ExEmplo dE boa govErnança E dE como EnfrEntar a crisE
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ExEmplo dE boa govErnança E dE como EnfrEntar a crisE
| Capa / Investimentos Exemplo de boa governança e de como enfrentar a crise Grupo Pão de Açúcar exibe resultados espetaculares em meio à crise, contrata mais de mil empregados e pode investir 1,2 bilhão de reais em 2009. Em entrevista exclusiva à LIDE, Abílio Diniz conta como alcançou esse desempenho Giovanna nucci N 18 | LIDE o início do mês de março, em meio ao nevoeiro despertado pela crise internacional, o Grupo Pão de Açúcar, uma das maiores corporações do país, revelou seu balanço financeiro de 2008. O que se viu é que as duas rochas que o simbolizam continuam, exuberantes, no mesmo lugar – e mais sólidas do que nunca. Com reservas de 1,7 bilhão de reais em caixa, lucro líquido de 372 milhões de reais, 30% superior ao registrado em 2007, e orçamento de 1,2 bilhão de reais para 2009, bem superior aos 550 milhões de reais investidos no ano passado, a holding de capital aberto que controla quatro bandeiras do varejo supermercadista atravessa um dos melhores momentos de sua história. “Nos preparamos para a crise e estamos colhendo os resultados de boas práticas de governança corporativa”, resumiu à LIDE o empresário Abílio Diniz, presidente do Conselho de Administração do Pão de Açúcar e uma das vozes mais respeitadas do empresariado nacional. “A econo- mia estava caminhando para um mundo de fantasia, irreal, e nós percebemos isso a tempo.” Para alcançar os resultados espetaculares de 2008 e entrar em 2009 a plena força – a ponto de ter contratado nada menos que 1,4 mil funcionários em janeiro –, Abílio e seu grupo redimensionaram o plano de investimentos da companhia, executaram um exaustivo trabalho de baixa de estoques e, agora, criaram um comitê destinado exclusivamente a atuar pela melhor performance de suas ações na Bolsa de Valores. Movimentos de quem não tem medo da crise. “Para enfrentar esse momento, é preciso ter caixa, ficar quieto, abaixar a cabeça e esperar a tempestade passar”, aconselha, com bom humor, o empresário eleito mais de uma vez, por órgãos como os jornais Valor Econômico, Gazeta Mercantil e a revista IstoÉ Dinheiro, a personalidade empresarial do ano no Brasil. À LIDE, para analisar a crise, ele concedeu uma entrevista exclusiva cujos trechos principais estão a seguir: LIDE | 19 Divulgação “Os primeiros sinais da crise puderam ser vistos por todos, mas foram ignorados pela maioria” LIDE – Qual o seu diagnóstico sobre a crise? Abílio Diniz – O que dá para ver é que esta é uma crise que já vinha sendo anunciada há muito tempo. Havia uma percepção muito grande de que a economia caminhava, cada vez mais, para um mundo irreal, que pode até ser chamado de mundo da fantasia. Os ativos estavam supervalorizados, os múltiplos pagos pelas empresas vinham muito acima do que seria um retorno considerado adequado, o mercado estava muito especulativo e com apostas excessivamente altas. Ganhava-se muito dinheiro ou, ao menos, havia expectativa de se ganhar muito. A verdade é que estava fácil ganhar dinheiro, este é um ponto que temos de reconhecer. Mas também, evidentemente, estava fácil perder. Quando uns ganham muito, outros têm de perder. LIDE – Quais foram os sinais mais evidentes de que a crise batia à porta? Diniz – Os primeiros sinais puderam ser vistos por todos, mas ignorados pela maioria. Aquilo que é considerado o início da crise, a bolha imobiliária nos Estados Unidos e na Europa, teve seus sinais evidenciados durante muito tempo. O problema que ocorreu no mercado financeiro também já era anunciado. O que aconteceu foi um aumento muito grande da desregulamentação do setor financeiro. E a maneira como esse setor concedia o crédito, com grande facilidade, já era uma preparação para um dia perder. Os ativos podres, hoje, estão nos bancos, e isso não aconteceu por acaso. Não é obra de fatalidade nenhuma. Isso foi construído, e construído durante muito tempo, com uma certa complacência dos órgãos reguladores, quer sejam os bancos centrais, os governos, as Bolsas de Valores e os mecanismos de fiscalização das companhias abertas. Outro ponto que explica a crise está nos erros cometidos pelos executivos com a negligência dos donos do capital, os acionistas. Hoje, principalmente nos Estados Unidos, culpa-se muito os executivos pela má condução das companhias. Mas e os donos, os acionistas, o que eles fizeram? É claro que eles deram liberdade demais para seus executivos. LIDE – No ápice dos ganhos fáceis, muita gente aproveitou para enterrar as empresas familiares. Diniz – Existe muita negligência 20 | LIDE Giovanna nucci | Capa / Investimentos “O que eu digo é que os detentores do capital não assumiram a sua responsabilidade de controlar as decisões estratégicas das empresas” também na empresa familiar. O que eu digo é que os detentores do capital não assumiram a sua responsabilidade de controlar as decisões estratégicas das empresas. Além disso, é preciso haver regras muito claras para o trabalho executivo. E como isso é feito nas companhias abertas ou familiares, de todos os tipos? Por meio do que se chama governança corporativa. Foi essa governança que falhou – e muito – nesse processo, o que permitiu que os executivos falhassem mais ainda. Tudo isso levou a uma situação muito irreal. LIDE – Como está o Grupo Pão de Açúcar neste cenário? Diniz – Muito bem. Nós acabamos entrando na crise muito bem preparados para enfrentá-la. No ano passado, sentimos que alguma coisa iria acontecer. Mantivemos o caixa alto, seguramos um pouco os investimentos no final de 2008 e agora continuamos nossos planos absolutamente dentro da tranquilidade. A questão é que eu não vou olhar o Brasil e a situação do mundo por meio da imagem que eu tenho da minha empresa. LIDE – Mas é um fator positivo o grupo ter contratado 1,4 mil colaboradores em janeiro. Diniz – O varejo funciona assim. Janeiro é um mês em que ocorrem muitas recontratações de pessoas. De qualquer forma, nós estamos bem. Aliás, o comércio como um todo está bem, e o consumo interno, muito bem. LIDE – Qual é a melhor fórmula para enfrentar a crise? Diniz – Tem de ter caixa, ficar quieto, abaixar a cabeça e esperar a tempestade passar. E tem de aguentar. LIDE | 21 Divulgação | Capa / Investimentos soa, mesmo aí existe o bloco controlador. Esse bloco tem de exercer as suas atividades e responsabilidades dentro da companhia. A diretriz estratégica vem do dono, isto é, do conselho, daqueles que representam o capital. Os executivos podem dialogar muito, colocar suas opiniões, ideias e até a sua criatividade, mas a palavra final tem de ser dada pelo conselho, os chamados donos. “No passado, sofremos críticas que diziam que essa era uma empresa de um rosto só. Hoje, acredito, não é mais assim” Nós aqui estamos fazendo isso. O Cláudio Galeazzi está fazendo um excelente trabalho na diminuição do volume total do estoque, com um índice de performance bastante bom. Nos últimos anos, tivemos certas dificuldades na parte administrativa, com presidentes que não tiveram o desempenho que a gente esperava. Mas desde a chegada do Galeazzi, as coisas voltaram a ficar muito tranquilas e resgatamos nossa performance. Se trabalhar certinho, dá. Se começar a inventar, criar muito, vai ter problemas. LIDE – É o melhor momento da história do grupo? Diniz – É um momento muito bom, repito. No passado, sofremos 22 | LIDE críticas que diziam que essa era uma empresa de um rosto só. Hoje, acredito, não é mais assim. Não somos mais uma empresa familiar desde 1995. Gostamos de participar do mercado aberto. Quando iniciei a profissionalização, cometi o erro de dar um espaço muito grande para os executivos. Nós nunca deixamos, dentro do conselho de administração, de dar as diretrizes principais, mas aconteceu de, em nome da profissionalização, abrir um espaço operacional muito grande para os dois presidentes que estiveram aqui antes do Galeazzi. Isso não foi bom, principalmente no período de 2006 e 2007. A parte operacional ficou muito na mão dos executivos, e isso não foi bom. Com a chegada do Ga- leazzi, em 2008, balizamos um pouco mais o caminho para ele, e isso foi excelente. Promovemos um alinhamento maior entre os acionistas e os executivos. Daí, voltamos a ser o que éramos, voltamos a trabalhar com tranquilidade e ter uma performance muito boa. Nada mais precisou mudar, apenas ter esse alinhamento entre conselho e profissionais, donos de capital e executivos. LIDE – Ou seja, o dono tem sempre de estar em campo atuando, é isso? Diniz – Não tenho dúvida nenhuma sobre isso. O papel do dono é fundamental. Mesmo quando a companhia não tem mais de 10% de suas ações na mão de uma pes- LIDE – Como o senhor se posiciona no debate sobre as remunerações de executivos? Diniz – Nós, aqui, remuneramos bem. Essa é uma empresa que paga bem. Estamos sempre pesquisando o mercado. É fácil saber o que os outros fazem. Nós procuramos nos posicionar, em matéria de salário, acima do mercado. Trabalhamos muito com bônus, e é por isso que temos bons executivos. Uma coisa é acreditar que basta pagar bem ao executivo para ele fazer milagre. Isso não acontece. O que eu defendo é o alinhamento de toda a governança corporativa, com responsabilidades compartilhadas entre os detentores do capital e os executivos. Quando se está alinhado, você pode até errar, mas erra com todo mundo junto. Giovanna nucci LIDE – Tem hora, então, que a democracia acaba na gestão da empresa? Diniz – Não é isso. Podem di- zer que o Abílio prega um certo autoritarismo. Não, o que eu prego é que as pessoas tenham suas responsabilidades muito bem definidas. E, no final, quem manda é o dono. Afinal, quem tem o controle tem responsabilidade maior. “O papel do dono é fundamental. Os executivos podem dialogar muito, colocar suas opiniões, ideias e até a sua criatividade, mas a palavra final tem de ser dada pelo dono” LIDE | 23 | Capa / economia “É preciso resgatar a confiança” Ex-presidente do Banco Central, Gustavo Loyola diz que o mercado interno é uma das armas mais poderosas para enfrentar as turbulências na economia Delfim Netto afirma que o Brasil vai continuar a crescer, fala da quebra de confiança no mercado financeiro internacional e propõe uma queda nos juros 24 | LIDE do que outros emergentes e do que muitos países ricos da Europa e os Estados Unidos.” Loyola assinala que o país foi poupado do “aspecto mais agudo da crise” à medida que os bancos públicos e privados se mantiveram sólidos, enquanto grandes instituições financeiras internacionais se derretiam. Essa solidez do sistema financeiro nacional e a amplitude do mercado interno são dois alicerces que sustentarão a volta do investimento estrangeiro produtivo no Brasil, segundo o economista. “Em meio a essa forte tempestade mundial, a economia brasileira está dando um recado de que é resistente. O investidor estrangeiro já está percebendo que, ao colocar dinheiro aqui, inclusive diretamente no setor produtivo, corre menos riscos do que se fizer o mesmo em outros lugares”, diz. “Já provamos ser bem mais resistentes, por exemplo, do que as economias do Leste Europeu, em especial a da Rússia, cujos problemas são bem mais graves do que os nossos. Eles, e muitos outros, por entrarem mais fundo na crise, terão mais dificuldades para dela saírem. O Brasil sairá mais rapidamente.” Loyola observa muita cautela entre os empresários com os quais têm contato. “Essa cautela é absolutamente natural, mas ninguém está com medo. O que dá para perceber é que alguns estão replanejando seus investimentos, esticando um pouco mais a aplicação de recursos em seus negócios enquanto o quadro mundial vai ficando mais claro”, conta. “Muitos que pensavam fazer aportes em 12 meses vão fazer isso em 18 meses.” N o auge da forma intelectual aos 80 anos, o professor e ex-ministro Antônio Delfim Netto não tem medo da crise econômica. “O Brasil tem pelo menos 25 anos pela frente de uma estrada concretada livre; basta ter ousadia e inteligência para usá-la”, diz, certo de que o país criou sólidas bases econômicas e políticas. “Temos um mercado interno em expansão. O mundo sabe que existem aqui todas as condições para abrigar e executar projetos extraValter Campanato/ABr C om a bagagem de ter sido presidente do Banco Central por duas vezes (19921993/1995-1997), o economista Gustavo Loyola é o tipo de observador que possui os instrumentos mais úteis para medir a temperatura e a pressão da economia – e projetar o futuro. Além da experiência e dos inúmeros contatos no Brasil e no exterior, Loyola faz parte do conselho de administração de diversas companhias e é um dos diretores da Tendências Consultoria Integrada. Ele não apenas está certo de que a economia brasileira exibe muitos requisitos para enfrentar a crise e até condições de vencê-la, como vislumbra a volta do investimento estrangeiro direto ao país a médio prazo. “Acredito que o Brasil possa sair fortalecido, ou ao menos desfrutar de uma situação relativamente boa, certamente melhor do que a de muitos outros países, depois que a crise passar”, afirmou à revista LIDE. “No curto prazo, neste ano e no início do próximo, certamente vamos sentir os impactos da crise, mas num grau menos acentuado Divulgação “O Brasil vai sair mais forte da crise” ordinários.” Delfim acredita que, quando a espuma da crise baixar, os investidores internacionais reconhecerão no Brasil um porto seguro para o capital se transformar em negócios produtivos. “Entre Brasil, Rússia, Índia e China – os países do Bric –, o Brasil é o único que resolveu seus problemas. Por isso, quando o mundo recuperar um pouco a confiança, será o lugar preferido para investimentos estrangeiros.” Presidente do Conselho Superior de Economia do Instituto Roberto Simonsen, da Fiesp, e integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo federal, Delfim explica a crise pela ótica da “quebra de confiança” entre os agentes do mercado. “No momento em que a Secretaria do Tesouro dos EUA negou socorro ao Banco Lehman Brothers, quebrou-se a confiança no mercado financeiro mundial”, avalia. “Aquilo foi uma barbeiragem, cujos efeitos são sentidos até hoje.” Neste sentido, ele saúda o início da gestão Obama. “Ninguém mais acreditava no Bush. Agora, as pessoas depositam no novo governo a possibilidade de reconstrução da confiança perdida. É um começo.” A falta de crédito é, para o exministro, o problema mais grave a ser superado no momento. “É natural que aqueles que contavam com o funding externo estejam agora preocupados”, afirma. “Afinal, o crédito externo sofreu uma morte súbita.” Essa questão só será superada, frisa, com o resgate da confiança. Enquanto isso não acontecer, porém, Delfim acredita que os fundamentos macroeconômicos bem ajustados no Brasil servirão de garantia para que as empresas sofram menos com a crise. “O Brasil quebrou em 1998 e quebrou em 2002, mas isso já não irá acontecer mais”, acredita. “Desfrutamos de uma situação externa confortável, com 200 bilhões de dólares em reservas.” No plano interno, um corte na taxa básica de juros (Selic), que será realizado pelo Banco Central, é, para ele, uma medida imprescindível. “Não há justificativa técnica para o BC não cortar os juros, além de ser uma demonstração de insensibilidade monstruosa.” LIDE | 25 Stockxpert Silvio Simões/AMCHAM | capa / estratégia Um olho em custos, outro no futuro As empresas reveem seus planos, para se ajustarem a um cenário econômico menos favorável, buscando novos nichos e dando prioridade à geração de caixa A s convenções anuais da Nívea Brasil, uma das líderes da indústria de beleza, costumam acontecer em hotéis localizados à beira de belas praias do Nordeste. Este ano, vai ser diferente: o encontro será realizado em São Paulo. “A palavra de ordem é olhar com atenção cada despesa”, explica Nicolas Fischer, presidente da companhia. Não significa que a empresa, subsidiária do poderoso grupo alemão Beiersdorf, esteja amargando uma retração em seus negócios. Em 2008, a Nívea superou sua meta de crescimento – a receita subiu mais de 15% – e a previsão para este ano é de um aumento superior a 10%. Mas, diante do cenário eco 26 | LIDE “Estamos cortando custos, mas sem afetar duas áreas estratégicas para a companhia: pessoal e publicidade”, diz Nicolas Fischer, presidente da Nívea Brasil nômico mundial, acha necessário reforçar a busca de eficiência. Como a Nívea, a maior parte das empresas está revendo sua estratégia para se adaptar a uma conjuntura menos favorável do que a observada nos últimos anos. “É fundamental estar preparado”, alerta Otto von Sothen, presidente de alimentos da Pepsico, dona de marcas como Elma Chips, Toddy, Gatorade e Coqueiro. Uma das medidas adotadas pela Pepsico foi a criação de um comitê interdisciplinar, que reúne todas as áreas da empresa para discutir práticas que contribuam para manter uma boa geração de caixa. Outra providência foi rever o orçamento, montado com base em pontos essenciais e não mais com referência em gastos dos anos anteriores. Na Casas Bahia, maior rede varejista de móveis e eletroeletrônicos do país, a reação ao novo quadro econômico levou a uma mudança de prioridades. A empresa está investindo em regiões nas quais tem menos participação e, portanto, mais condições de crescer. É o caso do Nordeste, onde deverão ser inauguradas 20 lojas em 2009. Outro passo importante para ampliar a base de clientes foi a criação de um portal on-line, com a finalidade de passar a atender um público de maior poder aquisitivo, que suas lojas não atingem. Reduzir custos é um ponto em comum nos planos das empresas para se ajustarem aos novos tempos, mas a intensidade das medidas varia de acordo com os efeitos sofridos pelas companhias. A Nívea, por exemplo, planeja uma economia de 5% em seus gastos. Uma das soluções é explorar mais os recursos oferecidos por instrumentos como a teleconferência, para evitar viagens ao exterior. Viajar, só quando for absolutamente necessário, e sempre na classe econômica. Essa política, porém, não se aplica a todas as áreas. A empresa não planeja fazer cortes de pessoal, nem diminuir os recursos destinados à publicidade. Pessoal e marca são importantes diferenciais competitivos, resultados de pesados investimentos realizados ao longo dos anos, e que, segundo Fischer, não podem ser perdidos. Uma coisa é cortar gorduras, outra é abrir mão de trunfos capazes de garantir o futuro. LIDE | 27 | Capa / gestão de pessoas Expandir em tempos difíceis Uma das maiores empregadoras do Brasil, a Contax contrata 2,5 mil funcionários em fevereiro e acredita que efeitos da crise serão menores aqui do que no restante do mundo P Fotos: Divulgação elo seu tamanho e posição no mercado, certas empresas são pontos privilegiados de observação para análises a respeito da economia real. Uma das três maiores empregadoras de mão-de-obra do país, com 75 mil funcionários e um portfólio de 58 clientes, todos grandes grupos empresariais dos setores financeiro e de serviços, a 28 | LIDE Contax desfruta desse posicionamento especial. A companhia, que tem a Andrade Gutierrez como acionista, projeta, executa e opera contact centers e, neste papel, tem relacionamento direto não apenas com o público e seus humores, mas, também, com as prestadoras de serviços, seus fornecedores e parceiros. “Nas áreas em que fazemos a interface entre as grandes empresas e seus clientes, posso garantir que ainda não há sinais de que a crise global tenha chegado”, afirmou à LIDE o presidente da Contax, James Meaney. “E olha que não me considero otimista, estou apenas apontando o que estamos vivendo.” Em fevereiro, a partir da conquista de novos clientes, como a TAM, a Contax contratou nada menos que 2,5 mil novos colaboradores. “O setor de serviços continua aquecido e as empresas estão se movimentando bastante para responder a essa demanda”, completa Meaney. Com mais de 1 bilhão de reais em investimentos próprios em oito anos de atuação no Brasil, a Con- O setor de call center trabalha com projeção de crescimento entre 10% e 12% em 2009, muito acima da média mundial tax experimentou um crescimento de 30% – duas vezes o aumento do mercado setorial – no ano passado. Os executivos da companhia trabalham com projeções segundo as quais o setor de contact centers deverá se expandir este ano entre 10% e 12%. “Na maioria dos países da Europa e nos Estados Unidos, o incremento do setor vai ficar próximo a zero”, adianta Meaney. “Isso quer dizer que, mesmo com uma perspectiva de se desenvolver menos do que no ano passado, o Brasil terá um expressivo aumento de atividade na nossa área de atuação.” Os contact centers da empresa prestam serviços de Atendimento ao Consumidor, Recuperação de Crédito, Televendas e Retenção. A companhia opera 32 mil posições de atendimento. No momento em que os reflexos da crise global assustam muitas companhias, a Contax demonstra uma posição bastante sólida graças a métodos de gestão. “Abrimos mais de 150 vagas para coordenadores, gerentes e diretores este ano”, assinala Meaney, sem medo de estar correndo o risco de pagar salários exorbitantes. “Para a definição das remunerações e benefícios, trabalhamos com pesquisas próprias de mercado e métodos corporativos que privilegiam a geração de valor para o acionista.” Com esse tipo de fórmula, a Contax combate na prática o mal das remunerações excessivas, que acometeu grandes empresas, especialmente nos Estados Unidos. “Desenvolvemos uma tecnologia de gestão que foi aprovada e tem acompanhamento direto do nosso conselho de administração. O desempenho dos funcionários é monitorado por cerca de 1,4 mil indicadores individuais. Aqui, privilegiamos a produtividade.” Por tudo isso, o líder da Contax está entre os executivos que não têm medo da crise. “Não há como o Brasil deixar de sentir os efeitos do que está havendo no mundo, mas podemos acreditar que os efeitos não serão graves como os verificados lá fora”, diz Meaney. Ele acredita que três importantes fusões empresariais ocorridas recentemente – a dos bancos ABN com o Santander e do Itaú com o Unibanco, além da compra da BrasilTelecom pela OI – podem mudar um pouco o perfil do mercado de trabalho para executivos. “A tendência é que melhores currículos apareçam no mercado. O empresário que estiver disposto a investir na crise captando bons quadros terá excelentes oportunidades”, avalia Meaney. LIDE | 29 | capa / executivos O perfil certo para o novo cenário O consultor de empresas Robert Wong concorda integralmente. “No universo de sabedoria chinês, crise e oportunidade vêm da mesma matriz”, explica. “O segredo para se lidar com essa crise é ter atitude, e isso só um executivo que é um verdadeiro agente de mudança consegue ter. E ele não pode ser independente, tem que ser interdependente, tem que cooperar”, acrescenta Wong. O reputado psicanalista Jorge Forbes vai além. “O sociólogo Alain Touraine, que foi professor do expresidente Fernando Henrique Cardoso, já havia alertado: basta de medirmos o mundo pelos parâmetros econômicos. A nova forma de ser líder impõe criatividade e, sobretudo, responsabilidade. Precisamos deixar de ser manobrados por esses meninos de bancos de te de celulares, corte dos carros da diretoria, etc. Isso me lembra um banco que, anos atrás, mandou todos os seus funcionários cortarem o cabelo, como forma de enquadrá-los em um modelo próprio de expansão dos negócios.” Arthur Vasconcellos, sócio da CTPartners Brasil, empresa de headhunters especializada na captação de profissionais altamente qualificados, acredita em outro fenômeno decorrente da crise: a valorização dos “executivos de cabelo branco”. Tendência que, segundo ele, “se contrapõe ao movimento observado nos últimos anos, quando o sucesso de empreendimentos modernos, arrojados e capitaneados por jovens talentosos, como o Google, a Apple e a Microsoft, ajudou a valorizar o passe dos executivos com menos de 40 anos”. n Stockxpert Divulgação Empreendedores, headhunters, consultores e psicanalistas começam a delinear o gestor ideal para enfrentar os tempos difíceis da economia mundial investimento, que só pensam em ganhar lucros cada vez maiores e fazer ginástica nos fins de semana”, receita Forbes. Para o consultor português Antônio Álvaro de Gusmão Ramos, representante para a América Hispano-Portuguesa da consultoria europeia Euromanagement, “o executivo ideal para lidar com a crise tem que ser frio e ter visão de longo prazo, para não permitir a demissão de talentos que serão imprescindíveis quando a crise amainar e sua organização necessitar de novos planos para retomar o crescimento”. Jorge Forbes é bastante crítico. “Tenho medo dos remédios que alguns providenciam para consertar o desastre. Certos executivos só conseguem pensar em fórmulas velhas, de uma sociedade disciplinar, que enxerga a saída pelo cor- E m resposta ao impacto da crise financeira internacional, começam a surgir, aqui e ali, pistas acerca dos profissionais e dos procedimentos mais adequados para lidar com aquilo que empresários de todo o mundo pensavam conhecer (e, obviamente, ainda não conhecem em toda a sua plenitude): a globalização. “O que diferenciará um empreendedor do outro é a capacidade de criar soluções para escapar dos problemas. Ou seja, usar os obstáculos como desafios e superar”, escreveu recentemente o empresário Luiz Fernando Garcia, consultor credenciado pela Organização das Nações Unidas para administrar programas de empreendedorismo. 30 | LIDE O consultor Robert Wong define o executivo adequado aos tempos de crise como um profissional que possa ser “o agente da mudança”, alguém aberto à cooperação LIDE | 31