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Guia prático para diagnóstico e tratamento das alergias alimentares em pediatria grupo de apoio aos portadores de necessidades nutricionais especiais 2006 Instituto Girassol São Paulo Instituto Girassol. Grupo de Apoio a Portadores de Necessidades Nutricionais Especiais. Guia Prático para o Diagnóstico e Tratamento das Alergias Alimentares / Instituto Girassol. Grupo de Apoio aos Portadores de Necessidades Nutricionais Especiais. - São Paulo: Instituto Girassol. Grupo de Apoio aos Portadores de Necessidades Nutricionais Especiais, 2006. 96 p. Colaboradores dos textos: Cristina Miuki Abe Jacob, Fabíola Isabel Suano de Souza, Glauce Hiromi Yonamine, Joice de Martino Benedini, Márcia Carvalho Mallozi, Mário César Vieira, Marisa da Silva Laranjeira Renata Rodrigues Cocco, Roseli Oselka Saccardo Sarni, Tânia Regina Beraldo Battistini. ISBN – 978-85-60310-00-5 ( a partir de 01/01/2007) 85-60310-00-2 1. Alergia alimentar 2. Nutrição Pediátrica 3. Pediatria I. Instituto Girassol. II. Título NLM WD 310 Projeto gráfico e diagramação: Formo Arquitetura e Design Revisão: Neuza Tera Akamine Impressão: Murc Editora Gráfica Ltda. Índice Apresentação.................................. 5 Prefácio......................................... 7 Diagnóstico das reações IgE mediadas...... 15 Diagnóstico das reações não mediadas por IgE.......................................... 25 Testes de Desencadeamento................. 37 Refluxo gastroesofágico e alergia ao alimentar: como identificar?................ 47 Tratamento medicamentoso................. 55 Terapia Nutricional e Prevenção............. 59 Anexos.......................................... 77 Apresentação O Instituto Girassol - Grupo de Apoio a Portadores de Necessidades Nutricionais Especiais, criado em janeiro de 2005, é uma pessoa jurídica, sem fins lucrativos, de caráter filantrópico e sem vinculação econômica, política, religiosa, de raça, de cor ou de categoria social. A missão do Instituto é lutar e promover acesso à terapia nutricional de qualidade aos portadores de necessidades nutricionais especiais no Brasil, por meio da pesquisa, da capacitação técnica e da disseminação de conhecimentos. Assim, além do apoio aos pacientes, conta também com Centro de Estudos que pretende desenvolver e ampliar o conhecimento da nutrição como forma de prevenção e tratamento de doenças a curto e longo prazo, por meio de: pesquisas científicas; capacitação e treinamento de profissionais de saúde e desenvolvimento de material técnico-científico. Roseli Oselka Saccardo Sarni Presidente do Instituto Girassol 5 Prefácio Desde o início de suas atividades o Instituto Girassol estabeleceu a educação em saúde como uma de suas prioridades. A edição deste guia representa um marco importante no cumprimento desse objetivo. Este guia desenvolvido com a colaboração de destacados especialistas nas áreas de alergia, gastroenterologia, nutrologia e nutrição pretende levar aos profissionais de saúde conhecimentos atualizados e práticos no âmbito da prevenção, diagnóstico e tratamento das alergias alimentares. O expressivo aumento na prevalência dessa condição representa um desafio crescente e temos a certeza que este guia contribuirá para o aprimoramento da qualidade da atenção prestada às crianças e adolescentes portadores de alergia alimentar. Gabriel Wolf Oselka Conselho Consultivo do Instituto Girassol 7 A edição deste guia contou com a colaboração de: Mead Johnson Nestlé Nutrition Support - Produtos Nutricionais Colaboradores Profª. Dra. Cristina Miuki Abe Jacob Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) Chefe da Unidade de Alergia e Imunologia do Instituto da Criança do HC-FMUSP Dra. Fabíola Isabel Suano de Souza Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Médica Colaboradora da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC) Especialista em Pediatria com área de atuação em Nutrologia e Nutrição Enteral e Parenteral Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria Diretora Científica do Instituto Girassol Prof. Dr. Gabriel Wolf Oselka Livre Docente pela FMUSP Professor Associado do Departamento de Pediatria da FMUSP Membro do Conselho Consultivo do Instituto Girassol 9 Nutricionista Glauce Hiromi Yonamine Especialização em Saúde, Nutrição e Alimentação Infantil - enfoque Multiprofissional pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Nutricionista das Unidades de Alergia e Imunologia e Gastroenterologia do ICr HCFMUSP Assessora técnica do website do Instituto Girassol Nutricionista Joice de Martino Benedini Nutricionista Clínica do ICr-HCFMUSP Especialista em nutrição materno infantil pela UNIFESP Especialista em nutrição humana pelo GANEP Grupo de Nutrição Humana Profª. Dra. Márcia Carvalho Mallozi Doutora em Medicina pela UNIFESP Professora Assistente da Disciplina de Pediatria da FMABC Coordenadora do Ambulatório de Alergia do Departamento de Pediatria da UNIFESP Membro do Conselho Consultivo do Instituto Girassol Prof. Dr. Mário César Vieira Mestre em Medicina Interna pela Universidade Federal do Paraná Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pelo 10 St. Bartholomew's Hospital Medical College Universidade de Londres Chefe do Serviço e Coordenador da Residência Médica em Gastroenterologia Pediátrica Hospital Pequeno Príncipe / Curitiba - PR Membro do Conselho Científico de Gastroenterologia da Sociedade Brasileira de Pediatria Dra. Marisa da Silva Laranjeira Mestre em Gastroenterologia Pediátrica pela UNIFESP - EPM Professora Assistente da Disciplina de Pediatria da Faculdade de Medicina da Fundação do ABC Médica responsável pela Enfermaria de Pediatria do CHSA-Hospital de Ensino da FMABC Membro do Conselho Consultivo do Instituto Girassol Dra. Renata Rodrigues Cocco Pós-graduanda da Disciplina de Alergia, Imunologia e Reumatologia da UNIFESP, com especialização em Alergia Alimentar pelo Mount Sinai Medical Center de NY-EUA Profª. Dra. Roseli Oselka Saccardo Sarni Mestre e Doutora em Medicina pela UNIFESP Professor Assistente do Departamento de Saúde Materno-Infantil da FMABC 11 Especialista em Pediatria com área de atuação em Nutrologia e Nutrição Enteral e Parenteral Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria Presidente do Instituto Girassol Nutricionista Tânia Regina Beraldo Battistini Pós-graduanda do Departamento de Pediatria da UNIFESP Especialista em atendimento nutricional pela Universidade São Judas Tadeu Nutricionista responsável pelo Serviço de Crescimento, Desenvolvimento e Terapia Nutricional da FMABC Coordenadora Geral do Instituto Girassol 12 Guia prático para diagnóstico e tratamento das alergias alimentares em pediatria Editor Instituto Girassol Grupo de apoio aos portadores de necessidades nutricionais especiais 13 Diagnóstico das reações IgE mediadas Cristina Miuki Abe Jacob Reações Adversas aos Alimentos (RAA) é a denominação empregada para qualquer reação anormal à ingestão de alimentos ou aditivos alimentares, independente de sua causa. Hipersensibilidade Alimentar ou Alergia Alimentar (AA) é a denominação utilizada para as RAA que envolvem mecanismos imunológicos, resultando em grande variabilidade de manifestações clínicas. O mecanismo imunológico mediado pela Imunoglobulina E (IgE) é o mais comumente encontrado e caracteriza-se por rápida instalação e manifestações clínicas características, tais como: urticária, broncoespasmo, manifestações gastrintestinais agudas e, eventualmente, anafilaxia. 15 Diagnóstico A avaliação da história clínica deve ser o ponto inicial para avaliação da AA relacionada ao mecanismo IgE mediado. A pesquisa de antecedentes familiares ou individuais de atopia é fundamental, pois são pacientes de risco para o desenvolvimento de AA. Pelos dados clínicos podemos caracterizar se os sintomas são de reações imediatas (IgE) ou reações tardias (mecanismos não IgE mediados). Na reação IgE mediada, os sintomas clínicos aparecem até 2 horas após a ingestão do alimento desencadeante e caracteriza-se por reações imediatas, tais como: angioedema, urticária, broncoespasmo, dor abdominal e vômitos agudos ou mesmo choque anafilático. Após esta avaliação inicial, atenção deve ser dada ao exame físico e, posteriormente, devem ser solicitados os exames laboratoriais mais adequados para este tipo de reação. História Clínica ! descrição dos sintomas. ! tempo de aparecimento dos sintomas após a ingestão do alimento. ! quantidade de alimento que desencadeou os sintomas. ! processamento do alimento. ! descrição de fatores associados, como: 16 exercícios físicos ou ingestão de bebidas alcoólicas. ! uso de medicações, no período da ocorrência dos sintomas, também deve ser pesquisado. Exame Físico O exame físico deve ser o mais minucioso possível, embora as manifestações clínicas da AA não sejam patognomônicas da doença. Ênfase especial deve ser dada à avaliação de estado nutricional, presença de lesões dermatológicas, broncoespasmo; e nos pacientes com anafilaxia, o sistema cardio-vascular. A detecção de manifestações clínicas restritas à orofaringe, como na Síndrome da Alergia Oral, pode ser de grande valia para o diagnóstico. Registro Alimentar Em situações nas quais o alérgeno alimentar não foi identificado é interessante a aplicação do “registro alimentar”, por um período mínimo de uma semana. O responsável ou o paciente registra, diariamente, o horário, o tipo, e a quantidade de alimento consumido, além das doses administradas de medicamentos e os sintomas apresentados (prurido, vômito, diarréia, etc.). Este instrumento possibilita o conhecimento detalhado 17 da alimentação, permitindo identificar os alimentos e ingredientes consumidos e avaliar a possibilidade de reatividade cruzada entre os próprios alimentos, além de permitir a caracterização de manifestações imediatas e/ou tardias. Dietas de Eliminação A instituição de dietas de eliminação com o objetivo de diagnóstico de AA pode ser empregada, porém só pode ser realizada quando a suspeita recai apenas em um número reduzido de alimentos. Várias dietas de eliminação, até bastante restritas, já foram utilizadas e sofreram modificações com o passar do tempo. É importante empregar alimentos de baixa alergenicidade e manter a dieta de eliminação por 2 ou 3 semanas, com reintrodução dos alimentos suspeitos em intervalos de três a cinco dias, para identificação do alimento desencadeante. Esta fase deve ser excluída em pacientes com reações anafiláticas. Imunoglobulina E total e Eosinofilia periférica São dados inespecíficos e não sustentam um diagnóstico de AA. 18 Testes Cutâneos Prick teste - Teste de punção com lanceta padronizada, realizado na região do antebraço, através da aplicação de extratos comerciais ou alimento “in natura”, com leitura após 20 minutos. Estes testes somente terão validade se forem utilizados bons extratos comerciais, escolhidos de acordo com a história clínica e realizados por pessoa treinada. Controles positivo e negativo devem estar presentes em todos os testes, e a leitura realizada em relação ao tamanho da pápula e não ao do eritema. São considerados testes positivos, aqueles cuja pápula for > 3mm superior ao controle negativo. Positividade do teste indica presença de anticorpos aos alimentos e não necessariamente AA, apresentando um valor preditivo positivo de apenas 50%. Assim, alterações de dieta baseadas somente no resultado positivo destes testes não constituem conduta adequada para diagnóstico de AA. O valor preditivo negativo deste teste é de 95%, sendo adequado para exclusão de AA mediada por IgE. Contra-indicações para a realização do prick teste são: história de anafilaxia anterior, dermatites extensas e crianças menores de 2 anos de idade. Pacientes nesta faixa etária podem apresentar baixa reatividade cutânea, devendo os resultados negativos serem avaliados de maneira bastante cuidadosa. O uso de anti-histamínicos pode 19 influenciar a resposta ao prick teste. Testes cutâneos realizados com extratos comerciais podem apresentar resultados falsamente negativos em indivíduos com AA, causados por frutas e vegetais “in natura”. Nestes casos recomenda-se a realização do prick teste com os alimentos crus, pela técnica do “prick to prick”. Outras formas de testes cutâneos compreendem: o teste intradérmico e o “patch teste”. O teste intradérmico tem sido abandonado na prática clínica, pois apresenta maior incidência de reações sistêmicas. Recentemente, pesquisadores finlandeses têm mostrado que o “patch teste” com extratos comerciais de alimentos ou com o alimento “in natura” podem ser de auxílio para o diagnóstico de AA com reações tardias (não mediadas por IgE). Este teste permanece ainda sob avaliação, devendo ser padronizado para uso na prática clínica. RAST O “Radioallergosorbent Test“ (RAST) tem sido bastante utilizado em pediatria e avalia a presença de IgE específica para determinado alérgeno. Seus 20 resultados são classificados em classes (1,2,3 e 4), sendo considerados como positivos, os resultados de classes 3 e 4. É importante ressaltar que nenhum dos testes anteriormente comentados, incluindo o RAST, faz o diagnóstico de AA. Resultados positivos indicam apenas a sensibilização do indivíduo a determinado alimento e não necessariamente a presença de doença clínica. O diagnóstico de AA deve ser sempre confirmado através da história clínica e do teste "Duplo Cego Placebo controlado - DCPC" quando possível. Tanto o RAST como o prick teste servem para a escolha do alimento a ser testado no DCPC. Indicações precisas para a realização do RAST são: história de anafilaxia anterior, dermografismo, lesões cutâneas extensas e crianças de pouca idade. Deve ser sempre considerado que este teste é bastante dispendioso, mesmo quando realizado para “pools” de alérgeno. O RAST não apresenta vantagens em relação ao prick teste para o diagnóstico de AA, devendo ser reservado para testar os alimentos indicados pela história clínica, quando da impossibilidade do prick teste. Recentemente, Sampson relata que a utilização do CAP-RAST FEIA em crianças com Dermatite Atópica, com quantificação da IgE específica para leite, ovo, peixe e amendoim , apresenta bom valor preditivo positivo, quando comparado ao 21 prick teste. De acordo com os autores, o paciente que apresentar neste teste, um valor preditivo positivo acima de 95%, pode ser dispensado da realização do teste de provocação duplo cego placebo controlado para o diagnóstico de AA. Outra utilização deste teste pode ser na evolução pós-tratamento de pacientes com AA. Teste de Provocação Oral O teste de provocação oral duplo cego placebo controlado (DCPC) permanece como padrão-ouro para o diagnóstico de AA, devendo ser realizado sempre que possível. A técnica consiste em administrar o alimento suspeito em doses crescentes e observar o aparecimento de reações consideradas como decorrentes de AA. Os alimentos a serem testados devem ser escolhidos através da história clínica, prick teste ou positividade do RAST. O paciente deve estar em dieta de exclusão do alimento suspeito, por duas semanas e sem receber anti-histamínicos no período de uma semana. Em manifestações clínicas tardias, como nas enteropatias, o tempo de exclusão do alimento pode ser de até 12 semanas antes do teste de provocação. Utiliza-se o alimento liofilizado, que deve ser iniciado com 0,5 gramas e aumentado progressivamente até 10 gramas. 22 Caso o paciente tolere esta dose, o alimento é liberado em pequenas quantidades, sob observação contínua, para descartar a possibilidade de falso negativo do teste de provocação. Deve ser ressaltado que este procedimento exige ambiente hospitalar para atendimento de anafilaxia, que pode ocorrer durante sua realização. O teste de provocação DCPC pode ser associado a outros procedimentos mais específicos, como endoscopia digestiva, dosagens de histamina e triptase, etc. Falsos negativos deste teste incluem alimentos que perdem sua alergenicidade com a liofilização (peixe), não associação de fatores amplificadores da resposta de hipersensibilidade (exercícios desencadeando alergia alimentar) ou reações tardias de difícil detecção. 23 Bibliografia American College of Allergy, Asthma, & Immunology. Food allergy: a practice parameter. Ann Allergy Asthma Immunol 2006; 96:S1-S68. Bernhisel-Broadbent J. Diagnosis and management of food hypersensitivity- Immunol. Allergy Clin North Am 1999; 19:46377. Eigenmann PA. Do we have suitable in vitro diagnostic tests for the diagnosis of food allergy? Curr Opin Allergy Clin Immunol 2004; 4:211-13. Sampson HA, Metcalfe DD. Food Allergies. JAMA 1992; 268:2840-44. Sampson HA, Ho D. Relation between food-specific IgE concentration and the risk of positive food challenges in children and adolescents. J Allergy Clin Immunol 1997; 100:444-51. Sampson HA. Food Allergy. Part 1: Immunopathogenesis and clinical disorders. J Allergy Clin Immunol 1999;103:717-28. Sampson HA. Food Allergy. Part 2: Diagnosis and management. J Allergy Clin Immunol 1999; 103:981-89. Sampson HA. Update on Food Allergy. J Allergy Clin Immunol 2004; 113:805-19. Scurlock AM, Lee LA, Burks AW. Food Allergy in Children. Immunol Allergy Clin N Am 2005; 25:369-88. Sicherer, SH, Teuber S. Adverse Reactions to Foods Committee. Current approach to the diagnosis and management of adverse reactions to foods. J Allergy Clin Immunol 2004; 114:1146-50. 24 Diagnóstico das reações não mediadas por IgE Mário C. Vieira A alergia alimentar é uma reação adversa ao componente protéico do alimento, que envolve mecanismo imunológico. As substâncias que causam esta reação anormal no sistema imunológico são denominadas alérgenos. Os mecanismos envolvidos nas alergias alimentares são distintos: mediados por IgE; parcialmente mediados por IgE e; mediados por células. As reações mediadas por IgE produzem manifestações clínicas mais precoces, minutos ou horas após a ingestão do suposto alérgeno, que resultam da liberação de histamina, prostaglandinas, leucotrienos e citocinas pelos mastócitos e basófilos ativados. As manifestações, que ocorrem de forma sub-aguda ou crônica, são 25 mediadas principalmente por mecanismos de imunidade celular (linfócitos T). Um terceiro grupo de manifestações clínicas pode ocorrer com a participação de ambos os mecanismos. Há muitos fatores que dificultam o diagnóstico da alergia alimentar. Os antígenos alimentares podem ser alterados com o cozimento ou fervura e podem estar presentes apenas em uma parte do alimento (p.ex. casca da maçã). Pode, ainda, ocorrer reação clínica à contaminação acidental durante a preparação do alimento ou reação não imunológica aos aditivos alimentares que podem confundir o diagnóstico. As manifestações clínicas podem ser muito variadas, uma vez que um determinado alimento nem sempre desencadeia os mesmos sintomas, dependendo do órgão-alvo, dos mecanismos imunológicos envolvidos e da idade do paciente. Podem ocorrer manifestações no tubo digestivo, no aparelho respiratório, na pele ou em outros órgãos (Quadro 1). 26 Quadro 1 Manifestações clínicas específicas que podem motivar a investigação de alergia alimentar não mediada por IgE Sintomas gastrointestinais em pacientes com atopia (p.ex. dermatite atópica). Evacuações mucosas/sangüinolentas em lactentes. Síndrome de má-absorção /enteropatia perdedora de proteínas. Vômitos, diarréia ou disfagia de evolução subaguda/crônica. Déficit de crescimento. Doença do refluxo gastroesofágico refratária ao tratamento habitual. Cólica do lactente que responde pouco a tratamento conservador. Constipação crônica refratária ao tratamento habitual. Quando se suspeita que os sintomas sejam causados por alergia alimentar, procede-se com a tentativa de confirmação diagnóstica e de identificação do alimento causador. O passo inicial é o de identificar o mecanismo mais provavelmente envolvido: mediado por IgE ou não mediado por IgE e os alimentos suspeitos. 27 Na investigação é importante ter-se em mente que muitos sintomas são manifestações comuns a outras doenças. Assim, um número considerável de enfermidades deve ser considerado no diagnóstico diferencial. Apesar de todos os esforços empreendidos nas últimas décadas, não existe nenhum exame que permita estabelecer o diagnóstico de certeza da alergia alimentar. Portanto, o diagnóstico fundamenta-se nas manifestações clínicas obtidas na anamnese e no exame físico detalhados, na melhora clínica, na vigência da dieta de exclusão dos alérgenos e no teste de desencadeamento positivo, quando indicado. A história clínica deve abordar os antecedentes familiares de atopia, o tempo de aleitamento materno, a idade de início das manifestações e da introdução de novos alimentos na dieta. O intervalo entre a ingestão do alimento e os primeiros sintomas, sua recorrência, a quantidade de alimento ingerido, quando de sua ocorrência e suas características precisas, devem ser investigados. Quando houver dúvida, alguns exames complementares, junto com o quadro clínico, podem ajudar no diagnóstico. 28 Exames Complementares Os testes cutâneos (prick test) e a pesquisa de anticorpos IgE específicos, pela utilização de técnicas radioalergoabsorventes (RAST, CAP System FEIA), são úteis nas reações de início imediato (mediadas por IgE). Alguns exames podem auxiliar no diagnóstico de alergia alimentar não mediada por IgE conforme será discutido a seguir (Quadro 2). ! Biopsias de esôfago, estômago, intestino delgado e cólon As biopsias do aparelho digestivo podem auxiliar na avaliação dos pacientes com manifestações gastrintestinais secundárias à alergia alimentar. Estes procedimentos podem ser realizados por endoscopia digestiva alta e/ou colonoscopia, que poderá mostrar processos inflamatórios, especialmente nos casos de esofagite e gastroenteropatia eosinofílica e na colite alérgica. A presença de infiltrado eosinofílico (mais de 15 20 eosinófilos em campo microscópico com 400 vezes de aumento) é considerada um dos achados mais característicos destas afecções. As biopsias duodenais e jejunais podem demonstrar atrofia vilositária de intensidade variada com distribuição focal, especialmente na enteropatia induzida por 29 alergia à proteína do leite de vaca e soja. ! Outros exames Considerando-se a amplitude das manifestações clínicas da alergia alimentar, outros exames podem contribuir para a avaliação do paciente. Neste grupo de exames incluem-se o hemograma, a dosagem de ferritina sérica, a pesquisa de sangue oculto nas fezes e a determinação de alfa1-antitripsina fecal, que serão indicados na dependência das características de cada caso. Mais recentemente tem-se investigado o papel do teste cutâneo (Atopy Patch Test) no diagnóstico da alergia alimentar não mediada por IgE, especialmente em pacientes com dermatite atópica. Apesar de ser um teste promissor na identificação dos alimentos causadores da alergia, no momento, não há padronização nos reagentes, na metodologia e na interpretação dos resultados. 30 Quadro 2 Exames de laboratório utilizados na avaliação da alergia alimentar não mediada por IgE (*) com sintomas gastrintestinais Hemograma, ferritina, dosagem de proteínas séricas Endoscopia e biópsia Exames proctológicos (sangue, leucócitos, alfa 1-antitripsina, eosinófilos) pHmetria esofagiana Testes cutâneos (atopy patch test) (*) Os exames são indicados com base nos sintomas individuais. Dieta de Eliminação Após a avaliação clínica do paciente, deve ser prescrita dieta com eliminação das proteínas suspeitas. As dietas de eliminação consistem na retirada dos alimentos suspeitos de desencadear os sintomas, mantendo os alimentos que, raramente, causam alergia (oligoantigênica), administrando uma dieta à base de hidrolisados protéicos (hipoalergênica) ou à base de aminoácidos (não-alergênica). A dieta à base de aminoácidos é mais adequada e eficiente, porém 31 pode ser difícil de ser utilizada principalmente em crianças maiores. O tipo e duração da dieta dependem do quadro clínico nutricional e da disponibilidade das opções a serem empregadas. Em geral, a dieta de exclusão é realizada por um período de 1 a 4 semanas, dependendo da gravidade das manifestações clínicas. Esta é a forma mais apropriada de se estabelecer o diagnóstico em lactentes. Nesta faixa etária, a dieta de eliminação consiste na troca da fórmula alimentar utilizada, no entanto a conduta é mais complicada em lactentes amamentados com leite materno, aos quais se deve restringir a dieta materna. A dieta de exclusão deve ser adequada, do ponto de vista nutricional, preenchendo todas as necessidades do paciente. O propósito desta etapa é o de proporcionar e confirmar o desaparecimento das manifestações clínicas da alergia alimentar. Se os sintomas persistem, na vigência da dieta de exclusão, o diagnóstico de alergia alimentar é pouco provável. Entretanto, deve ser considerada a possibilidade de que outras proteínas, presentes na dieta de exclusão, sejam responsáveis pelas manifestações clínicas. 32 Após o desaparecimento das manifestações clínicas, durante a dieta de eliminação, o diagnóstico deve ser confirmado pelo teste oral de desencadeamento ou desafio com a proteína suspeita. Testes de desencadeamento Estes testes consistem na reintrodução do alérgeno alimentar na dieta sob supervisão médica e devem ser conduzidos por especialistas treinados e em local apropriado (clínica ou hospital), com condições adequadas para atendimento de reações clínicas sistêmicas graves (choque anafilático). Durante o teste deve ser preenchido um relatório de sintomas, por um observador, que faz parte do processo de investigação. Os pacientes devem ser monitorados durante 1 a 2 horas, pois a maioria das reações graves ocorre durante esse período. Os tipos de testes de desencadeamento serão descritos no capítulo seguinte. Para fins práticos e assistenciais, especialmente para lactentes, o desencadeamento aberto pode ser realizado, insistindo-se, no 33 entanto, que a avaliação do paciente dever ser extremamente criteriosa, cuidadosa e precisa na caracterização das manifestações clínicas. É importante observar que as reações imunológicas, não mediadas por IgE, manifestam-se tardiamente, o que obriga a estender o teste de desencadeamento por vários dias ou semanas. É fundamental que os familiares sejam inseridos neste processo, sendo conscientizados de que o desencadeamento é o método mais adequado para o diagnóstico de alergia alimentar. Deve-se ter em mente que os testes de desencadeamento podem ser opcionais ou contraindicados em algumas circunstâncias e, para cada paciente, é preciso analisar o risco e o benefício que o mesmo pode representar. Considerações Finais Do ponto de vista prático, o diagnóstico de alergia alimentar não mediada por IgE é fundamentalmente clínico. Baseia-se na história clínica compatível, em achados sugestivos ao exame físico, na resposta positiva à dieta de e x c l u s ã o d o a l é rg e n o e n a p r o v a d e desencadeamento ou desafio aberto. Os exames laboratoriais auxiliam no diagnóstico e devem ser utilizados com critério na dependência das manifestações clínicas. 34 Bibliografia Beyer K, Teuber SS. Food allergy diagnostics: scientific and unproven procedures. Curr Opin Allergy Clin Immunol 2005; 5:261-66. Kalach N, Soulaines P, Boissiseu D, Dupont C. A pilot study of the usefulness and safety of a ready-to-use atopy patch test (Diallertest) versus a comparator (Finn Chamber) during cow's milk allergy in children. J Allergy Clin Immunol. 2005; 116:1321-26. Kelly KJ. Eosinophilic gastroenteritis. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2000; 30:S28-35. Roberts S. Challenging times for food allergy tests. Arch Dis Child 2005; 90:564-6. Sampson HA, Anderson JA. Summary and recommendations: classification of gastrointestinal manifestations due to immunologic reactions to foods in infants and young children. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2000; 30:S87-94. Sampson HA. Utility of food-specific IgE concentrations in predicting symptomatic food allergy. J Allergy Clin Immunol 2001; 107:891-96. Savilahti E. Food-induced malabsorption syndromes. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2000; 30:S61-6. Sicherer SH. Food allergy: when and how to perform oral food challenges. Pediatr Allergy Immunol 1999; 10:226-34. Walker-Smith JA. Cow's milk allergy: a new understanding from immunology. Ann Allergy Asthma Immunol 2003; 90:81-3. Walker-Smith JA. Diagnostic criteria for gastrointestinal food allergy in childhood. Clin Exp Allergy 1995; 25:20-2. 35 Testes de Desencadeamento Renata Rodrigues Cocco Introdução O diagnóstico e o monitoramento das alergias alimentares são fundamentados na minuciosa história clínica, exame físico e alguns parâmetros laboratoriais, em especial nos casos de alergia mediada por imunoglobulinas E (IgE). Os testes de provocação ou desencadeamento oral, no entanto, são os únicos métodos fidedignos para se estabelecer uma relação causa-efeito entre o alimento e as reações clínicas apresentadas. O teste consiste na oferta de alimentos e/ou placebo em doses crescentes e intervalos regulares, sob supervisão médica, com monitoramento concomitante de possíveis reações clínicas. De acordo com o conhecimento do paciente 37 (ou de sua família) e do médico quanto à natureza da substância ingerida (alimento ou placebo), o desencadeamento pode ser classificado em aberto, simples-cego ou duplo-cego controlado por placebo. Esta última condição, apesar de estabelecida como padrão-ouro para o diagnóstico das AA, tem sua utilização limitada, na prática clínica diária pelos custos envolvidos, tempo necessário para sua realização e possibilidade de reações graves. Este capítulo tem por objetivo discorrer sobre as principais diferenças entre os testes de provocação oral, indicações particulares e sugestão de protocolo para se conduzir corretamente cada procedimento. Quando indicar um teste de desencadeamento oral? 1. Na necessidade de se estabelecer uma relação causa-efeito entre o alimento e os sintomas, mesmo que tenha havido melhora do quadro clínico durante a fase de eliminação do alimento da dieta. 2. Nos casos em que diversos alimentos são considerados suspeitos e a restrição dietética a todos esses alimentos é imposta (exemplo: 38 paciente que apresentou reação pela primeira vez, após refeição em restaurante chinês). O teste oral estaria indicado para a avaliação do real desencadeante e para a reintrodução dos demais alimentos à dieta. 3. Nas reações do tipo anafiláticas, com testes para IgE específica negativos (teste cutâneo de hipersensibilidade imediata ou mensuração sérica de IgE específica) para o alimento suspeito. Nestes casos, o teste deverá ser realizado em ambiente hospitalar, com material de emergência disponível. 4. Nas alergias parcialmente ou não mediadas por IgE, quando os testes laboratoriais são de modesto auxílio diagnóstico. 5. Na avaliação da evolução da doença, remissão ou permanência da sensibilidade. Contra-indicação Anafilaxia grave com alimento isolado e presença de anticorpo IgE específico para o alimento causal. Onde deve ser realizado o procedimento? Uma vez avaliada a necessidade do teste, deve-se ponderar os riscos e benefícios com o 39 paciente e/ou sua família. Se houver a mais remota possibilidade de reação aguda e/ou grave, o teste deverá ser realizado em ambiente hospitalar, sob condições que possibilitem socorro imediato (adrenalina, anti-histamínicos, corticosteróides, broncodilatadores inalatórios, carvão ativado, expansores de volume e material para intubação orotraqueal). Situações consideradas de alto risco (reação grave anterior com IgE positiva para o alimento suspeito, asmáticos) demandam acesso intravenoso prévio. Pacientes que venham transgredindo a dieta sem manifestações clínicas e que apresentem níveis séricos decrescentes de IgE específica podem ser desencadeados em consultórios ou clínicas. Entretanto, é imprescindível que se tenha medicações de emergência disponíveis (adrenalina intramuscular, oxigênio, antihistamínicos), para o caso de eventuais reações graves. Os testes devem ser sempre realizados na presença de um médico. Os pacientes devem estar com restrição do alimento suspeito por pelo menos duas semanas, os anti-histamínicos devem ser suspensos de acordo com sua meia-vida e as medicações para asma, reduzidas ao limite mínimo suficiente para evitar sintomas. 40 Quadro 1 Principais aspectos a serem investigados, antes do teste de provocação oral 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. alimento(s) suspeito(s); tempo entre a ingestão do alimento e o aparecimento dos sintomas; a menor quantidade do alimento suspeito ingerido, capaz de deflagrar reações; freqüência e reprodutibilidade das reações; fatores associados à reação adversa (álcool, exercícios); época da última reação; descrição de sinais (rinite, urticária, eczema, rinorréia, tosse, crise de asma, hiper-secreção, vômitos, diarréia e cólica). Que tipo de teste devo utilizar? Como já foi mencionado, os testes são classificados de acordo com o conhecimento da substância a ser ingerida pelas partes envolvidas: paciente (e/ou sua família) e o médico observador. Existem diversos protocolos sugerindo doses e intervalos de tempo. Um exemplo prático, para reações mediadas por IgE, baseia-se na oferta de 8 41 a 10g do alimento desidratado ou 100ml na forma líquida, a cada 10 a 15 min, por cerca de 90 min. Outros iniciam o teste com doses mais baixas, que são dobradas sucessivamente. Alguns autores preconizam o teste labial no início do procedimento, aplicando o alimento (ou placebo) no lábio inferior do paciente e prosseguindo com a realização do teste, se não houver qualquer reação local ou sistêmica após alguns minutos. Aberto: todas as partes envolvidas no teste (médico, paciente e/ou sua família) estão cientes sobre o alimento que será ingerido. Este método é utilizado, principalmente, para eliminar conceitos subjetivos do paciente, quando a história clínica e os exames laboratoriais descartam a possibilidade de alergia. O procedimento não requer maiores preparos do alimento, que pode ser trazido pelo paciente ao consultório. Quando há suspeitas no resultado, deve-se programar o teste duplo-cego, controlado por placebo. O teste aberto também é proposto como finalização do duplo-cego (negativo), como forma de eliminação de qualquer suspeita àquele alimento. 42 Em crianças menores de um ano de idade, o teste aberto tem fidedignidade semelhante à do duplo-cego. Pela facilidade do procedimento, em relação às formas que serão abordadas a seguir, o teste aberto acaba sendo o mais utilizado na prática clínica diária dos especialistas. É importante ressaltar, no entanto, que seu valor diagnóstico não é igual aos demais. Simples ou Uni-cego: apenas o médico observador tem conhecimento da substância a ser ingerida. O método utilizado, bem como os preparados a serem ingeridos, é semelhante aos descritos a seguir. Duplo-cego controlado por placebo: nenhuma das partes envolvidas deve ter conhecimento da substância ingerida, que deverá estar devidamente rotulada como substância “A” ou “B”, conhecida apenas por um terceiro profissional (nutricionista ou enfermeira, por exemplo), responsável pela randomização. O teste deve ser realizado em dias separados, um para o alimento, outro para o placebo. Em casos de reações mediadas por IgE, os dois testes podem ser ministrados no mesmo dia, desde que haja um intervalo de 4 horas entre eles. 43 O preparo envolve um mascaramento do alimento, sua cor, sabor e odor. Esse resultado pode decorrer da mistura com outro alimento ou através de sua liofilização, oferecido através de cápsulas de gelatina. Alguns veículos utilizados para mascarar as características do alimento são descritos na tabela 1. Tabela 1 Sugestões dos alimentos mais alergênicos para teste de provocação oral 44 Alimento Opção para teste Opção de placebo Veículos Leite Leite em pó Farinha de trigo, aveia; fórmula de aminoácidos Fórmulas de arroz ou soja, pudins (sem leite) Ovo Clara desidratada Farinha de milho ou trigo, aveia Purê de batatas, pudins Trigo Farinha de trigo Farinha de arroz, aveia ou cevada Pudins, sucos de frutas, milk shakes Soja Fórmula de soja em pó Farinha de arroz, milho; fórmula hidrolisada Pudins, hidrolisados Amendoim Farelo de amendoim (liquidificador) Farinha de grãos Chocolate, sorvete Reações não mediadas por IgE A identificação do alimento responsável, em casos de reações tardias, é mais difícil. Dietas de restrição com reintrodução gradual de cada alimento são necessárias para se estabelecer o provável antígeno. Se não houver evidências de anticorpos IgE específicos, nem história de reações imediatas e graves (Enterocolite induzida por proteínas), pode-se introduzir os alimentos em casa, com intervalo de 5 a 7 dias entre cada um. Nos casos de reações alguns dias após a ingestão, o procedimento torna-se limitado. Devido às dificuldades em se manter o paciente internado durante dias, perdem-se parâmetros de sintomas como dermatite atópica ou asma. Visitas diárias seriam uma opção, talvez mais viável, para o acompanhamento destes pacientes. 45 Bibliografia Huijbers GB, Colen AA, Jansen JJ, Kardinaal AF, Vlieg-Boerstra BJ, Martens BP. Masking foods for food challenge: practical aspects of masking foods for a double-blind, placebo-controlled food challenge. J Am Diet Assoc 1994; 94:645-49. Niggemann B, Sielaff B, Beyer K, Binder C, Wahn U. Outcome of double-blind, placebo-controlled food challenge tests in 107 children with atopic dermatitis. Clin Exp Allergy 1999; 29:91-6. Rance F, Dutau G. Labial food challenge in children with food allergy. Pediatr Allergy Immunol 1997; 8:41-4. Sicherer SH. Food allergy: when and how to perform oral food challenges. Pediatr Allergy Immunol 1999; 10:226-34. 46 Refluxo gastroesofágico e alergia alimentar: como identificar? Marisa da Silva Laranjeira O refluxo gastroesofágico (RGE) e a alergia à proteína do leite de vaca (APLV) estão entre os distúrbios gastroenterológicos mais freqüentes durante o primeiro ano de vida, e podem ocorrer, simultaneamente, em 16 a 42% dos lactentes. Possuem aspectos comuns relacionados à sintomatologia, à epidemiologia e à história natural. Os sintomas podem estar associados, serem interdependentes ou, ainda, se sobreporem. A alergia à proteína do leite de vaca ocorre em 0,3 a 7,5% dos lactentes, e o refluxo gastroesofágico em 1 a 10 % das crianças na mesma faixa etária. Quanto à história natural, existe recuperação, na maioria dos casos, no segundo ano de vida, embora a associação de 47 doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) grave e alergia ao leite de vaca tenha sido verificada em crianças maiores. Em lactentes, com vômitos recorrentes, uma história clínica detalhada e exame físico minucioso permitem o diagnóstico de refluxo gastroesofágico fisiológico, na ausência de sinais de alerta como, dificuldade de ganho ponderal, irritabilidade, choro excessivo, recusa alimentar, anemia, distúrbios do sono e sintomas respiratórios (Tabela 1). A dificuldade, para diferenciar o refluxo gastroesofágico patológico primário daquele, secundário à alergia à proteína do leite de vaca, ocorre na presença de tais sintomas. Tabela 1 Sinais de alerta para o diagnóstico da doença do refluxo gastroesofágico e/ou alergia ao leite de vaca Sinais de alerta Dificuldade de ganho pondero-estatural Irritabilidade Choro excessivo Recusa alimentar Anemia Distúrbios do sono Sintomas respiratórios 48 Entre os exames complementares, utilizados para o diagnóstico de refluxo gastroesofágico (Tabela 2) associado à alergia à proteína do leite de vaca determinada por reação imune não mediada por IgE, não existe nenhum que possa ser considerado um método padrão-ouro. Tabela 2 Exames complementares para o diagnóstico de refluxo gastroesofágico Exames complementares Indicações EED* Alterações anatômicas Cintilografia esofágica RGE fisiológico e patológico Phmetria esofágica DRGE ácido Endoscopia digestiva alta com biópsia Esofagite de refluxo Impedâncio-phmetria esofágica Registrador espectrofotométrico de 24 horas para avaliar refluxo duodeno-gastro-esofágico RGE ácido e não ácido RGE não ácido Ultrassonografia RGE fisiológico e patológico * EED=RX contrastado de esôfago-estômago-duodeno 49 A cintilografia esofágica avalia o tempo de esvaziamento gástrico, que pode estar aumentado na alergia ao leite de vaca, decorrente do processo inflamatório da mucosa gástrica promovendo uma gastroparesia. No entanto, esta alteração não possibilita o diagnóstico diferencial com a DRGE, já que nesta, além de ocorrer um número aumentado de relaxamentos transitórios do esfíncter esofageano inferior, o esvaziamento gástrico também pode estar lentificado. Alguns estudos demonstraram a presença de um padrão característico na phmetria esofágica, nos lactentes portadores de refluxo gastroesofágico secundário à alergia ao leite de vaca, denominado padrão fásico, que corresponderia à diminuição gradativa do pH esofágico após a alimentação, decorrente da lentidão do esvaziamento gástrico. Esta característica não foi confirmada por estudo posterior. A presença de eosinofilia no fragmento de biópsia do trato gastrintestinal superior de crianças com refluxo gastroesofágico, secundário à alergia à proteína do leite de vaca, não tem comprovação na literatura. Portanto, o diagnóstico da presença da doença 50 do refluxo gastroesofágico e alergia ao leite de vaca é feito por meio de teste terapêutico. Fluxograma para seguimento de lactentes com suspeita de refluxo gastroesofágico e alergia ao leite de vaca Lactentes com vômitos recorrentes ETAPA I: 1- 2 Semanas Medidas dietéticas e posturais Sem melhora ETAPA II: 1-2 Semanas Droga procinética (eficácia discutida) Sem melhora ETAPA III: 1-2 semanas Inibidor de secreção ácida (inibidor de bomba de próton ou antagonista dos receptores H2) Sem melhora + sinais de alerta (Tabela 1) ETAPA IV: 1-2 semanas Fórmula hipoalergênica (hidrolisado protéico) Com melhora Sugere a presença de intolerância à proteína do leite de vaca Sem melhora Endoscopia digestiva com biópsia Phmetria esofágica 51 Etapas para o tratamento de refluxo gastroesofágico a. medidas dietéticas: fórmulas lácteas préespessadas industrialmente ou espessadas domiciliarmente em volumes fracionados espessantes domiciliares industrializados (amido de arroz, milho, aveia) a partir de 3 meses 2,5% (amido de milho, arroz) a partir de 3 meses b. medidas posturais: decúbito semi-elevado a 30-45º, alternando o dorsal com o lateral esquerdo c. drogas procinéticas - domperidona: dose: 0,25 mg/kg/dose 3-4 vezes ao dia - bromoprida: dose: 0,5 - 1 mg/kg/dia 3-4 vezes ao dia d. inibição da secreção ácida - antagonistas dos receptores H2 - Ranitidina 6-8 mg/kg/dia 1-2 vezes ao dia máximo 300 mg 52 - inibidores da bomba de próton - Omeprazol 0,7-3,3 mg/kg/dia 1-2 vezes ao dia - máximo 20-40 mg - Lanzoprazol < 10 kg :7,5 mg dose única; 10-30 kg: 15 mg/dose 1-2 vezes ao dia - Pantoprazol > 6 anos: 0,5-1 mg/kg/dia - outros - Sucralfato 125-250 mg 4vezes ao dia < 7 anos 500 mg 4vezes ao dia > 7 anos Bibliografia Cavataio F, Carroccio A, Iacono G. Milk-induced reflux in infant less than one year of age. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2000; 30:S36-44. Cavataio F, Iacono G, Montalto G, Soresi M, Tumminello M, Campagna P, Notarbartolo A, Carroccio A. Gastroesophageal reflux associated with cow's milk allergy in infants: which diagnostic examinations are useful? Am J Gastroenterol 1996; 91:1215-20. Cavataio F, Iacono G, Montalto G, Soresi M, Tumminello M, Carroccio A. Clinical and pH-metric characteristics of gastroesophageal reflux secondary to cow's milk protein allergy. Arch Dis Child 1996; 75:51-6. 53 Guidelines for evaluation and treatment of gastroesophageal reflux in infants and children: Recommendations of the North American Society for Pediatric Gastroenterology and Nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2001; 32:S1-29. Iacono G, Carroccio A, Cavataio F, Montalto G, Kazmierska I, Lorello D, Soresi M, Notarbartolo A. Gastroesophageal reflux and cow's milk allergy in infants: a prospective study. J Allergy Clin Immunol 1996; 97:822-27. Nielsen RG, Bindslev-Jensen C, Kruse-Andersen S, Husby S. Severe gastro esophageal reflux disease and cow milk hypersensitivity in infants and children: disease association and evaluation of a new challenge procedure. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2004;39:383-91. Nielsen RG, Fernger C, Bindslev-Jensen C, Husby S. Eosinophilia in the upper gastrointestinal tract is not a characteristic feature in cow's milk sensitive gastro-esophageal reflux disease. Measurement by two methodologies. J Clin Pathol. 2006; 59:89-94. Pritchard DS, Baber N, Stephenson T. Should domperidona be used for the treatment of gastro-esophageal reflux in children? Systematic review of randomized controlled trials in children aged 1 month to 11 years old. Br J Clin Pharmacol 2005; 59:725-29. Ravelli AM, Tobanelli P, Volp S, Ugazio AG. Vomiting and gastric motility in infants with cow's milk allergy. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2001; 32:59-64. Salvatore S, Hauser B, Vandenplas Y. The natural course of gastro-esophageal reflux. Acta Paediatr 2004; 93:1063-69. 54 Tratamento medicamentoso Márcia Carvalho Mallozi Na urgência Quando a alergia alimentar (AA) apresentar-se de forma aguda, caracterizando uma anafilaxia, que pode variar de placas vermelhas pruriginosas e confluentes (Urticária Aguda) até ao choque anafilático, o tratamento medicamentoso deverá ser instituído imediatamente. Ingestões acidentais do alimento, previamente conhecido como responsável pelo quadro alérgico, podem ocorrer em casa, no trabalho, na escola ou em um restaurante. Nessa situação, o paciente, seus familiares, professores e amigos devem estar familiarizados com o uso de epinefrina autoinjetável. No Pronto Socorro a aplicação de 55 epinefrina (1:1000) na dose de 0,01 ml/kg de peso, máximo de 0,3 ml por dose, deve ser a conduta inicial. Além disso, medidas de suporte como hidratação, oxigenoterapia e até entubação oro-traqueal para ventilação mecânica são indicadas, sempre que se fizer necessário. Em pacientes que não têm história de asma ou de sintomas anafiláticos, e, nos quais as reações são estritamente confinadas aos sintomas de pele, pode-se administrar antihistamínicos como a Difenidramina, na dose de 1 a 2 mg/kg de peso, no máximo de 75 mg. Tratamento Profilático O tratamento da AA baseia-se em exclusão do alimento da dieta do paciente. Vários autores estudaram drogas que poderiam ser utilizadas no manejo do paciente com AA; dentre elas poderíamos citar o cetotifeno, o cromoglicato dissódico, os antihistamínicos e os glicocorticóides. De modo geral, a resposta terapêutica a estas drogas é insatisfatória. Os pacientes com síndrome da alergia oral parecem responder de modo satisfatório aos antihistamínicos, desde que os sintomas não incluam edema de laringe e asthma. 56 Os antiinflamatórios, como os glicocorticóides, podem ser úteis no tratamento da esofagite eosinofílica e da gastroenterite eosinofílica. Novas terapias para a AA mediada por IgE têm sido estudadas. A injeção de Anti-IgE mostrou algum benefício num grupo reduzido de pacientes. Estratégias imunoterápicas têm sido propostas para o controle desses pacientes, mas ainda são necessários estudos para sua confirmação. 57 Bibliografia Hoffman KM, Sampson HA. Evaluation and management of patients with adverse food reactions. In: Bierman CW, Pearlman DS, Shapiro GG, Busse WW. Allergy, Asthma, and Immunology From Infancy to Adulthood 3rd ed. Philadelphia, 1996. p 665-86. Sicherer SH, Sampson HA. Food Allergy. J Allergy Clin Immunol 2006; 117:S470-75. 58 Terapia Nutricional e Prevenção Roseli Oselka Saccardo Sarni Fabíola Isabel Suano de Souza Tânia Regina Beraldo Battistini O princípio básico do tratamento das alergias alimentares é a terapia nutricional, que envolve a exclusão do(s) alérgeno(s) alimentares, e a substituição por alimentos que não ocasionem manifestações alérgicas e que supram, na composição da dieta, todas as necessidades nutricionais do paciente. O planejamento da terapia nutricional deve contemplar uma avaliação criteriosa da condição nutricional incluindo levantamento da ingestão alimentar e observação de eventuais transgressões à orientação referente à exclusão da proteína 59 desencadeadora da alergia. Outro aspecto importante para o sucesso da terapia nutricional diz respeito à orientação da família quanto à interpretação da rotulagem dos alimentos assim, podemos exemplificar, em relação à alergia a proteína do leite de vaca que, no rótulo de determinado alimento, podem aparecer termos como: caseína, caseinato, proteínas do soro, entre outros que em outras palavras significam presença de componentes do leite de vaca. Há diversidade de conduta, a respeito da terapia nutricional, proposta pela Academia Americana de Pediatria e a Sociedade Européia de Alergia e Imunologia (ESPACI) e a Sociedade Européia de Gastroenterologia e Nutrição (ESPGHAN). (Quadro 1) 60 Quadro 1 Terapia nutricional das alergias alimentares em crianças ESPACI/ ESPGHAN, 1999 Parâmetro AAP, 2000 Crianças com história confirmada de AA Completa exclusão do alimento responsável Completa exclusão do alimento responsável Crianças com AA em aleitamento materno exclusivo 1) Estudos propondo manutenção do aleitamento e restrição à mãe de LV, ovo, peixe, castanhas e amendoins 2) Uso de fórmula hipoalergênica e se os sintomas persistirem fórmula L-aminoácidos ou fórmula de soja (se IgE mediada), ou como tratamento inicial ou após 6 meses de idade Evitar o alimento causador durante a lactação Crianças com AA não amamentadas IgE mediadas (crianças acima de 6 meses) - fórmulas de soja; não IgE mediadas, ou IgE mediadas em crianças menores de 6 meses - uso de fórmula extensamente hidrolisada e se os sintomas persistirem fórmula de L-aminoácidos. Benefícios seriam observados após 2-4 semanas e as fórmulas mantidas até 1 ano de idade Uso de fórmula hipoalergênica baseada em proteína extensamente hidrolisada ou, em algumas situações, fórmulas L-aminoácidos Evitar leite de cabra e ovelha em AA a leite de vaca Sim Sim Uso de fórmula extensamente hidrolisada (peptídeos), se os sintomas persistirem fórmula L-aminoácidos Uso de fórmula extensamente hidrolisada (peptídeos) ou de Laminoácidos sem lactose e com TCM até recuperação da função intestinal Crianças com AA apresentando enteropatia com má-absorção AA = alergia alimentar; LV = leite de vaca;TCM = triglicérides de cadeia média Fonte: modificado de Zeiger RS. Pediatrics 2003;111:1662-71. 61 O tempo da dieta de exclusão depende da condição clínica e nutricional da criança, do alimento envolvido, da idade do diagnóstico e da história familiar de atopia. Os testes de provocação ou de desencadeamento oral anteriormente abordados, são os únicos métodos fidedignos para se estabelecer uma relação causaefeito entre o alimento e as reações clínicas apresentadas. A maioria das crianças com alergia à proteína do leite de vaca torna-se tolerante ao alimento, que lhes causava alergia, após os três anos de idade; para outros alimentos como amendoim, nozes, peixes e frutos do mar há maior probabilidade de persistência para o resto da vida. A exclusão completa dos alérgenos da dieta da criança, por um determinado período de tempo, é tarefa extremamente complexa, sendo fundamental no seu planejamento, a atuação em equipe interdisciplinar. São metas importantes a serem obtidas: 1. Conhecimento detalhado da alimentação da criança a fim de identificar e corrigir, precocemente, inadequações; tanto em relação a transgressões quanto a dietas muito restritivas, que podem levar ao desenvolvimento de carências 62 nutricionais; 2. Orientação e educação dos pais e cuidadores quanto à importância da exclusão completa do alimento, que contém o alérgeno e de seus derivados, fornecimento de uma lista de alimentos adequados e proibidos (com possíveis substituições), orientação quanto à leitura cuidadosa dos rótulos, não apenas de alimentos industrializados como de outros produtos, por exemplo, cosméticos (xampus e cremes contendo leite em situações de alergia a esse alimento), informação a respeito de termos sinônimos presentes no rótulo e a orientação quanto às preparações caseiras (risco de contaminação dos alimentos, por uso de instrumentos culinários compartilhados); 3. Avaliação clínica e seguimento da condição nutricional: o desaparecimento dos sintomas e o crescimento e desenvolvimento adequados são parâmetros fundamentais para o sucesso da terapia nutricional. Vale lembrar que os lactentes, faixa etária de maior prevalência da APLV, apresentam acentuado crescimento pondero-estatural, sendo, portanto, mais vulneráveis a agravos da condição nutricional em situações de orientação nutricional inadequada. 63 As fórmulas disponíveis e que podem ser indicadas na terapia nutricional de crianças portadoras de APLV são: a. Fórmulas à base de proteína isolada de soja (Anexo 1): São indicadas nas formas IgE mediadas. Face a riscos atribuídos à soja, recentemente, o Comitê de Nutrição da ESPGHAN publicou um artigo científico salientando a utilização criteriosa das fórmulas infantis contendo esta proteína, tendo em vista: maior conteúdo de proteína comparativamente às fórmulas à base de leite de vaca; baixo conteúdo de carnitina; presença de fitatos (1 a 2%) reduzindo a biodisponibilidade de minerais; interferência do glicopeptídeo da soja no metabolismo do iodo; maior conteúdo de alumínio, tendo em vista o maior processamento e a presença de fitoestrógenos (isoflavonas genisteína e daidzeína) relacionados a comprometimento da função neuroendócrina em estudos realizados em animais de experimentação, não havendo disponibilidade, na literatura, de publicações avaliando a segurança do uso crônico em humanos. Entretanto, devido aos bons resultados nas formas de APLV IgE mediadas e seu baixo custo, comparativamente às fórmulas extensamente hidrolisadas e de L-aminoácidos, 64 são as mais amplamente utilizadas nessas formas de alergia alimentar. b. F ó r m u l a s à b a s e d e p r o t e í n a extensamente hidrolisada (Anexos 2 e 3): Composta por peptídeos e aminoácidos livres obtidos por meio de processos enzimáticos e de ultrafiltração. São fórmulas hipoalergênicas conceituadas pela AAP como aquelas incapazes de causar reações alérgicas em até 90% das crianças com APLV, comprovação esta realizada em testes de provocação duplo-cego controlados com placebo, em estudos prospectivos e randomizados. Assim, não são recomendadas as fórmulas parcialmente hidrolisadas com finalidade terapêutica. De acordo com o posicionamento das sociedades européias (ESPACI e ESPGHAN) estas fórmulas são indicadas como primeira escolha em todas as formas de alergia. Após avaliação criteriosa e transcorridas 6 a 8 semanas (formas não mediadas por IgE) de sua utilização há possibilidade de desencadeamento, dependendo da avaliação clínica e da condição nutricional, para fórmulas à base de proteína isolada da soja. É baixa a prevalência (em torno de 5%) de crianças que demonstram reações alérgicas às fórmulas extensamente hidrolisadas. 65 c. Fórmulas à base de L-aminoácidos (Anexos 2 e 3): São as únicas consideradas não alergênicas e devem ser utilizadas em situações em que não houve melhora dos sintomas após 6 a 8 semanas da exclusão da proteína do leite de vaca com uso de fórmula extensamente hidrolisada, em pacientes com atrofia vilositária grave associada a déficit de crescimento ou em casos de alergia alimentar múltipla. Com a melhora dos sinais clínicos e evolução pondero-estatural favorável pode ser tentada a re-exposição a formula extensamente hidrolisada, após 6 a 8 semanas do uso da fórmula de L- aminoácidos. Importante lembrar que, durante a fase de adaptação ao sabor da fórmula introduzida, pode haver baixa ingestão sendo fundamental o monitoramento da condição nutricional, em períodos mais curtos. Se necessário podem ser introduzidos módulos (triglicérides de cadeia média, polímeros de glicose entre outros principalmente em crianças com comprometimento da função digestivo-absortiva). A introdução da alimentação complementar deve ser criteriosa nas crianças portadoras de alergias alimentares, sempre respeitando a história familiar positiva para atopias e evitando-se, a 66 princípio, alimentos com maior potencial alergênico. Outro aspecto importante é a introdução gradativa (um de cada vez), observando-se, com rigor, os possíveis sinais e sintomas e a evolução pondero-estatural. Alimentos como ovo, nozes, amendoim, peixes e frutos do mar só devem ser introduzidos, em crianças com risco familiar, após os dois anos de vida. Em crianças com APLV apresentando má evolução com a terapia nutricional adequada, investigar possíveis transgressões e considerar a possibilidade de reações alérgicas a outros alimentos. Em estudo avaliando crianças com APLV e má evolução observou-se em 73% dos casos, pelo método do desencadeamento aberto, a associação com alergia a cereais à base de trigo. Outra observação interessante refere-se a frutas, que apresentam antígenos semelhantes ao látex (síndrome látex-fruta), como banana, abacate, castanha, papaia e kiwi e que podem desencadear reações alérgicas. Vale ressaltar que estudos epidemiológicos, em estados membros da Comunidade Européia e EUA, revelaram que 2 a 5 % dos profissionais de saúde são portadores de alergia ao látex e, destes, 50% apresentam, também, alergia alimentar. 67 O tratamento adequado das alergias alimentares é determinante no desaparecimento dos sintomas a curto e longo prazo, além de influenciar os mecanismos de tolerância que vão garantir, na maioria das vezes, a cura da doença. Por sua vez, a utilização de dietas inadequadas e as transgressões podem levar ao prolongamento dos sintomas, desnutrição, comprometimento do desenvolvimento e aumento do risco de morbimortalidade. Frente a isso é fundamental a conscientização da família e dos cuidadores, com respeito à adesão ao tratamento, e a conduta correta dos profissionais de saúde visando o adequado estabelecimento das orientações nutricionais preconizadas com benefícios indiscutíveis à saúde e qualidade de vida das crianças acometidas por alergia alimentar. No anexo 5 ilustramos com algumas situações clínicas frequentes em alergia alimentar. Prevenção A prevenção primária das alergias alimentares é de fundamental importância e deve ser considerada em crianças com pais ou irmãos apresentando história, devidamente comprovada, de atopia (rinite alérgica, dermatite atópica, asma e/ou alergia alimentar). O aleitamento materno exclusivo até os seis meses deve ser 68 exaustivamente incentivado como medida eficaz de prevenção primária de alergia. A interrupção precoce do aleitamento materno com introdução de alimentos sólidos, antes dos 4 meses, tem sido apontada como fator de risco relevante no desenvolvimento de doenças alérgicas, especialmente, em crianças com alto risco familiar. O Quadro 2 compara as recomendações (relativas aos aspectos nutricionais) da Academia Americana de Pediatria (AAP) e das sociedades européias de alergia e imunologia (ESPACI) e de gastroenterologia, hepatologia e nutrição (ESPGHAN) visando a prevenção de alergias alimentares em crianças. 69 Quadro 2 Prevenção das alergias alimentares em crianças Parâmetro AAP, 2000 ESPACI/ ESPGHAN, 1999 Crianças de risco elevado para o desenvolvimento de alergia Sim: ambos os pais; ou pai ou mãe e um irmão Sim: pai ou mãe ou irmão Dieta de exclusão na gestante Não recomendada, considerar exclusão do amendoim Não recomendada Aleitamento materno exclusivo 6 meses 4 a 6 meses Dieta de exclusão durante a lactação Eliminar amendoins e castanhas (considerar LV, ovo e peixe) Não recomendada a exclusão Suplementação de cálcio e vitaminas durante dieta materna de exclusão Sim para prevenir deficiências nutricionais Não é discutida Utilizar fórmulas de soja Não Não Fórmulas hipoalergênicas para suplementação em crianças de alto risco que não estão em aleitamento materno exclusivo Sim. Uso de fórmulas parcialmente (Anexo 2) ou extensamente hidrolisadas Sim. Uso de fórmulas com hipoalergenicidade comprovada Atraso na introdução de alimentos sólidos Iniciar os menos alergênicos a partir dos 6 meses, leite de vaca aos 12 meses, ovos 24 meses e peixe aos 36 meses Iniciar no quinto mês de vida Fonte: modificado de Zeiger RS. Pediatrics. 2003; 111:1662-71. 70 Terapia nutricional para pacientes maiores de dois anos, com alergia à proteína do leite de vaca Glauce Hiromi Yonamine Em crianças maiores de 2 anos, o leite de vaca pode ser substituído por fórmulas infantis/bebidas à base de soja (Anexo 4) ou fórmulas hidrolisadas (semi-elementar ou elementar) de acordo com o estado nutricional e as manifestações clínicas. Como as bebidas à base de soja não atendem às recomendações do Codex Alimentarius (FAO/OMS), é apropriado escolher aquelas com composição nutricional equivalente ao leite de vaca, para prevenir deficiências nutricionais. Se a criança não receber um substituto adequado, deve-se suplementar com cálcio e avaliar se os demais nutrientes são obtidos pela alimentação. Devem ser excluídos todos os produtos industrializados que contenham leite e derivados, inclusive cosméticos e medicamentos. Para isso, é fundamental a leitura cuidadosa de todos os rótulos e o conhecimento de termos que signifiquem leite, como caseína, caseinato, lactose e proteína do soro. Em caso de dúvidas, os pais devem ser instruídos a entrar em contato com o fabricante. 71 Além disso, é importante a orientação quanto à prevenção de contaminação cruzada durante o armazenamento dos alimentos, o preparo das refeições e o compartilhamento de utensílios. O paciente deve ser acompanhado quanto ao seguimento da dieta, consumo alimentar e estado nutricional. O auxílio no planejamento das refeições, pelo fornecimento de listas de substitutos adequados, receitas ou adaptação de preparações da família, previne a monotonia alimentar e aumenta a adesão ao tratamento. Na maioria dos casos, a criança não deve ser privada do contato social, entretanto, deve haver orientação quanto aos cuidados na escola, em restaurantes, viagens, festas ou visitas em casas de parentes e amigos. 72 Terapia nutricional em crianças com alergias múltiplas Glauce Hiromi Yonamine Geralmente há grande dificuldade em se determinar os alérgenos responsáveis em situações de alergias múltiplas. Os instrumentos que auxiliam na confirmação do diagnóstico são: história alimentar cuidadosa e detalhada, diário alimentar com anotação das reações observadas, dietas de eliminação e provocação oral. Os pacientes com alergias múltiplas estão em risco nutricional, sendo essencial o monitoramento do consumo alimentar e do estado nutricional. Para cada alimento ou grupo de alimentos excluídos, deve-se avaliar os riscos de deficiência de macro e micronutrientes, tanto para a criança quanto para a lactante, que também deverá ser submetida à dieta de exclusão em situações de manutenção do aleitamento materno. Vale ressaltar que a restrição sem orientação adequada pode comprometer seriamente o estado nutricional (Anexo 5). O tratamento envolve educação nutricional dos responsáveis e orientações sobre alternativas alimentares para garantir uma alimentação variada, desencorajando a mãe a restringir 73 alimentos, sem necessidade. Sempre que necessário, deve-se realizar suplementação de micronutrientes para atender às necessidades nutricionais. Quando a dieta for muito restrita, houver baixa adesão ou grave comprometimento nutricional é recomendado o uso de fórmula hidrolisada semielementar ou elementar por via oral ou se necessário, administrada por sondas. Bibliografia Arvola T, Holmberg-Marttila D. 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Host A, Koletzko B, Dreborg S, Muraro A, Wahn U, Aggett P, Bresson JL, Hernell O, Lafeber H, Michaelsen KF, Micheli JL, Rigo J, Weaver L, Heymans H, Strobel S, Vandenplas Y. Dietary products used in infants for treatment and prevention of food allergy. Joint Statement of the European Society for Paediatric Allergology and Clinical Immunology (ESPACI) Committee on Hypoallergenic Formulas and the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN) Committee on Nutrition. Arch Dis Child 1999; 81:80-4. Kanny G, Moneret-Vautrin DA, Flabbee J, Hatahet R, Virion JM, Morisset M, Guenard L. Use of an amino-acid-based formula in the treatment of cow's milk protein allergy and multiple food allergy syndrome. Allerg Immunol 2002; 34:82-4. Mofidi S. Nutritional management of pediatric food hypersensitivity. Pediatrics 2003; 111:1645-53. Muñoz-Furlong A. Daily coping strategies for patients and their families. Pediatrics 2003; 111:1654-61. 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Pediatrics 2003;111:1662-71. 75 Anexos Fabíola Isabel Suano de Souza Glauce Hiromi Yonamine Joice de Martino Benedini Tânia Regina Beraldo Battistini 77 Anexo 1 Fórmulas infantis contendo proteína isoladade soja para crianças menores de um ano 78 79 Anexo 2 Fórmulas parcialmente, extensamente hidrolisadas (semi elementares) e a base de aminoácidos (elementares) para crianças menores de um ano 80 81 * Fórmula parcialmente hidrolisada que pode ser utilizada na prevenção em crianças de alto risco para alergia segundo a Academia Americana de Pediatria (Quadro 2 da página 70) Anexo 3 Fórmulas extensamente hidrolisadas (semi-elementares) e à base de aminoácidos (elementares) para crianças maiores de um ano 82 83 Anexo 4 Bebidas e alimentos a base de proteína de soja 84 85 39 3,4 2,5 1,7 10,4 0,4 60,5 45 0,375 3,4 0,18 30 Energia, kcal Carboidratos, g Proteínas, g Gorduras totais, g Cálcio, mg Ferro, mg Sódio, mg Vitamina A, mcg Vitamina D, mcg Vitamina C, mg Vitamina B12, mcg Ácido fólico, mcg * CS = colher de sopa Preparo (p/ 100ml água) Energia, kcal Carboidratos, g Proteínas, g Gorduras totais, g Cálcio, mg Ferro, mg Sódio, mg Nome Comercial Ades Original ® Nome Comercial 40 2,5 2,5 1,75 11 0,4 35 Batavo Original ® 40 2,5 2,5 1,75 12,5 0,4 42,5 60 0,75 Purity Original ® 1 CS rasa (10g) 45,5 2,55 4,1 2,1 1,21 0,5 1,7 Extrato de soja Natus ® 40 4,5 2,5 1,5 9 0,25 22,5 45 6 2,5 1,25 7,5 0,4 40 Soy ® Original 21 Extrato de soja Mais Vita ® 1 CS (10g) 41,3 2,8 4,3 1,5 Splitz Original ® Extrato de soja Mãe Terra ® 1 CS (10g) 46,6 2,6 4 2 12 0,5 0 COMPOSIÇÃO CENTENSIMAL DE EXTRATOS DE SOJA 28 0,7 2,5 1,7 10,4 0,4 60,5 45 0,375 3,4 0,18 30 Ades Light ® COMPOSIÇÃO CENTESIMAL DAS BEBIDAS À BASE DE SOJA 86 Energia, kcal Carboidratos, g Proteínas, g Gorduras totais, g Cálcio, mg Ferro, mg Sódio, mg Vitamina A, mcg RE Vitamina D, mcg Nome Comercial Energia, kcal Carboidratos, g Proteínas, g Gorduras totais, g Fibra alimentar, g Cálcio, mg Ferro, mg Sódio, mg Vitamina C, mg Vitamina A, mcg RE Vitamina D, mcg Nome Comercial Leite de soja Líder ® 45 6 2,5 1,25 <0,5 60 0,4 40 17,5 60 0,75 Suco Cyclus ® (Pêra) 52,5 12,5 0,5 0 60 75 48,5 12 Suco Vig Turma ® COMPOSIÇÃO CENTESIMAL DE SUCOS ENRIQUECIDOS COM CÁLCIO Ades ® Yofresh (Batido) 65 10,5 2,5 1,75 1,5 120 0,7 50 4,5 60 0,38 Batavo ® Suco + soja (maçã) 46,5 11 0,6 0 75 60 0,375 41,5 4,15 2,75 1,55 0 104 0,65 59,5 Leco ® Soja Original COMPOSIÇÃO CENTESIMAL DE BEBIDAS À BASE DE SOJA ENRIQUECIDAS COM CÁLCIO 87 1,5 CS cheia (15g) p/ 100ml 75 6,5 3,5 3,5 138,5 1,9 15 4 49,85 1,75 87 37,5 0,2 1,5 0,2 26,5 0,15 Preparo & * CS = colher de sopa Proteína isolada de soja Energia, kcal Carboidratos, g Proteínas, g Gorduras totais, g Cálcio, mg Ferro, mg Sódio, mg Vitamina C, mg Vitamina A, mcg RE Vitamina D, mcg Fósforo, mg Magnésio, mg Potássio, mg Zinco, mg Tiamina, mg Ácido fólico, mcg Vitamina B12, mcg Soymilke ® 1,5 CS cheia (17,5g) p/ 100ml 80 10 3 3 124 2,5 0 7 81,5 1,5 47 36 0,3 2 0,15 10 0,15 Soymilke ® saborizados 0,25 60 5,5 4 2 120 0 15 9 120 1,5 CS (13g) p/ 100ml Soymilke ® ômega 1CS(13g) água p/ 100ml 63,5 5,16 3,3 3,3 109,4 1,04 60,78 1,07 116,7 1,79 109,4 9,97 170,3 1,05 0,015 6,44 0,435 & SupraSoy ® sem lactose 0,12 30 0,15 128,1 100 9,5 2,5 1,5 120 0,75 18 4,5 90 0,38 1 CS (15g) p/100ml SoyNatus ® COMPOSIÇÃO CENTESIMAL DE ALIMENTOS A BASE DE SOJA ENRIQUECOS COM CÁLCIO Nome Comercial 0,05 12 0,06 55 9,5 1,5 0,75 126,5 0,385 0 1,8 36 0,15 15g Soymix ® Anexo 5 Exemplos de práticas inapropriadas freqüentes na orientação à crianças portadoras de alergia alimentar 88 Exemplo 1 Criança com 10 meses, bebê chiador, sexo masculino, portador de alergia a proteína do leite de vaca IgE mediada, com desnutrição moderada, em uso de bebida a base de soja em substituição ao leite de vaca. Ingestão Alimentar (dia habitual): Refeição Café da manhã Lanche da manhã Almoço Alimento Bebida a base de soja original Banana Arroz Caldo de feijão Batata cozida Carne moída Bebida a base de soja original Bolacha salgada (cream cracker ) Sopa de legumes com carne industrializada Bebida a base de soja original Bebida a base de soja original Lanche da tarde Jantar Lanche da noite 1 Lanche da noite 2 Quantidade 240 mL 1 unidade média 1 colher das de sopa 1 colher das de sopa 1 unidade pequena 1 colher das de sopa 240 mL 2 unidades 1 prato fundo 240 mL 240 mL Cálculo da ingestão e adequação em relação às recomendações nutricionais Nutrientes Energia, Kcal Proteína, g (%VCT*) Lipídio, g (%VCT) Carboidrato, g (%VCT) Cálcio, mg Ferro, mg Zinco, mg Vit A, mcg RE Vit C, mg Vit E, α-TE Consumo 690,2 29,7 (13,5) 20,5 (20,5) 145,0 (65,6) 43,8 2,6 1,5 354,2 68,6 6,2 %Adequação ** 106,2 228,8 10,9 43,7 30,0 94,4 228,7 207,3 *VCT= Valor calórico total ** Percentual de adequação segundo a RDA (Recommended Dietary Allowance) Comentários: O uso de bebidas a base de soja é inapropriado para a criança em questão devido às suas inadequações nutricionais, destacando-se seu baixo valor calórico, que deve ter contribuído para a condição de desnutrição da criança. Apesar 89 do consumo de proteínas ser superior ao recomendado, a fonte protéica da bebida (extrato de soja) é inadequada em relação ao perfil de aminoácidos, o que pode levar a prejuízo do crescimento. Além disso, é importante ressaltar o baixo conteúdo de cálcio desse tipo de bebida, que fica muito aquém das recomendações para a idade. Neste caso, então, estaria indicado o uso de fórmula infantil à base de soja devido à melhor adequação de calorias, macro e micronutrientes, além de tratar-se de uma fórmula com proteína isolada, portanto com menor potencial alergênico. Também é importante orientar a mãe quanto ao restante da alimentação, especialmente em relação ao maior consumo de carnes e vísceras, que contêm ferro de boa biodisponibilidade e são fonte de outros nutrientes importantes, como o zinco. Deve ser estimulado, também, o consumo de verduras, legumes e frutas visando aumentar a ingestão de vitaminas e minerais. Deve-se dar preferência à refeição salgada no almoço e jantar (em substituição à sopa) e pode-se utilizar módulos de carboidratos (polímeros de glicose) ou de gordura (óleo de girassol ou de milho) acrescidos à dieta da criança; para melhorar a oferta de calorias, tendo em vista a recuperação nutricional. 90 Exemplo 2 Criança com 1 ano e 10 meses, sexo feminino, portadora de gastroenteropatia eosinofílica por alergia a proteína do leite de vaca, recebendo dieta isenta de leite e derivados desde os 8 meses, ainda eutrófica, mas com desaceleração importante da curva de peso/idade e estatura para idade. Ingestão Alimentar (dia habitual): Refeição Café da manhã Lanche da manhã Almoço Lanche da tarde Jantar Lanche da noite Alimento Bebida a base de soja original Achocolatado Pão francês Geléia de morango Bebida a base de soja original Bolacha salgada (cream cracker) Arroz Feijão Salsicha de frango cozida Tomate Alface Bebida a base de soja original Maça Macarrão instantâneo Croquete de frango frito Chá erva doce com açúcar Quantidade 240 mL 1 colher de sobremesa 1 unidade 3 pontas de faca 240 mL 3 unidades 1 colher das de sopa 1 coher das de sobremesa 1 unidade 2 rodelas 1 folha 240 mL 1 unidade média ½ pacote 3 unidades 1 xícara de chá Cálculo da ingestão e adequação em relação às recomendações nutricionais Nutrientes Consumo %Adequação** Energia, Kcal 1357,9 104,5 Proteína, g (%VCT*) 36,7 (10,3) 229,7 Lipídio, g (%VCT) 51,4 (32,3) 23,4 Carboidrato, g (%VCT) 205,8 (57,5) 58,4 Cálcio, mg 130,7 16,3 Ferro, mg 5,3 52,7 Zinco, mg 1,4 13,9 Vit A, mcg RE 221,1 52,8 Vit C, mg 94,7 236,7 Vit E, α-TE 7,2 120,0 *VCT= Valor calórico total ** Percentual de adequação segundo a RDA (Recommended Dietary Allowance) Comentários: Além dos aspectos observados no exemplo 91 anterior, é importante salientar que a inadequação dietética em crianças com alergia alimentar pode levar a quadros de desaceleração do ganho de peso e do crescimento estatural, mesmo em crianças pequenas, especialmente quando há manifestações gastrintestinais, como a síndrome de má-absorção. Na criança em questão está indicado o uso de fórmula extensamente hidrolisada (semi-elementar) uma vez que há lesão do trato gastrintestinal e evolução pônderoestatural desfavorável (ao menos na fase inicial). É importante, também a orientação quanto a oferta adequada de carnes (2 porções/dia), verduras e legumes (3 porções/dia) e frutas (3 a 4 porções/dia), que contêm micronutrientes fundamentais para o adequado crescimento. A orientação da família quanto à leitura dos rótulos é passo primordial do tratamento. No caso relatado, por exemplo havia ingestão de achocolatado, que dependendo do tipo e marca pode conter leite. 92 Exemplo 3 Menino de 2 anos e 10 meses, com baixa estatura, com alergia múltipla (leite de vaca, soja e leguminosas, ovo e látex) e com dermatite atópica grave. Em uso de terapia imunossupressora há 2 meses (ciclosporina). Ingestão Alimentar (dia habitual): Refeição Café da manhã Lanche de escola Almoço (macarronada) Lanche da tarde Jantar Lanche da noite Alimento Chá mate Bolacha salgada Geléia de uva Suco de laranja artificial Salgadinho de milho Macarrão Molho de tomate Salsicha cozida e picada Suco de maracujá Pão francês Presunto Arroz Empanado de frango frito Alface Chá de erva-doce Açúcar Quantidade 1 copo americano 3 unidades 3 pontas de faca 200 mL 1 pacote pequeno 1 ½ escumadeira 2 colheres das de sopa 1 unidade 1 copo americano ½ unidade 1 fatia 1 colher das de sopa 3 unidades 2 folhas 1 xícara das de chá 1 colher das de chá Cálculo da ingestão e adequação em relação às recomendações nutricionais Nutrientes Consumo %Adequação** Energia, Kcal 1293,5 99,5 Proteína, g (%VCT*) 33,9 (10,4) 211,9 Lipídio, g (%VCT) 54,5 (41,1) 31,6 Carboidrato, g (%VCT) 157,7 (48,5) 47,5 Cálcio, mg 163,1 20,4 Ferro, mg 3,7 33,2 Zinco, mg 1,5 15,4 Vit A, mcg RE 5,9 1,5 Vit C, mg 32,6 81,5 Vit E, α-TE 5,5 92,3 *VCT= Valor calórico total ** Percentual de adequação segundo a RDA (Recommended Dietary Allowance) Comentários: A dieta apresenta uma série de transgressões: macarrão (ovo), a salsicha (soja), presunto (soja) e 93 empanado de frango frito (leite, ovo, soja); além do uso de uma série de alimentos industrializados com corantes e conservantes. O primeiro passo seria garantir realmente a exclusão dos alimentos não permitidos. Para isso, é fundamental orientar a mãe quanto à leitura dos rótulos e identificação de todos os ingredientes contidos no produto. Em dietas muito restritas, como as de crianças com alergias alimentares múltiplas, é interessante que a mãe aprenda receitas de preparações e opções de substituição que ela possa utilizar em casa, garantindo, com certeza, a exclusão dos alimentos envolvidos no quadro alérgico, sem prejuízo nutricional. A criança em questão tem baixa estatura, que pode ser resultado do quadro de alergia alimentar associado às inadequações nutricionais em longo prazo. Neste caso está indicado o uso de fórmula extensamente hidrolisada ou elementar no intuito de melhorar o fornecimento de nutrientes necessários ao seu adequado crescimento e desenvolvimento. Importante lembrar que muitas vezes o volume ingerido dessas fórmulas pode ser pequeno durante a adaptação ao sabor e por isso essas crianças precisam ser acompanhadas com freqüência quanto à sua condição nutricional e ingestão dietética, para correção precoce de possíveis inadequações. 94 Bibliografia Recommended Dietary Allowances. Subcommittee on the Tenth Edition of the RDAs Food and Nutrition Board Commission on Life Sciences National Research Council National Academy Press, 10th Edition. Washington, D.C. 1989. 95 esta página será confirmada após a definição do papel Esta edição foi produzida na primavera de 2006, em São Paulo SP Brasil. Para composição foram utilizandas as fontes Times New Roman 10,5 e Trebuchet MS 14,0, sobre papel Polen Rustic Areia 90 g/m2
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