1 A PERSPECTIVA PÓS-MÉTODO E A TECNOLOGIA NO ENSINO
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1 A PERSPECTIVA PÓS-MÉTODO E A TECNOLOGIA NO ENSINO
1 A PERSPECTIVA PÓS-MÉTODO E A TECNOLOGIA NO ENSINO DE LÍNGUAS Carla Mayumi MENEGHINI Ibilce - UNESP RÉSUMEN Este artículo quiere hacer una reflexión desde la perspectiva pós-método, examinando la utilización de las nuevas tecnologías en la enseñanza de lenguas. Tema muy importante, hoy día, porque se percibe la necesidad de las tecnologías de la información y de la comunicación trabajando en conjunto con la enseñanza de lenguas extranjeras. Palavras-chave: pós-método; tecnologia; ensino de línguas Introdução Este artigo procura fazer uma reflexão a partir da perspectiva pós-método, discutindo a utilização das novas tecnologias no ensino de línguas. É um tema de suma importância na atualidade, uma vez que as Orientações Curriculares (2004: 07) já sugerem que entre os fins da educação média está o de dar meios para a progressão no trabalho, dando destaque no currículo para a educação tecnológica básica, de acordo com um projeto pedagógico interdisciplinar. E com relação a esse aspecto interdisciplinar, há que se dar ênfase (p. 17-8) ao fato de que a interdisciplinaridade é importante no sentido de integrar as diferentes áreas de conhecimento que lidam com as linguagens, sendo assim, percebe-se a importância da educação tecnológica aliada ao ensino de línguas estrangeiras, ou seja, as tecnologias da informação e da comunicação trabalhando conjuntamente com o ensino de línguas. Dessa forma, claro está a relevância do tema que aqui será discutido, pois não se trata mais de discutir a questão dos métodos de ensino e aprendizagem de línguas, embora sejam importantes num dado momento da formação do professor de línguas estrangeiras, mas sim ir além da questão dos métodos, seguindo a perspectiva pós-método e abordando a importância da educação tecnológica aliada ao ensino de línguas, conforme as Orientações Curriculares (op. cit.) já expõem. A organização do trabalho será feita da seguinte maneira, primeiro refletirei sobre a questão dos métodos a partir de Larsen-Freeman (2000) e partirei para uma discussão sobre o pós-método com Kumaravadivelu (2006), refletindo sobre o que tratam e relacionando com Freire (1999; 2000), na sequência, tratarei da tecnologia no ensino de línguas sob as perspectivas de Braga (2007); Souza (2007), abordarei também o projeto Teletandem Brasil, de acordo com o projeto temático e Telles e Vassallo (2006), e, por fim, apresentarei as considerações finais. A Questão dos Métodos e o Pós-Método Um aspecto importante a ser discutido sobre a questão dos métodos seria a preocupação que eles suscitam, pois muitos autores já trataram de apresentar bons métodos e outros tantos de criticálos, sendo essa questão não muito nova, segundo Larsen-Freeman (op. cit.). A autora, já citada, discute em seu artigo a questão dos métodos de ensino, abordando os mitos em torno deles. Ela inicia o trabalho, tratando da questão dos bons métodos ou das escolhas que são feitas pelos professores sobre tais métodos, porém, logo apresenta uma preocupação adicional, na qual os métodos não são culturalmente adequados, na verdade, o problema reside na aplicação a contextos em desenvolvimento, isto é, o fato dos métodos serem socialmente construídos e, dessa maneira, não poderem ser transferidos de um contexto para outro. 2 Ainda adverte que alguns métodos, vistos como mais modernos em algumas partes do mundo, geram conflitos em muitos países onde são implementados, por causa dos valores que carregam em si, que entram em conflito com as culturas locais, pois eles não são neutros, contêm as ideologias dos países em que são produzidos e daí serem socialmente construídos. Assim, apresenta o que Pennycook (1989) trata como “imperialismo cultural”, ao abordar a superioridade dos métodos produzidos por determinados países, que são exportados para todo o mundo e encorajados pelos editores e pela academia a serem utilizados, sem a preocupação em serem culturalmente apropriados. Entretanto, o seu posicionamento é o de que isso deva ser realmente levado a sério, mas, ainda assim, para ela, os métodos são importantes e, além disso, não se deve acreditar que os professores sejam vítimas de imposições ideológicas e incapazes de gerenciar o processo de ensino e aprendizagem, isso seria uma afronta tal qual acreditar que metodologias mais novas sejam superiores às tradicionais. Sua proposta é a de olhar para as contribuições dos métodos para a formação de professores de línguas, porque podem ajudá-los a questionar tais métodos e transformá-los, além de servirem de repertório de técnicas, que ajudam no crescimento profissional, ao dar aos professores a oportunidade de lidarem com as idiossincrasias de seus alunos. O resultado disso será a clareza do que eles acreditam e uma base para que eles possam tomar decisões sobre seus alunos e sobre sua prática de ensino, ou seja, a base para uma prática informada, sendo a falta de clareza, um dos mitos que cercam os métodos, de acordo com a autora, pois os métodos refletem sim posições ideológicas, no entanto, quando conscientes disso, essa consciência pode ser uma força motriz para os professores. Outro mito é o da super-generalização dos métodos para qualquer cultura, que leva a imposição de sua implementação, para ela, os professores locais deveriam decidir por uma metodologia local apropriada, porque somente eles estariam sensíveis às necessidades de seus alunos e assim, nem tudo que é imposto, deve ser trabalhado, seguindo o mesmo caminho proposto originalmente nos métodos, o que leva aos outros mitos, tais como, o dos métodos serem pacotes fechados, imutáveis. Portanto, a autora sugere que as decisões sobre metodologia deveriam ser locais, consideradas a partir das necessidades dos alunos. A partir dessa postura, começo a refletir sobre a importância dos métodos, realmente, acredito serem importantes num dado momento da formação do professor, porém concordo com Freire (2000: 46-8), ao propor que a transformação em sala de aula não é só uma questão de métodos e de técnicas, porque se assim fosse, bastaria mudar algumas metodologias tradicionais por outras mais modernas, mas que a possibilidade de transformação está no estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade, e para tanto, é fundamental a formação do professor, e acrescento, hoje em dia, essa formação precisa incluir as transformações tecnológicas. Ademais, é relevante se dar conta de que os professores, de fato, não são vítimas de imposições ideológicas e incapazes de gerenciar o processo de ensino e aprendizagem, assim como Larsen-Freeman (op. cit.) já citou e estou de acordo, além disso, sua proposta de olhar para as contribuições dos métodos, para a formação de professores de línguas, é necessária, todavia, conforme sugere Freire (op. cit.), a questão não está nos métodos, porém no estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade. E acredito que nisso resida o problema, como estabelecer uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade? Ou como estabelecer uma relação diferente com a teoria e com a prática? Decidir por uma metodologia local apropriada não algo tão fácil, para tanto os professores necessitam fazer reflexões e escolhas, precisam estabelecer uma relação diferente com a teoria e com a prática, como já foi escrito, precisam aprender a refletir na ação e sobre a ação, resgatando o termo de Schön (1983: 53-69), que explica que a reflexão-na-ação é aquele pensar prático no momento em que se atua e a reflexão sobre a ação ou sobre a reflexão-na-ação é aquela reflexão posterior a ação, na qual o professor descreveria, analisaria e avaliaria a sua própria ação. De certa forma, isso não é algo que tenham como hábito fazer, na grande maioria das vezes, sua prática é formada por força do hábito, ao trabalhar mecanicamente com determinados métodos. 3 Cabe ressaltar, também, um aspecto importante da educação libertadora, que mostra que os professores não são vítimas ou incapazes, porque a escolha e a decisão, que são atos de sujeito, e das quais não se pode falar em uma concepção mecanicista, em uma concepção libertadora, passam a ser do professor, que não aceitaria a permanência do status quo, portanto defenderia a capacidade do ser humano de avaliar, de comparar, de escolher, de decidir e de intervir no mundo. No entanto, ao pensar em tantos problemas educacionais existentes aqui no Brasil, como o pequeno número de horas/aula destinados para o ensino de uma língua estrangeira; o grande número de alunos em sala de aula; a falta de interesse e motivação em sala de aula; muitas vezes, a falta de comprometimento do professor com o seu trabalho, talvez, por causa de uma formação precária ou por uma carga horária excessiva ou por uma questão salarial, podem explicar uma prática formada por força do hábito, quase sem reflexão. Muito embora tais problemas educacionais possam explicar tal prática, a verdade é que eles não conseguem legitimá-la, sendo assim, não se pode vê-los como vítimas ou incapazes. É preciso mais engajamento por parte dos professores, entretanto, para que esse engajamento ocorra, é necessário refletir sobre a prática, é necessário saber relacionar teoria e prática, e isso não ocorre com facilidade e nem de um dia para outro e, por conseguinte, claro está que a questão não esteja nos métodos e nas técnicas e nem na metodologia, porque caso contrário, bastaria mudar metodologias mais tradicionais por outras mais modernas, conforme exposto por Freire (op. cit.), ou bastaria acreditar que metodologias mais novas seriam melhores que as tradicionais, assim como Larsen-Freeman (op. cit.), e já existiria a fórmula mágica capaz de solucionar todos os problemas sobre o processo de ensino e aprendizagem de línguas, dessa maneira, vejo como necessário avançar sobre essa questão dos métodos, partindo para o pós-método. Kumaravadivelu (2006) apresenta, em seu livro, um questionamento sobre essa questão dos métodos, sugerindo que na era do método havia uma divisão implícita entre as pessoas que participavam do processo de ensino e aprendizagem; o pesquisador tratava da abordagem, o editor produzia materiais de ensino, e, então, pergunto, o que restava ao professor? Dar aulas, reproduzir modelos prontos nos métodos? Essa divisão implícita, a qual se refere o autor, somente era aceitável em sistemas educacionais tradicionais, em ambientes educacionais mais recentes, com todas as transformações ocorridas, o professor assume múltiplos papéis, tais como, pesquisador; planejador; produtor de materiais, com isso ele acaba dividindo as responsabilidades com os demais participantes do processo de ensino e aprendizagem, por isso a era do método é questionada e se passa para a era pós-método, que tem como objetivo central reestruturar as relações entre pesquisadores e professores. Continuando, para ele, há uma ausência de categorias para analisar e compreender os mais variados métodos estabelecidos, dessa forma, sugere três categorias para abarcar esses métodos, os métodos centrados na língua, os métodos centrados no aprendiz e os métodos centrados na aprendizagem. Assim, procura conceituar de maneira coerente com as considerações teóricas e pedagógicas tais métodos estabelecidos. Essa categorização é baseada no que é nomeado, por ele, de princípios e procedimentos, os princípios advêm da teoria e os procedimentos, das estratégias. De maneira geral, os métodos centrados na língua são aqueles que têm uma preocupação com a forma linguística. Esses métodos dão a oportunidade ao aprendiz de praticar estruturas linguísticas com foco na forma. A língua é tratada de forma linear, isto é, estruturas gramaticais e itens de vocabulário são selecionados cuidadosamente para serem usados. O professor apresenta itens linguísticos para serem praticados até a sua internalização. O Método Audiolingual é um exemplo de método centrado na língua. Os métodos centrados no aprendiz são aqueles que a têm a preocupação com as necessidades do aprendiz e com as situações. Nesses métodos os aprendizes têm a oportunidade de praticar estruturas linguísticas e noções e funções comunicativas, de modo sequenciado, por meio de atividades com o foco no significado. A diferença entre os métodos centrados no aprendiz e os métodos centrados na língua está no fato dos métodos centrados no aprendiz focalizarem as noções 4 e funções da língua e os métodos centrados na língua focalizarem estruturas gramaticais. O Ensino Comunicativo é visto como exemplo de método centrado na língua. O autor, ainda, apresenta mais uma categoria, a dos métodos centrados na aprendizagem, que são aqueles com a preocupação no processo cognitivo de aprendizagem da língua. Um exemplo é a Abordagem Natural, e eles têm como foco a participação do aprendiz em interações para a resolução de problemas, com a preocupação na língua-alvo e no desenvolvimento da interlíngua. Diferentemente das outras categorias, nesta o desenvolvimento da língua é eventual não intencional como nas outras, além de ser um processo não-linear e requerer a criação de condições para o engajamento do aprendiz em atividades significativas. Do meu ponto de vista, o que há de interessante nessa categorização é que ela tira a atenção das Abordagens Tradicional, Humanista e Comunicativa, dando a elas menor destaque, para que os métodos possam melhor classificados, de acordo com considerações teóricas e pedagógicas, segundo Kumaravadivelu (op. cit.) expõe. Métodos que antes não conseguiam ser classificados, com a categorização, acima vista, como os métodos experimentais dos anos setenta, já se incluem em uma dessas categorias, porque sem essa categorização havia uma confusão com relação a esses métodos experimentais e todos eles acabaram abarcados na Abordagem Humanista, entretanto, com posicionamentos teóricos conflitivos. Com isso, o autor, começa a tratar da condição do pós-método, sugerindo que muitos já expressaram preocupação com relação aos métodos, exemplos disso são, Allwright (1991); Pennycook (1989), Prahbu (1990); Stern (1983; 1985; 1992), procurando e aconselhando professores de línguas a terem um pensamento mais crítico em torno deles e com isso, ele apresenta as limitações dos métodos, por meio dos mitos em relação aos métodos, assim como LarsenFreeman (op. cit.), entretanto, com um olhar mais crítico. De modo geral, esses mitos criaram uma imagem de conceito de método, o primeiro deles é a busca obstinada pelos melhores métodos, que não existem, pois, para ser implementado, o método precisa considerar muitas variáveis (política de línguas, planejamento, necessidades dos aprendizes...); o segundo, a existência de um princípio organizador, isso é altamente inadequado e limitado, porque se ignora outros fatores que governam o processo e a prática em sala de aula (cognição do professor, percepção do aprendiz, contexto cultural...); o terceiro, a visão de métodos como valores universais e sem história, nos métodos existem sim conceitos e contextos idealizados, a consequência disso, o conhecimento local é ignorado; o quarto, a convicção de que os pesquisadores geram teoria e os professores as consomem, resultando na divisão de trabalho entre pesquisadores e professores bem como na divisão entre teoria e prática; o quinto, a crença de que os métodos são neutros e de que não têm motivação ideológica, o que não é uma verdade, por eles não serem neutros e terem motivação ideológica. Porém, essa crença leva à marginalização dos países que os utilizam, e essa marginalização se expressa em quatro dimensões interrelacionadas: a dimensão educacional, que mostra como o conhecimento local não é tratado; a dimensão linguística, que demonstra que professores nãonativos são privilegiados em detrimento dos demais professores daqueles países; a dimensão cultural, que reflete sobre o ganho que o ensino de segunda língua e de segunda cultura dará aos aprendizes; a dimensão econômica, que, também, de acordo com ao autor supracitado, reflete sobre o quanto de oportunidade de empregos os aprendizes terão, e essas quatro dimensões são a base de sustentação de uma dependência ideológica com relação aos países produtores dos métodos ou aos países do ocidente. Com essa reflexão sobre os métodos, que, de certa maneira, também é abordada por LarsenFreeman (op. cit.), embora com uma visão mais apegada a importância para a formação de professores, percebe-se que Kumaravadivelu (op. cit.) busca sim trazer um olhar mais crítico com relação aos métodos, tentando relacionar mais pesquisadores e professores pela aproximação entre eles e entre teoria e prática, talvez aqui, possa se relacionar com Freire (op. cit.) quando este sugere o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade, porque acredito que esse olhar mais crítico faça a diferença para a formação de professores. 5 É evidente que Larsen-Freeman (op. cit.), em seu artigo, já sugeria a necessidade de questionar os métodos, de transformá-los e de que as decisões sobre suas metodologias deveriam ser locais, entretanto, creio que a diferença com Kumaravadivelu (op. cit.) e com Freire (op. cit.) está na conscientização sobre o fato de que eles criam uma dependência ideológica, fortalecendo a divisão dos papéis dos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem e de uma prática alienada, o que, em tempos mais modernos, é incabível, pois todos os participantes do processo assumem variados papéis, são sujeitos, como afirma Freire (op.cit.), e provavelmente, a relação entre teoria e prática deixa de existir porque ao ter métodos e um repertório de técnicas, a maneira de LarsenFreeman (op. cit.), os professores podem ter uma prática formada por força do hábito, mecanicamente, sem muita reflexão. Após a reflexão sobre os mitos, Kumaravadivelu (op. cit.) propõe a condição do pósmétodo, na qual há a revisão das visões de ensino de línguas e de professor formador, por meio de novas perspectivas pedagógicas e ideológicas, que leva ao estabelecimento de uma nova relação entre teoria e prática. Isso é feito por meio de uma pedagogia pós-método, que se apresenta em um sistema tridimensional, considerando três parâmetros pedagógicos: o parâmetro da particularidade, que enfatiza as exigências locais, segundo o autor, uma pedagogia pós-método é sensível a grupos particulares; o parâmetro da praticabilidade, que enfoca a reflexão e a ação do professor, para ele, os professores deveriam ser capazes de teorizar a prática e de praticar o que teorizam, ou seja, quando há união entre ação e pensamento e quando há ação no pensamento e pensamento na ação; o parâmetro da possibilidade, que está relacionada a Paulo Freire, na qual se mostra a importância do conhecimento da realidade e o questionamento dessa realidade, ele frisa a necessidade de desenvolver teorias, formas de conhecimento e práticas sociais que trabalhem com as experiências que as pessoas trazem para os ambientes educacionais. É relevante observar que esses parâmetros pedagógicos se relacionam inteiramente com a pedagogia freireana, não somente o último parâmetro, conforme sugerido por ele, porque ao estabelecer o parâmetro da particularidade e o parâmetro da possibilidade, Kumaravadivelu (op. cit.) trata da relação mais importante da teoria freireana, isto é, a importância do conhecimento local, da realidade local, de certa forma, da investigação temática, da tematização e da problematização, buscando superar uma visão mágica do mundo, para ter uma visão crítica, partindo para sua transformação. Além disso, o parâmetro da praticabilidade tem relação direta com a filosofia do educador brasileiro, uma vez que, a primeira condição para promover uma educação, como prática da liberdade, está em um educador que seja capaz de agir e de refletir (Freire, 1999: p.16-21), engajando-se com a realidade, comprometendo-se com ela. Esse comprometimento somente será possível com um educador que seja capaz de sair de seu contexto, para distanciar-se dele, para admirá-lo e objetivando-o, transformá-lo, e saber-se transformado por sua criação. São as capacidades de atuar e de transformar a realidade, as quais estão associadas à capacidade de refletir, que fazem do educador um ser da práxis. Por conseguinte, percebo aqui o potencial para estabelecer uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade, pois o engajamento com a realidade, o comprometimento com ela, assim como as capacidades de atuar e de transformar a realidade, as quais estão associadas à capacidade de refletir, é que possibilitam ao professor não se prender mais aos métodos, porque trabalha de forma consciente. De certo, os três parâmetros pedagógicos constituem a base conceitual da pedagogia pósmétodo, que opera com princípios sobre os vários aspectos do ensino e aprendizagem de línguas. Esses princípios se manifestam no que é chamado, pelo autor, de indicadores pedagógicos. Esses indicadores pedagógicos se referem aos papéis dos participantes no processo de ensino e aprendizagem, conceituam melhor os parâmetros e indicam o grau de compartilhamento de decisões tomadas sobre o processo. O primeiro indicador é o aprendiz pós-método, que é um participante ativo e autônomo, que aprende a aprender e aprende a deliberar, como um pensador crítico em uma educação libertária; o segundo indicador é o professor pós-método, que é autônomo e sabe se desenvolver com autonomia 6 dentro das restrições acadêmicas e administrativas impostas pelas instituições, currículos e livros didáticos, ele reflete sobre seu ensino; o terceiro indicador é o formador de professores pós-método, que tem como tarefa criar condições para o desenvolvimento de autoridade e de autonomia, para possibilitar aos professores a capacidade de refletir sobre suas experiências pedagógicas e transformá-las, facilitando a construção dialógica entre os participantes por meio da expressão de suas vozes e de suas identidades. A educação libertadora, de acordo com Freire (2000: p. 46-8), é uma maneira na qual tanto professores quanto alunos aprendem, dessa forma, eles são sujeitos. O professor libertador convive com as diferenças, sabendo respeitá-las, sem impor suas ideias, porém tentando convencê-los, por meio do diálogo que essa educação promove e para que esse diálogo e consequente tomada de consciência sejam promovidos nessa educação libertadora, é necessário que o professor esteja disposto a reinventar o seu ensino por meio de discussões que incluam os temas dos alunos, nomeados pelo autor, de temas sociais ou temas geradores. Assim, conforme a filosofia freireana, na educação, como prática da liberdade, existe o pensar crítico, pensar que percebe a realidade como um processo, é uma educação dialógica, na qual os sujeitos dialógicos se voltam para a realidade, que problematizada, desafia-os, portanto, vejo nos indicadores pedagógicos a busca por sujeitos participantes, que desempenham vários papéis no processo de ensino e aprendizagem, procurando transformá-lo por meio de suas vozes e de suas identidades. No entanto, além de apresentar a pedagogia pós-método, Kumaravadivelu (op. cit.) também oferece a dificuldade de implementação dessa pedagogia, que se depara com barreiras pedagógicas e ideológicas. Elas se referem, inicialmente, aos modelos de formação de professores que se baseiam em pacotes fechados de métodos, que são transferidos, quase sem reflexão sobre eles, acrescento, aos professores em formação, reforçando a dicotomia existente entre teoria e prática, e depois, às agendas política, econômica e cultural, criando um projeto de colonização e imperialismo, a partir de características da educação em língua inglesa dos países do ocidente, manifestando um processo de marginalização e de auto-marginalização nos contextos locais. Isso também pode se relacionar com Freire (op. cit.), na medida em que ele sugere que a questão da transformação não está em métodos ou técnicas ou metodologia, mas no estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade, e, dessa forma, quando Kumaravadivelu (op. cit.) expressa a dificuldade de implementação da pedagogia pós-método, apresentando um modelo de formação de professores que se baseia em métodos, se a questão não são os métodos, ela vai além deles e, entretanto, ainda se reforça esse modelo baseado neles, consequentemente, os professores priorizarão os métodos, trabalhados de maneira alienada, mecânica, reforçando assim, a dicotomia entre teoria e prática, por não se estabelecer essa relação diferente entre o conhecimento e a realidade, reforçando, também, um processo de marginalização, ao se desconsiderar todo conhecimento e realidade locais, então, para mim, se está diante da total falta de conscientização, da total alienação, inclusive dos professores formadores, e talvez isso possa explicar uma prática formada por força do hábito, quase sem reflexão. Porém, o autor se refere também ao desenvolvimento de fatores facilitadores, os quais conjugam forças para o crescimento de tentativas de legitimar o conhecimento local, segundo ele, nos dias atuais, há uma conscientização maior das comunidades periféricas, que procuram alternativas locais ao ensino de línguas predominante. Acredito que o livro de Kumaravadivelu (op. cit.), além de se relacionar com a teoria freireana, traga luzes para a importância dos métodos, desmistificando-os, desconstruindo o conceito de métodos, abordando suas limitações e delineando as condições pós-método, reforçando a ideia de se libertar dos métodos, de se refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem e procurar alternativas locais para esse processo. A seguir, começo a tratar da importância das novas tecnologias no ensino de línguas, conforme as Orientações Curriculares (op. cit.) já expuseram, discutindo essa questão, além dos métodos, refletindo sobre a formação de professores, e tratando de uma proposta local, o teletandem. 7 A Tecnologia e o Ensino de Línguas Segundo Warschauer e Healey (1998), hoje em dia, há um interesse maior no uso de computadores para o ensino e aprendizagem de línguas, o que, uma década atrás, era uma preocupação de poucos especialistas, com os adventos da multimídia e da internet, tornou-se um tema relevante no mundo. Dessa maneira, nada mais relevante para os dias atuais do que essa relação, novas tecnologias e ensino de línguas, pois diante da revolução tecnológica ocorrida recentemente, houve a democratização no acesso às novas tecnologias de comunicação mediada por computadores. Com isso, as pessoas não estão mais isoladas no mundo, elas podem se comunicar com outros em diferentes espaços físicos e geográficos, e levar essas novas tecnologias para a sala de aula se torna crucial, porque a partir desses avanços o aluno brasileiro tem a possibilidade de se comunicar com outros indivíduos de diferentes lugares, trazendo o uso da língua-alvo como uma realidade em sala de aula. Isso transforma a sala de aula de ensino e aprendizagem de línguas, fazendo com que esse processo passe a ser mais significativo para o aluno, assim como já foi apontado, neste artigo, por Freire (op. cit.) ao propor que a transformação em sala de aula não é só uma questão de métodos e de técnicas, porque se assim fosse, bastaria mudar algumas metodologias tradicionais por outras mais modernas, mas que a possibilidade de transformação está no estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade, e desse modo, é fundamental a formação do professor, que precisa incluir as transformações tecnológicas, para estabelecer uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade. Por conseguinte, necessários se fazem investimentos em formação e em políticas públicas, porque, se de um lado, é importante o investimento público em escolas para garantir a igualdade de oportunidades para o alunado das escolas públicas brasileiras, por outro lado, tão importante é o investimento em formação de professores. Ademais as próprias Orientações Curriculares do Ensino Médio (op. cit.) tratam da questão do acesso às novas tecnologias, já que atestam que entre os fins da educação média está o de dar meios para a progressão no trabalho, dando destaque no currículo para a educação tecnológica básica, conforme um projeto pedagógico interdisciplinar, já citado no início deste trabalho, e, além disso, sugerem, na parte final das discussões acerca do ensino de língua estrangeira, a “necessidade de investimento maciço na educação de professores em serviço e em formação.” (p. 56), percebe-se, então, a necessidade de se abordar as novas tecnologias relacionadas ao ensino de línguas, com a preocupação constante na formação de professores de línguas, que precisam incorporar as transformações tecnológicas ocorridas nos últimos anos, para assim colaborar na superação de privilégios relativos à educação, proporcionando, desse modo, uma igualdade de oportunidades entre os alunos. Pensando nisso e a partir da reflexão proporcionada por Braga (2007), ao tratar do comprometimento da educação com a construção de uma sociedade mais igualitária, e segundo a autora, isso demandaria ações em dois caminhos: acesso ao conhecimento e reflexão social crítica, e, conforme ela mesma sugere, ao estabelecer uma relação com Freire, no sentido político da educação freireana, que promove uma reflexão social crítica, ao problematizar as ideologias que apóiam e naturalizam as desigualdades sociais vigentes, procuro, então, fazer uma relação entre as novas tecnologias e o ensino de línguas e a necessidade de professores bem formados, porque de nada valeria apenas a inclusão das novas tecnologias em sala de aula, sem um professor que soubesse lidar com essas novas tecnologias. Assim, a autora, busca discutir, em seu artigo, a relevância da compreensão, por parte dos professores, de como a tecnologia pode ser usada para facilitar ou impedir o acesso ao conhecimento e ao poder social, já que, segundo ela, o poder pode ser usado tanto para reproduzir relações de dominação como reproduzir movimentos de oposição e de luta a grupos que apóiam e justificam as desigualdades sociais. 8 O que se relaciona, profundamente, à educação libertadora freireana, que sugere que ela não é neutra, é política, e por isso mesmo pode estar a serviço da decisão, da transformação ou a serviço da imobilização, da permanência das estruturas injustas, sendo importante ao professor esse olhar crítico com relação ao uso das novas tecnologias em sala de aula, porque seu uso pode tanto reforçar a permanência do status quo assim como permitir o desenvolvimento de um olhar mais crítico. Portanto, a importância do artigo está na reflexão sobre os diferentes recursos oferecidos pela tecnologia para viabilizar e incentivar propostas de ensino mais voltadas para a interação e para o diálogo, tais como, ferramentas técnicas que facilitam a produção de textos hipermídia ou acesso a um banco de dados disponível na rede mundial de computadores (www). Entretanto, como aponta a autora, o ensino passou a contar com vantagens promissoras, mas, também, teve de satisfazer novas exigências, pois muitos professores que enfrentavam problemas no ensino da leitura e escrita tradicionais, agora, tiveram de enfrentar outros tantos problemas com a prática digital, sem contar que com a facilidade de acesso, houve uma alteração nas relações de poder sobre o conhecimento, porque o professor deixa de ter o controle sobre os textos de referência e tem de gerenciar as informações imprevisíveis que são trazidas pelos alunos, e lidar com o imprevisível nem sempre é uma situação muito confortável para muitos professores, acrescentaria, já que muitos ainda estão na era do método e não conseguem estabelecer uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade, resgatando Kumaravadivelu (op. cit.) e Freire (2000). Assim, são evidentes os novos papéis que assumem os participantes desse novo contexto de ensino e aprendizagem, além das vozes que passam competir nesse processo, por conseguinte, a utilização da tecnologia em sala de aula, para um professor que vive na era do método (Kumaravadivelu, op. cit.) pode ser um grande empecilho, pois como se relacionar com esses novos papéis e com essas vozes que competem na sala de aula? Esse é o grande desafio dos professores, e as maneiras como eles se relacionarão com esse desafio, poderá estar a serviço da transformação ou da permanência das estruturas injustas, sendo essa maneira de se relacionar, há que se observar, talvez, indicativo de uma tendência mais local, refletindo uma alternativa ao ensino de línguas predominante, com a tomada de consciência crítica dos participantes desse novo contexto de ensino e aprendizagem. Porém, há que se ressaltar, que antes de tudo, isso passa por uma formação de professores, retomando aqui Kumaravadivelu (op. cit.), ao advertir que é necessário avançar sobre a questão dos métodos, possibilitando aos professores em formação a reflexão sobre suas experiências pedagógicas para transformá-las, também no sentido freireano. O que é relevante nesse artigo, do meu ponto vista, é que a autora esclarece que a tecnologia em si não é nem positiva nem negativa, porém que tudo dependerá de sua utilização, que tanto pode mudar a sociedade, aumentando as possibilidades de acesso dos excluídos, como ampliar a distância e a exclusão que já existem. Entretanto, é papel dos educadores, segundo ela, envolver as camadas sociais em projetos que promovam a construção de uma sociedade mais igualitária, além disso, a autora sugere que, “essas iniciativas deveriam preocupar-se também em encontrar formas de promover uma maior aproximação e diálogo entre os grupos sociais, um passo necessário para o desenvolvimento da reflexão crítica” (p. 189). Creio que aqui reside o ponto fundamental, porque se questão fossem métodos, metodologias, técnicas, bastariam ser mudadas, conforme já apresentado, mas, a reflexão em torno de sua utilização é que poderá fazer da tecnologia algo positivo ou negativo e por isso o investimento em formação de professores. Com essa reflexão sobre a utilização da tecnologia, a seguir será apresentada a proposta de Souza (2007), de aprendizagem de língua estrangeira em regime tandem e depois, a modalidade de teletandem, uma alternativa ao tandem, que vejo como uma proposta local. 9 Tandem e Teletandem Creio que seja relevante, neste momento, fazer considerações sobre o que é tandem para depois trazer o teletandem. Segundo Souza (2007), ele é uma modalidade de aprendizagem colaborativa, que forma parcerias de trabalho em tandem (tandem learning), e esta modalidade se apóia nos recursos da internet. Faço aqui uma observação para existência do tandem face a face, como uma modalidade diferente da anterior, explicada pelo próprio nome, que sugere interações face a face. O tandem é uma promoção de parcerias, como já foi escrito, entre aprendizes falantes nativos de diferentes línguas interessados em aprender um a língua do outro e ela é uma proposta colaborativa, de acordo com o autor, que se relaciona com a metáfora da bicicleta de dois assentos, na qual o esforço de ambos ciclistas a coloca em movimento. Nessa aprendizagem é importante a colaboração e a simultaneidade, uma vez que os aprendizes se encontram regularmente e trabalham de maneira conjunta para que possam se desenvolver na língua estrangeira de cada um. Ela também dá uma grande liberdade ao aprendiz para definir suas próprias metas e quais as melhores estratégias para alcançá-las, conferindo-lhe uma grande autonomia. Os parceiros se dividem no uso da língua materna e da língua estrangeira, portanto alternam também o papel de aprendiz e de professor. Segundo Souza (op. cit.), Brammerts (1996) sugere que essa aprendizagem é uma forma de aprendizagem intercultural, já que os participantes são informantes sobre sua língua bem como informantes sobre seu modo de vida e sobre suas práticas sociais. Foi a partir dos anos 90, que a aprendizagem tandem passou a ser utilizada no meio eletrônico, pela comunicação via e-mail, e o autor, de acordo com Brammerts (op. cit.), salienta que esse trabalho colaborativo do tandem, levado para o meio eletrônico foi a solução para a dificuldade encontrada, muitas vezes, em estabelecer um contato frequente entre os parceiros. Assim, a tecnologia trouxe uma solução para o problema da formação de parcerias contínuas, além de ser economicamente mais viável, dado o fato de muitos parceiros serem de regiões geograficamente remotas. Isso tem relação com o que Braga (op. cit.) já ressalta em seu artigo, que a tecnologia no ensino trouxe a possibilidade da comunicação à distância ocorrer de modo mais rápido e do contato social se ampliar, ultrapassando barreiras sociais e geográficas, dando à tecnologia o poder de unir os mais variados grupos da participação social, sendo assim, o acesso ao conhecimento deixou de estar tão diretamente relacionado ao poder aquisitivo. E percebo que nesse ponto se encontra o poder transformador que tecnologia pode ter, já que segundo Braga (op. cit.), ela não é nem positiva nem negativa quando relacionada ao ensino, mas que tudo dependerá do uso que se fará dela dentro do contexto escolar e o poder de unir os mais variados grupos da participação social, sem estar diretamente relacionado ao poder aquisitivo, confere a sua utilização uma participação mais igualitária, proporcionando, assim, uma igualdade de oportunidades entre os alunos, conforme sugere as Orientações Curriculares (op. cit.). Historicamente, de acordo com Souza (op. cit.), essa experiência do tandem learning, provavelmente começou em um projeto entre as Universidade de Bochum (Alemanha) e a Universidade de Rhode Island (Estados Unidos). Era um projeto que, em 1992, estabeleceu a colaboração entre estudantes de alemão nos Estados Unidos e estudantes de inglês na Alemanha. No ano seguinte, o projeto se ampliou, promovendo parcerias com a Espanha, o Reino Unido. Os princípios que orientam o tandem são: a reciprocidade, no qual todo aprendiz deve se beneficiar da parceria; o bilinguismo, no qual as duas línguas são tratadas; a autonomia, no qual cada um é responsável pelo seu processo de aprendizagem. Com toda a explanação, dois aspetos relevantes surgem, o primeiro é desenvolvimento da competência comunicativa e o segundo, o aspecto da interação nessa aprendizagem. Quanto à competência comunicativa, Souza (op. cit.) adverte que há um desenvolvimento dessa competência, uma vez que, segundo Appel (1999), os aprendizes serão colocados em uma situação em que seja 10 necessário o uso da língua para exprssar ideias e intenções. Com relação à interação, segundo o autor, ela está relacionada com a hipótese da produção lingüística, em situações de interação, ter papel crucial na aprendizagem de línguas estrangeiras. E essa hipótese é compatível com teoria vigotskyana, dessa forma, de acordo com Vigotsky, há uma distância entre o que uma pessoa é capaz de aprender sozinho e entre o que é aprendido com a ajuda do outro. Essa distância Vigotsky nomeia de zona de desenvolvimento proximal (ZPD), a aprendizagem, para ele, ocorre exatamente nessa zona, ou seja, a partir da interação com o outro que ocorre a aprendizagem, e é nesse sentido que se apresenta a aprendizagem colaborativa, o que compreendo como, um auxiliando o outro, sendo, em um momento, um o par mais competente e no momento seguinte, o outro o par mais competente. No entanto, há que se refletir sobre uma questão levantada por Braga (op. cit.) com relação ao grau de autonomia, o diálogo e a interação, que podem ou não ocorrer nesse novo processo de ensino e aprendizagem, pois, em casos de programas que adotam uma estrutura rígida pode não haver diálogo nem interação, e consequentemente, aprendizagem colaborativa, acrescento, desse modo, há que se observar que a ausência de diálogo e de interação entre os participantes dificulte o processo de construção do conhecimento, já que depende do grau de autonomia do aprendiz e nem todo aprendiz é autônomo, porque a autonomia está relacionada a sua postura frente à aprendizagem bem como a falta de conhecimento, também, pode ser um empecilho para desenvolvimento da autonomia. Dessa forma, creio que somente a formação do professor, uma formação preocupada em desenvolver autoridade e autonomia, conforme Kumaravadivelu (op. cit.) sugere, possibilitando a reflexão sobre sua prática, é que poderá ser sensível a questões como a acima levantada. A partir dessa apresentação sobre o tandem e reflexão sobre essa alternativa, trago o teletandem, uma proposta local, desenvolvido em projeto temático, por dois institutos da Universidade Estadual Paulista, das localidades de São José do Rio Preto e de Assis em parceria com outras universidades do exterior. Esse projeto temático, intitulado “Teletandem Brasil: línguas estrangeiras para todos” i, propõe uma alternativa aos comumente conhecidos como tandem face a face ou como e-tandem ou tandem learning (Souza, 2007), formas estas, de acordo com Cziko e Park (2003), de aprendizagem de línguas diferentes que envolvem pares de falantes nativos e que procuram trabalhar de maneira colaborativa, um aprendendo a língua do outro, isto é, cada um dos parceiros se torna aprendiz da língua estrangeira do outro e professor de sua própria língua. Assim, no projeto (2006), o teletandem se apresenta como uma terceira opção junto ao tandem face a face e ao e-tandem, pois, de acordo com ele, o teletandem é: “... um método de ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras à distância, assistido por computadores, o qual faz uso simultâneo da produção e compreensão oral, escrita e de imagens.” (Grifo dos autores) É importante observar a diferença que reside entre o e-tandem ou tandem learning e o teletandem, pois o tandem learning, de acordo com Souza (op. cit.), é uma modalidade fortemente sustentada por recursos da internet, principalmente pelo e-mail, já o teletandem, segundo o projeto (op.cit.), utiliza as ferramentas de escrita, leitura, áudio, vídeo e de imagens. Conforme Telles e Vassallo (2006), a intenção desse projeto pedagógico é fornecer acesso democrático de aprendizagem de línguas e de culturas estrangeiras para alunos universitários, para que eles tenham condições de contato com outros povos e com outras línguas. Ainda, de acordo com os autores supracitados, o uso do MSN Messenger, uma ferramenta de comunicação à distância, possibilitou uma interação mais próxima da interação face a face, desenvolvida no tandem face a face, oportunizando pessoas com limitações geográficas e econômicas de se comunicarem por meio do teletandem. Hoje em dia, ele não só trabalha com o MSN Messenger, assim como com o Skype, que são ferramentas livres. Para eles, o diferencial do teletandem está no fato de uma ferramenta, como o MSN Messenger, oferecer ao usuário a possibilidade de tomar nota, de sublinhar palavras e expressões, desenhar e além do mais, compartilhar uma lousa com o outro usuário, na qual se escreve e se desenha ao mesmo tempo em que se vê a outra pessoa. 11 É importante frisar a agenda científica e pedagógica do projeto Teletandem, pois nela subjaz um aspecto de intervenção social, procurando, dessa forma, democratizar o acesso às línguas e às culturas de outros povos, inicialmente por alunos universitários e, posteriormente, por alunos dos ensinos fundamental e médio da rede pública do Estado de São Paulo (op. cit.; p. 33-4). Essa agenda científica e pedagógica do projeto pode ser relacionada às alternativas locais que Kumaravadivelu (op.cit.) já sugeria em seu livro sobre o pós-metodo, tentando democratizar o acesso às línguas e às culturas de outros. Essa maneira de trabalhar o ensino de línguas, buscando superar as desigualdades sociais, em um país com o Brasil, pode ser uma proposta de uso da tecnologia no ensino de língua que poderá estar relacionada à transformação, conforme Braga (op. cit.) e Freire (op. cit.) já sugerem e que está em consonância com Kumaravadivelu (op. cit.). Porém, há que ressaltar que essa transformação somente se dará com o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade, e isso dependerá de formação de professores. No entanto, o fato dessa tecnologia proporcionar aos alunos acesso democrático, promovendo uma igualdade de oportunidades, segundo as Orientações Curriculares (op. cit.), já traz em si um valor de questionamento do status quo, ao problematizar as novas relações de poder que se estabelecem com o conhecimento, pois o conhecimento já não advém do professor ou dos livros didáticos, mas de outros meios, e isso já é uma transformação nos papéis dos participantes do processo de ensino e aprendizagem, o que, de certa forma, é um desafio ao professor que mesmo tendo uma prática formada por força do hábito, em alguma medida, terá de saber lidar com a tecnologia. Todavia, resta saber se a maneira como o professor lidará com as novas tecnologias estarão a serviço da transformação ou da permanência das estruturas injustas. A seguir, traçarei algumas linhas sobre minhas considerações finais, resgatando a questão da formação dos professores. Considerações Finais De acordo com o que foi apresentado, discutir a questão da utilização das novas tecnologias no ensino de línguas, embora seja um tema muito importante na atualidade, conforme advertido pelas próprias Orientações Curriculares (op. cit.) e por Warschauer e Healey (op. cit.), é muito difícil, por estar atrelada à formação inicial e em serviço dos professores. Percebe-se, claramente, que a questão não são os métodos, as técnicas ou a metodologia, mas ela é muito maior que tudo isso e está relacionada à formação desses mesmos professores. É lógico que o conhecimento sobre tais métodos, tais técnicas e metodologia podem ser muito importantes em um dado momento de sua formação, porém há que se avançar sobre essa questão, se não, corre-se o risco de embora muito conhecedor de tais métodos, pouco reflexivo com relação a eles. Freire (2000) ao tratar da questão da transformação em sala de aula, já sugere que essa questão não tem ligação com os métodos, as técnicas e a metodologia, mas sim com o estabelecimento de uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade, e vejo esse estabelecer diferente na proposta de Kumaravadivelu (op. cit.), quando trata da era pós-método, abordando a questão dos métodos com uma criticidade maior, procurando, ao modo freireano, um olhar crítico em relação a eles. Creio que quando se trata de formação de professores, esse questionamento da realidade é algo fundamental, pois por meio dessa postura, questionadora, problematizadora, talvez, possa-se transformar a realidade educacional, com professores cada vez mais participativos, autônomos, comprometidos em promover uma educação mais igualitária, possa-se transformar, enfim, uma educação que não dialoga em dialógica, tendo alunos cada vez mais autônomos também, aprendendo a aprender e aprendendo a deliberar (Kumaravadivelu, op. cit.). A partir dessa formação, que ultrapasse a questão dos métodos, a questão da utilização das novas tecnologias em sala de aula já não será mais um problema para professor, porque já saberá como lidar com essas novas tecnologias, por já estabelecer uma relação diferente com o conhecimento e com a realidade, portanto também saberá conjugar forças para o crescimento de 12 tentativas de legitimar o conhecimento e a realidade locais, promovendo uma conscientização maior das comunidades locais, portanto, por não estar mais preso a um determinado método, trabalhará de forma mais consciente e autônoma. Ao final, apresentam-se as referências bibliográficas. Nota i Processo: 06/03204-2 < http://www.teletandem.org> 13 Referências Bibliográficas BRAGA, D. B. Práticas letradas digitais: considerações sobre possibilidades de ensino e de reflexão social crítica. In: ARAÚJO, J. C. Internet e ensino: novos gêneros, outros desafios. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007, p. 181-195. BRASIL. Orientações curriculares nacionais para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, v. 01, 2004. CZIKO, G. A.; PARK, S. Internet audio communication for second language learning: a comparative review of six programs. Language learning & technology, vol. 7, n. 1, p. 15-27, january 2003. FREIRE, P. Educação e mudança. Tradução Moacir Gadotti e Lilian Lopes Martins. 23. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. -----, P.; SHOR, I. Medo e ousadia. Tradução Adriana Lopez. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. KUMARAVADIVELU, B. Understanding language teaching: from method to posmethod. Mahwah, New Jersey: Lawerence Erbaum Associates, Inc. Publishers, 2006. LARSEN-FREEMAN. On the appropriateness of language teaching methods in language and development. In: SHAW, J.; LUBELSKE, P.; NOULLET, M. (eds.). Partnership and interaction: proccedings of the fourth international Conference on Language and Development. 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