Intelectuais catarinenses e a “missão civilizadora” na
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Intelectuais catarinenses e a “missão civilizadora” na
Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012. UDESC, Florianópolis, SC Intelectuais catarinenses e a “missão civilizadora” na Primeira República Cristiani Bereta da Silva1 Iara Steiner Perin2 Resumo: O presente trabalho problematiza a ideia de “missão civilizadora” dos intelectuais na Primeira República, ou seja, como um seleto grupo de intelectuais chamou para si a tarefa de civilizar “o povo brasileiro”. Tal discussão será realizada a partir dos ideais de civismo e de educação representados e divulgados pelos intelectuais do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC) nos primeiros números da Revista do Instituto. Para tanto foram analisados os números de 1902 e de 1913 a 1920, considerados, juntos, a primeira das três fases de publicação da Revista. Pretende-se pensar como estes intelectuais, em dado momento, construíam sua narrativa a fim de se legitimarem como os detentores do dever de civilizar e modernizar a nação, e como esses ideais eram divulgados nas páginas da Revista. Esta discussão é recorte de pesquisa mais abrangente intitulada A organização do ensino de História e a construção do saber histórico escolar em Santa Catarina (1889 a 1940) que vem sendo desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em História da UDESC, a partir de 2010 com concessão de duas bolsas de Iniciação Científica. Palavras-chave: intelectuais, civismo, educação. Foi assim que, há 5 annos passados, um pequeno grupo de homens patriotas e ousados fundou o Instituto Historico e Geográphico de Santa Catharina (...) comprovando assim que o nosso Instituto cumpre seu dever historico vindo recordar e festejar uma data gloriosa da historia Patria. Todos vós sabeis que ha muito quem julgue precisar a nossa magna carta ser reformada em mais de um ponto: e nós que a defendemos tenhamos a coragem de ser logicos, constituindo uma verdadeira fraternidade e uma perfeita igualdade realisando por inteiro o programma de 15 de novembro de 1899 e só assim teremos nosso ideal – a Patria grande e unida (RTIHGSC, n. 1, vol. 1, 1902, p.9-10)3. A apresentação do primeiro número da Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (RTIHGSC), em 1902, reivindica um lugar para a Revista e para o Instituto: do dever com a história pátria, de “homens patriotas e ousados”, lugar do festejo e saudação de um novo regime político: o republicano. Essas representações aparecem como chaves de leitura importantes para que possamos compreender o papel que o grupo responsável pela publicação da Revista ocupava e investia-se de importância naquele momento. Com a república urgia reinventar a pátria a partir de um passado comum a ser construído, forjado. A história pátria precisaria ser narrada sob a égide de um novo regime, de 1 Doutora em História, professora do Departamento de História e dos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UDESC. E-mail: [email protected]. 2 Acadêmica do Curso de História Licenciatura e Bacharelado. Bolsista de Iniciação Científica PROBIC/UDESC vinculada ao LEH - Laboratório de Ensino de História e ao Grupo de Pesquisa Ensino de História, Memória e Culturas. E-mail: [email protected]. 3 Neste trabalho optou-se por manter a ortografia original escrita nas Revistas. 1 Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012. UDESC, Florianópolis, SC um outro projeto de futuro que deveria anunciar a modernidade, o progresso de uma “nação forte, unida”. O “pequeno grupo de homens patriotas ousados” do Instituto catarinense chamava para si a responsabilidade de produzir e divulgar essa história. Eram “homens das letras” e de fato faziam parte de um pequeno e seleto grupo de intelectuais. O caráter polissêmico e móvel da noção de intelectual na História já foi destacado por Jean-François Sirinelli (2003). Segundo este historiador os critérios de definição do termo precisam admitir variáveis baseadas em invariantes. No caso francês Sirinelli defende que as invariantes permitem duas acepções do intelectual. Uma ampla e sociocultural que engloba os criadores e os “mediadores” culturais. Nesta categoria incluem-se tanto o jornalista como o escritor, o professor secundário e o erudito. Outra mais estreita, baseada na noção de engajamento na vida da cidade como autor (SIRINELLI, 2003, p. 242-243). Segundo Ângela de Castro Gomes (2009; 2010), no Brasil entre o final do século XIX e início do século XX, não é possível distiguir, pela falta de consistência empírica e teórica, o campo intelectual do político, embora se perceba uma relativa e crescente autonomia na dinâmica de cada um. Compreendemos os membros do Instituto catarinense como intelectuais a partir das considerações desta historiadora, de que esses homens eram produtores de bens simbólicos, produtores de interpretações da realidade social de grande valor político, sendo identificado pela propriedade de capital cultural e que estavam envolvidos direta ou indiretamente na arena política (GOMES, 2010, p.147-148). A fundação do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC), em 1896, informa essa condição de forma contundente. O Instituto foi fundado por José Arthur Boiteux (1864-1934), ele mesmo um “homem das letras” que acabou ocupando importante cargo no executivo estadual durante o governo de Hercílio Pedro da Luz. Entre os seus trinta fundadores estão, principalmente, advogados, jornalistas, engenheiros civis, desembargadores e juízes de direito. Além dessas profissões, os sócios do Instituto tinham fortes relações com a política do Estado. Neste texto nosso principal objetivo é discutir a ideia de “missão civilizadora” que os intelectuais catarinenses da Primeira República chamaram para si, com o objetivo de “civilizar a nação”.4 Para tanto serão analisados os discursos de civismo, educação e modernização divulgados pelo seleto grupo de intelectuais que assinaram os números 4 Essas análises são recorte da pesquisa A organização do ensino de História e a construção do saber histórico escolar em Santa Catarina (1889 a 1940) desenvolvida nos Programas de Pós-Graduação em História e em Educação da UDESC, com a concessão de duas bolsas de Iniciação Científica. 2 Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012. UDESC, Florianópolis, SC relativos à primeira fase da Revista Trimensal do Instituto Historico e Geographico de Santa Catharina (RTIHGSC). Conforme analisa a historiadora Janice Gonçalves (2006) a trajetória da Revista foi acidentada desde o início: depois dos dois primeiros números publicados em 1902, a revista só foi retomada em 1913, sendo interrompida novamente em 1920. A história da Revista evidencia a existência de três diferentes fases de publicação: os anos de 1902 e 1913 a 1920 são identificados como a primeira fase; a segunda fase cobriria o período de 1943-1944 e a terceira de 1979 à atualidade (GONÇALVES, 2006, p.61). Os “IHGBs” e a história pátria A consolidação do Estado Nacional tornou viável e necessária a criação de um perfil para a Nação brasileira, para tanto e apesar de não estar explicitado nos primeiros estatutos, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB)5 foi criado em 1838. Pensando um projeto que forjasse a gênese do Brasil, o Instituto promoveu, assim, a escrita da história nacional por autores nacionais, o que permitiu o começo da escrita da história pátria. Uma vez que uma das preocupações surgidas com a Proclamação da Independência foi “a necessidade de uma soberania brasileira que articulasse todas as províncias, esquivando-se de uma quebra de unidade territorial” (SOUZA, 1998, p. 375), e sem mais o monarca que resumisse em si essas qualidades, era preciso transferi-las para D. Pedro, o qual era visto como uma espécie de “pai da nação”, pois era o detentor do consentimento do povo de que fossem regidos por este soberano. Dessa forma, adequando-se às necessidades de um país recém-independente, a invenção de uma história para Brasil pode ser vista como uma das melhores armas contra a desunião das províncias e a favor da integração do povo, ao buscar e/ou criar mecanismos de identificação entre seus habitantes. O debate sobre a história regional esteve entre os três assuntos mais frequentes na Revista Trimestral do IHGB publicada desde a sua fundação, de acordo com Guimarães (1988). Ela era tratada não nas suas especificidades, mas nas possibilidades de troca entre as diversas regiões do país com a intenção de evitar o problema do regionalismo e promover, assim, a escrita da história de um Brasil homogêneo. Como um indício do projeto centralista desejado, no final do século XIX começam a ser criados os Institutos nas províncias, os quais tinham entre suas funções estabelecer o fluxo 5 A ideia de criação do Instituto é tida na Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN – criada em 1927, com o objetivo de incentivar o progresso e o desenvolvimento brasileiros). Estas duas entidades pensavam em projetos que integrassem as diferentes regiões do país, para formar uma “totalidade Brasil” (GUIMARÃES, 1988, p. 9). 3 Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012. UDESC, Florianópolis, SC de informações/produções das províncias para a central, o IHGB. Portanto, o papel do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC)6 será refletido aqui como um espaço próprio das práticas culturais com o objetivo de compreender como uma “determinada realidade social foi construída, pensada e dada a ler” (CHARTIER, 1989, p.16-17), ou seja, como seus membros tentavam difundir seus ideais através da RTIHGSC. O primeiro número da Revista Trimensal do Instituto Historico e Geographico de Santa Catharina data do ano de 1902, em cujas primeiras páginas há o título O apparecimento da revista, assinado pela redação, no qual se lê que a tarefa desse Instituto é nobre, afirmam estarem certos de que o apoio popular não lhes faltará, e o papel da RTIHGSC nesse contexto seria divulgar os trabalhos produzidos que serviriam para a educação cívica e intelectual do povo: Orgão do Instituto Historico e Geographico Catharinense, a presente Revista tem, por isso, o seo programma naturalmente traçado, que outro não pode ser senão aquelle que serve de lemma á corporação em nome da qual vem Ella apresentar-se ao publico catharinense. (...) Nos limitamos a assegurar aos nossos leitores o maximo esforço em prol do levantamento intellectual d’este Estado e uma constante preoccupação em tornar conhecidas as riquezas históricas e naturaes da estremecida patria catharinense. Urge, agora, que o publico, que os nossos concidadãos amantes da terra que lhes foi berço ou em que radicaram interesses, nos fortaleçam com a sua cooperação, afim de que possamos cumprir a missão que nos foi imposta:–missão verdadeiramente notavel e cheia de inapreciaveis resultados, porque é por meio das respectivas Revistas que as associações congeneres á nossa estabelecem entre si um rápido e seguro meio pelo qual transmittem as descobertas que vão realisando. (...) seos trabalhos no vasto campo da sciencia não devem ficar, apenas, conservados em seus archivos, mas visam á larga e fecunda publicidade, necessaria para a educação civica e intellectual do nosso povo. Bem se vê que a nossa missão é nobre e merecedora das sympathias publicas:– estamos certos que ellas não nos faltarão (RTIHGSC, n. 1, vol. 1, s/n, 1902). Os sócios do IHGSC eram, principalmente, pessoas ligadas à política do Estado ou pelo menos de destacada posição social e, no início do século XX, atribuíram-se o dever criar e difundir valores cívicos e também uma versão de história catarinense. Tais valores e ideias passaram a ser divulgados nas páginas da RTIHGSC, que fica evidente no trecho transcrito anteriormente. No penúltimo parágrafo do trecho é colocada a ideia de tornar pública a produção do Instituto, pois seria uma necessidade da educação cívica e intelectual que se 4 Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012. UDESC, Florianópolis, SC queria para o povo, ou seja, os autores da História catarinense – elite intelectual – eram também os que decidiam as direções da educação7 no Estado. Ainda neste primeiro volume da Revista estão elencados os estatutos do Instituto, em um total de sete capítulos e quarenta e dois artigos. O primeiro capítulo – sobre o assunto a que nos atemos neste trabalho – refere-se às finalidades do Instituto, divididas em oito números entre as quais estão, principalmente, o dever de publicar obras e documentos concernentes à História do Estado, e publicar trimensalmente uma revista com as atas das sessões, discursos importantes, trabalhos, documentos e artigos relativos aos fins a que se propõe o Instituto. Estes estatutos datam de sete de setembro de 1896, e são assinados por cinco membros, entre os quais está o fundador do Instituto, José Arthur Boiteux, que assina também a aprovação dos estatutos na sessão de catorze de novembro do mesmo ano. Os “estatutos” têm a força de definir as direções para as quais uma instituição deve seguir, ou seja, podem ser vistos como uma maneira de uniformizar os pensamentos de seus participantes. O IHGSC deve ser analisado não apenas a partir deste conjunto de normas, mas como lugar de “referência ‘das pessoas letradas’, as quais, mesmo não comungando das mesmas ideias, participavam do mesmo grupo intelectual por uma questão de ‘status’ social e político” (COSTA, 2010, p. 12). Por meio do IHGSC os “missionários da civilização” poderiam definir suas ações para colocar em prática seu projeto de Nação, como escreve o farmacêutico M. P. Farias de Mendonça, na sessão de 1º de maio de 1902, no segundo volume da Revista deste mesmo ano: “A tarefa é grande, mas vosso acurado amor pela sciencia e vosso patriotismo são maiores e, portanto, sanado está o grande obstáculo” (RTIHGSC, n. 2, vol. 1, 1902, p. 40). Em seus escritos na Revista, os sócios do IHGSC conferem poder de verdade às suas ideias, o que pode ser visto como maneira de obter credibilidade do povo dando a certeza de que realmente foi como está escrito, mantendo seu posto de “missionários da civilização”. Analisa-se também a RTIHGSC como representação do real, ou seja, constituiu-se em um meio de construção de uma realidade paralela à existente, mas que conduz os seres humanos por ela e nela, como coloca Pesavento (2008) sobre o conceito de representação. As 7 Um exemplo do controle e interferência do Estado na educação é o livro Pequena História Catharinense (BOITEUX, Lucas Alexandre. Pequena História Catharinense. Illustrada. Florianópolis: Officinas e Electricidade da Imprensa Oficial, 1920), de Lucas Alexandre Boiteux, sócio do IHGSC, que foi publicado em 1920 também foi financiado pelo Estado. Além disso, nas primeiras páginas do livro há uma homenagem do autor a “S. Exa. o Sr. Governador do Estado Dr. Hercilio Pedro da Luz”. Já o prefácio, em que o autor afirma que seu desejo era que sua semente (o livro) caísse em terreno fértil; parafraseando Emilio Faguet (Auguste Émile Faguet (1847-1916), escritor e crítico literário francês, membro da Academia Francesa), o autor coloca os dizeres de que a pequena pátria, por ser amada instintivamente, é a própria base do patriotismo. Ver: SILVA; ZAMBONI, 2011. 5 Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012. UDESC, Florianópolis, SC representações “São matrizes geradoras de condutas e práticas sociais, dotadas de força integradora e coesiva, bem como explicativa do real. Indivíduos e grupos dão sentido ao mundo por meio das representações que constroem sobre a realidade” (PESAVENTO, 2008, p. 39). Dessa forma, as representações “dadas a ler” na Revista, continham a ideia de divulgar - para aqueles não faziam parte do seleto grupo do Instituto - ideais de patriotismo e civismo, desejados para a nova Nação que se queria formar. A certeza do que escreviam/criavam pode ser observada desde as primeiras páginas do primeiro volume da Revista: “documentos que por sua antiguidade possam trazer-lhe conhecimento exacto de facto e datas que interessem a historia patria” (RTIHGSC, n. 1, vol. 1, 1902, s/n) – no agradecimento do Instituto às pessoas que fizeram doação de documentos – até o discurso inaugural do sócio capitão Domingos Nascimento (proferido na sessão de 6 de março), no qual ele fala sobre o empenho que o Instituto despenderá para encontrar a verdade histórica e geográfica da questão do Contestado (RTIHGSC, n. 1, vol. 1, 1902, p. 26), e assim o IHGSC ajudaria também na delimitação dos contornos da Pequena Pátria catarinense. Também a relação que havia entre os Institutos das províncias é observada ainda no discurso do capitão Domingos Nascimento, no qual ele afirma que, por pertencer ao Instituto do Paraná, ficará alheio às decisões, porém considera-se irmão dos catarinenses, pois também é dedicado à “felicidade do Grande Lar”, e sendo patriota é o mesmo brasileiro em qualquer lugar do país. O Instituto de Santa Catharina tem um fim nobre e elevado, qual o de congregar os elementos das sciencias que estudam o planeta, para maior brilho da Patria Brazileira. É pela Patria commum que vamos trabalhar, unidos e fortes. Em qualquer recanto do meu Paiz sou o mesmo brazileiro ungido dos sagrados pruridos de patriotismo. Nestas condições, eu vos pertenço, como irmão dedicado à felicidade do Grande Lar! A minha profissão de fé está feita, senhores (RTIHGSC, n. 1, vol. 1, 1902, p. 27). Apesar do valor de fé que o patriotismo tinha para os sócios do Instituto, após os dois primeiros volumes da Revista (1902), a próxima publicação seria apenas em 1913, em cujo editorial se lê que “após a quase fatal lethargia de dez anos” a Revista ressurge “desfraldando o mesmo estandarte sob o qual combateu em sua primeira phase” (RTIHGSC, vol. 2, 1913, s/n). Ainda neste volume, Lucas Alexandre Boiteux continua um capítulo (Achêgas para a Bibliographia e Cartographia catharinenses) com a relação de trabalhos sobre Santa Catarina que havia começado em 1902, em ordem alfabética até a letra D e em um total de 188, os trabalhos datam desde meados do século XVIII até o início do XX. Tanto porque se considerava estar “nas funcções deste Instituto, não só a pesquisa e o colleccionamento dos 6 Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012. UDESC, Florianópolis, SC dados históricos e geographicos do Estado, como o de incitar e desenvolver por todos os meios a educação cívica, o respeito e o amor á Patria”, como pronunciou o “sr. dr. Joaquim David Ferreira Lima, na sessão solenne de 21 de fevereiro de 1913” (RTIHGSC, vol. 2, 1913, p. 104). Nos anos seguintes à proclamação da República, a maior preocupação era a manter a unidade política, garantindo esta, passava-se à construção da nação, conforme coloca Carvalho (1990). Daí o dever que os sócios do IHGSC se incumbiam de “desenvolver por todos os meios a educação cívica, o respeito e o amor á Patria” (RTIHGSC, vol. 2, 1913, p. 104), a partir da escrita (e posterior ensino) de um passado comum, que tivesse pontos de identificação para instigar o patriotismo, e assim legitimar o regime republicano. A escrita para construir um sentido para o real pode surtir efeitos variados quando se leva em consideração o contexto de sua produção (COSTA, 2010, p. 30), e o contexto de então era essa escrita de um passado. Como colocado anteriormente, os políticos que pensavam na unidade territorial da recente República, eram os escritores da História Pátria – e também da Pequena Pátria Santa Catarina – e ainda quem elaborava os programas a serem seguidos nas escolas, ou seja, praticamente as mesmas pessoas, os mesmos sobrenomes. “Contribuição para a historia dos Voluntarios da Patria de Santa Catharina dedicada ao doutissimo historiographo conterrâneo” assim define Laercio Caldeira (1890-1971)8 o capítulo que escreveu para a Revista de 1916, intitulado Voluntarios da Patria, no qual a exaltação a um povo patriota fica evidente Moços das melhores familias da Cidade, fieis ás tradições da terra catharinense, apressavam-se a offerecer as suas vidas para expor em defesa da Patria nos campos do Paraguay. (...) Barco, orgulha-te da carga que levas. A mocidade que transportas é a esperança dum povo, as primicias do patriotismo duma cidade, a alegria e orgulho da Casa Catharinense! (RTIHGSC, vol. 5, 1916, p. 48). Na mocidade a que se refere como a esperança, como os que começariam uma geração essencialmente patriota, era investido através do ensino de História nas escolas de então, em uma maneira de ensinar desde cedo, com a pretensão de que isso fosse internalizado, os ideais republicanos, como Kátia Abud escreve que os programas de ensino 8 Lercio Caldeira de Andrada foi jornalista, advogado e historiador brasileiro, membro do IHGSC, filho do coronel Felisberto Caldeira de Andrada, combatente na Guerra do Paraguai. 7 Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012. UDESC, Florianópolis, SC Constituem o instrumento mais poderoso de intervenção do Estado no ensino, o que significa sua interferência, em última instância, na formação da clientela escolar para o exercício da cidadania, no sentido que interessa aos grupos dominantes. Através dos programas divulgam-se as concepções científicas de cada disciplina, o estado de desenvolvimento em que as ciências de referência se encontram e, ainda, que direção devem tomar ao se transformar em saber escolar (ABUD, 2008, p.28). A preocupação dos membros do IHGSC com a educação também é observada na Revista de 1918, a qual traz um artigo assinado pelo professor Henrique Fontes sobre a instrução no estado. São elencados dados sobre a porcentagem de analfabetos nas treze maiores cidade do Estado na época, a conclusão a que o professor chega é que É de notar que o numero de analphabetos tem decrescido em Santa Catharina em proporção animadora. (portanto, capazes de ter contato com a educação republicana em voga, ou, eles próprios -os que aprenderam a ler- e que portanto fazem parte dessa nova constituição de ensino republicana). Em 1872 os illetrados constituiam 85,3% da população; em 1890 apparecem já diminuídos para 80,4%, e em 1900 representam só 74,3% do numero total de habitantes (RTIHGSC, vol. 7, 1918, p. 235). Os dados foram coletados pelo recenseamento realizado pelas prefeituras, e são considerados analfabetos todos os menos de 10 anos de idade. Considerando que entre os anos 1900 (último ano recenseado) e esta edição da Revista de 1918 o analfabetismo possa ter diminuído mais alguns números, ainda assim a porção de pessoas que sabem ler é extremamente menor em comparação com as analfabetas, ou seja, também a porcentagem da população que teria acesso à Revista seria bem pequena. Dessa maneira, igualmente as pessoas que poderiam ter contato com essa nova constituição de ensino, republicana voltada para o patriotismo/civismo, seria reduzida. Por outro lado, o professor Henrique Fontes escreve que o decrescimento da porcentagem de analfabetos é animadora, mostrando também assim, a esperança que os intelectuais do IHGSC tinham sobre as novas gerações, que seriam ensinadas na modernidade. Essa indissociação entre os cenários político, cultural e educacional que se observa, particularmente, em Santa Catarina no início do século XX, levaram a orientação da sociedade para o caminho desejado pelas elites dominantes que, vendo-se como “missionários da civilização” se apropriaram do dever de educar patriótica e modernamente o povo da República recém-proclamada e carente de uma História e de cidadãos devotos. Através do próprio Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, e de sua Revista Trimensal, vê-se que aquele seleto grupo de intelectuais se considerou detentor do dever de buscar a verdade histórica e geográfica, de divulga-las por meio da Revista, e ainda delimitar o que deveria ser 8 Anais do XIV Encontro Estadual de História - Tempo, memórias e expectativas, 19 a 22 de agosto de 2012. UDESC, Florianópolis, SC ensinado para os futuros cidadãos da Grande Pátria Brasil, e principalmente da Pequena Pátria catarinense. Referências ABUD, Kátia. Currículos de História e políticas públicas: os programas de História do Brasil na escola secundária. In: BITTENCOURT, Circe (org.). O saber histórico na sala de aula. 11ª edição. São Paulo: Contexto, 2008. CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. COSTA, Ticiana Pivetta. 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