regina célia mariz de almeida a evolução da posição jurídico
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regina célia mariz de almeida a evolução da posição jurídico
9 ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA – ESMAT 13 REGINA CÉLIA MARIZ DE ALMEIDA A EVOLUÇÃO DA POSIÇÃO JURÍDICO-SOCIAL DA MULHER JOÃO PESSOA/PB 2010 10 REGINA CÉLIA MARIZ DE ALMEIDA A EVOLUÇÃO DA POSIÇÃO JURÍDICO-SOCIAL DA MULHER Monografia apresentada à Banca Examinadora da ESMAT 13, como exigência parcial para a obtenção do grau de Especialista em Direito do Trabalho. Orientador: Prof. Ms. Sérgio Cabral dos Reis Área: Direito Civil JOÃO PESSOA/PB 2010 11 REGINA CÉLIA MARIZ DE ALMEIDA A EVOLUÇÃO DA POSIÇÃO JURÍDICO-SOCIAL DA MULHER Monografia apresentada à Banca Examinadora da ESMAT 13, como exigência parcial para a obtenção do grau de Especialista em Direito do Trabalho. Orientador: Prof. Ms. Sérgio Cabral dos Reis Área: Direito Civil Aprovada em: ___/___/___ Nota: ____________ JOÃO PESSOA/PB 2010 12 À minha família e aos meus amigos, pois tornaram possível esta realização, afinal, o amor e a amizade são ingredientes indispensáveis para uma vida feliz... 13 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, por estar comigo em todos os momentos, instantes, enfim, guiar a minha vida, nunca tendo desistido de mim, mesmo quando fracassei, pensei em abandonar o projeto, julguei que tudo estava perdido, mas o seu par de pegadas na minha história, principalmente solitário, sem o meu, fez renascer em mim a esperança da vitória. Aos meus pais, que, com suas distintas sabedorias, ofereceram-me o melhor, proporcionando a oportunidade de conseguir incrementar a minha intelectualidade e dando-me profundos exemplos de garra e moral, fortalecendo-me, sempre, para que eu seja ainda mais capaz de enfrentar o mundo. Aos meus amigos, frutos que germinaram de sementes tão pequenas, mas tornaram-se presenças especiais em minha vida, ensinando-me as diversas maneiras de ver a existência, alargando meus conhecimentos sobre mim mesma, fazendo-me acreditar que era capaz de transpor os inúmeros limites que me impunha. A Katalin, pessoa tão especial, que me ajudou a vencer esta etapa tão valiosa, esticando prazos, incentivando a continuar na estrada do saber, solucionando problemas insolúveis, conciliando situações inusitadas. A José, uma pessoa muito especial, capaz de inundar meu ser com a coragem de lutar, a vontade de vencer, estando sempre presente em meu pensamento, por ser uma lição viva de amor, de carinho, de solidariedade, de honestidade, enfim, por possuir uma alma extraordinária, encantando todos que têm o privilégio de conhecêlo, de conversar com ele e de ouvir a sua história de vida. Agradeço, carinhosamente, a Eduardo Varandas, um amigo ímpar que trago, orgulhosamente, no rol de meus queridos mais próximos, pelo apoio, pelo incentivo, pelas conversas firmes e direcionadas sobre a profissão e sobre a vida, fazendo-me sair de sua sala com a certeza de que faria este curso de especialização, e, principalmente, por seu histórico de vida, afinal, a melhor lição é o exemplo. Agradeço, em especial, ao meu orientador Sérgio Cabral dos Reis, um homem obstinado, centrado, dedicado e desbravador do mundo do conhecimento, conquistando o seu merecido espaço nos cenários jurídicos paraibano e brasileiro de forma brilhante, responsável e enriquecedora, aliando a sua maturidade, a sua intelectualidade e a sua juventude, causando ainda mais admiração naqueles que compartilham de sua sabedoria. “O que importa na vida não é o ponto de partida, mas a caminhada. Caminhando e semeando, no fim, terás o que colher.” (Cora Coralina) SUMÁRIO INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I – EVOLUÇÃO HISTÓRICA 09 1 Legislações 09 1.1 Leis Portuguesas e Ordenações Filipinas 10 1.2 Constituições de 1824 e 1891 11 1.3 O Código Civil de 1916 12 1.4 Constituições Federais de 1934 a 1946 e Legislações Extravagantes até 1962 14 1.5 Estatuto da Mulher Casada 15 1.6 Constituições de 1967 E 1969 16 1.7 Lei do Divórcio (Lei no 6.515/77) 17 1.8 Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente 19 1.9 O Código Civil de 2002 24 1.10 Legislação Extravagante Pós Código Civil de 2002 27 1.11 Datas Históricas de Lutas das Mulheres no Brasil 28 CONSIDERAÇÕES FINAIS 37 REFERÊNCIAS 38 RESUMO Este trabalho tem como fulcro historiar e analisar os principais fatos que contribuíram para a evolução jurídico-social da mulher, que, com o passar do tempo, foi conquistando sua independência e sua liberdade em meio a uma sociedade machista, discriminadora e marginalizadora. Ainda em processo, a evolução jurídicosocial da mulher vem se efetivando através de sua ascensão em alguns âmbitos da sociedade, como no mercado de trabalho, na seara política, englobando as três esferas de governo, o direito de votar, a participação na economia familiar, acesso a estudo, galgando posições catedráticas. Das origens societárias aos dias hodiernos, a figura feminina tem alçado voos cada vez mais altos e de grande sucesso. É verdade que o processo evolutivo varia de cultura a cultura, obedecendo a preceitos religiosos os mais variados possíveis. Faz-se mister ressaltar, porém, que as vitórias colecionadas pelas mulheres são feitos de extrema valia, mudando, inclusive, o curso da nossa própria história. Palavras-chave: Direitos Preconceito. Conquistas. da Mulher. Deveres da Mulher. Discriminação. 8 INTRODUÇÃO Esta pesquisa tem como temática a evolução da posição jurídico-social da mulher, tendo em vista a relevância que traz a matéria no âmbito histórico, jurídico e social. Foram quatro os métodos utilizados: o histórico, o jurídico, o exegético e o bibliográfico. Quanto ao primeiro, trataremos da Roma Antiga, dos regramentos portugueses, focaremos, especialmente, do Brasil as Constituições passadas até a legislação constitucional e infraconstitucional da atualidade. O método jurídico foi desenvolvido pelo estudo dos institutos que se aplicavam às legislações passadas e atuais referentes aos direitos e deveres das mulheres. O método exegético foi tratado na pesquisa sobre legislações, usos e costumes, como componentes do ordenamento jurídico destacado. E, por fim, o método bibliográfico, pela pesquisa nas obras que no desenvolvimento do trabalho serão citadas. Foi dividido o trabalho em tópicos, inseridos em um capítulo, de forma que tornasse mais fácil a compreensão da construção histórica das Constituições brasileiras e legislações modernas, que, cada vez mais, instituíram-se no Brasil, para salvaguardar direitos das minorias, e, entre esses, os direitos e deveres das mulheres, que, durante muito tempo, foram preteridas diante da ausência de legislação ou mesmo da existência de expressão de preconceito e discriminação da mulher na norma aplicada. Era chegada a hora de se criarem mecanismos que colocassem em prática todos os acontecimentos e evidências de igualdade, visto que, em um Estado Democrático de Direito, não há lugar para isolamento de pessoas. Com o espírito de justiça social e humanitária com que muitos lutaram e conquistaram direitos, os quais serão destacados no presente trabalho, selecionamos nossa temática pelo interesse na pesquisa e pelo contentamento na divulgação dessas conquistas. 9 CAPÍTULO I EVOLUÇÃO HISTÓRICA 1. Legislações No Brasil, a evolução da condição jurídica da mulher ocorreu muito lentamente. Houve marcos importantes, dentre os quais: o Código Eleitoral; as Legislações Trabalhistas; o Estatuto da Mulher Casada, que alterou o Código Civil, e as anteriores Cartas Magnas culminando com a atual Constituição Federal de 05 de outubro de 1988. Nos primórdios, a mulher assumiu uma posição igualitária em relação ao homem, enquanto este caçava e pescava, aquela competia o desenvolvimento da agricultura e tarefas domésticas. Mas, com o aumento da riqueza individual do homem, a monopolização da política, bem como a queda do direito materno, surgiu uma enorme desigualdade jurídico-social entre homens e mulheres. E, em termos de importância, foi o que mais inferiorizou a mulher, tendo em vista serem tolhidos seus direitos como pessoa. Influenciada por uma educação diferenciada da oferecida ao homem, a mulher era trabalhada para sempre servir, enquanto o homem era educado para assumir a posição de senhor todo-poderoso. Quando solteira, vivia sob a dominação do pai ou do irmão mais velho; ao casar, o pai transmitia todos os seus direitos ao marido, submetendo a mulher à autoridade deste. A mulher nada mais era do que um mero objeto, por faltar-lhe capacidade para o exercício de seus direitos civis, chegando ao absurdo cultural de propiciar ao marido a escolha do próximo esposo de sua mulher, em caso de sua morte; em outras situações, com a morte do marido, matavam-na e enterravam-na, a fim de que a mesma continuasse servindo-o no outro mundo. O Direito Romano, berço da nossa cultura jurídica, já desprovia a mulher de capacidade jurídica. A religião era prerrogativa masculina da qual a mulher somente participaria com a autorização do pai ou do marido. Também o parentesco só se transmitia pelos homens (AMORIM, 1990). No Brasil-Colônia, a Igreja deu início à educação, no entanto a instrução ministrada por ela não incluía as mulheres. A Igreja da época pregava que a mulher 10 devia obediência cega não só ao pai e ao marido, como também à religião. Consequentemente, a mulher vivia enclausurada, sem contato com o mundo exterior. Seus dois únicos motivos de viver eram o lar e a Igreja. (SILVA, 1992) À mulher não era permitido estudar nem aprender a ler. Nas escolas administradas pela Igreja, somente lhes eram ensinadas técnicas manuais e domésticas. Esta ignorância lhe era imposta de forma a mantê-la subjugada, desprovendo-a de conhecimentos que lhe permitissem pensar em igualdade de direitos. (SILVA, 1992) Com a mudança da Corte Portuguesa para o Brasil, foram abertas algumas escolas não religiosas, onde as mulheres podiam estudar, entretanto, restrita aos conhecimentos de trabalhos manuais, domésticos e da língua portuguesa – falada em Portugal - em nível do antigo primário, como preleciona Eduardo de Oliveira Leite. (SILVA, 1992) Com a Constituição do Brasil Império de 1824, surgiram novas escolas destinadas especialmente à educação da mulher, mas, ainda, voltada a trabalhos manuais, domésticos, cânticos e ao ensino brasileiro de instrução primária. Ainda era vedado que mulheres frequentassem escolas masculinas. A vedação da mulher ao conhecimento escolar tinha dois motivos básicos, quais sejam: em primeiro lugar, o convívio entre homens e mulheres, conforme a Igreja, poderia provocar relacionamentos espúrios, e, em segundo lugar, porque sendo a instrução dada aos homens em nível mais elevado, não poderiam as mulheres frequentar as mesmas escolas. Somente no início do século XX, fora permitido que homens e mulheres estudassem juntos. 1.1 LEIS PORTUGUESAS E ORDENAÇÕES FILIPINAS O Brasil-Colônia regulava-se pelas leis portuguesas, que não reconheciam direitos à mulher e foram aplicadas até o período da Independência. Posteriormente e por mais de trezentos anos, de 1603 a 1916, vigeram as Ordenações Filipinas, que, em nada, identificavam-se com nossos usos, costumes e tradições. 11 Esse regime jurídico trazia em seu âmago o conservadorismo do poder patriarcal vivido na Idade Média. Nesse período, era vedado à mulher ser testemunha em testamento público; o pátrio-poder era de exclusividade do marido, não podendo a mulher ser tutora ou curadora sempre que contraísse novas núpcias; as viúvas poderiam sê-lo, desde que ‗vivessem honestamente‘. O marido poderia castigar a mulher, bem como matá-la em caso de adultério. Para isso, bastava a „fama pública‟, não sendo necessário „prova austera‟ (Livro 5, Títulos 36, 28, §6º, e 95). Nota-se que o benefício de matar, em caso de adultério, era apenas concedido ao homem. Posteriormente, o Código Criminal do Império, em seu art. 252, deixou de autorizar o homicídio e determinava que o marido deveria ser acusado perante o juízo criminal. Ademais, sempre que o marido estivesse litigando em juízo, haveria a necessidade da participação uxória da mulher. Isso não significava que a mulher passara a ter importância, mas em face da proteção da família, já que o homem e a mulher eram considerados como única pessoa, e a decisão era unicamente do marido (Livro 3, Título 48). Com a implantação do regime republicano brasileiro, surge o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, que manteve o domínio patriarcal - no entanto de forma mais suave -, quando dispôs sobre o casamento civil e retirou do marido o direito de impor castigo corpóreo à mulher e aos filhos. 1.2 CONSTITUIÇÕES DE 1824 E 1891 A Constituição de 1824 determinava, em seu artigo 178, inciso XII, que a lei seria igual para todos, quer para proteger, quer para castigar, e recompensaria à proporção dos merecimentos de cada um. No século XIX, em plena Revolução Industrial, a mulher entrou no mercado de trabalho nas fábricas, lado a lado com os homens, porém ocupando uma posição inferior. É mister destacar que não foi espontâneo, mas necessário, quase obrigatório, a mulher ingressar nesse mercado, porque, com a substituição do homem pela máquina, a renda familiar reduziu, de maneira considerável, e, em 12 alguns casos, deixou de existir, já que era o homem que mantinha financeiramente a casa, e, até esse momento, a mulher cuidava da mesma. (CÁRCERES, 1994) Como consequência dessa inferioridade, surgiu um movimento de mulheres que reivindicava a participação igualitária entre homens e mulheres na sociedade. Inicialmente, esses movimentos feministas lutavam apenas para obter reformas jurídicas relativas ao status da mulher. Defendiam a ideia liberal de que a igualdade de direitos jurídicos seria suficiente, para solucionar todas as discriminações. (CÁRCERES, 1994) O feminismo sufragista era um movimento de mulheres de classe média emergente, e sua principal meta era o direito ao voto. A primeira constituinte republicana levou para discussão, pela primeira vez, no Brasil, o tema „direitos da mulher‟. A Constituição de 1891, entretanto, excluiu do direito ao voto: o clero, em geral; os analfabetos e as mulheres. Os constituintes que eram contra o voto feminino alegavam que esse direito iria „anarquizar a sociedade‟. Nota-se que a referida Constituição, em seu art. 72, §2º, conservou o princípio da isonomia, não admitindo privilégios de nascimento, desconhecendo foros de nobreza, e extinguiu as ordens honoríficas existentes e todas as prerrogativas e regalias, bem como títulos nobiliários e de conselhos (BASTOS, 2003). Durante a Primeira República, também conhecida como República Velha, cresceu o movimento no sentido de que a ‗igualdade de todos‘, como dizia a Constituição, fosse aplicada também às mulheres. Esse movimento reivindicava, principalmente, o direito ao voto e à educação. 1.3 CÓDIGO CIVIL DE 1916 Em 1916, surge o Código Civil e, com ele, a família ou sociedade patriarcal. Nessa época, o que imperava era o „machismo‟. O poder de decisão e de chefia da sociedade conjugal era exclusivo dos homens, pois a mulher era tida como um ser acessório. Ela só deveria viver em função da casa, do marido e dos filhos. 13 Assim, as mulheres eram consideradas como relativamente incapazes (art. 6º, inciso II), ao lado dos menores impúberes, índios e pródigos. Ao pai, enquanto solteiras, ou ao marido, enquanto casadas, cabia a representação legal da família. Deve-se salientar que à mãe só era conferido poder de decisão de forma subsidiária, ou seja, na falta ou impedimento do pai. O Código Civil de 1916 não reconhecia a liberdade pessoal da mulher, e o casamento era modelo perfeito do fechado mundo patriarcal. O pai tinha o poder sobre o filho ilegítimo reconhecido enquanto menor (art. 360), além de possuir competência para nomear tutor. A mulher, de 1916 a 1962, necessitava da autorização do marido, para que pudesse exercer qualquer profissão fora do lar conjugal (art. 233). Além disso, ela era proibida de aceitar tutela, curatela ou qualquer outro múnus público, herança, legado e mandato sem autorização do marido (art. 242). Art. 242 - A mulher não pode, sem o consentimento do marido: I. Praticar atos que este não poderia sem o consentimento da mulher II. Alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis do seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens. III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outrem. IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado. V. Aceitar tutela, curatela ou outro múnus públicos. VI. Litigar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados nos arts. 248 e 251. VII. Exercer profissão. VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal. IX. Aceitar mandato. Sempre que existisse divergência entre o pai e a mãe quanto ao consentimento para o filho menor casar, prevaleceria a vontade do pai (art. 186). E era o pai que detinha o exercício exclusivo do pátrio poder, enquanto perdurasse a sociedade conjugal (art. 380). É forçoso destacar que o art. 385 dava ao pai a administração dos bens do filho e a possibilidade de a mãe tornar-se curadora dos bens apenas na falta do cônjuge varão. Por outro lado, trouxe a vocação igualitária, quando, em seu art. 240, a mulher, pelo casamento, assumia os apelidos do marido e a condição de consorte e 14 companheira, além de conferir-lhe o direito de dispor livremente do produto de seu trabalho, o que era negado ao marido. Havia situações como o direito de anular o casamento, se descobrisse que a sua mulher não era virgem, e o direito do pai deserdar a filha desonesta, que significavam o pensamento paternalista reinante em nossos costumes e cultura, infiltrando-se no direito positivo brasileiro. Tudo isso em face do tabu sexual imposto pela Igreja Católica, por meio da história de Adão e Eva, em que mostra a mulher como grande estímulo do mal. 1.4 CONSTITUIÇÕES FEDERAIS DE 1934 A 1946 E LEGISLAÇÕES EXTRAVAGANTES ATÉ 1962 Em 1932, surge o Código Eleitoral, com um avanço em relação aos direitos da mulher, quando permitiu o exercício do voto aos 21 (vinte e um) anos, tendo a Constituição Federal de 1934 reduzido a idade para o exercício do direito de sufrágio para 18 (dezoito) anos. Assim, em 1936, Berta Lutz, eleita Deputada Federal suplente em 1934, assumiu o mandato na Câmara Federal. No que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres, até 1934, as Constituições tão somente afirmavam, de forma genérica, o princípio da igualdade de todos perante a lei, sem, contudo, citar expressamente a proibição da discriminação em função do sexo. Em 1934, pela primeira vez, o constituinte se ocupa da situação jurídica da mulher de forma a proibir distinções ou privilégios em razão do sexo, ampliando os direitos femininos em detrimento da soberania masculina (art. 113, §1º). A Carta de 1937 (art. 122, §1º), em flagrante retrocesso, suprime a referência expressa à igualdade jurídica dos sexos, retornando à fórmula genérica das Constituições promulgadas no século anterior. Da mesma forma, a Constituição de 1946 (art. 141, §1º) apenas reproduziu o texto anterior, castrando, mais uma vez, a dignidade da mulher. 15 1.5 ESTATUTO DA MULHER CASADA Diante da inferioridade da mulher e com base na Declaração dos Direitos Humanos, que determinava a igualdade de direitos entre o homem e a mulher, não só durante o matrimônio, mas também após a dissolução deste, surge, no Brasil, em 27 de agosto de 1962, a Lei nº 4.121, também conhecida como Estatuto da Mulher Casada. O referido estatuto foi um marco decisivo para o reconhecimento e o avanço dos direitos da mulher antes da Constituição Federal de 1988. Seu maior mérito foi abolir a incapacidade feminina, revogando diversas normas discriminadoras. Gerando alterações profundas no Código Civil de 1916, além de pôr fim à incapacidade relativa, ampliou o pátrio-poder, o qual competia ao pai com a colaboração da mãe, melhorando, dessa forma, a posição da mulher na sociedade conjugal em relação aos filhos. Garantiu também à mulher: o direito de ficar com a guarda dos filhos menores e estabeleceu que, se a mãe contraísse novas núpcias, não perderia os direitos do pátrio-poder; o direito de recorrer ao Poder Judiciário, se não concordasse com as decisões do marido em relação aos filhos. Ademais, consagrou o „princípio do livre exercício da profissão da mulher‟, instituindo uma nova categoria de bens, os chamados „reservados‟, em função da autonomia profissional. Isso significava que os bens adquiridos com o resultado do trabalho da mulher eram de sua exclusiva administração, independente do regime de bens do casamento, sendo protegidos de eventual execução das dívidas do marido. É válido ressaltar que a mulher só necessitava de autorização do marido, se os bens fossem imóveis. Isso a tornou economicamente produtiva, aumentando a importância da mulher nas relações de poder no interior da família. Este aumento do poder econômico feminino trouxe decisivas modificações no relacionamento pessoal entre os cônjuges. Teve o mérito de ser o início das conquistas da mulher, mas esta foi uma mudança árdua e demorada. Em relação ao domicílio, que, por disposição do Código Civil de 1916, cabia exclusivamente ao marido, a mulher passou a ter direito de recorrer ao Poder Judiciário, se essa escolha viesse a prejudicá-la. 16 Essa legislação inovou, também, quando suprimiu a autorização marital em casos em que a mulher pudesse aceitar ou recusar herança ou legado, tutela, curatela, múnus público ou mandato, para exercer profissão e para litigar em juízo. A mulher viúva adquiriu, ainda, o direito de usufruto, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal; sobre a quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houvesse filhos deste ou do casal, e sobre a metade, se não houvesse filhos; enquanto durasse a viuvez, mesmo que sobrevivessem ascendentes do „de cujus‟; bem como o direito real de habitação, quando casada sob o regime de comunhão universal, enquanto vivesse e permanecesse viúva, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que fosse o único bem daquela natureza a inventariar. Teixeira1 acrescenta que ―a autoridade do marido foi mantida, embora estabelecido que essa autoridade deveria ser exercida no estrito benefício da família, somente ‗como garantia da preservação da unidade familiar‘‖. Com isso, pode-se citar, a título de exemplificação dessa manutenção de autoridade do marido, que, em caso de herança deixada pelos pais da mulher, a mesma vinha em nome do marido „por cabeça de casal‟, não aparecendo o nome da filha casada como herdeira dos seus próprios pais. 1.6 CONSTITUIÇÕES DE 1967 E 1969 Pode-se dizer que, a partir da Constituição de 1967, começou a firmar-se a igualdade jurídica entre homens e mulheres. Assim, a Carta Magna determinava, em seu art. 153, que ―todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas‖ e que o preconceito de raça seria punido pela lei. Nota-se, com isso, um avanço em relação às Constituições de 1937 e 1946, quando o legislador especificou a não discriminação entre homens e mulheres. 1 TEIXEIRA, 1993, p. 73. 17 Em 1969, a Constituição de 1967 sofreu uma alteração profunda em seu texto com a Emenda Constitucional nº 1, e, em face disso, muitos a consideram uma nova Constituição. Apesar dessa alteração, o texto foi mantido. 1.7 LEI DO DIVÓRCIO (LEI no 6.515/77) Em 26 de dezembro de 1977, introduziu-se a Lei nº 6.515, mais conhecida como Lei do Divórcio, cujo objetivo precípuo era reconhecer e sanar as situações fáticas já instaladas no seio da sociedade. Seu projeto, inicialmente, tinha o intuito de estabelecer o divórcio puro e exclusivo, mas, diante da pressão advinda dos entes religiosos, encabeçada sobremaneira pela Igreja Católica, fez com que surgisse um sistema bipartido de dissolução da sociedade conjugal — uma preliminar e outra definitiva —, fazendo surgir a separação e o divórcio. Inicialmente, o divórcio foi introduzido no Brasil pela Emenda Constitucional nº 9, de 28 de junho de 1977, que deu nova redação ao §1º do art. 175 da Constituição de 1969, não só suprimindo o princípio da indissolubilidade do vínculo matrimonial como também estabelecendo os parâmetros da dissolução, que seria regulamentada por lei ordinária. O Decreto nº 181, de 1890, que instituiu o casamento civil no Brasil, previa o divórcio a „thoro et mensa‟, que acarretava somente a separação de corpos, mas não rompia o vínculo matrimonial. O divórcio vincular ou ―a vínculo‖, que dissolve o vínculo e permite novo casamento, somente passou a ser aplicado no Brasil com a regulamentação da Emenda Constitucional pela Lei do Divórcio. Sua modalidade básica era o divórcio-conversão: primeiro o casal se separava judicialmente e, depois de três anos, requeria a conversão da separação em divórcio. O divórcio direto era tido como uma forma excepcional, prevista em suas disposições transitórias (art. 40), ao alcance somente de casais que já estavam separados de fato há mais de cinco anos em 28 de junho de 1977, limitando a uma única vez a separação e/ou divórcio. Essa lei dava aos cônjuges a oportunidade de pôr fim ao casamento e constituir nova família. Privilegiou, sob vários aspectos, homem e mulher, 18 inicialmente com a possibilidade de reconstrução do lar desfeito, bem como a mulher passou a ter a faculdade de optar, ou não, pelo uso do patronímico do marido, retirando a imposição que existia da obrigatoriedade de abrir mão do próprio nome, para adotar o do marido. Substituiu o regime da comunhão universal de bens (em que todos os bens pertenciam ao casal, sejam os pretéritos, os presentes ou os futuros) pelo da comunhão parcial de bens (só os bens advindos do casamento fariam parte de futura partilha, ficando a salvo os bens pretéritos ao ato, os advindos de doações ou sucessões, bem como os sub-rogados em seu lugar), ampliou a equiparação dos filhos, qualquer que fosse a natureza da filiação (natural casamentária ou não e civil), para os fins de sucessão hereditária. Em seu artigo 20, trouxe a presunção de que ambos os cônjuges são responsáveis pelo sustento dos filhos, acabando com o entendimento de que a fixação da prestação alimentícia está associada à idéia de culpa, equiparando, assim, a obrigação de prestar alimentos aos filhos tanto ao homem quando à mulher. A referida lei estabelece, ainda, a reciprocidade de prestação alimentar, cabendo ao cônjuge responsável pela separação judicial pensionar o outro, sem distinção entre homem e mulher, vinculando o pagamento dos alimentos ao binômio necessidade-possibilidade. A separação judicial foi mantida, após o Brasil ter se tornado um país divorcista, por uma questão meramente psicológica, tendo em vista a pressão exercida pela Igreja Católica, com o simples objetivo de manter o casamento, pelo menos temporariamente, pois o mesmo não estaria dissolvido de pronto, e os separados não poderiam se casar novamente, tendo oportunidade de repensarem a possibilidade inclusive de restabelecimento da sociedade conjugal. É mister salientar que a separação colocava termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de bens (Código Civil, art. 1.576). É tido como causa de dissolução da sociedade conjugal, não rompendo o vínculo conjugal. 19 1.8 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Para as mulheres, a verdadeira e grande vitória surge com a Constituição Federal de 1988, porém houve uma grande dificuldade prática para aquelas, devido à discrepância existente entre os dois ordenamentos jurídicos que ditavam regras às mulheres na época: o Código Civil de 1916 e a Constituição de 1988, pois a igualdade retratada na segunda em nada condizia com a arcaica legislação civil existente à época. Necessária seria uma legislação que se ajustasse a toda a situação fática existente: à posição da mulher no mercado de trabalho; à atuação na relação conjugal, familiar e social, resultado de muitas lutas em caminhos de discriminações... Faltava apenas uma legislação civilista que reconhecesse a verdadeira posição da mulher, assim como fez a Carta Magna de 1988. A igualdade buscada pela mulher e apregoada por esta Constituição somente veio a se estabilizar com pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, que se posicionou frente às desigualdades promulgadas pelo Código Civil de 1916. Assim, revogou toda e qualquer norma infraconstitucional diferenciadora anterior à Constituição, quando incompatível com a referida Carta Política, declarando que os preceitos constitucionais que impõem a igualdade entre os cônjuges e homens e mulheres em geral são auto-executáveis. Com isso, foram revogados por esta Constituição, dentre outros, os arts. 233 a 254, do Código Civil, os quais tratavam dos direitos e deveres do marido e da mulher, exceto o art. 235 c/c o art. 242, inciso I, e com os artigos que tratam do suprimento judicial do consentimento do outro cônjuge, porque era comum a ambos. Ensina Netto Lobo (Ano, p.) que: A materialização da igualdade de direitos e obrigações entre homem e mulher, nas relações conjugais e de união estável, acompanhou a evolução do princípio da igualdade no âmbito dos direitos fundamentais, incorporadas às Constituições dos Estados democráticos contemporâneos. O princípio apresenta duas dimensões: 20 a) igualdade de todas perante a lei, a saber, a clássica liberdade formal, que afastou os privilégios medievais dos estamentos e dos locais sócio-jurídicos (corporações de ofício ou guildas), e dotou todos os homens de direitos subjetivos iguais, ou seja, aqueles que a lei considera iguais; b) igualdade de todos na lei, amplificando o alcance, para vedar a discriminação na própria lei, como, por exemplo, a diferenciação entre direitos e deveres de homens e mulheres, na sociedade conjugal. Apesar do grande passo firmado com a Lei do Divórcio e de dispositivos implantados nas Constituições anteriores, com a Constituição Cidadã, como dito, a mulher teve seus direitos respeitados e equiparados para todos os fins, já que houve a preocupação de igualar homens e mulheres, de forma expressa, em vários dispositivos. Desde seu preâmbulo, a igualdade é tida como um dos fundamentos principais e estruturais do Estado de Direito, evidenciando-se o intuito do legislador em proporcionar a igualdade plena (igualdade material), aclarando o respeito a esse direito em vários de seus dispositivos, ao longo do texto constitucional. Nos direitos e garantias fundamentais, este fundamento cristaliza-se ao determinar que no art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I. Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; [...] (grifo nosso) Indo além em vários outros dispositivos, como nos direitos sociais, o legislador utiliza-se do princípio da igualdade real, para fazer uma descriminação positiva. Tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade. Observa-se, assim, o firme propósito da Constituinte brasileira em criar situações que beneficiam a mulher, para igualá-la ao patamar do homem no mercado de trabalho. Veja-se: 21 Art. 7º [...] XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; [...] A maternidade é peculiar à condição feminina, visto que a mulher precisa de tempo para recuperação e cuidados com a prole. Imagine se essa necessidade não estivesse resguarda pela Carta Magna brasileira, e a mulher tivesse que optar pelo emprego, abrindo mão da maternidade ou tendo que abandonar seu labor, para criar os filhos? Art. 7º [...] XX- proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; [...] Alguns entendem este inciso inconstitucional, pelo fato de que entendem que privilegia a mulher. Percebe-se, no entanto, que o intuito do legislador foi criar descriminantes positivas, para protegê-la ante o mercado. Art. 7º [...] XXX- proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, cor ou estado civil; [...] Não impede, contudo, que sejam utilizadas, a depender do cargo, certas restrições para condição da função, sem atribuir aspectos exclusivamente discriminatórios referente à pessoa que ocupa. Expressando-se em vários outros dispositivos, a Constituição Federal de 1988 protege e igualha a condição de homem e mulher em todos os seus termos, como se pode ratificar por meio dos seguintes artigos: Art. 183 - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 22 § 1º - O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. (grifo nosso) Art. 189 - Os beneficiários da distribuição de imóveis rurais pela reforma agrária receberão títulos de domínio ou de concessão de uso, inegociáveis pelo prazo de dez anos. Parágrafo único. O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil, nos termos e condições previstos em lei. (grifo nosso) Art. 201. [...] V. pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no §5º e no art. 202. (grifo nosso) No que tange à família, a Constituição Federal de 1988 foi mais precisa, ao determinar: Art. 226. [...] §5º: Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. (grifo nosso) Observa-se que não existe mais a função do homem e da mulher dentro da entidade familiar, ambos irão conjugar esforços, para direcionarem o rumo de sua unidade familiar. A mulher passou a desempenhar um papel diferente, até então, negado pela história. Passa da condição de inferioridade para a de igualdade frente ao homem. Permitindo que a estória bíblica que Eva surgiu da costela de Adão seja interpretada ao pé da letra. Já que ela surgiu da costela e não do pé ou da cabeça. Porque se fosse do pé Ela estaria a baixo e seria submetida aos caprichos do homem, se surgisse da cabeça estaria acima e submeteria o homem, mas Ela foi retirada do meio do homem para estar em igualdade ao mesmo e do lado esquerdo para ser amada e não subjugada por ele. 23 A família como um todo passou a ter um paradigma diferente das relações clássicas, advindas do casamento exclusivamente. Não se admitem, nos dias atuais, casamentos compostos só por aparências. O indivíduo passou a dar mais valor à afetividade que deve existir entre os integrantes do núcleo familiar. O constituinte, percebendo essas constantes modificações, introduziu na Constituição, expressamente no art. 226, outras formas de entidades familiares, a saber: 1 - a casamentária; 2 - a advinda de união estável; 3- a monoparental. Isso não que dizer que se excluem outras formas de entidades familiares, ante a redefinição contemporânea de entidade familiar. A partir do momento que a família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram vários e novos aspectos, valores. Nessa seara, a mulher desfruta uma importância diferenciada dentro e fora do núcleo familiar, com liberdades e responsabilidades advindas de suas conquistas ao longo da história. Corroborando o conceito de afetividade e felicidade do indivíduo, o legislador, percebendo o anseio da sociedade em definir situações pendentes e já existentes de seus membros, preserva e reconhece a autonomia privada na instituição do casamento, já que a família tem o papel e a função primordial de propiciar o bem-estar e permitir a busca da felicidade de seus integrantes, não interferindo em seu núcleo familiar, deixando a cargo de seus integrantes promoverem o destino que lhes prover. Tomando por base o pensamento doutrinário e jurisprudencial no sentido da não intervenção do Estado na entidade familiar, segundo o qual o Estado não poderia intervir coercitivamente no âmbito familiar, pondo em risco o projeto de felicidade, a mulher se destaca ante a legislação vigente, ganhando força jurídica e fática, concorrendo efetivamente para trilhar o caminho que deve perquirir seu núcleo familiar, em pé de igualdade com seu esposo ou companheiro sob o rumo que deve tomar sua família, inclusive com a possibilidade, se assim desejarem, de não mais permanecerem unidos. Ademais, a Constituição de 1988 reduziu os prazos para separação e divórcio-conversão de três para um ano, e criou-se uma modalidade permanente e 24 ordinária de divórcio direto, desde que comprovada a separação de fato por mais de dois anos, alterando, assim, a Lei do Divórcio. Nota-se que a Lei nº 7.841, de 17 de outubro de 1989, limitou-se a adaptar a Lei do Divórcio a essa nova Constituição, dando, porém, nova redação ao art. 40 da referida lei, excluindo qualquer possibilidade de discussão a respeito da causa eventualmente culposa da separação. O único requisito exigido para o divórcio direto passou a ser, assim, a comprovação da separação de fato por mais de dois anos. Não há nem uma sanção para o cônjuge que tiver a iniciativa da ação. Pode-se dizer, desse modo, que as duas modalidades atuais e ordinárias (permanentes) de divórcio existentes no país — divórcio-conversão e divórcio-direto — têm características de divórcio-remédio. Não se deveria assim admitir qualquer discussão sobre culpa no divórcio-direto. Já em 13 de julho de 1990, entra em vigor a Lei nº 8069, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), consagrando, definitivamente, o princípio constitucional da igualdade entre os sexos, estabelecendo que o „pátrio poder‟ será exercido "em igualdade de condições pelo pai e pela mãe" e que o dever de sustento, de guarda e de educação dos filhos cabe a ambos. 1.9 O CÓDIGO CIVIL DE 2002 Em 11 de janeiro de 2002, surge a Lei nº 10.406, também conhecida como Novo Código Civil de 2002. Ela veio para corroborar e ratificar a Carta Magna de 1988, já que estipula em vários de seus dispositivos a igualdade entre homem e mulher, deixando as distorções constantes no Código de 1916 apenas como fonte histórica. Pode-se observar, portanto, que a parte do Direito de Família do Novo Código Civil é baseada solidamente nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, abandonando os antigos e ultrapassados conceitos. Nos artigos referentes ao direito da personalidade e da capacidade, a mulher, que era tida como relativamente incapaz na legislação pretérita, passa a ser 25 considerada, nos tempos hodiernos, como uma pessoa plenamente capaz de gerir todos os atos de sua vida civil, colocando-a no mesmo patamar masculino. No direito de família, essa igualdade é evidenciada em vários de seus dispositivos. O art. 1511, por exemplo, o qual trata das disposições gerais do casamento, estabelece ―a [...] comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges‖ (grifo nosso). É mister ressaltar que é defeso ao Estado a interferência no núcleo familiar (art. 1.513), já que, para a conjuntura atual, a felicidade deve ser o único parâmetro para a permanência da unidade familiar. O art. 1.565 do mesmo diploma estabelece que ―[...] homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família” (grifo nosso), ficando aos mesmos a obrigação de prover a família, não existindo mais a condição de cabeça ou chefe da casa, tendo em vista que ambos são co-responsáveis pelo destino de sua entidade familiar. Uma novidade que não possui referência anterior é a possibilidade de acréscimo do sobrenome do outro por qualquer um dos cônjuges (§1º art. 1.565). A legislação anterior possibilitava a obrigatoriedade de a mulher adotar o sobrenome de seu futuro esposo. Com o advento da Lei nº 6.515/77, porém, a imposição tornouse, de fato, uma faculdade feminina, havendo mais um desdobramento desse avanço, pois, na legislação atual, essa possibilidade é mútua, podendo ambos acrescer ao seu nome o nome patronímico do outro. Ademais, não há mais a opção de se retirar sobrenome seu para colocar o do outro cônjuge, visto que, em muitos casos, possibilitava a descaracterização de referidos nomes. Percebe-se que há duas modificações no referido diploma: primeiro, não é permitido mais retirar qualquer sobrenome, para adotar o de seu(sua) companheiro(a), sendo possível apenas acrescer. Assim, quaisquer dos consortes poderão adotar o sobrenome do outro, inclusive ambos, se assim desejarem. Novamente, o parágrafo segundo do art. 1.565 traz a questão de não intervenção estatal no núcleo familiar, deixando ao cargo dos cônjuges, em conjunto, a direção de sua família. Ratificando esse parágrafo, o art. 1.567 trata da direção da sociedade conjugal, determinando que esta seja exercida em forma de colaboração entre homem e mulher, e, em caso de divergência, esta será solucionada pelo Juiz, levando em consideração o interesse do casal e dos filhos. Evidencia-se, por esse 26 diploma, que não existe mais a prevalência da decisão masculina no rumo da entidade familiar, o qual deverá ser tomado em conjunto por ambos os consortes, e, em caso de não chegarem a um acordo, a querela poderá ser solucionada pelo judiciário. Podem-se citar vários dispositivos que trazem a igualdade dos cônjuges no rumo da administração dos bens, guarda, sustento e proteção dos filhos (arts. 1.689, 1690, dentre outros). O sustento da casa e a direção da família não cabem mais precipuamente ao esposo, e sim a ambos os cônjuges independentemente do regime de bens adotado, e a administração desse patrimônio cabe a qualquer um dos consortes. Esta administração só será exercida de forma exclusiva em caso de enfermidade ou ausência que impossibilite a administração conjunta de ambos, respondendo o homem ou a mulher pelas obrigações contraídas, para bem da família, podendo, inclusive, sem anuência do outro, contrair dívidas. Não é permitido, contudo, a qualquer um dos cônjuges alienar bens imóveis, exercer ações referentes a esses direitos ou afiançar ou avalizar sem a autorização do outro (art. 1.647). Essa restrição demonstra cabalmente a igualdade do homem e da mulher nos interesses da família, resguardando o interesse da sociedade conjugal. Em caso de eventual dissolução do casamento por separação ou divórcio, os alimentos são devidos por qualquer um dos ex-consortes, desde que comprove que deles necessitem, para sobreviver, analisando sempre a forma compatível com sua condição social, não se eximindo de pagá-los por constatação de culpa do cônjuge necessitante, restringindo-se apenas as necessidades vitais de sustento para o ―culpado‖. Esse é o diferencial em relação à Lei do Divórcio, que eximia o cônjuge de pagar alimentos, caso o outro tivesse culpa na dissolução do matrimônio (arts. 1.694 e 1.695). Incoerente e inadmissível, na atualidade, é a possibilidade de escusa de tutela pelo simples fato de a mulher ser casada (art. 1.736, inciso I). Tal possibilidade não encontra guarida, sob o aspecto de uma análise sistemática da legislação brasileira, que evoluiu bastante, para acatar ainda preceitos como esse, que, fatalmente, passou despercebido, visto que se trata de repetição de uma legislação que já não possui guarida ante normas e preceitos fundamentais. 27 Ademais, a referida legislação inovou, quando estabeleceu a mesma idade núbil para homens e mulheres, reconheceu a família monoparental composta por mãe e filhos e excluiu, como causa de nulidade do casamento, o defloramento da mulher, quando desconhecido pelo marido antes de contrair núpcias. Como dito, no Código Civil de 1916, em seu art. 219, inciso IV, esse fato era tido como erro essencial, gerando a nulidade do casamento. 1.10 LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE PÓS CÓDIGO CIVIL DE 2002 No dia 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei nº 11.340, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal e da “Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher”, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Esta lei recebeu o nome de „Lei Maria da Penha‟ como forma de homenagear a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, símbolo da luta contra a violência familiar e doméstica. Em breves linhas, aquela mulher sofreu duas tentativas de homicídio por parte do marido, tendo sofrido agressões durante seis anos. Na primeira tentativa, levou um tiro enquanto dormia, sendo que o agressor alegou que houve uma tentativa de roubo. Em decorrência do tiro, a farmacêutica ficou paraplégica. Como se não bastasse, duas semanas depois de regressar do hospital, ainda durante o período de convalescência, Maria da Penha sofreu um segundo atentado contra sua vida: seu marido, sabendo de sua condição de recuperação, tentou eletrocutá-la enquanto se banhava. A punição do agressor só se deu 19 (dezenove) anos e 6 (seis) meses após o ocorrido. Essa situação injusta provocou a formalização de denúncia à Comissão 28 Interamericana de Direitos Humanos da OEA2 — órgão internacional responsável pelo arquivamento de comunicações decorrentes de violação desses acordos internacionais, pelo Centro pela Justiça pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com a vítima. Diante da denúncia, a Comissão da OEA publicou o Relatório nº 54, de 2001, que, dentre outras constatações, recomendou a continuidade e o aprofundamento do processo reformatório do sistema legislativo nacional, com o escopo de mitigar a tolerância estatal à violência doméstica contra a mulher no Brasil (ALVES, 2006). A sanção dessa lei representa, assim, um avanço em relação à proteção da mulher vítima de violência familiar e doméstica, incluindo-se, também, uma inovação legal quanto às formas familiares já positivadas. Por isso, não poderíamos nos furtar de fazer algumas considerações a esse marco tão importante da legislação brasileira no que se refere aos direitos da mulher. 1.11 DATAS HISTÓRICAS DE LUTAS DAS MULHERES NO BRASIL 1827 - Surge a primeira legislação relativa à educação de mulheres. Essa lei admitia meninas apenas para as escolas elementares, não para instituições de ensino mais adiantado. 1832 - A brasileira Nísia Floresta, do Rio Grande do Norte, defendeu mais educação e uma posição social mais alta para as mulheres. Lançou uma tradução livre da obra pioneira da feminista inglesa Mary Wolstonecraft. 1852 - Lançado o „Jornal das Senhoras‟, editado por Joana Paula Manso de Noronha. Ela sabia que não poderia falar ‗nos direitos, na missão da mulher‘, para que o jornal não fosse proibido nas casas de família. Sucedeu-a Violante de Bivar e Velasco. 2 Organização das Nações Unidas. 29 1857 – Nos Estados Unidos da América, na cidade de Nova Iorque, 129 operárias morrem queimadas pela força policial em uma fábrica têxtil. Elas ousaram reivindicar redução da jornada de trabalho de 14 para 10 horas diárias e o direito à licençamaternidade. Em face disso, foi instituído o „Dia 8 de Março‟, Dia Internacional da Mulher, em homenagem a essas guerreiras. 1873 - Publicado na cidade de Campanha da Princesa, em Minas Gerais, o jornal „O Sexo Feminino‟. A editora, Dona Francisca Senhorinha da Motta Diniz, tentava resgatar uma história perdida, a história das mulheres brasileiras. Advogava pelo sufrágio feminino. 1874 - Surgiram os jornais „O Domingo‟ e o „Jornal das Damas‟, no Rio de Janeiro, seguidos do „Myosotis‟, de Maria Heraclia, lançado em Recife, em 1875, e do incisivo „Echo das Damas‟, de Amélia Carolina da Silva Couto, no Rio de Janeiro, em 1879. Ainda naquele ano, a jovem Maria Augusta Generosa Estrella deixou o Rio de Janeiro, para estudar Medicina nos Estados Unidos. Ingressou três anos mais tarde no New York Medical College and Hospital for Women. A ela, juntou-se uma segunda jovem, Josefa Agueda Felisbella Mercedes de Oliveira. As duas publicaram, depois, um jornal em Nova Iorque: „A mulher‟. 1879 - O Governo Brasileiro abriu as instituições de ensino superior do país às mulheres. As jovens que seguiam esse caminho, todavia, eram sujeitas às pressões e à desaprovação sociais. 1880 - As primeiras mulheres graduadas em Direito encontraram dificuldades em exercer a profissão. 1887 - Rita Lobato Velho Lopes tornou-se a primeira mulher a receber o grau de médica no Brasil. As pioneiras encontraram muitas dificuldades, para se afirmarem profissionalmente e estiveram sujeitas ao ridículo. A pernambucana Maria Amélia de Queiroz enfrentou a opinião pública e proferiu palestras abertas sobre a abolição da escravatura. 30 1889 - Com a Proclamação da República, Francisca Senhorinha da Motta Diniz mudou o título do jornal „O sexo feminino‟ para „O Quinze de Novembro do Sexo Feminino‟. 1899 - Uma mulher, Myrthes de Campos, foi admitida no Tribunal de Justiça Brasileiro, para defender um cliente. 1910 - A professora Deolinda Daltro funda o Partido Republicano Feminino. 1917 - A referida professora liderou uma passeata exigindo a extensão do voto às mulheres. 1918 - A jovem Bertha Lutz, iniciando a carreira profissional como bióloga, publicou, na „Revista da Semana‟, uma carta denunciando o tratamento dado ao sexo feminino. Propôs a formação de uma associação de mulheres, visando a canalizar todos esses esforços isolados. 1921 – Em São Paulo, ocorreu a primeira partida de futebol feminino, senhoritas catarinenses e tremembeenses. 1922 - É constituída, no Rio de Janeiro, sob a liderança de Bertha Lutz, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. 1928 - As mulheres conquistaram o direito de disputar oficialmente as provas olímpicas. O Barão Pierre de Coubertin — criador das Olimpíadas da era moderna e severo opositor à participação feminina — pede demissão do cargo de Presidente do Comitê Olímpico Internacional. O Governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, obteve uma alteração da legislação eleitoral, para conferir o direito de voto às mulheres no seu Estado. Elas foram às ruas, mas seus votos foram anulados pela Comissão de Poderes do Estado. Foi eleita, no entanto, uma Prefeita, a primeira da História do Brasil: ALZIRA SORIANO DE SOUZA, no município de Lages, Rio Grande do Norte. 31 1932 - O Governo de Getúlio Vargas promulgou o novo Código Eleitoral pelo Decreto nº 21.076, garantindo, finalmente, o direito ao voto às mulheres brasileiras. A nadadora Maria Lenk, 17 anos, embarca para Los Angeles como única mulher e mascote da delegação olímpica. Foi a primeira atleta brasileira a participar de uma Olimpíada. 1933 - Nas eleições do referido ano, para a Assembléia Constituinte, foram eleitos 214 Deputados e uma única mulher, a paulista Carlota Pereira de Queiroz. 1936 - Piedade Coutinho e Scyla Venâncio participaram da prova dos 400m nado livre. Piedade obteve o quinto lugar, e Maria Lenk, a favorita nos 200m nado de peito, não conseguiu classificação, mas revelou-se uma grande inovadora no estilo livre. 1937 a 1945 - O Estado Novo criou o Decreto nº 3199, que normatizava a prática esportiva feminina. Proibia às mulheres os esportes que considerava incompatíveis com as condições femininas, tais como: lutas de qualquer natureza, futebol de salão, futebol de praia, polo, polo aquático, halterofilismo e beisebol. O referido Decreto só foi regulamentado em 1965. 1939 - Maria Lenk bateu dois recordes mundiais, nos 200m e 400m do nado de peito. Houve a criação do Curso de Educação Física na Universidade do Brasil, atual UFRJ3. Entre as fundadoras do curso, estavam Ivete Mariz, multi-atleta e campeã sul-americana de arremesso de disco, e Maria Lenk. 1945 - Ivete Mariz, após conquistar o recorde brasileiro (37m40cm4), consagra-se campeã sul-americana de arremesso de disco; campeã carioca de dardo, vicecampeã carioca de vôlei, atletismo e arremesso de peso. 1948 - Depois de 12 anos sem a presença feminina, a delegação brasileira nas Olimpíadas segue para Londres com 11 mulheres e 68 homens. 3 4 Universidade Federal do Rio de Janeiro. Trinta e sete metros e quarenta centímetros. 32 1949 – Houve a criação dos Jogos da Primavera, iniciativa do „Jornal dos Sports‟, também conhecidos como as Olimpíadas Femininas. Piedade Coutinho foi escolhida, para conduzir a bandeira nacional no desfile de abertura. 1951 – A OIT (Organização Internacional do Trabalho) aprovou, em 19 de junho, a „Convenção de Igualdade de Remuneração entre Trabalho Masculino e Trabalho Feminino para Função Igual‟. 1964 - O CND (Conselho Nacional de Desportos) proíbe a prática do futebol feminino no Brasil. A decisão só foi revogada em 1981. Ademais, foi instituída a obrigatoriedade do teste de feminilidade (exame cromossomático) nos jogos olímpicos de Tóquio. A intenção era impedir a invasão de atletas masculinos travestidos de mulher. 1965 - Regulamentação do Decreto nº 3199, criado durante o Estado Novo. 1971 - Um grupo de mulheres, liderado por Romy Medeiros, reuniu-se no Restaurante da Mesbla, no Rio de Janeiro, para estudar uma estratégia visando a comemorar um dia das mulheres, já que o Governo Militar da época proibia a comemoração do „Dia 8 de Março‟. Sugeriram a criação do dia 30 de abril, data de nascimento da pioneira Gerônima Mesquita, mineira de Leopoldina (Minas Gerais) que chegou a servir na Primeira Guerra Mundial. A data passou a ser comemorada em 1980. 1975 - As Nações Unidas instituíram o Ano Internacional da Mulher, após a Conferência do México de 1975. No Rio de Janeiro, um grupo de intelectuais, universitárias e donas-de-casa articulou comemorações que culminaram com a criação do Centro da Mulher Brasileira (CMB), primeira organização do novo feminismo. Apareceu o Movimento Feminino pela Anistia (MFA), unido à luta pela redemocratização do país. O MFA era presidido por Terezinha Zerbini, que teve o marido, General Zerbini, preso e perseguido após o Golpe de 64. O Movimento foi retratado no Boletim „Maria Quitéria‟. 33 1976 – Houve o depoimento da estilista Zuzu Angel ao historiador Hélio Silva, sobre a morte do filho, Stuart Angel, nos porões da ditadura. Dois meses depois, sofreu um acidente suspeito que a vitimou. Posteriormente, Chico Buarque de Hollanda lhe dedicou a música „Angélica‟. Recentemente, a Comissão criada pelo Governo Federal em 1996, para avaliar as denúncias de crimes políticos visando ao pagamento de indenizações às famílias das vítimas, concluiu que o acidente não teve motivação política. 1979 - A equipe feminina de Judô inscreveu-se com nomes de homens no Campeonato sul-americano da Argentina. Esse fato motivaria a revogação do Decreto nº 3.199. Convenção contra todas as formas de discriminação contra a mulher. Os Estados que firmaram a Convenção, entre eles o Brasil, condenaram a discriminação contra as mulheres, em todas as suas formas, e concordaram em buscar, através de todos os meios apropriados e sem demora, uma política adequada, para combater as distorções. Ademais, Eunice Michilles, então representante do PSD/AM5, assumiu a vaga de Senadora, por falecimento do titular, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo no Brasil. Seu mandato, de oito anos, terminou em 1987. Júnia Marise foi a primeira eleita para o cargo em 1990. 1980 – Foi instituído, pela Lei nº 6.971, de 9 de junho, o Dia Nacional da Mulher: 30 de abril. 1981 - Caiu o veto à prática do futebol feminino no Brasil. 1982 - Nas eleições diretas para os governos estaduais, o movimento de mulheres elabora uma plataforma feminista submetida aos candidatos. Recebeu o título de Alerta Feminista, que acabou virando uma tradição. 1983 - Criados em São Paulo e Minas Gerais os primeiros conselhos estaduais da condição feminina, para traçar políticas públicas para as mulheres. 5 Partido Social Democrata do Amazonas. 34 1984 - A ginástica olímpica, quase exclusivamente praticada por mulheres, passou a fazer parte dos esportes olímpicos. 1985 - Surgiu a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM), em São Paulo, e, rapidamente, várias outras são implantadas em outros Estados brasileiros. Com a Nova República, as experiências das mulheres nos Estados foram levadas ao âmbito federal. A Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 7353, que criou o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. 1987 - Criado o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro (CEDIM/RJ), a partir da reivindicação dos movimentos de mulheres, com a atribuição de assessorar, formular e fomentar políticas públicas voltadas para a valorização e a promoção feminina, através do Decreto nº 9906, de 6 de maio. Atualmente, é vinculado ao Gabinete Civil da Governadoria. 1988 - Através do Lobby do Batom, as mulheres brasileiras, tendo à frente diversas feministas e as vinte e seis Deputadas Federais constituintes, obtêm importantes e significativos avanços na Constituição Federal, garantindo igualdade a todos os brasileiros perante a lei, sem distinção de qualquer natureza e assegurando que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações". 1989 - O Governo Collor tirou a autonomia financeira e administrativa do CNDM, esvaziando o órgão. 1990 - Em resposta ao desmantelamento do CNDM pelo Governo Collor, o movimento de mulheres voltou à luta e criou o Fórum Nacional de Presidente de Conselhos da Condição e Direitos da Mulher, uma instância de articulação política, logo reconhecida e legitimada. O Fórum Nacional de Presidente de Conselhos da Condição e Direitos da Mulher conseguiu diversos avanços acompanhando as ações do Congresso Nacional, estando articulado com os movimentos de mulheres para encaminhamento de projetos de lei. Junto aos Ministérios, encaminhou propostas de políticas públicas. Mantinha contatos formais com agências especializadas, organismos e fundos das Nações Unidas. 35 Júnia Marise é a primeira eleita para o cargo de Senadora pelo PDT6 de Minas Gerais. Ademais, foi realizada, no Rio de Janeiro, a ECO 92 (Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável), que teve participação ativa das mulheres, através do Planeta Fêmea, a Agenda 21 e no Tratado da Convenção. 1993 - Assassinada Edméia da Silva Euzébia, líder das Mães de Acari, ao sair do metrô do Estácio. Ela liderava o grupo de nove mães que, ainda hoje, procuram seus filhos, 11 jovens da Favela de Acari, no Rio de Janeiro, sequestrados e desaparecidos em 1990. 1994 - Iniciou-se a articulação das mulheres brasileiras para a redação do documento reivindicatório para a IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Beijing, China, no ano seguinte. Foram realizados 91 eventos, envolvendo mais de 800 grupos femininos em todo o País. 1995 - O Brasil consagra-se Campeão Mundial de Vôlei Feminino. Por outro lado, após ser empossado, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, reativou o CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher), vinculado ao Ministério da Justiça, voltando a ter peso político na estrutura do Governo Federal. 1996 - Visando às eleições para Prefeitos e Vereadores, as mulheres se organizaram em todo o País e, através do movimento Mulher Sem Medo do Poder, aumentaram o número de Vereadoras e Prefeitas em todo o território nacional. É mister destacar que o Congresso Nacional incluiu o sistema de cotas na Legislação Eleitoral, obrigando os partidos políticos a inscreverem, no mínimo, 20% de mulheres em suas chapas proporcionais (Lei nº 9.100/95, em seu art. 11, §3º). Nesse ano, houve um recorde absoluto de participação brasileira nas Olimpíadas de Atlanta: 3.700 atletas de diversos países. Pela primeira vez, as atletas brasileiras levaram para casa medalhas olímpicas de ouro: Sandra e Jaqueline, dupla de vôlei de praia. O futebol feminino chega às Olimpíadas, e o 6 Partido Democrático Trabalhista. 36 Brasil fica em quarto lugar. O Softball, uma versão mais suave do beisebol, passa a ser um esporte olímpico exclusivo de mulheres. Além disso, o Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (Cedim) inseriu as mulheres cariocas na campanha pela escolha do Rio de Janeiro para a sede dos Jogos Olímpicos de 2004. A campanha, denominada „Mulher na Jogada‟, procurou reverter a falta de política de incentivo à participação das mulheres nos esportes de base – corrida, salto, maratona – e a diversidade numérica entre atletas masculinos e femininos. 1997 - O preparador físico brasileiro, Nuno Cobra, um dos mais respeitados do país, declara que os recordes estavam passando para as mãos das mulheres, e os homens teriam que se acostumar com elas nadando à sua frente. Nesse mesmo período, as mulheres já ocupavam 7% das cadeiras da Câmara dos Deputados; 7,4% do Senado Federal; 6% das prefeituras brasileiras. O índice de Vereadoras eleitas aumentou de 5,5%, em 1992, para 12%, em 1996. Cerca de duas mil mulheres testemunharam, no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, a assinatura da Convenção Fluminense pela Efetiva Cidadania da Mulher, pelo Governador Marcello Alencar e 71 Prefeitos do Estado do Rio de Janeiro. A Convenção foi resultado do trabalho realizado através do Programa Cidadania Feminina - Direito Humano Universal, Prioridade Local, que levou a plataforma de Beijing a todos os 91 municípios fluminenses. 2006/2008 - Eleita a primeira Presidente mulher da Corte Constitucional brasileira, Ellen Grace Nortfleet. 37 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante da grande importância do assunto, pudemos observar as inúmeras conquistas alcançadas pelas mulheres, símbolos de uma luta constante contra preconceitos, vivificando os valores que devem permanecer constantes em uma sociedade civilizada, cujo horizonte deve guiar para direitos e deveres similares, atendendo de forma desigual aos desiguais, respeitando-se, sobremaneira, os limites e as oportunidades de todos. Toda a evolução da legislação brasileira mostrou-se dinâmica e consensual, possibilitando o crescimento da figura feminina no seio de uma sociedade democrática, em que mulheres e homens têm seus interesses, direitos e deveres resguardados sob a égide da Carta Magna e de leis extravagantes. A guerra enfrentada, dia a dia, pelas mulheres, ainda que com o derramamento de muito sangue inocente e lágrimas sofridas, tem resultado em muitas batalhas vencidas pela população feminina, que do lar ganhou o mundo mercadológico e profissional, ajudando na manutenção da prole e da sociedade conjugal, estando no mesmo nível do homem, e, juntos, lutam por dignidade, respeito, direitos e sobrevivência, fortificando os laços naturais que os une e solidificando uma história que se perpetuará em nossa memória, com o orgulho de sermos homens e mulheres iguais em direitos e obrigações, nos termos da Constituição Federal de 1988. Dito isso, o objetivo deste trabalho denota-se alcançado, uma vez que trouxe à tona não só as discriminações sofridas pelas mulheres durante grande parte de sua existência, mas tentou-se compreender a evolução e a forma como se dão as conquistas de direitos dentro de uma sociedade complexa, regida por fortes costumes, crenças e tradições. 38 REFERÊNCIAS ALVES, Fabrício da Mota. Lei Maria da Penha: das discussões à aprovação de uma proposta concreta de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.jus.com.br>. Acesso em: 27 ago 2006. AMORIM, Edgar Carlos de. Os direitos da mulher na sociedade em mudança. Revista do Curso de Mestrado de Direito da UFC, Volume 8, v 1, Fortaleza, 1990. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2003. CABRAL, Karina Melissa. Manual de direitos da mulher: doutrina, modelos de petições e jurisprudências. —. São Paulo: Mundi, 2008. CÁRCERES, Florival. 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Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br/documentos/tratados/mulher/mulher.html>. Acesso em 16 set 2004. Conselho Estadual dos Direitos da Mulher – Cedim/RJ. Disponível em: <http://www.wmulher.com.br/artigos/luta_emancipacao.htm>. Acesso em 16 set 2005.
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