A astúcia dos ferreiros contra a força do dragão – as lições do
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A astúcia dos ferreiros contra a força do dragão – as lições do
INFORMAÇÕES SOBRE O TEXTO Tipo Artigo publicado como caderno de texto. 2002. 54 pp. Título: Original: A astúcia dos ferreiros contra a força do dragão – as lições do Mondragón para a economia solidária do Cone Sul. Publicado: Las lecciones de la experiencia de Mondragón para la economía solidaria del Cono Sur. Autores: Antônio Cruz Alessandra Cardoso Resumo: Originalmente produzido como trabalho de conclusão da disciplina sobre microeconomia, ministrada pela Prof.ª Maria Carolina Sousa, no doutorado de economia da Unicamp, em 2002 e posteriormente publicado como caderno de debates do Centro de Estudos em Sociologia do Trabalho (CESOT – Facultad de Ciencias Económicas, Universidad de Buenos Aires). O texto apresenta uma versão crítico-materialista da trajetória histórica microeconômica do complexo cooperativo Mondragón, analisando as condições históricas de seu desenvolvimento econômico e as contingências sócio-políticas que delimitaram esta experiência. Além disso, questiona as possibilidades e os limites de sua replicabilidade, defendendo ao mesmo tempo a tese da singularidade da experiência (portanto, sua não-replicabilidade) e da comparabilidade entre os desafios do processo basco no século XX e os desafios da economia solidária da América do Sul no começo do século XXI. Referência original: CRUZ, Antonio; CARDOSO, Alessandra. A astúcia dos ferreiros contra a força do dragão – as lições do Mondragón para a economia solidária do Cone Sul. Campinas: arquivo eletrônico, 2002. Disponível em: <http://www.ucpel.tche.br/ nesic> i A ASTÚCIA DOS FERREIROS CONTRA A FORÇA DO DRAGÃO As lições (e as não-lições) da experiência de Mondragón para a economia solidária no Conesul. Antônio Cruz Professor/pesquisador da Universidade Católica de Pelotas, mestre em sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutorando em economia aplicada pela UNICAMP. Alessandra Cardoso Assessora da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca (Presidência da República), mestra em economia – desenvolvimento, espaço e meio ambiente – e doutoranda em economia aplicada pela UNICAMP. Índice De quê estamos tratando?............................................................................................ 1 Mondragón, no País Basco: a Corporação Cooperativa. ............................................ 8 A trajetória histórica das cooperativas de Mondragón. .............................................. 31 Conclusão: sobre o “modelo” de Mondragón e a economia solidária no Cone-Sul ... 42 Bibliografia. ................................................................................................................ 55 De quê estamos tratando? 1 Mondragón, a economia solidária e o objetivo deste trabalho A Mondragón Corporação Cooperativa (MCC) – sediada no País Basco, Espanha setentrional – é uma holding que se constitui hoje como o sétimo maior grupo empresarial da Espanha, em faturamento e número de empregos. Esta holding possui cerca de 40 plantas industriais fora da Espanha, na América Latina, Europa, Estados Unidos e Ásia. As empresas a ela vinculadas produzem um sem-número de produtos industrializados, de leite em embalagem longa vida a ônibus ou a armações de aço para grandes construções, de painéis eletrônicos a artigos esportivos. Também faz parte da MCC a maior rede de supermercados que opera no País Basco, além de companhias de seguro, um banco, um fundo mútuo de assistência médica e previdenciária, e uma universidade, bem como vários centros de P&D1. Entretanto, uma das coisas que difere Mondragón de outros “oligopólios mundiais” é que a holding pertence às empresas, isto é, ela é controlada por organismos diretivos eleitos pelas empresas a ela vinculadas, e não ao contrário, como normalmente acontece. A outra grande diferença é que todas essas empresas industriais e de serviços (incluindo a universidade e os centros de P&D) são – todas elas – cooperativas autogestionárias, onde as decisões e a gestão são exercidas coletivamente por donos-trabalhadores. Mondragón se converte, assim, num modelo suigeneris de gestão empresarial cooperativa, mais que bem sucedida em meio ao capitalismo mundializado deste começo de século XXI. Mas, para além disso, ela representa um ícone ao mesmo tempo olhado com admiração e desconfiança pelos estudiosos da chamada “economia solidária” na América Latina. O que é a economia solidária? Este foi o nome empregado para descrever um fenômeno ainda pequeno, mas crescente, presente em quase todas as grandes cidades da América Latina e muito freqüentemente também entre comunidades rurais bem organizadas do continente. É a tentativa – freqüente, portanto – de grupos de trabalhadores/trabalhadoras desempregados ou em situação de trabalho precário reuniremse em iniciativas econômicas que visam garantir sua inserção no mercado de 1 Pesquisa & Desenvolvimento – atividade sistemática de investigação tecnológica aplicada. A maioria das grandes corporações mundiais, hoje em dia, tem seus próprios centros de P&D para desenvolver produtos e processos produtivos para suas atividades econômicas. 2 produtos/serviços, buscando uma melhoria objetiva de sua qualidade de vida através da cooperação, repartindo assim o trabalho, seus resultados e a gestão de seus negócios comuns. O conceito ainda é objeto de muitas controvérsias, mas em linha gerais os pesquisadores que vêm discutindo este fenômeno conhecem, em maior ou menor grau, a experiência de Mondragón. E se perguntam: nós, na América Latina, temos algo a aprender com Mondragón, seja para a economia solidária, seja para o desenvolvimento local das comunidades? Ou, por tratar-se de uma experiência tão distinta, num patamar já tão elevado e distante, que não nos cabe apreender nada de sua experiência? Ou, por outra, sendo o contexto espanhol tão distinto – por tudo – da América Latina, não seria impossível qualquer pretensão adaptativa de suas realizações? Discutir estas questões – ainda que de forma limitada pelo tempo, pelo espaço, por nossas fontes ou, finalmente, por nossa capacidade de análise – é o objetivo deste trabalho. Sobrevivência das pequenas empresas e arranjos de desenvolvimento local sob o capitalismo mundializado Ao longo do Século XX, mais precisamente entre os anos 20 e os anos 70, um tipo específico de empresa dominou o cenário da economia mundial, apresentando-se como modelo hegemônico de organização da firma capitalista: o modelo da grande empresa fordista-taylorista – fortemente hierarquizada, com rígida separação entre as esferas de planejamento e execução da produção, planejada no longo prazo (no sentido marshalliano do termo), com tendência oligopolista. Este não era um modelo novo em 1920, nem tampouco desapareceu depois dos anos 70. É forçoso admitir, entretanto, que o apogeu da empresa fordista-taylorista coincidiu com um determinado arranjo sócio-político e macroeconômico, que já era antes preconizado pelo próprio Ford e analisado em seu surgimento por Antonio Gramsci (entre tantos outros), e que depois passou a ser conhecido na literatura econômica e sociológica como “modo de regulação social fordista-keynesiano”. Ao longo desse tempo, um conjunto de debates vitais para o desenvolvimento do capitalismo ocupou todo o espaço da ciência econômica. Se, na perspectiva macroeconômica, liberais, heterodoxos e marxistas travavam uma intensa discussão acerca da dinâmica e dos limites do capitalismo e de sua relação com a política e o Estado, na perspectiva microeconômica o debate se situava entre os modelos de equilíbrio da firma, propostos pelos neoclássicos, e as teorias da concorrência oligopolista, que tendiam a 3 aproximar heterodoxos e marxistas. Evidentemente, as relações entre os planos macro e micro jogavam um papel central neste debate. Havia, além disso, profundas contradições entre as análises da intelectualidade e a ação efetiva em meio a conjunturas instáveis: governos socialistas com políticas liberais, governos liberais com políticas heterodoxas e, sobretudo, práticas microeconômicas que em nada coincidiam com as receitas dos manuais de microeconomia. Entretanto, a reestruturação mundial do capitalismo a partir dos anos 80 do século XX – com a crescente expansão e interligação mundial dos mercados e dos arranjos produtivos, o aparecimento de uma onda de inovações tecnológicas baseadas na eletrônica e na biotecnologia e a liberalização e re-regulamentação dos mercados nacionais com vistas ao livre fluxo de capitais e mercadorias – trouxe consigo o questionamento crescente da possibilidade do velho modelo de firma fordista-taylorista continuar dominando o cenário dos modelos microeconômicos, fosse na vertente neoclássica, fosse na vertente heterodoxa. A “mundialização do capital”, ao aprofundar sua concentração e centralização, gerando oligopólios mundiais, não produziu apenas a fusão/aquisição de unidades produtivas de bens e serviços, mas multiplicou os modelos de hierarquização e de relacionamento interfirmas, criando um conjunto novo, de múltiplas possibilidades de arranjos. De modo geral, estas variações na estrutura e nas relações das grandes empresas tinham como objetivo final o empoderamento das organizações em meio a um mercado cada vez mais competitivo e estreito, isto é, tratavam de aumentar suas escalas de produção, ainda que pelo somatório de escopos cada vez mais diversificados. Tudo indica que o espaço para a sobrevivência das pequenas e médias empresas – ao contrário do que haviam afirmado Piore e Sabel (1984) – é cada vez menor, e que “seu tempo está se esgotando” (não que elas não continuem surgindo em profusão, mas com longevidade cada vez menor...). Entretanto, o surgimento e o sucesso – ao menos momentâneo – de outras formas de organização empresarial, descritas por muitos pesquisadores em meados dos anos 80, vem produzindo um esforço teórico de compreensão desses novos arranjos, sobretudo na busca de alternativas viáveis para modelos de desenvolvimento local e regional, capazes de estabelecer uma relação virtuosa entre as condições estruturantes macroeconômicas e os limites estruturados das microeconomias. 4 Nas grandes empresas, expressões como modelo toyotista, qualidade total, especialização flexível, sistemas kanban e kaizen, estrutura de produção baseada em CAD-CAM, maior implicação/compromisso entre trabalho e capital etc. tornaram-se comuns. Os constrangimentos são cada vez maiores para o aparecimento de novas firmas num cenário em que a concentração de capital produz vantagens de escala cada vez mais ampliadas em relação aos capitais que se constituem. O problema da inovação tecnológica, visto como uma das chaves desta (in)equação, em que pese todas as formulações e propostas levantadas e recolocadas freqüentemente por Schumpeter e seus seguidores, esbarra a cada momento nas condições estruturais da gestão e da busca da inovação, contingenciadas pelos enormes capitais necessários aos investimentos em P&D. Em busca de alternativas, e quando se fala de “políticas de desenvolvimento local/regional”, o “modelo da 3ª Itália” aparece sempre como um paradigma a ser estudado e, se possível, copiado. Outros “modelos”, com menos sucesso, também estão presentes: o “modelo sueco” (da fábrica da Volvo em Udevalla, para as grandes empresas), de BadenWürtemberg (de distritos de pequenas empresas organizados sob coordenação estatal, no sul da Alemanha), o “modelo irlandês” (de alta cooperação entre universidade e empresas) etc. E em alguns países europeus e certas regiões dos EUA, o modelo basco do “complexo de Mondragón” (de associação entre cooperativas). Entretanto, raramente os que propõem transposições de modelos estão igualmente dispostos a investigar e esclarecer os contextos em que se produziram tais arranjos, de modo a buscar possibilidades efetivas de sua replicação em outros lugares. Fica a impressão de que a “Era da Globalização” guarda consigo traços homogêneos de estruturação sócio-política e macroeconômica, tanto quanto os havia na “Era FordistaKeynesiana”, restando então a esperança de assim encontrar modelos que substituam com a mesma eficácia ao modelo da empresa fordista-taylorista. Apagando de suas análises o elemento mais marcante do novo tempo – a fragmentação dos processos sociais e econômicos em meio ao avanço da homogeneização cultural –, muitos autores e outros agentes sociais se apropriam de forma acrítica e ahistórica dos modelos em voga. Ignoram os condicionamentos históricos do surgimento desses arranjos, prendendo-se ao “sucesso” dos números de momento. Nosso trabalho pretende questionar, justamente, este viés de análise. 5 Elegemos tratar, aqui, de um caso específico, algo conhecido, mas muito pouco discutido, ao menos no Brasil e na Argentina: o complexo cooperativo de Mondragón, situado no País Basco, no norte da Espanha, em meio aos Montes Pirineus, junto à fronteira com o litoral atlântico da França. Os mitos presentes no debate atual e as posições que vamos defender Nossa escolha resulta como um esforço iconoclasta que tenta enfrentar, de uma só vez e de maneira ousada, um pequeno conjunto de mitos da microeconomia. Antes de elencar estes mitos, é interessante perceber como eles parecem cristalizar-se numa forma de círculos concêntricos anti-críticos. Quer dizer: quanto mais difundido o mito, mais ele torna difícil contestar os mitos menos discutidos e difundidos, reforçando-os com seu “guarda-chuva mítico”. Assim como vemos abaixo. O primeiro deles é a idéia, já combatida por vários autores (PIORE & SABEL: 1994, PUTNAN: 1999, HARVEY: 1993, SOUZA: 1995 etc.), de que o único arranjo possível para as empresas sob o capitalismo mundializado é o modelo do grande oligopólio mundial. Entre os poucos críticos desta idéia, estão aqueles que sustentam que o único modelo alternativo – de fato – é o modelo associativo das pequenas empresas, o modelo da chamada 3ª Itália, exaustivamente descrito e discutido ao longo dos anos 80 e 90 pelos mesmos autores citados acima, entre muitos outros. Em número bem menor, ainda, entre aqueles que sonham com as alternativas, há os que acreditam que o modelo basco das redes de cooperativas, principalmente aquelas vinculadas à Corporação Cooperativa Mondragón, também podem significar uma alternativa ainda mais interessante, porque parte de um processo de democratização do acesso ao trabalho e ao capital de forma paralela, graças ao arranjo cooperativo/autogestionário das empresas. Porém, os que acreditam nisto são apenas uma pequena parte dos que crêem nos modelos alternativos. Os que discutem Mondragón, por sua vez, o fazem de forma apaixonada, mesmo quando se trata de esgrimir evidências empíricas. As posições podem variar do entusiasmo irrestrito, à crítica contundente. É como se o jeito de ser do povo basco se estendesse à discussão de seus feitos modernos... Na América Latina, quiçá um número menor ainda de crédulos está disposto a aceitar e apostar na idéia de desenvolvimento local a partir do que se convencionou chamar 6 de economia solidária. E entre estes, um número mais restrito considera que pode tirar da experiência de Mondragón alguma lição relevante para nossas experiências locais. As hipóteses que procuraremos explorar aqui são as seguintes. 1. O mito do “arranjo único de oligopólios mundializados” é parcialmente verdadeiro; as escalas de produção exigem uma internacionalização e uma acumulação de produção cada vez maiores. O que não é verdade é que isto só possa ser feito através de empresas construídas a partir de modelos verticais de gestão e de propriedade. Além disso, nas brechas de mercado (ainda) não ocupadas pelos oligopólios crescem e se reproduzem, ao menos temporariamente, outros tipos de empresas. 2. Neste caso, a sobrevivência das iniciativas de economia solidária é mais fácil que a sobrevivência das micro e pequenas empresas porque os ganhos de produção alcançados pelo trabalho cooperativo (quando está organizado de forma autogestionária) seguramente são maiores e porque, de modo geral, as escalas de produção tendem a ser maiores quando as cooperativas são formadas por um número maior de sócios-trabalhadores. Mesmo assim, sua competitividade é inversamente proporcional ao seu grau de exposição aos mercados oligopolizados. Isto é: (a) quanto mais próximo, geograficamente, dos centros de competição mundial2, menor o espaço de competição; (b) quanto mais oligopolizado o mercado de bens ou serviços em que se insere a empresa, menor o espaço de competição. 3. A longevidade e a capacidade de competição e acumulação de Mondragón estão ligadas à sua estrutura empresarial, com as especificidades que veremos adiante, da qual se destaca sua conformação de “rede horizontal de empresas autogestionárias”. 4. A reprodução pura e simples do modelo de Mondragón, como qualquer experiência histórica, não é possível. Sua trajetória resultou de condições históricas específicas ligadas à história e à cultura do País Basco e às condições econômicas da Espanha entre o pós-guerra e o período atual. 5. Entretanto, os arranjos empresariais de Modragón e a trajetória de sua experiência constituem “pistas” importantes acerca do formato possível para a construção de 2 Isto pode se referir a países inteiros (como Japão ou EUA) por exemplo, ou a certa áreas de cidades “globalizadas” do 3º Mundo, como Cidade do México, Buenos Aires ou São Paulo, por exemplo. 7 redes de empresas cooperativa e/ou autogestionárias. Buscar estas “pistas” é o outro principal objetivo deste trabalho. 8 Mondragón, no País Basco: a Corporação Cooperativa 9 O País Basco na Espanha, hoje O território que hoje é conhecido como Reino da Espanha sustenta uma história milenar que deixou raízes culturais, políticas e econômicas profundas entre as diversas nacionalidades que o compõe. Ainda que as transformações seculares deixem suas marcas próprias de cada período, e que estas se acumulem e produzam seus efeitos ao longo do tempo, é possível notar, por dentro do pensamento e da ação dos atores sociais, muitas vezes, as raízes profundas do passado. Mais adiante voltaremos à longa história do País Basco e de sua relação com o Estado Espanhol. Por ora, é importante ressaltar a situação atual dessa relação e o impacto que isto produz sobre a economia e a sociedade de ambos os espaços. Após a redemocratização da Espanha, consolidada em 1976 com a coroação do Rei Carlos de Bourbon e com a votação de uma constituição que assegurava uma monarquia parlamentar, a democracia se consolidou em meio a um conjunto tenso de transformações econômicas e sociais. A principal delas foi o ingresso da Espanha na Comunidade Econômica Européia e sua preparação – junto com os demais países da CEE – para o advento da União Européia. A vitória do Partido Socialista Operário Espanhol em 1982, liderado por Felipe González, ao invés de introduzir uma dinâmica de transformações socialistas, como quase todos esperavam, levou a uma modernização capitalista acelerada, de viés liberal, justificada pela necessidade – segundo os argumentos do governo – de “desenvolver as forças produtivas” na Espanha, a fim de preparar o caminho para mudanças sociais de maior profundidade. Auxiliado pelo Pacto de Moncloa, firmado entre governo, empresários e sindicatos de trabalhadores, o governo socialista ofereceu estabilidade política ao processo de modernização capitalista e de integração da Espanha à Europa e ao processo de globalização que se iniciava. Suas políticas de re-regulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, a ampliação da autonomia relativa das comunidades nacionais internas (Catalunha, País Basco, Galícia) e a liberalização dos fluxos de capital e de mercadorias produziram efeitos contraditórios do ponto de vista da política, e recessivos do ponto de vista da economia, ao menos em seus primeiros momentos. Ao longo das décadas de 80 e 90, enquanto a concentração de capital se aprofundava rapidamente, uma persistente e elevada taxa de desemprego castigava os 10 trabalhadores, ao mesmo tempo em que colocava suas organizações em uma posição defensiva, com poucas condições de mobilização e de resistência. Mesmo assim, os ajustes macroeconômicos e o fluxo de capitais que se deslocaram para o mercado espanhol em função de sua liberalização, coadjuvados pelos recursos e investimentos despendidos pela CEE para equiparar o mercado espanhol ao resto da Europa, acabaram por moldar um novo perfil para a economia espanhola, tornada mais concentrada e mais competitiva, embora guardando grandes disparidades regionais. Mapa 1 – CAV e País Basco A Comunidade Autônoma Basca (Vasca, em espanhol, ou ainda Euskal Herría – “País Basco”, no idioma euskara), ingressou nos novos tempos sustentado muitas de suas tradições seculares: recuperou utilização de sua o direito língua à nacional, manteve sua relativa homogeneidade social, caracteri-zada pela pouca desigualdade de renda, e reafirmou sua longínqua tradição industrial (retornaremos ao tema numa próxima Fonte: http://ww.euskadi.net. Acesso em out/2003 subseção). De acordo com a Constituição Espanhola, a CAV é formada por três províncias: Viscaya, Alava e Guipúzcoa (Bizkaia, Araba e Gipuzkoa em euskara, o idioma basco). Nestas dimensões, o País Basco corresponderia a uma terça parte do território do estado brasileiro do Sergipe, ou da província Argentina de Tucuman, por exemplo, e com uma população de mais de 2 milhões de habitantes. Os bascos, entretanto, reivindicam como parte de seu país a província de Navarra (Nafarroa), o que tornaria o País Basco do tamanho de Sergipe ou de Tucumán, com uma população, nestes termos, igual a do Uruguai (3,5 milhões hab.). Para o nacionalismo basco, além disso, a nação basca abrangeria ainda três províncias do sudoeste da França, que também comungam do mesmo idioma: Lapurd, Nafarroa Beherea e Zuberoa (veja mapa acima). 11 É claro que para as dimensões brasileiras ou argentinas parece pouco, mas na Espanha o País Basco tem uma significativa importância econômica, política e histórica, como veremos mais adiante. Os números econômicos e sociais do País Basco, atuais, são positivamente impressionantes3: constitui 5,2% da população espanhola e é responsável por 6,3% do PIB; seu PIB per capta é de US$ 16.139,00, o segundo maior da Espanha, atrás apenas da Província de Madrid, e à frente, por exemplo, da Catalunha (o PIB per capta do Paraná, por exemplo, foi de US$ 4.843,00 no mesmo ano). Isto coloca o País Basco acima da média do PIB per capta espanhol e da própria zona do euro (cerca de 3% acima). A distribuição do PIB e da ocupação na economia pode ser visualizada na tabela abaixo, dando conta do grau de industrialização da região, bastante elevada em relação, inclusive, a países centrais do capitalismo, após a reestruturação produtiva dos anos 80 e 90, onde o setor serviços adquiriu importância crescente: Tabela 1 – Valor agregado do PIB e ocupação da mão-de-obra, por setor, no País Basco (2001) Valor Agregado PIB Ocupação Mão-de-obra Agricultura 1,02% 1,72% Indústria 43,51% 39,13% Serviços 55,47% 59,15% Fonte: Governo da Comunidade Autônoma Basca. www.euskadi.net. Dados de 2001. Em 2001, o crescimento do PIB foi de 3,1%, bem acima da média européia (2,1%) e a inflação ficou na casa dos 3,9% (também acima). O índice de desemprego – medido pelos critérios da EU – foi de 11,2%, abaixo da média espanhola (aproximadamente 15%). Há ainda uma elevada expectativa de vida: pelo censo de 1990, era de 74,2 e 82,4 anos de idade, para homens e mulheres, respectivamente. E a taxa de escolaridade registra impressionantes 99,8% de jovens de 15 anos matriculados na escola. Do ponto de vista da política, o País Basco representa um dos principais problemas para o Estado espanhol. As ações do ETA (Euskadi ta Askatasuna – que siginifica “Pátria 3 Fonte: Instituto Nacional de Estadística (España) – www.ipe.es. Dados de 2001. 12 Basca e Liberdade”, em euskara), um grupo armado que pratica atentados contra alvos oficiais do Estado espanhol, são uma ameaça permanente à estabilidade político territorial almejada pelos governos de Madrid. E embora os partidos nacionais espanhóis (como o PSOE e o Partido Popular) tenham alguma expressão local, em Euskal Herria quem domina de fato a cena política é o PNV (Partido Nacionalista Basco, de orientação centrista) e o Herri Batasuna (“Unidade Popular”, em basco, de orientação nacionalista e socialista) – o primeiro com cerca de 30% das cadeiras do parlamento regional, e o segundo com aproximadamente 10%, o que demonstra a vitalidade do debate nacionalista. Vale a pena ressaltar que em 2002, o Herri Batasuna foi colocado na ilegalidade por negar-se a condenar as ações do ETA. Quanto à tradição cooperativa do País Basco é interessante sublinhar um outro dado. Embora a experiência e a grandeza de Mondragón sejam conhecidas pelos estudiosos do tema, o fato é que as 150 ou 160 cooperativas ligadas à MCC representam, segundo os dados da CAV, representam menos 20% do total de cooperativas de trabalho do País Basco. O cooperativismo basco, portanto, é muito mais amplo que Mondragón... “Mondragón Corporação Cooperativa” O maior grupo empresarial da “Comunidad Autónoma Vasca” é uma “federação” de cooperativas, que foi oficializada pela formação de uma holding, em 1984, denominada “Mondragón Corporación Cooperativa” (o segundo é o Banco Bilbao-Viscaya). Ele é também o 8º maior grupo empresarial da Espanha. A MCC possibilitou uma ação coordenada e integrada de cerca de 80 cooperativas (na época de sua fundação), que hoje se amplia a 160, e que até então não possuíam entre si vínculos institucionais formalizados. Com a formação da holding, governada por um Congresso dos associados das cooperativas (que possuem uma taxa mínima e transitória de assalariados, com ampla predominância de sócios-trabalhadores), as firmas passaram a coordenar suas ações e a ter uma mesma base de estrutura de ação, com crédito, assessorias, P&D e estratégias de expansão integradas. A partir dos dados disponibilizados pela MCC em seu site4, podemos visualizar o tamanho e as características do grupo. 4 MCC. http://www.mcc.es. Acesso em out/2003. 13 A MCC se divide em três grandes grupos empresariais: 1. o grupo industrial, que reúne cerca de 120 cooperativas dos mais diversos setores e que se agrupam, por sua vez, por ramos de produção; 2. o grupo chamado “de distribuição”, representado basicamente por “Eróski”, uma empresa cooperativa que reúne supermercados (atacados e varejos), que atendem ao público em geral e em condições especiais aos associados das cooperativas; 3. o grupo financeiro, formado por um banco comercial e de fomento (a “Caja Laboral”) e um fundo de previdência privada unificado das cooperativas (“Lagun Aro”). A MCC é responsável ainda pela operação integrada de um grupo de pesquisa e educação que reúne duas escolas politécnicas de nível médio, uma universidade e cinco centros de P&D. Cerca de 50% das cooperativas se localizam na Província de Guipúzcoa, onde fica a cidade de Mondragón, origem das primeiras cooperativas. Outros 30% estão nas demais províncias da comunidade autônoma basca, 10% na província de Navarra e outros 10% em outras regiões da Espanha5. Quadro 1 – Organograma simplificado da MCC Fonte: http://www.mcc.es. Acesso em out/2003. 5 MCC. http://www.mcc.es. Acesso em out/2003. 14 O Conselho Executivo da Corporação exerce uma ação de execução coordenada do planejamento das várias divisões a partir de uma base única de administração financeira, ação estratégica, fornecimento de dados, pesquisa e desenvolvimento de produtos e processos e assessorias e consultorias, para todas as cooperativas. Os resultados econômicos têm sido expressivos. Os quadros abaixo, sempre extraídos do site da MCC, demonstram a evolução dos resultados dos três setores: Gráfico 1 – Evolução das Vendas no Grupo Industrial MCC – 1981-2001 Fonte: http://www.mcc.es. Acesso em out/2003 Gráfico 2 – Evolução da Vendas do Grupo de Distribuição MCC – (1981-2001) 15 Fonte: http://www.mcc.es. Acesso em out/2003. Gráfico 3 – Evolução das operações do Grupo Financeiro MCC – 1981/2001 Fonte: http://www.mcc.es. Acesso em out/2003. A participação dos três setores no faturamento total da holding e no número de postos de trabalho ocupados, é a seguinte: Gráfico 4 – Comparativo das Gráfico 5 – Comparativo do nº de operações dos diferentes grupos postos de trabalho dos diferentes (setores) da MCC (2001) grupos (setores) da MCC (2001) Fonte: http://www.mcc.es. Acesso em out/2003. Em que pese o volume das operações e do pessoal ocupado serem aproximadamente os mesmos na comparação dos setores industrial e “de distribuição”, o carro-chefe do complexo é a indústria, que possui uma pauta diversificada: 16 Gráfico 6 – Distribuição (em Euros e em %) do faturamento das diferentes divisões do Grupo Industrial da MCC (2001) Fonte: http://www.mcc.es. Acesso em out/2003. Além disso, como vimos acima, a participação das exportações no comércio de produtos do setor industrial tem crescido aceleradamente, mais até que suas vendas totais. Por fim, vale a pena considerar o peso de Mondragón na economia basca que, como vimos, é bastante relevante no conjunto da economia espanhola: 17 Tabela 2 – Participação da MCC na economia da Comunidade Autônoma Basca (2001, Euros e % – indicadores escolhidos: PIB, postos de trabalho, recolhimento de impostos, exportações ) Fonte: http://www.mcc.es. Acesso em out/2003. Reunindo hoje (2003) quase 60 mil trabalhadores, as cooperativas da MCC têm uma importância muito significativa na economia basca, como acabamos de ver. Sua estrutura de gestão, de que trataremos na próxima seção, representa uma experiência singular se tomarmos em conta as dimensões e o peso regional (País Basco) e nacional (Espanha) da MCC. Valores corporativos e valores cooperativos: o conflito e as mediações da MCC O objetivo desta parte do trabalho é discutir a experiência de Mondragón, sob o ponto de vista da evolução do grupo cooperativo e das transformações operadas na sua estrutura de gestão. O que se procurará demonstrar é que a inserção de Mondragón no contexto de transformações do capitalismo mundial pós 70 se deu, nas palavras da própria 18 instituição corporativa, com base em “un modelo de gestión propio, que encuentra sus raíces en los principios de valores que conforman la historia de la corporación, pero recurriendo a las fuentes del management moderno y de las experiencias de las empresas capitalistas modernas” (MCC: 2000). Desde 1956, quando foi formada a primeira cooperativa de Mondragón, a ULGOR, a história do País Basco está diretamente ligada à experiência cooperativa. Embora as raízes – culturais e políticas - desta experiência sejam historicamente mais antigas6 , esta primeira cooperativa é um marco de uma trajetória de crescimento do movimento cooperativista no mundo todo, e isto se deve em grande medida ao próprio sucesso das cooperativas que foram surgindo progressivamente em torno da ULGOR. Estas cooperativas que surgiram formavam um grupo empresarial, ainda que com fracos laços entre si. Então, o que garantia uma certa coesão entre as cooerativas era a figura do inspirador de tudo – o Pe. José María Arizmendiarreta, a formação profissional oferecida pela Escola Profissional que ele havia fundado na décad de 40 e, por fim, a Caja Laboral Popular (CLP), criada em 1959 com o propósito de satisfazer as necessidades financeiras das cooperativas, canalizando recursos para alavancar o desenvolvimento das iniciativas. Além deste papel de agente financeiro, a CLP prestava um conjunto de serviços complementares de apoio à gestão das cooperativas através de uma Divisão Empresarial. Em linhas gerais, as relações intercooperativas se resumiam à obrigação de depositar seus recursos financeiros na CLP e, também, na obrigação do cumprimento dos princípios cooperativos. O que é importante reter aqui, é que o processo de crescimento do movimento cooperativista no país Basco teve como característica, desde o início, a busca de uma coesão entre as cooperativas, cuja intenção não pode ser explicada meramente por uma racionalidade econômica. Um primeiro aspecto que deve ser lembrado para explicar o rápido e expressivo sucesso das cooperativas de Mondragón é o próprio contexto europeu das décadas de 50,60 e 70, o qual gerou um ambiente propício para o surgimento e crescimento de empresas nacionais em diversos ramos, a maioria delas voltadas para o mercado interno em rápida expansão . 6 Este aspecto será discutido na próxima seção deste trabalho. 19 O que explica, no entanto, que este ambiente propício tenha sido aproveitado no País Basco pelas cooperativas que foram se estruturando em torno da ULGOR? E o que explica o fato de que estas cooperativas tenham adotado, desde o início, como estratégia de sustentação e crescimento, a permanente construção de uma coesão – de caráter financeiro, econômico e social - entre as várias cooperativas? A hipótese que aqui se buscará sustentar é que esta coesão foi sendo moldada, desde a década de 50 até hoje, em função das necessidades de ganhos de eficiência e competitividade às quais impuseram, a partir da década de 70, importantes reorientações na estratégia das cooperativas, mas também em função de uma forte solidariedade de caráter político e com raízes históricas na própria formação do país Basco. Cabe nesta parte do trabalho discutir esta primeira necessidade, expressa na imperiosa adequação das cooperativas em um ambiente concorrencial capitalista marcado por importantes transformações a partir dos anos 80. O último aspecto será devidamente discutido neste trabalho logo a seguir; no entanto, é importante demarca-lo aqui na medida em que as especificidades históricas e políticas deste contexto permitem a estruturação de um modelo de gestão conformado à estratégia de sustentação e inserção no mercado, mas que pode ser caracterizado como próprio (específico) e de difícil – para não dizer impossível – reprodução. Escopo e escala – escopo ou escala? Dilemas para a estrutura de decisões no capitalismo contemporâneo A MCC possui uma estrutura de negócios e de decisão vertical, combinada com uma gestão horizontal realizada através dos Departamentos Centrais, responsáveis pela assessoria nas áreas social, financeira, técnica, de operações internacionais, de pesquisa & desenvolvimento, jurídica e institucional. Esta estrutura é responsável pela coordenação da gestão das cooperativas associadas e estruturadas dentro de três grupos – financeiro, industrial, distribuição – com suas respectivas divisões setoriais. Além da atuação nos ramos financeiro, industrial e da distribuição, a MCC tem uma marcada posição no que chama de diversificação “solidária”, com significativos investimentos na formação profissional e na formação pessoal dentro dos princípios 20 cooperativistas. Outra linha importante desta diversificação é na estrutura de seguridades sociais para os cooperados. O peso econômico da MCC e sua estrutura de coordenação permitiriam, a princípio, enquadrar o grupo no modelo mais geral de dinâmica da empresa capitalista, nos moldes que Chandler (1998) definiu. Para este autor, a competitividade, por um período prolongado, da grande empresa industrial, esteve – ao longo da história do capitalismo – diretamente ligada à incorporação de novas unidades. Esta estratégia permitia às empresas manterem uma taxa de retorno do investimento a longo prazo, reduzindo os custos globais de produção e distribuição, oferecendo produtos que atendessem à demanda existente e transferindo recursos para linhas de produtos mais lucrativas, quando os retornos diminuíam devido à concorrência, à inovação tecnológica e à variação da demanda de mercado (Chandler: op.cit.). Este crescimento, melhor expresso na noção de diversificação, é o próprio pilar da competitividade da grande empresa industrial, cuja base está assentada na criação e ampliação das economias de escala, de escopo7 e na redução dos custos de transação. Para Chandler, esta é a explicação básica para as empresas terem historicamente definido uma trajetória de crescimento com base em uma estrutura multifuncional (unidades com diferentes atividades econômicas), multi-regional (operação em diferentes regiões geográficas) e multiprodutora (diferentes linhas de produtos). Esta estrutura multiunitária e multifuncional exigiu por sua vez a criação de uma estrutura multidivisional (escritórios divisionais subordinados a um escritório geral, ao qual cabe avaliar o desempenho das divisões e planejar e implementar a estratégia de longo prazo da empresa alocando recursos financeiros materiais e humanos). Nos termos do autor, esta foi a resposta administrativa ao crescimento baseado na maior utilização dos recursos físicos e das capacidades organizacionais da empresa (Chandler: op.cit.). Este processo virtuoso de ganho de competitividade – que ocorre de maneira mais intensa nas indústrias com alto coeficiente de capital – acarreta uma modificação da 7 Segundo Chandler, as virtuais economias de escala e escopo, medidas pelo capital investido, são características de uma tecnologia (são portanto dinâmicas). Mas as efetivas economias de escala e escopo, medidas pelo material transformado, são organizacionais. Tais economias dependem de conhecimentos, técnica, experiência e trabalho em equipe, ou seja, das capacidades humanas organizadas que são essenciais para explorar o potencial dos processo tecnológicos (como defende Penrose [1962], esta capacidade de coordenação também é dinâmica). 21 estrutura administrativa da empresa. Em outras palavras, a criação/geração de economias de escala e escopo supõe um conseqüente aumento do número de transações e da complexidade da tarefa de coordenar a produção e a distribuição. Este processo corresponde a um progressivo distanciamento das decisões estratégicas em relação às decisões operacionais, ou, dizendo de outra forma, um permanente distanciamento entre o trabalho e a gestão. Em síntese, “a moderna empresa industrial pode ser definida com um conjunto de unidades operacionais, cada qual com suas instalações e seu quadro de pessoal, cuja totalidade de recursos e atividades é coordenada, monitorada e alocada por uma hierarquia de executivos de segunda e primeira linhas. Somente a existência e a capacidade dessa hierarquia pode tornar as atividades e operações de toda a empresa algo mais que a mera soma de suas unidades”. (Chandler: op.cit.). Esta linha de argumentação de Chandler é importante neste trabalho na medida em que uma primeira observação, comum e recorrente, que se depreende da exposição da situação atual do MCC é de que se trata de uma grande corporação, onde há uma complexa estrutura de coordenação hierarquicamente definida, que estabelece uma centralização das decisões estratégicas. Neste sentido, esta estrutura não difere do “modelo dominante” descrito por Chandler de organização da moderna empresa industrial. Esta é uma das críticas feitas por Kasmir (1996), em seu trabalho sobre os “mitos de Mondragón”. Para esta autora, a criação da MCC implicou em uma centralização que necessariamente transferiu alguns aspectos das decisões tomadas no chão da fábrica e nos escritórios das empresas cooperativas individuais para o escritório central do grupo. Na concepção que esta autora procura defender, a trajetória de formação do grupo MCC – paralela ao processo de intensificação da competição – correspondeu a uma gradativa perda do poder de comando dos trabalhadores cooperados sobre o destino de suas cooperativas. Este passou a ser coordenado, em grande parte, de “cima para baixo” em função da estratégia de sobrevivência e crescimento da corporação. Neste processo de hierarquização, a autora procura mostrar que a coordenação passou a se guiar a partir de uma lógica explicitamente econômica, que redundou no enfraquecimento da “utopia” cooperativista. Uma resposta possível para esta aparente contradição – entre, por um lado, uma MCC que é uma grande corporação que explora economias de escala e escopo em dimensão mundial (e que possui uma estrutura de gestão que não foge em traços gerais do 22 modelo dominante da grande empresa oligopolista), e, por outro lado, uma MCC cuja construção reflete a percepção das cooperativas reunidas de que o caminho para a sobrevivência da experiência cooperativa, em um ambiente econômico competitivo, deve ser a união em bases capitalistas sólidas – pode ser extraída do próprio documento da MCC. “La historia de lo que hoy constituye Mondragón Corporación Cooperativa, en su ya dilatado trayecto, se asienta en el convencimiento de que la “Experiencia”, como se ha denominado internamente, está en un devenir permanente, abierta a lo que ocurre en el entorno, a cuyo desarrollo desea contribuir, y obligada por tanto a reinventarse permanentemente. (…) Esta línea orientadora de la acción ha exigido, exigirá siempre, un esfuerzo permanente en la búsqueda de equilibrios, evidentemente inestables, entre atributos aparentemente paradójicos de la realidad empresarial cooperativa (...)” (MCC: 2000) Na concepção deste trabalho, são estes atributos aparentemente paradoxais da MCC, que dão substância a “um modelo de gestão próprio”, que embora guarde uma evidente correspondência com o modelo dominante de gestão da grande corporação capitalista (posto que é nesse ambiente que deve se situar), incorpora fortemente traços históricos e culturais do cooperativismo basco. Para uma melhor compreensão deste posicionamento é relevante conduzir uma breve discussão acerca da trajetória das cooperativas de Mondragón, desde a formação dos grupos comarcais até a constituição da MCC. Hierarquia x democracia Como já dito, desde o surgimento das primeiras cooperativas houve uma busca de coesão entre elas. No início, no entanto, esta coesão assumiu um caráter mais político8, de aglutinação das “células” da experiência cooperativa, do que propriamente econômico. Mas pode-se dizer que na trajetória histórica de Mondragón, a busca permanente de uma coesão entre as cooperativas teve, crescentemente, uma lógica econômica. A primeira mudança neste sentido veio em 1964 com a criação dos grupos comarcais, cujo objetivo era consolidar as cooperativas industriais de uma comarca, compartilhando alguns serviços comuns e materializando o princípio da solidariedade. 8 Evidentemente, a fundação da CLP em 1959 resultou da percepção de que era necessária uma estrutura financeira para dar apoio ao processo de expansão, já evidente, das cooperativas bascas e, nesse sentido, já evidenciava uma lógica econômica de aglutinação das cooperativas, mas esta lógica aparecia, ainda, palidamente. 23 Até a formação destes grupos, pode-se dizer que a CLP era, na prática, a estrutura que garantia uma certa unidade ao grupo das cooperativas. Com este processo de agrupamento, ainda que carente de uma lógica setorial, o conjunto das cooperativas se solidifica e se coesiona nos marcos da cooperação interna. Uma mudança significativa neste caminho é a definição de uma política de reconversão de resultados9. Usada inicialmente pelo grupo FAGOR10, esta reconversão foi adotada dentro dos grupos comarcais e assumida como elemento central da solidariedade cooperativa. Sinteticamente esta política atende a dois objetivos. Um empresarial, de redução dos impactos dos ciclos econômicos mediante a transferência de recursos entre cooperativas e de criação de unidades de intercooperação para o aproveitamento de sinergias. O outro objetivo, de cunho social, era homogeneizar solidariamente a retribuição aos sócios trabalhadores e proteger a continuidade dos postos de trabalho. (p. 250). Segundo documento da MCC, a formação destes grupos comarcais representa um marco na experiência de Mondragón, na medida em que evidencia a “necessidade de criar organizações que aglutinem as cooperativas para realizar atividades conjuntas que otimizem os resultados frente a atuações individuais”. (MCC: op. cit.) Mas esta estrutura de organização das cooperativas não parece ter implicado, segundo a literatura corrente, em mudanças significativas na gestão das cooperativas, a qual seguiu sendo em grande medida individualizada. Esta orientação individualizante sobreviveu até meados dos anos 80, quando foram instituídos órgãos de superestrutura – o congresso cooperativo e o conselho geral – cuja proposta era discutir e estruturar as bases para a construção de um grupo cooperativo. A crise econômica mundial da década de 80, aprofundada na Espanha pelas mudanças estruturais que preparavam seu ingresso na União Européia, teve grande peso neste processo de transformação da estrutura de gestão das cooperativas. Vindas de uma história de rápido e intenso processo de expansão, estas cooperativas sentiram pesadamente os efeitos da recessão, que se materializou em desemprego (acima de 20% dentro do país 9 Em termos econômicos, a reconversão de resultados significa um intercâmbio econômico-financeiro entre as cooperativas, de forma que lucros e prejuízos, de umas e outras, a cada período contábil, são compensadas entre si, de acordo com os resultados gerais das firmas. 10 FAGOR era (e segue sendo) um grupo de cooperativas fabricantes de equipamentos domésticos que é o “descendente direto” da ULGOR, a primeira cooperativa. 24 Basco), em resultados negativos para muitas cooperativas e no encerramento das atividades de algumas delas. Neste ambiente de crise da década de 80 se processou uma transformação na concepção de gestão das cooperativas, a qual passou a ser fortemente demarcada pela percepção da necessidade de estruturação de uma gestão estratégica mais unificada, capaz de dar suporte ao processo de reestruturação das cooperativas e de sua trajetória de expansão. Segundo Bakaikoa et alii (2000), há entre os altos diretores da MCC uma unanimidade acerca das razões que levaram as cooperativas a constituírem um grupo: são razões de caráter econômico, como a busca de um maior poder de mercado e ampliação das sinergias dentro de agrupações setoriais. Esta orientação explícita de organização do grupo para ganhos de competitividade pode ser facilmente percebida na definição dos sucessivos planos estratégicos bianuais da década de 90, cujos traços marcantes podem ser expressos nos termos: satisfação dos clientes, rentabilidade, internacionalização, desenvolvimento e implicação social. Esta estratégia competitiva, com claras implicações de ganho de escala e geração de economias de escopo, como já foi apontado, requereu uma maior hierarquização e centralização da estrutura de gestão. Poder-se-ia, nestes termos, argumentar que mesmo sendo esta corporação fruto de uma experiência histórica de cooperativismo, uma vez estabelecida a hierarquia, ela tenderia a construir permanentemente esta ruptura entre trabalho e gestão, na medida em que são distintos não só os papéis, mas, fundamentalmente, torna-se distinto e desigual o conhecimento, tácito ou não, sob o qual se estrutura a base para tomada de decisões estratégicas sobre o destino da corporação... Exemplos marcantes dos atributos aparentemente paradoxais da realidade empresarial cooperativa foram as medidas de flexibilização dos calendários, recolocação dos sócios excedentários em outras cooperativas e as decisões tomadas de fechamento de cooperativas e desligamento de cooperados. A decisão de reorganização das cooperativas não mais por grupos comarcais, mas de acordo com setores de atividade, também representou uma mudança controversa para muitas cooperativas. Segundo documento da MCC, a lógica da organização setorial 25 encontrou fortes resistências, que inclusive se materializaram na separação de algumas cooperativas que consideraram insatisfatório o novo modelo organizativo. Para Kasmir (op.cit), estas transformações não são manifestações de um paradoxo aparente entre os imperativos da lógica econômica e a ideologia cooperativista, mas sim da própria impossibilidade de sustentação, em bases competitivas, de uma experiência cooperativista no seio do capitalismo. No entanto, na nossa concepção, apesar das duras medidas tomadas pela corporação em nome de uma estratégia de ganho de competitividade, estratégia esta por sua vez orientada a partir de uma estrutura hierarquizada de competências, é fundamental reconhecer que tanto as decisões quanto as estratégias são mediadas por uma estrutura de poder distinta da estrutura de poder da empresa capitalista strito sensu. Ou, em outras palavras, foram decisões tomadas democraticamente por maiorias internas às cooperativas. No topo desta estrutura de decisões está o Congresso Corporativo, uma instância de discussão e deliberação soberana, cujo papel é determinar a direção estratégica da MCC. No congresso - que se reúne quantas vezes decidirem os órgãos competentes, mas pelo menos uma vez a cada quatro anos - está representada a totalidade das cooperativas que compõem a corporação, mantendo-se uma relação de um congressista para cada trinta sócios trabalhadores. Segundo documento oficial da MCC (op cit) cabe ao Congresso deliberar sobre as seguintes matérias: definição do marco geral do tratamento dos fatores produtivos básicos (trabalho e capital) nas cooperativas da MCC. aprovação das políticas básicas referentes a temas fundamentais de interesse comum (tais como: promoção de novas cooperativas, investigação científica e tecnológica, bases da política financeira e trabalhista, formação empresarial e cooperativa, seguridade social e dos cooperadores, projeção organizativa da MCC em seu conjunto). análise e definição da função que corresponde a MCC na resolução dos problemas que afetam o conjunto da sociedade e do entorno, estabelecendo eventuais relações com outros movimentos sociais. 26 análise e atualização dos princípios cooperativos sobre os que se assenta a experiência, com o fim de manter seu caráter e fonte viva de desenvolvimento comunitário. (MCC: op. cit.) Nesta longa reprodução do documento oficial de apresentação da MCC fica claro que ao órgão máximo de decisão não compete definir meramente a estratégia de atuação da corporação frente ao mercado, mas também discutir e deliberar acerca dos objetivos corporativos gerais afinados ao que reiteradamente chamam de experiência cooperativa... Vale dizer que a norma básica de organização dos Grupos Cooperativos, aprovada no congresso de 1989, incluiu a reconversão dos resultados como um elemento central para o desenvolvimento do MCC. Não se pode negar a denominação de modelo de gestão próprio da MCC, que pode ser apreendido a partir deste instrumento de deliberação soberana dos cooperados, mas que assume outras características marcantes. Uma delas é a relação entre a Corporação e as cooperativas. Estas não são propriedade da corporação, ao contrário, as cooperativas junto com as outras estruturas criadas compõem a MCC. Um outro aspecto marcante da gestão e do funcionamento da MCC pode ser expresso nos chamados valores corporativos, que segundo documento da MCC definem o caráter fundamental da organização e criam um determinado sentido de identidade. São eles: A Cooperação; que exalta a busca de uma coesão corporativa fundamentada na idéia de vertebração de um propósito compartilhado de idéias, objetivos, meios e interesses, que conforma um “Projeto Comum”. Esta cooperação é igualmente orientada para a busca de constantes sinergias tanto no seio da corporação como através de colaborações com clientes, fornecedores, competidores e instituições sociais. A Participação; no capital, nos resultados e na gestão. É entendida como o essencial do modelo sócio-empresarial das empresas da MCC, e ao mesmo tempo seu elemento diferenciador. Este valor enfatiza a noção de direitos e deveres não só no âmbito societário, mas também na organização do trabalho e dos processos operativos. Nos termos da MCC, as pessoas se caracterizam por seu potencial de desenvolvimento e criatividade, 27 por sua capacidade de assumir responsabilidades e pela disposição para comprometer-se com a resolução dos problemas da empresa. A Responsabilidade Social; enfatiza a busca de uma compatibilização dos interesses pessoais com os interesses das empresas permeada pelo compromisso social. Esta responsabilidade social transcende à órbita da corporação, estendendo-se para o entorno. Acerca da distribuição da riqueza, a MCC enfatiza a partir deste valor a necessidade de primar os interesses coletivos e também a garantia de sobrevivência da empresa, assim como também enfatiza a idéia de solidariedade expressa na renúncia à possibilidade de melhora dos patrimônios individualizados. A Inovação; descrita como uma “atitude permanente de busca de novas opções em todos os âmbitos de atuação como condição necessária para o progresso empresarial assim como para responder mais adequadamente às expectativas que geramos na sociedade”. Ainda nos termos da MCC, reconhece-se como valor aceitar a mudança como algo necessário e imprescindível na vida empresarial e, em conseqüência, promover nas organizações a busca e experimentação de novas soluções. Vale dizer que o processo de formação, técnica e humana, no qual a MCC investe pesadamente cultiva este valor como um suporte e alavanca da experiência cooperativa. Estes valores, no seu conjunto, apontam uma intencionalidade expressa na busca permanente de uma “mediação dos conflitos” colocados pelos atributos aparentemente paradoxais da realidade empresarial cooperativa. A opção de operar com crescentes ganhos de escala - segundo a MCC “nunca foi fruto da vontade dos dirigentes e sim das características dos mercados em que atua” – e as conseqüências estruturais e organizacionais daí derivadas, impõe às cooperativas uma permanente necessidade de se reinventar para garantir a um só tempo a sobrevivência no mercado e a manutenção da essência da ideologia cooperativa. Evidentemente, trata-se de um desafio que não é isento de contradições e conflitos. Cabe dizer, no entanto, que esta experiência cooperativa, pela sua dimensão e pela sua trajetória, não pode ser reduzida, como, por exemplo, insinua Kasmir a um modelo bem sucedido (o que para a autora se explica exatamente por sua raiz política histórica) de arranjo pós-fordista. 28 Muito da experiência de Mondragón, particularmente nos seus chamados valores corporativos, aparece, na academia e entre os consultores de empresas, exatamente como manifestação do management moderno. A cooperação, a participação, o compromisso com a empresa são, de fato, princípios que fundamentam a ideologia da corrente fase da acumulação flexível. Mas embora os documentos oficiais da MCC tenham incorporado, com muita ênfase e de forma muito conveniente, toda a linguagem típica das formas de gestão flexíveis de administração, e de gestão da inovação tecnológica, o fato é que – como veremos em nossa próxima seção –, a estrutura de gestão das cooperativas bascas é muito anterior aos modismos neo-schumpeterianos ou toyotistas das últimas décadas, e têm raízes concretas na história das cooperativas e na própria tradição cultural do País Basco. Para entender o que é a MCC torna-se necessário – na concepção metodológica que aqui defendemos – compreender a trajetória histórica de sua experiência específica, ou talvez mais ainda, a cultura e a tradição secular do povo basco. 29 A trajetória histórica das cooperativas de Mondragón 30 As condições históricas para a emergência de Mondragón Mondragón não chegou a ser o que é em virtude do sucesso de um modelo planejado. Nem ao menos foi o resultado histórico, apenas, de um processo de umas poucas décadas. Na nossa concepção, ainda que a história do complexo cooperativo, como tal, remonte aos anos 50 do século XX, veremos que as raízes históricas e culturais que permitiram, ou ainda, que condicionaram seu surgimento e sua evolução histórica, vêm mesmo da Idade Média, num processo cumulativo, ainda que indeterminado, que resulta da forma específica como os atores sociais produziram suas ações no terreno histórico de cada tempo. Séculos de tradição artesanal, nacionalismo e resistência social. A origem do euskara, o idioma falado no País Basco, é um enigma para os lingüistas. Segundo eles, a língua falada na região não tem parentesco com as línguas indoeuropéias, o que os leva a pensar que já se falava euskara antes dos romanos expandirem seu império por toda a Ibéria e a Gália e chegarem às Ilhas Bretãs. A região montanhosa onde se abriga o País Basco é rica em minério de ferro e durante a Idade Média as guildas (corporações de ofício) de mestres metalúrgicos se esparramavam pelo território euskal, provocando conflitos constantes entre a nobreza proprietária de terras e os burgos que aspiravam à condição de territórios livres de taxas e de obrigações feudais. Quando Isabel de Castilla e Fernando de Aragón fundiram seus reinos para formar a Coroa Espanhola no Século XV, seu primeiro alvo de anexação foi o Reino de Navarra. Sua aliança com os artesãos metalúrgicos foi estratégica, não apenas para derrotar a nobreza navarra, senão também para obter acesso às armas de qualidade excepcional fabricadas em Euskal Herria e que eram tão necessárias para combater a presença sarracena, sediada no Califado de Córdoba, no outro extremo da península, no sul, à beira do Mediterrâneo. Pelo acordo, a Coroa Espanhola ganhava o apoio dos artesãos bascos e em retribuição declarava livres das obrigações feudais a todas as cidades do País Basco, e seus artesãos eram elevados à condição de hidalgos (“hijos de algo”, ou “filhos de tal lugar”), que era a denominação própria da nobreza espanhola. A partir dali as cidades 31 bascas passaram a ser governadas por câmaras legislativas/executivas de artesãos livres (cabildos), originando-se aí, segundo alguns, a lenda que daria nome à cidadela de Mondragón, que em espanhol é chamada “Arrasate” (veja box mais abaixo, sobre a lenda) – a cidade onde surgiu a primeira cooperativa na década de 50 e que dá nome, por sua vez, ao complexo cooperativo. Com o advento do iluminismo francês, o século XIX viu o País Basco, uma tradicional região de burgueses livres, transformar-se num bastião do liberalismo, do republicanismo e do nacionalismo, os três pilares da ideologia burguesa moderna. Organizados pela Maçonaria, os artesãos bascos abriram uma frente de luta contra o absolutismo monárquico e contra Igreja Católica espanhola, caudatária ainda da Santa Inquisição. A lenda de Mondragón A antropóloga norte-americana Sharryn Kasmir (1996) é quem reproduz a lenda da Montanha Dragão (Mondragón), segundo ela a ouviu de um militante nacionalista basco. Conta a lenda que na Idade Média, todos os anos, um dragão deixava as montanhas e se dirigia às aldeias bascas para exigir um tributo: uma formosa donzela virgem. Seu não “pagamento” redundaria na destruição das vilas pelo fogo jogado pelas ventas do dragão. Depois de muito tempo suportando a opressão, e cansados de entregar suas filhas à figura infame do dragão, os artesãos decidiram resistir: com o mais puro ferro das montanhas, forjaram longas lanças, muito fortes, e esculpiram em cera a figura de uma linda donzela. Escondidos entre as pedras das montanhas, eles esperaram pacientemente que o dragão se aproximasse para levar consigo seu tributo. Ao aproximar-se da imagem de cera o dragão percebeu seu engano, mas já era tarde: saídos de seus esconderijos, os astutos artesãos euskadis mataram seu opressor com as lanças que eles próprios haviam forjado. É corrente entre os bascos que a lenda representa a libertação das cidades da opressão dos nobres feudais e que isto foi uma conquista da habilidade artesã e da resistência solidária dos artesãos. 32 O desenvolvimento industrial acompanhou a evolução política do nacionalismo basco e no início do século XX o anarquismo e o socialismo passaram a expressar a radicalização operária das idéias iluministas que haviam deitado raízes em Euskal Herria durante o século anterior. Nas primeiras décadas dos 1900, associações operárias e sindicatos passaram a confrontar a burguesia local com greves e manifestações de massa. A alta especialização dos operários e sua unidade política eram utilizadas como armas principais da luta social. Mas o episódio principal da história espanhola do século XX estava ainda por acontecer, e deixou marcas profundas no País Basco. Com a proclamação da República na Espanha, em 1930, as lutas operárias se ampliaram. E em 1934 chegou ao Governo a Frente Popular, uma coalizão de socialistas, comunistas e anarquistas. Pela primeira vez a Catalunha e o País Basco foram reconhecidos como nacionalidades e ganharam – também pela primeira vez em muitos séculos – um governo autônomo e o direito de reivindicar uma cultura e uma língua nacionais. Assim, além do alinhamento natural da esquerda destas regiões, o novo governo ganhou a simpatia de setores sociais nacionalistas que até então haviam sido recorrentemente ignorados em suas reivindicações pela elite castelhana de Madrid. Quando a direita oposicionista irrompeu numa guerra civil pela deposição do governo da Frente Popular, a Espanha se dividiu ao meio. De um lado, os latifundiários, a Igreja Católica e a burguesia industrial e financeira, contando com o apoio da maioria das Forças Armadas; de outro, as forças políticas de esquerda, apoiadas, parcialmente, pelos nacionalistas bascos e catalães. Com a vitória da “Falange” monárquica, liderada por Francisco Franco e apoiada por Hitler11 e Mussolini, a Espanha tornou-se uma ditadura fascista. Os governos autônomos foram suprimidos no País Basco e na Catalunha, e o euskara e o catalão foram proibidos, bem como todos os símbolos nacionais não-espanhóis. As organizações operárias foram fechadas, seus líderes executados e em Bilbao e Barcelona a repressão foi especialmente mais violenta, pois ali tinha havido uma dupla insurgência contra a elite espanhola: socialista e nacionalista (separatista). 11 Guernica, enclave estratégico bombardeado pela força aérea de Hitler a pedido de Franco, cuja tragédia foi cristalizada no célebre quadro de Picasso, ficava a poucos quilômetros Bilbao, na província basca de Biskaya. 33 Tão dura quanto a derrota política, seguiu-se uma profunda crise econômica que afetou toda a Espanha, mas especialmente a Catalunha e o País Basco, alvos da “punição” política (e econômica, é claro) de Franco. A reconstrução do pós-guerra e as primeiras cooperativas A versão oficial da MCC sobre o surgimento das cooperativas em Mondragón, que pode ser encontrada no site da Corporação, empresta uma importância decisiva ao trabalho organizativo do Padre José Maria Arizmendiarrieta. Tal versão não menciona a trajetória histórica regional que apresentamos até aqui e hipoteca ao espírito empreendedor e organizador do padre, e a seu carisma pessoal, a maior parte da história da fundação e do crescimento das cooperativas. Entretanto, em vista da interpretação oferecida por nossas outras fontes, especialmente Sharryn Kasmir, optamos por contextualizar a ação de D. José Maria a partir dos outros elementos que cercam a história recente do País Basco e de Mondragón, que se vinculam, por outro lado, a sua história mais antiga. Pois foi em meio à situação caótica do pós-guerra civil, que D. José Maria, então com 26 anos, chegou à pequena Arrasate (Mondragón) em 1941. Originado de uma família abastada e nacionalista, ele havia se alistado e lutado ao lado das forças da Frente Popular, o que lhe garantiu a hostilidade da cúria católica. Mandado ao interior do País Basco numa uma espécie de punição, já que o bispo local havia recusado seu pedido para continuar seus estudos de sociologia na Bélgica, logo depois de haver sido posto em liberdade pela polícia franquista. Atuando desde logo em organizações juvenis, D. José María começa a buscar alternativas para o desemprego que atingia a maior parte da juventude basca. Então, em 1943, apesar da hostilidade das autoridades estatais e da Igreja, ele consegue fundar em Mondragón uma Escola Profissional. A idéia era melhorar a qualificação profissional dos jovens através de uma sólida educação formal e técnica. As primeiras turmas se formaram na segunda metade dos anos 40. Mas, como sempre, a qualificação profissional era insuficiente... Eram necessários investimentos que gerassem empregos. Então, em 1955, cinco egressos da Escola Profissional reuniram recursos e compraram a massa falida de uma metalúrgica que fabricava fornos e estufas a gás. Com outros dezoito trabalhadores, formaram então a ULGOR, uma cooperativa 34 metalúrgica cujo nome foi tirado das letras iniciais de seus cinco fundadores. A empresa decidiu seguir os princípios históricos do cooperativismo e cada trabalhador passou a ser um sócio. Com o mercado nacional protegido, dentro do modelo hegemônico do pós-guerra, e com os conhecimentos adquiridos na Escola Profissional, a ULGOR prosperou rapidamente, impulsionada por uma pesquisa crescente em relação a produtos e a processos de produção. À medida que surgiam propostas para a abertura de novas cooperativas, a ULGOR tratava de reunir o capital necessário, impulsionando novas iniciativas, de modo que em 1960 uma dúzia de cooperativas já representava quase 480 postos de trabalho, que chegaram a mais de 8.700 apenas 10 anos depois. Ainda em 1959, com a negativa do Estado espanhol em receber contribuições previdenciárias dos cooperados sob a alegação de que não eram trabalhadores assalariados, as cooperativas decidiram fundar seu próprio fundo de previdência: o Lagun Aro. Gráfico 7 – Evolução do nº de postos de trabalho nas cooperativas bascas (pré-MCC) (1960-1970) Fonte: http://www.mcc.es. Acesso em out/2003. 35 Também nesse mesmo ano, com o crescimento do número de iniciativas, D. José Maria e os pioneiros da ULGOR decidiram fundar uma caixa comum, que permitisse centralizar a poupança das firmas, dos sócios e mesmo do público em geral. Como já referido na seção anterior, foi fundada então a “Caja Laboral Popular”12, destinada a direcionar os recursos de poupança para novos investimentos. Dotada de um Departamento Empresarial que assessorava e acompanhava a utilização dos recursos pelos tomadores, a Caja Laboral se constituiu no primeiro – e até então único – vínculo efetivo entre as diversas cooperativas, afora os evidentes laços de solidariedade que resultavam do apoio financeiro, das cooperativas consolidadas, aos novos empreendimentos. Ainda em 1962 a Escola Profissional deu lugar a uma Escola Politécnica e mais tarde, em 1966, surgiu a primeira cooperativa especializada em pesquisa de tecnologias – a Alecoop (Actividad Laboral Escolar Cooperativa). Também desta época (1969), é a fundação de Eroski, uma cooperativa de consumo que reunia os trabalhadores das cooperativas, mas que depois se transformaria no braço comercial de Mondragón, seu “setor de distribuição”. Logo a seguir, em 1974, a Caja Laboral induz à formação de uma nova cooperativa especializada em P&D: a Ikerlan, destinada a dar suporte técnico/tecnológico às cooperativas. A crise da abertura econômica e a intercooperação organizada por via da Corporação Cooperativa Entretanto, os anos 80 – como já foi assinalado anteriormente – foram marcados pela recessão, pelas conseqüências da abertura do mercado espanhol à Comunidade Econômica Européia e pela introdução de reformas sociais e econômicas que trouxeram consigo desemprego e redução da atividade sindical. Como as demais empresas, as cooperativas bascas sofreram o refluxo do mercado interno. Muitas cooperativas, afundadas em dívidas, fecharam suas portas. Outras tantas tiveram que provar o gosto amargo de, ainda que “democraticamente”, decidir eliminar 12 É interessante observar que a primeira campanha publicitária da “Caja” fazia uma referência direta à imigração da juventude basca de então, ocasionada pelo desemprego generalizado, e a necessidade de investimentos para gerar empregos a partir dos recursos próprios da economia local. O slogan era: “¡Libreta ó Maleta!”, ou seja: ou elevamos nosso nível de poupança ou a emigração continuará... 36 postos de trabalho e ter de escolher critérios para o desligamento de sócios. Outras, ainda, foram obrigadas a fazer chamadas extraordinárias de capital, onerando seus sócios trabalhadores para a recomposição da firma. Muitas foram obrigadas a ambas as coisas. Diante da crise, as cooperativas foram instadas a uma leitura de conjuntura que tentasse perscrutar o futuro a fim de re-orientar suas ações. Três elementos se destacaram nessa análise: 1 – a crescente internacionalização do capital e a necessidade de enfrentar a concorrência em termos mundiais, uma vez que seus concorrentes na Espanha estavam solidamente instalados em muitos mercados estrangeiros; 2 – as dificuldades crescentes de sobrevivência das empresas menores diante da megaconcentração de capital, tendendo à oligopolização mundial; 3 – as exigências cada vez maiores de investimentos em P&D, obrigando as empresas a um ritmo acelerado de acumulação para fazer frente a esta exigência. Foi então que as cooperativas decidiram constituir uma organização centralizada, que tomasse a si o desafio de enfrentar as novas condições do mercado mundial, buscando manter os ideais cooperativos de D. José Maria Arizmendiarrieta. “Esta línea orientadora de la acción ha exigido, exigirá siempre, un esfuerzo permanente en la búsqueda de equilibrios, evidentemente inestables, entre atributos aparentemente paradójicos de la realidad empresarial cooperativa, tales como: Eficacia y democracia Lo económico y lo social Igualdad de las personas y organización jerárquica Interés particular (de las personas y de las empresas) e interés general Identificación con el modelo cooperativo y cooperación con otros modelos empresariales De la tensión inherente a estas paradojas de la cultura empresarial cooperativa y de la necesidad de adaptarse a la realidad cambiante, deriva una innovación organizativa constante a lo largo de la historia de esta experiencia, que afecta a cada cooperativa, a su conjunto y a las relaciones con el exterior: buscando la eficacia empresarial en los mercados cambiantes descubriendo fórmulas de solución de los conflictos en un marco de cooperación, no de confrontación experimentando estilos de gestión propios, coherentes con los Principios Básicos Corporativos.” (MCC: 2001). A formação da Mondragón Corporação Cooperativa, então, obedeceu muito mais a um imperativo das novas condições estruturais do capitalismo que a uma determinação 37 solidária de seus membros, se bem que, se estivesse esta condição totalmente ausente da proposta, certamente teria sido impossível compô-la. Primeiramente, os órgãos superiores da Corporação começaram por emanar um conjunto de documentos de princípios e normas regimentais cujo objetivo era dar homogeneidade às iniciativas e consolidar o funcionamento democrático e solidário das cooperativas no interior da corporação. Além disso, a holding coordenou um processo de expansão multinacional dos setores econômicos com mais espaço de crescimento e que foram mais afetados pela concorrência internacional. Isto levou à abertura de plantas industriais em vários países (hoje são 34 plantas em 11 países). Em muitos, a MCC avaliou que não havia condições culturais para reproduzir o modelo cooperativo e optou por modelos co-gestionários entre trabalhadores autóctones e gestores bascos. Em alguns poucos casos, o modelo cooperativo foi replicado e a expansão obedeceu diretamente o critério de intercooperação para o fortalecimento recíproco. Mapa 2 – Distribuição das plantas industriais e dos escritórios de representação da MCC fora da Espanha (2001) Fonte: http://www.mcc.es. Acesso em out/2003 38 No início dos anos 90, seguindo a leitura estratégica que levou à formação da Corporação, e dando continuidade à permanente preocupação com a formação técnica e com a pesquisa tecnológica, a MCC funda uma universidade e um novo centro de pesquisa tecnológica. As estratégias formuladas quando da fundação da MCC levaram, como vimos anteriormente, a uma rápida expansão das cooperativas, em número de plantas, em faturamento e em postos de trabalho. É uma experiência, portanto, bastante diferente dos distritos industriais italianos. Mais diferente ainda dos modelos de organização empresarial típicos dos grandes oligopólios mundiais aos quais – muitas vezes – as cooperativas de Mondragón estão obrigadas a enfrentar, no ambiente pouco solidário do mercado mundial. E, sobretudo, é um modelo fundado sobre uma larga história e um contexto específico. 39 Conclusão: sobre o “modelo” de Mondragón e a economia solidária no Conesul 40 Os “falsos mitos” Nos anos 90, alguns estados norte-americanos e alguns países europeus (notadamente a Escócia, a Inglaterra e a Holanda) chegaram a produzir legislações sobre cooperativas baseadas na experiência de Mondragón. Nos EUA, particularmente, o livro de Whyte & Whyte, publicado em 1986, despertou grande interesse nos estudiosos da acumulação flexível, fazendo deslocar o olhar de muitos pesquisadores para a experiência basca. Muitos deles argumentavam que, assim como na Terceira Itália ou como na experiência sueca da Volvo de Udevalla, Mondragón demonstrava que a eficácia empresarial, sob a acumulação flexível, dependia em larga margem da implicação direta dos trabalhadores na gestão dos negócios e que, portanto, as cooperativas cumpririam um papel importante na nova forma da disputa de mercados ... Outros autores, ainda, como Paul Singer, no Brasil, consideram a experiência de Mondragón um paradigma que prenuncia a possibilidade de um novo tipo de sociedade, capaz de fundir livre iniciativa e abolição do assalariamento, numa espécie de, por assim dizer, de “socialismo de mercado”. Mas, a experiência de Mondragón, como vimos, está assentada numa tradição nacionalista que já dura séculos, que preserva uma cultura bastante homogênea, que cultiva, por sua vez, a idéia de liberdade individual associada a espírito comunitário. Somase a isto as ideologias modernas emancipacionistas, primeiro do liberalismo burguês e depois do socialismo. A história basca ainda incorpora a si uma dura derrota política do somatório desses ideais, suplantado na guerra civil por décadas de proto-fascismo franquista, mas que renascem na idéia do auto-emprego a partir do associativismo e do domínio da técnica. Por fim, é uma experiência que, “informada” por este passado, reage de forma dialética às contradições que cercavam o trade-off imposto pela globalização, ou seja, o dilema entre preservar as formas cooperativas de produção e consumo e sobreviver competitivamente em meio ao acirramento da concorrência capitalista na era de sua “mundialização”. É possível replicar seu modelo em algum lugar do Brasil ou talvez da América Latina? Ou talvez a melhor “tradução” desta pergunta fosse: há, em algum lugar da América Latina, as mesmas condições históricas que propiciaram o aparecimento e a emergência de Mondragón? 41 Ou poderíamos ainda perguntar: Mondragón é um modelo? Como modelo, o que exatamente Mondragón reforça: o novo viés flexível do capital ou as contradições entre socialização da produção e da propriedade? As cooperativas bascas seriam apenas uma nova forma de apropriação do trabalho alienado ou constituem um enclave anticapitalista em choque com a lógica do mercado? Para tentarmos responder as estas perguntas, talvez o melhor começo seja reafirmar categoricamente: Mondragón é aquilo que é. Ou em outras palavras: parece ser apenas aquilo que se propõe a ser – uma coordenação de esforços de diversas unidades cooperativas que se propõem a sobreviver no mercado mundializado, aceitando suas regras competitivas, ao mesmo tempo em que procuram preservar internamente, recorrendo a muitas mediações, os ideais igualitários do cooperativismo, caudatários conscientes da longa tradição artesã, igualitária e comunitária, operária e nacionalista – tudo ao mesmo tempo – do País Basco. Como demonstra a literatura a respeito, isto não se faz sem conflitos internos ou contradições profundas. Se no interior de cada cooperativa as diferenças salariais, por norma, não podem chegar a mais de 6 vezes, por outro lado, por conta das diferenças salariais de mercado nos diversos ramos em que a MCC atua, a diferença entre o maior salário (pago para os executivos da holding) e o menor salário pago dentro do conjunto das cooperativas alcança uma diferença de 22 (vinte e duas) vezes13. As diferenças de ênfase em valores corporativos/cooperativos e prioridades de ação entre os engenheiros e administradores, de um lado, e os trabalhadores do chão de fábrica, de outro, se expressa desde os hábitos de consumo até suas preferências políticas, com os primeiros mais ligados ao Partido Nacionalista Basco e os outros com fortes ligações com a Unidade Popular (Herri Batasuna) e até mesmo com o ETA (ver Kasmir: 1996). Mondragón, portanto, parece ser uma experiência em processo e, portanto, com um futuro em aberto. A disputa que se produz sobre seu futuro não modifica, porém, sua história. É fato que as cooperativas bascas de Mondragón vêm sobrevivendo e se expandindo em meio à mundialização do capital com uma estratégia que combina 13 Os salários básicos das cooperativas correspondem em geral aos salários básicos das categorias profissionais, estabelecidos por acordos entre sindicatos e empresas convencionais, do ramo produtivo a que pertence cada cooperativa. Para além dos salários básicos, há diferenças de salários, mas a diferença entre o maior e o menor, em cada cooperativa, não pode exceder a 6 vezes entre um e outro. Entretanto, como os ramos a que pertencem as cooperativas são muito diferentes, os maiores salários de certos ramos – uma cooperativa de P&D, por exemplo – pode ser muitas vezes mais alto que os salários básicos de uma cooperativa que pertence a um ramo cujos salários são mais baixos (ver Whyte & Whyt: 1986). 42 internacionalização, reconversão constante de resultados, investimentos pesados em P&D e participação ativa dos produtores diretos na administração dos negócios. Sua significância econômica não é desprezível, se se toma em consideração o peso da MCC no País Basco, deste na economia espanhola, e desta na União Européia. Ao contrário de dissolver sua importância, seu exemplo parece produzir mais um efeito multiplicador de sua relevância. Tanto quanto a experiência do orçamento participativo de Porto Alegre foi referência para o avanço da democracia direta no ocidente, ou os zapatistas o foram na luta contra a globalização, Mondragón tem servido de base para o debate em torno do alcance e dos limites das experiências de economia solidária. Muitas vezes vista com preconceito pelo esquerdismo como “mais uma forma de desviar os trabalhadores do objetivo socialista”, outras vezes posta de lado pelo medo dos conservadores em darem relevância a um modelo de empresa em que os trabalhadores é que tomam as decisões, o fato é que a experiência das cooperativas bascas vêm ganhando cada vez mais relevância objetiva. Entretanto, dado tudo que vimos, podemos dizer que é uma experiência irreplicável em seu todo. Pode, entretanto, demonstrar que diversos arranjos são possíveis, e que o mais importante é que o ponto de partida fundamental, sempre, é a história específica da sociedade em que os atores sociais e econômicos fazem suas apostas, a cada tempo. Economia solidária e redes de iniciativas na América Latina: as possíveis lições de Mondragón – primeiras observações Que lições Mondragón, então, pode oferecer às iniciativas de economia solidária da América Latina? 1. As necessárias mediações Parece que uma primeira observação diz respeito à necessária mediação entre os aspectos autogestionários e os aspectos econômicos (de mercado) das iniciativas. Em muitas iniciativas de economia solidárias (IES) ainda prevalece um caráter utopista, que não é o mesmo que dizer utópico (porque se trata então de uma utopia no sentido depreciativo da palavra, como algo sem fundamento na realidade). Por adotar uma 43 perspectiva de negação total do mercado e de suas contingências, uma parte das iniciativas simplesmente não sobrevive. É quando se confunde ética e perspectiva igualitária com igualitarismo sectário, o que impede algumas iniciativas, por exemplo, de aceitar divergências de ganhos entre seus partícipes, ainda que esta discrepância seja muito menor que no mercado convencional. Um exemplo? Se uma cooperativa que fabrica produtos de limpeza para o lar não tem um responsável químico – devidamente formado por uma universidade –, ela não pode funcionar; necessita contratar um, portanto. Digamos que o funcionamento da cooperativa garante a manutenção do emprego dos cooperados e um ganho mensal, digamos, 15% acima do salário da categoria profissional pago pelas empresas convencionais. Digamos também, e porém, que os cooperados se negam a garantir um ganho mais elevado a um químico, porque isto significaria pagar três ou quatro vezes mais do que ganha um cooperado não-formado; e que mesmo assim, o ganho deste químico seria aproximadamente o equivalente a 70% do que ele receberia numa empresa convencional. Acompanhe o quadro abaixo, para tornar mais claro o exemplo: Categoria Unidades monetárias Ganho mensal do cooperado não-qualificado 115 Ganho mensal de um operário não-qualificado em empresa convencional 100 Ganho mensal de um químico em empresa convencional 700 Ganho solicitado/oferecido a um químico para trabalhar na cooperativa 460 O que significa esta decisão a ser tomada? Que se a cooperativa decide não contratar o químico por que ele vai “ganhar mais que um cooperado comum” e que isto significa “ir contra os nossos princípios”, o resultado será que a cooperativa deixará de existir e os trabalhadores terão duas alternativas: ou ficarão desempregados ou trabalharão numa química onde vão ganhar 100 (ao invés de 115), obedecendo a um químico que vai ganhar 700 (ao invés de 460) e onde não terão qualquer controle sobre a produção, o conhecimento ou a gestão do negócio. 44 Uma decisão contrária a esta, por outro lado, não significa que a presença do químico o coloque numa situação de poder em relação aos trabalhadores. Primeiro, porque ele será um cooperado como outro qualquer, com um ganho maior por conta de sua função, mas com o mesmo poder de decisão que qualquer outro cooperado. Que a sua permanência (ou não) na cooperativa depende não de sua autoridade, mas da avaliação que seus companheiros fazem do seu trabalho, como qualquer outro cooperado. E significa que suas decisões e propostas devem ser justificadas de forma convincente em relação aos seus pares cooperados. Este tipo de conflito é muito comum entre trabalhadores dos setores “administrativo” e “de produção”, nas cooperativas, e é igualmente comum que cada um reivindique primazia para sua esfera de trabalho. Parece evidente, por outro lado, que nenhuma empresa funciona sem uma das partes e que não é a natureza do trabalho, mas sim a qualificação da função que pode exigir maiores responsabilidades e, portanto, justificar maiores ganhos. Assim, ser coordenador administrativo e coordenador de produção pode levar à distinção de ganhos por conta das funções exercidas em relação aos trabalhadores administrativos e os trabalhadores da produção, mas entre uns e outros, se ocupam a mesma jornada, não parece razoável que se exijam diferenças. De qualquer forma, é fundamental perceber que tudo isto exige uma discussão aberta e sincera e que isto só pode acontecer a partir do exercício efetivo da democracia interna na cooperativa e, sobretudo, de uma busca permanente de justiça e de consenso. A idéia de “rotação de funções”, por exemplo, a fim de eliminar a alienação em relação à produção e ao trabalho, também é uma idéia importante a ser mediada. Não há dúvida de que o conhecimento acerca de cada função e de cada trabalho realizado na empresa, pelo conjunto dos trabalhadores (por cada um), é fundamental para que se possa avaliar o todo (dos processos) e participar da tomada de decisões. Mas se existem trabalhadores que são mais aptos e sentem menos desconforto realizando uma tarefa “A”, ao passo que outros trabalhadores são mais aptos e sentem menos desconforto realizando uma tarefa “B”, parece sem sentido obrigar uns e outros a realizar a tarefa em que são menos hábeis e que lhes exige maior desconforto, apenas para cumprir um princípio em relação à rotação, porque é evidente que neste caso assim descrito, as perdas de produtividade serão altas. Por outro lado, garantir que cada trabalhador tenha experimentado e conheça bem às demais funções, como já foi dito, é essencial para a 45 tomada coletiva de decisões e é preciso construir, portanto, condições para que estas experiências ocorram e para que este conhecimento seja socializado. Antonio Cancelo, ex-presidente da MCC (1996-2000), numa conferência promovida pelo Centro de Cultura Cooperativa da Argentina, em Buenos Aires, em setembro de 2003, respondeu como a MCC foi obrigada a buscar mediações em seu processo de internacionalização. Um dos questionamentos mais comuns à MCC diz respeito ao estatuto jurídico das plantas internacionais (fora da Espanha), que não são cooperativas. Ele explicava, por exemplo, que a decisão de internacionalizar a produção foi um imperativo da globalização. Que a única maneira de “darle pelea” aos competidores estrangeiros que “invadiram” a Espanha com seus produtos, após a União Européia, era disputar os outros mercados onde estavam presentes os seus competidores, sob pena de que a concorrência na Espanha estivesse sujeita ao dumping de seus competidores. Mas como abrir uma cooperativa no Brasil ou na Argentina, por exemplo, que reforçasse as posições da MCC? Que sócios buscar para o empreendimento? Que cultura cooperativa e/ou autogestionárias se poderia esperar? Que trabalhadores teriam condições de financiar suas quotas-partes numa contrapartida em relação ao capital investido pela MCC? Bastaria chegar em São Paulo ou Buenos Aires e publicar um anúncio de jornal oferecendo vagas numa cooperativa que trabalha com alta tecnologia? Segundo a MCC, o caminho escolhido foi compor estruturas de autogestão e há quem defenda – segundo ouvimos do representante de Mondragón no Brasil – internamente, uma transição destas fábricas fora da Espanha em direção ao modelo cooperativo... 2. A primazia do trabalho sobre o capital Um segundo elemento fundamental da experiência basca é a idéia de que a propriedade dos meios de produção e do poder de gestão é algo a ser dividido e que o conhecimento é algo a ser compartido. Em outras palavras: propriedade e poder são o fundamento da distinção das classes sociais (e não o ganho) e que o conhecimento é uma forma de poder. 46 Portanto, numa cooperativa de consumo em que os trabalhadores da cooperativa são meros funcionários assalariados, todas as vantagens do modelo autogestionário estão perdidas, uma vez que o objetivo essencial do trabalho realizado nesta cooperativa, que é gerenciar as condições de consumo dos cooperados, estará a cargo de alguém alienado a este objetivo se ele não é um sócio da cooperativa. Portanto, à velha regra do movimento cooperativo, deve-se agregar uma outra. Vale dizer: se para “cada associado um voto”, para “cada voto um posto de trabalho”. 3. O papel central do conhecimento e da tecnologia Um outro elemento que parece ser universalista é a idéia de que a viabilidade econômica dos empreendimentos, mais além da necessária participação democrática dos empreendedores, é o fato de que cada vez mais o conhecimento e a tecnologia devem estar no horizonte imediato das cooperativas. É a busca permanente e consciente das inovações, mediadas pelo caráter democrático da autogestão, o que permite aos cooperados buscar, coletivamente, soluções criativas para os problemas de seu empreendimento. É importante observar, entretanto, que esta capacidade está demarcada pelo conhecimento tecnológico (e aí se inclui conhecimentos de gestão, de produção de comercialização etc.) que a cooperativa seja capaz de acumular de forma coletiva. 4. O principal critério ou indicador da autogestão está nas regras e estatutos, da mesma maneira que no exercício do dia-a-dia. Muitos críticos da MCC questionam o caráter autogestionário de suas iniciativas. É uma perspectiva que dificilmente se sustenta diante de uma observação mais detida sobre a estrutura de decisões estabelecida em Mondragón. A existência de um conjunto de regulamentos que garantem formalmente o poder de decisão aos trabalhadores parece por em cheque este tipo de crítica. Em outras palavras: se o poder está garantido estatutariamente, como impedir que os trabalhadores tomem decisões quando estão resolvidos a toma-las e as regras assim o permitem? Isto parece indicar que o fundamento da autogestão está na regra estabelecida, uma vez que o “fazer-se cumprir o regulamento” é o pressuposto para o exercício da democracia interna. 47 5. A única possibilidade de sustentação das experiências, no tempo, é o exercício da construção da unidade através de uma atitude cooperativa e solidária. Se a democracia está assegurada pelas regras, como garantir então a resolução dos conflitos sem que isto gere uma disputa permanente entre as partes em conflito, ainda que nos marcos das regras democráticas? Os conflitos seguramente estão presentes nas cooperativas de Mondragón e na própria MCC, como descreve muito bem Kasmir (1996). Entretanto, a consciência de que a sobrevivência coletiva obriga a um esforço máximo de todos seja a manutenção das empresas e de seus postos de trabalho parece indicar a todos que os conflitos internos têm limites, ou seja: os conflitos estão limitados pela necessidade de sobrevivência de cada experiência. Isto parece indicar a necessidade de se lograr consensos mínimos em torno de avaliações, propostas e práticas executivas das decisões e, ao mesmo tempo, a consciência de que a busca do consenso exige sempre algum grau de negociação, algum grau de concessão para que se possa alcançar o consenso. Economia solidária e redes de iniciativas na América Latina: as possíveis lições de Mondragón – a “construção das redes”. Uma outra lição interessante que nos parece que pode ser buscada (e analisada) a partir de Mondragón diz respeito a um tema muito comum entre estudiosos e ativistas da economia solidária na América Latina. Aqui e ali se houve sempre falar da necessidade de construção de “redes de iniciativas de economia solidária”, capazes de reforça-las e potencializa-las reciprocamente diante de um mercado evidentemente hostil. Na maior parte das vezes, a idéia chave desta proposta é aquela que se refere ao encadeamento produtivo das iniciativas, procurando estreitar elos e reduzir custos numa cadeia vertical de produção. Naquela mesma conferência de Antonio Cancelo a que nos referimos, ele sublinhava o fato de que, se bem seja importante esta perspectiva de “rede”, o mais importante – segundo ele – é associar horizontalmente as empresas: juntar cooperativas de 48 produtores de leite, de produção têxtil, de comercialização, de fabricação de eletrodomésticos etc. É esta associação, explicava, que permite estabelecer uma política comum de redução de custos, de conversão de resultados e de investimentos cruzados a partir de uma estratégia comum de crescimento. Ora, se estamos atentos à história de Mondragón, podemos entender como esta rede se construiu no tempo. Não através da construção de cadeias produtivas, mas pelo estabelecimento de elos comuns de potencialização recíproca. O primeiro elo comum às cooperativas de Mondragón era a presença dos egressos da Escola Profissional fundada pelo Padre Arizmendiarrieta. Eles formavam um elo valorativo em termos de compromisso, comportamento e perspectiva de futuro. O segundo elo aparece com a formação de Lagun-Aro (o fundo mútuo de assitência à saúde e aposentadoria), fundado em função da proibição do Estado espanhol de permitir que os cooperados contribuíssem com a previdência estatal destinada aos assalariados. Um terceiro elo da rede se constitui com a formação da Caja Laboral Popular. As cooperativas passavam a ter um fundo financeiro comum, administrado por elas próprias – junto com os funcionários-sócios da Caja – capaz de lhes garantir o crédito necessário sem precisar recorrer ao sistema bancário convencional. A formação da Alecoop - Actividad Laboral Escolar Cooperativa, seguida de outras cooperativas especializadas em produção de P&D e, por fim, da Mondragón Universitatia (universidade) construíram elos relacionados à sempre valorizada pesquisa tecnológica. E a utilização de forma comum, entre as cooperativas, de todas essas estruturas, lhes permitia baratear sobremaneira seus custos em relação a P&D. Mais tarde, o surgimento da Rede de Supermercados Eróski levou à construção de um novo elo. Embora fosse uma cooperativa de trabalho – e não de consumo – seus laços com as demais cooperativas eram importantes, pois embora trabalhasse (e trabalhe) com produtos oferecidos por todo tipo de empresa, constituiu sempre um importante entreposto de comercialização dos produtos das cooperativas, e em parte por isso logrou atrair os consumidores-trabalhadores-cooperados que, além disso, tinham vantagens de crédito ao comprar em Eróski. 49 Somente em 1984, quase 30 anos depois do aparecimento da ULGOR, as cooperativas de Mondragón finalmente avançaram para a construção da MCC e, então, de uma rede de negócios totalmente estruturada. O que isto pode nos ensinar, aos estudiosos e ativistas das iniciativas de economia solidária da América Latina? Bem, para além das lições anteriores e discutindo então, especificamente, a questão da construção das redes de negócios, pode-se dizer que a primeira lição que devemos tirar daí é que precisamos nos apressar. Explica-se: a trajetória de Mondragón pôde ser lenta e cumulativa em função das condições históricas de mercado protegido da Espanha no pós-guerra. A abertura à globalização na Espanha foi que obrigou às cooperativas a reunirem-se para sobreviver. Não há nos países latino-americanos, hoje, as condições de proteção de mercado existentes na Espanha dos anos 50 a 80. Portanto, a sobrevivência as iniciativas de economia solidária (IES), atuais, dependem de um movimento de mútua associação tão rapidamente quanto lhes for possível. O segundo elemento que nos parece importante é que a construção das “redes” deve buscar a formação de cadeias produtivas, mas isto é muito difícil, inicialmente, pelo menos, com iniciativas de ramos tão fragmentados e tão dispersas territorialmente como temos hoje em nossos países. Por outro lado, é possível a formação de estruturas comuns que busquem dar resposta aos problemas básicos fundamentais que as IES enfrentam hoje, a saber: crédito, comercialização e tecnologia. A formação de fundos comuns de poupança e financiamento, por exemplo, vem sendo facilitada por mudanças na legislação produzidas pelos governos atuais, mas ainda que não fosse assim, seria necessário buscar brechas legais que possibilitassem, de forma criativa, a formação desses fundos. A Caja Laboral parece ser uma experiência a ser estudada mais de perto... O mesmo se pode dizer do exemplo da Rede Eróski. É comum vermos iniciativas como o Shopping Popular de Santo André (na região metropolitana de São Paulo) ou a La Asambleária, em Buenos Aires, ou mesmo o Mercado de Artesanos, de Montevideo, que buscam ser espaços de comercialização das iniciativas solidárias. Mas o que vemos nestas 50 situações? Ora, o cidadão comum raramente freqüenta estes espaços. Ele vai ao supermercado mais próximo, onde encontra uma variedade maior de produtos a preços mais baratos. Não se trata de uma escolha, mas de um imperativo que se impõe a quem tem pouca renda. A freqüência aos espaços do “comércio solidário” passa a ser um hábito de setores progressistas de classe média, absolutamente insuficiente para assegurar um ingresso regular e razoável aos produtores. Os próprios produtores solidários estão obrigados a ir ao supermercado para comprar seus gêneros de primeira necessidade que não estão disponíveis no “espaço solidário”. Se perguntarmos aos cooperados das cooperativas de produção onde prefeririam expor seus produtos, se no “espaço solidário” ou na Rede Carrefour, é possível que a resposta seja bem ideológica, mas será também bem preocupada... Portanto, parece que mais uma vez aqui a mediação pragmática que Mondragón talvez nos ofereça uma lição. Que o melhor espaço de comercialização dos produtos das cooperativas talvez seja uma cooperativa-de-trabalho-supermercado, que exponha os produtos das cooperativas ao lado de outros produtos não produzidos pelas cooperativas, mas que não sejam concorrentes com eles, e gerido profissionalmente por cooperados cuja renda dependa exatamente da sua eficácia comercial. Da mesma forma, a construção de estruturas solidárias de representação comercial poderia trazer bons resultados. Muitas vezes, empresas recuperadas (do MNER argentino ou da ANTEAG brasileira, por exemplo) não conseguem alcançar mercados regionais em seu próprio país simplesmente porque não têm uma estrutura profissional de representação comercial, quando poderiam tê-la se compartilhassem os custos entre si. Por exemplo: se as empresas recuperadas de São Paulo criassem uma estrutura comum de representação, digamos, em Porto Alegre, poderiam dividir seus custos. Se alguma empresa de Porto Alegre estivesse disposta a ceder espaço e estrutura para este trabalho em troca de espaço e estrutura igual em São Paulo, os custos poderiam cair ainda mais. Isto poderia fazer-se, inclusive, a nível internacional. Mas isto é apenas um exemplo a mais. Outra observação diz respeito às questões de tecnologia. É claro que as universidades públicas (ou mesmo as universidades privadas que comportam algum compromisso social) podem e devem ser um ponto de apoio importante para as iniciativas solidárias – e as incubadoras de cooperativas populares que existem no Brasil já são uma 51 demonstração importante disso –, mas nem sempre as universidades têm pessoal disposto, disponível e bem capacitado para este trabalho. Por outro lado, todas as cooperativas dependem de um conjunto de profissionais dos quais não podem abrir mão, por um lado, e que não tem sentido que sejam cooperados: advogados, contadores, assessores de tecnologia, agentes de capacitação profissional etc. Em geral, as iniciativas simplesmente não dispõem destes profissionais porque não têm condições financeiras de contrata-los. Ou, quando têm, são obrigadas a arcar com um custo altíssimo em relação ao seu faturamento. Isto tudo quando um mero processo associativo de contratação, onde várias iniciativas podem compartir um mesmo profissional, poderia resolver o caso... Todos estes exemplos – fundo mútuo/acesso a crédito, cooperativa de comercialização, estruturas de representação, assessoria e pesquisa compartilhadas etc. – demonstram como é possível criar “elos de rede” que permitam a formação de futuras estruturas comuns, adaptadas de alguma forma, talvez, do modelo basco. Também parece importante perceber, o que também fez parte da experiência basca, que a proximidade territorial é um elemento forte para o estabelecimento de relações de solidariedade entre as iniciativas, ao menos num primeiro momento – e este fator deve ser aproveitado e explorado o máximo possível. Por fim, parece sempre bom lembrar que nenhuma experiência é boa ou má em si mesma; que nada, por um lado, é reproduzível mecanicamente, e que nenhuma experiência, por outro lado, pode ser ignorada como algo sem proveito. Há muitas coisas em Mondragón que devem ser criticadas e que não podem ser reproduzidas entre nós em função das diferenças de nossas histórias em relação ao País Basco. Mas recusar-se a aprender com uma experiência tão rica é o mesmo que dizer não à história. 52 Bibliografia ANTEAG (2000). Autogestão – Construindo uma Nova Cultura nas Relações de Trabalho. São Paulo: Anteag. BAKAIKOA, Baleren et alii (2000). “Mondragón Corporación Cooperativa – MCC” In BAREA, J.;JULIÁ, J. F., e MONZÓN, J. L. (orgs.). Grupos Empresariales de la Economía Social en España. Valencia: Ciriec. BENKO, George e LIPIETZ, Alain (orgs.) et alii (1994). Las Regiones que Ganan. Valencia: Ediciones Alfors el Magnánin. CARACCIOLO, Mercedes y FOTI, Maria del Pilar (2003). Economía Solidaria y Capital Social – contribuciones al desarrollo local. Buenos Aires: Paidós. CHANDLER, Alfred (1998). Ensaios para uma Teoria Histórica da Grande Empresa. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas. CHESNAIS, François (1996). 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