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CBPF – IX ESCOLA - 2012 FUNDAMENTOS E MÉTODOS DE RENORMALIZAÇÃO EM TQC Renormalização: uma Introdução Diagramas de Feynman e a Teoria dos Grafos: Árvores e Florestas Regularização Covariante de Calibre (DimReg) e Renormalização Esquema de Renormalização BPHZ (Bogoliubov-Parasiuk-Hepp-Zimmermann) no Espaço dos Momentos Renormalização Iterativa EG (Epstein-Glaser) no Espaço das Coordenadas A Estrutura Algébrica da Renormalização: Álgebras de Hopf na Co-homologia de Hochschild Esquema de Renormalização de Taylor-Lagrange: Um Método mais Geral Armando Flavio Rodrigues – ICEx/UFF/Volta Redonda 1 Conteúdo 1. RENORMALIZAÇÃO: UMA INTRODUÇÃO .................................................................................................................................................................................. 6 1.1. AS ORIGENS: A QED E A POLARIZAÇÃO DO VÁCUO (DYSON, SCHWINGER, FEYNMAN, TOMONAGA)............................................................................. 6 1.2. PRIMEIRA GENERALIZAÇÃO DO MÉTODO: O GRUPO DE RENORMALIZAÇÃO PERTURBATIVA NA TEORIA QUÂNTICA DE CAMPOS (STÜCKELBERG, PETERMANN, GELL-MANN, LOW, KENNETH WILSON)................................................................................................................................................................ 12 1.3. SEGUNDA GENERALIZAÇÃO DO MÉTODO: O (SEMI)GRUPO DE RENORMALIZAÇÃO VARIACIONAL NA FÍSICA ESTATÍSTICA (KADANOFF, WILSON, MIGDAL, E OUTROS) .................................................................................................................................................................................................................... 21 1.3.1. O MODELO DE ISING LINEAR ......................................................................................................................................................................................... 22 2. DIAGRAMAS DE FEYNMAN E TEORIA DOS GRAFOS ................................................................................................................................................................ 26 3. REGULARIZANDO DIVERGÊNCIAS UV COM RIGOR MATEMÁTICO: REGULARIZAÇÃO DIMENSIONAL .................................................................................... 38 4. 3.1. REGULARIZAÇÃO DE PAULI-VILLARS ............................................................................................................................................................................... 39 3.2. REGULARIZAÇÃO DIMENSIONAL ..................................................................................................................................................................................... 42 3.3. DimReg: DEFINIÇÃO E AXIOMAS ..................................................................................................................................................................................... 53 3.4. REPRESENTAÇÕES PARAMÉTRICAS DE UMA IF NO ESPAÇO DE MINKOWSKI d -DIMENSIONAL...................................................................................56 3.4.1. PARAMETRIZAÇÃO DE SCHWINGER ....................................................................................................................................................................... 56 3.4.2. PARAMETRIZAÇÃO DE FEYNMAN, OU FÓRMULA DE FEYNMAN ........................................................................................................................... 58 3.4.3. MATRIZES DE DIRAC DIMENSIONALMENTE REGULARIZADAS ................................................................................................................................ 59 RENORMALIZAÇÃO BPHZ: INDEPENDÊNCIA DO REGULARIZADOR UV NO ESPAÇO DOS MOMENTOS .................................................................................. 64 4.1. RENORMALIZAÇÃO BPHZ – UMA APRESENTAÇÃO INICIAL............................................................................................................................................. 73 4.2. TEOREMA DE WEINBERG (POWER COUNTING THEOREM)............................................................................................................................................. 75 4.3. A EQUAÇÃO DE DYSON-SCHWINGER .............................................................................................................................................................................. 76 2 4.4. A RENORMALIZAÇÃO BPHZ EM DETALHE ....................................................................................................................................................................... 79 4.5. FORMULAÇÃO MATEMÁTICA DO MÉTODO DE RENORMALIZAÇÃO BPHZ .......................................................................................................................... 98 4.6. 5. RENORMALIZAÇÃO EG: FUNÇÕES DE GREEN POSICIONAIS .................................................................................................................................................. 110 5.1. 6. RENORMALIZABILIDADE NO ESPAÇO DOS MOMENTOS ............................................................................................................................................... 108 RENORMALIZAÇÃO EG .................................................................................................................................................................................................. 111 5.1.1. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA .............................................................................................................................................................................. 112 5.1.2. TEORIA DE PERTURBAÇÕES ................................................................................................................................................................................... 114 5.1.3. SOLUÇÃO GERAL .................................................................................................................................................................................................... 117 5.1.4. GRAU SUPERFICIAL DE DIVERGÊNCIA, POWER COUNTING E EXEMPLOS ............................................................................................................ 119 5.1.5. EQUIVALÊNCIA ENTRE OS MÉTODOS BPHZ E EG ................................................................................................................................................. 120 ESTRUTURA MATEMÁTICA DOS GRAFOS DE FEYNMAN: ÁLGEBRAS DE HOPF ..................................................................................................................... 125 6.1. INTEGRAIS DE FEYNMAN COMO PERÍODOS.................................................................................................................................................................. 125 6.1.1. INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................................................................... 125 6.1.2. PERÍODOS .............................................................................................................................................................................................................. 127 6.1.3. EXPANSÕES DE INTEGRAIS DE FEYNMAN EM SÉRIES FORMAIS DE LAURENT ..................................................................................................... 134 6.2. ÁLGEBRAS DE HOPF NA TEORIA DA RENORMALIZAÇÃO NO ESPAÇO DOS MOMENTOS ............................................................................................. 141 6.2.1. ÁLGEBRA DE HOPF – UMA INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................... 141 6.2.2. BUSCANDO A ÁLGEBRA DE HOPF ............................................................................................................................................................................. 143 6.2.2.1. O MODELO UNIVERSAL DA ÁLGEBRA DE HOPF DAS ÁRVORES ENRAIZADAS .................................................................................................. 146 6.2.2.2. A ÁLGEBRA DE HOPF DAS ÁRVORES ENRAIZADAS ............................................................................................................................................ 151 6.2.2.3. A ÁLGEBRA DE HOPF DOS GRAFOS DE FEYNMAN SEM SUBDIVERGÊNCIAS ..................................................................................................... 154 3 B 6.2.3. O OPERADOR ENXERTO NA CO-HOMOLOGIA DE HOCHSCHILD ................................................................................................................... 155 6.2.3. SUBÁLGEBRAS DE HOPF E AS EQUAÇÕES QUÂNTICAS DE MOVIMENTO DE ....................................................................................................... 157 DYSON-SCHWINGER (OU DE SCHWINGER-DYSON) .............................................................................................................................................................. 157 6.3. 7. ÁLGEBRAS DE HOPF NA TEORIA DA RENORMALIZAÇÃO NO ESPAÇO DAS POSIÇÕES .................................................................................................. 160 6.3.1. REVISITANDO A RENORMALIZAÇÃO EG ................................................................................................................................................................ 161 6.3.2. A ÁLGEBRA DE HOPF DAS ÁRVORES ENRAIZADAS NA RENORMALIZAÇÃO EG .................................................................................................... 163 A ESTRUTURA MATEMÁTICA DA RENORMALIZAÇÃO COMO UMA ÁLGEBRA DE HOPF. ...................................................................................................... 165 7.1. INTRODUÇÃO................................................................................................................................................................................................................. 165 7.2. CORREÇÕES DE VÉRTICES ............................................................................................................................................................................................. 171 7.2.1. PRIMEIRA ITERAÇÃO............................................................................................................................................................................................. 180 7.2.2. FATORAÇÃO .......................................................................................................................................................................................................... 183 7.3. DIVERGÊNCIAS SUPERPOSTAS ....................................................................................................................................................................................... 188 7.3.1. 7.4. 8. UM MODELO SIMPLIFICADO DE TQC ................................................................................................................................................................... 189 ALGUNS DETALHES TÉCNICOS ....................................................................................................................................................................................... 193 7.4.1. FATORES DE FORMA ............................................................................................................................................................................................. 193 7.4.2. OUTROS GRAUS DE DIVERGÊNCIA........................................................................................................................................................................ 194 O MÉTODO TL (ESQUEMA DE RENORMALIZAÇÃO TAYLOR-LAGRANGE) .............................................................................................................................. 197 8.1. LIGHT-FRONT DYNAMICS (LFD): UMA PROPOSTA DE DIRAC COMO MOTIVAÇÃO ORIGINAL ...................................................................................... 199 8.2. CAMPOS COMO DISTRIBUIÇÕES VALORADAS EM OPERADORES (DVOP) E PARTIÇÕES DA UNIDADE (PU) COMO FUNÇÕES DE TESTE ..................... 201 8.3. DO MÉTODO EG APLICADO À LFQFT (LIGHT-FRONT QUANTUM FIELD THEORY) AO MÉTODO TL: 2006-2011 ........................................................... 203 4 8.3.1 9. 10. ALGUNS RESULTADOS SURPREENDENTES EM LFQFT. .............................................................................................................................. 205 APÊNDICE A ........................................................................................................................................................................................................................... 207 APÊNDICE B ....................................................................................................................................................................................................................... 212 5 1. RENORMALIZAÇÃO: UMA INTRODUÇÃO 1.1. AS ORIGENS: A QED E A POLARIZAÇÃO DO VÁCUO (DYSON, SCHWINGER, FEYNMAN, TOMONAGA) É famoso o fato de que Hans Bethe, em 1947, em uma viagem de trem retornando da conferência de Shelter Island, na qual o experimentalista americano e futuro prêmio Nobel Willis Lamb apresentou um deslocamento das linhas espectrais do átomo de hidrogênio inexplicável pela equação relativística de Dirac, calculou (não-relativisticamente!) a diferença de energia entre os orbitais eletrônicos 2s e 2 p (“The Electromagnetic Shift of Energy Levels”, Phys. Rev. 72 (1947) 339). Nas palavras de Steven Weinberg em seu livro de referência Quantum Theory of Fields, ali nascia a renormalização, em seu viés perturbativo, a qual seria a pedra de toque que faltava para o desenvolvimento posterior da Eletrodinâmica Quântica (QED). Na época uma teoria desacreditada até mesmo por seu criador em 1927, P. A. M. Dirac, uma vez que qualquer cálculo mais acurado que se pretendesse realizar levava quase sempre a resultados infinitos, tal como acontecera há meio século com a eletrodinâmica clássica em relação à catástrofe do ultravioleta da radiação de corpo negro, a Teoria Quântica de Campos (TQC) ganharia novo alento e novas ferramentas para se transmutar na teoria mais bem-sucedida da física do século XX. E esse salto, necessário e vitorioso, se deveu apenas a um conceito, hoje óbvio, mas cuja construção rigorosa exigiu décadas de trabalho árduo de cientistas de primeira linha: as teorias físicas microscópicas devem se adaptar à escala em que se dão as interações, ou, citando Weinberg mais uma vez, devem ser “teorias efetivas”. Até então, subsistia naturalmente no meio científico o pré-conceito mecanicista herdado do século XIX que estabelecia que uma teoria física deveria ser totalizante, explicando os fenômenos naturais de uma única maneira e forma, sem concessões à... própria Natureza. O primeiro registro sistemático da renormalização pode ser encontrado em 1949, em um artigo de Freeman Dyson (Phys. Ver. 75 (1949) 1736), incluído hoje, assim como o de Bethe, no livro Selected Papers in Quantum Electrodynamics, compilado por Julian Schwinger. À época aluno de Bethe, Dyson recebeu deste em 1947 a tarefa de desenvolver a versão relativística – a correta – dos cálculos do Lamb shift. Embora Dyson não tenha sido lembrado na premiação do Nobel em 1964, dedicada a Sin-itiro Tomonaga, Julian Schwinger e Richard Feynman, seu papel – principalmente como matemático 6 foi fundamental para a difusão da versão nascente da QED entre a comunidade científica, e para o aprofundamento do conceito ainda embrionário e bastante obscuro de renormalização. O próprio termo, usado pela primeira vez em 1947 pelo físico holandês Hendrik Kramers, na mesma conferência de Shelter Island à qual Bethe estava presente, é remanescente dos primórdios da TQC, como sendo uma “re-normalização” das soluções da equação relativística de Dirac análoga a uma “segunda quantização”, ou “requantização”, das soluções da equação não-relativística de Schrödinger. Explicando melhor essa analogia: quando se fala em normalização de uma função de onda r,t em Mecânica Quântica, isto significa, na interpretação probabilística, considerar que o vetor de estado correspondente tem norma unitária: 1 . No conceito inicial de renormalização, nas palavras de Bethe, “... o efeito da massa eletromagnética infinita de um elétron pontual pode ser eliminado pela identificação adequada dos termos na teoria da radiação de Dirac”. Ou, mais explicitamente ainda: “devemos subtrair da expressão teórica” [da auto-energia de um elétron ligado em um orbital] “a expressão correspondente para um elétron livre com a mesma energia cinética. O resultado divergirá então apenas logaritmicamente” [e não linearmente] “na teoria não-relativística”. [E como] “na teoria de Dirac a auto-energia do elétron diverge logaritmicamente, o resultado será convergente após a subtração da expressão do elétron livre”. É fácil perceber que os argumentos intuitivos de Bethe eram fortemente duvidosos, e se apoiavam apenas na suposta igualdade de dois termos logaritmicamente divergentes, cada qual em uma teoria diferente. Mas o resultado numérico de 1040 MHz coincidia quase exatamente com o shift de 1000 MHz encontrado no experimento de Lamb, e era isso o que mais importava em 1947. Sabemos hoje que não se tratava apenas de encontrar um limite daquela equação de Schrödinger para N partículas “segundo-quantizada” para campos no espaço-tempo quando se aumentasse o número de graus de liberdade da teoria N . O véu que a equação de Dirac levantou revelou o vácuo quântico, onde não existe repouso nem frieza, e sim uma dinâmica ininterrupta, em cada ponto desse espaço-tempo, de criação e destruição de partículas e antipartículas de matéria, os férmions, sendo suas interações por sua vez mediadas por partículas de força, os bósons – dos quais pelo menos aqueles associados à força nuclear fraca, W ,W , Z 0 , podemos afirmar que possuem massa (!?) – e esse vácuo se impõe como um pano de fundo totalmente novo, e essencial à interpretação e análise dos eventos físicos microscópicos. As próprias existências do vácuo quântico e de sua polarização, descritas acima, não foram a princípio uma unanimidade entre pelo menos dois dos criadores da nova teoria: Feynman levou um certo tempo para aceitá-las, enquanto 7 Schwinger foi desde o início um propugnador delas. E o que tem isso a ver com renormalização, com a escala de distância de observação da partícula? Às distâncias atômicas (1010 m ) ou maiores, a carga de um elétron é aquela medida por Robert Millikan, e o valor numérico da constante de estrutura fina , portanto, pode ser considerado como 1 137 . Já na década de 90, experimentos do LEP/CERN a 200GeV - isto é, em uma escala de distância cinco ordens de grandeza menor obtiveram para um valor próximo a 1 127 , o que significa uma carga eletromagnética maior. Essa diferença de resultados pode ser justificada qualitativamente pela seguinte descrição intuitiva: um elétron não existe sozinho no vácuo quântico, está sempre imerso em um condensado de elétrons, pósitrons e fótons virtuais, em constante interação de alta energia e em tempos não-observáveis (off-shell); um elétron, por sua carga elétrica intrínseca, ou carga nua, atrai os pósitrons off-shell e repele os elétrons offshell, o que resulta, efetivamente, em uma blindagem de carga (charge screenning); um elétron, a uma distância muito maior do que aquela em que se mantém a blindagem causada pela polarização do vácuo, terá sua carga elétrica mensurável (aquela medida por Millikan) correspondente à sua carga nua já distorcida e diminuída pelos pósitrons virtuais que o cercam; um elétron, a uma distância menor ou igual à da blindagem da polarização, terá uma carga nua (bare charge) de valor não-observável, que, eventualmente, a teoria interpreta como sendo um valor infinito. Nas palavras de Dyson, “a polarização do vácuo é o efeito das flutuações do campo quantizado elétron-pósitron sobre um dado campo de Maxwell (campo eletromagnético). O Lamb shift é o efeito do campo de Maxwell quantizado sobre um dado elétron (a autoenergia do elétron). (...) Para obtermos uma teoria completa de ambos os efeitos, devemos quantizar ambos os campos simultaneamente e considerar a reação de um em relação ao outro” (in Advanced Quantum Mechanics, World Sci., 2007 – reprint das palestras dadas por Dyson na Universidade de Cornell, em 1951). Partículas virtuais originadas pelas flutuações quânticas do vácuo possuem momentos lineares arbitrariamente altos – por isso não são observáveis diretamente, sua vida média é muito pequena -, e naturalmente levam ao surgimento de termos divergentes em uma expansão perturbativa, as chamadas divergências UV (no “ultravioleta”, significando altas frequências ou pequenos comprimentos de onda de Compton C h p ). Felizmente, embora não deixe de ser um resultado contraintuitivo e mesmo surpreendente, essas divergências podem em geral ser eliminadas, porque são restritas a valores de alguns 8 poucos parâmetros: as massas nuas e as constantes de acoplamento, ou, no caso das teorias ditas renormalizáveis, os contratermos adicionados à densidade lagrangiana de interação através de algum método de regularização. Veremos mais adiante com mais detalhe a regularização dimensional, que conserva as propriedades de invariância de calibre e de covariância, ou invariância de Lorentz, da teoria. Um grande obstáculo conceitual que retardou a descoberta da renormalização é oriundo do fato de que as teorias quânticas provêm diretamente das teorias clássicas, nas quais o vácuo é perfeito, inerte e vazio. Logo, os parâmetros físicos associados às partículas nas funções lagrangianas e hamiltonianas clássicas, como carga elétrica e massa, são também diretamente transpostos para as densidades lagrangianas e hamiltonianas quânticas, isto é, são a carga nua e a massa nua clássicas e intrínsecas que deixam de ter sentido físico – ou seja, não são observáveis – uma vez imersas no vácuo quântico inerente a uma teoria quântica relativística. A necessidade de se lidar, não com esses parâmetros intrínsecos, mas com as cargas e massas efetivas, mensuráveis, exige um método para que estas sejam extraídas das primeiras, e esse método é a renormalização. E, como em ciência um método bem-sucedido em uma determinada área gera naturalmente tentativas de estendê-lo a outras áreas carentes de métodos e de teorias, resulta que existem hoje vários métodos de renormalização derivados do original, que foram e vêm sendo aplicados com sucesso em áreas distintas. Uma classificação mínima possível em três classes dessas distintas renormalizações é proposta pelo físico russo Dmitry V. Shirkov, de acordo com as respectivas áreas de aplicação: 1 - Na TQC e em alguns sistemas macroscópicos unidimensionais; 2 - Em modelos de turbulência, de campos contínuos de spin, e sistemas análogos; 3 - Em modelos de polímeros e alguns sistemas com percolação. Veremos a seguir os exemplos de cálculo de renormalização da massa m e de carga e do elétron, representado pelo campo fermiônico , em um campo eletromagnético A , através das séries, ou transformações de Dyson. Usando a regularização de Pauli-Villars, invariante de calibre embora não covariante, Dyson obteve uma expressão para os contratermos finitos adicionados à lagrangiana inicial de interação análoga à seguinte expressão na representação de 9 coordenadas (a notação : : corresponde à ordenação temporal dos produtos de operadores, z1 z2 , z3 e m são constantes finitas): e z1 1 : x Aˆ x x : m : x x : i z2 1 : x n n n n x : m : x x : 2 x x 1 A x A x 1 A z3 1 : n m : . 2 x x 2 x m Substituindo agora a representação da transformada de Fourier 1 Aˆ p Aˆ q p p q p dqdp 4 2 resulta a expressão correspondente no espaço dos momentos p z1 1 e : Aˆ : z2 1 : p p m p : m : p p : 1 z3 1 : Am p g mn p 2 p m p n An p : 2 Sejam agora S p e D p as funções de Green causais, respectivamente, do elétron e do fóton virtuais, p , p os propagadores do pósitron e elétron, respectivamente, e A p o propagador do fóton. Os propagadores, a massa e a carga renormalizados ( e, m são os valores observáveis da carga e da massa do elétron) obedecerão à transformação de Dyson, que tem a seguinte forma: S p z21S p , D p z31D p , e z31 2e, p z21 2 p , p z21 2 p , A p z31 2 A p , m m m . n 2 10 É importante notar que, para que o significado físico da massa e da carga renormalizadas seja preservado, as constantes arbitrárias devem obedecer a certas condições de restrição, que são dadas por 0 m m , 0 z3 . A generalização desse conjunto de operações multiplicativas e de subtração, uma vez que estas apresentam propriedades de um grupo de Lie, recebeu o nome de Grupo de Renormalização (RG), embora seus elementos nem sempre possuam inverso – e neste caso, matematicamente, formem na verdade um semigrupo, como será mostrado mais à frente. A primeira categoria de RG citada por Shirkov corresponde á renormalização no contexto da TQC, fundada por Stückelberg e Peterman em 1953, como veremos a seguir. A segunda foi descoberta em sua forma qualitativa por Leo Kadanoff em 1966, e desenvolvida quantitativamente, a partir de 1971, por K. Wilson e outros. A terceira diz respeito ao estudo de uma certa invariância de escala no estudo da turbulência de um fluido, e foi estabelecida avant la lettre pelo matemático russo Andrei Nikolaevitch Kolmogorov, em 1941, portanto, antecedendo as demais. Kolmogorov definiu inicialmente um comprimento fixo mínimo universal, a escala de comprimento de Kolmogorov, comum a todos os tipos de turbulência, e essa invariância de escala, que pode ser obtida por uma simples análise dimensional, foi posteriormente associada através da teoria KAM a um grupo de renormalização próprio de uma teoria de campo médio para transições de fase em um sistema magnético macroscópico de spin contínuo. A teoria KAM, assim chamada por se originar do teorema de KolmogorovArnold-Moser, estabelecido em 1963, resolve o problema de pequenos divisores próprio à Teoria de Perturbações da Mecânica Clássica. Essa terceira versão do RG não será estudada aqui, por dois motivos principais: (a) a teoria de campo médio para as transições de fase está definitivamente ultrapassada (“Renormalization Group”, Giuseppe Benfatto and Giovanni Gallavotti, Physics Notes 1, Princeton N. J., 1995); (b) seu distanciamento dos objetivos deste curso é evidente. 11 1.2. PRIMEIRA GENERALIZAÇÃO DO MÉTODO: O GRUPO DE RENORMALIZAÇÃO PERTURBATIVA NA TEORIA QUÂNTICA DE CAMPOS (STÜCKELBERG, PETERMANN, GELL-MANN, LOW, KENNETH WILSON) Na TQC perturbativa, o Grupo de Renormalização (RG) está usualmente associado com uma possibilidade de representar uma dada quantidade física F Q 2 , q calculada de acordo com uma prescrição de renormalização definida pela forma F Q 2 2 , g (por simplificação, mas sem perda de generalidade, será considerado o caso de massa nula), onde a constante de acoplamento renormalizada g está associada a um determinado ponto fixo de renormalização (ou escala de referência de momentum) Q . A equação diferencial do RG é usualmente obtida da condição de que F não dependa da escolha de : dF 0. d Por seu lado, a constante de acoplamento g depende de segundo o descrito por uma função específica g Q 2 , chamada de acoplamento efetivo, ou constante efetiva de acoplamento g g 2 . A equação diferencial ordinária acima pode ser escrita então na forma de uma equação diferencial parcial x x g g F x, g 0 onde x Q2 2 , g g e g , o gerador do grupo, é usualmente referido como a função beta, e se define como g z g z . z z 2 12 O acoplamento efetivo g deve ser considerado como uma função de dois argumentos g x Q2 2 , g com a condição de contorno g 1, g g , resultando a equação diferencial parcial não-linear g x, g x g x, g . x x g g g x, g 0 x Que nada mais é do que uma equação característica de autovalores para a equação diferencial em F x, g inicial. Para empregar este formalismo, a função g deve ser conhecida a priori, usualmente através de uma teoria perturbativa renormalizada. Uma equação diferencial análoga foi descrita por E. C. G. Stückelberg e A. Petermann em um artigo (Helv. Phys. Acta 26 (1953) 499) que mostrava um método de eliminação de divergências UV na QED, onde a função beta era função da constante de acoplamento e (a carga nua do elétron) e notada como uma certa h e que era por sua vez um operador de Lie gerador de um grupo de renormalização contínuo. No ano seguinte, M. Gell-Mann e F. E. Low (Phys. Rev. 95 (1954) 1300), partindo das equações diferenciais de Dyson que geravam sobre a lagrangiana transformações de renormalização usando o método de regularização de Pauli-Villars, obtiveram um algoritmo que permitia uma análise quantitativa do comportamento das interações em QED a pequenas distâncias, apontando para duas possibilidades, finita e infinita, de renormalização da constante de acoplamento, ou carga nua e . A função geradora do grupo foi chamada por eles de e2 , e a amplitude do propagador transversal renormalizado do fóton de d x, e2 , resultando na equação integral e2 d dy ln x , 2 y e onde e 2 e 2 d x, e 2 . ln x x 1 A fixação da notação e do nome atuais da função beta resultou de dois artigos, de C. G. Callan (Phys. Rev. D2 (1970) 1541) e K. Symanzik (Commun. Math. Phys. 18 (1970) 227), que serviram de referência para a descoberta da liberdade assintótica (D. Gross e F.Wilczek, Phys. Rev. Lett. 30 (1973) 1343, Phys. Rev. D 8 (1973) 3633, Phys. Rev. D 9 (1974) 980; H. David 13 Politzer, Phys. Rev. Lett. 30 (1973) 1346) e da renormalizabilidade das teorias de Yang-Mills (G. ‘t Hooft e M. Veltman, Nucl. Phys. B44 (1972) 189, Nucl. Phys. B50 (1972) 318), responsáveis pela primeira formalização da Cromodinâmica Quântica (QCD). É ilustrativo observar que, ainda em 1965, a primeira edição do livro “Relativistic Quantum Fields” (MacGraw-Hill, 1965) de James D. Bjorken e Sidney D, Drell, que se tornaria uma referência para gerações de físicos de partículas, se encerrava com uma avaliação não muito confiante dos métodos do grupo de renormalização: “... as conclusões baseadas nos argumentos do grupo de renormalização que digam respeito ao comportamento da teoria, quando somada em todas as ordens, são perigosas e devem ser vistas com a devida cautela”. Mostraremos a seguir a sistematização do RG segundo Kenneth Wilson, empregando o formalismo integral funcional, e que leva naturalmente a um conceito essencial ao entendimento do método: o de fluxos do RG, que por sua vez está diretamente associado ao acoplamento variável de escala (scale-variable running coupling). Na abordagem integral funcional da teoria de campos os graus de liberdade são variáveis de integração. Desta forma, as divergências UV podem ser estudadas isolando-se a dependência da integral funcional em relação aos graus de liberdade do campo a pequenas distâncias. Para fins de simplificação, isto será exemplificado qualitativamente com o auxílio do toy model construído pela teoria 4 , com um campo neutro escalar em d dimensões do espaço-tempo plano, usando-se um cutoff fixo para os momentos lineares. A expressão do gerador funcional G J para as funções de Green da teoria 4 é escrita como i J i J G J e d k e . k Para impormos o cutoff, basta restringirmos a integração sobre k para k , fazendo k 0 para k . Este procedimento se traduz em localizar a influência das flutuações do vácuo à região de momentos arbitrariamente grandes (ou distâncias arbitrariamente pequenas) onde k . Antes, porém, precisamos eliminar a possibilidade, existente no espaço de 14 Minkowski, de existirem componentes de k do tipo luz (lightlike) arbitrariamente pequenas, mesmo que as componentes reais k 2 sejam arbitrariamente grandes. Para isso, efetuamos uma rotação de Wick t it no integrando, e passamos a trabalhar no espaço euclidiano, tendo agora a certeza de que a condição k nos dá realmente o resultado esperado (um outro bônus dessa transposição do problema para o espaço euclidiano é que obtemos uma integral funcional que pode também ser empregada na descrição em mecânica estatística de um sistema contínuo de spins que forma um magneto macroscópico, como o modelo de Ising – uma outra vertente do método de renormalização que veremos mais à frente). Nesse caso, a integral, simplificada para o caso sem fonte externa J 0 , será 2 1 2 2 4 d 1 Geucl exp d x m , onde d k . 2 4! k 2 Vamos dividir agora as variáveis de integração k em duas partes. Definindo um fator b 1, os graus de liberdade com grandes momentos sobre as quais faremos a integração corresponderão à região k | b k . Podemos então definir a nova variável k , b k ˆ k , k b 0, e uma outra complementar k , k b k . k b 0, Logo, podemos fazer a substituição na integral ˆ , e obteremos a nova expressão 2 2 4 1 1 Geucl ˆ exp d d x ˆ m2 ˆ ˆ 2 4! 2 15 2 1 ˆ 1 m2ˆ2 1 3ˆ 1 2ˆ2 1 ˆ3 1 ˆ4 . 2 2 6 4 6 4! Duas observações: todos os termos independentes de ˆ estão agrupados em , e, uma vez que as componentes de ˆ são nulos. Fourier com comprimentos de onda diferentes são ortogonais, todos os termos quadráticos ˆ, e ˆ exp d d x Integrando agora sobre ˆ resulta uma expressão da forma Neste caso, efet Geucl b exp d d x efet envolve apenas as componentes de Fourier k | k b . Verifica-se que onde F é uma expressão polinomial em que pode ser interpretada no espaço real d efet F , como uma série de Taylor, e no espaço complexo d original como uma série de Laurent. Os termos corretivos em potências de cumprem o papel de compensar a remoção das componentes ˆ com grandes momentos, fornecendo as interações entre os k restantes que foram mediados previamente pelas flutuações do campo ˆ . A forma explícita da expressão integral funcional da lagrangiana efetiva pode ser escrita de forma resumida, com o auxílio dos correspondentes diagramas de Feynman, como 2 1 1 1 m2 2 2 soma dos diagramas conexos . efet 2 2 4! Para chegarmos à noção de fluxos do RG precisamos agora analisar mais detidamente a expressão integral do funcional gerador onde foi definida a lagrangiana efetiva: Geucl b exp d d x Vamos definir as distâncias e momentos através das escalas k k b , efet . x xb 16 A variável escalonada k será integrada agora na região k , e podemos reescrever esquematicamente a lagrangiana efetiva dentro da integral como 2 1 1 4 d d 1 d x d x 1 G m2 m2 2 4 C D 6 . eucl eff 2 2 4 Em termos da variável espacial reescalonada x , tratando os termos além da primeira ordem como pequenas perturbações, o que é uma aproximação válida se os acoplamentos originais são pequenos, teremos 2 4 1 2 1 d d d 1 2 2 2 4 4 d x d x b 1 G b m m Cb D 6 . efet eucl 2 2 4 Façamos agora a mudança de escala do campo da forma b2d 1 Geucl . A ação não-perturbada retoma então sua forma original, enquanto as várias perturbações sofrem uma transformação: 4 1 2 1 2 2 1 4 d d d x d x m C D 6 . efet 2 2 4 Os novos parâmetros da lagrangiana são agora dados pelas expressões 1 m2 m2 m2 1 Geucl b2 , 12 1 Geucl bd 4 , 2 C C C 1 Geucl bd , 2 D D D 1 Geucl b2 d 6 , ... 3 17 E assim por diante. As integrações podem ser refeitas em novas escalas, e se tomamos o parâmetro b muito próximo a 1, de forma a que as hipersuperfícies dos momentos estejam infinitesimalmente separadas, a transformação passa a ser uma transformação contínua. Desta forma, podemos descrever o resultado de integração sobre os momentos arbitrariamente grandes de uma teoria de campos como uma trajetória, ou um fluxo através do espaço de todas as possíveis lagrangianas. Já vimos que o termo grupo de renormalização advém dessas transformações continuamente geradas por operadores de Lie, mas, uma vez que as operações de integração sobre graus de liberdade não é inversível, trata-se a rigor de um subgrupo de renormalização. Alguns exemplos de trajetórias do RG no espaço das lagrangianas, os chamados fluxos de RG, podem ser vistos abaixo para a teoria de campo escalar 4 . Representam a variação das lagrangianas efetivas efet de acordo com a escala b 1 e com o número de dimensões d , nas vizinhanças do ponto fixo correspondente à lagrangiana livre 0 . A figura (a) mostra fluxos do grupo de renormalização para d 4 , e a (b) para d 4 . Na figura abaixo, vemos fluxos do grupo de renormalização para d 4 . 18 A formalização completa do método de Wilson ilustrado acima foi realizada por Callan e Symanzik nos dois trabalhos já citados, e fornece uma equação para as funções de Green renormalizadas em uma escala arbitrária de renormalização do momentum M definida pela condição de renormalização, no espaço p dos momentos tipo espaço, dada por p 2 M 2 . A equação de Callan-Symanzik para a QED é m ,n xi ; M , e 0 . M M e e n 2 e m 3 e G As variáveis inteiras m, n são, respectivamente, os números de campos de elétron e de fóton na função de Green G m,n e 2 , 3 as funções de escala desses campos de elétron e de fóton. Considerando a função de Green conexa de três pontos G 1,1 p1 p2 A q pode-se calcular perturbativamente a função beta da QED na ordem mais baixa da constante de acoplamento 1, e terá um valor positivo dado por e3 e , 12 2 ou 2 . 3 19 A expressão da constante de acoplamento variável (running coupling) eletromagnética neste caso será x, 1 ln 1 x 3 , onde x é proporcional à distância da interação. Logo, vê-se que o acoplamento cresce com a aproximação e vai a zero com o afastamento, coerentemente com o comportamento de uma interação coulombiana. No caso de um campo de Yang-Mills com constante de acoplamento g , que corresponde ao modelo de interação da QCD, a função beta possui o valor negativo 22 g 4 2 g . 3 4 2 A variação do acoplamento será dada por g 2 x, g 2 1 . g 4 22 1 ln 1 x 2 3 4 Esta expressão descreve o comportamento da interação como tendendo a zero na região euclidiana de espalhamento profundo (deep scattering) x 0 , ou seja, a pequenas distâncias os bósons de Yang-Mills (glúons) atuam fracamente, o que se traduz em um comportamento dos quarks como partículas livres, ao passo que, com o aumento do afastamento, os quarks ficam mais ligados, o que se traduz no fenômeno do confinamento. Experimentalmente, a detecção de partículas livres por deep inelastic scattering no interior dos prótons e nêutrons (por espalhamento inelástico de prótons e nêutrons por léptons com energias cinéticas acima de 20 Gev, correspondendo a distâncias de interação menores que 1015 m ) antes da confirmação da existência dos quarks prevista desde 1960/61 por Murray Gell-Mann e Yuval Ne’eman, fez com que Feynman batizasse essas partículas provisoriamente com o nome de partons. Até que, em 1974, a descoberta do primeiro charmônio, ou méson de quark-antiquark com sabor charm, a partícula J / , estabeleceu definitivamente como correto o modelo de quarks, e estes foram finalmente identificados aos pártons. 20 1.3. SEGUNDA GENERALIZAÇÃO DO MÉTODO: O (SEMI)GRUPO DE RENORMALIZAÇÃO VARIACIONAL NA FÍSICA ESTATÍSTICA (KADANOFF, WILSON, MIGDAL, E OUTROS) É comum em ciência o uso de modelos simplificados, os toy models, para o tratamento matemático de problemas muito complexos, visando um melhor entendimento dos padrões e propriedades dos sistemas estudados, e sua posterior expansão – ma medida do possível – aos problemas reais. Em TQC, como já vimos, especialmente no que se refere ao estudo da renormalização e da diagramática de Feynman, as teorias 4 e 3 são frequentemente usadas, por serem ambas exemplos de teorias renormalizáveis: a primeira em 4 dimensões e a segunda em 6 dimensões espaço-temporais. Em meados dos anos 60, a então chamada física do estado sólido – hoje física da matéria condensada – enfrentava problemas aparentemente insolúveis no estudo das mudanças de fase e da interpretação dos expoentes críticos correspondentes, os quais se repetiam em valor para fenômenos de origem diversa, como supercondutividade, superfluidez, e outros, sem explicação visível. O físico norte-americano Leo Philip Kadanoff, apoiando-se principalmente nos trabalhos do químico B. Widom sobre a hipótese de homogeneidade da energia livre de Gibbs em um sistema nas proximidades de uma transição de fase de segunda ordem, descobriu uma aplicação do RG a um toy model, o modelo de Ising unidimensional, extensível à solução bidimensional de Onsager, para estudar qualitativamente as transições de fase de magnetização de um sistema contínuo de spin nas proximidades da temperatura de Curie (“Scaling laws for Ising models near Tc ”, Leo P. Kadanoff, Physics 2 (1966) 263-272). Cinco anos depois, Wilson aprofundou a análise de Kadanoff e extraiu dela uma teoria quantitativa que reproduziu as equações diferenciais do RG, e permitiu calcular a solução do até então inexpugnável “problema de Kondo” (K. G. Wilson, Phys. Rev. B4 (1971) 3174 e 3184). A generalização da ideia original de Widom e Kadanoff par um número arbitrário de dimensões só foi construída mais tarde, por Th. Niemeijer e J. M. J. van Leeuwen (in “Phase Transitions and Critical Phenomena” Vol.6, Academic Press, N. Y. 1976, pp 425-505). Para entender como surge naturalmente o RG neste caso, revisitaremos rapidamente o modelo de Ising unidimensional. 21 1.3.1. O MODELO DE ISING LINEAR O hamiltoniano do modelo de Ising 1D, considerando apenas as interações entre os vizinhos mais próximos é dado por N N i 1 i 1 K i i 1 h i . Nesta equação, K é a constante de acoplamento, h B H , onde 1 kT , H H z é o campo magnético no sentido do eixo z , B e 2mec é o magneton de Bohr em unidades gaussianas, i são os operadores de spin na direção z com autovalores i 1 satisfazendo a relação i i i i . Aplicando condições de contorno periódicas, a função de partição canônica será dada por N 1 i exp K i i 1 h i i 1 i 1 . 2 i1 i 1 Para reduzir à metade os graus de liberdade do sistema, vamos agrupar os spins em blocos de 2, como na figura abaixo: Os pontos da rede circulados são pares e rotulam os blocos de spin. Somando sobre os spins conectados do bloco J obtemos h2 f J i 1, i i 1 e 2cosh K i 1 i h i 1 . Definindo agora i1 J , i1 J 1 podemos escrever o operador da expressão acima como um operador de interação de bloco de spin, numerados por inteiros pares, e interagindo apenas com outros spins pares: 22 1 cosh K J J 1 h exp 2 g 0 K J J 1 h J J 1 , 2 0 Nesta expressão, g é um fator a ser calculado, assim como a nova constante de acoplamento K e o novo campo magnético adimensional h , a partir das propriedades das funções hiperbólicas e da condição de normalização 2 1 . Após um extenso algebrismo, obtemos que 1 K ln cosh 2 K h cosh 2 K h cosh 2 h 4 1 h h ln cosh 2 K h cosh 2 K h 2 1 1 g 0 ln 2 ln cosh 2 K h cosh 2 K h cosh 2 h . 2 8 Continuando iterativamente esse procedimento, obtemos para a energia livre de Gibbs a expressão convergente n 1 n gˆ K , h g K n , hn . n 0 2 O fato importante a ser observado é que as conexões funcionais Kn Kn1 e hn hn1 são as mesmas, qualquer que seja n . Considerando K , h como as componentes de um vetor K , podemos escrever as transformações como n 1 n K R K , onde os infinitos R ’s constituem o grupo de renormalização RG para este caso. A propriedade operacional é expressa como: - se R1 e R2 são transformações de K , então o produto R1R2 também é uma transformação de K . Porém, verificamos mais uma vez que, como não existe uma transformação inversa (os spins não podem ser desbloqueados indefinidamente), o RG é na verdade um semigrupo. 2e h J J 1 2 23 A figura abaixo ilustra exemplos de fluxos de RG (ou fluxos do vetor K sobre a superfície de interação, no caso, o plano de interação) para o modelo de Ising 1D: Nesse exemplo do modelo de Ising é imediato se apreender a noção de ponto fixo do RG: um ponto fixo é um ponto K de um fluxo do vetor K que possui a propriedade R K K . 24 Os gráficos abaixo mostram (a) um ponto fixo crítico em uma superfície crítica; (b) um ponto fixo definido em um plano de fluxos em um espaço bidimensional K1 K 2 . 25 Na figura (b) a superfície crítica é unidimensional, representada pela linha u1 K , e os pontos na região A se movem para T , enquanto que os pontos na região B se movem para T 0 . As setas mostram os sentidos dos reescalonamentos. 2. DIAGRAMAS DE FEYNMAN E TEORIA DOS GRAFOS Os físicos usam os diagramas, ou grafos de Feynman, juntamente com as integrais associadas a eles, para calcular a partir de teorias quânticas de campo certas quantidades mensuráveis experimentalmente. A má notícia é que existem sérias dificuldades conceituais na definição de teorias quânticas de campo em quatro dimensões. A boa notícia é que, mesmo assim, o formalismo dos grafos de Feynman tem um sucesso surpreendente: a concordância entre as quantidades calculadas e as medidas pode chegar a uma parte em 1010 , a maior acurácia apresentada por uma teoria física moderna. Os grafos de Feynman são interpretados como elementos de uma teoria perturbativa resultante da expansão de uma TQC interativa na vizinhança de um TQC livre, ou sem interação. É natural que se espere que um melhor entendimento dos grafos de Feynman e de suas integrais possam eventualmente conduzir a um melhor entendimento da verdadeira natureza das TQCs, contribuindo para a resolução de algumas questões referentes a elas que continuam em aberto após um quase um século de pesquisas e modelos teóricos. A Teoria dos Grafos teve início em 1735, em um artigo de Leonhard Euler para a Academia de S. Petersburgo, em que provava que um problema matemático famoso na época, conhecido como As Sete Pontes de Königsberg, não era solúvel. Königsberg (onde viveu Kant em 1724-1804), na então Prússia, chama-se hoje Kaliningrado, e está incorporada à Rússia. 26 → → Outro problema famoso de grafos, somente resolvido em 1976 com recursos computacionais, é o Problema das 4 Cores. O termo grafo só veio a ser empregado no sentido atual em 1878, pelo matemático inglês James Joseph Sylvester. Mas o que é um grafo de Feynman, afinal? A associação dos diagramas originais à Teoria dos Grafos foi realizada pela primeira vez por Noboru Nakanishi (“Graph Theory and Feynman Integrals”, Ed. Gordon & Breach, 1971), onde um grafo de Feynman é simplesmente um grafo finito, ao qual se associa uma determinada integral. O integrando depende da TQC em questão, mas no caso mais simples ele é exatamente o inverso de um produto direto de formas quadráticas de grau 4, a cada um correspondendo uma aresta do grafo, e restrito a um subespaço linear real determinado pela topologia do grafo. No caso de um grafo genérico não existe ainda um método canônico de resolução analítica para a integral associada. Entretanto, no caso simples em que o integrando é algébrico, sempre se pode tentar a identificação da integral a um período de um motivo misto de Tate, que é uma outra noção não inteiramente resolvida de forma rigorosa hoje. Todos os períodos de Feynman que já foram calculados são combinações lineares racionais de valores múltiplos da função zeta de Riemann, estes sim já identificados aos motivos mistos de Tate, mas ainda não se sabe se todas as integrais de Feynman são períodos desses motivos. Antes de prosseguir, precisamos fixar melhor esses novos conceitos que foram citados (uma descrição mais detalhada dos fundamentos matemáticos será apresentada no item final deste curso). A Teoria dos Motivos, ou Teoria de Co-homologia Universal, foi criada pelo matemático alemão Alexander Grothendieck, em 1960, como uma proposta para unificar, em um nível de abstração mais altos, as várias co-homologias então existentes, e se apresenta hoje em duas categorias: a dos “motivos puros”, associados a variedades algébricas projetivas, suaves e bem-comportadas; e a dos “motivos mistos”, associados a variedades algébricas que podem ser 27 singulares, ou mesmo não-compactas. A subcategoria dos motivos mistos de Tate (MMT), definida sobre um campo numérico, é a que apresenta maior interesse para a TQC, devido ao fato de que certas variedades algébricas naturalmente associadas aos grafos de Feynman são tipicamente singulares, e não podem ser descritas por motivos puros. Dito mais precisamente, ocorre com frequência que os coeficientes de Taylor de amplitudes de Feynman regularizadas dimensionalmente sejam não apenas períodos, no sentido definido para os MMT, mas também os múltiplos valores de uma função zeta (MZV, de multiple zeta values), como já está demonstrado através de uma farta literatura. Os MZV são números reais obtidos pela soma de séries convergentes da forma n1 , nr 0 k1 k2 kr 1 n1 1 k krnr , em que os ni são inteiros positivos, sendo nr 2 . A identificação desses MZV com os períodos dos motivos mistos de Tate já foi bem estabelecida, por mais de um caminho. Como os MZV também surgem no cálculo dos grafos de Feynman, há fortes indícios de uma conexão, pelo menos, estreita, entre a integral de Feynman (IF) e os MMT. Entretanto, a total identificação, ou a relação precisa, entre os coeficientes da IF e os MMT, permanece ainda sendo uma questão de importância crucial, mesmo que muito se haja avançado, de 2006 para cá, para provar essa conjetura. Esta questão pode ser sintetizada na pergunta, formulada pelos matemáticos Alain Connes e Matilde Marcolli: “Sob quais condições impostas sobre os grafos de Feynman, sobre a teoria escalar correspondente, e sobre o procedimento de renormalização, podem os resíduos dos diagramas de Feynman ser identificados a períodos de motivos mistos de Tate, além dos casos já conhecidos?” (Noncommutative Geometry, Quantum Fields and Motives, Ed. Colloquium Publications, American Mathematical Society, 2007) Retornando á argumentação anterior, um grafo de Feynman é simplesmente um multigrafo finito conexo, onde “multi” significa que podem existir múltiplas arestas paralelas entre vértices. Laços fechados na forma de “girinos” (tadpoles), isto é, arestas conectando um mesmo vértice em ambas as extremidades, não serão considerados aqui, mesmo porque pode ser demonstrado que esses grafos são eliminados na renormalização (Francis Brown & Dirk Kreimer, Angles, Scales and Parametric Renormalization, 2011, Proposition 7). Na linguagem representativa dos físicos, arestas são 28 partículas virtuais, e vértices são interações entre as partículas virtuais correspondentes às arestas adjacentes. A figura abaixo mostra um exemplo simples de um grafo de Feynman segundo esta definição: Este grafo de Feynman descreve um processo teórico interno a um experimento de espalhamento: um par de partículas se aniquila, criando uma terceira partícula intermediária, a qual por sua vez decai nas duas partículas emergentes à direita. Este grafo, e a amplitude de probabilidade associada a ele, correspondem apenas a um termo único em uma aproximação de primeira ordem. O cálculo da seção de choque para esse espalhamento resultará da soma de infinitos grafos de Feynman com as mesmas quatro “pernas” exteriores, mas de complexidade cada vez maior, com a adição de ciclos como no exemplo seguinte: As quatro pernas externas representam assintoticamente as partículas físicas incidentes e emergentes da região de interação, são imutáveis, correspondem a fatores constantes, e são, portanto, irrelevantes para esse cálculo, que é feito sobre o grafo dito “amputado”. Uma IF é um par A, u , onde A é um intervalo aberto em n e u é uma distribuição em uma intercessão de A com um certo subespaço de n . Por sua vez, uma distribuição em X é um funcional linear contínuo no espaço C0 X das funções de teste a suporte compacto, na topologia usual de Borel. As funções localmente integráveis no sentido de Lebesgue, ou seja, integráveis em subconjuntos compactos, definem distribuições de maneira óbvia: uma função x de Dirac é uma distribuição sobre qualquer suporte compacto em torno de x 0 . Consideremos a função característica de A , A , sobre n . Esta função certamente não será uma função de teste, a não ser que A seja um conjunto compacto, mas se u tende a zero 29 mais rapidamente do que qualquer potência 1 x quando x , podemos calcular a integral de u sobre A . Se a distribuição u é dada por uma função localmente integrável e se f é uma função de teste, podemos sempre escrever a n integral u x f x dx . Se u é dada por uma função integrável sobre todo o conjunto A , então o par A, u pode ser associado com a integral usual de Lebesgue u x dx u A . As IF, entretanto, se apresentam frequentemente com divergências, significando que A u x dx é divergente, por motivos nem sempre óbvios. A Um exemplo básico de uma integral divergente desse tipo é dado pelo par A \ 0 , u x x 1 . A função u é localmente integrável no interior de A , logo, é uma distribuição em A . Porém, não é integrável quando x , nem localmente integrável em 0 . Pode-se mostrar que todas as integrais de Feynman divergentes da TQC são generalizações deste exemplo em dimensões maiores. As IF são um poderoso instrumento no estudo das teorias físicas invariantes de calibre, isto é, aquelas cuja densidade lagrangiana possui uma simetria de calibre. Uma simetria de calibre é uma invariância sob um grupo G em que a transformação de grupo é diferente em cada ponto do espaço-tempo. Os primeiros exemplos foram a Teoria da Relatividade Geral, em que G † 1,3 SL 2, GL 4 é o grupo de Poincaré que transforma linearmente as coordenadas, e a QED, em que G U 1 é o grupo das rotações de fase. Um exemplo geral de uma lagrangiana invariante de calibre, válido tanto para o grupo abeliano U 1 quanto para o grupo não-abeliano SU 3 pode ser dado pela expressão: 1 2 inv F iD M . 4 Nesta expressão, o campo é um campo de matéria representado por um vetor coluna de suas componentes, e se transforma de acordo com a relação 30 x exp i g x t x U x . 1 As matrizes U formam uma representação do grupo de transformações, assim como as matrizes hermitianas t , que são normalizadas como tr t t 2 , e g é a constante de acoplamento da interação. Foram introduzidos o potencial de calibre A A , como um vetor invariante sob as transformações de Lorentz, a derivada covariante D i gA e o tensor de intensidade de campo em que c F A A g c A A , são as constantes de estrutura definidas pelo comutador das matrizes hermitianas t : t , t ic t . Fechando a notação da lagrangiana, † 0 e D D , como é usual; os índices alternados são somados (contraídos), segundo a convenção de Einstein. Uma teoria de calibre definida por essa lagrangiana pode, em princípio, ser resolvida pelo método integral funcional, e, consequentemente, se for renormalizável, pode ser expandida perturbativamente através dos grafos e das integrais de Feynman. Vamos mostrar abaixo as regras de Feynman dessa lagrangiana para uma teoria renormalizável, a QCD, em que o grupo de calibre é o SU 3 , não-abeliano, as partículas de matéria, os férmions, são os quarks u, d , s, c, b, t ; os campos de calibre são os glúons, com simetria de cor RGB . As três cores da interação são os análogos à carga eletromagnética na simetria de calibre abeliano U 1 . Para essas regras de Feynman foi escolhido o termo de fixação de calibre F A , que transforma a simetria invariante de calibre da lagrangiana em uma simetria BRST independente de calibre, através da técnica de gauge-slice, envolvendo parâmetros e campos “fantasmas” (ghosts de Fadeev-Popov) com valores em uma álgebra de Grassman. 31 32 Um exemplo mais simples, e, portanto, de mais fácil entendimento, é o das regras e diagramas de Feynman para a teoria do méson de Hideki Yukawa, descrita pela densidade lagrangiana abaixo: 1 M2 2 i m g 4 . 2 2 4! O campo escalar representa o méson com massa M , o campo fermiônico representa um próton ou um nêutron de massa m , e g é a constante de acoplamento de Yukawa. As regras de Feynman nesse caso são as seguintes: 33 A linha tracejada representa o propagador do campo escalar, logo, não possui um sentido. Os propagadores do antiférmion têm os sentidos de propagação invertidos aos da figura. O grafo de ordem mais baixa envolvendo férmion dá origem ao conhecido potencial de Yukawa, e dá o nome de acoplamento de Yukawa ao acoplamento cúbico g envolvendo um férmion, um antiférmion e um méson. Uma observação importante é que estão omitidos nos denominadores dos propagadores os termos infinitesimais i e i (prescrição de Feynman), às vezes simbolizados por i0 e i0 . Para o cálculo de termos, ou diagramas, de ordem perturbativa mais alta nessa teoria, devemos observar que esses diagramas envolverão mais linhas internas, ou ciclos, como já foi mencionado. Isso envolve a combinação de denominadores, e para tal podemos empregar a conhecida fórmula de Feynman (1949): 1 1 1 1 x1 x2 1 dx dx dx 1 2 2 . AB 0 xA 1 x B 2 x1 A x2 B 0 0 A generalização dessa fórmula para o produto de n denominadores é imediata: 1 n n 1 x1 xn 1 dxi . n n A i 1 i 0 i 1 xA i 1 i i Usando a fórmula, podemos calcular os dois primeiros grafos não triviais envolvendo laços. A autoenergia do férmion a um laço é dada por: 34 Nessa expressão final deve ser tomado o limite ( é uma constante de integração, que pode ser interpretada como 2 q2 y um cutoff UV, que surge do resultado intermediário parcial dy ln 1 ). 2 2 0 y q2 q Da mesma forma, o grafo da autoenergia do campo escalar é dado por Em ambas as expressões acima fica claro que podemos fazer a expansão de Taylor das amplitudes nas vizinhanças do ponto fixo, que corresponde ao momento zero das linhas externas. A autoenergia do férmion pode ser escrita, então, como: 1 ig 2 2 dx 1 x p m ln termos finitos quando . 2 2 2 16 0 xm 1 x M Fazendo o mesmo tratamento, a autoenergia do campo escalar na teoria de Yukawa passa a ser: 1 2 ig 2 2 2 2 2 dx 3m ln 2 3x 1 x p ln 2 termos finitos quando . 2 4 0 m m Mostramos assim explicitamente que qualquer amplitude de um grafo de Feynman pode ser expandida por Taylor de forma que as partes divergentes possam ser isoladas como funções locais, independentes dos momentos. Porém, para uma teoria de 35 massa nula, a expansão na vizinhança de um momento externo nulo será desastrosa, devido às divergências no infravermalho (IR) que podemos verificar nas expressões acima, fazendo m 0 . Para contornar esse problema, nessas teorias de massa nula, a expansão de Taylor é realizada na vizinhança de um momento externo nulo, porém finito, usando a prescrição de Feynman i nos denominadores. (NOTA: Para um tratamento detalhado do cálculo dos diagramas e regras de Feynman para as teorias 4 , 3 e QED, ver referências “A integral de Feynman – VIII Escola do CBPF – 2010”, ou “Field Theory – a Modern Primer”, Pierre Ramond, Ed. Westview, 2001) Uma observação crucial para o que será tratado daqui por diante: ISOMORFISMO ENTRE OS ESPAÇOS DOS MOMENTOS E O ESPAÇO DAS POSIÇÕES EM UMA DADA TQC - Todo conjunto de regras de Feynman de uma teoria referente ao espaço dos momentos é isomorfo a um conjunto de regras de Feynman da mesma teoria, referente ao espaço das posições. Este isomorfismo nada mais é do que uma consequência do fato de que, em Mecânica Quântica não-relativística, os espaços de Hilbert dos estados das partículas, na representação dos momentos e na representação das posições, são isomorfos através do mapa bijetivo gerado pela ação das transformadas de Fourier e suas inversas. Desta forma, todo conjunto de grafos de Feynman definido no espaço dos momentos está associado a funções de Green que possuem a sua correspondente no espaço das posições. No primeiro caso, a restrição ao subespaço apropriado é obtida pela multiplicação do produto direto dos propagadores por várias distribuições pi , que são interpretadas como “conservação do momentum” em cada vértice do diagrama respectivo; na representação do espaço das posições as distribuições duais são interpretadas como “invariância de translação” das interações no espaço euclidiano 4 - não esqueçamos da rotação de Wick sobre a ação 36 complexa. A unicidade da expansão perturbativa de uma TQC interativa através de uma série de potências da constante de acoplamento com coeficientes da teoria de campo livre é assegurada pelo Teorema da Reconstrução de Arthur Wightman (“PCT, Spin and Statistics, and All That”, Princeton, 1964, reprint 2000). A convergência dessa expansão dependerá da renormalizabilidade da teoria efetiva. 37 3. REGULARIZANDO DIVERGÊNCIAS UV COM RIGOR MATEMÁTICO: REGULARIZAÇÃO DIMENSIONAL Antes de prosseguirmos, é importante fazer a distinção entre renormalização e regularização. Os grafos de Feynman amputados dizem respeito, do ponto de vista da teoria, a partículas virtuais, cujos parâmetros físicos, como massa e carga, não possuem significado real, devido à sua imersão no vácuo quântico e por serem offshell , isto é, existirem em um tempo muito pequeno para serem observadas e terem sua massa, ou carga, medidas. Esses parâmetros não são observáveis, e, por isso, precisam ser renormalizados. As divergências devem ser de alguma forma absorvidas por contratermos na lagrangiana, de mesma natureza que as divergências encontradas, que deverão ser anuladas por esses contratermos. Quando as divergências podem ser compensadas através de um número finito de contratermos, mantendo invariante a forma da lagrangiana, a teoria é dita ser renormalizável. Um bom e necessário critério para a adequação dos contratermos à lagrangiana, uma vez que essa tem a propriedade de localidade, isto é, seus termos são polinômios de campos e de suas derivadas, é que os contratermos sejam locais, ou seja, possuam a mesma propriedade da lagrangiana. Por outro lado, regularização é o termo empregado para uma variedade de métodos matemáticos de escrever a integral ou o integrando divergentes como o limite de uma família holomorfa, ou inteira, de integrais ou integrandos convergentes, por exemplo, sobre uma variedade algébrica gaussiana isomorfa a um disco unitário perfurado na origem 0 z 1 . Eventualmente, o integrando é fixo, e então o domínio de integração é que varia holomorficamente sobre esse disco perfurado. Em outras palavras, RENORMALIZAÇÃO é um procedimento que leva em conta a escala física das interações, e REGULARIZAÇÃO é um determinado procedimento analítico escolhido pelo calculista que focaliza e procura resolver as características de convergência das integrais e de seus integrandos. Como já vimos no item (2) acima, a regularização de um diagrama de Feynman pela eliminação das contribuições de grandes valores dos momentos, através de um parâmetro de cut-off , surge naturalmente, mas fica evidente que esse tipo de regularização viola manifestamente a invariância de Poincaré da TQC. Além disso, esse cut-off pode conduzir a uma violação da invariância de calibre em teorias de calibre, pela eventual atribuição de massa ao bóson de calibre. Por outro 38 lado, uma regularização em rede (lattice regularization), que regulariza uma teoria definindo uma escala de distância granular a que gera por sua vez uma rede discreta de pontos no espaço-tempo, leva a uma quebra manifesta da invariância rotacional, que só é reconstituída no limite contínuo. Portanto, é mais útil se considerar um esquema de regularização covariante que também respeite a invariância de calibre. No caso de uma TQC abeliana, como a QED, a regularização de Pauli-Villars preenche esses requisitos, e é o que veremos a seguir. 3.1. REGULARIZAÇÃO DE PAULI-VILLARS Consideremos uma QED descrita pela lagrangiana 1 1 F F i D m A . 4 2 As regras de Feynman para essa teoria são: 39 Com essas regras, podemos calcular várias amplitudes 1PI (one-particle-irreductible) em QED. Por exemplo, a autoenergia fermiônica a um laço será dada por onde introduzimos provisoriamente uma massa para o fóton e efetuamos uma rotação de Wick sobre as matrizes de Dirac para definir, no espaço euclidiano, Q2 m, x 1 x pE2 xm2 1 x 2 . É evidente que a integral sobre o momentum é divergente (logaritmicamente, se a analisarmos usando o power counting, que consiste na contagem das potências de momento), como no caso da autoenergia fermiônica do acoplamento de Yukawa já mostrado acima. Na regularização de Pauli-Villars, definimos a teoria com um acoplamento mínimo do fóton a outro férmion que assumimos massivo, assim como introduzimos um segundo fóton massivo que se acopla tanto ao férmion original quanto ao férmion massivo introduzido à mão. Traduzindo esse procedimento em termos da lagrangiana, vamos adicionar um novo termo invariante de calibre da forma 1 2 F F A A i D A A e A . 4 2 Nesta expressão, , A , m, são campos massivos fictícios introduzidos apenas com o fim de regularizar os diagramas, e a derivada covariante é definida sobre a combinação dos campos de calibre A A . Note-se que o sinal desses campos fictícios na lagrangiana é oposto ao sinal dos campos da densidade lagrangiana original, logo, possuem métrica indefinida e atuam como campos fantasmas, subtraindo suas contribuições. A ideia central é tomar ao final o limite , no qual os campos massivos não se propagam, e, logo, são desacoplados dos campos originais. Entretanto, esses campos adicionais interagem e dão uma contribuição adicional à autoenergia fermiônica, com origem no diagrama em que um fóton massivo é emitido e reabsorvido. Essa contribuição adicional à autoenergia do férmion será igual a: 40 ie2 dk E2 I 2 dx 1 x pE 2m 2 1 . 2 8 0 k E Q m, E a autoenergia fermiônica regularizada efetiva será igual a: Q 2 m, ie2 reg P V . I I I 2 dx 1 x pE 2m ln 2 8 Q m, Esta integral é finita para qualquer valor de . Retornando ao espaço de Minkowski, resulta: reg P V Q 2 m, ie2 . I 2 dx 1 x p 2m ln 2 8 Q m, Nesta expressão, Q 2 m, x 1 x p 2 xm2 1 x 2 . Procedimento semelhante pode ser feito para regularizar a autoenergia do fóton em QED. Em geral, a regularização de Pauli-Villars envolve a introdução, de forma invariante de calibre, de um conjunto de campos massivos com massas i e cargas e ci , i 1,2, , n , tal que a amplitude regularizada seja dada pela relação: I reg P V n I p, m ci I i p, i i 1 com a condição de que as expressões seguintes dos parâmetros sejam finitas e invariantes de calibre: ci 1, ci i2 m2 . i i No caso mais geral de uma TQC não-abeliana, a regularização de Pauli-Villars, ainda que sempre seja invariante de calibre, por construção, deixa de ser invariante de Lorentz, ou covariante. Precisamos então de outro esquema de regularização, e o que melhor se adapta a todas as teorias de campos é o esquema da regularização dimensional. 41 3.2. REGULARIZAÇÃO DIMENSIONAL A regularização dimensional foi criada, de forma independente e quase simultânea, pelos físicos argentinos Giambiaggi e Bollini (C. G. Bollini & J. J. Giambiaggi, Nuovo Cimento 12B (1972) 20, Phys. Lett. B40 (1972) 566) e pelos físicos holandeses Martinus Veltman e Gerard ‘t Hooft (G. ‘t Hooft & M. Veltman, Nucl. Phys. B44 (1972) 189), e é reconhecidamente o esquema de regularização com estrutura matemática mais genérica e rigorosa, sem necessidade dos recursos ad hoc da regularização de Pauli-Villars. Das análises acima, fica claro que as divergências das integrais funcionais associadas aos grafos de Feynman estão diretamente associadas à dimensionalidade D do espaço-tempo. A QED2 , também conhecida como modelo de Schwinger, proposta em 1962, é uma teoria eletrodinâmica quântica em duas dimensões 1+1 não só convergente, mas com solução exata. Outros modelos bidimensionais, como o da interação fermiônica quártica apresentada pelo físico americano Walter Thirring em 1958 (modelo de Thirring – W. Thirring, Ann. Phys. 3 (1958) 91), ou o modelo de Thirring-Wess (W. Thirring & J. E. Wess, Ann. Phys 27 (1964) 331), uma extensão daquele, também apresentam soluções exatas, tendo servido de laboratórios teóricos para a TQC em 4 dimensões. O modelo de Schwinger, por exemplo, apresenta naturalmente um mecanismo de criação de massa para o férmion de massa nula inicial, inteiramente análogo ao mecanismo de Higgs necessário ao atual Modelo Padrão, e por isso chamado de mecanismo de Schwinger-Higgs. Ou seja, serviu como laboratório para a QCD desenvolvida posteriormente. Isto sugere que integrais divergentes em quatro dimensões possam ser convergentes em dimensões mais baixas, ou talvez mais altas. Um exemplo é o da integral d 4k k 2 m 2 k p 2 M 2 . Esta integral é divergente em D=4, mas converge para D<4. Um método possível de regularização de integrais de Feynman divergentes em D=4 pode ser, portanto, defini-las em uma dimensão qualquer D n , e proceder depois à sua continuação analítica quadridimensional. Este procedimento é chamado de regularização dimensional. Um bônus dessa construção é que, como a invariância de calibre independe da dimensionalidade do espaço, a regularização dimensional já nasce invariante de calibre. E mais, como a continuação analítica não altera a invariância de Lorentz, na verdade a regularização 42 dimensional é covariante de calibre, o que a torna adequada ao tratamento das teorias não-abelianas, como a QCD e a Teoria das Interações Fracas, onde falha a regularização de Pauli-Villars. Como, por exemplo, no grafo de Feynman mostrado na figura abaixo, que representa uma contribuição para a autoenergia do glúon: E também, por não usar análises ad hoc, nem introduzir à mão campos fictícios diretamente na lagrangiana, a manipulação da regularização dimensional (DimReg) é extremamente simples e mesmo automatizável, como será exemplificado a seguir através da teoria 4 descrita pela seguinte densidade lagrangiana: 1 M2 2 4 . 2 2 4! Aplicando a análise dimensional em n dimensões (com as definições c 1 a ação é um escalar adimensional, logo, a integral da densidade lagrangiana sobre dx n deverá ser adimensional, e, consequentemente, a dimensão da lagrangiana terá que ser igual a d n ), obtemos as dimensões de massa dos parâmetros da lagrangiana: 1 M L 1 n2 2 4 n . (Explicitando: n 2 2 n n 2 2 ; n 2 n 2 n 4 n ) Logo, a constante de acoplamento da interação quártica possui dimensão de massa, e precisamos introduzir uma escala de massa arbitrária que permita escrever a densidade lagrangiana em n dimensões de modo que a constante de acoplamento se conserve adimensional, da seguinte forma: 43 1 M 2 2 4n 4 . 2 2 4! Para esta teoria, as regras de Feynman serão dadas por: Em n dimensões, deve-se ter cuidado com a manipulação de tensores, como, por exemplo, uma vez que cada índice vetorial assume n valores, devemos ter n n . Para o cálculo de amplitudes em n dimensões, precisamos calcular a integral básica: 44 onde nos cálculos acima foram feitas a rotação para o espaço euclidiano, a translação da variável de integração e a definição Q2 M 2 pE2 . Essa integral é esfericamente simétrica, e podemos efetuar separadamente a integração nas variáveis angulares em n dimensões: Usando o valor da integral gaussiana em n dimensões e integrando em coordenadas esféricas: 45 onde foi definida a variável y kE2 2 e empregada uma das várias definições integrais da função gama. Desta forma, a integral da integral angular será dada por: Podemos confirmar esse resultado geral, simplesmente verificando sua validade nos casos de baixas dimensões: 46 A integral básica inicial pode agora ser calculada: Usando agora a definição da função beta de Riemann: e fazendo as identificações a integral básica pode ser escrita como 47 Retornando para o espaço de Minkowski: Esta fórmula básica pode ser usada como geradora de todas as integrais de amplitudes em n dimensões, para qualquer lagrangiana, e qualquer outra fórmula pode ser obtida dela, por diferenciação, como nos exemplos abaixo: 48 E também e assim por diante. Voltando à teoria 4 , vamos exemplificar o uso da DimReg com o cálculo da amplitude do grafo em um laço da autoenergia: 49 Em n dimensões a integral se escreve Para efetuar a continuação analítica para 4 dimensões devemos fazer agora n 4 , e, ao final dos cálculos, efetuar o limite n 4 0 . Obtemos então, com grande economia de cálculos, por exemplo, se compararmos a DimReg com o método de regularização por cut-off, a expressão intermediária: Usando agora algumas propriedades da função gama, no limite 0 , onde o símbolo representa a constante de EulerMascheroni 50 e também a identidade obtemos finalmente 51 A integração em um espaço vetorial com n dimensões envolve dificuldades conceituais, e, para que não surjam inconsistências, é necessário construir definições explícitas do procedimento usado, focalizando três pontos: (a) Unicidade – para que se evite a possibilidade de se construírem duas definições autoconsistentes e inconsistentes entre si.; (b) Existência – necessária para provar que uma definição explícita não acarreta inconsistências; (c) Propriedades – uma vez definida a integração em uma dimensão n não-inteira, não se pode simplesmente assumir que as propriedades usuais da integral se conservam. Uma forma de verificar isso é provar que, para n inteiro, as propriedades usuais são válidas. Um problema adicional a ser resolvido é encontrar expressões válidas para as matrizes de Dirac em n dimensões nãointeiras, digamos, n 3,99 . Para satisfazer tudo isso, será necessária uma definição axiomática dessa integração. 52 3.3. DimReg: DEFINIÇÃO E AXIOMAS Seja um número complexo d . Queremos definir uma operação que possa ser interpretada como uma integração sobre um espaço d -dimensional, da seguinte forma: d d p f p . Nesta definição, f p é qualquer função de um vetor p que reside em um espaço euclidiano d -dimensional ( o espaço de Minkowski é interpretado como um espaço de tempo unidimensional agregado a um espaço euclidiano d 1 -dimensional, com a notação ). Veremos que essa operação de integração em um espaço com dimensionalidade não-inteira acarretará que um vetor nesse espaço possua um número infinito de componentes, logo, o espaço será na verdade - dimensional . Os seguintes axiomas são naturais e necessários para as aplicações sobre os grafos de Feynman (K. G. Wilson Phys. Rev. D7 (1973) 2911): (1) Linearidade: Sejam a, b números complexos. A seguinte expressão é válida, a, b : 1, d 1 (2) Escala: A seguinte expressão é válida para qualquer número s : (3) Invariância translacional: Para todo vetor q : 53 Os resultados também deverão apresentar invariância rotacional. A linearidade é propriedade de qualquer integral, por construção; invariâncias de translação e rotação são propriedades natas do espaço euclidiano; finalmente, a propriedade de escala é a portadora da d -dimensionalidade. Os axiomas acima não somente são necessários, como também asseguram a unicidade da integração, a menos, é claro, de um fator de normalização arbitrário. As funções mais genéricas que precisamos considerar são funções tensoriais obtidas escrevendo-se explicitamente tensores em termos dos vetores p, q1, , q N e do tensor métrico ij , com coeficientes escalares, como se segue: f ij p, q qi p j f a p2 , p q, q 2 ij fb p 2 , p q, q 2 . Cada vetor é definido em um espaço vetorial usual através de uma sequência de componentes p p1 , p 2 , com a métrica dada por p q p1q1 p 2q 2 A razão para a -dimensionalidade é que uma integral com d 3,99 , por exemplo, pode ser usada para regularizar uma teoria física em um espaço-tempo com dimensão d 0 qualquer, suficientemente grande para comportar d 0 momentos linearmente independentes. Uma vez que d 0 é qualquer, o espaço deverá ter dimensão infinita. Começamos agora definindo a integral d -dimensional de uma função escalar, escolhendo um espaço com dimensão J finita que contenha todos os vetores q j . Escrevemos então o vetor p como a composição p p p p je j em vetores j 1 ortogonais, dos quais p está contido no mesmo espaço dos q j com bases e j ortonormais, um “espaço paralelo”. Podemos assim definir a integral sobre p como sendo a integral usual J -dimensional sobre p efetuada depois da integral em J d dimensões sobre p : d d p f p dp1 dp J d d J p f p . 54 Uma vez que f p é uma função escalar, e não depende da direção de p , podemos separar a integral angular e definir: d d J p f p K d J dp pd J 1 f p . 0 Nesta expressão, K d J nada mais é do que a área de uma hiperesfera em dimensões, cujo valor obtemos do caso especial em que a função escalar f é gaussiana: Conseguimos assim obter uma definição de uma integração em d dimensões em termos de uma integração usual: O problema encontra-se então resolvido para uma função escalar. Para estender a solução a uma função tensorial, basta tratarmos cada componente usando o mesmo procedimento. Por exemplo, para uma função tensorial onde g é uma função escalar, obtemos que Um resultado importante que resulta da definição é que toda integral de uma potência de p é nula: 55 para qualquer valor de , inteiro ou não-inteiro. 3.4. REPRESENTAÇÕES PARAMÉTRICAS DE UMA IF NO ESPAÇO DE MINKOWSKI d -DIMENSIONAL Frequentemente são usadas representações paramétricas de elementos do integrando de uma IF, particularmente de propagadores, evitando assim que expressões de resultado já conhecido sejam recalculadas sem necessidade. As representações desse tipo mais conhecidas se devem a Schwinger e a Feynman, e são de grande utilidade no cálculo da DimReg de grafos de Feynman. 3.4.1. PARAMETRIZAÇÃO DE SCHWINGER Seguindo o formalismo de Schwinger para a QED, para converter um grafo arbitrário em d dimensões em uma integral paramétrica, primeiramente devemos escrever cada propagador usando a expressão: As integrações sobre os momentos são feitas em seguida. Uma vez que qualquer grafo de Feynman tem a forma de um polinômio de momentos multiplicado por um produto de propagadores escalares simples, temos apenas de calcular integrais d -dimensionais da forma: Usando a linearidade da integral em d dimensões, podemos encontrar I n simplesmente derivando I 0 : 56 Para calcular a integral da última expressão, usamos a translação k k B A , a mudança de escala k kA rotação de Wick, e obtemos: 1 2 e a Derivando sucessivamente, tiramos os resultados: i A d 2 e B2 A B B B B B B g cinco termos análogos g g dois análogos . A4 2 A3 4 A2 57 3.4.2. PARAMETRIZAÇÃO DE FEYNMAN, OU FÓRMULA DE FEYNMAN A parametrização unidimensional devida a Feynman consiste no uso da seguinte fórmula para produtos de denominadores de propagadores de um grafo de Feynman, como já foi mostrado antes: Sua generalização natural é As integrais de momento resultantes têm a forma: Usando o procedimento e os resultados anteriores resultam as seguintes expressões sucessivas: 58 3.4.3. MATRIZES DE DIRAC DIMENSIONALMENTE REGULARIZADAS As matrizes de Dirac possuem as seguintes propriedades: (1) Relação de anticomutação: (2) Hermiticidade: Quando usamos a DimReg, os índices de Lorentz percorrem um conjunto infinito de valores, logo, precisamos de matrizes de dimensão infinita para representar a álgebra de Clifford obedecida pelas matrizes de Dirac. E precisamos também de uma operação de traço 59 de forma tal que a representação se comporte como se sua dimensão fosse dada por f d , onde f d0 assuma o valor usual na dimensão do espaço-tempo físico d d0 , como, por exemplo, f 4 4 . As condições para se estabelecer um formalismo para matrizes dimensionalmente regularizadas são as seguintes: (1) Deve existir uma representação da relação de anticomutação, para assegurar a consistência do formalismo. (2) Deve ser encontrada uma fórmula para o traço de um produto arbitrário de matrizes . (3) Embora seja suficiente o conhecimento das nos casos da QED e da QCD, precisamos também definir uma matriz 5 que possibilite o tratamento das simetrias e anomalias quirais. O que forçosamente nos dará uma definição apropriada do tensor completamente antissimétrico (mais rigorosamente, da densidade tensorial antissimétrica) . Essa representação será construída da forma que se segue. Seja um inteiro positivo, e suponhamos indutivamente que esteja definida uma representação 2 -dimensional da álgebra de matrizes no intervalo 0 2 1 . Vamos então definir uma matriz diagonal de dimensão infinita nesse intervalo, com uma sequência de na diagonal e zeros em todos os outros elementos de matriz: 0 0 0 . 0 Agora podemos construir a representação imediatamente superior 1 com dimensão 2 1 , no intervalo 0 2 1 . Para que a representação escolhida independa de , devemos ter a relação de recorrência, para 0 2 1 : 60 0 . 0 Esta relação satisfaz as relações de anticomutatividade e de hermiticidade, desde que 0 , 2 1. Precisamos encontrar agora a matriz 1 , para 2, 2 1. O teorema da indução exige que se comece com 1, logo, podemos 1 definir: A partir da representação 2 -dimensional definimos então uma nova matriz Esta matriz tem as propriedades explícitas É imediato verificar que, para 2 , teremos ˆ 5 , na notação usual para matrizes de Dirac quando d 4 . Podemos definir finalmente as matrizes Essas matrizes satisfazem as condições exigidas, para os intervalos 0 , 2 1. 61 Um bônus desta construção é que os resultados usuais envolvendo as relações de anticomutação continuam válidos, independente de d . Por exemplo: Uma definição do traço de uma matriz infinita com componentes M ij pode ser, por exemplo: Em 4 dimensões, e o tensor é um tensor invariante de Lorentz totalmente antissimétrico com o valor 0123 1. Em duas dimensões, as definições mudam: 5 ˆ1 0 1 , 10 . 01 1 00 11 0 Só é possível obter uma definição invariante de Lorentz para 5 e nas primeiras 4 dimensões: 62 1 se for uma permutação par de 0123 1 se for uma permutação ímpar de 0123 0 em nenhum dos casos acima Nestas condições, as seguintes relações são válidas: em caso contrário, e, finalmente, A incompleteza da invariância de Lorentz das matrizes de Dirac em todo o espaço vetorial d -dimensional, mesmo assim, garante a representação correta da anomalia axial descoberta por Adler, Bell e Jackiw (S. Adler, Phys. Rev. 177 (1969) 2426; J. S. Bell & R. Jackiw, Nuovo Cimento 60A (1969) 47). 63 4. RENORMALIZAÇÃO BPHZ: INDEPENDÊNCIA DO REGULARIZADOR UV NO ESPAÇO DOS MOMENTOS Vimos no item anterior como grafos de autoenergia com laços, em diversas teorias físicas ou mesmo em toy models, apresentam divergências e, em princípio, precisam ser regularizados para assumirem valores finitos. Também foi mencionado o fato de que, como as amplitudes de Feynman são funções analíticas dos momentos externos, sempre podemos expandi-las em torno de algum valor de referência de momento – que em geral é o valor zero -, tornando possível que os termos divergentes regularizados sejam isolados como termos locais, e serem assim compensados por contratermos na densidade lagrangiana. O passo seguinte no processo de entendimento da renormalização é encontrar um método de determinar quais grafos de Feynman de uma teoria são divergentes, assim como a natureza dessa divergência, sem que seja necessário calcular as integrais desde o início. Esse método decorre naturalmente da identificação do grau superficial de divergência de um grafo. Comecemos escrevendo a lagrangiana de uma dada teoria da seguinte forma: onde 0 representa a soma das densidades lagrangianas livres para todas as variáveis de campo da teoria e cada i representa alguma interação através de monômios nas variáveis de campo básicas e suas derivadas. Com as unidades c 1 usuais, a ação resultante da lagrangiana acima é adimensional, o que força a densidade lagrangiana a possuir dimensão canônica 4 em um espaço-tempo de quatro dimensões, e n em um espaço-tempo n -dimensional. Aplicando a análise dimensional nessas unidades aos parâmetros da lagrangiana, obtemos: 1 M L 1. Para a lagrangiana livre de um campo escalar dada por teremos, portanto, uma vez que 64 a dimensão canônica do campo escalar será De forma análoga, para a lagrangiana livre de um campo fermiônico dada por teremos a dimensão canônica do campo fermiônico em 4 dimensões dada por Vamos introduzir agora as notações fi , bi , di para representar, respectivamente, o número de férmions, bósons e derivadas em um vértice de interação presente em uma teoria dada pela lagrangiana de interação i . Por exemplo, para a interação de Yukawa Já no caso da interação 4 , 65 Analogamente, para a lagrangiana de interação com acoplamento férmion-derivada escalar: teremos que: e assim por diante. Essa notação nos permite agora introduzir a noção de grau superficial de divergência de um grafo de Feynman. Calcula-se a diferença entre o número de momentos no numerador resultantes da integração dos laços, mais o número dos acoplamentos de derivadas, e o número dos momentos nos propagadores do denominador. Podemos ir mais além e encontrar uma fórmula geral que dê o grau superficial de divergência de qualquer grafo de Feynman conexo. Para isso precisamos definir de início as seguintes quantidades: B número de linhas externas de bósons I B número de linhas internas de bósons F número de linhas externas de férmions I F números de linhas internas de férmions ni número de vértices de tipo i em i . O trabalho é simplificado pela existência de relações topológicas entre essas quantidades. Uma vez que um vértice de i possui bi linhas de bósons ligados a ele, e como cada uma delas pode ser uma linha de bóson externa ou interna, devemos ter B 2 I B nibi . i 66 O fator 2 se deve ao fato de que são necessárias duas linhas de bóson ligadas a dois vértices diferentes para formar um propagador, ou uma linha de bóson interna. Similarmente, no caso das linhas de férmion, teremos a relação: F 2 I F ni fi . i O grau superficial de divergência D pode então ser definido pela expressão: O primeiro termo significa que cada derivada em um vértice dá origem a um momento no numerador, e se existem ni vértices do tipo i em um grafo, isso leva a uma potência ni di de momento no numerador, que deve ser somada sobre todos os tipos possíveis de vértices. No segundo termo, por outro lado, a cada linha de bóson interna está associado um propagador, logo, cada uma delas leva efetivamente a duas potências de momento no numerador. De forma similar, cada linha de férmion interna soma três potências do momento ao numerador, como mostra o terceiro termo. Entretanto, em cada vértice o momento total deve ser conservado, e, uma vez que uma função delta em 4 dimensões tem dimensão (-4), cada vértice subtrai quatro potências de momento, exceto por uma função delta geral que é necessária para a conservação do momento total em todo o grafo; os dois últimos termos refletem isso. Essa expressão ainda pode ser simplificada, usando as relações topológicas para eliminar I B e I F . Resulta então a fórmula geral 3 D 4 B F ni i , 2 i onde foi definida a notação 3 i di bi fi 4 dim i 4 . 2 3 Evidentemente, em 4 dimensões i 0 D 4 B F . Abaixo, alguns exemplos de graus superficiais de divergência: 2 67 Quando D 0 , diz-se que o grafo é superficialmente logaritmicamente divergente. Grafos com D 1 e D 2 possuem, respectivamente, divergência superficial linear ou quadrática. Quando D 0 , o grafo é superficialmente convergente. O sentido do termo “superficial” fica claro no último grafo acima, que é superficialmente convergente, mas possui um subgrafo divergente, e, logo, o grafo principal é na verdade divergente. 68 É importante observar que, em teorias de calibre, a invariância de calibre tem a propriedade de poder transformar um grafo superficialmente divergente em um grafo convergente. Analisando a composição da fórmula que fornece o grau superficial de divergência de um grafo, fica claro que somente alguns poucos grafos de uma teoria apresentarão esse grau com valor positivo. Por exemplo, se considerarmos a teoria 4 , apenas as seguintes funções de Green conexas 1PI terão divergência superficial: A função de zero ponto contribui apenas para a energia de ponto zero, que pode ser eliminada pela ordenação normal, ou ordenação de Wick. A função de um ponto seria divergente, em princípio, mas essa função não pode existir na teoria 4 , porque esta possui a simetria discreta , e a função de um ponto viola esta simetria. O mesmo ocorre com a função de três pontos. Portanto, na teoria 4 só existem dois grafos superficialmente divergentes, correspondentes às funções de dois e de quatro pontos: , . Podemos, entretanto, desenvolver um modo sistemático de tornar esses grafos finitos. Qualquer grafo 1PI de mais pontos pode, obviamente, conter esses grafos como subgrafos, fazendo com que os grafos totais sejam divergentes, mesmo que 69 superficialmente convergentes. Veremos mais adiante o Teorema de Weinberg, que trata exatamente desses casos. O grafo abaixo, por exemplo, é um grafo superficialmente convergente de seis pontos na teoria 4 que contém um subgrafo divergente: Podemos, porém, definir um “grafo esqueleto”, também de seis pontos, topologicamente equivalente ao original, fazendo contrair a um ponto o laço do subgrafo divergente: Por definição (e pelo Teorema de Weinberg), um grafo esqueleto de um grafo superficialmente convergente será convergente. No caso genérico de um grafo de n pontos, o grafo original poderá sempre ser recuperado pela inserção dos 2 4 grafos e das funções de dois e de quatro pontos, respectivamente, nos locais apropriados. Se obtivermos um 2 4 método de tornar esses grafos e finitos, independentemente de regularização, através de um procedimento de renormalização, esse procedimento fará com que todos os grafos de n pontos sejam finitos, independentes de regularização. Vejamos agora o caso de uma teoria física, a QED descrita pela seguinte densidade lagrangiana: As regras de Feynman, no parâmetro de fixação de calibre de Feynman 1 (na simetria BRST), serão: 70 A tabela correspondente aos graus de divergência superficial será a seguinte: Os grafos de ponto 0 são desprezados, pois podem ser eliminados pela ordenação de Wick. Os grafos de fóton de 1 ponto não existem, porque violam tanto a invariância de Lorentz quanto a invariância de calibre, assim como os grafos de fóton de 3 pontos. O grafo de fóton de 4 pontos parece ser superficialmente divergente (logaritmicamente), mas na verdade é finito, forçado pela invariância de calibre. Os grafos de férmion com um número par de linhas de férmion podem ser não-nulos, por causa da invariância de Lorentz e da conservação do número de férmion. Portanto, existem potencialmente apenas três grafos com divergência superficial, os grafos de autoenergia do fóton e do férmion, e o grafo de vértice de interação férmion-fóton. Da mesma forma que acima, se pudermos torná-los finitos independentemente de regularização, a teoria é renormalizável, e, logo, bem-definida perturbativamente: 71 Autoenergia a um laço do fóton na QED Autoenergia a um laço do férmion na QED Vértice de interação fóton-férmion na QED As teorias que possuem a propriedade de que todas as divergências podem ser absorvidas pela redefinição de parâmetros da teoria – por exemplo, na densidade lagrangiana – são ditas teorias renormalizáveis. Analisando a fórmula do grau superficial de divergência já mostrada acima, fica claro que somente teorias em que o índice de divergência for 72 podem ser renormalizáveis. Se i 0 , à medida que a ordem de interação vai ficando mais elevada, serão gerados grafos divergentes com mais e mais linhas externas. Isto corresponderia a adicionar à lagrangiana infinitos contratermos que não poderiam ser absorvidos em uma redefinição dos parâmetros finitos existentes na teoria. Motivados pela noção de contratermos adicionais, N. N. Bogoliubov e O. Parasiuk (N. N. Bogoliubov & O. S. Parasiuk, Acta Math. 97 (1957) 227) desenvolveram um esquema recursivo de renormalização de grafos de Feynman por subtração de divergências, aplicável tanto a teorias normalizáveis quanto a teorias não-renormalizáveis. Mais tarde verificou-se que a prova de um dos teoremas intermediários era incorreta, e o mesmo foi demonstrado em definitivo por Hepp (K. Hepp, Commun. Math. Phys. 6 (1967) 161), o que originou a designação abreviada do método como renormalização BPH. Um refinamento estendido, com o auxílio do novo conceito de florestas e da fórmula de florestas, e a resolução das relações BPH, realizado posteriormente por Zimmermann (W. Zimmermann, Commun. Math. Phys. 15 (1969) 208) deu o nome atual do método, conhecido com renormalização BPHZ, cujo sucesso se deve ao rigor matemático, ao caráter recursivo, e, principalmente, à sua imediata extensão e aplicação às teorias não-abelianas de calibre. Esse método será brevemente apresentado abaixo, e posteriormente mostrado em detalhe. 4.1. RENORMALIZAÇÃO BPHZ – UMA APRESENTAÇÃO INICIAL O método de renormalização BPHZ corresponde a associar florestas a cada grafo, construindo-as da seguinte maneira. Quando um grafo possui partes para renormalizar, ou seja, subgrafos com grau superficial de divergência não-negativo, desenhamos retângulos em torno dessas partes de todas as maneiras possíveis, de modo a que os lados dos retângulos não se interceptem. Um conjunto particular F de retângulos, ou caixas, a ser renormalizado, é chamado de floresta. Uma forma mais intuitiva de descrever esse conceito é dizer que uma floresta é uma união disjunta de árvores enraizadas. Cada floresta é representada por F , e cada caixa ou elemento de uma floresta se representa por . Deste modo, construímos um conjunto de florestas, constituído por todas as maneiras de desenhar as caixas em torno das partes a renormalizar, e esse 73 conjunto é associado a cada grafo, conforme ilustra a figura abaixo no caso do grafo de quatro pontos vértice a dois laços para a teoria 4 : 4 de correção de Uma floresta pode também ser vazia, o que corresponde a desenharmos uma caixa em torno de todo o grafo, se ele próprio for uma parte a ser renormalizada. Deve ser ressaltado que as caixas contêm apenas as partes a serem renormalizadas, e nunca um propagador externo a cada uma dessas partes, e também que os grafos devem ser considerados como funções dos laços de momentos internos, assim como dos momentos externos. Entretanto, os laços dos momentos internos não foram integrados ainda, isto é, as florestas dizem respeito aos integrandos das amplitudes, e não às integrais, e esta é a maior diferença entre a renormalização BPHZ e qualquer outro método de renormalização: todo o trabalho de eliminação de divergências é feito sobre os integrandos das amplitudes, antes de serem realizadas as integrações. Definimos agora um operador de Taylor (estamos trabalhando no espaço euclidiano) t que atua sobre um subgrafo e o substituímos pela correspondente expansão de Taylor nas variáveis de momentos externos, no entorno do quadrimomento de valor zero, até a ordem D correspondente ao grau superficial de divergência de . No exemplo da segunda figura acima, em que a caixa abrange o grafo inteiro , D 0 , e o operador t simplesmente calcula o 4 elemento em torno do momento externo zero. Se representasse a função de 2 pontos genérico, teríamos D 2 , e o resultado do operador de Taylor seria 2 e k o momento interno 74 O termo de Taylor linear foi desprezado, uma vez que desaparecia na integração, devido à propriedade de antissimetria . No caso de um grafo H convergente, temos t H 0 . A noção desse operador de Taylor permite que se obtenha um integrando renormalizado R G para o grafo G através da seguinte expressão: Nesta expressão, I G representa o integrando do grafo G e representa o conjunto completo de florestas disjuntas e em ninho (como a quarta figura acima) associadas com o grafo. Devemos somente lembrar que, quando existem caixas em ninho, a operação t deve ser efetuada de dentro para fora, ou seja, da caixa mais interna para a mais externa. O grafo de Feynman assim renormalizado será convergente. Note-se mais uma vez que o método BPHZ subtrai as partes divergentes do próprio integrando, tornando a integral final convergente. Enunciaremos agora um resultado importante e já citado anteriormente, devido a Steven Weinberg. 4.2. TEOREMA DE WEINBERG (POWER COUNTING THEOREM) “ A integral de um grafo de Feynman G é absolutamente convergente se o grau superficial de divergência DH for negativo para todo subgrafo H de G , incluído o caso em que H G .” Antes de estudarmos em mais detalhe a renormalização BPHZ, vamos apresentar uma equação (na verdade, um conjunto de equações integrais) que correspondem às equações de movimento de uma TQC renormalizável: as Equações de SchwingerDyson, também conhecidas na literatura como Equações de Dyson-Schwinger. 75 4.3. A EQUAÇÃO DE DYSON-SCHWINGER Vamos considerar mais uma vez a teoria toy model 3 , que já sabemos que é renormalizável em 6 dimensões, descrita pela lagrangiana clássica: A equação de Euler-Lagrange para essa teoria é dada por: Esta equação descreve a dinâmica do sistema ao nível de árvore, usando a terminologia dos grafos de Feynman. Isto é, é uma equação de movimento clássica, sem que as interações sejam corrigidas pela presença de partículas virtuais. É claro que, se introduzirmos as correções quânticas de energia, essa equação é modificada. A equação quântica resultante pode facilmente ser obtida a partir do funcional gerador W J e da função de partição Z J da teoria, da forma seguinte: Uma vez que Z J independe da variável de campo, pois a integral é realizada sobre o conjunto total das configurações de campo, podemos aplicar o princípio variacional, redefinindo arbitrariamente o campo no interior da integral como . A função de partição é, por construção, estacionária, de onde resulta a expressão: com o operador de Euler-Lagrange definido acima. Explicitando mais detalhadamente: 76 No caso particular da teoria 3 , podemos levar os cálculos mais além: onde podemos ainda incluir a expressão para a ação efetiva A expressão final passa a ser então: a qual pode ainda ser trabalhada, calculando-se a derivada funcional com respeito a c e fazendo-se c 0 : 77 onde representa a autoenergia total do campo . Essa autoenergia é definida como sendo a função de dois pontos completa depois de se subtrair a contribuição do nível de árvore do grafo correspondente. A representação gráfica dessa equação de Dyson-Schwinger correspondente à função de dois pontos é mostrada abaixo: O termo à esquerda representa a autoenergia total, enquanto o termo à direita representa os propagadores e os vértices da teoria, incluindo todas as ordens de correções quânticas. Nessa notação compacta as integrações intermediárias não são mostradas (o que é simbolizado pelas bolhas de cor preta). Derivando mais uma vez em relação a c a expressão acima , e calculando o resultado no ponto c 0 , obtemos a equação de Dyson-Schwinger para a função de 3 pontos da teoria: 78 que pode ser representada graficamente, usando a mesma notação compacta, como: Reproduzindo o mesmo procedimento para as funções de Green conexas de ordem superior, obtemos a sequência das equações integrais de Dyson-Schwinger, cuja soma, no caso de uma teoria renormalizável, é absolutamente convergente. Resumindo, essas equações integrais são uma forma iterativa de se construir a série perturbativa convergente para uma teoria renormalizável. 4.4. A RENORMALIZAÇÃO BPHZ EM DETALHE Consideremos mais uma vez a teoria 3 em 6 dimensões descrita pela densidade lagrangiana Uma vez que estamos interessados no comportamento das divergências UV da teoria, podemos simplificar as contas, fazendo M 0 . Em 6 dimensões, a dimensão canônica do campo escalar será 2 . Logo, o grau superficial de divergência para qualquer grafo dessa teoria será dado por: 79 Observe-se que a lagrangiana não é invariante sob a antissimetria , portanto, as amplitudes de 1, 2 e 3 pontos são superficialmente divergentes. Mais uma vez, embora a função de 0 ponto seja divergente, isto pode ser resolvido com a ordenação de Wick. Além disso, usando a DimReg, a amplitude de 1 ponto é eliminada, na teoria de massa nula, como podemos constatar calculando o grafo tadpole abaixo: ao fazermos n 6 . Portanto, somente as amplitudes de 2 e 3 pontos são divergentes, e podem ser tornadas finitas pela adição finita de contratermos na lagrangiana, o que demonstra que a teoria é efetivamente renormalizável em 6 dimensões. Vamos agora calcular algumas amplitudes de ordem superior a um laço, para exemplificar como são tratadas as divergências quando estas se superpõem em um mesmo grafo. Usaremos a DimReg, operando a continuação analítica para n dimensões e definindo o parâmetro contínuo 6 n . Desta forma, a análise dimensional simples nos fornece como dimensões canônicas: 80 e precisamos, como já fizemos antes, introduzir uma escala arbitrária de massa para que a constante de acoplamento se mantenha adimensional: g g 2 . Neste caso, a autoenergia a um laço pode ser calculada como: Esta expressão permite de imediato que façamos cálculos a dois laços, mas ainda podemos fazer simplificações, utilizando propriedades e definições das funções gama, como as seguintes: 81 82 Substituindo esses resultados na expressão da autoenergia a um laço, resulta: Obtemos assim o contratermo em um laço da autoenergia, na notação usual para os grafos de Feynman: Existe um segundo grafo idêntico, apenas substituindo o momento do segundo ponto p1 p2 , mas como o método BPHZ subtrai as divergências em todos os grafos, não precisamos repetir o procedimento, basta nos concentrarmos nos grafos de natureza distinta. Prosseguindo de modo similar, podemos calcular a amplitude da função de 3 pontos a um laço: 83 Empregamos aqui a fórmula de combinação de denominadores de Feynman, em sua forma geral: Vamos agora simplificar o denominador do integrando: 84 onde fizemos a identificação e usamos o vínculo de conservação de momento através da função delta, em passos intermediários. Fazendo uma translação na variável de integração, obtemos o valor da integral, como sendo 85 Usamos também o fato de que, devido aos vínculos representados pela função delta, temos que x3 1 x1 x2 e portanto, Visando já o cálculo da autoenergia a dois laços, definimos agora uma nova variável u , pela relação e assim podemos reescrever o resultado acima como 86 onde, nas novas variáveis, Integrando sobre x1 , x2 , precisamos acrescentar um fator 1 2 , e o resultado acima corresponde a um contratermo Agora podemos calcular a autoenergia a dois laços, considerando primeiro os grafos sem divergências superpostas, como os mostrados na figura abaixo (lembrando que existem também grafos análogos em que a inserção do contratermo é na outra linha interna): 87 onde foi usada a forma do contratermo a um laço encontrado anteriormente. Vamos olhar separadamente para as duas integrais. Empregando a forma da autoenergia de dois pontos a um laço, antes da simplificação com as propriedades das funções gama, a primeira das duas integrais da soma acima pode ser calculada diretamente: 88 parte finita parte finita parte finita parte finita . 89 É importante observar aqui que os termos logarítmicos 1 p ln 2 na expressão acima são potencialmente perigosos, 4 2 porque, se estão presentes termos com esse tipo de divergência não-local, para cancelá-los será necessário usar contratermos igualmente não-locais, o que viola a microcausalidade da lagrangiana. Vamos considerar agora a segunda integral da soma, cuja expressão calculada será: 90 parte finita . Somando finalmente as duas integrais, obtemos o seguinte resultado: parte finita parte finita . Constatamos com alívio que as divergências não-locais potencialmente divergentes foram canceladas nos grafos divergentes não superpostos, e as divergências restantes podem ser canceladas por um número finito de contratermos locais. ==> PRIMEIRO PROBLEMA PARA A AVALIAÇÃO: Collins, p. 344, 2ª linha após a eq. 13.5.8: ‘it is left as an exercise to the reader...’ 91 Vamos olhar agora para o grafo divergente com superposição da autoenergia a dois laços, que, usando a função de vértice a um laço expressa com a nova variável u definida anteriormente em termos de x1 , x2 ( x2 1 x1 u ), tem a forma seguinte: onde definimos mais uma vez Q 2 , com os momentos adequados, através da expressão Usando novamente a fórmula de Feynman geral para combinar denominadores, a expressão do grafo pode ser escrita como: onde abreviamos o denominador através da identidade 92 Numa visão rápida, aparentemente a divergência da integral a dois laços estaria totalmente contida na integral em , a qual possui apenas uma estrutura divergente a um laço (observando que a função gama multiplicativa com singularidade que é gerada pelo vértice a um laço foi cancelada pelas funções gama que vêm da fórmula geral de combinação de denomiadores de Feynman). Entretanto, isso não é verdade, porque, de fato, a divergência do subgrafo de vértice a um laço foi transformada em integrais de Feynman paramétricas. Esta é uma propriedade especial de grafos divergentes superpostos, o que podemos apreciar melhor efetuando a última integral com mais detalhamento. Em primeiro lugar, faremos um deslocamento da variável de integração: O próximo passo é efetuar a integração sobre y3 usando a função delta. Finalmente, podemos redefinir a variável y2 como: obtendo assim uma nova forma para o denominador do integrando: Fazendo as devidas substituições e efetuando a integral em , obtemos o resultado: 93 onde d d x1, u, y1, v já foi definido acima. A estrutura de polo a um laço está manifesta na função gama multiplicativa fora da integral. Para analisar a estrutura da divergência a partir da integral paramétrica, é suficiente olhar o termo de 1 primeira ordem em x1d . Usando os resultados padronizados o termo de primeira ordem da integração paramétrica encontrada acima será dado por: 94 Isso demonstra de que forma a subdivergência se oculta na integração paramétrica, a qual pode ser calculada exatamente usando-s polinômios de Gegenbauer, com a única modificação no termo de primeira ordem sendo a mudança da constante finita dentro dos parênteses de 1 6 para o valor 4. A autoenergia do grafo divergente com superposição será finalmente parte finita . Constatamos novamente que os sempre ameaçadores termos divergentes não-locais da forma 1 p ln 2 4 2 também estão presentes nesse grafo. Por outro lado, com o contratermo para a função de 3 pontos a um laço, temos uma contribuição a mais dada por: 95 parte finita. De forma inteiramente similar, o grafo com o contratermo no vértice esquerdo contribui também com o mesmo resultado: 96 parte finita. Portanto, a soma dos três grafos abaixo, representando a superposição de grafos de autoenergia a dois laços na teoria 3 : resulta ser igual a parte finita ig 4 p2 2 2 2 parte finita . 6 3 12 4 Podemos verificar que todos os termos divergentes não-locais potencialmente perigosos desapareceram da autoenergia, e as divergências remanescentes podem ser removidas pela adição de um contratermo local a dois laços. BPHZ é um método de renormalização no qual as divergências são subtraídas no próprio grafo, e, em consequência disso, pode ser utilizado com qualquer esquema de regularização. 97 Estudaremos a seguir a formulação matemática rigorosa do método de renormalização BPHZ, usado em conjunto com o esquema de regularização DimReg. 4.5. FORMULAÇÃO MATEMÁTICA DO MÉTODO DE RENORMALIZAÇÃO BPHZ Consideremos um grafo de Feynman arbitrário G que pode conter subgrafos 1PI superficialmente divergentes. Um subgrafo 1PI é próprio quando é diferente do próprio grafo G , e dito uma parte de renormalização se for superficialmente divergente, ou seja: D 0 . A figura abaixo ilustra dois subgrafos próprios que correspondem a partes de renormalização: Dado um grafo de Feynman G vamos agora desenhar retângulos Mem torno de todas as partes de renormalização, incluindo o próprio G , se este também for superficialmente divergente. Por exemplo, para o grafo de autoenergia a três laços da teoria 3 , as figuras abaixo mostram exemplos de florestas, ou diferentes modos distintos de se construir retângulos, ou caixas, em torno das partes de renormalização: 98 Duas partes de renormalização 1 , 2 serão disjuntas quando 1 2 0 , e serão em ninho se uma está inteiramente contida na outra: ou 1 2 , 1 2 . 99 Duas partes de renormalização são superpostas quando compartilham linhas e vértices, isto é, quando nenhuma das três condições anteriores é válida. Como já foi mencionado, um conjunto de caixas envolvendo partes de renormalização é uma floresta. Uma floresta é vazia se não existe nenhuma caixa envolvendo um subgrafo. Uma floresta é normal se não existe nenhuma caixa contendo todo o grafo G . Quando uma floresta inclui o próprio grafo G , é uma floresta cheia. Seja agora o conjunto de florestas, ou caixas que contêm apenas partes de renormalização disjuntas, ao qual vamos adicionar o próprio grafo G sem nenhuma caixa. Neste caso, o conjunto completo de florestas contendo partes de 3 renormalização disjuntas para o grafo de autoenergia a dois laços para a teoria é o exibido na figura abaixo: De forma análoga, seja o conjunto de florestas contendo apenas partes de renormalização em ninho. A figura abaixo mostra o conjunto completo para o grafo de autoenergia a dois laços para a teoria 3 : Indo além, seja o conjunto de florestas contendo apenas partes de renormalização superpostas. O conjunto para o grafo de autoenergia a dois laços para a teoria 3 é exibido na figura seguinte: completo 100 A razão pela qual construímos essas florestas é que os subgrafos correspondentes são superficialmente divergentes, e, para que o grafo completo se torne finito, precisamos subtrair as divergências existentes em cada um desses subgrafos. No método BPHZ convencional, introduzimos um operador t de Taylor, ou operador de expansão de Taylor, para qualquer grafo , de modo que sua ação sobre o integrando do grafo seja fazer sua expansão em série de Taylor em torno dos momentos externos ao grafo, até o termo de ordem D . Representando esse procedimento, e eliminando o termo linear da expansão, que, como já vimos, é nulo, devido à antissimetria da teoria, podemos escrever: 101 Em outras palavras, atuando sobre um grafo, o operador de Taylor simplesmente separa os termos potencialmente divergentes pertencentes ao integrando, de tal maneira que a parte finita do grafo possa ser identificada com o integrando 1 t I G I G parte finita. Cabe aqui observar que, por definição, t IG 0 , se D 0 . Este é o operador t convencional na prescrição BPHZ, e fica claro que, usando essa operação, simplesmente ficamos capazes de descartar partes potencialmente divergentes no interior da integral. Deste modo, a BPHZ jamais usa uma dada regularização e, na verdade, é compatível com qualquer regularização. No caso da DimReg, em particular, a integral associada a um grafo a n laços tem a seguinte forma geral: Nesse caso, a operação t separa naturalmente os termos com polos, e é definida como: 102 de maneira que a parte finita do grafo possa ser identificada com Uma vez mais, fica claro que , para um grafo sem termos com polos e superficialmente convergente: Para uma dada parte de renormalização em um grafo de Feynman, se a integral é da forma como vimos, a operação de Taylor é definida de forma tal que t I 1 a m n m m partes divergentes , 1 t I am m partes finitas . m 0 Assim, comparando com outros métodos de supressão de divergências, podemos imaginar o efeito BPHZ do termo t I como sendo o de adicionar contratermos que subtraem a divergência. Entretanto, uma vez que na renormalização BPHZ nunca é necessário explicitar o uso de contratermos, na verdade o método é mais geral, como vamos mostrar. Consideremos um grafo de Feynman arbitrário G cujos subgrafos são partes de renormalização próprias 1, 2 , , s , e vamos definir a seguinte expressão: 103 Isto faz com que, de maneira óbvia, todos os subgrafos de G , que são partes renormalizadas próprias, sejam finitos. Entretanto, o próprio grafo G pode ser superficialmente divergente, e nesse caso, é necessária uma subtração final para tornar G finito. Para isso, definimos a operação composta: Verificamos que, se G não é superficialmente divergente, então, por definição: e também mas isto não é verdade em qualquer outro caso. De qualquer forma, a partir da definição de RG I G acima, constatamos que todos os subgrafos superficialmente divergentes, assim como o grafo inteiro, foram tornados finitos por subtrações (de contratermos), resultando que o grau superficial de divergência, tanto dos subgrafos, quanto do grafo inteiro, seja negativo, e, logo, pelo Teorema de Weinberg, o grafo agora seja finito. Assim, esse procedimento pode ser aplicado, grafo a grafo, fazendo cada grafo se tornar finito. Observando apenas que, no caso de grafos e subgrafos em ninho, a subtração deve ser realizada de dentro para fora, da parte de renormalização mais interna para a mais externa. Para divergências disjuntas ou entrelaçadas (overlapping divergences), a ordem da subtração é irrelevante. Embora este método de fazer com que um grafo de Feynman seja finito seja absolutamente correto, não lança nenhuma luz sobre a questão da localidade de contratermos, uma vez que estamos subtraindo divergências superpostas que, como vimos, pode levar a contratermos não-locais. A prova da renormalização por contratermos locais requer, de maneira 104 óbvia, que as divergências entrelaçadas sejam resolvidas por contratermos de ordem inferior. Isto pode ser visto através do operador R de Bogoliubov que define a relação onde i representa o conjunto completo de subgrafos que são partes de renormalização próprias e disjuntas de G . O conjunto i pode ser vazio, e neste caso o operador de Taylor atua como o operador identidade, reproduzindo a própria integral I G . Nessa expressão, R k é o operador RG I G associado com a parte de renormalização superficialmente divergente k . Esta fórmula, conhecida com a fórmula BPH, é uma relação recursiva que não envolve divergências em ninho nem entrelaçadas, e onde o operador RG , para toda ordem, é determinado pelos operadores R k de ordem inferior. A contribuição de Zimmermann foi feita na forma de uma solução da relação de recursão BPH, obtida como se segue. Em vez de considerar o conjunto de partes de renormalização próprias e disjuntas que são subgrafos de um grafo G de Feynman, vamos olhar o conjunto completo de subgrafos que inclui apenas as partes de normalização próprias, em ninho e disjuntas. A figura abaixo define na teoria 3 todas essas partes de renormalização para o grafo de autoenergia a três laços. A partir daí, podemos escrever a solução de Zimmermann: 105 onde i é o conjunto completo de florestas definidas pelas partes de renormalização próprias que não são superpostas. A relação recursiva BPH e a solução de Zimmermann parecem bem diferentes da relação original dada por Pode-se mostrar, entretanto, que as três expressões são, na verdade, equivalentes. Demonstraremos essa equivalência usando o exemplo da figura acima, apenas entre a solução de Zimmermann e a relação recursiva BPH; Observemos que o grafo a três laços da teoria 3 se decompõe em oito florestas que consistem em partes de normalização próprias, em ninho e disjuntas. Aplicando explicitamente a solução de Zimmermann, obtemos: 106 Lembrando agora que, uma vez que 1 e 1 não contêm nenhuma parte de renormalização própria, podemos escrever: Usando este fato, podemos reescrever a soma acima da seguinte forma: 107 onde i é o conjunto completo de partes de renormalização próprias que consistem apenas em grafos disjuntos. Ou seja, esta última expressão é exatamente a relação recursiva BPH. Isto mostra que, de fato, a fórmula BPH conduz à solução de Zimmermann e que, de acordo com o Teorema de Weinberg, ambos os procedimentos são equivalentes a tornar qualquer grafo de Feynman finito usando subtração local, ou contratermos. 4.6. RENORMALIZABILIDADE NO ESPAÇO DOS MOMENTOS De maneira geral, independente de regularização ou método de renormalização, quando o índice de divergência de interações dado pela fórmula 3 i di bi fi 4 dim i 4 2 é zero, o grau superficial de divergência de qualquer grafo de Feynman é completamente determinado pelo número de linhas externas no grafo. Essas teorias são renormalizáveis, através da adição de um número finito de contratermos locais que simplesmente redefinem os campos e os parâmetros da teoria original. Por outro lado, se i 0 108 fica claro que o grau superficial de divergência de um grafo cresce com o aumento do número de vértices de interação, significando que teremos mais e mais linhas externas. É claro que sempre poderíamos remover essas divergências adicionando contratermos locais, mas o número desses contratermos não teria limite, seria infinito, e os parâmetros finitos da teoria seriam incapazes de absorvê-los. Essas teorias são não-renormalizáveis. E, por último, se o índice de divergência é negativo: i 0 , não somente teremos um número finito de tipos de grafos potencialmente divergentes, mas, mais importante, somente um número finito de grafos serão divergentes, e somente nas ordens mais baixas da série perturbativa, uma vez que aumentando a ordem, ou o número de vértices de interação, o grau de divergência diminui. Essas são teorias super-renormalizáveis, e exemplos destas podem ser estudados em duas dimensões, por exemplo, nos modelo de Schwinger e de Thirring já mencionados. 109 5. RENORMALIZAÇÃO EG: FUNÇÕES DE GREEN POSICIONAIS Vimos mais de uma vez em TQC que a rotação de Wick, ou seja, a transformação da ação do espaço de Minkowski para o espaço euclidiano através da correspondência t it , particularmente quando estamos lidando com soluções de teorias relativísticas livres, como as soluções da equação de Klein-Gordon ou as funções de Wightman – estas são as funções de correlação da TQC no espaço de Minkowski, representadas pelo valor esperado no vácuo (VEV) de produtos de campos livres -, resulta em expressões mais confortáveis e fáceis de trabalhar do que as originais. Uma vez que a rotação de Wick traduza uma continuação analítica, o que nem sempre é inteiramente correto, o retorno ao espaço de origem é realizado sem maiores consequências quanto à validade dos resultados encontrados no espaço real. A vantagem desse procedimento é visível quando comparamos a expressão da distância em ambos os espaços, nas métricas usuais e notações próprias a cada espaço: dM x02 x12 x22 x32 d E x12 x22 x32 x42 . É imediato ver que a distância no espaço-tempo real só se anula na origem, ao passo que no minkowskiano ela se anula sobre o cone de luz passado e sobre o cone de luz futuro. Esta propriedade permite que, após a rotação de Wick, as amplitudes dos grafos de Feynman com, no máximo, um laço, logaritmicamente divergentes, podem ser tornadas absolutamente convergentes, ao passo que as divergências de ordem superior, especialmente as divergências entrelaçadas, podem ser canceladas, subgrafo a subgrafo e grafo a grafo, pelo procedimento de renormalização BPHZ, conforme já vimos no item anterior. O problema básico do tratamento de funções de Wightman (Robert F. Streater & Arthur Wightman, “PCT, Spin and Statistics, and All That”, W. A. Benjamins Inc., Amsterdam and New York, 1964) no espaço euclidiano é que a causalidade relativística de eventos, originada naturalmente da definição de simultaneidade inerente à assinatura minkowskiana (1, 1, 1, 1) , se perde no espaço euclidiano, o qual somente comporta a causalidade galileana. O próprio conceito de localidade, portanto, é diferente em ambos os espaços. O procedimento de renormalização de Epstein e Glaser não só resgata a causalidade e a localidade das interações entre os campos, por usar diretamente o espaço de Minkowski, como é definido sobre produtos ordenados no tempo das funções de Green no espaço das posições, o espaço dual do espaço dos momentos usado na renormalização BPHZ. Será visto no último item que ambos os procedimentos de renormalização 110 possuem a mesma álgebra de grafos – como era de se esperar, uma vez que ambos os espaços de Hilbert são duais, como já sabemos desde a Mecânica Quântica, devido ao mapeamento isomórfico das transformadas de Fourier. Vejamos então no que consiste o método de renormalização EG (Epstein-Glaser). 5.1. RENORMALIZAÇÃO EG Conforme já mencionado antes, o método de renormalização EG, esboçado no final da década de 60 (H. Epstein & V. Glaser, Proceedings of the Informal Meeting on Renormalization, 1969, ICTP Trieste IC/69/121) e rigorosamente formalizado alguns anos depois (H. Epstein & V. Glaser, The role of locality in perturbation theory, Ann. Inst. Henri Poincaré XIX (1973) 211-295)211-295) é inteiramente equivalente ao método BPHZ, com a diferença de focalizar as funções de Green da TQC perturbativa no espaço das posições, dual do espaço dos momentos. A motivação dos dois autores do método foi provar com o devido rigor matemático que a série renormalizada satisfaz dois requisitos cruciais: microcausalidade, ou comutatividade local, e unitariedade, o que nos trabalhos antecedentes não havia sido feito. O primeiro requisito equivale à condição de que as amplitudes de Feynman renormalizadas sejam analíticas no domínio previsto pela teoria de campo. O sucesso alcançado pelo método BPHZ, cujo cerne é composto pelo operador R definido por Bogoliubov e as correspondentes fórmulas recursivas (N. N. Bogoliubov & D. V. Shirkov, Introduction to the Theory of Quantized Fields, New York, Interscience, 1959), levou Epstein e Glaser a partirem da mesma linha de raciocínio e de procedimentos análogos, com fortes fundamentos na Teoria das Distribuições de Laurent Schwartz (L. Schwartz, Théorie des Distributions, Hermann, 1966) para obterem seus resultados. Somente a partir dos últimos 15 anos foi desenvolvido o pano de fundo matemático, particularmente com o uso da Geometria Algébrica, uma área importante da Álgebra Abstrata, que permitiu visualizar as ligações entre os dois métodos de renormalização, que se dá ao nível de álgebras de Hopf, esquema de decomposição algébrico de Birkhoff, álgebras de Rota-Baxter, períodos, teoria dos motivos e outras teorias e resultados que serão apresentados resumidamente no final do curso. Tentaremos a seguir dar uma ideia simplificada do método de EpsteinGlaser, ressaltando que, pelas conhecidas dificuldades de tratamento de integrais divergentes no espaço dos momentos, a 111 importância desse método é mais teórica do que operacional, haja vista a ausência radical de qualquer menção a ele nos livros-textos de TQC. 5.1.1. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA Vamos considerar uma teoria de um campo escalar neutro, dada pela densidade lagrangiana de interação: g x x Q x A x . Nesta expressão, para todo par de funções com valores reais g , Q g1, g 2 g pertencentes a uma classe de funções suaves existentes no espaço de funções de teste de Schwartz - existe uma matriz unitária S g , Q S g , definida 4 pela equação de movimento de Dyson-Schwinger, representada simbolicamente como se segue: i x , 0 , x A x Ain x é um campo escalar 0 , 0 1 , S , . livre neutro de massa m , é a parte essencial da interação [por exemplo, x : A x : ], e o espaço de Hilbert subentendido é o espaço de Fock usual para o campo A . A matriz S , portanto, é a própria matriz S de espalhamento. Podemos escrever a densidade lagrangiana de interação na forma mais geral: p x g j x j 1 x , g x g1 x , g 2 x , g j Re g j , 4 , g p x . deve ser tomada como a verdadeira densidade lagrangiana de interação, g1 x tenderá eventualmente a um valor constante (a verdadeira constante de acoplamento), enquanto g j , j servirão para gerar campos de Heisenberg interativos 1 x j 112 que, na ordem zero em g j , se reduzem a expressões de j x , como, por exemplo, : A x : . Eventualmente, os g j , j 1 assumirão valor zero. A partir da natureza real das g , da hermiticidade das lagrangianas j , das covariâncias de ambas em relação às transformações de Poincaré, ou seja, translações no espaço-tempo mais transformações de Lorentz, e também do caráter formal de propagação multiplicativa de , 0 da hipersuperfície tipo-espaço 0 para a hipersuperfície tipo-espaço , espera-se que a matriz de espalhamento S “satisfaça” as seguintes propriedades, ou melhor dizendo, axiomas: (I ) ( (condição inicial): ) (unitariedade): S 0 1. S g S g S g S g 1 , para todo g (Trinv) (Linv) 4 (invariância translacional): 1 U a,1 S g U a,1 S g a , para todo a (invariância de Lorentz; opcional): 1 U 0, S g U 0, S g a , para todo L† , g x g 1x . 4 , ga x g x a . Nas duas últimas expressões, a, U a, é a representação usual do grupo de Poincaré P† no espaço de Fock. As duas condições (Trinv) e (Linv) foram separadas propositalmente, para realçar o fato de que a totalidade da teoria de perturbações (incluindo as propriedades corretas de analiticidade no espaço dos momentos) pode ser desenvolvida sem a necessidade de (Linv). É claro, desde que se exija a propriedade seguinte, na verdade, a base de todo o método: (Caus) (condição de causalidade): 113 Sejam X e Y dois subconjuntos de 4 . A condição de causalidade diz que X e Y são separados tipo-espaço, ou X quando valem as seguintes condições equivalentes: X Y V , Y X V , onde V V x 4 : x0 x , V V x 4 Y : x0 x . Ou seja: X não faz intercessão com a sombra causal passada de V ; Y não faz intercessão com a sombra causal futura de X . O método agora consiste em demonstrar que existe uma solução geral para os axiomas acima, na forma de uma série de potências formal em g . 5.1.2. TEORIA DE PERTURBAÇÕES Entende-se por Teoria das Perturbações, no presente contexto, como sendo o problema de encontrar uma série formal p de potências em g g g1 , g 2 , , g p 4 : in T j1 n ! n 0 j1 jn S g in T x1 , n 0 n! jn x1, , xn g j1 x1 , xn g x1 g jn xn dx1 g xn dx1 dxn dxn . 114 Essa série formal de potências em g deve satisfazer os postulados, ou axiomas, de ( I ) a (Caus) e, sob certas condições, deverá ser possivelmente a série desse tipo mais geral. Essas condições específicas dizem respeito ao domínio de definição do termo de n -ésima ordem da série enquanto um operador no espaço de Fock: esse operador é necessariamente ilimitado; uma vez que desejamos que expressões da forma S g1 S g p sejam séries formais bem definidas em g1 , , g p , devemos exigir que o n -ésimo termo da série S g acima esteja definido em um subespaço denso D1 do espaço de Fock que seja independente de n e de g e que seja um endomorfismo, ou seja, tenha um mapeamento injetivo sobre si mesmo. Sob essa condição, S g , ou qualquer série formal que se inicie em 1, possuirá uma série inversa, que notaremos como: 1 i n T x1 , , xn g x1 g xn dx1 dxn . n! T e T são distribuições temperadas (uma distribuição temperada sempre possui transformada de Fourier; toda função de quadrado somável f L2 4 pertence a um espaço de Hilbert e é uma distribuição temperada), e T pode ser expressa de S g n 0 forma simples em termos de T , como veremos a seguir. Por definição, ambas as distribuições devem ser simétricas em relação a permutações dos argumentos, da forma representada abaixo: T j1 jn x1, , xn Tj 1 j n x 1, , x n T j1 jn x1, , xn Tj 1 j n x 1, , x n . Essa propriedade nos permite usar algumas abreviações de notação. Se J u1 , , uq é um conjunto de q inteiros distintos, substituiremos: T J em lugar de T ju juq T J em lugar de T ju juq 1 1 x , x , . u1 , xuq , u1 , xuq Observemos que, se duas séries formais são definidas como: 115 U g 1 U x1, , xn g x1 g xn dx1 dxn n 0 n! 1 V g V x1 , , xn g x1 g xn dx1 dxn n 0 n! o seu produto U g V g é a série formal de potências W g 1 W x1 , n ! n 0 onde , xn g x1 g xn dx1 dxn W X U I V X \ I . IX Nessa expressão a soma percorre todos os subconjuntos I de X , inclusive o subconjunto vazio I e I X . A notação X \ I representa a diferença entre os dois conjuntos, isto é, o conjunto dos elementos de X que não pertence a I . É claro que a afirmação acima só faz sentido se as condições sobre os domínios das distribuições U e V são as mesmas já referidas antes, quando definimos a série em T . Nas mesmas condições, é imediato calcular a inversa de uma série formal de potências do tipo 1 K g , com K 0 0 ( X é o número de elementos de X ): 1 K g 1 H x1, n 0 m! 1 K g n 0 , xm g x1 n g xm dx1 dxm , 116 X H X 1 n 0 n K I1 K In . I1 , , I n I1 I n X I j I k , j k I j , j Os operadores T X e T X serão determinados indutivamente sobre X , sob a condição de que S g satisfaça os postulados de ( I ) a (Caus), com os principais papéis a cargo pela causalidade e pela invariância translacional. As restrições impostas sobre a distribuição temperada T X serão formulada nas hipóteses de aplicação do teorema da indução, cujas tecnicidades não mostraremos aqui, lembrando apenas que se trata de demonstrar que a validade de uma expressão nos casos j 1 e j n 1 acarreta forçosamente a validade da mesma expressão para j n . 5.1.3. SOLUÇÃO GERAL Retomando a densidade lagrangiana i definida anteriormente em termos do campo escalar neutro livre A x , e considerando-a como um conjunto de funções contínuas de x , e não como uma distribuição temperada, poderíamos construir uma solução definindo o operador T da forma seguinte: Ti1 in x1 , , xn x01 x0 2 x0 n1 x0n i 1 x 1 i n x n . Esta solução corresponde na verdade, no espaço dos momentos, aos grafos de Feynman não normalizados, particularmente se as i forem substituídas por operadores regularizados de forma apropriada. 117 Aplicando a essa solução o teorema de Wick (o q ue também não mostraremos aqui), conclui-se que é recomendável não somente definir cronologicamente os produtos das i , isto é, ordenados temporalmente, mas também os produtos das derivadas ri i . Com modificações triviais, essa é a solução mais geral do problema proposto. Análises mais recentes (Gudrun Pinter, “Epstein-Glaser renormalization: finite renormalization, the S-matrix of 4 theory and the action principle”, PhD thesis, University of Hamburg, October 2000; Annalen Phys. 10 (2001) 333-363; Dirk Prange, J. Phs. A: Math. Gen. (1999) 2225) demonstram que o método EG possui intrinsecamente uma liberdade de escolha de regularização que é essencial ao subsequente processo de renormalização, o qual termina por relacionar os parâmetros livres aos valores de parâmetros físicos. 118 5.1.4. GRAU SUPERFICIAL DE DIVERGÊNCIA, POWER COUNTING E EXEMPLOS Definindo uma extensão tensorial para a distribuição T , é possível deduzir uma expressão para o grau superficial de divergência no espaço de Minkowski das posições, obtendo-se os mesmos resultados apresentados pela técnica de power counting no espaço dos momentos. Em particular, pode-se demonstrar que as seguintes distribuições possuem divergências de ordem 2 em x 0 : i x; m eipx p 0 p 2 m2 d 4 p 3 2 i 0 i 0 1 F x; m , x x i x0 ipx 3 e d p , F x; m 2 2 2 1 2 onde 2 p 2 m2 , e F x; m é uma função contínua limitada sobre 4 . As distribuições retardada e avançada R x; m A x; m 1 2 eipx 4 1 p e 2 p 2 i p m 2 2 x 0 x; m , 2 x 0 x; m , d4p ipx 4 2 d4p 2 i p m 2 2 onde 119 x; m 1 e 2 3 p 0 p 2 m2 d 4 p, 0< p 1. ipx A transformada de Fourier do propagador de Feynman será dada por: 1 d4p ipx F x; m e x 0 x; m x 0 x; m . 4 2 2 p m i 2 5.1.5. EQUIVALÊNCIA ENTRE OS MÉTODOS BPHZ E EG A equivalência entre ambos os métodos, ao nível das regras de regularização de grafos a um laço, é demonstrada pela comparação termo a termo da sequência de contratermos, quando o regulador é removido (Epstein e Glaser usaram as regularizações analítica e de Pauli-Villars, mas a mesma conclusão é válida para a regularição DimReg). A lista desses contratermos infinitos é exatamente a mesma do que a lista encontrada no formalismo BPH, e como são univocamente determinados pelos requisitos das transformadas de Fourier, o formalismo BPH e Epstein-Glaser coincidem. Para grafos de ordens superiores de laço, o método BPHZ contém uma prescrição geral adicional, a fórmula das florestas de Zimmermann. Essa fórmula, porém, embora matematicamente rigorosa e logicamente transparente, resulta em integrais de difícil resolução quando aplicada a cálculos explícitos de amplitudes de Feynman, o que cede preferência a métodos mais empíricos, tais como a DimReg com MS. Para mostrarmos a equivalência entre os dois métodos para grafos a um laço, vamos definir o método EG como a seguir. Seja d x uma distribuição escalar com ordem de singularidade . O método EG define distribuições avançadas e retardadas fazendo o corte (splitting) dos suportes por uma hipersuperfície do tipo espaço, por exemplo, v x 0 , sendo v 120 um vetor do tipo tempo. É bem conhecido o resultado de que uma construção válida para todos os valores fisicamente relevantes , para todas as funções de teste x k é a seguinte: onde o operador W é definido em termos da sua ação sobre as funções de teste g x : e D a é a notação usual para derivadas parciais: x a é notação multicomponente padrão para as coordenadas, e w x é uma função que satisfaz as condições Uma dada escolha da função w x representa uma regularização específica, e quaisquer duas regularização distintas diferem nos integrandos por uma distribuição e por derivadas até a ordem : 121 onde O esquema BPHZ é fundamentado nas regras de Feynman no espaço dos momentos. De um ponto de vista formal, um dado diagrama com momentos internos k se traduz em um integrando da forma: onde p representa o conjunto dos momentos externos, e k representa os momentos internos sobre os quais será feita a integração. Os fatores c são proporcionais aos propagadores de Feynman p no espaço dos momentos, e correspondem às linhas internas l de um dado conjunto . O fluxo dos momentos é determinado pelas convenções usadas na fórmula das florestas. Um dado vértice V do conjunto de vértices contribui com o fator PV . Consideremos agora um grafo a um laço irredutível, cujo grau de divergência é d . A abordagem BPHZ substitui o integrando pela seguinte expressão modificada: onde O operador de Taylor t p representa simbolicamente a expansão em termos do conjunto dos momentos externos independentes p . Procedendo à renormalização subsequente, o resultado geral da regularização tem a seguinte forma: d 122 onde P p é um polinômio de grau d que representa a liberdade de regularização que ainda resta. Para ilustração da equivalência entre os dois métodos, vamos considerar o grafo seguinte em que é mostrada a função de 4 pontos da teoria 4 a um laço, onde PV determina uma potência da constante de acoplamento g : d A figura contém momento externo total p p1 p2 e duas linhas internas. Neste caso, d 0 , e resulta da regularização BPHZ que: Para comparar com o resultado correspondente da regularização EG, as equações (1a) e (2a), assim como todas as funções de teste, são transformadas para o espaço dos momentos pela transformação de Fourier, e obtemos: assim como a equação análoga de (6): 123 Se escolhermos a função w , em um caso limite, como sendo igual a w x 1, obedecendo, portanto, à condição (2b), sua transformada de Fourier será dada por E assim recuperamos a expressão BPHZ (6). É claro que provar a equivalência entre os esquemas BPHZ e EG, para outras teorias e a mais de um laço, é tecnicamente mais complicado, embora conceitualmente factível. A maior complexidade nesses casos se deve ao fato de que EG é uma expansão em termos do número n de vértices, ou seja, em termos de potências da constante de acoplamento g , enquanto que BPHZ é uma expansão em termos de laços, isto é, uma expansão formal em termos da constante de Planck. 124 6. ESTRUTURA MATEMÁTICA DOS GRAFOS DE FEYNMAN: ÁLGEBRAS DE HOPF 6.1. INTEGRAIS DE FEYNMAN COMO PERÍODOS Precisamos do ferramental da Geometria Algébrica (GA) para estudar as estruturas matemáticas subjacentes aos métodos de renormalização das integrais de Feynman – restritos aqui ao método BPHZ e ao método Epstein-Glaser. Um primeiro passo possível é o da identificação entre integrais de Feynman (IF) e um objeto da GA definido como período, que apresentaremos a seguir 6.1.1. INTRODUÇÃO O cálculo de integrais de Feynman de grafos com laços nas TQC perturbativas é essencial para se obter resultados teóricos acurados e precisos, necessários às comparações com os resultados dos experimentos. Essas integrais, entretanto, apresentam grandes dificuldades, pelas ocorrências de singularidades, ou divergências, UV e IR. As divergências UV, como já foi visto, estão relacionadas ao comportamento das integrais em regiões de altas energias, com os momentos arbitrariamente grandes de partículas virtuais off-shell. Quando a teoria é renormalizável, essas divergências podem ser absorvidas por contratermos na lagrangiana, e já vimos vários métodos de fazer isso. As divergências IR dizem respeito à existência de partículas sem massa na teoria, e, quando os observáveis a considerar são independentes dessas partículas, as divergências IR podem ser canceladas no resultado final, quando é feita a soma da série perturbativa sobre todos os estados degenerados. Já mostramos também que a DimReg pode ser usada para regularizar essas divergências, de um modo que pode ser resumido assim: (a) considera-se a integral de laço em um espaço infinito de d dimensões contínuas; (b) o resultado é expandido em uma série de Laurent no parâmetro 4 d 2 ; 125 (c) as singularidades se manifestam como polos em 1 ; (d) cada laço com divergência UV contribui com um fator 1 ; (e) cada laço com divergência IR contribui com um fator 1 2 ; (f) logo, a integral de um grafo com laços pode ter polos de até 1 2 . O próximo passo é investigar que tipo de números os coeficientes da série de Laurent podem ser. Em primeiro lugar, esses coeficientes dependem certamente dos momentos externos e das massas das partículas virtuais que se propagam nos laços. Já foi visto também que, para conservar a integral adimensional, introduz-se uma escala arbitrária de massa , e o resultado final também dependerá dessa massa. Para simplificar, vamos considerar apenas integrais de laços de campos escalares. Nesse caso, a dependência dos momentos externos se dá somente através de invariantes de Lorentz do tipo p p 1 2 p j . Vamos supor, por hipótese, que as razões entre todos esses invariantes e massas sejam números 2 racionais a . Essa restrição não é limitadora, em princípio, uma vez que o conjunto dos racionais é denso no conjunto dos reais. Prosseguindo, vamos considerar uma integral de laço na região euclidiana, ou seja, todas as massas são positivas ou zero, e todos os invariantes são negativos ou zero. Os resultados de cálculos explícitos mostram que, para todas as integrais a um laço, o coeficiente 0 envolve somente números racionais, logaritmos e dilogaritmos. As integrais a dois laços resultam em coeficientes que são polilogaritmos múltiplos, e para a função de dois pontos a dois laços com massa nula, todos os coeficientes de Laurent podem ser expressos em termos de MZV (multiple zeta values). Da mesma forma, há fortes evidências numéricas de que a função de três pontos a três laços com massas internas iguais envolve como coeficientes integrais elípticas. Tudo isto parece apontar para um padrão, um conjunto comum de números ou de funções ao qual todos esses exemplos pertencem. De fato, todas essas funções associadas aos coeficientes da série de Laurent, quando têm números racionais como argumentos, são um tipo especial de número, chamados períodos, que passaremos a definir em seguida. 126 6.1.2. PERÍODOS Como já foi dito acima, períodos são números especiais. Para defini-los, precisaremos listar antes certos conjuntos de números bem conhecidos. Como os naturais : 1,2,3, , os inteiros : , 2, 1,0,1,2, , os racionais das frações irredutíveis: p | p , q , m.d .c. p, q 1 , q os reais e os complexos : x i y | x, y . Um conjunto de números particularmente adequado ao nosso propósito é o dos números algébricos é uma solução de uma equação polinomial com coeficientes racionais: xn an1xn1 a1x a0 0, a j . : um número algébrico Como todas as soluções desse tipo de equação pertencem a , o conjunto é um subconjunto de . O número algébrico real irracional mais simples é 2 1,4142135 , já citado por Euclides nos “Elementos”. Funções trigonométricas de qualquer ângulo racional também são números algébricos, como sen 60º 3 4 , tan 18º 1 2 5 Tradicionalmente, os números são classificados de aocrdo com sua posição na hierarquia dos conjuntos 127 Números que não são algébricos são ditos transcendentais. Os conjuntos , , e são contáveis, enquanto que os conjuntos , e o conjunto dos números transcendentais são incontáveis, o que significa que existe uma enorme diferença de tamanho entre os conjuntos de números algébricos e números transcendentais, que se pode denotar pelo índice de cardinalidade (Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor, 1873). A demonstração por Cantor de que os transcendentais eram incontáveis, assim como os reais, e os números algébricos eram contáveis, entre outros conceitos revolucionários para a época, como o de números transfinitos, lhe valeu a ira dos contemporâneos, como Leopold Kronecker, que o chamou de “corruptor da juventude”. Períodos constituem um conjunto contável de números, situado entre e , que não está presente na hierarquia acima. Dentre as várias definições de períodos, usaremos uma fornecida pelos matemáticos Maxim Kontsevich e Don Zagier (“Mathematics unlimited – 2001 and beyond”, Ed. Björn Engquis e Wilfried Schmid, 2001, p.772): “Período é um número complexo cujas partes imaginária e real são valores de integrais absolutamente convergentes de integrais de funções racionais com coeficientes racionais, sobre domínios em n dados por desigualdades polinomiais com coeficientes racionais.” Domínios definidos por desigualdades polinomiais com coeficientes racionais são chamados de conjuntos semialgébricos. Vamos simbolizar o conjunto dos períodos por . Os números algébricos estão contidos no conjunto dos períodos: . Em acréscimo, também contém números transcendentais, como, por exemplo, o número : 128 x 2 y 2 1 1 1 dxdy 2 1 x dx 2 1 1 dx 1 x2 dx 1 x 2 1 dz 3,1415926535 2i 0 z z As integrais do lado direito mostram claramente que se enquadra na definição, logo, é um período. Por outro lado, conjetura-se que números tais como a base dos logaritmos naturais (que o matemático francês Charles Hermite provou em 1873 ser um transcendental) n 1n 1 e lim 1 lim 1 n 2,7182818284590 n n n0 e a constante de Euler- Mascheroni 1 1 lim 1 ln n 0,5772156 n n 2 não sejam períodos. Existem também vários exemplos de períodos diferentes de e de números algébricos. Por exemplo, logaritmos de números algébricos são períodos, como: 2 dx ln 2 . x 1 De maneira similar, o perímetro de uma elipse de raios a e b é dado pela integral elíptica: b a2 x2 2 1 4 dx , 2 2 b b x b a qual não pode ser expressa algebricamente usando para a b, a, b 0 . Várias somas infinitas de expressões elementares são períodos. Por exemplo, o particular valor da função zeta de Riemann 129 3 1 1 1 23 33 1,2020569 possui a seguinte representação integral: dxdydz . 1 x yz 0 x y z 1 De modo mais geral, são períodos todos os valores da função zeta de Riemann 1 s s , s 2 , n1 n assim como são períodos todos o valores da função multizeta (MZV) 1 s1 , , sk si , sk 2 . s1 nksk 0 n1 n n1 Pode ocorrer, porém que a integral de uma função transcendental seja “acidentalmente” um período, como, por exemplo: 1 x 0 ln 1 1 x dx ln 2 . Também ocorre que valores da função gama em valores racionais do argumento sejam relacionados a períodos: q p q p, q , como, por exemplo, 1 dx 2 3 43 12 1 2 e . 1 3 2 3 3 0 1 x Isso ilustra como, de forma geral, parece não existir uma regra universal que explique porque certas somas de séries infinitas ou integrais de funções transcendentais sejam períodos. De cada vez é necessário descobrir um novo artifício para provar que uma dada expressão transcendental seja um período. 3 130 Como, por outro lado, se pode dizer sem muito exagero que uma grande parte da Geometria Algébrica consiste (de forma velada) no estudo das integrais de funções algébricas de múltiplas variáveis, deve-se seguir, na prática, o seguinte princípio: Sempre que um novo número for encontrado, e tenha sido decidido (ou suposto) que seja um transcendental, deve-se tentar descobrir se esse número é um período. Complicando mais as coisas, não está claro como descobrir se dois períodos são idênticos. Ou seja, não existe um conjunto finito de regras que possibilite essa comparação em todos os casos. Por exemplo, os dois períodos abaixo: a 6 3502 ; 4 b ln 2 x j x 2j 1 , onde j 1 1071 1553 627 x1 92 34, x2 133 34, x3 429 304 2, x4 221 2 , 2 2 2 coincidem numericamente até em mais de 80 casas decimais, mas, no entanto, são diferentes. Vejamos agora algumas propriedades básicas dos períodos que podemos afirmar com segurança: (a) o conjunto dos períodos é uma -álgebra. Em particular, a soma e o produto de períodos são também períodos. A demonstração para a multiplicação é imediata: Sejam a e b dois períodos, dados pelas integrais: onde f x e g y são funções racionais com coeficientes racionais. Pelas propriedades da integral, decorre então que: 131 Consideremos, para a soma de dois períodos, o domínio: Define-se então a soma: onde t é a coordenada do fator central do produto cartesiano n m . A definição inicial das integrais de períodos contém integrandos que são funções racionais com coeficientes racionais. Para os nossos propósitos, porém, essa definição é restritiva, uma vez que também encontraremos logaritmos nos integrandos. O seguinte lema, de prova imediata, resolve essa omissão: Lema 1. Sejam G n um conjunto semialgébrico, f x e g x duas funções racionais com coeficientes racionais. Vamos assumir que a integral abaixo seja absolutamente convergente: Então I é um período. Prova: Podemos transformar a integral da seguinte forma: 132 onde G n1 e x1, , xn , t G se x1, , xn , t G e t 0,1 . Por construção, G é claramente também um conjunto semialgébrico. Logo, a integral é um período. Usando a mesma técnica de introduzir variáveis adicionais se pode mostrar que, para funções racionais f1 x , g1 x , f 2 x , g2 x , todas elas com coeficientes algébricos, a seguinte afirmação é verdadeira. Se a integral converge absolutamente, é um período. As transformações realizadas resultaram em onde x1, , xn , t1, t2 G n2 se x1, , xn G , t1 0,1 e t2 0,1 . Desta forma, G é um conjunto semialgébrico, e, logo, J é um período. Como exemplo final consideremos, com as definições acima, a integral: Se a integral K é absolutamente convergente, então é um período. Combinando agora esses exemplos por somas e iterações, podemos concluir de forma clara que, de acordo com a definição integral de um período, também os integrandos que sejam combinações lineares de produtos de funções racionais por logaritmos de funções racionais, todos os termos com coeficientes racionais, são períodos. 133 6.1.3. EXPANSÕES DE INTEGRAIS DE FEYNMAN EM SÉRIES FORMAIS DE LAURENT Serão consideradas somente integrais escalares (podemos sempre usar um algoritmo de redução das integrais tensoriais mais complexas a integrais escalares, mas não detalharemos esse procedimento). Vamos nos concentrar no grafo de Feynman mostrado abaixo, com dois laços, ou seis linhas internas, e três pernas externas: Os momentos que percorrem as linhas externas estão simbolizados por p1, p2 , p3 , e podem ser tomados como vetores fixos, além de estarem restringidos à conservação do momento: se todos estiverem fluindo para fora do grafo, a seguinte relação é obrigatória: p1 p2 p3 0 . Também em cada vértice do grafo há conservação de momento linear: a soma de todos os momentos que se aproximam do vértice é igual à soma de todos os momentos que se afastam do vértice. Um grafo no qual os momentos externos determinam univocamente todos os momentos internos é chamado de grafo em árvore. Pode ser demonstrado que esse tipo de grafo não contém nenhum ciclo fechado. Por outro lado, grafos que contêm um ou mais ciclos fechados são chamados grafos de laços. Quando é necessário especificar, além dos momentos externos, momentos internos para que todos os momentos sejam determinados univocamente, se diz que o grafo contém laços. São usualmente atribuídas aos momentos internos adicionados ao grafo as denominações de k1 a k . As regras de Feynman traduzem um grafo de Feynman em uma fórmula matemática. No caso de um grafo escalar, cada linha interna j , onde flui uma partícula virtual de massa m j e momento q j , deve ser substituída por um propagador da forma: 134 i . q m 2j O momento q j é uma combinação linear dos momentos externos p e dos momentos de laços k : 2 j q j q j p, k . As regras de Feynman exigem também a integração em cada laço sobre o momento do laço: d 4 kr 2 4 . Aqui surge uma complicação. Se prosseguirmos de forma usual, escrevendo para cada laço uma integral sobre o espaço de Minkowski quadridimensional, o resultado será um conjunto de integrais mal definidas, contendo divergências UV ou IR. O primeiro passo, então, é fazer com que essas integrais se tornem bem definidas, através da introdução de um regulador. Já vimos que existem várias alternativas para se aplicar essa técnica, mas o método DimReg é hoje quase um padrão, uma vez que os cálculos com esse esquema de regularização mostram ser os mais simples. A axiomatização da DimReg, já estabelecida anteriormente, pode ser reapresentada na seguinte forma: A DimReg preserva a invariância de Poincaré, ou seja, é covariante. É formalmente definida para uma dimensão D complexa e analítica. A diferença entre essa dimensão e a dimensão real inteira D das teorias físicas será definida como o número complexo D D 2ε . Se a integral existe, ela tem o mesmo resultado da usual integral de Riemann no limite ε 0 . Se a integral diverge, ela corresponde a uma série de Laurent em ε . Vamos proceder como já foi feito anteriormente, parametrizando o desvio da dimensão D de 4 pela relação: 135 As divergências nas integrais de laço se manifestam como polos em 1 . Em uma integral sobre laços, divergências UV e IR resultam, no pior caso, em polos 1 e 1 2 , respectivamente. Também haverá integrais cuja dimensão estará deslocada por unidades de 2. Nesses casos, usa-se usualmente a relação: com m inteiro, para desenvolver a série de Laurent em . Vamos considerar agora uma integral escalar genérica I G sobre laços, em D 2m 2 dimensões, com n propagadores, correspondente a um grafo G , com uma pequena generalização adicional: para cada linha interna j o propagador correspondente no integrando pode estar elevado a uma potência v j . Assim, a integral dependerá também dos números v1 , , vn . Para nosso propósito, basta considerar o caso em que todos os expoentes são números naturais: v j . Essa integral pode ser definida pela expressão: onde foi usada a notação abreviada v v1 vn . Os momentos q j dos propagadores são combinações lineares dos momentos externos com os momentos em laços. Nessa equação há outros fatores globais, inseridos por conveniência futura: um pré-fator composto por funções gama; a escala arbitrária de massa garante que a equação seja adimensional. A medida da integral passa a ser d D k i D 2 , no lugar de d D k 2 , e cada propagador foi multiplicado por i . Esses préD fatores foram escolhidos para que, depois da parametrização de Feynman, a IF tenha uma forma simples (não serão mostradas aqui em detalhes essas modificações). O primeiro passo para efetuar essas integrações é converter os produtos de propagadores em somas, por exemplo, usando a técnica de parametrização de Feynman. Na sua fórmula mais geral, essa técnica também é aplicável a casos em que cada fator no denominador aparece elevado a uma certa potência v j : 136 Aplicando essa fórmula à equação da integral, resulta: Podemos agora usar a invariância translacional das integrais D -dimensionais sobre laços, deslocando cada momento de laço k r para completar o quadrado, fazendo com que a integral dependa somente de kr2 . Fazendo isso, a fórmula máster para a integração em um único laço será dada por: As funções U e F dependem dos parâmetros de Feynman, e são obtidas depois da parametrização de Feynman para completar o quadrado. Estão sendo permitidas também potências adicionais k 2 do momento do laço no numerador, para a uso posterior. A partir dessa equação todas as integrais D -dimensionais sobre laços podem ser calculadas iterativamente. Uma vez que as integrais sobre os parâmetros de Feynman permanecem, isto permite que as integrais D -dimensionais sobre laços sejam tratadas como integrais sobre parâmetros de Feynman. Chega-se finalmente à seguinte integral paramétrica de Feynman: As funções e F dependem dos parâmetros de Feynman. Se escrevermos 137 onde M é uma matriz l l com elementos escalares e Q é um l -vetor com quadrivetores como componentes, obtém-se: As funções e F podem ser obtidas alternativamente a partir da topologia do grafo de Feynman G correspondente. O corte de l linhas de um grafo conexo com l laços, de forma que resulte um grafo em árvore conexo T , define um conjunto de cordas T , G cujo conteúdo é constituído pelas linhas que não pertencem a essa árvore. Os parâmetros de Feynman associados com cada corda desse conjunto define um monômio de ordem l . O conjunto de todas essas 1-árvores é simbolizado por 1 . As 1-árvores T 1 definem como sendo a soma de todos os monômios correspondentes às cordas em T , G . O corte de mais uma linha de uma 1-árvore resulta em duas 2-árvores desconexas T1 ,T2 . O conjunto de todos esses pares é 2 , e as cordas correspondentes definem monômios de grau l 1. Cada 2-árvore de um grafo corresponde a um corte definido pelo corte das linhas do grafo original que conectavam as duas árvores agora desconexas. O quadrado da soma dos momentos sobre as linhas de corte de uma das duas árvores desconexas T1 ou T2 define um invariante de Lorentz A função F0 é a soma sobre todos aqueles monômios, subtraindo-se o invariante correspondente. A função F é dada então pela função F0 mais uma parcela adicional envolvendo as massas internas m j . Resumindo essas operações, as funções e F são obtidas do grafo da forma que se segue: 138 Em geral, U é uma função positivo-definida, e seu valor zero está relacionado de algum modo às subdivergências UV do grafo. Divergências UV genéricas, se existirem, estarão sempre contidas no pré-fator v lD 2 presente no denominador da definição da integral I G mostrada acima. Na região euclidiana, F é também uma função positivo-definida dos parâmetros de Feynman x j . A região euclidiana é definida como a região em que todos os invariantes sT são negativos ou nulos. O valor zero de F está relacionado às divergências IR. É importante observar que isso é uma condição necessária, mas não suficiente, à ocorrência de uma singularidade IR. Se uma singularidade IR ocorre ou não dependerá também da cinemática externa da interação. Para exemplificar o cálculo explícito dessas funções U e F , voltemos ao grafo da figura anterior, assumindo, para simplificar, que todas as massas internas são nulas. Nesse caso, as funções terão as formas: Usou-se aqui a notação abreviada 139 Vamos agora ao resultado principal que diz respeito à expansão em série de Laurent de uma integral I G . Consideremos novamente a expressão de uma integral escalar I G genérica sobre múltiplos laços, em termos das funções e F , já vista acima: Seja m um inteiro, e façamos D 2m 2 . Então, a integral I G possui uma expansão em série de Laurent de potências de dada por: IG c j 2 l j j . Pode-se provar então o seguinte teorema, relacionando a expansão das integrais ao conjunto dos períodos: Teorema: No caso em que 1. todos os invariantes cinemáticos sT são negativos ou nulos; 2. todas as massas mi e são positivas ou nulas 0 ; 3. todas as razões entre os invariantes e as massas são números racionais, então os coeficientes c j da expansão de Laurent são períodos. Este resultado estende e generaliza um teorema de Prakash Belkale e Patrick Brosnan sobre a expansão de Laurent de funções zeta locais de Igusa (P. Belkale & P. Brosnan, Int. Math. Res. Not. (2003) 2655). A importância desse teorema para a teoria das IF é que ele restringe a classe das funções que podem estar presentes no cálculo das integrais de Feynman, quando os coeficientes das expansões de Laurent correspondentes são períodos. Observese que não foi provado que toda expansão de Laurent de uma IF exista e possa ser expressa em termos de períodos. 140 6.2. ÁLGEBRAS DE HOPF NA TEORIA DA RENORMALIZAÇÃO NO ESPAÇO DOS MOMENTOS Antes de estudarmos o caso específico referido no título acima, precisamos esclarecer, ainda que sucintamente, o que é uma álgebra de Hopf. 6.2.1. ÁLGEBRA DE HOPF – UMA INTRODUÇÃO Uma álgebra de Hopf (Heinz Hopf, Ann. of Math. 42 (1941) 22-52) é uma estrutura matemática da Topologia Algébrica, definida sobre um campo ou sobre um anel comutativo, e que, entre outros exemplos, é a álgebra da co-homologia dos grupos de Lie. No contexto que estamos tratando, a álgebra de Hopf é a estrutura matemática seguida pelos grafos, ou diagramas, 1PI de Feynman, ou, equivalentemente, pelas funções de Green correspondentes a esses grafos. Definindo formalmente, uma álgebra de Hopf é uma biálgebra (simultaneamente uma álgebra unital associativa e uma coálgebra counital coassociativa) H definida sobre um campo, ou um anel abeliano, K , acompanhada de um mapa K linear, chamado de antípoda, S : H H , que obedece ao seguinte diagrama comutativo: 141 onde é a comultiplicação da biálgebra, é a multiplicação, é a unidade e é a counidade. A teoria e representações das álgebras de Hopf não serão aprofundadas aqui, onde serão mostrados manifestações dessa álgebra enquanto estrutura matemática subjacente aos grafos de Feynman. O esquema abaixo ilustra a “genealogia” de uma álgebra de Hopf: Uma álgebra e uma coálgebra são estruturas duais em um certo sentido a ser precisado. Existindo certas leis de compatibilidade mútua, passam a constituir uma estrutura única de biálgebra. Quando essa estrutura contém um mapa inverso da identidade definido como antípoda, passa a ser uma álgebra de Hopf. Cabe observar que hoje, na Álgebra Abstrata, estão identificadas mais de 200 estruturas algébricas distintas, a álgebra de Hopf é apenas uma delas. Exemplo: Um exemplo simples de uma álgebra de Hopf é a álgebra k G dos elementos de um grupo G sobre um campo k . A álgebra pode ser definida como a tripla k G , m, , onde :k G m:G G G e são mapas lineares, sendo m a operação de multiplicação e descreve a unidade de G via 1k 1A . A biálgebra é definida pelas equações abaixo que definem a comultiplicação e a counidade , sendo o antípoda S g g 1 : g g g g 1 e 142 Duas referências básicas e atuais sobre álgebras de Hopf são: “Quantum Groups”, Christian Kassel, Springer-Verlag, 1995, Parte I, particularmente os capítulos de 1 a 3; “Hopf Algebras”, David. E. Radford, World Scientific, 2012. 6.2.2. BUSCANDO A ÁLGEBRA DE HOPF Estamos agora com todos os instrumentos para atingir a meta principal, que é a formulação da teoria da renormalização em termos de uma álgebra de Hopf. Existe um indicador natural para a classificação, ou graduação, de diagramas de Feynman, que é o número de laços. Esta graduação, porém, não é a mais essencial no que tange à formulação da renormalização. A presença de subdivergências e o próprio Teorema de Weinberg levam ao estabelecimento de uma graduação mais fundamental que deve ser considerada: o número de subdivergências no grafo. Vamos classificar um grafo divergente que não possua subdivergências como sendo de grau um. Um grafo em árvore será de grau zero. Consequentemente, um grafo divergente com n 1 subdivergências será de grau n , e corresponde a uma expressão analítica na qual podemos localizar simultaneamente n 1 subgrafos, eles próprios divergentes. Veremos que esse grafo pode ser construído a partir de n grafos, cada um desses n grafos sem nenhuma subdivergência. Renormalização é uma operação sobre grafos através da qual todas as divergências e subdivergências são compensadas, usando-se a fórmula das florestas de Zimmermann. Embora não seja esta a maneira usual de obter essa fórmula, vamos partir das Equações de Schwinger-Dyson (ESD), por ser mais fácil entendê-la assim. Voltemos à equação de vértice 143 Para uma ESD completa, temos que considerar a correções radiativas também para propagadores e vértices internos. Isto resulta em um sistema de equações acopladas da forma onde 1 p 2 se refere ao propagador não renormalizado. Observe-se que estamos usando uma notação acentuadamente simbólica. Partindo da condição inicial Zi 1 podemos desenvolver a construção da série correspondente em para e P , usando como fonte de alimentação a série K . Já sabemos que os fatores Z são decompostos observando-se as várias topologias distintas. Podemos também observar que os lados direitos das equações do sistema contêm funções finitas renormalizadas que serão integradas. Isto significa que o fator Z para um dado diagrama de Feynman obtém contribuições não só dos diagramas não normalizados gerados por P e K , mas também dos fatores de ordem mais baixa que tornam 144 finitas as subdivergências desta série, o que se evidencia através da forma explícita da iteração nas equações. Espera-se então que o fator Z para um grafo possua realmente a forma geral conforme já observado de forma particular na equação Para um dado grafo essas fórmulas resultam na expressão que representa uma grandeza que tem todas as suas subdivergências localizadas em subgrafos próprios e renormalizadas. A partir dessa grandeza é possível se obter uma expressão para o contratermo Z tal que Z seja uma grandeza finita. O contratermo será no máximo um polinômio em parâmetros externos tais como massas e momentos, e, logo, será um operador local, cuja forma específica dependerá da escolha do esquema de renormalização, e também da regularização, se usada. Tal como consta dos livros textos, por exemplo, “Renormalization” de J. Collins, Cambridge UP, 1984. Neste exemplo foi usado o esquema MS, em que os colchetes quebrados indicam uma projeção sobre a parte própria de polo da série de Laurent em , como já foi mostrado, mas a equação continua valendo se os colchetes significarem qualquer outra operação que extraia as divergências. Do ponto de vista do rigor matemático, é mais recomendável a DimReg, uma vez que este esquema corresponde a uma decomposição (de Birkhoff) da função de Green não renormalizada em sua parte holomorfa em D 4 0 e sua parte holomorfa em D 4 (Alain Connes e Dirk Kreimer, J. High Energ. Phys. 09 (1999) 24). Mas, afinal, de que modo se pode relacionar a renormalização com uma estrutura de álgebra de Hopf? 145 6.2.2.1. O MODELO UNIVERSAL DA ÁLGEBRA DE HOPF DAS ÁRVORES ENRAIZADAS Já foi visto que o método, ou esquema, de renormalização BPHZ tem com cerne a fórmula recursiva de BogoliubovParasiuk (1957), posteriormente demonstrada com rigor por Hepp (1966) e complementada em definitivo com a fórmula de florestas de Zimmermann (1969). No entanto, somente em 1997 a estrutura algébrica da recursividade de Bogoliubov foi elucidada, em um artigo seminal do físico alemão Dirk Kreimer (“On the Hopf álgebra structure of perturbative quantum Field theories”, arXiv:q-alg/9707029v4), mostrando que é essencialmente dada pelo coproduto e o correspondente antípoda de uma álgebra de Hopf cujos elementos são grafos de árvores enraizadas. Essas árvores descrevem graficamente integrações encapsuladas, ou em ninho, que podem ser resolvidas pelo lema das integrais iteradas de Chen (Kuo-Tsai Chen, Trans. Am. Math. Soc. 156 (1971) 359) . Como exemplo, consideremos uma função f x e sua 1-forma associada f x dx , definidas sobre a linha dos reais, e suponhamos que essa função se comporta, para grandes valores de x Podemos definir a integral b como f x f ; x x 1 , para 0 1. É fácil ver que, no limite 0 , essa expressão não é bem definida, possuindo a estrutura de uma integração em y encapsulada, que, no jargão da teoria da renormalização, gera uma subdivergência em ninho na integração final em x , a qual diverge de modo global (overall divergence). 146 Def: Denomina-se árvore enraizada t a um grafo orientado conexo e sem laços, composto unicamente por vértices e linhas, em que um dos vértices, chamado raiz, não recebe nenhuma linha, mas pode ser a origem de uma ou mais linhas. O número de vértices de uma árvore enraizada é o seu peso. A figura abaixo mostra as árvores planas enraizadas de peso menor ou igual a 4, com a raiz na posição inferior: t , t , t , t 1 2 31 32 , t41 , t41 2 , t4210 , t4201 , t43 Seja um conjunto não vazio . Uma árvore enraizada decorada por é uma árvore enraizada t munida de uma aplicação f dos seus vértices sobre . A imagem de um vértice s por essa aplicação é chamada de decoração de s . Associamos agora às combinações de integrações mal definidas Gb ,2 uma certa árvore enraizada t t2 f , f , mostrada na figura abaixo. t Nesta figura, da direita para a esquerda, estão representadas as quatro árvores enraizadas t1 , t2 , t31 , t32 , e duas árvores enraizadas decoradas, sem ramos laterais, à direita: uma genérica Bn e com decorações f n f1 , e, explicitamente para o caso n 2 , a raiz enraizada decorada associada à integral Gb ,2 definida no exemplo anterior. t 147 Generalizando para n arbitrário e b , definimos as funções abaixo: Associamos a elas a árvore enraizada tn : Bn e com n vértices mostrada no lado direito da figura, e entendemos que a árvore vazia, a unidade e da álgebra de Hopf , está associada a Gb , 1 . Considerada como caso particular de uma árvore enraizada decorada, tn carrega a mesma decoração f em cada vértice. Pode-se mostrar a partir dessas definições que as árvores tn formam uma subálgebra de Hopf Chen , e esta é uma álgebra de Hopf especial que tem por elementos árvores enraizadas sem ramos laterais, com o operador de coproduto e o antípoda S dados, respectivamente, pelas seguintes expressões: e Vejamos agora como essa estrutura está associada com os grafos de Feynman. 148 Vamos exemplificar com o seguinte grafo das subdivergências da teoria escalar 3 em 6 dimensões: Este grafo pode ser representado pela árvore enraizada decorada: na qual foi feita a seguinte indexação (ou decoração): Para um tratamento algébrico que preserve os locais exatos onde devem ser feitas as inserções, com a finalidade de recuperar o grafo original, deveriam ser feitas subindexações adicionais, que serão ignoradas aqui. Na verdade, como estamos principalmente interessados na soma de todos os grafos de Feynman de uma dada ordem da teoria de perturbação, para os fins da recursividade de Bogoliubov todas as inserções de 2 e 3 em 1 devem ser levadas em conta de uma só vez, com o devido cuidado para representar grafos com divergências entrelaçadas em uma combinação linear apropriada de árvores. 149 Antes de mostrar a aplicação da recursividade a esse grafo, precisamos definir as duas árvores que representam o grafo 1 quando 2 e 3 , respectivamente, são inseridos de forma apropriada. Aplicando agora o operador R e a fórmula de recursividade de Bogoliubov, o valor renormalizado do grafo será obtido da seguinte forma: . Nessa expressão, representa a contribuição, não renormalizada, mas possivelmente regularizada (se a renormalização não for feita diretamente no nível do integrando), do grafo que uma dada árvore está representando. Por exemplo, no caso da DimReg, é um mapa para a álgebra V : 1 , das séries de Laurent com setor finito de polos. O mapa R : V V é um esquema de renormalização. O uso de um regularizador pode sempre ser evitado, se definirmos um esquema de renormalização diretamente sobre o integrando, como é o caso do esquema BPHZ , o que permite que essa abordagem seja diretamente formulada no nível das equações quânticas de movimento, as equações de Dyson-Schwinger, quando a escolha 150 de um esquema de renormalização pode corresponder, de forma não perturbativa, à escolha de uma determinada condição de contorno para a equação integral associada. Vamos definir agora em mais detalhe a álgebra de Hopf das árvores enraizadas. 6.2.2.2. A ÁLGEBRA DE HOPF DAS ÁRVORES ENRAIZADAS Uma árvore enraizada (não decorada e não planar) é um grafo finito conexo e contrátil com um vértice distinto a que chamamos raiz. Por convenção, a raiz é sempre desenhada no alto da árvore. Um isomorfismo de árvores enraizadas é um isomorfismo entre grafos que mapeia uma raiz em outra raiz. Chamaremos as classes de isomorfismo de árvores enraizadas, por abuso de linguagem, novamente de árvores enraizadas. Antes de prosseguir, vamos definir algumas noções básicas, e suas respectivas notações. Álgebra graduada (graded álgebra): é uma álgebra sobre um campo, ou corpo, numérico (p.ex., sobre , ), ou, de maneira mais geral, sobre um anel comutativo, quando é chamada de R -álgebra, a cujos elementos está atribuída a noção de peso, ou grau, no sentido de que os pesos dos elementos se somam, quando os elementos são multiplicados. Essa estrutura é chamada de graduação (gradation, grading), e é definida pela decomposição da álgebra em soma direta: A Ai , tal que Ai Aj Ai j . Característica de um campo numérico F ( char F ): é o número de vezes n , se existir, que a unidade da multiplicação precisa ser adicionada para se obter a unidade da soma; quando n não existir, char F 0 . Ou seja, 11 1 0. char F n n onde n EXEMPLO: Todo campo ordenado (por exemplo: ser 0 ou um número primo p . , ) tem característica 0. A característica de qualquer campo só pode 151 EXEMPLO: Um campo finito, ou campo de Galois GF p n possui característica p . Neste caso, se aplica a fórmula a b EXEMPLO: A série formal de Laurent p ap bp. LF an X n , n onde an 0 para todos os índices n negativos, exceto um número finito deles, possui como característica um numero primo p. Álgebra de Hopf: Seja um campo k com característica zero. Consideremos sobre esse campo as k -biálgebras A, m, , , graduadas e conexas, isto é, com as seguintes propriedades: A An , n 0 A0 k , Am An Amn , An A A , l mn l m . Toda biálgebra graduada conexa é uma álgebra de Hopf H , cujo coproduto é . No caso que estamos estudando aqui, H é a álgebra comutativa livre gerada por árvores – incluindo aí a árvore vazia, que é considerada como a unidade - com a graduação de peso de cada árvore , que é o número de seus vértices. Por exemplo, as árvores de pesos 1 a 4 são as seguintes: Um produto de árvores enraizadas é chamado de floresta (seguindo e generalizando o conceito de árvore de Zimmermann). Obviamente, o peso de uma floresta é a soma dos pesos de suas árvores geradoras. Nessa álgebra H é definido um coproduto: 152 P R , c c cortes onde a soma se dá sobre todos os cortes admissíveis da árvore . Define-se como corte de um subconjunto não vazio dos ramos de que devem ser removidos. O produto das subárvores que “caem” após a remoção desses ramos é chamada de poda (pruned part), simbolizada por Pc , enquanto a parte remanescente que permanece conectada à raiz é simbolizada por Rc . Essa definição Sá faz sentido para esses cortes admissíveis, que, por definição, são aqueles em que, para cada folha l de , está contido no máximo um ramo do caminho único entre a folha l e a raiz, como no exemplo abaixo: Embora nesse exemplo isso não esteja muito claro, observe-se que a aparente duplicidade do produto direto da árvore pela identidade tem a função de preservar a simetria da árvore como um todo em relação à raiz. Esse coproduto é compatível com a graduação, confirmando assim que H é realmente uma álgebra de Hopf. Existe também naturalmente um endomorfismo linear em H sobre árvores i , o operador enxerto (grafting operator) B , definido como se segue: Descrevendo em palavras: B cria uma nova raiz e a conecta com cada raiz do seu argumento. A importância de B é o papel que desempenha na vinculação desse esquema geométrico-algébrico à co-homologia de Hochschild. 153 6.2.2.3. A ÁLGEBRA DE HOPF DOS GRAFOS DE FEYNMAN SEM SUBDIVERGÊNCIAS Enquanto árvores enraizadas descrevem divergências aninhadas de maneira imediata, a resolução de divergências entrelaçadas (overlapping divergences) exige um cuidado maior. Esse problema, no entanto, somente existe no espaço dos momentos, onde é usado o método de renormalização BPHZ, e, como veremos, não se dá no espaço das posições, onde é usado o método de Epstein-Glaser, que especificamente afasta as divergências entrelaçadas e elimina a necessidade dos parâmetros de regularização. Na verdade, o formalismo das árvores enraizadas é especialmente adequado para descrever a renormalização no espaço das coordenadas, ou das posições, embora nesse espaço, mesmo com grandes ganhos conceituais, se apresentem maiores dificuldades computacionais de automação dos procedimentos. Mesmo assim, se construirmos uma álgebra de Hopf diretamente sobre o conjunto dos grafos de Feynman irredutíveis de uma partícula, os grafos 1PI, e não sobre árvores, as dificuldades oriundas daquelas divergências entrelaçadas podem ser contornadas. Seja, por exemplo, a álgebra comutativa livre de Connes-Kreimer H CK dos grafos 1PI de Feynman de uma teoria escalar (no caso de uma teoria não escalar será necessário levar em conta fatores de forma correspondentes a estruturas externas, que, sem perda de generalidade, não serão considerados aqui). Como é usual, o grafo vazio é identificado à identidade . Um produto de grafos i , j é identificado a seguir com a união disjunta desses grafos : i j i j , e o coproduto da álgebra de i j Hopf é dada por onde a soma é realizada sobre todos os grafos que são subgrafos próprios de , superficialmente divergentes e 1PI. Alguns exemplos podem ser encontrados em A. Connes & D. Kreimer “Renormalization in QFT and the Riemann-Hilbert problem. II: The beta-function, diffeomorfisms and the renormalization group”, arXiv:hep-th/0003188. No propósito de analisar a estrutura algébrica dos grafos de Feynman com a maior generalidade possível, será considerada aqui a álgebra de Hopf das árvores, lembrando que a tradução dos resultados gerais obtidos para a álgebra de Hopf dos grafos de Feynman se reduz apenas a uma mudança de notação, como um físico treinado em QFT pode verificar 154 por comparação com o exposto em D. J. Broadhurst and D. Kreimer, “Renormalized automated by Hopf álgebra”, arXiv:hep-th/9810087. 6.2.3. O OPERADOR ENXERTO B NA CO-HOMOLOGIA DE HOCHSCHILD Primeiramente, vamos definir em poucas linhas o que é uma co-homologia de Hochschild. Homologia e co-homologia de Hochschild: uma homologia de Hochschild (Gerhard Hochschild, “On the cohomology groups of an associative algebra”, Ann. Math. 46 (1945) 58-67) é o espaço vetorial H n (M , A) , onde M é uma variedade complexa diferenciável. Esse espaço possui uma álgebra associativa A , e permite a definição do conceito equivalente às n formas diferenciais, no caso em que a álgebra A é não-comutativa. A co-homologia de Hochschild é o espaço vetorial H n (M , A) , que é, num certo sentido análogo ao usual (isto é, quando não pode ser definida claramente uma dualidade de Poincaré, própria das álgebras comutativas), o dual de H n (M , A) . No caso especial em que A é nãocomutativa, pode-se interpretar a co-homologia H 1 (M , A) como o espaço dos campos vetoriais em um espaço de geometria não-comutativa. Pode-se também dizer que a co-homologia de Hocshchild é um análogo, ou uma generalização, da cohomologia de De Rham para espaços não-comutativos. Vejamos agora como esses conceitos se aplicam aos grafos de Feynman. Definição: Seja A uma biálgebra. Consideremos o mapa linear L : A A dado pelo coproduto : L : id L L , ou, de forma equivalente, usando o mapa coassociativo x x x x : L id L id L . O mapa linear L assim definido corresponde a determinado 1-cociclo da co-homologia de Hochschild, como, por exemplo, o operador enxerto B sobre as árvores enraizadas: 155 É imediato mostrar que, a menos de fatores escalares, a árvore não decorada é o único elemento primitivo de grau 1. Entretanto, existem muitos elementos primitivos de grau 2, como, por exemplo: Foi demonstrado por Foissy (L. Foissy, “Les algèbres de Hopf des arbres enracinés I-II”, Bull. Sci. Math., 126 (2002) 193239; 249-288) que L L é um mapa sobrejetivo sobre o conjunto de elementos primitivos de uma álgebra de Hopf . No caso particular das álgebras de Hopf de árvores decoradas S , todo elemento s S está associado a um operador Bs que, aplicado a uma floresta, conecta as raízes desta a uma nova árvore decorada por s . Também fica claro que todo grafo 1PI de Feynman livre de divergências é um elemento primitivo de CK Connes Kreimer . De modo geral (A. Connes & D. Kreimer, “Hopf algebras, renormalization and noncommutative geometry”, Commun. Math. Phys., 199 (1998) 203-242), também ocorrem elementos primitivos nos graus superiores, como, por exemplo, a combinação linear na teoria 3 em 6 dimensões: 156 6.2.3. SUBÁLGEBRAS DE HOPF E AS EQUAÇÕES QUÂNTICAS DE MOVIMENTO DE DYSON-SCHWINGER (OU DE SCHWINGER-DYSON) As subálgebras de Hopf das árvores enraizadas decoradas, que no nosso contexto se identificam aos grafos de Feynman, possuem uma relação muito próxima com as equações de Dyson-Schwinger. Definida adequadamente, a equação de Dyson-Schwinger produz uma subálgebra de Hopf. Além disso, pode-se mostrar que todas as subálgebras oriundas de uma classe geral adequada de equações de Dyson-Schwinger são, de fato, isomorfas. Mostraremos apenas um exemplo mais simples de equações de Dyson-Schwinger combinatoriais, a equação quadrática: sobre a álgebra de Hopf . Usando o ansatz verifica-se facilmente que c0 e obtém-se a fórmula recursiva a qual determina X por indução. Os primeiros cn podem então ser facilmente calculados: 157 Pode-se observar que, devido ao quadrado de X na equação de Dyson-Schwinger, cn é uma soma graduada de árvores com “fertilidade de vértice” limitada a 2: cada vértice está limitado a se conectar diretamente, no máximo, a dois outros vértices. Ou seja, não é permitida a árvore ou conexões diretas análogas com número de vértices superior a 2. A natureza recursiva da fórmula dos cn faz supor que estes sejam geradores de uma subálgebra de Hopf em relação a , o que na verdade ocorre. Para cada n 0 e k n existe um polinômio Pkn nos cl para l n tal que se possa definir o coproduto 158 Esse polinômio é determinado indutivamente pela relação recursiva onde Finalizando e comentando esses últimos resultados: em termos físicos, as equações de Dyson-Schwinger, obtidas usualmente pelo formalismo integral funcional, descrevem de forma recursiva a expansão perturbativa de funções de Green em laços. Foi mostrado acima um método alternativo de se obter essas equações, usando a real existência de uma álgebra de Hopf subjacente à teoria de perturbações das interações entre campos quânticos. Essas álgebras de Hopf, por sua vez, fornecem, como vimos, os 1-cociclos de uma co-homologia de Hochschild, o que nos permite obter as equações de DysonSchwinger de forma natural e direta (straightforward). Pode-se dizer que uma TQC renormalizada resulta na determinação de funções de correlação que, por sua vez, podem ser interpretadas como funções geradoras de uma expansão perturbativa de amplitudes. Essas funções de correlação, por outro lado, são soluções das equações de Dyson-Schwinger correspondentes à TQC. Verifica-se também, a partir da teoria da função polilogaritmo definida no interior do círculo unitário e analiticamente continuada com um ramo de corte ao longo zk do eixo real em 1, , pela expressão Li n z n (S. Bloch, “Function theory of polylogarithms”, in Structural k 1 k properties of polylogarithms, Math. Surveys Monogr., Ed. Amer. Math. Soc., 1991, PP. 275-285), que para k 0 o termo de ordem k u i da solução renormalizada da equação de Dyson-Schwinger 159 é exatamente o elemento (k , i) da matriz N N Isso revela uma analogia entre a estrutura da função polilog e as funções de Green da TQC, que por sua vez sugere que se explore futuramente a TQC do ponto de vista de estruturas de Hodge mistas. 6.3. ÁLGEBRAS DE HOPF NA TEORIA DA RENORMALIZAÇÃO NO ESPAÇO DAS POSIÇÕES O método de Epstein-Glaser apresenta-se como uma abordagem rigorosa à teoria de perturbações e à renormalização no espaço das coordenadas. Partindo do espaço de Minkowski M 1,3 , esse método constrói, por exemplo, para uma teoria escalar k , uma sequência de distribuições T n em M n , com valores em operadores (operator-valued), que substitui os produtos temporalmente ordenados mal definidos que são usualmente empregados na teoria de perturbações padrão. O resultado é uma teoria de perturbações a priori finita em cada ordem de expansão: não é necessária qualquer remoção de singularidades a curtas distâncias, uma vez que todas as expressões são bem definidas por construção. A noção apropriada utilizada no método de Estein-Glaser é extensão de distribuições sobre diagonais da matriz de espalhamento S , uma técnica proposta em 1957 por Bogoliubov. Na verdade, os objetos T n são definidos inicialmente, pelo princípio de 160 causalidade relativística, fora das diagonais. As renormalizações finitas correspondem então às diferentes maneiras de estender essas distribuições sobre as diagonais, preservando assim, por construção, a natureza local da matriz de espalhamento. Vamos agora rever o método de renormalização EG, sob um ponto de vista um pouco diferente do já exposto anteriormente, e mais direcionado à análise das estruturas algébricas subjacentes. 6.3.1. REVISITANDO A RENORMALIZAÇÃO EG Para simplificar, mas sem perda de generalidade, vamos considerar uma TQC escalar neutra com massa cuja lagrangiana de interação é dada pela expressão: no espaço de Minkowski plano M : 1,3 . Os resultados a seguir são válidos como estrutura algébrica mesmo nas generalizações para a QED e para espaços-tempos globalmente hiperbólicos. Consideremos agora a seguinte representação simbólica da série de Dyson para a matriz de espalhamento S : a qual é formalmente obtida a partir da equação diferencial de movimento de Schwinger, quando a transformamos em uma equação integral iterada e aplicamos um operador de ordenação temporal T a cada elemento da soma: A integração, como se observa, é efetuada sobre o espaço M n . 161 Sejam as funções A, B com valores em operadores sobre M . O operador de ordenação temporal T é usualmente definido para dois fatores como tendo a forma: onde é a função característica de Heaviside de 0 . A definição para mais de dois fatores é inteiramente análoga. Porém, uma vez que, obviamente, se supõe que S e I acima são distribuições com valores em operadores, a integral acima não faz sentido, já que distribuições não podem ser simplesmente multiplicadas por funções descontínuas como . A integral só existe no exterior da faixa diagonal Dn x M n | xi x j para algum i j , pois só fora dessa faixa os produtos xi0 x0j são contínuos. Na verdade, a origem matemática do surgimento de singularidades a curtas distâncias na teoria das perturbações é que a ordenação temporal, como definida acima, é mal definida. Epstein e Glaser propuseram uma maneira de serem construídos produtos Tn ordenados no tempo e bem definidos, um para cada potência n da constante de acoplamento, que satisfazem certas condições explicadas mais adiantes, sendo cruciais a de localidade e a de microcausalidade. A série de potências S definida acima, quando construída através do produto de ordenação temporal T de Epstein-Glaser, é finita a priori, em qualquer ordem, e o procedimento de renormalização corresponde então a se fazer, passo a passo, a extensão de distribuições de M n Dn para M n . De maneira geral, entretanto, distribuições não podem ser estendidas univocamente sobre diagonais. Os graus de liberdade resultantes dessa não-univocidade, porém, estão em correspondência um-para-um com os graus de liberdade (as renormalizações finitas) encontrados, por exemplo, no método BPHZ e na DimReg usados no espaço dos momentos. Antes de passarmos à construção desses produtos ordenados no tempo, é necessário definirmos a noção de localidade, essencial a essa construção. Vamos supor que x x1, , xn M n , I N : 1, , n , 162 onde, para cada i I , o ponto xi não está situado na sombra do passado causal de qualquer um dos x j , para j N I . Esta situação será representada por xi x j i I , j N I . Sendo assim, nosso produto ordenado no tempo Tn deve satisfazer, no sentido de distribuições com valores em operadores, a igualdade: porque queremos que os xi ocorram depois (ou pelo menos não antes) dos x j . Se for o caso em que xi de forma que todos os pares xi , x j sejam do tipo espaço, resultará então que xj e xj xi , i, j , T x ,T x 0. I i iI N I j jN I 6.3.2. A ÁLGEBRA DE HOPF DAS ÁRVORES ENRAIZADAS NA RENORMALIZAÇÃO EG A combinatória da renormalização no espaço das coordenadas pode ser descrita mais facilmente em termos de árvores enraizadas. Dados os pontos do espaço-tempo Podemos considerá-los como os vértices (ou folhas) de uma árvore a ser construída. Sempre que algum desses vértices aparecerem juntos em uma diagonal de M n serão conectados a um novo vértice, de modo que subdivergências (subdiagonais) pertençam a subárvores, como na figura abaixo: 163 Desta forma, uma árvore representa as subdiagonais disjuntas ou aninhadas e parcialmente ordenadas que são relevantes para a renormalização. É possível então construir um coproduto adequado sobre a álgebra livre gerada por essas árvores, de tal maneira que a recursividade de Bogoliubov é resolvida essencialmente pelo antípoda da álgebra de Hopf resultante sobre essas árvores. Essa propriedade marcante, assim como o fato de daí resultarem contratermos locais, são consequências do fato primeiro de que um certo operador na álgebra de Hopf é um 1-cociclo da co-homologia de Hochschild. Pode-se mostrar finalmente, através de uma elaborada construção formal (que não explicitaremos aqui) da álgebra de Hopf subjacente ao método EG, que a recursividade da fórmula de Bogoliubov é resolvida graças ao fechamento do operador enxerto B em relação à co-homologia de Hochschild. A conexão entre as representações das álgebras de Hopf no espaço dos momentos e no espaço das coordenadas é também estabelecida, possibilitando, por exemplo, a obtenção das regras de Feynman para uma teoria a partir dos valores esperados no vácuo (VEV) de produtos temporalmente ordenados no método EG. Uma vez constatado que a álgebra de Hopf está na base de ambos os métodos, e independe do espaço de representação da TQC perturbativa, veremos a seguir em maior detalhe essa estrutura algébrica subjacente à própria teoria da renormalização. 164 7. A ESTRUTURA MATEMÁTICA DA RENORMALIZAÇÃO COMO UMA ÁLGEBRA DE HOPF. 7.1. INTRODUÇÃO A partir das regras e dos grafos de Feynman, como já vimos, é possível verificar que as expansões em séries de Taylor dos laços são controladas pelas equações de Schwinger-Dyson, uma vez que elas estabelecem uma iteração de funções de Green em termos de si próprias. Vamos considerar no momento as equações de Schwinger-Dyson para uma teoria com interações cúbicas, e nos concentrar nas funções de vértice. A figura abaixo exemplifica os grafos para essa teoria 3 em seis dimensões: Neste exemplo, o crescimento do número de termos de interação corresponde a uma expansão da teoria em laços. No caso particular de uma interação da forma g 3 , três propagadores livres se encontram em um vértice. Cada propagador extra acrescenta um fator g 2 , portanto, um grafo de n laços origina uma correção de ordem g 2n . Esses grafos de laços devem ser integrados sobre momentos internos de laços, o que corresponde a uma soma sobre todas as possibilidades para os momentos das partículas internas. Nem a conservação dos momentos em cada vértice, nem a conservação do momento total das partículas externas são suficientes para resolver todos esses momentos internos, o que só é possível integrando-os sobre o espaço total 6-dimensional dos momentos. 165 Simplificando mais ainda, vamos ignorar correções de laços no propagador e nos vértices internos. A equação de Schwinger-Dyson neste caso passa a ser uma equação que fornece a função do vértice, uma vez renormalizada, em termos de si mesma e de uma certa função kernel K : A função de vértice e o kernel K são séries formais em . O termo de ordem mais baixa na função de vértice é o vértice de nível árvore 0 . Observe-se que o kernel K é, no mínimo, de ordem , e que assumimos até esse instante que os kernels K e os propagadores P são conhecidos explicitamente. Vamos usar as figuras seguintes para ilustrar essas afirmações. Na figura (a) abaixo, a função de Green de três pontos foi gerada iterativamente. A integração sobre o momento interno no laço do segundo termo, e a expansão da função kernel de quatro pontos, representada como a bolha preta oval, em diagramas esqueleto (esta expansão será mostrada na figura seguinte), estão subentendidas. De forma geral esses vértices e propagadores internos não são renormalizados, e precisam ser substituídos por funções de Green. O sistema acoplado de equações para essas funções é de resolução muito difícil (v. James D. Bjorken e Sidney D. Drell, “Relativistic Quantum Fields”, McGraw-Hill, 1965, Cap. 19). Essa figura explica graficamente as equações de Schwinger-Dyson. Cada diagrama de Feynman consiste em propagadores e vértices que são funções de Green, as quais, por sua vez, admitem uma expansão i 166 perturbativa e uma particular equação de Schwinger-Dyson. Conhecer a solução completa das equações de SchwingerDyson, incorporando os propagadores plenos e as correções de vértices internos, significa conhecer as funções de Green completas e não-perturbativas. (a) (b) 167 A figura (b) acima mostra a expansão esquemática do kernel em diagramas-esqueleto com propagadores e vértices internos não renormalizados. A reprodução por inteiro do kernel K presente nas equações completas de Schwinger-Dyson, porém, só se dá se reintroduzirmos bolhas pretas no lugar de cada vértice ou propagador interno. Note-se que o esqueleto de ordem mais baixa é o grafo de uma partícula de ordem g 2 . As iterações de esqueletos produzem produtos de funções kernel. Os grafos iterados separam-se em vários pedaços quando os cortamos as linhas de dois propagadores, logo, são 2-linhas redutíveis. As funções de 4-pontos que fazem o papel de kernel na equação de Schwinger-Dyson para o vértice é especialmente importante. Seus diagramas-esqueleto são os diagramas de Feynman que atuam como os blocos básicos de iteração nas equações. Agora, um breve parêntese para um pouco de “arqueologia notacional”. A origem dessas bolhas pretas está em uma analogia que Bjorken e Drell reproduzem na seção 18.4 do livro citado (de onde extraímos a figura abaixo), na qual comparam um diagrama de Feynman com três partículas externas a um diagrama de Kirchoff para um circuito elétrico com três correntes elétricas convergindo para uma caixa-preta. Ao mesmo tempo, é curioso chamarmos a atenção para a última frase desse mesmo livro: “Logo, conclusões cujos argumentos são baseados no grupo de renormalização, e que digam respeito ao comportamento da teoria [perturbativa de campos] quando esta é somada em todas as ordens, são perigosas (o negrito é nosso), e devem ser vistas com a devida cautela”. 168 Retornando à descrição do procedimento: se fizermos Z 0, i 1, encontramos a seguinte expansão perturbativa para a função não renormalizada (abreviamos K k , k q, p q, p como simplesmente K k ): i Usualmente ocorre que as integrais acima não são bem definidas, e o que se faz nesses casos é dar-lhes significado introduzindo uma regularização. Vamos supor que existe um parâmetro tal que o limite 0 reproduza precisamente as integrais acima, mas que para 0 todas as integrais sejam bem definidas. Se tentarmos calcular essas integrais, expandindo-as em série de Laurent em torno desse parâmetro, os polos próprios da série impedirão que se faça o limite desejado 0 . i Vamos tentar então, partindo da mesma equação de Schwinger-Dyson, mas agora permitindo que Z não se anule, obtemos a seguinte expressão para a função de vértice renormalizada 0 1 22 : 169 Prosseguindo, vamos determinar os coeficientes Z através das seguintes condições: i onde PP representa a projeção sobre a parte de polo próprio do argumento. Deste modo, é fácil verificar que, com essa i i escolha dos coeficientes Z da série de Laurent, a função correspondente está livre dos polos em , e representa enfim quantidades finitas. Vemos aqui, em detalhe, o procedimento de renormalização em ação. Em primeiro lugar, com o auxílio de uma regularização, substituímos as integrais divergentes por uma série de Laurent. Introduzimos em seguida uma outra série Z 170 que compensou os termos com polos de forma tal que a série restante se tornou finita. Mais à frente, veremos de que modo essa série Z possui um significado algébrico, por ser extraída da antípoda de uma (bi-) álgebra de Hopf. Num certo sentido, a série Z é a inversa generalizada da série da função de vértice, tendo em vista que ela remove todas as divergências UV da expansão perturbativa daquela função. Na verdade, ela remove quase tudo, a não ser a “pequena” parte finita. De acordo com o que já vimos antes, a introdução de uma regularização não é nem mesmo necessária, se, em vez de expandirmos em série de Laurent a integral, expandirmos o integrando em uma série de Taylor, e prosseguirmos usando o método BPHZ até encontrar a estrutura da álgebra de Hopf subjacente. 7.2. CORREÇÕES DE VÉRTICES Os grafos de Feynman são, na verdade e na origem, lembretes de expressões analíticas. Essas expressões são integrais que divergem, quando várias combinações dos momentos internos tendem a infinito, e a determinação precisa dessas combinações se obtém com o auxílio do teorema de Weinberg, ou ‘power counting’. Cada subgrafo 1PI possui um peso igual ao seu grau de divergência. Por definição, um grafo 1PI não pode ser separado em duas componentes desconexas quando se remove uma das linhas, e para cada subgrafo divergente é necessário um contratermo que o cancele. Na verdade, esse procedimento não é restrito apenas aos grafos de Feynman, uma vez que quaisquer expressões analíticas com propriedades similares frente ao ‘power counting’ podem ser renormalizadas através da construção de fatores Z , da mesma forma iterativa que as integrais de Feynman. Usando modelos-laboratório (toy models), podemos analisar as propriedades algébricas do procedimento de renormalização, e, uma vez compreendida a universalidade dessas propriedades, a passagem à Teoria Quântica de Campos perturbativa não oferece dificuldade. Inicialmente, vamos considerar o caso de divergências aninhadas puras, em um modelo simplificado, ao qual iremos acrescentando todas as outras possíveis configurações de subdivergências. Ao final, veremos que a renormalização será identificada com o cálculo de uma antípoda em uma álgebra de Hopf. Comecemos considerando a seguinte série, expandida em potências de um parâmetro , na qual fazemos a iteração de uma série logaritmicamente divergente f , em termos dela própria e de outra série K : 171 Chamaremos K x, c de kernel, e f de uma certa função de Green não renormalizada. Notando-se que o kernel tem ordem . Usaremos no cálculo das integrais a identidade Onde a função beta de Riemann é definida, como usualmente, pela expressão A função de Green não renormalizada f c acima pode ser expandida como uma série em , da maneira que se segue: ==> SEGUNDO EXERCÍCIO PARA A AVALIAÇÃO: Calcule f c . 3 172 Observe-se que f 2 c foi decomposta em suas contribuições originadas por K 2 e por f 1 K 1 K 1 1 K . Isto significa que, na segunda ordem 2 com dois laços, teremos dois ‘grafos de Feynman’ distintos, um deles sem 2 1 subdivergências oriundas do kernel a dois laços K , e o outro elevando ao quadrado o kernel K , através de uma iteração. 2 1 1 A distinção entre ambos é feita pelas notações K e K K , respectivamente. O enésimo termo da expansão, f n , varia de K n a K 1 K 1 . n vezes Pode ser verificado de forma clara que o limite 0 não existe para qualquer dos termos envolvidos, se considerarmos que os termos que correspondem a uma integral de ordem m , 0 m n , produzem uma série de Laurent de m1 grau 1 m . Além disso, essas séries envolvem potências de ln c a ln c em seus termos de polo. Logo, a série formal acima não é bem definida no limite decrescente de . Consideremos agora uma série ligeiramente modificada, que possui o limite desejado 0 , à qual chamaremos de função de Green f renormalizada. Usaremos para isso as definições Esta equação será chamada, por analogia, de equação de Schwinger-Dyson (ESD) para f. Mostraremos que é possível i i determinar os coeficientes Z de tal maneira que f seja finita, fazendo com que, em qualquer ordem de , os Z compensem exatamente os polos em . É claro que somente essa condição não especificará esses coeficientes de maneira unívoca, mas podemos fixá-los com a condição adicional de que eles não possuam termos finitos: 173 para números di , j a serem determinados. Este procedimento corresponde à escolha da um esquema de renormalização, que neste caso particular, tem o nome de esquema de mínima subtração (MS). Diremos também que, em qualquer esquema de renormalização, esses números di , j são independentes de c . Fazendo as iterações da equação acima, encontramos, até a segunda ordem 2 , 174 Vê-se que, pela própria definição de Z , a decomposição de f em termos dos possíveis ‘grafos de Feynman’, K K e 1 1 K , contribuindo assim para uma dada ordem em (a ‘ordem de laços’), leva a uma decomposição similar de Z e f. Verificamos a seguir se realmente Z é independente de c , derivando em relação a c ambos os lados das partes de polo (PP) da equação de definição de f c : 2 Ambos os termos do lado direito existem para 0 , uma vez que a derivada decresce de um grau o power counting da integração em y . Isso é óbvio para a derivada do kernel K . No caso de f, basta observar a propriedade para alguma função ui . Na ordem 2 , as ui envolvem os coeficientes Z no máximo até a ordem n 1 , uma vez que o kernel é no mínimo de primeira ordem em . Logo, a afirmação se segue por indução sobre n , usando o fato de que Z - o ponto de partida da indução - é independente de c . Será demonstrada finalmente a propriedade de fatoração. Mostraremos nesta seção que a estrutura algébrica imposta nos contratermos pode ser extraída da estrutura subjacente de uma álgebra de Hopf, e se queremos ser capazes de calcular os contratermos gerais de um grafo de Feynman arbitrário em termos dos elementos primitivos da álgebra de Hopf, precisaremos de certas propriedades de fatoração. Veremos essas propriedades primeiramente em um modelo fictício. Afirmamos que a seguinte função modificada f c gera os mesmos fatores Z gerados por f: 1 175 Essa é uma consequência direta do fato de que Z é independente de c , e que pode ser confirmada através de uma simples expansão em série de Taylor de f y f y c , em termos de c . ==> TERCEIRO EXERCÍCIO PARA A AVALIAÇÃO: Confirmar a afirmação anterior. A primeira diferença entre f c e f c surge na ordem 2 , no grafo K K , onde o resultado anterior diz que podemos 1 1 calcular Z K21K 1 como O efeito da fatoração é que podemos fazer uso somente das funções que são comparativamente mais simples do que B i j ,1 i , onde existe uma dependência de dois parâmetros inteiros i, j . As funções acima podem ser vistas como se originando da seguinte mudança na medida da integração: Por outro lado, o cálculo de Z a partir de f exigiria a computação de integrais mais gerais, com passos intermediários em que seria necessário resolver expressões do tipo 176 À primeira vista isso parece ser um ganho pequeno neste exemplo, mas em aplicações mais complicadas veremos que argumentos similares irão estabelecer fatorações em termos de grafos sem subdivergências, acompanhadas de mudanças típicas na medida de integração, correspondentes à mostrada acima. Esta mudança de medida leva em conta o escalonamento anômalo obtido nas integrações anteriores. 177 Resumindo os pontos cruciais encontrados neste exemplo: Funções de Green não renormalizadas f c são representadas como séries em . Todos os termos dessas séries são mal definidos no limite 0 . Os termos com polos são compensados pela introdução de um certo fator Z . O fator Z é independente de parâmetros externos c . Cada grafo de Feynman não renormalizado possui o seu fator Z compensador dos polos. Para calcular o fator Z é suficiente que calculemos expressões fatoradas, construídas a partir de diagramas primitivos com a medida de integração modificada. Antes de generalizarmos para casos mais gerais o entendimento adquirido sobre subdivergências aninhadas, vamos repetir o mesmo exercício para as subdivergências aninhadas geradas por funções de Green de teorias de campo reais. CORREÇÕES DE VÉRTICES – vamos generalizar o exemplo anterior para o estudo de uma teoria quântica de campos perturbativa (TQCp). Iniciamos construindo correções não renormalizadas de vértice para a ESD 178 Em seguida, vamos proceder às iterações do kernel K , o qual contém somente propagadores internos e vértices não renormalizados, como mostra a figura abaixo: Nesta figura, os kernels foram numerados para distinguir suas topologias. Por fechamento de cada topologia, eles geram funções de vértice primitivas; e por iteração eles geram funções de vértice com subdivergências aninhadas. A função 1,3,2 p está servindo de exemplo. A primeira questão importante a ser resolvida é decidir quais são as subdivergências geradas pela iteração do kernel. Por construção, ou por inspeção da figura acima, reconhecemos um conjunto iterado de subdivergências aninhadas, que servirão de ponto de partida para nosso cálculo. Notamos que o problema é similar ao exemplo mais simples já estudado. Nossa função de Green agora é dada pela função de vértice, a qual é definida por uma equação funcional em termos de si própria e de um kernel integral K . Como no caso precedente, a função de vértice precisa ser renormalizada, uma vez que a integral é divergente logaritmicamente. Assim como antes, introduzimos um fator Z na ESD para obter essa 179 renormalização. O kernel K , o fator Z1 da primeira iteração na ESD e a própria função de vértice devem ser vistas como séries formais em um parâmetro . 7.2.1. PRIMEIRA ITERAÇÃO Experimentaremos basear nossos cálculos em uma propriedade crucial de um integrando logaritmicamente (globalmente) divergente: a sua independência de parâmetros externos (divergências lineares ou quadráticas resultam em uma dependência polinomial (local) de parâmetros externos). Para simplificar a notação, vamos supor que todos os vértices e propagadores dependem somente de uma massa m . Vamos supor também que vértices em diagramas árvores são representados por um número simples, a constante de acoplamento g . No caso geral, é claro que podemos ter várias massas, e que os vértices dos diagramas árvores podem ser portadores de índices de matrizes, assim como também podem depender de um valor de momento. Mesmo assim, nossas simplificações não turvarão nossos argumentos para o caso geral, e esclarecerão a lógica implícita. Vamos numerar os vários termos no kernel como na figura acima., e vamos fechar o kernel em uma topologia i de uma função de vértice primitiva, ou seja, sem subdivergências. Deste modo, é dada uma graduação natural a essa função de vértice pelo número de laço n i . Para cada número de vértice, existe a contribuição de apenas um número finito de kernels, como mostra a figura. Dispomos todos os kernels possíveis em ordem não decrescente do número de laço, e os numeramos de acordo. Toda função de vértice construída a partir desses kernels pode agora ser especificada por uma cadeia de números, onde cada número se refere a uma particular topologia do kernel, e a quantidade de termos nessa cadeia fornece a quantidade de iterações. Mostraremos agora como fatorar uma função de Green geral, em termos de funções de Green primitivas. Funções de vértice primitivas não possuem subdivergências, e, logo, fornecem apenas um polo de primeira ordem em . Na verdade, veremos mais adiante que funções de Green sem subdivergências farão o papel de elementos primitivos em uma álgebra de Hopf que produz a renormalização. Por enquanto, continuemos com as funções de vértice e as divergências aninhadas simples. 180 Assim como antes, precisamos distinguir entre funções de vértice renormalizadas e não normalizadas. E também usaremos com frequência o limite de massa nula com zero momento transferido (zmt). Precisaremos, portanto, das definições a seguir. Como já sabemos, nas unidades em que 1 uma expansão em um laço é uma expansão no quadrado da constante de acoplamento, logo, a função de vértice não renormalizada é dada pela série em g 2 Observe-se que o kernel deve ser visto como uma série em g 2 que se inicia com o termo linear. A integração sobre k é mal definida, possuindo grau de divergência logarítmico. A correspondente função de vértice normalizada Γ é definida pela familiar ESD Para simplificar, consideramos o kernel K livre de subdivergências. O propósito da série é absorver os termos com polos no lado direito da ESD. As funções de vértice dependem de dois momentos externos p, p q , onde q é o momento transferido, e de uma massa m . O caso de massa nula com zero momento transferido, p, p;0 será abreviado por p . Para especificar o grafo de Feynman que estamos considerando, vamos definir índices sobrescritos: 181 Esses índices se referem à iteração de funções kernel numeradas como na figura. Uma notação similar será usada para as funções de Green renormalizadas e para os fatores Z . Quando houver k índices sobrescritos, dizemos que a profundidade da iteração é k . Finalmente, usaremos colchetes quebrados para representar, em , a projeção sobre a parte própria de polo em zmt e em p 2 1 : PP | p2 1 . Esses colchetes indicam que os cálculos são feitos de acordo com um esquema de renormalização específico, escolhido aqui, por conveniência, como sendo o esquema MS. Se a profundidade da iteração é k , seu cálculo segundo a DimReg resultará em uma série de Laurent de grau k . Nesta notação, o exemplo mostrado na figura abaixo, na qual adicionamos um grafo como contratermo que absorve a subdivergência do grafo original, será escrito como De maneira análoga ao que fizemos no modelo fictício, podemos verificar as seguintes propriedades de Z1 : 182 Γ é finita, pela definição de Z1 . Z1 é independente de parâmetros externos como massas e momentos, o que pode ser provado pelo mesmo procedimento de indução empregado anteriormente. As derivadas em relação ao parâmetro c no modelo fictício devem ser substituídas por derivadas em relação aos parâmetros externos p, q, m . Z1 pode ser calculada a partir de funções de vértice de massa nula em zmt. Essa fatoração será discutida a seguir em maior detalhe. 7.2.2. FATORAÇÃO Uma vez introduzida uma notação apropriada para representar funções de vértice primitivas, buscaremos entender i, agora o modo pelo qual se fatora o cálculo de uma função geral de vértice 1 p . A fatoração é uma consequência do fato de que, em zmt, a função renormalizada de vértice é iterada em termos de si própria. Analisemos primeiro o caso em que i j 1. O fator Z a um laço da correção de vértice, Z11 , possui, no esquema MS, a seguinte forma: onde usamos o fato de que tem a escala de p 2 1 na DimReg. Esta equação significa que p depende de uma variável p 2 , o quadrado do momento externo. Esta dependência, por outro lado é determinada pelas propriedades de escala desta função de Green. 1 A dependência de p 2 é uma lei de potência trivial p 2 D D 2 , de modo que onde o expoente D D 2 resulta de considerações dimensionais. Logo, 183 é uma função apenas de D D 2 . É importante o fato de que toda a dependência do momento exterior se resume ao comportamento de escala p 2 , uma vez que permite a definição de uma função que só depende do parâmetro de regularização , e que incorpora toda a informação necessária à obtenção, no esquema MS, dos fatores Z . Em particular, esta função garante que a estrutura da álgebra de Hopf que será introduzida mais adiante seja representada diretamente por funções de Green não renormalizadas, o que permite simplificações de cálculo, conforme foi demonstrado em [D. Kreimer, J. Knot Th. Ram. 6 (1997) 479-581; D. Kreimer and R. Delbourgo, Phys. Ver. D60 (1999) 105025]. 1 1 1 Seja g 3 F k , q o integrando referente ao cálculo de . Usando a equação anterior para , obtemos onde definimos j através da expressão 1 Essas funções j podem ser definidas para qualquer teoria renormalizável, calculando a função de vértice a um laço no caso de massa nula com zmt. De forma similar, podem ser definidas as funções correspondentes para as autoenergias da 1 teoria, como mostram os dois trabalhos citados acima. Consideraremos essas funções j como funções a um laço 1 184 modificadas, que podem ser obtidas, em qualquer teoria renormalizável, a partir da integral padrão a um laço, por uma mudança na medida de integração: em tudo análoga à mudança de medida observada no modelo fictício anterior. Tudo que a integral de laço final obtém das integrações prévias resulta na anomalia de escala k 2 j . Podemos agora generalizar esses resultados a kernels gerais K . Seja n i o número de laço associado ao fecho i topológico de K em uma função de vértice com zmt. Definimos então, de maneira óbvia: i onde P 2 k produz os propagadores não renormalizados necessários ao fecho dos kernels com zmt, K k , p , em uma i função de vértice. Introduzindo essa notação na ESD, resulta uma iteração de profundidade dois para Z : i, j Considerando agora uma iteração de profundidade arbitrária. Na figura abaixo, são mostrados os setores divergentes i , ,i identificados na correção de vértice iterada n vezes. Fica claro que a iteração da ESD gera um fator Z 1 k compensação para qualquer dessas subdivergências, da seguinte forma: 185 Vê-se na figura que o cálculo de funções de vértice primitivas, com massa nula e com zmt, resulta em uma concatenação de i funções j , particularizadas aqui para o caso i 1 para todos os kernels. O somatório à direita da equação adiciona os contratermos que irão compensar todos os setores subdivergentes da função de Green completa. Note-se que só podemos considerar até agora quantidades com massa nula, uma vez que o grau de divergência total independe da massa, e o termo nos colchetes, por construção, não possui subdivergências. Podemos escrever a equação de outra forma, em que a soma se dá sobre todos os subgrafos de que são superficialmente divergentes, que corresponderão às funções 1 i , ,ir ,r k : 186 Z1 1 i , ,ik 1 i , ,ik todos os subgrafos divergentes Z1 . Esta é uma forma particular e simbólica da fórmula de florestas de Zimmermann. 1 Na condição zmt e usando a definição de j apresentada anteriormente, teremos: onde W i n j1 n j2 n jk e u ji r 1 n jr . Desta forma, expressões sequenciais como, por exemplo, i 1 n i i j , representam uma concatenação de funções primitivas de vértice, conforme mostrado na figura acima. Esta é a natureza da fatoração em termos de diagramas primitivos que, generalizada de forma apropriada, leva a que diagramas de Feynman correspondam a uma representação multiplicativa da álgebra de Hopf subjacente à renormalização, como será visto mais à frente. Pela investigação de expressões de contratermos e de funções de Green, vemos que são necessários apenas dois tipos i de operações sobre as j para que se obtenha o fator Z : uma concatenação dessas funções, e uma projeção sobre as partes divergentes para que se encontrem os contratermos. Lembremo-nos de que as funções j são modificações simples das funções correspondentes de três pontos a n laços, calculadas no limite de massa nula e com zmt (zero momento transferido). Vamos considerar a seguir configurações de subdivergências superpostas, mais gerais do que essas já discutidas. i 187 7.3. DIVERGÊNCIAS SUPERPOSTAS Vamos usar como ponto de partida novamente uma ESD, enunciar precisamente o problema, e usar um modelo fictício simplificado para estudas todas as propriedades relevantes das divergências superpostas. Consideremos os grafos abaixo de autoenergias de férmion e fóton, típicos da QED, em que surgem divergências superpostas: Divergências superpostas podem ser definidas rigorosamente se definimos dois subgrafos divergentes 1 e 2 de um grafo , cada um consistindo de um conjunto de propagadores e vértices, 1 e 2 , cuja interseção não é trivial: 1 2 , 1 2 , 2 1 . Podemos encontrar uma solução geral usando um modelo simplificado, como faremos a seguir. 188 7.3.1. UM MODELO SIMPLIFICADO DE TQC Vamos definir uma ‘autoenergia’ simplificada e renormalizada S c da seguinte maneira. Sejam, para c 0 , Como é usual, Z 2 absorverá os termos de polo para tornar S finita, enquanto Z h tem a mesma função para h . Note-se que Z 2 está multiplicado pelo parâmetro externo c . Pelo power counting, vemos que Z 2 absorverá divergências lineares, o que significa que todas as divergências serão lineares no parâmetro externo c , de forma que o contratermo também será linear em c . Observe-se também que Si c, i S0 c c . Podemos agora resolver a primeira equação para Z h e inserir a solução na segunda equação, escrevendo o resultado após usar que Z h independe de x (nas expressões abaixo, as funções renormalizadas são escritas em negrito): 189 Observe-se que o segundo termo envolvendo K é de ordem resultado como 2 . Usando uma notação resumida podemos escrever esse onde Expandindo até a ordem 2 , encontramos os seguintes termos para S i 0 iSi : S c 'o propagador inverso não normalizado' 0 190 Aparece uma divergência superposta na integral dupla para S2 , gerada pelo kernel K . Podemos ainda simplificar consideravelmente o cálculo de Z 2 , usando a notação resumida apresentada acima, e tratando separadamente os dois termos integrais em e 2 no lado direito da equação. No primeiro termo, hSh , decompomos a parte não renormalizada de h , que é simplesmente h : h h h0 h0 h h0 . Nesta decomposição, h é a função de Green não renormalizada que acompanha h , e um índice subscrito 0, como em h0 h c0 , indica que o parâmetro externo c foi igualado a zero. O termo hSh contém uma parte que é quadrática em h . Usando a decomposição acima, conseguimos descartar o termo quadrático em h , uma vez que é completamente finito e bem definido no limite ε 0 , logo, não gera termos com polos em ε , como pode ser verificado facilmente por power counting. Os outros três termos não podem ser descartados, restando, portanto a igualdade relativa à parte divergente: Analogamente, para o termo em 2 , podemos usar a definição Verificando por power counting, temos que 191 logo, é finito para 0 , e podemos fazer a substituição O último termo à direita se anula na DimReg, uma vez que não depende mais de nenhuma escala c . Podemos usar também, como Z h é independente de c , que Retornando à expressão inicial na notação simplificada, tomando os termos com polos e resolvendo para Z 2 , obtemos finalmente Observe-se nesta equação que toda referência ao kernel, e, logo, às divergências superpostas, desapareceu. Expandindo agora até a ordem 2 , encontramos o resultado desejado: que pode ser calculado de imediato usando as identidades funcionais S x x , h0 x B ε,1 ε x ε 1 ε . As divergências superpostas desapareceram completamente dos cálculos, e as propriedades de fatoração também são visíveis. Expandindo o resultado anterior, podemos constatar que os diagramas não renormalizados produzem no máximo duas subdivergências disjuntas, cada uma delas podendo conter subdivergências aninhadas. Em resumo, as divergências superpostas foram resolvidas em termos de divergências disjuntas e divergências aninhadas. Isto nada mais é do que uma 0 1 192 confirmação da fórmula de florestas de Zimmermann, válida para uma TQCp física. Veremos mais adiante que, em consequência disso, divergências superpostas dão origem à mesma estrutura de álgebra de Hopf que subdivergências disjuntas e aninhadas, contribuindo apenas para aumentar o conjunto dos elementos primitivos dessa álgebra de Hopf. 7.4. ALGUNS DETALHES TÉCNICOS Ignoramos até agora alguns detalhes técnicos, uma vez que os mesmos não alteram a visão geral apresentada, e apenas complicariam a notação. Porém, para mostrar como lidar com os problemas práticos, é necessário fazer um comentário breve de ao menos dois desses detalhes: a ocorrência de diferentes fatores de forma e a ocorrência de divergências quadráticas. 7.4.1. FATORES DE FORMA De maneira geral, uma função de vértice completa permite a decomposição dos fatores de forma. Consideremos o exemplo 1 esclarecedor da função de vértice a um laço da QED, k , com férmions de massa nula e calculada no calibre de Feynman, na condição zmt. Essa função pode ser escrita como onde 11 e 21 são fatores de forma como coeficientes das grandezas covariantes de spin e de Lorentz kk k 2 . 1 1 Somente 11 é divergente UV. Fazendo a iteração dessa expressão em topologias aninhadas, tanto os fatores de forma quanto suas respectivas covariantes terminam por substituir o vértice no nível de árvore. Esse exemplo pode ser generalizado para mais de dois 1 193 fatores de forma, o para o caso de funções de Green que não sejam funções de vértice (ver trabalhos referidos acima), mantendo as propriedades desejadas de fatoração, mesmo em nível de matrizes. 7.4.2. OUTROS GRAUS DE DIVERGÊNCIA Mesmo quando o grau de divergência não é logarítmico, também a decomposição em fatores de forma é bem sucedida, uma vez que os seus coeficientes terão a dimensão apropriada ao grau de divergência. Enquanto a função de vértice logaritmicamente divergente do exemplo anterior tem sua expansão realizada em termos das grandezas adimensionais e p p p 2 , a autoenergia linearmente divergente de um férmion massivo tem uma expansão em termos de p e de sua massa m1 : com funções escalares adimensionais A, B . Na verdade, os procedimentos vistos no exemplo anterior são suficientes, uma vez que a autoenergia do férmion é sempre logaritmicamente divergente (v. Steven Weinberg, “The Quantum Theory of Fields”, Vol. I, II, Cambridge UP, 1995). Um caso mais interessante é o das divergências quadráticas, quando é mais conveniente expandir as funções em série de Taylor nas massas ou momentos externos. O exemplo a seguir, típico da QED, é tirado do livro-texto “Quantum Field Theory” (cap. 8: fig. 8-5, seção 8-4-4), de Claude Itzykson e Jean-Bernard Zuber: A decomposição desta função é mostrada na figura abaixo. 194 A primeira linha da figura representa uma divergência superposta quadrática, e a segunda linha, uma divergência superposta linear. Em ambos os casos, os dois primeiros termos das decomposições coincidem com a separação de divergências superpostas, enquanto que no caso da divergência quadrática surge um termo extra, que é um grafo de Feynman primitivo. Os parâmetros externos podem ser ignorados nos dois primeiros termos, como se vê nos retângulos correspondentes, que contêm somente a função de vértice dependente de uma única escala, e obedecem às propriedades usuais de fatoração. Os pontos pretos nessa notação representam termos gerados por derivadas com respeito ao momento externo. Os dois primeiros termos, portanto, representam divergências lineares com a mesma estrutura do modelo simplificado já apresentado para divergências superpostas, equivalente às equações Cuja parte com polo é dada pela expressão 195 A função logaritmicamente divergente h corresponde aqui à função de vértice, e a função S do modelo simplificado é aqui a autoenergia do férmion. A transição h h0 coincide com a substituição das funções de vértice dentro dos retângulos por funções de vértice que dependem de uma única escala, isto é, funções de vértice com massa nula e zmt. Usando-se apenas argumentos gerais de teoria dos conjuntos, podemos confirmar que qualquer grafo de Feynman que contenha divergências superpostas será resolvido em termos de grafos livres dessas divergências, ao preço de, no máximo, serem criados mais grafos primitivos. Esses novos grafos primitivos serão objetos de iteração em ordens superiores de laços, como mostrado na figura abaixo: A resolução em termos de divergências disjuntas e aninhadas é mostrada para uma divergência superposta quadrática na terceira ordem de laços. E, mais uma vez, as funções de vértices dentro dos retângulos foram escolhidas sem os parâmetros externos, e, consequentemente, podem ser fatoradas. O fato de que torna-se fácil exibir os evidentes pontos de contato entre modelos simplificados e modelos realísticos de TQC, mantendo a mesma estrutura, está diretamente relacionado à existência de uma base algébrica comum aos modelos, que é a estrutura de uma álgebra de Hopf. 196 8. O MÉTODO TL (ESQUEMA DE RENORMALIZAÇÃO TAYLOR-LAGRANGE) Confirmando que a Teoria da Renormalização é um campo de pesquisa teórica ainda surpreendentemente rico e atualíssimo, os físicos Pierre Grangé (Université Montpellier II, França) e Ernst Werner (Universität Regensburg, Alemanha) publicaram no segundo semestre do ano de 2011 (P. Grangé and E.Werner, J. Phys. A: Math. Theor. 44 (2011) 385402 (26pp)) um trabalho em que propõem um novo esquema de renormalização, a que chamaram de TL, que engloba os métodos BPHZ e EG como versões parciais. Particularmente quanto ao esquema BPHZ, que resolve somente as divergências UV, o método TL leva a vantagem de possuir a mesma operacionalidade do esquema EG – a que chamam de “uma maquinaria matemática de caráter geral” (a general mathematical framework), tratando no mesmo nível e resolvendo também as divergências IR. Usando um ferramental matemático bastante especializado, os autores descrevem seu método como “um esquema de regularização/ renormalização baseado em propriedades intrínsecas de campos quânticos, enquanto distribuições com valores em operadores (operator-valued distributions – OPVDs) acompanhadas de funções de teste adequadas, definidas como partições da unidade (PU), os resultados, obtidos tanto em variedades euclidianas quanto minkowskianas para a dimensão física D=4, unem as expansões de Taylor das distribuições singulares estendidas à fórmula integral de Lagrange para os termos de resto (remainder) dessas expansões - originando-se aí o nome do método. A preservação de simetrias pelo método TL é mostrada explicitamente no cálculo das contribuições dos bósons de calibre nas teorias QED/QCD, e em um tratamento dinâmico do modelo de Yukawa usando a técnica e a notação de lightfront. Ainda segundo os autores, “a ideia central (...) é transferir o efeito regularizador das funções de teste internas aos funcionais para distribuições modificadas e regulares, construídas a partir das distribuições singulares originais. (Tornando assim) a TQC resultante livre de divergências, com renormalização sempre finita.” 197 Os objetivos alcançados pelo método TL são os seguintes: (A) (i) exigência de unicidade – isto é, a independência do método com respeito à forma das funções de teste usadas para definir os campos físicos – e (ii) as invariâncias de Lorentz e Poincaré se seguem da natureza paracompacta dos espaços euclidiano e minkowskiano, e de estarem providos de funções de teste que são partições da unidade (PU) (ver Anexo B); (B) as funções de teste PU podem ser sempre tecnicamente escolhidas de tal forma que as possíveis violações das invariâncias acima referidas sejam evitadas; (C) um modo bastante efetivo de manipular distribuições singulares é via uma extensão de distribuições, um método bem conhecido e estabelecido na literatura matemática (p. ex. em Lars Hörmander, “The Analysis of Partial Differential Operators I – Distribution Theory and Fourier Analysis”, 2nd Ed., Springer-Verlag, 1990), e aplicado mais recentemente à TQC (Dirk Prange, J. Phys. A: Math. Gen. 32 (1999) 2225; Brunetti e Fredenhagen, Commun. Math. Phys. 208 (2000) 623, Commun. Math. Phys. 208 (2000) 623); (D) o método TL permite que se tratem simultaneamente e no mesmo nível as singularidades UV e IR; Este método de renormalização é o mais recente (Set. 2011) e matematicamente rigoroso, mas não será focalizado em detalhe, não só pela complexidade do aparato usado, como por condensar pelo menos 6 anos de pesquisas dos autores e outros a elaboração gradativa dos resultados apresentados – seria necessário um enfoque específico e extenso para cumprir essa tarefa, que a d e baimensão do presente trabalho não comporta. Faremos apenas uma breve descrição das origens do método e de suas principais estruturas conceituais, algumas das quais estão exemplificadas no Anexo B. 198 8.1. LIGHT-FRONT DYNAMICS (LFD): UMA PROPOSTA DE DIRAC COMO MOTIVAÇÃO ORIGINAL Em meados do século XX, enquanto as atenções e os esforços dos físicos se voltavam cada vez mais para a formulação lagrangiana da TQC desenvolvida por Feynman, Schwinger e Tomonaga e fundamentada no princípio variacional da mínima ação, o próprio fundador da teoria em 1927, P. A. M. Dirac, voltava todo seu arsenal teórico para a formulação hamiltoniana, descrente de existir uma solução aceitável para o expurgo dos infinitos que ainda infestavam os cálculos mais simples. Foi nesse espírito que Dirac escreveu um artigo com o título “Forms of Relativistic Dynamics” (P. A. M. Dirac, Rev. Mod. Phys. 21 (1949) 392-399), onde combina a formulação hamiltoniana da dinâmica com o princípio da relatividade restrita e obtém 10 grandezas fundamentais presentes em três formulações da dinâmica relativística correspondentes a vários subgrupos do grupo de Poincaré não-homogêneo: a Formulação Instantânea, a Formulação Pontual e a Formulação da Frente de Onda de Luz. Esse trabalho permaneceu na sombra por quase meio século, até que, no início da década de 1990, a terceira formulação começou a ser aplicada ao estudo de estados quânticos ligados, sob o nome de LightFront Quantum Field Theory (LFQFT), que se transformou hoje em um campo teórico de pesquisa extremamente ativo, com congressos e colaborações internacionais. A frente de onda de Dirac é uma superfície tridimensional no espaço-tempo, definida simplesmente pela equação de coordenadas quadridimensionais x x0 x3 0 . Esta equação descreve uma frente de onda luminosa plana, e as 10 grandezas dinâmicas de um sistema físico relativístico (energia, momentos linear e angular, e hamiltonianas) são calculadas sobre o cone de luz, como pode ser visto com mais detalhe, por exemplo, no trabalho de introdução à teoria disponível em arXiv:hep-ph/9612244v2. Os físicos europeus Pierre Grangé, Ernst Werner e outros foram inicialmente levados a aplicar o tratamento de Epstein e Glaser, de extensão de distribuições singulares DVOP, usando funções de teste não arbitrárias, dentro de certas condições a serem determinadas (P. Grangé, P. Ulrich and E. Werner, Phys. Rev. D57 (1998) 4981; S. Salmons, P. Grangé and E. Werner, Phys. Rev. D57 (1998) 4981; Phys. Rev. D60 (1999) 067701; Phys. Rev. D65 (2002) 125015), dentro do contexto da LFQFT. Mais tarde, a escolha das funções de teste mais apropriadas 199 se fixou nas Partições da Unidade (PU) (Pierre Grangé and Ernst Werner, arXiv:math-ph/0612011v2 8 Feb 2007), que se mostraram particularmente adequadas ao tratamento da invariância de Poincaré e da invariância local de Lorentz. 200 8.2. CAMPOS COMO DISTRIBUIÇÕES VALORADAS EM OPERADORES (DVOP) E PARTIÇÕES DA UNIDADE (PU) COMO FUNÇÕES DE TESTE A representação de campos, tanto clássicos com quânticos, por meio de DVOP, data à primeira vista da formulação por Dirac da famosa “função ”, que John Von Neumann abominou até que Laurent Schwartz criasse a Teoria das Distribuições e mostrasse que tanto Dirac quanto Von Neumann estavam certos, desde que definissem corretamente a como uma medida de integração, ou como uma distribuição. E não como função. Com a reintrodução das funções de Green no eletromagnetismo clássico, realizada no pós-guerra por Schwinger, a distribuição foi entronizada definitivamente no contexto da física teórica moderna. No âmbito da TQC, em que se multiplicam as distribuições singulares, foi logo sentida, para não se perder a consistência matemática, a necessidade de descrever campos “manchados” (smeared fields), através da associação dessas distribuições singulares, no interior dos funcionais de valores esperados e de funções de correlação, com funções de teste suaves e de suporte compacto. Para introduzirmos campos em TQC como DVOP, podemos considerar, sem perda de generalidade, um campo massivo escalar livre que seja solução da equação de Klein-Gordon D -dimensional. A solução geral nesse caso é uma DVOP que define um funcional com respeito a uma função de teste x pertencente ao espaço de funções de teste de Schwartz : D Nesta equação, é um funcional valorado em operadores, que pode ser interpretado como um funcional mais geral x, calculado em x 0 . De fato, esse funcional mais geral obtido por uma translação Tx é um objeto bem definido: 201 A função de teste transladada x y possui agora uma decomposição de Fourier bem definida Segue-se daí que Devido às propriedades de , o funcional Tx satisfaz a equação de Klein-Gordon, e pode ser tomado como um campo físico x . Depois de integrarmos sobre p0 e fazendo a substituição usual p2 p 2 m2 , a forma quantizada é tomada como a integral euclidiana D 1 -dimensional: Essa expressão para x é particularmente útil para definir funções de correlação para o campo, e de forma mais precisa, no formalismo LFQFT. Até aqui, não foi feita nenhuma restrição à forma das funções de teste, podendo parecer que cada escolha de uma dada função de teste irá gerar uma determinada e distinta TQC. Se forem escolhidas PU como funções de teste, porém suas propriedades topológicas, tais como: (i) o produto de duas PU será também uma PU; (ii) uma PU independe do atlas da variedade diferenciável, logo, o funcional valorado em operadores é independente de como foi construída, ou escolhida, uma determinada PU para ser função de teste; etc., eliminam a arbitrariedade dos resultados. 202 Uma consequência imediata e importante dessa construção é que sucessivas convoluções do campo x com a função de teste deixam x inalterado: Neste caso, f 2 é o resultado do produto de duas PU, e como f 2 vem a ser também uma PU com o mesmo suporte que f , x não será afetado. 8.3. DO MÉTODO EG APLICADO À LFQFT (LIGHT-FRONT QUANTUM FIELD THEORY) AO MÉTODO TL: 20062011 P. A. M. Dirac introduziu três possíveis dinâmicas relativísticas, no formalismo hamiltoniano, em 1949 [2]. Uma delas, a light-front dynamics, também chamada de light-cone e infinite momentum frame field theories, voltou a ser usada nos anos 60 e 70 Frente de onda plana de luz e cone de luz no limite de altas energias q0 i e momentum infinito P , no contexto da current algebra, por Fubini, Adler, Gell-Mann, Weinberg, e outros. Usando esses limites, Bjorken predisse em 1969 o famoso escalonamento (Bjorken scaling) 203 de funções de estrutura no espalhamento inelástico profundo (deep inelastic scattering). O modelo dos partons de Feynman foi formulado no referencial de momentum infinito, que chamamos aqui de Light-Front Dynamics, ou LFD. Mais tarde (1974), ‘t Hooft usou as variáveis e o calibre de frente de onda de luz para estudar o confinamento na QCD. A partir dos anos 80, Brodsky, Lepage et al. iniciaram o estudo da teoria perturbativa na frente de onda de luz (para um histórico resumido, ver [3]). A frente de onda de luz é, para Dirac, em suas próprias palavras, “... the three-dimensional surface in space-time formed by a plane wave front advancing with the velocity of light” [2]. A equação x x0 x3 0 define o plano dessa frente de onda. Atualmente, uma busca no arXiv por trabalhos citando “light-front” e “light-cone” mostra a intensa pesquisa em andamento, em altas energias, física nuclear e teoria de cordas [4], usando a separação entre as variáveis dinâmicas e cinemáticas características da quantização sobre a frente de onda de luz. Também recentemente (2011), o difícil problema da renormalização em LFD ocasionou a formulação de um esquema de renormalização matematicamente rigoroso no espaço das posições, como mostrei no curso PG11 da IX Escola do CBPF (16-23 jul 2012) [5]. Por ser definida em 1+1 dimensões, mesmo com variáveis e notações muito próprias, a LFD volta o seu potencial, natural e atualmente, para o estudo dos modelos solúveis de Schwinger, Thirring, Schroer, Rothe-Stamatescu, assunto que conheço e estudo há mais de cinco anos. A formulação “space-like” (SL) usual da TQC, oriunda do sucesso do tratamento da QED no formalismo lagrangiano por Feynman, Schwinger e Tomonaga, e a formulação “light-front” (LF) de operadores no plano da frente de onda de luz, no formalismo hamiltoniano de Dirac, são duas representações independentes da mesma realidade física. Em virtude dessa independência, existem diferenças marcantes entre ambos os esquemas, mesmo no nível das propriedades básicas, não só em termos das respectivas estruturas matemáticas, mas também em aspectos físicos, como a natureza das variáveis de campo, a divisão dos geradores do grupo de Poincaré em dois setores cinemático e dinâmico disjuntos que ocorre na LFD, a natureza do estado de vácuo, que na LFD, é frequentemente identificado com o vácuo de Fock, após a diagonalização do operador hamiltoniano total. 204 8.3.1 ALGUNS RESULTADOS SURPREENDENTES EM LFQFT. Os propagadores de campos, calculados no formalismo da LFQFT, são os seguintes: Campo escalar - o propagador LF é o mesmo propagador de Feynman do formalismo SL; Campo fermiônico – o propagador LF difere do propagador SL de Feynman por um “propagador instantâneo” (lembrando que estamos em um formalismo de momentum infinito); Campo vetorial de massa nula – a componente A A0 A3 não é uma variável dinâmica. As variáveis dinâmicas são Ai , i 1,2 , que obedecem à equação de Klein-Gordon de massa nula. No calibre de Lorentz A 0 o propagador do fóton é diferente do propagador SL de Feynman; Grupo de Lorentz – dos seis geradores do grupo, quatro são geradores cinemáticos e apenas dois são geradores dinâmicos; QED2 - a eletrodinâmica quântica em duas dimensões, na fixação de calibre LF correspondente a A A0 A3 0 , tem como momentum P , e como hamiltoniano P , que se relacionam pela equação de autovalores P P M 2 . O hamiltoniano tem apenas férmions como graus de liberdade, o que simplifica enormemente a estrutura do espaço de Fock. No limite ultrarrelativístico em que a massa m do férmion do termo de Dirac é infinita m , a equação de autovalores acima tem a solução M 2 e2 , o resultado já bem conhecido e estudado do Modelo de Schwinger. Este resultado é obtido em LFD a partir da interação de um par férmion-antiférmion, e não é de forma alguma trivial. No limite de massa zero m 0 , o divergente da corrente axial quântica é diferente de zero, mostrando a mesma anomalia do modelo de Schwinger quiral encontrada no formalismo SL. A diferença reside em que, no formalismo LF, a corrente j5 j j 0 j 3 obedece à equação de Klein-Gordon para um campo escalar massivo com m2 e2 . 205 Alguns anos após o desenvolvimento inicial da aplicação do método de renormalização EG no contexto da LFQFT, Grangé e Werner apresentam um trabalho rigorosamente fundamentado intitulado “The Taylor-Lagrange scheme as a template for symmetry-preserving renormalization procedures” (P. Grangé and E. Werner, J. Phys. A 44 (2011) 385402 (26pp)). Traduzindo livremente o sumário original: “Apresenta-se um esquema geral de renormalização/regularização baseado em propriedades intrínsecas de campos quânticos enquanto distribuições valoradas em operadores, com funções de teste adequadas. A propriedade paracompacta das variedades euclidiana e minkowskiana permite uma definição única de campos através de integrais sobre as variedades, baseada em funções de teste que são partições da unidade (PU). Essas funções de teste resultam promover um esquema invariante de Lorentz diretamente voltado para o procedimento de extensão de distribuições singulares, e possuem a propriedade única de serem iguais ao seu próprio termo de Taylor restante, de qualquer ordem [N. B. – qualquer potência de uma PU é uma PU de mesmo suporte, logo, equivalente]. Quando esse termo restante de Taylor é expresso pela fórmula de Lagrange, somos levados a procedimentos específicos de extensão de distribuições nos domínios UV e IR. Esses resultados, que são diretamente obtidos na dimensão física D 4 , dependem de uma escala arbitrária que está presente na definição de qualquer função de teste PU, e essa escala é relevante na análise final do Grupo de Renormalização das amplitudes físicas. O caráter geral do método TL se dá no sentido de que o mesmo compreende os procedimentos bem conhecidos e preservadores de simetria do método BPHZ, assim como as subtrações presentes no método de regularização de Pauli-Villars, tanto ao nível de propagadores quanto de relações de dispersão. A preservação de simetria é explicitamente verificada em contribuições simples de bósons de calibre em QED/QCD, e também no tratamento do modelo de Yukawa no contexto da dinâmica covariante de frente de luz (CLFD).” Pelos motivos expostos anteriormente, resumiremos aqui a essas breves citações a apresentação do método de renormalização TL 206 9. APÊNDICE A TEORIA DOS NÓS Os nós são conhecidos e usados para os mais variados fins desde tempos imemoriais, passando pelas civilizações egípcia, suméria, maia, inca, e inúmeras outras. A Teoria dos Nós, ou seja, o conhecimento das regras que produzem os nós, suas propriedades matemáticas, e suas possíveis aplicações, nasceu no século XVIII, através de um estudo em que Carl Friedriech Gauss descobriu um número classificatório das possibilidades de elos em uma corrente com dois nós: o número de elo (link number). Este número é um inteiro topologicamente invariante que conta o número de vezes que uma curva plana fechada pode envolver outra curva plana fechada, e pode ser positivo ou negativo, dependendo das orientações de ambas as curvas. Abaixo, são mostrados elos com números de elo diferentes: O mais à esquerda é o elo de ordem zero, com número de elo 0. Um elo de ordem zero define naturalmente o conceito de nó. Os elos subsequentes possuem, respectivamente, números de elo 1, 2 e 3. O conceito fundamental, entretanto, é o nó, cujas formas e propriedades topológicas podem ser estudadas individualmente, e se revelam muito mais ricas e complexas do que à primeira vista. O elo de ordem zero é idêntico a um círculo, não necessariamente plano, que representaremos, como usual, por S 1 , recebendo na teoria a denominação de não-nó (unknot). Todos os demais nós podem ser construídos, então, como deformações sem interseções de S 1 , no interior (embedded in), por exemplo, de 3 . 207 As figuras abaixo mostram os dois nós não-triviais mais simples, possuindo como invariantes topológicos, respectivamente, os números de cruzamentos (crossing numbers) 3 e 4: Serão mostrados aqui apenas alguns conceitos básicos da Teoria dos Nós, especialmente aqueles que, por sua natureza topológica, estão relacionados com os grafos de Feynman. Def.: Um nó é um mapa suave de S 1 para se e somente se s1 s2 . Obs.: Todos os nós em 3 são triviais em 3 , sem interseções. Simbolicamente, para esse mapa teremos s1 s2 4 , pois neste espaço um nó passa a ser definido como um mapa suave : S2 4 . O que nos interessa na verdade são as classes de equivalência entre os nós, definidas da forma seguinte. Dois nós são equivalentes se podemos deformar um deles para obter o outro, sem efetuar cortes. Formalmente, dois nós K1 e K 2 são equivalentes, o que simbolizamos por K1 K 2 , se existir um auto-homeomorfismo preservador de orientação, em 3 , que mapeie K1 em K 2 , conforme mostrado na figura abaixo, onde estão representadas duas representações equivalentes de um mesmo nó com número de cruzamentos igual a três: 208 Construindo agora elos a partir dos nós, podemos definir diagramas de elos como sendo um mapeamento de S 1 S 1 S 1 para 3 . Quando usamos n cópias de S 1 , dizemos que esses elos possuem n componentes. O n -elo trivial é equivalente à união disjunta de n círculos sobre o plano, e é denotado por n . O círculo isolado é denominado de não-nó, como já foi visto. Os elos são espaços topológicos mergulhados (embedded) em 3 , o que faz com que, por exemplo, S 1 S 1 seja equivalente a S 1 quando representado em 4 . Todo nó é gerado univocamente pelo produto de nós primos, assim como todo número natural pode ser fatorado em números primos. Isto mostra que a Teoria dos Nós está intimamente relacionada à Teoria dos Números. O produto de dois nós é sempre bem definido, uma vez que é irrelevante onde são realizados os cortes e as colagens que produzem o nó resultante, como pode ser visto de maneira clara na figura abaixo, que representa o produto K1 K1 : 209 Esta operação atribui uma estrutura de semigrupo ao conjunto de nós, onde a identidade é o não-nó, e o produto de nós é um nó. O que falta para ser uma estrutura de grupo é o inverso: não existe um nó que, multiplicado por um nó não-trivial, como os de número de cruzamento 3 e 4 mostrados anteriormente, reproduza o não-nó. O problema crucial da Teoria dos Nós é reconhecer a equivalência entre dois nós. Como já foi dito, dois nós são equivalentes quando um resulta do outro por deformações tridimensionais contínuas, ou isotopias ambientes 3 3 , sem cortes nas cordas. Dois nós equivalentes possuem um mesmo invariante, que pode ser o número de cruzamentos, polinômios invariantes (os mais conhecidos são o de Alexander, o de Jones e o HOMFLY), invariantes hiperbólicos, e outros. Os diagramas de dois nós equivalentes podem ser transformados um no outro através de uma sequência de movimentos, descoberta em 1927 por Kurt Reidemeister (1893-1971), e descrita abaixo: A associação fundamental entre os diagramas, ou grafos de Feynman, e a Teoria dos Nós, é feita através da identificação de subdivergências aninhadas com grafos escada, e destes com diagramas de elos, como exemplificado na representação abaixo: 210 Na figura maior, a hierarquia da estrutura de uma floresta de Zimmermann é mapeada em um diagrama de elos, representado logo abaixo, onde cada cruzamento em um elo corresponde a um vértice no diagrama de Feynman. A conservação dos momentos nos vértices se dá de forma natural, como mostrado nas duas figuras inferiores. 211 10. APÊNDICE B ESPAÇO PARACOMPACTO E PARTIÇÃO DA UNIDADE (PU) A noção de espaço topológico paracompacto foi criada em 1944 pelo matemático Jean Dieudonné, um dos integrantes do grupo Bourbaki (“Une genéralisation des spaces compacts”, J. Math. Pures et Appliquées, 23 (1944) 65-76). A extensão do uso da PU da integral de formas diferenciais para o funcional de distribuições foi introduzida por Laurent Schwartz (“Théorie des distributions”, Hermann, Paris, 1966) Def: PARTIÇÃO DA UNIDADE Seja X uma variedade m -diferenciável e seja o intervalo unitário I 0,1 . Uma partição da unidade (PU) é uma coleção de mapas contínuos : X I tais que: (i) cada tem o seu suporte (isto é, o fecho do conjunto em que 0 ) contido em algum intervalo aberto U X ; (ii) cada x x1 , x 2 , , x m X possui uma vizinhança que contém somente um número finito de ’s não nulos; (iii) 1 Def: ESPAÇO DE HAUSDORFF PARACOMPACTO Um espaço de Hausdorff X é paracompacto se, para toda cobertura aberta U de X , existe uma partição da unidade subordinada à cobertura. Todo espaço compacto é paracompacto Todo espaço de Hausdorff paracompacto admite uma partição da unidade Todo espaço métrico é paracompacto. 212 Exemplo: Para m 1 , se considerarmos X conexo, só existem duas variedades possíveis: a reta e o círculo S 1 . No plano xy , podemos tomar o representativo x 2 y 2 1 para encontrar um atlas para S 1 . Esse atlas possuirá pelo menos duas cartas 1 ,2 , mostradas na figura abaixo: com as inversas 11 : 0,2 S 1 e 21 : , S 1 definidas respectivamente por As imagens das inversas são Im 11 S 1 1,0 , Im 21 S 1 1,0 . Obviamente 1 ,2 ,1121 são mapas contínuos, logo, 1 e 2 são homeomorfismos. 213 Consideremos agora uma função f : M sobre uma variedade orientável M dotada de um elemento de volume . Em uma vizinhança U i com as coordenadas x , define-se a integral de uma m -forma f pela expressão Se a integral sobre U i é definida, a integral de f sobre toda a variedade M é obtida através da PU definida como se segue. Def: Tomemos uma cobertura aberta U i de M tal que todo ponto de M seja coberto por um número finito de U i , isto é, M é paracompacto. Se uma família de funções diferenciáveis i p satisfaz as condições para todo ponto p M , a família i p é uma partição da unidade subordinada à cobertura U i . Da condição (iii) acima decorre que onde fi p f p i p é nula no exterior de U i , pela condição (ii). Logo, dado um ponto p M , como M é paracompacto, o somatório tem um número finito de termos. Para cada fi p podemos definir a integral sobre U i , e resulta que a integral de f sobre M será dada por 214 Mesmo que um atlas distinto Vi , i tenha coordenadas diferentes, e uma PU diferente, a integral definida acima permanecerá a mesma. Voltando ao exemplo anterior em que o atlas de S 1 é dado por U i ,i , i 1,2 e U1 S 1 1,0 , U 2 S 1 1,0 , 1 sen 2 2 , 2 cos 2 2 . É imediato verificar que i é uma PU subordinada a U i . Como exemplo, vamos integrar uma função f cos2 . Pelas definições anteriores, temos que, como é sabido, 215 A PU definida acima está representada na figura, para x 0,2 , y 0,1 : 216 O exemplo mais simples de uma PU é dado pela decomposição da unidade sobre a reta pela família de funções i construídas a partir da função elementar u que tem a seguinte propriedade, para todo ponto x 0, h : u x u h x 1. Para qualquer j e para qualquer x jh, j 1 h obtemos, por translação, u x jh u j 1 h x 1. Logo, e j x u x jh x 1. j j A PU correspondente é mostrada na figura abaixo, para alguns valores de j : 217