estudos hispânicos - 1
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estudos hispânicos - 1
Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro ESTUDOS HISPÂNICOS Língua Literatura Ensino Pesquisa Organização: 2009 Luciana Maria Almeida de Freitas – Elda Firmo Braga – Viviane C. A. Lima – Dayala Vargens – Marianna Montandon – Aline Machado da Silva – Talita de Assis Barreto – Flávia Augusto da Silva Severino – Fábio Sampaio de Almeida – Maria Cristina Giorgi Organização: ESTUDOS HISPÂNICOS Língua, Literatura, Ensino, Pesquisa Luciana Maria Almeida de Freitas Elda Firmo Braga Viviane C. A. Lima Dayala Vargens Marianna Montandon Aline Machado da Silva Talita de Assis Barreto Flávia Augusto da Silva Severino Fábio Sampaio de Almeida Maria Cristina Giorgi Rio de Janeiro 2009 © Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro - APEERJ. Direitos reservados. É permitida a copia total ou parcial deste livro para fins acadêmicos não lucrativos desde que seja citada a procedência e a autoria. Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro. Dados internacionais de Catalogação-na-fonte –CIP Estudos Hispânicos. Língua, Literatura, Ensino, Pesquisa / Organização de Luciana Maria Almeida de Freitas et al. Rio de Janeiro: APEERJ, 2009. 301 p. E-book. ISBN 978-85-87332-06-6 1. Hispanismo. 2. Letras. 3. Título. Editoração e criação: Luciana Maria Almeida de Freitas A Apeerj agradece às seguintes instituições pelo apoio recebido durante o XVI Seminário de Estudos Hispânicos: Instituto de Letras da Universidade Federal Fluminense, Consejería de Educación de la Embajada de España en Brasil, Banda Songoro Cosongo, Letraviva/Grupo Anaya, Martins Editora, Santillana, SBS/SGEL, Mundo Español, Centro Alpha, Universidad de la República de Uruguay e Instituto Chileno de la Lengua. Diretoria 2008-2010 Diretora Presidente: Luciana Maria Almeida de Freitas Diretora Vice-Presidente: Elda Firmo Braga 1ª Diretora Financeira: Viviane Conceição Antunes Lima 1ª Diretora Secretária: Maria Cristina Giorgi 2ª Diretora Financeira: Aline Machado da Silva 2ª Diretora Secretária: Marianna Montandon Diretor Sócio-Cultural: Fábio Sampaio de Almeida Presidentes de Honra: Maria de Lourdes Cavalcanti Martini Bella Jozef Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento Diretoria 2006-2008 Diretora Presidente: Talita de Assis Barreto Diretora Vice-Presidente: Luciana Maria Almeida de Freitas 1ª Diretora Financeira: Aline Machado da Silva 1ª Diretora Secretária: Viviane Conceição Antunes Lima 2ª Diretora Financeira: Dayala Paiva de Medeiros Vargens 2ª Diretora Secretária: Flavia Augusto da Silva Severino Diretor Sócio-Cultural: Elda Firmo Braga Presidente de Honra: Maria de Lourdes Cavalcanti Martini Sumário APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 7 O TRABALHO COM CONTOS NA SALA DE AULA DE E/LE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA ANTONIO FERREIRA DA SILVA JÚNIOR ......................................................... 63 OS PARADIDÁTICOS NO ENSINO MÉDIO DILMA FIGUEIREDO ................................................................................. 72 PREFÁCIO (POR LÍVIA REIS)......................................................................... 10 COMUNICAÇÕES CONFERÊNCIAS LA ESCRITURA Y LOS MODELOS DE CREACIÓN MARIO DELGADO APARAÍN ....................................................................... 12 ¿QUÉ (NO) SE HA HECHO DESDE LA PROMULGACIÓN DE LA LEY 11.161? NEIDE MAIA GONZÁLEZ ........................................................................... 18 MESAS REDONDAS A ANÁLISE DO DISCURSO E O ENSINO DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA DEL CARMEN DAHER ................................................................................ 26 A LINGÜÍSTICA APLICADA NO BRASIL E A ÁREA DE LÍNGUA ESPANHOLA MÁRCIA PARAQUETT ............................................................................... 36 ESPANHOL NO ENSINO MÉDIO: UM OLHAR DISCURSIVO MARIA CRISTINA GIORGI .......................................................................... 48 LITERATURA E ENSINO DE E/LE ANTONIO ANDRADE ................................................................................ 55 LA POLÉMICA EN LA CONSTRUCCIÓN DE LOS SENTIDOS DE UN TEXTO: CONTRIBUCIONES PARA LA ENSEÑANZA DE E/LE CHARLENE CIDRINI FERREIRA ..................................................................... 81 VARIACIÓN Y CAMBIO LINGÜÍSTICOS DE LOS PRETÉRITOS: MUESTRAS DE ESPAÑA, MÉXICO Y ARGENTINA CÍNTIA FERREIRA DOS SANTOS ................................................................... 90 O LUGAR DA LEITURA EM REVISTAS DE AUTO-APRENDIZAGEM DORIS CRISTINA VICENTE DA SILVA MATOS ............................................... 101 LEITURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ABORDAGEM LEITORA DE E/LE FRANCIS CHAGAS LIMA .......................................................................... 109 CREENCIAS Y VALORES EN LA ENSEÑANZA DEL ESPAÑOL COMO LENGUA EXTRANJERA: UN ESTUDIO DEL HABLA DE GRADUANDOS GLAUCE HELENA SANTOS LARANJEIRA E JANE CLEIDE DOS SANTOS DE SOUSA .. 120 O ENSINO DE ESPANHOL NO DISCURSO DA LEI: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS DO TRABALHO DOCENTE MARIA CECÍLIA BEVILAQUA .................................................................... 130 EN BÚSQUEDA DE UNA ACUARELA MULTIDISCIPLINAR – UMA EXPERIÊNCIA POSITIVA COM O ENSINO DE E/LE NA EJA MICHELE ABREU VIVAS ..........................................................................138 LAS RELACIONES TEMPORALES DEL ESPAÑOL EN EL INDICATIVO DESDE EL PUNTO DE VISTA DE LA ENUNCIACIÓN SERAFINA VALLEJO GÓMEZ .................................................................... 204 INTERCULTURALIDADE E O ENSINO DE LE: UMA QUESTÃO EM DISCUSSÃO MONICA LEMOS ...................................................................................145 ENTRE SÍMBOLO E RESISTÊNCIA: VOZES FEMININAS NA POESIA NICARAGÜENSE DOS ANOS 70 BETHANIA GUERRA DE LEMOS ................................................................ 211 EL CINE COMO MATERIAL DIDÁCTICO VALERIA VERÓNICA QUIROGA .................................................................154 A POESIA TRILINGÜE DE ALICIA GHIRAGOSSIAN CARLOS ALBERTO DELLA PASCHOA .......................................................... 221 EL CINE EN ESPAÑOL: COMPARTIENDO Y FORMULANDO ACTIVIDADES PARA LAS CLASES VALERIA VERÓNICA QUIROGA .................................................................158 CANDOMBE: REVELACIONES DE UN RITMO AFRO-URUGUAYO ELDA FIRMO BRAGA E MARIANA MONTANDON .......................................... 227 ALUMNOS DE LA TERCERA EDAD Y PROFESORES DE UNATI/UERJ: UN ANÁLISIS DISCURSIVO DE LA CONSTRUCCIÓN DE CREENCIAS Y VALORES ACERCA DE LA ENSEÑANZA/APRENDIZAJE DE E/LE VERÔNICA DE OLIVEIRA LOURO ...............................................................165 “IZQUIERDA, ¡VOLVER!”: PROPOSTA DE ANÁLISE DISCURSIVA DOS PRONUNCIAMENTOS DE POSSE DE HUGO CHÁVEZ E EVO MORALES AUGUSTA PORTO AVALLE ......................................................................178 LAS FORMAS DE TRATAMIENTO EN “DON QUIJOTE” JACK MATTOS DA SILVA JUNIOR ..............................................................188 RELAÇÕES LEXICAIS E PROCESSO REPRESENTACIONAL TRILINGÜE (INGLÊS, ESPANHOL E PORTUGUÊS) DE UM MESMO EVENTO DISCURSIVO NA MÍDIA: PARA UMA ABORDAGEM CRÍTICA DA PRODUÇÃO E DO CONSUMO DE TEXTOS ROGÉRIO ALEXANDRE DAS DORES E CLÁUDIO MÁRCIO DO CARMO ................197 A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL EM AMADO Y ABORRECIDO DE CALDERÓN DE LA BARCA ELIANE MARIA THIENGO DEMORAES ........................................................ 239 O NARRADOR COMO CONSTRUTOR DE REALIDADE: A VERDADE A CONTRAPELO EM MALUCO LUISA MÜLLER CARDOSO ....................................................................... 246 O POETA ARGENTINO ENRIQUE MOLINA E O RETRATO DA CIDADE VIETNAMITA HUE LUÍSA PERISSÉ NUNES DA SILVA .............................................................. 257 LA CULTURA ESPAÑOLA EN LOS VERSOS DE JOAQUIN SABINA MAGNÓLIA BRASIL BARBOSA DO NASCIMENTO .......................................... 262 JUAN RULFO EN “DEL OLVIDO AL NO ME ACUERDO” DE JUAN CARLOS RULFO MARÍA CELINA IBAZETA ......................................................................... 270 PESQUISA ACADÊMICA: ERROS E ACERTOS ANDREIA PARAQUETTE BASTOS MACEDO .................................................. 281 CORTES, RECORTES, RETALHOS E FRANGALHOS: A BUSCA DE RUMOS METODOLÓGICOS NA REDAÇÃO DE UMA TESE JORGE PAULO DE OLIVEIRA NERES ...........................................................286 UM POSSÍVEL CAMINHO METODOLÓGICO PARA A APREENSÃO DO LITERÁRIO MARIA DA GLÓRIA FRANCO ....................................................................293 Estudos Hispânicos APRESENTAÇÃO Apresentação A conferência de abertura ficou a cargo do escritor uruguaio Mario Delgado Aparaín, apresentado por Lívia Reis (UFF), e intitulou-se La literatura del Este livro reúne trabalhos apresentados no XVI propio mundo. No encerramento, Neide Maia González Seminário de Estudos Hispânicos realizado nos dias 5 e 6 (USP), apresentada por Marcia Paraquett (UFF), proferiu de novembro de 2007, na Universidade Federal a conferência ¿Qué (no) se ha hecho desde la Fluminense (UFF), em Niterói, RJ. promulgación de la ley 11.161? O evento retomou uma tradição da Associação de As mesas redondas contaram com a participação Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro de professores doutores e mestres que atuam em iniciada em 1982, ano em que se celebrou o I Seminário universidades e instituições de ensino básico públicos e de Estudos Hispânicos. Seu objetivo foi promover um privados do Estado do Rio de Janeiro. A primeira, intercâmbio entre professores e pesquisadores que se intitulada A Literatura no Ensino Médio, teve a dedicam aos estudos hispânicos. Dessa forma, acolheu participação de Antonio Ferreira da Silva Júnior (CEFET- trabalhos que envolviam as áreas de Ensino de Língua, RJ), Antonio Andrade (Colégio Pedro II / Fac-CCAA) e Estudos Lingüísticos, Literários e Culturais. Dilma Figueiredo (SEE/USS). A moderação ficou a cargo O Seminário contou com duas conferências, de uma das Presidentes de Honra da Apeerj, Magnólia quatro mesas redondas, trinta e oito comunicações e seis Brasil B. do Nascimento (UFF). A segunda se chamou mini-cursos com temas relacionados à língua espanhola e Contribuições teóricas ao ensino de E/LE e contou com a às literaturas e culturas hispânicas. contribuição de Del Carmen Daher (UERJ), Marcia Paraquett (UFF) e Maria Mercedes Riveiro Quintans 7 Estudos Hispânicos Apresentação Sebold (UFRJ), moderadas por Xoán Carlos Lagares Na primeira sessão, estão as conferências (UFF). A terceira mesa, O espanhol no ensino médio proferidas por Mario Delgado Aparaín e por Neide Maia público pode dar certo? Três escolas, três perfis, três González. O texto do escritor uruguaio relata o início de experiências positivas, foi integrada por Ana Elizabeth seu processo de criação literária e ressalta o papel de Dreon de Albuquerque (CAp-UERJ), Maria Cristina Giorgi experiências vinculadas à sua infância como uma (CEFET-RJ) e Viviane C. A. Lima (SEE / Colégio Pedro II), importante fonte de inspiração. O artigo de González traz moderadas por Viviana Gelado (UFF). A quarta e última una série de questionamentos a respeito da lei 11.161 e intitulou-se Novas Fronteiras da Literatura: do canônico de sua aplicação, bem como dos interesses que estão ao periférico e contou com a presença de Ana Cristina dos envolvidos na obrigatoriedade da oferta do espanhol na Santos (UERJ/UVA) e Ary Pimentel (UFRJ), moderados Educação Básica. por Elda Firmo Braga (SEE/APEERJ). As comunicações e mini-cursos Na segunda sessão, encontram-se seis artigos inscritos oriundos das mesas redondas, de autora de Del Carmen contemplaram uma grande diversidade temática e foram Daher, Marcia Paraquett, Maria Cristina Giorgi, Antonio apresentados por profissionais originários não apenas de Andrade, nosso estado, mas também de outros lugares do Brasil, Dilma Figueiredo. Os textos de Daher e Paraquett de instituições e titulações variadas. abordam, respectivamente, as contribuições aportadas Antonio Ferreira da Silva Júnior e Este livro pretende oferecer ao leitor uma pela Análise do Discurso e pela Lingüística Aplicada ao amostra do que foi apresentado no XVI Seminário de ensino de E/LE, enquanto que o artigo de Giorgi trata da Estudos Hispânicos. Passamos, a seguir, a descrever presença da Análise do Discurso nas aulas de Ensino brevemente suas partes e artigos. Médio. Silva Júnior, Andrade e Figueiredo também 8 Estudos Hispânicos Apresentação enfocam o ensino, mas a partir da inserção da literatura Bethania Guerra de Lemos, Carlos Alberto Della Paschoa, nas aulas de E/LE, em diferentes perspectivas teóricas e Elda Firmo Braga e Mariana Montandon, Eliane Maria práticas. Thiengo Demoraes, Luisa Müller Cardoso, Luísa Perissé Na terceira sessão, há vinte e seis textos de Nunes da Silva, Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento e comunicações e mini-cursos. Os onze primeiros são de María Celina Ibazeta. Ao final, há três artigos, de Andreia autoria de Charlene Cidrini Ferreira, Cíntia Ferreira dos Paraquette Bastos Macedo, Jorge Paulo de Oliveira Neres Santos, Doris Cristina Vicente da Silva Matos, Francis e Maria da Glória Franco, que tratam de aspectos Chagas Lima, Glauce Helena Santos Laranjeira, Maria metodológicos em pesquisas acadêmicas voltadas para Cecília Bevilaqua, Michele Abreu Vivas, Monica Lemos, as literaturas hispânicas. Valeria Verónica Quiroga (com dois textos) e Verônica de Oliveira Louro. Tratam de aspectos Esperamos que esta publicação, por seu suporte variados digital, tenha ampla circulação em meios acadêmicos e relacionados ao ensino de E/LE, sejam eles resultados de docentes e que possa contribuir para o hispanismo pesquisas acadêmicas ou relatos de experiências brasileiro, tanto como fonte de pesquisa, quanto de docentes. Em seguida, encontram-se quatro artigos que reflexão. enfocam elementos de análise lingüística, sob diferentes perspectivas teóricas, de autoria de Augusta Porto Avalle, Elda Firmo Braga SEE / UFRJ Vice-presidente da APEERJ Jack Mattos da Silva Junior, Rogério Alexandre das Dores e Cláudio Márcio do Carmo e Serafina Vallejo Gómez. Os oito textos seguintes abordam temas relacionados às Luciana Maria Almeida de Freitas UFF Presidente da APEERJ literaturas e às culturas hispânicas e seus autores são 9 Estudos Hispânicos Prefácio O leque de temas e de áreas se mostra generoso, PREFÁCIO na medida em que permite contemplar diferentes perspectivas teóricas, nem sempre coincidentes, em cada uma das áreas que compõem a grande área de Estudos Foi acertada a decisão em editar este volume de Hispânicos em nosso país. Estudos Hispânicos que ora chega à luz do público. A alentada coletânea de textos, organizados pelos professores que dirigem a APEERJ, nas gestões 20062008 e 2008-2010, é resultado de trabalhos apresentados no XVI Seminário de Estudo Hispânicos, realizado no Instituto de Letras da UFF em 2007. Reunindo artigos de renomados pesquisadores brasileiros além da inestimável colaboração de jovens professores das áreas de língua espanhola, literaturas hispânicas e ensino de espanhol LE, a obra levanta polêmicas e traz à cena temáticas e abordagens pertinentes e necessárias ao estudos da área de estudos hispânicos em nosso país, compondo, desta fora, uma amplo e multifacetado quadro. Como o leitor poderá comprovar, a coletânea vem de encontro ao interesse da comunidade acadêmica que milita na área do hispanismo, além de ser mais um importante veículo na consolidação destas áreas de pesquisa no quadro geral da pesquisa universitária no Brasil. Devemos ainda ressaltar a importância e o caráter democrático na organização do volume que traz alguns dos mais importantes nomes do hispanismo brasileiro, lado a lado com a contribuição de jovens pesquisadores que começam a mostrar seu trabalho e suas pesquisas e, desta forma , colaboram para a renovação da nossa área de estudos. Não podemos esquecer a importância e a relevância do papel da APEERJ, organizadora da 10 Estudos Hispânicos Prefácio coletânea e do evento que lhe serviu de matriz, Associação pioneira entre as Associações de professores de Espanhol no Brasil, que desde sua fundação, há 27 anos, vem organizando os professores e pesquisadores do Estado do Rio de Janeiro e contribuindo de forma exemplar para a consolidação do hispanismo, sobretudo em nosso estado, através da promoção de eventos, seminários, pela publicação de livros e pela circulação das informações. Estudos Hispânicos mostra a qualidade vinculada à produção e circulação dos diferentes saberes produzidos pela academia de nosso país, sobretudo por nossa Universidade . Lívia Reis Diretora do Instituto de Letras da UFF Professora de Literatura Hispano-americana Niterói, novembro de 2008 11 Estudos Hispânicos La escritura y los modelos de creación concepto demasiado fuerte, pero no le temo a las LA ESCRITURA Y LOS MODELOS DE CREACIÓN posibles inconveniencias de expresarlo. Por habitar en un país geográficamente pequeño como Uruguay, si bien Mario Delgado Aparaín Escritor uruguayo soy un defensor ferviente de la integración latinoamericana como la única forma de que nuestras naciones dignifiquen su posición en el planeta y De todo corazón quiero agradecer el gran honor comiencen a desterrar la miseria endémica, la que me ha hecho la Associação de Professores de mortalidad infantil, la violencia y la injusticia social, Espanhol do Estado do Rio de Janeiro y la Consejería de también soy uno de los críticos severos, tanto de la actual Educación en Brasil, al invitarme a participar al XVI situación Seminario de Estudios Hispánicos de Río de Janeiro. principales. Y mi recriminación principal está dirigida a del Mercosur, como de sus objetivos Quiero señalar además, con absoluta convicción, su frívola postura de prescindir o de postergar que este encuentro con el objeto de promover un indefinidamente la integración cultural, de menospreciar intercambio y la inmensurable fortaleza de nuestros componentes creadores, a efectos de profundizar en los estudios culturales y artísticos, de postergar la necesidad de lingüísticos, literarios y culturales de nuestras lenguas, puentes plurales y genuinos entre nuestros sistemas constituye un importantísimo acontecimiento cultural lingüísticos, latinoamericano. Lo expreso en mi doble condición de costumbres. Un proyecto de integración regional que no escritor y de Director de Artes y Ciencias del Gobierno tenga en cuenta el espíritu de nación concebido como un Municipal de Montevideo. Advierto que tal vez sea un estado de comunión entre los hombres, las mujeres y la entre profesores, investigadores entre las comunidades de usos y 12 Estudos Hispânicos La escritura y los modelos de creación tierra en que pisan, está condenado al más absoluto trabajar coordinadamente entre nuestros sistemas fracaso. Precisamente, Francisco Espínola, uno de los educativos, por una integración regional genuina, escritores uruguayos más importantes y entrañables de honesta y ampliamente participativa. Por eso siento un mi país, muerto de tristeza el mismo día del golpe de inmenso orgullo de estar aquí. estado en Uruguay, el 27 de junio de 1973, sostenía que Debo señalar a su vez, que otra razón el país que desprecie el estado de comunión entre el ser fundamental de mi felicidad, es eminentemente subjetiva humano y su tierra, está condenado a ser nada más que y está vinculada a mi condición de creador, cuyos un pedazo de tierra con gente encima. Por esa razón orígenes se ubican geográfica y culturalmente, no en la fundamental, porque vivimos en un tiempo y en un ciudad de Montevideo donde vivo, sino en la frontera espacio donde el espíritu de nuestras naciones, entre el Norte del Uruguay y el Sur del Brasil, donde concebido como una diversidad de cosmogonías con ocurrió mi infancia y mi adolescencia humilde y rural. pretensión de paz, de justicia y de felicidad, está siendo No puedo representar la vinculación de la sistemáticamente postergado, es que considero a este escritura y la vida en todos los escritores, pero puedo encuentro, a los que se han realizado y a los que vendrán, hablar de mi experiencia. Cuando uno habla de la como uno de los gestos culturales integracionistas más vinculación entre la narrativa y la vida, o de la novela trascendentes del continente. Porque privilegia el como expresión literaria, no tiene más remedio que conocimiento, la diversidad y el respeto por nuestras desnudarse y de pronto mostrar cómo empezó el lenguas y por nuestros imaginarios creadores. Porque los proceso personal. La creación, a mi modesto entender, es resultados sistematizados que se obtengan de estos la forma más sublimada de la comunicación. Se inicia en encuentros, deberán ser fuente ineludible a la hora de forma balbuceante, progresiva, evolutiva, traumática, 13 Estudos Hispânicos La escritura y los modelos de creación comunicación que se instaura antes que nada con uno En mi caso personal, debo confesar que empecé a mismo. Al promediar el fin de la adolescencia y el escribir por necesidad vital, como resultado de una principio de la madurez uno empieza a formularse profunda crisis de identidad. Para que se comprenda, preguntas que encierran un cruce de caminos, que se debo contar una pequeña historia: Nací y me crié en el afincan en el territorio de las definiciones trascendentes, medio rural, en el norte del país, en una región donde en como “quién soy”, “qué busco en este mundo”, “qué papel mayor o en menor medida, se habla esa maravillosa quiero jugar en la vida”. Es en ese cruce de caminos, mixtura de dos idiomas que es el “portuñol”. La mayor cuando, como creadores principiantes, comenzamos a parte de mis amiguitos y compañeros de escuela eran formularnos malas o buenas preguntas y, al fin, uno negros. Y eran negros porque eran descendientes de los termina considerando que es más eficaz plantearse esclavos fugados del Brasil entre 1840 y 1880, dado que buenas preguntas que relativas respuestas. Una pregunta en el Uruguay, la esclavitud fue abolida casi cincuenta bien formulada nos ayudará a buscar, a través de la años antes que en el Brasil. Los antepasados esclavos de creación, una respuesta que tal vez no llegue nunca a mis compañeros de escuela, llegaron al norte del concretarse. Y esa es la gran paradoja de la creación, Uruguay avizorada en su momento por Julio Cortázar: la prisioneros de otra esclavitud, la de la pobreza y el constancia vital de escribir siempre el mismo libro, de desarraigo. Como era zona de tormentas, mi madre me intentar diferentes, tenía prohibido terminantemente volver a caballo de la profundizar en las mismas preguntas que, por lo general, escuela a mi casa, distante quince kilómetros de la demoran la vida entera en no responderse. escuela, debido a que dos pequeños habían muerto como desde perspectivas siempre buscando una tierra libre y quedaron consecuencia de las descargas eléctricas. Entonces, 14 Estudos Hispânicos La escritura y los modelos de creación muchas veces me quedaba a dormir en el rancho de Das Neves contaba que a los pocos días de iniciar la adobe y paja de una familia negra de apellido Das Neves, travesía del océano, muchos prisioneros comenzaron a cuyos hijos eran mis mejores amigos. Con ellos vivía el morir de escorbuto, por beber agua salada, por los abuelo, don Braulio Das Neves, un anciano de 92 años, un castigos y también por la tristeza. Das Neves contaba que hombre hermoso, de un metro ochenta de estatura, con su abuelo, tal vez por ser tan fuerte como él, para darle una sonrisa y una musculatura envidiable. Si en 1958, ánimo y valor a los encadenados, les silbaba canciones de tenía 92 años, significaba que había nacido en el siglo la aldea. Y Das Neves, nos silbaba aquellas canciones de XIX, en 1866, mientras su padre era esclavo de una su abuelo, a nosotros. Es decir, en unas pocas horas de “fazenda” de Rio Grande do Sul. Sin ninguna duda, la maravillada medianoche, junto al fuego y bajo la historia más emocionante que me hicieron en la infancia, tormenta, la escuché de Das Neves, alrededor del fuego, una noche doscientos años de historia. Hasta aquí esta pequeña de tormenta, en su rancho, junto a sus nietos, mis amigos historia, fundamental en mi vida. aquel hombre analfabeto nos contaba del alma. Pues, este anciano analfabeto, nos contaba de la Luego, como tantos jóvenes de los mundos vida de su padre esclavo. Pero también que había campesinos de nuestra América, inicié el largo camino conocido a su abuelo, un hombre que había sido libre y del Norte hacia el Sur de mi país. Es decir, del campo a la quien, a su vez, le había contado cómo un día, un grupo ciudad, buscando la eterna utopía de una vida sin de traficantes portugueses armados, entraron en su necesidades, ni pobreza, ni infelicidad. Sin embargo, aldea Benguela y se llevaron a la fuerza un grupo de como era de esperar, el ingreso a la ciudad, fue una hombres y mujeres, los encadenaron en la sentina del experiencia cruel y traumática. Recuerdo que los galeón y los llevaron a la fuerza a las costas del Brasil. compañeros del liceo adonde íbamos mi hermano y yo, 15 Estudos Hispânicos La escritura y los modelos de creación se burlaban de nosotros cuando nos escuchaban los allí, por qué había cambiado sustancialmente mi vida, vestigios del “portuñol”. Y para sentirnos menos cómo llegué a mis 24 años de edad a aquel sitio tan cerca agredidos, tratábamos de hablar menos, de pensar en lo y tan lejos de mi gente. Allí, en unas horas, recorrí entera que íbamos a decir, para que no se notara nuestro mi propia vida y me detuve en la infancia. En la historia acento, nuestro “sotaque de fronteira”. Es decir, comencé de Das Neves. Entonces, me dije: “Qué terrible que exista a sufrir una suerte de alienación cultural, como gente que por el solo hecho de ser analfabeta y pobre, consecuencia de la mimesis defensiva ante un entorno nazca, viva y muera sin dejar la menor huella sobre la discriminatorio, de segregación del diferente. Una tierra.” “Que terrible”, me decía, “que nadie sepa que mimesis que implicaba olvidar o desvalorizar las raíces gente como Das Neves, existió alguna vez.” Entonces, culturales. aquella noche de oscuridad, a los 24 años, decidí que Con el tiempo, a principios de los años setenta y empezaría a escribir para rescatar aquellas historias de como consecuencia de la dictadura me fui a Buenos mi gente. Fue así que, en aquella noche de reflexión, Aires, una metrópolis por entonces de once millones de descubrí tres cosas importantes: primero, que tenía una habitantes. Y una noche de aquel exilio, llegó mi hermosa historia propia de la que tenía que estar momento crucial, para colmo de males en una pensión de orgulloso. Segundo, que tenía muy buenas historias para mala muerte que se llamaba como un tango del mismo contar. Y tercero, que el acontecimiento cultural más nombre… “Mi noche triste”. Aquella noche hubo un corte importante que puede vivir una ciudad, es… un apagón. de energía eléctrica, un “apagón”. No tuve otro remedio A partir de entonces, empecé a convivir con mi que tirarme en la cama y pensar en la oscuridad. propia historia y a sentir afecto por mi propio pasado. Y Recuerdo que me pregunté qué diablos estaba haciendo también, por supuesto, comencé a resolver sin necesidad 16 Estudos Hispânicos La escritura y los modelos de creación de psicoanalistas la crisis de autoestima, la más dolorosa Y cuando eso ocurre y a la propia historia se la enfermedad de nuestro tiempo. No debemos olvidar que convierte en fuente de creación, es posible tenerle afecto, en nuestro continente, el 87 % de la población vive en las dotarla de sentido del humor y llegar incluso a ciudades, como consecuencia de las migraciones del desmantelar la tragedia, a fuerza de amar la condición campo a la ciudad. Y de ese 87 %, 99 millones de seres humana. Y para eso, para cruzar al otro lado, no existe humanos, son indigentes absolutos. Noventa y nueve mejor puente entre la vida y la creación, que nuestro millones de hombres, mujeres y niños, condenados a no propio idioma. tener memoria y menos aún una historia personal que justifique la esperanza de vivir un solo día en plenitud de los derechos humanos. Sin embargo, muchos sabemos por experiencia propia, que la educación salva, que la imaginación es madre de la libertad, que la pobreza en sus múltiples expresiones puede ser solo un estadio de pesadillas dentro de la vida, del que se puede emerger. Que lo diga Carlinhos Brown, si no. Mi madre acostumbraba a decirnos que es posible vivir en la miseria, sin volverse miserable. Que lo diga aquel maravilloso anciano negro, don Braulio Das Neves, si no. 17 Estudos Hispânicos ¿Qué (no) se ha hecho desde la promulgación de la ley 11.161? fosse: dito e feito! A lei 11.161 será cumprida plenamente e da melhor forma possível. Será? (GONZÁLEZ, 2006) ¿QUÉ (NO) SE HA HECHO DESDE LA PROMULGACIÓN DE LA LEY 11.161? Neide Maia González USP / MEC Afirmaba, asimismo, que la ley 11.161 (05/08/05), que transforma la lengua española en asignatura de oferta obligatoria en la Enseñanza Media, en todo Brasil, a partir del año 2010, se podía entender En el 4º Congresso Brasileiro de Hispanistas, como un “gesto de política lingüística, que exige uma realizado en la Universidade do Estado do Rio de Janeiro reflexão acerca do lugar que essa língua pode e deve en septiembre del año 2006, tuve la oportunidad de ocupar no processo educativo” (GONZÁLEZ, 2006). participar en una mesa redonda intitulada Políticas Esto, por un lado, ha sido determinante para que públicas e ensino de Espanhol como Língua Estrangeira no la asignatura Lengua Española tuviese un lugar especial Brasil; desafios para sua implementação1. Introducía mi texto de la siguiente forma: O presente texto fala de algo que se encontra num perigoso intervalo entre o dizer e o fazer. É sabido que entre a palavra e a ação por vezes há uma longa distância ou mesmo um vazio. O que esperaríamos todos, no entanto, é que o seu mote en los documentos publicados por el Ministerio de Educación, con un documento específico intitulado Conhecimentos de Espanhol2 (MEC-SEB, 2006a), separado del supuestamente más genérico (aunque claramente pensado para la enseñanza de la lengua inglesa), 1 El texto de aquella intervención no fue publicado en papel, pero en el CDRom en el que aparecieron los trabajos presentados durante el congreso, se puede ver la mesa redonda, grabada en vídeo. Aquel texto, actualizado y adaptado, será publicado en un número especial de la revista argentina Signo y Seña, en preparación. 2 Junto con Gretel Eres Fernández, participé en la redacción de dicho documento, que se sometió después a la lectura crítica de un grupo de docentes de varios niveles y de varias partes del país. 18 Estudos Hispânicos ¿Qué (no) se ha hecho desde la promulgación de la ley 11.161? intitulado Conhecimentos de Línguas Estrangeiras (MEC- difícil de contestar dadas las dimensiones y la diversidad SEB, 2006b). de nuestro país y la falta de informaciones seguras sobre La ley, por otro lado, es federal y la Enseñanza Media es de competencia de los estados, lo cual no deja cómo se están moviendo (si es que lo están haciendo) las distintas esferas de poder y administrativas. de producir una serie de problemas, derivados de los No tenemos noticias, hasta ahora, de que se hayan conflictos que produce esa situación, que involucra dos hecho reglamentaciones esferas de poder y, sobre todo, económicas. ¿Quién paga imprescindible para la aplicación de una ley tan general y la cuenta? He aquí un gran problema. ¿Quién organiza e para implementa todo esto sin herir susceptibilidades o crear particulares de cada lugar. disputas y rivalidades? He aquí un segundo problema, no Igualmente, adaptar la de la implantación sería ley, a necesario una medida las condiciones proceder a menos grave que el anterior. Otros tantos existen, sin adaptaciones de las Orientações Curriculares, un texto duda. muy genérico, que ofrece más que todo la posición de los Cabe preguntarnos, entonces, ya situados en el educadores que lo concibieron fundamentalmente en año 20073, qué ha hecho o no el gobierno federal, que relación a: (a) lo que consideran ser el papel sancionó la lay, y qué han hecho o no los gobiernos de los fundamental de la enseñanza de lenguas en ese nivel, un muchos estados de la federación, responsables de la papel más que todo educativo y de cómo implementarla, implementación de lo que determina la ley y de las en términos muy generales; (b) la singularidad (usando necesarias adaptaciones locales. Pero es una pregunta una clasificación de Celada) de la lengua española para 3 En realidad, sigue valiendo la misma pregunta en el año 2008, cuando se está preparando la edición de las actas del Seminario de APEERJ. los hablantes del portugués de Brasil y para los brasileños, tanto en lo que tiene que ver con lo 19 Estudos Hispânicos ¿Qué (no) se ha hecho desde la promulgación de la ley 11.161? propiamente lingüístico como en lo que tiene que ver con implantación) ni se sabe bien si lo será y en que moldes nuestra historia y nuestra cultura. saldrá. Serían imprescindibles, por tanto, matrices Otro problema que exige mucho cuidado de parte curriculares locales para que después las escuelas de las autoridades de educación y que no sabemos que pudieran elaborar sus proyectos específicos e incluir en haya sido debidamente tratado hasta este momento es el ellos la lengua española, haciéndole espacio en la grilla de las modalidades de implantación: número de horas, sin perjudicar a ninguna otra asignatura, algo que sin inserción en la grilla (algo problemático, como he dicho duda está muy lejos de ser una tarea sencilla. No antes), entre otras cosas, todo ello de modo a no herir los sabemos que esto haya sido hecho en todos los estados principios básicos de las Orientações Curriculares que, de Brasil. Para hablar de lo más cercano, en el estado de por privilegiar el papel educativo, formativo, de la São Paulo, en 2007, me ha tocado participar en una asignatura y la importancia de su integración con las comisión4 que elaboró una primera propuesta de matriz demás asignaturas, desaconseja la atribución de dicha curricular5 que, sin embargo, todavía no ha sido tarea a academias de idiomas, por ejemplo. oficialmente aceptada o publicada (algo que, según Otro gran problema para la implementación de la informaciones oficiosas se hará en el momento de la ley federal tiene que ver con la dotación de recursos, tanto en términos de presupuestos como de recursos de 4 La integraron también las profesoras Gretel Eres Fernández (FEUSP) y Ana López Ramírez (Asesora Lingüística en São Paulo, vinculada a la consejería Lingüística de la Embajada de España en Brasil). 5 Al cambiar, ya al final de los trabajos, la figura de la Secretaria de Educación, la comisión que había sido designada dejó de actuar y un poco más tarde se nombró a otra comisión cuyo trabajo desconozco. otra naturaleza (espacio, laboratorios, libros, etc.). El MEC, en el año 2006, seleccionó y envió a las escuelas públicas que manifestaron la intención de implantar la enseñanza del español un conjunto de libros (un manual, 20 Estudos Hispânicos ¿Qué (no) se ha hecho desde la promulgación de la ley 11.161? una gramática, un diccionario monolingüe y uno 45.000 profesores. No obstante, en un estudio hecho por bilingüe) y es de nuestro conocimiento que hará una un grupo de profesores de 4 universidades públicas que nueva selección que se supone y espera que llegue a los actúan en el estado, hecho en base a datos ofrecidos por establecimientos escolares por lo menos antes de la la Secretaría de Educación a pedido de los docentes que fecha en la que se cumplan los 5 años de la promulgación integrábamos el grupo de trabajo, se constató que, si el de la ley. Pero otras cosas dependen básicamente de los español llegara a tener el mismo número de horas que gobiernos estaduales y varios de ellos ya han expresado tiene la asignatura LEM-Inglés (2 horas semanales) y si categóricamente que no disponen de los recursos efectivamente se implantara en todas las escuelas necesarios para la implantación de la enseñanza del públicas del estado, se necesitarían 9.000 profesores, español y todo dependerá de los presupuestos que el siendo que la misma Secretaría informó, en ese gobierno federal ponga (o no) a disposición de sus momento, que ya disponía de 1.441 profesores estados. habilitados y dispuestos a asumir clases de español6. En Otra iniciativa que sería de suma importancia cuanto a las escuelas privadas, la mayoría ya tiene sería un levantamiento serio de la real situación en implantada la enseñanza, en la mayoría de los casos términos de mano-de-obra disponible (docentes calificados) y de las necesidades efectivas para el cumplimiento de la ley en todo el país. En varias oportunidades hemos visto divulgar cifras casi descomunales. En el estado de São Paulo, por ejemplo, se llegó a divulgar que serían necesarios alrededor de 6 El grupo de profesores al que nos referimos fue nombrado, en el año 2006, por los rectorados de las 3 universidades públicas paulistas (USP, UNESP y UNICAMP) y la Federal de São Carlos (UFSCAR) para formular un proyecto de formación de profesores en esa situación de emergencia. Se hizo el proyecto, se entregó una versión a la Secretaría de Educación (tenemos registro de la entrega) a principios del 2007 y nunca se ha tenido una respuesta siquiera. 21 Estudos Hispânicos ¿Qué (no) se ha hecho desde la promulgación de la ley 11.161? obligatoria, del español y ya dispone de docentes garantizarles una situación segura y confortable de debidamente calificados. trabajo. Súmese a esto las pésimas condiciones de Es por lo tanto, imprescindible conocer bien la trabajo en que suelen actuar, en muchos de los casos con situación de las diversas regiones del país para planificar horarios sueltos en distintos establecimientos, a veces debidamente dicha implantación y crear las condiciones distantes unos de otros y marcados por la inseguridad, el necesarias para formar, en un flujo continuo, profesores trabajo con grupos numerosos y heterogéneos con los de español según las normas y criterios previstos por la que resulta a veces muy difícil lograr buenos resultados, legislación soluciones el poco (o ningún) apoyo pedagógico con que cuentan y, milagrosas y precipitadas (por no decir vergonzosas, en por fin, el tema gravísimo de los sueldos, que en las algunos casos), cómodas para los gobiernos que no escuelas públicas y en muchas de las privadas suelen ser quieren invertir en este campo y rentables para grupos muy bajos y poco atractivos, lo que hace que muchos de con intereses económicos bastante altos y pretensiones los más preparados opten por otros tipos de trabajo. nacional, rechazando las políticas (incluso lingüísticas) colonizadoras. Para que la implementación de la ley en 2010 sea En lo que se refiere a los docentes, está también el un hecho y tenga éxito, es urgente e imprescindible, por problema de su situación funcional. En muchos casos, se lo tanto, tener un cuadro claro de toda esa situación, viene trabajando con profesores sin vínculo estable con seguramente muy variada en este país de dimensiones las instituciones, con contratos precarios y temporarios. continentales y tan diverso social y culturalmente, Son muy pocos los estados (y municipios) que ya han analizarla de forma criteriosa y trazar planes serios y realizado algún tipo de concurso que permita, por un viables, que contemplen dicha diversidad de intereses y lado, seleccionar a los mejores profesionales y, por otro, necesidades. 22 Estudos Hispânicos ¿Qué (no) se ha hecho desde la promulgación de la ley 11.161? Entre otras cosas será imprescindible: garantizar investigación; repensar, adaptar y flexibilizar, de forma espacios de actualización y formación continuada; seria y responsable, dentro de los patrones exigidos de aumentar las vacantes en las instituciones públicas calidad, las modalidades de formación de profesores8; y, (federales7, estaduales y municipales) y también en las en función de ello, adecuar las instancias formadoras, si privadas reconocidas (y de reconocida calidad), de modo necesario incluso cambiando la legislación vigente, a las a garantizar un flujo continuo de salida al mercado de nuevas necesidades impuestas por la obligatoriedad profesionales aumentar, legal de la enseñanza del español. Si todo ello no se hace, consecuentemente, el número de docentes formadores, la ley será, como ya hemos visto tantas otras veces en con alto nivel de capacitación, en esas instituciones, que este país, letra muerta y se repetirá la vieja expresión: a no lei não vingou, não pegou (algo así como “la ley no ha pueden bien depender formados; estrictamente de docentes sustitutos, con contrato por tiempo limitado, sin vínculo estable con las instituciones, lo que perjudica enormemente no sólo la continuidad de los proyectos académicos sino también la cuajado”). continuidad de Por todo lo dicho antes, no cabe más que concluir este texto con algunas preguntas: la • ¿Cómo garantizar la plena y adecuada implantación de la ley 11.161? 7 Es por lo menos incomprensible que el mismo gobierno que sancionó la ley 11.161 haya permitido la ampliación de la Universidad Federal de São Paulo (antes dedicada integralmente a la medicina y ahora abierta a otras tantas carreras, entre ellas la de Letras, que está en por lo menos una de sus nuevas unidades) no se haya preocupado en abrir en ellas un espacio para la formación de profesores de español. La carrera de Letras que se implantó en una de esas unidades cuenta con cursos de formación de profesores de inglés y francés. • ¿Es posible implementar seriamente la enseñanza del español sin las medidas 8 Iba en esa dirección el mencionado proyecto de profesores de universidades públicas paulistas, jamás siquiera considerado por la Secretaría de Educación ni por la Secretaría de Enseñanza Superior del estado, creada por el actual gobierno. 23 Estudos Hispânicos • fundamentales mencionadas a lo largo de esta para hacerlo, aunque sumamente interesados exposición? en defender sus intereses?9 ¿Cómo garantizar la implementación de la • ¿Se cumplirá la ley 11.161? enseñanza • ¿Efectivamente, conformidad • • ¿Qué (no) se ha hecho desde la promulgación de la ley 11.161? de la con lengua lo española propuesto en en se dará a todos los los estudiantes brasileños que lo deseen la Parâmetros Curriculares Nacionais y en las oportunidad de aprender el español de la Orientações Curriculares? manera que encontramos más adecuada a sus ¿A dónde llegaremos, si es que llegaremos, si intereses, de tener contacto con la lengua todavía apenas podemos decir que dimos los española en toda su heterogeneidad, de tomar primeros pasos? contacto con las culturas hispánicas sin ¿Quién(es) podrá(n) llevar adelante esa prejuicios propuesta (la de las Orientações Curriculares) valorarlas, y estereotipos, de comprenderlas modo a y, y no cualquier propuesta para la enseñanza del español? • ¿Qué instancia(s) políticas y administrativas nacionales (federales, estaduales, municipales) se encargarán de garantizar todo esto de forma responsable y no pasándoles las tareas que les corresponden a organismos ajenos y no legítimamente aptos 9 Dejo claro que no soy contraria a los acuerdos y a los apoyos de organismos y gobiernos extranjeros, siempre y cuando se hagan dentro de los límites de la legalidad y con mucha transparencia. Sin embargo, no estoy de acuerdo con transferirles responsabilidades y tareas que son nuestras, incluso para garantizar nuestra soberanía política y cultural: la de la formación de los docentes en los moldes de la legislación nacional vigente, la definición de las matrices curriculares adecuadas a las distintas regiones y a los diversos establecimientos escolares y, consecuentemente, las características de los materiales adecuados a la enseñanza, tal como está concebida en los documentos oficiales nacionales y regionales. 24 Estudos Hispânicos comprendiéndolas, ¿Qué (no) se ha hecho desde la promulgación de la ley 11.161? comprenderse a sí mismos? • ¿Qué (no) se ha hecho hasta este momento y qué (no) se hará? Referencias bibliográficas MEC/SEB. Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Vol. 1: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – Conhecimentos de Espanhol. Brasília: MEC/SEB, 2006a, p. 127-164. ______. Orientações Curriculares para o Ensino Médio – Vol. 1: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias – Conhecimentos de Línguas Estrangeira. Brasília: MEC/SEB, 2006b, p. 87-124. 25 Estudos Hispânicos A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira A ANÁLISE DO DISCURSO E O ENSINO DE ESPANHOL LÍNGUA ESTRANGEIRA. Del Carmen Daher UERJ discurso e o ensino de espanhol língua estrangeira (doravante AD e E/LE, respectivamente). Inicio minha fala, agradecendo o convite da diretoria da Apeerj e ressaltando um fato que me parece inovador: a inclusão dos estudos em Análise do discurso em discussões relacionadas ao ensino do E/LE e à formação do professor de espanhol língua estrangeira, O presente texto transcreve minha participação junto à mesa redonda Contribuições teóricas ao ensino de E/LE, realizada por ocasião do XVI Seminário de Estudos Hispânicos, ocorrido de 05 e 06 de novembro de 2007, na Universidade Federal Fluminense. Moderada pelo Prof. Xoán Carlos Lagares (UFF), a mesa contou com a participação das professoras Marcia Paraquett (UFF), Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold (UFRJ) e Del Carmen Daher (UERJ). Coube à primeira, explanar sobre o tema A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola, lingüísticos em à segunda, Língua sobre Espanhola: os sob Estudos o olhar foco maior de meu interesse. Esclareço que minha apresentação se organiza em torno a dois blocos. No primeiro, comentarei, de forma breve, alguns pontos pertinentes à trajetória dos estudos em AD (já que como acabo de dizer não é costumeira sua participação em fóruns como este), aos quais somarei uma pequena referência sobre alguns dos grupos de pesquisa que vêm trabalhando no Brasil com AD e E/LE, com a finalidade de situar-nos com relação às demais propostas trazidas para esta mesa. Em seguida, efetuarei algumas considerações buscando refletir sobre a aproximação AD e formação de professores de E/LE. comparativo e paramétrico e a mim, sobre A Análise do 26 Estudos Hispânicos 1 Breve relato sobre a AD e sua aproximação com os estudos em língua estrangeira A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira (lexicólogo a quem se atribui a autoria da denominação Análise do discurso) e Michel Pêcheux (filósofo, que Denominada por alguns teóricos como campo do inicialmente refere-se a seus estudos como Semântica saber, por outros, como domínio amplo de estudos discursiva), que num esforço transdisciplinar, ao final lingüísticos, ou ainda, como disciplina, a AD não é uma dos anos 60, inauguram uma proposta de análise para a ciência (como a lingüística) e é definida a partir de qual se convocam uma teoria lingüística, uma teoria da diferentes conceitos e fronteiras, não claramente história e uma teoria do sujeito. Nessa proposta se delimitadas. Por isso não é tão fácil em poucos minutos considera a linguagem como o lugar privilegiado em que falar sobre ela. Com certeza, podemos afirmar que a AD a ideologia se materializa. É essa a cena fundadora da AD. se caracteriza como um lugar de enfrentamentos teóricos, como afirma Gregolin (2003), ou de confronto Pensadores como M. Foucault e M. Bakhtin, e muitos outros, efetuam reflexões que passam, como nos diz Possenti (2004). Enfim, ela reúne um posteriormente, a ser incorporadas às visões teóricas da conjunto heterogêneo de correntes, razão pela qual AD. Do início até nossos dias, ela vai se configurando e possui diferentes contornos e configurações. Não reconfigurando trabalha com regras gramaticais, mas sim com marcas convergências, em variados territórios, geográficos (AD lingüísticas, “com “sistemas’ de dispersão e com francesa, anglo-saxã, por diversos países, entre eles o determinação histórica dos processos de significação” Brasil) e teóricos (com novas problemáticas advindas (POSSENTI, 2004, p. 67). das ciências da linguagem, da gramática do texto, das Esse grupo heterogêneo de correntes, segundo em múltiplas “possibilidades”, teorias da enunciação, da pragmática, da AD Crítica, por Maldidier (1997), tem como fundadores Jean Dubois 27 Estudos Hispânicos A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira exemplo). Todos e todas aportam importantes diálogos e esse quantitativo corresponda à sua totalidade cuja base confrontos a esse campo ou disciplina. teórica seja a AD). No decorrer de sua trajetória, a AD deixa de Entre os grandes temas abordados no citado focalizar unicamente os discursos políticos, foco das colóquio, verifica-se uma incidência de estudos com foco análises em sua gênese francesa, e vai ocupando-se de em questões relacionadas a discurso, práticas (sociais, de pesquisas que envolvem as mídias, o estudo de línguas linguagem, de discurso, culturais etc.), identidade, de especialidades (Language for specific purpose, LSP) alteridade, subjetividade, sujeito, produção de sentidos, etc., ou seja, incorpora outras formas de pôr “em questão instituições, enunciação, memória, gêneros de discursivos, a atividade de linguagem e a textualidade [...] que não a educação, trabalho, psicanálise, mídia, verbal e não verbal, classicamente adotada pela lingüística” (MAINGUENEAU, ensino, atividade educacional, produção escrita, literatura. 2005, p 16). Cabe ressaltar que, entre a diversidade dos trabalhos Para situar-nos com relação a esses estudos no Brasil, cabe mencionar que em outubro de 2006, na inscritos, não encontramos uma menção explícita ao tema da formação de professores de E/LE. UFSCar, em São Carlos-SP, foi realizado o I Colóquio Outra forma de levantamento é a que se pode Internacional de Análise do Discurso, intitulado “Análise fazer junto ao Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq do Discurso: heranças, métodos e objetos”. O evento teve (doravante GrPesq). No que se refere à AD e uma como objetivo mapear os grupos de pesquisa em AD possível interface com estudos sobre o E/LE, não saberia existentes no país, uma vez que não há registros precisos precisar o número exato de grupos existentes no país a esse respeito. Quarenta e oito grupos inscreveram-se e (como já disse não é tarefa fácil identificar os de AD) participaram do Colóquio (não podemos afirmar que cujos pesquisadores (líderes ou pesquisadores 28 Estudos Hispânicos A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira integrantes de GrPesq) atuem nessa interseção, mas com Esses estudos destêm-se, portanto, na análise de certeza posso mencionar alguns. Peço desculpas a questões vinculadas à subjetividade em língua materna e aqueles não citados pela falta de condições para poder não materna, e se voltam para a construção de fazê-lo. Cabe dizer ainda que alguns dos grupos significação em línguas diferentes. Não posso deixar de mencionados integram programas de pós-graduação na mencionar, porque se vincula a esses grupos da estadual, área estrangeiras que no Rio Grande do Sul, na Federal de Santa Maria, há modernas), outros não (têm registro como Letras, os trabalhos da Profª Eliana Sturza, sobre língua, sujeito Lingüística ou Letras, Lingüística Aplicada). Mas todos e história, e políticas lingüísticas, vinculados a esses eles contam com pesquisadores que trabalham com a grupos. A mencionada professora pesquisa a relação língua espanhola e recorrem a um o referencial teórico memória e espaços discursivos das línguas de fronteira. do espanhol (Letras, línguas da AD. Na capital paulista, na USP, encontramos as Em São Paulo, em Campinas, na UNICAMP, temos pesquisas da Profª Maria Teresa Celada sobre o os grupos de pesquisa liderados pela Profª Silvana funcionamento da língua espanhola e do português Serrani e pela Profª Monica Zoppi nos quais se “brasileiro” (contrastes entre o funcionamento de desenvolvem pesquisas acerca de questões relacionadas sujeitos e discursos no Brasil e na Argentina e nos ao sentido, ao discurso e letramento, a processos de processos de aquisição de língua estrangeira), assim constituição de significação lingüística e de interação, de como sobre aspectos da subjetividade do brasileiro avaliação e práticas discursivas institucionais em geral. solicitados no processo de aprendizagem de E/LE. Para tanto, consideram aspectos que marcam a inscrição Temos também os trabalhos do Prof. Adrián Fanjul nos de identidade e da identificação lingüístico-cultural. quais se vêm comparando tendências e regularidades 29 Estudos Hispânicos enunciativas em A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira discursividades do português Enquanto grupo, vimos desenvolvendo estudos a partir “brasileiro” e do espanhol, considerando parâmetros da perspectiva teórica da AD que considera a interface lexológicos e aspectos vinculados à memória social de dos estudos lingüísticos e das práticas sociais, com o de ambos os espaços lingüístico-culturais. objetivo aprofundar a relação entre produção textual e Em Mato Grosso, na UFMT, o Prof. Sergio Flores produção de comunidades discursivas, entendidas como Pedroso e sua equipe voltam-se para pesquisas que dupla produção que se apreende na materialidade relacionam o papel de protagonismo desenvolvido pela lingüística. língua materna ao processo de ensino-aprendizagem de línguas não maternas, neste caso o espanhol Vimos, ainda, ao longo dos últimos anos, na graduação em Letras, habilitação em Português- No Rio de Janeiro, na UERJ, as Profªs Vera Espanhol, em conjunto com os demais colegas da Sant’Anna e eu, integramos o grupo de pesquisa Práticas Instituição que atuam com o ensino de língua espanhola de linguagem e Subjetividades - PraLinS, constituído por - ProfasCristina Junger, Ângela Marina Ferreira, Dayala pesquisadores de língua materna e estrangeiras, que Vargens e Talita Barreto- buscando recorrer em nosso visa contribuir com a produção de conhecimento sobre trabalho de formação de docentes a pressupostos articulações entre as práticas de linguagem e as teóricos da AD. Esse esforço já se registra em ementas e situações de trabalho, entendidas em suas vertentes da programas que estão sendo implementados com a atual práticas discursivas em situação de trabalho e das reformulação dos cursos de Licenciatura, exigida pelas práticas discursivas sobre o universo do trabalho, tendo Resoluções nº 1 CNE/CP, de 18 de fevereiro de 2002, e como foco o trabalho do professor. No nosso caso, nº 2 CNE/CP, de 19 de fevereiro de 2002 (ementas, privilegiamos o trabalho do professor de E/LE. programas etc.). 30 Estudos Hispânicos A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira Voltando à explanação sobre os grupos de Outra das incapacidades é a de não existirem pesquisa, como já disse, seguramente, deixei de citar espaços acadêmicos planejados para trocas entre inúmeros colegas. Minha incapacidade para fazê-lo passa colegas que pesquisem AD e E/LE. Nunca houve, por por diversas dificuldades. Uma delas diz respeito à exemplo, fóruns específicos para isso. Na maioria das forma como se organiza a base de dados do CNPq vezes, o que se verifica é que esses trabalhos se relativa a pesquisas e grupos, seus integrantes, dispersam entre eventos relacionados aos estudos especialidades de conhecimento, setores de aplicação hispânicos e/ou aos voltados para discussões em etc. Os estudos desenvolvidos sobre a língua espanhola Lingüística Aplicada. inscrevem-se, de modo geral, na grande área “Lingüística, Letras e Artes”. A partir desse grande rótulo dá-se a opção pelas áreas, como por exemplo, “Lingüística, “Lingüística Aplicada” e “Línguas 2 Algumas considerações sobre a aproximação dos estudos de AD aos de formação de professores E/LE Conforme anunciado passo a efetuar algumas Estrangeiras Modernas”, o que exige da parte do considerações que buscam relacionar os estudos da AD e pesquisador, a necessidade de escolha entre uma delas. a formação de professores de E/LE. Seguramente esta A caracterização com relação à orientação teórica acaba não é uma tarefa fácil. muitas vezes marcada na subárea, entre outras possibilidades como “Teoria e análise lingüística”, ou ainda incluída no item Especialidade, o que dificulta a localização imediata desses trabalhos a partir do critério teoria de suporte. Antes propriamente de falar sobre isso, gostaria de me remeter à importância da escolha teórica adotada pelo professor formador de professores, seja ela qual for. Assim como, se sua eleição é compartilhada pelo grupo no qual esse professor se insere, se detém autonomia 31 Estudos Hispânicos A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira junto à instituição em que trabalha etc. Ou seja, se espanhol a partir das diferenças e semelhanças entre ele desenvolve isoladamente seu trabalho ou se ele é fruto e o português. Neste contexto as pesquisas sobre o erro da adoção de uma equipe, de um coletivo. Todos estes são fundamentais; pontos participam na forma como atuam os docentes. b) se sou uma lingüista gerativista, são outras as noções As opções/possibilidades de escolha teórica são e conceitos abordados. Neste caso o foco recai sobre a muitas, já que a linguagem pode ser compreendida (ou competência/performance, sobre um locutor-ouvinte não) de diversas formas. No entanto, cada uma delas ideal de uma língua e sua capacidade de produzir em implica “crenças/saberes”, a partir das quais se posiciona conformidade com um determinado sistema lingüístico. esse professor. Seguramente, essas variadas perspectivas Estudo a sintaxe, as estruturas superficiais e profundas, e conhecimentos constituídos se refletirão na sua prática, as categorias vazias etc.; em suas propostas de estudo, na adoção/elaboração de c) poderia ainda ser uma lingüista textual e, neste caso, tarefas. Ou seja, abordaria o texto como unidade resultante de restrições a) se sou uma lingüista que atua a partir de uma de coesão e coerência, trabalharia a textualidade. Ou concepção de língua-estrutura, que estuda a língua em si seja, o olhar variaria em função dessas escolhas; e por si própria, seguramente, enfatizo na formação do d) se eu fosse uma psicolingüista, teria provavelmente professor o trabalho com a descrição de fatos de uma como foco a aquisição da linguagem, língua materna e determinada língua. Discuto questões relacionadas à estrangeira, norma, à tradição gramatical. Posso voltar-me ainda comunicação humana, como se dá a decodificação, que para questões de análise envolvendo o contraste de uma estruturas psicológicas nos permitem o entendimento e processos cognitivos investidos na língua com outra, situando o ensino-aprendizagem do 32 Estudos Hispânicos A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira como este se dá, fatores que nele interferem, os No entanto, trabalho com a AD e essa escolha exige estímulos etc.; um grande esforço, pois como afirma Maingueneau e) se eu fosse uma sociolingüista, valorizaria na (1991, p. 13), ela não tem por objeto “nem a organização formação do professor questões voltadas para os textual em si mesma, nem a situação de comunicação, diferentes ‘mas deve’ pensar o dispositivo de enunciação que modos de falar em determinadas comunidades, para as relações sociais, o interacionismo, associa os rituais de interação, para a variedade lingüística determinados”. É uma das disciplinas que se dedicam ao relativa a uma determinada região de origem, classe estudo do discurso (cabe ressaltar aqui as inúmeras social, possibilidades de entendimento do termo), a suas idade, escolaridade... trabalharia com o bilingüismo, por exemplo. O que quero dizer com tudo isso? Quero ressaltar que dependendo do lugar do qual falo, o foco na uma organização textual e um lugar práticas, e, por isso mesmo, se relaciona muito estritamente ao conceito de gênero do discurso. Todas essas noções têm lugar em nossos estudos e práticas. formação de professor passa por este ou aquele caminho Situada no cruzamento das ciências humanas, a AD e a escolha é nossa. Escolha que dialogará com uma ou vem cada vez mais desenvolvendo um aparelho outra corrente teórica. O desenvolvimento do trabalho conceitual próprio que dialoga com variadas correntes com a formação de docentes, portanto varia muitas teóricas. Da mesma forma, tem construído métodos vezes em função da prevalência atribuída a um adequados a suas análises, sempre voltadas para determinado olhar, a uma dessas opções teóricas ou da enunciados constituídos em uma determinada sociedade forma como elas são trazidas a dialogar nessa formação, e inscritos na pluralidade de seus gêneros. Isto, no como são constituídas enquanto atividades. entanto não abrange necessariamente considerações 33 Estudos Hispânicos A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira próprias à questão da formação de docentes, muito numa língua que é estrangeira. Da proposição de tarefas menos de docentes de línguas estrangeiras. que permitam reflexões a partir dos pressupostos da AD Dito isso, se pensamos na interseção AD e formação e que incorporem aspirações dos interlocutores- de professores, o que encontramos é um esforço de licenciados, já que nossos alunos são aprendizes de E/LE grupos, como o da UERJ, que vêm provocando e futuros professores de língua que atuarão nas escolas possibilidades de construir durante o processo de brasileiras. Ou seja, os profissionais que discutirão nas estudo dos futuros profissionais novos sentidos sobre as salas de aula o estudo da língua, aqueles que refletirão línguas, os seus usos e as sociedades que as utilizam, sobre as práticas discursivas instituídas nas sociedades buscando desenvolver um olhar teórico que se institua a e sobre os gêneros que as constituem, buscarão partir da polêmica e do diálogo com outros olhares. Da compreender sentidos que nelas se estabelecem e assunção de que sempre estaremos restritos ao que um provocar a produção de outros. determinado enfoque teórico nos permite compreender, nos impõe, reconhecendo-lhe contribuições e impossibilidades. Como reiteradas vezes disse, é complexo o tema. Não há memória discursiva constituída sobre essa prática de formação...mas, ao mesmo tempo, e como Falo da busca de constituição de um olhar teórico resultado dessa constatação, o desafio vem sendo que vai se articulando no momento mesmo da realização instigante para aqueles que seguem os caminhos da atividade de professores e licenciandos envolvidos teóricos da AD. Talvez a maior dificuldade ainda seja a nesse processo. Da necessidade de trazer para as do seu reconhecimento no meio acadêmico como um discussões de sala de aula novos problemas vinculados à trabalho relevante na formação de professores. Herdeira compreensão de sentidos e à produção de enunciados do belletrismo acadêmico, a instituição universitária com 34 Estudos Hispânicos A Análise do Discurso e o ensino de Espanhol Língua Estrangeira seus cursos de Letras, ao longo de sua existência, tem-se pautado na hegemonia de um quadro conceitual que ______. L’Analyse Du discours, Introduction aux lecture de archeve. Paris : Hachette, 1991. busca ocultar a existência dos conflitos teóricos. Aos que muitas vezes se somam a resistência à mudança .... Bem, isso é tema para outro encontro ou para as discussões, a seguir. POSSENTI, S. Teoria do discurso: um caso de múltiplas rupturas. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A.C. Introdução à lingüística: fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2004, pp. 353-392. Agradeço a todos a atenção. Referências bibliográficas: BOUTET, J.; MAINGUENEAU, D. (Org.) Langage & Société. Approches interdisciplinaires dês pratiques langagières et discursives. nº 114, décembre 2005, Paris. CHARAUDEAU, P. ; MAINGUENEAU, D. Dictionaire d’Analyse du discours. Paris: Seuil, 2002. GREGOLIN, M. R. V. Análise do discurso: lugar de enfrentamentos teóricos. IN: FERNANDES, C. A.; SANTOS, J. B; C. dos (Orgs.). Teorias lingüísticas: problemáticas contemporâneas. Uberlândia: EDUFU, 2003, pp.21-34. MAINGUENEAU, D. Introdução à lingüística. Lisboa: Gradiva, 1997. 35 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola A LINGÜÍSTICA APLICADA NO BRASIL E A ÁREA DE LÍNGUA ESPANHOLA Márcia Paraquett UFF associando as concepções de LA ao que venho chamando de abordagem multicultural. Portanto, serão três as perguntas que me orientação: O que é a lingüística aplicada? Onde estamos os de Língua Espanhola nesse cenário acadêmico brasileiro? De que maneira a abordagem multicultural responde aos anseios de uma LA “indisciplinar”? Introdução Minha comunicação pretende apresentar uma concepção de Lingüística Aplicada (LA) produzida no Brasil, observando-a como resultado de um embate acadêmico entre pesquisadores que procuraram defini-la a partir de nossa realidade sociocultural. Entre os nomes que se destacam nessa área, tomarei dois artigos de Almeida Filho, publicados em 1991 e 2001; e dois de Moita Lopes, publicados em 1996 e 2006, com o objetivo de observar a evolução que houve na concepção de LA dentro desse marco temporal. Pretendo, também, questionar a ausência de pesquisadores da área de O que é a lingüística aplicada? Já tive a oportunidade de fazer referências a esse tema em outras ocasiões. Portanto, o que lhes apresento neste momento não tem o vigor da novidade mas, em contrapartida, reflete um pensamento já amadurecido, elaborado a partir de intensas discussões que se dão durante os cursos de pós-graduação que compartilho com meus alunos aqui na Universidade Federal Fluminense. Feito esse esclarecimento, começo recuperando um artigo publicado em 1991, numa revista da Universidade Federal de Santa Maria, cujo autor é Língua Espanhola desse cenário científico e concluir, 36 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola Almeida Filho, um dos mais renomados lingüistas estratégias aplicados de nosso país. Naquela ocasião, disse o autor compreendidos e aplicados por seus seguidores. Mas é que a LA era uma “ciência aplicada (interdisciplinar, em claro que esses procedimentos não poderiam realizar-se muitos casos), cujo objeto é o problema real de uso de de outra forma que não fosse pela consciência, o que me linguagem colocado na prática dentro ou fora do leva a imaginar que Almeida Filho estaria repetindo, não contexto escolar”. Disse, também, que compreendia a LA sei se consciente ou inconscientemente, os famosos como uma “ciência aplicada auto-consciente, preocupada ensinamentos de Krashen (1987) que distinguiu a em encaminhar soluções sistemáticas para questões aquisição da aprendizagem, dizendo que enquanto esta reais de uso de linguagem” (ALMEIDA FILHO, 1991, p.7). era o resultado de um processo consciente, a aquisição são conscientemente concebidos, Fica evidente que o lingüista aplicado está era “subconsciente” 1. Hoje essa discussão envelheceu, ressaltando o aspecto interdisciplinar dessa ciência não só pela provável inadequação do adjetivo utilizado, (embora o faça de forma modalizada) e a necessidade do mas porque novos estudos já provaram que tanto a foco estar em problemas reais de uso de linguagem, seja dentro ou fora do contexto escolar. Esses aspectos perduram até hoje, ainda que concepções mais atuais ressaltem outros elementos, conforme mostraremos mais adiante. No entanto, chama-me a atenção o fato de Almeida Filho entender a LA como uma “ciência aplicada auto-consciente”, o que me leva a supor que estaria dizendo que se trata de uma ciência cujos mecanismos e 1 Sobre o termo esclarece a enciclopédia Wikipédia: “Subconsciência (ou subconsciente) é um termo utilizado em Psicologia para designar aquilo que está situado abaixo do nível da consciência ou que é inacessível à mesma. Na Psicanálise, o subconsciente é uma "consciência passiva", capaz de tornar-se plenamente consciente (ao contrário do "inconsciente", cujo conteúdo só pode ser inferido indiretamente através de técnicas de interpretação)”. E sobre o histórico da palavra, a mesma enciclopédia afirma que: “O termo "subconsciência" surge nos primeiros trabalhos de Freud como sinônimo de "inconsciência". Todavia, por acreditar que a expressão dava margem a ambigüidades (poderia ser interpretada como algo abaixo da consciência ou como uma "outra consciência", coexistindo com a primeira), acabou desistindo do seu uso”. 37 Estudos Hispânicos aprendizagem como A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola a aquisição se realiza conscientemente. Mas voltemos ao que me havia proposto. Em 2001, ou seja, dez anos depois dessa publicação da Voltando ao proposto por Almeida Filho, é preciso Revista da Universidade Federal de Santa Maria, Almeida dizer que naquele momento, ou seja, em 1991, ainda era Filho publicou um outro artigo, que me interessa aqui, no pertinente que se discutisse a relação entre a Lingüística primeiro volume da Revista Brasileira de Lingüística e a Lingüística Aplicada, e não é por outro motivo que Aplicada, organizada pela Faculdade de Letras da precisou esclarecer que Universidade Federal de Minas Gerais, cuja editora é o conhecimento básico de Lingüística pode ser absolutamente necessário, mas flagrantemente insuficiente no encaminhamento de soluções para muitos problemas reais de interação mediada pela linguagem, dentro ou fora do contexto escolar (ALMEIDA FILHO, 1991, p.14) Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva, que também foi Observe-se, portanto, que a polarização se dava medida em que seu artigo é o primeiro que consta do entre os lingüistas e os lingüistas aplicados, que se sumário. Com o título O Ensino de Línguas no Brasil de acusavam, numa luta inglória, de usurpação de fronteiras 1978. E Agora?, o autor apresentou um panorama e de objeto de pesquisa. Essa discussão também parece histórico do percurso dos 23 anos que completava a LA estar superada, embora esses dois grupos não se no Brasil, tomando o primeiro congresso brasileiro encontrem nos debates, já que cada um tem sua própria ocorrido em 1978, na Universidade Federal de Santa associação: a ABRALIN (Associação Brasileira de Catarina, como marco inaugural, o mesmo ano em que Lingüística) e a ALAB (Associação de Lingüística Aplicada ele e a organizadora do evento (Carmen Rosa Caldas- do Brasil). Coulthard) haviam concluído o doutorado na Inglaterra. presidente da ALAB. Esses dados são importantes porque confirmam que a LA crescia no país e que Almeida Filho ainda ocupava um lugar de destaque na 38 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola solapando as infundadas esperanças de revolução. (ALMEIDA FILHO, 2001, p.18) Segundo Almeida Filho “o evento de Santa Catarina constitui-se de fato na base pioneira de lançamento para o debate público e na primeira vitrine do que se Nota-se, portanto, que a polarização não se dava anunciava como a nova maneira comunicativa de se apenas entre lingüistas e lingüistas aplicados, mas entre planejar a operação de ensino de uma nova língua” os (ALMEIDA FILHO, 2001, p.15) comunicativismo e os que eram contrários. Isso vai lingüistas aplicados que eram adeptos ao Foi também em 1978 que Henry Widdowson explicar a dicotomia conceitual que persiste ainda hoje, e publicou um livro seminal (The Teaching of Langue as que coloca em lados opostos (ou pelo menos diferentes) Communication), traduzido por Almeida Filho com o os maiores nomes da LA de nosso país. Almeida Filho não título O ensino de línguas para a comunicação. Estávamos, perde a oportunidade de recuperar a discussão, então, atualizados com os debates em LA que ocorriam, perguntando se em 2001 ainda seria válido indagar “o principalmente, na Inglaterra, e que se vinculavam ao que fazer do movimento comunicativo”? (ALMEIDA comunicativismo. Portanto, a LA no Brasil chegou junto FILHO, 2001, p.18). E seu texto confirma sua resposta com o comunicativismo e não foi por outro motivo que como positiva, na medida em que recuperou boa parte de durante muito tempo essas duas correntes foram vistas seu como sendo uma só. Lê-se no artigo de Almeida Filho que Comunicativas, e publicado em 1993. Dessa forma, creio Os professores em centros mais avançados de ensino de línguas no Brasil nessa época (por volta de 78) mostravam-se geralmente muito curiosos por conhecer e experimentar o ensino funcional mas alguns profissionais mais graduados à época apressaram-se em mostrar sua sobriedade cética ser possível afirmar que Almeida Filho foi e é o maior livro, também seminal, intitulado Dimensões representante da LA brasileira no seu modelo original, embora não esteja dizendo com isso que seja essa a 39 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola perspectiva que mais me mobiliza hoje como uma produção escrita e modesta lingüista aplicada. compreensão escrita oral e do desempenho em e oral)”, enquanto a Confrontemos o ponto de vista de Almeida Filho interpretativista tem o seu foco “no processo de uso de com o de Moita Lopes, que em 1996 publicou seu linguagem” (MOITA LOPES, 1996, p.21), afirmando que visitadíssimo livro Oficina de Lingüística Aplicada. O já se podia perceber que havia um interesse maior na autor afirmou que realização desse segundo modelo de pesquisa do que no (...) a LA é entendida aqui como uma área de investigação aplicada, mediadora, interdisciplinar, centrada na resolução de problemas de uso da linguagem, que tem um foco na linguagem de natureza processual, que colabora com o avanço do conhecimento teórico, e que utiliza métodos de investigação de natureza positivista e interpretativista. (MOITA LOPES, 1996, p.23) Ao comparar os dois pontos de vista, percebemos que ambos coincidem no aspecto interdisciplinar da LA e na necessidade do foco em problemas de uso da linguagem. No entanto, Moita Lopes ressalta a “natureza processual” da linguagem e reconhece que as pesquisas em LA são de “natureza positivista e interpretativista”. E nos esclarece que a pesquisa positivista “centra-se na análise do produto final do usuário (ou seja, a análise da positivista. Comparemos o dito com o mais novo artigo de Moita Lopes sobre a LA, publicado em 2006, em um livro organizado por ele, e cujo título é Por uma lingüística aplicada indisciplinar. Esses dez anos que separam uma concepção da outra determinaram mudanças radicais, ou “indisciplinares”, conforme tentarei comprovar. Ainda na introdução, o autor faz um alerta a seus leitores, dizendo: “Penso que este livro não vai tornar as coisas mais fáceis para a LA. Sou de opinião de que vamos continuar a ser vistos como “o outro” no vasto campo dos estudos lingüísticos” (MOITA LOPES, 2006, p.17). Percebe-se que ele estava referindo-se à mesma questão já anunciada no artigo de Almeida Filho, em 1991, com respeito ao 40 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola embate entre lingüistas e lingüistas aplicados. Mas, entanto, chega a referir-se a este tipo de LA como penso eu, também estaria se referindo às discussões “tradicional” ou “normal”, para dizer que seu livro tinha ocorridas entre os lingüistas aplicados que comungam outra pretensão, ou seja, a de “colaborar na construção com sua concepção e os que defendem outras idéias. de uma LA como área de pesquisa mestiça e ideológica” Recordemo-nos que ele já defendia em 1996 uma (MOITA LOPES, 2006, p.25). Acusa os lingüistas concepção de linguagem como processo, o que a aplicados que se dedicam a pesquisas na área de aproxima ensino/aprendizagem de línguas de serem “tradicionais” de uma perspectiva discursiva e não pragmática ou comunicativa. ou “normais”, e de “ignorar o fato de que professores e É interessante observar como ele reforça a alunos têm corpos nos quais suas classes sociais, questão do modelo e do foco da pesquisa, já vistos no sexualidades, gênero, etnia etc. são inscritas em texto de 1996, dizendo, agora que posicionamentos discursivos” (MOITA LOPES, 2006, As questões que este livro focaliza estão, desse modo, muitíssimo distante da LA tradicional (normal?), que ainda é muito positivista (...) e que ainda entende a LA como área exclusivamente centrada em práticas de ensino/aprendizagem de línguas (...) (MOITA LOPES, 2006, p.25) p.102), desconsiderando-se, portanto, sua natureza social e histórica. Segundo o autor, as pesquisas em LA precisam estar atentas às questões da contemporaneidade, o que Ou seja, a discussão proposta por Moita Lopes não é nada fácil depois que se têm a consciência da tomou um rumo diferente da de Almeida Filho, que no complexidade que nos constitui e da incerteza quanto seu do aos métodos utilizados para produzir conhecimentos que de sirvam para diminuir os problemas sociais que temos. aprendizagem de línguas estrangeiras. Moita Lopes, no Mas, em última análise, o que propõe como parte de uma segundo comunicativismo, texto recuperou atendo-se ao a questão contexto 41 Estudos Hispânicos “agenda ética” A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola (MOITA LOPES, 2006, p.90) de Portanto, o texto de 2006 reforça a posição que investigação para a LA precisa pautar-se na vida social Moita dos sujeitos envolvidos porque só assim, o lingüista acentuando-se o caráter interdisciplinar da LA, a aplicado mundo concepção de linguagem como discurso, e uma postura contemporâneo e produzir um conhecimento que, de “indisciplinar” diante dos problemas que geram o foco de fato, responda às questões de sua realidade sociocultural. nossas pesquisas. poderá situar seu trabalho no Lopes já tomara, timidamente, em 1996, Nesse sentido, a LA precisa aproximar-se de “áreas que focalizam o social, o político e a história”, além de não ser Passo, agora, a responder à segunda pergunta que mais vista como uma disciplina, “mas como área de me orientou: onde estamos os de Língua Espanhola nas estudos, na verdade, como áreas tais como estudos pesquisas em LA? feministas, estudos queer,2 estudos sobre negros, estudos afro-asiáticos etc”. (MOITA LOPES, 2006, p.96-7). 2 “Queer é um termo que proveio do inglês. Seu significado atual tem a ver com gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. Seu significado inicial pode ser compreendido através da história da criação do termo, inicialmente uma gíria inglesa. Literalmente significa "estranho". (http://pt.wikipedia.org/wiki/Queer) No mesmo livro, na página 80, Pennycook diz: “na teoria queer, na qual o questionamento de categorias de identidades de gênero e sexual tem permitido um enquadramento da sexualidade que vai além da identificação lésbica y gay e, em vez disso, abraça a categoria mais ampla de queer (Jogose, 1996; Nelson, 1999). Conforme Jagose (1996:90) aponta, “os debates sobre a performatividade fazem uma pressão de desnaturalização sobre o sexo, o gênero, a sexualidade, os corpos e as identidades”. Onde estamos os de Língua Espanhola? Entre setembro de 2006 a setembro de 2007, tive a oportunidade de participar de quatro encontros de LA que me ajudaram, de certa forma, a compreender o lugar que ocupamos nesse cenário acadêmico brasileiro. Refiro-me ao V Congresso da Associação de Professores de Inglês do Rio de Janeiro (ENPLIRJ), realizado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro; ao IX Seminário 42 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola de Lingüística Aplicada, realizado na Universidade E lhes peço desculpas pela falta ou falsa modéstia, e Federal da Bahia; ao I Simpósio sobre o Livro Didático de também pela necessidade que sinto de recuperar Língua Materna e Estrangeira (SILID), ocorrido na algumas coisas que já disse naqueles encontros. Por Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; e ao ocasião do V ENPLIRJ, ressaltei a importância de minha VIII Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada, presença naquela mesa que discutiu o Multiculturalismo ocorrido na Universidade de Brasília. Com exceção deste e a aprendizagem de línguas estrangeiras, reconhecendo último, minha participação foi por convite para que que, mais importante do que falar do tema em si mesmo, pudesse discutir, ao lado de outros pesquisadores, onde aquela discussão punha em evidência, tardiamente, que estiveram, inclusive Almeida Filho e Moita Lopes, temas discutir aquela temática implicava em rever nossa pertinentes à LA. É fundamental que se diga que nenhum organização nacional no que tange à área das línguas desses três encontros era específico para a discussão estrangeiras. Chamei a atenção para o fato de línguas sobre pesquisas em Língua Espanhola. Muito ao estrangeiras como o Inglês e o Espanhol não terem sido contrário, foram momentos em que tive a oportunidade reconhecidas como de ocupar um lugar no debate sobre as línguas similares, porque historicamente estivemos separados estrangeiras no Brasil onde havia, portanto, especialistas por razões de ordem política. Falei, também, que as em Inglês, Francês, Italiano, Alemão e, até mesmo, em publicações brasileiras na área de LA quase nunca Libras e Línguas Indígenas. apresentam estudos, cujos autores sejam pesquisadores Trago-lhes esses dados porque os vejo como um disciplinas iguais, ou mesmo de E/LE para brasileiros. elemento que me ajuda a pensar o lugar que a pesquisa Não deixei de ressaltar, no entanto, que não em Língua Espanhola está ocupando no cenário nacional. defendia o separatismo dessas línguas estrangeiras que 43 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola são disciplinas escolares no Brasil. Muito ao contrário, considerá-lo. No entanto, só para provocar um possível minha reivindicação se explicava (e ainda se explica) debate, adiantei-lhes que entendia que cada língua pelo fato de não termos tido assento nessa academia que estrangeira tem suas particularidades e que sua se dedica aos estudos em línguas estrangeiras no Brasil. aprendizagem no Brasil determina, como mínimo, o Portanto, reivindicar a presença de especialistas em confronto entre essas línguas e a nossa. E essas E/LE nas produções bibliográficas brasileiras não particularidades deveriam ter sido tema das OCs, como o significa entender que os estudos científicos de nossa foi no capítulo dedicado ao Espanhol. área devam ser particularizados. Ressaltei, ainda que Portanto, a experiência vivida nesse período me aquela discussão era bastante significativa naquele deu uma pista de que o esforço da comunidade de momento, em que o MEC acabava de publicar as pesquisadores de Espanhol no Brasil está trazendo Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCs, resultados positivos, não só porque já é possível que 2006) que, contrariamente aos Parâmetros (PCNs, 1998), dividamos foros de debates com outros lingüistas propõem línguas aplicados (e certamente com lingüistas, com analistas do estrangeiras priorizadas nos currículos das escolas discurso etc), mas porque tivemos garantido um espaço brasileiras. Recordemo-nos que as OCs dedicaram um oficial dentro das OCs para pontuar questões que são capítulo específico para Línguas Estrangeiras e outro pertinentes às nossas especificidades. estudos diversificados para as para Espanhol. Disse-lhes que eu também tinha minha Dito isso, passo à terceira e última pergunta que opinião sobre esse assunto (e isso não é novidade aqui me está orientando: de que maneira a abordagem dentro de minha comunidade), mas entendia que o tema multicultural daquela mesa não o priorizava e que, por isso, não ia “indisciplinar”? responde aos anseios de uma LA 44 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola ensino/aprendizagem, e que são reconhecidas no Brasil como modelos de ensinar e aprender, próprios à nossa De que maneira a abordagem multicultural responde aos anseios de uma LA “indisciplinar”? realidade sociocultural. Refiro-me ao comunicativismo, Retomo, portanto, a proposta de Moita Lopes, mas atenho-me à aprendizagem de línguas estrangeiras, ao socioconstrucionismo (ou interacionismo) e à educação multicultural (ou pedagogia crítica). E para subárea da LA a que me dedico, para dizer que apenas a entendê-las melhor, tomo o ponto de vista de três abordagem multicultural pode dar conta de questões tão autores que sugerem os seguintes conceitos: Almeida Filho afirma que “O ensino comunicativo complexas. Meu desafio, portanto, é atrelar uma proposta de investigação tão “indisciplinar” ao ensino/aprendizagem de línguas sem ser “tradicional” ou é aquele que organiza as experiências de aprender em termos de atividades relevantes/tarefas de real interesse e/ou necessidade do aluno para que ele se capacite a “normal”. E o que é a abordagem multicultural? E de que usar a língua-alvo para realizar ações de verdade na maneira ela responde aos anseios de uma LA interação com outros falantes-usuários dessa língua” “indisciplinar”? Começo dizendo que a abordagem (1993, p.36). Isso confirma que o comunicativismo como multicultural, como eu a vejo, é o resultado de três ele o vê se preocupa com o contexto sociocultural dos correntes filosóficas3 que orientam o aprendizes, embora acentue a função comunicativa da língua. 3 Prefiro falar em filosofia porque reconheço a pertinência da proposta de Almeida Filho (1993, p.13), ao dizer que “uma abordagem se constitui numa filosofia de trabalho, verdadeira força potencial capaz de orientar as decisões e ações do professor nas distintas fases da operação global de ensino” Moita Lopes nos diz que uma abordagem socioconstrucionista, na área dos estudos lingüísticos, deve ocupar-se da “temática das identidades que surge 45 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola em meio a uma concepção de linguagem como discurso, desconstrução de estereótipos e na promoção da ou seja, uma concepção que coloca como central o fato de tolerância das diferenças” (MOTA, 2004, p.41). que todo uso da linguagem envolve ação humana em relação a alguém em um contexto interacional específico” Tentando reunir essas filosofias de aprendizagem, posso dizer que seu papel profissional, distanciando-se de uma postura as três propostas orientam para um trabalho onde professores e alunos são protagonistas de um processo coletivo que pressupõe responsabilidades compartilhadas. Em outras palavras, segundo as atuais tendências metodológicas para a aprendizagem de línguas estrangeiras com as quais convivemos no Brasil, a sala de aula deve ser o espaço da interação, da construção de identidades, da experiência de atividades relevantes, do uso da linguagem como discurso, do auto-conhecimento e, por isso mesmo, da transformação social. No entanto, conforme alerta a proposta da Educação Multicultural, apenas a partir de um projeto institucional, materializado em reformas políticas que incluam revisões curriculares e projetos pedagógicos, será possível desfazer a crença em modelos tradicionais de aprendizagem (PARAQUETT, 2007, p.54). de alienação e aproximando-se de um comprometimento Essa proposta, viável no meu ponto de vista, seria com a transformação social, tornando-se um educador a resposta que esperam os lingüistas aplicados que intelectual, um agente de mudança, engajado na acreditamos que nosso papel, como pesquisadores, é o (2003, p.19). O que nos leva a pensar que a escola precisa estar atenta ao papel que exerce como formadora de identidades, já que aprendemos a ser quem somos nas práticas discursivas em que agimos com outros. E Mota nos ensina que “a educação multicultural pretende recontextualizar o papel político da escola, discutindo a adoção de novos currículos multirreferenciais que venham a incorporar discursos historicamente silenciados e a desprezar aqueles potencialmente silenciadores”. Afirma ainda que “nessa proposta multicultural, o professor de LE redimensiona de contribuir para que a aprendizagem de línguas 46 Estudos Hispânicos A Lingüística Aplicada no Brasil e a área de Língua Espanhola estrangeiras seja instrumento de inclusão, e para isso é fundamental que rompamos com uma “disciplina” que nos paralisa diante da descrença ou do cansaço. Referências bibliográficas: ALMEIDA FILHO, J.C.P. de. Dimensões comunicativas do ensino de línguas. Campinas: Pontes, 1993. ______. O ensino de línguas no Brasil desde 1978. E agora? In: Revista Brasileira de Lingüística Aplicada, vol. 1, N. 1, 2001, p.15-29. BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Básica. Brasília: MEC, 2006. p. 127-156. ______. Socioconstrucionismo: Discurso e Identidades Sociais. In: MOITA LOPES, L.P. da (Org.). Discursos de Identidades. Campinas: Mercado de Letras, 2003, p.1338. MOTA, K.M.S. Incluindo as diferenças, resgatando o coletivo – novas perspectivas multiculturais no ensino de línguas estrangeiras. In: MOTA, K. e SHEYERL, D. Recortes Interculturais na sala de aula de Línguas Estrangeiras. Salvador: EDUFBA, 2004, p.35-60. PARAQUETT, M. El abordaje multicultural y la formación de lectores en el aprendizaje de español lengua extranjera. In: ZIMMERMMAN, R.I. e KELLER, T.M.G. Cuestiones de literatura, cultura y lingüística aplicada: prácticas en lengua española. Passo Fundo/RS, EDUPF, 2007, p.52-70. KRASHEN, S.D. Principles and Practice in Second Language Acquisition. New York: Prentice–Hall International, 1987. MOITA LOPES, L.P. da (Org.). Por uma lingüística aplicada indisciplinar. São Paulo: Parábola, 2006. ______. Oficina de Lingüística Aplicada. Campinas: Mercado de Letras, 1996. 47 Estudos Hispânicos Espanhol no Ensino Médio: um olhar discursivo ESPANHOL NO ENSINO MÉDIO: UM OLHAR DISCURSIVO Maria Cristina Giorgi CEFET-RJ / PVNC Antes de assistir ontem ao congresso, minha fala, que já estava pronta, assim começava: “Ainda que o foco dessa apresentação não seja a teoria” - mesmo porque, certamente, muito pouco me restaria a falar depois da apresentação da Mesa redonda: Contribuições teóricas ao ensino de E/LE, composta pelas professoras Del Carmen Daher, Marcia Paraquett, e Mercedes Sebold -, “para mim é muito difícil desatrelar a minha prática da teoria com a qual venho trabalhando há algum tempo”. Depois de ontem, onde várias vezes esse ponto foi tocado, penso que esse falar sobre a teoria torna-se mais relevante quando percebo que essa ainda vem sendo tratada por muitos como um bicho-papão que está ao alcance daquele pequeno grupo de professores que pode se dedicar a fazer pesquisas. Os tais pesquisadores. Porque é só aí que essa tal teoria faz falta. E esse pequeno grupo de professores assim que pode foge do EM para a graduação e pós-graduação. Como se o EM funcionasse como um trampolim, ou sendo para muitos, o limbo que eu vinculo à idéia de um lugar de espera e improdutivo... Fico muito feliz em poder falar que, durante minha graduação, tive a oportunidade de ser apresentada a muitos diferentes olhares para depois escolher. A própria escolha de ser professora, não aconteceu num primeiro momento. Foi um caminho construído ao longo da graduação. Mas de uma coisa eu tinha certeza: adolescentes, jamais. Voltando ao grande bicho papão, cada vez mais venho sentindo que a teoria, ou as teorias pelas quais fiz e faço opções, - ainda bem que a gente pode mudar - no final das contas, não fazem mais do que dar suporte àquilo que penso sobre vários o-que- és: o que é ensinar, o que é aprender, o que é ser professor, o que é ser aluno, o que é LM, o que é LE, enfim, o que é a minha prática. 48 Estudos Hispânicos Espanhol no Ensino Médio: um olhar discursivo O que defendo aqui, então, como foi falado ontem como propósito situar os discursos que circulam em pelas professoras da mesa final, não é a opção pela minha dadas formações sociais e relacioná-los a suas condições vertente teórica, ou a da professora A, ou a do grupo B. de produção. Parece-me importante ressaltar como a teoria em vez de Assim, essa perspectiva, essa forma de apreensão ser o bicho-de-sete-cabeças, que nos paralisa, pode ser dos discursos concebe a língua em funcionamento, por uma opção confortável para uma melhor compreensão meio de discursos que emergem e circulam a partir da daquilo que, ação de sujeitos. Assumindo o ponto de vista que vê a evidentemente, não se restringe à sala de aula. Assim, em construção dos sentidos atravessada por processos lugar de nos aprisionar a teoria deve nos servir. E lingüísticos e ideológicos, é possível pensar aquilo que principalmente no Ensino Médio onde parece que ainda pode e não pode, deve e não deve ser dito em conjunturas não há lugar para o professor que faz pesquisa. Como se, específicas. Cada grupo se estabelece, então, a partir da rançosamente, teoria, prática, pesquisa fossem seres regularidade dos sentidos que nele circulam e na ênfase independentes que a eles é dada. Em contrapartida, é necessário que que fazemos na nossa prática, Por isso vou procurar destacar algumas questões outros sentidos circulem em outros grupos, para que que acredito serem relevantes para relacionar minha cada grupo se identifique com e / ou se oponha a cada opção pela Análise de discurso de base enunciativa - a AD grupo. - e o ensino de LE no âmbito do Ensino Médio, onde atuo. Citando a professora Regina Mutti (Doutora em Retomando então o que já foi dito pela professora Letras, Professora do Departamento de Ensino e Del Carmen, entendo que a opção pela AD é a opção por Currículo da Faculdade de Educação e do Programa de “um certo modo de apreensão da linguagem”, que teria Pós-Graduação em Educação da UFRGS) 49 Estudos Hispânicos A natureza inquieta da Análise de Discurso, mantém vivo o debate, de modo que hoje se constatam tendências diversas de realizar essa disciplina, de inspirar-se nela deslizando para outras construções teóricas, de estar nela ou mesmo de sair dela, recusando-a. Mas o mergulho em suas águas revoltas insinua-se nas novas interpretações teóricas, em meio aos deslocamentos de posições dos sujeitos que desejam constituir seus objetos de pesquisa. A Análise de discurso pretende-se colocar no entremeio das áreas de conhecimento estabilizadas, estranhando, através de uma incursão na relação entre o dizer e o dito, os próprios modos como os campos de saber se estabilizaram, deixando marcas lingüísticas desse processo de estabilização. (MUTTI, 2005, p. 2) A Análise de discurso surge de uma ação que visa Espanhol no Ensino Médio: um olhar discursivo sendo esse constituído de uma materialidade lingüística e de uma materialidade histórica, simultaneamente. É, portanto, a própria constituição da AD – que constrói seu objeto teórico e procede a análises desde conceitos advindos de outras áreas de saber, na interface com áreas vizinhas –, que faculta àqueles que optamos por esse olhar percorrer caminhos diversos, que ora tangenciam a enunciação, ora a psicanálise, ora a história, permitindo nossa entrada em territórios diversos assim como proporcionando uma maior visibilidade de afinidades e diferenças a partir da interlocução com outros saberes. a combater o excessivo formalismo lingüístico em vigor, Voltando, agora, nosso olhar para o âmbito do buscando apontar questões no interior da própria Ensino Médio, a opção pelo viés da AD, que nos aproxima lingüística, a partir do deslocamento de conceitos como de outros campos do saber, possibilita a implementação língua, historicidade e sujeito, desconsiderados pelas de um ensino interdisciplinar de fato, que como bem diz a correntes vigentes então. Não sendo disciplina autônoma professora Marcia Paraquett, não é preciso que façamos nem auxiliar, a AD busca refletir sobre o objeto trabalhos junto com os professores de outras disciplinas discursivo, nos limites das grandes divisões disciplinares, para sermos interdisciplinares. Podemos, assim, apresentar ao aluno uma nova forma de ver a língua, pois 50 Estudos Hispânicos Espanhol no Ensino Médio: um olhar discursivo compreendê-la a partir de uma ótica discursiva, é primeiro me atraíram, por volta dos seis anos de idade, e perceber que os enunciados só são produzidos pelos essa enfermidade é incurável. Por que mais essa divisão? sujeitos, quando esses atuam em situações sociais, uma Então, na minha prática, é o olhar da AD que vez que é nessas situações que assumem a dita condição permite mostrar ao aluno que os sentidos não podem ser de sujeito. Ou seja, como nos explica mais uma vez Mutti, construídos apenas pelo lingüístico, mas sim pela sua Essa forma de os sujeitos produzirem sentidos, em se filiando a formas discursivas que já estão aí, faz parte do jogo discursivo que os sujeitos assumem, ao empregarem a língua na vida social. As enunciações dos sujeitos que, ao enunciarem estão empenhados em significar os acontecimentos de sua existência histórica, são sempre novas, sempre outras, mas somente são possíveis se em conformidade com as regras de uso da língua que configuram campos, gêneros e tipos discursivos como formulações discursivas através das quais se representam modos de organização da sociedade. (MUTTI, 2005, p. 3) relação, por exemplo, com fatores que normatizam a língua, de acordo com os grupos nos quais os sujeitos estão inscritos. E para esse aluno é mais do que aprender gramática, vocabulário ou decorar verbo. É entender, por meio da análise de marcas lingüísticas, até mesmo, de onde ele e aqueles que o cercam falam, e, conseqüentemente, onde ele mesmo se insere dentro dos diversos contextos dos quais faz parte. Ou seja, entenderse como sujeito de seu próprio discurso. Novamente, penso no dia de ontem, e me pergunto: do que eu disse até agora, o que não está de acordo, por exemplo, com o trabalho com textos literários? Certamente, não são minha especialidade, formalmente falando, mas, nas Letras, foram os que Buscamos, portanto, criar possibilidades para que o aluno perceba, por meio dessa nova maneira de apreender a língua – quer materna, quer estrangeira –, que dentro das diversas práticas discursivas presentes não só no contexto escolar, é possível identificar diálogos entres discursos que representam determinados campos 51 Estudos Hispânicos Espanhol no Ensino Médio: um olhar discursivo do saber, que, como pontos de vista, não são verdade nos alunos, e em nós professores, buscando desconstruir absoluta e sempre estão ancorados a um contexto de o que eles entendem acerca do que é aprender uma produção específico. Assim, o foco teórico da AD nos língua estrangeira, do que é aprender uma língua, do que permite viabilizar, como mediadores, um trabalho é aprender, e re-significar essas construções, do que com conjunto de produção de sentidos que visa a re-significar alunos que muitas vezes já são professores (e acreditam espaços já instituídos, de acordo com sujeitos e contextos em outras coisas). e re-significar interlocuções valorizando o espaço do Para isso, é preciso que pensemos nossa prática, aluno que passa a ser parceiro na construção do buscando converter as aulas em espaços produtivos conhecimento, fazendo de nosso trabalho um verdadeiro onde possam se expandir não somente os conhecimentos corpo-a-corpo. lingüísticos dos alunos, mas também aqueles que E como se pode trabalhar com a AD na prática? transcendem as paredes da sala de aula. Mesmo porque, Em primeiro lugar cabe dizer que a opção por esse olhar, sei que alguns podem não concordar, mas costumo dizer numa grande parte das vezes, pode não ser simples. que na maioria das vezes o espanhol é uma simples Muitas vezes, dando aula para o EM, eu já ouvi e ouço: desculpa para o fato de eu estar em sala. “Professora, e a aula, quando vai começar?” E, verdade Para concluir, gostaria de fazer duas últimas seja dita, ainda que alunos da graduação e pós-graduação observações: em primeiro lugar dizer que o fato de muitas vezes não façam a mesma pergunta, nos deixam trabalhar em uma instituição como o CEFET-RJ identificar, por um olhar ou uma cara feia, a mesma certamente facilita a implementação da minha proposta, questão. Até hoje, para mim, no EM vem sendo mais fácil afinal, sabemos que numa instituição pública federal, se desnaturalizar algumas idéias que já estão cristalizadas uma coisa não nos falta é a autonomia. No meu caso, 52 Estudos Hispânicos Espanhol no Ensino Médio: um olhar discursivo além dela, ainda conto com incentivo para participações professores do EM não se limita a preparar nossos em congressos, por exemplo. alunos para o vestibular, mas sim visa à formação de um Contudo não é uma condição para que essas cidadão crítico e à sua inclusão social, também sabemos propostas aconteçam. Pois, por um lado, nem todos os que, para muitos alunos essa inclusão se dá, sim, por professores que trabalham em escolas como o CEFET meio do acesso à universidade. E muitos alunos do pré adotam esses tipos de proposta, que, afinal, dão trabalho comunitário chegam a gabaritar todas as provas de e estão fadadas a criar alunos monstros que rapidamente espanhol que fazem, UERJ, UFRJ, UFF, PUC, por exemplo. percebem que o professor na maioria das vezes não veio A última observação é que, para mim, essa visão com uma receita de resposta preparada, e mais, que a sua de ensino de LE está relacionada a um professor que resposta, de aluno, é muito melhor que aquela proposta assume seu papel de formador e não apenas transmissor pelo professor. de conteúdo, não apenas um apêndice na escola, o que, Por outro, venho trabalhando a partir desse infelizmente, ainda vemos no universo do no EM. E enfoque desde 2001, no PVNC – pré-vestibular retomando a fala de ontem da professora Vera comunitário, onde os alunos apresentam características Sant’Anna, é preciso que de fato a gente saia desse muito peculiares, por serem mais velhos, por terem cômodo lugar de dizer que não tem jeito, de reclamar das terminado o EM há muito tempo, por terem feito um más condições, que de fato existem, mas que não podem Ensino básico de forma deficiente. E também os nos impedir de ocupar espaços dentro das nossas resultados têm sido muito positivos. Cabe aqui instituições, adotando um papel político que não pode se acrescentar que, como escutamos reiteradas vezes neste limitar a ações nos sindicatos e associações. congresso, assim como sabemos que nossa função como 53 Estudos Hispânicos Espanhol no Ensino Médio: um olhar discursivo Referências bibliográficas: ORLANDI, Eni. Interpretação. Petrópolis: Vozes, 1996. AUTHIER-REVUZ, J. Palavras incertas: as nãocoincidências do dizer. Campinas, Editora da Unicamp, 1998. DEUSDARÁ, B. Imagens da Alteridade no Trabalho Docente: enunciação e produção de subjetividade. Dissertação (Mestrado em Letras), Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2006. ROCHA, D.; DEUSDARÁ, B. Análise de Conteúdo e Análise do Discurso: o lingüístico e seu entorno. DELTA: Documentação de Estudos em Lingüística Teórica e Aplicada, 2006, vol. 22, no 1. FIORIN, José Luiz. As astúcias da enunciação. 2. ed. São Paulo: Ática, 1999. GIORGI, M. C. Seleção para a rede pública estadual de ensino: o que se espera do professor de Língua Estrangeira. Dissertação (Mestrado em Letras), Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2005. MAINGUENEAU, D. 2002. Análise de textos de comunicação. 2 ed., São Paulo, Cortez. MUTTI, Regina. Análise de discurso e ensino de português: o que interessa ao professor. Disponível em http://www.entrelinhas.unisinos.br/index.php?e=1&s=9 &a=5 Acessada em 23/08/2007. 54 Estudos Hispânicos Literatura e Ensino de E/LE LITERATURA E ENSINO DE E/LE constituem uma das perspectivas possíveis de interpretação sobre ele. No entanto, não podemos, é Antonio Andrade CPII / FAC-CCAA / UFF Para Magnólia claro, transformar essa possibilidade múltipla de leitura(s) do texto na ausência absoluta de critérios ou de teorias que fundamentem a nossa compreensão. Pelo contrário, Daí a estranha liberdade de que a leitura – literária – nos dá o exemplo. Maurice Blanchot acadêmico) quando dizemos “leitura”, aqui estamos (em contexto dizendo também “perspectiva teórica”. Da mesma maneira, quando trazemos a palavra leitura para o interior de nossa prática docente, Meu trabalho é uma leitura. O que significa dizer redigindo-a com ênfase em documentos e projetos isso? Essa frase tão repetida em textos e comunicações político-pedagógicos, e/ou colocando-a como ponto- acadêmicas postura nodal na lista de conteúdos programáticos, também não fundamental para qualquer analista ou estudioso de podemos estar apartados de uma noção teórica que línguas e literaturas: a de um leitor. E evidentemente, a sustente o nosso trabalho. Retornando assim à frase eleição do termo leitura tenta dissociar o trabalho com o inicial “Meu trabalho é uma leitura”, seria interessante e texto do estruturalismo cientificista, que durante as produtivo ainda explorar a ambigüidade da própria décadas de 1960 e 1970 tomou conta das nossas linhas palavra “trabalho”, que pode significar, também no nosso de pesquisa. Falar, portanto, em leitura é admitir que as contexto, tanto a prática em sala de aula quanto o artigo considerações apresentadas em relação a um texto ou relatório resultante da atividade de investigação. Isto nos fornece, de cara, uma 55 Estudos Hispânicos Literatura e Ensino de E/LE é, imbricando ambos os sentidos, poderíamos dizer que o Seguindo a esteira dessa colocação, Marisa Lajolo trabalho docente deveria mesmo nunca estar alheio à também assinala esse mesmo descompasso entre teoria pesquisa e à teoria. e prática no ensino de Literatura no Brasil, o que, Esse parece ser também o ponto de vista entretanto, na minha opinião, seria um problema que defendido por Neide González, no ensaio (escrito em não foi, como no caso do ensino de E/LE, fundado pela parceria com María Teresa Celada) “Los estudios de ausência de tradição teórica, e sim pela falta de lengua española en Brasil”, no qual a autora avalia os intermediação entre as discussões geradas no meio danos causados por uma tradição que, por seguir o acadêmico e a renovação das práticas de ensino e leitura estereótipo da falta de necessidade de aprofundamento do texto literário. Para Lajolo, muitas vezes essa recusa teórico no estudo de uma língua a priori considerada dos problemas teóricos em sala de aula está calcada muito semelhante ao português, esteve sempre dedicada numa igualmente suposta precariedade de condições que ao estabelecimento de diferenças objetiváveis e de o contrastes superficiais. Nesse sentido, sua crítica dirige- desinteressados pela leitura (LAJOLO, 2002, p. 11). professor encontrará numa classe de jovens se às abordagens didáticas de E/A de Espanhol no Brasil, Gostaria de apontar que esse também é o critério as quais, apesar de maquiadas de novidade e de de afastamento das literaturas de língua espanhola dos estratégias milagrosas, apóiam-se quase sempre “sobre manuais didáticos e dos programas de ensino adotados implícitos y lugares comunes muchas veces ignorados pela maioria das instituições escolares brasileiras que por los profesores, los ‘prácticos’, aquellos que possuem o Espanhol em sua grade curricular. Tal supuestamente no necesitan ni producen teorías” problema, neste caso, agrava-se justamente devido à (GONZÁLEZ; CELADA, 2000, p. 39). influência da tradição que separa, no âmbito da língua 56 Estudos Hispânicos Literatura e Ensino de E/LE materna, as disciplinas de língua e literatura; tradição lingüística e em literatura, para os alunos de Letras problemática esta que tanto o esforço acadêmico quanto (Português-Espanhol), ainda que não busquem muitas o político ainda demorarão a modificar em termos de vezes estabelecer a ponte entre uma área e outra. No realidade institucional. Ou, quem sabe ainda, esse entanto, ao que me parece, muitos professores e métodos afastamento esteja relacionado a um tipo de concepção de E/LE no ensino médio quase sempre evitam utilizar estruturalista/behaviorista de E/A de LE que predomina qualquer tipo de manifestação literária como material de até hoje explícita ou implicitamente em inúmeros trabalho, o que além de representar um empobrecimento métodos, reduzindo os itens de cultura, arte e literatura a da nossa atividade, configuraria aí uma espécie de meras curiosidades. abdução da cultura letrada dos países hispânicos. Desse modo, é necessário matizar um pouco mais Um outro problema que essa ausência da a recente impressão de desenvolvimento teórico do literatura em nossos programas escolares indicia é o estudo de língua espanhola no Brasil. É notório que esvaziamento, de um modo geral, do sentido da leitura houve sim avanços e que eles são cada vez mais na sociedade contemporânea. Haja vista a leitura ter crescentes, muito em virtude do aumento do número de deixado de representar, segundo Mempo Giardinelli, um especialistas com formação lingüística, como bem aponta interesse coletivo hoje, o que por si só já é um sintoma do González (Ibidem). Tal constatação ratifica, portanto, a processo de embrutecimento que se produz quando não carência de especialistas em E/A de E/LE com formação se lê (GIARDINELLI, 2007). Em contraposição a este em literatura, ou – o que seria obviamente ideal – com processo, todos, inclusive nós professores de Espanhol, uma formação mista. Deveríamos lembrar que os nossos devemos assumir a responsabilidade de fomentar a cursos de graduação oferecem uma dupla formação, em leitura em nosso país. E chamo atenção para o fato de 57 Estudos Hispânicos Literatura e Ensino de E/LE que é preciso aprender a ler e interpretar não apenas na uma analogia deste tipo de leitor que, desde um outro língua são tempo e uma outra nacionalidade, relê passagens do Dom fundamentais para a ampliação cultural e intelectual de Quixote, demonstrando que o texto sempre se transforma um indivíduo. Nesse sentido, o professor de LE poderia a partir do ponto de vista do leitor e do contexto de ser não só mais um intermediário entre texto e recepção. materna; estudante, mas afinal línguas também um estrangeiras paradigma leitor Essa possibilidade de re-significação da leitura diferenciado dentro da escola, pois lê em uma outra literária língua e decodifica sentidos de uma outra cultura e de diferentes uma outra tradição literária. institucionais, já contém em si mesma uma questão Se tal perspectiva de trabalho pode se realizar de (sobretudo épocas em e língua estrangeira), em contextos socioculturais ou teórica importante para se compreender o modo de algum modo, acredito que ela será tanto mais produtiva composição quanto maior abertura oferecer para as múltiplas contemporânea. Voltemos, pois, à frase de Maurice possibilidades de comparação entre literatura brasileira Blanchot colocada na epígrafe – “Daí a estranha e literatura hispânica, bem como entre língua portuguesa liberdade de que a leitura – literária – nos dá o exemplo.” e língua espanhola. Tal olhar sobre a alteridade, além de (BLANCHOT, 1987, p. 195) –; ela nos indica a tensão corresponder de entre o aprisionamento da linguagem poética ao imenso aceitação das diferenças, também evidencia uma forma tecido de significações a que o texto escrito está de leitura crítica sobre uma determinada tradição. submetido e o sempre renovado movimento de liberação Poder-se-ia entender assim o conto “Pierre Menard, que a leitura lhe pode trazer. Podemos perceber essa autor del Quijote”, de Jorge Luis Borges, visto que ele é tensão, por exemplo, no poema “Las palabras”, que está a uma importante necessidade basilar da literatura moderna e 58 Estudos Hispânicos Literatura e Ensino de E/LE no livro de Octavio Paz, não à toa, intitulado Libertad relação às palavras: a de violência e opressão. Tal bajo palabra: postura advém da necessidade de construção laboriosa e Dales la vuelta, cógelas del rabo (chillen, putas), azótalas, dales azúcar en la boca a las rejegas, ínflalas, globos, pínchalas, sórbeles sangre y tuétanos, sécalas, cápalas, písalas, gallo galante, tuérceles el gaznate, cocinero, desplúmalas, destrípalas, toro, buey, arrástralas, hazlas, poeta, haz que se traguen todas sus palabras. elíptica exigida pela estética moderna; ou de uma maneira mais ampla, corresponde ao entendimento do texto como um objeto autônomo. Note-se que, para Antonio Candido, o direito à literatura está vinculado a uma potencialidade de humanização que se manifesta pela autonomia do literário, por sua possibilidade de superação, primeiro, do caos originário da linguagem, e em seguida, do ordenamento comum das palavras no idioma (CANDIDO, 1995, p. 158). O pensamento de Candido, conforme sabemos, está sempre marcado pela Nesse poema de Paz, podemos verificar a relação intrínseca entre forma e conteúdo, e é reiteração do imperativo afirmativo, dirigido à figura exatamente este o valor diferencial do texto literário em paradigmática do poeta, interlocutor majoritário em 2ª sala de aula: o de ser uma forma de reflexão simultânea pessoa, o qual se metamorfoseia em diferentes vocativos sobre os temas e sobre a linguagem que os (in)forma. Tal ao longo do poema: “gallo galante”, “cocinero”, “toro”, reflexão, é lógico, não precisa nem deve excluir os “buey”. A alternância desses vocativos e dos consecutivos elementos gramaticais que compõem os textos – veja-se campos semânticos que eles engendram resulta, contudo, que a presente análise começa propositalmente pelos na solicitação de uma atitude comum do poeta em imperativos e vocativos –, o que pode ser ainda mais 59 Estudos Hispânicos produtivo em termos de observação de estruturas da língua, já que no texto literário tais estruturas muitas vezes são usadas de maneira incomum e/ou exploradas ao máximo em sua capacidade expressiva. Uma prova disso, em “Las palabras”, é que o uso repetitivo e o tom agressivo dos imperativos criam o efeito de sentido de luta ou tortura. Ou seja, parece que o eu lírico aí incita poeta e palavras a uma rinha onde estão em disputa a técnica poética, que tenta dar ordem ao texto, e a rebeldia das palavras (“rejegas”), ou de outro modo, o caráter inapreensível dos signos lingüísticos. Essa concepção metalingüística de luta entre produtor e matéria, ou entre escritor e linguagem, aparece em toda a literatura moderna ocidental, constituindo assim uma linha de força fundamental a partir da qual se pode encetar um sem-fim de comparações, inclusive com autores brasileiros. Leiamos, como exemplo, um trecho do poema “O lutador”, de Carlos Drummond de Andrade: Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos Literatura e Ensino de E/LE mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem [...] Enquanto em Octavio Paz a própria sucessão verbal contínua e as imagens de movimento sugeridas por expressões como “Dales la vuelta” e “arrástralas” contradizem o intento de conter a expansão imprevisível dos sentidos, em Drummond a natureza fugidia do poético e a consciência da inútil tarefa de domá-la estão presentes desde o início do poema, que em vez de concentrar-se economicamente sobre uma forma verbal específica, prefere a proliferação discursiva encadeada por inúmeros mecanismos de conexão e de coesão 60 Estudos Hispânicos Literatura e Ensino de E/LE anafórica. Os textos apresentam também modos distintos (BLANCHOT, 1987, p. 198) e que é impossível de fato lê- de representar as noções de subjetividade e linguagem: lo, extinguindo com isso qualquer nova possibilidade de em “O lutador” o sujeito se desvela, relata a sua comunicação, do mesmo modo como parece impossível experiência com a escrita e não se engana com a aos poetas escrevê-lo. aparente fragilidade das palavras; já em “Las palabras” a Quanto à comparação entre Paz e Drummond, subjetividade está ocultada por detrás de uma voz também fruto de uma escolha pessoal dentre incontáveis imperativa que determina o que seu duplo (o poeta) possibilidades, gostaria de citar as palavras de dois deve fazer. Porém, entre o escritor mexicano e o outros célebres escritores hispano-americanos. Rubén brasileiro, há em comum o desejo de refletir sobre o Darío: “Yo le pregunto por el noble Gracián, por Teresa la fazer literário e a concepção de que a própria luta com a Santa, por el bravo Góngora y el más fuerte de todos, don palavra institui o que podemos chamar de poesia. Francisco de Quevedo y Villegas. Después exclamo: Enfim, esse é apenas um exemplo de que tipo de ‘¡Shakespeare! ¡Dante! ¡Hugo...!’ (Y en mi interior: reflexão pode ser realizado a partir da leitura de um ¡Verlaine...!)” (DARÍO, 1999, p. 59). E Borges: “Por eso texto literário. Acredito que o raciocínio tende a se repito que no debemos temer y que debemos pensar que enriquecer em aula com a deriva e o mistério do diálogo nuestro patrimonio es el universo; ensayar todos los com os alunos, por isso os resultados da atividade, é temas, y no podemos concentrarnos a lo argentino para claro, não serão sempre os aguardados. E se volto à ser argentinos” (BORGES, 2005, p. 289). Um e outro minha frase inicial “Meu trabalho é uma leitura”, é para autor confirma a importância de incorporarmos às afirmar, ainda com Blanchot, que “A leitura do poema, é nossas leituras uma tradição que não nos pertença. [sic] o próprio poema, que se afirma obra na leitura” Lembremos que, segundo Italo Calvino, o confronto entre 61 Estudos Hispânicos textos de autores nacionais e estrangeiros é fundamental para que possamos “entender quem somos e aonde chegamos” (CALVINO, 1993, p. 16). É por isso absolutamente plausível e necessário que, no nosso trabalho de leitura com os nossos alunos, abramos espaço para este diálogo e para esta reflexão. Literatura e Ensino de E/LE GIARDINELLI, M. Conferencia: Una reflexión sobre la lectura transformadora. Disponível em: http://www.bnm.me.gov.ar/s/redes/escolares/jnbe/pre sentacion_mempo_jnbe5.htm. Consultado em: 11/2/2007. GONZÁLEZ, N.; CELADA, M. T. Los estudios de lengua española en Brasil. ABEH, El Hispanismo en Brasil, n. 1, Madrid, 2000, p. 35-58. Referências bibliográficas: LAJOLO, M. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2002. ANDRADE, C. D. Antologia poética. Rio de Janeiro: José Olympio, 1983. PAZ, O. Libertad bajo palabra. México: Fondo de Cultura Económica, 1960. BLANCHOT, M. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. BORGES, J. L. Obras Completas. Vol. 1. Buenos Aires: Emecé, 2005. CALVINO, I. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. CANDIDO, A. Ensayos y comentarios. São Paulo/ México: Unicamp/ Fondo de Cultura Económica, 1995. DARÍO, R. Páginas escogidas. Madrid: Cátedra, 1999. 62 Estudos Hispânicos O trabalho com contos na sala de aula de E/LE O TRABALHO COM CONTOS NA SALA DE AULA DE E/LE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Antonio Ferreira da Silva Júnior CEFET-RJ indevida para levar o aluno a aprender a comunicar-se numa língua estrangeira (LE), porque apresentava usos do sistema aulas de línguas estrangeiras passou, no decorrer da história da metodologia do ensino, por momentos de glória e de grandes crises. Nos anos cinqüenta e sessenta predominou o ensino de línguas baseado no enfoque gramática-tradução. A língua estrangeira era aprendida através da tradução de fragmentos ou de pequenas obras literárias, com a memorização de regras gramaticais, predominando as destrezas escritas diante das orais. Com o decorrer do tempo, a evolução das ciências lingüísticas e a chegada e introdução de programas estruturalistas, eliminou-se a presença da literatura do ensino de línguas, pois se considerava ultrapassada e língua bastante diferentes das necessidades comunicativas dos aprendizes e dos objetivos didáticos planificados. Nos anos oitenta, a literatura volta a ser introduzida A presença da literatura e dos textos literários nas da nos currículos através do enfoque comunicativo e das teorias de recepção do texto, pois a literatura é um componente a mais da competência cultural integrada no amplo conceito de competência comunicativa. A questão é que muitas das vezes, quando se pensa em levar a literatura para sala de aula, alguns professores acabam associando-a aos clássicos ou, ainda, segundo análises dos currículos já desatualizados de suas universidades, o que acaba provocando um rechaço no trabalho com a mesma, pois o grau de complexidade da língua, o objetivo estético com que são criadas as obras, e algumas vezes, a temática, nem sempre estabelecem contato com os conteúdos curriculares que trabalhamos normalmente em sala, nem são nada 63 Estudos Hispânicos O trabalho com contos na sala de aula de E/LE motivadores para os estudantes ou não coincidem com escrito, etc., muito menos são “oficinas de literatura”, suas expectativas ou, ainda, com suas necessidades de pensadas como cursos paralelos aos de língua, exigindo, aprendizagem. em alguns casos, um alto conhecimento da língua. Os Apesar dessa atual revalorização do literário em textos literários, ao contrário, sim têm razão de estar aulas de LE, acreditamos que o texto literário, na maioria presentes em sala como material didático, por suas dos casos, continua sendo utilizado em sala de uma características de gênero discursivo – informativo e maneira muito limitada e se justifica somente como cultural – e, além disso, como fonte “autêntica” de pretexto para a prática de fixação de elementos estudos de mecanismos lingüísticos que articulam uma gramaticais ou como tema de conversação e de produção língua. escrita. Não podemos perder de vista que nem sempre Os professores acabam confundidos como levar a devemos buscar nos textos literários a beleza ou a literatura à sala de aula de LE em turmas de Ensino estética com que foram criados ou trabalhados nas aulas Médio, pois não diferem seu estudo de sua aplicação de Graduação em Letras, mas sim o fato de que são textos prática e lúdica. No lugar de falar de literatura em si, e por isso, unidades comunicativas, por isso deveríamos ter convencionado desde o princípio o devemos recorrer ao trabalho constante com textos reais trabalho com textos literários. A literatura, como pura e não adaptados, já que perdem sua realidade e se manifestação artística, não tem sentido numa aula de convertem em textos manipulados. Claro que nem E/LE, pois não é uma disciplina escolar, onde podemos sempre é fácil o trabalho de encontrar textos literários ensinar as correntes literárias, as características de estilo autênticos que se adaptem aos diferentes níveis de do autor, uma análise profunda das obras, os tipos de aprendizagem do aluno. Muitas vezes, o professor não 64 Estudos Hispânicos obtém sucesso na atividade, pois acaba selecionando textos a partir dos seus interesses literários, sem levar em conta as necessidades e o nível de conhecimento do alunado. Para que o texto literário tenha uma utilidade pedagógica no processo de ensino-aprendizagem de uma língua, devemos considerar: a) presença de mostras e usos reais da língua contextualizando estruturas e vocabulário O trabalho com contos na sala de aula de E/LE a) o nível de língua dos alunos: se é adequado ao texto ou será um esforço entendê-lo. b) as características do grupo: formação acadêmica, sexo, idade, interesses, procedência social, necessidades, etc. c) os conteúdos que podem ser abordados no texto: vocabulário, estruturas, conectores, conteúdos culturais, etc. d) como articular ao trabalho realizado em sala: que b) input novo conhecimentos prévios são necessários, que aula c) contribuição no desenvolvimento de destrezas antecede, qual será a aula seguinte, etc. d) contribuição no desenvolvimento de habilidades de compreensão leitora e) que seja reflexo dos conteúdos gramaticais, sócioculturais, discursivos, etc.. trabalhados em sala f) que a extensão do texto permita realizar sua leitura e atividades no espaço da sala de aula. Ao trabalhar com o texto literário em sala, devemos antes considerar certas questões: e) como desenvolver a atividade: estabelecer objetivos gerais e específicos, pensar quais são os possíveis problemas que podem apresentar os alunos. f) Seqüência das atividades: qual a ordem das atividades, por quê esta ordem? g) Como apresentar o texto: texto completo, dividido em partes para facilitar o trabalho 65 Estudos Hispânicos O trabalho com contos na sala de aula de E/LE h) A função do professor durante o trabalho: forma instituição privada do Rio de Janeiro, correspondendo a de ajudar aos estudantes, guiar a atividade, alunos com um conhecimento intermediário de língua resolução de possíveis problemas no decorrer das espanhola. atividades Optei pelo conto porque esse gênero oferece Depois do trabalho em sala: imensas possibilidades de leitura. Além de ser um a) Auto-avaliação e reflexão material autêntico repleto de mostras de cultura, - que valor recebeu a atividade apresenta uma natureza de relato breve capaz de - os objetivos foram alcançados? Por que desenvolver produtivas atividades de compreensão não conseguimos alcançar todos? leitora e escrita pertinentes a descoberta do alunado - Grau de satisfação dos alunos desse - Grau de adequação do texto: problemas desenvolvimento de sua competência literária. não previstos que surgiram, como resolvêlos. - Como melhorar a atividade: repensar o trabalho Para ilustrar os pontos discursivo, incentivando o Cabe destacar que o fato de escutar e contar foram poder gênero necessidades básicas do ser humano. Se retomarmos as origens dos contos, veremos que o homem fez uso da invenção, da fantasia e do terror para argumentados criar histórias fascinantes. Todas as culturas contaram anteriormente, apresento um exemplo de trabalho com suas vidas e experiências, transmitiram sua sabedoria, textos literários autênticos – contos de escritores conservando suas tradições e sua língua, ensinaram espanhóis e hispano-americanos –, no ano de 2005, valores através de personagens que brotavam da fantasia proposto a estudantes do 2º ano do Ensino Médio de uma popular. 66 Estudos Hispânicos O trabalho com contos na sala de aula de E/LE Nenhum gênero literário foi tão significativo como A primeira tarefa foi dividir os alunos da turma o dos contos populares na história da literatura em grupos com no máximo de oito integrantes, de modo universal. O conto, diferente do mito e da lenda, contem que esses grupos trabalhassem de forma separada no muitos mais episódios e uma maior margem para espaço da sala de aula e em casa, terminando de explorar personagens e ações diversas. No mundo do desenvolver a atividade proposta. Cada grupo recebeu conto tudo é possível, por isso a escolha desse elemento um roteiro de trabalho e uma cópia de cada conto estimulante e criativo como instrumento de trabalho no selecionado. processo de ensino-aprendizagem de E/LE. A primeira fase do meu planejamento ocorreu no Após verificar o nível e necessidades do meu próprio espaço da sala de aula ao discutir e construir alunado, selecionei os seguintes contos: “El ahogado más com os alunos um possível conceito de conto, após hermoso del mundo”, de Gabriel García Márquez, “Casa destacar a importância de conhecer a realidade da Tomada” y “La puerta condenada”, ambos de Julio cultura do outro, no nosso caso, uma aproximação maior Cortázar, “El sudor”, de Jorge Ferrer – Vidal Turrul, aos textos produzidos por espanhóis ou hispano- “Acaso irreparable”, de Mario Benedetti, “La gallina americanos, seja ela repassada por inúmeros meios de degollada, de Horacio Quiroga y “La zarpa”, de José comunicação. Dando continuidade à primeira fase de Emilio Pacheco, e planifiquei uma atividade baseada em minha proposta, trabalhamos com o levantamento de três fases diferentes: a leitura prévia dos textos, a leitura hipóteses a partir do título acerca do tema que seria propriamente dita e resolução de atividades propostas e, abordado por cada texto, bem como estabelecemos uma por último, uma fase posterior à leitura, mais reflexiva. aproximação com o autor e ao contexto da época de produção do texto. Após essa etapa de uma breve 67 Estudos Hispânicos O trabalho com contos na sala de aula de E/LE apresentação dos textos, realizamos uma distribuição sendo fundamental a participação de todos do grupo na dos contos por questão de afinidade temática dos grupos. adaptação do texto para a linguagem do teatro. Cada A opção por contos de diferentes épocas, países e autores grupo se reuniu com o professor uma vez, na semana reside no fato explorar as relações de inter-culturalidade. posterior a solicitação da atividade, para sanar dúvidas A segunda fase foi pensada para ser realizada em recorrentes da leitura, confecção de resumo, adaptação e casa com um tempo máximo de três semanas para o criação de um roteiro básico para desenvolvimento da término das atividades propostas. Os alunos em grupo peça. A utilização pelo espanhol na confecção do resumo, deveriam realizar a leitura do conto e buscar a biografia roteiro e apresentação teatral não era nossa meta ao do autor, analisar características de sua vida ou o propor a atividade, já que o enfoque teórico, trabalhado contexto social que poderiam estar presentes em seu em sala com esses alunos, era o da leitura de base texto, analisar aspectos físicos e psicológicos dos interacional. O principal objetivo a ser alcançado na personagens, fazer um levantamento do léxico não- atividade foi o de estabelecer contato com textos conhecido, na tentativa de inferir novas palavras. Os autênticos de grandes escritores das letras de língua alunos deveriam apresentar aos demais companheiros espanhola. de sala o resultado das pesquisas levantadas, a leitura Muitas dúvidas surgiram nos encontros realizada pelo grupo do conto estudado e apresentar um realizados. Elam centravam-se mais na inferência de resumo do conto, sendo esse entendido, por mim, como certos termos, na análise do texto e na adaptação para a um instrumento capaz de medir o resultado da leitura do linguagem teatral. Mas, acredito que, através desse grupo. Além dessas atividades formais, solicitei aos diálogo, conseguimos lograr um ótimo resultado na alunos uma apresentação teatral do conto estudado, atividade proposta. Notório foi o interesse dos alunos 68 Estudos Hispânicos O trabalho com contos na sala de aula de E/LE por ela. Todos os grupos apresentaram a parte formal do personagens em ordem de importância, contar a história trabalho com o auxílio de retroprojetores, cartazes ou desde o ponto de vista de uma personagem, falar da materiais impressos. O ponto alto da atividade esteve nas própria experiência como alunos e leitores e se, talvez, apresentações, onde os alunos confeccionaram cenários conheciam algum texto parecido em seu país de origem, específicos e utilizaram roupas adequadas a cada conto, estavam presentes no questionário solicitado. Esse oferecendo aos demais alunos do grupo uma leitura instrumento complementou a avaliação dos alunos nítida e pertinente do conto estudado. Após cada envolvidos no processo e ajudou-me a verificar e pensar apresentação tínhamos uma pequena conversa com todo possíveis dificuldades encontradas no decorrer da o grupo comentando certos pontos importantes do texto atividade. ou da apresentação. Essa atividade proposta ocorreu Cabe ressaltar que inúmeras outras atividades durante o segundo semestre letivo da instituição e poderiam ter sido propostas e desenvolvidas com os acabou tomando o interesse da comunidade escolar. textos selecionados. Não podendo, o professor, esquecer A terceira e última fase da proposta resumia-se numa atividade posterior a leitura do conto e sua nunca de enfocar a realidade e os anseios de seu alunado. Com essa breve apresentação, pretendi dramatização. Cada grupo recebeu o que nomeei por compartilhar algumas reflexões básicas que, como “diário de leitura”, onde formulei questões que deveriam docente, tive que planejar para atender muitas ocasiões ser respondidas em português e cobravam mais impostas por minha vida profissional. Acredito que essa atividades críticas e reflexivas após a leitura do texto. experiência didática pode ser estendida a todos os que Perguntas como comparar personagens, reescrever o no seu dia-a-dia de trabalho questionam sua forma de final do conto, criar uma versão mais atualizada, listar trabalhar e que desejam enriquecer suas aulas. 69 Estudos Hispânicos O trabalho com contos na sala de aula de E/LE Referências bibliográficas Anexo ALBUQUERQUE, A.E.D.; JUNGER, C.S.V.; SANTOS, A.C. Lectura Interactiva en clases de E/LE. Revista Hispanista, vol. I, n. 3, out-nov-dez, 2000. Disponível em: http://www.hispanista.com.br/revista/uniminiesp.htm BAJTÍN, Mijaíl Mijalovich. Estética de la creación verbal. Buenos Aires: Siglo XXI Editores, 2002. KLEIMAN, Ângela B., MORAES, Silvia E. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas: Mercado das Letras, 1999. MAINGUENEAU, Dominique. O contexto da obra literária. São Paulo: Martins Fontes, 2001. SANTOS, Ana Cristina dos. El género literário y la comprensión lectora en clases de E/LE. In: BENÍTEZ PEREZ, Pedro & ROMERO GUILLEMAS, Raquel (ccord.). Actas del I Simposio de Didáctica del Español para extranjeros: teoría y práctica. Rio de Janeiro: Associação Hispano Brasileira Instituto Cervantes, pp. 82-93, 2004. La zarpa, de José Emilio Pacheco. STEMBERT, Rudolf. Propuesta para una didáctica de los textos literarios en la clase de E/LE. In: MIGUEL, Lourdes; SANS, Neus. Didáctica del español como lengua extranjera. Cuadernos del Tiempo Libre. Madrid: Fundación Actilibre, pp. 247-265, 1999. 70 Estudos Hispânicos El Sudor, de Jorge Ferrer y Vidal Turrul O trabalho com contos na sala de aula de E/LE El ahogado más hermoso del mundo, de Gabriel G. Márquez. La casa tomada, de Julio Cortázar. La gallina degollada, de Horacio Quiroga. 71 Estudos Hispânicos O trabalho com contos na sala de aula de E/LE Acaso irreparable, de Mario Benedetti. La puerta condenada, de Julio Cortázar. 72 Estudos Hispânicos Os paradidáticos no Ensino Médio neste caso o espanhol. Não se pretende aqui uma defesa OS PARADIDÁTICOS NO ENSINO MÉDIO ao texto paradidático, mas apresentar uma alternativa para o trabalho com a literatura em sala de aula. Dilma Figueiredo UFRJ / SEE-RJ Ensinar uma língua estrangeira, além dos Os PCN nos trazem como proposta para o ensino de línguas, materna e estrangeira, de um ponto de vista sociointeracional da linguagem: Entende-se por natureza sociointeracional da linguagem a construção e a desconstrução plural de sentidos obtidos através do uso que fazem seus enunciadores nos diferentes contextos: histórico, cultural e social. Nesse aspecto, fornecer aos alunos as ferramentas necessárias para compreender a função da língua como instrumento de produção de significados no mundo social é tão importante quanto ensinar os conteúdos gramaticais e lexicais.(SANTOS; MENEZES, 2007) aspectos lingüísticos inerentes à aprendizagem de um idioma é também oferecer ao aprendiz o contato com outras culturas, como modos diferentes de ver e interpretar a realidade. É levá-lo ao reconhecimento do outro para que possa pensar sobre a sua própria identidade. E este processo pode se dar através da produção cultural, tendo a literatura como veículo de aproximação de referida produção. Pensando nessa O uso da linguagem é de natureza perspectiva, nosso trabalho tem como objetivo relatar sociointeracional porque quem a usa o faz levando em experiências e mostrar algumas das possibilidades de consideração a quem se dirige e quem produziu o trabalho com a literatura paradidática no Ensino Médio, enunciado. E é nesse jogo discursivo que se estabelece a a fim de proporcionar aos alunos a interação com a construção do significado. cultura dos falantes da língua estrangeira em estudo, A construção do significado é social, pois se dá em um determinado espaço e contexto e cada participante 73 Estudos Hispânicos Os paradidáticos no Ensino Médio leva consigo suas marcas identitárias (sexo, raça, diversas vezes é deixado de lado, quando não, explorado religião, etc.) Pensando nisso, podemos perceber a de uma forma superficial e limitada com exercícios que importância da leitura de um texto literário, pois ali se pouco favorecem a construção e desconstrução de conjugam elementos que abarcam essas marcas, sentidos relativos a um texto ambíguo e subjetivo como o proporcionando ao aprendiz o contato com a diversidade texto literário e entre a dificuldade de alguns professores cultural e a possibilidade de se ver no outro. em trabalhar com textos densos como os textos literários Em diversos livros didáticos encontramos a e falta de tempo para fazê-lo, já que a maioria das escolas ausência do texto literário, que quando aparece é apenas regulares oferecem, apenas, dois tempos semanais, o para constar e cumprir o papel do aspecto cultural texto relativo ao curriculum das escolas de Ensino Médio ou preenchimento dessa lacuna na formação do educando e como mero pretexto para trabalhar e/ ou aprofundar tentativa de oferecer uma alternativa já este que pode conteúdos concernentes a uma determinada atividade, ser ajustado à competência textual do aluno. paradidático vem para contribuir para o uma vez que sua dimensão dialógica oferece abertura As Orientações Curriculares propõem pensar o para abordagem de diversos conteúdos transforma-se o ensino de língua estrangeira como disciplina que oferece texto em mais um caminho para a prática de a oportunidade de um educar para vida, contribuindo compreensão leitora e dos aspectos gramaticais e relega- para a formação do cidadão, ampliação do conhecimento se a produção de sentido do discurso literário ao mundo de mundo e compreensão da diversidade e afirma: do desconhecido. Parece haver uma dificuldade, por parte dos professores, do trabalho com esse tipo de texto que por Com essas disciplinas, busca-se a formação de indivíduos, o que inclui o desenvolvimento de consciência social, criatividade, mente aberta para conhecimentos novos, em fim, uma reforma na maneira de ver e pensar o mundo.[...] Assim, o 74 Estudos Hispânicos Os paradidáticos no Ensino Médio valor educacional da aprendizagem de uma língua estrangeira vai muito além de meramente capacitar o aprendiz a usar uma determinada língua estrangeira para fins comunicativos (MEC/SEMTEC, 2006, p. 90-92) fornecem marcas discursivas próprias que ao serem identificadas desenvolvem o conhecimento da organização textual. (SANTOS; MENEZES, 2007) Pensando sob essa ótica, a literatura possui uma Considerando que a literatura é reflexo dos modos de ver e pensar de um povo, ela oferece ao aprendiz a oportunidade de conhecer outras culturas, conhecer as experiências, internalizar e aprender a lidar com as diferenças. linguagem plurisignificativa e a leitura dos livros paradidáticos que oferecem uma leitura graduada funciona como uma forma intermediária e adequada para o desenvolvimento da competência textual do aprendiz. E, ainda, este tipo de atividade e leitura podem Segundo Santos e Menezes (2007) falam sobre o trabalho com a literatura paradidática em sala de aula: Essa ferramenta, inclusive, é um elemento facilitador que inicia o aluno nos procedimentos contratuais comunicativos particulares a cada gênero. Isto porque o discurso paradidático geralmente trabalha com intertextos que resgatam o conhecimento prévio do aluno nas diferentes áreas do saber. De forma geral, a enunciação na literatura paradidática se dá através de um fio narrativo que seqüencia as peripécias da vida de determinados personagens, em torno do qual, gravitam e se entretecem diferentes intertextos que organizam o discurso. Dessa interseção discursiva resulta um macrodiscurso em que estão contidos os diversos contratos comunicativos. Estes contratos também ser vistos como um meio de despertar a curiosidade para leitura de obras canônicas em uma LE. Tais atitudes fazem parte do nosso trabalho como profissional da educação visto que nossa função é facilitar o acesso a bens culturais e a diferentes práticas de linguagem. A partir dessa perspectiva, a literatura paradidática será um veículo para a desmistificação do trabalho com a literatura em língua estrangeira e contribuirá para a ampliação cultural e do conhecimento de mundo de que o aprendiz necessita. 75 Estudos Hispânicos Os paradidáticos no Ensino Médio O ensino de uma língua estrangeira na escola tem um papel importante à medida que permite aos alunos entrar em contato com outras culturas, com modos diferentes de ver e interpretar a realidade. (...) Assim, é fundamental que desde o início da aprendizagem de Língua Estrangeira o professor desenvolva, com os alunos um trabalho que lhes possibilite confiar na própria capacidade de aprender, em torno de temas de interesse e interagir de forma cooperativa com os colegas. (...) A inclusão de atividades significativas em sala de aula permite ampliar os vínculos afetivos e conferem a possibilidade de realizar tarefas de forma mais prazerosa. (MEC/SEF, 1998, p.54-55) propor possibilidades de se trabalhar com essa tipo de literatura. Em uma instituição particular de ensino, no ano de 2004, trabalhamos com livros paradidáticos 1ª e 2ª séries do Ensino Médio. Na primeira, por questões de apropriação do conteúdo e facilitação do processo de construção de conhecimento, escolhemos trabalhar com a leitura do livro paradidático: Táxi a coyoacan, de Dolores Soler-Espiauba. A escolha do livro baseou-se na trabalho perspectiva de que ali se apresentavam questões da diferenciado no que diz respeito aos livros paradidáticos, cultura mexicana, a vida de um de seus ícones, aspectos ampliando sua leitura e interpretação pura e simples socioculturais além da mostra de diferentes registros da para um trabalho de pesquisa e exposição feita pelos língua espanhola. Sendo assim, desempenhar um alunos seria a inclusão de atividades significativas, Foi elaborado um projeto para que a leitura visando à aproximação do aprendiz com a cultura e expandisse o espaço físico da sala de aula e propusesse modos de pensar que lhe são alheios. oportunidades de desenvolvimento e exposição da Como dito a princípio, este texto se propõe como um relato de experiência do trabalho com os paradidáticos e o ensino de E/LE e ao mesmo tempo criatividade de nossos alunos na construção de cenários e diversos modos de explorar a cultura hispânica. O projeto obedeceu aos seguintes objetivos: 76 Estudos Hispânicos • Os paradidáticos no Ensino Médio Proporcionar ao educando o conhecimento de O projeto culminou com a execução de uma feira uma cultura diferente da sua, mas que ao cultural das diversas culturas apresentadas nos livros em mesmo outras séries. tempo se assemelha por sua A título de exemplo utilizaremos apenas um heterogeneidade; • Proporcionar aos nossos alunos, pais e trecho do livro para que através do texto se possa comunidade comprovar questões que foram trabalhadas no decorrer escolar a oportunidade de conhecer e interagir com a cultura hispânica. do trabalho com o livro em sala de aula: O trabalho foi encaminhado, no que concerne à O livro ambienta-se no México e relata a história leitura em sala de aula e à proposta de desenvolvimento de um jornalista espanhol chamado David, vindo da do projeto. Deveriam ser observados e analisados: Europa e apaixonado por Frida Kahlo: pintora mexicana • • • Os aspectos socioculturais, o contexto sócio- e revolucionária. Ao chegar ao México, o turista é político-cultural do ambiente do enredo, as assaltado por dois homens que usavam uma criança para variantes lingüísticas da língua espanhola logo após a subtração correr com o dinheiro. O menor se apresentados no texto; chamava Teléforo e, ao se sentir constrangido por ter A postura do narrador-personagem que cometido o delito, em um dado momento do livro, apresenta uma leitura do europeu sobre os devolve o dinheiro e decide mostrar a cidade a David e costumes latino-americanos; de início, ao museu Frida Kahlo. Lá o visitante encontra As supostas críticas apresentadas no livro Fernanda, que se parece muito com Frida, por quem se sobre as relações Europa/América. apaixona. 77 Estudos Hispânicos A fim de Os paradidáticos no Ensino Médio não nos tornarmos cansativos, apresentamos um trecho do livro para que se possa comprovar as propostas explicitadas acima: El avión comienza a aterrizar y David ve desde su ventanilla la cumbre del volcán Popocatepetl, totalmente cubierta de nieve. Abajo, casas y casas, calles y más calles, parques, barrios elegantes, barrios populares, carreteras atascadas por el tráfico...Está llegando a la segunda ciudad más poblada del mundo, una de las más altas también: México D.F. “Abróchense los cinturones, mantengan derechos sus asientos y no fumen, por favor...” Las azafatas comprueban si todos los viajeros respetan las indicaciones y David se pregunta cuánto tiempo hace que están sobrevolando la ciudad, que parece inmensa. ¿Cuántos kilómetros cuadrados puede tener? Las casas, las carreteras y los parques, cada vez más grandes, cada vez más cerca, desfilan bajo las alas del avión y de repente oye el ruido de las ruedas en el asfalto de la pista. Por fin está en México. Baja del avión, se dirige con los demás pasajeros al control de policía y enseña el pasaporte; como español no necesita visa de entrada y las formalidades no son complicadas. Avanza después hacia la recogida de equipajes y recupera su maleta (recuerda que a partir de ahora debe decir valija)y sale del aeropuerto Benito Juárez a la luz de un día soleado y espléndido. Piensa que en Europa los días son ya más cortos, pues está terminando el mes de octubre y la luz ya no es tan fuerte ni tan viva como en esta parte del planeta. Hace un tiempo seco y agradable y los árboles le parecen más verdes y más frondosos que en España, el color de las flores más intenso. Le sorprende sobretodo la cantidad de gente que se agita a su alrededor y piensa que está en una ciudad de dieciocho millones de habitantes. ¡Qué vértigo! Ve una parada de autobuses (piensa que a partir de ahora debe decir camión)y se sube a un bus blanco y azul, que le lleva al centro de Ciudad de México, donde está su hotel. Todo le parece diferente: los taxis, los coches (sabe que a partir de ahora deberá decir carros), la vegetación, pero sobre todo la gente, muy diferente de la que vive en España. Su guía dice que de los 85 millones de habitantes que tiene el país, hay un 82 %de mestizos, un 10 %de indios y un 8 % de blancos. El centro está cerca, sólo a 13 kilómetros, pero la circulación es intensa y tardan casi 45 minutos en llegar. Piensa que debe ser difícil conducir en una ciudad tan enorme como ésta. Hay todavía más contaminación que en Madrid, observa al bajar del camión, porque el aire tiene un olor particular. Hay también mucho ruido, pues los coches (perdón, los carros) tocan constantemente la bocina. […] 78 Estudos Hispânicos David le da una propina y se queda solo. Como es periodista, conoce muy bien las aventuras de “los espaldas mojadas” a pesar de la existencia de la migra y se pregunta si es una suerte o una desgracia el tener una frontera común con los Estados Unidos; pero sabe también que los Estados Unidos son la quinta potencia hispánica del mundo, detrás de México, España, Argentina y Colombia y, que actualmente, junto con México y Canadá forman una comunidad de intereses económico-políticos que se llama NAFTA o TLC en castellano... […] Termina de ordenar su ropa y sus cosas y saca por fin lo más preciado, lo más importante para él, la única razón de este viaje: un libro de arte; en la portada tiene el retrato de una mujer morena, con el pelo recogido en lo alto de la cabeza, unos grandes ojos oscuros y unas cejas muy pobladas y casi juntas, que parece mirarlo fijamente: Frida Kahlo. (SOLER-ESPIAUBA, 2001) É preciso sair da concepção de que o texto literário deve servir apenas como pretexto para introdução de um determinado ponto que se quer ensinar e desmistificar a concepção de que é difícil, Os paradidáticos no Ensino Médio ser colocada como um instrumento para construção de sentidos, ampliação do universo cultural e contato com a diversidade cultural sob a qual é construída a identidade latino-americana. A experiência com este tipo de trabalho nos leva a crer que tal proposta pode ser ampliada com a inserção de tantas outras formas de alcançar os diferentes discursos, cinema, música, etc. que podem, perfeitamente, conjugar com a literatura, contribuindo para ampliação do referencial de cada aprendiz. Referências bibliográficas: BRASIL/SEF. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental. Língua estrangeira. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL/SEMTEC. Orientações curriculares para o Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 2006. trabalhoso e chato. Pensamos que a leitura de livros paradidáticos, SANTOS, A. C.; MENEZES, L.C.M. O Lugar e a vez da literatura paradidática na sala de aula. Disponível em: longe de ser um instrumento didático inapropriado, pode 79 Estudos Hispânicos Os paradidáticos no Ensino Médio http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno0910.html. Consulta em: 10/01/2007. SOLER-ESPIAUBA, Dolores. Táxi a Coyoacan. Madrid: Difusión, 2001. 80 Estudos Hispânicos La polémica en la construcción de los sentidos de un texto LA POLÉMICA EN LA CONSTRUCCIÓN DE LOS SENTIDOS DE UN TEXTO: CONTRIBUCIONES PARA LA ENSEÑANZA DE E/LE Charlene Cidrini Ferreira CEFET-RJ relacionarse con la palabra del “otro”. Luego, el efecto de polémica parece caracterizar discursos que toman otros como adversarios o concurrentes que se necesita descalificar, manifestando un “dialogismo polémico”. Esa polémica se puede observar por medio de marcas lingüísticas. Verificamos que, muchas veces, la producción de los sentidos de un texto se puede manifestar a partir de enunciados negativos, contrarios a puntos de vista de Este trabajo tiene por objetivo analizar texto de “otro”. En el caso de este trabajo, dispensaremos nuestra un material didáctico de español, a fin de apuntar atención a estos enunciados, una vez que, según Ducrot caminos heterogeneidad (1987), la enunciación de la mayor parte de ellos es enunciativa, a partir de la identificación de voces traídas pasible de análisis en el momento en que podemos en la producción de los discursos que representan entresacar un embate de posicionamientos entre el situaciones de polémica. Es nuestro propósito mostrar locutor y el enunciador. De ese modo, para llegar al que se puede observar el material seleccionado a partir objetivo de esta investigación, realizamos nuestro de los estudios discursivos, contribuyendo para la análisis con base en el no polémico, definido por Ducrot enseñanza del español como lengua extranjera. (1987), estableciendo un diálogo con la teoría del para el estudio de la La base de este trabajo está en la visión dialógica de que todo discurso presupone una cierta forma de Análisis del Discurso de orientación enunciativa (MAINGUENEAU, 1987), que nos posibilita identificar un 81 Estudos Hispânicos La polémica en la construcción de los sentidos de un texto embate de “voces” en la construcción de los sentidos en presentado como ser del discurso, distinguiéndose del circulación, al retomar la noción propuesta por ese autor. ser hablante que es el ser empírico que enuncia Basado en eso, de los textos presentes en el físicamente el enunciado. En cuanto al enunciador, es la material didáctico elegido que contenían enunciados enunciación que le posibilita expresar “seu ponto de negativos, “Los vista, sua posição, sua atitude, mas não, no sentido primeros pasos en el mundo laboral”1 a fin de demostrar material do termo, suas palavras”. (DUCROT, 1987, p. cómo este aporte teórico contribuye para la construcción 192). seleccionamos para este trabajo de los sentidos en la enseñanza de una lengua extranjera, en este caso, el español. Ese autor recurrió al estudio de los fenómenos del lenguaje como la ironía y la negación para defender su argumentación. En el caso de este trabajo, que tiene Aporte teórico – negación polémica como el foco la negación polémica, Ducrot afirma que el locutor (L) es el que asume el enunciado negativo e O. Ducrot (1987), al esbozar su teoría polifónica de la enunciación, mostró ser importante determinar cómo el enunciado puede dar una mayor visibilidad a la superposición de diversas voces. Para eso, hace una distinción entre sujeto/hablante, locutor y enunciador, a los cuales llama de personajes de la enunciación. El locutor (L) es el responsable de la enunciación, instituye controversia con un enunciador (E) que asume el punto de vista afirmativo subyacente al enunciado negativo. Así, un enunciado no-p, asumido por el locutor, indicaría una afirmación subyacente de p, sostenida por un enunciador. Tomemos como ejemplo el enunciado que el autor nos da – Pedro no es gentil – a fin de demostrar cómo esa distinción entre locutor y enunciador ocurre. El locutor (L) asume el enunciado no1 El texto en la íntegra está en anexo. 82 Estudos Hispânicos La polémica en la construcción de los sentidos de un texto p y pone en escena dos enunciadores distintos: un possibilidade de encadeamento é excluída se o primeiro enunciador E1 que sostiene que Pedro es gentil, y otro enunciado é positivo” (1987, p. 203). enunciador E2, al cual L es habitualmente asimilado, que Con eso, el autor define la negación polémica al se opone a E1. De esa manera, tenemos dos mostrar que la existencia de un enunciador que se enunciadores, E1 y E2, que sostienen puntos de vista en confronta con un locutor que asume un enunciado oposición. Según Ducrot, ese choque de puntos de vista negativo está marcada en la frase. Con todo, vale ocurre en la mayor parte de los enunciados negativos. recordar que el enunciador puesto en escena que Se comprende que todavía hay “uma dessimetria sostiene el punto de vista afirmativo no es atribuido a entre enunciados negativos e afirmativos, uma vez que a ningún locutor efectivo de algún discurso. Es una actitud afirmação estaria implícita na negação de um modo de oposición interna al discurso: muito mais fundamental que a negação na afirmação” (ROCHA, 1998, p. 7). Podemos verificar esa disimetría a través del encadenamiento de enunciados negativos y afirmativos utilizando la expresión al contrario. Observemos el siguiente enunciado: Pedro no es gentil, al contrario, es insoportable. o elemento positivo que considero subjacente ao enunciado negativo não é um enunciado (isto é, uma seqüência de palavras), imputável a um locutor, mas uma atitude, uma posição tomada por um enunciador tendo em vista em certo conteúdo, quer dizer, uma entidade semântica abstrata. (DUCROT, 1987, p. 204) Con el objeto de armonizar su abordaje de los Podemos percibir que la oposición expresada por enunciados negativos con una visión polifónica del “es insoportable” no se relaciona a “Pedro no es gentil”, lenguaje, Ducrot reformuló antiguas clasificaciones, sino a la afirmativa subyacente a la negación, “Pedro es pasando a distinguir, en un primer momento, la negación gentil”. Sin embargo, como dice Ducrot, “esta 83 Estudos Hispânicos La polémica en la construcción de los sentidos de un texto polémica y metalingüística y después se reposicionó en puede representar una nueva forma de estudiar un texto relación a la negación descriptiva: en la clase de español. Em O dizer e o dito, o quadro teórico passa a ser o seguinte: a negação metalingüística coloca em cena um locutor responsável pelo enunciado positivo implícito, agindo sobre seus pressupostos (como seria o caso de “Ela não parou de fumar; na realidade, ela jamais fumou”); a negação polêmica se define como sendo a que coloca em cena não um locutor, mas um enunciador responsável por uma afirmativa virtual implícita; a negação descritiva passa a ser caracterizada como um derivado delocutivo da negação polêmica. (ROCHA, 1998, p. 6) De esa forma, la negación descriptiva, antes vista como una pura representación de un estado de cosas, se pasa a considerar también como una “afirmación de un contenido negativo”. Tomando como base esas clasificaciones, para este trabajo, nos importarán los enunciados negativos que caractericen la negación polémica, una vez que nuestro interés es mostrar que las voces marcadas por las afirmaciones subyacentes de estos enunciados El Análisis del Discurso nos posibilita tratar la negación como objeto de un análisis polifónico, en que verificamos un choque de dos voces que se confrontan escenando un embate de posicionamientos en relación a un dado tema. Maigueneau (1987), para más allá de la negación polémica, llama atención que los estudios del dialogismo polémico son relevantes para el AD por llevar en cuenta asuntos de controversias. Y respecto a esos asuntos afirma que são previamente levantados em dois domínios: as zonas que já foram objeto de ataques e aquelas que ainda não foram debatidas. No primeiro domínio, o discurso filtra, entre os enunciados contra ele dirigidos, os temas aos quais lhe parece impossível não responder; no segundo, ele mesmo define pontos que, no conjunto dos textos do adversário, lhe parecem particularmente importantes. De um lado como do outro, o analista postula que as ‘escolhas’ são reveladoras e permitem invalidar ou corroborar hipóteses. (MAIGUENEAU, 1987, p. 124) participan de la construcción de los sentidos, lo que 84 Estudos Hispânicos La polémica en la construcción de los sentidos de un texto Por eso, creemos que, las “selecciones” de los Antes de proseguir es importante resaltar que puntos de controversia definidos como importantes en muchas veces los locutores que asumen los enunciados nuestros textos, podrán ser reveladoras de sentidos en el negativos pueden, de cierta forma, coincidir con los espacio discursivo polifónico de nuestro corpus. autores empíricos de los enunciados, mas para el cuadro teórico en que nos basamos, no nos interesa esa autoría Construyendo sentidos – análisis de los enunciados negativos empírica. Así, siguen los casos en que verificamos la marca Para realizar el análisis, hicimos el levantamiento de la negación polémica, que viene mostrar que decir no de los enunciados negativos en el texto seleccionado Los significa negar el contenido que el punto de vista de un primeros pasos en el mundo laboral (anexo). La presencia otro de la marca “no” en los enunciados y la realización del separadamente test preconizado por Ducrot respecto al encadenamiento cabiéndonos al final, relacionar los resultados obtenidos. con la expresión “al contrario” fueron los criterios que Enunciado 1 adoptamos para tal levantamiento. Además de la marca L: Estar siempre atento por si algo se ofrece. La idea es lingüística no, proponemos aún añadir en nuestro no parecer chupamedias, sino dar la sensación de análisis enunciados en que figuraban las siguientes diligencia y buena disposición. marcas: la conjunción ni y el adverbio nunca, porque E1: La idea es parecer chupamedias. ambas funcionan como verdaderos elementos de negación. podría asumir. cada Para facilitar, enunciado analizaremos identificado, Percibimos aquí un locutor que pone en escena un E1 que sostiene un punto de vista en circulación de que el buen profesional tiene que alabar de forma exagerada 85 Estudos Hispânicos La polémica en la construcción de los sentidos de un texto al jefe. De esa manera, sugiere que el co-enunciador no mandan sacar fotocopias o a cumplir labores que no son tenga ese tipo de actitud en el trabajo. exclusivas de tu profesión. Observamos en este trozo la presencia de un Enunciado 2 L: No tener miedo a preguntar. Así muchas veces se enunciador 1 que defiende la idea de que un profesional evitan errores molestos e innecesarios. sólo debe hacer lo que corresponde a su tarea propia si E1: Tener miedo a preguntar provoca errores molestos e no quiere sentirse humillado. Sin embargo, observamos innecesarios. un locutor que defiende exactamente lo contrario, pues Podemos entresacar de ese enunciado la valoriza al profesional siempre apto a ayudar en lo que afirmación subyacente de la existencia de personas que es necesario en su trabajo. tienen miedo a preguntar y acaban causando problemas Enunciado 4 en el ambiente laboral. Luego, el enunciador trae esa voz, L: Manifestar deseos de autosuperación. No es bueno captada por medio de la negación, para sostener el sentarse en los laureles, viendo cómo el mundo da consejo que da a su co-enunciador. vueltas. Hay que actuar. Enunciado 3 E1: Es bueno sentarse en los laureles, viendo cómo el L: Desempeñarse en labores que no son propias. No mundo da vueltas. debes limitar tu campo de acción, ni sentirte humillado Percibimos aquí un enunciador 1 que denota la si te mandan sacar fotocopias o a cumplir labores que no existencia de una voz que dice que el profesional debe son exclusivas de tu profesión. acomodarse en el trabajo. Así, el locutor se opone a esta E1: Desempeñarse en labores que son propias. Debe idea limitar tu campo de acción y sentirte humillado si te contrario, que debe cada día buscar superarse, siempre sugiriendo al co-enunciador justamente lo 86 Estudos Hispânicos actuando y no esperando el tiempo pasar. Una vez más, La polémica en la construcción de los sentidos de un texto Consideraciones finales observamos que el enunciado del locutor se produjo en En todas las incidencias de la negación polémica función de la opinión sostenida por la afirmación subyacente. Enunciado 5 L: Respeto. Nunca te debes pasar a llevar a los demás, ni expresarte de manera inapropiada. en nuestro corpus, observamos dos voces distintas que escenan un embate de posicionamientos en relación a actitudes en el primer trabajo, determinado por lo que es bueno o malo en la polarización de los puntos de vista. El punto de vista bueno en nuestro texto es el E1: Siempre te debes pasar a llevar a los demás y expresarte de manera inapropiada. En este fragmento, identificamos también como indicadores de la negación polémica el adverbio nunca y una vez más la conjunción ni, una vez que presentan valor negativo. El locutor, a través de la negación polémica de este enunciado, acaba haciendo una crítica al punto de vista subyacente afirmativo que el enunciador 1 sostiene de que el profesional debe pasar a llevar a los compañeros y expresarse de manera inapropiada. Así, con base en esta idea, produce su enunciado sugiriendo al co-enunciador que no lo haga. adoptado por los enunciados marcados por el no. Es decir, el buen profesional es aquél que niega los puntos de vista adoptados por el enunciador E1 y está de acuerdo con los del locutor. Así, muchas veces, la forma que el locutor encontró para decir cómo actuar a los que quieren iniciar la vida laboral fue mostrando justamente lo que no deben hacer, conforme ejemplificado por el análisis. Observamos que a partir del no, el enunciador trajo diversas voces en circulación que van a participar de la construcción de los sentidos en el texto. Esa identificación de otras voces en el discurso retoma la 87 Estudos Hispânicos La polémica en la construcción de los sentidos de un texto noción de polifonía en que se admite la presencia de Referencias bibliográficas voces distintas en la enunciación. La heterogeneidad es constitutiva de todo discurso (AUTHIER-REVUZ, 1998). AUTHIER-REVUZ, J. Palavras incertas, as nãocoincidências do dizer, Campinas: UNICAMP, 1998. El fenómeno de la negación polémica presenta importantes contribuciones para la enseñanza de la lengua - en particular aquí para el español - visto que hace visible la inserción del otro en el discurso, otro cuyo punto de vista se descalifica. Recurrir a las voces negadas significa recuperar puntos de vista definidos como importantes por el discurso de los textos en lo que se refiere a un determinado tema. Si el enunciador no DUCROT, O. O Dizer e o Dito, Campinas: Pontes, 1987. MAINGUENEAU, D. Novas tendências em Análise do Discurso, Campinas: Pontes, 1987. MILANI, E. M. et al. Listo: español a través de textos, São Paulo: Moderna, 2005. ROCHA, D. Polifonia em Enunciados Negativos: Vozes que Habitam o Dizer Não. Revista D.E.L.T.A., vol. 14, nº 1. São Paulo: Educ, 1998. juzgase tales voces existentes e importantes, no ofrecería orientaciones motivadas por ellas. Por todo eso, concluimos que la aplicación de esa propuesta en sala de clase posibilita exponer a los alumnos otras formas de estudio del lenguaje, haciendo que reflexionen sobre la polémica de sentidos creados por el discurso, RODRIGUES, I. C. Debates em educação bilíngüe para surdos: vozes que habitam o dizer não, Dissertação de Mestrado, Rio de Janeiro: UERJ, 2002. SANT'ANNA, V. L. de A. O trabalho em notícias sobre o Mercosul. Heterogeneidade enunciativa e noção de objetividade, São Paulo: EDUC, 2004. desarrollando un pensamiento más crítico y amplio sobre los enunciados. 88 Estudos Hispânicos La polémica en la construcción de los sentidos de un texto ANEXO 89 Estudos Hispânicos Variación y cambio lingüístico de los pretéritos es durativa o no) de variación en guiones de películas VARIACIÓN Y CAMBIO LINGÜÍSTICOS DE LOS PRETÉRITOS: MUESTRAS DE ESPAÑA, MÉXICO Y ARGENTINA españolas e hispanoamericanas y en el macrocorpus de la norma lingüística culta de las principales ciudades del mundo hispánico. Los objetivos del trabajo son (a) describir las Cíntia Ferreira dos Santos UFRJ funciones discursivas, pragmáticas y semánticas de la alternancia de los pretéritos simple (estuve) y compuesto (he estado) en diferentes áreas geolectales2; (b) verificar Este trabajo forma parte de una investigación que si la temporalidad (es decir, el ahora) y la marcación de tiene como eje central el análisis de la distribución de las la circunstancia temporal son realmente determinantes formas de Pretérito Simple (Indefinido) y Pretérito para la elección de una forma verbal u otra y (c) analizar Compuesto (Perfecto) en diferentes áreas geolectales del cómo los manuales didácticos abordan la variación de los español1: área castellana, mexicana/centroamericana y pretéritos en el ámbito de la enseñanza de Español LE. rioplatense y del Chaco, más precisamente a través de En el presente trabajo se abordará brevemente el muestras de Madrid, Ciudad de México y Buenos Aires. fenómeno de variación de los pretéritos simple y Se controlan factores discursivos (como el tipo de texto, compuesto en diferentes áreas geolectales, además de un de abordaje sobre la enseñanza de dicho fenómeno. discurso), pragmáticos (la expresividad, la afectividad) y semánticos (la temporalidad, es decir, si la acción incluye o excluye el ahora y el aspecto, si la acción 2 1 De acuerdo con la clasificación de Moreno Fernández (2000). Es importante enfatizar que en este trabajo se trabaja con las capitales de algunos países pertenecientes a diferentes áreas y no con toda un área geolectal. 90 Estudos Hispânicos Introducción: la evolución histórica del perfecto latino Variación y cambio lingüístico de los pretéritos a voz pasiva (que en español no tiene la misma productividad). En las lenguas románicas, la progresiva difusión de los tiempos compuestos con haber y ser afectó profundamente el sistema verbal latino. El caso más notable de reestructuración del latín hablado es la sustitución de CANTĀVĪ por HABEŌ CANTĀTU, es decir, el compuesto (HABEŌ CANTĀTU) empieza a entrar a contextos del simple (CANTĀVĪ). Según Penny (2000), en el siglo XIII, el castellano medieval empleaba el verbo ser y el participio con verbos de movimiento. Sin embargo, también se usaba el verbo haber. En el siglo XV, el uso de haber se extiende, hay una Sin embargo, la entrada del pretérito compuesto en contextos del simple no tiene los mismos valores semánticos ni discursivos en las diferentes lenguas románicas o incluso dentro de una misma lengua si se consideran sus variedades geolectales, como es el caso del español. Lo que se señala hoy día es la predominancia del pretérito compuesto en el área castellana y del simple en las demás áreas geolectales. Sin embargo, ese fenómeno de variación morfosintáctica no es tan esquemático, ni su distribución tan uniforme, tanto del punto de vista geolectal como discursivo. alternancia de los pretéritos simple y compuesto (el compuesto se constituía por los verbos ser y haber). En el siglo XVI, el pretérito compuesto (que se constituía por el verbo ser, pero ahora mucho más por el verbo haber) empieza a aparecer en contextos del simple. En el siglo XVII ocurre la total gramaticalización de haber como único auxiliar para los tiempos compuestos y de ser para La variación de los pretéritos (análisis del corpus) Para verificar el fenómeno de variación de los pretéritos, se seleccionaron 3 centros urbanos (Madrid, Ciudad de México y Buenos Aires), como representantes de las diferentes áreas geolectales en estudio y el siguiente corpus: (a) guiones cinematográficos que 91 Estudos Hispânicos Variación y cambio lingüístico de los pretéritos representan escenas de ficción ambientadas en centros Gráfico 1 - Ocurrencias (Guiones) urbanos contemporáneos (Lucía Lucía y el sexo sexo, para España/2000; Amores Perros,, para México/2000 y El hijo 300 de la novia,, para Argentina/2001), (b) entrevi entrevistas 250 transcriptas del macrocorpus de la norma lingüística culta de las principales ciudades del mundo hispánico y (c) 10 manuales didácticos (Abanico, Abanico, Aula Internacional, Avance, Español Sin Fronteras, Intercambio, Planeta, Prisma, Puentes, Sueña y Ven), para ara verificar si los 293 225 Simple 200 150 Compuesto 134 135 100 22 50 3 0 Madrid (269) Ciudad de México (247) Buenos Aires (296) resultados encontrados en los guiones y en el macrocorpus coinciden con el abordaje didáctico. A continuación se presentan los resultados de los guiones y del macrocorpus. El primer resultado se refiere a los guiones: Como se puede ver en el gráfico 1, de 269 ocurrencias de pretérito en el guión madrileño, 134 están en pretérito simple y 135 en pretérito compuesto. Hay una gran cantidad de pretérito simple porque en el guión hay un personaje que escribe una novela y, como co se sabe, en narrativas predomina ese tiempo verbal. Si no hubiera una novela en el guión, probablemente habría más pretérito compuesto que simple. En el guión mexicano, de 247 ocurrencias de pasado, 225 están en pretérito simple y solamente 22 en 92 Estudos Hispânicos Variación y cambio lingüístico de los pretéritos pretérito rito compuesto, resultado que se repite en el guión compuesto. En las entrevistas de la Ciudad de México, de argentino. En ése, de 296 casos de pasado, 293 son de 329 casos de pretérito, 302 están en pretérito simple y pretérito simple y tan sólo 3 de pretérito compuesto. solamente 27 en pretérito compuesto. Por Po fin, en las De acuerdo con el gráfico 2, se puede afirmar que entrevistas de Buenos Aires, de 95 ocurrencias, 78 son el resultado del macrocorpus parece coincidi coincidir con el de casos de pretérito simple y sólo 17 de pretérito los guiones. El gráfico muestra los resultados de las compuesto. entrevistas transcriptas (se analizó un total de 6 Los datos concretos de los guiones y del entrevistas, 2 representantes de cada ciudad, un hombre macrocorpus muestran que en el área castellana y una mujer entre 45 y 65 años). (Madrid) predomina el pretérito compuesto compue y en las otras dos áreas, la mexicana/centroamericana (Ciudad Gráfico 2 - Ocurrencias (Macrocorpus) de México) y rioplatense y del Chaco (Buenos Aires), el 350 simple. 302 300 Simple 250 Compuesto 200 150 92 100 27 50 variación en lo que se refiere al uso de los pretéritos. Los manuales didácticos y la enseñanza de los pasados 78 76 Queda claro que no se puede negar que hay 17 En base a los gráficos expuestos y llevándose en 0 Madrid (168) Ciudad de México (329) Buenos Aires (95) cuenta la variación, ¿cómo elegir entre una forma verbal En las entrevistas de Madrid hay 168 ocurrencias u otra? De acuerdo con los manuales didácticos, lo que va de pretérito, 76 en pretérito simple y 92 en pretérito a definir la elección de un pretérito u otro es la 93 Estudos Hispânicos Variación y cambio lingüístico de los pretéritos circunstanciaa temporal. Sin embargo, ésa no es una dudas de que se deben considerar consi otros factores en la buena explicación. El gráfico que sigue muestra bien por elección. qué no se debe llevar en cuenta solamente la Sin embargo, los manuales no tienen una circunstancia temporal a la hora de elegir una forma de explicación plausible, tampoco dicen qué hacer cuando pasado: no hay circunstancia. Siempre presentan dos listas de circunstancias temporales, una que se debe usar con el Gráfico 3 - Circunstancias temporales y el total de verbos (Guiones) simple y otra que ue se debe usar con el compuesto y no se puede mezclarlas, es decir, las circunstancias que son 248 250 195 200 163 Marcado “propias” del simple no se pueden usar con el compuesto No marcado y lo contrario tampoco. 150 A 106 100 52 48 continuación circunstancias se encontradas presentan en los algunas manuales 50 seleccionados que se deben usar con cada pretérito: 0 Madrid (269) Ciudad de México (247) Buenos Aires (296) Según los datos del gráfico 3, a lo mejor se puede afirmar que no son solamente las circunstancias que definirán la elección de una forma verbal de pasado, puesto que los verbos aparecen mucho más no marcados por una circunstancia temporal que marcados. No hay 94 Estudos Hispânicos Variación y cambio lingüístico de los pretéritos Pretérito Simple: ayer, anteayer; anoche; esa / aquella mañana / tarde; ese Cuadro 1: / aquel año / mes / día; esa / aquella semana / década; el otro día, aquel día; Circunstancia temporal: YA el 12 de julio, el viernes; en 1936, en septiembre; unos días; el mes / martes / siglo … pasado; cuando hice la mili; a principios del mes; en las Navidades; Simple Compuesto Total 0 5 5 26 0 26 4 0 4 durante x tiempo (en el pasado); el día de mi cumpleaños; en los años sesenta; en el año…; a veces; hace tres años / hace x tiempo (*) Lucía y el sexo Pretérito Compuesto: hoy; alguna vez, varias veces; nunca; siempre; esta (España, 2000) mañana / tarde / noche; esta semana / década; este año / mes / siglo; ya; Amores Perros últimamente; aún; hasta ahora; durante este curso / semestre; en esta (México, 2000) ocasión; recientemente; todavía no; hace un rato / 10 minutos / una hora; hace x tiempo (*) El hijo de la novia (Argentina, Un dato curioso es que la circunstancia temporal 2001) hace x tiempo aparece en algunos manuales como “propia” del pretérito compuesto y en otros como Ej. 1: “YA has sufrido bastante.” (Lucía y el sexo, “propia” del pretérito simple, es decir, no hay una 2000:145) “coherencia” en cuanto a su uso. Ej. 2: “¿YA se murió?” (Amores Perros, 2000:2) Para verificar si realmente las circunstancias temporales son determinantes para la elección de los pretéritos, se seleccionó la circunstancia ya que, según los manuales, se usa con el pretérito compuesto: Ej. 3: “Papi, YA me lo dijiste cien veces.” (El hijo de la novia, 2001:150) Como se ve en el cuadro, en el guión español, las 5 ocurrencias de la circunstancia ya aparecen junto al pretérito compuesto, como afirman los manuales. Sin 95 Estudos Hispânicos embargo, todas las ocurrencias de ya en los guiones mexicano y argentino aparecen junto al pretérito simple, es decir, representan un uso contrario al que “se espera”. Queda claro que la norma, más bien, la muestra de lengua que circula, no coincide con el uso de las áreas en estudio, en verdad, está lejos del uso lingüístico. Los manuales no llevan en cuenta la realidad sociolingüística Variación y cambio lingüístico de los pretéritos b. - ¿(Tú/estar) ______________________ alguna vez en Roma? - Sí, (yo/estar) ______________________ el año pasado. ¿Y tú? - (Yo/estar) ______________________ varias veces. 2) Gramática - Recuerda las expresiones que van con perfecto y las que van con indefinido: Pretérito Perfecto _____________________ Pretérito Indefinido _____________________ Avance (Madrid, SGEL, 1999/2002) y aunque excluyan determinadas formas, no se puede negar que éstas forman parte de la dinámica de la lengua. Modelos de ejercicios propuestos en los manuales Modelo 2: (ejercicio adaptado) 1) ¿Cómo escribiría un español los verbos que faltan? ¡Qué suerte! Hoy ya ______________________ (comprar) todos los útiles para la Se seleccionaron 2 modelos de ejercicios de escuela. La maestra ayer nos ______________________ (dar) una lista enorme. El año pasado nos ______________________ (pedir) mucho menos. Creo que este año, mi algunos manuales en análisis para la enseñanza de los pretéritos: Modelo 1: (ejercicio adaptado) 1) Sustituye el infinitivo por el tiempo correcto: Pretérito Perfecto (Compuesto) o Pretérito Indefinido (Simple). a. - ¿(Tú/llamar) ______________________ al fontanero? mamá ______________________ (gastar) mucho. Y un hispanoamericano, ¿cómo lo haría? _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ Puentes (SBS Editora, 2000) Los ejercicios del modelo 1 desconsideran los - Sí, lo (llamar) ______________________ ayer, pero todavía no ______________________ (venir). principios variacionistas. Simplemente le piden al alumno que reemplace los verbos en infinitivo por la 96 Estudos Hispânicos Variación y cambio lingüístico de los pretéritos forma “correcta” de los pasados, cuando se sabe que no al alumno la idea, falsa, de que un hispanoamericano use hay forma correcta o incorrecta si se considera la lengua nada más que el pretérito simple y un español, el en su uso real y no como un modelo de lengua idealizado. compuesto. Los ejercicios le ofrecen al alumno distintas Además de enfatizar el uso de las circunstancias situaciones temporales, las que se deben utilizar con el pretérito características de los hablantes y las peculiaridades del simple y las que se deben utilizar con el compuesto, contexto. cuando se sabe que a lo mejor no son solamente dichas comunicativas, especificando las Modelo de cuestión de examen (DELE) circunstancias que definen el uso de una forma u otra de pasado. Además de factores lingüísticos, hay que tener Aunque haya datos suficientes para considerar en cuenta también los factores discursivos, pragmáticos que hay variación en lo que se refiere al uso de los y semánticos. pasados en español, los exámenes todavía siguen Por otro lado, el modelo 2 respeta la diversidad. exigiendo una distinción según parámetros idealizados Los ejercicios indican al “posible” hablante. De esta de uso de la norma castellana, ignorando completamente manera, al realizar la actividad propuesta, el alumno se la diversidad de valores y funciones que puede asumir el da cuenta de que, de acuerdo con el lugar de donde sea el pretérito compuesto en las demás áreas geolectales. hablante, la respuesta es diferente, o sea, se da cuenta de Como se sabe, en estas áreas, la selección del compuesto que la lengua no es homogénea. se fundamenta más que en la relación con el presente, lo Sin embargo, es imprescindible decir que tampoco más importante son el aspecto durativo y sobretodo la se debe estereotipar a los hablantes. Se supone que el focalización pragmática, vinculada al tipo de texto, al objetivo de los ejercicios (modelo 2) no sea transmitirle 97 Estudos Hispânicos Variación y cambio lingüístico de los pretéritos modo de organización del discurso y a la expresividad o a área geolectal determinada, se considera un uso correcto la solemnidad. y bastante productivo en otras áreas. La siguiente cuestión forma parte de una Consideraciones finales evaluación del DELE (Diploma de Español como Lengua Extranjera)3: Los datos de este trabajo evidencian que existe una predominancia del pretérito compuesto en el corpus del área castellana (Madrid) y del simple en el corpus de la mexicana/centroamericana (Ciudad de México) y rioplatense y del Chaco (Buenos Aires). Sin embargo, ese fenómeno de variación morfosintáctica no es tan esquemático. No se debe considerar solamente factores DELE (Nivel Intermedio, Mayo de 2006) lingüísticos, sino también el área geolectal, el tipo de discurso, el valor pragmático, el aspecto, entre otros Queda claro que ese tipo de cuestión no considera factores. la heterogeneidad de la lengua, una vez que sólo acepta En resumidas cuentas, se puede afirmar que en el una respuesta “correcta”. Sin embargo, lo que se área castellana, el pretérito compuesto tiene una relación considera como un “error” según el uso idealizado de un con el momento presente mientras que el simple no. Por otra parte, en las dos áreas hispanoamericanas, más que guardar relación con el ahora, el compuesto reitera 3 Ese diploma es un título oficial que certifica el grado de competencia y dominio del español. aspecto durativo del proceso y el simple, además de la 98 Estudos Hispânicos referencia al pasado terminado y al presente, también se refiere a aspectos del proceso verbal. En otras palabras, el uso del simple es mucho más amplio que el del compuesto en las dos normas hispanoamericanas. Respecto a la enseñanza, el análisis de algunos manuales y del examen del DELE evidencia que no se Variación y cambio lingüístico de los pretéritos CARTAGENA, Nelson. Los Tiempos Compuestos. In: BOSQUE, Ignacio & DEMONTE, Violeta. Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Real Academia Española. Colección Nebrija & Bello. Madrid: Espasa, 1999. cap.45, pp. 2935-2975. EBERENZ, Rolf. Cambios morfosintácticos en la Baja Edad Media. In: CANO, Rafael. Historia de la Lengua Española. Barcelona: Ariel, 2004. pp. 623-627. encuentran muestras numerosas ni diversas de la variación y cambios lingüísticos de las formas verbales de los pretéritos, es casi como si la variación no existiera. Es imprescindible que, al enseñar o evaluar, se considere la realidad lingüística y no el uso idealizado de una norma. MORENO FERNÁNDEZ, Francisco. Áreas geolectales del español. In: MORENO FERNÁNDEZ, Francisco. ¿Qué español enseñar? Madrid: Arco Libros, 2000. cap.3, pp. 35-50. PENNY, Ralph. El verbo. In: PENNY, Ralph. Gramática histórica del español. Barcelona: Ariel, 2.ed., 2001. pp. 153-163. Este trabajo todavía no está concluido, se hará un análisis más detallado del corpus, llevándose en cuenta factores discursivos, pragmáticos y semánticos de variación de los pretéritos simple y compuesto en los tres centros urbanos de las diferentes áreas geolectales. Referencias bibliográficas ______. Valores de los tiempos de pasado. In: PENNY, Ralph. Variación y cambio en español. Madrid: Gredos, 2000. pp. 243-247. ROJO, Guillermo & VEIGA, Alexandre. El Tiempo Verbal. Los tiempos simples. In: BOSQUE, Ignacio & DEMONTE, Violeta. Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Real Academia Española. Colección Nebrija & Bello. Madrid: Espasa, 1999. cap.44, pp. 2867-2934. 99 Estudos Hispânicos Variación y cambio lingüístico de los pretéritos Guiones cinematográficos CAMPANELLA, Juan José & CASTETS, Fernando. El Hijo de la Novia. Buenos Aires: Del Nuevo Extremo, 2002. GONZÁLEZ IÑARRITU, Alejandro. Amores Perros. Cidade do México, 2000. [versão manuscrita dos diálogos do filme]. MEDEM, Julio. Lucía y el sexo. Madrid: Ocho y Medio, 2001. Macrocorpus SAMPER PADILLA, José Antonio et alli. Macrocorpus de la norma lingüística culta de las principales ciudades del mundo hispánico. Universidad de Las Palmas de Gran Canaria. Asociación de Lingüística y Filología de América Latina. 1997. EQUIPO PRISMA. Prisma (Niveles A1 y A2). Madrid: Edinumen, 2003. GÓMEZ SACRISTÁN, María Luisa; RUIZ MARTÍNEZ, Ana María. Sueña (Nivel Medio 2). Madrid: Anaya, 2000. JIMÉNEZ GARCÍA, María de Los Ángeles; SÁNCHEZ HERNÁNDEZ, Josephine. Español sin fronteras (Volumen 3). Madrid: SGEL, 1997. MAINARD, Beatriz Novick; GASPARINI, Pablo Fernando. Puentes. São Paulo: SBS Editora, 2000. MIGUEL, Lourdes; SANS Barcelona: Difusión, 2002. Manuales didácticos CASTRO, F.; MARÍN, R.; MORALES, R. Ven (Libro 2). Madrid: Edelsa, 2000. CERROLAZA, Matilde; CERROLAZA, Óscar; Begoña. Planeta E/LE 1. Madrid: Edelsa, 1998. CORPAS, Jaime; GARCÍA, Eva; GARMENDIA, Agustín; SORIANO, Carmen. Aula Internacional 1. Barcelona: Difusión, 2006. Neus. Intercambio 1. MORENO, Concha; MORENO, Victoria; ZURITA, Piedad. Avance (Nivel intermedio). Madrid: SGEL, 1999. Llovet, CHAMORRO, María Dolores. Abanico. 1ª ed. Barcelona: Difusión, 1995. 100 Estudos Hispânicos O lugar da leitura em revistas de auto-aprendizagem de espanhol O LUGAR DA LEITURA EM REVISTAS DE AUTOAPRENDIZAGEM DE ESPANHOL Doris Cristina Vicente da Silva Matos AMAN / UFF área de língua espanhola nas universidades brasileiras, até o presente momento. Esta seria uma primeira justificativa para a realização da pesquisa. Uma segunda diz respeito à importância da habilidade leitora. Faz-se necessário destacar que esta habilidade deveria ser desenvolvida em qualquer contexto de ensino-aprendizagem de línguas, seja ele o Essa comunicação é um recorte da dissertação de Mestrado, que defendi por esta instituição (Universidade Federal Fluminense) em setembro deste ano (2007), e apresenta as conclusões relativas à pesquisa. questão da auto-aprendizagem e a preocupação com o lugar da leitura no mundo moderno. Percebo que existe uma lacuna nessa área de conhecimento, pois, segundo Soto (2004), que realizou um levantamento bibliográfico das dissertações de mestrado e teses de doutorado em brasileiras, a instituições questão de da ensino habilidades de compreensão auditiva, compreensão leitora, expressão oral e a expressão escrita. A leitura é importante, não só por ser a habilidade através da qual o Pretendo aqui entrelaçar duas temáticas: a defendidas de língua materna ou de estrangeira, juntamente com as superior auto-aprendizagem praticamente não se constitui como tema de pesquisa, na aprendiz está em contato com a língua alvo – pensandose o ensino de Língua Estrangeira - mas principalmente por ser a habilidade que viabiliza o acesso a novas informações. Sem ela não há estudo, em nível formal, possível. O significado do que é aprender uma língua pode variar de pessoa para pessoa dependendo de seus objetivos. Conseguir falar, escrever, ler e ouvir no idioma escolhido faz parte da concepção de “aprender uma 101 Estudos Hispânicos O lugar da leitura em revistas de auto-aprendizagem de espanhol língua”. No entanto, no imaginário de muita gente, contribuir com o ensino/aprendizagem de espanhol aprender uma língua fica reduzido ao fato de saber falar como língua estrangeira (E/LE). Sendo a leitura uma das esta língua. Essa redução se comprova pela ênfase dada a habilidades fundamentais, deveria fazer parte de todo e esta habilidade na maioria dos cursos de idiomas ou em qualquer material didático, inclusive os de auto- suas respectivas propagandas veiculadas na TV. aprendizagem. Contrapondo-se a essa tendência, mercadológica, poderíamos assim dizer, temos interacional, que destaca a a perspectiva importância Como a leitura é uma atividade de construção de sentidos que implica uma relação dinâmica entre leitor e do texto, que só se realiza enquanto significado, é na desenvolvimento de todas as habilidades, colocando interação com o leitor que o texto passa a existir. A ênfase no processo ativo de compreensão. Segundo definição da concepção de leitura vai depender do Bronckart, a abordagem didática ideal para aprender método de ensino/aprendizagem adotado, e dessa língua consistiria em “iniciar o ensino da língua pelas maneira pode receber três denominações: ascendente, atividades de leitura e de produção de textos e que descendente ou interativo. depois articularia, a esse procedimento inicial, atividades O primeiro, o ascendente (bottom up) é de base de inferência e codificação das regularidades observáveis estrutural, no corpus de textos mobilizado” (BRONCKART, 1999, decodificação, enfatizando-se o texto. A informação parte p.86). dele para o leitor, o qual se aproxima do texto por meio Partindo desse interesse pela questão da leitura e da auto-aprendizagem, centrei-me em um lugar específico: a análise de revistas que têm por finalidade onde a leitura é concebida como de fragmentos da língua como letras, palavras, frases, sentença, ocorrendo unicamente uma decodificação (KATO, 1999). 102 Estudos Hispânicos O lugar da leitura em revistas de auto-aprendizagem de espanhol Contrapondo-se ao modelo ascendente, temos o apresentar o modelo interacional de leitura, o diferencia descendente (top-down), onde o texto tem como papel dos de decodificação (centrado no texto) e do ativar o processo de atribuição de sentido, o que só é psicolingüístico (centrado no leitor) e o define como um possível através do leitor, que atribui coerência ao texto. processo que envolve tanto a informação encontrada na O foco está no leitor, o qual não é mais visto como um página impressa - um processo perceptivo – quanto a repetidor informação que o leitor traz para o texto – seu pré - passivo, mas como um produtor de significados, que utiliza suas experiências de vida para chegar aos dados do texto (KATO, 1999). Para que um texto tenha sentido, o leitor pode Comparando-o ao modelo anterior (bottom-up), o modelo descendente (top-down) conhecimento, um processo cognitivo. trouxe usar diferentes estratégias que variam de acordo com o algumas próprio e o objetivo de sua leitura já que eles têm contribuições ao ensino de leitura. Foi a partir dele que conhecimento lingüístico e de mundo variados, usando “a leitura deixa de ser uma atividade centrada as estratégias de acordo com seus estilos cognitivos e de exclusivamente no material escrito, mudando seu foco personalidade. para o leitor, que passa a ser visto como aquele que atribui significado ao texto” (JUNGER, 2002, p.25). E para que usaríamos uma estratégia? No momento de ler, utilizamo-las de forma inconsciente. No último modelo, o interativo, o fluxo da Enquanto lemos e compreendemos, o processamento informação vai do leitor para o texto e vice-versa, em um ocorre automaticamente e quando encontramos uma processamento ascendente-descendente. A construção dificuldade do estratégico’ para poder resolver o problema e a significado é resultante de procedimentos sociointeracionais (KOCK, 2006). Moita Lopes (1996) ao de leitura entramos em um ‘estado compreensão ocorrer (SOLÉ, 1998). 103 Estudos Hispânicos O lugar da leitura em revistas de auto-aprendizagem de espanhol As estratégias de leitura que utilizamos para a dentre as quais estão inseridas as estratégias compreensão textual podem ser procedimentos de mencionadas anteriormente. Entretanto, não há como caráter inconsciente, as estratégias cognitivas e de estabelecer o limite entre as três etapas, pois a mesma caráter pode aparecer mais de uma vez. O importante é entender consciente, as estratégias metacognitivas (KLEIMAN, 2002; KATO, 1999) o processo de leitura de forma global, onde se pode ativá- Dependendo do tipo de texto que estamos lendo, las de diversas maneiras com o objetivo de superar as automaticamente usamos uma estratégia de leitura para dificuldades que apareçam. sanar alguma dificuldade encontrada e entre elas há Voltando à muitas possibilidades, destacaremos algumas: parte da análise da pesquisa ler propriamente dita, selecionei dois tipos de revista para rapidamente o texto para buscar as idéias principais constituir o corpus da investigação: a revista “A” que (skimming), ler o texto para encontrar uma informação circulou nas bancas de jornal e é vendida através da específica (scanning), revisão de termos, sínteses, Internet, e a revista “B”, uma revista bimestral que está sublinhados, resumos, anotações de dúvidas, ler outros circulando em sites especializados. textos, releitura, saltar partes e voltar depois, leitura em Ao analisar as revistas “A” como um todo, voz alta ou silenciosa, perguntar-se sobre o conteúdo do percebemos que trabalha as quatro habilidades da texto, ativação do conhecimento prévio, formulação de seguinte maneira: a compreensão oral a partir da leitura hipóteses, inferência lexical, uso do dicionário, uso de dos diálogos, a compreensão auditiva através da escuta elementos visuais, dentre outras. das gravações do CD, a compreensão escrita ao Solé (1998) divide as estratégias em três etapas: responder às perguntas relativas aos exercícios de antes da leitura, durante a leitura e depois da leitura, 104 Estudos Hispânicos leitura. Quanto à compreensão leitora, que é o nosso enfoque aqui, traçaremos uma análise mais detalhada. O lugar da leitura em revistas de auto-aprendizagem de espanhol vez de recorrer logo à tradução. (HABLEMOS ESPAÑOL, 2005, p.4) Antes de analisar os exercícios, é importante Outra estratégia de leitura mencionada na revista ressaltar que os textos de abertura das lições não são é a de leitura em voz alta e é sugerido ao aprendiz materiais autênticos, na medida que não há referências escrever a letra de uma canção, assistir a um filme sem de suas fontes ou nome do autor. Os textos foram ler as legendas, ler histórias em quadrinhos, fazer elaborados de forma que gradativamente ampliassem o palavras cruzadas, jogar jogos de computador. Essas vocabulário de cada lição. estratégias ou dicas são, segundo a revista, uma maneira Um fato curioso é o de que na introdução do de tornar o aprendizado do idioma divertido. material, na parte dicas práticas, é explicitado que as Cada revista contém 7 unidades e na última parte lições “consistem-se de textos completos” (HABLEMOS de cada uma há uma seção denominada exercícios de ESPAÑOL, 2005, p.4), e logo depois é mencionada a leitura e escrita, na qual são oferecidos exercícios que variedade tipológica que será encontrada nas revistas: trabalhariam estas habilidades. Em quase nenhuma das diálogos, historinhas, artigos de jornais ou revistas, etc. seis revistas se apresenta texto na parte de leitura, e em Quanto às estratégias de leitura, toca-se na de inferência ao dizer aos aprendizes que: depois de uma dúzia de lições, você já será capaz de ‘adivinhar’ o significado de palavras ou frases novas pelo sentido que elas fazem no conjunto. Certamente você sentirá um grande prazer ao ‘descobrir’ sozinho o significado de um texto, em seu lugar são propostos exercícios com ênfase no aspecto lingüístico, a partir de fragmentos da língua, nos quais contatamos uma visão estruturalista de leitura, com atividades de repetição e automatização, trabalhando somente a gramática e o vocabulário. 105 Estudos Hispânicos O lugar da leitura em revistas de auto-aprendizagem de espanhol Os exercícios seguem sempre o item gramatical (mucho, muy, tan e verbos conjugados) e o outro é um ensinado na lição. Por exemplo, na revista n°1, lição 7, o poema, que não tem referência a autor e é pretexto para diálogo de abertura é: ¿Qué están haciendo todas esas um exercício de ordenar letras para formar substantivos. personas?, e é dado um vocabulário relacionado a filmes, A partir da análise das seções de leitura das na seção de gramática é trabalhado o gerúndio, presente revistas, do indicativo e gênero dos substantivos. Na parte decodificadora, sem buscar o sentido do texto, não referente à leitura, são propostos exercícios gramaticais ativando estratégias para uma leitura mais significativa. que versam sobre o gerúndio. Seus exercícios e textos não estão coerentes com os Podemos observar que não há atividades que concluímos que promovem uma leitura princípios contidos em suas orientações. ativem estratégias de leitura por parte dos aprendizes, Ao analisar as revistas “B”, observamos que os como conhecimentos prévios, formulação de hipóteses, textos trabalhados são variados, como entrevistas, já que as tarefas de leitura não partem de um texto. Os noticias, reportagens, contos e tiras cômicas. Todos exercícios automatização, contêm o nome do autor e sua fonte, as noticias e transformação de frases da afirmativa para negativa e reportagens são de fatos da atualidade e as entrevistas vice-versa, feitas com pessoas reais não foram criadas para atender quase sempre tradução, são de preenchimento de lacunas, conjugação de verbos, ordenar frases, formação de frases, sopa de letras, crucigramas, etc. Das 42 lições, somente 2 apresentam texto nessa a objetivos gramaticais pré-estipulados pela revista. Ao considerá-las como um todo, nota-se o predomínio de atividades voltadas para o seção, entretanto não são textos autênticos, dois são desenvolvimento das habilidades de compreensão textos para completar lacunas com aspectos gramaticais auditiva e leitora. Essas duas habilidades são de fato 106 Estudos Hispânicos O lugar da leitura em revistas de auto-aprendizagem de espanhol trabalhadas sempre com a audição dos CD’s nos algumas estratégias de leitura, como já foi dito, não se exercícios de compreensão dos textos como ler, escutar, fixando somente na parte gramatical. Entretanto, não há voltar ao texto para melhor compreender. exercícios que trabalhem essa parte explicitamente, é Nas seções de compreensão dos textos pode-se algo que seria inferido pelo aprendiz. observar a seguinte variedade de exercícios propostos: De forma geral, o que constatamos na análise do preenchimento de lacunas baseado em informações do corpus selecionado foi que o trabalho com a leitura é texto, exercícios de verdadeiro ou falso, múltipla escolha, variado dependendo do material escolhido. O aprendiz substituição de palavras por sinônimos, preenchimento não deve deixar levar-se somente pelo visual, mas de espaços com a palavra adequada. Em duas edições analisar o material que compra para que possa obter encontramos exercícios que trabalham gramática, em maior proveito em sua aprendizagem. Apesar de questão de associação de adjetivos com substantivos e apresentarem-se como uma revista, neste sub-gênero há questão de associação de verbos com substantivos. o intuito não só de informar, mas de ensinar uma língua Com relação às estratégias de leitura apresenta o estrangeira e assim é de se esperar que desenvolvam as emprego de algumas, como a pré-leitura, através do múltiplas habilidades que são necessárias a alguém que acionamento de elementos visuais, destaque do título e quer aprender espanhol. assim o acionamento de hipóteses através desses Através da auto-aprendizagem, o aprendiz tem a elementos. Ao abordar os textos, utiliza-se de uma chance de investir em sua formação continuada podendo diversidade de tipos explorando a parte visual como sanar suas limitações e, muitas vezes, as do sistema de elemento auxiliar na compreensão textual e, ao propor ensino. E, se o material for de boa qualidade, pode, exercícios de leitura, busca fazer com que o leitor utilize inclusive, enveredar pelo caminho da autonomia. A 107 Estudos Hispânicos demanda pela educação permanente é relativamente nova em nosso contexto educacional, mas já se constitui como uma realidade que não podemos ignorar. Merece, pois, estudos no meio acadêmico que nos ajudem a O lugar da leitura em revistas de auto-aprendizagem de espanhol KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria & prática, 9° ed. Campinas: Pontes, 2002. KOCK, Ingedore Villaça, ELIAS, Vanda. Ler e compreender os sentidos do texto, São Paulo: Contexto, 2006. perceber/ descobrir que, como no trabalho que se realiza com material em contextos formais, há os que podem nos fazer melhorar e há os que se perpetuam sem deixar que aprendizes interessados avancem. Referências bibliográficas: BRONCKART, Jean Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo sóciodiscursivo, São Paulo: EDUC, 1999. MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Oficina de Lingüística Aplicada: a natureza social e educacional dos processos de ensino /aprendizagem de línguas, Campinas, SP: Mercado de Letras, 1996. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura, 6 ª ed., Porto Alegre: ArtMed, 1998. SOTO, Ucy. Stricto Sensu: regularidades e dispersão na pesquisa em língua espanhola. In: TROUCHE, André e PARAQUETT, Márcia (org.). Formas & Linguagens: tecendo o hispanismo no Brasil, Rio de Janeiro: Waldyr Lima, 2004. HABLEMOS ESPAÑOL. São Paulo: Escala, 2005. JUNGER, Cristina de Souza Vergnano. Leitura e ensino de espanhol como língua estrangeira: um enfoque discursivo, Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2002. Tese de Doutorado inédita. KATO, Mary. O aprendizado da leitura, São Paulo: Martins Fontes, 1999. 108 Estudos Hispânicos Leitura em língua estrangeira LEITURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A ABORDAGEM LEITORA DE E/LE Francis Chagas Lima UERJ professores contribuem para a gravidade que encontramos. Diante desta questão que envolve diretamente o ambiente escolar, se faz necessária uma consideração: se a escola é uma instituição social que pode e deve oferecer ao aluno o acesso à leitura, ela o faz para libertar ou aprisionar? É neste momento que a reflexão é indispensável, Introdução Nos pois é provável que esteja faltando uma boa indicação últimos anos, um constante debate incentivado pelo próprio Ministério da Educação tem acontecido em todos os setores que envolvem o ato de educar. Nele se tenta entender um fato que gradativamente se agrava trazendo dados alarmantes: a formação de leitores. Possivelmente, há fatores como, por exemplo, o modo pelo qual a leitura vem sendo trabalhada principalmente na escola, a dificuldade financeira, a ausência do hábito de ler, a falta de incentivo da família ou até mesmo dos próprios teórica sobre a natureza da leitura, o que ela é, que tipo de engajamento intelectual é necessário e sobre quais pressupostos de cunho social ela se assenta (KLEIMAN, 2004, p.7). Partindo do pressuposto de que ler é uma ação que possibilita a construção e a reconstrução do significado pelo leitor, através de uma constante interação com o texto que fornece pistas para que um sentido possível seja resgatado. Propomos-nos a investigar a abordagem de leitura em língua estrangeira no livro didático, refletindo sobre a escolha presente nele 109 Estudos Hispânicos e que conseqüência ela poderia trazer ao aprendiz de Leitura em língua estrangeira Ler: diferentes abordagens uma segunda língua. Desejamos observar se há uma manutenção de uma prática de leitura que focaliza uma “tradição” já exercitada em língua materna, que por si só desfaz o universo da leitura visto como foco de investigação, exigindo emprego de competências e habilidades, já que ler é um processo contínuo e progressivo (KOCK, 1999, A prática de leitura é fundamental no convívio escolar, pois através dela podemos recuperar uma grande deficiência encontrada na atualidade: o fracasso na formação de leitores. Logo, alarmam-se os professores de História, Geografia e outras disciplinas pelo fato de seus alunos não lerem; no entanto, nada é feito. É importante ressaltar que a palavra escrita é patrimônio p.23). Assim o presente trabalho apresenta em sua estrutura as abordagens sobre leitura, a recomendação dos PCN de língua estrangeira, a concretização da mesma no livro didático e pequenas considerações finais. Estas poderiam contribuir para reflexões impedindo que uma prática obsoleta seja continuada na língua estrangeira, já que seu aprendizado no mundo globalizado é um acréscimo pessoal e não uma mera repetição de regras gramaticais. da cultura letrada, e todo professor é, em princípio, representante dessa cultura (KLEIMAN, 2004, p.8). É possível que esta situação tenha sido facilitada pelas diferentes concepções sobre o ato de ler que circulam no quotidiano escolar, a nível discursivo e não ativo, ou seja, há muitas palavras e poucas atitudes para que esse panorama seja de alguma maneira diminuído. Embora tenhamos estudos que investiguem as novas possibilidades de trabalhar a leitura, verificamos uma recorrência tradicional que prioriza a memorização de regras e a repetição de uma única compreensão textual. 110 Estudos Hispânicos Logo, podemos concluir inicialmente que essa prática pode estar gerando o aumento do distanciamento de outras abordagens mais satisfatórias. Considerando essas observações, apresentaremos as diferentes noções sobre ler que sejam pertinentes a este estudo. Pode-se ter a noção de que ler é uma concepção autoritária de leitura, que parte do pressuposto de que há apenas uma maneira de abordar o texto, e uma única Leitura em língua estrangeira A leitura é, no entanto justamente o contrário de tudo o que é mecânico: são os elementos relevantes ou representativos os que contam, em função do significado do texto, a experiência do leitor é indispensável para construir o sentido, não há leituras autorizadas num sentido absoluto, mas apenas reconstruções de significados, algumas mais e outras menos adequadas, segundo os objetivos e intenções do leitor. Quando a leitura é entendida como interlocução, tal qual outras atividades de linguagem é que o texto pode ser tomado como um conjunto. (KLEIMAN, 2004, p.23) interpretação a ser alcançada (KLEIMAN, 2004, p.17). Nesta visão destacamos abaixo procedimentos que sustentam tal postura como, por exemplo: ● Considerar a estrutura do texto e sua função independente do contexto; ● Demonstrar que o aluno deve ser passivo e sua contribuição é dispensável, já que o sentido está totalmente contido no texto e a interpretação autorizada é a adequada. Por outro lado, a autora destaca no mesmo livro que: Assim, entendemos que ler é um processo interativo, global, integrado e produtivo que exige habilidades para que seja possível uma leitura proficiente, sendo necessário o conhecimento das mesmas não somente de maneira superficial, mas de modo reflexivo e competente. E poderíamos acrescentar a esse pensamento que o sentido não está somente no texto, mas se constrói a partir dele, no curso da interação. Uma vez construído um - e não o- sentido, adequado ao contexto e à forma como o texto se encontra lingüisticamente construído, a 111 Estudos Hispânicos Leitura em língua estrangeira manifestação verbal será considerada coerente pelo O ato de envolver-se como leitor é que possibilita leitor (KOCK, 1997, p.24); portanto, para ser leitor o entendimento de que o sentido para ser estabelecido, competente é necessário que se considere elementos precisa de uma constante interação entre três elementos: essenciais uma o autor, o texto em si e o leitor que explora o seu sistema abordagem desta natureza que é o que apresentaremos a cognitivo, atuando desde a percepção das letras, até o seguir. uso do conhecimento armazenado em sua memória. que somente são possíveis em Portanto, temos a ativação de vários sistemas anteriores A abordagem sócio-interacional cada vez mais profundos essenciais na construção. Desta forma, a leitura é concebida como um De acordo com a visão sócio-interacional a leitura não pode ser vista somente como um processo que decifra um código, assimila estruturas gramaticais e as usa de maneira mecanizada. Ser leitor competente exige uma participação ativa na construção de sentido e no desenvolvimento de habilidades, destacamos algumas: noções de contexto; reconhecimento do não dito; conhecimento de mundo e o partilhado; observação das pistas de contextualização e entendimento de outros fatores que estabelecem sentido. processo complexo e abrangente de compreensão, produção e atribuição de sentido, que faz rigorosas exigências ao cérebro, à memória e à emoção, é mais do que mera decodificação (KOCK, 2002, p.154). Ela é apenas uma etapa inicial, já que há aprofundamento para outros níveis. O entendimento é construído passo a passo pelo leitor “proficiente”, já que o autor pressupõe que ele seja capaz, através dos seus “conhecimentos” estabelecer relações conseguindo assim a interação. É uma via de mão dupla que transita do texto para o leitor (ascendente) e do leitor para o texto (descendente) 112 Estudos Hispânicos tomando como importante tanto o texto, quanto a Leitura em língua estrangeira A leitura em língua estrangeira e os PCN participação ativa de quem o lê. Em relação à leitura realizada na aula de língua materna, devemos ressaltar sua importância, pois envolve a compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo, pois a leitura do mundo precede a leitura da palavra (FREIRE, 2003, p. 11). Portanto, ler é fazer uma releitura do que já foi vivido pelo homem, ler é interagir criticamente, ler é interpretar, ler é por si só um ato completo e único. No que concerne à atividade de leitura em língua estrangeira, entendemos que os princípios mencionados anteriormente deveriam ser mantidos e aplicados nas aulas de E/LE, além dos outros mencionados nos PCN da mesma. Os parâmetros curriculares nacionais foram criados pelo MEC em 1998. Neles há orientações a serem aplicadas na sala de aula de todo o país, considerando a diversidade de cada região, por isso possibilita adaptações quando elas forem necessárias. Os PCN de língua estrangeira estabelecem como foco principal à capacitação de um aluno para ler em uma segunda língua; entretanto, se há condições o professor poderá incluir no seu trabalho a oralidade, a compreensão auditiva e a produção escrita. Outro fator a ser lembrado é de que a aprendizagem de uma nova língua é emocional e não apenas intelectual, o aluno é um ser cognitivo, afetivo, emotivo e criativo. Este documento estabelece que o ensino de língua estrangeira deve contemplar principalmente: ● A natureza sócio-interacional da linguagem; ● O envolvimento do aluno no processo de construção do significado; 113 Estudos Hispânicos ● O posicionamento crítico; Leitura em língua estrangeira A compreensão leitora no livro didático (LD) ● A valorização da leitura como fonte de informação e prazer; Em relação ao que foi descrito, vale ressaltar que todo o embasamento do documento é de base interacional, fato que é destacado do seguinte modo nos A etapa inicial desta reflexão foi a realização de uma leitura completa dos 4 volumes da série Español sin fronteras de Josephine Hernández (2002) para que fosse possível selecionar os exercícios que abordavam a compreensão do texto. Eles são correspondentes aos PCN: Deve-se considerar ainda que a consciência crítica de como as pessoas usam estes tipos de conhecimento traz para o aluno a percepção da linguagem como fenômeno social, o que é caracterizado aqui como a natureza sóciointeracional da linguagem. Quando alguém usa a linguagem, o faz de algum lugar localizado na história, na cultura, e na instituição, definindo nas múltiplas marcas de sua identidade social e à luz de seus projetos políticos, valores e crenças. (BRASIL/SEF, 1998, p. 35) conteúdos que geralmente são ensinados nas séries do terceiro e quarto ciclo do ensino fundamental, deste modo o livro 1 se aplica na 5º série e os outros sucessivamente. Nesta verificação encontramos a seguinte estrutura em cada exemplar: ● Há 6 unidades tratando de temas gramaticais diferentes; Infelizmente, é possível que as recomendações pedidas não estejam sendo contempladas na realidade concreta. ● Ao final das 3 primeiras, o livro oferece um teste repassando alguns temas abordados anteriormente; ● Por último, há um pequeno glossário para auxiliar o entendimento vocabular. 114 Estudos Hispânicos Leitura em língua estrangeira Vejamos agora o detalhamento de uma lição para presente na interpretação textual e sua implicação que seja tomada como base para a posterior análise que dentro dela. Assim, definimos o que será explorado na considerará mais a interpretação textual: próxima seção. ● Texto principal com informações gramaticais que serão detalhadas futuramente; Analisando os exercícios ● Perguntas e exercícios sobre o texto; Dentro da sala de aula é que os problemas ● Formas para realização da prática oral; A escolha deste material didático se deu pelo seu efetivo uso nas aulas de E/LE como fonte de atividades aplicadas no ensino fundamental da escola Daltro Santos, durante o estágio realizado na mesma, no período de abril a dezembro de 2005. Embora os livros apresentem conteúdos gramaticais diferentes, foi identificada uma estruturação semelhante em todos eles, inclusive na tipologia das perguntas presentes em cada lição. Como já foi dito, a organização dos exercícios aparecem, os exercícios; porém, tomando por base as questões vez que não encontraremos homogeneidade entre os alunos; portanto, é necessária a preocupação do professor ao selecionar exercícios que possibilitem a leitura produtiva que defendemos até agora. É comum que os materiais didáticos deixem transparecer a postura adotada ao longo do livro, por exemplo, que confirme ou contradiga o que citamos, então vamos observar os seguintes fragmentos retirados da página 8 referente ao texto A: “¿Cómo está José? Justifica con las palabras de prossegue de modo igual em todos os exemplares da coleção decidimos analisar a primeira lição verificando uma José.” ¿Qué le responde Julia a Fernando? interpretativas para verificarmos a abordagem de leitura 115 Estudos Hispânicos As respostas destas questões baseadas na Leitura em língua estrangeira uma série de exercícios gramaticais que são interpretação do texto revelam que ler é equivalente a predominantes no restante da lição, o texto é pouco decifrar ou decodificar, isto é, para responder algo o abordado e o não dito segue sem nenhuma menção, leitor só precisa passar o olho pelo texto à procura de apontando para uma tendência tradicional que privilegia trechos que repitam o material já decodificado na as informações objetivas. Neste tipo de exercício o aluno pergunta e nesse sentido a reflexão se torna dispensável, precisa uma vez que há somente uma decifração da informação mostrando uma prática mecânica que exclui qualquer textual. Relacionada a essa mesma noção, o texto é tipo de trabalho intelectual reproduzindo algo comum apenas um depósito de informações que devem ser nos livros didáticos: priorizar a gramática em detrimento extraídas pelo leitor com uma única finalidade: chegar à da verdadeira leitura. Por fim, essa abordagem descrita resposta. O mesmo se repete nos exemplos da página 10 até agora nas amostras deste LD nos possibilita chegar à referente ao texto B: conclusão de algumas questões. somente substituir simples informações “¿Qué le dice Miguel a Verónica? ¿Qué contesta Verónica?” Algumas considerações finais É somente extrair a mensagem do texto, não há trabalho ativo do leitor, essa atividade é que chamam de leitura na sala de aula. Gostaríamos de comentar que nos exercícios que abordam a gramática percebemos uma leitura para a retirada destas estruturas, o texto serve apenas para Apesar de termos todo um discurso de base interacional nas orientações para o ensino de língua estrangeira, concluímos que a prática está bem distante do que se almeja à medida que observamos os exercícios demonstrados. Neste livro fica claro que a leitura é uma 116 Estudos Hispânicos Leitura em língua estrangeira mera atividade de extração, sendo utilizada como Ao realizarmos a leitura de um texto, toda a nossa instrumento para o ensino da norma, do código escrito e carga social é acionada visto que estarão envolvidos da gramática. De fato o livro didático em questão dentro dela os nossos valores, crenças, atitudes e outras reproduz a propagação de uma abordagem ultrapassada, leituras já que apesar de ser comprovadamente ineficiente, segue competentemente contribui para algo essencial: a no ensino de leitura em língua materna e talvez possa capacidade de nos expressarmos e de refletir sobre o que prosseguir para o ensino de uma língua estrangeira (é querem que saibamos ou não. função também dos professores não propagá-la). Leer en la lengua que se aprende no es tan difícil; no es necesario dominar todo el vocabulario, tampoco hace falta saber mucha gramática y, además tiene la ventaja de que se puede volver atrás siempre que se necesite, o saltarse unas cuantas líneas o páginas, si la información requerida ya se ha captado. No es necesaria una competencia lingüística extremadamente desarrollada, pero sí una competencia discursiva para leer, una competencia lectora, esa es la que más importa. (FERNÁNDEZ, 2005, p.19) realizadas. É nesse sentido que ler Possibilitar uma percepção “madura” exige um árduo trabalho; porém, emancipador, pois somente um leitor com competência desenvolvida poderia ler a si mesmo e ao mundo, isto é, saber que os textos são intencionais e que há uma voz autoral presente ali, podendo ser crítico e criador de sua própria voz. Sem dúvida quem lê deve ao menos buscar refletir sobre tais questões. Pode-se dizer também que a manutenção do que foi descrito, impossibilitaria o prosseguimento da cognição que a leitura exige, negando a própria natureza do processo. É provável que tenhamos conseqüências Referências bibliográficas: BRASIL/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental- Língua gravíssimas, dentre elas destaco a questão social. 117 Estudos Hispânicos Estrangeira. Brasília. Secretaria Fundamental/MEC, 1998. Leitura em língua estrangeira de Educação FERNÁNDEZ, Sonsoles. Competencia lectora. Revista Cable, mayo 2005, p.14-20. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez, 2003. HERNÁNDEZ, Josephine Sánchez. Español sin fronteras. São Paulo: Scipione, 2002. KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e prática. São Paulo: Pontes, 2004. KOCK, Ingedore. O texto e a construção do sentido. São Paulo: Contexto, 1997. ______. Texto e coerência. 6 edição. São Paulo: Cortez, 1999. ______. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. 118 Estudos Hispânicos ANEXO Leitura em língua estrangeira Miguel: Mucho gusto. Me llamo Miguel. Te presento a Carlos. Texto A Saludos y despedidas Carlos: Es un placer. ¿De dónde eres? Dos amigos se encuentran en la parada de autobús: Verónica: De Brasil. Soy brasileña. ¿Y tú? Pablo: ¡Hola, Luis! ¿ Qué tal? Carlos: ¡Qué bien, de Brasil! Es un país muy hermoso y Luis: Voy tirando, Pablo. Ya ves, corriendo como siempre, muy grande. Pues yo soy de Bolivia. yo voy a la oficina. Y tú ¿Cómo estás? Miguel: Y yo soy español. Encantado. Pablo: Bien, gracias. Pues yo voy a la escuela. Luis: Vale, ahí viene mi autobús. Adiós. Pablo: Hasta pronto. Una pareja en la cafetería: Fernando: ¡Hola, tesoro! ¿Cómo te va? Julia: Estupendamente Fernando: Muy bien, cariño. Texto B Los nuevos amigos Verónica: Hola ¿Qué tal? Yo me llamo Verónica, soy alumna del curso de verano. Y tú, ¿quién eres? 119 Estudos Hispânicos CREENCIAS Y VALORES EN LA ENSEÑANZA DEL ESPAÑOL COMO LENGUA EXTRANJERA: UN ESTUDIO DEL HABLA DE GRADUANDOS1 Glauce Helena Santos Laranjeira UERJ Jane Cleide dos Santos de Sousa UERJ Introducción Creencias y valores en la enseñanza del español como LE profesores de enseñanza primaria, media o de cursos libres, nos pareció importante ofrecer reflexiones que pudiesen ayudar a comprender mejor el proceso de formación de profesores de Español como lengua extranjera. Entendemos que el proceso de enseñanza y aprendizaje está basado en el binomio profesor-alumno y no existe si uno de estos componentes clave falla. Lo que motivó este trabajo fue percibir que gran parte de las investigaciones que intentan comprender este proceso privilegian el análisis del papel del profesor en detrimento del papel del alumno y, con ello, la eficiencia El presente artículo es fruto de una investigación de las mismas se reduce ya que la valoración del papel que tuvo como objetivo general reflexionar sobre la del alumno, sus creencias y valores se limita al campo relación entre las creencias de alumnos universitarios teórico. Sabemos que, con la evolución de la práctica iniciantes de un curso de Letras / Portugués-Español y el educativa, se viene considerando la actuación del alumno proceso de adquisición de ese idioma como lengua cada vez con más relevancia e incluso se sabe que sus extranjera. Como estos informantes serían futuros experiencias poseen un papel decisivo en el proceso de 1 Trabajo de fin de curso presentado en febrero de 2004 en la Universidad del Estado de Rio de Janeiro, orientado por la Profª Dra. Vera Lucia de Albuquerque Sant’Anna. enseñanza/aprendizaje. Por eso, hemos puesto el foco de nuestra investigación en el papel del alumno y en su 120 Estudos Hispânicos sistema de valores y creencias, lo que le va a permitir Creencias y valores en la enseñanza del español como LE Base teórica incluirse o no en dicho proceso. Para reflexionar sobre las creencias de los Con todo, creemos en la importancia del estudio y de la identificación de las creencias relacionadas a la adquisición de español como lengua extranjera por parte de los graduandos, porque, a través de tal identificación se puede proveer al cuerpo docente de informaciones que le posibiliten conocer mejor a su clientela y desarrollar un trabajo con más posibilidades de éxito. La relevancia de la identificación de esas creencias en el momento en el que empiezan la universidad está en que el cuerpo docente, consciente de la existencia de tales creencias, puede aprovechar para su trabajo tanto las presentadas como positivas como las que aportan carga negativa, mejorando entonces la calidad de la formación del futuro profesional de enseñanza de español como lengua extranjera. graduandos y llegar a nuestros resultados, nos fundamentamos principalmente en los estudios de Paulo Freire (1996) sobre el proceso de enseñanza/aprendizaje enfocando el papel del alumno, en los trabajos de Moita Lopes (1996), Sant’Anna y Daher (2002) y Richards y Lockhart (1988) sobre intercultura en clases de LE, en las discusiones de Rajagopalan (2003) sobre concepción y enseñanza de LE y en las propuestas del Análisis del Discurso (AD) según Maingueneau (2001) -marcas de persona y ethos- y Bakhtin (2000) polifonía- para analizar nuestro corpus. Nos apoyamos primero en los fundamentos filosóficos del educador Paulo Freire (1996) que enfoca el proceso de enseñanza-aprendizaje con énfasis en la relación entre profesor/alumno como clave del proceso. Para Paulo Freire, en realidad hay dos sujetos igualmente importantes y necesarios en dicho proceso, ya que 121 Estudos Hispânicos Creencias y valores en la enseñanza del español como LE “ensinar inexiste sem aprender e vice-versa” (FREIRE, Richards & Lockhart (1988) también creen que el 1996, p.23). Paulo Freire intenta deshacer una relación elemento cultural interfiere en el aprendizaje y añaden de poder, históricamente establecida, indicando que el que los alumnos traen al aprendizaje sus propias alumno no debe portarse como objeto de un sujeto, o creencias, objetivos, actitudes y decisiones. mejor, un paciente que recibe los conocimientos y contenidos acumulados por el sujeto que sabe. Por lo tanto, hay que considerar que las creencias y valores de un grupo, una comunidad, constituyen la Entendemos también que negligenciar los saberes forma de pensar y actuar de ese grupo. Componen un de los alumnos, sus creencias, su historia, puede ser conocimiento social constituido por un conjunto de nefasto para el proceso de enseñanza. Es necesario, hechos que determinan su forma de comprender el entonces, destacar que el modo de existencia y de mundo. relacionamiento de las personas con el mundo se organiza bajo formas y patrones Por fin, para analizar nuestro corpus utilizamos culturalmente como herramienta el estudio de marcas de persona y de establecidos que cambian de acuerdo con el grupo social marcas que identifican procesos de la heterogeneidad en el que cada individuo participa, así, respetar al enunciativa para llegar a la composición de los rasgos de educando significa también respetar la cultura y el medio ethos de los graduandos, y así, pudimos observar las del que forma parte. principales creencias involucradas en sus discursos. En los estudios de Sant´Anna y Daher (2002), las La perspectiva teórica lingüística que fundamentó autoras ya hacían una llamada de atención con el fin de nuestro análisis se basa en los estudios enunciativos del evitar que el docente desconsiderase en sus clases el AD, en particular en las reflexiones de Dominique conjunto de trazos culturales del alumno. Maingueneau (2001). Según el autor, “cada enunciado é 122 Estudos Hispânicos Creencias y valores en la enseñanza del español como LE portador de um sentido estável, a saber, aquele que lhe Para obtener las informaciones, elaboramos un foi conferido pelo locutor”. (MAINGUENEAU, 2001, p.19) instrumento de colecta de datos en el formato y “...o sentido estaria de alguma forma inscrito no cuestionario, que consideró las propuestas de Daher enunciado...” (MAINGUENEAU, 2001, p. 20). Así, cuando (1998), en la que se prevé la discriminación de bloques enunciamos y cuando interactuamos con nuestros co- temáticos para formalizar los objetivos, el problema y las enunciadores, estamos construyendo sentidos que están hipótesis que sirven de base a la elaboración de las más allá de las palabras elegidas. preguntas básicas. Para llegar a las creencias del sujeto acerca del proceso de enseñanza-aprendizaje del español como Metodología lengua concretas Para alcanzar el objetivo principal de nuestro estudio colectamos universitarios datos iniciantes del entre los curso de alumnos Letras – Portugués/Español - de una Universidad del Estado de Rio de Janeiro. La elección de este grupo de alumnos se justifica porque están empezando su proceso de formación profesional en E/LE y por lo tanto presentan en sus discursos creencias adquiridas a lo largo de sus experiencias individuales y todavía no han sido extranjera, capaces de necesitábamos comprobar y marcas validar el posicionamiento de este sujeto ante las cuestiones investigadas. Las marcas y propiedades lingüísticas responsables de las diferentes formas de establecer un discurso y la manifestación verbal de la relación de este sujeto con el mundo nos permitieron llegar a hechos concretos de observación y análisis. Para ello, tuvimos como herramienta de trabajo la noción del AD de marcas de persona y de polifonía del discurso. Al utilizarlas, identificamos un ethos predominante al grupo observado influenciados por lo que se enseña en la universidad. 123 Estudos Hispânicos Creencias y valores en la enseñanza del español como LE y, entonces, llegamos a creencias compartidas entre los enunciaciones de los alumnos entrevistados y llegar diferentes sujetos de este grupo. entonces a las creencias expresadas. Para hacer el análisis de los discursos colectados, separamos las respuestas del cuestionario en dos Resultados grandes grupos: uno con las preguntas que tienen el foco Tras análisis y confrontaciones de esta naturaleza, en el propio enunciador, donde analizamos las marcas de persona, y otro con las preguntas centradas en el objeto del discurso, o sea, el profesor, la lengua y la clase, a partir de las cuales identificamos lo que dicen sobre esos temas los enunciadores. Así, el análisis se procesó en las siguientes etapas: (1) análisis de las marcas de persona en las preguntas con foco en el enunciador; (2) análisis de las preguntas centradas en el objeto del estudio; (3) identificación de perfiles generales de los alumnos basada en los discursos analizados en los ítemes anteriores y (4) confrontación entre esos perfiles y las hipótesis que establecemos para los problemas levantados por el cuestionario, intentando identificar la presencia de otros discursos en las llegamos a los siguientes resultados: 1) Para tales graduandos iniciantes inscritos en el curso de Letras habilitación español de Universidad ya mencionada, aprender una lengua extranjera significa desarrollar, además de los aspectos estructurales del idioma, también los aspectos culturales de los pueblos que hablan la lengua en cuestión. Para esos informantes, la adquisición de una lengua extranjera resulta en enriquecimiento intelectual, cultural y garantiza oportunidades socioeconómicas. La visión que esos informantes presentaron respecto a la lengua extranjera es, de modo general, la de que su aprendizaje puede ser capaz de internamente, reestructurar patrones ampliando conceptos, establecidos formas de 124 Estudos Hispânicos Creencias y valores en la enseñanza del español como LE comunicación y de ver el mundo, volviéndoles individuos aprende un determinado conocimiento el culpable es el más maduros, venciendo prejuicios y conectándoles con profesor que no supo enseñarle correctamente. el mundo. 3) Respecto a la imagen que se tiene sobre qué es 2) Para los informantes observados, ser un buen ser un buen profesor, nuestros informantes apuntaron estudiante de lengua extranjera exige además de creencias diversas en las que conceptos tradicionales se empeño, aplicación, disciplina y gusto por aprender, mezclaron también la adopción de una postura pro-activa en informantes, un buen profesor debe poseer, además de relación a la enseñanza. Tales aprendices deben dominio perfecto del idioma meta, conocimiento pleno desarrollar el interés por los aspectos culturales de la de las cuestiones socioculturales, ser didáctico, estar lengua meta y buscar la ampliación de las fuentes de actualizado, tener vocación, saber abordar las diversas conocimiento alumnos teorías sobre su área de trabajo y, curiosamente, tener demostraron cierta madurez respecto al papel que les calma y paciencia al enseñar y saber respetar el ritmo de cabe sobre lo que el propio alumno puede hacer por su aprendizaje de los alumnos. Esta observación puede aprendizaje. Aunque las respuestas no hayan sido corroborar la creencia de que en el aula se establece una homogéneas, e incluso algunas contrasten con este perfil relación de poder en la que el profesor se destaca. En general, observamos que, de un modo más amplio, tales este caso, los alumnos apuntaron actitudes personales alumnos del profesor interfiriendo en el aprendizaje. son sobre el conscientes idioma. de que Estos también son con conceptos modernos. Para tales responsables del éxito del proceso. Aquí vemos 4) Estos infomantes también presentaron una debilitada la creencia de que cuando el alumno no visión, de cierto modo, tradicionalista de lo que es una clase, valorando, en sus enunciaciones, principalmente 125 Estudos Hispânicos Creencias y valores en la enseñanza del español como LE los aspectos físicos del ambiente escolar. Pocos alumnos imagen que construyeron sobre lo qué es ser un buen resaltaron el momento de interacción que se establece estudiante. entre profesor-alumno, alumno-alumno, alumno- 5) Al pensar sobre lengua española como opción institución. La imagen que los alumnos construyeron de de este momento académico es la de un ambiente en el que básicamente motivaciones profesionales. Sobre ese los alumnos están allí para hacer ejercicios, resolver aspecto, revelaron creer que el español poseerá status de dudas, intercambiar experiencias y poner en práctica los lengua universal y eso podrá resultar en ampliación de conocimientos oportunidades para los hablantes del idioma. aprendidos. Pocos informantes aprendizaje, tales informantes demostraron mencionaron la importancia de la clase como momento 6) En lo que se refiere a las facilidades y de aprendizaje que puede darse en otros ambientes dificultades sobre el aprender español, los informantes diferentes del académico. También observamos que, para revelaron que la aparente proximidad entre los dos tales informantes, la posibilidad de práctica efectiva del idiomas (portugués y español) puede asumir función aprendizaje se restringe al ambiente escolar, ya que, de ambigua, a veces, facilitando, otras, dificultando. Para forma mayoritaria, pocos se refirieron a otros ambientes esos alumnos iniciantes, la creencia de que aprender el en los que puedan ejercitar las competencias adquiridas idioma español es fácil por ser una lengua próxima a la al aprender el idioma. Ningún informante hizo cualquier portuguesa es falsa. referencia a congresos, prácticas, seminarios, viajes, 7) Con relación a los objetivos de proyectos de extensión e investigación como extensión informantes al buscar aprender el español como lengua del aula, demostrando, de cierto modo, alguna pasividad extranjera, los informantes poco o no mencionaron respecto a la propia formación, lo que contrasta con la cuestiones como fluencia perfecta, competencia perfecta esos 126 Estudos Hispânicos Creencias y valores en la enseñanza del español como LE en la lengua, hablar como un nativo, etc. En realidad, alumno en él, como consecuencia de dicha coyuntura. ellos profesionales Los objetivos concretos de estos alumnos les impulsaron presentadas en la cuestión que abordaba la elección de la a una actuación en la que ya no se permite perder el lengua española como preferencia de aprendizaje. Estos tiempo, o invertir en cuatro años de graduación que no alumnos desean ser profesores, traductores, intérpretes, les dé lo esperado. ratificaron las motivaciones trabajar en países de América Latina, en las áreas de turismo, periodismo, diplomática, etc. Para finalizar, presentamos el siguiente resumen de las creencias más recurrentes en los discursos de Aunque la mayoría de los objetivos presentados nuestros informantes, separadas por los tres principales para la adquisición de una lengua extranjera se aspectos que pudimos identificar: respecto a la actuación justifiquen por motivaciones profesionales, tal vez por del alumno en el proceso de enseñanza, respecto a las exigencia del mundo globalizado, por el mercado de concepciones sobre lo que es aprender y enseñar E/LE y trabajo, por la condición socioeconómica de nuestro país, respecto a las metas en la enseñanza del E/LE: tales graduandos, indirectamente incluyen en esos objetivos el alcance de la competencia lingüística que les Resumen de las creencias más destacadas permita interactuar con otras culturas y realidades, ampliando así, sus horizontes. No hace falta añadir que el mundo de los negocios también exige tales competencias y con eso, los datos apuntan para un reajuste de la forma de pensar el proceso de enseñanza-aprendizaje y la posición del A – Respecto a la El alumno que es direccionado por el atuación del profesor y participa en la clase alumno en el sacando dudas y haciendo ejercicios, proceso de pero se posiciona en un plano enseñanza inferior al del profesor dentro del proceso. Es el profesor quien conduce al alumno, lo lleva a participar. 127 Estudos Hispânicos B- Respecto a las El alumno que cree que aprender una LE es conocer sus estructuras, su concepciones sobre lo que es funcionamiento y todo el contexto aprender y donde esta lengua se produce, ya que enseñar E/LE conocer una LE es poder comunicarse y construir sentidos utilizándola. C – Respecto a las El alumno que tiene como meta metas en la conseguir comunicarse en la lengua enseñanza del extranjera, o sea, ser capaz de construir sentidos utilizando la E/LE lengua y trabajar aplicándola como instrumento. Conclusión A partir de lo observado, percibimos que, aunque no podamos hablar de visiones homogéneas en relación al proceso de enseñanza-aprendizaje, identificamos un perfil de alumno que llega a nuestra universidad cada vez más actuante, más crítico, más exigente. De este modo, se hace necesario destacar que, además de respetar ese conjunto complejo de creencias y valores de los alumnos, Creencias y valores en la enseñanza del español como LE creencias y valores, debe saber interactuar con tales saberes y utilizarlos en clase de modo que permita el desarrollo y el crecimiento de todos los involucrados en el proceso de enseñanza. Volvemos a enfatizar que el cuerpo docente, consciente de tales creencias, puede desarrollar en sus clases un trabajo con más posibilidades de éxito. Referencias bibliográficas BAKHTIN, Mikhail Mikhailovitch. Estética da criação verbal. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. DAHER, Maria Del Carmen F. González; SANT´ANNA, Vera Lúcia de Albuquerque. Reflexiones acerca de la noción de competencia lectora: aportes enunciativos e interculturales. In: 20 años de APEERJ – El español: un idioma universal 1981 – 2001. Rio de Janeiro: APEERJ, 2002. ______. Quando informar é gerenciar conflitos: a entrevista como estratégia metodológica. The ESPecialist. São Paulo, vol.19, nº especial, pp.287-303, 1998. el docente también como elemento poseedor de un conjunto variado, la mayoría de las veces distinto, de 128 Estudos Hispânicos Creencias y valores en la enseñanza del español como LE FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, São Paulo: Paz e Terra, 1996. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. Rio de Janeiro: Cortez Editora, 2001. MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Oficina de lingüística aplicada: a natureza social e educacional dos processos de ensino/aprendizagem de línguas. Campinas: Mercado de Letras, 1996. RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma lingüística crítica: linguagem, identidade e a questão ética. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. RICHARDS, Jack C.; LOCKHART, Charles. Estrategias de reflexión sobre la enseñanza de idiomas. Madrid: Cambridge University Press, 1998. 129 Estudos Hispânicos O ensino de espanhol no discurso da lei O ENSINO DE ESPANHOL NO DISCURSO DA LEI: A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS DO TRABALHO DOCENTE Maria Cecília Bevilaqua UERJ sendo marcado por períodos de ausências e retomadas1 e, em grande parte, desconhecido devido à falta de conservação de registros, buscamos (re)construir uma memória discursiva referente ao trabalho desse ensino. A motivação para o desenvolvimento do tema deve-se a dois fatores intimamente relacionados: a condição de professora do idioma, que, de certo modo, nos inscreve na trajetória desse ensino, e a participação em pesquisas Este artigo participa de reflexões que vimos na área de Lingüística Aplicada, que nos impulsionou a fazendo nos últimos anos, que convergem no interesse adentrar no percurso de reflexão sobre a nossa própria de alcançar uma maior visibilidade sobre a trajetória do prática profissional. ensino de língua espanhola no Brasil. Portanto, parece- Assumimos, dessa forma, a perspectiva de nos necessário tecer um breve comentário a respeito da contribuir para pesquisas que se ocupam da ampliação proposta mais ampla dos estudos por nós desenvolvidos de conhecimentos sobre o mundo do trabalho via análise cujos desdobramentos apontaram para a definição do de práticas linguageiras. Partimos do entendimento do atual trabalho. A partir da consideração de que o percurso do espanhol nas escolas do país apresenta singularidades, 1 O ensino de espanhol no Brasil apresenta uma trajetória peculiar com relação ao ensino de idiomas como o inglês e o francês, por exemplo. Seu trajeto se inicia oficialmente em 1942, quando se integra ao currículo das escolas e é praticamente interrompido em 1961, devido a mudanças na legislação educacional. No Rio de Janeiro, o idioma retorna oficialmente à grade escolar no ano de 1985, quando é realizado o primeiro concurso para professor de espanhol da rede estadual. 130 Estudos Hispânicos O ensino de espanhol no discurso da lei trabalho como atividade sócio-historicamente situada, país. Destacamos a relevância de caracterizar a que sempre se renova (SCHWARTZ, 1997; AMIGUES, construção discursiva do texto em questão, de modo a 2004), para construir um enfoque voltado para a melhor observar como ocorre a interatividade entre o ‘eu’ e o compreensão de sentidos relacionados à prática do ‘outro’ e de que modo memórias discursivas são professor. invocadas nesse processo, tendo em vista que a palavra Nesse sentido, o atual estudo visa a avançar “é produto da interação social, quer se trate de um ato de nessas reflexões acerca da trajetória do ensino de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto espanhol no contexto brasileiro e, para tal, volta-se para mais amplo que constitui o conjunto de condições de vida o campo de textos prescritivos da atividade do professor de uma determinada comunidade lingüística.” (BAKHTIN, da área. Com base no princípio de que toda a atividade de 1981, p.112). linguagem está em interação permanente com as O marco teórico por nós privilegiado, que elege a situações sociais no interior das quais é produzida, enunciação como lugar de produção de sentidos sem interessamo-nos pelo estudo de textos regularmente dissociar o “dito” do “dizer” (MAINGUENEAU, 2002), vistos como constituídos em situação externa à atividade orienta nosso entendimento do corpus selecionado como de ensino stricto sensu e que garantem a circulação de prática discursiva que, ancorada na história, carrega sentidos atribuíveis a esse trabalho. marcas lingüísticas que não podem ser ignoradas. A Nosso corpus é composto especificamente pelo partir desse enfoque e tendo em vista os limites deste Decreto-Lei n. 4.244, de 9 de abril de 1942, a Lei estudo, nosso percurso consiste em expor considerações Orgânica do Ensino Secundário, que inclui oficialmente o a respeito do contexto de produção do texto oficial em ensino de espanhol na grade curricular das escolas do 131 Estudos Hispânicos O ensino de espanhol no discurso da lei análise e comentários referentes à proposta de ensino complementares cuja articulação deveria caracterizar a apresentada no documento. ‘mola mestra’ para o progresso do país. O Estado representava, nesse circuito, o intermediário do processo O cenário político da Era Vargas: algumas considerações relevantes de ascensão social via trabalho. O trabalho deveria ser entendido como um meio de superação das condições adversas experimentadas As políticas educacionais implementadas durante pelo trabalhador. Dito de outra forma, “precisava ser visto o chamado primeiro governo Vargas, especialmente as como um ato de criação fundamentalmente humano; um situadas nos anos do Estado Novo (1937-45), devem ser ato de significação e espiritualização do homem, pelo qual pensadas e situadas em um circuito maior de políticas ele se integrava à sociedade em que vivia.” (GOMES, 2003, sociais. Essas medidas desempenham um papel crucial p. 447). Sob esse ponto de vista, integrar-se à sociedade como participantes de um discurso mais amplo de por meio do trabalho significava, também, “servir à legitimação, principalmente após 1937, ano em que são pátria”. suprimidos os direitos políticos no país (GOMES, 2003). A família, reconhecida como a base social, Destaca-se, assim, a relevância de um forte investimento mereceu destaque no contexto político estadonovista. na imagem do governo como promotor da justiça social. Sua promoção estava relacionada, em um âmbito maior, É importante ressaltar que dois termos-chave caracterizam o foco das políticas governamentais do primeiro governo Vargas: ‘trabalho’ e ‘educação’, estes ao culto à disciplina e à moral, elementos fundamentais na preparação do homem para servir aos interesses do Estado. Com isso, diversas iniciativas visavam considerados não de forma isolada, mas como elementos 132 Estudos Hispânicos diretamente à família, em especial, aquelas diretamente relacionadas ao binômio ‘educação e trabalho’. O ensino de espanhol no discurso da lei A Reforma Capanema, de abril de 1942, segue muitas orientações apontadas pela reforma de Campos, Dentre essas iniciativas, destacam-se, no ano de no entanto, inova em alguns aspectos. O curso ginasial 1942, a criação do Serviço Nacional de Ensino Industrial passa a ser de quatro anos e o complementar de três (SENAI) e a promulgação da Lei Orgânica do Ensino anos. Surge uma fechada definição de currículos e uma Secundário, conhecida como reforma Capanema, em nova ênfase no ensino humanístico com relação ao alusão ao nome do ministro que a encaminhou: Gustavo técnico. Além do ensino complementar, subdividido em Capanema. Tais medidas refletem uma preocupação em clássico e científico, surgem cursos profissionalizantes investir no ensino profissionalizante e de concretizar a que, com foco diferenciado, buscavam atender a um reforma do ensino secundário, iniciada ainda na gestão público que não fosse seguir carreira universitária. de Francisco Campos no Ministério da Educação. (GOMES, 2003). A Reforma Francisco Campos, de abril de 1931, é Observa-se, nesse contexto, a implementação de pioneira no país por estabelecer as bases dos ensinos medidas que vieram a caracterizar uma escola com primário, secundário e superior. Subdividiu o ensino traços peculiares, de acordo com os interesses maiores secundário nos cursos fundamental ou ginasial, com do Estado. Como assinala Morais (1943, p. 101): duração de cinco anos, e complementar, com duração de dois anos. Ao dividir o ensino secundário em séries e atribuir-lhe um extenso currículo, mudou seu perfil de simples preparatório para a universidade. A Escola Brasileira Nacionalizadora, adaptando-se às necessidades decorrentes da época e respeitando os princípios fundamentais do Estado Nacional, tornou-se a Escola do Trabalho, da iniciativa e da fortaleza moral. Ela não só adestra a mão do futuro operário, como lhe educa o cérebro e fortalece o corpo. 133 Estudos Hispânicos O ensino de espanhol no discurso da lei Com esse breve histórico, buscamos situar o leitor cenário educacional. No período em que vigorava a com relação ao momento histórico que favoreceu a determinação da Reforma, o número de horas destinadas criação de políticas educacionais como a Reforma ao espanhol nas escolas era relativamente pequeno, o Capanema (a Lei Orgânica do Ensino Secundário) que, que indica a pouca importância dada ao ensino do idioma como já dissemos, foi responsável pela inclusão do à época. espanhol na grade curricular das escolas do país. Assim, Observa-se, nessa conjuntura inicial, além da forte em 1942, o espanhol passa a integrar o currículo dos identificação do idioma com a literatura, a concepção de estabelecimentos de ensino, ao lado do francês e do língua como norma lingüística. Nesse contexto, surge o inglês, línguas que figuravam há muito nesses contextos Manual de espanhol, de Idel Becker, cuja primeira edição educacionais. O idioma ocupa, na época, o lugar do data de 1945. De acordo com Celada e González (1990), alemão, que, devido a questões políticas, sai dos podemos associar o “gesto de interpretação” que a obra programas escolares. exerce sobre a língua espanhola a uma linha de estudos A Reforma do ministro Capanema, como nos acadêmicos, especificamente, a desenvolvida por informa Chagas (1957, p. 94), teve como base a idéia de Antenor Nascentes na década de 30. O Manual, ao que aspectos destacar fragmentos de textos literários e regras instrumentais de modo a oferecer aos estudantes uma gramaticais, reflete uma visão conservadora do ensino de sólida cultura geral. Desse modo, o espanhol, conhecido língua espanhola que permaneceria durante longo na época como idioma de grandes autores como tempo. o ensino deveria ultrapassar os Cervantes e Lope de Vega (PICANÇO, 2003, p. 33), tinha as condições necessárias para substituir o alemão no 134 Estudos Hispânicos O ensino de espanhol no discurso da lei Passaremos, em seguida, a comentários referentes à proposta de ensino apresentada na Lei Orgânica do Teceremos, a seguir, algumas considerações referentes Ensino Secundário. aos dois primeiros títulos da Lei, considerações essas de fundamental relevância, a nosso ver, para o entendimento da proposta pedagógica A Lei Orgânica do Ensino Secundário privilegiada pelo documento. O quadro abaixo assinala os principais temas O Título I, “Das bases de organização do ensino contemplados pela Lei Orgânica do Ensino Secundário, secundário”, subdivide-se em quatro capítulos. Interessa- por meio da referência aos Títulos que a compõem: nos, especificamente, situar o leitor com relação ao a) Disposição geral da Lei Orgânica do Ensino conteúdo do Capítulo I, que apresenta as finalidades do Secundário ensino secundário. O artigo que corresponde o capítulo Título I Título II Título III Título IV Título V Título VI Título VII Título VIII Das bases de organização do ensino secundário Da estrutura do ensino secundário Do ensino secundário feminino Da vida escolar Da organização escolar Das medidas auxiliares Dos estudos secundários dos maiores de dezessete anos Disposições finais Art 1º a 9º Art. 10 a 24 Art. 25 Art. 26 a 68 Art. 69 a 85 Art. 86 a 90 Art. 91 a 93 expressa o seguinte: Art. 1º O ensino secundário tem as seguintes finalidades: 1. Formar, em prosseguimento da obra educativa do ensino primário, a personalidade integral dos adolescentes. 2. Acentuar e elevar, na formação espiritual do adolescente, a consciência patriótica e a consciência humanística. 3. Dar preparação intelectual geral que possa servir de base a estudos mais elevados de formação especial. Art. 94 a 96 135 Estudos Hispânicos O ensino de espanhol no discurso da lei A leitura do fragmento nos permite observar concepções de ensino que, de certo modo, emergem no texto da Lei. Verificamos, dessa forma, a valorização de uma formação que objetive não somente oferecer ao aluno certo preparo intelectual, mas também, formar seu ‘espírito’ e ‘personalidade’. Assim, a escola cumpriria a finalidade maior de preparar o indivíduo para servir ao país.2 Compreende-se, nessa ótica, a importância de realçar determinada ‘consciência patriótica’ normatização do ensino na referência a programas organizados por comissões designadas pelo governo. A exigência de que os programas sejam ‘flexíveis’ aponta, de certo modo, para uma visão de currículo como algo maleável, ou seja, passível a modificações de acordo com a necessidade de determinado contexto de ensino. e Considerações finais ‘humanística’. Com Na seção destacada, percebemos claramente a relação ao Título II do documento, De acordo com o objetivo mais amplo de selecionamos o Capítulo III, que trata dos programas das contribuir para uma maior visibilidade sobre a trajetória disciplinas: do ensino de espanhol no país, o enfoque desenvolvido Art. 18. Os programas das disciplinas serão simples, claros e flexíveis, devendo indicar, para cada uma delas, o sumário da matéria e as diretrizes essenciais. Parágrafo único. Os programas de que trata o presente artigo serão sempre organizados por uma comissão geral ou por comissões especiais, designadas pelo Ministro da Educação, que os expedirá. neste estudo voltou-se para uma discussão acerca da proposta de ensino privilegiada no texto da Lei Orgânica do Ensino Secundário, responsável pela implantação oficial do espanhol no currículo das escolas brasileiras. O posicionamento teórico-lingüístico aqui 2 Gomes (2006, p. 449), a respeito dos objetivos da formação escolar no período estadonovista, afirma que “só pela educação se poderia construir um povo integral, adaptado à realidade social de seu país e preparado para servi-lo.” assumido considera a enunciação como referência fundamental para a constituição de sentidos dos 136 Estudos Hispânicos fenômenos lingüísticos. Nessa perspectiva, buscamos O ensino de espanhol no discurso da lei Referências bibliográficas apresentar comentários relativos ao contexto de produção em que se insere o texto oficial em questão, a fim ressaltar a relação essencial que se estabelece entre o discurso e seu entorno sócio-histórico. Ressaltamos o interesse de avançar nessas reflexões, tendo em vista o propósito de melhor compreender como se opera, no texto de legislação educacional, a construção de determinadas concepções de língua e do ensino/aprendizagem de língua, neste caso do espanhol LE, as quais determinam a valorização ou não do idioma no cenário educacional e, desse modo, perfilam sua trajetória. Destacamos a pertinência desse enfoque para o alcance de uma maior visibilidade tanto sobre aspectos que marcaram o ensino de espanhol no passado como sobre questões que incidem na atual prática docente do idioma, que dialoga com um contexto BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro, Forense-Universitária, 1981. CHAGAS, R. Valnir C. Didática especial de línguas modernas. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1957. GOMES, Angela de Castro. “O primeiro governo de Vargas: projeto político e educacional.” In: MARIGALDI et all. (orgs.) Educação no Brasil: História, Cultura e Política. Bragança Paulista – SP, EDUSF, 2003. CELADA, M.T.; GONZÁLEZ, N.M. Los estudios de lengua española en Brasil. Anuario brasileño de estudios hispânicos, Madrid, n. 1, p. 35-57, 1990. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de Textos de Comunicação. São Paulo, Cortez, 2002. MORAIS, Deodato de. “Escola do trabalho, escola nacionalizadora”. Cultura Política, n. 24, fevereiro de 1943. histórico anterior. PICANÇO, D.C. de L. História, memória e ensino de espanhol (1942-1990). Curitiba: Ed. da UFPR., 2003. 137 Estudos Hispânicos En búsqueda de una acuarela multidisciplinar EN BÚSQUEDA DE UNA ACUARELA MULTIDISCIPLINAR – UMA EXPERIÊNCIA POSITIVA COM O ENSINO DE E/LE NA EJA A EJA na rede pública municipal do Rio de Janeiro A Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro (SME) vem construindo ações voltadas para a fortificação de uma política de educação de jovens e adultos pautada nos eixos do aumento da escolaridade, a Michele Abreu Vivas (UFRJ / SME – E.M. José Piquet Carneiro) educação permanente e a inclusão desses no mundo do trabalho. A EJA, antes denominada pela rede como PEJ – Esta proposta pretende mostrar um panorama do Programa de Educação Juvenil –, passou a adotar a sigla ensino de espanhol como língua estrangeira (E/LE) na PEJA – Programa de Educação de Jovens e Adultos. Esse educação de jovens e adultos (EJA) nas escolas da rede programa destina-se a jovens e adultos, a partir de 14 pública do município do Rio de Janeiro. anos Tomando como exemplo um projeto multidisciplinar desenvolvido em uma escola da rede, na zona oeste do Rio de Janeiro, em 2004, verificar-se-á completos, sem limite máximo de idade, interessados em completar os estudos referentes ao ensino fundamental na rede municipal. As turmas do PEJA não são homogêneas, ao como um trabalho voltado a esta realidade, EJA, resultou contrário, são bastante heterogêneas, pois essas de forma tão satisfatória à esfera docente, discente e misturam, por exemplo, jovens que não se adaptaram ao familiar naquele contexto em questão. ensino regular; pessoas que necessitam do diploma do ensino fundamental para conquistar um emprego e/ou 138 Estudos Hispânicos En búsqueda de una acuarela multidisciplinar alcançar uma promoção no trabalho; idosos; mulheres → que evadiram à escola devido à gravidez, muitas vezes, Bloco 1: 5ª e 6ª séries do ensino fundamental, e precoce; pessoas que estão envolvidas em movimentos → religiosos e que gostariam de aprender a ler para Bloco 2: 7ª e 8ª séries do ensino fundamental; estudar, por exemplo, a Bíblia; o migrante que chega às grandes metrópoles; entre vários outros motivos que progressão, UP-1, UP-2 e UP-3, que contribuem para um caracterizam a procura, cada vez maior, pelo ensino avanço no processo de aprendizagem dos alunos; “supletivo”. Trabalho com dia-aula em substituição à hora-aula; Garantia do Centro de Estudos (CE) para todos os De acordo com a SME, são pressupostos desse Cada bloco se divide em três unidades de trabalho: professores, sem suspensão de aula para os alunos; Ensino acelerativo; Organização em dois grandes grupos de aprendizagem: → 2. PEJA II: alunos que apresentem alguma dificuldade de aprendizagem. 1. PEJA I: → Oferta de recuperação paralela diária para todos os A EJA funciona em escolas regulares da rede Bloco 1: Alfabetização, 1ª e 2ª séries do pública, das 18 às 22 horas. No ano de 2004, por ensino fundamental, exemplo, foram matriculados cerca de 27 mil alunos em Bloco 2: 3ª e 4ª séries do ensino 113 escolas da Rede Pública. A cada início de ano letivo, fundamental; são abertas novas Unidades Escolares (UE) pelas Coordenadorias Regionais de Educação (CRE), de acordo 139 Estudos Hispânicos En búsqueda de una acuarela multidisciplinar com a demanda identificada nas diferentes comunidades II- 1996: Multieducação1; por essa modalidade de ensino. III- 1998: Parâmetros Algumas escolas estão oferecendo atendimento Curriculares Nacionais (PCNs); e aos jovens e adultos, por exemplo, no turno da manhã, a IV- 2005: Lei 11.161, a qual dispõe sobre o ensino de E/LE2. fim de absorver alunos matriculados que não podem, temporariamente ou não, estudar no horário da noite. Em 1996, a LDB já revelava no artigo 26, parágrafo 5º, a obrigatoriedade da inclusão de LE no O ensino de línguas estrangeiras no PEJA currículo do ensino fundamental (grifo nosso): “Na parte diversificada (...) o maior problema dos supletivos - agora chamados de educação de jovens e adultos (EJA) – é a falta de do currículo, será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de preparo dos professores para lidar com um público pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja mais velho e que trabalha. O próprio MEC reconhece escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das que é preciso avançar nesse ponto. (FOLHAONLINE, possibilidades da instituição”. 22.08.2006.) O ensino de línguas estrangeiras (LE) na rede Além da LDB, também a Multieducação, os PCNs e a recente Lei 11.161 têm sido os parâmetros norteadores pública municipal do Rio de Janeiro tem se pautado em, basicamente, 04 documentos oficiais: I- 1996: Lei 9.394 – Lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB); 1 Refere-se à primeira versão do documento. A revisão do texto realizada em 2003-04 por um grupo de professores da rede. Foi (está sendo) lançada em fascículos. 2 Esta lei refere-se à obrigatoriedade do ensino de E/LE em todo o território nacional num prazo de cinco anos, a contar de sua promulgação em 2005. 140 Estudos Hispânicos En búsqueda de una acuarela multidisciplinar e curriculares que vêm orientando a estruturação do ensino de LE na rede pública municipal do Rio de Janeiro. estabelecidos, mantidos e transformados no interior das comunidades. O ensino de LE na EJA tem buscado observar Gargallo (1999, p.82, grifo nosso) afirma, “...a la quem é seu aluno e quais são seus objetivos para, dessa formación se sumará la experiencia, ya que el profesor se forma, estruturar sua grade curricular, não deixando, é hace en el aula. Son las situaciones docentes, los individuos claro, de pautar-se nos documentos direcionadores que aprenden y los interrogantes planteados los elementos anteriormente citados. que van marcando el camino”. Alguns desses alunos, inicialmente, crêem que Na EJA, os alunos são jovens e adultos e o ensino- aprender uma LE pode dar-lhe status diante de sua aprendizagem não acontece como quando estamos realidade. o adquirindo nossa língua materna, ou, como nos casos de aprendizado dessa LE, pois não acreditam que esta bilingüismo, quando estamos inseridos na cultura da poderia ajudá-lo, por exemplo, em sua progressão língua em aquisição. Outros, porém, acabam repelindo profissional. Devemos, portanto, considerar a LE não só como Para DAHER e SANT’ANNA (2000, p.2), o objeto de uma prática de expressão – relação com os aprendizado de LE pode proporcionar ao aprendiz outros e com o mundo – e/ou de prática corporal – o possibilidades de refletir sobre si mesmo: aluno põe em jogo todo aparelho fonador, expressão A relação ensino-aprendizagem de L.E. oferece ao aprendiz condições de ao observar o Outro, refletir sobre si mesmo. Além disso, garante também o acesso a diversas maneiras de organização social, política e cultural de grupos humanos, que também permitem reconhecer que os valores são facial e gestual. É preciso levar em consideração, também, o que esse aluno traz de conhecimento de sua língua e cultura maternas, pois ele não é uma “folha em branco”, mas um indivíduo com uma respeitável 141 Estudos Hispânicos En búsqueda de una acuarela multidisciplinar bagagem de mundo que não deve ser descartada e/ou contribuir com um trabalho realizado com os alunos para desprestigiada. Com a aprendizagem de LE este sujeito o evento em questão. passa a ser, a partir de então, cidadão do mundo. Com isso, surgiu a idéia de utilizar a canção Aquarela, de Toquinho e Vinícius de Moraes, como forma Uma experiência positiva com o ensino de E/LE no PEJA Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 1996, p.23). a desenvolver um projeto no PEJA interrelacionando as disciplinas de Língua Portuguesa, E/LE, Artes Plásticas e História-Geografia, ou seja, praticamente todas as disciplinas que constam na grade curricular do programa. O título dado ao projeto foi: Em busca de uma Em 2004, na escola em que leciono E/LE para o ensino fundamental regular e PEJA, adotou-se o tema Cultura Brasileira para ser trabalhado durante aquele ano letivo por todos os professores, de todas as séries, já que a escola havia programado uma culminância para o fim daquele ano sobre o tema proposto para toda a comunidade docente, discente e toda a esfera que circunda a região onde essa UE está localizada. Desta forma, todos os professores deveriam pensar em como AQUARELA multidisciplinar… A canção Aquarela (Acuarela) através de outros olhares... . O projeto teve como objetivo principal uma releitura da canção Aquarela através de diferentes olhares: as línguas portuguesa e espanhola como orientadoras para a decodificação da expressão lingüística, plástica e musical da canção escolhida. Esta proposta se dirigiu, então, visando uma integração multidisciplinar. 142 Estudos Hispânicos Os objetivos gerais e específicos do trabalho foram: En búsqueda de una acuarela multidisciplinar versões através dos desenhos. Tudo isso se concretizou com a contribuição de todos os professores do PEJA. Ler, interpretar e decodificar a música Aquarela em Para a apresentação de palco, elaboramos uma duas versões: Português e Espanhol; espécie de jogral cantado, em que os alunos com o estímulo sonoro de uma versão instrumental no piano da Reconhecer os signos lexicais, em cada língua, português e espanhol, presentes nas versões da canção; música Aquarela, cantaram a canção intercalando ora uma estrofe em português, ora uma em espanhol. Refletir sobre a tradução: texto vs imagem; realidade vs abstração; Identificar o ritmo da canção ainda que em idiomas Desse modo, além da culminância realizada na escola, os alunos também foram convidados a se diferentes; apresentarem na VI EXPO-PEJA – evento que apresentou Fazer com que os alunos envolvidos no projeto mostras dos trabalhos desenvolvidos pelos PEJAs das levassem o público a perceber a importância da imagem escolas públicas municipais do Rio de Janeiro. O mesmo no processo da leitura; foi realizado no dia 22 de novembro de 2004, no ginásio da Prefeitura Miécimo da Silva, em Campo Grande, zona Pensar a respeito da cultura brasileira através da música selecionada. oeste do Rio de Janeiro/RJ. O primeiro passo para a realização do projeto, teve a participação dos alunos que criaram quatro Referências bibliográficas: painéis em que demonstravam, com desenhos criados e pintados por eles, os signos lexicais presentes nas duas versões de modo que o público pudesse ler a letra das BRASIL. Lei 11.161, de 05 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da língua espanhola. Brasília/DF: Diário Oficial da União, 08 de agosto de 2005. 143 Estudos Hispânicos En búsqueda de una acuarela multidisciplinar BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Brasília/DF: Diário Oficial da União, 23 de dezembro de 1996. BRASIL/SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998. DAHER, M. del Carmen; e SANT’ANNA, Vera Lucia de Albuquerque. Núcleo Curricular Básico MULTIEDUCAÇÃO – línguas estrangeiras. Rio de Janeiro: SME, 2000. 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Os intercâmbios culturais entre sociedades Monica Lemos UFRJ coincidem com o inicio da história da humanidade, desde Grécia Clássica e o Império Romano, com as inúmeras trocas e interações ocorridas no Mediterrâneo, passando Introdução pela expansão da Europa em direção à América e a Este trabalho tem como objetivo fazer uma reflexão sobre o que se entende por Interculturalidade, um conceito que ainda não está acordado pela sociedade acadêmica. Assim sendo, não se pretende dar uma definição, mas sim levantar algumas características do que está por trás do conceito de interculturalidade. se fazem necessária não só no âmbito de investigação, mas também para a formação do professor de língua Far-se-á uma revisão histórica Durante a Segunda Guerra Mundial, discípulos de Franz Boas converteram as nações em objeto de análise. Cada país e seus habitantes começaram a ser considerados universos culturais (GRIMSON, 2000) pressupondo que as relações entre sociedades nacionais Estas reflexões sobre a comunicação intercultural estrangeira. África. do surgimento do tema um levantamento de colocações de são sempre relações entre culturas nacionais. Hobsbawm (apud GRIMSON, 2000) repudia a “nação” como uma entidade primaria e invariável e propõe que um caráter de “artefato, invenção e engenharia intervem na construção de nações”. Neste sentido Anderson (1993) especialistas sobre o tema. 145 Estudos Hispânicos Interculturalidade e o ensino de LE afirma que todas as comunidades maiores que as aldeias emigrantes vindos das ex-colônias para o continente primordiais de contato direto são imaginadas. europeu, nos anos setenta e oitenta do século XX, esta A reflexão de uma sociedade cada vez mais de sociedade se vê obrigada a conviver com o “outro” que caráter plural é recente e crescente a nível internacional até então estava distante. Este movimento migratório vai e de modo particular na América Latina. Entretanto, o provocar carga de responsabilidades ao estado que por germe desta preocupação surge de origens e motivações sua vez não tem como atender a essa demanda. O diferentes em diversos contextos, como o europeu, o cidadão europeu agora tem que dividir seus espaços com norte americano e o latino americano. o ex-colonizado que trazem consigo valores, crenças e Depois da Segunda Guerra Mundial houve uma símbolos que confrontam com as do ex-colonizador. mudança nas relações internacionais a comunicação Entretanto, com respeito à América Latina, a intercultural se converteu, nesse momento pós-colônia, preocupação intercultural nasce a partir de outro em um instrumento para fundamentar sua influencia horizonte. Referem-se as nossas populações indígenas, exterior. Além disso, nos anos 60/70, no interior dos ou seja, etnias originais.Em Iberoamérica, os problemas Estados Unidos as minorias étnicas norte-americanas, interétnicos principalmente a negra, começam a reivindicar sua encontro da sociedade ocidental com povos originários própria singularidade cultural. ou indígenas, onde a “identidade e a etnicidade indígena, estão preferencialmente referidos ao A questão da diversidade cultural começa a ser que aceitam uma origem comum, vivem em um território tema de interesse de cientistas sociais a partir do definido e falam a mesma língua. Isto constitui um nós, processo de descolonização ocorrido na África, América diferente Latina e Ásia, com o conseqüente fluxo numeroso de encontramos no contexto ibero-americano, outros a outros (AUSTIN, 2000). Também 146 Estudos Hispânicos Interculturalidade e o ensino de LE grupos como os crioulos, descendentes africanos, O prefixo “inter” denota a idéia de interagir, ocidentais europeus e os asiáticos. Estas diferenças compartilhar, a existência de complementaridades, o étnicas nas sociedades modernas se constituíram em reconhecimento da cultura do “outro”, uma classe de minorias dos povos originais como é o caso dos índios relação igualitária entre os seres humanos e os povos. é o onde preferencialmente se fala de contato interétnico oposto do etnocentrismo que leva a interpretar práticas (AUSTIN, 2000). Assim que, encontramos em América culturais alheias a partir dos critérios da cultura do Latina, no momento atual, o contato intercultural com o interpretante (RODRIGO ALSINA, 1999). indigenismo”. Quando se fala em interculturalidade imediatamente se faz referencia a algum tipo de contato, O Conceito relação, interação ou comunicação entre grupos humanos de diferentes culturas. Considera-se um O primeiro problema que se encontra ao tratar o tema é definir o que é interculturalidade e o que significa. Dentro do campo da educação é um conceito em construção (SCHMELKES, 2001) por tanto dar uma definição seria arbitrário, entretanto se levantará algumas características da noção que está por detrás do conceito de interculturalidade quando o relacionamos com educação. conceito que vai mais adiante do conceito de multiculturalidade - como conceito que expressa a convivência de várias culturas num mesmo espaço nacional ou regional – que transcende. Supõe uma relação entre grupos humanos com culturas distintas e que esta relação se dá desde posições de igualdade. Não permite assimetrias devidas a relações de poder. A interculturalidade assume a diferença e a assume como uma riqueza. Supõe uma relação de compreensão e 147 Estudos Hispânicos Interculturalidade e o ensino de LE respeito entre culturas em uma posição de igualdade. como especialmente diferente do “outro”, são os Assume a interação entre as culturas como uma chamados traços diacríticos. interação para o mútuo enriquecimento das culturas que As concepções diferentes não são privilegio de estão em relação. Também se sabe que as culturas não sociedades ou territórios distintos. É possível encontrar são se em uma mesma cidade ou grupo pautas de significados e como comportamentos distintos. Ao mesmo que se pode conseqüência desta interação entre culturas. Esta relação encontrar em sociedades ou territórios distintos grupos é denominada interculturalidade. com pautas comuns. entidades enriquecem e estáticas, se são dinamizam dinâmicas que justamente, A interculturalidade reconhece o “outro” como Klaus Zimmermann (1997) distingue dois diferente, mas não o aparta como pode ser entendido na conceitos de interculturalidade que são: conceito multiculturalidade como aquele que por ser diferente descritivo-critico e conceito político–pedagógico. O tem que deixar de ser diferente. Não lhe permite ser. primeiro, o conceito-crítico, tem como objetivo em Todo sujeito antropologia, sociologia e sociolingüística, analisar o que (individual e social) pode relacionar-se desde sua acontece quando se encontram dois ou mais grupos diferença. Grimson (2000) interpreta este “contato entre étnicos culturas” como um contato entre odores, sabores, sons, interculturais que tratam de aspectos conflitivos que palavras, cores, corporalidades e espacialidades. E resultam assinala que as cenas interculturais, geralmente, alguns discriminatório o de maus entendidos culturais que nem significantes de cada pessoa ou de cada grupo ressaltam sempre são produzidos intencionalmente pelos que contrario, na interculturalidade o e/ou culturais. inclusive Analisam denunciadores os de encontros processos conduzem as situações conflitivas. Entretanto, não se 148 Estudos Hispânicos Interculturalidade e o ensino de LE pode esquecer que nem todos os encontros interétnicos ambiente multicultual. Resultando na importância do e interculturais são conflitivos e sim enriquecedores para conhecimento como disciplina de estudos teóricos e as ambas as partes. práticos, principalmente na área de educação evitando, O segundo, o conceito político pedagógico, desta forma, situações de conflitos entre culturas. deriva do conceito descritivo-crítico e se pode definir Nesse emaranhado de significados e sentidos de como conjunto de atividades e disposições com objetivo cada cultura que se convertem em sistema de valores e de terminar com os aspectos e conseqüências negativas normas que determinam as ações, conhecer essas dessas relações interculturais conflitivas. Entendendo relações em situações de práticas, é quando a como uma contribuição ao estabelecimento de relações interculturalidade se faz presente. Quando um ou ambos pacíficas, ao mútuo entendimento, ao direito de viver a começa a entender o “outro”, quando começa a fazer própria cultura e à tolerância. Importante ressaltar que sentido as atitudes e os símbolos do “outro”. O este conceito está totalmente relacionado com as importante nesta relação não é somente conhecer, é políticas dos povos indígenas da América Latina que também experimentar. É realmente entender, sentir e reivindicam a ajuda à recuperação cultural. assumir os significados do “outro” (GRIMSON, 2006). A interculturalidade é em realidade comunicação A procura dessa eficácia intercultural conduz a intercultural, afirma Austin (2000), pois a interação criar implica no fenômeno comunicacional, da necessidade de competente para comunicar-se com membros de outra uma ou de ambas as partes de se comunicar. Desta forma cultura, acrescenta Austin (2000). Para que isso se dê é comunicação intercultural passa a ser um campo de necessário ter presente a comunicação verbal e não estudo de quem quer comunicar-se eficazmente em um verbal. Na comunicação em outro idioma é importante a competência comunicativa para sentir-se 149 Estudos Hispânicos Interculturalidade e o ensino de LE não só conhecer os signos lingüísticos como também os cultura desde dentro, segundo os próprios referentes de gestos corporais e contextuais (tempo, vestimentas, cada grupo cultural. O que permite uma melhor ordem das coisas, etc) incluindo o uso correto da compreensão distancia é traducibilidade para os que não participam dela. E um importante ter em conta a toma de consciência da terceiro olhar poderia ser um olhar metacultural. A própria cultura. Observar por que fazemos o que construção de um “aparelhamento” de análise que não fazemos, para assim, com consciência da nossa forma de fosse devedor de nenhuma cultura em concreto. ao interatuar (proxêmica). Também da cultura, porém perde em vida poder interpretar e entender o “outro”. Pois, por Hoje em dia podemos dizer que numerosas mais que nos pareça conhecida, normais determinados sociedades de todo o mundo são multiculturais. A comportamentos, pautas sociais, costumes e crenças só migração, o movimento de pessoas, assim como, as pertencem ao nosso grupo social e não tem porque imigrações serem conhecidos e entendidos por outros grupos multiculturalismo é a realidade da sociedade atual. sociais. Considera culturas novas, mas não estabelece vínculos remodelaram a sociedade. O Rodrigo Alsina (1999), em seu artigo Reflexiones reais entre a cultura receptora ou de referencia e a nova sobre la Comunicación Intercultural, recomenda três cultura que trazem os cidadãos recém chegados. Neste olhares que o interculturalista deveria ter. Um primeiro contexto, a interculturalidade não se dá de fato, pois a olhar seria desde sua própria cultura para tentar explicar interculturalidade, impõe por definição, a interação. e entender outras culturas. Esta atitude é importante para poder fazer um determinado grupo compreender As políticas do multiculturalismo se centram nas seguintes questões: uma determinada cultura. Um segundo olhar seria ver a 150 Estudos Hispânicos Interculturalidade e o ensino de LE i- O reconhecimento por parte do Estado da pluralidade cultural no seio da sociedade. ii- A diminuição dos obstáculos que impedem a participação social dos grupos culturais marginalizados. o que A interculturalidade se refere à interação comunicativa que se produz entre dois ou más grupos humanos de diferentes culturas. Nestes dois espaços de iii- O respaldo à reprodução de culturas. Retomando Enfoques regionais da Interculturalidade: Europa e América Latina já foi dito interação mútua encontramos realidades totalmente sobre a distintas. Em América Latina a discussão costuma multiculturalidade ao principio desse trabalho, a centralizar-se em espaços nos quais a diversidade multiculturalidade não contempla os pressuposto da cultural está definida pela diferenciação étnica, em integração que supõe uma relação respeitosa entre culturas, que no há hierarquia entre as culturas e que se postula o principio ético que considera todas as culturas termos de população indígena ou povos originários, vinculados freqüentemente categorias estáticas e essencialistas de identidade e cultura (DIEZ, 2004). Em igualmente dignas e merecedoras de respeito. Não quanto que em Europa, ocorre um processo contrário, os somente o reconhecimento da sua existência. Desta encontros culturais ocorrem com grupos étnicos forma vemos que a interculturalidade transcende a minoritários que migram a territórios onde a sociedade diversidade, ela pode ser considerada como uma forma que habita é a maioria. Na Europa a visão de de ser, uma visão do mundo e de outras pessoas, uma classe de relação igualitária entre os seres humanos e os povos. interculturalidade tange sempre na questão migratória, do país receptor, denominado também cultura de referencia. 151 Estudos Hispânicos Interculturalidade e o ensino de LE A interculturalidade no contexto europeu tem v. Combinar os intercâmbios juvenis e escolares, como objetivo a busca de uma solução para a integração especialmente dos diferentes povos no marco de uma cidadania comum capacitação de líderes de grupo. (INCP, 2000) que corresponde à vi. Instituir uma capacitação mais sistemática Para o Conselho de Europa, a interculturalidade para deve basear-se em: i. no os professores e diretores nos intercâmbios comunicativos e de estudantes. O reconhecimento dos direitos da pessoa. A interculturalidade no contexto latino- ii. O consentimento a uma minoria nacional não americano faz referencia especificamente à dimensão só da liberdade de eleição da pessoa como cultural dentro do processo educativo e a aprendizagem também espaços abertos para as realidades significativa delimitada cultural e socialmente. Quanto à sociais e humanas, articulações entre os educação o tema faz referencia também à relação sistemas público e privado. curricular existente entre os conhecimentos e valores iii. Em conseqüência, se se quer que os autóctones. intercâmbios multilaterais e interculturais O enfoque Intercultural se desenvolveu com tenham êxito, se deverá ter em conta o maior força em latino-américa, pois surge em resposta à seguinte: condição de multiculturalidade que caracteriza às iv. Aproveitar cada contato e intercambio como sociedades latino-americanas, produto de seu processo seguimento do intercambio escolar e as histórico, por outro lado, que frente à multiculturalidade, estratégias comunicativas utilizadas nas aulas como categoria “descritiva” surge a interculturalidade, multinacionais. como categoria “propositiva”, afirma López (2001) 152 Estudos Hispânicos Interculturalidade e o ensino de LE La cuestión de la interculturalidad em nuestra región está estrechamentecon la problemática indígena latinoamericana, pues fue a partir del análisis de las relaciones entre indígenas y noindigenas que la noción de interculturalidad y su derivada de educación intercultural bilingüe emergieron desde las ciencias sociales latinoamericana hace casi 3 décadas. Referências bibliográficas AUSTIN MILLÁN, Tomás. Comunicación Intercultural: Fundamentos y Sugerencias. In: Antología sobre Cultura Popular e Indígena I, Lecturas del Seminario Diálogos en la Acción, Primera Etapa. México: Dirección General de Culturas Populares e Indígenas, 2000. DIEZ, María Laura. Reflexiones en torno a la interculturalidad. Cuad. Antropol. Soc. [online]. ene./jul. 2004, no.19 [citado 02 Septiembre 2007], p.11-213. Disponible en la World Wide Web: <http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext &pid=S0327-37762004000100012&lng=es&nrm=iso>. GRIMSON, Alejandro. Interculturalidad Comunicación. Bogotá: Norma, 2006. Análisis de prospectivas de la educación en América Latina y el Caribe. Santiago de Chile, 2001. RODRIGO ALSINA, Miguel. Reflexiones sobre la Comunicación Intercultural. Barcelona, 1999. SCHMELKES, Silvia. Intercultura y Educación de Jóvenes y Adultos, México, Revista interamericana de educación de adultos 2001. Disponível em: http://www.oei.es/n5855.htm VASCONCELOS, Luciana Machado. Mais definições em trânsito. Interculturalidade, 2006. Disponível em: http://www.cult.ufba/maisdefinicoes/INTERCULTURAL IDADE.pdf ZIMMERMANN, Klaus. Modos de interculturalidad en la educación bilingüe. Reflexiones acerca del caso de Guatemala. Revista Iberoamericana de Educación. Número 13 – Educación Bilingüe Intercultural, 1997. Disponível em: http://www.oei.org.co/oeivirt/rie13a05.pdf y LÓPEZ, Luis. La cuestión de la Interculturalidad y la educación latinoamericana. In: UNESCO-OREALC. 153 Estudos Hispânicos El cine como material didáctico extranjeras. Tal característica se puede acompañar en EL CINE COMO MATERIAL DIDÁCTICO diversas tesis y trabajos que presenten la formación de profesores y alumnos como corpus de investigaciones. Valeria Verónica Quiroga UFPR Apoyados en los aspectos dispuestos anteriormente, es importante pensar que hablar en enseñanza de lenguas extranjeras hoy en día es hablar de Introducción técnicas que proporcionen al alumno una enseñanza En esta comunicación hablaremos acerca del uso significativa. Pensando por ese lado, el cine reúne en si del cine como material didáctico en clases de Español mismo características como el lenguaje, las imágenes, el como Lengua Extranjera. Por motivos obvios haremos un ámbito cultural, además de los diversos modelos de recorte en cuanto al tipo de cine que se trabajará. Este comportamiento. De esa manera podemos afirmar que el recorte trae a los países iberoamericanos como punto de cine como medio de comunicación de masas se partida. Se debe observar que las producciones transforma en un recurso de relativo fácil acceso, una vez brasileñas y de otros países en que la lengua oficial no que puede alcanzar un público de variados niveles, tanto sea la española serán excluidas por motivos lingüísticos, en el campo cultural como social. Cuando culturales y de afinidades al idioma meta. los alumnos asocien los asuntos La idea para desarrollar esta charla viene de trabajados en clase a los elementos encontrados en las varias investigaciones acerca de aspectos motivacionales películas usadas como referencia, será percibida la que muestran al cine como elemento facilitador en el pertinencia e importancia de este tipo de trabajo. proceso de enseñanza-aprendizaje de lenguas 154 Estudos Hispânicos El cine como material didáctico Todas estas perspectivas se pueden incluir Fundamentación teórica también al Enfoque por tareas que, entre otras Desde las primeras investigaciones en lenguas extranjeras con especificidad científica, muchos métodos se probaron y emplearon de acuerdo a las necesidades de las épocas. Últimamente el proceso más estudiado ha sido el enfoque comunicativo que, podemos decir, actividades, propone ejercicios significativos a los alumnos; integración a las actividades por medio de un contexto; cooperación e interacción entre los alumnos y, por fin, la muestra del resultado – que no presenta una única forma de comprobarlo. incorpora algunas características de otros métodos y enfoques anteriores, como el Método Directo, el Método El cine iberoamericano Audio-Lingual, el Enfoque Interaccionista, el Método Silencioso. Es importante resaltar que en el abordaje comunicativo algunos puntos importantes fueron levantados por Santa-Cecilia (1995) como: - el uso de la lengua para fines comunicativos; El cine tiene muchas definiciones: vehículo ideológico, transmisor de valores, deseos, ideas, estereotipos, cultura de masas. Como ya fue registrado al inicio de la - la valoración de variables individuales; comunicación del recorte del cine Iberoamericano, - la enseñanza centrada en el alumno; tenemos que México, Argentina y Brasil son los países - la relación entre lengua y contexto socio- que detienen la mayor parte de la producción cultural; - el desarrollo de la autonomía del alumno cinematográfica del continente Americano. Vale señalar que los festivales y muestras culturales son fundamentales para que los países 155 Estudos Hispânicos El cine como material didáctico pertenecientes a América Latina se puedan conocer película. Esas fases las reducimos a cinco etapas, a mutuamente. Conforme Román (2002) “la existencia de continuación: un cine latinoamericano toma en consideración la comunidad de idiomas (…) historia, realidad sociocultural y política de las características de la producción y los mercados”. Además de los elementos levantados por el estudioso, el cine debe ser entendido 1. lectura del contexto a través de la imagen y de la asociación a los diálogos de los personajes y escenarios; 2. interpretación de las escenas (aspectos afines al conocimiento de mundo del alumno); como expresión de identidad nacional y regional, como lo 3. asociación de elementos nuevos (culturales, son la literatura, la pintura, la arquitectura y la música. lingüísticos) a los ya conocidos por el alumno; En esta perspectiva y como instrumento didáctico, es de 4. comprensión de las secuencias; suma importancia destacar al cine como vehículo de 5. interpretación de la historia/ argumento o transmisión política, social, histórica, de desigualdades económicas, de opresión política, entre otras. fragmento elegido. Observando las cinco etapas percibimos que el lenguaje del cine está cargado de imágenes, formas, Metodología colores, movimientos, sonidos, gestos – propios, por lo tanto, culturales. La construcción del sentido de cada Durante el proceso de enseñanza-aprendizaje de una lengua extranjera, se activan fases sucesivas que están presentes también en el momento de ver a una escena ocurre de forma semejante a las que ocurren las relaciones en clase para entender la significación de la conducción de determinado contenido. De esta manera, podemos decir que el cine se pude adaptar a los 156 Estudos Hispânicos El cine como material didáctico currículos escolares, brindando muchas ventajas al proceso de planificación de las clases, verificando su aprendizaje. pertinencia y contribución a la formación global de individuo como ser crítico. Consideración final Referencias bibliográficas Los trabajos que asocian películas a la realidad de alumno deben tomar como punto de apoyo el aspecto cultural del propio aprendiz y la cultura del país responsable por aquella producción. De esa forma, se puede trabajar la interculturalidad y la aceptación de otras costumbres a partir de la observación de las propias costumbres. Además de pensar la utilización del cine para este fin específico, no podemos relegar su utilización como instrumento en la formación integral y adecuada a las GARCÍA SANTA-CECILIA, A. El currículo de español como lengua extranjera. Madrid: Edelsa, 1995. REIA-BAPTISTA, V. Pedagogia da comunicação, cinema e ensino. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/reia-baptista-pedagogiacomunicacao.pdf> Acesso em: 25 out 2007. ROMÁN, J. Panorama histórico del cine latinoamericano. Disponible en <http://www.plataforma.uchile.cl/fg/semestre2/_2002/ art_chile/modulo3/clase3/doc/intro.doc> Acesso em 15 out 2007. características culturales de ciudadanos de sociedades modernas, conforme Reia-Baptista (2007). No se puede descuidar el aspecto de la restricción etaria que contienen determinadas producciones. Esta etapa es una de las primeras a ser levantadas en el 157 Estudos Hispânicos El cine en español EL CINE EN ESPAÑOL: COMPARTIENDO Y FORMULANDO ACTIVIDADES PARA LAS CLASES utilizada. Por fin será momento de presentar las consideraciones finales. Fundamentación teórica Muchos trabajos acerca de actividades llevadas a Valeria Verónica Quiroga UFPR cabo en clases de ELE – Español como Lengua Extranjera – traen la motivación como elemento de punto de El objetivo de este minicurso es presentar algunas partida. El Marco Común Europeo de Referencia para las formas de planificación de actividades que tengan como lenguas extranjeras (2002) ya nos alerta que las base el uso del cine en español. En primer lugar se actividades en LE (Lengua Extranjera) deben estar hablará rápidamente acerca del cine iberoamericano apoyadas actual. En segundo lugar es momento de hacer un recorte características y recursos adecuados a los estudiantes. de las producciones que se utilizarán en esta propuesta. Con esas palabras es fácil percibir que determinadas Todavía en este aspecto se hablará sobre el desarrollo de aplicaciones redundarán en alumnos reflexivos de su la competecia intercultural motivada por la presentación práctica, de las películas. consecuentes. en alumnos las que necesidades, sabrán motivaciones, tomar decisiones A continuación siguen la fundamentación teórica De acuerdo a lo que ya fue expuesto en el título de que dá base al trabajo y la metodología de trabajo este trabajo, el cine producido en los países de habla 158 Estudos Hispânicos El cine en español hispana será el blanco de lo que se desarrollará en esta denominación Nuevo Cine Iberoamericano jugará este propuesta. papel. Por motivos obvios de ámbito lingüístico excluimos a Brasil de nuestro rol, aunque en muchos El nuevo cine iberoamericano artículos, sus producciones sean comentadas a la par de estas que escogeremos aquí. Como definición de cine tenemos: vehículo ideológico, que transmite valores, deseos e ideas, como ya explicó Almeida Pimenta (1995). La denominación de cine también se asocia a los términos “cultura de masa” o “industria cultural”. En este aspecto Ferreira (2003) se refiere a la cultura hecha de forma popular que proviene de la fabricación de productos que cuenta con adaptaciones para el consumo. En el aspecto particular del cine Iberoamericano es sabido que países como España, México, Argentina y Brasil son los países que detienen la mayor parte de la producción cinematográfica. De toda la producción arriba citada, cumple a esta altura del texto delimitar el recorte de las películas que se escogieron como ejemplo para esta propuesta. La Un aspecto de relieve que se puede tomar como ejemplo, es la producción cinematográfica argentina: mientras en el año de 1994 las películas producidas no pasaban de cinco, ahora en el año de 2007 serán producidas en el país más de 80 largometrajes. (URBAN, 2007) Lo que motiva tal elección es el fato de que ese tipo de cine se esté diseminando cada vez más, tanto en producciones cuanto en proyecciones – éstas, quizás con grandes dificultades. Está claro que los festivales y muestras culturales – que ocurren en las grandes capitales son fundamentales para que los países pertenecientes a Iberoamérica se puedan conocer mútuamente. Utilizando palabras de Román (2002): “la existencia de un cine latinoamericano toma en 159 Estudos Hispânicos El cine en español consideración la comunidad de idiomas (...) historia, interaccionar y comunicarse con personas de culturas realidad sociocultural y política de las características de distintas a la que uno se acostumbra en la lengua la producción y los mercados”. Además de esos materna. El mismo autor muestra dos vertientes de la elementos levantados por el autor, el cine se debe cultura: la objetiva y la subjetiva. La primera asocia el entender como expresión de identidad nacional y mundo de artefactos culturales visibles como la regional, tal como lo son la literatura, la pintura, la arquitectura, el vestuario, las comidas. Ya la segunda, arquitectura y la música. En esta perspectiva es posee una dimensión menos perceptible e influye en la importante pensar el cine como vehículo de transimisión comunicación humana y en la interacción con valores, política, social e histórica. Estos factores serán mejor creencias, estilos de comunicación. En pocas palabras, estudiados en el próximo tema del trabajo. para este autor, entender cultura es adquirir conocimiento. Para justificar la acogida de este punto de vista acerca de cultura, y la relación que mantiene con el La competencia y el aprendizaje intercultural presente trabajo, apuntamos algunos de los aspectos que Muchos estudios ya consideran la interculturalidad como aspecto importante en el currículo. Estudiosos como Paige y Liddicoat (2004) se dedicaron a levantar algunos de los puntos importantes el autor considera importantes cuando se trata de aprendizaje intercultural: - verificar orígenes culturales; - introducir marcos de referencia alternativos e que también desarrollaremos aquí. Para Paige (2004) la competencia intercultural es una cualidad deseable en interdisciplinares; - aprender de/com personas de otras culturas; los ciudadanos, ya que se trata de la habilidad de 160 Estudos Hispânicos - tornar El cine en español los estudiantes profesionales El cuarto y último paso se refiere a la planificación de la interculturalmente competentes; clase, a partir de elementos que fueron analizados, - estudiar las complexidades culturales; verificados y adaptados de comentarios acerca del Plan - estudiar bajo un contexto cultural. Curricular del Instituto Cervantes, del Marco Común Vale asociar en este momento que los aspectos Europeo de Referencia para las lenguas extranjeras y tratados por estos dos educadores tienen íntima relación también de la obra de Giovannini (1996): con el trabajo que pretendemos desarrollar: asociar - fragmentos de películas al contexto cultural propio de cada estudiante. Metodología de trabajo Para desarrollar esta propuesta se pensó en cinco pasos cruciales y necesarios. El primero fue investigar las películas que se podrían utilizar en clase. El segundo paso fue seleccionarlas, observar las temáticas pertinentes a cada nivel de enseñanza. Como tercer paso surge la mirada hacia el aspecto pedagógico, es decir, la Nivel: Fuente: Objetivo(s): Contenido Funcional: Contenido Gramatical: Actividad previa: Actividad: Producto: Formas de trabajo: A modo de ejemplo pasamos a presentar la planificación de clase basada en la película La fiebre del loco. Chile. 2001. - selección de escenas que posean un contexto claro y accesible para cada nivel con el que se pretende trabajar. - Nivel: Inicial Fuente: La fiebre del loco. Chile. (2001) Objetivo(s): reconocer formas de interacción en nivel básico, bien como los verbos usados para tal finalidad. Contenido Funcional: Describir tipos de discurso (formal/ informal). Descripción de 161 Estudos Hispânicos - - personas y lugares. Se trabajarán funciones comunicativas en nivel básico. Contenido Gramatical: Verbos en primera y tercera personas. Vocabulario. Adjetivos. Números. Actividad previa: a) ¿A quiénes ves en las escenas? b) ¿Cómo se llaman los personajes? c) ¿Qué tipos de saludos consigues reconocer? d) ¿Cómo son los lugares que aparecen en las escenas? El cine en español - Formas de trabajo: individual, parejas, todo el grupo. Dando continuidad a esta propuesta serán presentados al grupo una serie de fragmentos de otras películas y que contarán con la planificación de todos, para una futura puesta en común de las actividades sugeridas. Vale indicar que los oyentes del grupo van a estar divididos por niveles de clases a planificar (inicial, intermedio, avanzado y superior) y que cada grupo - - Actividad: proyección de la primera parte de la película La fiebre del loco; - presentación de las secuencias sin subtítulos; - después de los primeros comentarios, se pasa la versión subtitulada. Producto: en un primer momento será oral – puesta en común de las respuestas; - se distribuyen los alumnos en parejas; - se pasa a la parte de escritura: los alumnos escriben las respuestas a las preguntas iniciales con la ayuda de su pareja; - se vuelve a hablar con todo el grupo, en este momento reflexionando sobre los aspectos culturales que llaman la atención en la parte de la película tratada. podrá levantar los aspectos generales de un plan que tendrá como base las siguientes películas aquí dispuestas, respectivamente, por año de producción: a) Los lunes al sol. España. (2004) b) María llena eres de gracia. (Maria full of grace). EUA/ Colombia. (2004) c) Habana Blues. Cuba/ España/ Francia. (2005) 162 Estudos Hispânicos El cine en español Consideraciones finales La propia Referencias bibliográficas experiencia demuestra gran aceptabilidad de este tipo de ejercicio en clases de todos los niveles. Además de lograr que los alumnos atienten a lo que se les solicita, es importante destacar el interés que muchas veces surge en mirar la película de forma integral. Está claro que los comentarios posteriores a las presentaciones de las escenas suelen ser muy productivos e interesantes. En este aspecto nos remitimos a los temas relacionados a las identidades sociales, a la percepción de otras identidades y otras culturas. En este punto juega importante papel el tema de la aceptabilidad de los modelos que son planteados. Y, ALMEIDA PIMENTA. M. A. As mídias na escola: comunicação e aprendizado. 1995. 148 f. Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995. GIOVANNINI, Arno, et. al. Profesor en acción 1: El proceso de aprendizaje. Madrid: Edelsa, 1996. ROMÁN, J. Panorama histórico del cine latinoamericano. Disponible en <http://www.plataforma.uchile.cl/fg/semestre2/_2002/ art_chile/modulo3/clase3/doc/intro.doc> Accedido en: 08 oct 2006. MARCO COMÚN EUROPEO DE REFERENCIA PARA LAS LENGUAS: aprendizaje, enseñanza, evaluación. Disponible en: <http://cvc.cervantes.es/obref/marco/> Accedido en: 21 oct 2007. en esse momento, cabe recordar que aspectos del próprio país del alumno son ejes importantes de URBAN, R. Uma viagem ao cine argentino. Curitiba, 2007. Mimeo. comparación – lo que genera la visión bajo el prisma de la interculturalidad. PAIGE M. Models of intercultural learning and development: In: SEMINAR ON: THE INTERCULTURAL IN TEACHING AND LEARNING AT THE UNIVERSITY OF SOUTH AUSTRALIA, 2004. Austrália: University of South Australia, 2004. 163 Estudos Hispânicos El cine en español Películas: HABANA Blues. Direção: Benito Zambrano. Distribuição: Warner Home Video. Intérpretes: Alberto Yoel, Roberto Sanmartín, Yailene Sierra, Zenia Marabal, Marta Calvó, Roger Pera, Tomás Cao, Julie Ladagnous, Alejandra Llorente, 2005. 1 DVD (119 min) widescreen, color. LA FIEBRE del loco. Dirección: Andrés Wood. Producción: Wood producciones. Guión: René Arcos, Gilberto Villarroel, Andrés Wood Producción: Rosa Bosch, Bertha Navarro, Intérpretes: Tamara Acosta, Emilio Bardi, Loreto Moya, Luis Dubó. 2001. 1 DVD (94 min) widescreen, color. LOS LUNES al sol. Dirección: Fernando León de Aranoa. Producción: Elías Querejeta y Jaume Roures-Mediapro. Intérpretes:Javier Bardem, Luis Tosar, José Angel Egido, Nieve de Medina. 2004. 1 DVD (114 min) widescreen, color. MARÍA full of grace. Dirección. Joshua Marston. . Distribuidora: Fine Line Features. Intérpretes: Catalina Moreno, Yenny Paolo Vega, Patricia Rae, Guilied Lopez, Osvaldo Plasencia, Orlando Tobon. 2004. 1 DVD (101 min) widescreen, color. 164 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ ALUMNOS DE LA TERCERA EDAD Y PROFESORES DE UnATI/UERJ: UN ANÁLISIS DISCURSIVO DE LA CONSTRUCCIÓN DE CREENCIAS Y VALORES ACERCA DE LA ENSEÑANZA/APRENDIZAJE DE E/LE UnATI se desarrolla en la Universidad del Estado de Río de Janeiro (UERJ), primeramente, fue diseñada para atender a la tercera edad, mayores de 60 años, prestándoles de salud, promoviendo actividades sociales, culturales y educativas, dirigidas a la integración e inserción social. El segundo eje se destina a universitarios y profesionales para dar formación, capacitación, actualización y especialización de recursos humanos. En tercer lugar, se prioriza la producción Verônica de Oliveira Louro UERJ servicios de conocimiento, encaminada a investigadores y estudiantes de cursos de postgrado. Por último, se busca la sensibilización de la población, por Como alumnos universitarios del curso de Letras medio de actividades de extensión, programas de (Habilitación Portugués-Español) de la Universidade do voluntariado y la participación en formular políticas para Estado do Rio de Janeiro (ILE / UERJ) tenemos la la tercera edad. posibilidad de participar como becarios e impartir clases Este trabajo se vuelve especialmente hacia la a los ancianos del curso de extensión de E/LE en el enseñanza de E/LE, ya que es una experiencia única y proyecto de la “Universidade Aberta da Terceira Idade” provechosa a los futuros maestros, no obstante, ellos (UnATI). encuentran dificultades al empezar, porque, aunque se preparen clases basadas en el programa del curso, se 165 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ necesita una directriz, un apoyo teórico metodológico construidas a lo largo del tiempo. Tal hecho motivó a la relativo a la enseñanza de los mayores y que muchas realización de la presente investigación, considerando el veces no se contempla durante el curso de graduación. interés de comprender, a partir de la perspectiva De ese modo, nos cuestionamos acerca de las posibles científica, qué elementos integran la construcción de soluciones para los problemas que afectan la práctica ciertos valores sobre el complejo proceso que es la docente. enseñanza / aprendizaje. Se interesa sobre todo por sus Es importante decir que este trabajo se detiene, discursos sobre las prácticas educativas. Se sigue, por lo principalmente, en los discursos de los alumnos de tanto, como principio teórico el Análisis del Discurso de UnATI sobre las prácticas educativas, una vez que base enunciativa, que considera la enunciación como pueden reflejar y ratificar creencias y valores que, lugar de producción de diferentes sentidos. ciertamente, sostienen gran parte de las acciones Respecto la colecta del corpus para análisis, se dicentes. Se cree que con estas reflexiones se podrá aplicaron dos cuestionarios escritos que se elaboraron establecer un diálogo más próximo entre profesores / en una etapa inicial de la investigación. Los cuestionarios becarios y los alumnos de UnATI. Además, al conocer los fueron contestados por 27 alumnos de UnATI y por 4 alumnos, los docentes tienen más posibilidades para alumnos de UERJ que participan o participaron del elegir, por consiguiente, los caminos más efectivos para proyecto de UnATI. El primero, para los alumnos de atenderlos. UnATI, con once preguntas en portugués y un segundo, Se supone que gran parte de las decisiones y para los becarios, con trece preguntas en español. Los acciones de los profesores en clase, bien como las de los medios de investigación fueron elaborados a partir de un alumnos, tienen como soporte una red de creencias cuadro dividido en seis bloques temáticos: 1) Alumno y 166 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ el curso de español de UnATI / Profesor y el curso de contribuyendo para un mejor aprovechamiento en las español de UnATI; 2) Alumno y becario; 3) Semejanzas clases. entre el español y el portugués: ventajas y desventajas; Respecto a la concepción de lengua, la 4) Material utilizado para enseñar español; 5) Enseñanza investigación se basa en la concepción bakhtiniana, y aprendizaje de LE; 6) Elecciones metodológicas (sólo según la cual existe una interacción orgánica entre las para profesores). prácticas enunciativas, transformaciones Base teórica los sociales acontecimientos del mundo y las empírico (BAKHTIN, 2000). Para este teórico, nossa atividade mental está repleta de representações e de índices de valor En la presente investigación, se destacan los estudios acerca de las creencias de los profesores y alumnos de RICHARD & LOCKHART (1998), según los cuales los profesores comparten una “cultura de enseñanza” (1998, p.35) formada por creencias y valores que sirven como apoyo a las decisiones y acciones de los maestros para efectuar su trabajo en el aula. Los referidos autores consideran que los alumnos, también, traen sus creencias y valores, que a su vez también influyen en la enseñanza / aprendizaje de la LE, que, embora sejam absorvidos pela consciência individual, são socialmente produzidos (apud LARA, 2002, p.94). De tal modo, se puede decir que el imaginario de los hombres resulta de la interiorización de valores y creencias presentes en la sociedad y acompaña las acciones y pensamientos. El concepto de dialogismo de Bakhtin (2000), que está presente en toda la reflexión de la investigación, concibe que todos los enunciados están relacionados a otros: cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciador (2003, p.291). De esa forma, para él, 167 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ las ideas, el pensamiento humano, se construyen por cuestionario, medio de las relaciones dialógicas. Es decir, no existe anteriores. De este modo, se recuperan en los enunciados discurso que no contenga marcas de otros discursos, o los intereses, expectativas, problemas y valores que se sea, todos los enunciados son dialógicos, porque constituyen en los discursos de los ancianos respecto interaccionan con todos los discursos ya mencionados y UnATI, el curso de español, la relación entre ellos, como con otros que están por venir. alumnos y los profesores y la enseñanza / aprendizaje de Conforme el autor, las fronteras del enunciado concreto, comprendido como una unidad de la estarán dialogando con enunciados lengua española. Cabe, entonces, a la investigación examinar rasgos discursivos que permiten el comunicación verbal, se determinan por la alternancia de entendimiento de una dimensión de los procesos de los sujetos hablantes (locutores), o sea, antes del inicio pensamiento y puntos de vista de los estudiantes. de un enunciado, hay enunciados de otros, todos ellos Con el análisis del discurso de los alumnos de suscitan una respuesta basada en una comprensión. Los UnATI, se pretende dar voz activa a los ancianos, para enunciados de los interlocutores, llamadas réplicas, que ellos manifiesten sus intereses, desarrollen el promueven un proceso de comunicación verbal, porque, pensamiento crítico acerca de la enseñanza y aprendizaje no sólo manifiestan su individualidad, su visión del de E/LE y tengan poder decisivo en las elecciones mundo en cada elemento estilístico de su discurso sino político-pedagógicos de los profesores del proyecto en también buscan influenciar el lector, convencerlo y cuestión. suscitar una apreciación crítica. Partiendo de la concepción de que la interacción Volviéndose hacia esta investigación, se considera verbal es la realidad fundamental del lenguaje, es que, cuando los estudiantes contestan las preguntas del importante dejar claro que, para Bakhtin (2000), el 168 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ concepto de diálogo no se restringe a la interacción a un “tú” (el co-enunciador), en un lugar y tiempo directa entre coenunciadores1. Podemos aplicar esa determinados. doble concepción del diálogo en los cuestionarios que Entre los objetos del análisis polifónico, se componen el corpus de análisis. Por un lado, se privilegiarán las elecciones lexicales, las marcas de constituye un diálogo entre enunciador-investigador y tiempo y de persona (MAINGUENEAU, 2000). Se cree co-enunciador-informante. Por otro lado, todos los que, por medio del análisis de esas marcas, podemos enunciados dialogan con otros que no aparecen reflexionar sobre el movimiento de los sujetos en el directamente en la interacción entre los coenunciadores. discurso y las diferentes formas de posicionarse como A fin de profundizar el enfoque acerca del análisis responsable o no del enunciado. de Además, el autor recupera en sus reflexiones el enunciación propuesta por el Análisis del Discurso (AD) análisis polifónico operacionalizado por Ducrot (apud de orientación francesa, destacando los estudios de MAINGUENEAU, 1993), que también ocupa un lugar Dominique Maingueneau (1993, 2000, 2005). Serán de relevante en la presente investigación. discursivo, se privilegia la teoría lingüística extrema relevancia para comprender las nociones de enunciador / co-enunciador, o sea, en cualquier discurso, Análisis del corpus hay un “yo” (el enunciador) que escribe de forma dirigida La primera lectura de las respuestas obtenidas en los cuestionarios constituye una etapa de confrontación 1 Se sigue a Dominique Maingueneau (2000: 54) respecto al empleo de los términos co-enunciador y coenunciadores. El primero es el interlocutor del enunciador (yo), mientras que el último designa los dos interlocutores de la enunciación (enunciador y co-enunciador). entre becario (alumno de la universidad) y los alumnos del Curso de Español de UnATI. Como sujetos empíricos, 169 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ ellos poseen expectativas y posicionamientos frente a ideas y sentidos que se construyen y se refuerzan en los cuestiones relacionadas al proceso de enseñanza de enunciados. lengua. A este proceso están involucrados valores y Enseguida, por medio del análisis de algunas creencias, sea por parte de los becarios, sea por los marcas lingüísticas, se observan la interactividad entre alumnos. En el presente trabajo, a partir de los los coenunciadores y la relación con el discurso del Otro. cuestionarios contestados por alumnos y profesores de El principal objetivo es comprender cómo se construyen UnATI, se identifican algunas de estas creencias y de determinados sentidos en el texto referentes al punto de estos valores y a que se refieren, con base en los interés: creencias y valores de becarios y alumnos en estudios del análisis del discurso. relación a la enseñanza / aprendizaje de E/LE en UnATI. El análisis de los discursos de los alumnos y becarios y la consecuente construcción del corpus de la 1 – ALUMNO DE UnATI investigación implican asumir una nueva perspectiva, que busca el alejamiento necesario para observar la Para que importa a aprendizagem / ensino de língua espanhola? escena discursiva. Se busca desplazar la mirada del mundo empírico y enfocar la materialidad discursiva. Entre preguntas y respuestas, enunciador y coenunciador se ponen el uno delante del otro. Según la perspectiva Bakhtiniana (2000), sus discursos se aproximan, se refutan, se cruzan en un movimiento de 27 Para mim o binômio a aprendizagem Ensino de Idioma Espanhol, é importante por admirar a cultura da Espanha e sua influência em nossa sociedade. Cria espaço para intercambio cultural como apoio do Espanhol ou pessoas ligada a cultura Espanhola. A27 sostiene que la gran diversidad cultural y lingüística del mundo hispánico sólo se concentra en 170 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ España y la consecuencia es que nuestra sociedad recibe estaría en la idea de que el profesor (en un lugar de y lleva influencias a la península solamente. oposición al becario), generalmente, se limita a responder. Se recupera, entonces, una visión mecanicista 1.1 – EL BECARIO DE UnATI Quais são as vantagens e desvantagens de ter aulas com um professor bolsista? Se puede verificar en A14 “O professor bolsista… quando há dúvidas não se limita a responder.” que el uso de la negación es bastante significativo. Siguiendo la concepción de Ducrot (1987), en la negación puede ocurrir una escenificación de dos “enunciadores”, en situación de polémica, E1 y E2, que asumen puntos de vista que se oponen. O sea, en el enunciado de A14, se pone en escena dos enunciadores a partir de la manifestación del “no” polémico. Uno de ellos sostiene el punto de vista favorable al desempeño del becario, al paso que hay un otro enunciador subyacente cuyo punto de vista menosprecia su actuación. También se identifica la del trabajo del profesor, como si él, tradicionalmente, no estimulara a sus alumnos a investigar asuntos relativos a su asignatura. Es decir, se ve aquí la recuperación de un sentido de desvalorización del rol del profesor y del proceso educativo. A8 O fato de o professor bolsista ainda não ter domínio total do conteúdo do seu curso, pode ser apontado como uma desvantagem quando há dúvidas mais complexas. A8 ha defendido que el becario no tiene el dominio total del contenido. Esa declaración demuestra una creencia común entre alumnos de que el profesor domina o tiene que dominar todo el contenido del curso, como si fuera posible a la formación académica enseñar todos los asuntos relativos a lengua, cultura y enseñanza de lengua – o de que el profesor debe conocerlas a todas. El uso del “não” trae un enunciador que defiende la idea recuperación de otro enunciado subyacente cuyo foco 171 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ de que el profesor sabe o es obligado a saber (adjetivo posesivo), los alumnos se sintieron aptos a exactamente todo el contenido del curso. En el trozo, “O contestar sobre sus objetivos y problemas. fato de o professor bolsista ainda não ter domínio total do conteúdo do seu curso” el uso de “ainda” como marca de tiempo indica un entendimiento de que el docente es el detenedor del saber, de tal modo que se crea una expectativa en el alumno y, sin duda, una posible frustración futura. A9 (…) Cabe a mim o interesse de atentar para todos os detalhes da língua. Não só a gramática é importante mas a língua em si, a conversação. O conhecimento vem às pessoas mais rápido, se assim permitir a bagagem de cada um. Respecto a A9, se destacan en su discurso algunas creencias relevantes del imaginario del alumno hacia el 1.2 – ENSEÑANZA / APRENDIZAJE DE E/LE aprendizaje de LE: En “Cabe a mim o interesse de atentar para todos os detalhes da língua”, se percibe la Como você classificaria a sua aprendizagem / ensino de espanhol? creencia de que el alumno necesita interesarse por todos los detalles de la lengua para que la domine. Se esperaba en esa pregunta que los entrevistados Enseguida, vale resaltar el sentido de la negación en ese dijeran algo sobre cómo las semejanzas entre portugués enunciado. Como se mencionó anteriormente, por y español ayudan al aprendizaje, sin embargo se medio de la negación, el enunciador se posiciona frente obtuvieron respuestas sobre estudios y los objetivos de a una idea. Reconoce la existencia de un discurso estudiar español, además hay algunas críticas al curso, a anterior y se opone a él (Maingueneau, 1993, p.80-85). las condiciones de trabajo y al material. Como la Al decir que en la enseñanza / aprendizaje de lengua pregunta “Não só a gramática é importante mas a língua em si, a presentaba el pronome possessivo sua 172 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ conversação” (A9), se presume la refutación de otro rápido, se assim permitir a bagagem de cada um”. Esa idea discurso hasta hoy bastante frecuente, que propone que dialoga con otros discursos presentes en las prácticas “só a gramática é importante”. En este ejemplo, se discursivas del curso de UnATI de que los alumnos observa que el término “só” califica la acción enseñar poseen formación académica y experiencia de vida lengua a través de la gramática, caracterizándola como distintas2. Por consiguiente, se presupone que el una acción insuficiente. La conversación, según el aprendizaje no se es igual para todos y no son todos los participante de la investigación, también debe recibir que acompañan el ritmo del curso de español y otros atención en las clases. cursos del proyecto de UnATI. Aunque A9 no está de acuerdo con la declaración “só a gramática é importante”, su discurso, al recurrir a 2 – EL PROFESOR DE UnATI la negación, reconoce que este punto de vista existe. Hay, entonces, enunciadores que dialogan con otros ¿Cuáles son las ventajas y desventajas de impartir clases como profesor becario? discursos, con otras concepciones sobre la enseñanza / aprendizaje de lengua, asumiendo una perspectiva crítica. En 4 respuestas, todos apuntaron una relación mayor de ventajas en relación a la experiencia adquirida en UnATI, aunque hubo también desventajas. A partir de Aún en el discurso de A9, cabe poner de relieve una última creencia respecto a la enseñanza / ellas, se pudo observar que, además de valorar críticamente el proyecto, los docentes empiezan a aprendizaje de lengua que es la de que se aprende más rápido, si el alumno tiene conocimientos previos, si ya ha estudiado antes “O conhecimento vem às pessoas mais 2 A este tipo de conocimiento, Maingueneau (2005, p.42) designa como “conocimiento enciclopédico”. 173 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ apuntar discursivamente la identidad del alumno de porque los informantes asumen el papel de profesor UnATI. becario que les atribuye el enunciador y se sienten B2 B4 No creo que haya desventajas, talvez cuanto se paga a los becarios sea poco. Las ventajas son muchas, además de las que están arriba, podemos poner en nuestro currículo que tenemos práctica dentro de clase. Puedo obtener otra visión de enseñanza a causa de la edad de los alumnos, además al dar clases puedo aprender más. Una desventaja es la beca, está muy baja frente a la cantidad de tareas realizadas por el becario. legitimados para manifestar su opinión. En contrapartida, al hablar de las desventajas, las respuestas referentes a ellas contienen expresiones como “se paga” y “por el becario” que se encaminan para el ámbito de la impersonalidad. Estas marcas se justifican pues se quita, de los enunciadores “yo” y “nosotros” la responsabilidad del pago salarial y de la crítica al valor financiero de la beca. La presencia de la expresión adverbial de duda En esta relación de ventajas y desventajas se “talvez”, en el discurso de B2, no indica, evidentemente, destacan marcas discursivas relevantes, en B2 y B4, que el profesor no sabe si gana mucho o poco sino que distintas de las que se ha apuntado en la investigación – demuestra la intención de amenizar la crítica. las marcas de persona. Según Maingueneau (2005, p.5253), en cualquier discurso, hay un “yo” (el enunciador) que escribe de forma dirigida a un “tú” (el coenunciador), en un lugar y tiempo determinados. En los ejemplos, cuando los profesores mencionan las ventajas, 2.1 – ELECCIONES METODOLÓGICAS PARA LA ENSEÑANZA DE LE ¿Cuáles deben ser las principales metas de un profesor de LE? se verifica la presencia del “yo” en las expresiones en negrilla “podemos”, “nuestro”, “tenemos” y “puedo”, 174 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ En el ejemplo siguiente, se observó la presencia piensa en el contexto de producción de esos discursos. Se de estructuras que aportan un sentido de prescripción en sabe que se trata de un género textual determinado: el relación a la definición teórico-metodológica: cuestionario. Pero no es un cuestionario cualquiera, sino B1 Es muy importante que el profesor sepa lo que está haciendo. Para eso, es necesario que conozca las metodologías de enseñanza de LE y su conocimiento debe estar anclado en sólidas fundamentaciones teóricas. (…) Las expresiones en negrilla aportan un sentido de obligación a los enunciados. Es decir, se refuerza la idea uno específico que constituye un corpus para una investigación académica. En este sentido, es bastante presumible que premisas del discurso científico crucen los enunciados del presente análisis, sea en las preguntas, sea en las respuestas. La retomada del discurso científico es una demostración de autoridad. incuestionable de que “Es muy importante que el profesor sepa lo que está haciendo” y, para eso, el profesor Conclusiones defiende que “es necesario” conocer las teorías y Reflexionar sobre las creencias y los valores en metodologías en la práctica docente, porque “su los discursos de los alumnos y profesores de UnATI sin conocimiento debe estar anclado en sólidas fundamentaciones teóricas”. Se afirma anteriormente limitarse a un análisis de contenido, fue, sin duda, un gran reto en la presente investigación. La concepción del que hay una diálogo fue el camino que se eligió para comprender conformidad entre los coenunciadores del cuestionario – como se daba la construcción de determinados sentidos informantes e investigadores – respecto a la necesidad en el texto. de definición teórico-metodológica. Sin embargo, se puede tener una visión más amplia de este diálogo si se 175 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ Desde las primeras lecturas de los cuestionarios, se confrontaron respuestas diversas, con puntos de vista variados que dialogan, contraponiéndose la tercera edad o, tal vez, un incentivo para la apertura de otras nuevas dirigidas a este público en cuestión. y Por eso, a través de la oportunidad dada a este complementándose, y algunas de esas opiniones se grupo de mayores bajo los cursos ofrecidos por UnATI, alejaron de lo que se esperaba en algunas preguntas. La en esa investigación se da relieve al diálogo, herramienta identidad y el choque de ideas, entre preguntas y por la cual el anciano puede hacerse comprendido y respuestas – o en la ausencia de respuestas – motivaron posibilitar que se contemplen sus deseos y necesidades. a iniciar las reflexiones por la interacción entre Así, por medio de su discurso, él puede interactuar con informantes, en respuestas de distintas preguntas, su medio y, en el caso de la educación, con el becario concretadas en el corpus del trabajo, los cuestionarios. para que sea debidamente respetado, principalmente, en Se espera que este estudio, por medio del sus clases. diálogo entre alumnos y profesores, se produzcan conocimientos que servirán de apoyo a los estudiantes Referencias bibliográficas de graduación que objetivan enseñar a los alumnos mayores, principalmente, de UnATI, a partir del BAHKTIN, Mikhail. A estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. conocimiento de las metas de los alumnos que ingresan en los cursos de lenguas de UnATI, más específicamente, los de español. Se espera que, de alguna manera, esta investigación sea una ayuda a instituciones que apoyan a LARA, Gláucia Muniz Proença. O discurso do professor universitário sobre a língua portuguesa: entre o mesmo e o diferente. In: SILVA, Denize Elena Garcia da; VIEIRA, Josênia Antunes. Análise do discurso: percursos teóricos e metodológicos. Brasília: Ed. Plano, 2002. p.93118 176 Estudos Hispânicos Alumnos de la tercera edad y profesores de UnATI/UERJ MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2005. ______. Novas tendências em análise de discurso. Campinas: Pontes, 1993. ______. Termos-chave da Análise do Discurso. Belo Horizonte: Ed da UFMG, 2000. RICHARDS, Jack; LOCKHART, Charles. Estrategias de reflexión sobre enseñanza de idiomas. Ed. Cambridge, 1998. 177 Estudos Hispânicos Izquierda, ¡volver! “IZQUIERDA, ¡VOLVER!”: PROPOSTA DE ANÁLISE DISCURSIVA DOS PRONUNCIAMENTOS DE POSSE DE HUGO CHÁVEZ E EVO MORALES reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil e de Hugo Chávez na Venezuela (2006). Ainda que alguns historiadores situem o fim da esquerda e do projeto socialista no momento da queda do Muro de Berlim, e que a complexidade do mundo atual, das relações econômicas, alianças políticas e a globalização impeçam de pensar nas dicotomias capitalismo-socialismo, direita-esquerda, é importante Augusta Porto Avalle UERJ frisar que “(...) a díade (direita-esquerda) permaneceu no centro do debate político mesmo após a queda do Muro” Introdução e que “não houve apenas a esquerda comunista, houve também, e há ainda, uma esquerda no interior do A América Latina, nesta primeira década do século XXI, é pano de fundo e palco para governos eleitos democraticamente e que convergem ideologicamente em maior ou menor grau no que diz respeito a uma filiação “esquerdista”: Néstor Kirchner na Argentina (2003), Michelle Bachelet no Chile (2006), Evo Morales na Bolívia (2006), Rafael Correa no Equador (2006) e a horizonte capitalista” (BOBBIO, 2001, p.28). Essa espécie de coincidência temporal da emergência de presidentes com um perfil que se vincula a uma proposta popular chama a atenção para o modo como se atualiza esse imaginário esquerdista em seus discursos. Na perspectiva de analista do discurso de orientação pragmático-enunciativa francesa, que trabalha com o enunciado posto em prática e seus efeitos 178 Estudos Hispânicos de sentido o reconhecimento do valor simbólico e da carga semântica das palavras esquerda e socialismo no contexto político latino-americano é de fundamental importância. Veremos mais adiante, quando passemos à análise dos pronunciamentos de posse presidenciais, principalmente em relação aos intertextos, promessas e vozes recuperadas. Izquierda, ¡volver! política. Fazem parte das noções de base que habitualmente informam o funcionamento das sociedades contemporâneas. (BOBBIO, 2001, p.32) Não convém pensar em uma definição estanque de esquerda, dicionarizada, pura. Nessa concepção, falar em esquerda original poderia tanto remeter a uma esquerda marxista, socialista, pré-queda do Muro e ainda assim divergências epistemológicas entre historiadores e cientistas políticos de diferentes países ou abordagens Língua em discurso É prudente refletir sobre a relação constante de um discurso com outros, esse espaço de trocas, ou metodológicas viriam à tona: Em qual país haveria/houve uma implementação “real” do socialismo? Qual a esquerda mais “à esquerda”? etc. interdiscurso, que, segundo Maingueneau (2005), é a Esse debate sobre a essência de um discurso, de unidade de análise pertinente. Voltando-se o foco, então, um conceito ou proposta não nos é relevante, pois se para o movimento, para a relação entre discursos, vozes, revela infrutífero já que a questão é tentar compreender contextos e memórias, é possível compreender e aceitar por que ainda hoje perguntamos se um político é de que: esquerda ou de direita, e por que sabemos relacionar independentemente do que vier a ocorrer, direita e esquerda têm hoje uma vida autônoma com respeito à matriz em cujo interior foram originariamente desenvolvidas. Conquistaram o planeta. Tornaram-se categorias universais da certas idéias, posturas e discursos a um imaginário de esquerda ou de direita mesmo sem ter uma apreensão exata de uma suposta “essência” ou “verdade” do que seria genuinamente o sentido de um e de outro. É por 179 Estudos Hispânicos Izquierda, ¡volver! isso que mencionamos anteriormente o interesse do Podemos apresentar a hipótese de que existam analista do discurso nos efeitos de sentido, no plural, estabilidades enunciativas nos interdiscursos1 políticos pois não há somente um e nem o mais verdadeiro. da esquerda latino-americana, ciente de que ela não O ponto de partida metodológico desse estudo forma um bloco coeso e sólido nesse sentido vale mais incipiente relaciona-se com o dialogismo da língua a imagem de uma teia emaranhada e com pontos de proposto por Bakhtin (1992). Segundo este autor, a contato do que a de um tijolo rígido e consistente. língua é atualizada em enunciados e estes são sempre duplamente dialógicos: conversam com Como é de interesse deste estudo em particular, outros postulamos que os discursos das esquerdas são postos anteriores e também com interlocutores pressupostos em prática no gênero “pronunciamento de posse” dos que podem coincidir ou não com o locutor ou a imagem presidentes e que esse gênero pressupõe características dele. e Além disso, tais enunciados são postos em prática simbolismos agradecimentos, comuns autobiografia, como retomada promessas, de uma de acordo com as diversas atividades humanas. A cada memória histórica, momento da enunciação, encenação uma dessas atividades corresponde um conjunto etc. relativamente estável de enunciados, e por isso Portanto, é pertinente fazer uma análise que vise reconhecíveis em alguns aspectos, que caracterizam os ao conjunto dos planos que compõem esses discursos gêneros do discurso (BAKHTIN, 1992). para que juntos ofereçam significância. Essa visão 1 Será utilizado o termo interdiscurso, na conceituação exposta por Maingueneau (2005), assim como discurso. No primeiro caso, enfocamos a noção de relação com outros discursos, e no segundo, a textualidade. 180 Estudos Hispânicos Izquierda, ¡volver! holística, a “semântica global” (MAINGUENEAU, 2005), é demarca um espaço discursivo2 onde estão em relação os reivindicada como necessária dada a imbricação radical discursos. Isso equivale a dizer que partimos de um do dito e do dizer que define o discurso como interação. saber histórico (a vinculação dos presidentes a partidos É importante ressaltar que do ponto de vista da de esquerda ou socialistas) para poder recriar a rede de semântica global, a noção de conjunto integra tanto a interação semântica entre formações discursivas3 em ordem do enunciado quanto a da enunciação. Ou seja, os embate. aspectos textuais dos pronunciamentos presidenciais Assim, definimos que o que constitui o discurso estão imbricados de maneira irredutível à situação de não é ele em si e por si, mas sua dinâmica com outros enunciação. discursos, Dentre a variedade de dimensões da semântica num movimento interdiscursivo e intradiscursivo (entre os planos que o compõem). global, e levando-se em conta os discursos de posse, elencamos alguns planos a serem analisados e postos em Bolívia e Venezuela: apenas bons amigos? relação, em busca de estabilidades, filiações ou adesões a propostas de esquerda: a intertextualidade, O espaço discursivo demarcado é composto pelos o vocabulário, os temas e o estatuto do enunciador e do destinatário (ethos) (MAINGUENEAU, 2004 e 2005). Nosso corpus não é oferecido a priori, e sim delimitado posteriormente a um gesto de análise que pronunciamentos de posse dos presidentes da Bolívia, Evo Morales do MAS (Movimiento al Socialismo) e da 2 Entendemos espaço discursivo como “subconjuntos de formações discursivas que o analista julga relevante para seu propósito colocar em relação” (MAINGUENEAU, 2005, p.37) 3 Inspiramo-nos na acepção de formação discursiva como “sistema de restrições de boa formação semântica” (MAINGUENEAU, 2005, p.20). O termo foi reformulado por Maingueneau e provém de Michel Foucault em Arqueologia do saber. 181 Estudos Hispânicos Izquierda, ¡volver! Venezuela, Hugo Chávez do PSUV (Partido Unido “negligência” proposital não acarrete prejuízo ao Socialista de Venezuela). Trata-se de um recorte relativo objetivo da nossa análise. ao panorama de governos latino-americanos mencionado no início deste artigo. A seleção desses dois presidentes é justificada Feita essa ressalva, é possível destacar lugarescomuns discursivos que passaram a ser recorrentes nos dizeres dos e sobre os dois presidentes. pelo espaço que ocupam em artigos, reportagens, Antes de passar à análise, é importante explicar editoriais e resenhas jornalísticas que, de certo modo, que os discursos foram recuperados das páginas oficiais estão conformando os discursos em circulação sobre os dos governos da Bolívia e Venezuela. Ambos trazem a dois governantes e de suas práticas e formas de governo, data, dezembro de 2006, o de Hugo Chávez e janeiro de visto que a (re)construção dos acontecimentos e a 2006, o de Evo Morales. São transcrições dos discursos conseqüente opinião que deles se faz é intermediada proferidos em público. No discurso de Hugo Chávez há maciçamente por veículos de informação. uma foto do dia da posse e divisões das falas e Faz-se necessário abster-se da problematização das posturas políticas e ideológicas4 dos veículos de manifestações sonoras do apresentador, do presidente e dos assistentes. imprensa, mas é preciso reconhecer que seria leviano e Começamos a análise pelos intertextos. Evo incoerente não atestar a inscrição política, social e Morales e Hugo Chávez compartilham um sistema de ideológica dos mesmos. Embora cremos que essa restrições semânticas e constroem um passado específico em que são legitimados Simón Bolívar e Che Guevara no horizonte de personalidades possíveis ao 4 Esses aspectos, que merecem pesquisas complementares e análises esmeradas, são, por essa razão, deixados de lado desse artigo. campo discursivo de uma esquerda latino-americana. 182 Estudos Hispânicos Izquierda, ¡volver! No pronunciamento de Hugo Chávez, há grande Marcos, conhecido guerrilheiro mexicano empenhado na privilégio à figura de Bolívar, que, como o presidente defesa de direitos indígenas e redistribuição de terras: venezuelano, foi um militar. Encontram-se expressões “Mandar obedeciendo al pueblo”. Enunciado quase como “República Bolivariana”, “Revolución Bolivariana”, idêntico é repetido por Hugo Chávez: “Yo siempre “Democracia bolivariana” e “Constituición Bolivariana”. mandaré obedeciendo al pueblo venezolano”. O presidente venezuelano se identifica com a São significativas as citações que indicam contato trajetória de Bolívar, sedimentando um ethos que próximo com o dirigente cubano Fidel Castro. No espelha o de seu compatriota: “Simón Bolívar, el Quijote discurso de Morales: “Saludamos pre acuerdos con el de Caracas, Simón Bolívar, el traicionado”. Além disso, gobierno de Cuba” e “Perdónenme compañeros, no estoy fortalece a sua plataforma de integração latino- acostumbrado hablar tanto, no piensen que Fidel o americana ao trazer para seu discurso outros que Chávez me están contagiando”. No discurso de Chávez: “soñaron” com a união: “José de San Martín, Bernardo “Dedicamos esta victoria también al pueblo cubano y al O’Higgins, Pancho Villa, Emiliano Zapata”. presidente Fidel Castro”e “Desde aquí un abrazo Fidel”. No discurso de Evo Morales há uma invocação Percebe-se, portanto, a vinculação a um passado constante a líderes indígenas, nesse caso, o presidente guerrilheiro, de luta pelas causas nacionais pela evocação identifica-se mesma a líderes e revolucionários comuns e que definem os ascendência: “Manco Inca, Tupaj Katari, Tupac Amaru, intertextos enunciáveis, o passado legítimo a um campo Zárate Villca, Atihuaiqui Tumpa”. discursivo partilhado. com eles por partilhar a No final de seu pronunciamento, o presidente No que diz respeito ao vocabulário e aos temas, boliviano menciona a recomendação do Subcomandante Evo Morales faz uma extensa recapitulação histórica na 183 Estudos Hispânicos Izquierda, ¡volver! qual confundem-se as trajetórias da Bolívia com a luta dos movimentos indígenas. Seleciona Os temas que predominam são os de temas agradecimento e felicitação pela vitória nas urnas, e um tradicionalmente relacionados à esquerda como a saúde, subtema é a retomada da história sob o prisma do educação e reforma agrária. ideário de Simón Bolívar. Destacam-se, no vocabulário, O léxico explorado marca o pertencimento do “Victoria”, “popular”, “pueblo”, “corazón”, “felicito”, enunciador a uma certa formação discursiva e a seu “agradezco”, sistema de restrições semânticas. Assim, no contexto de “igualdad”, “libertad”, “justicia”, “crecer”, “vencer”, retomada do passado boliviano e das promessas e “unidad”. projetos de governo, o vocabulário traz “injusticia”, “desigualdad”, “opresión”, “proyecto nacional”, É significativa a presença do verbo “satanizar” e “resistencia”, do adjetivo “satanizadora” em enunciados de Evo “campesinos”, “mineros”, “indígenas”, “pueblo”, “lucha”, Morales e Hugo Chávez respectivamente. Em ambos “colonial”, “apoyo”,”honestidad”, casos, a palavra adquire matizes semelhantes e contextos “humildad”. Estas duas últimas se relacionam com a praticamente idênticos. Morales: “Permanentemente imagem discursiva forjada pelo enunciador. satanizaron la lucha social” e Chávez: “A pesar de todas solidaridad”, ”saqueo”, “socialismo”, Hugo Chávez centra seu pronunciamento na las campañas satanizadoras que trataron de confundir al importância histórica da posse. Cria uma cena de pueblo”. Em ambos casos há uma confluência a um festividade, entoa hinos e estimula reações exacerbadas campo da audiência que intervém com aplausos e gritos de compartilhado pelos dois presidentes. ordem como uma torcida: “¡Uh ah, Chávez no se va!”. discursivo de perseguição ideológica Pelos temas e vocabulário, nota-se que o presidente boliviano assume uma solidariedade com a 184 Estudos Hispânicos Izquierda, ¡volver! causa indígena e também com a camponesa e operária. emoção. O vocabulário é dominado por palavras de valor Pela apropriação de léxico com valor negativo, pode-se positivo, que expressam otimismo e insubmissão. estabelecer uma conformação com uma posição Passamos ao ethos de enunciadores e subalterna, serviçal e oprimida que molda o passado que destinatários. Evo Morales dirige-se a sua audiência com é recriado discursivamente pelo presidente boliviano. “hermanos y hermanas”, o que reforça laços de Complementa seu pronunciamento com léxico de valor fraternidade e herança indígena com seus compatriotas. positivo que expressa compaixão, solidariedade, ajuda, Dessa maneira constrói seu próprio estatuto de relacionamento. Por isso é sintomática a convocação, na enunciador-irmão que está situado hierarquicamente ao segunda metade do discurso de posse, do apoio da lado e não acima do povo. Também dá importância a sua comunidade internacional, de intelectuais e presidentes origem humilde indígena, na parte autobiográfica: “Me para o desenvolvimento do país. acuerdo donde nací”, para em seguida identificar-se pela Além dos temas-chave tanto para a esquerda quanto para a maioria dos países latino-americanos, como as deficiências na área da educação, saúde e negação a uma profissão que não costuma vincular-se a uma origem simples: “Yo no soy banquero”. Depreende-se efeitos de sentido que se distribuição de terras, o locutor-presidente volta-se relacionam com a posição de oprimido que detectamos especificamente para temas estritamente delicados para nas escolhas lexicais feitas anteriormente. O enunciador a Bolívia como o petróleo, minérios, nacionalização e rejeita a identificação de seus co-enunciadores e dele narcotráfico. próprio com expressões pejorativas ligadas ao passado Hugo Chávez, por sua vez, opta por uma cena mais colonial submisso e reforça o ethos de vítima: “Estamos vaidosa, centrada na grandiosidade do momento e na sometidos (...) a un terrorismo mediático, como si 185 Estudos Hispânicos Izquierda, ¡volver! fuéramos animales, como si fuéramos salvajes”. O uso do consonância com o tom epopéico do pronunciamento, no imperfeito do subjuntivo confirma a idéia de irrealidade qual o enunciador corporifica o herói desbravador de Os que é refutada pelo enunciador. Lusíadas. E ainda é utópico cavalheiro andante O presidente Chávez, em congruência com a cena “cabalgando la construcción de la sociedad nueva, de la eufórica e festiva montada, rende homenagens a “ese economia nueva, de la política nueva”. Sendo Quixote ou pueblo humilde, pero grande, a ese pueblo valiente y Vasco da Gama, configura-se a imagem de um mártir noble”. Seu ethos confunde-se com o de Simón Bolívar nacional sonhador e esperançado. como vimos anteriormente e seus interlocutores são “compañeros y compañeras” na antiga tradição Considerações finais esquerdista latino-americana. O lirismo do enunciador-poeta transparece na interessante metáfora de navegante do destino venezuelano e ao mesmo tempo cristão, assim como seus concidadãos: “Pedirle a Dios, a Cristo mi señor, nuestro señor (...) la sabiduría, el coraje para continuar timoneando por mandato de ustedes la nueva nave venezolana”. Indica também sua vinculação à tradição militar, de comandante. A comparação do governo a uma empreitada arriscada que requer fé, coragem e sabedoria está em Numa tentativa de responder ao subtítulo anterior, os dirigentes da Bolívia e Venezuela indicam ser bons amigos se pensamos que partilham horizontes comuns no campo discursivo do citável e legitimado pela esquerda latino-americana. Particularmente uma esquerda guerrilheira, revolucionária, preocupada com a integração regional, nacionalização dos recursos naturais e devotamento a líderes passados. O modo como ambos presidentes trazem à tona o passado, recuperam discursos e controem seus ethé de 186 Estudos Hispânicos enunciadores e co-enunciadores dá a entender que amizade não é casamento. Evo Morales acena para uma postura menos combativa e mais pragmática, pleiteando o apoio e a solidariedade internacional, inclusive dos Estados Unidos, grande vilão da Venezuela de Chávez, mas ainda com ranços populistas de um discurso de vitimização e opressão, herança de um passado colonial injusto. Chávez vincula-se mais a uma tradição populista Izquierda, ¡volver! http://www.eldiplo.org/resumen.php3?numero=69&res umen=53/R_02_34. Acessado em 03/01/2007. MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo: Cortez Editora, 2004. ______. Gêneses dos Discursos. Curitiba: Criar, 2005. PRESIDENCIA DE LA REPÚBLICA DE BOLIVIA. Disponível em: www.presidencia.gov.bo/leyes_decretos/acuerdos_conv enios.asp. Acessado em 6/09/2007. que remonta a década de 1930 (DORNA, 2003) e veste a roupagem da esperança em nome da nação e da justiça social, e encarna o homem providencial. PRESIDENCIA DE LA REPÚBLICA DE VENEZUELA. Disponível em http://www.gobiernoenlinea.ve/miscview/sharedfiles/ Chavez_Discurso_de_reeleccion03122006.pdf.Acessado em 29/04/2007. Referências bibliográficas BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992. BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora UNESP, 2001. DORNA, Alexandre. ¿Hay que tenerle miedo al populismo?.Disponível em: 187 Estudos Hispânicos Las formas de tratamiendo en “Don Quijote” LAS FORMAS DE TRATAMIENTO EN “DON QUIJOTE” Jack Mattos da Silva Junior UFRJ cómo era el sistema de tratamiento del español en los días de Cervantes cuando escribió el Don Quijote de la Mancha y cómo lo usaban los personajes de esta obra. 1. Sistema pronominal del español del siglo XVII Las formas pronominales de segunda persona en En el español del siglo XVII, los usos del sistema español es uno de los aspectos más complejos de la de tratamiento pronominal ya planteaban una serie de morfosintaxis española. La obra Don Quijote de la conflictos, pues existían en esa etapa de la lengua, tres Mancha, escrita en el siglo XVII por Miguel de Cervantes formas utilizadas para segunda persona de singular. Hay es un ejemplo vivo de cómo eran las formas de muchos factores que implicaban en estos conflictos. El tratamiento y sus usos en esa época. poder es concebido como el eje vertical de las relaciones En este trabajo consideraremos en primer lugar sociales pues representa las relaciones asimétricas que las distintas formas pronominales de segunda persona son diferenciales y no recíprocas. Las relaciones tienen del singular en la obra Don Quijote de la Mancha a fin de en cuenta el lugar ocupado por el interlocutor en la entender el funcionamiento de estas formas en el sistema escala social, están gobernadas por el concepto de pronominal del español del siglo XVII en España, donde jerarquía como por ejemplo el padre como superior al son narradas las aventuras del caballero andante Don hijo, el profesor al alumno, el amo al criado. En los siglos Quijote y su fiel escudero Sancho Panza. Así que, el XVI y XVII, esta relación se planteaba marcadamente a propósito de este trabajo es exponer de forma breve, partir de los atributos de la edad, el sexo y la clase social. 188 Estudos Hispânicos Las formas de tratamiendo en “Don Quijote” Mientras tanto, la solidaridad es concebida como el eje 1.1 Tú horizontal de las relaciones sociales pues representa las relaciones recíprocas o simétricas que derivan de los atributos del sexo, parentesco o afiliación de grupo. La solidaridad es el grado de conocimiento en que se definen los implicados en el acto de habla, la intimidad o la formalidad que produce una escisión en el sistema entre formas para el trato de confianza y formas de respeto o cortesía. En este sentido, podemos establecer un cuadro con las tres formas de tratamiento del siglo XVII y encontradas en el Don Quijote de acuerdo con la clasificación de relaciones simétricas y asimétricas: Grado de Relaciones Relaciones Formalidad Asimétricas Simétricas Vuestra Merced Vos Formal Informal Tú, Vos En general, la forma tú recíproca no era habitual en los días de Cervantes, incluso cuando los hablantes tenían edades iguales y mucho menos cuando pertenecían a grupos de edades diferentes pero cuando se daba entre iguales era síntoma de un alto grado de intimidad o afecto. Según Lapesa, “la forma tú aparece en el trato de tíos a sobrinos y de padres a hijos aunque su uso minoritario con respecto a vos”. El autor sigue diciendo que “la diferencia entre tú y vos fue haciéndose cada vez menor, pues vos se extendió mucho en el habla popular”. (LAPESA, 2000, p. 315) En el Don Quijote es muy evidente el tuteo en como se trataban Don Quijote y Sancho, por ejemplo en el siguiente pasaje del capítulo VII de la Primera Parte: —Encomiéndalo tú a Dios, Sancho —respondió Analicemos a partir de ahora cada una de esas tres formas: don Quijote—, que Él dará lo que más le convenga; pero no apoques tu ánimo tanto que te 189 Estudos Hispânicos Las formas de tratamiendo en “Don Quijote” vengas a contentar con menos que con ser los parientes y vasallos jóvenes, mientras que el vos era adelantado. (CERVANTES, 2004, p. 75) el tratamiento a su esposa y a los nobles como el rey. En Vemos que Don Quijote en este pasaje trata a Sancho, con quien tiene una relación simétrica de no formalidad, tuteando. Este fragmento es sólo un ejemplo de algunos ejemplos que hay en toda la historia y nos muestra que en el siglo XVII esta forma comenzaba a el Libro de Buen Amor, ya en el siglo XIV, muestra la penetración del vos en los ambientes burgueses, pero siempre con el tú seguía vivo en la conversación con inferiores o con iguales de gran confianza (LAPESA, 2000). La diferencia entre el tú y vos fue haciéndose cada usarse entre los hablantes. vez menor, pues vos se extendió mucho en el habla 1.2 Vos popular. En el siglo XVI y XVII, vos coincide casi totalmente con tú. Esta extensión se explica por la El uso de vos como señal de respeto al dirigirse a tendencia de las clases inferiores a adoptar los modos de una sola persona se registra en los últimos años del comportamiento de las superiores, a las que desean Imperio Romano y fue hasta la aparición de la literatura imitar. romance escrita una fórmula de tratamiento muy formal. necesitaban seguir distinguiéndose de las inferiores en En el Cantar de Mío Cid, del siglo XI y XII, el vos era su trato pronominal, emplean una nueva forma para la utilizado en el tratamiento usual entre los nobles incluso cortesía a fin de evitar la nivelación, entonces la entre esposos (un ejemplo es como se trataban el Cid y estrategia es utilizar la forma vuestra merced. No doña Ximena, su esposa). Es notable el contraste que hay obstante, en el siglo XVII todavía seguía el vos de respeto entre el tú y el vos ya que el Cid sólo emplea el tú entre en el tratamiento simétrico donde predominaba la Sin embargo, las clases superiores que 190 Estudos Hispânicos Las formas de tratamiendo en “Don Quijote” formalidad así como en el asimétrico de abajo arriba. siguiente pasaje del texto del capítulo VII de la Segunda (MORALES, 2003). Parte: (...) —¿Qué es caballero aventurero? —replicó la moza. —¿Tan nueva sois en el mundo que no lo sabéis vos? —respondió Sancho Panza —. Pues sabed, hermana mía, que caballero aventurero es una cosa que en dos palabras se ve apaleado y emperador. Hoy está la más desdichada criatura del mundo y la más menesterosa, y mañana tendría dos o tres coronas de reinos que dar a su escudero. —Pues ¿cómo vos, siéndolo deste tan buen señor —dijo la ventera—, no tenéis, a lo que parece, siquiera algún condado? (...) (CERVANTES, 2004, p. 114-115) (...) Si con estas esperanzas y aditamentos vos, Sancho, gustáis de volver a servirme, sea en buena hora; que pensar que yo he de sacar de sus términos y quicios la antigua usanza de la caballería andante, es pensar en lo escusado. Así que, Sancho mío, volveos a vuestra casa y declarad a vuestra Teresa mi intención, y si ella gustare y vos gustáredes de estar a merced conmigo, bene quidem, y si no, tan amigos como de antes; que si al palomar no le falta cebo, no le faltarán palomas. Y advertid, hijo, que vale más buena esperanza que ruin posesión, y buena queja que mala paga. Hablo de esta manera, Sancho, por daros a entender que también como vos sé yo arrojar refranes como llovidos. Y, finalmente, quiero decir, y os digo, que si no queréis venir a merced conmigo, y correr la suerte que yo corriere, que Dios quede con vos y os haga un santo; que a mí no me faltarán escuderos más obedientes, más solícitos y no tan empachados, ni tan habladores como vos. (CERVANTES, 2004, p. 399-400) Sin embargo, Don Quijote en un momento trata a Notamos que el valor respetuoso que tenía antes Sancho por vos, un vestigio que el pronombre vos ya el pronombre vos en los primeros siglos de la lengua existía como una forma no tan respetuosa, coincidiendo española casi ya no existía en el siglo XVII, pues las con el valor informal y de confianza de tú. Vea el personas lo utilizaban tanto en un tratamiento formal, de Esto se explica en el Don Quijote, cuando en un diálogo con la ventera, en el capítulo XVI de la Primera Parte, Sancho la trata por vos, en un tratamiento simétrico pero con predominio de la formalidad como forma de respeto: 191 Estudos Hispânicos respeto en una relación simétrica, y también en un tratamiento totalmente informal en una relación simétrica. Fontanella de Weinberg afirma: Por otra parte, para tener una visión de conjunto de los usos de segunda persona singular, debemos tener en cuenta que vos cumplía asimismo otra función, dado que aún mantenía su valor de fórmula de respeto en contextos de alta formalidad, en lo que en la época se conocía como su uso antiguo, ya que conservaba el valor característico de vos en la Edad Media. (FONTANELLA DE WEINBERG, 1999, p. 1412) Las formas de tratamiendo en “Don Quijote” 1.3 Vuestra merced y vuesa merced En los siglos XVI y XVII, vuestra merced o vuesa merced pasó a ser una fórmula de respeto y cortesía entre personas de igual condición social, cuando entre ellas no había una estrecha amistad, como resultado de la reorganización gradual del sistema de cortesía del español que antes era con el pronombre vos y que ahora suponía la total eliminación de vos como tratamiento formal, de respeto y cortesía. Ella afirma que aunque su uso aún seguía con un Vuesa merced o Vuestra merced llegó a ser la trato alta formalidad, su uso a veces significaba símbolo cortesía común utilizada también entre caballeros y de arcaísmo. Con respecto al tratamiento formal, el vos gentes de alto poder social cuando no desempeñaban un nobiliario de los primeros tiempos del castellano, se cargo que exigiera un tratamiento específico. Es decir, documenta hasta la literatura del siglo XVIII en España, era un marcador lingüístico de formalidad, ya que este pero, no es posible afirmar hasta cuando refleja una significado respetuoso de vuestra merced está muy bien realidad o es un convencionalismo arcaizante. A finales atestiguado en los tratados gramaticales del siglo XVII. La del siglo XVIII el vos formal ya estaba totalmente forma vuesa merced en estos siglos (XVI y XVII) ya era la desaparecido en el habla coloquial. (MORALES, 2003). forma más difundida en el habla estándar. El mucho uso trajo un desgaste de la forma vuestra merced. 192 Estudos Hispânicos Las formas de tratamiendo en “Don Quijote” Morales (2003) y Lapesa (2000) plantean otras informaciones sobre los usos más vulgares de vuestra Fontanella de Weinberg (1999) señala algunas informaciones esenciales a ese entendimiento: V.M.1 resultaba la forma exclusiva en todas las relaciones asimétricas en el sentido de menor a mayor poder y era también la forma predominante en relaciones simétricas. Así, V.M. se usaba con exclusividad en la relación entre personas ajenas a la familia y entre parientes lejanos y casi con exclusividad entre cuñados, mientras que predominaba decididamente entre hermanos y entre primos. (FONTANELLA DE WEINBERG, 1999, p. 1411) merced o vuesa merced ya que junto a éstas, hubo otras muy vulgares como: voacé, voaced, voarced, sarcé, indicadores de la clase ínfima, pues sólo aparecían en la boca de pícaros, valentones, criados y hablantes de otros oficios bajos, aunque progresivamente se fueron difundiendo a través de todas las clases sociales. El pronombre que va a originarse de estas formas, usted, no se registra en diccionarios del siglo XVII aunque En el Don Quijote podemos observar el uso de se halla documentada desde el año 1620 en la literatura, vuestra merced y vuesa merced, por ejemplo en el pues su forma era excesivamente vulgar de ahí se capítulo VI de la Segunda Parte, en una conversación concluye que los lexicógrafos no la tuviesen en cuenta en entre Don Quijote y su sobrina, ya que esta lo trata por obras normativas como un diccionario o una gramática. vuestra merced, confirmando lo que afirma Fontanella de Pero, según afirma Morales en su trabajo Weinberg (1999) en su investigación cuando habla sobre en los últimos años del siglo XVII, usted se convirtió en la forma general para el tratamiento formal y esto se debió a la tendencia de las clases altas a adoptar el comportamiento del vulgo en un intento de nivelación que antes se repudiaba. (MORALES, 2003, p.5-6) el uso de dicho pronombre en las relaciones sociales como de una sobrina a su tío: —Válame Dios —dijo la sobrina—; que sepa vuestra merced tanto, señor tío, que si fuese menester en una necesidad, podría subir en un 1 V.M. significa Vuestra Merced 193 Estudos Hispânicos púlpito e irse a predicar por esas calles, y que, con todo esto, dé en una ceguera tan grande y en una sandez tan conocida, que se dé a entender que es valiente, siendo viejo, que tiene fuerzas, estando enfermo, y que endereza tuertos, estando por la edad agobiado, y, sobre todo, que es caballero, no lo siendo, porque aunque lo puedan ser los hidalgos, no lo son los pobres. (CERVANTES, 2004, p. 395) Sin embargo, hay una vez en que Sancho, notablemente enojado, trata a Don Quijote por vuesa merced, lo que afirma la idea que esa forma en el siglo XVII ya estaba muy amplia en su uso entre las personas de la clase más baja, ya que Sancho no poseía estudios. En el capítulo VII de la Segunda Parte observamos: —Todo eso es verdad —dijo don Quijote—. Pero no sé dónde vas a parar. —Voy a parar —dijo Sancho— en que vuesa merced me señale salario conocido de lo que me ha de dar cada mes el tiempo que le sirviere, y que el tal salario se me pague de su hacienda; que no quiero estar a mercedes que llegan tarde o mal o nunca; con lo mío me ayude Dios. En fin, yo quiero saber lo que gano, poco o mucho que sea; que sobre un huevo pone la gallina, y muchos pocos hacen un mucho, y mientras se gana algo no se pierde nada. Verdad sea, que si sucediese, lo cual ni lo creo ni lo espero, que vuesa merced me diese la ínsula que Las formas de tratamiendo en “Don Quijote” me tiene prometida, no soy tan ingrato, ni llevo las cosas tan por los cabos, que no querré que se aprecie lo que montare la renta de la tal ínsula, y se descuente de mi salario gata por cantidad. (CERVANTES, 2004, p. 399) Vemos ahí, que el uso de vuesa merced, aunque fuese del trato formal, ya lo estaban utilizando las personas en general, incluso en momentos de petición, como es en el caso de Sancho. Por lo tanto, podemos concluir que el uso de vuestra merced o vuesa merced, fue poco a poco planteando las formas de tratamiento formales de la lengua en el siglo XVII, aunque a veces pudiera ser utilizada en otros contextos. Interesante observar que el pronombre vuestra en una lenta selección entre usos fluidos hizo que se consolidaran las fórmulas con merced, señoría, excelencia, alteza, majestad, paternidad, reverencia, etc, y que su respectivo empleo se fijara poco a poco según dignidades y estados. Este proceso se observa a finales del siglo XV al siglo XVI, y en el siglo XVII ya está bastante 194 Estudos Hispânicos consolidado. Con respecto a eso, es importante notar lo Las formas de tratamiendo en “Don Quijote” 2. Conclusión que se dice en Lapesa: El primero y más baxo (de los tratamientos o títulos) es tú, que se da a los niños, o a las personas que queremos mostrar grande familiaridad o amor. Vos se dice a los criados o vasallos. Vuesasté, vuesa merced, vuestra merced, que significan una misma cosa..., se da a todos, grandes y pequeños. Vuestra señoría, a los condes, marqueses y obispos, a los cuales se debe de derecho... Vuestra excelencia, a los duques, virreyes y generales de armadas. Vuesa alteza, a los hermanos del rey o a los príncipes soberanos. A los reyes, Vuesa majestad. A los eclesiásticos se dice Vuesa merced, como al común de los legos. A los frailes, Vuesa reverencia. A los prelados de un monasterio, Vuesa paternidad, etc. (LAPESA, 2000, p. 319) En este trabajo, concluimos que el sistema pronominal de tratamiento en el español del siglo XVII era muy inestable, ya que estaba en un proceso de adquisición de otras fórmulas y desaparición de otras, cambiando sus usos y valores semánticos. Es indudable que esa inestabilidad contribuyó en la formación del actual sistema de tratamiento del español, con sus variedades en el español peninsular y en el español americano. Con respecto a las formas de tratamiento podemos afirmar también que de ahí se puede observar Se nota desde los comienzos del siglo XVII, una que vuestra merced cubría muchos usos aún en este caso preocupación por delimitar los usos de los pronombres en que los destinatarios eran su casi totalidad miembros de tratamiento, lo que sólo estará en equilibrio, en el siglo de la familia. También tomó el lugar que antes era del vos XIX. antiguo de la Edad Media y a través de sus cambios fonéticos, llegamos hoy a la forma actual usted, utilizada en la mayoría de los países de habla hispana como pronombre de tratamiento formal. 195 Estudos Hispânicos Podemos oponer ahí el pronombre vos que en cambio cubría mucho menos usos, limitado a relaciones de intimidad (entre esposos por ejemplo en el caso del Cid) o poder negativo (hijos, sobrinos). En cuanto a tú, se hallaba reducido a su mínima expresión, pues lo empleaba prácticamente en una sola relación (padres a hijos) y en ella su uso era minoritario, ya que la fórmula más empleada era vos, aunque ese uso empieza a cambiar en el siglo XVII y XVIII con la desaparición de vos. Se concluye también que la obra Don Quijote puede ser un objeto de estudio muy importante y valioso para el estudio más profundizado de dichas formas, pues se ven registradas todas las variantes y sus significados de las formas pronominales del siglo XVII. Referencias bibliográficas ALCINA FRANCH, Juan; BLECUA, José Manuel. Gramática española. 11.ed. Barcelona: Editorial Ariel S.A., 2001. Las formas de tratamiendo en “Don Quijote” ALVAR, Manuel; POTTIER, Bernard. Morfología histórica del español. 2.ed. Madrid: Gredos, 1993. CAAMAÑO, Raúl. Acerca del origen del voseo. Documentos Lingüísticos y Literarios. 10: 27-30, Valdivia, 1984. Disponible en: www.humanidades.uach.cl/documentos_linguisticos/doc ument.php?id=277 Acceso el 29 de mayo de 2007. CERVANTES SAAVEDRA, Miguel de. El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha. São Paulo: Real Academia Española; Asociación de Academias de la Lengua Española, 2004. (Edición del IV Centenario). FONTANELLA DE WEINBERG, María Beatriz. 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Artículo disponible en: http://cvc.cervantes.es/obref/coloquio_paris/ponencias /pdf/cvc_medina.pdf Acceso el 29 de mayo de 2007. 196 Estudos Hispânicos Relações lexicais e processo representacional trilingüe RELAÇÕES LEXICAIS E PROCESSO REPRESENTACIONAL TRILINGÜE (INGLÊS, ESPANHOL E PORTUGUÊS) DE UM MESMO EVENTO DISCURSIVO NA MÍDIA: PARA UMA ABORDAGEM CRÍTICA DA PRODUÇÃO E DO CONSUMO DE TEXTOS línguas diferentes podem criar também diferentes representações de um mesmo fato jornalístico ao trazer à tona outros campos passíveis de co-ocorrerem em determinado contexto sociocultural. Para tanto, foi utilizado um referencial teóricometodológico composto da Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001) e categorias em conformidade com a Lingüística Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1985; EGGINS, 1994). O corpus constitui-se de três textos retirados de jornais de três países de línguas diferentes, Rogério Alexandre das Dores Faculdade CCAA Cláudio Márcio do Carmo DELAC/PROMEL/UFSJ Introdução noticiando o mesmo evento, o que será retomado e discriminado em momento oportuno. Para consecução dessa proposta, o texto se organiza em mais duas seções, quais sejam, uma trazendo algumas questões teóricas que julgamos O presente trabalho – a partir de um estudo de indispensáveis, dados sobre o corpus e as categorias de caso – pretende demonstrar: (1) a relevância das análise, bem como alguns procedimentos metodológicos relações lexicais na representação de um evento e outra analisando os textos constitutivos do corpus. discursivo e (2) como pequenas alterações em relações Seguem-se algumas considerações e as referências lexicais em textos que noticiam um mesmo evento em bibliográficas. 197 Estudos Hispânicos Relações lexicais e processo representacional trilingüe na Gramática Sistêmico-Funcional, a qual constitui a base lingüística O referencial, o corpus e as categorias de análise da ACD, devido à ênfase dada à multifuncionalidade da linguagem. Conforme apontado por Figueiredo (2000) e Heberle (2000), a Análise Crítica do Discurso (ACD) pode constituir uma importante referência para se alcançar uma leitura mais crítica de textos e eventos discursivos. Isso se deve ao fato de seu produtor, o lingüista inglês Norman Fairclough, ter construído um quadro teóricometodológico interdisciplinar para análise de eventos discursivos que os vê de maneira tripartida, ou seja, como texto, prática discursiva e prática social. ser analisado com vistas a pôr em evidência não apenas caracteres formais, ou seja, referentes pretende-se analisar a representação dos Atentados de 21 de Julho em Londres, em três jornais de países de Línguas diferentes, quais sejam, o jornal uruguaio El País no texto Londres: trece personas continúan detenidas por los atentados del 21 de julio, o jornal brasileiro Folha de São Paulo no texto Preso na Itália confessa participação nos ataques de 21 de julho em Londres e a BBC de Londres no texto Police question bombing suspects, todos Isso significa em síntese que um evento deverá seus Visando enfatizar a relevância desse quadro, à materialidade do texto, mas refletir sobre o processo de produção, distribuição e consumo, para que se possam encontrar possíveis relações de poder nele naturalizadas. Dentro dessa perspectiva, a análise de um texto publicados e disponibilizados na internet, em 30 de julho de 2005. Cabe salientar que partimos do pressuposto que todo texto é representação, em sentido lato, e que não constitui objetivo aqui entrar no mérito da questão quando este termo é colocado em xeque em relação ao conceito de realidade ou mesmo do ponto de vista de deveria ser pautada nessa visão tridimensional e baseada 198 Estudos Hispânicos Relações lexicais e processo representacional trilingüe processos e participantes dentro das especificidades da Paulo de 557 ocorrências de 297 tipos e o da BBC é Lingüística Sistêmico-Funcional. constituído de 622 ocorrências de 284 tipos. Do ponto de vista das categorias de análise, será A partir da análise das ocorrências, dos tipos e, utilizado o léxico, mais especificamente as relações conseqüentemente, lexicais no sentido de Martin (1992), segundo Eggins perceber quais eram os campos evocados pelos itens (1994), para que seja possível acessar a metafunção lexicais e também quais campos estavam prevalecendo ideacional/experiencial, uma vez que, para Halliday no processo de representação dos atentados, conforme (1985), ela está ligada ao universo de idéias e conceitos se pode visualizar na tabela abaixo: veiculados e a variável de registro campo, por estar das relações lexicais, pôde-se Principais Campos1 preocupada com a natureza da ação social. Dessa forma, El País Folha de São Paulo BBC será feito um levantamento dos itens lexicais e, Policial Terrorismo Policial Terrorismo Lei Terrorismo X Bélico Bélico X X Político posteriormente, a análise do evento discursivo (FAIRCLOUGH, 2001). Análise de dados: para uma abordagem crítica da produção e do consumo de textos com base nas relações lexicais Tab. 1 O texto do jornal El País é constituído de 411 ocorrências de palavras de 201 tipos; o da Folha de São 1 Convencionou-se o uso do “X” para os casos em que o campo não tenha ocorrido no jornal. E o fato de um campo estar em primeiro, segundo, terceiro ou quarto lugar tem a ver com a quantidade de itens que os indicava nos textos analisados. 199 Estudos Hispânicos Relações lexicais e processo representacional trilingüe Esses campos puderam ser percebidos nos textos nas palavras attacks, bomb, suspect, armed, arrest, threat, a partir da relação estabelecida entre determinados itens bombers. O campo bélico provém do grupo nominal lexicais. No jornal El País, o campo policial é evocado specialist tactics e pode também se relacionar aos itens pelos itens policía, detenido(a)(s), detención, sospechosos bombers, bomb, armed. e o terrorismo por atentados, bomba. A partir do título do texto publicado no jornal El No caso da Folha de São Paulo, o campo do País, pode-se pensar nas razões de se produzir uma terrorismo provém dos itens terrorista(s), ataques, rede, matéria acerca da detenção de suspeitos nos atentados grupo, ameaça, atentados, o campo da lei de decreto, ocorridos em Londres. Nesse sentido, justifica-se o detido, investigadores, lei, permissão, preso e o bélico porquê de o campo policial prevalecer e em segundo apenas do item soldados. lugar trazer o campo do terrorismo. Ou seja, o que Na BBC, o número de campos é superior ao dos prevalece é o aspecto investigativo que cabe às outros veículos. O campo policial é evocado por um autoridades policiais e não exatamente à ênfase na idéia número maior de itens, quais sejam, detectives, suspected, dos atentados como relacionados a ações terroristas. device, arrested, police, question, questioned, security. O Diferentemente, o campo do terrorismo fica mais campo político pode ser percebido no item extradition, evidente no texto da Folha de São Paulo, pois sobressalta numa relação bastante estreita com o campo do a idéia de formação de grupo ou redes terroristas, tendo terrorismo, uma vez que o problema do terrorismo é como foco ameaças e atentados. Com relação ao campo colocado como uma questão política, ligada às ações de da lei, fica claro que a ação de investigadores é um passo extradição de pessoas que tenham cometido delitos que importante para manutenção da ordem e cumprimento envolvem países diferentes. Esse último pode ser notado das leis. O campo bélico, por outro lado, ocorreu apenas 200 Estudos Hispânicos Relações lexicais e processo representacional trilingüe devido ao uso do item soldado, como uma espécie de terrorismo como mais relevante, seguido de um campo reforço à segurança. que não ocorreu nos anteriores: o da lei. Apenas em O texto publicado pela BBC possui relações com diversos campos, inclusive dois campos que não terceiro lugar e com o objetivo de frisar ações antiterroristas fortaleceu-se o campo bélico. apareceram nos textos anteriores. O campo policial Nesses termos, conforme explicita Halliday parece ter ocorrido pelo mesmo motivo apresentado no (1985), a metafunção ideacional está ligada ao universo texto da Folha de São Paulo, ou seja, por uma questão de de idéias e conceitos veiculados, o que corrobora a manutenção da ordem. Entretanto, esses textos se presente diferenciam no campo bélico, uma vez que o primeiro diferenciadas com relação ao que foram os Ataques de 21 atribui ao elemento bélico a incumbência de reforçar a de Julho e a que eles se ligam, numa visão de culturas, segurança e o segundo como um elemento tático, nos línguas e países diferentes. análise que mostra representações moldes propostos pelos EUA, que poderia ser usado Essa é uma forma de ter acesso a um evento contra a ação terrorista. Chama também a atenção o discursivo com base no texto, devido à descrição de campo político, pois não ocorreu em nenhum outro texto elementos do sistema lingüístico utilizados na produção analisado, uma vez que não se colocou os ataques tendo do texto, à prática discursiva por implicar a análise de como ênfase a relação de política internacional, como no campos diferentes que remetem à interdiscursividade, caso da extradição. tendo Tanto El País quanto a BBC trazem o campo impacto no processo de produção e, principalmente consumo do texto, e ao mesmo tempo, à policial em primeiro lugar seguido do terrorismo e prática apenas a Folha de São Paulo trouxe o campo do perspectivação que pode, às vezes, sugerir visões social, pois indica a possibilidade de 201 Estudos Hispânicos Relações lexicais e processo representacional trilingüe diferenciadas, baseadas na experiência e em relações interpretação e descrição muito útil ao ver a linguagem socioculturais e de poder que impactam no como como um recurso estratégico de produção de sentido. sociedades diferentes vêem/representam um fato. Essa é a razão da preocupação com o como as pessoas usam a linguagem e com o como ela é estruturada para o uso. Dessa forma, torna-se possível incrementar os dados Algumas considerações a serem analisados pelo viés de uma teoria crítica Este estudo de caso mostra a importância e produtividade da Análise Crítica do Discurso na análise de textos com vistas a fazer uma incursão sobre como fatos cotidianos são transpostos para jornais de países diferentes e como isso transforma o mesmo fato em eventos discursivos com nuances diferenciados. Aspectos importantes ligados a diferentes representações materializadas nos textos podem revelar formas estereotipadas, capazes de, em determinados contextos, direcionar um evento discursivo. gramática, conforme observa EGGINS (1994, p. 01-02), a abordagem sistêmica está sendo reconhecida como uma que provê uma estrutura Essa base teórico-metodológica tornou possível a percepção de que o texto do El País mostra-se menos denso em termos de campos e de informação talvez por manter um objetivo maior de noticiar um fato, priorizando o elemento investigativo da polícia. A Folha de São Paulo parece focalizar de forma mais contundente o terrorismo, o que pode revelar uma faceta mais sensacionalista como estratégia do próprio jornal, num momento em que o tema se fortalecia. A BBC parece ser o Ao fornecer subsídios à análise da léxico- teoria discursiva conforme a proposta por Fairclough (2001). teórica para jornal mais incisivo no tocante a relacionar o problema dos atentados a questões políticas e à própria ligação sócio-histórica com os problemas ligados a ameaças terroristas, pela relação que possui com os EUA. 202 Estudos Hispânicos Relações lexicais e processo representacional trilingüe A análise dos textos sugere que as relações lexicais estabelecidas, devido à seleção dos itens nas diferentes línguas correspondentes aos FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: UnB, 2001. países veiculadores da notícia, percebidas como forma de acesso à metafunção ideacional/experiencial do texto, são capazes de produzir representações diferenciadas sobre os atentados e, por isso, talvez direcionar a maneira como o evento é ou poderia ser consumido nesses países ou por pessoas que tenham acesso à notícia por meio deles. O consumo do evento por meio do El Pais colocaria os atentados como algo cuja relevância foi diminuída e diluída pelo aspecto “ser noticiável”. A recepção do texto pela Folha o mostraria como algo FIGUEIREDO, D. C. Critical discourse analysis: towards a new perspective of EFL reading. Ilha do desterro, Florianópolis, n. 38, p. 139-154, jan./jun., 2000. HALLIDAY, M. A. K. An introduction to functional grammar. London: Edward Arnold, 1985. HEBERLE, V. M. Análise crítica do discurso e estudos de gênero (gender): subsídios para a leitura e interpretação de textos. In: FORTKAMP, M. B. M. e TOMITCH, L. M. B. (Org.). Aspectos da lingüística aplicada: estudos em homenagem ao professor Hilário Inácio Bohn. Florianópolis: Insular, 2000. p. 289-316. MARTIN, J.R. English Text: system and structure. Philadelphia/Amsterdam: John Benjamins, 1992. ligado a questões legais. Por fim, a BBC o mostraria como uma questão de segurança e ligado a questões políticas. Referências bibliográficas EGGINS, S. An introduction to systemic functional linguistics. London: Pinter, 1994. 203 Estudos Hispânicos Las relaciones temporales del español en el indicativo LAS RELACIONES TEMPORALES DEL ESPAÑOL EN EL INDICATIVO DESDE EL PUNTO DE VISTA DE LA ENUNCIACIÓN Serafina Vallejo Gómez Instituto Cervantes de São Paulo establece la red de relaciones básicas que generan el sentido. El segundo es el nivel narrativo en el que se describen y explican tanto las relaciones como las funciones del simulacro del ser humano transformando el mundo, así como determina quienes son sus participantes. Por último, el nivel discursivo es aquel en el que el sujeto de la enunciación asume la narrativa. En este nivel las formas abstractas del nivel narrativo se El presente trabajo parte de la descripción de hacen concretas, se producen las variaciones de tiempo lingüístico de Benveniste, aquel que está contenidos narrativos invariantes (FIORIN, 2001, p. 29). relacionado al tiempo del habla, que se reinventa en cada La enunciación realiza la tarea mediadora entre las acto de enunciación, que se ordena y se define en función estructuras narrativas y las discursivas, mientras que el del discurso. A su vez la semiótica gremasiana concibe el sujeto de la enunciación asume los esquemas narrativos plano del contenido de un texto bajo la forma de un y los convierte en discurso dejando marcas en él. En la recorrido generativo que crea un efecto de sentido. Este semántica discursiva, los esquemas narrativos abstractos recorrido generativo consta de tres niveles que van aparecen revestidos de temas y figuras aportados por el desde el más sencillo y abstracto hasta el más complejo y sujeto de la enunciación quien, de esta forma, da concreto. coherencia semántica al texto, creando efectos de El nivel más abstracto, nivel fundamental, es la realidad y estableciendo relación entre el mundo y el instancia inicial del recorrido generativo en el que se discurso. Por otro lado, la sintaxis discursiva alcanza 204 Estudos Hispânicos Las relaciones temporales del español en el indicativo tanto a las proyecciones de la enunciación en el lingüístico reside en el hecho de que el momento de la enunciado como a las relaciones entre el enunciador y el enunciación es el que lo ordena, hay que recordar que enunciatario. tanto el orden (sucesión y simultaneidad) como la Con respecto a las proyecciones de la enunciación duración y la dirección (retrospectiva y prospectiva) son en el enunciado, hay que decir que la enunciación es la características comunes al tiempo en general (FIORIN, instancia que produce el discurso y que, al mismo 2001, p.144). La sucesión de estados y transformaciones tiempo, instaura el sujeto de la enunciación, proyectando que el tiempo lingüístico refleja puede estar ordenada en hacia fuera los actores del discurso y sus coordenadas relación al marco temporal instalado por la propia espacio-temporales. La operación por medio de la cual la enunciación o en relación al marco temporal instalado en enunciación denomina el enunciado dando lugar, de esta manera, a dos sistemas desembrague que puede ser de persona, espacio o temporales diferentes. En el primer caso, el sistema tiempo. Cuando en el enunciado están proyectados una enunciativo reúne los tiempos que expresan el acto de persona yo, un tiempo ahora y un espacio aquí tiene enunciación y, en el segundo caso, el sistema enuncivo lugar un desembrague enunciativo. En el caso de que lo ordena los momentos de referencia que aparecen en el que estén proyectados sean una persona él, un tiempo no enunciado. realiza tal operación se ahora (entonces, después) y un espacio allí resulta un diferentes que los momentos de referencia siempre están desembragues resulta una enunciación enunciada, en el relacionados con el momento de la enunciación. Al primer caso, y un enunciado enunciado, en el segundo. momento de la enunciación (ME) se le aplica la categoría Considerando que la especificidad del tiempo topológica de simultaneidad vs. no simultaneidad desembrague enuncivo. De estos Ambos sistemas están relacionados entre si ya 205 Estudos Hispânicos Las relaciones temporales del español en el indicativo (anterioridad vs. posterioridad), obteniéndose tres Al aplicar este esquema a los tiempos verbales del momentos de referencia (MR), simultáneo, anterior y español en el modo indicativo se obtienen, en el sistema posterior al momento de la enunciación. A su vez, si a enunciativo, cada momento de referencia se le aplica la categoría ejemplificadas con unos versos de Pedro Salinas (1985): topológica de simultaneidad vs. no simultaneidad (anterioridad vs. posterioridad) para ordenar así los momentos de los acontecimientos (MA), se obtiene un subsistema centrado en un MR presente, simultáneo, (sistema enunciativo) y dos subsistemas centrados en un MR pretérito, anterior, y otro MR futuro, posterior (sistema enuncivo) (FIORIN, 2001, p.146) las siguientes relaciones temporales Porque has vuelto los misterios del revés. Y tus enigmas, lo que nunca entenderás, son esas cosas tan claras: la arena donde te tiendes, la marcha de tu reló y el tierno cuerpo rosado que te encuentras en tu espejo cada día al despertar, y es el tuyo. Los prodigios que están descifrados ya. Los verbos en cursiva permiten reconstruir el sistema temporal de la simultaneidad. A partir del verbo de estado “son”, el momento del acontecimiento es simultáneo al momento de referencia, que, a su vez, es simultáneo al momento de la enunciación. El presente está reforzado por los otros verbos en presente: “te tiendes”, “te encuentras”, “es”, “están”. A la idea de presente contribuyen tanto la expresión de tiempo “cada día”, que añade el matiz de continuidad reiterativa del 206 Estudos Hispânicos presente, como el adverbio “ya”, que suma un matiz puntual y conclusivo. La simultaneidad tiene su contrapunto en la no simultaneidad, desdoblada en anterioridad y posterioridad. La relación de anterioridad de la simultaneidad está expresada en el texto por “has vuelto”, pretérito perfecto compuesto, y la relación de posterioridad de la simultaneidad por “entenderás”, futuro simple. Las relaciones temporales del español en el indicativo Me dieron su foto y un sobre cerrado que contenía el pasaporte que él estaba esperando para poder huir y un fajo de extraños billetes españoles. Ése era el cebo, el pasaporte y el dinero que él había pedido, pero me dijeron que tuviera cuidado, porque recelaría, que nadie más que yo podría ir al interior y ejecutarlo sin peligro, y recordaron mi pasado de tantos años atrás y mi pasaporte británico, admirando o reprobando en silencio, con un poco de rencor la hechura de mi gabardina blanca y los puños de mi camisa con gemelos de oro. (MUÑOZ MOLINA, 1990) Un pretérito perfecto simple inicia la narración en el fragmento elegido, estableciendo el momento de referencia anterior al momento de la enunciación y situando al lector en el subsistema enuncivo de pretérito. El aspecto acabado, puntual, dinámico y limitado de El sistema enuncivo, como ya fue mencionado, se “dieron” abre paso a los imperfectos, “contenía” y desdobla en dos subsistemas, uno centrado en el MR “estaba”, cuyo aspecto inacabado, durativo, estático y no anterior y otro centrado en el MR posterior. En el limitado sitúa al lector en la descripción del contenido siguiente fragmento se ejemplifican las relaciones del sobre y del estado de espera del personaje. Un nuevo temporales que se establecen en el subsistema enuncivo imperfecto, “era”, encuadra como momento de referencia cuyo momento de referencia es anterior al momento de el acontecimiento anterior, representado por el pretérito la enunciación. pluscuamperfecto, “había pedido”, expresando así la 207 Estudos Hispânicos Las relaciones temporales del español en el indicativo Si no te das prisa, para cuando llegues ya habrá nacido el bebé. anterioridad de la anterioridad. Los condicionales, “recelaría” y “podría”, expresan la posterioridad del momento del acontecimiento en relación al momento de referencia anterior. El futuro compuesto, “habrá nacido”, expresa la relación de anterioridad del acontecimiento con respecto a la posterioridad del momento de referencia. Cuando entres en el bosque verás una cabaña, encima de la mesa encontrarás una llave que abrirá la puerta de un jardín encantado. El futuro simple, “verás”, “encontrarás”, “abrirá”, expresa la relación de posterioridad del acontecimiento con respecto a la posterioridad del momento de referencia. El sistema enuncivo también ordena los tiempos verbales organizados en torno al momento de referencia futuro, posterior a la enunciación. Examinemos los siguientes ejemplos: ¿Dónde estaremos entonces? El futuro simple “estaremos” expresa la relación de simultaneidad del acontecimiento con respecto a la posterioridad del momento de referencia. A lo largo de este trabajo se propone que el tiempo lingüístico es una construcción de la instancia de la enunciación y que el eje creado por el ahora, momento 208 Estudos Hispânicos Las relaciones temporales del español en el indicativo de la enunciación, permea la organización completa del sistema temporal. ÁLVAREZ MARTÍNEZ, M. A. El adverbio. Cuadernos de Lengua Española, Madrid: Arco Libros, 1994. La categoría de tiempo se realiza en un sistema enunciativo que vincula los tiempos de la enunciación enunciada, simultáneos al momento de la enunciación, y en un sistema enuncivo que organiza los tiempos del enunciado enunciado, no simultáneos al momento de la enunciación, ya sea en forma de anterioridad o de posterioridad. El presente trabajo se presenta como una herramienta que puede ser de considerable ayuda a quienes se acercan al español LE, ya que los esquemas desarrollados tienen como objetivo aclarar cualquier duda con respecto a la relación de unos tiempos verbales BARROS, D. Teoria do discurso. São Paulo: Atual, 1998. ______. Teoria semiótica do texto. São Paulo: Ática, 2000. BELLO, A. Gramática de la Lengua Castellana. Madrid: EDAF, 2004. BENVENISTE, É. Problemas de Lingüística General. Campinas: Pontes, 1995. ______. Problemas de Lingüística General II. Campinas: Pontes, 1989. CARTAGENA, N. Los tiempos compuestos. In: BOSQUE, Ignacio; DEMONTE, Violeta (ed.). Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Madrid: Espasa, 1989. p. 2936-2975. con otros partiendo del momento de la enunciación. FERNÁNDEZ RAMÍREZ, S. Gramática Española: El verbo y la oración. Madrid: Arcos, 1986. Referencias bibliográficas ALARCOS LLORACH, E. Gramática de la Lengua Española. Real Academia Española. Madrid: Espasa Calpe, (Colección Nebrija y Bello), 1994. FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação. As categorias de pessoa, espaço e tempo. São Paulo: Ática, 2001. ______. Elementos de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2001. 209 Estudos Hispânicos Las relaciones temporales del español en el indicativo ______. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1998. GARCÍA SANTOS, J. F. Sintaxis del español. Nivel de perfeccionamiento. Madrid: Santillana, 1993. GÓMEZ TÓRREGO, L. Gramática didáctica del español. Madrid: Ediciones SM, 2002. HUE FANOST, C. El adverbio. Madrid: SGEL, 1994. MUÑOZ MOLINA, A. Beltenebros. Barcelona: Seix Barral, 1990. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Esbozo de una Nueva Gramática de la Lengua Española. Madrid: Espasa Calpe, 1986. ROJO, G. Relaciones de temporalidad y aspecto en el verbo español. In: BOSQUE, Ignacio (ed.). Tiempo y aspecto en español. Madrid: Cátedra Lingüística, 1990. p. 17-43. ______; VEIGA, A. El tiempo verbal. Los tiempos simples In: BOSQUE, Ignacio; DEMONTE, Violeta (ed.). Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Madrid: Espasa, 1989, p. 2869-2934. SALINAS, P. La voz a ti debida. Razón de amor. Madrid: Castalia, 1985. 210 Estudos Hispânicos Entre símbolo e resistência ENTRE SÍMBOLO E RESISTÊNCIA: VOZES FEMININAS NA POESIA NICARAGÜENSE DOS ANOS 70 Bethania Guerra de Lemos UFRJ acordo com Zamora, “ha originando un concepto de liberación más profundo y amplio, acaso integral, sin que por ello se negara su condición femenina; todo lo contrario, sólo a través de esa liberación integral profundizaría en su naturaleza humana y realizaría su potencial femenino” (ZAMORA,1992, p.15). A presença feminina encontra-se nos grupos de luta armada, fazendo parte de suas direções, comandos e demais tarefas de guerrilha, entretanto dentro da mesma Nos anos prévios à insurreição popular contra a FSLN (Frente Sandinista de Liberación Nacional) algumas ditadura somocista e durante toda a revolução sandinista destas mulheres tiveram que lutar contra atitudes percebe-se uma intensa atividade feminina em muitos machistas arraigadas, que por vezes tentavam impor frentes artísticos nicaragüenses. Segundo Daisy Zamora, trabalhos de retaguarda. Uma das primeiras mulheres a escritora nicaragüense, a presença feminina nas diversas participar da FSLN, comandante Doris Tijerino Haslam, etapas do processo revolucionário não tem precedentes afirmou: “ No somos dolientes, sino combatientes; no no continente americano, especialmente no que se refere somos militantes que son mujeres, sino mujeres que son a experiências que “deram certo” (ZAMORA,1992, p.15). militantes” (RANDALL,1977, p.30), reafirmando desta A participação da mulher foi motivada por um maneira que a condição feminina é fundamental para conjunto complexo de causas, entre as quais encontra-se compreender a magnitude do engajamento e como se a opressão a que esteve sempre submetida, e, ainda de deu este processo. 211 Estudos Hispânicos Pode-se afirmar que sempre houve mulheres que escreviam na Nicarágua, entretanto, essas obras estavam Entre símbolo e resistência quase todas, as escritoras estavam engajadas. Segundo o poeta nicaragüense Sergio Ramírez: Los versos de las poetisas generalmente no son versos de mujer. No se siente en ellos sentimiento de hembra. Las poetisas no hablan como mujeres. Son, en su poesía, seres neutros. Son artistas sin sexo. La poesía de la mujer está dominada por un pudor estúpido. Mientras el poeta muestra su “yo”, la poetisa esconde y mistifica el suyo. Envuelve su alma, su vida, su verdad, en las grotescas túnicas de lo convencional. (ZAMORA, 1992, p.16) La poesía nicaragüense ha sido reconocida como uno de los fenómenos culturales más importantes de Centroamérica; una tradición firme, variada y continuada que no cede nunca en su calidad, una poesía que hasta la presente década (setentas) había tenido un signo predominantemente masculino, o cerradamente masculino. Pero la poesía nicaragüense de la década de los setentas, será indudablemente o lo es ya, femenina. […] Cada una de las (nuevas escritoras) afirmándose dentro de un estilo muy personal de creación, comunica, sin decaimiento, verdad y frescura a su propio oficio y pueden presentar obras de juventud que son obras de madurez, todas jóvenes de la veintena que apuntalan ahora esa nueva tradición literaria nicaragüense. (Revista “La prensa literaria”, Managua, Nicaragua, 1 de noviembre de 1975) Parece ser claro que a geração de poetas dos anos A grande novidade portanto, desta década e das 70 rompeu com um estigma que trazia a poesia feminina posteriores na Nicarágua foi o surgimento de várias até o momento. Para algumas destas mulheres o fazer jovens escritoras que declararam abertamente sua literário foi uma forma de participação revolucionária, vocação de poetas e sua vontade de afirmação no cenário além das outras tarefas políticas nas quais todas, ou artístico marcadas por um discurso submisso ou, quando não, ingênuo e desligado de temas sociais, sabendo, claro está, que este fato tem origem em elementos históricos e culturais. Em sua antologia, Zamora cita uma reflexão do crítico marxista José Carlos Mariategui: daquele país (ZAMORA,1992, p.34). É importante lembrar que vão muito além de um 212 Estudos Hispânicos Entre símbolo e resistência feminismo ingênuo, e, de fato, negam este tipo de uma primeira leitura para perceber que os mais variados estratégia. São feministas, mas no sentido de construir assuntos são tratados. O que faz com que a obra seja um movimento diferente, onde não se busca igualar a especial é a qualidade literária e o ser de quem a mulher ao homem em todos os sentidos, principalmente produziu e em quê circunstâncias. porque a diferença, a essência feminina, é fundamental Tentaremos nesta comunicação, que conforma um em sua luta, como já dissemos. Não dogmatizam a poesia sub-capítulo de nossa tese doutoral, realizar uma taxando-a de “feminina”, e afirmam que é fundamental aproximação aos elementos simbólicos e sociais tratados perceber a diferença entre os termos, “poesia feminina” e em alguns dos mais importantes poemas de Claribel “poesia escrita por mulheres”: Alegría e Dasy Zamora. Claro está que no estoy clasificando la poesía por el sexo: poesía femenina o poesía masculina, y mucho menos por la confrontación sexista: poesía feminista o hembrista y poesía machista. La poesía no tiene sexo, pero los poemas si tienen autores. Y los poemas, única prueba de la existencia real de la poesía, son expresiones de individualidades irreductibles, como tales, incanjeables. Los mismos textos, mejor dicho, las características de la tendencia poética arrojan una caudalosa información que denota que son obra de mujer. (ZAMORA, 1992, p.42) Buscam, certamente, uma igualdade social, política, profissional, intelectual, etc, mas os temas trabalhados podem ser quaisquer, e realmente, basta Claribel Alegría Iniciamos nossa aproximação com Claribel Alegría, que é talvez uma das mais importantes autoras desta geração. Seu caso é especial, nascida em 1924, na cidade de Estelí, na Nicarágua, mas criada em Santa Ana, na República de El Salvador, é uma escritora estudada muitas vezes como Salvadorenha. O motivo do exílio de sua família foi a necessidade da saída de seu pai (um médico liberal e ex-combatente do exército do general 213 Estudos Hispânicos Benjamín Zeledón) do país natal por opor-se à intervenção norte-americana na Nicarágua. Entre símbolo e resistência (ZAMORA, 1992, 113) O auto-questionamento já é nesta autora um dos A autora realizou seus estudos universitários na passos que indica a ação transformadora través da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, poesia. Percebemos o contraste marcado entre a baixa onde foi discípula e aluna do poeta espanhol Juan Ramón estatura de mulher, “un metro cincuenta” e a força Jiménez. Seu primeiro livro foi publicado em 1948, no contestatória capaz de “destruir la armadura”. Ainda México, Anillo de silencio, em uma seleção feita por J.R. dentro da mesma imagem, no poema “Autorretrato” vê- Jiménez. Publicou ainda outros 12 livros de poemas, se um sujeito fragmentado, e, exatamente por isso, quatro romances curtos e um livro de contos infantis, buscador de um rosto: além de um romance junto com seu marido, o escritor Darwin J. Flakoll, e ainda vários livros de testemunho e antologias. Recebeu em 1978 o Premio Casa de las Américas pelo seu livro Sobrevivo. Em 1979 regressou à Nicarágua, após o triunfo da Revolução Sandinista. Um dos temas que mas se repetem em sua obra é o do auto-retrato: Tengo un metro cincuenta de estatura. Ojos color castaño. ¿Me atreveré a reír, a preguntar, a destruir la armadura que me han puesto y a gritar de vergüenza? [...] Cuerdas tensas subiéndome del cuello. Bruñidas las mejillas Sin facciones. Destrozada. Sólo me quedan los fragmentos. Se han gastado los trajes de entonces. Tengo otras uñas, Otra piel. ¿Por qué siempre el recuerdo? Hubo un tiempo de paisajes cuadriculados, De gentes mal puestas las narices. (ZAMORA, 1992, p.114) E no mesmo poema encontramos a referência ao espelho, à busca por um outro no qual espelhar-se e 214 Estudos Hispânicos encontrar-se. Talvez sejam os espelhos enterrados no solo hispano-americano dos quais nos fala Carlos Fuentes em sua obra El espejo enterrado: [...] Tampoco me encontré. Seguí buscando en las conversaciones con los míos, en los salones de conferencia, en las bibliotecas. Todos como yo rodeando el hueco. Necesito un espejo. No hay nada que me cubra la oquedad. Solamente fragmentos y el marco. (ZAMORA, 1992, p.114) E não podemos deixar de comentar, nesta breve aproximação à Claribel Alegria, um de seus melhores poemas “The american way of death” (O caminho americano para a morte). Este belíssimo texto construído com um rimo in crecendo, nos leva, inevitavelmente, a dois sentimentos: o de morte e o de revolta e rebeldia, justificando o risco, pela justiça das causas apresentadas: Si arañas día y noche la montaña Y acechas detrás de los arbustos (la mochila-fracaso va creciendo, Entre símbolo e resistência abre grietas la sed en la garganta y la fiebre del cambio te devora) si eliges la guerrilla, ten cuidado, te matan. Nos versos seguintes apresentam-se outras formas de luta, a não-violência, os protestos pacíficos, o amor fraternal, entretanto, estas, tão subversivas quanto as outras, são igualmente motivo de castigo: Si combates tu caos con la paz, la no violencia, el amor fraternal, las largas marchas sin fusiles con mujeres y niños recibiendo escupidas en la cara, ten cuidado, te matan. Questões comunidades como das o racismo, periferias de a pobreza grandes de cidades americanas como podem ser Manágua, México D.F, Lima, Buenos Aires ou Rio de Janeiro, aparecem bem marcadas em duas fortes estrofes seguintes: Si tu piel es morena 215 Estudos Hispânicos y vas descalzo y te roen por dentro las lombrices, el hambre, la malaria: lentamente te matan. […] Si naces en el guetto O en la favela y tu escuela es la cloaca o es la esquina, hay que comer primero, luego pagar la renta y con el tiempo que te sobra sentarse en el andén y ver pasar los coches. A “América” do poema abarca, como deve ser, todo o continente, uma vez que os problemas sociais e seu contraponto, a resistência, também aparecem em toda a extensão deste território: […] Si eres negro de Harlem y te ofrecen canchas de fútbol con el suelo de asfalto, un televisor en la cocina y hojas de marihuana: poco a poco te matan. Entre símbolo e resistência E a “saída” que se apresenta, mas que alternativa, impõe-se como única forma de fazer a dor ser produção e transformação. A poesia, aqui com um aspecto de metaliteratura, surge como a solução que exige o comprometimento. Se tens um sonho, a poesia te “atrapa”: […] Si padeces de asma Si te exaspera un sueño - ya sea en Buenos Aires o en Atlanta que te impulsa de Montgomery hasta Menfis o a cruzar a pie la cordillera, ten cuidado: te volverás obseso y sonámbulo y poeta. Entretanto, a pesar da força da poesia poder impulsionar uma luta, ainda que sonâmbula e obcecada, o poder destruidor da sociedade engole o poeta, o guerrilheiro, o enfermo. O tom do poema tem a cor de uma época e de um momento histórico, a morte dos lideres, dos inocentes ou dos civis: 216 Estudos Hispânicos […] Pero un día te llega la noticia, corre la voz, te la da tu vecino porque tú no sabes leer o no tienes un cinco para comprar el diario o el televisor se te ha jodido. De cualquier modo te llega la noticia: lo han matado, sí, te lo han matado. (ZAMORA, 1992, p.124) Entre símbolo e resistência inicia sua trajetória ainda muito jovem, pois em 1968 começava a participar na “Prensa Literaria”. Licenciou-se em Psicologia e Psicopedagogia pela Universidadad Centroamericana de Managua e estudou também Desenho e Pintura na Escuela Nacional de Bellas Artes, em León. Recebeu em 1977 o prêmio de poesia Mariano Fiallos Gil, da Universidad Nacional Autónoma de Nicarágua. Em 1978 participou como combatente da insurreição popular contra o ditador Somoza e durante O final do poema, longe de parecer realmente os meses de luta até o triunfo da revolução foi pessimista, incita a um engajamento consciente, não responsável pela programação da Radio Sandino, órgão puramente panfletário, mas onde lutar com as armas clandestino de divulgação guerrilheira. Com o governo feitas de palavras também se acreditava possível. sandinista exerceu durante vários anos o cargo de ViceMinistra de Cultura. Daisy Zamora Além de inúmeras obras individuais centrou-se também em organizar antologias de poesia nicaragüense A segunda poeta comentada, dentro desta difícil escrita por mulheres, como a que nos serviu de base para seleção, por sua necessária brevidade, é Daisy Zamora, a presente comunicação. Suas temáticas, como as das uma das escritoras de maior importância no cenário outras autoras de sua geração, centram-se, por um lado, literário nicaragüense do século XX. Nasce em 1950 e em aspectos como o corpo feminino, a maternidade, e 217 Estudos Hispânicos Entre símbolo e resistência por outro a luta revolucionária e, ainda, fazer literário, a de cotidianidades, denuncia a miséria popular, os crimes meta-poesia. da ditadura e anuncia formas de resistência: Como um exemplo desta primeira vertente, em “Preñez” constrói-se uma suave, contínua e completa transformação do corpo em gestação, que adquire aspectos que o aproximam do barro, fazendo alusão assim, ao mito bíblico judaico-cristão. Entretanto, existe uma certa transgressão a este mito, já que a mulher é a que aparece como agente da criação, e não o elemento masculino. Ao “regressar ao barro” a mulher grávida De la fila de acacias junto al adoquinado El hombre siempre escoge la misma sombra. Cada día es el rito vaciar el carretón, Separar los cocos, y al filo del machete Ir pelando cada coco hasta dejar La blanca esfera de carne descubierta. La mujer los ofrece De dos en dos o tres en cada brazo, Sorteando buses, Saltando entre motocicletas y taxis; Pendiente del semáforo Para pegar carreta a recoger más cocos. abarca três elementos fundamentais: água (aguacero, anfora, tinaja); fogo (sol) e terra (barro, semilla, tierra): Esta inesperada redondez Este perder mi cintura de ánfora Y hacerme tinaja Es regresar al barro, al sol, al aguacero Y entender cómo germina la semilla En la humedad caliente de mi tierra. (ZAMORA, 1992, p.352) Dentro da outra vertente central da poética de Estabelecido o cenário da dura rotina de uma família que, repetindo provavelmente seu verso rimado de convencimento, vende os cocos, o poema se transforma em megafone para apontar outras metáforas e significados profundos das repetidas frases: Desde lejos. La blancura de los cocos brilla, Como los cráneos de los setenta y cinco niños miskitos Muertos por la guardia somocista en Ayapal: Zamora, “El vendedor de cocos” é um surpreendente texto que, sob a aparência inicial de poesia de costumes, WAN LUHPIA AL KRA NANI BA TI KAIA SA (Muerte a los asesinos de nuestros hijos) 218 Estudos Hispânicos Entre símbolo e resistência gritaban sus madres. presente comunicação é acender uma pequena chama no Los hijos del vendedor de cocos Desayunan un coco en la mañana Y almuerzan un coco a medio día Bajo la acacia circundada de cáscaras. desejo de conhecer estas e outras autoras menos citadas TAWAN ASLA TAKS, TAWAN ASLA TAKS, (pueblo únete, pueblo únete) nas pesquisas acadêmicas do Brasil, mas que representam um importante papel nas letras centroamericanas. Desta forma, percebemos que os poemas A modo de “pregão”, os versos repetem-se em comentados, plenos de uma mescla de resistência e língua indígena, como plegaria fúnebre e revoltosa. símbolo, seriam, como afirma Octavio Paz em El arco y la Denunciam-se a fome, os assassinatos de crianças lira, a força capaz de romper barreiras e tocar um plano miskitas pela guarda do ditador Somoza, terminando anterior aos tempos e fronteiras humanas, constituindo- com um grito de “no-pasarán”, típico de inúmeras se em revolução e calma, transformação, magia, agonia e histórias de resistência: poder. Um território ambíguo de individualidade e gritaban las madres, BAILA WALA WINA, BALAYA APIA BAILA WALA WINA, BALAYA APIA BAILA WALA WINA, BALAYA APIA (DEL OTRO LADO, NO PASARÁN). (ZAMORA, 1992, p.368-369) A obra de Dasy Zamora apresenta vários poemas bastante extensos e complexos que merecem estudos aprofundados e cuidadosos, onde a dor de um povo se multidão, onde a íntima dor que os inspira, apesar de engendrar-se na solidão adquire caráter universal. Referências bibliográficas ARELLANO, Jorge Eduardo. Panorama de la literatura nicaragüense. Manágua: Nueva Nicaragua. Biblioteca Popular Sandinista, 1986 universaliza. Nosso objetivo com o panorama da 219 Estudos Hispânicos Entre símbolo e resistência CARDENAL, Ernesto. La revolución perdida. Madrid: Trotta, 2004 ______. Poesía Nicaragüense. Managua: El pez y la serpiente, 1975 PAZ, Octavio. El arco y la lira. México: FCE, 1998 RANDALL, Margaret. La vida combatiente nicaragüense. Extemporáneos, 1977. de Doris México Maria, D.F.: Revista Literaria Electrónica Dariana “Homenaje a Mariana Sansón.” Disponível em: http://www.dariana.com/diccionario/mariana_sanson.h tm ZAMORA, Daisy. La mujer nicaragüense en la poesía. Managua: Nueva Nicaragua, 1992. 220 Estudos Hispânicos A POESIA TRILINGÜE DE ALICIA GHIRAGOSSIAN Carlos Alberto Della Paschoa Instituto Cervantes do Rio de Janeiro Pretende-se neste trabalho apresentar a escritora argentina Alicia Ghiragossian e tecer alguns comentários sobre um dos traços característicos de sua escrita: redigir em três idiomas, fato que a coloca no rol dos escritores que compõem suas obras em mais de um idioma. Para compreendermos este e outros fatores que determinam em certa medida a vida e a obra desta poetisa, é preciso mencionar alguns fatos históricos de relevância ocorridos durante as primeiras décadas do século XX. Uma das primeiras levas migratórias que chega à América do Sul durante as primeiras décadas do século XX é a de armênios, que se estabelecem principalmente na Argentina, Brasil e Uruguai. Estes imigrantes que A poesia trilingüe de Alicia Ghiragossian desembarcam no continente americano conseguiram escapar e sobreviver aos eventos trágicos que marcam o início do século passado e que ficaram conhecidos como o Genocídio Armênio, que se tratou de um plano do governo otomano de extirpar de maneira sistemática um povo inteiro, utilizando-se para isso dos métodos mais agressivos contra a vida da população civil armênia. Este plano é considerado como o primeiro genocídio sistemático do mundo moderno. A região da antiga Cilícia, situada hoje na porção sudeste do território da Turquia, abrigava o Reino da Armênia Menor, também conhecida como Armênia Ocidental, que com a tomada de Constantinopla passou a ser dominada pelos turcos otomanos. A presença armênia dentro do mundo otomano não era bem quista, pois os armênios eram os que possuíam educação e caráter europeu e tinham talento e habilidades comerciais dentro daquela sociedade. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial (19151918), o governo otomano vê-se livre do controle 221 Estudos Hispânicos A poesia trilingüe de Alicia Ghiragossian europeu e passa a pôr em prática o seu plano de Diante desse contexto histórico, Gurkên extermínio da população cristã dentro das fronteiras Ghiragossian constitui “uma figura de relevância otomanas. Ora, por população cristã nessa região histórica para as comunidades armênias das Américas” entenda-se a população de cristãos armênios que (AMIRALIAN, 1993, p.14), pois em 1918 lutou como habitava territórios históricos seus, mas sob domínio voluntário nas batalhas de Sardarabád, na Armênia, em otomano. Por meio de um processo de deportação prol da liberdade e da independência de seu povo. Lutou forçada, é posto em prática o massacre de civis armênios, ao lado de líderes políticos e militares cujos nomes fazem cujos dados numéricos são estimados em mais de um parte hoje da história da Armênia. Como bem ressalta milhão. Amiralian (1993, p.15) “era impossível para este homem Muitos desses sobreviventes conseguem emigrar vivido e tão impregnado de história, deixar de transferir para o Novo Mundo, formando-se assim na Argentina a para seus filhos a herança da armenidade, ensinando- maior comunidade armênia da América do Sul. Entre lhes a língua e a história armênia”. esses imigrantes está o pai de Alicia Ghiragossian, Alicia Ghiragossian nasce em Córdoba, Argentina, Gurkên George Ghiragossian, que chega a Buenos Aires em 1936. em 1923, após ter sido deportado de sua cidade natal, em transitando por dois universos distintos, cada qual com 1915, e sobrevivido ao genocídio. Com o fim da Primeira sua cultura e idioma. O armênio é a língua do lar, o Guerra, espanhol a da sociedade à sua volta. Por meio de seus a Armênia conquista sua independência Filha de imigrantes armênios, cresce ocupando um território restrito à parte oriental da Ásia pais, Menor, no Cáucaso, e que com o advento da antiga União conhecimento dos eventos dolorosos que marcam a Soviética, passa a compor uma de suas repúblicas. história do povo armênio no início do século XX, o que ambos sobreviventes do genocídio tomam 222 Estudos Hispânicos influenciará em sua maneira de valorizar a vida, como ela própria relata: Nací en Córdoba, Argentina, de padres armenios sobrevivientes del primer genocidio del siglo veinte. Y fue así como se inició mi vida entre dos culturas separadas. Desde temprana edad, supe sobre el pasado doloroso de mi herencia armenia. También aprendí a valorar la vida, particularmente la paz y la libertad, ya que mis padres siempre agradecían haber encontrado esos valores en la Argentina, a la que quisieron como a su propia patria. A poesia trilingüe de Alicia Ghiragossian Em 1967, a convite do Governo Armênio, viaja para a Armênia onde é publicada sua antologia Raíz y esencia, traduzida para o armênio por Vahkn Tavtian. Esta viagem gera uma série de questionamentos que levam a poeta despertar para suas verdadeiras raízes. Identificada com o povo armênio, sua armenidade aflora. Alicia toma consciência de viver um exílio involuntário, isto é, o fato de não ter nascido na pátria de seus pais, o que será decisivo para o desenvolvimento posterior de Criada em Buenos Aires, Alicia Ghiragossian gradua-se em direito, carreira que abandona para exercer o ofício de escritora. Os dons literários e poéticos da escritora surgem aos 14 anos, quando escreve os primeiros poemas, chegando inclusive a publicar alguns em uma revista local aos 16 anos. Uma vez escritora, escreve inicialmente em espanhol. Em 1950, publica seu primeiro poema “Los muros de tu alcoba solitária”. Em 1966, chega ao prelo seu primeiro livro, Um día, cinco voces. sua obra. De volta à Argentina, Alicia Ghiragossian se dedica ao aperfeiçoamento de seu domínio do idioma armênio e passa a traduzir seus poemas do espanhol para o armênio. Este processo tradutório lhe imbui de confiança e Alicia passa a produzir diretamente em língua armênia. A armenidade aflorada passa a refletir em seus poemas, muitos tratando das questões do povo armênio. A partir de 1986, já radicada nos Estados Unidos, toma consciência de seu novo contexto cultural e lingüístico e como comenta Amiralian (1993, p. 29) Alicia 223 Estudos Hispânicos A poesia trilingüe de Alicia Ghiragossian sente que os “americanos, também, deveriam ouvir falar na Argentina, e a segunda, de 1971 até a atualidade, dos armênios e de assuntos armênios, mas isto só é período em que passou a residir nos Estados Unidos. possível, na sua própria língua, aquela com a qual se Alicia Ghiragossian obteve premios internacionais e comunicam”, ou seja, “para falar sobre assuntos armênios, muitos de seus poemas foram traduzidos em diversos entre americanos, havia necessidade de se falar em inglês” países (França, Grécia, Itália, Rússia etc.). Seu livro Ser y (AMIRALIAN, 1993, p. 34). Ocorre, então, o mesmo Punctuación foi ilustrado por Pablo Picasso, o que a inclui fenômeno anterior e Alicia passa a verter para o inglês os no rol dos poucos autores privilegiados pelo grande poemas já escritos em espanhol e em armênio, o que lhe pintor espanhol. capacita para escrever diretamente em língua inglesa. Embora o nacionalismo armênio seja um tema Datam desta época poemas como “To be an Armenian” e recorrente em sua poesia, além das influências recebidas “Poem within a Poem”. Ainda em inglês, chegou a do simbolismo e do cubismo literário, a temática escrever dois monólogos para teatro: Rehearsing the predominante em sua obra é o espiritualismo, podendo- Speech e Death in Lying. se assim classificar sua obra como pertencente ao Em 1992, reúne num só volume seus poemas movimento New Age, movimento espiritual que “acredita trilíngües e publica Poetry and Meta-Dimension / Poesía y nas forças pessoais e interiores do homem para a mudança metadimensión / Panasdeghtzutiun iév kerdaradzutiun. da sociedade, prevendo para o futuro, uma nova era, de Esta obra parece sintetizar a particularidade lingüística renascimento e descobertas de mundos desconhecidos” de Alicia Ghiragossian. (AMIRALIAN, 1993, p.56). Estão associados a esse Sua obra pode, então, ser compreendida em duas movimento nomes como Fritjof Capra (físico e escritor), fases: a primeira que vai até 1970, período em que viveu 224 Estudos Hispânicos A poesia trilingüe de Alicia Ghiragossian Shirley MacLaine (atriz e escritora) e Marilyn Ferguson segundo Amiralian (1993, p. 29) torna sua “poesia (escritora). extensiva a todos, de abrangência universal”. Nos Estados Unidos, Alicia Ghiragossian entra em Percebemos que a tomada de consciência de suas contato com o budismo e a meditação transcendental, origens armênias foi o elemento capaz de amalgamar em que aliados às novas concepções da realidade reveladas sua poesia três culturas e três idiomas distintos que pela Física Quântica, transformam a vivência espiritual fazem parte do contexto histórico pessoal de Alicia da poetisa. Tal fato vai se refletir em sua poesia, que fala Ghiragossian, propiciando “o enriquecimento cultural e principalmente sobre o Perdão e a Paz, elementos lingüístico de sua poesia que ganha, assim, um caráter fundamentais segundo a autora para que a Justiça universalizante” (AMIRALIAN, 1993, p. 30). Suprema restaure o mundo. A própria Alicia comenta: Fui introducida a secretos preciosos del mundo intangible, que se convirtieron en la otra cara del mundo tangible cuando descubrí la Física del Quantum. Sentí y experimenté la unicidad del universo, la humanidad, y redescubrí el poder de las palabras. Después de todo… “Al comienzo fue el Verbo”. Essa espiritualidade em sua obra certamente é Com referência a esse aspecto, a própria Alicia comenta: Ciertas circunstancias me trajeron a los Estados Unidos ya gregué una nueva cultura, una nueva avenida para comunicarme: el inglés. Trabajé incansablemente para crear y recrear mi obra en los tres idiomas: español, armenio e inglés. Es como tener tres amantes, todos enriqueciéndote en diferentes niveles, con sus propios encantos, permeándote con sus propias corrientes de vida. resultado da experiência do passado do povo armênio e seu exílio involuntário, que fizeram com que se interessasse pelo sofrimento humano em geral e participasse de movimentos humanitários, o que Referencias bibliográficas AMIRALIAN, Sossi. Alicia Ghiragossian: uma armênia na América. 1993. Tese (Doutorado em Literatura 225 Estudos Hispânicos A poesia trilingüe de Alicia Ghiragossian Hispanoamericana). Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993. GHIRAGOSSIAN, A. Comentario personal. In: La Universidad Estatal de Ereván presenta a “Alicia Ghiragossian: poesía atemporal y en vuelo”. Disponível en: http://www.aliciaghiragossian.com. Acesso em: 21 out. 2007. 226 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo CANDOMBE: REVELACIONES DE UN RITMO AFRO-URUGUAYO este fin, recorremos a una breve contextualización histórico social. Millones de africanos fueron traídos en condiciones subhumanas a América en el período Elda Firmo Braga SEE / UFRJ Mariana Montandon UCB / UNESA [el] tambor es parte sustancial de nuestras vidas y avanza desde nuestra propia civilización africana, con sus complejidades milenarias demostrando su heterogeneidad con la información precisa que revaloriza y forma el legado dejado por los descendientes africanos del Uruguay (RODRÍGUEZ, 2001) colonial y, según Adolfo Colombres, de cada seis que salían de algunas regiones africanas, sólo uno llegaría al “Nuevo Mundo” (COLOMBRES, 1995). Hasta hoy hay pocos registros sobre la influencia y aportes de la cultura africana al Uruguay. Lo haremos a partir del candombe, una de las tantas huellas que germinó en nuestras tierras. sobre estos hechos. Compartimos la idea de la autora Perla Zayas de Lima quien nos revela un importante dato: “La presencia del negro, ignorada y negada por la mayoría de nuestros escritores, tanto de textos históricos como de textos ficcionales, Este artículo tiene como propósito reflexionar históricos continúa aún en ámbitos culturales considerados liberales y libertarios.” (ZAYAS DE LIMA, 2006, p.57) Dentro de este panorama, volvemos a hacer alusión al pensamiento de Adolfo Colombres (1995), Tan sólo por la convergencia de dos condiciones quien cree que Latinoamérica posee una gran deuda con (semilla africana y suelo latinoamericano) es que África por la esclavitud, pero sobre todo por los podemos hablar hoy de esta manifestación cultural. Para insuficientes estudios producidos respecto a la herencia 227 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo cultural y social africana, ignorándola como un riquísimo heterogeneidad -un ambiente donde haya espacio para trazo de identidad ofrecidos al pueblo uruguayo, a tal todas las manifestaciones culturales. punto de ser hoy un elemento representativo y motivo Por otro lado, los documentos que rigen la de orgullo de Uruguay. Como resalta también Tomás enseñanza en Brasil proponen que se lleve a las escuelas Chirimini: la perspectiva de la Pluralidad Cultural, como sugiere la poco se habla del rol fundamental que jugó el negro y sus descendientes en la evolución […] del nuevo continente […]. Tanto al componente indígena como al afrodescendiente se les ha ignorado, ocultado, borrado de la historia. (CHIRIMINI, 2004, p.163) “Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais”: Para viver democraticamente em uma sociedade plural é preciso respeitar e valorizar a diversidade étnica e cultural que a constitui. (MEC/SEF, 1998, p.68) cultural latinoamericana que clasifica como folclore todo O trabalho com a Pluralidade Cultural se dá [...] a cada instante, propiciando que a escola coopere na formação e consolidação de uma cultura da paz, baseada na tolerância, no respeito aos direitos humanos universais e da cidadania compartilhada por todos os brasileiros. (MEC/SEF, 1998, p.69) lo que no corresponda a un determinado patrón. Este Según los PCN, la educación escolar, como un paradigma excluyente es elaborado por aquellos que todo, tiene un papel importante en lo que se refiere al creen ser los únicos y auténticos representantes de la abordaje cultural en clase. La enseñanza de legua cultura y pretenden actuar como detentores de “la extranjera, cuando se trabaja la cultura, puede ser aún verdad”. De esta forma, darle voz y visibilidad a más significativa, pues estudiar un idioma es una manera expresiones culturales que estén al margen de lo de acercarse al otro, representado aquí por el extranjero. Por lo tanto, urge la necesidad de elaborar investigaciones que valoricen y legitimen esta herencia, sacándola del contexto folclórico, pues existe una elite hegemónico es una manera de promover la 228 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo Cuando se percibe el alcance de la lengua española este otro posee cultura y rasgos distintos y variados, sobre todo en Latinoamérica, lugar donde hay una diversidad étnica y, más aún, asumiendo el candombe, como elemento constitutivo de la cultura uruguaya. Hace algún tiempo que artistas y escritores cultural, optaron por retratar esta cultura rechazada, aunque ellos configurándose en un espacio plural y heterogéneo. Así, no estén vinculados directamente a ella. Como ejemplo En el momento histórico en el que nos encontramos, de este mérito, tenemos también el indigenismo presente cuando pensamos en la representación cultural y en la literatura u otras expresiones artísticas, que va a artística de un pueblo ya no se nos ocurre una única idea producir arte trayendo como tema la denuncia de los o hasta una imagen estigmatizadamente uniforme, problemas de la cultura indígena, como se fueran una homogénea, sino un espacio plural. especie de representantes de los indios. Cabe resaltar que la perspectiva histórica del Puede parecer extraño que una persona ajena a la concepto de cultura fue cambiando a lo largo de los años. comunidad indígena fuera el sujeto que pudiera darle De esta forma, lo que antes era clasificado como popular voz y visibilidad a los indios, pero de una manera u otra no tenía la jerarquía de elemento constitutivo de la este artista promueve una relatividad en la hegemonía, cultura. La tradición oral era/es uno de los canales de pues, si bien es letrado, urbano como también lo es el manifestación de la expresión popular y antes la elite no receptor de su obra, opta por el referente indígena. De tenía interés en registrarla. Hoy hay indicios de que esta esta manera, aunque exista un sólo elemento que pueda minoría detentora del prestigio social empieza a romper la homogeneidad, se establece lo que Cornejo beneficiarse al darle voz a la diversidad cultural, Polar conceptualiza como “heterogeneidad discursiva”. Podemos verificarlo en el siguiente fragmento, donde el 229 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo crítico peruano ofrece una concepción de las literaturas ser estudiadas a partir del concepto de heterogeneidad, heterogéneas, afirmando que ellas: como la herencia africana en América Latina. Siendo el Caracterizam-se pela duplicidade ou pluralidade dos signos socioculturais do seu processo produtivo: trata-se, em síntese, de um processo que tem pelo menos um elemento não coincidente com a filiação dos outros e que cria necessariamente uma zona de ambigüidade e conflito. (CORNEJO POLAR, 2000, p.162) De este modo, se puede considerar el arte o la foco de este trabajo el candombe, una expresión musical que surgió tras la llegada de africanos a tierras de la Banda Oriental (actual Uruguay). También es posible observarlo en Argentina, donde se manifestó en siglos pasados y ahora resurge con los inmigrantes afrouruguayos que viven allí. literatura heterogénea “cuando en su proceso productivo Los españoles fundaron oficialmente Montevideo hay una duplicidad de códigos: así la literatura en 1730, aunque algunos ya vivían en esta región. Dos indigenista, la gauchesca, la de lo real-maravilloso, la décadas más tarde, llegaron los primeros esclavos, que negroide, etc.” (SOBREVILLA, 2003, p.84). Por otra parte, tenían la función de sustituir la mano de obra indígena. la heterogeneidad es, por lo tanto, un espacio que En el Uruguay de aquella época, existieran dos tipos de permite todo el tipo de contradicción, pues ella hace y trabajo esclavo, sobre todo en la capital. El reservado al forma parte de Latinoamérica. Si en nuestra región hay servicio doméstico (que trabajaba en las casas de conflictos y contradicciones ¿Por qué su representación familias de alta sociedad) y el otro tipo era destinado al artística tiene que demostrar una armonía? En verdad trabajo con el charque en los saladeros. A esta insanidad una falsa armonía, pues ella no existe en tal contexto. psíquica y mental sumémosle la incapacidad de Dentro de este panorama, muchas otras mantener todo lo que dignifica a un ser humano, les expresiones artísticas, además del indigenismo, pueden retiraban su capacidad de soñar en cambios, pues eran 230 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo obligados a desprenderse de cualquier cosa que les fuera esclavitud – sea por la añoranza que sentían de su tierra propia, además de eso, para controlarlos lo ideal era natal, ellos “eran almas doloridas que guardaban mantenerlos desunidos. incurables nostalgias del solar nativo, y buscaban El candombe fue creado en el siglo XVIII. En liberarse con la danza” (CARÁMBULA, 1995, p.13); así, la aquella época, tenía el objetivo de recrear un ritual que música y la danza poseía un papel importantísimo para representase la coronación de reyes africanos y también ellos al amortiguar el dolor, las desdichas, los infortunios, el culto a sus deidades y ancestrales. Era compuesto de y al servirles como refugio y aproximación a sus raíces, cantos, oraciones y simulaba la danza de guerreros y aunque fuera por escasos momentos. realizaba “una ceremonia de origen bantú referida al En el siglo XIX, el candombe incorporó otros ritual celebrado en ocasión del ascenso o coronación de componentes, entre ellos la coreografía y otros rasgos de un guerrero a la categoría de jefe de tribu.” (CHIRIMINI, la cultura europea, como la cuadrilla y elementos de la 2004, p.170). De esta manera, su manifestación se daba corona española; de esta forma, tales mezclas hacen que en el momento en que “los africanos ejecutaban sus “La coreografía del candombe o Coronación de los Reyes danzas y Congos o Angolas consiste en una pantomima en la que simbólicamente, sus sociedades de origen.” (FERREIRA, se han introducido elementos estéticos, religiosos, 2001, p.22-3), configurándose, así, un espacio de libertad etcétera, de los blancos.” (OLIVERA CHIRIMINI, 2004, momentáneo pero significativo. p.170). De la misma manera, se puso de manifiesto el nacionales y recreaban espiritual Pensando en el modo de producción que existía sincretismo religioso, donde por un lado figuras en Latinoamérica en el período colonial los africanos que religiosas aquí llegaron sufrieron mucho, sea por - el régimen de cristianas y por otro surgió la adoración a santos africanas se fusionaron con imágenes 231 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo católicos como San Benedicto y San Baltazar. La De una manera u otra, aunque se transformó y, perspectiva social de la coronación del rey y también la por lo tanto, no conserva todas las características de la religiosa representaba el sincretismo como muestras de época de su surgimiento (siglo XVIII), el candombe interacción entre las dos culturas, la europea y la siempre fue una manifestación cultural de resistencia, africana, además de un ejemplo de manifestación de la antes representaba la pelea contra la esclavitud y ahora transculturación1. simboliza la lucha contra los prejuicios y la exclusión Hoy día, el candombe está incorporado al desfile de las comparsas; diferentes grupos se preparan para social. El ritmo del candombe es establecido desfilar en el carnaval uruguayo y se asemejan a los básicamente por tres tambores de tamaños diferentes: el “Blocos de rua” del carnaval brasileño. El candombe está piano (su sonido es grave, funciona como tenor y considerado también como “música popular basada en el simboliza la sabiduría), el chico (su afinación es más alta, riquísimo ritmo de los tamboriles” (CARÁBULA, 1994, representa soprano y es un grito de dolor y rabia) y el p.35) repique (su afinación es mediana, actúa como contralto y tiene el significado de vientos de libertad). Estos tambores ejercen un papel fundamental en el candombe, 1 Para Fernando Ortiz, “el vocablo transculturación expresa mejor las diferentes fases del proceso transitivo de una cultura a otra, porque éste no consiste solamente en adquirir una distinta cultura, que es lo, en rigor, indicado por la voz inglesa aculturacion sino que el proceso implica también necesariamente la pérdida o el desarraigo de una cultura precedente, lo que pudiera decirse una desculturación y además, significa la consiguiente creación de nuevos fenómenos culturales que pudieran denominarse de neoculturación. (ORTIZ, 2002, p. 260) ellos traducen “un diálogo ininterrupto con todo lo que existe, presente o pasado. Es el vehículo sonoro de la existencia africana.” (CHIRIMINI, 2004, p.166). El tambor está presente en varias manifestaciones musicales en el mundo que tengan lazos culturales con África, pues él es: 232 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo De múltiple significado, éste aparece en casi todas las manifestaciones de la vida del africano pudiendo afirmarse que es el pulso de África, el instrumento identificatorio del continente negro. (CHIRIMINI, 2004, p.165) engrosar las filas de batalla de las guerras independentistas. Algunos sí reconocen que de hecho ese país también tuvo esclavitud; sin embargo, le niegan la agresividad y el trato casi bestial que se les dio a esos Como también, en Uruguay, los tambores seres humanos en otros países. Ellos creen que la simbolizan “la celebración cultural afro-uruguaya por esclavitud en la Banda Oriental fue mucho más “suave” excelencia (...), el efecto de su sonido, la solidariedad y la de lo que fue en Brasil y en otras regiones identidad: forma de resistencia cultural, pacientemente latinoamericanas. Fundamentan su posición con el pacífica peno no pasiva” (FERREIRA, 2001, p.5), y argumento de haber existido una economía basada en la respecto específicamente al candombe, ellos “más que ganadería y no en la agricultura, por lo que no había “tocar juntos” deben responderse uno al otro, deben necesidad de recibir tanta mano de obra esclava. conversar.” (LÓPEZ, 2006, p. 181). Así que, en el A partir de una letra de candombe (en anexo) candombe, “Su espíritu es de evidente filiación negra, su compuesta en siglos pasados, podemos conocer los datos medula es el tamboril” (CARÁBULA, 1994, p.31) los cuales la historia oficial uruguaya se niega a relatar, el Aunque el candombe haya nacido en plena época hecho de que cualquier tipo de esclavitud es siempre y de la esclavitud, muchos uruguayos niegan la presencia en todos los lugares del mundo cruel. La pérdida de la de tal régimen en su país, dicen que allí hay libertad seguida de la manera violenta como los esclavos afrodescendientes como eran tratados se encuentran plasmados en la letra de la descendientes de los esclavos brasileros que huyeron canción, sirviendo como un elemento revisionista de hacia Uruguay, al afirmar que fueron disipados al reescritura de la historia oficial uruguaya. pero los reconocen 233 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo A partir del título “Remate de negros”, la canción “mercancía”, sus dentaduras, fuerza, salud; procedencia nos llama a la reflexión sobre un periodo muy violento de “Luanda”, “Mozambique”, “Sudán”. Lo negativo (desde la la historia uruguaya, como lo fue también en varias otras perspectiva de este narrador) es: “sólo que en día partes de Latinoamérica. En ella hay varias marcas de la domingo, / lo enardecen los repiques, / ¡quiere libre esclavitud y denuncias sobre la manera que los negros candombear!...”. Percibimos una vez más aquí el eran tratados asemejándose al método que utilizaban candombe como un espacio importante de libertad, ya con el buey y el caballo (tenían que mostrar la dentadura que era el único lugar donde el esclavo podría ser libre. y eran quemados con un hierro para comprobar por sus El otro narrador es el que señala el contexto marcas a quien pertenecían). También hay marcas de donde ocurre el evento, su voz se presenta en la primera lucha y última estrofa, él nos revela que el tambor suena fuerte, en el verso: “que desafiaba los grillos”, representando el deseo de libertad. estridentemente como se estuviera reaccionando al La letra es presentada bajo la perspectiva de dos remate de negros. Este narrador evidencia el sufrimiento narradores, uno es el que anuncia la subasta de negros y y dolor de los esclavos “Entre gemidos de esclavos / ¡Se destaca las calidades de cada esclavo. De la misma forma rematan los negros / allá en la Plaza Mayor!”. El tambor que se hace cuando se quiere vender ganado, este también ocupa un espacio muy importante, pues es el narrador resalta que todos están carimbados en varias elemento que traduce y representa, junto a los gemidos, partes del cuerpo “en la cara, en el pecho, / en los brazos los sentimientos de los subastados. y en la frente...” / en “la nalga”, con marcas diferentes Esta canción está escrita en español y trae algunos para representar a sus propietarios: “la Cruz del Sur” / rasgos del lenguaje coloquial y/o popular, como “cupé”, “Una carimbada estrellada”; él enfatiza las calidades de la “mulecón”, como también convierte la oralidad en escrita 234 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo (sabemos que en siglos pasados pocos eran los una parte respecto a la otra que pueda anular una de las alfabetizados, y los que lo eran pertenecían a la identidades representadas. aristocracia, hecho del cual podemos señalar que muy Además de eso, la canción escrita se configura en probablemente la canción fue escrita por alguien que no una representabilidad creada por otra persona que, hacía parte del referente). Constatamos en la posible aunque transcripción (de lo oral a lo escrito) otra manifestación preservar las características de la cultura africana. De de la heterogeneidad discursiva. esta manera, la escrita y el uso del español son elementos Como afirma Cornejo Polar: oralidade e escrita têm [...] seus próprios códigos, suas próprias histórias, que inclusive remetem a duas racionalidades fortemente diferenciadas, mas existe entre uma e outra uma larga franja de interseções.” (CORNEJO POLAR, 2000, p. 219) posiblemente ajena al pueblo, intentaba que hacen parte de la hegemonía cultural, mientras que palabras populares y el referente son los contrapuntos los cuales convierten la letra de la canción en una representación heterogénea. Por otro lado, una actividad como esta nos Por lo tanto, hay, en la canción, dos sistemas distintos que pueden estar considerados conflictivos, pero, tratándose de la heterogeneidad, pueden ocupar el mismo espacio simultáneamente, sin que haya perjuicio para alguna de las partes, la oral y/o la escrita. Por otro lado, es importante resaltar que para Cornejo Polar el conflicto es positivo, pues así no hay un sometimiento de permite llegar a otra dimensión del alcance de la lengua y de su conocimiento en el sentido de conocer al otro y a su cultura, pero también nos brinda la oportunidad de reflexionar sobre nuestra propia historia, ya que nuestro país también fue, en un determinado período, una sociedad que explotaba la mano de obra esclava. De esta manera, además de trabajar cuestiones vinculadas a la 235 Estudos Hispânicos interculturalidad, tenemos la oportunidad de conocer al otro para conocernos mejor. Referencias bibliográficas BRASIL. 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Esta pieza decorada tiene la Cruz del Sur; le marcó toda la nalga, a roja punta de fuego, una carimba estrellada. Recién bajó del galeón, está libre de alcabala. ¡Miren que dentadura, qué cuerpo sin tabardillo el del robusto Luanda que desafiaba los grillos!... ¡Compren señores compren!... 237 Estudos Hispânicos Candombe: revelaciones de un ritmo afro-uruguayo ¡Vean ustedes qué pieza! Que la puja no se achique. ¡Miren qué cuerpo fornido! ¡Fue remero sin desmayo este yimbo Mozambique!... Este es otro mulecón procedente del Sudán, traído a su señoría; llegó en el barco negrero “Virgen de Santa María”. Redobla, redobla fuerte el estridente tambor. Entre gemidos de esclavos ¡Se rematan los negros allá en la Plaza Mayor! (CARÁMBULA, 1995, p.89-91). 238 Estudos Hispânicos A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL EM AMADO Y ABORRECIDO DE CALDERÓN DE LA BARCA Eliane Maria Thiengo Demoraes Universidade Católica de Petrópolis / UFF A configuração espacial em ‘Amado y aborrecido’ «discrëtus», particípio passado de «discerněre», que significa distinguir; quando aplicada à pessoas corresponde a sua conduta, suas palavras, etc.; alguém, dotado de tato para fazer ou dizer o que lhe é conveniente e não causar moléstia ou desgosto a outros. Aplica-se àquele que não divulga o que interessa manter reservado. Significa ainda, aquele que não mostra De modo geral, um drama ou uma comédia são obras feitas por encomenda para comemorar alguma data festiva; foram pensadas como forma de celebração de algum fato ou data; pensadas como festa, como forma de reunião de pessoas para promover algum fato, ou simplesmente para distrair ou divertir, por esta razão, revela a forma de pensar e o comportamento da época. Ressalta Neumeister (2000, p. 78), que a arte, caminhava ao lado da Igreja, não discutia nem se contrapunha à verdade absoluta ditada por ela. É fato que o teatro destina-se ao público e que no XVII, este público estava composto por discretos. A palavra “discreto” é de origem latina, derivada de curiosidade impertinente. “No século XVII”, aponta Hansen (1996, p. 79), “é discreto o que não é vulgar”. A conveniência de não revelar o que interessa manter em sigilo remete à dissimulação e a aparência, que se compreende como outros atributos do discreto (HANSEN, 1996, p. 83), exemplificada, na obra de Calderón, normalmente, pelas personagens centrais. Baltazar Gracián, no capítulo VII, El hombre de todas las horas, menciona: “No se há de atar el Discreto a un empleo solo, ni determinar el gusto a un objeto, que es limitarlo con infelicidad; hízolo el Cielo indefinido, criollo sin términos; no se reduzca él ni se limite”. O discreto, para Gracián, era aquele que vivia e agia 239 Estudos Hispânicos A configuração espacial em ‘Amado y aborrecido’ segundo sua conveniência, por isto, não se deve atá-lo la posibilidad de documentar este éxito, símbolo de un nem, tampouco, limitá-lo. O tipo, comum no XVII, estado próspero, en relatos diplomáticos y en sueltas de aparecia também exposto no teatro. Hansen (1996, p. 83) lujo”. afirma que a discrição “é uma categoria intelectual que Seu poder é exibido diante de um público de classifica ou especifica a distinção e a superioridade de cortesãos, de embaixadores e de príncipes estrangeiros, ações e palavras, aparecendo figurada no discreto, que é porque esta festa serve para a glorificação da casa real um governante e, com este fim, se encarrega, se firma como tipo ou uma personagem do processo de interlocução”. auto representação da dinastia, exibindo-se ao país e ao O teatro de corte tinha como função a ostentação estrangeiro, pois, sabemos que na Europa a circulação do luxo (ELIAS, p. 61ss), era um recurso utilizado pelas dos modelos letrados da alta cultura circulava de cortes européias como forma de afirmação de seu maneira a que todas as cortes tomassem conhecimento poderio, pois, no “espectáculo de la fiesta quedan de suas festas como afirma Neumeister (2000, p. 126- cubiertos el entretenimiento y la ostentación cortesanos” 127): “en el ámbito del absolutismo europeo del siglo (NEUMEISTER, 2000, p. 9), isto em um período em que a XVII, sin embargo, no sorprende que las cortes de Espanha já estava em declínio político, econômico e Madrid, de Viena, de París o de Londres intentaran militar. Mais adiante, Neumeister (2000, p. 107), impresionar a sus nobles competidores con el envío de confirma este fato quando aponta que o rei cumpre seu testimonios dever, seu papel na festa, como representante da nação Complementa que “la suelta”, o folheto ou prospecto espanhola; acrescenta que o “éxito de la fiesta de corte no confeccionado a mando do rei para “la Fábula de de su esplendor y de su poder”. se mide por el pasatiempo logrado, sino, al contrario, por 240 Estudos Hispânicos A configuração espacial em ‘Amado y aborrecido’ Andrómeda y Perseo, de Calderón, atestigua, por lo tanto, Irene. _ ....................... hija soy de Lidógenes de Gnido, isla del archipiélago, que ufana, como esta a Venus consagrada ha sido, aquella consagrada fue a Diana: de cuyo opuesto rito ha precedido entre las dos la enemistad tirana que las mantiene en iras y rencores, hija de olvidos uma, otra de amores. la voluntad de auto representación de los Asturias”. Hansen (1996, p. 84) afirma, ainda, que: “é discreto” aquele que “domina os protocolos dos decoros, com discernimento do que é “melhor” em cada caso”. Seguindo sua linha de pensamento, no XVII, a monarquia ibérica tinha a discrição como padrão de racionalidade de corte definindo o cortesão; o homem universal estava O galã, Dante, se apaixona por Irene, a infanta, proposto também para todo o corpo político, por esta filha do rei de Gnido uma das ilhas de Chipre. Aminta, razão, a agudeza, a prudência, a dissimulação, o irmã do rei, é apaixonada por Dante e a trama gira em fingimento, a aparência e a honra são atributos da torno deste eixo central. discrição. Outra ação se desenvolve em paralelo: Vênus e A obra que neste Seminário trabalharemos está Diana, deusas do Amor e da Caça, respectivamente, uma dividida em três “jornadas” ou atos e apresenta algumas em oposição à outra, se interessam pelo conflito que vive características que lembram a primeira fase da produção Dante: Vênus desejando que vença o amor e Diana de Calderón. A história se passa em Chipre, primeira desejando que vença o desdém, colocando para Dante localização espacial, que de acordo com Chevalier provas que possibilitem sua escolha entre os dois (2007), estava consagrada a Vênus. Tal fato se confirma sentimentos. na primeira jornada, na réplica de Irene (1987, p. 1687): Na terceira jornada, finalizando a obra, acontece uma “mascarada”, ou seja, um baile de máscaras, comum 241 Estudos Hispânicos A configuração espacial em ‘Amado y aborrecido’ à época, onde todos, atores e público, mascarados celebram o triunfo do amor. reproduz no teatro são as estruturas espaciais que não No material consultado até o momento não encontramos referências A semióloga segue evidenciando que o que se sobre alguma data definem tanto as imagens do mundo concreto mas sim, de as imagens que os homens têm das relações espaciais na representação do drama, sabemos, entretanto que sociedade em que vivem e os conflitos daí gerados Amado y aborrecido foi, provavelmente, escrita antes de (UBERSFELD, 1993, p.110). Afirma que no teatro 1657; que foi publicada na Octava Parte de Comedias reproduzimos as idéias que fazemos ou temos do mundo Escogidas, em Madrid, no ano de 1657, assim como foi “real” (UBERSFELD, 1993, p. 111). Tal afirmativa levou- também impressa na Quinta Parte de Comedias de nos a questionar o espaço, o jardim e/ou bosque, usado Calderón, em Madrid, no ano de 1677. De acordo com a por Calderón, para a representação de Vênus. pesquisadora Louise Stein, (1999, p. IX) a obra é uma semi-ópera ou uma “fiesta cantada”. O espaço ou lugar cênico como área de jogo, lugar de cerimônia tomado como, simultaneamente, o lugar Para Anne Ubersfeld (1993, p. 110) a questão do onde se representam as transposições de uma poética espaço teatral “es el lugar mismo de la mímesis en que, textual e, ainda, as condições concretas da vida dos construido con los elementos del texto, deberá afirmarse homens, nos leva a pensar na possibilidade de Calderón al mismo tiempo como figuración de algo en el mundo ter usado o jardim e/ou bosque como lugar, também, de [...] el espacio escénico es el lugar propio de la teatralidad confidências, tornando-o propício, portanto, ao amor, ou concreta, entendiendo por ello la actividad que construye la representación”. seja, o locus amenus “que nos remete para a descrição da natureza” e, ainda, ao “paraíso cristão” de acordo com Susana Alves. Calderón era teólogo, logo, acreditamos 242 Estudos Hispânicos A configuração espacial em ‘Amado y aborrecido’ que seja viável ou possível a conexão com o aspecto cristão. De acordo com Chevalier (2007), Vênus é considerada, também, “o astro da arte” o que confirma O espaço cênico como conjunto de signos sua posição no teatro. Juan Perez de Moya (1977, p. 35- espacializados que designa uma figura como figura é, ao 36) esclarece as várias origens da deusa: a primeira mesmo tempo, a forma que toma o espaço e o símbolo da mencionada por Túlio e que “dicen ser hija de Cielo y del espacialidade da linguagem literária em sua relação com Día, que fué honrada en Elis, ciudad de Peloponeso, en o sentido. Tal proposição se confirma em Morris quando Grecia, y a ésta llamaron Venus la grande.” A segunda, precisa que um signo icônico é “signo semejante por filha também de Celio, nascida sem mãe, foi referenciada algunos por Ovídio em seu livro 4º das Methamorfoses. Atribui aspectos que denota” (MORRIS apud UBERSFELD, p. 115). sua origem as espumas dor mar junto ao sangue de seu Partindo deste conhecimento supomos que foi, pai porque Saturno lhe cortou as genitálias e por esta para Calderón, intencional colocar Vênus, a deusa do razão pode conversar com Netuno. Na primeira jornada amor na Mitologia Romana, em um bosque e/ou jardim, de Amado y aborrecido, temos a confirmação desta local adequado às confissões de amor, seguindo uma das versão na réplica de Diana em resposta a Lidoro, outro versões conhecidas. No primeiro ato, a didascália galã, quando pede piedade às deusas: explícita inicial localiza que a ação se dará em um (Dentro) Lid._ ¡Piedad, Diana! (Id.) Diana. _ A mí siempre me fue contraria la espuma, que es de la deidad Venus primer patria, primer cuna. [Bosque que rodea un castillo próximo al mar] (p. 1682). Se seu objetivo era perpetuar o conhecimento clássico, Vênus não poderia estar em outro lugar. 243 Estudos Hispânicos A terceira Vênus era filha de Iúpter com Dión, e “esta es la que fue dada por mujer a Vulcano y la que amó A configuração espacial em ‘Amado y aborrecido’ Calderón como nas pinturas de Velázquez, para não citar todas. a Marte”. Em algumas versões aparece como filha de O tema mitológico mostra-se com caráter didático, Saturno, em outras como filha de Baco. Aponta, ainda, bastante divulgado na Europa em geral; a Espanha não que Platão apresenta somente duas Vênus e dois permitia a arte pagã e “[...] las traducciones españolas de Cupidos. Boecio, publicadas desde el siglo XIV hasta finales del Calderón, intérprete cristão do mito clássico, XVII, la tradición de la alegorización de Ovidio se reconhece a importância e a abrangência deste presenta también ante los ojos de un público no erudito” conhecimento mitológico, ou seja, pagão, recebido nos (NEUMEISTER, 2000, p. 89) porque era moda nas cortes cinco anos de estudo com os Jesuítas e a impotência da européias, já cristianizadas em razão das condições Igreja em extingui-lo. Utiliza-o em seu teatro talvez, políticas, econômicas e religiosas, por isto, enquadradas como recurso para mantê-lo (NEUMEISTER, 2000, p. 96). no modelo da “moral oficial” (GÁLLEGO, 1996, p. 79). Concordamos com Curtius (1996, p. 305) quando diz que Além de seu sentido literal deveriam moldar-se “a un junto à Igreja, a antigüidade também venceu nos versos sentido moral aplicable a las relaciones con el prójimo” e, dos “famosos poetas e oradores”, onde a Inquisição não apresentavam ainda, “un sentido psicológico para el conseguiu chegar. Impossível seria apagar a tradição que buen gobierno de sí mismo, un sentido anagógico se perpetua através das obras mitológicas em geral, pois, referente a las obligaciones para con Dios” (GÁLLEGO, aparece representada durante o Renascimento e no 1996, p. 79). Barroco tanto nas obras literárias em Lope de Vega, Diante do exposto, reiteramos a idéia mencionada acima, alterando-a um pouco: dizíamos que pelo fato de 244 Estudos Hispânicos ser, Calderón, teólogo, sua obra elaborada para representação na corte de Felipe IV, o representante A configuração espacial em ‘Amado y aborrecido’ ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte: Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. material de Deus na terra, permite a conexão com o aspecto cristão porque mesmo abordando um tema GALLEGO, Julian. Visión y símbolo en la pintura española del siglo de oro. Madrid: Cátedra, 1996. pagão não escapa da “moral oficial”. GRACIÁN, Baltazar. El Discreto. Disponível em: <http://www.cervantesvirtual.es>. Acesso em: 26.12.05. Referências bibliográficas: ALVES, Susana. E-Dicionario de termos Literários Carlos Ceia. Disponível em: <http://www.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/L/locus_amoenu s.htm>. Acesso em: 29.10.07. CALDERÓN DE LA BARCA, Pedro. Obras Completas. Dramas, Tomo II. Recopilación, Prólogo y notas por Angel Balbuena Prat, 2ª ed. Madrid: Aguilar, 1987. CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 21ª ed. Rio de Janeiro: José Olímpio Editores, 2007. CURTIUS, Ernest Robert. Literatura Européia e Idade Média Latina. 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Visa-se sim, entender, em Maluco, quais são os procedimentos que o discurso ficcional realiza no ato da criação de outra verdade e, também, como o fingimento ficcional cria outro regime de significação da verdade. O objetivo, portanto, é discutir como se constitui o discurso ficcional e, através disso, A existência de mais de uma versão para um compreender como passa a ser possível a apreensão da mesmo acontecimento é possível quando se considera a ficção como algo que não quer ser encarado como relativização dos pontos de vista de quem o conta. Tendo verdade, mas que, simultaneamente, questiona a como ponto central esta relativização, a obra que serviu perspectiva da verdade chamada oficial. de base para o desenvolvimento deste trabalho foi Wolfgang Iser (1985, p. 385), afirma que a Maluco – romance dos descobridores, do uruguaio oposição realidade/ficção, aceita pelo saber tácito, não é Napoleón Baccino Ponce de León. O autor reescreve a suficiente para responder à pergunta “Como pode existir primeira viagem de volta ao mundo, comandada por algo que, embora existente, não possui caráter de Hernando de Magallanes, a qual havia sido relatada realidade?”. Para ele, tal questão só pode ser pensada em primeiramente por Antonio Pigafetta, cronista oficial da relação à tríade real/fictício/imaginário. expedição. A partir da experiência da leitura, o leitor sai de sua condição cotidiana (objetiva) e se desloca em direção 246 Estudos Hispânicos O narrador como construtor de realidade ao mundo imaginário criado pela obra, questionando e ficcional produz um duplo irreal, provocando um jogo reorganizando, assim, suas referências de mundo. O real em que a semelhança desdobra a diferença. Em outras e o ficcional são, então, redimensionados. Aparece a palavras, figura do imaginário que estabelece uma interação com alternativas de ser e, assim, irrealiza o real para realizar os atos de fingir, através da interação e do jogo o imaginário. comunicativo que ocorre entre leitor e texto. a ficção cria imaginariamente formas Há, no entanto, uma imagem convincente, que tem A ficção precisa ser tratada como se fosse de ser verossímil, que “obriga” o leitor a encarar aquela realidade, apesar de, sabidamente, não o ser. As ficções impossibilidade oferecida pelo discurso literário, como se literárias privilegiado, fosse real. Neste momento, o leitor passa pela experiência primeiramente, porque, através do auto-desnudamento, da alteridade, experimentando a possibilidade de ser admitem-se como ficções, enquanto todos os outros imaginariamente um outro. articulam um saber discursos (histórico, jornalístico, político, científico, etc.) É um erro, porém, acreditar que as ficções estejam estão comprometidos com os protocolos de verdade. presentes somente na literatura. A questão é que os Além disso, as ficções literárias facultam aos sujeitos discursos não-literários se organizam em torno de uma aprendizagem ativa, tanto em termos cognitivos protocolos de verdade. Estes protocolos representam quanto afetivos, por meio da atividade do imaginário que uma espécie de contrato que os discursos não-literários nos oferece a possibilidade de uma experiência de assumem para que possam ser legitimados como alteridade. Na escrita ficcional, predomina a instância verdadeiros. Isso quer dizer que os critérios de verdade, imaginária, ocorrendo um tipo especial de pacto sustentados por tais discursos, são admitidos pelas comunicacional entre leitor e texto. Esse imaginário sociedades a partir de produção de consensos. 247 Estudos Hispânicos Para situar, O narrador como construtor de realidade posteriormente, a verdade a O comprometimento do autor diante da obra gera contrapelo de Maluco, é necessário que se faça ainda, a necessidade de uma máscara importante, não depois do panorama das teorias de Iser acerca do inventada, que possa assumir o posicionamento deste em ficcional, uma visita à teoria de Bakhtin, que posiciona o relação à vida que ele evoca, aos leitores e ao público. bufão na teoria do romance, concedendo-lhe direitos e Esta máscara, no entanto deve ser bastante consistente, privilégios. para que seu discurso seja levado a sério. O bufão Segundo Bakhtin, as figuras do trapaceiro, do socorre o romancista, assumindo essa máscara e bufão e do bobo vêm da literatura medieval para o funciona tão bem por seu caráter originalmente tão romance europeu, assumindo aí uma função bastante popular. O bufão participa da vida sem tomar parte dela, especial. Para o desenrolar desta pesquisa, o bufão, é seu observador e utiliza-se de maneiras específicas especialmente, tem importância singular, visto que o para refletir as revelações ao público, também a respeito narrador de Maluco, Juanillo, é o bufão da frota da vida privada do próprio público. (BAKHTIN, 1988). O bufão denuncia a falsidade e a hipocrisia da O bufão não é uma figura “deste mundo” e, sociedade que o cerca, sendo, porém, tão alegre, com tal portanto, goza de direitos e privilégios especiais. Ele cria simplicidade desinteressada, que sua denúncia adquire uma maneira peculiar de exteriorizar o homem através tom de sintética paródia, que não ofende, e, ao contrário, do riso, pois esta figura, que ri e é simultaneamente faz rir. Este personagem, portanto, tem objeto de riso, leva tudo à tona. É justamente nisso que consiste sua função: viver no lado exterior (BAKHTIN, 1988). o direito de não compreender, de confundir, de arremedar, de hiperbolizar a vida; o direito de falar parodiando, de não ser literal, de não ser o próprio indivíduo; o direito de conduzir a vida pelo cronotopo intermediário dos palcos teatrais, 248 Estudos Hispânicos O narrador como construtor de realidade de representar a vida como uma comédia e as pessoas como atores; o direito de arrancar as máscaras dos outros; finalmente, o direito de tornar pública a vida privada com todos os seus segredos mais íntimos. (BAKHTIN, 1988, p.278) corresponde à área mundana, preferencialmente orientada para o interesse prático. Assim, a narrativa verdadeira tem utilidade. O narrador sabe dar conselhos ao ouvinte, pois tem uma vasta bagagem de experiências Juanillo Ponce, o narrador de Maluco, se encaixa muito bem nos moldes do narrador proposto por Benjamin (1980). No entanto, para Benjamin, a narrativa é algo que não pode dar-se no âmbito do romance, fato que, em Maluco, dá-se de forma esplendorosa. A seguir, observam-se os pontos de contato de Juanillo com a teoria de Benjamin, assim como os artifícios usados por Napoleón Baccino Ponce de León para enquadrar este narrador benjaminiano em seu romance dos descobridores. Para Benjamin, narrar é trocar experiências. O bom narrador pode ter duas procedências: ou é um lavrador ou é um marinheiro mercante. Camponeses e marinheiros são, para ele, os grandes mestres da narração, pois reúnem em si o conhecimento do lugar distante e o conhecimento do passado. Sua atitude a serem compartilhadas (BENJAMIN, 1980). No entanto, segundo Benjamin, a narrativa morreu com o avanço do romance, na era moderna. O que separa o romance da narrativa é o livro em si, pois o romance não deriva da tradição oral e tampouco entra nela e o narrador, por outro lado, “colhe o que narra na experiência” (BENJAMIN, 1980, p.59). A exigência por informação verificável é incompatível com o espírito da narrativa, pois o que é verdadeiramente narrado elenca a amplitude que falta à informação. A narrativa é uma forma artesanal de comunicação. Não transmite a essência da coisa em si, como uma informação ou um relatório: mas mergulha a coisa na vida de quem relata, para extraí-la outra vez dela. Assim, o narrador imprime a sua marca pessoal em seu relato. 249 Estudos Hispânicos O narrador como construtor de realidade O narrador começa com a apresentação das narrador tem uma relação artesanal com a sua matéria circunstâncias em que ele tomou conhecimento do que (que é a vida humana). O talento genuíno está em saber será narrado, pois ela faz parte de sua experiência narrar sua vida inteira. pessoal. Ocorre uma lenta superposição de camadas finas Todo este perfil do narrador de Benjamin e transparentes que oferecem a imagem mais exata da descreve Juanillo Ponce, porém, é na teoria de Adorno maneira pela qual a narrativa emerge da estratificação (2003) que ele ganha lugar no romance. Adorno diz que a de múltiplas narrações. (BENJAMIN, 1980, p.62). Dessa posição do narrador, hoje, é caracterizada por um forma, o narrador benjaminiano possibilita a reprodução paradoxo: “não se pode mais narrar, embora a forma do da memória, e, conseqüentemente, da tradição, que romance exija a narração” (ADORNO, 2003, p.55). permite a passagem do conhecimento. Acrescenta que, da mesma maneira que a pintura perdeu A narrativa traz um suspense final que possibilita funções tradicionais para a fotografia, o romance a vontade de saber como tudo continuou. Já o romance também as perdeu para a reportagem, para os meios não alimenta esperanças de um passo além. Quem ouve industriais e para o cinema. Assim, o romance teve de se uma história está na companhia do narrador, enquanto o concentrar no que não era possível dar conta por meio romance é uma prática solitária tanto para o escritor, do relato. Porém a emancipação do romance em relação quanto para o leitor. ao objeto foi limitada pela linguagem. Dessa forma, A narrativa não se dá apenas na esfera da voz, ela ocorre através do sensorial completo, envolve cheiros, movimentos, gostos, cores e formas, e claro, sons. Narrar o que se desintegrou foi a identidade da experiência, a vida articulada e em si mesma contínua, que só a postura do narrador permite. (...) Pois contar algo significa ter algo especial a dizer, e justamente isso é impedido pelo mundo é uma coordenação artesanal de alma / olhos / mãos: o 250 Estudos Hispânicos administrado, pela estandardização mesmice. (ADORNO, 2003, p.56) O narrador como construtor de realidade e pela Segundo Adorno (2003), o narrador ergue uma cortina e o leitor tem de participar do que acontece, pois E, desde uma perspectiva do vencido, sua construção resulta na verdade a contrapelo que questiona o estatuto da verdade oficial. a subjetividade daquele se afirma na força que produz a Com a finalidade de assegurar a verossimilhança técnica da ilusão e na linguagem. Através de choques, o do relato, ou seja, para garantir sua dimensão de narrador destrói no leitor a tranqüilidade contemplativa realidade, uma série de jogos ficcionais ao longo de diante do que está sendo lido. Maluco são entrelaçados, funcionando como a lenta A construção da história a contrapelo, como propõe Benjamin (1996), é executada por este narrador superposição de camadas finas e transparentes proposta por Benjamin. benjaminiano que cabe, porém, no romance moderno. O Seguem exemplos retirados de Maluco, que teórico afirma a existência da narrativa dos vencedores e ilustram alguns desses jogos, relacionando-os às dos vencidos. Escrever a história a contrapelo seria características do narrador benjaminiano. Quatro pontos justamente dar voz aos vencidos. serão analisados: a justificativa, a intertextualidade, a Em Maluco, Juanillo é um vencido. O próprio se descreve como: sendo minha mãe judia e meu pai desconhecido, e eu um tanto anão e bastante mal-acabado, e apesar de levar nas minhas partes o sinal do convertido, e ser confundido com um comuneiro por causa de meu senhor dom Juan, e não ter outro ofício que o de bufão e chalaceiro (PONCE DE LEÓN, 1994, p.64) desfazimento de hierarquias e o emprego de sinestesias e velocidades. a) Justificativa. Juanillo é um marinheiro, portanto se encaixa no primeiro requisito de Benjamin para ser um narrador. Todo seu relato se baseia em sua experiência vivida durante os três anos da viagem de 251 Estudos Hispânicos O narrador como construtor de realidade circunavegação. Este relato, no entanto, tem uma razão quanto o diálogo intertextual é importante. Observe-se o de ser muito específica, muito bem justificada no texto: trecho: E assim, ao me ver sozinho com minha verdade, disse a mim mesmo: não tenho ninguém além de dom Carlos. Ele tem de crer em mim. Ele tem de saber de mim. Sua Alteza sabe quem é o conde de Maluco. Dom Carlos fará que eu seja restituído às listas, e que seja devolvida a minha pensão. E, se for muito trabalho tornar a elaborar as listas, que pelo menos eu recupere meus dinheiros. E me pus a escrever esta crônica, que prossegue assim (PONCE DE LEÓN, 1994, p. 36). No ano da Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1519, eu, Juanillo Ponce, natural de Bustillo do Páramo, no reino de León, vim com meu senhor, o conde dom Juan, a seus domínios em Monturque, perto de Córdoba, a Infiel. E como quis o destino que aquele grão senhor, o mais generoso e amável dos amos, que Deus o tenha no Purgatório, posto que a luxúria é pecado menos, morresse poucas semanas depois nos braços de Eros, por assim dizer, já que ele era tão esforçado na guerra quanto no amor, e não menos valente apesar dos anos, decidi vir a Sevilha para exercer meu ofício de bufão e ter assim oportunidade de tentar a sorte nas Novas Índias descobertas, havia pouco, pelo Almirante. E estando nesta cidade dos reinos de Vossa mercê, divertindo com minhas artes a chusma marinheira a troco de um pedaço de pão, soube que estava sendo preparada uma expedição a Maluco, e resolvi tentar a sorte nela. (PONCE DE LEÓN, 1994, p.5) b) Intertextualidade. A intertextualidade em Este curto parágrafo exemplifica uma série de Maluco é muito forte e presente em praticamente todo o fatos. A primeira delas, é que, ao começar o livro desta romance. O simples fato de ser “uma espécie de contra- maneira, Napoleón Ponce de León reafirma Juanillo como diário de Pigafetta” (COUTINHO, 1992, p.7) já mostra o o narrador de Benjamin, que diz “o narrador começa com ele perdeu o direito à pensão pela participação na expedição e seu relato, de caráter epistolar, dirigido a Carlos V, já velho e retirado, objetivando que este interceda junto a seu filho, o Rei Felipe II, para que devolva ao bufão o direito à pensão. Exemplo retirado, entre muitos, encontra-se no trecho de Maluco: a apresentação das circunstâncias em que ele tomou 252 Estudos Hispânicos O narrador como construtor de realidade conhecimento do que será narrado” (BENJAMIN, 1980, p.62). A distância entre bufão e narrador encontra sua principal expressão no que diz respeito ao domínio Além disso, apenas neste trecho temos alguns corporal, no intestino, nas necessidades, nas funções exemplos da intertextualidade que acompanha a obra: há vitais referência bíblica, referência à mitologia greco-romana, à alimentação. Bom exemplo está na página 91, quando o novela picaresca, ao Matadero, de Esteban Echeverría bufão questiona os hábitos intestinais do rei: para a sobrevivência, principalmente, na c) Desfazimento de hierarquias. Segundo Moreno Inclusive cheguei a me perguntar se Vossas Mercês, os reis, cagam, se com toda a vossa majestade se põem de cócoras sobre um balde e fazem força, se tiram a capa de arminho e as sedas e os veludos por conta própria, ou se um pajem tem essa tarefa de honra adicional de limpar vossos cus, se existe nos palácios algum lugar destinado a tais tarefas, todo de ouro e essências. (PONCE DE LEÓN, 1994, p.91) Turner (1999), há no texto um diálogo constante entre o E, em seguida, recomenda: “Eu, por exemplo, bufão e Carlos V, em que se alternam depreciações e quando vou à latrina fico tão em paz comigo mesmo enaltecimentos. Aí se evidencia a separação enorme que como se eu tivesse assistido a uma missa. (...) Seja como há entre eles, através do que vai se construindo a for, se é que o senhor não tem esse hábito, deixe-me imagem do soberano, mas, ao mesmo tempo, uma dizer-lhe que deverias adotá-lo, porque não apenas é aproximação entre eles vai surgindo e intensificando-se. bom para o corpo, mas também para a mente.” (PONCE (pela seleção do vocábulo “chusma” para referir-se aos marinheiros), à Divina Comédia, etc. Poder-se-ía aprofundar ainda mais estes diálogos intertextuais. Porém, já é de se esperar que o que se anuncia no primeiro parágrafo se desenvolva ao longo do romance. DE LEÓN, 1994, p.91) Nesta passagem, com muita ironia e tratando Calos V de “tu”, Juanillo inverte a hierarquia, 253 Estudos Hispânicos igualando-se a ele e, em certo ponto, superando-o, já que está apto (por ser bufão) a lhe aconselhar sobre algo que julga que o rei não tenha conhecimento. Dessa forma, mais uma vez Juanillo se enquadra no narrador benjaminiano, quando, ao narrar, aconselha. Mais uma passagem na qual Juanillo põe em cheque o poder do rei é “Enfim, dom Carlos-Carlitos, não há nada a fazer. Nem você, com todo o seu poder, pode voltar no tempo, como vê; de que serve ser rei?” (PONCE DE LEÓN, 1994, p.244) O narrador efetua uma mudança constante na forma de tratamento ao rei, variando da formalidade irônica à informalidade íntima, dependendo de sua intenção. d) Emprego de sinestesias e velocidades. Ao longo de todo o romance, a sinestesia está muito presente, como forma de intensificar as sensações e sentimentos, como se observa na passagem: E, então, o caos. Vozes de comando. Gritos de fúria. Alaridos de dor. O estampido dos mosquetes. O estrondo das bombas. O chiado das balestras. O zumbido de vespa das flechas. O vôo silencioso das lanças. O cheiro picante da pólvora. O adocicado do O narrador como construtor de realidade sangue. O acre dos aços. O de couro dos arneses e o suor dos corpos. O dos excrementos dos feridos. E a tepidez da água nas pernas. E o gosto de sangue e de vísceras na boca. E o gosto ácido da comida da noite anterior. O ardor no estômago. A dor nas tripas. A vontade imperiosa de evacuá-las. E as pessoas que correm. Que se atropelam. Que pisoteiam os feridos. Que passam em tropel sobre os mortos. Que começam a fugir apavoradas porque nada foi como achavam que ia ser. Como o Capitão tinha dito. (PONCE DE LEÓN, 1994, p. 236) Também nesta passagem, observa-se que o narrador dá rapidez às cenas que são dotadas de velocidade. Neste trecho, são as frases nominais curtas que descrevem a cena como num video clip. Um recurso muito interessante foi usado para indicar a circularidade da terra, atestada na expedição da qual fazia parte Juanillo, e, ao mesmo tempo, a ciclicidade do tempo, ou sua não-passagem, principalmente no que diz respeito ao cotidiano: as páginas 8-9 (referentes à partida da frota) e 280-281 (referentes ao retorno dos sobreviventes) dizem a mesma coisa, com as mesmas palavras, na mesma ordem. Ou seja, enquanto a frota 254 Estudos Hispânicos O narrador como construtor de realidade circunscrevia o mundo, na Espanha, tudo continuava ficção, tudo o que no mundo objetivo é facilmente igual. identificado como verdade, fica em suspenso. Isto se A relativização do conceito de verdade e deve ao fato de que real e ficcional deixam de ser planos dos limites do que aparentemente é a realidade ficam opositivos, e passam a funcionar através de um pacto claras diante de Maluco. Sua narração está inserida no entre o fictício e o imaginário, entre o leitor e o texto, e, estatuto portanto, não são mais critérios objetivos que podem concreto da ficção, de tal modo que desaparecem as fronteiras entre a apresentação do discerni-los. mundo e sua representação imaginária. (MORENO TURNER, 1999, p.15). Daí deriva uma concepção de Referências Bibliográficas verdade muito diferente que é pura subjetividade. Aqui, a possibilidade inesgotável de imaginar é o verdadeiro descobrimento. Retomando os conceitos de Iser e articulando-os à análise feita do narrador e dos mecanismos usados por ele para modelar uma realidade que não se choca com a oficial, porém a complementa a partir de ADORNO, Theodor. Posição do narrador no romance moderno. In: ___. Notas de Literatura I. São Paulo: Editora 34, 2003, pp. 55-63. BAKHTIN, Mikhail. Funções do trapaceiro, do bufão e do bobo no romance. In: ___. Questões de Literatura e de estética: a teoria do romance. São Paulo, Hucitec, UNESP, 1988, p. 275-281. seu questionamento, é possível verificar que há fronteiras BENJAMIN, Walter. Magia e técnica: arte e política. São Paulo: 1996. indiscerníveis na ficção. Sendo assim, na leitura de Maluco, admitir/sentir algo como verdade só pode ______. O narrador. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 57-73. resultar de um pacto entre leitor e texto. No âmbito da 255 Estudos Hispânicos COUTINHO, Wilson. A nau dos insensatos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 14 mar. 1992, Idéias/Livros, p.6-8. ECHEVERRÍA, Esteban. El matadero. In:___. El matadero – La cautiva. Madrid: Ediciones Cátedra, 1986. ISER, Wolfgang. Os atos de fingir ou o que há de fictício no texto ficcional. In: COSTA LIMA, Luiz (org). Teoria da Literatura em suas fontes. v.II. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985, p. 385-416. O narrador como construtor de realidade PIGAFETTA, Antonio. A primeira viagem ao redor do mundo: o diário da expedição de Fernão de Magalhães. Trad. Jurandir Soares dos Santos. Porto Alegre: L&PM, 2005. PONCE DE LEÓN, Napoleón Baccino. Maluco: romance dos descobridores. Trad. Eric Nepomuceno. 2a reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. MACHADO, Irene A. A teoria do romance e a análise estetico-cultural de M. Bakhtin. Disponível em <http://www.usp.br/revistausp/n5/fmachadotexto.html > Acesso em: 12 jun. 2007. MORENO TURNER, Fernando. Parodia, Metahistoria y Metaliteratura: En torno a Maluco, de Napoleón Baccino Ponce de León. Revista Hispamérica. Vol. 28, n. 82, sbril, 1999, p. 3-20. ORTEGA GONZÁLEZ-RUBIO, Mercedes. "Maluco, la novela de los descubridores", de Napoleón Baccino Ponce de León, o la nueva novela histórica. Espéculo. Revista de estudios literarios. Madrid, 2003. Disponível em <http://www.ucm.es/info/especulo/numero25/maluco. html> Acesso em: 10 jun. 2007. 256 Estudos Hispânicos O poeta argentino Enrique Molina O POETA ARGENTINO ENRIQUE MOLINA E O RETRATO DA CIDADE VIETNAMITA HUE Luísa Perissé Nunes da Silva UFRJ A cidade de Hue havia sido capital do país de 1802 a 1945 e está situada às margens do Rio dos Perfumes, que provavelmente recebeu esse nome por causa do aroma das ramagens de pinheiros e coníferas que se arrastava pela brisa ao longo do vale. O Rio dos Perfumes, no poema de Enrique Molina, assume a conotação de processo de criação literária, já O poeta argentino Enrique Molina nasce em Buenos Aires em 1910 e falece na mesma cidade em 1997. Considerado um dos poetas latino-americanos mais destacados do século XX, Molina identificava-se com as idéias e as propostas de Arthur Rimbaud e do movimento surrealista embora manifestasse sua predileção pela poesia de Charles Baudelaire. Destaca-se, entre sua produção, Hue (MOLINA, 1991), um representativo poema sobre a cidade vietnamita de mesmo nome, que foi vítima dos trágicos que dá início ao poema: Donde el Río de los Perfumes mueve sus ligeras llamas bajo la luna y las mujeres cantan en su boca y hunden sus rostros de ópalo vivo en muslos que reverberan entre címbalos un antro dormido al esplendor de oscuras dinastías emperadores de labios inmóviles y grandes testículos de oro cuya bilis era el relámpago cuya sombra es piedra labrada jardines y sueño (MOLINA, 1991, p.169) bombardeios da fumaça de napalm durante a guerra do Vietnã. No final de janeiro de 1968, quando se celebra o Ano Novo vietnamita, a cidade de Hue cai nas mãos dos rebeldes do norte. Diante das armadilhas dos vietcongs, 257 Estudos Hispânicos O poeta argentino Enrique Molina Nós futuristas contestamos a afirmação de que a guerra é antiestética [...] A guerra é bela porque [...] funda a supremacia do homem sobra a máquina subjugada. A guerra é bela porque inaugura a metalização onírica do corpo humano. [...] A guerra é bela, porque conjuga [...] os perfumes e os odores de decomposição; [...] cria novas arquiteturas [...] e as espirais de fumaça pairando sobre aldeias incendiadas são uns dos princípios da estética da guerra. (BENJAMIN, 1994, p.195-196) os Estados Unidos lançam mão da bomba de napalm: uma fumaça desfolhante; uma bomba incendiária feita com gel inflamável e condenada pelas Nações Unidas. A guerra do Vietnã foi a primeira com cobertura televisiva maciça. Em 30 de abril de 1975, os Estados Unidos retiram seus últimos representantes da cidade de Saigon e o Vietnã é reunificado sob regime comunista. Ao se voltar para o poema de Enrique Molina, pode-se perceber uma tragédia incomensurável e, simultaneamente, uma linguagem poética de raríssima beleza. Segundo Walter Benjamin (1994), todos os esforços para estetizar uma ação política convergem para um ponto: a guerra. Somente a guerra vai permitir o alcance de um objetivo político, qualquer que seja. No caso do Vietnã, a guerra foi a saída para a conquista da independência. Já o escritor italiano Filippo Tomaso Marinetti (1876-1944), afirma, em seu manifesto sobre a guerra A Hue inicial, capital do império vietnamita por 143 anos, embelezava-se devido à presença do Rio dos Perfumes, “el río de seda”, que, juntamente com as extraordinárias construções arquitetônicas imperiais, fazia de Hue “la vieja ciudad sagrada”. (MOLINA, 1991, p.169,170) la vieja ciudad sagrada los monasterios de mármol construidos sobre cráneos de colibríes y el río de seda arrastrando mercaderías frutas podridas lenguajes y juncos de velas negras de cáñamo pomada de plumas (MOLINA, 1991, p.169) colonial da Etiópia, que 258 Estudos Hispânicos A partir da bomba de napalm, ocorre a impetuosa ruptura tão bem retratada no poema de Molina. A cidade, então, tomada pelas chamas, modifica-se. Y de pronto la rajadura ciega ciudad arrasada hasta no quedar ni un bloque de piedra en sus mandíbulas quemada viva como el bonzo en su súplica atroz desnudo su flanco incandescente llaga deforme entre tizones salen de las raíces desde los arrozales secretos (MOLINA, 1991, p.170) Daí surgirá outra Hue, que nascerá de “los muertos latentes en el aire”. Essa Hue, fantasma, formada de “sombras de cadáveres” resiste “hasta la última llama” mas chora em silêncio de sangue. (MOLINA, 1991, p.170,171) O poeta argentino Enrique Molina desgarradura y convulsión de esa rugiente maternidad de pólvora otra Hue ha nacido -su doble de piedras impalpablesmuertos latentes en el aire ¡oh criaturas del monzón! (MOLINA, 1991, p.170) O olhar sobre Hue reflete a memória do caos. O Rio dos Perfumes carrega a semântica de uma Hue imóvel no tempo onde a reminiscência se faz presente em cada detalhe, em cada gesto, em cada personagem desse passado. Um passado que ainda é pesadelo e, nas sombras, resgata a memória das almas perdidas. Hue fantasma hecha de sombras de cadáveres la obstinada resistencia sin término (MOLINA, 1991, p.171) A arquitetura bela e majestosa tranforma-se em restos imperiais. As chamas também recuperam a esos hijos volcánicos se aferran a una indomable arquitectura y entre el estallido de la sangre barridos de napalm y crimen apostados sobre tumbas reales exaltaron su propia muerte con una majestad salvaje memória da cidade de Hue perdida e queimada viva. A memória histórica guarda o caos e o sentido de que a guerra amplia o campo universal da calamidade. A morte traz à tona o aspecto perecível da existência humana e a 259 Estudos Hispânicos degradação do curso da vida, simbolizado pela gangrena do Rio dos Perfumes de Hue. Hue defendida hueso a hueso Hue triturada Hue mortaja de sol Hue resistida hasta la última llama Hue de ojos de felino entre los intersticios del desastre Hue coagulada ahora en la memoria verdosa pesadilla en alguna charca tan triste cielo gato que llora a gritos sábana venenosa plato donde cae sangre en vez de arroz (MOLINA, 1991, p.171) O poeta argentino Enrique Molina No fim, Hue já não é mais aquela cidade do início: imperial e sagrada. Agora, há somente o vazio e a destruição. O poeta retrata a cidade como um espelhismo, ou seja, Hue não é real, é apenas o reflexo do que um dia existiu. Da mesma forma é exposto o Rio dos Perfumes. A bela natureza contemplada inicialmente passa a ser refletida simbolizando a calamidade universal. A guerra contaminou provisoriamente o rio, porém, as almas que ainda vivem foram afetadas para O caos, em sua totalidade, significa a derrota do ser humano diante do mistério. Hue, modificada, não pode esconder as almas e os rastros de lume que recobrem a cidade. Tais espectros de fogo conotam a secura causada pela bomba de napalm em contraponto com a água, com o úmido, representações da vida. la trenza que se entreabre y deja ver los cálidos demonios de la piel tanta lumbre de cabaña tan lejos la huella de sandalias en la arena la mujer lacia bajo la hoja del banano llena de espectros (MOLINA, 1991, p.172) sempre. outra Hue ondula entre la niebla de espejismo Hue reverbero sobre el casco inflamado del “marine” (MOLINA, 1991, p.172) Hue é uma composição poética desenvolvida de maneira cíclica pois apresenta o Rio dos Perfumes como elemento inicial e final. É simbolizada, portanto, a mudança representativa da cidade. Se antes o rio moviase ligeiro, “Donde el Río de los Perfumes mueve sus ligeras llamas bajo la luna” , agora segue lentamente seu curso (MOLINA, 1991, p.169). 260 Estudos Hispânicos Hue inviolable donde el Río de los Perfumes gira lentamente alrededor de la luna (MOLINA, 1991, p.172) O poema pode ser dividido, portanto, em três claros e significativos campos semânticos: Hue como cidade sagrada; a desumana ruptura e Hue como cidade O poeta argentino Enrique Molina CHEVALIER , Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1988. LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Trad. Maria Cristina Tavares Afonso. Lisboa: edições 70, 1982. MOLINA, Enrique. Antología Poética. Edición de E. Espejo. Madrid: Visor, 1991. fantasma. Ao longo do desenvolvimento do poema, percebe-se a gradação desses campos: a imagem de Hue vai se modificando e, em seguida, cria-se para o leitor um retrato fiel da destruição de uma cidade sofrida pelas atrocidades da guerra. Referências Bibliográficas BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios. Conceito de História sobre Literatura e História da Cultura. Trad: Sérgio Paulo Rouanet. 7ª Edição. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhias, v.p1) BORGES, Jorge Luis. Después de las imágenes. Inquisiciones. Madrid; Alianza, 1998. 261 Estudos Hispânicos LA CULTURA ESPAÑOLA EN LOS VERSOS DE JOAQUIN SABINA Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento UFF Profesora formadora de profesores de Español, Lengua Extranjera (E/LE), pienso, al trabajar un texto en clase, en las muchas posibilidades de ensanchar la visión del mundo de todos aquellos a los que ese texto llegará, por vía directa o indirecta. O sea, me interesa instrumentar a mis alumnos/profesores de modo que tengan posibilidades de ofrecer a sus alumnos una visión amplia del rostro del otro cuyo universo se está recorriendo por medio de un texto. Lo que les ofrezco en esta ponencia dice respeto a un país tan diverso cuan fascinante: España, una vez que tomaré como base de mis reflexiones un poema/canción de autor español y tema específicamente español. Por supuesto que en los límites de una comunicación, no trataré de ofrecer mi La cultura española en los versos de Joaquín Sabina lectura integral de cada uno de los poemas canciones elegidos, sino discutir unos cuantos elementos que integran la malla del texto y observar cómo el conocimiento de una referencia socio-histórico-cultural contribuye para abrir al lector/oyente un universo que le parecía hermético y lo mantenía al margen de dicho texto. Me mueve la posibilidad de, por medio de un género híbrido, como es la canción, provocar un movimiento de desestabilización que inquiete al oyente / lector, desafiándolo a adoptar una actitud de búsqueda en ese universo oculto bajo palabras, a primera vista conocidas, del poema / canción que en su secuencia no se constituyen, para el lector, como un texto claro, coherente. Sería de desearse que el oyente lector, aprendiz brasileño, al entrar en contacto con un cuerpo textual que encierra una realidad lingüístico-cultural diferente, “extranjera”, se sienta motivado a establecer un diálogo con ese universo nuevo que lo provoca a sobrepasar los limites del cotidiano en el que está 262 Estudos Hispânicos La cultura española en los versos de Joaquín Sabina inmerso, un primer movimiento, aunque inconsciente, en Mato Grosso, Manuel de Barros, cuando afirma: “Uma la dirección de una transformación posible, plena de palabra abriu o roupão para mim. Ela deseja que eu a significados en el horizonte socio-histórico-cultural seja.”1 (BARROS, 1996, p. 70). Aunque en otro idioma, es brasileño hoy. posible más que aprehender la palabra, zambullirse en Es sabido que un texto es pasible de múltiples ella. lecturas y que cuando la lengua del texto difiere de la Pues ésa es la idea: hacer que, a través del texto de lengua del lector, la complejidad aumenta, sin implicar, un poema/canción actual, el “enredo” del universo necesariamente, un empobrecimiento, ya que la mirada España se llene de luz, se redimensione por la audición / no mediatizada, la del alumno, en el caso, puede lectura de la palabra cantada de Joaquín Sabina, de enriquecer el texto (ZYNGIER, 2004, p. 201). La pregunta manera a permitir que los estudiantes descifren las que se impone es si por estar en otro idioma y expresar diferencias, encuentren los sentidos ocultos en palabras otras culturas, serían las palabras del texto aquellas y expresiones del otro, en elementos del proceso palabras embalsamadas a que se refiere Saramago histórico de la España actual, en las referencias a lo (SARAMAGO, 2003, no paginado). Ya dije en otra cotidiano de un país que es uno y es múltiple, en su oportunidad que cualquier palabra en no importa qué diversidad, idioma se quedará embalsamada mientras no exista un Al lograrlo, se posibilita el establecimiento de la movimiento dinámico para infundirle el resucitador coherencia de un texto, con muchas dificultades de soplo vital que le permita revelarse, mostrarse en sus comprensión en un primer momento y que, de a poco, se varios significados, desdoblando sus infinitas posibilidades, permitiéndole al lector repetir al poeta de 1 “Una palabra abrió su bata para mí. Ella desea que yo la sea” Traducción de la autora. 263 Estudos Hispânicos La cultura española en los versos de Joaquín Sabina abre y permite al lector / oyente degustarlo en plenitud, conocimiento amplio, abarcador y actualizado para como es el caso de Paisanaje, poema de Sabina con descifrarlo. canción de su paisano Paco Ortega, que está en el CD: “Alivio de Luto”, de 2005. Llama la atención la habilidad poética con que Sabina reúne los más diversos datos y hechos dentro de Se trata de un largo poema, como suelen ser los un universo multicultural, como el universo español, y poemas canción de Sabina. Mi elección se apoya en dos los hace dialogar con los valores del cotidiano de España, puntos básicos: en primer lugar, la calidad estética del hoy. Y es justo esa rápida asociación la que le permite poema; luego, la rica diversidad cultural española que se expresarse en una secuencia de metáforas cuya llave evidencia en los tópicos de que se vale el poeta cantor frecuentemente nos escapa. Tal como en la poesía de como base metafórica o referencias cotidianas de su Federico García Lorca que primero nos atrapa quizás por poema. Tal diversidad está asociada a una instigadora el juego fónico, su musicalidad, una que otra referencia visión crítica y a un tiempo amorosa del mundo a su conocida al universo andaluz o por la misma complejidad alrededor: Andalucía, España. del vasto campo metafórico con que está tejida, el poema Paisanaje ofrece al lector oyente una secuencia de canción de Sabina igualmente nos atrapa, nos seduce, informaciones no previsibles que dificultan, en un primer aunque el deseado diálogo lector / oyente x texto / momento, su comprensión. No hay obviedad, el poeta canción no se establece al instante. Se merece la pena articula, ya en la primera estrofa, elementos que resultan recordar al poeta García Lorca quien, en una conferencia incoherentes. El mundo que se ofrece a la lectura / sobre la imagen poética en Góngora, poeta sevillano, audición, aunque se apoya en una España real, expresa la comentó el especial gusto del pueblo español por un amplia y personal visión del autor y requiere de un lenguaje lleno de metáforas e imágenes, afirmando que el 264 Estudos Hispânicos La cultura española en los versos de Joaquín Sabina pueblo español tiene una riqueza magnífica de ellas. Y su lectura / audición. Al oyente / lector le corresponderá complementa la secuencia de ejemplos que ofrece a los establecer la coherencia en el mundo recreado en oyentes con la frase: “En Andalucía, la imagen popular Paisanaje, buscar las pistas por medio de las cuales llega a extremos de finura y sensibilidad maravillosas construirá su lectura. Eso confirma la conocida reflexión […]” (GARCIA LORCA, 1991, p. 224). de Paulo Freire (2001, p.9) cuando dice que “el acto de Como Góngora y García Lorca, el andaluz Sabina leer no se agota en la decodificación pura de la palabra también conoce el arte de extrema finura y sensibilidad escrita o del lenguaje escrito; al revés, se anticipa y se del juego de imágenes y metáforas. Empieza allí, en la alarga en la comprensión del mundo”. Si el mundo rural y seducción de gitano de García Lorca y el mundo urbano, en su proceso decodificación inmediata con el auxilio de un diccionario histórico, de Sabina son desconocidos, se cierran las y sin embargo, tan herméticas, un ballet de seducción al posibilidades de cooperación necesaria de parte del ritmo de la rumba flamenca de Paco Ortega, de la voz de oyente / lector para alcanzar el sentido del texto. de aquellas palabras pasibles Sabina y de cada uno de los instrumentos, elementos que Curiosamente, la dificultad básica de la estrofa trabajan, a mi lectura, para armonizar los hasta entonces privilegiada no está en el dominio o no de la lengua contrarios: oyente / lector x texto / poema. española, sino en un conocimiento cultural que yace en la Un poema canción cuya primera estrofa afirma: raíz de la metáfora: “volaban los camarones por “Volaban los camarones / por bulerías / antes que tus bulerías”. Las preguntas expresarán la incomprensión canciones / fueran tan mías. / Usted perdone, tan tuyas, del texto, una vez que no se maneje la pista esencial en / tan de fulano, / fatiguitas y casullas, / ¡viva mi esa estrofa, la que está involucrada en “camarones”, hermano!” provoca una situación de perplejidad luego de remisión al famoso cantante Camarón de la Isla, 265 Estudos Hispânicos La cultura española en los versos de Joaquín Sabina “cantaor” de bulerías y de otros ritmos andaluces. Es musical de la década de 50, que satiriza el paso del cine interesante observar cómo la identificación del icono de mudo al cine hablado. la canción andaluza ya fallecido ensancha la percepción Eso puesto, privilegiaré algunos puntos, dentro de hacia otras palabras del universo semántico del cante, la multiplicidad de referencias y situaciones que se irradia posibilidades significativas que se entretejerán suceden vertiginosamente en los versos de Paisanaje, con “canciones”, “cantar”, “peteneras”, “saetas” palabras para facilitar a que el oyente / lector haga las inferencias y expresiones que, al ampliar el universo léxico, facilitan necesarias y logre relacionar los elementos del poema / la comprensión y permiten que aquel diálogo, referido canción de manera a crear un mundo textual y a anteriormente, se vaya estableciendo, por fin. Las establecer la continuidad / unidad de sentido que múltiples posibilidades de lectura a que nos referimos representa la comprensión del texto y le da su inicialmente, pueden traer a la escena poemas de Lorca y coherencia, como enseñan Koch y Travaglia (KOCH; Antonio Machado que van a buscar, con frecuencia, en las TRAVAGLIA, 2001, p. 84). Ellos están en las dos estrofas saetas, peteneras, bulerías, referencias poéticas de que dicen: Andalucía. El oyente / lector ve abrirse el campo de posibilidades, enriquecido, para algunos, por el verso: “que canta bajo la lluvia”. Se trata de una remisión sutil a uno de los clásicos de las películas musicales norteamericanas: Cantando bajo la lluvia, con Gene Kelly y Debbie Reynolds, que actúan, cantan y bailan en el Porque primus inter pares era tu brinco, / no hagas ripios malabares que te la jinco, / tan albanokosovar, tan Lidia Lozano, / tan cristiano y tan vulgar, tan chic, tan afgano. / Tan vecinos y tan lejos, verte y no verte, tan jóvenes y tan viejos, muera la muerte, / tan jóvenes y tan viejos, muera la muerte. Se nota que Sabina se vale, en sus versos de expresiones latinas, como primus inter pares, para hacer 266 Estudos Hispânicos La cultura española en los versos de Joaquín Sabina el elogio y significar el mejor entre los mejores, a un polémica presentadora de la TV de la tómbola, de la tiempo en que se vale de expresiones populares, algunas prensa del corazón, de la así dicha telebasura. Ambas bastante vulgares como “qué te la jinco”, grafadas según referencias, una vez comprendidas por el lector/oyente su registro fónico, con la j en lugar de la h, de la norma brasileño, ensanchan su radio de relaciones, en especial escrita. Uno de sus entrevistadores, Juan Cruz, del diario si se las transfiere al cotidiano urbano de Brasil donde la español El País, le observa, en una entrevista: “Usted es droga y la telebasura ejercen, también, un lamentable muy atrevido en el léxico. Usted incorpora mucho de lo papel. que oye. No hay mucha gente que se atreva a tanto con el lenguaje cantado” (CRUZ, 2005, no paginado). En la economía del lenguaje poético, se infiere la contundencia de la crítica a la falta de nivel, calidad, ética Al elogio en latín y la advertencia en lenguaje que se entreteje en las mallas de Paisanaje. El juego de vulgar, se asocia la secuencia intensificadora introducida los opuestos expresa, sin muchas palabras, la visión por el tan subrayador que acerca y opone elementos y crítica del cantautor. El oyente / lector logrará captarla referencias no de fácil aprehensión, a partir del siempre que se dé cuenta de que en cada palabra se inesperado albanokosovar, neologismo nacido de la encierra una infinidad de remisiones más o menos historia reciente del Este de Europa y remite a la mafia complejas, más o menos evidentes, como en afgano, por de la droga y a una secuencia de dramas que se irradian ejemplo. Ese adjetivo, entre otros aspectos de su de los elementos involucrados en la constitución del universo significativo, se opone a cristiano y apunta nuevo adjetivo: albanokosovar. Sigue el poeta en su hacia la compleja problemática religiosa, la intolerante adjetivación crítica, valiéndose ahora del conocido división del mundo actual, en la secuencia de opuestos personaje de la televisión española: Lydia Lozano, la introducida por el tan intensificador. Dicha secuencia se 267 Estudos Hispânicos La cultura española en los versos de Joaquín Sabina encerrará con un verso que emite un grito de guerra a la protesta contra cualquier forma de muerte, cualquier muerte y alcanza dimensiones mucho más amplias que actitud que trabaje contra la vida en sus más diversas esa inmediata conclusión expresa. En verdad, la manifestaciones. Es el broche para lo que es, en expresión admirativa ¡muera la muerte! hace mención a apariencia, un conjunto aleatorio de referencias, un juego una de las anécdotas más conocidas de la guerra civil de palabras sin relación mayor entre ellas que su sentido española y remite al Rector de la Universidad de de oposición. Y sin embargo, el universo textual al Salamanca, el escritor vasco Miguel de Unamuno y al principio “tan sin sentido” y pasible de ser considerado mutilado de guerra, el general falangista Millán Astray un conjunto incoherente, una vez desveladas sus pistas quien, en un discurso en el Paraninfo de la Universidad, básicas, gana otra dimensión, ensancha la lectura del el 12 de octubre de 1936, criticó a los intelectuales con el mundo. El lector / oyente será capaz, ahora, no sólo de grito de “¡Muera la inteligentzia!”, seguido por su slogan establecer relaciones en diferentes niveles, sino también preferido: “¡Viva la muerte!”. La contundente y temeraria de recuperar en otros poemas canción del mismo autor protesta de Unamuno: “Un mutilado que carezca de la los versos “sin sentido” que se quedaron allí, en una grandeza espiritual de Cervantes, es de esperar que aparente incoherencia. ¿No sería el caso de Mater encuentre un terrible alivio viendo cómo se multiplican España, cuando se escucha / lee el verso: “Millán Astray, los mutilados a su alrededor”, deflagró el proceso de Unamuno”, ahora pleno de sentido? prisión domiciliar de Unamuno, quien se murió el último día de 1936. Como se percibe, el poema / canción en cuyo título: Paisanaje se “pre” sienten referencias a las En el verso “¡muera la muerte!”, un himno de relaciones y / o vínculos entre personas de una misma amor y respeto a la vida, Sabina resume su unamuniana región, adquiere dimensiones críticas universales. En las 268 Estudos Hispânicos mallas de su texto, están involucrados elementos de la cultura española que, al proponer al oyente / lector un La cultura española en los versos de Joaquín Sabina GARCÍA LORCA, Federico. La imagen poética de Luis de Góngora. In Obras Completas, III. México, D.F.: Aguilar 1991. diálogo con un universo “diferente”, “extranjero”, lo provoca a moverse para concretar dicho diálogo. Tal KOCH, Ingedore Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 2001 movimiento es el paso fundamental que le permitirá sobrepasar el cotidiano en el que, conscientemente o no, SABINA, Joaquín. Paisanaje, in Alivio de luto. Sony BMG. Septiembre/2005. está inmerso, y desvelar otros modos posibles de ser, plenos de significado, en el horizonte socio-culturalbrasileño hoy. Referências Bibliográficas BARROS, Manuel. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996. SARAMAGO, José. Escola on line. Edição nº 166, de outubro de 2003. 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El concepto de transculturación es importante para los estudios literarios porque logra superar al concepto de mestizaje que proponía un análisis de la sociedad y del arte latinoamericano signado por la mezcla o fusión armónica entre los elementos de la tradición europea y la americana. El mestizaje fue una noción clave del discurso oficial dominante para borrar La novela Pedro Páramo (1955) de Juan Rulfo fue una de las obras que marcaron el inicio de ese nuevo ciclo en la historia de la literatura latinoamericana conocido como el boom. Esta explosión de autores que obtuvieron una gran difusión y reconocimiento en Europa y Estados Unidos, hablaban sobre Latinoamérica utilizando las técnicas narrativas de vanguardia importadas de Europa. Ángel Rama en su libro Transculturación Narrativa en América Latina (1982) utiliza la categoría transculturación, que fue acuñada por el antropólogo cubano Fernando Ortiz en su libro Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (1940) para describir los procesos creativos de esta generación entre la desigualdad y los conflictos latentes en la sociedad e instaurar una idea homogeneizante y falsa de unidad nacional. El caso más emblemático es el papel de José Vasconcelos en México como secretario de educación de Álvaro Obregón en los años veinte y la publicación de su libro La raza cósmica (1925) que glorifica el advenimiento de una raza superior: la mestiza. La transculturación es una categoría que da cuenta de una mayor complejidad. Ortiz rechazó la idea de que las sociedades que atraviesan por procesos de conquista y colonización, y luego continuas oleadas de migraciones experimenten una aculturación, es decir, la adquisición de una nueva cultura, que es la cultura del colonizador a 270 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo expensas de la propia. Para Ortiz a este proceso se suma modernización que no significa la destrucción de la la desculturación o pérdida de la cultura precedente a la tradición sino por el contrario su revitalización. El colonización y la neoculturación que se refiere a la escritor ocupa el rol de mediador cultural, recuperando aparición La las tradiciones orales de las comunidades indígenas y transculturación niega considerar a la cultura colonizada campesinas a través de un sistema ajeno a ellas: la como pasiva o inferior a la que dominante, por el escritura en español1. o creación de fenómenos nuevos. contrario, la entiende como capaz de dar respuestas Este trabajo tiene como objetivo comparar la nuevas que no son una simple imitación, repetición o novela Pedro Páramo de Juan Rulfo con el documental de reflejo de la cultura impuesta. Este concepto fue su hijo Juan Carlos Rulfo Del olvido al no me acuerdo reemplazado por la categoría de culturas híbridas de (1999) que se propone recuperar la memoria de su Néstor García Canclini, pero no nos extenderemos en padre a través de los testimonios de su esposa Clara esta noción por estar desvinculada del tema que nos Aparicio, de sus amigos y de los recuerdos de los interesa. Rama utiliza el concepto de transculturación y ancianos que todavía viven en los pueblos del interior de lo aplica a la literatura. De allí, deviene la idea de su libro Jalisco donde Juan pasó su infancia. Este interés surge a acerca de una transculturación literaria. Los escritores consecuencia del evidente diálogo que tiene lugar entre “transculturadores” literatura literatura y cine en el documental de Juan Carlos. El apropiándose de las nuevas técnicas y estilos narrativos documental utiliza una voz en off que recita fragmentos como el fluir de la conciencia, el monólogo interior, los de Pedro Páramo y de los cuentos del Llano en llamas, modernizan la quiebres de las coordenadas espaciales y temporales pero sin olvidar la cultura popular. Hay una 1 El término de literatura heterogénea aparece en Cornejo Polar (1982). 271 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo especialmente del cuento Luvina, convirtiendo a la obra documental está estrechamente vinculado a la vida del no sólo en un homenage al escritor sino también a su realizador. Esto los convierte en obras que enfatizan las obra literaria y a quienes inspiraron sus personajes. experiencias personales y la subjetividad por sobre las ya El director descubrió mientras hacía el clásicas convenciones que definieron al documental documental que ya casi nadie recordaba a su padre y a tradicional: la neutralidad y la objetividad. En ese sentido ello se debe su nombre Del olvido al no me acuerdo. Juan la obra trabaja de un modo general desde la modalidad Carlos resolvió con maestría ese límite que le imponía la performativa de la clasificación de Bill Nichols (2005) en desmemoria al nutrirse de otros recuerdos no vinculados la que predomina la visión subjetiva de la propia a su padre e incorporar esa falta de memoria al guión del experiencia del cineasta. documental. Hubo un trabajo con la memoria y con el El filme de Juan Carlos se estructura también y olvido. De ese modo Rulfo se sumergió en el universo más estrictamente de acuerdo a una modalidad poética social que nutrió la obra de su padre a través de los que como la define Nichols rompe con un montaje en testimonios de los campesinos que dan cuenta de sus continuidad y experiencias. Como consecuencia, el documental no manifiestan en entra en diálogo con la biografía de su padre sino con su temporales. La cámara intercala los paisajes urbanos de obra literaria. Guadalajara con los paisajes rurales de pequeños explora las las asociaciones yuxtaposiciones que espaciales se y Del olvido al no me acuerdo se encuadra pueblos de Jalisco como Apulco, San Gabriel, Tonaya y perfectamente en las obras autobiográficas (RENOV, San Pedro Toxín. No se profundiza en la complejidad 2005) que aparecieron durante las décadas de los psicológica de los entrevistados. La palabra de la mujer ochentas y los noventas en las que el tema del de Juan Rulfo se entremezcla con la de los campesinos y 272 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo campesinas que cantan, recitan y bailan, y con la de los romper con el goce del espectador al mismo tiempo que amigos del escritor en un sucedáneo de recuerdos, crear una conciencia de que el punto de vista que se impresiones y olvidos que forman un gran collage. El ofrece en el documental es particular, subjetivo y filme rompe con la tradición de los documentales posicionado y no universal, objetivo y neutral. Un poéticos de mostrar fragmentos de las ciudades, que campesino se aproxima a la cámara y se observa en ella, dieron origen a las “sinfonías de ciudades”, pero utiliza la dice que ve un viejo, que claramente es su reflejo en la fragmentación como un recurso clave que estructura la lente de la cámara, en otra escena, el mismo hombre obra. En este caso se trata de fragmentos de historias de utiliza la lente como un espejo para arreglarse sus largos vida y testimonios personales. bigotes. Estas imágenes hacen concientes al público de la En pocas escenas, el filme desarrolla la modalidad presencia de una cámara y de un equipo de filmación. En reflexiva, alertando a la audiencia de que estamos ante la las presencia de un documental, un constructo y no un escuchamos sus preguntas, pero los entrevistados las reflejo transparente de la realidad. Con ello se intenta repiten, las rehacen frente a cámara dando cuenta del desautorizar al documental como portador de “la” contexto de diálogo que tiene lugar en la filmación y de la verdad. Es una manera de quebrar la confianza total en la presencia del director. entrevistas no vemos al documentalista ni mirada de la cámara que fomentó la estética realista. Este Después de haber revisado las características recurso es muy utilizado también para evitar que el formales del género documental vamos a proceder al espectador se identifique con los personajes y disminuya análisis de las obras. Pedro Páramo comienza con la su capacidad de reflexión crítica en su análisis de la llegada de Juan Preciado a Comala y la búsqueda de su imagen. Estos gestos reflexivos intentan interrumpir y padre. El documental de Juan Carlos Rulfo se basa en la 273 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo misma idea. La búsqueda filial fue un tema recurrente en allí quisiera vivir para la eternidad” (75). En el la filmografía de ficción de los noventa (BRAGANÇA, documental, Clara Aparicio, madre del director, recorre 2007). Lo vemos en El viaje (Fernando Solanas, junto a la cámara los rincones más importantes de Argentina, 1992), Central de Brasil (Walter Salles, Brasil, Guadalajara en su historia de amor con Juan Rulfo. La 1997), Martin Hache (Adolfo Artistarain, Argentina, ciudad es explorada por Clara, que lleva a su hijo y por 1997), De la calle (Gerardo Tort, México, 2001) entre ende a nosotros los espectadores, a un recorrido por los otras. Juan Preciado fue a buscar a su padre para espacios significativos, que son al mismo tiempo los cobrarle caro el olvido en que había dejado a su madre y rincones de su memoria. Como en la novela, la figura del a él mismo durante años. Esa búsqueda, fruto de una padre es la excusa que permite al hijo el encuentro con la promesa hecha a su madre, se nutrirá de los recuerdos vivencia de un colectivo, en ambos casos las personas del de los muertos sobre los abusos de su padre y los pueblo, y la figura de madre es quien acompaña y orienta recuerdos de su madre muerta sobre su pasado en ese camino de búsqueda. Comala. Las idílicas descripciones de la madre, que se Rama destaca a Rulfo como un transculturador intercalan durante toda la novela, trazan un mapa del que recupera el habla del pueblo rural mexicano en sus pueblo totalmente desconocido y constratante para Juan dos libros: El llano en llamas (1953) y Pedro Páramo Preciado. Ante un lugar abandonado, semiderruido, (1955) al acuñar un lenguaje literario que se esfuerza caliente y asfixiante, los recuerdos de su madre le por reconstruir la oralidad de los pueblos de Jalisco. En hablaban de: “mi pueblo levantado sobre la llanura. su novela, esas voces diferentes tejen la historia de los Lleno de árboles y de hojas, como una alcancía donde abusos del cacique del pueblo: Pedro Páramo. Son los hemos guardado nuestros recuerdos. Sentirás que uno ecos y murmullos de las ánimas que aún penan en el 274 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo mundo de los vivos por el perdón de sus pecados, los que atomizan en fragmentos. La manipulación de estos narran de forma intercalada su tragedia individual. La fragmentos que forman un gran collage nos transmite la fuerza del libro es haber sobrepuesto ante todos los idea de la coexistencia de una multiplicidad de voces. La posibles recursos, el poder de la voz. Son esas voces la construcción narrativa de universos corales fue una que reconstruyen la memoria colectiva del pasado. No característica de los escritores de los sesentas y setentas encontramos un narrador que nos introduzca a los en personajes, nos dé descripciones físicas detalladas sino Evidentemente es esto lo que Juan Carlos intenta todo lo contrario. Son las propias palabras de los plasmar en el terreno de lo visual. personajes las que se presentan ante el lector sin mayores intervenciones. En el documental la voz de los entrevistados tiene general y de Pedro en Páramo particular. El documental da preminencia a la voz por sobre la imagen. Las voces de los entrevistados se superponen a las imágenes. De un plano de una entrevista a otro un papel esencial. En ese sentido el documental es un totalmente sucedáneo de fragmentos de entrevistas que se vinculan entrevistado, pero no dejamos de escuchar su voz. La entre sí de manera articulada por el cuidadoso trabajo de continuidad de los planos está fuertemente forjada por la edición. En varias ocasiones los entrevistados parecen palabra de los entrevistados que no se interrumpe con el estar dialogando entre si. El montaje construye discurrir de diferentes imágenes. diferente, desaparece la imagen del situaciones de encuentro, inexistentes en la vida real. Las El amor, la violencia, la muerte y el poder son entrevistas se nos presentan bajo un minucioso trabajo algunos de los tópicos recurrentes en las historias de de montaje y edición a través del cual las voces de los Pedro Páramo. La novela de Rulfo es una denuncia social amigos del escritor, de su esposa y de los campesinos se al poder desmedido del caciquismo, y con ello critica la 275 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo ambición desmedida y el uso de irracional de la violencia de Rulfo reflejan el desamparo y el abandono al que han de la clase terrateniente, y al tiempo denuncia la falta de sido sometidas las poblaciones rurales por el gobierno soluciones reales a estos problemas por parte de la nacional. Esta indiferencia del Estado explica en parte la Revolución Mexicana. El tema más trabajado por los situación de pobreza, corrupción y violencia sin fin que campesinos de Jalisco en el documental es el del amor. La tiene lugar en el medio rural. La naturaleza aparece de historia de encuentros amorosos de Clara con el escritor dos maneras en el documental. Por una parte, la se entrelaza con las historias de los campesinos que solos naturaleza tiene un fuerte valor simbólico. Las escenas o con sus compañeros narran sus experiencias del de cielos imponentes por el que atraviesan rápidamente pasado y las comparan con el presente. A pesar de la decenas nubes rompe con las coordenadas realistas de insistencia de Juan Carlos para que los campesinos representar el mundo y nos transporta al terreno del recordasen a su padre, son poquísimos e irrelevantes los sentido connotado. Esos paisajes nos hablan de lo datos que se ofrecen. El documental se muestra efímero y de lo evanescente de la vida, del paso del ineficiente para coleccionar datos sobre Juan Rulfo, pero tiempo y de la vejez. Este es un recurso que solo apela a logra capturar las ideas, los pensamientos y parte de la lo visual para plasmar el tema del transcurrir de la vida cultura popular de los campesinos frente a la cámara. tan citado en las entrevistas. La selección de La naturaleza cumple un papel substancial en la entrevistados son todos de la tercera edad, por ello, su obra rulfiana. Ella nos trasmite los estados de ánimo de testimonio sobre la vida y la muerte tiene un impacto sus personajes y es un dispositivo que explica de una mucho mayor en la audiencia. Por otro lado, las imágenes manera determinista su avatar diario. La atmósfera triste sobre la naturaleza que elige el documental escenifican y agobiante de los pueblos donde acontecen las historias muchos de los paisajes de Rulfo, cuyas citas escuchamos 276 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo mientras vemos suelos secos, montañas imponentes, un sillas. En las sucesivas tomas los campesinos cambian de viento fuerte que arrastra la tierra, una planicie posición, algunas veces aparecen sentados al fondo del interminable. El documental captura los escenarios que cuadro, otras de pie en un primer plano con las sillas Rulfo describió en su literatura, lo cual favorece la como decorado de fondo. En estas escenas la palabra asociación entre la letra y la imagen. cobra vida en un escenario que conecta los contextos Juan Carlos Rulfo innova en el terreno del narrativos rulfianos con las entrevistas del documental documental al trabajar con una cuidada fotografía y con en un juego intertextual que se hace posible en la imagen. ángulos y tomas nada espontáneas sino por el contrario obviamente calculadas para lograr una esteticidad más propia de la ficción que del documental. Encontramos primeros planos de los rostros de los entrevistados pero también primeros planos menos usuales como la mitad del rostro de un entrevistado específicamente desde su nariz hasta su mentón exponiendo en toda su dimensión sus largos bigotes, símbolo de la mexicanidad por autonomasia, su boca y sus dientes. Otro primer plano es el de un pie masculino, con un calzado de cuero que deja ver sus grandes dedos y sus uñas. En otras escenas se monta una puesta en escena. Dos entrevistados aparecen en el medio de una inmensa planicie, solos y con dos Pedro Páramo reconstruye la memoria de Comala. Del olvido al no me acuerdo trabaja con la memoria y con sus vacíos. El olvido es parte del documental. Este gesto permite observar claramente como Juan Carlos no está interesado por rescatar información vinculada a su padre sino en dar testimonio de los mecanismos de la memoria, su posibilidades y sus límites. Citaremos tres ejemplos. Al comienzo del documental, un conocido de Juan Rulfo comenta que es muy difícil hablar de Juan porque sabe muchas cosas de él. Después dice que en realidad no le gusta hablar de Juan. Su discurso se corta muchas veces, comienza frases para hablar de Juan pero no las termina. En esas idas y vueltas, en ese discurrir de cavilaciones no 277 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo termina diciendo nada. Pero el documental no quita esa pueblos rurales americanos donde el saber lo poseen los entrevista que no posee ninguna información pertinente. mayores y se trasmite a través de la oralidad. Juan José La expone y con ello nos hace pensar en esa Arreola, escritor amigo de Rulfo, que también es un imposibilidad de articular y expresar los recuerdos aun hombre ya mayor reflexiona sobre su memoria y al cuando ellos existen. hacerlo traza un eje de sentido importante en el Nuestro segundo caso es el de Clara Aparicio que documental: “no tengo ni fotografías ni documentos hacia el final del documental no logra recordar el nombre escritos sino la memoria, y la memoria ya me di cuenta hoy de una de las calles de la ciudad. Repite cinco veces que me juega muchas malas pasadas”. no recuerda el nombre de la calle. No sabemos muy bien Arreola confiesa que Rulfo nunca le habló de su por qué razón es tan importante dar cuenta de ese dato familia ni de su origen y agrega: “eso del origen es muy pero queda claro que dada esa imposibilidad no puede curioso” y ahí el documental interrumpe la entrevista y avanzar en su relato. El olvido la paraliza, la frusta y la nunca más vuelve a ella. De esta manera la estrategia de obliga a repetirse sin necesidad. El documental elige selección de la información se hace visible. En este caso, mostrarnos esta dificultad de forma explícita y abierta al límite de la memoria se suma la edición selectiva, que para hacernos reflexionar sobre ella. es una memoria selectiva de la cámara. Esta idea del La frase “no me acuerdo” la encontramos también origen que trae Arreola en cierto momento puede en los relatos de los campesinos. Como todos son muy relacionarse con lo que dice en otro. Arreola cuenta que ancianos, resulta entendible que tengan problemas para Rulfo le dijo que había nacido el mismo año que él. recordarlo todo. Al darle la palabra a los más viejos, el Aunque esto no se desarrolla en el documental, es sabido documental se articula en la lógica ancestral de los que Juan Rulfo decía haber nacido en 1918, cuando en 278 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo realidad nació un año antes. Arreola alude todo el tiempo Carlos con un interés absolutamente estético/artístico y a esa ficcionalización de su propia vida que hacía Rulfo no político. La argumentación retórica es dejada de lado con todos sus amigos y conocidos. Arreola dirá que: marcando un fuerte contraste con la labor de los “tratándose de Juan todo se vuelve leyenda, aura mágica” escritores pero asegura que prefiere creer en todo lo que él le dijo. comprometidos profundamente con la problemática En este sentido, a la dificultad de recordar el pasado de política y social latinoamericana. En esa búsqueda del las personas, en el caso de Juan Rulfo, se agrega el hijo encontramos las rupturas con el modelo paterno. problema de no saber a ciencia cierta cuánto hay de Ejemplo éste a nivel micro de lo que ocurre en un nivel creible en sus propias palabras. macro con las nuevas generaciones de artístas y su El documental de Juan Carlos Rulfo recupera los puntos clave de la obra de Rulfo como la oralidad y la del boom, entre ellos Juan Rulfo, negativa a continuar con el legado estético e ideológico de la intelectualidad precedente. memoria histórica para homenajear a su padre como hombre y como escritor, haciendo al mismo tiempo una Referencias bibliográficas interesante reflexión sobre los procesos selectivos de la memoria. Al contrario de su padre y de los escritores sesentistas, no hay ningún tipo de denuncia social o cuestionamiento del establisment. El formato BRAGANÇA, Mauricio de. Memoria e esquecimento: registros da família/nação em documentários mexicanos. In: MACHADO JR., Rubens et al (Orgs). Estudos de cinema SOCINE. São Paulo: Annablume, 2007, pp. 113120. documental, género combativo por excelencia, utilizado en períodos de crisis para argumentar y defender posturas ideológicas específicas, es utilizado por Juan CORNEJO POLAR, Antonio. Sobre Literatura y Crítica Latinoamericanas. Caracas: Universidad Central de Venezuela, 1982 279 Estudos Hispânicos Juan Rulfo en “Del olvido al no me acuerdo” de Juan Carlos Rulfo GARCÍA CANCLINI, Néstor. Culturas Híbridas. México: Grijalbo: Consejo Nacional para la cultura y las artes, 1990. NICHOLS, Bill. The Voice of Documentary. New challenges for Documentary. Rosenthal, Alan ed. Berkeley/Los Angeles/London: University of California Press, 1988: 48-63. ______. Introdução ao documentário. Campinas, SP: Papirus, 2005. RAMA, Angel. La Ciudad Letrada. Hanover: Ediciones del Norte, 1984. ______. Transculturación Narrativa en América Latina. México, D.F: Siglo Veintiuno, 1982. RENOV, Michael. 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Atualmente a importância do idioma espanhol no Brasil é crescente e neste contexto promissor, a partir de uma formação profissional adequada, onde se conjuguem, com qualidade e segurança, o conhecimento lingüístico e o conhecimento cultural, o profissional de ensino de Espanhol pode percorrer inúmeros caminhos. Independente do contexto de atuação escolhido (língua/literatura) existe, hoje, um amplo mercado para o profissional de Espanhol. Atentem à minha escolha pelo artigo definido: “o”, pois não basta ter uma “documentação” que lhe confira um título, mas se faz necessário, e importantíssimo, ter conhecimento e competência para desenvolver sua atividade. E se me permitem poetizar... além de conteúdo, inspiração e amor! Afinal, ser professor neste país é para apaixonados! Faz-se, então, imprescindível continuar, após a graduação, nossa caminhada de estudo para amadurecer a cada dia nossa atuação. Um relevante universo para esse crescimento são os cursos de pós-graduação onde podemos ampliar e aprofundar significativamente nosso conhecimento. Saliento que sempre que me refiro a um contexto de pesquisa acadêmica, meu foco está muito além da titulação, está principalmente no aprendizado e 281 Estudos Hispânicos Pesquisa acadêmica: erros e acertos amadurecimento individual do profissional pesquisador. vivências serão muitas, os erros se farão presentes em Pesquisa acadêmica deve, então, ser entendida como a cada etapa, mas o maior de todos os acertos, já posso lhes atividade capaz de levar ao enriquecimento intelectual e adiantar, é não desistir. à criatividade dos pesquisadores. Através de uma Partindo do consenso de que uma pesquisa especialização, um mestrado e mais adiante um acadêmica é um processo de construção do doutorado, o profissional não só “cresce” perante o que mercado de trabalho, como também, e principalmente, conhecimentos e/ou corroborar ou refutar algum “cresce” como ser humano. conhecimento pré-existente, é basicamente um processo No caso do nosso universo de pesquisa, a Literatura Espanhola, enquanto conhecemos o “outro”, nos conhecemos um pouco mais. Com isso é de grande responsabilidade pesquisar e qualquer aprofundar tema que dentro do se escolha leque tem como metas principais conhecimento, gerar novos de aprendizagem, tanto do indivíduo que a realiza, quanto da sociedade na qual esta se desenvolve. De modo bastante genérico, podemos definir três fases essenciais para o desenvolvimento de um processo de de pesquisa acadêmica: a definição e organização do possibilidades do mundo hispânico. Há de ser um projeto, o estudo e aprofundamento de conteúdos afins assunto que nos interesse, nos provoque, que “nos (nos cursos semestrais e através de bibliografia teórica) toque” como profissionais e indivíduos. e a “construção” do texto da dissertação ou tese. Falando Mas como trilhar esse instigante e importante caminho? assim parece fácil e rápido! Um erro acreditar! Como na realidade, ainda estou caminhando e Começa aí um laborioso e por que não dizer tropeçando como mestranda de literatura espanhola, também, tortuoso, caminhar até a tão sonhada defesa. As comentarei, no que se refere a cada uma das fases da 282 Estudos Hispânicos Pesquisa acadêmica: erros e acertos pesquisa acadêmica, o que até agora pude vivenciar e aprender. No segundo momento, o estudo e aprofundamento dos conteúdos afins ao tema, a No primeiro momento do nosso caminhar, a pesquisa passa a ser operacionalizada em sua dimensão organização do projeto, é a fase que exige uma visão de mais concreta. Inicia-se a valiosa reunião de material de totalidade do processo, é o momento de planejar a caráter teórico através dos cursos feitos e da busca pesquisa como um todo, ainda que ela não seja executada incansável em bibliotecas, internet e publicações das exatamente como se planejou. Pois o título muda, a mais variadas (revistas, jornais, etc). Considera-se que a organização dos capítulos é revista, os anexos “se o aprofundamento teórico seja o cerne do processo de apresentam”, o sumário idealizado inicialmente se pesquisa, não há como ser científico sem que haja estudo resume e a bibliografia se amplia. de caráter teórico! No caso da Literatura Espanhola, De modo mais concreto o projeto pode ser ainda é bastante difícil ter acesso a livros e publicações considerado como “a planta” da pesquisa, onde todas as estrangeiras. Muitas leituras e estudos são feitos em partes se complementam e formam o todo. O fotocópias nem sempre legíveis e completas (faltam pesquisador deve enumerar e explicar claramente todos pedaços do texto e até páginas). Um acerto é fazer o os passos da pesquisa (fase a fase, tarefa a tarefa). É estudo teórico através da leitura de uma boa bibliografia. como o planejamento de uma viagem com um roteiro Através dos cursos escolhidos temos, além do bem detalhado. O acerto nesta etapa inicial é a material teórico disponível, uma rica “comunhão” entre concretização de um bom projeto, o que supõe, os diferentes pesquisadores. Várias interpretações e probabilisticamente, uma pesquisa segura e coerente. visões a respeito da teoria são discutidas e consequentemente compartilhadas. De modo rico, tudo, 283 Estudos Hispânicos que antes era do outro, se soma a nossa “bagagem” individual. Pesquisa acadêmica: erros e acertos Um erro imperdoável seria vacilar a esta altura, afinal a importantíssima elaboração do texto da No último e mais trabalhoso momento do nosso dissertação ou tese, nada mais é do que a concretização caminhar, a construção do texto da dissertação ou do processo de pesquisa acadêmica em palavras escritas. tese, se faz necessária a sistematização coerente de todo Colocar-se diante da folha em branco e dar cor e forma o estudo e teoria anterior. Consequentemente é a etapa ao texto é só o primeiro passo. E nessa tarefa se mostra que exige maior esforço do pesquisador, já que deve imprescindível conter os resultados de todo o extenso processo. A essenciais tais como: a capacidade de generalização dissertação ou tese já se configura com introdução, teórica; a capacidade de síntese; a capacidade de desenvolvimento (capítulos e subitens) e conclusão. E é posicionar-se teoricamente; a capacidade de estabelecer justamente neste exato momento que o nosso esforço relações (enlaces) entre os diferentes momentos da parece não ser suficiente: o tempo, sagradamente pesquisa; a capacidade de desenvolver e também a reservado, parece sempre ser pouco para tantas capacidade de concluir. Nossa, como às vezes é difícil releituras, reorganizações teóricas e encontros de colocar um ponto final! o desenvolvimento de habilidades orientação; a “bagagem”, até aqui reunida, parece escassa A certeza é de que no momento em que estamos para o tanto que se quer e precisa dizer. Sem mencionar vivenciando cada uma dessas etapas parece ser ela a o constante exercício de resistência física, pois o mais difícil, em alguns momentos até interminável, mas pesquisador é, antes de mais nada, professor com vários ao fim, vencidos os obstáculos o crescimento é inegável. vínculos de trabalho. Conciliar estas duas realidades Quando estamos inspirados por um grande propósito, (pesquisador/professor) é tarefa árdua. por algum prometo extraordinário, forças adormecidas, 284 Estudos Hispânicos Pesquisa acadêmica: erros e acertos faculdades e talentos se despertam e descobrimos que somos uma pessoa muito mais forte do que imaginávamos. E com a nossa valiosa "bagagem" As grandes conquistas da vida não se constroem apenas com impulsos, mas, principalmente, com a soma de pequenos passos que se unem! conquistada e prontamente reunida, damos mais um passo, e outro e mais outro. Tudo que tenho dito até agora é resultado de uma rica caminhada que tem sido conduzida na intenção de crescer profissional e pessoalmente, mas para isso foram feitas várias escolhas, e sendo estas, vividas por cada um de vocês poderiam, e certamente, seriam um pouco ou muito diferentes. No ambiente da pesquisa acadêmica "cabem" várias posturas e interações infinitas, não existe a este respeito fórmula perfeita. ¡Lo siento! O indispensável nesta caminhada, para que erremos o menos possível, é partir de um princípio orientador e válido academicamente, para, então, atingir uma satisfatória maturidade pessoal e profissional. 285 Estudos Hispânicos Cortes, recortes, retalhos e frangalhos CORTES, RECORTES, RETALHOS E FRANGALHOS: A BUSCA DE RUMOS METODOLÓGICOS NA REDAÇÃO DE UMA TESE Jorge Paulo de Oliveira Neres UFF para estabelecer os cortes e recortes para a construção de um corpus coerente. Os retalhos são sobras que podem ser aproveitadas num possível mosaico a emoldurar a tese, como reminiscência do inevitável e inexorável ir e vir da escrita, afinal, já se disse que o volume da lixeira pode determinar a qualidade do trabalho. Os frangalhos, embora possam parecer a representação dos nervos do autor, na verdade, não o Nesta comunicação, pretendemos estabelecer um são, pois temos por hábito encarar com naturalidade os roteiro da experiência de redação de uma tese de desafios, ficando tais pandarecos afeitos muito mais ao doutorado, apontando as dificuldades e alternativas para acúmulo de compromissos, principalmente se levarmos a superação dos obstáculos, aspectos que, em última em conta o fato de que não somos contemplados com análise, contribuem decisivamente para um caudal de bolsas de estudos e somos obrigados a conviver, no experiência a enriquecer nossas vidas. momento da tese, com compromissos profissionais Cumpre, em primeiro lugar, a observação de que o inadiáveis, razão de nossa sobrevivência. título da comunicação está intimamente associado a uma Torna-se mister, ainda, uma consideração que proposta um tanto quanto ousada de se trabalhar com entendemos como relevante neste contexto de escritura cinco narrativas, conforme especificaremos mais adiante, da tese e que se refere a um momento especial de nossas que abrem um enorme leque para apreciação crítica vidas, como se fosse uma espécie de coroamento de uma impondo ao doutorando a necessidade do bom senso proposta formulada a nós mesmos. Sem querer conferir 286 Estudos Hispânicos Cortes, recortes, retalhos e frangalhos uma transcendência a este estágio de estudos, uma vez aventura verbal, de seu plano ficcional, redimensiona e que, em nosso entender, o aprendizado é eterno e preenche os vácuos historiográficos da realidade inconcluso, merece registro o fato de que cada empírica. monografia defendida, cada dissertação de mestrado ou Como objeto de análise, escolhemos os romances tese de doutoramento representam muito num país em Los santos inocentes (1981), de Miguel Delibes, e Vidas que 18% da população são constituídos por analfabetos secas e, pior, 60% por analfabetos funcionais. comparativamente, estabelecem um interessante diálogo (1938), de Graciliano Ramos, obras que, Isto posto, esclarecemos que o momento de nossa no que se refere à construção das personagens e ao tese situa-se na fase de pré-qualificação, ultimando contexto em que são delineadas. Este ponto de partida algumas leituras que nos parecem fundamentais, foi alargado com a inclusão de mais três romances que, principalmente no que diz respeito aos pressupostos em nosso entendimento, nos possibilitariam um leque teóricos e aos ajustes do Projeto inicial. Este surgiu maior para o desenvolvimento do tema, que são Hijo de quando da seleção para o ingresso no Curso de hombre (1960), de Roa Bastos; Las guerras de nuestros Doutorado da UFF, sendo submetido à apreciação da antepasados (1975), do próprio Delibes; e A prole do Profª. Doutora Magnólia Nascimento e suas linhas corvo (1978), do escritor gaúcho Luiz Antônio de Assis básicas centram-se no exame de narrativas de matéria de Brasil. As duas obras de Delibes têm como matéria de extração interlocuções extração histórica a Guerra Civil Espanhola, que funciona interditas em contextos opressores. Em outras palavras, como uma espécie de espectro no imaginário das nosso Projeto reside no estudo da linguagem e da personagens, sendo que, em Los santos inocentes, a maneira como a literatura, enquanto linguagem e resposta à opressão é dada, de forma contundente, por histórica que tratam das 287 Estudos Hispânicos Cortes, recortes, retalhos e frangalhos um alienado aparentemente desprovido de discurso. Já as guerras sobre o oprimido, no momento de construção em da identidade gaúcha. Las guerras de nuestros antepasados, as reminiscências de inúmeras guerras povoam a mente de O que nos chama a atenção nesses romances, além uma personagem também apartada do meio social que, do conteúdo histórico neles presentes, é a construção da de início, se recusa a falar, mas que, posteriormente, em linguagem, a maneira peculiar como esses narradores depoimento a um médico, durante sete noites, revela um não só inovam na elaboração de seus textos, como passado de guerras e contradições a emoldurar a história também conseguem representar, pelo apuro da técnica da Espanha. A obra de Roa Bastos, por sua vez, nos romanesca, a alma e a cultura de cada um dos povos remete a um contexto ditatorial em que os valores de objeto da matéria literária. São, pois, narrativas que uma coletividade se impõem a partir da firmeza do endossam a modernidade, seja pela forma com que são discurso de um ancião. O clássico de Graciliano Ramos construídas, como é o caso de Los santos inocentes e de nos apresenta a impotência de Fabiano diante de uma Las guerras de nuestros antepasados; seja pela moderna natureza hostil e de um contexto sócio-político perverso, temática, em Vidas secas; pela renovação da linguagem, aspectos que aproximam as personagens no que diz em Hijo de hombre, e pelo olhar reflexivo contemporâneo respeito aos contextos que as oprimem. A narrativa de sobre a história gaúcha, em A prole do corvo. Assis Brasil tem como matéria de extração histórica o Para evitar o perigo de uma tese panorâmica, papel das guerras, presentes e passadas, sobre o ingênuo estabelecemos como abordagem central o estudo das camponês do Rio Grande do Sul, tendo como ponto de estruturas narrativas dos romances, defendendo a partida as desilusões em relação à Guerra dos Farrapos, hipótese de que todos, a partir de recursos estéticos e fato que gera uma reflexão em torno do impacto de todas estilísticos inovadores, conseguem recuperar, 288 Estudos Hispânicos Cortes, recortes, retalhos e frangalhos problematizar e valorizar os ambientes e cenários de nuestros antepasados comparativamente a Vidas secas, cada uma das histórias e, concomitantemente, penetrar numa fundo na alma oprimida do homem do campo, revelando contemporaneidade literária espanhola e o que foi vicissitudes que o redimensiona diante do momento produzido em nosso segundo momento modernista, nos histórico em que vive. Assim, as personagens e os anos 30. A segunda refere-se ao fato de que nossa ambientes tornam-se elementos caros ao nosso trabalho, formação, apesar do contato permanente com a cultura o que proporciona um estudo não só sobre o fazer hispânica, ser voltada para os estudos da literatura ficcional, como também sobre a personagem de ficção. brasileira, tornando-se necessário, diante disto, conhecer ponte entre o que se produz na Neste caminho metodológico, duas situações se melhor o universo narrativo de Delibes, além de suportes nos apresentam e merecem especial consideração. A teóricos para o conhecimento da história da Espanha, primeira, diz respeito à opção de conferirmos aos particularmente da Guerra Civil Espanhola. Neste ponto, romances de Delibes e de Graciliano Ramos o status de nos deparamos com indagações fundamentais: o que obras centrais de nossa pesquisa, ou seja, entendemos vamos ler primeiro? Os romances? A crítica sobre os que a proposta contida em nosso Projeto pode ser romances? Os textos historiográficos sobre a Espanha e perfeitamente contemplada com o estudo dessas sobre a Guerra Civil? Numa situação como esta, nos narrativas. Os outros dois romances citados, de Roa ensina (ECO, 2005, p.78): Bastos e de Assis Brasil, nos servem como parâmetros intertextuais para a análise do fazer narrativo contemporâneo na América Latina, subsidio para que possamos trabalhar Los santos inocentes e Las guerras de A reposta mais sensata me parece esta: abordar em primeiro lugar dois ou três textos críticos dos mais gerais, o suficiente para formar uma idéia do terreno onde está se movendo; passar depois ao autor original, procurando entender algo do que ele diz; a seguir, examinar o resto da literatura 289 Estudos Hispânicos crítica; por fim, voltar ao autor original e reexaminá-lo à luz das novas idéias adquiridas. (...) Na realidade, cada um estuda ao ritmo do objetivo e, nesse caso, “comer” desordenadamente não faz mal. Pode-se avançar em ziguezague, alternar os objetivos, desde que uma rigorosa rede de anotações pessoais, possivelmente sob a forma de fichas, de consistência ao resultado destes movimentos “aventureiros”. Naturalmente tudo depende também da estrutura psicológica do pesquisador. (...). Procuramos seguir a segunda parte da orientação de Umberto Eco adequando a ordem das leituras às nossas necessidades. Assim, fizemos uma leitura “ingênua” do romance Los santos inocentes e, em seguida, partimos para leituras acerca da guerra Civil Espanhola. Tomamos contato com os dois tomos de A guerra civil espanhola (1964), de Hugh Thomas; A morte de Lorca (1976), de Iam Gibson; La guerre d’Espagne: republique et revolution em Catalogne (1936-1939) (2004), de François Godicheau; La censure de l’imprimé (1996), compêndio sob a direção de Pascal Durand, Pierre Hébert, Jean-Yves Mollier e François Vallotton, além de periódicos e sítios da Internet. Em paralelo, realizamos Cortes, recortes, retalhos e frangalhos leituras voltadas para as relações entre os discursos histórico e literário como, por exemplo, a obra Poética do Pós-Modernismo (1991), de Linda Hutcheon, e o texto de Hayden White “Teoria literária e escrita da História” (1991), dentre outros. Acrescentam-se a isto as leituras teórico-literárias de Bakhtin, em Problemas da poética de Dostoiéviski (2005); Antonio Candido e Anatole Rosenfeld, em A personagem de ficção (1972), além de estudos sobre a crítica literária do Modernismo brasileiro e sobre a literatura espanhola do século XX, com ênfase na contemporaneidade. A partir daí, retornamos aos romances, empreendendo uma leitura mais profícua e conseqüente a fim de submetê-la à análise de uma banca de qualificação. A grande dificuldade para a realização deste trabalho reside na escassez de tempo para uma dedicação exclusiva à tese. Este fato nos impõe a necessidade de leituras nos locais os mais inusitados possíveis, em horários não menos absurdos e, principalmente, fazer opções que não comprometam 290 Estudos Hispânicos cronogramas previamente estabelecidos, mesmo que não sejam aquelas de nosso real agrado. Mas, como disse anteriormente, este é um momento especial e, como todo momento especial, tem de ser vivido, sem pechas de sofrimentos ou neuroses, porque a redação de uma tese, como todas as experiências de nossas vidas, não passa de uma experiência que nos dará mais experiência. Para concluir, tornamos nossas as palavras de (ECO, op. cit., p. 173), quando afirma que “fazer uma tese significa divertir-se, e a tese é como porco: nada se desperdiça”. Referências bibliográficas: ASSIS BRASIL, Luiz Antônio. A prole do corvo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1978. Cortes, recortes, retalhos e frangalhos DELIBES, Miguel. Los santos inocentes. Barcelona: Editorial Planeta, 1981. ______. La guerra de nuestros antepasados. Barcelona: Ediciones Destino, 1975. DURAN, Pascal et. al. La censure de l’imprimé. Paris: Éditions Nota Bene, 1996. ECO, Umberto. Como se faz uma tese. Trad. Gilson Cesar Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva, 20 ed., 2005. GIBSON, Ian. A morte de Lorca. Trad. Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. GODICHEAU, François. La guerre d’Espagne: Republique ET révolution en Catalogne (1936-1939). Paris: Odele Jacob, 2004. HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-Modernismo: história, teoria, ficção. Trad. Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Trad. Paulo Bezerra. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 3 ed., 2005. RAMOS, Graciliano. Vidas secas. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 71 ed., 1996. CANDIDO, Antonio et al. A personagem de ficção. São Paulo: Perspectiva, 3 ed. 1972. ROA BASTOS, Augusto. Hijo de hombre. Asunción: El Lector, 1991. 291 Estudos Hispânicos Cortes, recortes, retalhos e frangalhos THOMAS, Hugh. A guerra civil espanhola. Trad. James Amado e Hélio Pólvora. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, vls. 1, 2, 1964. WHITE, Hayden. “Teoria literária e escrita da História”. Trad. Dora Rocha. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 7, n.13, 1991. 292 vivendo “na era atômica”. A energia do átomo, UM POSSÍVEL CAMINHO METODOLÓGICO PARA A APREENSÃO DO LITERÁRIO descoberta da ciência do século XX, junto com a técnica que a controla, se constitui num sistema de forças que, a partir de então, passa a determinar o caminho da Maria da Glória Franco UFF humanidade e, claro, o curso de sua história. Assim podemos dizer que, hoje, nossa era é científica em essência, pois, com sua realidade concreta, a ciência se impõe como um poder exercido sobre as coisas e sobre Depois de alguma hesitação, devido ao fato de acreditarmos que seria necessário alguém mais competente e preparado para falar de pesquisa acadêmica, eis que esta comunicação, finalmente, começou a tomar forma a partir da percepção de que ela apenas visa levantar algumas questões para reflexão, questões percebidas e pensadas ao longo de nosso caminho na Pós-graduação da Universidade Federal Fluminense. Assim, vale lembrar que a partir da segunda Guerra Mundial espalha-se a expressão “era atômica” e nas décadas seguintes se costumava dizer que estávamos os seres vivos. Esse poder torna-se tanto mais firme quanto mais coincide com um saber fazer (Know how) que nos invade a vida levando-nos a crer que o mundo está “inflacionado de ciência, que ele padece de uma “doença científica incurável e irreversível” como diz Hilton Japiassu. (JAPIASSU, 1983, p.35). Desta forma, num progresso sempre crescente, o homem moderno se vê cercado, a cada dia mais e mais, por nossos aparelhos e produtos da ciência. Cabe, portanto, uma reflexão radical sobre esse novo tempo que tornou o mundo excessivamente transitório e cujas estruturas de sustentação se esfumaçam em velocidades de carros de 293 Fórmula Um. Como já nos alertava o professor E. Sabemos que a ciência no tempo de Galileu era Carneiro Leão, “por toda parte tudo passa e nada crítica e antidogmática. A ciência moderna, filha direta de permanece. O tempo entre a criação de um novo conceito Galileu, apresentou-se como um projeto crítico e e seu esboroamento se torna cada vez mais diminuto” emancipatório. A relação entre a concepção de mundo (LEÃO, 1977, p.213). Como exemplo dessa vertigem ele físico e as idéias dominantes é tão forte nessa época que nos cita o fato de que para os aparelhos inventados nas a elucidação, o aclaramento, a explicação da realidade primeiras décadas do século XX fez-se um intervalo física chega a abalar os alicerces das sociedades de então. médio de 34 anos entre sua descoberta e sua produção E, por este motivo, fica bem mais fácil entender porque em grande escala. Já para os que apareceram entre 1939 não só o trabalho de Nicolau Copérnico – “De e 1959, o intervalo foi somente de 8 anos. Nas décadas de Revolutionibus Orbium Coelestium” – só pode ser 60 e 70, o transmissor, o gravador cassete, o Walkie- publicado após sua morte em 1543 como também talkie se precipitaram sobre o homem num ritmo quase porque Galileu se viu forçado a confessar seus “erros” em instantâneo. Que dizer então do computador, do lap top, 1663. Ora, esse espírito de independência logo se tornou do telefone celular, das web cam, dos I Pods, das Tevês de cobiçado objeto de controle. A partir do século XVII, Plasma instantaneamente massificados? sábios e cientistas se reúnem em instituições Num mundo assim, trancado em sua auto- reconhecidas e “patrocinadas” pelos Estados Nacionais. suficiência produtiva, as coisas perdem qualquer valor Surgem a London “Royal Society of Sciences” e a espiritual. “Tudo é fugaz, transitório, profano e “Académie des Sciencies de Paris”. Daí foi só um pequeno substituível” (LEÃO, 1978 p. 214). passo para a criação do elo entre cientistas e poder político. 294 Seria preciso alguma ingenuidade para acreditar vão desaguar na poluição industrial/ambiental e nos que “é somente o culto do saber que legitima a conduta horrores das guerras químicas, como também a do Estado ou do Poder, de integrar substancialmente a questionar pesquisa progresso, tecnologia e bem estar social. ao sistema sócio-econômico-político”. as tradicionais dicotomias: ciência e (JAPIASSU, 1983, p.24). Dominar, produzir cada vez Ora, direis, e o que isso tem a ver com o mais, fazer sempre mais e mais rápido são algumas Doutorado em Literatura Comparada? Bem, na verdade, formas pelas quais se manifesta o poder da ciência. Ele o fortalecimento das ciências físicas e naturais, as “hard também aparece no culto aos “experts”, no culto da sciences”, demarca com mais força a linha divisória entre produtividade, no culto das taxas de crescimento, elas e as ciências humanas, as “soft sciences”, onde estreitando seus laços com a sociedade de consumo tentamos nos localizar. Claro está que a academia, a contemporânea. universidade, as instituições, de ensino e pesquisa, Afortunadamente a atividade científica hoje se mantém seus projetos, suas pesquisas, seus estudos, com defronta com grandes desafios, tanto internos – base no alocamento de recursos de verbas. Será que os questionamento de suas responsabilidades, sua ética, seu cursos de pós-graduação de Letras ou de Música discurso recebem o mesmo que os cursos de Química ou de científico “pasteurizado” pautado na neutralidade e na objetividade– quanto externos. Eletrônica? Também, felizmente, a comunidade humana mais alerta Quando iniciei estudos de pós-graduação, ainda e crítica começa não só a dar mostras de seu no Mestrado, o número de bolsas oferecidas aos alunos já descontentamento com a introdução de inúmeras e era pequeno e ainda por cima havia uma determinação fantásticas inovações tecnológicas na vida humana que de que só podiam ser bolsistas aqueles alunos que não 295 Uma história escrita à imagem e semelhança dos modelos científicos guarda, no seu incontido unidimensionalismo, uma profunda indiferença para com as demais figuras de verdade. Todo empenho dessa civilização cientificizante se foi concentrando na tarefa de desenvolver e aperfeiçoar uma técnica – a técnica da transformação do mundo. E de tal modo esse programa se impôs, que a nova bíblia decorrente chegou a considerar irreal tudo o que não fosse passível de transformação. A arte passou a ser a pátria da irrealidade. (PORTELA, 1981, p.30) tivessem absolutamente nenhum vínculo empregatício. A questão material, parece mesquinho mencioná-la, é todavia determinante para que alguns bons alunos possam manter-se na universidade e dar continuidade a seus estudos e pesquisas. Além disso, sem boa dotação orçamentária, como melhorar a pobre biblioteca de Letras? Como viabilizar a vinda de professores de fora para cursos especiais dentro da grade dos currículos da pós? Pelo menos aos alunos do Doutorado há uma Todavia se há algum consolo para nós é saber que facilidade para se conseguir uma bolsa “sandwitch” enquanto existir o homem a arte sobreviverá. “Através numa universidade no exterior onde eles podem de uma vida constantemente ameaçada, mas sobrevive encontrar material bibliográfico com mais facilidade porque o seu lugar na estruturação da existência humana para levar avante suas pesquisas e redigirem suas teses. não é lugar supletivo ou acidental”. (PORTELA, 1981, A verdade é que não é fácil para as ciências p.30) humanas competir com as hard neste contexto Dentre as diferentes manifestações artísticas contemporâneo, pois, a partir do instante em que o nosso olhar se volta para o estudo da literatura. Aqui não pensamento ocidental fez sua opção declaradamente vamos entrar (por hora), nos meandros da questão de científica, as outras formas de conhecimento, apreensão “status” ciência ou não para o estudo literário. O que se ou manifestação do real foram sendo progressivamente quer ressaltar é a importância e o valor desse estudo e desvalorizadas. Como aponta Eduardo Portela das dificuldades de se encontrar “modelos 296 metodológicos” que se ajustem a esse estudo com a método aqui não se trata de “técnica transportável” e sim mesma precisão com que os modelos metodológicos das a ideologia articulada na apreensão ou na leitura do texto ciências “exatas” se ajustam às leis mais rígidas pesquisado. Temos que insistir na autonomia e na (observação, quantificação, especificidade do fenômeno literário e buscar, para o comprovação) do método científico que pauta seu exercício de sua crítica, um esquema metodológico processo no ideal da eficiência “E a literatura necessita próprio. Próprio não implica, em absoluto, ausência de ser eficiente?” (PORTELA, 1981, p.34). Mais uma vez nos um nível necessário de rigor e objetividade, muito menos vemos diante de um divisor de águas que separa a no margem da ciência da margem da literatura. investigação literária até porque muitos têm sido os experimentação, Segundo Portela: A alternativa metodológica do estudo literário é ainda uma questão em aberto. Prossegue o infatigável debate sobre a conveniência da sistematização rigorosa e uma cada vez mais tímida impugnação do sistema em nome da natureza peculiar do fenômeno literário. Talvez tudo não passe de um mal-entendido. (PORTELA, 1981, p.39) Entretanto, o próprio Eduardo Portela aponta ser viável o encaminhamento crítico da reflexão literária. Claro que uma postura crítica do literário não pode seguir pelos caminhos do empirismo ou dos achismos. Será necessária uma conversão metodológica e por abandono do princípio interdisciplinar da avanços nessas disciplinas vizinhas que se constituam nas grandes colaboradoras da TEORIA LITERÁRIA, essa disciplina, ao mesmo tempo autônoma e supletiva, na qual se apóiam os estudos que buscam a apreensão do fenômeno literário. Por esse seu caráter interdisciplinar o escopo da TEORIA LITERÁRIA se foi ampliando e aprofundando de tal forma que ela exige dos estudantes de letras também uma amplitude de conhecimento dos diversos caminhos que ela propicia para que o aluno, bem familiarizado com eles, possa optar pelo que melhor lhe dê suporte para sua pesquisa. 297 Ainda nesta questão metodológica cabe uma O conhecimento autoritário, basicamente oriundo palavra acerca da natureza do conhecimento utilizado na dos livros e da palavra dos mestres, é fundamental. O pesquisa e no estudo de nosso objeto. A epistemologia, intuitivo, após ser ratificado pelo racional, pode nos ser teoria do conhecimento que trata do conhecimento como útil e o racional é imprescindível. Assim será a razão que matéria universal e procura desvendar o que está norteará nosso processo de pesquisa. A razão é uma envolvido no processo de conhecer, aponta tipos fonte de conhecimento da qual derivamos juízos, distintos de conhecimento: verdades Conhecimento revelado, que se limita a religiões e seitas; lógicas. Através dela interpretamos e organizamos “fragmentos e parcelas de informação, convertendo-os naquilo a que podemos chamar um Conhecimento autoritário, aceito como verdade. Encontrado nos livros e na palavra do professor; Conhecimento intuitivo que é o meio mais pessoal do conhecimento; conhecimento idôneo e significativo” (KNELLER, 1972, p.23) O homem, animal irracional, tem enorme necessidade de saber, tem desejo de saber, uma sede de Conhecimento racional que coloca a razão como sempre mais conhecimento. Entretanto ele precisa estar fonte de conhecimento é o que nos diz: “pensemos alerta, pois não há saber que seja completo, que se completamente as coisas”; esgote, que seja definitivo. Há indivíduos que se Conhecimento empírico é o que provem dos contentam e que, logo satisfeitos, se instalam sentidos. O empiricista é o que diz: “procuremos e tranquilamente numa distancia respeitosa frente ao vejamos” (KNELLER, 1972, p.21). desconhecido. São, nos dizeres de Emanuel C. Leão: “as naturezas que herdaram pouco fogo de Prometeu”: 298 Saber, sabedoria é algo que todos os homens dizem conhecer e prezar, algo que os povos de todos os tempos vêem com valor supremo. Mas talvez se dê com a sabedoria o que acontece com a felicidade: todos se empenham em buscá-la mas cada um a interpreta diferentemente (CARNEIRO LEÃO, 1977, p.22) No nosso caminho de pesquisa não há porto sistemática. Exige uma disciplina intelectual que não ganhamos, a não ser praticando – a e, nesta prática, é preciso que se liberte a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade e se adote, face ao tema de nossa pesquisa, uma postura de indispensável criatividade. seguro. É preciso navegar pelos rios da incerteza, da Com ampla visão crítica, aquele que pesquisa se insegurança e da provisoriedade. Freud não foi o sente desafiado pelo seu tema cuja escolha deve ter sido primeiro e nem será o último pesquisador da realidade feita com bases motivacionais de desejo e paixão. Essa humana a apontar como o ser humano, ao nascer, se mesma postura crítica requer do pesquisador: encontra muito mais despreparado do que qualquer 1- Que ele assuma o papel do sujeito de seu outro animal. Somos apenas um feixe de possibilidades e estudo, que não se comporte passivamente diante de nosso processo de emancipação é muito longo, árduo, suas leituras e descobertas. Pesquisar seriamente é doloroso, pois temos de assumir o medo, o desamparo e buscar as relações entre o conteúdo em estudo e outras a incerteza, além de termos que assumir nossa própria dimensões afins do conhecimento. Pesquisar e estudar condição e nos contentar com os nossos limites. Pobre são formas de reinventar, recriar, de reescrever junto pesquisador!!! Pobre de nós!!! com o escritor que se estuda. Um tema ou um texto Entretanto há que reunir forças e não jogar a estarão melhor estudados na medida em que o toalha desanimadamente. Estudar, pesquisar é trabalho pesquisador tenha deles uma visão global e a ele retorne difícil. Exige de quem o faz uma postura crítica, 299 algumas vezes para melhor delimitar suas dimensões seu estudo com melhor visão para o entendimento mais parciais. profundo e uma compreensão mais ampla. Como diz 2- Que seu ato de pesquisar seja, como diz Paulo Portela, “criticar é rasgar novos horizontes de Freire, “uma atitude frente ao mundo” (FREIRE, 1976, compreensão. Uma crítica enclausurada será fatalmente p.11) uma crítica cega, provinciana.” (PORTELA, 1981, p.22) 3- Que o pesquisador busque o levantamento de Pesquisar o literário se faz com muita, muita uma “bibliografia extensa sobre seu tema de estudos ou leitura. É preciso ler, ler, ler muito e depois pensar. É seu objeto de inquietude”. (FREIRE, 1976, p.12) preciso pensar. Entretanto, infelizmente, para pensar não 4- Que o ato de pesquisar seja “o de assumir uma basta querer. É preciso aprender. E se aprende a pensar relação de diálogo com o autor do texto, cuja mediação se esperando o inesperado. Como diz Carneiro Leão, nesta encontra nos temas de que ele trata. Esta relação espera a paciência é quase tudo. dialógica implica na percepção do condicionamento histórico-sociológico-ideológico do autor.” (FREIRE, 1976, p.12) de pesquisar demanda humildade. Humilde e crítico o pesquisador não se sentirá diminuído diante das dificuldades, por vezes grandes, diante de seu tema ou de texto, entendida como um passo pequeno em direção à espera. Um convite para esperar que medre a semeadura da 5- Que o pesquisador não se esqueça de que o ato seu Esperamos que essa nossa comunicação seja mas reconhecerá, tranquilamente, a necessidade de melhor instrumentar-se para retornar ao paciência e amadureça a serenidade do pensamento já que: na terra dos homens não há previdência nem providência escatológica. O homem nunca é o auto-falante absoluto. De antemão não sabe aonde vai chegar, nem mesmo se vai chegar. É que não nos podemos despir de nossa finitude, como de um manto vergonhoso, para revestirmos da 300 clareza meridiana de um saber sem sombras. O homem não é um Deus mascarado que nas vicissitudes históricas da existência fosse desmascarando sua divindade. (CARNEIRO LEÃO, 1977, p.20) PORTELA, Eduardo. Fundamento da Investigação Literária. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1981. A filosofia e a crítica literária permanecerão sempre como a reflexão finita do mais finito dos entes por ser o único que tem consciência da sua finitude. E assim, filósofos e literatos serão como aventureiros que, ao se afastarem da terra firme, se lançam pelos insólitos caminhos da história em busca da verdade do homem. Referências bibliográficas CARNEIRO LEÃO, Emanuel. Aprendendo a Pensar. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1977. FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1976. JAPIASSU, Hilton. A pedagogia da Incerteza. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda., 1983. KNELLER, George. Introdução à Filosofia da Educação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972. 301