eutanásia no anteprojeto do código penal de 1999
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eutanásia no anteprojeto do código penal de 1999
EUTANÁSIA NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL DE 1999 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo a análise da eutanásia no Anteprojeto do Código Penal de 1.999, bem como suas conseqüências e problemáticas jurídicas, em razão do advento do Anteprojeto do Código Penal de 1.999. A eutanásia é um assunto muito polêmico, e envolve posicionamentos favoráveis e contrários à sua aplicação, sempre levando-se em conta o caráter religioso e ético nesta discussão. Existem doutrinadores que defendem a prática da eutanásia, considerando o móvel piedoso em que se encontra imbuído o sujeito ativo do delito, sendo que, no entanto, a sociedade ainda não adquiriu um grau de desenvolvimento que permita a sua aplicabilidade. Muitos países atualmente estão discutindo a possibilidade de se legalizar a prática do homicídio eutanásico, bem como existem países que refutam totalmente essa idéia. Um exemplo clássico de sociedade que busca a legalização da eutanásia é a holandesa. Com essa conduta adotada pelo Parlamento Holandês ao aprovar tal projeto e legalizar a eutanásia, demonstram-se claras as tendências de legalização dessa prática pelo mundo. O mundo presenciou um grande embate envolvendo esse instituto nos Estados Unidos, em razão de uma paciente portadora de uma doença incurável, cujo nome era Terry Schiavo, que teve sua vida ceifada por essa prática. No Brasil, o Anteprojeto que tem por escopo a reforma da parte especial do Código Penal demonstra também que o legislador pátrio está rumando à legalização de tal instituto, tendo em vista a exclusão da ilicitude nos casos de ortotanásia e abrandamento da pena nos casos de eutanásia ativa. Com tal postura, o legislador pátrio demonstra claramente a sua real intenção, ou seja, ir adequando aos poucos uma sociedade que se manifesta contrariamente à prática de tal conduta, pois o anteprojeto supracitado demonstra, nada mais, nada menos, do que um caminho para a legalização de tal instituto em nosso país. No entanto, tal instituto fruto de muitos debates doutrinários não é passível de aceitação por toda a sociedade, já que muitos atentam para uma afronta à Carta Magna, devido à indisponibilidade do bem jurídico vida. Tal assunto encontra-se presente no cotidiano do mundo, pois a prática de tal conduta vem sendo relatada por noticiários, demonstrando a grande resistência por parte dos religiosos e grupos que se manifestam contrariamente a tal prática. Como se não bastassem essas práticas demonstradas de maneira direta pelos noticiários, ainda existem as que são realizadas de modo indireto e muitas vezes camufladas por boas intenções. Isso ocorre, por exemplo, com a política adotada pelo Governo que tem por escopo retirar os enfermos que padecem de doenças terminais e incuráveis dos leitos das Unidades de Terapia Intensiva, pois estes suprimidos da esperança de cura e, muitas vezes, já com seu decreto de morte atestado, seriam somente um fardo a ser carregado pelo Governo, visto que, desta forma, podem ceder seus lugares a pacientes que mais necessitam e que poderão lograr êxito em seu tratamento. Desta forma, com a implementação de tal programa, o Governo estaria se utilizando da prática da eutanásia econômica, ou seja, tentando se livrar de pacientes que somente trariam prejuízos, pois dariam ensejo a gastos despendidos pelo mesmo, sem retorno algum, sendo tais pacientes considerados como um fardo a ser carregado. Nesse passo, o presente trabalho no primeiro capítulo traz, em seu bojo, considerações gerais sobre a eutanásia, abrangendo, preliminarmente, a conceituação do instituto tratado, bem como os diversos tipos de classificações citadas pela doutrina pátria. Não obstante, o capítulo supracitado aborda também a prática da eutanásia na história das civilizações, demonstrando que tal instituto foi utilizados por povos de todo o mundo na antiguidade, bem como por tribos situadas em nossa nação. Outrossim, relata a prática eutanásica em diversos países, bem como o conteúdo de sua legislação no que diz respeito à matéria, já que muitos países se posicionam a favor dessa conduta, como por exemplo, a Holanda, conforme explicitado anteriormente. Em seguida, tal capítulo ainda demonstra a relação existente entre a eutanásia e a Medicina, ciência esta intimamente ligada com a matéria abordada. Não obstante, tal sub-capítulo relata o comportamento médico adotado em relação aos seus pacientes quando os mesmos encontram-se em estado terminal ou por estarem à beira de terem suas vidas ceifadas por uma doença incurável. Em um segundo momento, é necessário demonstrar os aspectos jurídicos relevantes no tocante à aplicabilidade da eutanásia. Inicialmente, tal capítulo aborda a indissociabilidade da idéia de se abordar um tema que trata da concessão de uma morte suave a um indivíduo que padece de um mal incurável ou terminal e não tratar especificamente do bem jurídico mais importante que é a vida. Tal bem foi analisado sob o prisma da Carta Magna, demonstrando sua relevância jurídica frente aos demais bens e sua intrísica relação com o tema abordado. Não obstante, necessário se faz abordar o instituto, objeto dessa pesquisa, sob o aspecto penal, analisando o mesmo dentro do Estatuto Repressivo Brasileiro atual e seus principais efeitos, além dos requisitos ensejadores à tipificação do delito ora tratado. Ademais, tendo em vista que o Anteprojeto do Código Penal de 1.999 que busca a reforma da Parte Especial do Estatuto Repressivo Brasileiro, traz, em seu bojo, os institutos objetos dessa pesquisa, é importante salientar a importância de sua abordagem, pois o mesmo é fruto de muitas discussões, tendo em vista que traz modificações importantes no tocante à matéria, determinando a exclusão da ilicitude no tocante à ortotanásia e o abrandamento da pena no que se refere à eutanásia. 2 EUTANÁSIA: CONSIDERAÇÕES GERAIS 2.1 EUTANÁSIA: CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES Na acepção da palavra, eutanásia quer dizer boa morte. A eutanásia pode ser conceituada, segundo Gisele Mendes de Carvalho, como [...] dar a morte a uma pessoa dotada de uma enfermidade incurável ou de um estado de invalidez permanente, com o objetivo de lhe diminuir o sofrimento, estando munido o sujeito ativo praticante do delito, de um móvel piedoso.1 Contudo existem alguns conceitos expostos pelo Professor Hélio Gomes. São eles: MORSELLI: “É aquela morte que alguém dá a outrem que sofre de uma enfermidade incurável, a seu próprio requerimento, para abreviar agonia muito grande e dolorosa”. PINAM: “É o ato pelo qual uma pessoa põe termo à vida de outra que sofre de uma enfermidade incurável, ou então, a aleijados padecendo de dores cruéis, atendendo às suas solicitações reiteradas, levada puramente pelo espírito de piedade e humanidade”. RICARDO ROYO-VILANOVA Y MORALES: “É a morte doce e tranqüila sem dores físicas nem torturas morais, que podem sobrevir de um modo nas idades mais avançadas da vida, surgir de modo sobrenatural como graça divina, ser sugerida por uma exaltação das virtudes estóicas, ou ser provocada artificialmente, já por motivos eugênicos ou com fins terapêuticos, para suprimir ou abreviar uma inevitável dor, larga e dolorosa agonia, mas sempre com prévio consentimento do paciente ou prévia regulamentação legal”. LUIZ JIMENEZ DE ASÚA, em sua obra intitulada “Liberdade de Amar e Direito de Morrer, definiu eutanásia como ‘a morte que alguém proporciona 1 CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos Jurídicos Penais da Eutanásia. São Paulo: IBCCRIM, 2001, p. 74. a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penosa, e a morte que tende a extinguir agonia demasiado cruel e prolongada’”.2 2.2 CLASSIFICAÇÕES A eutanásia possui diversas classificações explicitadas pela doutrina que já se tornaram comuns em sede de análise sobre a matéria tratada. Dentre elas as mais importantes são: - Eutanásia natural: consiste na morte do paciente sem padecimento, sem agonia. - Eutanásia provocada: consiste na utilização de meios artificiais para abreviar o sofrimento passado, tanto pelo enfermo, quanto pelos parentes. - Eutanásia Solutiva: consiste no auxílio à “boa morte”, através da utilização de meios terapêuticos, que diminuam o sofrimento, mas não lhe diminuam a vida. - Eutanásia resolutiva: consiste no auxílio à “boa morte”, utilizando-se de meios para diminuir a vida do enfermo. A eutanásia resolutiva se divide em: - Eutanásia libertadora: consiste na prática da eutanásia pelo sujeito ativo que está munido de um móvel piedoso, visando diminuir o sofrimento da vítima que se encontra em estado terminal, ou sendo portador de um mal irreversível. 2 GOMES, Prof. Hélio. Medicina Legal. Rio de Janeiro: Freire Bastos, 31ª ed., 1994, p. 381. - Eutanásia eugênica: consiste em interromper o curso vital do indivíduo que possua problemas físico-psíquicos, evitando que o mal de que sofre se propague para outras gerações, buscando-se um ideal de raça humana. Um dos maiores exemplos a serem citados com relação à prática da eutanásia eugênica, é o de Hitler, que buscava a qualquer custo a formação de uma raça pura, declarando a superioridade da raça ariana e a eliminação de outras raças, como por exemplo, dos judeus. - Eutanásia econômica: consiste em extinguir a vida de pessoas que são portadoras de deficiências, bem como, de aposentados que não irão gerar nenhuma espécie de lucro, mas sim, de gastos. Esse caso de eutanásia é passível da demonstração de um exemplo condizente com a realidade da sociedade em que vivemos. Como já dito anteriormente, o Governo através da adoção de um política voltada para a saúde que busca a não-utilização de UTIs por pacientes que são portadores de doenças atestadas incuráveis ou em estado terminal, está camuflando a prática desta modalidade de eutanásia, pois insistir no tratamento desses pacientes seria um fardo para o Estado. A eutanásia ainda pode ser: - Eutanásia ativa: consiste em gerar ao indivíduo a boa morte, para que lhe seja diminuído o seu sofrimento. A eutanásia ativa se divide ainda em: A) Eutanásia ativa direta: visa o encurtamento da vida do paciente. B) Eutanásia ativa indireta: visa primeiramente, diminuir o sofrimento do indivíduo, tendo como conseqüência desta, a diminuição da vida do paciente. - Eutanásia passiva: consiste em não se utilizar de tratamentos médicos que poderiam prolongar a vida do enfermo. Em oposição à eutanásia, existe a Distanásia, que consiste em prolongar a vida do indivíduo, através de recursos médicos, já que a enfermidade desse paciente é incurável, não possuindo mais perspectivas de reversibilidade. Para se prolongar a vida do paciente é possível se utilizar de dois meios: A) Meios ordinários: são os meios obrigatórios que devem ser utilizados pelos médicos para tentar salvar a vida do paciente. São os meios mais utilizados, pois os seus custos não são tão altos quanto os custos dos meios extraordinários. B) Meios extraordinários: são os meios facultativos que podem ser utilizados para se prolongar a vida do paciente, contudo, esses são mais custosos e cuja aplicação sempre possui um caráter mais agressivo. Ademais, existe ainda, a Ortotanásia ou Eutanásia por omissão, que consiste na não utilização ou na interrupção dos métodos médicos que estão sendo utilizados para o tratamento do indivíduo, para que o paciente seja levado à morte sem que lhe cause sofrimento. Tal prática é detentora de um exemplo atual, qual seja: a da cidadã norte-americana Terry Schiavo que teve seus aparelhos desligados, bem como seu tratamento interrompido, o que causou, em conseqüência de tal conduta, o óbito da mesma em poucos dias. Existem ainda, outras espécies de eutanásia, sendo elas: - Eutanásia Criminal: consiste na eliminação dos indivíduos sociais considerados altamente perigosos. Esse tipo de eutanásia foi muito utilizada na época das guerras colonizadoras, onde os presos enfermos de alta periculosidade eram mortos. - Eutanásia Experimental: é a que se caracteriza em nome do progresso científico, ou seja, a vida humana tida como cobaia em prol da humanidade. - Eutanásia Suicídio: é aquela em que o próprio paciente é o autor, ou seja, ele se torna o executante da sua morte. Esse tipo consagra o Suicídio Assistido. - Eutanásia Teológica: é a chamada morte em estado de graça. - Eutanásia Estóica: era a morte obtida com a exaltação das virtudes do estoicismo. 2.3 HISTÓRICO DA EUTANÁSIA A prática da eutanásia não é recente, não havendo uma marca precisa do início de sua aplicabilidade, sendo que foi muito utilizada pelas civilizações de épocas remotas, como por exemplo, em tribos e grupos selvagens, os quais matavam seus idosos doentes e guerreiros feridos em combates. Como é cediço a prática da eutanásia é tão antiga quanto a vida em sociedade, pois existem inúmeros testemunhos que demonstram a prática de tal conduta em épocas pretéritas. De acordo com Ricardo Barbosa Alves, a própria Bíblia Sagrada, traz em seu bojo, no Primeiro Livro de Samuel, um caso da prática da eutanásia. Explicita o referido trecho: Neste meio tempo os filisteus estavam em guerra com Israel. Os israelitas fugiram diante dos filisteus e, feridos de morte, caíram na montanha de Gelboé. Os filisteus perseguiram de perto a Saul e seus filhos, massacrando Jônatas, Abinadab e Melsequisua, filhos de Saul, Então, se travou uma peleja encarniçada em torno de Saul, e os flecheiros o atingiram com as flechas. Ferido mortalmente pelos flecheiros, ordenou Saul ao escudeiro: “Desembainha a espada e me traspassem com ela! Não venham esses incircuncisos e me traspassem, abusando de mim!. Mas o escudeiro não quis saber, porque ele tinha muito receio. Então Saul tomou a espada e precipitou-se sobre ela. Quando o escudeiro viu que Saul estava morto, também ele se precipitou sobre a espada e morreu ao lado dele. Portanto, nesse dia morreram Saul e seus três filhos, o escudeiro, bem como todos os seus homens.3 O doutrinador ALVES ao citar Platão, demonstra que o mesmo, em sua obra República, já externalizou a admissibilidade da prática da eutanásia, tendo em vista que a sociedade deveria eliminar os membros enfermos. Esclarece o filósofo em um trecho de sua obra: Portanto, estabelecerás na cidade médicos e juízes da espécie que dissemos, que hão de tratar, dentre os cidadãos, os que foram bem constituídos de corpo e de alma, deixarão morrer os que fisicamente não 3 ALVES, Roberto Barbosa. Eutanásia , bioética e vidas sucessivas. Sorocaba: Brazilian Books, 2001, p. 39. estiverem em condições, e mandarão matar os que forem mal conformados e incuráveis espiritualmente.4 De acordo com o doutrinador supracitado, o filósofo grego Aristóteles não fugiu à regra, admitindo a prática da eutanásia, assim como pensavam os demais filósofos gregos, pois prezava que matar indivíduos recém-nascidos com deformidades seria um benefício para a sociedade. Um exemplo clássico da prática da eutanásia em civilizações remotas faz alusão à civilização espartana. Essa civilização atirava do cume de uma montanha pessoas defeituosas, crianças pobres e raquíticas que não pudessem se firmar como grandes guerreiros, pois não tinham mais utilidade para o Estado. Outro exemplo a ser citado é o da civilização grega, no qual os médicos eram procurados por pessoas portadoras de males incuráveis, para poderem se aliviar da dor que sofriam, através da antecipação de sua morte. Na Idade Média os cristos tinham a idéia de matar por compaixão como repugnante, pois diziam que a dor provinha da vontade de Deus, e que se acabassem com esta, seria atentar contra a vontade do Criador. Nessa mesma época ocorreram inúmeras epidemias e pestes, sendo a eutanásia vista como uma solução para o não alastramento das doenças que acabavam com populações inteiras, tudo isso devido à grande miséria em que se encontrava o povo durante o período de decadência do feudalismo. São Tomás de Aquino também se apresentava totalmente contrário à idéia de práticas eutanásicas, pois dizia serem estas, atentados contra a própria vida, pessoa e principalmente a Deus. 4 PLATÃO apud ALVES, idem,p. 38. Na Idade Moderna e Contemporânea é necessário fazer alusão ao pedido feito por Napoleão ao cirurgião Degenettes, de matar com ópio soldados atacados por doenças, posto que este negou a prática de tal ato, pois dizia que era médico para curar pessoas de males e não para matá-las em decorrências destas, devido o seu sofrimento. Na Índia, os doentes incuráveis eram levados até o rio Ganges, onde eram asfixiados, pois, suas narinas e bocas eram tampadas com barro, sendo estes, posteriormente, abandonados no leito no rio supracitado. Quando falamos em eutanásia, é impossível não fazermos referência à carnificina realizada pelo Terceiro Reich. Como é cediço, a Alemanha nazista efetuou a eliminação de várias raças, dentre elas os judeus, possuindo como argumento a busca de uma raça pura. Tal conduta trouxe à baila o conceito de eugenia e, posteriormente, o conceito de eutanásia eugênica ou selecionadora. No Brasil, pode-se encontrar vestígios de eutanásia em algumas tribos, as quais deixavam os idosos que não participavam mais de festas, caças e demais atividades, morrerem, pois acreditavam que as pessoas que não podiam mais participar destas atividades não teriam mais estímulo para a vida, perdendo esta todo o seu significado. Diante disso, a morte viria como uma benção. 2.4 EUTANÁSIA NO DIREITO COMPARADO As discussões sobre as práticas eutanásicas têm sido freqüentes, não somente em nosso país, com o advento do Anteprojeto do Código Penal de 1.999, como também em outros países que buscam um caminho para a sua legalização. O primeiro exemplo a ser dado em relação à legalização da eutanásia faz alusão à civilização holandesa, pois como foi disposto anteriormente, esta civilização, por meio de seu Parlamento, legalizou a eutanásia no referido país. Outros países também estão buscando a legalização da eutanásia, como os Estados Unidos, que tentaram, no Estado da Califórnia, a inclusão do homicídio eutanásico em seu Código Penal. Em 1.924, o Peru legalizou o homicídio piedoso, copiando o Código Penal Suíço de 1.918, tratando de matéria similar ao projeto Tcheco-Eslovaco de 1.921. Conforme assevera ALVES, o Código Penal Uruguaio reconhece a faculdade de aplicar a pena ao sujeito ativo de delito, desde que o mesmo possua bons antecedentes e esteja imbuído por piedade ao praticar a conduta criminosa.5 A jurisprudência japonesa vem acatando a prática da eutanásia. No entanto, demonstra-se medida de rigor a observância de alguns requisitos, tais como: que se trate de um paciente terminal, cuja morte seja eminente; que existam padecimentos graves; que a intenção seja a de levar ao paciente alívio ante o sofrimento vivido pelo mesmo; a morte deve ser efetivada por um médico e que sejam utilizados métodos ética e esteticamente aceitáveis. Os Estatutos Repressivos de vários países, como por exemplo, da Alemanha, Portugal e Itália, reconhecem uma atenuante para o homicídio eutanásico cometido com o consentimento do enfermo. O Código Penal Italiano prevê a pena de seis a quinze anos de reclusão para a morte com o consentimento da vítima. Outrossim, na Alemanha, é cominada pena não inferior a três anos para o sujeito ativo que praticar a eutanásia, com a expressa petição da vítima. 5 ALVES, Op. Cit., p. 46. Ademais, o sistema penal espanhol prevê redução de pena quando o agente auxilia na morte da vítima a pedido desta, desde que o pedido seja sério e desprovido de qualquer equívoco. Conforme já dito anteriormente, os Estados Unidos já tentaram a legalização de tal conduta. Ocorre que em tal nação vários são os casos de eutanásia relatados. Um dos casos mais conhecidos da prática da eutanásia diz respeito ao médico aposentando Jack Kevorkian, que alegou ter auxiliado cerca de 130 pacientes a alcançarem a “boa morte”. Outro caso recente, que ocorreu nos Estados Unidos foi o de Terry Schiavo. Tal paciente sofria de uma patologia incurável e irreversível. O cônjuge de Terry, alegando estar imbuído de móvel piedoso, efetuou o pedido de paralisação do tratamento efetuado, bem como a cessação de fornecimento de alimentação à paciente, o que faria com que a mesma alcançasse o óbito durante pouco dias, falecendo, desta maneira, por inanição. O cônjuge de Terry foi contestado pela família da paciente, que pleiteava levar para si a responsabilidade do tratamento da mesma. No entanto, depois de várias tentativas da família de Terry de obstar tal acontecimento, a Suprema Corte norte americana, julgou procedente o pedido do cônjuge de Terry, para que cessasse o tratamento à paciente e não mais se fornecesse alimentação à mesma. Assim, em poucos dias, a paciente supracitada entrou em óbito, tornando claro e visível um caso de eutanásia. Grupos religiosos de todo o mundo manifestaram-se contrariamente a tal procedimento, mas, no entanto, a conduta foi perpetrada. Diante de tais acontecimentos, e com a evolução das legislações penais dos países, demonstra-se claro a intenção de se legalizar a prática da eutanásia. Tal fato, não obstante, se estende também à nossa nação com o anteprojeto do Código Penal de 1.999. Tal anteprojeto ora exclui a ilicitude de determinada modalidade de eutanásia, ora abranda a pena aplicável. Diante disso, demonstra-se como tendência mundial a busca pela a legalização da prática desse instituto, mesmo sendo tão debatido por grupo religiosos e éticos. 2.5 EUTANÁSIA E MEDICINA São procedimentos dos médicos quando se deparam com um paciente em estado de morte iminente ou de um mal irreversível: a) Apressar a morte. Aqui ocorre o caso da eutanásia ativa, que acaba por configurar crime, de acordo com os elementos constantes do tipo; b) Deixar de utilizar os meios artificiais e adotar as medidas que aliviem o sofrimento do enfermo. É a chamada eutanásia passiva; c) Desligar o aparelho de respiração artificial. O indivíduo, tendo apenas a morte cerebral, não precisa de máquina para mantê-lo vivo, pois este respira por si mesmo; d) Usar os meios artificiais, logo após à morte cerebral, para manter os órgãos vivos, par aproveitá-los para transplantes. O médico, a partir do momento em que passa a cuidar do paciente tem o dever de tentar restaurar-lhe a saúde, para que viva com dignidade, e não, buscar diminuí-la face a existência de alguns males, tidos como incuráveis para a nossa sociedade atual, mas não, em relação a uma sociedade mais avançada, pois do modo que a Medicina evolui, logo teremos curas para doenças que sequer imaginávamos que alcançaríamos. Em seu juramento, os médicos demonstram a intenção de preservar a vida a todo custo, buscando a cura de males incuráveis, jamais tendo a intenção de pôr fim a vida de um paciente. Fica clara essa situação com a análise do trecho seguinte: Seguirei o método terapêutico que, segundo a minha capacidade e recto entender, considere o melhor para o bem do meu paciente, e abster-me-ei de toda a ação ou omissão, com intenção direta e deliberada de pôr fim a uma vida humana. Terei o máximo respeito por toda a vida humana [...]6. Portanto, os médicos têm o dever de cuidar de seus pacientes da melhor maneira possível, buscando o total restabelecimento do indivíduo, sendo este preceito, inclusive, disposto no referido juramento. Para os médicos, a prática tanto da eutanásia como da ortotanásia poderia ser considerado como um homicídio, se presentes os elementos caracterizadores, ou mesmo, um auxílio ao suicídio. Além disso, os médicos quando contrariam o seu juramento estão afrontando o seu Código de Ética. A relação médico-paciente possui alguns pontos incontroversos, que geram discussões sobre o prisma ético. Talvez o maior deles seja a comunicação ao paciente do diagnóstico sobre a enfermidade a que se encontra submetido. Muitos sustentam que o paciente deve ser informado de todos os acontecimentos sobre sua enfermidade, inclusive sobre o eventual risco de morte ou incurabilidade da doença. Destarte, outra corrente sustenta que não se deve revelar ao enfermo o diagnóstico de sua enfermidade, pois, muitas vezes com tal notícia, o estado clínico 6 Trecho do juramento médico cedido pela aluna do curso de Medicina da Universidade de Marília, Grasielle Christiane Furtado. do paciente pode se alterar e muitas vezes ocasionar distúrbios psicológicos que ensejarão a aceleração do mal em que padece. Essa corrente possui um estilo protecionista, buscando proteger o enfermo de informações que porventura possam causar pânico ao mesmo. Noutro ponto, ALVES ao citar ELISABETH KÜBLER-ROSS, apresenta uma corrente intermediária que busca dirimir o conflito existente entre as correntes anteriores. Tal corrente se pauta no fato de que o paciente deve ser informado do diagnóstico de sua enfermidade, sendo que ao médico jamais caberá informá-lo sobre a eventual iminência de morte em que se encontra ou incurabilidade de sua enfermidade. A corrente em questão demonstra a necessidade de manter acesa a esperança de cura ao paciente, pois o estado psicológico do paciente influi consideravelmente no seu tratamento. Como assevera ALVES ao citar a doutrinadora supracitada, “todos os pacientes conservam uma porta aberta à possibilidade de continuarem vivendo e nenhum deles sustentou o tempo todo que não deseja mais viver”.7 Tal assertiva apresenta-se como um das críticas realizadas a um dos critérios ensejadores da prática da eutanásia. A crítica realizada ocorre com relação ao consentimento do enfermo, que deverá externalizar a vontade de que se pratique a conduta tipica contra si. Assim, tal consentimento suscita algumas indagações, tais como: será possível considerar o consentimento de um enfermo que está padecendo de uma enfermidade, muitas vezes incurável ou em estado terminal? 7 ALVES, op. cit., p. 368. Ocorre que, via de regra, os enfermos somente suplicam para que seja dada a “boa morte” a si quando estão imbuídos de dores profundas, ensejadoras de sofrimentos muitas vezes insuportáveis. No entanto, se tal sofrimento for aliviado, tanto em razão do sucesso do tratamento, como em razão de um medicamento que faça cessar tal estado, o paciente, com certeza, não efetuará tal pedido, bem como não consentirá para que outra pessoa o faça. Assim, a relação médico-paciente demonstra grande complexidade, tanto no tocante ao prisma ético, jurídico e humanista. 3 ASPECTOS JURÍDICOS DA EUTANÁSIA 3.1 O BEM JURÍDICO VIDA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1.988. Explicita o caput do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988: Art.5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade. (Grifo Nosso). A vida é expressa no artigo 5º da Constituição, como bem jurídico inviolável, sendo também considerado indisponível e inalienável, ou seja, o indivíduo não pode violar, dispor ou alienar a sua vida ou a vida de outrem. É o bem jurídico mais importante tutelado pela Constituição, pois na falta deste, não será possível o exercício dos demais bens jurídicos expostos no caput do artigo supracitado. Mesmo a vida sendo o mais importante dos bens jurídicos que o homem dispõe, ela não possui caráter absoluto. A vida possui caráter relativo em função da pena de morte, expressa no artigo 5º, XLVII, “a” da Constituição, além de outras hipóteses constantes no próprio Código Penal, como o estado de necessidade, a legítima defesa, dentre outros. A Constituição ao tutelar o direito à vida, impõe ao Estado o dever de assegurá-la, tanto no que diz respeito ao direito de continuar vivendo, como no que diz respeito à sua subsistência, pois é seu dever assegurar ao cidadão, o direito à saúde, educação e outros demais que são de extrema importância para uma vida digna. Desta forma, são impostos ao Estado três deveres constitucionais principais. São eles: a) O dever de respeitar a vida humana como objetivo de todos e de cada um dos cidadãos; b) O dever de proteger o direito a vida humana no âmbito das funções exercidas pelo Estado; c) Consiste no direito que o Estado tem de punir os indivíduos que atentem contra a vida, respondendo, conseqüentemente, pelos atos praticados. É importante salientar o artigo 5º da Constituição traz, em seu bojo, os direitos e garantias individuais do cidadão.8 A doutrina realiza uma diferenciação entre os direitos e as garantias constitucionalmente tuteladas pelo artigo 8 No caso em tela, entende-se cidadão, aquele detentor de direitos políticos, sociais e civis, diferentemente do que ocorria em épocas pretéritas, em que somente alcançaria tal condição a pessoa dotada de direitos políticos. supracitado. De acordo com MORAES ao citar RUI BARBOSA9, esclarece que há necessidade de realizar a bipartição dessas normas em duas categorias, quais sejam: declaratórias e assecuratórias. As normas declaratórias são aquelas que instituem os direitos, ao passo que as assecuratórias, visam proteger os direitos, ora criados. Logo, as garantias, presentes no corpo do artigo 5º da Carta Magna possuem caráter instrumental em relação ao Direito Material criado pelas normas declaratórias. Noutro ponto, é importante destacar que o artigo 5º da Constituição é considerado como cláusula pétrea, em razão do disposto no artigo 60, § 4º, inciso IV, do mesmo diploma legal. Dispõe o referido artigo: Art. 60- [...] § 4º- Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV- os direitos e garantias individuais. Deste modo, de acordo com o artigo supracitado, o artigo 5º, que traz, em seu bojo, os direitos e garantias individuais do cidadão, não poderá ser abolido por emenda constitucional, já que tal matéria é integrante das matérias caracterizadas como sendo o núcleo intangível da Constituição. Assim, de acordo com o artigo com o caput do artigo 5º da Constituição e pelo fato de ser a vida o bem jurídico mais importante da pessoa humana, a prática da eutanásia ou de qualquer das suas modalidades apresenta total discordância com o conteúdo da Carta Magna. No entanto, há existência de uma corrente no Direito Brasileiro, embasada no Direito Alternativo, que garante a aplicação dos institutos supracitados em face 9 BARBOSA, Rui apud MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2.002. da observância do princípio da dignidade da pessoa humana, estampado no artigo 1º, inciso III, da Constituição da República Federativa do Brasil. Explicita o referido artigo: Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: III- a dignidade da pessoa humana. Tal posicionamento se abaliza no fato de que ao indivíduo que padece de uma doença terminal ou incurável deve ser aplicada a eutanásia, para que, desta maneira, tenha um término de vida digno, sem sofrimento. Destarte, tal corrente é muito contestada, pois é impossível falarmos em dignidade da pessoa humana sem anteriormente fazermos menção ao bem jurídico vida, já que este é pressuposto para o exercício de todos os demais bens jurídicos existentes. Logo, tal teoria não é passível de aplicabilidade nos casos de eutanásia ou de qualquer de sua modalidade, pois se tal teoria fosse abarcada e a prática de tal conduta fosse legalizada, teríamos a legalização de um homicídio. 3.2 EUTANÁSIA NO CÓDIGO PENAL ATUAL A eutanásia não se encontra tipificada no Código Penal atual, sendo necessário fazer a sua adequação à outro tipo penal. O homicídio eutanásico se adequa ao artigo 121, § 1º do CP, que trata do homicídio privilegiado, pois não há nenhum tipo penal que seja específico quanto à matéria. Diz o artigo supracitado: Art. 121 – [...] § 1º - Se o agente agiu impelido por motivo de relevante valor social ou moral, sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz poderá reduzir a pena de um sexto a um terço. Logo, atualmente, se houver a prática de um homicídio eutanásico, o mesmo deverá ser tipificado como homicídio privilegiado, em razão do relevante valor moral pelo qual o agente agiu. O motivo de relevante valor moral é aquele atinente ao interesse do particular, diferentemente do relevante valor social que diz respeito ao interesse público. No entanto, para a configuração de tal evento criminoso há necessidade da presença de alguns requisitos presentes no tipo penal supracitado, quais sejam: a) emoção violenta; b) injusta provocação da vítima; c) sucessão imediata entre a provocação e a reação: É necessário que o agente cometa o crime logo após à provocação, pois, se cometer muito tempo depois, o homicídio não mais será privilegiado. Essa adequação somente se dará quando a eutanásia possuir os elementos que a caracterizem como homicídio, pois poderá também ser considerada, como um suicídio assistido, encontrando, desta forma, tipificação no artigo 122 do Código Penal. Para que tenhamos o homicídio eutanásico são necessários alguns elementos, já que o seu conceito expressa a morte dada a um indivíduo portador de uma enfermidade incurável e irreversível perante as técnicas da medicina atual, estando o sujeito ativo praticante da eutanásia movido por um sentimento de piedade, frente ao sofrimento enfrentado pelo enfermo. São os elementos do homicídio eutanásico: Critério de incurabilidade: para que se tenha o homicídio eutanásico A) é necessário que o enfermo seja portador de uma doença incurável, sendo que todos os tratamentos possíveis se esgotaram frente ao quadro clínico de irreversibilidade da doença. Móvel humanitário: no homicídio eutanásico o sujeito ativo deve B) estar movido por um sentimento de piedade em relação ao enfermo, pois, quer praticar a eutanásia para amenizar o sofrimento vivido. Consentimento do enfermo: é necessário o consentimento do C) enfermo, pois neste, se expressa a concordância entre as partes para a realização do homicídio eutanásico. No caso da impossibilidade do enfermo expressar o seu consentimento, caberá aos seus descendentes, ascendentes ou cônjuge fazê-lo. Esse elemento traz de imediato algumas críticas: - Pode o consentimento dos descendentes, ascendentes ou do cônjuge do enfermo substituírem o seu próprio consentimento? - Pode levar-se em conta o consentimento de um paciente que se encontra sofrendo de uma doença incurável e em estado terminal? Tais críticas, como já dito anteriormente, remontam ao estado clínico em que se encontra o paciente. É comum no caso de um paciente que sofre de um sofrimento insuportável, pleitear a outrem que seja aplicada contra si a “boa morte” ou suplicar para que lhe seja retirada a vida, para que não continue sofrendo. O problema ocorre no exato momento em que o sofrimento cessa, independentemente dos motivos que lhe deram causa. Indubitavelmente, tal paciente que inicialmente suplicava pela morte, não mais desejará tal resultado para si, pois não está sendo mais vítima do sofrimento que lhe impulsionou a realizar tal conduta. Assim, não é possível levar em conta o consentimento de um indivíduo que se encontra no estado terminal de uma enfermidade, ou padece de um mal incurável. Noutro ponto, não há também que se cogitar sobre o consentimento de outras pessoas dispostas pela lei, com o fim de efetuarem o mesmo, em razão de sua impossibilidade do enfermo em expressá-lo. Tal fato se justifica em razão de que não é possível apontar com clareza se o enfermo externaria seu consentimento caso não estivesse impossibilitado para tal. Indubitavelmente, pode ocorrer discordância entre a manifestação da vontade dos legitimados para expressar o consentimento e a vontade do paciente, motivo ensejador da impossibilidade de tal prática. Outro problema grave surge no tocante à possibilidade expressa pela lei de outros indivíduos serem legitimados para a expressar o consentimento para a prática da eutanásia. Tal fato pode justificar a prática de homicídios qualificados, como, por exemplo, praticados por motivo torpe, no caso de prática da conduta tipificada para que possa dar guarida ao tráfico de órgãos. Por derradeiro, há que se vislumbrar a oportunidade da ocorrência do instituto do homicídio qualificado-privilegiado. Tal fato ocorre quando há manifestação de qualificadoras de natureza objetiva no crime de homicídio eutanásico praticado. A conseqüência jurídica trazida em razão de tal modalidade de homicídio é a perda do caráter de hediondez do delito. 3.3 EUTANÁSIA NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL DE 1.999 Do mesmo modo que em 1.984, a Parte Geral do Código Penal foi fruto de alterações, um anteprojeto que tramita pelo Congresso Nacional tem por objetivo reformar a parte especial do Estatuto Repressivo Brasileiro. O anteprojeto supracitado foi elaborado por uma Comissão nomeada pelo ministro Iris Rezende, tendo sido entregue pela mesma em 08 de abril de 1.999 ao ministro da Justiça da época, Renan Calheiros, para que fosse submetida ao crivo do Congresso Nacional, por onde encontra-se em tramitação até a presente data. Tal anteprojeto aborda vários problemas atuais, ensejadores de discussões sob o prisma ético e o jurídico, tais como a eutanásia e o aborto. O Anteprojeto do Código Penal de 1.999, que tramita pelo Congresso Nacional, trata da eutanásia e da ortotanásia, em seu artigo 121, §§ 3º e 4º, respectivamente. Dispõe o Anteprojeto: Art. 121 – [...] § 3º - Se o autor do crime é cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente, irmão ou pessoa ligada por estreitos laços de afeição à vítima, e agiu por compaixão a pedido desta, imputável e maior de dezoito anos, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave e em estado terminal, devidamente diagnosticados. Pena – reclusão de 2 a 5 anos. Art. 121 - [...] § 4º- Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial se previamente atestado por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que, haja o consentimento do paciente, ou na sua imposibilidade, do cônjuge, companheiro, ascendente ou irmão. – EXCLUSÃO DA ILICITUDE. Alguns doutrinadores afirmam que a diminuição da pena na eutanásia e a exclusão da ilicitude na ortotanásia pelo Anteprojeto, são somente um caminho para a legalização da eutanásia em nosso país. Mas essa questão é muito complexa, pois envolve muitos interesses, posicionamentos, questões religiosas, éticas, morais. Um dos problemas suscitados com o advento do Anteprojeto do Código Penal de 1999 é a possibilidade da ocorrência de crimes estruturados em motivos torpes e fúteis, se aproveitando da diminuição da pena nos casos de eutanásia, e da exclusão da ilicitude nos casos de ortotanásia. Como é possível se perceber, a pena imposta às práticas eutanásicas, no Anteprojeto, varia de 2 a 5 anos, notadamente inferior à do homicídio simples, que varia de 6 a 20 anos. Com a diminuição da pena inerente à eutanásia e a exclusão da ilicitude no que tange à ortotanásia, pode-se fazer constante a prática de crimes, como por exemplo, o tráfico de órgãos. Além disso, poderia a morte do paciente ser estruturada através da eutanásia ou da ortotanásia, para a antecipação do recebimento de uma herança. Como é possível perceber, o anteprojeto supracitado traz à baila a tendência mundial de legalização da eutanásia. 3.4 EUTANÁSIA SOB O CRIVO DE ALGUNS INSTITUTOS PENAIS RELEVANTES PRESENTES NO ESTATUTO REPRESSIVO BRASILEIRO Outro ponto a ser tratado no presente trabalho é a aplicação de alguns importantes institutos penais presentes na Parte Geral do Código Penal ao instituto da eutanásia, presente no § 3º do artigo 121, do Anteprojeto do Código Penal de 1.999. Tal imputação não será realizada com relação ao instituto da ortotanásia, tendo em vista a inconstitucionalidade do § 4º do artigo 121, do referido anteprojeto, posto que contraria o caput do artigo 5º da Carta Magna, ensejando a presença do vício material de constitucionalidade. Desta forma, necessário se faz a imputação dos principais institutos penais a tal figura criminosa, disposta no anteprojeto supracitado. Tal correlação se mostra de suma relevância, para que possamos demonstrar os principais efeitos jurídicos que afetam tal instituto. Neste passo, os principais institutos passam a ser tratados abaixo. De acordo com o Anteprojeto do Código Penal de 1.999, a eutanásia é um crime comissivo, ou seja, um crime cometido mediante uma ação ou um ato positivo do agente, sendo este punido de maneira mais branda que o homicídio simples, conforme preceitua o caput do artigo 121 do Código Penal. Para que a eutanásia se concretize, é necessária a presença dos elementos constantes no § 3º do artigo 121 do Anteprojeto, sendo que na ausência de um dos elementos do tipo, esse crime poderá ser tipificado como homicídio simples, qualificado ou privilegiado. Quando falamos em ortotanásia, disposto no § 4º do artigo 121 do Anteprojeto, temos preliminarmente, a idéia de tratar-se de crime comissivo por omissão, em que o médico, pelo seu comportamento anterior, ou seja, quando recebem o paciente para tratar-lhe, teria assumido a responsabilidade de impedir um resultado extremo, a morte. No entanto, ao analisarmos mais precisamente, faz suscitar a idéia de que proposta anteriormente feita não se consolida, pois os médicos, na ortotanásia, não são necessariamente os sujeitos ativos do delito, cabendo somente a eles, a tarefa de atestar previamente que o mal sofrido pelo enfermo é iminente e inevitável. Além de se enquadrar como homicídio, a eutanásia, desde que presentes os elementos constantes no tipo, poderá ser considerada como auxílio ou instigação a suicídio, com penas que variam de 2 a 6 anos de reclusão, podendo ser esta duplicada, se o gesto for por motivo egoísta, de acordo com o artigo 122, parágrafo único, I do Código Penal. Na ocorrência do delito, é clara a presença de violência à pessoa, fazendo com que não se torne possível a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos, conforme explicita o artigo 44, I do Código Penal, com sua redação determinada pela lei 9.714/98. Nesse caso, é possível também a concessão do sursis ao condenado, desde que este atenda aos elementos do artigo 77 do CP, podendo haver suspensão da pena por 4 a 6 nos, no caso de condenação não superior a 4 anos, desde que o condenado seja maior de 70 anos ou sua situação de saúde justifique essa suspensão. Diz o artigo 89 da lei 9099/95: Art. 89 - Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1 ano, abrangidas ou não por esta lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão condicional do processo, por 2 a 4 anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. De acordo com o artigo supracitado, se a pena mínima for igual ou inferior a um ano, e atender aos demais requisitos presentes, haverá suspensão condicional do processo, ao indivíduo condenado por tentativa de eutanásia. 3.5 EUTANÁSIA E DIREITO PROCESSUAL PENAL: PROCEDIMENTO APLICÁVEL EM CASO DE INFRINGÊNCIA AO TIPO PENAL PREVISTO NO ARTIGO 121, § 3º, DO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL DE 1.999. A eutanásia ativa, figura estampada no artigo 121, § 3º, do Anteprojeto do Código Penal de 1.999, está inserida no Capítulo do Código Penal referente aos crimes contra a vida. Tendo em vista que a conduta externalizada sempre será de cunho doloso, o procedimento processual aplicável neste caso é o do Júri. Cabe ressaltar que tal crime sempre será de cunho doloso, em razão da inexistência de figura culposa referente a tal delito, pois, como é cediço no Direito Material Repressivo, a figura culposa sempre virá expressamente prevista. Logo, tendo em vista que o procedimento aplicável a tal crime é do Júri, a competência para o julgamento será do Tribunal do Juri, conforme dimana do artigo 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal de 1.988. Tal artigo expressa que são princípios básicos do tribunal supracitado: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento de crimes dolosos contra a vida. Não obstante, ainda cabe ressaltar que a instituição do Juri é considerada como cláusula pétrea, visto que se encontra disposta no artigo 5º da Constituição. Tal previsão está alicerçada no artigo 60, § 4º, inciso IV, que dispõe serem imutáveis quaisquer direitos ou garantias individuais. Tal procedimento é denominado pela doutrina como bifásico ou escalonado. A primeira fase, denominada de Sumário de culpa, inicia-se com a apresentação da denúncia pelo representante do Ministério Público e se encerra com a decisão de pronúncia, que é considerada como um mero juízo de delibação, no qual o juiz não se atém à análise do mérito da causa, pois esta cabe somente ao júri popular, constitucionalmente competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. A segunda fase deste procedimento, denominada de julgamento em plenário, inicia-se com a apresentação do libelo-crime acusatório pelo órgão do parquet e se encerra com o julgamento pelo Tribunal popular em dia designado para tal. Tendo em vista a importância de tal procedimento, em razão de instrumentalizar o Direito Material que tutela o bem jurídico mais importante, dentre todos os outros existentes, que é a vida, é importante demonstrar todos as passos que compõe as duas fases que compõe tal procedimento. Conforme já explicitado, tal procedimento considerado como bifásico ou escalonado, possui uma marcha de atos processuais que os compõe. Desta forma, é necessário fazer alusão a tais atos para a compreensão de tal procedimento. Inicialmente, a primeira fase do procedimento do júri, denominada de sumário de culpa, é composta pelos seguintes atos processuais: 1- Denúncia; 2- Recebimento da denúncia; 3- Citação do acusado; 4- Interrogatório do acusado; 5- Fixação do prazo para a apresentação da defesa prévia pela defesa; 6- Audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela acusação; 7- Audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela defesa; 8- Apresentação de alegações finais pelas partes; 9- Decisão de encerramento da judicium acusattionis (Sumário de culpa): após a apresentação das alegações pelas partes, os autos sobem conclusos ao magistrado para que sentencie. Nesse momento o magistrado poderá tomar as seguintes decisões: - Prununciar o acusado, submetendo-a julgamento pelo Egrégio Tribunal do Juri; - Impronunciar o acusado; - Desclassificar o delito cometido pelo mesmo para infração não dolosa contra a vida; ou - Absolver sumariamente o acusado. A fase do sumário de culpa, primeira fase do procedimento de júri se encerra com uma das decisões supracitadas. No entanto, somente será dado prosseguimento à fase do plenário (2ª Fase) se o acusado for pronunciado pelo juiz monocrático. Nos demais casos, não há que se cogitar de julgamento em plenário, visto que o acusado ora foi absolvido, ora teve sua imputação desclassificada. Nesse passo, a segunda fase deste procedimento denominado de judicium cause inicia-se com a apresentação do libelo-crime acusatório pelo órgão ministerial e terá seu termo com o julgamento em plenário. Desta maneira, os atos pertencentes à segunda fase do procedimento do júri são: 1- Apresentação do libelo-crime acusatório; 2-Contrariedade do libelo; 3-Julgamento em plenário realizado perante o Conselho de Sentença. Assim, o sujeito ativo praticante do crime de eutanásia, previsto no Anteprojeto no Código Penal de 1.999, em seu artigo 121, §3º, se submeterá ao julgamento pelo Tribunal do Júri, conforme o procedimento supracitado. Isso ocorre pelo fato de caracterizar-se como um crime doloso contra a vida, o que enseja a utilização de tal procedimento especial. 3.6 A INCONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS OU ATOS NORMATIVOS Quando o assunto em questão é a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, é necessário fazer referência à supremacia da Constituição, à sua rigidez e proteção dos direitos fundamentais. As leis se encontram em uma hierarquia no qual a Constituição é a lei maior e nenhuma outra poderá contrariá-la, sob pena de ser considerada inconstitucional. O controle de constitucionalidade tem tanta ligação com as Constituições rígidas que no local onde não houver esse tipo de controle, a Constituição será flexível. Por mais que apontem a rigidez da Constituição, se esta não possuir um controle de constitucionalidade, será flexível, pois o legislador, desse modo, poderá elaborar uma norma infraconstitucional que afronte a Carta Magna. Antes de tratarmos dos requisitos de constitucionalidade, é necessário esclarecer o significado de Controle de Constitucionalidade. “Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação de uma lei ou ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos materiais e formais”. 10 São requisitos da constitucionalidade das espécies normativas: 1-) Requisitos Formais: a inconstitucionalidade formal da lei ou do ato normativo ocorre quando há o descumprimento ou inobservância das normas constitucionais atinentes ao processo legislativo, podendo ser este, tanto quanto ao quorum, como à iniciativa. O doutrinador Alexandre de Moraes, em seu magistério, esclarece que [...] a inobservância das normas constitucionais de processo legislativo tem como consequência a inconstitucionalidade formal da lei ou do ato normativo produzido, possibilitando pelo controle repressivo de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto pelo método concentrado.11 O requisito formal se divide em: a) Requisito formal subjetivo: ocorre a inconstitucionalidade formal subjetiva quando, a iniciativa ou a fase introdutória do processo legislativo foi ferida, não sendo a lei proposta por quem detinha o poder de iniciativa. Ex: Só o Presidente da República tem iniciativa para a elaboração de uma lei que aumente o efetivo das Forças Armadas, pois se outro indivíduo o fizer, será inconstitucional. b) Requisito formal objetivo: ocorrerá esse tipo de inconstitucionalidade quando houver desrespeito ao trâmite da lei, previsto nos artigos 60 a 69 da Carta Magna. 10 11 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, p. 578. Id., Ibid., p. 579. 2-) Requisitos Material ou Substancial: ocorre quando o objeto da norma infraconstitucional ou do ato normativo forem incompatíveis com o disposto na Carta Magna. Esses tipos de vícios de inconstitucionalidade não são vistos individualmente, já que podem ocorrer casos de inconstitucionalidade, nos quais sejam desrespeitados tanto o quorum, quando a iniciativa, como o objeto da lei, causando, respectivamente, vícios formal objetivo, formal subjetivo e material ou substancial. Os vícios de constitucionalidade se apresentam em uma hierarquia de gravidade: 1-) Vício material + Vício formal subjetivo + Vício formal objetivo 2-) Vício material + Vício formal subjetivo 3-) Vício material + Vício formal objetivo 4-) Vício material 5-) Vício formal subjetivo + Vício formal objetivo 6-) Vício formal subjetivo 7-) Vício formal objetivo A presente escala apresenta os vícios de consitucionalidade em hierarquia de gravidade, caracterizando-se o mais grave de todos a afronta conjunta aos requisitos material e formal, tanto do prisma subjetivo, como objetivo. 3.7 A INCONSTITUCIONALIDADE DO § 4º DO ARTIGO 121 DO ANTEPROJETO DO CÓDIGO PENAL. Como já foi visto, a vida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988 constitui um direito inviolável, sendo o mais importante dos bens jurídicos que possuímos. Foi abordado também, o assunto atinente ao § 4º do artigo 121 do Anteprojeto do Código Penal de 1.999, que trata da exclusão de ilicitude do agente que pratica a ortotanásia. Tendo como base esses dois prismas, é possível verificar-se uma discordância entre o conteúdo da norma infraconstitucional em questão, com o caput do artigo 5º da Carta Magna. Como conseqüência desta discordância supracitada, faz-se presente o vício material de inconstitucionalidade que, segundo Alexandre de Moraes significa, “a incompatibilidade do objeto da lei ou do ato normativo com a Constituição Federal” Portanto, é possível afirmar a inconstitucionalidade do § 4º do artigo 121 do Anteprojeto do Código Penal de 1.999, pois, excluir a ilicitude da ortotanásia, seria como se estivéssemos deixando de punir o homicídio, atentando sem dúvida ao bem jurídico vida, tutelado pela nossa Constituição. 4 CONCLUSÕES Diante das observações feitas, pudemos concluir que o assunto abordado é polêmico, gerando debates e valores éticos e religiosos. Levando em conta a gama de doutrinadores que tratam minuciosamente da matéria, podemos concluir que a eutanásia é dar a morte a uma pessoa que sofre de uma enfermidade incurável, estando o sujeito ativo do delito munido de um móvel piedoso. Diversas são as classificações de eutanásia, sendo as mais importantes e relevantes a eutanásia ativa e a ortotanásia. A prática da eutanásia não é recente, sendo muito utilizada nas primeiras civilizações, principalmente em caso de guerras, em que soltados eram feridos, ou mesmo, nas tribos onde os velhos não tinham mais importância social. Os médicos buscam a todo custo a reabilitação do paciente, não pensando nunca em pôr fim a vida do paciente, pois esta conduta, além de homicídio, se presentes seus elementos caracterizadores, será também uma afronta ao Código de Ética Médica. De acordo com o caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1.988, a vida é um bem jurídico fundamental, sendo o principal deles, pois sem a existência deste não será possível o exercício dos outros demais. Diante disso, se houver a prática de um homicídio eutanásico durante nossos dias, poderá ser este considerado como um homicídio privilegiado, e se aprovado tal anteprojeto, haverá uma norma infraconstitucional que regulará especificamente a matéria. Atualmente, se houver um homicídio eutanásico será tipificado pelo Código Penal em seu artigo 121, § 1º, que trata do homicídio privilegiado, pois inexiste em nossa legislação pátria norma específica que abarca a matéria. De acordo com o Anteprojeto do Código Penal de 1.999, se aprovado, será possível a adequação do caso concreto ao tipo, pois o referido anteprojeto regulará respectivamente a eutanásia e a ortotanásia, no artigo 121, §§ 3º e 4º, respectivamente. Constatamos também a inconstitucionalidade do § 4º do artigo 121 do anteprojeto do Código Penal que exclui a ilicitude do sujeito ativo que pratica a ortotanásia, diante do caput do artigo 5º da Constituição. Essa inconstitucionalidade dá-se pela discordância entre o conteúdo do parágrafo supracitado e do caput do artigo 5º da Constituição. A Carta Magna expressa que não se pode violar o bem jurídico vida. No entanto, a exclusão da ilicitude da ortotanásia pelo anteprojeto acaba por contrariar a Constituição, pois deixa de punir-se um crime que atenta contra esse bem jurídico. Nossas análises revelam ainda que a não-aplicação da pena inerente ao homicídio qualificado em certos casos, podem fazer da eutanásia como da ortotanásia, justificativas para uma morte estruturada em motivos torpes e fúteis, como por exemplo, do recebimento de uma herança ao tráfico de órgãos. BIBLIOGRAFIA ADONI, André Luís. Bioética e Biodireito: aspectos gerais sobre a eutanásia e o direito a morte digna. Revista dos Tribunais. São Paulo: RT, v. 818, ano 92, p. 395423, dez. 2003. ALVES, Roberto Barbosa. Eutanásia , bioética e vidas sucessivas. Sorocaba: Brazilian Books, 2001. BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal. 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