W ashington Novaes • Irina Bokova • Fabio Feldmann • Sarney Filho

Transcrição

W ashington Novaes • Irina Bokova • Fabio Feldmann • Sarney Filho
Washington Novaes • Irina Bokova • Fabio Feldmann • Sarney Filho
ISSN 0104-0030
Ano XXVI • Nº 234 • Maio 2016 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21
Cezar Cerqueira Leite • Marina Grossi • Alfredo Sirkis • Carlos Rittl
ECO•21
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ECO•21
A n o X X V I • M a i o 2 016 • N º 2 3 4
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Os Ministros do Meio Ambiente ficam longe da Lava-Jato
A administração política ambiental brasileira dos quatro últimos Ministros do Meio Ambiente se caracteriza
por um denominador comum: nenhum deles, desde Marina Silva (Ministra de 1/1/2003 a 13/5/2008),
passando por Carlos Minc (27/5/2008 a 31/3/2010), Izabella Teixeira (1//4/2010 a 12/5/2016) até
Sarney Filho (foi Ministro a primeira vez de 1/1/1999 a 5/3/2002, e reassumiu agora em 12/5/2016),
esteve citado em algum processo irregular decorrente da sua gestão. Esse fato é uma anomalia política num
conjunto ministerial que envolve as áreas da agricultura, da energia, da pesca, do saneamento básico,
das cidades, da saúde, etc. cujos titulares muitas vezes tiveram que se explicar perante a justiça federal.
A área ambiental foi muitas vezes criticada por diversos setores ministeriais sendo acusada de impedir
o desenvolvimento econômico agrícola e industrial. No campo da energia, a construção da Usina de
Belo Monte recebe hoje graves acusações de corrupção, da mesma forma, a central nuclear Angra 3. Já
diversos políticos do agronegócio são acusados de conluio com as empresas multinacionais proprietárias das
sementes transgênicas e dos agrotóxicos, além de ter influído na mudança do Código Florestal para uma
versão que não preserva as matas ciliares e facilita o desmatamento. No campo da mineração, a tragédia
de Mariana é o maior exemplo da transgressão das leis ambientais, tendo como resultado a destruição de
todo o bioma do Rio Doce. Hoje o Congresso Nacional está propondo um novo Código Minerário cuja
permissividade para a exploração mineral é assustadora. Outro exemplo é a transposição das águas do
Rio São Francisco, que é também acusada de superfaturamento, teve sérios questionamentos sobre a sua
efetividade. A exploração predatória da pesca fluvial e principalmente marinha já levou aos titulares
desse ministério a responder questionamentos judiciais. Nesse panorama, as gestões dos últimos Ministros
do Meio Ambiente podem ser consideradas verdadeiros exemplos de probidade. No linguajar do Supremo
Tribunal de Justiça, os Ministros diriam “nihil obstat”, apesar de todas as grandes pressões que cada
um deles teve por parte de emissários do universo político e de um particular setor lobista empresarial.
Nos acontecimentos dos últimos tempos, a Ministra Izabella Teixeira teve que deixar seu posto, mas,
afortunadamente, o Governo Temer teve a sensatez de nomear Sarney Filho para sucedê-la. “Nihil obstat”!
Gaia viverá!
4 Eric Von Farfan - Sarney Filho assume o Ministério do Meio Ambiente
5 Camila Caetano - Entrevista com Sarney Filho
6 Alfredo Sirkis - Enfrentando em Bonn as crises climática e econômica
8 Viviane Monteiro - Brasil deve ajustar emissões
9 Carlos Rittl - O silêncio não é uma opção
10 Pedro Martins - Fim do licenciamento ambiental é um retrocesso no Senado
11 Fabio Feldmann - PEC-65: os riscos para o país
12 Washington Novaes - A legislação ambiental sob muito atropelos
14 Marina Grossi - Um diálogo produtivo, eficiente e necessário
16 Joel Jaeger - Coalizão mostra que cidades melhores são viáveis
18 Diuliane Silva - A Lei de Gestão de Florestas Públicas dez anos depois
20 Cezar de Cerqueira Leite - A ciência brasileira aos trancos e barrancos
22 Timothy Hurst - As renováveis empregam 8,1 milhões de pessoas no mundo
24 Luis Otávio Colaferro - Veto ao solar? Depende do ponto de vista!
25 Mário Cesar de Mauro - A reciclagem sofre com a falta de incentivos no Brasil
28 Marta Moraes - Ações valorizam a Caatinga
29 Aldem Bourscheit - CI lança perfil do Cerrado
30 Renata Amaral - STF garante rotulagem de qualquer teor de transgênicos
31 Ming Liu - Unificar setor de orgânicos para enfrentar a crise
32 Romeu Mattos Leite - Agricultura orgânica: para além do nicho de mercado
36 Marcia Hirota - Velho Chico na vida real
37 Roberto Malvezzi - Será a derrota do Sertão?
38 Leda Letra - Metade da população mundial sofrerá falta de água em 2030
40 Kevin Fryling - É provável que haja um trilhão de micróbios na Terra
42 Alana Gandra - JBRJ inaugura projeto de criação de abelhas sem ferrão
43 Maria Lucia F. T. Moscatelli - Abelhas urbanas e sem ferrão
44 Amanda Lelis - As onças de Mamirauá: um comportamento inédito
45 Gabriela Peretti - O Brasil celebra em 2016 o Ano do Papagaio
46 Glen Barry - O futuro ponto de inflexão ecológico e a grande transição
48 Tara Ayuk - África tem 17 patrimônios da natureza em risco
49 Irina Bokova - Criar a nossa biosfera levou bilhões de anos
50 Mikhail Gorbachev - Chernobyl mudou nossas vidas
Lúcia Chayb e René Capriles
Capa: Periquitão-maracanã - Aratinga leucophthalma
Ilustração: Tomas Sigrist
| política |
Eric von Farfan | Jornalista (com informações da Agência Brasil e do Partido Verde)
Sarney Filho assume o
Ministério do Meio Ambiente
O maranhense José Sarney
Filho (PV-MA) foi eleito para o
seu primeiro mandato de Deputado
Federal em 1982, e hoje está em
seu nono mandato consecutivo
na Câmara dos Deputados. O
advogado de 58 anos é filho do
ex-Senador José Sarney e assume
o Ministério do Meio Ambiente
no governo do Presidente interino
Michel Temer.
O Deputado, também conhecido como Zequinha Sarney,
já comandou a pasta do Meio
Ambiente durante o Governo de
Fernando Henrique Cardoso, entre
1999 e 2002, e foi Secretário de
Assuntos Políticos do Maranhão
de 1988 a 1990. Participou da
Assembleia Nacional Constituinte no grupo para Estudos da
População e foi um dos autores
dos dispositivos que tratam do
planejamento familiar.
Na Câmara dos Deputados,
Sarney Filho foi membro titular
das Comissões Permanentes de
Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável e de Defesa dos Direitos
da Pessoa Idosa, além de várias
comissões especiais, como da Mineração, da Crise Hídrica
no Brasil, da Exploração de Recursos de Terras Indígenas e
da Regulação de Defensivos Fitossanitários. Coordenou a
Comissão Externa do Rompimento de Barragem na Região
de Mariana-MG.
Pelo “Prêmio Congresso em Foco”, foi escolhido em 2009
pelos jornalistas que cobrem o Congresso Nacional como
um dos melhores representantes da Câmara dos Deputados;
em 2010, ficou entre os cinco parlamentares indicados como
Destaque em Defesa do Meio Ambiente.
Sarney Filho tem atuação destacada na área do meio
ambiente, sobretudo, nas discussões para prevenção de
incêndios florestais e agressões a unidades de conservação
e de ações de biopirataria. Em 1997, liderou a criação da
Frente Parlamentar Ambientalista para o Desenvolvimento
Sustentável, que coordenou até 1999. Atualmente, é membro
do Conselho Consultivo da Rede Nacional de Combate ao
Tráfico de Animais Silvestres (Renctas).
No dia 17 de Abril, na Câmara dos Deputados, votou a
favor do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff.
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Pouco antes da sua nomeação,
33 ambientalistas assinaram uma
Carta Aberta enviada ao Presidente
interino Michel Temer. Nela eles
dizem: “Os cidadãos brasileiros
que subscrevem a presente, líderes
do segmento de meio ambiente
e sustentabilidade de larga atuação na sociedade civil, desejam
expressar sua satisfação com a
consideração dada à possibilidade
da nomeação do Deputado Federal
José Sarney Filho como titular do
Ministério do Meio Ambiente, e
sua esperança de que, uma vez concretizada a mudança de governo,
esta nomeação possa ser efetivada.
[...]A estagnação experimentada
pela agenda de gestão ambiental
federal em anos recentes arrisca
fazer com que o Brasil perca de vez
oportunidades de desenvolvimento
econômico e social que o Século 21
coloca às nossas portas, mas não
temos logrado aproveitar”.
Assim que assumiu o Ministério, Sarney Filho afirmou que a
tragédia de Mariana está entre suas
prioridades. No seu último ato na
Câmara, antes de assumir a pasta
no Governo de Michel Temer, o parlamentar apresentou o
relatório final da Comissão Externa criada para acompanhar
e avaliar os desdobramentos do rompimento da barragem.
O relatório responsabiliza a empresa Samarco pela tragédia
e suas consequências, mas pede também a apuração das
responsabilidades dos órgãos envolvidos no licenciamento
e fiscalização da atividade. “Eu não posso, como Ministro
do Meio Ambiente, desconhecer o conteúdo desse relatório.
Então, evidentemente que nós vamos atuar firmemente para
que tragédias como esta não possam jamais ocorrer novamente”, disse Sarney Filho.
O Ministro é autor de um Projeto de Lei que aumenta a
área, reduzida pelo Código Florestal, que considerou a média
das cheias dos rios como parâmetro de proteção e não o ponto
alto das cheias, como a legislação anterior. Uma Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério
Público Federal, em análise no Supremo Tribunal Federal
(STF), pede a revogação da medida. Sarney também anunciou
que vai concluir o Cadastro Ambiental Rural (CAR), outra
medida prevista no Código Florestal.
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| política |
Camila Caetano | Jornalista do Partido Verde
O MMA se baseará na política
ambiental do Partido Verde
Entrevista com Sarney Filho
Lucio Bernardo Junior - Agência Camara
Ministro do Meio Ambiente
Outra questão que muito nos preocupa é a tragédia causada pelo rompimento da barragem de minérios da Samarco,
em Mariana, Minas Gerais, que não acabou. No Ministério
do Meio Ambiente, continuaremos a acompanhar e ajudar
nas medidas necessárias para atender as vítimas e recuperar
o meio ambiente.
Outros temas da agenda ambiental, como o Acordo de Paris
(COP-21), o Cadastro Ambiental Rural (CAR), e o Código
Florestal serão reforçados?
Sarney Filho foi nomeado no dia 12 deste mês (Maio)
Ministro do Meio Ambiente e ocupará a pasta pela segunda
vez. Iniciou sua trajetória na vida pública ainda jovem eleito
Deputado Estadual pelo Maranhão em 1978, no mesmo ano
migrou para o Partido Democrático Social (PDS) e foi eleito
para o seu primeiro mandato de Deputado Federal em 1982.
Foi reeleito em 1986, 1990, 1994, 1998 e 2002. Afastou-se
do mandato para ocupar o Ministério do Meio Ambiente no
Governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1 de Janeiro
de 1999 e 5 de Março de 2002. Desde 2005, está filiado ao
Partido Verde (PV) e foi reeleito para o seu sétimo mandato
consecutivo em 2010, sendo um de seus principais líderes no
Congresso Nacional.
Quais serão suas prioridades na gestão do Ministério do
Meio Ambiente?
Teremos, sem dúvida, muitos desafios, entre eles a pressão
para flexibilizar o licenciamento ambiental. Nas nossas ações,
as nossas respostas não serão de nenhuma facilitação que vá
contra a legislação atual. Nossa agenda não será de confronto,
mas de consenso, tendo como base as posições que a Bancada
do Partido Verde no Congresso Nacional sempre defendeu,
com a busca da sustentabilidade, de melhor qualidade de vida
para esta e para as futuras gerações.
A respeito de Mariana, como atuará em relação ao pior
acidente ambiental do Brasil?
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Também vamos implementar e ampliar os compromissos
brasileiros assumidos na Conferência Mundial sobre o Clima
em Paris, a COP-21, mantendo o protagonismo na agenda
climática e, a partir dela, buscar adequações para que a gente
possa implementar nossos objetivos. Reforçaremos a agenda
que já é cumprida pelo Partido Verde para mitigar os efeitos
das mudanças climáticas, enfrentando as graves crises hídricas, mudança de clima regional, processos de desertificação,
todos têm como causa principal a mudança climática, que
é algo global. Outra prioridade será implementar o Código
Florestal no que diz respeito ao Cadastro Ambiental Rural
(CAR), e abrir a possibilidade para os Pagamentos por
Serviços Ambientais. É pela implementação do CAR que
teremos um instrumento adequado para fazer a recuperação
das áreas degradadas.
Como o senhor vê a participação do Partido Verde em sua
gestão no MMA?
A crise ambiental passa além da ideologia de partidos, no
mundo e aqui. Estamos vivendo um momento muito tenso
da vida nacional, as posições estão muito exacerbadas. A
questão ambiental se dá dentro de uma visão mais avançada
de sociedade, que não discute se é de esquerda ou de direita,
mas se garante os direitos difusos da sociedade, os direitos de
quem nem nasceu ainda. É dentro desta perspectiva que temos
que atuar. Para isso estou convidando os melhores quadros,
sem nem querem saber de que partidos são. Com o apoio
do Partido Verde, vamos difundir as nossas bandeiras em
todos os níveis de governo, sendo proativos em nossas ações,
envolvendo as comunidades, as organizações da sociedade
civil, especialistas e o parlamento.
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| conferência de bonn |
Alfredo Sirkis | Jornalista, Escritor, Político e Diretor-Executivo do Centro Brasil no Clima
IISD
Enfrentando em Bonn as
crises climática e econômica
Tomasz Chruszczow, Laurence Tubiana, Carlos Fuller, Alfredo Sirkis e Katia Simeonova, na Conferência sobre o Clima de Bonn, Maio de 2016
Fui convidado pela Convenção sobre Mudanças Climáticas,
a UNFCCC, para “facilitar” (de certa forma presidir) um
encontro de especialistas sobre “O valor social e econômico do
carbono”, discussão aberta pelo texto da decisão da Conferência
do Clima de Paris, a COP-21. O debate, realizado na Bonn
Climate Change Conference, dando sequência à COP-21 e
preparatória da COP-22 na sexta-feira dia 20/5, foi uma boa
surpresa, porque era uma oportunidade para lidar com o maior
obstáculo à transição rumo às economias de baixo carbono/
neutras em carbono, que é o seu financiamento.
Na UNFCCC essa questão é tradicionalmente tratada
pelo Comitê Permanente sobre Finanças, que é uma instância
disfuncional, polarizada por uma velha discussão “Norte-Sul”
totalmente sem saída. É movida pela ilusão que a transição
global possa ser financiada pela “responsabilidade histórica”,
ou seja, que os governos dos países desenvolvidos o farão. É
um dialogo de surdos.
A discussão em geral gira em torno dos US$ 100 bilhões/
ano que teoricamente os países “do Norte” deverão prover a
partir de 2020, metade para mitigação e a outra para adaptação. Até agora só se materializaram US$ 10 bilhões, e outros
US$ 60 bilhões estão “apalavrados” (em termos absolutos,
não anuais). Esses governos simplesmente não possuem esses
recursos nem as condições políticas internas para aportá-los.
Poderiam, no entanto, oferecer parte deles e garantias necessárias para mobilizar o resto no setor financeiro privado, mas
a polarização de “tudo ou nada” no Comitê Permanente não
ajuda. Esse tema foi um dos poucos a não avançar quase nada
em Paris. Mesmo que se materializassem em dinheiro líquido,
esses US$ 100 ou US$ 120 bilhões anuais ficariam ridiculamente aquém do que é preciso para financiar a transição, cujo
custo anda mais próximo dos US$ 3 trilhões/ano.
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Incluindo a adaptação, pode chegar a US$ 5 trilhões. De
onde virá toda essa dinheirama? Os governos, todos, estão na
ou perto da lona. Todos têm déficits e forte endividamento,
estamos muito longe da era de Bretton Woods quando os
EUA tinham disponibilidade financeira para um Plano
Marshall, na Europa devastada pela II Guerra e havia uma
outra tolerância do sistema para grandes déficits, prevalecendo
uma abordagem keynesiana.
Hoje onde está a grana do mundo? No sistema financeiro
global: cerca de US$ 220 trilhões, quase todos aprisionados
numa “financialização” especulativa que se tornou a marca
do capitalismo contemporâneo. Há dias, até a conservadora
revista Time publicou uma reportagem de capa condenando
esse onanismo financeiro, no qual o capital manipula sua
auto-multiplicação quase sem passar pela economia produtiva.
A pergunta dos muitos trilhões é como atrair uma parte que
seja desses capitais, travados na especulação, de volta ao sistema produtivo e para uma transição rumo às economias de
baixo carbono/carbono neutras. Aqui aparece com reveladora
clareza que os caminhos para tirar a economia mundial de
sua estagnação e para enfrentar as mudanças climáticas – o
principal problema da humanidade, porque agrava todos os
demais – são bastante convergentes.
Por inspiração da proposta brasileira, que ajudamos a
construir e que redundou no parágrafo 108 da Decisão de
Paris, 196 nações reconheceram o “valor social e econômico”
das ações de mitigação. Isso estabelece que a redução ou a
remoção de carbono da atmosfera possui um valor econômico
intrínseco, o que abre a trilha para uma verdadeira revolução
na economia e na finança mundiais. Indica um caminho no
qual o financiamento maciço da transição para economias de
baixo carbono será lastreado por esse novo valor.
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| conferência de bonn |
A precificação “real”, ou seja, a atribuição de um preço
à tonelada de carbono, é extremamente útil e necessária por
parte dos países e empresas, e se relaciona com as possibilidades de taxação do carbono e à incorporação das chamadas
“externalidades” aos preços dos produtos e serviços considerados carbono-intensivos. Mas sua dinâmica, assim como a da
necessária supressão da oferta de subsídios, é eminentemente
nacional. Cada país vai ter que tratar da sua, pois os sistemas de taxação/subsídios são nacionais e, eventualmente,
subnacionais.
O encontro de especialistas que presidi em Bonn não
foi tão longe; na verdade, não chegou nem a focar bem no
parágrafo 108 e suas implicações práticas. A seleção dos palestrantes e dos subtemas acabou colocando na mesa diversos
mecanismos diferentes: mercados de carbono, precificação
“real” e taxação do carbono, fim dos subsídios a combustíveis fósseis e precificação “positiva”. São todos instrumentos
que fazem parte de uma “caixa de ferramentas”; cada um
serve a um determinado propósito. Pode-se dizer que sejam
complementares.
Os “mercados” dão mais eficiência e agilidade para
alcançar as metas já determinadas de mitigação. São um instrumento limitado. Útil, desde que evitados problemas como
a “dupla contagem” e recuperada a desvalorização ocorrida
por causa de excessos especulativos. Há dúvidas sobre como
funcionarão na era pós-Paris, quando todos os países têm sua
meta (a chamada INDC - Intended Nationally Determined
Contributions, em português, Contribuições Nacionalmente
Determinandas Pretendidas) a cumprir. Haverá margem para
negociar créditos de carbono? Não sabemos ainda.
Para a precificação positiva, a maior importância do
encontro de Bonn foi ele ter sido realizado. Sua proponente
foi a embaixadora francesa Laurence Tubiana, que está se
convertendo numa forte defensora da causa. O “Secretariado”
(a burocracia da UNFCCC) resistiu um pouco, pediram até
para tirar um slide da minha apresentação porque “avançava
demasiado”, mas no final o tema acabou legitimado na ONU
e veio para ficar. Em Junho teremos um novo seminário no
Rio de Janeiro; em Setembro, um grande colóquio internacional em Londres, e certamente haverá um ou mais eventos
paralelos sobre o tema na COP-22, em Marrakesh.
No entanto, a construção do mecanismo de financiamento
que irá operacionalizar o conceito do parágrafo 108 será construído mais fora do contexto da ONU, possivelmente sobre
o guarda chuva do G20 e de um “Clube do Clima” formado
por alguns governos, bancos de investimentos, bancos centrais e organismos multilaterais e financeiros pioneiros que
se disponham a garantir e começar a operar com certificados
de redução de carbono, esse embrião de uma futura “moeda
do clima”. Sejamos ambiciosos. Precisamos ser.
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Valor, na história da humanidade, sempre foi criado com
base numa necessidade histórica premente e, depois, seguido
dos mecanismos simbólicos de representação desse valor no
caminho, de sua precificação: ouro, moeda, dinheiro de papel,
dinheiro eletrônico etc.
Assim, considerando-se a necessidade histórica contemporânea, suscitada pela ameaça premente das mudanças
climáticas, não será surpresa se esse reconhecimento de valor
redundar futuramente numa nova moeda de reserva. Mas
deixemos essa discussão para mais adiante.
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| gee |
Viviane Monteiro | Jornalista do Jornal da Ciência da SBPC
Brasil deve ajustar emissões
Alessandro C. Araújo
Com a revisão da quantidade de gás carbônico emitido
pelo Brasil na atmosfera em 2005 – de 2,1 bilhões de toneladas para 2,73 bilhões de toneladas – o País terá de traçar
metas mais ousadas para o Acordo de Paris sobre Mudanças
do Clima. A observação é do ambientalista Tasso Azevedo,
Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases
de Efeito Estufa, do Observatório do Clima.
Segundo ele, os números brasileiros previstos no plano
climático, entregue ao Acordo de Paris, precisam ser revistos
porque foram traçados com base na estimativa do segundo
inventário brasileiro, hoje desatualizado.
O Brasil se comprometeu a reduzir as emissões de gás
carbônico em 37% até 2025 e em até 43% até 2030, em
relação aos números de 2005 – ano em que o Brasil mais
emitiu dióxido de carbono na atmosfera, em decorrência do
aumento do desmatamento e que também serve de referência
para as metas previstas no Acordo de Paris, assinado em 12
de Dezembro de 2015.
Pelos cálculos do especialista, solicitados pelo Jornal da
Ciência, os novos percentuais relacionados à redução das
emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) devem ser de 52%
até o ano de 2025 e de 55% até 2030, em relação a 2005.
“Ajustar os percentuais é a coisa mais certa que o Brasil terá
que fazer, mostrando que o País continua com o mesmo
compromisso em termos de emissões absolutas para 2025 e
2030”, disse Tasso Azevedo.
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“Os novos números mostrarão o Brasil propondo umas
das reduções proporcionais mais ousadas do mundo, embora
o esforço seja relativamente o mesmo (que é o de reduzir
o desmatamento)”, analisou o ambientalista. No caso dos
números absolutos, Azevedo disse que eles permanecem
os mesmos para 2025 e 2030, de 1,3 GtCO2emitido e 1,2
GtCO2e, respectivamente.
Reflexo do avanço da Ciência
Na opinião de Azevedo, a revisão dos dados brasileiros
sobre a redução de emissões de CO2 na atmosfera reflete
os avanços e reforça o compromisso do Brasil com a “boa
Ciência”. Os dados sobre o clima são realizados por quase
100 instituições científicas brasileiras, em parceria com o
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
O especialista do Observatório do Clima estranhou o
fato de a Presidente Dilma Rousseff, que enfrenta processo
de impeachment, ter perdido a oportunidade de apresentar os
novos dados na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris,
na sede da ONU, no dia 22 de Abril último. “Esses números
existem há um ano e já deveriam ter sido divulgados”. Não
há ponto negativo em publicar o número revisado. Mas o
pessoal do Governo pode ter ficado desconfortável de que
a revisão do número poderia ser interpretada como erro.
“Mas a Ciência evolui ao longo do tempo e é normal que os
números sejam revisados”, disse. “O que gerou estranheza
na comunidade científica e na área ambiental é o Governo
ter sentado em cima do número correto, real e do que há de
melhor da ciência brasileira”, considerou.
Um dia após os dados terem vazado à imprensa, o MCTI
divulgou, na sexta-feira 6 deste mês (Maio), dados positivos
registrados em 2010. Segundo o levantamento, o total de
CO2emitido na atmosfera pelo Brasil em 2005 saiu de 2,73
bilhões de toneladas para 1,27 bilhão em 2010, uma redução
de 53,5% em cinco anos. Os dados constam da Terceira
Comunicação Nacional do Brasil (TCN), submetida em Abril
à Convenção sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).
A Ministra em exercício da pasta de CT&I, Emília Ribeiro,
disse que a metodologia de cálculo desenvolvida pela equipe
do MCTI é de última geração. “Vamos transmitir conhecimento para estudo do clima e efeito do gás carbônico no
mundo todo”, disse a Ministra em texto publicado no portal
do Ministério.
Em nota, o Observatório do Clima diz que o Brasil
atrasou, mas fez o dever de casa e enviou às Nações Unidas
sua Terceira Comunicação Nacional, que contém o novo
inventário brasileiro de Gases de Efeito Estufa. “O novo
inventário, feito à luz da melhor ciência disponível, aumenta
nossa conta com o clima e impõe ao Brasil a necessidade de
reajustar a meta apresentada para o Acordo de Paris”, reforça
Carlos Rittl, Secretário-Executivo do Observatório do Clima,
em nota publicada no portal da instituição.
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| política ambiental |
Carlos Rittl | Secretário-Executivo do Observatório do Clima
OC
O silêncio não é uma opção
Poderemos prosseguir no “business as usual” sem qualquer
problema diplomático – apenas intensificando a causa dos
desastres naturais causados pelo clima que apenas no ano
passado levaram 28% dos municípios a decretar estado de
emergência ou calamidade e que impõem perdas econômicas
e humanas. Só que o mundo está se afastando do business
as usual. Até o maior poluidor global, a China, já coloca a
sustentabilidade como um dos pilares do seu crescimento,
evidenciado no lançamento de seu novo Plano Quinquenal.
Quanto mais o mundo se afastar do modelo econômico atual,
menor será a demanda por petróleo – que já começa a enfrentar a concorrência das renováveis, cujos preços estão cada vez
mais competitivos. Essa combinação é nefasta para qualquer
petroleira, mas pode ser fatal para aquelas cujas reservas têm
custo de extração elevado. Como o pré-sal, por exemplo.
No entanto, apesar disso, vimos em Abril a Assembleia
Geral da Petrobras confirmar a opção da empresa pelos
combustíveis fósseis e o afastamento do pouco que a estatal
planejou fazer em termos de renováveis. Além de não fazer
sentido quando lembramos que são justamente os combustíveis fósseis que estão alterando o clima do Planeta e que
acabamos de assinar um acordo global prometendo combater
o aquecimento global, a extração do petróleo do pré-sal corre
sérios riscos de ser um péssimo investimento.
Todos nós acabamos de testemunhar o que acontece
com a economia brasileira quando a Petrobras vai mal. A
exemplo dos eventos extremos provocados pelas mudanças
climáticas, também as crises econômicas tendem a ser mais
sentidas pelos mais pobres e vulneráveis. Por isso, o silêncio
não é uma opção. Cabe a cada um de nós – ambientalistas,
cientistas, professores, estudantes, empresários – elevar sua
voz em favor de um desenvolvimento limpo e da descarbonização da economia até o meio deste século. Neste momento
de transição, é fundamental que a sociedade se manifeste e se
faça ouvir. Porque o Governo pode até mudar, mas os desafios
que precisamos enfrentar permanecem os mesmos.
Katharina Grosse
O atual cenário político
suscita muitas incertezas. Com
exceção das questões ambientais. Em relação a elas, está
ficando cada vez mais claro
que, quaisquer que sejam os
desdobramentos, são enormes
os riscos de continuarmos com
o país mergulhado no modelo
de desenvolvimento que nos
trouxe a crise atual.
Carlos Rittl
Tratar meio ambiente como
se fosse uma ameaça ao desenvolvimento do Brasil tem sido a tônica do Governo Dilma
e é parte do DNA do PMDB dos ruralistas e dos executivos
da Petrobras. A mudança de comando do Planalto nos traz
pouco alento, portanto. Basta olhar o rascunho do plano
de governo peemedebista: ele não faz qualquer menção a
“meio ambiente”, “mudança climática”, “energia renovável”
e “baixo carbono”.
As notícias das últimas semanas apenas reforçam nossas
preocupações. A começar pelos números da Terceira Comunicação Nacional à Convenção sobre o Clima da ONU,
que finalmente veio a público no começo de Maio, contra a
vontade do Governo, após a imprensa descobrir sua existência. Eles mostram que as emissões de Gases de Efeito Estufa
do Brasil em 2005 foram 28,6% superiores ao estimado no
inventário anterior.
O problema é que esse é o ano-base para nossas metas de
redução prometidas no Acordo de Paris. Nossa meta precisa
com urgência ser reajustada para refletir a atualização dos
números do ano-base. E, em 2018, precisa também – juntamente com as metas dos outros países – ser revisada, sob
pena de ser inócua para manter a elevação da temperatura
média do Planeta bem abaixo dos 2°C, como nos comprometemos a fazer.
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Pedro Martins | Advogado da ONG Terra de Direitos
Fim do licenciamento ambiental
é um retrocesso no Senado
No presente e multifacetado ataque à democracia, os retrocessos sociais destacam-se nesse ambiente perverso em que se
tornou o parlamento nacional. Parcela do Senado se aproveita
das tensões do Governo e da tímida abertura da Presidenta
Dilma a algumas pautas, como a da demarcação de Terras
Indígenas, para remar a favor de uma maré mais conservadora,
no possível e eventual Governo Michel Temer.
Muitos políticos e a sociedade civil, no Brasil, receberam
na manhã da quinta-feira 28 de Abril último a notícia de que
a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65/2012
havia sido aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania (CCJ) do Senado. A notícia tem um toque importante ao ser dada pela manhã, o que não foi à toa. A decisão
nem chegou à pauta do Jornal Nacional da Rede Globo da
noite de quarta-feira, pois a aprovação do parecer favorável
do Senador Blairo Maggi (e Relator Ad Hoc João Capiberibe)
viria a acontecer apenas na madrugada.
O Senado – que agora não para de trabalhar – desafiou a
própria Constituição ao aprovar tal PEC que aniquila os princípios do Direito Ambiental. A matéria da PEC é a alteração
do procedimento de licenciamento ambiental, instrumento
previsto para concretização de princípios como a precaução
e a prevenção. É também o licenciamento que condiciona as
autorizações do Estado a serem fundamentadas em estudos
complexos sobre os impactos ambientais positivos e negativos
a serem causados por empreendimentos.
Na nova proposta, a mera apresentação de Estudo de
Impacto Ambiental (EIA) garantirá a Licença de Operação,
sem condicionantes a serem cumpridas, sendo impossível a
suspensão ou cancelamento da Licença a não ser que durante
sua execução fato novo a justifique. Se a empresa interessada
no licenciamento já realiza o EIA – o que tende a ter resposta
positiva automática – já pode dar início as atividades.
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Essa flexibilização tem como consequência grave cair por
terra toda forma de controle ambiental de empreendimentos
como portos, hidrelétricas e sistemas de transporte.
Essa agenda política foi reforçada nos últimos tempos, na
oportunidade de facilitar a construção de grandes empreendimentos, desconsiderando as tragédias socioambientais que
ocorrem por fraudes ao licenciamento (hoje fundamentado
ainda no art. 225 da Constituição Federal, na Lei Nº 6.938/81
e em Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente
– CONAMA).
O Senador Romero Jucá também havia proposto o Projeto
de Lei Nº 654/2015, com conteúdo semelhante, mas para alterar
Lei federal, e não a Constituição. O controle de constitucionalidade a que deveria se prestar a Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado foi tirado de campo
nessa partida, mas a Constituição não pode ser alterada para
gerar retrocessos jurídicos. A PEC, mesmo se for aprovada,
será inconstitucional. Como já virou hábito na Câmara e
no Senado, o Brasil segue perdendo de 7×1. Mas, o campo
ainda é nosso, do povo, e o jogo da PEC 65/2012 continua
nas próximas deliberações e votações no Congresso.
O Diretor Executivo do PNUMA, Achim Steiner,
criticou a possibilidade de flexibilização da Lei ambiental
brasileira. “Penso que a legislação ambiental não é suficiente
hoje. Por isso, precisamos reforçar as leis. Há um consenso
na sociedade de que o país não pode destruir em nome do
desenvolvimento. Quem paga pela poluição e pela destruição
dos ecossistemas é a sociedade. Nos próximos anos tem que se
endurecer a legislação. O sistema de licenciamento depende
de duas partes: uma empresa e uma autoridade independente,
da Justiça ou do Governo”. Steiner participou do Congresso
Mundial de Direito Ambiental, no dia 29 de Abril último,
na cidade do Rio de Janeiro.
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| política ambiental |
Fabio Feldmann | Consultor em sustentabilidade. Foi Deputado Constituinte em 1988
Arquivo
Edilson Rodrigues
PEC-65: os riscos para o país
Com a aprovação pelo
Senado da Proposta de Emenda
Constitucional (PEC) 65, que
permite a realização de obras
públicas sem a análise dos impactos ambientais, o Brasil adentra
o necessário debate sobre o tema
pela “porta dos fundos”.
Sob o pretexto da simplificação, o resultado catastrófico será
o total esvaziamento da avaliaFabio Feldmann
ção ambiental e da participação
da sociedade na discussão dos
empreendimentos com significativo impacto, contrariando
o que determina a Constituição de 1988. Embora se alegue
que a participação pública pode tornar a licença mais lenta,
estudos internacionais demonstram exatamente o contrário,
desde que essa participação seja feita de forma efetiva. Com
a garantia de maior legitimidade de todo o processo de licenciamento ambiental, teríamos menor risco de judicialização
e, com isso, ampliaríamos a segurança jurídica em relação a
todos os envolvidos.
Diante desse cenário, ficam
as perguntas: até que ponto a
avaliação ambiental, tal como
praticada no Brasil, é um instrumento de proteção ambiental e
que garante os direitos das futuras
gerações? É bom lembrar que a
avaliação ambiental foi introduzida nos EUA em 1969 através do
National Environmental Policy
Act (NEPA), considerado pelos
juristas a Carta Magna do Direito
Ambiental norte-americano. O
modelo se tornou inspiração e foi adotado, com pequenas
diferenças, por mais de 150 países, exatamente por assegurar
a participação da sociedade no processo de decisão sobre a
implantação de empreendimentos. Além dos países, as principais agências multilaterais também incorporaram nas suas
normas internas a exigência da avaliação ambiental. Não
podemos deixar de mencionar também que o FMI, no exame
de pedidos de empréstimo, tem buscado seguir padrões de
proteção ambiental, por meio de análises de impacto.
Especialmente a partir da RIO-92, a avaliação ambiental e a
participação pública ganharam foro no Direito Internacional, a
exemplo dos Princípios 10 e 17 da Declaração do Rio, além de
disposições expressas nas duas mais importantes Convenções lá
assinadas: sobre Biodiversidade e sobre Mudanças Climáticas.
Mais recentemente, a Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, a RIO+20, realizada no Rio
de Janeiro em 2012, reafirmou esses compromissos em seu
documento “The Future We Want”.
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Além de tratados internacionais subscritos pelos países,
vale lembrar também dos Princípios do Equador, iniciativa
que traz para o setor financeiro um conjunto de diretrizes a
serem observadas no financiamento de grandes projetos, com
ênfase na identificação de riscos socioambientais. Seu Princípio
Nº 2 versa especialmente sobre “Avaliação Socioambiental”.
Mais de 80 instituições financeiras, em mais de 30 países, já
aderiram voluntariamente aos Princípios do Equador, dentre
as quais os mais importantes bancos brasileiros.
Em outras palavras, é indissociável a ideia do desenvolvimento sustentável da efetiva implantação da avaliação ambiental e da participação pública. Deixar prosperar iniciativas como
a PEC 65 traria ao país enorme desconforto junto à comunidade
internacional em termos de credibilidade, além de afetar o
acesso do país a recursos das agências multilaterais.
Quais investidores sérios aportariam recursos para
empreendimentos de significativo impacto ambiental sem
atender a requisitos universais de avaliação ambiental e de
participação pública?
É importante assinalar que vários Projetos de Lei tramitam
há décadas no Congresso Nacional sobre a matéria, sem que
este confira qualquer importância
ao tema. O primeiro deles (de
minha autoria) o PL 710, tramita
desde 1988 e está há anos pronto
para pauta no Plenário.
Aproveitando a experiência
acumulada nesses últimos trinta
anos, reconhecemos a necessidade de se rever o licenciamento
ambiental no Brasil, que foi
introduzido basicamente pela
Resolução CONAMA Nº 001
de 1986. Precisaríamos, contudo,
primeiro conhecer a realidade
desse instrumento no país.
Até que ponto é verdadeira, ou não, a informação tão
propalada de que o licenciamento é obstáculo para a implantação de empreendimentos de infraestrutura? O que pode
ser feito para torná-lo mais ágil e eficiente, menos cartorial e
burocrático? As condicionantes das licenças ambientais são
efetivamente cumpridas? Os órgãos integrantes do SISNAMA
estão institucionalmente preparados para analisar os Estudos
de Impacto Ambiental? Como a experiência internacional
pode nos ajudar?
Para tanto, recomendamos que a Presidência da República
assuma a liderança desta discussão sobre o licenciamento
ambiental, com o propósito de atender as demandas da
sociedade brasileira. Dessa forma, poderiam ser promovidas
as mudanças necessárias para que este instrumento cumpra
os requisitos universais já mencionados, eliminando-se
exigências desnecessárias. Com isso, certamente haveria um
ganho inquestionável para todos.
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| política ambiental |
Washington Novaes | Jornalista
Arquivo
A legislação ambiental
sob muitos atropelos
Para o Observatório do Clima, é “um escárnio” a aprovação dessa proposta. Ainda mais num país que sofreu há
menos de seis meses a pior tragédia ambiental de sua História,
com o rompimento da barragem de São Marcos, em Minas
Gerais: “Extingue a legislação ambiental”, uma vez que “a
mera apresentação do estudo de impacto ambiental pelo
empreendedor significa autorização irrevogável até para obra
de infraestrutura”.
Na prática, o processo de licenciamento ambiental, que
analisa, com base em estudos socioambientais, se uma obra
é viável ou não, deixa de existir, diz o Presidente do Proam,
Carlos Bocuhy. Para ele, é uma proposta “completamente
absurda: é como se o protocolo para obter uma habilitação já
permitisse sair dirigindo um caminhão”. Além disso, exclui
a sociedade de participar de discussões sobre o projeto. Já os
deputados que aprovaram a PEC entendem que a medida
visa a “garantir a celeridade e economia de recursos em obras
públicas”. Mas a emenda ainda terá de passar pelo plenário
do Senado e pela Câmara dos Deputados.
Na edição de 29/4/16 do jornal O Estado de São Paulo,
André Borges destaca que a aprovação da emenda “revoltou
a comunidade do setor em todo o País”. Como não poderão
ser mais canceladas ou suspensas obras baseadas em estudos
feitos pelos próprios empresários, o processo de licenciamento
“perde o sentido”.
Leandro Neumann Ciuffo
Paralelamente ao descalabro
político que corre solto no País,
avançam hoje como tratores propostas para botar abaixo partes
decisivas da legislação ambiental
brasileira. Se efetivadas, o Brasil
poderá perder grande parte do
que faz dele um patrimônio
privilegiado, como já comentado
mais de uma vez neste espaço
– território continental, mais
Washington Novaes
de 12% da água superficial do
planeta, sol durante todo o ano,
biodiversidade de extraordinária riqueza, possibilidade de
formatos agrícolas adequados, etc., etc. Mas pouco se discute
o tema, fora da comunicação.
Por exemplo: recente aprovação da proposta de emenda
constitucional (PEC 65/2012) na Comissão de Constituição
e Justiça do Senado impede (Plurale, 3/5/16) o cancelamento
ou suspensão de obras por órgãos do meio ambiente – o que
“denota profunda má-fé e uma tentativa de manipular a
Constituição”, segundo o Instituto Brasileiro de Proteção
Ambiental (Proam), apoiado pelo Ministério Público Federal.
E ainda há dois outros projetos em comissões no Senado e na
Câmara dos Deputados “com os mesmos objetivos”.
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Cita ele a própria Ministra do Meio Ambiente, Izabella
Teixeira, para quem a aprovação “é um erro” – e acha que
“há motivação política” por trás da proposta. A Presidente do
IBAMA, Marilene Ramos, pensa que a aprovação “representa,
na prática, o fim do licenciamento ambiental e das medidas de
controle dos empreendimentos, com significativos impactos
ambientais”. E com isso o Brasil vai “em direção oposta ao
que vem ocorrendo em todos os países desenvolvidos”. Márcio
Astrini, do Greenpeace, ressalta que, “se a legislação entrar
em vigor, funcionará como uma fábrica de tragédias”.
Mas os dramas do meio ambiente não cessam aí. Na
Câmara dos Deputados já tramita o Projeto 4.508/16, da
Deputada Tereza Cristina
(PSB-MS), que permite
o uso de Reserva Legal
em propriedades rurais
para “apascentar animais
de criação” (um animal
por hectare, com “controle do capim” pelo órgão
ambiental) – e propõe
que a permissão conste do
Código Florestal. Entre as
justificativas está a de que
esse caminho contribuiria
para evitar queimadas.
Por tudo isso, será importante que a sociedade volte a sua
atenção para a proposta de resolução do Conselho Nacional
do Meio Ambiente (Conama), apresentada pela Associação
Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema),
que pretende substituir resoluções que regulamentem os temas
da avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental
(ISA, 20/2/16). É um documento que pretende aumentar a
transparência nas informações, assim como a participação e o
controle social. Da mesma forma, as peculiaridades regionais
em cada caso. Isso permitiria também estabelecer normas
complementares com Estados e municípios. E ampliar a
participação da sociedade.
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| política ambiental |
A jornalista Tara Ayuk, com informações do WWF-Brasil,
há pouco tempo lembrou na ECO-21 que as áreas úmidas
(20% do território nacional) poderão até desaparecer se não
se conseguir implantar ali a conservação e o desenvolvimento
sustentável – como evidenciou um debate promovido em
Brasília, com destaque para a informação de que elas estão
sendo drenadas ou aterradas “para os mais diversos fins”.
Num encontro em Washington, no mês passado, o Banco
Mundial “reafirmou a importância de os países combaterem o
desmatamento e investirem em florestas, a fim de evitar tragédias. A destruição indiscriminada dessas áreas ameaça a vida
de 1,3 bilhão de pessoas”. Por aqui, relatório do WWF diz que
seis patrimônios naturais
brasileiros estão ameaçados
por atividades como a pesca
predatória, a mineração
e a extração de petróleo
(Eco-finanças, 18/4/16).
Entre eles, Fernando de
Noronha, Atol das Rocas,
Chapada dos Veadeiros,
Costa do Descobrimento,
reservas da Mata Atlântica
no Sudeste, Pantanal e
Parque do Iguaçu.
Diante de tantos dramas, fica-se tentado a achar que deve estar por aí a explicação
para “a maioria dos filhos no Brasil terem nomes de santos”,
segundo o IBGE (28/4/16). “Principalmente Maria e José”.
Deve ser– em parte, pelo menos – para pedir socorro diante
de tantas aflições.
Afinal, bilionários do Vale do Silício, gente que costuma
ser cética, anunciaram um projeto para enviar uma frota de
naves robóticas (Estado, 14/4/16) para Alfa Centauro, a 4,37
anos-luz do nosso Planeta. Pensam em se mudar para lá? E o
Presidente Barack Obama já sancionou Lei que reconhece o
direito à propriedade, por cidadãos e entidade norte-americanas, de recursos naturais obtidos de asteroides.
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| opinião |
Marina Grossi | Economista e Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)
CEBDS
Um diálogo produtivo,
eficiente e necessário
Internamente, o setor empresarial tem a convicção de que
a questão energética se apresenta como fundamental para a
recuperação da competitividade brasileira, bem como para a
retomada do crescimento em bases sustentáveis. Leia-se: com
geração de empregos, inovação tecnológica, melhor uso dos
recursos públicos e dos ativos ambientais. Espera-se que a
ratificação do Acordo do Clima pelo Legislativo e as medidas
para renovar o setor energético sejam ítens de primeira hora
na agenda do Presidente em exercício, Michel Temer.
No novo cenário mundial, a economia de baixo carbono se
impõe para a própria sobrevivência da vida como a conhecemos
e traz na esteira mudanças profundas nas relações de negócios,
nos sistemas produtivos e nos parâmetros de mercado. Em
nível global, empresários mais sensíveis às questões de sustentabilidade estão atentos há tempos a esse novo paradigma.
Até a agressiva indústria chinesa já abandonou as desculpas do
passado para não aderir aos tratados de mitigação e redução
de emissões e trabalha fortemente alternativas que substituam
o carvão barato, mas altamente poluente e emissor de GEE,
que acelerava seu assombroso crescimento.
Marcos Eifler
O Terceiro Inventário Brasileiro de Gases de Efeito Estufa
(GEE), publicado pelo Governo
Federal no início deste mês
(Maio), confirmou o que já
se sabia: o setor de energia é
o segundo principal emissor
brasileiro. Sozinho, respondeu
por um terço do 1,2 bilhão de
toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e), que
Marina Grossi
oficialmente o país emitiu no
ano de 2010.
Os compromissos brasileiros levados à COP-21 da
Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas
realizada em Paris no ano passado, já refletiam a necessidade
de mudanças ambiciosas no setor, como a ampliação para
23% da presença de fontes alternativas renováveis na matriz
elétrica nacional e a conservação de 10% da energia pela
promoção do uso eficiente até 2030.
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No Brasil, em busca de soluções que possam ser colocadas
à mesa de discussão com diferentes esferas do poder público
e com a sociedade civil, o Conselho de Líderes do Conselho
Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável
(CEBDS), com apoio de consultorias especializadas e de
conceituados observadores, deu a partida em uma série de
análises e propostas para a inclusão brasileira nessa nova
ordem mundial.
Os primeiros frutos da iniciativa, que envolve executivos
de alguns dos principais grupos empresariais atuantes no
país, foram dois estudos de fôlego sobre a geração de energia
elétrica, denominados “Financiamento à Energia Renovável:
Entraves, Desafios e Oportunidades” e “Consumo Eficiente de
Energia Elétrica: Uma Agenda para o Brasil”. Ambos apontam
medidas de curto e de longo prazo para que o país saia da
incômoda posição de 15ª economia em eficiência energética
dentre 16 países avaliados, em 2014, pela ONG ACEEE
(Conselho Americano para uma Economia Energeticamente
Eficiente, em tradução livre).
Não nos falta um arcabouço legal de apoio à eficiência
energética, porém, ainda patinamos na sua implementação.
Iniciativas como o Procel continuam ininteligíveis para 85%
da população, que não conseguem compreender as informações contidas no selo que atesta a eficiência de produtos que
povoam nosso dia a dia. Falta difundir até noções simples,
como a de que tirar aparelhos do modo stand by traz uma
considerável economia na conta de luz.
Em um nível mais complexo, a indústria – responsável
por 38% de todo o consumo energético do país – é também o
setor com maiores oportunidades de melhorias nesse cenário.
No entanto, existem muitas barreiras ao acesso às linhas de
crédito para eficiência energética, que envolve medidas que
vão desde a simples substituição de lâmpadas comuns por
LED até a troca de equipamentos, especialmente motores, por
equivalentes melhor dimensionados e energeticamente mais
econômicos. Hoje, o que deveria ter status de investimento
entra na conta das corporações como passivo.
Tal distorção tem preço e alto. Se o Brasil apenas cumprisse a meta de 10% de conservação de energia prevista em
seu compromisso levado a Paris, o saldo seria uma redução
de 17% na tarifa paga pelo consumidor, de 10% na emissão
GEE pelo setor energético, de 24% nos custos operacionais
do Sistema Interligado Nacional (SIN) e de 42% em novos
investimentos para produção de energia. Passando a régua,
são R$ 58 bilhões de economia até 2030, nada desprezível em
um cenário que pede austeridade e acena com crescimento
tímido das economias mundiais.
A poupança resultante dessa conservação poderia, por
exemplo, contribuir para a ampliação da geração por fontes
alternativas renováveis, como eólica, solar e de biomassa.
Embora o segmento tenha crescido a taxas de 25% ao ano na
última década, ele ainda corresponde a meros 11% da energia
gerada no país e continua alvo de incertezas.
Isso porque potenciais investidores veem como fatores de
risco, dentre outros, a dependência de financiamento público
para novos projetos, a instabilidade cambial, o alto custo de
hedge (instrumento para proteger operações financeiras contra
riscos) para financiamentos em moeda estrangeira, a exigência
de uma quantidade crescente de componentes nacionais nas
instalações (sem uma política de incentivo para o estabelecimento local desses fabricantes) e até entraves burocráticos
para interligação aos sistemas de distribuição.
ECO•21
Ma
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2016
| opinião |
As dificuldades de financiamento podem ser superadas
pelo maior uso de fundos temáticos multilaterais (BID, GEF,
IFC etc.) e pela diversificação de instrumentos de captação,
como debêntures de infraestrutura etiquetadas como Green
Bonds, fundos de participação específicos e de investimento
com benefícios fiscais. No lugar do financiamento direto, o
Brasil poderia investir na criação de um fundo público de
hedge cambial, aumentando a segurança das tomadas externas
de capital para os investimentos nesses projetos.
Padronização de contratos para permitir securitização das
dívidas, mudanças regulatórias e fiscais e desenvolvimento
de novos canais de negociação, como leilões específicos e
estaduais, são outras medidas que, transformadas em políticas
públicas, contribuiriam para turbinar a produção nacional
de energia por fontes alternativas.
Na coluna de ganhos, além da diminuição da emissão
de Gases de Efeito Estufa, estão maior segurança energética
(pela menor dependência de um regime hidrológico cada vez
mais instável), avanço tecnológico e até mais empregos – cada
MW de energia solar fotovoltaica instalada gera entre 25 e
30 empregos, enquanto uma hidrelétrica como Belo Monte
criou menos de dois empregos por MW. Segundo a IRENA
as renováveis empregam 918 mil pessoas no Brasil.
Mapear essas oportunidades foi um passo objetivo do
Conselho de Líderes do CEBDS no sentido de abrir um
diálogo necessário com o poder público e com a sociedade.
Apenas com uma percepção precisa dos ganhos e benefícios da
eficiência energética e do favorecimento às fontes alternativas
renováveis, caminharemos no sentido de um pacto social que
leve a mudanças indispensáveis na matriz elétrica nacional.
O Conselho de Líderes está a postos para essa interlocução
com todos os interessados.
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| cidades sustentáveis |
Joel Jaeger | Jornalista do New Climate Economy (Com informações de Rita Silva Aviv Comunicacao)
Tomaz Silva - ABr
Coalizão mostra que cidades
melhores são viáveis
A New Climate Economy, juntamente com o C40 (Grupo
de Liderança Climática de Cidades e o Ross Centre para
Cidades Sustentáveis do WRI), acaba de lançar a Coligação para Transições Urbanas, a primeira grande iniciativa
internacional para defender as razões econômicas para um
melhor desenvolvimento urbano em nível mundial. O anúncio
foi feito pela Prefeita de Paris, Anne Hidalgo, durante um
briefing organizado pelo C40 e pelo Compacto dos Prefeitos
em Washington DC.
“As cidades são um elemento-chave para alcançarmos
tanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como
os compromissos nacionais de clima do Acordo de Paris”,
explicou Kgosientso Ramokgopa, Prefeito de Tshwane, na
África do Sul. “Esta aliança irá construir, para os decisores
políticos, uma base de evidências sobre as soluções que podem
desbloquear o poder das cidades para apoiar o desenvolvimento
e um clima melhor.”
Muitas das barreiras à ação no nível municipal estão nas
mãos de líderes nacionais e dos Ministros das Finanças, Energia,
Transporte e Economia, que frequentemente detêm alavancas
fundamentais que moldam o desenvolvimento urbano. A
Coalizão apoiará a tomada de decisões sobre urbanização
em nível nacional em países de todo o mundo, relacionando
as estratégias locais com o planejamento econômico mais
amplo. Através de pesquisas econômicas e do engajamento
dentro dos países, a Coligação vai ajudar os governos a colocar
investimentos efetivos em infraestruturas urbanas no centro
de suas estratégias de crescimento.
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“Os Prefeitos conhecem os benefícios econômicos e também outros, mais amplos, das cidades sustentáveis. Esta é a
razão pela qual muitos estão fazendo tudo que podem para
aproveitar as oportunidades oferecidas pelo crescimento de
baixo carbono”, explicou Eduardo Paes, Presidente do C40
e Prefeito do Rio. “No entanto, a escala do desafio da urbanização é tão grande que não podemos fazer tudo sozinhos.
Precisamos dos decisores políticos nacionais e de planejamento
econômico para complementar os esforços no nível municipal.
É nesses pontos que a Coligação para Transições Urbanas irá
desempenhar um papel importante”.
Gerenciar melhor o desenvolvimento urbano pode gerar
grandes dividendos. Uma pesquisa recente revelou que o
investimento em cidades compactas, conectadas e eficientes
poderia reduzir as emissões de GEE e levar a uma economia
global de energia no valor de US$ 17 trilhões até 2050.
“A escala e o ritmo da revolução urbana global que está
acontecendo agora não podem ser subestimados e as oportunidades – se bem geridas – poderão ser enormes. Só o
investimento em transportes sustentáveis oferece não apenas
vantagens sociais e ambientais, mas também pode proporcionar
uma economia de até US$ 300 bilhões por ano”, detalhou
Aniruddha Dasgupta, Diretor Global do Ross Centre para
Cidades Sustentáveis do WRI que é também gerente da Coalizão. “Colocar esse tipo de informação – sobre os benefícios
econômicos da construção de melhores cidades – nas mãos dos
tomadores de decisão ajudará a colocar cada país no caminho
da colheita dos benefícios dos dividendos urbanos”.
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2016
ECO•21
André Tambucci
| cidades sustentáveis |
Ao longo dos próximos três anos, a Coligação irá trabalhar
em uma série de países em rápida urbanização, como a China
e Índia, onde a escala do desafio é imensa:
• Danos à saúde causados pela má qualidade do ar, associados principalmente à queima de combustíveis fósseis, são
avaliados em mais de 10% do PIB chinês. Cidades compactas
e conectadas podem ajudar a enfrentar o desafio urbano da
China – um bilhão de pessoas deverão viver em cidades chinesas
na década de 2020. Se fortemente interligadas por sistemas
de transporte de massa, tais cidades serão mais habitáveis,
atraentes, competitivas e energeticamente eficientes.
• A população urbana da Índia ultrapassará os 600 milhões
nos próximos 15 anos. Suas cidades serão responsáveis por
75% do PIB nacional e 70% de todos os novos postos de
trabalho. No entanto, metade das cidades mais poluídas do
mundo está na Índia, incluindo as quatro primeiras posições
desse ranking: Delhi, Patna, Gwalior e Raipur. A poluição
externa por materiais particulados causou cerca de 630.000
mortes prematuras na Índia em 2010 e custa o equivalente a
5,5-7,5% do PIB por ano. Ao investir em cidades inteligentes,
a Índia poderia reduzir o congestionamento e a severa poluição
do ar ao mesmo tempo em que eleva a produtividade.
New Climate Economy
A New Climate Economy é o principal projeto da Comissão Global sobre Economia e Clima. Ela foi estabelecida por
7 países como uma iniciativa independente para examinar
como os países podem alcançar o crescimento econômico ao
lidar com os riscos apresentados pelas mudanças climáticas.
Presidida pelo ex-Presidente do México, Felipe Calderón, e
co-presidida pelo economista Nicholas Stern, a Comissão
inclui ex Chefes de Governo e Ministros de Finanças, líderes
empresariais, investidores, prefeitos e economistas. Pesquisas
para a Comissão foram executadas por meio de uma parceria
de 8 principais institutos econômicos e políticos mundiais.
C40
O C40 - Grupo de Liderança Climática de Cidades, agora
em seu 10º ano, conecta mais de 80 das maiores cidades do
mundo, representando mais de 600 milhões de pessoas e 25%
da economia global. Criado e liderado por cidades, o C40 é
focado no combate às mudanças climáticas e na condução de
ações urbanas que reduzam as emissões de GEE e os riscos
climáticos, ao mesmo tempo em que aumenta a saúde, o bemestar e as oportunidades econômicas dos cidadãos urbanos. O
atual Presidente do C40 é o Prefeito do Rio, Eduardo Paes;
Michael R. Bloomberg, Prefeito de Nova York por 3 vezes,
ocupou a Presidência do Conselho. O C40 possui 3 financiadores estratégicos: Bloomberg Philanthropies, Fundação
Fundo de Investimento Infantil (CIFF), e Realdania.
Ross Centre para Cidades Sustentáveis
O Ross Centre para Cidades Sustentáveisdo WRI trabalha
para tornar a sustentabilidade urbana uma realidade por meio
de pesquisas globais e experiência prática no Brasil, China,
Índia, México, Turquia e Estados Unidos. O Ross Center
tem uma equipe dedicada de mais de 200 especialistas que
trabalham em mais de 50 cidades em todo o mundo para
apoiar umamudança urbana sustentável.
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| legislação ambiental |
Diuliane Silva | Jornalista do Imaflora
A Lei de Gestão de Florestas
Públicas dez anos depois
O encontro reuniu cem pessoas, diretamente ligadas ao
tema, elas resgataram o histórico da Lei de Gestão de Florestas
Públicas, por meio de depoimentos dos que trabalharam por
isso na época e, num segundo momento, se dividiram em
grupos para mapear pontos que ainda não respondem como
o desejado, seja por necessidades que mudaram ao longo
dos anos, ou pela dificuldade de passar à prática algumas
das exigências.
O engenheiro florestal Tasso Azevedo, vice-Presidente do
Conselho Diretor do Imaflora e primeiro Diretor do Serviço
Florestal Brasileiro, órgão vinculado ao Ministério do Meio
Ambiente e âmbito original desse processo, relembra as dificuldades das gestões diretas, experimentadas antes da Lei, e,
ao mesmo tempo, a importância de se ter um mecanismo que
garantra que o patrimônio florestal continuasse pertencendo
ao Estado: “era preciso que a floresta continuasse floresta e
que continuasse pública”, resume.
ICMBio
Resultado do Grupo de Trabalho, que atuava junto
ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 2003 para
estudar a regulação das florestas públicas, o Projeto de Lei,
aprovado três anos depois, num cenário de intensificação
dos conflitos fundiários na Amazônia, permite o Manejo
Sustentável mediante o pagamento para o Governo, por parte
das concessionárias, e do compromisso com um conjunto de
ações que contribuam para o desenvolvimento socioeconômico
local e para a conservação ambiental.
Para refletir sobre os resultados desse primeiro decênio,
o Serviço Florestal Brasileiro (IMAFLORA), o Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, e os órgãos
gestores estaduais, Instituto de Desenvolvimento Florestal e
da Biodiversidade do Estado do Pará, o Instituto Estadual
de Florestas do Pará, a mais a Secretaria do Meio Ambiente
do Acre organizaram o evento “10 anos da Lei de Gestão de
Florestas Públicas”, em Belém.
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2016
ECO•21
Monitoramento e gestão
Se for possível estabelecer pontos
de consenso desse encontro, entre eles
está a construção de uma estrutura
de monitoramento e de gestão para
as florestas públicas. Além disso, há
o ambiente de estabilidade para que
os investimentos aconteçam já que a
Lei resolve um dos maiores focos de
conflito por posse de terra na região
amazônica, que é a documentação
mediante a qual se comprova a
regularidade da área.
Justiniano Netto, Secretário do
Programa Municípios Verdes do
Pará e que também acompanhou de
perto esse processo, acredita que o
desafio, do estágio atual, é incentivar
a competitividade no setor, por meio
de tecnologias e novas ferramentas, uma vez que as exigências do
modelo de gestão preveem custos
altos, obrigações e, na opinião do
Secretário, um excesso de controle
das concessões. O reforço do diálogo
com todas as partes envolvidas sejam
empresas, comunidades do entorno
ou órgãos públicos também foram
mencionados.
ECO•21
Ma
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2016
| legislação ambiental |
“De fato, as expectativas eram
maiores”, diz Leonardo Sobral,
Gerente de certificação florestal do
IMAFLORA, mas temos 1 milhão
e 400 mil hectares de áreas sob
concessão, que, por si só, são uma
conquista. “As florestas estão protegidas, recursos estão sendo gerados;
essas concessões estão contribuindo
para que aumente a quantidade de
madeira legal no mercado, benefícios
diretos e indiretos, como empregos,
estão acontecendo”, diz.
Leonardo conta que esse encontro
foi o ponto de partida para a confecção de um conjunto de publicações
que registrará a memória da criação
do Marco Legal, depoimentos de
diversos atores, os quais representam
todos os segmentos do setor florestal,
como comunitários, madeireiros,
governos, além da identificação dos
impactos positivos para a conservação e dos entraves que poderiam ser
revistos à luz do aprendizado desse
tempo.
“A velocidade com que você trilha
o caminho não é a mesma que você
usa para percorrê-lo uma segunda
vez”, finaliza ele.
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| análise |
Cezar de Cerqueira Leite | Físico e professor emérito da Unicamp
A história recente da ciência
no Brasil é desalentadora, para
dizer o menos. E o pior é que as
perspectivas para o futuro não
são, sob qualquer aspecto, mais
animadoras. A trôpega e tardia
história das instituições responsáveis pelo fomento à pesquisa no
Brasil revela o pouco ou nada do
valor atribuído à pesquisa pelas
sucessivas administrações fedeCezar de Cerqueira Leite
rais e estaduais, como também
pela população.
O Brasil foi um dos últimos países da América Latina a
instalar suas universidades, o que ocorreu apenas na década de
30, com a criação da USP. Enquanto um século antes inúmeros
países do mesmo continente, como também da América do
Norte, já haviam instalado várias universidades.
Os tropeços do Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI), a começar pelo seu acidental início, são
testemunhos do descaso com que a União trata a pesquisa científica. Foi este depoente que coordenou o capítulo de Ciência e
Tecnologia do plano de governo de Tancredo Neves. E lá não
havia previsão para a criação de um ministério para o setor.
Ao assumir o poder, o vice de Tancredo, José Sarney, criou o
Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Aparentemente,
o fez para acomodar seu conterrâneo e antagonista político
Renato Archer. Apesar da origem espúria do ministério,
Archer foi um excelente administrador.
Em seguida veio um político bisonho, Luiz Henrique.
Depois ocorreu uma infeliz sucessão de políticos, 4 ao todo.
Nenhum merece ser lembrado. Culminou com um fisiológico
Roberto Cardoso Alves, que propôs a extinção do MCT,
substituído por uma secretaria do Ministério da Indústria e
Comércio Exterior – dirigida por um esquecível engenheiro,
Décio Leal. Aí veio Collor, com o que a ciência voltou às
mãos de intelectuais: José Goldemberg, Edson Machado
e Hélio Jaguaribe. Mas o status continuava o mesmo, o de
Secretaria, ligada à Presidência. Com a queda de Collor e
posterior eleição de Fernando Henrique Cardoso, a esperança
de reconhecimento da pesquisa se avoluma, principalmente
com o restabelecimento do MCT e da escolha de José Israel
Vargas, intelectual respeitado, para dirigi-lo. Regozijou-se a
comunidade acadêmica com o aumento do percentual do
PIB atribuído ao setor de Ciência e Tecnologia.
Mas logo percebeu-se que era uma farsa, pois esse aumento
era devido a uma engenhosa concessão às montadoras de veículos, supostamente como pagamento de tecnologia comprada
pelas filiais brasileiras. Uma burla que, uma vez denunciada,
provocou a queda de Israel Vargas.
20
University of the Pacific
Arquivo
A ciência brasileira
aos trancos e barrancos
Seguiram Luiz Carlos Bresser-Pereira e Ronaldo Sardenberg. Todavia, a atuação do MCTI continuou marginal devido
ao orçamento diminuto e pouco prestígio no interior do próprio
Governo Federal. O Governo do suposto intelectual Fernando
Henrique foi talvez o menos bem-sucedido tanto no que diz
respeito ao ensino superior quanto à Ciência e Tecnologia,
sem uma única iniciativa relevante em ambos.
Durante a administração PT, após um início conturbado
com um político na direção do MCT, acontece o período de
atuações melhor reconhecidas, iniciando-se com Eduardo
Campos, seguido dos acadêmicos Sergio Rezende, Aloysio
Mercadante, Marco Antônio Raupp e Clelio Campolina Diniz,
com significativo aumento de recursos financeiros.
Voltou recentemente (2015) o MCTI às mãos de políticos,
e agora recentemente temeu-se que dele se apossará uma seita
pentecostal. Creio, entretanto, que essa ameaça não foi mais
que um ardiloso artifício, o bode fedido para ser retirado
oportunamente.
Depois disso, qualquer um é aceito. Em resumo, Ciência
e Tecnologia ainda não é aceito como um valor de sobrevivência pela comunidade política e população brasileiras.
Nossos cientistas e técnicos têm que descer de suas torres de
marfim e fazer um grande esforço para convencer não mais
apenas empresários, mas também políticos profissionais e
administradores, assim como a população em geral, de que
pesquisa é essencial para o bem-estar social.
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2016
ECO•21
| energias renováveis |
Timothy Hurst | Jornalista da IRENA (Com informações de Rita Silva da Aviv Comunicação)
As renováveis empregam 8,1
milhões de pessoas no mundo
Mais de 8,1 milhões de pessoas no mundo estão agora
empregadas pela indústria de energias renováveis - um aumento
de 5% desde o ano passado - de acordo com um Relatório
divulgado pela Agência Internacional de Energias Renováveis
(IRENA) durante sua 11ª Reunião do Conselho (25/5/2016). O
Relatório Energia Renovável
e Empregos - Revisão Anual
2016 (Renewable Energy
and Jobs – Annual Review
2016) também fornece uma
estimativa global do número
de postos de trabalho relacionados com grandes hidrelétricas que, em uma estimativa
conservadora, representam
um adicional de 1,3 milhão
de empregos diretos em todo
o mundo.
Os países com o maior
número de empregos em
energias renováveis em 2015 são China, Brasil, Estados Unidos, Índia, Japão e Alemanha. Dentro do setor de energias
renováveis, o segmento de energia solar fotovoltaica (PV)
continua a ser o maior empregador em todo o mundo, com
2,8 milhões de postos de trabalho (acima de 2,5 milhões na
última contagem) com empregos na fabricação, instalação
e operações e manutenção. Biocombustíveis líquidos são o
segundo maior empregador mundial com 1,7 milhões de
empregos, seguido por energia eólica, que cresceu 5% e chegou
a 1,1 milhões de postos de trabalho em todo o mundo.
“O crescimento contínuo do emprego no setor das energias renováveis é significativo porque está em contraste com
a tendência do mercado de energia como um todo”, explica
Adnan Z. Amin, Diretor-Geral da IRENA.
“Este aumento é impulsionado pela queda dos custos de
tecnologia das energias renováveis e por políticas públicas mais
favoráveis. Nossa expectativa é que esta tendência continue
à medida que as renováveis cada vez mais se provem economicamente viáveis e os países se movimentem para alcançar
seus objetivos climáticos
estabelecidos em Paris”.
O número total de postos de trabalho em energias
renováveis em todo o mundo
aumentou em 2015, enquanto
os empregos no setor energético em geral caíram, de
acordo com o Relatório. Nos
Estados Unidos, por exemplo,
os empregos em energias
renováveis aumentaram 6%
, enquanto o emprego em
petróleo e gás diminuiu 18%.
Na China, a energia renovável
emprega 3,5 milhões de pessoas, enquanto o setor de petróleo
e gás emprega 2,6 milhões de pessoas.
Como nos anos anteriores, políticas públicas favoráveis
continuam a ser um motor essencial do emprego. Leilões
nacionais e estaduais na Índia e no Brasil, créditos fiscais nos
Estados Unidos e políticas favoráveis na Ásia têm contribuído
para o aumento do emprego nesse setor.
“À medida que a transição energética se acelera, o crescimento dos empregos em energias renováveis continuará forte”,
disse Amin. “A pesquisa de IRENA estima que duplicar a
quota das energias renováveis no mix energético global até
2030 - o suficiente para atender às metas climáticas e de
desenvolvimento global - resultaria em mais de 24 milhões
de empregos em todo o mundo”.
Empregos em energias renováveis por países e regiões
Empregos em energias renováveis por tecnologia
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2016
ECO•21
| energias renováveis |
Inau Milagro
Algumas conclusões do relatório:
• Com 821 mil empregos, o Brasil continua a ser o líder
em empregos em biocombustíveis líquidos.
• A China responde por quase metade dos empregos em
energia eólica no mundo, seguida pela Alemanha, Estados
Unidos, Brasil e Índia. No Brasil, eram 41 mil empregos nesse
setor em 2015, um crescimento de 14% em relação ao ano
anterior – em um período no qual o desemprego recrudesceu
em toda a economia.
• A China lidera também em aquecimento solar, seguida
por Índia, Brasil, Turquia e os Estados Unidos.
• Metade dos empregos nas pequenas hidrelétricas são na
China, que é seguida pela Índia, Alemanha e Brasil.
• A energia solar fotovoltaica é a maior empregadora
dentro do segmento de energias renováveis, com 2,8 milhões
de empregos em todo o mundo, um aumento de 11% desde
a última contagem. Os empregos cresceram no Japão e nos
Estados Unidos, se estabilizaram na China, e diminuíram
na União Europeia.
• Fortes taxas de instalação de energia eólica na China,
Estados Unidos e Alemanha levaram a um aumento de 5%
no número de postos de trabalho em todo o mundo, que
chegou a 1,1 milhão. Só nos Estados Unidos os empregos
em eólica aumentaram 21%.
• Empregos em biocombustíveis líquidos, aquecimento
solar e grandes e pequenas hidrelétricas diminuíram devido a
vários fatores, incluindo o aumento da mecanização, mercados
imobiliários mais lentos, a eliminação de subsídios e a queda
no número de novas instalações.
• Respondendo por mais de um terço da capacidade global
de energia renovável adicionada em 2015, a China liderou o
emprego com 3,5 milhões de postos de trabalho.
• Na União Europeia, o Reino Unido, Alemanha e Dinamarca foram os líderes globais em emprego de energia eólica
offshore. No geral, os dados de emprego na UE diminuíram
pelo quarto ano devido ao fraco crescimento econômico. Os
empregos nesse setor caíram 3% para 1,17 milhão em 2014,
o último ano para o qual há dados disponíveis.
ECO•21
Ma
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2016
A Alemanha continua a ser o maior empregador em energias
renováveis na União Europeia – empregando quase tantos
trabalhadores como França, Reino Unido e Itália, juntos.
• Nos Estados Unidos, os empregos em energias renováveis
aumentaram 6%, impulsionados pelo crescimento em energia
eólica e solar. Empregos em solar cresceram 22% – 12 vezes
mais rápido do que a criação de empregos na economia dos
Estados Unidos como um todo – superando os empregos
em petróleo e gás. A geração de empregos na indústria eólica
também cresceu 21%.
• O Japão teve ganhos impressionantes na energia solar
fotovoltaica nos últimos anos, resultando em um aumento
de 28% nos empregos em 2014.
• Na Índia, os mercados de solar e eólica têm tido uma
movimentação substancial, como as ambiciosas metas de
energias renováveis sendo traduzidas em políticas públicas
concretas.
• A África também tem visto muitos desenvolvimentos
interessantes que levam à criação de empregos, incluindo o
desenvolvimento de energia solar e eólica no Egito, Marrocos,
Quênia e África do Sul.
• As primeiras pesquisas de IRENA indicam que o setor
de energia renovável empregam mais mulheres do que o setor
de energia como um todo.
A Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA)
A IRENA tem mandato para ser o centro global para
a cooperação energética renovável e troca de informações
por 147 deputados (146 Países e a União Europeia). Há 29
outros países que estão em processo de adesão e ativamente
engajados.
A IRENA promove a adoção generalizada e a utilização
sustentável de todas as formas de energia renovável, na busca
do desenvolvimento sustentável, o acesso à energia, a segurança
energética e o crescimento econômico de baixo carbono e
prosperidade. www.irena.org
Para baixar o relatório Energia Renovável e Empregos Revisão Anual 2016: http://bit.ly/1TrVO5o
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| energias renováveis |
Luis Otávio Colaferro | Diretor da Blue Sol-Energia Solar. Formado pela Grand Valley State University - EUA
Blue Sol
Veto ao solar? Depende do
ponto de vista!
Brasilenertech
Você deve ter acompanhado
notícias recentes de que a Presidente Dilma Rousseff vetou
diversos pontos do Plano Plurianual (PPA) para o período de
2016-2019. No Programa 2033,
com foco nos objetivos, metas e
iniciativas para o setor de energia
elétrica, todos os vetos dizem
respeito às energias renováveis
não hidráulicas e às energias
Luis Otávio Colaferro
alternativas. Os trechos no PPA
que tratam de hidrelétricas e
termelétricas (nenhum deles vetado pela Presidente) superam em muito aqueles que se referem a energias alternativas
e renováveis.
O Objetivo 1169 do Programa diz: “Promover o uso de
sistemas e tecnologias visando a inserção de geração de energias renováveis na matriz elétrica brasileira”. Ele foi vetado
junto com suas respectivas metas e iniciativas, que incluem
a adição de 13.100 megawatts de capacidade instalada de
geração de energia a partir de fontes renováveis; o incentivo
ao uso de fontes renováveis por meio da geração distribuída;
o uso de fonte solar fotovoltaica; e a implantação de projetos de desenvolvimento de fontes renováveis. A Presidente
também vetou iniciativas como “Implantação de Usinas de
Fonte Solar em Instalações Públicas” e “Incentivo à Geração
de Energias Renováveis”.
24
O fato é que essa decisão é totalmente contrária aos compromissos assumidos pelo país no Acordo de Paris e também
não condiz com os últimos leilões de energia, que já estão
priorizando energias renováveis no Brasil. Os profissionais e
as empresas do setor, bem como as entidades e associações
têm feito um belo esforço para endereçar e discutir as dúvidas
e preocupações sobre energia solar.
Já existe, hoje, um número significativo de pessoas no
país buscando informações para tomar a decisão de produzir
a própria energia e, inclusive, trabalhar nesse setor. Entre
aqueles que simpatizam com o tema ou que desejam um
melhor desenvolvimento do país nas questões sustentáveis,
vemos uma grande preocupação com a questão política e os
poucos incentivos para energia solar no Brasil de uma forma
geral, assim como sobre as influências do Governo Federal
e dos governos estaduais e municipais, consequências das
ações do legislativo e até mesmo do judiciário na geração de
energia limpa.
A grande verdade é que o setor de energia solar fotovoltaica é embasado por duas amplas partes de decisão política:
uma frente relacionada ao planejamento versus uma frente
técnica para geração, distribuição e transmissão de energia
solar fotovoltaica. Pensar no tema com essa “divisão” facilita
o entendimento das decisões e da evolução do setor, consequentemente, também fica mais fácil discutir e entender o
veto da presidente.
Apesar do veto deixar em aberto o futuro da energia solar,
há uma série de outras questões políticas relacionadas à adesão
técnica que viabilizam esse mercado. As recentes decisões da
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), por exemplo,
melhoraram a regulamentação que oferecem todo o embasamento para instalação e implantação dos sistemas solares em
residências, empresas, etc. Trata-se da Resolução Normativa
482/2012. Assim, temos uma ampla evidência de que há
uma grande vontade de levar o potencial desse mercado para
milhões de consumidores que vão gerar sua própria energia,
aumentando as estimativas de uso até 2024.
Quando separamos as frentes dessa maneira, vemos as
contradições que realmente existem na parte de política
pública governamental, mas também enxergamos que existe
um grande avanço para a energia solar fotovoltaica na frente
técnica. Assim, o veto acaba minimizado. Ele não vai impactar o crescimento do setor e da tecnologia no curto prazo. É
importante avaliar a amplitude das decisões que estão sendo
tomadas não apenas em nível federal, mas também estadual e
no caso das entidades públicas, que também são muito valiosas.
A verdade é que há a esperança de que as fontes alternativas
de energia cresçam no Brasil. Elas estão sendo trabalhadas e
têm um futuro importante pela frente.
M
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2016
ECO•21
| reciclagem |
Mário Cesar de Mauro | Jornalista da Abrelpe
A reciclagem sofre com a
falta de incentivos no Brasil
De acordo com os dados mais recentes da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais
(ABRELPE), apenas 3% dos resíduos sólidos urbanos no Brasil
são efetivamente reciclados, de um total de 76,8 milhões de
toneladas geradas anualmente. Os números demonstram
que o País ainda não avançou no modelo de aproveitamento
dos resíduos gerados, apesar da PNRS (Política Nacional de
Resíduos Sólidos) já estar em vigor desde 2010 e estabelecer
a reciclagem como uma das prioridades.
Os baixos índices de reciclagem, os gargalos e a necessidade iminente de avanços foram apresentados pelo Deputado
Federal Carlos Gomes, Presidente da Frente Parlamentar
pela Reciclagem, no Grande Expediente da Câmara Federal,
no último dia 18 deste mês (Maio), quando foi exposto o
“Panorama do Setor de Reciclagem no Brasil”, e que contou
com a presença de Carlos Silva Filho, Diretor-Presidente da
ABRELPE.
Durante o encontro, que fez
alusão ao Dia Internacional da
Reciclagem, comemorado na
véspera (17/5), foram apresentados dados e propostas para o
desenvolvimento da atividade.
A ABRELPE, como entidade
representativa do setor, manifestou
apoio às propostas apresentadas
pelo Deputado, como medidas
viáveis a trazer avanços efetivos
para o setor e estimular um maior
aproveitamento e recuperação dos
materiais. Dentre as medidas que
contam com o apoio da entidade,
destacam-se:
• Desoneração fiscal da cadeia
produtiva da reciclagem para
elevar a produção e baratear o
preço dos artigos feitos a partir
de material reciclado.
• Desenvolvimento de campanhas permanentes, em
nível nacional, para a conscientização da população sobre
o tema.
• Criação de polos regionais e Descentralização das indústrias recicladoras, para viabilizar a melhor comercialização
dos materiais.
• Criação de linhas de crédito especiais junto ao BNDES
para indústrias e demais organizações para a reciclagem.
• Redução da taxa de importação para equipamentos
utilizados no processo de recuperação e transformação dos
materiais em novos produtos.
ECO•21
Ma
i o
2016
• Criação de Lei de Incentivo à Reciclagem, que conceba
um mecanismo semelhante às Leis de incentivo à cultura e
ao esporte, e que permita o incentivo fiscal para empresas
interessadas em investir na estruturação de cooperativas e
em projetos de gestão de resíduos sólidos.
Na visão da entidade, essas ações, além de realmente
incentivar o aprimoramento da reciclagem, podem contribuir
efetivamente para elevar os índices nacionais de aproveitamento de recursos e para reduzir os impactos da destinação
inadequada de resíduos.
“É muito importante acompanharmos, estimularmos e
colaborarmos com as discussões no parlamento nacional,
que evidenciem a real situação e ainda proponham soluções
para o desenvolvimento do setor a partir da colaboração das
entidades representativas”, afirma o Diretor-Presidente da
ABRELPE.
O Brasil está bastante atrasado no atendimento às determinações da PNRS, não só pelos baixos índices de reciclagem,
mas em função de 3.000 municípios ainda usarem lixões,
da pouca abrangência na coleta seletiva e da carência de
planejamento, dentre outros fatores. “Um grande volume de
materiais com grande potencial de reciclagem ainda vai parar
em locais inadequados, trazendo danos ao meio ambiente e
à saúde pública, que tem gasto grandes fortunas para tratar
dos problemas de saúde causados pelos lixões. Esse é um
motivo mais do que suficiente para darmos nosso total apoio
às medidas que estimulem a reciclagem”, pontua o DiretorPresidente da ABRELPE.
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| biomas |
Marta Moraes | Jornalista do MMA
Ações valorizam a Caatinga
O Dia 28 de Abril, é o
Dia Nacional da Caatinga.
Instituído por meio de Decreto
Federal de 2003, a data é um
convite para a reflexão sobre a
situação do Bioma que ocupa
11% do território nacional, o
que representa uma área de
cerca de 844.453 quilômetros
quadrados. Segundo Francisco
Campello, Diretor de Desenvolvimento Rural e Combate
à Desertificação do Ministério
do Meio Ambiente, a Caatinga
precisa deixar de ser tratada
como um bioma secundário e ter seu valor reconhecido. “Rica
em flora e fauna, não pode ser vista apenas como sinônimo de
pobreza e local de enfrentamento da seca”, destacou.
A Caatinga (que em tupi significa mata branca) é o único
Bioma exclusivamente brasileiro, o que significa que grande
parte do seu patrimônio biológico não pode ser encontrada
em nenhum outro lugar. Engloba os Estados de Alagoas,
Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande
do Norte, Piauí, Sergipe e o norte de Minas Gerais. Cerca de
30 milhões de pessoas vivem na região, a maioria carente e
dependente dos recursos do Bioma para sobreviver.
Desertificação
O Bioma, que apresenta belezas sutis e histórias de resistência tem pouco o que comemorar, pois atualmente possui
só a metade de sua cobertura vegetal original. O índice é
considerado alto por especialistas e técnicos do MMA, já que a
região figura como a mais vulnerável aos efeitos das mudanças
climáticas, com forte tendência à desertificação.
Para conservar a Caatinga, conscientizar a população
que vive nas áreas sucessíveis à desertificação e diminuir o
desmatamento, o MMA vem desenvolvendo uma série de
ações, buscando promover alternativas para o uso sustentável
da biodiversidade do Bioma. “Existe um potencial ambiental
muito grande na Caatinga”, declarou Campello, se referindo
ao uso adequado do Bioma. Segundo ele, as ações do Ministério para a Caatinga buscam apresentar alternativas para
uma boa gestão ambiental, que promova segurança hídrica
e mais qualidade de vida para as populações e melhore os
ambientes para a produção de alimentos.
Ações do MMA para a Caatinga
Entre as ações do MMA está o manejo florestal comunitário em 15 mil hectares de assentamentos, no Araripe e Baixo
Jaguaribe no Ceará, entre produtores de gesso e cerâmica.
Outra iniciativa estratégica do MMA vem acontecendo junto
às empresas em relação à questão energética.
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A ação articulada entre a
oferta e o consumo da matriz
energética, a lenha, rende um
efeito melhor. Outras duas
ações importantes apoiadas
pelo Ministério são o manejo
florestal de uso múltiplo, que
busca a segurança alimentar
dos rebanhos da região, e os
fogões ecoeficientes, que oferecem segurança energética a
8 mil famílias.
A agricultora Maria Silvanete Benedito de Souza, de
Serra dos Paus Dóias, em Exu
(PE), 40 anos, casada, quatro filhos, é umas das beneficiárias
da iniciativa. “É mais interessante perceber a importância que
a Caatinga tem em pé. Ela dá muito mais retorno assim”,
afirmou.
Alternativas
O Ministério também é parceiro na iniciativa, que visa
difundir vantagens de bovinos “Curraleiros Pé-Duro”, em
extinção, para garantir preservação da espécie e do meio
ambiente na Caatinga. A mais recente iniciativa do MMA
relacionada ao bioma é o projeto “Manejo do Uso Sustentável
da Terra no Semiárido do Nordeste Brasileiro (Sergipe)” promete dar bons resultados. O objetivo é fortalecer a estrutura
de governança ambiental do manejo de terras, para combater
os principais fatores da degradação de terras em Sergipe e no
Nordeste do Brasil, criando articulações com os programas e
políticas públicas relacionadas ao combate à desertificação.
Por meio do projeto, que se encontra em implementação e é
fruto de cooperação técnica firmada entre o MMA e o PNUD,
com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF),
serão replicadas boas práticas de manejo sustentável da terra
em outros estados.
Capacitações
Apostando na conscientização, o MMA promove, ainda,
capacitações em manejo e conservação do solo e da água. Além
disso, vem realizando um trabalho estratégico de difusão de
boas práticas de convivência sustentável com a semiaridez.
Para Campello, para evitar a desertificação, é necessário a
implantação de tecnologias sociais que possibilitem a conservação de solo nas atividades agropecuárias; o uso correto dos
recursos florestais; maior eficiência nos sistemas produtivos
que promovam a segurança hídrica, alimentar, energética
e que conservem as paisagens. “No caso brasileiro, as secas
são fenômenos recorrentes, específicos da região semiárida,
fazendo-se necessário um conjunto de ações permanentes
para seu enfrentamento”, concluiu.
M
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2016
ECO•21
| biomas |
Aldem Bourscheit | Jornalista
CI lança perfil do Cerrado
Com a desnecessária quietude de certos movimentos
de caráter acadêmico, foi
concluído e apresentado há
poucos dias o chamado “Perfil
Ecossistêmico do Cerrado”.
Construído por entidades
como ISPN, Matres Ambiental
e CI, trata-se de um dos mais
completos levantamentos sobre
características e valores biológicos e ecossistêmicos, de conservação e de socioeconômia,
além de cenário político, tudo
para o Cerrado. Na prática, é
uma tentativa multi setorial que deverá ser desdobrada em
ações técnicas, políticas e de Comunicação na tentativa de se
minimizarem os efeitos negativos de planos oficiais (políticas
públicas) para o domínio como um todo e especialmente para
a região do Matopiba. Davi contra Golias? Mas, acima de
tudo, o material é uma grande fonte de informações sobre
o que resta da “savana brasileira”. Sobre água, por exemplo,
um dos resumos disponíveis traz:
“A água do Cerrado é essencial para a sobrevivência da
sua biodiversidade e para o bem-estar humano e a economia
em grande parte da América do Sul. A água que corre do
Cerrado para o sul é essencial para a ecologia do Pantanal,
a maior planície alagada do mundo. Outros ecossistemas ao
longo dos rios São Francisco, Parnaíba, Paranaíba, Paraguai
e Paraná dependem da água que desce do planalto central.
Além disso, todos os afluentes meridionais do Amazonas,
com exceção do Juruá e Purus, nascem no Cerrado, assim
como vários rios do Maranhão e Piauí. Além disso, o Aquífero
Guarani é essencial para o abastecimento de água em grande
parte do Sudeste e Sul. Além de fornecer água superficial e
subterrânea, o Cerrado também fornece água para o Sudeste
e Sul do Brasil e países vizinhos por meio de fluxos atmosféricos de vapor de água do Atlântico, passando pela Amazônia,
em ciclos sucessivos de precipitação e evapotranspiração. As
grandes áreas metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro e
Belo Horizonte, com cerca de 40 milhões de pessoas) e a
maior parte da indústria brasileira dependem das chuvas
provenientes do Cerrado, que seriam reduzidas pela perda de
vegetação nativa. Já houve uma crise hídrica em São Paulo.
A agricultura e o transporte fluvial também foram afetados.
Os serviços hidrológicos do Cerrado também são vitais para a
geração de energia hidrelétrica no Brasil. Mais de 200 milhões
de pessoas dependem, pelo menos em parte, da energia gerada
por usinas hidrelétricas instaladas ao longo dos rios que
escoam água do planalto central. A disponibilidade de água
na estação seca é vital, especialmente para usinas hidrelétricas sem grandes reservatórios, que dependem da tecnologia
fio d’água adotada para reduzir os impactos ambientais de
grandes reservatórios”.
ECO•21
Ma
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2016
Informações do Perfil
De acordo com a definição
original, o Hotspot1 Cerrado,
localizado no centro da América do Sul, estende-se por uma
área total de 2.024.838 km2,
estando 99,30% no Brasil e
o restante dividido entre o
Paraguai (0,41%) e a Bolívia
(0,29%). Esses números foram
atualizados para 2.039.386
km2 apenas para o bioma
Cerrado no Brasil, mas não
se chegou a acordo sobre a
extensão do Cerrado no Paraguai e na Bolívia.
O Cerrado é uma das maiores e biologicamente mais
ricas regiões de savana tropical do mundo e abriga comunidades biológicas altamente diversas com muitas espécies
únicas e variedades. Muitas dessas espécies e variedades são
endémicas, não só para o hotspot, mas também para locais
específicos dentro dele. Elas são únicas e úteis, como também
constituem um ecossistema que é vital nacionalmente para o
abastecimento de água e energia, controle de erosão e redução das emissões de gases de efeito estufa. Tais espécies são
altamente vulneráveis à perda de habitat, caça legal e ilegal,
poluição e outras pressões.
O Perfil do Ecossistema lista 1.629 espécies terrestres e de
água doce classificadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) como globalmente ameaçadas
e pelas autoridades brasileiras ambientais como ameaçadas em
nível nacional, bem como peixes raros e espécies de plantas
raras. Há muitas outras espécies para as quais existem dados
insuficientes para permitir uma avaliação completa do seu
estado. Para muitas espécies, a melhor forma de conservação
é a proteção de áreas adequadas de hábitat apropriado. Por
conseguinte, o perfil identifica locais importantes, conhecidos
como Áreas Chave para a Biodiversidade (KBAs), onde se
sabe que estas espécies ameaçadas sobrevivem. No Brasil,
761 KBAs foram identificadas usando registros da presença
de 26 espécies ameaçadas e vulneráveis.
As principais ameaças ao Cerrado no presente e no futuro
próximo são a pecuária, as culturas anuais (principalmente
soja, milho e algodão), biocombustíveis (cana-de-açúcar),
carvão vegetal, fogo e silvicultura de mono-espécies. A erosão,
espécies invasoras, culturas permanentes, suínos, transporte e
aquecimento (local e global) também são relevantes. Isto leva
a desmatamento a uma taxa de 6.000 km2 por ano; até agora,
o hotspot perdeu cerca de 50% de sua cobertura natural.
Uma versão integral em Português do material pode
ser conferida em www.cepf.net/SiteCollectionDocuments/
cerrado/CerradoEcosystemProfile-PR.pdf.
1 - Hotspots: regiões que possuem pelo menos 1.500 espécies de plantas endêmicas e
perderam pelo menos 70% do seu hábitat natural
29
| ogm |
Renata Amaral | Pesquisadora em Consumo Sustentável do Idec
STF garante rotulagem de
qualquer teor de transgênicos
O direito dos consumidores brasileiros à informação
sobre transgênicos volta a prevalecer. Em decisão proferida
no dia 12/5/2016, o Ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF) Edson Fachin manteve a decisão obtida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e voltou
a garantir a indicação no rótulo de alimentos que utilizam
ingredientes geneticamente modificados, independentemente
da quantidade presente.
A exigência estava suspensa desde 2012, por uma decisão
liminar (provisória) do Ministro Ricardo Lewandovski, do
STF, que atendeu ao pedido da União e da Associação Brasileira de Indústria de Alimentos (ABIA) contra a decisão do
Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1), que
foi favorável à ação do IDEC.
A União e ABIA alegavam que a decisão do TRF-1
“usurpava a competência” do STF de decidir sobre o tema.
Mas, ao julgar o recurso, Fachin não concordou. Em decisão
monocrática (analisada apenas por um julgador), o Ministro
relator do processo validou a decisão do Tribunal.
Código do Consumidor x Decreto
A decisão do TRF-1 que voltou a valer acolhe o pedido
do IDEC de rotulagem de qualquer teor de transgênicos e
afasta a aplicação do Decreto N° 4.680/03, que flexibiliza
a exigência de rotulagem apenas para produtos que contêm
mais de 1% de ingredientes geneticamente modificados. O
Tribunal considerou que o direito à informação previsto no
Código de Defesa do Consumidor (CDC) se sobrepõe ao
Decreto. “A decisão do STF é muito importante neste momento,
pois enfraquece o PL que quer acabar com a rotulagem de
transgênicos. Ela mantém a decisão fruto de uma Ação Civil
Pública que garante que todos os alimentos geneticamente
modificados devem ser rotulados, fortalecendo o direito à
informação e o CDC”, destaca Claudia Pontes Almeida,
advogada do Instituto.
A União e a ABIA ainda podem entrar com novo recurso
para que o tema seja analisado pelo plenário do STF. Mas,
por hora, o direito à informação venceu mais uma vez.
Histórico da ação
Relembre os principais fatos envolvendo a ação do IDEC
para garantir a rotulagem de transgênicos:
2001: IDEC entra com Ação Civil Pública contra a União
para exigir informação clara no rótulo de alimentos sobre o uso
de transgênicos, independentemente do teor de ingredientes
geneticamente modificados presentes.
2003: Publicado o Decreto 4.680/03, que exige rotulagem
apenas para produtos com mais de 1% de transgênicos.
2007: Sentença acolhe o pedido do IDEC e obriga rotulagem de transgênicos, independentemente do teor. União e
ABIA entram com recurso.
2009: TRF-1 rejeita recurso e mantém sentença favorável
aos consumidores, fruto da ACP do IDEC. ABIA e União
recorrem ao STF.
2012: Ministro do STF Ricardo Lewandovski acolhe
pedido da União e ABIA e concede liminar suspendendo
decisão do TRF-1 até que o recurso seja julgado.
Maio de 2016: O Ministro Edson Fachin, do STF, julga
e rejeita o recurso, validando decisão do TRF-1 que garante
a rotulagem de qualquer teor de transgênicos, como pediu
o IDEC em 2001.
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| orgânicos |
Ming Liu | Diretor do ORGANIS
Unificar setor de orgânicos
para enfrentar a crise
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2016
Como todo setor que se desenvolve o desafio é crescer
de forma planejada, organizada e trazendo todos os elos da
cadeia. Interesses e necessidades diferenciadas do setor primário (produtores e agricultores) e secundário (indústria e
processadores) são relevantes e para essa função foi fundado
em 2015 o Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (ORGANIS) com o propósito de ser um facilitador
para este desenvolvimento.
A principal missão do ORGANIS é harmonizar a demanda
que o setor precisa de forma a poder atender empresas dos
setores de alimentos e bebidas, indústria de higiene e cosméticos e o setor têxtil, onde no mercado global estes setores já
são uma realidade junto ao consumidor.
Tania Rego - ABr
Vivemos hoje tempos de transição, tempos de grandes
mudanças e não podemos deixar de acreditar na virada, não
perder o otimismo e a esperança de dias melhores. Independente
da crise que vivemos, dos partidos políticos que hora brigam
por interesses próprios e individuais que sempre sobrepõem o
coletivo, temos de nos levantar e seguir em frente.
Alguns já falam que temos pela frente nova década
perdida, mas trago um pensamento de Rudolf Steiner, pai
da Antroposofia, para servir de referência para estes novos
tempos que teremos pela frente no qual afirma que “a missão
do ser humano é o desenvolvimento moral baseado no amor
altruísta preservando a liberdade individual, ou seja, que
não se baseia em imposições exteriores de alguma pessoa,
governo ou instituição, mas sim irradiar os valores a partir
do conhecimento individual em plena liberdade”.
Nesta linha de visão futura, aponto que desde o início
das atividades da agricultura biodinâmica em Botucatu, em
1973, que considero o marco da introdução do movimento
orgânico no país. É um curto o período de conhecimento do
processo de desenvolvimento do setor. Somos parte da geração
Y do mundo, onde as pessoas se desenvolveram numa época
de grandes avanços tecnológicos, prosperidade econômica,
facilidade material e num ambiente altamente urbanizado.
Passados mais de 5 anos do processo de regulamentação
da Lei 10.831 dos orgânicos (2011), ainda não temos claramente uma visão do tamanho e posicionamento que o setor
conquistou. Sabemos em parte como a cadeia produtiva se
distribui dentro do movimento, mas não sabemos o volume de
produtos que se produz, não conhecemos muito bem o quanto
representa em termos de valores econômicos, nem quais as
regiões de maior desenvolvimento produtivo e como ele vem
evoluindo, e não dispomos de tantos outros indicadores que
fazem falta para criar políticas de desenvolvimento e preparar
ferramentas de apoio e capacitação a quem está no meio.
Para muitos, o movimento é um fado ou uma nova onda
de tendências de consumo, algo que logo passará; mas, para
o mundo, é um processo de transformação de indivíduos que
buscam melhorar a qualidade de vida, a segurança dos bens
que consomem e a garantia de que as outras gerações possam
ter esta mesma possibilidade. Queremos o futuro num Planeta
vivo, orgânico e saudável. É uma mudança sem volta.
O mercado global de orgânicos movimenta perto de US$ 80
bilhões em faturamento. O Brasil tem um mercado estimado
na ordem de R$ 2,5 bilhões, com expectativa de crescimento
na ordem de 30% em 2016, mesmo dentro da situação econômica que temos enfrentado; crescimento demonstrado pela
forte demanda do setor varejista na Feira APAS 2016 por
produtos saudáveis, principal tendência identificada como
direcionamento do consumidor do futuro.
O ORGANIS foi construído com a colaboração de Conselheiros Curadores que podem ajudar a unificar as demandas de
forma legítima e imparcial. Ele terá pela frente prioritariamente
o desafio de se fazer presente institucionalmente, fomentar o
processo de comercialização no país e nos mercados globais
e ser um canal de comunicação junto ao consumidor final:
educar e conscientizar sobre o produto orgânico.
Para o futuro, podemos constatar a mudança de parâmetros e critérios que os consumidores adotam e sabemos que o
preço nem sempre é decisivo, apesar do cenário econômico
não muito positivo para os próximos anos. Esperamos que
cada vez mais, a racionalidade e o bom senso sejam decisivos
na busca de produtos mais éticos, seguros e saudáveis.
Assumindo essa posição assertiva, o Conselho Brasileiro
da Produção Orgânica e Sustentável se apresenta como uma
plataforma de negócios para unir integrantes da rede produtiva, ser a representante legítima de produtores, processadores,
empresas e empreendedores brasileiros da cadeia de produção
orgânica e sustentável.
É um novo desafio para um país como o Brasil – orgânico
por natureza e com a maior biodiversidade do Planeta.
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| orgânicos |
Romeu Mattos Leite | Produtor orgânico na Vila Yamaguishi (Jaguariúna - SP), membro da Articulação Paulista
de Agroecologia – APA, presidente da Câmara Temática de Agricultura Orgânica – CTAO
Arquivo
Agricultura orgânica: para
além do nicho de mercado
As ideias de Howard se opunham às do químico alemão
Justus von Liebig, que em 1840 difundiu os fertilizantes
químicos na agricultura. Posteriormente estes fertilizantes integraram os pacotes tecnológicos usados no programa mundial
de modernização agrícola, difundido pelo grupo Rockefeller,
chamado de “Revolução Verde”1. A contraposição à agroquímica
e o composto Indore, apesar de rejeitados, causaram impacto
e ficaram conhecidos como se fosse uma “receita de bolo”,
possivelmente daí surgiu a ideia simplista de que a agricultura
orgânica se resume à aplicação duma receita.
O termo “orgânico” aparece quando Jerome Irving Rondale, baseado nas ideias de Howard, publica em 1948 o livro
“The Organic Front” (A Frente Orgânica). Lançou também a
revista “Organic Gardening and Farm” (Jardinagem e Fazendas
Orgânicas), que se tornou a partir dos anos 1970 um baluarte
do movimento de agricultura alternativa estadunidense. Nesta
época, surgem na Europa os 1os produtos com a denominação
de orgânicos e em 1972 nasce a International Federation of
Organic Agriculture Movements IFOAM (Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica), consolidando a denominação “orgânicos” para produtos alternativos
à agricultura química, embora as denominações natural,
biológica, ecológica, sustentável, entre outras, permaneçam
em uso, independente de regulamentações públicas.
AGRA
Alguns teóricos têm a tendência de definir a agricultura
orgânica como sendo uma mera
substituição da utilização de
insumos químicos por insumos
naturais, visando lucros com
a moda de nicho do mercado
natureba.
Mas, é importante ouvir
também o ponto de vista de
quem está historicamente na
Romeu Mattos Leite
prática do que se denomina hoje
de agricultura orgânica.
A visão acadêmica, muitas vezes, se baseia na ideia de que
a agricultura orgânica nasceu em 1940 com a publicação do
livro “Um testamento agrícola” do britânico Albert Howard.
Ele dizia que a fertilidade do solo e a saúde das plantas e
animais dependem da diversificação e rotação de culturas.
Também criticava os fertilizantes químicos e, em seu lugar,
preconizava o uso do composto orgânico que chamou de
compostagem Indore, método sistematizado por ele a partir
do que conseguiu aprender com os agricultores da Índia, praticantes de uma agricultura milenar e sustentável sintonizada
com o ecossistema local.
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ECO•21
| orgânicos |
Por ocasião da construção do marco legal da agricultura
orgânica, fomos chamados a contribuir no processo. Consideramos adequada a nomenclatura “sistemas orgânicos de
produção” (que engloba todos os outros: biodinâmico, natural,
biológico, agroecológico, da permacultura, sustentável) no
sentido de que ela traz uma visão sistêmica de organismo,
uma visão orgânica em que todos somos parte de um único
organismo planetário e procuramos praticar uma agricultura
em sintonia com a cosmovisão, na qual o objetivo não é
necessariamente a certificação e a venda para um nicho de
mercado de alta renda, mas buscamos sobretudo a harmonia
com a natureza.
Sob esse aspecto, seria justo reivindicar que o termo
“agricultura” permanecesse com os que continuam a plantar
como era antes da introdução dos insumos sintéticos, e o que
veio depois, deveria ser chamado de: agroquímica, produção
agrotóxica, transgênica ou outra denominação qualquer que
represente os sistemas produtivos com insumos artificiais
que dominaram a maior parte dos espaços originalmente
ocupados pela agricultura primordial.
É pertinente também reivindicar que nos rótulos dos
produtos oriundos da agroquímica devam constar todos os
ingredientes artificiais adicionados em seu processo produtivo,
além dos avisos sobre ingredientes cancerígenos, a exemplo
das embalagens de cigarro.
Nós, agricultores que viemos construindo caminhos
alternativos ao modelo dominante do agronegócio2 , temos
resistido a pressão dos agrotóxicos que nos rodeiam, desde
muito antes de existir a regulamentação que estabeleceu a
nomenclatura de orgânicos para os alimentos que já vínhamos
produzindo há décadas com ou sem denominações específicas. Persistimos mesmo quando o mercado era inexpressivo
e éramos ridicularizados pelos “papas” da agronomia que,
com o apoio do Estado, enfiam “goela abaixo”, os pacotes
tecnológicos envenenados da chamada Revolução Verde.
Colocar venenos no solo, nas plantas e nos animais não
prejudica somente o outro, prejudica todo o organismo do
qual fazemos parte inseparável, enfim, prejudica a nós mesmos e a nossos descendentes, assim como o desmatamento, a
erosão genética da biodiversidade, a concentração da posse das
terras e bens materiais, o desrespeito as tradições e culturas,
geram pobreza, fome, sofrimento e é incompatível com a
visão orgânica que procuramos pôr em prática.
Com o avanço da consciência ecológica, seja ela rasa ou
profunda, nasceu o mercado de alimentos orgânicos, que por
modismo ou por consciência planetária, vem crescendo em
níveis que causam inveja a outros segmentos.
Ana Huara
Já os consumidores, confusos em meio a tantas denominações, seguem procurando garantias de produtos saudáveis,
ecológicos, economicamente viáveis e socialmente justos.
É bastante comum entre os teóricos a confusão entre
agricultura orgânica e produto orgânico certificado.
Vale lembrar que já se praticava agricultura bem antes
da descoberta dos produtos sintéticos, ou seja, a história
dos agroquímicos e transgênicos é extremamente recente e
curta se comparada com a história da agricultura. Da mesma
maneira, as agriculturas alternativas já existiam no Brasil e no
mundo, bem antes do regulamento nacional que estabeleceu
a nomenclatura orgânica e a certificação em 2003.
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1 - Revolução Verde: expressão criada em 1968 numa conferência em Washington por Wiliam
Gaud. Ele disse a um pequeno grupo de pessoas interessadas no desenvolvimento de países
com déficit de alimentos “é a Revolução Verde, feita a base de tecnologia, e não do sofrimento
do povo.” Muitos países, incluindo o Brasil, introduziram as inovações trazidas pela Revolução
Verde em seus meios de produção agrícola estimulados pelos interesses das industrias químicas
e mecânicas as quais perderam mercado com o fim da 2ª Guerra Mundial e precisavam abrir
novas frentes para seus venenos e máquinas. Os pacotes tecnológicos depois incluíram sementes
modificadas e desenvolvidas em laboratórios possuindo resistência a diferentes tipos de pragas
e doenças; seu plantio, aliado à utilização de agrotóxicos, fertilizantes químicos e máquinas,
aumenta significativamente a produção agrícola. Os impactos socioambientais negativos do uso de
agrotóxicos foram revelados em 1962 por Rachel Carson em seu livro “Primavera Silenciosa”.
2 - Agronegócio: na acepção brasileira do termo é uma associação do grande capital agroindustrial
com a grande propriedade fundiária. Essa associação realiza uma estratégia econômica de capital
financeiro, perseguindo o lucro e a renda da terra, sob patrocínio de políticas de Estado.
33
| orgânicos |
Aspta
Assim como na roça surgem organismos oportunistas,
também em nosso meio brotam empreendedores oportunistas
de olho no lucro do mercado orgânico.
O desejo pelo lucro deste mercado alternativo é natural, o
problema acontece quando a ganância sobrepõe a ética e começam a ser praticados crimes contra os consumidores, denegrindo
a imagem dos agricultores que dedicam a vida a pesquisar os
princípios da natureza e a produzir em harmonia com ela,
cuidando da saúde da terra e das pessoas. Aproveitadores e
criminosos não são exclusividade do mercado de orgânicos,
estão presentes em todos os segmentos e profissões.
No caso do Brasil, a legislação que impôs a certificação
e o selo nacional que identifica os produtos certificados foi
amplamente debatida com os diversos segmentos do movimento de agricultura alternativa, resultando numa lei com
escopo bastante amplo que permite certificar até mesmo alguns
sistemas produtivos que não estão necessariamente coerentes
com nossa concepção como, por exemplo, monocultivos
livres de agrotóxicos. Mesmo assim, a lei estabelece padrões
mínimos suficientes para dar aos consumidores credibilidade
de não contaminação.
É uma legislação complexa, pois o tema é complexo;
carece de aperfeiçoamento, mas traz
inovações que expressam algumas
ideias baseadas na visão sistêmica
que sempre nos norteou. Seu texto
contempla, entre outras, a preocupação com o bem-estar animal e
aspectos sociais que visam garantir
os direitos e a qualidade de vida dos
que trabalham no campo. Além
disso, possibilita acesso ao mercado
de venda direta para agricultores
menos capitalizados que não podem
pagar uma empresa para certificar
seus produtos.
No que tange a garantia aos consumidores da pureza da qualidade
dos produtos orgânicos, a legislação
brasileira introduz formalmente o
conceito de controle social, através
dos Sistemas Participativos de
Garantia (SPG) e dos Organismos
de Controle Social (OCS), nos
quais os produtores monitoram e
Reunião do SPG do grupo de produtores orgânicos da AFOJO, em Guapimirim, Rio de Janeiro
controlam uns aos outros, envolvendo neste processo consumidores,
técnicos e outros atores que fazem constantemente verificações
Fraudadores e corruptos são partes indesejáveis da socieno campo. Qualquer pessoa no Brasil pode fazer parte de um
dade, assim como doenças são partes indesejáveis da vida.
sistema participativo de garantia visitando os agricultores,
Através do conhecimento e da autorreflexão, queremos
fortalecer cada vez mais a integridade do sistema orgânico como
vendo com seus próprios olhos, questionando, aprendendo
um todo e criar anticorpos para nos defender dessa doença,
e ensinando localmente no campo sobre os processos de
produção orgânica, basta aderir a um dos mais de 250 SPGs
mas temos consciência que produtores, comercializadores,
ou OCSs espalhados pelo território nacional.
consumidores e poder público precisam estar juntos nesta
A certificação não é perfeita, pois foi feita e é operada por
tarefa constante, exercendo o controle social3.
Delegar este trabalho somente ao estado é ingenuidade.
seres humanos, mas tem sido eficiente na garantia da conforO alarde midiático sobre as fraudes no mercado dos orgâmidade à lei para produtos orgânicos no mercado. Existem
nicos é uma reação esperada daqueles que têm interesse em
graves exceções, mas representam uma minoria se considelucrar com a desmoralização dos orgânicos, porém, mesmo
rarmos que apenas 0,6% dos produtos orgânicos analisados
esse tipo de divulgação é útil, pois colabora para despertar o
pela CIDASC tinham resíduos de agrotóxicos, ao passo que
consumidor, fazendo com que a sociedade fique mais vigilante
a ANVISA, analisando anualmente produtos convencionais
no processo do controle social.
não orgânicos, detecta mais de 25% com níveis de resíduos
A certificação compulsória é fiscalizada pelo Estado
de agrotóxicos acima do permitido.
e funciona como um tipo de anticorpo contra fraudes no
A grande maioria dos que praticam a agricultura orgânica
não tem intenção de restringir o mercado apenas para lucro
mercado, mas obviamente não dá conta sozinha desta tarefa
próprio. Não satisfeitos com o mercado de nicho, estamos
que deve ser contínua.
trabalhando na perspectiva de reverter o modelo dominante
3 - Controle social: processo de geração de credibilidade organizado a partir da interação de
de desenvolvimento que, nas últimas décadas, transformou
pessoas ou organizações, sustentado na participação, comprometimento, transparência e confiança
nossa paisagem rural em extensos e monótonos monocultivos
das pessoas envolvidas no processo de geração de credibilidade (IN 19/09 - MAPA). O Controle
Social é um instrumento democrático no qual há a participação dos cidadãos no exercício do poder
latifundiários cheios de veneno. Almejamos um planeta alegre,
colocando a vontade social como fator de avaliação para a criação e metas a serem alcançadas
saudável, colorido, culturalmente diverso e agradável para
no âmbito de algumas políticas públicas. Controle Social é a integração da sociedade com a
administração pública, com a finalidade de solucionar problemas e as deficiências sociais com
todos viverem saudáveis de acordo com suas necessidades e
mais eficiência” (Manual de Direito Administrativo. Autores: Jose dos Santos e Carvalho Filho.
Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008).
características individuais.
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| recursos hídricos |
Marcia Hirota | Diretora-Executiva da Fundação SOS Mata Atlântica
Funbio
Velho Chico na vida real
Hoje, mesmo o rio não tendo a mesma quantidade e variedade de peixes de antes e de apresentar continuado processo
de degradação devido às grandes transformações e agressões
ao longo dos anos, ele está vivo na cultura das pessoas que
habitam sua Bacia. Mas para que permaneça presente e saudável
no cotidiano delas, seja na gastronomia, lendas, pesca ou no
desenvolvimento sustentável das regiões que beneficia, é preciso
executar ações de revitalização que deveriam ter começado
com as obras de transposição incluindo o reflorestamento de
mata ciliar e investimentos em saneamento básico.
A falta de saneamento é um problema que afeta milhões de
brasileiros, já que a universalização desse serviço fundamental
para a proteção da saúde das pessoas e do meio ambiente
não é realidade para uma grande parcela da população. Para
mobilizar as pessoas, a SOS Mata Atlântica lançou junto com
diversos parceiros a petição “Saneamento Já!”, pois essa é uma
realidade que só será transformada com a ação conjunta de
toda a sociedade, que deve se apropriar do tema para exigir do
poder público o comprometimento na execução transparente
e eficiente das medidas necessárias.
O fato do São Francisco ser cenário e protagonista de uma
novela do horário nobre da TV, um meio de comunicação
responsável por influenciar culturas e moldar hábitos no nosso
país, pode ser um importante reforço para resgatar o papel
dos rios no cotidiano das pessoas. Ao se envolverem com a
história do “Velho Chico” no mundo da ficção, as pessoas
poderão se aproximar da realidade do rio. E que assim se abra
uma janela para que olhem também para os rios das suas
cidades e àqueles próximos das suas casas, compreendendo
a importância do cuidado com nossas águas e a conservação
da natureza para a qualidade de vida de todos.
Otoniel Fernandes Neto
Na cidade de Penedo, no
Estado de Alagoas, que é uma
das últimas a serem cortadas
pelo Rio São Francisco a caminho do mar, um grupo de voluntários do projeto Observando os
Rios, da Fundação SOS Mata
Atlântica, está monitorando a
qualidade desse que é um dos
maiores e mais importantes rios
brasileiros.
Marcia Hirota
A formação do grupo é
recente, data de Novembro de
2015, e aconteceu por iniciativa de alunos e professores da
Universidade Federal de Alagoas. Até agora, duas análises
foram realizadas no local, sendo que ambas indicaram que a
qualidade da água naquela área é regular devido ao estado de
conservação do rio e aos diversos pontos de poluição.
A análise de um único local não é suficiente para espelhar
a verdadeira situação em que se encontra o grandioso “Velho
Chico”, que nasce no Parque Nacional da Serra da Canastra
(localizado no Estado de Minas Gerais, criado em 1972 para
proteger as nascentes do rio São Francisco) e passa por três
biomas – o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica – e 521
municípios dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco,
Sergipe e Alagoas.
Entretanto, são indicadores bastante simbólicos sobre a
qualidade das águas dos rios brasileiros e reforçam a necessidade urgente de investimentos em saneamento ambiental
e, sobretudo, da tão esperada revitalização do São Francisco
que, infelizmente, ainda não saiu do papel.
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| recursos hídricos |
Roberto Malvezzi (Gogó) | Teólogo, Músico e Filósofo Membro da equipe CPP/CPT do Rio São Francisco
Codevasf
Será a derrota do Sertão?
Vários retrocessos vieram junto com o governo interino
desde o primeiro dia. Um ministério do tempo do Brasil
Império – só homens de bens e brancos, sem negros, mulheres e indígenas –, o anúncio do corte na saúde, na educação,
encolhimento do SUS, desvinculação do salário dos aposentados em relação ao salário mínimo, eliminação do MinC,
daí prá frente.
Dentre esses retrocessos os que mais impactam o Semiárido estão o da educação, saúde e a desvinculação do salário
mínimo, do qual dependem aproximadamente 100 milhões
de brasileiros.
Porém, há retrocessos que o Brasil em geral não vê, a
não ser nós que moramos por aqui, na busca de vida melhor
para a população nordestina que sempre esteve à margem
dos avanços brasileiros.
O paradigma da “convivência com o Semiárido” ganhou
carne com o programa “Um Milhão de Cisternas” (P1MC)
e o “Programa Uma Terra e Duas Águas” (P1+2), da ASA
(Articulação do Semiárido). O primeiro visando a captação
da água de chuva para beber e o segundo, para produzir.
Em aproximadamente 15 anos, um milhão de famílias
receberam a cisterna para beber e cerca de 160 mil famílias,
uma segunda tecnologia para produzir. É lindo, até emocionante, quando em plena seca vemos espaços tomados de verde
com hortaliças ao redor de uma cisterna de produção. Essas
tecnologias ainda teriam que ser replicadas ao milhões para
garantir a água para beber e produzir, ofertada gratuitamente
pelo ciclo das chuvas.
Junto com esses programas, veio a expansão da infraestrutura social da energia, adutoras simples, telefonia, internet,
melhoria nas habitações rurais, estradas etc.
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A valorização do salário mínimo e o Bolsa Família injetaram dinheiro vivo nos pequenos municípios, movimentando o
comércio local, o maior beneficiário desses programas. Houve
também contradições profundas, como a opção pela mega obra
da transposição de águas do Rio São Francisco, ao contrário
de adutoras simples, e a implantação das cisternas de plástico
por Dilma no seu último governo. Além do mais, ela estava
encerrando o programa de cisternas para beber, alegando que
já tinha atingido o número de famílias necessitadas. Detalhe:
o Ministro para o qual ela liberou as cisternas de plástico
orientou o filho a votar pelo impeachment na Câmara dos
Deputados e é agora o Ministro das Minas e Energia.
Mas esse avanço pressupôs a organização da sociedade civil
articulada na ASA e a chegada ao poder de governos estaduais
menos coronelísticos e corruptos. Sobretudo, supôs o apoio
do governo federal a esses programas da sociedade civil.
Acabou. Se perguntarem ao atual Presidente onde fica
o Semiárido Brasileiro, é provável que ele diga que fica no
Marrocos. Como não tem base na região, vai entrar pelas
mãos dos velhos coronéis ou de seus descendentes.
Não é possível destruir a infraestrutura construída. Ela
tornou o Semiárido melhor, sem fome, sem sede, sem migrações, sem mortalidade infantil. Mas, há muito ainda a ser
construído para não retornar ao ponto da miséria. Uma das
ações é a geração de energia solar de forma descentralizada,
a partir das casas. Dilma não quis dar esse passo.
Os velhos problemas poderão voltar? No que depender
das políticas públicas federais, sem dúvida nenhuma. Tempos
estranhos, quando setores da sociedade brasileira preferem
retroceder aos tempos da miséria total e parte da população
se alegra com esses retrocessos.
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| recursos hídricos |
Leda Letra | Jornalista da ONU
Metade da população mundial
sofrerá falta de água em 2030
Africa Green Media
Se os atuais níveis de consumo e de poluição da água
continuarem, é possível que metade da população mundial
enfrente dificuldades para obter o recurso natural em 2030.
O alerta é do Painel Internacional de Pesquisa, ligado ao
Programa da ONU para o Meio Ambiente, PNUMA. Vários
fatores poderão aumentar de forma dramática a demanda por
água: aumento da urbanização e da população, mudança
climática e consumo de alimentos.
Se a tendência atual continuar, a demanda por água será
40% maior dentro de 15 anos. Com isso, o relatório indica
que os governos serão forçados a gastar US$ 200 bilhões por
ano com o abastecimento de água, sendo que a média histórica alcançada é entre US$ 40 bi a US$ 45 bilhões. Achim
Steiner, Diretor-Executivo do PNUMA comentou os dados
divulgados no fim de Março e lembrou que o “acesso à água
limpa é a base do desenvolvimento sustentável”. Segundo ele,
quando as pessoas mais pobres não têm acesso à água potável,
elas acabam gastando boa parte da renda comprando água ou
passam muito tempo transportando o bem natural.
O Painel Internacional de Pesquisa do PNUMA é um
grupo formado por 27 renomados cientistas, 33 governos
nacionais e outros grupos. Os pesquisadores revelam que
na África Subsaariana, a demanda por água pode aumentar
283% em 2030, se for feita a comparação com os níveis de
2005. O estudo mostra ser possível separar o uso de água
do crescimento econômico. Na Austrália, por exemplo, o
consumo de água caiu 40% entre 2001 e 2009, enquanto a
economia cresceu 30%.
38
O Relatório traz uma lista de fatores que levarão ao
aumento da demanda por água. O setor agrícola, por exemplo, é responsável por 70% da retirada de água fresca. Com
o aumento da população, aumentará a demanda por comida
e consequentemente, a pressão sobre o recurso natural. Mas
na Índia, é possível reduzir a lacuna entre estoque de água e
demanda em até 80%, se forem utilizadas técnicas específicas na
produção agrícola, como o uso de fertilizantes orgânicos.
Na África do Sul, a lacuna entre
estoque e demanda é de 2,9 bilhões
de metros cúbicos. Se o país melhorar
a produtividade da água, será possível
economizar 150 milhões de dólares
por ano até 2030. Nos centros urbanos, será possível economizar entre
100 bilhões a 120 bilhões de metros
cúbicos de água se forem reduzidos os
vazamentos em residências e prédios
públicos ou comerciais.
Os especialistas observam que os
governos investem de forma pesada
em mega projetos como canais,
aquedutos, reservatórios de água e
sistemas de encanamento. Para o
Painel Internacional de Pesquisa, na
maioria das vezes essas soluções são
ineficazes e muitas não são amigas
do ambiente.
A recomendação vai para a criação
de planos de manejo de água que levem em conta a fonte,
a distribuição do recurso, o uso econômico, o tratamento,
a reciclagem, o reuso da água e seu retorno para o meio
ambiente.
Saneamento básico
De acordo com um outro relatório da ONU, apenas 20%
das águas residuais em todo o mundo são tratadas, entre elas,
as de esgoto. Os países de baixa renda são os mais atingidos
pela água contaminada e doenças. O documento encoraja
governos que vejam águas usadas como um recurso valioso e
uma prioridade para a agenda de desenvolvimento. O relatório
foi produzido pela Organização Mundial da Saúde, OMS, pelo
PNUMA, e pela ONU-Habitat, em nome da ONU-Água. O
documento descreve como “muito grave” os danos causados
aos ecossistemas e à biodiversidade. Se a questão não for
abordada imediatamente, a ONU alerta para a ameaça cada
vez maior das águas residuais à saúde humana, à atividade
econômica e à segurança da própria água.
M
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2016
ECO•21
| biodiversidade |
Kevin Fryling | Jornalista do Inside IU Bloomington (Indiana University)
Arquivo
É provável que haja um trilhão
de micróbios na Terra
A Terra pode conter cerca de 1 trilhão de espécies de micróbios, com apenas um milésimo de 1% agora identificados, de
acordo com os resultados de um novo estudo. A estimativa,
com base em leis de escala universais aplicadas a grandes
conjuntos de dados, foi publicada na revista “Proceedings of
the National Academy of Sciences” no dia 2/5. Os autores
do informe são Jay Lennon (especialista em biodiversidade
microbiana e evolução dos ecossistemas) e Kenneth Locey
(cientista em biodiversidade, macroecologista, e PHD em
ecologia microbiana), ambos da Universidade de Indiana,
em Bloomington. Os cientistas combinaram conjuntos de
dados microbianos, plantas e animais a partir de fontes
governamentais, acadêmica e ciência cidadã, resultando na
maior compilação de seu tipo. Em conjunto, esses dados
representam mais de 5,6 milhões de espécies microscópicas
e não-microscópicas de 35.000 locais em todos os oceanos e
continentes do mundo, exceto na Antártica.
Grande desafio na biologia
“Estimar o número de espécies na Terra é um dos grandes
desafios da biologia. Nosso estudo combina os maiores conjuntos de dados disponíveis com modelos ecológicos e novas
regras de como a biodiversidade se relaciona com abundância.
Isso nos deu uma nova e rigorosa estimativa do número de
espécies microbianas na Terra. Até recentemente, ainda não
havia ferramentas necessárias para estimar verdadeiramente
o número de espécies microbianas no ambiente natural. O
advento da tecnologia de sequenciamento genético fornece
um grande conjunto de novas informações”, disse Lennon.
40
O trabalho é financiado pelo Programa de Dimensões de
Biodiversidade, da National Science Foundation (NSF), um
esforço para transformar a nossa compreensão do âmbito da
vida na Terra, preenchendo lacunas importantes no conhecimento da biodiversidade do Planeta. “Esta pesquisa oferece
uma visão da vasta diversidade de micróbios na Terra”, disse
Simon Malcomber, Diretor do Programa de Dimensões de
Biodiversidade. “Ela também destaca o quanto dessa diversidade ainda está para ser descoberto e descrito”.
Estimando o número de espécies microbianas
As espécies microbianas são formas de vida demasiado
pequenas para serem vistas a olho nu, incluindo organismos
unicelulares, tais como bactérias e archaea (morfologicamente
semelhantes às bactérias mas genética e bioquimicamente
distintas; habitam ambientes extremos) bem como certos
fungos. Muitas tentativas anteriores para estimar o número
de espécies na Terra ignoraram os microrganismos ou foram
informadas com base em conjuntos de dados mais antigos,
baseados em técnicas tendenciosas ou extrapolações questionáveis, disse Jay Lennon.
“Estimativas mais antigas foram baseadas em esforços
que sub-amostraram de forma extraordinária a diversidade
de microrganismos”, acrescentou Lennon. “Antes do alto
rendimento do sequenciamento genético, os cientistas caracterizavam a diversidade com base em 100 indivíduos, quando
já se sabe que em apenas um grama (1g) de solo existe até um
bilhão de organismos, e o número total na Terra é maior que
uma exponencial elevada a 20 (1020)”.
M
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2016
ECO•21
| biodiversidade |
Leis de escala para todas as espécies
A constatação de que os microrganismos foram significativamente sub-amostrados causou uma explosão em novos
Leis de escala, como esta descoberta pelos cientistas, são
esforços de amostragem microbiana ao longo dos últimos
conhecidas para prever com precisão o número de espécies para
anos.
as comunidades vegetais e animais. Por exemplo, o número
O inventário do estudo de fontes de dados inclui 20.376
de espécies em escala numa determinada área de um terreno.
estudos de amostragem sobre as bactérias, archaea e fungos
“Até o momento, não sabíamos se os aspectos de escala de
microscópicos, bem como 14.862 estudos de amostragem
sobre as comunidades de árvores, pássaros e mamíferos. “Uma
biodiversidade eram algo tão simples como a abundância de
enorme quantidade de dados foram coletados a partir dessas
organismos”, disse Locey. “Como se vê, as relações não são
apenas simples, mas poderosas, resultando em nossa estimativa
pesquisas”, disse Locey. “No entanto, poucos têm tentado
acima de um trilhão de espécies”.
reunir todos os dados para testar grandes questões.”
Os resultados do estudo tamEle acrescentou que os cientisbém sugerem que a identificação
tas “suspeitavam que aspectos da
biodiversidade, como o número
de todas as espécies microbianas na
de espécies na Terra, estariam
Terra apresenta um grande desaem escala com a abundância de
fio. “Dessas espécies catalogadas,
organismos individuais. Depois de
apenas cerca de 10.000 já foram
analisar uma enorme quantidade
cultivadas em laboratório, e menos
de 100.000 tiveram suas sequências
de dados, observamos tendências
genéticas classificadas”, disse Lensimples, mas poderosas de como a
biodiversidade muda por meio das
non. “Nossos resultados mostram
escalas de abundância”.
que isso deixa 100.000 vezes mais
Pesquisadores descobriram
microrganismos no aguardo por
que a abundância das espécies
descobertas. E 100 milhões para
mais dominantes é proporcional
serem totalmente explorados. A
ao número total de indivíduos
Biodiversidade microbiana, ao que
em ordem 30 de grandeza (1030),
parece, é maior do que imagináva“tornando-a a lei de escala mais
mos”, finaliza Lennon.
expansiva na biologia”, diz Jay
Midway Geiser, Yellowstone Nacional Park, local de pesquisa
Tradução: Elisa Homem De Mello
Lennon.
ECO•21
Ma
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2016
41
Ana Huara
Alana Gandra | Jornalista da Agência Brasil
JBRJ inaugura projeto de
criação de abelhas sem ferrão
Ester Santos
Um projeto que tem por objetivo a preservação de abelhas
nativas sem ferrão começou a ser executado esta semana pelo
Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). Um espaço para
a criação desse tipo de abelha está funcionando ao lado do
Orquidário e é aberto ao público. A iniciativa do projeto
chamado de Meliponário é do Laboratório de Fitossanidade
da instituição.
A engenheira agrônoma Maria Lucia Teixeira Moscatelli,
responsável pelo laboratório, disse que o projeto vai atuar
na preservação e no incremento da população de abelhas
sem ferrão. “Esta ação é importante diante da condição de
ameaça de extinção dessa espécie de abelha e de seu papel
na reprodução e perpetuação de muitas espécies de plantas
nativas e manutenção da biodiversidade”.
De acordo com ela, o projeto vai “informar o público
sobre a existência e o papel das abelhas sem ferrão, visando
conscientizar e até mesmo estimular a criação desses animais”,
afirmou à Agência Brasil.
42
“Nas florestas brasileiras, as abelhas sem ferrão são os
principais agentes de transporte de pólen e fecundação para
grande parte das árvores. Elas viabilizam a reprodução através
da polinização cruzada, aumentando também a produtividade
das plantas cultivadas e, consequentemente, a produção de
frutos e sementes”, ressaltou a pesquisadora.
Segundo Maria Lucia, a extinção de espécies de abelhas
nativas implica na extinção de espécies vegetais
e no desequilíbrio dos ecossistemas. “As abelhas
sem ferrão produzem ainda própolis, cera e
mel, podendo sua criação gerar recursos e servir
como excelente instrumento de preservação
ambiental”, acrescentou.
Patrocinado pela Brasil Kirin, o Projeto de
Meliponário foi iniciado em 2010 e contabiliza
atualmente 21 colmeias de abelhas sem ferrão
das espécies: Jataí, Mandaçaia, Mirim, Iraí e
Guaraipo, todas com ocorrência natural no
estado do Rio de Janeiro, disse Maria Lúcia.
Até o momento, os pesquisadores identificaram
13 espécies dessas abelhas no JBRJ.
Levantamento feito pelo Museu de Zoologia
da Universidade de São Paulo, publicado na
Revista Biota Neotrop, de 2008, mostrou que o
Estado do Rio de Janeiro aparece entre os mais
ricos em termos da presença dessas abelhas na
Mata Atlântica, com cerca de 20 espécies.
Em todo o Brasil, existem mais de 300
espécies de abelhas sem ferrão. A pesquisadora
estima, entretanto, que cerca de 100 delas estão seriamente
ameaçadas de extinção, não só devido à poluição atmosférica
e das águas, mas também à quebra da cadeia ecológica, ao
desmatamento, ou mesmo à destruição dos ninhos para retirar o
mel medicinal, que apresenta “sabor e doçura inigualáveis”.
“Foi pensando na preservação destas colmeias que já
existem no arboreto, no estímulo à população dessas espécies e no despertar do interesse do público sobre o universo
dessas grandes polinizadoras que o Jardim Botânico do Rio
de Janeiro inaugura mais este espaço de conhecimento para
o visitante”, afirmou Maria Lúcia Moscatelli.
M
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2016
ECO•21
| ecologia urbana |
Maria Lucia França Teixeira Moscatelli | Engenheira Agrônoma. Responsável pelo Laboratório de
Fitossanidade do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro
JBRJ
Abelhas urbanas e sem ferrão
ECO•21
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2016
O passatempo de criar essas abelhas estreita o contato
com a natureza e pode fornecer méis de sabor e doçura inigualáveis, aromas distintos, nutritivos e com propriedades
antimicrobianas. Podem ser incluídos na alimentação diária
e já são muito procurados por pessoas preocupadas com o que
ingerem e optam por uma alimentação saudável, privilegiando
alimentos frescos e orgânicos em detrimento dos produtos
industrializados e produzidos de maneira convencional, em
um país que lidera o uso de agrotóxicos.
O uso indiscriminado de pesticidas é uma das principais
causas da morte de abelhas e perda de colmeias. Pode parecer
estranho, mas as cidades não são inviáveis para as abelhas
sem ferrão, pois de modo geral, na manutenção de jardins
e árvores urbanas não são utilizados pesticidas. Entretanto
a pulverização de forma intensiva de inseticidas para o controle de mosquitos adultos, realizada em alguns locais, pode
inviabilizar a criação das espécies mais sensíveis. Em Milão
e Nova York, raças mansas da abelha comum, se comparadas
à abelha africanizada que ocorre no Brasil, já estão sendo
criadas com sucesso nos telhados dos prédios.
Alexandre Machado
No Brasil há pelo menos
300 espécies de abelhas nativas
que produzem mel e vivem em
colônias tal qual a abelha africanizada ou abelha comum, essa,
uma mistura de raças europeias e
africanas de Apis mellifera, nome
científico da espécie.
Chamadas de abelhas sem
ferrão ou abelhas indígenas,
as abelhas nativas têm o ferrão
Maria Lucia F. T. Moscatelli
atrofiado, impossibilitando-as de
usá-lo para a defesa, tornando
viável a sua criação pelos povos da floresta, comunidades rurais
e pela população urbana, bastando que haja abrigo e alimento
suficiente para elas, ou seja: néctar e pólen das flores.
Muitas espécies estão intimamente associadas às condições
das florestas e são responsáveis pela polinização da maioria
das árvores nativas, principalmente das flores em copas altas,
pouco visitadas por outros agentes polinizadores. Outras são
habitantes nativas do Cerrado e da Caatinga, adaptadas ao
clima e à polinização das plantas que lá ocorrem. Todas elas
são velhas conhecidas dos índios, que sempre fizeram uso dos
seus produtos, principalmente o mel. Existem espécies rústicas
e outras com estrita dependência de condições ecológicas
específicas, acrescentando mais um motivo na lista de razões
para preservação de ambientes e ecossistemas naturais.
As espécies rústicas se adaptam bem às condições urbanas,
sendo capazes de aproveitar, além de ocos em árvores para
abrigar os ninhos, cavidades feitas pelo homem como: orifícios
em muros, postes, caixas e outros. Algumas espécies fazem
ninhos subterrâneos, aproveitando os solos de áreas verdes
urbanas como praças, parques e jardins botânicos.
No Jardim Botânico do Rio de Janeiro, há, pelo menos,
dez espécies de abelhas sem ferrão com ninhos no solo, em
árvores, nos muros e até em monumentos. O Jardim, fundado há mais de 200 anos, possui grande concentração de
árvores antigas e com ocos utilizados pelas abelhas: Jataí,
Iraí, Boca-de-sapo, Mirim e outras, que contribuem para a
polinização de plantas originárias de várias regiões do Brasil
e do mundo. Quando há necessidade de poda de galhos
podres com ninhos, esses são realocados em caixas especiais,
já pensadas e desenvolvidas para esse fim e mantidas em um
abrigo coletivo conhecido como Meliponário, com visitação
aberta ao público.
A possibilidade de criação de abelhas sem ferrão nas cidades, não se restringe a áreas verdes públicas. É possível criar
Jataís, Iraís e Mirins em jardins de condomínios, casas e até
em varandas de prédios. Havendo oferta suficiente de flores
num entorno de aproximadamente 500 metros nas ruas, praças
e jardins e adquirindo os conhecimentos básicos das técnicas
necessárias, através de cursos, vídeos, manuais e livros também
disponíveis na Internet, a iniciativa é fácil e viável.
Na expectativa de criar as abelhinhas sem ferrão e na
impossibilidade, para muitos, de viver no campo é possível
interferir no ambiente urbano. Para isso, vale criar canteiros
com flores, plantar árvores, zelar pelas vivas em mau estado
e solicitar o mesmo aos órgãos competentes. O verde urbano
reduz as temperaturas, a sensação térmica, os ventos, os
ruídos e a poluição. Libera o oxigênio, aumenta a aeração, a
permeabilidade e a capacidade de infiltração de água no solo
e serve de refúgio e alimentação para os animais, entre eles,
as abelhas. Sem cuidar do verde das cidades, a qualidade de
vida não melhora para as abelhas nem para nós.
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| fauna |
Amanda Lelis | Jornalista do Instituto Mamirauá
As onças de Mamirauá:
um comportamento inédito
Com esses dois animais, os pesquisadores monitoram
atualmente cinco onças na região. “O que a gente tem observado é que temos, na Reserva Mamirauá, uma das mais altas
densidades de onças encontrada no mundo. A gente estima
mais de dez onças a cada 100 km². E o que isso mostra é o
potencial que as várzeas têm”, comentou o pesquisador do
Instituto Mamirauá Emiliano Ramalho. Como se movimentam as onças da várzea Amazônica? E como a variação do
nível da água, ao longo do ano, interfere na movimentação
desses animais? Essas são algumas das questões que a pesquisa
busca responder. Esse acompanhamento das onças, por meio
do GPS, dura até dois anos.
André Dib
André Dib
No ano das Olimpíadas no Rio, a onça-pintada foi escolhida como mascote do Time Brasil. Sempre que um animal
é escolhido para representar uma delegação, ou mesmo um
evento esportivo, há expectativa de que mais pessoas se engajem
na conservação da espécie. Ampliar a divulgação em torno
de projetos de conservação da onça-pintada no Brasil é mais
que oportuno. Desde 2008, o Instituto Mamirauá, unidade
de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação,
desenvolve projetos para “entender a ecologia da onça-pintada
nas Florestas de Várzea da Amazônia, visando subsidiar ações
efetivas de conservação da espécie e melhorar a qualidade de
vida das pessoas que convivem com este grande felino”.
Dentre os projetos, está o que estuda o uso do hábitat pela
onça-pintada e já identificou um comportamento inusitado
entre os grandes felinos. Durante a inundação, as onças-pintadas, nas florestas de várzea da Reserva de Desenvolvimento
Sustentável Mamirauá (AM), vivem durante cerca de 4 meses
do ano sobre as árvores, onde criam os seus filhotes e se alimentam. Para identificar e acompanhar esse comportamento,
o Instituto Mamirauá realiza campanha de captura de onças
anualmente. Este ano, a equipe do Instituto esteve em campo
nos meses de Janeiro e Março. Os animais receberam os colares
de GPS e VHF, que registram diariamente a movimentação
dos animais pela floresta na Reserva Mamirauá.
Foram capturadas duas onças, uma delas foi Django, uma
onça preta, macho, de 54kg, medindo 1m80. A surpresa deste
ano foi a captura de uma onça em gestação. Nomeada de
Fofa, a onça-pintada estava com 39kg e media 1m68. Louise
Maranhão, veterinária no Instituto Mamirauá, afirmou que
a gestação é um indicativo de que o ambiente é viável para a
sobrevivência e para a reprodução da espécie. “No momento
da captura, o animal apresentou boa condição corporal, e
ausência de sinais clínicos evidentes para alguma doença. O
animal está bem, possui alimentação no ambiente e está se
reproduzido bem. Demonstra que esse é um ambiente que
está favorável para sua manutenção”, disse.
44
De acordo com Emiliano, o monitoramento da movimentação desses animais ajuda a identificar quais as áreas de vida
que utilizam. “A área de vida é importante, por exemplo, para
termos uma ideia do tamanho de áreas de conservação que a
gente precisa ter, para conservar a espécie. Isso também nos
ajuda a ver a sobreposição dessas áreas, a sociabilidade dos
bichos”, completou Emiliano.
Todo o procedimento de captura é acompanhado por um
médico veterinário. São instaladas armadilhas de laço, que
prendem o animal pela pata, em algumas trilhas na Reserva.
As armadilhas são checadas várias vezes ao dia. Durante o
procedimento, é feito um exame clínico geral no animal.
Durante a captura, os animais também são pesados, medidos
e fotografados. As fotografias contribuem para a identificação
dos animais, a partir da análise do padrão de pintas, marca
única de cada indivíduo.
Além da pesquisa de ecologia das onças-pintadas, essas
informações são base para a manutenção do turismo de observação de onças de base comunitária, mantido em parceria
com a Pousada Uacari. A região onde é realizada a pesquisa
é habitada por comunidades ribeirinhas que participam e são
beneficiadas pela iniciativa. A pesquisa conta com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico (CNPq), para o pagamento de bolsas.
M
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2016
ECO•21
| ano do papagaio |
Gabriela Peretti | Jornalista FGB
Zig Koch - ICMBio
O Brasil celebra em 2016
o Ano do Papagaio
Com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre o tráfico
de papagaios em todo o território brasileiro, a Sociedade de
Zoológicos do Brasil (SZB) definiu 2016 como o Ano do
Papagaio. A campanha nacional, que tem o apoio da Fundação
Grupo Boticário de Proteção à Natureza, realizará ações de
mobilização em diferentes espaços, incluindo zoológicos e
escolas, para que a sensibilização também atinja crianças. No
Brasil, muitas espécies de papagaios, como o de-peito-roxo
(Amazona vinacea), da-cara-roxa (Amazona brasiliensis) e
charão (Amazona pretrei) estão ameaçadas de extinção.
Além de conscientizar a população sobre o tráfico dos
papagaios para que não compre aves provenientes dessa prática, a campanha também pretende abordar a problemática
da perda de habitat, por conta da pressão nos ambientes
naturais, principalmente na Mata Atlântica, bioma mais
ameaçado do país.
De acordo com a coordenadora do Plano de Ação Nacional
(PAN) dos Papagaios da Mata Atlântica, Patrícia Serafini,
esse tipo de iniciativa é muito importante, pois o cidadão
comum precisa ter mais informações sobre esse grande problema. “A população deve se conscientizar de que pode estar
incentivando o tráfico ao comprar animais que não sejam
certificados. Se não existir essa demanda, automaticamente
estaremos reduzindo essa prática”, afirma. ECO•21
Ma
i o
2016
O PAN é uma política pública criada para identificar e
orientar as ações prioritárias para combater as ameaças que
põem em risco as espécies e ambientes naturais brasileiros.
A campanha está alinhada com o PAN dos Papagaios da
Mata Atlântica, que visa a garantir a integridade das populações das espécies por meio da ampliação do conhecimento
científico e ações efetivas de proteção a essas aves.
Segundo a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes, trabalhar com o PAN dos papagaios é
muito importante, pois ele oferece direcionamento das ações
prioritárias para proteção da espécie. Ela destaca que a instituição tem buscado auxiliar os pesquisadores interessados
em proteger as diversas espécies de papagaios brasileiros. “A
pesquisa científica aliada à conscientização da população é
uma fórmula poderosa para promover a conservação e proteção de espécies e ambientes naturais do país”. A Fundação
Grupo Boticário já apoiou 42 iniciativas com papagaios, em
diversas regiões do país.
A articulação para que 2016 fosse definido como o Ano do
Papagaio foi realizada pelo Centro Nacional de Pesquisa para
a Conservação das Aves Silvestres (Cemave), órgão vinculado
ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio), junto com a Sociedade de Zoológicos e Aquários
do Brasil (SZB)
45
| ecofilosofia |
Glen Barry | Presidente e fundador do Ecological Internet (EI)
Nick Kontostavlakis
O futuro ponto de inflexão
ecológico e a grande transição
A consciência ecológica deve alcançar logo uma massa
crítica, por meio da qual massivos recursos comerciais serão
realocados para aumentar as soluções em uma grande transição ecológica; antes que o colapso socioeconômico e da
biosfera se torne inevitável. Um ponto de inflexão ecológico
iminente reflete o curto espaço de oportunidade para reparar
a fragmentada e definhada natureza, claramente em estado
crítico, antes que seja tarde demais.
Após 25 anos de advocacia em ecologia, com certeza
posso dizer que nunca vi tamanha preocupação genuína com
o meio ambiente quanto vejo agora. Isso não levou a ações
necessárias como a radical redução de emissões ou a recusa
à compra de quaisquer produtos oriundos de florestas primárias. Mas, pela primeira vez, o declínio ecológico, incluindo
as mudanças climáticas, é visivelmente aparente e notório a
qualquer pessoa com educação e não pode ser negado por
qualquer pessoa de boa fé e caráter.
Concomitantemente, o gráfico do declínio atmosférico e
dos ecossistemas está pior do que nunca. A humanidade está
colocando a biosfera em grande risco.
46
A galopante poluição industrial e a destruição da vegetação
natural resultam em abruptas mudanças climáticas ocorrendo
muito mais rápido do que o previsto, e alguns ecossistemas
estão falhando em prover a matriz necessária para os serviços
naturais que possibilitam a vida.
A única esperança da família natural é que ocorra um ponto
de inflexão, quando os impactos do colapso da biosfera forem
evidentes – talvez com a morte de milhões de seres devido às
extremas condições do clima – enquanto ainda haja tempo
de implementar soluções suficientes. Chegado a este ponto, a
família humana clamará pelas medidas necessárias para proteger e restaurar os ecossistemas, e acabar com os combustíveis
fósseis numa medida de emergência acelerada.
As perguntas que permanecem é se enquanto o colapso
dos ecossistemas fica evidente, negaremos o ecologismo e
brigaremos entre nós pelo que resta, ou nos manteremos
livres enquanto começamos uma honesta grande transição
para a liberdade verde? Teremos identificado e estaremos
preparados com suficientes soluções ecológicas para atender
as necessidades humanas de manter a Terra viva?
M
a i o
2016
ECO•21
O ponto de inflexão ecológico é um espaço muito curto de
oportunidade para reparar a fragmentada e definhante natureza antes que seja tarde demais. Devemos estar prontos com
modelos de sustentabilidade ecológica para empregar bilhões
de pessoas, enquanto programas de restauração ecológica e
de conservação energética são aplicados.
Enquanto a consciência ecológica e o seu colapso convergem, devemos estar prontos e capazes para por em prática a
multidão de soluções ecológicas que todos conhecemos, mas
não apoiamos o suficiente. Estes esforços talvez sejam apoiados
pelo profundo fosso de resistência ecológica global do qual
não estamos cientes. A Terra é um organismo vivo que vem se
regulando a 3,5 bilhões de anos, cujos esforços permanecem
em grande parte desconhecidos por seus habitantes.
Claramente já passamos o limite ecológico; ultrapassando
limiares em número de espécies perdidas, destruição territorial
de ecossistemas, desigual superpopulação humana e emissões
industriais de carbono, fósforo e
nitrogênio. E nos aproximamos do
limiar de segurança em níveis de
ozônio, acidez do oceano, aerossóis, químicos e agua doce.
No entanto, enquanto o
caos se aproxima, se todos nos
uníssemos aproveitando todos os
recursos à disposição – incluindo
o visível consumo excessivo dos
mais ricos e o lucrativo complexo
militar-industrial que abastece a
máquina de guerra – certamente
poderíamos organizar uma resposta que daria tempo ao ar, à
terra, às águas, aos oceanos para
descansar, se recuperar e florescer
garantindo uma sustentabilidade
ecológica global.
Alcançar o ponto de inflexão ecológico que dispara a grande
transição ambiental antes que seja tarde demais vai requerer
o fim do greenwashing. O que significa aceitar a gravidade da
nossa situação e as necessárias mudanças em nível pessoal e
social, confrontando aqueles que usam o greenwashing para
benefício próprio.
Celebridades ambientalmente ativistas que passam a
vida voando nos seus jatinhos pelo mundo inteiro ficam nos
dizendo que devemos cortar as emissões e grupos burocratas
ambientais financiados por grandes fundações se enriquecem
às custas da indústria madeireira que devasta florestas primárias, eles deveriam ser repreendidos e desmascarados até
mudarem seu comportamento.
Devemos amplificar as vozes daqueles que criam estilos
de vida sem carros, viajando menos, comendo menos ou
nenhuma carne, tendo apenas um filho, limitando seu consumo; e se unindo para refazer uma sociedade pacífica, justa
e equilibrada. As lideranças ecológicas devem se movimentar
em concordância com o que falam.
Os pobres e despossuídos, assim como os que consomem
em excesso, podem aprender juntos o significado do que é
suficiente. Equidade não significa que todos sejam iguais, mas
que as necessidades básicas de todos devam ser atendidas.
Onde quem trabalha mais recebe mais, mas não de uma forma
ridícula que seja em detrimento dos outros e da Terra.
ECO•21
Ma
i o
2016
| ecofilosofia |
Enquanto os modos de vida de ricos e pobres convergem
para níveis razoáveis de disparidade, os talentos de cada um
devem ser aproveitados em iniciativas sem combustíveis
fósseis e aumentar a geração de energia renovável enquanto
conservamos os negawatts.
Vastos recursos podem ser aplicados para recuperar
terras improdutivas e esgotadas expandindo os ecossistemas
naturais historicamente adequados; restaurando e reconectando fragmentos ecológicos negligenciados onde quer que
ainda reste vegetação natural; entremeando a permacultura
orgânica para, mais uma vez, acomodar a raça humana no
acolhedor abraço da natureza. Todo bairro e comunidade
terá seu próprio viveiro de árvores e plantas para criar jardins
agroflorestais e abastecer o replantio para ajudar a crescer
os fragmentos da vegetação natural. Muito esforço deve ser
aplicado ao cuidado de florestas e jardins. Somente deixando
os combustíveis fósseis no subsolo
e retornando para o grande mar da
natureza se pode impedir o colapso
da biosfera, garantindo um futuro
sustentável para a humanidade e
todas as formas de vida.
Enquanto os ecossistemas
entram em colapso, um sofrimento
horrível ficará evidente. Quando
nós, como uma consciência coletiva, entendermos a magnitude da
situação – basicamente quando a
morte em massa de vida humana
e selvagem não puder mais ser
ignorada – teremos de estar prontos para por em prática soluções
ecológicas comprovadas de forma
rápida e prudente. Quanto mais
rápido chegarmos ao ponto de
inflexão ecológico, maiores as
chances de evitarmos o total
colapso da biosfera e o fim do ser. Alguns extremófilos, além
das flores dentes-de-leão e das baratas podem sobreviver, mas
a vida complexa pode chegar ao fim e não há garantias de
que retorne um dia.
Devemos maximizar a probabilidade de que a natureza
permaneça o suficiente para sustentar Gaia, uma Terra viva,
que pode essencialmente viver para sempre. É vital que cada
um de nós se comprometa à grande transição ecológica continuando a disseminar a conscientização. Que cada um de nós
se torne um líder em viver bem, mas consumindo de forma
simples e com muito cuidado. E que nos envolvamos com
a máquina de crescimento mundial para adequar os meios
de empreendimento à nossa imagem. Devemos trabalhar no
sentido de uma mudança ecológica dentro da sociedade e
sua engenharia de produção, pois só convertendo o mundo
dos negócios e dos ricos para nossa causa de sobrevivência
ecológica é que todos poderemos sobreviver.
Infelizmente, acredito que a possibilidade de um ponto
de inflexão ecológica está se esvaindo. E que a migração em
massa, o estado de guerra permanente, a ressurgência do
fascismo autoritário a que estamos assistindo é resultado do
declínio ambiental e da escassez de recursos. O mais cedo que
isto for reconhecido mundialmente, mais rápido poderemos
dar continuidade ao massivo programa de salvar a Terra e
toda sua vida, logo nós mesmos.
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| patrimônio natural |
Tara Ayuk | Jornalista
África tem 17 patrimônios
da natureza em risco
“Não existe a necessidade de se escolher entre patrimônio
e crescimento, entre lindas paisagens e meios de subsistência
dignos. Com as habilidades certas e com competências mais
fortes, podemos aproveitar o potencial que o patrimônio tem
para criar milhões de empregos dignos, ao mesmo tempo
em que fornece um senso de dignidade, inclusão e orgulho”,
destacou Bokova. Para ela, o patrimônio cultural e natural
da África deve ser visto como “uma força para a paz e também condutora do desenvolvimento e da inovação, o que
torna fundamental a sua conservação”. Ela ressaltou ainda
que a UNESCO realizou progressos consideráveis na última
década para aumentar o número de sítios africanos na lista
dos Patrimônios Mundiais, melhorando a conservação e o
gerenciamento de riscos, além de ampliar o envolvimento das
comunidades locais e os benefícios destinados a elas. “Por
meio da proteção dos recursos naturais, de rios e parques,
podemos desencadear uma extraordinária fonte de energia
renovável para todos”, explicou. “A salvaguarda do patrimônio
ajuda na criação de empregos, na promoção da igualdade de
gênero e na erradicação da pobreza.”
A dirigente acredita que os esforços de conservação exigem a mobilização de toda a população e atores envolvidos
em iniciativas de preservação, a começar pelas crianças em
idade escolar, pelas mulheres e homens jovens.
Peter Fearnhead - African Parks
A UNESCO celebrou, pela primeira vez, no dia 5 deste
mês (Maio), o Dia Mundial do Patrimônio Africano para
destacar a necessidade de proteger a cultura e a natureza da
África contra o terrorismo, tráfico, expansão econômica e o
aquecimento global. Dos 129 sítios culturais e naturais da
África considerados patrimônios mundiais, 17 estão ameaçados.
O alerta foi feito pela Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no dia em que
a comunidade internacional comemorou o Dia Mundial do
Patrimônio Africano.
Segundo a Diretora-Geral da agência da ONU, Irina
Bokova, “o rol de ameaças (ao patrimônio) é longo, e vai
desde conflitos armados, terrorismo, tráfico e aquecimento
global, até a expansão urbana descontrolada e a exploração
mineral e petrolífera, tudo isso se desenrolando em meio a
transformações econômicas e sociais sem precedentes”.
Entre os locais ameaçados está o Parque Nacional de
Garamba, na República Democrática do Congo, que abriga
elefantes, girafas, hipopótamos e uma pequena população
– apenas 30 animais – de rinocerontes brancos. Outro sítio
cultural ameaçado são as Tumbas dos Reis de Buganda, em
Uganda. O local guarda os cadáveres em 4 túmulos reais e
é apreciado por sua arquitetura complexa produzida apenas
com materiais orgânicos.
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M
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2016
ECO•21
| dia da biodiversidade |
Irina Bokova | Diretora-Geral da UNESCO
A UNESCO marcou a
16º edição do Dia Internacional da Diversidade Biológica
– comemorado todo 22 de
Maio – pedindo esforços para
o cumprimento da Agenda
2030 das Nações Unidas neste
tema. O Dia da Diversidade
Biológica é dedicado este ano,
2016, ao tema “Integração da
biodiversidade e apoio às pessoas
Irina Bokova
e a seus meios de subsistência”.
Para celebrar este dia dedicado
à preservação da diversidade biológica, a ONU
pediu esforços para descobrirmos formas
de usar os recursos do Planeta de forma
sustentável.
Isso repercute de forma poderosa a visão estabelecida na Agenda
2030 para o Desenvolvimento
Sustentável e Acordo de Paris
sobre Mudança Climática. E é bom
lembrar que a realização dos 17
objetivos globais da ONU exigirão
um esforço mundial sem precedentes de atenuação e adaptação
à mudança climática, para reduzir
seu impacto nas pessoas e em seus
meios de subsistência,
e para se descobrir
formas de usar os
recursos do planeta de
forma sustentável.
A UNESCO lidera a
iniciativa de elaborar soluções eficazes e inclusivas. Por
meio da Convenção do Patrimônio Mundial e da Rede Mundial
de Reservas da Biosfera, bem como do
Programa Mundial sobre Geoparques, a agência da
ONU contribui para a conservação de sítios com valor
universal excepcional, incluindo sua rica biodiversidade.
Os 197 sítios do Patrimônio Mundial natural e as 669
Reservas da Biosfera da UNESCO são plataformas de
aprendizagem para soluções locais de desenvolvimento
sustentável, e abrangem todos os principais ecossistemas.
Os 120 Geoparques Mundiais, em 33 países, exercem
um importante papel na proteção e na educação sobre
patrimônio geológico, de modo a contribuir para a conservação da biodiversidade.
ECO•21
Ma
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2016
Natasha Stockham
Michel Ravassard - UNESCO
Criar a nossa biosfera levou
bilhões de anos
Esses sítios mostram como os
serviços do ecossistema beneficiam
diretamente as comunidades
locais, com a preservação
da natureza caminhando
de mãos dadas com o
desenvolvimento local,
oferecendo exemplos
significativos de desenvolvimento sustentável,
nos quais novos valores
econômicos, sociais e
culturais interagem de
forma harmônica.
Esses sítios refletem
a importância de parcerias em todos os níveis,
estimulando a emergência de sociedades
verdes que são mais
justas na divisão de
benefícios, mais sábias
no uso de recursos e mais
sustentáveis na criação de meios
de subsistência.
Ao combinar o nosso trabalho através
das ciências sociais e naturais, incluindo o
conhecimento local e autóctone, a UNESCO
apoia as comunidades locais, por meio da promoção
da educação para o desenvolvimento sustentável, da
capacitação para a gestão sustentável, do compartilhamento
de boas práticas e da criação de novas redes para proteger
a biodiversidade. Foram necessários bilhões de anos para
que se criasse a biosfera de que nós desfrutamos, com sua
incrivelmente rica diversidade de plantas e animais – é nosso
dever e responsabilidade agir agora para preservá-la para as
gerações futuras.
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Mikhail Gorbachev | Presidente fundador da Cruz Verde Internacional, líder da União Soviética entre 1985 e 1991
Arquivo
Chernobyl mudou nossas vidas
Quase 70 anos atrás, um
grupo de cientistas do Projeto
Manhattan, depois de constatar
o poder destrutivo da energia
nuclear, projetou aquele que foi
chamado de Doomsday Clock
(Relógio do Apocalipse). Um
mecanismo concebido para avisar o mundo da ameaça de uma
iminente catástrofe global.
Este ano, os ponteiros do
Mikhail Gorbachev
“Relógio do Apocalipse” pararam a três minutos antes da
meia-noite da humanidade. A mesma posição em que se
encontravam no auge da Guerra Fria. Por quê? Em nível
global, o número de ogivas nucleares voltou a crescer; mais de
30 países estão em posse de armas nucleares ou podem dispor
delas rapidamente; a Coreia do Norte envia sinais perigosos;
o furto, por parte do Estado Islâmico, não é algo sem fundamento. A tudo isso, acrescentam-se os riscos e os impactos de
uma futura Chernobyl ou Fukushima; os acidentes dentro
dos locais de estocagem ou ligados com o processamento e o
transporte dos materiais nucleares; as mudanças climáticas,
que afetam todos os organismos vivos.
Este ano marca o 30º aniversário da catástrofe de Chernobyl: o pior desastre com o qual a humanidade já teve que
lidar, ligado à incapacidade de cientistas e engenheiros de
prever como problemas aparentemente pequenos podem se
transformar em desastres de escala quase inimaginável.
Penso que Chernobyl é um dos acidentes mais trágicos
do nosso tempo. A partir do momento em que fui informado
por telefone – às 5h daquele fatídico 26/4/1986 – que um
incêndio tinha começado no Reator 4 da central nuclear de
Chernobyl, a minha vida nunca mais foi a mesma.
50
Embora, naquele momento, não se soubesse a real
dimensão do desastre, ficou logo evidente que algo horrível
estava acontecendo. As questões levantadas por Chernobyl
e reiteradas por Fukushima, hoje, estão mais atuais do que
nunca e ainda estão sem resposta.
Como podemos ter certeza de que as nações que possuem
energia nuclear para fins civis ou militares vão aderir às medidas
e normas de proteção necessárias? Como podemos reduzir o
risco que pesa sobre as gerações futuras? Não será que estamos
evitando dar as respostas a essas perguntas quando truncamos
o debate, invocando razões de “segurança nacional” ou a nossa
necessidade ilimitada de energia?
Ao contrário do que afirmam os defensores da energia
nuclear, segundo os quais houve apenas dois acidentes importantes, se quantificarmos a gravidade dos acidentes, incluindo
tanto a perda de vidas humanas quanto danos significativos
às estruturas, surge um quadro muito diferente.
Desde 1952, ocorreram em todo o mundo ao menos 99
acidentes nucleares, que se encaixam nessa definição, com
danos que chegam a um valor de mais de 20,5 bilhões de
dólares. Ou seja, mais de um acidente nuclear e danos de
330 milhões de dólares por ano.
Tudo isso demonstra que há muitos riscos não geridos
ou regulamentados de modo inadequado, uma coisa que, no
mínimo, é preocupante, dada a gravidade dos danos que até
mesmo um único acidente poderia provocar.
É fundamental que qualquer discussão sobre a energia
nuclear seja abordada sob todos os pontos de vista e na sua
complexidade. As usinas nucleares não são apenas um problema de segurança, de ambiente ou de energia. Mas todas
essas coisas juntas.
E, como a Cruz Verde Internacional defende há anos,
trata-se de aspectos do mesmo problema que devem ser
debatidos como um todo.
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2016
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