Excertos para análise
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Excertos para análise
LEAL CONSELHEIRO O QUAL FEZ DOM DUARTE, Pela graça de Deos Rei de Portugal e do Algarve , e Senhor de Ceuta , SEGUIDO DO LIVRO DA Que fez o HINA1A mesmo Rei DE BEI CAVALGAR TODA SELLA, o qual , começou em sendo Infante ; PRECEDIDO DUMA 1NTRODUCÇÃO, ILLUSTBADO COM VABIAS NOTAS, E PUBLICADO DEBAIXO DOS AUSPÍCIOS Do Excel lentíssimo Senhor Visconde de Santarém, Sócio da Academia Real das Sciencias de Lisboa, do Instituto de França, etc-, ele. FIELMENTE TRASLADADO DO MANUSCRITO CONTEMPORÂNEO, QCE SE CONSERVA NA RIBLIOTHECA REAL DE PARI/, REVISTO, ADDICION ADO COM NOTAS PQILOLOGlCAS E DAS PALAVRAS E PURASES ANTIQUADAS E OBSOLETAS QUE NELLE SE ENCONTRÃO, IMPHEi-SO í. DE J. I. Cl * M * ROQUETE, PRESBYTERO. ijMW** PARIZ, EM CASA DE J. E P. AILLALD, II, QUAI VOLTAI BE EM PORTUGAL. EM CASA UE TODOS OS MERCADORES UE LIVROS DE LISBOA PORTO E COIMBRA . MDCCCXLI1. UM CLOSS ARIO <Em nome sua graça oe nosso ôenljor 3lju Xpo, com c òe , sua nurg Sancta iHabrr nossa ôenljora Santa Movia, Começasse o trautaoo que se cljama Ceai (Conselheiro oqual fez Dom Cíiuarte, íteg ò( fJortugal g^j^.H^ys^uyto e pclla graça òc òo SUçjarue Cepta, a Eapnlja Dona Ceouor sua e Deos Senljor mnpo requerimento òa ; íic exrellente molljer. prezada e amada Raynha Senhora, vos me requerestes que juntamente vos mandasse sereia ver alguas cousas que avia scriptas per boo regi- ^ mento de nossas conciencias e vontades; e posto ivé-rsVqug saiba, graças a nosso Senhor, que de todo avees muy comprido conhecyrnento com virtuosa husança , sa- tisfazendo a vosso desejo , consiirei que seria melhor forma de huu soo tractado com alguus adimenlos por vos complazer, e filhar em no ; feicto em e assi o fiz fazendo alguu spaço de cui- dados com razoado passamento de^tempo. E desi por sentir que, pensando como sobresto ey de screver, saberia mais desta moral , —2— me que sciencia, o e virtuosa guardar de fazer cousas fará malfeitas, por seerem contrairás do que screvo, ainda que seja obra pêra eu fazer pouco perteecente, posto que a todos estados seja necessário saber como devem seguir virtudes, guardandosse de pecados e outros falicimentos; e desi por alguus desta pe- quena dades leitura se poderem prestar, acrecentando em suas bon- com leuamento de muytos breves e simprezes , nom grande de melhor aprendem que das sotil e Senhor Deos em grande mercee e dictos , entender e pouco saber, maao caminho : E altamente scriptas. teria, a nosso sede minha vida, muytos filhassem proveitosa ensinança contrairo, ca scripto he viver de erros; porque das obras Aquele, que faz , feitos nunca o e o pecador em seu tornar, guãaça sua alma, e seerlheham cubertos e relevados grani multidom de pecados (1). E diz nosso Senhor daquel que guardar seus mandamentos e os ensinar, , que será chamado grande no seu Reyno o meu carrego mais (2). Porem ainda que mostrar per obra e pallavra, alguma seja parte desejo cobrar de merecimento dos que fazem leituras de boas e virtuosas ensynanças , por tal que bem vivendo, per sua mercee, naquella conta podesse verdadeiramente ser contado. E porque o entendimento he nossa virtude screvi dei hua breve repartiçom, (1) escrevia. de S. Tiago (2) mais fuy ajuntando se- Dom Duarte mas á Rainha e mais pessoas da Corte para Deve pois advertir-se que todas as vezes que Escriptura que se refere. tola principal Esta maneira de citar as Sagradas Escripturas prova quanto a sua leitura era familiar não só a EIRei ejus à e o muy morte , : é o versículo 20 Qui converti feccrit peccatorem ah errore et operiet Qui autem fecerit V, 19. (R.) que aqui allude texto a elle diz, vitcc quem ca scripto he , é a do cap. V da Epis- sua, salvabit animam mullitudinem peccatorum. (R.) et docueril , hic magnas vocabitur in regno Calorum. S. Mattli., gundo melhor pude fazer. E por seerem alguas cousas sobre si tempo ha scriptas, nom levam lai forma como se todas juntamente sobreste propósito forom ordenadas. Ainda que alguas rezoões vão dobradas, serame relevado, porque o faço querendo todo melhor declarar, avendo em tal por menor falicimento dobrallas, que onde convém seer (1); desi porque de minha maão foy leitura minguado no screver todo primeiro scripto ladadas, dello tanto bem mostrar tirando as cousas de fora (2), me nom guardey, em tra- tendo mais tençom de do que screvia que a fremosa a sustancia el e guar- dada maneira descrever. Podelloees (3), se vos praz ainda que (1) me nom , chamar leal conselheiro, porque atreva certificar que da Por esta passagem nos mostra o autor que em todos boos (4) já nos princípios do século xv° as repetições erão contrarias ás regras do estilo. (S.) (2) Chamámos a attenção do leitor sobre esta importante e para admirar vèr um tempo da sua mocidade, obra de philosophia moral (3) Podelloees , particularidade. Na verdade Príncipe herdeiro da Coroa, criado nas fadigas das guerras do e nas dos negócios, occupar-se , mas de mais não só da composição d'uma escrevêl-a toda de seu próprio No tempo d'E]Rei Dom Duarte podèl-o-heis. , punho ! (S.) no d'Azurara e ainda , não estavão as linguagens dos verbos bem fixadas especialmente nas segundas pessoas do plural que ordinariamente fenecião em ees, ades, ou edes mas no tempo de GIL VICENTE já tinhão mais regularidade e fenecião, como hoje, em eis ou ais na Farça , , ; : intitulada , JUIZ DA BEIRA , se lè : « Boa concrusão » Que he » Que » Preso, e que o castigueis. o trazeis. o que vos quereis' mandeis vir aqui Tomo III, (4) é Aorthographia d'esta palavra » pag. 169. é tão incerta Hamburgo, 1834. (R.) entre os nossos antigos escritores, duvidosa a sua pronúncia. No Leal Conselheiro, e mais obras d'ElRei encontra-se constantemente escrita que no singular se acha como aqui se lè boos, sem alguma vez bom, o que torna incerta til a , nem Dom como Duarte, accento, ainda pronúncia , e faz sus- » _4— conselhos, sey que lealmente he todo scripto, quanto meu pequeno saber, embargado em todo geeral regimento de justiça, conselhos, e todas outras proveenças Senhorio, pode percalçar para poer scripto; porque alguas cousas se tal ) (1 obra podem meus Reynos de assi e em brevemète nom som razoar que taaes para screver. peitar que haveria omissão do abreviatura do lioos, n til no plural, que neste caso como em outros muitos ; outras boõs, cuja orthographia adoptámos nas correcções d'aquella obra por ser a mais frequente porém ; só a orthographia, mas se a consonância da rima pode servir de regra para fixar não d'uma palavra sobre que ha dúvida a pronúncia com dous nos a crer que esta palavra se escrevia oo, os de Duarte Nunes de Leão se devem pronunciar com escrevêssemos ás ou ôs bòos, e depois a bons , a qual , inclinâmo- quaes segundo a orthographia com um som accento agudo ou circumflexo ; forte , e como que de boos , se hoje se passou a maneira d'escrever é constantemente seguida por Camões. A consonância da rima em que nos fundamos além d'outras que não citamos , seguinte que se lé em GIL VICENTE .1 Eu >• Iremos e esles , publicadas do Plauto portuguez. veremos nós. em Hamburgo em 1834 , III pag. 169. , que o Editor das obras de GIL conservou fielmente o texto primitivo (R.) Esta palavra, que significa providencia ou previdência, é da lingua uma ligeira alteração com frequência, e escrita na orthographia umas ; « : Mais de ce monde lordenance, » Que Dieu par » Vault establir et ordenner, » Ce convient-il á sa grani fin proveance menner. Ronian de la romana com desde Jean de Meung até Amyot se acha usada vezes Prorance, outras Proteance sagem d'aquelle notável Romancista do xm° século Veja-se o Gloss. de é a homens bds lá e Esta nossa conjectura funda-se na supposição de VICENTE , : Farça do Juiz da Beira. Tomo (J) e Gomes Eanes d'Azurara na Chronica de Guiné escreve umas vezes » la Rose. Langue Romano de Roquefort. (R.) .• citaremos uma pas- , —5— E filhayo AB C por huu (1 ) palmente para senhores de taaes ABChe seer contados, para os quaaes A feito princi- gente de suas casas, que na theoria moços devemos respeito dos sabedores por em feitos e de lealdade, ca he sua própria ensinança. cada podem entender os poderes e payxoõeS que huu de nos ha e por o B o grande bem que percal- çom os E mais por o ; origem, bondades seguidores das virtudes e (1) Acceitai-o a se , vem do que nenhum dos nossos lezicógraphos recebei-o. Este verbo, a italiano pigliare (que por ho C e ; pronuncia se pilh are), mudado emf; op muito frequente entre os nossos escriptores do xiv° e do xv° século, e se acha por empregado em quasi todas as accepções que tem em italiano fixou era elles para provarmos sua ; identidade nas duas línguas transcreveremos o que diz Alherli no seu Diccionario che prendere , « Pigliare > e nelle stesse » di quegli significati » § Pigliare, per accettare, ricevere; ed in questo significato dicesi anche pigliare » buona ed lo stesso , maniere; ridurre in sua podestà, o con violenza, o senza parte. Prendre, recevoir, accepter. mala in que aqui o emprega o clássica da Illustre Autor. Este nossa litteratura não nos lembra de o comprovâo ; la varietà distingue delle parole che gli accompagnano. Prendre si É justamente em ; eis , saisir. in nesta accepção desuso na épocha seu synonimo tomar. mas sim tomar em seu lugar ler, » verbo começou a cair e foi substituído pelo , : usandosi tuttaddue questi verbi negli stcssi sensi Em Gil Vicente aqui duas passagens que o : tomão « Porque não » Assi a bragas enxutas. « se trutas Tomo Daqui podeis vos tomar •< melhor que vos » vier. » Tomo Barros talvez só uma III, pag. 177. III, pag. 313. vez usa d'elle (Cão àe filhar, 4, f. 129) , serve-se sempre de tomar, e quando falia de tomar por força emprega mui assisadamente o verbo prear. Descrevendo o Guiné, elle em mesmo facto, que descrevera Gomes Eannes d'Azurara, na Chronica de que empregara o \QiboJilhar, na accepção de agarrar, tomar por força, usa do verbo/jreard^sta maneira Em Camões são d'este verbo , tão mui frequentes pouco usou era desusado, e que com d'elle razão : iE com tudo aindapreárào alguns, os exemplos. foi d Dec. I, f. 1.6. Nunca o Príncipe de nossos poetas usou Sá de Miranda ; o que prova que já condemnado ao esquecimento. (R.) em seu tempo dos males e pecados nosso corregimento. Porque destas três parles mesturadamente e , nom per ordem assi , he meu pro- com devida protestaçom, leixando todo ao corregimento daquellcs a quem perteecer, ca sobrello mais pósito de mais trautar screvo por o que sinto e vejo na maneira de nosso viver que nem por studo de livros, dizer de lealdade entender, voôtade , suindo virtudes, edos pecados mantém nos avisando, se e a nosso sey pois elle sinto e a , com emenda e aas pessoas de sua mercee tem antre senhores e tam perfeitamente outros (pie nem ouço que mais e melhor delia husem, dos quaaes de sa boa graça me outorgou principal regimento, me muvto obrigado de a sempre manter e guardar a todos, vos mais por obrigaçom de grandes razoões, e requeri- mento de minha boa vontade; porem me praz nomeado, por a podesse (1) seguindo e pos- Senhor Deos, E porque ao presente outorgada em estes Reynos servidores, maridos e molheres, nom , outros falicimentos que se deve guardar. esta virtude e ca per dereito conhecimento de nosso poder, , memoria saber, querer, ensino de leterados; assi delia seer que o nome deste meu scripto concorde com tal maneira em que por mercee do Senhor Deos me trabalho sempre viver. Compre, para se passo (2), e pouco de cada hua vez, (1) se leer todo de começo, bem apontado, estando melhor entender, de Esta maneira d'eserever os pronomes encliticos era usada não só no de convertia-se exemplos , , tempo de Barros, que escreve ouve-se , com dous ss sem , risca d união converliasse, ouvesse, etc, em especialmente no Castrioto Lusitano de Fr. Raphael de Jesus com um só í, Lisboa, e ultimamente com escrevèrão-se lugar etc, mas ainda entre os seiscentistas se encontrão muitos como se vè a risca ; depois no Diccionario da Academia das Sciencias de d'uniào ; e esta é a orthographia mais conforme a razão. (R.) (2) Este adverbio, que hoje é desusado, ainda no tempo de GIL VICENTE era da , cm razoado tempo bem despostos os que leerem e ouvirem, ca lendosse doutra guisa, entendo que aos Ieterados (1) parecera mais symprezmente feito, e aos outros nom tam boo dentender, porque taaes leituras aos que de semelhantes nom teem boo conhecimento mais som para serem ensinados que para despender tempo ou se desenfadar com o livro dcstorias, em que o entendimento pouco trabalha por entender ou se nembrar. E posto que aa primeira pareça non sentirem proveito de o veer nem ouvir, saibbam que o leer dos boos livros, e boa conversaçom faz acrecentar o saber e virtudes, como crece o corpo, que nunca se conhece, senom passando per tempo pequeno que era com a graça se acha E de tal leer pender aquel tempo de grande, e o delgado fornido; e assy do Senhor o boo studo de simprez faz sabedor, do que virtuoso. : avemos em bem , filhado bem nom com boa tençom, vive, temperado e três proveitos : primeiro, des- fazer; segundo, acrecentar em boa sabedoria; terceiro, por o cuidado, quando estever occioso avendo lembrança do que leeo nam se oceupar em alguus nom boos pensamentos, ante retornando ao que aprender acrecentar em boo saber e virtudes. Prazermia que os leedores deste trautado tevessem a maneira da abelha, que passando per ramos e folhas, nas flores mais costuma de pousar, e nam e dally filha parte de seu mantimento; sejam taaes como aquelles bichos que, Ieixando todas cousas limpas, nas mais cujas filham toda sua governança. linguagem ordinária. Na Farça do « Falae vos passo, micer. (1) á illustre » Tomo AUTO DA ÍNDIA III, pag. 35, Autor impregava esta palavra no de sábios, e eruditos. (S.) diz a Criada Hamburgo, mesmo chegando E á janella : 1834. (R.) sentido que nós hoje damos porquanto alguus vendo quaaesquer pessoas esto se diz leendo per livro aquellas cousas, consiiram , ou em que possam aver boo exemplo, ensino e avisamento, e que achem e vejam lalicimentos , passom per elles proveitoso e digno de louvor. E sempre reguardando no mais aquestes aa abelha apropriados, os quaaes, por acharem em esto devem seer que screvo algua cousa que lhes praza, mais consiirem aa substancia eboa teen- çom que ao muyto saber nem forma de porque razoar, guardando ao desvairo das pessoas em estado, entender com leza, res- e sotil- desejo que razoadamente prouvesse aos mais que o vissem e recebessem alguu boo conselho , lembrança ou avisa- mento, accordei de levar esta ordem descrever na geeral maneira de nosso fallar. Porem bem sey que algua leitura nom pode a todos igualmente prazer, ca teem sobrello tanta diferença como no gosto das viandas, ouvir dos soõs; e a que e despraz a alguus por lhe parecer scura, outros a julgam por simprezmente feita e aos ; que falia mamuytos contra seu propósito e E posto que a mynha tenE tal trautado me parece neira de viver pouco dello se contentom. esto nom çom , praza, abastame que Nosso Senhor sabe que e seja feito a nosso prazer. que principalmente deve perteecer para homeês da corte, que algua cousa saibbam de semilhante sciencia virtuosamente, porque aos outros lhees praza de o ler, nem , som em elles desejem viver bem penso que nom muyto de o ouvrir. E assy como se fazem freos de feições desvairadas, e os que buas bestas outras e nom bem aderençadas semelhante ; enfream as se faz nas moraaes ensynanças, antre as quaes esta deve seer contada, que a muytos porchãa ou algua cousa scura seer que alguus por os ensinos rendo, ram , e em este trautado e nom e praza, poderá avisamentos, que, Deos que- seram scriptos, de malfazer se refrea- para viver virtuosamente seram enduzidos ; a qual » , —9— speranca noni pouco me acrecenta boo desejo de o trazer a pro- veitosa pérfeiçom. Da outra parte muvtos som como taaes aquelles bichos que bem feita, ai (i) nom consiirara senom onde acharom que prasmem ou de que scarnecam, ca esto filham por seu mantiimento. E aquestes bem me prazeria que o nom Ieessem, conhecendo que neelle assaz poderom achar leixando toda cousa boa e para usar de seus maaos costumes. como dito he E porquanto |esto screvo, por comprir vossa võotade com meu prazer e desenfada mento, querendo a alguus aproveitar, e a nenguem , bem seria que fossem scusados porque som certo que vêem poucas cousas nem obras de que «mipeecer de o leer e ouvir, nem recebam proveitosa ensynança e semelhante fazem os mais de todos nos falecimentos em que muvtos som derribados, e nas virtudes de que bem nom hiisam porem ; lhe praza, ; seus juizos sobre taaes leituras Fiz tralladar em el nom devem seer creudos. alguus capitullos doutros livros, por parecer que fariam declaracom e ajuda no que screvia. começo me E no esto mostra donde cada huu he tirado, filhando em exemplo daquel autor do livro do amante, que certas estorias em elle d'elles se screveo avisamentos (1) Esta (2). do E conhecendo meu saber para esto palavra, que hoje só é usada çava a invelhecer, farça de que se filham grandes boos conselhos e , foi AUTO DA LUSITÂNIA, onde « E » Nasce aqui em » E » Não presuma » De dar lamaras E para sentir foro, e com que já no tempo de CAMÕES come- bastante graça por GIL diz o Licenciado su- VICENTE na : pois o primor inteiro laes lugares, lodo o ai he grosseiro, o sovereiro doçares. Tomo (2) no ainda empregada nom III, pag. 274. Hamburgo, 1834. (R.) que o autor deixasse de indicar algumas vezes o nome dos autores — — 10 — ey por empacho seer ajudado de taaes ditos, ficiente noni e seerem assy compridamente aquy trallatlados, posto que o seu muy boo fremoso razoar, e 110 por mym scripto faça grande abatimento, porque mais quero aproveitar aos que o virem mynguada maneira de meu ca (1) encobrir esta dos livros que era então todos os litteratos conhecião o (1) usou Esta conjuncção Gil Vicente e commum com Camões , nome do indica que do Luto do amante leitura a suíficiente citar (2). simplesmente o livro, pois autor. (S.) de porque, ou somente que, como depois a significação mormente nas clausulas de muitas de suas estancias era , ao dialecto castelhano e galliziano; correspondendo ao car francez, ao quar da língua romana outros escrevião qua que porém nos Este silencio cita. mui seguida, que EIRei julgava screver e ao latim quare , quia , e , namquc ; Duarte Nunes conformando-se mais com a etymologia. Além , é assas conhecida, tinha também como conjuncção comparativa, que a de que , Dom e alguns d'esta significação, do que, ou antes que que EIRei é a , {quam , lat.), Duarte aqui emprega, e de que se encontrão muitos exemplos nos Documentos antigos, de que citaremos os seguintes: » « Asy que parecia tall mento de pouca reverença, P. Ribeiro, I. E » doutrem, qua fazede vos Chron. Dissert. em « se guysa y \ppendix n° 35, pag. requerimento seer com ea e Crit., mais com jnpito e acata- zeello de justiça. Tomo » Vej. o Documento em Appendix n"VIII, pag. 160. IV, entenda eu que avedes moor medo de em esto que ai fezerdes feito pesarmya ende 88. Neste ultimo exemplo muy to. se » reúnem Tomo Ibid., as mim ca III, Part. II, duas significações, e os dous modos d'escrever a palavra , parecendo talvez que a orthographia diversa foi aqui de propósito adoptada para indicar a differença de significado. (R.) (2) um Em a nota 2 da pagina 3 fizemos notar ao leitor quanto era para admirar Príncipe na flor dos annos , e no meio das fadigas da guerra occupasse não só da composição de punho nesta passagem ; as , e em um outras tal obra em que , este livro mais admiráveis lições de polidez, de urbanidade e outras d'este livro nos revelão quanto era polida Monarchas no principio do século XV o . (S.) , mas também de , a escrever pelo seu abunda nos dá , que e dos negócios, se este Soberano e de modéstia. Estas passagens e admirável a Corte de nossos » ; 114 CAPITOLLO Da maneira que 'or fui XIX. doente do humor menenconico e dei guareci. quanto sey que muytos foram, som, e ao diante Jseram tocados deste pecado de tristeza, que procede .ida voontade desconcertada, que ao presente "ffjçyem os chamam mais dos casos doença de humor manenco- rico (1), do qual dizem os físicos que vem de muvtas maneiras per fundamentos e sentidos desvairados mais de três ; anos continuados fuy dei muyto sentido, e per special mercee de Nosso Senhor Deos ouve perfeita saúde; com a teençom que primeiro screvi dalguus desta breve e symprez leitura filharem proveitosa ensynança e avisamento, prepus de vos screver o começo, perseguimento e cura que dei ouve, por speriencia a outros seja exemplo; ca e nom que mynha tal he pequeno conforto remédio aos que som desto tocados saberem como os outros sentirom o que elles padecem, e ouverom comprida saúde, porque huu dos seus principaaes sentymentos he pensarem que Menencorieo, melancólico, porque os nossos antigos dizião menencòria (1) rencória; e assim se dizia ainda Trovas de João Baibato, e de Gil " Quassy deos tue dey " Em prazer qual eslava » E não » Despois ouve menencòria » E tal vitoria » Falia em ou me- faltes conta lá em passar, Por perder aquella groria » Porque em Senhora em que » Não has ninguém de foi. 6i. : outra historia » estava. das tua merencória » Canc. Ger., , Dom Manoel, como vemos Vicente no AUTO DA BARCA DO PURGATÓRIO no tempo d'ElRei festa Gil Fie, de tal gloria levar.» Tomo 1 , pag. 162. (R.) , — outrem jamais nunca em que stado sentio tal antes era. — 115 fosse tornado a seu que E porem esta desesperança boo he hua grande parte do seu sentimento, da qual por o que screvo ra- zoadamente se devem tirar, e também filhar pensando que outros de grande stado, grande conforto que som theudos em e razoada estima, forom desto sentidos, porque nora se desprezam tanto assy medes por receberem padecimento de tal tristeza, pensamento com tanto tal quando pensam que taaes pessoas ja passarom, porque este desprezo que cada huíi de sy ha he huu grande aazo de sua tristeza, o qual tirado, e havida qualquer parte de boa speranca, logo começa de aver saúde, e se faz muyto desposto pêra receber pêra graça do Senhor Deos perfeita cura. Quando eu era de xxij annos, EIRei meu senhor comprido de muytas virtudes, cuja alma Deos e padre, aja, despoendosse mandoume que tevesse carrego da fazenda, que em sua corte se trau- pêra filhar a cidade de Cepta, do conselho, justiça e tava (1); porque tanto averia de trabalhar nos feitos que per- teenciam pêra sua hida, que doutros sem grande necessidade se nom entendia curar; eu nora consiirando minha nova hidade e pouco saber, com dereita obediência, como per mercee de Deos sempre em todo lhe guardey, e desi (2) por grande voontade que avia de se proceder per o dito feito, recebi (1) Trautar, em lugar e ainda se encontra de traclar ou tratar, é mui frequente na Ordenação Aflbnsina no Cancioneiro. João Gomes « Joham Mourato meu Senhor » Sages era todo traular " Donra bem merecedor » Mais inteiro trovador » Do que posso da Ilha diz na sua Confissão , : declarar. > Canc. Ger., (2) sem outro reguardo foi. 69 v». (R ) autor àa.Eufrosina escrevia deshi, depois d'isso, ou antes, além d'isso, outros- sim. (R.) ) — — 116 me pus (odollos dictos carregos, aos quaaes descliçom que na primeira quareesma que logo veeo , bem vyda. Os mais dos dias das, era na rollaçom meo (1) ataa da fazenda erom com mygo, Rolaçom 1 em lugar de relação , , que ainda e A cabeça » Escontra o vendaval » Aa porta da rolaçom " E também » Com que cuidou com jantar. Comer pouco husava em se lá Mendes Pinto nhola , : e elles Lucena em e o é mui : coraçom o troca tanto mal. » com os , foi. 29 v». (R.) nossos vizinhos castelhanos do verbo comer antigo Castelhano dizia-se yantar , , ; e nós jantar ( para significar esta comida mesma Academia Hespa- Vej. Diccionario da o Vocabulário deSanchez). Não é somente nesta passagem d'ElRei Duarte que pedirão a EIRei sam (3) poram lhe dizem hoje comer nos fundámos, » e minha significava antigamente entre nós jantar, fazer a principal do dia, prandere ; e comida uma elles ataa muy Cane. Ger. Parece que fizemos (2) com os oficiaaes de frequente no Cancioneiro. Álvaro de Brito diz nas suas Trovas « do conselho dia os aturava e retraya- , com , casa estava ataa xi oras. Monte, caça, ( meo vinha co- e odiencias per boo spaco oras da noite; e desque partiom ix ou acerca, dia aa camera, e logo aas duas oras pos e veedores fazia tal cedo era levantado, e, missas ouvi- mer (2). E sobre mesa dava me assy, fora de boa mas ainda n'um Dom João II , capitulo das Cortes d'Evora de 14SI « que os tabelliães tabelliães assi ante comer, e depois mentos para servirem de provas á parte , em que de comer certas horas do dia. 2a os povos sejam nos lugares deputados donde das Memorias » ( Vej. Docu- para a Historia e Theoria das Cortes, pelo Ex mo Snr. Visconde de Santarém, pag. 99. (R.) (3) Chamamos a attençâo do leitor para estas preciosidades históricas que nos transportão aos princípios do século xv,e nos mostrão pavão os nossos Príncipes , e sobre admirar vendo este Príncipe na se tudo EIRei flor Dom como em que vivião, e se oceu- Duarte. Não podemos deixar de nos dos annos abandonar os prazeres da caça para entregar exclusivamente aos negócios de que a sabedoria de seu grande pai o havia encarregado. É na verdade pasmoso vèl-o assistir á relação, e mesmo durante o jantar dar providencias sobre diversos objectos do serviço, e finalmente passar sete horas depois todos os dias tratando negócios com os do conselho, e com os vedores — 117 — paaco do dicto senhor vesitava poucas vezes, e aquellas por veer o que el fazia, e de mym lhe dar conta (1). Esta vida con- tynuey ataa páscoa, quebrando tanto minha voontade que ja nom sentia alguú prazer me chegar ao coraçom daquelle senque ante tido E pensava que fazia. aquello da mudança da todos, porem me viinha, e que assy era commuú a dello me nom curava mes tanto me carregou que fylhey por grande pena nom poder no coraçom sentir alguú dereyto sentymento de boa folgança. Com esto a tristeza me começou de crecer, nom com certo fundamento, mes de qualquer cousa que hydade ; aazo se desse, ou dalguas fantezias sem razom; e quanto mais me aos cuydados dava tanto com mayores sentydos , me seguia, nom podendo entender que dalli me viinha, porque eu trabalhava em aquelles carregos por as razoões suso dietas tam de boa mente, que nam podia pensar que mal me vehesse por obrar no que me prazia e tam contente era de o fazer. , Em aquesta pena vy vy acerca de dez mezes, a tempos, e mais porque o dicto Rey, meu Senhor, se veo acerca da cidade de Lixboa, onde tal pestellença era que poucos dias passavom que me nom fallassem em pessoas conhecidas que de e menos; tramas tanto e (2) adoeciam tempo em e morriam. mym se criava , E por esto a tristeza, que de mais se dobrou ; e huu me dia da fazenda nas matérias relativas á administração d'este ramo. E para se repousar d'estas fadigas da sua casa ! , Que do seu tempo , e (1) entreter-se as duas horas restantes provavelmente sobre os negócios lições estupendas a seus suecessores Dom em este Principe Que modelo um tão deixou neste livro aos Príncipes digno de imitação ! (S.) facto histórico curioso, a saber que o her- paço separado d'aquelle que habitava seu augusto pai Duarte idolatrava admiração quando (2) ! Esta particularidade nos mostra deiro da Coroa vivia EIRei que falia d'elle como , , e a Inchaço, tumor, de struma , que se vê a cada passo pelas expressões de respeito, e quem lat., ia dar conta do que fazia i ou bubão como hoje dizemos. (S.) (R.) — deu grande sentymento queentura me que (1), — 118 em híía perna, e em grande pos me mas E alteracom. remediado, que per graça de Nosso Senhor door com fez tal em fuy logo breve spaço huu tam ryjo pensamento com receo de morte, que nora soomentc temy aquella, mas a que todos scusar nom podemos, pensando na breveza da vida prerecobrei saúde; E sente. íilhey em meu coraçom que por aquel pensamento entrou , mezes huu pequeno spaco nunca o pude afastar, tirandome todo prazer, e acrecentandome a mayor tristeza, seis dei segundo meu juyzo, que aver podia. Este me trazia tantas novas penas que seria largo descrever, e comparar nara as me podiria, porque todallas doores pêra esta nom saúde, da qual me conciencia muyto me E avia sperança de guarecer. queria confortar, per o se com demudamento da fe e tristeza era torvado, assy que a todo mal de alma e do corpo derribava. Gatom (3) : outro logar (1) pareceria (2) Quentura : , E por Quem teme Quem teme em temor tal se pode bem dizer o dicto do E em vyda. E de morte perde quanto vyve. a morte perde o prazer da a lugar de febre , ainda foi usada por Duarte Nunes de Leão. Vej. Diccionario de Moraes. (R.) (2) dizer Não podemos deixar de notar me este solecismo d'ElRei parecião, porque dores, sujeito d'este verbo, é criminál-o, quando autores graves que escreverão em Dom Duarte ; elle devia do plural. Mas poderemos nós tempos em que a lingua estava mais polida, e sua grammatica mais regularizada, ainda eommettêrão similhantes erros, abusando da figura sj-llepseP! Muitos se poderião apontar, verbo parecer fizera ;i ; daremos porém só morte d'ElRei Dom um , tirado de Gil Vicente , o qual Manoel , « Seus cabellos , » Arrincava e destruía » Seus olhos maravilhosos » Fontes dagua parecia. diz fios , fallando da Infanta o que dissemos em a nota 2 : d'ouro, ; Gil Vic, (3) Vej. mormente acerca do Tomo da pag. 38. III, pag. 348. (R.) , no Romance que — nom feito 119 — vallera, segundo entendo, porque com amygos fallava, e das curas, nem ouvera conselho, remédio, nom nom que me esforço confessores, e físicos, prestava cousa (1), e o dos remédios tam poucos sentia vantajem, e confortos recebia como aquel que per enfermidade mortal dos despe- físicos , , rado(2), recebe das pai lavras que lhe dizem, ou que per justiça nom menos he julgado que logo moira (3), ca aquel temor, segundo entendia, era pêra rayra sempre lembrado mes a graça do Senhor Deos, e de me outorgou conhecimento que sayr em ; Nossa Senhora Sancta Maria era enfirraidade e tentaçom do inmiigo todo cuydado errado que nom e sentido me viinha. E determvnev meu vyver, que cousa fora da pratica de eu avva por boa, e assy sabia, mercees ao Senhor, que per dignos doutoridade era aprovada; e se morte, vyda, saúde ou enfer- Em midade me vehesse, naquella quiz que me achasse. teençom fuy assy forte que os conselhos d'alguus diziam que bevesse lhei', e Phrase (1) " E não (2) vynho pouco auguado, dormisse com mo- grandes cuidados, todos desprezei elliptica ; mesmo muito usada d'ElRei prestava cousa nenhuma , Dom (4), avendo Duarte; subentende-se nenhuma ou nenhuma cousa me bem aproveitava. depressa fui substituída por desesperado. Dos que, abandonado ou desenganado dos médicos, No antigo (R.) » em desperado físicos como , vale o ao presente se diz. (R.i dialecto portuguez-galliziano não se dizia morrer, moj-rer, e d'ahi as variações moiro e moira, se que me Voz obsoleta conforme ao antigo castelhano, e que vem da palavra romana Jesper (3) leixasse físicos, esta mas sim moirer ou lugar de morro e morra , as quaes ainda encontrão nas Trovas de Garcia de Resende á morte de Dona Ignez de Castro também em Sá de Miranda. « " " » A foi. 59 v», singeleza e ingenuidade , e dous exemplos tirados dos dous Cancioneiros: Moyrer. e prazme si Deus me perdon E non posseu muito uiuer assi. Que non moyra mui ced en cõ pesar E moyro meu pola freeira. Mais nom pola de nogueyra.» Canc. de C- Stuarl, (4) Eis aqui » Mas pois eu nunca errey E sempre merecy mais » Deveys poderoso rey « >> Nam « Que 80, e 102. com que o Autor nos quebrantar vossa se ley moyro quebrantays. Canc. Ger., refere o conselho » foi. 221. (R.) que os médicos — — 120 minha speranca em no Senhor e sua muy Santa Madre; per parte da razom e da fe solamente ca o sentido e desejo toda esto , do coraçom todo era derribado a mal Em esta grande doença durey o tempo suso scripto, callan- dome com fallavaj e fazer. porque a poucas pessoas certas doutoridade defora em toda minha maneira de viver fazia pequena ella, mudança, nem mostramento do que estado, a muy virtuosa E estando em sentia. Raynha minha Senhora e , Deos aja, de peste! lenca se finou tal Madre, que do que eu filhey assy (1), grande sentimento que perdi todo receo; a ella em sua infirmy- me cheguey, e a servy sem alguu empacho como nom sentisse. E aquesto foy começo de minha cura, dade sempre se tal door porque sentindo amym, de sentir ella, leixei e veer que alguu spaço fora leixado do dicto cuidado, e recreeeome por algua E speranca que viiria a perfeito curamento. maginaçom muy (2) filhey mais hua proveitosa, ca pensey que Nosso Senhor uma prova de que EIRei Dom Duarte escrevera em que se desposou com a Infanta Dona Leonor, lhe derâo contra a melancolia, é mais este tratado antes filha ( d'ElRei do anno de 1428 Dom Fernando A Rainha Dona 1) seu illustre Em (2) filho, , de Aragão. (S.) Filippa de Lencastre morreo a nossos antigos Escriptores, assim lhanos da mesma 1 de Julho de 1414, anno 8 idade vezes temos notado , em erão como em mui frequentes Dom EIRei Duarte; os Dal ianos, Francezes e Caste- as figuras umas de Grammatica, como já por vezes juntavão syllabas no começo das dicções, e fazião prolheses (Vej. a nota de pag. 18 e G8) npliereses Este uso, ; e d'este numero ou abuso, não depois ainda estava em foi é maginaçào e maginar,ai só vigor, do tempo d'ElRei como se vê com ; que Dom outras tiravão-nas e faziâo falta a primeira syllaba Duarte, pois quasi Dom Diogo : « O que posso maginar " lio fantesia » De » Ho maginaçam causada » He de lai costellaçam Que naiu se pode alcançar. » Por candays » A >• perfevçam Cone. Ger., foi. um i. século frequência no Cancioneiro de Resende. Citaremos dous exemplos tirados das Trovas de tara alia em que autor d'esta obra, completou 24 annos da idade. (S.) pos 86 v°. (B.) quem perdida tara vos derramada nam daa vida: — me dava em meu coraçom por tanta pena meus pecados, sofrer aquella fallicymentos e com — 121 fazer emmenda mvm que mylhor pêra , de era paciência e virtuosa maneira, ca recebella na outra vvda, ou naquesta per deshonra, alevjamento, ou taaes perdas que bem cmruendar nunca se podem, e perdas que daquel mal nom me com como ficaria. fosse saão, per mercee do Senhor Deos, cousa Eaqueste pensamento me deu esforço a pelle- como faria contra qualquer cousa contrairá, ou tentaçom que me vehesse. E desto filhey grande esforço com jar tal cuidado, paciência e boa sperança, que som três cousas pêra tal caso muvto necessárias. Porem depois aturei com a dieta doença acerca de três annos nom tam atiçado, mas cadavez melhorando, nunca porem sentindo huu soo plazer chegar ao coraçom livremente como ante E acabado o dicto tempo, per special mercee de Nosso Senhor Deos eu ouve acertamento destar por spaço de doos fazia. , (1) mezes fora daficamentos com boas dos sem folganças, físicos nem (2), e filhar cada (1) Doos ou dos, homem em e pareciame que daquella guisa per perde o dereito gosto das viandas, lugar de dous ou dois, é por isso o nosso Príncipe por menos portuguez bastantes serviços fez á língua materna, Egloga VIII , estancia 77, diz elle • Com » Do um : hespanholismo bem mas não ; afflicção, , de- mas não tenhamos portuguez era Sá de Miranda, e isento d'igual foi defeito. Na dos peixinhos passaras rio, nam dalmocreves. , » foi. iOi v», ediç. de 1614. (R\ Substantivo verbal de aficar, que significa opprimir, apertar, etc. aqui no sentido translaticio e : Obras de Sd de Mir. (2) de saúde, e huu daquelles conselhos outras meezynhas; subytamente senty chegar ao coraçom como devya, que cada huu em boa desposiçom significando , como antigamente em É empregado castelhano, angustia dor do animo ou do corpo, angor, arrumna. (R.) 16 — — 122 pois cobra, que assy perdera e recobrara o dicto sentydo das folganças e prazer. saão, como E se de tal dally avante eu fuy assy perfeitamente sentimento nunca fora tocado; e ao pre- me tenho em sente, graças a Deos, eu geeral por mais ledo nom era ante que da dieta infirmydade fosse sentido. Esto por filhar aquel prazer assy ryjo de nova hydade, ca filha, em alguas cousas, bem penso que desque mes por grande custume raçom como fazem os nom se passa as cousas contrarias, me davam gram torvaçom vezes com seguro , e que tal que muytas repousado co- as passo. E assy consiirando o bem davantagem que synto desta temperança e fortalleza me tenho na conta suso scripta, o que vos screvo por acrecentar aos da tristeza geeral tentados boa spe- rança que muyto lhes e saúde. E fallece, a qual he fundamento da sua cura per esta guisa muvtos adoecem de tristeza sempre reina em seus coraçoões, e desperarem de saúde nunca parecem gonça (1) ; se matom huíis por perdas por o e , ou se nom poderem vaão a , que sofrer perder onde que ouverom cousas de ver, que lhes aconteceo, nojo, ou medo que sobejo e con- tinuadamente sentem. Porende eu entendo que muytos no que sobresto tenho scripto, e adiante screvo, ainda que por funda- mentos desvayrados syntom a tristeza, devem com a graça de Deos aver esforço, conselho, e avisamento com grande parte de boa sperança. (1) Esta voz, somente com a mudança do ç em z, era commum ao antigo dialecto castelhano; nós de vergonça fizemos vergonha, e os Castelhanos fizerão de tergonza vergiienza. Vej. Vocabulário de Sanchez. (R.) , , 123 — CAPITOLLO XX. Dos aazos per que se acrecenta o sentido do humor menencorico e dos remédios contra -^4)S principaacs aazos da elles. minha saúde foy traba 'lharme de sentir per quantas partes me viinha e acrecentava o dicto sentimento, e achei que prin- cipalmente das duas que íbrom o começo, em estar lugar de pestellençaou acerca, e sobejamente aos atiçados e scilicet, me dar grandes cuidados per tempo perlon- gado; de todo outro nojo, desprazer e sanha, de que ouvesse ryjo sentido, me tornava aquella lembrança da morte com seu receo, tristeza e tiramento de toda folgança. Doutra qualquer doença, destemperamento da compreissam, mingua de dormir, sobejos trabalhos do corpo, e de jejuuns, specialmente de e augua, de fruita ou semelhantes; e esso medes de pam reteer as obras da necessidade per qualquer guisa, dos tempos bruscos e contrairos ao que desejava, sentia empeecimento de soo por estar pensando achava muy me apartar contrairo, posto que a me demandava. Das meu costume, fuy assy regido que nunca delias achei grande mudamente; e por vezes comya daquellas que os físicos chamam manencoricas, e nom me faziam força, porem muyto nom as voontade per vezes husava. E viandas, ou per o bever dagua senti que faz pêra tal door empeeci- mento mas o vynho bem auguado entendo que he melhor que , — o sem augua, posto que os conhecendo que per el embargar o entender — 124 físicos sobresto nunca vyram faz o coraçom cuydado que o mais atormenta, a perfeita cura, nom ledice se caães, porque acidentalmente recebera mento (1) tal tornam bugios ou myngua de elle tal fazendas; porem de quem tem fazer tal cousa bem desejo de huua das cousas principaaes, e porem tal daquel guisa, que cuydam curar duma infirmidade, caem na servidoom se a ou abeta- prazer da bevedice, porque se perdem muytos das almas, , mas por dos sentydos pêra nora padecer tanta tristeza, como vinho, que como constrangidos tornam a sora , que seja vyver, corpos, e e digna de reprehen- nom menos que segundo meu juvzo, de toda cousa mal ou doutra pessoa, se vezar a nem feita que ouve se maao custume, por pensar que pêra recebem grandes dous beês Senhor aos semelhantes que sempre vivem tristeza e nojos (2) : esto lhe será em geeral boa primeiro, que Nosso sperança, que pêra todos casos de presta. Ahetamento era o substantivo verbal do antigo verbo abetar ou abeter, verbo commum romana , ao dialecto castelhano, e que vinha A\ibestir, abester ou abeter da lingua d'onde o antigo francez abétir, e que significava embrutecer, fazer estúpido, tonto, he bei em reádere. Os Francezes fizerão modernos, aproximando-se da etymologia o verbo hébèter, do latino hebeío , e nós , art. Abestir, e bulário de Sanchez, art. Abeter. (R.) Aos que obrão de similhante modo , latina, por analogia fizemos embolar, cujo substantivo verbal é embotamento. Vej. Glossaire de Roquefort (2) nem provee mais de sua graça; segundo, em melhor muyto físicos desejo que aja, queyra fazer pecado, remédio, porque do vyver bera e virtuosamente maneira cada era este caso traz empeeciraento; sentimento se deve guardar, e nunca per conselho de (1) nom que com a bevedice pêra pequeno spaco logo tornam a sentir tanta onde , tam ryjo aquel sentir e a outros som do conto daquelles que per mais louvem Similiter agentibus. (R.) o Voca- — Eo dicto Rey, — 125 meu Senhor e Padre, cuja alma Deos haja, per cinquo annos desto foy muyto sentido, avendo principal fun- damento por hua cadella danada que o mordeo. E tal pena sentiaem desembargar, que huú dia recebendo hua informaçom, nom sabendo sobre que era que na maão sentir suores lhe veo e como como a tevesse; e por el nom lhe queria con- o querer forçar, com fez leixar; hua cama, ficou por entom fora de se cousa dello destabre per semelhante jamente o coraçom afrontamento que per força lha tal a lançou sobre sentido, , nom sentisse. tal Eaquel Santo Con- ouve aqueste sentimento, por sobe- (1) se dar aos ciíydados e desembargos, em tanto que por semelhante se querer forçar pêra ouvir alguma pessoa destado, lhe viinha tal agastamento stevera em ponto que em de cayr el confessou que ja por ello terra; e huum outro e nom se partindo de sua maneyra virtuosa de vyver receberom boa saúde. Contra todos estes acontecymentos eu seus contrairás e remédios , com me trabalhava de saber os quaaes per graça de Nosso me ajudava o melhor que podia, desta guisa. Dapestelme afastava, e aprendi remédios pêra a curar, e perser- Senhor lença vativos os mylhores que sentia que pude saber. Quando dos cuydados me tornava, como bem podia, por filhar boas folganças o remediava ; e se era de muytos aficamentos de desembargos, per monte e caça, que fora per dias andasse onde queressem, meezinha (1) achava muy Locução adverbial antiquada, Esta palavra, Pêra os re- nojos proveitoza sentia falia de boos, esages(2)amygos, que semelhantemente (2) grande melhoramento. me nom , eommum á lingua castelhana , e que vale o mesmo igualmente. (R.) mui familiar aos nossos antigos Escriptores, era da lingua romana, d'onde veio o sage francez , e significava experimentado prudente , sensato, sábio, etc. , » — 126 — per boos livros de virtuosas ensvnanças que fallera a pro- leer pósito do que bem pouco tempo per me fosse tocado. Desta soo necessydade algíía E (1). guardava, salvo muy sempre achei proveitosa boa ocupaçom de honestos e razoados trabalhos do corpo e do entender pêra taaes sentidos, e a ociosidade muyto contrairá. Se o corpo sentia destemperado, trabalhava por E reduzir a boa temperança. sobre todas estas cousas avya esta muy que quando tornava a aquella pratica, me malleciosa renem- brança com gastamento decoracom, logo lhe consiirava o fun- damento; donde e se podia sentir Iheproviia; e se o nom com remédios era, contrairos entendia, pensava que era destempe- rança natural do corpo, a qual emmendada, aquel pensamento me e tristeza leixaria e filhava ; por em ello mym spaco com menos afrontamento. A myngua do dormyr curava per sono razoado que depois filhava. No bever pus regra geeral de grande temperança com em quantidade e folgança razoada bem auguado. emmendava. E trabalho sobejo a temperança dos traba- lhos e do entender, vontade, e do corpo, pêra do prazer boa desposiçom e toda governança sem esto dam grande avantagem, porque nom muyto guardandosse da fraqueza, boo regimento Porem cada huu preguiça, seguy mento de voontade, presta. ou vaã gloria, que som fundamentos de fallecerem (Vej. Glossário de Roquefort) Gil Vicente , como se Joham Mourato meu Senhor » Sages 1 ainda se encontra no Cancioneiro de Resende e " Doura bem merecedor » Mays • Do que posso ) Não era só a « lodo traular »> » inteiro trovador declarar. » Canc. Ger. ( amballas em pôde ver nas seguintes citações: o em ; em , lição dos foi. 69 v° Que o Ha de sages mercador levar ao mercado que lhe comprão melhor; ruim comprador » Porque » Levar-lhe ruim borcado. a Gil Vic, Tomo I, pag. 159. (R.) bons livros que deleitava o Illustre Autor, mas também o preservativo que buscava contra os nojos era o da boa conversação dos bons amigos i Expressões admiráveis ditas por um Príncipe moco, e herdeiro e sábios do throno ! (S.) , — partes, em — 127 todallas cousas a seu poder com a graça do Senhor guarde dos erros per sobejo ou fallecimento; ca posto que se nom delles algua cousa senty, perigosos ; porem em quem bem sev quaaes som peores muy esto nem mais specialmente deve reguardar regido, saão, e ledo, per mercee do Senhor, deseja vyver. E jejuar nunca leixei, segundo meu custume, porque o pade- cimento de huu dia per outros recebia corregymento. sança das pirollas A hu- commuus pêra esto achey muyto proveitosa me a tristeza recrecia, a ellas me tornava, ; em e todo caso que tomandoas em razoada maneira, segundo eu sentia que conviinha aa desposicom em que eu estava, e sempre delia me achey pêra esto de grande vantagem saúde purgar, sangrias, bem pode se e porem o que bem estever de vomytos deve muy te scusar, quando ; fazer. Contra o tempo contrairo, pensava que viinha per ordenança de Deos, e que porem com paciência o devia sofrer, atendendo por seu corregimento, consiirando a maneira suso scripta no pecado da yra sobre a mudança dos tempos, e pareceorae muyto grande remédio , tanto que hua vez por saão; e posto que me governey de tal Deos, e de sua dicto he, em (1) Soo, sòo tigos , a qual em que , e ficava, a qual tornasse sempre por taaes avysamentos eu me me guysa que, per mysericordia de Nosso Senhor muy Santa Madre, eu fuy e soo (1) dello como , toda boa saúde. ou som era era a voz commum em am da primeira pessoa do verbo ser entre os nossos an- ao dialecto galliziano as desinências gallegas substituídas pelas ; averme senty, e despois aquel cuydado avyao por acidente que da doença trabalhey por a desprezar bem me ou ão , em ; no tempo d'ElRei Dom Manoel on começarão a desapparecer da lingua dizia-se sam geralmente, e já alguma vez , sendo se encontra » , — Eaquella aver sobre soas, de ella — que vem de muytas partes juntamente, ou tristeza per alguu tempo continuado, c 128 me parece boo remédio; ca se muyto forte de soportar veher morte de taaes pes- que ajamos ryjo sentydo, per que convém trazer doo, e leixar festas, tanger, e vestir boas roupas, de que se recebe vem nossa doença, e doutras pessoas chedespezas, a que bem proveer se nom possa, parte de folgança, e gadas, e se com perdas, fazem alguas taaes cousas que tocam na honra todo juntamente ou acerca, poucos se podem meu juyzo, fe, em tal como esto fere em e boo stado todas partes, tempo bem governar. Porem segundo , este he seu principal remédio, avermos firmeza de pêra qual creamos que todo vem per ordenança de Nosso Senhor, que he fonte de justiça, porque devemos daver em elle e piedade, e myserieordia boa sperança , que muyto tira todas tristezas, possuindo caridade, que por todallas cousas da nom consentira receber tal tristeza que nos emnem grande torvaçom possam trazer. E quando vida presente peecimento taaes se acontecerem, mos que he ou qualquer outra pelleja contra tristeza, pensar deve- que nos convém armar. Primeiro, das três virtudes suso scriptas, encomendando muy specialmente a Nosso Senhor todos nossos feictos, dictos, e pensamento per esmollas, e obras virtuosas, dando carrego a outras boas pessoas que semelhante por nos o facom; ca esto he certo que vai muyto em todos estes casos. Segundo, husar das cardiaaes virtudes, sou , como ao presente dizemos o que tudo : se scilicet, prudência, mostra pelas seguintes citações dos dous Cancioneiros: <i » » » Senor n E por mesura e porque non a En min senom morte cedo será. E porque são uosso seruidor. » Seiior íremosa por nostro Canc. de C. Sluarl, foi. 93 v«. » d Sou na dança muy ayroso E bom musico também E também mm gracioso Mas he a custa dalguem. » Trov. de Res. no Canc., foi. 227. (R.) . — — 129 pêra nos guardar e proveor onde convém ; justiça, per que nono façamos, digamos ou pensemos por cousa que nos venha contra razom e dereito temperança, com que obremos todas cousas ; tam temperadamente como se de nom fossemos principalmente para soportar os guerreados; fortelleza (1), contrairos, e nos proveer taaes contrairos em todo com a graça de Nosso Senhor dos mais proveitosos remédios. Terceiro, compre proveer a saúde do corpo, porque eu tenho bem sejom sentido que ainda que taaes feitos per mostrança soportados, a compreiçom porque gasta e desconcerta, se convém de o remediar, assy que com a mercee de Deos seja sempre em boo e fortelleza stado, porque a saúde do corpo da geeralmente grande ajuda para o esforço do coraçom acompanhado de passamos, cadahuu dia soportam, e outros E fará, se (1) bem e tal e tristezas e todo devemos sperar que em que se correge (2) pêra os fym por mercee do Senhor Deos virtuosamente se governam. seendo E devemos todallas virtudes suso scriptas. sempre lembrar quantos semelhantes sentvmentos ja nos , a nos se vallentemente pellejarmos contra este mallecioso Se o Leal Conselheiro estivesse impresso quando Francisco Dias compoz a sua analyse sobre os principaes poetas portuguezes, não teria elle incluído no seu escólio dos substantivos ignorados até ao tempo d'ElRei com uma pequena alteração d'orthographia, podia deixar de ser conhecido o O mesmo dizemos do foi mui usada entre nossos virtude em que substantivo defensor, que não só existia o Mestre d'Aviz defensor do Reino? Estado, era nome d'uma ! ) , mas indicava como EIRei Dom Duarte no-lo explicou em o outros se podião ainda apontar, philologo, senão mas para dizer que a lingua portugueza em , antigos; nem elles tanto brilharão e era muito usado (não uma ordem ou cathegona no capitulo IV, pag. 30. Alguns só citamos estes, não para criticar aquelle hábil era mais rica do que se suppõe, o que (2) Correger, palavra fortaleza, a qual Dom Manoel a bem em tempo do nosso Príncipe se manifesta pelo Leal Conselheiro. (R.) lugar de corregir ou corrigir, do latim corrigere, neutra ou reciproca, era do antigo dialecto portuguez-galliziano , com significação e ainda era 17 usado » : — nom coraçom , — em Nosso Senhor Deos pecado, avendo speraoça naçom da razom 130 posto que a fraqueza e o derribamento do nem creamos que sempre o queira consentvr, em quanto durar per determy- a lembrança durara o sentydo por delia nacer, ca nom lie assy, porque, som lembranças, hua do coraçom, e outra da cabeça; e as segundo no começo he dicto, duas porque daquella que do coraçom procede vem gram parte de taaes sentidos, a qual nom muy ligeiramente as mais das vezes passa, he para creer que assy dure, como a que da parte da ca- beça principalmente sentymos. brança principal daquel ao coraçom do Senhor, a perfeito cin , que he fundamento da feito, por fique, o sentido passara, E porem tenhamos que tal lembrança nom passar assy ryjo ; boos avisamentos, todo se lem- tristeza, como per alguu tempo he sentyda mas per e a a graça deve screver que venha curamento. tempo (TElRei Dom Manoel , como se pode ver das seguintes passagens tiradas dos dous Cancioneiros » » >• Mundo leemos lais e sen sabor Mundo sem Deus e en que ben non E mundo lai que non corregera Ante o ueio sempre enpeorar. Canc. de C.Stuart, a >» foi. i07 v°. « Logo » Pois se » Ou morte » Por mais males a crucifiquemos nam quer correger cruel lhe demos nam fazer. Trov. de Diogo Fogaça, foi. 61 v°. (R.)