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Aluísio Azevedo O C O RT I Ç O ´ ANALISE DA OBRA DÁCIO ANTÔNIO DE CASTRO APRESENTAÇÃO Em 14 de maio de 1888, Aluísio Azevedo registrou, numa crônica, a bela festa dos escravos libertos pela Abolição: Ontem, assisti, pela primeira vez, a uma legítima expansão popular; vi a multidão rir e chorar de prazer; vi uma raça, até então amaldiçoada, cantar em plena rua a Marselhesa da alegria, música feita de bênçãos e soluços. Defronte de mim, passou uma fila de negros e mulatos, de braço dado, enchendo toda a largura da rua do Ouvidor; entre eles, havia mulheres e crianças; um preto velho, tonto de satisfação, parecia ter enlouquecido. Em cada chapéu, derreado para trás, havia uma folha brasileira; em cada olhar, um raio de vitória; em cada rosto, um fulgor cintilante de uma alma nova, nascida de repente do monturo negro da escravidão.1 A memória emocionada desse evento levou-o a lançar O cortiço exatamente no dia 13 de maio de 1890, como uma homenagem aos ex-escravos e também como um meio de se agregar espiritualmente ao processo de consolidação da jovem República. Por meio de seu romance, Aluísio fornece um diagnóstico do quadro social do país, ressaltando o descarado alpinismo social dos negociantes portugueses João Romão e Miranda, cujas trajetórias se destacam na composição da trama. Esse caráter de engajamento da obra naturalista do escritor maranhense é assim comentado por Orna Messer Levin, no ensaio “Aluísio Azevedo romancista”: [Aluísio Azevedo foi] um dos responsáveis pela inclusão da prosa de ficção no clima de hostilidades e de provocações desencadeadas no instante em que a literatura passou a captar as novas aspirações da elite ilustrada. A exemplo do que houve na Europa, o escritor maranhense valeu-se do romance para abrir um canal de circulação de idéias sociais reformadoras e, principalmente, de protestos. Usou a literatura para denunciar os preconceitos e os vícios da classe dominante. Divulgou os problemas diagnosticados no País, tais como a interferência da Igreja sobre o Estado e a dependência do trabalho escravo, sem que isso, no entanto, significasse a defesa de uma solução transformadora. Dentre as questões de fundo recorrentes em sua obra está a herança negativa deixada pela colonização portuguesa, visível nos ingredientes da mentalidade lusitana que se infiltraram na estrutura da sociedade patriarcal.2 Após a publicação de Casa de pensão (1883), inspirando-se no ciclo Les Rougon-Macquart, de Émile Zola, Aluísio Azevedo delineia, em 1885, um projeto literário bastante ambicioso — “Brasileiros antigos e modernos” —, em que expõe o propósito de pintar a sociedade brasileira do Império, desde a Independência até o final da monarquia, desdobrando-a numa seqüência de cinco romances — O Cortiço, A Família Brasileira, O Felizardo, A Loreira, A Bola Preta. Trata-se de uma espécie de roteiro para o leitor que, sob a forma de romance, teria acesso, segundo ele, a “fatos de nossa vida pública que jamais serão apresentados pela História”: O primeiro romance, O Cortiço, faz-nos ver um colono analfabeto, que de Portugal vem com a mulher trabalhar no Brasil, trazendo consigo uma filhinha de dois anos. Esta menina vem a ser a menina do cortiço, um dos tipos mais acentuados da obra, o qual será ligado imediatamente a um tipo novo, o tipo do vendeiro amancebado com a preta. (...) Nesse projeto, pretendia fixar tipos bem característicos do país, mesclando personagens mestiços, filhos de imigrante português, membros da burguesia, a fim de realçar o processo de verticalidade social que tanto concorreu para a formação de um país desigual e injusto. Para os escravos e seus descendentes, não havia remissão de qualquer espécie, fora do trabalho e da submissão, enquanto o português podia ganhar dinheiro e subir na vida, galgando posições de mando. 1 2 MENEZES, Raimundo de. Aluísio Azevedo, uma vida de romance. São Paulo: Martins, 1958, p. 217. LEVIN, Orna Messer. Introdução às Obras completas de Aluísio Azevedo. Nova Aguilar: Rio de Janeiro, 2005, vol. 1, p. 22. SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 40 • ANGLO VESTIBULARES dos primeiros biógrafos do autor, quando se preparava para escrever O cortiço, o escritor: freqüentava estalagens, ia às pedreiras, familiarizava-se com cavouqueiros, comia em casas de pasto, à mesa ruidosa dos trabalhadores, conversava com eles, estudava-lhes os tipos, os costumes, a linguagem, surpreendia-lhes os instintos, ria com eles à larga, ou retraía-se, comovido, quando os via acabrunhados. (...) Saía cedo e ia à faina. Regressava à noite, cansado, aborrecido, atirava à mesa, a sua grande e desordenada mesa de trabalho, as notas que tomava, despia-se às pressas e corria ao banheiro para tirar de si o cheiro do suor honrado.3 Apesar de ter recolhido, durante vários anos, muitas informações e documentos, seu projeto não foi adiante. Limitou-se apenas a O cortiço (1890) – seguindo a perspectiva anunciada, mas com muitas alterações, incluindo nesta obra personagens e situações que só deveriam entrar nos romances seguintes. Todavia, o romance não deixa de se constituir num documento ímpar sobre a vida das classes desfavorecidas do Rio de Janeiro e da burguesia mercantil, no fim do II Reinado. Aluísio soube contrastar a animalidade instintiva e impulsiva do cortiço-povo com a hipocrisia e a futilidade das famílias de comerciantes bem sucedidos, instaladas no pólo do sobrado-burguesia. Com O cortiço, o romancista conseguiu alcançar o clímax de sua maturidade criativa e obter notável reconhecimento por seu esforço. Os flagrantes da vida social brasileira, captados no romance, surpreendem pela vivacidade e riqueza de elementos. De certo modo, Aluísio realizou uma façanha literária, pois soube instaurar nas paisagens cotidianas uma atmosfera animada e variada. Geralmente essas coisas andam separadas. O cotidiano costuma ser lento, repetitivo, reflexivo. E os grandes climas de animação costumam corresponder a um calendário especial, restrito. Nesse romance, a animação é provocada pelo encontro de hábitos e etnias diversas no espaço exíguo da habitação coletiva. De corte sociológico, a obra focaliza uma das pragas do Rio de Janeiro no final do século XIX: a promiscuidade das moradias populares. Focaliza, sobretudo, as relações entre o português, explorador do Brasil e obcecado pelo enriquecimento, e o brasileiro, apresentado como povo fácil de ser explorado, desde que se lhe lubrifiquem as molas da sensualidade. Na preparação do romance, Aluísio adotou as técnicas de observação e experimentação propostas por Émile Zola. Segundo Raimundo de Meneses, um SISTEMA ANGLO DE ENSINO Nessas visitas, recolhia material lingüístico que servisse para fixar os hábitos e comportamentos sociais das figuras que viviam nesses ambientes. O Rio de Janeiro de então, apesar da beleza natural, estava longe de ser a Cidade Maravilhosa, tão cantada em prosa e verso. Construir habitações coletivas tornou-se um negócio bastante lucrativo na época, pois havia enorme carência de moradias. Caracterizadas por alta densidade domiciliar, transformaram-se em verdadeiras aglomerações, pois, ao mesmo tempo em que cresciam, apresentavam acentuada deterioração nas condições de higiene. A infra-estrutura sanitária urbana era precaríssima; o lixo acumulava-se nas ruas, o abastecimento de água e a rede de esgotos praticamente inexistiam. O ritual da lavagem da roupa consumia horas de trabalho, trazendo enorme desgaste físico para as mulheres que tinham este ofício. Esfregando com as mãos as roupas sujas, no fim do dia, elas sentiam muitas dores no corpo e tinham as mãos queimadas pelas cinzas utilizadas na barrela e lixívia, necessárias para tirar a sujeira e clarear a roupa. Após ferver a água, por cerca de duas horas e meia, deixava-se tudo de molho até o dia seguinte. A seguir, a roupa era esfregada e batida; as peças brancas ainda tinham que ser aniladas, postas nos quaradouros, enxaguadas, estendidas nos muros, nos jiraus4 e nos telhados de zinco das casas, torcidas e engomadas. Braços nus, mãos calejadas, pele queimada pelo sol, as lavadeiras passavam a jornada ao ar livre, esquentando as refeições nos mesmos fogões em que se fervia a roupa. Cada peça levava a marca do seu dono. Ali, valia o ditado “roupa batida, roupa cantada”, porque era “destino das lavadeiras lavar cantando”.5 Aluísio Azevedo procurou focalizar, além dos espaços onde viviam as camadas populares, as moradias da classe média. No bairro de Botafogo, núcleo da ação romanesca, havia muitos cortiços e sobrados. 3 4 5 • 41 • Cf. “Introdução” ao romance O Coruja. São Paulo: Martins (1973), p. 5. Estrados de varas sobre forquilhas espalhados no quintal ou no pátio dos cortiços. MALTA, Augusto, Velhas edificações: morro do Castelo. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal, 1920. ANGLO VESTIBULARES Os cortiços que Aluísio descreve, possivelmente, têm como referência um cuja entrada era decorada com grotescas cabeças de suíno, de onde veio a expressão “cabeça de porco”. Em seu romance, Aluísio Azevedo denomina-o como “Cabeça de gato”. Esses cortiços, pardieiros e casas de cômodos, que pululavam no Rio de Janeiro, foram totalmente destruídos na reforma empreendida pelo prefeito Pereira Passos e pelo presidente Rodrigues Alves, que realizaram inúmeras obras de saneamento e urbanização. Conhecida como “bota-abaixo”, essa reforma aconteceu no início do século XX e mudou a fisionomia arquitetônica da cidade: foram remodeladas as fachadas de estabelecimentos comerciais e residenciais e alterados os traçados das ruas, praticamente as mesmas desde a época de D. João VI. Apesar das demolições, a pedreira, embora não seja mais explorada, até hoje está bem visível, no fundo da rua Marechal Niemeyer, em Botafogo. Vários sobrados, embora decadentes, resistem ainda no quarteirão compreendido pelas ruas São Clemente, Barão de Lucena, Barão de Macaúbas. Por meio do romance, também é possível localizar estabelecimentos comerciais, redações de jornais, hotéis, restaurantes, teatros e instituições públicas, tal a precisão das referências topográficas fornecidas pelo autor. Esse mapeamento documental e existencial da cidade, em que quase todos se curvam diante do dinheiro e do sexo, é uma das razões porque a obra de Aluísio conseguiu sobreviver aos modismos das tendências histórico-literárias, superando os limites da própria época para ocupar lugar de destaque na vida literária nacional. ALUÍSIO Tancredo Gonçalves de AZEVEDO (São Luís, 1857 – Buenos Aires , 1913) Gonçalves Dias, Odorico Mendes, Graça Aranha, Coelho Neto, Sousândrade, Raimundo Correia e dos irmãos Arthur e Aluísio Azevedo. No primeiro casamento, Emília Amália Pinto de Magalhães, com 17 anos, por imposição familiar, uniu-se a um comerciante português de temperamento violento. Inconformada, abandonou o lar e refugiou-se em casa de amigos, tornando-se uma pessoa desprezada pela conservadora São Luís. Ao conhecer o vice-cônsul português, David Gonçalves de Azevedo, que ficara viúvo ainda jovem, decidiu viver com ele. Dessa união nasceram cinco filhos, entre eles Arthur Azevedo, um dos principais comediógrafos brasileiros do século XIX, e Aluísio Azevedo, o celebrado autor de O cortiço. Aluísio fez os estudos secundários no Liceu Maranhense, dedicando-se à pintura, especialmente retratos de defuntos. Teria prosseguido os estudos, se tivesse conseguido uma bolsa para se aperfeiçoar na Itália. Para continuar sua educação formal, aos 19 anos foi cursar a Imperial Academia de Belas Artes no Rio de Janeiro, onde já vivia seu irmão Arthur. Passou a trabalhar como caricaturista em jornais e revistas satíricas, de vida efêmera, que surgiam e desapareciam da noite para o dia, como O Fígaro, O Mequetrefe, Zig-Zag, Comédia Popular e A Semana Ilustrada. Ao lado das caricaturas e ilustrações, Aluísio Azevedo exercitou sua pena em crônicas opinativas, agregando-se a Fontoura Xavier, Lopes Trovão, José do Patrocínio e Teófilo Dias, que mobilizaram campanhas em favor da Abolição e da Proclamação da República. As charges e os textos representavam não só um meio de expressão artística como, sobretudo, um engajamento político. Denunciavam os vícios da vida pública – nepotismo, abuso de poder e corrupção –, reivindicando mudanças na vida política e social. O desenho e o jornalismo atraíram muitos jovens, constituindo-se em razoável fonte de renda e, especialmente, em oportunidade de inserção no restrito meio intelectual do Brasil Império. Posteriormente, o próprio romancista confessou, em palavras transcritas por Coelho Neto, que por não poder conseguir meios para sua sobrevivência, abandonou o sonho de dedicar-se à pintura: Fiz-me romancista, não por pendor, mas por me haver convencido da impossibilidade de seguir a minha vocação, que é a pintura. Quando escrevo (...), pinto mentalmente. Primeiro desenho os meus romances. Depois, redijo-os.6 No século XIX, o Maranhão foi um grande centro produtor de algodão, tornando São Luís um pólo de prosperidade econômica e cultural de extraordinária efervescência, evidenciado pelo aparecimento de SISTEMA ANGLO DE ENSINO Com o falecimento inesperado do pai, em 1878, retornou ao Maranhão, para tomar conta da família e cuidar do inventário. Em meio às atribulações inerentes a essa situação, conseguiu publicar seu primeiro 6 • 42 • NETO, Coelho. “Aluísio Azevedo”. In: Frutos do tempo. Bahia: Livraria Catilina, 1920, p. 13. ANGLO VESTIBULARES romance: Uma Lágrima de Mulher (1879). Em 1880, associou-se a alguns amigos maranhenses para fundar O Pensador, periódico anticlerical, em cujas páginas encontravam-se provocações como “Pensar é o contrário de crer”, que escandalizaram a sociedade local pela divulgação de princípios radicalmente liberais. Se a obra de estréia, de nítida inspiração romântica, foi elogiada por seus conterrâneos, a publicação de O Mulato, em 1881, gerou um escândalo quase tão grande quanto o provocado por sua mãe anos antes. Um jornal, porta-voz do clero conservador, sugeriu agressivamente que Aluísio abandonasse a Literatura e se dedicasse à agricultura: À lavoura, meu estúpido! À lavoura! Precisamos de braços e não de prosas em romances! Isto sim é real. A agricultura felicita os indivíduos e enriquece os povos! à foice! e à enxada!.7 seguindo a prescrição de Émile Zola: produzir “documentos humanos” que revelassem a vida como ela é. Aluísio continuou a militar ativamente na imprensa, usando pseudônimos como Pitribi, Luinho, Gerofle, Semicúpio dos Lampiões, Rui Vaz, Aliz-Alaz, Asmodeu e Vitor Leal. Alguns desses disfarces serviam também a Olavo Bilac, Coelho Neto e Pardal Mallet. Além do trabalho episódico em jornal, Aluísio escreveu, em parceria ora com o irmão Arthur, ora com o amigo Emílio Rouède, várias comédias, operetas e revistas teatrais ao mesmo tempo em que seguiu publicando seus contos e romances, sempre alternando obras de folhetim ao gosto romântico (que considerava “comerciais”) e obras naturalistas (que reputava mais “artísticas”). Os onze romances de Aluísio Azevedo revelam um fenômeno de alternância estética, que foi assim sintetizado por Antonio Candido: Em O Mulato (1881), obra geralmente tomada como marco inaugural do Naturalismo no Brasil, Aluísio focaliza a sociedade autocrática e racista de São Luís do Maranhão, representada na figura desprezível do Padre Diogo. Uma sociedade com tais valores não poderia aceitar a presença do mulato Raimundo, como aponta o crítico maranhense Jomar Morais: Publicado quando Aluísio contava apenas 24 anos, O Mulato ainda está muito distante daquele nível de realização literária que seria atingido com O Cortiço. Mas o livro tem o efeito de uma bomba. Provoca a indignada reação de uma sociedade que se vê retratada pelos seus aspectos mais reprováveis. Todos compram o livro e o leem com interesse, buscando a identificação de muitas figuras que se movimentam pelas ruas de São Luís. Em torno do livro e de seu autor, a São Luís burguesa, escravocrata e católica ergue diques de indiferentismo e indignação.8 Com o dinheiro da venda dos dois mil exemplares de O Mulato, Aluísio deixou São Luís e instalou-se novamente na Corte, onde continuou sua obra, entremeando folhetins de sabor romântico, como Memórias de um condenado (1882, depois chamado de A Condessa Vésper) com obras propriamente naturalistas, como Casa de pensão (1883). Este romance baseouse na “Questão Capistrano”, um caso policial ocorrido no Rio em 1876/7, que envolveu estudantes da Escola Politécnica e a irmã de um deles. Focaliza a estória do estudante maranhense Amâncio que, no Rio, foi vítima de um ardil armado por João Coqueiro e Mme. Brizard, dona da pensão em que se hospedara. João Coqueiro denuncia-o à justiça por violência sexual contra a irmã, mas perde a causa. Absolvido, Amâncio vira “herói” nacional; no auge da comemoração, é assassinado por Coqueiro. Com esta narrativa, Aluísio afina-se cada vez mais com a técnica naturalista, 7 8 Jornal A Civilização, São Luís, 1881. MORAIS, Jomar. Apontamentos de literatura. São Luís: Edições Sioge, 2ª- ed., s/d, pp. 172-173. SISTEMA ANGLO DE ENSINO A evolução de sua obra se dá como os movimentos de uma montanha russa: Uma lágrima de mulher precede O mulato; mas este primeiro e ainda pouco elevado altiplano é sucedido pela baixada d’A condessa Vésper e d’A girândola de amores, que logo se alteia no primeiro grande livro, Casa de pensão. A próxima descaída é Filomena Borges, seguida de uma relativa subida em O homem, que vai mais alto n’O coruja. A descida seguinte, com O esqueleto, precede a vertiginosa ascensão de O cortiço, depois da qual se estende uma chata planície: A mortalha de Alzira e O livro de uma sogra.9 Aluísio Azevedo foi o primeiro escritor brasileiro a tentar viver da profissão, produzindo ininterruptamente. Nos romances propriamente naturalistas, denunciou problemas como promiscuidade, miséria, fome, exploração e prostituição. Seus protagonistas vão degradando-se, social e moralmente, por força da opressão social e econômica ou pelo determinismo das leis naturais. Seus romances naturalistas revelaram domínio cada vez mais seguro das novas técnicas narrativas, apreendidas em Émile Zola e Eça de Queirós. O contato com a obra do prosador português (especialmente seus romances da fase demolidora: O Crime do Padre Amaro, 1875; O Primo Basílio, 1878) e do escritor francês Zola (sobretudo L’Assomoir, A Taberna, 1877; O romance experimental, 1880; Germinal, 1885) foi decisivo para Aluísio. Via Eça, incorporou a flexibilidade de registro, numa prosa límpida e precisa, de situações dramáticas. De Zola, veio a preocupação com o pormenor científico, por meio do exame exigente da vida cotidiana burguesa, da análise de casos patológicos e, principalmente, do registro de movimentos populares. Na 1ª- edição de O mistério na Tijuca, em folhetins pelo jornal Folha Nova, Aluísio Azevedo fez uma curiosa digressão sobre o trabalho de carpintaria dos 9 • 43 • CANDIDO, Antonio. Prefácio. In Filomena Borges. São Paulo: Martins, 1961. ANGLO VESTIBULARES romancistas, expondo os processos, a técnica de composição e a intenção das criações romanescas: Diremos logo com franqueza que todo o nosso fim é encaminhar o leitor para o verdadeiro romance moderno. (...) É preciso ir dando a coisa em pequenas doses, paulatinamente: um pouco de enredo, de vez em quando; uma ou outra situação dramática de espaço a espaço, para engordar, mas sem nunca esquecer o verdadeiro ponto de partida — a observação e o respeito à verdade. Depois, as doses de romantismo irão diminuindo gradualmente, enquanto as do Naturalismo se irão desenvolvendo; até que um belo dia, sem que o leitor o sinta, esteja completamente habituado ao romance de pura observação e estudo de caracteres. ... Por conseguinte, entendemos que, em semelhantes contingências, o melhor partido a seguir era conciliar as duas escolas, de modo a agradar ao mesmo tempo ao paladar do público e ao paladar dos críticos; até que se consiga por uma vez o que ainda há pouco dissemos impor o romance naturalista. Mas, enquanto não chegarmos a esse belo posto, vamos limpando o caminho com as nossas produções híbridas, para que os mais felizes, que porventura venham depois, já o encontrem desobstruído e franco.”10 a trabalhar na legação diplomática do Brasil em Salto Oriental (Uruguai), onde ficou até 1903. No ano seguinte, foi transferido para Cardiff (Inglaterra), onde permaneceu até 1907, sendo remanejado a seguir para Nápoles (Itália). Em 1910, tornou-se cônsul de 1ªclasse, assumindo o posto em Assunção e, logo depois, em Buenos Aires. Na capital argentina, viveu ao lado da companheira Pastora Luquez, até falecer em 1913, aos 55 anos. Seis anos depois, por iniciativa de Coelho Neto, seus restos mortais foram trasladados para São Luís. O caricaturista no escritor Anunciava aí a elaboração de uma verdadeira fórmula para o romance moderno, segundo uma concepção estética híbrida, pois fundia Romantismo com Naturalismo. Quando O mistério na Tijuca foi republicado em volume, com o novo título de Girândola de Amores (1882), o autor excluiu essa digressão. Aluísio enfrentou enormes dificuldades de sobrevivência, como se pode perceber pela passagem seguinte, extraída de uma carta enviada ao deputado Afonso Celso: A participação nas revistas satíricas que circularam no II Reinado recebeu atenção especial de JeanYves Mérian, biógrafo e estudioso da obra de Aluísio Azevedo, que ressaltou a importância daquele momento de rebeldia intelectual para a definição das diretrizes estéticas e políticas assumidas posteriormente por ele. Aluísio adquiriu aí o hábito de criar “bonecos”, que deixava espalhados sobre sua mesa de trabalho e que serviriam, mais tarde, de protótipos para a criação de personagens. Isto que aqui vai é uma carta antipática e mal conformada. (...) desejo ardentemente descobrir uma colocação qualquer, seja onde for, ainda que na China ou em Mato Grosso, contanto que me sirva de pretexto para continuar a existir e continuar a sarroliscar os meus pobres romances, sem ser preciso fazê-los au jour le jour. (...) Repito: seja lá o que for — tudo serve; contanto que eu não tenha de fabricar Mistérios da Tijuca e possa escrever Casa de pensão.11 Autocaricatura de Aluísio Azevedo O Fígaro, 13/05/1876) Desgostoso com tanta instabilidade profissional, Aluísio decidiu seguir o conselho de Graça Aranha e prestou concurso para a carreira diplomática. Aprovado, em 1895, foi nomeado vice-cônsul em Vigo (Espanha). Pouco tempo depois, é removido para Yokohama (Japão), na mesma função. Cedeu os direitos de sua propriedade literária para a Livraria Garnier em 1897, mesmo ano da fundação da Academia Brasileira de Letras, que reconheceu seu prestígio literário, elegendo-o patrono da cadeira nº- 4. Em 1900, tornou-se cônsul honorário em La Plata (Argentina). Promovido a cônsul de 2ª- classe, passou 10 11 As pautas exploradas estavam em sintonia com o pensamento positivista, de caráter progressista. Focalizavam temas relacionados ao clero, à escravidão, à educação, ao teatro e à família real, antecedendo a produção romanesca de Aluísio. É . ZOLA : O ROMANCE EXPERIMENTAL Ao publicar Le Roman Experimental (1880), Émile Zola propôs incorporar à literatura a metodologia anunciada por Claude Bernard na Introduction à la Médecine Experimentale (1865). Em seu ensaio, Zola afirma: Citado por Eugênio Gomes em Aspectos do romance brasileiro. Salvador: Livraria Progresso-Universidade da Bahia, 1958, pp. 116-118. AZEVEDO, Aluísio. “Apresentação e Comentários de Luiz Dantas”, Japão. São Paulo: RK Editores, 1984, p.7. SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 44 • O romance experimental é uma conseqüência da evolução científica do século; ele continua e completa a fisiologia...; ele substitui o estudo do homem abstrato, do homem metafísico, pelo estudo do homem natural submetido às leis físico-químicas e determinado pelas influências do meio. ANGLO VESTIBULARES O desenvolvimento dos personagens e das situações do romance deveria resultar, para os naturalistas, de critérios científicos similares às experiências de laboratório, de tal maneira que o método do cientista deveria tornar-se o do escritor. Assim, a realidade deveria ser descrita de maneira objetiva, por mais sórdidos que pudessem parecer alguns relatos. Os escritores naturalistas procuraram a verdade, observando fatos e comportamentos da época contemporânea, desdenhando o sentimentalismo. Dirigiram seu interesse, sobretudo, para as camadas mais baixas da sociedade, enfatizando a naturalidade de expressão desses grupos sociais. Incorporaram o pensamento de Auguste Comte (1798-1857), que em seu Curso de Filosofia Positiva (1830-42) configura uma espécie de “filosofia do progresso” — o Positivismo —, em que demonstra a evolução social desdobrando-se em três estágios sucessivos, cada qual superior ao que o antecedeu. Assim, a história dos homens partiu de uma fase inicial “teológica”; evoluiu depois para a “metafísica”, chegando finalmente à “positiva”, a mais elevada, porque se fundamentaria na ciência. Não admitiam nada que tivesse um significado sobrenatural, rejeitando as explicações fornecidas pela religião. Seguiram essa orientação, aplicando-a na composição do enredo, no tratamento da ação e na construção das personagens. Procuraram absorver também idéias de Haeckel e Spencer, que usaram categorias de Darwin para descrever processos sociais. Charles Darwin (1809-92), em sua famosa Origem das espécies por seleção natural (1859), elaborou a teoria do Evolucionismo, em que afirma a sobrevivência, na natureza, só de organismos capazes de dar uma resposta positiva aos problemas gerados pelo ambiente, cujos recursos dizem sempre respeito às exigências de cada espécie (a famosa “luta pela vida”). Darwin também pesquisou a questão da hereditariedade genética; relacionou o desenvolvimento da espécie ao quadro das leis naturais, instigando um animado conflito entre ciência e religião, devido à autonomia atribuída à natureza. No romance experimental, Zola também preconiza que o estudo do homem abstrato e metafísico deve ser substituído pela observação do homem natural. Assim, as deliberações morais são resultado direto das condições da natureza física, conforme preconizava a teoria do Determinismo, elaborada pelo crítico literário Hippolyte Taine (1828-93), que se empenhou em estender o método positivista à Literatura e às Artes, de modo geral. Identificava, na base de cada obra literária, três elementos constitutivos: raça, ambiente e momento histórico. A arte seria, portanto, um organismo sistemático fundado sobre precisos traços determinantes, verificáveis concretamente nas suas leis sócio-ambientais e histórico-culturais. Os primeiros naturalistas ficaram conhecidos como o “grupo de Médan”, formado por Guy de Maupassant, SISTEMA ANGLO DE ENSINO Joris-Karl Huysmans, Henri Céard, Léon Hennique e Paul Alexis, escritores amigos de Zola, que se reuniam na casa dele em Médan, perto de Paris, para discutir literatura. Como resultado desse trabalho em grupo, originou-se a obra Noites de Médan (1880), em que defendem fundamentalmente as seguintes propostas literárias: • Visão de mundo determinista e mecanicista: o escritor analisa objetiva e minuciosamente o homem como um caso clínico, um animal, submetido a forças fatais e impulsionado pela fisiologia em igualdade de proporção com a razão ou o espírito; • A escrita como ferramenta de investigação social: a experimentação literária não diz respeito aos produtos químicos ou animais, mas ao próprio homem e à sociedade em que vive; • Preocupação reformadora: os aspectos denunciados na obra literária visam à melhoria das condições sociais que os geraram; • Principal alvo: a destruição do Romantismo. Na 2ª- metade do século XIX, os escritores recusam o sonho e o devaneio, abandonam a inspiração e a psicologia sentimental para produzir um romance-documento, escrupulosamente voltado para a realidade. Para pôr em prática sua concepção do romance experimental, Zola, desde 1871, passou a compor um ciclo de vinte romances – Os Rougon-Macquart –, cujo subtítulo “História Natural e Social de uma Família no Segundo Império” confirmava o projeto de delinear um painel vigoroso da decadência da sociedade francesa. A publicação dos romances L’Assomoir (A Taberna, 1877), Nana (1880) e Germinal (1885), marcados por uma acentuada atmosfera de degeneração e fatalismo, valeu-lhe várias acusações de pornografia. Em L’Assomoir, Zola quis “pintar a desgraça e a miséria de uma família operária, no ambiente empesteado dos nossos subúrbios”. E acrescentou, em resposta aos que atacaram seu estilo: “Meu crime foi ter tido a curiosidade literária de coletar e de fundir numa forma muito trabalhada a língua do povo. (...) Este é um trabalho de verdade, o primeiro romance sobre o povo, que não mente e que tem o cheiro do povo.” Durante algum tempo, Zola viveu em Anzin, no norte da França, onde se empregou numa mina de carvão, com o propósito de observar o dia-a-dia dos operários. As centenas de fichas reunidas serviram de suporte para a redação de Germinal, considerado seu principal romance. Na trama, põe em destaque a figura da personagem Etienne Lantier, trabalhador das minas de carvão de Montsou que, como seus companheiros, recebe um salário irrisório, vivendo em condições de miséria. Quando a Companhia proprietária da mina decide impor condições ainda mais rigorosas, Lantier convence seus companheiros a en- • 45 • ANGLO VESTIBULARES trar em greve. A Companhia espera que os mineiros, esfomeados, cedam. Tomados pelo desespero, eles se revoltam, destroem as instalações e exigem alimentos. A polícia os reprime violentamente. Derrotados, os mineiros optam por retornar ao trabalho. Nesse romance, Zola sustenta a tese de que a maior responsável pela paralisia moral da humanidade é a opressão social. nagem da peça política de centralização mais coesa que já uma vez houve na história de um grande país. De repente, por um movimento subterrâneo que vinha de longe, a instabilidade de todas as coisas se mostrou e o sofisma do império apareceu em toda a sua nudez. A Guerra do Paraguai estava ainda a mostrar a todas as vistas os imensos defeitos de nossa organização militar e o acanhado de nossos progressos sociais, desvendando repugnantemente a chaga da escravidão; e então a questão dos cativos se agita e logo após é seguida a questão religiosa; tudo se põe em discussão: o aparelho sofístico das eleições, o sistema de arrocho das instituições policiais e da magistratura e inúmeros problemas econômicos: o partido liberal, expelido grosseiramente do poder, comove-se desusadamente e lança aos quatro ventos um programa de extrema democracia, quase um verdadeiro socialismo; o partido republicano se organiza e inicia uma propaganda tenaz que nada faria parar. Na política é um mundo inteiro que vacila. Nas regiões do pensamento teórico, o travamento da peleja foi ainda mais formidável, porque o atraso era horroroso. Um bando de idéias novas esvoaçou sobre nós de todos os pontos do horizonte. Hoje, depois de mais de trinta anos; hoje que são elas correntes e andam por todas as cabeças, não têm mais o sabor da novidade, nem lembram mais as feridas que, para as espalhar, sofremos os combatentes do grande decênio: Positivismo, Evolucionismo, Darwinismo, crítica religiosa, Naturalismo, cientificismo na poesia e no romance, folclore, novos processos de crítica e de história literária, transformação da intuição do Direito e da política, tudo então se agitou e o brado de alarma partiu da Escola de Recife.12 As soluções realistas-naturalistas O Naturalismo constitui uma corrente do Realismo, fundamentada numa teoria peculiar de cunho científico, com o intuito de oferecer uma visão materialista do homem, da vida e da sociedade, uma espécie de anatomia moral do universo burguês. As narrativas dos romances naturalistas põem em destaque o recurso da descrição, notadamente das faces degradadas da existência — estratégia por intermédio da qual realizam sua crítica. A cosmovisão oferecida revela-se um tanto mecanicista, pois eles partem do princípio de que o ser humano é um animal guiado pela raça, pelo meio físico-social e pelo momento histórico: forças irreprimíveis sobre as quais ele não teria controle. Por considerarem que a fisiologia impulsiona o homem em igualdade de proporção com a razão ou o espírito, demonstram acentuada preferência por temas de patologia social, como miséria, criminalidade, desequilíbrios psíquicos, ninfomania, homossexualidade, incesto etc. BRASIL: COORDENADAS SOCIAIS E CULTURAIS Na década de 1870, intelectuais brasileiros ligados à Faculdade de Direito de Recife passaram a divulgar as idéias de Augusto Comte, Charles Darwin e Hippolyte Taine, que logo repercutiram no Rio de Janeiro, centro da vida cultural e política do país. Tobias Barreto, filósofo, poeta, jurista e professor da escola pernambucana, foi o grande arauto. O crítico Sílvio Romero, seu amigo, condensa do seguinte modo a agitada atmosfera cultural da época: O decênio que vai de 1868 a 1878 é o mais notável de quantos no século XIX constituíram a nossa vida espiritual. Quem não viveu nesse tempo não conhece por não ter sentido diretamente em si as mais fundas comoções da alma nacional. Até 1868, o catolicismo reinante não tinha sofrido nestas plagas o mais leve abalo; a filosofia espiritualista, católica e eclética, a mais insignificante oposição; a autoridade das instituições monárquicas o menor ataque sério por qualquer classe do povo; a instituição servil e os direitos tradicionais do feudalismo prático dos grandes proprietários a mais indireta opugnação; o romantismo, com seus doces, enganosos e encantadores cismares, a mais apagada desavença reatora. Tudo tinha adormecido à sombra do manto do príncipe feliz que havia acabado com o caudilhismo nas províncias da América do Sul e preparado a engre- SISTEMA ANGLO DE ENSINO Trazido da Europa, o Realismo-Naturalismo é aqui modificado pelas contradições sociais do país, que estimulam o desenvolvimento de uma nova perspectiva artística, mais engajada, impetuosa e renovadora. Além de Aluísio Azevedo, destacam-se os seguintes representantes da prosa naturalista: Júlio Ribeiro (A carne, 1888), Adolfo Caminha (A normalista, 1893; Bom-crioulo, 1896), Inglês de Sousa (O missionário, 1888), Rodolfo Teófilo (A Fome, 1888), Domingos Olímpio (Luzia-Homem, 1903) e Manuel de Oliveira Paiva (Dona Guidinha do Poço, escrito em 1891, mas publicado em 1952). O Ateneu (1888), de Raul Pompéia, tanto apresenta traços realistas-naturalistas como impressionistas e expressionistas. O CORTIÇO (1890) : SÍNTESE DO ENREDO A Estalagem São Romão Logo de início, traça-se um paralelo entre o comportamento dos portugueses João Romão e Miranda, ambos negociantes maquiavélicos e inescrupulosos, que se tornam proprietários, respectivamente, de um cortiço e de um sobrado, constituindo-se a trajetória deles nas principais linhas de ação que compõem o enredo do romance, habilidosamente engendrado por Aluísio Azevedo. No cortiço, morava a “gentalha”, 12 • 46 • Apud BOSI Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1975, p. 184. ANGLO VESTIBULARES constituída por brancos, tanto brasileiros como imigrantes, ao lado de pretos e mulatos; no sobrado, acomodava-se a família de Miranda. A propósito: o substantivo masculino sobrado tem origem no termo latino superatus, que significa “o que está por cima”. João Romão, que se tornaria dono do cortiço, começara como empregado de um vendeiro, também português que, enriquecido, volta para seu país e transfere o negócio para seu funcionário, em pagamento de salários acumulados. Reunindo todas as más qualidades de um ser humano obcecado por ganhar dinheiro, o novo proprietário amplia suas atividades ao apoderar-se das economias de Bertoleza, uma escrava, que se tornara sua companheira e a quem ele descaradamente engana, forjando uma carta de alforria. Crendo-se livre, ela passa os dias fritando um peixe chamado “carapicu”, nome que se torna apelido do cortiço – que João Romão vende no estabelecimento, logo transformado em armazém, casa de pasto (restaurante), café e loja de ferragens. Assim, o português foi juntando capital para construir, casinha a casinha, a “Estalagem São Romão”. Para edificar as casinhas, João Romão não hesitou em surrupiar materiais de construção em obras próximas. Logo alugadas para lavadeiras, proporcionam-lhes bons rendimentos, que se somam aos lucros da venda e lhe permitem adquirir e explorar uma pedreira situada ao fundo do cortiço, onde os operários também vão morar. Desse modo, João Romão consolida rapidamente uma fortuna considerável. O sobrado do Miranda João Romão quis ampliar suas propriedades, mas Miranda não aceita vender parte da dele, desgostoso por ter um cortiço como vizinho. Bufando, reclamava: “Maldito seja aquele vendeiro de todos os diabos! Fazer-me um cortiço debaixo das janelas!... Estragoume a casa, o malvado!” Na verdade, o que sentia era inveja, por não ter tido ele a idéia do negócio. Antigo comerciário, Miranda enriquecera ao casar-se com Estela. Graças ao dote da esposa, tornou-se atacadista de tecidos e acumulou fortuna e prestígio, ostentando a posse de um sobrado patriarcal. Além da família, constituída pela mulher Estela e pela filha Zulmira, viviam no sobrado alguns agregados: Henrique, um estudante interiorano; Valentim, um empregado da loja; e Botelho, um velho parasita. A mudança para a nova residência também impediria que sua esposa continuasse tendo encontros amorosos com os caixeiros da loja. Irritado, não podia separar-se dela, pois fora com o capital da família da esposa que adquirira sua loja de tecidos. Mesmo roendo os chifres, não hesitava em procurar Estela para satisfazer necessidades sexuais. Para compensar frustrações, Miranda reivindica e obtém, junto à coroa portuguesa, o título de Barão do Freixal, atenuante para seu despeito frente ao sucesso do vizinho João Romão. SISTEMA ANGLO DE ENSINO Os moradores do cortiço No cortiço, habitavam os mais diversos tipos: Leandra (a “Machona”), com os filhos Ana das Dores, Neném e Agostinho; o policial Alexandre, que, quando não estava fardado, era um inveterado farrista; com a farda, desconhecia a própria mulher, Augusta “Carne-Mole”. Juju, filha desse casal, vivia no centro da cidade com a madrinha Léonie, uma prostituta francesa muito solicitada por velhos políticos e por estudantes incautos. As roupas finas da cocotte eram lavadas por Isabel, que se dedicava à criação da filha, Pombinha, a “flor do cortiço”. Esta aguardava ansiosamente sua primeira menstruação, para que pudesse casar-se com o comerciário José da Costa. A lavadeira Leocádia trai o marido Bruno, que era ferreiro, com o estudante Henrique, em troca de um coelho. Enfurecido, o marido a expulsa de casa. Malandra esperta, Leocádia desdenha da nova situação, achando que poderia sobreviver como ama-de-leite. Arruína-se e acaba aceitando o convite do marido para voltar a viver com ele. Marciana, mulata séria, sempre a arrumar a casa, obcecada por limpeza, era mãe de Florinda, morena de “beiços sensuais”, muito cobiçada no cortiço. Quando Florinda é seduzida pelo caixeiro Domingos e fica grávida, a mãe, furiosa, vai tomar satisfação com João Romão, patrão do rapaz. O português aproveita a ocasião para se livrar do empregado, ludibriando-o. Florinda, de tanto ser castigada, decide fugir e passa a colecionar amantes. Desgostosa com tudo, a mãe morre. Albino, uma das figuras mais excêntricas daquele espaço, era lavadeiro: de tanto conviver entre as mulheres, identificava-se com elas. Para manter seu perfil de elegância “feminina”, quase não comia e isso lhe fazia mal. Libório, velho sovina, vivia sempre a mendigar comida e beijos. Sem que os outros moradores soubessem, acumulara enorme quantidade de dinheiro, escondendo-o em garrafas. Havia também locatários italianos, que costumavam sujar o terraço com as cascas das muitas frutas chupadas. Tudo o que acontecia no cortiço era público, pois o exíguo espaço físico das casinhas não permitia maiores privacidades. O argentário sem escrúpulos Apesar dos obstáculos criados por Miranda, João Romão consegue construir as casinhas e acaba dono de um negócio muito lucrativo, pois, comercialmente, o ponto era magnífico, já que ficava perto da pedreira e de uma fábrica de massas. Com a administração de seus múltiplos negócios, o português passa a ganhar cada vez mais dinheiro. Para ampliar a produção da pedreira, Romão decide contratar Jerônimo, outro imigrante português, casado com Piedade. Esse casal tinha uma filha, Senhorinha. Jerônimo, um cavouqueiro hercúleo, sabia dominar a pedra, pesar a pólvora e lascar o fogo, sem desperdiçar nenhuma peça. Trabalhador experiente, exige de João Romão um • 47 • ANGLO VESTIBULARES salário de 80 mil réis, que o patrão aceita pagar, intuindo que boa parte desse dinheiro lhe retornaria ao bolso, pois cresceria o lucro resultante de melhor aproveitamento da pedreira. Rita Baiana, a mulata dengosa A mulata Rita Baiana, também lavadeira, estava sempre metida com homens, dando vazão a seu temperamento alegre e impetuoso. De vez em quando, sumia; quando retornava, estava endinheirada e dizia que tinha andado de rega-bofe por Jacarepaguá. Com seu extraordinário magnetismo sensual, costumava dar festas em sua casa, em que bebiam parati, que servia de abrideira para a moqueca baiana. Numa dessas festas, Firmo, ao cavaquinho, e Porfiro, ao violão, começam uma roda de samba fazendo ferver a casa de Rita. Firmo, amante de Rita, era um capoeirista ágil, trapaceiro e charlatão pernóstico, que não aparentava a idade que tinha: 30 anos; “mulato pachola”, não conseguia dissimular o ciúme, pois notava o quanto Rita era cobiçada. A festa se estendia para o pátio, deixando quase todos os homens do cortiço, especialmente o português Jerônimo, fascinados com os requebros luxuriosos de Rita, que saía sapateando, acompanhando o ritmo da música crioula na sua crepitação venenosa e lasciva. Esse chorado baiano, frenético e lúbrico, agitava a carne de Rita, cujos peitos tremulavam dentro da blusa. Com os olhos virados e os braços sobre a nuca, Rita deixava as axilas povoarem de afrodisia a roda toda. Jerônimo fica caído pela mulata, achando nela a síntese dos trópicos, do sumo da fruta selvagem, da picada da cobra, da baunilha, do açúcar, da pimenta-malagueta e do sol que faz febre, cuja luz o deixara inebriado ao chegar ao Brasil. Jerônimo, o português que se abrasileirou O pacato Jerônimo vivia com a esposa Piedade. A filha Marianita, depois cognominada Senhorinha, estudava em um internato. Para matar saudades da terra distante, tocava fados e canções na guitarra. Quando passa a viver realmente a vida do cortiço, Jerônimo progressivamente vai se abrasileirando. Abandona a guitarra portuguesa e começa a se divertir com o chorado brasileiro, acompanhado entusiasticamente pelo violão de Firmo. O mulato nota o interesse de Jerônimo por Rita e puxa briga com o português, ferindo-o a golpes de navalha, para desespero de João Romão, que não queria saber de médicos nem de polícia intrometendo-se em seus negócios. Enquanto Jerônimo é levado para um hospital, Firmo foge para o “Cabeça de Gato”, um cortiço próximo. Eventualmente, torna a se encontrar com Rita na casa de um padre, que alugava quartos para esses eventos. Quando Jerônimo retorna do hospital, Rita é toda dedicação. Piedade percebe o interesse do marido pela dançarina brasileira, na mesma proporção em que SISTEMA ANGLO DE ENSINO se vê rejeitada por ele, que declara não suportar o cheiro azedo da portuguesa, porque ela não costumava tomar banho. Jerônimo, afinal, se recupera e monta um plano para matar o rival. Ajudado por outros homens, faz com que Firmo seja atraído até uma praia deserta, onde o mulato é assassinado. Piedade e Rita Baiana, em luta aberta por Jerônimo, esbofeteiam-se, desfiando reciprocamente um variado repertório de xingamentos. Jerônimo abandona a esposa e vai viver com a mulata; sua “garra” de imigrante se dissipa e ele renuncia a todos os sonhos e ambições. Por fim, adere completamente ao modo de vida brasileiro, num processo crescente de degradação física e moral. Piedade entra em depressão e se torna alcoólatra. A filha, Senhorinha, passa a viver com a mãe, desde que o pai deixou de pagar as mensalidades do colégio interno. Numa alta noite, desconsolada, vê a mãe, muito bêbada, entregar-se a Pataca, comparsa de Jerônimo no assassinato de Firmo. O incêndio do cortiço A memorável briga entre Jerônimo e Firmo teve vários desdobramentos. O capoeira, ralado de ciúmes, aboletara-se na estalagem vizinha, tornando-se o chefe daquela “gentalha”. Desde logo, surgiu uma rivalidade sangüínea entre os dois cortiços: quem fosse “Cabeça de Gato” era inimigo dos “Carapicus”. Quando Firmo morre assassinado, os moradores do “Cabeçade-Gato” revoltam-se e decidem atacar o “Carapicu”. Arma-se um pandemônio generalizado, maior ainda porque a polícia resolve intervir. Quando o portão do cortiço é aberto estrondosamente, ouvem-se gritos vindos de dentro: “Não entra a polícia! Agüenta! Agüenta!”. Esqueceram-se de tudo, para formar barricadas e impedir a entrada dos praças. Voavam pelo ar garrafas, telhas, pedras e tintas sujas. “Fora os morcegos! Fora! Fora!”, os gritos misturavam-se aos apitos, que silvavam de forma estridente no meio da rua. Aproveitando-se da confusão, Paula, a Bruxa, finalmente consegue incendiar o cortiço, após uma frustrada tentativa anterior. Ao sinal de “Fogo!”, os inimigos esquecem a briga e se solidarizam, tentando salvar os poucos cacarecos. Nesse instante, o vento norte zuniu e um grande pé-d’água apagou o fogo. A batalha entre os dois cortiços, interrompida pelo incêndio, descrita com habilidade por Aluísio Azevedo, é considerada uma das mais fortes cenas de movimentação coletiva da Literatura Brasileira. Léonie e Pombinha Pombinha fora criada numa redoma social, tendo recebido boa educação e adquirido bons costumes. Com a mãe, Isabel, fora morar no cortiço após a morte do pai. Benquista por todos, alternava préstimos de enfermeira e redatora/leitora de cartas para os moradores analfabetos. Corrompe-a o contato com a madrinha Léonie: a prostituta francesa dá vazão a seu • 48 • ANGLO VESTIBULARES lesbianismo e seduz a donzela. No dia seguinte a este encontro, Pombinha experimenta sua primeira menstruação. Agora mulher, ela já pode se casar com José da Costa. Após algum tempo, enfastia-se do marido e o abandona. Vai viver com Léonie, torna-se prostituta e passa a cortejar Senhorinha, filha de Jerônimo e Piedade. A Avenida São Romão Com o dinheiro da indenização dos prejuízos causados pelo incêndio, paga pelo seguro, e com o roubo das economias do velho Libório, que morrera queimado, João Romão decide construir a “Avenida São Romão”: quatrocentos cômodos em forma de sobrados, equipados com sanitários e destinados a um novo público, formado por funcionários públicos e pequenos comerciantes. Enquanto isso, Romão morre de inveja de Miranda, pois é convidado para a festa em que o vizinho iria receber o título de barão. Para não ficar para trás na hierarquia nobiliárquica, planeja tornar-se visconde. Decide melhorar de vida e passa a assinar jornais, a ir ao teatro, a comprar roupas elegantes, a usar guardanapos, guarda-chuva, cartola, a tomar banho e perfumar-se. Torna-se sócio de um clube de danças, abandonando para sempre os tamancos. Botelho, o agregado da casa de Miranda, mediante compensação financeira, transforma-se em seu alcoviteiro, estimulando João Romão a se aproximar de Zulmira, filha do ex-rival, o que completaria seu projeto de ascensão social. Para isso, era necessário livrar-se de Bertoleza, que se tornara um enorme entrave. A preta compreende o estratagema montado por Romão e pelo assecla Botelho e, magoada com a canalhice do companheiro, chama-o às falas: Você está muito enganado, seu João, se cuida que se casa e me atira à toa! exclamou ela. (...) Pois se aos cães velhos não se enxotam, por que me hão de pôr fora desta casa, em que meti muito suor do meu rosto?... Quer casar, espere então que eu feche primeiro os olhos. Não seja ingrato. (cap. XXI, pp. 151-152)13 O “abolicionista” João Romão Sempre ajudado por Botelho, o cínico argentário leva adiante o plano de descarte definitivo da escrava que se julgava liberta: localizam o herdeiro de seu antigo proprietário, já falecido, e ele a denuncia à polícia como foragida. Quando se vê diante do verdadeiro dono, ávido por resgatá-la, a ex-amante percebe o ludíbrio de que fora vítima. Desesperada, Bertoleza comete suicídio, rasgando o ventre com a mesma faca usada para limpar peixes. Ironicamente, enquanto nos fundos da casa ocorre essa tragédia, João Romão recebe na sala do magnífico sobrado em que 13 As referências aos números de páginas de todas as citações de O Cortiço, nessa análise, baseiam-se na 4ª- edição da obra, publicada pela Editora Ática, série Bom Livro, São Paulo, 1976. SISTEMA ANGLO DE ENSINO então vivia, construído para sobrepujar o de Miranda, uma comissão de abolicionistas de casaca, que lhe entregam, cerimoniosamente, o diploma de sócio benemérito por sua participação na campanha em favor da libertação dos escravos. ANÁLISE DA OBRA A narrativa naturalista, para fazer uma vigorosa análise social de grupos humanos marginalizados, procura valorizar os movimentos coletivos. No caso de O Cortiço, essa proposta vem explicitada no próprio título, sugerindo a tese de que a principal personagem do romance não é nem João Romão, nem Bertoleza, nem Rita Baiana, mas o próprio cortiço. Essa escolha indicia que Aluísio Azevedo quis produzir um romance de massas, para denunciar o revoltante modo de vida de um embrutecido grupo social. Desse modo, as personagens principais existem dentro de um contexto que não é pretexto, mas dado essencial e indispensável para a compreensão dos contrastes que a narrativa levanta. Com isso, pode-se afirmar que a unidade de composição da obra é fornecida pelo próprio cortiço, que a delimita com rigor no tempo e no espaço. Foco Narrativo Os narradores dos romances naturalistas têm como traço comum a onisciência, que lhes permite observar as cenas diretamente ou por meio dos protagonistas. Pedagogicamente, privilegiam a minúcia descritiva, revelando ao leitor as reações externas e internas das personagens, abrindo espaço para os retratos literários e para o detalhamento do cotidiano banal. Aluízio Azevedo escolheu essa visão absoluta frente à ação. Ao optar por um narrador onisciente e observador, que registra tudo com bastante nitidez e riqueza de detalhes, age como se tivesse à mão uma câmera cinematográfica dotada de lente grande angular e de microfone ultra-sensível. Dessa maneira, ele pode estar ao mesmo tempo dentro e fora de cada uma das personagens, penetrar, decompor e recompor um imenso painel social e moral, ora focalizando as cenas num plano geral, ora descendo aos detalhes físicos das personagens. O narrador vale-se do recurso da reiteração para intensificar o dinamismo das cenas e favorecer os efeitos de aceleração e de retardamento, conforme as modulações exigidas pelo assunto. O ritmo que imprime à narrativa é trepidante, com um movimento incessante de vai e vem, em que demonstra completo domínio sobre a ação cujos desdobramentos ressaltam a pressão dos determinismos raciais, ambientais e históricos sobre as personagens. Ele parece conhecer o significado do real. Tudo o que acontece é captado pelo leitor, que acompanha de forma direta o que o autor elaborou. • 49 • ANGLO VESTIBULARES Tempo Seguindo os preceitos do Naturalismo, Aluísio se empenha em fazer a ação do romance transcorrer numa época imediatamente anterior à sua publicação. Embora não forneça nenhuma data precisa, refere-se a certos episódios, como o surgimento de fábricas, suficientes para situar o período no qual ocorre. Numa rápida evocação do passado, o velho Botelho, ainda rico na época da guerra do Paraguai, hostiliza a Lei do Ventre Livre de 1871, o que possibilita localizar a ação do romance entre 1872 e 1880. Os imigrantes italianos, numerosos no cortiço, vieram para o Brasil em decorrência do processo de unificação da Itália, também ocorrida no mesmo período. O desenvolvimento do enredo se dá linearmente: acompanha a trajetória de João Romão desde a juventude pobre até a maturidade abastada. Isto permite concentrar o tempo narrado em alguns poucos anos. O romancista só deixará essa progressão temporal ao fazer digressões para fornecer ao leitor indicações indispensáveis à compreensão do passado das personagens. Espaço/Meio O espaço no qual se desenvolve a ação é bem delimitado. O cortiço situa-se no bairro de Botafogo, perto de um morro onde há uma pedreira. O sobrado do rico comerciante Miranda situa-se na vizinhança desse local. O romancista exclui do ambiente tudo aquilo que não é necessário para justificar o comportamento das personagens, que se modula de acordo com as leis da fisiologia e do meio social. O que é importante no romance ocorre num cenário restrito, verdadeiro lugar de experimentação, por meio do qual Aluísio Azevedo leva o leitor a conhecer a qualidade de vida das classes desfavorecidas do Rio de Janeiro. Fala-se pouco das atividades políticas, intelectuais e artísticas da época; são as canções populares que predominam, constituindo-se em documentos que permitem recriar, especialmente, os ambientes em que trabalhava e se divertia o povo. As condições de vida comuns aos habitantes do cortiço determinam aparentemente o sentimento de pertencerem a um grupo. As mulheres trabalham juntas no tanque, os homens na pedreira ou nas pequenas fábricas dos arredores; as festas são as mesmas e as desgraças também. O sol: protagonista extra Pardal Mallet foi o primeiro crítico a comentar que “Aluísio (...) acaba de fazer agora O cortiço — monstro animado a digerir a miséria de todos para criar a fortuna de um só, O cortiço — estômago de João Romão, O cortiço onde o sol é o personagem principal”.14 Também Antonio Candido, em sua análise, acentua que SISTEMA ANGLO DE ENSINO o cortiço é o centro de convergência, o lugar por excelência, em função do qual tudo se exprime. Ele é um ambiente, um meio, físico, social, simbólico, vinculado a certo modo de viver e condicionando certa mecânica das relações. Mas além e acima dele o romancista estabeleceu outro meio mais amplo, a ‘natureza brasileira’, que desempenha papel essencial, como explicação dos comportamentos transgressivos, como combustível das paixões e até da simples rotina fisiológica. Aluísio aceita a visão romântico-exótica de uma natureza poderosa e transformadora, reinterpretando-a em chave naturalista. Para ele, é como se a nossa fosse incompatível com a ordem e a ponderação dos costumes europeus.15 De fato, em O Cortiço, a luminosidade satura a narrativa na tematização do trópico, pois as “imposições do sol e do calor” acabam por tornar o habitante preguiçoso e vencido, anulando-lhe os sonhos de ambição, como se constata ao observar a progressiva decadência moral de Jerônimo. Também Piedade, quando se vê abandonada, levanta os punhos cerrados para o céu e explode sua revolta não em direção ao marido, “mas sim contra aquele sol crapuloso, que fazia ferver o sangue aos homens e metia-lhes no corpo luxúrias de bode. Parecia rebelar-se conta aquela natureza alcoviteira, que lhe roubara seu homem para dá-lo a outra [...] (cap. XVI, p.123) O sol queimando no alto cerca o cortiço de todos os lados, condicionando o relacionamento entre os que ali vivem. O olhar do leitor é constantemente solicitado a contemplar essa luminosidade, em paisagens como a grama dos quaradouros que “tinha reflexos esmeraldinos” e de onde o “sol tirava cintilações de prata”. O determinismo mesológico tropical é bastante enfatizado pela insistência do narrador em construir uma relação de causalidade que justifique reações individuais e coletivas. A sensualidade também se mostra diretamente implicada na imposição de um sol abrasador, que desde cedo desenvolve os instintos: a imagem da crisálida transformando-se em borboleta à luz do sol, na cena da primeira menstruação de Pombinha, é bastante representativa dessa pressão solar. Só “depois que o sol lhe abençoou o ventre” é que Pombinha pôde compreender mais amplamente sua fisiologia de mulher e o poder que esta exerce sobre os homens, mas para desvirtuá-los por força do ambiente vicioso do cortiço. O calor incessante das reverberações solares também se faz sentir no ambiente da pedreira, que se torna um espaço de vida e morte, pois é o lugar de onde João Romão extrai sua riqueza, ao mesmo tempo em que produz a miséria de seus empregados. 14 15 • 50 • MALLET, Pardal, Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 22, 24 e 26 de maio de 1890. CANDIDO, Antonio. “De Cortiço a Cortiço”, in O Discurso e a Cidade. São Paulo: Duas Cidades, Rio de Janeiro: Ouro obre Azul, 3ª- edição, 2004. ANGLO VESTIBULARES PERSONAGENS Na construção do romance, Aluísio Azevedo procede como um maestro que rege uma imensa orquestra, constituída pela grande quantidade de personagens que acatarão o comando de sua batuta. Sem grande complexidade psicológica, são personagens que se caracterizam como estereótipos sociais, pois devem ser rapidamente assimiladas pelo leitor, já que se trata de tipos simplificados e reconhecíveis na vida real. Nas seqüências do livro, intervém um número cada vez maior de participantes, agindo e dialogando, sobretudo, nas cenas públicas: no pátio, espaço de trabalho e de fofoca das lavadeiras; na casa de pasto, onde os trabalhadores da pedreira fazem suas refeições; nos casebres e no pátio aos domingos de pagode e samba; no entrevero dos moradores dos dois cortiços; nas brigas com a polícia. A seguir, apresentamos perfis de algumas personagens da narrativa. João Romão A ascensão deste imigrante português, avaro e ambicioso, apresentada paralelamente à história dos trabalhadores que ele explora de modo brutal, constitui-se no eixo da narrativa. Chegado ao Brasil com doze anos de idade, sem dinheiro e sem educação, ele tem a sorte de encontrar um patrão que o estimula a subir na vida, a ponto de lhe doar seu negócio. Graças à sua esperteza e astúcia, toma consciência das fraquezas dos que vivem em contato com ele para tripudiá-los. Aproveita-se da ignorância de Bertoleza, escrava negra que sente atração pelos brancos, para transformá-la em amante e besta de carga, um instrumento para iniciar a acumulação de fortuna. O mesmo oportunismo manifesta-se na construção, com material roubado, das noventa e cinco casinhas que formam a “Estalagem São Romão” e na aquisição e exploração da pedreira. Sua ascensão ilustra o poderio do dinheiro numa sociedade em que a única moral que existe é a do mais forte e do mais hábil. Cinicamente, ele chega ao ponto de “beatificar-se”, intitulando seu estabelecimento com o nome do seu santo padroeiro. Os que se colocam numa posição de inferioridade são imediatamente depenados e liquidados por ele, tal como aconteceu com seu empregado Domingos, que ele expulsa sem salário porque havia engravidado a mulatinha Florinda. Foi também o caso de Libório, o velho avaro e repugnante, cujo dinheiro roubado compensa os prejuízos causados pelo incêndio de uma parte do cortiço. A falta de escrúpulos e a consciência do poder que o dinheiro confere fazem de João Romão um homem poderoso, que incorpora, ao mesmo tempo, as funções de senhor de escravos (disfarçadamente), de patrão comerciante, de especulador imobiliário, de agiota, de capitalista e, finalmente, de “genro”, juntando os frutos de seu capital acumulado com o de seu ex-rival e futuro sogro, Miran- SISTEMA ANGLO DE ENSINO da. Sua trajetória de ascensão social se dá simultaneamente a uma degradação moral e ética. João Romão constrói seu império por meio de mentiras e explorações, com atitudes torpes e deploráveis, tornando-se um representante do modelo capitalista que a sociedade do Rio de Janeiro tanto prestigiou. Bertoleza Inicialmente, supõe haver superado sua condição de escrava e de mulher de cor, amasiando-se com um branco e trabalhando com perseverança, embora em condições precárias, para servir de esteio à prosperidade econômica de João Romão. Depois, de tanto ser maltratada pelo companheiro, resigna-se com a condição de mulher duplamente submissa, a quem não é dado o direito de falar e muito menos de questionar. O único momento em que tem voz e vez é quando se rebela, após ter sido mais uma vez espezinhada por João Romão, que costumava chamá-la de “preta dos diabos”. A prosperidade, que o tornara “quase um nobre carioca”, dá-se à custa do esmagamento de Bertoleza. Ela morre, derrotada pela lei selvagem e impiedosa de uma seleção social que só valoriza os vitoriosos e bem-sucedidos. Miranda A posse do sobrado simboliza o sucesso alcançado por este comerciante português, que representa a alta burguesia aristocratizada, status que se confirma quando ele recebe a comenda de barão. Seus vícios, escondidos sob o manto das boas maneiras, afloram em demonstrações de mau-caratismo: mesmo havendo surpreendido a esposa em situação de flagrante adultério, ele não rompe o casamento nem a expulsa de casa, conforme certos padrões comportamentais oitocentistas, não porque não quisesse escândalo, mas para não perder sua privilegiada situação financeira e social, decorrente do dote da esposa (“oitenta contos em prédios e ações”). Cínico, não se acanha em procurá-la eventualmente para consumar uma relação carnal totalmente desprovida de afeto. Estela Sua relação com Miranda é fruto de uma associação de interesses, dissimulada pela etiqueta das conveniências sociais, onde a mulher entra com o capital e o homem com a sua gerência. Estela simboliza as mulheres burguesas acomodadas a um sistema econômico que não deixa nenhuma chance para elas. Não têm nenhuma liberdade e afogam seu tédio em ricas mansões sem alma. Assim, o adultério, a leitura, a vida mundana e fútil são as únicas possibilidades de evasão do tédio, à espera de uma velhice sem graça. • 51 • ANGLO VESTIBULARES Jerônimo Antes de se “abrasileirar”, era o típico imigrante empenhado em formar um pecúlio, como resultado natural de sua capacidade de trabalho, energia e honestidade. Tais valores, no entanto, dissipam-se, sob a influência mesológica. O agente dessa metamorfose é a mulata Rita Baiana, a “cobra” dinamizadora da despersonalização que o vitima. Alucinado pela liberação do instinto sexual, atola-se no pântano do vício, privando-se por completo do senso de honradez e justiça. Piedade Após ter sido abandonada pelo marido Jerônimo, a portuguesa briga com Rita Baiana e entrega-se ao alcoolismo. Numa noite de bebedeira, deixa-se seduzir por Pataca, sob o olhar horrorizado da filha Marianita, que receberá posteriormente o cognome de Senhorinha, quando se torna alvo da atenção de Pombinha. A cena evidencia o grau de dissolução moral a que foi arrastada a portuguesa. Rita Baiana/Firmo O casal aparece como representante por excelência do brasileiro e, por extensão, da terra tropical. A característica marcante de Rita Baiana é a sensualidade, metaforizada sistematicamente por meio de uma perigosa serpente. Lasciva, transforma Jerônimo num homem degenerado, também porque sentia uma atração magnética por homens brancos e usava sua sexualidade como instrumento para subir na vida. Firmo, rejeitado por Rita Baiana, é apresentado como capoeira valente, brigador e violeiro. A improdutividade do mulato acaba se transferindo para o abrasileirado Jerônimo, que o assassinara. As referências ao casal e a Jerônimo revelam também a pesquisa musical feita por Aluísio, que fornece ricas informações sobre ritmos como o chorado, o samba, o lundu, a canção, o fado, bem como à viola, ao cavaquinho, à harmônica e à guitarra, instrumentos que os moradores do cortiço manipulam com destreza nas festas. Pombinha Depois da falência e da morte do pai, Pombinha acompanhara a mãe, que fora viver no cortiço de João Romão. Isabel a poupa de todas as tarefas domésticas, habituando-a uma vida mais suave, que contrasta completamente com a realidade do cortiço. O nome da personagem evoca, de início, pureza de sentimentos, confirmada pela dupla função que exerce: enfermeira e redatora/leitora de cartas. No entanto, ao ser seduzida por Léonie, entra em contato com o que há de mais espúrio. Vem a sua primeira menstruação, quando sonha ser penetrada pelo raio fálico do sol. A seguir, casa-se, mas logo abandona o marido, por considerá-lo medíocre. Essas experiências vão se somando e indiciam que valera para ela a impiedosa lei so- SISTEMA ANGLO DE ENSINO cial-animal, a mesma que absorvera outras meninas criadas “no lodaçal do cortiço”. Ao tornar-se prostituta, transforma-se numa espécie de anti-Dama das Camélias: um bom caráter, que apodrece sem remissão. Rapidamente, ela acumula certa fortuna, responsabilizando-se pela educação de Senhorinha, que fora abandonada pelo pai decadente e pela mãe, que se tornara alcoólatra depressiva. Pombinha proporciona à menina o mesmo que recebera de Léonie. Assim, “a cadeia continuava e continuaria interminavelmente: o cortiço estava preparando uma nova prostituta naquela pobre menina desamparada.” (cap. XXII, p.155) Léonie Prostituta de elite, transita à vontade no mundo dos poderosos e no universo carente do cortiço. Homens ricos buscavam nas cocottes de luxo os prazeres embriagadores, para atenuar o vazio de suas existências. Aluísio descreve com detalhes significativos a vida dessas prostitutas, que construíam fortunas fantásticas à custa de satisfazer a luxúria de políticos, comerciantes e estudantes libidinosos. Bruno/Leocádia O casal (ele, ferreiro; ela, lavadeira) representa o estereótipo dos moradores do cortiço. Quando Bruno descobre que estava sendo traído pela esposa, “uma portuguesa pequena e socada, de carnes duras, com uma fama de leviana”, que se deixa seduzir por Henriquinho, ele a expulsa de casa, jogando pela janela todos os pertences da mulher. Algum tempo depois, arrependido do gesto escandaloso e tomado de afeto, solicita a mediação de Pombinha, para conseguir com que a esposa infiel retornasse ao lar desfeito. Leandra, a “Machona” Com seus pulsos cabeludos e grossos, “anca de animal do campo”, era o protótipo da portuguesa feroz, berradora, sempre disposta à briga. Quando seu filho Agostinho sofre um acidente na pedreira e morre, Leandra entra em depressão, apesar do apoio dado pelas filhas. Neném era uma adolescente espigada e franzina que escapava como “enguia por entre os dedos dos rapazes que a queriam sem ser para casar”. Das Dores morava em casa separada, desde que “largara o marido para meter-se com um homem do comércio”. Paula, a “Bruxa” Cabocla velha, mandigueira, sabia receitas caseiras com que preparava remédios e chás à base de plantas. Mística, sabia também preparar feitiço para os que solicitavam seus préstimos. “Feia, grossa, triste, com olhos desvairados, dentes cortados à navalha, formando ponta, como dentes de cão”, teve justifica- • 52 • ANGLO VESTIBULARES do seu apelido de “Bruxa” louca ao incendiar o cortiço. Na pavorosa cena em que é devorada pelas chamas, é descrita como um animal, com “a sua crina preta, desgrenhada, escorrida e abundante como as das éguas selvagens”. mana, lavando ou descansando, que não estivesse com a sua calça branca engomada, a sua camisa limpa, um lenço ao pescoço, e, amarrado à cinta, um avental que lhe caía sobre as pernas como uma saia.” Gênero Literário Libório Esse octogenário “parecia mumificado pela idade”. Personagem emblemática de certas deformações provocadas pelo capitalismo, submete-se a viver de esmolas, materiais e afetivas. Sovina, costumava roubar doces e moedas das crianças. João Romão descobre que o velho acumulava muitas notas sujas em garrafas e o rouba, durante o incêndio, utilizando o dinheiro para construir os sobradinhos da gloriosa Avenida São Romão. Pardal Mallet, amigo fraterno e parceiro de Aluísio Azevedo em operetas e peças teatrais, numa série de artigos veiculados na semana seguinte ao lançamento da obra, forneceu preciosas informações sobre o método de trabalho do autor, empenhado em produzir um romance experimental: Para o preparo das suas obras vai estudar no documento humano. Vive os seus livros. Assim tem feito sempre, assim o vi fazer para este O cortiço, cujos primeiros apontamentos foram colhidos em minha companhia, ao fim do ano de 1884, numa excursão para estudar costumes, nas quais saíamos disfarçados com a vestimenta do popular — tamanco sem meias, velhas calças de zuarte remendadas, camisas de mangas rotas no cotovelo, chapéus furados e cachimbo no canto da boca. Mas, uma vez colhidos estes apontamentos e formado de seu conjunto o plano geral da obra, para o qual nunca leva idéia preconcebida e que vai eclodindo logicamente, o Aluísio tem o costume de enxertar alguma coisa ali mesmo de seu gabinete quando começa a tratar das minudências e dos detalhes.16 Botelho Ladino e espertalhão, este avarento decrépito é comparado a um abutre; ele simboliza os velhos parasitas que sugam a seiva vital de todos os que estão próximos, para obter vantagens materiais. Assim, ganha a confiança de Miranda e, mais tarde, a de João Romão, de quem se torna alcoviteiro, não hesitando em chantageá-lo para promover o contato com Zulmira, com quem o ex-vendeiro pretendia se casar, no coroamento de sua carreira. Henriquinho Rapaz rico, viera do interior para o Rio de Janeiro, a fim de se preparar para o ingresso no curso de medicina. Filho de um fazendeiro que se tornara o melhor freguês da loja de Miranda, ele vivia como hóspede no sobrado do atacadista português. Bonitinho, tinha “delicadezas de menina”, o que o transforma em alvo das investidas sexuais de Estela e do velho Botelho, mas que não o impede de seduzir a fútil Leocádia, esposa de Bruno. Domingos De baixo estrato social, era caixeiro da venda de João Romão. Após engravidar Florinda e abandonála, é demitido sumariamente pelo patrão, sob o pretexto de livrá-lo da fúria que se abatera sobre a mãe de Florinda e as demais lavadeiras. Esse cuidado documental na composição de ambientes e na construção de personagens levou Aluísio Azevedo a extremos de pesquisa, como se pode confirmar no depoimento seguinte, transcrito por Coelho Neto: Se o público soubesse quanto custa ser naturalista, pagava os meus romances a peso de ouro. Vou às estalagens apanhar em flagrante a grande vida das colméias e, para que a gente não se perturbe com a minha presença, visto-me de carregador, meto-me em tamancos. Subo às pedreiras, penetro, com risco de vida, às reles tavolagens, passo horas e horas entre a gente tremenda dos trapiches, converso com catraeiros e, finalmente, venho comer nesta baiúca, como vês.17 Com o material recolhido, Aluísio Azevedo pôde delinear um panorama da vida suburbana, fornecendo detalhes graciosos sobre música, casamentos, doenças, remédios, preconceitos, tiques e até hábitos alimentares da época, como se nota no trecho seguinte: O Garnisé tinha bastante gente essa noite. Em volta de umas doze mesinhas toscas, de pau, com uma coberta de folha-de-flandres pintada de branco fingindo mármore, viam-se grupos de três e quatro homens, quase todos em mangas de camisa, fumando e bebendo no meio de grande algazarra. Fazia-se largo consumo de cerveja nacional, vinho virgem, parati e laranjinha. No chão coberto de areia havia cascas de queijo-de-minas, restos de iscas de fígado, espinhas de peixe, dando idéia de que ali não só se enxugava como também se comia. Com efeito, mais para dentro, num engordurado bufete, junto ao bal- Albino Era lavadeiro, “um sujeito afeminado, fraco, cor de espargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até ao pescocinho mole e fino”. Vivia sempre entre as mulheres, que o tratavam como a uma pessoa do mesmo sexo. No carnaval, vestia-se de dançarina, saía a passear pelas ruas e a dançar nos teatros. Nos outros dias, “ninguém o encontrava, domingo ou dia de se- SISTEMA ANGLO DE ENSINO 16 17 • 53 • MALLET, Pardal. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 22, 24 e 26 de maio de 1890. AZEVEDO, Aluísio. Apud NETO, Coelho, Frutos do Tempo. Salvador: Livraria Catilina, 1ª- ed., 1919, p. 12. ANGLO VESTIBULARES Antropomorfismo cão e entre as prateleiras de garrafas cheias e arrolhadas, estava um travessão de assado com batatas, um osso de presunto e vários pratos de sardinhas fritas. Dois candeeiros de querosene fumegavam, encarvoando o teto. E de uma porta ao fundo, que escondia o interior da casa com uma cortina de chita vermelha, vinha de vez em quando uma baforada de vozes roucas, que parecia morrer em caminho, vencida por aquela densa atmosfera cor de opala. (O Cortiço, cap. XV, p. 114) O resultado final compõe um painel tão verdadeiro que um dos aspectos mais ressaltados pelo sociólogo Gilberto Freyre é o valor documental do romance: Desde as cenas iniciais, o autor usa do efeito estilístico da prosopopéia para transformar o cortiço, um aglomerado habitacional, num ambiente carregado de vida, num grande organismo capaz de alimentar-se, trabalhar, procriar, dormir e acordar. O aproveitamento desse recurso retórico possibilita transformar o cortiço num ser vivo e animado: Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de chumbo. Como se sentia ainda na indolência da neblina as derradeiras notas da última guitarra da noite antecedente, dissolvendo-se à luz loura e tenra da aurora, que nem um suspiro de saudade perdido em terra alheia. (cap. III, p. 28, grifos nossos) Deixou Aluísio Azevedo no seu O Cortiço um retrato disfarçado em romance que é menos ficção literária que documentação sociológica de uma fase e de um aspecto característico da formação brasileira.18 TRAÇOS TEMÁTICOS Determinismo Os pares João Romão/Bertoleza, Miranda/Estela, Jerônimo/Piedade, são os que, principalmente, vêm focalizados sob o crivo do determinismo. Os homens simbolizam os estágios por que passa o imigrante português, cujas possibilidades de sucesso, maiores ou menores, são condicionadas pela capacidade de superar os antagonismos do meio. As mulheres apenas sofrem as conseqüências dessa integração, bem ou mal sucedida. As intrigas relativas ao casal Jerônimo/Piedade servem para a demonstração da tese do determinismo ambiental, pois as pressões se exercem de forma irreversível sobre eles. Jerônimo, português trabalhador “pescoço de touro” e “cara de Hércules”, acaba se transformando num sujeito preguiçoso, “amigo das extravagâncias e dos abusos, luxurioso e ciumento”. Piedade, uma típica saloia, com “um todo de bonomia toleirona, desabotoando-lhe pelos olhos e pela boca numa simpática expressão de honestidade simples e natural”, ao ser abandonada pelo marido, chora de forma tristonha, como “uma vaca chamando ao longe, perdida ao cair da noite num lugar desconhecido e agreste”, liberando um “mugido lúgubre”. No final, é subjugada pelo vício do alcoolismo. Num plano geral, é inegável o caráter moralizante da obra, que denuncia o rebaixamento a que são submetidos os moradores do cortiço. Tal situação só poderia frutificar por haver um governo permissivo, desinteressado pelo povo, que possibilita a indivíduos como João Romão explorar inescrupulosamente a força de trabalho das lavadeiras e dos operários, obrigados a se desdobrar, para fazer frente às taxas de aluguel das casinhas e aos exorbitantes preços dos alimentos na venda. Nos dias de folga, o cortiço “parecia dormir seu sono de pedra”, isto é, descansa de forma análoga à dos homens. Num ambiente de animalidade geral, o conjunto da habitação coletiva é visto como “aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas, [uma] massa informe (...) a comichar, a fremir concupiscente, sufocando-se uns aos outros”. Progressivamente, essa entidade ganha autonomia e se torna capaz de governar tudo e todos, de forma arbitrária e absoluta, transformando-se no verdadeiro protagonista do romance, um organismo que canibaliza todos os que ali vivem. Zoomorfismo Do ponto de vista mais genérico e amplo, as personagens do romance são designadas como animal ou besta; afinal, suas existências se resumem a “comer, dormir e procriar”. O gosto naturalista pela fisiologia acentua esta concepção da vida, limitada ao sexo e à nutrição, sem espaço para as atividades do espírito. São formas de tratamento que indiciam a irracionalidade da espécie humana, reduzida que é aos instintos. Como forças brutas, só podiam servir para a exploração. Os excertos seguintes ilustram tal procedimento: Um dia, porém, o seu homem, depois de correr meia légua, puxando uma carga superior às suas forças, caiu morto na rua ao lado da carroça, estrompado como uma besta, (cap. I, p. 13, grifo nosso) as mulheres iam despejando crianças com uma regularidade de gado procriador” [...] “mostrando a uberdade das tetas cheias. (cap. XIV, p. 112, grifo nosso) estalavam todos por saber quem a [Florinda] tinha emprenhado”.(cap.IX, p.71, grifo nosso) Fitomorfismo 18 FREYRE, Gilberto. Sobrados e mocambos. Rio de Janeiro: 4ªed., 1968, p. 607. SISTEMA ANGLO DE ENSINO Várias vezes, Aluísio passa sem transição do registro zoológico para o registro botânico, num processo de superposição dos planos: • 54 • ANGLO VESTIBULARES Tal tratamento, que pretende expor uma visão mais fisiológica do relacionamento amoroso, é maximizado na cena em que se concretiza a relação carnal entre Jerônimo e Rita Baiana: O rumor crescia condensando-se: o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas, mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço. (...) Sentia-se naquela fermentação sanguínea, naquela gula viçosa de plantas rasteiras que mergulham os pés vigorosos na lama preta e nutriente da vida (...). (cap. III, p. 29, grifo nosso) Jerônimo, ao senti-la inteira nos seus braços; ao sentir na sua pele a carne quente daquela brasileira; ao sentir inundar-lhe o rosto e as espáduas, num eflúvio de baunilha e cumaru, a onda negra e fria da cabeleira da mulata; ao sentir esmagarem-se no seu largo e peludo colo de cavouqueiro os dois globos túmidos e macios, e nas suas coxas as coxas dela, sua alma derreteu-se, fervendo e borbulhando como um metal ao fogo, e saiu-lhe pela boca, pelos olhos, por todos os poros do corpo, escandescente, em brasa, queimando-lhe as próprias carnes e arrancando-lhe gemidos surdos, soluços irreprimíveis, que lhe sacudiam os membros, fibra por fibra numa agonia extrema, sobrenatural, uma agonia de anjos violentados por diabos, entre a vermelhidão cruenta das labaredas do inferno. E com um arranco de besta-fera caíram ambos prostrados, arquejando. Ela tinha a boca aberta, a língua fora, os braços duros, os dedos inteiriçados, e o corpo todo a tremer-lhe da cabeça aos pés, continuamente, como se estivesse morrendo; ao passo que ele, de súbito arremessado longe da vida por aquela explosão inesperada dos seus sentidos, deixava-se mergulhar numa embriaguez deliciosa, através da qual o mundo inteiro e todo o seu passado fugiam como sombras fátuas. E, sem consciência de nada que o cercava, nem memória de si próprio, sem olhos, sem tino, sem ouvidos, apenas conservava em todo o seu ser uma impressão bem clara, viva, inextinguível: o atrito daquela carne quente e palpitante, que ele em delírio apertou contra o corpo, e que ele ainda sentia latejar-lhe debaixo das mãos, e que ele continuava a comprimir maquinalmente, como a criança que, já dormindo, afaga ainda as tetas em que matou ao mesmo tempo a fome e a sede com que veio ao mundo. (cap. XV, pp. 119-120, grifos nossos) Como um grande organismo vicioso, o cortiço é um lugar “propício à fecundação e germinação de células vivas”.19 Para evidenciar o embrutecimento a que são submetidos os que vivem nesse ambiente deformador, o autor rebaixa as personagens à condição de plantas: E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro (...). (cap. I, p. 21, grifo nosso) Darwinismo social As metamorfoses por que passam as personagens atendem a leis genéticas, biológicas, raciais e ecológicas. Como exemplo mais ostensivo da aplicação do darwinismo social, representado pela teoria evolucionista de Spencer, pode-se evocar a trajetória de ascensão social de João Romão, que se torna um indivíduo vitorioso segundo um critério análogo ao da seleção das espécies. Ele ascende na escala social e econômica assumindo valores tidos como positivos na sociedade. Quanto mais avança na escala social e financeira mais degraus ele desce em termos éticos e morais. Para estabelecer um contraste, com Jerônimo ocorre o fenômeno inverso: após atingir o máximo de sua posição de assalariado, ele é envolvido pela sensualidade de Rita Baiana, deixa-se levar pelo instinto sexual e entra em irreversível decadência. Aluísio apresenta a vida em sociedade como uma selva cruel, onde os fortes devoram os fracos. Sexualidade ostensiva O cortiço é apresentado como um viveiro de personagens, embrutecidas pela exacerbação dos sentidos. Como todo bicho, o homem é dominado por reações instintivas, que se evidenciam, sobretudo, no comportamento sexual, para escândalo da moral burguesa. Ao longo do romance, o binômio sexo/luxúria é referido constantemente por meio de imagens chocantes: A filha [Florinda] tinha 15 anos, a pele de um moreno quente, beiços sensuais, bonitos dentes, olhos luxuriosos de macaca. Toda ela estava a pedir homem, mas sustentava ainda a sua virgindade...” (cap. III, pp. 30-31, grifos nossos) 19 TRAÇOS ESTILÍSTICOS Mescla de discursos: culto × popular Aluísio Azevedo mesclou no romance dois tipos de discurso, articulando, predominantemente, uma língua culta para o narrador e uma mais despojada e coloquial para as falas das personagens. Nas narrações e descrições, o estilo é sóbrio e correto, obediente às normas gramaticais e resulta, por vezes, numa sintaxe purista, em harmonia com a tradição literária oitocentista. As escolhas vocabulares e o corte das frases alternam um tom lusitanizante clássico, por vezes até arcaico, com um traço de objetividade e precisão. Esse último, aplicado na apreensão do mundo real e concreto, estava de acordo com o programa estético do Naturalismo. O trecho seguinte possibilita o reconhecimento desse registro mais formal: BRAYNER, Sônia. A metáfora do corpo no romance naturalista – Estudo sobre O Cortiço. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1973. SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 55 • Travou-se então uma lata renhida e surda entre o português negociante de fazendas por atacado e o português negociante de secos e molhados. Aquele não se resolvia a fazer o muro do quintal, sem ter alcançado o pedaço de terreno que o separava do morro; e o outro, por seu lado, não perdia a esperança de apanhar-lhe ainda, pelo menos, duas ou três braças aos fundos da ANGLO VESTIBULARES por meio de estímulos visuais, também pode ser reconhecido em O Cortiço, como se vê no excerto seguinte: casa; parte esta que, conforme os seus cálculos, valeria ouro, uma vez realizado o grande projeto que ultimamente o trazia preocupado — a criação de uma estalagem em ponto enorme, uma estalagem monstro, sem exemplo, destinada a matar toda aquela miuçalha de cortiços que alastravam por Botafogo. (cap. I, pp. 18-19) Para contrastar, nos diálogos das personagens, acentuam-se os registros vulgares, resultante do empenho em captar, com verve e eficiência, o som gaiato das ruas. A variedade das falas, em que entram em choque, freqüentemente, jargões coloquiais e gírias específicas de Portugal e do Brasil, realça o domínio consciente do autor sobre os vários níveis de linguagem cultivados por figuras dos estratos sociais mais baixos, como ilustram as frases seguintes: Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem. Prontas, João Romão mandou levantar na frente, nas vinte braças que separavam a venda do sobrado do Miranda, um grosso muro de dez palmos de altura, coroado de cacos de vidro e fundos de garrafa, e com um grande portão no centro, onde se dependurou uma lanterna de vidraças vermelhas, por cima de uma tabuleta amarela, em que se lia o seguinte, escrito a tinta encarnada e sem ortografia.” (cap. I, p. 21, grifos nossos) Na cena da batalha entre os dois cortiços, a rivalidade é marcada tanto pela diferença dos símbolos animais – Carapicus (peixe) e Cabeça de Gato (felino) –, como pelas cores de cada um: Parece que tem fogo no rabo! (cap. III, p.33) Em meio do pátio do Cabeça de Gato arvorava-se uma bandeira amarela; os carapicus responderam logo levantando um pavilhão vermelho. E as duas cores olhavam-se no ar como um desafio de guerra.” (cap. XIII, p. 103, grifos nossos) Com quem te esfregavas tu, sua vaca?! (cap. VIII, p. 63) Estou com o miolo que é água de bacalhau! (cap. XVI, p.122) Bons retratos da língua falada do Brasil do século XIX, os diálogos se constroem com o emprego de gírias, ditos populares, xingamentos e ofensas extremamente agressivos, como se constata no entrevero de Piedade com Rita Baiana: — Faz favor? — Que é? resmungou Rita, parando sem voltar senão o rosto, e já a dizer no seu todo de impaciência que não estava disposta a muita conversa. — Diga-me uma coisa, inquiriu aquela; você mudase? A mulata não contava com semelhante pergunta, assim à queima-roupa; ficou calada sem achar o que responder. — Muda-se, não é verdade? Insistiu a outra, fazendo-se vermelha. — E o que tem você com isso? Mude-me ou não, não lhe tenho de dar satisfações! Meta-se lá com a sua vida! Ora esta! — Com a minha vida é que te meteste tu, cigana! exclamou a portuguesa, sem se conter e avançando para a porta com ímpeto. — Hein?! Repete, cutruca ordinária! berrou a mulata, dando um passo a frente. — Pensas que já não sei tudo? Maleficiaste-me o homem e agora carregas-me com ele! Que a má coisa te saiba, cobra do inferno! Mas deixa estar que hás de amargar o que o diabo não quis! quem to juro sou eu! — Pula cá p’ra fora, perua choca, se és capaz! (cap. XVI, p. 125, grifos nossos) Sinestesias Um dos pontos estilísticos mais importantes em O Cortiço é a minuciosa descrição de ambientes e personagens, da qual emergem elementos perceptíveis pelos sentidos, para compor um quadro de sons, cores, cheiros e formas, que se interpenetram, caracterizando o efeito da sinestesia. Nessa combinação de sensações diferentes, o autor usa palavras ou expressões que produzem uma só impressão de caráter predominantemente descritivo. Em alguns casos, elas adquirem um significado decisivo para a narrativa, como no exemplo abaixo, em que descreve Rita Baiana, cuja dança, combinada com sua voz e seu cheiro, enfeitiça Jerônimo: Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca. (cap. VII, p. 57, grifos nossos) É oportuno lembrar também que a vivacidade desses diálogos lembram o teatro, arte também cultivada por Aluísio, que escreveu inúmeras operetas. Cromatismo Em Mimesis (Perspectiva: São Paulo, 1973), o crítico Eric Auerbach, ao analisar a obra de Émile Zola, levanta como um dos traços fundamentais de caracterização de um texto naturalista a “pintura literária do puramente sensível”. Esse traço, realizado SISTEMA ANGLO DE ENSINO Sonoridade: aliterações, assonâncias e onomatopéias Aluísio Azevedo enche de sons e movimento as cenas de sua obra. Embora não tenha pretensão de • 56 • ANGLO VESTIBULARES realizar uma prosa poética, a repetição de vogais (assonância) e consoantes (aliteração) aparece em vários momentos e, além de ampliar a camada fônica do texto, possibilita construir com destreza situações dramáticas, como na batalha entre os cortiços rivais: E as palavras “galego” e “cabra” cruzaram-se de todos os pontos, como bofetadas. Houve um vavau rápido e surdo, e logo em seguida um formidável rolo, um rolo a valer, não mais de duas mulheres, mas de uns quarenta e tantos homens de pulso, rebentou como um terremoto. As cercas e os jiraus desapareceram do chão e estilhaçaram-se no ar, estalando em descarga; ao passo que numa berraria infernal, num fecha-fecha de formigueiro em guerra, aquela onda viva ia arrastando o que topava no caminho; barracas e tinas, baldes, regadores e caixões de planta, tudo rolava entre aquela centena de pernas confundidas e doidas. Das janelas do Miranda apitava-se com fúria; da rua, em todo o quarteirão, novos apitos respondiam;”. (cap. XVI, p. 126, grifos nossos) No sistema metafórico construído por Aluísio, embora haja primazia nas relações com o mundo animal, tanto nos retratos como na descrição dos comportamentos, muitas vezes a impressão de vida pululante é alcançada por analogias com o mundo dos insetos, como se verifica na descrição do cortiço “Cabeça de Gato”: Viveiro de larvas sensuais em que irmãos dormem misturados com as irmãs na mesma cama; paraíso de vermes; brejo de lodo quente e fumegante, donde brota a vida brutalmente como de uma podridão. (cap. XXII, p.156, grifos nossos) Pontuação emotiva: exclamações, reticências e anacolutos Para captar o som coletivo mais identificador do cortiço, Aluísio vale-se, inúmeras vezes, da expressão “zunzum”, onomatopéia criada a partir do ruído de insetos: o zunzum de todos os dias acentuava-se; já se não destacavam vozes dispersas mas um só ruído compacto que enchia todo o cortiço.” (cap. III, p. 29, grifo nosso) Metáforas Aluísio Azevedo põe em cena todo um sistema de correspondências que se expressa por meio de um florescimento de comparações, sobretudo, entre homens e animais, desenvolvidas explicitamente: Firmo [...] era um mulato pachola, delgado de corpo e ágil como um cabrito.” (cap. VII, p. 49, grifo nosso) Toda a força dramática contida no espaço físico do cortiço resulta do vigor estilístico de Aluísio Azevedo, que imprime a cada cena um ritmo adequado, um tom cuidadosamente escolhido, uma pontuação menos ou mais emotiva em uma sintaxe ajustada ao caráter objetivo da descrição ou da narração. Esse conjunto de elementos aviva os sentimentos do leitor. Para ressaltar desejos e sentimentos das personagens, a pontuação é repleta de exclamações e reticências. Por meio desse recurso, o narrador vai dando pinceladas fortes nos dramas retratados, com o emprego de frases curtas, às vezes quebradas ou interrompidas, próximas de anacolutos, como se observa na passagem transcrita a seguir, em que Bruno expulsa Leocádia, após surpreendê-la em flagrante adultério, em diálogos que lembram muito o teatro: Essa comparação adquire um caráter reversível, pois o narrador tanto vai do homem para o animal como vice-versa. Os animais são, assim, humanizados: À porta da cozinha penduraram pelo pescoço um cabrito esfolado, que tinha as pernas abertas, lembrando sinistramente uma criança a quem enforcassem depois de tirar-lhe a pele. (cap. X, p.78, grifos nossos) Há um predomínio no uso de metáforas, que são comparações sintéticas, por deixarem implícita a conjunção “como”. No romance, tudo parece dotado de vida: os animais, as plantas, os minerais, a natureza inteira reage à imagem dos homens, participando das alegrias e das tristezas das personagens, traço romântico adaptado à clave naturalista. O exemplo mais evidente é a eclosão da puberdade de Pombinha após um sonho fantástico, em que sente o sol penetrá-la: A natureza sorriu-lhe comovida. Um sino, ao longe, batia alegre as doze badaladas do meio-dia. O sol, vitorioso, estava a pino e, por entre a copagem negra da mangueira, um dos seus raios descia em fio de ouro sobre o ventre da rapariga, abençoando a nova mulher que se formava para o mundo. (cap. XI, p. 97, grifos nossos) SISTEMA ANGLO DE ENSINO • 57 • — Fale cada um por sua vez! Seu marido... acrescentou ele [Alexandre], voltando-se para a acusada, diz que a senhora... — É mentira! interrompeu ela. — Mentira?! É boa! Tinhas a saia despida e um homem por cima! — Quem era? — Quem foi? – Quem era o homem? interrogaram todos a um só tempo. — Quem era ele, no fim de contas? inquiriu também Alexandre. — Não lhe pude ver as fuças!... respondeu o ferreiro; mas, se o apanho, arrancava-lhe o sangue pelas costas! Houve um coro de gargalhadas. — É mentira! repetiu Leocádia, agora sucumbida por uma reação de lágrimas. Há muito tempo que este malvado anda caçando pretexto para romper comigo e, como eu não lho dou... Uma explosão de soluços a interrompeu. Desta vez não riram, mas um bichanar de cochichos formou-se em torno do seu pranto. — Agora... continuou ela, enxugando os olhos na costa da mão; não sei o que será de mim, porque este homem, além de tudo, escangalhou-me até o que eu trouxe quando me casei com ele!... — Não disseste que já tinhas aí dentro com que ganhar a vida?... É andar! — É falso! soluçou Leocádia. ANGLO VESTIBULARES — Bem, interveio Alexandre, embainhando o seu refle20; está tudo terminado! Seu marido vai recebê-la em boa paz... — Eu?! esfuziou o ferreiro. Você não me conhece! — Nem eu queria! retorquiu a mulher. Prefiro meter-me com um cavalo de tílburi a ter de aturar este bruto! E, catando em casa alguma coisa sua que ainda havia, e recolhendo do montão dos cacos o que lhe pareceu aproveitável, fez de tudo uma grande trouxa e foi chamar um carregador. (cap. VIII, pp. 65-66) Enumerações ternárias Recurso habilmente explorado, essas enumerações, feitas em tom de gradação, intensificam o dinamismo das cenas e favorecem os efeitos de aceleração ou de retardamento, conforme as modulações exigidas pelo assunto. Servem também para realçar a composição do perfil de personagens e o delineamento pictórico de certas cenas: [...] Entretanto, a figura gorda e encanecida do novo Barão [...] entrava da rua e atravessava a sala de jantar, seguia até a despensa, diligente, esbaforido, indagando seja tinha vindo isto e mais aquilo, provando dos vinhos que chegavam em garrafões, examinando tudo, voltando-se para a direita e para a esquerda, dando ordens, ralhando, exigindo atividade [...]”. (cap. X, p. 78, grifos nossos) E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de animais sensuais. (cap. X, p. 85, grifos nossos) A um só tempo viram-se fartas mangas d’água chicoteando o fogo por todos os lados; enquanto, sem se saber como, homens, mais ágeis que macacos, escalavam os telhados abrasados por escadas que mal se distinguiam; e outros invadiam o coração vermelho do incêndio, a dardejar duchas em torno de si, rodando, saltando, piruetando, até estrangularem as chamas. (cap. XVII, p. 129, grifos nossos) LEITURA E EXERC´IÍ CIOS CONCLUSÃO É notável a contribuição de Aluísio Azevedo para a Literatura Brasileira com a publicação de O Cortiço. Com esse romance, ele realizou uma obra essencial para o entendimento da sociedade brasileira no final do século XIX, pois trouxe uma visão mais nítida dos problemas sociais que atravancavam o país. O desfecho da trama aponta como a desonestidade se transforma em liberdade de ação para João Romão, possibilitando-lhe o sucesso como especulador. Simultaneamente, indica também que a submissão de Bertoleza, a escrava que lhe serviu de escada para a ascensão econômica, foi recompensada, às avessas, com o castigo maior: o suicídio. Ao assumir um papel de reformador social e moral, Aluísio Azevedo produziu uma obra engajada, pois denuncia uma organização econômica fraudulenta e desigual. Essa luta por uma civilização mais 20 Espécie de espingarda, de cano curto. SISTEMA ANGLO DE ENSINO humana será retomada no ciclo do romance regionalista nordestino da década de 1930, designado por vezes como neonaturalista, porque seus autores também se muniram de documentação para denunciar particularidades geográficas e sócio-culturais, além de estudar as contradições da organização social em suas raízes históricas, a fim de proceder a uma análise mais ampla das condições de vida dos trabalhadores urbanos e rurais, sobretudo daqueles que foram afetados pelos males sociais da seca (A bagaceira [1928], de José Américo de Almeida; O quinze [1930], de Rachel de Queirós; Vidas secas [1938], de Graciliano Ramos) do cangaço, da economia dos engenhos (Cangaceiros [1953] e Fogo Morto [1943], ambos de José Lins do Rego) e das fazendas de cacau (Cacau [1933], de Jorge Amado). Graciliano Ramos, em romances como Angústia e São Bernardo, também problematizou a situação de indivíduos rejeitados pelo contexto social e que se refugiaram nos complexos labirintos do inconsciente. Traduzido para várias línguas, O cortiço teve reconhecida sua importância na literatura universal, sendo posicionado ao lado de A Colmeia (1951), obraprima do escritor espanhol Camilo José Cela (19162002), que apresenta mais de trezentas personagens vagando pela Madrid do pós-guerra, mergulhadas na pobreza, na insegurança e na sordidez de ambientes miseráveis e sombrios. Texto para a questão 1. “Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem. Prontas, João Romão mandou levantar na frente, nas vinte braças que separavam a venda do sobrado do Miranda, um grosso muro de dez palmos de altura, coroado de cacos de vidro e fundos de garrafa, e com um grande portão no centro, onde se dependurou uma lanterna de vidraças vermelhas, por cima de uma tabuleta amarela, em que se lia o seguinte, escrito a tinta encarnada e sem ortografia: ‘Estalagem de São Romão. Alugam-se casinhas e tinas para lavadeiras’. As casinhas eram alugadas por mês e as tinas por dias: tudo pago adiantado. O preço de cada tina, metendo a água, quinhentos réis, sabão à parte. As moradoras do cortiço tinham preferência e não pagavam nada para lavar. Graças à abundância de água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para estender a roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram lavadeiras de todos os pontos da cidade, entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem de pretendentes a disputá-los. • 58 • ANGLO VESTIBULARES E aquilo se foi constituindo numa grande lavanderia, agitada e barulhenta, com as suas cercas de varas, as suas hortaliças verdejantes e os seus jardinzinhos de três e quatro palmos, que apareciam como manchas alegres por entre a negrura das limosas tinas transbordantes e o revérbero das barracas de algodão cru, armadas sobre os lustrosos bancos de lavar. E os gotejantes jiraus, cobertos de roupa molhada, cintilavam ao sol, que nem lagos de metal branco. E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.” (Aluísio Azevedo. O cortiço, cap. I.) 1. Em seu livro Mimesis (Perspectiva, São Paulo, 1973), o crítico Eric Auerbach analisa a obra de Émile Zola e levanta os seguintes traços fundamentais para a caracterização de um texto naturalista: 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8) 9) 10) 11) 12) 13) 14) 15) pintura literária do puramente sensível; apresentação verdadeira da sociedade; imagem do trabalho popular; quadro típico da classe operária da época; luta entre o capital e a classe trabalhadora; convite a uma reforma social; estilo baixo usado com seriedade; renúncia ao belo agradável; sugestão sensível do feio e do repulsivo; objetividade do relato; visão desconsoladora do homem infeliz; ênfase no embrutecimento da vida; compromisso com a verdade tirânica, ingrata; exagero e simplificação brutal; psicologia materialista. Selecione, no excerto de O Cortiço, passagens que ilustrem os traços 3, 4, 12 e 13, sublinhando palavras ou expressões que possam confirmá-los. 2. Sobre O Cortiço, de Aluísio Azevedo, responda: a) qual o verdadeiro protagonista do romance? Por quê? b) quais os principais conflitos que marcam a narrativa? 3. “Diante da realidade assim concebida, o Homem só pode pretender compreendê-la na intimidade e explicá-la partindo da observação direta e, se possível, também da experimentação; isto é, só pode pretender conhecê-la por via do conhecimento científico.” Esse juízo crítico explicita um dos postulados que, no século XIX, informaram e influenciaram a obra dos autores vinculados a que tendência literária? Texto para o exercício 4. “Os carapicus enchiam a metade do cortiço. Um silêncio arquejado sucedia à estrepitosa vozeria do ro- SISTEMA ANGLO DE ENSINO lo que findara. Sentia-se o hausto impaciente da ferocidade que atirava aqueles dois bandos de capoeiras um contra o outro. E, no entanto, o sol, único causador de tudo aquilo, desaparecia de todo nos limbos do horizonte, indiferente, deixando atrás de si as melancolias do crepúsculo, que é a saudade da terra quando ele se ausenta, levando consigo a alegria da luz e do calor. Lá na janela do Barão, o Botelho, entusiasmado como sempre por tudo que lhe cheirava a guerra, soltava gritos de aplauso e dava brados de comando militar. E os cabeças-de-gato aproximavam-se cantando, a dançar, rastejando alguns de costas para o chão, firmados nos pulsos e nos calcanhares. Dez carapicus saíram em frente; dez cabeças-degato se alinharam defronte deles. E a batalha principiou, não mais desordenada e cega, porém com método, sob o comando de Porfiro que, sempre a cantar ou assoviar, saltava em todas as direções, sem nunca ser alcançado por ninguém. Desferiram-se navalhas contra navalhas, jogaram-se as cabeçadas e os voa-pés. Par a par, todos os capoeiras tinham pela frente um adversário de igual destreza que respondia a cada investida com um salto de gato ou uma queda repentina que anulava o golpe. De parte a parte esperavam que o cansaço desequilibrasse as forças, abrindo furo à vitória; mas um fato veio neutralizar inda uma vez a campanha: imenso rebentão de fogo esgargalhava-se de uma das casas do fundo, o número 88. E agora o incêndio era a valer. Houve nas duas maltas um súbito espasmo de terror. Abaixaram-se os ferros e calou-se o hino de morte. Um clarão tremendo ensangüentou o ar, que se fechou logo de fumaça fulva. A Bruxa conseguira afinal realizar o seu sonho de louca: o cortiço ia arder; não haveria meio de reprimir aquele cruento devorar de labaredas. Os cabeças-degato, leais nas suas justas de partido, abandonaram o campo, sem voltar o rosto, desdenhosos de aceitar o auxílio de um sinistro e dispostos até a socorrer o inimigo, se assim fosse preciso. E nenhum dos carapicus os feriu pelas costas. A luta ficava para outra ocasião. E a cena transformou-se num relance; os mesmos que barateavam tão facilmente a vida, apressavam-se agora a salvar os miseráveis bens que possuíam sobre a terra. Fechou-se um entra-e-sai de marimbondos defronte daquelas cem casinhas ameaçadas pelo fogo. Homens e mulheres corriam para lá com os tarecos ao ombro, numa balbúrdia de doidos. O pátio e a rua enchiam-se agora de camas velhas e colchões espocados. Ninguém se conhecia naquela zumba de gritos sem nexo, e choro de crianças esmagadas, e pragas arrancadas pela dor e pelo desespero. Da casa do Barão saíam clamores apopléticos; ouviam-se os guinchos de Zulmira que se espolinhava com um ataque. E começou a aparecer água. • 59 • ANGLO VESTIBULARES Quem a trouxe? Ninguém sabia dizê-lo; mas viam-se baldes e baldes que se despejavam sobre as chamas. Os sinos da vizinhança começaram a badalar. E tudo era um clamor. A Bruxa surgiu à janela da sua casa, como à boca de uma fornalha acesa. Estava horrível; nunca fora tão bruxa. O seu moreno trigueiro, de cabocla velha, reluzia que nem metal em brasa; a sua crina preta, desgrenhada, escorrida e abundante como as das éguas selvagens, dava-lhe um caráter fantástico de fúria saída do inferno. E ela ria-se, ébria de satisfação, sem sentir as queimaduras e as feridas, vitoriosa no meio daquela orgia de fogo, com que ultimamente vivia a sonhar em segredo a sua alma extravagante de maluca. Ia atirar-se cá para fora, quando se ouviu estalar o madeiramento de casa incendiada, que abateu rapidamente, sepultando a louca num montão de brasas. Os sinos continuavam a badalar aflitos. Surgiam aguadeiros com as suas pipas em carroça, alvoroçados, fazendo cada qual maior empenho em chegar antes dos outros e apanhar os dez-mil-réis da gratificação. A polícia defendia a passagem ao povo que queria entrar. A rua lá fora estava já atravancada com o despojo de quase toda a estalagem. E as labaredas iam galopando desembestadas para a direita e para a esquerda do número 88. Um papagaio, esquecido à parede de uma das casinhas e preso à gaiola, gritava furioso, como se pedisse socorro. Dentro de meia hora o cortiço tinha de ficar em cinzas. Mas um fragor de repiques de campainhas e estridente silvar de válvulas encheu de súbito todo o quarteirão, anunciando que chegava o corpo dos bombeiros. E logo em seguida apontaram carros à desfilada, e um bando de demônios de blusa clara, armados uns de archotes e outros de escadilhas de ferro, apoderaram-se do sinistro, dominando-o incontinente, como uma expedição mágica, sem uma palavra, sem hesitações e sem atropelos. A um só tempo viram-se fartas mangas d’água chicoteando o fogo por todos os lados; enquanto, sem se saber como, homens, mais ágeis que macacos, escalavam os telhados abrasados por escadas que mal se distinguiam; e outros invadiam o coração vermelho do incêndio, a dardejar duchas em torno de si, rodando, saltando, piruetando, até estrangularem as chamas que se atiravam ferozes para cima deles, como dentro de um inferno; ao passo que outros, cá de fora, imperturbáveis, com uma limpeza de máquina moderna, fuzilavam de água toda a estalagem, número por número, resolvidos a não deixar uma só telha enxuta. O povo aplaudia-os entusiasmado, já esquecido do desastre e só atenção para aquele duelo contra o incêndio. Quando um bombeiro, de cima do telhado, conseguiu sufocar uma ninhada de labaredas, que surgia defronte dele, rebentou cá debaixo uma roda SISTEMA ANGLO DE ENSINO de palmas, e o herói voltou-se para a multidão, sorrindo e agradecendo. Algumas mulheres atiravam-lhe beijos, entre brados de ovação.” (Aluísio Azevedo. O cortiço, cap. XVII) 4. Por esse excerto do romance, justifica-se a afirmação de que o protagonista da obra é o próprio cortiço? INSTRUÇÃO: A questão de número 5 refere-se ao texto seguinte (UFSCar/2006): “Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos, mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas. (...) Daí a pouco, em volta das bicas era um zumzum crescente; uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão.” (Aluísio Azevedo. O cortiço, cap. III) 5. Aluísio de Azevedo pertence ao Naturalismo. a) Cite duas características desse estilo de época. b) Exemplifique, no texto, essas duas características. Texto para a questão 6. “Uma transformação, lenta e profunda, operavase nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente; fazia-se contemplativo e amoroso. A vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição; para idealizar felicidades novas, picantes e violentas, tornava-se liberal, imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres, e volvia-se preguiçoso, resignando-se, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português; e Jerônimo abrasileirou-se.” • 60 • (Aluísio Azevedo. O cortiço, cap. IX) ANGLO VESTIBULARES 6. Esses dois parágrafos pertencem ao romance considerado como a obra-prima do Naturalismo brasileiro. a) Explique a transformação operada na personagem Jerônimo, segundo as teorias científicas do século XIX. b) Quem elaborou tal teoria? 7. Houve um momento na história da prosa ocidental em que o romance se transformou em peça comprobatória de uma tese pela qual se procurava demonstrar certa tendência da personagem: um comportamento, uma herança biológica, o poder condicionador do meio etc. a) De que tipo de romance se trata? b) Indique um romance, de preferência brasileiro, em que ocorre tal fato. Texto para a questão 8. “Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que não se toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, titilando. Em torno o entusiasmo tocava ao delírio; um grito de aplausos explodia de vez em quando, rubro e quente como deve ser um grito saído do sangue. E as palmas insistiam, cadentes, certas, num ritmo nervoso, numa persistência de loucura. E, arrastado por ela, pulou à arena o Firmo, ágil, de borracha, a fazer coisas fantásticas com as pernas, a derreter-se todo, a sumirse no chão, a ressurgir inteiro com um pulo, os pés no espaço, batendo os calcanhares, os braços a querer fugirem-lhe dos ombros, a cabeça a querer saltar-lhe. E depois, surgiu também a Florinda, e logo o Albino e até, quem diria! o grave e circunspecto Alexandre. O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando aos que não sabiam dançar. Mas, ninguém como Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam sem ser o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante. E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados. SISTEMA ANGLO DE ENSINO Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforência afrodisíaca.” (Aluísio Azevedo. O cortiço, cap. VII) Vocabulário: ilhargas = partes laterais e inferiores do baixo ventre; luxurioso = sensual, lascivo, voluptuoso; titilando = palpitando, estremecendo; circunspecto = reservado, discreto, ponderado; cantáridas = insetos coleópteros, de cor verde-dourada. Extrai-se de suas asas uma substância de propriedades afrodisíacas. 8. A partir da leitura do texto, assinale as afirmações que estiverem corretas: I. ( ) O narrador, predominantemente onisciente, preocupa-se preferencialmente com o mundo interior das personagens. II. ( ) O narrador, observador, enfatiza aspectos sensuais do comportamento da personagem e seleciona da realidade aspectos perceptíveis pelos sentidos. III. ( ) O narrador, após sugerir alguns elementos perceptíveis da realidade, subjetivamente enfatiza aspectos positivos do comportamento da personagem. IV. ( ) A sensualidade quase brutal dos ritmos e dos movimentos de Rita praticamente embota a consciência de Jerônimo, fazendo com que suas reações sejam guiadas muito mais pelo instinto do que pelo pensamento. V. ( ) A personagem Rita Baiana é apresentada como uma ninfa perfumosa das matas, que a protegem e dignificam sua inocência, reforçando-lhe os traços de bondade angelical. VI. ( ) Em Rita Baiana combinam-se dois elementos de dissociação quase impossível: o exotismo e o erotismo. Isso faz com que ela corresponda perfeitamente ao mito da mulher fatal, investida de uma carga de sensualidade desenfreada, de bestialidade dos instintos. • 61 • ANGLO VESTIBULARES Textos para a questão 9. Texto I “Antes de penetrar no recôndito sítio, a virgem, que conduzia o guerreiro pela mão, hesitou, inclinando o ouvido sutil aos suspiros da brisa. Todos os ligeiros rumores da mata tinham uma voz para a selvagem filha do sertão. Nada havia, porém, de suspeito no intenso respiro da floresta. Iracema fez ao estrangeiro um gesto de espera e silêncio; logo depois desapareceu no mais sombrio do bosque. O sol ainda pairava suspenso no viso da serrania, e já noite profunda enchia aquela solidão. Quando a virgem tornou, trazia numa folha gotas de verde e estranho licor vazadas da igaçaba, que ela tirara do seio da terra. Apresentou ao guerreiro a taça agreste: — Bebe! Martim sentiu perpassar nos olhos o sono da morte, porém, logo a luz inundou-lhe os seios d’alma; a força exuberou em seu coração. Reviveu os dias passados melhor do que os tinha vivido; fruiu a realidade de suas mais belas esperanças. Ei-lo que volta à terra natal, abraça a velha mãe, revê mais lindo e terno o anjo puro dos amores infantis. Mas por que, mal de volta ao berço da pátria, o jovem guerreiro de novo deixa o teto paterno e demanda o sertão? Já atravessa as florestas; já chega aos campos do Ipu. Busca na selva a filha do Pajé. Segue o rasto ligeiro da virgem arisca, soltando à brisa com o crebro suspiro o doce nome: — Iracema! Iracema!... Já a alcança e cinge-lhe o braço pelo talhe esbelto.” (José de Alencar. Iracema, cap. VI) Texto II “A mulata aproximou-se da cama. Como principiara a trabalhar esse dia, tinha as saias apanhadas na cintura e os braços completamente nus e frios da lavagem. O seu casaquinho branco abria-lhe no pescoço, mostrando parte do peito cor de canela. Jerônimo apertou-lhe a mão. — Gostei de vê-la ontem dançar, disse, muito mais animado. — Já tomou algum remédio? — A mulher falou aí em chá preto... — Chá! Que asneira! Chá é água morna! Isso que você tem é uma resfriagem. Vou lhe fazer uma xícara de café bem forte para você beber com um gole de parati, e me dirá se sua ou não, e fica depois fino e pronto para outra! Espere aí! [...] SISTEMA ANGLO DE ENSINO — Beba, ande! beba tudo e abafe-se! Quero, quando voltar logo, encontrá-lo pronto, ouviu? – E acrescentou falando à Piedade, em tom mais baixo e pousando-lhe a mão no ombro carnudo: — Ele daqui a nada deve estar ensopado de suor; mude-lhe toda a roupa e dê-lhe dois dedos de parati, logo que peça água. Cuidado com o vento! [...] Ele com efeito nunca entrara com o café e ainda menos com a cachaça; mas engoliu de uma assentada o conteúdo da tigela, puxando em seguida o cobertor até às ventas. [...] Jerônimo não levou muito que a não chamasse para lhe mudar a roupa. O suor inundava-o. [...] Agasalhou-se de novo e pediu água. Piedade foi buscar o parati. — Bebe isto, não bebas água agora. — Isto é cachaça! — Foi a Rita que disse para te dar... Jerônimo não precisou de mais nada para beber de um trago os dois dedos de restilo que havia no copo. Sóbrio como era, e depois daquele dispêndio de suor, o álcool produziu-lhe logo de pronto o efeito voluptuoso e agradável da embriaguez nos que não são bêbedos: um delicioso desfalecer de todo o corpo; alguma coisa do longo espreguiçamento que antecede à satisfação dos sexos, quando a mulher, tendo feito esperar por ela algum tempo, aproxima-se afinal de nós, numa avidez gulosa de beijos.” (Aluísio Azevedo. O cortiço, cap. VIII) 9. Que analogia pode ser estabelecida entre os efeitos do licor de jurema oferecido por Iracema a Martim no romance de José de Alencar, e o entorpecimento de Jerônimo devido aos cuidados recebidos de Rita Baiana na obra de Aluísio Azevedo? Texto para a questão 10. “Entretanto, a chuva cessou completamente, o sol reapareceu, como para despedir-se; andorinhas esgaivotaram no ar; e o cortiço palpitou inteiro na trêfega alegria do domingo. Nas salas do barão a festa engrossava, cada vez mais estrepitosa; de vez em quando vinha de lá uma taça quebrar-se no pátio da estalagem, levantando protestos e surriadas. A noite chegou muito bonita, com um belo luar de lua cheia, que começou ainda com o crepúsculo; e o samba rompeu mais forte e mais cedo que de costume, incitado pela grande animação que havia em casa do Miranda. Foi um forrobodó valente. A Rita Baiana essa noite estava de veia para a coisa; estava inspirada! divina! Nunca dançara com tanta graça e tamanha lubricidade! Também cantou. E cada verso que vinha da sua boca de mulata era um arrulhar choroso de pomba • 62 • ANGLO VESTIBULARES no cio. E o Firmo, bêbedo de volúpia, enroscava-se todo ao violão; e o violão e ele gemiam com o mesmo gosto, grunhindo, ganindo, miando, com todas as vozes de bichos sensuais, num desespero de luxúria que penetrava até ao tutano como línguas finíssimas de cobra. Jerônimo não pôde conter-se: no momento em que a baiana, ofegante de cansaço, caiu exausta, assentando-se ao lado dele, o português segredou-lhe com a voz estrangulada de paixão: — Meu bem! se você quiser estar comigo, dou uma perna ao demo!” (Aluísio Azevedo. O cortiço, cap. X) 10. (UnB-DF) Entre as produções literárias mais expressivas da literatura brasileira, encontra-se O cortiço, de Aluísio Azevedo, uma obra essencial para o entendimento da sociedade brasileira no final do século XIX. Em relação aos gêneros literários e a periodização literária brasileira, e considerando que O cortiço foi publicado em 1890, época áurea do Realismo-Naturalismo no Brasil, julgue os itens a seguir, de acordo com o seguinte código: C, para correto; E, para errado, tendo como referência o texto acima. I. ( ) Evidenciam-se no texto elementos científico-positivistas característicos do Naturalismo. II. ( ) O fragmento, apesar da época em que foi publicado, apresenta traços do Arcadismo. III. ( ) Percebe-se no texto uma dessacralização da mulher, em face dos padrões românticos. RESPOSTAS 1. Luta entre o capital e classe trabalhadora, e imagens do trabalho popular: “Noventa e cinco casinhas comportou a imensa estalagem.” Aparece também no 3º- parágrafo: “Graças à abundância de água que lá havia, como em nenhuma outra parte, e graças ao muito espaço de que se dispunha no cortiço para estender a roupa, a concorrência às tinas não se fez esperar; acudiram lavadeiras de todos os pontos da cidade, entre elas algumas vindas de bem longe. E, mal vagava uma das casinhas, ou um quarto, um canto onde coubesse um colchão, surgia uma nuvem de pretendentes a disputá-los.” Ênfase no embrutecimento da vida e compromisso com a verdade tirânica, ingrata: “E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco.” SISTEMA ANGLO DE ENSINO 2. a) O verdadeiro protagonista de O Cortiço é a habitação coletiva que dá título ao livro. De fato, desde o início da narrativa acompanhamos o destino do cortiço, assistimos como disse um crítico, a seu nascimento, sua paixão e sua morte. Os destinos individuais das personagens compõem o drama coletivo que ocupa o centro do romance de Aluísio Azevedo. b) Além de conflitos que opõem uns aos outros os habitantes do cortiço de João Romão e além do conflito que une esses habitantes em sua luta com o cortiço rival, há o grande conflito que marca a história: trata-se da oposição entre o cortiço e o sobrado, entre os miseráveis e os endinheirados. João Romão utiliza-se do cortiço como forma de ascender ao sobrado. 3. Ao Naturalismo, variante estética da época realista. Émile Zola, seu principal representante, articulou uma Teoria sobre O Romance Experimental, onde afirma que o compromisso do escritor é o de resgatar a verdade, fotografando a realidade em suas minúcias, especialmente as mais grotescas. Zola desenvolveu um ciclo de romances — Les Rougon-Macquart —, cujo subtítulo, “História natural e social de uma família no Segundo império”, ratifica seu compromisso de fazer da literatura um instrumento de denúncia social. Os principais romances deste ciclo são Thérese Raquin, L'Assommoir e Germinal, que influenciaram decisivamente Aluísio Azevedo, o principal representante desta tendência na Literatura Brasileira. 4. O cortiço é a principal personagem do livro porque ele estrutura, em um único eixo, todos os temas e todos os conflitos que existem em paralelo na narrativa. No ambiente do cortiço se acotovelam lavadeiras, trabalhadores de pedreira, malandros e viúvas pobres. A moradia coletiva comporta-se como uma só personagem, um ser vivo. O autor ateve-se à seqüência de descrições muito precisas, de tal modo que as cenas coletivas e os tipos psicologicamente primários constituíssem, no conjunto, o cortiço como a personagem mais convincente do romance. Todas as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras. 5. a) O Naturalismo é uma das correntes artísticas associadas ao Realismo, estilo de época da segunda metade do século XIX. Caracteriza-se pelo esforço de representar a realidade de modo objetivo. Sob a forte influência do cientificismo em vigor na época (Evolucionismo, Positivismo, Experimentalismo e Determinismo), o Naturalismo se caracteriza também pela análise da sociedade então contemporânea, com destaque para as camadas mais baixas, bem como pela representação do ser humano por meio de imagens zoomórficas, indicativas da condição de animalidade. • 63 • ANGLO VESTIBULARES b) Como exemplo da objetividade naturalista, observe-se o primeiro parágrafo do excerto, em que a imagem figurada de um aspecto do cortiço é preterida em favor da apresentação de elementos concretos: em vez de olhos, o cortiço abre portas e janelas. O destaque dado às camadas baixas da sociedade pode ser observado no segundo parágrafo, que descreve uma cena matinal da habitação coletiva, cujos habitantes praticam a higiene pessoal em situação promíscua. Finalmente, o zoomorfismo se patenteia em expressões como “machos e fêmeas”, “pêlo” e “fossando”, referidas a seres humanos. 6. a) A transformação operada em Jerônimo pode ser justificada a partir do Determinismo. Influenciado pelo meio, o português vê pouco a pouco seus hábitos de aldeão português cederem lugar à brasilidade. b) Hippolyte Taine, crítico francês. 7. a) Trata-se do romance realista-naturalista. b) Tais características aplicam-se, por exemplo, ao romance O cortiço, de Aluísio Azevedo. 8. Estão corretos os itens II, IV e VI. 9. Ao ingerir o licor de jurema, Martim sofre uma alucinação e chama por Iracema, que se deixa possuir pelo guerreiro. O nascimento de Moacir, filho dos amantes, alegoriza o processo de miscigenação entre o povo português e brasileiro, na obra de Alencar. Paralelamente, esta fusão racial também pode ser notada na incorporação dos cuidados brasileiríssimos que Rita Baiana presta a Jerônimo, em O Cortiço. De acordo com o crítico Antonio Candido, “o abrasileiramento de Jerônimo é regido quase ritualmente pela baiana, que o envolve em lendas e cantigas do Norte, dá-lhe pratos apimentados e o corpo ‘lavado três vezes ao dia e três vezes perfumado com ervas aromáticas’; e este abrasileiramento é expressivamente marcado pela perda do ‘espírito da economia e da ordem’, da ‘esperança de enriquecer’. É que a sua paixão violenta é apresentada pelo romancista como conseqüência das ‘imposições mesológicas’, sendo Rita ‘o fruto dourado e acre destes sertões americanos’. Sob tal aspecto há n’O cortiço um pouco de Iracema coada pelo Naturalismo, com a índia = virgem dos lábios de mel + licor da jurema, transposta aqui para a baiana = corpo cheiroso + filtros capitosos, que derrubam um novo Martim Soares Moreno finalmente desdobrado, cuja parte arrivista e conquistadora é João Romão, mas cuja parte romântica e fascinada pela terra é Jerônimo. Iracema e Rita são igualmente a Terra. Lá, com o filtro da jurema, aqui com o do café, que tem um sentido afrodisíaco e simbólico de beberagem através da qual penetram no português as seduções do meio: ‘(...) a chávena SISTEMA ANGLO DE ENSINO fumegante e perfumosa bebida que tinha sido a mensageira dos seus amores’.”21 10. l. C; II. E; III. C BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, Aluísio. Obras completas, vol. 1 e 2. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005; BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1975; BRAYNER, Sônia. A metáfora do corpo no romance naturalista – Estudo sobre O Cortiço. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1973. CANDIDO, Antonio. “De cortiço a cortiço”. In O Discurso e a Cidade. São Paulo: Duas Cidades, Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 3ª- edição, 2004. GOMES, Eugênio. Aspectos do romance brasileiro. Salvador: Livraria Progresso-Universidade da Bahia, 1958; FERREIRA, Luís Antônio. Roteiro de estudos — O Cortiço. São Paulo: Ática, 1997; FREYRE, Gilberto. Sobrados e mocambos. 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