Proteo legal de software Hardware

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Proteo legal de software Hardware
INFORMÁTICA JURÍDICA
Proteção jurídica do software
Márcia Cristina Pereira de Souza
RESUMO
Com a forte ascensão tecnológica, ocorrida principalmente nas últimas duas décadas, houve a
necessidade de adaptação do ordenamento jurídico às novas exigências sociais, buscando
preencher lacunas criadas por uma realidade que há pouco inexistia. Com a marcante presença
do domínio do software como fator de desenvolvimento econômico das nações, a formulação
de um ordenamento protetivo se faz mister.
Desse modo, muitos são os mecanismos de regulamentação propostos, que vão desde as
modalidades de proteção à propriedade intelectual hoje conhecidas até a formas sui generis de
proteção, sendo que cada país procura a legislação que mais se adeque às suas necessidades e
anseios de desenvolvimento, enquanto que os organismos internacionais procuram a
uniformização legislativa mundial.
Entre as formas de proteção sugeridas, podemos identificar os direitos autorais, as patentes e
formas sui generis, como a adotada no direito nacional e pelo direito francês. Cada qual traz
diversos benefícios, mas esbarram em pontos de grandes controvérsias.
Justamente pela ausência de pontos pacíficos sobre o tema é que este estudo se faz necessário.
Somente com uma análise técnica da situação, procurando traçar as principais repercussões
jurídicas das modalidades protetivas é que o direito positivo irá responder aos desejos sociais,
cumprindo a sua finalidade.
1 INTRODUÇÃO
No setor de informática, a necessidade de proteção ao software e ao hardware se apresenta
como ponto crucial para o desenvolvimento das nações, para o controle de mercados e
possibilidade (ou impossibilidade) de transferência de tecnologias. Principalmente os
programas de computador devem ser protegidos uma vez que são facilmente copiáveis. Ao
contrário das máquinas ou dos livros, é possível copiar um programa de computador com
milhões de letras e números em poucos segundos, o que se dá graças à própria evolução
tecnológica. Para tanto, transfere-se o conteúdo do suporte físico em que ele se encontra para
outro, que pode ser ou não da mesma natureza do primeiro. Assim, copia-se de uma memória
interna para um disquete, entre disquetes, entre memórias fixas por via de conexão em rede
etc.
Na maioria das vezes, não é necessário ser um perito para realizar cópias de programas. Essa
atividade nem sempre é legal e, quando realizada ilicitamente denomina-se, no meio técnico,
pirataria. Os agentes do ato ilícito são os piratas. As cópias piratas representam hoje a maioria
do total de cópias circulantes em todo o mundo, o que se dá graças à difícil fiscalização e do
1
avanço paralelo de modernas técnicas de cópias de programas que visam burlar toda e
qualquer forma de proteção tecnológica contida nos mesmos.
Justamente para evitar injustiças é que o Direito se faz necessário. A implementação de
normas de proteção à propriedade intelectual está diretamente relacionada com as
possibilidades de desenvolvimento econômico. Muitas são as formas utilizadas, cada qual
com resultados diferentes, satisfazendo ou não os anseios do setor e contribuindo ou
prejudicando os interesses nacionais. Entre as formas mais conhecidas, temos os direitos
autorais, as patentes, o segredo de negócio, contratos de exclusividade e por legislações sui
generis, específicas para a proteção dos softwares.
Neste artigo, pretendemos explicar as legislações mais utilizadas, indicando suas principais
características e indicar os pontos que têm gerado controvérsias na adoção dos velhos
sistemas de proteção e as dificuldades para implementação de formas sui generis no cenário
jurídico-normativo internacional.
2 DIREITOS AUTORAIS
A legislação de direitos autorais ou copyright foi a que mais se mostrou eficaz para a proteção
do software. Em quase a totalidade dos países onde se admite a proteção, essa foi a forma
admitida. Contudo, desde o início, com primeiros pedidos, surgiram vários opositores com
fortes argumentos que merecem ser analisados.
a) Pontos contrários à proteção
Paisant nega que os programas de computador possam ser protegidos por direitos autorais.
Segundo o ilustre jurista, os mesmos não constituem uma expressão que possa ser sentida
pelo homem1. Um texto, por exemplo, é perfeitamente sentido pelo homem na medida em que
pode ser lido e há a transmissão de uma mensagem; uma pintura, da mesma forma, pode ser
percebida, utilizando-se os sentido da visão, isto não aconteceria com os programas de
computador que constituem um conjunto de símbolos inteligíveis e, muitas vezes não
perceptíveis ao olho humano, já que estão em disquetes, fitas etc.
Le Stanc2 utiliza um argumento muito interessante para contrariar tal posição. Lembra que as
músicas, enquanto presentes nas fitas magnéticas ou em discos também têm pouco ou nenhum
significado para o homem, mas quando processados por um mecanismo eletrônico tornam-se
perceptíveis aos nossos sentidos. O mesmo ocorre com as películas cinematográficas. Da
mesma maneira, o software deve passar por uma máquina, o computador, para que possamos
senti-lo e utilizá-lo, com o processamento poderemos ver ou ouvir os resultados, tornado-o
acessível ao sentidos humanos. Essa posição é a dominante. Neste sentido, manifestaram-se
os maiores Tribunais de todo o mundo, como podemos ver pela decisão do Tribunal de
Grande Instance de Paris:
Tribunal de Grande Instance de Paris. 21 de setembro de 1983
Se os programas de computador não são imediatamente perceptíveis pelos sentidos humanos
de todos ou de alguns, eles são todavia acessíveis e inteligíveis graças à suas transcrições
sobre suportes materiais e, se sua leitura não está ao alcance de todos e requer um certa
2
técnica, esta única particularidade não é suficiente para excluí-los da categoria de obras de
espírito, da mesma forma que não são excluídas as composições musicais(1);
A contribuição pessoal do criador do programa de computador é determinada pelo resultado
obtido, como se faz com o compositor musical, sendo certo que a evidência ordena que se
confira o caráter de obra de espírito ao programa de computador(2);
Deste modo, a jurisprudência internacional consolidou-se no sentido de estender os direitos
autorais aos programas de computador. Até então, a doutrina internacional caminhava para a
desconsideração do software como obra do espírito, indicando uma forma sui generis como a
solução do problema. Nota-se que a decisão da corte francesa é recente, data de 1983, o que
revela ainda mais a sua importância, pois durante décadas houve litígios sem qualquer decisão
de um grande tribunal a respeito. Devemos lembrar que obra do espírito é aquela original e
fixada em um meio de expressão perceptível pelo homem, características inerentes ao
software.
Por conseqüência, em 1985, o Parlamento francês decidiu adicionar à legislação de direitos
autorais, que data de 1957, a expressão "software" como passível de proteção (Lei n. 85.660,
de 3 de setembro de 1985).
Na Alemanha, em 12 de junho de 1981, o Tribunal Distrital de Mannheim, indeferiu a
concessão dos direitos do autor ao software, alegando que o mesmo carecia de estética.
Segundo o Tribunal, para que uma obra fosse protegida, deveria possuir uma caráter estético
suficiente, o que não acontecia com os programas de computador, ao contrário das pinturas,
livros e da música, por exemplo. O principal defensor da necessidade estética da obra é
Troller, que advoga ser preferível adotar a expressão "obras estéticas" ao invés de obras
literárias e artísticas3.
Eugen Ulmer e Gert Kolle4 explicam a questão. Conforme os autores alemães deve-se lembrar
que a palavra "estética" pode ter diversos sentidos. Etmologicamente, vem do grego
aisthetiké, que significa percepção, sensibilidade, apreciação5. Contudo, continuam os juristas
alemães, desde o século XVIII a palavra estética vem sendo relacionada com beleza, uma vez
de sua maior utilidade no ramo das Belas Artes.
Se considerarmos estética como beleza, devemos analisar diversos aspectos. O caráter
estético, neste caso, é utilizado para a proteção de pinturas, obras de arte etc. Desta forma, tais
objetos tornam-se passíveis de proteção intelectual. Não seria justo dizer que romances,
poemas e outras obras literárias carecem de beleza, pois o próprio fluxo das palavras, as
rimas, e o modo de narrativa do autor podem ser considerados belos e, portanto, estéticos. O
mesmo acontece com a música, que é bela por natureza. No entanto, seria por demais forçoso
considerar que obras puramente científicas contenham a mesma beleza dos frutos das artes, o
que nos leva a considerar que o termo estética deve ser empregado no primeiro sentido.
O Supremo Tribunal Federal da Alemanha coloca como requisito para a proteção que a
"criação consista na forma de expressão, no padrão intelectual, bem como na coleta, escolha,
subdivisão e disposição criativa do assunto apresentado"6, critérios que os programas de
computador preenchem. Neste sentido, o Tribunal de Recursos de Karlsruhe reformou a
decisão7.
3
b) Evolução da proteção do software no Direito estrangeiro
A legislação de direitos autorais é basicamente homogênea em todo mundo. Isto se deve aos
tratados firmados internacionalmente. Os principais acordos realizados são a Convenção para
a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, assinada em Berna em 1886 e revista em 1948,
conhecida como Convenção de Berna e a Convenção Universal sobre Direitos do Autor,
assinada em Genebra em 1952, conhecida como Convenção de Genebra. Em nenhum dos
textos, contudo, fez-se menção ao software. Assim, em diferentes épocas as legislações
nacionais foram admitindo a proteção.
Na Inglaterra, o Copyright Act, de 1956, não fazia qualquer menção à programas de
computador, até porque os mesmos não existiam na época. Em 1977, um comitê especial
denominado Comitee to Consider the Law of Copyright and Designs preparou um relatório, o
Witford Report, que foi apresentado ao Parlamento inglês e amplamente discutido. Neste
relatório argumenta-se que a legislação inglesa de 1956 bastava para abranger os programas
de computador.8
Em 1981, o governo inglês, no Green Paper, recomendou que os programas de computador
fossem passíveis de proteção por direitos autorais. No documento, declarava-se que era
notória a possibilidade da proteção pelas leis existentes, mas que, para evitar conflitos, seria
conveniente o aditamento da lei de direitos autorais no sentido da proteção do software, o que
a Câmara dos Comuns fez em 22 de outubro de 1981.
Nos Estados Unidos, maior fonte de softwares do mundo, a questão trouxe controvérsias
durante décadas. Na legislação norte-americana, exigem-se dois critérios para a proteção por
direitos autorais: originalidade e estar em um meio de expressão tangível9, o que os programas
de computador satisfazem, mesmo assim, o Congresso norte-americano formou uma comissão
para estudar as questões relativas à proteção intelectual de softwares, (CONTU)10. A
comissão, da mesma forma que na Inglaterra, sugeriu que se tornasse explícito na lei de
direitos autorais a permissibilidade de extensão ao software, o que foi feito em 12 de
dezembro de 1980, limitando-se os direitos concedidos ao titular da proteção.
O mesmo ocorreu na Hungria (1983), Índia (1985), Austrália (1984), Taiwan (1985), Coréia
do Sul (1986), Espanha (1987), Singapura (1987), Malásia (1987), Canadá (1987). Importante
notar que até 1983, apenas dois países, Estados Unidos e Filipinas (cuja a legislação data de
1972) tinham, em seus ordenamentos, a permissibilidade de proteção de programas de
computador por direitos autorais e, não mais que um ano depois mais de uma dúzia de países
já haviam legislado sobre o assunto11.
c) Proteção do software no Direito brasileiro
O Brasil tornou-se signatário da Convenção de Berna pelo Decreto n.34.954, de 10 de janeiro
de 1954 e da Convenção de Genebra pelo Decreto n.76.905, de 24 de dezembro de 1975.
Como era de se esperar também não havia qualquer menção ao software na legislação
brasileira.
Em âmbito nacional, a Lei n. 5.988, de 14 de dezembro de 1973, regula a matéria relativa aos
direitos autorais. A lei brasileira traz no seu artigo 6º exemplos do que pode ser protegido.
Interessante notar a expressão "tais como" no corpo do caput do artigo, o que demonstra o seu
4
sentido exemplificativo, o mesmo ocorre com a Convenção de Berna12. Uma vantagem da
legislação brasileira sobre esta Convenção é que se fala em obras intelectuais e não em obras
literárias, dando uma margem maior para a proteção de programas de computador.
Por razões óbvias, as mesmas divergências ocorridas nos diversos países, onde se discutiu a
matéria, também floresceram no Brasil, com resultados idênticos. Não faltaram opositores à
proteção, alegando falta de criatividade, de caráter estético e que o software não poderia ser
considerado uma obra de espírito, o que foi combatido da mesma forma que no estrangeiro e
com igual êxito.
Posteriormente, o legislador brasileiro optou por criar uma modalidade de legislação sui
generis (Lei n. 7.646/87) que tem como ponto de apoio a própria lei de direitos autorais. Ao
contrário dos outros países, que preferiram fazer emendas aos seus ordenamentos de
propriedade intelectual, adaptando os direitos autorais, criou-se uma lei específica para a
matéria que, ao nosso ver, satisfaz de melhor forma os anseios do setor, favorecendo o
desenvolvimento nacional13.
d) Requisitos para proteção
I Distinção entre idéia e expressão
A proteção do programas de computador por direitos autorais garante um série de direitos,
que podem ou não ser os mesmos concedidos à livros, obras musicais etc. Conforme a
legislação, há regras limitadoras que visam adequar o velho ordenamento dos direitos autorais
a esta nova forma de expressão da atividade intelectual humana.
Deve-se observar que se protege o programa de computador como um todo e não as idéias
contidas nele. Ao elaborar o programa, o analista de sistemas depara-se com inúmeros
problemas que devem ser resolvidos, justamente para que seja garantido o caráter inventivo
do software. Caso as dificuldades emergentes já tenham soluções conhecidas ele não terá
problemas para resolvê-las, pois alguém já o fez e, como não se protege idéias, o novo
programador poderá utilizá-las livremente. Percebe-se assim a grande vantagem com a não
proteção de idéias, uma vez que se favorece o progresso científico.
Em se tratando dos programas de computador o algoritmo seria a idéia e, justamente por ser
uma idéia que o algoritmo não pode ser protegido, quando for materializado na expressão, no
programa, aí sim será passível de proteção.
Principalmente no ramo da informática, a evolução científica se dá, baseando-se em idéias já
desenvolvidas a partir das quais estruturam-se novas idéias e conhecimentos.
Em uma emenda à Lei de Direitos Autorais de 1976, um documento do Congresso norteamericano explicava:
Alguns destaques tiveram que ser expressos para que os direitos autorais sobre programas de
computador não estendessem a proteção à metodologia ou ao processo adotado pelo
programador, que não passam de meras idéias concretizadas. A seção 102 (b) tem a
intenção, entre outras coisas, de deixar claro que a expressão adotada pelo programador é
5
um elemento do programa de computador susceptível de proteção, e o processo ou métodos
contidos no programa não são escopo da lei de direitos autorais. (Grifo nosso).
Infelizmente, das legislações que tivemos contatos, apenas a japonesa exclui expressamente a
proteção dos algoritmos, as demais não tratam do assunto, deixando-o ser regulamentado
pelos usos e costumes, que como vimos, também consagram a não possibilidade de proteção.
Em sentido contrário, nos anos oitenta, a União Soviética envidou esforços para a proteção de
idéias, o que seria feito por mecanismos próprios, distintos dos direitos autorais14
De toda forma, há o critério tangibilidade. O programa somente poderá ser protegido quando
materializado, quando for possível acessá-lo, senti-lo e, neste ponto, teremos a expressão.
II Originalidade
Qualquer fruto do labor humano, seja máquina, obra artística, obra literária ou musical deve
conter um mínimo de criatividade, caso contrário, não merecerá ser protegido pois não houve
o principal requisito de toda e qualquer invenção, qual seja, a inventividade.
Não podemos exigir que todo o programa de computador seja novo, sem utilizar nenhuma
idéia preconcebida. Como dizia Karl Marx, no mínimo, o inventor se utilizou do alfabeto ou
mesmo de uma forma de raciocínio, que lhe foi transmitido por outras gerações. Necessário é
que certos elementos do programa, certos trechos contenham a expressão da originalidade.
Obras realizadas por máquinas, por exemplo, ou ainda resultados de simples fenômenos
naturais, sem a intervenção humana não possuem caráter inventivo. Entre as obras realizadas
por máquinas podemos citar um exemplo onde o programa sorteie números ou símbolos
aleatoriamente, de forma totalmente independente da previsão humana, logo não há
criatividade15.
Existem também obras literárias sem a criatividade exigida como os catálogos telefônicos,
materiais de propaganda, obras que requeiram trabalho meramente rotineiro16. Como já
ressaltamos, não falta inventividade aos programas de computador, ao contrário, há trabalho
inventivo intenso, o que é próprio do setor. Além do mais, o mercado altamente competitivo
catalisa a exigência de criatividade inerente à elaboração do software, gerando o ramo do
conhecimento que mais tem inovado nos últimos tempos.
Nas sábias lições de Orlando Gomes:
O programador define objetivos do programa, seleciona e sistematiza informações ad hoc,
especifica o projeto a elaborar como resultado de uma prefiguração de seqüência de dados e
instruções do programa... esse trabalho é atividade criativa de quem o executa e o seu
resultado é uma obra original.17
Se o programador utilizar exclusivamente do conjunto de idéias contido em outro programa,
não somente não haverá originalidade, como ocorrerá plágio. Além de não poder protegê-lo,
deverá indenizar o titular do direito do programa fonte de seu trabalho. Ao nos aprofundarmos
um pouco mais no tema, surgem diversas questões interessantes:
As linguagens são susceptíveis de proteção? Não, as linguagens não podem ser protegidas.
Todo e qualquer programa de computador é desenvolvido em alguma linguagem, esta é o
6
instrumento para o desenvolvimento daquele, logo não pode ser protegida. Caso contrário, os
custos para a elaboração do programa seriam surpreendentes, pois seriam devidos royalties
pelo simples fato de ter-se desenvolvido o programa em um determinada linguagem.
É considerado trabalho criativo, quando somente se altera pequenos trechos do programa,
mantendo-se a idéia central? Não, apesar das decisões variarem conforme o caso concreto,
não há originalidade na alteração de pequenos detalhes do programa. Precisa haver uma
distância criativa razoável para que se justifique uma nova proteção, caso contrário teríamos
um "melhoramento cosmético", que nada contribuiria para a evolução científica.
Interessante notar que a questão surge em todas as áreas de proteção à propriedade intelectual,
inclusive com relação a plantas e produtos farmacêuticos18. Muitas vezes, o melhoramento
cosmético passa desapercebido e recebe proteção. Desse modo, concede-se proteção ao novo
programador que não colaborou de fato com o progresso científico, além de ter reduzidos
custos para a produção de seu produto, o que lhe dá maiores chances de investimentos em
marketing para a promoção do mesmo. Certamente, o titular do programa original sairia
altamente prejudicado, uma vez que teria suas idéias copiadas e um novo concorrente no
mercado que não tem de recuperar grandes custos de produção. Caberá ao titular do direito
prejudicado pedir a anulação da concessão, no prazo determinado, sob pena de preclusão.
O programador não tem de depositar todas as expressões contidas no programa para receber o
privilégio. Poderá apresentar tão somente um conjunto de expressões originais que
configurem a criatividade e justifiquem a proteção.
e) Direitos do titular
e.1) Reprodução
O titular tem o direito de exclusividade da exploração do seu programa. De acordo com o
direito civil, tem o direito de usar, fruir e dispor de sua expressão. Esses direitos são de vital
importância para o retorno do capital aplicado. Devemos lembrar que é comum os custos para
a produção de um programa chegarem a milhões de dólares, exigindo mão de obra altamente
especializada, tempo e diversos recursos para a produção de grandes sistemas de
computadores. Com o avanço dos sistemas novos, não é raro vermos neurocirurgiões,
psicólogos, profissionais da área de comunicação trabalhando em colaboração com analistas
de sistemas para o aperfeiçoamento dos programas, tornando-os cada vez mais funcionais e
acessíveis a todas as camadas da população.
No entanto, embora tenha-se grande trabalho para fazer um programa, copiá-lo é
extremamente fácil e, normalmente, pode ser feito sem qualquer custo e sem nenhuma
adaptação ao computador do pirata19, o que estimula ainda mais a prática do ato ilícito,
realçando a necessidade do fortalecimento dos institutos protetivos.
O registro é meramente declaratório, os direitos nascem com o programa e o registro não
constitui direito algum. Mesmo se não registrar, o programador terá seus direitos garantidos,
embora seja muito mais difícil exigir reparação no caso de infrações. Com a proteção, proíbese erga omnes a reprodução do programa, bem como sua comercialização, sem a devida
licença.
7
Como os direitos autorais foram criados para a proteção de obras literárias, musicais e
artísticas e estão sendo adaptados a uma nova forma do conhecimento, tem-se uma série de
dúvidas e questões que vêm afligindo os tribunais. Citamos aqui algumas delas:
Quando se compra um programa de computador, esse deve, conforme o caso, ser transferido
para um armazenador de memória interno do microcomputador, conhecido como drive rígido
ou winchester. A vantagem da operação é que a agilização da leitura dos dados e do próprio
fluxo interno pelo programa. Mas, ao transferir o programa do disquete para o winchester não
se estará fazendo uma cópia desse? Copiar não é ilegal? Nesse caso não. A maioria das
legislações contém a expressa permissão da realização do número de cópias que forem
necessárias para a utilização do programa. Caso contrário, de nada serviria tê-lo comprado.
Da mesma forma, a Diretiva do Conselho das Comunidades Européias para a proteção legal
dos programas de computador estabelece, em seus considerandos 17 e 18, no artigo 5.1, que é
permitida a reprodução tecnicamente necessária para o uso de um programa de computador,
desde que realizada por um justo adquirente do mesmo20. Como se vê, não é permitido a cópia
quando realizada por uma pessoa que não tenha adquirido licitamente o programa. Ora, se ao
copiá-lo da primeira vez, realizou um ato ilícito, ao instalá-lo, realizará outro, pois a cada
cópia há uma infração e a instalação é uma forma de copiar o programa.
Em algumas legislações, traz-se expressa a permissibilidade da realização de cópias de
reserva, conhecidas como back-ups ou ainda copy-backs, que têm a finalidade de prevenir o
usuário contra qualquer sinistro que possa vir a ocorrer e destruir o programa adquirido.
Devemos considerar que a importância dessas cópias é maior do que nos outros ramos do
conhecimento, uma vez que além das áleas normais, como incêndio, furto ou desastres da
natureza, na informática, há grande presença de vírus eletrônicos, que já causaram danos
mesmo em grandes sistemas bancários internacionais.
Fator comum em todas as legislações é a reprodução não autorizada do programa, seja de que
forma for. Não poderá ser transferido para outro dispositivo de armazenamento de dados, seja
um disquete, pastilha de silício, compact disk, cartão perfurado etc.. Embora pouco comum,
pode haver a transferência para a ROM, o que acontece principalmente com jogos eletrônicos
(video games). Tal atividade também é proibida21.
Nesse ponto, vemos o quanto o direito autoral é por demais flexível para a proteção do
software. Como imaginar cópias de um livro, sem ser em outro papel? Não seria impossível,
pode-se gravá-lo em fitas cassete, mas certamente seria pouco comum. Com o avanço do
conhecimento científico, em curtos espaços de tempo, inventam-se novas formas de
reprodução e de armazenamento de dados, cada uma mais complexa e funcional que a
anterior. Desse modo, o programa de computador, conforme a interpretação dada à legislação
de direitos autorais, pode estar ou não protegido contra aquela nova forma de reprodução.
Um bom exemplo é o acesso a dados pelas redes de telecomunicação, principalmente via
Internet. Pode-se acessar informações, jogos e mesmo programas utilitários pela rede, sem
necessariamente copiar as informações para um suporte físico em caráter permanente. Quando
se utiliza um programa, transfere-se os dados do disco rígido para a RAM, e os mesmos são
apagados dessa unidade de memória quando desliga-se o computador, isto não é ilegal, a
cópia não foi permanente, não houve infração. No caso de acesso via rede, também pode não
haver transferência para um suporte de memória permanente. Ora, ler um livro sem reproduzi8
lo não infringe os direitos autorais, o mesmo se diz com relação ao uso normal de programas
de computador. Mas o acesso não autorizado a programas protegidos certamente infringe tais
direitos. A cópia realizada via acesso remoto (à distância) e feita na RAM (da mesma forma
que a utilização de um programa armazenado em disquete) infringe os direitos do
programador, mas dificilmente poderão ser exigidos pelos mecanismos previstos na legislação
de direitos autorais, uma vez que não houve cópia permanente.
E se o programa desenvolvido apenas produz um resultado altamente similar a outro
programa já presente no mercado? Nada significa, é preciso provar, conforme o raciocínio
acima que houve cópias, caso contrário não há infração de direitos.22
Outra questão interessante é a permissibilidade da realização de cópias sem autorização do
titular a certos setores da sociedade. A legislação francesa de abril de 198823, traz
expressamente a permissão da realização de cópias, quando em âmbito universitário e sem
fins comerciais. O dispositivo legal tem como função efetivar a circulação do software nos
meios acadêmicos, como uma forma de encargo obrigatório, imposto às empresas ou então
um subsídio aos estudantes. De toda a forma, objetiva-se o fácil acesso dos estudantes de
curso superior às tecnologias mais recentes, o que sem dúvida alguma traz importantes
benefícios para a sociedade.
e.2) Prazos
Os prazos de proteção variam conforme a legislação analisada, normalmente situando-se entre
cinqüenta e setenta anos. Alguns ordenamentos traçam prazos vitalícios e ainda consideram
outros sessenta anos de proteção post mortem.
De toda forma, os prazos estipulados para os direitos autorais são totalmente inconvenientes
para o setor de informática. Em um setor altamente competitivo e inovador, a garantia de
cinqüenta, cem ou mais anos de proteção somente contribui para a criação de mais um
obstáculo ao desenvolvimento científico que não pode ser aceito. Nesse sentido, alguns países
criam dispositivos específicos para a proteção dos programas de computador, reduzindo o
prazo de proteção, como no Brasil e na França onde a duração dos direitos é de 25 anos.
O Projeto de Lei n. 200, altera novamente o termo final da duração dos direitos, fixando-o em
cinqüenta anos, contados de primeiro de janeiro do ano subseqüente ao da publicação, o que
vem a atender às novas regras do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) após a Rodada
Uruguai.
e.3) Proteção da Estrutura, Seqüência e Organização (SSO)
A melhor concepção de proteção de programas de computador que podemos visualizar
atualmente engloba os três principais elementos do programa: Estrutura, Seqüência e
Organização de informações (Structure, Sequence and Organization - SSO). A partir desse
ângulo de análise, o intérprete da lei consegue otimizar seu julgamento a respeito da
ocorrência ou não de cópia de elementos essenciais ao programa que justifiquem a sanção
legal.
Diversos julgados utilizaram desses critérios, embora a complexidade dos dados e da própria
informática estejam causando confusões jurisprudênciais. Estas decisões nos revelam o
9
quanto a matéria ainda está obscura no direito internacional. Mesmo que haja fortes correntes
doutrinárias e decisões jurisprudenciais de tribunais especializados em direitos autorais, não
há pontos pacíficos. Na verdade, a análise não deve se ater ao fato de a SSO do programa
estar ou não idêntica à de outro, mas sim ao real desenvolvimento do setor. O aplicador da lei
deve utilizar de eqüidade, conforme manda o bom direito, visando o desenvolvimento
científico nacional, com fins nobres, como o aumento de empregos, a melhor distribuição de
renda entre as nações e a transferência de tecnologia. Isso deve ser feito sem se sair do justo
legal, mas apenas utilizando-se de hermenêutica social. Os juizes norte-americanos parecem
ter entendido bem a questão, sempre privilegiando suas indústrias, visando o bem de seu país,
tudo, sem sair da lei, apenas interpretando-a conforme os interesses da sociedade. Aliás é para
isso que estão lá.
e.4) Look and feel
Outra área que as indústrias de software têm conseguido proteção via direitos autorais referese à proteção do que se conhece como look and feel do programa. Seria o como o programa
seduz o usuário, como o conduz por telas, janelas, desenhos, gráficos, sons através de fases
diferentes conforme a utilidade daquele momento. Importante ressaltarmos que é justamente
esta "aparência" que muitas vezes determina a maior ou menor comerciabilidade do programa
em questão. Para o desenvolvimento do Windows 95, da Microsoft, por exemplo, foram
contratados dezenas de especialistas em neurolinguagem, além de profissionais das áreas de
comunicação e psicologia, para aproximar ainda mais os ícones e o fluxo do programa às
rotinas do ser humano. O mesmo podemos constatar o sistema Machintosh da Apple e o New
Wave da Hewlett Packard.
Na verdade, não se deduz o look and feel do direito concedido ao programa em si, são duas
proteções distintas. Um título garante o direito sobre a expressão do programa, outro sobre o
look and feel do mesmo. O primeiro caso de que se tem notícia onde se reconheceu existir
este direito foi disputado entre a Broderbund Software, Inc. v. Unison Wold, Inc24, onde a
Corte estendeu os direitos concedidos à expressão à interface com o usuário, reconhecendo
que ambos os fatores não se confundiam. Contudo, foi com os casos Digital Communications
Assocs. v. Solftklone Distributing Corp. e Lotus Development Corp. v. Paperback Software
International25 que se firmou realmente o direito, concedendo-o para elementos antes
considerados não essenciais ao programa.
3 PATENTES
O sistema de proteção à propriedade intelectual por patentes difere dos direitos autorais, pois
exige que o bem protegido possa ser inserido em um processo industrial e também porque
garante mais direitos aos titulares da proteção.
Quando do início da procura por uma forma de proteção aos programas de computador, o
sistema de patentes foi, sem dúvida, o mais requisitado, embora não se tenha logrado êxito.
Como conseqüência de ser uma matéria totalmente nova para o direito, os ordenamentos
jurídicos nada previam a respeito da patenteabilidade de programas de computador, deixando
a cargo dos doutrinadores e aplicadores da lei a regulamentação da matéria.
Não foi necessário muito tempo para o repúdio a essa forma de proteção. Um dos fortes
argumentos contrários ao patenteamento do software foi que o programa de computador em si
10
escapa à idéia de industriabilidade, pois a máquina faz o processo produtivo e o programa
somente o conduz26. Se não está inserido em um processo industrial, não pode ser patenteado.
Segundo o entendimento dos tribunais, não se pode proteger com as patentes o que não está
inserido em um processo produtivo. O professor José de Oliveira Ascensão bem lembra que
diversos programas fogem totalmente à idéia de industriabilidade, como, por exemplo, um
banco de dados de decisões jurisprudenciais27, onde o sistema de patentes não seria, de forma
alguma, aplicável.
Orlando Gomes trata o assunto de forma minuciosa, explicando, magistralmente, que o
software é pura informação e, por isso, não pode ser patenteável. Como lembra o ilustre
professor baiano, "a invenção privilegiável não é a programação em si, mas, sim, o seu
resultado".
A nova Lei de Patentes brasileira (Lei n. 9.279/96) traz a expressa proibição do patenteamento
de programas de computador (art.10, V).
No entanto, a nova jurisprudência internacional tem considerado os programas de computador
como passíveis de patenteamento. Diversas decisões norte-americanas já concederam
proteção ao software, sem quaisquer restrições, o que se deve a predominância desse país no
cenário internacional. Os tribunais norte-americanos nada mais estão fazendo do que defender
os interesses do seu país. Como indica o professor argentino Carlos Correa28, a
patenteabilidade dos programas de computador no Escritório de Marcas e Patentes dos Estado
Unidos é uma realidade.
Na visão norte-americana, o sistema de proteção por direitos autorais é inadequado para a
satisfação dos interesses do setor. Como vemos, as posições sobre as quais a legislação
internacional está fundamentada vem mudando com o tempo. No entanto, devemos entender
que é mais difícil se alterar a legislação de um país como Alemanha, França ou Itália (direito
continental) do que decisões jurisprudenciais dos Estados Unidos e Inglaterra, onde reina o
common law. No nosso modesto ponto de vista, consideramos que, pelo menos a curto prazo,
será difícil a concessão de patentes para software per se, nesses países, garantindo a
predominância da proteção por direitos autorais ainda por longos anos.
4 CONCLUSÕES
Existem hoje diversas formas de proteção à propriedade intelectual. No setor da informática,
as mais utilizadas são os direitos autorais e as patentes, sendo que alguns países utilizam
formas sui generis, mas que também têm como o base a legislação de direitos autorais.
No entanto, muitos são os pontos controversos, uma vez que se utiliza de uma forma de
proteção incialmente formulada para obras literárias, no intuito de proteger um ramo do
conhecimento, completamente distinto. Desse modo, os intérpretes da lei têm de criar
mecanismos de avaliação, até então inexistentes, visando praticar a eqüidade. Esta varia de
país para país, conforme seu nível de desenvolvimento e os anseios da sociedade.
No direito pátrio, vigora uma legislação sui generis, mas que tem como base de sustentação os
direitos autorais. O patenteamento de programas de computador é expressamente proibido,
nesse sentido cremos que o ordenamento brasileiro está entre as formas de proteção mais
avançadas do mundo.
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NOTAS
1. GOMES, Orlando. op. cit. p.6.
2. Idem.
3. ULMER, Eugen e KOLLE, Gert. A proteção sob o direito autoral de programas de computador in A proteção
jurídica do software. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 130-132.
4. Idem.
5. WASSERZIEHER & BERTZ apud ULMER et alli, op. cit. p.130.
6. ULMER. op. cit. p.133.
7. Para aprofundar no assunto vide ULMER, Eugen e KOLLE, Gert. A proteção sob o direito autoral de de
programas de computador in A proteção jurídica do software. Rio de Janeiro:Forense, 1985. p. 130-135.
8. WALD. op. cit. p.31.
9. Idem. p.34.
10. ULMER. op. cit. p.123.
11. CORREA, Carlos María. The legal protection of software. Informática e Diritto. Florença, a, XVI, jan./abr.
1990. p.141.
12. ASCENSÃO, José de Oliveira. Programa de computador e direito autoral in A proteção jurídica do software.
Rio de Janeiro:Forense. p.63.
13. Importante ressaltar que tramitam no Congresso Nacional diversos projetos tocantes à propriedade intelectual
e direitos autorais, todos abrangendo programas de computador. Também há outros projetos que visam tratar
somente a matéria relativa ao software, usando subsidiariamente a legislação de direitos autorais da mesma
forma que o ordenamento atual.
14. ASCENSÃO. op. cit. p.57.
15. Idem. p.50.
16. LOBO, Carlos Augusto da Silveira. A proteção jurídica dos programas de computador in A proteção jurídica
do software. p. 106-107.
17. GOMES. op. cit. p.2.
18. Para maiores informações consulte Propriedade intelectual de setores emergentes, de nossa autoria.
19. ULMER et alli. op. cit. p. 117.
20. GARCIA. Ernesto Rengifo. El software y su proteccion juridica. Revista del Instituo de Ciências Penais y
Criminológicas. Bogotá. v. XV, n.50, mai./ago. 1993. p. 345-346.
21. ULMER et alli. op. cit. p.154.
22. GARCIA. op. cit. p. 356.
12
23. BERTRAND e COUSTÉ apud CORREA. The legal protection of software, op. cit. p.144.
24. CORREA. The legal protection of software. op. cit. p.57.
25. Idem.
26. ASCENSÃO. op. cit. p.59.
27. Idem.
28. CORREA. The legal protection of software. op. cit. p. 145.
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Márcia Cristina Pereira de Souza é Pesquisadora da Universidade Federal de Viçosa
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