A ampliação da competência dos Juizados Especiais
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A ampliação da competência dos Juizados Especiais
A ampliação da competência dos Juizados Especiais: solução ou agravante da crise judiciária? Miguel Féres Guedes1, [email protected]; Marcelo Alexandre do Valle Thomaz2 1. Bacharel da segunda turma de Direito da Faculdade de Minas; 2. Professor no Curso de Direito da Faculdade de Minas (FAMINAS), Muriaé, MG. RESUMO: O trabalho foi desenvolvido tomandose por base os Juizados Especiais, estudando-se suas origens e seu escopo, assim como a crise que assola o Poder Judiciário, suas origens, causas e efeitos. Dentro desse quadro, foram analisados mais profundamente os projetos de lei que objetivam a ampliação da competência dos Juizados e do valor de alçada para a propositura das ações, as justificativas de seus autores e o posicionamento dos relatores. Foram levadas em consideração as opiniões de profissionais do Direito com experiência forense nos Juizados Especiais de Muriaé (MG), tais como advogados, juízes e promotores de justiça, a fim de se verificar suas opiniões a respeito das alterações pretendidas à Lei n. 9.099/95. Palavras-chave: Juizados Especiais, crise judiciária, competência, projetos de lei. RESUMEN: La ampliación de la eficiencia de los Juzgados Especiales: ¿solución o agravante de la crisis jurídica? El trabajo fue desarrollado tomándose como base los Juzgados Especiales, estudiándose sus orígenes, causas y efectos. Den- tro de este cuadro fueron analizados más profundamente los proyectos de ley que objetivan la ampliación de la eficiencia de los Juzgados y del valor del poder de proposición de las acciones, las justificativas de sus autores y la posición de los relatores. Fueron llevadas en consideración las opiniones de profesionales del derecho con experiencia forense en los Juzgados Especiales de Muriaé (MG), tales como abogados, jueces y promotores de justicia, con el propósito de verificar sus opiniones a respecto de las alteraciones pretendidas con la ley 9.099/95 Palabras llaves: Juzgados especiales, crisis judiciaria, eficiencia, proyectos de ley. ABSTRACT: The Small Claims Court’s competency ampliation: solution or judiciary crisis aggravation? The production was developed taking as basis the Small Claims Courts, studying its origins and purposes, as well as the crisis that desolates the Judiciary, its origins, causes and effects. Within this picture, the law projects that objectifies the ampliation of the Small Claims Courts’ competency and lawsuits proposing value limits were more profoundly analyzed, as well as its authors justifications e the deputy’s posture. It was taken in consideration the opinion of the law professionals with some judicial experience in Muriaé’s Small Claims Courts, such as lawyers, judges and district attorneys, in order to verify their opinion regarding the intended modifications in the Law nº 9.099/95. Keywords: Small Claims Courts, judiciary crisis, competency, law projects. Introdução Em virtude da crise já há muito experimentada pelo Poder Judiciário, são constantemente criadas novas leis que visam dar maiores garantias para o 18 MURIAÉ – MG cidadão, no intuito de tornar a prestação jurisdicional mais célere e capaz de realmente proporcionar justiça. Nesse ínterim, em 1995, foi criada a Lei n. 9.099, a qual regulamentou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, de instituição constitucionalmente obrigatória. Esses juizados estabeleceram um procedimento mais simples, denominado sumaríssimo, sustentado por princípios que visam, de uma forma geral, à resolução rápida e eficaz de conflitos menos complexos e de valor reduzido, sempre buscando substituir a imposição estatal representada pela sentença de mérito pela composição levada a efeito pelas partes. A aceitação por parte da população foi grande, tendo a procura por tais juizados crescido. Desta forma, há o interesse de parcelas da sociedade em ampliar a competência dos Juizados Especiais, de forma que o procedimento sumaríssimo, mais célere, simples e gratuito, possa ser capaz de dirimir outros tipos de conflitos sociais, bem como passar a abarcar demandas de valor superior ao atualmente aceito. Surge então a seguinte questão: essas alterações serão benéficas ou não? Serão elas capazes de intensificar o sucesso trazido pelos Juizados Especiais, ou contribuirão por entravar o microssistema? I– Fundamentação teórica 1.1 – A crise judiciária A sociedade brasileira tem vivenciado uma verdadeira crise de credibilidade de todas as instituições públicas. O sentimento geral do cidadão, consumidor dos serviços públicos que lhe são prestados, é de insatisfação, seja pela falta de qualidade, pela morosidade, ou pela sensação de que o poder público anda em total descompasso com as reais necessidades do povo. Tal crise, nas palavras de Joel Dias Figueira Junior (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007, p. 53), é vista como uma das mais graves, justamente por “refletir na manutenção do equilíbrio do estado democrático de direito e na paz social”. Segundo Almeida Santos apud Pedron (2008), durante a reforma constitucional de 1926 já havia sido feita uma proposta para diminuição de julgados, quanto à limitação do cabimento dos recursos extraordinários, mas que não foi materializada, o que demonstra que os indícios de um entrave jurisdicional estão presentes em nosso meio há cerca de 80 anos. Segundo Buzaid apud Pedron (2008), a idéia de crise do Judiciário está ligada a um desequilíbrio entre o aumento do número de demandas ajuizadas e o número de julgamentos proferidos. Em razão disso, tem-se um acúmulo REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 19 de ações propostas, congestionando o fluxo normal da tramitação processual e prejudicando a observância regular pelo Poder Judiciário dos prazos processuais fixados na legislação processual brasileira, criando-se assim, segundo Joel Dias Figueira Junior (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007, p. 45), “um verdadeiro descompasso entre o instrumento e a rápida, segura e cabal prestação da tutela por parte do Estado-Juiz”. Para Figueira Júnior (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007), ao investigar as causas principais da crise judiciária, pode-se constatar facilmente que elas se encontram profundamente ligadas a fatores de profunda modificação nas órbitas social, política e econômica, assim como vinculadas à crise do processo como instrumento de realização do direito material violado ou ameaçado, seguindo a mesma vereda tomada por Carmine Punzi (1974), segundo o qual o problema da justiça civil e da sua crise envolve tanto o direito material quanto o direito processual. Assim, seriam causas da crise o aumento demográfico (BUZAID apud PEDRON, 2008), e o processo de industrialização e urbanização brasileiro (SADEK apud PEDRON, 2008), que geram um acréscimo significativo de conflitos sociais passíveis de serem dirimidos judicialmente, aumentando assim a demanda pela prestação jurisdicional. Figueira Júnior (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007, p. 53) ainda ressalta a frenética edição de normas em nosso país, seja em nível federal, estadual ou municipal, o que cria uma verdadeira trama legislativa, tornando difícil a sua compreensão, até mesmo para o seu cumprimento, declarando comungar da mesma opinião de Francisco Rezek (1998, apud TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007), quando afirma que no Direito brasileiro existem dois graves vícios que necessitam de remédio urgente: de um lado, as regras de processo, que parecem não querer que o processo termine, sendo muitos os recursos possíveis, e, de outro lado, as regras de direito material que o legislador edita com fartura, as quais têm sido matriz de processos em larga escala, sobretudo quando é o governo que legisla, sem o pressuposto do debate parlamentar. Parte do problema reside na inadequação das leis de organização judiciária dos Estados e na carência sempre notória e cada vez maior de magistrados e serventuários da justiça, assim como na precariedade do aparelhamento da máquina administrativa, na falta de infra-estrutura. Pedro Madalena (p. 70, apud TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007, p. 50) ressalta que uma das medidas a serem tomadas contra a crise judiciária seria a “[...] adoção de um sistema de estruturação do Poder Judiciário, com melhores recursos humanos e materiais”. 20 MURIAÉ – MG 1.2 – A evolução dos Juizados Especiais O surgimento dos Juizados Especiais remonta à criação do primeiro Conselho de Conciliação e Arbitramento (CCA), em 23 de julho de 1982, na comarca de Rio Grande. A idéia surgiu de vários juízes de primeiro grau que, não obstante trabalharem arduamente, não conseguiam prestar a tutela jurisdicional de forma ideal. Diante da morosidade da tramitação processual e do seu alto custo, as pessoas deixavam de reivindicar seus direitos, ou então passavam a fazê-lo com suas próprias mãos. Dessa forma, esses magistrados começaram a realizar um trabalho pioneiro, empírico, e sem nenhum amparo legal: o atendimento à comunidade à noite na sede do fórum, uma experiência informal, da qual resultavam acordos que constituíam títulos executivos extrajudiciais. A idéia então cresceu, e pôde ser concretizada com a ajuda da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Sul (AJURIS) e do Tribunal de Justiça, sendo criado assim o primeiro Conselho de Conciliação e Arbitramento (ANDRIGHI, 1990). A experiência de tal Conselho foi bem sucedida e se difundiu, sendo que em razão dela foi criada posteriormente a Lei n. 7.244, de 7 de novembro de 1984, que dispunha sobre a criação e funcionamento dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, que foram criados como sendo órgãos da justiça ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. Eles possuíam competência apenas na esfera cível, possuindo caráter jurisdicional, ao contrário dos Conselhos de Conciliação e Arbitramento que eram informais. A referida lei ainda trouxe em seu bojo normas processuais próprias, sendo-lhe aplicado subsidiariamente o Código de Processo Civil (ANDRIGHI, 1990). Tendo sido a experiência dos Juizados Especiais de Pequenas Causas também satisfatória, foi inclusa na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 98, inciso I, a obrigatoriedade da União e dos Estados de criarem Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Tais juizados foram efetivamente criados com o advento da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, além da competência cível para processo e julgamento de causas de menor complexidade, possuem também competência para execução de seus próprios julgados e de títulos executivos extrajudiciais que não ultrapassem o limite de quarenta salários mínimos. O legislador ainda achou por bem incluir a competência criminal, para a conciliação, julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo. Cumpre ainda ressaltar que, em razão dos resultados positivos conseguidos com a Lei n. 9.099/95, foram acrescentados os parágrafos 1º e 2º ao art. REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 21 98 da Constituição Federal, passando a definir que a Lei Federal haveria de dispor sobre a criação dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal. Após, em 10 de julho de 2001, é sancionada a Lei n. 10.259, que tratou da matéria especifica (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007). 1.3 – O escopo dos Juizados Especiais O legislador, quando da criação da Lei n. 9.099/95, foi altamente motivado pelo crescente entrave jurídico-processual sofrido pelo Judiciário brasileiro, assim como pelo sucesso de seus predecessores. Dessa forma, a referida lei nasceu imbuída do sentimento de superar esses obstáculos, objetivando uma melhor prestação jurisdicional, mais célere, simples e acessível ao cidadão. Adroaldo Furtado Fabrício (apud TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007) ressaltou que na Lei n. 9.099/95 procedimento e juízo são especificamente criados um para o outro, visando a um determinado objetivo, sendo que a operação de um supõe a presença de seu correspectivo. Os Juizados Especiais, assim, estão umbilicalmente ligados ao procedimento que para eles se criou, exclusivamente. Teria como equivalentes, no Direito comparado, os small claims courts da prática norte-americana e talvez os multisseculares tribunales de las Águas de Espanha, particularmente o de Valência. Joel Dias Figueira Júnior (TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007) afirma não estarmos diante de apenas um novo microssistema. Muito mais do que isso, a Lei n. 9.099/95 representa o revigoramento da legitimação do Poder Judiciário perante o povo brasileiro, bem como a revolução de nossa cultura jurídica, visto que saímos de um modelo de soluções autoritárias dos conflitos intersubjetivos, já desacreditado pelo cidadão, e adentramos no campo da composição amigável, como forma alternativa de prestação da tutela pelo Estado-Juiz. O procedimento dos Juizados Especiais se alicerça na busca pela autocomposição, consistindo na manifestação do que Mauro Cappelletti (apud TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007) denominou justiça coexistencial: a busca de soluções consensuais, em que se consiga destruir o conflito existente entre as partes de modo a restabelecer suas relações, buscando sempre a pacificação social, fim metajurídico do processo e escopo magno do Estado Democrático. Pedro Abreu e Paulo Brandão (apud TOURINHO NETO; FIGUEIRA JUNIOR, 2007, p. 45), estribados em Kazuo Watanabe e Antônio de Campos, asseveram que o escopo dos Juizados não está em resolver a crise do judiciário, mas, sim, “[...] a canalização de todos os conflitos de interesses, mesmo os de pequena expressão, para o judiciário, que é o local próprio para a sua solução”. 22 MURIAÉ – MG Assim, a Lei n. 9.099/95 foi capaz de ampliar o acesso ao judiciário pelo cidadão, a começar pela possibilidade de demandar em juízo sem o patrocínio de um advogado nas causas cujo valor não ultrapasse vinte salários mínimos. Além do mais, a faixa valorativa de limitação imposta pela lei, em um máximo de quarenta salários mínimos, é capaz de atingir litígios do interesse de todas as classes sociais. Como é de se esperar, com a instalação dos Juizados Especiais, a procura pelo judiciário cresceu consideravelmente, e ainda cresce, na medida em que o novo sistema rompeu a denominada litigiosidade contida, ampliando a via de acesso aos tribunais e também o escoamento das demandas ajuizadas, em virtude de um procedimento mais enxuto e rápido, o que incentiva a população a dirimir seus conflitos judicialmente. 1.4 – Projetos de lei Com o sucesso alcançado pelos Juizados Especiais, tendo sido estes capazes de proporcionar uma prestação jurisdicional mais rápida e efetiva, surgiu o interesse em se ampliar a sua competência, aumentando seu espectro de atuação, de modo que tal procedimento se estenda a outros tipos de conflitos sociais. Tramitam, no Congresso Nacional, várias sugestões e projetos de Lei e de Emenda à Constituição, que visam justamente essa ampliação. Porém algumas críticas devem ser feitas a tais projetos. 1.4.1 – Projeto de Lei n. 102/2008 Tal sugestão pretende ver transformada em Projeto de Lei a ampliação da competência do Juizado Especial para que julgue causas relativas a usucapião especial, direito de família, inventários de bens de pequeno valor e ação de adjudicação de imóvel. A justificativa para tanto seria, de forma geral, a menor complexidade dos casos envolvendo as matérias referidas. Segundo o autor da sugestão, as ações de usucapião sobre bens imóveis e bens móveis são de difícil utilização, em virtude da burocracia processual do Juízo Comum, declarando não haver necessidade de citação, assim como várias outras ações que não a necessitam, como o mandado de segurança, a ação de retificação de imóveis e outras; afirma também que as causas de direito de família, em geral, não são juridicamente complexas; quanto à possibilidade de se propor ação de adjudicação de imóvel, afirma ser de relevante interesse social, pois será um meio de resolver questões envolvendo os contratos de gaveta muito comuns em imóveis popuREVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 23 lares; por fim, quanto ao julgamento de causas de jurisdição voluntária e de inventários negativos, abreviados (Lei n. 6.858/80) ou com bens até no valor de sessenta salários mínimos, estes não trariam empecilho algum, pois são causas de menor complexidade jurídica (CONSELHO DE DEFESA SOCIAL ESTRELA DO SUL, 2008b). Segundo o relator (TALMIR, 2008), em seu parecer, cujo voto foi pela rejeição da sugestão, esta não parece estar em conformidade com os mandamentos de natureza constitucional, no concernente à competência dos Juizados Especiais. Em seu entendimento, ações de alimentos, de separação ou de divórcio, embora consensuais, usucapião, adjudicação de bens e outras mais não podem ser consideradas como de menor complexidade, tendo a Lei n. 9.099/ 95, por isso mesmo, as excluído expressamente da competência do Juizado Especial Cível, especialmente se considerarmos que o Ministério Público deve intervir em todas as causas de estado e capacidade das pessoas. Trata-se de ações que envolvem a ordem pública, motivo pelo qual há ressalva expressa na referida lei, em seu artigo 3º, parágrafo 2º. Além do mais, as ações de direito de família e inventários negativos, e no que couber as ações de usucapião, sendo de rito especial, não podem ser dirimidas no Juizado Especial, tendo em vista ser este incompetente para processar ações nas quais exista procedimento especial. Esse é o entendimento de grande parte da doutrina e da jurisprudência, sendo inclusive o seguido pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TOSTES; CARVALHO apud TALMIR, 2008). Com relação às ações de usucapião de terras, só a intimação das Fazendas Públicas já a torna de natureza complexa, pois em certos casos a propriedade poderá ser questionada, sem mencionar que o Ministério Público deverá intervir. Quanto aos procedimentos de jurisdição voluntária, o relator (TALMIR, 2008) ressalta que envolvem complexidades que não poderão ser analisadas pelos Juizados Especiais, citando como exemplo a homologação de certos tipos de contrato, de transações, tendo o Código de Processo Civil estabelecido, do art. 1.104 ao art. 1.112, procedimentos especiais para tanto. Assim, não seriam plausíveis as justificativas apresentadas à presente sugestão. O legislador determinou ter os Juizados Especiais competência para as causas de menor complexidade, critério este que deve ser observado sempre, levando ainda em conta os princípios orientadores desse diploma legal. 1.4.2 – Projeto de Lei n. 101/2008 Esta sugestão propõe alteração na Lei n. 9.099/95 para que os Juizados Especiais sejam competentes para julgar causas oriundas do serviço notarial e 24 MURIAÉ – MG registral, inclusive pagamento de emolumentos, salvo se comprovadas como sendo causas juridicamente complexas. A justificativa apresentada na presente sugestão é a de que as questões atinentes ao registro público, em geral, são simples, podendo ser julgadas pelos Juizados Especiais, como um pedido de sustação de protesto ou um questionamento sobre a escritura de certidão de imóvel, ou sobre testamento, bem como questões relativas ao pagamento de emolumentos (CONSELHO DE DEFESA SOCIAL DE ESTRELA DO SUL, 2008a). De forma geral, podem não ser complexas as causas oriundas dos serviços notarial e registral como o pedido de sustação de protesto ou ate mesmo as relativas ao pagamento de emolumentos. Já as causas sobre questionamento acerca de escrituras de imóveis ou testamentos, além de serem capazes de ultrapassar o limite valorativo imposto pela lei, podem necessitar de perícias, o que não é admitido nos Juizados Especiais. Além do mais, especialmente por se tratarem de questões de ordem pública, não há a possibilidade de haver conciliação entre as partes. Sendo a busca pela autocomposição um dos sustentáculos dos Juizados, tais questões não se coadunariam com sua natureza, a chamada justiça coexistencial. 1.4.3 – Projeto de Lei n. 5306/2005 Esta proposição destina-se a alterar os arts. 3º e 54 da Lei n. 9.099/ 95. Segundo a emenda, ao art. 3º seriam acrescidas as seguintes causas: a) ações envolvendo condomínio de prédios residenciais com causas de até quarenta salários mínimos e sem complexidade técnica; b) inventários consensuais com valor do quinhão até quarenta salários mínimos; c) alvarás para levantamento de valores depositados em banco até quarenta salários mínimos; d) retificação de registros públicos, em especial de imóveis; e) ações contra o Estado e municípios cujo valor não extrapole quarenta salários mínimos; f) separação judicial consensual, conversão em divórcio consensual e divórcio direto consensual; g) adoção consensual; h) sentença homologatória de acordos, independentemente do valor. A ementa do projeto ainda diz que seria alterado o art. 54 do mesmo diploma legal. Contudo, nada menciona a respeito da nova redação, mostrando-se falho quanto à técnica legislativa. O autor justifica o projeto dizendo que o objetivo é tornar o procedimento adotado pelos Juizados Especiais mais acessível, visando garantir uma justiça mais célere e menos burocratizada (SAMPAIO, 2005). Inicialmente, quanto ao que concerne ao condomínio e aos alvarás, a proposta foi redundante, na medida em que nos Juizados Especiais o condomíREVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 25 nio já pode figurar como autor, e os mesmos já têm competência para a expedição de alvarás para o levantamento de valores depositados em banco, até o limite de 40 salários mínimos. Os inventários, ainda que consensuais, sob a forma de arrolamento sumário, as separações judiciais, os divórcios, ainda que consensuais, e adoções, mesmo as consentidas, devem ser processadas perante as varas especializadas, e não nos juizados especiais, na medida em que, como bem afirma o relator deputado Vilmar Rocha (2005, p. 4), “a relevância das matérias tratadas não se coaduna com os critérios que informam os processos perante os juizados especiais”. A retificação de registros públicos, especialmente a relativa a imóveis, requer, via de regra, perícias e outras modalidades de prova que não se amoldam à informalidade dos Juizados Especiais. Quanto à possibilidade das pessoas jurídicas de direito público, estados e municípios, figurarem nas ações deduzidas nos Juizados Especiais, ainda que em causas que não ultrapassem o limite valorativo, e mesmo que de menor complexidade, acabaria em um total acúmulo de feitos, o que comprometeria sensivelmente a celeridade que se espera de tal procedimento (ROCHA, 2005, p. 4). 1.4.4 – Projeto de Lei n. 5696/2001 A presente proposição objetiva alterar a lei que disciplina os Juizados Especiais Cíveis, a fim de que, por opção do autor, possam submeter-se ao seu rito as ações de investigação de paternidade, de separação judicial, de fixação, revisão e exoneração de alimentos, de divórcio, de regulamentação de visita, de separação de corpos, de guarda de filhos, perda do pátrio poder, busca e apreensão de criança, bem como outras atinentes ao Direito de Família. Em sua justificação, o autor afirma tratar-se de projeto inspirado em artigo publicado no encarte Diário de Justiça, do Correio Brasiliense, de 24 de setembro de 2001, pela Ministra do STJ, Fátima Nancy Andrighi (FERNANDES, 2001). As causas mencionadas por esse projeto, como consta nas razões do voto do relator, apresentam complexidade incompatível com o sistema procedimental instituído pela Lei n. 9.099/95, por demandarem provas complexas e especializadas, como por exemplo, exame de DNA, para a investigação de paternidade, o grafotécnico para um eventual acordo de separação, o estudo social para visitas aos filhos etc (ARRUDA, 2001). Além do mais, trata-se de causas que envolvem ordem pública, sendo ainda ações de rito especial, possuindo inclusive varas especializadas em direito de família, sendo o Juizado Especial incompetente para tanto. 26 MURIAÉ – MG Nesse sentido, arrazoa o deputado Vicente Arruda (2001), em seu voto como relator desse projeto de lei, afirmando que as causas de Direito de Família necessitam de uma fase instrutória mais aprofundada, justamente em virtude de sua complexidade, sendo já de plano excluídas da competência dos juizados especiais, justamente pelos critérios pelos quais são orientados. O deputado ainda lembra que determinadas ações como as de separação judicial ou divórcio, quando consensuais, apresentam um rito simples e célere por sua própria natureza, ainda que em sede de justiça comum (ARRUDA, 2001). 1.4.5 – Projeto de emenda à Constituição n. 145/2007 A proposta em tela visa dar nova redação ao inciso I do art. 98 da Constituição Federal, de modo a incluir entre as matérias de competência dos Juizados Especiais as ações de natureza fiscal e de interesse da Fazenda Pública. Esse projeto faz uso também da menor complexidade como justificativa para a sua aceitação, defendendo que deveriam ser adicionadas às matérias de competência dos Juizados Especiais as referidas causas que não colidam com os princípios norteadores do microssistema, “de maneira a promover o resgate da cidadania dos menos favorecidos, proporcionando-lhes resposta pronta às demandas de pequena monta que envolvam também o Erário”(LIMA, 2007). As causas tributárias e de interesse da Fazenda Pública, matérias de ordem pública, por mais simples que possam ser, não são compatíveis com o sistema trazido pela Lei n. 9.099/95, principalmente no que diz respeito aos critérios de simplicidade e informalidade. De outro lado, temos, como vetor hermenêutico da referida lei, sempre presente em sua aplicação, a busca incessante pela conciliação, fundamento da justiça coexistencial adotada pelos Juizados. Não há a possibilidade de uma eventual conciliação entre as partes envolvidas em demandas envolvendo essas matérias. 1.4.6 – Projeto de Lei n. 6954/2002 Esta é a proposta principal, sendo que se encontram apensadas a ela outras onze proposições, as quais pretendem alterar a referida lei no que concerne a dois pontos fundamentais: tornar obrigatória a competência dos Juizados Especiais Cíveis e aumentar o valor de alçada dos mesmos, sendo a principal sugestão a equivalente a 60 salários mínimos (a qual é defendida por nove das proposições), a exemplo dos Juizados Especiais Federais Cíveis, instituídos pela Lei n. 10.259, de 2001. No tocante à alteração da competência, tornando-a absoluta, ou seja, obrigatória, o relator, deputado Sergio Miranda (2002, p. 7), entende que a REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 27 mesma não deve prosperar, argumentando “que o sistema dos Juizados Especiais Cíveis visa aumentar e não restringir as alternativas de busca da satisfação de direitos”, completando que a natureza relativa da competência dos Juizados Especiais se encontra em sintonia com a atual inclinação do processo civil, pois o jurisdicionado poderá utilizar-se dos mecanismos da Justiça da forma que melhor lhe convier para obter a satisfação de suas pretensões, tendo em vista que a diversidade procedimental colocada à sua disposição pode oferecer vantagens ou desvantagens, dependendo da situação em concreto, cabendo ao próprio jurisdicionado e seu advogado avaliarem o problema e escolher a ação e o rito que melhor se adapta a sua pretensão. No que diz respeito à alteração do valor de alçada para a propositura de ações, seu relator defende que tal aumento é concebível, mas que junto com ele deveriam vir outras mudanças, como a ampliação das estruturas do Poder Judiciário, com um maior número de varas, juízes, servidores, conciliadores, entre outros, sendo tais mudanças de competência daquele poder, salientando ainda que sem esse aumento estrutural os Juizados Especiais seriam “vítimas de seu próprio sucesso”, pois a quantidade de feitos neles deduzidos aumentaria significativamente, enquanto que o mesmo não possuiria estrutura para processá-los e ainda assim manter a celeridade que deles é esperada (MIRANDA, 2002). Na mesma esteira, o relator deputado Regis de Oliveira (2002) assevera que aumentar a competência funcional para 60 salários mínimos criará maiores obstáculos, equiparando-se os Juizados Especiais à morosidade da Justiça comum. Antes de ampliá-lo, estendendo-o à população de maior renda, deve-se destinar-lhe meios materiais e jurídicos, pois de outra forma o mesmo será condenado. Se não houver uma implementação estrutural, de modo a preparar os Juizados Especiais para receber esse aumento de demandas, os avanços conseguidos com o advento dos mesmos serão perdidos, na medida em que a celeridade processual restará prejudicada. II – Metodologia Quando da consecução da parte experimental do presente trabalho, foi solicitado a nove pessoas que respondessem a um questionário composto de seis questões objetivas. III – Apresentação de dados A presente pesquisa foi realizada entre os dias 23/09/2008 e 26/09/ 2008. Foram consultados, aleatoriamente, 21 profissionais da área do direito no fórum de Muriaé (MG). 28 MURIAÉ – MG De acordo com o apresentado na Tabela 1, observa-se um número não muito extenso referente às profissões, cargos ou funções declarados: 71% afirmaram ser advogados, 19% magistrados, e 10% disseram ser promotores de justiça. Em seguida, os entrevistados foram questionados sobre a capacidade da Lei n. 9.099/95 de ter proporcionado uma tutela jurisdicional mais célere e livre da litigiosidade contida, bem como de ter facilitado o acesso ao Poder Judiciário pelo cidadão. As respostas foram unânimes, tendo 100% dos entrevistados respondido sim às perguntas formuladas, conforme Tabelas 2 e 3. Tramitam no Congresso Nacional vários projetos de lei que procuram ampliar a competência dos Juizados Especiais, incluindo causas de direito de família, usucapião especial, inventários de bens de pequeno valor, causas oriundas do serviço notarial e registral, causas de natureza fiscal e de interesse da Fazenda Pública, bem como aumentar a faixa valorativa de limitação para propositura de ações. Conforme Tabela 4, 52% dos entrevistados opinaram que a aprovação dos referidos projetos acarretaria um entrave no microssistema, enquanto que 48% responderam que seria benéfica. Considerando-se os homens, 44% responderam que seria benéfica a aprovação dos projetos, sendo que 56% opinaram pelo entrave. Quanto às mulheres entrevistadas, 60% optaram pela liberação da litigiosidade contida, enquanto que 40% optaram pelo entrave. IV – Considerações finais Os Juizados Especiais foram criados com uma forma procedimental diferenciada, destinada a combater os efeitos da crise judiciária, sendo fruto da evolução bem sucedida de seus predecessores. E em razão do sucesso alcançado pelo mesmo, somando-se à lentidão da Justiça Comum, contaminada pela crise judiciária, é até natural que se queira adicionar a ele outros tipos de demandas, Entretanto, a alteração da competência dos Juizados Especiais, bem como de seu limite valorativo para a propositura de ações, sem a proporcional implementação infra-estrutural, irá fadá-lo à morosidade e ao insucesso. Com as referidas mudanças, o número de processos ajuizados aumentaria vertiginosamente, não tendo o mesmo a estrutura necessária para dirimi-los, o que acabaria por congestionar o microssistema, igualando-o à justiça comum no quesito morosidade. Além disso, algumas das proposições feitas nos projetos de lei não se coadunam com os princípios que regem os juizados especiais. Não se pode, em hipótese alguma, violar a base principiológica de um sistema, por mais benéfica que a alteração possa parecer. REVISTA JURÍDICA DA FAMINAS – V. 4, N. 2, Ago.-Dez. de 2008 29 TABELA 1 Profissões, cargos ou funções TABELA 2 A Lei 9.099/95 foi capaz de proporcionar uma tutela jurisdicional mais célere e livre da litigiosidade contida? TABELA 3 O advento da Lei 9.099/95 facilitou o acesso, por parte do cidadão, ao Poder Judiciário? TABELA 4 A aprovação de projetos de lei que ampliam a competência dos Juizados Especiais Os operadores do direito têm essa mesma posição. Todos os entrevistados consideram que a Lei n. 9.099/95 foi capaz de proporcionar uma tutela jurisdicional mais célere e próxima ao cidadão, demonstrando que, da maneira como vêem, seu escopo foi alcançado. A maior parte dos entrevistados acredita que a aprovação dos projetos de lei acarretará um entrave no microssitema dos Juizados Especiais, ao passo que os demais acreditam que as mudanças podem aumentar a efetividade dos resultados até hoje conseguidos por eles, no tocante à celeridade e acesso à justiça. As alterações devem considerar todos os aspectos do problema, internos e externos. Deve-se pensar na estrutura dos procedimentos e institutos jurídicos, da infra-estrutura do Poder Judiciário e nas constantes evoluções sociais, nascedouro do direito e dos conflitos a serem dirimidos por ele. Esperar que a simples modificação da competência dos Juizados Especiais, sem dar-lhe estrutura suficiente para fazer frente a esse aumento de demanda, serviria tãosomente para atravancar um sistema que vem apresentando resultados positivos, piorando algo que foi uma inovação na Justiça brasileira e que teve grande aceitação entre operadores do direito e toda população. 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