revista visao classista n19 2015 06
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revista visao classista n19 2015 06
CAPA Visão Classista é uma revista trimestral, publicada pela CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil Direção Executiva ESPORTE Presidente Adilson Araújo Bom Senso Futebol Clube Páginas 28 e 29 INDICE Vice-presidência Nivaldo Santana, Maria Lúcia Moura, Joilson Antônio Cardoso, Severino Almeida, Vicente Selistre Mundo SINDICAL Aferição oficial retrata universo sindical brasileiro EDITORIAL Os desafios do movimento sindical frente à ofensiva conservadora Página 5 ENTREVISTA Márcio Pochmann diz que só reforma política pode fazer frente ao poder econômico Páginas 6 e 7 TERCEIRIZAÇÃO Capital X Trabalho Páginas 8 e 9 A voz da sociedade civil Páginas 10 e 11 MERCADO DE TRABALHO Alta rotatividade Páginas 12 a 14 Enfim, direitos (quase) iguais, sobre a PEC das domésticas Página 15 Página 30 Portugal: da revolução à recessão Página 31 Riqueza para poucos, sobre o crescimento do Panamá Páginas 32 e 33 17 Secretaria de políticas sociais, esporte e lazer Carlos Rogério Nunes Secretaria de política sindical e relações institucionais Francisco Chagas Secretaria de previdência, aposentados e pensionistas Pascoal Carneiro GÊNERO SISTEMA ELEITORAL Por uma reforma política democrática Página 39 Redução da maioridade penal volta a assombrar Páginas 16 e 17 Festa Literária Internacional de Paraty Páginas 4O e 41 O centenário de Billie Holiday Página 42 Secretaria de finanças Vilson Luiz da Silva Secretaria de formação e cultura Celina Alves Arêas Grandes fortunas devem pagar altos impostos Página 34 e 35 O 2º Encontro Nacional da Mulher Trabalhadora Páginas 36 e 37 Secretaria geral adjunta Kátia Gaivoto Secretaria de finanças adjunta Gilda Almeida de Souza ECONOMIA JUVENTUDE A Petrobras é um gigante! Páginas 18 a 21 Infográfico: financiamento empresarial de campanha Páginas 22 e 23 Indústria naval: empregos à deriva Páginas 24 a 26 18 INTERNACIONAL CULTURA BRASIL Secretaria geral Wagner Gomes 36 Secretaria de relações internacionais José Divanilton Pereira 8 Secretaria de relações internacionais adjunta José Adilson Pereira Secretaria de mulheres Ivânia Pereira Secretaria de políticas para a juventude trabalhadora Vítor Espinoza Secretaria de políticas de promoção de igualdade racial Mônica Custódio Secretaria de defesa de meio ambiente Antoninho Rovaris Secretaria adjunta de meio ambiente Claudemir Nonato Santos Secretaria de saúde dos trabalhadores e trabalhadoras e segurança no trabalho Elgiane de Fátima Lago Secretaria de política agrícola e agrária Sérgio de Miranda Secretaria do serviço público e do trabalhadores públicos João Paulo Ribeiro Secretaria adjunta do serviço publico e do trabalhadores públicos José Gonçalves CONSELHO EDITORIAL Adilson Araújo, Alberto Broch, Altamiro Borges, Carlos Umberto Martins, Divanilton Pereira, George Mavrikos, Gilda Almeida, Joilson Cardoso, Márcio Pochmam, Raimunda Gomes, Ramon Cardona REDAÇÃO Secretária de Imprensa e Comunicação Raimunda Gomes Equipe Cinthia Ribas, Danilo Ribeiro, Érika Ceconi, Carlos Umberto Martins, Láldert Castello Branco, Marcos Aurélio Ruy e Renato Bazan Jornalista responsável Natália Rangel Colaboradores desta edição Daiana Lima, Fernando Damasceno e Ludmila Machado Diagramação Danilo Ribeiro Projeto gráfico Carlinio França Impressão Gráfica Silvamarts Tiragem 30 mil exemplares Av. Liberdade, 113 – 4º andar – Liberdade | São Paulo – SP – CEP 01503-000 Fone (11) 3106-0700 | www.portalctb.org.br | E-mail: [email protected] 3 AdIlson Araújo EDUCAÇÃO | Portal CTB EDITORIAL Os desafios do movimento sindical frente à ofensiva conservadora A classe trabalhadora enfrenta uma de suas batalhas mais difíceis contra a perda de direitos e garantias desde os anos da redemocratização brasileira. Além dos prejuízos impostos pelo ajuste fiscal anunciado pelo governo federal e materializados nas MPS 664 e 665, que penalizam os trabalhadores, é preciso brecar o avanço do projeto de lei da terceirização, uma das mais graves ameaças aos direitos trabalhistas já encaradas pelo brasileiro. Educação pede socorro Greves de professores são deflagradas em diversos estados brasileiros com poucas perspectivas de acordo salarial Diversos estados brasileiros enfrentam protestos, paralisações e greves de professores em sua luta histórica por melhores salários e condições de trabalho. No estado de São Paulo a categoria está parada há mais de dois meses (a mais longa greve paulista ocorreu em 1989 e durou 80 dias) e no Paraná a crise atingiu níveis inaceitáveis com a violenta repressão sofrida pelos professores grevistas por parte da Polícia Militar do Paraná ordenada pelo governador Beto Richa (PSDB-PA). Os professores também pararam em Pernambuco, Pará e Bahia. Em São Paulo, o governo de Geraldo Alckmin cortou o salário dos trabalhadores em greve (assim como fez o prefeito Luiz Marinho, de São Bernardo do Campo, que também enfrentou greve de professores no município). Em nenhum dos casos, a decisão extrema auxiliou a 4 negociação do fim da paralisação. O quadro se amplia ainda para as universidades federais: 48 das 63 instituições do país têm a rotina afetada por greves que começaram a ser deflagradas no final de maio. O movimento atinge instituições de 26 estados, segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) e a Federação dos Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra). Em 15 universidades há greve tanto de professores quanto dos técnico-administrativos. Desde o início deste ano, a CTB vem pautando as suas atividades com o firme propósito de não permitir que tão nefasta mudança recaia sobre o mundo do trabalho, impondo-lhe um retrocesso de proporções avassaladoras. O PLC 30/2015, nome que lhe cabe no Senado Federal, da forma como foi aprovado na Câmara dos Deputados, abre brechas para uma profunda desregulamentação das relações de trabalho no país. Matéria de capa da Visão Classista, a reportagem mostra que uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria revela que 91% dos empresários apoiam o projeto exclusivamente porque ele restringe gastos com a folha de pagamentos. Outros motivos, como ganhos na produtividade e na capacidade de investimento, são alegados por apenas 2% dos representantes do setor industrial. Ou seja, as supostas “vantagens” contidas no texto em questão se resumem a uma retórica patronal que tenta surfar na onda reacionária da atual conjuntura. Não por acaso, a forte ofensiva conservadora no Congresso vem disposta a alavancar diversas pautas que consagram o atraso e o retrocesso social no Brasil. Entre elas, a PEC 171, que propõe a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade e uma reforma política obtusa e antidemocrática que não moderniza o sistema eleitoral e ainda transforma em letras da lei o financiamento empresarial de campanhas políticas, prática tão nociva à democracia brasileira. A esta receita já indigesta, acrescente-se a conta amarga imposta aos trabalhadores pelo ajuste fiscal promovido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com as medidas provisórias. “A CTB vem pautando suas atividades com o firme propósito de não permitir que recaia sobre o mundo do trabalho mudanças nefastas, como a prevista no PL da terceirização, impondo-lhe um retrocesso de proporções avassaladoras” Todos estes temas estão em tramitação nas casas legislativas eainda não chegaram aos termos finais. Ainda que prevaleça este ambiente francamente hostil ao movimento sindical e à classe trabalhadora, os setores mais progressistas estão organizados e proativos na luta dentro e fora do Congresso Nacional. A presente edição de Visão Classista busca contribuir para qualificar o debate e municiar seus leitores com informações e argumentos fundamentados sobre os grandes desafios que se apresentam. É preciso estar atento e forte. A luta é pra valer! 5 ENTREVISTA | Renato Bazan ENTREVISTA | Renato Bazan emprego se eleva, o seguro-desemprego, que em tese deveria diminuir, aumenta. A experiência internacional mostra justamente o contrário, pois se você aumenta o nível de emprego, existem mais pessoas trabalhando, e portanto não haveria necessidade de usar o seguro - ele é, afinal, um instrumento para segurar o nível de emprego numa situação de descenso da economia. VC: Mas a mudança piora a vida do trabalhador. Pochmann: Obviamente, esta anomalia, não se deve à existência do seguro-desemprego, mas às características do mercado. Quando a economia cresce e o emprego formal aumenta, isso abre a possibilidade de mais pessoas usarem o seguro-desemprego. Isso, em si, é positivo. O problema reside na questão da rotatividade, que é uma anomalia inegável no Brasil, e leva ao uso excessivo do seguro. Nós temos um dos mercados de trabalho mais flexíveis do mundo. A literatura internacional destaca os EUA, e lá a rotatividade fica em torno de 20% em termos anuais. A rotatividade daqui é praticamente o dobro. Então o problema fulcral passa a ser a rotatividade. É preciso questionar: O que fazer para reduzir esse gasto com seguro-desemprego? Tornar mais difícil o acesso, como é o caso nessa MP, ou enfrentar a rotatividade? No meu modo de ver, o segundo caminho é mais adequado. VC: Os setores conservadores têm feito muita pressão. Como o sr. avalia a ofensiva? cio do segundo mandato duas alterações para garantir a continuidade: a modificação do centro político do governo e as mudanças na gestão da economia, inclusive estas propostas pelas MPs 664 e 665. Precisamos olhar para os próximos quatro anos partindo do pressuposto de que foi necessário modificar o centro político pelo qual o governo atua no enfrentamento de mazelas e no incentivo ao desenvolvimento com inclusão social. Pochmann: Podemos dizer que a presença da oposição nesses últimos doze anos foi relativamente frágil enquanto oposição organizada em partidos, com lideranças e projetos alternativos. Isso se alterou: estamos vendo uma atitude mais beligerante. Nós teremos quatro anos muito tensos, com uma oposição mais organizada. Vale lembrar que a narrativa do PSDB é de que a economia estaria desorganizada e que seria necessário fazer um ajuste fiscal de grande monta. A oposição faria um ajuste muito mais expressivo - na casa de 3,5%, 4%. A proposta de ajuste fiscal estabelecida hoje é de 1,2% do PIB, e é preciso considerar: com exceção de 2014, em que nós tivemos déficit fiscal, todos os anos anteriores fecharam com superávit ao redor de 2,5%. O Brasil não está com problemas graves em sua economia. Nossa situação fiscal é equilibrada, a inflação está no teto superior da meta. VC: Estas MPs vão contra esse objetivo? VC: Qual sua leitura das manifestações e panelaços? Pochmann: Elas não alteram o objetivo maior, que é perseguir o pleno emprego e buscar a recuperação do investimento e do crescimento. Elas têm caráter corretivo. No caso específico da medida que diz respeito ao seguro-desemprego, nós temos uma anomalia no Brasil: quando o nível de Pochmann: Elas foram produto da maturidade democrática brasileira. O que aconteceu foi um sinal de que a democracia no Brasil vai bem enquanto sistema político e de representação. A presença do conservadorismo nas ruas não é uma novidade no Brasil. Tanto é que o golpe de 1964 se deu, em parte, pela pressão da população, que saiu às ruas na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Com a ditadura Diálogo com dr. Pochmann Ex-presidente do IPEA, ex-secretário de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade de São Paulo, professor de Economia na Unicamp, pós-doutor em Relações do Trabalho e Políticas para a Juventude, o economista Márcio Pochmann discute os rumos econômicos do Brasil nesta entrevista à revista Visão Classista: VC: Qual sua avaliação da atual gestão de Dilma Rousseff? Pochmann: É cedo para avaliar um governo que dá continuidade a uma estratégia bem-sucedida de 12 anos de enfrentamento de mazelas seculares neste país, e ainda num quadro de agravamento da crise do capitalismo de dimensão global. Identifico o sucesso dessa experiência dentro deste contexto tão desfavorável, e não há dúvida de que a eleição do ano passado foi a mais importante que nós tivemos no mundo, porque estava em jogo a continuidade de um projeto alternativo à perspectiva neoliberal que continua reinando. É algo inédito na experiência democrática brasileira: nunca tivemos, por tanto tempo, esta unidade programática. Vejo nesse iní6 militar e depois a transição democrática, esses movimentos conservadores ficaram reduzidos e escondidos. Desde o ano passado, e mais agora com o resultado eleitoral, houve uma mudança tática da oposição. Há uma nova articulação da direita na América Latina, em que os redutos da oposição estão em campanha permanentemente, mesmo após o resultado eleitoral. VC: Por que está tão difícil implementar mudanças? Pochmann: Uma das características existentes no Brasil é o “anti-reformismo”, como eu escrevo no livro “Os Intocáveis”. Nós somos um país que não teve nenhuma experiência de revolução - nem mesmo a Revolução de 30 pode ser considerada assim, como demonstrou Florestan Fernandes, porque não foi uma revolução burguesa. E porque não tivemos uma revolução burguesa, terminamos por gerar um capitalismo com anomalias. Não tivemos rupturas e as alianças permitiram passar de uma situação para outra sem que surgissem problemas maiores para as classes dominantes.Há uma coesão entre essa direita, o que explica um pouco porque nunca tivemos um período prolongado de democracia. Sempre que surge uma agenda popular que questiona o direito dos ricos, algum tempo depois acontece um golpe que põe fim à democracia. VC: Como mudar este ciclo? Pochmann: É neste sentido que a reforma política tem fundamental importância. Estamos diante de uma situação em que há o predomínio inegável do poder econômico. Se você olhar o resultado eleitoral, os representantes dos trabalhadores e das classes populares estão perdendo posição. Nós temos uma representação no Legislativo que é desconexa da população. Você vê o perfil dos nossos representantes e grande parte é de empresários, mas a maioria da população não é formada por empresários; tem muito mais brancos do que negros; muito mais homens do que mulheres; muito mais pessoas de idade do que jovens. A disputa entre os que têm acesso ao grande capital e os que não têm é uma coisa de enorme desigualdade. 7 TERCEIRIZAÇÃO | Daiana Lima e Renato Bazan TERCEIRIZAÇÃO | Daiana Lima e Renato Bazan “Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), 2% dos empresários defendem a terceirização alegando ganho de produtividade, enquanto que 91% deles o fazem visando restringir gastos com a folha de pagamento” Parecer do TST CAPITAL x TRABALHO O trabalhador perdeu uma luta na Câmara, com a aprovação do PL da terceirização, mas ainda tem chance de vencer a guerra 8 “Precisamos desmistificar os cantos da sereia no Senado Federal. A terceirização não trará direitos. Ela transformará todos em terceirizados, que serão demitidos e recontratados na quarteirização, sem direitos trabalhistas”, diz a desembargadora aposentada Magda Barros Biavaschi, pesquisadora da Unicamp, resumindo o futuro do mundo do trabalho no país, caso seja adotada a flexibilização radical das leis trabalhistas, com ampliação geral da terceirização dos serviços contratados da forma como está prevista no projeto de lei PLC 30/2015, em discussão no Senado Federal. contratam diretamente os seus empregados. O procurador José de Lima, do Ministério Público do Trabalho, não poupa palavras em seu diagnóstico: “O terceirizado é um trabalhador invisível para a sociedade: não recebe o mesmo treinamento, não tem cobrança ou supervisão para o uso de equipamentos de segurança e não ganha o mesmo que um empregado direto, embora exerça a mesma função”. A verdade é que a defesa do PL da terceirização não resiste aos fatos. Mesmo na ausência de fraudes, as estatísticas disponibilizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego revelam um forte contraste na comparação entre os setores da economia que terceirizam os serviços e aqueles que Os defensores da mudança afirmam que a terceirização traz ganhos visíveis de produtividade. No entanto, pesquisa da própria Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que o motivo preponderante não é bem este. Segundo estudo, apenas 2% dos empresários defendem a terceirização alegando ganho de produtividade, enquanto que 91% deles o fazem visando restringir gastos com a folha de pagamento. Em outras palavras, a vontade de escapar às obrigações trabalhistas por parte do patronato é 45 vezes maior que a de investir na produção. A defesa da terceirização fica ainda mais pífia à medida que os números são revelados: em média, esses profissionais ganham 24,7% menos que seus equivalentes contratados, trabalham 7,5% mais e permanecem no mesmo cargo por apenas 53,5% do tempo médio dos contratados. Em setores nos quais acidentes de trabalho podem ser letais, como o elétrico e o petroleiro, a mortalidade de trabalhadores chega a ser 6 vezes maior. Nos casos mais extremos, a terceirização abre caminho para regime de trabalho análogo à escravidão, conforme revela o pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp, Vitor Filgueiras: “A terceirização e o trabalho análogo ao escravo estão intimamente relacionados. A adoção da terceirização pelas empresas potencializa a exploração do trabalho e reduz a atuação dos agentes que poderiam impor limites a esse processo.” Sua teoria se ampara em números. De acordo com dados do Ministério do Trabalho, na última década 9 dos 10 maiores resgates de escravos no Brasil e 22 flagrantes de escravidão em construções envolviam terceirizados. Vale lembrar que os próprios ministros do Tribunal Superior do Trabalho redigiram parecer que condena o projeto de lei. Entre os magistrados que assinam o documento estão Antonio Levenhagen, Delaíde Alves Miranda Arantes e Alberto Luz Bresciane. Para eles, a medida abre caminho a um dramático retrocesso na legislação e nas relações trabalhistas do Brasil, comprometendo o mercado interno, a arrecadação tributária, o SUS e o desenvolvimento nacional. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho e o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, junto às entidades que integram o Fórum Permanente em Defesa dos Trabalhadores Ameaçados pela Terceirização intensificaram suas atividades. Segundo o diretor de Assuntos Jurídicos, Guilherme Feliciano, a proposta da Anamatra é defender a dignidade humana nas relações de trabalho: “O projeto esvazia o conceito constitucional do que conhecemos por ‘categoria’, permitindo transformar a maioria de trabalhadores em prestador de serviço. Deixam de existir bancários, metalúrgicos, comerciários.” O esvaziamento das categorias fragiliza a representação dos sindicatos, das centrais e enfraquece o poder de negociação da classe trabalhadora, avanço conquistado a duras penas em décadas de batalhas – muitas delas sangrentas. Se este cenário se confirmar, estará lançado um futuro desolador para o mundo do trabalho. 9 TERCEIRIZAÇÃO | Daiana Lima TERCEIRIZAÇÃO | Daiana Lima contratados têm tempo médio de 5,8 anos. Além disso, os terceirizados sofrem quase o dobro do número de acidentes de trabalho em relação aos regulares. “Isso demonstra a alta rotatividade no setor, o que gera problema de identidade. É como se os terceirizados sofressem uma mobilidade permanente entre desemprego, trabalho predatório e informalidade”, destacou a pesquisadora. O senador Renan Calheiros (PMDB), presidente da Casa, condenou a terceirização da atividade-fim, ou seja, que um banco, por exemplo, possa terceirizar a contratação de bancários, e assim por diante. “A CLT, mais do que nunca, precisa ser protegida e temos de defender a indústria nacional, ter um programa para a competitividade, discutir a produtividade, mas não podemos gastar menos com o trabalhador”, ressaltou. A voz da sociedade civil Amparados em estudos, diversos segmentos sociais debatem os malefícios da terceirização em audiências públicas no Senado O polêmico projeto de lei que amplia ilimitadamente a terceirização foi tema de audiências públicas realizadas no Senado Federal que reuniram diversos segmentos da sociedade civil. Centrais sindicais, entidades de classe, OAB, magistratura, governo, universidades e pesquisadores debateram o assunto em encontro promovido pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), por requerimento do senador Paulo Paim (PT/RS). O vice-presidente da CTB, Joilson Cardoso (foto),destacou um dos graves efeitos deste projeto no que diz respeito à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), legislação criada no governo Getúlio Vargas e que garantiu conquistas para a classe trabalhadora. “O que estamos discutindo aqui é se a CLT continuará em vigência ou não”, disse o dirigente. Cardoso criticou ainda a ineficácia prática do artigo 5º da referida lei, que diz: a todo trabalho de igual valor corresponderá salário igual, sem distinção de sexo. “Ainda hoje no Brasil há trabalhadoras exercendo trabalhos iguais e recebendo menos que os homens. O defeito não é da lei, é da exploração predatória do capital sobre o trabalho, ainda mais sobre as mulheres e os negros”, afirmou. “Temos que nos indignar diante do PLC 30/15, que tem a ver com a luta dos trabalhadores pela consolidação das leis do tra10 balho, que é desfigurada pelo projeto”, afirmou Cardoso. Em outra audiência pública de apreciação do assunto, a pesquisadora Gabriela Alves, integrante do grupo de constituição e cidadania da UnB, apresentou dados técnicos sobre o perfil do terceirizado. Entre outros aspectos, Alves destacou que a permanência no emprego do terceirizado é de 2,6 anos, enquanto os empregados diretamente As divergências entre representantes dos trabalhadores e entidades patronais acirr o debate sobre o Projeto de Lei junto às organizações civis, que se reuniram em sessão temática. Estiveram presentes pesquisadores, economistas, Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho e Emprego e parlamentares. A CTB foi representada pelo secretário de Serviço Público, João Paulo Ribeiro, que fez um apelo aos empresários: “Façam o que a CLT está pedindo e gerem emprego. Não é possível que a sociedade veja de forma imóvel a Constituição ser rasgada. Se o Senado não rejeitar o projeto, estamos preparados para construir uma greve geral “, garantiu. Na sequência dos discursos, o procurador do Ministério Público do Trabalho Helder Amorim afirmou que a posição do MPT é firme a respeito da proposta do PLC 30/2015: a terceirização da atividade-fim é inconstitucional. Para o ministro do Trabalho e Emprego, Manoel Dias, o projeto atual pouco tem do projeto que começou a tramitar há dez anos e, para ele, o MTE segue a linha de que, na medida em que não houver construção de garantias, a generalização da terceirização pode precarizar o trabalho e não será aceita pelo govenro federal. CNs avalia como “desastroso” impacto da terceirização no SUS Reunião do Conselho Nacional de Saúde (CNS), do Ministério da Saúde, em Brasília, avaliou o impacto do PL da terceirização em todos os seus ramos de atividade e lançou um documento final de rejeição ao projeto, agora em tramitação no Senado. Na resolução do CNS, a ampliação ilimitada da terceirização foi classificada como desastrosa aos profissionais do setor, gestores e usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), além de impor uma precarização das relações trabalhistas. “Após debates sobre o alcance e as consequências diretas das mudanças na vida dos trabalhadores da área, concluiu-se que a proposta representa um retrocesso à organização dos serviços de saúde como um todo”, afirmou José João Lanceiro, secretário-executivo do Conselho Nacional de Saúde. O documento destaca ainda que o PL fragiliza a gestão do SUS e que, nos casos já existentes de terceirização em ações do SUS, há comprometimento na qualidade do atendimento, além do fato de a medida comprometer a arrecadação das contribuições sociais o que impactaria diretamente o já combalido sistema de seguridade social brasileiro. Diante disso, o plenário do CNS aprovou a Recomendação 006/2015 que discorre sobre os motivos pelos quais o conselho desaprova o projeto e recomenda a rejeição do PL pelo Senado Federal e o veto integral pela presidenta da República (em caso de aprovação nas duas casas do Congresso). 11 MERCADO DE TRABALHO | Cinthia Ribas Alta rotatividade A troca frequente de vagas de trabalho cresce e, na maioria dos casos, é motivada por demissão sem justa causa – para especialistas, dinâmica piora condições de trabalho A operadora de telemarketing Geovanna Machado tem apenas 22 anos e já acumula quatro registros profissionais em sua carteira de trabalho. Apesar da pouca idade, a jovem que cursou apenas o ensino médio já figura entre as trabalhadoras afetadas pela alta rotatividade no mercado de trabalho brasileiro que penaliza o cidadão e precariza as condições de trabalho. A troca frequente de postos profissionais, na maior parte dos casos motivada por demissão sem justa causa, vem crescendo no país nos últimos anos. MERCADO DE TRABALHO | Cinthia Ribas O Dieese em parceria com o Ministério do Trabalho e Emprego e entidades sindicais tem investido no estudo da rotatividade no mercado de trabalho, procurando inclusive formas de intervenção que ajudem a reduzir o problema, como o investimento na formação profissional. “Temos um mercado de trabalho que cresce, mas com rotatividade muito alta, configurando um tipo de produtividade econômica perversa, assentada na baixa qualidade dos postos de trabalho”, avaliou o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz. A agropecuária, o telemarketing e a construção civil “Temos um mercado de trabalho que cresce, mas com rotatividade muito alta, configurando um tipo de produtividade econômica perversa, assentada na baixa qualidade dos postos de trabalho” No mercado formal, com carteira assinada, milhões de vínculos de emprego são rompidos anualmente e novos são estabelecidos. Nos anos 1990, este fenômeno ocorria em um cenário de alto desemprego, piora na qualidade do trabalho e redução dos salários pagos aos novos contratados em relação à remuneração dos demitidos. Contudo, há uma década, o desemprego vem diminuindo, a formalização aumentando, os salários crescendo e, mesmo assim, o fluxo de demissões continua se ampliando. Segundo os dados do estudo “Os números da Rotatividade no Brasil: Um Olhar Sobre os Dados da Rais 2002 -2013”, divulgado pelo Ministério do Trabalho, a taxa de rotatividade no mercado de trabalho brasileiro alcançou 63,7% em 2013. Isto significa que em cada grupo de dez empregados, seis foram demitidos da empresa ao longo do ano -- a maioria sem justa causa. Descontados os motivos de afastamento por pedido de demissão, aposentadoria ou morte, o percentual cai para 43,4%. 12 13 MERCADO DE TRABALHO | Cinthia Ribas IGUALDADE | Daiana Lima e Marcos Aurélio Ruy Conheça as novas regras Definição e contrato Constitui trabalho doméstico o empregado que trabalha mais de dois dias na semana em uma mesma residência. O contrato de trabalho poderá ser rescindido a qualquer tempo, por ambas partes, desde que pago o aviso-prévio na forma que prevê a CLT. O contrato de experiência poderá ter prazo inferior a 45 dias. É proibida a contratação de menor de 18 anos. Na construção civil a rotatividade atingiu 88,1% da massa trabalhadora em 2013 Jornada de trabalho “É inconcebível que um país que gera tantos empregos tenha uma rotatividade da mão de obra tão elevada”, diz Adilson Araújo são os setores com maiores taxas de rotatividade e a administração pública, em geral, detém os menores índices – a estabilidade do setor é, inclusive, um dos maiores atrativos para quem busca trabalhar no serviço público. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), quanto mais flexíveis são as regras para se demitir um funcionário, mais os empregadores tiram proveito da oferta de mão de obra, reduzindo o seu custo e também os benefícios associados. A rotatividade funciona como um indicador econômico do nível de informalidade e o tema é objeto da Convenção 158 da OIT, que trata da dispensa imotivada do trabalhador e prevê que um funcionário não deve ser demitido a menos que exista causa justificada, relacionada à capacidade ou ao comportamento e garantido o direito à ampla defesa, ou motivos econômicos, tecnológicos ou análogos, com necessidade de comprovação pela empresa. A ratificação desta convenção pelo Brasil é uma reivindicação antiga das centrais sindicais no combate à rotatividade, a fim de assegurar vagas de qualidade ao trabalhador. Seguro-desemprego e rotatividade Para os economistas, combater a rotatividade do mercado de trabalho brasileiro também é uma das saídas para controlar os gastos do governo com o seguro-desemprego, direito do trabalhador que sofrerá restrições se forem aprovadas as MPs 664 e 665. “O que fomenta o aumento na quantidade de usuários do seguro-desemprego é, de fato, a rotatividade no emprego. A partir da crise de 2008 a taxa média mensal da rotatividade no emprego assalariado formal subiu 3,9%, enquanto no período pré-crise a rotatividade cresceu 1,8%”, diz Marcio Pochmann, presidente do Instituto Perseu Abramo. Sindicalistas e economistas alertam que as MPs penalizam a classe trabalhadora e alteram direitos historicamente 14 consolidados e se a mudança for aprovada, o trabalhador só terá direito ao seguro se comprovar 18 meses de serviço – na atual legislação este direito está assegurado após seis meses de vínculo. Na construção civil, onde a rotatividade atingiu 88,1% da massa trabalhadora em 2013, o tempo em que o trabalhador com carteira assinada fica empregado está diretamente relacionado à execução da obra. Ou seja, quando o serviço acaba, ele é demitido para ser recontratado futuramente. Como, em média, as obras duram menos que 18 meses, grande parte dos trabalhadores ficará sem o benefício entre uma ocupação e outra. A posição também é defendida pelas centrais sindicais, que não aceitam alterações em direitos historicamente consolidados e exigem do governo medidas de combate à alta rotatividade da mão de obra no país. “Há um bom tempo, o governo se queixa de que não é possível pagar mais seguro-desemprego, entretanto nunca se buscou efetivar um Sistema Público Nacional de Emprego que salvaguardasse os pressupostos de um trabalho decente com remuneração digna, saúde, segurança e equidade”, diz o presidente nacional da central sindical CTB, Adilson Araújo. “Diante das afirmações de que está adotando normas internacionais, não haveria melhor momento para se regulamentar a Convenção 158 da OIT e acabar com esse descalabro da chamada demissão imotivada. É inconcebível que um país que gera tantos empregos pratique uma rotatividade da mão de obra tão elevada”, diz Araújo. A jornada é de oito horas diárias e 44 horas semanais, mas o empregador poderá optar pelo regime de 12 horas de trabalho seguidas por 36 de descanso. O intervalo para almoço vai de uma a duas horas, mas pode ser reduzido para 30 minutos por acordo escrito entre empregador e empregado. Banco de horas Enfim, direitos (quase) iguais Após aprovação no Senado, o projeto que regulamenta os direitos das trabalhadoras domésticas, conhecido como PEC das Domésticas, foi sancionado pela presidenta Dilma Rousseff. “O texto aprovado não nos contempla em 100%, mas foi uma vitória. Agora temos praticamente os mesmos direitos de todos os trabalhadores”, afirma Lucileide Mafra, dirigente da CTB e presidenta da Federação das Trabalhadoras Domésticas da Região Amazônica. “Finalmente estamos contempladas pela lei. Agora nossa luta é para fiscalizar a sua aplicação”. Para o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), a aprovação “fecha a última senzala brasileira”. “Agora sim nós acabamos de abolir o último resquício da escravatura”. A expectativa é que haja maior formalização de empregados domésticos. O texto tramitou durante dois anos nas casas legislativas, período em que sofreu algumas modificações. Lucileide faz algumas ressalvas a aspectos da lei., como o banco de horas, que pode ser pago em até 1 ano. “Temos receio de que depois de 1 ano o patrão demita e o banco de horas fique perdido”, revela. Outra crítica feita à lei é que ela não contempla as diaristas, categoria que mais cresce e que continua sem nenhum amparo da legislação trabalhista. O trabalho que exceder as 44 horas semanais será compensado com horas extras ou folgas, mas as 40 primeiras horas extras terão que ser remuneradas. As horas extras deverão ser compensadas em um ano. FGTS e INSS Ao todo, o empregador pagará mensalmente 20% de alíquota incidente no salário pago (8% FGTS + 8% INSS + 0,8% seguro contra acidente + 3,2% relativos à rescisão contratual). Multa em caso de demissão A multa de 40% nas demissões será custeada por alíquota mensal de 3,2% do salário. Essa multa poderá ser sacada quando o empregado for demitido. Nas demissões por justa causa, licença, morte ou aposentadoria, o valor volta para o empregador. Férias e benefícios Os 30 dias de férias poderão ser divididos em dois períodos ao longo de um ano. O seguro desemprego poderá ser pago durante, no máximo, três meses (o texto da Câmara previa o pagamento por cinco meses, assim como ocorre com os demais trabalhadores). A licença-maternidade será de 120 dias. 15 JUVENTUDE| Marcos Aurélio Ruy JUVENTUDE | Marcos Aurélio Ruy A juventude virou bode expiatório da polícia Por Renato Bazan Depois de 21 anos se arrastando, a PEC 171/2003 foi aprovada e passada adiante em apenas uma semana – algo possível apenas porque é considerada questão prioritária pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. O caso está sendo analisado por uma segunda comissão, presidida pelo deputado André Moura (PSC-SE). Redução da maioridade penal volta a assombrar Aprovada pela primeira vez em uma comissão da Câmara, a infame proposta de emenda constitucional pode virar lei este mês Um tema indigesto volta com força ao centro do debate nacional: a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade. No dia 31 de março, data que já não inspira acontecimentos auspiciosos, a ameaça ganhou corpo quando, pela primeira vez, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados deu encaminhamento favorável à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171, que tramita no Congresso desde 1993, e prevê a mudança na maioridade penal. Em junho, a PEC irá à votação na Câmara dos Deputados. “A bancada da bala parece muito apressada em reduzir a maioridade penal sem atentar, inclusive, para os prejuízos que essa medida trará à sociedade”, diz Mônica Custódio, secretária da Igualdade Racial da CTB. Ela baseia sua argumentação em recente estudo do Ipea 16 (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o qual revela que o Brasil teve um prejuízo de R$ 88 bilhões (1,6% do Produto Interno Bruto) somente em 2014 em decorrência dos homicídios de pessoas entre 15 e 29 anos. “A discussão da segurança pública deve passar pela tese de proteção à infância e juventude, ao invés de criminalizá-las ainda mais”, afirma Mônica. Para Vitor Espinoza, secretário de Juventude da CTB, os jovens brasileiros precisam de mais atenção do Estado. “Jogar na cadeia os jovens infratores não vai resolver nada, aliás, a tendência é só piorar as coisas”, diz ele. “Estes meninos e meninas de 16 ou 17 anos vão sair da prisão com pós-graduação em criminalidade. É o mesmo que entregar o ouro ao bandido”. A vice-presidenta do Conselho Federal de Serviço Social, Esther Lemos, reforça que o sistema prisional brasileiro é fracassado e que condenar os jovens à prisão é condenar o futuro do país. “Não devemos abandonar a proteção integral aos jovens”, avalia. O ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Pepe Vargas, chama a atenção para o fato de haver uma distorção quanto ao índice de crimes protagonizado por adolescentes. “Temos 26 milhões de adolescentes no Brasil. Os 23 mil que estão cumprindo medidas com privação de liberdade representam 0,08%. Esses casos têm grande exposição e geram muita comoção, mas é uma parcela ínfima de adolescentes”. A maioria dos juristas interpreta essa PEC como inconstitucional, mas o debate sobre essa medida vai muito além da legalidade. ”O jovem é muito mais vítima da sociedade do que seu algoz”, defende Vítor Espinoza. Para o jornalista Tiago de França da Silva a parcela da sociedade que defende essa proposta deixa um recado claro para as crianças e adolescentes pobres. “Não queremos assumir nenhum compromisso com vocês. Se vocês não estão dando conta de lidar com a falta de oportunidades na vida e ingressam no mundo do crime, o que temos a oferecer são as prisões, para nelas vocês aprenderem, pelo menos, a serem criminosos profissionais. Esse é o recado”, diz ele. Moura já manifestou muitas vezes o desejo de encarcerar adolescentes. Foi dele a ideia de convidar medalhões do neoconservadorismo histérico (os apresentadores de tevê José Luiz Datena e Rachel Sheherazade) para falar aos deputados, e em seu perfil de Facebook lê-se a atitude que pauta a comissão: “Reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos poderá até não reduzir a violência, mas faz justiça e limita a impunidade”. Em outras palavras: o homem responsável pela campanha da redução sabe que ela não resolverá problema algum. A dúvida que resta, portanto, é explicar por que existe esta sanha tão feroz pelo impulso de substituir as penas socioeducativas atuais pelas cadeias superlotadas do sistema carcerário. Há um elemento que une o tema da maioridade penal à crescente sensação de insegurança pública: a superexposição de crimes cometidos por adolescentes nos veículos de comunicação. Apesar de o próprio Ministério da Justiça divulgar que apenas 0,9% dos crimes são cometidos por menores, a programação policialesca coloca seus holofotes nesses casos minoritários, conclamando uma caça às bruxas. Um segundo dado intensifica o elemento de absurdo: de todos os 54 países que reduziram a maioridade penal, nenhum deles viu qualquer mudança positiva nas taxas de violência. O cruzamento desses dois dados leva a uma conclusão desconcertante: reduzir a maioridade tem pouco a ver com o combate ao crime. Como lembra o próprio deputado Moura, se trata de vingança. Mais a fundo, se trata também de transferir a responsabilidade pela ineficiência do sistema de segurança pública ao grupo que menos tem a ver com o problema. A juventude se torna bode expiatório da polícia. 17 BRASIL | Ludmila Machado BRASIL | Ludmila Machado que a companhia continue sendo um gigante econômico do país – o fato inconteste é que, sim, a Petrobras é hoje a maior empresa do Brasil, geradora de riquezas, empregos e ainda responsável pela prospecção de um crescimento internacional, o pré-sal, que incomoda e atiça interesses dos capitalistas estrangeiros. Tornou-se padrão na mídia conservadora do país tratá-la como uma empresa que é fonte de um dos maiores escândalos de corrupção do país, colocando em xeque a sua gestão, os seus empregados, a sua história e tudo o que representa para o país. As denúncias de corrupção, apesar de sérias, estão sendo instrumentalizadas pela direita para desmoralizar a empresa estatal e abrir caminho para a privatização. A presidenta Dilma Rousseff, em sua primeira reunião ministerial do segundo mandato, defendeu apuração rigorosa dos envolvidos, mas fez a ressalva: “Devemos punir as pessoas e não destruir as empresas. As empresas são essenciais para o Brasil”, ressaltou. “Aprovada no governo FHC, a lei já preparava o terreno para uma futura privatização da Petrobras. Chegou-se a anunciar a mudança do nome para Petrobrax, de modo a facilitar a sua internacionalização” Marcelo Zero, cientista social Para o secretário de Relações Internacionais da CTB, diretor da FUP e do Sindicato dos Petroleiros do Rio Grande do Norte, Divanilton Pereira, a Petrobras vive a maior crise de sua história. “A CTB e a categoria petroleira exigem a mais rigorosa punição aos corruptos e corruptores. Não mitigamos um milímetro sequer contra esses desmandos com o patrimônio público”, afirma, destacando que o grave episódio é potencializado por uma grande disputa política. A Petrobras é um gigante! A estatal continua no topo da lista das maiores empresas do Brasil mesmo com as graves denúncias que buscam desmoralizá-la e abrir caminho para sua privatização Pesquisar informações sobre a Petrobras pode se tornar uma tarefa ingrata para qualquer brasileiro que queira buscar um pouco de verdade em meio à diversidade de fatos que são revelados diariamente. No centro de uma disputa 18 política desde a campanha presidencial, em 2014, os dados referentes à empresa encontrados numa rápida consulta à internet são tão controversos que fica difícil acreditar Segundo ranking das 500 maiores empresas do mundo de 2014, elaborado pela revista Fortune, a Petrobras é a primeira entre as brasileiras, figurando na 28ª posição. Dados divulgados no final de janeiro de 2015 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) revelam que a Petrobrás, em 2014, foi a segunda no ranking de empresas exportadoras, ficando atrás somente da mineradora Vale. A estatal obteve US$ 13,023 bilhões de exportação, um recuo de 5,95% em relação a 2013. Também constava na lista de maiores importadores. Ou seja, uma das maiores empresas nacionais a movimentar a balança comercial. Isto apareceu na imprensa? Timidamente. As pesquisas na internet resultaram em duas notas de um parágrafo. Divanilton Pereira ressalta ainda que o plano estratégico da Petrobras é o maior plano de investimento de uma empresa no mundo ocidental. Segundo o secretário, esse projeto é a força motriz de todos os PACs do governo, sendo, portanto, decisivo para a retomada do crescimento econômico do Brasil e o financiamen- to, por exemplo, da educação. “Ao buscar desmoralizá-la perante a nação, tentam criar condições para paralisar seus investimentos propagandeando sua ineficácia administrativa e ao mesmo tempo, retirá-la de suas funções estratégicas previstas no atual marco regulatório do Pré-Sal. Se alcançarem êxito com essa ofensiva, ferem com força o segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff”, analisa Pereira. O cientista social Marcelo Zero se aprofunda ainda mais na história da estatal, mostrando que a Petrobras convive com esse embate há 60 anos. “No início diziam 19 BRASIL | Ludmila Machado que o Brasil não tinha petróleo. Convenientes estudos de geólogos estrangeiros asseguravam que não havia jazidas de óleo em território nacional. Manter a Petrobras, portanto, não fazia muito sentido. A empresa, no entanto, perseverou e descobriu jazidas significativas de petróleo e gás em nosso leito marítimo”, relata. As descobertas, segundo Zero, diminuíram a dependência do país na importação de hidrocarbonetos. Mesmo com isso, as ofensivas continuaram. “No governo Collor, o Credit Suisse chegou a apresentar um plano para privatizar a Petrobras. O plano privatizava a companhia por partes. No entanto, foi no governo FHC, que essas ofensivas se intensificaram e se concretizaram parcialmente”, relembra. Ainda no governo FHC, o governo promulgou a Lei nº 9.478/97, que abriu o capital social da Petrobras para investidores estrangeiros, quando a Estatal teve 36% de BRASIL | Ludmila Machado suas decisões de negócios e informações às autoridades supervisoras do mercado dos EUA. A Lei nº 9.478/97 também introduziu, no Brasil, o modelo de exploração por concessão, em que o petróleo e o gás são de propriedade da empresa privada que os explora. O petróleo, nesse caso, só pertence à União enquanto não estiver sendo explorado, ou seja, assim que uma empresa começa a explorar uma jazida, o petróleo ou o gás passam a ser de sua propriedade. Com isso, o país perdeu o controle estratégico da produção e comercialização de hidrocarbonetos, pois a empresa concessionária podia fazer o que quisesse com a sua jazida. “Na realidade, a lei já estava preparando o ter- “A CTB e a categoria petroleira exigem punição aos corruptos e corruptores, mas devemos estar atentos aos interesses envolvidos nesta crise. Há um consórcio oposicionista, liderado pela grande mídia, que se aproveita da situação para fragilizar a Petrobras” Divanilton Pereira, diretor da FUP e secretário da CTB funcionários à metade. Além disso, os funcionários passaram os oito anos de FHC sem ter reajuste ou reposição salarial. Não bastasse o sucateamento da Petrobras, toda a cadeia do petróleo, que sustentava milhares de empresas nacionais, foi consideravelmente desestruturada ao longo das gestões de Fernando Collor de Mello e FHC. No governo Collor houve redução de 30% das tarifas de importação para o setor. Na gestão de FHC foi criado o Repetro, que implantou um regime aduaneiro especial, pelo qual se isentava as empresas estrangeiras de imposto de importação. Assim, muitos fornecedores nacionais tiveram de fechar as portas. suas ações vendidas na Bolsa de Nova Iorque, acarretando na redução da participação acionária da União. “Essa operação não representou o ingresso de recursos para a Petrobras, mas proporcionou na época o aumento na sua base acionária, principalmente no estrangeiro”, disse Zero. Com a venda, a Petrobras teve que cumprir, a partir de 2002, com a lei americana “Sarbanes–Oxley” (SOX), uma norma bastante rigorosa, que obriga as empresas que têm ações em bolsas norte-americanas a submeterem as 20 reno para uma futura privatização da Petrobras. Inclusive com mudança do nome para Petrobrax, visando facilitar a sua internacionalização”, destaca Zero. A gestão da empresa ao final da década de 1990 também se esmerou no sucateamento da estatal. Em seus oito anos, nenhum concurso público foi realizado. Ao final da gestão, a empresa tinha reduzido o seu quadro de “A clara intenção de privatizar só não se concretizou porque, na época (2001), o governo FHC estava com sua popularidade no chão e a resistência dos que defendiam a estatal foi muito grande”, relembra Marcelo Zero. Para o cientista social, os que enfraqueceram a Petrobras são os mesmos que agora usam a compra da refinaria em Pasadena para atacar a empresa e o governo. “Faz sentido, pois foram os governos do PT que reergueram a Petrobras. Com concursos públicos, seu quadro de funcionários foi reconstituído, assim como seu programa de investimentos. Hoje, a Petrobras é a empresa que mais investe em prospecção de petróleo e a que possui mais expertise na prospecção em águas profundas. Devido a esse esforço, é a empresa nacional que mais gera patentes”, ressalta. PRÉ-SAL Na sequência da história da estatal, vem a maior descoberta de petróleo das últimas décadas: os megacampos do Pré-Sal. Segundo dados da Petrobras, a produção superou os 500 mil barris de petróleo/dia, um patamar recorde alcançado oito anos após a primeira descoberta, ocorrida em 2006, quando a empresa contava com apenas 25 poços produtores. Ao comparar com o histórico de produção da companhia, tem-se a dimensão do ganho de eficiência: no passado, foram necessários 31 anos para que a Petrobras alcançasse a marca de 500 mil barris/dia (o que ocorreu em 1984), com a contribuição de 4.108 poços produtores. Na Bacia de Campos, foram necessários 21 anos para alcançar esse patamar, contando com a contribuição de 411 poços produtores. O Brasil já está entre os 10 países com as maiores reservas de petróleo do mundo e, com o Pré-Sal, o Brasil pode se tornar membro da Opep e pode trazer autonomia de petróleo não só para o país como para a América do Sul como um todo. Com a nova realidade, houve a necessidade de criação de um novo marco regulatório para o setor, que enterrou o modelo de concessão criadresses neoliberais externos e internos. Enquanto o mercado internacional quer “abocanhar” essas reservas e usufruir de seus dividendos, no mercado interno os privatizadores querem lucrar com entrega das reservas deste patrimônio nacional ao mercado internacional. “É isso que incomoda. E muito. Se antes a Petrobras incomodava, hoje ela incomoda muito mais. As empresas estrangeiras não podem mais se apossar das megajazidas – como podiam na época de FHC. E, para explorá-las, elas têm de se associar à Petrobras. É por isso que ela é tão atacada. Instaurou-se um verdadeiro vale-tudo para desacreditá-la”, acredita Zero. 21 infográfico 22 infográfico 23 DESENVOLVIMENTo | Fernando Damasceno DESENVOLVIMENTo | Fernando Damasceno multa para não ser processada”, destacou o dirigente sindical. Indústria naval: Marcelino Rocha, presidente da Federação Interestadual de Metalúrgicos e Metalúrgicas do Brasil (Fitmetal), lembra que, diante da avalanche de denúncias, é preciso preservar a importância da Petrobras para o projeto de desenvolvimento do Brasil. “Trata-se de uma empresa que é motivo de orgulho para cada brasileiro. Essa situação momentânea não pode frear a indústria nacional e tampouco colocar em risco os empregos da nossa categoria”, afirma o dirigente, que também é presidente da CTB-MG. “A ação da Polícia Federal não pode ser usada como pretexto para demissões”, complementa. empregos à deriva A importância do conteúdo nacional Após uma década de crescimento constante, trabalhadores do setor se veem diante de futuro incerto O segundo fator está relacionado ao preço do barril de petróleo no mercado internacional. Com a forte retração observada nos últimos meses, coloca-se em xeque a viabilidade de exploração do pré-sal por parte da Petrobras – incerteza que, a médio prazo, pode resultar em um número menor de empregos para os trabalhadores da indústria naval. Em 1979, a indústria naval brasileira empregava cerca de 39 mil trabalhadores e era considerada a segunda maior do mundo. Nos anos 1990, com o advento das políticas neoliberais e a falta de visão estratégica de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso, esse mesmo setor veio a ter menos de 10 mil funcionários. Em 2007, quatro anos após a chegada de Lula à Presidência da República, a indústria naval voltou ao patamar da década de 1970, para chegar ao final de 2014 com a capacidade de abrigar 85 mil empregos. Entre 2004 e 2014, a indústria naval cresceu cerca de 19% ao ano, ininterruptamente. A nova fase teve como ponto de partida a campanha das eleições presidenciais de 2002, quando Lula recebeu de entidades empresariais do setor um dossiê sobre a realidade e o potencial de crescimento dessa atividade econômica. Uma vez eleito, o ex-presidente decidiu adotar uma política específica, capaz de auxiliar no desenvolvimento do país e gerar empregos de qualidade. A estratégia deu resultados até meados de 2014, alavancada em grande medida pela indústria petrolífera e de gás offshore (de exploração em alto mar). Esse avanço trouxe impactos consideráveis para a economia nacional, com forte geração de emprego e renda, conforme atesta estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado Ressurgimento da Indústria Naval no Brasil, destacando o “desenvolvimento de uma rede de fornecedores nacionais de insumos, peças e componentes; oportunidades para a expansão de 24 processos de inovação e de novas tecnologias em produtos e processos; desenvolvimento e expansão do segmento de produção de plataformas de exploração e produção de petróleo e de gás offshore; implementação e ampliação de serviços de cabotagem de óleo bruto e derivados; aumento da capacidade de conquista de mercados externos; e efeitos significativos sobre a formação bruta de capital fixo, entre outros”. Mas eis que chega o final de 2014 e, apesar da reeleição da presidenta Dilma Rousseff ter garantido que a indústria nacional continuará prestigiada, fatores alheios aos trabalhadores e às empresas passaram a prejudicar o setor. O primeiro deles – e de maior repercussão – veio à tona com as in- vestigações de corrupção na Petrobras, reunidas em torno da Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Com as evidências de participação de diversas empresas em negociações ilegais, a estatal anunciou em dezembro o bloqueio cautelar de dezenas de companhias, que ficarão temporariamente impedidas de ser contratadas e de participar de licitações. Na avaliação de Alex Ferreira dos Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, é preciso identificar e punir com o rigor da lei os corruptos e os corruptores, com a ressalva de salvaguardar o interesse nacional e os empregos de milhares de trabalhadores. “Podemos citar o caso da SBM Offshore, empresa holandesa que pode ser proibida de realizar novos negócios com a Petrobras. A SBM tem participação no estaleiro Brasa, em Niterói, e encomendas com a Ebse, que constrói no canteiro da Nuclep. A saída desta empresa significaria a perda de centenas de empregos. Na Holanda, esta empresa fez acordo e pagou Estima-se que, para o governo federal, o pré-sal ainda é um bom negócio desde que o barril de petróleo não seja negociado abaixo de US$ 45,00. Em fevereiro de 2014, o valor ultrapassava os US$ 104,00. Um ano depois, a commodity tem se mantido entre os US$ 45,00 e US$ 50,00. Um antídoto para as influências do mercado externo – e para a manutenção dos atuais empregos da indústria naval – diz respeito à Política de Conteúdo Local, por meio da qual se estabelece que a construção de embarcações no Brasil seja realizada em território nacional, com mão de obra brasileira. Atualmente, o Brasil é o sexto maior produtor mundial de entrega de unidades do setor, que tem desde 2010 a China como líder mundial, muito à frente de seus principais concorrentes. Para Santos, o governo brasileiro e a Petrobras precisam analisar toda a cadeia produtiva do setor naval para dar prioridade às empresas que atuam no 25 DESENVOLVIMENTo | Fernando Damasceno país. “Construir no Brasil pode até ficar mais caro em um primeiro momento, mas é preciso ter claro que não estamos construindo apenas petroleiros, plataformas ou barcos de apoio, mas sim um novo país, com novos profissionais, mais qualificados. Estamos colocando a nossa nação em um novo patamar perante o mundo”, defende. Alex Ferreira, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, avalia ainda que a Política de Conteúdo Local pode vir a ter um papel estratégico para o desenvolvimento do país, criando os alicerces de uma indústria de navipeças. “Poderíamos formar uma ampla rede de fornecedores para esse setor. A Indústria Naval tem potencial para ser no Brasil o que a indústria automobilística foi – e em alguns casos ainda é – para diversos países. Temos mais de 8 mil quilômetros de costa, o que nos obriga a ser, no mínimo, uma grande referência mundial nesse segmento industrial”, destaca o dirigente. A luta por uma Política de Estado Atualmente, os estaleiros brasileiros estão construindo embarcações para oito segmentos da indústria com a adoção de ciclos de planejamento de longo prazo, que variam entre quatro a cinco anos. Ao longo de 2015, serão discutidos os trabalhos de cada estaleiro para o período que se encerrará em 2025. Entre sindicalistas e empresários do ramo naval, existe uma compreensão bem articulada sobre o papel que o Brasil pode desempenhar na área de construção de grandes embarcações. Há também uma preocupação mútua, oriunda dos tempos nos quais o poder público deixou à míngua o setor, durante os anos 80 e 90: a falta de uma Política de Estado, que garanta os investimentos necessários ao setor, independentemente de quem vier a residir no Palácio do Planalto. “É importante uma Política de Estado para a indústria naval. Por conta da exploração do pré-sal, temos um grande 26 ACONTECEU | Dilma com sindicalistas “A Indústria Naval tem potencial para ser no Brasil o que a indústria automobilística foi para diversos países. Temos mais de 8 mil quilômetros de costa, o que nos obriga a ser, no mínimo, uma grande referência mundial nesse segmento industrial”. Alex Ferreira, presidente do sindicato dos metalúrgicos do Rio de Janeiro desafio tecnológico pela frente”, defende Luiz Carlos Lumbreras, auditor do Ministério do Trabalho e Emprego, em exposição a sindicalistas e empresários do setor. Atualmente, estima-se que a indústria naval seja responsável indireta por cerca de 250 mil empregos no país. Entre os ramos da metalurgia, é a categoria com maior rotatividade, segundo estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. “Por conta do seu potencial e dos avanços tecnológicos que ela pode trazer, a indústria naval precisa ser vista uma prioridade para o país. Deve ser vista e analisada como um projeto de Nação”, argumenta Alex Ferreira. 27 ESPORTE | Arthur Dafs ESPORTE | Arthur Dafs Futebol com bom senso Bom Senso Futebol Clube Os torneios regionais, como o Parazão, empregam a maior parte dos jogadores profissionais do Brasil Grupo de jogadores e desportistas lança propostas para democratizar o esporte, um dos campeões em desigualdades no Brasil Comprar iates, coberturas na beira da praia, chegar de helicóptero no treino, estampar capas de revista são práticas que nos acostumamos a ver no cotidiano de muitas estrelas do futebol brasileiro. No entanto, vale lembrar que a chamada ponta rica da pirâmide está na contramão da realidade do futebol brasileiro e reúne apenas os profissionais sortudos do gramado: 2%. Pequena parcela que embolsa o equivalente a mais de 20 salários mínimos mensais. A maioria absoluta dos jogadores profissionais, meros mortais, recebe até dois salários mínimos, como a maior parte dos trabalhadores brasileiros, e vivem totalmente à margem do luxo alardeado pela elite do futebol no país. Em outubro de 2012, números da CBF já demonstravam que a realidade do futebol profissional é crítica. Dos 30.784 jogadores registrados 82% ganhavam até dois salários mínimos. Atualmente os mesmos 82% dos profissionais ainda atuam por apenas três meses de contrato, poucos chegam aos vencimentos de até três salários mínimos, tendo a maioria pouca perspectiva de atuação em gramados no restante do ano. 28 Apenas considerando o futebol de elite, os atletas das séries A e B do campeonato brasileiro (um total de 40 clubes) têm a possibilidade de ganhar acima dos R$ 30 mil mensais e altas premiações ao final de cada torneio disputado. Próximo da elite do futebol, temos ainda os clubes da série C e D, do campeonato Brasileiro, que reúnem mais de 30 clubes do campeonato nacional. Esses chegam a pagar para alguns jogadores vencimentos de até R$ 15.000 mensais. Já aos clubes que participam apenas de torneios regionais – e são estes que empregam a grande maioria dos profissionais da bola no país – a desigualdade financeira e a dificuldade de manter os contratos dos jogadores é dramática. Sem recursos necessários para manutenção dos profissionais em todo o período anual, os atletas são marginalizados no meio futebolístico. Para fazer frente a este cenário de imensas dificuldades, promovido em grande parte pela má gestão do esporte no país praticada pela Fifa, jogadores e desportistas fundaram o grupo Bom Senso FC, que reúne iniciativas para democratizar o esporte. “O Bom Senso FC defende a ampliação do número de partidas da série D e a criação da Série E no nosso futebol. Eu apoio esta iniciativa por que criaria mais oportunidades para os clubes pequenos e para nós atletas”, disse Cadu (foto), atacante do São Francisco, clube da primeira divisão do Pará. Em março de 2014, os líderes do Bom Senso apresentaram durante um seminário a proposta de criação de uma série E no campeonato Brasileiro. Contaria com 432 clubes, divididos em 36 grupos, de forma regionalizada. O projeto deverá ser implantado ao longo deste ano. O ex-jogador da Portuguesa Capitão também apoia as iniciativas do Bom Senso e sugere a adoção de um piso salarial para a categoria que passe a valer a partir dos 23 anos de idade. Ele menciona o goleiro Talles, do Botafogo de Ribeirão Preto, jovem de 17 anos que obteve boa atuação no torneio da Taça São Paulo de Futebol Júnior/2015. “Até os 23 anos, o atleta já provou o que tinha que provar”, disse. “No futebol conheci muitos jogadores que abandonaram a profissão, porque o salário não pagava suas contas. A carreira de jogador é curta, por isso é necessário melhor organização na gestão do futebol e um piso salarial para que o jogador possa planejar e seguir a vida após os 30”, diz Capitão. De um total de 684 clubes, 583 jogam com um calendário fixo de três meses no primeiro semestre – alguns poucos “O Bom Senso FC defende a ampliação do número de partidas da série D e a criação da Série E no nosso futebol. Eu apoio esta iniciativa por que criaria mais oportunidades para os clubes pequenos e para nós atletas”. Cadu, atacante do São Francisco ainda têm a chance de pleitear vaga na série D do Brasileiro, como o São Francisco, time que atua na primeira divisão do futebol paraense. Se isto se concretizar, o clube consegue manter seus atletas contratados desde o início do ano e ampliar as perspectivas financeiras do clube (público, renda e patrocinador). A maior parte dos jogadores de times médios e pequenos, cerca de treze mil profissionais, termina seus contratos em junho e saem em busca de novo emprego para o segundo semestre – época do ano em que o calendário é praticamente exclusivo ao futebol elite. “Conheci muitos amigos do futebol que não conseguiram nada no gramado e hoje trabalham com suas famílias ou estão empregados em outras áreas”, disse Cadu. 29 MUNDO SINDICAL | Portal CTB INTERNACIONAL | Érika Ceconi É oficial: A CTB é a central que mais cresce no Brasil Portugal: da Revolução à recessão A 41ª celebração da vitória contra a ditadura teve gosto amargo para os trabalhadores portugueses que enfrentam recessão e perda de direitos “Grândola, vila morena/ Terra da fraternidade/ O povo é quem mais ordena/ Dentro de ti, ó cidade/ Em cada esquina, um amigo/Em cada rosto, igualdade” Anualmente, uma comissão de trabalhadores analisa o cadastro do Ministério do Trabalho e Empregos para aferir o “ranking” das centrais sindicais brasileiras. Neste ano, os dados analisados e divulgados mostraram que a CTB é a central sindical que mais cresce no Brasil, com um percentual final de 10,3%. Formada por representantes de oito centrais sindicais, a comissão de aferição analisou dados de 10.717 sindicatos de trabalhadores existentes no Brasil, os quais reúnem 10.868.060 milhões de empregados sindicalizados. A comissão realiza um minucioso trabalho sobre o movimento sindical brasileiro. Fica-se sabendo quantos sindicatos existem, quantos são filiados à central sindical e quantos trabalhadores são filiados a cada sindicato. Esse levantamento toma como referência o ano anterior, e define a representatividade das centrais sindicais existentes no Brasil. No ano passado, a CTB representava 680 sindicatos e 756.980 trabalhadores filiados, neste ano a CTB conta com 724 sindicatos e 1.116.340 trabalhadores filiados – o que significa 44 novos sindicatos filiados e atualizados no Ministério do Trabalho. Isso contabiliza 459.360 mil novos trabalhadores associados aos sindicatos da CTB. 30 No Brasil, para uma central sindical ser reconhecida é preciso preencher quatro requisitos: 1. Filiação de, no mínimo, cem sindicatos distribuídos nas cinco regiões do País. 2. Filiação em pelo menos três regiões do País de, no mínimo, vinte sindicatos em cada uma. 3. Filiação de sindicatos em, no mínimo, cinco setores de atividade econômica. 4. Filiação de trabalhadores aos sindicatos integrantes de sua estrutura organizativa de, no mínimo, 7% do total de empregados sindicalizados em âmbito nacional. A CTB preenche os requisitos citados acima e já conta com mais de 10,28% de representatividade. “A central atribui seu crescimento ao trabalho sério e consequente que vem desempenhando em defesa da classe. Sempre amparada por uma militância sindical que tem na bandeira da CTB uma identificação alicerçada na luta de um sindicalismo classista e marxista”, diz Pascoal Carneiro, da Secretaria de previdência, aposentados e pensionistas da CTB. Estes versos interpretados pelo cantor português José Afonso tornaram-se símbolo do movimento que derrubou a ditadura salazarista em Portugal, em 1974. A canção chegou a todas as unidades do Exército, pouco depois da meia noite do dia 25 de abril e foi um sinal para os milhares de insurgentes deixarem os quarteis e iniciarem o levante. Assim começou a Revolução dos Cravos, que foi responsável por restabelecer a democracia no país e promover profundas transformações políticas e sociais -- resultado da organização e resistência popular ao regime fascista que se espalhava pela Europa. Hoje, 41 anos depois da conquista, o país enfrenta uma grave crise que se reflete na classe trabalhadora, refém das consequências das medidas de austeridade impostas pelo programa de resgate financeiro da troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional). A política de cortes em programas sociais, nas aposentadorias e demissões de servidores públicos castiga o país que hoje apresenta um dos mais altos níveis de desemprego da região, afetando , principalmente, a juventude. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), no primeiro trimestre de 2015, a taxa de desemprego média geral ficou em 13,7% e, entre os jovens, chegou a 34,4%. A pesquisa também revela que menos de um terço dos desempre- gados tem acesso ao seguro-desemprego e a precarização das condições de trabalho já afeta 21% dos trabalhadores assalariados. Para a CGTP-IN, uma das principais centrais sindicais de Portugal, são necessárias políticas que promovam o desenvolvimento econômico para geração de novos empregos. “Em três anos, 200 mil jovens ficaram sem emprego e 48% dos empregados têm um vínculo de trabalho precário”. Diante deste cenário, os portugueses têm protagonizado diversas mobilizações em defesa de uma política soberana para o país. O primeiro de maio deste ano reuniu milhares de manifestantes. “A intensificação das ações reivindicatórias e a unidade na ação são determinantes para inverter este rumo de austeridade permanente e de empobrecimento e exploração crescentes”, afirmou o secretário-geral da CGTP-IN, Arménio Carlos, que definiu a onda de austeridade como uma política “que despede os pais e nega emprego aos filhos”. No mês de outubro, Portugal passará por eleições legislativas e deverá eleger 230 deputados para a Assembleia da República, além do primeiro-ministro. 31 INTERNACIONAL | Umberto Martins INTERNACIONAL | Umberto Martins calista avalia que o governo antidemocrático de Martinelli, com uma política externa subserviente a Washington (que provocou a ruptura das relações diplomáticas com a Venezuela) e hostil à classe trabalhadora, acirrou as contradições sociais. Distribuição da renda O país oferece mais um exemplo de que o crescimento da economia, embora seja fundamental, por si só não basta. “É preciso que o desenvolvimento nacional sirva aos interesses do povo, que a renda produzida pela classe trabalhadora seja repartida de uma forma mais justa”, sustenta o secretário de Educação da CNTP. Embora desfrute a condição de terceiro país mais rico da América Latina, relativamente à população, com uma renda per capita (em Paridade de Poder de Compra) estimada em UR$ 17.657 (atrás apenas da Argentina e do Chile), é também aquele que ostenta a segunda pior distribuição de renda na região. Quatro em cada 10 pessoas vivem em estado de pobreza total e mais de 500 mil se encontram em situação de pobreza extrema. Riqueza para poucos O Panamá vem crescendo a taxas médias de 7% ao ano, índices só comparados aos da China -- mas a população ainda não viu a cor do dinheiro Em contraste com o cenário de estagnação e crise econômica que castiga o Brasil e a maior parte dos países latino-americanos, o Panamá tem crescido a taxas médias superiores a 7%, apenas comparáveis às observadas na China. Entre 2003 e 2009 o PIB do país dobrou e em 2012 alcançou US$ 58 bilhões. Mas o povo, em sua maioria, não tem tirado proveito desta prosperidade, na opinião de Luiz Alberto Cobo (foto na página ao lado), secretário de Educação da Central Nacional de Trabalhadores do Panamá (CNTP) e vice-presidente da Federação Sindical Mundial (FSM). “Os frutos do crescimento têm sido apropriados pelas elites burguesas. A con32 centração da renda cresceu muito nos anos do governo Martinelli”. Cobo se refere a Ricardo Martinelli, que presidiu o Panamá entre 2009 a 2014. “Foi um governo autoritário, marcado pela violação dos direitos democráticos e perseguidor de sindicalistas, jornalistas e organizações populares. Recorria ao assistencialismo para buscar apoio nas massas mais necessitadas”. Por isto, apesar do “milagre econômico” um terço da população está abaixo da linha de pobreza. O elevado ritmo de crescimento é alavancado basicamente pelos investimentos estrangeiros, com destaque para a construção civil, estimulada pela ampliação do canal e construção do Metrô (na cidade do Panamá), bem como outras obras de infraestrutura. É um ramo no qual, conforme observou Cobo, “se destaca a presença da empreiteira brasileira Odebrecht”. É farto igualmente em subemprego, terceirização e trabalho temporário. Cerca de 43% dos trabalhadores não agrícolas do país estão na informalidade. A economia gira em torno do Canal do Panamá, sendo liderada pelo setor de serviços, com destaque para comércio e turismo, além da indústria de construção, embora o campo ainda responda por boa parte da ocupação. Prevalece hoje a ideia de que sai mais barato comprar fora a maior parte dos produtos industriais e agropecuários consumidos internamente do que produzi-los. Influência dos EUA Ainda é poderosa a influência política, econômica e militar dos Estados Unidos, que durante a maior parte do século 20 dominou diretamente o país, administrando o Canal do Panamá até 1979 e mantendo durante muito tempo 14 bases militares e tropas em território panamenho. O sindi- Houve fortes reações da população e dos movimentos sociais, especialmente contra a chamada Lei Chorizo, que entre outros retrocessos restringia as liberdades sindicais. O governo apelou à repressão, 11 pessoas foram mortas na cidade de Changuinola, região de Bocas del Toro, mas o movimento popular acabou vitorioso. Martinelli teve de recuar e a Lei Chorizo foi revogada em outubro de 2010. A mobilização popular também foi um dos fatores que determinaram a derrota do candidato apoiado por Martinelli para presidente nas eleições de 2014. Ganhou Juan Carlos Varela, da oposição, considerado um político de centro direita, considerado de forma cautelosa como um avanço pelo movimento sindical. “Melhorou o clima com os movimentos sociais”, diz Cobo, que cita e valoriza o restabelecimento das relações diplomáticas do país com a Venezuela. Integração e soberania O dirigente da CNTP explica que o movimento sindical luta por um novo modelo de desenvolvimento nacional orientado para a valorização do trabalho, com melhor distribuição de renda e focado na produção, “pois precisamos desenvolver a indústria, bem como o setor agropecuário, essencial à soberania alimentar”. Em sua opinião este caminho tem tudo a ver com a integração econômica e política dos países latinoamericanos, neste momento de mudanças políticas, com a ascensão de governos progressistas que dão um novo significado histórico à região. Ele destaca o progressivo afastamento dos EUA e a implementação de modelos que apostam na redução da pobreza e na distribuição da renda. “Queremos uma América Latina livre e soberana, democrática, uma zona de paz, igualitária e fraterna. Esta é a condição para que possamos conquistar a Justiça Social. Este é o objetivo da nossa luta”, finaliza. 33 ECONOMIA | Daiana Lima ECONOMIA | Daiana Lima Grandes fortuna “Não há taxação sobre patrimônio, nem sobre iates ou aviões particulares, mas há sobre um carro popular”, diz Jandira Feghali devem pagar altos imposto A taxação está prevista na Constituição e precisa de determinação, articulação e vontade política para ser implementada no Brasil Na batalha pelo desenvolvimento e contra a retirada de direitos, volta ao debate um tema polêmico: taxar grandes fortunas no Brasil. O imposto é o único dos sete tributos previstos na Constituição Federal de 1988 que ainda não foi regulamentado. Na maioria dos países desenvolvidos a tributação é cobrada sobre patrimônio e renda. No Brasil, o que mais se tributa é o consumo das pessoas, penalizando aqueles com renda menor. Para corrigir esta injustiça tributária, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 10/2015, que prevê a contribuição social sobre grandes fortunas. “O sistema tributário brasileiro é essencialmente regressivo, ou seja, paga mais quem ganha menos”, diz Feghali. Ou seja, quem ganha mais e até mesmo quem contabiliza ganhos milionários são os que pagam menos impostos, proporcionalmente. “Não há taxação sobre patrimônio, nem sobre iates ou aviões particulares, mas há sobre um carro popular. Então, essa inversão é necessária a começar pela taxação de grandes fortunas e grandes patrimônios para que os que ganham menos possam ter o benefício desse tributo”, disse Feghali. De acordo com a proposta apresentada pela deputada, com a cobrança do tributo seria possível arrecadar cerca de 20 bilhões por ano. “Hoje, temos no Brasil menos de mil pessoas que tem patrimônio acima de 150 milhões. E essa tributação geraria, no caso do nosso projeto, em torno de 20 bilhões exclusivamente para a saúde. O mundo todo tem essa tendência e nós precisamos assumir essa pauta”, 34 enfatizou. O tributo já é cobrado em países da Europa, como Holanda, França, Suíça, Noruega, Islândia, Luxemburgo, Hungria e Espanha. Na América do Sul, a Argentina é pioneira neste tipo de legislação. O projeto da deputada Jandira Feghali foi apensado ao PLP 277/2008, que regulamenta o imposto na CF, e será apreciado pelo Plenário. A matéria tramita em regime de prioridade. Para a CTB, taxar grandes fortunas é necessário e urgente no nosso país para ampliar as políticas de distribuição de renda. “O trabalhador não pode ser o único a ser penalizado. É preciso regulamentar o inciso 7º, do artigo 153, da Constituição e criar a tributação sobre grandes fortunas, grandes heranças e ganhos dos rentistas”, ressaltou Adilson Araújo, presidente nacional da CTB. Distribuição de renda Pesquisas sobre o tema confirmam a importância de instituir a cobrança do imposto sobre grandes fortunas para a distribuição de renda, além dos efeitos positivos em diversas outras áreas, como saúde e educação. Segundo o especialista em Gestão Pública e analista de Planejamento e Orçamento, Orlando Magalhães da Cunha, a carga tributária no Brasil, além de ser elevada, é má distribuída. “Predominam os impostos regressivos sobre os progressivos [paga mais quem ganha menos], perpetuando o desequilíbrio social. Se 1/3 da renda nacional fosse perfeitamente distribuída, seria possível garantir a todas as famílias brasileiras a satisfação de todas as suas necessidades mais básicas. Para aliviar a extrema pobreza seria necessário contar apenas com 1% da renda dos 25% mais ricos do país”, explica o gestor. Para o analista de Planejamento, pode-se afirmar que a regulamentação do imposto no Brasil é viável, uma vez que ele pode contribuir com o processo de estabilização econômica através de um sério ajuste fiscal. “O novo imposto poderia ser utilizado como forma de redução da carga tributária regressiva e, consequentemente, daria condições para a diminuição das desigualdades sociais através da retomada do crescimento econômico”, ressalta Cunha. Cenário político Para o diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), Antônio Augusto de Queiroz, as chances de se aprovar o imposto são baixas, já que grande parte dos partidos tem líderes parlamentares que são empresários e seriam afetados diretamente por essa regulamentação. “Dificilmente, mesmo com o interesse do governo, eles [os parlamentares] se empenhariam em criar um tributo que iria penalizá-los”, ressalta Queiroz. 35 GÊNERO | Daiana Lima O poder político das mulheres Encontro promovido pela CTB reúne lideranças femininas de todo o país para discutir direitos, democracia, igualdade e participação política GÊNERO | Daiana Lima “Sem emancipação das mulheres não haverá emancipação da classe trabalhadora. A nossa luta é por uma sociedade livre da opressão de gênero, de classe e de raça” Ivânia Pereira ra, nas questões de gênero e temas sociais que impactam a vida das mulheres. “A construção da igualdade de gênero não é uma tarefa fácil. Esse debate aqui [encontro das mulheres] e no Congresso Nacional é muito importante para reforçar o nosso posicionamento e a nossa luta. Sem emancipação das mulheres não haverá emancipação da classe trabalhadora. A nossa luta é por uma sociedade livre da opressão de gênero, de classe e de raça”, afirmou a dirigente cetebista. Para discutir o aprofundamento da democracia no Brasil, o combate às desigualdades e a maior participação das mulheres no parlamento, nos partidos políticos, nos governos, nas empresas, na Justiça, nas entidades sindicais e universidades, foi realizado, nos dias 23 e 24 de maio, em Brasília, o 2º Encontro da Mulher Trabalhadora da CTB, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil.Com o tema “Reforma política, Democracia, Poder e Igualdade para as Mulheres”, o evento faz parte da plataforma de ações da Secretaria da Mulher Trabalhadora da CTB, coordenada por Ivânia Perei36 A Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil considera a ampliação da participação das mulheres nos espaços públicos e privados condição primordial para o aperfeiçoamento da democracia. Está mais do que na hora de acabar definitivamente com a desigualdade de gênero. Nesse sentido, a CTB luta em conjunto com o movimento popular, feminista, de estudantes e de trabalhadoras para essa transformação. Ivânia Pereira defendeu, ainda, que, para a construção da igualdade de gênero, o movimento sindical classista tem papel relevante no debate sobre a autonomia econômica e pessoal das mulheres. “Sem igualdade de gêne- ro a democracia do país fica incompleta. Não há democracia efetiva sem participação das mulheres”, disse.Em sua exposição, o secretário da Comissão Especial de Mobilização da Reforma Política da OAB Federal, Aldo Arantes, destacou o papel das mulheres no cenário político do país. “O tema desse encontro está em sintonia com a realidade do momento, do que está acontecendo no Brasil. E as mulheres têm um papel decisivo na política e têm que participar efetivamente da discussão da Reforma Política e Democrática”, ressaltou. Para Lúcia Rincón, coordenadora nacional da União Brasileira de Mulheres (UBM), existe uma relação entre o patriarcado e o capitalismo que precisa ser superada. “Há um entrelaçamento opressor entre o patriarcado e o capitalismo. E essa opressão de gênero é reforçada culturalmente ao longo da história. É papel dos homens e das mulheres discutir o papel das mulheres na sociedade”, destaca Rincon. No mesmo sentido, Mônica Custódio, secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da CTB, destaca que a participação política, social e econômica das mulheres tem que ser debatida. “Entendemos que há uma superação a ser feita, que é a superação do patriarcado. A partir do momento que nós temos um país de maioria ampla de mulheres, e que essas mulheres são o esteio da maioria das famílias, não reconhecer isso em função de uma questão de estratificação cultural e socioeconômica é não perceber o futuro do país”, afirmou a dirigente ao observar que quando se trata da mulher negra a situação se agrava. “A gente vive momentos de muita opressão e de muita luta. Essas mazelas acontecem com as mulheres e em especial com a mulher negra.” Lúcia Moura, secretária de Trabalhadores e Trabalhadoras da Terceira Idade da Contag e vice-presidente da CTB, ressaltou a importância do debate ser contínuo. “Alguns temas, a sociedade trata como natural, mas não são. Precisamos buscar a democracia e as políticas de igualdade para as mulheres”. Reforma Política Uma das formas de ampliar a participação política das mulheres é a adoção de medidas inclusivas na reforma política. A senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Procuradora Especial da Mulher no Senado Federal, tem defendido a representação política das mulheres. “A sub-representação política não pode mais ser tolerada. As mulheres não aceitam ocupar 10% de cadeiras nos parlamentos, uma vez que representam 52% da população e 40% da produção econômica do país”, argumenta. Segundo a parlamentar, a campanha suprapartidária “Mais Mulheres na Política” já foi lançada em São Paulo-SP; Manaus-AM; Boa Vista-RR; Porto Alegre-RS, Teresina-PI, Salvador-BA e Rio Janero-RJ, até alcançar todo o Brasil. “É uma ação que fixa o máximo de 70% de parlamentares do mesmo gênero em cada Casa Legislativa”, afirma Grazziotin. Para a CTB, mais que nunca, as mulheres precisam estar atentas à ameaça de retrocesso nas conquistas femininas e sintonizadas com a luta por políticas públicas de enfrentamento a todas as normas de violência de gênero . 37 SISTEMA ELEITORAL| Natália Rangel Por uma reforma política democrática! Um dos temas de maior relevância em debate no cenário político, a reforma política não pode estar à mercê de interesses corporativos Enquanto assuntos de grande impacto na vida e nas condições de trabalho dos brasileiros estão sendo analisados (e votados) no Congresso Nacional, como as MPs trabalhistas e a terceirização, corre paralelamente outra matéria de igual importância e com o poder ímpar de, no médio e longo prazo, afetar todas as outras, uma vez que detém a fundamental prerrogativa de determinar as regras que vão eleger os representantes políticos da população brasileira. Trata-se da Reforma Política. O texto em análise é retrógrado, não democratiza o sistema político e, ao contrário, favorece ainda mais àqueles que detêm o poder econômico. E por isso vem sendo duramente criticado por setores progressistas da sociedade. A proposta, no entanto, está tendo o mesmo tratamento dado ao PL 4330, da terceirização, quando passou e foi aprovado na Câmara: o apoio irrestrito do presidente da casa, Eduardo Cunha, que ignorou a comissão especial criada para avaliar a proposta e a levou diretamente a plenário numa manobra regimental arbitrária e autoritária. 38 A proposta, de autoria do deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) prevê, entre outras mudanças no sistema eleitoral, o fim das coligações proporcionais, pelas quais partidos se unem para disputar as eleições – o que prejudica imensamente os partidos menores; mantém o financiamento empresarial de campanha eleitoral – o que é compreendido como uma das principais causas da corrupção e do caixa dois na política brasileira, e adota um modelo (apelidado de “distritão”) para a escolha de deputados, em que são eleitos os candidatos mais votados da cidade ou do estado – nova regra que pode favorecer ainda mais a influência do poder econômico no resultado da eleição. Até agora, apesar de toda pressão de Eduardo Cunha e dos grupos conservadores, a resistência dos setores mais progressistas também se fez sentir. O “distritão” foi vetado pela maioria dos congressistas, mas o financiamento privado às campanhas foi aprovado. Este último, com uma mudança: o apoio financeiro tem de ser dado ao partido político do candidato. Com isso, torna-se constitucional a doação empresarial, decisão que vai contra a posição defendida pelo grupo da Coalizão. A proposta, no entanto, terá de ser aprovada no Senado com quórum de 60% dos votos – e, além disso, a manobra conduzida por Eduardo Cunha gerou uma ação com pedido de anulação da decisão no STF movida pelo PCdoB, PSB, PT, PSOL, PPS e PROS. Integrantes do grupo Coalizão pela Reforma Política Democrática, que reúne 112 entidades civis, entre elas a CTB, se posicionaram contra a proposta. A Coalização é defensora do fim do financiamento empresarial de campanha eleitoral – prática considerada inconstitucional por seis dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. “A influência do poder econômico nas eleições é dos mais graves fatores de degradação do atual sistema político brasileiro, sendo responsável pela eleição de um parlamento distante do povo e canal da corrupção eleitoral”, diz o comunicado da Coalização, que reivindica também que a reforma contemple a sub-representação das mulheres, da população negra e dos povos indígenas. 39 CULTURA | Natália Rangel CULTURA | Natália Rangel A FESTA é de Mário de Andrade Em sua 13ª edição, a Flip investiga a obra do autor paulistano em debates, lançamentos e exposição Título: Um grão de trigo Autor: Ngũgĩwa Thiong’o Tradução: Roberto Grey Selo: Alfaguara No ano em que se completam sete décadas de sua morte, o genial escritor, ativista cultural, crítico literário e ensaísta brasileiro Mário de Andrade é homenageado na 13ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). Um dos mais importantes eventos literários do calendário cultural nacional, a festa se realiza entre os dias 1 e 5 de julho no centro histórico da cidade fluminense. O evento terá 39 autores convidados, entre eles 16 nomes internacionais. Curador da Flip pelo segundo ano consecutivo, Paulo Werneck destaca que depois de um enfoque bastante político no ano passado (em que se homenageou Millôr Fernandes), nesta edição a festa tem um cardápio mais diversificado, que contempla poesia, literatura erótica e policial e questões envolvendo política cultural e internacional. “Mário é um autor para o Brasil do século 21, com vida e obra a serem redescobertas, rediscutidas, postas em debate”, diz ele. Para Werneck, Mário de Andrade é o “espírito da festa” nos moldes em que ela acontece. “Ele foi um intelectual que se dedicou a muitas áreas da cultura, um artista de vanguarda e por isto mesmo se faz ainda muito presente hoje”. Tanto que novidades e reedições relacionadas à obra de Mário de Andrade devem ser apresentadas na Flip, entre elas uma versão em HQ de Macunaíma e a reedição de um volume de contos e crônicas (ambos da Nova Fronteira). Uma nova biografia epistolar também chega às livrarias. Trata-se de As vidas de Mário de Andrade, de Jason Tércio, baseada em correspondências inéditas do escritor. Uma dos trabalhos mais aguardados é Café, organizada pela equipe do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, na qual Mário trabalhou durante 40 anos e comentou a respeito em correspondência trocada com Manuel Bandeira, em 1929: “um romance de 800 páginas cheias de psicologia e intensa vida”. Os ingressos para Flip começam a ser vendidos em 1º de junho. Confira a programação: www.flip.org. br/programacao_2015.php Mais Mário de Andrade: Reabriu em São Paulo, na Barra Funda, a Casa Mário de Andrade (fotos), no mesmo imóvel em que o escritor residiu durante toda a sua vida e que já funciona como oficina cultural. Com foco em literatura, a casa foi restaurada e agora dará lugar a uma exposição permanente de objetos pessoais de Mário, ao lado das atividades de formação que já aconteciam por ali. Literatura e ativismo radical Preço: R$ 49,90 Publicado originalmente em 1967, este romance, inédito no Brasil, trata do difícil processo de independência do Quênia. Autor queniano cotado para o Nobel e inédito no Brasil vem para a Flip e tem o seu primeiro livro publicado no país Entre as boas surpresas desta edição da Flip destaque para a presença do autor queniano Ngugi WaThiong’o, 77 anos, que vem ao país pela primeira vez para a festa literária. Thiong’o foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura em 2010 (vencido por Mario Vargas Llosa) pelo conjunto de sua obra e por sua trajetória comprometida com o ativismo social e político. Nascido e criado em uma região do Quênia identificada como “Terras Brancas”, devido à colonização britânica, Thiong foi proibido de falar a sua língua nativa, forçado à circuncisão e ao batismo na igreja da Escócia. Também foi rebatizado como James. A forte segregação vivenciada por sua comunidade não impediu Thiong de ir para a universidade, aprender o inglês e estrear na literatura (com Weep not, child). A sua trajetória e militância política estão representadas em Um grão de trigo (Editora Alfaguara), livro lançado em 1967, quatro anos depois que o Quênia deixou de ser colônia britânica. Ficção, o romance é protagonizado por Mugo, um ex-prisioneiro político envolvido nas lutas de libertação de seu país. Trata-se do seu terceiro romance e, através de uma rica galeria de personagens, narra a história da independência do Quênia e a interminável luta pela liberdade do povo africano. Em 1977 ele renunciou à identidade inglesa e aos dogmas do catolicismo. Por suas críticas ao governo, foi condenado e preso por mais de um ano - período em que escreveu o romance Devil on the cross (inédito no Brasil) em folhas de papel higiênico - hoje mora nos EUA e leciona na Universidade da Califórnia. 41 CULTURA | Natália Rangel A voz que vem do coração O torturante e belo canto de Billie Holiday ecoa forte pelo mundo no centenário de seu nascimento e inspira nova biografia Poucas figuras da história da música americana possuem uma trajetória de vida tão interessante, atormentada e trágica como a cantora Billie Holiday (1915-1959). A infância de dor e privação na década de 1920 e 1930, a luta contra a dependência química, a discriminação racial e os relacionamentos turbulentos forjaram sua vida breve, interrompida precocemente por uma overdose de drogas aos 44 anos. Desde o início do ano, diversos tributos musicais e publicações vêm rendendo homenagens e celebrando o centenário de nascimento de Billie Holiday, ou Lady Day, como era chamada. Um novo livro sobre a cantora intitulado Billie Holiday, a musicista e o mito, acaba de ser publicado nos EUA, de autoria do acadêmico John Szwed, ex-professor de música na Universidade de Columbia e Yale, em Nova York. Escrita por um estudioso do Jazz, biógrafo de Miles Davis, a obra contempla o preciosismo vocal da cantora e passagens de sua trajetória omitidas (por imposição judicial) em sua autobiografia Lady Sings the Blues, publicada em 1956. O livro traz indiscrições sobre sua vida privada, contando as aventuras românticas de Holiday com Frank Sinatra e 42 Orson Welles e também com mulheres, entre elas a atriz Tallulah Bankhead, filha de William Bankhead, um importante congressista americano. Segundo consta, o político chegou, a pedido da filha, a acionar o diretor do FBI, John Hoover, para que ele liberasse Billie Holiday de acusações de porte e uso de entorpecentes. O autor também se dedica a analisar a voz da intérprete e a maneira tão sutil e original com que ela imprimia no timbre a sua emoção visceral: “Tão fácil de reconhecer e tão difícil de descrever”. É o que se vê nas escolhas de Holiday – foi dela a decisão de interpretar a clássica Strange Fruit (“Fruta estranha, escrita por um homem branco), primeira música de protesto da história em um tempo em que nos EUA a segregação racial imperava. A letra se refere a homens negros mortos e dependurados em árvores, vítimas da violenta guerra civil americana. 43 Galeria | Eugène Delacroix - A Liberdade Guiando o Povo [La Liberté Guidant le Peuple] 1830 óleo sobre tela | Museu do Louvre Paris 44