W ashington Novaes • Irina Bokova • Fabio Feldmann • Sarney Filho
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W ashington Novaes • Irina Bokova • Fabio Feldmann • Sarney Filho
Washington Novaes • Irina Bokova • Fabio Feldmann • Sarney Filho ISSN 0104-0030 Ano XXVI • Nº 234 • Maio 2016 • R$ 15,00 • www.eco21.com.br • facebook.com/revista.eco21 Cezar Cerqueira Leite • Marina Grossi • Alfredo Sirkis • Carlos Rittl ECO•21 w w w. e c o 2 1 . c o m . b r ECO•21 A n o X X V I • M a i o 2 016 • N º 2 3 4 Diretora Lúcia Chayb Editor René Capriles Redação Regina Bezerra, Rudá Capriles Colaboradores André Trigueiro, José Monserrat Filho Leonardo Boff, Samyra Crespo Evaristo Eduardo de Miranda Sergio Trindade Fotografia Ana Huara Correspondentes no Brasil São Paulo: Lea Chaib Belém: Edson Gillet Brasil Correspondentes no Exterior Bolívia: Carlos Capriles Farfán México: Carlos Véjar Pérez-Rubio Itália: Mario Salomone e Bianca La Placa França: Aurore Capriles Representante Comercial em Brasília Minas de Ideias Serviços Informativos Argentina: Ecosistema Brasil: Envolverde, ADITAL, EcoAgência, EcoTerra, O ECO, Ambiente Brasil França: Valeurs Vertes, La Recherche Itália: ECO (Educazione Sostenibile) México: Archipiélago Direção de Arte ARTE ECO 21 CTP e impressão Gráfica Colorset Jornalista Responsável Lúcia Chayb - Mtb: 15342/69/108 Assinaturas Anual: R$ 130,00 [email protected] Uma publicação mensal de Tricontinental Editora Av. N. Sra. Copacabana 2 - Gr. 301 22010-122 - Rio de Janeiro Tel.: (21)2275-1490 [email protected] www.eco21.com.br Facebook www.facebook.com/revista.eco21 Os Ministros do Meio Ambiente ficam longe da Lava-Jato A administração política ambiental brasileira dos quatro últimos Ministros do Meio Ambiente se caracteriza por um denominador comum: nenhum deles, desde Marina Silva (Ministra de 1/1/2003 a 13/5/2008), passando por Carlos Minc (27/5/2008 a 31/3/2010), Izabella Teixeira (1//4/2010 a 12/5/2016) até Sarney Filho (foi Ministro a primeira vez de 1/1/1999 a 5/3/2002, e reassumiu agora em 12/5/2016), esteve citado em algum processo irregular decorrente da sua gestão. Esse fato é uma anomalia política num conjunto ministerial que envolve as áreas da agricultura, da energia, da pesca, do saneamento básico, das cidades, da saúde, etc. cujos titulares muitas vezes tiveram que se explicar perante a justiça federal. A área ambiental foi muitas vezes criticada por diversos setores ministeriais sendo acusada de impedir o desenvolvimento econômico agrícola e industrial. No campo da energia, a construção da Usina de Belo Monte recebe hoje graves acusações de corrupção, da mesma forma, a central nuclear Angra 3. Já diversos políticos do agronegócio são acusados de conluio com as empresas multinacionais proprietárias das sementes transgênicas e dos agrotóxicos, além de ter influído na mudança do Código Florestal para uma versão que não preserva as matas ciliares e facilita o desmatamento. No campo da mineração, a tragédia de Mariana é o maior exemplo da transgressão das leis ambientais, tendo como resultado a destruição de todo o bioma do Rio Doce. Hoje o Congresso Nacional está propondo um novo Código Minerário cuja permissividade para a exploração mineral é assustadora. Outro exemplo é a transposição das águas do Rio São Francisco, que é também acusada de superfaturamento, teve sérios questionamentos sobre a sua efetividade. A exploração predatória da pesca fluvial e principalmente marinha já levou aos titulares desse ministério a responder questionamentos judiciais. Nesse panorama, as gestões dos últimos Ministros do Meio Ambiente podem ser consideradas verdadeiros exemplos de probidade. No linguajar do Supremo Tribunal de Justiça, os Ministros diriam “nihil obstat”, apesar de todas as grandes pressões que cada um deles teve por parte de emissários do universo político e de um particular setor lobista empresarial. Nos acontecimentos dos últimos tempos, a Ministra Izabella Teixeira teve que deixar seu posto, mas, afortunadamente, o Governo Temer teve a sensatez de nomear Sarney Filho para sucedê-la. “Nihil obstat”! Gaia viverá! 4 Eric Von Farfan - Sarney Filho assume o Ministério do Meio Ambiente 5 Camila Caetano - Entrevista com Sarney Filho 6 Alfredo Sirkis - Enfrentando em Bonn as crises climática e econômica 8 Viviane Monteiro - Brasil deve ajustar emissões 9 Carlos Rittl - O silêncio não é uma opção 10 Pedro Martins - Fim do licenciamento ambiental é um retrocesso no Senado 11 Fabio Feldmann - PEC-65: os riscos para o país 12 Washington Novaes - A legislação ambiental sob muito atropelos 14 Marina Grossi - Um diálogo produtivo, eficiente e necessário 16 Joel Jaeger - Coalizão mostra que cidades melhores são viáveis 18 Diuliane Silva - A Lei de Gestão de Florestas Públicas dez anos depois 20 Cezar de Cerqueira Leite - A ciência brasileira aos trancos e barrancos 22 Timothy Hurst - As renováveis empregam 8,1 milhões de pessoas no mundo 24 Luis Otávio Colaferro - Veto ao solar? Depende do ponto de vista! 25 Mário Cesar de Mauro - A reciclagem sofre com a falta de incentivos no Brasil 28 Marta Moraes - Ações valorizam a Caatinga 29 Aldem Bourscheit - CI lança perfil do Cerrado 30 Renata Amaral - STF garante rotulagem de qualquer teor de transgênicos 31 Ming Liu - Unificar setor de orgânicos para enfrentar a crise 32 Romeu Mattos Leite - Agricultura orgânica: para além do nicho de mercado 36 Marcia Hirota - Velho Chico na vida real 37 Roberto Malvezzi - Será a derrota do Sertão? 38 Leda Letra - Metade da população mundial sofrerá falta de água em 2030 40 Kevin Fryling - É provável que haja um trilhão de micróbios na Terra 42 Alana Gandra - JBRJ inaugura projeto de criação de abelhas sem ferrão 43 Maria Lucia F. T. Moscatelli - Abelhas urbanas e sem ferrão 44 Amanda Lelis - As onças de Mamirauá: um comportamento inédito 45 Gabriela Peretti - O Brasil celebra em 2016 o Ano do Papagaio 46 Glen Barry - O futuro ponto de inflexão ecológico e a grande transição 48 Tara Ayuk - África tem 17 patrimônios da natureza em risco 49 Irina Bokova - Criar a nossa biosfera levou bilhões de anos 50 Mikhail Gorbachev - Chernobyl mudou nossas vidas Lúcia Chayb e René Capriles Capa: Periquitão-maracanã - Aratinga leucophthalma Ilustração: Tomas Sigrist | política | Eric von Farfan | Jornalista (com informações da Agência Brasil e do Partido Verde) Sarney Filho assume o Ministério do Meio Ambiente O maranhense José Sarney Filho (PV-MA) foi eleito para o seu primeiro mandato de Deputado Federal em 1982, e hoje está em seu nono mandato consecutivo na Câmara dos Deputados. O advogado de 58 anos é filho do ex-Senador José Sarney e assume o Ministério do Meio Ambiente no governo do Presidente interino Michel Temer. O Deputado, também conhecido como Zequinha Sarney, já comandou a pasta do Meio Ambiente durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1999 e 2002, e foi Secretário de Assuntos Políticos do Maranhão de 1988 a 1990. Participou da Assembleia Nacional Constituinte no grupo para Estudos da População e foi um dos autores dos dispositivos que tratam do planejamento familiar. Na Câmara dos Deputados, Sarney Filho foi membro titular das Comissões Permanentes de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa, além de várias comissões especiais, como da Mineração, da Crise Hídrica no Brasil, da Exploração de Recursos de Terras Indígenas e da Regulação de Defensivos Fitossanitários. Coordenou a Comissão Externa do Rompimento de Barragem na Região de Mariana-MG. Pelo “Prêmio Congresso em Foco”, foi escolhido em 2009 pelos jornalistas que cobrem o Congresso Nacional como um dos melhores representantes da Câmara dos Deputados; em 2010, ficou entre os cinco parlamentares indicados como Destaque em Defesa do Meio Ambiente. Sarney Filho tem atuação destacada na área do meio ambiente, sobretudo, nas discussões para prevenção de incêndios florestais e agressões a unidades de conservação e de ações de biopirataria. Em 1997, liderou a criação da Frente Parlamentar Ambientalista para o Desenvolvimento Sustentável, que coordenou até 1999. Atualmente, é membro do Conselho Consultivo da Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres (Renctas). No dia 17 de Abril, na Câmara dos Deputados, votou a favor do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. 4 Pouco antes da sua nomeação, 33 ambientalistas assinaram uma Carta Aberta enviada ao Presidente interino Michel Temer. Nela eles dizem: “Os cidadãos brasileiros que subscrevem a presente, líderes do segmento de meio ambiente e sustentabilidade de larga atuação na sociedade civil, desejam expressar sua satisfação com a consideração dada à possibilidade da nomeação do Deputado Federal José Sarney Filho como titular do Ministério do Meio Ambiente, e sua esperança de que, uma vez concretizada a mudança de governo, esta nomeação possa ser efetivada. [...]A estagnação experimentada pela agenda de gestão ambiental federal em anos recentes arrisca fazer com que o Brasil perca de vez oportunidades de desenvolvimento econômico e social que o Século 21 coloca às nossas portas, mas não temos logrado aproveitar”. Assim que assumiu o Ministério, Sarney Filho afirmou que a tragédia de Mariana está entre suas prioridades. No seu último ato na Câmara, antes de assumir a pasta no Governo de Michel Temer, o parlamentar apresentou o relatório final da Comissão Externa criada para acompanhar e avaliar os desdobramentos do rompimento da barragem. O relatório responsabiliza a empresa Samarco pela tragédia e suas consequências, mas pede também a apuração das responsabilidades dos órgãos envolvidos no licenciamento e fiscalização da atividade. “Eu não posso, como Ministro do Meio Ambiente, desconhecer o conteúdo desse relatório. Então, evidentemente que nós vamos atuar firmemente para que tragédias como esta não possam jamais ocorrer novamente”, disse Sarney Filho. O Ministro é autor de um Projeto de Lei que aumenta a área, reduzida pelo Código Florestal, que considerou a média das cheias dos rios como parâmetro de proteção e não o ponto alto das cheias, como a legislação anterior. Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo Ministério Público Federal, em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), pede a revogação da medida. Sarney também anunciou que vai concluir o Cadastro Ambiental Rural (CAR), outra medida prevista no Código Florestal. M a i o 2016 ECO•21 | política | Camila Caetano | Jornalista do Partido Verde O MMA se baseará na política ambiental do Partido Verde Entrevista com Sarney Filho Lucio Bernardo Junior - Agência Camara Ministro do Meio Ambiente Outra questão que muito nos preocupa é a tragédia causada pelo rompimento da barragem de minérios da Samarco, em Mariana, Minas Gerais, que não acabou. No Ministério do Meio Ambiente, continuaremos a acompanhar e ajudar nas medidas necessárias para atender as vítimas e recuperar o meio ambiente. Outros temas da agenda ambiental, como o Acordo de Paris (COP-21), o Cadastro Ambiental Rural (CAR), e o Código Florestal serão reforçados? Sarney Filho foi nomeado no dia 12 deste mês (Maio) Ministro do Meio Ambiente e ocupará a pasta pela segunda vez. Iniciou sua trajetória na vida pública ainda jovem eleito Deputado Estadual pelo Maranhão em 1978, no mesmo ano migrou para o Partido Democrático Social (PDS) e foi eleito para o seu primeiro mandato de Deputado Federal em 1982. Foi reeleito em 1986, 1990, 1994, 1998 e 2002. Afastou-se do mandato para ocupar o Ministério do Meio Ambiente no Governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1 de Janeiro de 1999 e 5 de Março de 2002. Desde 2005, está filiado ao Partido Verde (PV) e foi reeleito para o seu sétimo mandato consecutivo em 2010, sendo um de seus principais líderes no Congresso Nacional. Quais serão suas prioridades na gestão do Ministério do Meio Ambiente? Teremos, sem dúvida, muitos desafios, entre eles a pressão para flexibilizar o licenciamento ambiental. Nas nossas ações, as nossas respostas não serão de nenhuma facilitação que vá contra a legislação atual. Nossa agenda não será de confronto, mas de consenso, tendo como base as posições que a Bancada do Partido Verde no Congresso Nacional sempre defendeu, com a busca da sustentabilidade, de melhor qualidade de vida para esta e para as futuras gerações. A respeito de Mariana, como atuará em relação ao pior acidente ambiental do Brasil? ECO•21 Ma i o 2016 Também vamos implementar e ampliar os compromissos brasileiros assumidos na Conferência Mundial sobre o Clima em Paris, a COP-21, mantendo o protagonismo na agenda climática e, a partir dela, buscar adequações para que a gente possa implementar nossos objetivos. Reforçaremos a agenda que já é cumprida pelo Partido Verde para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, enfrentando as graves crises hídricas, mudança de clima regional, processos de desertificação, todos têm como causa principal a mudança climática, que é algo global. Outra prioridade será implementar o Código Florestal no que diz respeito ao Cadastro Ambiental Rural (CAR), e abrir a possibilidade para os Pagamentos por Serviços Ambientais. É pela implementação do CAR que teremos um instrumento adequado para fazer a recuperação das áreas degradadas. Como o senhor vê a participação do Partido Verde em sua gestão no MMA? A crise ambiental passa além da ideologia de partidos, no mundo e aqui. Estamos vivendo um momento muito tenso da vida nacional, as posições estão muito exacerbadas. A questão ambiental se dá dentro de uma visão mais avançada de sociedade, que não discute se é de esquerda ou de direita, mas se garante os direitos difusos da sociedade, os direitos de quem nem nasceu ainda. É dentro desta perspectiva que temos que atuar. Para isso estou convidando os melhores quadros, sem nem querem saber de que partidos são. Com o apoio do Partido Verde, vamos difundir as nossas bandeiras em todos os níveis de governo, sendo proativos em nossas ações, envolvendo as comunidades, as organizações da sociedade civil, especialistas e o parlamento. 5 | conferência de bonn | Alfredo Sirkis | Jornalista, Escritor, Político e Diretor-Executivo do Centro Brasil no Clima IISD Enfrentando em Bonn as crises climática e econômica Tomasz Chruszczow, Laurence Tubiana, Carlos Fuller, Alfredo Sirkis e Katia Simeonova, na Conferência sobre o Clima de Bonn, Maio de 2016 Fui convidado pela Convenção sobre Mudanças Climáticas, a UNFCCC, para “facilitar” (de certa forma presidir) um encontro de especialistas sobre “O valor social e econômico do carbono”, discussão aberta pelo texto da decisão da Conferência do Clima de Paris, a COP-21. O debate, realizado na Bonn Climate Change Conference, dando sequência à COP-21 e preparatória da COP-22 na sexta-feira dia 20/5, foi uma boa surpresa, porque era uma oportunidade para lidar com o maior obstáculo à transição rumo às economias de baixo carbono/ neutras em carbono, que é o seu financiamento. Na UNFCCC essa questão é tradicionalmente tratada pelo Comitê Permanente sobre Finanças, que é uma instância disfuncional, polarizada por uma velha discussão “Norte-Sul” totalmente sem saída. É movida pela ilusão que a transição global possa ser financiada pela “responsabilidade histórica”, ou seja, que os governos dos países desenvolvidos o farão. É um dialogo de surdos. A discussão em geral gira em torno dos US$ 100 bilhões/ ano que teoricamente os países “do Norte” deverão prover a partir de 2020, metade para mitigação e a outra para adaptação. Até agora só se materializaram US$ 10 bilhões, e outros US$ 60 bilhões estão “apalavrados” (em termos absolutos, não anuais). Esses governos simplesmente não possuem esses recursos nem as condições políticas internas para aportá-los. Poderiam, no entanto, oferecer parte deles e garantias necessárias para mobilizar o resto no setor financeiro privado, mas a polarização de “tudo ou nada” no Comitê Permanente não ajuda. Esse tema foi um dos poucos a não avançar quase nada em Paris. Mesmo que se materializassem em dinheiro líquido, esses US$ 100 ou US$ 120 bilhões anuais ficariam ridiculamente aquém do que é preciso para financiar a transição, cujo custo anda mais próximo dos US$ 3 trilhões/ano. 6 Incluindo a adaptação, pode chegar a US$ 5 trilhões. De onde virá toda essa dinheirama? Os governos, todos, estão na ou perto da lona. Todos têm déficits e forte endividamento, estamos muito longe da era de Bretton Woods quando os EUA tinham disponibilidade financeira para um Plano Marshall, na Europa devastada pela II Guerra e havia uma outra tolerância do sistema para grandes déficits, prevalecendo uma abordagem keynesiana. Hoje onde está a grana do mundo? No sistema financeiro global: cerca de US$ 220 trilhões, quase todos aprisionados numa “financialização” especulativa que se tornou a marca do capitalismo contemporâneo. Há dias, até a conservadora revista Time publicou uma reportagem de capa condenando esse onanismo financeiro, no qual o capital manipula sua auto-multiplicação quase sem passar pela economia produtiva. A pergunta dos muitos trilhões é como atrair uma parte que seja desses capitais, travados na especulação, de volta ao sistema produtivo e para uma transição rumo às economias de baixo carbono/carbono neutras. Aqui aparece com reveladora clareza que os caminhos para tirar a economia mundial de sua estagnação e para enfrentar as mudanças climáticas – o principal problema da humanidade, porque agrava todos os demais – são bastante convergentes. Por inspiração da proposta brasileira, que ajudamos a construir e que redundou no parágrafo 108 da Decisão de Paris, 196 nações reconheceram o “valor social e econômico” das ações de mitigação. Isso estabelece que a redução ou a remoção de carbono da atmosfera possui um valor econômico intrínseco, o que abre a trilha para uma verdadeira revolução na economia e na finança mundiais. Indica um caminho no qual o financiamento maciço da transição para economias de baixo carbono será lastreado por esse novo valor. M a i o 2016 ECO•21 | conferência de bonn | A precificação “real”, ou seja, a atribuição de um preço à tonelada de carbono, é extremamente útil e necessária por parte dos países e empresas, e se relaciona com as possibilidades de taxação do carbono e à incorporação das chamadas “externalidades” aos preços dos produtos e serviços considerados carbono-intensivos. Mas sua dinâmica, assim como a da necessária supressão da oferta de subsídios, é eminentemente nacional. Cada país vai ter que tratar da sua, pois os sistemas de taxação/subsídios são nacionais e, eventualmente, subnacionais. O encontro de especialistas que presidi em Bonn não foi tão longe; na verdade, não chegou nem a focar bem no parágrafo 108 e suas implicações práticas. A seleção dos palestrantes e dos subtemas acabou colocando na mesa diversos mecanismos diferentes: mercados de carbono, precificação “real” e taxação do carbono, fim dos subsídios a combustíveis fósseis e precificação “positiva”. São todos instrumentos que fazem parte de uma “caixa de ferramentas”; cada um serve a um determinado propósito. Pode-se dizer que sejam complementares. Os “mercados” dão mais eficiência e agilidade para alcançar as metas já determinadas de mitigação. São um instrumento limitado. Útil, desde que evitados problemas como a “dupla contagem” e recuperada a desvalorização ocorrida por causa de excessos especulativos. Há dúvidas sobre como funcionarão na era pós-Paris, quando todos os países têm sua meta (a chamada INDC - Intended Nationally Determined Contributions, em português, Contribuições Nacionalmente Determinandas Pretendidas) a cumprir. Haverá margem para negociar créditos de carbono? Não sabemos ainda. Para a precificação positiva, a maior importância do encontro de Bonn foi ele ter sido realizado. Sua proponente foi a embaixadora francesa Laurence Tubiana, que está se convertendo numa forte defensora da causa. O “Secretariado” (a burocracia da UNFCCC) resistiu um pouco, pediram até para tirar um slide da minha apresentação porque “avançava demasiado”, mas no final o tema acabou legitimado na ONU e veio para ficar. Em Junho teremos um novo seminário no Rio de Janeiro; em Setembro, um grande colóquio internacional em Londres, e certamente haverá um ou mais eventos paralelos sobre o tema na COP-22, em Marrakesh. No entanto, a construção do mecanismo de financiamento que irá operacionalizar o conceito do parágrafo 108 será construído mais fora do contexto da ONU, possivelmente sobre o guarda chuva do G20 e de um “Clube do Clima” formado por alguns governos, bancos de investimentos, bancos centrais e organismos multilaterais e financeiros pioneiros que se disponham a garantir e começar a operar com certificados de redução de carbono, esse embrião de uma futura “moeda do clima”. Sejamos ambiciosos. Precisamos ser. IISD Valor, na história da humanidade, sempre foi criado com base numa necessidade histórica premente e, depois, seguido dos mecanismos simbólicos de representação desse valor no caminho, de sua precificação: ouro, moeda, dinheiro de papel, dinheiro eletrônico etc. Assim, considerando-se a necessidade histórica contemporânea, suscitada pela ameaça premente das mudanças climáticas, não será surpresa se esse reconhecimento de valor redundar futuramente numa nova moeda de reserva. Mas deixemos essa discussão para mais adiante. ECO•21 Ma i o 2016 7 | gee | Viviane Monteiro | Jornalista do Jornal da Ciência da SBPC Brasil deve ajustar emissões Alessandro C. Araújo Com a revisão da quantidade de gás carbônico emitido pelo Brasil na atmosfera em 2005 – de 2,1 bilhões de toneladas para 2,73 bilhões de toneladas – o País terá de traçar metas mais ousadas para o Acordo de Paris sobre Mudanças do Clima. A observação é do ambientalista Tasso Azevedo, Coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima. Segundo ele, os números brasileiros previstos no plano climático, entregue ao Acordo de Paris, precisam ser revistos porque foram traçados com base na estimativa do segundo inventário brasileiro, hoje desatualizado. O Brasil se comprometeu a reduzir as emissões de gás carbônico em 37% até 2025 e em até 43% até 2030, em relação aos números de 2005 – ano em que o Brasil mais emitiu dióxido de carbono na atmosfera, em decorrência do aumento do desmatamento e que também serve de referência para as metas previstas no Acordo de Paris, assinado em 12 de Dezembro de 2015. Pelos cálculos do especialista, solicitados pelo Jornal da Ciência, os novos percentuais relacionados à redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) devem ser de 52% até o ano de 2025 e de 55% até 2030, em relação a 2005. “Ajustar os percentuais é a coisa mais certa que o Brasil terá que fazer, mostrando que o País continua com o mesmo compromisso em termos de emissões absolutas para 2025 e 2030”, disse Tasso Azevedo. 8 “Os novos números mostrarão o Brasil propondo umas das reduções proporcionais mais ousadas do mundo, embora o esforço seja relativamente o mesmo (que é o de reduzir o desmatamento)”, analisou o ambientalista. No caso dos números absolutos, Azevedo disse que eles permanecem os mesmos para 2025 e 2030, de 1,3 GtCO2emitido e 1,2 GtCO2e, respectivamente. Reflexo do avanço da Ciência Na opinião de Azevedo, a revisão dos dados brasileiros sobre a redução de emissões de CO2 na atmosfera reflete os avanços e reforça o compromisso do Brasil com a “boa Ciência”. Os dados sobre o clima são realizados por quase 100 instituições científicas brasileiras, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). O especialista do Observatório do Clima estranhou o fato de a Presidente Dilma Rousseff, que enfrenta processo de impeachment, ter perdido a oportunidade de apresentar os novos dados na cerimônia de assinatura do Acordo de Paris, na sede da ONU, no dia 22 de Abril último. “Esses números existem há um ano e já deveriam ter sido divulgados”. Não há ponto negativo em publicar o número revisado. Mas o pessoal do Governo pode ter ficado desconfortável de que a revisão do número poderia ser interpretada como erro. “Mas a Ciência evolui ao longo do tempo e é normal que os números sejam revisados”, disse. “O que gerou estranheza na comunidade científica e na área ambiental é o Governo ter sentado em cima do número correto, real e do que há de melhor da ciência brasileira”, considerou. Um dia após os dados terem vazado à imprensa, o MCTI divulgou, na sexta-feira 6 deste mês (Maio), dados positivos registrados em 2010. Segundo o levantamento, o total de CO2emitido na atmosfera pelo Brasil em 2005 saiu de 2,73 bilhões de toneladas para 1,27 bilhão em 2010, uma redução de 53,5% em cinco anos. Os dados constam da Terceira Comunicação Nacional do Brasil (TCN), submetida em Abril à Convenção sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). A Ministra em exercício da pasta de CT&I, Emília Ribeiro, disse que a metodologia de cálculo desenvolvida pela equipe do MCTI é de última geração. “Vamos transmitir conhecimento para estudo do clima e efeito do gás carbônico no mundo todo”, disse a Ministra em texto publicado no portal do Ministério. Em nota, o Observatório do Clima diz que o Brasil atrasou, mas fez o dever de casa e enviou às Nações Unidas sua Terceira Comunicação Nacional, que contém o novo inventário brasileiro de Gases de Efeito Estufa. “O novo inventário, feito à luz da melhor ciência disponível, aumenta nossa conta com o clima e impõe ao Brasil a necessidade de reajustar a meta apresentada para o Acordo de Paris”, reforça Carlos Rittl, Secretário-Executivo do Observatório do Clima, em nota publicada no portal da instituição. M a i o 2016 ECO•21 | política ambiental | Carlos Rittl | Secretário-Executivo do Observatório do Clima OC O silêncio não é uma opção Poderemos prosseguir no “business as usual” sem qualquer problema diplomático – apenas intensificando a causa dos desastres naturais causados pelo clima que apenas no ano passado levaram 28% dos municípios a decretar estado de emergência ou calamidade e que impõem perdas econômicas e humanas. Só que o mundo está se afastando do business as usual. Até o maior poluidor global, a China, já coloca a sustentabilidade como um dos pilares do seu crescimento, evidenciado no lançamento de seu novo Plano Quinquenal. Quanto mais o mundo se afastar do modelo econômico atual, menor será a demanda por petróleo – que já começa a enfrentar a concorrência das renováveis, cujos preços estão cada vez mais competitivos. Essa combinação é nefasta para qualquer petroleira, mas pode ser fatal para aquelas cujas reservas têm custo de extração elevado. Como o pré-sal, por exemplo. No entanto, apesar disso, vimos em Abril a Assembleia Geral da Petrobras confirmar a opção da empresa pelos combustíveis fósseis e o afastamento do pouco que a estatal planejou fazer em termos de renováveis. Além de não fazer sentido quando lembramos que são justamente os combustíveis fósseis que estão alterando o clima do Planeta e que acabamos de assinar um acordo global prometendo combater o aquecimento global, a extração do petróleo do pré-sal corre sérios riscos de ser um péssimo investimento. Todos nós acabamos de testemunhar o que acontece com a economia brasileira quando a Petrobras vai mal. A exemplo dos eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas, também as crises econômicas tendem a ser mais sentidas pelos mais pobres e vulneráveis. Por isso, o silêncio não é uma opção. Cabe a cada um de nós – ambientalistas, cientistas, professores, estudantes, empresários – elevar sua voz em favor de um desenvolvimento limpo e da descarbonização da economia até o meio deste século. Neste momento de transição, é fundamental que a sociedade se manifeste e se faça ouvir. Porque o Governo pode até mudar, mas os desafios que precisamos enfrentar permanecem os mesmos. Katharina Grosse O atual cenário político suscita muitas incertezas. Com exceção das questões ambientais. Em relação a elas, está ficando cada vez mais claro que, quaisquer que sejam os desdobramentos, são enormes os riscos de continuarmos com o país mergulhado no modelo de desenvolvimento que nos trouxe a crise atual. Carlos Rittl Tratar meio ambiente como se fosse uma ameaça ao desenvolvimento do Brasil tem sido a tônica do Governo Dilma e é parte do DNA do PMDB dos ruralistas e dos executivos da Petrobras. A mudança de comando do Planalto nos traz pouco alento, portanto. Basta olhar o rascunho do plano de governo peemedebista: ele não faz qualquer menção a “meio ambiente”, “mudança climática”, “energia renovável” e “baixo carbono”. As notícias das últimas semanas apenas reforçam nossas preocupações. A começar pelos números da Terceira Comunicação Nacional à Convenção sobre o Clima da ONU, que finalmente veio a público no começo de Maio, contra a vontade do Governo, após a imprensa descobrir sua existência. Eles mostram que as emissões de Gases de Efeito Estufa do Brasil em 2005 foram 28,6% superiores ao estimado no inventário anterior. O problema é que esse é o ano-base para nossas metas de redução prometidas no Acordo de Paris. Nossa meta precisa com urgência ser reajustada para refletir a atualização dos números do ano-base. E, em 2018, precisa também – juntamente com as metas dos outros países – ser revisada, sob pena de ser inócua para manter a elevação da temperatura média do Planeta bem abaixo dos 2°C, como nos comprometemos a fazer. ECO•21 Ma i o 2016 9 Pedro Martins | Advogado da ONG Terra de Direitos Fim do licenciamento ambiental é um retrocesso no Senado No presente e multifacetado ataque à democracia, os retrocessos sociais destacam-se nesse ambiente perverso em que se tornou o parlamento nacional. Parcela do Senado se aproveita das tensões do Governo e da tímida abertura da Presidenta Dilma a algumas pautas, como a da demarcação de Terras Indígenas, para remar a favor de uma maré mais conservadora, no possível e eventual Governo Michel Temer. Muitos políticos e a sociedade civil, no Brasil, receberam na manhã da quinta-feira 28 de Abril último a notícia de que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65/2012 havia sido aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. A notícia tem um toque importante ao ser dada pela manhã, o que não foi à toa. A decisão nem chegou à pauta do Jornal Nacional da Rede Globo da noite de quarta-feira, pois a aprovação do parecer favorável do Senador Blairo Maggi (e Relator Ad Hoc João Capiberibe) viria a acontecer apenas na madrugada. O Senado – que agora não para de trabalhar – desafiou a própria Constituição ao aprovar tal PEC que aniquila os princípios do Direito Ambiental. A matéria da PEC é a alteração do procedimento de licenciamento ambiental, instrumento previsto para concretização de princípios como a precaução e a prevenção. É também o licenciamento que condiciona as autorizações do Estado a serem fundamentadas em estudos complexos sobre os impactos ambientais positivos e negativos a serem causados por empreendimentos. Na nova proposta, a mera apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) garantirá a Licença de Operação, sem condicionantes a serem cumpridas, sendo impossível a suspensão ou cancelamento da Licença a não ser que durante sua execução fato novo a justifique. Se a empresa interessada no licenciamento já realiza o EIA – o que tende a ter resposta positiva automática – já pode dar início as atividades. 10 Essa flexibilização tem como consequência grave cair por terra toda forma de controle ambiental de empreendimentos como portos, hidrelétricas e sistemas de transporte. Essa agenda política foi reforçada nos últimos tempos, na oportunidade de facilitar a construção de grandes empreendimentos, desconsiderando as tragédias socioambientais que ocorrem por fraudes ao licenciamento (hoje fundamentado ainda no art. 225 da Constituição Federal, na Lei Nº 6.938/81 e em Resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA). O Senador Romero Jucá também havia proposto o Projeto de Lei Nº 654/2015, com conteúdo semelhante, mas para alterar Lei federal, e não a Constituição. O controle de constitucionalidade a que deveria se prestar a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado foi tirado de campo nessa partida, mas a Constituição não pode ser alterada para gerar retrocessos jurídicos. A PEC, mesmo se for aprovada, será inconstitucional. Como já virou hábito na Câmara e no Senado, o Brasil segue perdendo de 7×1. Mas, o campo ainda é nosso, do povo, e o jogo da PEC 65/2012 continua nas próximas deliberações e votações no Congresso. O Diretor Executivo do PNUMA, Achim Steiner, criticou a possibilidade de flexibilização da Lei ambiental brasileira. “Penso que a legislação ambiental não é suficiente hoje. Por isso, precisamos reforçar as leis. Há um consenso na sociedade de que o país não pode destruir em nome do desenvolvimento. Quem paga pela poluição e pela destruição dos ecossistemas é a sociedade. Nos próximos anos tem que se endurecer a legislação. O sistema de licenciamento depende de duas partes: uma empresa e uma autoridade independente, da Justiça ou do Governo”. Steiner participou do Congresso Mundial de Direito Ambiental, no dia 29 de Abril último, na cidade do Rio de Janeiro. M a i o 2016 ECO•21 | política ambiental | Fabio Feldmann | Consultor em sustentabilidade. Foi Deputado Constituinte em 1988 Arquivo Edilson Rodrigues PEC-65: os riscos para o país Com a aprovação pelo Senado da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65, que permite a realização de obras públicas sem a análise dos impactos ambientais, o Brasil adentra o necessário debate sobre o tema pela “porta dos fundos”. Sob o pretexto da simplificação, o resultado catastrófico será o total esvaziamento da avaliaFabio Feldmann ção ambiental e da participação da sociedade na discussão dos empreendimentos com significativo impacto, contrariando o que determina a Constituição de 1988. Embora se alegue que a participação pública pode tornar a licença mais lenta, estudos internacionais demonstram exatamente o contrário, desde que essa participação seja feita de forma efetiva. Com a garantia de maior legitimidade de todo o processo de licenciamento ambiental, teríamos menor risco de judicialização e, com isso, ampliaríamos a segurança jurídica em relação a todos os envolvidos. Diante desse cenário, ficam as perguntas: até que ponto a avaliação ambiental, tal como praticada no Brasil, é um instrumento de proteção ambiental e que garante os direitos das futuras gerações? É bom lembrar que a avaliação ambiental foi introduzida nos EUA em 1969 através do National Environmental Policy Act (NEPA), considerado pelos juristas a Carta Magna do Direito Ambiental norte-americano. O modelo se tornou inspiração e foi adotado, com pequenas diferenças, por mais de 150 países, exatamente por assegurar a participação da sociedade no processo de decisão sobre a implantação de empreendimentos. Além dos países, as principais agências multilaterais também incorporaram nas suas normas internas a exigência da avaliação ambiental. Não podemos deixar de mencionar também que o FMI, no exame de pedidos de empréstimo, tem buscado seguir padrões de proteção ambiental, por meio de análises de impacto. Especialmente a partir da RIO-92, a avaliação ambiental e a participação pública ganharam foro no Direito Internacional, a exemplo dos Princípios 10 e 17 da Declaração do Rio, além de disposições expressas nas duas mais importantes Convenções lá assinadas: sobre Biodiversidade e sobre Mudanças Climáticas. Mais recentemente, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a RIO+20, realizada no Rio de Janeiro em 2012, reafirmou esses compromissos em seu documento “The Future We Want”. ECO•21 Ma i o 2016 Além de tratados internacionais subscritos pelos países, vale lembrar também dos Princípios do Equador, iniciativa que traz para o setor financeiro um conjunto de diretrizes a serem observadas no financiamento de grandes projetos, com ênfase na identificação de riscos socioambientais. Seu Princípio Nº 2 versa especialmente sobre “Avaliação Socioambiental”. Mais de 80 instituições financeiras, em mais de 30 países, já aderiram voluntariamente aos Princípios do Equador, dentre as quais os mais importantes bancos brasileiros. Em outras palavras, é indissociável a ideia do desenvolvimento sustentável da efetiva implantação da avaliação ambiental e da participação pública. Deixar prosperar iniciativas como a PEC 65 traria ao país enorme desconforto junto à comunidade internacional em termos de credibilidade, além de afetar o acesso do país a recursos das agências multilaterais. Quais investidores sérios aportariam recursos para empreendimentos de significativo impacto ambiental sem atender a requisitos universais de avaliação ambiental e de participação pública? É importante assinalar que vários Projetos de Lei tramitam há décadas no Congresso Nacional sobre a matéria, sem que este confira qualquer importância ao tema. O primeiro deles (de minha autoria) o PL 710, tramita desde 1988 e está há anos pronto para pauta no Plenário. Aproveitando a experiência acumulada nesses últimos trinta anos, reconhecemos a necessidade de se rever o licenciamento ambiental no Brasil, que foi introduzido basicamente pela Resolução CONAMA Nº 001 de 1986. Precisaríamos, contudo, primeiro conhecer a realidade desse instrumento no país. Até que ponto é verdadeira, ou não, a informação tão propalada de que o licenciamento é obstáculo para a implantação de empreendimentos de infraestrutura? O que pode ser feito para torná-lo mais ágil e eficiente, menos cartorial e burocrático? As condicionantes das licenças ambientais são efetivamente cumpridas? Os órgãos integrantes do SISNAMA estão institucionalmente preparados para analisar os Estudos de Impacto Ambiental? Como a experiência internacional pode nos ajudar? Para tanto, recomendamos que a Presidência da República assuma a liderança desta discussão sobre o licenciamento ambiental, com o propósito de atender as demandas da sociedade brasileira. Dessa forma, poderiam ser promovidas as mudanças necessárias para que este instrumento cumpra os requisitos universais já mencionados, eliminando-se exigências desnecessárias. Com isso, certamente haveria um ganho inquestionável para todos. 11 | política ambiental | Washington Novaes | Jornalista Arquivo A legislação ambiental sob muitos atropelos Para o Observatório do Clima, é “um escárnio” a aprovação dessa proposta. Ainda mais num país que sofreu há menos de seis meses a pior tragédia ambiental de sua História, com o rompimento da barragem de São Marcos, em Minas Gerais: “Extingue a legislação ambiental”, uma vez que “a mera apresentação do estudo de impacto ambiental pelo empreendedor significa autorização irrevogável até para obra de infraestrutura”. Na prática, o processo de licenciamento ambiental, que analisa, com base em estudos socioambientais, se uma obra é viável ou não, deixa de existir, diz o Presidente do Proam, Carlos Bocuhy. Para ele, é uma proposta “completamente absurda: é como se o protocolo para obter uma habilitação já permitisse sair dirigindo um caminhão”. Além disso, exclui a sociedade de participar de discussões sobre o projeto. Já os deputados que aprovaram a PEC entendem que a medida visa a “garantir a celeridade e economia de recursos em obras públicas”. Mas a emenda ainda terá de passar pelo plenário do Senado e pela Câmara dos Deputados. Na edição de 29/4/16 do jornal O Estado de São Paulo, André Borges destaca que a aprovação da emenda “revoltou a comunidade do setor em todo o País”. Como não poderão ser mais canceladas ou suspensas obras baseadas em estudos feitos pelos próprios empresários, o processo de licenciamento “perde o sentido”. Leandro Neumann Ciuffo Paralelamente ao descalabro político que corre solto no País, avançam hoje como tratores propostas para botar abaixo partes decisivas da legislação ambiental brasileira. Se efetivadas, o Brasil poderá perder grande parte do que faz dele um patrimônio privilegiado, como já comentado mais de uma vez neste espaço – território continental, mais Washington Novaes de 12% da água superficial do planeta, sol durante todo o ano, biodiversidade de extraordinária riqueza, possibilidade de formatos agrícolas adequados, etc., etc. Mas pouco se discute o tema, fora da comunicação. Por exemplo: recente aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC 65/2012) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado impede (Plurale, 3/5/16) o cancelamento ou suspensão de obras por órgãos do meio ambiente – o que “denota profunda má-fé e uma tentativa de manipular a Constituição”, segundo o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), apoiado pelo Ministério Público Federal. E ainda há dois outros projetos em comissões no Senado e na Câmara dos Deputados “com os mesmos objetivos”. 12 M a i o 2016 ECO•21 Cita ele a própria Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, para quem a aprovação “é um erro” – e acha que “há motivação política” por trás da proposta. A Presidente do IBAMA, Marilene Ramos, pensa que a aprovação “representa, na prática, o fim do licenciamento ambiental e das medidas de controle dos empreendimentos, com significativos impactos ambientais”. E com isso o Brasil vai “em direção oposta ao que vem ocorrendo em todos os países desenvolvidos”. Márcio Astrini, do Greenpeace, ressalta que, “se a legislação entrar em vigor, funcionará como uma fábrica de tragédias”. Mas os dramas do meio ambiente não cessam aí. Na Câmara dos Deputados já tramita o Projeto 4.508/16, da Deputada Tereza Cristina (PSB-MS), que permite o uso de Reserva Legal em propriedades rurais para “apascentar animais de criação” (um animal por hectare, com “controle do capim” pelo órgão ambiental) – e propõe que a permissão conste do Código Florestal. Entre as justificativas está a de que esse caminho contribuiria para evitar queimadas. Por tudo isso, será importante que a sociedade volte a sua atenção para a proposta de resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), apresentada pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema), que pretende substituir resoluções que regulamentem os temas da avaliação de impacto ambiental e o licenciamento ambiental (ISA, 20/2/16). É um documento que pretende aumentar a transparência nas informações, assim como a participação e o controle social. Da mesma forma, as peculiaridades regionais em cada caso. Isso permitiria também estabelecer normas complementares com Estados e municípios. E ampliar a participação da sociedade. ECO•21 Ma i o 2016 | política ambiental | A jornalista Tara Ayuk, com informações do WWF-Brasil, há pouco tempo lembrou na ECO-21 que as áreas úmidas (20% do território nacional) poderão até desaparecer se não se conseguir implantar ali a conservação e o desenvolvimento sustentável – como evidenciou um debate promovido em Brasília, com destaque para a informação de que elas estão sendo drenadas ou aterradas “para os mais diversos fins”. Num encontro em Washington, no mês passado, o Banco Mundial “reafirmou a importância de os países combaterem o desmatamento e investirem em florestas, a fim de evitar tragédias. A destruição indiscriminada dessas áreas ameaça a vida de 1,3 bilhão de pessoas”. Por aqui, relatório do WWF diz que seis patrimônios naturais brasileiros estão ameaçados por atividades como a pesca predatória, a mineração e a extração de petróleo (Eco-finanças, 18/4/16). Entre eles, Fernando de Noronha, Atol das Rocas, Chapada dos Veadeiros, Costa do Descobrimento, reservas da Mata Atlântica no Sudeste, Pantanal e Parque do Iguaçu. Diante de tantos dramas, fica-se tentado a achar que deve estar por aí a explicação para “a maioria dos filhos no Brasil terem nomes de santos”, segundo o IBGE (28/4/16). “Principalmente Maria e José”. Deve ser– em parte, pelo menos – para pedir socorro diante de tantas aflições. Afinal, bilionários do Vale do Silício, gente que costuma ser cética, anunciaram um projeto para enviar uma frota de naves robóticas (Estado, 14/4/16) para Alfa Centauro, a 4,37 anos-luz do nosso Planeta. Pensam em se mudar para lá? E o Presidente Barack Obama já sancionou Lei que reconhece o direito à propriedade, por cidadãos e entidade norte-americanas, de recursos naturais obtidos de asteroides. 13 | opinião | Marina Grossi | Economista e Presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) CEBDS Um diálogo produtivo, eficiente e necessário Internamente, o setor empresarial tem a convicção de que a questão energética se apresenta como fundamental para a recuperação da competitividade brasileira, bem como para a retomada do crescimento em bases sustentáveis. Leia-se: com geração de empregos, inovação tecnológica, melhor uso dos recursos públicos e dos ativos ambientais. Espera-se que a ratificação do Acordo do Clima pelo Legislativo e as medidas para renovar o setor energético sejam ítens de primeira hora na agenda do Presidente em exercício, Michel Temer. No novo cenário mundial, a economia de baixo carbono se impõe para a própria sobrevivência da vida como a conhecemos e traz na esteira mudanças profundas nas relações de negócios, nos sistemas produtivos e nos parâmetros de mercado. Em nível global, empresários mais sensíveis às questões de sustentabilidade estão atentos há tempos a esse novo paradigma. Até a agressiva indústria chinesa já abandonou as desculpas do passado para não aderir aos tratados de mitigação e redução de emissões e trabalha fortemente alternativas que substituam o carvão barato, mas altamente poluente e emissor de GEE, que acelerava seu assombroso crescimento. Marcos Eifler O Terceiro Inventário Brasileiro de Gases de Efeito Estufa (GEE), publicado pelo Governo Federal no início deste mês (Maio), confirmou o que já se sabia: o setor de energia é o segundo principal emissor brasileiro. Sozinho, respondeu por um terço do 1,2 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e), que Marina Grossi oficialmente o país emitiu no ano de 2010. Os compromissos brasileiros levados à COP-21 da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas realizada em Paris no ano passado, já refletiam a necessidade de mudanças ambiciosas no setor, como a ampliação para 23% da presença de fontes alternativas renováveis na matriz elétrica nacional e a conservação de 10% da energia pela promoção do uso eficiente até 2030. 14 M a i o 2016 ECO•21 No Brasil, em busca de soluções que possam ser colocadas à mesa de discussão com diferentes esferas do poder público e com a sociedade civil, o Conselho de Líderes do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), com apoio de consultorias especializadas e de conceituados observadores, deu a partida em uma série de análises e propostas para a inclusão brasileira nessa nova ordem mundial. Os primeiros frutos da iniciativa, que envolve executivos de alguns dos principais grupos empresariais atuantes no país, foram dois estudos de fôlego sobre a geração de energia elétrica, denominados “Financiamento à Energia Renovável: Entraves, Desafios e Oportunidades” e “Consumo Eficiente de Energia Elétrica: Uma Agenda para o Brasil”. Ambos apontam medidas de curto e de longo prazo para que o país saia da incômoda posição de 15ª economia em eficiência energética dentre 16 países avaliados, em 2014, pela ONG ACEEE (Conselho Americano para uma Economia Energeticamente Eficiente, em tradução livre). Não nos falta um arcabouço legal de apoio à eficiência energética, porém, ainda patinamos na sua implementação. Iniciativas como o Procel continuam ininteligíveis para 85% da população, que não conseguem compreender as informações contidas no selo que atesta a eficiência de produtos que povoam nosso dia a dia. Falta difundir até noções simples, como a de que tirar aparelhos do modo stand by traz uma considerável economia na conta de luz. Em um nível mais complexo, a indústria – responsável por 38% de todo o consumo energético do país – é também o setor com maiores oportunidades de melhorias nesse cenário. No entanto, existem muitas barreiras ao acesso às linhas de crédito para eficiência energética, que envolve medidas que vão desde a simples substituição de lâmpadas comuns por LED até a troca de equipamentos, especialmente motores, por equivalentes melhor dimensionados e energeticamente mais econômicos. Hoje, o que deveria ter status de investimento entra na conta das corporações como passivo. Tal distorção tem preço e alto. Se o Brasil apenas cumprisse a meta de 10% de conservação de energia prevista em seu compromisso levado a Paris, o saldo seria uma redução de 17% na tarifa paga pelo consumidor, de 10% na emissão GEE pelo setor energético, de 24% nos custos operacionais do Sistema Interligado Nacional (SIN) e de 42% em novos investimentos para produção de energia. Passando a régua, são R$ 58 bilhões de economia até 2030, nada desprezível em um cenário que pede austeridade e acena com crescimento tímido das economias mundiais. A poupança resultante dessa conservação poderia, por exemplo, contribuir para a ampliação da geração por fontes alternativas renováveis, como eólica, solar e de biomassa. Embora o segmento tenha crescido a taxas de 25% ao ano na última década, ele ainda corresponde a meros 11% da energia gerada no país e continua alvo de incertezas. Isso porque potenciais investidores veem como fatores de risco, dentre outros, a dependência de financiamento público para novos projetos, a instabilidade cambial, o alto custo de hedge (instrumento para proteger operações financeiras contra riscos) para financiamentos em moeda estrangeira, a exigência de uma quantidade crescente de componentes nacionais nas instalações (sem uma política de incentivo para o estabelecimento local desses fabricantes) e até entraves burocráticos para interligação aos sistemas de distribuição. ECO•21 Ma i o 2016 | opinião | As dificuldades de financiamento podem ser superadas pelo maior uso de fundos temáticos multilaterais (BID, GEF, IFC etc.) e pela diversificação de instrumentos de captação, como debêntures de infraestrutura etiquetadas como Green Bonds, fundos de participação específicos e de investimento com benefícios fiscais. No lugar do financiamento direto, o Brasil poderia investir na criação de um fundo público de hedge cambial, aumentando a segurança das tomadas externas de capital para os investimentos nesses projetos. Padronização de contratos para permitir securitização das dívidas, mudanças regulatórias e fiscais e desenvolvimento de novos canais de negociação, como leilões específicos e estaduais, são outras medidas que, transformadas em políticas públicas, contribuiriam para turbinar a produção nacional de energia por fontes alternativas. Na coluna de ganhos, além da diminuição da emissão de Gases de Efeito Estufa, estão maior segurança energética (pela menor dependência de um regime hidrológico cada vez mais instável), avanço tecnológico e até mais empregos – cada MW de energia solar fotovoltaica instalada gera entre 25 e 30 empregos, enquanto uma hidrelétrica como Belo Monte criou menos de dois empregos por MW. Segundo a IRENA as renováveis empregam 918 mil pessoas no Brasil. Mapear essas oportunidades foi um passo objetivo do Conselho de Líderes do CEBDS no sentido de abrir um diálogo necessário com o poder público e com a sociedade. Apenas com uma percepção precisa dos ganhos e benefícios da eficiência energética e do favorecimento às fontes alternativas renováveis, caminharemos no sentido de um pacto social que leve a mudanças indispensáveis na matriz elétrica nacional. O Conselho de Líderes está a postos para essa interlocução com todos os interessados. 15 | cidades sustentáveis | Joel Jaeger | Jornalista do New Climate Economy (Com informações de Rita Silva Aviv Comunicacao) Tomaz Silva - ABr Coalizão mostra que cidades melhores são viáveis A New Climate Economy, juntamente com o C40 (Grupo de Liderança Climática de Cidades e o Ross Centre para Cidades Sustentáveis do WRI), acaba de lançar a Coligação para Transições Urbanas, a primeira grande iniciativa internacional para defender as razões econômicas para um melhor desenvolvimento urbano em nível mundial. O anúncio foi feito pela Prefeita de Paris, Anne Hidalgo, durante um briefing organizado pelo C40 e pelo Compacto dos Prefeitos em Washington DC. “As cidades são um elemento-chave para alcançarmos tanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável como os compromissos nacionais de clima do Acordo de Paris”, explicou Kgosientso Ramokgopa, Prefeito de Tshwane, na África do Sul. “Esta aliança irá construir, para os decisores políticos, uma base de evidências sobre as soluções que podem desbloquear o poder das cidades para apoiar o desenvolvimento e um clima melhor.” Muitas das barreiras à ação no nível municipal estão nas mãos de líderes nacionais e dos Ministros das Finanças, Energia, Transporte e Economia, que frequentemente detêm alavancas fundamentais que moldam o desenvolvimento urbano. A Coalizão apoiará a tomada de decisões sobre urbanização em nível nacional em países de todo o mundo, relacionando as estratégias locais com o planejamento econômico mais amplo. Através de pesquisas econômicas e do engajamento dentro dos países, a Coligação vai ajudar os governos a colocar investimentos efetivos em infraestruturas urbanas no centro de suas estratégias de crescimento. 16 “Os Prefeitos conhecem os benefícios econômicos e também outros, mais amplos, das cidades sustentáveis. Esta é a razão pela qual muitos estão fazendo tudo que podem para aproveitar as oportunidades oferecidas pelo crescimento de baixo carbono”, explicou Eduardo Paes, Presidente do C40 e Prefeito do Rio. “No entanto, a escala do desafio da urbanização é tão grande que não podemos fazer tudo sozinhos. Precisamos dos decisores políticos nacionais e de planejamento econômico para complementar os esforços no nível municipal. É nesses pontos que a Coligação para Transições Urbanas irá desempenhar um papel importante”. Gerenciar melhor o desenvolvimento urbano pode gerar grandes dividendos. Uma pesquisa recente revelou que o investimento em cidades compactas, conectadas e eficientes poderia reduzir as emissões de GEE e levar a uma economia global de energia no valor de US$ 17 trilhões até 2050. “A escala e o ritmo da revolução urbana global que está acontecendo agora não podem ser subestimados e as oportunidades – se bem geridas – poderão ser enormes. Só o investimento em transportes sustentáveis oferece não apenas vantagens sociais e ambientais, mas também pode proporcionar uma economia de até US$ 300 bilhões por ano”, detalhou Aniruddha Dasgupta, Diretor Global do Ross Centre para Cidades Sustentáveis do WRI que é também gerente da Coalizão. “Colocar esse tipo de informação – sobre os benefícios econômicos da construção de melhores cidades – nas mãos dos tomadores de decisão ajudará a colocar cada país no caminho da colheita dos benefícios dos dividendos urbanos”. M a i o 2016 ECO•21 André Tambucci | cidades sustentáveis | Ao longo dos próximos três anos, a Coligação irá trabalhar em uma série de países em rápida urbanização, como a China e Índia, onde a escala do desafio é imensa: • Danos à saúde causados pela má qualidade do ar, associados principalmente à queima de combustíveis fósseis, são avaliados em mais de 10% do PIB chinês. Cidades compactas e conectadas podem ajudar a enfrentar o desafio urbano da China – um bilhão de pessoas deverão viver em cidades chinesas na década de 2020. Se fortemente interligadas por sistemas de transporte de massa, tais cidades serão mais habitáveis, atraentes, competitivas e energeticamente eficientes. • A população urbana da Índia ultrapassará os 600 milhões nos próximos 15 anos. Suas cidades serão responsáveis por 75% do PIB nacional e 70% de todos os novos postos de trabalho. No entanto, metade das cidades mais poluídas do mundo está na Índia, incluindo as quatro primeiras posições desse ranking: Delhi, Patna, Gwalior e Raipur. A poluição externa por materiais particulados causou cerca de 630.000 mortes prematuras na Índia em 2010 e custa o equivalente a 5,5-7,5% do PIB por ano. Ao investir em cidades inteligentes, a Índia poderia reduzir o congestionamento e a severa poluição do ar ao mesmo tempo em que eleva a produtividade. New Climate Economy A New Climate Economy é o principal projeto da Comissão Global sobre Economia e Clima. Ela foi estabelecida por 7 países como uma iniciativa independente para examinar como os países podem alcançar o crescimento econômico ao lidar com os riscos apresentados pelas mudanças climáticas. Presidida pelo ex-Presidente do México, Felipe Calderón, e co-presidida pelo economista Nicholas Stern, a Comissão inclui ex Chefes de Governo e Ministros de Finanças, líderes empresariais, investidores, prefeitos e economistas. Pesquisas para a Comissão foram executadas por meio de uma parceria de 8 principais institutos econômicos e políticos mundiais. C40 O C40 - Grupo de Liderança Climática de Cidades, agora em seu 10º ano, conecta mais de 80 das maiores cidades do mundo, representando mais de 600 milhões de pessoas e 25% da economia global. Criado e liderado por cidades, o C40 é focado no combate às mudanças climáticas e na condução de ações urbanas que reduzam as emissões de GEE e os riscos climáticos, ao mesmo tempo em que aumenta a saúde, o bemestar e as oportunidades econômicas dos cidadãos urbanos. O atual Presidente do C40 é o Prefeito do Rio, Eduardo Paes; Michael R. Bloomberg, Prefeito de Nova York por 3 vezes, ocupou a Presidência do Conselho. O C40 possui 3 financiadores estratégicos: Bloomberg Philanthropies, Fundação Fundo de Investimento Infantil (CIFF), e Realdania. Ross Centre para Cidades Sustentáveis O Ross Centre para Cidades Sustentáveisdo WRI trabalha para tornar a sustentabilidade urbana uma realidade por meio de pesquisas globais e experiência prática no Brasil, China, Índia, México, Turquia e Estados Unidos. O Ross Center tem uma equipe dedicada de mais de 200 especialistas que trabalham em mais de 50 cidades em todo o mundo para apoiar umamudança urbana sustentável. ECO•21 Ma i o 2016 17 | legislação ambiental | Diuliane Silva | Jornalista do Imaflora A Lei de Gestão de Florestas Públicas dez anos depois O encontro reuniu cem pessoas, diretamente ligadas ao tema, elas resgataram o histórico da Lei de Gestão de Florestas Públicas, por meio de depoimentos dos que trabalharam por isso na época e, num segundo momento, se dividiram em grupos para mapear pontos que ainda não respondem como o desejado, seja por necessidades que mudaram ao longo dos anos, ou pela dificuldade de passar à prática algumas das exigências. O engenheiro florestal Tasso Azevedo, vice-Presidente do Conselho Diretor do Imaflora e primeiro Diretor do Serviço Florestal Brasileiro, órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e âmbito original desse processo, relembra as dificuldades das gestões diretas, experimentadas antes da Lei, e, ao mesmo tempo, a importância de se ter um mecanismo que garantra que o patrimônio florestal continuasse pertencendo ao Estado: “era preciso que a floresta continuasse floresta e que continuasse pública”, resume. ICMBio Resultado do Grupo de Trabalho, que atuava junto ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), em 2003 para estudar a regulação das florestas públicas, o Projeto de Lei, aprovado três anos depois, num cenário de intensificação dos conflitos fundiários na Amazônia, permite o Manejo Sustentável mediante o pagamento para o Governo, por parte das concessionárias, e do compromisso com um conjunto de ações que contribuam para o desenvolvimento socioeconômico local e para a conservação ambiental. Para refletir sobre os resultados desse primeiro decênio, o Serviço Florestal Brasileiro (IMAFLORA), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, e os órgãos gestores estaduais, Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará, o Instituto Estadual de Florestas do Pará, a mais a Secretaria do Meio Ambiente do Acre organizaram o evento “10 anos da Lei de Gestão de Florestas Públicas”, em Belém. 18 M a i o 2016 ECO•21 Monitoramento e gestão Se for possível estabelecer pontos de consenso desse encontro, entre eles está a construção de uma estrutura de monitoramento e de gestão para as florestas públicas. Além disso, há o ambiente de estabilidade para que os investimentos aconteçam já que a Lei resolve um dos maiores focos de conflito por posse de terra na região amazônica, que é a documentação mediante a qual se comprova a regularidade da área. Justiniano Netto, Secretário do Programa Municípios Verdes do Pará e que também acompanhou de perto esse processo, acredita que o desafio, do estágio atual, é incentivar a competitividade no setor, por meio de tecnologias e novas ferramentas, uma vez que as exigências do modelo de gestão preveem custos altos, obrigações e, na opinião do Secretário, um excesso de controle das concessões. O reforço do diálogo com todas as partes envolvidas sejam empresas, comunidades do entorno ou órgãos públicos também foram mencionados. ECO•21 Ma i o 2016 | legislação ambiental | “De fato, as expectativas eram maiores”, diz Leonardo Sobral, Gerente de certificação florestal do IMAFLORA, mas temos 1 milhão e 400 mil hectares de áreas sob concessão, que, por si só, são uma conquista. “As florestas estão protegidas, recursos estão sendo gerados; essas concessões estão contribuindo para que aumente a quantidade de madeira legal no mercado, benefícios diretos e indiretos, como empregos, estão acontecendo”, diz. Leonardo conta que esse encontro foi o ponto de partida para a confecção de um conjunto de publicações que registrará a memória da criação do Marco Legal, depoimentos de diversos atores, os quais representam todos os segmentos do setor florestal, como comunitários, madeireiros, governos, além da identificação dos impactos positivos para a conservação e dos entraves que poderiam ser revistos à luz do aprendizado desse tempo. “A velocidade com que você trilha o caminho não é a mesma que você usa para percorrê-lo uma segunda vez”, finaliza ele. 19 | análise | Cezar de Cerqueira Leite | Físico e professor emérito da Unicamp A história recente da ciência no Brasil é desalentadora, para dizer o menos. E o pior é que as perspectivas para o futuro não são, sob qualquer aspecto, mais animadoras. A trôpega e tardia história das instituições responsáveis pelo fomento à pesquisa no Brasil revela o pouco ou nada do valor atribuído à pesquisa pelas sucessivas administrações fedeCezar de Cerqueira Leite rais e estaduais, como também pela população. O Brasil foi um dos últimos países da América Latina a instalar suas universidades, o que ocorreu apenas na década de 30, com a criação da USP. Enquanto um século antes inúmeros países do mesmo continente, como também da América do Norte, já haviam instalado várias universidades. Os tropeços do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a começar pelo seu acidental início, são testemunhos do descaso com que a União trata a pesquisa científica. Foi este depoente que coordenou o capítulo de Ciência e Tecnologia do plano de governo de Tancredo Neves. E lá não havia previsão para a criação de um ministério para o setor. Ao assumir o poder, o vice de Tancredo, José Sarney, criou o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). Aparentemente, o fez para acomodar seu conterrâneo e antagonista político Renato Archer. Apesar da origem espúria do ministério, Archer foi um excelente administrador. Em seguida veio um político bisonho, Luiz Henrique. Depois ocorreu uma infeliz sucessão de políticos, 4 ao todo. Nenhum merece ser lembrado. Culminou com um fisiológico Roberto Cardoso Alves, que propôs a extinção do MCT, substituído por uma secretaria do Ministério da Indústria e Comércio Exterior – dirigida por um esquecível engenheiro, Décio Leal. Aí veio Collor, com o que a ciência voltou às mãos de intelectuais: José Goldemberg, Edson Machado e Hélio Jaguaribe. Mas o status continuava o mesmo, o de Secretaria, ligada à Presidência. Com a queda de Collor e posterior eleição de Fernando Henrique Cardoso, a esperança de reconhecimento da pesquisa se avoluma, principalmente com o restabelecimento do MCT e da escolha de José Israel Vargas, intelectual respeitado, para dirigi-lo. Regozijou-se a comunidade acadêmica com o aumento do percentual do PIB atribuído ao setor de Ciência e Tecnologia. Mas logo percebeu-se que era uma farsa, pois esse aumento era devido a uma engenhosa concessão às montadoras de veículos, supostamente como pagamento de tecnologia comprada pelas filiais brasileiras. Uma burla que, uma vez denunciada, provocou a queda de Israel Vargas. 20 University of the Pacific Arquivo A ciência brasileira aos trancos e barrancos Seguiram Luiz Carlos Bresser-Pereira e Ronaldo Sardenberg. Todavia, a atuação do MCTI continuou marginal devido ao orçamento diminuto e pouco prestígio no interior do próprio Governo Federal. O Governo do suposto intelectual Fernando Henrique foi talvez o menos bem-sucedido tanto no que diz respeito ao ensino superior quanto à Ciência e Tecnologia, sem uma única iniciativa relevante em ambos. Durante a administração PT, após um início conturbado com um político na direção do MCT, acontece o período de atuações melhor reconhecidas, iniciando-se com Eduardo Campos, seguido dos acadêmicos Sergio Rezende, Aloysio Mercadante, Marco Antônio Raupp e Clelio Campolina Diniz, com significativo aumento de recursos financeiros. Voltou recentemente (2015) o MCTI às mãos de políticos, e agora recentemente temeu-se que dele se apossará uma seita pentecostal. Creio, entretanto, que essa ameaça não foi mais que um ardiloso artifício, o bode fedido para ser retirado oportunamente. Depois disso, qualquer um é aceito. Em resumo, Ciência e Tecnologia ainda não é aceito como um valor de sobrevivência pela comunidade política e população brasileiras. Nossos cientistas e técnicos têm que descer de suas torres de marfim e fazer um grande esforço para convencer não mais apenas empresários, mas também políticos profissionais e administradores, assim como a população em geral, de que pesquisa é essencial para o bem-estar social. M a i o 2016 ECO•21 | energias renováveis | Timothy Hurst | Jornalista da IRENA (Com informações de Rita Silva da Aviv Comunicação) As renováveis empregam 8,1 milhões de pessoas no mundo Mais de 8,1 milhões de pessoas no mundo estão agora empregadas pela indústria de energias renováveis - um aumento de 5% desde o ano passado - de acordo com um Relatório divulgado pela Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA) durante sua 11ª Reunião do Conselho (25/5/2016). O Relatório Energia Renovável e Empregos - Revisão Anual 2016 (Renewable Energy and Jobs – Annual Review 2016) também fornece uma estimativa global do número de postos de trabalho relacionados com grandes hidrelétricas que, em uma estimativa conservadora, representam um adicional de 1,3 milhão de empregos diretos em todo o mundo. Os países com o maior número de empregos em energias renováveis em 2015 são China, Brasil, Estados Unidos, Índia, Japão e Alemanha. Dentro do setor de energias renováveis, o segmento de energia solar fotovoltaica (PV) continua a ser o maior empregador em todo o mundo, com 2,8 milhões de postos de trabalho (acima de 2,5 milhões na última contagem) com empregos na fabricação, instalação e operações e manutenção. Biocombustíveis líquidos são o segundo maior empregador mundial com 1,7 milhões de empregos, seguido por energia eólica, que cresceu 5% e chegou a 1,1 milhões de postos de trabalho em todo o mundo. “O crescimento contínuo do emprego no setor das energias renováveis é significativo porque está em contraste com a tendência do mercado de energia como um todo”, explica Adnan Z. Amin, Diretor-Geral da IRENA. “Este aumento é impulsionado pela queda dos custos de tecnologia das energias renováveis e por políticas públicas mais favoráveis. Nossa expectativa é que esta tendência continue à medida que as renováveis cada vez mais se provem economicamente viáveis e os países se movimentem para alcançar seus objetivos climáticos estabelecidos em Paris”. O número total de postos de trabalho em energias renováveis em todo o mundo aumentou em 2015, enquanto os empregos no setor energético em geral caíram, de acordo com o Relatório. Nos Estados Unidos, por exemplo, os empregos em energias renováveis aumentaram 6% , enquanto o emprego em petróleo e gás diminuiu 18%. Na China, a energia renovável emprega 3,5 milhões de pessoas, enquanto o setor de petróleo e gás emprega 2,6 milhões de pessoas. Como nos anos anteriores, políticas públicas favoráveis continuam a ser um motor essencial do emprego. Leilões nacionais e estaduais na Índia e no Brasil, créditos fiscais nos Estados Unidos e políticas favoráveis na Ásia têm contribuído para o aumento do emprego nesse setor. “À medida que a transição energética se acelera, o crescimento dos empregos em energias renováveis continuará forte”, disse Amin. “A pesquisa de IRENA estima que duplicar a quota das energias renováveis no mix energético global até 2030 - o suficiente para atender às metas climáticas e de desenvolvimento global - resultaria em mais de 24 milhões de empregos em todo o mundo”. Empregos em energias renováveis por países e regiões Empregos em energias renováveis por tecnologia 22 M a i o 2016 ECO•21 | energias renováveis | Inau Milagro Algumas conclusões do relatório: • Com 821 mil empregos, o Brasil continua a ser o líder em empregos em biocombustíveis líquidos. • A China responde por quase metade dos empregos em energia eólica no mundo, seguida pela Alemanha, Estados Unidos, Brasil e Índia. No Brasil, eram 41 mil empregos nesse setor em 2015, um crescimento de 14% em relação ao ano anterior – em um período no qual o desemprego recrudesceu em toda a economia. • A China lidera também em aquecimento solar, seguida por Índia, Brasil, Turquia e os Estados Unidos. • Metade dos empregos nas pequenas hidrelétricas são na China, que é seguida pela Índia, Alemanha e Brasil. • A energia solar fotovoltaica é a maior empregadora dentro do segmento de energias renováveis, com 2,8 milhões de empregos em todo o mundo, um aumento de 11% desde a última contagem. Os empregos cresceram no Japão e nos Estados Unidos, se estabilizaram na China, e diminuíram na União Europeia. • Fortes taxas de instalação de energia eólica na China, Estados Unidos e Alemanha levaram a um aumento de 5% no número de postos de trabalho em todo o mundo, que chegou a 1,1 milhão. Só nos Estados Unidos os empregos em eólica aumentaram 21%. • Empregos em biocombustíveis líquidos, aquecimento solar e grandes e pequenas hidrelétricas diminuíram devido a vários fatores, incluindo o aumento da mecanização, mercados imobiliários mais lentos, a eliminação de subsídios e a queda no número de novas instalações. • Respondendo por mais de um terço da capacidade global de energia renovável adicionada em 2015, a China liderou o emprego com 3,5 milhões de postos de trabalho. • Na União Europeia, o Reino Unido, Alemanha e Dinamarca foram os líderes globais em emprego de energia eólica offshore. No geral, os dados de emprego na UE diminuíram pelo quarto ano devido ao fraco crescimento econômico. Os empregos nesse setor caíram 3% para 1,17 milhão em 2014, o último ano para o qual há dados disponíveis. ECO•21 Ma i o 2016 A Alemanha continua a ser o maior empregador em energias renováveis na União Europeia – empregando quase tantos trabalhadores como França, Reino Unido e Itália, juntos. • Nos Estados Unidos, os empregos em energias renováveis aumentaram 6%, impulsionados pelo crescimento em energia eólica e solar. Empregos em solar cresceram 22% – 12 vezes mais rápido do que a criação de empregos na economia dos Estados Unidos como um todo – superando os empregos em petróleo e gás. A geração de empregos na indústria eólica também cresceu 21%. • O Japão teve ganhos impressionantes na energia solar fotovoltaica nos últimos anos, resultando em um aumento de 28% nos empregos em 2014. • Na Índia, os mercados de solar e eólica têm tido uma movimentação substancial, como as ambiciosas metas de energias renováveis sendo traduzidas em políticas públicas concretas. • A África também tem visto muitos desenvolvimentos interessantes que levam à criação de empregos, incluindo o desenvolvimento de energia solar e eólica no Egito, Marrocos, Quênia e África do Sul. • As primeiras pesquisas de IRENA indicam que o setor de energia renovável empregam mais mulheres do que o setor de energia como um todo. A Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA) A IRENA tem mandato para ser o centro global para a cooperação energética renovável e troca de informações por 147 deputados (146 Países e a União Europeia). Há 29 outros países que estão em processo de adesão e ativamente engajados. A IRENA promove a adoção generalizada e a utilização sustentável de todas as formas de energia renovável, na busca do desenvolvimento sustentável, o acesso à energia, a segurança energética e o crescimento econômico de baixo carbono e prosperidade. www.irena.org Para baixar o relatório Energia Renovável e Empregos Revisão Anual 2016: http://bit.ly/1TrVO5o 23 | energias renováveis | Luis Otávio Colaferro | Diretor da Blue Sol-Energia Solar. Formado pela Grand Valley State University - EUA Blue Sol Veto ao solar? Depende do ponto de vista! Brasilenertech Você deve ter acompanhado notícias recentes de que a Presidente Dilma Rousseff vetou diversos pontos do Plano Plurianual (PPA) para o período de 2016-2019. No Programa 2033, com foco nos objetivos, metas e iniciativas para o setor de energia elétrica, todos os vetos dizem respeito às energias renováveis não hidráulicas e às energias Luis Otávio Colaferro alternativas. Os trechos no PPA que tratam de hidrelétricas e termelétricas (nenhum deles vetado pela Presidente) superam em muito aqueles que se referem a energias alternativas e renováveis. O Objetivo 1169 do Programa diz: “Promover o uso de sistemas e tecnologias visando a inserção de geração de energias renováveis na matriz elétrica brasileira”. Ele foi vetado junto com suas respectivas metas e iniciativas, que incluem a adição de 13.100 megawatts de capacidade instalada de geração de energia a partir de fontes renováveis; o incentivo ao uso de fontes renováveis por meio da geração distribuída; o uso de fonte solar fotovoltaica; e a implantação de projetos de desenvolvimento de fontes renováveis. A Presidente também vetou iniciativas como “Implantação de Usinas de Fonte Solar em Instalações Públicas” e “Incentivo à Geração de Energias Renováveis”. 24 O fato é que essa decisão é totalmente contrária aos compromissos assumidos pelo país no Acordo de Paris e também não condiz com os últimos leilões de energia, que já estão priorizando energias renováveis no Brasil. Os profissionais e as empresas do setor, bem como as entidades e associações têm feito um belo esforço para endereçar e discutir as dúvidas e preocupações sobre energia solar. Já existe, hoje, um número significativo de pessoas no país buscando informações para tomar a decisão de produzir a própria energia e, inclusive, trabalhar nesse setor. Entre aqueles que simpatizam com o tema ou que desejam um melhor desenvolvimento do país nas questões sustentáveis, vemos uma grande preocupação com a questão política e os poucos incentivos para energia solar no Brasil de uma forma geral, assim como sobre as influências do Governo Federal e dos governos estaduais e municipais, consequências das ações do legislativo e até mesmo do judiciário na geração de energia limpa. A grande verdade é que o setor de energia solar fotovoltaica é embasado por duas amplas partes de decisão política: uma frente relacionada ao planejamento versus uma frente técnica para geração, distribuição e transmissão de energia solar fotovoltaica. Pensar no tema com essa “divisão” facilita o entendimento das decisões e da evolução do setor, consequentemente, também fica mais fácil discutir e entender o veto da presidente. Apesar do veto deixar em aberto o futuro da energia solar, há uma série de outras questões políticas relacionadas à adesão técnica que viabilizam esse mercado. As recentes decisões da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), por exemplo, melhoraram a regulamentação que oferecem todo o embasamento para instalação e implantação dos sistemas solares em residências, empresas, etc. Trata-se da Resolução Normativa 482/2012. Assim, temos uma ampla evidência de que há uma grande vontade de levar o potencial desse mercado para milhões de consumidores que vão gerar sua própria energia, aumentando as estimativas de uso até 2024. Quando separamos as frentes dessa maneira, vemos as contradições que realmente existem na parte de política pública governamental, mas também enxergamos que existe um grande avanço para a energia solar fotovoltaica na frente técnica. Assim, o veto acaba minimizado. Ele não vai impactar o crescimento do setor e da tecnologia no curto prazo. É importante avaliar a amplitude das decisões que estão sendo tomadas não apenas em nível federal, mas também estadual e no caso das entidades públicas, que também são muito valiosas. A verdade é que há a esperança de que as fontes alternativas de energia cresçam no Brasil. Elas estão sendo trabalhadas e têm um futuro importante pela frente. M a i o 2016 ECO•21 | reciclagem | Mário Cesar de Mauro | Jornalista da Abrelpe A reciclagem sofre com a falta de incentivos no Brasil De acordo com os dados mais recentes da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), apenas 3% dos resíduos sólidos urbanos no Brasil são efetivamente reciclados, de um total de 76,8 milhões de toneladas geradas anualmente. Os números demonstram que o País ainda não avançou no modelo de aproveitamento dos resíduos gerados, apesar da PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) já estar em vigor desde 2010 e estabelecer a reciclagem como uma das prioridades. Os baixos índices de reciclagem, os gargalos e a necessidade iminente de avanços foram apresentados pelo Deputado Federal Carlos Gomes, Presidente da Frente Parlamentar pela Reciclagem, no Grande Expediente da Câmara Federal, no último dia 18 deste mês (Maio), quando foi exposto o “Panorama do Setor de Reciclagem no Brasil”, e que contou com a presença de Carlos Silva Filho, Diretor-Presidente da ABRELPE. Durante o encontro, que fez alusão ao Dia Internacional da Reciclagem, comemorado na véspera (17/5), foram apresentados dados e propostas para o desenvolvimento da atividade. A ABRELPE, como entidade representativa do setor, manifestou apoio às propostas apresentadas pelo Deputado, como medidas viáveis a trazer avanços efetivos para o setor e estimular um maior aproveitamento e recuperação dos materiais. Dentre as medidas que contam com o apoio da entidade, destacam-se: • Desoneração fiscal da cadeia produtiva da reciclagem para elevar a produção e baratear o preço dos artigos feitos a partir de material reciclado. • Desenvolvimento de campanhas permanentes, em nível nacional, para a conscientização da população sobre o tema. • Criação de polos regionais e Descentralização das indústrias recicladoras, para viabilizar a melhor comercialização dos materiais. • Criação de linhas de crédito especiais junto ao BNDES para indústrias e demais organizações para a reciclagem. • Redução da taxa de importação para equipamentos utilizados no processo de recuperação e transformação dos materiais em novos produtos. ECO•21 Ma i o 2016 • Criação de Lei de Incentivo à Reciclagem, que conceba um mecanismo semelhante às Leis de incentivo à cultura e ao esporte, e que permita o incentivo fiscal para empresas interessadas em investir na estruturação de cooperativas e em projetos de gestão de resíduos sólidos. Na visão da entidade, essas ações, além de realmente incentivar o aprimoramento da reciclagem, podem contribuir efetivamente para elevar os índices nacionais de aproveitamento de recursos e para reduzir os impactos da destinação inadequada de resíduos. “É muito importante acompanharmos, estimularmos e colaborarmos com as discussões no parlamento nacional, que evidenciem a real situação e ainda proponham soluções para o desenvolvimento do setor a partir da colaboração das entidades representativas”, afirma o Diretor-Presidente da ABRELPE. O Brasil está bastante atrasado no atendimento às determinações da PNRS, não só pelos baixos índices de reciclagem, mas em função de 3.000 municípios ainda usarem lixões, da pouca abrangência na coleta seletiva e da carência de planejamento, dentre outros fatores. “Um grande volume de materiais com grande potencial de reciclagem ainda vai parar em locais inadequados, trazendo danos ao meio ambiente e à saúde pública, que tem gasto grandes fortunas para tratar dos problemas de saúde causados pelos lixões. Esse é um motivo mais do que suficiente para darmos nosso total apoio às medidas que estimulem a reciclagem”, pontua o DiretorPresidente da ABRELPE. 25 | biomas | Marta Moraes | Jornalista do MMA Ações valorizam a Caatinga O Dia 28 de Abril, é o Dia Nacional da Caatinga. Instituído por meio de Decreto Federal de 2003, a data é um convite para a reflexão sobre a situação do Bioma que ocupa 11% do território nacional, o que representa uma área de cerca de 844.453 quilômetros quadrados. Segundo Francisco Campello, Diretor de Desenvolvimento Rural e Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente, a Caatinga precisa deixar de ser tratada como um bioma secundário e ter seu valor reconhecido. “Rica em flora e fauna, não pode ser vista apenas como sinônimo de pobreza e local de enfrentamento da seca”, destacou. A Caatinga (que em tupi significa mata branca) é o único Bioma exclusivamente brasileiro, o que significa que grande parte do seu patrimônio biológico não pode ser encontrada em nenhum outro lugar. Engloba os Estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí, Sergipe e o norte de Minas Gerais. Cerca de 30 milhões de pessoas vivem na região, a maioria carente e dependente dos recursos do Bioma para sobreviver. Desertificação O Bioma, que apresenta belezas sutis e histórias de resistência tem pouco o que comemorar, pois atualmente possui só a metade de sua cobertura vegetal original. O índice é considerado alto por especialistas e técnicos do MMA, já que a região figura como a mais vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas, com forte tendência à desertificação. Para conservar a Caatinga, conscientizar a população que vive nas áreas sucessíveis à desertificação e diminuir o desmatamento, o MMA vem desenvolvendo uma série de ações, buscando promover alternativas para o uso sustentável da biodiversidade do Bioma. “Existe um potencial ambiental muito grande na Caatinga”, declarou Campello, se referindo ao uso adequado do Bioma. Segundo ele, as ações do Ministério para a Caatinga buscam apresentar alternativas para uma boa gestão ambiental, que promova segurança hídrica e mais qualidade de vida para as populações e melhore os ambientes para a produção de alimentos. Ações do MMA para a Caatinga Entre as ações do MMA está o manejo florestal comunitário em 15 mil hectares de assentamentos, no Araripe e Baixo Jaguaribe no Ceará, entre produtores de gesso e cerâmica. Outra iniciativa estratégica do MMA vem acontecendo junto às empresas em relação à questão energética. 28 A ação articulada entre a oferta e o consumo da matriz energética, a lenha, rende um efeito melhor. Outras duas ações importantes apoiadas pelo Ministério são o manejo florestal de uso múltiplo, que busca a segurança alimentar dos rebanhos da região, e os fogões ecoeficientes, que oferecem segurança energética a 8 mil famílias. A agricultora Maria Silvanete Benedito de Souza, de Serra dos Paus Dóias, em Exu (PE), 40 anos, casada, quatro filhos, é umas das beneficiárias da iniciativa. “É mais interessante perceber a importância que a Caatinga tem em pé. Ela dá muito mais retorno assim”, afirmou. Alternativas O Ministério também é parceiro na iniciativa, que visa difundir vantagens de bovinos “Curraleiros Pé-Duro”, em extinção, para garantir preservação da espécie e do meio ambiente na Caatinga. A mais recente iniciativa do MMA relacionada ao bioma é o projeto “Manejo do Uso Sustentável da Terra no Semiárido do Nordeste Brasileiro (Sergipe)” promete dar bons resultados. O objetivo é fortalecer a estrutura de governança ambiental do manejo de terras, para combater os principais fatores da degradação de terras em Sergipe e no Nordeste do Brasil, criando articulações com os programas e políticas públicas relacionadas ao combate à desertificação. Por meio do projeto, que se encontra em implementação e é fruto de cooperação técnica firmada entre o MMA e o PNUD, com recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), serão replicadas boas práticas de manejo sustentável da terra em outros estados. Capacitações Apostando na conscientização, o MMA promove, ainda, capacitações em manejo e conservação do solo e da água. Além disso, vem realizando um trabalho estratégico de difusão de boas práticas de convivência sustentável com a semiaridez. Para Campello, para evitar a desertificação, é necessário a implantação de tecnologias sociais que possibilitem a conservação de solo nas atividades agropecuárias; o uso correto dos recursos florestais; maior eficiência nos sistemas produtivos que promovam a segurança hídrica, alimentar, energética e que conservem as paisagens. “No caso brasileiro, as secas são fenômenos recorrentes, específicos da região semiárida, fazendo-se necessário um conjunto de ações permanentes para seu enfrentamento”, concluiu. M a i o 2016 ECO•21 | biomas | Aldem Bourscheit | Jornalista CI lança perfil do Cerrado Com a desnecessária quietude de certos movimentos de caráter acadêmico, foi concluído e apresentado há poucos dias o chamado “Perfil Ecossistêmico do Cerrado”. Construído por entidades como ISPN, Matres Ambiental e CI, trata-se de um dos mais completos levantamentos sobre características e valores biológicos e ecossistêmicos, de conservação e de socioeconômia, além de cenário político, tudo para o Cerrado. Na prática, é uma tentativa multi setorial que deverá ser desdobrada em ações técnicas, políticas e de Comunicação na tentativa de se minimizarem os efeitos negativos de planos oficiais (políticas públicas) para o domínio como um todo e especialmente para a região do Matopiba. Davi contra Golias? Mas, acima de tudo, o material é uma grande fonte de informações sobre o que resta da “savana brasileira”. Sobre água, por exemplo, um dos resumos disponíveis traz: “A água do Cerrado é essencial para a sobrevivência da sua biodiversidade e para o bem-estar humano e a economia em grande parte da América do Sul. A água que corre do Cerrado para o sul é essencial para a ecologia do Pantanal, a maior planície alagada do mundo. Outros ecossistemas ao longo dos rios São Francisco, Parnaíba, Paranaíba, Paraguai e Paraná dependem da água que desce do planalto central. Além disso, todos os afluentes meridionais do Amazonas, com exceção do Juruá e Purus, nascem no Cerrado, assim como vários rios do Maranhão e Piauí. Além disso, o Aquífero Guarani é essencial para o abastecimento de água em grande parte do Sudeste e Sul. Além de fornecer água superficial e subterrânea, o Cerrado também fornece água para o Sudeste e Sul do Brasil e países vizinhos por meio de fluxos atmosféricos de vapor de água do Atlântico, passando pela Amazônia, em ciclos sucessivos de precipitação e evapotranspiração. As grandes áreas metropolitanas (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, com cerca de 40 milhões de pessoas) e a maior parte da indústria brasileira dependem das chuvas provenientes do Cerrado, que seriam reduzidas pela perda de vegetação nativa. Já houve uma crise hídrica em São Paulo. A agricultura e o transporte fluvial também foram afetados. Os serviços hidrológicos do Cerrado também são vitais para a geração de energia hidrelétrica no Brasil. Mais de 200 milhões de pessoas dependem, pelo menos em parte, da energia gerada por usinas hidrelétricas instaladas ao longo dos rios que escoam água do planalto central. A disponibilidade de água na estação seca é vital, especialmente para usinas hidrelétricas sem grandes reservatórios, que dependem da tecnologia fio d’água adotada para reduzir os impactos ambientais de grandes reservatórios”. ECO•21 Ma i o 2016 Informações do Perfil De acordo com a definição original, o Hotspot1 Cerrado, localizado no centro da América do Sul, estende-se por uma área total de 2.024.838 km2, estando 99,30% no Brasil e o restante dividido entre o Paraguai (0,41%) e a Bolívia (0,29%). Esses números foram atualizados para 2.039.386 km2 apenas para o bioma Cerrado no Brasil, mas não se chegou a acordo sobre a extensão do Cerrado no Paraguai e na Bolívia. O Cerrado é uma das maiores e biologicamente mais ricas regiões de savana tropical do mundo e abriga comunidades biológicas altamente diversas com muitas espécies únicas e variedades. Muitas dessas espécies e variedades são endémicas, não só para o hotspot, mas também para locais específicos dentro dele. Elas são únicas e úteis, como também constituem um ecossistema que é vital nacionalmente para o abastecimento de água e energia, controle de erosão e redução das emissões de gases de efeito estufa. Tais espécies são altamente vulneráveis à perda de habitat, caça legal e ilegal, poluição e outras pressões. O Perfil do Ecossistema lista 1.629 espécies terrestres e de água doce classificadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) como globalmente ameaçadas e pelas autoridades brasileiras ambientais como ameaçadas em nível nacional, bem como peixes raros e espécies de plantas raras. Há muitas outras espécies para as quais existem dados insuficientes para permitir uma avaliação completa do seu estado. Para muitas espécies, a melhor forma de conservação é a proteção de áreas adequadas de hábitat apropriado. Por conseguinte, o perfil identifica locais importantes, conhecidos como Áreas Chave para a Biodiversidade (KBAs), onde se sabe que estas espécies ameaçadas sobrevivem. No Brasil, 761 KBAs foram identificadas usando registros da presença de 26 espécies ameaçadas e vulneráveis. As principais ameaças ao Cerrado no presente e no futuro próximo são a pecuária, as culturas anuais (principalmente soja, milho e algodão), biocombustíveis (cana-de-açúcar), carvão vegetal, fogo e silvicultura de mono-espécies. A erosão, espécies invasoras, culturas permanentes, suínos, transporte e aquecimento (local e global) também são relevantes. Isto leva a desmatamento a uma taxa de 6.000 km2 por ano; até agora, o hotspot perdeu cerca de 50% de sua cobertura natural. Uma versão integral em Português do material pode ser conferida em www.cepf.net/SiteCollectionDocuments/ cerrado/CerradoEcosystemProfile-PR.pdf. 1 - Hotspots: regiões que possuem pelo menos 1.500 espécies de plantas endêmicas e perderam pelo menos 70% do seu hábitat natural 29 | ogm | Renata Amaral | Pesquisadora em Consumo Sustentável do Idec STF garante rotulagem de qualquer teor de transgênicos O direito dos consumidores brasileiros à informação sobre transgênicos volta a prevalecer. Em decisão proferida no dia 12/5/2016, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin manteve a decisão obtida pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) e voltou a garantir a indicação no rótulo de alimentos que utilizam ingredientes geneticamente modificados, independentemente da quantidade presente. A exigência estava suspensa desde 2012, por uma decisão liminar (provisória) do Ministro Ricardo Lewandovski, do STF, que atendeu ao pedido da União e da Associação Brasileira de Indústria de Alimentos (ABIA) contra a decisão do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1), que foi favorável à ação do IDEC. A União e ABIA alegavam que a decisão do TRF-1 “usurpava a competência” do STF de decidir sobre o tema. Mas, ao julgar o recurso, Fachin não concordou. Em decisão monocrática (analisada apenas por um julgador), o Ministro relator do processo validou a decisão do Tribunal. Código do Consumidor x Decreto A decisão do TRF-1 que voltou a valer acolhe o pedido do IDEC de rotulagem de qualquer teor de transgênicos e afasta a aplicação do Decreto N° 4.680/03, que flexibiliza a exigência de rotulagem apenas para produtos que contêm mais de 1% de ingredientes geneticamente modificados. O Tribunal considerou que o direito à informação previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC) se sobrepõe ao Decreto. “A decisão do STF é muito importante neste momento, pois enfraquece o PL que quer acabar com a rotulagem de transgênicos. Ela mantém a decisão fruto de uma Ação Civil Pública que garante que todos os alimentos geneticamente modificados devem ser rotulados, fortalecendo o direito à informação e o CDC”, destaca Claudia Pontes Almeida, advogada do Instituto. A União e a ABIA ainda podem entrar com novo recurso para que o tema seja analisado pelo plenário do STF. Mas, por hora, o direito à informação venceu mais uma vez. Histórico da ação Relembre os principais fatos envolvendo a ação do IDEC para garantir a rotulagem de transgênicos: 2001: IDEC entra com Ação Civil Pública contra a União para exigir informação clara no rótulo de alimentos sobre o uso de transgênicos, independentemente do teor de ingredientes geneticamente modificados presentes. 2003: Publicado o Decreto 4.680/03, que exige rotulagem apenas para produtos com mais de 1% de transgênicos. 2007: Sentença acolhe o pedido do IDEC e obriga rotulagem de transgênicos, independentemente do teor. União e ABIA entram com recurso. 2009: TRF-1 rejeita recurso e mantém sentença favorável aos consumidores, fruto da ACP do IDEC. ABIA e União recorrem ao STF. 2012: Ministro do STF Ricardo Lewandovski acolhe pedido da União e ABIA e concede liminar suspendendo decisão do TRF-1 até que o recurso seja julgado. Maio de 2016: O Ministro Edson Fachin, do STF, julga e rejeita o recurso, validando decisão do TRF-1 que garante a rotulagem de qualquer teor de transgênicos, como pediu o IDEC em 2001. 30 M a i o 2016 ECO•21 | orgânicos | Ming Liu | Diretor do ORGANIS Unificar setor de orgânicos para enfrentar a crise ECO•21 Ma i o 2016 Como todo setor que se desenvolve o desafio é crescer de forma planejada, organizada e trazendo todos os elos da cadeia. Interesses e necessidades diferenciadas do setor primário (produtores e agricultores) e secundário (indústria e processadores) são relevantes e para essa função foi fundado em 2015 o Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (ORGANIS) com o propósito de ser um facilitador para este desenvolvimento. A principal missão do ORGANIS é harmonizar a demanda que o setor precisa de forma a poder atender empresas dos setores de alimentos e bebidas, indústria de higiene e cosméticos e o setor têxtil, onde no mercado global estes setores já são uma realidade junto ao consumidor. Tania Rego - ABr Vivemos hoje tempos de transição, tempos de grandes mudanças e não podemos deixar de acreditar na virada, não perder o otimismo e a esperança de dias melhores. Independente da crise que vivemos, dos partidos políticos que hora brigam por interesses próprios e individuais que sempre sobrepõem o coletivo, temos de nos levantar e seguir em frente. Alguns já falam que temos pela frente nova década perdida, mas trago um pensamento de Rudolf Steiner, pai da Antroposofia, para servir de referência para estes novos tempos que teremos pela frente no qual afirma que “a missão do ser humano é o desenvolvimento moral baseado no amor altruísta preservando a liberdade individual, ou seja, que não se baseia em imposições exteriores de alguma pessoa, governo ou instituição, mas sim irradiar os valores a partir do conhecimento individual em plena liberdade”. Nesta linha de visão futura, aponto que desde o início das atividades da agricultura biodinâmica em Botucatu, em 1973, que considero o marco da introdução do movimento orgânico no país. É um curto o período de conhecimento do processo de desenvolvimento do setor. Somos parte da geração Y do mundo, onde as pessoas se desenvolveram numa época de grandes avanços tecnológicos, prosperidade econômica, facilidade material e num ambiente altamente urbanizado. Passados mais de 5 anos do processo de regulamentação da Lei 10.831 dos orgânicos (2011), ainda não temos claramente uma visão do tamanho e posicionamento que o setor conquistou. Sabemos em parte como a cadeia produtiva se distribui dentro do movimento, mas não sabemos o volume de produtos que se produz, não conhecemos muito bem o quanto representa em termos de valores econômicos, nem quais as regiões de maior desenvolvimento produtivo e como ele vem evoluindo, e não dispomos de tantos outros indicadores que fazem falta para criar políticas de desenvolvimento e preparar ferramentas de apoio e capacitação a quem está no meio. Para muitos, o movimento é um fado ou uma nova onda de tendências de consumo, algo que logo passará; mas, para o mundo, é um processo de transformação de indivíduos que buscam melhorar a qualidade de vida, a segurança dos bens que consomem e a garantia de que as outras gerações possam ter esta mesma possibilidade. Queremos o futuro num Planeta vivo, orgânico e saudável. É uma mudança sem volta. O mercado global de orgânicos movimenta perto de US$ 80 bilhões em faturamento. O Brasil tem um mercado estimado na ordem de R$ 2,5 bilhões, com expectativa de crescimento na ordem de 30% em 2016, mesmo dentro da situação econômica que temos enfrentado; crescimento demonstrado pela forte demanda do setor varejista na Feira APAS 2016 por produtos saudáveis, principal tendência identificada como direcionamento do consumidor do futuro. O ORGANIS foi construído com a colaboração de Conselheiros Curadores que podem ajudar a unificar as demandas de forma legítima e imparcial. Ele terá pela frente prioritariamente o desafio de se fazer presente institucionalmente, fomentar o processo de comercialização no país e nos mercados globais e ser um canal de comunicação junto ao consumidor final: educar e conscientizar sobre o produto orgânico. Para o futuro, podemos constatar a mudança de parâmetros e critérios que os consumidores adotam e sabemos que o preço nem sempre é decisivo, apesar do cenário econômico não muito positivo para os próximos anos. Esperamos que cada vez mais, a racionalidade e o bom senso sejam decisivos na busca de produtos mais éticos, seguros e saudáveis. Assumindo essa posição assertiva, o Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável se apresenta como uma plataforma de negócios para unir integrantes da rede produtiva, ser a representante legítima de produtores, processadores, empresas e empreendedores brasileiros da cadeia de produção orgânica e sustentável. É um novo desafio para um país como o Brasil – orgânico por natureza e com a maior biodiversidade do Planeta. 31 | orgânicos | Romeu Mattos Leite | Produtor orgânico na Vila Yamaguishi (Jaguariúna - SP), membro da Articulação Paulista de Agroecologia – APA, presidente da Câmara Temática de Agricultura Orgânica – CTAO Arquivo Agricultura orgânica: para além do nicho de mercado As ideias de Howard se opunham às do químico alemão Justus von Liebig, que em 1840 difundiu os fertilizantes químicos na agricultura. Posteriormente estes fertilizantes integraram os pacotes tecnológicos usados no programa mundial de modernização agrícola, difundido pelo grupo Rockefeller, chamado de “Revolução Verde”1. A contraposição à agroquímica e o composto Indore, apesar de rejeitados, causaram impacto e ficaram conhecidos como se fosse uma “receita de bolo”, possivelmente daí surgiu a ideia simplista de que a agricultura orgânica se resume à aplicação duma receita. O termo “orgânico” aparece quando Jerome Irving Rondale, baseado nas ideias de Howard, publica em 1948 o livro “The Organic Front” (A Frente Orgânica). Lançou também a revista “Organic Gardening and Farm” (Jardinagem e Fazendas Orgânicas), que se tornou a partir dos anos 1970 um baluarte do movimento de agricultura alternativa estadunidense. Nesta época, surgem na Europa os 1os produtos com a denominação de orgânicos e em 1972 nasce a International Federation of Organic Agriculture Movements IFOAM (Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica), consolidando a denominação “orgânicos” para produtos alternativos à agricultura química, embora as denominações natural, biológica, ecológica, sustentável, entre outras, permaneçam em uso, independente de regulamentações públicas. AGRA Alguns teóricos têm a tendência de definir a agricultura orgânica como sendo uma mera substituição da utilização de insumos químicos por insumos naturais, visando lucros com a moda de nicho do mercado natureba. Mas, é importante ouvir também o ponto de vista de quem está historicamente na Romeu Mattos Leite prática do que se denomina hoje de agricultura orgânica. A visão acadêmica, muitas vezes, se baseia na ideia de que a agricultura orgânica nasceu em 1940 com a publicação do livro “Um testamento agrícola” do britânico Albert Howard. Ele dizia que a fertilidade do solo e a saúde das plantas e animais dependem da diversificação e rotação de culturas. Também criticava os fertilizantes químicos e, em seu lugar, preconizava o uso do composto orgânico que chamou de compostagem Indore, método sistematizado por ele a partir do que conseguiu aprender com os agricultores da Índia, praticantes de uma agricultura milenar e sustentável sintonizada com o ecossistema local. 32 M a i o 2016 ECO•21 | orgânicos | Por ocasião da construção do marco legal da agricultura orgânica, fomos chamados a contribuir no processo. Consideramos adequada a nomenclatura “sistemas orgânicos de produção” (que engloba todos os outros: biodinâmico, natural, biológico, agroecológico, da permacultura, sustentável) no sentido de que ela traz uma visão sistêmica de organismo, uma visão orgânica em que todos somos parte de um único organismo planetário e procuramos praticar uma agricultura em sintonia com a cosmovisão, na qual o objetivo não é necessariamente a certificação e a venda para um nicho de mercado de alta renda, mas buscamos sobretudo a harmonia com a natureza. Sob esse aspecto, seria justo reivindicar que o termo “agricultura” permanecesse com os que continuam a plantar como era antes da introdução dos insumos sintéticos, e o que veio depois, deveria ser chamado de: agroquímica, produção agrotóxica, transgênica ou outra denominação qualquer que represente os sistemas produtivos com insumos artificiais que dominaram a maior parte dos espaços originalmente ocupados pela agricultura primordial. É pertinente também reivindicar que nos rótulos dos produtos oriundos da agroquímica devam constar todos os ingredientes artificiais adicionados em seu processo produtivo, além dos avisos sobre ingredientes cancerígenos, a exemplo das embalagens de cigarro. Nós, agricultores que viemos construindo caminhos alternativos ao modelo dominante do agronegócio2 , temos resistido a pressão dos agrotóxicos que nos rodeiam, desde muito antes de existir a regulamentação que estabeleceu a nomenclatura de orgânicos para os alimentos que já vínhamos produzindo há décadas com ou sem denominações específicas. Persistimos mesmo quando o mercado era inexpressivo e éramos ridicularizados pelos “papas” da agronomia que, com o apoio do Estado, enfiam “goela abaixo”, os pacotes tecnológicos envenenados da chamada Revolução Verde. Colocar venenos no solo, nas plantas e nos animais não prejudica somente o outro, prejudica todo o organismo do qual fazemos parte inseparável, enfim, prejudica a nós mesmos e a nossos descendentes, assim como o desmatamento, a erosão genética da biodiversidade, a concentração da posse das terras e bens materiais, o desrespeito as tradições e culturas, geram pobreza, fome, sofrimento e é incompatível com a visão orgânica que procuramos pôr em prática. Com o avanço da consciência ecológica, seja ela rasa ou profunda, nasceu o mercado de alimentos orgânicos, que por modismo ou por consciência planetária, vem crescendo em níveis que causam inveja a outros segmentos. Ana Huara Já os consumidores, confusos em meio a tantas denominações, seguem procurando garantias de produtos saudáveis, ecológicos, economicamente viáveis e socialmente justos. É bastante comum entre os teóricos a confusão entre agricultura orgânica e produto orgânico certificado. Vale lembrar que já se praticava agricultura bem antes da descoberta dos produtos sintéticos, ou seja, a história dos agroquímicos e transgênicos é extremamente recente e curta se comparada com a história da agricultura. Da mesma maneira, as agriculturas alternativas já existiam no Brasil e no mundo, bem antes do regulamento nacional que estabeleceu a nomenclatura orgânica e a certificação em 2003. ECO•21 Ma i o 2016 1 - Revolução Verde: expressão criada em 1968 numa conferência em Washington por Wiliam Gaud. Ele disse a um pequeno grupo de pessoas interessadas no desenvolvimento de países com déficit de alimentos “é a Revolução Verde, feita a base de tecnologia, e não do sofrimento do povo.” Muitos países, incluindo o Brasil, introduziram as inovações trazidas pela Revolução Verde em seus meios de produção agrícola estimulados pelos interesses das industrias químicas e mecânicas as quais perderam mercado com o fim da 2ª Guerra Mundial e precisavam abrir novas frentes para seus venenos e máquinas. Os pacotes tecnológicos depois incluíram sementes modificadas e desenvolvidas em laboratórios possuindo resistência a diferentes tipos de pragas e doenças; seu plantio, aliado à utilização de agrotóxicos, fertilizantes químicos e máquinas, aumenta significativamente a produção agrícola. Os impactos socioambientais negativos do uso de agrotóxicos foram revelados em 1962 por Rachel Carson em seu livro “Primavera Silenciosa”. 2 - Agronegócio: na acepção brasileira do termo é uma associação do grande capital agroindustrial com a grande propriedade fundiária. Essa associação realiza uma estratégia econômica de capital financeiro, perseguindo o lucro e a renda da terra, sob patrocínio de políticas de Estado. 33 | orgânicos | Aspta Assim como na roça surgem organismos oportunistas, também em nosso meio brotam empreendedores oportunistas de olho no lucro do mercado orgânico. O desejo pelo lucro deste mercado alternativo é natural, o problema acontece quando a ganância sobrepõe a ética e começam a ser praticados crimes contra os consumidores, denegrindo a imagem dos agricultores que dedicam a vida a pesquisar os princípios da natureza e a produzir em harmonia com ela, cuidando da saúde da terra e das pessoas. Aproveitadores e criminosos não são exclusividade do mercado de orgânicos, estão presentes em todos os segmentos e profissões. No caso do Brasil, a legislação que impôs a certificação e o selo nacional que identifica os produtos certificados foi amplamente debatida com os diversos segmentos do movimento de agricultura alternativa, resultando numa lei com escopo bastante amplo que permite certificar até mesmo alguns sistemas produtivos que não estão necessariamente coerentes com nossa concepção como, por exemplo, monocultivos livres de agrotóxicos. Mesmo assim, a lei estabelece padrões mínimos suficientes para dar aos consumidores credibilidade de não contaminação. É uma legislação complexa, pois o tema é complexo; carece de aperfeiçoamento, mas traz inovações que expressam algumas ideias baseadas na visão sistêmica que sempre nos norteou. Seu texto contempla, entre outras, a preocupação com o bem-estar animal e aspectos sociais que visam garantir os direitos e a qualidade de vida dos que trabalham no campo. Além disso, possibilita acesso ao mercado de venda direta para agricultores menos capitalizados que não podem pagar uma empresa para certificar seus produtos. No que tange a garantia aos consumidores da pureza da qualidade dos produtos orgânicos, a legislação brasileira introduz formalmente o conceito de controle social, através dos Sistemas Participativos de Garantia (SPG) e dos Organismos de Controle Social (OCS), nos quais os produtores monitoram e Reunião do SPG do grupo de produtores orgânicos da AFOJO, em Guapimirim, Rio de Janeiro controlam uns aos outros, envolvendo neste processo consumidores, técnicos e outros atores que fazem constantemente verificações Fraudadores e corruptos são partes indesejáveis da socieno campo. Qualquer pessoa no Brasil pode fazer parte de um dade, assim como doenças são partes indesejáveis da vida. sistema participativo de garantia visitando os agricultores, Através do conhecimento e da autorreflexão, queremos fortalecer cada vez mais a integridade do sistema orgânico como vendo com seus próprios olhos, questionando, aprendendo um todo e criar anticorpos para nos defender dessa doença, e ensinando localmente no campo sobre os processos de produção orgânica, basta aderir a um dos mais de 250 SPGs mas temos consciência que produtores, comercializadores, ou OCSs espalhados pelo território nacional. consumidores e poder público precisam estar juntos nesta A certificação não é perfeita, pois foi feita e é operada por tarefa constante, exercendo o controle social3. Delegar este trabalho somente ao estado é ingenuidade. seres humanos, mas tem sido eficiente na garantia da conforO alarde midiático sobre as fraudes no mercado dos orgâmidade à lei para produtos orgânicos no mercado. Existem nicos é uma reação esperada daqueles que têm interesse em graves exceções, mas representam uma minoria se considelucrar com a desmoralização dos orgânicos, porém, mesmo rarmos que apenas 0,6% dos produtos orgânicos analisados esse tipo de divulgação é útil, pois colabora para despertar o pela CIDASC tinham resíduos de agrotóxicos, ao passo que consumidor, fazendo com que a sociedade fique mais vigilante a ANVISA, analisando anualmente produtos convencionais no processo do controle social. não orgânicos, detecta mais de 25% com níveis de resíduos A certificação compulsória é fiscalizada pelo Estado de agrotóxicos acima do permitido. e funciona como um tipo de anticorpo contra fraudes no A grande maioria dos que praticam a agricultura orgânica não tem intenção de restringir o mercado apenas para lucro mercado, mas obviamente não dá conta sozinha desta tarefa próprio. Não satisfeitos com o mercado de nicho, estamos que deve ser contínua. trabalhando na perspectiva de reverter o modelo dominante 3 - Controle social: processo de geração de credibilidade organizado a partir da interação de de desenvolvimento que, nas últimas décadas, transformou pessoas ou organizações, sustentado na participação, comprometimento, transparência e confiança nossa paisagem rural em extensos e monótonos monocultivos das pessoas envolvidas no processo de geração de credibilidade (IN 19/09 - MAPA). O Controle Social é um instrumento democrático no qual há a participação dos cidadãos no exercício do poder latifundiários cheios de veneno. Almejamos um planeta alegre, colocando a vontade social como fator de avaliação para a criação e metas a serem alcançadas saudável, colorido, culturalmente diverso e agradável para no âmbito de algumas políticas públicas. Controle Social é a integração da sociedade com a administração pública, com a finalidade de solucionar problemas e as deficiências sociais com todos viverem saudáveis de acordo com suas necessidades e mais eficiência” (Manual de Direito Administrativo. Autores: Jose dos Santos e Carvalho Filho. Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2008). características individuais. 34 M a i o 2016 ECO•21 | recursos hídricos | Marcia Hirota | Diretora-Executiva da Fundação SOS Mata Atlântica Funbio Velho Chico na vida real Hoje, mesmo o rio não tendo a mesma quantidade e variedade de peixes de antes e de apresentar continuado processo de degradação devido às grandes transformações e agressões ao longo dos anos, ele está vivo na cultura das pessoas que habitam sua Bacia. Mas para que permaneça presente e saudável no cotidiano delas, seja na gastronomia, lendas, pesca ou no desenvolvimento sustentável das regiões que beneficia, é preciso executar ações de revitalização que deveriam ter começado com as obras de transposição incluindo o reflorestamento de mata ciliar e investimentos em saneamento básico. A falta de saneamento é um problema que afeta milhões de brasileiros, já que a universalização desse serviço fundamental para a proteção da saúde das pessoas e do meio ambiente não é realidade para uma grande parcela da população. Para mobilizar as pessoas, a SOS Mata Atlântica lançou junto com diversos parceiros a petição “Saneamento Já!”, pois essa é uma realidade que só será transformada com a ação conjunta de toda a sociedade, que deve se apropriar do tema para exigir do poder público o comprometimento na execução transparente e eficiente das medidas necessárias. O fato do São Francisco ser cenário e protagonista de uma novela do horário nobre da TV, um meio de comunicação responsável por influenciar culturas e moldar hábitos no nosso país, pode ser um importante reforço para resgatar o papel dos rios no cotidiano das pessoas. Ao se envolverem com a história do “Velho Chico” no mundo da ficção, as pessoas poderão se aproximar da realidade do rio. E que assim se abra uma janela para que olhem também para os rios das suas cidades e àqueles próximos das suas casas, compreendendo a importância do cuidado com nossas águas e a conservação da natureza para a qualidade de vida de todos. Otoniel Fernandes Neto Na cidade de Penedo, no Estado de Alagoas, que é uma das últimas a serem cortadas pelo Rio São Francisco a caminho do mar, um grupo de voluntários do projeto Observando os Rios, da Fundação SOS Mata Atlântica, está monitorando a qualidade desse que é um dos maiores e mais importantes rios brasileiros. Marcia Hirota A formação do grupo é recente, data de Novembro de 2015, e aconteceu por iniciativa de alunos e professores da Universidade Federal de Alagoas. Até agora, duas análises foram realizadas no local, sendo que ambas indicaram que a qualidade da água naquela área é regular devido ao estado de conservação do rio e aos diversos pontos de poluição. A análise de um único local não é suficiente para espelhar a verdadeira situação em que se encontra o grandioso “Velho Chico”, que nasce no Parque Nacional da Serra da Canastra (localizado no Estado de Minas Gerais, criado em 1972 para proteger as nascentes do rio São Francisco) e passa por três biomas – o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica – e 521 municípios dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Entretanto, são indicadores bastante simbólicos sobre a qualidade das águas dos rios brasileiros e reforçam a necessidade urgente de investimentos em saneamento ambiental e, sobretudo, da tão esperada revitalização do São Francisco que, infelizmente, ainda não saiu do papel. 36 M a i o 2016 ECO•21 | recursos hídricos | Roberto Malvezzi (Gogó) | Teólogo, Músico e Filósofo Membro da equipe CPP/CPT do Rio São Francisco Codevasf Será a derrota do Sertão? Vários retrocessos vieram junto com o governo interino desde o primeiro dia. Um ministério do tempo do Brasil Império – só homens de bens e brancos, sem negros, mulheres e indígenas –, o anúncio do corte na saúde, na educação, encolhimento do SUS, desvinculação do salário dos aposentados em relação ao salário mínimo, eliminação do MinC, daí prá frente. Dentre esses retrocessos os que mais impactam o Semiárido estão o da educação, saúde e a desvinculação do salário mínimo, do qual dependem aproximadamente 100 milhões de brasileiros. Porém, há retrocessos que o Brasil em geral não vê, a não ser nós que moramos por aqui, na busca de vida melhor para a população nordestina que sempre esteve à margem dos avanços brasileiros. O paradigma da “convivência com o Semiárido” ganhou carne com o programa “Um Milhão de Cisternas” (P1MC) e o “Programa Uma Terra e Duas Águas” (P1+2), da ASA (Articulação do Semiárido). O primeiro visando a captação da água de chuva para beber e o segundo, para produzir. Em aproximadamente 15 anos, um milhão de famílias receberam a cisterna para beber e cerca de 160 mil famílias, uma segunda tecnologia para produzir. É lindo, até emocionante, quando em plena seca vemos espaços tomados de verde com hortaliças ao redor de uma cisterna de produção. Essas tecnologias ainda teriam que ser replicadas ao milhões para garantir a água para beber e produzir, ofertada gratuitamente pelo ciclo das chuvas. Junto com esses programas, veio a expansão da infraestrutura social da energia, adutoras simples, telefonia, internet, melhoria nas habitações rurais, estradas etc. ECO•21 Ma i o 2016 A valorização do salário mínimo e o Bolsa Família injetaram dinheiro vivo nos pequenos municípios, movimentando o comércio local, o maior beneficiário desses programas. Houve também contradições profundas, como a opção pela mega obra da transposição de águas do Rio São Francisco, ao contrário de adutoras simples, e a implantação das cisternas de plástico por Dilma no seu último governo. Além do mais, ela estava encerrando o programa de cisternas para beber, alegando que já tinha atingido o número de famílias necessitadas. Detalhe: o Ministro para o qual ela liberou as cisternas de plástico orientou o filho a votar pelo impeachment na Câmara dos Deputados e é agora o Ministro das Minas e Energia. Mas esse avanço pressupôs a organização da sociedade civil articulada na ASA e a chegada ao poder de governos estaduais menos coronelísticos e corruptos. Sobretudo, supôs o apoio do governo federal a esses programas da sociedade civil. Acabou. Se perguntarem ao atual Presidente onde fica o Semiárido Brasileiro, é provável que ele diga que fica no Marrocos. Como não tem base na região, vai entrar pelas mãos dos velhos coronéis ou de seus descendentes. Não é possível destruir a infraestrutura construída. Ela tornou o Semiárido melhor, sem fome, sem sede, sem migrações, sem mortalidade infantil. Mas, há muito ainda a ser construído para não retornar ao ponto da miséria. Uma das ações é a geração de energia solar de forma descentralizada, a partir das casas. Dilma não quis dar esse passo. Os velhos problemas poderão voltar? No que depender das políticas públicas federais, sem dúvida nenhuma. Tempos estranhos, quando setores da sociedade brasileira preferem retroceder aos tempos da miséria total e parte da população se alegra com esses retrocessos. 37 | recursos hídricos | Leda Letra | Jornalista da ONU Metade da população mundial sofrerá falta de água em 2030 Africa Green Media Se os atuais níveis de consumo e de poluição da água continuarem, é possível que metade da população mundial enfrente dificuldades para obter o recurso natural em 2030. O alerta é do Painel Internacional de Pesquisa, ligado ao Programa da ONU para o Meio Ambiente, PNUMA. Vários fatores poderão aumentar de forma dramática a demanda por água: aumento da urbanização e da população, mudança climática e consumo de alimentos. Se a tendência atual continuar, a demanda por água será 40% maior dentro de 15 anos. Com isso, o relatório indica que os governos serão forçados a gastar US$ 200 bilhões por ano com o abastecimento de água, sendo que a média histórica alcançada é entre US$ 40 bi a US$ 45 bilhões. Achim Steiner, Diretor-Executivo do PNUMA comentou os dados divulgados no fim de Março e lembrou que o “acesso à água limpa é a base do desenvolvimento sustentável”. Segundo ele, quando as pessoas mais pobres não têm acesso à água potável, elas acabam gastando boa parte da renda comprando água ou passam muito tempo transportando o bem natural. O Painel Internacional de Pesquisa do PNUMA é um grupo formado por 27 renomados cientistas, 33 governos nacionais e outros grupos. Os pesquisadores revelam que na África Subsaariana, a demanda por água pode aumentar 283% em 2030, se for feita a comparação com os níveis de 2005. O estudo mostra ser possível separar o uso de água do crescimento econômico. Na Austrália, por exemplo, o consumo de água caiu 40% entre 2001 e 2009, enquanto a economia cresceu 30%. 38 O Relatório traz uma lista de fatores que levarão ao aumento da demanda por água. O setor agrícola, por exemplo, é responsável por 70% da retirada de água fresca. Com o aumento da população, aumentará a demanda por comida e consequentemente, a pressão sobre o recurso natural. Mas na Índia, é possível reduzir a lacuna entre estoque de água e demanda em até 80%, se forem utilizadas técnicas específicas na produção agrícola, como o uso de fertilizantes orgânicos. Na África do Sul, a lacuna entre estoque e demanda é de 2,9 bilhões de metros cúbicos. Se o país melhorar a produtividade da água, será possível economizar 150 milhões de dólares por ano até 2030. Nos centros urbanos, será possível economizar entre 100 bilhões a 120 bilhões de metros cúbicos de água se forem reduzidos os vazamentos em residências e prédios públicos ou comerciais. Os especialistas observam que os governos investem de forma pesada em mega projetos como canais, aquedutos, reservatórios de água e sistemas de encanamento. Para o Painel Internacional de Pesquisa, na maioria das vezes essas soluções são ineficazes e muitas não são amigas do ambiente. A recomendação vai para a criação de planos de manejo de água que levem em conta a fonte, a distribuição do recurso, o uso econômico, o tratamento, a reciclagem, o reuso da água e seu retorno para o meio ambiente. Saneamento básico De acordo com um outro relatório da ONU, apenas 20% das águas residuais em todo o mundo são tratadas, entre elas, as de esgoto. Os países de baixa renda são os mais atingidos pela água contaminada e doenças. O documento encoraja governos que vejam águas usadas como um recurso valioso e uma prioridade para a agenda de desenvolvimento. O relatório foi produzido pela Organização Mundial da Saúde, OMS, pelo PNUMA, e pela ONU-Habitat, em nome da ONU-Água. O documento descreve como “muito grave” os danos causados aos ecossistemas e à biodiversidade. Se a questão não for abordada imediatamente, a ONU alerta para a ameaça cada vez maior das águas residuais à saúde humana, à atividade econômica e à segurança da própria água. M a i o 2016 ECO•21 | biodiversidade | Kevin Fryling | Jornalista do Inside IU Bloomington (Indiana University) Arquivo É provável que haja um trilhão de micróbios na Terra A Terra pode conter cerca de 1 trilhão de espécies de micróbios, com apenas um milésimo de 1% agora identificados, de acordo com os resultados de um novo estudo. A estimativa, com base em leis de escala universais aplicadas a grandes conjuntos de dados, foi publicada na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences” no dia 2/5. Os autores do informe são Jay Lennon (especialista em biodiversidade microbiana e evolução dos ecossistemas) e Kenneth Locey (cientista em biodiversidade, macroecologista, e PHD em ecologia microbiana), ambos da Universidade de Indiana, em Bloomington. Os cientistas combinaram conjuntos de dados microbianos, plantas e animais a partir de fontes governamentais, acadêmica e ciência cidadã, resultando na maior compilação de seu tipo. Em conjunto, esses dados representam mais de 5,6 milhões de espécies microscópicas e não-microscópicas de 35.000 locais em todos os oceanos e continentes do mundo, exceto na Antártica. Grande desafio na biologia “Estimar o número de espécies na Terra é um dos grandes desafios da biologia. Nosso estudo combina os maiores conjuntos de dados disponíveis com modelos ecológicos e novas regras de como a biodiversidade se relaciona com abundância. Isso nos deu uma nova e rigorosa estimativa do número de espécies microbianas na Terra. Até recentemente, ainda não havia ferramentas necessárias para estimar verdadeiramente o número de espécies microbianas no ambiente natural. O advento da tecnologia de sequenciamento genético fornece um grande conjunto de novas informações”, disse Lennon. 40 O trabalho é financiado pelo Programa de Dimensões de Biodiversidade, da National Science Foundation (NSF), um esforço para transformar a nossa compreensão do âmbito da vida na Terra, preenchendo lacunas importantes no conhecimento da biodiversidade do Planeta. “Esta pesquisa oferece uma visão da vasta diversidade de micróbios na Terra”, disse Simon Malcomber, Diretor do Programa de Dimensões de Biodiversidade. “Ela também destaca o quanto dessa diversidade ainda está para ser descoberto e descrito”. Estimando o número de espécies microbianas As espécies microbianas são formas de vida demasiado pequenas para serem vistas a olho nu, incluindo organismos unicelulares, tais como bactérias e archaea (morfologicamente semelhantes às bactérias mas genética e bioquimicamente distintas; habitam ambientes extremos) bem como certos fungos. Muitas tentativas anteriores para estimar o número de espécies na Terra ignoraram os microrganismos ou foram informadas com base em conjuntos de dados mais antigos, baseados em técnicas tendenciosas ou extrapolações questionáveis, disse Jay Lennon. “Estimativas mais antigas foram baseadas em esforços que sub-amostraram de forma extraordinária a diversidade de microrganismos”, acrescentou Lennon. “Antes do alto rendimento do sequenciamento genético, os cientistas caracterizavam a diversidade com base em 100 indivíduos, quando já se sabe que em apenas um grama (1g) de solo existe até um bilhão de organismos, e o número total na Terra é maior que uma exponencial elevada a 20 (1020)”. M a i o 2016 ECO•21 | biodiversidade | Leis de escala para todas as espécies A constatação de que os microrganismos foram significativamente sub-amostrados causou uma explosão em novos Leis de escala, como esta descoberta pelos cientistas, são esforços de amostragem microbiana ao longo dos últimos conhecidas para prever com precisão o número de espécies para anos. as comunidades vegetais e animais. Por exemplo, o número O inventário do estudo de fontes de dados inclui 20.376 de espécies em escala numa determinada área de um terreno. estudos de amostragem sobre as bactérias, archaea e fungos “Até o momento, não sabíamos se os aspectos de escala de microscópicos, bem como 14.862 estudos de amostragem sobre as comunidades de árvores, pássaros e mamíferos. “Uma biodiversidade eram algo tão simples como a abundância de enorme quantidade de dados foram coletados a partir dessas organismos”, disse Locey. “Como se vê, as relações não são apenas simples, mas poderosas, resultando em nossa estimativa pesquisas”, disse Locey. “No entanto, poucos têm tentado acima de um trilhão de espécies”. reunir todos os dados para testar grandes questões.” Os resultados do estudo tamEle acrescentou que os cientisbém sugerem que a identificação tas “suspeitavam que aspectos da biodiversidade, como o número de todas as espécies microbianas na de espécies na Terra, estariam Terra apresenta um grande desaem escala com a abundância de fio. “Dessas espécies catalogadas, organismos individuais. Depois de apenas cerca de 10.000 já foram analisar uma enorme quantidade cultivadas em laboratório, e menos de 100.000 tiveram suas sequências de dados, observamos tendências genéticas classificadas”, disse Lensimples, mas poderosas de como a biodiversidade muda por meio das non. “Nossos resultados mostram escalas de abundância”. que isso deixa 100.000 vezes mais Pesquisadores descobriram microrganismos no aguardo por que a abundância das espécies descobertas. E 100 milhões para mais dominantes é proporcional serem totalmente explorados. A ao número total de indivíduos Biodiversidade microbiana, ao que em ordem 30 de grandeza (1030), parece, é maior do que imagináva“tornando-a a lei de escala mais mos”, finaliza Lennon. expansiva na biologia”, diz Jay Midway Geiser, Yellowstone Nacional Park, local de pesquisa Tradução: Elisa Homem De Mello Lennon. ECO•21 Ma i o 2016 41 Ana Huara Alana Gandra | Jornalista da Agência Brasil JBRJ inaugura projeto de criação de abelhas sem ferrão Ester Santos Um projeto que tem por objetivo a preservação de abelhas nativas sem ferrão começou a ser executado esta semana pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). Um espaço para a criação desse tipo de abelha está funcionando ao lado do Orquidário e é aberto ao público. A iniciativa do projeto chamado de Meliponário é do Laboratório de Fitossanidade da instituição. A engenheira agrônoma Maria Lucia Teixeira Moscatelli, responsável pelo laboratório, disse que o projeto vai atuar na preservação e no incremento da população de abelhas sem ferrão. “Esta ação é importante diante da condição de ameaça de extinção dessa espécie de abelha e de seu papel na reprodução e perpetuação de muitas espécies de plantas nativas e manutenção da biodiversidade”. De acordo com ela, o projeto vai “informar o público sobre a existência e o papel das abelhas sem ferrão, visando conscientizar e até mesmo estimular a criação desses animais”, afirmou à Agência Brasil. 42 “Nas florestas brasileiras, as abelhas sem ferrão são os principais agentes de transporte de pólen e fecundação para grande parte das árvores. Elas viabilizam a reprodução através da polinização cruzada, aumentando também a produtividade das plantas cultivadas e, consequentemente, a produção de frutos e sementes”, ressaltou a pesquisadora. Segundo Maria Lucia, a extinção de espécies de abelhas nativas implica na extinção de espécies vegetais e no desequilíbrio dos ecossistemas. “As abelhas sem ferrão produzem ainda própolis, cera e mel, podendo sua criação gerar recursos e servir como excelente instrumento de preservação ambiental”, acrescentou. Patrocinado pela Brasil Kirin, o Projeto de Meliponário foi iniciado em 2010 e contabiliza atualmente 21 colmeias de abelhas sem ferrão das espécies: Jataí, Mandaçaia, Mirim, Iraí e Guaraipo, todas com ocorrência natural no estado do Rio de Janeiro, disse Maria Lúcia. Até o momento, os pesquisadores identificaram 13 espécies dessas abelhas no JBRJ. Levantamento feito pelo Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, publicado na Revista Biota Neotrop, de 2008, mostrou que o Estado do Rio de Janeiro aparece entre os mais ricos em termos da presença dessas abelhas na Mata Atlântica, com cerca de 20 espécies. Em todo o Brasil, existem mais de 300 espécies de abelhas sem ferrão. A pesquisadora estima, entretanto, que cerca de 100 delas estão seriamente ameaçadas de extinção, não só devido à poluição atmosférica e das águas, mas também à quebra da cadeia ecológica, ao desmatamento, ou mesmo à destruição dos ninhos para retirar o mel medicinal, que apresenta “sabor e doçura inigualáveis”. “Foi pensando na preservação destas colmeias que já existem no arboreto, no estímulo à população dessas espécies e no despertar do interesse do público sobre o universo dessas grandes polinizadoras que o Jardim Botânico do Rio de Janeiro inaugura mais este espaço de conhecimento para o visitante”, afirmou Maria Lúcia Moscatelli. M a i o 2016 ECO•21 | ecologia urbana | Maria Lucia França Teixeira Moscatelli | Engenheira Agrônoma. Responsável pelo Laboratório de Fitossanidade do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro JBRJ Abelhas urbanas e sem ferrão ECO•21 Ma i o 2016 O passatempo de criar essas abelhas estreita o contato com a natureza e pode fornecer méis de sabor e doçura inigualáveis, aromas distintos, nutritivos e com propriedades antimicrobianas. Podem ser incluídos na alimentação diária e já são muito procurados por pessoas preocupadas com o que ingerem e optam por uma alimentação saudável, privilegiando alimentos frescos e orgânicos em detrimento dos produtos industrializados e produzidos de maneira convencional, em um país que lidera o uso de agrotóxicos. O uso indiscriminado de pesticidas é uma das principais causas da morte de abelhas e perda de colmeias. Pode parecer estranho, mas as cidades não são inviáveis para as abelhas sem ferrão, pois de modo geral, na manutenção de jardins e árvores urbanas não são utilizados pesticidas. Entretanto a pulverização de forma intensiva de inseticidas para o controle de mosquitos adultos, realizada em alguns locais, pode inviabilizar a criação das espécies mais sensíveis. Em Milão e Nova York, raças mansas da abelha comum, se comparadas à abelha africanizada que ocorre no Brasil, já estão sendo criadas com sucesso nos telhados dos prédios. Alexandre Machado No Brasil há pelo menos 300 espécies de abelhas nativas que produzem mel e vivem em colônias tal qual a abelha africanizada ou abelha comum, essa, uma mistura de raças europeias e africanas de Apis mellifera, nome científico da espécie. Chamadas de abelhas sem ferrão ou abelhas indígenas, as abelhas nativas têm o ferrão Maria Lucia F. T. Moscatelli atrofiado, impossibilitando-as de usá-lo para a defesa, tornando viável a sua criação pelos povos da floresta, comunidades rurais e pela população urbana, bastando que haja abrigo e alimento suficiente para elas, ou seja: néctar e pólen das flores. Muitas espécies estão intimamente associadas às condições das florestas e são responsáveis pela polinização da maioria das árvores nativas, principalmente das flores em copas altas, pouco visitadas por outros agentes polinizadores. Outras são habitantes nativas do Cerrado e da Caatinga, adaptadas ao clima e à polinização das plantas que lá ocorrem. Todas elas são velhas conhecidas dos índios, que sempre fizeram uso dos seus produtos, principalmente o mel. Existem espécies rústicas e outras com estrita dependência de condições ecológicas específicas, acrescentando mais um motivo na lista de razões para preservação de ambientes e ecossistemas naturais. As espécies rústicas se adaptam bem às condições urbanas, sendo capazes de aproveitar, além de ocos em árvores para abrigar os ninhos, cavidades feitas pelo homem como: orifícios em muros, postes, caixas e outros. Algumas espécies fazem ninhos subterrâneos, aproveitando os solos de áreas verdes urbanas como praças, parques e jardins botânicos. No Jardim Botânico do Rio de Janeiro, há, pelo menos, dez espécies de abelhas sem ferrão com ninhos no solo, em árvores, nos muros e até em monumentos. O Jardim, fundado há mais de 200 anos, possui grande concentração de árvores antigas e com ocos utilizados pelas abelhas: Jataí, Iraí, Boca-de-sapo, Mirim e outras, que contribuem para a polinização de plantas originárias de várias regiões do Brasil e do mundo. Quando há necessidade de poda de galhos podres com ninhos, esses são realocados em caixas especiais, já pensadas e desenvolvidas para esse fim e mantidas em um abrigo coletivo conhecido como Meliponário, com visitação aberta ao público. A possibilidade de criação de abelhas sem ferrão nas cidades, não se restringe a áreas verdes públicas. É possível criar Jataís, Iraís e Mirins em jardins de condomínios, casas e até em varandas de prédios. Havendo oferta suficiente de flores num entorno de aproximadamente 500 metros nas ruas, praças e jardins e adquirindo os conhecimentos básicos das técnicas necessárias, através de cursos, vídeos, manuais e livros também disponíveis na Internet, a iniciativa é fácil e viável. Na expectativa de criar as abelhinhas sem ferrão e na impossibilidade, para muitos, de viver no campo é possível interferir no ambiente urbano. Para isso, vale criar canteiros com flores, plantar árvores, zelar pelas vivas em mau estado e solicitar o mesmo aos órgãos competentes. O verde urbano reduz as temperaturas, a sensação térmica, os ventos, os ruídos e a poluição. Libera o oxigênio, aumenta a aeração, a permeabilidade e a capacidade de infiltração de água no solo e serve de refúgio e alimentação para os animais, entre eles, as abelhas. Sem cuidar do verde das cidades, a qualidade de vida não melhora para as abelhas nem para nós. 43 | fauna | Amanda Lelis | Jornalista do Instituto Mamirauá As onças de Mamirauá: um comportamento inédito Com esses dois animais, os pesquisadores monitoram atualmente cinco onças na região. “O que a gente tem observado é que temos, na Reserva Mamirauá, uma das mais altas densidades de onças encontrada no mundo. A gente estima mais de dez onças a cada 100 km². E o que isso mostra é o potencial que as várzeas têm”, comentou o pesquisador do Instituto Mamirauá Emiliano Ramalho. Como se movimentam as onças da várzea Amazônica? E como a variação do nível da água, ao longo do ano, interfere na movimentação desses animais? Essas são algumas das questões que a pesquisa busca responder. Esse acompanhamento das onças, por meio do GPS, dura até dois anos. André Dib André Dib No ano das Olimpíadas no Rio, a onça-pintada foi escolhida como mascote do Time Brasil. Sempre que um animal é escolhido para representar uma delegação, ou mesmo um evento esportivo, há expectativa de que mais pessoas se engajem na conservação da espécie. Ampliar a divulgação em torno de projetos de conservação da onça-pintada no Brasil é mais que oportuno. Desde 2008, o Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, desenvolve projetos para “entender a ecologia da onça-pintada nas Florestas de Várzea da Amazônia, visando subsidiar ações efetivas de conservação da espécie e melhorar a qualidade de vida das pessoas que convivem com este grande felino”. Dentre os projetos, está o que estuda o uso do hábitat pela onça-pintada e já identificou um comportamento inusitado entre os grandes felinos. Durante a inundação, as onças-pintadas, nas florestas de várzea da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (AM), vivem durante cerca de 4 meses do ano sobre as árvores, onde criam os seus filhotes e se alimentam. Para identificar e acompanhar esse comportamento, o Instituto Mamirauá realiza campanha de captura de onças anualmente. Este ano, a equipe do Instituto esteve em campo nos meses de Janeiro e Março. Os animais receberam os colares de GPS e VHF, que registram diariamente a movimentação dos animais pela floresta na Reserva Mamirauá. Foram capturadas duas onças, uma delas foi Django, uma onça preta, macho, de 54kg, medindo 1m80. A surpresa deste ano foi a captura de uma onça em gestação. Nomeada de Fofa, a onça-pintada estava com 39kg e media 1m68. Louise Maranhão, veterinária no Instituto Mamirauá, afirmou que a gestação é um indicativo de que o ambiente é viável para a sobrevivência e para a reprodução da espécie. “No momento da captura, o animal apresentou boa condição corporal, e ausência de sinais clínicos evidentes para alguma doença. O animal está bem, possui alimentação no ambiente e está se reproduzido bem. Demonstra que esse é um ambiente que está favorável para sua manutenção”, disse. 44 De acordo com Emiliano, o monitoramento da movimentação desses animais ajuda a identificar quais as áreas de vida que utilizam. “A área de vida é importante, por exemplo, para termos uma ideia do tamanho de áreas de conservação que a gente precisa ter, para conservar a espécie. Isso também nos ajuda a ver a sobreposição dessas áreas, a sociabilidade dos bichos”, completou Emiliano. Todo o procedimento de captura é acompanhado por um médico veterinário. São instaladas armadilhas de laço, que prendem o animal pela pata, em algumas trilhas na Reserva. As armadilhas são checadas várias vezes ao dia. Durante o procedimento, é feito um exame clínico geral no animal. Durante a captura, os animais também são pesados, medidos e fotografados. As fotografias contribuem para a identificação dos animais, a partir da análise do padrão de pintas, marca única de cada indivíduo. Além da pesquisa de ecologia das onças-pintadas, essas informações são base para a manutenção do turismo de observação de onças de base comunitária, mantido em parceria com a Pousada Uacari. A região onde é realizada a pesquisa é habitada por comunidades ribeirinhas que participam e são beneficiadas pela iniciativa. A pesquisa conta com apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para o pagamento de bolsas. M a i o 2016 ECO•21 | ano do papagaio | Gabriela Peretti | Jornalista FGB Zig Koch - ICMBio O Brasil celebra em 2016 o Ano do Papagaio Com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre o tráfico de papagaios em todo o território brasileiro, a Sociedade de Zoológicos do Brasil (SZB) definiu 2016 como o Ano do Papagaio. A campanha nacional, que tem o apoio da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, realizará ações de mobilização em diferentes espaços, incluindo zoológicos e escolas, para que a sensibilização também atinja crianças. No Brasil, muitas espécies de papagaios, como o de-peito-roxo (Amazona vinacea), da-cara-roxa (Amazona brasiliensis) e charão (Amazona pretrei) estão ameaçadas de extinção. Além de conscientizar a população sobre o tráfico dos papagaios para que não compre aves provenientes dessa prática, a campanha também pretende abordar a problemática da perda de habitat, por conta da pressão nos ambientes naturais, principalmente na Mata Atlântica, bioma mais ameaçado do país. De acordo com a coordenadora do Plano de Ação Nacional (PAN) dos Papagaios da Mata Atlântica, Patrícia Serafini, esse tipo de iniciativa é muito importante, pois o cidadão comum precisa ter mais informações sobre esse grande problema. “A população deve se conscientizar de que pode estar incentivando o tráfico ao comprar animais que não sejam certificados. Se não existir essa demanda, automaticamente estaremos reduzindo essa prática”, afirma. ECO•21 Ma i o 2016 O PAN é uma política pública criada para identificar e orientar as ações prioritárias para combater as ameaças que põem em risco as espécies e ambientes naturais brasileiros. A campanha está alinhada com o PAN dos Papagaios da Mata Atlântica, que visa a garantir a integridade das populações das espécies por meio da ampliação do conhecimento científico e ações efetivas de proteção a essas aves. Segundo a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes, trabalhar com o PAN dos papagaios é muito importante, pois ele oferece direcionamento das ações prioritárias para proteção da espécie. Ela destaca que a instituição tem buscado auxiliar os pesquisadores interessados em proteger as diversas espécies de papagaios brasileiros. “A pesquisa científica aliada à conscientização da população é uma fórmula poderosa para promover a conservação e proteção de espécies e ambientes naturais do país”. A Fundação Grupo Boticário já apoiou 42 iniciativas com papagaios, em diversas regiões do país. A articulação para que 2016 fosse definido como o Ano do Papagaio foi realizada pelo Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação das Aves Silvestres (Cemave), órgão vinculado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), junto com a Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (SZB) 45 | ecofilosofia | Glen Barry | Presidente e fundador do Ecological Internet (EI) Nick Kontostavlakis O futuro ponto de inflexão ecológico e a grande transição A consciência ecológica deve alcançar logo uma massa crítica, por meio da qual massivos recursos comerciais serão realocados para aumentar as soluções em uma grande transição ecológica; antes que o colapso socioeconômico e da biosfera se torne inevitável. Um ponto de inflexão ecológico iminente reflete o curto espaço de oportunidade para reparar a fragmentada e definhada natureza, claramente em estado crítico, antes que seja tarde demais. Após 25 anos de advocacia em ecologia, com certeza posso dizer que nunca vi tamanha preocupação genuína com o meio ambiente quanto vejo agora. Isso não levou a ações necessárias como a radical redução de emissões ou a recusa à compra de quaisquer produtos oriundos de florestas primárias. Mas, pela primeira vez, o declínio ecológico, incluindo as mudanças climáticas, é visivelmente aparente e notório a qualquer pessoa com educação e não pode ser negado por qualquer pessoa de boa fé e caráter. Concomitantemente, o gráfico do declínio atmosférico e dos ecossistemas está pior do que nunca. A humanidade está colocando a biosfera em grande risco. 46 A galopante poluição industrial e a destruição da vegetação natural resultam em abruptas mudanças climáticas ocorrendo muito mais rápido do que o previsto, e alguns ecossistemas estão falhando em prover a matriz necessária para os serviços naturais que possibilitam a vida. A única esperança da família natural é que ocorra um ponto de inflexão, quando os impactos do colapso da biosfera forem evidentes – talvez com a morte de milhões de seres devido às extremas condições do clima – enquanto ainda haja tempo de implementar soluções suficientes. Chegado a este ponto, a família humana clamará pelas medidas necessárias para proteger e restaurar os ecossistemas, e acabar com os combustíveis fósseis numa medida de emergência acelerada. As perguntas que permanecem é se enquanto o colapso dos ecossistemas fica evidente, negaremos o ecologismo e brigaremos entre nós pelo que resta, ou nos manteremos livres enquanto começamos uma honesta grande transição para a liberdade verde? Teremos identificado e estaremos preparados com suficientes soluções ecológicas para atender as necessidades humanas de manter a Terra viva? M a i o 2016 ECO•21 O ponto de inflexão ecológico é um espaço muito curto de oportunidade para reparar a fragmentada e definhante natureza antes que seja tarde demais. Devemos estar prontos com modelos de sustentabilidade ecológica para empregar bilhões de pessoas, enquanto programas de restauração ecológica e de conservação energética são aplicados. Enquanto a consciência ecológica e o seu colapso convergem, devemos estar prontos e capazes para por em prática a multidão de soluções ecológicas que todos conhecemos, mas não apoiamos o suficiente. Estes esforços talvez sejam apoiados pelo profundo fosso de resistência ecológica global do qual não estamos cientes. A Terra é um organismo vivo que vem se regulando a 3,5 bilhões de anos, cujos esforços permanecem em grande parte desconhecidos por seus habitantes. Claramente já passamos o limite ecológico; ultrapassando limiares em número de espécies perdidas, destruição territorial de ecossistemas, desigual superpopulação humana e emissões industriais de carbono, fósforo e nitrogênio. E nos aproximamos do limiar de segurança em níveis de ozônio, acidez do oceano, aerossóis, químicos e agua doce. No entanto, enquanto o caos se aproxima, se todos nos uníssemos aproveitando todos os recursos à disposição – incluindo o visível consumo excessivo dos mais ricos e o lucrativo complexo militar-industrial que abastece a máquina de guerra – certamente poderíamos organizar uma resposta que daria tempo ao ar, à terra, às águas, aos oceanos para descansar, se recuperar e florescer garantindo uma sustentabilidade ecológica global. Alcançar o ponto de inflexão ecológico que dispara a grande transição ambiental antes que seja tarde demais vai requerer o fim do greenwashing. O que significa aceitar a gravidade da nossa situação e as necessárias mudanças em nível pessoal e social, confrontando aqueles que usam o greenwashing para benefício próprio. Celebridades ambientalmente ativistas que passam a vida voando nos seus jatinhos pelo mundo inteiro ficam nos dizendo que devemos cortar as emissões e grupos burocratas ambientais financiados por grandes fundações se enriquecem às custas da indústria madeireira que devasta florestas primárias, eles deveriam ser repreendidos e desmascarados até mudarem seu comportamento. Devemos amplificar as vozes daqueles que criam estilos de vida sem carros, viajando menos, comendo menos ou nenhuma carne, tendo apenas um filho, limitando seu consumo; e se unindo para refazer uma sociedade pacífica, justa e equilibrada. As lideranças ecológicas devem se movimentar em concordância com o que falam. Os pobres e despossuídos, assim como os que consomem em excesso, podem aprender juntos o significado do que é suficiente. Equidade não significa que todos sejam iguais, mas que as necessidades básicas de todos devam ser atendidas. Onde quem trabalha mais recebe mais, mas não de uma forma ridícula que seja em detrimento dos outros e da Terra. ECO•21 Ma i o 2016 | ecofilosofia | Enquanto os modos de vida de ricos e pobres convergem para níveis razoáveis de disparidade, os talentos de cada um devem ser aproveitados em iniciativas sem combustíveis fósseis e aumentar a geração de energia renovável enquanto conservamos os negawatts. Vastos recursos podem ser aplicados para recuperar terras improdutivas e esgotadas expandindo os ecossistemas naturais historicamente adequados; restaurando e reconectando fragmentos ecológicos negligenciados onde quer que ainda reste vegetação natural; entremeando a permacultura orgânica para, mais uma vez, acomodar a raça humana no acolhedor abraço da natureza. Todo bairro e comunidade terá seu próprio viveiro de árvores e plantas para criar jardins agroflorestais e abastecer o replantio para ajudar a crescer os fragmentos da vegetação natural. Muito esforço deve ser aplicado ao cuidado de florestas e jardins. Somente deixando os combustíveis fósseis no subsolo e retornando para o grande mar da natureza se pode impedir o colapso da biosfera, garantindo um futuro sustentável para a humanidade e todas as formas de vida. Enquanto os ecossistemas entram em colapso, um sofrimento horrível ficará evidente. Quando nós, como uma consciência coletiva, entendermos a magnitude da situação – basicamente quando a morte em massa de vida humana e selvagem não puder mais ser ignorada – teremos de estar prontos para por em prática soluções ecológicas comprovadas de forma rápida e prudente. Quanto mais rápido chegarmos ao ponto de inflexão ecológico, maiores as chances de evitarmos o total colapso da biosfera e o fim do ser. Alguns extremófilos, além das flores dentes-de-leão e das baratas podem sobreviver, mas a vida complexa pode chegar ao fim e não há garantias de que retorne um dia. Devemos maximizar a probabilidade de que a natureza permaneça o suficiente para sustentar Gaia, uma Terra viva, que pode essencialmente viver para sempre. É vital que cada um de nós se comprometa à grande transição ecológica continuando a disseminar a conscientização. Que cada um de nós se torne um líder em viver bem, mas consumindo de forma simples e com muito cuidado. E que nos envolvamos com a máquina de crescimento mundial para adequar os meios de empreendimento à nossa imagem. Devemos trabalhar no sentido de uma mudança ecológica dentro da sociedade e sua engenharia de produção, pois só convertendo o mundo dos negócios e dos ricos para nossa causa de sobrevivência ecológica é que todos poderemos sobreviver. Infelizmente, acredito que a possibilidade de um ponto de inflexão ecológica está se esvaindo. E que a migração em massa, o estado de guerra permanente, a ressurgência do fascismo autoritário a que estamos assistindo é resultado do declínio ambiental e da escassez de recursos. O mais cedo que isto for reconhecido mundialmente, mais rápido poderemos dar continuidade ao massivo programa de salvar a Terra e toda sua vida, logo nós mesmos. 47 | patrimônio natural | Tara Ayuk | Jornalista África tem 17 patrimônios da natureza em risco “Não existe a necessidade de se escolher entre patrimônio e crescimento, entre lindas paisagens e meios de subsistência dignos. Com as habilidades certas e com competências mais fortes, podemos aproveitar o potencial que o patrimônio tem para criar milhões de empregos dignos, ao mesmo tempo em que fornece um senso de dignidade, inclusão e orgulho”, destacou Bokova. Para ela, o patrimônio cultural e natural da África deve ser visto como “uma força para a paz e também condutora do desenvolvimento e da inovação, o que torna fundamental a sua conservação”. Ela ressaltou ainda que a UNESCO realizou progressos consideráveis na última década para aumentar o número de sítios africanos na lista dos Patrimônios Mundiais, melhorando a conservação e o gerenciamento de riscos, além de ampliar o envolvimento das comunidades locais e os benefícios destinados a elas. “Por meio da proteção dos recursos naturais, de rios e parques, podemos desencadear uma extraordinária fonte de energia renovável para todos”, explicou. “A salvaguarda do patrimônio ajuda na criação de empregos, na promoção da igualdade de gênero e na erradicação da pobreza.” A dirigente acredita que os esforços de conservação exigem a mobilização de toda a população e atores envolvidos em iniciativas de preservação, a começar pelas crianças em idade escolar, pelas mulheres e homens jovens. Peter Fearnhead - African Parks A UNESCO celebrou, pela primeira vez, no dia 5 deste mês (Maio), o Dia Mundial do Patrimônio Africano para destacar a necessidade de proteger a cultura e a natureza da África contra o terrorismo, tráfico, expansão econômica e o aquecimento global. Dos 129 sítios culturais e naturais da África considerados patrimônios mundiais, 17 estão ameaçados. O alerta foi feito pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no dia em que a comunidade internacional comemorou o Dia Mundial do Patrimônio Africano. Segundo a Diretora-Geral da agência da ONU, Irina Bokova, “o rol de ameaças (ao patrimônio) é longo, e vai desde conflitos armados, terrorismo, tráfico e aquecimento global, até a expansão urbana descontrolada e a exploração mineral e petrolífera, tudo isso se desenrolando em meio a transformações econômicas e sociais sem precedentes”. Entre os locais ameaçados está o Parque Nacional de Garamba, na República Democrática do Congo, que abriga elefantes, girafas, hipopótamos e uma pequena população – apenas 30 animais – de rinocerontes brancos. Outro sítio cultural ameaçado são as Tumbas dos Reis de Buganda, em Uganda. O local guarda os cadáveres em 4 túmulos reais e é apreciado por sua arquitetura complexa produzida apenas com materiais orgânicos. 48 M a i o 2016 ECO•21 | dia da biodiversidade | Irina Bokova | Diretora-Geral da UNESCO A UNESCO marcou a 16º edição do Dia Internacional da Diversidade Biológica – comemorado todo 22 de Maio – pedindo esforços para o cumprimento da Agenda 2030 das Nações Unidas neste tema. O Dia da Diversidade Biológica é dedicado este ano, 2016, ao tema “Integração da biodiversidade e apoio às pessoas Irina Bokova e a seus meios de subsistência”. Para celebrar este dia dedicado à preservação da diversidade biológica, a ONU pediu esforços para descobrirmos formas de usar os recursos do Planeta de forma sustentável. Isso repercute de forma poderosa a visão estabelecida na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e Acordo de Paris sobre Mudança Climática. E é bom lembrar que a realização dos 17 objetivos globais da ONU exigirão um esforço mundial sem precedentes de atenuação e adaptação à mudança climática, para reduzir seu impacto nas pessoas e em seus meios de subsistência, e para se descobrir formas de usar os recursos do planeta de forma sustentável. A UNESCO lidera a iniciativa de elaborar soluções eficazes e inclusivas. Por meio da Convenção do Patrimônio Mundial e da Rede Mundial de Reservas da Biosfera, bem como do Programa Mundial sobre Geoparques, a agência da ONU contribui para a conservação de sítios com valor universal excepcional, incluindo sua rica biodiversidade. Os 197 sítios do Patrimônio Mundial natural e as 669 Reservas da Biosfera da UNESCO são plataformas de aprendizagem para soluções locais de desenvolvimento sustentável, e abrangem todos os principais ecossistemas. Os 120 Geoparques Mundiais, em 33 países, exercem um importante papel na proteção e na educação sobre patrimônio geológico, de modo a contribuir para a conservação da biodiversidade. ECO•21 Ma i o 2016 Natasha Stockham Michel Ravassard - UNESCO Criar a nossa biosfera levou bilhões de anos Esses sítios mostram como os serviços do ecossistema beneficiam diretamente as comunidades locais, com a preservação da natureza caminhando de mãos dadas com o desenvolvimento local, oferecendo exemplos significativos de desenvolvimento sustentável, nos quais novos valores econômicos, sociais e culturais interagem de forma harmônica. Esses sítios refletem a importância de parcerias em todos os níveis, estimulando a emergência de sociedades verdes que são mais justas na divisão de benefícios, mais sábias no uso de recursos e mais sustentáveis na criação de meios de subsistência. Ao combinar o nosso trabalho através das ciências sociais e naturais, incluindo o conhecimento local e autóctone, a UNESCO apoia as comunidades locais, por meio da promoção da educação para o desenvolvimento sustentável, da capacitação para a gestão sustentável, do compartilhamento de boas práticas e da criação de novas redes para proteger a biodiversidade. Foram necessários bilhões de anos para que se criasse a biosfera de que nós desfrutamos, com sua incrivelmente rica diversidade de plantas e animais – é nosso dever e responsabilidade agir agora para preservá-la para as gerações futuras. 49 Mikhail Gorbachev | Presidente fundador da Cruz Verde Internacional, líder da União Soviética entre 1985 e 1991 Arquivo Chernobyl mudou nossas vidas Quase 70 anos atrás, um grupo de cientistas do Projeto Manhattan, depois de constatar o poder destrutivo da energia nuclear, projetou aquele que foi chamado de Doomsday Clock (Relógio do Apocalipse). Um mecanismo concebido para avisar o mundo da ameaça de uma iminente catástrofe global. Este ano, os ponteiros do Mikhail Gorbachev “Relógio do Apocalipse” pararam a três minutos antes da meia-noite da humanidade. A mesma posição em que se encontravam no auge da Guerra Fria. Por quê? Em nível global, o número de ogivas nucleares voltou a crescer; mais de 30 países estão em posse de armas nucleares ou podem dispor delas rapidamente; a Coreia do Norte envia sinais perigosos; o furto, por parte do Estado Islâmico, não é algo sem fundamento. A tudo isso, acrescentam-se os riscos e os impactos de uma futura Chernobyl ou Fukushima; os acidentes dentro dos locais de estocagem ou ligados com o processamento e o transporte dos materiais nucleares; as mudanças climáticas, que afetam todos os organismos vivos. Este ano marca o 30º aniversário da catástrofe de Chernobyl: o pior desastre com o qual a humanidade já teve que lidar, ligado à incapacidade de cientistas e engenheiros de prever como problemas aparentemente pequenos podem se transformar em desastres de escala quase inimaginável. Penso que Chernobyl é um dos acidentes mais trágicos do nosso tempo. A partir do momento em que fui informado por telefone – às 5h daquele fatídico 26/4/1986 – que um incêndio tinha começado no Reator 4 da central nuclear de Chernobyl, a minha vida nunca mais foi a mesma. 50 Embora, naquele momento, não se soubesse a real dimensão do desastre, ficou logo evidente que algo horrível estava acontecendo. As questões levantadas por Chernobyl e reiteradas por Fukushima, hoje, estão mais atuais do que nunca e ainda estão sem resposta. Como podemos ter certeza de que as nações que possuem energia nuclear para fins civis ou militares vão aderir às medidas e normas de proteção necessárias? Como podemos reduzir o risco que pesa sobre as gerações futuras? Não será que estamos evitando dar as respostas a essas perguntas quando truncamos o debate, invocando razões de “segurança nacional” ou a nossa necessidade ilimitada de energia? Ao contrário do que afirmam os defensores da energia nuclear, segundo os quais houve apenas dois acidentes importantes, se quantificarmos a gravidade dos acidentes, incluindo tanto a perda de vidas humanas quanto danos significativos às estruturas, surge um quadro muito diferente. Desde 1952, ocorreram em todo o mundo ao menos 99 acidentes nucleares, que se encaixam nessa definição, com danos que chegam a um valor de mais de 20,5 bilhões de dólares. Ou seja, mais de um acidente nuclear e danos de 330 milhões de dólares por ano. Tudo isso demonstra que há muitos riscos não geridos ou regulamentados de modo inadequado, uma coisa que, no mínimo, é preocupante, dada a gravidade dos danos que até mesmo um único acidente poderia provocar. É fundamental que qualquer discussão sobre a energia nuclear seja abordada sob todos os pontos de vista e na sua complexidade. As usinas nucleares não são apenas um problema de segurança, de ambiente ou de energia. Mas todas essas coisas juntas. E, como a Cruz Verde Internacional defende há anos, trata-se de aspectos do mesmo problema que devem ser debatidos como um todo. M a i o 2016 ECO•21