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REVISTA GBECAM Ano I • número 1 2º semestre 2010 Gramado Destaques do congresso Câncer de Mama Gramado 2010 Artigos Seleção e análise de artigos nacionais e internacionais Entrevista O oncologista Ricardo Caponero faz um raio X do câncer de mama no Brasil t -. J € Proporcionando o futuro do tratamento do cincer de mama paraas pacientes de hoje. GBECAM Avenjda Ibimpuem, 2.901- Conj 216 lndiandpolis -CEP 04029-200 - Sio Paulo Tel: 01) 2679 6093 Fa\: (11) 5094 Sl 1938 e-mail [email protected] www.gbecam.org.br Mais uma ferramenta Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM) completou em março deste ano cinco anos de pioneirismo no Brasil. Começamos tímidos, mas cercados do apoio de profissionais competentes e comprometidos, e munidos de vontade de contribuir com a pesquisa e a divulgação de informações sobre o câncer de mama no país. Os esforços deram resultado. Crescemos de forma gradual e sólida e aprimoramos o que julgamos ser nossa missão principal: implementar e facilitar a realização de estudos clínicos multi-institucionais de qualidade científica e ética em câncer de mama no Brasil, além de implementar e auxiliar programas educativos de esclarecimento e prevenção da doença. Com o tempo, percebemos a necessidade de aumentar nosso escopo de ação na produção e na divulgação de informações científicas sobre o câncer de mama. Uma das formas encontradas para tanto foi a Conferência Brasileira de Câncer de Mama – Enfoque San Antonio, um fórum em que profissionais de diversas especialidades se reúnem anualmente para discutir os avanços e as novidades na área. O encontro, que em 2011 chega a sua 5ª edição, vem se consolidando como um dos principais eventos do gênero no Brasil. O Desse mesmo raciocínio surgiu a ideia da Revista GBECAM. Mais do que uma ferramenta para divulgação do grupo e fortalecimento de imagem, queremos com ela cumprir um dos nossos objetivos de estatuto: disseminar para a classe médica e para o público em geral, por meio de publicações, seminários e outros canais, novas modalidades de tratamento e prevenção do câncer feminino. A Revista GBECAM, de periodicidade semestral, será distribuída gratuitamente aos membros do grupo e a instituições públicas e privadas de ensino e pesquisa, além de órgãos governamentais que atuem nessa área. Em suas páginas você encontrará novas formas de tratamento e prevenção do câncer feminino e os estudos que estão sendo conduzidos pelo GBECAM. De suas páginas esperamos que você leve informação e atualização para o melhor desempenho da arte médica. Porque nós, do GBECAM, acreditamos que, com conhecimento científico de qualidade e credibilidade, já teremos andado boa parte do caminho na luta contra o câncer de mama. Sergio D. Simon Editor clínico GBECAM - Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama Tel.: (11) 2679-6093 E-mail: [email protected] Site: www.gbecam.org.br Carlos Barrios Diretor de relações internacionais A Revista GBECAM é uma publicação semestral do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama e é distribuída gratuitamente a seus membros, além de profissionais e instituições envolvidos na área de câncer de mama. A reprodução parcial ou total de seus artigos é proibida. Cláudia Vasconcelos Coordenadora executiva Tiragem: 2 mil exemplares Impressão: Ipsis Gráfica e Editora Sergio D. Simon Editor clínico José Bines Diretor científico Edição e produção: >> SUMÁRIO 4 Panorama Confira os destaques da 5 edição do congresso Câncer de Mama Gramado a 9 Ponto de vista Uma seleção e análise dos principais estudos de câncer de mama no mundo 14 Mais GBECAM Conheça a história e os projetos desse grupo pioneiro no Brasil 16 Diálogo SUS, acesso a medicamentos, atendimento multidisciplinar em câncer de mama: uma análise pelo oncologista Ricardo Caponero 20 Pesquisa clínica Artigos de autores brasileiros em instituições nacionais na literatura do câncer de mama 23 Encontro Comunidade científica e indústria farmacêutica: juntas por um objetivo comum Rua João Álvares Soares, 1223 Campo Belo – 04609-002 São Paulo – SP Tel.: (11) 2478-6985 E-mail: [email protected] 25 Giro De tudo um pouco: iniciativas, terceiro setor, dicas de leitura Jornalista responsável Lilian Liang – Mtb 26.817 E-mail: [email protected] Revista GBECAM 3 >> panorama Destaques do congresso Câncer de Mama Gramado 2010 congresso Câncer de Mama Gramado chegou à sua quinta edição com discussões acaloradas, interatividade e novas iniciativas. Sob coordenação cuidadosa do oncologista Carlos H. Barrios, diretor do Centro de Pesquisa em Oncologia do Hospital São Lucas da PUC de Porto Alegre (RS) e diretor do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus, e do mastologista Antonio Frasson, coordenador do Centro de Mama do Hospital da PUC-RS, o evento reuniu cerca de 360 participantes entre 26 e 28 de agosto. “Nosso objetivo principal é criar um cenário em que especialistas tenham a oportunidade de discutir os principais avanços no tratamento de pacientes com câncer de mama e se manter atualizados”, explicou Barrios. Para ele, proporcionar um fórum em que especialistas possam debater e trocar experiências é salutar para identificar pontos críticos e melhorar as disparidades na prevenção, no diagnóstico e no tratamento no Brasil, que só em 2010 terá 50 mil novos casos de câncer de mama. “O tratamento do câncer, principalmente do câncer de mama, tem evoluído de forma fantástica, com redução de mortalidade, em países desenvolvidos. Lamentavelmente não é o que acontece no Brasil, onde a mortalidade continua aumentando. Isso significa que os benefícios dos avanços tecnológicos e científicos recebidos pelas pacientes de câncer de mama fora do Brasil não estão sendo aplicados em toda a nossa população”, disse. Segundo Barrios, tal problemática é comum em outros países da América Latina. Por isso, ele vê com bons olhos e muito otimismo a crescente internacionalização do encontro, que neste ano contou com representantes de pelo menos dez outros países, entre congressistas e palestrantes. “Essa abrangência, essa internacionalização são importantes pela troca de experiências e pela riqueza de participações”, comemorou. Outro ponto ressaltado pelo especialista, e que ele considera “uma batalha constante”, é O 4 Revista GBECAM conferir às sessões um caráter mais participativo. Para Barrios, a aproximação entre palestrante e plateia é um fator essencial para discussões mais ricas e o melhor aproveitamento das sessões. Por isso, um de seus objetivos constantes é encontrar formas eficazes e inovadoras de promover essa interatividade. Barrios enfatizou que se o participante tivesse de levar apenas uma lição de todo o evento, que fosse a personalização do tratamento. “Não dá para tratar todas as pacientes de câncer de mama do mesmo jeito. Médico e paciente devem entender que se trata de uma condição única, que precisa de uma abordagem diferenciada. Esse é o recado que deve ser passado para a frente”, afirmou. NCCN Já tradicional ponto de encontro de grupos de pesquisa clínica em câncer de mama, como o Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM) e o Grupo Latino-Americano de Investigação Clínica em Oncologia (GLICO), este ano Gramado também foi palco de uma iniciativa pioneira: a elaboração de diretrizes em câncer de mama e câncer de pulmão para a América Latina, através de uma parceria entre o GLICO e o National Comprehensive Cancer Network (NCCN). O NCCN é uma organização sem fins lucrativos formada por 21 dos principais centros de câncer do mundo, cujo objetivo é melhorar a qualidade e a eficácia do tratamento de pacientes de câncer de todo tipo. Suas diretrizes são reconhecidas como o padrão ouro para política clínica em oncologia e abordam detecção, prevenção e redução de risco, diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos. Segundo Mohammad Jahanzeb, diretor médico da Miller School of Medicine, da Universidade de Miami, e conselheiro médico para iniciativas globais do NCCN, as dificuldades num projeto continental como esse é “trazer todos os países para um território comum e mantê-los em território comum”. “Como o câncer, essa região é muito diversa. Em cada país pode haver diferenças regionais e dentro de cada região pode haver diferenças filosóficas”, explicou Jahanzeb, que esteve envolvido numa iniciativa similar para o Oriente Médio e o norte da África. As diretrizes latino-americanas serão baseadas nas norte-americanas, mas adaptadas para o contexto local. “Existem muitas similaridades, mas há diferenças como acesso e custo de tratamento na América Latina, que são extremamente diversos”, explicou John Ward, membro do painel de câncer de mama do NCCN e professor de medicina da divisão de oncologia da Universidade de Utah. “Um dos principais desafios é conseguir adaptar as diretrizes a realidades econômicas e políticas diferentes.” Entretanto, é importante ressaltar que, neste momento, as diretrizes GLICO-NCCN para a América Latina levarão em consideração a evidência médica disponível na literatura e não aspectos de custo da tecnologia necessária. Ao regionalizar as diretrizes, a América Latina segue o exemplo de países como China, Japão e Coreia do Sul, que já contam com suas guias adaptadas. Na América Latina, os primeiros esforços nesse sentido começaram no final de 2009. Onze países – México, El Salvador, Panamá, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Chile, Argentina, Uruguai e Brasil – abraçaram a iniciativa. Ao longo de 2010 foram organizados dois painéis de especialistas latinoamericanos em câncer de mama e pulmão, abrangendo oncologistas clínicos, cirurgiões, radioterapeutas e patologistas para discutir as guias de tratamento. O trabalho para se chegar a um mapa que possa guiar o médico em decisões relacionadas ao câncer é longo e cheio de nuances. Ward, da Universidade de Utah, ressaltou que um dos principais desafios do NCCN é avaliar os “modismos” na área. Segundo o especialista, muitas drogas ou procedimentos podem ser usados por médicos ou solicitados por pacientes porque parecem revolucionários. “O painel evita seguir tendências e espera Lilian Liang Carlos Barrios e Antonio Frasson, John Ward e Mohammad Jahanzeb: congresso de Gramado deste ano contou com participação especial da equipe do NCCN que haja dados claros antes de apoiar deter- avaliar se algo que é estatisticamente significa- rar ‘eficácia comparativa’. É um trabalho em minada abordagem. Só porque algo parece tivo se traduz em benefício real ao paciente. andamento”, explicou. bom não significa que seja bom. Se novos “Um exemplo de algo que é estatistica- O lançamento das diretrizes GLICO-NCCN dados mostram que uma recomendação mente significativo, mas talvez com benefício para câncer de mama e câncer de pulmão está anterior não é mais útil, ela é removida das limitado ao paciente, é o uso do bevacizu- previsto para dezembro. “Essas diretrizes têm diretrizes. Todos os anos, as diretrizes têm mabe em conjunção com quimioterapia no implicações muito importantes graças à credi- uma página mostrando as mudanças em câncer de mama metastático. Estudos mos- bilidade que o NCCN carrega. Com isso, espe- relação às guias anteriores, para que todos tram uma pequena melhora na sobrevida livre ramos poder ter um impacto local em termos tenham ciência das alterações”, disse. de doença, mas nenhuma melhora em sobre- de como o tratamento deve ser feito, de como Outra dificuldade destacada por Ward na vida global. É caro e, embora raras, há toxici- se manejam as pacientes, o que pode aumen- elaboração de diretrizes é determinar medidas dades sérias. Atualmente o NCCN está traba- tar a qualidade de tratamento em toda a de eficácia comparativa. Em outras palavras: lhando em melhores formas para se incorpo- América Latina”, concluiu Barrios. A detecção precoce da doença metastática é importante e pode alterar o prognóstico? Mário Alberto Costa Oncologista clínico do Instituto Nacional de Câncer e da Oncoclínica, Rio de Janeiro, membro da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, da American Society of Clinical Oncology e da Sociedade Brasileira de Mastologia, membro do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM). m dos temas que geraram mais discussão na quinta edição do congresso Câncer de Mama Gramado foi a detecção precoce da doença metastática e até que ponto o rápido início do tratamento pode melhorar os resultados e favorecer nossas pacientes. O câncer de mama é uma doença impactante, que responde por aproximadamente 11 mil mortes entre as mulheres brasileiras a cada ano. Nos EUA, trata-se da segunda maior causa de morte por câncer, com mais de 39 mil óbitos/ano.1 Na maioria absoluta dos casos, o óbito deve-se ao desenvolvimento de metástase à distância. Sabemos que 5% a 10% das pacientes se apresentam com doença disseminada no diagnóstico. Na doença localizada, estima-se que cerca de 30% das pacientes com linfonodos negativos e 50% daquelas com linfonodos positivos irão desenvolver metástase à distância. A despeito dos grandes avanços obtidos nos últimos anos no tratamento sistêmico do câncer de mama metastático (CMM) e do relato de melhora progressiva dos resultados,2,3 a sobrevida mediana ainda é de apenas 24 a 36 meses. U Os principais objetivos do tratamento do CMM são oferecer tratamento paliativo adequado, melhorar a qualidade de vida e pro- longar o tempo de vida. Embora seja tentada, a cura é improvável. Apenas de 5% a 10% da população está viva em cinco anos e de 2% a 4% acima de dez anos. Entre os fatores que influenciam na sobrevida no CMM temos características clínicas como performance status, idade, intervalo livre de doença, número de sítios metastáticos e presença de doença visceral, características relacionadas à biologia tumoral como grau de diferenciação, receptores hormonais e perfil molecular, tratamento adjuvante prévio e o tratamento da doença metastática propriamente dita. Modelos como o desenvolvido por Yamamoto e cols, que consideram a história de quimioterapia adjuvante prévia, presença de metástase linfonodal ou hepática, DHL elevada e intervalo livre de recorrência alocando a população com CMM em grupos de baixo, médio e alto risco, podem ajudar na estimativa do prognóstico de sobrevida.4 A recorrência de um câncer de mama é sempre um momento difícil para nossas pacientes. Em mais de 70% dos casos o diagnóstico se dá no intervalo entre as visitas de rotina, estando elas sintomáticas na maioria das vezes.16 Revista GBECAM 5 >> panorama Dois grandes estudos conduzidos há aproximadamente 20 anos procuraram avaliar se a detecção precoce da doença metastática interfere no prognóstico e faz com que o tratamento seja mais eficiente com aumento da sobrevida ou da chance de cura. No estudo de Del Turco e cols, 1.243 pacientes foram randomizadas entre seguimento clínico com consultas, exame físico e mamografia ou seguimento intensivo aos quais se adicionavam radiografia de tórax e mamografia a cada seis meses. Foi possível antecipar a recorrência no grupo com seguimento intensivo, mas essa antecipação não levou a qualquer melhora nas taxas de sobrevida em dez anos.5,6 O estudo do grupo italiano GIVIO também avaliou o seguimento intensivo em 1.320 pacientes. Não houve benefício na qualidade de vida ou sobrevida.7 Mais recentemente, uma revisão de Cochrane avaliou os dados de todos os quatro estudos randomizados que testaram a eficácia das diferentes políticas de seguimento após o tratamento primário de câncer de mama estádios I, II e III em 3.055 mulheres. Mais uma vez, não houve diferença em relação à sobrevida global ou à sobrevida livre de doença, mesmo na análise de subgrupos considerando idade, tamanho de tumor e linfonodos, reforçando a ideia de que seguimento baseado em exame físico periódico e mamografia anual é tão efetivo quanto controle mais intensivo baseado em testes laboratoriais e de imagem.8 Marcadores tumorais como CA 15.3 ou CEA podem antecipar a recorrência em cinco a seis meses, mas não há estudos prospectivos mostrando impacto favorável em relação a sobrevida, qualidade de vida, redução de toxicidade ou custo-efetividade.10,14 Além disso, os níveis de CEA e CA 15.3 flutuam significativamente e sua sensibilidade e especificidade para detecção de recorrência são baixas. Exames de imagem como tomografia computadorizada realizada de rotina também não se mostraram úteis.13 Um pequeno percentual de pacientes com doença metastática limitada pode ser tratado com terapia multimodal envolvendo metastatectomia e intenção “curativa”. Não se sabe se essas pacientes são mais bem identificadas através de um seguimento rigoroso. Em relação à metástase pulmonar, em 416 pacientes em controle com exame do tórax, um estudo diagnosticou apenas nove metástases pulmonares isoladas em 148 casos de recidiva. Havia seis metástases solitárias e em cinco delas ocorreu nova progressão da doença dentro de cinco meses.12 Metástase hepática geralmente significa doença disseminada, e menos de 10% das pacientes evoluem com comprometimento hepático isolado. É pouco provável que seguimento com tomografia computadorizada faça diferença. Quando analisamos o potencial de um teste para diagnóstico de recorrência, é preciso tomar cuidado, pois comparações não ajustadas em relação ao momento do diagnóstico da recidiva (lead-time bias) ou à velocidade de progressão da doença (length bias) podem dar a falsa impressão de que a antecipação do diagnóstico (diagnóstico “precoce”) traz benefício. Na realidade, apenas aumentamos o tempo de observação e/ou de tratamento ou tratamos aparentemente melhor patologias mais indolentes e de melhor prognóstico, mas o tempo de sobrevida permanece inalterado.9 Não se sabe se novos exames como PET-TC podem ajudar. PET-TC é mais sensível que outros exames de imagem e marcadores tumorais para detectar recorrência. Uma metanálise reviu os estudos com FDGPET na avaliação de recorrência e metástase em pacientes com câncer de mama. A sensibilidade mediana foi de 92,7%, a especificidade mediana de 81,6%, e a taxa de falso-positivo de 11%.11 Entretanto, o benefício em relação à sobrevida ou à qualidade de vida não foi testado. 6 Revista GBECAM Provavelmente, mesmo em casos de recidiva diagnosticada precocemente pelo PET, já estamos ante uma situação de doença relativamente avançada em termos biológicos e a terapia atualmente disponível não é tão eficaz a ponto de permitir que essa antecipação faça diferença. Além disso, há muitas dúvidas em relação ao PET e a outros testes. Por exemplo, qual a população a ser avaliada com PET? Qual a periodicidade? Qual o risco de segunda neoplasia induzida pela alta carga de irradiação repetida com frequência? E em pacientes com risco de recidiva no sistema nervoso central, como aquelas com tumor triplo-negativo ou HER-2 positivo, deve-se recomendar ressonância magnética do crânio? Se ela for normal, quando deve ser repetida? Certamente, há muitas perguntas não respondidas e espaço para testar prospectivamente o impacto de novos exames como presença de células tumorais circulantes, novos marcadores mais sensíveis e específicos e novos métodos de imagem. Para o momento, seguem valendo diretrizes estabelecidas como as da ASCO, que recomenda avaliação periódica com história clínica, exame físico, autoexame da mama, mamografia, exame ginecológico, imediata avaliação de novos sinais e sintomas e aconselhamento genético para subgrupos com maior risco de câncer hereditário. As pacientes devem ser orientadas quanto a sintomas que podem estar relacionados à recorrência, como dor, dispneia, presença de nódulos e cefaleia. Não se recomendam de rotina avaliação com exames de sangue, marcadores tumorais, exames de imagem como cintilografia óssea, ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética ou PET.17 Claro que é mais fácil seguir tais recomendações quando estamos atuando dentro de grandes instituições como o INCA ou o MD Anderson, onde são estabelecidos protocolos de seguimento e conduta para pacientes oncológicos. Algumas vezes no consultório, frente a frente com uma paciente de risco para recorrência, o médico deve ter sensibilidade e flexibilidade e a conduta precisa ser individualizada. Embora nossas pacientes se sintam mais seguras quando são acompanhadas de forma mais intensiva,15 tais exames não substituem atenção médica e psicológica adequadas. A realização de exames, por vezes desnecessários, pode gerar mais ansiedade ainda. Devemos lembrar também que há muitos falso-positivos e negativos, que em muitas das vezes o tratamento precoce só aumenta o tempo em que a paciente fica exposta a esse tratamento e a sua toxicidade e que exames mais modernos e sofisticados implicam maior custo, que nem sempre é efetivo. Referências 1. Jemal A et al. CA Cancer J Clin 60: 277-300, 2010. 2. Giordano S H et al. Cancer 100: 44-52, 2004. 3. Chia S K et al. Cancer 110: 973-979, 2007. 4. Yamamoto N et al. J Clin Oncol 16: 2401, 1998. 5. Del Turco M R et al. JAMA 271: 1593-1597, 1994. 6. Palli D et al. JAMA 281: 1586, 1999. 7. The GIVIO Investigators. JAMA 271: 1587-1592, 1994. 8. Rojas et al. Cochrane Database Syst Rev 1: CD001768, 2005. 9. Black W C and Welch H G. N Engl J Med 328: 1237-1243, 1993. 10. Keshaviah et al. Ann Oncol 18(4): 701-708, 2007. 11. Isasi et al. Breast Cancer Res Treat 90:105-112, 2005. 12. Rutgers E J et al. Br J Surg 76(2): 187-90, 1989. 13. Drotman M B et al. Am J Roentgenol 176(6): 1433-1436, 2001. 14. Molina R et al. Breast Cancer Res Treat 36(1): 41-48, 1995. 15. Morris S et al. Postgrad Med J 68: 904-907,1992. 16. Hiramanek H. Postgrad Med J 80: 172-176, 2004. 17. ASCO Expert Panel. J Clinl Oncol 24: 5091-5097, 2006. Avanços no manejo cirúrgico do câncer de mama Antonio Frasson Professor adjunto doutor da Faculdade de Medicina da PUC-RS, coordenador do Centro de Mama da PUC-RS, Felipe Zerwes Professor assistente doutor da Faculdade de Medicina da PUC-RS e Betina Vollbrecht Médica assistente mestre do Centro de Mama da PUC-RS urante o evento Gramado 2010, os temas abordados do ponto de vista cirúrgico incluíram: avaliação radiológica pré-operatória antes de cirurgia conservadora; opções de tratamento cirúrgico para tumores iniciais; uso da quimioterapia pré-operatória com finalidade de tratamento conservador; papel da cirurgia em pacientes com doença metastática; importância da ressecção de metástases em pacientes com carcinoma metastático; e abordagem cirúrgica com mastectomia (e o tipo de mastectomia), quando necessária. D Avaliação pré-operatória O diagnóstico é baseado nos exames clínico, radiológico e patológico. O exame radiológico consiste de mamografia bilateral exclusiva em pacientes com mamas lipossubstituídas. Em pacientes mais jovens, ou com mamas densas, ou com exame mamográfico falso-negativo, a ultrassonografia mamária é o exame complementar de escolha. A ressonância magnética mamária com contraste não é um procedimento de rotina, mas deve ser realizada sempre que as informações obtidas com mamografia e ultrassom forem consideradas insuficientes para a escolha de um tratamento conservador seguro. O exame patológico deve ser obtido preferencialmente através da punção biópsia com agulha grossa (PAG), também denominada de trucut ou core-biopsy. Em situações em que não for possível realizar uma PAG, deve ser realizada uma punção aspirativa com agulha fina (PAAF). Este método, porém, apresenta um maior número de falso-negativos, além de não diferenciar entre lesão infiltrante e intraductal, nem permitir avaliação imuno-histoquímica. A avaliação pré-operatória das pacientes deve incluir: hemograma completo, contagem de plaquetas, exames de coagulação (TP e KTTP), testes funcionais hepáticos (TGO, TGP) e renais (creatinina) e fosfatase alcalina. Os exames de rastreamento sistêmicos não são indicados em pacientes assintomáticas (exceção nos casos de T3N1). Caso ocorra alguma alteração nos exames sanguíneos ou a paciente apresente algum sinal ou sintoma, indica-se uma investigação sistêmica. A avaliação da patologia deve incluir tipo e grau histológico, determinação de receptores hormonais, status do HER2 e avaliação de Ki67. Tratamento cirúrgico A cirurgia conservadora é preconizada nas pacientes que não apresentem contraindicação (ver tabela ao lado). A biópsia do linfonodo sentinela, realizada por equipe experiente na técnica, é a cirurgia de escolha em pacientes com axila negativa. Naquelas com axila clinicamente positiva podemos realizar PAAF ou PAG, guiadas por ultrassonografia mamária, para avaliação do linfonodo. Em casos de negatividade, realizamos linfonodo sentinela; em Contraindicações de cirurgia conservadora mamária Contraindicações absolutas Contraindicações relativas - microcalcificações extensas e difusas - gestação - tumores multicêntricos - impossibilidade de margens livres - lesões muito grandes em relação ao volume da mama - radioterapia torácica prévia - tumores > 5,0 cm - doenças vasculares do colágeno em atividade (lúpus ou esclerodermia, exceto artrite reumatoide) - pacientes jovens com mutação de BRCA - desejo da paciente casos de positividade, procede-se ao esvaziamento axilar diretamente. Nos casos de mastectomia, devemos oferecer a oportunidade de reconstrução mamária. Podemos realizar técnicas de oncoplástica ou terapia neoadjuvante em pacientes com tumores unifocais de maiores dimensões e que não apresentem outra contraindicação para o tratamento conservador, se a lesão tumoral diminuir de tamanho. Quanto ao tipo de mastectomia, se clássica, com preservação de pele ou com conservação de pele, aréola e mamilo, não há nenhum estudo que tenha comparado as técnicas, e a opção por uma ou outra é absolutamente empírica. No entanto, há uma grande tendência mundial para a conservação da pele, aréola e mamilo, sempre que o tumor se localizar longe do complexo areolomamilar (distância superior a 3 cm), sendo o risco de recorrência cutânea e subcutânea muito mais relacionado com as características biológicas do tumor, com o tamanho do tumor e com sua distância em relação à pele do que propriamente com a conservação do complexo areolomamilar. Quimioterapia neoadjuvante ou quimioterapia primária Para pacientes com tumores unifocais que, em função do tamanho do tumor, não sejam candidatas a cirurgia conservadora, a quimioterapia pré-operatória pode ser uma alternativa viável tanto para aumentar as chances de tratamento conservador quanto para testar a eficácia do esquema quimioterápico escolhido. Em relação à biópsia do linfonodo sentinela nessas circunstâncias, em pacientes com axila clinicamente Revista GBECAM 7 >> panorama negativa, ela pode ser realizada tanto antes quanto depois da quimioterapia, sem vantagens conclusivas de uma alternativa sobre a outra. Naquelas pacientes com linfonodos clinicamente suspeitos, é aconselhável avaliá-los antes de começar o tratamento sistêmico. Isso pode ser realizado utilizando punção aspirativa ou core-biopsy guiada por ultrassonografia. Nos casos de linfonodos positivos pré-quimioterapia, a recomendação é o esvaziamento axilar radical no momento da cirurgia, seja ela conservadora, seja mastectomia. Radioterapia A radioterapia pós-operatória faz parte do tratamento conservador do câncer de mama e a sua realização é fortemente recomendada. O guideline de 2010 do NCCN (National Comprehensive Cancer Network) americano, baseado em estudo randomizado (categoria 1 de indicação), faz uma exceção para pacientes com 70 anos ou mais, com pT1N0 e receptores hormonais positivos submetidas a cirurgia conservadora (com margens livres). Nesses casos, a radioterapia pode ser evitada quando utilizado tamoxifeno. Quando a quimioterapia adjuvante for indicada, normalmente realizase a radioterapia após a finalização da quimioterapia. Tratamento sistêmico O principal objetivo do tratamento sistêmico adjuvante é controlar qualquer depósito remanescente de doença, reduzindo a taxa de recidiva e melhorando a sobrevida a longo prazo. Em outro artigo no Lancet em 2005, o EBCTCG analisou os efeitos da quimioterapia e da hormonioterapia na recidiva local e na sobrevida em 15 anos em pacientes com carcinoma de mama inicial. Foram analisados 194 estudos randomizados iniciados em 1995, com mais de 144 mil mulheres e 46 mil óbitos. Mulheres com receptores hormonais positivos que receberam tamoxifeno por pelo menos alguns anos tiveram uma melhora substancial na sobrevida a longo prazo, independentemente de fatores como idade, status linfonodal e quimioterapia concomitante. O maior benefício foi demonstrado em pacientes que receberam cinco anos de tamoxifeno, com uma redução média nos óbitos por câncer de mama em 15 anos de aproximadamente 9%. A proporção de mulheres que sobreviveram por pelo menos 15 anos após o tratamento quando elas tinham menos de 50 anos foi 10% maior quando elas foram submetidas a alguns ciclos de poliquimioterapia (mais de um agente) após a cirurgia. Entre mulheres de 50 a 69 anos, a melhora na sobrevida foi de 3%. Havia um número pouco expressivo de pacientes acima de 70 anos nos estudos avaliados para uma conclusão definitiva. Os benefícios foram maiores para regimes que continham antraciclinas se comparados aos com CMF (ciclofosfamida, metotrexate e 8 Revista GBECAM 5-fluorouracil). Mulheres pré-menopáusicas submetidas a ablação ovariana, quando na ausência de quimioterapia, tiveram uma melhor sobrevida a longo prazo. A combinação de quimioterapia com antraciclina e tamoxifeno pode reduzir o risco de óbito por câncer de mama em mais da metade em mulheres com menos de 50 anos e um pouco menos em mulheres de 50 a 69 anos. Por incluir somente estudos que estavam finalizados em 2000, este artigo não inclui estudos com inibidores da aromatase, taxanos e trastuzumabe. O guideline da NCCN de 2010 coloca os taxanos na lista de regimes de adjuvância preferenciais, geralmente em esquemas contendo também antracíclicos. O mesmo guideline e as recomendações da Sociedade Europeia de Oncologia Clínica (ESMO) indicam trastuzumabe para todas as pacientes com HER2 + com tumores acima de 1 cm ou com axila positiva com qualquer dimensão tumoral, acompanhado de quimioterapia adjuvante. As indicações de inibidores da aromatase podem ser mais bem estudadas no capítulo específico de hormonioterapia. Cirurgia mamária em paciente com doença metastática, ou cirurgia da metástase em pacientes com câncer de mama Apesar de não existirem estudos randomizados que demonstrem os benefícios da ressecção de tumores mamários em pacientes que apresentem doença sistêmica, estudos pareados têm demonstrado os benefícios da remoção de doença grosseira, tanto mamária quanto extramamária, em pacientes com doença sistêmica. A maior sobrevida observada, que pode ser decorrente apenas de uma seleção de pacientes que vão a cirurgia e que têm melhor prognóstico, acaba sendo um fator motivador importante para o controle global de pacientes com doença grosseira. Por esse motivo, e de um modo geral, após uma avaliação sistêmica cuidadosa, pacientes com doença localizada não letal de imediato tendem a ser manejadas cirurgicamente sempre que a cirurgia for possível, no sentido de extirpar doença grosseira e contribuir para o controle local e sistêmico de pacientes no estádio IV. Conclusão A abordagem da paciente com tumor inicial deve ser multidisciplinar com planejamento terapêutico inicial, que deve prever tipo de cirurgia (setorectomia, mastectomia, adenomastectomia), tipo de reconstrução (retalhos locais, mamoplastias, reconstrução com prótese ou expansor, lembo miocutâneo), uso de radioterapia (parcial ou total) e necessidade de tratamento sistêmico. Essa reflexão inicial é importante para evitar que uma atitude cirúrgica intempestiva inviabilize algumas das opções terapêuticas ou sequência em que elas deveriam ser realizadas. Ponto de vista Atualizações em câncer de mama Uma seleção e análise dos principais artigos internacionais nos últimos meses Por Sergio D. Simon Relação entre o emprego de terapia de reposição hormonal (TRH) e câncer de mama: novos dados fato de o estrógeno isolado causar grande aumento do câncer de endométrio já era bem conhecido nos anos 90. Uma metanálise de Grady em 1996, abrangendo 30 estudos randomizados, mostrava que o uso na menopausa de estrógenos isolados (”unopposed estrogen therapy”) aumentava significativamente (em até quatro vezes) o risco de câncer de endométrio, e que esse risco persistia bastante elevado mesmo muitos anos após a parada do uso de estrógenos. Por esse motivo, a reposição hormonal passou a ser feita, em mulheres não histerectomizadas, com a combinação de estrógeno e progestágenos (e+p). O estrógeno seria o componente útil no tratamento dos sintomas da menopausa, enquanto a progesterona teria o efeito protetor sobre o endométrio. Entretanto, o aumento do risco de câncer de mama com o uso de TRH com a combinação estrógeno + progestágeno ficou demonstrado no estudo conhecido como WHI (Women’s Health Initiative), publicado em 2002. Nesse estudo, 16.608 mulheres foram randomizadas para receber a combinação de E+P (estrógenos equinos conjugados 0,625 mg/dia + acetato de medroxiprogesterona 2,5 mg/dia) ou placebo. Uma breve nota no JAMA-Express em julho daquele ano informava que o comitê de segurança do estudo recomendara sua suspensão, uma vez que, após 5,2 anos de seguimento, havia aumento de risco não só de câncer de O mama, mas também de doença cardiovascular, tromboembolismo pulmonar e acidente vascular cerebral. Para câncer de mama, o hazard ratio atingira naquele momento 1,26 (IC95%=1,00-1,59). Numa análise do mesmo estudo, mais específica para a relação entre câncer de mama e TRH, Chlebowski1 publicou em janeiro de 2003, também no JAMA, que a combinação E+P aumentara o número absoluto de casos de câncer de mama de 185 para 245, com um hazard ratio de 1,24, com valor estatístico altamente significante. O grau e o tipo histológico não variaram, mas o tamanho dos tumores era maior e o estádio inicial era mais avançado no grupo que recebeu a combinação E+P do que no grupo placebo. Ainda em 2003, Beral2 relatou o estudo britânico Million Women Study, no Lancet. Nele, dados similares foram observados: um aumento significativo de câncer de mama nas mulheres que faziam uso da combinação de E+P, de tibolona e mesmo de estrógenos isolados. O risco da combinação, entretanto, foi bem maior para a combinação E+P, com um hazard ratio de 2,00 (IC95%=1,88-2,12), p<0,0001 (HR = 1,45 para tibolona; HR = 1,30 para estradiol isolado). Numa atualização do WHI apresentada recentemente na ASCO de 2010, Chlebowski, agora apresentando dados de 41.449 mulheres observadas ao longo do período total de 11 anos, mostrou que não só houve mais câncer de mama no grupo que rece- beu TRH (385 vs. 295 casos) como também esses tumores tinham mais risco de comprometer a axila (p=0,02). A mortalidade diretamente atribuída ao câncer de mama também foi maior, bem como a morte por qualquer causa após o diagnóstico do câncer de mama. Com a publicação inicial do estudo WHI, seguida pela publicação do estudo britânico, o número das usuárias de TRH nos EUA começou a cair já em 2002 e caiu abruptamente, em mais de 40%, em 2003. Provavelmente como consequência disso, a partir desse mesmo ano foi observada, pela primeira vez na história, uma queda no número absoluto de casos de câncer de mama no país. Ravdin apresentou na ASCO de 2007 uma avaliação da incidência de câncer de mama nos EUA no período de 2002 a 2004, mostrando queda de cerca de 7% no número de casos de câncer de mama. Essa queda foi observada em todos os estados do país, e restringiuse aos casos de câncer de mama com receptores hormonais positivos. Em agosto de 2010, T. Saxena et al. publicaram um novo estudo3 observacional de professoras da Califórnia no qual demonstram que mulheres que usaram estrógeno por mais de 15 anos tiveram um risco 19% maior do que as mulheres que nunca haviam usado estrógeno. As mulheres que haviam usado a combinação E+P, entretanto, apresentaram um risco 83% maior do que as que Revista GBECAM 9 Ponto de vista nunca haviam feito TRH. Foram estudadas 56.867 mulheres peri e pós-menopausadas, das quais 2.857 (5%) apresentaram carcinoma invasivo de mama, num seguimento mediano de 9,8 anos. Um dado interessante do estudo é que o risco foi proporcionalmente maior quanto maior o tempo de exposição, mas somente para as mulheres com índice de massa corporal (IMC) < do que 29,9 kg/m2, mas não para as obesas (IMC>30). Outro dado significativo foi que esse risco se restringia não só aos tumores que tinham receptores de estrógeno e de progesterona positivos, como também aos tumores HER2+, fato ainda não conhecido. Esse estudo recente de Saxena traz alguns dados provocativos. Primeiramente, chama a atenção o fato de haver aumento do risco para tumores HER2+. Esse fato aparentemente surpreendeu os próprios autores, uma vez que se acredita que reposição hormonal afete somente células hormônio-dependentes, aumentando o número de tumores hormônio-dependentes, que seriam estimulados pela TRH. Como existe uma relação inversa entre presença de receptores hormonais e presença de amplificação do gene HER2, será necessária maior investigação nessa área. É possível que se trate de artefato estatístico, mas, por outro lado, não se pode ignorar um achado que atinge significância num estudo desse porte. Segundo, o risco de câncer de mama aumen- ta significativamente nas mulheres com sobrepeso, mas parece não se modificar nas mulheres obesas. É possível que o aumento de estradiol sérico causado pela TRH seja mais importante para as mulheres não obesas, uma vez que as obesas, por serem portadoras de grande massa de tecido adiposo e, consequentemente, de grande quantidade de aromatase, já apresentam um nível circulante de estrógenos mais elevado. Nesse caso, o estrógeno adicional da TRH faria pouca diferença no aumento de risco. Esses conhecimentos recentes têm levado a uma mudança profunda no câncer de mama. Primeiramente, a própria epidemiologia da doença parece haver mudado. Numa recente revisão epidemiológica da doença, Verkooijen e colaboradores4 mostram que entre os períodos de 2001-2002 e 2005-2006 houve uma queda muito significante, de cerca de 22%, na incidência de câncer de mama observada nos EUA e em vários países europeus. Temporalmente, essa queda está certamente relacionada à diminuição no uso da TRH. Essa diminuição de incidência de mama tem sido bem mais acentuada nas mulheres na faixa de 50-60 anos, e tem sido maior entre os tumores RH+. Em segundo lugar, houve uma mudança importante de atitude por parte das mulheres nesses países: há muita resistência por parte delas ao uso da TRH, e esta tem sido de duração muito mais curta. Mesmo assim, estima-se que, ainda hoje, cerca de 30 milhões de mulheres americanas ainda façam uso de TRH. A dimensão do problema ainda não é bem conhecida em nosso meio, mas a grande quantidade de dados apresentados na última década deve levar a mudanças significativas no uso da TRH também no Brasil. Recomenda-se uma discussão ampla dos riscos e benefícios com cada paciente que tenha real indicação de TRH. Referências: 1. Chlebowski RT, Hendrix SL et al.: Influence of estrogen plus progestin on breast cancer and mammography in healthy postmenopausal women: The Women’s Health Initiative trial. JAMA. 2003 Jun 25;289(24):3243-53. 2. Beral V: Breast Cancer and hormonereplacement therapy in the Million Women Study. Lancet 2003 Aug 9;362(9382):419-27. 3. Saxena T, Lee E et al.: Menopausal hormone therapy and subsequent risk of specific invasive breast cancer subtypes in the California Teachers Study. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2010 Sep;19(9):2366-78. Epub 2010 Aug 10. 4. Verkooijen HM, Bouchardy C et al.: The incidence of breast cancer and changes in the use of hormone replacement therapy: a review of the evidence. Maturitas. 2009 Oct 20;64(2):80-5. Epub 2009 Aug 25. Imuno-histoquímica pode auxiliar na escolha da quimioterapia adjuvante ois estudos recentes mostram que o estudo cuidadoso da imuno-histoquímica do câncer de mama de uma paciente pode auxiliar na escolha dos melhores agentes quimioterápicos para o tratamento adjuvante. No primeiro deles, Hugh e colaboradores1, em nome dos pesquisadores do D BCIRG, investigaram o papel prognóstico e preditivo da tipagem em subgrupos mole- 10 Revista GBECAM culares de câncer de mama nas pacientes do estudo BCIRG0012 (também conhecido como “TAC vs. FAC”). Esse estudo, de 1.491 mulheres, mostrara vantagem de sobrevida livre de progressão e sobrevida global para as pacientes que haviam recebido a combinação de docetaxel na adjuvância. Num seguimento mediano de 55 meses, a taxa de sobrevida livre de doença (o endpoint primário do estudo) era de 75% para as pacientes do grupo TAC, vs. 68% para as pacientes do grupo FAC, representando uma redução de 28% no risco de recidiva. A sobrevida global estimada aos cinco anos era de 87% para o grupo TAC vs. 81% para o grupo FAC, resultando numa diminuição de 30% do risco de morte. Baseado nesse estudo, o TAC passou a ser um dos protocolos de tratamento adjuvante mais utilizados em vários países do Imuno-histoquímica pode auxiliar na escolha da quimioterapia adjuvante (continuação) mundo, inclusive no Brasil. Nesse estudo, 1.350 casos (91% dos casos do estudo original) tiveram sua imuno-histoquímica revista e, como resultado, as pacientes foram classificadas em quatro subtipos tumorais: 1) “Triplo-negativas” (RE-, RP-, HER2-); 2) “HER2 positivas” (RE-, RP-, HER2+); 3) Luminal B (RE+, RP+ e ou HER2+ ou KI67 elevado); e 4) Luminal A (RE+, RP+, HER2 negativo e Ki67 baixo). É importante lembrar que os estudos de imuno-histoquímica e FISH foram todos realizados em laboratório central e lidos exclusivamente por uma única patologista (a própria dra. Judith Hugh). Ao final da análise, 14,5% das pacientes foram subclassificadas como “triplo-negativas”, 8,5% como “HER2 positivas”, 61,1% como “Luminal B” e 15,9% como “Luminal A”. Analisada como um todo, a população tratada com docetaxel teve um hazard ratio de 0,73 (IC95%= 0,58-0,91, p=0,051). As pacientes do grupo Luminal B mostraram uma melhora estatisticamente significativa de SLD, favorecendo o docetaxel, com SLD aos três anos de 85,2% vs. 70% (HR = 0,66, IC95% = 0,46-0,95, p=0,025). Houve diferença marginal favorecendo o esquema TAC nos subgrupos triplo-negativo e HER2 positivas, com SLD aos três anos de 73,5% vs. 60% e 76,4% vs. 60,3%, respectivamente (p=0,051 e 0,068, respectivamente). Já no grupo Luminal A não houve nenhuma diferença quanto ao tipo de quimioterapia utilizada: 92,2% e 89,3% de SLD com TAC e FAC, respectivamente (p=0,472). O segundo estudo nessa área é de Penault-Llorca e colaboradores3, que utilizam o valor do Ki67 para avaliar o efeito da introdução do docetaxel na adjuvância. O antígeno Ki67 (também conhecido como KI67 ou MKI67) é uma proteína de localização nuclear codificada pelo gene MKI 67. Aparentemente, essa proteína é importante na proliferação celular e está associada à transcrição de RNA no ribossomo, uma vez que a inativação do Ki67 leva à inibição da síntese ribossomal de RNA. Na interfase, sua localização é puramente nuclear, mas durante a mitose o antígeno migra para a superfície dos cromossomas. Ele pode ser localizado em todas as fases proliferativas da célula (G1, S, G2 e mitose), mas não na fase de repouso (G0), sendo, portanto, um excelente marcador de proliferação. Os autores analisaram a relação entre o Ki67 e o efeito do docetaxel nas pacientes receptor de estrógeno-positivas que haviam participado do estudo francês PACS01. No estudo original4, 1.999 pacientes com câncer de mama linfonodo positivo haviam sido randomizadas para receber seis ciclos de FEC100 ou três ciclos de FEC100, seguidos de três ciclos de docetaxel 100 mg/m2, demonstrando uma redução de 17% no risco de recidiva (HR=0,83, IC95%=0,69-0,99). Das 1.999 pacientes do estudo original, 1.190 espécimes foram coletados (55% dos casos), dos quais 798 foram classificados como RE-positivos e incluídos nesse estudo. O ponto de corte do escore de Ki67 foi de 20% (positivo = escore > 20%). Os grupos Ki67-negativos e Ki67-positivos foram bem balanceados quanto à idade, tamanho do tumor e número de linfonodos acometidos. Em termos de grau tumoral, as pacientes Ki67-negativas tinham tumores graus 1 e 2 em 91% dos casos, enquanto as Ki67-positivas tinham tumores graus 1 e 2 em apenas 48% dos casos, certamente devido à diferente biologia desses dois grupos de tumores. 79% dos tumores foram tidos como Ki67-negativos (escore de Ki67 <20%) e 21% foram classificados como Ki67-positivos (escore > 20%). Quando analisadas em relação à eficácia da droga, viu-se que o hazard ratio de TAC vs. FAC foi de 0,51 (0,26-1,01) para as pacientes com Ki67 elevado. Já para as pacientes Ki67-negativas, o HR foi de 1,03 (0,69-1,55). A sobrevida livre de doença aos cinco anos foi de 81% vs. 84% nas pacientes Ki67 negativas e positivas tratadas com FEC/Taxotere, enquanto a SLD foi de 81% vs. 62% nas pacientes Ki67 negativas e positivas tratadas com FEC somente. Ou seja, para as pacientes com Ki67 alto, a introdução do docetaxel aumentou a SLD de 62% para 81%, enquanto nas pacientes com Ki67 baixo praticamente não houve modificação da SLD com a introdução do taxano. Assim, ambos os estudos demonstram que os tumores classificados como Luminal A (estudo de Hugh) ou os tumores com REpositivos com baixo índice proliferativo (estudo de Penault-Llorca) não se beneficiam, na prática, de taxanos na adjuvância. Isso vai de acordo com dados pré-clínicos, que mostram que células muito ricas em receptores hormonais são geralmente de crescimento lento e, portanto, são relativamente insensíveis a agentes quimioterápicos que agem preferencialmente na fase de divisão celular. Tendo-se em conta que os tumores do tipo Luminal A são, em muitas séries, os mais frequentemente diagnosticados, especialmente na população pósmenopausa, esses achados de imuno-histoquímica têm implicações práticas importantes na escolha da quimioterapia adjuvante mais apropriada para essas pacientes. Além disso, fica ressaltada a importância do docetaxel para as pacientes de subgrupos mais agressivos, ou de Ki67 mais elevado. Referências: 1. Hugh J, Hanson J et al.: Breast cancer subtypes and response to docetaxel in nodepositive breast cancer: use of an immunohistochemical definition in the BCIRG 001 trial. J Clin Oncol 2009 27:1168-1176. 2. Martin M, Pienkowski T et al.: Adjuvant docetaxel for node-positive breast cancer. N Engl J Med 2005; 352:2302-2313. 3. Penault-Llorca F, André F et al. Ki67 expression and docetaxel efficacy in patients with estrogen-receptor positive breast cancer. J Clin Oncol 2009 27:2809-2815. 4. Roché H, Fumoleau P et al.: Sequential adjuvant epirubicin based and docetaxel chemotherapy for node-positive breast cancer patients : The FNCLCC PACS01 Trial. J Clin Oncol 2006 24: 5664-5671. Revista GBECAM 11 Ponto de vista Considerações sobre o impacto da introdução de terapias biológicas dirigidas (trastuzumabe) no tratamento do câncer de mama em dúvida, um dos avanços mais importantes da oncologia moderna nas últimas duas décadas foi o desenvolvimento do conceito do tratamento individualizado. Embora do ponto de vista intuitivo todos reconheçamos que existe uma heterogeneidade importante na evolução de casos teoricamente semelhantes da perspectiva clínica, somente nos últimos anos é que desenvolvemos a capacidade de separar pacientes segundo critérios bem definidos, com vantagens prognósticas e preditivas. A consequência prática desse conceito é identificarmos esses subgrupos de forma diferente, a ponto de não somente tratarmos esses pacientes de maneira distinta, mas também de desenvolvermos pesquisa em cada grupo, separadamente. Permanece sem explicação como, por S tanto tempo, não fizemos uma diferenciação clara entre as populações de pacientes com ou sem expressão de receptores hormonais. Inúmeros estudos foram desenhados e conduzidos sem uma preocupação com o conceito de que a expressão hormonal poderia identificar doenças de comportamento biológico diferente. Essa dificuldade parece finalmente estar sendo superada. A identificação da anormalidade de HER2, receptor de membrana que é parte de uma família de receptores de fatores de crescimento, tem sido instrumental nesse processo coletivo destes últimos 20 anos. De uma expressão normal de apenas 1.0002.000 moléculas de HER2 por célula, esse subgrupo de tumores passa a apresentar 2.000.000 de moléculas na sua membrana, com consequências biológicas importantes. Outro elemento crítico para a nossa evolução nesse sentido tem sido a capacidade, praticamente universal, de identificar esses tumores/ pacientes com a técnica de imuno-histoquímica, que democratizou nossa habilidade de subclassificar o câncer de mama. O desenvolvimento do anticorpo trastuzumabe, dirigido especificamente a bloquear a sinalização alterada de HER2 nesse grupo de tumores, levou sem dúvida a uma mudan- 12 Revista GBECAM ça na história natural da doença nessas pacientes. Primeiro foram as evidências de aumento na sobrevida de pacientes com doença metastática. Depois, dados de vários estudos demonstraram melhor prognóstico para as pacientes que recebiam esse anticorpo de forma adjuvante e neoadjuvante. Mesmo assim, a caracterização de subgrupos de câncer de mama com história natural e prognóstico diferentes ainda carecia de uma comparação prognóstica com outros grupos. Num artigo publicado no Journal of Clinical Oncology, Dawood e colaboradores revisam de forma retrospectiva as evoluções de pacientes com câncer de mama avançado tratadas no MD Anderson Cancer Center. As pacientes são separadas em três grupos, segundo expressão de receptores por imunohistoquímica: pacientes com expressão de receptor HER2 que não receberam trastuzumabe; pacientes com expressão de HER2 que receberam trastuzumabe; e, finalmente, pacientes sem expressão de HER2 tratadas com quimioterapia. A evolução desses grupos foi posteriormente comparada. Embora os autores reconheçam as limitações desse tipo de trabalho, a análise demonstrou, de forma clara, que o prognóstico das pacientes HER2 positivas se modificou com a introdução do tratamento específico. O prognóstico da doença HER2+ é pior do que o das pacientes que não apresentam essa alteração. O tratamento com trastuzumabe, no entanto, melhora tal prognóstico, tornando-o equivalente àquele das pacientes HER2-. Mesmo retrospectiva, a análise representa a confirmação de um impacto clinicamente evidente na nossa prática clínica. Um único reparo que poderia ser acrescentado às limitações da análise é a diferenciação do grupo HER2- entre as triplo-negativas (receptores hormonais e HER2 negativas) e aquelas ER ou PR positivas e HER2-. Isso provavelmente resultaria em duas curvas de sobrevida muito diferentes, melhorando a sobrevida daquelas que expressam receptores hormonais – onde encontramos as Luminais A e B – ao serem retiradas do grupo as pacientes de pior prognóstico sem expressão desses receptores. Seria interessante saber se o resultado final seria o mesmo. Os autores reconhecem parcialmente tal situação numa resposta ao questionamento de um grupo italiano, que comentou um estudo fase II prospectivamente realizado, no qual as diferenças entre os dois grupos de pacientes (HER2+ e HER2-) foram inicialmente observadas. Referências: 1. Sorlie T, Perou CM, Tibshirani R, et al.: Gene expression patterns of breast carcinomas distinguish tumor subclasses with clinical implications. Proc Natl Acad Sci U S A 98:10869-10874, 2001. 2. Slamon DJ, Clark GM, Wong SG, et al.: Human breast cancer: Correlation of relapse and survival with amplification of the HER2/neu oncogene. Sci- ence 235:177-182, 1987. 3. Slamon DJ, Leyland-Jones B, Shak S, et al.: Use of chemotherapy plus a monoclonal antibody against HER2 for metastatic breast cancer that overexpresses HER2. N Engl J Med 344:783-792, 2001. 4. Dawood S, Broglio K, Buzdar AU, et al.: Prognosis of women with metastatic breast cancer by HER2 status and trastuzumab treatment: An institutional-based review. J Clin Oncol 28:92-98, 2010. 5. Papaldo P, Fabi A, Ferretti G, et al.: A phase II study on metastatic breast cancer patients treated with weekly vinorelbine with or without trastuzumab according to HER2 expression: Changing the natural history of HER2positive disease. Ann Oncol 17:630-636, 2006. 6. Piccart-Gebhart MJ, Procter M, LeylandJones B, et al.: Trastuzumab after adjuvant chemo- therapy in HER2-positive breast cancer. N Engl J Med 353:1659-1672, 2005. 7. Ferretti G, Fabi A, Felici A, et al.: Improved prognosis by trastuzumab of women with HER2-positive breast cancer compared with those with HER2- negative disease. J Clin Oncol 28:e337, 2010. Implicações do bloqueio de múltiplas vias: o “crosstalk” entre os receptores hormonais e HER2 doença receptor hormonal positiva é biologicamente heterogênea: nem todas as pacientes que expressam receptores respondem da mesma forma às manipulações endócrinas. Mesmo reconhecendo a presença de receptores hormonais como um aspecto importante para caracterizar o câncer de mama, nossa capacidade para diferenciar diferentes populações dentro desse grupo ainda deve ser considerada muito limitada. Um dos aspectos de maior limitação nesse sentido é não conhecermos de forma adequada os mecanismos por meio dos quais a doença originalmente endócrino-sensível se torna resistente. Aparentemente, a célula A tumoral no início depende da sinalização através dos receptores de estrógeno e progesterona para sobrevivência e crescimento. Quando tal sinalização é bloqueada com alguma estratégia endócrina, essa célula desenvolve estímulos através de vias alternativas para substituir e manter seus processos fundamentais. A sinalização alternativa através de receptores de fatores de crescimento representa um mecanismo de desenvolvimento de resistência endócrina que vem sendo reconhecido como uma das formas que a célula tumoral utiliza para burlar o bloqueio hormonal. Tal conceito é importante porque levanta a possibilidade de estabelecermos um bloqueio concomitante, tanto da sinalização da via hormonal quanto da via de fatores de crescimento, como uma estratégia de tratamento que possa ser mais eficaz e retardar ou evitar o desenvolvimento de resistência hormonal. Dados pré-clínicos em modelos animais sugerem que a combinação de diferentes agentes alvo-dirigidos apresenta maior eficácia contra linhagens celulares com expressão tanto de receptores hormonais como de HER2. Do ponto de vista clínico, essa situação identifica um subgrupo particular de pacientes com câncer de mama que poderia ser chamado de “triplo-positivo”. Pouco conhecemos da biologia específica desses tumores, que, provavelmente, são classificados por sua expressão genética entre os tumores Lu- minais B. A percepção é que, neles, existe uma resistência parcial ao tratamento hormonal ou pelo menos menor sensibilidade à manipulação endócrina. Entre os mecanismos de resistência primária ao tratamento hormonal reconhecemos a hiperexpressão de EGFR ou de HER2, por isso o bloqueio concomitante das duas vias tem sido considerado uma alternativa terapêutica. Dois estudos randomizados de fase III têm explorado estratégia. O primeiro, TAnDEM, tratou pacientes com câncer de mama metastático com HER2 e receptor hormonal positivo. As pacientes foram randomizadas a receber anastrozol como agente único ou a combinação de anastrozol com trastuzumabe. Várias informações foram geradas com esse estudo. A primeira é que a resposta ao tratamento hormonal isolado nesse grupo de pacientes é muito pobre, de apenas 6%. O tempo para progressão também é muito curto, 2,4 meses. Esses números atestam para a relativa resistência desses tumores a manipulações hormonais. A combinação com o bloqueio concomitante da via HER2 com o anticorpo monoclonal resultou numa melhor resposta e num prolongamento significativo no tempo para progressão, 4,8 meses (p=0,0016), confirmando que o bloqueio das duas vias oferece melhores resultados. O segundo estudo, de Johnston e colaboradores, analisou pacientes com câncer de mama metastático com receptores hormonais positivos. Mais de 1.200 pacientes foram incluídas, independentemente da expressão de receptores hormonais, na projeção de que cerca de 120 delas também fossem HER2+. As pacientes foram randomizadas a receber letrozol como agente único ou a combinação do inibidor de aromatase (IA) com lapatinibe. Tanto a resposta objetiva (15% vs. 28%) quanto o tempo para progressão (3,0 vs. 8,2 meses) foram superiores para o grupo tratado com o bloqueio duplo. Na população HER2 negativa não houve diferenças significativas, embora uma análise retrospectiva tenha demonstrado que o sub- grupo que apresentava progressão de doença em menos de seis meses de descontinuação do tamoxifeno (“mais resistente”) parecia apresentar maior benefício com o uso da combinação quando comparado ao IA isolado. Essa análise foi retrospectiva e não atingiu significância estatística, devendo portanto ser considerada exploratória. Com essas evidências, podemos concluir que essa população triplo-positiva tem, em geral, uma sobrevida livre de progressão muito curta com hormonioterapia, é relativamente resistente ao tratamento endócrino isolado e que esses resultados parecem melhorar com a combinação de hormonioterapia e bloqueio da via do HER2. Uma pergunta que permanece sem resposta é a relativa vantagem de tratar esse grupo de pacientes com quimioterapia. Nenhum estudo até agora abordou esse questionamento de forma definitiva. Referências: 1. Arpino G, Weichmann L, Osborne CK, et al.: Crosstalk between the estrogen receptor and the HER tyrosine kinase receptor family. Endocr Rev 29:217-233, 2008. 2. Shin I, Miller T, Arteaga CL: ErbB receptor signaling and therapeutic resistance to aromatase inhibitors. Clin Cancer Res 12:1008s1012s, 2006. 3. Mackey JR, Kaufman B, Clemens M, et al.: Trastuzumab prolongs progression-free survival in hormone-dependent and HER2-positive metastatic breast cancer. Breast Cancer Res Treat 100:S5, 2006 (abstr 3). 4. Massarweh S, Osborne CK, Jiang S, et al.: Mechanisms of tumor regression and resistance to estrogen deprivation and fulvestrant in a model of estrogen receptor-positive, HER2/neu-positive breast cancer. Cancer Res 66:8266-8273, 2006. 5. Johnston S, Pippen J, Pivot X, et al. Lapatinib Combined With Letrozole Versus Letrozole and Placebo As First-Line Therapy for Postmenopausal Hormone Receptor–Positive Metastatic Breast Cancer. J Clin Oncol 27:5538-5546. Revista GBECAM 13 Divulgação >> mais GBECAM Um grupo pioneiro Criado há cinco anos por um grupo de oncologistas, o GBECAM hoje se firma como referência na elaboração e desenvolvimento de estudos clínicos na área de câncer de mama Por Cláudia Vasconcelos A abrangência nacional nos próximos três anos. para a incorporação de novas terapias à O GBECAM participa atualmente de vários prática médica. Somente através da chamada protocolos clínicos internacionais. Também O estudo CIBOMA 2004/01 é um estudo mul- medicina baseada em evidências podemos dar estão em andamento alguns protocolos ticêntrico, fase IV/III, aberto, randomizado, que passos concretos na direção dos avanços no nacionais, originados pelo próprio grupo. avalia a eficácia de capecitabina (Xeloda) após pesquisa clínica é o único método eficaz CIBOMA 2004/01 Os estudos clínicos conduzidos pelo GBE- quimioterapia neoadjuvante e/ou adjuvante É esse o caso do câncer de mama: uma CAM são inicialmente selecionados para padrão em pacientes com câncer de mama patologia complexa, que exige sempre um atender às necessidades das pacientes de ressecável, triplo-negativo. O objetivo primá- grande número de estudos clínicos, com dife- câncer de mama – somente então eles são rio desse estudo é comparar a sobrevida livre rentes perguntas científicas a ser respondidas. A distribuídos entre instituições e investi- de doença cinco após a terapia de manu- realização de tais estudos clínicos, porém, com gadores afiliados pelo país. Os estudos são tenção, com oito ciclos de capecitabina, à o cuidado ético e a precisão científica preparados e desenvolvidos em parceria com observação, em pacientes com câncer de necessários, só seria possível se houvesse um as áreas de desenvolvimento e pesquisa de mama operável, triplo-negativo, que recebe- grande esforço conjunto de investigadores e indústrias farmacêuticas e grupos coopera- ram tratamento quimioterápico neoadjuvante centros de pesquisa. tivos internacionais, como o Grupo Inter- e/ou adjuvante padrão. entendimento e do tratamento do câncer. A partir dessa premissa, um grupo de nacional de Mama (BIG), a Coalizão Ibero- Esse estudo internacional randomizará 876 oncologistas brasileiros interessados e compro- Americana de Pesquisa em Oncologia Ma- mulheres portadoras de câncer de mama tri- metidos com o estudo e o tratamento do mária (CIBOMA) e o Grupo Español de Inves- plo-negativo na Espanha, Brasil, México, Chile, câncer de mama fundou, em 11 de março de tigación del Cáncer de Mama (GEICAM). Há Colômbia e Venezuela. A primeira paciente foi 2005, o Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer ainda estudos de iniciativa do próprio GBE- recrutada em outubro de 2006 e o recrutamen- de Mama (GBECAM), organização indepen- CAM, através de seus membros e de sua to será concluído em dezembro de 2010. As dente e sem fins lucrativos, cujo principal obje- comissão científica. pacientes do braço A receberão capecitabina tivo é desenvolver, implementar e facilitar a 14 Estudos em andamento Promover uma reunião brasileira sobre o 1.000 mg/m2, duas vezes ao dia durante realização de estudos clínicos multi-institu- câncer de mama é uma das metas iniciais já 14 dias, seguidos de um período de descanso cionais de qualidade científica e ética em cân- alcançadas pelo GBECAM. A Conferência de sete dias, durante oito ciclos. As pacientes cer de mama no Brasil, bem como implemen- Brasileira de Câncer de Mama, rumo à sua quin- do braço B serão apenas observadas. Todas as tar e auxiliar programas educativos de esclare- ta edição, é realizada anualmente e foca nos pacientes serão acompanhadas por cinco anos. cimento e prevenção da doença. principais trabalhos apresentados na reunião O estudo CIBOMA é uma iniciativa da Sediado em São Paulo, o GBECAM conta anual de San Antonio, no Texas, EUA. Ela reúne Coalizão Ibero-Americana de Pesquisa em hoje com membros em 32 grandes centros de em São Paulo cerca de 500 profissionais de Oncologia Mamária (CIBOMA), com apoio do câncer no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, todo o Brasil, entre oncologistas clínicos, mas- laboratório farmacêutico Roche. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, tologistas, radiologistas e patologistas envolvi- Rio Grande do Norte e Bahia. Espera-se uma dos no tratamento do câncer de mama. Revista GBECAM Participam desse estudo nove centros nacionais, e até 1º de setembro de 2010 foram recrutadas 207 pacientes brasileiras. Destas, 128 foram randomizadas para o estudo. O Brasil é o segundo país com maior recrutamento, atrás somente da Espanha, país idealizador do protocolo. ALTTO O estudo ALTTO é um estudo internacional, randomizado, multicêntrico, fase III de lapatinibe, trastuzumabe, sequenciamento ou combinação dessas drogas no tratamento adjuvante de pacientes portadores de câncer de mama HER2 positivo (Study no. BIG 2-06/N06D/ EGF106708). O objetivo primário desse estudo é comparar a sobrevida livre de doença entre os braços contendo lapatinibe e o braço monoterapia trastuzumabe. O estudo ALTTO está sendo conduzido em 1,3 mil centros de 50 países. A primeira paciente foi recrutada em junho de 2007. Os pacientes serão tratados por 52 semanas e acompanhados por dez anos. O estudo ALTTO é uma iniciativa de dois grupos acadêmicos – Breast International Group (BIG) e North Central Cancer Treatment Group (NCCTG) – e é patrocinado pela GlaxoSmithKline. Participam desse estudo dez centros brasileiros. Até 1º de setembro de 2010 foram recrutadas 124 pacientes brasileiras e, destas, 98 foram randomizadas para o estudo. NeoALTTO O estudo NeoALTTO (Neo-adjuvant lapatinib and/or Trastuzumab Treatment Optimisation Study) é um estudo internacional randomizado, multicêntrico, fase III de neoadjuvância com lapatinibe, trastuzumabe ou sua combinação com paclitaxel em câncer de mama HER2 positivo. Esse estudo recrutou 450 mulheres portadoras de câncer de mama HER2 positivo em 30 países. A primeira paciente foi recrutada em setembro de 2007 e o recrutamento foi encerrado em dezembro de 2009. As pacientes receberão tratamento por 52 semanas (18 semanas pré-cirurgia e 34 semanas pós-cirurgia). O estudo NeoALTTO é uma iniciativa dos grupos acadêmicos Breast International Group (BIG) e SOLid Tumour Intensification (SOLTI), baseado na Espanha, e patrocinado pela GlaxoSmithKline. Foram recrutadas 11 pacientes para esse estudo e oito foram randomizadas em três centros brasileiros. CAP Neo Trata-se de um estudo de fase II, de tratamento neoadjuvante de pacientes com câncer de mama localmente avançado, triplo-negativo, com o esquema CAP – ciclofosfamida, adriamicina e cisplatina. Esse é um estudo de iniciativa do GBECAM, sem patrocínio, conduzido como colaboração acadêmica entre as instituições participantes. O objetivo primário desse estudo é avaliar a taxa de resposta patológica completa após tratamento neoadjuvante com seis ciclos de CAP em pacientes do sexo feminino com câncer de mama localmente avançado (estágios IIB, IIIA e IIIB), triplo-negativo. A definição de resposta patológica completa baseia-se na ausência de neoplasia invasiva residual em material cirúrgico de axila e mama e será descrita de acordo com critérios TNM. O estudo CAP Neo está sendo conduzido em três centros brasileiros, que recrutaram 34 pacientes até 1º de setembro de 2010. Esse estudo foi iniciado em dezembro de 2007 no Instituto Nacional de Câncer (INCA). O recrutamento será encerrado em dezembro de 2010. Projeto Étnico O GBECAM conduzirá a partir de 2011 o Projeto Étnico, que pretende estudar prospectivamente as subpopulações étnicas brasileiras: índias/ mestiças; negras/mulatas; brancas. Serão estudadas 81 mulheres em cada subgrupo, nas seguintes regiões: região amazônica; região da Bahia/Rio de Janeiro; região de São Paulo/Porto Alegre. As pacientes recentemente diagnosticadas com câncer de mama terão amostras coletadas para a realização de IHQ (ER, PR, HER2, EGFR, citoqueratinas 5/6, 14 e 17, p63, ki67 e p53), hibridização genômica comparativa (aCGH), análise molecular detalhada por TMA, aberrações cromossômicas e mutações, além de mapeamento genético com alelos específicos das populações. Esse é o primeiro estudo clínico nacional que avalia fenótipos brasileiros. O grupo acredita que a melhor compreensão do perfil de subtipos moleculares de câncer de mama pode contribuir na decisão quanto à melhor opção terapêutica e, consequentemente, na utilização dos recursos terapêuticos de forma adequada. Projeto AMAZONA Observando a carência de informações refinadas sobre características do câncer de mama no Brasil, excluindo indicadores de incidência, prevalência e mortalidade, o GBECAM implementou o projeto AMAZONA, que visa também observar a diversidade de tratamento entre as regiões do país. O nome do projeto foi originado da lenda das amazonas, mulheres guerreiras que não hesitavam em queimar ou comprimir um seio para facilitar o uso do arco e flecha e, assim, lutar melhor contra o inimigo. É uma homenagem às mulheres brasileiras que enfrentam o câncer de mama. O presente projeto é um amplo levantamento retrospectivo de casuística de pacientes de câncer de mama em 28 instituições de saúde, entre clínicas e hospitais (públicos e privados), considerando aspectos epidemiológicos, de diagnóstico e de tratamento do câncer de mama. O estudo analisou todos os casos de câncer de mama registrados nas instituições participantes entre 2001 e 2006. A coleta teve por finalidade a mensuração da casuística de câncer de mama (em ambos os sexos) registrada, o atendimento oferecido e a descrição da sobrevida observada nessa população. O manuseio do câncer de mama é complexo e tem se desenvolvido muito rapidamente nos últimos anos, com novos agentes terapêuticos disponíveis. A paisagem terapêutica se desenvolverá ainda mais através desse registro nacional e pioneiro. Em 2011, o GBECAM implementará a continuação desse projeto para analisar e atualizar a coorte de pacientes de 2006. Revista GBECAM 15 >> diálogo “Determinação política e dinheiro resolvem o problema” Sistema Único de Saúde, acesso a medicamentos de alto custo, necessidade de equipes multidisciplinares e mais bem preparadas – nada escapa da minuciosa análise do oncologista clínico Ricardo Caponero Lilian Liang dessa diferença de sobrevida. Em sua opinião, quais seriam os principais fatores que poderiam explicar essa diferença? Ricardo Caponero – Com relação ao diagnósti- O papas na língua, sobre diagnóstico precoce e por câncer entre as mulheres no Brasil. atendimento pelo SUS, acesso a medicamentos Dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA) de alto custo e o que pode ser feito para ofere- câncer de mama é a maior causa de morte estimam que cerca de 50 mil novos casos são cer um atendimento mais multidisciplinar e diagnosticados anualmente. Dessas mulheres, a adequado às pacientes de câncer de mama. A vasta maioria recebe tratamento através do seguir, os principais trechos da conversa. Sistema Único de Saúde (SUS), que nesta entre- Revista GBECAM – Um recente trabalho conduzido pelo GBECAM, o AMAZONA, indica que as pacientes tratadas no SUS apresentam pior sobrevida que pacientes do mercado privado. O estudo indica que acesso a tratamento e diagnóstico tardio seriam as duas principais causas vista é analisado pelo oncologista clínico paulista Ricardo Caponero, atual presidente da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos. Com vasta experiência nos setores público e privado da medicina, Caponero fala, sem 16 Revista GBECAM co, o primeiro empecilho é a dificuldade de marcação e acesso, além da demora para receber o resultado. As pacientes mais pobres têm mais dificuldade para procurar o serviço médico. Muitas são mães solteiras, arrimo de família. Um projeto da dra. Maria Caleffi (presidente da Femama), em Porto Alegre, constatou que as mulheres adiavam ou não faziam a mamografia para não faltar ao trabalho, pois o período seria descontado. Hoje a mulher tem de se ausentar duas vezes: uma para marcar, outra para fazer o exame. Por isso, uma das propostas da Femama é para que os empresários liberem as mulheres na idade de fazer mamografia por um período, sem que a ausência seja descontada, como no caso dos doadores de sangue, que têm o dia abonado. Não precisa nem ser uma lei, que seja um acordo de cavalheiros. Existe também um problema cultural. As pessoas não entendem que é um exame de fato importante, que pode fazer diferença para ela. Quanto menor o nível cultural, mais difícil entender isso. Algumas mulheres nem sabem o que é mamografia. Outras dizem que “quem procura acha”, então não têm de procurar pelo em ovo. Então a mulher não sente nada, mas tem de faltar ao trabalho e ter o dia descontado para fazer um exame que não é agradável e que vai achar algo ruim nela. Tudo isso dificulta a procura pelo serviço. Quando ela finalmente procura o serviço, há o problema de acesso. Apesar de haver um número suficiente de mamógrafos no país, eles não estão adequadamente distribuídos. Em São RG – Recentemente houve uma revisão nos valores das APACs para tratamento de câncer pelo SUS. No entanto algumas drogas, mesmo com benefícios clínicos comprovados, não estão disponíveis universalmente na rede pública. Como o governo poderia incorporar essas drogas para tratamento pela rede pública? grande de mulheres. Portanto raciocina-se to dos exames. Nos municípios que não têm Caponero – Essa é uma decisão política. O encanada, por exemplo, talvez a prioridade mamógrafo a situação é ainda pior, pois a dinheiro é finito, mas é uma questão de prioridade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) diz que o ideal para países em desenvolvimento é investir 10% do PIB em saúde. O Brasil investe entre 2,5% e 3%. Temos priorizado o pré-sal, a transposição do Rio São Francisco, que são obras importantes, mas que colocam de lado saúde e educação. Na Suíça, o governo paga trastuzumabe para qualquer tumor, independentemente do tamanho. Se tem HER2, tem direito a trastuzumabe. Os americanos também dão acesso, mesmo gastando hoje 17% do PIB em saúde. É preciso fazer uma priorização. não seja dar Herceptin. Mas isso é inadmissí- Paulo deve haver cerca de 200, mas há municípios do interior que não têm nenhum. Em muitos casos o mamógrafo existe, mas instalálo, fazer a manutenção, manter um técnico e um médico radiologista é outra história. Outro problema de acesso é o agendamen- paciente tem de se deslocar até o município vizinho, ou mesmo para uma cidade maior. Algumas instituições encontram formas criativas para driblar o problema, como o Hospital de Câncer de Barretos, que tem um caminhão que leva o aparelho para cidades mais distantes. A vantagem do caminhão é que ele vai até a porta da fábrica, por exemplo, e a mulher não precisa faltar ao trabalho. O segundo empecilho é que, uma vez que o exame volte alterado, a indicação é complementar com um ultrassom ou fazer biópsia da mama. Há uma grande demora para conseguir assim: quanto isso vai custar por um ano ou mais em doença metastática? Não temos esse dinheiro. Então não pagamos, porque não temos essa verba para saúde. E isso é legítimo. Numa cidade em que apenas 10% da população tem acesso a esgoto e água vel quando se veem corrupção, desvio de verbas e os absurdos que se gastam com projetos que não acrescentam nada. Temos um modelo de aids que é modelo no mundo inteiro e o tratamento de câncer está uma lástima. Por quê? Porque os pacientes de aids são mais ricos, fazem mais barulho, brigam mais. É desproporcional. Câncer é a prioridade número um? Talvez não seja. Nós temos, em Belém, uma das maiores incidências de câncer de colo do útero do mundo, mas o governo brasileiro diz que a vacina para HPV é muito cara e que não será dada pelo SUS. O marcar a biópsia e, se ela for positiva, para mar- governo está certo ou errado? Claro que custa car a cirurgia. A Faculdade de Medicina de caro. Claro que é um problema de alguns mi- Jundiaí fez uma pesquisa que mostrou que o tempo médio entre uma mamografia suspeita e a cirurgia da mama era de 170 dias: três meses da suspeita para a biópsia, três meses da biópia para a cirurgia. Só que em 170 dias o que era precoce já não é mais precoce. Esse é o chamado “tempo da roda”, em que a paciente fica esperando a engrenagem funcionar para que as coisas andem. Alguns hospi- "Existe um problema cultural. As pessoas não entendem que a mamografia é um exame de fato importante. Algumas nem sabem o que é mamografia." tais conseguiram resolver esse problema de lhões de reais. Mas então deixe claro que não se trata de uma prioridade. Outro ponto importante: quando o presidente Obama discutiu a reforma de saúde nos EUA, foi uma discussão pública, não uma canetada de gabinete. Aqui não existe essa transparência política. Apesar de vivermos num governo democrático, a transparência das decisões políticas não existe. Elas são todas feitas a portas fechadas, com base nos lobbies que se estabelecem. Enquanto isso, falta dinheiro na saúde. forma satisfatória. O hospital Pérola Byington resolveu isso com uma mudança política: tiraram o serviço de cuidados paliativos, mini- Essa falta de investimento faz diferença, e mizaram quimioterapia, mas maximizaram re- não dá para admitir – é até antiético – que solutividade cirúrgica. Portanto, a paciente uma paciente que tem indicação para usar chega com uma suspeita, é examinada, faz a Herceptin não tenha acesso regular a ele pelo RG – A Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo criou, recentemente, uma lista de medicamentos de alto custo que estão sendo disponibilizados no estado. Em sua opinião, quais são os prós e contras desse modelo? Ele poderia servir de referência para outros estados? mamografia, se necessário faz o ultrassom, já SUS. Já é um remédio mais do que consagra- colhe material para biópsia e na próxima sema- do, aprovado no mundo todo, com vários tra- Caponero – O pró desse modelo é que ele faci- na já tem o resultado. Eles conseguiram balhos científicos. Hoje todos os convênios litou o acesso. A história por trás dele é que os resolver bem pelo menos essa primeira fase. pagam, todas as pacientes usam, por que não pacientes processavam o Estado para conse- Barretos também conseguiu dar mais acesso a vale para o SUS? Porque para o SUS não conta guir o medicamento, e o Estado geralmente tratamento e agilizou o atendimento – hoje só a validade científica, mas o impacto finan- perdia. Em vista disso, a própria Procuradoria suas estatísticas são comparáveis aos hospitais ceiro. E qual é o problema? Estima-se que Geral do Estado sugeriu que se fizesse um pro- particulares. Isso mostra que determinação hoje 20% das pacientes com câncer de mama grama em que o governo estabelecesse que política, dinheiro, vontade e disposição para tenham HER2+. Temos 49 mil casos novos. remédios daria, facilitando o acesso a eles. Foi fazer resolvem o problema. Vinte por cento de 49 mil é um número muito um acordo de cavalheiros entre a Defensoria Revista GBECAM 17 >> diálogo Pública e a Secretaria Estadual de Saúde. Não virou portaria, não virou decreto, não virou lei – é uma decisão política. O lado ruim disso é que, exatamente por ser uma decisão política, há muita instabilidade. Isso deveria ser um modelo para outros estados? Não. Deveria ser uma medida estabelecida por lei, definindo os medicamentos a que o paciente tem e não tem direito. Dessa forma, o governo estabelece que esse é o programa de saúde, que funciona dessa forma e não adianta processar. Mas suponhamos que você processe a prefeitura e ela seja obrigada a dar o remédio. Em São Paulo isso não é problema, porque a verba é grande, mas numa cidade de 10 mil habitantes a prefeitura pode ir à falência se tiver de comprar remédios de alto custo. Para evitar isso, existe uma lei que determina que você só pode comprometer uma parte de seu orçamento. Se o comprometimento for maior, o governo municipal pode se negar a pagar. O problema disso é que a saúde virou uma gestão tripartite, em que são corresponsáveis o município, o Estado e a Federação. Então não existe mais um único responsável. O município é responsável parcialmente. Ele pode não ter dinheiro, mas o Estado tem. Se o Estado não tiver, a Federação tem. Portanto, na prática até essa lei pode ser questionada. Outra razão por que a APAC paulista, que foi o nome que se deu a essa medida, não é generalizável é o fato de a legislação brasileira ser federal, ao contrário dos EUA, que têm legislações estaduais. Se isso virar uma portaria, ela não pode ser estadual, porque o SUS é federal. O Estado gerencia, na gestão tripartite, uma parte do dinheiro do SUS. Portanto, não posso dizer, dentro do SUS, que quem nasceu em São Paulo tem direito a determinada droga e quem nasceu no Rio de Janeiro não tem. É discriminação, qualquer advogado ganha em primeira instância citando a violação do primeiro artigo da Constituição. Por isso se trata de um acordo de cavalheiros, porque no papel seria muito mais difícil fazer valer. O governo não precisa, nem tem como, dar tudo a todos. Mas acredito ser necessário rever a noção de que “saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado, que todo cidadão deve ter acesso à saúde amplo e irrestrito”. No último encontro da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica) houve quem achasse que o 18 Revista GBECAM artigo 146 da Constituição deveria ser retirado. Lógico que se trata de um exagero, mas não há dúvida de que são necessários limites. Em muitos países, como nos EUA, não há acesso universal à saúde. No Brasil, vende-se a noção de que isso é realidade, quando na verdade não é. O erro desse processo está na sua hipocrisia, em o governo dizer que dá tudo, que o paciente tem acesso a tudo, porque isso não acontece no dia a dia. É a hipocrisia da Constituição e do sistema público de saúde. "Não adianta fazer o diagnóstico se não puder tratar. As coisas têm de ir juntas e esse tratamento tem de ser rápido e efetivo." RG – Além do acesso a tratamento, outro provável motivo indicado pelo trabalho do GBECAM para explicar a pior sobrevida de pacientes no SUS é o diagnóstico tardio. Em 2009 foi aprovada a Lei 11.664, que garante acesso a mamografia anual pelo SUS para todas as mulheres acima de 40 anos. Pensando no diagnóstico das mulheres com câncer de mama, além do acesso à mamografia garantido por lei, quais seriam outras ações do Estado para assegurar o diagnóstico precoce, otimizando a infraestrutura do SUS? Programas de screening seriam uma alternativa viável? que se peça mamografia a cada dois anos. E talvez haja um grupo de alto risco, que talvez precise fazer ressonância. Outro aspecto é a questão genética: hoje as pacientes não têm acesso a teste genético. Sabemos que 30% dos casos de câncer de mama têm histórico familiar e 10% têm antecedentes de genética (BRCA-1 e BRCA-2), e essas pacientes ficam na fila de mamografia como as outras. É preciso estratificar o risco e rastrear essas pacientes de forma diferente. Portanto, não é só questão de dar acesso, mas aprimorar a avaliação do risco. Essa lei foi um grande progresso, porque agora a paciente tem o direito de fazer a mamografia. Falta agora melhorar. O ideal seria que, durante a consulta, o médico fizesse uma avaliação do risco da paciente para, com base nisso, estabelecer o programa de rastreamento mais adequado. Com isso reduz-se o custo, melhora-se a efetividade, estratifica-se o risco e faz-se o exame em quem de fato precisa. Mas não adianta fazer o diagnóstico se não puder tratar. As coisas têm de ir juntas. É preciso dar condições de diagnóstico e tratamento juntos. E esse tratamento tem de ser rápido e efetivo. Não adianta fazer um belo diagnóstico e depois tratar de forma inadequada. RG – Na sua opinião, o SUS carece de infraestrutura (hospitais, leitos, aparelhos etc.) para o tratamento do câncer de mama ou há uma falta de otimização dos recursos existentes? Há como reorganizar o atendimento nos Centros de Alta Complexidade integrando com as Unidades Básicas de Saúde para otimização da capacidade de atendimento do SUS? Caponero – Screening é um bom começo, mas Caponero – Os recursos existem, mas estão não é suficiente. Quando você começa a rastrear entre os 40 e 50 anos, a efetividade é muito baixa. Achar um caso a cada 2 mil mamografias ainda não é um exame adequado – gasta-se muito dinheiro para achar poucos casos. Precisamos refinar nosso rastreamento. E a forma de refinar é a que os americanos estão fazendo: estratificar o risco. Para as pacientes com risco ao longo da vida maior que 20%, pede-se ressonância magnética. Se elas têm mais risco, rastreia-se mais de perto. Em outros países, pede-se mamografia a cada dois anos. A cada dois anos teremos muito câncer de intervalo? Se o grupo de risco for estratificado, não. Talvez tenhamos um grupo de baixo risco, em mal utilizados, porque a ineficiência é muito grande e porque esses recursos não estão adequadamente dimensionados. Existe, por exemplo, uma demanda de pedidos de exame maior do que se consegue realizar. Muitos pacientes que têm doenças banais, que tinham de ser tratados na rede básica de saúde, vão para os hospitais grandes. Já houve inclusive uma proposta do governo para resolver isso: fazer uma hierarquização da saúde em que houvesse postos de saúde para atenção primária. Quando houvesse uma coisa mais séria, seria mandada para uma rede secundária. E só os casos mais complexos chegariam à rede terciária. Mas hoje a paciente tem corrimento e vai ao posto de saúde, daí ou o posto não tem médico, ou o médico não podia atender, ou não podia fazer o exame. A paciente acaba indo ao hospital. Essa falta de hierarquização acaba sobrecarregando quem tem resolutividade. Também falta capacitação profissional. Muitas vezes, o médico do posto de saúde não tem condições para fazer o exame adequado, porque tem 30 mulheres esperando para serem atendidas. Outras vezes ele não sabe da importância do exame adequado, porque não tem formação para isso. Apalpar a mama não é uma coisa fácil. Então não adianta pedir um programa de rastreamento para o prontosocorro ou posto de saúde se o profissional não souber apalpar a mama. Essa capacitação profissional deficiente gera atendimentos redundantes e não resolutivos. A paciente que foi mal examinada ou não teve os exames bem interpretados vai voltar para a roda, porque o problema dela não foi resolvido da primeira vez, e os recursos acabam sendo usados de forma inadequada. Precisa-se, então, de uma organização de recursos financeiros e humanos. A saúde também precisa ser estruturada em todos os níveis. Se existe uma porta de entrada na rede de saúde, essa porta tem de ser eficiente para os problemas que aparecem. Se sabemos que vamos precisar de dez radiografias por dia, devemos ter a capacidade para fazer dez radiografias por dia. Hoje, muitas vezes o paciente fica internado para fazer um exame, porque a marcação é muito demorada e com internação o processo é mais rápido. Só que, assim, se desperdiçam recursos. Não posso internar pacientes para esperar por um exame. Isso se resolve com planejamento. Essa deficiência é que sobrecarrega o sistema. RG – O diagnóstico e o tratamento do câncer de mama são multidisciplinares, envolvendo uma série de especialidades como ginecologia, mastologia, patologia e oncologia. Há algo que poderia ser feito com os médicos de cada uma dessas especialidades para um diagnóstico mais preciso, reduzindo o tempo entre o diagnóstico e o tratamento das pacientes com câncer de mama? Caponero – Com certeza. É preciso dar a formação adequada para todas as especialidades. Todos têm de ser peritos no que fazem. E temos de facilitar a comunicação. Que laboratórios de especialidade são eficazes, isso qualquer faculdade de medicina sabe. O Hospital das Clínicas em São Paulo tem a Liga da Dor, a Liga da Sífilis, a Liga da Febre Reumática... São profissionais de várias especialidades que em determinado momento se juntam num único lugar e fazem o atendimento de pacientes com aquela patologia. São mutirões de esforço concentrado para atender uma especialidade. Para algumas situações, com ligas bem estabelecidas, com programas bem estabelecidos, fazer ambulatórios de especialidade facilita muito o processo. "No Brasil, vende-se a noção de que o acesso universal à saúde é realidade, quando na verdade não é. O erro desse processo está na sua hipocrisia." Do ponto de vista particular isso é muito difícil, porque é preciso volume para funcionar. Mas volume o governo tem. Uma solução seria concentrar o atendimento de determinadas condições em um determinado dia, por exemplo. É mais eficaz, com mais resolutividade. E isso é factível. Alguns convênios já fazem isso. Os convênios têm problemas mas também tem soluções boas. A Amil fez um centro chamado Total Care, um ambulatório de múltiplas especialidades. O doente sai de lá com o problema resolvido. Numa especialidade em que se precisa de um radioterapeuta, de um cirurgião e do oncologista, se todos estiverem trabalhando juntos no mesmo lugar em períodos concentrados, é possível otimizar recursos. Talvez não seja possível para todas as especialidades, mas para as mais prevalentes. No hospital Pérola Byington, por exemplo, a paciente é examinada pelo mastologista. Se forem necessários uma mamografia ou um ultrassom, o radiologista já está lá para fazer. Também já está lá o profissional que vai olhar os exames e, se for preciso fazer biópsia, o cirurgião também está disponível. Isso é a prova de que é possível funcionar de forma integrada. Essa é a forma adequada de se trabalhar. RG – Pensando nisso, como você vê o futuro para o tratamento de câncer de mama pelo SUS? Caponero – Vejo um sistema nebuloso, porque trabalhamos com o sistema de APAC que foi criado em 1999: os mesmos valores, os mesmos procedimentos, como se em 12 anos a medicina não tivesse mudado nada. Agora saíram algumas APACs novas, que dão acesso a MabThera para alguns linfomas, mas foi a mudança da perfumaria. A essência do tratamento continua não tendo direito a Herceptin, continua não tendo direito a outros tipos de tratamento, alguns portes diminuíram de valor, ou seja, não resolveu nada. Os pacientes com linfoma que precisariam receber MabThera foram beneficiados, mas o resto continuou na mesma. Não houve uma mudança geral do sistema. Isso tem um grande impacto político, porque pela primeira vez é incluída alguma droga desde o Glivec. E ela foi incluída exatamente porque o impacto financeiro dela não é tão grande. Apesar de o custo ser alto, o número de beneficiados é pequeno. Já o trastuzumabe, que tem um benefício muito mais consistente e comprovado, não é incluído porque o impacto financeiro é muito maior. O mesmo acontece com a vacina para HPV. Então a decisão não é só pelo valor científico da descoberta, mas pelo impacto econômico que isso está tendo. Não dá para dizer que não foi um progresso, mas se não se reformar o sistema de financiamento, se não forem estabelecidas regras claras, vejo um futuro pouco animador. A falta de financiamento da saúde também passa pela má remuneração dos médicos. Hoje, nos hospitais do SUS, o médico recebe salário do Estado. Mas para colocar um credenciado conveniado com o SUS, o valor de uma consulta para especialista hoje é R$ 10 e para o clínico R$ 7, e já foi um grande aumento. E aí está nosso problema, porque o profissional tem de atender 30 mulheres por hora para poder fazer volume. Ele não vai conseguir fazer um exame adequado de mamas assim. A gente precisa de um financiamento adequado para a saúde e de uma saúde de nível. Diante do nível de remuneração que se tem de SUS e convênio, você não consegue fazer uma boa medicina. Revista GBECAM 19 >> pesquisa clínica Artigos brasileiros sobre câncer de mama em 2010 Por José Bines esta sessão reproduzimos algumas contribuições de autores brasileiros em instituições nacionais, dentro da literatura de câncer de mama. Buscamos em revistas indexadas, onde encontramos uma lista extensa (e, esperamos, crescente). Fizemos uma seleção baseada na relevância do artigo, destacando temas variados dentro do universo de câncer de mama. O abstract é apresentado, seguido de um breve comentário. Esperamos aperfeiçoar esse módulo nos próximos exemplares e, para isso, agradecemos a colaboração dos leitores, através da sugestão de artigos que tenham chamado sua atenção ao longo do ano. Esta também é uma grande oportunidade para conhecermos as diversas linhas de pesquisa em curso no país e um estímulo para futuras colaborações. N ¬ No evidence for an association of human papillomavirus and breast carcinoma. Breast Cancer Res Treat. amplified, quantified and tested for DNA subtypes 6, 11, 16, and 18 by PCR. The research carried out in 79 samples of HPV DNA, proved negative. Our study demonstrates no association between the most prevalent types of HPV and breast cancer. Comentário: A associação causal do papilomavírus com o câncer de mama é controversa. Apesar de o estudo brasileiro não ter mostrado correlação, o debate continua. Metanálise publicada na mesma revista contradiz os resultados acima. (Li N, et al. Breast Cancer Res Treat 2010 Aug 26) ¬ Immediate breast reconstruction with transverse latissimus dorsi flap does not affect the short-term recovery of shoulder range of motion after mastectomy. Breast Cancer Res Treat. 2010 May;121(1):121-31. Ann Plast Surg. 2010 Apr;64(4):402-8. Silva RG Jr, da Silva BB. Department of Pathology, Federal University of Piauí, Teresina, Brazil. de Oliveira RR, Pinto e Silva MP, Gurgel MS, Pastori-Filho L, Sarian LO. Department of Obstetrics and Gynecology, University of Campinas, Campinas, São Paulo, Brazil. Abstract Breast cancer represents a serious public health problem worldwide, for its high incidence, morbidity, mortality, and its high cost treatment. It is known that breast cancer is a multifactorial disease, possessing various risk factors, among which include hormonal factors, genetic and environmental. The role of viruses in breast carcinogenesis is controversial. This study aims to evaluate the expression of HPV 6, 11, 16, and 18 by polymerase chain reaction (PCR) in invasive ductal breast carcinoma. We analyzed 90 women diagnosed with invasive ductal breast carcinoma, of which the extracted DNA was Abstract Immediate breast reconstruction, depending on the surgical strategy, can result in anatomic modifications that may affect the shoulder apparatus. This study compares the recovery of shoulder range of motion (ROM), after mastectomy, in women with and without immediate breast reconstruction with latissimus dorsi flap (LDF). This was a prospective study with 87 women who underwent mastectomy (41 with LDF). Shoulder ROM was assessed with goniometry, with a universal full-circle manual goniometer, prior to surgery, and on a weekly basis during the first 4 weeks postoperatively. 2010 Aug 24. 20 Revista GBECAM Reconstruction with LDF was not associated with a decrease in shoulder ROM (P = 0.84). By the end of the 4-week assessment program, women in both groups still had an average reduction of 30 degrees in their shoulder ROM compared with baseline. Factors significantly associated with a reduction in shoulder ROM during the recovery period were complete dissection of the axilla, current smoking behavior, and presence of painful axillary cords. It is likely that breast reconstruction with LDF has little or no effect on shoulder ROM in the immediate postoperative period. It is also possible that LDF effects (if any) are overridden by the major reduction (over 30% in the immediate postoperative period, subsiding partially during the first weeks postoperatively) in shoulder ROM caused by mastectomy. Comentário: A observação prospectiva de mulheres submetidas a mastectomia após câncer de mama e reconstrução com o grande dorsal não sugere comprometimento da mobilidade do ombro. Recomendações habituais quanto a exercícios e utilização de pesos vêm sendo revisitadas em câncer de mama. A utilização de exercícios precoces após a cirurgia tem se mostrado estratégia importante. Porém, essa recomendação deve ser contrabalançada com a possibilidade de maior acúmulo de seroma. ¬ Adherence to a Breast Cancer Screening Program and its Predictors in Underserved Women in Southern Brazil. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev. 2010 Aug 17. Caleffi M, Ribeiro RA, Bedin Júnior AJ, ViegasButzke JM, Baldisserotto FD, Skonieski G, Giacomazzi J, Camey SA, Ashton-Prolla P. 1Serviço de Mastologia, Hospital Moinhos de Vento/Nucleo Mama Porto Alegre. Abstract BACKGROUND: Adherence to breast cancer (BC) screening is a key element to ensure effectiveness of programs aiming at downstaging of BC. In this study, we evaluated adherence to a screening program and its predictors in underserved women in southern Brazil. METHODS: Attendance to the program, which is based on yearly mammogram and clinical examination, was evaluated prospectively. Mean time frames between visits were calculated. Possible predictors of adherence (defined as mean intervals </= 18 months), such as socioeconomic indicators and health/lifestyle behaviors, were investigated. RESULTS: 3,749 women (age 51 +/- 8 years, illiteracy rate 6.8%, 57.4% with parity >/=3) were analyzed. Median time between screening rounds was 16.5 months (IQR = 13.1-25.7), median number of rounds attended was 3 (IQR = 2 - 4); 57.6% had mean intervals </= 18 and 71% </= 24 months. The most important independent predictors of adherence were high genetic risk (RR=1.25, 95% CI 1.11-1.40), illiteracy (RR=0.77, 95% CI = 0.67-0.90), parity >/= 5 (RR=0.89, 95% CI 0.83-0.96) and smoking (RR=0.82, 95% CI = 0.77-0.88). CONCLUSIONS: Although the proposed screening interval was one year, compliance to biannual screening (accepted in several internationals programs) was high, especially when considering the low socio-economic level of the sample. Impact: This project aims to test a breast cancer screening model for underserved populations in limited resource countries, where adherence is an issue. The identification of worst adherence predictors can point to interventions in order to improve outcomes of similar public health screening strategies. Comentário: A detecção precoce através da mamografia é uma das principais estratégias para a diminuição da mortalidade por câncer de mama. Como a utilização dos programas de rastreamento pelas mulheres constitui etapa essencial para o seu sucesso, é relevante a busca de fatores que possam diminuir a aderência. Dadas as dimensões continentais do país, com suas diferenças socioeconômicas, as razões de não aderência e, por conseguinte, as estratégias para vencê-las provavelmente são distintas para cada região. ¬ Overall survival and post-progression survival in advanced breast cancer: a review of recent randomized clinical trials. J Clin Oncol. 2010 Apr lhores objetivos em estudos clínicos de câncer de mama avançado. Embora a maioria dos estudos recentes raramente utilize sobrevida global como objetivo principal, sobrevida livre de progressão não constitui substituto nesse cenário. Uma vez que os subtipos de câncer de mama apresentam diferentes características moleculares, clínicas, resposta a terapia e pro- 10;28(11):1958-62. gressão a linhas sucessivas, devemos ter objetivos distintos para cada subgrupo? Saad ED, Katz A, Buyse M. Dendrix Research, Rua Joaquim Floriano, 72/24 Sao Paulo, Brazil 04534-000. [email protected] ¬ Abstract With the availability of several lines of therapy, overall survival (OS) has been progressively substituted by progression-free survival (PFS) and other tumor-based assessments as the primary efficacy end point in advanced breast cancer trials. We investigated the frequency and determinants of OS gain in the recent literature and the duration of post-progression survival (PPS) according to treatment type and line. We used PubMed to search for phase III trials on systemic antineoplastic therapies published between January 1998 and December 2007 in 11 leading journals. The primary end point was the one stated explicitly, used for N calculation, or listed first. Significant gain was considered as reported P < .05 for superiority trials or proven non-inferiority or equivalence otherwise. We retrieved 76 trials, and gain in OS was reported in 15 cases (19.7%). The median gain in OS was 4.7 months, and such gain was more frequent when there was significant gain in PFS and in second-line and third-line trials. The average median OS was 20.7 months in trials assessing first-line chemotherapy and 31.1 months with first-line hormone therapy. The median proportion of OS accounted for by PPS was significantly longer in hormone therapy trials than in chemotherapy trials, but varied little across treatment lines. A statistically significant gain in OS has been reported in about one in five recent phase III trials in advanced breast cancer, despite the fact that OS has seldom been used as the primary end point. PPS represents nearly two thirds of patient survival after on-trial disease progression. Comentário: Há uma grande discussão a respeito dos me- Phase III randomized trial of sunitinib versus capecitabine in patients with previously treated HER2-negative advanced breast cancer. Barrios CH, Liu MC, Lee SC, Vanlemmens L, Ferrero JM, Tabei T, Pivot X, Iwata H, Aogi K, Lugo-Quintana R, Harbeck N, Brickman MJ, Zhang K, Kern KA, Martin M. PUCRS School of Medicine, Centro de Pesquisa em Oncologia, Jardim Botanico, Porto Alegre, RS, 90610-000, Brazil. [email protected] Abstract This multicenter, randomized, open-label phase III trial (planned enrollment: 700 patients) was conducted to test the hypothesis that singleagent sunitinib improves progression-free survival (PFS) compared with capecitabine as treatment for advanced breast cancer (ABC). Patients with HER2-negative ABC that recurred after anthracycline and taxane therapy were randomized (1:1) to sunitinib 37.5 mg/day or capecitabine 1,250 mg/m(2) (1,000 mg/m(2) in patients >65 years) BID on days 1-14 q3w. The independent datamonitoring committee (DMC) determined during the first interim analysis (238 patients randomized to sunitinib, 244 to capecitabine) that the trial be terminated due to futility in reaching the primary endpoint. No statistical evidence supported the hypothesis that sunitinib improved PFS compared with capecitabine (one-sided P = 0.999). The data indicated that PFS was shorter with sunitinib than capecitabine (median 2.8 vs. 4.2 months, respectively; HR, 1.47; 95% CI, 1.16-1.87; two-sided P = 0.002). Median overall survival (15.3 vs. 24.6 months; HR, 1.17; two-sided P = 0.350) and objective response rates (11 vs. 16%; odds ratio, 0.65; P = 0.109) were numerically inferior with sunitinib versus capecitabine. While no new or unexpected safety findings were reported, sunitinib treatment was associated with higher frequencies and Revista GBECAM 21 >> pesquisa clínica greater severities of many common adverse events (AEs) compared with capecitabine, resulting in more temporary discontinuations due to AEs with sunitinib (66 vs. 51%). The relative dose intensity was lower with sunitinib than capecitabine (73 vs. 95%). Based on these efficacy and safety results, sunitinib should not be used as monotherapy for patients with ABC. Comentário: Capecitabina é uma opção consagrada de tratamento em câncer de mama após a progressão a antraciclinas e taxanes. Alguns estudos sugerem benefício da combinação de capecitabina com outros agentes, embora associados com aumento da toxicidade. A comparação de sunitinib isolado com capecitabina mostrou-se inferior, levando à interrupção do estudo. ¬ Estrogen receptor-positive breast carcinomas in younger women are different from those of older women: a pathological and immunohistochemical study. Breast. 2010 Apr;19(2):137-41. Bacchi LM, Corpa M, Santos PP, Bacchi CE, Carvalho FM. Department of Pathology, Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, SP, Brazil. Abstract The higher frequency of triple-negative and HER-2-positive tumors detected in younger patients has been suggested as an explanation for the more aggressive tumor types observed in this age group. However, estrogen receptor (ER)-positive tumors are the most frequent subtype of breast carcinomas identified, even in younger patients. In this retrospective study, the morphological and immunohistochemical profiles of ER-positive breast carcinomas from women 35 yrs and younger that were diagnosed between 1997 and 2007 were evaluated. From these cases, 213 were selected based on the availability of pathology reports and paraffin blocks. For comparison, 117 consecutive cases of breast carcinomas diagnosed in patients >60 yrs from 2006 were included. Paraffin-embedded tumors were stained for expression of ER, progesterone receptor (PR), human epidermal growth factor receptor 2 (HER-2), Ki-67 antigen, epidermal growth factor receptor (EGFR), cytokeratin 5/6, p53, vimentin, CD117, and p63 using tissue microarrays. ER-positive carcinomas were diagnosed in 120 (56.1%) samples of the younger patient group and in 92 (78.6%) samples of the older patient group. Of these ER-positive carcinomas, 48 (40%) from the younger patient group presented the subtype luminal A, compared with 53 (57.6%) from the older patient group (p=0.01). Tumors from the younger patient group were also associated with increased vascular involvement, coexpression of HER-2, and decreased expression of CD117. These results highlight differences in expression markers and the pathology of ER-positive tumors detected in younger women, with a notable characteristic being co-expression of HER-2. Comentário: Pacientes com menos de 35 anos apresentam câncer de mama com características de maior agressividade. Mesmo considerandose apenas câncer receptor hormonal positivo, elas apresentam menor porcentagem de tumores com perfil luminal A, maior invasão vascular, assim como coexpressão de HER-2. Essas características devem ser levadas em consideração na determinação do tratamento sistêmico. Diretor científico do GBECAM é eleito para Conselho Consultivo do BIG oncologista clínico carioca José Bines, diretor científico do Grupo Brasileiro de Estudos do Câncer de Mama (GBECAM), médico sênior do Instituto Nacional de Câncer (INCA) e membro de comitê da American Society of Clinical Oncology (ASCO), foi recentemente eleito para o Conselho Consultivo do Breast International Group (BIG, na sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos para grupos acadêmicos de pesquisa em câncer de mama no mundo todo, sediado em Bruxelas, na Bélgica. O novo Conselho Consultivo foi eleito na última Assembleia Geral da organização, em Chicago. Apresentado pela nova estrutura de governo criada no início do ano, o Conselho Consultivo auxiliará o Conselho Executivo e a sede do BIG a cumprir seus deveres e responsabi- O 22 Revista GBECAM lidades. O grupo é formado por 15 pessoas, entre profissionais em começo de carreira e pesquisadores mais experientes, para trazer uma variedade de habilidades e conhecimentos para o BIG. O Conselho Consultivo para o período de 2010-2014 é formado pelos seguintes nomes: Fabrice André, Philippe Bedard, Gouri Shankar Bhattacharyya, José Bines, Fran Boyle, Boon Chua, Giuseppe Curigliano, Carsten Denkert, Peter Dubsky, John Forbes, Karen Gelmon, Sibylle Loibl, Kathy Pricthard, Alastair Thompson e Giuseppe Viale. O BIG facilita a pesquisa sobre câncer de mama em nível internacional ao estimular a cooperação entre seus membros – entre eles, o GBECAM – e outras redes acadêmicas, e colabora com a indústria farmacêutica, mas sempre trabalhando independente dela. Segundo descrição do grupo em seu website: “A cooperação em larga escala é crucial para fazer avanços significativos na pesquisa sobre o câncer de mama, reduzir o desperdício de esforços duplicados e servir melhor aqueles afetados pela doença”. >> encontro Câncer de mama – Gramado 2010 Fotos: Lilian Liang A 5ª edição do congresso Câncer de Mama Gramado 2010 reuniu cerca de 360 participantes entre 26 e 28 de agosto em Gramado, no Rio Grande do Sul. Durante três dias, oncologistas, mastologistas e patologistas brasileiros e estrangeiros debateram os últimos avanços na área. Também estiveram presentes representantes de laboratórios que investem maciçamente em pesquisa e em novos medicamentos para a condição, que só em 2010 atingirá cerca de 50 mil mulheres. Confira as imagens desse encontro. AstraZeneca Mário Sérgio Marques, Selma Kochen, Alexandre Soares, Vivian Low e Paulo Amado Palestra Roche Luciano Del Mestre, Silvio Villani, Renata Maezono, Beatriz Alves e Lissandro Teixeira Revista GBECAM 23 Novartis Paula Marins, Alfeu Silva, Eduardo Rydz, Marcelo Pegorini e Luciana Foss J&J Marco Antunes, Janaína Mazoni, Dilmar Baldicera, Anahy Diniz, Flavia Manzoni e Alberto Ribeiro Ao lado, Ana Paula Granado e Cláudia Vasconcelos; acima, Sergio Simon, Antonio Frasson e José Bines Sanofi Aventis Eder Backes Carlos Barrios e Antonio Frasson Pfizer Ana Raquel Gomes, Mariana Fonseca, Paulo Garrido, Luís Brustolin e Simone Marques 24 Revista GBECAM >> giro Simone Simon Divulgação Campanha de autoestima incentiva pacientes de câncer de mama esde 2009 o laboratório AstraZeneca vem investindo na autoestima de mulheres que passam pelo tratamento contra o câncer de mama. A Campanha de Autoestima, como foi chamada, promove reuniões bimensais em clínicas e hospitais em todo o Brasil, em que a paciente participa de palestras e atividades que abordem a questão, considerada crucial para uma atitude positiva da paciente diante do tratamento. A campanha já atingiu cerca de 420 pessoas, entre mulheres e familiares, e passou por Campinas, Caxias do Sul, Fortaleza, Goiânia, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo, São José dos Campos, Natal, Porto Alegre, Belo Horizonte, Salvador e Curitiba. Um dos pontos altos dos encontros, que colocam a teoria em prática, são as sessões de fotos, nas quais as pacientes são convidadas a se enfeitar com adereços e posar para um fotógrafo. A melhor foto é impressa e entregue às pacientes. Uma seleção das melhores fotos do ano passado se transformou no calendário da AstraZeneca de 2010. “Nosso foco é trabalhar a humanização, o resgate e a manutenção da autoestima, que muitas vezes é difícil de ser restabelecida. Acreditamos que, com isso, as mulheres ganhem mais confiança para superar as dificuldades”, diz Selma Kochen, diretora de marca da AstraZeneca. D Femama lança Outubro Rosa 2010 com foco em investimento na saúde Femama – Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama – promove pelo terceiro ano consecutivo a campanha Outubro Rosa. O lançamento da edição de 2010, cujo mote é “Sem investimento, o câncer de mama não tem tratamento”, aconteceu no dia 5 de outubro, com a iluminação de rosa do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. A ideia é chamar a atenção para a A necessidade de se investir na saúde das mulheres brasileiras, em especial na saúde da mama. Estima-se que cerca de 50 mil novos casos de câncer de mama sejam diagnosticados no Brasil anualmente. Na terceira edição da campanha, a Femama pretende dar continuidade ao sucesso obtido no ano passado com o tema “Mamografia: Agora é Lei!”, cujo objetivo foi tornar realidade nos vários estados brasileiros o que promete a Lei 11.664/2008, de 29 de abril de 2009, que garante o acesso à mamografia para mulheres acima de 40 anos. Pfizer oferece programa de informação a usuárias de Aromasin Programa Mais Mulher, uma iniciativa da Pfizer, é um programa completo de apoio a pacientes com câncer de mama usuárias de Aromasin (exemestano), com o objetivo de mantêlas bem informadas sobre a doença e seu tratamento. A iniciativa é divulgada pelo próprio médico ou por materiais do laboratório na clínica oncológica. Ao se cadastrar no programa pelo número 0800 12 66 44, a paciente recebe materiais informativos, bem como dicas de saúde e bemestar. Outro benefício oferecido é a entrega do medicamento prescrito, adquirido pela Pfizer mediante apresentação de prescrição, diretamente no local informado pela paciente ao efetuar o cadastro. O Mais informações: www.pfizeroncologia.com.br Revista GBECAM 25 Reprodução >> dica de leitura O Bad Blood: The Tuskegee Syphilis Experiment James H. Jones Por Cláudia Vasconcelos 26 livro aborda um tema que provoca grandes reflexões em pesquisa clínica: a ética na condução de estudos clínicos. O estudo Tuskegee foi conduzido pelo Serviço Público dos Estados Unidos no Alabama no período de 1932 a 1972. Seu objetivo era acompanhar a evolução natural da sífilis, sem que os pacientes fossem tratados. Foram recrutados 600 homens negros, sendo 399 portadores de sífilis e 201 sem a doença. Os pacientes não deram consentimento informado, nem foram informados de que eram portadores da doença. As informações eram de que tinham “sangue ruim” e de que receberiam tratamento médico gratuito, refeições nos dias dos exames e auxílio funeral. A inadequação ética dos primeiros anos de condução desse estudo, quando não havia terapêutica disponível, foi a omissão do diagnóstico e do esclarecimento do prognóstico, além da ausência do termo de consentimento. Mesmo no início da década de 50, quando já estava disponível a penicilina, tratamento padrão para a doença, os pacientes permaneceram sendo observados sem nenhuma terapia. O estudo somente foi encerrado em 26 de julho de 1972, 40 anos depois, após a denúncia da repórter Jean Heller no jornal Revista GBECAM The New York Times. Por ocasião do encerramento do estudo, apenas 74 pacientes participantes permaneciam vivos, 25 haviam morrido em decorrência da doença e 100 de complicações relacionadas à doença. Além disso, 40 esposas dos pacientes haviam sido infectadas e 19 recém-nascidos eram portadores de sífilis congênita. Foram publicados vários artigos científicos relatando os dados do estudo, cujos títulos não deixavam dúvida de que o obje- tivo era somente a observação, e não o tratamento – sem nenhuma repercussão na comunidade científica. O artigo que relata os dados de 30 anos de acompanhamento do estudo foi publicado após o advento da penicilina.1 Em 1969, James H. Jones, historiador e professor de história do Arkansas, especialista em assuntos bioéticos, teve acesso aos documentos do estudo, mas deduziu que ele já tivesse sido descontinuado. Posteriormente, liderou uma comissão de bioética que exigiu desculpas formais do governo americano aos oito sobreviventes do estudo e às famílias de todos os participantes. Em uma solenidade na Casa Branca, em 16 de maio de 1997, 65 anos depois do início do estudo, o então presidente Bill Clinton pediu desculpas formais aos sobreviventes e suas famílias.2 Como consequência dessa tragédia, o Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar (HEW, na sigla em inglês) estabeleceu legislação que constituiria os Comitês Institucionais de Revisão (IRB, na sigla em inglês), com requerimento de avaliação ética prévia de estudos envolvendo seres humanos. O legado do estudo Tuskegee força a comunidade científica a reavaliar continuamente a ética na condução da pesquisa clínica, principalmente no que diz respeito à população vulnerável. 1. Donald H. Rockwell, Anne Roff Yobs e M. Brittain Moore Jr. The Tuskegee Study of Untreated Syphilis - The 30th Year of Observation. Arch Intern Med. 1964;114(6):792-798. 2. AN APOLOGY 65 YEARS LATE. Online News Hour. Disponível em: www.pbs.org/newshour/ bb/health/may97/ tuskegee_5-16.html. 1 oqvs o;lrdra sl , ourJNVl rc otu I vrHVg I vnlsvdg 9Jn€l^qdNtfiJ I rnS oc tcNwD oru I ornvJ ovs wt jLI 0080 us l\oD Co)ldotNo.^^MA\ rqYourldlYo) vrlv td solNrhrvJrcrw poJdocuo '=ry "*s .lISWg O OCOI Wfl SOINIWY]ICI:lW ICI oy5rsrRby yN v5NWnDrs fl vrfNgalf,oud tc vrrNWVD .lQYCIIXlldWOf VI]Y lCI E SIVIf :IdSI SOINEWVf,ICIIW EC oy5vznvrf,ulwof I oY5rnflrursrc wI ulall 'QOUdO]NO iliro{tiiulrilulmil Patrocinadores