1 DETERMINAÇÃO AUTOMÁTICA DAS DIREÇÕES DE RASTROS

Transcrição

1 DETERMINAÇÃO AUTOMÁTICA DAS DIREÇÕES DE RASTROS
DETERMINAÇÃO AUTOMÁTICA DAS DIREÇÕES DE RASTROS DE DUST
DEVILS NA SUPERFÍCIE DE MARTE
Tatiane Ramalho dos Santos Corrêa
Aluna do IFMT, Campus Cuiabá, bolsista PROIC/IFMT
Thiago Statella
Prof. Doutor do IFMT, Campus Cuiabá, orientador
Resumo
Dust Devils são vórtices convectivos formados por correntes de ar quente instáveis, dentro
da camada atmosférica mais próxima da superfície marciana. Acredita-se que estes vórtices
turbulentos interferem de maneira direta na paisagem marciana. Foi enviada à Marte a
missão Mars Global Surveyor com a câmera orbital Mars Orbiter Camera (MOC) com
resolução espacial de até 1,5 m por pixel, tendo periodo de atividade entre os anos de 1997
a 2006. Em 2005 foi enviada outra missão, a Mars Reconnaissance Orbiter (MRO) com a
câmera HiRISE (Hight Resolution Imaging Science Experiment) a bordo, gerando imagens
com resoluções de até 0,25 m, a qual continua atualmente imageando o planeta. As
imagens geradas por estes sensores podem ser utilizadas no estudo de dust devils, como
por exemplo, determinação automática das direções preponderantes dos rastros, e foi este o
objetivo deste trabalho. O banco de dados contou com cerca de 200 imagens (90 MOC e
110 HiRISE) selecionadas anteriormente por Statella et al. (2012), distribuidas pelas
regiões: Aeolis, Argyre, Eridania Hellas e Noachis. As direções calculadas foram obtidas
de maneira automática via Morfologia Matemática, um ramo do processamento não linear
de imagens. O método proposto é inédito e foi aplicado para o cálculo das direções
preponderantes de rastros dust devil. Os resultados serão utilizados para auxiliar o
entendimento de processos eólicos ativos em Marte.
Palavras-chave: Dust Devil. Marte. Morfologia Matemática.
Introdução
Este trabalho apresenta uma abordagem para determinação automática das direções
preponderantes de rastros de dust devil em imagens digitais da superfície de Marte. Dust
devils são vórtices convectivos formados por correntes de ar quente instáveis, próximas à
superfície e provocadas por insolação. Eles têm sido estudados na Terra por séculos e
foram observados pela primeira vez em Marte nas imagens orbitais obtidas pelos
programas Viking (1975), Mars Observer (1992) e Mars Pathfinder (1996). Esses
fenômenos, semelhantes a tornados, têm dimensão variável podendo alcançar quilômetros
em largura e altura. Sua formação ocorre com maior frequência durante a primavera e o
verão marcianos, em horário local próximo das 14:00h (STANZEL et al., 2008) e são o
1
principal mecanismo de injeção de poeira na atmosfera (BASU, RICHARDSON e
WILSON, 2004; BASU, 2005). O modelo de circulação global da atmosfera (Global
Circulation Model - GCM) indica que o comportamento dos ventos segue um padrão N-S e
E-W, contrastando, em parte, com as direções inferidas a partir da observação de rastros de
dust devils (SW-NE, NW-SE) GREELEY et al.,1992) tornando evidente a necessidade de
mais estudos sobre processos eólicos marcianos. Os trabalhos publicados sobre dust devils
envolvem, de maneira geral, a simulação numérica e mecânica de dust devils em
laboratório, metodologias para identificação de vórtices a partir de instrumentos
embarcados em robôs pousados na superfície marciana, detecção de vórtices e rastros a
partir de imagens orbitais, além de estudos sobre suas propriedades termais e elétricas.
As imagens utilizadas neste trabalho provém da base de imagens da NASA e foram
obtidas pelas sondas orbitais Mars Orbiter Camera (MOC), que orbitou o planeta de 1997 a
2006, e HiRISE (Hight Resolution Imaging Science Experiment) que atua ainda. O número
de imagens geradas (e a quantidade de informação contida nelas) cresce a uma taxa maior
do que a capacidade de operadores humanos analisarem e extraírem dados relevantes
desses produtos para caracterização do planeta em estudo (BANDEIRA, SARAIVA e
PINA, 2007). Isso abre espaço para a utilização de processos automáticos de extração de
informações. Este trabalho visa definir automaticamente a direção de rastros de dust devils
a partir de imagens digitais. As imagens utilizadas foram selecionadas anteriormente por
Statella et al. (2012). Eles aplicaram um método automático para detecção dos rastros,
utilizando morfologia matemática e binarização automática de imagens. Os autores
aplicaram o método a 200 imagens do banco de dados e os resultados foram comparados
com imagens em que os rastros haviam sido marcados manualmente, obtendo uma
acurácia global de ~92%  5% na detecção.
Neste trabalho, as imagens de entrada para o método de determinação automática
da direção preponderante dos rastros foram aquelas advindas dos processamentos
efetuados por Statella et al. (2012). Sobre as imagens binárias, com rastros detectados,
obtidas por aqueles autores, o método proposto aqui foi aplicado para o cálculo das
direções.
Fundamentação teórica
As direções preponderantes dos rastros de dust devil foram obtidas de maneira
2
automática via processamento digital de imagens. A principal teoria envolvida é a
Morfologia Matemática, que é um ramo do processamento não linear de imagens digitais
que se propõe a extrair informações de imagens a partir de transformações de formas,
realizadas através de dois operadores (ou transformações) elementares que eles
denominaram dilatação e erosão.
As transformações introduzidas nas imagens dependem de padrões definidos
chamados Elementos Estruturantes (EE), que as estudam localmente. Aos serem
combinadas, erosões e dilatações dão origem a várias outras transformações para detecção
de esqueletos e contornos, descrição de forma, filtragens, preenchimento de buracos, etc. A
principal transformação utilizada foi a abertura morfológica. A seguir, são dadas as definições
de erosão, dilatação e abertura.
Erosão: A Erosão
 de uma imagem f, binária ou em tons de cinza, por B
(denotada por B) é o valor mínimo entre as translações de f pelos vetores b de B. Chamase B de Elemento Estruturante (EE). A forma e o tamanho dos EEs devem ser adaptados às
propriedades geométricas dos objetos contidos na imagem a ser processada.
B ( f ) 

f b
(1)
bD ( B )
Em outras palavras, o valor da erosão para um dado pixel x de f é o valor mínimo
da imagem na janela definida pelo elemento estruturante quando sua origem está em x:
f ( x  b)
 B ( f ) ( x)  bmín
D ( B )
(2)
Dilatação: A dilatação  de uma imagem f, binária ou em tons de cinza, por B (denotada
por B) é o valor máximo entre as translações de f pelos vetores b de B.
B ( f ) 

fb
(3)
bD ( B )
3
Oposto da erosão, o valor da dilatação para um dado pixel x é o valor máximo da
imagem na janela definida pelo elemento estruturante quando sua origem está em x:
f ( x  b)
 B ( f ) ( x)  bmáx
D ( B )
(4)
Abertura: Segundo Soille (2004), a abertura  de uma imagem f por um EE B é
denotada por  B ( f ) e é definida como a erosão de f por B, seguida da dilatação pelo EE
transposto.
 B ( f )   B  B ( f ) .
(5)
Metodologia
O banco de imagens utilizado contém 200 imagens (90 MOC e 110 HiRISE),
distribuídas pelas regiões Aeolis, Noachis, Argyre, Eridania e Hellas, mostradas na figura
1.
Figura 1 - Regiões marcianas e regiões estudadas, demarcadas em vermelho.
Fonte: NASA/JPL/MSSS.
4
O método para determinação automática das direções preponderantes de rastros de
dust devils utiliza, como dados de entrada, imagens binárias nas quais os rastros foram
previamente detectados por Statella et al. (2012). Para cada uma das 200 cenas o azimute
preponderante dos rastros foi calculado. Para tanto, foram utilizadas aberturas
morfológicas direcionais por EEs lineares.
O azimute  de um rastro é o ângulo entre o rastro e a direção N-S, contado a
partir do Norte, em sentido horário, variando no intervalo [0°, 360°). Embora  
prática, devido a sua aproximação digital, adota-se  


, na
, com  variando a passos de n
graus. Portanto, para n = 15°, temos o conjunto de azimutes {0°, 15°,..., 345°} com origem
num dado pixel p.
A direção oposta à  é denotada por ', assim, se  = 0° então ' = 180°. O
caminho no azimute  é definido como a união dos raios do EE nas direções  e '. Como
um exemplo, o caminho no azimute 45° é composto pelos raios (com origem em p)
orientados a 45° e 225° (pode-se notar que os caminhos nas direções 225° e 45° são
idênticos, já que ambos compartilham os mesmos raios). Agora, é possível definir uma
família L, de EEs lineares (com azimute  e tamanho ) cujos caminhos sejam orientados
segundo os azimutes  = {0°, 15°,..., 165°}. Exemplos de EEs lineares direcionais com
azimutes 0°, 45°, 90° e 135° são mostrados em (6).
0 1 0 
0


B0  0 1 0  , B45  0
0 1 0 
1
0 0 0
1


B90  1 1 1  , B135  0
0 0 0 
0
0 1
1 0  ,
0 0 
0 0
1 0  .
0 1 
(6)
A motivação para este método é o fato de que aberturas morfológicas direcionais
têm grande potencial para estimar a orientação preponderante dos rastros de dust devils,
uma vez que os operadores de Morfologia Matemática são adequados para a análise da
geometria e topologia de conjuntos em imagens.
O tamanho  (raio do EE) dos EEs variou de uma cena para outra (entretanto,
5
para cada imagem, todas as aberturas direcionais foram aplicadas com um tamanho fixo)
de acordo com a largura máxima dos rastros em cada imagem. Esta largura foi calculada
como descrito em Statella et al. (2012). Aberturas morfológicas direcionais foram aplicadas
às 200 imagens com rastros detectados, utilizando a família L, de EEs previamente
definida. A direção principal dos rastros é assumida como sendo aquela em que a abertura
removeu menos pixels do que nas outras direções. Na representação dos resultados em um
diagrama de direções, cada asa do diagrama representa a quantidade de pixels inalterados
pela abertura, portanto, o azimute principal dos rastros é indicado pela menor asa. Um
exemplo é mostrado na figura 2, para a imagem HiRISE PSP_006163_1345. A figura 3 (a)
mostra imagem original e, em (b), é exibida a imagem binária com rastros detectados por
Statella et al. (2012). A figura 2 (c) mostra o resultado da aplicação de EEs lineares de
tamanhos  = 57 pixels, orientados segundo os azimutes  = {0°, 15°,..., 165°}, isto é, com
azimutes definidos em passos de 15°. A direção principal na qual a abertura morfológica
filtrou menos pixels foi 30°, considerada, portanto, a direção preponderante.
Figura 2 - Aplicação do método proposto à imagem HiRISE PSP_006163_1345: a) imagem
original; b) imagem com rastros detectados pelo método proposto por Statella et al. (2012); c)
resultado do método para determinação da direção preponderante dos rastros.
(a)
(b)
(c)
Créditos da imagem (a): NASA/JPL/University of Arizona.
Resultados e discussões
O método proposto foi capaz de calcular o azimute preponderante dos rastros de
6
dust devil de maneira automática. Foi aplicado o método às 200 imagens contendo rastros,
para que se possa, em um próximo estágio, compreender melhor o comportamento local e
regional dos ventos na superfície marciana. As direções obtidas podem ser usadas para
verificação de modelos teóricos de circulação dos ventos no planeta. Isso é importante
porque processos eólicos são os únicos atualmente ativos no planeta, sendo os principais
responsáveis pelas mudanças ocorridas na superfície ao longo dos tempos.
O monitoramento destes processos auxilia o entendimento da evolução do planeta
e contribui para estudos nas áreas de Geologia, Climatologia e Cartografia de Marte. A
seguir, nas Tabelas 1 a 5, são mostradas as direções preponderantes dos rastros nas regiões
Aeolis, Noachis, Argyre, Eridania e Hellas, distribuídas por longitude solar. As estações do
ano marcianas são definidas em termos de longitude solar (Ls), ou seja, a posição de Marte
em relação ao sol, medida em graus, a partir do equinócio vernal (início da primavera no
hemisfério norte). Assim, a primavera no hemisfério norte e o outono no hemisfério sul
começam em Ls = 0°, o verão no hemisfério norte e o inverno no hemisfério sul começam
em Ls = 90°, o outono no hemisfério norte e a primavera no hemisfério sul começam em
Ls = 180°, e o inverno no hemisfério norte e verão no hemisfério sul começam em Ls =
270°. Aeolis possui cerca de 5 imagens onde foram encontradas rastros, com azimutes
preponderantes 105° e 120º, com horário médio de ocorrência 14:32h.
Tabela 1
Direção preponderante em azimute calculada para as imagens da região Aeolis
Longitude Solar (°) N° de imagens Azimute predominante (°)
1
120
0-30
1
105
120-150
2
105/45
240-270
1
120
330-360
5
105/120
Total
Fonte: Construção dos autores.
Argyre possui cerca de 42 imagens com rastros detectados em longitudes solares de
240º a 360º, tendo como azimute preponderante 45º e horário médio de ocorrência 14:23h.
7
Tabela 2
Direção preponderante em azimute calculada para as imagens da região Argyre.
Longitude Solar (°) N° de imagens Azimute predominante (°)
7
45
240-270
7
0
270-300
15
30
300-330
42
45
330-360
74
45
Total
Fonte: Construção dos autores.
Eridania possui cerca de 34 imagens com rastros detectados em longitudes solares
de 240º a 360º, tendo como azimute preponderante 0º e horário médio 14:23h.
Tabela 3
Direção preponderante em azimute calculada para as imagens da região Eridania.
Longitude Solar (°) N° de imagens Azimute predominante (°)
14
120
240-270
18
0
270-300
2
0
330-360
34
0
Total
Fonte: Construção dos autores.
Noachis possui cerca de 39 imagens com rastros detectados em longitudes solares
de 180º a 360º, tendo como azimute preponderante 165º e horário médio 14:28h.
Tabela 4
Direção preponderante em azimute calculada para as imagens da região Noachis.
Longitude Solar (°) N° de imagens Azimute predominante (°)
3
120/0/60
180-210
1
90
210-240
7
165
240-270
15
165
270-300
13
15
330-360
39
165
Total
Fonte: Construção dos autores.
Hellas possui cerca de 40 imagens com rastros detectados em longitudes solares de
240º a 360º, tendo como azimute preponderante 30º e horário médio 14:08h.
8
Tabela 5
Direção preponderante em azimute calculada para as imagens da região Hellas.
Longitude Solar (°) N° de imagens Azimute predominante (°)
3
165/90/135
240-270
11
90
270-300
25
30
300-330
1
135
330-360
40
30
Total
Fonte: Construção dos autores.
Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo calcular o azimute preponderante de rastros de
dust devils em imagens orbitais de Marte. O método apresentado é inédito e até o momento
não existe outra abordagem para efetuar a determinação automática das direções dos
rastros. Os resultados podem ser usados para auxiliar o entendimento de processos eólicos
ativos em Marte, entender variações locais de temperatura causadas pela injeção de poeira
na atmosfera pelos vórtices, verificar e melhorar predições do GCM, etc.
Na continuação deste projeto os azimutes preponderantes serão comparados com
simulações feitas pelo GCM, que poderão confirmar, ou não, se o modelo de circulação
geral prediz a direção dos ventos em escalas locais e regionais com boa precisão.
Referências bibliográficas
BANDEIRA, L.; SARAIVA, J.; PINA, P. Impact Crater Recognition on Mars Based on a
Probability Volume Created by Template Matching. IEEE Transactions on Geoscience
and Remote Sensing, v. 45, n. 12, p. 4008 – 4015, dez. 2007.
BASU, S.; RICHARDSON, M. I.; WILSON, R. J. Simulation of the Martian dust cycle
with the GFDL Mars GCM. Journal of Geophysical Research, v. 109, E11006, p. 1-25,
2004.
BASU, S. Simulations of the Martian Dust Cycle with a General Circulation Model,
2005. Tese para obtenção do título de PhD - California Institute of Technology, Pasadena,
Califórnia.
GREELEY, R.; LANCASTER, N.; LEE, S.; THOMAS, P. Martian Aeolian processes,
sediments and features. In: KIEFFER, H. H. Mars, Tucson: University of Arizona Press,
1992, p. 730– 766.
9
SOILLE, P., 2004.Morphological Image Analysis. Springer-Verlag, Berlin.
STANZEL, C.; PÄTZOLD, M.; WILLIAMS, D. A.; WHELLEY, P. L.; GREELEY, R.;
NEUKUM, G. Dust devil speeds, directions of motion and general characteristics
observed by the Mars Express High Resolution Stereo Camera. Icarus, v. 197, p. 39–
51, 2008.
STATELLA, T. ; PINA, P. ; SILVA, E. A. Image processing algorithm for the
identification of Martian dust devil tracks in MOC and HiRISE images. Planetary and
Space Science, v. 70, p. 46-58, 2012.
10