A sociedade civil como peça chave no combate à corrupção
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A sociedade civil como peça chave no combate à corrupção
I CONCURSO DE ARTIGOS CIENTÍFICOS DA ASBAN E DO FOCCO/GO TEMA: Meios e oportunidades de combate à corrupção e à improbidade administrativa TÍTULO: A sociedade civil como peça chave no combate à corrupção WILMAR MACHADO VIEIRA JÚNIOR SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 3 2 CORRUPÇÃO: FENÔMENO COMPLEXO PLURIDIMENSIONAL …..................... 4 1.1 O problema da definição …............................................................................. 4 1.2 Escorço histórico da corrupção …................................................................... 6 1.3 A corrupão no Setor Público …....................................................................... 7 1.4 Corrupção e Improbidade Administrativa ….................................................... 8 3 O BRASILEIRO E A CORRUPÇÃO ….................................................................... 9 4 A DEMOCRACIA, O PRINCÍPIO REPÚBLICANO, O REGIME DE RESPONSABILIDADE E O COMBATE À CORRUPÇÃO PELA SOCIEDADE CIVIL ......................................................................................................................... 11 5 O CONTROLE SOCIAL COMO MEIO DE COMBATE À CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA …............................................................................... 13 6 CONCLUSÃO ….................................................................................................... 15 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ….......................................................................... 16 3 A sociedade civil como peça chave no combate à corrupção RESUMO: combater a corrupção é medida que se impõe em qualquer nação, tendo em vista que trata-se ela de um fenômeno que corrói as estruturas sociais e dificulta o convívio social, implica o descrédito nas instituições e atua como fator limitante ao desenvolvimento. Esse combate será tanto mais efetivo quanto mais engajada estiver a sociedade civil. Porém, promover a desejada mobilização não é tarefa fácil, vez que a prática de atos corruptos é tolerada, e até mesmo enaltecida, em nossa sociedade. Como promover essa mudança de atitude é o grande desafio. Esta incumbência deverá recair, indubitavelmente, sobre as instituições que têm como atribuições constitucionalmente fixadas o controle e a fiscalização dos recursos públicos e a repressão à prática de atos corruptos. Mais que isso, esses órgãos deverão atuar de modo articulado, uma vez que, por meio de ações isoladas estarse-á como que a “enxugar gelo”. Com a mobilização da sociedade civil, esta exercerá papel de extrema relevância na prevenção e combate à corrupção, primordialmente pelo efetivo controle social. Palavras-chave: corrupção, Administração Pública, democracia, controle social, sociedade civil. 1 INTRODUÇÃO Comparada a uma doença endêmica, a corrupção é um fenômeno que remonta aos primórdios da vida em sociedade e hoje representa um dos grandes problemas do mundo globalizado. A corrupção na Administração Pública brasileira é sistêmica e, como um câncer, possui metástases em praticamente todos os órgãos. De efeitos devastadores, seu combate exige a mobilização de várias estruturas da sociedade, no setor público e no setor privado. O desafio, todavia, será o de engajar a sociedade civil nessa luta, uma vez que estamos arraigados na cultura do “jeitinho brasileiro” e vivemos sob o império da fatídica “lei de Gérson”, cuja regra principal é a de sempre levar 'vantagens', ainda que indevidas. Falta ao 'cidadão' brasileiro a mais simples noção de cidadania: a não sobreposição de seu interesse individual sobre o coletivo e a compreensão de que a res publica é coisa do povo e para o povo e não coisa de ninguém. 4 Ainda que os efeitos decorrentes da corrupção sejam nefastos, a sociedade aparentemente não consegue enxergar além da vantagem percebida de modo imediato. Tradicionalmente, não se dá conta – ou mesmo não reprova – de que com os “pequenos desvios”, praticados por vários sujeitos, todos agindo do mesmo modo, ao final chega-se a verdadeiro rombo nos cofres públicos. O que é pior, não se atentam de que as mortes nas filas dos hospitais públicos, a falta de vagas nas escolas públicas e o aumento da violência são consequências imediatas da corrupção. Identificar ações que sejam capazes de reverter este estado de coisas e combater a corrupção, mal que assola a humanidade, é medida que se impõe. Este é o objetivo deste estudo que, frente ao desafio de se encontrar meios e oportunidades de combate à corrupção e à improbidade administrativa, debruça-se sobre a temática, visando alcançar uma compreensão sobre o fenômeno da corrupção e identificar como o brasileiro se porta frente a ele e demonstrar como – na atual forma de organização do Estado brasileiro – o cidadão, legitimado a controlar seus administradores públicos e o maior interessado no combate à prática da corrupção, pode e deve operar . Ao final pretende-se expor algumas ações passíveis de implementação e que visem contribuir com a luta contra a corrupção. 2 CORRUPÇÃO: FENÔMENO COMPLEXO PLURIDIMENSIONAL 2.1 O problema da definição A corrupção é um fenômeno maléfico extremamente complexo sobre o qual se dedicam várias áreas do conhecimento com o objetivo de compreendê-lo, de analisar seus efeitos e, sobretudo, de combatê-lo. Para sua correta compreensão, exige-se uma análise multidisciplinar, sob pena de se chegar a conclusões caolhas e parciais. Por isso, apresentar um conceito abrangente de corrupção é tarefa árdua, tendo em vista emaranhado de elementos que envolvem o fenômeno e que, a depender da faceta analisada, pode ser definido de múltiplas maneiras. Em outros termos, 5 a conceituação da corrupção muda conforme a perspectiva do autor ou do ângulo científico em que é vista: pelo jurista, pelo teólogo, pelo sociólogo, cada uma a define de um modo. Corroborando o entendimento de que a corrupção deve ser analisada sob uma perspectiva multidisciplinar (ROCHA, 2009, p. 41). O estabelecimento de uma definição generalista ao termo corrupção é dificultado, também, pela sua variedade de acepções. Pode-se falar em corrupção sob as perspectivas política, moral, religiosa, penal, social, internacional ou administrativa. A partir de cada uma delas, chega-se a uma realidade distinta. Porém, todas essas acepções têm em comum o fato de se referir a situações ou circunstâncias sempre valoradas negativamente. Corrupção está associada à ideia de desonestidade, de imoralidade, de enriquecimento ilícito e de desvio de poder e é nesse sentido que se pauta o presente estudo. Tal dificuldade no emprego de uma definição para corrupção é ressaltada por Nunes (2008), ao apontar que Para o Direito Internacional, definir corrupção não é uma tarefa simples, vez que não há uma estreita, compreensiva e universal de corrupção, dada a complexidade e pluridimensionalidade do tema. As tentativas de definição, anteriormente feitas, acabaram encontrando obstáculos legais, doutrinários e políticos em muitos países (p. 17). Todavia, é possível adotar como ponto de partida para a compreensão desse fenômeno e caminhar rumo a uma definição a análise etimológica do verbete corrupção. “Etimologicamente, corrupção deriva do latim rumpere, equivalente a romper, dividir, gerando o vocábulo corrumpere, que, por sua vez, significa deterioração, depravação, alteração, sendo largamente coibida pelos povos civilizados” (GARCIA, 2008). Atentando-se à etimologia do termo, não é difícil concluir os efeitos dos atos corruptos: eles corroem os fios que compõem a teia ética que conforma a vida em sociedade e, por consequência, comprometem a integridade do organismo social. Todavia, como já dito, a análise do fenômeno deve se estender para além de suas consequências. Porém, devido ao escopo deste estudo, será dado enfoque à corrupção administrativa, afeta ao setor público. Esse recorte metodológico se impõe ante a impossibilidade de manejar todas as variáveis afetas a esse fenômeno danoso. Assim, exposto o problema afeto à definição, não se ocupa, aqui, a enfrentá-lo, por fugir ao objetivo do presente trabalho. 6 2.2 Escorço histórico da corrupção Alguns estudiosos sobre o tema, entre eles Nunes (2008), ressaltam que a existência da corrupção se confunde com a história da humanidade. Segundo ele, “referências ao fenômeno podem ser encontradas no Código de Hamurabi, no Reino da Babilônia (XX a.C.), no Reino do Egito (XIV a.C.) e na Bíblia” (p.16). Os filósofos da Grécia Antiga já se dedicavam ao tema. Aristóteles, em Ética a Nicômaco, já discorria sobre a currupção na polis. Foi na era clássica do Direito Grego, caracterizada pela aparição da cidade-estado, polis, e da democracia direta que surgiram os delitos de funcionários contra a Administração Pública. Eram tipificados o peculato, a corrupção e o abuso de autoridade, aos quais se cominavam penas gravíssimas, inclusive a de morte (BARROS JUNIOR apud ROCHA, 2009, p. 37). O filme Gladiador (2000) destaca, de maneira explícita, a corrupção no Senado romano no período do Baixo Império (Século II), sendo salientado pelo Imperador que sua dissolução não seria sentida pelos romanos, ante os inúmeros escândalos de corrupção envolvendo os senadores. O que se observa é que a corrupção vem se desenvolvendo na mesma proporção que se desenvolve a sociedade. Quanto maior o número de relações humanas, mais propícia a ocorrência de um ato corrupto. Desde a expansão marítimo-comercial essas relações vêm aumentando vertiginosamente, passando pela Revolução Industrial, que mudou radicalmente a divisão do trabalho e aumentou a circulação de riquezas. Paralelamente, o Estado, na concepção que se conhece hoje, surge e se expande cada vez mais. A disputa pelo poder no mundo bipolar (entre capitalistas e socialistas), já no Século XX, foi propícia ao surgimento de governos ditatoriais, caracterizados por abusos praticados por ditadores corruptos. Essa Ordem Mundial foi rompida com o término da chamada Guerra Fria, já nos anos 1990, ocasião em que se iniciou processo de democratização. Esse processo de ampla democratização após a Guerra Fria fez com que houvesse uma verdadeira explosão de ações preventivas e repressivas ao fenômeno da corrupção. A democracia (…) permite a coexistência de mecanismos institucionais e sociais de controle e contribui para o aumento das discussões e das ações anticorrupção em razão do aumento dos espaços para discussão do fenômeno, além do aumento das instituições governamentais ou não que estudam o tema (NUNES, 2008, p. 23). 7 Hodiernamente, a corrupção passou a ser uma preocupação global, tanto que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a necessidade de desenvolver um instrumento jurídico contra a corrupção1. Após todos os trabalhos, em 9 de dezembro de 2003 foi assinada a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – UNCAC2 (CGU, 2008). Desde então, o dia 9 de dezembro foi escolhido como o Dia Internacional de Combate à Corrupção. 2.3 A corrupção no Setor Público A corrupção não é fenômeno exclusivo do setor público, ocorrendo em larga escala também no setor privado. Os efeitos desse fenômeno são maléficos a toda a sociedade, uma vez que implica a descrença nas instituições e o desvio de recursos públicos destinados a políticas públicas essenciais, como na saúde, educação e segurança pública, por exemplo. As consequências sociais são imensuráveis, mas não imperceptíveis. “A corrupção 'corrói a dignidade do cidadão, deteriora o convívio social, os serviços públicos e compromete a vida de gerações futuras'” (TREVISAN apud CARVALHO, 2005, p. 9). Todo cidadão brasileiro tem consciência de que cada vez mais pessoas morrem nas filas dos hospitais ante a falta de vagas, de equipamentos básicos, de remédios ou mesmo de profissionais. A qualidade do ensino público, em que pese a relevante força de vontade de nossos professores, é cada vez menor. A violência já não é mais uma característica marcante apenas dos grandes centros urbanos. Sofrem com os efeitos da corrupção não apenas as pessoas que necessitam diretamente desses serviços públicos essenciais, mas também a classe média que se sucumbe diante da sobrecarga tributária. Conforme conclusões exaradas em estudo realizado pelo Banco Mundial, publicado na Revista Veja nº 1.491, de 14/03/2001, acaso diminuídos os níveis de corrupção pela metade, acarretariam eles a redução dos seguintes fatores de arrefecimento social: a) mortalidade infantil - 51%; b) desigualdade na distribuição de renda - 54% e c) porcentagem da população que vive com menos de dois dólares por dia – 45% (GARCIA, 2008, p. 13). 1 Além da UNCAC, o Brasil já ratificou outros dois Tratados Internacionais que preveem a cooperação internacional na prevenção e combate à corrupção. Para mais informações consultar a a cartilha da CGU sobre a CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO (2008, p. 5). 2 Sigla da expressão inglesa United Nations Convention Against Corruption. 8 A precariedade na prestação de boa parte dos serviços públicos não decorre da falta de recursos, mas sim da sua má aplicação. A Fundação Getúlio Vargas, em pesquisa, chegou à conclusão de que “a economia brasileira perde com a corrupção, todos os anos, de 1% a 4% do PIB (FGV). Isso equivale, anualmente, a um valor mínimo de 30 bilhões de reais” (NÓBREGA, 2009). Desse modo, aumentar as receitas públicas, principalmente com a sobrecarga tributária, em nada contribuirá para solução desse quadro caótico. Pelo contrário, o Estado, se assim agisse, estaria a exercer atividade confiscatória sobre o patrimônio particular. Aumentar-se-ia ainda mais a injustiça. Forçoso reconhecer que o fenômeno da corrupção na Administração Pública representa um entrave à realização dos objetivos fundamentais previstos no artigo 3º de nossa Constituição Federal (CF/88), in verbis: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Esses efeitos são nocivos à economia e à sociedade de qualquer país, “mas seus efeitos são mais devastadores nos países em desenvolvimento porque afetam diretamente o crescimento, os investimentos, a economia nacional e o desenvolvimento econômico e social” (NUNES, 2008, p. 19). Daí a necessidade de se combater, em âmbito global, esse fenômeno. 2.4 Corrupção e Improbidade Administrativa Alguns autores consideram a corrupção na Administração Pública uma espécie do gênero improbidade administrativa. A probidade administrativa, princípio constitucional do Direito Administrativo, é conceito mais amplo e se relaciona com a ideia de honestidade na Administração Pública. Nessa linha, Garcia (2008), sustenta que No Brasil, como se sabe, a corrupção configura tão-somente uma das faces do ato de improbidade, o qual possui um espectro de maior amplitude, englobando condutas que não poderiam ser facilmente enquadradas sob a epígrafe dos atos de corrupção. Improbidade e 9 corrupção relacionam-se entre si como gênero e espécie, sendo esta absorvida por aquela (p. 2). Disciplinando o artigo 37, § 4º, da Carta Maior, a lei nº 8.429/92 define os atos praticados por agentes públicos, bem como por particulares em conluio com aqueles, que configuram improbidade administrativa. O artigo 1º e seu parágrafo único da referida lei estabelece quem são os sujeitos ativos dos atos de improbidade, in verbis: Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei. Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. E mais à frente estabelece as modalidades de improbidade: Os atos de improbidade compreendem três modalidades: a) os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) os que causam prejuízo ao erário (art. 10); c) os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). (Grifos no original) (DI PIETRO, 2010, p. 833). É nítido que nem todos os atos de improbidade administrativa são, também, atos de corrupção. O presente estudo dá enfoque apenas aos atos de corrupção, que necessariamente se consubstanciam, simultaneamente, em ato ímprobo. 3 O BRASILEIRO E A CORRUPÇÃO Estabelecidas essas premissas básicas acerca do tema do presente estudo, passa-se à análise de como o cidadão brasileiro se porta ante a ocorrência de corrupção na Administração Pública. 10 É mundialmente sabido que entre os brasileiros impera a “Lei de Gérson”3, em que a maioria das pessoas sempre busca sempre levar vantagens, ainda que indevidas, o que é demonstrado por pesquisas, como a adiante apresentada. Pagar propina ao agente de trânsito para não ser multado, ficar silente ao receber troco errado, valer-se do sistema de cotas para acesso ao cursos oferecidos pelas universidades públicas sem preencher os requisitos e mediante declarações falsas são só alguns exemplos práticos da aplicação da fatídica “lei de Gérson”. Mais que isso, a maioria daqueles que toma conhecimento das práticas corruptas (sem delas participar) as enxerga com relevante normalidade. Falta aos brasileiros4 maior consciência coletiva de que o bem de todos implicará, também, seu bem individual, assim como de que as pequenas vantagens individuais indevidamente percebidas se reverterão em circunstâncias mais gravosas, se não imediatamente, em curto prazo. A equivocada ideia de que a coisa pública é coisa de ninguém também reforça a tolerância, e até mesmo enaltecimento, daqueles que solapam o erário. Nesse sentido, pesquisa do IBOPE (2006) concluiu que a maioria dos brasileiros costuma condenar a corrupção, mas tem um comportamento nada aceitável nos seus atos do dia-a-dia, menosprezando valores como honestidade e ética e se apegando ao chamado "jeitinho brasileiro”. 75% afirmaram que cometeriam atos de corrupção se tivessem oportunidade de fazê-lo; 14% disseram que já pagaram gorgetas para se livrar de multas; 59% das pessoas ouvidas afirmaram que, se fossem autoridades, contratariam familiares ou amigos para cargos de confiança; 43% disseram que aproveitariam viagens oficiais para lazer próprio e dos familiares (NÓBREGA, 2009). O autor literário Mário de Andrade (1997), no romance “Macunaíma – o herói sem nenhum caráter”, bem ressaltou o perfil do herói Macunaíma, espertalhão, trapaceiro e sempre levando vantagem em tudo, sem a observância de quaisquer valores morais. Retratou, então, ainda no início do Século XX, como o brasileiro se vale o conhecido “jeitinho brasileiro”, e mais, como é enaltecido aquele que assim age. Trata-se de verdadeira subversão de valores. A passagem a seguir transcrita bem sintetiza esse entendimento: 3 “expressão que (lamentavelmente) é associada ao renomado jogador de futebol que ao realizar propaganda de cigarros, tinha por slogan publicitário 'leve você também vantagem' ou algo assim, acabou como um bordão associado à política e a esquema de corrupção” (FIGUEIREDO, 2008, p. 259). 4 Fala-se, aqui, apenas dos brasileiros não porque essas sejam características exclusivas deste povo, mas tão somente pelo recorte metodológico adotado na presente análise. Como já mencionado, a corrupção não é uma característica apenas desta ou daquela nação, mas sim um fenômeno global. 11 A corrupção está associada à fragilidade dos padrões éticos de determinada sociedade, os quais se refletem sobre a ética do agente público. Sendo este, normalmente, um mero "exemplar" do meio em que vive e se desenvolve, um contexto social em que a obtenção de vantagens indevidas é vista como prática comum pelos cidadãos, em geral, certamente fará com que idêntica concepção seja mantida pelo agente nas relações que venha a estabelecer com o Poder Público. Um povo que preza a honestidade terá governantes honestos. Um povo que, em seu cotidiano, tolera a desonestidade e, não raras vezes, a enaltece, por certo terá governantes com pensamento similar (GARCIA, 2008, p. 3). É lastimável concluir que a sociedade brasileira repousa-se sobre padrões éticos tão frágeis. E como os agentes políticos e servidores públicos são alçados aos seus cargos escolhidos, por eleição ou concurso público, dentre os integrantes dessa mesma sociedade, essa ideologia permeia a Administração Pública. 4 A DEMOCRACIA, O PRINCÍPIO REPÚBLICANO, O REGIME DE RESPONSABILIDADE E O COMBATE À CORRUPÇÃO PELA SOCIEDADE CIVIL No Brasil impera a democracia, regime político no qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” (parágrafo único do artigo 1º da CF/88). Portanto, os representantes eleitos exercem o poder não em nome próprios, mas sim como mandatários do povo, verdadeiros soberanos. A participação direta do povo nas decisões políticas se dão nos termos fixados na Carta Maior, por meio de projeto de lei de iniciativa popular, plebiscitos ou referendos. Trata-se da democracia semidireta. Por seu turno, o Brasil adota a república como forma de governo. Caracterizam um governo republicano: a) a temporariedade; b) a eletividade; c) a responsabilidade do governante; d) a representatividade popular. O princípio republicano está estampado no caput do artigo 1º da Constituição de 1988. Dele decorre alguns desdobramentos, dentre os quais se destacam a possibilidade de qualquer do povo, preenchidos os requisitos constitucionais ou legais, investir-se no poder e a responsabilização do governante pelos seus atos. A república enquanto forma de governo tem na responsabilidade o seu traço característico. É a garantia de que os mandatários e demais pessoas envolvidas no trato com a coisa pública definem como se irão portar no manejo e desempenho das funções republicanas. Daí compreender-se que a responsabilidade se faz indissociável do significado do termo república (NEIVA, 2007, p. 8). 12 A noção de responsabilidade é corolário do princípio de republicano. Isso porque o governante não exerce os seus atos em nome próprio, mas como mandatário do povo. Portanto, o mandatário tem o dever de prestar contas a quem representa. Se os atos empreendidos pelo governante forem contrários ao interesse público (interesse do povo), seja por desvio de finalidade, seja por abuso de poder, este deverá ser responsabilizado. Portanto, todos os que agirem, em qualquer área ou nível, como integrantes de algum órgão público ou exercendo uma função pública devem ser juridicamente responsável por seus atos e omissões. Para a efetivação dessa responsabilidade é preciso admitir que o agente do poder público ou o exercente de função pública possam ser chamados a dar explicações, por qualquer pessoa do povo, por um grupo social definido, ou por um órgão previsto na Constituição como agente fiscalizador. Se a coisa pública pertence ao povo, perante este todos os seus gestores devem responder (ATALIBA apud NEIVA, 2007, p. 8) (grifou-se). Isso porque a res publica (coisa pública), em essência, é coisa de todos e não coisa de ninguém, como a parte significativa da sociedade aparenta acreditar. Portanto, sendo o povo o soberano e detentor da coisa pública, nada mais óbvio que ele, enquanto integrante dessa sociedade, seja o principal legitimado a exigir a prestação de contas por parte daqueles que o representa. A idéia de responsabilidade faz-se acompanhar necessariamente das noções de pretação de contas e de fiscalização dos mandantes pelos mandatários, assegurando que, na ausência de tais ingredientes idoneamente formulados e de instrumental a torná-los plenamente eficazes, não há que falar em república representativa (SIRAQUE, 2009, p. 31-32). Deste modo, não há maior interessado ou legitimado ao combate à corrupção na Administração Pública que a sociedade civil. Como bem explicitado no excerto acima, o representante tem o dever de prestar contas perante qualquer do povo, grupo social ou órgão previsto na Constituição como agente fiscalizador. Assim, em que pese o relevante e fundamental papel desempenhado pelos órgãos de controle e fiscalização5 e os de repressão6 no combate à corrupção, o cidadão não pode acreditar que tal mister é atribuição exclusiva daqueles. Aliandose a esses órgãos, a sociedade civil, uma vez mobilizada, pode exercer papel 5 Papel desempenhado, principalmente, pelas ouvidorias, controles internos e pelos poderes legislativos, com o auxílio dos tribunais de contas. 6 Função dos ministérios públicos e das polícias judiciárias. 13 fundamental no combate à corrupção, especialmente no modo preventivo, com a obtenção de resultados alvissareiros. 5 O CONTROLE SOCIAL COMO MEIO DE COMBATE À CORRUPÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA O cidadão e as entidades que compõem a sociedade civil podem combater a corrupção na Administração Pública por meio do controle social. Esse controle pode se dar mediante: a) encaminhamento de denúncias aos órgãos de controle e fiscalização da aplicação de recursos pelo Estado e de repressão aos atos de corrupção; b) monitoramento direto na aplicação de recursos públicos e na execução de políticas públicas nos municípios em que residem os cidadãos e c) repreensão moral, consubstanciada na não eleição de candidatos políticos que já estiveram envolvidos em escândalos de corrupção. Como visto, são vários os mecanismos de combate à corrupção que podem ser empreendidos pela sociedade civil, mas para que se tornem efetivos é necessário um árduo trabalho de mobilização e articulação sobre os cidadãos, visando despertar a consciência para os efeitos catastróficos da corrupção, o respeito individual aos interesses coletivos e a correta concepção sobre a res publica. Trata-se, pois, de ofertar uma melhor formação cidadã aos integrantes da sociedade brasileira. Somente uma ampla mobilização nacional, um plano estratégico de combate à corrupção de longo prazo, que envolva o setor público e a iniciativa privada, além da sociedade civil organizada, com um trabalho também fortemente centrado na educação, pode fazer a diferença (NÓBREGA, 2009). Porém, para que essa mobilização social ocorra é necessário o desenvolvimento de um planejamento estratégico7, coordenado pelos mencionados órgãos que têm constitucionalmente conferidas as funções de fiscalização e repressão aos atos de corrupção, uma vez que estes já estão estrutural e tecnicamente organizados para consecução de tal incumbência. O primeiro passo para a consecução desse intento é a articulação entre os os órgãos já referidos. Essa caminhada já foi iniciada com a criação dos Fóruns Permanentes de Combate à Corrupção (FOCCO) nos Estados de Alagoas, Goiás, 7 Planejamento estratégico é aquele que estabelece planos e objetivos a serem executados a longo prazo. 14 Rio Grande do Sul, Piauí , Ceará, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Tocantins, Acre e Amazonas (NÓBREGA, 2009), e pela implementação da Rede de Controle da Gestão Pública8. No Relatório 2009/2010, no qual o FOCCO-GO apresenta as principais atividades desenvolvidas no referido período, estão consignados sua natureza e objetivos: Trata-se, pois, de uma entidade interinstitucional que visa o estabelecimento de parcerias estratégicas objetivando contribuir para o fortalecimento do controle social, como forma de atuação também preventiva no combate à corrupção, além de tornar mais efetiva a atuação repressiva deste mal que assola a sociedade. Faz parte ainda das metas do Fórum desenvolver mecanismos de fomento e apoio à participação da sociedade civil organizada na fiscalização da aplicação do dinheiro público. (FOCCO-GO, 2011, p. 1). A comunhão de esforços entre os órgãos previstos na Constituição como agentes fiscalizadores e os integrantes da sociedade civil é fundamental para aumentar a efetividade no combate à corrupção, tendo em vista que, apesar da qualificação técnica e da missão perseguida por esses órgãos constitucionais, seus recursos são limitados e não dispõem da capilaridade necessária para alcançar a corrupção nos mais de cinco mil municípios que integram a Federação Brasileira. Como já mencionado, para que a sociedade civil possa ter condições de exercer papel atuante no combate à corrupção é necessário árduo trabalho de conscientização, que implique em mudança cultural e desperte os cidadãos para os danosos efeitos desse mal. Para tanto, essas entidades interinstitucionais podem realizar as seguintes ações: a) firmar parcerias com entidades da sociedade civil com o objetivo de apoiar o trabalho de mobilização social acerca do tema; b) incentivar a discussão entorno da corrupção e seu combate no âmbito escolar e no meio acadêmico; c) expandir os programas já desenvolvidos por alguns órgãos como “Olho Vivo no Dinheiro Público”, promovido pela Controladoria-Geral da União (CGU); d) intensificar a promoção de campanhas publicitárias que mostrem de maneira explícita os danos decorrentes da corrupção, visando 8 A Rede de Controle é um centro decisório interorganizacional que visa aprimorar a efetividade da função de controle do Estado sobre a gestão pública. Maiores informações podem ser obtidas na homepage da entidade (http://www.rededecontrole.gov.br/portal/page/portal/rededecontrole). 15 provocar no cidadão o choque necessário para sua mudança de postura frente a esse fenômeno; e) empreender gestão junto aos instrumentos midiáticos de modo fortalecer a divulgação, de modo crítico e sem sensacionalismos, os atos corruptos e seus efeitos nefastos; f) estudar os meios empregados pelos ambientalistas na promoção da mudança de conscientização promovida na sociedade em relação a preservação do meio ambiente e analisar a possibilidade de aplicá-los no combate à corrupção. Será sinal de que a interação entre sociedade civil e os órgãos de controle, fiscalização e os de repressão está se materializando.quando qualquer do povo9 irresignar-se ao se deparar com um veículo particular abastecendo à conta do contrato de fornecimento de combustível destinado a atender a frota de veículos da prefeitura, por exemplo, e se vir compelido a procurar os órgãos de fiscalização para comunicar o fato e apresentá-lo do modo correto, indicando eventuais meios de prova (ainda que testemunhais), bem como admoestar moralmente os responsáveis por referida conduta., Ou, ainda, quandos os políticos investigados por estarem envolvidos em escândalos de corrupção não conseguirem mais se elegerem, estar-se-á frente ao efetivo controle social. O combate à corrupção não haverá de ser fruto de mera produção normativa, mas, sim, o resultado da aquisição de uma consciência democrática e de uma lenta e paulatina participação popular, o que permitirá uma contínua fiscalização das instituições públicas, reduzirá a conivência e, pouco a pouco, depurará as idéias daqueles que pretendem ascender ao poder. Com isto, a corrupção poderá ser atenuada, pois eliminada nunca o será (GARCIA, 2008, p. 3) Ainda que árdua a caminhada rumo à efetiva prevenção e repressão da corrupção, ela deve ser iniciada e continuar de modo perene. A iniciativa, no sentido de reverter o estado de coisas apontado no item 2 deste estudo, deve recair, indubitávelmente, sobre os órgãos formalmente imbuídos de controlar e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos e de reprimir os atos corruptos perpetrados. 6 CONCLUSÃO 9 Aqui espera-se que referida conduta seja a regra e não a exceção, como tem-se hoje. 16 É fato que o combate à corrupção é um problema de tamanha proporção que, não raras vezes, acaba-se por acreditar não haver solução para amenizá-lo. Todavia, há que se buscar a consciência de que “o soldado da paz não pode ser derrotado, ainda que a guerra pareça perdida”10. A corrupção é um fenômeno que, por suas características e efeitos, deve mobilizar a todos no mister de combatê-la. E este combate não pode se limitar à pratica de ações meramente formais ou protocolares, mas sim se pautar por práticas efetivas e concretas que sejam capazes de atenuar a corrupção. Não é crivel que mudanças legislativas ou promulgação de novas leis sejam capazes de reduzir a corrupção. Na verdade, é necessário executar corretamente as leis que compõem o ordenamento júrídico pátrio. Ademais, as ações de combate à corrupção devem ser planejadas e executadas de maneira coordenada entre os órgãos que têm esse finalidade. Se assim não for, estar-se-á apenas a “enxugar gelo”, uma vez que ações isoladas dificilmente conseguirão efetivamente alterar o estado de coisas com o qual se depara hoje. Por fim, o efetivo combate à corrupção necessariamente deverá contar com participação da sociedade civil, de modo a aliar os controles sociais e institucionais. Os resultados serão lentos, porém praticamente certos e recompensadores. As consequências desse concerto será a redução da corrupção no Setor Público e, com isso, o desenvolvimento econômico e social do Brasil. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ANDRADE, Mário de. Macunaíma – o herói sem nenhum caráter. 30ª ed. 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