Dissertação de Mestrado - Laboratório de História das Relações
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Dissertação de Mestrado - Laboratório de História das Relações
OFÍCIO CRIADOR: INVENTO E PATENTE DE MÁQUINA DE BENEFICIAR CAFÉ NO BRASIL (1870-1910) Luiz Cláudio M. Ribeiro Dissertação de Mestrado em História apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Antonio Penalves Rocha. OFÍCIO CRIADOR: INVENTO E PATENTE DE MÁQUINA DE BENEFICIAR CAFÉ NO BRASIL (1870-1910) Luiz Cláudio M. Ribeiro FFLCH / USP 1995 dedicada a Aracy Ribeiro Cabral e Virginia M. Ribeiro (em memória) OK. AGRADECIMENTOS Ao iniciar a pós-graduação em História Econômica entendi melhor por que tantos colegas meus deixaram a carreira acadêmica a meio caminho: os parcos recursos para fazer frente ao custo dos livros; as dificuldades em conciliar estudo e pesquisa com as viagens semanais para as aulas na universidade e para o trabalho nos arquivos; o pouco reconhecimento às carreiras das Ciências Humanas, no Brasil, etc., muita coisa nos leva ao abandono dos projetos. Neste momento de conclusão, penso nas dificuldades que precisei superar e alegro-me por agradecer o apoio recebido a cada instante desses quatro anos. O apoio institucional do CNPq tornou possível a freqüência às aulas e a pesquisa nos primeiros dois anos e meio do curso. No último ano, a conclusão da pesquisa e a preparação do texto deveram-se ao apoio que recebi da Capes através do Núcleo de Gestão e Política de Ciência e Tecnologia da USP, que me acolheu como pesquisador-bolsista. Devo ao meu orientador, Antonio Penalves Rocha, a confiança e o incentivo que recebi. Suas críticas francas e diretas e sua visão de mundo foram fundamentais para que eu mantivesse meus pés no chão. Durante a pesquisa no Rio de Janeiro e em São Paulo, principalmente, obtive dos profissionais de documentação os melhores serviços. No Arquivo Nacional, agradeço a Celina Coelho de Jesus, ao Sr. Elizeu, Maria Helena Lyra, a Carmen Moreno e ainda a Silvia de Moura, Sátiro, Valéria e Mauro Lerner. No Museu Paulista da USP, onde colaborei na identificação da Coleção Santos Dumont, agradeço pela oportunidade da pesquisa ao Prof. Dr. Ulpiano Bezerra de Menezes e à historiadora Solange Ferraz de Lima, com quem discuti o universo criador de Dumont e a cultura material brasileira do século XIX. No transcorrer do trabalho, as críticas e sugestões dos professores Geraldo Beauclair (UFF/RJ), Vera Ferlini (USP/SP), Wilson Nascimento Barbosa (USP/SP) e Hélio Nogueira da Cruz (USP/SP) muito me orientaram. Nas horas de incertezas, tanto acadêmicas como pessoais, contei sempre com a palavra amiga e sincera do professor Cezar Honorato. A ele e a Glória Tavares agradeço ainda as acolhidas de meio de percurso que tornaram Niterói um lugar familiar para mim. No caminho entre Vitória, Rio e São Paulo, que tanto percorri nesses últimos anos, recebi a solidariedade e o entusiasmo dos muitos amigos que tenho. Em São Paulo, Gerlene Riegel Colares foi minha “hostess” costumaz; Vitor Tanezzi e Elizabeth Totini apoiaram-me em todos os momentos. No Rio de Janeiro, Paula Ribeiro e Manfred Broschart acolheram-me em sua casa, criando as condições necessárias para eu redigir perto das fontes. Em Vitória, Maria Eliza Ribeiro e Orzeth Araújo acolheram-me quando acabou a bolsa e começou o desemprego. Além da amizade fraterna e da hospitalidade, Geraldo J. T. do Valle e Rosane Biasotto ofereceram-me ajuda decisiva na crítica ao texto e na sua apresentação final. Agradeço a eles, e também a Roberto Gonçalves Biasotto, pela ajuda que me prestaram com os computadores. Sei que não poderei dizer os nomes de todos os que me ajudaram a realizar este trabalho. Que isso não seja traduzido por ingratidão. A cada momento recebi, como numa maratona, uma palavra de conforto, um gesto de carinho, um grito de animação. Na multidão que me empurrou para avante destaco as presenças amigas de Nilton Augusto C. de Oliveira, Muniz Ferreira, Mânia Antarielle, Nilcéa e Rodrigo Riscado, Sônia J. Bezerra, Hélio Ribeiro, Bernadeth Ribeiro e Ronaldo Santos, Terezinha Ribeiro e Nilo P. Neto, Marcely Araújo, Tião Fonseca e Andréa Ramos, Margareth Salles, Lena Krug, Diniz Pereira e Neide Moisés, Mara Vicente, e tantos outros. Obrigado pela ajuda! Este trabalho, por certo imperfeito, é o melhor que posso apresentar. Até aqui ele foi só meu. Agora é de todos nós! OK. SUMÁRIO INTRODUÇÃO, 1 1. A VIDA NO EITO, 22 2. TRILHAS DO CAFÉ: DA TROPA DE BURRO AO VAPOR, 49 3. O BRASIL TOMA CAPRICHO: A CRIAÇÃO DAS LEIS DE PATENTES, 87 4. BALÕES DE ENSAIO: AS LEIS DE PATENTES E A CRIAÇÃO COMO OFÍCIO, 121 5. A EMPRESA DA CRIAÇÃO, 177 CONSIDERAÇÕES FINAIS, 212 ANEXO 1: LEI DE PATENTES DE 28 DE AGOSTO DE 1830, 218 ANEXO 2: LEI 3.129 DE 14 DE OUTUBRO DE 1882, 220 FONTES, 226 BIBLIOGRAFIA, 227 OK INTRODUÇÃO Os inventores terão a propriedade das suas descobertas ou das suas produções. A lei lhes assegurará um privilégio exclusivo temporário, ou lhes remunerará um ressarcimento pela perda que hajam de soffrer pela vulgarisação. (Constituição Política do Império do Brasil, de 1824.) Os inventos industriais pertencerão aos seus inventores, aos quaes ficará garantido por lei um privilégio temporário, ou será concedido pelo Congresso um prêmio razoável, quando haja conveniência de vulgarizar o invento. (Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891.) A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. (Constituição do Brasil, de 1988) A atual polêmica internacional em que o Brasil se envolve no campo dos direitos de invenções industriais, que leva membros do Estado e parcela da sociedade civil a tentar aprovar uma lei de patentes em conformidade com as exigências de governos estrangeiros, recoloca na ordem do dia o “lugar” designado ao Brasil na produção de ciência e tecnologia e, essencialmente, o grau de seu desenvolvimento econômico-social no conjunto das nações soberanas. Nesse sentido, este trabalho foi realizado visando a contribuir para dinamizar uma reflexão acerca do papel da atividade inventiva na história da tecnologia no Brasil, com ênfase na economia cafeeira do Sudeste, no período entre 1870 e 1910. Pretende-se aqui apresentar a todos que se deixem atrair pelo estudo de invenções e patentes industriais uma das inúmeras possibilidades de interpretação do processo econômico e social do Brasil no século XIX, a partir do exame do valioso acervo de processos de privilégios industriais que oportunamente o Arquivo Nacional abre à consulta do seu público. Este estudo pautou-se nos métodos da História para localizar uma “matriz tecnológica” no Brasil, a partir da segunda metade do século XIX e início do 2 século XX, quando os interesses e valores da economia agroexportadora cafeeira predominaram nas principais instituições nacionais. Assim, a estrutura do complexo cafeeiro brasileiro e suas injunções a partir das transformações de sua base produtiva no período colocam-se em questão. O café popularizou-se nas grandes cidades ilustradas da Europa graças à abertura de lugares públicos especializados em saboreá-lo. Sabe-se que essa bebida exótica entrou na Itália pelo porto de Veneza, em torno de 1624. Na França, a novidade chegou pelo porto de Marselha, em 1659. Em 1689 era aberto em Paris o célebre Café Procope, que se tornou ponto de reunião de artistas, políticos, intelectuais e outras celebridades da época. Londres sucumbiu ao sabor estimulante do café próximo a 1650, quando este se tornou tão popular que ameaçou os bons costumes ingleses ao ponto de as senhoras reclamarem ao rei Carlos II contra as idas de seus maridos aos cafés. Segundo elas imaginavam, tratava-se de pretextos para que eles se afastassem dos lares, desregrando-se moralmente.1 De forma análoga, o hábito de consumir café penetrou nos demais países europeus. Crescia também o interesse dos homens de negócios em expandir o seu consumo, visando aos lucros de sua comercialização. As mudas importadas do Oriente foram aclimatadas no Jardim Botânico de Amsterdã, em 1706, e depois repassadas ao Jardim das Plantas de Paris, em 1714. Daí, o café chegaria às Américas e às demais possessões holandesas, para ser aclimatado e produzido. No Brasil, a versão mais aceita sobre os primeiros grãos trazidos indica ter partido do governo do estado do Maranhão e Grão-Pará a missão de, furtivamente, espionar o plantio e roubar mudas e sementes de café da Guiana Francesa, em 1727. Tal versão é reforçada pelo documento que Basílio de 3 Magalhães apresentou, com as instruções do capitão-general João da Maia da Gama ao sargento-mor Francisco Palheta: O dito cabo, que há de levar a carta [ao governador de Caiena], poderá ser o capitão João da Mata, se embarcar nesta ocasião ou o capitão reformado José Mendes e, a qualquer deles que for, recomendará que por toda a costa de Vicente Pinzón para lá examine toda fortificação ou povoação que os franceses fizerem de novo de Caiena até o rio de Vicente Pinzón, vendo e observando com cautela, com pretexto de não saber a costa e querer tirar notícias para seguir viagem a Caiena e levar as ditas cartas e em tudo procederá com todo o cuidado e vigilância, "se acaso entrar em quintal ou jardim ou roça aonde houver café, com pretexto de provar alguma fruta, verá se pode esconder algum par de grãos com todo o disfarce e com toda a cautela" e recomendará ao dito cabo que volte com toda a brevidade e "que não tome coisa nenhuma fiada aos franceses, nem trate com eles negócio”.2 Por volta de 1750, o café já era colhido no norte do país, de onde espalhou-se pelas demais capitanias.3 No Brasil, o café encontrou um método próprio de aclimatação e de cultura, que transformou o país no maior fornecedor mundial, em meados do século XIX. A cultura do cafeeiro foi trazida para a cidade do Rio de Janeiro por volta de 1770, desenvolvendo-se pelos arredores da cidade. Mudas e sementes foram levadas da chácara de Barbonos, de Mata-porcos e da fazenda Mendanha, na região de Campo Grande, para todo o Sudeste e para muitas províncias nordestinas.4 No território fluminense, até meados do século XIX, as áreas do vale do Paraíba do Sul5 eram ocupadas por indígenas ou posseiros com plantações e criações variadas, geralmente destinadas ao consumo doméstico e aos mercados locais. Aos poucos, essas propriedades foram sendo tomadas aos nativos pelos fazendeiros, muitos dos quais oriundos da região de mineração, em fase de refluxo econômico. 4 Em Valença, província fluminense, Os fazendeiros interessados na expansão da cultura do café e na apropriação das terras já cultivadas pelos posseiros (que haviam derrubado a mata, plantado cafezais, construído casas, moinhos, etc.) entravam com processos judiciais procurando expulsar os 'intrusos'. Esses processos recebem várias denominações como: 'Ação de medição de demarcação', 'Medição e tombo de Sesmaria', 'Processo de Aviventação de marcos'. Nos dois primeiros tipos de processo, as sesmarias após serem doadas deveriam ser confirmadas e para isso precisavam passar pelo processo de medição e demarcação judicial. Feita a medição, o dono da sesmaria constatava a presença de posseiros dentro de seus limites. Requeria então ao juiz, por um processo denominado 'Execução' a expulsão dos posseiros. A 'Aviventação de marcos' constava de uma nova medição para recolocar os marcos desaparecidos. Porém, deveria repetir os limites da medição anterior, o que nem sempre acontecia. Muitas vezes, nesta segunda medição, os marcos eram colocados além dos limites verdadeiros, invadindo terras de sitiantes ali estabelecidos.6 Com a expulsão dos ocupantes nativos, a lavoura de café expandiu-se na porção norte do vale do Paraíba fluminense, atingindo áreas extensas de Minas Gerais. Lá, desde 1851, já se notavam lavouras plenamente implantadas na Zona da Mata, nos municípios de Presídio do Rio Preto, Santo Antônio do Paraibuna, Barbacena e Mar de Espanha; em Leopoldina, Ubá e Muriaé.7 À medida em que os cafezais eram implantados em grande escala na província fluminense, na segunda metade do século XIX, grandes fazendeiros fluminenses e mineiros ultrapassavam os limites do Paraíba, avançando para além do seu vale. Daí alcançariam as terras férteis do sul capixaba. A província do Espírito Santo era parcamente povoada, até meados do século XIX. Lá o café chegara desde antes de 1811, quando foi plantado em pequena escala nos quintais de Vitória, em substituição à mamona.8 Com a implantação de fazendas cafeeiras escravistas na província, na segunda metade do século XIX, foi criada uma infra-estrutura agrária voltada para a produção de café destinado à exportação pelo porto do Rio de Janeiro.9 5 A expansão das lavouras de café fluminenses para a província capixaba está manifesta no anúncio publicado no Jornal do Commércio, em 1873: Escravo Fugido 200$000 Fugio no dia 21 de agosto passado, da fazenda de S. Francisco do Rio Alegre, em Itapemirim, província do Espírito Santo, pertencente ao Commendador Felício Augusto de Lacerda, o escravo de nome Adão Pinheiro, crioulo, de côr preta (...). Foi escravo de Manoel Pinheiro de Souza Sobrinho, outr’ora morador em Valença; suppõe-se ter seguido para esse lugar ou para Minas. Protesta-se contra quem o tenha acoutado. Receberá a gratificação acima quem o apprehender, e levá-lo à sobredita fazenda, ou a seu senhor o commendador Felício Augusto de Lacerda, no Paty do Alferes, ou na côrte, à rua da Quitanda, n. 78...10 Na província de São Paulo, a lavoura cafeeira teve início nas fazendas ao norte do vale do rio Paraíba, expandindo-se após atingir a região de Campinas. Aos poucos, as antigas lavouras foram sendo substituídas por cafezais e outras culturas. Recorrendo a Oswaldo Truzzi pode-se entender a ocupação das terras da região de São Carlos: [...] difícil determinar com exatidão a época em que os proprietários de terra resolveram organizar suas fazendas, levando à nucleação de alguma atividade econômica na região de São Carlos de forma a sobrepujar o mero movimento de apropriação de terras com fins inteiramente especulativos. [...] um pouco antes de 1856, data da fundação de São Carlos, nada mais havia na região além de fazendas localizadas numa zona pioneira, tocadas ao braço escravo, que lidavam com a criação de alguns bovinos e suínos, bem como um incipiente cultivo de cana-de-açúcar. O núcleo mais próximo era Araraquara, onde as primeiras casas já haviam surgido quatro décadas antes, mas que muito pouco progredira. Em São Carlos, o primeiro agregado de ranchos 6 de madeira cobertos de palha se distribuiu em torno da capela erigida pelos proprietários da sesmaria do Pinhal.11 A expansão dos cafezais induziu e beneficiou-se das ferrovias construídas na província paulista, principalmente a Mogiana e a Paulista, que levavam equipamentos, mão-de-obra e víveres para o interior, e escoavam o café. No Brasil, os fazendeiros de café, podendo dispor de extensões fabulosas de terras, quer nos primórdios quer na época dos cafezais já consolidados, optaram pelo método indígena — ou coivara — na preparação do campo.12 Esse método era indicado para pequenas lavouras de subsistência, devido ao poderoso impacto de devastação. Por isso não era indicado para áreas destinadas aos cafezais, que demandavam grandes extensões de terras. Porém, a historiografia econômica brasileira, desde a dedicada ao Brasilcolônia até aquela voltada para o século XIX, pouca atenção tem dado às técnicas de plantio e preparo dos produtos agrícolas. Na maioria das obras, as atividades agrícolas nacionais aparecem reduzidas à descrição do plantio e colheita dos produtos, sem considerações sobre a problemática tecnológica do preparo e beneficiamento que permeia suas relações de produção. Sobretudo quanto à produção do café, existem trabalhos importantes enfatizando o papel desempenhado pelas ferrovias na penetração das lavouras no Rio de Janeiro e, principalmente, em São Paulo.13 Outros, como o de Prado Jr., marcaram o problema da exaustão das terras do vale do rio Paraíba fluminense na segunda metade do século XIX, e a importância da terra roxa na ocupação do Oeste Paulista.14 Mas, desde Taunay15, poucos autores analisaram o papel desempenhado pelas máquinas de beneficiar café. De forma pioneira, Stanley Stein16 e Emília V. da Costa17 descreveram a estrutura fundiária e econômica que se formou com o estabelecimento da 7 "civilização do café" no Brasil. Baseado numa suposta decadência da lavoura cafeeira do Rio de Janeiro, o primeiro autor tratou a produção cafeeira sob uma perspectiva local (Vassouras: a brazilian coffee county foi o título original de sua obra). Costa tratou a questão de forma oposta, numa perspectiva de análise muito mais abrangente sobre a cafeicultura em São Paulo. Para ambos, a decadência fluminense é devida, sobretudo, ao “esgotamento” das terras fluminenses, o que possibilitou o rompimento do escravismo e do modelo monárquico do país. A historiografia brasileira pouco tem avançado nessa perspectiva, que destaca uma oposição entre a região cafeeira “tradicional” (fluminense) e a região “dinâmica” (paulista). Sem considerar os aspectos estruturais mais gerais, tal concepção teórica reforça a idéia de que houve um confronto em que a cafeicultura paulista teria sido vitoriosa, eliminando do país os elementos do atraso: a escravidão e a monarquia.18 Tendo como perspectiva a estrutura financeira do Segundo Reinado, Levy alertou contra esse enfoque, não deixando de esclarecer que Até mesmo o estereótipo da lavoura cafeeira escravista decadente vem adquirindo nuances a partir de novas pesquisas que ressaltam a expansão da produção de Cantagalo, mesmo depois da Abolição, além do surgimento em Itaperuna, Pádua e Cambuci, no norte fluminense, de novas áreas de cultivo já baseadas no trabalho livre.19 Também Fragoso, em trabalho mais recente, chamou a atenção para o perigo das interpretações generalizantes da decadência da cafeicultura fluminense, alertando ter sido este um fenômeno regional “circunscrito a algumas áreas” e não algo com que se possa generalizar para a antiga província.20 Silva21 e Beauclair22 buscaram investigar a “gênese industrial do Brasil”. O segundo destaca que 8 a maneira como foi estudado o organismo “primário exportador” (e suas relações com o “resto” do universo brasileiro) [...] levou [...] os estudos atinentes à economia de exportação a um grau de exclusividade tal a ponto de encobrir a totalidade do aparelho produtivo, mostrando apenas suas peças fundamentais.23 Em obra anterior, Beauclair já havia demonstrado o desenvolvimento de diversas manufaturas de produtos naturais (velas, chapéus, cal de mariscos, etc.) no Rio de Janeiro, e de uma “pré-indústria” nos ramos naval, metalúrgico e têxtil que conjugava a mão-de-obra livre e escrava, ocupando-se, até 1860, apenas da demanda interna. Entretanto, mesmo esse estudo não tratou da questão das técnicas.24 A despeito do que foi publicado sob a perspectiva da oposição decadência/modernização da cafeicultura,25 muito ainda resta a ser esclarecido. Primeiro, qual o papel das demais províncias — após 1889, estados — cafeeiras, a exemplo de Minas e Espírito Santo, como agentes históricos desse processo? Segundo, de que forma os métodos agrícolas modernos utilizados na cafeicultura escravista paulista diferenciaram-se daqueles postos em prática pelos “atrasados”? Refletir sobre tais questões facilitaria o entendimento do problema do esgotamento das terras cafeeiras para além da província fluminense. Como a historiografia ainda resiste a aceitar uma convivência entre existência da escravidão e avanço tecnológico,26 subestima-se, ao que parece, um domínio relativo de conhecimentos científicos e modernização na indústria mecânica articulados à cafeicultura no país, no século XIX. No extremo, pode ocorrer uma aceitação de que, na lavoura do café, a prática da derrubada e queimada das matas — que fatalmente conduz ao “esgotamento” do solo — era a única possível, já que o país ainda não despertara para as luzes científicas e industriais que irradiavam o mundo. 9 Essa compreensão sobre o processo econômico e social brasileiro justificou, em parte, o modelo de devastação florestal que foi desencadeado nas fazendas cafeeiras no período em questão neste trabalho. Quanto a essa temática, produziu-se a respeito do Brasil da segunda metade do século XIX uma história fortemente justificante que — com honrosas exceções — desconsiderou a necessidade de buscar uma compreensão mais ampla sobre as técnicas e a tecnologia relacionadas ao café brasileiro, capaz de relacionar os processos agrícolas e industriais aqui utilizados com aqueles empregados em outras partes do mundo. Ao comentar a importância para o capitalismo dos métodos e processos produtivos na passagem da manufatura para a maquinofatura, Marx destacou a oportunidade do surgimento do que chamou “uma história crítica da tecnologia”: Darwin interessou-se na história da tecnologia natural, na formação dos órgãos das plantas e dos animais como instrumentos de produção necessários à vida das plantas e dos animais. Não merece igual atenção a história da formação dos órgãos produtivos do homem social, que constituem a base material de toda organização social?27 Marx reivindicava conhecer melhor o que em seu tempo empolgava as multidões: a evolução do conhecimento científico até ser incorporado em objetos concretos, num realismo que alterava a noção de espaço, tempo, velocidade... Diante de si Marx via a ciência ser utilizada para produzir em massa, multiplicar as forças, transformar as cidades num “mar de chaminés”, enquanto trens de ferro desenhavam alegorias “fantasmagóricas” na paisagem dos campos. A Europa finalmente dava o salto maior à frente das civilizações humanas. A materialização da Ciência lhe possibilitava e justificava um domínio irresistível sobre os demais povos do planeta. Em breve, passaria a organizar 10 exposições universais, espécies de vitrina do homem civilizado, de onde emanavam para o mundo os valores transformadores da sociedade industrial. Ao mesmo tempo, o Brasil contava com inúmeras associações e órgãos de imprensa, a exemplo da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (Sain) e seu folhetim. Na época, O Auxiliador da Indústria Nacional já divulgava os métodos e procedimentos mais adequados e modernos do ponto de vista econômico, agrícola e tecnológico. No meio rural, os maiores fazendeiros brasileiros eram, em grande parte, homens acostumados às lides das campanhas políticas e do mundo dos negócios; portanto, pertencentes ao que julgavam ser o mundo civilizado. Veja-se a Campinas dos anos 1860, através da descrição de Zaluar: Existem aqui duas escolas públicas de primeiras letras, uma secundária e cinco particulares de instrução secundária, sendo uma de cada sexo; representando o número total dos alunos de todas essas aulas, do sexo masculino duzentos e quarenta e do feminino cento e vinte educandas. Além dessas casas de ensino a maior parte dos fazendeiros paga mestres para educar seus filhos, e um bom número de jovens campineiros freqüenta atualmente em São Paulo as aulas da Faculdade de Direito [...] 28 O mesmo ambiente cultural também marcava Resende, quando os filhos dos fazendeiros estudavam na Corte ou na Europa e a elite intelectual, embora reduzida, buscava divulgar as novas idéias trazidas de fora através da imprensa. José Pereira Barreto, por exemplo, foi o introdutor em Resende do Catecismo do agricultor, de Burlamaque, um dos mais considerados manuais da agricultura da época. Sendo um dos articulistas do jornal O Itatiaia, procurava estimular a leitura de publicações especializadas que recebia dos Estados Unidos, como o Agriculturalist e o Scientific American. Seu irmão, Luís Pereira Barreto, formado em medicina e ciências naturais na Bélgica, na década de 1860, foi o responsável pela introdução do café tipo Bourbon no oeste paulista, espécie desenvolvida por ele a partir de suas experiências.29 11 No entanto, considerando a derrubada das florestas nativas a única forma que os fazendeiros conheciam para a implantar os cafezais, Costa afirmou que a mata tropical, de sub-bosque denso, cheia de liames intrincados, de árvores frondosas, precisava ser derrubada. Esse era um trabalho rude e penoso, principalmente numa época em que só se dispunha de machados e foices. Depois, o preparo da terra, o plantio, as construções, as carpas, as roças onde se cultivava o necessário para o sustento das fazendas, o trato dos animais... [...] as primeiras regiões onde se abriram fazendas eram de pequena densidade demográfica... Impossível recorrer, portanto, à mão-de-obra local. Os fazendeiros precisavam trazer consigo os trabalhadores para as suas fazendas. Onde buscá-los? [...] A solução parecia clara e única: utilizar o escravo.30 O objetivo dos fazendeiros, ao ocuparem sesmarias há muito apropriadas em estado natural, era obter maiores lucros, aproveitando-se do mercado promissor que o café representava. Nesse caso, o utilização do escravo não era somente a melhor alternativa, mas condição primordial de garantia para que o fazendeiro obtivesse empréstimos para o estabelecimento das fazendas e para o plantio dos novos cafezais. A terra era um bem secundário para o fazendeiro de café, e seu valor estava exatamente na extensão de florestas nativas a derrubar. Como mostrou Burlamaque, citando José Bonifácio de Andrada e Silva, a devastação de florestas já era criticada desde o início do século XIX: [...] se os senhores de terras [...] não tivessem uma multidão demasiada de escravos, eles mesmos aproveitariam terras já abertas e livres de matos que hoje jazem abandonadas como maninhas. Nossas matas preciosas em madeiras de construção civil e náutica não seriam destruídas pelo machado assassino do negro e pelas chamas devastadoras da ignorância. Os cumes das nossas serras, fontes perenes de umidade e fertilidade para as terras baixas e de circulação 12 elétrica, não estariam escalvados e tostados pelos ardentes raios do nosso clima. É, pois, evidente que se a agricultura se fizer com os braços livres dos pequenos proprietários ou por jornaleiros, por necessidade e interesse serão aproveitadas essas terras [...] e, deste modo, se conservarão como herança sagrada para a nossa posteridade as antigas matas virgens, que pela sua frondosidade caracterizam o nosso belo país.31 Em 1860, Ribeyrolles anotou, perplexo, que [os fazendeiros] [...] acreditarão que nada perdem, entregando a floresta às chamas? [...] Devastando por tal forma os lavradores roubam-se a si mesmos. Deveriam compreender que há todo o interêsse em nada desperdiçar, e renovar a terra que se esgota depressa [...] 32 A problemática do desenvolvimento científico e material aparece nos trabalhos dos historiadores econômicos ingleses que analisaram a Revolução Industrial, principalmente Hobsbawn33 e Landes34. No entanto, esses estudiosos acentuam a premência por estudos mais aprofundados sobre o tema: [...] hacia las últimas décadas del siglo XIX, el avance tecnológico dentro de las antiguas industrias se producía en un frente tan amplio que la tarea del historiador resulta enormemente complicada. Y, a su vez, esto explica por qué este tema ha sido tan descuidado.35 A importância dos trabalhos desses autores aumenta à medida que destacam, no processo da Revolução Industrial, as circunstâncias da evolução de setores básicos da produção industrial, como o de metalurgia, química, energia, indústria de máquinas, etc., em relação às condições gerais de sua produção e de seu desenvolvimento nas sociedades capitalistas. A partir da historiografia econômica e das análises de Marx, Schumpeter e Usher, o historiador Nathan Rosenberg estudou a formação da indústria de 13 máquinas nos Estados Unidos da América ainda escravista, concluindo que naquele país, até os anos de 1820, as máquinas eram em geral toscas e produzidas no local de trabalho pelo próprio usuário. Para Rosenberg, o surgimento de fábricas de máquinas nos Estados Unidos da América caracterizou o episódio maior da industrialização do país, na medida em que as firmas surgidas devotaram-se à resolução de problemas técnicos específicos, respondendo com a oferta de máquinas-ferramentas de uso geral — tornos, fresas etc. —, entre 1840 e 1880. Tal produção ter-se-ia iniciado primeiramente nas fábricas de panos, de onde as firmas produtoras de máquinas percorreram outros ramos industriais — máquina a vapor, turbinas, moinhos — até se especializarem em máquinas para fabricar máquinas, impulsionando o desenvolvimento do complexo industrial norte-americano.36 Em relação ao Brasil, analisar os discursos e as notícias publicadas na imprensa diária do Rio de Janeiro e de São Paulo e em O Auxiliador da Indústria Nacional, é deparar com uma intensa campanha pela mecanização das fazendas promovida pela Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (Sain), nas décadas de 1870 e 1880.37 Silva, que se voltou para uma investigação mais crítica da Sain, afirma que, nela, [...] sempre esteve presente a idéia de que, para concretizar o progresso, era necessário racionalizar o trabalho social, fonte de “riqueza”. ...Nessa racionalização das forças produtivas... a utilização ...de maquinismo era fundamental.38 A farta documentação no Arquivo Nacional relacionada aos processos de concessão de privilégios industriais a nacionais e estrangeiros, pessoas físicas e empresas, vinculados ao negócio do beneficiamento do café, entre 1873 e 1910, 14 demonstrou ser de muita riqueza pelo detalhamento dos inventos. Esse acervo poderá, sem dúvida, muito contribuir para que também se elucidem vários aspectos da evolução material do Brasil. E quais eram esses inventos? Para melhor entendê-los, deve-se pensar no processamento industrial do café. O processo de preparação do café para o consumo, no período desse estudo, pode ser dividido em cinco fases: agrícola, preparatória, de beneficiamento, industrial e comercial. Assim, na primeira fase estão as ferramentas agrícolas, as esteiras de colheita, as peneiras e os carrinhos de transporte. Na seguinte, os aparelhos lavadores, os classificadores, os despolpadores e os secadores. A fase de beneficiamento inclui os descascadores, os ventiladores e os separadores. A industrial, os brunidores e ensacadores; e, na fase comercial, estão os torrefadores, os moinhos e as cafeteiras para a decocção do café. Entretanto, muitas máquinas queimavam etapas, fazendo sozinhas várias operações. O processo como um todo era chamado benefício ou beneficiamento do café.39 Em condições ideais, todo o processo de preparação industrial do café consistia na eliminação sucessiva das camadas que envolvem as sementes do fruto, deixando-as em condição de serem torradas e moídas. No período em questão inexistia ainda qualquer processo definido quanto à forma de beneficiar o café. Em vista disso, havia uma polêmica entre os cafeicultores e as agências importadoras sobre os preços pagos e sobre a aceitação do produto no exterior. Essas agências também criticavam o métodos brasileiros de benefício do café, responsabilizando-os por deixá-lo com mau cheiro e péssimo paladar. Sua maior queixa, do ponto de vista técnico, era a de que, na falta do secador mecânico, o café era deixado exposto ao sol, no terreiro, para secar e ventilar, o que não ocorria quando havia chuva ou muita umidade no ar, provocando a 15 fermentação do produto por tempo demasiado e, conseqüentemente, o seu apodrecimento antes que a polpa pudesse ser retirada. Tudo isso estaria levando o café brasileiro a ser visto como inferior nos principais mercados, num momento em que produtores como Java, Ceilão, Costa Rica e México já produziam café, em menores quantidades, mas de qualidade superior, que era consumido nos principais centros europeus, enquanto o brasileiro era reexportado para mercados menos exigentes. Mais voltado para os cafeicultores, após constatar os avanços obtidos por outros países na produção e na qualidade do café na Feira Universal da Filadélfia, em 1876, o presidente da Sain, Dr. Nicolau J. Moreira, tentou alertá-los: [...] se desmerecerem seus produtos, se não cultivarem e beneficiarem o café, segundo as exigências do progresso, muitos mercados se retrairão, e de outros seremos excluídos pelas nações que se preparam para conosco competir.40 A preocupação crescia a cada exposição universal de que o Brasil participava. Apesar dos prêmios e menções honrosas que alguns produtores brasileiros levantavam, ficava evidente a evolução da qualidade do café produzido em outros países, enquanto no Brasil acentuava-se a variedade de métodos de benefício. Tal preocupação era também associada pelos contemporâneos ao problema da mão-de-obra para a lavoura e à falta de um projeto definido para a imigração. Com vistas nessa problemática, este estudo utilizou como fontes primárias os processos de concessão de privilégios industriais registrados na Diretoria do Commércio do Ministério da Agricultura, Commércio e Obras Públicas no Império e do Ministério da Agricultura, Indústria e Commércio na República. Tais processos são formados pelos memoriais e projetos de máquinas 16 preparados pelos próprios inventores, e encaminhados por aquele ministério à apreciação da Sain. Os pareceres sobre a concessão de privilégio industrial emitidos pela Seção de Máquinas e Aparelhos eram apreciados pela assembléia da Sain e publicados em O Auxiliador da Indústria Nacional. Esse periódico foi analisado de 1870 até 1892, ano de encerramento da publicação.41 Em O Auxiliador da Indústria Nacional atentou-se para os pareceres sobre as petições e para o conteúdo técnico das invenções, a divulgação de demonstrações realizadas com máquinas perante o público etc. Dessa maneira, os processos de concessão de privilégios industriais para a produção de invenções relativas ao trato do café surgem como um indício do esforço brasileiro para a atualização tecnológica do país, seguindo a tendência mundial das sociedades capitalistas no século XIX.42 O corte cronológico deveu-se ao fato imperativo de o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro ter recolhido o acervo dos processos com datas-limite entre 1873 e 1910. O período coincide com aquele em que, ao que parece, ocorreu um surto de invenções e aperfeiçoamentos levados a termo por inventores nacionais ou estrangeiros residentes visando a capacitar a produção do principal produto de exportação do Brasil dentro de duas circunstâncias iminentes: a) o fim da escravidão e a expansão do consumo mundial do café e, b) a concorrência de outros países produtores. Por isso, para uma melhor análise dos processos de privilégios industriais e do conteúdo de O Auxiliador..., realizou-se também pesquisa nos periódicos Jornal do Commércio e Correio Paulistano, ambos de grande circulação na região cafeeira. O método para a pesquisa dos periódicos foi baseado na Tabela de Números Fortuitos, apresentada na obra clássica de Cardoso e Brignoli.43 17 A pesquisa foi informatizada e os registros foram sistematizados segundo o contexto de produção para consumo interno e externo do café, verificando os pontos em que os inventos e aperfeiçoamentos se relacionavam. Em seguida, foi feita uma classificação tipológica das invenções e aperfeiçoamentos das máquinas de beneficiamento de café, isolando os grupos de secadores, lavadores, despolpadores, ventiladores, brunidores, catadores, etc. Esse procedimento permitiu analisar como as invenções e aperfeiçoamentos foram atingindo, individualmente, um grau maior de complexidade, a partir da produção de cada inventor. Conceitualmente, quanto a uma definição apriorística do que se entende por invenção, inovação e patente, a pesquisa foi orientada de acordo com a proposição de Cruz e Tavares: Invenção é a primeira idéia, esboço, plano de um novo produto, processo ou sistema, o qual pode ou não ser patenteado. Inovação é a primeira introdução de um novo produto, processo ou sistema, na atividade econômica ou social. Patente é um instrumento legal de defesa do autor de um novo produto, processo ou sistema que lhe garante exclusividade (temporária) de uso.44 Os memoriais dos autores e os dados levantados através dos periódicos Jornal do Commércio e Correio Paulistano entre 1873 e 1910 foram reunidos buscando-se em cada invento aquilo que caracterizou seu ineditismo para aqueles que viveram a época, a parte mecânica que determinava ser uma invenção original ou um aperfeiçoamento, diferenciando-o dos demais já patenteados. Essa análise possibilitou entender de que forma as invenções e melhoramentos registrados no Brasil assimilavam as inovações mecânicas em geral desenvolvidas no exterior e aqui difundidas ou eram desenvolvidas internamente. O primeiro capítulo trata do modo de estabelecimento da fazenda cafeeira. Ao adquirir a terra, o fazendeiro visava de imediato à data em que a 18 primeira safra de café deveria estar no porto de embarque. Por isso, aprofundava a exploração da mão-de-obra escrava e da livre — nacional ou imigrante — e escolhia, em geral, a derrubada e a queimada da cobertura florestal a fim de aproveitar-se da fertilidade nativa dos solos. Este método de insolação teria sido fator de especial importância na ruína dos solos e na expansão da fronteira cafeeira, provocando reflexos na oferta de café no mercado mundial. A seção seguinte apresenta uma análise do processo de formação da infraestrutura de escoamento do café da fazenda até o porto de mar. Desde a vinda da Corte portuguesa, o Estado buscou construir vias de transporte como forma de incrementar o surgimento de atividades econômicas no território brasileiro. Com tal política, o país foi dotado de leis que permitiram a incorporação das tecnologias emergentes no setor de construção civil e, com a utilização industrial da máquina a vapor, a implantação de uma malha ferroviária. Dentro desse quadro, discute-se no segundo capítulo a maneira como a economia cafeeira do Sudeste brasileiro beneficiou-se de meios modernos de comunicação e transporte para expandir-se. No terceiro capítulo são analisadas as leis de patentes de 1830 e de 1882 e o papel relevante da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (Sain), permeando os interesses de uma parcela da sociedade civil nos interesses do Estado. Baseado nos pareceres da Secção de Machinas e Apparelhos da Sain, o governo imperial — e também o do início da República — acatava as petições de privilégios industriais dos inventores brasileiros e estrangeiros, assegurando-lhes a proteção da lei. As leis de patentes permitiam àquela Secção uma atuação direta na política de patenteamento, o que estimulou a formação de um setor produtor de máquinas para o beneficiamento de café no Brasil. O quarto capítulo aborda a produção de inventos e aperfeiçoamentos de máquinas de beneficiar o café. A partir da ampliação da cafeicultura e da proteção à propriedade industrial garantida pela Lei de Patentes de 1830, surgiu no Brasil 19 um grupo de inventores-empresários que se dedicaram a desenvolver e aperfeiçoar equipamentos destinados à fazenda de café. Nesse grupo, indivíduos e empresas destacaram-se como fabricantes que ofereceram as inovações às fazendas de café, marcando a primeira fase dessa indústria no Brasil. No último capítulo retomam-se as questões do capítulo anterior. Trata-se ainda da ampliação do processo de patenteamento e fabricação de máquinas de beneficiamento de café no Brasil, agora sob o amparo da segunda lei de patentes, sancionada em 1882, que estreitou no país a relação entre atividade agrícola e produção de tecnologia nos moldes do capitalismo dominante nas economias centrais no período. A lei de 1882 viria permitir a consolidação do setor industrial de máquinas de beneficiar café, garantindo o aumento da oferta do produto aos mercados mundiais. Maior exportador do produto, o Brasil chegou a exportar também a tecnologia da máquina de beneficiar café. Finalmente, procurou-se manter a grafia original das fontes primárias sempre que se julgou necessário citá-las na esperança de que, para além do barulho infernal do machinismo de café, faça-se ouvir a voz dos homens. 20 NOTAS 1 Cf. Camargo, Rogério de & Telles Jr., Adalberto de Queiróz. O café no Brasil. Sua aclimação e industrialização. Rio de Janeiro. Serv. de Informação Agrícola/MA, 1953. 2 vol. A respeito ver também Eulálio, Joaquim. O café na Inglaterra. In: O café no segundo centenário de sua introdução no Brasil. Rio de Janeiro, DNC, 1934. pp. 137-141. 2 Magalhães, Basílio de. O café na história, no folclore e nas belas-artes. São Paulo, Cia. Ed. Nacional/MEC, 1980. 3a ed. p. 31. 3 A título de gentileza, o governador e capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1751-1755), em carta ao governador da capitania de Mato Grosso, em outubro de 1755, dizia: “(...) Como suponho que o provimento de café estará já acabado, tomo a confiança de oferecer a V.Exa. novo socorro, que o Desembargador Juiz de Fora entregará...”. Cf. Mendonça, Marcos Carneiro de. A Amazônia na Era Pombalina. Correspondência inédita do governador e capitão-general do estado do Grão-Pará e Maranhão Francisco Xavier de Mendonça Furtado. 1751-1759. São Paulo, IHGB, 1963. vol. 2. p. 806. 128a carta. 4 Cf. Dantas, Geremário. “O café na cidade do Rio de Janeiro”. In: O café no segundo centenário de sua introdução no Brasil. Rio de Janeiro, DNC, 1934. pp. 137-141. vol. 1. pp-105-113. 5 Neste trabalho, tratarei o rio Paraíba do Sul pela maneira como é comumente tratado atualmente, ou seja, rio Paraíba. 6 Apud. Almeida, Gelson R. de. Hoje é dia de branco. O trabalho livre na província fluminense: Valença e Cantagalo, 1870-1888. Niterói, ICHF/UFF, 1994. pp. 40-41. Dissertação de mestrado (mimeo). 7 Cf. Magalhães, Hildebrando de. O café em Minas Gerais. Piracicaba, Typographia da Livraria Giraldes, 1933. p. 9. 8 Cf. Bittencourt, Gabriel. A formação econômica do Espírito Santo. Vitória, Departamento Estadual de Cultura/Cátedra, 1987. p. 75. 9 A respeito da centralização da exportação do Espírito Santo pelo porto do Rio de Janeiro e sobre a construção do porto de Vitória em relação ao desenvolvimento da economia do Espírito Santo, consultar o estudo pioneiro de Siqueira, Penha. O desenvolvimento do porto de Vitória 1870-1940. Vitória, Codesa/Ufes, 1984. 10 Jornal do Commércio. 01.12.1873. p 3. 11 Truzzi, Oswaldo. Café e indústria. São Carlos: 1850-1950. São Carlos, UFSCar, 1986. pp. 10-11. 12 A coivara era tradicionalmente praticada por pequenas comunidades nômades. Para essa prática agrícola, derrubavam-se as árvores e queimava-se uma área demarcada na floresta, geralmente próxima de água, iniciando o plantio. Após algumas colheitas, a área era abandonada, recuperando-se naturalmente. 13 Matos, Odilon N. de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira.3a ed. São Paulo, Arquivo do Estado, 1981, traça um painel abrangente do avanço das ferrovias a partir dos interesses dos produtores de café. Também Truzzi, O. op. cit. (n. 11) mostra o impacto da penetração das ferrovias sobre os pequenos povoados do interior paulista. Sobre o tema, também consultar SILVA, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega, 1980. pp. 56-58. 14 Prado JR, C. História econômica do Brasil. São Paulo, Círculo do Livro, s/d, pp. 169-181. 15 Taunay, Affonso E. História do café no Brasil. Rio de Janeiro, DNC, 1945. 12 vol. 16 Stein, Stanley J. Grandeza e decadência do café no vale do Paraíba. São Paulo, Brasiliense, s/d. 17 Costa, Emília V. da. Da senzala à colônia. 3a ed. São Paulo, Brasiliense, 1989. 18 Entre outros autores, esta distinção é claramente defendida por Lima, Sandra Lúcia Lopes. O Oeste paulista e a República. São Paulo, Vértice, 1986. 19 Levy, Maria Bárbara. A indústria do Rio de Janeiro através de suas sociedades anônimas. Rio de Janeiro, FEA/UFRJ, 1988. p. 141. Tese de titular (mimeo). 20 Fragoso, João Luís. “Economia brasileira no século XIX: mais do que uma plantation escravista-exportadora”. In: Linhares, Maria Yedda L. (coord.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro, Campus, 1990. p. 150. 21 Silva, J. L. Werneck. A Sain (1827-1904) na formação social brasileira – Isto é o que me parece. 2 vol. Rio de Janeiro, ICHF/UFF, 1977. Dissertação de mestrado (mimeo). 22 Beauclair, Geraldo . A gênese industrial do Brasil. In: Cadernos do ICHF. n. 38, Niterói, ICHF/UFF, nov/1990. (mimeo) 23 Beauclair, G. op. cit. p.1. 24 Beauclair, G. Raízes da indústria no Brasil. Rio de Janeiro, Studio F & S, 1992. 25 Refiro-me, em especial, à obra de Salles, Iraci Galvão. Trabalho, progresso e a sociedade civilizada. São Paulo, Hucitec, 1986. 26 O que tem sido constatado pelas análises de: Beauclair, G. A gênese industrial do Brasil. In: Cadernos do ICHF. n. 38, Niterói, ICHF/UFF, nov/1990. (mimeo) e Raízes da indústria no Brasil. Rio de Janeiro, Studio F & S, 1992. A respeito, ver também: Libby, Douglas C. Transformação e trabalho em um economia escravista. Minas Gerais no século XIX. São Paulo, Brasiliense, 1988. 27 Marx, K. O Capital. Crítica da economia política. 6a ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1980. p.425. Grifos meus. 21 28 Cf. Lima, Sandra Lúcia L. O Oeste paulista e a República. São Paulo, Vértice, 1986. p. 27. 29 Whately, Maria Celina. O café em Resende no século XIX. Rio de Janeiro, José Olímpio, 1987. pp. 34-35. 30 Costa, Emília V. da. Da senzala à colônia. 3a ed. São Paulo, Brasiliense, 1989. pp. 64-65. Grifos meus. 31 Costa, João Severiano Maciel da. et al. Memórias sobre a escravidão. Introd. de Graça Salgado. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/Fundação Petrônio Portella, 1988. p. 165. 32 Cf. Machado, Humberto. Escravos, senhores e café. Niterói, Cromos, 1993. p. 45. 33 Hobsbawn, Eric J. A era das revoluções. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. 34 Landes, David. Progreso tecnologico y revolucion industrial. Madrid, Tecnos, 1979. 35 Ib., p. 270. 36 Rosenberg, Nathan. Perspectives on technology. London, Cambridge Univ. Press, 1976. pp. 9-31. 37 Cf. Ribeiro, Luiz. Cláudio M. Segundo relatório de iniciação científica ao CNPq. Niterói, dez/1989. 38 Silva, J. L. W. da. op. cit. v. II, p. 75. 39 Cf. Camargo, R. de & Telles Jr., A. de. op. cit p. 496. “Compreende-se por ‘benefício’ a operação de descascar o café já seco, quer em coco, quer em pergaminho. Quando o produto se encontra recolhido às tulhas, depois do devido ‘descanso’ (cerca de 40 dias no mínimo) deve o lavrador aprestar-se para o seu benefício”. 40 O Auxiliador da Indústria Nacional. 1881. pp. 105-109. 41 A controvérsia a respeito de ter sido 1892 o último ano de circulação de O Auxiliador da Indústria Nacional é tratada tanto por Carone, E. O Centro Industrial do Rio de Janeiro e a sua importante participação na economia nacional (1827-1977). Rio de Janeiro, Cátedra, 1978, quanto por SILVA, J. L. W. da. op. cit. 42 Ribeiro, Luiz Cláudio M. op. cit. 43 Cardoso, Ciro & BRIGNOLI, Hector .Os métodos da História. 3a ed. Rio de Janeiro, Graal, 1983. 44 Cruz, Hélio N. da. e Tavares, Martus. As patentes brasileiras de 1830 a 1891. In: Estudos econômicos. São Paulo, mai./ago., 1986. pp. 205-225. OK 22 1 A VIDA NO EITO O café como globetrotter endiabrado, foi assediando e conquistando a simpatia dos povos: provocou desordens na Turquia, no século XV; no século XVI, dava dor de cabeça aos doutôres de França, que ficaram no dilema de aceitá-lo ou condená-lo. Essa "misteriosa bebida", porém, que deu longevidade fecunda a Voltaire, que reuniu em seu redor Buffon, Diderot, Rousseau, acabou "grilando" a França. Depois de uma série de estrepolias e depois de ter conquistado os corações das principais capitais européias, surgiu por êstes Brasis, trazido, lá pelo século XVII, por Melo Palheta ou quem quer que seja; e assim êsse produto originário da Etiópia, botanicamente classificado por Linneu com o nome de "Coffea Arábica" vem ao Brasil para ficar. [...] Essa planta irrequieta até no nome produziu um equívoco. Foi batizada como "Coffea Arábica" não obstante a sua origem etíope.1 Muito já foi escrito sobre as origens do café nas florestas dos planaltos — entre 1.200 e 2.000 metros — da Etiópia. Lá, a rubiácea teve crescimento em meio à vegetação úmida, característica das regiões próximas à linha do Equador. Nessas condições, o cafeeiro, integrado ao microclima das matas e alimentado pelas camadas naturais de húmus, nunca era submetido a temperaturas inferiores a cinco ou superiores a trinta graus centígrados, nem recebia excesso de radiação solar em seu habitat nativo.2 Antes de chegar ao Brasil, a cultura do café já havia sido implantada nas possessões holandesas de Ceilão e Java, em diversas possessões inglesas, francesas, belgas e portuguesas da África. No mesmo período em que foi iniciada sua plantação no Brasil, em meados do século XVIII, diversas colônias espanholas também o fizeram, principalmente o México, Colômbia, Venezuela, Costa Rica, Cuba e El Salvador. Entretanto, na maior parte dessas regiões, procurou-se respeitar o método de cultivo que melhor se assemelhava às condições naturais de desenvolvimento do cafeeiro.3 No Brasil, enquanto se organizava o Estado no período após a independência, os bens em geral, os escravos e o ouro representavam a riqueza dos homens e sua capacidade de endividar-se contraindo empréstimos. Nessa 23 época existiam no país terras férteis em abundância, mas elas não serviam como garantia de empréstimos. Seu valor venal era nulo e “a fazenda nada mais representava senão o trabalho escravo acumulado”4. O preço do escravo mantinha-se sob o controle do traficante negreiro, responsável pela abundância ou escassez da “mercadoria”. Portanto, a capacidade produtiva de um fazendeiro dependia diretamente da população de suas senzalas.5 Mas, após a aprovação da Lei de Terras, de 1850, as terras não ocupadas passaram do estatuto de devolutas para o de terras de propriedade estatal, só podendo ser apropriadas através do ato da compra ou da comprovação de sua posse até data anterior à lei. Esse foi o passo inicial para que a terra fosse, aos poucos, tornando-se um bem de raiz, porquanto, naquele mesmo ano, o tráfico atlântico de escravos sofria sérias restrições. Utilizado em massa, o trabalhador escravo ainda prosseguiu como a principal força de trabalho brasileira até a extinção dessa modalidade de mão-deobra. Após a proibição do comércio direto com a África, ainda muito se valeram os fazendeiros de café do comércio ilegal para se abastecerem do “gado humano”. Conscientes de que aquela forma de exploração do trabalho não perduraria, lutavam por manter ao máximo o escravo até que sua força de trabalho se anulasse. Ao adquirir o escravo, o fazendeiro comprometia-se antecipadamente com o traficante, ancorado na expectativa da renda a ser obtida com o trabalho daquele sobre a terra. De simples bem, ou capital, o escravo adquiria a natureza sui generis de “renda capitalizada”, como demonstrou José de Souza Martins, em seu clássico trabalho.6 O fazendeiro relutava em desfazer-se do escravo porque a terra representava, quando muito, apenas 20% do valor de sua fazenda,7 e o conjunto dos demais equipamentos e instrumentos de trabalho não chegava a 10% das aplicações.8 O grande montante dos investimentos era mesmo aplicado no 24 mercado humano. Isso dava ao escravo um posição destacada entre os bens da fazenda: além de realizar trabalho, também servia como garantia para obtenção de empréstimos para novas inversões em escravos e em novas fazendas. No dizer de Martins, O escravo tinha dupla função na economia da fazenda. De um lado, sendo fonte de trabalho, era o fator privilegiado da produção. Por esse motivo era também, de outro lado, a condição para que o fazendeiro obtivesse dos capitalistas (emprestadores de dinheiro), dos comissários (intermediários na comercialização do café) ou dos bancos o capital necessário seja ao custeio seja à expansão de suas fazendas [...]. Tendo o fazendeiro imobilizado nas pessoas dos cativos os seus capitais [...] subordinava-se uma segunda vez ao capital comercial, mediante empréstimos, para poder pôr em movimento os seus empreendimentos econômicos, inclusive para promover a abertura de novas fazendas e adquirir equipamentos de benefício.9 Nessas condições, o Estado forneceu o capital-crédito que sustentou a aventura da usurpação das terras agricultáveis do Sudeste brasileiro. O sistema financeiro, vinculado ao câmbio-ouro, baseava-se no financiamento do Estado através das rendas públicas obtidas pelo movimento comercial. A sociedade brasileira, para abastecer-se de produtos industrializados, tinha de importá-los, pagando tarifas ao Estado; o Estado, para sustentar-se, tinha de estimular as exportações para que crescesse sua receita. Dessa forma, engendrou-se na sociedade político-econômica brasileira uma relação de dependência mútua entre o Estado e os setores de exportação de produtos agrícolas. “O Brasil é o café, e o café é ouro”, dizia-se.10 A expressão dessa dependência dava-se, no mundo financeiro, pela emissão de títulos públicos lastreados no ouro do Tesouro, cuja variação ocorria em relação ao câmbio da libra, cotada em ouro. No caso do café, ao entregá-lo ao comissário, o fazendeiro geralmente era pago com títulos. A circulação desses papéis, desde a compra no 25 mercado por empresários capitalistas até a chegada ao interior da fazenda, era a moeda de troca no complexo cafeeiro. O café, no final do século XIX, particularmente de 1874 — quando se estabilizaram os preços em tendência de alta — até o assalto republicano, era o principal produto de exportação brasileiro. De suas vendas dependia a maior quantidade de ouro, cotado em libras inglesas, que entrava para os cofres públicos. Como, ao venderem as colheitas, os fazendeiros recebiam os títulos expressos em mil-réis valorizados em relação à libra-ouro, quanto mais café exportavam, mais libra-ouro entrava para o país, elevando a cotação do mil-réis. Contudo, os fazendeiros repassavam os títulos que recebiam na preparação da safra futura, comprando mais escravos para a ampliação da lavoura. Os traficantes de escravos descontavam esses títulos contra o caixa do Tesouro na entressafra, quando o mil-réis ficava mais desvalorizado devido à escassez do ouro-lastro. Assim, embolsavam a diferença da cotação do mil-réis entre o instante da compra e o da venda do título. Todo o mecanismo acabava por concentrar lucro financeiro na esfera da circulação, favorecendo os setores envolvidos com a economia cafeeira, particularmente os da Corte. A produção agrícola de exportação e o câmbio-ouro eram, em última instância, os pilares básicos do sistema financeiro do Segundo Reinado. Da relação entre o volume da safra de café e sua cotação em libra-ouro, dependia o establishment dos setores dominantes da sociedade brasileira daquele período. Portanto, o Estado brasileiro, através da circulação monetária, financiava a estrutura econômica da fazenda escravista, lastreando no Tesouro da nação o pagamento dos lucros obtidos pelo traficante de escravos.11 Envolto nesse círculo vicioso, o fazendeiro — dependente do valor do escravo-mercadoria e do valor de uso do escravo-trabalhador — só começaria a vislumbrar no horizonte a possibilidade de substituir a mão-de-obra cativa à 26 medida que a terra e os demais bens nela existentes pudessem ser crescentemente apropriados como capital. Essa perspectiva surgiu quando a demanda da produção de café, submetida comercialmente ao abastecimento das crescentes populações das nações industrializadas e dos novos mercados mundiais, apontou para uma tendência ao crescimento ad infinitum. Na análise do quadro econômico internacional, observa-se que, enquanto até a década de 1860, o domínio industrial e financeiro esteve exclusivamente com a Inglaterra, a partir da década seguinte, outras nações, como a Alemanha, a Bélgica e os Estados Unidos, começaram a aproximar-se do nível de desenvolvimento industrial inglês.12 Desse desenvolvimento resultou um crescimento da demanda por produtos agrícolas, tanto para consumo interno naqueles países, como para as transações comerciais com seus mercados cativos. O café brasileiro foi inserido entre os produtos que serviam também como meio de troca para que produtos industrializados entrassem no Brasil, motivando ainda mais a expansão das lavouras e tornando mais visíveis as disparidades entre a crescente capacidade da produção agrícola e a produtividade rotineira do beneficiamento do café. Seguindo a tendência de aumento do consumo, a partir das décadas de 1860-1870, as áreas de plantio se expandiram e a exportação de café do Brasil saltou de 2.666.835 sacos de 60 kg, em 1866, para 3.878.382 sacos, em 1875. Continuada a expansão, dez anos depois, a exportação saltaria para 6.015.036 sacos. Deste montante, os Estados Unidos da América foram o país que mais aumentou as encomendas, ano após ano.13 Garantidas as premissas do acesso às terras e aos mercados, as exigências do grande comércio mundial poderiam ser satisfeitas com as condições socioeconômicas internas — salvo alguns ajustes — existentes: terras férteis disponíveis, sistema de comunicação e transportes em funcionamento e em expansão, mão-de-obra escrava altamente produtiva e imigração européia — 27 preferida devido a os imigrantes europeus estarem ambientados à lógica da produção em larga escala e ao fetiche representado pela propriedade particular e pela liberdade no capitalismo. Esses fatores possibilitariam encetar uma grande expansão da lavoura cafeeira para os interiores capixaba, mineiro, paulista e fluminense, além de algumas províncias nordestinas e sulinas, a partir da década de 1870, uma vez que essas regiões já estavam integradas ao mercado de consumo capitalista, através das redes de ferrovias, estradas e vias de navegação.14 No entanto, restavam ainda questões políticas e técnicas. Políticas, com relação ao problema do crédito à lavoura e à subvenção do transporte do imigrante europeu; técnicas, face ao suporte tecnológico a ser desenvolvido, de forma a tornar compatível o aumento da produção com as exigências por um produto qualificado, embarcado mais rapidamente, sob o signo do “vapor e da velocidade”15. Faltava, portanto, ser criada no Brasil uma infra-estrutura agrícola modernizada, capaz de, sem desviar a mão-de-obra indispensável ao cafezal, preparar o café para o comprador estrangeiro. Em outras palavras, faltavam máquinas! Quanto à questão política, crédito e imigração, o próprio aumento do valor comercial do escravo implicou também um aumento da “renda capitalizada” do fazendeiro, possibilitando-lhe maiores empréstimos bancários.16 Outras vantagens creditícias foram obtidas pelos cafeicultores: em 1873, o crédito hipotecário com base nas plantações e nas instalações da fazenda, antes restrito às propriedades rurais do Rio, Espírito Santo e Minas, foi também estendido àquelas de São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Como o dispositivo não trouxe os efeitos desejados, visto que os capitalistas e comissários não se interessavam pelas terras que lhes eram entregues para saldar dívidas, outro dispositivo foi criado na lei, em 1885, permitindo que o 28 pagamento das hipotecas fosse feito com a rubiácea in natura, colhida ou pendente no pé. Dessa maneira, puderam os cafeicultores encontrar outras formas de obter créditos, independente da posse de escravos. Passou a valer o café. Então trataram de produzi-lo! Visto sob esse ângulo, desaparecem as nuances de dinamismo ou tradicionalismo entre as regiões cafeeiras. Estava em jogo a consolidação de uma base produtiva para o mercado capitalista, porém organizada sob qualquer forma de sujeição do trabalhador ao trabalho não-assalariado, fosse escravo ou colono. Enquanto seu preço oscilava, como mostra a tabela abaixo, o escravo foi sendo reforçado como o principal meio de investimento de capitais. O retorno era garantido: sendo cativo, o trabalhador escravo estava em condições sociais de ser submetido até o extremo de suas energias físicas ao aumento da carga de trabalho diária. PREÇO MÉDIO DO ESCRAVO NO OESTE PAULISTA 1843/1887 PERÍODO PREÇO EM MIL-RÉIS 1843-1847 550$000 1848-1852 649$500 1853-1857 1:177$500 1858-1862 1:840$000 1863-1867 1:817$000 1868-1872 1:792$500 1873-1877 2:076$862 1878-1882 882$912 1883-1887 926$795 Fonte: Apud. José de Souza Martins, Op. cit. p. 27 Descrições da época mostram que nas fazendas de café o cativo trabalhava até dezoito horas por dia, ficando a seu encargo uma área cultivada muitas vezes superior à praticada em culturas similares, em países com mão-deobra livre.17 Assim, a importância do setor exportador levou, crescentemente, a uma concentração do contingente de negros cativos nas maiores províncias produtoras 29 de mercadorias agrícolas exportáveis, como é o caso da cana-de-açúcar e do tabaco, na Bahia e em Pernambuco. Na Bahia, por exemplo, o total de escravos, que somava 82.957 em 1875, crescera 60% ao longo de uma década, chegando a 132.822 escravos em 1885. No mesmo período, a população escravizada de Pernambuco pulou de 38.714 para 72.370, perfazendo um acréscimo de 87%.18 Na lavoura cafeeira, enquanto Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro somavam, em 187,5 um total de 521.102 trabalhadores escravos,19 uma década depois, este número já chegava a 728.112.20 No mesmo período, Minas Gerais perderia 14.492 escravos. Entretanto, São Paulo ganharia outros 62.658 e o Rio de Janeiro, também outros 109.173.21 Assim, o Sudeste reuniria 60,65% do total da mão-de-obra escravizada no país em 1885.22 Apesar da variação do preço do escravo, sua concentração no Sudeste aumentava, mantendo imobilizada enorme quantidade de capitais. Isso, porém, fazia com que o impasse entre o movimento pela abolição e os interesses agrários escravistas se estendesse23. Nessas condições, mantendo o padrão usual de exploração do trabalhador escravo, os fazendeiros não aceitavam adaptar-se às regras capitalistas baseadas na igualdade entre os indivíduos e na contratação dos serviços em troca de salário. Muito menos aceitavam usar métodos mais racionais de exploração do solo. Os produtores tinham clareza de que o trabalhador estrangeiro era exigente não apenas em relação a satisfazer seu sonho de enriquecer através do trabalho na lavoura, mas também em relação à liberdade individual, razões que o moviam a vir tentar “fazer a América”. Enquanto pudessem explorar as peças cativas, não seria outra a opção dos fazendeiros. Isso, porém, não significou que não se preparassem para conjugar o trabalho escravo com a mão-de-obra livre. Curiosamente, enquanto a historiografia indica que as grandes levas de europeus chegaram a partir de 30 meados da década de 188024, verifica-se que desde a década anterior muitos fazendeiros já construíam casas de moradia para os colonos. Veja-se o exemplo de uma fazenda em Rio Claro, posta à venda em 1878: 4.100 alqueires de terra [...], 370.000 pés de café (contados), boa casa de morada, [...] senzalas para grande escravatura e casa novas e bem construídas para duzentas famílias de colonos...25 Não é demais lembrar que a ferrovia chegara ao município de Rio Claro apenas dois anos antes! Enquanto isso, o trabalhador nacional livre formava a maioria da população “desocupada” do Sudeste mas, por ser considerado indolente e pouco inteligente, não era aceito como “colono” pelos fazendeiros. Compreende-se melhor por que os fazendeiros recusavam os livres quando se toma uma perspectiva de análise que aceita que o trabalho livre não poderia ser preponderante numa sociedade na qual as relações sociais eram historicamente pautadas pelo escravismo e em que o escravo constituía “renda capitalizada”.26 Apesar da existência de numerosa população de brasileiros livres, eles não tinham acesso nem à terra nem ao trabalho no setor de maior importância na economia brasileira. Cabia-lhes funções secundárias à lavoura, como os trabalhos de desmatamento e preparação das terras, a plantação e o tratamento das mudas de café até que elas iniciassem o ciclo produtivo, quando repassavam a plantação ao fazendeiro. Outras vezes, atuavam como empreiteiros dos desmatamentos, retirando das florestas madeiras nobres e seus subprodutos, como o carvão vegetal que abastecia as áreas urbanas: em uma fazenda, distante desta côrte 4 horas de viagem pelo caminho de ferro, dão-se mattas virgens para o fabrico de carvão, de meias, as pessoas que quizerem se occupar neste 31 serviço, terão na fazenda moradia e conducção, e só pagarão sua parte em dinheiro se fôr família dar-se-ha lugar para fazer sitio...27 Para se ter uma idéia dessa população livre e pobre do Brasil — os caipiras —, a estatística apresentada pelo Senador Godoy, referente ao ano de 1875, é particularmente interessante. Segundo suas estimativas, os “livres desocupados” eram, tanto nas províncias de Minas Gerais, de São Paulo e do Rio de Janeiro (58,50%) como nas do Ceará, da Bahia e de Pernambuco (56,15%), a maioria da população.28 Já os escravos do Sudeste representavam 18,27% da mão-de-obra da região, enquanto o conjunto Ceará, Bahia e Pernambuco representava 6,3%. Enquanto isso, a mão-de-obra considerada “livre ocupada” era intermediária, perfazendo 37,55% da população naquelas províncias nordestinas e 23,23% nas províncias cafeeiras do Sudeste.29 Porém, para maior clareza das convivências e da dinâmica dos arranjos sociais da cafeicultura no Sudeste brasileiro, é necessário tirar das sombras as transformações infra-estruturais ocorridas no âmbito das fazendas produtoras. A produção do café tinha, até o final da década de 1860, acontecido em condições muito mais restritas do que as que se seguiriam. A consolidação do produto nos grandes mercados estrangeiros sujeitava mais e mais sua produção, induzindo a um aumento considerável das áreas cultivadas, dos meios de produção, e das vias de transporte. Tal expansão deu-se de forma concomitante e organizada: as melhores zonas florestais de São Paulo, atingindo e ultrapassando a “terra roxa”; do Rio de Janeiro, médio e baixo vale do Paraíba; das zonas da Mata e Sul mineiras, e dos vales dos rios Benevente, Novo e Itapemirim, no Espírito Santo, foram tomadas e iniciadas na produção do café para os mercados mundiais. 32 A produção cafeeira em grande escala, no século XIX, caracterizava-se por dois métodos de cultivo: sombreamento, praticado em muitos países produtores, e insolação, praticado no Brasil.30 Considerando o uso racional do solo, a cultura sob o método de sombreamento apresentava muitas vantagens sobre o método de insolação. No primeiro procuravam-se reproduzir as condições originais do cafeeiro, plantandoo no meio das florestas. Para isso, desbastava-se a vegetação de sub-bosque e abatiam-se as árvores incompatíveis com o crescimento do cafeeiro.31 Na Venezuela, por exemplo, plantavam-se bananeiras no meio das ruas e outras espécies apropriadas, como o guamo e o bucare, nas elevações e planícies, respectivamente. Essa técnica tinha por objetivo permitir a passagem de radiação solar em torno de 50% a 70%, considerada ideal para conservar o húmus e as propriedades físico-químicas naturais das florestas.32 Sobressaía, nesse caso, a maior longevidade da cultura, cujos cafeeiros podiam ultrapassar produtivamente a idade de 50 anos, enquanto que no método de insolação uma planta de 20 anos era considerada “velha”.33 Um artigo de uma autoridade venezuelana em cafeicultura, transcrito do “Novo Mundo” para O Auxiliador da Indústria Nacional, em 1874, mostrava as diferenças entre os dois métodos, dando pistas para que os fazendeiros brasileiros buscassem a “terra roxa”: As terras aluminosas e puramente argillosas nunca recebem bem a árvore do café. Este exige terras ligeiras meio mescladas de pedras e sem sáes. As terras rôxas um tanto pedregosas e também as negras quando não muito argillosas [...] são em geral muito próprias. [...] No cafeeiro, as raízes se devem conservar sêccas ou com muito pouca umidade e a terra deve estar disposta com declive tal que as águas nunca se estanquem.34 33 E descrevia o microclima apropriado ao cafezal dos trópicos: [...] A temperatura mais apropriada póde fixar-se entre os 12 e os 25 gráos centigrados. Todavia, póde viver bem em temperaturas muito mais elevadas, sempre que as plantações tenhão o abrigo de árvores grandes e ramosas [...] 35 Também tratava diretamente da questão crucial, o cultivo à sombra: Occupemo-nos agora de uma questão muito delicada sobre que os homens intelligentes que cultivão o café não estão de acôrdo, bem que em Venezuela a opinião seja uniforme e sem contradicção; a questão da sombra. Em Venezuela é absolutamente indispensável que os cafeeiros fiquem abrigados com árvores corpulentas [...]. Esta prática não é seguida no Brasil nem na América Central, nem nas Antilhas[...]. Em Venezuela, sem a sombra das árvores o arbusto perece em poucos annos. A princípio os fazendeiros não cobrião os cafeeiros, mas a experiência lhes foi mostrando que precisavão fazê-lo para salvar suas plantações de completa destruição...36 Pode-se relacionar entre as vantagens do sombreamento a resistência natural contra as intempéries, a proteção à erosão dos solos, principalmente os de tipo arenoso predominantes em São Paulo, a estabilidade do húmus natural, a conservação dos microorganismos presentes nos solos, e a manutenção do pH do solo próximo de neutro (pH=7).37 Além disso, a manutenção das matas nativas possibilitava o suprimento de gás carbônico do ar e do solo e um teor de umidade ideal. Sem as matas, o gás carbônico e a água presentes no solo reduziam-se a níveis drasticamente baixos.38 O conjunto desses fatores dava aos cafezais maior resistência às doenças e às pragas.39 Na verdade, o método de insolação tanto esgotava o solo quanto expunha a planta ao sol dos trópicos. Verificava-se nos pés de café da América Central, 34 quando expostos à insolação pela morte da árvore que os protegia, uma doença de origem fisiológica conhecida por paloteo, derivada do excesso de sol associado à carência de húmus. Camargo e Telles Jr. afirmam que o aspecto dessas plantas doentes correspondia à descrição de um cafeeiro normal brasileiro, de idade superior a vinte anos.40 Em conseqüência dessa prática agrícola foram comuns, a partir da década de 1860 e 1870, os problemas enfrentados com as “pragas do cafeeiro”, que passaram a dizimar as lavouras e não apenas nas áreas mais antigas como também nas de ocupação mais recente. Por volta de 1870, os plantadores do vale do Paraíba fluminense mostravam-se confusos com os problemas climáticos que suas lavouras insoladas enfrentavam: Nós, os lavradores desta parte da província (Barra Mansa) estamos muito inquietos com a irregularidade da estação. Depois de tão grande sêca as chuvas têm sido escassas, de modo que não é mais possível termos abundância de cereais para o anno próximo futuro. A falta de águas accresce o frio desconhecido que tem feito até o momento em que escrevo, em virtude do qual tem-se perdido parte das flôres que cobrião os cafezaes mais velhos.41 Os problemas eram também sentidos quanto aos ataques por pragas e doenças desconhecidas, como ocorreu nos cafezais de Ubá e de outros municípios da Zona da Mata mineira: Uma nova doença [...] tem apparecido nestes últimos tempos nos nossos cafezaes, tendo origens segundo parece, no valle do rio do Collegio... [...] Como se não bastasse também o apparecimento do bicho, a larva dessa myriada de pequenas borboletas, operando o seu ataque às folhas da arvore, surge agora outro mal incontestavelmente peior, que sem motivo apparente, sem 35 attenção a quaesquer circunstancias de estação, de terreno ou posição, bom ou mau trato ao cafezal, a arvore começa por amarellecer as folhas (symptoma fatal de sua affecção), e em poucos dias fenecem para tornarem-se completamente sêccas.42 Verificado o agravamento do problema na década de 1880, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, instado a resolvê-lo, designou o cientista Emílio Göeldi “para attender aos pontos até hoje mais cruelmente perseguidos pela moléstia”, que atingira, principalmente, Cantagalo, Santa Maria Madalena e São Fidélis.43 Antes disso, o Barão de Capanema já se havia incumbido da investigação, relatando as causas “geognósticas e meteorológicas” que eram, a seu ver, ora grandes estiagens, ora chuvas torrenciais, cujas águas “apenas desnudão a superfície, sem que penetre no sólo senão pequena porção de água”, provocando o “estado mórbido” do cafeeiro. Segundo seus estudos, o estado do solo era responsável pela doença, o que foi constatado, desarraigando vários indivíduos enfermos, a alguns dos quaes faltava de todo a raiz central e em outros se mostrava atrophiada, emquanto as raízes superficiaes nenhum indicio de morbidez patenteárão.44 Na região paulista, em 1850, o fazendeiro Luiz Torquato Marques d’Oliveira, de Casa Branca, localidade de terras férteis, na região vizinha à zona de “terra rôxa”, convocou os fazendeiros a se cotizarem para que pudesse fazer publicar “um novo systema de plantação de café”, em substituição ao método usado, pois [...] a primeira causa destruidora da uberdade dos terrenos é a queima das madeiras, por que tira-lhes a folhagem e 36 madeiras brancas, que deixadas, tornam-se em estrume, augmentam a força da terra para produzir o duplo. 45 Segundo ele, o sistema de queima das matas incrementava o crescimento de capins, absorvendo muita mão-de-obra nas capinas e tornando os cafezais efêmeros e pouco fecundos. d’Oliveira dá uma visão sobre a situação das lavouras na região, entre 1850 e 1863, ano de sua publicação: As colheitas foram diminuindo pela infecundidade do terreno, redobraram-se as capinas, empenhaste-vos [os cafeicultores] na compra de braços para plantar muito, e colhestes pouco: estragastes o quádruplo dos terrenos precisos para colherdes as arrobas que colheis...46 A cultura de sombreamento frente à de insolação trazia, entre todas as vantagens econômicas, o menor custo da lavoura, a melhor qualidade da safras: o sombreamento possibilitava cafés com menos defeitos e com maturação mais uniforme na época da colheita, maior rendimento no benefício e em xícaras, melhor padronização e classificação dos “lotes” e, por fim, uma maior resistência às oscilações de preços no mercado internacional.47 A distinção básica entre os dois métodos ajuda a destacar melhor o caráter itinerante — “que, no Brasil, vem provocando a marcha forçada para o sertão, deixando, empós de si, os desertos de samambaia e sapê”48 — e as especificidades do complexo cafeeiro brasileiro, no período deste estudo. Na opinião de Camargo e Telles Jr., a causa primordial da existência da lavoura insolada [...] foi a constatação das floradas excessivas, provocadas pela insolação intensiva. A ambição dos lavradores de outrora fez com que se estendessem as culturas ao sol, na errônea 37 convicção de que maiores seriam os seus lucros. E como a qualidade nada representava naqueles bons tempos, bem como, sobravam os mataréus das terras virgens para serem derrubados, lograram, em parte, obter seu desiderato.49 Assim, pela lógica do sistema cafeicultor brasileiro, o meio mais rápido de se obter safras maiores de café era pelo método de insolação. A única vantagem desse método sobre o de sombreamento era a maior produtividade do cafeeiro plantado na terra nova, nos primeiros dez a quinze anos, resultante da camada de húmus remanescente no terreno. Porém, com as limpas e capinas, com a erradicação do sistema de raízes das plantas nativas, da sombra das árvores, e com a erosão, esse húmus logo acabava, deixando a terra improdutiva. Tal processo de esgotamento do solo verificava-se indistintamente em todas as províncias onde era praticada a insolação do cafezal. Ao longo do tempo, porém, mesmo essa vantagem da insolação se desvaneceu. Um estudo feito no Horto Florestal de Rio Claro, nos anos de 1920, provou ser errônea a idéia, ainda mantida no Brasil, de que a safra do café produzido em cultura à sombra era desigual e tardia em maturação. No estudo, em que foram plantados cafés sob ambos os métodos, usando eucaliptos para o sombreamento, chegou-se ao seguinte resultado na colheita de 1926: VERDE CEREJA CÔCO Café a Sombra 0,94% 21,06% 78,00% Café ao Sol 2,25% 13,75% 84,00% Fonte: Instituto de Café do Estado de São Paulo. Cultura do café a sombra. Ed. Navarro. s/d. 26 p. Os pesquisadores observaram que, com o método de insolação, o cafezal era exposto a temperaturas mais baixas à noite e mais altas durante o dia. Essa maior variação entre temperaturas extremas acelerava o amadurecimento do grão 38 do café, secando-o mais rapidamente antes que pudesse ser colhido no ponto ideal para ser beneficiado — no estágio cereja. No cafezal sombreado, essas temperaturas tendiam a uma variação menor entre os extremos e o estágio cereja conservava-se por um período mais longo. Na experiência foram plantados 414 alqueires de 50 litros de café (20.700 litros) ao sol e apenas 191 dos mesmos alqueires (9.550 litros) à sombra. Os resultados colhidos foram significativos para demonstrar a rentabilidade relativa do cafezal ao sol: enquanto nas primeiras safras o cafezal ao sol rendia pouco mais, tendendo a diminuir após as safras seguintes, o cafezal à sombra tendia a permanecer com produção constante pela maior parte da vida da árvore, ou seja, mais de três vezes o tempo do cafeeiro insolado. A tendência inicial ficou constatada pelos seguintes dados: Cafezal ao Sol 38 saccas, ou 152 arrobas de chato graúdo 2.280 kgs. 22 saccas, ou 88 arrobas de chato meudo 1.320 kgs 10 saccas, ou 40 arrobas de chato meudinho 600 kgs 6 saccas, ou 24 arrobas de moka 360 kgs. 2 saccas, ou 8 arrobas de escolha 120 kgs 1 arroba de cabeça 15 kgs. TOTAL 4.695 kgs Cafezal à sombra 30 saccas, ou 120 arrobas, de chato graúdo 1.800 kgs. 8 saccas, ou 32 arrobas de chato meudo 480 kgs 3 saccas, ou 12 arrobas de moka 180 kgs. escolha 14 kgs cabeça 8 kgs TOTAL 2 .482 kgs ` Fonte: Instituto de Café do Estado de São Paulo Cultura do café à sombra. Ed. Navarro. s/d., 26 p. 39 O resultado final mostrou que o café “à sombra” teve rentabilidade de 57,7 litros/arroba plantada, ou 165 arrobas e 7 quilos, enquanto o “ao sol” rendeu 66,1 litros/arroba plantada, ou 313 arrobas.50 Do ponto de vista da produtividade da terra a médio e longo prazo, as desvantagens do método de insolação eram gritantes. A esse método estão associadas uma taxa significativa de grãos de péssima qualidade; excessivas floradas, provocando maturação em estágios diferentes e, conseqüentemente, uma colheita muito desigual; colheita de frutos secos, antes da maturação, devido à ação direta de raios ultravioleta e infravermelhos; além da colheita de frutos fermentados prematuramente no galho.51 Tudo isso, associado aos métodos de colheita e benefício rudimentares, contribuía para caracterizar o café brasileiro como “café dos pobres”, nas principais praças norte-americanas.52 A desqualificação de parte do café produzido no Sudeste brasileiro começava a partir da desigualdade das safras, outra das desvantagens da insolação. Porém, a corrida para o plantio de café, principalmente em sua expansão por São Paulo, motivada como foi pelos lucros imediatos obtidos no grande comércio e pela abundância de terras nativas, não atentou de imediato para o fenômeno. Há indicações de que, na região de Campinas, a quantidade de dias nublados e chuvosos foi maior nas últimas décadas do século dezenove53. O fenômeno regional pode ter amenizado natural e circunstancialmente o esgotamento dos solos na região: as nuvens produziram sombreamento e diminuíram espontaneamente as temperaturas, enquanto as chuvas proviam à terra a umidade necessária à lavoura. O mesmo não se pode verificar para as demais regiões produtoras de café do Sudeste, de altitudes e temperaturas variadas. A variedade das configurações geológica e geográfica dessas regiões resultava numa safra global anual irregular, 40 desigual e de baixa qualidade. Graças a isso, o maior produtor inundava os mercados mundiais com o pior produto! PORCENTAGEM DA PRODUÇÃO BRASILEIRA NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE CAFÉ 1820/29 18,18% 1830/39 29,70% 1840/49 40,00% 1859/59 52,09% 1860/69 49,07% 1870/79 49,09% 1880/89 56,63% Fonte: Martins, Ana Luiza. Império do café. A grande lavoura no Brasil 1850 a 1890. 4a. ed. São Paulo, Atual, 1990, p.39. Reputado a priori como inferior em qualidade, o grande volume de café exportado pelo Brasil que inundava os mercados acabava absorvendo as demais partidas de cafés inferiores de outros países, que recebiam a classificação genérica de café “brasil”, “rio”, “santos”, etc., no mercado estrangeiro. Esses cafés eram reexportados pelos negociantes internacionais dos grandes centros comerciais para os mercados menos exigentes, dentro e fora da Europa. Enquanto isso, os melhores cafés exportados pelo Brasil eram classificados como se tivessem outras procedências, o que lhes assegurava melhor preço.54 Na Europa, a inferioridade do café brasileiro era associada à forma de obtenção do produto, ao horror à escravidão dos negros e à exploração dos imigrantes europeus praticada no Brasil. Mais uma vez, o Senador Godoy, em 1882, estava entre aqueles que chamavam a atenção do Parlamento brasileiro para a questão: [...] A educação popular européia tem horror à escravidão, e encara os povos onde ela existe como bárbaros, intolerantes, capazes de todos os crimes, por suportar o mais hediondo 41 delles e portanto, infiéis à execução de quaisquer contratos. O nosso próprio café é olhado como de procedência criminosa, e por isso taxado com despotismo, como na França, que cobra 6$254 por 15 kilogramas; e para ter consumo em diversos países occulta-se-lhe a origem com descrédito e prejuízo nosso. 55 As autoridades, nas exposições universais, esmeravam-se para divulgar uma produção de excelência no Brasil, mas os demais pequenos produtores quase sempre conquistavam os melhores prêmios, ainda que apresentassem poucas amostras. Na Exposição Internacional de Antuérpia, em 1885, por exemplo, expuseram café 1.045 produtores, sendo 900 brasileiros (86,12%), que apresentaram 1.247 (81,71%) de um total de 1.526 amostras de cafés. Concorrendo com as “colonias francesas, Haiti, Libéria, Portugal, Paraguai, Bélgica e França”, o Brasil só obteve 96 medalhas (54,54%) de um total de 176 distribuídas.56 Da parte dos negócios internacionais, as grandes firmas operadoras do mercado de café rebatiam as acusações de práticas comerciais ilícitas com o produto brasileiro que recebiam e reclamavam do produto. Relacionavam a baixa qualidade do café com o método de colheita — que consideravam impróprio — e com o sistema de benefício, feito em boa parte pelos métodos tradicionais. Instruído o investigar a questão, o cônsul-geral brasileiro em Liverpool, o visconde do Rio Branco, José Maria da Silva Paranhos, efetuou uma enquete entre as principais firmas importadoras inglesas. Concluindo que os grandes negociantes da Grã-Bretanha não omitiam os nomes dos portos de procedência dos cafés brasileiros, Rio Branco acabou por pontuar uma gradual, porém perceptível, mudança nos métodos de preparação do produto exportado pelo 42 Brasil. Ao afirmar que as exposições nacionais e internacionais contribuíam para conscientizar o produtor nacional, o principal representante brasileiro foi taxativo: [...] se as exposições têm demonstrado que podemos, e efetivamente produzimos, café da melhor qualidade, não se segue daí que a maior parte do que exportamos pertença à categoria do que é escolhido para tais exposições. Os nossos fazendeiros dão, em geral, mais importância à quantidade do que à qualidade; e a exposição que em boa hora acaba [...], terá tornado bem patente aos incrédulos a diferença que há entre o café comum ou ordinário, que forma a massa geral das nossas exportações, e os cafés de outras procedências mais apreciadas na Europa.57 E ainda: [...] Temos feito quanto ao beneficiamento do gênero, notáveis progressos, mas sendo muito maior a quantidade do comum ou inferior, é esta, para os consumidores, a que dá nome ao café do Brasil. Por isto os retalhadores (não o grande commércio), com o fim de satisfazer os seus clientes, vão vendendo com o nome de Moka, Ceylão, Martinica, etc., as qualidades superiores do Brasil. [...] Esta fraude ... dá-se sobretudo em França, nos outros países do continente europeu, e, segundo me informam, também nos Estados Unidos.58 Em seu relatório ao ministro da Agricultura, Commércio e Obras Públicas, aquela autoridade, tentando manter-se imparcial, reproduziu as seguintes opiniões que colheu das agências internacionais: 43 Os Srs. H. Clarke & Comp., corretores em Liverpool responderam assim: 'Os cafés do Rio e Santos são apreciados como de qualidade comum, mas quasi nenhuma entrada têm no consumo deste país. São em geral reexportados para o continente. As variedades do lavado, contudo, entram ocasionalmente no consumo [...].59 Da empresa de Patry & Pasteur, Paranhos relatou: Os cafés geralmente consumidos neste país são os de Ceilão e Índia ingleza, colory plantation coffee, e em seguida, os de Costa Rica, Guatemala, Nova Granada e outras qualidades da América Central. Os cafés brasileiros são sempre vendidos neste mercado com o seu verdadeiro nome: Rio, Santos ou Bahia. Os nossos consumidos não gostam do café brasileiro, de sorte que é mui pouco usado aqui. A razão é o cheiro desagradável do café brasileiro cru, é o mau gosto que tem depois de tostado. Estes inconvenientes são sem dúvida devidos ao modo como ele é preparado nas fazendas do Brasil. Os cafés de Ceilão e Índia, que, como dissemos são os que principalmente entram no consumo, não apresentam o cheiro e o sabor desagradável do brasileiro, porque são mui cuidadosamente lavados depois de despolpados. [...] Se o Brasil puder mandar a este país cafés tão limpos, tão frescos e bem preparados como o ordinário ou native de Ceilão e da Índia, acreditamos que a sua barateza relativa fará com que entrem francamente no consumo inglês.60 Dos comerciantes da empresa R. J. Rouse & C., Rio Branco recebeu a seguinte resposta: 44 Os consumidores ingleses não gostam do café do Brasil, porque em geral o gênero tem sabor peculiar: sabor de terra ou de tijolo. O café do Rio está especialmente neste caso. O sabor do de Santos é mais suave. Quase todo, ou melhor, todo o café brasileiro importado em Inglaterra é, conseqüentemente, reexportado.[...] 61 A resposta de James Cook & Comp. também `foi similar às dos demais. Mas sua carta-resposta já apontava o desnível entre a qualidade do café beneficiado em máquina daquele produzido no terreiro, no pilão e no carretão tradicionais, em prática em muitas fazendas brasileiras: [...] Os cafés de Ceilão, Jamaica e Índias Orientais, [...], e muitos outros, como os de Costa Rica e Java são decididamente superiores aos do Brasil. O Brasil fornece, é certo, mais de metade da produção do mundo, mas o seu produto, pelo lado da qualidade, figura em escala inferior.Isto provêm de serem as mais belas qualidades de café, como o de Ceilão, lavados, ou, por outras palavras, de ser esse café, superior despolpado com água em uma máquina, logo depois de colhido. A chamada cereja (cherry) é assim separada, e o favo (berry) seca na pele pergamentosa. No Brasil, talvez por falta d'água e escassez de trabalho, deixa-se o café secar na casca (husk), o que lhe dá sabor especial e mui forte, que nada pode fazer desaparecer. 62 Os mesmos importadores ingleses agora reconhecem a qualidade em uma parcela do café brasileiro que compram, talvez aquela colhida de cafezais novos e beneficiados em máquinas modernas. Demonstram conhecer bem o sistema de produção brasileiro e o problema da colheita por derriça: 45 Do Rio e de Santos exporta-se para aqui certa quantidade de café lavado, que sempre alcança preços elevados.[...] A superioridade do café de Ceilão e das Índias Orientais procede também de só serem colhidos os bagos quando bem maduros, reservando-se os que não o são para segunda e terceira colheita. No Brasil, consta-nos que em conseqüência de escassez de braços, só se faz uma colheita, finda a qual os arbustos são decotados. 63 Além do problema da qualidade, havia também o da quantidade de café produzido anualmente. Pelo método de insolação, após um ano de boa colheita, o cafeeiro baixava sua produção por dois ou três anos, antes de voltar ao patamar anterior, até o limite de 15 a 18 anos, após o que a árvore definhava. Levando-se em conta que a planta dava a primeira carga após o quarto ano, pode-se inferir que em sua vida útil não produzia, mesmo em boas terras, mais que cinco ou seis boas cargas de café. Isso forçava um deslocamento contínuo das plantações, à medida que as terras dos cafezais antigos iam ficando arruinadas e os cafeeiros, improdutivos, em plena idade vigorosa. Tais peculiaridades foram bem observadas por J. J. Von Tchudi, Cônsul da Confederação Helvética (atual Suíça), que, em missão de observação das condições de vida de seus patrícios no Brasil, na década de 1860, relatou: baseando-me em informações minuciosas que colhi em várias Províncias, cheguei à conclusão que a produção média de um arbusto de 6 a 10 anos é de 2 libras de café limpo; na idade de 10 a 18 anos, 2 libra e um quarto. Na plantação de um conhecido meu, seu cafezal, que contava 45.000 pés de 13 anos, deu quase 6.000 arrobas de café, ou seja 4,5 libras por pé. No ano seguinte a colheita foi de apenas 700 arrobas, ou meia libra por pé.64 Apesar disso, a situação favorecia diretamente os negociantes. Os problemas de imprevisibilidade das safras futuras e a flutuação da demanda 46 aumentavam a margem de especulação dos agentes do mercado, alterando a cotação internacional do café. No exterior, os operadores do mercado de café acompanhavam passo a passo as condições de produção das safras brasileiras, buscando obter informações que favorecessem os melhores negócios. Mais uma vez, o Visconde do Rio Branco, de sua privilegiada posição de cônsul-geral do Brasil na Inglaterra, dá notícias de como funcionava o mercado: [...] Apenas [o café] sahe do Rio, de Santos ou de outro porto do Império algum carregamento, é isso assignalado pelos corretores a sua clientella, e nas circulares que distribuem dão miúda conta da colheita no Brazil, das vendas realizadas em nossas praças, destino das expedições e depósitos no Rio e Santos. Qualquer accidente, as chuvas torrenciaes que ultimamente se derão no Rio, os desmoronamentos e interrupções em nossas linhas férreas, tudo é noticiado logo aos negociantes de café na Europa.65 Convém notar que, se, de um lado o esgotamento das terras, as pragas e a irregularidade das chuvas provocavam a ruína dos menores fazendeiros e dos menos capitalizados, de outro, não atingia tanto os grandes fazendeiros de café, os quais, beneficiando-se das leis do crédito hipotecário e da “renda capitalizada” em escravos, dispunham de estoques de terras nativas. Isso pode ser demonstrado pela quebra da safra de café verificada em 1886, quando de há muito pragas e doenças devastavam as plantações, além de outros fenômenos naturais: o mercado de café em 1886 esteve muito animado, principalmente pelo grande, se bem que gradual, augmento nos preços, graças `a reducção da colheita que se esperava do Rio e de Santos, de onde em vez de 8,000,000 de sacos não se espera mais do que 6,250,000 sacos. Além disto, o supprimento visível das outras procedências no mundo mostra a deficiência de 1,250,000 sacos. Muitos dos importadores crêm que mesmo os 6,250,000 do Rio e Santos ficarão reduzidos a 4,500,000 por causa das grandes chuvas 47 de Setembro a Novembro, e recusão baixar os preços, de modo que estes se têm ido elevando firmemente. Por outro lado, os compradores mostrão-se um tanto scepticos e o resultado é que no interior o stock em ser está quasi esgotado. [...] A variação nos preços no anno próximo passado é bem indicada por estes algarismos: em Janeiro, o café n. 6 valia 7 ½ cents.; em Abril 8 1/4; em Julho 8 3/4; em Outubro 11 7/8, em Dezembro 13 3/4.” 66 Até este ponto pretendeu-se mostrar como, no Brasil, a economia cafeeira foi orientada segundo um modelo de exploração intensiva da terra e do braço escravo, que conduziria ambos à exaustão. O desenvolvimento industrial que ocorreu na Europa e nos Estados Unidos da América popularizou o consumo do café e aumentou a demanda do mercado internacional na segunda metade do século XIX. Para beneficiar-se do aumento do consumo mundial os fazendeiros brasileiros optaram por um projeto de fazenda em que o escravo era parte primordial não só como garantia de empréstimos antes do plantio mas também como mão-de-obra de alta produtividade no cafezal. As fazendas de café eram formadas graças à disponibilidade de terras florestais nativas, por onde se deu a expansão da cafeicultura, sempre baseada no método de insolação. Forçava-se o aumento da produção da lavoura nas primeiras safras, abandonando-as e substituindo-as por novas plantações, à medida que as terras se exauriam. Das memórias de Antônio Lima, diretor da fazenda Guatapará, de Martinho Prado Júnior, pioneiro da região de Ribeirão Preto, pode-se atestar a continuação do uso do referido método de cultivo do café: [...] dr. Martinho Prado Júnior [...] extasiou-se deante dos imensos espigões, cobertos de mata virgem que se extendiam 48 a perder de vista. Constatou a excelência das terras, a conveniente altitude, e comprou-as.67 Lima narrou suas lembranças de 1900 como se as cenas daquele momento estivessem, 30 anos após, ainda diante de si: [...] A derrubada e a queimada dessa enorme área de mata, constituiu um dos espetáculos mais ousados e empolgantes. Milhares de árvores seculares caindo com estrondo, sob os golpes compassados de machados do nosso inegualável cabôclo. Semanas depois, uma fumaça espessa e negra denuncía a gigantesca queimada. Logo, em seguida, já se agita um mar de fogo, com enormes labaredas, tudo devorando debaixo de fumaça sufocante. Grandes troncos de árvores se contorcem e estalam sob um calor infernal [...]. Sôbre um imenso lençol de cinzas, começa, então, o trabalho afanoso de alinhamento, coveação e plantação das sementes de café[...] É preciso projetar e executar melhoramentos definitivos como: canais para a condução do café do cafezal; lavadores e terreiros, donde deverá seguir, por gravidade, para as tulhas, máquinas de beneficiar, depósitos, e, daí, diretamente para os vagões da estrada de ferro [...] A Fazenda Guatapará, que ao lado do seu cafezal, constituiu em tempo [...], uma usina de acúcar, vastas plantações de arroz, algodão, mandioca, etc., durante anos sucessivos manteve grandes safras que culminaram com a produção de 320.000 arrobas em 1906 [...].68 E destacou que, poucos anos depois, tudo mudara: Em 1912 [...] observava-se que o aspecto do cafezal, russo, sem vegetação, cheio de varas sêcas, era desolador.69 NOTAS 49 1 Martins, Araguaia Feitosa. Mutirão cafeeiro. São Paulo, Brasiliense, 1962. 2 Cf. Camargo, R de. e Telles Jr., A. Q. O café no Brasil. Sua aclimação e industrialização. Rio de Janeiro, Serv. de Informação Agrícola/MA, 1953. 2 vol. 3 Ibid. 4 Martins, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo, LECH, 1981. 2 ed. p. 24. 5 Ibid., p.25. A respeito da vida do Brasil nos primeiros anos após a independência, ler a interessante obra biográfica de Caldeira, Jorge. Mauá – empresário do Império. São Paulo, Cia. das Letras, 1995. 6 Martins, J. S. Op. cit., p. 26. 7 Em 1882, a Associação Comercial de Santos estimava que, do valor de uma fazenda de café, uns 20% poderiam corresponder à avaliação da terra. Cf. Martins, J. S. Op. cit., p. 25. 8 Cf. Fragoso, João Luis. “O império escravista e a república dos plantadores”. In: Linhares, M. Yedda (org.). História Geral do Brasil. Rio de Janeiro, Campus, 1990. p. 138. 9 Martins, J. S. Op. cit., p. 26. 10 Esta expressão popular continha a idéia de que a monocultura do café bastava ao Brasil, sendo, por isso, criticada pelo Dr. Nicolau Moreira, da Sain. O Auxiliador... 1884, pp.27-31. 11 Os revezes e transformações ocorridas na vida política do Império refletiam-se no sistema financeiro, tornando-o complexo e de difícil análise. Para um melhor entendimento da questão, ler: Stein, Stanley J. Op. cit.; Levy, M. Bárbara. Op. cit.; Fragoso, João Luis. “O império...” In: Linhares, M. Yedda (org.), op.cit. e Fragoso, J. Luís. Homens de grossa aventura. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1992; Machado, Humberto F. Op. cit.; Almeida, Gelson R. de. Op. cit. e a obra biográfica de Caldeira, Jorge. Op. cit. 12 Cf. Kemp, Tom. Grã-Bretanha 1870-1914: um pioneiro sob pressão. In: A Revolução Industrial na Europa no século XIX. Lisboa, Edições 70, 1987. Cap. VII. 13 O Auxiliador... 1891 . p. 93. 14 A política brasileira para os transportes no século XIX será abordada no próximo capítulo. 15 Emprestei essa alusão aos trens de ferro da obra de Hardman, Francisco F. Trem fantasma. A modernidade na selva. São Paulo, Cia. das Letras, 1988. 16 Cf. Martins, J. S. Op. cit. p.27. 17 Viajando pelos cafezais brasileiros a serviço do governo de Java, Van Delden Laerne assim se referiu à produtividade do escravo brasileiro: “Um escravo da zona cafeista no Brasil trabalhando 14, 16 até 18 horas diárias tem que tratar: no Rio de uma plantação de 3 hectares; em Santos, de uma plantação de 2 ¾ hectares. Em Java uma família composta na média de cinco pessoas não tem que tratar de mais de 450 a 500 árvores, portanto menos de ½ hectare. A quantidade de café colhida por um escravo pode avaliar-se na média em 10 a 45 kilos por dia; em Java a média por pessoa não passa de 12 a 13 kilos quando muito”. O Auxiliador... 1886, pp. 232-233. 18 Para a apuração dos valores foram confrontadas as estatísticas apresentadas pelo senador Godoy para o ano de 1875, publicadas em O Auxiliador... 1882, p. 163, com a estatística publicada em O Auxiliador... 1886, p. 231, para o ano de 1885. 19 Não foi incluído o número de escravos da província do Espírito Santo na estatística apresentada pelo Sem. Godoy para 1875, em O Auxiliador... 1882, p. 163. 20 O Auxiliador... 1886, p. 231. Estão incluídos os 19.762 escravos do Espírito Santo. 21 O Auxiliador... 1886, p. 231. 22 O Auxiliador... 1886, p. 231. 23 É interessante notar que, enquanto o abolicionismo crescia, mantinha-se publicamente a oferta de escravos em idade produtiva, a exemplo do anúncio: “Escravos Vassoura. Acaba de chegar a esta cidade um lote de escravos próprios para a lavoura, todos moços de 12 a 18 annos; os Srs. fazendeiros que os pretenderem comprar dirijão-se a Carlos Villalba Alvim, nestes dias mais próximos” (Jornal do Commércio, 02.07.1878, p. 4). 24 João Manoel Cardoso de Mello afirma que, entre 1885 e 1888, a lavoura cafeeira paulista recebeu perto de 260.000 imigrantes. Melo, J. M. C. de. O capitalismo tardio. São Paulo, Brasiliense, 1991, 8a ed., p. 87. Também Fragoso, J. L. “O Império...”. In: Linhares, M. Yedda (org.), op.cit., p.150, afirma que, entre 1887 e 1900, a lavoura cafeeira paulista recebeu 863.000 imigrantes. Com esses dados, pode-se inferir que o grosso da imigração deu-se a partir da década de 1880. 25 Jornal do Commércio. 02.07.1878. p. 4. 26 Cf. Martins, J. S. Op. cit., p. 19. 27 Jornal do Commércio. 11.12.1873. p. 5. 28 O Auxiliador... 1882, p. 163 e 1886, p. 231. 50 29 O Auxiliador... 1882, p. 163 e 1886, p. 231. Entre os percentuais de “livres ocupados” do Sudeste, excetuam-se os da província do Espírito Santo. 30 A respeito de toda a técnica referente ao plantio e cultura do cafeeiro ver: Camargo, R de. e Telles JR. Adalberto de Q. Op. cit. 31 Camargo, R de. e Telles JR. Adalberto de Q. Op. cit., p. 329. afirmam que, nas florestas brasileiras, “o eucalipto [...], certas leguminosas, entre as quais o jacaré, o guarucáia, o faveiro, o monjoleiro, a farinha sêca e outras muitas” não se prestam ao sombreamento dos cafezais. 32 Ibid. 33 Exemplo típico desse fato é o que relata Mariano Monte Alegre, ex-presidente do Instituto de Café de Costa Rica, ao observar que “alguma cousa vem contrariando a natureza no Brasil, porquanto as mais velhas culturas de café de seu País, plantadas à sombra, ao mesmo tempo em que se plantaram ao sol os cafezais do Estado do Rio de Janeiro, no Segundo Império, ainda sobrevivem e produzem econômicamente, estando, ainda longe de soar para elas a hora dos indícios de decadência”. Cf. Camargo, R de. e Telles JR. Adalberto de Q. Op. cit., p. 331. vol. I. 34 O Auxiliador... 1874, pp. 148-154. 35 O Auxiliador... 1874, pp. 148-154. 36 O Auxiliador... 1874, pp. 148-154. 37 A respeito do zoneamento e da tipologia dos solos de São Paulo, consultar o Livro I, primeira parte, da obra de Monbeig, Pierre. Pioneiros e fazendeiros de São Paulo. São Paulo, Hucitec, 1984. 38 Monbeig, P. Op. cit., principalmente o Livro I, Cap. III, Item C) “As consequências da intervenção humana”. 39 Ibid., p. 329. 40 Camargo, R. de. e Telles JR. Op. cit., p. 324. 41 O Auxiliador... 1873, p. 475. 42 O Auxiliador... 1873, p. 475-477. 43 O Auxiliador... 1886, pp. 242-244. O primeiro relatório das pesquisas preparado pelo cientista foi publicado em O Auxiliador... 1887, pp. 269-271. 44 O Auxiliador... 1884, p. 107. 45 d’Oliveira, Luiz Torquato M. Novo methodo da plantação, fecundidade, durabilidade, estrumação e conservação do café e extincção das formigas exposto em benefício da agricultura do Brasil e lugares cafeeiros. Rio de Janeiro, Typographia Paula Brito, 1863, 30 p. 46 Ibid. 47 Ibid., p. 330. 48 Camargo, R de. e Telles JR. Adalberto de Q. Op. cit., p. 331. vol. I. 49 Ibid., p. 322. 50 Instituto de Café do Estado de São Paulo. (Seção de Publicidade). Cultura do café à sombra. Ed. Navarro de Andrade. s/d, pp. 3-5. 51 Camargo, R de. e Telles JR. A. de Q. Op. cit., p. 331. vol. I, pp. 327-328. 52 Relatando sua viagem aos Estados Unidos da América por ocasião da Exposição de Filadélfia, em 1876, o Dr. Nicolau Moreira, da Sain, escreveu que “... na União-Americana grande parte do café brasileiro superior era vendido sob diversas denominações, sendo conhecido geralmente como produto do Brasil o café ordinário que aparecia no mercado; - café dos pobres - tal era o nome que se lhe dava” (O Auxiliador ... 1881, p. 79. Grifo do autor). 53 Camargo, R. de. e Telles JR, A. de Q. Op. cit., p. 323, demonstram que, nas últimas décadas do século XIX, Campinas apresentou média anual de 210 dias nublados, sendo 116 chuvosos e 94 dias encobertos, reduzindo as deformações causadas aos cafezais pela insolação. 54 Sobre a polêmica, o Visconde de Rio Branco escreveu ao ministro da Agricultura, Commércio e Obras Públicas que “[...] No Brasil, o público geral acredita, pois isto há sido muito repetido ultimamente, que os cafés brasileiros são vendidos debaixo de outros nomes em primeira mão, nos grandes mercados europeus, atribuindo-se-lhes outras procedências. É um engano, que cumpre retificar, embora muitos lavradores e todos os intermediários do nosso comércio de exportação saibam perfeitamente que tal crença não tem fundamento.[...]” (O Auxiliador... 1882, pp. 203-233). A respeito da polêmica, são vários os artigos publicados em O Auxiliador... no transcurso da década de 1880. 55 O Auxiliador... 1882, pp. 159-164. 56 O Auxiliador... 1886, p. 79. 57 O Auxiliador... 1882, pp. 203-233. 51 58 O Auxiliador... 1882, pp. 203-233. 59 O Auxiliador... 1882, pp. 203-210 e 225-230. 60 O Auxiliador... 1882, pp. 203-210 e 225-230. 61 O Auxiliador... 1882, pp. 203-210 e 225-230. Grifo meu. 62 O Auxiliador... 1882, pp. 203-210 e 225-230. Grifo meu. 63 O Auxiliador... 1882, pp. 203-210 e 225-230. Grifo meu. 64 Von Tchudi, J. J. Viagem às províncias do Rio de Janeiro e São Paulo. s/l, Martins, s/d, p. 37. 65 O Auxiliador... 1882, pp. 203-233. 66 O Auxiliador... 1887, pp. 140-141. 67 Lima, Antonio Alves de. “Uma grande Lavoura de Café no Estado de São Paulo”. In: O café no segundo centenário de sua introdução no Brasil. Rio de Janeiro, Depto Nac. do Café, 1934. Vol. 1o pp. 365-367. Para mais informações sobre a fazenda Guatapará, consultar as imagens reproduzidas em Martins, José de Souza. O cativeiro... 68 Ibid. 69 Ibid. OK 49 2 TRILHAS DO CAFÉ: DA TROPA DE BURRO AO VAPOR Ter telégrafos e locomotivas, lavrando a terra e exportando os seus produtos como há 100 anos atrás, é fazer, pelo menos, um papel ridículo perante o mundo civilizado, que hoje ouve cada uma das nossas palavras, vê cada um de nossos atos, e sente cada uma de nossas pulsações, sob a 1 ação mágica da eletricidade! Até o fim do século XVIII, o maciço do movimento comercial no Sudeste brasileiro dava-se entre o Rio de Janeiro e Vila Rica (Ouro Preto). Nesse tempo, a tropa de burros era composta por até 50 animais, que carregavam em média 12 arrobas (180 quilos) cada, ao preço de 1$000 (um mil-réis) por arroba, serra acima, e $800 (oitocentos réis), no retorno. O custo do transporte entre as regiões ficava entre 480$000 e 600$000 (quatrocentos e oitenta e seiscentos mil-réis). O tempo da viagem variava de acordo com as chuvas, que aumentavam as dificuldades de trânsito nos terrenos acidentados, e provocavam a perda das mercadorias e dos animais.2 Com a instalação da Corte portuguesa, em 1808, as iniciativas de construir novas estradas e melhorar as existentes se intensificaram visando a melhorar o abastecimento do Rio de Janeiro. Por essa época, a fixação de inúmeras fazendas nos arredores da Corte intensificou as trocas comerciais, aumentando a necessidade de meios de comunicação. Ao mesmo tempo, a atração pelos negócios relacionados com o extrativismo do ouro diminuiu, reorientando o investimento de esforços e capitais na ocupação da região do vale dos rios Piraí e Paraíba, entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Várias fazendas de agricultura e pecuária foram fundadas nas terras indígenas, a partir de vilarejos 50 remotos que funcionavam como rancho das tropas de animais de transporte. Com a intensificação da produção e do comércio, essas localidades tornaram-se vilas e posteriormente cidades.3 Lorena (SP), por exemplo, foi fundada em 1705, em local de passagem de tropas. Em 1788 tornou-se vila, mas em 1817 era ainda um sítio pobre, sem importância, apesar dos arredores férteis e do tráfego entre São Paulo e Minas Gerais. Era um povoado de umas quarenta casas, na região do qual predominava o plantio do tabaco, conforme registrou a missão austríaca que por lá passou naquele ano.4 Na direção ao Rio de Janeiro, localizava-se Santo Antônio da Cachoeira (atual Cachoeira Paulista), criada em 1780. Para alcançá-la, em 1817, a expedição de Spix, Martius e Thomas Ender utilizou os serviços de travessia de balsa de que a cidade já dispunha para transpor o rio.5 Na mesma situação, estava Areias, cuja fundação ocorreu em fins do século XVIII, beneficiando-se da proximidade do Paraíba e da necessidade de rancho para as tropas que viajavam pela estrada de São Paulo. Nesse trecho, o comboio dos austríacos cruzou com a tropa do bispo de Nova Cordova, que viajava escoltado por tropas portuguesas entre Montevidéu e o Rio. 6 Também Resende, já no curso fluminense do Paraíba, tornou-se vila no mesmo processo. Criada como Campo Alegre por volta de 1740, teve por fundadores mineiros procedentes de Aiurioca que, com o fim do ouro das Gerais [...] foram se deslocando para a Paraíba Nova e aí construíam suas choças “... cobertas de uricana ou de bicas de palmito”, e plantavam milho, feijão e frutas trazidas de Minas para seu sustento. 7 Ao ter sua capela construída em louvor a Nossa Senhora da Conceição, o vilarejo ficou conhecido por Arraial de Nossa Senhora da Conceição de Campo 51 Alegre da Paraíba Nova. À época em que se tornou Vila de Resende, em 1801, seu território abrangia também Barra Mansa e São João do Príncipe. Naquele ano, Resende possuía já mais de 500 fogões, algumas fábricas de anil, cerca de quatro mil fregueses, um colégio particular, lavoura de cana e cavalos de tração. 8 É atribuído a “um certo” Padre Antônio Couto da Fonseca, da Fazenda do Medanha, no Rio de Janeiro, o primeiro plantio de “alguns mil pés” de café. Os moradores das serras próximas levavam até lá o toucinho, que era vendido no Rio de Janeiro. Nas viagens de retorno a seus lugares levavam frutos e mudas de café.9 Para Eduardo Silva, Em 1802 [...] as mudas e sementes do bom padre Couto, que os roceiros recolhiam em torna-viagem, já haviam se transformado em cafezais dignos de figurar em escrituras de compra e venda de terras. Devem ter chegado (..) no mínimo cinco anos antes, por volta de 1797. Eram os inícios do café, da escravidão, em Resende, centro pioneiro do Vale do Paraíba fluminense.10 Afastando-se do rio Paraíba, de encontro ao rio Piraí, havia outros lugarejos que serviam de entreposto e descanso das tropas, como São Bom Jesus do Bananal, Nossa Senhora da Piedade do Rio Claro e São João Marcos, que futuramente se transformariam em vilas prósperas, graças à intensificação agrícola e comercial. As aquarelas pintadas por Ender em 1817 mostram os tipos humanos e as instalações das fazendas da região, onde o rio Piraí era transposto por ponte estrutural de madeira para facilitar o tráfego.11 52 Essas vilas e cidades serviram de pólos de distribuição de mudas de café, intensificando o povoamento entre as províncias.12 Mais para a região paulista, Saint-Hilaire registrou que, em Lorena, já em 1822, o que mais se cultivava era o café. Dessa cidade para o norte, o viajante anotou: Quanto mais me aproximo da Capitania do Rio de Janeiro mais consideráveis se tornam as plantações. Várias existem também muito importantes perto da vila de Resende. Proprietários desta redondeza possuem 40, 50, 60 e até 100 mil pés de café. Pelo preço do gênero devem estes fazendeiros ganhar somas enormes. Perguntei... em que empregavam o dinheiro. “O sr. pode ver... que não é construindo boas casas e mobiliando-as. Comem arroz e feijão. Vestuário também lhes custa pouco, nada gastam com a educação dos filhos que se entorpecem na ignorância, são inteiramente alheios aos prazeres da convivência mas é o café que lhes traz dinheiro. Não se pode colher café senão com os negros; é pois comprando negros que gastam todas as rendas e o aumento da fortuna se presta muito mais para lhes satisfazer a vaidade do que para lhes aumentar o conforto”. 13 Com o decorrer da primeira metade do século XIX, a implantação das fazendas de víveres — para abastecer a Corte e as minas de ferro de Minas Gerais — e de café para exportação demandaram meios de transporte e caminhos mais adequados para cargas de maior porte, impossíveis de serem transportados em tropa de burros. O que ocorreu nesse período foi o que Beauclair chamou de “uma verdadeira aplicação das artes dos caminhos”, tendo sido entregues a engenheiros experientes os novos projetos, que deveriam levar em conta não só a topografia, os melhores cursos e a canalização das águas de chuvas, mas também o alargamento e a pavimentação das estradas, visando à passagem não só de animais de carga, como também dos “carros para grandes pesos”, tracionados por juntas de animais. Essas estradas requeriam, naturalmente, a construção de pontes e obras de escoramento e arrimo.14 53 A partir da década de 1830, quando cresciam as plantações de café, foram surgindo projetos vultosos de obras de construção de estradas partindo da Corte e ramificando “serra acima”. A maior delas foi a que ligava o porto fluvial de Iguassu (no fundo da baía da Guanabara) aos municípios de Valença e Vassouras, seguindo para Minas Gerais. Em 1836 iniciou-se também a construção da estrada da Serra da Estrela, que ligaria a Corte a Petrópolis, e a estrada União e Indústria. As obras dessa estrada foram concedidas a Irineu Evangelista de Souza, prevendo inicialmente a construção de uma “estrada carroçável” da vila de Paraíba do Sul até Porto Novo do Cunha. Daí partiriam “dois ramais, um para Mar de Espanha, com destino a Ouro Preto, e o outro para o rio das Velhas, donde se faria um esgalho para São João del Rei”15. Entretanto, foi construído o trecho de Petrópolis a Juiz de Fora, inaugurado em 1861.16 A obra exigiu um penoso trabalho de corte de grandes rochedos e produção de pedras em tamanhos regulares, feito por profissionais especializados, obrigando ainda a construção de inúmeras pontes de alvenaria.17 Em 1837, o Governo nomeou uma comissão para promover melhoramentos na péssima, porém importantíssima, estrada geral de Mambucaba. Essa estrada ligava os municípios portuários de Parati e Angra dos Reis ao porto de Mambucaba, na baía de Angra dos Reis. Desse importante porto de escoamento de ouro, a estrada subia aos municípios de Areias e Lorena, em São Paulo. Alves Motta Sobrinho afirma que, via Mambucaba, com destino ao porto carioca, chegaram a passar, num ano, mais de 20.000 animais carregados de produtos que o Rio de Janeiro consumia e exportava para o exterior, onerando os fazendeiros em manutenção de tropas e camaradas do serviço de transporte: carreiros, domadores, peões e arrieiros.18 54 A Estrada de Paraybuna, por sua vez, ligava a Corte a Ouro Preto. Considerando sua construção e funcionamento fundamentais para a região, Beauclair afirmou que seus trabalhos incluíam numerosíssimos aterros, pontes e canais de irrigação. Coberta de saibro em numerosos lugares críticos, ao cortar alguns morros, exigia altos muros de contenção (alguns chegando a 20 metros de altura).19 E continua, referindo-se à mão-de-obra empregada: “A gama de trabalhadores era extremamente variada (feitores, pedreiros, ferreiros, carpinteiros, trabalhadores comuns, africanos libertos e escravos)”.20 O quadro evolutivo da construção de estradas de rodagem no Brasil no início e meados do XIX não se encerrava na zona cafeeira do vale do Paraíba. Desde há muito, outros caminhos de uso municipal ou provincial foram surgindo, alguns para atender a interesses mais amplos, outros para favorecer e fortalecer interesses específicos. Nesse particular, os autores que estudaram o assunto através de fontes como os relatórios dos presidentes das províncias, atas das câmaras municipais e periódicos da época afirmam a pressão que os grupos locais faziam por construção e melhoria dos meios de transportes. Deve-se, porém, registrar que, no transcorrer da primeira metade do XIX, toda uma rede de estradas foi construída comunicando o Rio de Janeiro com as regiões fronteiriças de Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo. Por ela propagou-se a lavoura do café, beneficiando-se dos portos de embarque dos rios e do litoral brasileiro.21 Da mesma forma que as estradas, a navegação costeira e fluvial constituía importante fator no conjunto das iniciativas de promover o progresso do país no século XIX. Buscava-se integrar de forma articulada os caminhos terrestres com 55 os portos, de mar ou rios. Para isso contava o Brasil com alguns grandes rios navegáveis, que facilitavam a navegação e propiciavam o surgimento de atividades econômicas em seus vales. Tal foi o caso da cultura do café no vale do Rio Paraíba, em cuja bacia ficava a própria Corte. O café ultrapassou-o inclusive em direção a oeste, chegando às regiões de Minas e ao interior extremo de São Paulo, e ao norte, para o Espírito Santo. O aproveitamento do potencial de transporte e navegabilidade do rio Paraíba, e também do rio Piraí, em solo fluminense, e sua articulação com estradas e portos de mar foi essencial para o desenvolvimento econômico na região dessas bacias. Naquele momento, as circunstâncias históricas que ocasionaram o surgimento das lavouras do café em seus cursos foram favorecidas economicamente pelas facilidades de escoamento para o principal porto de exportação do país, o do Rio de Janeiro. Na primeira metade do século XIX, o transporte da produção — não apenas o café — das regiões paulista, mineira e fluminense do vale do Paraíba eram escoados, principalmente, por tropas de animais até a baía de Angra dos Reis, onde eram embarcados nos portos de Jurumirim, Ariró, Mambucaba e outros. Interessava aos comissários e fazendeiros locais encurtar as distâncias e diminuir os riscos das viagens. Por isso ao interesse do governo juntavam-se iniciativas de particulares como o fazendeiro e juiz de paz de Resende, Domingos Gomes Jardim. Dirigindo-se à Câmara Municipal, em 1830, Gomes Jardim propôs-se construir uma estrada entre Resende e Ariró: [...] temos pois o incômodo de fazer as nossas exportações a quarenta léguas [mais de 240 km] , havendo um porto de embarque qual é o da Vila da Ilha Grande [...], que em direitura só dista desta vila doze a treze léguas... [aproximadamente 78 km].22 56 No plano apresentado, a obra seria administrada e executada por Gomes Jardim, empregando 20 escravos, carros e bois de sua propriedade.23 Iniciando-se em 1831, projetava partir de Resende, passando por São José do Barreiro, atravessar a Serra da Bocaina até atingir Mambucaba. Segundo Whately, estariam servidos pela estrada, também Areias, Bananal e regiões vizinhas.24 Na falta de três contos de réis para completar a obra, a Câmara solicitou ajuda ao governo imperial, que, em troca, propôs uma cotização entre os munícipes interessados no melhoramento, garantindo-lhes a restituição do investimento “pelo produto da respectiva barreira” que seria autorizada após a conclusão da obra. Afirma ainda Whately que “esta forma de concessão de cobrança de pedágio dada a particulares por dispêndios realizados em obras públicas é uma constante da época”.25 Entretanto, o estabelecimento de culturas rentáveis ao longo dos cursos fluviais não teve lugar apenas nas regiões próximas da corte. Desde o governo do Marquês de Pombal, a Coroa pretendeu estabelecer atividades produtivas e povoar regiões remotas no Centro-Norte e em outras regiões brasileiras. No Primeiro Reinado e no Período Regencial, essas políticas tiveram continuidade.26 As circunstâncias favoráveis ocorreram quando Portugal, após ter parte de sua frota naval destruída pela França, foi submetido comercialmente à Inglaterr,a com o episódio da fuga dos governantes para o Brasil. Suplantado no comércio de longo curso com o Brasil, sua principal fonte de rendas,27 Portugal estabeleceria uma concorrência tarifária desigual em favor da Inglaterra, por força do Alvará de 1810. O melhor aparelhamento dos navios ingleses aprofundou a desvantagem numérica dos barcos portugueses. Para compensar, Portugal fez vir ao Brasil mestres em construção de barcos, procurando aumentar a frota circulante e incrementar a navegação de cabotagem. Em tese sobre a “pré-indústria” fluminense entre 1808 e 1860, 57 Beauclair estudou a formação desses “arsenais de marinha”, bem como de seu efeito fomentador de indústrias associadas, como é o caso das fábricas de cordoalhas, calafetagem, velas, óleos de baleia, metalurgia, siderurgia etc., e de especialização em ofícios industriais.28 De acordo com Simonsen, em 1811, a Coroa Portuguesa fez reformar os estaleiros da Bahia, Pernambuco e Rio. Nesse ano, o Arsenal Real da Marinha da Bahia lançou ao mar uma fragata, um bergantim de guerra, duas barcas, duas escunas, um iate, duas lanchas e várias embarcações menores. De outros estaleiros particulares, saíam três galeras, oito brigues, três sumacas. 29 Crescia em número de embarcações e em volume de carga o movimento de cabotagem nacional. Em 1814, 333 barcos deixaram o porto de S. José de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, cheios de “trigo, queijos, couros, sebo e charque” para a Corte.30 Portugal recuperava-se no transporte de cabotagem entre os diversos pontos da costa brasileira, enquanto perdia terreno para os navios de longo curso para a Inglaterra e outros países. Dos 1.460 navios que entraram no porto do Rio em 1816, 398 eram de longo curso e 1.062, de cabotagem. Entre os primeiros, 181 eram portugueses, 113 eram ingleses e os demais, de outras nacionalidades. Os de cabotagem eram todos portugueses. A freqüência no porto da Bahia para o mesmo ano mostra que, de 519 navios aportados, 229 eram de longo curso, sendo 128 portugueses e 101 estrangeiros. Dos 290 navios de cabotagem, todos eram portugueses31. Dessa forma, enquanto o número de navios de longo curso estrangeiros aos poucos ia superando os de bandeira portuguesa, o número destas embarcações 58 utilizadas em cabotagem crescia, graças ao impulso dado à construção naval no Brasil, privada ou real.32 Então, se parece tão nítida uma opção pelo desenvolvimento dos meios de transportes terrestres e navais, que conexões teria essa opção com a política macroeconômica adotada pelo Estado português para o Brasil? Beauclair mostra que a resposta se encontraria na diversificação. O traço marcante da economia colonial brasileira neste período [1796 a 1807] é a diversificação da produção, que envolve, naturalmente, um renascimento agrícola.33 Mostra também o autor que, mesmo com declínio da extração do ouro e “leve ascensão” do açúcar, o movimento global das exportações brasileiras cresceu de “3 milhões e 200 mil esterlinos em 1796 para 3 milhões e 800 mil em 1807”34. E prossegue, justificando sua afirmação: A pauta dos produtos de exportação colonial neste período atesta a referida diversificação: são, no total, 126 produtos. A idéia de multiplicação da cultura agrícola estava presente em todos os espíritos.35 Explicando um incremento nas atividades “pré-industriais” decorrente dessa diversificação, o mesmo autor indica que quando existe uma diversificação de atividades agrícolas, naturalmente aumentam as formas de beneficiamento. Essa elaboração, essa ação modificadora sobre os produtos da terra (e do mar) tende a ser aplicada através de pequenos inventos e máquinas simples, que podem evoluir pouco. Surgem, assim, pequenas oficinas, em quantidades razoáveis, que podem se desenvolver paulatinamente. 36 59 Seguindo essa perspectiva histórica, a circulação comercial dos produtos oriundos da diversidade econômica teria gerado uma gama de estabelecimentos industriais de produtos “naturais” (sal, velas, chapéus, cordas, têxteis, alimentos, etc.), juntamente com indústrias de transformação (metalurgia, siderurgia, indústria naval, etc.) e construção civil de obras públicas, ao menos para a província fluminense, estudada por Beauclair. A esse modelo, organizado sob formas mistas do trabalho escravizado e assalariado, o autor chamou préindústria.37 Em sua organização encontrava-se ora o Estado ora empresários que se beneficiavam das loterias e de outros privilégios oferecidos pelo Estado e ora, ainda, empreendedores dotados de outras potencialidades para penetrar na estrutura da economia escravista. Assim, pode-se antever no centro desse processo a figura central do empresário pré-industrial. No âmbito da conjuntura socioeconômica brasileira do século XIX, esse empresário atuava em condições sui generis: na esfera da produção agrícola escravista com organização pré-industrial, produzindo bens que faziam a ligação entre a produção de base escravista e o consumo na esfera dos mercados capitalistas No caso brasileiro, os setores dominantes da “economia agrária patrimonial” — como define Florestan Fernandes38 — tratarão, no transcorrer da primeira para a segunda metade do século XIX, de alterar a base técnica da produção como forma de conservar sua base política. Isso implicou na ampliação do “bloco histórico”39, abrindo-o para que técnicos, negociantes, inventores e intelectuais dele pudessem participar, alterando as formas tradicionais de relacionamento com o núcleo do Estado. Tal manobra resultou, no transcorrer do primeiro para meados do segundo reinado, num aprofundamento da vocação agrícola do Brasil, levando a termo a expansão das culturas de produtos exportáveis que, embora produzidos 60 sob base escravista, demandavam mais e mais uma elaboração racionalizada sob os padrões dos mercados centrais capitalistas. Dessa forma, a agricultura de exportação do café e o poder político e econômico crescente de seus fazendeiros e negociantes, a disponibilidade de tecnologias industriais em desenvolvimento na Europa — a máquina a vapor e a locomotiva — e a transmigração da estrutura financeira e empresarial do mundo industrializado para o Brasil carreavam os investimentos do grande capital no sentido de ampliar e modernizar as vias de transportes com o trem de ferro. Necessitando modernizar-se, a economia cafeeira foi buscar auxílio nos detentores de saber técnico aplicável às fainas da lavoura e às vicissitudes dos meios de transporte. Não era possível simplesmente alterar cirurgicamente o quadro estrutural importando inovações tecnológicas como as locomotivas a vapor. Existia espaço para a criatividade, dentro de limites definidos. Desse modo, o inventor encontrou no circuito da exportação de produtos agrícolas uma franja para sua atuação.40 Contudo, apesar de tratar-se a sociedade brasileira da segunda metade do século XIX de uma sociedade diferente daquela de tipo capitalista clássico, haja vista a escravidão dominante e a situação de dependência em relação aos mercados centrais, pode-se identificar no inventor brasileiro daquela fase o perfil do empresário apresentado por Schumpeter, quando afirmou que chamamos “empreendimentos” à realização de combinações novas; chamamos “empresários” aos indivíduos cuja função é realizá-las. [...] Chamamos “empresários” não apenas aos homens de negócios “independentes” em uma economia de trocas... [...]. Como a realização de combinações novas é que constitui o empresário, não é necessário que ele esteja permanentemente vinculado a uma empresa individual; [...] a caracterização comum do empresário por expressões tais como “iniciativa”, “autoridade” ou “previsão” aponta diretamente em nossa direção.41 61 Na proposta de Cruz para caracterizar o empresário schumpeteriano também é possível destacar elementos que ajudam a definir melhor o empresário brasileiro do século XIX. O autor diz que O agente que conduz as inovações recebe o nome de empresário. Esta figura distingue-se do homo economicus do fluxo circulatório, não apresentando as características hedonistas, “racionais” do agente do repetitivo processo econômico da economia estacionária. [...] Estes indivíduos não constituem uma classe social, mas tem uma função social a exercer. Há uma separação nítida entre o empresário e o inventor que atua, em princípio, fora de esfera econômica. O empresário também distingue-se do capitalista, que é o dono do capital. É o empresário que realiza o potencial produtivo que se encontra desarticulado entre o sistema econômico atual e o possível.42 Como a economia escravista não era “estacionária”, pode-se dizer que ela não representava uma camisa-de-força para o surgimento de inovações que provocassem uma mudança tecnológica de sua base produtiva. Para uma economia de base pré-industrial como a brasileira no dezenove, é possível utilizar a proposição de Cruz para ver não um empresário distinto do inventor “que atua fora da esfera econômica” mas, em função disso, um inventorempresário, cujos interesses se fundem com os dos grupos econômicos dominantes, tanto os defensores da vocação agrícola quanto os industrialistas. Além disso, sua atuação foi previamente beneficiada pela lei de patentes de 183O.43 As fontes indicam momentos em que os inventores e patenteadores eram os próprios fazendeiros e empresários de café, como ocorreu com vários membros da família Arruda Botelho, além do próprio Conde do Pinhal, fundador de São Carlos do Pinhal.44 Em alguns processos, foram vistos patenteamentos de máquinas como o secador Taunay-Telles, cujas experiências foram encomendadas por fazendeiros esclarecidos, enquanto o próprio Taunay pertencia a uma família 62 atuante na política brasileira.45 Além disso, muitos inventores constam das listas de membros das sociedades representativas dos setores dominantes da intelectualidade e da política econômica brasileira, como é o caso da participação de Guilherme Lidgerwood e de Daniel Pedro Ferro Cardoso nas seções da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional.46 O próprio Cruz enfatiza o caráter por demais abrangente e ainda turvo das questões relativas à mudança tecnológica “devido ao precário estágio da literatura” concernente. Quanto ao empresário schumpeteriano, conclui que A questão é menos enfatizar as condições históricas que definam o relacionamento entre os homens e a natureza ou do ato da inovação (com as características particulares deste agente), mas a realização do evento da inovação. Teorizar sobre este ponto é teorizar sobre as atividades de pesquisa realizadas pelo homem, na esfera econômica ou nãoeconômica, assim como suas próprias potencialidades. 47 A análise da legislação específica para transportes da primeira metade do século XIX demonstra que o Estado brasileiro antecipava-se na introdução de maquinismos que pontuavam a mudança tecnológica nos países centrais. Junto com as ferrovias fantasmagóricas surgiam na Europa as múltiplas adaptações decorrentes da mudança tecnológica ocorrida com o advento da máquina a vapor. Simonsen informa das experiências feitas por Fulton, entre 1803 e 1807, com a navegação a vapor no Rio Hudson. Essa modalidade de transporte foi desenvolvida após a invenção da máquina a vapor. O invento original sofreu uma série de adaptações e aperfeiçoamentos até poder ser empregado em escala industrial e comercial, difundindo-se em aplicações diversas pela Europa e em outros continentes nos anos seguintes.48 No Brasil, em 1818, D. João VI autorizava a criação de uma empresa de navegação a vapor na Bahia para atuar tanto na cabotagem como na navegação fluvial. Consta que o Marquês de Barbacena criou essa companhia importando o 63 “motor e aparelhos de propulsão da Inglaterra” — a embarcação foi produzida no Brasil. Consta também que a companhia atuou no Rio Paraguaçu, “com rumo a Cachoeira”, entre 1819 e 1823.49 Após a independência foram criadas as condições necessárias ao desenvolvimento das linhas de transporte naval em outras regiões, dando continuidade à política adotada pelo regente D. João nesse setor. Surpreende a intenção de atualização tecnológica presente na legislação, como o exemplo do Decreto no 24, de 17 de novembro de 1835, que autoriza o Governo a conceder privilégio exclusivo por tempo de 40 annos à companhia denominada - do Rio Doce -, ou a outra companhia na falta desta, para navegar por meio de barcos a vapor ou outros superiores, não só aquelle rio e seus confluentes, como também directamente entre o mesmo rio e as capitaes do Império e da Bahia, mediante concessões.50 Esse exemplo mostra que havia nos períodos do Primeiro Reinado e da Regência uma política de desenvolvimento econômico para o país que não beneficiava apenas a implantação de algumas culturas agrícolas, tal como o café, mas se aproveitava do domínio técnico-científico em aperfeiçoamento nos países em industrialização para utilizá-lo nas diversas regiões brasileiras, particularmente no que tange à infra-estrutura econômica. Porém, para a cultura do café houve a motivação da exportação, que a beneficiou de modo diferente da maioria das demais culturas agrícolas, uma vez que seu plantio foi antecedido pela legislação de implantação do sistema de transportes no país. Preocupados em demasia com o fenômeno do café, poucos estudiosos analisaram suas fontes considerando a importância dada ao desenvolvimento de outras culturas econômicas e à estrutura de sua comercialização na primeira 64 metade do século XIX.51 Quanto a uma história das técnicas e da tecnologia desenvolvidas no Brasil ao mesmo tempo, há tudo ainda por fazer. Alguns autores, como Alves Motta Sobrinho em A civilização do café, optaram por interpretar com fortes traços regionalistas questões de âmbito mais global e estrutural. Por exemplo, quando o autor analisou o Decreto 101, de 31 de outubro de 1835, sobre a implantação de ferrovias no Brasil, escreveu: “Data de 31 de outubro de 1835 a primeira tentativa de unir, por via férrea, as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo, com o Decreto do Regente Feijó”52. Porém, no texto legal o que transparece é uma preocupação mais ampla do Estado, interessado em dotar o país de estradas de ferro, acentuando a importância em conectar as províncias mais longínquas com a capital do Império pelos meios mais modernos disponíveis. Afinal, o Império do Brasil formou-se em plena era industrial! Assim, o referido Decreto 101, tão-somente autorisa o Governo a conceder a uma ou mais companhias, que fizerem uma estrada de ferro, da capital do Império para as de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, e Bahia, o privilégio exclusivo por espaço de 40 annos para o uso de carros para transporte de gêneros e passageiros, sob as condições que se estabelecem.53 Apesar de sua abrangência, os maiores beneficiados pelo Decreto 101 foram os cafeicultores do Sudeste que, ante as boas perspectivas de escoamento do café para os portos de mar, ampliaram as plantações e intensificaram a exploração do trabalho do escravo. Em contrapartida, a crescente importância do café na economia brasileira fez com que fosse carreado para a região cafeeira o maciço dos investimentos em transporte ferroviário. Através do quadro abaixo, pode-se acompanhar a ampliação do volume de negócios das províncias produtoras de café para o mercado internacional: 65 EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS POR PROVíNCIA PROVÍNCIA 1860 1865 1870 1875 1880 RIO DE JANEIRO 57.592:390 62.592: 539 71.075: 350 103.091: 351 112.090:000 PERNAMBUCO 11.105: 818 18.997: 994 30.940: 720 16.363: 445 19.364:400 BAHIA 10.822: 941 14.083: 922 19.762: 706 15.743: 128 18.130: 800 RIO G DO SUL 6.400: 892 4.866: 262 12.041: 028 11.100: 554 9.378: 800 PARÁ 5.912: 860 5.840: 414 13.345: 916 12.569: 273 13.549: 200 MARANHÃO 2.511: 211 5.582: 602 6.723: 173 3.242: 674 3.515:600 SÃO PAULO 7. 633: 610 9. 107: 208 18.006: 569 27.854: 377 29.779: 700 PARAÍBA 3. 355: 301 5.604: 975 4.197: 561 3.423: 584 970: 200 CEARÁ 1.606:064 6.273: 736 6.394: 863 4.572: 808 2.382: 000 ALAGOAS 479: 497 682: 321 6.691: 011 4.161: 947 4.378: 400 SERGIPE 479: 497 682: 321 1.688:910 3.003:148 2.308: 400 PARANÁ 166: 381 662: 376 4.162: 867 1.320: 195 2.368: 200 SANTA CATARINA 202: 414 281: 994 557: 164 212: 517 309: 500 S. J. NORTE 133: 438 239: 814 423: 803 247: 211 468: 600 2.410: 067 2.324: 859 0 0 0 35: 344 0 0 124: 803 0 112.957: 972 141.083: 446 197.265: 321 208.494: 257 222.351: 700 MATO GROSSO OUTROS TOTAL Fonte: Honorato, César T. A montagem do complexo portuário capitalista em Santos. Montevideo, Primeras Jornadas de Historia Econômica, 1995, 16 p. Dessa maneira, a construção de estradas de ferro no Brasil só ocorreu a partir da década de 1850, quando o café firmou-se como principal produto destinado ao mercado exportador. Aumentada enormemente a produção para os padrões brasileiros, o café demandava vias de comunicação diretas entre o produtor e o porto exportador, antes que se tornasse impróprio para as exigências do comprador estrangeiro. Segundo T. S. Ashton, só em 1829, quando o Foguete de Stephenson venceu a corrida em Rainhill, no caminho de ferro, construído havia pouco tempo, entre Liverpool e Manchester, é que as potencialidades do transporte a motor foram plenamente compreendidas.54 Na opinião de El-Kareh, 66 a engenharia ferroviária vinha se transformando rapidamente. Na década de 30, o francês Marc Seguin construiu uma caldeira “tubular” que aumentava a superfície de calor provocando maior quantidade de vapor, e, portanto, maior potência do que a de Stephenson. Por volta de 1850 foi inventado o “boggie”, carro orientável que permitia ao comboio acompanhar as curvas da via, possibilitando o aumento do conjunto locomotiva-vagões. Com isso aumentava a capacidade de transporte, a possibilidade de construir curvas mais acentuadas e tornara-se viável construir as linhas de montanha. Nesta mesma época difundiu-se o uso de trilhos de ferro fundido, mais duráveis, tornando as viagens mais seguras e aumentando a capacidade de transporte.55 A concessão dada em 1839 ao escocês Thomas Cochrane para construir aquela que seria a primeira ferrovia brasileira, a Estrada de Ferro D. Pedro II, penetrando a região cafeeira fluminense em direção a São Paulo, caducou depois de 12 anos sem que tivesse conseguido atrair para ela os capitais disponíveis nas praças do Brasil e de Londres. Para esse fato, Beauclair sugere que em países pré-industriais, com economias extremamente atrasadas, a escassez de capital é tão grande que nenhum sistema bancário [...] conseguiria atrair fundos suficientes para financiar o setor secundário da economia. Para poder alcançar tais capitais, seria necessário o funcionamento direto da máquina estatal que, com seu poder coercitivo, poderia desviar as rendas do consumo para a inversão.56 As primeiras ferrovias brasileiras só foram construídas na década de 1850. Seu impulso fora possível graças à importação da Inglaterra de todos os equipamentos e materiais, o que provocou uma relativa estagnação das atividades das “indústrias naturais” e das instalações fabris dedicadas a fornecer ferramentas para a lavoura e utensílios domésticos, caldeiras e peças para navegação costeira e fluvial e engenhos de açúcar. A chegada da ferrovia iria estagnar a indústria naval nativa, uma vez que grande massa da produção seguiria direto da fazenda ao porto exportador, dominado pela frota inglesa.57 Paralelamente, ocorria uma ampliação das lavouras 67 de café e um aumento dos preços dos gêneros de consumo popular interno, advindos da diminuição de sua produção.58 A citada lei ferroviária de 31 de outubro de 1835, conhecida como “Lei Feijó”, vigorou até 1852. Dava à empresa que se dispusesse a construir estradas de ferro nas regiões entre a capital do Império e as capitais das províncias de Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Bahia privilégio de exploração exclusiva por quarenta anos, cessão gratuita das terras devolutas para a construção das linhas e isenção de tarifa de importação para as máquinas nos primeiros cinco anos. Mas não definia uma área privilegiada para a empresa para que outras não fizessem concorrência com a linha primitiva, no futuro. Porém, vários fatores são colocados como explicativos para que o plano ferroviário custasse tanto a vingar. Entre eles, Odilon N. de Matos considerou “o ambiente ainda pouco favorável às estradas de ferro, a grandiosidade do plano em relação às nossas possibilidades, bem como as agitações políticas que conturbaram a vida do país naqueles anos difíceis da Regência”.59 Os motivos destacados pelo autor relevam ainda mais o caráter de pioneirismo do Estado brasileiro, como já foi referido para os transportes fluviais. A promulgação daquela lei distava pouco mais de dez anos da Independência, demonstrando uma disposição do Estado em transferir para o Brasil as inovações tecnológicas em implantação na Europa. À época, muita gente punha em dúvida as vantagens da estrada de ferro.60 Baseado nos depoimentos de Adolfo Pinto, Matos dirá que o problema a resolver [...] era evidentemente superior às forças e recursos do país, ainda então na infância de seu desenvolvimento econômico e com uma população verdadeiramente insignificante para a sua grandeza.61 68 Consideradas as razões apontadas, cabe então problematizar por que a lei Feijó se tornou letra morta. A partir dela, a Assembléia Provincial de São Paulo aprovou em 18 de março de 1836 um plano de vias de transporte que era um “sistema combinado de estradas de ferro, canais e rodovias”62. Sem produzir qualquer efeito prático, apesar de mostrar também a vontade de integrar diferentes meios de transporte, essa lei foi substituída pela lei de 30 de março de 1838, “que a reproduziu com pequenas alterações”63. Cabe aqui citar o texto de Matos, analisando os efeitos dessa nova lei, que redundou na “primeira concessão de estrada de ferro feita no Brasil”: Outorgava à firma Aguiar, Viúva, Filhos & Cia e a Platt & Reid concessão para ligar Santos ao planalto ou, mais precisamente, às então vilas de São Carlos (Campinas), Constituição (Piracicaba), Itu ou Porto Feliz, e Mogi das Cruzes, acrescentando que se cuidaria também da ligação do Paraíba ao Tietê. Deveria ser atacada em primeiro lugar a estrada São Paulo-Santos, cujas obras começariam dentro de três anos. As localidades mencionadas eram, então, as mais importantes da província. Tinham sua economia baseada na cana-de-açúcar, mas o café, vindo pelo vale do Paraíba, já fazia sua investida pelo Oeste paulista, particularmente na região de Campinas. [...] Tal como a “Lei Feijó”, não chegou a ser executada”.64 Matos diz, baseando-se em depoimentos da época, que “apesar das diligências iniciais, os concessionários não tiveram a sorte de organizar a companhia”.65 Parece claro que nesse momento existia já a preocupação em consolidar Santos como porto principal da província de São Paulo, donde seria possível uma articulação da ferrovia com os rios e com as estradas existentes entre a capital e aquela localidade. O alemão Frederico Fomm, gerente da firma Aguiar, Viúva, Filhos & Cia., tinha em mente, com a execução do plano, “[...] fomentar o 69 povoamento e a circulação no interior pela navegação dos rios e pela abertura de novas vias de comunicação”66. Com a ligação até Santos por trem, os produtos de São Paulo e arredores, estariam em comunicação direta com os portos importadores, gerando renda diretamente para a província. A lei paulista, seguindo um modelo comum à época, também permitia que fossem construídas modalidades de transportes bem articuladas entre si. Constava de seu texto que a companhia fará estradas de ferro, ou outras de mais moderna invenção, ou canais, ou uma e outra coisa, apropriados ao trânsito de carros de vapor, ou sem vapor, para o transporte dos gêneros e viajantes desde a vila de Santos até as de São Carlos [...] ou Porto Feliz [...], ou para todas estas, como também, desde a vila de Santos até a de Mogi das Cruzes, podendo juntar o rio Paraíba ao Tietê, no primeiro ponto mais perto desta vila, em que a companhia julgar possível, para a navegação de seus barcos, e a fim de poder a companhia dar transporte entre esta vila, e a cidade de São Paulo e a vila de Santos...67 Para o autor citado, sempre baseado no argumento da “infância” do Brasil, os planos viários pareciam sempre ser obras de homens visionários, em geral estrangeiros, que tentavam aproveitar-se das leis existentes. Acerca da obra de Eugênio Egas, de 1926, ele concluirá que Fomm — em meados do século XIX — era um “conhecedor da fertilidade do solo paulista, prevendo o desenvolvimento da agricultura embrionária de São Paulo, que mais tarde havia de ser o estado mais próspero da República...”68! Também o “inglês de nascimento” Thomaz Cochrane era uma “figura idealista e realizadora”, para aquele autor.69 Cochrane, em 1839, utilizara-se da lei Feijó para requerer concessão para construir uma ferrovia ligando a Corte ao vale do Paraíba. Em 1840, a concessão foi estendida até Cachoeira, ponto até onde o 70 “alto” Paraíba era navegável. Nota-se, portanto, nessas concessões também a intenção de articular ferrovia e navegação, presente na atitude do Estado imperial. Justificando a concessão dada a Cochrane, o autor apontará, citando obra de Alberto de Faria, de 1925, que a Inglaterra é a pátria do caminho de ferro. Era de louco supor que um brasileiro pudesse ser o iniciador de tal empreendimento. Não havia capitais, não havia homens, nem podia haver ideais num corpo comercial e industrial cuja base de operações era a importação de escravos da costa d'África.70 Não parece ter sido esta a opinião do próprio Cochrane e dos diversos estrangeiros que imigravam para “fazer a América”.71 Uma análise diferenciada indica que ao Estado brasileiro da primeira metade do dezenove caberia reverter o quadro socioeconômico colonial, estimulando a imigração e os investimentos privados de risco e prosseguindo com a política de diversificação das atividades econômicas, tal como se passava nos países em desenvolvimento.72 Por essa razão, o fracasso de Cochrane não se deu pela ausência de capitais no Brasil ou em Londres, nem pela falta de homens, mas sim devido à negativa da Câmara Legislativa em conceder-lhe juros sobre os capitais investidos em sua firma, a Imperial Companhia de Estrada de Ferro. Dadas as vantagens previstas na própria lei, não haveria por que o próprio Estado remunerar o capital arriscado, uma vez que, segundo Matos, “não se falava em garantias de juros nem em subvenções quilométricas, havendo, contudo, o direito de cobrança de taxas sobre passageiros e mercadorias, além de outros favores”.73 Associe-se a essa análise o fator mão-de-obra, relacionando-o à questão da formação técnica perseguida pelos países capitalistas no período. As análises mais difundidas na historiografia brasileira sobre o século dezenove deram 71 bastante ênfase a uma interpretação das cláusulas contratuais que proibiam o trabalho escravo nas obras ferroviárias como sendo fruto da pressão dos fazendeiros escravistas para manter o escravo nos limites da lavoura cafeeira, contribuindo para reforçar a vocação agrícola do país. Entretanto, numa análise que considere no Estado imperial a intenção de estimular a atividade industrial nacional, essas cláusulas poderiam também servir para qualificar tecnicamente a mão-de-obra nacional ou estrangeira livre disponível nos ramos de ponta do desenvolvimento — cujo símbolo era a ferrovia. Afinal, nesses primórdios da estrada de ferro, nem sequer na Europa havia uma massa de trabalhadores qualificados para as funções mais complexas da construção ferroviária civil e mecânica. No dizer de Florestan Fernandes, a implantação de novas tecnologias [...] exige mudanças da natureza humana e elas só se produzem com lentidão, por serem condicionadas pela organização do ambiente social e pelo emprego que nele se faz das técnicas de socialização ou de educação do homem.74 Entretanto, essa análise não implica que não se dê valor à importância da proibição de empregar escravos nas ferrovias, o que poderia provocar uma alta no preço daquela mão-de-obra. Em tempos de expansão da cafeicultura baseada principalmente no trabalho escravo, o que mais contava era o escravo no “eito”. Esse trabalhador detinha uma das taxas de produtividade na lavoura mais altas do mundo, comparado com a produtividade do trabalho em outros países produtores de café. Porém, a postura de restrição do trabalho escravo à lavoura implicava também uma política de preparação para a extinção da escravidão. O progresso econômico tinha por pressuposto o trabalho livre, condição sine qua non para que a “indústria” se desenvolvesse. 72 Os libelos do período próximo à independência são ricos em argumentos pelo trabalho livre e pelo fim gradual da escravidão, inclusive com a exportação de escravos brasileiros para colônias a serem fundadas na África — a exemplo do que foi feito no estado de Maryland (EUA), enquanto se promovia a vinda de colonos europeus. A exposição de Frederico Leopoldo César Burlamaque, membro do conselho do imperador e expoente da Sain, datada de 1837, dá firme idéia da rejeição ao trabalho escravo em obras como as ferroviárias: Muitos meios se apresentam para o bom êxito de uma tal operação. [...] Consiste na preferência que deve dar o governo à gente livre em todos os trabalhos que empreender, assim como nos ordinários. Proíba-se absolutamente a admissão de escravos nos arsenais, obras públicas e nas que empreenderem companhias autorizadas pelo governo. É evidente que, admitindo-se somente gente livre, se produzirão dois bens: animar-se-á a população livre a que aprenda ofícios e adquira amor ao trabalho e à economia, tornandose, assim, mais morigerada e mais útil, ao mesmo tempo que se desanimará os possuidores de escravos na compra de uma propriedade que achará poucos meios de dar-lhes interesses.75 Nesse sentido, as pressões exercidas pela Inglaterra forçavam uma tomada de decisão que foi, afinal, concretizada tanto pelo Bill Aberdeen, em 1845, quanto pela Lei Eusébio de Queiróz, em 1850, mostrando que o poder dos cafeicultores era, na verdade, muito relativo, ao menos naquele período. Sobre esse ponto El-Kareh afirma que não era a burguesia industrial inglesa que estava por detrás do Bill Aberdeen, mas os interesses coloniais britânicos, particularmente os antilhanos, produtores açucareiros, que se viram prejudicados pela concorrência de nossos produtos tropicais realizados em bases escravistas. Para eles se tornava de primordial importância a interrupção de nosso abastecimento de escravos. Com o estrangulamento de nossa economia escravista se estabeleceria uma concorrência em iguais condições, ou seja, à base de relações não-escravistas de produção.76 73 E ainda: A Lei Eusébio de Queiróz era resultado das pressões inglesas, mas não só. Fora preciso que alguns setores de nossa sociedade com poderes de decisão e influência governamental, estivessem coniventes. Aqueles setores escravistas decadentes e endividados viam no fim da importação de negros a solução de seus problemas econômicos. A escassez provocaria a valorização de seus escravos e os traficantes, seus credores, passariam à marginalidade.77 Portanto, pelo conjunto de leis e práticas abordadas, nota-se que, na primeira metade do século dezenove, o Estado brasileiro assumiu uma postura muito mais preparatória para o desenvolvimento de formas de produção capitalista, rompendo com as práticas coloniais que ainda vigoravam. Nesse intermezzo das décadas de 1830 e 1840, a construção ferroviária não evoluiu, desde que a legislação vigente rompera com a centralização que marcara o período anterior, deixando o setor de serviços de obras públicas por conta e risco do capital privado, nacional ou estrangeiro, não habituado ao novo tipo de negócio público. Considerados esses aspectos do que Matos chamou de “primeira fase da história ferroviária do Brasil”, caracterizada por “ensaios malogrados, cujo grande mérito consistiu em preparar o terreno para futuras realizações”78, é interessante notar o aumento do movimento de café exportado pelo porto do Rio de Janeiro: em 1834, ano da lei Feijó, 686.462 sacas de 60 kg de café foram embarcadas, enquanto, em 1852, quando a lei foi extinta, o movimento alcançou a cifra de 2.333.839 sacas, sem que houvesse ainda qualquer linha férrea construída. Porém, a partir do ano seguinte à nova lei ferroviária de 1852 — e nas décadas posteriores — verifica-se que, apesar da ampliação das lavouras e da 74 existência da malha ferroviária, o embarque de café no mesmo porto teve média de 2.914.629 sacas anuais.79 De acordo com esses dados pode-se inferir que, apenas para o porto carioca, o embarque de sacas de café quadruplicou, sem que houvesse ainda ferrovias. Portanto, o aumento médio anual de 600 mil sacas no volume das exportações de café após 1852 pelo Rio de Janeiro não justificou o volume dos investimentos na construção ferroviária.80 Isso talvez explique a ínfima participação de fazendeiros escravistas de café entre os acionistas da Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II. Com efeito, na origem dos fundos da empresa, em 1860, no auge da produção cafeeira do Paraíba fluminense, o capital de origem urbana predominava em uma composição com 57,90% das ações sob controle do setor bancário, 2,26% com as sociedades anônimas, 1,86% com “outras sociedades”, 4,50% com o setor comercial e 26,13% não identificados, perfazendo 92,67% do capital. Enquanto isso, apenas 7,32% das ações pertenciam ao capital de origem rural, sendo 3,95% controladas pela família Teixeira Leite, de Vassouras, e 3,37% distribuídos entre a “nobreza”.81 Justificando a maciça participação do setor urbano na Companhia, ElKareh explica que a majoritária contribuição do setor urbano devia estar ligada a objetivos lucrativos. Tratava-se de uma inversão com êxito assegurado, fosse pela garantia de juros oferecida pelo governo, fosse pela previsão do sucesso que alcançaria a Estrada de Ferro D. Pedro II.82 Quanto à pequena parcela de ações do meio rural, o mesmo historiador mostra que 75 [...] se devia em parte à descrença na estrada de ferro [...], como também ao desinteresse do grupo paulista no momento de sua criação. Mas era devida, sobretudo, à própria organização da Companhia, submetida de fato e de direito ao Estado escravista. Daí seu aparente descaso, na medida em que tinha seus interesses garantidos. Não foi, entretanto, o caso da importante família de ricos fazendeiros de café do Município de Vassoura, os Teixeira Leite, que muito cedo percebera a necessidade de uma estrada de ferro que passasse por suas terras.83 Contudo, o município de Vassouras não foi contemplado com uma estação da ferrovia, como queriam os Teixeira Leite. Para El-Kareh, “prevaleceram os interesses da Companhia”84. O volume das exportações de café transformou o Brasil no maior produtor mundial. Isso desequilibrou a pauta dos produtos exportados, tornando a economia brasileira dependente das exportações do café, o que conferia enorme poder político e econômico aos grandes fazendeiros escravistas e àqueles setores envolvidos com o grande mercado do café — banqueiros, comissários, traficantes de escravos, etc. Consolidado o regime monárquico, esses grupos passaram a deter prestígio crescente, sendo agraciados pelo imperador com títulos de nobreza. Seu poder evidencia-se ainda mais quando se sabe que as rendas obtidas pelo Estado eram provenientes, principalmente, dos direitos aduaneiros, em que o café detinha indiscutível supremacia. Já foi considerada a política de transportes brasileira da primeira metade do século, que teve por tônica a diversificação da produção agrícola e fabril e o necessário ajustamento das diferentes vias de comunicação de acordo com as condições dadas pela natureza e com a descentralização das atividades econômicas no país. Entretanto, a especialização das vastas áreas do Paraíba demandou políticas radicalmente diversas, pelo novo quadro político que se moldou. A nova lei ferroviária aprovada em 1852 orientava o Estado segundo os interesses confluentes dos cafeicultores, dos grupos urbanos vinculados ao café e 76 dos negociantes internacionais que tentavam garantir a expansão de seus negócios e reservar para si a oportunidade de desfrutar das novas possibilidades de obter lucros maiores. Não causa surpresa, portanto, que a lei de 1852 tenha sido formulada dentro de uma reforma maior do Estado brasileiro que abrangeu a elaboração do Código Comercial e a Lei de Terras, fundamentais para permitir a inserção do país nos mercados capitalistas. Durante a fase anterior, essas possibilidades foram barradas pela não garantia de juros pagos pelo governo sobre o capital investido. Em países como Rússia e Índia, essa garantia foi concedida, assim como outros privilégios, o que fez com que grandes massas de capitais dos centros capitalistas fossem lá empregados. No Brasil, o caminho para a entrada desses investimentos começou a ser definido quando a nova lei de ferrovias foi aprovada, concedendo às empresas o privilégio de zona de 6 milhas para cada lado das linhas e a garantia de juros a serem pagos pelo governo imperial. A garantia, que nessa lei alcançava 5%, foi depois aumentada em mais 2% em São Paulo, a cargo dos cofres provinciais.85 Por outro lado, para os fazendeiros, além de diminuir as perdas de parte das safras devido às estradas em condições insuficientes para o volume de café que produziam, a implantação das ferrovias implicava uma diminuição do preço do frete, bem como dos custos com escravos e dos animais empregados nas tropas de burros, além de franquear as áreas ocupadas com lavouras para alimentação dos animais e escravos ao plantio de cafezais. Isso significava uma redução da ordem de 20% no preço da saca de café exportada, dando ao café melhores condições de concorrência nos mercados internacionais, pois tornava seu consumo mais acessível às classes populares. Porém, a partir da década de 1850, a diminuição das áreas de plantio de alimentos básicos para consumo popular foi se acentuando até gerar um aumento 77 dos preços desses produtos, onerando os custos da fazenda cafeeira. Nesse sentido, a afirmação de Sérgio Silva é esclarecedora, ao mostrar que, enquanto cresciam os custos do fazendeiro com aquisição de escravos e com alimentação, vestuário e ferramentas agrícolas importadas, aumentavam os lucros do negociante do café, cujo mercado exterior estava em expansão: A importância das estradas de ferro para a economia cafeeira pode ser ilustrada por esse cálculo de A.d'E.Taunay. Considerando que o preço do transporte pelo trem era seis vezes inferior ao das tropas de mulas,ele estima a economia realizada somente pelas Estradas de Ferro Pedro II, entre 1860 e 1868, em 48.677 contos. Somente para o ano de 1868, essa economia é estimada em 9.393 contos, ou seja, mais de 10% do valor total das exportações brasileiras nessa época. 86 Portanto, na década de 1850, a construção ferroviária realmente tomou impulso, tornando-se realidade. A primeira delas, a D. Pedro II, foi criada pelo governo imperial. Sua construção foi concedida a Irineu Evangelista de Souza, objetivando ligar a Corte ao vale do Paraíba e daí a Minas. O primeiro traçado previa um trecho misto: partindo de um porto no fundo da baía da Guanabara, a estrada de ferro seguiria até a raiz da Serra de Estrela. Na serra, o transporte seria feito por estrada de rodagem até Petrópolis, e daí em diante em estrada de ferro novamente. Em abril de 1854 inaugurou-se um pequeno trecho da ferrovia até Fragoso e dois anos depois ela chegava à raiz da Serra de Estrela. Enquanto não houvesse a ferrovia, o transporte após Petrópolis seria feito através da Estrada União e Indústria. Entretanto, a demora na conclusão da “União e Indústria” e, principalmente, a distância entre seu traçado e a área cafeeira fluminense fizeram com que seu projeto fosse abandonado. Como alternativa, o “Movimento de Vassouras”, liderado pela família Teixeira Leite, pressionava por uma nova ferrovia, que, partindo da cidade do Rio de Janeiro, deveria bifurcar-se após 78 transpor a serra: um ramal seguiria por Porto Novo do Cunha, na fronteira de Minas Gerais através de Vassouras; o outro seguiria para São Paulo, acompanhando o rio Paraíba até chegar a Cachoeira.87 Contudo, a estrada de ferro D. Pedro II, criada em 1855, teve seu primeiro trecho inaugurado em 1859, mas o ramal de São Paulo chegou à cidade de Cachoeira apenas em 1874.88 Sua execução foi entregue a empreendedores ingleses, sendo todos os equipamentos e materiais utilizados importados da Inglaterra. Porém, seu traçado foi alterado pelo governo, que a bifurcou em Barra do Piraí até chegar a Porto Novo do Cunha, o que ocorreu em 1871, contrariando os interesses dos vassourenses.89 Enquanto isso, as tentativas de ligar Santos a São Paulo por ferrovia prosseguiam. Em 1856, Mauá (Irineu Evangelista de Sousa), o Marquês de Monte Alegre e Pimenta Bueno obtiveram do governo o privilégio, por noventa anos, para a “construção, uso e gozo” (com os privilégios de zona e garantia de juros) de uma ferrovia entre Santos e Jundiaí, passando por São Paulo.90 A empresa foi constituída em Londres, ficando o controle acionário na “City”. Em novembro de 1860, a obra foi iniciada. Seu desafio principal era conseguir transpor uma escarpa de oitocentos metros de desnível: em 1866, o trem da “Inglesa” chegava a São Paulo; um ano depois atingia Jundiaí, totalizando um percurso de 140 quilômetros, “apresentando, notadamente no trecho Santos-São Paulo, importantíssimas obras de arte que por muito tempo causaram admiração”91. A “Inglesa”, concessionária do privilégio do “funil” ferroviário entre Santos e Jundiaí por 90 anos, monopolizaria todo o movimento de carga que de qualquer parte da província chegasse a Santos, assegurando a obtenção de lucros sobre qualquer outra estrada que viesse a ser construída. Com efeito, todas as demais ferrovias paulistas do século dezenove lhe eram direta ou indiretamente tributárias. 79 Em março de 1870 foram iniciadas as obras da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, a Paulista, cujo trecho inicial era de 45 quilômetros, entre Jundiaí a Campinas, aonde chegou em agosto de 1872.92 Merece relevo a matéria da Gazeta de Campinas, descrevendo como a cidade ficou comovida com a chegada do trem, na inauguração da primeira estação das quatro grandes ferrovias paulistas do século XIX: Contavam-se três horas e meia quando um estremecimento estranho veio eletrizar em todos os sentidos aquela reunião enorme: ouvia-se longínquo um rugido estridente e os ecos repercutiram pelas nossas belas campinas o férreo galopar do misterioso hipogrifo. O que se passou nesse instante foi uma coisa que não se diz: sonha-se ou vê-se. Girândolas, foguetes, baterias, aclamações, música, tudo isso ergueu-se num ímpeto tão sublime como a própria alma do povo a perder-se numa vertigem de alegria infinita. Espetáculo maravilhoso! Entusiasmo assim não se prepara, nasce de si mesmo, como a lava no seio dos vulcões para embrasear a face das montanhas e derramar o calor e o brilho pela atmosfera incendiada.”93 Enquanto isso, “abonados fazendeiros da região Ituana, onde o café também dominava a paisagem agrícola”94 criavam a Companhia Ituana de Estrada de Ferro, com o objetivo, alcançado em abril de 1873, de ligar a cidade de Itu a Jundiaí. Da mesma forma, foi criada a Estrada de Ferro Sorocabana. A princípio, a Sorocabana foi criada para ligar Sorocaba a Itu, “onde se uniria com a outra estrada ligando Itu a Jundiaí”. Depois seu traçado foi alterado, ligando a capital da província a Sorocaba, o que ocorreu em 1875.95 Em 1872 criava-se em Campinas — e “tal como no caso das anteriores, seus incorporadores são todos homens ligados ao café (Souza Aranha, Queiróz Telles...)” — a estrada de ferro Mogiana, destinada a ligar Campinas a Mogimirim, tendo lá chegado em 1875.96 80 Dessa forma, de acordo com Matos, foram criadas as principais ferrovias paulistas dentro da segunda fase da história ferroviária de São Paulo, entre 18701880. Tais ferrovias avançaram sobre as principais regiões cafeeiras da década, atendendo à demanda crescente por escoamento do produto das fazendas pelo “funil” da “Inglesa” até Santos. Nessa fase, os investimentos na província de São Paulo foram garantidos pelas concessões de privilégio de zona e garantia de juros de 7%. Atuando de forma direcionada para o escoamento do café, uma vez que a agricultura especializava-se no produto, as ferrovias pioneiras paulistas acompanharam a expansão das lavouras, chegando, por fim, a atingir a província de Minas Gerais, de forma a também beneficiar São Paulo com a arrecadação pelo escoamento das mercadorias lá produzidas. Da mesma forma, a expansão ferroviária também auxiliava na abertura de novas fronteiras aos fazendeiros, enquanto levava a fronteira agrícola cada vez mais ao interior. Desde a obra de Sérgio Milliet97, muitos autores pesquisaram sobre os aspectos factuais da expansão ferroviária em São Paulo. Entretanto, para que se torne compreensível o roteiro que, seguindo o curso das ferrovias, as máquinas de beneficiar café e seus criadores fariam nas décadas posteriores a 1870 para acompanhar a expansão contínua dos cafezais, é necessária uma rápida apresentação dos desdobramentos dos principais troncos ferrroviários. Para isso, o estudo de Matos é de especial validade.98 Após a fundação das principais companhias ferroviárias paulistas, um longo processo de construção de novas estradas (desde aquelas ligando cidades já prósperas, até outras que ligavam fazendas importantes a troncos ou ramais — linhas “cata-café”) foi desencadeado. Essa ramificação começou simultaneamente em todas as companhias existentes em São Paulo. Porém a Paulista foi a primeira a inaugurar as linhas de expansão. Em agosto de 1875 chegou a Santa Bárbara; em julho de 1876, a Limeira e em agosto atingiu Rio Claro. No ano seguinte, 81 outra linha era liberada às margens do Mogiguaçu, chegando em abril a Araras e em setembro a Leme. Em outubro de 1878 chegou a Pirassununga. Dois anos após, em janeiro de 1880, a ferrovia atingiu Porto Ferreira, para, no ano seguinte, integrar Descalvado à sua rede. Enquanto isso, em 1872, organizava-se em São Paulo a “Estrada de Ferro São Paulo e Rio de Janeiro”, depois Central do Brasil, cujo objetivo era ligar a capital paulista à região do vale do Paraíba fluminense. Partindo da capital, essa estrada foi passando por Mogi das Cruzes, Jacareí, São José dos Campos, Caçapava, Taubaté, Pindamonhangaba e Lorena, até chegar a Cachoeira (atual Cachoeira Paulista), em 1877. A Ituana, no mesmo período, também prosseguia com as obras que integraram à sua rede as cidades de Itaici, Capivari e Constituição (atual Piracicaba), em fevereiro do ano de 1879. Enquanto isso, a Sorocabana expandiase com a construção de uma linha até Ipanema. Já a Mogiana, fora prolongada de Mogimirim, chegando ao rio Grande, para os lados da fronteira com Minas Gerais. A expansão ferroviária em São Paulo foi importante porque veio dotar a região cafeeira da província de uma infra-estrutura de transportes tecnicamente dominada em toda a sua extensão: os caminhos de rodagem, a navegação fluvial e costeira, e o maior desafio, os caminhos de ferro. Uma vez incorporadas essas tecnologias a sua base sociocultural, de acordo com as nações mais avançadas, preparava-se a região cafeeira brasileira — e quem o diria! — para voar: na Serra da Mantiqueira, no início do processo de transplantação da tecnologia industrial para o espaço econômico brasileiro, nascia Alberto Santos Dumont. Henrique Dumont, engenheiro civil, executava obras de construção de trecho da Estrada de Ferro Pedro II próximo a Cabangu(MG), em 1873, quando seu sexto filho, Alberto, nasceu. Entre 1874 e 1879, Henrique Dumont trabalhou 82 na fazenda de café de sua sogra, em Casal Valença. Em seguida, adquiriu a fazenda Arindeúva, em Ribeirão Preto, tornando-a, em sua época, uma das fazendas-modelo de café, devido ao alto nível de mecanização da produção. O inventor Alberto Dumont iniciara-se na infância no maquinário do benefício do café, aonde costumava ir brincar. Dessa experiência, escreveria em suas memórias que “dificilmente se conceberia meio mais sugestivo para a imaginação de uma criança que sonha com invenções mecânicas”.99 Graças à sua genialidade, o brasileiro empolgou as multidões parisienses e de Montecarlo, prestando uma importante contribuição ao desenvolvimento científico-tecnológico mundial. Seu menor balão, considerado por ele “o mais lindo”, foi batizado com o nome do Brasil. Voltando às ferrovias, a Mogiana continuou em expansão com a inauguração de estações em Casa Branca, em 1878, e em Ribeirão Preto, em 1883. As linhas de Franca e São Simão — que depois serviriam de tronco para outros ramais — foram abertas ao tráfego no ano de 1887.100 A Mogiana prosseguiu com outro ramal para Itapira, de onde atingiria Espírito Santo do Pinhal e Poços de Caldas, incorporando o tráfico de mercadorias do sul de Minas e do Triângulo Mineiro através da antiga Estrada de Ferro do Sapucaí. Em 1889, anexou ao seu patrimônio a Companhia Ramal do Rio Pardo, e prosseguiu ligando as cidades até Casa Branca, passando por São José do Rio Pardo, Mococa e Canoas. A maioria dessas cidades também serviria de base de expansão de outras linhas comunicando com São Paulo parcela considerável da província vizinha.101 A Paulista também expandiu-se muito para as áreas novas do interior. Na mesma década de 1880, tomou como base o terminal de Rio Claro para alcançar São Carlos, aonde chegou em 1884. Seu trajeto original foi alterado para atender decisão da Justiça, quando inquirida em ação impetrada pelo Visconde de Rio Claro e pelo Conde do Pinhal, que aguardavam a ligação entre as duas cidades. 83 Em janeiro de 1885, a Paulista chegou a Araraquara. Dois anos depois também chegava a Jaú, e estendia-se em ramais como os de São Carlos, Santa Eudóxia e Ribeirão Bonito. Depois prolongou o tronco de Araraquara a Jabuticabal.102 Das grandes companhias iniciantes, a Sorocabana foi a que teve a expansão mais tímida. No final da década de 1890, chegou com seus ramais a Porto Feliz e Tietê. A Ituana, desenvolveu-se com outra estratégia. Buscou integrar seus trilhos a portos nos rios Piracicaba e Tietê. Manteve-se na estrutura navegaçãoferrovia, numa região já tradicional de cultura de pastagens e de agricultura. Seus trilhos prolongaram-se até perto de Piracicaba.103 Matos tomou esse exemplo para o restante do país: iniciava-se, assim, no Brasil, o serviço conjugado de navegação fluvial com as ferrovias. [...] A Paulista igualmente lançou mão deste recurso (com o rio Mogiguaçu) e o mesmo ocorreu com a Rede Mineira, no sul de Minas, com a utilização do Rio Grande.104 Vistas as considerações traçadas anteriormente, a região do vale do Paraíba havia já adotado o sistema estrada-ferrovia-navegação, em fase anterior, quando o fundo da baía da Guanabara ligou-se ao porto da Estrela e daí com a ferrovia empreendida por Mauá. E ainda, segundo os estudos de Maria Celina Whately, até que os trilhos chegassem a Resende, na década de 1870, continuava sendo utilizada a via marítima através dos portos angrenses, e a via fluvial, pelo Paraíba, até a Barra do Piraí, já que na década de 1860 a Estrada de Ferro D. Pedro II atingira este ponto.105 84 Considerado o surpreendente crescimento que as ferrovias tiveram em São Paulo, uma conexão com os cursos fluviais seria inevitável, como fora previsto nas leis da década de 1830. Porém, tamanha expansão parecia refletir-se em atraso nas demais obras públicas requeridas pelo crescimento das cidades paulistas. O problema era discutido publicamente. O presidente de São Paulo, João Teodoro (1872-1875), reclamava em seus relatórios do atraso de outras vias de comunicação em relação às ferrovias da província: contrasta o progresso das estradas de ferro com a decadência de todas as outras. A vitalidade concentrou-se com exuberância em um ponto, deixando desfalecer a máxima parte do corpo coletivo.106 Completando o panorama da expansão ferroviária e cafeeira em São Paulo, ainda no governo provincial de João Teodoro, foi criado o Ramal Bragantino. A Bragantina foi planejada para partir de um ponto da “Linha Inglesa” , ligando-a “as raias de Minas Gerais”. Porém, ao ser incorporada pela São Paulo Railway, seu roteiro foi modificado: passou por Campinas, mas não alcançou a província mineira. Seu percurso final foi Piracaia, passando por Atibaia e Bragança.107 A expansão associada das fazendas de café e das ferrovias na Província — e depois estado — de São Paulo não parou aí. Na última década do século passado e na primeira deste século, a Paulista e a Mogiana expandiram-se ainda mais, consolidando os interesses dos setores da economia paulista ligados ao café. Ambas as companhias prolongaram suas linhas. A primeira chegava em Jabuticabal em 1892 para, de Rincão, atingir Guatapará. De São Carlos chegou a Ribeirão Bonito e Areia Vermelha. 85 A Mogiana foi ainda mais além, buscando interligar os ramais existentes até entrar nas próprias fazendas de café, como a Santa Veridiana, pertencente à família Prado, que teve ramal ligando-a às proximidades de Casa Branca.108 Neste capítulo buscou-se demonstrar a maneira como foi implantada a base legal e tecnológica do sistema de transporte para a exportação do café brasileiro no século XIX. Na primeira metade do século, a conjuntura foi marcada pelas principais leis sobre as vias de transporte, criadas na década de 1830. Nesse contexto, a política de estímulo ao surgimento de atividades econômicas diversificadas originária do período colonial teve como estratégia a conexão das regiões brasileiras com os portos de rios e mar visando a garantir as rendas da Coroa e a preservar seu domínio sobre o território. Isso teria aumentado o interesse no aproveitamento dos cursos fluviais. No Primeiro Reinado e na Regência, essa política teve continuidade, tendo em vista o interesse em centralizar o poder político na Corte e a necessidade de abastecê-la. Dessa fase destacam-se as leis de concessão de navegação fluvial a vapor, e a lei Feijó para concessão de exploração do transporte ferroviário, da década de 1830. A época em que foram editadas coincidiu com as primeiras concessões do tipo nos países europeus mais avançados. A partir da infra-estrutura agrícola que se criou e do refluxo da atividade de mineração, parte da região do vale do Paraíba teve suas antigas culturas substituídas por plantações de café, produto destinado mais a exportação. Foi o início da implantação das grandes fazendas cafeeiras escravistas. Na segunda metade de século XIX, a conjuntura foi marcada pelas leis de concessão ferroviária que garantiam às companhias zona privilegiada e juros sobre o capital investido. Surgiram as grandes ferrovias-tronco (a exemplo de São Paulo), aumentando a capacidade instalada de exportação do café do Sudeste brasileiro. 86 As áreas destinadas às lavouras foram ampliadas para as províncias de Minas Gerais e Espírito Santo e para o oeste de São Paulo. Conseqüentemente, o café tornou-se o principal produto brasileiro e o Brasil, seu maior fornecedor mundial. NOTAS 1 Rebouças, André. Agricultura nacional. Estudos econômicos. Rio de Janeiro, Tipographia A.J. Lamoureux, 1883, p.75. 2 Simonsen. Roberto C. História econômica do Brasil. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1978. 8a ed., p. 437. 3 Cf. Whately, Maria Celina. Op. cit. 4 Ferrez, Gilberto. O Brasil de Thomas Ender 1817. Rio de Janeiro, Fund. João Moreira Salles, 1976, pp. 263-264. 5 Ibid.., p. 261. 6 Ibid., p. 259. 7 Whately. M. C. Op. cit., p. 7. 8 Ibid., p. 8. 9 Prefácio de Whately. M.C. Op. cit., p. ix. 10 Ibid., p. x. 11 Ferrez, G. Op. cit., pp. 244-245. 12 A esse respeito consultar Sobrinho, Alves Motta. A civilização do café 1820-1920. São Paulo, Brasiliense, 1978. 3a ed., p. 21. 13 Apud Whately. M.C. Op. cit., pp.8-9. 14 Beauclair, Geraldo. A construção da economia nacional: 1822-1860. Niterói, tese de titular/UFF, 1994, pp. 232237. 15 Magalhães, Basílio de. O café nas história, no folclore e nas belas-artes. 3a ed. São Paulo, Cia. Ed. Nacional/INL, 1980, pp.70-71. 16 Costa, Emília Viotti da. Da senzala..., p. 62. Também Machado, Humberto F. Escravos... faz interessante descrição dos portos e caminhos fluviais fluminenses, no início do século XIX. 17 Beauclair, G. A construção..., pp. 232-237. 18 Sobrinho, Alves da Motta. Op. cit., p.65. 19 Beauclair. G. A construção..., Op. cit., p. 236. 20 Ibid.. 21 Uma descrição dos “ caminhos antigos” do Rio de Janeiro é encontrada em Magalhães, Basílio de. Op. cit., pp. 6472. Para uma visão esquemática dos “caminhos antigos” consultar: Rio de Janeiro — cidade e estado. Rio de Janeiro. Michelin, s/d. [Guia de Turismo. Apresent. de Wellington M. Franco], pp. 26-31. 22 Apud Whately. M.C. Op. cit., p. 20. 23 Ibid. 24 Ibid.., pp. 20-21. 25 Ibid.., p. 21. 26 Cf. Simonsen, R. Op. cit. 27 A este respeito consultar a clássica obra: Simonsen, R. Op. cit., pp. 389-391. 28 Beuclair, G. Raízes... 29 Simonsen, R. Op. cit., p. 441. 87 30 Ibid. 31 Ibid., p.439. 32 Cf. Beauclair. G. Raízes... 33 Beauclair. G. Raízes..., p. 27. 34 Ibid., p. 26. 35 Ibid., p. 27. 36 Ibid., pp. 28-29. 37 Ibid.. 38 Fernandes, F. A revolução burguesa no Brasil. Rio Janeiro, Zahar, 1976. 2a ed., p.100. 39 Este conceito foi empregado no sentido definido por Honorato, C. T. O polvo e o porto. São Paulo, Hucitec, 1995 (no prelo). 40 Refiro-me ao espaço aberto para a incorporação de novas especializações profissionais e empresariais no eixo dinâmico da sociedade brasileira, na segunda metade do século XIX. 41 Schumpeter, Joseph A. Teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo, Abril, 1982, p. 54. 42 Cruz, H. N. “Observações sobre mudança tecnológica em Schumpeter”. In: Estudos econômicos. São Paulo, vol.18, no 3, set/dez 1988, p. 447. 43 As leis de patentes no Brasil são tema do próximo capítulo. 44 Sobre a história da fundação, sociedade e economia em São Carlos, ler a monografia de Truzzi. O. Op. cit. 45 A respeito de máquinas de beneficiar café encomendadas por fazendeiros a Taunay e Telles enquanto realizavam o aperfeiçoamento de seu secador, ver o artigo de Louis Conty em O Auxiliador...1883, pp. 35-39. Sobre a atuação de Alfredo d’ Escragnolle Taunay, ver Lima, S. L. L. Op. cit., pp. 74-84. 46 A respeito, consultar a composição bianual das diretorias e das seções da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, a partir de 1870, em O Auxiliador..., além da análise de Silva, J. L. Werneck da. Op. cit. 47 Cruz, H. N. Op. cit., p. 447. 48 Simonsen, R. Op. cit., p. 441. A este respeito, a bibliografia disponível no Brasil é insuficiente, mas Katinsky, J. R. (A invenção da máquina a vapor. São Paulo, FAU/USP, 1976) compilou textos de historiadores da tecnologia ingleses que dão uma visão esclarecedora sobre o processo de invenção e difusão da energia a vapor na Europa até 1850. 49 Simonsen, R. Op. cit. p. 441. 50 Collecção das Leis do Império do Brazil de 1835. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1864. Grifo meu. 51 Destacam-se os trabalhos mais recentes de Beauclair, G. Raízes... e de Fragoso, J. L. R. Homens de grossa aventura... 52 Sobrinho, A. M. Op. cit., p.67. 53 Collecção das Leis do Império do Brazil de 1835. Rio Janeiro, Typographia Nacional, 1864. 54 Apud Saes, Flávio A. M. de. As ferrovias de São Paulo 1870-1940. São Paulo, Hucitec/INL, 1981, p. 20. Na América do Sul, o Brasil foi o terceiro país a inaugurar uma ferrovia. Em maio de 1851, o trem de ferro foi inaugurado no Peru; em maio de 1852, o mesmo ocorreu no Chile, cf. Magalhães, B. de. Op. cit., p.70. 55 EL-KAREH, Almir Chaiban. Filha branca de mãe preta: A Companhia da Estrada de Ferro D. Pedro II 1855-1865. Petrópolis, Vozes, 1982, p. 33. 56 BEAUCLAIR, G. Raízes..., p. 43. 57 Ibid. 58 Ibid., pp. 62-73. 59 MATOS, Odilon N. de. Café e Ferrovias. A evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. Campinas, Pontes, 1990, pp. 59-60. 60 Ibid., p.60. 61 Ibid.. Grifo meu. 62 Ibid. 63 Ibid. 64 Ibid. 65 Ibid., pp. 70-71. Grifo meu. 66 Ibid., p.61. 67 Ibid, pp.69-70. Grifo meu. 68 Ibid., p. 61. 88 69 Ibid. 70 Ibid., p.62. Grifo meu. 71 Refiro-me à presença da imigração na forma como a tratou Fernandes, Florestan. A Revolução... Cap. I. 72 BEAUCLAIR, G. Raízes... e também A Construção...; Silva, J. L. Werneck. A SAIN... Também a recente obra biográfica de Caldeira, J. Op. cit. descreve interessante painel das transformações ocorridas no Brasil no século XIX. 73 Matos. O. N. Op. cit., p 62. 74 Fernandes, F. Mudanças sociais no Brasil. São Paulo, Difel, s/d, cap.1, p. 68. 75 Memórias sobre a escravidão / João Severiano Maciel da Costa et. al. Introd. de Graça Salgado. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional/Fundação Petrônio Portella, 1988, pp. 180-181. 76 El-Kareh, A. C. Op. cit., p.19. 77 Ibid. 78 Matos, O. N. Op. cit., p. 62 e p.166. 79 Dados agrupados a partir das publicações de O Auxiliador... no ano de 1892. A partir daquele ano, O Auxiliador... não foi mais publicado. 80 O Auxiliador... 1892, p. 19, principalmente. 81 Cf. El-Kareh, A. C. Op. cit., p. 51. 82 Ibid., p. 52. 83 Ibid., p. 51. 84 Ibid., p.134. 85 Sobre a questão dos juros ao investimento nas estradas de ferro construídas em São Paulo ver. Saes, F. A. M. Op. cit. 86 Silva, Sérgio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil. São Paulo, Alfa-Ômega, 1986, 7a ed., p. 51. 87 Matos, O. N. Op. cit., p. 68. 88 Em 1874, a Estrada de Ferro São Paulo e Rio de Janeiro encontrou-se com os trilhos da Estrada de Ferro Pedro II, fundindo-se na Estrada de Ferro Central do Brasil. 89 Matos, O. N. Op. cit., pp.68-69. 90 Ibid., p.74. 91 Ibid. 92 MATOS, O. N. Op. cit., p. 81, diz que a companhia foi a primeira organizada “com elementos exclusivamente provinciais” e que da reunião de Campinas participaram “em maioria, fazendeiros do centro-oeste e do oeste de São Paulo. Nascia vinculada ao café a primeira estrada tipicamente paulista”. Entretanto, o autor não informa da composição acionária da Companhia. 93 Apud. Matos, O.N. Op. cit., p. 81. 94 Matos, O. N. Op. cit., p. 86. 95 Ibid., p. 89. 96 Ibid., pp.90-91. 97 Milliet, Sérgio. O roteiro do café e outros ensaios: contribuição para o estudo da história econômica e social do Brasil. 4a ed. São Paulo, Hucitec/INL, 1982. 98 Matos, O. N. Op. cit. 99 DUMONT, Alberto Santos. Os meus balões. Trad. do original de Dans l'Air, de A. de Miranda Bastos, s/l, Biblioteca de Divulgação da Aeronáutica, 1938, p. 49. Para um melhor entendimento da biografia de Santos Dumont e sua relação com a cafeicultura ver também Villares, Henrique Dumont. Quem deu asas ao homem: Alberto Santos Dumont — sua vida e sua glória. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1953. Sobre a importância das invenções aeronáuticas de A. Santos Dumont ler: Cruz, Celso. La conquista del aire. Proceso tecnico y heroico de la aeronautica y la aviacion. Buenos Aires, Ed. Atlântida, 1940. Quanto à base material dos trabalhos de Dumont, consultar principalmente os acervos do Museu Paulista da USP, Instituto Cultural da Aeronáutica (RJ) e Museu da Aeronáutica do Campo dos Afonsos (RJ). 100 Matos, O. N. Op. cit., p. 99. 101 Ibid., p.100. 102 Ibid., pp.103-107. 103 Ibid., p.107. 104 Ibid., pp.107-108. Grifo meu. 105 Whately. M. C. Op. cit., p.24. 89 106 Apud. Matos, O. N. Op. cit., p.93. 107 Matos, O. N .Op. cit., pp.91-93. 108 Ibid., p. 117. OK 87 3 O BRASIL TOMA CAPRICHO: A CRIAÇÃO DAS LEIS DE PATENTES Eu vô tomá capricho, meu bem vô trabaiá’, qui’eu tenho uma promessa a pagá.1 O século XIX marcou um período de grandes alterações nas instituições políticas brasileiras. Desde a vinda da família real portuguesa, em 1808, o país iniciou um processo em que, paralelamente às ocorrências do além-mar, pouco a pouco a estrutura colonial vigente entrou em colapso. Os atos legislativos do regente D. João, muito mais que abrir os portos às nações amigas, derrubaram as antigas proibições impostas à indústria nativa e criaram tratados de amizade, navegação e comércio, culminando por transformar a colônia em metrópole provisória e, posteriormente, elevá-la à categoria de Reino Unido ao de Portugal e Algarve. Desde a primeira constituição brasileira, outorgada em 1824, nota-se que houve um esforço dos setores mais próximos ao núcleo do poder para estabelecer um novo patamar de atuação política, quer sob a forma de organização e atuação em associações civis, quer no interior do Estado, viabilizando a aprovação de estatutos jurídicos para favorecer o aproveitamento da capacidade produtiva do país. No âmbito do Estado brasileiro, uma política de incremento à chamada “indústria agrícola” pode ser considerada, particularmente através das “leis de patentes”. Elas surgiram primeiro em Veneza, em 1474. A Inglaterra adotou-as em 1623, a França, em 1762 e os EUA, em 1790. No Brasil, a legislação de patentes foi criada em 1830, antes mesmo de muitos países “adiantados”. 88 O estímulo à entrada de artefatos para promover as atividades produtivas no Brasil surgiu, concretamente, na carta régia de 28 de janeiro de 1808, onde D. João ordenava interina e provisóriamente, enquanto não consolido um systema geral que effectivamente regule semelhantes materias”, que “sejam admissíveis nas Alfândegas do Brazil todos e quaisquer generos, fazendas e mercadorias transportadas, ou em navios estrangeiros das Potencias [...], ou em navios dos meus vassalos... 2 Tal “consolidação” viria na ano seguinte, quando o alvará de 28 de abril, em seu artigo 5o, estabeleceu que sendo o meio mais conveniente para promover a indústria de qualquer ramo nascente, e que vai tomando maior augmento pela introducção de novas machinas dispendiosas, porém utilíssimas, o conferir-se-lhe algum cabedal que anima o capitalista que emprehende promover semelhante fabrica, vindo a ser esta concessão um dom gratuito que lhe faz o Estado: sou servido ordenar, que da Loteria Nacional do Estado, que anualmente quero se estabeleça, se tire em cada anno uma soma de sessenta mil cruzados [...] a favor daquellas manufacturas e artes, particularmente das de lã, algodão, seda e fábricas de ferro e aço. E as que receberem [...] não terão obrigação de o restituir...3 O alvará também isentava de impostos a importação de matérias-primas necessárias às manufaturas e às artes, e as livrava de taxas da exportação dos seus produtos manufaturados. Deixava claro, ainda, que a medida era necessária “para fomentar a agricultura, animar o commércio, adiantar a navegação, e augmentar a povoação”.4 Mais ainda: sendo muito conveniente que os inventores e introductores de alguma nova machina, e invenção nas 89 artes, gozem do privilégio exclusivo além do direito que possam ter ao favor pecuniário, que sou servido estabelecer em benefício da indústria e das artes; ordeno que todas as pessoas que estiverem neste caso apresentem o plano de seu novo invento à Real Junta do Commércio; e que esta, reconhecendo a verdade, e fundamento delle, lhes conceda o privilégio exclusivo por quatorze annos, ficando obrigados a publical-o depois, para que no fim desse prazo, toda a Nação goze do fructo dessa invenção...5 Nota-se que os textos régios refletiam uma ligação intrínseca das artes e manufaturas com a proteção a ser dada ao inventor como forma de promover a fundação de estabelecimentos manufatureiros. Ao mesmo tempo, procuravam dotar o Brasil de máquinas e processos em uso nos países mais desenvolvidos. Ao analisar o referido alvará, Cruz observa que o fato de o introdutor de máquinas estrangeiras, e não apenas o inventor, gozar do privilégio exclusivo por catorze anos caracteriza a intenção do Estado de atrair a “novidade tecnológica para um uso efetivo e não apenas como política de reserva de mercado”6. Em 1822, o alvará de 30 de dezembro, regulamentando a armação de corsários por “súditos do império” e estrangeiros, para apresar propriedades dos navios portugueses, previa que são livres de todos os direitos os petrechos de guerra, ouro e prata em moeda, barra ou pinha, utensílios de lavoura, machinas de nova invenção applicáveis à indústria do Brazil e o estímulo de suas fábricas, e os mesmos navios aprezados.7 A LEI DE 28 DE AGOSTO DE 18308 No Primeiro Reinado, as iniciativas para desenvolver atividades fabris passaram a fazer parte dos debates parlamentares. Em 1828 foi apresentado um projeto de regulamentação dos direitos das patentes de invenção e melhoramentos 90 e de introdução de máquinas estrangeiras. Em 28 de agosto de 1830 foi criada a primeira lei de patentes no Brasil, sendo o país o quinto no mundo a adotar o estatuto.9 De acordo com essa lei de 1830, era concedido [...] privilégio ao que descobrir, inventar ou melhorar uma industria útil e um prêmio ao que introduzir uma indústria estrangeira, e regula sua concessão. Art. 1 . A lei assegura ao descobridor, ou inventor de uma indústria útil a propriedade e o uso exclusivo da sua descoberta, ou invenção. Art. 2 . O que melhorar uma descoberta, ou invenção, tem no melhoramento o direito de descobridor, ou inventor. Art. 3 . Ao introductor de uma indústria estrangeira se dará um prêmio proporcionado à utilidade, e dificuldade da introducção.10 A lei de 1830 instituiu uma diferença entre o inventor ou melhorador da máquina e aquele que introduz no país uma máquina já desenvolvida no exterior. Ao primeiro, concedia o uso exclusivo do invento; ao segundo, gratificava com um prêmio. A distinção se fazia necessária, uma vez que era uma época de incremento à indústria nacional, mas também de grande proliferação das técnicas no exterior, nos moldes da chamada Revolução Industrial. Vale lembrar que os anos de 1800 a 1850 foram de proliferação do uso das máquinas a vapor nas indústrias inglesas.11 Repetindo Fernandes, [a] transplantação [de máquinas] exige algo que transcende ao nível da inteligência do homem: exige mudanças da natureza humana e elas só se produzem 91 com certa lentidão, por serem condicionadas pela organização do ambiente social e pelo emprego que nele se faz das técnicas de socialização ou de educação do homem.12 A lei de 1830 preparava o terreno para a absorção das novas técnicas, equipamentos e transformações decorrentes de sua introdução, distinguindo as máquinas mais simples das que apresentassem maior complexidade técnica ou utilidade. Já em seu artigo 4o, destacava a gratuidade da concessão da patente: o inventor ou introdutor pagava apenas as custas do processamento administrativo. Para tanto, era garantido, que O direito de descobridor, ou inventor, será firmado por uma patente, concedida gratuitamente, pagando só o sello, e o feitio; e para conseguil-a: 1 Mostrará por escripto que a indústria a que se refere é da sua própria invenção, ou descoberta. [...] 13 Em seguida, a lei institucionalizava uma política de arquivamento da documentação técnica das invenções, ao retirar o julgamento e guarda dos processos do âmbito da extinta Real Junta do Commércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, e passá-los para o Ministério dos Negócios do Império, delegando ao Archivo Público — atual Arquivo Nacional — o depósito e guarda do “memorial” dos inventos: 2 — Depositará no Archivo Publico uma exacta e fiel exposição dos meios e processos, de que se serviu, com planos, desenhos ou modelos, que os esclareça, e sem elles, se não puder illustrar exactamente a matéria.14 Essa tramitação do processo de julgamento dos requerimentos, exames e depósito dos documentos durou até 1860, quando a responsabilidade pelas 92 patentes foi transferida para o Ministério da Agricultura, Commércio e Obras Públicas, mantendo o Archivo Publico como depositário dos documentos e materiais comprobatórios, caso existissem.15 Ao dispensar a apresentação de “planos, desenhos ou modelos”, a lei era complacente com aqueles que não eram capazes de desenhar tecnicamente seus inventos de acordo com as normas em formação. Convém ressaltar que tal capacidade de representação técnica era ainda pouco comum nos países mais desenvolvidos industrialmente, onde prevalecia uma separação entre a representação artística e a representação das técnicas. A representação técnica foi iniciada com a publicação dos volumes da Enciclopédia, na França, entre 1726 e 1772. Porém, apenas no século XIX os dois domínios — a arte pictórica e o desenho técnico — encontrar-se-iam totalmente distintos.16 O artigo 5o da lei de 1830 também trazia novidades quanto ao prazo do exclusivo da patente: “As patentes se concederão segundo a qualidade da descoberta ou invenção, por espaço de cinco até vinte annos; maior prazo só poderá ser concedido por lei”.17 Se o alvará de 1809 era rígido quanto à concessão de catorze anos para o segredo se tornar domínio público, a nova lei mostrava-se flexível ao conceder o privilégio por período entre cinco e vinte anos, de acordo com as características do invento. Esse artigo abria a possibilidade de o prazo da exclusividade ser menor, caso houvesse o entendimento de que o invento era essencial a alguma “indústria”. Ao contrário, onde o interesse do governo imperial requeresse maior segredo, o prazo do privilégio poderia ser estendido por lei específica. Esse dispositivo é corroborado pelo artigo 6o da lei de 1830, que facultava ao governo a compra dos direitos do invento para torná-lo público de imediato: Se o Governo comprar o segredo da invenção, ou descoberta, fal-o-ha publicar; no caso porém, de ter 93 unicamente concedido patente, o segredo se conservará occulto até que expire o prazo da patente. Findo este, é obrigado o inventor ou descobridor a patentear o segredo.18 A lei de 28 de agosto de 1830 expressava a aceitação do princípio do direito internacional de patentes. Porém esse reconhecimento limitava-se a reservar a introdução da máquina no Brasil ao próprio autor estrangeiro — ou seu representante, e à proibição de que outra pessoa o fizesse. A lei garantia o pagamento de um prêmio pela introdução da inovação estrangeira no Brasil. A partir desse pagamento ao inventor, a lei não lhe assegurava no país os mesmos direitos de inventor ou patenteador que reservava aos detentores de patentes de origens nacionais. Dessa forma, a lei brasileira confirmava a patente estrangeira na medida em que apenas ao seu detentor era facultado trazer a invenção para o país. Mas não proporcionava ao inventor estrangeiro o gozo dos mesmos direitos de privilégio exclusivo obtidos no país que reconheceu sua patente. Isso significava que a máquina já patenteada no estrangeiro era tratada no Brasil como um “bem” como outro qualquer e não como um invento, um objeto de privilégio industrial. Quando o inventor estrangeiro optava por trazer sua “indústria útil” para o Brasil, fazia jus a um prêmio pela introdução. Em troca, o Estado repassava a toda a sociedade o direito de utilização da inovação. Na prática, o dispositivo legal parecia funcionar como um incentivo ao detentor da patente estrangeira para que o invento ou inovação viesse a ser popularizado no país. Dessa forma, a lei facilitava que inovações estrangeiras fossem introduzidas e sua tecnologia pudesse ser assimilada de imediato no Brasil.19 94 Outra característica da lei de 1830 é a proteção explícita ao inventor ou melhorador, inclusive penalizando os imitadores, e a abertura de um mercado para as patentes: Art. 7 . O infractor do direito de patente perderá os instrumentos e productos, e pagará além disso uma multa igual à décima parte do valor dos productos fabricados e as custas, ficando sempre sujeito à indenização de perdas e damnos. Os instrumentos, e productos e a multa, serão applicados ao dono da patente. Art. 8 . O que tiver uma patente, poderá dispor della, como bem lhe parecer, usando elle mesmo, ou cedendoa a um, ou a mais. Art. 9 . No caso de se encontrarem dous, ou mais, nos meios, por que tenham conseguido qualquer fim, e coincidindo ao mesmo tempo em pedir a patente, esta se concederá a todos.20 Entretanto, à proteção exclusiva dos direitos de autoria cabiam também as exigências do uso do benefício: Art. 10 . Toda a patente cessa, e é nenhuma: 1 Provando-se que o agraciado faltou à verdade, ou foi diminuto, occultando materia essencial na exposição, ou declaração, que fez para obter a patente. 2 Provando-se ao que se diz inventor, ou descobridor, que a invenção, ou descoberta, se acha impressa, e descripta tal que elle a apresentou, como sua. 3 Se o agraciado não puzer em prática a invenção, ou descoberta, dentro de dous annos depois de concedida a patente. 4 Se o descobridor, ou inventor, obteve pela mesma descoberta, ou invenção, patente em paiz estrangeiro. Neste caso porém terá, como introductor, direito ao prêmio estabelecido no artigo 3. 95 5 Se o gênero manufacturado, ou fabricado fôr reconhecido nocivo ao público, ou contrário às leis. 6 Cessa também o direito de patente para aquelles, que antes da concessão della usavam do mesmo invento, ou descoberta.21 O artigo 10o demonstra uma política definida de fomento às invenções. Nesse sentido, o prazo de dois anos para o agraciado pôr em prática sua invenção ou descoberta, sob pena de perda dos direitos de patente, enfatiza o quanto o Estado imperial induzia a efetiva materialização das invenções. Mesmo nos dias atuais, um prazo como esse seria, em muitos casos, diminuto para a construção de inventos. Ainda quanto às patentes estrangeiras, o parágrafo 4 do artigo 10o mostra que o reconhecimento de patentes já garantidas em outros países limitava-se, no Brasil, à proteção para que o mesmo invento não viesse a ser patenteado por outrem contra a vontade do patenteador estrangeiro. Ou seja, ao trazer seu invento para o Brasil, o inventor estrangeiro recebia apenas o prêmio pela introdução e o seu invento caía em domínio público imediato. Cabe notar que, de uma forma clara e objetiva, a lei de 1830 reconhecia a patente de invenção ou melhoramento de “indústria útil” como uma propriedade privada de seu inventor ou patenteador. Isso adquire maior importância quando se constata que a institucionalização da privatização da propriedade dos inventos industriais se dá nos primeiros anos do Estado brasileiro, dentro de uma formação econômico-social escravista. No que diz respeito à produção de máquinas para a atividade cafeeira, embora desde a vigência do alvará de 1809 o Estado favorecesse a prática da invenção, os documentos indicam que as primeiras aparições de máquinas ocorreram em decorrência da isenção de impostos de importação de “máquinas úteis”, promovida pelo mesmo alvará. 96 Nesse caso, os europeus residentes que vinham “fazer a América” traziam senão informações sobre máquinas específicas, pelo menos um nível de “cultura técnica” mais abrangente, que lhes permitia adaptar seus conhecimentos ao trato das primeiras safras do café. O primeiro desses registros encontrados foi um requerimento à Real Junta do Commércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, pelo qual, em 1821, o francês Luis Lecesne, plantador de café no Sítio da Tejuca, “mandou vir da França tres diferentes máquinas de nova invenção para o mesmo objecto, por não-as haver nesta Cidade, nem tão pouco quem as fizesse [...], vindas de Brest na fragatta franceza Clorinda[...]”22. O súdito de origem francesa solicitava de seu soberano a isenção de tarifas das máquinas, sendo duas para debulhar café ou também outra matéria crasa (que se aproxime em tamanho) acompanhando as mesmas um ventilador para limpar o grão das cascas, cada huma das máquinas vão movidas a mão e facilitão o trabalho de seis pessoas empregadas por o methodo comum.23 Na verdade, o que o Sr. Lecesne importava eram máquinas de uso para beneficiamento de produtos agrícolas em geral já em uso na Europa, a fim de utilizá-las com o café em sua plantação no Rio de Janeiro. Quanto ao movimento dessas máquinas “movidas à mão”, tal método reflete o patamar técnico da produção agrícola européia do fim do século XVIII e primeira metade do século XIX, em que, apesar do avanço da energia a vapor no meio industrial, o chamado “methodo comum” pelo francês o era também na Europa, qual seja o uso de pilões manuais e, em alguns casos mais avançados, movidos por força animal, hidráulica ou eólica. Por isso, as máquinas que 97 importava, ainda que manuais, representavam juntas uma economia de trabalho de seis pessoas.24 O primeiro privilégio concedido pelo alvará de 1809 a um invento para café ocorreu em julho de 1822. Embora o alvará previsse uma duração de quatorze anos, foi concedido um exclusivo de apenas 5 anos a Luiz Louvain e Simão Clothe para [...]machina para descascar café, a qual além de ser inteiramente própria da invenção dos suplicantes produz todo o bom resultado [...] pela perfeição com que descasca o café sem lhe quebrar o grão, ou seja, pela brevidade, e economia, e simplicidade do trabalho [...] que se bem está construída para ser trabalhada por hum homem, he suscetível de machinismo próprio para ser movida ou por hum animal, ou por ágoa.25 Na falta de uma forma sistematizada por lei para avaliar a invenção, a máquina foi examinada pelo “artista” Gaspar José Marques, cujo parecer descreve assim a invenção: das de construcção de moinhos ou galgas horizontaes, com a inovação de suas superfícies serem dadas em huma figura cônica de 25 graus 30 min de inclinação sobre seu diâmetro, isto para melhor espidição da matéria[...] 26 Ainda que não se tenha detalhes técnicos sobre a construção das máquinas importadas da França por Lecesne, é necessário notar que há entre elas vários pontos em comum com a de Louvain e Clothe. Em primeiro lugar a preocupação com a rapidez e com a economia de trabalho e — como seria de se esperar — com a qualidade do café. Em segundo lugar, salta aos olhos a versatilidade com que a máquina brasileira fora dotada, podendo ser movida manualmente ou ainda ser acoplada a mecanismos para ser movida por animal ou por água. 98 A tendência pelo acoplamento de máquinas a mecanismos hidráulicos era uma solução em andamento nos países em desenvolvimento industrial dotados de recursos hídricos naturais. Mesmo na Inglaterra não houve um aproveitamento industrial da energia da máquina a vapor em larga escala antes do século XIX, como afirma R. J. Forbes.27 Por outro lado, Louvain e Clothe — não há indicação de suas nacionalidades, mas é certo que residiam no Brasil — inovaram, e não inventaram, um antigo moinho de amplo uso agrícola e doméstico desde a Idade Média,28 visto os ajustes na angulação das mós estarem voltados às especificidades do grão de café. Então, vale dizer que, no ínicio da produção cafeeira do Sudeste brasileiro, as máquinas importadas continham relativo atraso tecnológico quando confrontadas com aquela aqui inovada. Após a aprovação da lei de patentes de 1830, a primeira petição de privilégio para máquina de café data de 1835.29 Ainda que Cruz e Tavares a tenham anotado como a primeira patente do tipo, não há indícios de que o privilégio tenha sido concedido, pois não houve decreto governamental sobre a matéria neste ano, como seria a praxe.30 Entretanto, consta nos documentos da Real Junta do Commércio, Agricultura, Fábricas e Navegação — o que causa estranhamento, pois de 1830 a 1860 a matéria esteve no âmbito do Ministério dos Negócios do Império — o processo de privilégio para João Guilherme Nhewes, “de nação alemã, que servindo-se de sua indústria, inventara huma maquina, pela qual, com o trabalho de hum só homem, se limpão e preparão de quarenta a cincoenta arrobas de café por dia”31. O autor requeria, em 1835, um privilégio por 10 anos. Nesse invento, deve-se atentar para a preocupação com a economia de mão-de-obra e incremento à produtividade: 40 a 50 arrobas equivalem a 600 a 750 quilos de café, ou 10 a 12 sacas por dia, com apenas um trabalhador! 99 Em 1849, o decreto no 645, de 27 de outubro, atendia à representação de Fructuoso José Coelho, “pedindo privilégio exclusivo para só elle poder construir machinas [...] a qual serve para despolpar o café, e extrahir-lhe o succo, que póde ser aproveitado para d'elle se fazer aguardente, vinagre e assucar [...]”32. Nesse caso, foi concedido o privilégio por oito anos, mas não é sabido se a máquina chegou a ser fabricada e se os produtos da polpa do café chegaram à comercialização. Em 21 de dezembro de 1850, o decreto 746, o segundo de concessão de patentes de máquina de café desde a lei de 1830, concedia a Roberto João Ripper de Castro privilégio exclusivo por dez annos para o fabrico e venda de uma machina de sua invenção, pela qual, e por meio da força de dois homens, se consegue descascar, abanar e brunir oitenta arrobas de café em dez horas. 33 Mesmo sem o exame dos documentos desses processos de patentes — o Arquivo Nacional possui os processos de 1873 a 1910 —, é possível destacar alguns pontos fundamentais para o exame do que será mais bem explorado neste trabalho: o gradativo aparecimento de novos inventos, à medida que se intensificam as plantações e os negócios com o café e o grau de identificação dessas inovações em relação aos problemas técnicos vivenciados nas fazendas. No referido decreto 746, foi dada concessão por um período de dez anos, ou seja, metade do tempo máximo permitido pela lei vigente. Isso pode sinalizar a vontade do governo de popularizar a fabricação da máquina, devido à importância relativa que a produção do café vinha adquirindo no conjunto dos produtos agrícolas nacionais na metade do século passado. 100 Segundo Beauclair, “uma maior confiança no destino do café e no seu papel de reforçar a articulacão da economia do país ao comércio internacional parece aflorar mais nitidamente na década de 1850/60”.34 Uma década é tempo demais para se preservar um segredo quando há interesse em divulgá-lo o mais rápido possível. Assim, pode-se inferir pelo tempo de privilégio concedido a Roberto Ripper de Castro que ainda não havia um consenso, em 1850, quanto à necessidade de aumentar a produtividade e melhorar a qualidade do café brasileiro. Ficou reservada à machina inventada por Ripper de Castro o mesmo papel desempenhado por aquela patenteada por Louvain e Clothe em 1822: ambas iniciaram uma prática de patenteamento de invenções e aperfeiçoamentos em máquinas de beneficiar café que se consolidaria nas décadas seguintes no Brasil. Representativa da transição de um beneficiamento rudimentar com utilização de mão-de-obra escrava para um beneficiamento mecanizado, sob o prisma tecnológico, a invenção de Ripper racionalizava sobre os métodos antigos ao conjugar numa só máquina tarefas essenciais ao tratamento — descascamento, ventilação e brunimento — de 80 arrobas (1.200 kg) de café em dez horas, com o trabalho de apenas dois homens. Vale lembrar que toda essa racionalização da produção do café se dava em uma sociedade predominantemente escravista. A lei 3.129, de 14 de outubro de 1882, regulamentada pelo decreto 8.820, de 30 de dezembro do mesmo ano, foi a segunda lei brasileira de patentes. Em relação à legislação anterior, a nova lei surgia num momento de maior complexidade das técnicas e também das relações político-econômicas internacionais. Desde novembro de 1880 estava instalada na França a chamada Convenção Universal de Paris, com a finalidade de discutir e formular uma legislação internacional de proteção à propriedade industrial. O Império do Brazil 101 uniu-se a ela em 1881, advindo daí uma lei mais específica em seu detalhamento que a lei anterior.35 Seu primeiro artigo já enfatizava a garantia ao autor: “Art. 1 A lei garante pela concessão de uma patente ao autor de qualquer invenção ou descoberta a sua propriedade e uso exclusivo”.36 O mesmo artigo também definia o que se entendia por invenção ou descoberta. Considerava, para efeito de proteção: 1o - invenção de novos produtos industriais, 2o - invenção de novos meios ou a applicação nova de meios conhecidos para se obter um producto ou resultado industrial, 3o - o melhoramento de invenção já privilegiada, se tornar mais fácil o fabrico do producto ou uso do invento privilegiado ou se lhe augmentar a utilidade.37 Vale a pena ressaltar o que o texto da lei expressava como novos: [...] os produtos, meios, aplicações e melhoramentos industriais que até o pedido da patente não tiverem sido, dentro ou fóra do Império, empregados ou usados, nem se acharem descriptos ou publicados de modo que possão ser empregados ou usados.38 Com esse texto, a lei reiterava o reconhecimento das patentes estrangeiras. Garantia ainda o uso público no Brasil daquelas inovações industriais já conhecidas mas não protegidas por leis de patentes em outros países, não permitindo a apropriação de seus direitos por particulares. Para os requerimentos de invenções com patentes estrangeiras, a lei reservava um período de até sete meses de prioridade para que o inventor estrangeiro requeresse os direitos também no Brasil. Isso representou uma explicitação considerável da política brasileira com patentes estrangeiras, que a lei de 1830 não continha. 102 Não é demais reproduzir o artigo 2o: Os inventores privilegiados em outras nações poderão obter a confirmação de seus direitos no Império, contanto que preenchão as formalidades e condições desta lei e observem as mais disposições em vigor applicáveis ao caso. A confirmação dará os mesmos direitos que a patente concedida no Império. Parágrafo 1- A prioridade do direito de propriedade do inventor que, tendo requerido patente em nação estrangeira, fizer igual pedido ao governo imperial dentro de sete mezes, não será invalidada por factos, que occorrão durante esse período, como sejão outro igual pedido, a publicação da invenção e o seu uso ou emprego.39 Por outro lado, a patente estrangeira vigoraria no Brasil enquanto gozasse de privilégio exclusivo em sua nação de origem até o máximo de 15 anos, caindo em domínio público ao mesmo tempo no Brasil. Para conferir seu ineditismo no julgamento do mérito da patente, além da declaração do autor, a análise do processo de petição da concessão levava em conta o universo das invenções e publicações no Brasil e nos demais países. A preocupação com possíveis patenteamentos fraudulentos foi sanada, em parte, pela possibilidade aberta pela própria lei (artigo 5o, parágrafo 3) a “qualquer interessado” que quisesse promover ação de nulidade de patente já concedida. Nesse caso, o decreto 8.820, de 30 de dezembro de 1882, que regulamentou a Lei 3.129, em seu artigo 54, parágrafo 2, era mais explícito, ao considerar “interessados” [...] os inventores, os seus legítimos representantes, cujos direitos sejão offendidos pelo privilégio concedido, e qualquer pessoa com capacidade civil que se julgue prejudicada como consumidor dos produtos da indústria privilegiada.40 103 É interessante também salientar que a possibilidade aberta à ação de nulidade da patente funcionava como um mecanismo de vigilância da sociedade para com o uso efetivo da concessão, uma vez que o inciso 1o do parágrafo 2o do mesmo artigo 5o da lei de 1882 previa qu,e num tempo máximo de três anos, o patenteador que não fizesse “uso efectivo da invenção” ou que interrompesse esse “uso efectivo” por período superior a um ano, salvo por motivo de força maior julgado pelo Conselho de Estado, perderia seus direitos. Importa frisar que por “uso efectivo” definia a lei não só “o exercício da indústria privilegiada” como também “o fornecimento dos produtos na proporção do seu emprego ou consumo”41. A mesma lei de 1882, no inciso 2o do parágrafo 2o do artigo 5o, afirma que: Provando-se que o fornecimento dos productos é evidentemente insufficiente para as exigências do emprego ou consumo, poderá ser o privilégio restringido a uma zona determinada por acto do governo, com approvação do poder legislativo.42 Fica, dessa forma, evidenciada a tentativa do Estado de atribuir um caráter social às invenções, não apenas em relação ao súdito comum do Império ou ao inventor, mas também em relação às exigências das demais indústrias dependentes do fornecimento dos produtos oriundos de determinada invenção patenteada. O estatuto legal explicitava ainda: produto — significa o objeto material obtido resultado — quer dizer a vantagem obtida na producção ou operação industrial relativamente à 104 qualidade, quantidade e economia de tempo ou de dinheiro meio — exprime o processo, a combinação chimica ou mechanica, a maneira de empregar os agentes naturaes ou artificiais e as substancias ou materias conhecidas. applicação — é o facto de dar-se a qualquer agente, substancia ou matéria conhecida um uso novo. melhoramento — é o que torna mais fácil o fabrico do producto, ou o uso do invento privilegiado, ou lhe augmenta a utilidade. novo — entende-se que é o producto, o resultado, o meio, a applicação, ou o melhoramento, enquanto não fôr, dentro ou fóra do Império, empregado, ou usado, nem se achar descripto e publicado de modo que possa ser empregado ou usado. industrial — é o que apresenta resultado apreciável na indústria e no commércio.43 Convém realçar que ficavam mantidas as cláusulas de desapropriação das patentes consideradas de utilidade pública. Entretanto, o prazo máximo de exclusividade foi reduzido a “até 15 annos”, ficando o tempo de privilégio dado ao melhoramento de invenção feito pelo próprio autor restrito à duração da patente que originou o melhoramento. Isso permitia colocar em domínio público invenções já revistas pelos próprios autores, a um só tempo. Nesse caso, a lei reservava o primeiro ano em vigor da patente aos melhoramentos feitos pelo seu autor, abrindo os anos posteriores às adaptações de outrem. Os inventores de melhoramentos privilegiados nesse último caso eram forçados a aguardar até expirar o prazo de privilégio da invenção original para gozarem de seus direitos, salvo se houvesse acordo explícito com o autor da invenção original.44 Quanto às despesas do patenteamento, a lei de 1882 estabeleceu uma fórmula progressiva para que o Estado taxasse os privilégios concedidos: 105 além das despesas e dos emolumentos que forem devidos, os concessionários de patentes pagarão uma taxa de 20$ [vinte mil-réis] pelo primeiro anno, de 30$ pelo segundo, de 40$ pelo terceiro, augmentando-se em $10 em cada anno que se seguir sobre anuidade anterior por todo o prazo do privilégio. Em caso nenhum serão restituídas as anuidades.45 Por essa fórmula o inventor privilegiado por 15 anos pagaria 160$ na última anuidade. Além disso, o parágrafo 5o do artigo 3o estabelecia que ao inventor privilegiado que melhorar a própria invenção se dará certidão de melhoramento, o que será apostilado na respectiva patente. Por esta certidão pagará o inventor por uma só vez quantia correspondente à anuidade que tenha de vencer-se.46 Pode-se inferir que sobre a patente do melhoramento continuariam incidindo as anuidades seguintes, até a expiração do prazo, o que dobrava as despesas dos autores originais. Aos inventores de melhoramentos em patentes alheias, incidiriam as mesmas anuidades, sem que pudessem gozar dos privilégios antes de expirar a patente original. Já o inciso 3o, do parágrafo 2o do artigo 5o previa a caducidade da patente “não pagando o concessionário a anuidade nos prazos da lei”. Tais medidas podem ter funcionado como um instrumento para que os inventores menos possuídos vendessem seus direitos a pessoas ou empresas com maiores possibilidades de pô-los em prática. Quanto às especificidades da lei em relação à proteção ao inventor, as penalidades infringidas eram também de monta: [...] Os infractores do privilégio serão punidos, em favor dos cofres públicos, com a multa de 500$ a 106 5:000$ [quinhentos mil-réis a cinco contos de réis]; e em favor do concessionário da patente, com 10 a 50% do damno causado ou que poderão causar.47 Outro ponto importante das garantias ao autor era a possibilidade de negociar ou ceder seus direitos de qualquer forma prevista pela legislação comercial vigente no Império, ou ainda dá-los ou deixá-los em usufruto. Nesse último caso, ao extinguir-se o usufruto ou expirar a patente, o detentor do usufruto da patente era obrigado pela lei “a dar ao senhor da sua propriedade o valor em que esta fôr estipulada, calculada com relação ao tempo que durar o usufructo”48. Esse dispositivo pode ter funcionado de forma a amenizar o impacto das despesas com as patentes para os inventores menos providos de cabedais, que, cedendo a outrem seus direitos, viam-se livres dos encargos e em melhores condições de ver seus inventos serem construídos, gerando-lhes um ressarcimento futuro. Deve-se também atentar para o fato de que, pelo reconhecimento da patente como um bem cuja propriedade era regulamentada pelo Código Comercial vigente, o Estado imperial, escravista e de base política majoritariamente ligada à agricultura, estabelecia uma política privacionista em relação à propriedade industrial. Em seção específica, será mostrado que muitos inventores nacionais atuavam em conjunto com firmas como a Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo, que aparecem nos registros como procuradores do inventor. Em algumas fontes, essas empresas constam como industriais e comerciantes das máquinas. Essas observações são feitas com base na pesquisa nos anúncios de máquinas na grande imprensa, já que a lei de 1882, em seu artigo 6o, parágrafo 6o, inciso 3o, estipulava multa de $100 a $500[cem réis a quinhentos réis] para 107 os inventores privilegiados que, em prospectos, anúncios, letreiros ou por qualquer modo de publicidade fizerem menção das patentes, sem designarem o objeto especial para que as tiverem obtido.49 Dessa maneira, foi possível identificar na publicidade pesquisada alguns indícios de vínculos entre inventores e fabricantes das invenções patenteadas. Além de trabalharem visando ao mercado de máquinas de benefíciamento do café, muitos inventores criavam máquinas de beneficiar diversos outros produtos, atendendo inclusive a mercados de fora do Brasil. Esse foi o caso das Machinas de Arroz Engelberg. Separadores e ventiladores de arroz. Fabricação da Companhia Mechânica e Importadora de São Paulo. Estas machinas, já muito conhecidas, trabalham com a maior perfeição e produzem grande quantidade. Grande reducção de preços [...] 50 Mantendo as disposições da lei de 1830, o artigo 2o da lei de 1830 era categórico: as invenções contrárias à moral, ofensivas à segurança pública ou nocivas à saúde não poderiam ser objeto de privilégios.51 A mesma lei também estebelecia a realização de um exame prévio da documentação depositada, quando parecesse que a matéria envolvia as categorias interditadas ou ainda quando se tratasse de produtos alimentares, químicos ou farmacêuticos. Porém a lei só era clara quanto ao exame prévio com relação às invenções não passíveis de patenteamento. Em relação às máquinas e outros artefatos, a lei de 1882, tanto quanto a de 1830, era omissa. Contudo, em que pese a falta de regulamentação específica, as petições de privilégios industriais feitas ao governo imperial eram previamente analisadas pela Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional (Sain), cabendo às suas diversas seções emitir pareceres sobre as petições, que seriam depois acatados 108 pelo Ministério da Agricultura, Commércio e Obras Públicas. Tal participação da Sain demonstra a influência das associações civis criadas no bojo da administração do Estado imperial. De acordo com a regulamentação da lei (artigo 31, incisos 1o, 2o e 3o), eram competentes para o exame: a Procuradoria da Coroa, Soberania e Fazenda Nacional, a Junta Central de Hygiene Pública, as escolas Polytéchnicas, de marinha, militar, a faculdade de medicina da corte e quaisquer repartições públicas , representadas por seus directores ou chefes, que forem designadas pelo Ministro da Agricultura, Commércio e Obras Públicas, conforme a espécie de invenção e o resultado práctico que se trate de verificar.52 Até aqui não havia qualquer referência à participação de sociedades civis no exame prévio dos inventos. Entretanto, os artigos 39 a 43 da lei regulamentar, que tratavam das formalidades após a concessão da patente, previam que o privilegiado seria convidado através do Diário Oficial a assistir à abertura dos envólucros e satisfazer as despesas devidas na presença do Diretor do Archivo Público e do Diretor de Comércio do referido ministério.53 Realizados esses procedimentos, o relatório do inventor seria publicado no Diário Oficial e um dos exemplares dos desenhos, plantas, modelos ou amostras, exposto no archivo por 15 dias ao exame do público e ao estudo dos interessados, permitindo-se que estes tirem ou fação tirar cópias por pessoas habilitadas, sem damnificação dos originaes e no local da exposição.54 109 Mas isso não significava que o processo de patenteamento houvesse chegado a termo. Nesse ponto, ainda no decreto regulamentar, o Artigo 44 era sutil, ao prever que no caso de não ter havido exame prévio e secreto, o governo, publicado o relatório, ordenará a verificação dos requisitos e condições que a lei exige para a validade do privilégio, procedendo-se pelo modo estabelecido para aquelle exame e podendo a verificação ser confiada a outros profissionais ou peritos que o mesmo governo julgue idôneos, conforme a natureza da invenção.55 Esse artigo do regulamento da lei de patentes de 1882 abria uma possibilidade de ingerência da Sain na política de privilégios industriais do Estado imperial. Confirmava-se na nova lei a prática adotada pelo Estado na apreciação das petições de privilégios à margem da legislação de 1830.56 Na verdade, o exame prévio corriqueiro dos pedidos de privilégio para as máquinas de beneficiar café era uma demanda antiga tanto dos membros da Sain quanto dos próprios inventores já estabelecidos industrialmente. Antiga também era a demanda por uma legislação mais clara e atualizada quanto ao patenteamento de invenções estrangeiras. Nesse caso, à falta de matéria legal reguladora desde a lei de 1830, fora adotado um procedimento padrão, envolvendo desde as autoridades consulares brasileiras até a Sain. Um bom exemplo da saída prática para a omissão da lei de 1830 é o pedido de concessão de privilégio feito em 1878 por F. Schmid Schertlen & Comp., representando o inventor venezuelano José Antonio Mosquera. No documento, o requerente era categórico: Tem por fim esta petição obter o reconhecimento neste Império da patente de privilégio de José Antonio Mosquera, obtida na Inglaterra, para a construcção e venda de machinas de beneficiar café. Essas machinas 110 são construídas presentemente na Inglaterra pela companhia denominada Coffee Plater’s Machinery Comp. - Mosquera’s Patent.57 F. Schmid Schertlen e Comp. esclareciam ainda a maneira como a necessidade prática em face da conjuntura política e tecnológica criara, no bojo do próprio Estado, uma situação de fato: A petição está devidamente acompanhada pela procuração do inventor, [...] tudo visado pelas autoridades consulares deste Império [...] Cumprida assim a praxe estabelecida para o reconhecimento neste Império das patentes de privilégio, concedidas por Governos estrangeiros, [...] seja reconhecida a patente de privilégio [...] a terminar no Brazil no mesmo prazo que a patente inicial na Inglaterra, salvo os detalhes já conhecidos e privilegiados neste Império.58 Os pareceres das seções da Sain demonstravam sua influência crescente nas decisões sobre patentes, num momento em que o patenteamento de novas técnicas e máquinas de dentro e de fora do Império representava o que havia de mais moderno no mundo civilizado. Os pareceres da Secção de Machinas e Apparelhos eram sempre enfáticos na crítica à guarda pura e simples das descrições técnicas dos inventos. Ainda em 1878, ao julgar um pedido de privilégio de Morris e Stockman sobre uma máquina de beneficiar café, foi registrado que a informação, que deve dar a Secção de Machinas e Apparelhos da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, lhe é absolutamente impossível informar sobre o que se acha fechado, lacrado e depositado na Archivo Publico. [...] É na verdade, sabido que o maior número de privilégios existentes neste Império versa sobre máquinas de café, que os inventores seguem apenas tres ou quatro tipos fundamentais; de modo que é preciso muita atenção e 111 sério estudo para diferenciar os detalhes característicos de cada patente de privilégio.[...] Nestas circunstâncias, admitir o sistema de sigilo nas descrições e nos desenhos é suscitar conflitos e provocar fraudes, em detrimento dos inventores de boa fé, que foram privilegiados, apresentando francamente ao Governo Imperial descrições e desenhos de suas máquinas.59 Com efeito, tais críticas à lei de patentes de 1830 vinham de muito antes, e coincidiam com o período da realização das primeiras exposições nacionais e internacionais que se transformaram na moda entre os países considerados civilizados na década de 1860.60 No Brasil, o primeiro desses certames industriais teve lugar em fevereiro de 1861, no Largo de São Francisco, na Corte: era a Primeira Exposição da Indústria Nacional Brasileira.61 Dezessete anos após, e depois de o Brasil ter montado stands com seus principais produtos em várias exposições universais na Europa e Estados Unidos, a Sain criticava em suas plenárias a legislação de propriedade industrial vigente. Na sessão de novembro de 1878, por exemplo, o assunto foi debatido após um pronunciamento do Dr. José Pereira Rego Filho, secretário-geral da Sociedade. O Auxiliador publicou que seu dirigente afirmara na ocasião que: [...] o desenvolvimento que vai tomando a iniciativa individual pede garantias solenes ao direito de propriedade pouco ou nada amparado até hoje; que a lei de 28 de agosto de 1830, que regula a matéria da concessão de privilégios, não satisfaz as exigências da atualidade; pede reforma pensada, porem pronta; [...] que desde 1862 esta sociedade reclama com todo o empenho seu estudo e modificação radical, julgando-a incompatível com os interesses dos industriais, não oferecendo-lhes a menor proteção.62 Ao que parece, o Dr. Rego Filho vinha fazendo solicitações pela mudança da lei de patentes ao governo e ao parlamento desde que assumira a secretaria- 112 geral da Sain, doze anos antes. Nesses expedientes, procurava sempre mostrar os embaraços e irregularidades contidos na lei de 1830, considerada obsoleta quanto às questões de privilégios que se apresentavam mais de quarenta anos após sua aprovação. Na plenária de novembro de 1878, a entidade julgou ser seu dever continuar insistindo na mudança, inclusive empregando “todos os esforços a seu alcance para dotar o paiz com leis, cuja equidade, fortaleza e doutrina, representem os interesses legítimos da actualidade”63. Não por coincidência, na mesma sessão, o Dr. Hargreaves, membro da Secção de Machinas e Apparelhos e também inventor e fabricante de aparelhos de beneficiamento de café, lembrou a conveniência de que um projeto de reformas da legislação de patentes partisse da própria Sain. Em sua opinião, a Sociedade deveria também propor outras questões emergentes daquele momento, tais como a “locação de serviços, questão de transcendente interesse”. Por voto unânime do conselho da Sain, a sugestão foi aprovada, com a indicação de que [...] se nomeasse uma comissão, a qual formulará o projecto que, depois de discutido, deve subir ao Poder Legislativo. O Sr. presidente nomeou membros dessa comissão os Srs. Drs. secretário geral, Rebouças e Hargreaves, ficando também a seu cargo o estudo da questão de locação de serviços.64 É evidente que o relacionamento entre as entidades de industriais e comerciantes é estreitado na discussão das leis e das políticas de comércio exterior e patentes. No caso da Sain, a mais influente dessas entidades até os primeiros anos da República, há também que se considerar o que fundamentava a sua existência: seu relacionamento simbiótico com o Estado imperial. Nesse sentido, análises mais aprofundadas mostram que, no Segundo Reinado, a 113 distinção entre a instância pública e a privada era muito mais tênue do que se supõe.65 Fundada em 1827, a Sain existiu até 1904, quando se fundiu com o Centro Industrial de Fiação e Tecelagem, originando o Centro Industrial do Brasil. De 1933 a 1937, este integrou-se às demais associações industriais estaduais e regionais na Confederação Industrial do Brasil para, a partir de 1938, transformar-se na Confederação Nacional da Indústria(CNI).66 O discurso proferido pelo fundador da Sain, Ignácio Alves Pinto de Almeida, “Fidalgo Cavalleiro da Casa de S. M. O Imperador do Brasil, seu Guarda Roupa, Deputado da Junta do Commércio, Commendador da Ordem de Christo, e Cavalleiro da Ordem de N. S. da Conceição, e Secretário da mesma Sociedade”,67 deixava clara a importância dada ao desenvolvimento da indústria brasileira: [...] Indústria considerada, ou como simples trabalhos manuaes, ou como invenção do espírito em machinismos úteis, he hum thesouro precioso de unnumeraveis benefícios porque applicada à sua cultura da Terra, às Manufacturas, às Artes, e ao Commercio, anima, e fertilisa tudo e por tudo espalha a abundancia, e a vida [...] 68 Entendendo por indústria a síntese dos principais ramos da economia nacional de então, “Invenção, Commércio, Indústria e Agricultura” formavam os pilares da Sain. Essas palavras se destacavam no diploma desenhado por Debret em 1829, para ser ofertado aos sócios da entidade recém-formada.69 Werneck da Silva problematizou que a Sain teria sido, em seus primeiros momentos, um grupo de pressão na sociedade escravista e agrário-exportadora. Isso, porém, teria sido logo depois mudado. À Sain coube, então, promover e auxiliar as forças produtivas no espaço geográfico da nação brasileira. A 114 Sociedade via a indústria como sinônimo de artes mecânicas ou úteis, tanto ligada ao comércio quanto à agricultura, com participacão ou não de máquinas.70 Porém, o mesmo autor entendeu que a Sain foi cooptada pelo Estado, pois recebeu ajuda financeira e se submeteu à aprovação dos estatutos pela provisão de 31 de outubro de 1825, sendo sua primeira diretoria legitimada pelo imperador através da portaria de 18 de julho de 1827.71 De fato, há muitos indícios do íntimo relacionamento da Sain com o governo imperial, desde sua fundação. É verdade que também o governo provia as verbas que sustentavam os projetos e ações da Sociedade, como o caso da portaria de 29 de Janeiro de 182,9 que ordena a compra de máquinas que seriam entregues à Sain, com dispositivo sobre “aquisição, arrecadação e conservação de máquinas, modelos e inventos adquiridos... [que] deveriam ser conservados e expostos ao público numa casa acomodada”, sob a responsabilidade da Sain, dentro de sua proposta original de difundir o uso destas no Brasil.72 Entretanto, seria impreciso definir a Sain como um simples apêndice do Estado. A entidade era formada, em grande parte, por intelectuais e homens ricos que não raramente ocupavam altos cargos no núcleo do próprio Estado.73 Além disso, a Sain também arrecadava recursos entre os seus sócios para a “aquisicão de máquinas e modelos próprios à indústria da nação, na construcão deles no próprio país, para o que seriam estabelecidas oficinas”. Em 1833, a Sociedade já possuía 90 máquinas diversas em exposição: de descascar café, de lavar ouro, de descaroçar algodão, de cortar capim, de tornear metais, e até de fazer cordas.74 Confirmando esse caráter difusor da modernização das técnicas, a Sain criou, no mesmo ano de 1833, um periódico mensal de circulação nacional, O Auxiliador da Indústria Nacional, ou Collecção de Memórias e Notícias interessantes, aos fazendeiros, fabricantes, artistas , e classes industriosas 115 do Brasil, tanto originaes como traduzidas das melhores obras que neste genero se publicão nos Estados Unidos, França, Inglaterra, etc.75 Com base na crescente importância da publicação, a Assembléia Geral aprovou a Lei 514 de 28 de outubro de 1848 do orçamento do império de 18491850, que trazia em seu artigo 14: “Fica o Governo autorisado a tomar tantas assignaturas do periódico mensal da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, quantas forem as Câmaras Municipaes do Império, às quaes será distribuído”76. Com base nessa lei, foi expedido o decreto 630, de 6 de agosto de 1849: Sendo o Governo autorisado [...] a tomar tantas assignaturas do Periódico Mensal da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional , quantas são as Câmaras Municipaes do Império, para ser por ellas distribuído o mesmo Periódico [...]: Hei por bem [...] Autorisar o Ministério e Secretaria d'Estado dos Negócios do Império a despender a quantia de dous contos trezentos e vinte e dous mil réis, correspondente a trezentos e oitenta e sete assinaturas do referido Periódico [...] 77 De acordo com o artigo 1o do estatuto de 1827, o objetivo central da Sain era “promover, por todos os meios ao seu alcance, o melhoramento e a prosperidade da indústria no Império do Brasil”78. Nunca é demais enfatizar que se entendia por indústria o conjunto das atividades fabris, agrícolas e comerciais. Para Van Der Weid, em seus primeiros tempos a Sociedade entendia que o motor da economia brasileira era a agricultura: aceitando a vocação agrícola do país, [...] se preocupava em promover a modernização da sua agricultura. As atividades comerciais e fabris, embora igualmente dignas de atenção, constituíam temas secundários.79 116 Segundo a autora, a Sain teve participação importante na gradual eliminação do tráfico e do trabalho escravo no Brasil, defendendo desde cedo a entrada da mão-de-obra européia: Ao lado destas soluções diretamente ligadas à mão-deobra, a Sain preconizava, como medidas para amenizar a carência de braços, a introdução de novos métodos de cultivo, bem como de modernas técnicas e instrumentos agrícolas. O tema da modernização da agricultura [...] ganhava nova dimensão. Fazia-se premente encontrar novos meios que possibilitassem uma economia de mãode-obra e um aumento da produtividade.80 A Sain funcionava também como órgão consultivo do governo imperial, principalmente no tocante ao exame dos processos de concessão de privilégios. Quanto a isso, aliás, a legislação vai se tornando mais clara à medida que a Sain consolida a sua influência no avançar do Segundo Reinado: pelo decreto 274,8 de 16 de fevereiro de 1861, a jurisdição onde atuava é transferida do Ministério dos Negócios do Império para a da Secretaria de Estado e Ministério dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, integrada no âmbito da Diretoria Central, à qual cabia “a concessão de patentes de invenção e melhoramento de indústria útil, e a de prêmios para introducão de indústria estrangeira”.81 Com efeito, segundo o estatuto de 1855, havia na Sain várias seções especializadas, para auxiliar o governo com seus pareceres: a Seção de Agricultura, da Indústria Fabril, de Máquinas e Aparelhos, de Artes Liberais e Mecânicas, do Comércio e Meios de Transporte, de Geologia Aplicada e Química Industrial e de Melhoramentos das Raças Animais.82 Werneck da Silva viu a Sain como uma instituição semi-estatal, com uma estrutura capaz de pôr em prática toda uma política industrial que interessava aos setores em ascensão na economia brasileira. Isso se concretizou nas inúmeras 117 exposições provinciais e nacionais de artefatos e produtos agrícolas. Segundo o autor, na conjuntura de 1871 até 1877, a Sain se qualificava como um organismo intermediário, na confluência da sociedade civil e da sociedade política, com características semi-governamentais, semi-oficiais e semi-públicas. Não era, certamente, um grupo de pressão ou um grupo de interesses organizados, mas podia ser (e muitas vezes foi) instrumento de pressão de grupos de interesses organizados, como aqueles que se representavam no bloco do poder, definido em meados do século XIX e modificado no decorrer das suas 3 últimas décadas. 83 Nesse sentido, os “grupos de interesses organizados”, como diz Werneck da Silva, podem ser relacionados com aqueles ligados à economia agrícola de exportação, interessados em construir uma alternativa tecnológica para os métodos de trabalho ultrapassados e para os problemas com a reposição da mãode-obra escrava em vias de extinção. Como grupos tradicionalmente representados no “bloco do poder”, os grandes produtores agrícolas brasileiros viam também na Sain um instrumento formal de atuação política com discurso tecnicista, capaz de emprestar-lhes o verniz modernizante de que tanto careciam, uma vez que transitavam do universo colonial de base escravista para uma produção racionalizada em bases capitalistas, sem desvincular-se do núcleo do Estado. Por outro lado, da Sain participavam muitos empresários de negócios urbanos. Honorato dá o tom desse “grupo de interesses organizados”: participando, também, da vida política, a burguesia em formação, embora sem hegemonia, pressionava o Estado para o atendimento de suas demandas, que eram atendidas, desde que isto não representasse uma cisão no 'bloco histórico' do período.84 118 Uma das formas de atendimento a essas demandas ocorreu com a montagem de um arcabouço jurídico sofisticado, coerente com o que existia de mais avançado no capitalismo central.85 Ilustrativo foi o projeto de lei preparado pela Seção de Máquinas e Aparelhos da Sain e enviado à Assembléia Geral pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas em 1874, sobre privilégios de invenção, baseado na legislação em vigor nos Estados Unidos da América. Segundo Werneck da Silva, por esse projeto seriam concedidos privilégios industriais a qualquer arte nova, qualquer máquina, qualquer gênero de manufatura, qualquer composicão de substância, qualquer indústria ainda não conhecida ou praticada no país, qualquer melhoramento útil e importante em invento já privilegiado e tudo enfim que puder satisfazer qualquer necessidade real ou fábrica fictícia do homem.86 Mas o autor adiantou que logo alertava (a Sain) para não traduzir mal este tão legítimo pensamento de progresso, dando força e vigor àqueles que entendiam que progredir era aproveitar só o que fosse mal, imitando e copiando, de um modo desgraçado, o que se passava nos outros países.87 Com esta digressão, desejou-se mostrar que desde a instalação da Corte portuguesa até a vigência da lei de patentes de 1882, o Estado brasileiro incentivou a introdução e a invenção de “máquinas úteis” no país, visando a desenvolver atividades econômicas. Tal política teve início com a isenção de impostos de importação de máquinas e com a instituição de loterias para financiar “indústrias” locais. 119 Com a independência, esses procedimentos continuaram no Primeiro Reinado e na Regência, demonstrando que, nos primeiros anos de soberania, o Estado brasileiro priorizou a atividade criadora, dotando-a de uma legislação específica, antes que muitos países consolidados o fizessem. Isso vem demonstrar o grau de interesse do Estado brasileiro em trazer os resultados do progresso científico-tecnológico que se processava na Europa, tomando sua entrada no país como fator estratégico. A lei de 1830 favoreceu o surgimento das invenções “úteis” e, à medida que se ampliava a lavoura cafeeira para exportação, a atividade criadora foi beneficiada pelo surgimento de máquinas inventadas ou adaptadas para beneficiamento, a partir das inovações existentes na Europa. Além da garantia dos direitos da patente nacional e estrangeira presente na lei de 1830, o Estado adotou também — através da Sain — uma estratégia de exibição pública de equipamentos importados, para que fossem copiados e empregados nas principais atividades produtivas. Isso acontecia num momento próprio, visto que as construções mecânicas daquele período continham menor grau de tecnologia “embutida” nos equipamentos, o que possibilitava sua cópia sempre que os componentes de madeira e metal pudessem ser reproduzidos em máquinas no Brasil. Porém, a partir da participação do Brasil nas exposições universais, quando o café já saltara para o topo da pauta de exportação, ficou demonstrado que a organização industrial e as construções mecânicas ficavam cada vez mais complexas. Atenta a esse processo, a Sain clamou por mudança radical na legislação de patentes, além de reivindicar para si maior participação nos rumos da política de patenteamento oficial. A lei de patentes aprovada em 1882 veio atender a essas expectativas, reiterando o direito de patentes estrangeiras, regulamentando a forma do processamento das petições e induzindo à fabricação dos inventos. 120 Em relação à legislação anterior, a lei de 1882 agilizou o patenteamento de invenções e aperfeiçoamentos. Confirmando a atuação da Sain no julgamento das petições de concessão de patentes, a legislação permitiu a continuidade da política de produção de máquinas de beneficiamento de café no país. Assim, a lavoura cafeeira exportadora — em expansão contínua — pode ser acompanhada de uma oferta de máquinas compatível com o aumento de sua produtividade. NOTAS 1 Trecho do jongo “Iá-Iá, você vai à Penha?”, música da cultura capixaba, executada pela maioria das bandas de congo do Espírito Santo. 2 Collecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1891. 3 Collecção das Leis do Brazil de 1809. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1891. 4 Ibid. 5 Ibid., art. VI. 6 Cruz, Hélio N. da e Tavares, Martus A. R. “As patentes brasileiras de 1830 a 1891”. Estudos econômicos. São Paulo, 16 (2): 205-225, mai/ago, 1986, p. 211. 7 Collecção das Leis do Império do Brazil de 1822. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1887. 8 A Lei de 1830, que tratou da regulamentação das patentes não possui número. É referida apenas pela data em que foi sancionada: 28 de agosto de 1830. Cf. Collecção das Leis do Império do Brazil de 1830. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1876. 9 Cruz, Hélio N. da e Tavares, Martus A. R. Op. cit., p. 211. 10 Collecção das Leis do Império do Brazil de 1830. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1876. 11 A respeito da utilização industrial da máquina a vapor há extensa bibliografia. Neste trabalho baseei-me, principalmente, em: Kemp, Tom. A Revolução Industrial na Europa do Século XIX. Lisboa, Edições 70, 1987; Landes, David S. Op. cit.; Hobsbawn, Eric. A era das revoluções (1789/1848). Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977; Katinsky, J. Op. cit., e Honorato, Cezar T. (Coord.) Clube de Engenharia, Brasil. São Paulo, Clube de Engenharia/Odebrecht, (no prelo). 12 Fernandes, F. Mudanças... Cap. 1, p. 68. 13 Collecção das Leis do Império do Brazil de 1830. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1876. 14 Ibid. 15 Arquivo Nacional. Inventário analítico ao acervo de privilégios industriais. Rio de Janeiro, 1993. 121 16 Cf. Le Bot, Marc. Pintura y maquinismo. Madrid, Catedra, 1979, cap. II. 17 Collecção das Leis do Império do Brazil de 1830. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1876. 18 Ibid. 19 Ibid. 20 Ibid. 21 Ibid. 22 Arquivo Nacional. Fundo Real Junta do Commércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 386. 23 Ibid. 24 A respeito do tema, consultar: Honorato, C. e Beauclair, G. “Niterói industrial 1834-1860”. In: Martins, Ismênia Lima. Revisitando a história de Niterói. Niterói, Funiarte/UFF (no prelo). 25 Arquivo Nacional. Fundo Real Junta do Commércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 385. 26 Ibid. 27 Forbes, R. J. “A energia até 1850”, in: Katinsky, J. Op. cit., p.88-89, afirma que: “Quando expirou a patente de Watt em 1800, havia 496 máquinas de Watt em serviço na Grã-Bretanha em minas, metalúrgicas, fábricas têxteis e cervejarias. Destas, 308 eram máquinas rotativas e 164 máquinas bombeadoras, enquanto 24 produziam jato de ar. Uma ou duas estavam na marca de 40 HP, mas a capacidade média era somente 15 a 16 HP e por isso não significativamente mais alta do que os moinhos de vento e as rodas d’água. [...] O desenvolvimento real da máquina a vapor em fonte principal de energia adveio entre 1800 e 1850. Nos primeiros tempos de Watt, a teoria nascente do calor teve certa influência no desenvolvimento da máquina a vapor, mas ainda não estava pronta para ajudar o cálculo certo de tais máquinas. [...]”. 28 A respeito dos moinhos de cereais, consultar: stowers, A. “Moinhos de água de 1500 a 1850”. In: Katinsky, J. Op. cit., pp. 133-154 e Bloch, Marc. “Advento e conquista do moinho d’água”. In: Gama, Ruy. (Org.) História da técnica e da tecnologia. São Paulo, T. A. Queiróz/Edusp, 1985. 29 Collecção das Leis do Império do Brazil do Anno de 1835. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1864. 30 Cruz, H. N. da e Tavares, Martus A. R. Op. cit., pp. 218-219. 31 Arquivo Nacional.Fundo Real Junta do Commércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Caixa 385. A documentação manuscrita deixa dúvidas quanto à grafia exata do sobrenome do autor. 32 Collecção das Leis do Império do Brazil do Anno de 1849. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1850. 33 Collecção das Leis do Império do Brazil do Anno de 1850. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1851. 34 BEAUCLAIR, G. Raízes... 35 Cf. Cruz, H. N. da e Tavares, M. A. R. Op. cit., p.212. 36 Lei 3.129, de 14 de outubro de 1882, apud O Auxiliador... 1883. pp. 10-11. 37 Ibid. 38 Ibid., pp. 10-11. Grifo meu. 39 Ibid., pp. 10-11. 40 Decreto 8.820, de 30 de dezembro de 1882, apud O Auxiliador... 41 Lei 3.129, de 14 de outubro de 1882, apud O Auxiliador... 42 Ibid. 43 Ibid. 44 Ibid. 45 Ibid. 122 46 Ibid. 47 Ibid. 48 Ibid. 49 Ibid. 50 Correio Paulistano, 04.07.1904, p. 4. 51 Lei 3.129, de 14 de outubro de 1882, apud O Auxiliador... 52 Decreto 8.820, de 30 de dezembro de 1882, apud O Auxiliador... Grifo meu. 53 Ibid. 54 Ibid. 55 Ibid. 56 A respeito das polêmicas entre os que defendiam políticas mais liberais e os que propunham leis mais protecionistas na Sain, a partir da década de 1870, ler: Centro industrial do Rio de Janeiro. Apontamentos para a história do Centro Industrial do Rio de Janeiro [por] Elizabeth von der Weid [e outros]. Rio de Janeiro, 1977. 64p. 57 O Auxiliador... 1979, pp. 3-4. 58 Ibid. Grifo meu. 59 O Auxiliador... ago/78. 60 A respeito das Exposições Universais na Europa e nos Estados Unidos e da participação do Brasil nesses eventos, consultar: Hardman, Francisco Foot. Trem fantasma. A modernidade na selva. São Paulo, Cia. das Letras,1988; Pesavento, Sandra J. Acertar o passo com a História: o dilema da modernidade brasileira no século XIX. Artigo apresentado no III Congresso Latinoamericano de História de la Ciencia y de la Tecnologia, s/l, s/d. 61 CNI: história e concretização do pensamento industrial (catálogo da exposição comemorativa do cinquentenário). Rio de Janeiro, CNI, 1988. Sobre as exposições nacionais ver também: Freitas Filho, Almir Pitta. “Tecnologia e escravidão no Brasil: aspectos da modernização agrícola nas Exposições Nacionais de segunda metade do século XIX (1861-1881)”. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, ANPUH/Marco Zero, vol. 11, no 22, mar/ago, 1991. 62 O Auxiliador... 1878. pp. 1-3. 63 Ibid. 64 Ibid. 65 Sobre o relacionamento do Estado com associações civis de caráter técnico e político, ler: Honorato, Cézar T. O polvo e o porto... e Silva, José Luiz Werneck da. Op cit. 66 CNI: história e concretização... 67 Ibid. 68 Ibid. 69 Ibid. 70 Silva, J. L. Werneck da. A Sain... 71 Ibid. 72 Ibid. 73 Baseio-me no conceito de “estado ampliado” proposto por Gramsci, composto pela sociedade política, pela sociedade civil (associações civis não públicas) e pela infra-estrutura. Cf. Gramsci, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1989. 74 Silva, J. L. Werneck da. Op. cit., p. 57. 123 75 CNI: história e concretização..., p.18. 76 Collecção das Leis do Império do Brazil de 1848. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1849. 77 Collecção das Leis do Império do Brazil de 1849. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1850. 78 Centro Industrial..., p.12. 79 Ibid. 80 Ibid., pp.15-16. 81 Silva, J. L. W. da. Op. cit., p. 93. 82 Ibid., p. 105. 83 Ibid., p. 94 . 84 Honorato, C. T. O porto..., p. 26. 85 Ibid. 86 Silva, J. L. W. Op. cit., p.102. 87 Ibid. OK 121 4 BALÕES DE ENSAIO: AS LEIS DE PATENTES E A CRIAÇÃO COMO OFÍCIO [...] ao meio-dia, almoçai tranquilamente com os vossos. Às duas horas, parti em balão. Dez minutos mais tarde não sereis mais um cidadão vulgar, sim um explorador, um aventureiro da ciência.1 A exemplo do ocorrido na aerostação, em que Santos Dumont uniu sua prática em mecânica ao conhecimento disponível sobre balões esféricos para desenvolver a dirigibilidade aérea, todo o conhecimento científico acumulado até o século XIX permitiu ao Ocidente desenvolver um conjunto de invenções que foram, pouco a pouco, aperfeiçoadas e aplicadas ao processo produtivo. No transcorrer da segunda metade do século dezenove, a comunidade científica pôde conhecer os gases componentes do ar, os processos químicos e muito do que seria a base da física contemporânea. Esse avanço científico tornou possível desenvolver tecnologias em siderurgia e em refino do petróleo, a utilização da energia elétrica, etc. O conhecimento também abriu caminho para a invenção da bicicleta, do motor a combustão interna e — por extensão — do automóvel, do telefone, e de tantos outros bens que alteraram para sempre o cotidiano das cidades européias e logo produziriam o mesmo efeito em outros lugares.2 A exemplo da máquina a vapor — principal invenção da era moderna —, todo esse incremento tecnológico não ocorreu de forma abrupta. Sua aplicação comercial deu-se lentamente, à medida que os estudos sobre calor, pressão e comportamento dos materiais se aprofundavam e eram incorporados aos novos 122 modelos. Em 1850 a energia a vapor já era responsável pelo grosso da produção industrial inglesa e, nas décadas seguintes, ela teria importante desempenho na produção industrial de outros países, como Alemanha, França e Estados Unidos da América.3 No limiar do século passado, as construções mecânicas eram caracterizadas pela conjunção simples da madeira com mecanismos fundidos em metal e, geralmente, eram de grande porte. O automatismo desses maquinismos, fundamental à produção industrial em série, foi sendo aprimorado a partir da nova geração de energia motriz independente dos fenômenos naturais. A capacidade e a especialidade das máquinas criadas obedeciam às necessidades específicas da produção, tendo por isso as invenções dos elementos dessas máquinas — engrenagens, polias, materias de transmissão das correias, etc. — passado por grande avanço tecnológico.4 A confiança na ciência orientava os interesses dos governantes e dos capitalistas, convencendo-os de que a limitação humana diante da natureza estava em vias de ser diminuída, à medida que, através da realização científica, o homem “caminhava para o Olimpo”, livrando-se das amarras de Prometeu.5 As comunidades científicas esmeravam-se em divulgar suas experiências e as que interessavam aos interesses políticos ou econômicos estratégicos eram logo assimiladas industrialmente. Na década de 1860, por exemplo, os confederados norte-americanos construíram o “Hunley”, um submarino de nove metros de comprimento, para destruir as embarcações da União que bloqueavam os portos do sul do país. Construído no Alabama, o submarino era tripulado por nove homens, que se revezavam no acionamento da manivela que o impulsiova a até 7,4 quilômetros por hora, carregando 90 quilos de pólvora. O submarino — que não dispunha de periscópio — era iluminado por um lampião e sua forma de ataque consistia em 123 posicionar-se sob as embarcações, explodindo-as, não sem antes deslocar-se para longe dos alvos.6 Apesar da sua produção industrial menos diversificada, quando comparada aos países centrais daquele momento, o Brasil tentava acompanhar o desenvolvimento tecnológico. O país almejava granjear seu ingresso no mundo civilizado ao lado da Inglaterra, França, Bélgica, Alemanha e da “grande República”7. Em 1876, o próprio imperador do Brasil fora convidado a abrir solenemente a Exposição Universal de Philadelphia, comemorativa dos feitos tecnológicos da nação norte-americana no centenário de sua independência, ao lado do presidente Grant, dos Estados Unidos da América. Internamente, o fim da escravidão, a imigração, a essência do regime monárquico e a necessidade de um “salto tecnológico” eram discutidos nas instituições e entidades técnico-científicas que surgiam, dentre elas a Escola Polytechnica (1874) e o Clube de Engenharia (1880).8 Os intelectuais-engenheiros brasileiros visitavam as indústrias européias e norte-americanas, exaltando seus feitos no país e participavam dos círculos políticos, impregnando-os de valores do mundo tecnológico9. No interior do país, as famílias ricas percebiam a engenharia como uma opção, enviando os seus filhos para as academias já existentes no país ou para as escolas mais afamadas da Europa. Mais uma vez o exemplo da família Santos Dumont é útil para demonstrar a importância do convívio com a ciência e com a tecnologia já naquele momento. Antes de completar 19 anos, Alberto receberia do pai três bens que orientariam definitivamente sua vida: sua carta de maioridade, sua parte na herança familiar e o conselho para que seguisse para Paris em busca do “futuro do mundo”: o domínio do conhecimento da mecânica.10 124 As lembranças do funcionamento das máquinas misturado ao murmúrio dos homens no trabalho, a idéia minuciosa dos elementos e materias mecânicos e a certeza da importância da criatividade do homem o Petit Santos já levou consigo na bagagem. Com a imaginação povoada desde a infância pelas personagens de Júlio Verne e Phileas Fogg, Dumont preparava-se, a seu modo, para o mundo tecnológico. Aos 3 anos de idade, Enquanto meu pai e meus irmãos montavam a cavalo para irem mais ou menos distante ver si os cafeeiros eram bem tratados, si a colheita ia bem ou si as chuvas causavam prejuízos, eu preferia fugir para a usina, para brincar com as máquinas de beneficiamento.11 E continuava demonstrando seu aprendizado no ambiente mecânico vivido no Brasil: Todas essas máquinas de que acabo de falar, bem como as que forneciam a força motriz, foram os brinquedos da minha meninice. O hábito de vê-las funcionar diariamente ensinoume muito depressa, a reparar qualquer das suas peças. 12 O maquinismo com que Dumont brincou na infância era composto por uma gama de máquinas de diferentes funções e graus de desenvolvimento, cada uma voltada para uma fase do benefício do café. Além das máquinas a vapor importadas — as caldeiras podiam ser fabricadas no Brasil —, as demais eram construídas basicamente em madeira, com partes em metal que, a partir daqueles anos da década de 1870, sofreriam profundas modificações. 125 Desde quando a lavoura do café passou a fornecer o principal produto exportável do Império, ficava cada vez mais incompatível o uso das técnicas de outros tempos com os novos padrões de consumo no que dizia respeito tanto à qualidade quanto à quantidade de café produzido. Os grandes terreiros de secagem, os pilões manuais, os monjolos, os ripes e os carretões puxados por bois ficavam cada vez mais distantes das exigências por um café capaz de disputar no mercado mundial com o chá, o chocolate, a chicória etc., quando as disputas comerciais se acirravam.13 Nas fazendas brasileiras, à medida que ocorria uma especialização da produção para exportação, sentia-se a necessidade de um novo padrão de beneficiamento, em contrapartida à cultura do café pelo mótodo de insolação e à exploração do escravo e do imigrante na lavoura. Entre as décadas de 1860 e 1870 ficava cada vez mais explícito não haver no Brasil um modo unificado de beneficiar o café. A falta de uma padronização do benefício aprofundava o desnível de qualidade entre os vários tipos de café exportado, agravando-se ainda mais com a introdução de outras variedades da planta como o libéria, bourbon, amarelo, etc. As técnicas e o tipo de machinismo empregado variavam de região para região, de fazenda para fazenda. A derrubada e a queimada das florestas nativas expunha diferenciadamente a lavoura às condições específicas de cada clima e cada solo, exigindo soluções diferenciadas em cada situação, ou seja, o mesmo tipo de café plantado numa mesma época sob o mesmo método poderia sofrer um variação na qualidade adquirida, de acordo com a região de cultivo. O resultado disso eram safras irregulares em qualidade e quantidade, e uma variedade de cafés dificilmente classificáveis e estandardizáveis. Para tal problema, as máquinas surgiam como única solução, capazes ainda de amenizar a carência de braços cativos. Dessa forma, pode-se dizer que a entrada da máquina 126 no processo produtivo do café operou uma transformação na estrutura da fazenda cafeeira brasileira. Até aquele momento, as instalações de beneficiamento das fazendas conjugavam os equipamentos mais rudimentares com a máquina a vapor, demonstrando uma enorme tendência em aceitar de pronto as inovações tecnológicas importadas. O depoimento de Tchudi, privilegiado observador da fazenda cafeeira do Brasil da década de 1860, é ilustrativo. Visitando uma fazenda de um extraficante de escravos que se tornou cafeicultor, o viajante afirmou: Antes do almoço mostrou-me o Comendador André seu estabelecimento, que me surpreendeu, tanto pela extensão, como pelas instalações e distribuição racional. Uma máquina a vapor movimentava ali, segundo as necessidades, ora uma prensa de açúcar, ora um monjolo de café, um moinho de milho ou uma serra circular.14 Tchudi escreveu ainda que no Brasil era possível o beneficiamento do café ser feito conjugando métodos antigos com outros mais modernos, ao mostrar que quando o café chegava na sede da fazenda, suas bagas eram [...] submetidas a tratamento diverso. O mais simples e primitivo processo de separar a polpa da semente consiste em deixar as bagas no terreiro até que sequem. Do terreiro levam os grãos para o monjolo até onde se procede à descascagem dos grãos, e daí para a peneira, onde se completa a limpeza. Quando o tratamento é mais cuidadoso, as bagas são postas em grandes tinas com água para se tornarem mais moles, ou são passadas entre dois cilindros que, esmagando a polpa, a removem quase inteiramente. As sementes vão para um reservatório d’água para amolecer o resto da polpa, que é fácilmente removida passadas algumas horas. Após isto, lavam-se os grãos em água limpa e 127 estendem-nos no terreiro para secar. Uma vez secos, voltam a passar nuns cilindros mais finos, que removem os últimos filamentos da polpa, mas não ainda a casca de pergaminho. Depois de novo processo de secagem, ao sol ou por métodos artificiais, os grãos voltam ao monjolo, para remover-se a casca de pergaminho e, finalmente, vão para o moinho limpador ou peneira, que lhes dá a limpeza final. Entre os métodos simples ou complicados há ainda muitas variedades, determinados pelo cuidado que o fazendeiro quer dispensar ao produto, pela sua inteligência, pelos recursos, etc. O café limpo é ensacado em sacas de 5 arrobas (de 32 libras), isto é 162 libras e levado ao mercado.15 As anotações de Tchudi são importantes para caracterizar a articulação da máquina a vapor com antigos processos, como o monjolo. Porém, a importação das últimas novidades tecnológicas surgidas fora do Brasil induziu, internamente, a produção de novas máquinas agrícolas e sua adaptação ao potencial da máquina a vapor. Não se deve com isso inferir que na década de 1870 o monjolo fosse a única forma de beneficiamento de café ou que a máquina a vapor fosse o único “meio” moderno utilizado nas fazendas. Desde a década anterior muitos machinismos foram surgindo e sendo patenteados, com energia motriz de base hidráulica. Depois da roda d’água, a invenção da turbina fundida em metal otimizou o aproveitamento da energia hidráulica, possibilitando uma geração maior e mais uniforme de potência. Mesmo nos países industriais essa modalidade de energia continuava sendo aproveitada nas fábricas e fazendas servidas por cursos abundantes de água.16 A partir da década de 1870, além da fertilidade das terras relativa à presença de matas nativas e à idade dos cafezais, os recursos hídricos e as 128 máquinas de beneficiar café eram colocados em primeiro plano na descrição das fazendas quando se pretendia comprovar o valor das propriedades. Isso demonstra ter havido uma preocupação crescente dos fazendeiros de todas as regiões produtoras do Sudeste em aparelhar suas fazendas com os novos equipamentos que surgiam. Por um anúncio de 1873 observa-se, em relação ao padrão de beneficiamento descrito por Tchudi, um aprofundamento do aproveitamento hidráulico, assim como se amplia a incorporação da máquina a vapor — cujo preço a tornava proibitiva ao pequeno e médio fazendeiro, enquanto outras máquinas específicas das fases de benefício de café eram introduzidas no processo de produção: Vende-se duas fazendas perto de Campo Bello de Rezende a saber Uma que tem duzentos alqueires de terras, com mais de cem de matta-virgem, cafezaes, [...] muito boa água para todas as obras. Outra com grandes vérzeas, terras muito boas para canna e mantimentos; tem cafezaes para mais de duas mil arrobas, tem um excellente engenho de socar café, moinho para descascar, ventilador, etc. tudo tocado por uma magnífica agua que dá para se collocar um machinismo de qualquer ordem ...17 Uma outra fazenda oferecida, dessa vez em Guaratinguetá, São Paulo, era dotada de “[...] mato virgem, mais de 90.000 pés de café, sendo cerca de 75.000 de seis mezes, casas de vivendas, senzalas, paióes, moinho e engenho de café movidos por água, abanador e mais benfeitorias...”18 Este outro anúncio é também representativo do que constituía a exigência de quem pretendesse comprar uma fazenda de café: 129 Fazenda de café: precisa-se comprar uma fazenda nas seguintes condições: próxima a uma das estações da estrada de ferro, com lavoura para 4,000 a 5,000 arrobas de café, com trinta a quarenta escravos, todos os utensílios para o cultivo da mesma, engenho ou aguada sufficiente para construcção, terrenos bons, e alguma mata para novas lavouras, nunca menos de 50 alqueires de matto: quem a tiver nas condições e a desejar vender dirija-se à rua dos Beneditinos n. 27.19 À medida que as fazendas se especializavam e eram servidas de máquinas modernas na preparação do café, a composição da força de trabalho das fazendas também sofria alguma alteração: apesar de muitos escravos serem especializados em carpintaria, marcenaria, construção civil, enfermagem, etc.,20 os equipamentos de benefício exigiam pessoas habituadas à leitura de manuais e desenhos, capazes ainda de procederem às adaptações técnicas necessárias. Isso favoreceu o surgimento de machinistas na implantação e funcionamento das novas instalações mecânicas.21 Surgia um interesse maior nos assuntos tecnológicos tanto da parte dos machinistas quanto dos fazendeiros. Alguns se transformariam em inventores e industriais de máquinas. Não são raros os casos em que o machinista ou o lavrador patenteou invenções e aperfeiçoamentos em máquinas de beneficiar café, aproveitando-se da demanda das fazendas e usinas e das condições favoráveis garantidas pela lei de patentes de 1830. A variedade da qualidade dos cafés produzidos no Brasil, com os problemas inerentes ao cultivo por insolação, forçava o surgimento de inovações de âmbito local ou regional, ampliando a gama de aperfeiçoamentos interpostos às invenções originais. A demanda por máquinas modernas também atraía o interesse de fabricantes estrangeiros. A Lidgerwood Manufactoring Company Ltd., por 130 exemplo, tradicional fabricante de máquinas agrícolas fundada nos Estados Unidos da América em 1800, que também mantinha fábricas na Escócia, interessou-se pelas possibilidades do promissor mercado brasileiro. Em 1861, esse fabricante/inventor instalou-se, a princípio, no Rio de Janeiro. Posteriormente fundou também lojas e depósitos de seus produtos em São Paulo, Campinas e Taubaté, de onde funcionava como casa importadora e representante exclusivo das máquinas de costura Singer.22 A montagem de uma estrutura de fabricação, importação e distribuição de máquinas agrícolas, caldeiras e turbinas para geração de energia motriz e de uma imensa gama de produtos industriais de utilidade cotidiana no meio rural transformou a marca Lidgerwood em adjetivo para máquinas modernas, fazendo com que os fazendeiros procurassem equipar as fazendas de café com suas máquinas de beneficiar. As máquinas de Lidgerwood eram montadas junto aos equipamentos rudimentares e, muitas vezes, eram acionadas pelo trabalhador-escravo, enriquecendo ainda mais o mosaico de experiências sociais, culturais e tecnológicas experimentada pela sociedade cafeeira do último quartel do século XIX. No início da década de 1880, uma fazenda em local não identificado estava à venda com “2 rodas, uma de madeira, outra de ferro de 9 metros de diâmetro, machinismos Lidgerwood para café, despolpador, tanques para lavar café, terreiro de pedra e cimento... [e] vinte e tantos escravos”23. Entretanto, a invenção e o aperfeiçoamento de máquinas de beneficiar café não se restringiram aos inventores há muito estabelecidos. A união de fatores como a divulgação, pela imprensa especializada, de técnicas e dos equipamentos, a demanda da economia cafeeira por alternativas que resolvessem o problema da quantidade e da qualidade do benefíciamento do café, tornando-o independente 131 das condições do clima e economizassem mão-de-obra, e a vigência de uma legislação favorável ao inventor nacional ou residente, fez surgir um grupo fabricante dessas máquinas no Brasil. A partir de uma atuação local, a princípio, as máquinas produzidas foram sendo incorporadas às fazendas, à medida que suas petições de privilégios eram aprovados pela Secção de Machinas e Apparelhos da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional — Sain — e divulgados em folhetins de circulação nacional.24 Não por acaso, isso se iniciou à medida que os próprios inventores de máquinas de beneficiar café, muitos dos quais engenheiros, fazendeiros ou machinistas, participavam da composição daquela seção da Sain. Por exemplo, na gestão de 1870-1871 da Sain, cuja presidência foi exercida pelo conselheiro de estado e senador José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco, a Secção de Machinas e Apparelhos tinha como membro o inventor e presidente da Lidgerwood Manufactoring Co. Ltd., Guilherme Van Vleck Lidgerwood, ao lado dos engenheiros André Pinto Rebouças e Antonio de Paula Freitas.25 Em gestões sucessivas a partir de 1874 até 1881 foi a vez de outro inventor e industrial de máquinas de café, Henrique Eduardo Hargreaves, participar da mesma seção da Sain, alternando-se ora como secretário ora como membro.26 No biênio 1882-1883, sua vaga foi ocupada por outro engenheiroinventor da maior importância no desenvolvimento de maquinário para café, Luiz Goffredo de Escragnolle Taunay.27 Presidindo essa mesma Secção da Sain entre 1870 e 1889, André Pinto Rebouças era o responsável pelos pareceres encaminhados ao governo imperial a respeito dos inventos, desempenhando um papel fundamental na concretização dos projetos das máquinas. 132 Intelectual influente em seu tempo, conhecedor das economias européias e norte-americana, Rebouças procurava incentivar o desenvolvimento de tecnologias de beneficiamento de café visando a uma racionalização da produção agrícola brasileira em torno de um projeto modernizador que passaria pela especialização das regiões e das fazendas em unidades produtoras — encarregadas da produção agrícola — e unidades beneficiadoras — as fazendas que sediariam os engenhos centrais, a partir da pequena propriedade e da mão-deobra nacional livre, pressupondo a extinção radical da escravidão.28 Em seus pareceres Rebouças tentava permitir aos inventores a proteção necessária para que suas oficinas se desenvolvessem, atrelando seu sucesso ao que supunha ser o interesse do país. Não surpreende, portanto, João Frederico Richsen, um dos precursores dos inventores brasileiros de máquinas de beneficiar café, estabelecer-se. Em 1857, Richsen conseguiu do governo imperial privilégio exclusivo de 10 anos para “construir e vender” ventiladores de café de sua invenção,29 tendo sido bem sucedido com os aparelhos que exibiu nas Exposições Nacionais de 1861 e 1866, e na Exposição Universal de Paris. Em 1869, Richsen requereu um novo privilégio por 10 anos para os melhoramentos feitos na invenção original. No despacho desse requerimento, a Secção de Machinas e Apparelhos afirmou que [...] O privilegiado estabeleceu à ladeira do Barroso n. 5 e 5A uma fábrica de ventiladores de café e (cousa rara entre nós) utilisou-se vantajosamente para si e para o paíz, da patente que lhe foi concedida. [...] A Secção de Machinas e Apparelhos ... deverá conceder a requerida renovação do privilégio por mais dez anos não só como premio aos esforços feitos, e aos resultados obtidos pelo inventor, mas também como um efficaz incentivo a novos e mais importantes commettimentos.30 133 Da mesma forma, em relação à petição de Américo Salvatori para, por vinte anos, “fabricar e vender a machina de descascar e brunir o café da qual se allegga inventor”, a Secção apreciou a invenção criticando o fato de que nela Surgem [...] os mesmos inconvenientes, que tem sido notados em todas em que se empregão dentes de ferro; taes como o de quebrar ou arranhar o café; o de quebrarem-se os dentes, estorvando ou impedindo o serviço e finalmente o de exigir uma graduação prévia do apparelho, de sorte a deixar passar café miúdo, médio, ou graudo por cada vez. É portanto inferior a algumas outras machinas já conhecidas. Entretanto, como convem animar a industria que se refere à preparação do café, por ser este genero a principal fonte da riqueza nacional, e como possa a pratica e o estudo apurado desta machina dar lugar a novos melhoramentos [...] conceda ao requerente um privilegio de dez annos.31 A atitute flexível da Secção de Machinas e Apparelhos da Sain fazia com que mais inventores se lançassem ao ofício criador, atraindo também a atenção de alguns grandes fazendeiros, que desenvolviam por si soluções para os problemas vividos em seus negócios. Em 1873, a J. L. de Souza Breves & Cia. requereu o privilégio “para um machinismo destinado à conservação do café nos armazens de depósito”.32 A empresa autora não apresentou desenho, mas apenas uma descrição, e isso foi suficiente para que a Secção de Machinas e Apparelhos (SMA) julgasse o invento “um systema simples e racional de conservar o café ao abrigo das intempéries. [...] As disposições esclarecimento”.33 são tão elementares que dispensão mais este 134 Em São Paulo, à medida que a fronteira cafeeira se deslocava para o interior, alguns fazendeiros enobrecidos também se lançaram à criação de máquinas e a introduzi-las em suas fazendas. O desenvolvimento de máquinas de beneficiamento promovido pelos membros da família do Conde do Pinhal, Antonio Carlos de Arruda Botelho, pioneiro de São Carlos do Pinhal (atual São Carlos) não deixa dúvidas sobre a importância e o significado das alterações tecnológicas ocorridas nesse campo. Entre 1889 e 1904, seus membros patentearam um total de vinte inventos e aperfeiçoamentos, todos relacionados ao benefício do café.34 Da mesma forma, também o Barão de Serra Negra, Francisco José da Conceição, fazendeiro em Piracicaba (SP), foi o primeiro a utilizar “apparelhos aperfeiçoados para beneficiar café” no município.35 Quanto aos primeiros inventos beneficiados pela política adotada pela Secção de Machinas e Apparelhos da Sain com base na lei de patentes de 1830, os resultados práticos não tardaram a surgir, justificando o privilégio recebido, ao menos para o caso das máquinas em questão neste estudo. No caso de João Frederico Richsen, sua indústria promovia ainda pelo menos o ramo “arameiro”, que fornecia as malhas das peneiras de seus ventiladores. Nas oficinas — como a de J.F. Tinnuermann, na rua da Ajuda, 15, Rio de Janeiro —, as peneiras eram produzidas, ao mesmo tempo que “trançado para clarabóias e gaiolas [...], ratoeiras de molas infalíveis, [...] viveiros com ninhos, [...] grelhas para torrar pão, etc.” 36 Em julho de 1875, José Ribeiro da Silva e João Antonio da Silva Peres Júnior, de Cantagalo (RJ), requereram privilégio por dez anos “para usar, fabricar e vender neste Império um apparelho apropriado para descascar e preparar café”, chamado Descascador Ribeiro ou Concassor Ribeiro.37 135 Em sua petição, os autores demonstraram estar a par das últimas máquinas criadas para operações similares às de sua invenção, afirmando ser sua máquina superior até mesmo ao Descascador Lidgerwood, uma das máquinas mais conceituadas no Brasil. Por conta disso, a Secção de Machinas e Apparelhos receou posicionar-se definitivamente, preferindo despachar que a Secção não póde dar opinião em tão grave assumpto à vista só do desenho do novo descascador; teria muita satisfação em assistir a experiências comparativas. No entanto, [...] receia que não seja bem sucedida a supressão completa de elementos elásticos no seu descascador.38 Embora não esteja clara a maneira exata como essa tão importante máquina inovava em relação às suas predecessoras, pode-se dizer que ela abriu caminho para inúmeras outras invenções, na medida em que o Descascador Ribeiro tinha “um elemento mecânico realmente novo e engenhoso...”39 No ano seguinte (1876), o Concassor Ribeiro era instalado em Mendes, na fazenda do comendador Felizardo José Tavares, para ser apresentado em funcionamento aos fazendeiros da região, após ter sido premiado com o diploma de honra na Exposição Nacional de 1875. Pela imprensa, o machinista e representante do inventor convidava os fazendeiros da região para verem praticamente o trabalho admirável de um apparelho tão simples quanto comodo e relativamente barato, e que , sem duvida alguma, vem substituir literalmente quantos engenhos e machinismos se tem empregado até hoje no preparo do café.40 136 Em 1878, José Ribeiro da Silva requereu novo privilégio ao governo imperial, dessa vez para os melhoramentos feitos no concassor, que chamou de “concassor aperfeiçoado” e ainda “aparelho de descascar café”. 41 No mesmo ano, José Ribeiro da Silva voltou ao governo para patentear uma outra máquina, o Descascador Congresso. Esse aparelho significava um avanço considerável na adaptação das máquinas agrícolas em geral à indústria cafeeira, pois situava-se entre os moinhos de pedra, de uso secular, e os descascadores por superfícies reguladas, principalmente o Descascador Assis.42 Enquanto esse descascador substituiu os discos de pedra — que tinham o inconveniente do desgaste muito rápido de seus elementos e pouca flexibilidade — por dois discos de ferro canelado, a invenção de Ribeiro aperfeiçoava ambos, na medida em que “a pedra é substituída por um disco de ferro unido a outro de madeira e descasca comprimindo o café de encontro a uma borracha amarella”.43 Dessa forma, o inventor fluminense introduzia a borracha nas máquinas de beneficiamento de café, inovação seguida por diversos outros autores. Pelo sistema de superfícies reguladas funcionavam também as chamadas mós centrífugas: o Descascador Progresso Mineiro, as Máquinas Albion Coffee Huller, o Descascador de Lidgerwood, os moinhos excêntricos americanos, a Máquina Brazileira, a Turbina Tange-teclas, os cilindros horizontais de capa concêntrica e os descascadores verticais usados principalmente em Santa Maria Madalena, Cantagalo, São Fidélis, Valença e Vassouras.44 Nas inovações anteriores feitas pela indústria inglesa de máquinas, os discos de pedra haviam sido mantidos. Foi dado, entretanto, movimento ao disco inferior contrário ao superior. Essa inovação, produzida com o intuito de pulverizar grãos como o trigo e o arroz, não se adequava ao descascamento do café, quebrando o grão ou não descascando os de tamanho irregular, além de os discos se desgastarem e 137 empastarem com as cascas melosas do café. Os discos de ferro do Descascador Assis resolveram esse último problema, mas continuaram quebrando os grãos maiores que entravam no espaço interno, ou não descascavam os menores — os grãos não descascados eram chamados marinheiros. Conforme esclareceu Ribeiro: Em vista da pequena revista que viemos a fazer, não parece razoável que ao Descascador Assis se aplicasse a borracha? Foi o que realizamos na nossa machina Congresso. Procuramos melhorar a construcção do Descascador Assis e fizemos uma machina pronta para funccionar, simplificandoa o mais que pudemos, afim de seu custo estar ao alcance de todas as fortunas. Entre as modificações que fizemos, há uma que garante maior duração da borracha, e vem a ser a entrada do café pelo centro da mó fixa, que é de borracha. [...]. Essa machina, conquanto descasque o café de uma maneira completa e sem quebrar, tem ainda defeitos sensíveis, mas, remediáveis. O café, no seu estado mais natural, ou em côco, tem a sua casca exterior de natureza quebradiça em uns, macio e melosa em outros, mas sempre rija e dificil de destacar-se. É esta casca que estraga as machinas, e uma borracha do Congresso não prepara mais de quatro mil arrobas de café. No entanto, a borracha, pela sua natureza, é mais própria para terminar o descascamento do que para começá-lo, e, neste caso, sua duração seria muitíssimo maior.45 Dessa forma, o próprio autor alterava a disposição de alguns elementos nas máquinas existentes, enquanto reconhecia as deficiências de seu aparelho. A consequência mais direta disso foi a necessidade de suprir o mercado com peças de reposição de borracha, o que não foi um problema maior. 138 Em 1884, o mercado do Rio de Janeiro era suprido tanto das borrachas como das demais peças de reposição do Concassor Ribeiro “a preços razoáveis”, através da loja dos constructores machinistas Sérgio da Cunha & Baltar.46 A despeito das deficiências que reconhecia existir em seu invento, Ribeiro preparava-se para aperfeicoá-lo: Lembramos de construir machinas com descascador mixto de ferro e borracha, cabendo a esta o terminar a operação. Para este fim há dois meios entre outros que nos parecem proficuos: construir uma mó de ferro canelado com um raio ou menos de metade do tamanho total; uma arruela de borracha completará a mó; em frente uma outra mó toda de ferro canelado descascará o café, que entra pelo centro, e terminará o descascamento pela borracha que atinge a periferia. A outra modificação, conquanto mais complicada, tem a vantagem de se poder regular separadamente os dois operadores; um cylindro com o diâmetro de 20 ou 30 centimetros e coberto de placas descascadoras, pelo systema de Lidgerwood, contem em uma extremidade um disco de ferro canelado e pelo systema do Descascador Assis. O cylindro e o disco são presos a um eixo horizontal, que os anima com um movimento de 300 rotações. Sobre o cylindro há uma capa concêntrica de crivo de arame, por onde o pó tem saída, e em frente ao disco de ferro uma arruela de borracha completa o apparelho. O café entra pela extremidade do cylindro, percorre-o, soffrendo o descascamento, e entra nas mós que o completa de encontro à borracha. Esta disposição tem mais a vantagem de eliminar a poeira do café antes de entrar na borracha. Vamos experimentar estas modificações e em breve daremos conta de seu resultado.47 139 Não há indicações de que José Ribeiro da Silva tenha voltado a patentear aparelhos para café, embora outros tenham prosseguido com suas experiências. Porém, seu companheiro na invenção original, João Antonio da Silva Peres Júnior, continuou trabalhando individualmente com experiências como a secagem mecânica do café. Devido à irregularidade da produção da lavoura cafeeira, o processo de secagem representava grande entrave na qualidade do produto. Expostos ao sol em demasia, os cafeeiros produziam frutos com maturação desigual, existindo na mesma planta frutos maduros (cereja), frutos já secos antes de colhidos (coco) e também frutos verdes. Aliado a isso, o café era colhido num movimento de mão chamado derriça, que consistia em envolver a base do galho com os dedos e percorrê-lo até a ponta, arrancando assim frutos, cascas, folhas, etc. Apesar de esse método apresentar maior produtividade por trabalhador, provocava um problema técnico a superar na separação dos grãos diferentes em tamanho e maturação, e destes com outros corpos estranhos — além de folhas e cascas, havia ainda pedras, paus, etc. O resultado desse método agrícola era sentido na qualidade do café exportado e na fama de inferior nos mercados externos. Por isso os fazendeiros interessavam-se por máquinas que igualassem os grãos durante a secagem e os separassem conforme suas propriedades físicas. A secagem mais comum do café era a de terreiro. As partidas vindas da lavoura eram despejadas em terreiros cercados e calçados com pedra e cal nas fazendas mais equipadas. Muitos fazendeiros orgulhavam-se dos terreiros que possuíam e destacavam-nos nos anúncios de venda das propriedades. Nesses terreiros, escravos e colonos eram encarregados de revolver com rodos de madeira grandes quantidades de café várias vezes por dia, durante um período que variava de acordo com as condições climáticas e pluviométricas na região da fazenda. 140 Dessa forma, a secagem, fase inicial do benefício do café, fugia ao controle do fazendeiro. Analisando as dificuldades técnicas e o alto custo da secagem para o fazendeiro, Louis Couty assim se expressou: Em uma fazenda de 30.000 arrobas, a operação do secamento dura de cinco a seis meses, e, por todo esse tempo, dez pessoas pelo menos, ocupam-se, da manhã à noite, em riscar - revolver com rodo - o café no terreiro. Além disto, é ele espalhado, ao esquentar o sol, pela gente disponível nas proximidades do terreiro, e à noitinha os escravos, ao voltarem da roça, vem reuní-lo em montes. Não consideremos o gasto de mão-de-obra com a primeira operação, e só atendamos à segunda. Calculando a sua duração em uma hora - de ordinário e de mais - e sendo de 150 o número de trabalhadores (o que dá para uma produção de 30.000 arrobas, 200 arrobas por escravo, resultado só obtido com gente muito boa), aí estão 150 horas gastas ou o serviço de 15 pessoas. Assim o terreiro absorve diariamente o trabalho de 25 pessoas.48 Continuando: [...] Sobrevem uma trovoada durante o dia, imediatamente todos os braços, até pedreiros, carpinteiros, pagens, mucamas, etc., abandonam as ocupações, e, a trote largo, como dizem, tratam de recolher o café às tulhas. Quando o aguaceiro cai ou ameaça cair alta noite, as coisas são ainda piores. Tange o sino de alarma, e os míseros escravos, arrancados violentamente ao sono, vêm, quentes da cama e sem precaução alguma, expor-se a todas as intempéries e esvaziar o terreiro, para talvez tornar a enchê-lo no dia seguinte, passada a tormenta. Quantas moléstias não são devidas a isto?49 141 E completa: “Sabem os fazendeiros que muitos escravos são vítimas de pneumonias e outras afecções apanhadas nessas ocasiões, daí provindo perda considerável e definitiva de mão-de-obra”.50 As experiências com secagem mecânica do café eram feitas por toda parte. As primeiras foram aquelas em que as estufas se assemelhavam a grandes fornalhas aquecidas por queima de lenha ou outro material orgânico. Depois surgiram experiências mais complexas, que introduziam o ar aquecido sob pressão nas câmaras de secagem, e outras que introduziam o vapor sob pressão, aquecendo o secador, enquanto a umidade era retirada por outro lado sob a ação de bombas pneumáticas. Portanto, não se pode estranhar que boa parte das patentes requeridas referiam-se a secadores de café, em máquinas associadas ou não com outras operações. Por isso, o ex-parceiro de José Ribeiro da Silva, João Antonio da Silva Peres Júnior, também de Cantagalo (RJ), desenvolveu a Estufa Automática para Seccar Café — A Cantagallense, que patenteou em 1879.51 Segundo ele, tratavase de uma máquina que secava o café por meio da acção direta de ondas caloríficas irradiadas dentro de um forno, auxiliado pelo ar, altamente aquecido e confinado no mesmo, onde o café demora-se por tempo determinado em um cylindro ôco animado de um movimento de rotação lenta, e d’onde os vapores aquozos são extrahidos...52 Dentre as muitas experiências feitas com secadores estão as realizadas por Daniel Pedro Ferro Cardoso e John Sherrington, do Rio de Janeiro que resultaram no Seccador Pneumático, patenteado em 1877.53 Segundo os inventores, sua máquina apoiava-se no princípio da utilização do ar quente e do vácuo já tentado 142 anteriormente, inovando na medida em que o ar não entrava em contato com o café posto para secar: “[...] nós procuramos retirar o mais completamente que possível o contacto desse ar com o objecto a seccar assim como evaporar por meio do vacuo e do calor todo o liquido contido no paranchima do mesocarpo ou involucro d’elle”.54 O Seccador Pneumático tinha um compartimento hermeticamente fechado onde ficava o café, um sistema de tubos ligados à caldeira para manter a temperatura interna, uma bomba pneumática para a produção do vácuo no compartimento de café e ainda um manômetro e um termômetro para o controle das pressões e temperaturas internas. No mesmo ano, Ferro Cardoso voltou a patentear. Dessa vez, o privilégio foi requerido para uma inovação ao invento anterior: “ [...] lembrei-me de applicar ao seccador acima mencionado um condensador...”. A nova máquina foi batizada como Seccador Pneumático a Condensação.55 Porém, em seu requerimento, o autor faz questão de registrar para si a autoria exclusiva da inovação, apontando para uma disputa que comumente acontecia entre inventores e patenteadores de máquina: “Deposito esta descripção no Archivo Público sob minha unica responsabilidade scientifica para me servir de prova contra os desleaes e prevaricadores ou falsarios”.56 Ferro Cardoso fará patentear, em 1879, outro melhoramento à sua invenção original, cujo nome passa a ser Machina Daniel para Seccar Café. Na nova máquina, o autor, atento para a baixa produtividade do aparelho, adaptou-lhe um sistema de tubos para aquecer mais rapidamente o ar, e gavetas com fundo de telas de arame onde o café era posto para secar.57 Demonstrando enorme capacidade para adaptar os recursos tecnológicos disponíveis em outras atividades às máquinas de beneficiar café, Ferro Cardoso patenteou no mesmo ano de 1879 um aperfeiçoamento à primeira inovação que 143 fizera no seu secador original, quando introduziu um condensador no processamento. Nessa nova máquina, em que o “architecto” rebatizou o Secador Pneumático a Condensação com o nome de Seccador Ferro Cardoso,58 a inovação consistia na adaptação de uma máquina já existente. Nela, Cardoso aplicou um condensador idêntico ao que se emprega nas caldeiras de vácuo para a cristalização do assucar; isto é condensação que é feita por meio da introducção d’água fria que vae condensar os vapores formados no recinto hermeticamente fechado onde se acha depositado o café.59 Pelos registros posteriores, o inventor não conseguiu reduzir tanto o tempo de operação do secador. Seu invento continuou a ser vendido para secar em oito horas o café colhido no mesmo dia e em seis horas o café colhido com antecedência de três dias. Entretanto, as máquinas cujos preços variavam entre 4:000$000 (quatro contos de réis) — para secar 50 alqueires em seis horas — e 6:000$000 (seis contos de réis) — para secar 100 alqueires em seis horas — ofereciam uma vantagem adicional que justificava seu custo elevado: quando o café era cereja, ela o despolpava (ou seja, extraía a espessa polpa vermelha que envolve o grão), depois, o descascava em parte, ou seja, extraía a membrana que envolve o grão. Quando o café já entrava despolpado, a máquina o devolvia completamente seco em cinco horas.60 Ainda na década de 1870, sob a primeira lei brasileira de patentes, outros inventores se destacaram na produção de máquinas de beneficiar o café. Na linha de descascadores, um dos mais destacados foi Bernardino Corrêa de Mattos. Em março de 1876 esse autor patenteou a Machina Brasileira para descascar café.61 144 Ao analisar a petição de Bernardino Mattos, a Secção de Machinas e Apparelhos da Sain deliberou favoravelmente ao privilégio, ressalvando não poder assegurar se sua máquina quebraria os maiores grãos e se deixaria de descascar os menores, porque não fizera experiências práticas com a ela. No caso, o aparelho continha princípios que o aproximavam do Concassor Ribeiro. Entretanto, a Secção de Machinas e Apparelhos recomendou a concessão do privilégio por dez anos por entender que a nova máquina diferenciava-se do Concassor Ribeiro 1º Nas disposições dos cones descascadores, que em uma é inversa da outra.2º Em ser acompanhado o descascador de todos os accessorios necessarios para dar o café logo prompto para ser ensacado.62 63 145 64 De fato, a Machina Brazileira para descascar fora projetada com cilindros de chapas de aço temperado, para ter vida útil de 225 a 300 toneladas (20.000 arrobas) processadas. Os três modelos, com capacidade para descascar 750 kg/hora, 450 kg/hora e 225 kg/hora (respectivamente 50, 30 e 15 arrobas, na linguagem da época) expostos aos fazendeiros na Estação do Commércio da Estrada de Ferro Pedro II, em maio de 1876, recebiam o café seco de terreiro — ou coco — em sua moega e, em 15 minutos, podiam “lançá-lo no sacco, já brunido e prompto para ser exportado”. Na opinião dos vinte fazendeiros que utilizaram a máquina, suas vantagens adicionais eram poder funcionar com motor a água, de potência de 3 a 7 cavalos, de acordo com o modelo, ocupar apenas “25 palmos quadrados” para sua instalação, ser movida por apenas “1 escravo ou empregado” e, finalmente, 146 apresentar índice de quebra de apenas 1/4 de arroba (cerca de quatro quilos) em cada 100 arrobas (cerca de 1.500 quilos) de café descascadas.65 Em 1879, a empresa de Bernardino Corrêa de Mattos, a Corrêa, Mattos & Cia., mantinha um representante na Rua da Saúde no 14, na Corte, que distribuía os catálogos de suas máquinas já difundidas, que funcionavam principalmente nos municípios cafeeiros de Valença, Vassouras e Parayba do Sul, na província do Rio, e em Leopoldina, província de Minas Gerais. Além do descascador, o inventor oferecia aos fazendeiros também máquinas distintas para ventilar e para brunir o café.66 Entre outras invenções desenvolvidas em descascadores, obteve repercussão a Máquina Mineira, patenteada em 1879 por José Jacinto Melo, de Mar de Espanha, Minas Gerais, destinada a “descascar e ventilar o café”.67 Apesar de seu patenteamento só ter sido requerido naquele ano, já em 1878 essa máquina era experimentada por 34 fazendeiros na fazenda São Lourenço, que manifestaram publicamente sua aprovação: Nós abaixo assinado, fazendeiros residentes neste município, tendo assistido ao primeiro ensaio da machina de soccar, descascar e ventilar café, da invenção do artista mechanico José Jacintho de Mello, e, sendo sem duvida alguma de maxima vantagem para o fim que é destinado, porque vimos em um minuto preparar uma arroba de café; que no correr de doze horas que tem o dia, pode apromptar 120 arrobas, viemos por este meio dar-lhe uma prova de consideração e apreço por este importante melhoramento agrícola, devido por certo a seus acurados esforços e superior intelligência.68 Outra máquina de descascar de relativa importância foi a Turbina Tangeteclas, desenvolvida em Campos (RJ) por Miguel Alamir Baglioni, e patenteada 147 no início de 1880. Segundo seu autor, tratava-se de uma “machina de preparar e picar o café”.69 Tratando-se de aparelho idealizado para “descascamento por superfícies reguladas”, seu funcionamento baseava-se no atrito provocado por duas superfícies “rugosas e animadas por movimentos contrários”, sendo a distância entre elas alterada de acordo com o tamanho do grão.70 No mesmo período, enquanto muitos descascadores eram desenvolvidos, crescia também o interesse dos inventores por patentear ventiladores independentes ou acoplados aos descascadores, para separar os objetos estranhos e as cascas retiradas dos grãos no processo de descascamento. Em muitos casos, essas cascas eram utilizadas como combustível nas fornalhas das caldeiras ou mesmo na adubação dos terrenos, como era recomendado na época pelos homens preocupados com a preservação da qualidade das terras brasileiras e com a “economia rural”, como André Rebouças e Nicolau Moreira.71 Um aparelho com esse fim foi desenvolvido por Henrique Delfim Duprat, de Cantagalo (RJ), que o patenteou em 1880 sob o nome de “Ventilador a Prumo [...] destinado à separação da casca e diversas qualidades de café depois de descascado”.72 Esse equipamento depois se popularizou como Ventilador Duprat. Nele o inventor requereu para si o privilégio por ter introduzido nos ventiladores até então conhecidos a novidade da “pozição vertical do tubo de propulsão do ar e onde opera a ventilação”, afirmando ser essa concepção mecânica “toda nova e de invenção particular”.73 Em agosto de 1881, o mesmo autor requereu um privilégio industrial para o aperfeiçoamento que realizara naquele ventilador. No aperfeiçoamento, Duprat buscou simplificar o processo de ventilação, abreviando-o. Enquanto 148 no ventilador privilegiado o café [...] tinha de ser submettido a dois processos de ventilação, [...] com o melhoramento feito, póde conseguir-se o mesmo resultado com uma só operação e ainda com a vantagem de separar todo o café preto [...] 74 Tudo leva a crer que as máquinas produzidas por Duprat foram um sucesso. Isso porqu,e no começo do século XX, elas eram ainda oferecidas ao público pelo comércio especializado em equipamentos mecânicos do Rio de Janeiro, juntamente com outros equipamentos congêneres de invenção nacional ou estrangeira. Em 1902, por exemplo, a Casa de Hampshire & C., da Rua Visconde de Inhaúma, 40, anunciava ter em estoque “machinas de beneficiar café - Ventiladores Duprat, [e] Brunidores Bierrembach...”75 O primeiro registro de invenção de João Miguel Bierrembach, de Campinas (SP), data de 1878. Esse patenteamento foi requerido para o Brunidor Paulista, uma máquina capaz de brunir (o brunimento é a última operação, quando o grão do café, livre da película que o envolve, recebe um polimento para melhorar sua aparência e torná-lo mais impermeável à umidade) e separar os diferentes tamanhos dos grãos de café através do peso. Segundo anunciava, sua inovação funcionava nas fazendas dos barões de Aparecida, do Rio Bonito, e de Sapucaia (RJ), e nas fazendas do Dr. Antonio José Vieira Machado, Francisco Machado Marcondes, Dr. Luiz Augusto Correa de Azevedo, em duas fazendas do comendador Vergueiro, em Ibicaba (SP), e na fazenda do marquês do Paraná.76 Face ao volume do café produzido em uma fazenda, o brunimento, por suas características, era uma operação impossível de ser realizada manualmente. Seu efeito, porém, representava uma cotação melhor para o produto, gerando maiores lucros para o fazendeiro. Para melhor adaptar-se ao porte das fazendas, o 149 Brunidor Paulista era produzido em duas versões: o Brunidor 1, de capacidade para 300 arrobas/dia, custando 700$000 (setecentos mil-réis); o Brunidor 2, para 150 arrobas/dia, ao preço de 550$000 (quinhentos mil-réis). Ambos eram montadas pelo fabricante na fazenda ao custo adicional de 100$000 (cem milréis).77 No mesmo ano 1878, João Miguel Bierrembach requereu e obteve patente de privilégio também para o Cecador Paulista78, um sistema de superfícies planas móveis dentro de uma câmara de aquecimento em forma de casario de alvenaria, encarregadas de receber os grãos de café e repassá-los à superfície plana seguinte durante o processo de secagem, substituindo o terreiro de secagem natural. No ano seguinte, Bierrembach patenteou um melhoramento do secador original, dispondo os terreiros em série, de forma que “esses terreiros percorrem o seo movimento sem fim”, melhorando a distribuição do café no secador através do aperfeiçoamento do sistema de rotação dos terreiros.79 Em 1881, o referido inventor voltou a aperfeiçoar seu secador de café, desta vez ampliando sua aplicação também para o descascamento do café já despolpado, “prestando-se também para beneficiar cereais”.80 Apesar de apresentar um relatório complexo, cheio de referências ao desenho técnico e às invenções e melhoramentos anteriores, o autor assim enumerou as vantagens de sua nova máquina: 1º Facilitar o lavrador a beneficiar o café em 2 ou 3 dias depois de colher. 2º Não ter mais café preto ou de qualidade inferior, consequencia da fermentação havida nos terreiros. 3º Melhorar a qualidade do café que offerece ao mercado. 150 4º Dispensar os terreiros de seccar tão dispendiosos. 5º Desaparecer o contínuo e fastidioso trabalho de mecher e recolher-se o café diariamente pelo espaço de 30 dias como até aqui se tem feito.81 As máquinas produzidas pelo “inventor e fabricante” de Campinas atingiram logo boa reputação no circuito de produção do café, inclusive porque o fabricante também mantinha um representante exclusivo na Corte, a firma Monteiro, Hime & Co.82 Além disso, ele próprio enviava aos jornais amostras dos cafés beneficiados por suas máquinas, tentando aumentar a confiança pública em seus produtos. O Correio Paulistano a ele se referiu como o “acreditado industrial da cidade de Campinas”,83 divulgando as vantagens de sua nova máquina de secar café em dez horas e destacando a experiência realizada na fazenda Monjolinhos, do comendador Souza Barros, quando o secador produziu uma secagem perfeita de um café de qualidade superior, “conservando a côr natural”.84 Mesmo sem conhecer a máquina ou ter enviado repórteres à experiência, o Correio recebia o novo secador com entusiasmo, condicionando sua receptividade à capacidade que tivesse de superar os problemas representados pelo terreiro de secagem natural: Não temos conhecimento circunstancial da machina inventada pelo Sr. Bierrembach, mas se puder ella seccar quantidade de café correspondente à colheita ordinária de nossas fazendas, o seu emprego será de grande utilidade à lavoura do café, acabando ou diminuindo a necessidade do serviço de terreiro, que exige grande número de braços e que occasiona, às vezes grandes prejuizos, pela demanda do seccamento. 151 Em todo o caso o Sr. Bierrembach merece elogios pelos esforços que está empregando no sentido de facilitar o processo de beneficiamento do café, uma das maiores difficuldades com que luta a nossa lavoura.85 Ainda sob a vigência da lei de patentes de 1830, João Miguel Bierrembach desenvolveu outro aperfeiçoamento do secador original, desta vez no sistema de secagem. Para o inventor esse sistema, funcionando através da passagem de ar quente exaustado por um ventilador, oferecia dificuldades na montagem e alto custo de operação. Por isso, o secador patenteado em fevereiro de 1882 caracterizava-se por ser uma máquina que Concentra em si todos os predicados das outras nossas machinas [...] somente tornou-se mais resumido, dispensando casa própria, exigindo muito pouco combustível [...], em condicções de ser fabricado na officina todo completo, visto que é construído todo de ferro, dispensando portanto o trabalho de carpinteiros, pedreiros etc. nas fazendas e por esta razão ao alcance da pequena lavoura.86 Um outro secador obteve grande repercussão no circuito do benefício do café. Trata-se da Machina de Seccar Café Taunay-Telles, desenvolvida e patenteada em maio de 1880 pelos engenheiros e membros do Instituto Polytechnico Brasileiro, Luiz Goffredo de Escragnolle Taunay e Augusto Carlos da Silva Telles.87 Essa máquina, ao que parece, tinha como mérito maior um sistema composto por duas câmaras cilíndricas de eixo comum, sendo uma interna à outra: O cylindro exterior é fixo, preso a uma [...] dupla folha [...]; no espaço existente entre ella e a parede do cylindro exterior 152 fes-se circular o vapor de agua ou o ar aquecido. O cylindro interno [...] apresenta na superfície interna espécies de alcatruzes — dispostas longitudinalmente...88 No relatório autoral que acompanhou a petição do privilégio, os autores já demonstravam a intenção futura de estudar uma variante que substituísse os alcatruzes da máquina por um terceiro cilindro de raio menor, no mesmo eixo: “A superfície d’este terceiro cylindro é crivado de orificiosinhos e sustenta uma helice de espiras muito juntas...”89 Quanto ao funcionamento da máquina, enquanto o vapor de água ou o ar aquecido era introduzido no cilindro maior, fixo, o café a secar era posto no cilindro interno, móvel. Enquanto isso, [...] Imprime-se movimento rapido à hélice de aspiração e ao ventilador; estabelece-se corrente energica de ar. Posto em movimento o cylindro interior, o café que occupa a parte inferior, é elevado pelas alcatruzes e, attingida certa altura, cahe atravessando a corrente de ar e cedendo-lhe parte de sua humidade. Todos os grãos passam pelos mesmos phenomenos veses sem conta; com vigor mathematico póde-se asseverar que com o grão n se dará o mesmo que com o grão 1. [...] Na nossa machina, dá-se o seccamento como na natureza, pelo calor irradiado de uma fonte calorífera e a evaporação provocada pela renovação constante do ar saturado.90 A intenção original dos inventores era a substituição da mão-de-obra empregada no beneficiamento, além de tornar a secagem do café independente das condições atmosféricas, sem preocupação em reduzir grandemente o tempo gasto na operação de secagem. 153 Para isso analisaram várias máquinas em utilização, principalmente no Ceilão, que produzia os cafés mais conceituados. O maior problema dessas adaptações era que as melhores máquinas e processos aplicados no exterior não atendiam ao volume das safras de café praticadas no Brasil, responsável isolado por cerca de 50% da produção mundial. No entender de Louis Conty, “lente” de Biologia Industrial da Escola Polytechnica e sócio da Sain, um problema grave a resolver era que, em muitos secadores, por vezes o café das camadas inferiores esta torrado até e o das superiores não apresenta o menor phenomeno de seccamento; outras, quando não há ventilação sufficiente, a umidade do café satura o ar e então os grãos aquecidos nesse meio amolecem, cozinham, ficam negros e sem aroma.91 Conty saudou com entusiasmo a invenção de Taunay e Telles, por julgar que no Brasil do início da década de 1880, a secagem do café era a única operação de preparação do produto que ainda não estava totalmente sob o controle do fazendeiro. Devido a isso [...]A necessidade de utilizar para esta operação o braço escravo, e de ficar inteiramente à mercê das condicões atmosféricas era uma das dificuldades mais consideráveis da produção do café no Brasil. Por causa desse único fator o fazendeiro não podia, de antemão, regular a sua colheita e contar até com o café colhido.[...] Acontecia por vezes que o fazendeiro, urgido de mandar o seu café para o mercado, não podia seccá-lo bem , e por isso vendia-o em más condicões, imperfeitamente sêcco e dificilmente conservável. 154 Acontecia quasi sempre que uma só parte do café, o primeiro colhido, podia ser despolpado e dar o café lavado, que alcança maior preço, pois as cerejas, conservadas muito tempo no pé por falta de espaço no terreiro para seccá-las, não podião ser mais despolpadas.92 Conhecendo a forma pela qual a indústria agrícola se desenvolvera na Europa, Conty analisava o desenvolvimento tecnológico das máquinas de beneficiamento de café a partir das dificuldades enfrentadas pelos fazendeiros. Por isso exaltava a criação de seus amigos, tomando-a como um passo decisivo na evolução que a indústria cafeeira experimentara sob a primeira lei de patentes de 1830: A indústria agrícola acha-se, porem, bastante adiantada no Brasil para aceitar facilmente esse invento? Para mim é líquido que sim: confesso ter ficado surpreendido vendo e estudando, primeiro em S. Paulo e depois no Rio de Janeiro, os processos aperfeiçoados postos em prática para a preparação do café. Pensava encontrar por toda a parte meios primitivos de beneficiamento, sempre à mão-de-obra direto, sempre o escravo, e por toda a parte encontrei machinas das melhores e mais custosas. Todas as vezes que fôra possível substituir a mão de obra direta, muito imperfeita e cara, sobretudo no Brasil com os escravos, se o fizera, os fazendeiros tinham sabido não recuar ante os primeiros sacrifícios, depois largamente compensados pelo diferenca de custo de mão-de-obra e maior valia dos produtos. 93 Os dados de concessões de patentes confirmam as impressões de Conty. Segundo os estudos de Cruz e Tavares, até 1869 apenas treze patentes foram concedidas a inventos ligados ao café, desde a aprovação da lei de 1830.94 No entanto, conforme o quadro abaixo, entre 1870 e 1882, as concessões de patentes para máquinas de beneficiamento de café inventadas ou aperfeiçoadas 155 sob a lei de 1830 tiveram um aumento substancial do número de registros. As petições feitas no Rio de Janeiro — província e Corte — atingiram 65,1%; São Paulo registrou 30,2% e Minas Gerais 4,7% de um total de 43 patentes concedidas. É significativo que o primeiro registro tenha surgido em 1876, iniciando um movimento crescente de petições nos anos próximos a 1880. Naqueles anos, a lavoura cafeeira expandia-se por todo o Sudeste brasileiro, enquanto o café nacional disputava qualidade com outros produtores nas exposições universais e no mercado. ORIGEM DAS PATENTES DE INVENÇÕES E APERFEIÇOAMENTOS DE MÁQUINAS DE BENEFICIAMENTO DE CAFÉ CONCEDIDAS DE ACORDO COM A LEI DE 28 DE AGOSTO DE 183O NO PERÍODO DE 1873 A 1882* ANO Rio de Janeiro São Paulo Minas Gerais Espírito Santo Bahia Santa Catarina Exterior 1873 1874 1875 1876 1877 1878 1879 1880 1881 1882 1 4 2 3 2 5 2 1 4 1 7 5 4 1 1 TOTAIS 28 13 2 (*) Tabela organizada a paritr do acervo do Arquivo Nacional/Seção de Privilégios Industriais Em 1881 Taunay e Telles patentearam um aperfeiçoamento para o “typo de seccador já privilegiado pelo Governo Imperial, modificado e melhorado em certas partes”95. Para eles, A inovação mais notável é a de dois planos inclinados introduzidos no cylindro movel. Esses planos são aquecidos pelo vapor de água circulando em tubos dispostos symetricamente entre duas placas metallicas. [...] O café é obrigado, por essa modificação, a correr pelos planos antes de cahir na parte inferior do cylindro móvel.96 156 Tanto esse melhoramento quanto o invento original foram criticados pelos próprios autores por apresentarem principalmente um custo elevado, apesar de estarem convencidos de que sua máquina tinha atingido o grau de excelência. Devido ao fator custo, no patenteamento que requereram para o “typo aperfeiçoado da Machina Taunay-Telles”97, os autores afimaram ter resolvido o problema: suprimimos as caldeiras fixas e as substiuímos por uma série de tubos de asas [...] que fornecendo absolutamente o mesmo numero de calorias que se obtinha a princípio tão dispendiosamente, são mais maneiros, accupão menos espaço e sobretudo são muito menos caros.98 99 157 158 Taunay e Telles receberam no mínimo duas encomendas do secador que criaram: a do Dr. Braz Nogueira da Gama, da fazenda Santa Luiza, onde já havia outras máquinas, da marca Lidgerwood, e a de Domingos Theodoro de Azevedo Júnior, grande fazendeiro de Santa Tereza de Valença. É possível que tal interesse tenha contribuído em muito para animar os inventores à empreitada. Mais uma vez ,Couty explica o método da criação do novo secador: [...] feitas experiências altamente satisfatórias em um modelo de dimensões reduzidas, construído no Rio de Janeiro resolveram [...] ir à Europa. Em Paris não descansaram; durante os primeiros meses de sua estada aí, visitaram manufaturas de tabaco, fábricas de pólvora, fécula, papel e outras em que podiam encontrar aparelhos de secagem e ventilação destinados a fim análogo ao que se propunham. Consultaram também especialistas, entre eles o ilustre Tresca, colhendo de tudo a convicção de só haver ligeiras modificações a introduzir no seu invento. Completo o projeto definitivo da máquina tratou-se de construí-la. Ainda aí os Drs. Taunay e Telles nada quiseram deixar ao acaso, e, posto tivessem a maior confiança na fábrica, tão justamente apreciada, do Sr. Guilherme Lidgerwood, foram em pessoa, por duas vezes à Escócia, e aí se demoraram algum tempo, afim de poderem acompanhar a construção em todas as minúcias. 100 E continua, mostrando que os autores tinham em mente um objetivo bem definido a alcançar: [...] Não se tratava simplesmente de secar o café; esse objetivo já fora conseguido pelo terreiro, pelas estufas e alguns aparelhos aplicados no Brasil e outros países. Impunham-se novas necessidades. A máquina definitiva devia conservar ao produto todas as suas propriedades, reduzir bastante o tempo antes gasto no terreiro, economizar mão-de- 159 obra, despesas de instalação e manutenção, ser de fácil manejo, e, ao mesmo tempo, poder secar a enorme produção anual de uma fazenda.101 Conty dá, ainda, uma idéia da problemática tecnológica que estava por ser superada na nova máquina: [...] Os primeiros ensaios tinham feito reconhecer a utilidade de um tipo de máquina que realizasse as condições verificadas empiricamente boas pelo terreiro. Era, porém, indispensável dispor as superfícies de aquecimento em espaço limitado e calculá-las de modo a evaporarem a grande quantidade de água contida em 100 alqueires de café, e isto sem que o número de calorias transmitidas pudesse absolutamente estragar o produto; determinar o número de metros cúbicos de ar a introduzir na máquina para ser toda a umidade dissolvida e acarretada; combinar a temperatura do ar de modo a não ir este roubar demasiado calor às superfícies aquecidas; dispor o interior da máquina, afim de estar o café sujeito a constante revolvimento, passando todos os grãos pela mesma série de fenômenos... Era mister, ainda mais, tornar impossível o embolamento das massas na primeira fase da operação e o quebramento da cápsula córnea na última. Em uma palavra, satisfazer ao sem número de fatores físicos e macânicos de um problema desesperadoramente complexo.102 Pouco antes da mudança da legislação de patentes foram também patenteados outros equipamentos não diretamente ligados ao beneficiamento do café, mas que contribuíam para a popularização do consumo e para aumentar o conhecimento sobre o comportamento físico-químico do produto, principalmente os destinados à sua decocção. O primeiro foi a Cafeteira Fluminense, desenvolvida por José Antonio Antunes, com privilégio industrial concedido pelo governo imperial em 1875. 160 Essa cafeteira obteve sucesso enorme e larga difusão, chegando a ser premiada na Exposição Nacional de 1875 e na Exposição Universal de Philadelphia, Estados Unidos da América, em 1876.103 Em sua fábrica, na rua Gonçalves Dias, 39, na cidade-Corte, J. A. Antunes fabricava também peças avulsas de reposição e prestava assistência técnica. As vendas eram realizadas no depósito da fábrica, à rua da Alfândega, 78.104 Somente em 1887, Antunes voltou a requerer privilégio industrial, dessa vez para “aperfeiçoamentos em cafeteiras denominadas fluminenses”.105 Outro equipamento não diretamente envolvido com o beneficiamento do café mas ligado a uma melhor qualidade dos métodos de colheita das imensas safras que as fazendas brasileiras produziam foi o Aparelho para Colher Café, criado por Manoel Francisco de Castro Nascimento. Funcionando como uma rede sob o cafeeiro, esse aparelho era utilizado durante a colheita para que o café não caísse no solo, evitando que grãos de terra e corpos estranhos se misturassem ao produto. Desejando assegurar a confiança dos clientes quanto à qualidade e utilidade do seu invento, Castro Nascimento mandou fabricar alguns desses aparelhos na Inglaterra, e os distribuiu entre alguns fazendeiros conhecidos, afirmando-lhes que, com 100 homens disponíveis, necessitariam de vinte a trinta aparelhos para reduzir à metade o tempo da colheita. Sua estratégia parece ter funcionado, pois, conforme anunciou um lavrador na Gazeta de Notícias, ao menos vinte unidades do aparelho foram encomendadas.106 Pela lei de 1830, os fabricantes estrangeiros não podiam patentear no Brasil inventos protegidos em outras nações. O reconhecimento dos direitos do estrangeiro expressava-se no prêmio que o inventor recebia a título de ressarcimento pela introdução de seu invento no país. Após o pagamento feito pelo governo, a patente se tornava de domínio público. 161 Entretanto, a lei não esclarecia o procedimento a ser adotado para as máquinas estrangeiras importadas para o Brasil. Assim, não há clareza sobre os motivos para que a venda dessas máquinas empregadas no beneficiamento do café no Império fosse também objeto de concessão de patente. Pela prática adotada, o representante do fabricante estrangeiro no Brasil obrigava-se a requerer ao governo concessão de privilégio exclusivo para proceder à importação e à venda daquelas máquinas. Nesse caso, também a Sain era encarregada de apreciar a matéria. Na sessão de fevereiro de 1870, por exemplo, a assembléia dos sócios da Sain acompanhou o parecer de sua Secção de Machinas e Apparelhos sobre o requerimento de José Gomes de Oliveira Guimarães para o privilégio de venda, por dez anos, das “Machinas de descascar, limpar, brunir e separar o café” de E. Carver & Cia., de Boston, EUA.107 O requerimento de Oliveira Guimarães foi negado porque a invenção em questão já havia sido patenteada no Brasil, em abril de 1868, por Alberto Angell.108 Portanto, não poderia haver privilégio para a importação e venda de uma máquina estrangeira idêntica à que fora criada e patenteada no Brasil. Porém, quando o mesmo Angell solicitou privilégio industrial para “um cylindro de ferro fundido com canaleiras ou meias canas ou chapas corrugadas fixas em molas de aço” que introduziu em sua máquina como elemento de aperfeiçoamento, seu requerimento foi negado, devido à mesma adaptação já ter sido praticada em 1864, e privilegiada por 10 anos, por William Van Vleck Lidgerwood em máquinas de sua invenção.109 Naquele momento, Guilherme Van Vleck Lidgerwood — provavelmente a mesma pessoa com o nome traduzido — ocupava o cargo de membro da Secção de Machinas e Apparelhos, que emitiu o parecer. 162 Lidgerwood era um dos fabricantes estrangeiros que, ao que parece, mais vendia no Brasil. Porém, durante a década de 1860 e princípios da década seguinte, demonstrou ter adotado a nacionalização dos modelos mais necessários à lavoura cafeeira, consolidando seus produtos no mercado interno e protegendo suas máquinas de possíveis imitações, à medida que se popularizavam em todas as regiões cafeeiras. Enquanto Guilherme Lidgerwood participava diretamente do núcleo de apreciação das invenções e melhoramentos que surgiam, suas máquinas serviam de parâmetro para o julgamento das novas patentes requeridas no Brasil. O próprio André Rebouças, presidente da Secção de Machinas e Apparelhos, lembrava, no início da década de 1880, que “devemos a um filho da grande República, ao infatigável Engenheiro Mecânico — William Van Vleck Lidgerwood — a iniciativa de todos os melhoramentos introduzidos, nestes últimos anos, nos mecanismos de beneficiar café”.110 Confirmando essa opinião, ao julgar petição de privilégio de Manoel Rodrigues Alves Vianna para um aparelho capaz de “limpar e brunir” duzentas arrobas de café em um dia, a Secção ponderou que Entre as machinas de limpar e preparar café, usadas no Império, occupa o primeiro lugar a bem conhecida machina Lidgerwood, privilegiada até 1877 pelo Decreto n. 5169 de 4 de Dezembro de 1872. Teve por isto a Secção o cuidado de examinar que a nova machina de brunir café não empregava os mesmos elementos mecanicos que a machina Lidgerwood.111 A máquina de Lidgerwood deve ter tido sua patente requerida primeiramente no Brasil e reconhecida nos demais países. Mas não há certeza a esse respeito. 163 É possível ainda que a Lidgerwood, como prática geral, introduzisse no Brasil suas inovações já patenteadas no exterior, recebendo por elas o prêmio correspondente, além de adquirir o direito de produzi-las no Brasil. Nesse caso, o fabricante ficava também com o direito ao patenteamento dos aperfeiçoamentos dessas máquinas no país. Ao que parece, o tamanho do mercado brasileiro para as máquinas de beneficiar café de Lidgerwood compensava plenamente a cessão dos direitos de patenteador de algumas de suas máquinas para domínio público. Esta hipótese se fortalece, à medida que, sendo máquinas de patente em domínio público, o fabricante também continuava com o direito de continuar produzindo-as no Brasil. Para isso, contava com sua própria estrutura industrial e comercial, que o colocava em posição de vantagem sobre a concorrência. De qualquer maneira, no caso da patente de Lidgerwood referida pela Secção de Machinas e Apparelhos na apreciação do parecer de Alves Vianna, nota-se que o tempo mínimo de privilégio que o fabricante inglês recebeu — cinco anos — sugere que havia o interesse da Secção em reduzir a duração do tempo de privilégio do fabricante mais avançado, para que os direitos sobre a máquina caíssem mais rapidamente em domínio público, facilitando o patenteamento de similares e aperfeiçoamentos por outros inventores.112 Num outro processo de um limpador e brunidor de café, em 1875, a Secção elogiou os esforços dos inventores brasileiros para o aperfeiçoamento das operações de preparação do café exportável, por entendê-los da máxima urgência: os processos actualmente empregados são quasi os que nos legaram os tempos coloniaes: estão abaixo de qualquer crítica - todo o trabalho se faz a braços de pretos, que suffocão com o pó que sahe do café durante sua manipulação.113 164 Julgando, ainda, a invenção de Alves Vianna, a Secção mostrou-se preocupada em evitar que a máquina em questão repetisse uma linha de brunidores que julgava superados: Está muito em uso actualmente um brunidor de café, que consiste simplesmente em um grande cylindro, forrado com taboinhas de madeira pregadas com intervallos de um a dous centimetros. O café vai em saccos para o interior desse brunidor e é beneficiado pelo simples attrito de uns grãos sobre os outros durante a rotação desses cylindros. Tem evidentemente esse apparelho o inconveniente de deixar o café com todo o pó e todas as matérias estranhas com que veio do terreiro; quando evidentemente o maior benefício, que se pode fazer é isolál-o de todas as materias estranhas.114 Ainda que reconhecesse ter havido a preocupação em dotar a máquina de capacidade de limpar e brunir o café, “a Secção recommendou-lhe que dê mais desenvolvimento a estas disposições de modo a obter simultaneamente para o café a melhor apparencia e o mais grato sabor”.115 No caso desse autor, a Seção parecia particularmente interessada em estimular “uma officina de machinas para lavoura na Barra do Pirahy em um centro importantissimo de cultura do café”.116 Tudo indica que tal postura da Sain foi apropriada para que os inventores avançassem no desenvolvimento de tecnologia de beneficiamento do café. Uma década após, Manoel Rodrigues Alves Vianna & Cia. era uma “officina de machinas para a lavoura, fundição de ferro e bronze”, em Barra do Piraí, província do Rio de Janeiro, que produzia sob encomenda, além do brunidor 165 privilegiado, também despolpadores de café de quatro capacidades diferentes, de 25, 50, 60 e 80 alqueires de café por hora.117 A evolução das patentes requeridas a partir das necessidades da lavoura e dos obstáculos interpostos pela Secção de Machinas e Apparelhos em repetir inventos de ponta já privilegiados no Brasil forçava um caminho tecnológico próprio, caracterizado por invenções originais e melhoramentos comprovadamente funcionais para as máquinas de beneficiar café. Outro exemplo disso, foi o requerimento feito por José Ribeiro da Silva, o mesmo inventor do Concassor Ribeiro, que, também no ano de 1876, solicitou privilégio industrial para uma máquina capaz de descascar e brunir o café, a que chamou Eureka118. Essa máquina era o resultado das críticas e recomendações que a Secção fez ao concassor, que apenas descascava o café, sem bruni-lo. Sem poder usar o sistema Lidgerwood, considerado o mais moderno, que consistia nos mesmos mecanismos privilegiados cuja patente já tinha sido negada a Alberto Angell,119 Ribeiro buscou alternativas à máquina de Lidgerwood, recorrendo, na Eureka, a “superfícies elásticas para o descascamento ou quebrador de casca, como elle denomina, e reserva muito prudentemente a helice não elástica para o brunido”.120 Com esse artifício técnico, Ribeiro conseguiu o privilégio exclusivo para a Eureka, com a ressalva de que a máquina destinava-se apenas ao uso na “pequena lavoura”.121 Evitando repetir invenções consagradas, Ribeiro também marcou uma linha tecnológica seguida por outros inventores brasileiros, ue, auxiliados pelos pareceres da Secção de Machinas e Apparelhos da Sain, tiveram a chance de desenvolver suas invenções e progredir como fabricantes. 166 Como exemplo, em 1876 a Secção aprovou uma peticão para privilégio por dez anos para uma “nova machina de preparar café”, embora entendesse que o invento não era original por pertencer ao tipo de máquinas “sem molas ou elementos elásticos, como o primitivo Concassor Ribeiro”. Nesse particular, a tolerância da Secção foi inconfundível, ao entender que “É muito provável que o actual requerente depois de mais profundo conhecimento do assumpto, faça os mesmos aperfeiçoamentos que o mencionado inventor”122 Ainda na década de 1870, a profusão de inventos, principalmente de descascadores e secadores, era tamanha que gerou entre os fabricantes inúmeros conflitos a respeito da autoria das invenções e dos diretos de fabricá-las e comercializá-las. Em 1877, uma polêmica envolvia os inventores José Ribeiro da Silva, com o Concassor Ribeiro; Joaquim Ribeiro Pedroso Júnior, com a “maquina de limpar” café Feronia123, e Bernardino Corrêa de Mattos, com a Machina Maravilha124. Na época, as questões entre eles se agravaram a tal ponto que a Sain chegou a marcar uma assembléia especial para tratar do “conflito entre os inventores das machinas de preparar café...”125 Uma carreira de invenções e patenteamentos como a de Samuel Beaven, cidadão inglês residente em Jundiaí, São Paulo,126 mereceria um estudo à parte deste trabalho. Autor isolado de mais de vinte patenteamentos de máquinas de toda a sorte para o trato industrial do café, Beaven é o melhor representante do circuito de produção de máquinas de beneficiamento de café, desde a criação até o comércio da inovação, no interregno entre a primeira e a segunda lei de patentes, no Brasil. Ainda em 1876, a Secção de Machinas e Apparelhos protestou contra o fato de o autor ter apresentado petição de privilégio a um só tempo para quatro de seus inventos: um aparelho para matar formigas (preocupação constante na 167 lavoura insolada), um ralador de mandioca, um aparelho para extrair raízes (útil na limpa e preparação da terra para o plantio) e um despolpador e descascador de café. Apesar do protesto, Beaven obteve os privilégios requeridos.127 Em seguida, a Secção concedeu a Beaven outro privilégio para “um aperfeiçoamento nas molas usadas pelas machinas de descascar café do systema de Lidgerwood”. Ou seja, o autor também entrara na seara do fabricante mais renomado, criando a partir das máquinas mais bem estabelecidas comercial e tecnologicamente. Nesse caso, o aperfeiçoamento parece ter sido bastante inovador. A Secção, sem ter como testá-lo, mas também sem poder negá-lo de antemão, decidiu-se pela concessão do privilégio ao constatar que “os princípios seguidos pelo inventor são racionais...”128 A trajetória inventiva percorrida por Beaven demonstra tratar-se de um inventor profissional, detentor de grande saber técnico e muito articulado com os maiores fabricantes de máquinas de São Paulo. Em 1877, ele patenteava um aparelho que chamou Secador Horizontal de Beaven129; no ano seguinte, criava um “aparelho combinado” desse secador com um despolpador de café. A novidade consistia nas “disposições de sua união com o despolpador”130. Porém, em 1879, quando Beaven voltou com novo requerimento para esteiras de tela de arame para despolpar, descascar ou secar café, “reconheceu a Secão que as esteiras, a que se refere o recorrente, são já muito conhecidos e aplicados, com certas modificacões, em maquinas de beneficiar café, já privilegiados pelo Governo Imperial”.131 Por isso, a Secção deliberou contra a concessão do privilégio, mandando arquivar a petição do autor. 168 Neste mesmo ano, Beaven tentaria patentear o Regulador Automático de Calor, segundo ele próprio um “apparelho de seccar e torrar café”132. Provavelmente, esse regulador seria um aperfeiçoamento ao funcionamento do secador horizontal, podendo também ser utilizado em outros aparelhos. Em 1880, Beaven mais uma vez se faria presente. Fez patentear uma máquina de despolpar café cereja ou descascar café seco, que chamou Despolpador Beaven133, o Ventilador Beaven ou Ventilador Ipanema134 e um aparelho ventilador de café a que chamou Limpador de Café Beaven.135 Demonstrando conhecer em profundidade a natureza físico-química do café e as necessidades da lavoura cafeeira do país, ele registrou, a respeito do despolpador apresentado, uma espécie de dez mandamentos de um bom aparelho desse tipo: 1. Deve tirar a casca vermelha sem prejudicar o pergaminho e a pellicula. 2. Deve separar a casca no processo de despolpar e não deixal-a misturada com o café para ser separada por outro processo. 3. Não deve deixar sahir um grão de café, junto com a casca. 4. Deve deixar passar todo o café verde sem ser despolpado, sendo impossível despolpar este sem tirar o pergaminho e a pellícula. 5. Deve ter meio de separar o café verde do despolpado. 6. Não deve entopir-se facilmente. 7. Deve ter meio de tirar facilmente qualquer cousa estranha que por acaso entra junto com o café. 8. Deve ter bastante duração e não ser dispendiosa em concertos. 169 9. Não deve carecer muita água nem grande força motora. 10. Deve ter preço razoavel ao alcance de todos os lavradores.136 No ano seguinte fez patentear novamente três invenções. A primeira era uma máquina multitarefa que reunia em si as operações de descascamento, ventilação e separação do café, a que chamou Machina Beaven.137 A segunda — que demonstra que o inventor acreditava na necessidade de melhoria do café a partir das lavouras —, era o Estrumador Ibicaba, “um apparelho destinado a espalhar estrume nos cafezais”138. Quanto à terceira, tratava-se de um aperfeiçoamento ao Despolpador de Gordon, uma máquina usada nas colônias inglesas da Ásia, e que tinha representado a Guatemala na exposição coletiva da América do Sul, dentro da Exposição Universal de Paris de 1878.139 Ao mesmo tempo que essa máquina era introduzida no Brasil, em 1880, Beaven já anunciava seu melhoramento, sob a alegação de que a máquina original, ainda que largamente utilizada no Ceilão, apresentava o inconveniente de quebrar os grãos que nela passavam. Por isso, procurou adaptar borrachas nas partes do aparelho que conduziam o café, além de outras mudanças que caracterizavam o melhoramento.140 Esse patenteamento indica ter ocorrido um intercâmbio de informações sobre as máquinas entre os inventores e fabricantes do Brasil com os do exterior, como era a intenção da Sain desde a sua fundação.141 A estratégia de melhorar inventos consagrados parece ter funcionado a contento, pois da associação entre Beaven e o fabricante e inventor Bierrembach, 170 surgiu um despolpador de teve boa aceitação nas fazendas. Segundo o fabricante de Campinas, As machinas de despolpar café deste novo sistema em uso em diversas localidades, tem provado a sua superioridade, nos seguintes pontos: 1. O novo cylindro com os dentes feitos de grampos, evita a despeza continua de renovar as chapas 2. O novo systema de collocar e prender a borracha produz melhor resultado, e facilita tirar qualquer cousa estranha que por acaso entra junto com o café. 3. Separam perfeitamente bem a casca, o café verde, e o café despolpado limpo. 4. Occupam pequeno espaco, e o assentamento é facílimo. 5. Levam pouca força motora, e pouca água no servico de despolpar. 6. São as mais singelas e as mais baratas. Fazem-se os despolpadores de tres tamanhos para despolpar de 400 até 800 alq. (de 40 l) por dia.142 A partir de 1883, já sob a nova legislação de privilégios industriais, Beaven daria continuidade à sua carreira tecnológica. Iniciando pelo Seccador Multitubular de Beaven143, desenvolveu ainda outro secador multitubular144 e uma Escolhedeira Beaven, para “escolher e limpar o café”145, em 1884. A seguir patenteou uma outra máquina para “limpar e escolher café”146, a Escolhedeira Pneumática Beaven147 e o Despolpador Beaven Melhorado148, estes de 1885. Posteriormente, o inventor ainda patenteou o Seccador Beaven Melhorado 171 (1888)149, um outro secador de café150 e uma máquina “para beneficiar café e arroz” (ambos em 1889)151, um melhoramento da Machina de Despolpar Beaven152 e o Engenho de Café Beaven, uma máquina multitarefa para “limpar, descascar, ventilar, brunir e catar café, e de descascar arroz” 153 (em 1890). Expectativa do fim da escravidão? Esperança no resultado das mudanças nas leis de patentes? Interesse no aproveitamento do potencial de crescimento da lavoura cafeeira? Facilidade de comunicação com fabricantes e outros inventores de máquinas? Genialidade criativa? O que teria feito Samuel Beaven produzir tantos inventos em pouco mais de dez anos, exatamente naqueles anos de maiores mudanças no quadro jurídico-institucional do Segundo Reinado? Responder a todas essas questões está acima das modestas pretensões deste estudo. Entretanto, o percurso que Beaven fez desde Ibicaba, de onde requereu a primeira patente encontrada, passando por Itaicy, depois por Campinas, onde inventou para Bierrembach, até chegar a Jundiaí, onde provavelmente trabalhou para Mac Hardy de 1888 em diante, seria o próprio percurso da transformação na infra-estrutura tecnológica da lavoura cafeeira brasileira nas últimas décadas do século XIX. Nesse sentido, Beaven encarnou a própria transplantação do saber técnico (know how) para a geração de tecnologia de máquinas de beneficiamento de café no Brasil. Ao imigrar da Inglaterra para o Brasil, o inventor trouxe do centro gerador do modelo industrial para o local da plantação do café o padrão cultural e tecnológico para a geração da máquina de beneficiar o produto. Beaven foi um inventor de máquinas de beneficiar café no Brasil. Representativo dos inventores de seu tempo, Beaven penetrou no dia-a-dia da fazenda cafeeira e alterou-lhe a dinâmica pelo movimento das máquinas. 172 NOTAS 1 Dumont, A. S. Op. cit., p. 90. 2 Cf. Kemp, T. Op. cit.; Landes, D. Op. cit.; Mason, Stephen F. História de las ciencias. La ciencia del siglo XIX. Madrid, Alianza, 1985, vol. 4; Nef, John. La conquista del mondo material. Buenos Aires, Paidos, 1969. 3 Cf. Hobsbawn, Eric. Da Revolução Industrial ao imperialismo. Rio de Janeiro, Forense, 1983, e Cipolla, Carlo. História econômica da Europa pré-industrial. Lisboa, Edições 70, 1974. 4 A este respeito ler: Honorato, Cezar e Beauclair, Geraldo. “Niterói industrial ...”. Op. cit. 5 Empresto a imagem mítica associada à ciência moderna de “The Unbound Prometheus”, título original da obra do professor Landes, David S. Progreso tecnologico y revolucion industrial. Madrid, Tecnos, 1979. 6 Cf. notícia publicada no jornal O Globo, do Rio de Janeiro, em 15/06/1995, p. 15, dando conta do resgate da embarcação feita por arqueólogos na costa do estado da Carolina do Sul, EUA, onde afundou em 1864. 7 André Rebouças, um monarquista notório, assim se referiu aos Estados Unidos da América em seus artigos de análise da agricultura brasileira. O conjunto destes trabalhos encontra-se em Rebouças, André. Agricultura nacional. Estudos econômicos. Rio de Janeiro, Typographia A. J. Lamoreux, 1883, p. 27. 8 Cf. Lobo, Eulália et al. Questão habitacional e o movimento operário. Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1989, pp.27-28. A respeito da história do Clube de Engenharia, desde sua fundação, ver: Honorato,C. (coord.), op. cit. 9 Cf. Pesavento, Sandra. Op. cit. 10 Cf. Dumont, A. Santos. Op. cit. 11 Ibid., p. 49. 12 Ibid., p. 52. 13 No relatório sobre a Exposição Universal da Philadelphia, em 1876, Nicolau J. Moreira afirmou “que na UniãoAmericana grande parte do café brasileiro superior era vendido sob diversas denominações, sendo conhecido geralmente como produto do Brasil o café ordinário que aparecia no mercado; - café dos pobres - tal era o nome que se lhe dava”. O Auxiliador...1881, p. 79. Grifo do autor. 14 Von Tchudi, J. J. Op. cit., p. 16. 15 Ibid., pp. 35-36. 16 Cf. Bloch, M. Op. Cit.; Katinsky, J. Op. cit. e Beauclair, G. Raízes... 17 Jornal do Commércio, 16.12.1873, p. 6. Grifo meu. 18 Jornal do Commércio, 04.09.1874, p.5. Grifo meu. 19 Jornal do Commércio, 03.07.1877, p. 5. 20 O Jornal do Commércio, 27.09.1874, p. 6, trouxe a seguinte mensagem “para Valença: deseja-se comprar tres escravos carpinteiros ou marceneiros, que sejão possantes e de boa conducta, e não se faz questão de dinheiro [...]”. 21 É comum encontrar nos jornais, principalmente a partir de 1880, anúncios como o de “um homem casado, perito machinista, com muita prática de beneficiar café, deseja encontrar uma fazenda importante para tomar conta dos engenhos...” Jornal do Commércio, 15.01.1880, p. 5. 22 Uma pesquisa individual mais acurada sobre os fabricantes e inventores extrapolaria os objetivos deste trabalho. As assertivas sobre a Lidgerwood Man. Co. Ltd. estão presentes na maioria de seus anúncios na imprensa, principalmente: Almanak Laemmert 1873, p. 669; Jornal do Commércio, 13.01.1880, p. 5; Correio Paulistano, 14.07.1904, p. 7. 23 Jornal do Commércio, 09.05.1882, p. 5. Grifos meus. 24 Essa distribuição regional dos estabelecimentos industriais de máquinas de beneficiamento pode ser constatada pelo seguinte anúncio: “João Anastácio Caminha, machinista conhecido e práctico ha vinte annos nas provincias do Rio de Janeiro e Minas, tem a honra de participar aos Srs. fazendeiros que se acha estabelecido com fabrica de machinas de preparar café na cidade de Leopoldina, onde recebe suas encommendas, e se encarrega de fazê-las seguir seu destino. A grande vantagem que têm as machinas é descascar o café sem fazer poeira, e deixa-lo limpo, sendo preciso apenas ir ao pilão para brunir; a machina tem ventilador e peneira: póde preparar 400 arrobas em 12 horas; isto é, conforme a collocação das ditas machinas, e também se encarrega de dar direcção para o assentamento das mesmas, mediante qualquer quantia, conforme fôr a distância. As machinas são em tudo iguais às de Ferreira de Assis. Preço das machinas n. 1...............................350$000 Preço das machinas n. 2...............................300$000 Preço das machinas n. 1 com ventilador.......850$000 Preço das machinas n. 2 com ventilador.......800$000 173 [...] Os fazendeiros que quizerem vê-las podem dirigir-se à mesma cidade, na dita fábrica.” Jornal do Commércio, 04.12.1873, p. 5. Os processos referentes aos patenteamentos dessas máquinas não foram localizados, permanecendo dúvidas quanto à originalidade dos inventos. 25 Para aprofundamento sobre a composição das diretorias e seções da Sain, consultar a coleção de O Auxiliador... a partir de 1870. 26 A respeito, consultar as composições das diretorias da Sain e de suas várias seções, nas edições de O Auxiliador... correspondentes aos anos citados. Quanto a Henrique Hargreaves, a firma Hargreaves Irmãos patenteou: em 1879, a “Machina Hargreaves” para beneficiar café (Arquivo Nacional. Privilégios Industriais. PI-00403) e um aperfeiçoamento à mesma máquina (Arquivo Nacional. Privilégios Industriais. PI-06680). Em 1880, a firma patenteou um equipamento referido como “machina de preparar e beneficiar café” (Arquivo Nacional. Privilégios Industriais. PI-08187). 27 As patentes de Escragnolle Taunay serão tratadas especificamente adiante. 28 Rebouças, André. Op. cit. 29 Decreto n. 1337 de 17.06.1857, apud. O Auxiliador...1870, pp. 50-51. O processo de privilégio industrial referente ao invento não foi localizado. 30 O Auxiliador... 1870, pp. 50-51. 31 O Auxiliador... 1873, p. 138. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 32 O Auxiliador... 1873, p. 499. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 33 O Auxiliador... 1874, p. 11. 34 A historiografia a respeito dos pioneiros dos municípios cafeicultores do Sudeste brasileiro é insuficiente para a identificação dos autores de invenções entre a nobiliarquia brasileira. O exemplo do município de São Carlos demonstra a oportunidade de pesquisas como a de Truzzi, Oswaldo. Café e Indústria. Através dessa obra pude identificar na família Arruda Botelho os patenteadores cujas peticões de privilégio encontram-se no Arquivo Nacional. Privilégios Industriais: Antonio Carlos de Arruda Botelho/PI-6579; Leonardo Botelho/PI-1118, PI-1119, PI-1235, PI-1368 e PI-1470; Álvaro Carlos de Arruda Botelho/PI-1395, PI-7535 e PI-8636; Álvaro Botelho, Gautier & Cia/ PI-2112, PI-2129, PI-2130, PI-6480, PI-6575 e PI-7474; Auler, Teixeira e Botelho/ PI-0927, PI0989, PI-1193 e PI-1201; Elias de Camargo Penteado/PI-3806. É possível que outros membros não identificados dessa família tenham patenteado inventos. 35 Cf. Vasconcellos, Barão de. Archivo nobiliarchico brasileiro. Lausanne, Imprimerie La Concorde, 1918, pp. 475476. 36 Jornal do Commércio, 27.09.1874, p. 6. 37 Decreto 6020, de 30.10.1875. Collecção das Leis do Império do Brazil de 1875. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1876. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 38 O Auxiliador... 1875, p. 315 e pp. 341-342. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 39 O Auxiliador... 1875, pp. 341-342. 40 Jornal do Commércio, 17-18.04.1876, p. 5. 41 Arquivo Nacional. Privilégios Industriais. PI-07001. Doravante as referências ao Fundo de Privilégios Industriais do Arquivo Nacional serão simplificadas na sob forma: “PI”. 42 Não foram localizados documentos para verificação da origem desta máquina. 43 Arquivo Nacional. PI-06782. 44 O Auxiliador... 1879, pp. 33-35. A respeito das mós consultar: Bloch, M. Op. cit.; e também Katinsky, J. Op. cit. 45 O Auxiliador... 1879. pp. 33-35. 46 Jornal do Commércio, 08.02.1884, p. 7. 47 O Auxiliador... 1879, pp. 33-35. 48 O Auxiliador... 1883, pp. 35-39. 49 O Auxiliador... 1883, pp. 35-39. 50 O Auxiliador... 1883, pp. 35-39. 51 Arquivo Nacional. PI-08126. 52 Arquivo Nacional. PI-08126. 53 Arquivo Nacional. PI-07028. 54 Arquivo Nacional. PI-07028. 55 Arquivo Nacional. PI-07040. 56 Arquivo Nacional. PI-07040. Uma pesquisa mais aprofundada acerca das disputas pelos direitos autorais de máquinas de beneficiamento de café poderá servir-se da documentação judiciária encontrada no Arquivo Nacional e no Centro de Memória da Unicamp, principalmente. 174 57 Arquivo Nacional. PI-06657. 58 Arquivo Nacional. PI-06683. O inventor Daniel Pedro Ferro Cardoso, sócio e ex-membro da Seção de Artes Liberaes da Sain, foi tratado por “architecto” por seus pares na Sain quando da proposta que fez à Sociedade em 1876 para que o Brasil sediasse uma exposição universal, no Rio de Janeiro, a ser aberta em abril de 1880. O Auxiliador... 1876, pp.286-287. 59 Arquivo Nacional. PI-06683. 60 O Jornal do Commércio, 21.05.1882, p. 5, publicou uma carta dirigida aos fazendeiros por Frederico Carlos da Cunha e Cia., convidando-os a assistir à demonstracão da “Machina de seccar, em seis horas, o café cereja”, inventado por Dr. Ferro Cardoso, no domingo, 28-05-1882, nas oficinas de fundicão dos Srs. Finnie Comp., na rua Cons. Zacharias, 4, Saúde. O anúncio dizia que “a baixa do café nos mercados impõe aos srs. fazendeiros a necessidade de procurar o meio de produzir o café bom e a preco mais modico do que actualmente. Ora, como seja incontestavelmente, na produção do café, a parte mais dispendiosa, lenta e trabalhosa o secca-lo; segue-se que o apparecimento de uma machina, que, sendo de custo barato, de modo a achar-se na altura das pequenas fortunas, secasse o café em cereja em muito pouco tempo e sem alterá-lo, seria, para a lavoura, o melhor auxílio que ella poderia obter para uma producção econômica. “Ainda maior seria a vantagem, se essa machina, no próprio trabalho de secca do café despolpasse-o todo e mesmo descascasse-o em grande parte. [...] Cumpre fazer tornar bem saliente que o café secco por machina sahe todo com uma uniformidade, de cor admirável, qualquer que seja a diferença no estado de maturição de cereja que fôr empregada, isto é, a mistura de cafés verdes, seccos e maduros”. 61 Decreto 6135, de 04.03.1876. Collecção das Leis do Império do Brazil de 1876. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1876. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 62 O Auxiliador... 1876. p.7. 63 Panfleto da “Machina Brazileira”, de Bernardino Corrêa de Mattos. (Obras Gerais/Biblioteca Nacional) 64 Lista de preços da “Machina Brasileira” de Bernardino Correa de Mattos. (Obras Gerais/Biblioteca Nacional) 65 Jornal do Commércio, 06.05.1876. 66 Jornal do Commércio, 07.02.1879, p. 7. Os processos de privilégios industriais não foram localizados. 67 Arquivo Nacional. PI-07096. 68 Jornal do Commércio, 05.09.1878, p. 4. 69 Arquivo Nacional. PI-07735. 70 O Auxiliador... 1879, p. 35. 71 Em seus artigos sobre a agricultura brasileira, Rebouças fez observações como esta: “Os resíduos do café e de qualquer outro produto agrícola são excellentes restauradores (estrumes, adubos) dos terrenos, que deram essa colheita. Não queimeis as cascas de café, e quando cometerdes esse erro econômico apanhai, cuidadosamente as cinzas, e utilizai-as como estrume mineral nos vossos cafezais [...]” (Rebouças, A. Op. cit. p. 140). Do mesmo tema tratava Nicolau Moreira, nos diversos artigos sobre “Economia Rural” que publicou em O Auxiliador da Indústria Nacional, na década de 1880. 72 Arquivo Nacional. PI-06687. 73 Arquivo Nacional. PI-06687. 74 Arquivo Nacional. PI-07738. 75 Jornal do Commércio, 05.05.1902. 76 Jornal do Commércio, 06.01.1878, p. 4. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 77 Jornal do Commércio, 06.01.1878, p.4. 78 Arquivo Nacional. PI-08799. 79 Arquivo Nacional. PI- 06640. 80 Arquivo Nacional. PI- 8192 e PI-6781. Dada a semelhança dos relatórios autorais, acredito tratar-se do mesmo patenteamento. 81 Arquivo Nacional. PI- 08192. 82 Jornal do Commércio, 22.04.1881, p. 6. 83 Correio Paulistano, 06.04.1881, p. 2. 84 Correio Paulistano, 06.04.1881, p. 2. 85 Correio Paulistano, 06.04.188, p. 2. 86 Arquivo Nacional. PI- 07678. 87 Arquivo Nacional. PI-08219. 88 Arquivo Nacional. PI-08219. 175 89 Arquivo Nacional. PI-08219. 90 Arquivo Nacional. PI-08219. Grifo do inventor. 91 O Auxiliador...1880, pp. 201-206. 92 Ibid. 93 Ibid. 94 Cruz, H.N. e Tavares, M. A. R. Op. cit., pp. 218-219. 95 Arquivo Nacional. PI-06819. 96 Arquivo Nacional. PI-06819. 97 Arquivo Nacional. PI-07548. 98 Arquivo Nacional. PI-07548. Grifo do inventor. 99 Capa do manual da “Machina de Seccar Café Taunay-Telles” de Luiz Goffedro de Escragnolle Tunay e Augusto Carlos da Silva Telles. Obras Gerais/Biblioteca Nacional. 100 O Auxiliador... 1883, pp. 35-39. 101 O Auxiliador... 1883, pp. 35-39. 102 O Auxiliador... 1883, pp. 35-39. Em 1886 Taunay e Telles voltaram a patentear “melhoramentos introduzidos na machina”. (Arquivo Nacional. PI-07470). Em 1888, patentearam uma “nova machina de seccar café”, com o mesmo nome da anterior (Arquivo Nacional. PI-09136). 103 Cf. Jornal do Commércio, 30.05.1878, p. 8. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 104 Cf. Jornal do Commércio,30.05.1878, p.8. 105 Arquivo Nacional. PI-00285. 106 Embora o processo de privilégio e o decreto de concessão do privilégio deste aparelho não tenham sido localizados, vários anúncios informavam que o autor contava com o exclusivo do privilégio garantido pela lei, a exemplo da publicação do Jornal do Commércio (23.02.1879, p. 8). 107 O Auxiliador... 1870, p. 146. 108 O Auxiliador... 1870, p. 146. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 109 O Auxiliador... 1870, p. 146. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 110 Rebouças, A. Op. cit., 1883, p. 27 111 O Auxiliador... 1875, pp. 340-341. Não foram localizados documentos de patenteamento da máquina Lidgerwood. 112 Devido à omissão da lei de 1830 quanto às formas de garantir os direitos de patentes estrangeiras, assumi neste trabalho que o reconhecimento, quando se explicitava, restringia-se à publicação de um decreto quando particularmente solicitado pelo patenteador estrangeiro diretamente interessado, sem passar pelo crivo da Sain. 113 O Auxiliador... 1875, pp. 448-449. 114 O Auxiliador... 1875, pp. 340-341, e Jornal do Commércio, 09.03.1886, p. 3. 115 O Auxiliador... 1875, pp. 340-341. 116 Ibid.. 117 Jornal do Commércio, 09.03.1886, p. 3 . O processo de privilégio do despolpador de Manoel R. A. Vianna não foi localizado. 118 Cf. O Auxiliador... 1876, pp. 290-292. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 119 A patente era para um “cylindro forrado com talagarça de arame de aço, e as molas rectangulares, com saliencias digiformes, elementos mecanicos que constituem a indiscutível superioridade das machinas Lidgerwood sobre todas as outras” (O Auxiliador... 1876, pp. 290-292). 120 O Auxiliador... 1876, pp. 290-292. 121 Ibid. 122 O Auxiliador... 1876, p. 415. 123 A Machina Feronia foi privilegiada pelo Decreto 6604, de 04.07.1867 e cedida a Moreira Cunha & C. Em novembro de 1877, o cessionário requereu privilégio para uma inovação nela (cf. O Auxiliador... 1877, p. 533. Os processos de privilégios do invento original e seu melhoramento não foram localizados). 124 Trata-se de um aperfeiçoamento da máquina Brazileira para descascar café, que lhe alterou também o nome original (cf. O Auxiliador... 1877, p. 160. O processo de privilégio industrial não foi localizado). 125 Cf. O Auxiliador... 1877, p. 160. 126 Cf. Carone, E. O Centro Industrial do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Cátedra, 1978. p. 21. 176 127 Cf. O Auxiliador... 1877, p. 85. O processo dos privilégios industriais não foi localizado. 128 O Auxiliador... 1877, p. 486. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 129 Cf. O Auxiliador... 1878, pp. 122 e 147-148. O invento foi patenteado pelo decreto 6711, de 13.10.1877. Seu processo de privilégio industrial não foi localizado. 130 Ibid. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 131 O Auxiliador... 1879, p. 195. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 132 Arquivo Nacional. PI-08179. 133 Arquivo Nacional. PI-08196. 134 Arquivo Nacional. PI-08197. 135 Arquivo Nacional. PI-08198. 136 Arquivo Nacional. PI-08196. 137 Arquivo Nacional. PI-07733. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 138 Arquivo Nacional. PI-07737. 139 Cf. O Auxiliador... 1879, p. 36. 140 Arquivo Nacional. PI-07732. Nesta pesquisa não levantei processos de concessão de importação de máquinas apenas para o comércio. É possível que esses processos constituam acervo documental à parte, cuja consulta fugiria ao âmbito deste trabalho. 141 A concessão de privilégio para o melhoramento no Despolpador Gordon foi obtido por Beaven pelo Decreto 7755, de 10.07.1880. Não foi possível levantar dentre os inventos patenteados por Beaven quais foram fabricados e utilizados na lavoura e na indústria do café. Uma pesquisa com esse fim deverá consultar fontes de empresas industriais e comerciais de máquinas de café do período, além dos inventários de fazendas cafeicultoras. Alguns aperfeiçoamentos de suas máquinas feitos por outros autores permitem crer que as patentes de Beaven entraram, em grande parte, no circuito produtivo do café. 142 Correio Paulistano, 02.02.1884, p. 3. 143 Arquivo Nacional. PI-08907. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 144 Arquivo Nacional. PI-08948. É possível tratar-se do mesmo documento PI-08907. 145 Arquivo Nacional. PI-08950. 146 Arquivo Nacional. PI-00163. 147 Arquivo Nacional. PI-07409. 148 Arquivo Nacional. PI-08949. 149 Arquivo Nacional. PI-09215. 150 Arquivo Nacional. PI-07412. 151 Arquivo Nacional. PI-00425. 152 Arquivo Nacional. PI-01028. 153 Arquivo Nacional. PI-01037. OK 177 5 A EMPRESA DA CRIAÇÃO Chegado o momento de aterrar, goza-se de indizível alegria em ir ter com homens estranhos, como um deus saído de uma máquina. Em que país se está? Em que língua, alemã, russa, norueguesa, obter-se-á a resposta?1 A segunda lei brasileira de patentes, aprovada em outubro de 1882, marcou um novo momento da produção de máquinas para beneficiar café no Brasil. Sua aprovação ocorreu associada a uma expansão da lavoura e dos negócios internacionais com o café, contribuindo para uma substancial mudança no quadro evolutivo das patentes de privilégios de equipamentos de beneficiamento do produto, nas duas últimas décadas do século XIX e no primeiro decênio do século XX. A tendência de ampliação do mercado mundial, a abundância de terras férteis no Sudeste e o surgimento de cafés de qualidade internacional elevada parecem ter estimulado uma oferta de máquinas à agricultura cafeeira. A nova lei de patentes veio associada a uma fase de expansão das fábricas de equipamentos para beneficiamento de café dirigidas pelos próprios inventores ou por empresários que adquiriam os direitos sobre as patentes. A nova lei confirmou os direitos de patentes internacionais. Assegurados os princípios de reciprocidade e internacionalidade das patentes presentes na lei anterior, o novo estatuto legal também orientou, no Brasil, a forma de requerimento das patentes industriais já garantidas em outros países. Vivia-se um tempo em que o conhecimento científico aplicado aos processos industriais e aos materiais destinados às construções mecânicas eram conhecidos dos setores “industriais” brasileiros, a par do que ocorria no exterior. 178 Não existia uma defasagem científica e tecnológica a ponto de não permitir que as inovações mais bem-sucedidas fossem logo compreendidas e aperfeiçoadas pelos inventores e empresas concorrentes. Isso ocorria em relação ao maquinário de café e outros produtos agrícolas. No século XIX, notadamente em sua segunda metade, viveu-se uma época em que muitas das experiências científicas que culminaram em invenções marcantes foram fruto do entusiasmo e da confiança que se disseminava na Ciência. Acima de tudo, acreditava-se no espírito criativo de homens que, a partir dos conhecimentos científicos e mecânicos elementares de que dispunham, testavam combinações originais e, não raramente, chegavam a resultados surpreendentes. Tal foi, por exemplo, a fórmula utilizada por Santos Dumont para criar o seu balão dirigível. Instigado pela idéia de sobrevoar os céus de Paris e retornar ao ponto de partida, Dumont procurava utilizar-se de tudo que estivesse ao seu alcance para “criar” a solução técnica desejada. Com esse espírito, o inventor percorria a cidade de Paris: Numa pequena oficina de carpinteiro, fabriquei com as minhas próprias mãos um comprido quadro de madeira de pinho, de seção triangular, muito leve e muito rígido. Apesar de medir 18 metros de comprimento, pesava só 41 quilos. As junturas eram de alumínio. E para garantir a leveza, para assegurar a rigidez, para que oferecesse a mínima resistência ao ar e mínima sensibilidade às variações higrométricas, tive o cuidado de reforçá-lo, não mais com cordas ordinárias, mas com cordas de 2 piano. Excetuando-se o volume dos capitais e os mercados cativos das maiores economias mundiais, a tecnologia brasileira não se diferenciava da estrangeira quando sua aplicação comercial destinava-se ao uso rotineiro por setores sociais economicamente consolidados. 179 Veja-se, por exemplo, o estágio da indústria de pianos, já de muito fomentada em todo o mundo e no Brasil, pela prática da música no âmbito familiar.3 Ainda em 1873, quando a maioria dos senhores de terras e escravos habitavam as casa-grandes4, o Jornal do Commércio anunciava que Os mais perfeitos e mais sólidos pianos, vendem-se por preços commodos e com toda a garantia, na fabrica nacional da rua Sete de Setembro n. 217. N.B. - Em vista da bem montada officina, melhor do que qualquer aqui no Rio de Janeiro, concerta-se pianos com cepos arreiados etc., com toda a perfeição. Depósito de legítimos Condes do Smith & Hangthon.5 Da mesma maneira, é surpreendente o volume de produtos industriais oferecidos ao consumo doméstico strictu sensu. No mesmo período, quando a água era servida em chafarizes, a eletricidade estava nos primeiros momentos e apenas algumas cidades tinham iluminação a gás, outro ramo industrial buscava amenizar as fainas do dia-a-dia dos lares cariocas oferecendo a verdadeira machina de lavar roupa do autor Fisson, portatil, preço muito barato em relação; a verdadeira machina de lavar roupa do autor póde lavar e bater 100 peças de roupa em 2 horas, economizando 50% no sabão que se gasta pelo systema ordinário, com igual economia de agua, sem o inconveniente de rasgar ou moer a roupa como em outras machinas...6 Isso leva a crer que ao menos uma parcela da sociedade brasileira das últimas décadas do século XIX estava relativamente acostumada a utilizar produtos nacionais e estrangeiros de um padrão tecnológico atualizado para o seu tempo, embora ainda convivesse com naturalidade com a escravidão dos negros brasileiros. A documentação oficial e a publicidade daqueles anos indica que as firmas nacionais e estrangeiras buscavam aperfeiçoar os produtos com que se 180 estabeleciam originalmente para, após a caducidade da primeira patente obtida, garantir ao seu negócio o aval da Sain e a proteção do governo imperial através da lei de privilégios industriais e do Código Comercial. No âmbito da grande produção cafeeira, o quadro não era outro. A mesma perspectiva de expansão da lavoura que incentivou o aumento da produção de equipamentos de benefíciamento de café atuou também de forma análoga ao motivar o fazendeiro a investir em mecanização. Os lucros que esperava obter produzindo cada vez mais café orientavam a abertura de novas plantações; e o fazendeiro mais empenhado na empresa buscava compatibilizar-se com as potencialidades da terra, levando máquinas para a fazenda, além de escravos e imigrantes. Na maioria dos núcleos urbanos, não eram apenas as ferrovias e a mariafumaça que alteravam a rotina e a paisagem. O interesse em produzir mais café, que orientava a vida das pessoas e transformava os campos, provocou também o surgimento dos engenhos-centrais de beneficiamento, os quais, totalmente mecanizados, deslocavam para as cidades uma parcela dos afazeres do campo. À frente desse processo estavam, geralmente, homens de grande importância local. Em São Fidélis, no ano de 1874, por exemplo, o jornal Correio Municipal informava existirem na cidade três estabelecimentos de beneficiar o café para exportação. Como o negócio estava em franca expansão, alguns homens movimentavam-se: No intuito de fundarem um estabelecimento em grandes proporções e condigno da importância deste município, acabão os Srs. Brandão & Balmaceda de admittirem mais dous socios [...] Ha dias partio para a Côrte o socio gerente o Sr Balmaceda, afim de comprar novos machinismos e uma machina a vapor de força de 20 cavallos, devendo por 90 dias abrirem o estabelecimento como pretendem, onde o lavrador a par da modicidade nos preços, encontrará no mercado da côrte 181 um valor condigno do café perfeitamente preparado naquelle estabelecimento.7 Era o surgimento do empresário do café, que, para além do comissário de café e do traficante de escravos, atuava na “indústria” agrícola. Mesmo a trajetória de Balmaceda no circuito da economia cafeeira aprofundou-se na década seguinte, quando ele passou também a patentear máquinas de beneficiar café e cevada. Em 1882, Balmaceda publicou em O Auxiliador da Indústria Nacional um artigo no qual narrou sua experiência com o trato do café, desde a colheita até a torrefação, sugerindo que essa operação fosse feita em seu torrador, com o qual disputou vaga para a Exposição Nacional de 1881, representando a província do Rio de Janeiro.8 Casos como esse trazem à tona o envolvimento dos empresários do beneficiamento do café com processos tecnológicos. As pesquisas são ainda muito incipientes para que se possa determinar se Balmaceda realmente se dedicava à invenção e ao melhoramento de máquinas de café e outros produtos agrícolas; se encomendava essas invenções a outrem e as patenteava como de sua autoria; se as máquinas eram fabricadas e vendidas ou se se limitavam ao uso apenas local, etc.9 De qualquer maneira, essas questões são plausíveis e se manterão até que um perfil do inventor-empresário brasileiro seja mais bem traçado. Entretanto, desde já é possível inferir que a passagem de homens de atividades diversas para a atividade de invenção e produção de máquinas de beneficiamento de café se deve a fatores quase sempre específicos em cada situação, variando a cada caso e a cada local. A mesma ponderação é válida para o relacionamento de intelectuais e políticos com a produção de tecnologia, a exemplo de Ferro Cardoso e Escragnolle Taunay, que não apenas inventaram mas se envolveram em contínuo processo de aperfeiçoamento de suas máquinas e das de outros inventores, antes e 182 depois da mudança da legislação de patentes industriais ocorrida em outubro de 1882. Usaram ainda do prestígio político de que dispunham para influenciar na criação de estabelecimentos modernos de produção de café, como aconteceu em 1883 com o Engenho Central de Santa Leopoldina, no porto de Cachoeiro de Itapemirim, que foi “fundado por iniciativa e a esforços dos Srs. engenheiros Drs. Goffredo Taunay e Silva Telles...”. Importa observar que o engenho central funcionava em edifício de quatro pavimentos, especificamente projetado para esse fim, em um momento em que o uso do aço estrutural era ainda um recurso arquitetônico inédito no Brasil. O Auxiliador da Indústria Nacional assim o descreveu o empreendimento: A fábrica acha-se situada em um edifício de quatro pavimentos. No subsolo estão assentados o locomóvel, da força nominal de 10 cavalos; o secador Taunay-Telles, que prepara de 100 a 120 alqueires por operação; o eixo motor e os bicos e bases dos elevadores. No segundo pavimento acham-se o depósito de café destinado ao secador, ventiladores, descascador e outros aparelhos. No terceiro estão os bicos condutores do grão para mesas onde este passa por uma operação de escolha, em que se empregam 30 moças teuto-brasileiras. Destas mesas passa o café para o brunidor colocado acima daquele aparelho, e dali sai pronto para o ensacamento e pesagem. [...] Não podemos senão desejar que os inteligentes engenheiros, a quem é devida a fundação da primeira fábrica deste gênero no Brasil logrem ver coroados os seus esforços por brilhantes resultados...10 Como inventores, Escragnolle Taunay e Silva Telles patenteariam ainda outro aperfeiçoamento à sua máquina de secar original. Em 1886, cinco anos após o patenteamento do seu primeiro secador, suprimiram nele “os tampos perfurados que fechavão as bases da camara de seccamento, e os... [substituíram] por duas cabeças em forma de cone truncado (muito achatado)”11. 183 Continuando o processo de melhoramento da máquina, voltaram a patentear, no ano em que foi extinta a escravidão, um melhoramento que transformou sua máquina antiga. A Nova Machina de Seccar Café Taunay-Telles, como a chamaram, baseava-se na “applicação do princípio da evaporação d’água contida no café - pelo seu aquecimento, e expulsão do vapor formado por meio de uma corrente de ar quente”12. A aplicação do princípio em questão dava-se num conjunto de elementos mecânicos compostos por um cilindro que servia de câmara de secamento, um “calorífero”, ou “uma câmara dentro da qual estão depositados os tubos, e por um ventilador”13. Quanto ao inventor Ferro Cardoso, sua capacidade técnica o fez ainda criar “formas de pás, aplicação de torneiras duplas e sistema de portas” para serem adaptadas ao Secador Prodígio14, já na vigência da nova lei de patentes. Em 1885, no auge das devastações dos cafezais por pragas e doenças de todos os tipos, Ferro Cardoso inventou uma fórmula química e um método de aplicação para um “inseticida e restaurador dos cafeeiros”, que poderia ser manipulado pelo próprio fazendeiro para adubar a terra e matar formigas.15 Na década de 1880, a oferta de máquinas de beneficiamento de café não só cresceu como também houve uma especialização maior das empresas que produziam máquinas agrícolas no Brasil. A partir de uma atuação específica para a produção cafeeira, essas empresas estiveram em condições de fazer frente aos fabricantes estrangeiros que começaram a patentear aqui os seus inventos, de acordo com a nova legislação vigente. É significativo que, tendo a lei de patentes entrado em vigor em outubro de 1882, já em fevereiro de 1883 o português Antonio Francisco dos Santos Marau obtivesse concessão para fabricar no Império a máquina Cruzeiro do Sul. Esse descascador era conhecido dos brasileiros desde 1879, quando O Auxiliador da Indústria Nacional publicou uma transcrição de matéria do jornal 184 português Commercial do Porto, dando conta das experiências com um modelo de prova do invento, movido a vapor: A máquina de que nos estamos ocupando é de ferro, e foi feita dessa matéria apenas para ver se dava o resultado desejado pelo seu inventor. Como esse resultado foi favorável [...] vai agora mandar construir a mesma máquina, porém mais aperfeiçoada, sendo então o esferóide de aço [...]. O Dr. Marau, pondo em execução o seu invento, destina-o ao Brasil e às nossas possessões de África, onde a máquina pode ser vantajosamente utilizada nas plantações de café.16 Ao trazer sua máquina para o Brasil, Marau não negligenciou dizer que se destinava a “descascar e brunir café e outros grãos...” e que poderia ser movida por máquina a vapor, força hidráulica ou qualquer outro tipo de força motriz.17 Ou seja, era uma máquina de uso geral no meio agrícola, capaz de ser adaptada a qualquer tipo de motricidade para atender à necessidade de beneficiamento de diversos produtos da lavoura, inclusive o café. Outro inventor que também não tardou em trazer seus inventos para o Império do Brasil foi José Guardiola, da Guatemala, já consagrado no exterior. Em 1884, foi primeiramente patenteado um “novo e aperfeiçoado descascador de café com discos circulares”, invento possivelmente de sua autoria, pelo fabricante de suas máquinas e detentor de algumas de suas patentes no Brasil, a empresa The Blackman Air Propeller Ventilating Co. Ltd., de Londres. Tratava-se de um “ventilador e aspirador ou exhauridor para seccar rapidamente cevada, [...] e outras substancias taes que milho, café...18 A mesma empresa voltou a requerer patente em 1886, desta vez para um “novo descascador de café cylindro-cônico [...] invenção de José Guardiola, morador de Pariz”19. Nesse caso, mais que as características de sua máquina, importa o relacionamento de empresas industriais dos países centrais com 185 inventores profissionais de máquinas oriundos dos países produtores de café, como a Guatemala, cujo patamar tecnológico, supõe-se, não estava acima do brasileiro. É possível afirmar que esses inventores, assim como os brasileiros, criavam a partir de sua experiência empírica com o beneficiamento do café em seus países. No caso de Guardiola, o inventor depois passou a criar em Paris, capital cultural da Europa, para ter seus projetos fabricados na City — Londres era a capital empresarial e industrial do mundo. Seu movimento permite que se imagine que a prática da invenção mecânica pertencia ao campo das atividades mais cultuadas da Europa, ao lado da arte e da literatura. Em busca do sucesso, uma década depois, Santos Dumont e outros inventores seguiriam o mesmo caminho. Já em 1889, o mesmo Guardiola, dessa vez em separado do fabricante inglês, faria petição ao Estado brasileiro para obter garantias para um “novo e melhorado apparelho para lavar, seccar, descascar e brunir café e outras substancias”20. Porém, desde antes, o Secador de café de Guardiola era fabricado em Londres e anunciado ao mercado brasileiro, sendo também exportado para a América Central em modelos com capacidade de secagem de café de até 10 mil libras/dia.21 Tamanha foi a influência dessa máquina no benefício do café, a partir de então e até meados do século XX, que Camargo e Telles Jr. afirmariam, em 1953, que [...] a lavoura, em geral, da Colômbia, da Venezuela, da América Central e do México, conseguiu apoiar-se no princípio físico-mecânico do secador conhecido por “Guardiola”, e que tem valido como um arrimo às indústrias de secagem dêsses países.22 186 Lidgerwood, o principal fabricante e distribuidor de máquinas de café instalado no Brasil na década de 1860, também buscou reforçar seu espaço comercial após a lei de 1882, patenteando uma variada gama de máquinas, oferecidas ao mercado para fazer frente à concorrência dos novos fabricantes. Enquanto durou a lei de 1830, seus direitos de patentes foram reconhecidos através de decretos do governo, sem a participação da Sain no julgamento do mérito. Naquele período, os privilégios das máquinas de Lidgerwood devem ter sido assegurados principalmente pela ampla popularidade de sua marca e pela ausência de um concorrente empresarial de seu porte no ramo de máquinas de beneficiamento de café no Brasil. Torna-se tarefa complexa relacionar a variedade de modelos desses aparelhos distribuídos por Lidgerwood, quer os importados da Europa e dos Estados Unidos, quer os fabricados no Brasil. Contudo, na vigência da lei de patentes de 1882, a Lidgerwood Manufactoring Co. Ltd. faria patentear uma série de inventos que deram origem a vários melhoramentos, entre os quais, em 1884, a Machina para despolpar café.23 No ano seguinte, a exemplo do que faziam os inventores e demais fabricantes, a Lidgerwood já demonstrava certa preocupação em divulgar cartas de fazendeiros que atestavam o melhor desempenho de suas máquinas. Isso aconteceu num momento em que crescia significativamente o número de patentes registradas por firmas no setor de equipamentos de beneficiamento do café. Sobre o Catador Prodígio, por exemplo, que foi lançado na Exposição Provincial de São Paulo ao preço de 295$000 (duzentos e noventa e cinco milréis), um fazendeiro dizia que outr’ora eu tinha a sala do engenho com duas mesas cheias de mulheres empregadas na escolha do café, hoje, graças ao seu catador, tenho muito menos de metade do pessoal, que faz melhor o mesmo serviço.24 187 Entre 1885 e 1902, Lidgerwood patentearia ainda quatro inovações para máquinas descascadoras de café,25 número relativamente modesto quando comparado a outros fabricantes e autores que disputavam o mesmo mercado. Isso pode significar que, ainda na década de 1870, aquele fabricante tenha desenvolvido aperfeiçoamentos em seus modelos, chegando às décadas seguintes com uma linha de produção relativamente atualizada face às adaptações tecnológicas promovidas no setor como um todo. Uma outra interpretação pode levar em conta que, na década de 1870 e, principalmente, na de 1880, as invenções de Lidgerwood patenteadas originalmente no Brasil já tinham expirado o tempo de privilégio exclusivo e se tornado domínio público. Isso teria, então, feito com que seu padrão tecnológico fosse assimilado pelos autores e fabricantes nacionais. Outro inventor e fabricante de equipamentos de beneficiamento de café que muito prosperou na região cafeeira paulista foi a Companhia Mac Hardy, de Campinas. A empresa de Guilherme Mac Hardy iniciou sua fase de patenteamentos de máquinas para café logo após entrar em vigor a lei de patentes aprovada em 1882. Isso permite supor que essa lei tenha motivado sua instalação no Brasil, para aproveitar-se da demanda por equipamentos mecânicos de nova geração no complexo cafeeiro. Embora não esteja clara a atuação da firma na Escócia ou em outro país, nota-se que, desde o início de suas atividades, a Mac Hardy possuía uma estrutura empresarial relativamente grande. No Brasil, a Companhia Mac Hardy funcionava como autora e fabricante de invenções, importadora e fabricante de ferramentas e de objetos de consumo em geral para a lavoura e a indústria, como correias, polias, canos e torneiras para água, estopa, vidros, etc., além de também representar a marca Clayton & Shuttlewort, fábrica inglesa de máquinas a vapor.26 188 A oficina possuía uma fundição de ferro e bronze que era dirigida pelo sócio J. J. Simes, “cuja longa pratica em Londres, Rio de Janeiro e oito annos nesta província, é a melhor garantia que podemos offerecer aos nossos freguezes”. Nessa fundição “machinistas especialistas” executavam também reparos em caldeiras e máquinas a vapor, e recebiam encomendas para construção de qualquer peça ou máquina para a lavoura.27 Antes ainda de qualquer patenteamento, Mac Hardy já entrava ferozmente no mercado importando máquinas de café e para a lavoura em geral de sua fábrica na Escócia. Seus anúncios demonstram uma preocupação estratégica em ocupar espaço num mercado em crescimento. Por isso, não hesitou em usar o expediente da redução de preços e da liquidação dos estoques. Num anúncio que publicou em 1883, Mac Hardy procurou afastar uma possível má fama de seus produtos, talvez disseminada por algum concorrente. Isso vem caracterizar a existência de uma concorrência acirrada entre os fabricantes de máquinas de beneficiar café e outros produtos agrícolas: convidamos todas as pessoas que desejarem possuir taes objectos a examinarem os nossos fabricados antes de comprarem em outras partes; as pessoas que não tem experiência e conhecimento desses machinismos podem vir acompanhadas de um engenheiro ou qualquer pessoa habilitada (porém imparciaes) para verificar se os objectos são de conformidade com nossos annúncios [...] Fazemos o presente annúncio, porque recebemos aviso de diversos fazendeiros, que elles foram aconselhados por certas pessoas a não comprarem os nossos fabricados, pois não era possível, sendo bom vendê-los pelos preços annunciados, cujas pessoas sem dúvida tem interêsses particular em dizer o que não é de todo inexato. Ao mesmo tempo repetimos o nosso aviso de outróra que não temos agentes e nem pagamos comissão sobre vendas effectudadas a pessoa alguma. Os referidos preços porém vigoram somente até o dia 01 de abril proximo futuro, dia em que termina nossa liquidação...28 189 No caso desses produtos em liquidação, os preços parecem ter sido realmente convidativos aos fazendeiros, pois Mac Hardy construía máquinas com adaptações modernas, como os descascadores dotados de elementos elásticos de borracha, as chamadas molas americanas. Assim, um conjunto de beneficiar 400 arrobas de café por dia, composto por um descascador, um ventilador duplo e um separador, custava Rs 1:795$000 (um conto setecentos e noventa e cinco milréis). O mesmo conjunto, com capacidade ampliada para 600 arrobas/dia, custava Rs 2:240$000 (dois contos duzentos e quarenta mil-réis).29 As sete patentes de privilégio de máquinas de beneficiar café de Guilherme Mac Hardy e da Companhia Mac Hardy versaram sobre equipamentos para descascar, limpar, brunir e separar o café. Porém, seu primeiro requerimento só ocorreu em 1885, quando a empresa já estava solidamente implantada no mercado de máquinas e implementos agrícolas. Em dois desses requerimentos (1887 e 1888), Samuel Beaven, inventor profissional renomado, atuou como procurador de Guilherme Mac Hardy, o que pode indicar ter o industrial atuado em conjunto com aquele inventor, ou ainda ter-lhe adquirido os direitos autorais da invenção, antes mesmo do seu patenteamento.30 Entre os autores e fabricantes nacionais destaca-se também a trajetória tecnológica e empresarial da família Engelberg, de Piracicaba (SP). Juntos, Evaristo Conrado, João Conrado e Pedro Alberto Engelberg patentearam mais de 11 invenções. Embora não esteja claro o início de suas atividades inventivas, as primeiras petições parecem ter sido feitas no início da década de 1870.31 Mas em 1884 era patenteado o Apartador de Pedras, por João Conrado e Evaristo Conrado Engelberg.32 Essa máquina era aplicada à limpeza do café coco (café seco com polpa), separando “pedras, paos, e outros corpos estranhos ao café, antes de ir para a machina de descascar”. Menos de dois anos após, os mesmos autores patentearam um melhoramento dela.33 190 A respeito dessa inovação, o fabricante Engelberg, Siciliano & Companhia, de Piracicaba, afirmou ser ela dotada de um sistema “inteiramente original”. A sua principal vantagem era fazer a limpeza completa das impurezas do café, dispensando a lavagem da safra, uma tarefa trabalhosa e difícil nas fazendas com pouca água corrente.34 Em sua publicidade de 1886, os fabricantes extrapolaram a oferta interna e externa de produtos para a lavoura do café, oferecendo também a Machina para Beneficiar Arroz Evaristo Conrado. Ao mesmo tempo que era patenteada e vendida no Brasil, essa máquina era utilizada “também em diversos paízes da Europa, da América e na Índia Oriental”35. Em 1894, já sob fabricação da Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo, as máquinas de Engelberg fariam grande sucesso nos Estados Unidos da América, China e Japão e em outros países produtores de arroz. Ou seja, em meio à década de 1880, a escravista Piracicaba, no interior paulista, exportava equipamentos para beneficiamento de produtos agrícolas até para os Estados Unidos da América e o Japão, que despontavam como nações industriais! O principal reclame, no período, mostrava que os Engelberg tinham conseguido obter na máquina uma racionalidade muito mais requerida na produção capitalista. Com efeito, a Machina para Beneficiar Arroz de Evaristo Conrado era de uma simplicidade extraordinária e com uma operação faz o serviço de custosos machinismos que custão quatro a cinco vezes mais. Occupa apenas 1 metro quadrado de espaço pelo que é fácil a sua installação em qualquer estabelecimento industrial ou agrícola.36 Em 1890, Evaristo C. Engelberg patenteou, junto com Pedro Conrado Engelberg, o Ventilador Engelberg, dessa vez em São Paulo. Tratava-se de uma invenção original, com uma armação de madeira onde eram montados 191 1º o Cylindro cônico ou paralello, 2º as pás triangulares ou de outra forma mais convenientes. 3º as ripas formando saliencias no sentido de guiar o café na forma exigida. 4º o movimento giratório do qual resulta a continuada elevação do café por meio de pás.37 Seguindo a estratégia de buscar ampliar a gama de aplicação de suas máquinas a outros produtos agrícolas, esse último invento destinava-se a ventilar “café, arroz e outros semelhantes”38. Se o Apartador de Pedras de 1884 destinava-se a livrar o café de suas impurezas antes que fosse mandado para a máquina de descascar, o Ventilador Engelberg, de 1893, era um invento para limpar automaticamente as cascas do café, do arroz e de outros produtos após serem descascados.39 Um ano depois, essa invenção receberia um aperfeiçoamento pelos mesmos autores,40 passando a ventilar ...até mais de mil arrobas de café em 10 horas de trabalho. É o melhor que existe. [...] Substitue com innumeras vantagens os ventiladores dobrados ou de peneira de jogo. Não faz barulho, não extremece a casa, não está sujeito a constantes estragos, não atira café fora na palha e nem deixa accummular casca dentro da casa. É de facil e constante graduação.41 Outro invento da maior importância foi o Descascador Engelberg, possivelmente produzido em parceria pelos Engelberg e por Francisco Antonio Siciliano como um aperfeiçoamento de um descascador já patenteado pelo último. Do trabalho nesse aparelho pode ter saído a idéia da criação da firma Engelberg, Siciliano & Comp., para fabricar as máquinas de ambos.42 Em 1886, a principal vantagem do Descascador Engelberg era produzir um café descascado sem quebrar os grãos. Desde 1884, ele fora utilizado pelo 192 Comendador José Vergueiro, na fazenda Ibicaba, em São Paulo. A respeito de sua impressão sobre o equipamento, o experiente fazendeiro escreveu ao fabricante: de todos os descascadores de café em côco [...] não conheço nenhum de outro systema que apresente resultado mais favorável ao seu. Acresce têr a vantagem de ser a construcção muito forte, de facílimo concerto e collocação, enfim, eu o preferirei a qualquer outro dos atuais que conheço ao assentar novo machinismo para o preparo do café.43 Esse descascador foi o carro-chefe das máquinas Engelberg-Siciliano. Em 1892 sua construção tinha sido incorporada pela Companhia Mechânica e Importadora de São Paulo, o que possibilitou uma ampla divulgação e difusão de seu uso pela lavoura cafeeira, principalmente a paulista. Naquele mesmo ano, mais de mil desses descascadores já estavam em uso na província de São Paulo. A procura pelo Descascador Engelberg parece ter crescido substancialmente após o café nele beneficiado ter obtido a maior recompensa na Exposição Universal de Paris.44 Em 1894, mais de três mil desses aparelhos operavam o benefício dos cafés exportados pelo Brasil.45 O primeiro melhoramento do Descascador Engelberg foi patenteado por Álvaro Carlos Arruda Botelho, “industrial, residente em São Paulo”, membro da tradicional família do Conde do Pinhal, de São Carlos do Pinhal (atual São Carlos), São Paulo. O melhoramento juntava ao cilindro original um outro cilindro “guarnecido de dentes”, que acionava uma ou mais chapas dentadas ou de múltiplas saliências, de modo a obrigar o café logo em sua sahida da moega a passar entre esta chapa e o cylindro dentado, operação esta que tem por fim descascar os grãos de café entre o cylindro e a chapa ou chapas [...] A construcção de tampa em duas partes separadas, para facilitar a abertura da machina aquellas duas partes da tampa girando sobre a dobradiça posta na caixa da machina e unidas 193 por um systema de parafusos oscillantes servindo a segurar com manobra facil de um simples volante o fechamento da tampa.46 Para seu melhoramento, Arruda Botelho obteve privilégio exclusivo por três anos, possivelmente para coincidir a expiração do prazo da patente de melhoramento com o prazo da patente original, ficando ambas em domínio público ao mesmo tempo. O aperfeiçoamento seguinte foi realizado pelos próprios Evaristo e Pedro Alberto Engelberg, em 1900. Demonstrando preocupação em dotar a sua máquina antiga com peças fabricadas com novos materiais e pelos novos processos de tratamento térmico que surgiam, tais como para o aço e suas ligas, o melhoramento mudou o nome da máquina para Novo Descascador Engelberg. Igualmente direcionada para descascar “café, arros e outros grãos” a nova máquina tinha por características principais 1º as saliências nas chapas do cylindro por suas formas especiaes, 2º A peça que chamamos de pente, com especialidade as saliencias de aço temperado [...], 3º A construcção especial do registro da entrada do café, 4º O alçapão da pressão [...] na saída do café...47 Enquanto isso, o inventor Francisco Antonio Siciliano, parceiro dos Engelberg no descascador original, não parou de aperfeiçoar sua máquina. O melhoramento que apresentou em 1906 era um Descascador Francisco Siciliano Melhorado, cuja inovação consistiu na “inclinação mais accentuada das barras descascadoras helicoidais [...] sobre as geratrizes do cylindro descascador...” do Descascador Engelberg-Siciliano antigo.48 Porém, desde 1893 a Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo anunciava-se como os “únicos fabricantes dos afamados Descascadores Engelberg (Siciliano)”49. A empresa, que, além dos equipamentos Engelberg, 194 produzia também máquinas de diversos outros autores, era dirigida por A. Siciliano, provavelmente membro da família de Francisco Antonio Siciliano — ou o próprio —, o que pode indicar que a associação entre os inventores gerou uma profícua carreira tecnológica entre os Engelberg, enquanto Siciliano seguia mais pelo ramo empresarial, partindo da industrialização dos próprios inventos para, em seguida, adquirir e fabricar patentes alheias, conforme a lei vigente.50 Os Engelberg também fundaram sua própria empresa industrial, a Engelberg Irmãos, com sede à rua Major Sertório 45 e 47, em São Paulo. Em 1898, a fábrica produzia o Ventilador Engelberg e suas versões.51 A partir das invenções de Engelberg, as patentes brasileiras abriram um caminho de expansão empresarial para o exterior. Em 1888, o engenheiro mecânico e inventor Jorge P. Tebyriça52 organizou a empresa The Engelberg Huller Co., com sede em Syracuse, estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.53 Nessa empresa, as máquinas Engelberg para arroz e para café passaram por inovações feitas pelo inventor Carlos E. Lipe, de Syracuse, e as novas versões fabricadas nos Estados Unidos da América ficaram conhecidas no Brasil como as “machinas Engelberg americanas”, que eram aqui distribuídas, no início do século XX, por F. Upton, de São Paulo. Segundo um anúncio de F. Upton, de 1904, os equipamentos de descascar café de Engelberg eram uzados em todos os paízes do mundo onde se cultiva café e arroz, desde 1888. [...] estes descascadores, pode-se dizer que já são muito conhecidos no Brasil visto que são nem mais nem menos do que as machinas antigas ‘Engelberg’ muito melhoradas e aperfeiçoadas...54 195 Fruto de diversos aperfeiçoamentos baseados no Descascador EngelbergSiciliano, o Descascador e Polidor de Arroz no 1, produzido por The Engelberg Huller Co., granjeou o primeiro prêmio em sua categoria nas exposições industriais de Baton Rouge, Louisiana (1890) e Atlanta e Georgia, (1895), assim como na Exposição do Cairo (1900). Em 1904, os descascadores eram usados em lugares tão díspares como Bebedouro, Laranjal e Tatuí, em São Paulo, Nova Iorque, Bucaramanga, na Colômbia, e Honolulu.55 Evaristo Engelberg, porém, não havia encerrado sua série de nove patenteamentos de invenções e melhoramentos. Em 1908 voltou a requerer patente para o que chamou Máquina Aureo Engelberg, uma “máquina de beneficiar café, arroz e outros grãos”56. Segundo o autor, essa nova máquina era uma invenção original de beneficiar café, devido aos pontos característicos de sua construção geral, ao movimento do tubo da parte inferior, à multiplicidade dos depósitos com as “chapas escamosas” e os furos, etc. Enquanto isso, a Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo seguia atuando como inventora ou fabricante de máquinas de outrem. Até 1909, a empresa requereu e obteve onze patentes de privilégios de fabricação de invenções ou melhoramentos de máquinas, a maioria descascadores de café.57 Entre essas invenções, algumas alcançaram notoriedade pela excelência da qualidade do café que produziam à época em que foram lançadas. O caso do Secador Augusto é exemplar. Essa máquina foi desenvolvida pelo engenheiroinventor Augusto Ferreira Ramos, de Ribeirão Preto (SP), e patenteada em 1893. Segundo o autor, tratava-se de um “aparelho destinado a produzir o secamento do café e outros grãos”. O secador Consta essencialmente de uma calha ou bica, de secção circular, semicircular ou polygonal, commumente rectangular, ou de qualquer outra forma, à qual se imprime, por meio de uma manivella, de um excentrico, ou por qualquer outro dispositivo mechanico, um movimento alternativo (de vai-vem) fazendo 196 d’esse modo avançar, de uma extremidade à outra, o café ou qualquer outro producto introduzido.58 Basicamente, a máquina era composta de uma “moega de alimentação”, de um “ventilador” e “de um elevador destinado a conduzir novamente à moega de alimentação, o cafe que já percorreo a bica, afim de obrigal-o a repetir o trajecto”59. No ano seguinte, a máquina já funcionava em Cravinhos e Rio Preto, nas fazendas de Joaquim Thimotheo de Araújo, nas propriedades do Dr. Jorge Miranda em Rio Preto e São Simão, e nas fazendas do comendador José Ribeiro de Freitas, na região de Araraquara, e na Companhia Agrícola de Ribeiro Preto. Além disso, várias outras unidades estavam já encomendadas e em vias de serem instaladas.60 Ainda em 1894 o Secador Augusto recebeu um aperfeiçoamento que dobrou a capacidade do depósito do café para o secamento, o qual, dividido em dois compartimentos, funcionava alternadamente. Além disso, o aparelho recebeu também [...] dois elevadores, sendo um de cada lado da bica oscillante [...] A suspensão da bica oscillante por meio de estribos, longarinas e supportes oscillantes de madeira; (..) um forno de duas camaras, sendo uma da fornalha e outra do deposito; [...] uma manga accompanhando o orifício praticado na chapa de topo da bica oscillante...61 Após essas modificações, a Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo, fabricante exclusiva do Secador Augusto, passou a requerer que os fazendeiros fizessem antecipadamente as encomendas com vistas às safras futuras, para que pudessem ser atendidos sem atropelos e sem interromper a secagem do café nos dias chuvosos. Segundo a empresa, em 1898, mais de cinqüenta desses aparelhos equipavam fazendas cafeeiras do Sudeste. 197 Para promover as vendas do Secador Augusto, a Cia. Mechânica fazia publicar nos jornais cartas de fazendeiros que, como Bento F. de Paula Souza, de Remanso, estavam maravilhados com as possibilidades de ficarem independentes das condições climáticas. Em relação ao Secador Augusto, Paula Souza afirmou ter [...] seccado nelle café roxo vindo da roça, apenas com um dia de terreiro, café encharcado d'água e café de meia secca. Em todos elles tive bom resultado. Gastei 18 horas no café de um dia de terreiro; 22 horas em café encharcado e 8 horas em café de meia secca. A fornalha foi alimentada com a palha e muito pouca lenha. O manejo do machinismo é fácil: qualquer possoa intelligente póde em 24 horas ficar preparada para fazel-o funccionar. Estou muito satisfeito com o que aqui tenho e penso em ser esta machina utilíssima para a lavoura, indispensável mesmo, nos annos em que as chuvas comecam cêdo, ou quando as safras grandes obrigam o fazendeiro a prolongar a colheita até o tempo das águas.62 Outra máquina que obteve grande repercussão no circuito de benefício do café foi o Separador Monitor, uma “maquina destinada a separar e classificar café” patenteada em 1901 por Frank W. Holbrook, residente em São Paulo.63 O aparelho, que reunia as funções de separador de impurezas e classificador de café, tinha como características: a) um “aparelho de distribuição” que igualava a entrada do café; b) a disposição das caixas de ar, que possibilitavam “vento constante e facil de regularisar” e c) um movimento oscilante equilibrado provocado pela posição dos “caixilhos de peneiras”, que deixavam a máquina operar com suavidade e sem trepidação, fazendo funcionar automaticamente as escovas de limpeza das peneiras por “meio dos parafusos de roscas direita e esquerda”64. Esses elementos mecânicos possibilitavam ao Monitor realizar cinco classificações, separando em uma só operação os cafés do tipo chato graúdo, 198 mediano, miudinho, moka graúdo e moka miúdo. Na operação de limpeza, eram extraídos “paus, pellículas, café chocho, casquinha solta, côcos e quaesquer outros fragmentos leves e corpos extranhos”65. Além de todas as vantagens, a máquina ocupava área de dois metros quadrados, sendo muito fácil de operar. Segundo seu fabricante, o Monitor era um aparelho imprescindível para todo “negociante”de café.66 Para comprovar sua aceitação nas diferentes atividades com o café, desde a fazenda até o engenhocentral, publicou extensa lista de possuidores do aparelho no Correio Paulistano, demonstrando que o Monitor, apenas um ano após seu patenteamento, já era largamente utilizado em São Paulo, nas fazendas de Dr. Antonio Paes Barros Sobrinho, Campo Alegre. Dr. Alfredo Jordão, Cravinhos Antonio Penteado, Sertãozinho Antonio José do Nascimento, Guariba Dr. Augusto Barbosa, Corumbatahy Major Antonio Barbosa Ferraz Jr, Cravinhos Dr. Antonio Luiz dos Santos Werneck, Capim Fino. Barão de Mello Oliveira (herança), Oliveiras Braga & Cunha, Estacão Floresta Dr. Bento de Barros, Campo Alegre Bicudo & Branco, Carlos Gomes Barroso & Cia, Ribeirão Preto Baroneza de Grão Mogol, Morro Grande Calazans de Negreiros & Cia, Santa Gertrudes Conde do Pinhal (herança), Tibiricá Dr. Chrispiniano M. Siqueira, Iracema Conceicão & Cia, Santos Dr. Candido José de Andrade, Morro Grande Cia . Agrícola Fazenda Dumont, Ribeirão Preto. Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo, Engenho Central de Beneficiar e Rebeneficiar, Santos Dario Ferreira Novaes, Sousa Queiroz Donato Tossoli, Rincão Ellis & Netto, Santa Eudoxia. E. Johston & Cia, Engenho Victória, S. Carlos Eduardo Prates, Santa Gertrudes Tenente-Coronel Eloy Pompeu de Camargo, Campinas Francisco Hayden, Santos Dr. Francisco V. de Paula Machado, Araras Dr. Firmino M. Pinto, Visconde de Pinhal Dr. Francisco A. Sousa Queiróz Netto, Treze de Maio Dr. Francisco Antonio Sousa Queiroz, Treze de Maio Francisco Maximiano Junqueira, Villa Bonfin 199 Cel. Henrique da Cunha Bueno, Ilha Grande Dr. José de Sousa Queiroz, Leme J. Oliveira & Cia, Araras Joaquim Piza, Banharão Joaquim da Cunha Bueno, Buenopolis José Augusto de Oliveira, Jaboticabal Dr. João Baptista de Mello Peixoto, Ribeirão Bonito. Joaquim F. de Andrade Junqueira, Vila Bonfim Dr. José Costa Machado e Sousa, Vila Costina Joaquim da Costa Monteiro, Canoas Dr. José Joaquim Cardoso de Mello, Bom Jardim Levy & Irmão, Cordeiro Dr. Mario Paes de Barros, Falcão Filho Persio Pacheco e Silva, Vallinhos Queiroz & Barros, Descalvado Roberto Clark, Sarandy Dr. Rodolpho Coimbra, S.Bento Coronel Serafim Leme da Silva, Tombadouro Dr. Theobaldo Sousa Queiroz, Pedreira “The S.Paulo Coffee States C. Ltd”, Serra Azul D. Veridiana Prado & Filhos, Porto M. Prado.67 Esses fazendeiros e empresários não pareciam preocupar-se com o preço relativamente alto do Separador Monitor. Em 1905, após redução dos preços, o modelo no 5, para 550 a 600 arrobas/dia, custava Rs 3:250$000 (três contos duzentos e cinqüenta mil-réis) enquanto que o no 6, para 650 a 750 arrobas/dia, custava Rs 3:500$000 (três contos e quinhentos mil-réis).68 Porém, a patente dessa máquina parece ter sido vendida a uma empresa estrangeira, que, no entanto, cedeu à Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo os direitos de fabricação e comercialização do produto. Num anúncio, a própria Cia. Mechânica alertava que a The Hunthey Mfg Co. Limited procederia “com todo o rigor da lei contra os contrafactores de seu privilégio e seus cúmplices”69. Ainda nesse caso, é importante notar que, considerando preliminarmente ser a The Hunthey uma empresa estrangeira, a lei de patentes de 1882 lhe assegurava os direitos de privilégio de uma invenção criada e fabricada no Brasil, com ampla aceitação no mercado. A aquisição dos direitos de patente do Separador Monitor por uma empresa estrangeira vem confirmar o padrão tecnológico internacional dessa inovação. 200 As máquinas de beneficiar alteraram a estrutura das fazendas de café. O cenário rural aos poucos deixava de ser formado apenas pela “casa de morada”, pelas “senzalas para grande escravatura” e pelos “engenhos de soccar café”. Na última década do século XIX, muitas fazendas, principalmente aquelas localizadas próximo às ferrovias, iam sendo formadas de acordo com uma concepção mais aproximada de empresa agrícola. Elas passaram a ser construídas com “casas de colonos nacionaes e estrangeiros” e a própria força motriz, antes extraída da “aguada” dos rios ou — no outro extremo — da máquina a vapor, na nova fazenda requeria planejamento e investimento especial, inclusive para acompanhar a evolução constante das máquinas de café. Assim, uma grande fazenda do município de São Paulo foi vendida, em 1896, no momento em que estava [...] em construcção a casa para o machinismo de beneficiar café que tem força motora: é fornecida a água tirada de um tanque que tem a profundidade de 13 metros por 80 metros de largura e 300 de comprimento, assim como outras muitas benfeitorias...70 É difícil imaginar que motivação teria levado um fazendeiro a empreender projeto energético de tamanhas dimensões. Entretanto, o exemplo dessa fazenda dá idéia aproximada de que, no Brasil do século XIX, os homens também se lançavam em desafios descomunais em relação às dimensões físicas e às forças da natureza. A produção de máquinas para atender à lavoura de café continuava gerando outras associações entre inventores e empresas. A mais profícua delas parece ter sido protagonizada por Pedro Antonio Santangelo e a Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo, que produziu a maioria dos vinte e três inventos e inovações de aparelhos de café que o primeiro patenteou. 201 O primeiro deles foi em 1891, quando o inventor de São João do Rio Claro (atual Rio Claro) obteve o privilégio para o Ventilador-Escolhedor Santangelo71, uma máquina para “secar o café” e separá-lo das suas impurezas mais comuns . Pela sua descrição o invento era dotado de 1º separador tubular rotativo ou devoluto, de chapas furadas ou tecido de qualquer especie... 2º uma caixa geral... 3º uma veneziana rotativa contínua funcionando sobre cylindros ou rodas endentadas de encontro ao ar impellido pelas abanadeiras... 4º um ventilador para a produção de ar... 5º um aspirador para receber o ar, produzido pelas abanadeiras em 4 e as impurezas e palhas do café em côco ou descascado...72 Dois anos após, Santangelo melhorava a distribuição do café no interior da máquina, além de também mudar a forma como ela recebia o café.73 Após mais dois anos, com novo melhoramento, aumentava a capacidade do VentiladorEscolhedor Santangelo, tornando-o mais simples e robusto e alterava a disposição de diversas peças, buscando melhorar a separação das pedras e objetos estranhos ao café.74 Dessa máquina, a Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo, seu fabricante, diria estar atendendo com muita presteza não só às fazendas de café como também às indústrias, que a preferiam por ser o café nela beneficiado “classificado por importantes comissários de Santos como superior e como se fosse caprichosamente lavado, apesar de ser café de terreiro”75. A invenção do Ventilador-Escolhedor Santangelo veio abrir caminho para uma série de inventos feitos pelo autor, levando-o a atuar também em máquinas para as demais operações do beneficiamento. Partindo do sucesso dos lançamentos anteriores, o autor patenteou uma série de máquinas por quase toda a última década do século XIX e início do XX. Em 1892 foi a vez do Ventilador Separador Santangelo, uma “máquina destinada a ventilar café descascado”76. Essa era uma operação importante pois 202 enquanto a invenção anterior buscava arejar o café e separar suas impurezas preparando-o para o descascamento, essa última separava-o de suas cascas e o mantinha livre da umidade, para que não deteriorasse. Essa mesma máquina sofreu um melhoramento no ano seguinte77 e outro em 1897, com o objetivo de torná-la mais sólida e mais simples, aumentado-lhe a capacidade, além de fazê-la separar por tamanhos o café tanto em coco como o já descascado.78 Esse último melhoramento, assim como o anterior, constituía elemento característico de aperfeiçoamento já patenteado pelo autor para o VentiladorEscolhedor Santangelo, sua primeira invenção. Assim, o autor aproximava as funções de suas diferentes máquinas a partir das mesmas inovações. No comércio, o Ventilador Separador Santangelo era oferecido como um aparelho especial para eliminar o “marinheiro, o café descascado e as palhas grossas, sejam de café sêcco, encouraçado ou rijo sem expellir para fóra nenhum grão por pequeno que seja”79. Até 1907, os inventos de Santangelo sofreram muitas adaptações e aperfeiçoamentos, que foram sendo nomeados por letras do alfabeto, formando uma rede complexa de aparelhos privilegiados. Em 1900, Santangelo requereu, de uma só vez, privilégio para sete máquinas, a começar pelo Separador Cilíndrico Santangelo, que chamou Máquina A.80 As demais petições referentes a ventiladores-separadores desse pacote foram para o Ventilador Duplo Santangelo81, o Separador Cilíndrico Completo Santangelo82, o Ventilador Singelo Santangelo83 e para um melhoramento no Ventilador-Separador Santangelo.84 De acordo com o anúncio publicado pela Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo, esses ventiladores tiveram grande aceitação na lavoura e nos engenhos centrais de benefíciamento de café, sendo utilizados em boa parte dos municípios produtores de café de São Paulo e adjacentes, conforme a 203 Lista dos usuários do Ventilador Santangelo Aurélio Civatti-Mattão, Dr. Augusto Barbora-Corumbatahy, Baroneza de Piracicaba-Rio Claro, Dr. Carlos Paes de Barros-Tombadouro Tenente-Coronel Eloy Pompeu de Camargo-Campinas, Dr. José de Paula Leite-S.Bento, José Soares Hungria-Morro Alto, José Augusto de Oliveira-Jaboticabal, Dr. Joaquim Cardoso de Mello-S.Paulo dos Agudos, João Liberato de Macedo & Irmão-Itatinga, João Teixeira de Carvalho-Cravinhos, Luciano Esteves dos Santos-Limeira, Monteiro de Barros & Irmão-Rocinha, Dr. Olavo Egydio de Sousa Aranha-Cordeiro, Vespasiano Vaz- Guiabra.85 Outras máquinas para melhorar a limpeza do café desenvolvidas e aperfeiçoadas pelo mesmo inventor no período continuavam tendo boa aceitação no mercado, como se deduz da lista de Usuários do Escolhedor de Pedras Santangelo Dr. Alberto Penteado-Porto Ribeiro, Alberto Sahn-São João da Bocaina, Antonio Penteado-Ribeirão Preto, Barão de Piracicaba-Rio Claro, Dr. Carlos Paes de Barros-Tombadouro, Comp. Agrícola Fazenda Dumont-Ribeirão Preto, Coronel Diogo Salles-Annapolis, D. Francisca Barbosa Moreira-Riberão Bonito, J. Nicola & Irmão-Areado, José Soares Hungria-Morro Alto, José Moraes Salles- Bonfim, José Rodrigues de Lima-Água Vermelha, Dr. José Estanislau Amaral Filho-Capivary, João Teixeira de Carvalho-Cravinhos, João Evangelista do Amaral-S.João da Bocaina, Dr. João Baptista Rocha Conceicão-Botucatu, Luiz de Queiróz Telles-Ribeirão Preto, Lemos & Santos-Pocos de Caldas, Manuel Ferreira do Prado-Pontalete.86 204 Ainda no pacote de invenções de 1900, o autor requereu também privilégios para máquinas com outras funções, que abrangiam as principais fases da industrialização do café para exportação. Desse conjunto constam as petições para privilégio de invenção do Descascador Santangelo87 e do Brunidor de Café Santangelo — Maquina tipo E.88 No ano seguinte, o inventor voltaria a requerer um novo pacote de privilégios, que foi nomeando com letras, de acordo com a função da máquina e da capacidade de produção. Um novo Ventilador Singelo Santangelo recebia agora o denominação de Máquina B, destinando-se a simplesmente ventilar o café.89 Um outro Ventilador Duplo Santangelo era também patenteado.90 No campo específico dos separadores de impurezas e separadores de café por tamanho do grão, constaram do mesmo patenteamento o Catador Uniforme Santangelo (Máquina F)91, um separador para café92, um novo Separador Cilíndrico Completo Santangelo — Máquina G,93 o Engenho de Café Brasileiro, um aparelho “destinado a estabelecer os tipos e classes do café”94. Nesse momento, Santangelo aproveitou para também requerer privilégios industriais para a nova versão do Descascador Santangelo, que chamou de Máquina C,95 e para a nova versão do Brunidor Santangelo — Máquina E.96 Em 1908, as máquinas descascadoras produzidas pela Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo podiam ser encontradas no comércio em versões A, B e C, produzidas com armação de madeira, enquanto também a versão tipo B para 300 a 400 arrobas/10h e tipo C para 500 a 600 arrobas/10h eram fabricadas em armação de ferro.97 Essa forma de nomenclatura usada pela empresa incluía, possivelmente, não apenas máquinas criadas por Santangelo mas também inventos de outros autores fabricados e comercializados sob seus auspícios. Além dos inventores e empresas fabricantes de máquinas de beneficiamento de café já vistas, outra da maior importância pelo seu desempenho foi a Companhia Arens, que sucedeu a Arens & Irmãos, fundada em Jundiaí, por 205 volta de 1873. Engenheiros de construção de máquinas, atendiam a encomendas de construção e reparos, além de também serem importadores de diversos produtos mecânicos e os únicos representantes no Brasil das máquinas a vapor do fabricante inglês Marshall Sons & Co.98 A Companhia Arens registrou vinte processos de privilégio para suas máquinas e melhoramentos, atuando incisivamente no mercado desses produtos. As primeiras máquinas de Arens de que se tem notícia foram patenteadas ainda sob a lei de 1830. Em 1879, a empresa obteve direitos exclusivos de fabricação para “os reguladores de chapas de descascadores de café...”. Antes que a nova lei de patentes tivesse sido aprovada, Arens conseguiu assegurar também os direitos para o Catador Pneumático, o Teclado para Despolpadores e um “descascador de café”, cujas patentes foram requeridas em setembro de 1882.99 Para construir o Catador Pneumático, os inventores realizaram “grandes estudos e experiências”, com o intuito de proceder à “catação” de três tipos de café: “maior”, “menor” e o “preto miudinho, quebradinho”, além de também eliminar pela saída do ventilador da máquina todas as impurezas.100 Pouco depois, fariam patentear o Catador Inclinado, que explicaram consistir “n’uma armação e caixa A horizontal feita de madeira com um tambor para receber uma ventaneira de quatro pás B... [que] trabalham com a velocidade de 300 a 400 voltas por minuto”101. Nesse aparelho, a separação dos grãos graúdos dos “inferiores” se dava primeiro através da ventilação. Após a limpeza, o catador lançava o café em peneiras de classificação102. Quanto ao Teclado para Despolpadores, tratava-se de um elemento mecânico feito de materiais de uso mais atualizado e adaptável às máquinas despolpadoras existentes. Nesse caso, a principal motivação para o seu aperfeiçoamento continuava sendo os problemas de rigidez dessas máquinas, que 206 não se adaptavam aos diferentes tamanhos dos grãos de café. Assim, a invenção visava a [...] empregar em despolpadores teclados de ferro, metal branco, amarello, ou outro [...] similhante as quaes recebem elasticidade por meio de molas de arame temperado ou borracha, para cederem ao grão verde ou secco de differente tamanho e resistencia, que não pode nem deve ser despolpado e d’esta forma escapão à ação do cylindro, offerecendo, entretanto, os teclados resistencia bastante para despolpar todo o café maduro denominado cereja, evitando mesmo a quebra dos grãos bons e de regular tamanho.103 As inovações feitas nas máquinas de Arens visando a melhorar o descascamento do café tiveram prosseguimento com a Máquina Progresso para beneficiar café, de 1885.104 Em 1890 a Companhia Arens patenteou um “novo descascador de café”105 e atuou como procuradora no patenteamento da invenção de Luis Rivinius, um aparelho para descascar café batizado de Descascador Hércules.106 Posteriormente, em 1903, criou uma inovação para as chapas dos descascadores de café, o Systema Chapa Couraça, que possibilitou um melhor desempenho das máquinas descascadoras. Segundo os autores, o sistema apresentava as seguintes vantagens e características: 1) nas novas chapas podemos graduar a posicão das mesmas para com a esteira independente da elasticidade das molas. 2) Pode-se além disso fazer as mollas mais molles ou duras, conforme exige o café, independente da posição das chapas 3) Graduam-se as chapas e molas facilmente com os dedos, não precisando chave com trabalho penoso para esse fim. 4) Toda a superfície das chapas é elástica, o que não se dava nas antigas, nas quaes as cabeças dos parafusos quebravam café. 207 5) A chapa é de aço, dobrada e temperada, tornando-se uma verdadeira couraça, de forma que dura quatro vezes mais que as antigas 6) Devido à solidez, as chapas não alteram sua posição, visto não poderem deformar-se com o peso do café - condição essencial para o bom descascamento. 7) O systema de chapa couraça, podemos applicar a qualquer systema de descascador de chapas e esteiras seja de nossa fabricação ou de outrem.107 Com essa inovação, os autores acreditavam assumir a liderança tecnológica e mercadológica da produção de descascadore,s tendo por base seu aparelho já patenteado: Do exposto resulta que o nosso descascador conico que por causa da excellente graduacão externa, por muitos lavradores é considerado o melhor existente, com a applicacão das novas chapas couraças, não tem mais rival [...].108 A Companhia Arens desenvolveu também uma linha de secadores para atender às necessidades da lavoura de café. O primeiro deles foi construído na Inglaterra. Para testar sua eficiência, o secador foi instalado na fazenda do coronel Antonio Leme da Fonseca, na estrada Monte Serrat, perto de Jundiaí. Uma vez aprovado, os fabricantes deixaram uma amostra do café na redação do jornal Correio Paulistano para ser apreciado pelos fazendeiros e interessados.109 A primeira petição de privilégio para esses secadores foi feita para o que os autores descreveram como “aparelhos para secar café e outros frutos, grãos, ou materiais semelhantes”110. Um ano após, em 1893, patentearam e produziram o Novo Secador Arens, ainda “um aparelho para secar café e outros grãos”111. Pela publicidade do aparelho, sua capacidade de secagem variava entre 8 e 10 horas para o café cereja e entre 4 e 6 horas para o café já despolpado, sem alteração da cor ou do aroma dos grãos.112 208 No intuito de tornar essa máquina bem conhecida e adquirir a confiabilidade da praça, ela foi instalada agora não mais numa fazenda, mas no Engenho Central da Providência, na margem do Estrada de Ferro Leopoldina, Minas Gerais, onde os interessados apreciavam todas as fases da operação.113 Quatro anos depois, esse secador seria ainda aperfeiçoado através dos “melhoramentos em cilindros para secar café e outros grãos e materiais semelhantes”114. Possivelmente, o último separador de café fabricado por Irmãos Arens foi o Separador Guarany115. Além de funcionar nas fazendas, esse separador era também usado pelos exportadores nos armazéns do Rio de Janeiro. Os fabricantes anunciavam sobre esse aparelho uma perfeita classificação do café, solidez e suavidade de funcionamento, facilidade de intercambiamento das esteiras, de acordo com o tamanho do café a separar. Dessas vantagens, advinha ser o Guarany de “absoluta superioridade [...] sobre todo e qualquer separador actualmente fornecido por outras casas”116. Ainda que neste estudo não se tenha objetivado pormenorizar a globalidade dos registros de invenções e aperfeiçoamentos em máquinas de beneficiar café entre 1870 e 1910, é necessário esclarecer que a análise aqui apresentada do processo de patenteamento e fabricação desses equipamentos no Brasil não é definitiva. Neste capítulo, buscou-se demonstrar os inventores e fabricantes mais destacados em suas conexões com a produção do café para o mercado exportador, enfatizando um relacionamento tecnológico abrangente entre inventores e fabricantes nacionais e estrangeiros. A partir da aprovação da lei de patentes de 1882, homens e empresas concentraram-se principalmente na região de Campinas, aproveitando-se da expansão incessante da fronteira agrícola que se processava em todo o Sudeste brasileiro. 209 Pelo quadro apresentado abaixo constata-se que, entre 1883 e 1910, ou seja, a partir da entrada em vigor da lei de patentes de 1882 até o final do período deste estudo, foram patenteadas 419 invenções e aperfeiçoamentos em máquinas de beneficiar café, contra 43 no período de 1873 até 1882. Sob a lei de 1882, a base inventiva e industrial do benefício de café moveu-se do Rio de Janeiro para a província de São Paulo, em meados da década de 1880, quando as fábricas e os inventores deixaram a Corte e acompanharam a construção da infra-estrutura dos transportes na região das lavouras, sobretudo as paulistas. ORIGEM DAS PATENTES DE INVENÇÕES E APERFEIÇOAMENTOS DE MÁQUINAS DE BENEFICIAMENTO DE CAFÉ CONCEDIDAS DE ACORDO COM A LEI 3.129 DE 14.10.1882, NO PERÍODO DE 1883 A 1910* ANO Rio de Janeiro São Paulo Minas Gerais 1883 1884 1885 1886 1887 1888 1889 1890 1891 1892 1893 1894 1895 1896 1897 1898 1899 1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 1907 1908 1909 1910 6 5 1 4 8 4 4 5 15 14 13 13 20 16 15 11 3 12 7 12 12 10 11 11 14 6 10 9 5 7 1 3 2 3 4 5 6 5 1 2 3 2 2 1 1 3 5 5 1 5 1 6 2 3 Espírito Santo Bahia Santa Catarina Exterior 2 1 2 4 1 3 1 4 1 1 1 2 3 1 2 7 2 1 1 2 3 1 3 1 1 1 2 1 3 1 3 1 1 210 TOTAIS 82 272 24 1 1 1 38 (*) Tabela organizada a partir do acervo do Arquivo Nacional/Seção de Privilégios Industriais Assim, a oferta de maquinário acompanhou a própria ampliação da produção cafeeira de cada região: os fabricantes de São Paulo requereram 64,9% do total de privilégios industriais concedidos; o Rio de Janeiro requereu 19,6% das patentes, e Minas Gerais, 5,7%. Em outras províncias cafeeiras, as petições foram residuais. Caso tenham ocorrido invenções em maior número, é possível que a centralização do processamento na Corte tenha distanciado os inventores dos trâmites legais. Quanto aos registros de inventores e empresas estrangeiras, sua pequena participação confirma ter sido a formação da indústria de máquinas de beneficiar café um processo endógeno à sociedade brasileira. Enquanto as grandes firmas industriais se consolidavam no mercado da tecnologia das máquinas de beneficiamento, a experimentação também continuava nas oficinas do interior de muitas fazendas e cidades, em outras regiões brasileiras, a exemplo da “Colônia Leopoldina”, na Bahia, onde Emílio Krull criou uma “nova máquina de descascar café”, em 1890.117 No Espírito Santo, Eduardo Vicente D’Auzac, de Cariacica, patenteou o Descascador Cariacicano, para café e arroz, em 1892.118 Bertoldo Kellner, de Blumenau, Santa Catarina, patenteou a Máquina Ideal, para “beneficiar café”, em 1902.119 Em Minas Gerais, Lobo & Spínola, de Leopoldina, patentearam, entre 1899 e 1902, a Machina Spínola para beneficiar120, e o Separador-Catador Lobo Júnior para limpar e selecionar café121. No Rio de Janeiro e em São Paulo muitas outras patentes de pequenos inventores foram requeridas. Aos poucos, a máquina de beneficiar café ocupou um lugar central na fazenda. Não por acaso, um fazendeiro de Campinas promoveu uma grande festa para inaugurar um secador de café. Tão especial fora aquela ocasião que o 211 fazendeiro fez servir três banquetes: no terreiro serviu os escravos; na casagrande, serviu os colonos e os convidados especiais. Em salas separadas, naturalmente!122 NOTAS 1 Dumont, A.S. Op. cit., p. 90. 2 Dumont, A. S. Op. cit., p. 145. 3 Para uma melhor compreensão da vida cotidiana familiar e pública na cidade do Rio de Janeiro, a partir da última década do século dezenove, consultar: ARAÚJO, Rosamaria B. de. A vocação do prazer. O Rio de Janeiro republicano. Rio de Janeiro, Rocco, 1993. 4 Para minha orientação, a melhor referência a esse respeito continua sendo a obra de Freire, Gilberto. Vida social no Brasil nos meados do século XIX. 2a ed., Recife, IJNPS/Artenova, 1977. 5 Jornal do Commércio. 05.12.1873, p. 5. Grifei officina para enfatizar sua conotação fabril no período abordado. 6 Jornal do Commércio. 02.09.1874, p.7. 7 O Auxiliador... 1874, p. 502. 8 Cf. O Auxiliador... 1882, pp.102-109. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 9 Em 1886, Manuel Antonio Balmaceda faria patentear o Torrefador Balmaceda, uma “maquina de torrar café ao ar livre”. Arquivo Nacional, PI-00231 e um “novo sistema de maquina de descascar café em côco”. Arquivo Nacional, PI-00235. Em 1888, o mesmo autor também patenteou ‘melhoramentos no descascador de café”. Arquivo Nacional, PI-00236. Não foram encontrados indícios de que essas máquinas tenham sido fabricadas e comercializadas. 10 O Auxiliador... 1883, p. 68. 11 Arquivo Nacional, PI-07470. 12 Ibid., PI-09136. 13 Ibid., PI-09136. Ibid., PI-08339. Não foram localizados documentos referentes ao Secador Prodígio. 15 Ibid., PI-00100. 16 O Auxiliador... 1879, p. 92. 17 Arquivo Nacional, PI-00017. 18 Ibid., PI-08921. Grifo meu. 19 Ibid., PI-08984. 20 Ibid., PI-06829. 21 Jornal do Commércio, 18.03.1888, p.7. 22 Camargo, R. de e Telles Jr, A. de Q. Op. cit., pp. 507-508. 23 Arquivo Nacional, PI-00093. Devido à lei de 1830 não explicitar a exigência do registro de patentes estrangeiras também no Brasil, não foi possível identificar a totalidade de invenções e inovações de Lidgerwood que foram produzidas no país. Entretanto, sua publicação comercial no Correio Paulistano de 21.07.1878, p. 4, dá uma visão dos produtos e preços praticados: “[...] - Descascador n. 33, descasca até 80 arrobas p/ hora - 1:400$000 Ventilador dobrado p/ idem 600$000 [...] - Descascador n. 7 descasca até 40 arrobas por hora... 900$000 Ventilador dobrado... 600$000 [...] - Apparelho n. 7 com ventilador singelo 2:250$000 - Apparelho n. 10 sendo descascador e ventilador com correias e polias beneficia 10 arrobas por hora...850$000 - Despolpadores de café com 2 cilindros de cobre, conforme o tamanho 600$000 até 1:950$000 - Despolpadores de um cylindro 350$000 até 550$000 - Brunidores systema novo 600$000 até 800$000...” 24 Jornal do Commércio, 30.08.1885, p. 7. Não foram localizados registros referentes ao Catador Prodígio. Em 1896 foi concedida patente também para o Novo Catador Lidgerwood. Arquivo Nacional, PI-01620. 25 Os equipamentos descascadores eram: “Machina aperfeiçoada destinada a descascar café despolpado”, de 1885 (Arquivo Nacional, PI-00139); “chapa invencível Lidgerwood... para descascar café ou outro qualquer grão similar”, de 1889 (Arquivo Nacional, PI-00423); “aperfeiçoamentos em descascadores de café e outros grãos”, patenteada de Londres, em 1893 (Arquivo Nacional, PI-01221); e “chapas de gancho e caldeiras aperfeiçoadas com 212 aparelho de graduação automática para descascador de café”, de 1902 (Arquivo Nacional, PI-03246). O processo de privilégio industrial do descascador Lidgerwood original não foi localizado. 26 Correio Paulistano, 01.02.1883, p. 4; 06.02.1883, p. 3; 26.02.1883, p. 3. A difusão alcançada pelas máquinas a vapor Clayton e Shuttlewort, ao menos para o interior de São Paulo, pode ser considerada através da venda de segunda mão de uma de suas unidades, conforme anúncio do Correio Paulistano de 26.02.1883, p. 3: “Machina a vapor. Vende-se uma das melhores Clayton & Shuttlewort- Inglaterra; de forca de 16 cavallos, de 2 cylindros, locomóvel, sem rodas, está em perfeito estado de conservacão e pode ver-se funccionar todos os dias úteis; vendese por preço razoável, por se ter feito aquisição de outra de mais força. Para ver e tratar, na fabr. de Santo Antonio, largo do Riachuelo, S. Paulo”. 27 Correio Paulistano, 01.02.1883, p. 4. e 11.02.1883, p. 4. 28 Ibid., 01.02.1883, p. 4. 29 Ibid., 01.02.1883, p. 4. 30 Os processos de Mac Hardy encontrados foram: de 1885, “machina para escolher café” (Arquivo Nacional, PI00179) e “machina de descascar e brunir café” (Arquivo Nacional, PI-00180); de 1898, “Machina Economica” (Arquivo Nacional, PI-02185), “Catador Companhia Mac Hardy” (Arquivo Nacional, PI-02225), e “aperfeiçoamentos na machina para descascar café” (Arquivo Nacional, PI-02208). Samuel Beaven atuou como procurador nos seguintes processos: de 1887, “Ventilador e Separador de Pedras” (Arquivo Nacional, PI-00287); e de 1888, “Catador de Pedras Mac Hardy” (Arquivo Nacional, PI-09169). 31 Há indicações de que suas primeiras máquinas tenham sido patenteadas na década de 1870, porém seus processos de privilégios não foram localizados. Uma pesquisa específica deverá considerar que esses inventos poderiam estar direcionados a outros produtos agrícolas - como o arroz, etc. -, não constando, por isso, no inventário de café. 32 Arquivo Nacional, PI-08958. 33 Ibid., PI-08959. 34 Correio Paulistano, 02.03.1886, p. 4. 35 Ibid., 02.03.1886, p. 4. 36 Jornal do Commércio, 07.07.1894, p. 8. 37 Ibid., PI-08342. 38 Ibid., PI-08342. 39 Ibid., PI-01216. 40 Ibid., PI-01217. 41 Correio Paulistano, 03.08.1898, p. 4. Futuramente mais três inventos de apartadores iriam aumentar a família de máquinas Engelberg: em 1898, uma separador para “aperfeiçoar o benefício do café mal beneficiado, contendo corpos estranhos e prejudicando seu preço” (Arquivo Nacional, PI-08127); em 1900, o Catador Engelberg “para separar do café os grãos mais leves e mal desenvolvidos, corpos estranhos como pausinhos, cascas, etc.” (Arquivo Nacional, PI-02812); e, em 1901, o Selector Engelberg, para separar do café já beneficiado “todos os corpos estranhos como sejam pedras, torrões de terra, pausinhos e tudo o que pode prejudicar o valor do mesmo café”. Arquivo Nacional, PI-03059. 42 O processo de privilégio original não foi localizado. 43 Correio Paulistano, 02.03.1886, p. 4. 44 Jornal do Commércio, 27.08.1892, p. 9. 45 Ibid., 04.08.1895, p. 9. 46 Arquivo Nacional, PI-06579. 47 Ibid., PI-02810. 48 Ibid., PI-07489. 49 Correio Paulistano, 03.06.1893, p. 4. 50 O levantamento dos dados para uma história empresarial da Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo extrapolaria os fins desta pesquisa. Porém, a ligação de Siciliano com a empresa pode ser comprovada pela correspondência com os clientes publicada no Correio Paulistano de 07.08.1898, p. 6. 51 Correio Paulistano, 03.08.1898, p. 4. 52 Em 1906, Jorge P. Tebyriçá associou-se a Willard Halstead, de Nova Iorque para patentear um “aperfeiçoamento em descascadores de café” (Arquivo Nacional, PI-04446). 53 Correio Paulistano, 22.07.1904, p. 7. 54 Ibid., 22.07.1904, p. 7. 55 Ibid., 22.07.1904, p. 7. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 56 Arquivo Nacional, PI-07916. 213 57 Entre todas as petições de máquinas e elementos para descascadores de café, a Cia. Mechânica e Importadora de São Paulo registrou: em Piracicaba, São Paulo, em 1895, a “Máquina Engelberg” (Arquivo Nacional, PI-00083); em 1897, o “Despolpador Mecânico” (Arquivo Nacional, PI-02010); em 1901, a “Maquina Schulman” (Arquivo Nacional, PI-03019); em 1902, “melhoramentos a maquina Schulman” (Arquivo Nacional, PI-03020); em 1903, “cilindros, barras e chapas para descascadores de café” (Arquivo Nacional, PI-03550); em 1903, “Esbrugador Mechanica” (Arquivo Nacional, PI-03651); em 1909, a “Máquina Especial Combinada” (Arquivo Nacional, PI02111). Exceto a primeira, todas as petições foram feitas em São Paulo. Em todos os registros, a firma agente de patentes Jules Geraud, Leclerc & Cia ou derivações de sua razão social, atuou como procurador do inventor, o que encobriu as pessoas físicas envolvidas com os processos de invenções de cada registro. 58 Arquivo Nacional, PI-01250. 59 Ibid., PI-01250. 60 Correio Paulistano, 04.08.1894, p. 3. 61 Arquivo Nacional, PI-01251. 62 Correio Paulistano, 07.08.1898, p. 6. 63 Arquivo Nacional, PI-02983. 64 Ibid., PI-02983. 65 Ibid., PI-02983. 66 Correio Paulistano, 05.05.1902, p. 4. 67 Ibid. 68 Ibid., 02.11.1905, p. 4. 69 Ibid., 02.11.1905, p. 4. 70 Jornal do Commércio, 25.06.1896, p. 6. 71 Arquivo Nacional, PI-00711. 72 Ibid., PI-00711. 73 Ibid., PI-00712. 74 Ibid., PI-00713. 75 Correio Paulistano, 15.05.1899, p. 3. 76 Arquivo Nacional, PI-01148. 77 O melhoramento visava a fazer com que a máquina passasse a também selecionar o café por seu tamanho, além de eliminar impurezas. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 78 Arquivo Nacional, PI-01149. 79 Correio Paulistano, 15.05.1899, p. 3. 80 Arquivo Nacional, PI-07184. 81 Ibid., PI-07433. 82 Ibid., PI-07486. 83 Ibid., PI-07494. 84 Ibid., PI-01149. 85 Correio Paulistano, 17.05.1902, p. 5. 86 Ibid. 87 Arquivo Nacional, PI-07432. 88 Ibid., PI-07193. 89 Ibid., PI-02899. 90 Ibid., PI-02906. 91 Ibid., PI-02901. 92 Ibid., PI-02905. O nome do invento não consta no processo de privilégio, apenas sua função. 93 Ibid., PI-02907. 94 Ibid., PI-02908. 95 Ibid., PI-02900. 96 Ibid., PI-02952. 97 Jornal do Commércio, 13.12.1908, p. 18. 98 Correio Paulistano, 06.06.1893, p. 3. 214 99 Seus processos de privilégios industriais são, respectivamente: Arquivo Nacional, PI-08319, PI-08321 e PI-08201. 100 Arquivo Nacional, PI-08319. 101 Arquivo Nacional, PI-07631. 102 Arens também patenteou os seguintes separadores de café: “Catador Pneumático Excelsior”, invento de Julio Scheibel, de S. José do Rio Pardo (SP), em 1884, atuando como procuradores (Arquivo Nacional, PI-00278); o “novo separador de café”, em 1887 (Arquivo Nacional, PI-09090); “Separador Kohinoor”, em 1902 (Arquivo Nacional, PI-03296); “Catador Maravilha”, em 1903 (Arquivo Nacional, PI-03445); o “Catador Turbilhão”, de 1903 (Arquivo Nacional, PI-03679); e os “aperfeiçoamentos em separadores de café e grãos semelhantes”, também de 1903 (Arquivo Nacional, PI-03476). Devido à forma genérica com que os anúncios se referiam às diversas máquinas, tratando-as por catadores, descascadores, etc., e não pelos nomes específicos, não foi possível estabelecer quais patentes foram efetivamente produzidas. Um pesquisa mais acurada neste sentido poderá levantar os registros contábeis da empresa. 103 Arquivo Nacional, PI-08321. 104 Ibid., PI-00174. 105 Ibid., PI-09231. O invento não recebeu um nome específico dos seus patenteadores. 106 Ibid., PI-09240. 107 Ibid., PI-03482. 108 Ibid., PI-03482. 109 Correio Paulistano, 01.08.1890, p.1. O processo de privilégio industrial não foi localizado. 110 Ibid., PI-07457. O invento não recebeu nome específico. 111 Ibid., PI-01140. 112 Jornal do Commércio, 04.06.1893, p. 13, e Correio Paulistano, 08.04.1893, p. 4. 113 Jornal do Commércio, 04.06.1893, p. 13, e Correio Paulistano, 08.06.1893, p. 4. 114 Arquivo Nacional, PI-01818. 115 O processo de privilégio industrial não foi localizado. Sabe-se apenas que o separador Guarany foi patenteado pelo decreto 3.630. 116 Correio Paulistano, 09.1903, p. 4. 117 Arquivo Nacional, PI-01049. 118 Ibid., PI-01417. 119 Ibid., PI-03324. 120 Ibid., PI-02510. 121 Ibid., PI-03377. 121 Cf. Martins, J. S. Op. cit., p. 60. OK 212 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo sobre o desenvolvimento das invenções de máquinas de beneficiar café no Brasil partiu de uma dúvida de origem: se o café era o produto mais importante que o Brasil exportava no século XIX e o trabalho nos cafezais era feito por escravos negros, como foi possível ao Brasil aumentar a exportação do café quando a escravidão foi extinta? Se hoje não se pode imaginar o beneficiamento industrial do café a não ser com máquinas, como isso era feito no século passado, quando as máquinas de hoje simplesmente não existiam? Será que existiam escravos para tanto? Será que a população de imigrantes era suficiente para suprir a ausência do escravo após a abolição? Aparentemente simplórias, essas questões trazem à tona a importância da máquina ontem e hoje, quando ela se tornou objeto do cotidiano a ponto de sua presença passar despercebida. Ter máquina hoje é “natural”. Até quase o fim do século XIX, não ter máquinas é que era o normal: vivia-se num mundo diferente quanto à noção de tempo, distância, quantidade, etc. Naquela época, os problemas materiais eram resolvidos com as soluções que já se apresentavam como rotineiras. Não é demais lembrar que o país vinha de um longo período de economia colonial, em que o ritmo das atividades econômicas maiores era regulado pelos agentes da Metrópole. No entanto, quando a própria Corte mudou-se para o Brasil, a lógica das atividades produtivas mudou. 213 Era necessário fortalecer o poder da Corte sobre todo o país. Por isso, ela se transformou numa cidade cheia de atrativos, um lugar para onde tudo afluía. Um lugar que era preciso abastecer. Por sua vez, a própria novidade da criação da Corte no Brasil trazia contido o impulso da inovação, o interesse em atrair a novidade, em tornar o lugar reluzente e digno de uma Real presença. Visto dessa forma, compreende-se porque as primeiras regulamentações de D. João foram nessa direção, abrindo um caminho de entrada de máquinas que logo depois seria incorporado à primeira constituição do país, não tardando também a ser tratada por lei específica, em 1830. Quando o Estado brasileiro se instalou de vez, a mesma lógica econômica foi mantida: produzir um artigo principal para servir de moeda de troca no estrangeiro e manter o comércio de longo curso com a Europa. Isso era fundamental para o suprimento das necessidades materiais, culturais e políticas da nova nação. Mas como, se o açúcar já não rendia tanto e o ouro não era tão encontradiço quanto antes? O novo problema que então se colocava era tornar compatíveis os meios e o modo de vida no “eito”, de forma que produzisse um outro artigo para ser exportado como antes. A única mudança eram os lucros, que permaneceriam no Brasil, em vez de seguirem para a Metrópole lisboeta. Havia, então, essa visão da produção material. Mas também havia distâncias culturais enormes, barreiras naturais, e outros problemas cujas soluções cabia ao Estado encontrar. Afinal, para isso fora ele fundado no Brasil! Quando o café tornou-se produto de exportação, os problemas das distâncias ficaram ainda maiores, devido às suas características físicas, que 214 exigiam melhor tratamento e mais rapidez no transporte até o vapor ancorado no porto exportador. Era preciso então prover as condições em que se poderia exportar o café. No exterior, o velho mundo mudara. A Ciência e a Indústria, alçadas à categoria de deusas, tinham promovido mudanças no pensamento econômico e social e principalmente na organização do trabalho, que teriam logo reflexos nas bandas de cá. A cidade, o campo, a vida social, enfim, o mundo, rendia-se ao progresso. As artes se renovavam, as distâncias se encurtavam, as pessoas tocavam com as próprias mãos as aparições “fantasmagóricas” dos trens a vapor. Enfim, chegara o tempo do progresso industrial! A inventividade humana ganhava novo sentido. Ficava cada vez mais patente que mesmo os homens comuns poderiam alterar métodos antigos, dinamizar o funcionamento das ferramentas, alterar a ordem “natural” das coisas. E mais: agora era possível enriquecer criando. Havia até leis para assegurar a propriedade da invenção humana. Nada mais contundente para convencer sobre as possibilidades infinitas da Ciência. Havendo esse tipo de lei também no Brasil, e sendo o café a atividade econômica principal, seria então ele o produto para o qual se dirigiriam as atenções. Pelo café, criou-se no Brasil um novo ofício, próprio da criação, para implementar a produção da terra. Havia escravos e imigrantes pobres em abundância para trabalhar, havia florestas extensas a explorar, havia o sentimento de que no café estavam representados todos os interesses do Brasil. Era um processo único: primeiro as 215 leis, depois os capitais, depois os homens. Abriam-se estradas de ferro e rodagem, reformavam-se antigos e construíam-se novos portos, as florestas iam abaixo, dando lugar ao “ouro verde”, o “eito” sugava mais e mais negros que afluíam de outras partes. Criava-se a grande fazenda de café, e com ela vinham os homens cuja empresa era abrir novas fazendas de café.1 Nesse processo, os inventores de máquinas de beneficiar café ainda eram poucos no seu ofício, mas também já estavam presentes. Os negócios iam bem. Vivia-se vida abastada. O cafezal produzia muito nos primeiros anos, depois a terra morria. Mas poucos se importavam. O que valia mais era aquele dinamismo, aquele sentimento de que o Brasil dependia do cafezal... e do negro que tocava o cafezal. Muita gente se importava. Mas quem podia com o café? Afinal, onde buscar um braço tão forte, tão “adaptado” à terra? Na Europa, ou o “chin”? O que fazer? Era melhor não mudar, ou mudar aos poucos e ver o que acontecia, diziam alguns. E assim foi. Aqueles inventores fundaram fábricas de máquinas de café. Outras fábricas vieram com inventores de outros países. Sempre atraídos pelo café. Era a febre do café! E a Sain, surgida dos anseios dos letrados, finalmente conseguiu o seu intento: mudou a antiga lei de patentes. 1 Cf. Martins, José de Souza. Op. cit. 216 A partir da lei de 1882, o inventor ficava mais próximo ainda do industrial. Com essa lei, a lavoura do café teve o impulso que precisava da parte da tecnologia mecânica: aumentavam os tipos de máquinas em oferta, os problemas eram solucionados mais rapidamente com os aperfeiçoamentos. Tudo isso num processo bem brasileiro, com participação da sociedade civil — através da Sain — na hora de julgar o mérito da patente da máquina, e também na forma como a máquina era apresentada ao público: os anúncios de máquinas eram detalhados procurando transmitir segurança aos fazendeiros através de depoimentos de pessoas honradas. Enfim, tudo muito a capricho, como nas mais afamadas casas de Londres e Paris. Nas exposições universais, o Brasil mostrava ao mundo os cafés e as máquinas, que recebiam menções honrosas. Com isso, as máquinas de café brasileiras passaram logo a ser também exportadas para outros países. Por fim, as grandes fazendas foram supridas de máquinas e ferrovias. O café das terras brasileiras era tanto que nenhum outro país foi capaz de competir em quantidade. Os tempos eram outros. Até o negro deixou de ser escravo. Doravante seria só negro. Assim o Brasil virou o século. Deixou de ser império, mas continuou café, e café era ouro, dizia-se. A máquina de café, criada nos moldes das necessidades da lavoura do Brasil ia tomando um lugar cada vez mais central na fazenda. Seus inventores as tinham criado para resolver os problemas específicos do café. Elas deram conta disso: economizaram a mão-de-obra gasta no pilão, deixaram o benefício independente do clima, trataram com rapidez impressionante aquela quantidade enorme de café que vinha do “eito” e que ninguém dava conta de preparar. 217 Elas não mudaram a forma da produção do café em si: continuaram a derrubada e a queimada dos “mataréus”, a enxada e a capina no sol tropical. Elas não modernizaram o Brasil, mas incorporaram tecnologia às condições em que se beneficiava café no Brasil. Elas fizeram a ponte de ligação da fazenda do Brasil com a mesa estrangeira, dando aquele verniz moderno que os fazendeiros tanto prezavam. Já no século XX o café era tanto que sobrava. O porto de Santos expandia-se sem parar. Era tanto café que o preço caía. Os convênios resolveram o problema, o governo garantiu o preço da saca. E tanto café saía da máquina que foi preciso fazê-la parar. 226 FONTES ARQUIVO NACIONAL • Processos de Privilégios Industriais • Coleção das Leis do Brasil BIBLIOTECA NACIONAL • O Auxiliador da Indústria Nacional • Jornal do Commércio • Almanak Laemmert • Coleção das Leis do Brasil • Catálogos/imagens de máquinas ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO • Correio Paulistano UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Museu Paulista da USP • Coleção Santos Dumont Museu do Café - Campus de Ribeirão Preto • Coleção de Máquinas de Beneficiar Café UNIVERSIDADE DE CAMPINAS Centro de Memória da Unicamp • Processos judiciários acerca de invenções e patentes 227 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Gelson R. de. Hoje é dia de branco. O trabalho livre na província fluminense: Valença e Cantagalo, 1870-1888. Niterói, ICHF/UFF, 1994 (dissertação de mestrado). ARAÚJO, Rosamaria B. de. A vocação do prazer. O Rio de Janeiro republicano. Rio de Janeiro, Rocco, 1993. ARQUIVO NACIONAL. 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Fazemos saber (...) que a Assembléia Geral decretou ...: Art. 1 A lei assegura ao descobridor, ou inventor de uma indústria útil a propriedade e o uso exclusivo da sua descoberta, ou invenção. Art. 2 O que melhorar uma descoberta, ou invenção, tem no melhoramento o direito de descobridor, ou inventor. Art. 3 Ao introductor de uma indústria estrangeira se dará um prêmio proporcionado à utilidade, e dificuldade da introducção. Art. 4 O direito do descobridor, ou inventor, será firmado por uma patente, concedida gratuitamente, pagando só o sello, e o feitio; e para conseguil-a: 1 - Mostrará por escripto que a indústria, a que se refere, é de sua própria invenção, ou descoberta. 2 - Depositará no Archivo Publico uma exacta e fiel exposição dos meios e processos de que se serviu, com planos, desenhos ou modelos, que os esclareça, e sem elles, se não puder illustrar exactamente a matéria. Art. 5 As patentes se concederão segundo a qualidade da descoberta ou invenção, por espaço de cinco até vinte annos: maior prazo só poderá ser concedido por lei. Art. 6 Se o Governo comprar o segredo da invenção, ou descoberta, fal-o-ha publicar; no caso porém, de ter unicamente concedido patente, o segredo se conservará occulto até que expire o prazo da patente. Findo este, é obrigado o inventor ou descobridor a patentear o segredo. Art. 7 O infractor do direito de patente perderá os instrumentos e productos, e pagará além disso uma multa igual à décima parte do valor dos productos fabricados, e as custas, ficando sempre sujeito à indemnização de perdas e damnos. Os instrumentos, e productos e a multa serão applicados ao dono da patente. Art. 8 O que tiver uma patente, poderá dispor della, como bem lhe parecer, usando elle mesmo, ou cedendo-a a um, ou mais. Art. 9 No caso de se encontrarem dous, ou mais, nos meios, por que tenham conseguido qualquer fim, e coincidindo ao mesmo tempo em pedir a patente, esta se concederá a todos. Art. 10 1 - Toda a patente cessa, e é nenhuma: Provando-se que o agraciado faltou à verdade, ou foi diminuto, occultando materia essencial na exposição, ou declaração, que fez para obter a patente. 2 - Provando-se ao que se diz inventor, ou descobridor, que a invenção, ou descoberta, se acha impressa, e descripta tal qual elle a apresentou, como sua. 3 - Se o agraciado não puzer em prática a invenção, ou descoberta, dentro de dous annos depois de concedida a patente. 4 - Se o descobridor, ou inventor, obteve pela mesma descoberta, ou invenção, patente em paiz estrangeiro. Neste caso, porém terá, como introductor, direito ao prêmio estabelecido no Art. 3. 5 - Se o gênero manufacturado, ou fabricado fôr reconhecido nocivo ao publico, ou contrário às leis. 6 - Cessa também o direito de patente para aquelles, que antes da concessão della usavam do mesmo invento, ou descoberta. Art. 11 O Governo fica autorizado a mandar passar as patentes, conformando-se com a disposição da presente lei, sendo sempre ouvido o Procurador da Corôa, Fazenda e Soberania Nacional. Art. 12 Ficam revogadas todas as Leis e disposições em contrário. Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nella se contém. O Secretário de Estado dos Negócios do Império a faca imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro aos vinte e oito dias do mez de Agosto de mil oitocentos e trinta, nono da Independência e do Império. Imperador com rubrica e guarda.” Fonte: Collecção das Leis do Império do Brazil de 1830. Parte Primeira. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1876. ANEXO 2 LEI 3.129 DE 14 DE OUTUBRO DE 1882 “D. Pedro II, por Graça de Deus e Unânime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brazil: fazemos saber a todos os nossos súbditos que a Assembléia Geral decretou e nós queremos a lei seguinte: Art.1 A lei garante pela concessão de uma patente ao autor de qualquer invenção ou descoberta a sua propriedade e uso exclusivo. Paragr.1 - Constituem invenção ou descoberta para os efeitos desta lei: 1- A invenção de novos productos industriaes. 2- A invenção de novos meios ou a applicação nova de meios conhecidos para se obter um producto ou resultado industrial. 3- O melhoramento de invenção já privilegiada, se tornar mais fácil o fabrico do producto ou uso do invento privilegiado ou se lhe augmentar a utilidade Entendem-se por novos os productos, meios, aplicações e melhoramentos industriaes que até ao pedido da patente não tiverem sido, dentro ou fóra do Império, empregados ou usados, nem se acharem descriptos ou publicados de modo que possão ser. empregados ou usados. Paragr. 2 - Não podem ser objecto de patente as invenções: 1- Contrárias à lei ou à moral. 2- Offensivas da segurança pública. 3- Nocivas à saúde pública. 4- As que não offerecerem resultado prático industrial. Paragr. 3 - A patente será concedida pelo Poder Executivo, depois de preenchidas as formalidades prescriptas nesta lei e em seus regulamentos. Paragr. 4 - O privilégio exclusivo da invenção principal só vigorará até 15 annos, e o do melhoramento da invenção concedido ao seu autor terminará ao mesmo tempo que aquelle. Se durante o privilégio, a necessidade ou utilidade pública exigir a vulgarização da invenção, ou o seo uso exclusivo pelo Estado, poderá ser desapropriada a patente, mediante as formalidades legaes. Paragr. 5 - A patente é transmissível por qualquer dos modos de cessão ou transferência admittidos em direito. Art. 2 Os inventores privilegiados em outras nações poderão obter a confirmação de seus direitos no Império, contanto que preenchão as formalidades e condições desta lei e observem as disposições em vigor applicáveis ao caso. A confirmação dará os mesmos direitos que a patente concedida no Império. Paragr. 1 - A propriedade do direito de propriedade do inventor que, tendo requerido patente em nação estrangeira, fizer igual pedido ao Governo Imperial dentro de sete mezes, não será invalidada por factos, que occorrão durante esse período, como sejão outro igual pedido, a publicação da invenção e o seu uso ou emprego. Paragr. 2 - Ao inventor que, antes de obter patente, pretenda experimentar em público as suas invenções, ou queira exhibi-las em exposição official ou reconhecida officialmente, se expedirá um título, garantindo-lhe provisoriamente a propriedade pelo prazo e com as formalidades exigidas. Paragr. 3 - Durante o primeiro anno do privilégio só o próprio inventor ou seus legítimos successores poderão obter privilégio de melhoramento na própria invenção. Será comtudo permittido a terceiros apresentarem os seus pedidos no dito prazo para firmar direitos. O inventor de melhoramento não poderá usar da indústria melhorada, enquanto durar o privilégio da invenção principal, sem autorização do seu autor; nem este empregar o melhoramento, sem acordo com aquellle. Paragr. 4 - Se dous ou mais indivíduos requererem ao mesmo tempo privilégio para idêntica invenção, o Governo, salva a hypothese do paragrapho primeiro deste artigo, mandará que liquidem previamente a prioridade, mediante accôrdo ou em juizo competente. Art.3 O inventor, que pretender patente, depositará em duplicata, na repartição que o Governo designar, sob envólucro fechado e lacrado, um relatório em língua nacional, descrevendo com precisão e clareza a invenção, o seu fim e modo de usa-la, com as plantas, desenhos, modelos e amostras que sirvão para o exacto conhecimento dessa invenção e intelligência do relatório, de maneira que qualquer pessoa competente na matéria possa obter ou applicar o resultado, meio ou producto de que se tratar. O relatório designará com especificação e clareza os caracteres constitutivos do privilégio. A extensão do direito de patente será determinada pelos ditos caracteres, fazendo-se disto menção na patente. Paragr. 1 - Com o documento do depósito será apresentado o pedido que se limitará a uma só invenção, especificando-se a natureza desta e seus fins ou apllicação de accôrdo com o relatório e com as peças depositadas. Paragr. 2 - Se parecer que a matéria da invenção envolve infracção do Paragr. 2 do Art. 1, ou tem por objecto productos alimentares, chimicos ou pharmaceuticos, o Governo ordenará o exame prévio e secreto de um dos exemplares, de conformidade com os regulamentos que expedir, e á vista do resultado concederá ou não a patente. Da decisão negativa haverá recurso para o conselho de Estado. Paragr. 3 - Exceptuados sómente os casos mencionados na paragrapho antecedente, a patente será expedida sem exame prévio. Nella se designará sempre, de modo summário, o objecto do privilégio com ressalva dos direitos de terceiro e da responsabilidade do Governo, quanto à novidade e utilidade da invenção. Na patente do inventor privilegiado fóra do Império, se declarará que vale emquanto tiver vigor a patente estrangeira, nunca excedendo o prazo do Paragr. 4 do Art. 1. Paragr. 4 - Além das despezas e dos emolumentos que fôrem devidos, os concessionários de patentes pagarão uma taxa de 20$ pelo primeiro anno, de 30$ pelo segundo, de 40$ pelo terceiro, augmentandose 10$ em cada anno que se seguir sobre a annuidade anterior por todo o prazo do privilégio. Em caso nenhum serão restituídas as annuidades. Paragr. 5 - Ao inventor privilegiado que melhorar a própria invenção se dará certidão de melhoramento, o que será depositado na respectiva patente. Por esta certidão pagará o inventor por uma só vez quantia correspondente à annuidade que tenha de vencer-se. Paragr. 6 - A transferência ou cessão das patentes ou certidões, não produzirá effeito emquanto não fôr registrada na Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Commércio e Obras Públicas. Art. 4 Expedida a patente e dentro do prazo de 30 dias se procederá com as formalidades que os regulamentos marcarem à abertura dos envólucros depositados. O relatório será immediatamente publicado no Diário Official, e um dos exemplares dos desenhos, plantas, modelos ou amostras exposto à inspecção do público e ao estudo dos interessados, permittindo-se tirar cópia. Paragrapho único. No caso de não ter havido o exame prévio de que trata o Paragr. 2 do Art. 3, o Governo, publicado o relatório, ordenará a verificação, por meio de experiências, dos requisitos e das condições que a lei exige para a validade do privilégio, procedendo-se pelo modo estabelecidado para aquelle exame. Art.5 A patente ficará sem effeito por nullidade ou caducidade. Paragr.1 1- Será nulla a patente: Se na sua concessão se tiver infringido alguma das prescripções dos paragraphos 1 e 2 do Art. 1. 2- Se o concessionário não tiver tido a prioridade. 3- Se o concessionário tiver faltado à verdade ou occultado matéria essencial no relatório descriptivo da invenção, quanto ao seu objecto ou modo de usá-la. 4- Se a denominação de invenção fôr, com fim fraudulento, diverso do seu objecto real. 5- Se o melhoramento não tiver a indispensável relação com a indústria principal, e puder constituir indústria separada, ou se tiver havido preterição da preferência estabelecida pelo Art. 2 paragrapho 3. Paragr. 2 - Caducará a patente nos seguintes casos: 1- Não fazendo o concessionário o uso effectivo da invenção, dentro de três annos, contados da data da patente. 2- Interrompendo o concessionário o uso effectivo da invenção por mais de um anno, salvo motivo de força maior, julgado procedente pelo Governo, com audiência da respectiva secção do Conselho de Estado. Entende-se por uso, nestes dous casos, o effectivo exercício da indústria privilegiada e o fornecimento dos productos na proporção do seu emprego ou consumo. Provando-se que o fornecimento dos productos é evidentemente insufficiente para as exigências do emprego ou consumo, poderá ser o privilégio restringido à uma zona determinada por acto do Governo, com approvação do Poder Legislativo. 3- Não pagando o concessionário a annuidade nos prazos da lei. 4- Não constituindo o concessionário, residente fóra do Império, procurador para representá-lo perante o Governo ou em juízo. 5- Havendo renuncia expressa da patente. 6- Cessando por qualquer causa a patente ou título estrangeiro sobre invenção, também privilegiada no Império. 7- Expirando o prazo do privilégio. Paragr. 3 - A nullidade da patente ou da certidão do melhoramento será declarada por sentença do juízo commercial da capital do Império, mediante o processo summário do decreto n. 737, de 25 de Novembro de 1850. São competentes para promover a acção de nullidade: O Procurador dos Feitos da Fazenda e seus ajudantes, aos quaes serão remettidos os documentos e peças comprobatórias da infracção; E qualquer interessado, com assistência daquelle funccionário e seus ajudantes. Iniciada a acção de nullidade nos casos do Art. 1 Paragr. 2, números 1, 2 e 3, ficarão suspensos até final decisão os effeitos da patente e o uso ou emprego da invenção. Se não fôr annulada a patente, o concessionário será restituído ao gozo della com a integridade do prazo do privilégio. Paragr. 4 - A caducidade das patentes será declarada pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Commércio e Obras Públicas, com recurso para o Conselho de Estado. Art. 6 Serão considerados infractores do privilégio: 1 - Os que, sem licença do concessionário, fabricarem os productos, ou empregarem os meios, ou fizerem as applicações que fôrem objecto da patente; 2 - Os que importarem, ou venderem ou expuzerem à venda, occultarem ou receberem para o fim de serem vendidos productos contrafeitos da indústria privilegiada, sabendo que o são. Paragr. 1 - Os infractores do privilégio serão punidos, em favor dos cofres públicos, com a multa de 500$ a 5:000$; e em favor do concessionário da patente, com 10 a 50% do damno causado ou que poderão causar. Paragr. 2 - Serão consideradas circunstâncias aggravantes: 1 - Ser ou ter sido o infractor empregado ou operário nos estabelecimentos do concessionário da patente; 2 - Associar-se o infractor com o empregado ou operário do concessionário, para ter conhecimento do modo prático de obter-se ou empregar-se a invenção. Paragr. 3 - Dispondo-se das infracções de privilégio competente aos juízos de direito das comarcas onde ellas se derem os quaes expedirão, a requerimento do concessionário ou de seu legítimo representante, os mandados de busca, apprehensão ou depósito, e ordenarão as diligências preparatórias ou instructivas do processo. O julgamento será regulado pela lei n. 562, de 2 de Julho de 1850, e pelo decreto n. 707 de 9 de Outubro do mesmo anno, no que fôrem applicáveis. Os productos de que tratão os números 1 e 2 deste artigo, e os respectivos instrumentos e apparelhos serão adjudicados ao concessionário da patente, pela mesma sentença, que condemnar os autores das infracções. Paragr. 4 - O processo não obstará à acção para o concessionário haver a indemnização do damno causado ou que se poderia causar. Paragr. 5 - A jurisdição commercial é competente para todas as causas relativas a privilégios industriaes, na conformidade desta lei. Paragr. 6 - Serão punidos com multa de 100$ a 500$, em favor dos cofres públicos: 1 - Os que se inculcarem possuidores de patentes, usando de emblemas, marcas, letreitos ou rótulos sobre productos ou objectos preparados para o commércio, ou expostos à venda, como se fôssem privilegiados. 2 - Os inventores que continuarem a exercer a indústria como privilegiada, estando a patente suspensa, annullada ou caduca. 3 - Os inventores privilegiados que, em prospectos, annuncios, letreiros ou por qualquer modo de publicidade fizerem menção das patentes, sem designarem o objecto especial para que as tiverem obtido. 4 - Os profissionaes ou peritos que na hypothese do Paragr. 2, Art. 3 derem causa à vulgarização do segredo da invenção, sem prejuízo, neste caso, das acções criminaes ou civis que as leis permittirem. Paragr. 7 - As infracções de que trata o paragrapho antecedente serão processadas e julgadas, como crimes policiaes na conformidade da legislação em vigor. Art. 7 Quando a patente fôr concedida a dous ou mais co- inventores, ou se tornar commum por título de doação ou successão, cada um dos proprietários poderá usar della livremente. Art. 8 Se a patente fôr dada ou deixada em usofructo, será o usofructuário obrigado, quando o seu direito cessar por extincção do usofructo ou terminação do prazo do privilégio, a dar ao senhor da sua propriedade o valor em que esta fôr estimada, calculada com relação ao tempo que durar o usofructo. Art. 9 As patentes de invenção já concedidas continuão a ser regidas pela lei de 28 de Agosto de 1830, sendo-lhes applicadas as disposições do Art. 5, paragr. 2, número 1 e 2 e do Art. 6 da presente lei, com excepções dos processos ou das acções pendentes. Art. 10 Ficão revogadas as disposições em contrário.” Fonte: O Auxiliador da Indústria Nacional, Janeiro/1883.