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SISTEMA SCLIAR DE ALFABETIZAÇÃO Fundamentos Leonor Scliar-Cabral Florianópolis, 2012 Editora Lili SISTEMA SCLIAR DE ALFABETIZAÇÃO FUNDAMENTOS Leonor Scliar-Cabral Florianópolis, 2012 Editora Lili Ficha técnica / ficha catalográfica Professor e professora, Apesar de todos os esforços e empenho, o índice de analfabetismo funcional no Brasil ainda é muito alto. Você está consciente disso e mais ansioso do que ninguém para que seus alunos aprendam a ler de modo a compreender os textos que circulam a sua volta, sejam eles o material escolar, jornais, livros, poemas, avisos, instruções ou informações no computador; e a também redigir para que se façam entender quando tiverem que enviar uma carta ou prestar um exame para conseguir um emprego, ou para entrar na universidade. Uma das explicações para estes altos índices de analfabetismo funcional é que o país carece de materiais alinhados com as descobertas avançadas das neurociências. O Sistema Scliar de Alfabetização vem prencher esta lacuna. Ele foi desenvolvido para ajudar a prevenir o analfabetismo funcional, na convicção de que isso só será possível se a batalha começar no início da aprendizagem da leitura e da escrita, mais precisamente, na alfabetização. Você, caro professor, e os educadores envolvidos com este desafio encontrarão nos Fundamentos informação sólida e atualizada nos tópicos que se referem à linguagem verbal oral e escrita e seu processamento, bem como as bases para a alfabetização para o letramento. O material pedagógico fundamentado em tais tópicos compreende o livro do aluno Aventuras de Vivi (SCLIAR-CABRAL, 2012) e o livro do professor Sistema Scliar de Alfabetização – Roteiros para o professor: 1º Ano (SCLIAR-CABRAL, 2013). Os livros do aluno e respectivos roteiros para o professor, para o segundo e terceiro anos, quando se completa a alfabetização, estarão disponíveis até o final de 2013. Afinal, é bom saber o que se faz, por que se faz e como se faz! Com tal fundamentação, você estará mais seguro para realizar as práticas em classe e organizar com eficiência seu plano de aulas. Ao ler e refletir sobre os fundamentos, você: 1. obterá melhores resultados com seus alunos. Eles se sentirão mais confiantes, desenvolvendo o gosto pela leitura e pela escrita; 2. entenderá melhor as dificuldades de seus alunos e saberá como contorná-las; 3. saberá em que foi baseado o material de qualidade com o qual trabalhará em sala aula e quais as mais recentes teorias e pesquisas sobre leitura, conhecendo para o que serve cada atividade e como deve ser aplicada; 4. desenvolverá sua capacidade de aproveitar todas as oportunidades para consolidar a unidade que será trabalhada, bem como enriquecerá o aprendizado com suas próprias contribuições. 5. entenderá por que, na presente etapa, a ênfase é para com a leitura, sem descurar a produção textual. Todo o material já foi testado e aprimorado. Gostaria de registrar as valiosas contribuições de Ana Cláudia de Souza, Mariléia Silva dos Reis e Otilia Lizete de Oliveira Martins Heinig, que muito ajudaram no aperfeiçamento dos conceitos e práticas aqui desenvolvidos. Boa leitura! Leonor Scliar-Cabral Sumário 1. Introdução 2. Analfabetismo funcional, desafio para a escola 3. As neurociências na alfabetização e leitura 4. Desenvolvimento da língua verbal oral 5. Fundamentos da alfabetização integral e integrada 6. Métodos de alfabetização 7. As principais dificuldades na alfabetização 8. Outras dificuldades na alfabetização 9. A leitura e o sistema alfabético do português brasileiro 10. Critérios para a introdução dos grafemas 11. Como escolher o grafema para as atividades de ensino-aprendizagem 12. Quadro fonêmico das consoantes e das vogais do PB 13. Valores atribuídos aos grafemas, independentes do contexto grafêmico 14. Valores dos grafemas, dependentes do contexto escrito 15. Letras M m - N n em final de sílaba interna para nasalizar a vogal precedente e, em final de vocábulo, depois de E e - A a, nasalizando e ditongando 16. Valores de C c - G g - Q q antes das vogais posteriores 17. Os dois valores do grafema R r dependentes do contexto grafêmico - o único valor do grafema RR rr 18. Valores previsíveis e imprevisíveis do grafema X x Anexos Gabarito das avaliações de aprendizagem, com comentários Referências Bibliográficas Figuras e Quadros Figura 1. Visão moderna das redes corticais da leitura (adaptação a partir de DEHAENE, 2012, p. 78) Quadro 1. Quadro fonêmico das consoantes do PB Quadro 2. Quadro fonêmico das vogais do PB Quadro 3. Valores dos grafemas, independentes do contexto Quadro 4. Valores dos grafemas em início de vocábulo e de sílaba interna, entre letras que representam vogais Quadro 5. Valores em início de sílaba dos grafemas s depois de n, l, r; de r depois de n, l, s; de x depois de n, ei, ou, ai Quadro 6. Valores dos grafemas em final de vocábulo e de sílaba interna Quadro 7. Letras que nasalizam as vogais em final de sílaba interna e de vocábulo (com ditongação opcional) Quadro 8. Exemplos dos valores dos grafemas c, g, q, seguidos de grafemas que representam as vogais posteriores ou a semivogal /w/ Quadro 9. Exemplos dos valores dos grafemas c, sc, xc, g e grafemas (dígrafos) gu e qu, seguidos de grafemas que representam as vogais não posteriores 1. Introdução Ícone objetivos Neste capítulo você conhecerá de forma resumida os fundamentos do Sistema Scliar de Alfabetização que explicam as diferenças entre a aquisição da variedade oral da língua e a aprendizagem da língua escrita, bem como as bases neuropsicológicas dessa última, em particular, a dificuldade para os neurônios aprenderem a dissimetrizar os sinais visuais e a segmentar a cadeia da fala. Aborda-se, também rapidamente, a questão sociolinguística e a educação integral e integrada. Tais conteúdos serão aprofundados em capítulos específicos. O Sistema O Sistema Scliar de Alfabetização está baseado no que há de mais avançado na teoria e prática das ciências que se ocupam da linguagem verbal. Estes fundamentos podem ser resumidos nos pontos a seguir. Diferença entre aquisição oral e escrita A aquisição do sistema oral se dá de forma natural e espontânea nas crianças que não apresentem nenhum impedimento sensorial ou cognitivo para processar a fala. As primeiras palavras ocorrem por volta de um ano de idade. O sistema escrito, no entanto, é construído no contexto do ensino-aprendizagem de forma sistemática, intensiva, quando a criança já atingiu certa maturidade cognitiva, linguística e emocional. Enquanto a comunicação oral é questão de sobrevivência do ser humano, datando um dos fósseis mais antigos (Lucy) há aproximadamente três milhões e meio de anos, a escrita, entendida como um modo secundário, distinta da pintura, do desenho ou de outros meios de memorização, apareceu muito recentemente (aproximadamente há 5.000 anos a.C.). Essa evidência da paleontologia demonstra que a comunicação oral é adquirida espontanea e compulsoriamente por determinantes biopsicólogicos da espécie, enquanto os sistemas de escrita são uma invenção tardia: na maioria dos casos, a criança precisa vir à escola, principalmente, para aprender a ler e a escrever. Foto com legenda. A escrita apareceu muito recentemente. Ícone dicionário: Maturidade Cognitiva: Ao nascer, o cérebro do bebê não está com os circuitos que o constituem inteiramente prontos, nem com todos os conhecimentos linguísticos e do mundo já armazenados em suas várias memórias. O amadurecimento é gradativo e depende, também, da experiência. Primeiro compreender, depois produzir Em toda a aprendizagem, para saber produzir, deve-se saber compreender, isto é, antes de falar, a criança deve compreender o que os adultos dizem para ela e assim começar a dominar a língua, para depois poder dizer suas primeiras palavras. A mesma coisa acontece com a língua escrita: sem saber ler, a criança não poderá compreender nem o que ela própria “escreveu”. Na prática Não comece a alfabetização pelo ensino isolado da escrita. Você pode até começar quase simultaneamente com a escrita, desde que a criança aprenda a reconhecer as diferenças entre as letras e os seus valores na leitura. Reciclagem neuronal Uma das grandes descobertas das neurociências é a de que os neurônios que processam as imagens visuais são programados para simetrizar a informação. No entanto, para o reconhecimento das letras, isto é, das diferenças que apresentam entre si, é necessário reciclar os neurônios para que eles aprendam a distinguir a direção dos traços das letras. A proposta de Montessori, uma importante pedagoga italiana, cuja abordagem é seguida por centenas de escolas ao redor do mundo, já preconizava tal enfoque. Introduza cada letra com comandos para que a criança a trace com o dedo, ao mesmo tempo em que diz o som que ela representa. As informações sensoriais processadas pela visão, pela audição, pelo tato e pela propriocepção se reforçam mutuamente. Ícone dicionário Simetrizar Informações: “Os neurônios da visão foram biologicamente programados para simetrizar a informação. Cada vez que um hemisfério aprende uma informação visual nova, este traço de memória é imediatamente transmitido ao outro hemisfério” (DEHAENE, 2012, cap. 7). Propriocepção: é a percepção do próprio corpo, sua postura, movimentos, mudanças no equilíbrio, bem como a de suas respectivas sensações de movimento e posições. O sistema escrito do português é alfabético A maior dificuldade para uma criança se alfabetizar é a de que ela percebe a fala como um contínuo, isto é, não há separação entre as palavras, nem entre consoantes e vogais. Por exemplo, por que a criança, ao começar a escrever, coloca uma sucessão de sinais numa linha, sem espaços em branco entre as palavras? Por que, mais adiante, escreverá “zóio”, “zoreia”? Porque é assim que percebe a fala. Para aprender a ler, a criança deverá compreender, aos poucos, que: a escrita representa a fala, porém não exatamente tal como é percebida; na escrita, as palavras são separadas por espaços em branco; uma ou duas letras (para o professor, um grafema) têm o valor de um som (para o professor, um fonema); às vezes, uma letra poderá ter sempre o mesmo valor, como f, mas outras vezes poderá ter mais de um valor como c, que antes das letras u, o, a tem o valor de /k/, como em cubo, cor, cola e antes de i, e tem o valor de /s/, como em cipó, cera. Ícone Atenção! Para reconhecer a palavra escrita, além de saber atribuir os valores a cada grafema (uma ou duas letras), a criança deverá saber onde cai o acento mais forte (acento de intensidade), pois, no português, o acento pode cair na última (oxítonas), penúltima (paroxítonas) ou antepenúltima sílaba (proparoxítonas). Sendo a maior dificuldade para uma criança se alfabetizar o fato de ela perceber a fala como um contínuo, é preciso que você a ajude a analisar conscientemente a fala, desmembrando a cadeia em palavras, essas em sílabas e, o que é mais difícil, separar as consoantes das vogais. Essa aprendizagem, que se chama consciência fonológica, só é possível, num contexto lúdico, associando cada fonema a um grafema (uma ou duas letras), mostrando que, mudando um fonema por outro (igualmente seu grafema por outro), as palavras mudam de significado. Assim, a estratégia do ensino-aprendizagem está baseada sobre um tripé de conceitos: 1. Reconhecer a direção dos traços que diferenciam as letras entre si; 2. Dominar os valores dos grafemas, associando-os aos fonemas que representam; 3. Utilizar as letras que realizam os grafemas dentro de palavras e estas em um texto. Ícone dicionário Grafema: Unidade de um sistema de escrita que, na escrita alfabética, corresponde a uma ou mais letras para representar um dado fonema (no português, uma ou duas letras, somente, com ou sem acentos gráficos); na escrita silábica, corresponde a uma sílaba. Fonema: Classe de sons, com a função de distinguir significados. Por exemplo, o fonema /R/, no português, engloba diferentes sons praticados em diferentes regiões do Brasil, como no Rio de Janeiro, na fronteira do Rio Grande do Sul, no interior de Minas Gerais ou de São Paulo, na Bahia, e assim por diante. Dica (pode ser um ballon, com um professor; professora falando): Trabalhar apenas com sons isolados, ou com os nomes das letras, não é suficiente para preparar a criança para a alfabetização. Trabalhe sistematicamente onde cai o acento de intensidade. Variação sociolinguística A fala apresenta variação determinada por vários fatores: quando lê, a criança converte o que lê a sua variedade sociolinguística, quando escreve, dá-se o inverso: o sistema escrito é um só em todo o território nacional. Assim, em virtude da mobilidade social, há alunos que vêm de regiões diferentes e, mesmo, de famílias que praticam em casa outras línguas, como o italiano, o alemão ou o japonês. Também há diferenças determinadas pelo nível de escolaridade e de educação dos pais. Por isso, na escola, deve ser ensinado o respeito à diferença, evitando que essas crianças sejam ridicularizadas quando falam ou leem em voz alta. Para ensinar a escrever, o professor deve estar atento, porque as regras de conversão não são as mesmas. Assim como não se escreve “nãum” ao invés de “não”, o professor deve mostrar, aos poucos, que quando se diz [´fumu], se escreve “fomos”. Ícone Na prática Respeite a variedade sociolinguística da criança na leitura em voz alta. Educação integral e integrada A alfabetização integral parte do pressuposto de que o alvo é a educação plena do indivíduo: cognição, afetos, sociabilidade, o físico e o estético, em vasos comunicantes, deverão levá-lo ao exercício da cidadania e à realização pessoal, com a capacidade para entender os textos escritos que circulam em sociedade e para produzir os de que necessita. Isto significa que não se podem divorciar as ciências humanas das ciências biológicas: o cultural não pode ser pensado sem o biológico, nem a especialização cerebral sem ser plasmada pelo ambiente. A alfabetização integrada é aquela que aproveita todos os espaços e tempos disponíveis para o ensino-aprendizagem da direção dos traços que diferenciam as letras entre si, da constituição dessas em grafemas associados aos seus respectivos valores (os fonemas). Ambos têm a função de distinguir significados, portanto, devem estar inseridos em palavras e estas em textos significativos para o educando, ou seja, a alfabetização integrada utiliza as disciplinas de matemática, ciências, estudos sociais, educação física, artes, lazer, e as atividades de socialização, todas coerentemente entrosadas em torno de uma temática, com um objetivo comum. Ícone Na prática Todas as unidades do livro Sistema Scliar de Alfabetização – Roteiros para o professor: 1º Ano possuem sugestões de atividades lúdicas como jogos, dramatização, música, dança, poesia, desenho, narrativas e esportes para o desenvolvimento cognitivo (matemática e demais linguagens), linguístico, físico, emocional, estético e social. Para o livro do aluno Aventuras de Vivi, foi elaborada uma história, a fim de estabelecer a empatia entre a criança e os personagens. Os temas ajudam a promover a integração entre a escola, família e comunidade, a qual é essencial para o seu êxito como alfabetizador. Lembre-se de explorar, também, os aspectos ecológicos. Professor, você, com sua criatividade e engajamento, é parte fundamental para que o Brasil acabe com o analfabetismo funcional! Ícone Pontos importantes Nesta unidade, você tomou conhecimento, de forma resumida, sobre os fundamentos do Sistema Scliar de Alfabetização que são: a aquisição do sistema oral se dá de forma natural e espontânea nas crianças que não apresentem nenhum impedimento sensorial ou cognitivo para processar a fala, enquanto o sistema escrito é construído no contexto do ensino-aprendizagem de forma sistemática, intensiva, na maioria dos casos; em toda a aprendizagem, para saber produzir, deve-se saber compreender: sem saber ler, a criança não poderá compreender nem o que ela própria “escreveu”; para o reconhecimento das letras, isto é, das diferenças que apresentam entre si, é necessário reciclar os neurônios para que eles aprendam a distinguir a direção dos traços das letras, isto é, é necessário ensiná-los a dissimetrizar; as informações sensoriais processadas pela visão, pela audição, pelo tato e pela propriocepção se reforçam mutuamente. Aplicam-se, pois, os ensinamentos de Montessori sobre aprendizagem; além de saber atribuir os valores a cada grafema (uma ou duas letras), a criança deverá saber onde cai o acento mais forte; na escola, deve ser ensinado o respeito à diferença, evitando que as crianças sejam ridicularizadas quando falam ou leem em voz alta; a alfabetização integral parte do pressuposto de que o alvo é a educação plena do indivíduo; a alfabetização integrada é aquela que aproveita todos os espaços e tempos disponíveis para o ensino-aprendizagem da direção dos traços que diferenciam as letras entre si e da constituição dessas em grafemas associados aos seus respectivos valores (os fonemas). (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa O que são atividades multissensoriais? O que é simetrização? Por que não se deve começar a alfabetização pela escrita isoladamente? ícone Avaliação de aprendizagem 1. Uma das maiores dificuldades na alfabetização é ensinar os neurônios a dissimetrizar. Por que isto ocorre? a ( ) Porque os neurônios humanos não têm plasticidade para novas aprendizagens. b ( ) Porque os neurônios só aprendem através do estímulo-resposta-recompensa. c ( ) Porque os neurônios, por uma questão de sobrevivência, foram programados para descartar as diferenças de direção para a esquerda e para a direita e, por isto, deverão ser reciclados. d ( ) Porque a noção de esquerda e direita depende da internalização do esquema corporal. e ( ) Porque perceber a direção dos traços para a esquerda ou direita não interessa para o reconhecimento das letras. 2. Analfabetismo funcional, desafio para a escola Ícone síntese No primeiro capítulo, você tomou conhecimento sobre os fundamentos do Sistema Scliar de Educação que explicam as diferenças entre a aquisição da variedade oral e a aprendizagem da língua escrita, bem como as bases neuropsicológicas, em particular, a dificuldade para os neurônios aprenderem a dissimetrizar os sinais visuais e a segmentar a cadeia da fala. Abordou-se, também, a questão sociolinguística e a educação integral e integrada. Como explicado, tais conteúdos serão aprofundados em capítulos específicos. ícone objetivo Neste capítulo você conhecerá dados alarmantes sobre o analfabetismo funcional no Brasil e em outros países considerados desenvolvidos, como os EUA e o Reino Unido. Você descobrirá quais são os conceitos de analfabetismo funcional e os vários níveis estabelecidos pela UNESCO. Verá, também, como a Escócia conseguiu combater o analfabetismo funcional com um programa exitoso, fonte de inspiração para o Sistema Scliar de Alfabetização. Breve histórico Embora o Instituto Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF) aplique suas pesquisas domiciliares a uma população entre 15 e 64 anos de idade, residente em zonas urbanas e rurais de todas as regiões do país e, portanto, não se restrinja àquela que esteja frequentando a escola, oferece-nos dados sobre o alfabetismo dos que nela ainda estão e/ou seus egressos. Como pré-requisito, é necessário entender a classificação de alfabetismo adotada pelo INAF (2009) de acordo com suas habilidades em leitura/escrita (letramento) e em matemática (numeramento). Analfabetos funcionais Analfabetismo - Corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases, ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de telefone, preços etc.). Alfabetismo rudimentar - Corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares (como um anúncio ou pequena carta), ler e escrever números usuais e realizar operações simples, como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica. Alfabetizados funcionalmente Alfabetismo básico - As pessoas classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente alfabetizadas, pois já leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências, leem números na casa dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de operações e têm noção de proporcionalidade. Mostram, no entanto, limitações quando as operações requeridas envolvem maior número de elementos, etapas ou relações. Alfabetismo pleno - Classificadas neste nível estão pessoas cujas habilidades não mais impõem restrições para compreender e interpretar elementos usuais da sociedade letrada: leem textos mais longos, relacionando suas partes, comparam e interpretam informações, distinguem fato de opinião, realizam inferências e sínteses. Quanto à matemática, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas de dupla entrada, mapas e gráficos. Fonte: Inaf - evolução do indicador (2012) Em pleno 2013, ficamos estarrecidos, ao constatar as cifras alarmantes de analfabetos funcionais no Brasil e os baixos escores obtidos pelos alunos brasileiros, na faixa dos 15 anos, conforme o Relatório PISA (OCDE, 2011), que avalia as competências em linguagem, em matemática e em ciências e constatados também pelo INAF, o Indicador de Alfabetismo Funcional, conduzido pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa. Apesar do aumento significativo da matrícula escolar e dos anos de escolaridade (FERNANDES, 2012), a porcentagem de analfabetos funcionais no país, ainda é alarmante: conforme o Boletim INAF (2012), em 2012, na faixa etária dos brasileiros de 15 a 64 anos, encontram-se 6% de “analfabetos absolutos”; no nível rudimentar, 21%; no nível básico, 47% e apenas 26% conseguem o nível pleno. Decididamente, 27% dos brasileiros não têm as condições mínimas para o exercício da cidadania, nem para refazer a leitura de mundo, a partir da leitura da palavra (FREIRE, 2002, p. 54). Pode-se afirmar que 47% o fazem de forma precária e apenas 26% estão aptos a compreender e refletir sobre os textos necessários ao exercício da cidadania de forma plena e à ampliação da sua aptidão para competir no mercado de trabalho, com auto-aprendizagem e educação continuada. Tais cifras também nos alertam para o fato de que a desigualdade social não pode ser efetivamente combatida quando a maioria dos indivíduos não domina a ferramenta que os habilite à qualificação profissional. Os últimos dados apontam para discreta melhora. O último relatório PISA, o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes realizado pela OCDE (2011), mostra que o Brasil teve uma pequena melhora nos resultados, mas ainda ocupa uma das últimas posições quando se trata de proficiência em leitura, ficando em 53º lugar dentre os sessenta e cinco países participantes, obtendo 412 pontos no quesito leitura, contra 393 de 2006. Dentre os países latino-americanos o Brasil só ficou acima da Argentina e da Colômbia, sendo superado pelo México, Uruguai e Chile. Pela primeira vez, o relatório levou em conta a capacidade de os alunos lerem, compreenderem e utilizarem textos digitais. Foto: (crianças e/ou papeis/escrita/ ou pessoa perdida no meio de placas/livraria) Legenda: Mas o que é o analfabeto funcional? Definições de analfabeto funcional Existem muitas definições de analfabeto funcional. (3 boxes, lado a lado?) “O conceito de analfabeto funcional, como o próprio adjetivo indica, deve, contudo, repousar sobre a falta de competência do indivíduo para ler e escrever os textos dos quais necessita em sua vida cotidiana familiar, social e de trabalho” (SCLIARCABRAL, 2003a). “É funcionalmente letrada a pessoa que puder engajar-se em todas as atividades, nas quais o letramento for condição para o desempenho efetivo no seu grupo e comunidade, e também para permitir-lhe que continue a utilizar a leitura, a escrita e o cálculo para o seu próprio desenvolvimento e o de sua comunidade” (UNESCO, 2007). “Na leitura, ser letrado é entender, usar e refletir sobre textos escritos, a fim de alcançar as próprias metas para desenvolver o conhecimento e as potencialidades e participar na sociedade” (OCDE, 2007, trad. da autora). Ícone dicionário Analfabeto funcional: É o indivíduo que, apesar de ter frequentado a escola, não consegue compreender, nem produzir os textos de que necessita. Convém, neste passo, retomar a reflexão sobre letramento. Na definição de letrado funcional da UNESCO infere-se que o letramento efetivo pressupõe que a pessoa saiba ler, isto é, compreenda os textos que circulam socialmente, permitindo o engajamento do indivíduo em todas as atividades nas quais tais competências sejam necessárias. Infere-se, igualmente, não haver uma oposição entre alfabetização e letramento, porquanto só se torna efetivamente letrado quem estiver alfabetizado, havendo, portanto, uma complementaridade entre ambos e não exclusão mútua. Magda Soares (2004) discute em profundidade tais questões. Há vários níveis de analfabeto funcional: o mais grave é aquele em que, por não ter sido alfabetizado, o indivíduo não reconhece a palavra escrita. Ao ver uma sucessão de caracteres ao lado de uma gravura de um gato diante de um prato com leite, “adivinha”: O bichinho está lambendo o prato, ao invés de ler o que está escrito: O gato está tomando leite. Foto/desenho gato com leite e legenda: O gato está tomando leite. É o que sucede com aqueles que foram “alfabetizados” pelo método global, ou aqueles que foram alfabetizados, emparelhando uma palavra a uma figura e adivinham o que está escrito. Segue-se aquele que consegue decifrar algumas letras, mas, ou foi alfabetizado pelo nome das letras, ou não aprendeu que uma ou duas letras (os grafemas) têm o valor de uma classe de sons (os fonemas), o qual, em alguns casos, vai ser diferente conforme a letra que vem depois. Nesse segundo caso, tal aluno titubeia diante das letras e sua leitura é penosa: não só o esforço é tal que ele perde qualquer gosto pela leitura, como também a memória de trabalho não consegue processar as palavras com fluência e a pessoa acaba não entendendo o que leu. Uma classificação mais operacional em cinco níveis é a utilizada pelo LAMP (Literacy Assessment and Monitoring Programme), programa de testagem e monitoria da UNESCO (2007): (fazer como uma escada ao lado, com destaque para os números. Colocar o nível um no degrau mais baixo, e o 4 e 5 no mais alto) Níveis 4 e 5: Os entrevistados demonstram domínio das habilidades para processar informação mais complexa. Nível 3: Mínimo adequado para dar conta das demandas diárias e de trabalho, numa sociedade complexa. É o nível requerido para completar a escola secundária e entrar na universidade. Nível 2: Os entrevistados só conseguem operar tarefas e material escrito simples, disposto com clareza. Conseguem ler, mas se saem mal nos testes de compreensão. Podem ter desenvolvido habilidades de cópia para dar conta das demandas de escrita mais corriqueiras, mas acham difícil enfrentar novos desafios como os exigidos no trabalho. Nível 1: O indivíduo possui habilidades muito pobres e pode nem ser capaz de determinar a dose correta do remédio para dar ao filho, a partir do rótulo da embalagem. (trad. da autora) Dados alarmantes O Departamento de Educação do Reino Unido em seu relatório de 2006 informou que 47% das crianças deixam a escola aos 16 anos sem ter adquirido o nível básico em matemática funcional e 42% falham em alcançar o nível básico no inglês funcional (Guardian Unlimited, 10/07/2007). A cada ano, 100.000 alunos deixam a escola como analfabetos funcionais no Reino Unido. Embora a taxa de letramento, nos Estados Unidos, seja muito elevada, mensurada por no mínimo oito anos de escolaridade, estatísticas recentes indicam a existência de aproximadamente 30 milhões de analfabetos funcionais, cifra que vem aumentando (Civilliberties, 2007). Foto aluno na escola: Legenda: Frequentar a escola até completar o ensino fundamental não garante que o indivíduo consiga entender e usar os textos escritos, nem refletir sobre eles. Somente as instituições que investiram pesado na formação do magistério e adotaram métodos e materiais advindos das pesquisas avançadas conseguiram resultados satisfatórios no domínio da leitura e escrita por parte da população. A China, a Finlândia, a Coreia, Hongkong, cidade-estado e Singapura, países que investiram pesado em educação de qualidade, têm conseguido os melhores escores, ao contrário de países como Azerbaijan ou Kyrgyzstan, nas últimas posições. Outros dados preocupantes se referem aos anos de escolaridade da população, em virtude das altas taxas de evasão escolar no Brasil, particularmente no nível médio, com 10% de abandono, em 2006, passando para 11% em 2008, enquanto países como o Chile, Paraguai e Venezuela ostentam 3% (GOMIDE, 2010). Como as Neurociências, a Psicolinguística e a Linguística podem contribuir para reverter o quadro? Uma das possibilidades é conhecer quais as medidas que foram tomadas em cenários que apresentavam taxas alarmantes de analfabetismo funcional e que conseguiram baixá-las consideravelmente. É o que você verá a seguir. O programa Inciativa de Intervenção Precoce O programa Inciativa de Intervenção Precoce (Early Intervention Initiative, EII) foi desenvolvido pelo Conselho do Condado Oeste de Dunbartonshire, na Escócia, que, em junho de 2007, recebeu o prestigioso prêmio do Municipal Journal pela maior conquista em assistência à criança no Reino Unido (West Dunbartonshire Council, 2007). É um bom exemplo a ser seguido! Confira como se deu a implantação do progama. (fazer estilo linha do tempo) 1997 - Início do programa. Somente 5% das crianças que frequentavam a primeira série da escola primária, que equivale ao Ensino Fundamental no Brasil, conseguiam escores altos em leitura. Meta: acabar em 10 anos com o analfabetismo funcional. 1998 - Com um ano de aplicação, 45% das crianças conseguem escores altos em leitura. 2001 - Um em cada três alunos do secundário (28%) era analfabeto funcional. Depois de ter frequentado sete anos do ensino fundamental, seu nível de leitura era o equivalente ao de uma criança de nove anos e meio. 2005 - As crianças do programa começam a ingressar na escola secundária. O índice de analfabetismo funcional cai para 6%. Como isto foi obtido? Sem entrar em detalhes, que você conhecerá mais à frente, observe, de saída, que o programa prioriza a educação infantil, desenvolvendo a consciência fonológica na pré-escola e utilizando basicamente o método fônico sintético e o enfoque multissensorial de Montessori, com material pedagógico elaborado a partir de pesquisas da proposta Jolly Phonics (WERNHAM; LLOYD, 1993, 2007). Também conta com atividades de intervenção, com uma equipe de professores especialmente treinados; avaliação e monitoria contínuas; tempo extra para a leitura no currículo, assessoria às famílias e de quem cuida das crianças e a incrementação de um entorno de letramento na comunidade (Guardian Unlimited, 2007). Ícone Na Prática Fatos e Números Mais de 30 mil alunos foram individualmente testados. Mais de 29 mil alunos foram testados em grupo. As crianças com aproveitamento insatisfatório na aprendizagem da leitura, escrita e cálculo são acompanhadas individualmente por especialistas até superarem as dificuldades (Programa Toe By Toe/ Passo a Passo). A vontade política da administração do condado, que investiu no projeto de erradicar o analfabetismo funcional em 10 anos, fez a diferença. Foram convocados especialistas como assessores. A família e a comunidade foram envolvidas, com um trabalho para suplementar o chamado currículo escondido. Ícone dicionário Currículo escondido: São os conhecimentos incorporados pela criança em lares em que a informação escrita circula e por ter sido submetida a narrativas lidas, a jogos educativos, à mídia e ao próprio discurso de familiares que convivem diariamente com tal informação. A efetividade de tais medidas para erradicar o analfabetismo funcional no Reino Unido vem confirmada pelo comentário da Chefa dos Inspetores de sua Majestade, Christine Gilbert (2007, p. 2) ao Relatório Anual de 2006/07. O relatório final, publicado em 2006, chamou a atenção para a importância fundamental do desenvolvimento da fala das crianças. Também fez inúmeras recomendações chave para as escolas, sobre o ensino da fônica. Em especial, recomendou que o trabalho sistemático com a fônica fosse ensinado de modo destacado; em outras palavras, os professores deveriam destinar um devido tempo todos os dias para que as crianças adquirissem o conhecimento, as habilidades e a compreensão de modo a habilitá-las a decodificar (a ler) e a codificar (a escrever/ortografar) a escrita. Também recomendou que o trabalho fônico de alta qualidade fosse o enfoque privilegiado para ensinar as crianças a lerem, de modo que pudessem se deslocar mais suavemente de “aprender para ler”, para “ler para aprender”. Reflexões sobre o programa Inciativa de Intervenção Precoce Dado o fato de que muitos projetos para a incrementação do letramento apresentaram resultados tão insatisfatórios, uma das primeiras tendências é copiar, sem reflexão ou adaptação a cenários diferentes, o que deu resultados noutros lugares. É evidente que algumas medidas são indiscutíveis, por exemplo, a vontade política das instituições responsáveis pela educação de convocar os especialistas em ensinoaprendizagem da leitura e escrita para assessorarem em larga escala os educadores do ensino pré-escolar e fundamental, bem como os autores do respectivo material pedagógico. Isso implica a presença não só de pedagogos e psicólogos altamente especializados, como o concurso de neurocientistas, linguistas, psicolinguistas e fonoaudiólogos, que deverão se ocupar da reformulação dos currículos, da formação continuada do magistério, das práticas escolares, do material pedagógico, da avaliação periódica e da recuperação dos alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita. A compreensão por parte dos professores das bases científicas que fundamentam, por exemplo, a fônica, impedirá a prática mecânica e inadequada dos exercícios, o que redundaria no efeito inverso ao desejado. Neste livro, você encontará tais fundamentos e saberá como vencer quatro grandes desafios. Dica Repetir mecanicamente os exercícios é um caminho que deve ser abandonado. Desafio 1: A fala é percebida como um contínuo. A razão primordial que fundamenta a fônica é que a base dos sistemas alfabéticos, ou seja, os grafemas (formados por uma ou mais letras) representam um fonema (classe de sons com função de distinguir significados). Ora, isto vai contra a percepção que o indivíduo tem da fala antes de se alfabetizar. A fala é percebida como um contínuo, residindo aí uma das maiores dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita. Portanto, um trabalho sistemático tem que ser desenvolvido para que o indivíduo reconstrua de modo consciente a percepção da fala e possa desmembrar a cadeia da fala em palavras e a sílaba em seus constituintes. Além disto, até se alfabetizar, as imagens visuais são processadas simetricamente, sem que a direção dos traços para a esquerda ou direita seja diferenciada. Tanto os fonemas, quanto os grafemas que os representam, têm a função de distinguir significados. Lembre-se de que tanto a língua oral, quanto a escrita fazem parte dos sistemas semióticos e servem para comunicar pensamentos. Desafio 2: É impossível articular isoladamente uma consoante oclusiva. Outro risco decorrente da falta de conhecimentos de fonética para quem ensina fônica é pensar que é possível ouvir ou articular isoladamente uma consoante oclusiva. Ora, existe uma impossibilidade articulatória para a produção de tais sons, se não se apoiarem numa vogal ou som vocálico precedentes e/ou subsequentes, uma vez que é necessário romper o obstáculo (assinalado pelo silêncio) para que possa ser percebido qualquer sinal. Foto de boca Legenda: Na língua portuguesa, encontram-se seis consoantes oclusivas: /p/, /b/, , /d/, /k/ e /g/: tente produzi-las isoladamente e vai ver que é impossível! Desafio 3: O nome da letra não representa seu valor. Outra questão teórica é desconhecer que a decodificação precisa ser aprendida pelos valores que as letras têm, muitas vezes condicionadas pelo contexto, e não por seus nomes. Isto é particularmente grave no português com os grafemas c, g, h, m, n, q, s, x, z e todos os grafemas que representam as vogais, mas o princípio vale para todos os grafemas. Foto de bola. Legenda: Evidentemente, a palavra “bola” não se lê como “be-ó-éli-a”. Desafio 4: Existência de guetos linguísticos. Finalmente, além das questões que remontam à educação pré-escolar e fundamental e ao preparo dos professores, a explosão lexical e semântica e de universos especializados, ocasionada pelas revoluções científicas e tecnológicas aceleradas, determinou a formação de verdadeiros guetos linguísticos, impermeáveis mesmo para os considerados bons leitores. Isto vem determinando o fracionamento do conhecimento e a impossibilidade de se compreenderem os inúmeros universos cognitivos: o ideal humanístico se encontra cada vez mais distante. Talvez, um dos caminhos seja a formação de um novo tipo de profissional capaz de traduzir o texto especializado para o grande público, o que em parte vem sendo exercido pelo jornalista científico. Mas um caminho, com certeza, é alfabetizar bem, para desenvolver a competência em leitura e, assim, fazer com que as pessoas leiam cada vez mais universos de conhecimentos diversificados e mais complexos. Ora, você vai ver que a competência em leitura se desenvolve, à medida que o indivíduo lê e, para tanto, o reconhecimento dos traços que diferenciam as letras entre si e a articulação deles em grafemas, associados aos valores sonoros que eles representam, ambos com a função de distinguir significados, têm que ser automatizados. Foto: pessoa lendo livro. Legenda. A automatização do reconhecimento dos traços que diferenciam as letras entre si e dos valores dos grafemas libera o leitor para o entendimento do texto. No próximo capítulo, você verá como as descobertas das neurociências podem ajudar a desenvolver uma alfabetização, leitura e escrita mais competentes. (ícone) Pontos importantes Na segunda unidade foram examinados os seguintes pontos: o conceito de analfabetismo funcional; a classificação de alfabetismo adotada pelo INAF; a evolução do alfabetismo no Brasil; os cinco níveis de competência leitora; dados alarmantes sobre analfabetismo funcional; o programa Inciativa de Intervenção Precoce; os quatro grandes desafios à alfabetização. (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa Na sua avaliação, qual o problema mais grave no Brasil: o do analfabeto total ou o do analfabetismo funcional? Realize na Internet uma pesquisa sobre o assunto, consultando as estatísticas do IBGE. O que é o Relatório PISA? Consulte <www.uis.unesco.org/profiles/selectCountry_en.aspx> e reflita sobre o que vem a ser competência em linguagem, matemática e ciências, e a importância da competência em leitura para o desempenho em matemática e ciências. Por que o analfabetismo funcional é fator de exclusão social? (ícone) Avaliação de aprendizagem 2. Analfabeto funcional é: a ( ) o indivíduo que nunca frequentou a escola. b ( ) o indivíduo que não sabe o nome das letras. c ( ) o indivíduo que, mesmo tendo frequentado a escola, não compreende os textos necessários à sua inserção na sociedade. d ( ) o indivíduo que não fala corretamente. e ( ) o indivíduo que só frequentou a escola até o 3º ano do Ensino Fundamental. 3. As neurociências na alfabetização e leitura Ícone síntese No segundo capítulo, você verificou que é alarmante o número de analfabetos funcionais no Brasil e constatou que os alunos brasileiros têm obtido péssimos escores na avaliação mais importante do mundo sobre competências em linguagem, matemática e ciências. A reflexão foi encaminhada para a seguinte questão: por que não se aplicam à alfabetização e ao ensino-aprendizagem da leitura e escrita as conclusões a que chegaram as pesquisas de ponta no assunto, realizadas pelas neurociências, pela psicolinguística e pela linguística? ícone objetivos Nesse capítulo você descobrirá como as neurociências estão contribuindo para que se entendam os processos envolvidos na leitura e como se dá a reciclagem dos neurônios em uma região específica do cérebro para o reconhecimento dos traços invariantes que diferenciam as letras entre si. Também verá como a articulação de uma ou duas letras (os grafemas), associados aos fonemas, possuem a função de distinguir significados. Perceberá como o processamento da linguagem verbal e do significado se dão em paralelo, com entradas e saídas simultâneas da informação. Fundamentos Graças à imagem por ressonância magnética (IRM), à eletroencefalografia (EEG) e à magnetoencefalografia (MEG), pode-se rastrear como nosso cérebro trabalha durante a leitura. As principais conclusões de tais pesquisas são de grande valia para se repensarem os métodos de alfabetização e o ensino-aprendizagem da leitura e escrita, além de nos esclarecerem sobre as dificuldades que os alunos apresentam, decorrentes de distúrbios de atenção ou da dislexia. Ícone dicionário Dislexia: é um distúrbio de ordem genética determinado pela migração, no feto, dos neurônios desde a zona germinal ao redor dos ventrículos até a posição final nas diferentes camadas do córtex, de que resulta uma dificuldade em reconhecer a palavra escrita. A capacidade para aprender a ler e a escrever é exclusiva da espécie humana. Ela se deve, fundamentalmente, aos seguintes fatores de como está estruturado e funciona o sistema nervoso central, que você verá a seguir: plasticidade dos neurônios para se reciclarem para novas aprendizagens, inclusive as que vão de encontro à programação biopsicológica; dominância e especialização das várias áreas secundárias para a linguagem verbal no hemisfério esquerdo e integração nas áreas terciárias; interconexão entre as várias áreas, mesmo distantes, inclusive as que processam a significação, com as que processam em paralelo a linguagem verbal; processamento das variantes recebidas nas áreas primárias, através do emparelhamento com formas invariantes mais abstratas que os neurônios reconhecem nas áreas secundárias; arquitetura neuronal capaz de processar formas sucessivamente mais abstratas e complexas. A função semiótica. Mecanismos de retroalimentação simultâneos para autocorreção. Memória permanente para registro dos esquemas e padrões aprendidos, o que garante o acionamento do conhecimento prévio. Complicado? Um pouco, mas examinando o cérebro fica mais fácil entender. Ao refazer, corrigir no quadro: occípito-temporal occipitotemporal Figura 1. Visão moderna das redes corticais da leitura (adaptação a partir de DEHAENE, 2012, p. 78). Perceba que o cérebro é formado por muitas regiões, e cada uma delas tem sua função. Nos processos de aprendizagem, várias regiões são utilizadas simultaneamente. Mas como? O que acontece quando nos deparamos com um texto escrito Nossos olhos não abarcam uma linha inteira, em virtude das limitações de a única parte da retina, realmente útil para a leitura, chamada fóvea, rica em células fotorreceptoras, os cones, ocupar apenas 15º do campo visual. Por isso, nossos olhos correm pela linha, em movimentos de sacada (quatro ou cinco por segundo). Durante estes movimentos, não vemos nada. Só ao parar em um ponto, a fixação, a fóvea consegue abarcar 3 ou 4 caracteres à esquerda do centro do olhar, e 7 ou 8 à direita, nos sistemas de escrita com direção da esquerda para a direita. Tais movimentos oculares são controlados pelos dois colícolos superiores, situados abaixo do tálamo e rodeados pela glândula pineal do mesencéfalo. É preciso explicar que as regiões do cérebro que recebem a informação se dividem em três grandes blocos. As áreas primárias, formadas por sensores sensoriais e somestésicos, as áreas secundárias, especializadas para processamentos refinados que dependem da especialização dos neurônios, através da experiência, para reconhecer as invariâncias e as terciárias que fazem a integração dos resultados dos vários processamentos. Com a visão é a mesma coisa. A área primária, para processar os sinais luminosos, fica na parte posterior e central da região occipital de ambos os hemisférios. Os sensores decompõem os sinais luminosos em miríades de pontos que, metaforicamente, vamos chamar de píxeis. Só depois da recomposição em formas invariantes que possam emparelhar com as dos respectivos neurônios estes sinais são enviados para as áreas especializadas: esse primeiro processamento dura aproximadamente 50 milissegundos. A distribuição preferencial para a região especializada em reconhecer os traços das letras, isto é, a região occipitotemporal ventral esquerda, já comprovada pelas pesquisas em neurociências, coloca uma pá de cal nos métodos globais ou similares de alfabetização, pois o reconhecimento global ou por configuração é efetuado, preferencialmente, pela região homolateral direita. Ícone dicionário Somestesia: é a capacidade que homens e animais têm de receber informações sobre as diferentes partes do seu corpo. Conjunto de sensações corporais como tato, dor etc; consciência corporal. Esquema (fazer com ícones/iustraçao esquemática, dos três pontos: área de leitura, movimento, fixação,conforme descrito a seguir) Processo de Leitura Olho marcando 15º. Legenda: Área de leitura – Olhos com movimento Legenda: movimento de sacada -\ Trecho de uma linha, com destaque para uma parte do texto, sendo que 3 ou 4 caracteres à esquerda do centro do olhar, e 7 ou 8 à direita estão destacados em outra cor, simulando um texto de jornal – O professor é muito importante. Legenda: Fixação na leitura Reconhecimento dos traços invariantes Os neurônios da região occipitotemporal ventral esquerda reconhecem os traços invariantes que compõem as letras, cujos valores são os mesmos, independentemente de seu tamanho, da caixa (MAIÚSCULA ou minúscula), da fonte (imprensa, manuscrita, itálico, negrito ou sublinhado, etc.), da cor, ou da posição que ocupam na palavra. O reconhecimento das invariâncias é possível e necessário por duas razões, fundamentalmente: porque, como mecanismo adaptativo, o sistema visual dos primatas deve reconhecer as formas básicas do que se encontra na natureza, independentemente das variantes que o olhar capta, conforme a distância, o ângulo de visão, a incidência da luz e sombra e a parte em relação ao todo, etc.; porque, e essa é especificamente humana, só essa explica a capacidade dos neurônios da região occipitotemporal ventral esquerda em reconhecer os traços invariantes que compõem as letras: na espécie humana, os respectivos axônios estão ligados a todas as regiões que processam a linguagem verbal e simultaneamente à região que processa o significado. Icone dicionário Axônios: Prolongamentos dos neurônios que levam a informação a outros neurônios através do mecanismo denominado sinapse. Desde o início do século XX que a linguística propôs o conceito de fonema, a unidade que cobria todas as realizações possíveis tanto em nível da recepção quanto da produção, com a função de distinguir significados. Um exemplo é o par mínimo /´karu/ oposto a /´kaRu/, independentemente do fato de /R/ poder se realizar como fricativa velar surda, vibrante ápico-alveolar múltipla, uvular ou glotal aspirada. A noção de fonema foi ampliada como sendo um feixe de traços distintivos (esses últimos também invariantes). Somente agora, através das técnicas de neuroimagem funcional (IRM), de eletroencefalografia (EEG) e de magnetoencefalografia (MEG), mais conhecidas pelos seus acrônimos, foi possível verificar que há neurônios especializados na região occipitotemporal ventral esquerda para reconhecer os traços invariantes das letras e isso é possível porque uma ou duas letras (os grafemas) estão associadas a um fonema, ambos com a função de distinguir significados. A mesma diferença que você faz entre /r/ e /R/, você faz entre r e rr, R e RR, R e RR e isso porque, por exemplo, caro e carro têm significados diferentes. Foto de carro. Legenda: Um carro pode ser caro - e você não confunde carro com caro! Icone dicionário Acrônimo: duas ou mais letras iniciais de palavras que constituem uma frase, que passam a representar a respectiva referência, como, por exemplo, UFSC Universidade Federal de Santa Catarina. A verificação de que os neurônios na região occipitotemporal ventral esquerda reconhecem as invariâncias dos traços que compõem as letras e de que eles aprendem a reconhecê-las porque uma ou duas letras estão associadas aos fonemas, e os axônios de tais neurônios se projetam em cadeias sucessivas até chegar à região que processa a linguagem verbal, inclusive a que processa os significados, tem profundas implicações sobre a metodologia da alfabetização, particularmente em sistemas alfabéticos como o do português brasileiro em que, para a leitura, o sistema apresenta muita transparência. Ícone na prática. Trabalhe o reconhecimento dos traços que diferenciam as letras entre si sempre com os valores que uma ou duas letras (grafemas) têm para representar os fonemas, ambos para distinguir significados. Por exemplo, ao acrescentar um traço vertical à esquerda e outro à direita da letra V, você distingue VALA de MALA. Ao mesmo tempo, sempre pronuncie a palavra e, quando possível (o que é o caso, no exemplo), produza o som isolado de [v] e [m], associado aos respectivos grafemas v e m. Ative, também, outras regiões de reconhecimento tátil, motor e cinestésico, acompanhando a direção do movimento da letra, o que reforça a aprendizagem dos neurônios. O corolário desse princípio é o de que as letras não devem ser ensinadas isoladamente e, muito menos, por seu nome. O mesmo se aplica a trabalhar com sons isoladamente, que não sejam a realização de fonemas, portanto, fora da função de distinguir significados. Claro que essa atividade é muito necessária nas aulas de música, mas não tem a ver com o processo de alfabetização. Quanto mais associações forem feitas com as diferentes regiões cerebrais que processam a linguagem verbal (sempre no hemisfério esquerdo), tanto mais rápida e profunda a aprendizagem. Esse princípio já havia sido compreendido por Montessori, daí porque os métodos de alfabetização que utilizam atividades multissensoriais favorecem a aprendizagem: observe-se, porém, que é para fixar as invariâncias dos traços que distinguem as letras. Por isso, você deve também associar ao reconhecimento visual da letra e ao seu valor sonoro gestos que acompanhem o traçado da letra, por exemplo, na letra V, fazer com que a criança acompanhe com o dedo o movimento de cima para baixo e, depois, de baixo para cima, pois, não só são quatro sensações (a visual, a tátil, a cinestésica e proprioceptiva) a reforçar a aprendizagem dos neurônios, como você estará trabalhando com a direção espacial, outra propriedade essencial à leitura. A emissão simultânea do som (realização do respectivo fonema) acresce às quatro sensações a auditiva e a proprioceptiva dos movimentos do aparelho fonador. Foto de colar contas, ou criança enfiando contas em um fio. Legenda: Uma coisa é acompanhar com o dedo o traçado da letra V de cima para baixo e, depois, de baixo para cima, produzindo o som correspondente ao fonema que ela representa. Enfiar contas numa linha, para desenvolver a psicomotricidade, não tem nada a ver com ensinar os neurônios a reconhecer tal letra e depois poder escrevê-la! Utilize um sistema cada vez mais complexo acompanhando o incremento das projeções sinápticas. A cada uma das projeções sinápticas, cada vez mais distantes da região occipital primária, as unidades processadas vão se tornando mais complexas: sílabas, morfemas, palavras, frases, orações, períodos e texto, graças ao que se denomina arquitetura neuronal. Falta falar ainda sobre o que as neurociências nos dizem sobre dois problemas que afligem os educadores. A leitura e escrita espelhadas no início da alfabetização e a dislexia. Leitura e escrita espelhada Para que se entendam a leitura e escrita espelhadas, no início da alfabetização, que, às vezes, perduram por longo tempo, é necessária a explicação a seguir. As projeções visuais são cruzadas Os sinais luminosos que se apresentam à esquerda se projetam sobre a metade direita da retina de cada olho, de onde a informação é enviada em direção às áreas visuais primárias na região occipital do hemisfério direito; e os sinais luminosos apresentados à direita se projetam sobre a metade esquerda da retina de cada olho e são tratados na região occipital do hemisfério esquerdo. “Cada vez que um hemisfério aprende uma informação visual nova, este traço de memória é imediatamente transmitido ao outro hemisfério. Essa transferência passaria, por certo, pelo corpo caloso, esse vasto feixe de fibras que liga as áreas correspondentes dos dois hemisférios. Supondo que esse feixe liga, ponto a ponto, as áreas visuais simétricas dos dois hemisférios, então a transferência entre os hemisférios deveria inverter a direita e a esquerda” (DEHAENE, 2012, cap. 7). Para que os neurônios reconheçam qualquer coisa como sendo a mesma, são desprezadas, pois, as diferenças entre esquerda e direita, o que se denomina de simetrização, quando a informação provinda de ambas as retinas atravessa o corpo caloso: tanto faz a alça de uma xícara estar para a direita ou para a esquerda, você reconhece a xícara como sendo a mesma. Foto de uma xícara, em diferentes posições. Legenda: Uma xícara é uma xícara, não importa a posição! Ora, essa percepção terá que ser refeita durante a alfabetização, pois colocar as três pequenas retas horizontais paralelas só pode ser à direita da reta vertical para formar a letra E. Mais difícil, ainda, é reconhecer a diferença entre d e b, ou entre q e p, a qual reside apenas no fato de as primeiras letras de cada par estarem com o semicírculo à esquerda da haste e as segundas, inversamente, com o semicírculo à direita da haste (espelhamento na horizontal). Outra diferença que os neurônios desprezam é a inversão vertical: se a mesa estiver com o tampo para baixo e as pernas para cima, ainda assim será reconhecida como uma mesa; o mesmo se pode dizer de um guarda-chuva ou de um tomate. Mas com as letras isso não ocorre. A única diferença entre M e W é a direção vertical (espelhamento vertical), o que ocorre também com o que diferencia b p; d - q;e – a; u - n. Isso significa que, na alfabetização, os neurônios da região occipitotemporal ventral esquerda terão que se reciclar para reconhecer a diferença entre direção à esquerda e direção à direita e entre direção para cima e para baixo. Foto de uma mesa, com as pernas para baixo e para cima. Legenda: Uma mesa continua sendo uma mesa, com as pernas para cima ou para baixo - o mesmo não ocorre com as letras. Trata-se de uma aprendizagem específica e, lembre-se, só ocorrerá se for ensinada com a função de distinguir significados, como em bote/dote; bote/pote; dado/dedo. Fotos de bote e pote, dado e dedo, com as sublegendas: bote, pote, dado, dedo. Legenda: O espelhamento, às vezes, é a única diferença na leitura. Essa reciclagem é muito difícil porque continua convivendo com o fato de que, para os demais reconhecimentos, os neurônios que processam a visão continuam a desprezar as diferenças entre à esquerda e à direita e entre em cima e embaixo. Por isso, as crianças persistem na leitura e escrita espelhadas por algum tempo, em maior ou menor grau, mas isso não significa que sejam disléxicas. Icone dicionário Dislexia: A dislexia é um distúrbio de ordem genética que se origina, segundo muitos autores, quando se dá, no feto, a migração dos neurônios desde a zona germinal ao redor dos ventrículos até a posição final nas diferentes camadas do córtex. Alguns genes foram associados ao erro de migração dos neurônios que caracterizam a dislexia, como o gene DYX1C1 sobre o cromossoma 15 e os genes KIAA0319 e DCDC2, sobre o cromossoma 6 e o ROBO1 sobre o cromossoma 3. Esse erro de posicionamento dos neurônios determina que, futuramente, tais indivíduos venham a ter dificuldades no reconhecimento das letras, particularmente, quando está envolvido o traço de espelhamento. Em consequência, tais sujeitos falham nos testes de consciência fonológica. Está registrado que os disléxicos apresentam uma diminuição de atividade na região temporal esquerda, responsável pelo processamento dos fonemas. Atualmente, alguns programas têm se mostrado eficientes na recuperação dos disléxicos: trata-se da reeducação através de jogos no computador, uma vez que eles fascinam o educando. Os programas se baseiam na proposta de Vygotsky sobre zona proximal de aprendizagem. Icone dicionário Zona proximal de aprendizagem: Trata-se de uma área de desenvolvimento da cognição, na qual, usando uma metáfora espacial, define-se a distância entre a capacidade atual de a criança sozinha resolver problemas e o nível de desenvolvimento, avaliado pela resolução de problemas com o auxílio de adultos ou de colegas mais adiantados (VYGOTSKY,1991). (ícone) Pontos importantes No capítulo 3 foram abordados os seguintes assuntos: As recentes descobertas das neurociências, que podem ajudar na escolha do melhor método para a alfabetização e para o desenvolvimento das competências em leitura e escrita; Como os neurônios humanos são dotados de plasticidade para a aprendizagem de novos reconhecimentos e que, no caso da leitura, esses neurônios se encontram numa região denominada região occipitotemporal ventral esquerda; Como a reciclagem é possível, pois porque tais neurônios aprendem a reconhecer os traços invariantes das letras, inclusive o direcionamento para a esquerda ou direita e para cima ou para baixo, que integram as letras, uma ou duas constituindo os grafemas, associados aos fonemas, ambos com a função de distinguir significados; Dessa região ocorrem projeções para todas as regiões que processam a linguagem verbal, em níveis cada vez mais abstratos, até se chegar ao processamento do texto e que esses processamentos ocorrem em paralelo, não unidirecionalmente, mas com informações transportadas pelos axônios e acolhidas pelos dendritos, num fluxo contínuo. Icone dica: Aprofunde seus conhecimentos lendo o livro Os Neurônios da Leitura, de Stanislas Dehaene, da editora Penso, 2012, em especial, as páginas 282-302. Para visualizar os neurônios, acesse: <http://images.google.com.br/images?hl=pt-BR&q=neuronios &um=1&ie =UTF8&sa=X&oi=image_result_group&resnum=4&ct=title> (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa: O que você entende por plasticidade e reciclagem neuronal? O que você entende por áreas primárias, secundárias e terciárias no cérebro? O que é espelhamento? (ícone) Avaliação de aprendizagem 3. O processamento da linha impressa se dá... a ( ) durante os movimentos em sacada. b ( ) abarcando a linha do início, à esquerda, até, o final à direita. c ( ) abarcando toda a página, daí o êxito da leitura dinâmica. d ( ) no momento da fixação, abarcando aproximadamente entre 10 a 12 letras. e ( ) aleatoriamente. 4. Desenvolvimento da língua verbal oral Ícone síntese No terceiro capítulo, você viu, fundamentalmente, que os neurônios humanos são dotados de plasticidade para a aprendizagem de novos reconhecimentos e que, no caso da leitura, esses neurônios se encontram numa região denominada região occipitotemporal ventral esquerda. Agora, você aprofundará como a criança adquire sua variedade sociolinguística oral. ícone objetivo Nesse capítulo, você verá os fatores que intervêm na aquisição da língua oral, mais especificamente na sua variedade sociolinguística, uma vez que, sendo a aprendizagem da leitura e da escrita secundária em relação à aquisição de sua variedade sociolinguística oral, deve-se ter clareza sobre como esta é adquirida. Você verificará que três fatores intervêm para a aquisição da língua oral: os inatos, os maturacionais e os ambientais. Fatores inatos O que são fatores inatos? São os fatores biopsiquicamente determinados pela espécie, em especial, a estrutura, o amadurecimento e o funcionamento do sistema nervoso central, o qual, através de suas redes neurais, se coloca como o instrumento principal e específico de sobrevivência. Dentre as várias funções para as quais o sistema nervoso central é programado, sobressai a capacidade de operar com signos, principalmente os signos verbais orais, que registram as informações na memória permanente, sejam as que o próprio indivíduo vivencia, sejam as que lhes são transmitidas. A memória cognitiva humana é programada para registrar os episódios individuais e coletivos na forma de narrativas factuais ou fictícias. A língua verbal oral serve como moeda corrente para a socialização e para a organização das ideias (o pensamento lógico). Serve também como meio de expressão das emoções e como matéria para a produção estética. Foto pessoas Legenda: Na maioria dos indivíduos, mesmo nos canhotos, o hemisfério nos quais as redes se especializam para a língua verbal é o esquerdo. Para que esta programação compulsória da espécie humana seja ativada, é necessária uma alavanca, ou seja, a interação linguística, cujos dados deverão ser captados por um canal de entrada e reconstruídos pela percepção. Ícone Atenção O canal de entrada privilegiado pela espécie humana para captar a língua verbal oral é o auditivo, mas ele é reforçado pelas informações do chamado canal proprioceptivo que reconhece os movimentos do trato vocal e também pela visão que faz a leitura dos gestos dos lábios e maxilar inferior, sincronizados com o que a criança escuta. Ícone dicionário Canal Proprioceptivo: É o canal que envia informações ao cérebro sobre os movimentos realizados por nosso corpo, no caso, os realizados pelo aparelho fonador da criança que está ensaiando suas primeiras falas. O canal privilegiado para emitir a língua verbal, isto é, os gestos fonoarticulatórios, é o aparelho fonador: pulmões, laringe, faringe, trato bucal e fossas nasais. Conclusão: a criança que não apresenta nenhum impedimento sensorial ou cognitivo para processar a fala nasce programada para operar com signos verbais, no devido tempo, em virtude de como o sistema nervoso central está estruturado e funciona. Problemas congênitos de má conformação e/ou que afetem os circuitos envolvidos no processamento da língua verbal requerem o atendimento de especialistas, pois dificilmente podem ser tratados por leigos. Nesse ponto é preciso deixar bem claro que, embora a espécie humana seja programada para a linguagem verbal, o alvo, naquilo que define sua essência, é, por um lado, a compreensão das mensagens recebidas e, por outro, a produção de textos com sentido, em situações temporalmente sempre novas. A mera repetição mecânica de enunciados, mesmo com articulação aceitável, não se constitui em linguagem verbal conforme definido. Dica Quando a criança nasce surda, se não houver comprometimentos nos centros do sistema nervoso central envolvidos no processamento da língua verbal, e se a criança estiver exposta a sistemas que utilizem outros canais como o vísuo-gestual (a língua brasileira dos sinais, L.I.B.R.A.S., por exemplo), a língua verbal, tal como definida, poderá se desenvolver. Fatores maturacionais Embora o feto possa ser gerado sem nenhum comprometimento, seu desenvolvimento não deve sofrer nenhum acidente de percurso: enfermidades adquiridas pela gestante, como a rubéola, ingestão de drogas durante a gravidez e, o que exige medidas de profundidade, alimentação deficiente em proteínas durante os meses iniciais de formação da criança, podem ter profundas repercussões. Os circuitos que ligam os diversos centros do sistema nervoso central não nascem prontos: os prolongamentos dos neurônios precisam ser recobertos por uma camada rica em proteínas, processo conhecido como mielinização, para que se estabeleçam as ligações de modo adequado e no momento certo. Para produzir os primeiros enunciados, a criança vai calibrando, isto é, comparando o que diz com o que quer dizer (auto-regulação total ou total feedback): recebe simultaneamente em seu cérebro informações proprioceptivas dos gestos do aparelho fonador, bem como imagens acústicas dos sons que emitiu. Conforme se pode depreender, os circuitos interligados desempenham papel decisivo no desenvolvimento da língua verbal. Atenção! A maturação dos circuitos envolvidos no processamento da língua verbal depende da ativação e funcionamento dos mesmos, para a chamada especialização das funções neuronais. Fatores ambientais Uma vez que os programas inatos para o desenvolvimento da língua verbal oral e sua maturação precisam ser ativados pela interação verbal, sobressai a importância dos fatores ambientais, desde aqueles que cercam a gestante, os primeiros meses de vida do infante, até o processo de socialização. A especialização dos neurônios nas áreas secundárias depende da experiência. Foto: Mãe lendo para criança. Legenda: O fato de uma criança ouvir desde cedo narrativas recontadas ou lidas ativa o desenvolvimento dos esquemas mentais. Os aspectos culturais, socioeconômicos e afetivos decidirão, definitivamente, sobre a variedade sociolinguística do falante e sobre seu idioleto. O que é a variedade sociolinguística? Apesar de o sistema alfabético do português brasileiro ser o mesmo para os falantes em todo território, a conversão para os fonemas que uma ou mais letras (os grafemas) representam não é a mesma para todos os indivíduos, isto por que eles não falam do mesmo jeito. As variedades sociolinguísticas são determinadas por vários fatores, dentre os quais se destacam: o geográfico (por exemplo, a variedade praticada no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, em Florianópolis); o socioeconômico e cultural, também conhecido como diastrático (por exemplo, na cidade de Florianópolis, filhos de pais que frequentaram a universidade, que leem e convivem com pessoas das chamadas profissões liberais e, ao mesmo tempo, têm amiguinhos no bairro e/ou na escola que pertencem ao mesmo contexto, vão internalizar uma variedade sociolinguística distinta de crianças cujos pais e/ou familiares não foram alfabetizados e cujos amiguinhos moram em bairros periféricos); o profissional (em virtude da especialização, se estabeleceram verdadeiros guetos linguísticos: mesmo que falem português, você não consegue entender o discurso de um grupo de bioquímicos, ou de surfistas quando estão reunidos); o de geração (a variedade praticada pelos jovens muitas vezes é incompreensível aos adultos) e assim por diante. Ícone Dicionário Idioleto: É a variedade peculiar de um indivíduo, determinada por preferências estilísticas, mas também por fatores de ordem emocional e biopsíquica. Diferença entre variedade e registro Dadas as profundas repercussões que o tema suscita entre os educadores envolvidos com linguagem, convém fazer uma distinção entre variedades sociolinguísticas e registros. As variedades sociolinguísticas, conforme assinalei, decorrem das condições em que a criança internaliza sua língua materna. O professor em sala de aula deve estar consciente de que, diante da mobilidade social vigente, terá alunos praticando as mais diferentes variedades, quer geográficas, quer socioculturais, para não falar dos filhos de estrangeiros, que praticam um português influenciado pelos respectivos dialetos. Quanto aos registros ou estilos, eles são determinados pelas condições do ouvinte ou leitor para quem você se dirige: englobam as características de vocabulário, de sintaxe e de tratamento, dependendes do suporte utilizado (oral ou escrito); do destinatário (privado ou público; familiar ou distante); do status; da situação de comunicação (casa, trabalho, loja, delegacia etc.); do gênero (informativo, literário, argumentativo); das intenções pragmáticas etc. Na prática Respeite a variedade praticada pelo educando. Explique aos alunos o respeito às diferenças linguísticas, mesmo por que o próprio professor pratica sua variedade sociolinguística que, nem sempre, é a norma considerada de prestígio. Lembre-se de que, como o aluno permanece em sala de aula três ou quatro horas, dificilmente perderá os condicionamentos motores adquiridos no ambiente familiar. Para tal, só se trabalhar conscientemente com este objetivo, ou se estiver profundamente motivado: nunca por imposição e muito menos pelo ridículo. Para a aprendizagem dos princípios do sistema alfabético do português brasileiro, você deverá estar atento às realizações de seu aluno, pois os valores das letras (grafemas) não serão os mesmos para todos: se uma criança de Florianópolis diz [si´tu´kEjS], o professor terá que explicar pacientemente que nós não escrevemos como falamos (escrever na lousa queres): (apontar para o qu) representa um som que não dá para dizer isoladamente. Precisamos deste (apontar para e) que representa o som de é [E]; (apontar para as três letras que). Agora podemos pronunciar os dois primeiros sons que aparecem em [´kEjS] antes do [E] o primeiro som se escreve (apontar na lousa para qu, dígrafo, sem dizer o nome das letras); o [E] se escreve e; o [j] se escreve (apontar na lousa re) e o [S] no final da palavra se escreve com (apontar na lousa s), na palavra escrita queres. Apesar de as pessoas somente dominarem uma variedade sociolinguística, conhecem vários registros e estes podem e devem ser ampliados em sala de aula. Sendo assim, quando falamos com uma criança, quanto menor for, usamos um registro que se chama Fala Dirigida à Criança (em inglês, Children Directed Speech, CDS, expressão que substituiu as anteriores Baby talk e Motherese); quando proferimos uma aula, utilizamos o registro adequado, diferente de quando estamos fazendo compras. Da mesma forma, o registro utilizado numa conversa na Internet, nos chats, não é o mesmo que o utilizado num trabalho de conclusão de curso. É, portanto, errôneo afirmar que devemos escrever como falamos porque houve mudanças linguísticas. Mudanças houve, sim, e ninguém vai pregar aos alunos que escrevam como Machado de Assis (aliás, sempre foi um grande equívoco tal proposta), mas volto a afirmar que não escrevemos como falamos, nem isto é possível. Foto de grupo diverso. Legenda. A fala muda conforme a situação. Não escrevemos como falamos. Pontos Importantes No capítulo 4, você constatou que: os fatores que intervêm no desenvolvimento da língua verbal são o inato, o maturativo e o ambiental; a escola contribui com o fator ambiental para o desenvolvimento da língua verbal, em particular, para tornar o aluno competente na utilização dos registros ou estilos; o desconhecimento das bases teóricas e a má orientação por parte dos professores podem atuar como fatores inibidores e até de bloqueio para a comunicação linguística; as variedades sociolinguísticas são determinadas por vários fatores, dentre os quais: o geográfico, o socioeconômico e cultural, o profissional e o geracional; a variedade linguística deve ser respeitada; não se escreve como se fala: o registro escrito deve ser ensinado em sala de aula para que o aluno possa obter os fins desejados quando no futuro tiver que usá-lo para conseguir um emprego, para passar numa prova e até para escrever uma carta de amor. Dica Leitura recomendada: SCLIAR-CABRAL, L. Guia prático de alfabetização, baseado em Princípios do sistema alfabético do português brasileiro. São Paulo: Contexto, 2003b, cap. 2. (ícone bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa O que é um fator inato? O que são o fator maturativo e o ambiental? Em quais dos fatores você situa sua atividade como educador? AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM 4. A aquisição da língua oral e a aprendizagem da leitura e da escrita... a ( ) são a mesma coisa, portanto, deve-se usar também a expressão “aquisição da leitura e da escrita”. b ( ) não são a mesma coisa, pois, na criança que não apresenta nenhum impedimento sensorial ou cognitivo para processar a fala, a aquisição da língua oral é espontânea e até compulsória, enquanto a aprendizagem da leitura e da escrita é sistemática e intensiva. c ( ) são interdependentes porque a aquisição da língua oral depende da aprendizagem da leitura e da escrita. d ( ) ocorrem no mesmo momento na criança. e ( ) ocorrem em sequência: primeiro a criança aprende a ler e a escrever. 5. Fundamentos da alfabetização integral e integrada Ícone Síntese No capítulo anterior, você examinou os fatores que intervêm na aquisição da língua oral, mais especificamente na sua variedade sociolinguística, uma vez que, sendo a aprendizagem da leitura e da escrita secundária em relação à aquisição de sua variedade sociolinguística oral, deve-se ter clareza sobre como é adquirida. Você verificou que três fatores intervêm na aquisição da língua oral: os inatos, os maturacionais e os ambientais, cabendo à escola contribuir para a incrementação deste último, através do desenvolvimento da competência no uso dos registros. ícone objetivo Nesse capítulo, você será levado a refletir sobre os fundamentos filosóficos, científicos e metodológicos da alfabetização integral e integrada. A principal integração consiste em não divorciar as ciências humanas das ciências biológicas: o cultural não pode ser pensado sem o biológico, nem a especialização cerebral sem ser plasmada pela experiência. A alfabetização integral parte do pressuposto de que o alvo é a educação plena do indivíduo: cognição, afetos, sociabilidade, o físico e o estético, em vasos comunicantes deverão levá-lo ao exercício da cidadania e à realização pessoal, com a capacidade para entender os textos escritos que circulam em sociedade e para produzir os de que necessita. Ao final desse capítulo, você estará fundamentado para compreender o Sistema e saberá escolher melhor o material didático e as estratégias em sala de aula para alfabetizar. Fundamentos filosóficos e científicos da alfabetização integrada O fundamento filosófico e científico que norteia a alfabetização integrada é a inseparabilidade entre as ciências humanas e as ciências biológicas: o cultural não pode ser pensado sem o biológico, nem a especialização cerebral sem ser plasmada pela experiência. Traduzido à alfabetização, esse fundamento significa, por um lado, que, embora a invenção da escrita tenha ocorrido há aproximadamente 5.000 anos, sob a pressão de condicionantes sociais, tal invenção e sua respectiva aprendizagem só foram possíveis porque o aparato biopsicológico da espécie está apto à produção cultural, mecanismo de sobrevivência, bem como à aprendizagem dos sistemas escritos, mais especificamente, a relativa plasticidade dos neurônios permite sua adaptação para captarem as articulações dos traços que diferenciam as letras entre si, organizando-as em grafemas com seus respectivos valores (os fonemas), ambos com a função de distinguir significados. Substituir algo (a referência) por uma representação mental, ou seja, a função semiótica, é privilégio da espécie humana. Assim também aconteceu com a escrita propriamente dita, que passou a representar os sistemas orais de comunicação. Por outro lado, a ciência demonstra que a aprendizagem do sistema escrito esbarra com enormes dificuldades, em resumo: a) a percepção da cadeia da fala como um contínuo, uma vez que não há separação entre as palavras, como os espaços em branco na folha impressa, nem contraste entre os segmentos que constituem a sílaba, condição para associá-los aos grafemas nos sistemas alfabéticos (tais fatos são atestados no início da escrita numa cadeia contínua, ou na fase silábica da escrita); b) vocábulos átonos pouco perceptíveis na cadeia da fala, que determinam reanálises silábicas, toda a vez que terminarem por consoante e o vocábulo seguinte iniciar por vogal, como nos exemplos zoiu, zovidu, zoreia; c) os neurônios que processam o sinal luminoso (neurônios da visão) são programados para simetrizar a informação e desprezam as diferenças entre o que está direcionado para a esquerda ou para a direita, para cima ou para baixo, conforme exemplifiquei com o reconhecimento de uma mesa: tanto faz ela estar com as pernas para cima e o tampo sobre o solo, ou vice-versa, sempre será reconhecida como mesa; outro exemplo: tanto faz a alça da xícara estar voltada para a esquerda ou para a direita, você sempre a reconhecerá como uma xícara. Mas, para reconhecer as letras, os neurônios têm que aprender a dissimetrizar, como, por exemplo, reconhecer a diferença entre b e d; entre b e p. Outro fundamento da alfabetização integrada diz respeito ao fato de que ela deveria instrumentar o indivíduo de tal modo que ele estaria apto a ler, compreender, refletir sobre e incorporar os conhecimentos veiculados pelos textos escritos que circulam socialmente, apropriando-se dos avanços filosóficos, científicos, literários e culturais que a humanidade produziu até hoje. Tal propósito de integração recebe o nome de cultura humanística, ideal vigente na Renascença e durante o Iluminismo, quando enciclopedistas, como Diderot, procuraram abarcar todos os conhecimentos da época na Enciclopédia Francesa. Novamente nos encontramos diante de um impasse: no século XX, o desenvolvimento científico e tecnológico foi de tal monta que ultrapassou a massa de conhecimentos acumulados durante toda a passagem anterior do homem sobre a Terra. Mais agravante foi a especialização, com subáreas de conhecimento cada vez mais pulverizadas e compartimentalizadas. Vou explicar o que isso significa como impasse para uma cultura integrada. Parto do pressuposto de que não existe uma palavra nova para cada novo conhecimento, embora muitas sejam inventadas, pois isto significaria uma sobrecarga insuportável para nossa memória de palavras. O conhecimento é estruturado em nossa memória através de esquemas cognitivos, seja através da experiência direta (conhecimento de mundo), seja através das linguagens, em especial, a língua verbal oral e, com mais amplitude e profundidade, através da língua escrita. As palavras estão estruturadas, num dicionário mental (não é o Aurélio ou o Michaelis, nem estão em ordem alfabética!) e apontam para os seus vários significados básicos, conforme o esquema cognitivo ao qual pertencem. Assim, a mesma palavra ponte pode significar a ligação entre duas pontas de terra, como a ponte Rio-Niterói, ou pode significar trajeto aéreo, como a ponte aérea Rio-São Paulo, ou ainda a ligação entre dois dentes, como a ponte dentária. Já dá para você perceber que para compreender um texto, você terá que ter um esquema mental mínimo para poder atribuir a significação básica, depois de reconhecer uma palavra escrita. O que está ocorrendo é que, em virtude da especialização vertiginosa, nenhum de nós possui todos os esquemas mentais necessários à compreensão de todos os textos que circulam socialmente. Tal dilema coloca as seguintes indagações para a alfabetização integrada: Na atualidade, é impossível integrar os saberes acumulados, atingindo o ideal humanístico? Na atualidade é possível atingir o ideal humanístico, substituindo o conceito de erudição pelo de apreensão e síntese dos avanços seminais na filosofia, nas ciências e nas artes? Quais os caminhos? Opto por uma resposta afirmativa à segunda pergunta e sugiro alguns caminhos. O primeiro deles e, a meu ver, prioritário passa pela alfabetização para o letramento. A escola não pode continuar a fabricar analfabetos funcionais. Mas a escola não está alfabetizando para o letramento. Para tal, é necessário buscar uma nova metodologia de alfabetização, baseada nas experiências que deram resultado na erradicação do analfabetismo funcional, incorporando o que há de mais avançado nas neurociências da educação (DEHAENE, 2012), tal como defendo no presente livro. Faz-se necessária a formação continuada de todo o pessoal envolvido com alfabetização e o ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, incluindo professores e autores do material pedagógico para, em conjunto com familiares e a comunidade, fazer com que o futuro leitor reconheça rapidamente qualquer palavra com a qual se defronte pela primeira vez e, sem titubear, tenha uma leitura fluente, desenvolvendo o gosto pela leitura e ampliando seus universos pela vida afora. Papel importante neste Sistema cabe à filosofia e ao jornalismo científico a fim de sintetizar os avanços seminais das ciências, da tecnologia e das artes e de adequar o vocabulário ininteligível ao nível da compreensão do leigo. É preciso salientar, por fim, que a alfabetização integrada é aquela que aproveita todos os espaços e tempos disponíveis para o ensino-aprendizagem da direção dos traços que diferenciam as letras entre si, da constituição dessas em grafemas associados aos seus respectivos valores, os fonemas, ambos com a função de distinguir significados, portanto, inseridos em palavras e estas em textos significativos para o educando. Isto significa a utilização das disciplinas de matemática, ciências, estudos sociais, educação física, artes, lazer, e das atividades de socialização, todas coerentemente entrosadas em torno de uma temática, com um objetivo comum. Fundamentos filosóficos e científicos da alfabetização integral Por serem mais difundidos entre os professores, reservei menor espaço aos fundamentos filosóficos da educação (no caso, da alfabetização) integral que remontam aos gregos, conforme o aforismo latino mens sana in corpore sano. Tais fundamentos, porém, devem ser especificados, desdobrando-se na alfabetização que leve em consideração o desenvolvimento harmônico da cognição e da linguagem, da percepção, do equilíbrio emocional, da socialização, do corpo, da sensório-motricidade e da expressão estética. A forma como isto pode ser operacionalizado se encontra na concepção dos conteúdos didáticos e na sugestão das atividades a serem desenvolvidas em cada uma das unidades do Sistema Scliar de Alfabetização - Roteiros para o professor: 1º Ano. (ícone bloco de anotações) Pontos Importantes No capítulo 5, foram desenvolvidos os seguintes conteúdos: o fundamento filosófico e científico da alfabetização integrada é a inseparabilidade entre as ciências humanas e as biológicas; a aprendizagem do sistema escrito esbarra com enormes dificuldades: a) a percepção da cadeia da fala como um contínuo; b) vocábulos átonos pouco perceptíveis e c) os neurônios que processam o sinal luminoso são programados para simetrizar; em conjunto com familiares e a comunidade, é necessário fazer com que o futuro leitor reconheça rapidamente qualquer palavra com a qual se defronte pela primeira vez e, sem titubear, tenha uma leitura fluente, desenvolvendo o gosto pela leitura e ampliando seus universos pela vida afora; papel importante no Sistema Scliar de Alfabetização cabe à filosofia e ao jornalismo científico a fim de síntetizar os avanços seminais das ciências, da tecnologia e das artes; a alfabetização deve levar em consideração o desenvolvimento harmônico da cognição e da linguagem, da percepção, do equilíbrio emocional, da socialização, do corpo, da sensório-motricidade e da expressão estética. Sugestões para reflexão e pesquisa Como possibilitar que todos tenham acesso ao conhecimento produzido pelo homem? Por que se pode afirmar que a maior exclusão atualmente é a exclusão da informação? Qual uma das principais causas do insucesso nas demais disciplinas que integram o currículo do ensino fundamental? (ícone avaliação) 5. O fundamento filosófico essencial à alfabetização integrada é: a ( ) o método hipotético-dedutivo. b ( ) o método indutivo. c ( ) a interação completa entre as ciências humanas e as ciências biológicas. d ( ) a indissolubilidade entre a física e a química. e ( ) ser contemplada só pelas ciências humanas. 6. Métodos de alfabetização Ícone síntese No capítulo 5, você foi levado a refletir sobre os fundamentos filosóficos, científicos e metodológicos da alfabetização integral e integrada, sendo o principal a integração entre as ciências humanas e as biológicas. Viu-se que a alfabetização integral parte do pressuposto de que o alvo é a educação plena do indivíduo: cognição, afetos, sociabilidade, o físico e o estético, em vasos comunicantes, deverão levá-lo ao exercício da cidadania e à realização pessoal, com a capacidade para entender os textos escritos que circulam em sociedade e para produzir os de que necessita. Ícone objetivo Proponho-me neste capítulo, baseada nos recentes achados da neurociência, desmistificar o método global, que ainda goza de muitos adeptos no Brasil, apesar de sua condenação oficial em países como a França. Traçarei um breve histórico de seu surgimento e desdobramentos, exemplificando o uso no Brasil com algumas cartilhas. Retomarei, a seguir, evidências empíricas das neurociências sobre os limites biológicos à captação pela retina de mais do que doze caracteres a cada fixação sobre a linha impressa e sobre como a região especializada para tal, a região occipitotemporal ventral esquerda, processa a informação escrita, demonstrando que o reconhecimento da palavra não se dá por configuração. Demonstro que a opção por métodos fônicos não implica ignorar a existência e necessidade de processamentos top-down e em paralelo, e encerro com breves considerações sobre os métodos fônicos. Introdução Em reação aos métodos sintéticos de soletração, vigentes desde a antiguidade para alfabetizar, surgiram os métodos globais, também denominados de analíticos, que apresentavam, em comum, o fato de defenderem a ideia de que a criança aprende a partir da percepção do todo, para depois decompô-lo em suas unidades. As variantes da abordagem residiam no que consideravam como o todo, denominando-se, respectivamente, método de palavração, de sentenciação ou global (MORAES SCHEFFER et al., 2007). Mencionarei marcos que projetaram o método global de alfabetização. A. Pierre, A. Minet e A. Martin publicaram, em 1913, material pedagógico, denominado Méthode Boscher, no qual preconizavam que a criança deveria memorizar frases com conteúdo simples, as quais seriam depois decompostas em suas unidades menores (CHARTIER e HÉBRARD, 2001). O adepto mais importante, porém, do método global foi Ovide Decroly, médico belga que resolveu dedicar-se à educação, fundando a escola l’Ermitage (FERRARI, 2010). Apesar de não ter escrito de forma sistematizada o método, suas ideias, aplicadas à alfabetização, resultaram na adoção do texto como ponto de partida. No Brasil, na reforma de educação em Minas Gerais de 1906, realizada por João Pinheiro, a orientação analítica já era preconizada, mas a primeira cartilha a adotar o método foi a Cartilha Analytica de Arnaldo Barreto, publicada em 1907 e difundida entre vários estados (MORAES SCHEFFER et al., 2007). Um dos estados brasileiros em que o método global foi implantado oficialmente, em 1927, foi Minas Gerais, durante a Reforma Francisco Campos. A educadora Lúcia Casassanta participou ativamente do ideário, formando professores na Escola de Aperfeiçoamento, então criada, ministrando a disciplina de Metodologia da Língua Pátria (MORAES SCHEFFER et al., 2007). Entre as cartilhas que adotaram o método global, utilizadas no que então foi denominado de pré-livro, situam-se O Livro de Lili, de Anita Fonseca, lançado em 1930, que teve, pelo que pude compulsar, 83 edições (a partir de 1961, editado pela Ed. do Brasil, São Paulo) e Os três porquinhos de Lúcia Casassanta, lançado em 1954. De O livro de Lili, extraí a primeira lição, para se ter uma ideia: PRIMEIRA LIÇÃO - Lili! Olhe para mim, eu me chamo Lili, eu comi muito doce, vocês gostam de doce. Vocês gostam de doce de abacaxi? Como o trecho era decorado, observem as características textuais. A primeira palavra é um vocativo que está completamente deslocado do ponto de vista discursivo, uma vez que é a própria Lili quem está falando. A mesma coisa acontece com “vocês gostam de doce”, obviamente uma pergunta, com as marcas de pontuação totalmente inadequadas, além de discordar da forma de tratamento da primeira oração. Nota-se, igualmente, que não houve nenhuma preocupação com as dificuldades grafêmicas das primeiras palavras a serem decoradas pelas crianças. A palavra “abacaxi” é uma das últimas a serem usadas no meu livro de alfabetização, Aventuras de Vivi (Scliar-Cabral, 2012), pois o contexto intervocálico torna totalmente imprevisível os valores do grafema “x” (aliás, “x” é o último grafema a ser introduzido na minha proposta de alfabetização). Subjacentes ao movimento da Reforma Francisco Campos, acima mencionada, estão as ideias da Escola Nova, afim à Escola Moderna de Célestin Freinet, da qual derivará a abolição do livro didático e, consequentemente, das cartilhas. Tal ideário terá profundas repercussões sobre a orientação atualmente vigente no MEC, cujas consequências sobre os níveis de letramento no país são por demais conhecidas. Para ilustrar tais consequências, valho-me dos dados sobre o Índice de Desenvolvimento de Educação para Todos (IDE), (INEP, 2012): Utilizado para monitorar o cumprimento dos objetivos de EPT pelos vários países, o Índice de Desenvolvimento de Educação para Todos (IDE) é composto por quatro indicadores: universalização da educação primária, alfabetização de adultos, paridade e igualdade de gênero e qualidade da educação... Na avaliação do cumprimento das metas de Dacar segundo o IDE, o Brasil encontra-se entre os 32 países que ocupam posição intermediária no alcance dos objetivos. Situado em 88º lugar, o Brasil só está acima dos 30 países cujas metas educacionais são longínquas, em virtude da instabilidade provocada por guerras civis e/ou “fragilidade político-institucional”. Em resumo, conforme Frade (2005) os defensores do método global advogam os seguintes princípios: o de que a linguagem funciona como um todo; a criança primeiro percebe o todo para depois observar as partes; prioridade à compreensão; no ato de leitura, o leitor utiliza estratégias globais de reconhecimento; as palavras devem ser familiares e possuir valor afetivo para a criança. Apesar de concordar com um dos princípios defendido pelo método global, isto é, o ponto 3 e, parcialmente com o ponto 5, todos os demais foram totalmente refutados pelos experimentos em neuropsicologia e neurociência. A seguir, alinharei os argumentos advindos de evidências da linguística, psicolinguística, neuropsicologia e da neurociência que desconfirmam as alegações dos defensores do método global. A arquitetura cerebral da linguagem verbal sustenta seu funcionamento Diferentemente de outros sistemas de reconhecimento por configuração, como é o caso do reconhecimento de rostos, de casas e de artefatos, caracterizados por sua estrutura global ou holística, a linguagem verbal apresenta uma arquitetura, pela qual suas unidades são articuladas em diferentes níveis, que correspondem a circuitos cerebrais, nos quais os neurônios se especializam para determinadas funções. A proposta de arquitetura não implica, contudo, a impenetrabilidade dos níveis, uma vez que eles estão conectados entre si. “De fato, quando abordarmos as bases cerebrais da leitura, verificaremos que a organização em vias múltiplas e paralelas é um traço essencial da arquitetura do córtex” (DEHAENE, 2012, p. 56). Algumas propriedades desta arquitetura são as de que, quanto mais baixo o nível, menor é o número de elementos que constituem seu paradigma, mais fechado à entrada de novos elementos em cada sistema linguístico e mais compulsória sua automatização, para que o processamento flua sem tropeços. Sendo assim, no nível mais baixo da arquitetura subjacente ao processamento da recepção auditiva está o paradigma constituído das invariâncias de uns poucos traços fonéticos, bem como dos fonemas (incluída sua distribuição), cujo pareamento com o que é extraído do sinal acústico da fala de uma dada variedade sociolinguística e, a seguir, processado, permite perceber as diferenças entre as unidades dotadas de significado (observe que as unidades do nível mais baixo não têm significado, mas servem para diferenciar entre si as unidades dotadas de significado). O nível a seguir é a memória lexical, onde estão as unidades dotadas de significado: neste capítulo não há espaço para aprofundar a polêmica sobre o formato desta memória, mas é certo que, no mínimo, está subdividida em dois blocos, um no qual estão armazenadas as unidades que se referem à experiência externa à língua, seja ela espiritual ou material e o outro no qual estão armazenadas as unidades que representam as categorias gramaticais. O que diferencia estes dois blocos é que o primeiro está aberto a receber novos itens, toda a vez que se tornar necessário rotular uma nova experiência, podendo abrigar dezenas e até centenas de milhares de unidades enquanto o segundo registra um número muito limitado de itens gramaticais e está fechado a registrar unidades que não pertençam ao esqueleto daquela língua. Numa outra memória está a maquinaria sintática de uma dada língua, também constituída de um número muito limitado de regras que comandam as combinatórias possíveis e as hierarquias numa dada língua. Em outro nível, estão estruturados os campos semânticos, nos quais estão associadas as significações básicas disponibilizadas aos respectivos significantes pelos membros de uma mesma comunidade linguística, moeda de troca que possibilita a intercomunicação. Somente os esquemas cognitivos, que servem de marco textual e discursivo, em reconstrução constante na memória permanente, podem ser considerados como balizadores globais dos processamentos que ocorrem nos diferentes níveis acima descritos, integrando o sistema funcional da linguagem. As evidências empíricas para os circuitos neurais especializados em cada um dos níveis provêm, historicamente, da afasiologia, hoje aperfeiçoadas pelo acompanhamento online do que acontece em cérebros normais quando a linguagem verbal é processada; foram precedidas por dois marcos iniciais, respectivamente, os trabalhos de Broca e de Wernicke. Paul Broca realizou exame post-mortem no cérebro de um paciente do hospital Salpêtrière com grave distúrbio de fala e constatou a lesão do terço posterior do giro frontal inferior esquerdo do paciente (LURIA, 1981), concluindo que uma área do lobo frontal esquerdo estaria envolvida na produção da fala. Wernicke, por outro lado, relatou, em 1873, casos em que a lesão do terço posterior do giro temporal superior esquerdo resultava na perda da capacidade de entender a fala. Grosso modo, ambas as regiões ficaram conhecidas como área de Broca e área de Wernicke. Outro marco foi a teoria proposta por Ramón y Cajal (1852-1934) de que o sistema nervoso é composto por células distintas e discretas (LAMBERT e KINSLEY, 2006). Ilustrarei as contribuições da neurociência em favor da arquitetura cerebral para o processamento da palavra escrita que desconfirmam o reconhecimento global de enunciados escritos. A arquitetura geral do sistema visual é estreitamente limitada e reproduzível, mas o detalhe das respostas de cada neurônio depende de cenas visuais que o organismo encontrou previamente. Mecanismos sofisticados de aprendizagem estatística detectam regularidades do mundo exterior. Nosso cérebro está construído a fim de que certas coincidências suspeitas – alinhamento de várias barras sobre a retina, presença da junção em T, ou em L, sequências reproduzíveis de imagens, etc. – sejam extraídas e internalizadas na arquitetura mesma das conexões do córtex temporal ventral (DEHAENE, 2012, ps. 164/5). Conforme argumentado no início deste tópico, uma das diferenças entre o processamento da linguagem verbal e o de alguns sistemas holísticos e globais como o dos rostos, das casas e artefatos, é que o primeiro é sequencial, articulando unidades em diferentes níveis, reconhecidas no hemisfério esquerdo, especializado para tal. O reconhecimento dos traços que compõem as letras, uma ou mais caracterizadas, a seguir, como grafemas no sistema alfabético de uma dada língua, é realizado na pequena área fusiforme situada no hemisfério esquerdo, a região occipitotemporal ventral (vide o cap. 3), denominada por Dehaene “caixa das letras” do cérebro, ladeada por áreas onde são reconhecidos de forma global rostos, casas e artefatos, porém, preferencialmente nas regiões homólogas do hemisfério direito. Em virtude da rapidez com que se dão tais processamentos, somente técnicas de resolução muito apuradas, como a magnetoencefalografia, explorada desde 1968 por David Cohen (1972) e seus colegas do M.I.T., conjugada com a eletroencefalografia, permitem detectar onde se dão tais reconhecimentos: “o sinal magnetoencefalográfico é da ordem do femtofard27a, ou seja, um bilhão de vezes menos que o campo magnético terrestre” (DEHAENE, 2012, p. 92). A rapidez com que tais processamentos se dão foi um dos fatores que induziu ao erro de explicá-los como globais, erro sanado pelos métodos que dispõem de precisão temporal, pois “a propagação da atividade eletromagnética do cérebro até os captores é praticamente imediata” (op.cit. p. 92): Assim, Antti Tarkiainen e seus colegas da Universidade de Helsinski mediram a atividade magnética do cérebro quando da apresentação de palavras e rostos. Seus resultados revelam duas etapas principais de tratamento visual no córtex. Numa primeira fase, observada em torno de 100 milissegundos depois do aparecimento das imagens na retina, os dois tipos de imagens não se distinguem: palavras e rostos ativam regiões comparáveis do pólo occipital, bem atrás da cabeça. Essas regiões efetuam uma primeira análise da imagem para extrair provavelmente as formas elementares: traços, curvas e superfícies. Nesse estágio do tratamento da informação, o cérebro não sabe ainda de qual estímulo ele vai se ocupar. Mas apenas 50 milissegundos mais tarde, começa a triagem da informação visual. As palavras evocam uma resposta ampla, fortemente lateral no hemisfério esquerdo. A eletroencefalografia permite igualmente medi-la sob a forma de voltagens negativas que emergem de súbito, em torno de 170 milissegundos, na parte inferior e atrás da cabeça. Sua amplitude é bem maior na parte acima do hemisfério esquerdo do que no direito. Para os rostos, é o inverso: os potenciais dominam nitidamente a parte acima do hemisfério direito (DEHAENE, 2012, ps. 92-94). Limites de captação de caracteres pela fóvea Outras fortes evidências que refutam o método global provêm dos experimentos que demonstram os limites de captação da informação escrita pela única região do olho capaz de fazê-lo, o centro da fóvea, onde estão os cones, células fotorreceptoras de resolução muito alta, que ocupam aproxidamante 15º do campo visual, conforme já examinado no cap. 3. Esta limitação faz com que, durante a leitura, os olhos percorram a linha, nos chamados movimentos de sacada, sem nada perceberem (ponto cego): somente no momento da fixação é que são capturados, nos sistemas de escrita da esquerda para a direita, não mais do que três ou quatro letras à esquerda do centro da fixação e sete ou oito à direita, incluindo os espaços. Conforme demonstraram McConkie e Rayner (1975), durante o movimento de sacada, os cones não captam absolutamente nada. O fato é que, dadas as limitações acima, é totalmente impraticável propor um método que parta do reconhecimento do texto escrito como um todo, para depois prosseguir decompondo-o, generalizando o princípio de que a percepção se dá do todo em direção às partes constituintes. Na prática pedagógica, o que ocorria era a memorização do texto ouvido, para emparelhar cada palavra com o escrito, quase por advinhação. Com efeito, a estratégia da advinhação, maquiada por uma nomenclatura pseudocientífica de “hipótese”, ainda vem sendo largamente preconizada pelos críticos dos métodos fônicos, sobre o qual discorrerei ao final. Os métodos globais desconhecem como ocorre o reconhecimento da palavra escrita e, em consequência, qual a melhor forma de alfabetizar: As particularidades do sistema visual dos primatas, que começa a se tornar bem conhecido, explicam por que as operações que nosso cérebro realiza não têm nada em comum com um reconhecimento “global” da forma das palavras. A visão dos primatas não funciona por reconhecimento global – muito pelo contrário, o objeto visual explode em miríades de pequenos fragmentos que nosso cérebro se esforça em recompor, traço por traço, letra após letra. Reconhecer uma palavra consiste, primeiramente, em analisar essa cadeia das letras e aí descobrir as combinações das letras (sílabas, prefixos, sufixos, radicais das palavras), para enfim associá-las aos sons e aos sentidos. É somente porque as operações foram automatizadas em anos de aprendizagem e porque se desenvolvem em paralelo, fora de nossa consciência, que pode persistir durante tantos anos a hipótese naîve de uma leitura imediata e global (DEHAENE, 2012, p. 21). A desconfirmação das teorias subjacentes aos métodos globais, contudo, não significa, como venho afirmando, descartar os processos em paralelo, nem a interconexão obrigatória entre os neurônios da região occipitotemporal ventral esquerda com todas as demais regiões do cérebro que processam a linguagem verbal. Em adendo, é de capital importância esclarecer o papel do conhecimento prévio e enciclopédico, tanto na leitura, quanto na alfabetização e demonstrar que a aceitação deste papel não entra em contradição com a adoção dos métodos fônicos. O papel do conhecimento prévio no reconhecimento da palavra escrita e na alfabetização Reconhecer a arquitetura cerebral dos sistemas linguísticos bem como os limites de captação do número de caracteres da palavra escrita não implica descartar o papel que o conhecimento prévio desempenha tanto na leitura quanto na alfabetização. Trata-se de resolver a questão sugerida pela metáfora de “o que vem antes, a galinha ou o ovo”. Pode-se, de saída, afirmar a necessidade de um tipo de conhecimento prévio, ou seja, de uma língua natural, pois a língua escrita alfabética lhe é secundária. Obviamente, há um contínuo nesta relação, uma vez que, em virtude das mudanças distintas nas diversas variedades sociolinguísticas, algumas delas se afastam mais que outras da língua escrita padrão, uma só para todo o território da língua em questão. A importância do conhecimento prévio da língua oral na alfabetização pode ser percebida na dificuldade dos usuários de LIBRAS para aprenderem os princípios do sistema alfabético do português brasileiro, uma vez que, para eles serem efetivamente incluídos no mundo da informação, eles teriam que ser fluentes na leitura dos textos que circulam socialmente e nas instituições de ensino. Como estes textos utilizam um sistema que não é a representação de LIBRAS, falta-lhes o conhecimento prévio, daí a grande dificuldade de aprendizagem. Para a leitura fluente, condição necessária à compreensão textual e discursiva, faz-se necessário que o reconhecimento da palavra escrita seja muito rápido. Como já explicado anteriormente, os cones não conseguem abarcar mais do que três ou quatro letras à esquerda do centro da fixação e sete ou oito à direita. Isto significa que, após ter havido o reconhecimento dos traços e das letras, sua representação mais abstrata em grafemas e a lincagem aos respectivos fonemas, para o reconhecimento da palavra e o acesso à significação básica, o resultado é provisoriamente registrado na memória de trabalho, um buffer ou estacionamento muito breve, para poder acomodar os resultados subsequentes dos processamentos seguintes e assim amalgamá-los para obtenção dos significados frasais, oracionais e assim por diante. Já deu para concluir que, se o indivíduo não tiver automatizado (e muito bem) o reconhecimento dos traços que diferenciam as letras entre si e os valores que os grafemas têm, começará a tropeçar diante de palavras que estiver vendo pela primeira vez e, quando chegar ao reconhecimento da palavra, a significação básica anteriormente armazenada na memória de trabalho (se é que conseguiu chegar até esta etapa) se esvaiu. Portanto, por mais que os adversários dos métodos fônicos torçam o nariz, é forçoso admitir que, para se compreender o que se lê, incluindo aí palavras novas que inundam o nosso cotidiano, o indivíduo não pode vacilar no reconhecimento das letras e na atribuição dos valores que os grafemas têm. Finalmente, o conhecimento prévio, na forma de esquemas cognitivos, é fundamental para a construção dos sentidos. Os esquemas cognitivos, em contínua reestruturação em nossa memória permanente, registram de forma coerente nosso conhecimento de mundo e enciclopédico. São eles que permitem a atribuição de um sentido novo a uma palavra velha conhecida. Na préleitura, momento inaugural que precede a leitura do texto propriamente dito, após ter-se identificado o tema, seleciona-se, dentre as dezenas ou centenas de esquemas, aquele que vai balizar, permanecendo continuamente ativado, a construção do sentido das palavras (o ato por excelência criativo da leitura). É neste passo que se torna mais verdadeira a metáfora “o que vem antes, a galinha ou o ovo”, porquanto, quem não tem o hábito da leitura, seja porque ela lhe é penosa, por ter sido mal alfabetizado, ou por qualquer outro motivo, possui esquemas cognitivos pobres ou até inexistentes, refletidos, igualmente, no vocabulário escasso para determinados tópicos. Para que se possam entender os textos, conforme estou expondo, é necessário conhecer, no mínimo, 50% do vocabulário neles constante, pois, se o peso da informação nova for excessivo, a sobrecarga para a construção dos sentidos novos se torna intransponível. Eis por que as pessoas têm que ter o hábito de e o gosto pela leitura e isto só se adquire quando ela for prazerosa e fluente, decididamente, quando muito exercício intensivo e inteligente permitir que o dançarino flutue no espaço, sem esforço aparente, ou seja, tudo começa numa boa alfabetização. Esclarecimentos sobre os métodos fônicos Os métodos fônicos podem ser silábicos ou fonológicos, mas ainda persistem muitas confusões sobre suas bases teóricas e sobre suas aplicações. Deter-me-ei em algumas delas, para que não pairem dúvidas que fortaleçam os argumentos dos defensores dos métodos globais. A primeira confusão decorre do falso argumento de que os métodos fônicos não se preocupam com a principal finalidade da alfabetização que é compreender os textos. Ora, da exposição anterior, deve ter ficado bastante claro para o leitor que o verdadeiro método fônico tem por escopo a automatização do reconhecimento dos traços que diferenciam as letras entre si, para chegar-se ao grafema, cuja função não é outra senão distinguir uma palavra de outra, justamente porque substituir um grafema por outro altera o significado. Viu-se, também, que é necessário dominar tais conhecimentos, não como uma finalidade em si mesma, mas sim porque, sem este domínio, não é possível a leitura fluente, condição para se chegar à compreensão textual, em virtude dos limites temporais da memória de trabalho. O falso argumento de que os autores dos métodos fônicos não se preocupam com a compreensão é exemplificado caricatamente com exercícios mecânicos de discriminação das diferenças entre sons, supostamente, instrumento para desenvolver a consciência fonológica e/ou com as chamadas cartilhas matracas para alfabetizar. No primeiro caso, cabe esclarecer que exercícios para discriminar diferenças entre sons isolados não têm nada a ver com desenvolvimento da consciência fonológica e se alguém os aplica sob esta alegação está muito equivocado, pois o recém-nascido demonstra sensibilidade para a percepção categorial, independente da exposição a uma dada língua, conforme os experimentos com o paradigma HAS (high-amplitude sucking), quando ficou comprovada a discriminação categorial da oposição [+] / [-son] no par [ba] / [pa] desde um mês de idade (EIMAS et al., 1971), (SCLIAR-CABRAL, 2004, p. 79). Logo, o bebê já discrimina a diferença entre sons. O que ele ainda não tem é conhecimento para o uso dos fonemas e, muito menos, consciência fonológica: o conhecimento para o uso se estabelece à medida que a criança adquire a sua variedade sociolinguística e o uso de uma classe de sons (o fonema) ou de outra acarreta mudança de significado. Já a consciência fonológica, a capacidade metalinguística para refletir sobre as unidades que têm a função de distinguir significados, pressupõe o desmembramento da sílaba em seus componentes, o que acontece lado a lado com a aprendizagem dos princípios do sistema alfabético de uma dada língua. Como se pode depreender, não existe a mínima possíbilidade de operar com o método fônico, sequer de pensar em alfabetizar, trabalhando apenas com sons isolados, porque o fundamento está em estabelecer a relação entre grafemas e fonemas, unidades que têm a função de distinguir significados e estes só existem no seio de palavras. (ícone bloco de anotações) Pontos Importantes No capítulo 6 foram tratados os seguintes conteúdos: desmistificação do método global; breve histórico do método global e seu uso no Brasil; algumas evidências empíricas da neurociência sobre a arquitetura cerebral; limites biológicos à captação pela retina de mais que doze caracteres a cada fixação; como a região occipitotemporal ventral esquerda processa a informação escrita; o reconhecimento da palavra não se dá por configuração; os métodos fônicos não implicam ignorar a existência e necessidade de processamentos top-down e em paralelo; fundamento do método fônico: estabelecer a relação entre grafemas e fonemas, unidades que têm a função de distinguir significados. Sugestões para reflexão e pesquisa Quais os limites ao que os receptores da visão podem captar, de cada vez, que depõem contra o método global? A memória de trabalho registra primeiro o texto ou mesmo um período inteiro para depois desdobrá-lo? O método fônico significa trabalhar com a discriminação de sons isolados? (ícone avaliação) 6. Qual a base para uma alfabetização efetiva para a leitura e a escrita? a ( ) O método global, pois o cérebro processa o texto escrito como um todo. b ( ) A nomeação das letras, pois, sem saber o nome das letras, os indivíduos não as reconhecem. c ( ) A intuição do indivíduo para ir descobrindo sozinho os princípios dos sistemas alfabéticos. d ( ) As mais recentes descobertas científicas de que há neurônios especializados que devem ser reciclados para reconhecer os traços das letras, associando-as aos fonemas, ambos com a função de distinguir significados. e ( ) O fato de que, seja qual for o método, o indivíduo se alfabetizará sem dificuldade. 7. As principais dificuldades na alfabetização: desmembrar a sílaba - encontros vocálicos (ícone síntese) No capítulo 6, baseada nos recentes achados da neurociência, procurei desmistificar o método global. Traçei um breve histórico de seu surgimento e desdobramentos, exemplificando o uso no Brasil com algumas cartilhas. Retomei as evidências empíricas da neurociência sobre os limites biológicos à captação pela retina de mais do que doze caracteres, inclusive os espaços, a cada fixação sobre a linha impressa e sobre como a região occipitotemporal ventral esquerda processa a informação escrita, demonstrando que o reconhecimento da palavra não se dá por configuração. Demonstrei, também, que a opção por métodos fônicos não implica ignorar a existência e necessidade de processamentos top-down e em paralelo, e encerrei com breves considerações sobre os métodos fônicos. Ícone objetivo No capítulo 7 começarei a analisar em profundidade as principais dificuldades que o aprendiz deverá vencer. Como nosso sistema não é silábico e sim alfabético, para fazer a associação entre o grafema e seu respectivo fonema, o indivíduo deverá desmembrar a sílaba, quando ela for formada por dois, três ou mais segmentos. Eis aí a primeira grande dificuldade com a qual se defronta o alfabetizando, uma vez que, até se alfabetizar, ele percebe a fala como um contínuo e a sílaba como uma unidade indecomponível. Trabalharei com você o conceito de fonema, de consciência fonológica e os encontros vocálicos. Desmembrar a sílaba para associar um fonema a um grafema Com efeito, antes de se alfabetizar, o indivíduo percebe a cadeia da fala como um contínuo: não há pausas entre as palavras, como os espaços em branco que as separam na escrita, nem contrastes entre os sons que constituem as sílabas. Primeiro vou examinar a dificuldade em perceber o contraste entre as unidades que constituem a sílaba e, portanto, em desmembrá-la. Por exemplo, não só as pistas acústicas que definem uma consoante e uma vogal adjacente são interdependentes, como também seus respectivos gestos fonoarticulatórios, em virtude da coarticulação. Faça o exercício a seguir diante do espelho: Ícone na prática Pense em pronunciar a palavra pi e, antes de dizê-la, olhe como ficou sua boca. Agora pense em pronunciar a palavra pó e, antes de dizê-la, olhe como ficou sua boca. Embora o fonema inicial seja o mesmo nas duas palavras, isto é, /p/ (que não pode ser realizado isoladamente), quando você pensou em pronunciá-lo na palavra pi, seus lábios fechados ficaram esticados horizontalmente (isto é, distensos), mas quando pensou em dizer pó, seus lábios fechados fizeram um biquinho (isto é, ficaram arredondados). Isso ocorreu porque o programa motor do cérebro envia os comandos aos músculos do aparelho fonador por unidades silábicas: como a vogal [i] é distensa (tente pronunciá-la na frente do espelho), ao pensar em dizer a palavra pi, os lábios já se preparam, no fenômeno chamado de antecipação; mas a vogal [O] é arredondada e, por isso, ao pensar em dizer pó, você arredonda os lábios, isto é, faz um biquinho. Há outros traços das vogais que vão afetar a articulação do [p] e, portanto, as respectivas pistas acústicas. Por exemplo, em [i], o maxilar inferior vai para frente e puxa o dorso da língua de encontro ao palato duro: essa vogal é chamada de anterior ou menos posterior, fechada e alta (além de distensa), enquanto em [O], o maxilar abaixa e puxa o dorso da língua para trás. A vogal, então, é chamada de posterior, aberta e baixa (além de arredondada). Quando você pede a um não alfabetizado para dizer quantos sons escuta em casa, ele responde que são dois e não consegue apagar a consoante inicial de uma sílaba. Verifique você mesmo, aplicando o teste abaixo numa criança e num adulto, não alfabetizados: observe que primeiro coloquei o teste de apagamento de uma vogal, também uma sílaba, para demonstrar que a pessoa não consegue realizar o teste de supressão da consoante não por não ter compreendido o comando, mas sim porque não consegue desmembrar a sílaba. Ícone na prática Teste de Supressão da Vogal Comando: -Agora eu vou dizer uma palavra que eu inventei e você vai tirar um pedacinho, conforme eu vou explicar. Se eu disser aqui, /a´ki/, você diz qui, /ki/: 1. assu a´su 11. acã a´kã 2. atã a´tã) 12. afó a ´fO 3. acó a´kO 13. alum a´lu] 4. apim api] 14. akôa ´ko 5. achê a´Se 15. apém a´pe]j 6. afu a´fu 16. afô a ´fo 7. apom a´põ 17. adã a´dã 8. achu a´Su 18. agôa ´go 9. apu a´pu 19. afum a´fu] 10. afi a´fi 20. apô a´po Teste de Supressão das Consoantes Comando: -Você vai tirar o pedacinho da frente. Se eu disser far /faR/, você vai dizer ar /aR/. Vamos repetir? 1. fói fOj 11. fão fãw 2. fuim fu]j 12. faim fãj 3. fur fuR 13. fér fER 4. fãe fãj 14. fom fõ 5. féi fEj 15. fôs foS 6. fons fõS 16. fõe fõj 7. fól 8. fois 9. fens 10. fór fOW fojS fe]jS fOR 17. fau 18. fêr 19. fem 20. fus faw feR fe]j fuS Como você pode perceber, ao aplicar este teste, o processo de alfabetização é complexo e implica o desenvolvimento de novas habilidades. Por que é impossível ouvir ou pronunciar uma consoante oclusiva sozinha? As consoantes oclusivas, ou [-contínuas], ou momentâneas, ou plosivas (são as várias denominações encontradas na literatura para tais sons) são as consoantes, conforme sugerem os rótulos, que resultam da ruptura pelas moléculas de ar de um obstáculo à sua passagem, causando um efeito perceptual de explosão. Por isso, não podem perdurar na prolação, sendo também chamadas de momentâneas. Na realidade, o gesto do fechamento, ou obstáculo impede qualquer energia, resultando, portanto, no silêncio, que só é rompido quando tal obstáculo também se rompe, ou seja, com o apoio de uma vogal, como em [ta] e [tu] de [ta´tu] ou de uma consoante que permita a passagem das moléculas de ar. Tente, por exemplo, emitir sozinho o som [t] que aparece duas vezes em tatu: é impossível! No português brasileiro existem seis consoantes oclusivas ou [-contínuas]: [p], [b], [t], [d], [k], [g]. Consciência fonológica Cabe, em primeiro lugar, definir o que vem a ser consciência fonológica e, se tal consciência é sobre unidades fonêmicas, o estatuto de tais unidades. A consciência metalinguística e a consciência fonológica na qual ela se insere decorrem de o ser humano poder se debruçar sobre um objeto, no caso, a linguagem, de forma consciente, utilizando uma linguagem. O tema foi aprofundado por muitos autores, dentre os quais destacaei Morais e Kolinsky (1995). Pallaoro Moojen (2003) coordenou uma equipe que elaborou uma bateria para avaliar sequencialmente a consciência fonológica. No caso particular da consciência fonológica, o objeto sobre o qual você se debruça conscientemente são os fonemas, e a linguagem utilizada é o alfabeto. Portanto, uma primeira distinção a ser feita é entre conhecimento para o uso, não consciente, dos fonemas de uma língua, que todo o falante-ouvinte nativo tem, independente ou não de ser alfabetizado, pois utiliza com propriedade, quer quando escuta, quer quando fala, a diferença entre /´bala/ e /´mala/, e o conhecimento consciente dos fonemas, ou consciência fonológica que se desenvolve lado a lado com a aprendizagem do sistema alfabético da respectiva língua. Se o objeto da consciência fonológica é o fonema, é preciso também ter claro o conceito de fonema, pois muitos confundem fonema com som, ou colocam, dentro do objeto da consciência fonológica, outras capacidades de lidar com os sons. Ícone dicionário Fonema: A definição clássica de fonema, estabelecida pelo linguista R. Jakobson (1949), é: o fonema é um feixe de traços distintivos. Vou clarear, ponto por ponto, o que está implícito na definição de Jakobson para fonema. O fonema tem uma função distintiva, isto é, serve para distinguir um significado básico de outro, como no já citado exemplo de /´bala/ e /´mala/. Veja bem, o fonema não tem significado: serve para distinguir significados. Quer dizer que /b/ e /m/ não significam nada, mas trocando um pelo outro no contexto /´_ala/, o significado se altera. Se você observar bem, vai notar (e agora vou mencionar os traços que constituem os dois fonemas) que: no 1º traço ambos são consoantes [+cons]; no 2º traço /b/ é [+obstruinte], isto é, uma oclusiva, pois há um obstáculo à saída do ar pelo trato vocal e /m/ é [-obstruinte], uma vez que o ar sai pelas narinas, sem encontrar obstáculo; no 3º traço /b/ não é continuo [-cont], e sim momentâneo, isto é, não pode perdurar na prolação (e, por isso, não pode ser produzido isoladamente) enquanto /m/ é [+cont], pois pode perdurar na prolação; no 4º traço /m/ é [+nasal], pois as moléculas de ar ressoam nas fossas nasais e /b/ é [-nasal], pois as moléculas de ar ressoam no trato bucal; no 5º traço, não há oposição, pois em ambos os fonemas as pregas vocais vibram, por isso, eles são sonoros [+son], embora esse traço seja redundante nas consoantes nasais; no 6º traço também não há oposição, pois ambos os fonemas são anteriores, [+ant], uma vez que são articulados na parte mais anterior do trato vocal, ou seja, com os lábios fechados; no 7º traço também não há oposição, pois ambos não são coronais, [-cor], já que não são articulados com a coroa da língua contra os alvéolos ou parte anterior do palato duro. Conforme se pode verificar, a diferença entre /b/ e /m/ não é in totum e sim apenas entre os traços [+obstruinte], [-cont], de /b/ contra [-obstruinte], [+cont] e [+nasal] de /m/. O feixe de traços de /b/ é constituído de [+cons], [+obstruinte], [-cont], [+son], [+ant] e [-cor]. Ele se diferencia de /p/ apenas porque esse fonema é [-son] e de /d/ apenas porque esse é [+cor]. Por que o fonema não é som? Porque o fonema é uma entidade psíquica. Assim como você não pode colocar uma cadeira dentro de sua cabeça, as moléculas de ar que se comprimem e rarefazem para produzir as ondas acústicas também não entram dentro dela. Lembra-se dos traços invariantes das letras? Pois bem, o fonema é um feixe de traços invariantes, de natureza abstrata, que são reconhecidos por sua função de distinguir significados, permitindo que as pessoas se comuniquem através da linguagem verbal. Não importa como as pessoas pronunciem o terceiro segmento que aparece na palavra carta, pois o som que o carioca produz só tem de parecido com o que um gaúcho de Bagé diz pelo fato de que ambos são consoantes, e só! Mas o fonema é o mesmo! Ilustração de uma carta Quando o bebê nasce, os neurônios das áreas primárias são sensíveis para discriminar as diferenças categoriais entre quaisquer sons que possam existir em qualquer língua, mas obviamente, não se trata de fonemas, pois, conforme expliquei acima, o fonema serve para distinguir significados. Ora, ao nascer, o bebê ainda não está com as conexões neurais estabelecidas com as áreas que processam as significações básicas, nem tão pouco teve experiência suficiente com a variedade linguística materna, para reorganizar as pautas acústicas pertinentes a tal variedade (vide os três fatores que se conjugam para a aquisição da variedade sociolinguística oral, no capítulo 4). São precisos alguns meses para que se estabeleçam conexões entre as várias áreas do sistema nervoso central, pois “certas áreas associativas específicas e não específicas do córtex, bem como as conexões axônicas que as ligam”, jogam um papel principal nos aspectos semânticos da linguagem receptiva e produtiva, em particular, o lóbulo parietal inferior (LECOURS, 1983, p.184). Conforme se pode depreender, o fato de o infante ser capaz de, após condicionamento, dar respostas diferenciadas a estímulos categoriais, no chamado paradigma HAS (HighAmplitude Sucking, EIMAS et al., 1971), ou de ser capaz de emitir uma gama bastante rica de sons (inarticulados), não significa, no primeiro caso, que ele já esteja demonstrando qualquer tipo de consciência fonêmica, ou, no segundo, que ele já esteja produzindo gestos fonoarticulatórios de uma dada língua. Na prática Decorrem destas evidências muitas implicações para o que se considera pertinente no desenvolvimento da consciência fonológica: o desenvolvimento da consciência fonológica pode ajudar o alfabetizando a vencer a dificuldade em segmentar a sílaba; tal desenvolvimento depende do domínio gradativo do sistema alfabético, pois, para desenvolver a consciência fonológica, o indivíduo necessita de uma linguagem e essa linguagem é o alfabeto; não se deve confundir consciência fonológica com habilidades para discriminar diferenças entre sons, pois o fonema é uma entidade que tem a função de distinguir as significações básicas. Em virtude das grandes confusões que circulam nos livros didáticos, inclusive das séries iniciais, darei algumas explicações sobre a sílaba e os encontros vocálicos no PB. A sílaba e os encontros vocálicos no PB A sílaba no PB é uma unidade constituída obrigatoriamente por uma e apenas uma vogal (o centro silábico) que pode vir acompanhada em suas margens à esquerda (o aclive ou ataque) e à direita (o declive ou coda) por uma ou mais consoantes. O movimento do trato vocal é de um fechamento para uma abertura (vogal) e dessa para o fechamento. Como não há letras específicas para representar os grafemas semivocálicos, ocorrem muitas confusões em sua identificação, agravadas pelo fato de as semivogais praticamente só se diferenciarem de suas homorgânicas vogais por serem mais breves e por sua função na sílaba: sempre são margem e nunca centro silábico. Ícone dicionário: Sons homorgânicos: São os sons produzidos no mesmo ponto de articulação, como, por exemplo, a vogal [i] e a semivogal [j], a vogal [u] e a semivogal [w]. Sendo assim, a estratégia para identificar se a letra representa uma vogal ou uma semivogal consiste em aplicar o princípio: tantas sílabas, tantas vogais (lembre que a semivogal nunca pode receber o maior acento de intensidade). Na prática Número de Vogais Conte quantas sílabas tem o vocábulo e, em seguida, diga quantas são as vogais (o número de vogais deve coincidir com o número de sílabas). 1. confusões 2. muitas 3. que 4. feixe 5. gaúcho SÍLABAS () () () () () VOGAIS () () () () () 6. suas 7. mais 8. pois 9. inicia 10. ressoam SÍLABAS () () () () () VOGAIS () () () () () Cabe chamar a atenção para um grave erro constatado em livros didáticos e em provas de concurso que consiste em confundir separação silábica com normas de translineação. O que são normas de translineação? São normas que dizem como você deve separar as partes de uma palavra, quando não há mais espaço na linha, para continuá-la na linha seguinte. Essas normas, totalmente arbitrárias, mandam separar, por exemplo, dígrafos, que não são outra coisa senão um só grafema! Assim, segundo essas normas, deve-se separar car- na palavra carro e continuar ro na linha seguinte, ou cons- de consciência, colocando ciência na linha seguinte. Ora, isto não tem nada a ver com separação silábica! As duas sílabas de carro, na escrita são ca e rro /´ka/ /Ru/. Atenção! Encontros Vocálicos HIATO é o encontro de duas vogais, portanto, em sílabas separadas. Ex.: caí /ka´i/ (duas sílabas, duas vogais). DITONGO é o encontro de uma vogal e de uma semivogal na mesma sílaba. Ex.: cai /´kaj/ (uma sílaba, uma vogal). Os ditongos podem ser: decrescentes - considerados perfeitos, porque não podem ser desmanchados, isto é, o trato vocal decresce, porque a semivogal vem depois da vogal. Observe que a semivogal pode estar codificada de várias formas e que as letras i ou u não estão representando vogais. Exs.: dei, tem, têm, tens, perdeu, mau, mal, mais, mães, tonéis, lençóis, mão, choram. crescentes - também chamados de imperfeitos, porque podem ser desmanchados, transformando-se em hiato: trata-se de uma variante livre e, por isso, questões que versem sobre sua identificação só podem cair em prova quando contemplarem a possibilidade das duas variantes. Exemplos: vício /´visju/ (duas sílabas) ou /´visiu/ (três sílabas); ansiar /ã´sjaR/ (duas sílabas) ou /ãsi´aR/ (três sílabas); cueca /´kwEka/ (duas sílabas) ou /ku´Eka/ (três sílabas). orais - o centro vocálico é uma vogal oral, arrastando, portanto, a semivogal, como nos já citados exemplos: perdeu, mau, mal, mais. nasais - o centro vocálico é uma vogal nasal, arrastando, portanto, a semivogal, como nos já citados exemplos: tem, têm, tens, mães, mão, choram. abertos (o centro vocálico é uma vogal baixa, obrigatoriamente oral). Exemplos: céu, tonéis, dói, cai. Observe que, pelo Novo Acordo Ortográfico, se os ditongos abertos /Ej/, /Oj/ figurarem em vocábulos paroxítonos, isto é, se não estiverem no final do vocábulo (monossílabos tônicos ou oxítonos), não levam acento gráfico, como no nome de pessoa Leia (que agora passa a se confundir com a 1ª e 3ª pessoas do singular do presente do subjuntivo do verbo ler). Esse acordo ortográfico, definitivamente, significa um retrocesso que só interessa às editoras que saíram na frente, publicando dicionários e livros didáticos para faturar. Uma das únicas dificuldades para a atribuição dos valores aos grafemas no PB era, exatamente, a que dizia respeito aos grafemas e - o, que a antiga regra de acentuação gráfica dos ditongos abertos /Ej/ e /Oj/ atenuava, pois valia em qualquer posição no vocábulo. Voltarei ao assunto quando tratar da ambissilabicidade. fechados - o centro vocálico é uma vogal [-baixa], isto é, /i/, /e/, /u/, /o/ ou uma vogal nasalizada, inclusive /ã/, que se realiza como fechada. TRITONGO é o encontro de uma vogal entre duas semivogais na mesma sílaba (continua valendo a estratégia, tantas sílabas, tantas vogais). Exemplos. Aguei, magoei. Como a primeira parte do tritongo é crescente, ela pode ser desmanchada e o ditongo se transforma em hiato, portanto é uma variante livre. Aguei /a´gwej/ (duas sílabas, duas vogais), ou /agu´ej/ (três sílabas, três vogais). Alguns encontros vocálicos difíceis de identificar Ditongo ou hiato? Quando o centro silábico for a vogal /i/ ou /u/, conforme os casos a seguir: navio /na´viu/: nesse caso, a melhor solução é tratar o encontro como hiato, conforme o similar em Maria. Se io fosse ditongo, teria que ser obrigatoriamente decrescente, porque o acento de intensidade maior cai no i e, em consequência, o encontro não poderia ser desmanchado, o que não é o caso. Ambissilabicidade O que é ambissilabicidade? É quando a parte inicial de um som é a margem direita de uma sílaba (declive) e a parte final dele é a margem esquerda da sílaba seguinte. Lembra quando expliquei que a sílaba vai do fechamento para a abertura e dessa para o fechamento? Pois bem, observe o vocábulo boia e acompanhe seus movimentos, olhando-se no espelho: começa com os lábios fechados em bico [b], cujo fechamento se rompe com o maxilar inferior vindo para baixo, arrastando a língua até atingir o máximo de abertura necessária para produzir o centro silábico [O]; a seguir, o maxilar inferior vai subindo, arrastando o dorso da língua de encontro à parte interna da arcada dentária e do céu da boca, enquanto os lábios se distendem, decrescendo a abertura para produzir a metade da semivogal [j] até o máximo de seu fechamento (portanto, um ditongo decrescente), o qual, sem interrupção começa a se abrir, com o maxilar inferior voltando para baixo e arrastando consigo a língua, até atingir o máximo de abertura para realizar o [a] (portanto, então um ditongo crescente). Como você está observando então, dinamicamente, ocorre primeiro um ditongo decrescente que, gradativamente, vai se transformando em ditongo crescente, encontro esse não contemplado pela NGB. Seguramente existem em boia duas vogais, portanto, duas sílabas (a transcrição fonológica melhor dessa palavra seria /´bOjja/). Mesmo que alguns autores prefiram analisar em tais ocorrências primeiro um ditongo decrescente, seguido de uma vogal, esse encontro não é consignado pela NGB. Ícone revisão No capítulo 7 foram tratados os seguintes conteúdos: para fazer a associação entre o grafema e seu respectivo fonema, o indivíduo deverá desmembrar a sílaba, quando ela for formada por dois, três ou mais segmentos; conceito de fonema, como feixe de traços distintivos; conceito de consciência fonológica como a capacidade de refletir sobre os fonemas; encontros vocálicos, inclusive na ambissilabicidade. Sugestões para reflexão e pesquisa Quais são as principais dificuldades enfrentadas pelo alfabetizando? Por que acha que desmembrar a sílaba é tão difícil? Como você acha que deve ser desenvolvida a consciência fonológica? (ícone avaliação) 7. A sílaba no PB é constituída de: a ( ) duas vogais. b ( ) uma e apenas uma vogal precedida e/ou seguida, ou não, por consoante(s). c ( ) uma vogal e de uma consoante obrigatória. d ( ) uma semivogal como centro silábico. e ( ) uma vogal e de uma semivogal obrigatórias. 8. Outras dificuldades na alfabetização (ícone síntese) No capítulo 7 comecei a analisar em profundidade as principais dificuldades que o aprendiz deverá vencer. Como nosso sistema não é silábico e sim alfabético, para fazer a associação entre o grafema e seu respectivo fonema, foi examinado que o indivíduo tem que desmembrar a sílaba, quando ela for formada por dois, três ou mais segmentos, residindo aí a primeira grande dificuldade com a qual se defronta o alfabetizando, uma vez que, até se alfabetizar, ele percebe a fala como um contínuo e a sílaba como uma unidade indecomponível. Trabalhei, também, o conceito de fonema, de consciência fonológica e os encontros vocálicos. (ícone objetivo) No capítulo 8, verificarei o problema da segmentação das palavras e a questão da percepção dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos, as dificuldades semânticas e a reanálise silábica; abordarei em seguida a dificuldade em reconhecer os traços que diferenciam as letras e encerrarei o capítulo com a questão das variedades sociolinguísticas. A segmentação das palavras Conforme asseverei, antes da aprendizagem da leitura e da escrita, o indivíduo processa a cadeia da fala como um contínuo. Além da não percepção dos contrastes entre as unidades que compõem a sílaba, conforme examinado no capítulo anterior, outra grande dificuldade é identificar as palavras tais como estão separadas por espaços em branco no sistema escrito, mas cujos limites são opacos na cadeia da fala. Vou assinalar três grandes dificuldades aí envolvidas. A percepção dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos, o fato de os vocábulos átonos não apresentarem significações com contrapartida referencial concreta e a reanálise silábica, quando um vocábulo termina por consoante e o seguinte inicia por vogal, ou quando termina por vogal átona e o seguinte incia por vogal, fenômeno conhecido como sândi externo, ou juntura externa fechada. Ícone dicionário: Sândi ou juntura: Sândi ou juntura resultam do encontro entre dois sons separados por uma fronteira de palavra ou de morfemas que formam uma palavra conforme as características das vogais e/ou das consoantes que entram em contacto. Se a fronteira for entre duas palavras, denomina-se sândi externo ou juntura externa e pode ser aberta, se a fronteira entre as palavras permanecer bem nítida, como no encontro entre as duas palavras meninos felizes; ou pode ser fechada, se a fronteira se tornar opaca, em virtude das características dos dois sons em contato, como acontece toda a vez que uma palavra termina em vogal e a seguinte também começa por vogal. Se forem idênticas, ocorre uma crase, como em amiga amada /a´miga´mada/: percebe-se que há duas palavras porque há dois acentos mais fortes em /´mi/ e /´ma/, mas a fronteira que separava as duas palavras desapareceu. Se as duas vogais forem átonas, mas diferentes, permanece apenas a da palavra seguinte, como em amiga ousada /a´migo´zada/. Por isto, é muito dificíl para a criança separar as palavras por espaços quando está se alfabetizando. A percepção dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos Vocábulos átonos são aqueles que, na cadeia da fala, não possuem o acento de intensidade mais forte. Em geral, são monossílabos e coincidem com classes gramaticais como os artigos e grande parte dos pronomes, preposições e conjunções. Em virtude de serem átonos, dependem fonologicamente no português brasileiro do vocábulo seguinte (com exceção dos pronomes oblíquos que podem ocupar a posição enclítica ou mesoclítica). Todos os substantivos, verbos, adjetivos e advérbios possuem uma sílaba com o acento de intensidade mais forte e, por isso, os vocábulos átonos neles ficam pendurados. Por isso, quando se coloca um vocábulo átono no final da frase, ele não tem onde se apoiar e deixa de ser átono, passando a sujeitar-se às regras de acentuação gráfica, como no exemplo: Queres me dizer por quê? Têm-se nessa frase dois vocábulos átonos, me e por, o primeiro se apoiou no verbo dizer e o segundo no vocábulo quê, que deixou de ser átono e passou a ser um monossílabo tônico terminado em e, portanto, recebendo o acento circunflexo. Por isso, a regra de ouro de atribuição do acento de intensidade durante a leitura, a primeira a ser ensinada, por contemplar os vocábulos mais frequentes do PB (com exceção dos átonos, que apresentam maior frequência de uso), deve ser: se os substantivos, verbos, adjetivos ou advérbios tiverem duas ou mais sílabas e terminarem pelas letras e, a, ou o, seguidas ou não de s, e NÃO tiverem nenhum acento gráfico, leiam-se como paroxítonos. Entende-se, pois, por que, ao substantivarmos qualquer vocábulo átono, na metalinguagem, ele deixa de sê-lo. Por exemplo: O dê é uma preposição. Já deu para perceber a importância de se trabalhar desde a Educação Infantil com a percepção das distinções entre sílabas mais fortes e mais fracas num vocábulo. Os vocábulos átonos não apresentam significações com contrapartida referencial concreta Outra grande dificuldade para o alfabetizando em perceber os vocábulos átonos como separados decorre do fato de eles não terem contrapartida referencial concreta, isto é, eles têm significação puramente gramatical ou outras funções, mas não carregam o que J. Mattoso Câmara Jr. denominou de significação externa. Por isso, deve-se ser engenhoso em ajudar a criança a identificar tais vocábulos. Você concluirá, por exemplo, que, para ajudar a criança a identificar os artigos indefinidos e definidos, deve-se trabalhar com narrativas ficcionais, demonstrando que o artigo indefinido serve para introduzir a informação nova, enquanto o definido é usado para a informação conhecida. Você também poderá trabalhar com atividades que lhe permitam verificar as preposições, trabalhando com procedência, direção para, estáticos, companhia, e assim por diante. A reanálise silábica Quando um vocábulo termina por consoante e o seguinte começa por vogal, ou quando os dois fonemas são idênticos, ocorre a reanálise silábica, tornando opacas a fronteiras entre as palavras. Separe, por exemplo, lendo em voz alta as sílabas da frase os ouvidos. Você notará que há uma contradição entre o que está escrito, com um espaço em branco separando os de ouvidos e o que você disse, ao realizar /u - zo -´vi - duS/ (observe que a realização do último segmento depende da variedade sociolinguística de quem está lendo). Observe, também, que ficou totalmente opaco o morfema de plural que passou para o início da palavra seguinte, o que não é a sua posição na língua portuguesa! Além disso, na posição intervocálica, ele é realizado como sonoro. Por esse motivo, é possível que a criança, quando começa a frequentar a escola, tenha em seu léxico mental, ao invés de olhos, zoio; ao invés de ouvidos, zovido, ao invés de orelhas, zoreia, e, ao invés de unhas, zunha. Tudo isso terá que ser refeito no processo de alfabetização. Na prática Indico, a seguir, um exemplo de atividade para reconhecimento dos artigos indefinidos e definidos, conforme já explicado. Coloque na lousa, em letra de imprensa minúscula, à esquerda, os artigos indefinidos (informação nova) e, à direita, os artigos definidos (informação já introduzida). Em seguida, ao ler a narrativa de Malba Tahan, a cada aparecimento de um artigo, fazer a seguinte pergunta: Isso já apareceu na história? Apontar na lousa o respectivo artigo. OS VASOS PRECIOSOS Malba Tahan Um príncipe poderoso possuía vinte vasos de porcelana, belíssimos, que eram o seu orgulho. Guardava-os em uma sala especial, onde ficava durante muitas horas a admirá-los. Um dia, sem querer, um criado quebrou um* dos** vasos. O príncipe, enfurecido e inconsolável com a perda do** precioso objeto, condenou à** morte o desastrado. Nessa ocasião, apresentou-se no** palácio um velho sábio que se propôs a consertar o vaso de maneira a ficar perfeitamente igual aos*** outros, mas, para isso, precisava ver todos juntos. A sua proposta foi aceita. Sobre uma mesa coberta com riquíssima toalha, estavam os dezenove vasos enfileirados. Aproximando-se, o sábio, como se tivesse enlouquecido, puxou com violência a toalha e os vasos tombaram ao*** chão, em pedaços. O príncipe ficou mudo de cólera, mas antes que ele falasse, o sábio tranquilamente explicou: - Senhor, estes dezenove vasos poderiam ainda custar a vida a dezenove infelizes, assim, dou por estes a minha, porque, velho como sou, para nada sirvo. Refletindo, o príncipe compreendeu que todos os vasos do** mundo, por mais belos e preciosos, não valiam a vida de um ser humano. Perdoou o sábio e também ao*** servo desastrado. * é numeral e não artigo indefinido. ** contrações de preposições com artigos *** combinação da preposição a com artigo Reconhecimento dos traços que diferenciam as letras (fazer coincidir alta e baixa,certinho – A com a, B com b,etc.) ABCDEFGHIJKLMNOPQRSTUVWXYZ abcdefghijklmnopqrstuvwxyz A utilização de uns poucos traços articulados para formar uma letra, diferenciando-a das demais, se insere nos princípios que governam o processamento da escrita, que passo a expor. Iniciou-se pela letra de imprensa, porque a ênfase, nesta etapa, é para com a leitura, na fonte predominante em que os textos circulam socialmente. Quanto mais baixo o nível de processamento, tanto mais deverá ser automatizado durante a aprendizagem e, portanto, menor o número de traços que compõem o paradigma (lista dos traços que são utilizados) e de cada feixe (no caso, uma dada letra), para não sobrecarregar a memória. Os traços mais elementares que constituem as letras são as retas e as curvas, cujo reconhecimento, em suas formas invariantes, não é privilégio da espécie humana. Porém, o que caracteriza a utilização dessas formas invariantes na estruturação de um sistema alfabético é o desdobramento em pequenas diferenças, o modo como se articulam e o acréscimo de outros traços diferenciais, que são a relação com uma linha real ou imaginária (somente nas minúsculas) e a direção para cima ou para baixo, e para a direita ou para a esquerda (esse último, o mais complexo dos traços que diferenciam as letras entre si, pois vai de encontro à programação natural dos neurônios para buscar a simetria na informação visual). Em cada nível, as unidades do nível anterior vão sendo estruturadas numa ordem de complexidade e quantidade crescente, conforme exposto a seguir. 1ª. ordem: É de traços articulados simultaneamente e não em cadeia, para formar cada letra, cuja função é a de realizar um grafema. 2ª. ordem: É a do grafema, associado ao fonema que representa e constituído de uma ou duas letras, cuja função é distinguir a significação básica das unidades puramente gramaticais ou que se referem à significação externa. 3ª. ordem: É a das unidades cuja função é referenciar a significação puramente gramatical ou externa, 4ª. ordem: É a das frases, com função nominal, verbal ou preposicional. 5ª. ordem: É a das orações, cuja função é proposicionar. 6ª. ordem: É a dos períodos, cuja função é articular as proposições. 7ª. ordem: É a ultima, é a do texto, cuja função é articular as ideias, de modo coerente, em torno de uma unidade temática. Articulação dos traços No momento estou tratando das dificuldades com as quais o alfabetizando se defronta para aprender a primeira ordem, a dos traços que se articulam para formar as letras. Algumas letras são formadas por um só traço, como em I, C e O maiúsculos, e l, c e o minúsculos. Já mencionei que os traços mais elementares que constituem as letras são as retas e as curvas, desdobradas em pequenas diferenças, abordadas a seguir. Posição da reta: vertical, horizontal ou inclinada. Por exemplo, na letra E, observam-se uma reta vertical e três horizontais, enquanto na letra V, observamse duas retas inclinadas. Tamanho da reta. Você pode notar que os traços horizontais são sempre menores que os verticais (sempre do mesmo tamanho, numa mesma fonte). Compare, por exemplo, esses tamanhos nas letras E, F, H, L e T. Relações entre os traços numa mesma letra: as relações podem ser entre retas (em qualquer das posições), entre curvas ou mistas, variando o local onde os traços menores se colocam em relação ao eixo principal e quantos são; assim, a única diferença entre E/F está no fato de E ter um traço horizontal a mais na base, e de ambos se diferenciarem de L porque esse só possui um traço horizontal na base; já na letra T, o traço vertical tange bem ao meio o traço horizontal que está no topo, enquanto no H, é o traço horizontal que liga duas retas paralelas bem ao meio; observe, pois, que essas cinco letras maiúsculas articulam exatamente os mesmos traços, diferenciando-se apenas pelas relações que estabelecem entre si: L T F E H; encontra-se um exemplo de relação entre curvas na letra maiúscula S e minúscula s com espelhamento duplo da curva c de cima para baixo e da esquerda para a direita; esse grafema ainda apresenta outras dificuldades, por apresentar valores fonológicos diferentes, conforme o contexto gráfico e a variedade sociolinguística; o que ocorre mais são as relações mistas: uma pequena curva articulada com o traço vertical (na verdade, seu prolongamento), ou o inverso, aparece em letras maiúsculas e minúsculas, como J, a, f, g, h, j, m, n, r, t e u; uma articulação mais complexa ocorre no estilo Times New Roman, usado para g minúsculo; outra articulação mista ocorre entre a curva c e a reta, acrescida de uma das dificuldades maiores no reconhecimento das letras que é a direção para a direita ou para esquerda, e para cima ou para baixo (espelhamento) conforme as letras: B, D, P e R, nas maiúsculas, e b, d, p e q, nas minúsculas. Direção para a direita ou para esquerda, e para cima ou para baixo (espelhamento): deixei para o final o que constitui a maior dificuldade para o reconhecimento das letras, ou seja, a diferença entre a direção do traço para a esquerda ou para a direita e, em menor escala, a diferença entre a direção do traço de cima para baixo ou o inverso: o espelhamento. Como já afirmado várias vezes, a percepção dessa diferença vai de encontro à programação natural dos neurônios para buscar a simetria na informação visual, daí a grande dificuldade de aprendizagem. Essa diferença é a única que existe entre os seguintes pares: b/d, p/q (diferença para a direita ou para a esquerda) e entre M/W, n/u, b/p e d/q (diferença de cima para baixo ou o inverso) e, em menor grau, entre A/V, S/Z, a/e, s/z e f/j. Variedades sociolinguísticas Em virtude da mobilidade social, o professor se defrontará com alunos provindos das mais diferentes regiões, ou, na mesma cidade, com alunos provenientes de ambientes socioculturais muito distintos. Portanto, é necessário ter em mente que o código escrito se caracteriza por um estado de inércia maior se comparado com as mudanças diacrônicas mais rápidas que ocorrem nos sistemas orais. A variação sociolinguística não afeta as letras que constituem o código escrito, o qual deverá abarcar todas as variantes fonéticas de uma dada língua falada. Uma vez que as línguas, das quais cada sistema alfabético é dependente, mudam mais rapidamente do que sua contrapartida escrita, algumas relações fonêmico-grafêmicas passam a ser cada vez mais opacas com o passar do tempo e somente as regras de derivação morfológica ficam produtivas para algumas famílias de palavras; neste caso, um léxico mental ortográfico precisa ser fixado de memória, o que torna de novo o sistema antieconômico. Não significa, contudo, que por esta razão estes radicais devamse ensinar fornecendo os nomes de suas letras constituintes. Assim que a grafia dos radicais básicos que estão em desacordo com as regras grafêmico-fonológicas é aprendida, são globalmente relacionados ao léxico mental fonológico. É necessário acrescentar que, tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento, existe uma discrepância adicional entre as diferentes variedades sociolinguísticas orais. Embora não exista correspondência biunívoca entre qualquer das variedades sociolinguísticas e a norma escrita, a distância é certamente maior se examinarmos as variedades que são consideradas como não tendo prestígio: em geral, os professores não estão preparados tanto para o encaminhamento das disparidades sociolinguísticas individuais, quanto para estar atentos às diferenças fonéticofonológicas e morfológicas relacionadas com o sistema alfabético adotado como única norma. Não significa, contudo, que eu esteja aderindo às ideias ingênuas de Bernard Shaw em favor tanto de uma escrita fonética quanto de uma miraculosa transformação de qualquer My fair lady. A diversidade sociolinguística oral é um fato inquestionável em contraposição a um código escrito único para uma dada língua. O que seria aconselhável a fim de reduzir as consequências de tais discrepâncias é: 1) a adaptação periódica e gradual dos sistemas ortográficos às mudanças diacrônicas que ocorrem no sistema oral; 2) uma atitude ideológica positiva por parte dos professores para com as variedades sociolinguísticas que diferem das supostas normas de prestígio; 3) professores bem formados, particularmente nas primeiras séries do primeiro grau, que possam descobrir a forma individual falada pelos estudantes a fim de que, em conjunto, eles construam regras de correspondência fonológico-grafêmica. Dica Leitura recomendada: MORAIS, J. A Arte de Ler. São Paulo: UNESP, 1996. SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2006. (ícone bloco de anotações) Pontos Importantes Os seguintes conteúdos foram abordados no capítulo 8: o problema da segmentação das palavras e a questão da percepção dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos; as dificuldades semânticas dos clíticos e a reanálise silábica; traços que diferenciam as letras; variedades sociolinguísticas. Sugestões para reflexão e pesquisa O que é um vocábulo átono e quais são eles no PB? O que é juntura fechada externa no vocábulo e o que tem a ver com alfabetização? Desenhe os traços primários que constituem as letras e depois os combine para formá-las, indicando como elas se diferenciam entre si. AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM 8. É difícil separar as palavras na escrita porque: a ( ) a cadeia da fala é um contínuo em que não há silêncio separando as palavras entre si. b ( ) além de a cadeia da fala ser um contínuo, vocábulos muito frequentes são átonos e são percebidos muito fracamente. c ( ) além de terem pouca saliência perceptual, os vocábulos átonos se referem a noções gramaticais. d ( ) quando um vocábulo termina por consoante e o seguinte começa por vogal, ocorre reanálise silábica e as fronteiras entre os vocábulos desaparecem. e ( ) se o segmento final e o inicial dos vocábulos forem idênticos, ocorre reanálise silábica e as fronteiras entre os vocábulos desaparecem. 9. A leitura e o sistema alfabético do português brasileiro Ícone síntese No capítulo 8, verifiquei o problema da segmentação das palavras e a questão da percepção dos vocábulos átonos, também chamados de clíticos, com as respectivas dificuldades semânticas, bem como a reanálise silábica; abordei em seguida a dificuldade em reconhecer os traços que diferenciam as letras, particularmente os que envolvem espelhamento e encerrei o capítulo com a questão das variedades sociolinguísticas. (ícone objetivo) No capítulo 9, abordarei o processamento da leitura pelo leitor já alfabetizado, explicando as suas fases: motivação; pré-leitura; movimentos de fixação e sacada para fatiar; reconhecimento dos traços das letras e sua articulação, para formar os grafemas, associados aos valores sonoros e identificação do vocábulo (descodificação); acesso lexical; busca da significação básica; construção do sentido no texto e retenção temporária na memória de trabalho; articulação dos sentidos nas frases, cláusulas, períodos, parágrafos e texto, com as respectivas retenções temporárias na memória de trabalho; interpretação e retenção permanente nos esquemas da memória cognitiva. Detalharei a fase de reconhecimento dos traços das letras e sua articulação, para formar os grafemas, associados aos valores sonoros e identificação do vocábulo (descodificação), ferramenta indispensável à alfabetização. Ao final desse capítulo, você compreenderá por que, para atingir o alvo principal da leitura, é necessário ter sido bem alfabetizado. O processamento da leitura Tratarei de analisar, de forma acessível, como se reconhecem as letras que compõem os grafemas e a palavra escrita, convertendo-a ao vocábulo tal como estamos acostumados a ouvi-lo. Este processo se chama descodificação. O objetivo é fundamentar os professores sobre gradação dos conteúdos, escolha do material didático e das atividades em sala de aula, bem como para detectar dificuldades, para prevenir o analfabetismo funcional. Uma das causas mais importantes do insucesso escolar está nas dificuldades que os alunos enfrentam para se tornarem eficientes em leitura, espinha dorsal para o êxito nas demais disciplinas e para a sua integração numa sociedade letrada: quem não sabe, pelo menos, ler, se sente marginalizado, tratando-se da maior exclusão na sociedade da informação. No afã de obterem melhores resultados em sala de aula, os professores aderem cheios de esperança a métodos e teorias mais em voga, mas não alcançam o mínimo que seria de esperar: uma média de alunos que saibam ler e produzir os textos adequados à sua fase de desenvolvimento. Concluo que uma das razões para o descompasso entre os esforços desenvolvidos e os resultados obtidos é a falta de uma melhor fundamentação sobre o próprio processo da leitura e sobre os princípios que sustentam o sistema de escrita e leitura do português brasileiro. Esta falta de fundamentação tem, pelo menos, como reflexo prático no ensino da leitura a impossibilidade e/ou dificuldades para: entender o processo da leitura; analisar e selecionar o material pedagógico a ser utilizado em sala de aula; descobrir qual a finalidade das atividades e/ou exercícios desenvolvidos em sala de aula (exemplificarei no decorrer do capítulo); estabelecer a gradação dos conteúdos e respectivas atividades e/ou exercícios; ordenar as prioridades a serem atacadas em leitura; detectar onde estão as dificuldades mais importantes do aluno; avaliar as razões do progresso, a fim de generalizar a experiência. Deve ficar bem claro que o reconhecimento das letras e os valores atribuídos aos grafemas para reconhecer a palavra escrita (descodificação) é apenas um passo, embora necessário, no processo da leitura, cujo objetivo é chegar à compreensão e interpretação do texto e consequente internalização dos conteúdos para ampliação e aprofundamento do conhecimento. Todos nós, mesmo as crianças bem pequenas, temos conhecimentos estruturados em nossa memória, que podem ser denominados de esquemas, roteiros ou marcos. Quando a criança vem à escola, já tem em sua memória esquemas como, família, casa, banho, brinquedos (vários), refeições (várias), vestuário, bairro e assim por diante, bem como narrativas sobre suas experiências passadas ou narradas, entre as quais se incluem narrativas fictícias (histórias). Uma das principais funções da escola é ampliar e aprofundar tais esquemas ou universos, o que ocorre, principalmente, através da leitura. A criança que venceu a batalha de se alfabetizar pode se tornar um leitor fluente, sentindo gosto pela leitura e descobrindo os universos proporcionados pelo texto escrito. O leitor não tropeçará diante de grafemas cujos valores não internalizou, impedindo-o de fazer uma leitura fluente e, assim, de construir o sentido de uma frase e, consequentemente, do texto. Você conhecera, a seguir, os processos envolvidos na leitura (alguns ocorrem simultaneamente em virtude do processamento em paralelo). 1o. Motivação Determina qual o texto a ser lido, como, por exemplo, notícia de jornal; capítulo de uma disciplina; receita de bolo; seção de anúncios de emprego; novela policial; história em quadrinhos; poesia; etc. 2o. Pré-leitura Determina a seleção do esquema mental, que ficará ativado na memória de trabalho, para elaboração do sentido adequado às palavras do texto. Por exemplo, determina o sentido atribuído à palavra ponte, na frase A ponte quebrou, se puxarmos o esquema dentes ou construção que liga duas margens. Há muitos sinalizadores para a préleitura nos textos, desde os nomes das disciplinas, as seções que ocupam num jornal ou revista, os títulos, subtítulos, as orelhas dos livros, as sinopses de livros, os resumos, as palavras-chave e assim por diante. 3o. Movimentos de fixação e sacada para fatiar São os movimentos controlados pelos dois colícolos superiores, situados abaixo do tálamo e rodeados pela glândula pineal do mesencéfalo. Quando o indivíduo já está alfabetizado, não fixa o olhar só numa letra: conforme você já viu, nossos olhos não abarcam uma linha inteira, em virtude das limitações de a única parte da retina, realmente útil para a leitura, chamada fóvea central, rica em células fotorreceptoras, os cones, ocupar apenas 15º do campo visual. Por isso, nossos olhos correm pela linha, em movimentos de sacada (quatro ou cinco por segundo), quando não vemos nada, e param num ponto, a fixação, quando, nos sistemas com direção da esquerda para a direita, a fóvea consegue abarcar 3 ou 4 letras à esquerda do centro do olhar, e 7 ou 8 à direita, inlusive espaços, decompondo os sinais luminosos em miríades de pontos que, metaforicamente, chamei de píxeis e, só depois da recomposição em formas invariantes que possam emparelhar com as dos respectivos neurônios, são enviadas para a área especializada, a região occipitotemporal ventral esquerda: tal processamento dura aproximadamente 50 milissegundos. 4o. Reconhecimento dos traços das letras e sua articulação, Este reconhecimento permite formar os grafemas, associados aos valores sonoros e identificar a palavra escrita (descodificação). O reconhecimento das letras é possível porque se percebe a combinação de traços verticais, horizontais ou inclinados com porções de círculos, em relação a uma linha real ou imaginária. A direção destas combinações permite, ainda, outra grande economia no reconhecimento e identificação das letras, conforme você verificou no capítulo 8, sendo o mais difícil dos traços aquele que permite identificar a diferença de direção nas letras espelhadas, entre para a direita ou esquerda ou entre para baixo ou para cima. De tais reconhecimentos, decorre o da palavra escrita (descodificação), conforme já examinado, na região occipitotemporal ventral esquerda. Um grafema é formado por uma ou mais letras, no PB, como o grafema p, ou nh. A função dos grafemas é distinguir significados básicos, como, por exemplo, se você substituir o b de bola por m. Sendo assim, não ocorrerá aprendizagem se os valores dos grafemas forem ensinados fora de um texto ou se este for um mero pretexto, os chamados textos matracas, que, a rigor, não considero texto. Decorar o nome das letras não tem nada a ver com descodificação. 5o. Acesso lexical Depois de reconhecida a palavra na região occipitotemporal ventral esquerda, ocorre o acesso lexical. Há duas possibilidades: ou a palavra é conhecida e está registrada no dicionário mental fonológico, ou o leitor a está vendo pela primeira vez. Se ocorrer a primeira hipótese, tem-se o emparelhamento com uma forma conhecida e passa-se para a etapa seguinte que é a busca da significação básica atribuída pelo grupo social. Caso seja uma palavra nova, o leitor terá que construir o sentido, principalmente graças à informação textual e, posteriormente, integrar a palavra nova ao dicionário mental. 6º. Busca da significação básica Além do dicionário mental (rol de significantes), todo usuário de uma dada língua possui a memória semântica, na qual as significações básicas, atribuídas pelo grupo social ao qual o indivíduo pertence, estão organizadas em campos semânticos. É esta memória semântica que, fundamentalmente, possibilitará a intercompreensão entre os membros de uma mesma comunidade linguística. 7º. Atribuição do sentido às palavras, às frases e ao texto No entanto, conforme é óbvio, não existe uma etiqueta lexical para cada uma de nossas experiências. A explosão de conhecimentos desde o início do século XX determinou a atribuição de novos sentidos às palavras em curso, sempre em aberto para recobrir novos sentidos. Em decorrência, cabe ao leitor o ônus de construir os novos sentidos, cruzando as informações advindas do texto com os conhecimentos prévios estruturados em sua memória enciclopédica: é o momento mais criativo do ato de ler. Por inferências, o leitor depreende o novo sentido da palavra, alocado no buffer da memória de trabalho. Ícone dicionário: Buffer: É uma estação onde provisoriamente é armazenado o resultado do processamento de um item na memória de trabalho, até que possa ser articulado ao resultado do processamento do item seguinte. Depois de atribuídos os sentidos às palavras, eles são articulados no sentido da frase, ficando provisoriamente armazenado, até que todas as frases, cláusulas, períodos e texto sejam processados, repetindo-se o processo para se chegar à compreensão de todo texto. Se o indivíduo não for bem alfabetizado, tropeçará no reconhecimento da palavra sem poder construir seu sentido, a não ser por adivinhação: de qualquer forma o reconhecimento tem que ser fluente, porque o tempo de armazenagem dos sentidos na memória de trabalho (working memory) é muito curto. 8o. A interpretação A interpretação do texto decorre do cruzamento de vários conhecimentos anteriores com o que se colheu do texto, incluindo-se aí o posicionamento crítico. Os conhecimentos anteriores tanto podem decorrer da experiência direta, quanto dos advindos de textos orais e escritos, mas é fácil concluir que a diversidade e complexidade maior dos conhecimentos advêm das leituras. Essa é a fase em que os alunos brasileiros de 15 anos têm-se saído pior nos testes do PISA e nos demais testes aplicados pelo MEC. 9o. A retenção Consiste em incorporar de forma estruturada os conhecimentos adquiridos na leitura de um texto à memória permanente, aprofundando e ampliando os esquemas cognitivos. Convém ressaltar alguns aspectos importantes no processamento da leitura: só somos capazes de entender um texto, mesmo que bem alfabetizados, quando tivermos algum conhecimento prévio sobre o assunto (ou seja, um esquema), que se mede pela rede estruturada de significados que a ele se referem. Por isto, não se podem dar para a criança textos para ler sobre temas totalmente desconhecidos para ela, como uma Certidão de Nascimento. Por outro lado, os textos informativos devem ampliar e aprofundar os conhecimentos que ela já possui. O que estou afirmando não se refere ao texto poético, às histórias infantis que, repetidas, não perdem o interesse, em virtude das peculiaridades do prazer estético. Dos pontos referidos acima, no capítulo 9, me deterei no item 4, particularmente na atribuição dos valores aos grafemas, desenvolvendo, em linguagem acessível, os princípios do sistema alfabético do português brasileiro, ao mesmo tempo em que sugerirei as suas repercussões pedagógicas. O sistema alfabético do português O sistema de leitura e escrita da língua portuguesa é o alfabético. Há línguas que utilizam o sistema silábico, outras que utilizam primordialmente signos que representam uma ideia (é esse, também, o utilizado no sistema numérico). O alfabeto da língua portuguesa compõe-se de 26 letras que, sozinhas ou combinadas e com alguns acentos gráficos, til e cedilha, representam os fonemas. A evolução para o estabelecimento das normas do sistema alfabético do português foi historiada no capítulo 4 do livro Princípios do sistema alfabético do português brasileiro, de Scliar-Cabral (2003c), ao qual será acrescido o Novo Acordo Ortográfico que entrou em vigor, no Brasil, em 2009. DICA Acesse os seguintes sites para visualizar... Uma aula sobre o mesencéfalo: <http://videoaulas.uff.br/neuroanatomia-mesenc%C3%A9falo> Explicações sobre a fóvea central: <http://medical-dictionary.thefreedictionary.com/central+fovea+of+retina> (ícone bloco de anotações) Pontos Importantes Os seguintes conteúdos foram abordados no capítulo 9: o processamento da leitura; as fases envolvidas: motivação; pré-leitura; movimentos de fixação e sacada para fatiar; reconhecimento dos traços das letras e sua articulação, para formar os grafemas, associados aos valores sonoros e identificação do vocábulo; acesso lexical; busca da significação básica; construção do sentido no texto e retenção temporária na memória de trabalho; articulação dos sentidos nas frases, cláusulas, períodos, parágrafos e texto, com as respectivas retenções temporárias na memória de trabalho; interpretação e retenção permanente nos esquemas da memória cognitiva; a fase de reconhecimento dos traços das letras e sua articulação, para formar os grafemas, associados aos valores sonoros e identificação do vocábulo (descodificação), ferramenta indispensável à alfabetização, de forma detalhada. Sugestões para reflexão e pesquisa Por que a leitura não começa do texto em direção a suas partes constituintes? O que é memória de trabalho? Como se ampliam os esquemas cognitivos? AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM 9. O processamento da leitura: a ( ) não se restringe à decodificação. b ( ) vai desde a motivação até a retenção da informação na memória permanente e ao posicionamento crítico. c ( ) pressupõe que o leitor tenha algum conhecimento prévio sobre o que vai ler. d ( ) só é eficiente se o leitor não titubear diante de cada palavra nova. e ( ) aciona várias regiões do cérebro em paralelo. 10. Critérios para a introdução dos grafemas (ícone síntese) No capítulo 9, abordei o processamento da leitura, explicando as suas fases: motivação; pré-leitura; movimentos de fixação e sacada para fatiar; reconhecimento dos traços das letras e sua articulação, para formar os grafemas, associados aos valores sonoros e identificação do vocábulo (descodificação); acesso lexical; busca da significação básica; construção do sentido no texto e retenção temporária na memória de trabalho; articulação dos sentidos nas frases, cláusulas, períodos, parágrafos e texto, com as respectivas retenções temporárias na memória de trabalho; interpretação e retenção permanente nos esquemas da memória cognitiva. Detalhei a fase de reconhecimento dos traços das letras e sua articulação, para formar os grafemas, associados aos valores sonoros e identificação do vocábulo (descodificação), ferramenta indispensável à alfabetização. (ícone objetivo) No capítulo 10, começarei por revisar a definição de fonema, necessária à compreensão da relação com o respectivo grafema, além de rever a diferença entre sons da fala e fonema; a seguir, tratarei dos critérios para a introdução dos grafemas, exemplificados com aplicações pedagógicas. Ao final desse capítulo, você compreenderá os critérios que devem nortear a ordem de apresentação dos grafemas, representados por uma ou duas letras, na leitura, e terá ideias para enriquecer suas atividades em sala de aula. Diferença entre fonema e sons da fala, fonemas e grafemas Um fonema, escrito entre barras / /, além da já mencionada definição de R. Jakobson (1949), como um feixe de traços distintivos, é uma classe de sons, escritos entre colchetes [ ]. O fonema serve para distinguir o significado básico entre as palavras, como os fonemas /m/ e /b/ em /´mala/ e /´bala/. Os sons para a realização de um mesmo fonema são muito diferentes, dependendo da região de quem fala, do grupo social ao qual pertence e também da posição que ocupa na frase. O fonema /R/ em /maR/, no final de uma sentença, pode ser pronunciado com o dorso da língua contra o véu do paladar [max], como pelo carioca; pode ser pronunciado com a ponta da língua voltada para o céu da boca, como na variedade caipira; pode ser pronunciado com muitas batidas da ponta da língua contra a face interna dos alvéolos, como na fronteira do Rio Grande do Sul [mar]. Porém, se depois de /maR/ vier na mesma frase uma palavra iniciada por vogal, como /´aWtu/ alto, já se pronuncia com uma só batida da língua contra a face interna dos alvéolos e, além disto, ocorre uma modificação na distribuição das sílabas: [´ma´|aWtu] (pronúncia carioca) de mar alto. Observe que o apóstrofo, na transcrição entre barras ou colchetes se refere à sílaba de maior intensidade, vinda logo a seguir. Não existe, porém, uma letra para cada som. Uma, ou duas letras, os grafemas, representam os fonemas. Assim, enquanto existe uma variedade muito grande de sons, só existem 26 letras, para representar a língua portuguesa escrita. A utilização dos sistemas alfabéticos se, por um lado, representa uma grande economia, por outro, constitui uma grande dificuldade quando o indivíduo vai se alfabetizar, porque ele percebe a sua fala como um contínuo, conforme exaustivamente examinado no capítulo 6. É por isto que a criança, depois de descobrir a diferença entre o desenho e a escrita, passa por uma fase em que escreve uma porção de símbolos sem espaços entre si; passa, depois, a atribuir um símbolo para cada sílaba, porque consegue, então, a nível consciente, dividir a cadeia da fala em sílabas. A dificuldade maior está em compreender que uma ou mais letras não se referem a uma sílaba (a não ser quando ela é constituída de uma só vogal) e sim a uma unidade menor. Esta dificuldade em desmembrar uma sílaba a nível consciente é maior quando na sílaba entram as oclusivas /p t k b d g/, porque elas não podem ser pronunciadas sozinhas, sem apoio de uma vogal. Critérios para a introdução dos grafemas Os critérios para a escolha da ordem de complexidade crescente em que são introduzidos os grafemas são: simplicidade dos traços que compõem a(s) letra(s): por exemplo, sendo iguais na maiúscula e minúscula; representar um fonema cuja realização pode ser articulada sozinha, como não é o caso das menos contínuas, isto é, das oclusivas: no caso delas, tomei a decisão de introduzi-las por sílabas, começando pelo grafema T t, que representa o fonema /t/, porque p, b e d ainda apresentam uma dificuldade a mais, por se diferenciarem entre si apenas pela direção do semicírculo para a direita ou para a esquerda, em relação à haste, como é o caso de b e d, ou entre para cima ou para baixo, como é caso de p e b, ou seja, letras em espelho. Os fonemas /k/ e /g/ apresentam outro problema, pois os grafemas que os representam têm seus valores determinados pelo contexto grafêmico; ser biunívoco, isto é, um e apenas um grafema representa o mesmo fonema e um e apenas um fonema é representado sempre pelo mesmo grafema, como é o caso de V /v/ e não é o caso de s, ou do grafema g; o fonema representado pelo grafema não apresenta variantes determinadas pelo contexto fonético, como é o caso de /d/ e /t/, antes de /i/ ou /j/, nem variantes determinadas pelas variedades sociolinguísticas, como é o caso de /R/. É preciso compreender e explicar aos iniciantes e mesmo em anos mais adiantados, que não escrevemos do mesmo jeito que falamos. A noção de recorte ou de segmentação é fundamental na iniciação aos sistemas alfabéticos: é preciso que a criança se dê conta de que aquilo que ela percebe como um todo, como um bololó vai ser dividido em pedaços menores, as palavras, e estas em pedacinhos menores ainda (não é possível falar em fonemas para uma criança pequena) que são representados por uma ou duas letras. Como exemplo, o professor pode usar as palavras vela e/ou mela, pois cada uma de suas unidades pode ser pronunciada sozinha. Além disto, se o professor usar fichas para cada letra, que no caso também é um grafema, pode pedir às crianças que substituam a primeira letra por (mostrando a ficha sem dizer o nome da letra e emitindo seu valor sonoro) s, z, n e obterá novas palavras; também poderá substituir as vogais e obter vila, vala, vale, mala, mola, mula. Como as palavras não são usadas sozinhas, é necessário que as crianças construam oralmente frases com elas. A função desta atividade é demonstrar que as palavras são formadas por pedacinhos representados por letras. Mudando uma pela outra, muda o significado. Na prática Exercício “Pedacinhos” As palavras são formadas por pedacinhos representados por letras. Mudando uma pela outra, muda o significado. Material: Cada criança deverá ter uma caixa contendo fichas com as letras do alfabeto (minúscula, de imprensa). Observe que um dos princípios do Sistema Scliar de Alfabetização é não alfabetizar pelo nome das letras e sim por seus valores. Portanto, aponta-se para a letra e se emite o respectivo som que ela representa. Assim, neste exercício não se utilizam os grafemas quando representam as oclusivas. Comando: Escreva na lousa a palavra vela (em letra de imprensa minúscula, como está no exemplo). À medida que for escrevendo cada letra, pronuncie o som do fonema que ela representa: /v/, /E/, /l/, /a/. Observe que a letra e pode representar, no mínimo, dois fonemas /E/, como em vela e /e/ como em mesa. Isto é bastante difícil para a criança no começo, mas NÃO ensine às crianças que no português existem cinco vogais, pois são sete vogais orais e cinco nasalizadas, que você irá ensinando aos poucos como são representadas. Peça para as crianças contarem uma pequena história sobre bolo de aniversário: cada criança pode contribuir com uma frase. O professor pode comemorar o aniversário de uma criança, pedindo a ela para apagar as velas. A seguir, peça para as crianças formarem sobre sua carteira a palavra vela, com as fichas. Faça depois um jogo para ver quem consegue formar mais palavras, substituindo as fichas de modo a formar novas palavras, como mela, sela, nela, zela, vala, vila etc. A cada uma das palavras produzidas pelo aluno, ele deverá ler o que produziu, formando uma frase. Escreva as palavras na lousa, em coluna (em letra de imprensa, minúscula). Este trabalho de conscientização resulta no desenvolvimento de uma das capacidades que é chamada consciência fonológica, sobre a qual tratei no capítulo 6, muito importante na aprendizagem da leitura e da escrita. Exercício Respeitar a forma de falar de cada um. Os alunos em sala de aula não falam todos do mesmo jeito. Gravar um pequeno diálogo entre cada dupla de alunos exemplifica esta noção. Material: Gravador e fita cassete. Comando: - Agora vamos fazer uma experiência. Assim como cada um tem o seu nome, cada um tem o seu jeito de falar. O Brasil é muito grande e foi formado por muitas culturas diferentes: nós respeitamos todos e também sua maneira de falar. Vamos ver como isto acontece? Ligue o gravador, e dirija-se para a primeira dupla: - ... (nome do aluno), como foi o final de semana? Perceba que evitei o tratamento, pois aí já haverá bastante variação. Examine, depois, as gravações e comente com os alunos as variações e a necessidade de respeitar as diferenças: nunca ridicularizar. Uma variante deste exercício é brincar de entrevista na televisão. Exercício “Diferenças entre escrita e fala” Apesar das variações na fala, o sistema da escrita é um só em todo território nacional: professor e aluno devem trabalhar juntos para aprender como se faz a ponte entre a fala e a escrita. Por exemplo, falamos [´n«]w] e escrevemos não. Eu falo [u´zOLus], mas pode ser que muitos de seus alunos digam [u´zOjju]: neste último caso, pouco a pouco, inclusive com o ensino inteligente das funções que os vocábulos átonos têm, conforme examinei em Os vasos preciosos de Malba Tahan, a criança deverá aprender a colocar espaço entre o artigo e o substantivo e a colocar um s no final: os olhos. Além disto, a cadeia da fala é um contínuo, ou como chamo, numa brincadeira, um bololó. Na escrita, as palavras são separadas entre si por espaços em branco e, na letra de imprensa, que é a mais empregada no material que as crianças vão ler, as letras também estão separadas. Material: Fita gravada com as falas dos alunos. Comando: - Agora, nós vamos ouvir uma das falas de vocês. Eu vou escrever na lousa a primeira frase. Escreva em letra de imprensa minúscula, com exceção da primeira letra, quando você pode começar a ensinar o primeiro uso da maiúscula. Suponhamos que a frase tenha sido: Sábado, eu fui pescar com o papai. Mostre, a seguir, como as palavras são separadas entre si. Explique, ao nível da criança, sobre as palavras que representam “coisas” (explicação provisória para substantivos) e aquelas que representam o que se está fazendo, sentindo, pensando, querendo, etc. (verbos) conforme o que estiver na frase. Mostre, depois, que há outras palavras que servem para introduzir a informação nova e assinalar o que já foi dito (artigos). Quando você explicar os artigos, mostre, tocando a fita, que eles são muito fraquinhos e por isto ficam dependurados nos nomes, mas na escrita é preciso separá-los. Mostre a seguir que a pessoa que fala usa eu e para a pessoa com quem falamos se usa tu ou você (pronomes pessoais). Explique, aqui, a questão da variação social e geográfica. Exercício de Separação Material: A primeira frase que foi gravada e que você escreveu na lousa. Comando: -Vamos fazer uma brincadeira de substituir palavras para ver o que acontece. Vamos começar substituindo a primeira palavra: Sábado. Explique como a substituição de uma palavra pode alterar todo o sentido da frase, obrigando a modificá-la. (ícone bloco de anotações) Pontos importantes (resumo) No capítulo 10, foram examinados os seguintes conteúdos: revisão da definição de fonema; diferença entre sons da fala e fonema; a seguir, critérios para a introdução dos grafemas exemplificados com aplicações pedagógicas. (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa Por que a escola é um dos espaços ideais para ensinar o respeito à diversidade sociolinguística? O que significa a simplicidade dos traços que compõem a(s) letra(s)? O que significa um grafema biunívoco? AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM 10. O ensino-aprendizagem dos grafemas na alfabetização para a leitura deve partir do pressuposto de que: a ( ) a criança descobre sozinha os princípios do sistema alfabético do PB e, portanto, o material didático em sala é desnecessário. b ( ) o material didático deve ser cuidadosamente elaborado, bem como as atividades pedagógicas em sala de aula, ambos baseados nas descobertas mais recentes da ciência. c ( ) a melhor ordem de apresentação é a alfabética. d ( ) é necessário começar pela escrita, antes da leitura. e ( ) deve-se começar pela letra A e terminar na letra Z. 11. Como escolher o grafema para as atividades de ensino-aprendizagem Icone síntese No capítulo 10, revisei a definição de fonema, necessária à compreensão da relação com o respectivo grafema, além de rever a diferença entre sons da fala e fonema; a seguir, tratei dos critérios para a introdução dos grafemas exemplificados com aplicações pedagógicas. Foram expostos os critérios que norteiam a ordem de apresentação dos grafemas, representados por uma ou duas letras, na leitura, com os quais você terá ideias para enriquecer suas atividades em sala de aula. (ícone objetivo) O primeiro grafema a ser ensinado é o grafema V, que coincide com a mesma letra. Detalharei os fundamentos e objetivos de cada atividade das unidades de Sistema Scliar de Alfabetização – Roteiros para o professor: 1º Ano, pois o professor deve conhecêlos, para atingir os alvos do ensino-aprendizagem. Ao final do capítulo 11, você terá uma noção clara de como se aplicam os fundamentos que sustentam as atividades de alfabetização e as estratégias a serem desenvolvidas no seu ensino-aprendizagem. Por que o grafema V v foi escolhido como o primeiro a ser ensinado O grafema V v foi o primeiro grafema a ser ensinado porque preenche vários critérios que facilitam o aprendizado. Simplicidade dos traços que compõem a sua letra, sendo iguais na maiúscula e minúscula; há outras letras que apresentam essa característica, como é o caso de C c, O o, S s, X x, W w, mas os respectivos grafemas não preenchem os critérios 3 e 4, que examinarei logo a seguir. Representa um fonema cuja realização pode ser articulada sozinha. Não é o caso das menos contínuas, isto é, das oclusivas; novamente, quatro dos cinco grafemas acima mencionados representam fonemas cuja realização pode ser articulada sozinha, mas, enquanto o grafema V v sempre representa o fonema /v/ e a recíproca também é verdadeira (próximo critério, da biunivocidade). O mesmo não ocorre com os grafemas O o, S s, X x e W w. É biunívoco, isto é, um e apenas um grafema representa o mesmo fonema e um e apenas um fonema é representado sempre pelo mesmo grafema, como é o caso de V/v/ e não é o caso de C c, O o, S s, X x, W w; O fonema representado pelo grafema não apresenta variantes determinadas pelo contexto fonético, como é o caso de /o/, nem fenômenos determinados pelas variedades sociolinguísticas. Estes são os quatro pontos que justificam a escolha deste grafema para introduzir o processo de alfabetização. Preceitos científicos aplicados à organização das atividades Confira algumas atividades que podem e devem ser utilizadas para auxiliar o processo de alfbetização. Hora da novidade É a primeira atividade do dia e tem a função de desenvolver os esquemas narrativos, essenciais para a competência em leitura e escrita, pois os esquemas narrativos permitem reportar sobre episódios e eventos ausentes do espaço e tempo dos interlocutores, que é uma das propriedades da comunicação escrita: o esquema narrativo é constituído de episódios e estes de eventos, relacionados entre si por nexos de causalidade que permitem a progressão narrativa; cada episódio é introduzido por um cenário explícito ou implícito, constituído pela introdução dos personagens e pela descrição do tempo e espaço onde ocorre. Multissensoriedade com a função de distinguir significados Seguindo o preceito de Montessori de educar pelos sentidos e pelo movimento, inclusive do aparelho fonador, para estimular a concentração e as percepções sensóriomotoras da criança, o reconhecimento da letra que realiza o grafema ocorre acompanhando o traçado com o indicador, ao mesmo tempo em que o som que realiza o fonema é emitido pela criança. Cumpre observar, porém, que, ao contrário de outras propostas semelhantes, a letra integra uma palavra, cujas letras também terão seu traçado acompanhado, com a emissão do respectivo som que realiza o fonema. Eis por que, além do grafema prioritário que está sendo trabalhado, V v, foi obrigatório também introduzir as vogais, embora de grande complexidade, sem as quais não é possível construir palavras no português brasileiro (PB). Essa estratégia foi adotada porque estou convicta de que a aprendizagem só ocorrerá se as unidades traçadas tiverem a função de distinguir significados. Na respectiva unidade, serão detalhados os comandos que o professor deverá ler para os alunos. Poderão, às vezes, parecer maçantes tais comandos, mas eles foram cuidadosamente estudados para a fixação da direção dos traços das letras, com o objetivo de ensinar os neurônios a dissimetrizar. Palavras dentro de um texto: a categoria da expectativa A aprendizagem do reconhecimento das letras que constituem os grafemas, associados aos seus respectivos fonemas, com a função de distinguir significados, por seu turno, só será possível se as palavras fizerem parte de um texto com sentido para a criança e, mais ainda, se o texto despertar o gosto pela leitura na criança. Por esse motivo, criei uma história, com personagens com os quais a criança poderá se identificar, história essa em capítulos, criando na criança a expectativa do que virá a seguir. O texto deverá ser lido por você, professor, com expressividade, com exceção das palavras em negrito (antes das quais você fará uma breve pausa, acompanhada de gesto) a serem lidas em coro, por toda a turma. A cada capítulo da história, as palavras em negrito vão aumentando, até se chegar ao ponto em que todos os grafemas e as respectivas letras que os compõem já foram aprendidos. Atividade de escrita ao nível da criança Como a criança ainda não sabe manuscrever (atividade bem mais complexa que a leitura) utilizam-se fichas móveis, com as quais montará frases e depois as lerá para os colegas. As crianças terão ao seu dispor uma caixinha ou envelope onde está escrito o nome da Unidade em estudo e o número do exercício, contendo muitas fichas com as letras que está aprendendo e as anteriores que já estudou. É fundamental que a criança leia os textos produzidos, pois precisará demonstrar que compreende o que escreveu. No entanto, se a escola dispuser de computadores, as crianças poderão aprender a compor seus textos digitando. A aprendizagem da codificação é contemplada por ditados de textos coerentes com cada unidade, igualmente realizados com fichas móveis. Percepção do contraste entre as sílabas mais intensas e átonas no vocábulo e na frase O reconhecimento da palavra escrita sempre será acompanhado da verificação da sílaba mais forte em contraste com a(s) mais fraca(s), o mesmo ocorrendo na frase. Essa atividade tem por principal objetivo a identificação dos substantivos, adjetivos, verbos e advérbios terminados pelas letras e, a, o, seguidas ou não de s (os mais frequentes do português, salvo os vocábulos átonos) sem acento gráfico, que devem ser lidos como paroxítonos. Tal atividade consiste em, após ter emitido os sons ao acompanhar o traçado das letras que constituem as palavras, repeti-las, batendo palmas na sílaba mais forte, ou sobre a mesa. Ao trabalhar o reconhecimento dos substantivos, adjetivos, verbos e advérbios em negrito no texto, que têm sílaba mais forte, em contraste com os vocábulos átonos, você também está preparando o aluno para escrever esses últimos separados do vocábulo ao qual vêm grudados na fala. Educação integral Em quase todas as unidades do Curso haverá atividades de matemática, música, artes plásticas, teatro, criação literária e esportes, não se descurando as ecológicas, visando à educação integral da criança. A educação integral privilegia o indivíduo como um todo: os aspectos cognitivos, físicos, afetivos, sociais e estéticos são contemplados de forma harmônica e relacionada. Educação integrada Convocar a família e a comunidade para prevenir o analfabetismo funcional é uma das propostas desse projeto. A atividade principal prevista para tal fim é convidar os avós e/ou outros familiares das crianças para contarem histórias que farão parte de um livro a ser divulgado num blog ou site que a escola deverá abrir na internet e/ou a ser publicado pela comunidade. Trabalhando com gêneros e desenvolvendo a educação integrada Antes de encerrar a aula, o professor deve sempre ler e comentar para os alunos algum texto, percorrendo os vários gêneros: uma história, um poema, uma notícia, um anúncio, um aviso, uma reportagem, uma carta, um texto de outra disciplina, uma crônica, uma anedota. Trabalhar com gêneros não significa impor à criança aqueles sem nenhum interesse ou função para ela como sua certidão de nascimento, ou carteira de identidade, e sim aqueles que atendam suas necessidades lúdicas, cognitivas, emocionais, estéticas e sociais, como narrativas, histórias em quadrinhos, instruções de jogos, anedotas, adivinhas, letras de canções, poesias e assim por diante. Aprender brincando Foram previstas muitas atividades lúdicas para todas as unidades, com apoio em músicas, jogos e brincadeiras do repertório infantil. A Dra. Otilia Lizete de Oliveira Martins Heinig, que vem se especializando na área, contribuiu com grande parte desse material. A riquíssima literatura infantil em português e a leitura expressiva pelo professor devem estar sempre disponíveis em atividades diárias. Reproduzo as sugestões da Dra. Heinig: “A proposta é mesmo a de sugerir, permitindo que o professor, a partir de sua realidade, possa criar novos materiais, especialmente jogos e brincadeiras, que possibilitem a reflexão sobre a organização do sistema alfabético. A produção de jogos não é algo simples, pois requer que o professor leve em consideração uma série de aspectos. Para auxiliar, apresento algumas recomendações que focam o que é necessário para preparar um jogo: definir o objetivo que se pretende alcançar com o jogo; conhecer a regra contextual ou a situação que pretende se focar no jogo; levar em conta o sujeito aprendiz (idade, conhecimento prévio, facilidades); é preciso também verificar a cronologia do trabalho, respeitando a inserção das letras no processo de aprendizagem conforme definido no material; selecionar palavras para criar um banco de palavras que atendam ao conteúdo do jogo: neste caso, a cada unidade do material o professor deverá levar em conta a palavra motivadora e o banco de palavras ali sugerido; selecionar imagens compatíveis, daí a importância de trabalhar com elementos concretos, pois estes são mais facilmente materializados em imagens; redigir as regras do jogo com bastante clareza, pois o objetivo é que a criança jogue com seu grupo. O papel do professor é o de mediador, provocando a reflexão sobre a organização do sistema escrito; organizar a caixa com o jogo e a regra; testar com um grupo de crianças; se o teste não for favorável, rever os aspectos problemáticos; se for favorável, é jogar e aprender”. (ícone bloco de anotações) Pontos imortantes No capítulo 11, foram apresentados os conteúdos a seguir: o primeiro grafema a ser ensinado é o grafema V, que coincide com a mesma letra; fundamentos e objetivos de cada atividade das unidades do livro Sistema Scliar de Alfabetização – Roteiros para o professor: 1º Ano; como se aplicam os fundamentos que sustentam atividades de alfabetização; estratégias a serem desenvolvidas no ensino-aprendizagem. (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa Quais os critérios a serem seguidos na gradação do ensino-aprendizagem dos grafemas? O que é um grafema biunívoco? Dê exemplos. Como trabalhar com gêneros nas séries iniciais? AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM 11. Percorrer a letra com o indicador, ao mesmo tempo emitindo o som correspondente ao valor do grafema, serve para: a ( ) fixar a direção dos traços que diferenciam uma letra da outra. b ( ) reforçar a aprendizagem, associando vários canais de entrada. c ( ) associar o grafema ao fonema que ele representa. d ( ) ensinar os neurônios a reconhecerem as letras. e ( ) ensinar que, associando um grafema ao fonema, estamos lidando com unidades que distinguem o significado. 12. Quadro fonêmico das consoantes e das vogais do PB (ícone síntese) No capítulo anterior você descobriu porque o primeiro grafema a ser ensinado é o V. Também foi apresentado aos fundamentos e objetivos de cada atividade que constituem o Sistema Scliar de Alfabetização – Roteiros para o professor: 1º Ano.Também verificou algumas das estratégias que podem e devem ser utilizadas no processo de ensino-aprenndizagem. (Ícone objetivo) Neste capitulo você verá, de forma sistemática, o quadro fonêmico das consoantes e das vogais do português brasileiro (PB). Também se debruçará sobre a definição dos rótulos conferidos aos traços que distinguem as consoantes e as vogais entre si e fará umarevisão do conceito de fonema. Por que você deve entender o sistema fonológico do PB? Todos os que trabalham com alfabetização devem conhecer o sistema fonológico do português brasileiro, porque o sistema de escrita adotado é alfabético e um dos mais transparentes, particularmente para a leitura. O que significa transparência? Quanto mais transparente o sistema, tanto mais existe biunivocidade, isto é, um e apenas um grafema representa o mesmo fonema e um e apenas um fonema é representado sempre pelo mesmo grafema, como é o caso de V /v/, ou, no caso de não havê-la, a maior parte dos valores dos grafemas pode ser previsível. Até o Novo Acordo Ortográfico, que passou à vigência no Brasil em 2008, praticamente, todos os valores dos grafemas eram previsíveis, com exceção de alguns valores dos grafemas e, o, x. Com o Novo Acordo, deixaram de ser previsíveis os valores dos grafemas ei e oi em vocábulos paroxítonos e do grafema u, nos grupos gu e qu, seguidos de e ou i. Mesmo assim, continua muito grande a previsibilidade. 1. Quadro fonêmico das consoantes do PB +ant +ant -ant -cor +cor +cor (labiais) (anteriores) +obstruinte -cont (oclusivas) +cont (fricativas) -Obstruinte +nasal (+vocálico) +lateral -lateral -cons (semivogais) -son (surdas) +son p b t d -son +son f v m s z n -ant -cor -post S(chá) Z (já) -ant -cor +post (posteriores) k g (galo) R (rosa) -(vinho) l r (caro) L (velha) j (pai) w (teu) Fonte: Quadro fonêmico das consoantes do PB, conforme Lopez (1979), mais as semivogais, exemplos e termos comparativos, seguindo Mattoso Camara Jr. (1975). Neste quadro, substituí o símbolo x, referente à variedade carioca descrita por Lopez, pelo símbolo R, mais genérico, adotado por Mattoso Camara Jr., por cobrir todas as realizações nas variedades sociolinguísticas do PB. Desdobramento das abreviaturas: cor = coronais; cont = contínuas; son = sonoras; cons = consoantes. 2. Quadro fonêmico das vogais do PB +Orais -posterior -arredondado (anteriores) i e +posterior -arredonado +posterior +arredonado +alta u -alta o -baixa +baixa a E (pé) O (pó) -Orais (nasalizadas) +alta ĩ ũ -alta ẽ õ +baixa ã Fonte: Sistema vocálico do português brasileiro, conforme o modelo de Quicoli (1990), com acréscimo das vogais nasalizadas. Já que o Sistema Scliar de Alfabetização adota como um de seus fundamentos que uma ou duas letras (os grafemas) devam ser ensinadas por seus valores e não por seu nome, avulta a necessidade de se conhecerem os fonemas do português brasileiro, porque os valores não são outra coisa senão tais fonemas e de como eles são realizados pelos falantes, isto é, os respectivos sons. Cada vez que uma ou duas letras forem traçadas pelo indicador, deverá ser emitido o som correspondente, que é a realização do respectivo fonema ou o valor do grafema (com exceção das não continuas ou oclusivas /p b t d k g/ que não podem ser emitidas isoladamente e serão produzidas com ajuda de uma vogal). Dois conceitos essenciais Fonema não é som. Já foi examinado várias vezes que o fonema tem a função de distinguir significados, assim como o grafema que o representa. Repito aqui a explicação dada no capítulo 7: Um fonema, escrito entre barras / /, além da já mencionada definição de R. Jakobson, como um feixe de traços distintivos, é uma classe de sons, escritos entre colchetes [ ]. O fonema serve para distinguir o significado básico entre as palavras, como os fonemas /m/ e /b/ em /´mala/ e /´bala/. Os sons para a realização de um mesmo fonema são muito diferentes, dependendo da região de quem fala, do grupo social ao qual pertence e também da posição que ocupa na frase. O fonema /R/ em /maR/, no final de uma sentença, pode ser pronunciado com o dorso da língua contra o véu do paladar [max], como pelo carioca; pode ser pronunciado com a ponta da língua voltada para o céu da boca, como na variedade caipira [maÇ]; pode ser pronunciado com muitas batidas da ponta da língua contra a face interna dos alvéolos, como na fronteira do Rio Grande do Sul [mar]. Por essa razão, os dois quadros acima não registram todos os sons possíveis de realização dos fonemas (aliás, seria impossível), mas você deve estar atento para o fato de que seus alunos, ao lerem, converterão os grafemas a seus respectivos fonemas e os realizarão de acordo com sua variedade sociolinguística: esteja atento! Distinção entre consoantes e vogais Embora haja parâmetros articulatórios, acústicos e perceptuais para distinguir as consoantes das vogais, o melhor critério é a função na sílaba, isto é, somente as vogais podem ser centro silábico no PB, conforme já examinado: a sílaba no PB é uma unidade constituída obrigatoriamente por uma e apenas uma vogal (o centro silábico), que pode vir acompanhada em suas margens à esquerda (o aclive ou ataque) e à direita (o declive ou coda) por uma ou mais consoantes. É por isso que as semivogais /j/ e /w/ figuram no quadro das consoantes acima, pois não temos letras específicas para representar os grafemas semivocálicos, acarretando muitas confusões em sua identificação. Algumas explicações sobre os fonemas do PB Obstruinte (oclusivas e fricativas), traço equivalente a [-sonante], resulta de o obstáculo à saída do ar não permitir a vibração espontânea das pregas vocais. A abreviatura cont se refere às [+contínuas], uma subdivisão das obstruintes, que se aplica às fricativas, pelo fato de sua emissão poder perdurar, e às outras obstruintes, ou seja, as oclusivas [-contínuas], que resultam de um obstáculo à saída do ar pelo trato vocal, o qual deverá ser rompido para que se produza qualquer energia, como é o caso, no português de /p b d t k g/. Por isto, a realização isolada destes últimos fonemas é impossível, o que tem suas implicações pedagógicas quando seus respectivos grafemas são introduzidos, conforme explicarei. A abreviatura son se refere à sonoridade que resulta da vibração das pregas vocais como em /b/ e ausente em /p/. As abreviaturas post e ant de posteriores e anteriores se referem à movimentação do maxilar inferior, arrastando a língua, para frente ou para trás, para a produção dos sons anteriores, isto é, [-posteriores] e posteriores, isto é, [+posteriores], respectivamente. No caso das vogais, o traço vai ser essencial para a atribuição distinta dos valores aos grafemas c, g. As vogais com o traço [+posterior], são representadas pelos grafemas u, o, a, com ou sem acentos gráficos, enquanto as vogais com o traço [-posterior], isto é, as anteriores são representadas pelos grafemas i, e, com ou sem acentos gráficos. A abreviatura cor se refere à coronal, resultante da elevação da coroa ou lâmina da língua, como ocorre nos fonemas /t d s z n r l S Z/. O traço [+arredondado] se refere ao arredondamento dos lábios, encontrado nas vogais /u o O/, enquanto [-arredondado] é quando os lábios estão distensos, como em /i e E a/. Dica Para você verificar o aparelho fonador, consulte o site: http://www.google.com.br/images?q=aparelho+fonador+imagem (ícone) Pontos importantes No capítulo 12, foram examinados os conteúdos a seguir: quadro fonêmico das consoantes e das vogais do português brasileiro (PB); definição dos rótulos conferidos aos traços que distinguem as consoantes e as vogais entre si; revisão do conceito de fonema. (ícone bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa: Por que o alfabetizador deve conhecer o sistema fonológico do português brasileiro (PB)? O que é transparência de um sistema de escrita? Qual sua opinião sobre o Novo Acordo Ortográfico? AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM 12. As consoantes no PB são fonemas: a ( ) que se realizam com um máximo até um mínimo de fechamento do obstáculo à saída do ar. b ( ) que só podem ocupar a margem na sílaba. c ( ) que incluem as semivogais /j/ e /w/. d ( ) que se realizam com maior ou menor obstrução à saída do ar. e ( ) que se opõem às vogais. 13. Valores atribuídos aos grafemas, independentes do contexto grafêmico (ícone síntese) No capítulo 12 foram apresentados e explicados os quadros fonêmicos das consoantes e das vogais do PB; a seguir, definiram-se os rótulos conferidos aos traços que distinguem as consoantes e as vogais entre si. (ícone objetivo) Defino no capítulo 13 o que se entende por contexto grafêmico e examino os valores atribuídos aos grafemas, independentes do contexto escrito, isto é, independentes da posição ou da letra que vier antes e/ou depois: na leitura, será atribuído sempre o mesmo valor àquele grafema. Contexto grafêmico O contexto grafêmico consiste dos grafemas realizados pelas letras que vêm antes e/ou depois do grafema cujo valor está em jogo e/ou da posição que ele ocupa no vocábulo e na sílaba escrita (se no início ou final do vocábulo, se no início ou final de sílaba interna). Por exemplo, os grafemas c, g podem ter dois valores, dependentes do grafema vocálico ou semivocálico que vier depois: se representar vogal ou semivogal [+posterior], o valor será, respectivamente /k/ e /g/, como em cala, gala; se representar vogal ou semivogal [-posterior], o valor será, respectivaamente /s/ e /Z/, como em você, gelo. O grafema r, em início de vocábulo, sempre terá o valor do fonema /R/, enquanto o grafema m, em final de vocábulo, depois do grafema a, terá o valor da semivogal nasalizada /w/. Alguns dos grafemas só podem ocupar uma posição, como é o caso de todos os dígrafos que têm que estar, obrigatoriamente, no início da sílaba, entre grafemas vocálicos (com exceção de ch, que também pode figurar no início do vocábulo), enquanto outros só marginalmente podem ocupar a posição de final de sílaba, como os grafemas p b t d f v c g, que representam obstruintes. Há, porém, grafemas cujos valores independem do contexto grafêmico. É o que se verá a seguir. Valores dos grafemas, independentes do contexto Quadro 3. Valores dos grafemas, independentes do contexto ____________________________________________________________________ Grafema Valor Exemplos Grafema Valor Exemplos ____________________________________________________________________ p /p/ pato b /b/ bola t tatu d /d/ dado f /f/ café v /v/ uva ss /s/ massa ç /s/ moça sç /s/ desço ch /S/ chave j /Z/ janela nh /-/ linha rr /R/ carro õ /õ/ põe ó /O/ óculos à /a/* à á /´a/ água â /´ã/ lâmpada ã /ã/ rã ____________________________________________________________________ Observe que, para a ordenação no ensino-aprendizagem, não me baseio somente no critério de os grafemas terem sempre os mesmos valores, independentes do contexto, pois há outros critérios que precisam ser considerados, que já foram apresentados em capítulos anteriores. Por exemplo, os grafemas d/b e b/p apresentam o maior problema no reconhecimento das letras, pois se diferenciam entre si apenas pela direção para a direita ou esquerda do meio-círculo em relação à reta e para cima ou para baixo (espelhamento), além de o respectivo som não poder ser produzido sozinho. Note que todas as letras que representam as vogais, salvo quando vierem com sinais gráficos (chamados de diacríticos), poderão ter valores diferentes, dependendo da posição, do acento de intensidade e/ou das letras que vierem depois. Por isto, havia uma intuição dos alfabetizadores antigos, ao apresentarem como primeiras palavras-chave ovo, uva e Ivo, embora elas não estivessem inseridas num texto e sim em frases soltas. Ícone dicionário: Diacrítico: Qualquer sinal gráfico acrescentado às letras para especificar-lhes algum valor, como os acentos agudo, circunflexo e grave, o til e a cedilha. Enfatizo que a descoberta dos valores dos grafemas seja conduzida dentro de um contexto comunicativo e/ou de brincadeira ou jogo, trabalhando com textos. Chamo a atenção para o fato de os valores dos grafemas p, b, t, d não poderem ser pronunciados sozinhos, pois são oclusivos (isto é, [-cont]), portanto, não insista com seus alunos para produzirem sons impronunciáveis sem apoio de vogal, mesmo que surda. De resto, trabalhe sempre com palavras com sentido dentro de um texto. Observe-se também que quando t, d estiverem antes da letra i ou da letra e lida como [i] ou semivogal [j], na maior parte das variedades sociolinguísticas africam e palatizam, lendo-se como [dZ] e [tS], respectivamente, como em dia e tia. A meia lua sobre a vogal é para assinalar que se trata de uma vogal átona, valor atribuído à descodificação de à (crase da preposição /a/ com artigo definido feminino, pronome ou demonstrativo iniciado pelo fonema /a/). Embora ó, á sempre tenham o mesmo valor, independente do contexto, o mesmo não se pode dizer de é, pois esse grafema poderá ter o valor da vogal [+oral], [-posterior], [arredondada], [+baixa], /E/, como em pé, ou de vogal nasalizada [-oral], [-posterior], [arredondada], [-alta], /ẽ/, como em contém. Na realidade, a regra formal da descodificação de um grafema independente de contexto é muito simples: f /f/, que se lê como: “O grafema f se descodifica como a realização do fonema /f/” (produza só o som [fff]. (ícone) Pontos importantes No capítulo 13 foram abordados os seguintes conteúdos: contexto grafêmico; valores atribuídos aos grafemas, independentes da posição ou da letra que vier antes e/ou depois; será atribuído sempre o mesmo valor ao grafema independente do contexto escrito. (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa: Por que não se deve pronunciar o nome das letras enquanto se alfabetiza? Por que é importante estimular a criança a reproduzir o som, a fazer o movimento com os dedos e a bater palmas? Por que o Sistema Scliar de Alfabetização começa com letra de imprensa maiúscula e minúscula? AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM 13. Valores atribuídos aos grafemas, independentes do contexto a ( ) são os valores que dependem das letras que os precedem. b ( ) são os valores que dependem das letras que os sucedem. c ( ) são os valores que dependem de onde cai o acento de intensidade. d ( ) são os valores que dependem da variedade sociolinguística. e ( ) são os valores que independem do contexto grafêmico circundante. 14. Valores dos grafemas, dependentes do contexto escrito (ícone síntese) No capítulo 13 explicou-se o que se entende por contexto grafêmico e examinaram-se os valores atribuídos aos grafemas, independentes do contexto escrito, isto é, independentes da posição ou da letra que vier antes e/ou depois, pontuando-se que, na leitura, será atribuído sempre o mesmo valor àquele grafema. (ícone objetivo) Examinarei os valores dos grafemas dependentes do contexto escrito, isto é, dependentes da posição das letras que vêm antes e/ou depois, explicando questões como o arquifonema. Por que isto é tão importante para a alfabetização? Porque, graças à visão de Gonçalves Viana, o idealizador do sisteama ortográfico do português, o arquifonema ficou registrado em grafemas como R r, S s, L l, em muitas posições. Ao término do capítulo, você compreenderá um dos conceitos mais abstratos da fonologia. Valores dos grafemas de acordo com sua posição Comentei, no capítulo anterior que os valores de alguns grafemas se alteram conforme a posiação que ocupam no vocábulo e na sílaba. Apresento, na sequência, um quadro resumido destes valores no PB: Quadro 4. Valores dos grafemas em início de vocábulo e de sílaba interna, entre letras que representam vogais ______________________________________________________________ No início do vocábulo de sílaba interna Grafema Valor Exemplos Grafema Valor Exemplos ______________________________________________________________ s /s/ sala s /z/ casa m /m/ mala m /m/ cama z /z/ zero z /z/ reza l /l/ lata l /l/ calo n /n/ nata n /n/ cano r |R| rato r /r/ caro x /S/ xis x (depois de e, em início de vocábulo) /z/ exemplo h zero hora ______________________________________________________________ Salvo as letras s e r que têm dois valores diferentes, respectivamente, /s/ e |R| no início do vocábulo e /z/ e /r/ entre vogais, as letras do quadro, m, z, l, e n, têm os mesmos valores no início do vocábulo e entre vogais. A letra x não tem valor previsível entre vogais, conforme explicarei mais adiante, mas no início do vocábulo sempre tem o valor de /S/, como em xis e xícara, por exemplo, enquanto a letra h em início de vocábulo tem o valor de zero. O valor do grafema r, no início do vocábulo, apresenta inúmeras variantes, dependendo da variedade sociolinguística praticada. Além disto, não é possível substituir o fonema /R/ por /r/ no início do vocábulo, portanto a diferença entre ambos deixa de funcionar nesta posição, constituindo um arquifonema, escrito com letra maiúscula entre barras paralelas, conforme será explicado em detalhe logo a seguir. O valor /r/, conferido ao grafema r quando entre vogais se estende às letras que representam as semivogais, como em feira, cárie. Observe que os alunos que provêm de famílias que praticam os dialetos italianos, muitas vezes só usam o /r/ em início de vocábulo e nunca o /R/. Um valor previsível que o grafema x tem num contexto específico entre vogais merece destaque, pois, fora este caso e outros (vide Quadros 5/6), entre vogais, os valores, de x são imprevisíveis. Trata-se do x com valor de /z/ depois de e, em início de vocábulo, como em exame. A anteposição de prefixos não invalida a regra, como em reexame. É importante trabalhar este princípio em sala de aula (sempre em textos!), pois a ocorrência é bastante frequente. Quadro 5. Valores em início de sílaba dos grafemas s depois de n, l, r; de r, depois de n, l, s; de x, depois de n, ei, ou, ai ______________________________________________________________ Depois de Grafema Valor Exemplos ______________________________________________________________ n s /s/ ganso r |R| enruga x /S/ enxame l s /s/ bolsa r |R| melro r s /s/ urso s r |R| desrespeito ei, ou, ai x /S/ deixa, trouxa, caixa ______________________________________________________________ Observe que os fonemas /s/, /n/ e /l/, representados pelos grafemas s, n e l nas posições do Quadro 5 se realizam todos na mesma zona de articulação ápico-alveolar. O fonema /R/, representado pelo grafema r, em algumas variedades ainda se realiza como ápicoalveolar, mas em outras apresenta muitas variantes. Observe que trouxeste e seus derivados (pret. m.- perf. do ind., pret. imperf. e fut. do subj.) discrepam do valor de x depois do ditongo ou, pois a pronúncia usual é a realização de /s/. Observe, igualmente, que em trans, o s seguido de vogal é lido como a realização de /z/ ao invés de /s/, como se trans fosse um radical (é uma ideia que o grande linguista brasileiro Mattoso Camara Jr. defendeu em relação aos chamados prefixos, diminutivos e ao formador de advérbios - mente. Os valores atribuídos a esses componentes confirmam a proposta de Mattoso Camara Jr. Cabe, ainda, assinalar que o grafema x, como /S/, depois de ei, ou, ai se refere ao contexto escrito, pois, na fala, a semivogal é eliminada. Quadro 6. Valores dos grafemas em final de vocábulo e de sílaba interna ______________________________________________________________ No final do vocábulo de sílaba interna Grafema Valor Exemplos Grafema Valor Exemplos ______________________________________________________________ s |S| quis s |S| lesma, casca z |S| fiz x, -x |S| texto, ex-voto l |W| sal l |W| alma r |R| mar r |R| carta h zero Ah! x k(i)S tórax ______________________________________________________________ No português brasileiro, poucas consoantes podem figurar em final de sílaba. A tendência no Brasil é, na fala, apagar a consoante no final do vocábulo, se ele não for monossílabo, como acontece no infinitivo dos verbos, ou com a marca de plural, que só aparece no primeiro determinante da frase em muitas variedades sociolinguísticas, como em vamu comprá us livru. Na escrita, porém, as letras não são apagadas. No quadro 6, apresento os valores de alguns grafemas que são arquifonemas. Observe que os valores estão representados por letra maiúscula, entre barras paralelas, ou seja, um arquifonema, que significa que vários fonemas poderiam estar naquela posição, sem alterar o significado. Explicarei cada caso. Na prática Arquifonema |S| Tape as orelhas com as mãos, feche os olhos e diga a frase Eu quis. A seguir, diga a frase Eu quis dançar. Se você for gaúcho/a, vai ouvir o primeiro s como [s], isto é, surdo e o segundo como [z], isto é, sonoro. Se você for carioca, vai ouvir o primeiro s como [S], tal como o primeiro som de chá, enquanto o segundo s será ouvido como [Z], como o primeiro som de já. Isto significa que substituir um dos quatro fonemas /s/, /z/, /S/ ou [Z] em final de sílaba, inclusive de vocábulo, não altera o significado, portanto a diferença entre eles perdeu a função e disto resulta o que se chama arquifonema. Faça o mesmo exercício com Eu fiz e Eu fiz de tudo. O valor da letra z é o mesmo que o valor da letra s em final de vocábulo (o que constitui uma grande dificuldade para a escrita, mas nenhuma para a leitura). Em final de sílaba interna a letra z não ocorre, a não ser nos derivados com mente e diminutivos, mas a letra x, sim. Nesta posição, ela se comporta como s, como, por exemplo, em explicar e texto. Antes de letras que representam as consoantes sonoras (raramente), ex- aparece com o hífen, como em ex-voto. Ou seja, se a letra s, em final de sílaba, inclusive em final de vocábulo, for seguida de letra que represente uma consoante surda, como /p, /t/, /k/, /f/ ela vai ser pronunciada como surda, como em caspa, testa, casca, Eu quis ficar. Se a letra s, em final de vocábulo for seguida por um vocábulo que inicie por letras que representem /s/, /z/, /S/ ou [Z], estes últimos valores se impõem, como em Eu quis subir, Eu quis zombar, Eu fiz chá, Eu quis julgar. Diante das letras que representam as demais consoantes, ela será pronunciada como sonora, como em Eu quis botar, Eu quis deixar, esgoto, Eu fiz valer, lesma, asno, Eu quis lutar, Eu fiz reza. A escolha entre os fonemas /s/, /z/, /S/ ou [Z] depende da variedade sociolinguística. Se o vocábulo terminar por s ou z e for seguido por vocábulos iniciados por letra que represente vogal, o valor será sempre sonoro, como em Ele fez amigos, além de ocorrer a alteração na divisão da sílaba. Arquifonema |W| A letra l em final de sílaba, inclusive de vocábulo, tem o valor do arquifonema |W|, pois, na maioria das variedades, as pessoas utilizam a semivogal /w/ nesta posição, ao invés de /l/. A leitura de mal e de mau é a mesma, tornando-os homófonos. No dialeto caipira, as pessoas leem mal e mar do mesmo jeito e assim neutralizam em favor de |R|, que explicarei a seguir. Arquifonema |R| No arquifonema |R|, em final de sílaba, inclusive de vocábulo, a substituição de /R/ por /r/ não altera o significado da palavra. Por exemplo, seja qual for a variedade sociolinguística, se a pessoa ler Tomou banho de mar e O mar está azul, embora mar tenha o mesmo significado, no primeiro exemplo a letra r será lida com o valor do fonema /R/, enquanto no segundo será lida com o valor do fonema /r/. A letra h que, em início de vocábulo, inclusive depois de hífen nas palavras compostas, vale zero, não invalida este princípio: Fez hoje dez anos, Super-homem. A letra x em final de vocábulo tem o valor de /kS/ (pronúncia erudita) ou mais comumente o de /kiS/, como em tórax. (ícone) Pontos importantes: Neste capítulo, você viu que: os valores dos grafemas dependentes do contexto escrito; o arquifonema; registro dos arquifonemas |R|, |S| e |W| no sistema escrito do português como R r, S s, L l. (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa O que é um arquifonema? Cite os arquifonemas do português brasileiro. Qual sua importância para a leitura? Por que |R| é um arquifonema em início de vocábulo? AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM 14. “Valores dos grafemas dependentes do contexto escrito” significa que o valor do grafema depende: a ( ) de como se pronuncia a palavra. b ( ) da posição das letras que vêm antes e/ou depois. c ( ) da Academia Brasileira de Letras. d ( ) dos dicionários. e ( ) de falar mais rápido ou mais devagar. 15. Letras M m - N n em final de sílaba interna para nasalizar a vogal precedente (ícone síntese/alvo) No capítulo 14, examinei os valores dos grafemas dependentes do contexto escrito, isto é, dependentes da posição das letras que vêm antes e/ou depois, explicando questões como o arquifonema. Você deve ter verificado como isto é importante para a alfabetização. Você viu, também, que o arquifonema ficou registrado em grafemas como R r, S s, L l, em muitas posições. (ícone objetivo) No capítulo 15, você compreenderá melhor uma das maiores dificuldades da criança na descodificação, principalmente quando é alfabetizada pelo nome das letras: trata-se das funções das letras M m, N n para nasalizar. Verá, também, como elas funcionam em sílaba interna e em final de vocábulo e encontrará um quadro sintético com as letras que nasalizam as vogais em final de sílaba interna e de vocábulo. Função das letras M m, N n para nasalizar M m, N n têm têm a mesma função do til (~) em sílaba interna e em final de vocábulo, nasalizando a vogal precedente (e opcionalmente ditongando), como, por exemplo, em pomba e em rim. Em final de vocábulo, M m, N n têm o valor da semivogal /j/ nasalizada, depois de E e com ou sem diacríticos, como em bem, hífen, vêm. Depois de A a, somente M m tem o valor da semivogal /w/ nasalizada, como em faltam. No quadro 7, apresento um resumo das letras que nasalizam as vogais em final de sílaba interna e de vocábulo, com exclusão de M m, em final de vocábulo, depois dos grafemas E e, A a. Quadro 7. Letras que nasalizam as vogais em final de sílaba interna e de vocábulo (com ditongação opcional) Final do vocábulo Grafema Valor depois de Grafema Exs. m u, o, i um n ~ ~ o, a, i (s) ~ entre u__s tom rim cólon tons íman rins alguns Final de sílaba interna Grafema Valor Exs. Antes de Grafema m ~ bomba p, b tampa n ~ ponta demais consoantes lenda cinco longo confiar álbuns convite inseto cinza inchar injeção honra Assim, as letras M m, N n em final de sílaba interna nasalizam a vogal precedente. A letra M m, com essa função, se escreve sempre antes de P p, B b, como em LIMPO, limpo, TOMBO, tombo, porque P p, B b representam fonemas bilabiais; o N n se escreve antes das demais consoantes, como em PONTA ponta, LINDO lindo, ANGU angu, ENFEITE enfeite, INVEJA inveja. Assim, M m, N n têm a mesma função que o til (~) e, por isso, o grafema (que é um dígrafo), nos exemplos acima é IM im, OM om, ON on, IN in, AN an, EN en, IN in. M m, N n, pois, em final de sílaba interna, não são lidas como consoantes, como acontece no espanhol, no inglês ou no alemão, portanto, esse princípio tem muita importância para o ensino da leitura para estrangeiros. Tabela 10. Grafemas que nasalizam E e, A a em final de vocábulo, ditongando. ________________________________________________________________ Final do vocábulo depois de Grafema Valor Grafema Valor Exemplos ________________________________________________________________ m /j/nasalizado e, é, ê /e/nasalizado bem, ele vem, alguém, ele detém, eles vêm, eles detêm m /w/nasalizado a /ã/ contam, escrevam n(s) /j/(|S|) e, é /e/nasalizado tens, bens, hífen, deténs, homens Os grafemas M m e N n em final de vocábulo representam a semivogal /j/ nasalizada, ditongando depois do grafema e, com ou sem diacríticos; depois do grafema a somente M m representa a semivogal /w/ nasalizada: trata-se, pois, de ditongos nasalizados decrescentes. Observe que o acento agudo, circunflexo ou sua ausência nas 3ªs. pessoas dos verbos ter e vir e seus derivados, no presente do indicativo, servem como marcas coesivas (concordância) e anafóricas para a recuperação da referência quando o sujeito não vier expresso ou se estiver expresso pelo pronome relativo que. A ausência do diacrítico, só ocorre no monossílabo, na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, como nos exemplos ele tem, ele vem; o acento agudo só ocorre nos derivados na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, como nos exemplos ele contém, ele provém; o acento circunflexo só ocorre na terceira pessoa do plural do presente do indicativo, tanto nos monossílabos, quanto nos derivados, como nos exemplos eles têm, eles vêm, eles contêm, eles provêm. Veja, como, no exemplo a seguir, na oração subordinada adjetiva, a marca de terceira pessoa do plural está unicamente no acento circunflexo. As pessoas que provêm do hemisfério norte sofrem com o calor no Rio de Janeiro. Resumo, então, as diversas possibilidades da letra N n: no início da sílaba, como grafema, tem o valor do fonema /n/, como em nenê; no final de sílaba interna, antes de letras que representem consoante, funciona como o til: nasaliza a vogal precedente, como em elenco, lenço, infeliz, lendo, encargo, injeção, enlutar, enquadrar, enrijecer, insatisfeito, lento, inválido, enxuto, isto é, antes de todas as letras que representam consoante, menos p e b; no final de vocábulo a letra N n, se estiver depois da letra e, ditonga, como em hífen; antes do h, forma um dígrafo, isto é, o grafema que representa a consoante nasal palatal, como em lenha. (ícone) Pontos importantes: Neste capítulo ficou demonstrado que: as letras M m, N n, na nasalização, têm a mesma função do til (~); em sílaba interna e em final de vocábulo, nasalizama vogal precedente (e opcionalmente ditongando), como, por exemplo, em pomba, rim; M m, N n têm o valor da semivogal /j/ nasalizada, depois de E e com ou sem diacríticos, como em bem, hífen, vêm; depois de A a, somente M m tem o valor da semivogal /w/ nasalizada, como em contam. (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa Por que se usa M m para nasalizar a vogal precedente antes de P p, B b? Quando M m, N n têm a mesma função do til? Por que a alfabetização pelo nome das letras dificultaria internalizar a função de M m, N n para nasalizar? AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM 15. As letras M m e N n em final de sílaba interna... a ( ) representam os fonemas /m/ e /n/, respectivamente. b ( ) são lidas como as consoantes [m] e [n] respectivamente. c () têm a mesma função do til e servem para nasalizar a vogal precedente. d ( ) devem ser ensinadas pelo seu nome eme e ene, respectivamente. e ( ) não devem ser ensinadas nesta posição, pois a criança aprenderá sozinha esse valor. 16. Valores de C c - G g - Q q antes das vogais posteriores (ícone síntese) No capítulo 15, você compreendeu melhor uma das maiores dificuldades da criança na descodificação, principalmente quando é alfabetizada pelo nome das letras: trata-se das funções das letras M m, N n para nasalizar. Você verificou que elas têm a mesma função do til (~). Expus como elas funcionam em sílaba interna, nasalizando a vogal precedente (e opcionalmente ditongando), como, por exemplo, em pomba e em rim; você verificou que M m, N n em final de vocábulo têm o valor da semivogal /j/ nasalizada, depois de E e com ou sem diacríticos, como em bem, hífen, vêm e que, depois de A a, somente M m tem o valor da semivogal /w/ nasalizada, como em falam. (ícone objetivo) No capítulo 16, examinarei uma importante distinção para atribuir valores aos grafemas C c, G g, Q. A distinção entre os grafemas que os sucedem e que representam as vogais (com ou sem acentos gráficos) e semivogal posteriores, como u, um, un, o, õ, om, on, a, ã, am, an e aqueles que representam as vogais (com ou sem acentos gráficos) e a semivogal não posteriores (isto é, anteriores), como i, im, in, e, em, em). Também examinarei os valores dos grafemas q GU gu, QU qu. Entendendo os valores O Quadro 8 apresenta a regularidade do efeito das vogais posteriores, representadas por seus respectivos grafemas, sobre C c, G g e Q q. O grafema C c sempre terá o valor de /k/, se ocorrer antes de um grafema que representar uma vogal ou semivogal posterior. Leia-se a seguinte conversão: C c, Q q /k/ /_V, SV [+post], ou seja, os grafemas C c, Q q têm o valor do fonema /k/, no contexto escrito antes de vogal ou semivogal posterior. G g /g/ /_V, SV [+post], ou seja, o grafema G g tem o valor do fonema /g/, no contexto antes de vogal ou semivogal posterior. Quadro 8. Exemplos dos valores dos grafemas c, g, q, seguidos de grafemas que representam as vogais posteriores ou a semivogal /w/ ____________________________________________________________________ Grafema Valor Grafema Valor Exemplos seguinte ____________________________________________________________________ c /k/ u /u/ cura g /g/ um, un /u/ algum, alguns c /k/ úm /´u]/ cúmplice g /g/ o /o/, /O/ o gosto, eu gosto c /k/ ô /´o/ cômico g /g/ ó /´O/ gótico c /k/ õ, om, on /õ/ facões, compra, conta g /g/ ôm, ôn /´õ/ gôndola g /g/ a /a/ gato c /k/ á /´a/ cárie g /g/ ã, am, an /ã/ fogão, apagam, ancorar c /k/ âm, ân /´ã/ cântico, lâmpada g /g/ u /w/ aguenta c /k/ u /w/ cueca q /k/ u /w/ iníqua Os grafemas que representam as vogais posteriores orais (/u/ /o/ /O/ /a/), como em cura, ou nasalizadas (/´u]/ /õ/ /ã/), como em fogão e a semivogal /w/, como em aguenta, condicionam os valores dos grafemas c, g, q, que passam a ter os valores respectivamente de /k/, /g/ e /k/, conforme o Quadro exemplificativo acima. A retirada do trema e do acento agudo nas formas verbais rizotônicas (isto é, cujo acento de intensidade cai na última vogal u do radical) quando o u for precedido de g ou q e seguido de e ou i, como, por exemplo, em frequência e tu arguis tornou o sistema opaco para a leitura, pois tais formas passaram a ter homógrafas não homófonas. Examinarei, a seguir, a mudança de valores dos grafemas C c, SC sc, XC xc, G g e dos dígrafos GU gu e QU qu, antes das vogais e semivogal não posteriores (com ou sem acentos gráficos). Os valores de C c, SC sc, XC xc, G g e dígrafos GU gu e QU qu, antes das vogais não posteriores O Quadro 9 apresenta a regularidade do efeito das vogais (com ou sem acentos gráficos) e semivogal não posteriores, representadas por seus respectivos grafemas, sobre C c, SC sc, XC xc, G g e dígrafos GU gu e QU qu. Os grafemas C c, SC sc, XC xc sempre terão o valor de /s/, se ocorrerem antes de um grafema que representar uma vogal não posterior (isto é, anterior), com ou sem acento gráfico). Leia-se a seguinte conversão: C c, SC sc, XC xc/s/ /_V, SV [-post], ou seja, os grafemas C c, SC sc, XC xc têm o valor do fonema /s/, no contexto antes de grafema que represente vogal ou semivogal não posterior. Quadro 9. Exemplos dos valores dos grafemas c, sc, xc, g e dígrafos gu e qu, seguidos de grafemas que representam as vogais (com ou sem acentos gráficos) e semivogal não posteriores. ____________________________________________________________________ Grafema Valor Grafema seguinte Valor Exemplos ____________________________________________________________________ c /s/ i /i/ cine sc /s/ í /´i/ fascínio g /Z/ im, in /i]/ gincana xc /s/ e /e/, /E/ exceção, exceto c /s/ ê /´e/ cênico sc /s/ em, en /e]/ nascente c /s/ ên /´e]/ cêntuplo g /Z/ é /E/ gélido gu /g/ i /i/ guia qu /k/ in /i]/ quinto qu /k/ e /e/, /E/ querer, quero gu /g/ em /ej]/ paguem qu /k/ in /i]/ quíntuplo c /s/ i /j/ Lúcia sc /s/ i /j/ néscio g /Z/ i /j/ egrégio qu /k/ i /j/ relíquia Os grafemas que representam as vogais e semivogal não posteriores orais ou nasalizadas condicionam os valores dos grafemas c, sc e xc que passam a valer /s/, como em cento, fascínio, exceto, bem como condicionam g que passa a valer /Z/, como em gente. A forma prática de atribuir tais valores é verificar se as letras seguintes são e ou i, com ou sem sinais gráficos ou seguidas ou não de letras que nasalizam como m ou n na mesma sílaba. Os dígrafos gu e qu, seguidos de e ou i valem respectivamente /g/ e /k/, como em guerra e quilo. Observe, pois, que com o Novo Acordo Ortográfico a identificação de gu e qu, seguidos de e ou i tornou-se problemática, pois não se sabe se funcionam como dígrafo, representando respectivamente os fonemas /g/ e /k/ como em guerra e quilo, ou se representam, respectivamente, dois fonemas /gw/ e /kw/ como em aguenta e cinquenta. (ícone) Pontos importantes: No capítulo 16 você viu: uma importante distinção para atribuir valores aos grafemas C c, G g, Q q, GU gu, QU qu: a distinção entre os grafemas que os sucedem e que representam as vogais (com ou sem acentos gráficos) e semivogal posteriores, como u, um, un, o, õ, om, on, a, ã, am, an e aqueles que representam as vogais (com ou sem acentos gráficos) e a semivogal não posteriores (isto é, anteriores), como i, im, in, e, em, em); a importância de não alfabetizar pelo nome das letras e sim pelos valores dos grafemas; que com o Novo Acordo Ortográfico a identificação de gu, qu, seguidos de e ou i tornou-se problemática. (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa Por que os dois valores que o grafema C c tem são mais um argumento de que ele não deve ser ensinado pelo nome da letra? Quais são os grafemas que representam as vogais [+posteriores]? Quais são os grafemas que representam as vogais [-posteriores]? (ícone) Avaliação de aprendizagem 16. O valor do grafema C c depende do contexto grafêmico. Isto significa que: a ( ) seu valor depende dos acentos gráficos. b ( ) seu valor depende de os grafemas que o seguem representarem vogais posteriores ou não posteriores. c ( ) C c antes do grafema o tem o valor de /s/. d ( ) C c antes do grafema e tem o valor de /k/. e ( ) C c antes de a tem o valor de /s/. 17. Os dois valores do grafema R r dependentes do contexto grafêmico – o único valor do grafema RR rr (ícone síntese) No capítulo 16, examinei uma importante distinção para atribuir valores aos grafemas C c, G g, Q q, GU gu, QU qu, a da distinção entre os grafemas que os sucedem e que representam as vogais (com ou sem acentos gráficos) e semivogal posteriores, como u, um, un, o, õ, om, on, a, ã, am, an e aqueles que representam as vogais (com ou sem acentos gráficos) e a semivogal não posteriores (isto é, anteriores), como i, im, in, e, em, em). (ícone objetivo) Explicarei no capítulo 17 os dois valores do grafema R r dependentes do contexto grafêmico e o único valor do grafema RR rr. Os valores dependentes do contexto grafêmico, porém, são previsíveis: entre grafemas que representam vogais ou semivogais, como em caro, feira e nos encontros consonantais, como em prato, bronca, o grafema R r tem sempre o valor do fonema /r/; em início do vocábulo, como em roda, tem sempre o valor do arquifonema |R|; em final de vocábulo, seguido de outro que inicie por grafema que represente consoante, como em mar baixo, bem como em final de sílaba interna, como em porta, o valor é opcional entre /R/ ou /r/; se o vocábulo iniciar por grafema que represente vogal, como em comer uva co –me –´ru –va, tem o valor do fonema /r/, com reanálise silábica. O único valor do grafema RR rr Começarei com o valor do grafema (dígrafo) RR rr, porque ele é único: só pode ocorrer entre grafemas que representam vogais ou semivogais, com o valor do fonema /R/, como em carro. Os dois valores do grafema R r O grafema R r pode ter dois valores: o fonema /R/ ou o fonema /r/. O grafema R r tem o valor do fonema /r/, que se realiza com uma só batida do dorso da língua contra os alvéolos, nas seguintes posições: a) entre grafemas que representam vogais ou semivogais, como em caro, feira; b) nos encontros consonantais, como em prato, bronca. O grafema R r tem o valor do arquifonema |R| que apresenta muitas variantes, conforme as variedades geográficas, como é o caso de [x] do carioca, [r] da fronteira do Rio Grande do Sul, ou o retroflexo da variedade caipira em início de vocábulo (obrigatória), como em roda. Em final de vocábulo, ou de sílaba interna, como em PORTA porta, o grafema R r, não seguido de vocábulo que inicie por grafema que represente vogal, como em mar bravo, ou antes de sinal de pontuação, tem valor opcional entre os fonemas /R/ e /r/. A tendência é o apagamento desta consoante em posição final, salvo se o vocábulo for monossílabo. Caso o vocábulo seguinte comece por vogal, o fonema que ocorre é o /r/, que se realiza com uma só batida, além de haver uma reanálise silábica, como você pode verificar se contar as sílabas ao dizer de forma fluente a frase comer uva co –me –´ru –va. É um desafio explicar tudo isto para uma criança, mas vamos tentar aos poucos e com muita brincadeira. (ícone) Pontos importantes: Neste capítulo, pode-se observar que: dois valores do grafema R r dependem do contexto grafêmico: entre grafemas que representam vogais ou semivogais, como em caro, feira e nos encontros consonantais, como em prato, bronca; em início do vocábulo, como em roda, tem sempre o valor do arquifonema |R|; em final de vocábulo, seguido de outro que inicie por grafema que represente consoante, como em mar bravo, tem o valor do fonema /R/; se o vocábulo iniciar por grafema que represente vogal, como em comer uva co –me –´ru –va, tem o valor do fonema /r/, com reanálise silábica; em final de sílaba interna o valor é opcional. (ícone) (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa Por que o grafema RR rr não é tão difícil de ensinar como parece? Por que, embora a realização do fonema /R/ apresente muita variação sociolinguística, podemos afirmar que se trata de um só fonema? Por que será que, na aquisição da língua oral, as crianças apresentam maior dificuldade em realizar o /r/ do que o /R/? (ícone) Avaliação de aprendizagem 17. O grafema RR rr... a ( ) só pode ocorrer no contexto entre grafemas que representam vogais. b ( ) apesar de suas várias realizações possíveis, conforme a variedade sociolinguística, o valor é sempre o fonema /R/. c ( ) apesar da aparente complexidade, o valor é independente do contexto, pois sempre será /R/. d ( ) deve ser ensinado traçando as duas letras e, simultaneamente, emitindo o som, conforme a variedade sociolinguística. e ( ) deverá ser ensinado inserido em uma palavra. 18. Valores previsíveis e imprevisíveis do grafema X x (ícone síntese) No capítulo 17, expliquei os dois valores do grafema R r dependentes do contexto grafêmico e o único valor do grafema RR rr. Mostrei que os valores dependentes do contexto grafêmico, porém, são previsíveis: entre grafemas que representam vogais ou semivogais, como em caro, feira e nos encontros consonantais, como em prato, bronca, o grafema R r tem sempre o valor do fonema /r/; em início do vocábulo, como em roda, tem sempre o valor do arquifonema |R|; em final de vocábulo, seguido de outro que inicie por grafema que represente consoante, como em mar bravo, tem o valor do fonema /R/; se o vocábulo iniciar por grafema que represente vogal, como em comer uva co –me –´ru –va, tem o valor do fonema /r/, com reanálise silábica; em final de sílaba interna o valor é opcional. (ícone objetivo) No capítulo 18, trabalharei os valores previsíveis e imprevisíveis atribuídos ao grafema X x. Conforme você vai verificar, para alguns valores, não há dúvida. Em posição entre vogais, porém, não dá para prever o valor, então o aluno tem que memorizar como se pronuncia a palavra. Nesse caso, recomendo trabalhar com as palavras de uso mais frequente. Valores previsíveis do grafema X x O grafema X x apresenta muitos problemas para a atribuição de seus valores, em virtude de tradicionalmente a alfabetização ocorrer pelo nome das letras. No entanto, se o ensino ocorrer pelo valor que o grafema tem, muitas dúvidas poderão ser sanadas, uma vez que alguns valores são totalmente previsíveis. X x tem o mesmo valor que ch no início de vocábulo, como em xícara; depois de n (enxame) e depois de ei (peixe); ou (trouxa); ai (caixa). Nos três últimos casos, observe-se que, na fala, a semivogal tende a ser eliminada. Em muitas variedades como a carioca, ou dos nativos de Florianópolis, também tem esse valor em final de sílaba, antes das letras p, t, c, f, quando essas iniciam sílaba, como em explicar, texto, exclamar, exfoliar. Em outras variedades, na mesma posição, ao invés do valor do grafema ch, tem o valor do fonema /s/. X x tem o valor de /z/ quando a letra e inicia vocábulo e ele estiver iniciando sílaba, como em exato. O prefixo não invalida a regra, como em inexato. X x tem o valor de kiS ou kS em final de vocábulo, como em tórax. Ao último fonema de /kiS/ ou /kS/ se aplica o princípio de que, em final de sílaba, antes das letras p, t, c, f, terão o mesmo valor que o grafema ch em muitas variedades como a carioca, ou dos nativos de Florianópolis e, em outras variedades, na mesma posição, ao invés do valor de ch, tem o valor do fonema /s/. Valores imprevisíveis do grafema X x No contexto entre letras que representam vogais (com exceção do e que inicia vocábulo, conforme acima), os valores são imprevisíveis: podem ser /s/, como em máximo; kiS ou kS, como em sexo, ou ter o valor de ch, como em abacaxi. Nesse caso, o aluno terá que memorizar o valor, portanto, o professor deve trabalhar com as palavras de uso mais frequente. (ícone) Pontos importantes: No capítulo 17,você percebeu que: se o ensino ocorrer pelo valor que o grafema X tem, muitas dúvidas poderão ser sanadas, uma vez que alguns valores são totalmente previsíveis; X x tem o mesmo valor que ch no início de vocábulo, como em xícara; X x tem o mesmo valor que ch depois de ei (peixe); ou (trouxa); ai (caixa) ; n (enxame); X x tem o mesmo valor que ch em muitas variedades como a carioca, em final de sílaba, antes das letras p, t, c, f, quando essas iniciam sílaba, como em explicar; em outras variedades, X x, em final de sílaba, antes das letras p, t, c, f tem o valor do fonema /s/; X x tem o valor de /z/ quando a letra e inicia vocábulo e ele estiver iniciando sílaba, como em exato; o prefixo não invalida a regra, como em inexato; X x tem o valor de kiS ou kS em final de vocábulo, como em tórax; - no contexto entre letras que representam vogais (com exceção do e que inicia vocábulo, conforme acima) os valores são imprevisíveis: podem ser /s/, como em máximo; kiS ou kS, como em sexo, ou ter o valor de ch, como em abacaxi. (ícone) (bloco de anotações) Sugestões para reflexão e pesquisa Quais os fundamentos da alfabetização mais importantes que aprendi? Qual a aplicação mais importante da neurociência à alfabetização? Qual a melhor forma de desenvolver o gosto pela leitura durante a alfabetização? (ícone) Avaliação de aprendizagem 18. Quando os valores de um grafema não são previsíveis, como é o caso do grafema X x entre vogais: a ( ) não deve ser trabalhado em sala de aula b ( ) só devem ser trabalhados os valores previsíveis, como em início de palavra. c ( ) devem-se trabalhar as palavras de maior frequência de uso. d ( ) deve-se trabalhar no início da alfabetização. e ( ) deve-se começar pela escrita. 19. Palavras finais Caríssimo professor, Encerro aqui o Sistema Scliar de Alfabetização – Fundamentos, que teve como objetivo fornecer-lhe as bases para entender a nova proposta, baseada nos achados mais avançados da neurociência, da linguística e da psicolinguística, concernentes à alfabetização. Acredito que esta fundamentação é necessária para que você, professor, compreenda em profundidade quais são os processos envolvidos na aprendizagem de um sistema alfabético como o nosso e possa fazer de seu aluno um cidadão participante da sociedade da informação, apto a compreender os textos que circulam e a redigir os de que necessita para sua realização. Percorremos, juntos, uma jornada que iniciou com as motivações para a proposta: prevenir o analfabetismo funcional, com vistas à inclusão de todos na sociedade da informação. Mostrei como a neurociência ilumina as novas metodologias da alfabetização e do desenvolvimento das capacidades de leitura e de escritura e procurei esclarecer as diferenças entre a aquisição da língua oral e escrita a fim elucidar uma série de equívocos sobre como desenvolver a consciência fonológica e, particularmente, como tornar o aluno apto a compreender os textos que circulam socialmente e também a produzir textos que atendam as suas necessidades pragmáticas. Aprofundei, sobretudo, a noção de que, para se tornar letrado, o indivíduo necessita reconhecer a palavra escrita sem titubear, lendo com prazer e fluentemente. No livro Sistema Scliar de Alfabetização – Roteiros para o professor: 1º Ano, você verá aplicados todos os fundamentos da proposta. Cada unidade apresenta as instruções de como devem ser ministrados os grafemas, acompanhadas de uma série de atividades para o desenvolvimento da consciência fonológica, da percepção da sílaba de intensidade e dos vocábulos átonos. Dá-se ênfase à aprendizagem dos neurônios para dissimetrizar, bem como ao desenvolvimento integral e integrado do educando. O livro do aluno, Aventuras de Vivi, foi elaborado com todo o cuidado para que a criança se alfabetize, desenvolvendo o gosto pela leitura. GLOSSÁRIO Acrônimo: duas ou mais letras iniciais de palavras que constituem uma frase, que passam a representar a respectiva referência, como, por exemplo, UFSC Universidade Federal de Santa Catarina. Africado: som que começa como oclusivo [-cont] e termina como fricativo, como é o caso de [ts] na palavra tsetsé; também é o caso de [tS] e [dZ] quando t e d estiverem antes da letra i ou da letra e lida como [i] ou semivogal [j], na maior parte das variedades sociolinguísticas, como, respectivamente, em tia e dia. Analfabeto funcional: Designa o indivíduo que não consegue ler ou escrever os textos dos quais necessita em sua vida cotidiana familiar, social e de trabalho. Censores somestésicos: estão espalhados pelo corpo todo, ao contrário dos órgãos especiais, cujos receptores estão restritos à cabeça, e evocam as seguintes modalidades perceptuais: Tato/Pressão e Vibração, Propriocepção, Dor e Sensação térmica. Cinestesia: sensações e percepções que dizem respeito ao movimento, processadas a partir dos receptores situados no labirinto. Coarticulação: Em fonética articulatória, significa que os gestos para a produção dos sons são imbricados: os gestos para cada som não são isolados, do que resulta uma das maiores dificuldades na aprendizagem dos sistemas alfabéticos. Codificação: na escrita, é o processo que resulta na transposição dos fonemas aos grafemas, constituídos por uma ou duas letras no sistema ortográfico do PB, a fim de escrever as palavras. Consciência fonológica: é a capacidade de o indivíduo se debruçar sobre a cadeia da fala, desmembrando a sílaba em suas unidades constituintes, através da utilização dos grafemas (uma ou duas letras, no português brasileiro), que as representam. Contínuo da fala: na cadeia da fala, as palavras não são separadas entre si por silêncios, nem há contraste entre os sons que constituem as sílabas. Córtex cerebral: é a camada mais externa do cérebro dos vertebrados, constituída pelos neurônios que processam a informação. O córtex humano é responsável pela atenção, percepção, linguagem, pensamento, consciência, por todos os tipos de memória e pelos movimentos do corpo. É constituído por cerca de 20 bilhões de neurônios, que formam a massa cinzenta. Descodificação: na leitura, é o processo que resulta no reconhecimento das letras, identificação dos grafemas e sua associação ao respectivo fonema, para finalmente reconhecer a palavra escrita. Derivação morfológica: A derivação morfológica no PB pode ser por prefixação e/ou por sufixação e por outros processos como perda de unidades, abreviaturas e acronímia, entre outros, como, por exemplo, em fixar prefixar; belo beleza; belo embelezar; fonoaudiologia fono; televisão TV. Dislexia: distúrbio congênito que resulta em dificuldades maiores ou menores no reconhecimento dos traços que diferenciam as letras. Dominância e especialização do sistema nervoso central: na espécie humana, o sistema nervoso central funciona dentro do princípio da divisão de trabalho. Um dos hemisférios é o dominante: na maioria das pessoas é o esquerdo, onde é processada a linguagem verbal. Em cada um dos hemisférios, as regiões se especializam para determinadas funções, através da aprendizagem e graças à plasticidade neuronal. Para a leitura, a região especializada é a occipitotemporal ventral esquerda. Eletroencefalograma: consiste em mensurar, com um voltímetro muito sensível, as diferenças de potencial da ordem de um microvolt que as correntes neuronais induzem até a superfície do escalpo. Enfoque multissensorial: estimulação dos vários sentidos para reforçar a aprendizagem do reconhecimento das letras, conforme propunha Montessori. Especialização dos neurônios: ocorre nas regiões secundiárias e terciárias, através da experiência, para funções específicas, como são exemplo todas as funções da linguagem verbal. Estímulos categoriais: Nos experimentos de discriminação auditiva são aqueles que permitem detectar quais as fronteiras entre os sons que o sujeito detecta para identificálos como diferentes. Fonema: classe de sons, com a função de distinguir significados. Por exemplo, o fonema /R/, no português, engloba diferentes sons praticados em diferentes regiões do Brasil, como no Rio de Janeiro, na fronteira do Rio Grande do Sul, no interior de Minas Gerais ou de São Paulo, na Bahia, e assim por diante. Fonética: ciência que estuda os sons da fala do ponto de vista articulatório, acústico ou perceptual. Fonoaudiologia: ciência que se ocupa dos distúrbios da comunicação verbal e de como preveni-los e tratá-los. Fóvea central: é uma pequena depressão no centro da retina (mácula), a área da visão que apresenta maior clareza e precisão, onde a luz incide diretamente nos cones. Função semiótica ou semiológica: função que opera com signos. Distingue-se das operações em nível do sinal, onde ocorre uma resposta contígua ao estímulo. Gestos fonoarticulatórios: resultam dos movimentos do aparelho fonador para a produção dos sons da fala, como, por exemplo, a movimentação do maxilar inferior, arrastando a língua, tanto para frente, quanto para trás, para a produção dos sons anteriores, isto é, [-post] e posteriores, isto é [+post], respectivamente. Grafema: unidade de um sistema de escrita que, na escrita alfabética, corresponde a uma ou mais letras para representar um dado fonema (no português, uma ou duas letras, somente, com ou sem acentos gráficos); na escrita silábica, corresponde a uma sílaba. HAS (high-amplitude sucking): paradigma experimental através do qual se pode mensurar o aumento do número de sucções do bebê diante de um estímulo novo e seu decréscimo quando já está saciado. Idioleto: variedade sociolinguística de cada indivíduo, marcada por características estilísticas que o identificam em contraste com as de outros indivíduos pertencentes ao mesmo grupo social de fala. Imagem por ressonância magnética (IRM): detecta as regiões cerebrais onde a atividade neuronal é intensa, por receberem, nos segundos seguintes, um afluxo de sangue oxigenado. INAF: Indicador de Alfabetismo Funcional, conduzido pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa. Inferenciação: processo cognitivo pelo qual o indivíduo chega a uma terceira conclusão, após cruzar o conhecimento prévio do mundo obtido através de suas experiências e/ou de textos ouvidos ou lidos com o conhecimento extraído do texto oral ou escrito que está recebendo. O desenvolvimento da capacidade de inferenciar depende fundamentalmente do acúmulo de leituras realizadas ao longo da vida. Invariância: classe que abrange todas as realizações ou fenômenos de um mesmo elemento, como, por exemplo, a letra a que, manuscrita, se realiza de n formas, dependendo da caligrafia de quem escreve, ou o conceito de cadeira, que abrange todas as cadeiras que existiram, existem ou existirão, ou suas diferentes representações. Letramento: diz respeito às práticas sociais da leitura e da escrita em sociedades letradas. Linguística: ciência que tem por objeto o estudo da língua, em todos os seus aspectos. Magnetoencefalografia: detecta as variações minúsculas do campo magnético induzidas pelas correntes neuronais. Maturidade Cognitiva: ao nascer, o cérebro do bebê não está com os circuitos que o constituem inteiramente prontos, nem com todos os conhecimentos linguísticos e do mundo já armazenados em suas várias memórias. O amadurecimento é gradativo e depende de os prolongamentos dos neurônios serem recobertos por uma camada rica em proteínas (mielinização) para poderem transmitir a informação, bem como para que se estabeleçam as conexões entre as várias regiões do cérebro para permitirem a elaboração de perceptos de natureza cada vez mais complexa e abstrata; depende, também, da experiência, para que os neurônios se reciclem e aprendam a processar as informações oriundas da cultura. Memória de trabalho: conforme a psicologia cognitiva, ela se refere às estruturas e processos utilizados para armazenar, temporariamente estocar e manipular a informação. Memória permanente ou em longo prazo: memória onde estão registrados os episódios marcantes na vida do indivíduo, os esquemas, marcos ou roteiros de suas experiências cotidianas (o seu conhecimento de mundo), os conhecimentos adquiridos através das várias linguagens (memória enciclopédica e semântica), a memória dos rostos, vozes, sons, sabores, trajetos, etc. Método fônico: iniciado pelo linguista L. Bloomfield, propõe que o alfabetizando automatize a associação entre um grafema (formado por uma ou duas letras no PB) e seu respectivo fonema, ambos com a função de distinguir significados. É errônea, pois, a crítica de que tal método despreze o significado. Método global: proposto por Nicolas Adam, o método global ou analítico, parte do todo, seja ele um texto, uma oração ou uma palavra, para decompô-lo até chegar à letra. Mielinização: processo de maturação dos neurônios, no qual eles são recobertos pela substância proteica chamada mielina, formando uma bainha isolante que contribui para aumentar a velocidade de propagação dos impulsos nervosos, atribuindo maior eficiência à transmissão da informação e, com isto, favorecendo a aprendizagem. Mudanças diacrônicas: são as mudanças de um estado de língua para outro que ocorrem no decorrer do tempo, em virtude de vários fatores externos ou internos, tais como a influência de outras línguas e as próprias tendências do sistema. Neurociência: estuda a realização física do processo de informação no sistema nervoso humano animal e humano. A área da neurociência que mais interessa aos processos envolvidos na leitura e na escrita se denomina neuropsicologia, que estuda a relação entre as funções neurais e psicológicas, ou seja, quais áreas específicas do cérebro controlam esta ou aquela função psicológica. Oclusiva ou consoante menos contínua: resulta de um obstáculo à saída do ar pelo trato vocal, o qual deverá ser rompido para que se produza qualquer energia, como é o caso, no português de /p b t d k g/. Palatizado: som que começa como alveolar e termina como palatal, como acontece com [d] e [t] antes de [i], tornando-se [dZ] e [tS], como em dia e tia. PISA: Programa internacional de avaliação comparada, em mais de 60 países, cuja principal finalidade é produzir indicadores sobre a efetividade dos sistemas educacionais e de desempenho estudantil voltados às políticas educacionais, fornecendo orientações, incentivos e instrumentos para melhorar a efetividade da educação na faixa dos 15 anos; em 2008, também foi pré-testada, no Brasil, uma população cursando o primeiro ano do ensino médio. O programa é desenvolvido e coordenado internacionalmente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Pistas acústicas na cadeia da fala: é o conjunto de sinais que os receptores auditivos discriminam para perceber um traço de um fonema. Por exemplo, no traço de sonoridade ou de voz, que possibilita a distinção entre um /p/ e um /b/ em pato e bato, os receptores auditivos podem discriminar, entre outras, a diferença da duração para romper o obstáculo (VOT) na realização de um /p/ (que é maior) e de um /b/; a quantidade maior de ruído (aspiração) depois da ruptura num /p/ (que é maior) do que num /b/; a vibração das pregas vocais no /b/, registrada na barra de sonoridade nos espectrogramas e sua ausência no /p/ e assim por diante. Píxel: menor ponto que forma uma imagem digital, sendo que o conjunto de milhares de píxeis forma a imagem inteira. Propriocepção: refere-se à percepção do próprio corpo: sua postura, movimentos, mudanças no equilíbrio, bem como suas respectivas sensações de movimento e posições. Depois de os sensores receberem os sinais, estes são transformados em potenciais até chegarem à área somestésica (responsável pelo armazenamento de informações proprioceptivas) (NETO, 2009). Psicolinguística: ciência que reúne a psicologia e a linguística no que têm em comum, para a pesquisa dos processos de recepção e produção das mensagens orais e escritas, bem como da aquisição da língua e da aprendizagem da leitura e da escrita. Reciclagem dos neurônios: resultado da aprendizagem dos neurônios para novos reconhecimentos, graças à sua plasticidade. Semiótica ou semiologia: ciência que estuda a vida dos signos no seio da sociedade. Os sistemas semióticos podem ser verbais (objeto da linguística), musicais, pictóricos, arquitetônicos, ou todos os conjuntos estruturados num dado tempo e espaço, cujos elementos passam a ter os mesmos significados básicos para os membros de uma mesma comunidade, num dado tempo, como é o caso da moda, do mobiliário, da alimentação, etc. Simetrizar: “Os neurônios da visão foram biologicamente programados para simetrizar a informação. Cada vez que um hemisfério aprende uma informação visual nova, este traço de memória é imediatamente transmitido ao outro hemisfério. Essa transferência passaria, por certo, pelo corpo caloso, esse vasto feixe de fibras que liga as áreas correspondentes dos dois hemisférios. Supondo que esse feixe liga, ponto a ponto, as áreas visuais simétricas dos dois hemisférios, então a transferência entre os hemisférios deveria inverter a direita e a esquerda” (DEHAENE, 2012, cap. 7). Sinapses nervosas: contato entre as extremidades dos axônios e dentritos dos neurônios, fazendo com que o impulso nervoso passe de um neurônio para o seguinte por meio dos neurotransmissores. Somestesia: é a capacidade que homens e animais têm de receber informações sobre as diferentes partes do seu corpo. Conjunto de sensações corporais como tato, dor etc; consciência corporal. Transparência dos sistemas alfabéticos: diz-se daqueles sistemas onde a relação entre os grafemas e fonemas é mais ou menos biunívoca. Alguns sistemas são mais transparentes, como o finlandês, o italiano, outros são bastante transparentes para a leitura e menos para a escrita como o espanhol e o português e alguns são opacos, como o inglês e o francês. Vocábulos átonos ou clíticos: são os vocábulos sem sílaba mais intensa que, por isso, dependem do vocábulo seguinte (no PB), com exceção dos pronomes oblíquos que podem ocupar posição no final e até no meio do vocábulo com sílaba mais intensa. Por exemplo, Gosto de música. Zona proximal: proposta por Vygotsky, vem a ser a área potencial de desenvolvimento cognitivo, isto é, a distância entre o nível atual de desenvolvimento da criança, determinado pela sua capacidade de resolver problemas individualmente, e o nível potencial, determinado pela resolução de problemas sob orientação de adultos ou em colaboração com pares mais capazes (os mediadores). Referências CHARTIER, A.-M. & HÉBRARD, J. Tradução de CAMARA BASTOS, M. H. Método silábico e método global. Alguns esclarecimentos históricos. História da Educação, Pelotas, v. 5, n. 10, ps. 141-154, jul./dez, 2001. Disponível em <http://seer. ufrgs.br/asphe /article /view /30528>. Acesso em: 09/09/2012. Civilliberties. The teleconference about functional illiteracy, 2007. Disponível em <http://civliber.blogs.bftf.org/2007/07/27/the-teleconference-about-functional-illiteracy/ >. Acesso em 24/10/2007. COHEN, D. 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Uma das maiores dificuldades na alfabetização é ensinar os neurônios a dissimetrizar porque... a ( ) os neurônios humanos não têm plasticidade para novas aprendizagens. Incorreta: os neurônios humanos têm plasticidade. Esta é a condição básica para a aprendizagem. b ( ) os neurônios só aprendem através do estímulo-resposta-recompensa. Incorreta: esta é a concepção do Skinner. c (x) os neurônios, por uma questão de sobrevivência, foram programados para descartar as diferenças de direção para a esquerda e para a direita e, por isto, deverão ser reciclados. Correta. d ( ) a noção de esquerda e direita depende da internalização do esquema corporal. Incorreta: o reconhecimento da direção para a esquerda, para a direita, para cima e para baixo se dá para distinguir as letras entre si, as quais constituem os grafemas e esta distinção funciona para diferenciar os significados, como em bela/dela. e ( ) perceber a direção dos traços para a esquerda ou direita não interessa para o reconhecimento das letras. Incorreta. Vide explicação em d. 2. Analfabetismo funcional, desafio para a escola 2. Analfabeto funcional é: a ( ) o indivíduo que nunca frequentou a escola. Incorreta, porque a frequência à escola não é critério para caracterizar o analfabeto funcional. Há alunos no 9º. ano do Ensino Fundamental que não compreendem o que leem e são analfabetos funcionais. b ( ) o indivíduo que não sabe o nome das letras. Incorreta, porque o indivíduo pode recitar o nome das letras, decorado como numa reza, sem saber seus valores. c (x) o indivíduo que, mesmo tendo frequentado a escola, não compreende os textos necessários à sua inserção na sociedade. Correta. d ( ) o indivíduo que não fala corretamente. Incorreta, porque não diz respeito à leitura. e ( ) o indivíduo que só frequentou a escola até o 3º. ano do Ensino Fundamental. Incorreta: Embora este tenha sido e ainda é o critério adotado pelo IBGE, já verificamos que se encontram analfabetos funcionais até no 9º. ano do Ensino Fundamental. 3. As neurociências na alfabetização e leitura 3. O processamento da linha impressa se dá... a ( ) durante os movimentos em sacada. Incorreta. Durante os movimentos em sacada, o olho fica cego. b ( ) abarcando a linha do início à esquerda até o final à direita. Incorreta, o limite é de 3 ou 4 letras à esquerda do centro do olhar, e de 7 ou 8 à direita. c ( ) abarcando toda a página, daí o êxito da leitura dinâmica. Incorreta. Vide b, o que descarta as promessas da leitura dinâmica. d (x) no momento da fixação, abarcando aproximadamente entre 10 a 12 letras. Correta. e ( ) aleatoriamente. Incorreta. Sem base científica. 4. Desenvolvimento da língua verbal oral 4. Os fatores que intervêm na aquisição da língua oral são: a ( ) apenas um, o inato, pois só o ser humano pode adquirir a língua oral. Incorreta, pois três fatores intervêm: o inato, o maturativo e o ambiental. b ( ) apenas um, o ambiental, pois só a vida em sociedade garante a aquisição da língua oral. Incorreta, pois três fatores intervêm: o inato, o maturativo e o ambiental. c ( ) apenas um, o maturativo, pois se os neurônios não amadurecerem normalmente, a aquisição da língua oral não ocorrerá. Incorreta, pois três fatores intervêm: o inato, o maturativo e o ambiental. d ( ) a relação dialógica entre o bebê e a mãe. Incorreta, pois três fatores intervêm: o inato, o maturativo e o ambiental; as relações dialógicas entre o bebê e a mãe integram o fator ambiental. e (x) o inato, o maturativo e o ambiental. Correta. 4. Desenvolvimento da língua verbal oral 4. A aquisição da língua oral e a aprendizagem da leitura e da escrita a ( ) são a mesma coisa, portanto, deve-se usar também a expressão “aquisição da leitura e da escrita”. Incorreta, pois a aprendizagem da leitura e da escrita é sistemática e intensiva. b (x) não são a mesma coisa, pois, na criança normal, a aquisição da língua oral é espontânea e até compulsória, enquanto a aprendizagem da leitura e da escrita é sistemática e intensiva. Correta. c ( ) são interdependentes porque a aquisição da língua oral depende da aprendizagem da leitura e da escrita. Incorreta, pois a aprendizagem da leitura e da escrita depende da aquisição da língua oral, mas a recíproca não é verdadeira. d ( ) ocorrem no mesmo momento na criança. Incorreta, pois a aquisição da língua oral precede a aprendizagem da leitura e da escrita. e ( ) ocorrem em sequência: primeiro a criança aprende a ler e a escrever. Incorreta, pois a aquisição da língua oral precede a aprendizagem da leitura e da escrita. 5. Fundamentos da Alfabetização integral e integrada 5. O fundamento filosófico essencial à alfabetização integrada é: a ( ) o método hipotético-dedutivo. Incorreta: trata-se de um método e não de um fundamento filosófico. b ( ) o método indutivo. Incorreta: trata-se de um método e não de um fundamento filosófico. c (x) a interação completa entre as ciências humanas e as ciências biológicas. Correta. d ( ) a indissolubilidade entre a física e a química. Incorreta. Ambas as ciências são físicas. e ( ) ser contemplada só pelas ciências humanas. Incorreta: é um fundamento parcial. 6. Métodos de Alfabetização 6. Uma alfabetização efetiva para a leitura e a escrita deve basear-se: a ( ) no método global, pois o cérebro processa o texto escrito como um todo. Incorreta. A região occipitotemporal ventral esquerda reconhece as letras a partir de seus traços invariantes e, num processo de análise e síntese chega aos grafemas, associando-os aos fonemas; posteriormente as conexões chegam às unidades dotadas de significado, às palavras, frases, sentenças e, finalmente, ao texto. b ( ) na nomeação das letras, pois, sem saber o nome das letras, os indivíduos não as reconhecem. Incorreta: o reconhecimento da letra tem o objetivo de chegar ao grafema e ao seu respectivo fonema, ambos com a função de distinguir significados. O que tem a ver o nome agá da letra H, com o papel que ela desempenha no grafema lh na palavra velha? c ( ) apenas na intuição do indivíduo para ir descobrindo sozinho os princípios dos sistemas alfabéticos. Incorreta: sem a mediação de alguém preparado para ajudar o aprendiz a reciclar os neurônios e, assim, superar as barreiras à alfabetização, dificilmente se chega a bons resultados. d (x) nas mais recentes descobertas científicas de que há neurônios especializados que devem ser reciclados para reconhecer os traços das letras, associando-as aos fonemas, ambos com a função de distinguir significados. Correta. e ( ) no fato de que seja qual for o método, o indivíduo se alfabetizará sem tropeços. Incorreta: há métodos que dificultam o processo de alfabetização, como o método global. 7. As principais dificuldades na alfabetização: desmembrar a sílaba - encontros vocálicos 7. A sílaba no PB é constituída de: a ( ) duas vogais. Incorreta, porque no PB apenas uma vogal pode figurar como centro silábico. b (x) uma e apenas uma vogal precedida e/ou seguida, ou não, por consoante(s). Correta. c ( ) uma vogal e de uma consoante obrigatória. Incorreta. A vogal é obrigatória, mas a consoante, não. d ( ) uma semivogal como centro silábico. Incorreta, porque no PB apenas uma vogal pode figurar como centro silábico. e () uma vogal e de uma semivogal obrigatórias. Incorreta, porque no PB a vogal é obrigatória, mas a semivogal, não. 8. Outras dificuldades na alfabetização 8. É difícil separar as palavras na escrita porque: a (x) a cadeia da fala é um contínuo em que não há silêncio separando as palavras entre si. b (x) além de a cadeia da fala ser um contínuo, vocábulos muito frequentes são átonos e são percebidos muito fracamente. c (x) além de terem pouca saliência perceptual, os vocábulos átonos se referem a noções gramaticais. d (x) quando um vocábulo termina por consoante e o seguinte começa por vogal, ocorre reanálise silábica e as fronteiras entre os vocábulos desaparecem. e (x) se o segmento final e o inicial dos vocábulos forem idênticos, ocorre reanálise silábica e as fronteiras entre os vocábulos desaparecem. Todas corretas. 9. A leitura e o sistema alfabético do português brasileiro 9. O processamento da leitura: a (x) não se restringe à decodificação. b (x) vai desde a motivação até a retenção da informação na memória permanente e ao posicionamento crítico. c (x) pressupõe que o leitor tenha algum conhecimento prévio sobre o que vai ler. d (x) só é eficiente se o leitor não titubear diante de cada palavra nova. e (x) aciona várias regiões do cérebro em paralelo. Todas corretas. 10. Critérios para a introdução dos grafemas 10. O ensino-aprendizagem dos grafemas na alfabetização para a leitura deve partir do pressuposto de que a ( ) a criança descobre sozinha os princípios do sistema alfabético do PB e, portanto, o material didático em sala é desnecessário. Incorreta. A criança necessita da mediação de um professor, de um excelente material didático e de atividades pedagógicas em sala de aula, todos baseados nas descobertas mais recentes da ciência, para ultrapassar as dificuldades da alfabetização. b (x) o material didático deve ser cuidadosamente elaborado, bem como as atividades pedagógicas em sala de aula, ambos baseados nas descobertas mais recentes da ciência. Correta. c ( ) a melhor ordem de apresentação é a alfabética. Incorreta. A melhor ordem é a da complexidade crescente. d ( ) é necessário começar pela escrita, antes da leitura. Incorreta: sem feedback, não existe aprendizagem. e ( ) deve-se começar pela letra A e terminar na letra Z. Incorreta. A melhor ordem é a da complexidade crescente. 11. Como escolher o grafema para as atividades de ensino-aprendizagem 11. Percorrer a letra com o indicador, ao mesmo tempo emitindo o som correspondente ao valor do grafema serve para: a (x) fixar a direção dos traços que diferenciam uma letra da outra. b ( x) reforçar a aprendizagem, associando vários canais de entrada. c (x) associar grafema ao fonema que ele representa. d (x) ensinar os neurônios a reconhecerem as letras. e (x) ensinar que, associando um grafema ao fonema, estamos lidando com unidades que distinguem o significado. Todas certas. 12. Quadro fonêmico das consoantes e das vogais do PB 12. As consoantes no PB são fonemas: a (x) que se realizam com um máximo até um mínimo de fechamento do obstáculo à saída do ar. b (x) que só podem ocupar a margem na sílaba. c (x) que incluem as semivogais /j/ e /w/. d (x) que se realizam com maior ou menor obstrução à saída do ar. e (x) que se opõem às vogais. Todas estão corretas. 13. Valores atribuídos aos grafemas, independentes do contexto grafêmico 13. Valores atribuídos aos grafemas, independentes do contexto... a ( ) são os valores que dependem das letras que os precedem. Incorreta, porque os valores independem do contexto. b ( ) são os valores que dependem das letras que os sucedem. Incorreta, porque os valores independem do contexto. c ( ) são os valores que dependem de onde cai o acento de intensidade. Incorreta, porque os valores independem do contexto. d ( ) são os valores que dependem da variedade sociolinguística. Incorreta, porque os valores independem do contexto. e (x) são os valores que independem do contexto grafêmico circundante. Correta. 14. Valores dos grafemas, dependentes do contexto escrito 14. “Valores dos grafemas dependentes do contexto escrito” quer dizer que o valor do grafema depende: a ( ) de como se pronuncia a palavra. Incorreta, pois não é a pronúncia que determina o valor de um grafema na leitura. b (x) da posição das letras que vêm antes e/ou depois. Correta. c ( ) da Academia Brasileira de Letras. Incorreta. d ( ) dos dicionários. Incorreta. e ( ) de falar mais rápido ou mais devagar. Incorreta, pois não é a pronúncia que determina o valor de um grafema na leitura. 15. Letras M m - N n em final de sílaba interna para nasalizar a vogal precedente 15. As letras M m e N n em final de sílaba interna a ( ) representam os fonemas /m/ e /n/, respectivamente. Incorreta: somente nasalizam a vogal precedente. b ( ) são lidas como as consoantes [m] e [n] respectivamente. Incorreta: somente nasalizam a vogal precedente. c (x) têm a mesma função do til e servem para nasalizar a vogal precedente. Correta. d ( ) devem ser ensinadas pelo seu nome eme e ene, respectivamente. Incorreta. e ( ) não devem ser ensinadas nesta posição, pois a criança sozinha aprenderá esse valor. Incorreta. 16. Valores de C c - G g - Q q antes das vogais posteriores 16. O valor do grafema C c depende do contexto grafêmico. Isto significa que: a ( ) seu valor depende dos acentos gráficos. Incorreta b (x) seu valor depende de os grafemas que o seguem representarem vogais posteriores ou não posteriores. Correta. c ( ) C c antes do grafema o tem o valor de /s/. Incorreta: neste contexto tem o valor de /k/. d ( ) C c antes do grafema e tem o valor de /k/. Incorreta: neste contexto tem o valor de /s/. e ( ) C c antes de a tem o valor de /s/. Incorreta: neste contexto tem o valor de /k/. 17. Os dois valores do grafema R r dependentes do contexto grafêmico – o único valor do grafema RR rr 17. O grafema RR rr... a (x) só pode ocorrer no contexto entre grafemas que representam vogais. b (x) apesar de suas várias realizações possíveis, conforme a variedade sociolinguística, o valor é sempre o fonema /R/. c (x) apesar da aparente complexidade, o valor é independente do contexto, pois sempre será /R/. d (x) deve ser ensinado traçando as duas letras e, simultaneamente, emitindo o som, conforme a variedade sociolinguística. e (x) deverá ser ensinado inserido em uma palavra. Todas corretas. 18. Valores previsíveis do grafema X x 1. Quando os valores de um grafema não são previsíveis, como é o caso do grafema X x entre vogais: a ( ) não deve ser trabalhado em sala de aula. Incorreta. Deve ser trabalhado no final da alfabetização. b ( ) só devem ser trabalhados os valores previsíveis, como em início de palavra. Incorreta, pois além de haver alguns valores previsíveis do grafema X x que ocorrem no interior do vocábulo, mesmo os valores imprevisíveis do grafema X x das palavras de maior frequência de uso devem ser ensinados. c (x) devem se trabalhar as palavras de maior frequência de uso. Correta. d ( ) deve-se trabalhar no início da alfabetização. Incorreta, pois quando os valores de um grafema não são previsíveis, a dificuldade do aprendizado é muito maior. e ( ) deve-se começar pela escrita. Incorreta, pois desde o início do Sistema Scliar de Alfabetização, explicamos que a recepção (leitura) alimenta e é condição para a aprendizagem da escrita.