, p.27), seriam apenas duas as filosofias educacionais para surdos: o Oralismo, que defenderia o aprendizado apenas da LO, e o Bilingüismo, que defenderia o aprendizado da LO e da LS, reconhecendo o surdo em sua diferença e especificidade. Considerando isso, pode-se dizer, sem dúvidas, em oralismos e bilingüismos. Esse plural serve para marcar a diversidade das metodologias, leituras e aplicações do oralismo e do bilingüismo na educação de surdos. A história da educação dos surdos revela o confronto e a coexistência dessas diferentes abordagens. Sabe-se que, desde o século XVIII, duas perspectivas, tratadas como oralismo e gestualismo, confrontam-se acirradamente (BUENO, 1998, p.47). O pêndulo da educação de surdos, ora estava mais para 15 lado o oralista, ora para o gestualista. De acordo com Lima (2004, p.50): A ab ordag em educacional (o ralista ou gestu al) dep endia incond icio nalm ente de q uem a cond uzia. Caso fosse partidário do uso exclu sivo da língua oral, esta era tomad a como fio co ndutor da edu cação do alu no surdo. Caso fosse simpatizan te da língua de sinais, esta era ado tada com o instru mento d e trabalh o na sala d e aula. Embora, atualmente, gestualismo, o expresso pêndulo através esteja de voltado diferentes para o perspectivas bilíngües, o oralismo continua presente e defendido por alguns familiares de surdos, profissionais e pessoas com surdez 10. 2.4.1 Diferentes facetas do oralismo Em seu início, n o campo da pedagog ia do su rd o, existia um aco rd o unân ime sobre a conveniên cia de que esse sujeito aprend esse a língua que falavam os ouvin tes da socied ade n a qual viviam; porém , n o bojo dessa unanimid ade, já no com eço do século XVI I I, foi ab erta uma brech a que se alargaria com o passar do tempo e qu e separaria irreco nciliavelmente oralistas de gestualistas (LACERDA, 19 96, p.6). De forma simplificada, preponderante até a pode-se década dizer de que 1980, o oralismo, defendia a “desmutização”, em outras palavras, o aprendizado apenas da LO com o objetivo de recuperar o surdo, integrá-lo à sociedade, ou seja, de, se possível, torná-lo como o ouvinte. Nesse caso, a LO tornava-se mais um objetivo do que um instrumento do aprendizado 10 e da comunicação (BRITO, 1993, p.27; P o d e- s e d i z er q u e ex i s t em em mei o a o s s u r d o s d oi s gr u p o s d i s t i n t o s : os “ s u r d o s s i n a l i z a d o r es ” , q u e d ef en d em a L S e o b i l i n gü i s mo e o s “ s u r d o s o r a l i z a d o s ” , q u e r ep u d i a m a L S e d ef en d em o o r a l i s mo. 16 BERNARDINO, 2000, p.29), pois seu aspecto sonoro era enfatizado em detrimento de sua estruturação semântica e, até mesmo, de seu registro lingüístico. Segundo Brito (1995, p.15): Devido à falta de au dição do surdo, alguns méto dos, na ânsia, de suprir essa falta, centralizaram su a atenção na produção e recep ção da cadeia sono ra d a fala, isto é, no nível fo nético, neg ligen ciando, m uitas vezes, o nível sem ânticoco gnitivo. Na filosofia comunicação educacional gestual oralista, deveria ser toda e negada qualquer forma de ao surdo. Muitos acreditavam que o contato dos surdos com a linguagem gestual impediria que eles se desenvolvessem oralmente e os levaria a viver à margem da sociedade ouvinte. Segundo Souza (1998, p.4): A idéia central do oralismo é que o “deficien te aud itivo” sofre de u ma patolog ia crô nica […] obstaculizando a “aquisição normal” da lingu agem, dem and a intervenções clínicas d e especialistas, tidos quase co mo responsáveis ún icos por “restituir a fala” a “esse tip o de enferm o”. Para o oralism o, a ling uagem é um códig o de formas e regras estáveis que tem na fala preced ência histórica e n a escrita su a via d e manifestação mais im portante. Gestos o u sinais, n ão im porta de q ue natureza fossem, eram e ain da são considerados acessó rios, dep endentes da fala e/ o u inferiores a ela d o p onto de vista simbólico. O o ralism o defen de essencialmen te a su premacia da voz, transforman do-a em nu clear d o que consideram ser o “tratamento educativo interdisciplinar” da p essoa surda. Para conseguir desenvolvimento alcançar normal seu da objetivo, linguagem a oral, aquisição os e oralistas desenvolveram e empregaram diferentes instrumentos, técnicas e metodologias de oralização: a verbo-tonal, a audiofonatória, a 17 aural, a acupédica, a intervenção precoce, a protetização, o implante coclear e etc (GOLDFELD, 1997, p.31; MOURA, 2000, p.53-5; CAPOVILLA, 2001, p.1482). Além disso, muitos oralistas também se dedicaram ao ensino da escrita e a rigorosos treinos de leitura. Apesar do grande afinco e dedicação dos oralistas, o oralismo não obteve resultados tão satisfatórios, talvez devido à maneira como se enfatizava a LO em detrimento de outros importantes aspectos da comunicação, da interação, da educação e da inserção social. 11 A educação de cunho oralista “não garante o pleno desenvolvimento da criança surda e nem a sua integração à comunidade ouvinte”, visto que o domínio apenas da LO “em hipótese alguma possibilita a equiparação entre pessoas surdas e ouvintes” (GOLDFELD, 1997, p.86). No começo do século X X, enco ntram-se os p rim eiros relato s dos insucessos d o oralismo . Um insp etor geral de Milão descreveu que o nível d e fala e de aprendizado de leitura e escrita do s Su rd os após sete a oito anos de escolarid ade era m uito ruim, sendo q ue estes Surdos não estavam preparados para n enhu ma fun ção , a não ser co mo sapateiros o u co stureiros. Na Fran ça isso tamb ém foi notado , os Surdos educados n o oralism o tinh am uma fala inin teligível (MOURA, 20 00, p. 49). 11 “ O s mé t o d o s o r a i s s o f r em u ma s é r i e d e c r í t i c a s p el o s l i mi t es q u e a p r es en t a m, mes mo c o m o i n c r emen t o d o u s o d e p r ó t es es . A s c r í t i c as v ê m, p r i n c i p a l men t e, d os E s t a d os U n i d o s . A l gu n s mé t o d o s p r ev ê em, p o r ex emp l o, q u e s e en s i n em p a l a v r a s p a r a c r i a n ç a s s u r d a s d e u m a n o. E n t r et a n t o , el a s t er ã o d e en t r a r em c o n t a t o c o m es s as p a l a v r a s d e mo d o d es c o n t ex t u al i z a d o d e i n t er l oc u ç õ es ef et i v a s , t o r n an d o a l i n gu a gem a l go d i f í c i l e a r t i f i c i a l . O u t r o a s p ec t o a s er d es en vo l v i d o é a l ei t u r a l a b i a l , q u e p a r a a i d a d e d e u m a n o é , em t er mo s c o gn i t i v os , u ma t a r ef a b a s t a n t e c omp l ex a , p a r a n ã o d i z er i mp os s í vel . É mu i t o d i f í c i l p a r a u ma c r i an ç a s u r d a p r o f u n d a, a i n d a q u e ‘ p r o t et i z ad a ’ , r ec o n h ec er , t ã o p r ec o c emen t e, u ma p a l a v r a at r a v és d a l ei t u r a l a b i a l . L i mi t a r - s e a o c a n a l v oc a l s i gn i f i c a l i mi t a r en o r memen t e a c o mu n i c a ç ã o e a p o s s i b i l i d a d e d e u s o d es s a p a l a v r a em co n t ex t o s a p r o p r i a d o s . O q u e o c o r r e p r a t i c amen t e n ã o p o d e s er c h a ma d o d e d es en vo l v i men t o d e l i n gu a gem, ma s s i m d e t r ei n a men t o d e f a l a o r ga n i z ad o d e ma n ei r a f o r ma l , a r t i f i c i a l , c o m o u s o d a p a l a v r a l i mi t a d o a mo men t o s em q u e a c r i a n ç a es t á s en t a d a d i a n t e d e d es en h o s , f o r a d e co n t ex t o s d i a l ó gi c os p r o p r i a men t e d i t o s , q u e d e f a t o p er mi t i r i a m o d es en vo l v i men t o d o s i gn i f i c a d o d a s p a l av r a s . E s s e a p r en d i z a d o d e l i n gu a gem é d es v i n c u l a d o d e s i t u a ç õ es n a t u r a i s d e c omu n i c a ç ã o , e r es t r i n ge a s p os s i b i l i d a d es d o d es en v o l v i men t o gl ob a l d a criança” (LACERDA, 1996, p.18). 18 Contudo, pode-se verificar que os somente levar surdo falar e desenvolver o competência a oralistas a lingüística, ler o esperavam os que lábios, lhes não mas a permitiria desenvolver-se social, emocional e intelectualmente e, dessa maneira, integrar-se ao mundo dos ouvintes (CAPOVILLA, 2001, p.1481). Entretanto, isso não foi possível devido, entre outros, ao fato de que essa filosofia educacional ampara-se em uma idéia equivocada de que há uma dependência intrínseca entre a linguagem e a linguagem oral e entre desempenho oral e o desenvolvimento cognitivo. Portanto, nessa perspectiva, acredita-se que “o desenvolvimento cognitivo está condicionado ao maior ou menor conhecimento que tenham as crianças surdas da língua oral” (SKLIAR, 1997a, p.111). Ao se restringir a essa concepção de linguagem, desconsiderando os aspectos cognitivos que são determinados pela linguagem e pela cultura para se limitar a oralização da criança surda, o oralismo “produz” surdos que, embora possam “falar” o interagir português, com pragmáticas cognitivas, os ouvintes, devido relativas sociais provavelmente e à língua emocionais não serão a questões em uso advindas e da capazes semânticas a de e dificuldades não-aquisição natural e contextualizada de uma língua na infância (GOLDFELD, 1997, p.91). Considerando isso, pode-se afirmar que […] tod as estas tentativas de oralização d o Su rd o caminh aram num a b usca incessante de uma transfo rm ação do Surdo num ouvinte que ele jam ais pod eria vir a ser. Com o ele não po deria vir a ser, nem se com portar, n em aprender da mesma forma que o ou vinte, as abordagens oralistas não 19 co nduziram ao resu ltado desejado: desen volvimen to e integração do Surdo n a comu nidade o uvin te (MOURA, 200 0, p.55). É importante a compreensão de que o oralismo, desde suas origens quinhentistas, fundamentou-se em concepções médicas, religiosas, filosóficas e, até mesmo, políticas (SKLIAR, 1997b), sem as quais ele não teria surgido e muito menos ganhado consistência. Podem-se encontrar essas concepções em diversas obras, inclusive nos textos clássicos, tanto sacros quanto seculares (CAPOVILLA, 2001, p.1480). Foi justamente por vieses oralistas que se fomentou, no século XVI, a concepção de que os surdos eram educáveis. O imaginário da sociedade quinhentista estava marcado pela idéia de que a linguagem oral era o cerne da aprendizagem e do desenvolvimento demonstrações humano. oralistas de Portanto, surdos foram usando exatamente a LO, falada as e escrita, que possibilitaram uma mudança nesse imaginário que passou a aceitar, pouco a pouco, a possibilidade de os surdos serem educados, visto que conseguiam usar a linguagem oral. A partir de então, tornaram-se possíveis os relatos que, de alguma maneira, creditaram à LS um certo status 12. 2.4.2 Expressões do gestualismo O surgimento de uma filosofia educacional gestualista talvez possa ser relacionado ao fato de que, reconhecida a natureza 12 C a p o v i l l a ( 2 0 0 1 , p .1 4 8 0 ) es c r eve: “ U ma h on r o s a ex c eç ã o d o s é c u l o X V III f o i o f i l ó s o f o C on d i l l ac . E mb o r a a p r i n c í p i o co n s i d er a s s e o s S u r d o s c omo mer a s es t á t u as s en s í v ei s e má q u i n a s a mb u l a n t es , i n c a p az es d e p en s a men t o e l i n gu a gem, d ep o i s d e c o mp a r ec er i n có gn i t o à s au l a s d o a b a d e l ’ E p é e, el e s e c o n v er t eu e f or n ec eu o p r i mei r o en d o s s o f i l o s ó f i c o d a L í n gu a d e S i n a i s e d e s eu u s o n a ed u c a ç ã o d o S u r d o ( L A N E , 1 9 8 4 ) ” . 20 educável do surdo e aceita a idéia de que a surdez não trazia prejuízos para o desenvolvimento da inteligência, era possível olhar a linguagem gestual usada pelos surdos, para comunicarem entre si, como uma possibilidade de interlocução com eles e como um meio de ensino da língua oral, falada e escrita. De acordo com Lacerda (1996, p.6), os gestualistas eram m ais to lerantes diante das dificu ldad es d o su rd o com a língu a falada e foram capazes d e ver que os surdo s desenvolviam uma ling uagem qu e, ain da que diferente da oral, era eficaz para a co municação e lh es abria as p ortas para o co nhecimento d a cultura, inclu indo aqu ele dirigid o para a língu a oral. L’Epée, o precursor do uso da LS na educação dos surdos, provavelmente, maneira. É viu a inegável linguagem o fato de gestual que ele dos surdos apresentou dessa uma perspectiva avançada para a educação dos surdos no século XVIII: o uso da LS, ainda que adaptada numa forma de “francês sinalizado”. Embora avançasse, L’Epée, considerava a linguagem oral muito importante, no sentido de que não só ensinava leitura e escrita aos seus alunos surdos, mas, principalmente, acrescentava à LS aquilo que, segundo ele, faltava, ou seja, uma “gramática”. Assim, ele criou os Sinais Metódicos: um misto do léxico da LS com a gramática francesa. Durante a ascensão do gestualismo, na segunda metade do século XVIII e primeiras décadas do XIX, percebe-se, mesmo entre os seus defensores, uma certa controvérsia: ao mesmo tempo em que exaltavam a LS, a depreciavam. Segundo Oliver 21 Sacks (1998, p.33), L’Epée considerava a LS, “por um lado, uma língua ‘universal’ 13; por outro lado, destituída de gramática (portanto, necessitando da importação da gramática francesa, por exemplo)”. Desloges, surdo francês, considerava que a LS seria a língua mais própria à expressão das sensações sendo semelhante às outras, entretanto também a via como “incompleta”, a ponto de afirmar que embora L’Epée não tivesse sido o seu inventor, ele teria reparado o que encontrou incompleto nela, ampliando-a e dotando-a de regras. 14 Com as decisões do Congresso de Milão, em 1880, o gestualismo foi posto como o grande vilão e empecilho do sucesso do processo educacional, passando a ser gradativamente banido da educação dos surdos. Iniciava-se uma nova era da educação de surdos: a era do oralismo puro. Assim , d urante qu ase um sécu lo (1880 -19 60), o discurso do minante sobre a su rd ez cen trou -se n o 13 “ C o mo é f a t o b a s t a n t e c o n h eci d o , o s f i l ó s o f o s d o s s é c u l o s X V II e X V III a c r ed i t a v a m q u e a p r i mei r a l i n gu a gem d o s h o men s t er i a s i d o a d e a ç ã o - o s s u r d o s a t er i a m c on s er v a d o e a p r i mo r a d o. A l i n gu a gem d e a ç ã o , s egu n d o o s i l u mi n i s t as , s er i a u ma f or ma d e r egi s t r o mai s a c u r a d a d a r ea l i d a d e, p oi s , c omo u m es p el h o, r ef l et i r i a o mo d o s i mu l t â n eo c o mo o s s en t i d o s p er c eb i a m o mu n d o ex t er i o r - s er i a d el es , p or t a n t o, u ma f o r ma d e r ep r es en t a ç ã o d es d o b r a d a . A l í n gu a o r a l t er i a s u r gi d o c o mo u ma ex p a n s ã o l a t er a l d a l i n gu a gem d e a çã o p o r c on v en i ê n c i a s i mp o s t as p el a s n ec es s á r i a s a d a p t a ç õ es a o a mb i en t e - p o d er s er p er c ep t í v el n o es c u r o d a s c a ver n a s , p o r ex emp l o ( C f . F o u c a u l t , 1 9 9 2 : 1 2 1 - 1 2 5 ) . A s s i m co n c eb i d a , a l i n gu a gem d e s i n a i s t er i a u m ca r á t er u n i v er s a l , u ma v ez q u e t o d o s o s h o men s s er i a m d o t ad o s d a s mes mas c on d i ç õ es d e f u n c i on a men t o d o s s en t i d o s e p or q u e os o b j et o s p er c eb i d o s t er i a m s emp r e a s mes ma s c a r a c t er í s t i c as , i n d ep en d en t e d o p a í s . Q u er d i z er : s e n a l i n gu a gem d e a ç ã o h a v i a ( s u p os t a men t e) u ma r el a ç ã o i s o mó r f i ca en t r e o r ef er en t e e a s s en s a ç õ es , e, p o r t a n t o , en t r e a c o i s a e o s i n a l c o r r es p o n d en t e, a l an gu e d es s i gn es s ó p o d er i a s er en t en d i d a c o mo s en d o , n ec es s ár i a e l o gi c a men t e, c o mu m a t o d os o s p ov o s ” ( S O U ZA , 2 0 0 3 , p .3 3 4 ) . 14 “ ( .. .) c er t a v ez l 'E p é e c on c eb eu o n o b r e p r o j et o d e d ev o t a r - s e à ed u ca ç ã o d o s u r d o ; el e s a b i a men t e ob s er v o u q u e el es p o s s u í a m u ma l i n gu a gem n a t u r a l p a r a s e c o mu n i c a r em en t r e s i . C omo es s a l i n gu a gem n ã o er a ou t r a s en ã o a d e s i n a i s , el e s u p ô s q u e, s e el e s e emp en h a s s e em c o mp r een d ê - l a , o t r i u n f o d e s eu emp r een d i men t o s er i a a s s egu r a d o . E s s e d i s c er n i men t o f o i r ec o mp en s a d o c om s u c es s o . E n t ã o o ab a d e d e l 'E p é e n ã o f o i o i n v en t o r o u o c r i a d or d es s a l i n gu a gem; p el o c o n t r á r i o , el e a a p r en d eu c o m o s u r d o ; el e s o men t e r ep a r o u o q u e en c o n t r o u i n c o mp l et o n el a ; el e a a mp l i o u e l h e d eu r egr a s met ó d i c a s ” ( D E S L O G E S , 1 9 8 4 , p . 3 4 ap u d N A S C IM E N T O , 2 0 0 6 , p . 2 5 8 ) . 22 abafar, no inferiorizar, no descaracterizar as diferenças, elevan do e enfatizando aquilo que estava au sen te no surdo frente ao m odelo o uvin te (a au dição, a fala, a lin guag em), determinando o desen volvimen to de ab ordagens clín icas e práticas ped agó gicas que b uscavam o ap agam ento da su rd ez, po r m eio da tentativa d e restituição da aud ição p elo uso de ap arelho s de amp lificação so nora, e de levar os surdo s ao desenvo lvim ento da ling uagem oral a partir de técnicas m ecânicas e desco ntextualizadas de trein o articu latório (LODI , 200 5, p.416). Praticamente um século de preponderância do oralismo fez aflorar uma realidade não muito satisfatória. Segundo Lacerda (1996, p.15): Os resu ltados de muitas décadas de trabalho nessa linh a, no en tanto, não mostraram gran des sucessos. A maior parte do s surd os p ro fundo s não desen volveu um a fala socialm ente satisfatória e, em geral, esse desenvolvimento era p arcial e tardio em relação à aquisição de fala apresentada p elos ouvintes, im plicand o um atraso de desen volvimen to glo bal significativo . Som adas a isso estavam as dificuldades ligadas à ap rendizagem da leitura e da escrita: semp re tardia, ch eia de problemas, mo strava sujeitos, m uitas vezes, apenas parcialm ente alfabetizados após anos de esco larização . 2.4.3 Um fôlego em meio ao oralismo: uma filosofia híbrida de transição A insatisfação com os insucessos do oralismo possibilitou o surgimento, na década de 70, de uma proposta diferenciada que, de certa maneira, possibilitava a revitalização da LS no processo de ensino-aprendizagem dos surdos. Segundo Brito (1993, p.31), essa perspectiva, tal como foi concebida, propunha o “reconhecimento das línguas de sinais como direito 23 fundamental da criança surda”. Nessa nova proposta educacional, “a premissa básica era a utilização de toda e qualquer forma de comunicação com a criança Surda, sendo que nenhum método ou sistema particular deveria ser omitido ou enfatizado” (MOURA, 2000, p.57). A Comunicação Total 15, como foi batizada, utiliza todos os recursos e técnicas orais e manuais que possibilitam a interação comunicativa tanto entre ouvintes e surdos quanto entre surdos e surdos: gestos, mímica, fragmentos da LS, pantomima, leitura labial, dramatização, sinalizadas da LO, expressões pidgin, faciais, estimulação datilologia, auditiva, formas próteses, leitura, escrita, etc. A Comunicação Total 16 seria um híbrido do oralismo com o gestualismo e, somente aprendizado o diferentemente da do LO oralismo, não defenderia asseguraria o que pleno desenvolvimento do surdo (GOLDFELD, 1997, p.36). De acordo com Fernando Capovilla (2001, p.1483), a Comunicação Total: Advoga o uso de tod os os m eios qu e possam facilitar a co municação, desde a fala sinalizad a, passando po r uma série de sistem as artificiais, até ch egar ao s sin ais natu rais da Língu a d e Sinais. […] A Comun icação To tal advo ga o uso de um o u m ais 15 N í d i a d e S á r es s a l t a q u e a t u a l men t e o t er mo “ C o mu n i c aç ã o T o t a l ” t em s i d o u t i l i z a d o a p a r t i r d e d i f er en t es en t en d i men t o s : “ a ) p o d e r ef er i r - s e a u m p o s i c i o n a men t o ‘ f i l o s ó f i c o - emo c i o n a l ’ d e a c ei t a ç ã o d o s u r d o e d e ex a l t a ç ã o d a c omu n i c a ç ã o ef et i v a p el a u t i l i z a ç ã o d e q u a i s q u er r ec u r s o s d i s p o n í vei s ; b ) p o d e r ef er i r - s e à a b o r d a gem ed u c a c i o n a l b i mo d a l q u e o b j et i v a o a p r en d i z a d o d a l í n gu a d a c o mu n i d a d e ma j or i t á r i a a t r a v é s d a u t i l i z a ç ão d e t od o s o s r ec u r s o s p os s í v ei s a l é m d a f a l a, q u a i s s ej a m: l ei t u r a d o s mo v i men t o s d o s l á b i os , es c r i t a, p i s t a s a u d i t i v a s , e, a t é mes mo d e el emen t o s d a l í n gu a d e s i n a i s ; c ) p o d e r ef er i r - s e a u m t i p o d e b i mod a l i s mo ex a t o , q u e f a z u s o s i mu l t â n eo o u c omb i n ad o d e s i n a i s ex t r a í d o s d a l í n gu a d e s i n a i s , o u d e o u t r o s s i n a i s gr a ma t i c a i s n ã o p r es en t es n el a , ma s q u e s ão en x er t a d os p a r a t r a d u z i r a l i n ea r i d a d e d a l í n gu a n a mo d a l i d a d e o r a l e p a r a a u x i l i a r v i s u a l men t e o a p r en d i z a d o d a l í n gu a - a l v o , q u e é a o r a l ” ( S Á , 1 9 9 9 , p . 9 9 - 1 0 2 a p u d S Á , 2 0 0 2 , p .6 4 ) . 16 V a l e r es s a l t a r q u e, emb o r a a C o mu n i c a ç ã o T ot a l s u r j a, n o s f i n s d o s éc u l o X X , c o mo u ma f i l os o f i a ed u c a ci o n a l , o a b a d e L ’ E p é e j á h a v i a r ea l i z a d o p r o p o s t a s s emel h a n t es n o In s t i t u t o d e S u r d o s d e P a r i s , n o s é c u l o X V III, a o c r i a r o s S i n a i s M et ó d i c o s . 24 desses sistemas, jun tamen te com a lín gua falad a, co m o ob jetivo básico de abrir canais de co municação adicionais. É mais um a filosofia q ue se opõ e ao Oralismo estrito do que prop riamen te um méto do. A Comunicação Total demonstrou uma eficácia maior em relação ao oralismo, pois ela possibilitou a presença da LS na escola como um auxílio na aquisição da língua falada e escrita. Segundo Moura (2000, p.59), “a Comunicação Total expandiu-se nos Estados Unidos e em outros países, tendo sido a forma pela qual os Sinais puderam ser aceitos”. Contudo, o uso simultâneo de diversos meios e códigos comunicativos acabou por fazer da prática bimodal 17 o centro de tal filosofia. Segundo Souza (1998 p.7): Sinalizar o Po rtu guês era com o co nseguir um meiotermo q ue ap arentem ente satisfazia aos dois grupos envolvidos. Se d e um lado o s su rd os po deriam read quirir o direito d e usar a LI BRAS fora da classe, de ou tro, na escola, os p ro fessores teriam sua tarefa de ensino facilitada co m o uso de sinais. Essa aparente solução era subsidiad a pelas “n ovas” idéias na Educação do Surdo, m ais ou menos cristalizadas o u que giravam na ó rb ita do que se co mpô s co m o rótulo de Com unicação To tal. Para Brito (1993, p.31), a Comunicação Total, tal como foi sendo aplicada, deixou de representar uma perspectiva oposta ao Oralismo, para se tornar apenas uma técnica manual dele. De acordo com Goldfeld (1997, p.97): 17 O b i mod a l i s mo s er i a o u s o s i mu l t â n eo d e c ó d i gos ma n u a i s c om a L O . E l e s e ma n i f es t a a t r a v é s d a u t i l i z a çã o d a L O j u n t o a a l gu n s c ó d i go s ma n u ai s , t a i s co mo o p o r t u gu ê s s i n a l i z a d o ( u s o d o l é x i c o d a L S n a es t r u t u r a d a L O e a l gu n s s i n a i s i n v en t a d o s , p a r a r ep r es en t a r es t r u t u r a s gr a ma t i c a i s d o p o r t u gu ê s q u e n ã o ex i s t em n a L i b r a s ) , o “ c u ed - s p eec h ” ( s i n a i s ma n u a i s q u e r ep r es en t a m o s s o n s d a L P ) , o p i d g i n ( s i mp l i f i c aç ã o d a gr a má t i ca d e d u a s l í n gu a s em c o n t a t o ) e, a t é mes mo , a d a t i l o l o gi a ( r ep r es en t a ç ã o ma n u al d a s l et r as d o a l f a b et o ) . 25 A Com unicação Total apresenta aspectos p ositivos e neg ativo s. Por um lado , ela am pliou a visão de su rd o e su rd ez, deslo can do a prob lemática d o su rd o da necessid ade de oralização , e ajud ou o p ro cesso em p ro l da utilização d e cód igos espaço-visuais. Por outro lado, não valorizando suficientem ente a líng ua de sinais e a cultu ra surda, prop icio u o su rg imen to de diverso s có digo s diferentes da língua de sinais, qu e não pod em ser utilizado s em su bstituição a um a líng ua, com o a líng ua de sinais, no processo de aquisição da lin guag em e desen volvimen to cog nitivo d a criança surda. Embora a Comunicação Total tivesse de fato melhorado a interação entre os professores ouvintes e os alunos surdos, o conhecimento dos conteúdos escolares e as habilidades de leitura e escrita ainda continuavam aquém do esperado (LIMA, 2004, p.34). 18 Segundo Moura (2000, p.63), Na verd ade, o desenvolvimento das crian ças Surdas melhorou m uito co m o Bim odalism o: elas podiam se co municar de uma forma mu ito m ais fluída, a co municação o ral não ficou p rejudicada com o mu ito s do s opo sitores das líng uas sinalizadas esperavam qu e aco ntecesse, o desem penh o acadêmico m elho ro u, m as nem to dos o s problemas foram solu cion ados. 18 F er n a n d o C a p o vi l l a ( 2 0 0 1 , p .1 4 8 6 ) , r el a t a q u e “ p r oc u r a n d o d es c o b r i r p o r q u e a s a u l a s em q u e s e o r a l i z a v a e s i n a l i z a v a a o mes mo t emp o n ã o p r o d u z i a m a mel h o r a es p er a d a n a a q u i s i ç ão d a l ei t u r a e es c r i t a a l f ab é t i c as , os p es q u i s a d o r es d ec i d i r a m r egi s t r a r a s au l a s d o p on t o d e vi s t a d e u m a l u n o S u r d o e, en t ã o d i s c u t i r c o m a s p r o f es s o r a s o q u e p od er i a es t a r a c on t ec en d o . P a r a t a n t o , el es f i l ma r a m a s a u l a s em C o mu n i c a ç ão T o t a l mi n i s t r a d a s p el a s p r of es s o r a s , em q u e el a s s i n a l i z a v a m e o r a l i z a v a m a o mes mo t emp o . E n t ão , c ol oc a n d o a s p r o f es s or as ‘ n a p el e’ d e s eu s a l u n o s S u r d o s , el es ex i b i r a m a s f i t as à s p r o f es s o r a s , ma s s em o s o m d a f a l a q u e a c omp a n h a v a a s u a s i n a l i z a ç ã o , a s p r o f es s o r a s ex i b i a m u ma gr a n d e d i f i c u l d ad e em en t en d er o q u e el a s mes ma s h a v i a m s i n a l i z a d o ! A s p r ó p r i a s p r of es s o r a s p er c eb er a m en t ã o q u e, q u an d o s i n a l i z a v a m e f a l a v am a o mes mo t emp o, el a s c o s t u ma v a m o mi t i r s i n ai s e p i s t a s gr a mat i c a i s q u e er a m es s en c i a i s à c o mp r een s ão d a s c o mu n i c a ç õ es , emb or a at é en t ão c o s t u ma s s em cr er q u e es t a v a m a s i n a l i z a r c a d a p a l a v r a c o n c r et a e d e f u n ç ã o gr a ma t i c a l em c a d a s en t en ç a f a l a d a . A c o n c l u s ã o d es co n c er t a n t emen t e ó b vi a f o i a d e q u e, d u r a n t e t o d o o t emp o , a s c r i a n ç as n ã o es t a v a m o b t en d o u ma v er s ão v i s u a l d a l í n gu a f a l a d a n a s a l a d e a u l a , ma s , s i m, u ma a mo s t r a l i n gü í s t i c a i n c o mp l et a e i n c o n s i s t en t e, em q u e n em o s s i n a i s n em as p a l a v r a s f a l a d a s p o d i a m s er c o mp r een d i d os p l en a men t e p o r s i s ó s . E m c o n s eq ü ê n c i a d a q u el a a b or d a gem, p a r a s o b r ev i v er c o mu n i c a t i v a men t e, a s c r i a n ç a s es t a v am s e t o r n an d o n ã o b i l í n gü es c o mo s e es p er a v a, ma s s i m h emi l í n gü es , p o r a s s i m d i z er , s em t er a c es s o p l en o a q u a l q u er u ma d a s l í n gu a s , e s em c o n h ec er o s l i mi t es en t r e u ma e o u t r a ” . 26 Com o insucesso da Comunicação Total e o aumento significativo das pesquisas em relação à LS, surgiram novas perspectivas para a educação de surdos, as quais passaram a defender a idéia de que a educação deveria utilizar “a própria Língua de Sinais natural da Comunidade Surda, e não mais a língua falada sinalizada” (CAPOVILLA, 2001, p.1486). 2.4.4 Um novo avanço: a filosofia bilíngüe A edu cação b ilíngü e para o surdo d esp ontou n o cenário ed ucacio nal co mo uma abordag em qu e visa não somente mod ificar a escolarização para surdos que era n orteada p elo visível fracasso escolar, mas tamb ém p ara ir de encontro às práticas p edagógicas assum idas em ab ordagens educacionais anteriores que p ermearam (e d e certa forma ainda p ermeiam) a edu cação de surdos (oralismo e comu nicação total) (LI MA, 20 04, p.37). O bilingüismo apresentou-se, a partir dos anos 90, não só como uma reação às filosofias educacionais anteriores, mas como a expressão de uma nova visão sobre a surdez, os surdos e a LS. A proposta bilíngüe valoriza a LS como meio de desenvolvimento do surdo nas diversas áreas do conhecimento. Segundo essa proposta, o surdo tem o direito de ter acesso à educação através de desenvolver sua a língua natural, linguagem, o a LS, com a pensamento, a finalidade cognição, de a consciência e sua identidade como qualquer outro indivíduo. Nas palavras de Skliar (1997a, p.143-4): [...] o mo delo bilín güe propõ e, en tão, d ar às crianças surdas as m esmas possibilidades psico lingüísticas que tem a ouvinte. Será só desta maneira que a criança surda poderá atu alizar suas capacidad es lingüístico-com unicativas, desen volver su a identidade cultu ral e aprender. 27 A substituição de um modelo de Comunicação Total por um Bilíngüe amparou-se não só no insucesso dos modelos anteriores, mas principalmente na nova maneira de olhar os surdos, a surdez e as LS. Segundo Brito (1995, p. 15-6), os estudos lingüísticos sobre as LS mostraram: as especificidades p ró prias de u ma Líng ua de Sinais, o que impossibilita o seu uso co nco mitan temen te ao de uma lín gua oral, apesar de se processarem através de m odalidades distintas e exclusivas […] E sses estu dos salientam, po is, a inviabilidade d a com unicação bimo dal, muito usada atualmen te por aqueles q ue se dizem defensores da Com unicação To tal. É importante ressaltar uma diferença básica entre a Comunicação Total e o Bilingüismo. Na Comunicação Total, o uso simultâneo da fala e dos sinais “torna impraticável o uso adequado da língua de sinais” que, “por ser mais desprestigiada e menos conhecida em sua estrutura, acaba por ter que se moldar à estrutura da língua oral”; já no bilingüismo, pretendese que a LO e a LS “sejam ensinadas e usadas diglossicamente, porém, sem que uma deforme a outra” (BRITO, 1993, p.46, 48). Para Goldfeld (1997, p.160), o bilingüismo seria a melhor filosofia educacional para a criança surda, pois a exp õe a um a língua de fácil acesso, a língua de sinais, q ue pod e evitar o atraso d e lingu agem e possibilitar um plen o desenvolvim ento cognitivo, além de exp or a criança à língua oral, qu e é essencial para o seu convívio com a co mun idade ouvinte e com sua próp ria família […] possib ilitando a internalização d a linguagem e o desen volvimen to das funções men tais superio res. 28 Em suas considerações e críticas, Fernandes (2003, p. 55) afirma que “os últimos 100 anos de educação de surdos, no Brasil, foram mais do que suficientes para aprendermos como não educar surdos e, também, como não formar educadores de surdos”. Diante dessa conturbada realidade, atualmente, as pesquisas e as discussões com relação à surdez, aos surdos, à sua língua, educação e cultura têm crescido consideravelmente. No Brasil, por exemplo, o desenvolvimento dos Estudos Surdos tem-se tornado um marco na melhor compreensão e modificação das propostas educacionais para surdos. Pode-se, inclusive, afirmar que atualmente assistimos à construção de um novo paradigma da educação de surdos, o qual reconhece não só a sua diferença, mas, principalmente seus direitos humanos expressos na aceitação de sua língua, cultura e identidades. Essas mudanças relacionam-se ao surgimento de diversas pesquisas, na segunda metade do século XX, abordando os surdos e a surdez. Portanto, é importante que se apresente um esboço geral dessas pesquisas e de suas constatações e apontamentos. O novo olhar acadêmico e científico em relação ao campo da fundamentos surdez possibilitou educacionais e as construções proporcionaram de outros sobre os conceitos de língua, cultura e aprendizado. novos olhares